21
História
UNIRIO
472
História
UNIRIO
90
História
UNIRIO
5
História
UNIRIO
16
História
UNIRIO
8
História
UNIRIO
9
História
UNIRIO
50
História
UNIRIO
56
História
UNIRIO
10
História
UNIRIO
Texto de pré-visualização
QUESTÕES Questão 1 Explique a afirmação abaixo retirada da introdução da aula 12 As realizações helenísticas nos campos das artes e da ciencia refletem de maneira exemplar as características do período demonstrando as consequencias das conquistas de Alexandre Questão 2 De acordo com as discussões da aula 9 incluindo os textos de apoio explique a noção de helenização comentandoa partir de um exemplo central HIS O Mundo Helenistico UNIRIO EAD09066 9 Juliana Bastos Marques Aula 12 Juliana Bastos Marques Arte e ciência no mundo helenístico Mundo Helenístico 112 Meta da aula Introduzir questões sobre o desenvolvimento da arte e da ciência no mundo helenístico relacionandoas com a configuração política e cultural do período Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 identificar as características da arte helenística 2 reconhecer a importância do desenvolvimento técnico e científico realizado no período Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 113 INTRODUÇÃO As realizações helenísticas nos campos das artes e da ciência refletem de maneira exemplar as características do período demonstrando as consequências das conquistas de Alexandre Produziuse arte e conhecimento a partir dos moldes gregos anteriores em um espaço geográfico muito mais extenso incluindo não somente a Ásia e o Egito mas também o Mediterrâneo ocidental As trocas culturais mais intensas e a competição entre os reinos helenísticos favoreceram inovações em escala inédita No entanto temos na verdade poucos vestígios de toda essa produção remanescente do próprio período helenístico Muitas das obras de arte e dos textos científicos originais se perderam e o que foi preservado encontrase geralmente disponível através de cópias romanas posteriores Isso atesta uma grande influência helenística no mundo romano que foi retomada posteriormente no Renascimento sob os moldes humanísticos Assim de certa forma é a produção artística e científica do mundo helenístico que serve como referência principal do mundo antigo para os desenvolvimentos posteriores no Ocidente europeu Como estudar a arte helenística O estudo da História da Arte é multidisciplinar A maior parte das pesquisas é feita por historiadores da arte cuja formação acadêmica costuma ser específica Historiadores da arte tradicionalmente focaram a discussão das obras artísticas a partir da evolução dos estilos em uma análise interna aos objetos analisados O estudo do contexto histórico de produção de obras de arte é geralmente marginal a essas interpretações embora há algum tempo esteja enfim sendo valorizado Também junto aos historiadores da arte estão os críticos de arte cuja análise das obras com frequência apresenta um caráter mais subjetivo daí Mundo Helenístico 114 encontrarmos com frequência comentários em livros de História da Arte qualifi cando a arte helenística como decadente e inferior à arte do período grego clássico No caso específi co do estudo da arte na Antiguidade muitos estudiosos têm como formação a Arqueologia Isso por vezes concede às pesquisas um caráter bastante descritivo de acordo com o aspecto técnico da pesquisa arqueológica focada na descrição e tipologia dos objetos analisados No campo oposto da análise teórica os fi lósofos especializados em estética também trazem análises por vezes focadas apenas nas obras em si e não no contexto histórico de sua produção circulação e preservação Por causa dessa característica multidisciplinar muitos historiadores costumam deixar o estudo da arte helenística de lado Vários dos livros que usamos na bibliografi a do curso que procuram tratar do mundo helenístico em geral não mencionam o tema da arte De certa forma isso refl ete não apenas as diferentes formações acadêmicas no estudo da Antiguidade mas também as difi culdades inerentes ao estudo da arte helenística O surgimento da História da Arte Os primeiros tratados sobre as obras de arte surgiram no mundo helenístico mas não foram preservados O principal texto antigo preservado que analisa a pintura e a escultura é a História Natural escrita por Plínio o Velho no século I dC e que foi a maior referência para a retomada dos padrões estéticos clássicos durante o Renascimento O surgimento da História da Arte Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 115 Mas a História da Arte tal como a conhecemos que estuda as obras dos pintores e escultores e classifica as dentro de correntes estilísticas que se sucedem historicamente surge com a publicação em 1550 das Vidas dos artistas do pintor toscano Giorgio Vasari 15111574 A obra de Vasari é uma coleção de biografias mas já indica uma percepção evolutiva no desenvolvimento da arte ao delimitar grupos estilísti cos que uniam as obras dos artistas em determinadas características Figura 121 Autorretrato de Giorgio Vasari 1567 Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileGiorgioVasariSelbstportrC3A4tjpg O padrão biográfico estabelecido por Vasari é supe rado no século XVIII com a obra do alemão Johann Joachim Winckelmann que estava particularmente interessado na análise das obras de arte gregas e criticava a ênfase biográfica da escola de Vasari Mundo Helenístico 116 Para Winckelmann era necessário concentrarse na análise crítica das obras de arte em si e não nos artis tas que as criaram procurando compreender também o contexto histórico em que foram produzidas Figura 122 Johann Joachim Winckelmann 17171768 Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileJohannJoachimWinckelmannAngelika Kaufmannjpg Hoje em dia a análise de Winckelmann também está ultrapassada especialmente depois da incorporação de princípios científicos filosóficos e psicológicos na análise da arte com autores como Heinrich Wölfflin Erwin Panofsky Jung e Roland Barthes Essas interpre tações são a base dos estudos atuais que procuram entender a arte helenística dentro de sua própria lógi ca sem mostrála como inferior à arte grega clássica Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 117 Em linhas gerais essa desvalorização da arte helenística decorre do fato de que a grande maioria das obras remanescentes em especial na escultura são cópias romanas posteriores Sabemos da existência de grandes artistas que trabalharam para Alexandre como o escultor Lisipo e o pintor Apeles mas suas obras se perderam O material que temos preservado muitas vezes é de difícil datação não sabemos na verdade se muitas peças que parecem helenísticas devido ao seu estilo foram mesmo produzidas no período ou são apenas o retrato de uma determinada influência estilística que marcou a arte produzida em Roma Um dos principais exemplos desse problema é talvez a obra mais famosa atribuída ao período helenístico o Laocoonte Figura 123 que já vimos brevemente na Aula 1 A estátua é um conjunto que faz referência à morte de Laocoonte e seus filhos durante o saque de Troia descrita no livro 2 da Eneida de Virgílio Segundo a tradição grega que Virgílio segue Laocoonte era um sacerdote que denunciou aos troianos que o cavalo de madeira enviado pelos gregos era falso Poseidon então enviou duas serpentes para matar Laocoonte o que os troianos interpretaram como sinal de que o cavalo era sagrado Plínio o Velho descreve a estátua do Laocoonte na História Natural dizendo que estava localizada na casa do imperador Tito e que era superior a todas as outras pinturas e esculturas jamais feitas XXXVI 37 Quando a obra foi encontrada em 1506 logo foi reconhecida como a estátua descrita por Plínio surgia aos renascentistas pela primeira vez uma estátua que era citada nos autores antigos e fazia referência a um texto já conhecido Mas a obra seria uma cópia romana ou o original mencionado por Plínio que a creditava aos escultores ródios Hagesandro Atanodoro e Polidoro Como faltavam alguns pedaços da estátua principalmente o braço direito de Laocoonte o papa Júlio II ordenou sua restauração Michelangelo foi chamado e sugeriu que o braço que faltava estaria dobrado no original mas a versão que sugeria um braço estendido venceu O braço sugeriria a força de Laocoonte ao lutar por sua Mundo Helenístico 118 vida mesmo com a expressão de dor e sofrimento em seu rosto Porém em 1906 foi encontrado um braço de mármore em Roma que parecia se encaixar na obra Outra restauração foi encomendada e é a que se encontra hoje no Museu do Vaticano Figura 123 Laocoonte e seus filhos Museu do Vaticano Fonte httpenwikipediaorgwikiFileLaocoC3B6nandHisSonsjpg Tanto Vasari quanto Winckelmann seguiram a admiração de Plínio e consideraram o Laocoonte como o ápice da escultura antiga representação perfeita do corpo humano em movimento e do domínio da composição e da expressão facial Para Vasari seria o ápice do exemplum doloris a tragédia sublime a representação perfeita do sofrimento para Winckelmann o cúmulo da nobre simplicidade e da grandeza silenciosa apud STEWART 2003 p 494495 Mas três diferentes datações ainda eram sugeridas para a escultura o Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 119 fim do século IV aC antes da conquista de Alexandre considerado o período áureo da escultura grega clássica o período helenístico por volta de 200 aC ou o próprio período romano Quando o grande Altar de Pérgamo foi descoberto por volta de 1870 o estilo das esculturas encontradas no friso foi logo reconhecido como similar ao do Laocoonte Repare na figura no canto inferior esquerdo Figura 124 Detalhe do friso do Altar de Pérgamo Gaia pede que Atena poupe seus filhos Museu de Pérgamo Berlim Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileFregiodellagigantomachia02JPG Daí viria a caracterização mais corrente que vemos nos estudos sobre a arte helenística muito mais intensa nas expressões do que a arte clássica mais exagerada mais vistosa de tamanho maior veremos mais sobre o Altar de Pérgamo adiante enfim mais barroca Muitas explicações foram sugeridas para isso como o crescimento da consciência individual que se refletia também na religião e a difusão da escultura grega para um espaço muito maior que também possibilitava a interação com outras tendências estéticas locais O fato é que por muito tempo a arte helenística foi classificada Mundo Helenístico 120 como decadente inferior visão influenciada pela concepção do próprio período como menos importante como vimos na Aula 1 e suas obras foram erroneamente datadas em outros períodos Assim é importante ter em mente que existe uma série de julgamentos de valor embutidos na análise estética das obras helenísticas e que devemos ter muito cuidado ao considerar as dificuldades de datação precisa das obras e o seu contexto de produção e difusão Escultura De todas as formas de arte antiga a escultura é a mais frequente nas análises dos especialistas Isso se deve em boa parte ao fato de que sua preservação foi muito menos problemática do que a pintura De fato existe uma grande quantidade de esculturas preservadas com datação geralmente creditada à época helenística embora sempre pairem dúvidas como vimos Talvez a principal razão para a proliferação de estátuas no período seja a presença da cultura grega em um espaço imensamente maior do que a própria Grécia incluindo a Ásia Menor e a riqueza das cidades dos templos e dos indivíduos que passaram a comissionar obras de arte para exibir sua prosperidade e competir entre si Essa tendência acentuouse ainda mais com a dominação romana cuja elite tornouse o mercado mais próspero para os escultores tanto durante o período helenístico quanto depois através das cópias que hoje preenchem os museus Vamos ver algumas dessas esculturas e analisar os elementos que apresentam em comum Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 121 A Vênus de Milo Figura 125 Afrodite a Vênus de Milo 130 aC Museu do Louvre Fonte httpcommonswikimedia orgwikiFileVenusdeMiloLouvre Ma399jpg Esta estátua de Afrodite é uma das obras de arte mais conhecidas do mundo antigo Encontrada em 1820 na ilha de Milos foi por muito tempo considerada uma típica obra do período clássico grego e atribuída ao escultor Praxíteles A atribuição no entanto contradizia a inscrição na base da estátua que afirmava que seu autor era um certo Alexandro de Antioquia cidade que sabemos ter sido fundada no período helenístico Os especialistas do Louvre que consideravam então a arte helenística decadente chegaram à Mundo Helenístico 122 conclusão que era impossível que uma estátua de tanta qualidade fosse desse período e simplesmente removeram a base para justificar a atribuição a Praxíteles Hoje em dia a interpretação é diferente como podemos ler na análise revista feita no site do museu A obra reflete as inovações que surgiram durante o período helenístico entre os séculos III e I aC A composição helicoidal a inserção da figura no espaço tridimensional e o alongamento do tronco de seios delicados são característicos deste período A deusa é captada no instantâneo e o deslizar do pano sobre os quadris provoca o fechar das pernas A nudez contrasta com os efeitos de luz e sombra do drapeado profundamente escavado httpwwwlouvrefroeuvre noticesaphroditeditevenusdemilo O Torso de Belvedere Figura 126 O Torso de Belvedere Museu do Vaticano Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileBelvedereTorsoVaticanMuseumsjpg Figura 127 Esboço do Torso de Belvedere pelo pintor holandês Peter Paul Rubens cerca de 1600 Fonte httpcommonswikimediaorg wikiFilePeterPaulRubens200jpg Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 123 Vasari considerava o Torso de Belvedere juntamente com o Laocoonte como o representante máximo da terza maneira o terceiro estilo ou seja o modelo ideal para o estilo moderno de representação artística o primeiro estilo sendo o de Giotto e o segundo de Brunelleschi Assim como na Vênus de Milo o torso está contorcido A perfeição do contorno dos músculos influenciou diversos artistas desde o Renascimento como Michelangelo e Rafael até o Barroco como Peter Paul Rubens O Fauno Barberini Figura 128 O Fauno Barberini cerca de 220 aC Glyptothek Munique Fonte Foto da autora Mundo Helenístico 124 O Fauno Barberini assim nomeado por causa da coleção do cardeal Barberini foi descoberto em 1620 no Castel SantAngelo em Roma onde antes se encontrava o mausoléu do imperador romano Adriano Pode ser ou um original dos séculos III ou II aC ou uma cópia romana e está atualmente restaurado A estátua é considerada um dos representantes mais típicos da arte helenística pois representa não apenas uma pose complexa e realista como também o estado mental do fauno representado provavelmente bêbado e tendo um sonho atribulado como mostra sua face O Gaulês moribundo Figura 129 O Gaulês moribundo cerca de 230220 aC Museu Capitolino Roma Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileDyinggauljpg Assim como o Fauno Barberini o Gaulês moribundo também está representando um momento específico em uma pose contorcida e realista mostrando sua agonia e sofrimento próximo à morte A Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 125 estátua faz parte de um conjunto encomendado pelo rei Átalo I de Pérgamo para celebrar a vitória sobre os gálatas gauleses no fim do século III aC e retrata a característica dos gauleses de lutar nus ou também pode representar a figura idealizada da nudez heroica ou patética O hermafrodita Figura 1210 O hermafrodita cópia romana do século II dC Museu do Louvre Paris Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileBorgheseHermaphroditusLouvreMa231 n4jpg Um tipo específico de nudez nas estátuas helenísticas é o tema recorrente do hermafrodita que de acordo com a mitologia era filhoa de Afrodite e Hermes O efeito de ambiguidade e contraste parece bastante popular no período já que se conhecem diversas cópias da estátua e continuou recorrente durante o período romano O aspecto da individualidade marca as esculturas helenísticas tanto nos exemplos anteriores de momentos específicos no tempo que retratam estados do corpo e da alma quanto nos retratos Pela primeira vez os bustos procuram mostrar de maneira mais realista ou verossímil o caráter dos retratados Tal característica tem seu Mundo Helenístico 126 início sem surpresa com o próprio Alexandre que foi retratado como um jovem arrojado pelo seu escultor oficial Lisipo Repare na Figura 1211 como os cabelos parecem desgrenhados pelo vento e a testa está enrugada compare agora este retrato com a representação rígida do busto de Péricles já destacado na Figura 33 da Aula 3 Como analisa o historiador da arte Ernst Gombrich É claro o problema com todos os retratos antigos é que realmente não podemos nos pronunciar sobre a sua parecença com os retratados muito menos de fato do que o adulador na história Talvez se pudéssemos ver uma foto de Alexandre descobríssemos que ele era muito diferente do busto Possivelmente as estátuas de Lisipo assemelhavamse muito mais a um deus do que ao conquistador da Ásia Mas podemos afirmar sem o menor constrangimento um homem como Alexandre espírito inquieto imensamente talentoso mas algo pervertido pelo sucesso poderia parecerse com esse busto com seu supercílio altivamente erguido e sua expressão vigorosa GOMBRICH 1999 p 106 Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 127 Figura 1211 Busto de Alexandre o Grande Museu Arqueológico de Istambul Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileIAM1138TBustofAlexanderjpg Figura 1212 Busto de Péricles Fonte Altes Museum Berlim fotografia da autora Pintura Da pintura helenística assim como da pintura antiga em geral sobraram pouquíssimos resquícios No entanto seguindo a mesma tendência que vimos na escultura sabemos que não apenas os templos e edifícios públicos estavam adornados com pinturas mas as casas privadas dos cidadãos ricos também ostentavam pinturas feitas por artistas famosos na época ou cópias delas Uma das poucas pinturas preservadas que são legitimamente datadas do período helenístico é o conjunto dos frisos dos túmulos de Vergina que mencionamos rapidamente na Aula 3 Os frisos externos dos túmulos mostram composições complexas e vívidas no túmulo de Filipe II uma grande cena de caça no túmulo menor uma delicada representação do rapto de Perséfone por Hades A imagem chama Mundo Helenístico 128 a atenção pela representação dinâmica do movimento através dos cabelos de Perséfone e do manto vermelho de Hades Figura 1213 Detalhe do Rapto de Perséfone túmulo real de Vergina Grécia Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePaintingverginajpg Presumese que várias das pinturas romanas encontradas nas casas de Pompeia e Herculano sejam cópias de originais helenísticos já que ambas as cidades eram conhecidos centros de influência grega e ostentavam ricas mansões da elite endinheirada que procurava se revestir da alta cultura em voga Tal tendência também é encontrada em Roma como no caso dos frisos de Odisseu Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 129 no Esquilino um dos quais você deve ter analisado na Atividade Final da Aula 8 Este conjunto de frisos pode ser chamado de antecessor das histórias em quadrinhos o que chamamos academicamente de arte sequencial ilustra uma história e tem uma sequência narrativa entre as imagens Outra imagem bastante recorrente do mundo helenístico é o Mosaico de Alexandre um grande mosaico romano encontrado na Casa do Fauno em Pompeia provavelmente cópia de uma pintura helenística A imagem é uma composição que retrata a batalha de Issus em que Alexandre triunfa sobre o exército persa de Dario III Assim como no retrato do general que vimos há pouco o mosaico também representa uma figura individualizada em comparação com as figuras padronizadas do período clássico O cabelo e a barba de Alexandre se sobressaem bem como o nariz O conjunto procura passar a sensação de movimento e força Veja o detalhe da cabeça e dos olhos do cavalo Bucéfalo Figura 1214 Detalhe do Mosaico de Alexandre Museu Arqueológico de Nápoles Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileMeisterderAlexanderschlacht002jpg Mundo Helenístico 130 Arquitetura e artes menores Vimos na Aula 9 algumas das inovações arquitetônicas das novas cidades helenísticas como as grandes stoas e os teatros permanentes A prosperidade econômica de muitas cidades especialmente na Ásia Menor as influências culturais do Oriente e também a prática do evergetismo que já analisamos na Aula 9 certamente foram as responsáveis pela construção de edifícios públicos muito maiores e suntuosos do que no período clássico Apenas alguns estão preservados mas nos mostram uma ideia da tendência do período Um bom exemplo é o Altar de Pérgamo construído por Eumenes II na parte superior da acrópole da cidade na costa da Ásia Menor provavelmente para celebrar suas vitórias contra os gálatas não se tem certeza nem da datação precisa da construção do altar nem do seu propósito direto Vamos acompanhar a descrição do historiador de arte H W Jansen É na verdade um edifício impressionante O altar propriamente dito ocupa o centro de um pátio retangular envolvido por uma colunata jônica que se eleva sobre uma alta base de cerca de 93 metros quadrados uma escadaria monumental dá acesso ao pátio no lado ocidental Altares de tão grandes dimensões parecem ter sido uma tradição jônica a Jônia é a região onde se localiza Pérgamo desde a época arcaica mas o de Pérgamo é o mais primoroso de todos e o único de que subsistiram vestígios importantes O seu aspecto mais ousado é o grande friso que corre ao longo da base com 120 metros de comprimento e mais de 2 metros de altura JANSEN 1986 p144 Assim como no caso das efígies nas moedas em que os reis retratavamse para legitimar suas dinastias e sua continuidade com as conquistas de Alexandre edifícios monumentais como esse altar também tinham a função política de demonstrar e legitimar o poder Mas tão surpreendente quanto a grandiosidade do altar é o fato de ele ter sido escavado transportado e remontado totalmente no Museu de Pérgamo em Berlim onde se encontra hoje Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 131 Figura 1215 O Altar de Pérgamo remontado em Berlim Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePergamonmuseumPergamonaltarjpg Essa suntuosidade também pode ser verificada na outra principal inovação arquitetônica do período que foi a introdução do capitel coríntio Os edifícios gregos podem ser datados também a partir dos estilos de suas colunas a mais simples e antiga sendo a dória depois sobressaindo a jônia e a coríntia A coluna coríntia criada no início do século IV aC e assim nomeada por causa da cidade de Corinto é uma evolução estilística da coluna jônia e adiciona folhagens e ornamentações adicionais criando uma forma de decoração mais luxuosa em consonância com as novas e ricas construções Mundo Helenístico 132 Figura 1216 Desenhos dos estilos de colunas gregas da esquerda para a direita dórico jônio e coríntio Fontes a httpcommonswikimediaorgwikiFileDoriskkapiteljpg b httpcommons wikimediaorgwikiFileJoniskkapiteljpg c httpcommonswikimediaorgwiki FileKorintiskkapiteljpg Até mesmo no que chamamos de artes menores ou seja a cerâmica a ourivesaria e o entalhe de gemas entre outras temos exemplos dessa tendência de ostentação e grande elaboração de detalhes como é o caso da Cratera de Derveni Com 90 cm de altura e feita de uma liga de bronze tão elaborada que parece feita de ouro a cratera contém elaborados relevos que mostram animais sátiros e mênades homens e mulheres seguidores de Dioniso deus do vinho Figura 1217 A Cratera de Derveni Museu Arqueológico de Tessaloniki Fonte httpenwikipediaorgwiki FileCratC3A8redeDerveni0001jpg a b c Crateras As crateras eram vasos gregos tradicionalmente usados para misturar água e vinho em banquetes Consideravase correto diluir o vinho para o uso diário em uma parte para três de água ou uma para duas em refeições especiais Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 133 Vale a pena visitar os sites dos museus que con têm grandes coleções de arte helenística Museu do Louvre httpwwwlouvrefrdepartments antiquitC3A9sgrecquesC3A9trusqueset romaines Museu de Pérgamo httpwwwsmbmuseumsmbsammlungendetails phpobjID3 Metropolitan Museum of Art httpwwwmetmuseumorgtoahhdhahthdhaht htm Museu Britânico httpwwwbritishmuseumorgexplorehighlights highlightssearchresultsaspxRelatedId1696 Museu Arqueológico de Atenas httpwwwnamuseumgrcollectionssculpture hellenisticenhtml Mundo Helenístico 134 Atende ao Objetivo 1 1 A imagem a seguir é uma escultura helenística conhecida como A velha bêbada Descreva a escultura e explique por que ela pode ser considerada como pertencente a este período Figura 1218 A velha bêbada Glyptothek Munique Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileOld drunkardGlyptothekMunich437n1jpg Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 135 Resposta Comentada A fi gura mostra uma situação patética e não idealizada de velhice pobreza e embriaguez revelando assim uma tendência realista na escultura A embriaguez e a posição da estátua remetem à representação de uma alteração de consciência e estado mental específi co de um determinado momento no tempo Os detalhes do rosto e das pregas da roupa conferem com o realismo e o movimento das outras estátuas analisadas O desenvolvimento da ciência Também na História da Ciência o período helenístico foi durante muito tempo considerado inferior aos períodos arcaico e clássico Os primeiros pensadores gregos que criaram a fi losofi a procuraram compreender o mundo sob uma forma científi ca ou seja através da observação dos fenômenos naturais sem uma explicação divina Nesse sentido lançaram as bases para as realizações helenísticas Aliás é importante frisar que não podemos falar de ciência no mundo antigo através dos moldes de hoje pois a ciência moderna é defi nida pelo método científi co desenvolvido apenas a partir do século XVI com Galileu 15641642 Francis Mundo Helenístico 136 Bacon 15611626 e René Descartes 15961650 e muitas das explicações que os antigos apresentavam para o funcionamento das coisas hoje parecem ingênuas e absurdas No entanto a evolução da ciência está em grande parte relacionada às necessidades do mundo em que é desenvolvida No caso dos antigos esse processo é ainda mais evidente as descobertas e invenções helenísticas estão em geral ligadas ou a motivações cotidianas ou ao ambiente do debate teóricofilosófico das elites Por isso é necessário compreender que quando falamos de cientistas antigos suas atividades objetivos e financiamento eram muito distintos daqueles dos cientistas de hoje Em primeiro lugar as atividades técnicas e práticas eram bastante desvalorizadas já que eram associadas ao trabalho braçal eminentemente escravo Assim a maior parte dos desenvolvimentos científicos helenísticos está na teoria no pensamento abstrato a Matemática é um bom exemplo surgem no período a Geometria a Trigonometria e a Óptica cujos princípios até hoje são ensinados nas escolas Segundo muitos autores em especial os marxistas associada a essa mentalidade estava a falta de estímulos para otimizar a produção com a acomodação da mão de obra escrava Em segundo lugar não havia especialização tal como hoje e os cientistas estudavam campos do conhecimento bem diferentes entre si Arquimedes por exemplo escreveu tratados sobre Matemática Física e Engenharia Eratóstenes estudou Geografia Astronomia e Matemática além de História e Literatura Assumese em geral que os cientistas helenísticos perderam a liberdade de pesquisa que havia com as poleis autônomas pois durante a época helenística a maior parte deles estava subordinada aos reis que patrocinavam o seu trabalho em troca de prestígio cultural e de inovações no campo militar o principal estímulo para aplicações técnicas práticas De fato os principais centros de pesquisa científica no período eram Alexandria através da Biblioteca e Pérgamo Mas se por um lado a autonomia era menor os cientistas agora estavam livres das obrigações políticas Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 137 da cidadania para se dedicar apenas aos seus estudos Isso nos faz lembrar que os principais nomes da ciência helenística eram membros das elites gregas espalhadas por toda a área dos reinos herdeiros das conquistas de Alexandre Algumas das obras desses cientistas sobreviveram até nós outras em fragmentos citados pelos autores romanos Obras abstratas tais como os Elementos de Euclides apresentam deduções e desenhos que usamos até hoje mas outras como vários tratados sobre Botânica e Farmacologia eram escritas em versos com a preocupação de mostrar não apenas conhecimento sobre a área estudada como também o domínio das letras e do estilo em consonância com a demonstração da alta cultura pelas elites Astronomia O contato grego com a altamente desenvolvida astronomia e a Astrologia estimada no mesmo patamar babilônica foi fundamental para o desenvolvimento da astronomia helenística que já procurava partir dos princípios do movimento das estrelas deduzidos por antecessores tais como Tales de Mileto século VI aC Embora o uso de instrumentos de observação e medição fossem ainda rudimentares a invenção do astrolábio e da dioptra por Hiparco de Niceia aproximadamente 190126 aC possibilitaram a determinação da posição dos corpos celestes no céu e o cálculo do diâmetro do Sol respectivamente Sugestiva da dificuldade de mudar paradigmas sem o auxílio de instrumentos precisos e de deduções rigorosamente demonstradas é a hipótese de Aristarco de Samos 310230 aC de que a Terra giraria em torno do Sol contradizendo o conhecimento estabelecido de que a Terra era o centro do universo Arquimedes descreve o pensamento pioneiro de Aristarco Aristarco de Samos escreveu uma obra baseada em certas hipóteses que seguem a partir da premissa de que o universo Mundo Helenístico 138 é muitas vezes maior do que se acredita Suas hipóteses são que as estrelas são fixas e que o Sol se mantém imóvel que a Terra gira na circunferência de um círculo ao redor do Sol que está no meio dessa órbita e que a esfera das estrelas fixas situada aproximadamente no mesmo centro do Sol é tão grande que o círculo em que ele acredita que a Terra gira tem a mesma proporção em relação à distância das estrelas fixas do que o centro da esfera tem em relação à superfície O contador de areia 1 Ou seja para Aristarco o universo era tão grande que as estrelas estariam a enormes distâncias do Sol e da Terra mas a paralaxe estelar não ocorria ou seja as estrelas não se movimentavam em relação umas às outras para um observador na Terra Sabemos de apenas um astrônomo antigo que apoiou as ideias de Aristarco e a teoria heliocêntrica só foi retomada com Copérnico e Kepler mil e oitocentos anos depois Apesar disso não se deve desmerecer o estado da ortodoxia científica na época apenas porque se provou posteriormente que Aristarco estava certo Graham Shipley ressalta que a teoria de Aristarco era se não insustentável pelo menos impossível de se provar SHIPLEY 200 p 353 já que não se conhecia a gravidade e para todos os efeitos a Terra realmente parecia imóvel De fato apenas com a invenção do telescópio foi possível detectar a paralaxe estelar de forma que a rejeição à hipótese de Aristarco é plenamente compreensível dentro do contexto da época Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 139 A Terra é redonda Já Eratóstenes precisou apenas de cálculos simples e uma dedução lógica para determinar a medida da circunferência da Terra demonstrando que o planeta era redondo Eratóstenes era o biblio tecáriochefe da Biblioteca de Alexandria e sabia da existência de um poço na cidade de Swenet em grego Siene hoje Assuã na parte sul do Egito que era iluminado pelo Sol ao meiodia em um determi nado dia do ano sem que se fizesse sombra alguma o poço existe até hoje Já que o Sol fazia uma sombra no mesmo dia e hora em Alexandria com um ângulo de 712 no chão a única explicação para essa diferença seria que a Terra é redonda Sendo assim como 712 é 150 de 360 a distância entre Swenet e Alexandria deveria ser também 150 do diâmetro da Terra o cálculo nada mais é do que uma regra de três Eratóstenes calculou a distância entre as duas cidades como sendo de 5000 estádios o equivalente a 46620 km se a medida que ele usou era o estádio ático Porém se ele usou o estádio egípcio o que as fontes deixam em dúvida isso significa 39690 km uma medida de grande precisão dado que a medida calculada pela ciência atual é de 40075 km Mundo Helenístico 140 Figura 1219 Diagrama da dedução de Eratóstenes da circunferência da Terra Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileErathostenessvg Matemática O período helenístico é considerado o mais importante no desenvolvimento da Matemática antiga mas não representa uma ruptura totalmente radical com a Matemática clássica de Pitágoras e outros fi lósofos Certamente houve alguma infl uência dos babilônios e egípcios mas não sabemos precisar ao certo a origem das novidades surgidas na Matemática pura e aplicada O que se destaca são as demonstrações lógicas e formulações de postulados fundamentais ou axiomas e hipóteses especialmente com a obra Elementos de Euclides que formou a base da Geometria plana até o século XX nos conceitos e na forma de apresentação Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 141 Figura 1220 Elementos de Euclides manuscrito de Lüneburg século XIII No canto superior esquerdo encontrase uma demonstração geométrica do Teorema de Pitágoras Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileEuclidLueneburgms page8jpg A geometria dos sólidos os números primos e o cálculo de áreas também se sofisticaram através dos trabalhos de Euclides e de Apolônio ambos parte do grupo de estudiosos da Biblioteca de Alexandria Outro nome importante é o de Arquimedes de Siracusa 287212 aC que calculou o valor de π a proporção entre a circunferência e o diâmetro de um círculo de maneira bastante precisa usando o método da exaustão Mundo Helenístico 142 Mecânica Assim como outros cientistas helenísticos Arquimedes estava mais interessado nas implicações teóricas dos cálculos que desenvolveu sobre Matemática e Mecânica No entanto como estava subordinado ao patrocínio do rei Hierão II de Siracusa foram as aplicações práticas de suas pesquisas que o tornaram mais conhecido a Arquimedes é creditada a invenção da polia composta do parafuso sem fim para elevar a água encanada e do cálculo de volumes irregulares Este último é a fonte de uma conhecida anedota sobre o cientista relatada pelo romano Vitrúvio o rei Hierão havia suspeitado que uma coroa de ouro encomendada a um ourives tinha sido misturada com prata embora seu peso fosse o mesmo do ouro fornecido Conta a anedota que Arquimedes estava pensando sobre o problema durante o banho sentado em uma banheira Como o nível da água subia ao entrar na banheira Arquimedes supôs que o mesmo princípio poderia ser aplicado à coroa de ouro ou seja o volume de água deslocado deveria ser equivalente à massa do objeto este é o princípio da densidade Empolgado com a descoberta Arquimedes teria levantado da banheira e corrido nu pelas ruas gritando eureka eureka o que em grego significa descobri Anedotas à parte as aplicações práticas das descobertas científicas no período têm se revelado muito mais sofisticadas do que se acreditava No começo do século XX foi encontrado um navio naufragado próximo à ilha de Anticítera na Grécia que foi datado do século I aC Dentre os artefatos encontrados estavam 82 fragmentos de uma peça extraordinária um mecanismo analógico de cálculo altamente complexo que os arqueólogos têm creditado como ancestral do computador Estudos complexos foram necessários para analisar e decifrar o funcionamento da peça exigindo até mesmo tomografias computadorizadas o que revelou a existência de 30 rodas dentadas de bronze todas interconectadas e resultando em três relógios diferentes um maior em um lado e dois menores do outro Acreditase atualmente que o relógio maior fosse usado Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 143 para calcular a posição do Sol da Lua e dos planetas no zodíaco bem como as fases lunares Os outros relógios indicariam ciclos astronômicos Figura 1221 Fragmento principal do mecanismo de Antikythera Museu Arqueológico Nacional Atenas F o n t e h t t p c o m m o n s w i k i m e d i a o r g w i k i F i l e N A M A Machined27AnticythC3A8re1jpg O mecanismo de Anticítera ainda está sendo es tudado em detalhes Textos em inglês e vídeos que detalham e sugerem reconstituições para as peças podem ser encontrados nos seguintes sites httpwwwantikytheramechanismgr e httpwww hpdstgreventsexhibitionsantikytheramechanism Mundo Helenístico 144 Ciências biológicas e Medicina O estudo da Botânica e da Zoologia no período helenístico deve suas origens ao trabalho de Aristóteles sobre esses temas que combinava sua teoria especulativa baseada nas formas e funções dos seres vivos reflexos do nível de perfeição de cada criatura com observações empíricas e práticas Baseandose nos princípios de Aristóteles seu discípulo Teofrasto cerca de 371287 aC estudou e catalogou as plantas conhecidas na época no livro História das plantas em dez volumes dos quais temos nove e é tido como o pai da Botânica Sua obra classificava as plantas de acordo com a origem tamanho formas de reprodução e usos práticos evitando explicações mágicas para os efeitos de consumo Teofrasto utilizou informações coletadas por membros da expedição de Alexandre por todo o território conquistado oferecendo uma minuciosa compilação de informações em escala inédita no mundo antigo tanto que sua obra foi tida como referência para os conhecimentos na área até a Idade Média Os usos práticos desses conhecimentos podem ser atestados através da influência persa e egípcia no melhoramento das espécies através da experimentação Devido à maior mobilidade e ao intenso intercâmbio cultural e econômico a transferência de espécies diferentes para novas áreas também determinou melhorias nos padrões de cultivo e no pastoreio No entanto é importante ressaltar que essa transferência foi planejada não por motivos científicos mas sim para garantir os padrões de vida das elites gregas e macedônicas estabelecidas nas novas regiões ou para aumentar o prestígio político dos reis que patrocinavam tais importações No campo da Medicina as explicações dos cientistas continuaram se baseando na teoria dos quatro humores formulada por Hipócrates sangue fleuma bile amarela e bile negra associados respectivamente ao ar água fogo e terra e cujo desequilíbrio provocaria a dor e a doença No entanto os estudos de anatomia tiveram grande avanço com as dissecações realizadas por Herófilo da Calcedônia e Erasístrato de Chio Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 145 Herófilo introduziu o método experimental na Medicina identificando os nervos e atribuindo ao cérebro e não ao coração como se acreditava o centro do intelecto Também identificou a diferença entre veias e artérias e estabeleceu um protocolo para a medição do pulso Erasístrato fundou uma escola de anatomia em Alexandria mas subordinou suas conclusões empíricas a um sistema que explicaria tanto a função dos órgãos quanto às doenças e seu tratamento o ar inalado transformarseia em pneuma vital e o sangue circularia apenas nas veias enquanto que o ar circularia nas artérias O ambiente de livre experimentação de Alexandria combinado com o patronato real possibilitou a Herófilo e Erasístrato o estudo da anatomia humana a partir da dissecação de cadáveres e até mesmo de pessoas vivas O enciclopedista romano Celso descreveu o método dos dois médicos já que a dor e os vários tipos de doenças surgem nas partes internas eles os médicos acreditam que ninguém pode remediar esses problemas se não conhece as partes do corpo e que é necessário portanto abrir os corpos das pessoas mortas e inspecionar suas vísceras e intestinos Acreditam que Hierófilo e Erasístrato o fizeram da melhor maneira possível Os dois receberam dos reis alguns homens maus trazidos da prisão e os abriram enquanto estavam vivos enquanto a respiração ainda se mantinha nestes examinaram coisas que a natureza antes havia escondido sua localização cor forma tamanho disposição consistência relação as projeções e depressões de cada uma e se uma está dentro da outra ou recebe parte de outra dentro de si Eles não acreditam que seja cruel buscar como sugere a maioria nas punições dos criminosos e são poucos os remédios para pessoas inocentes das gerações futuras De Medicina prefácio 2326 Mundo Helenístico 146 CONCLUSÃO As artes e ciências desenvolveramse bastante no período helenístico em primeiro lugar como consequência da expansão dos territórios conquistados pelos gregos e seus descendentes e o estabelecimento de padrões culturais gregos combinados com características culturais locais As novas elites da Ásia e do Egito procuraram promover o estilo de vida derivado do mundo grego anterior com o estímulo a obras de arte e teorias científi cas baseadas nos padrões clássicos No entanto sua evolução tomou contornos próprios revelando o caráter de desenvolvimento econômico do período refl etido pela ostentação estética e o patrocínio real às pesquisas científi cas É sem dúvida nesses dois campos que vemos de maneira mais clara como a anterior desvalorização do período helenístico deu lugar à devida importância do seu estudo Atividade Final Atende ao Objetivo 2 Este é o último exercício da disciplina Mundo Helenístico Durante o semestre você deve ter se familiarizado com a leitura crítica dos vários tipos de fontes que restaram do período é necessário atenção aos detalhes do documento para relacionálo com o mundo que o produziu O texto a seguir é uma carta datada de 257 aC e escrita por um agente do governo ptolomaico para um produtor de uvas na Galileia Leia o texto e responda quais são as características teóricas e sociais relacionadas à ciência helenística que são indiretamente reveladas pela carta Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 147 Glaukias a Apolônio saudações Sobre as coisas que você me instruiu a reportar a Nicanor e Antíoco nós as reportamos Saiba que eles as aprovaram Sobre as outras coisas nós as reportaremos quando chegarmos Chegando a Baitanôs e levando Melas comigo eu visitei as plantas e todas as outras coisas Elas me parecem cultivadas satisfatoriamente e ele disse que a vinha tinha 80 mil pés Ele também construiu um poço e habitações apropriadas Ele me deu o vinho para provar e eu não podia determinar se era de Quios ilha grega ou local Esteja bem e boa sorte com tudo SKEAT T C Greek Papyri in the British Museum vii The Zenon Archive London BM Publications for British Library Board 1974 1948 Resposta Comentada A elite grega espalhouse pelas áreas conquistadas levando seus costumes e economia no caso introduzindo o cultivo da uva para o vinho em novas regiões A riqueza dos novos reinos também transparece no tamanho da plantação O conhecimento técnico mostravase aplicado não nos tratados teóricos dos cientistas mas na vida cotidiana das cartas A principal frase que revela a resposta é a penúltima o vinho produzido na Galileia é tão grego que se mostra indistinguível do vinho produzido na própria Grécia Mundo Helenístico 148 RESUMO Vimos as características da arte e da ciência helenísticas A arte helenística por muito tempo desvalorizada e considerada inferior à arte grega clássica tem problemas de datação e atribuição já que está em boa parte preservada através de cópias romanas Seu estilo revela características do contexto em que foram produzidas perdem a solenidade rígida própria da polis dos cidadãos e ganha um caráter diversificado individualizante vistoso e grandioso em consonância com a prosperidade e o cosmopolitanismo dos reinos helenísticos A ciência no período revela a evolução diversificação e expansão das bases científicas lançadas pelos pensadores gregos anteriores também por todo o território expandido onde se encontra agora a presença grega Retrato das preocupações e interesses da elite grega nessas novas regiões a ciência tem um caráter mais teórico do que prático embora novos avanços técnicos estejam relacionados às preocupações estratégicas dos reis que patrocinavam as pesquisas Juliana Bastos Marques Aula 9 Juliana Bastos Marques As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis Mundo Helenístico 34 Meta da aula Discutir a vitalidade da forma grega de ocupação urbana a polis através de uma avaliação das mudanças do período helenístico em relação ao período clássico Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 discutir os elementos definidores da polis clássica de acordo com o debate historiográfico 2 reconhecer elementos característicos da configuração urbanística grega nas cidades helenísticas 3 distinguir as diferenças na constituição da polis no mundo helenístico em especial no Egito e na Ásia Prérequisito Esta aula relacionase ao conteúdo do caderno didático de História Antiga referente à polis grega Portanto reveja primeiro a Aula 14 daquela disciplina Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 35 INTRODUÇÃO O mundo antigo é o mundo da cidade Essa definição é comum entre os estudiosos do período que sustentam que a economia e a cultura na Antiguidade guiavamse a partir da dinâmica singular das cidades gregas e romanas e de como se construiu uma complexa rede de trocas entre elas a partir do comércio das guerras e das relações políticas De fato o mundo grego que surge após o fim da Era do Bronze gradualmente a partir do século XI aC será marcado pelo surgimento da polis a cidadeEstado grega Até a primeira metade do século XX era comum entre os estudos sobre o período avaliar que a polis como instituição característica do mundo grego havia acabado com o fim do mundo clássico já que seu principal atributo era a autonomia política destruída após as conquistas de Alexandre No entanto estudos mais recentes têm reavaliado essas posições e definido a polis sob uma perspectiva mais ampla que revela que durante o período helenístico as cidades gregas desenvolveramse muito mais do que no período clássico O que define a polis Embora a Grécia nunca tenha se configurado em uma unidade política até o seu apogeu antes da conquista macedônica as concentrações urbanas que começaram a surgir no período arcaico a partir do século VIII aC adquiriram características semelhantes entre si Porém só fica mais claro definir a diferença entre a polis e um aglomerado urbano genérico depois que aquela está finalmente consolidada afinal de contas esse foi um processo lento e gradual O historiador Mogens Hansen do Copenhagen Polis Centre tem se dedicado a estudar todas as formas das poleis gregas para definir seus padrões e características particulares Seu levantamento listou por volta de 1500 poleis mencionadas pelas fontes eou Mundo Helenístico 36 encontradas em escavações arqueológicas das quais mais de 400 eram colônias gregas espalhadas pelo Mediterrâneo e o mar Negro e aproximadamente 300 foram fundadas durante o período helenístico Assim podemos ver que desse total muitas desapareceram e outras surgiram durante o tempo fora aquelas que eventualmente tenham existido mas que não deixaram registro até nós O levantamento de Hansen é um atestado do que falamos na introdução ele diz Em qualquer época dentro do mundo clássico grego existiam pelo menos 1000 poleis o que faz da cultura da cidadeestado grega antiga a maior na história do mundo HANSEN 2006 p 31 O que faz de um aglomerado urbano uma polis As próprias fontes literárias do mundo antigo são muitas vezes confusas ao usar o termo Dependendo do contexto o uso do termo polis pode significar apud HANSEN 2006 p 5657 a a acrópole propriamente dita ou seja um estabelecimento fortificado geralmente no topo de uma colina que constituía o centro da cidade Figura 91 b sinônimo de asty ou a cidade c sinônimo de ge ou chora ou seja o território como um todo a cidade mais o campo que a ela pertence d no sentido de comunidade o conjunto dos cidadãos e sinônimo de ekklesia ou demos a assembleia política f sinônimo de koinonia a comunidade política em termos abstratos Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 37 Figura 91 A acrópole de Selinunte na Sicília Fonte httpesfotopediacomitemsflickr539331082 Resta então verificar que formas físicas em comum adquiriam as poleis ou seja que tipos de edifícios e configurações urbanas peculiares elas apresentavam Paradoxalmente as duas cidades que mais conhecemos no mundo grego Atenas e Esparta são as menos características e menos adequadas como ponto de partida Atenas era muito maior do que as outras cidades mais rica e poderosa e seu território a Ática era também muito maior do que os territórios das outras cidades Além disso a forma como desenvolveu sua democracia foi muito mais radical do que qualquer outra maneira de representação política Esparta também tinha um território muito vasto uma organização política e um sistema social muito peculiar conforme você deve ter estudado na disciplina História Antiga Uma forma de se definir o que seriam poleis típicas é analisar como se deram as fundações das colônias gregas a partir do século VIII aC já que essas cidades eram criadas do zero por expedições vindas das metrópoles cidadesmães Os colonos chegavam por via marítima até uma determinada região desabitada ou com tribos locais longe da costa e estabeleciam uma nova cidade de acordo com os padrões que julgavam necessários Analisando essas Mundo Helenístico 38 colônias vemos que tipos de construções públicas eram necessários para se fundar uma nova polis 1 Uma ágora ou mercado público uma praça livre de construções geralmente retangular onde eram conduzidos os negócios públicos e privados no período helenístico as ágoras costumavam ser rodeadas por stoas monumentais 2 Um bouleuterion edifício que abrigava a boulé assembleia dos cidadãos 3 Um gymnasion não apenas um ginásio para exercícios físicos mas sim uma escola para a educação dos cidadãos 4 Um teatro geralmente construído em uma encosta de colina para aproveitar a topografia no período helenístico começaram a ser construídos com pedra 5 Muralhas para proteger o centro urbano e abrigar os habitantes do território em caso de ataque 6 O templo da divindade local além de outros templos As fontes escritas também fornecem evidências Pausânias um geógrafo grego que viveu no século II dC escreveu um guia da Grécia para os viajantes No livro 10 dedicado à região da Fócida ele critica a cidade de Panopeu se é que se pode chamar de cidade uma que não tem prédios públicos nenhum ginásio teatro ou ágora que não tem água corrente em uma fonte e onde se mora à beira de um buraco em choupanas como as cabanas das montanhas X 41 No entanto podemos dizer que a polis até o período clássico se caracterizava menos pela uniformidade urbana e institucional do que pelo fato de possuir autonomia palavra que significa legislar pelas suas próprias leis autos próprio nomos lei ou território Da geração e aplicação das próprias leis no funcionamento da cidade vem como extensão a ideia de liberdade já que autonomia Stoas As stoas eram longos pórticos públicos cobertos e cercados de colunas onde se localizavam lojas e faziamse negócios Durante o período helenístico essas construções popularizaramse nas cidades gregas e da Ásia Menor rodeando as ágoras e oferecendo proteção contra o forte sol do Mediterrâneo A stoa mais famosa é a de Átalo rei de Pérgamo oferecida como presente a Atenas que foi reconstruída e hoje abriga um museu Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 39 significava que o conjunto de cidadãos não estaria sujeito à autoridade de um rei externo ou de um tirano que governasse de acordo com seus próprios interesses e acima da lei Como a situação política muda bastante no período helenístico e as relações com os reis tornamse inevitáveis entendese que essa autonomia sofre alterações e de fato diminui nas cidades gregas Ao mesmo tempo novas fundações de cidades em um território mais amplo do que o mundo grego clássico trazem novas dinâmicas políticas e culturais ao mesmo tempo em que uma certa padronização do conceito urbano grego também é mais visível Sendo assim fica a pergunta a autonomia é uma definição suficiente para entender a polis grega ou essa definição pode ser mais ampla e flexível Figura 92 Stoa de Átalo em Atenas reconstituição Fonte httpenwikipediaorgwikiFileStoainAthensjpg Mundo Helenístico 40 O Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga Labeca do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP tem um site muito interessante e com vasto material sobre as cidades gregas antigas Vale a pena ler os artigos e ver as imagens disponíveis O endereço é httpwwwlabecamaeuspbr Fonte httpwwwlabecamaeuspbr Polis x cosmopolis No século IV aC parece ter havido na Grécia um aumento significativo da população Não podemos medir exatamente esse aumento pelas evidências arqueológicas mas as fontes escritas comentam frequentemente sobre bandos errantes de gente sem terras e sem dinheiro grupos de aventureiros e exilados políticos deslocandose pelo mundo grego O orador ateniense Isócrates defendia em seus discursos escritos na época de Filipe II da Macedônia que os gregos organizassem um ataque unificado aos persas para conquistar o território da Ásia Menor e lá estabelecer esse excedente populacional instaurando uma nova onda de colonização grega e resolvendo o problema desses bandos errantes Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 41 Uma das consequências das conquistas de Alexandre foi a fundação de diversas novas cidades gregas pelo império exatamente o que Isócrates defendia A primeira nova cidade a ser fundada pelo general foi Alexandria em 332 aC e que vamos analisar daqui a pouco Na rota seguida pelo exército macedônico na Ásia foram fundadas várias outras cidades entre comunidades totalmente novas refundações gregas de comunidades locais já existentes e postos militares avançados Os reis helenísticos que se seguiram a Alexandre também fundaram várias novas cidades tendo em vista a ocupação do imenso novo território por populações gregas em especial para a elite administrativa dos novos impérios A fundação de colônias distantes na Báctria Média e outras partes mais orientais do império mostravase também importante para garantir a segurança das fronteiras No caso das refundações de cidades já antigas encontramos muitos exemplos no império selêucida como os casos da antiga capital persa Susa que foi renomeada SelêucidanorioEulaio ou de Uruk a cidade suméria tornada Antioquianocanalde Ishtar Muitas das antigas grandes cidades foram suplantadas por essas novas cidades gregas que surgiram ao seu lado como é o caso da Babilônia que caiu em declínio ao lado da nova capital SelêucidanorioTigre Essas novas cidades traziam como característica na composição social a presença tanto das antigas populações locais quanto das novas elites gregas e macedônicas que provavelmente estavam em número bastante reduzido em relação aos habitantes locais No entanto em algumas gerações já é possível verificar uma prevalência cultural tipicamente grega no registro da existência dessas cidades Chamaremos isso de helenização Tudo depende do que o registro dos vestígios deixanos entrever as novas cidades continham muitos elementos urbanos típicos do mundo grego mesmo em lugares distantes mas a construção desses edifícios e a adoção de novos planos urbanos obedeciam a determinações da nova elite Os registros que temos das estruturas administrativas de transações Mundo Helenístico 42 comerciais e dos negócios públicos e privados revelamnos um pouco da mistura entre os elementos locais e os gregos e percebese pouco a pouco que as próprias elites locais passam a procurar ascender socialmente através da emulação dos padrões gregos É provável que o camponês médio tenha sido pouco afetado por essas mudanças culturais na medida em que ainda continuava falando sua língua e cultuando seus deuses Os vestígios arqueológicos podem nos dar uma medida das transformações na vida cotidiana Figura 93 Por exemplo que tipos de objetos tipicamente gregos ou tipicamente locais são encontrados nas habitações dessas cidades Os objetos gregos estão em contextos associados às elites como casas ricas ou edifícios públicos Ou começamos a encontrar objetos que mostram um amálgama entre essas culturas Figura 93 Máscara grega de teatro encontrada em Ai Khanoum Báctria século II aC Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileGorgoyleSharpjpg Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 43 O estudo arqueológico do período helenístico é muitas vezes dificultado pelo fato de que as escavações ainda são incompletas Geralmente as expedições arqueológicas estão mais interessadas em ocupações do período clássico grego quando é o caso ou no período romano ou é até mesmo impossível escavar porque as fundações helenísticas estão embaixo dos prédios das cidades atuais Sendo assim precisamos muitas vezes de evidências externas ou indiretas para compreender o desenvolvimento dessas cidades No entanto é possível constatar que eram cidades muito maiores do que as antigas poleis gregas com um movimento muito mais dinâmico de pessoas mercadorias e ideias É por isso que podemos usar o termo cosmópolis para muitas dessas novas cidades como Alexandria Antioquia e Pérgamo queremos dizer que eram cidades muito mais voltadas a um ambiente de trocas culturais com diversos povos aberto a novas influências e não mais voltado a uma identidade cultural única Gregos ou locais os habitantes das cidades no mundo helenístico tinham a percepção de que o mundo conhecido era vasto amplo e de uma forma ou de outra parte de seu próprio mundo Com o desbravamento e a ocupação de novos territórios também a população como um todo aumentou no período trazendo como consequência aumentos expressivos nos exércitos e na arrecadação de impostos No caso dos exércitos é bom lembrar que durante o período helenístico os exércitos característicos de cidadãos das poleis clássicas estavam sendo substituídos por tropas compostas por mercenários contratados por um soldo que era pago em espécie e em butim ganho nas campanhas vitoriosas Nesse sentido vemos aqui uma grande diferença entre o mundo dos hoplitas e as tropas a serviço das monarquias e cidades helenísticas Um bom exemplo do que seria essa nova dinâmica militar é a vida de Xenofonte general ateniense que viveu entre 430 e 354 aC antes de Alexandre portanto e escreveu entre outras obras um relato da expedição de soldados mercenários que liderou a Anabasis releia o boxe de curiosidade sobre Xenofonte na Aula 2 Exércitos de mercenários eram cosmopolitas por excelência já que Hoplitas Os cidadãos das poleis gregas arcaicas e clássicas lutavam por suas cidades como soldados organizados em formação de falange e eram denominados hoplitas Enquanto era obrigação da cidade treinar os soldados os hoplitas precisavam ter renda suficiente para se armar geralmente com o mínimo de uma lança um escudo e uma armadura incluindo o capacete Mundo Helenístico 44 se compunham de homens de todas as partes do mundo helenístico viabilizando profundas trocas culturais entre si e com os habitantes das cidades que percorriam O poder na polis helenística Como vimos o que se alega sobre o fim da polis no período helenístico é o fato de que as cidades gregas passaram a ser direta ou indiretamente dominadas pelos reis sejam os antigônidas Ptolomeus ou selêucidas sejam os reis das monarquias menores que também se consolidaram na época Portanto isso significa que elas teriam perdido a sua autonomia política característica do período clássico Um bom exemplo disso é a própria cidade de Atenas que embora conservasse nominalmente sua independência muitas vezes precisava se subordinar a determinações de monarcas alheios de maior poder militar e prestígio político São abundantes as inscrições epigráficas onde se encontram tratados em que as poleis são obrigadas a pagar tributos para esses reis Como vimos na última aula a retórica romana sobre libertar as cidades estava relacionada a essa questão Algumas regiões porém foram menos afetadas por esse jogo de relações e as cidades continuaram se desenvolvendo sem uma influência decisiva dos reis como as cidades da Sicília da Magna Grécia e do Mediterrâneo ocidental bem como na mais isolada costa do mar Negro Mas os reis também precisavam do apoio das cidades para aumentar a sua reputação e o seu prestígio além de se beneficiar economicamente Veja esse decreto da cidade de Smirna da metade do século III aC Já que antes quando o rei Seleuco III passou por Selêucida e muitos e grandes perigos estavam ameaçando nossa cidade e território o povo preservou sua boa vontade e amizade para com ele não ficou intimidado com a invasão inimiga e não se preocupou com a destruição de sua propriedade mas considerou tudo isso secundário perante a manutenção Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 45 de sua política de amizade e defesa dos interesses do rei da melhor maneira possível como prometeu de início Assim o rei Seleuco que mostra piedade perante os deuses e afeição pelos seus pais sendo generoso e sabendo como retribuir a gratidão ao seu benfeitor a cidade honrou nossa cidade por causa da boa vontade e do zelo demonstrados pelo povo em torno de seus interesses AUSTIN 182 Como vimos antes no exemplo da stoa de Átalo em Atenas é característico desse período que os reis generais e também outros homens ricos oferecessem presentes às cidades como forma de consolidar o seu prestígio Em boa parte esses presentes eram construções públicas pagas por esses particulares O historiador Paul Veyne chamou essa prática de evergetismo termo que vem do grego evergetes ou benfeitor aquele que faz bons serviços Muitas vezes as cidades não tinham dinheiro suficiente para construir um grande templo ou um teatro e financiar obras públicas abertamente era uma forma de demonstrar força política e prestígio para os reis e homens ricos Essa prática foi responsável pelo desenvolvimento vigoroso de muitas cidades helenísticas e também continuou a ser adotada durante o período romano Em muitas dessas cidades estabeleceuse uma forma de democracia menos radical do que aquela que havia sido característica da Atenas clássica Muitas constituições locais estabeleceram assembleias magistrados e conselhos de cidadãos baseados na forma ateniense mas nem mais na própria Atenas os cidadãos tinham controle completo da política Às cidades ainda competia a organização dos cultos e dos festivais locais o abastecimento a relação oficial com os reis e outras cidades e o gerenciamento da vida pública cotidiana mas como vimos a atuação direta ou indireta de reis e generais nas cidades moldava uma rede de relações mais ampla e essencialmente menos autônoma para elas Em algumas dessas democracias voltava a ser necessária uma qualificação de renda para votar e ser votado Mundo Helenístico 46 excluindo assim os homens livres pobres Portanto de certa forma elas voltavam a ser oligarquias apesar de conservar nominalmente o caráter de democracias Características urbanas das cidades helenísticas Como vimos as conquistas de Alexandre e o estabelecimento de monarquias helenísticas no Egito e na Ásia foram responsáveis por um grande número de novas fundações de cidades O próprio Alexandre fundou várias Alexandrias das quais foram identificadas até hoje treze delas Seleuco fundou várias Selêucias Antioquias Laodiceias e Apameias em toda a extensão de seu império na Ásia os nomes das cidades são derivados dos nomes da dinastia entre homens e mulheres Muitas dessas cidades eram refundações de pequenas cidades nativas já existentes adicionando novos edifícios públicos mas foram responsáveis por um nível de expansão da cultura grega nunca antes imaginado no mundo antigo Até mesmo em regiões distantes como a Báctria na fronteira da Índia cidades eram fundadas com teatros gregos ginásios e ágoras para abrigar a elite grega que ali se instalava Figura 94 Em termos de população muitas dessas cidades chegaram a antes inéditas centenas de milhares de pessoas Uma característica bem típica da maioria dessas novas poleis foi a adoção de uma disposição urbanística planejada em um plano quadriculado com dois eixos principais nortesul e lesteoeste e com as construções públicas planejadas para se localizarem no centro Embora desde o período arcaico já encontremos exemplos desses planos nas cidades o modelo tornouse mais frequente através dos trabalhos do filósofo Hipódamo de Mileto que viveu no século V aC e que defendia uma teoria da organização urbana baseada na divisão da sociedade dentro do território Os romanos também usaram muito esse arranjo baseado na organização espacial dos acampamentos militares Encontramos nas cidades atuais vários Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 47 exemplos desse tipo de planejamento urbano como em Nova York Toronto Barcelona e no Brasil algumas cidades do interior do estado de São Paulo e no CentroOeste Figura 94 Plano urbanístico da cidade de Ai Khanoum na Báctria Repare as típicas formas gregas em uma cidade fundada nas fronteiras de onde hoje é o Afeganistão Fonte httpwwwliviusorga1mapsaikhanummapgif Jona Lendering liviusorg A disposição e o estado dos edifícios públicos no período helenístico também nos traz uma forma de compreender a economia no período Os edifícios em geral se tornaram mais elaborados e suntuosos as novas stoas são um exemplo O bouleuterion destacou se como um edifício de função especializada separando as reuniões políticas do comércio praticado na ágora O gymnasion passou a ser construído próximo ao centro e sua administração tornouse Mundo Helenístico 48 complexa e hierarquizada foram preservados decretos com várias leis sobre isso e os novos teatros eram muito maiores além de permanentes pois passaram a ser construídos com pedras ao invés de madeira Repare no tamanho do teatro de Éfeso Figura 95 sua capacidade era de 10 mil pessoas Figura 95 No sentido horário a ágora de Thessaloniki o bouleuterion de Akrai Sicília o gymnasion de Kos e o grande teatro de Éfeso Fontes httpcommonswikimediaorgwikiFileTHESAgoraEaststoajpg httpcommonswikimediaorgwiki FileBouleuterionjpg httpcommonswikimediaorgwikiFileGymnasionJPG httpcommonswikimediaorgwiki FileEphesusTheaterjpg As muralhas que cercavam as poleis passaram gradativamente ao desuso em algumas regiões durante o período helenístico Territórios localizados dentro de reinos estáveis não tinham mais uma necessidade de proteção tão primordial contra invasões quanto antes A partir do século I aC quando a pax romana estabilizou Aula 9 As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis 49 a Grécia surgiram muitas cidades sem qualquer traço de uso de muralhas e as muralhas antigas deixaram de ser restauradas a Arqueologia confi rma até mesmo o aumento do número de aldeias Atende aos Objetivos 1 e 2 1 Analise a planta da cidade de Priene que foi uma pequena cidade grega da Ásia Menor no período de Alexandre e responda descrevendo a imagem que características dessa cidade tornamna uma típica polis helenística Figura 96 Legenda A B C portões D E F H M P templos G ágora I bouleuterion K pritaneu L Q gymnasion N teatro Q reservatório de água R stadion Fonte HAVERFIELD F Ancient TownPlanning Oxford Clarendon Press 1913 httpwwwgutenbergorgfi les1418914189h14189h htmfi g6 Mundo Helenístico 50 Resposta Comentada É possível notar pelo plano quadriculado que a cidade foi planejada e não uma ocupação aleatória Além disso os principais edifícios públicos estão todos concentrados no centro com a ágora e os edifícios administrativos na intersecção dos eixos nortesullesteoeste A muralha também é um elemento importante denotando a necessidade ainda existente de proteção contra invasões Alexandria a cidade helenística por excelência Já havia uma cidade grega no Egito antes de Alexandria o faraó Psamético 664610 aC fundou a cidade de Náucratis para os colonizadores gregos de Mileto e seu sucessor Amásis tornoua um entreposto comercial em grego emporion exclusivo dos gregos em 570 aC Como emporion Náucratis não era uma polis típica tal como as cidades gregas e as grandes colônias fundadas por todo o Mediterrâneo pois tinha como função principal agir como Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 51 ponto de trocas comerciais entre gregos e egípcios Enquanto estes negociavam grãos papiro e linho os gregos forneciam prata madeira azeite e vinho Quando Alexandre chegou ao Egito e expulsou os persas em 332 aC resolveu fundar uma nova cidade a primeira de suas várias fundações no delta do rio Nilo próximo à ilha de Faros um local estratégico para servir de elo entre o Egito e o Mediterrâneo facilitando ainda mais o contato com a Grécia Alexandria nunca foi pensada para ser uma cidade integrada ao mundo egípcio mas sim uma cidade grega próxima ao Egito tanto que o nome completo da cidade era AlexandriaaoladodoEgito Acreditase que a cidade foi fundada sobre uma vila egípcia já existente chamada Racótis nome esse que posteriormente denominou o bairro da cidade onde moravam os egípcios O historiador Arriano que viveu no século II dC descreve como Alexandre fundou a cidade Alexandre veio a Kanobos navegou em torno do lago Mareótis e aportou no lugar da presente cidade de Alexandria que dele deriva seu nome O lugar pareceu a ele o mais favorável para a fundação de uma cidade e ele imaginou que seria próspero Então foi tomado de um grande desejo pela tarefa e delimitou ele mesmo as principais áreas da cidade a localização da ágora quantos santuários deveriam existir e de que deuses tanto os gregos quanto a egípcia Ísis e obviamente também a muralha Ele ofereceu sacrifícios na planície e os auspícios pareceram favoráveis Anabasis III 1 Figura 97 O porto de Alexandria hoje Fonte httpenwikipediaorgwikiFileAlexandriapanoramajpg Mundo Helenístico 52 Alexandria foi planejada de acordo com o plano urbanístico hipodâmico ou seja do filósofo Hipódamo de Mileto que vimos há pouco e foi obra do arquiteto Dinócrates de Rodes A arqueologia hoje tem muitas dificuldades em reconstruir o sítio primeiro porque a cidade atual está construída em cima das ruas antigas e segundo porque boa parte da ocupação antiga foi coberta pelo mar possivelmente ainda no período romano Figura 97 Assim é a arqueologia submarina que revela hoje muitas das grandes construções públicas que tornaram a cidade famosa como o próprio Farol de Alexandria uma das Sete Maravilhas do mundo antigo com 140 metros de altura construído em 280 aC e destruído em um terremoto durante a Idade Média Além disso dependemos das descrições dos autores antigos sobre a cidade entre elas a minuciosa descrição do geógrafo Estrabão que a visitou no começo do século I dC e ficou impressionado com a largura das ruas e o tamanho dos quarteirões Alexandria era de fato uma cidade enorme para os padrões antigos com aproximadamente meio milhão de habitantes Alexandria foi planejada para ter os típicos elementos administrativos de uma cidade grega e teve como modelo as instituições políticas de Atenas tinha uma assembleia um conselho e magistrados tais como o sistema ateniense mas nunca chegou a se configurar como uma democracia de fato Como em poucos anos se tornou a capital do reino ptolomaico a ausência cada vez maior de referências sobre essas instituições nas fontes pode refletir o caráter autocrático da monarquia dos Ptolomeus também revelado pela importância dos palácios reais próximos ao porto Ptolomeu I já pretendia usar a grandeza de Alexandria para se impor perante os outros reinos helenísticos e usou como grande trunfo o sequestro do corpo mumificado de Alexandre para construir um imponente monumento em grego Sema onde também depois foram colocados os corpos dos monarcas ptolomaicos Assim pretendiase construir um elo legítimo de continuidade entre Alexandre e os Ptolomeus na concorrência entre as monarquias que se consolidaram após a guerra dos diádocos você se lembra da Aula 5 Outra forma Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 53 de se integrar Alexandria e o reino ptolomaico ao passado grego foi a instauração das Ptolemaieia ou Jogos Ptolomaicos em honra do deificado Ptolomeu I os jogos tornaramse tão expressivos que foram considerados isolímpicos ou seja equivalentes em termos de importância aos Jogos Olímpicos A cidade tinha uma grande quantidade de habitantes de origem grega ou macedônica Assim como em Atenas a cidadania era hereditária e geralmente fechada à comunidade grega O bairro de Racótis na parte sudoeste da cidade abrigava os egípcios e havia também uma grande comunidade judaica helenizada falavam grego além de hebraico O porto de Alexandria o mais movimentado de todo o mundo antigo permitia o afluxo de um grande número de pessoas vindas de todas as outras regiões do mundo antigo de forma que podemos dizer que Alexandria era uma verdadeira cosmópolis Um dos principais edifícios de Alexandria era o complexo que abrigava a grandiosa biblioteca concebida para ser o maior centro de livros e es tudos do mundo antigo Estimase que a Biblioteca de Alexandria continha centenas de milhares de rolos de papiro mas não é possível estimar quantos livros um livro poderia ter mais de um rolo A aquisição de livros era uma política deliberada dos monarcas ptolomaicos que determinavam que navios ancora dos no porto de Alexandria entregassem os livros que carregavam para que fossem feitas cópias Foram os estudiosos que administravam a biblioteca que deter minaram o cânone literário antigo sobre o qual fala mos na Aula 2 Entre as obras organizadas a tradução do Pentateuco bíblico para o grego e o estabelecimento Mundo Helenístico 54 do texto escrito dos poemas de Homero são as mais conhecidas O complexo abrigava também o Mouseion ou casa das musas de onde vem a palavra museu Figura 98 Salão de leitura principal da nova Biblioteca de Alexandria uma homenagem à biblioteca antiga inaugurada em 2002 Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileFlickrdlisbonaMain readinghallinthenewAlexandrialibraryjpg O mapa a seguir é uma reconstrução do plano urbanístico da cidade A parte sublinhada menor em linha mais escura é a muralha da cidade antiga Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 55 Figura 99 Mapa da cidade de Alexandria Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePaulyWissowaI11379MapAlexandriapng As duas capitais egípcias Mênfis ao norte e Tebas ao sul perderam seu prestígio durante o período helenístico Alexandria suplantou Mênfis como centro próximo ao delta do Nilo e ao Mediterrâneo e Ptolomeu I fundou outra cidade para se contrapor a Tebas na parte sul do país Ptolemais Esta foi a única outra fundação de uma cidade grega no Egito fora Alexandria e a já existente colônia de Náucratis que por causa do novo porto entrou rapidamente em declínio CONCLUSÃO Podemos ver através da análise das cidades helenísticas que a polis não acabou com o fim do período clássico Se ela tinha como característica a autonomia política total até Alexandre sua evolução posterior mostra que apesar de a autonomia ter diminuído ela não se extinguiu de todo nas cidades da Grécia As novas cidades helenísticas mantiveram uma ideia de cidade típica do mundo grego e levaram essa identidade grega para o Egito e a Ásia Mundo Helenístico 56 Nesse sentido a própria confi guração física da polis helenística mostrase como um dos principais pilares da cultura grega no mundo conquistado por Alexandre ainda que as novas poleis tenham absorvido infl uências das diversas culturas locais Atividade Final Atende aos Objetivos 2 e 3 Leia a descrição de Estrabão sobre Alexandria vendo se você consegue localizar na Figura 99 o mapa da cidade quais são os edifícios que ele descreve Na resposta explique por que dissemos que Alexandria é a cidade helenística por excelência Toda a cidade é atravessada por ruas próprias para o tráfego de cavalos e carruagens e por duas principais que são muito largas com mais de um plethrum 30m de comprimento estas ruas se cruzam em ângulos retos A cidade tem ambientes públicos magnífi cos e os palácios reais cobrem um quarto ou mesmo um terço da área da cidade Pois assim como cada um dos reis por amor à suntuosidade adicionou algum ornamento aos monumentos públicos eles também construíam suas residências com seus próprios recursos além daquelas já existentes Porém todas estão interconectadas e ligadas ao porto mesmo as que estão fora dele No Grande Porto na entrada à direita há uma ilha e a torre de Faros e do outro lado fi cam rochas e o promontório de Lóquias com o palácio real Quem navega entrando no porto vê à esquerda os palácios reais internos que se juntam ao de Lóquias e têm alamedas e muitos alojamentos coloridos Abaixo deles fi ca o porto artifi cial que não é visível e é propriedade particular dos reis e Antirrhodos uma pequena ilha na frente desse porto que tem um palácio real e um pequeno ancoradouro Esse nome foi dado porque o lugar era rival de Rodes Acima dela fi ca um teatro depois o Posideon uma espécie de cabo saindo do chamado Emporion com um santuário de Poseidon Há em seguida o Cesareum o Emporion e os armazéns depois deles encontramse os estaleiros até o Heptastadion a ligação entre a cidade e a ilha de Pharos signifi cando 7 estádios ou seja 1225m Este é o Grande Porto Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 57 Depois do Heptastadion vem o porto de Eunosto e acima dele o porto artificial também chamado de Cibotus o peito este também tem estaleiros Para adiante dele há um canal onde cabem navios que se estende até o Lago Mareótis Além do canal existe apenas uma pequena parte da cidade Aparece então o subúrbio de Necrópolis onde há muitos jardins e tumbas bem como instalações apropriadas para o embalsamento de corpos Para dentro do canal encontrase o Serapeum templo de Serápis e outras construções antigas que foram virtualmente abandonadas ele está escrevendo 300 anos depois de Alexandre por causa da construção de novos edifícios em Nicópolis por exemplo existe um anfiteatro e um estádio e as competições quadrienais são celebradas lá enquanto que os edifícios antigos caíram em desuso Em resumo a cidade é cheia de dedicações e santuários o edifício mais bonito é o Gymnasion que tem pórticos de tamanho maior do que um estádio medida equivalente a 175m No centro da cidade ficam os tribunais de justiça e as alamedas Geographia XVIII 810 Resposta Comentada Pode ser difícil localizar as construções mencionadas por Estrabão Compare o mapa desta aula com o disponível em httpwwwsnuvocomnouveauwpcontentuploadsAlexandria mapfinal1jpg Encontramos na descrição da cidade todos os principais elementos da polis como o plano urbanístico quadriculado os templos a muralha o gymnasion e os outros edifícios públicos A primazia dos palácios reais mostrava que a autonomia da polis clássica cedera Mundo Helenístico 58 lugar a um novo tipo de administração Além da distribuição de grupos étnicos diversos nos bairros da cidade o porto também trazia uma grande movimentação de pessoas e intensas trocas culturais fazendo de Alexandria o melhor exemplo da forma como a polis confi gurouse no período helenístico aberta para o mundo RESUMO A polis grega surgiu no período arcaico e desenvolveuse em toda a Grécia Ásia Menor e Mediterrâneo como cidadeestado autônoma ou seja que decretava e geria as próprias leis Embora as conquistas de Alexandre e o estabelecimento das monarquias helenísticas tenham diminuído drasticamente essa dinâmica política independente das cidades gregas vários aspectos anteriores da polis permaneceram e desenvolveramse Entre eles destacamse os planos urbanísticos que revelam a ocupação sistematizada do território e as construções públicas típicas como o gymnasion e o bouleuterion Muitas dessas construções foram pagas pelos reis ou generais demonstrando que a submissão das cidades aos monarcas era muitas vezes uma via de mão dupla já que estes precisavam dos apoios delas para sustentar seus reinos Cidades como Alexandria passaram a se tornar grandes centros urbanos integrados em um sistema econômico e cultural muito mais amplo do que o do mundo clássico absorvendo em diversos graus as características das comunidades locais do Egito e da Ásia Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 59 Informação sobre a próxima aula A próxima aula tratará das relações entre os gregos e os bárbaros durante o período helenístico que é o ponto central da questão sobre a helenização do Oriente desencadeada pelas conquistas de Alexandre Um caso especial será estudado o dos judeus através da Revolta dos Macabeus Digitalizado com CamScanner COMO AS CIDADES HELENÍSTICAS SE DIFERENCIARAM DAS ANTIGAS PÓLIS GREGAS As cidades helenísticas representaram uma profunda transformação da tradicional pólis grega a cidadeEstado clássica que floresceu especialmente entre os séculos VI e IV aC Na Grécia antiga a pólis era muito mais do que uma simples estrutura urbana ela era um modelo de organização política social e cultural onde os cidadãos exerciam de forma direta suas decisões através de assembleias e conselhos A autonomia política era um valor central as cidades eram autônomas com suas próprias leis moeda exército e cultos religiosos Esse modelo de cidadania ativa e coletiva era o que dava vida ao ideal grego de liberdade e participação Com as conquistas de Alexandre o Grande e o surgimento do chamado Mundo Helenístico a partir do final do século IV aC esse modelo começou a mudar radicalmente O império de Alexandre expandiuse por um território imenso abrangendo a Grécia o Egito a Mesopotâmia a Pérsia e partes da Índia Com essa expansão surgiram novas cidades muitas fundadas diretamente por Alexandre ou pelos seus sucessores os reis helenísticos Ptolomeus no Egito Selêucidas na Ásia Antigônidas na Macedônia Essas novas cidades embora tivessem traços da tradição grega como ágoras ginásios teatros e templos funcionavam de modo bem diferente Em vez da autonomia elas estavam submetidas à autoridade dos reis que muitas vezes interferiam diretamente nas decisões locais Essas cidades passaram a funcionar como centros administrativos comerciais e culturais de vastos impérios A cidadania ativa da pólis clássica cedeu lugar a uma cidadania mais passiva onde a política era muitas vezes determinada de fora Ainda existiam assembleias e conselhos mas a influência real dos cidadãos era bastante limitada Em muitas cidades os reis financiavam obras públicas e prestavam favores políticos estabelecendo uma relação de troca com as elites locais Essa prática ficou conhecida como evergetismo onde o rei ou um rico cidadão se tornava benfeitor da cidade em troca de prestígio e reconhecimento Além disso a composição das cidades helenísticas era muito mais diversa do ponto de vista étnico e cultural Elas reuniam gregos macedônios egípcios persas babilônios e tantos outros povos todos convivendo negociando e influenciandose mutuamente Essa mistura criou uma nova dinâmica cultural mais plural mais aberta às trocas o que levou os estudiosos a chamarem essas cidades de cosmópolis cidades do mundo Cidades como Alexandria no Egito Antioquia e Pérgamo tornaramse centros de aprendizado ciência comércio e arte Em vez da pequena pólis com seu mercado local e seu exército de hoplitas tínhamos agora cidades grandiosas multiculturais com palácios bibliotecas academias e exércitos de mercenários contratados Portanto a diferença fundamental está na escala no poder político centralizado nas mãos dos reis na composição cultural plural e na diminuição da autonomia política A pólis clássica não desapareceu completamente mas foi transformada e adaptada a uma nova realidade globalizada do mundo helenístico QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA ARTE HELENÍSTICA E COMO ELA REFLETE A CULTURA DO PERÍODO A arte helenística é uma das expressões mais intensas emocionantes e humanas da Antiguidade Ela surge num contexto de profundas mudanças sociais políticas e culturais ou seja não é só uma questão de estilo mas de visão de mundo Diferente da arte clássica que buscava a perfeição ideal o equilíbrio e a harmonia a arte helenística voltase para o realismo a expressividade e a emoção Os artistas desse período estavam interessados em representar não apenas a forma física ideal mas também os sentimentos as tensões os movimentos e as contradições do ser humano Um bom exemplo é a famosa escultura do Laocoonte e seus filhos onde vemos uma cena dramática e trágica um sacerdote troiano e seus filhos sendo atacados por serpentes enviadas pelos deuses O que impressiona não é só a perfeição do corpo humano mas a expressão de dor o movimento o desespero capturado no mármore Essa escultura foi tão admirada que inspirou artistas do Renascimento como Michelangelo e Rafael Outras obras famosas são A Vênus de Milo ou Afrodite que traz um corpo em pose helicoidal com uma sensualidade sutil e um realismo delicado O Fauno Barberini retratando um ser mitológico embriagado dormindo de forma relaxada e vulnerável quase humana O Gaulês moribundo que transmite o heroísmo e a dor de um guerreiro estrangeiro derrotado uma clara demonstração de empatia com o inimigo O Hermafrodita adormecido que brinca com o contraste entre masculino e feminino o estático e o dinâmico Essas esculturas mostram o quanto a arte helenística se afastou da rigidez clássica e se aproximou da experiência humana individual da singularidade dos corpos e das emoções Não era mais só a representação do divino ou do ideal mas também do comum do grotesco do exótico e do contraditório Além disso a arte helenística não ficou restrita à escultura A pintura o mosaico e a arquitetura também floresceram O famoso Mosaico de Alexandre por exemplo mostra a batalha de Issos com uma riqueza de detalhes e uma vivacidade impressionante A arquitetura trouxe inovações como as grandes stoas teatros permanentes e monumentos como o Altar de Pérgamo com frisos narrativos que se assemelham a histórias em quadrinhos antigas Essas expressões refletem uma cultura em constante transformação com influências orientais egípcias persas e uma intensa circulação de ideias O mundo helenístico era vasto plural em contato com diversas realidades E a arte nesse contexto funcionava como um espelho dessa complexidade Portanto a arte helenística representa a exploração das emoções humanas a representação de movimentos intensos e expressivos o realismo e o detalhamento corporal a presença de personagens diversos incluindo mulheres idosos crianças estrangeiros seres mitológicos e híbridos e a busca por uma linguagem artística mais próxima da vida real que impactasse o espectador não apenas pela beleza mas também pela identificação emocional Esse estilo mais dramático e exagerado foi durante muito tempo mal compreendido sendo visto como decadente em comparação à arte clássica Hoje no entanto reconhecese que a arte helenística foi na verdade inovadora plural rica e cheia de vida uma verdadeira expressão do seu tempo
21
História
UNIRIO
472
História
UNIRIO
90
História
UNIRIO
5
História
UNIRIO
16
História
UNIRIO
8
História
UNIRIO
9
História
UNIRIO
50
História
UNIRIO
56
História
UNIRIO
10
História
UNIRIO
Texto de pré-visualização
QUESTÕES Questão 1 Explique a afirmação abaixo retirada da introdução da aula 12 As realizações helenísticas nos campos das artes e da ciencia refletem de maneira exemplar as características do período demonstrando as consequencias das conquistas de Alexandre Questão 2 De acordo com as discussões da aula 9 incluindo os textos de apoio explique a noção de helenização comentandoa partir de um exemplo central HIS O Mundo Helenistico UNIRIO EAD09066 9 Juliana Bastos Marques Aula 12 Juliana Bastos Marques Arte e ciência no mundo helenístico Mundo Helenístico 112 Meta da aula Introduzir questões sobre o desenvolvimento da arte e da ciência no mundo helenístico relacionandoas com a configuração política e cultural do período Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 identificar as características da arte helenística 2 reconhecer a importância do desenvolvimento técnico e científico realizado no período Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 113 INTRODUÇÃO As realizações helenísticas nos campos das artes e da ciência refletem de maneira exemplar as características do período demonstrando as consequências das conquistas de Alexandre Produziuse arte e conhecimento a partir dos moldes gregos anteriores em um espaço geográfico muito mais extenso incluindo não somente a Ásia e o Egito mas também o Mediterrâneo ocidental As trocas culturais mais intensas e a competição entre os reinos helenísticos favoreceram inovações em escala inédita No entanto temos na verdade poucos vestígios de toda essa produção remanescente do próprio período helenístico Muitas das obras de arte e dos textos científicos originais se perderam e o que foi preservado encontrase geralmente disponível através de cópias romanas posteriores Isso atesta uma grande influência helenística no mundo romano que foi retomada posteriormente no Renascimento sob os moldes humanísticos Assim de certa forma é a produção artística e científica do mundo helenístico que serve como referência principal do mundo antigo para os desenvolvimentos posteriores no Ocidente europeu Como estudar a arte helenística O estudo da História da Arte é multidisciplinar A maior parte das pesquisas é feita por historiadores da arte cuja formação acadêmica costuma ser específica Historiadores da arte tradicionalmente focaram a discussão das obras artísticas a partir da evolução dos estilos em uma análise interna aos objetos analisados O estudo do contexto histórico de produção de obras de arte é geralmente marginal a essas interpretações embora há algum tempo esteja enfim sendo valorizado Também junto aos historiadores da arte estão os críticos de arte cuja análise das obras com frequência apresenta um caráter mais subjetivo daí Mundo Helenístico 114 encontrarmos com frequência comentários em livros de História da Arte qualifi cando a arte helenística como decadente e inferior à arte do período grego clássico No caso específi co do estudo da arte na Antiguidade muitos estudiosos têm como formação a Arqueologia Isso por vezes concede às pesquisas um caráter bastante descritivo de acordo com o aspecto técnico da pesquisa arqueológica focada na descrição e tipologia dos objetos analisados No campo oposto da análise teórica os fi lósofos especializados em estética também trazem análises por vezes focadas apenas nas obras em si e não no contexto histórico de sua produção circulação e preservação Por causa dessa característica multidisciplinar muitos historiadores costumam deixar o estudo da arte helenística de lado Vários dos livros que usamos na bibliografi a do curso que procuram tratar do mundo helenístico em geral não mencionam o tema da arte De certa forma isso refl ete não apenas as diferentes formações acadêmicas no estudo da Antiguidade mas também as difi culdades inerentes ao estudo da arte helenística O surgimento da História da Arte Os primeiros tratados sobre as obras de arte surgiram no mundo helenístico mas não foram preservados O principal texto antigo preservado que analisa a pintura e a escultura é a História Natural escrita por Plínio o Velho no século I dC e que foi a maior referência para a retomada dos padrões estéticos clássicos durante o Renascimento O surgimento da História da Arte Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 115 Mas a História da Arte tal como a conhecemos que estuda as obras dos pintores e escultores e classifica as dentro de correntes estilísticas que se sucedem historicamente surge com a publicação em 1550 das Vidas dos artistas do pintor toscano Giorgio Vasari 15111574 A obra de Vasari é uma coleção de biografias mas já indica uma percepção evolutiva no desenvolvimento da arte ao delimitar grupos estilísti cos que uniam as obras dos artistas em determinadas características Figura 121 Autorretrato de Giorgio Vasari 1567 Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileGiorgioVasariSelbstportrC3A4tjpg O padrão biográfico estabelecido por Vasari é supe rado no século XVIII com a obra do alemão Johann Joachim Winckelmann que estava particularmente interessado na análise das obras de arte gregas e criticava a ênfase biográfica da escola de Vasari Mundo Helenístico 116 Para Winckelmann era necessário concentrarse na análise crítica das obras de arte em si e não nos artis tas que as criaram procurando compreender também o contexto histórico em que foram produzidas Figura 122 Johann Joachim Winckelmann 17171768 Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileJohannJoachimWinckelmannAngelika Kaufmannjpg Hoje em dia a análise de Winckelmann também está ultrapassada especialmente depois da incorporação de princípios científicos filosóficos e psicológicos na análise da arte com autores como Heinrich Wölfflin Erwin Panofsky Jung e Roland Barthes Essas interpre tações são a base dos estudos atuais que procuram entender a arte helenística dentro de sua própria lógi ca sem mostrála como inferior à arte grega clássica Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 117 Em linhas gerais essa desvalorização da arte helenística decorre do fato de que a grande maioria das obras remanescentes em especial na escultura são cópias romanas posteriores Sabemos da existência de grandes artistas que trabalharam para Alexandre como o escultor Lisipo e o pintor Apeles mas suas obras se perderam O material que temos preservado muitas vezes é de difícil datação não sabemos na verdade se muitas peças que parecem helenísticas devido ao seu estilo foram mesmo produzidas no período ou são apenas o retrato de uma determinada influência estilística que marcou a arte produzida em Roma Um dos principais exemplos desse problema é talvez a obra mais famosa atribuída ao período helenístico o Laocoonte Figura 123 que já vimos brevemente na Aula 1 A estátua é um conjunto que faz referência à morte de Laocoonte e seus filhos durante o saque de Troia descrita no livro 2 da Eneida de Virgílio Segundo a tradição grega que Virgílio segue Laocoonte era um sacerdote que denunciou aos troianos que o cavalo de madeira enviado pelos gregos era falso Poseidon então enviou duas serpentes para matar Laocoonte o que os troianos interpretaram como sinal de que o cavalo era sagrado Plínio o Velho descreve a estátua do Laocoonte na História Natural dizendo que estava localizada na casa do imperador Tito e que era superior a todas as outras pinturas e esculturas jamais feitas XXXVI 37 Quando a obra foi encontrada em 1506 logo foi reconhecida como a estátua descrita por Plínio surgia aos renascentistas pela primeira vez uma estátua que era citada nos autores antigos e fazia referência a um texto já conhecido Mas a obra seria uma cópia romana ou o original mencionado por Plínio que a creditava aos escultores ródios Hagesandro Atanodoro e Polidoro Como faltavam alguns pedaços da estátua principalmente o braço direito de Laocoonte o papa Júlio II ordenou sua restauração Michelangelo foi chamado e sugeriu que o braço que faltava estaria dobrado no original mas a versão que sugeria um braço estendido venceu O braço sugeriria a força de Laocoonte ao lutar por sua Mundo Helenístico 118 vida mesmo com a expressão de dor e sofrimento em seu rosto Porém em 1906 foi encontrado um braço de mármore em Roma que parecia se encaixar na obra Outra restauração foi encomendada e é a que se encontra hoje no Museu do Vaticano Figura 123 Laocoonte e seus filhos Museu do Vaticano Fonte httpenwikipediaorgwikiFileLaocoC3B6nandHisSonsjpg Tanto Vasari quanto Winckelmann seguiram a admiração de Plínio e consideraram o Laocoonte como o ápice da escultura antiga representação perfeita do corpo humano em movimento e do domínio da composição e da expressão facial Para Vasari seria o ápice do exemplum doloris a tragédia sublime a representação perfeita do sofrimento para Winckelmann o cúmulo da nobre simplicidade e da grandeza silenciosa apud STEWART 2003 p 494495 Mas três diferentes datações ainda eram sugeridas para a escultura o Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 119 fim do século IV aC antes da conquista de Alexandre considerado o período áureo da escultura grega clássica o período helenístico por volta de 200 aC ou o próprio período romano Quando o grande Altar de Pérgamo foi descoberto por volta de 1870 o estilo das esculturas encontradas no friso foi logo reconhecido como similar ao do Laocoonte Repare na figura no canto inferior esquerdo Figura 124 Detalhe do friso do Altar de Pérgamo Gaia pede que Atena poupe seus filhos Museu de Pérgamo Berlim Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileFregiodellagigantomachia02JPG Daí viria a caracterização mais corrente que vemos nos estudos sobre a arte helenística muito mais intensa nas expressões do que a arte clássica mais exagerada mais vistosa de tamanho maior veremos mais sobre o Altar de Pérgamo adiante enfim mais barroca Muitas explicações foram sugeridas para isso como o crescimento da consciência individual que se refletia também na religião e a difusão da escultura grega para um espaço muito maior que também possibilitava a interação com outras tendências estéticas locais O fato é que por muito tempo a arte helenística foi classificada Mundo Helenístico 120 como decadente inferior visão influenciada pela concepção do próprio período como menos importante como vimos na Aula 1 e suas obras foram erroneamente datadas em outros períodos Assim é importante ter em mente que existe uma série de julgamentos de valor embutidos na análise estética das obras helenísticas e que devemos ter muito cuidado ao considerar as dificuldades de datação precisa das obras e o seu contexto de produção e difusão Escultura De todas as formas de arte antiga a escultura é a mais frequente nas análises dos especialistas Isso se deve em boa parte ao fato de que sua preservação foi muito menos problemática do que a pintura De fato existe uma grande quantidade de esculturas preservadas com datação geralmente creditada à época helenística embora sempre pairem dúvidas como vimos Talvez a principal razão para a proliferação de estátuas no período seja a presença da cultura grega em um espaço imensamente maior do que a própria Grécia incluindo a Ásia Menor e a riqueza das cidades dos templos e dos indivíduos que passaram a comissionar obras de arte para exibir sua prosperidade e competir entre si Essa tendência acentuouse ainda mais com a dominação romana cuja elite tornouse o mercado mais próspero para os escultores tanto durante o período helenístico quanto depois através das cópias que hoje preenchem os museus Vamos ver algumas dessas esculturas e analisar os elementos que apresentam em comum Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 121 A Vênus de Milo Figura 125 Afrodite a Vênus de Milo 130 aC Museu do Louvre Fonte httpcommonswikimedia orgwikiFileVenusdeMiloLouvre Ma399jpg Esta estátua de Afrodite é uma das obras de arte mais conhecidas do mundo antigo Encontrada em 1820 na ilha de Milos foi por muito tempo considerada uma típica obra do período clássico grego e atribuída ao escultor Praxíteles A atribuição no entanto contradizia a inscrição na base da estátua que afirmava que seu autor era um certo Alexandro de Antioquia cidade que sabemos ter sido fundada no período helenístico Os especialistas do Louvre que consideravam então a arte helenística decadente chegaram à Mundo Helenístico 122 conclusão que era impossível que uma estátua de tanta qualidade fosse desse período e simplesmente removeram a base para justificar a atribuição a Praxíteles Hoje em dia a interpretação é diferente como podemos ler na análise revista feita no site do museu A obra reflete as inovações que surgiram durante o período helenístico entre os séculos III e I aC A composição helicoidal a inserção da figura no espaço tridimensional e o alongamento do tronco de seios delicados são característicos deste período A deusa é captada no instantâneo e o deslizar do pano sobre os quadris provoca o fechar das pernas A nudez contrasta com os efeitos de luz e sombra do drapeado profundamente escavado httpwwwlouvrefroeuvre noticesaphroditeditevenusdemilo O Torso de Belvedere Figura 126 O Torso de Belvedere Museu do Vaticano Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileBelvedereTorsoVaticanMuseumsjpg Figura 127 Esboço do Torso de Belvedere pelo pintor holandês Peter Paul Rubens cerca de 1600 Fonte httpcommonswikimediaorg wikiFilePeterPaulRubens200jpg Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 123 Vasari considerava o Torso de Belvedere juntamente com o Laocoonte como o representante máximo da terza maneira o terceiro estilo ou seja o modelo ideal para o estilo moderno de representação artística o primeiro estilo sendo o de Giotto e o segundo de Brunelleschi Assim como na Vênus de Milo o torso está contorcido A perfeição do contorno dos músculos influenciou diversos artistas desde o Renascimento como Michelangelo e Rafael até o Barroco como Peter Paul Rubens O Fauno Barberini Figura 128 O Fauno Barberini cerca de 220 aC Glyptothek Munique Fonte Foto da autora Mundo Helenístico 124 O Fauno Barberini assim nomeado por causa da coleção do cardeal Barberini foi descoberto em 1620 no Castel SantAngelo em Roma onde antes se encontrava o mausoléu do imperador romano Adriano Pode ser ou um original dos séculos III ou II aC ou uma cópia romana e está atualmente restaurado A estátua é considerada um dos representantes mais típicos da arte helenística pois representa não apenas uma pose complexa e realista como também o estado mental do fauno representado provavelmente bêbado e tendo um sonho atribulado como mostra sua face O Gaulês moribundo Figura 129 O Gaulês moribundo cerca de 230220 aC Museu Capitolino Roma Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileDyinggauljpg Assim como o Fauno Barberini o Gaulês moribundo também está representando um momento específico em uma pose contorcida e realista mostrando sua agonia e sofrimento próximo à morte A Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 125 estátua faz parte de um conjunto encomendado pelo rei Átalo I de Pérgamo para celebrar a vitória sobre os gálatas gauleses no fim do século III aC e retrata a característica dos gauleses de lutar nus ou também pode representar a figura idealizada da nudez heroica ou patética O hermafrodita Figura 1210 O hermafrodita cópia romana do século II dC Museu do Louvre Paris Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileBorgheseHermaphroditusLouvreMa231 n4jpg Um tipo específico de nudez nas estátuas helenísticas é o tema recorrente do hermafrodita que de acordo com a mitologia era filhoa de Afrodite e Hermes O efeito de ambiguidade e contraste parece bastante popular no período já que se conhecem diversas cópias da estátua e continuou recorrente durante o período romano O aspecto da individualidade marca as esculturas helenísticas tanto nos exemplos anteriores de momentos específicos no tempo que retratam estados do corpo e da alma quanto nos retratos Pela primeira vez os bustos procuram mostrar de maneira mais realista ou verossímil o caráter dos retratados Tal característica tem seu Mundo Helenístico 126 início sem surpresa com o próprio Alexandre que foi retratado como um jovem arrojado pelo seu escultor oficial Lisipo Repare na Figura 1211 como os cabelos parecem desgrenhados pelo vento e a testa está enrugada compare agora este retrato com a representação rígida do busto de Péricles já destacado na Figura 33 da Aula 3 Como analisa o historiador da arte Ernst Gombrich É claro o problema com todos os retratos antigos é que realmente não podemos nos pronunciar sobre a sua parecença com os retratados muito menos de fato do que o adulador na história Talvez se pudéssemos ver uma foto de Alexandre descobríssemos que ele era muito diferente do busto Possivelmente as estátuas de Lisipo assemelhavamse muito mais a um deus do que ao conquistador da Ásia Mas podemos afirmar sem o menor constrangimento um homem como Alexandre espírito inquieto imensamente talentoso mas algo pervertido pelo sucesso poderia parecerse com esse busto com seu supercílio altivamente erguido e sua expressão vigorosa GOMBRICH 1999 p 106 Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 127 Figura 1211 Busto de Alexandre o Grande Museu Arqueológico de Istambul Fonte httpcommonswikimediaorgwiki FileIAM1138TBustofAlexanderjpg Figura 1212 Busto de Péricles Fonte Altes Museum Berlim fotografia da autora Pintura Da pintura helenística assim como da pintura antiga em geral sobraram pouquíssimos resquícios No entanto seguindo a mesma tendência que vimos na escultura sabemos que não apenas os templos e edifícios públicos estavam adornados com pinturas mas as casas privadas dos cidadãos ricos também ostentavam pinturas feitas por artistas famosos na época ou cópias delas Uma das poucas pinturas preservadas que são legitimamente datadas do período helenístico é o conjunto dos frisos dos túmulos de Vergina que mencionamos rapidamente na Aula 3 Os frisos externos dos túmulos mostram composições complexas e vívidas no túmulo de Filipe II uma grande cena de caça no túmulo menor uma delicada representação do rapto de Perséfone por Hades A imagem chama Mundo Helenístico 128 a atenção pela representação dinâmica do movimento através dos cabelos de Perséfone e do manto vermelho de Hades Figura 1213 Detalhe do Rapto de Perséfone túmulo real de Vergina Grécia Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePaintingverginajpg Presumese que várias das pinturas romanas encontradas nas casas de Pompeia e Herculano sejam cópias de originais helenísticos já que ambas as cidades eram conhecidos centros de influência grega e ostentavam ricas mansões da elite endinheirada que procurava se revestir da alta cultura em voga Tal tendência também é encontrada em Roma como no caso dos frisos de Odisseu Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 129 no Esquilino um dos quais você deve ter analisado na Atividade Final da Aula 8 Este conjunto de frisos pode ser chamado de antecessor das histórias em quadrinhos o que chamamos academicamente de arte sequencial ilustra uma história e tem uma sequência narrativa entre as imagens Outra imagem bastante recorrente do mundo helenístico é o Mosaico de Alexandre um grande mosaico romano encontrado na Casa do Fauno em Pompeia provavelmente cópia de uma pintura helenística A imagem é uma composição que retrata a batalha de Issus em que Alexandre triunfa sobre o exército persa de Dario III Assim como no retrato do general que vimos há pouco o mosaico também representa uma figura individualizada em comparação com as figuras padronizadas do período clássico O cabelo e a barba de Alexandre se sobressaem bem como o nariz O conjunto procura passar a sensação de movimento e força Veja o detalhe da cabeça e dos olhos do cavalo Bucéfalo Figura 1214 Detalhe do Mosaico de Alexandre Museu Arqueológico de Nápoles Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileMeisterderAlexanderschlacht002jpg Mundo Helenístico 130 Arquitetura e artes menores Vimos na Aula 9 algumas das inovações arquitetônicas das novas cidades helenísticas como as grandes stoas e os teatros permanentes A prosperidade econômica de muitas cidades especialmente na Ásia Menor as influências culturais do Oriente e também a prática do evergetismo que já analisamos na Aula 9 certamente foram as responsáveis pela construção de edifícios públicos muito maiores e suntuosos do que no período clássico Apenas alguns estão preservados mas nos mostram uma ideia da tendência do período Um bom exemplo é o Altar de Pérgamo construído por Eumenes II na parte superior da acrópole da cidade na costa da Ásia Menor provavelmente para celebrar suas vitórias contra os gálatas não se tem certeza nem da datação precisa da construção do altar nem do seu propósito direto Vamos acompanhar a descrição do historiador de arte H W Jansen É na verdade um edifício impressionante O altar propriamente dito ocupa o centro de um pátio retangular envolvido por uma colunata jônica que se eleva sobre uma alta base de cerca de 93 metros quadrados uma escadaria monumental dá acesso ao pátio no lado ocidental Altares de tão grandes dimensões parecem ter sido uma tradição jônica a Jônia é a região onde se localiza Pérgamo desde a época arcaica mas o de Pérgamo é o mais primoroso de todos e o único de que subsistiram vestígios importantes O seu aspecto mais ousado é o grande friso que corre ao longo da base com 120 metros de comprimento e mais de 2 metros de altura JANSEN 1986 p144 Assim como no caso das efígies nas moedas em que os reis retratavamse para legitimar suas dinastias e sua continuidade com as conquistas de Alexandre edifícios monumentais como esse altar também tinham a função política de demonstrar e legitimar o poder Mas tão surpreendente quanto a grandiosidade do altar é o fato de ele ter sido escavado transportado e remontado totalmente no Museu de Pérgamo em Berlim onde se encontra hoje Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 131 Figura 1215 O Altar de Pérgamo remontado em Berlim Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePergamonmuseumPergamonaltarjpg Essa suntuosidade também pode ser verificada na outra principal inovação arquitetônica do período que foi a introdução do capitel coríntio Os edifícios gregos podem ser datados também a partir dos estilos de suas colunas a mais simples e antiga sendo a dória depois sobressaindo a jônia e a coríntia A coluna coríntia criada no início do século IV aC e assim nomeada por causa da cidade de Corinto é uma evolução estilística da coluna jônia e adiciona folhagens e ornamentações adicionais criando uma forma de decoração mais luxuosa em consonância com as novas e ricas construções Mundo Helenístico 132 Figura 1216 Desenhos dos estilos de colunas gregas da esquerda para a direita dórico jônio e coríntio Fontes a httpcommonswikimediaorgwikiFileDoriskkapiteljpg b httpcommons wikimediaorgwikiFileJoniskkapiteljpg c httpcommonswikimediaorgwiki FileKorintiskkapiteljpg Até mesmo no que chamamos de artes menores ou seja a cerâmica a ourivesaria e o entalhe de gemas entre outras temos exemplos dessa tendência de ostentação e grande elaboração de detalhes como é o caso da Cratera de Derveni Com 90 cm de altura e feita de uma liga de bronze tão elaborada que parece feita de ouro a cratera contém elaborados relevos que mostram animais sátiros e mênades homens e mulheres seguidores de Dioniso deus do vinho Figura 1217 A Cratera de Derveni Museu Arqueológico de Tessaloniki Fonte httpenwikipediaorgwiki FileCratC3A8redeDerveni0001jpg a b c Crateras As crateras eram vasos gregos tradicionalmente usados para misturar água e vinho em banquetes Consideravase correto diluir o vinho para o uso diário em uma parte para três de água ou uma para duas em refeições especiais Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 133 Vale a pena visitar os sites dos museus que con têm grandes coleções de arte helenística Museu do Louvre httpwwwlouvrefrdepartments antiquitC3A9sgrecquesC3A9trusqueset romaines Museu de Pérgamo httpwwwsmbmuseumsmbsammlungendetails phpobjID3 Metropolitan Museum of Art httpwwwmetmuseumorgtoahhdhahthdhaht htm Museu Britânico httpwwwbritishmuseumorgexplorehighlights highlightssearchresultsaspxRelatedId1696 Museu Arqueológico de Atenas httpwwwnamuseumgrcollectionssculpture hellenisticenhtml Mundo Helenístico 134 Atende ao Objetivo 1 1 A imagem a seguir é uma escultura helenística conhecida como A velha bêbada Descreva a escultura e explique por que ela pode ser considerada como pertencente a este período Figura 1218 A velha bêbada Glyptothek Munique Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileOld drunkardGlyptothekMunich437n1jpg Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 135 Resposta Comentada A fi gura mostra uma situação patética e não idealizada de velhice pobreza e embriaguez revelando assim uma tendência realista na escultura A embriaguez e a posição da estátua remetem à representação de uma alteração de consciência e estado mental específi co de um determinado momento no tempo Os detalhes do rosto e das pregas da roupa conferem com o realismo e o movimento das outras estátuas analisadas O desenvolvimento da ciência Também na História da Ciência o período helenístico foi durante muito tempo considerado inferior aos períodos arcaico e clássico Os primeiros pensadores gregos que criaram a fi losofi a procuraram compreender o mundo sob uma forma científi ca ou seja através da observação dos fenômenos naturais sem uma explicação divina Nesse sentido lançaram as bases para as realizações helenísticas Aliás é importante frisar que não podemos falar de ciência no mundo antigo através dos moldes de hoje pois a ciência moderna é defi nida pelo método científi co desenvolvido apenas a partir do século XVI com Galileu 15641642 Francis Mundo Helenístico 136 Bacon 15611626 e René Descartes 15961650 e muitas das explicações que os antigos apresentavam para o funcionamento das coisas hoje parecem ingênuas e absurdas No entanto a evolução da ciência está em grande parte relacionada às necessidades do mundo em que é desenvolvida No caso dos antigos esse processo é ainda mais evidente as descobertas e invenções helenísticas estão em geral ligadas ou a motivações cotidianas ou ao ambiente do debate teóricofilosófico das elites Por isso é necessário compreender que quando falamos de cientistas antigos suas atividades objetivos e financiamento eram muito distintos daqueles dos cientistas de hoje Em primeiro lugar as atividades técnicas e práticas eram bastante desvalorizadas já que eram associadas ao trabalho braçal eminentemente escravo Assim a maior parte dos desenvolvimentos científicos helenísticos está na teoria no pensamento abstrato a Matemática é um bom exemplo surgem no período a Geometria a Trigonometria e a Óptica cujos princípios até hoje são ensinados nas escolas Segundo muitos autores em especial os marxistas associada a essa mentalidade estava a falta de estímulos para otimizar a produção com a acomodação da mão de obra escrava Em segundo lugar não havia especialização tal como hoje e os cientistas estudavam campos do conhecimento bem diferentes entre si Arquimedes por exemplo escreveu tratados sobre Matemática Física e Engenharia Eratóstenes estudou Geografia Astronomia e Matemática além de História e Literatura Assumese em geral que os cientistas helenísticos perderam a liberdade de pesquisa que havia com as poleis autônomas pois durante a época helenística a maior parte deles estava subordinada aos reis que patrocinavam o seu trabalho em troca de prestígio cultural e de inovações no campo militar o principal estímulo para aplicações técnicas práticas De fato os principais centros de pesquisa científica no período eram Alexandria através da Biblioteca e Pérgamo Mas se por um lado a autonomia era menor os cientistas agora estavam livres das obrigações políticas Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 137 da cidadania para se dedicar apenas aos seus estudos Isso nos faz lembrar que os principais nomes da ciência helenística eram membros das elites gregas espalhadas por toda a área dos reinos herdeiros das conquistas de Alexandre Algumas das obras desses cientistas sobreviveram até nós outras em fragmentos citados pelos autores romanos Obras abstratas tais como os Elementos de Euclides apresentam deduções e desenhos que usamos até hoje mas outras como vários tratados sobre Botânica e Farmacologia eram escritas em versos com a preocupação de mostrar não apenas conhecimento sobre a área estudada como também o domínio das letras e do estilo em consonância com a demonstração da alta cultura pelas elites Astronomia O contato grego com a altamente desenvolvida astronomia e a Astrologia estimada no mesmo patamar babilônica foi fundamental para o desenvolvimento da astronomia helenística que já procurava partir dos princípios do movimento das estrelas deduzidos por antecessores tais como Tales de Mileto século VI aC Embora o uso de instrumentos de observação e medição fossem ainda rudimentares a invenção do astrolábio e da dioptra por Hiparco de Niceia aproximadamente 190126 aC possibilitaram a determinação da posição dos corpos celestes no céu e o cálculo do diâmetro do Sol respectivamente Sugestiva da dificuldade de mudar paradigmas sem o auxílio de instrumentos precisos e de deduções rigorosamente demonstradas é a hipótese de Aristarco de Samos 310230 aC de que a Terra giraria em torno do Sol contradizendo o conhecimento estabelecido de que a Terra era o centro do universo Arquimedes descreve o pensamento pioneiro de Aristarco Aristarco de Samos escreveu uma obra baseada em certas hipóteses que seguem a partir da premissa de que o universo Mundo Helenístico 138 é muitas vezes maior do que se acredita Suas hipóteses são que as estrelas são fixas e que o Sol se mantém imóvel que a Terra gira na circunferência de um círculo ao redor do Sol que está no meio dessa órbita e que a esfera das estrelas fixas situada aproximadamente no mesmo centro do Sol é tão grande que o círculo em que ele acredita que a Terra gira tem a mesma proporção em relação à distância das estrelas fixas do que o centro da esfera tem em relação à superfície O contador de areia 1 Ou seja para Aristarco o universo era tão grande que as estrelas estariam a enormes distâncias do Sol e da Terra mas a paralaxe estelar não ocorria ou seja as estrelas não se movimentavam em relação umas às outras para um observador na Terra Sabemos de apenas um astrônomo antigo que apoiou as ideias de Aristarco e a teoria heliocêntrica só foi retomada com Copérnico e Kepler mil e oitocentos anos depois Apesar disso não se deve desmerecer o estado da ortodoxia científica na época apenas porque se provou posteriormente que Aristarco estava certo Graham Shipley ressalta que a teoria de Aristarco era se não insustentável pelo menos impossível de se provar SHIPLEY 200 p 353 já que não se conhecia a gravidade e para todos os efeitos a Terra realmente parecia imóvel De fato apenas com a invenção do telescópio foi possível detectar a paralaxe estelar de forma que a rejeição à hipótese de Aristarco é plenamente compreensível dentro do contexto da época Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 139 A Terra é redonda Já Eratóstenes precisou apenas de cálculos simples e uma dedução lógica para determinar a medida da circunferência da Terra demonstrando que o planeta era redondo Eratóstenes era o biblio tecáriochefe da Biblioteca de Alexandria e sabia da existência de um poço na cidade de Swenet em grego Siene hoje Assuã na parte sul do Egito que era iluminado pelo Sol ao meiodia em um determi nado dia do ano sem que se fizesse sombra alguma o poço existe até hoje Já que o Sol fazia uma sombra no mesmo dia e hora em Alexandria com um ângulo de 712 no chão a única explicação para essa diferença seria que a Terra é redonda Sendo assim como 712 é 150 de 360 a distância entre Swenet e Alexandria deveria ser também 150 do diâmetro da Terra o cálculo nada mais é do que uma regra de três Eratóstenes calculou a distância entre as duas cidades como sendo de 5000 estádios o equivalente a 46620 km se a medida que ele usou era o estádio ático Porém se ele usou o estádio egípcio o que as fontes deixam em dúvida isso significa 39690 km uma medida de grande precisão dado que a medida calculada pela ciência atual é de 40075 km Mundo Helenístico 140 Figura 1219 Diagrama da dedução de Eratóstenes da circunferência da Terra Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileErathostenessvg Matemática O período helenístico é considerado o mais importante no desenvolvimento da Matemática antiga mas não representa uma ruptura totalmente radical com a Matemática clássica de Pitágoras e outros fi lósofos Certamente houve alguma infl uência dos babilônios e egípcios mas não sabemos precisar ao certo a origem das novidades surgidas na Matemática pura e aplicada O que se destaca são as demonstrações lógicas e formulações de postulados fundamentais ou axiomas e hipóteses especialmente com a obra Elementos de Euclides que formou a base da Geometria plana até o século XX nos conceitos e na forma de apresentação Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 141 Figura 1220 Elementos de Euclides manuscrito de Lüneburg século XIII No canto superior esquerdo encontrase uma demonstração geométrica do Teorema de Pitágoras Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileEuclidLueneburgms page8jpg A geometria dos sólidos os números primos e o cálculo de áreas também se sofisticaram através dos trabalhos de Euclides e de Apolônio ambos parte do grupo de estudiosos da Biblioteca de Alexandria Outro nome importante é o de Arquimedes de Siracusa 287212 aC que calculou o valor de π a proporção entre a circunferência e o diâmetro de um círculo de maneira bastante precisa usando o método da exaustão Mundo Helenístico 142 Mecânica Assim como outros cientistas helenísticos Arquimedes estava mais interessado nas implicações teóricas dos cálculos que desenvolveu sobre Matemática e Mecânica No entanto como estava subordinado ao patrocínio do rei Hierão II de Siracusa foram as aplicações práticas de suas pesquisas que o tornaram mais conhecido a Arquimedes é creditada a invenção da polia composta do parafuso sem fim para elevar a água encanada e do cálculo de volumes irregulares Este último é a fonte de uma conhecida anedota sobre o cientista relatada pelo romano Vitrúvio o rei Hierão havia suspeitado que uma coroa de ouro encomendada a um ourives tinha sido misturada com prata embora seu peso fosse o mesmo do ouro fornecido Conta a anedota que Arquimedes estava pensando sobre o problema durante o banho sentado em uma banheira Como o nível da água subia ao entrar na banheira Arquimedes supôs que o mesmo princípio poderia ser aplicado à coroa de ouro ou seja o volume de água deslocado deveria ser equivalente à massa do objeto este é o princípio da densidade Empolgado com a descoberta Arquimedes teria levantado da banheira e corrido nu pelas ruas gritando eureka eureka o que em grego significa descobri Anedotas à parte as aplicações práticas das descobertas científicas no período têm se revelado muito mais sofisticadas do que se acreditava No começo do século XX foi encontrado um navio naufragado próximo à ilha de Anticítera na Grécia que foi datado do século I aC Dentre os artefatos encontrados estavam 82 fragmentos de uma peça extraordinária um mecanismo analógico de cálculo altamente complexo que os arqueólogos têm creditado como ancestral do computador Estudos complexos foram necessários para analisar e decifrar o funcionamento da peça exigindo até mesmo tomografias computadorizadas o que revelou a existência de 30 rodas dentadas de bronze todas interconectadas e resultando em três relógios diferentes um maior em um lado e dois menores do outro Acreditase atualmente que o relógio maior fosse usado Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 143 para calcular a posição do Sol da Lua e dos planetas no zodíaco bem como as fases lunares Os outros relógios indicariam ciclos astronômicos Figura 1221 Fragmento principal do mecanismo de Antikythera Museu Arqueológico Nacional Atenas F o n t e h t t p c o m m o n s w i k i m e d i a o r g w i k i F i l e N A M A Machined27AnticythC3A8re1jpg O mecanismo de Anticítera ainda está sendo es tudado em detalhes Textos em inglês e vídeos que detalham e sugerem reconstituições para as peças podem ser encontrados nos seguintes sites httpwwwantikytheramechanismgr e httpwww hpdstgreventsexhibitionsantikytheramechanism Mundo Helenístico 144 Ciências biológicas e Medicina O estudo da Botânica e da Zoologia no período helenístico deve suas origens ao trabalho de Aristóteles sobre esses temas que combinava sua teoria especulativa baseada nas formas e funções dos seres vivos reflexos do nível de perfeição de cada criatura com observações empíricas e práticas Baseandose nos princípios de Aristóteles seu discípulo Teofrasto cerca de 371287 aC estudou e catalogou as plantas conhecidas na época no livro História das plantas em dez volumes dos quais temos nove e é tido como o pai da Botânica Sua obra classificava as plantas de acordo com a origem tamanho formas de reprodução e usos práticos evitando explicações mágicas para os efeitos de consumo Teofrasto utilizou informações coletadas por membros da expedição de Alexandre por todo o território conquistado oferecendo uma minuciosa compilação de informações em escala inédita no mundo antigo tanto que sua obra foi tida como referência para os conhecimentos na área até a Idade Média Os usos práticos desses conhecimentos podem ser atestados através da influência persa e egípcia no melhoramento das espécies através da experimentação Devido à maior mobilidade e ao intenso intercâmbio cultural e econômico a transferência de espécies diferentes para novas áreas também determinou melhorias nos padrões de cultivo e no pastoreio No entanto é importante ressaltar que essa transferência foi planejada não por motivos científicos mas sim para garantir os padrões de vida das elites gregas e macedônicas estabelecidas nas novas regiões ou para aumentar o prestígio político dos reis que patrocinavam tais importações No campo da Medicina as explicações dos cientistas continuaram se baseando na teoria dos quatro humores formulada por Hipócrates sangue fleuma bile amarela e bile negra associados respectivamente ao ar água fogo e terra e cujo desequilíbrio provocaria a dor e a doença No entanto os estudos de anatomia tiveram grande avanço com as dissecações realizadas por Herófilo da Calcedônia e Erasístrato de Chio Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 145 Herófilo introduziu o método experimental na Medicina identificando os nervos e atribuindo ao cérebro e não ao coração como se acreditava o centro do intelecto Também identificou a diferença entre veias e artérias e estabeleceu um protocolo para a medição do pulso Erasístrato fundou uma escola de anatomia em Alexandria mas subordinou suas conclusões empíricas a um sistema que explicaria tanto a função dos órgãos quanto às doenças e seu tratamento o ar inalado transformarseia em pneuma vital e o sangue circularia apenas nas veias enquanto que o ar circularia nas artérias O ambiente de livre experimentação de Alexandria combinado com o patronato real possibilitou a Herófilo e Erasístrato o estudo da anatomia humana a partir da dissecação de cadáveres e até mesmo de pessoas vivas O enciclopedista romano Celso descreveu o método dos dois médicos já que a dor e os vários tipos de doenças surgem nas partes internas eles os médicos acreditam que ninguém pode remediar esses problemas se não conhece as partes do corpo e que é necessário portanto abrir os corpos das pessoas mortas e inspecionar suas vísceras e intestinos Acreditam que Hierófilo e Erasístrato o fizeram da melhor maneira possível Os dois receberam dos reis alguns homens maus trazidos da prisão e os abriram enquanto estavam vivos enquanto a respiração ainda se mantinha nestes examinaram coisas que a natureza antes havia escondido sua localização cor forma tamanho disposição consistência relação as projeções e depressões de cada uma e se uma está dentro da outra ou recebe parte de outra dentro de si Eles não acreditam que seja cruel buscar como sugere a maioria nas punições dos criminosos e são poucos os remédios para pessoas inocentes das gerações futuras De Medicina prefácio 2326 Mundo Helenístico 146 CONCLUSÃO As artes e ciências desenvolveramse bastante no período helenístico em primeiro lugar como consequência da expansão dos territórios conquistados pelos gregos e seus descendentes e o estabelecimento de padrões culturais gregos combinados com características culturais locais As novas elites da Ásia e do Egito procuraram promover o estilo de vida derivado do mundo grego anterior com o estímulo a obras de arte e teorias científi cas baseadas nos padrões clássicos No entanto sua evolução tomou contornos próprios revelando o caráter de desenvolvimento econômico do período refl etido pela ostentação estética e o patrocínio real às pesquisas científi cas É sem dúvida nesses dois campos que vemos de maneira mais clara como a anterior desvalorização do período helenístico deu lugar à devida importância do seu estudo Atividade Final Atende ao Objetivo 2 Este é o último exercício da disciplina Mundo Helenístico Durante o semestre você deve ter se familiarizado com a leitura crítica dos vários tipos de fontes que restaram do período é necessário atenção aos detalhes do documento para relacionálo com o mundo que o produziu O texto a seguir é uma carta datada de 257 aC e escrita por um agente do governo ptolomaico para um produtor de uvas na Galileia Leia o texto e responda quais são as características teóricas e sociais relacionadas à ciência helenística que são indiretamente reveladas pela carta Aula 12 Arte e ciência no mundo helenístico 147 Glaukias a Apolônio saudações Sobre as coisas que você me instruiu a reportar a Nicanor e Antíoco nós as reportamos Saiba que eles as aprovaram Sobre as outras coisas nós as reportaremos quando chegarmos Chegando a Baitanôs e levando Melas comigo eu visitei as plantas e todas as outras coisas Elas me parecem cultivadas satisfatoriamente e ele disse que a vinha tinha 80 mil pés Ele também construiu um poço e habitações apropriadas Ele me deu o vinho para provar e eu não podia determinar se era de Quios ilha grega ou local Esteja bem e boa sorte com tudo SKEAT T C Greek Papyri in the British Museum vii The Zenon Archive London BM Publications for British Library Board 1974 1948 Resposta Comentada A elite grega espalhouse pelas áreas conquistadas levando seus costumes e economia no caso introduzindo o cultivo da uva para o vinho em novas regiões A riqueza dos novos reinos também transparece no tamanho da plantação O conhecimento técnico mostravase aplicado não nos tratados teóricos dos cientistas mas na vida cotidiana das cartas A principal frase que revela a resposta é a penúltima o vinho produzido na Galileia é tão grego que se mostra indistinguível do vinho produzido na própria Grécia Mundo Helenístico 148 RESUMO Vimos as características da arte e da ciência helenísticas A arte helenística por muito tempo desvalorizada e considerada inferior à arte grega clássica tem problemas de datação e atribuição já que está em boa parte preservada através de cópias romanas Seu estilo revela características do contexto em que foram produzidas perdem a solenidade rígida própria da polis dos cidadãos e ganha um caráter diversificado individualizante vistoso e grandioso em consonância com a prosperidade e o cosmopolitanismo dos reinos helenísticos A ciência no período revela a evolução diversificação e expansão das bases científicas lançadas pelos pensadores gregos anteriores também por todo o território expandido onde se encontra agora a presença grega Retrato das preocupações e interesses da elite grega nessas novas regiões a ciência tem um caráter mais teórico do que prático embora novos avanços técnicos estejam relacionados às preocupações estratégicas dos reis que patrocinavam as pesquisas Juliana Bastos Marques Aula 9 Juliana Bastos Marques As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis Mundo Helenístico 34 Meta da aula Discutir a vitalidade da forma grega de ocupação urbana a polis através de uma avaliação das mudanças do período helenístico em relação ao período clássico Objetivos Esperamos que ao final desta aula você seja capaz de 1 discutir os elementos definidores da polis clássica de acordo com o debate historiográfico 2 reconhecer elementos característicos da configuração urbanística grega nas cidades helenísticas 3 distinguir as diferenças na constituição da polis no mundo helenístico em especial no Egito e na Ásia Prérequisito Esta aula relacionase ao conteúdo do caderno didático de História Antiga referente à polis grega Portanto reveja primeiro a Aula 14 daquela disciplina Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 35 INTRODUÇÃO O mundo antigo é o mundo da cidade Essa definição é comum entre os estudiosos do período que sustentam que a economia e a cultura na Antiguidade guiavamse a partir da dinâmica singular das cidades gregas e romanas e de como se construiu uma complexa rede de trocas entre elas a partir do comércio das guerras e das relações políticas De fato o mundo grego que surge após o fim da Era do Bronze gradualmente a partir do século XI aC será marcado pelo surgimento da polis a cidadeEstado grega Até a primeira metade do século XX era comum entre os estudos sobre o período avaliar que a polis como instituição característica do mundo grego havia acabado com o fim do mundo clássico já que seu principal atributo era a autonomia política destruída após as conquistas de Alexandre No entanto estudos mais recentes têm reavaliado essas posições e definido a polis sob uma perspectiva mais ampla que revela que durante o período helenístico as cidades gregas desenvolveramse muito mais do que no período clássico O que define a polis Embora a Grécia nunca tenha se configurado em uma unidade política até o seu apogeu antes da conquista macedônica as concentrações urbanas que começaram a surgir no período arcaico a partir do século VIII aC adquiriram características semelhantes entre si Porém só fica mais claro definir a diferença entre a polis e um aglomerado urbano genérico depois que aquela está finalmente consolidada afinal de contas esse foi um processo lento e gradual O historiador Mogens Hansen do Copenhagen Polis Centre tem se dedicado a estudar todas as formas das poleis gregas para definir seus padrões e características particulares Seu levantamento listou por volta de 1500 poleis mencionadas pelas fontes eou Mundo Helenístico 36 encontradas em escavações arqueológicas das quais mais de 400 eram colônias gregas espalhadas pelo Mediterrâneo e o mar Negro e aproximadamente 300 foram fundadas durante o período helenístico Assim podemos ver que desse total muitas desapareceram e outras surgiram durante o tempo fora aquelas que eventualmente tenham existido mas que não deixaram registro até nós O levantamento de Hansen é um atestado do que falamos na introdução ele diz Em qualquer época dentro do mundo clássico grego existiam pelo menos 1000 poleis o que faz da cultura da cidadeestado grega antiga a maior na história do mundo HANSEN 2006 p 31 O que faz de um aglomerado urbano uma polis As próprias fontes literárias do mundo antigo são muitas vezes confusas ao usar o termo Dependendo do contexto o uso do termo polis pode significar apud HANSEN 2006 p 5657 a a acrópole propriamente dita ou seja um estabelecimento fortificado geralmente no topo de uma colina que constituía o centro da cidade Figura 91 b sinônimo de asty ou a cidade c sinônimo de ge ou chora ou seja o território como um todo a cidade mais o campo que a ela pertence d no sentido de comunidade o conjunto dos cidadãos e sinônimo de ekklesia ou demos a assembleia política f sinônimo de koinonia a comunidade política em termos abstratos Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 37 Figura 91 A acrópole de Selinunte na Sicília Fonte httpesfotopediacomitemsflickr539331082 Resta então verificar que formas físicas em comum adquiriam as poleis ou seja que tipos de edifícios e configurações urbanas peculiares elas apresentavam Paradoxalmente as duas cidades que mais conhecemos no mundo grego Atenas e Esparta são as menos características e menos adequadas como ponto de partida Atenas era muito maior do que as outras cidades mais rica e poderosa e seu território a Ática era também muito maior do que os territórios das outras cidades Além disso a forma como desenvolveu sua democracia foi muito mais radical do que qualquer outra maneira de representação política Esparta também tinha um território muito vasto uma organização política e um sistema social muito peculiar conforme você deve ter estudado na disciplina História Antiga Uma forma de se definir o que seriam poleis típicas é analisar como se deram as fundações das colônias gregas a partir do século VIII aC já que essas cidades eram criadas do zero por expedições vindas das metrópoles cidadesmães Os colonos chegavam por via marítima até uma determinada região desabitada ou com tribos locais longe da costa e estabeleciam uma nova cidade de acordo com os padrões que julgavam necessários Analisando essas Mundo Helenístico 38 colônias vemos que tipos de construções públicas eram necessários para se fundar uma nova polis 1 Uma ágora ou mercado público uma praça livre de construções geralmente retangular onde eram conduzidos os negócios públicos e privados no período helenístico as ágoras costumavam ser rodeadas por stoas monumentais 2 Um bouleuterion edifício que abrigava a boulé assembleia dos cidadãos 3 Um gymnasion não apenas um ginásio para exercícios físicos mas sim uma escola para a educação dos cidadãos 4 Um teatro geralmente construído em uma encosta de colina para aproveitar a topografia no período helenístico começaram a ser construídos com pedra 5 Muralhas para proteger o centro urbano e abrigar os habitantes do território em caso de ataque 6 O templo da divindade local além de outros templos As fontes escritas também fornecem evidências Pausânias um geógrafo grego que viveu no século II dC escreveu um guia da Grécia para os viajantes No livro 10 dedicado à região da Fócida ele critica a cidade de Panopeu se é que se pode chamar de cidade uma que não tem prédios públicos nenhum ginásio teatro ou ágora que não tem água corrente em uma fonte e onde se mora à beira de um buraco em choupanas como as cabanas das montanhas X 41 No entanto podemos dizer que a polis até o período clássico se caracterizava menos pela uniformidade urbana e institucional do que pelo fato de possuir autonomia palavra que significa legislar pelas suas próprias leis autos próprio nomos lei ou território Da geração e aplicação das próprias leis no funcionamento da cidade vem como extensão a ideia de liberdade já que autonomia Stoas As stoas eram longos pórticos públicos cobertos e cercados de colunas onde se localizavam lojas e faziamse negócios Durante o período helenístico essas construções popularizaramse nas cidades gregas e da Ásia Menor rodeando as ágoras e oferecendo proteção contra o forte sol do Mediterrâneo A stoa mais famosa é a de Átalo rei de Pérgamo oferecida como presente a Atenas que foi reconstruída e hoje abriga um museu Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 39 significava que o conjunto de cidadãos não estaria sujeito à autoridade de um rei externo ou de um tirano que governasse de acordo com seus próprios interesses e acima da lei Como a situação política muda bastante no período helenístico e as relações com os reis tornamse inevitáveis entendese que essa autonomia sofre alterações e de fato diminui nas cidades gregas Ao mesmo tempo novas fundações de cidades em um território mais amplo do que o mundo grego clássico trazem novas dinâmicas políticas e culturais ao mesmo tempo em que uma certa padronização do conceito urbano grego também é mais visível Sendo assim fica a pergunta a autonomia é uma definição suficiente para entender a polis grega ou essa definição pode ser mais ampla e flexível Figura 92 Stoa de Átalo em Atenas reconstituição Fonte httpenwikipediaorgwikiFileStoainAthensjpg Mundo Helenístico 40 O Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga Labeca do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP tem um site muito interessante e com vasto material sobre as cidades gregas antigas Vale a pena ler os artigos e ver as imagens disponíveis O endereço é httpwwwlabecamaeuspbr Fonte httpwwwlabecamaeuspbr Polis x cosmopolis No século IV aC parece ter havido na Grécia um aumento significativo da população Não podemos medir exatamente esse aumento pelas evidências arqueológicas mas as fontes escritas comentam frequentemente sobre bandos errantes de gente sem terras e sem dinheiro grupos de aventureiros e exilados políticos deslocandose pelo mundo grego O orador ateniense Isócrates defendia em seus discursos escritos na época de Filipe II da Macedônia que os gregos organizassem um ataque unificado aos persas para conquistar o território da Ásia Menor e lá estabelecer esse excedente populacional instaurando uma nova onda de colonização grega e resolvendo o problema desses bandos errantes Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 41 Uma das consequências das conquistas de Alexandre foi a fundação de diversas novas cidades gregas pelo império exatamente o que Isócrates defendia A primeira nova cidade a ser fundada pelo general foi Alexandria em 332 aC e que vamos analisar daqui a pouco Na rota seguida pelo exército macedônico na Ásia foram fundadas várias outras cidades entre comunidades totalmente novas refundações gregas de comunidades locais já existentes e postos militares avançados Os reis helenísticos que se seguiram a Alexandre também fundaram várias novas cidades tendo em vista a ocupação do imenso novo território por populações gregas em especial para a elite administrativa dos novos impérios A fundação de colônias distantes na Báctria Média e outras partes mais orientais do império mostravase também importante para garantir a segurança das fronteiras No caso das refundações de cidades já antigas encontramos muitos exemplos no império selêucida como os casos da antiga capital persa Susa que foi renomeada SelêucidanorioEulaio ou de Uruk a cidade suméria tornada Antioquianocanalde Ishtar Muitas das antigas grandes cidades foram suplantadas por essas novas cidades gregas que surgiram ao seu lado como é o caso da Babilônia que caiu em declínio ao lado da nova capital SelêucidanorioTigre Essas novas cidades traziam como característica na composição social a presença tanto das antigas populações locais quanto das novas elites gregas e macedônicas que provavelmente estavam em número bastante reduzido em relação aos habitantes locais No entanto em algumas gerações já é possível verificar uma prevalência cultural tipicamente grega no registro da existência dessas cidades Chamaremos isso de helenização Tudo depende do que o registro dos vestígios deixanos entrever as novas cidades continham muitos elementos urbanos típicos do mundo grego mesmo em lugares distantes mas a construção desses edifícios e a adoção de novos planos urbanos obedeciam a determinações da nova elite Os registros que temos das estruturas administrativas de transações Mundo Helenístico 42 comerciais e dos negócios públicos e privados revelamnos um pouco da mistura entre os elementos locais e os gregos e percebese pouco a pouco que as próprias elites locais passam a procurar ascender socialmente através da emulação dos padrões gregos É provável que o camponês médio tenha sido pouco afetado por essas mudanças culturais na medida em que ainda continuava falando sua língua e cultuando seus deuses Os vestígios arqueológicos podem nos dar uma medida das transformações na vida cotidiana Figura 93 Por exemplo que tipos de objetos tipicamente gregos ou tipicamente locais são encontrados nas habitações dessas cidades Os objetos gregos estão em contextos associados às elites como casas ricas ou edifícios públicos Ou começamos a encontrar objetos que mostram um amálgama entre essas culturas Figura 93 Máscara grega de teatro encontrada em Ai Khanoum Báctria século II aC Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileGorgoyleSharpjpg Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 43 O estudo arqueológico do período helenístico é muitas vezes dificultado pelo fato de que as escavações ainda são incompletas Geralmente as expedições arqueológicas estão mais interessadas em ocupações do período clássico grego quando é o caso ou no período romano ou é até mesmo impossível escavar porque as fundações helenísticas estão embaixo dos prédios das cidades atuais Sendo assim precisamos muitas vezes de evidências externas ou indiretas para compreender o desenvolvimento dessas cidades No entanto é possível constatar que eram cidades muito maiores do que as antigas poleis gregas com um movimento muito mais dinâmico de pessoas mercadorias e ideias É por isso que podemos usar o termo cosmópolis para muitas dessas novas cidades como Alexandria Antioquia e Pérgamo queremos dizer que eram cidades muito mais voltadas a um ambiente de trocas culturais com diversos povos aberto a novas influências e não mais voltado a uma identidade cultural única Gregos ou locais os habitantes das cidades no mundo helenístico tinham a percepção de que o mundo conhecido era vasto amplo e de uma forma ou de outra parte de seu próprio mundo Com o desbravamento e a ocupação de novos territórios também a população como um todo aumentou no período trazendo como consequência aumentos expressivos nos exércitos e na arrecadação de impostos No caso dos exércitos é bom lembrar que durante o período helenístico os exércitos característicos de cidadãos das poleis clássicas estavam sendo substituídos por tropas compostas por mercenários contratados por um soldo que era pago em espécie e em butim ganho nas campanhas vitoriosas Nesse sentido vemos aqui uma grande diferença entre o mundo dos hoplitas e as tropas a serviço das monarquias e cidades helenísticas Um bom exemplo do que seria essa nova dinâmica militar é a vida de Xenofonte general ateniense que viveu entre 430 e 354 aC antes de Alexandre portanto e escreveu entre outras obras um relato da expedição de soldados mercenários que liderou a Anabasis releia o boxe de curiosidade sobre Xenofonte na Aula 2 Exércitos de mercenários eram cosmopolitas por excelência já que Hoplitas Os cidadãos das poleis gregas arcaicas e clássicas lutavam por suas cidades como soldados organizados em formação de falange e eram denominados hoplitas Enquanto era obrigação da cidade treinar os soldados os hoplitas precisavam ter renda suficiente para se armar geralmente com o mínimo de uma lança um escudo e uma armadura incluindo o capacete Mundo Helenístico 44 se compunham de homens de todas as partes do mundo helenístico viabilizando profundas trocas culturais entre si e com os habitantes das cidades que percorriam O poder na polis helenística Como vimos o que se alega sobre o fim da polis no período helenístico é o fato de que as cidades gregas passaram a ser direta ou indiretamente dominadas pelos reis sejam os antigônidas Ptolomeus ou selêucidas sejam os reis das monarquias menores que também se consolidaram na época Portanto isso significa que elas teriam perdido a sua autonomia política característica do período clássico Um bom exemplo disso é a própria cidade de Atenas que embora conservasse nominalmente sua independência muitas vezes precisava se subordinar a determinações de monarcas alheios de maior poder militar e prestígio político São abundantes as inscrições epigráficas onde se encontram tratados em que as poleis são obrigadas a pagar tributos para esses reis Como vimos na última aula a retórica romana sobre libertar as cidades estava relacionada a essa questão Algumas regiões porém foram menos afetadas por esse jogo de relações e as cidades continuaram se desenvolvendo sem uma influência decisiva dos reis como as cidades da Sicília da Magna Grécia e do Mediterrâneo ocidental bem como na mais isolada costa do mar Negro Mas os reis também precisavam do apoio das cidades para aumentar a sua reputação e o seu prestígio além de se beneficiar economicamente Veja esse decreto da cidade de Smirna da metade do século III aC Já que antes quando o rei Seleuco III passou por Selêucida e muitos e grandes perigos estavam ameaçando nossa cidade e território o povo preservou sua boa vontade e amizade para com ele não ficou intimidado com a invasão inimiga e não se preocupou com a destruição de sua propriedade mas considerou tudo isso secundário perante a manutenção Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 45 de sua política de amizade e defesa dos interesses do rei da melhor maneira possível como prometeu de início Assim o rei Seleuco que mostra piedade perante os deuses e afeição pelos seus pais sendo generoso e sabendo como retribuir a gratidão ao seu benfeitor a cidade honrou nossa cidade por causa da boa vontade e do zelo demonstrados pelo povo em torno de seus interesses AUSTIN 182 Como vimos antes no exemplo da stoa de Átalo em Atenas é característico desse período que os reis generais e também outros homens ricos oferecessem presentes às cidades como forma de consolidar o seu prestígio Em boa parte esses presentes eram construções públicas pagas por esses particulares O historiador Paul Veyne chamou essa prática de evergetismo termo que vem do grego evergetes ou benfeitor aquele que faz bons serviços Muitas vezes as cidades não tinham dinheiro suficiente para construir um grande templo ou um teatro e financiar obras públicas abertamente era uma forma de demonstrar força política e prestígio para os reis e homens ricos Essa prática foi responsável pelo desenvolvimento vigoroso de muitas cidades helenísticas e também continuou a ser adotada durante o período romano Em muitas dessas cidades estabeleceuse uma forma de democracia menos radical do que aquela que havia sido característica da Atenas clássica Muitas constituições locais estabeleceram assembleias magistrados e conselhos de cidadãos baseados na forma ateniense mas nem mais na própria Atenas os cidadãos tinham controle completo da política Às cidades ainda competia a organização dos cultos e dos festivais locais o abastecimento a relação oficial com os reis e outras cidades e o gerenciamento da vida pública cotidiana mas como vimos a atuação direta ou indireta de reis e generais nas cidades moldava uma rede de relações mais ampla e essencialmente menos autônoma para elas Em algumas dessas democracias voltava a ser necessária uma qualificação de renda para votar e ser votado Mundo Helenístico 46 excluindo assim os homens livres pobres Portanto de certa forma elas voltavam a ser oligarquias apesar de conservar nominalmente o caráter de democracias Características urbanas das cidades helenísticas Como vimos as conquistas de Alexandre e o estabelecimento de monarquias helenísticas no Egito e na Ásia foram responsáveis por um grande número de novas fundações de cidades O próprio Alexandre fundou várias Alexandrias das quais foram identificadas até hoje treze delas Seleuco fundou várias Selêucias Antioquias Laodiceias e Apameias em toda a extensão de seu império na Ásia os nomes das cidades são derivados dos nomes da dinastia entre homens e mulheres Muitas dessas cidades eram refundações de pequenas cidades nativas já existentes adicionando novos edifícios públicos mas foram responsáveis por um nível de expansão da cultura grega nunca antes imaginado no mundo antigo Até mesmo em regiões distantes como a Báctria na fronteira da Índia cidades eram fundadas com teatros gregos ginásios e ágoras para abrigar a elite grega que ali se instalava Figura 94 Em termos de população muitas dessas cidades chegaram a antes inéditas centenas de milhares de pessoas Uma característica bem típica da maioria dessas novas poleis foi a adoção de uma disposição urbanística planejada em um plano quadriculado com dois eixos principais nortesul e lesteoeste e com as construções públicas planejadas para se localizarem no centro Embora desde o período arcaico já encontremos exemplos desses planos nas cidades o modelo tornouse mais frequente através dos trabalhos do filósofo Hipódamo de Mileto que viveu no século V aC e que defendia uma teoria da organização urbana baseada na divisão da sociedade dentro do território Os romanos também usaram muito esse arranjo baseado na organização espacial dos acampamentos militares Encontramos nas cidades atuais vários Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 47 exemplos desse tipo de planejamento urbano como em Nova York Toronto Barcelona e no Brasil algumas cidades do interior do estado de São Paulo e no CentroOeste Figura 94 Plano urbanístico da cidade de Ai Khanoum na Báctria Repare as típicas formas gregas em uma cidade fundada nas fronteiras de onde hoje é o Afeganistão Fonte httpwwwliviusorga1mapsaikhanummapgif Jona Lendering liviusorg A disposição e o estado dos edifícios públicos no período helenístico também nos traz uma forma de compreender a economia no período Os edifícios em geral se tornaram mais elaborados e suntuosos as novas stoas são um exemplo O bouleuterion destacou se como um edifício de função especializada separando as reuniões políticas do comércio praticado na ágora O gymnasion passou a ser construído próximo ao centro e sua administração tornouse Mundo Helenístico 48 complexa e hierarquizada foram preservados decretos com várias leis sobre isso e os novos teatros eram muito maiores além de permanentes pois passaram a ser construídos com pedras ao invés de madeira Repare no tamanho do teatro de Éfeso Figura 95 sua capacidade era de 10 mil pessoas Figura 95 No sentido horário a ágora de Thessaloniki o bouleuterion de Akrai Sicília o gymnasion de Kos e o grande teatro de Éfeso Fontes httpcommonswikimediaorgwikiFileTHESAgoraEaststoajpg httpcommonswikimediaorgwiki FileBouleuterionjpg httpcommonswikimediaorgwikiFileGymnasionJPG httpcommonswikimediaorgwiki FileEphesusTheaterjpg As muralhas que cercavam as poleis passaram gradativamente ao desuso em algumas regiões durante o período helenístico Territórios localizados dentro de reinos estáveis não tinham mais uma necessidade de proteção tão primordial contra invasões quanto antes A partir do século I aC quando a pax romana estabilizou Aula 9 As cidades helenísticas fi m ou transformação da polis 49 a Grécia surgiram muitas cidades sem qualquer traço de uso de muralhas e as muralhas antigas deixaram de ser restauradas a Arqueologia confi rma até mesmo o aumento do número de aldeias Atende aos Objetivos 1 e 2 1 Analise a planta da cidade de Priene que foi uma pequena cidade grega da Ásia Menor no período de Alexandre e responda descrevendo a imagem que características dessa cidade tornamna uma típica polis helenística Figura 96 Legenda A B C portões D E F H M P templos G ágora I bouleuterion K pritaneu L Q gymnasion N teatro Q reservatório de água R stadion Fonte HAVERFIELD F Ancient TownPlanning Oxford Clarendon Press 1913 httpwwwgutenbergorgfi les1418914189h14189h htmfi g6 Mundo Helenístico 50 Resposta Comentada É possível notar pelo plano quadriculado que a cidade foi planejada e não uma ocupação aleatória Além disso os principais edifícios públicos estão todos concentrados no centro com a ágora e os edifícios administrativos na intersecção dos eixos nortesullesteoeste A muralha também é um elemento importante denotando a necessidade ainda existente de proteção contra invasões Alexandria a cidade helenística por excelência Já havia uma cidade grega no Egito antes de Alexandria o faraó Psamético 664610 aC fundou a cidade de Náucratis para os colonizadores gregos de Mileto e seu sucessor Amásis tornoua um entreposto comercial em grego emporion exclusivo dos gregos em 570 aC Como emporion Náucratis não era uma polis típica tal como as cidades gregas e as grandes colônias fundadas por todo o Mediterrâneo pois tinha como função principal agir como Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 51 ponto de trocas comerciais entre gregos e egípcios Enquanto estes negociavam grãos papiro e linho os gregos forneciam prata madeira azeite e vinho Quando Alexandre chegou ao Egito e expulsou os persas em 332 aC resolveu fundar uma nova cidade a primeira de suas várias fundações no delta do rio Nilo próximo à ilha de Faros um local estratégico para servir de elo entre o Egito e o Mediterrâneo facilitando ainda mais o contato com a Grécia Alexandria nunca foi pensada para ser uma cidade integrada ao mundo egípcio mas sim uma cidade grega próxima ao Egito tanto que o nome completo da cidade era AlexandriaaoladodoEgito Acreditase que a cidade foi fundada sobre uma vila egípcia já existente chamada Racótis nome esse que posteriormente denominou o bairro da cidade onde moravam os egípcios O historiador Arriano que viveu no século II dC descreve como Alexandre fundou a cidade Alexandre veio a Kanobos navegou em torno do lago Mareótis e aportou no lugar da presente cidade de Alexandria que dele deriva seu nome O lugar pareceu a ele o mais favorável para a fundação de uma cidade e ele imaginou que seria próspero Então foi tomado de um grande desejo pela tarefa e delimitou ele mesmo as principais áreas da cidade a localização da ágora quantos santuários deveriam existir e de que deuses tanto os gregos quanto a egípcia Ísis e obviamente também a muralha Ele ofereceu sacrifícios na planície e os auspícios pareceram favoráveis Anabasis III 1 Figura 97 O porto de Alexandria hoje Fonte httpenwikipediaorgwikiFileAlexandriapanoramajpg Mundo Helenístico 52 Alexandria foi planejada de acordo com o plano urbanístico hipodâmico ou seja do filósofo Hipódamo de Mileto que vimos há pouco e foi obra do arquiteto Dinócrates de Rodes A arqueologia hoje tem muitas dificuldades em reconstruir o sítio primeiro porque a cidade atual está construída em cima das ruas antigas e segundo porque boa parte da ocupação antiga foi coberta pelo mar possivelmente ainda no período romano Figura 97 Assim é a arqueologia submarina que revela hoje muitas das grandes construções públicas que tornaram a cidade famosa como o próprio Farol de Alexandria uma das Sete Maravilhas do mundo antigo com 140 metros de altura construído em 280 aC e destruído em um terremoto durante a Idade Média Além disso dependemos das descrições dos autores antigos sobre a cidade entre elas a minuciosa descrição do geógrafo Estrabão que a visitou no começo do século I dC e ficou impressionado com a largura das ruas e o tamanho dos quarteirões Alexandria era de fato uma cidade enorme para os padrões antigos com aproximadamente meio milhão de habitantes Alexandria foi planejada para ter os típicos elementos administrativos de uma cidade grega e teve como modelo as instituições políticas de Atenas tinha uma assembleia um conselho e magistrados tais como o sistema ateniense mas nunca chegou a se configurar como uma democracia de fato Como em poucos anos se tornou a capital do reino ptolomaico a ausência cada vez maior de referências sobre essas instituições nas fontes pode refletir o caráter autocrático da monarquia dos Ptolomeus também revelado pela importância dos palácios reais próximos ao porto Ptolomeu I já pretendia usar a grandeza de Alexandria para se impor perante os outros reinos helenísticos e usou como grande trunfo o sequestro do corpo mumificado de Alexandre para construir um imponente monumento em grego Sema onde também depois foram colocados os corpos dos monarcas ptolomaicos Assim pretendiase construir um elo legítimo de continuidade entre Alexandre e os Ptolomeus na concorrência entre as monarquias que se consolidaram após a guerra dos diádocos você se lembra da Aula 5 Outra forma Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 53 de se integrar Alexandria e o reino ptolomaico ao passado grego foi a instauração das Ptolemaieia ou Jogos Ptolomaicos em honra do deificado Ptolomeu I os jogos tornaramse tão expressivos que foram considerados isolímpicos ou seja equivalentes em termos de importância aos Jogos Olímpicos A cidade tinha uma grande quantidade de habitantes de origem grega ou macedônica Assim como em Atenas a cidadania era hereditária e geralmente fechada à comunidade grega O bairro de Racótis na parte sudoeste da cidade abrigava os egípcios e havia também uma grande comunidade judaica helenizada falavam grego além de hebraico O porto de Alexandria o mais movimentado de todo o mundo antigo permitia o afluxo de um grande número de pessoas vindas de todas as outras regiões do mundo antigo de forma que podemos dizer que Alexandria era uma verdadeira cosmópolis Um dos principais edifícios de Alexandria era o complexo que abrigava a grandiosa biblioteca concebida para ser o maior centro de livros e es tudos do mundo antigo Estimase que a Biblioteca de Alexandria continha centenas de milhares de rolos de papiro mas não é possível estimar quantos livros um livro poderia ter mais de um rolo A aquisição de livros era uma política deliberada dos monarcas ptolomaicos que determinavam que navios ancora dos no porto de Alexandria entregassem os livros que carregavam para que fossem feitas cópias Foram os estudiosos que administravam a biblioteca que deter minaram o cânone literário antigo sobre o qual fala mos na Aula 2 Entre as obras organizadas a tradução do Pentateuco bíblico para o grego e o estabelecimento Mundo Helenístico 54 do texto escrito dos poemas de Homero são as mais conhecidas O complexo abrigava também o Mouseion ou casa das musas de onde vem a palavra museu Figura 98 Salão de leitura principal da nova Biblioteca de Alexandria uma homenagem à biblioteca antiga inaugurada em 2002 Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFileFlickrdlisbonaMain readinghallinthenewAlexandrialibraryjpg O mapa a seguir é uma reconstrução do plano urbanístico da cidade A parte sublinhada menor em linha mais escura é a muralha da cidade antiga Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 55 Figura 99 Mapa da cidade de Alexandria Fonte httpcommonswikimediaorgwikiFilePaulyWissowaI11379MapAlexandriapng As duas capitais egípcias Mênfis ao norte e Tebas ao sul perderam seu prestígio durante o período helenístico Alexandria suplantou Mênfis como centro próximo ao delta do Nilo e ao Mediterrâneo e Ptolomeu I fundou outra cidade para se contrapor a Tebas na parte sul do país Ptolemais Esta foi a única outra fundação de uma cidade grega no Egito fora Alexandria e a já existente colônia de Náucratis que por causa do novo porto entrou rapidamente em declínio CONCLUSÃO Podemos ver através da análise das cidades helenísticas que a polis não acabou com o fim do período clássico Se ela tinha como característica a autonomia política total até Alexandre sua evolução posterior mostra que apesar de a autonomia ter diminuído ela não se extinguiu de todo nas cidades da Grécia As novas cidades helenísticas mantiveram uma ideia de cidade típica do mundo grego e levaram essa identidade grega para o Egito e a Ásia Mundo Helenístico 56 Nesse sentido a própria confi guração física da polis helenística mostrase como um dos principais pilares da cultura grega no mundo conquistado por Alexandre ainda que as novas poleis tenham absorvido infl uências das diversas culturas locais Atividade Final Atende aos Objetivos 2 e 3 Leia a descrição de Estrabão sobre Alexandria vendo se você consegue localizar na Figura 99 o mapa da cidade quais são os edifícios que ele descreve Na resposta explique por que dissemos que Alexandria é a cidade helenística por excelência Toda a cidade é atravessada por ruas próprias para o tráfego de cavalos e carruagens e por duas principais que são muito largas com mais de um plethrum 30m de comprimento estas ruas se cruzam em ângulos retos A cidade tem ambientes públicos magnífi cos e os palácios reais cobrem um quarto ou mesmo um terço da área da cidade Pois assim como cada um dos reis por amor à suntuosidade adicionou algum ornamento aos monumentos públicos eles também construíam suas residências com seus próprios recursos além daquelas já existentes Porém todas estão interconectadas e ligadas ao porto mesmo as que estão fora dele No Grande Porto na entrada à direita há uma ilha e a torre de Faros e do outro lado fi cam rochas e o promontório de Lóquias com o palácio real Quem navega entrando no porto vê à esquerda os palácios reais internos que se juntam ao de Lóquias e têm alamedas e muitos alojamentos coloridos Abaixo deles fi ca o porto artifi cial que não é visível e é propriedade particular dos reis e Antirrhodos uma pequena ilha na frente desse porto que tem um palácio real e um pequeno ancoradouro Esse nome foi dado porque o lugar era rival de Rodes Acima dela fi ca um teatro depois o Posideon uma espécie de cabo saindo do chamado Emporion com um santuário de Poseidon Há em seguida o Cesareum o Emporion e os armazéns depois deles encontramse os estaleiros até o Heptastadion a ligação entre a cidade e a ilha de Pharos signifi cando 7 estádios ou seja 1225m Este é o Grande Porto Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 57 Depois do Heptastadion vem o porto de Eunosto e acima dele o porto artificial também chamado de Cibotus o peito este também tem estaleiros Para adiante dele há um canal onde cabem navios que se estende até o Lago Mareótis Além do canal existe apenas uma pequena parte da cidade Aparece então o subúrbio de Necrópolis onde há muitos jardins e tumbas bem como instalações apropriadas para o embalsamento de corpos Para dentro do canal encontrase o Serapeum templo de Serápis e outras construções antigas que foram virtualmente abandonadas ele está escrevendo 300 anos depois de Alexandre por causa da construção de novos edifícios em Nicópolis por exemplo existe um anfiteatro e um estádio e as competições quadrienais são celebradas lá enquanto que os edifícios antigos caíram em desuso Em resumo a cidade é cheia de dedicações e santuários o edifício mais bonito é o Gymnasion que tem pórticos de tamanho maior do que um estádio medida equivalente a 175m No centro da cidade ficam os tribunais de justiça e as alamedas Geographia XVIII 810 Resposta Comentada Pode ser difícil localizar as construções mencionadas por Estrabão Compare o mapa desta aula com o disponível em httpwwwsnuvocomnouveauwpcontentuploadsAlexandria mapfinal1jpg Encontramos na descrição da cidade todos os principais elementos da polis como o plano urbanístico quadriculado os templos a muralha o gymnasion e os outros edifícios públicos A primazia dos palácios reais mostrava que a autonomia da polis clássica cedera Mundo Helenístico 58 lugar a um novo tipo de administração Além da distribuição de grupos étnicos diversos nos bairros da cidade o porto também trazia uma grande movimentação de pessoas e intensas trocas culturais fazendo de Alexandria o melhor exemplo da forma como a polis confi gurouse no período helenístico aberta para o mundo RESUMO A polis grega surgiu no período arcaico e desenvolveuse em toda a Grécia Ásia Menor e Mediterrâneo como cidadeestado autônoma ou seja que decretava e geria as próprias leis Embora as conquistas de Alexandre e o estabelecimento das monarquias helenísticas tenham diminuído drasticamente essa dinâmica política independente das cidades gregas vários aspectos anteriores da polis permaneceram e desenvolveramse Entre eles destacamse os planos urbanísticos que revelam a ocupação sistematizada do território e as construções públicas típicas como o gymnasion e o bouleuterion Muitas dessas construções foram pagas pelos reis ou generais demonstrando que a submissão das cidades aos monarcas era muitas vezes uma via de mão dupla já que estes precisavam dos apoios delas para sustentar seus reinos Cidades como Alexandria passaram a se tornar grandes centros urbanos integrados em um sistema econômico e cultural muito mais amplo do que o do mundo clássico absorvendo em diversos graus as características das comunidades locais do Egito e da Ásia Aula 9 As cidades helenísticas fim ou transformação da polis 59 Informação sobre a próxima aula A próxima aula tratará das relações entre os gregos e os bárbaros durante o período helenístico que é o ponto central da questão sobre a helenização do Oriente desencadeada pelas conquistas de Alexandre Um caso especial será estudado o dos judeus através da Revolta dos Macabeus Digitalizado com CamScanner COMO AS CIDADES HELENÍSTICAS SE DIFERENCIARAM DAS ANTIGAS PÓLIS GREGAS As cidades helenísticas representaram uma profunda transformação da tradicional pólis grega a cidadeEstado clássica que floresceu especialmente entre os séculos VI e IV aC Na Grécia antiga a pólis era muito mais do que uma simples estrutura urbana ela era um modelo de organização política social e cultural onde os cidadãos exerciam de forma direta suas decisões através de assembleias e conselhos A autonomia política era um valor central as cidades eram autônomas com suas próprias leis moeda exército e cultos religiosos Esse modelo de cidadania ativa e coletiva era o que dava vida ao ideal grego de liberdade e participação Com as conquistas de Alexandre o Grande e o surgimento do chamado Mundo Helenístico a partir do final do século IV aC esse modelo começou a mudar radicalmente O império de Alexandre expandiuse por um território imenso abrangendo a Grécia o Egito a Mesopotâmia a Pérsia e partes da Índia Com essa expansão surgiram novas cidades muitas fundadas diretamente por Alexandre ou pelos seus sucessores os reis helenísticos Ptolomeus no Egito Selêucidas na Ásia Antigônidas na Macedônia Essas novas cidades embora tivessem traços da tradição grega como ágoras ginásios teatros e templos funcionavam de modo bem diferente Em vez da autonomia elas estavam submetidas à autoridade dos reis que muitas vezes interferiam diretamente nas decisões locais Essas cidades passaram a funcionar como centros administrativos comerciais e culturais de vastos impérios A cidadania ativa da pólis clássica cedeu lugar a uma cidadania mais passiva onde a política era muitas vezes determinada de fora Ainda existiam assembleias e conselhos mas a influência real dos cidadãos era bastante limitada Em muitas cidades os reis financiavam obras públicas e prestavam favores políticos estabelecendo uma relação de troca com as elites locais Essa prática ficou conhecida como evergetismo onde o rei ou um rico cidadão se tornava benfeitor da cidade em troca de prestígio e reconhecimento Além disso a composição das cidades helenísticas era muito mais diversa do ponto de vista étnico e cultural Elas reuniam gregos macedônios egípcios persas babilônios e tantos outros povos todos convivendo negociando e influenciandose mutuamente Essa mistura criou uma nova dinâmica cultural mais plural mais aberta às trocas o que levou os estudiosos a chamarem essas cidades de cosmópolis cidades do mundo Cidades como Alexandria no Egito Antioquia e Pérgamo tornaramse centros de aprendizado ciência comércio e arte Em vez da pequena pólis com seu mercado local e seu exército de hoplitas tínhamos agora cidades grandiosas multiculturais com palácios bibliotecas academias e exércitos de mercenários contratados Portanto a diferença fundamental está na escala no poder político centralizado nas mãos dos reis na composição cultural plural e na diminuição da autonomia política A pólis clássica não desapareceu completamente mas foi transformada e adaptada a uma nova realidade globalizada do mundo helenístico QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA ARTE HELENÍSTICA E COMO ELA REFLETE A CULTURA DO PERÍODO A arte helenística é uma das expressões mais intensas emocionantes e humanas da Antiguidade Ela surge num contexto de profundas mudanças sociais políticas e culturais ou seja não é só uma questão de estilo mas de visão de mundo Diferente da arte clássica que buscava a perfeição ideal o equilíbrio e a harmonia a arte helenística voltase para o realismo a expressividade e a emoção Os artistas desse período estavam interessados em representar não apenas a forma física ideal mas também os sentimentos as tensões os movimentos e as contradições do ser humano Um bom exemplo é a famosa escultura do Laocoonte e seus filhos onde vemos uma cena dramática e trágica um sacerdote troiano e seus filhos sendo atacados por serpentes enviadas pelos deuses O que impressiona não é só a perfeição do corpo humano mas a expressão de dor o movimento o desespero capturado no mármore Essa escultura foi tão admirada que inspirou artistas do Renascimento como Michelangelo e Rafael Outras obras famosas são A Vênus de Milo ou Afrodite que traz um corpo em pose helicoidal com uma sensualidade sutil e um realismo delicado O Fauno Barberini retratando um ser mitológico embriagado dormindo de forma relaxada e vulnerável quase humana O Gaulês moribundo que transmite o heroísmo e a dor de um guerreiro estrangeiro derrotado uma clara demonstração de empatia com o inimigo O Hermafrodita adormecido que brinca com o contraste entre masculino e feminino o estático e o dinâmico Essas esculturas mostram o quanto a arte helenística se afastou da rigidez clássica e se aproximou da experiência humana individual da singularidade dos corpos e das emoções Não era mais só a representação do divino ou do ideal mas também do comum do grotesco do exótico e do contraditório Além disso a arte helenística não ficou restrita à escultura A pintura o mosaico e a arquitetura também floresceram O famoso Mosaico de Alexandre por exemplo mostra a batalha de Issos com uma riqueza de detalhes e uma vivacidade impressionante A arquitetura trouxe inovações como as grandes stoas teatros permanentes e monumentos como o Altar de Pérgamo com frisos narrativos que se assemelham a histórias em quadrinhos antigas Essas expressões refletem uma cultura em constante transformação com influências orientais egípcias persas e uma intensa circulação de ideias O mundo helenístico era vasto plural em contato com diversas realidades E a arte nesse contexto funcionava como um espelho dessa complexidade Portanto a arte helenística representa a exploração das emoções humanas a representação de movimentos intensos e expressivos o realismo e o detalhamento corporal a presença de personagens diversos incluindo mulheres idosos crianças estrangeiros seres mitológicos e híbridos e a busca por uma linguagem artística mais próxima da vida real que impactasse o espectador não apenas pela beleza mas também pela identificação emocional Esse estilo mais dramático e exagerado foi durante muito tempo mal compreendido sendo visto como decadente em comparação à arte clássica Hoje no entanto reconhecese que a arte helenística foi na verdade inovadora plural rica e cheia de vida uma verdadeira expressão do seu tempo