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A IDEIA DE REVOLUÇÃO BURGUESA NO BRASIL UMA ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DE NELSON WERNECK SODRÉ CAIO PRADO JÚNIOR E FLORESTAN FERNANDES Resumo O presente artigo tem como objetivo a análise das contribuições de três Intérpretes do Brasil à temática da Revolução Burguesa de seu início e de desenvolvimento no Brasil Nelson Werneck Sodré Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes Debatendo um tema caro ao pensamento de esquerda os três autores se aproximaram do pensamento e do método marxista embora com diferentes graus de ortodoxia e com importantes diferenças em relação à descrição do fenômeno promovida por Marx e Engels Este artigo tratará justamente destas diferenças sendo a ideia de Revolução Burguesa e o debate que engendra relativo à ação burguesa no Brasil e à relação entre a burguesia e o Estado no sistema capitalista e no regime democrático ainda hoje essenciais na compreensão da realidade brasileira justificando portanto a retomada destes autores Mariana Falcão Chaise Doutoranda Universidade de São Paulo USP marianachaiseuspbr INTRODUÇÃO O Brasil foi terreno especialmente fértil para diversas correntes de explicação e de análise sobre a sua formação e seu desenvolvimento enquanto Estado nação economia e sociedade Um país portanto que foi pensado em diversas vias paralelas ou colidentes formando um quadro complexo de narrativas Aqueles pensadores que se destacaram como Intérpretes do Brasil ostentam portanto pela riqueza de suas obras pela originalidade de seu pensamento um título que foi possível a poucos em meio a vários grandes pensadores produzidos no país e também no exterior pois foram muitos os brasilianistas que se aventuraram em desvendar no campo da Economia da Ciência Política da Sociologia os processos que levaram hoje a constituição de nossa realidade os quais permitem antever um futuro possível Este título de Intérprete segundo Ricupero 2011 cabe a autores que apareceram entre a Proclamação da República e o desenvolvimento pleno da Universidade a partir dos anos de 1930 embora com alguns sucessores Isso é devido ao fato de não ter havido uma preocupação específica em interpretar o Brasil logo após a nossa Independência pois se fazia necessário antes criar nossas referencias nacionais engendrar nossa emancipação mental Igualmente uma investigação mais totalizante acerca do Brasil era bloqueada em vista das condições da sociedade de então na qual o trabalho escravo era predominante e observavase uma exclusão deliberada do tema da mão de obra do debate político e cultural Após a consolidação da Universidade na ponta oposta desta demarcação o padrão de reflexão sobre o país foi alterado os ensaios que possibilitavam grande liberdade na definição do problema e grande criatividade nas hipóteses e teses foi gradualmente substituído pelo estilo monográfico mais afeito ao padrão acadêmico porém com reveses entre eles a obliteração de uma realidade obviamente complexa 2 O objetivo deste trabalho é analisar a contribuição de três destes Intérpretes do Brasil dois deles que o são consensualmente considerandose a literatura especializada e outro que de certo modo aparece mais obtusamente enquanto tal respectivamente Florestan Fernandes Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré Dada a amplitude da produção destes três autores nossa análise recairá sobre um ponto específico de suas obras embora consideremos ser para os três ponto fundamental a ideia de Revolução Burguesa no Brasil ideia cara ao pensamento de esquerda O tema da Revolução Burguesa seu caráter e sua explicação foi uma das questões mais discutidas no país ao longo das décadas de 1930 a 1960 conjugada com a tese da sociedade de classes e da história como uma história de luta de classes O resultado de diversas destas reflexões foi a visão de um Brasil atravessado por lutas sociais e perpassado por rupturas históricas Dos autores comprometidos com essas ideias os quais obviamente apontavam o projeto socialista como uma alternativa futura se destacaram nossos três autores além de outros notáveis pensadores Astrogildo Pereira Leandro Konder Carlos Nelson Coutinho IANNI 2000 A temática claramente é tributária do marxismo de modo que tanto Florestan Fernandes quanto Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré se apropriam do método marxista do materialismo dialético para desenvolvêla embora em diferentes graus de ortodoxia Diferenças fundamentais em relação à descrição do fenômeno promovida por Marx e Engels no entanto foram percebidas e apontadas pelos três e a maneira pela qual os autores aqui trabalhados buscaram contornar essa disjunção entre teoria e empiria marca em parte as discrepâncias entre suas análises Para Marx e Engels o modelo exemplar de Revolução Burguesa era a Revolução Francesa aquela que concorreu para a eliminação de todos os vestígios da sociedade feudal esta que criara os meios de produção e de troca sobre os quais se edificariam os burgueses A França imediatamente antes da Revolução era a mais poderosa e a mais típica das velhas monarquias absolutas da Europa de modo que o conflito entre os interesses estabelecidos pelo Antigo Regime e as novas forças sociais que ascendiam era e foi mais agudo na França que em qualquer outro lugar A Revolução Francesa marcou portanto a política e a ideologia do século XIX e não diferentemente o pensamento marxista que buscou no movimento burguês de toda a Europa a semente da Revolução Francesa estando Marx e Engels especialmente preocupados com a impotência da burguesia alemã de produzir a sua própria revolução naqueles moldes HOBSBAWN 2009 A Revolução Burguesa marca o início da hegemonia da burguesia enquanto classe assentando sua cosmologia de classe como cosmologia da sociedade e o capitalismo enquanto modo de produção plenamente estabelecido enquanto complexo sociocultural A burguesia neste modelo concentrou em si os interesses de toda a sociedade uma vez que o proletariado e as camadas da população urbana que não pertenciam à burguesia ainda não tinham quaisquer 3 interesses separados dos da burguesia ou ainda não constituíam classes ou setores de classe com desenvolvimento independente MARX 19851848 p49 Ao lutarem ao lado da burguesia lutavam pela realização dos interesses burgueses Tal significava no entanto o revolucionar de seu modo de vida o revolucionar dos instrumentos de produção portanto das relações de produção portanto do conjunto das condições sociais MARX ENGELS 19851848 A vitória da burguesia significava então o triunfo de um novo regime social o triunfo da propriedade burguesa sobre a propriedade feudal da nação sobre o provincianismo da concorrência sobre as corporações da partilha sobre o direito de primogenitura da submissão da terra ao proprietário sobre a submissão do proprietário à terra da ilustração sobre a superstição da família sobre a linhagem da indústria sobre a negligência heroica do direito burguês sobre os privilégios medievais MARX 19851848 p50 Esse conceito de burguesia revolucionária porém que possibilita e emerge da Revolução Burguesa tornase um conceitochave na interpretação etapista do marxismo apoiada nos resultados VI Congresso da III Internacional Comunista de 1928 e no pensamento stalinista a qual advogando que todas as sociedades passariam pelas mesmas fases históricas percorridas pela Europa Ocidental buscava descobrir em determinados contextos restos de um passado ainda não superado De tal maneira a Revolução Burguesa e o desenvolvimento capitalista se tornariam uma preliminar histórica necessária à intervenção revolucionária autônoma do proletariado bem como o feudalismo fora o resultado da dissolução do modo de produção antigo escravista o antigo o feudal e o burguês se sucederiam na história caracterizados por determinado tipo de relação entre os homens por determinado tipo de exploração do homem pelo homem Esse tipo de interpretação abundou em análises relativas à Ásia e à América Latina que sendo continentes vistos como atrasados deveriam ainda desenvolver suas forças produtivas antes de atingir a etapa capitalista e antes de suas camadas proletárias reivindicassem o socialismo BENOIT 2004 LOWY 1978 De fato nos anos 1960 um dos conceitos mais difundidos e utilizados pela literatura sociopolítica especializada era o de burguesia nacional ou seja uma burguesia nacionalista que encabeçaria o setor moderno de nossa sociedade em vistas de um desenvolvimento verdadeiramente nacional e autônomo Esse mito mobilizador de um projeto burguês nacional era levantado em círculos de esquerda que defendiam este enquanto etapa prévia dando origem a diversas teorias sobre alianças de classe necessárias à realização deste projeto TRINDADE 1986 O marxismo no entanto enquanto uma teoria revolucionária buscou associar teoria e prática Por isso para Marx e Engels era necessário um método que não fosse dogmático O materialismo dialético por eles desenvolvido considera que o ser social está determinado pelas condições materiais de existência em que os homens e mulheres vivem em sociedade as relações sociais portanto são relações sociais e históricas e a economia não poderia ser dissociada de seu 4 contexto social e político POLITZER 20071971 Em Luta de Classes na Rússia 2013 defendem inclusive que mesmo em vista da primitividade da sociedade burguesa russa existiria a possibilidade de a propriedade comunal no país migrar diretamente para uma forma social superior socialista sem a necessidade dos estágio intermediário da propriedade privada burguesa O período da comuna agrícola aparece como o período de transição da propriedade comum para a propriedade privada como período de transição da forma primária para a forma secundária Mas isso que dizer que em todas as circunstancias o desenvolvimento da comuna agrícola deve seguir este mesmo curso De modo algum Sua forma constitutiva admite a seguinte alternativa ou o elemento da propriedade privada implicado nela prevalecerá sobre o elemento coletivo ou esta último prevalecerá sobre o primeiro Ibid p93 De tal forma alguns círculos da esquerda especialmente após o Golpe Militar de 1964 e especialmente dentro das universidades opuseramse às análises etapistas e ao diagnóstico resultante de ação política criticando duramente a visão que identificava frações nacionalistas e potencialmente progressistas no seio da burguesia então o paradigma dominante A burguesia nacional para estes críticos que despontavam seria uma categoria mitológica TRINDADE 1986 Dos autores aqui analisados todos tributários do método marxista e todos debatendo a ideia e as possibilidades de Revolução Burguesa no Brasil Nelson Werneck Sodré apresentase como o mais próximo à tese etapista Assim buscou nas contradições do desenvolvimento brasileiro restos de um passado feudal ou semifeudal o qual limitaria a capacidade revolucionária de parcela de nossa burguesia Caio Prado Júnior ao entrar em choque com essa ideia e em vista das circunstancias históricas que levaram à dissolução da aliança entre classes enquanto estratégia política chegou a negar a própria necessidade de utilizar a Revolução Burguesa enquanto categoria histórica ao caso brasileiro partidário da tese de perfeita união entre nossas frações burguesas e do capitalismo enquanto sentido de nossa colonização Florestan Fernandes que não apenas bebeu deste debate prévio como defendeu um método híbrido aplicado às Ciências Sociais a depender do objeto e da conveniência foi provavelmente o mais original dos três defendendo que o problema do país estava na relação entre Revolução Burguesa e capitalismo de tipo dependente e subdesenvolvido que tem como resultado uma situação ambivalente quando da junção da ordem econômica vigente com a ordem social de classes A interpretação de Florestan sacralizou em definitivo a proposição relativa à Revolução Burguesa brasileira QUEIROZ 2011 NELSON WERNECK SODRÉ A REVOLUÇÃO INCOMPLETA De início fazse necessário situar o autor no tempo e no espaço a fim de compreendermos as agendas e os compromissos políticos e ideológicos por trás de seus escritos Nelson Werneck Sodré cujo pensamento repercutiu entre o público estudantil da década de 1960 sofreu por parte da 5 intelectualidade brasileira de sua época reunida nas Universidades das quais ele não era quadro daquilo que Regina Hippolito 2006 denominou conspiração do silêncio o nãoreconhecimento e o consequente nãodebate de sua contribuição intelectual Nascido em 1911 no Rio de Janeiro teve singular trajetória ao ter seguido carreira no Exército instituição fortemente dominada pelo pensamento positivista e ter sido concomitantemente um dos mais importante portavozes do Partido Comunista Brasileiro PCB além de marxista atuante em plena Guerra Fria Assim era ao mesmo tempo militar e intelectual militante nacionalista e comprometido com o ideário comunista Era portanto um eterno estranho no ninho no meio militar um comunista entre anticomunistas no meio civil um historiador nãoacadêmico e um general COSTA 2006 Sobre seu percurso militar Sodré foi oficial de Artilharia tenente e general de brigada foi também professor de História Militar na Escola do EstadoMaior do Exército EEME hoje ECEME Enquanto intelectual em 1954 passou a compor o Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB dedicado a construir teorias alternativas àquelas desenvolvidas nos países centrais com o objetivo de explicar as realidades brasileira e latinoamericana Foi neste que se desenvolveu a interpretação nacionalburguesa do Brasil A partir de uma crítica radical à cultura oligárquica e semicolonial vigente propôsse um projeto de industrialização e de independência política no qual uma parcela da burguesia a fração industrial nacionalista progressista industrializante conduziria nosso processo de modernização entrando em choque com a fração agráriomercantil BRESSERPEREIRA 1982 Nelson Werneck Sodré era o marxista ligado ao ISEB grupo este que partilhava desta visão sobre o Brasil com o PCB dentro do qual Sodré era o principal intelectual O raciocínio do PCB era igualmente de que a sociedade passava por uma etapa de superação da economia colonial exportadora e de transição para uma economia industrial e moderna No entanto diferente dos demais desenvolvimentistas do ISEB seus partidários acreditavam que esta transição era uma etapa da luta pela implantação do socialismo e que para se atingir enfim este ideal seria necessário antes eliminar duas contradições herdadas do período anterior o monopólio da terra a condição interna e o imperialismo a condição externa BIELSCHOWSLY 2004 A temática da Revolução Burguesa portanto devido à visão da necessidade histórica de se passar por uma etapa verdadeiramente burguesa de desenvolvimento era cara ao partido Assim contextualizar a posição do autor no quadro amplo do debate político brasileiro nos permite perceber que os esquemas teóricos defendidos tratavam ao final para Sodré e para o PCB do estabelecimento da trajetória política mais apropriada para chegarse aos seus objetivos revolucionários no caso o apoio ao desenvolvimento capitalista em vista da destruição dos resquícios de formações anteriores a Revolução Burguesa antes da reivindicação socialista As ideias do PCB tiveram em Nelson 6 Werneck Sodré um de seus grandes proponentes mas também em Caio Prado Júnior embora com marcantes diferenças que resultaram em intenso debate entre estes dois autores Para compreendermos a maneira na qual Nelson Werneck Sodré formulou sua tese de Revolução Burguesa no Brasil devemos antes decifrar as premissas de sua obra Sodré reafirmou em Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil 1997 a análise desenvolvida no livro Formação Histórica do Brasil 19731962 a qual fora acusada de esquemática Logo na primeira página declara que recebeu com surpresa as controvérsias geradas em torno de suas teses sobre o surgimento do capitalismo no Brasil mas que permanecia sustentandoas1 Para o autor os três elementos que alimentavam a particularidade do caso brasileiro e que darão vazão para sua análise dos modos de produção no país eram primeiro o desenvolvimento desigual no plano universal a distância entre áreas dominadas pela comunidade primitiva e áreas dominadas pelo feudalismo quando de nosso descobrimento O segundo aspecto agora particular pois brasileiro é a vigência dentro do Brasil de diferentes etapas históricas simultaneamente Finalmente o terceiro aspecto é a transplantação a transferência para o Brasil de elementos que lançaram as bases de uma sociedade diversa daquela dos descobridores a sociedade brasileira nasceu da transplantação de elementos europeus que resultarão na classe social dominante e de elementos africanos que resultarão na massa dominada Não teria havido portanto o fenômeno da passagem da sociedade primitiva a dos indígenas para o escravismo Sob tais premissas Sodré sustenta sua polêmica tese do feudalismo brasileiro da ocorrência no Brasil de escravismo e passagem ao feudalismo e de feudalismo e passagem ao capitalismo Para o autor essa sequência normal na medida em que segue o modelo conceitual e o esquema stalinista decorreu da análise do particular brasileiro e não da simples adoção da fórmula universal Sobre a primeira passagem o feudalismo para o autor vigorou no Brasil em zonas secundárias nas zonas principais que forneciam o maior volume de exportações o regime era escravista à base de africanos importados nas áreas secundárias e subsidiárias no entanto não o era O missionário na Amazônia e nas reduções jesuíticas platinas o sertanejo da zona pastoril não compravam o índio mas utilizavam o índio e usufruíam de seu trabalho Assim a definição da relação feudal derivava tanto do fato de constituirse em uma economia de base monetária insuficiente quanto do laço de dependência social do trabalhador colonato parceria e demais formas não assalariadas A área mineradora no entanto apresentava um fenômeno interessante que o autor classificou como regressão feudal a passagem do escravismo que marcou a fase 1 Assim defendese afirmando que o uso de uma linguagem conceitual surgida em outros tempos e em outros lugares para definir fenômenos e processos brasileiros deve ser feito com atenção à passagem do universal ao particular O uso do raciocínio dialético exclui o uso de paradigmas retirados de realidades diversas os quais induzem ao erro e a deformações mas estabelece obediência ao método o materialismo histórico 7 inicial da atividade a um tipo de relação feudal Regressão justamente porque a passagem a um regime social mais avançado coincidia com o declínio da atividade Essa posição entrará em choque com a posição de Caio Prado Júnior para quem a colonização brasileira fora obra do capitalismo europeu de modo que o sistema de produção aqui implantado era também capitalista Sodré rebate esta visão argumentando em Formação Histórica do Brasil 19731962 que a colonização fora obra do capital mercantil précapitalista2 sendo o próprio colonizador originário de uma área que domina o modo feudal de produção SODRÉ 1962 p70 Igualmente advogou que as relações de produção capitalista não se exportariam sendo ao contrário produtos do desenvolvimento interno dos países O ouro brasileiro resultante de nossa regressão feudal acelerou o desenvolvimento do modo de produção capitalista na Europa no século XVIII E é justamente a disputa pelo mercado brasileiro que levará ao fim do monopólio português e consequentemente à Independência Na medida em que a República avançava eliminase a herança colonial que retardou nosso desenvolvimento capitalista Em Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil 1997 porém Nelson Werneck Sodré demonstra que ao passo que nos Estados Unidos a ausência de um passado feudal permitiu a concomitância de autonomia política com a Revolução Burguesa ou seja com o primado político da burguesia que permitiria à classe realizar as reformas necessárias ao estabelecimento capitalista pleno no Brasil nossa autonomia herdando escravismo e feudalismo não teria traço algum de Revolução Burguesa No nosso país condicionado pela dependência ao imperialismo e limitado pelo latifúndio e pela sobrevivência de relações précapitalistas observou se desde sua constituição uma burguesia demasiado frágil dependente do capital externo que prefere transgredir a lutar SODRÉ 19731962 p20 O Brasil arcaico nos cerca por todos os lados o latifúndio persiste resiste abalado mas sobrevivendo a tudo É uma revolução burguesa peculiar à nação de passado colonial recente e de economia dependente Revolução burguesa difícil porque o imperialismo que preside à dependência coloca todos os obstáculos à união entre burguesia e proletariadocampesinato para o avanço efetivo a burguesia nos países de economia dependente teme a aliança com as classes dominadas pois estas estão suficientemente fortes para reivindicar a participação nas vantagens da vitória Ibid p21 As reformas do século XIX especialmente aquelas relativas ao regime de trabalho e ao regime político assinalaram os primeiros vestígios de um capitalismo nascido de parto difícil Ibid p20 em um quadro de desenvolvimento lento irregular e desigual enfrentando a 2 Segundo o autor aqueles que apoiaram a existência de características capitalistas na colonização foram levados a tal por confundirem capital comercial e capitalismo O primeiro se referiria a um momento histórico em que o excedente econômico era obtido por meio das trocas de mercadorias sendo anterior à generalização do trabalho assalariado que representaria o segundo SODRÉ 19731962 8 resistência maciça e tenaz monolítica por vezes das relações antigas Ibid p68 O início da Revolução Burguesa brasileira foi marcado em 1844 pela instituição da tarifa Alves Branco de aumento das taxas de importação e em 1850 pela Lei de Terras que estabelecia que a terra poderia apenas ser adquirida pela compra e pela abolição do tráfico negreiro A partir daí os investimentos em escravos começam a ser transferidos à expansão das lavouras à indústria nascente e à infraestrutura No plano externo nosso desenvolvimento capitalista foi impulsionado pelo início da Primeira Guerra Mundial que reduziu o volume de importações forçando a produção endógena e favorecendo a acumulação interna O mesmo ocorreu em maior proporção após a Crise de 1929 acentuando a transferência de investimentos da agricultura para a indústria No plano político no entanto o grande momento de conquista da hegemonia por parte da burguesia foi o movimento de 1930 corolário necessário e complementar da crise econômica Foi devido e a partir deste que se observou o declínio do poder das oligarquias em especial as exportadoras e o consequente aumento do intervencionismo estatal marcado pela tônica nacionalista Logo cedo no entanto a despeito do discurso conciliatório entre as classes o que convencionouse chamar de populismo a burguesia optou por formas repressivas de dominação em composição com o latifúndio e com o imperialismo contendo o avanço e as reivindicações do proletariado Era o Estado Novo que com recuos e avanços desembocará na Ditadura de 1964 Cedo o poder assumiu formas repressivas e tendeu à busca de uma hipotética harmonia entre as classes Mantido intacto embora com menor participação no poder o latifúndio definindo as formas précapitalistas persistia freando as mudanças a propriedade da terra permaneceu intocada e a resistência do imperialismo continuou débil Mas o fato é que pela primeira vez a burguesia teve o comando das ações exerceu hegemonia no processo Ibid p 78 Em resumo de suas ideias a autonomia política para Nelson Werneck Sodré não foi o marco da Revolução Burguesa Apenas o movimento de 1930 condicionado pela crise de 1929 irá assinalar a ação violenta para impor a hegemonia da burguesia embora conciliada com o latifúndio e com o imperialismo e sem o concurso da aliança com o proletariado e com o campesinato Assim a Revolução Burguesa no Brasil por ter sido incompleta foi para si limitadora e limitou as possibilidades de desenvolvimento pleno de um capitalismo de caráter verdadeiramente nacional No Brasil não tivemos nenhum Cromwell não se impôs ao povo brasileiro nenhuma Magna Carta não há nenhuma queda da Bastilha e não tivemos nem Marat nem Napoleão Ibid p21 O autor portanto sempre vislumbrando um ideal socialista por ora postergado utilizou a ideia de Revolução Burguesa não apenas como categoria analítica mas como projeto político a necessidade de completarse nossa Revolução Burguesa apoiandose em princípios anti imperialistas e antilatifundiários O grande problema do Brasil estaria em sua visão na criação de uma economia nacional e naturalmente de uma política nacional e de uma cultura nacional Tal 9 política nacional estaria ligada à existência de uma estrutura democrática logo à ampliação dos direitos de cidadania de modo a dar vazão às reivindicações populares futuras CAIO PRADO JÚNIOR A REVOLUÇÃO DESNECESSÁRIA Tanto quanto Nelson Werneck Sodré Caio Prado Júnior fez parte de uma geração de intérpretes do Brasil que buscaram explicar as vicissitudes brasileiras em um quadro político posterior à Revolução de 1930 marcado por polarizações políticas opondo socialistas a integralistas Paulista historiador nasceu em 1907 filho de uma das mais importantes famílias da burguesia cafeeira influentes barões do café fato que lhe rendeu desconfianças no seio da esquerda Como Sodré foi filiado ao PCB partido pelo qual foi eleito deputado estadual Em 1934 publicou Evolução Política do Brasil a primeira tentativa de síntese da história brasileira baseada no marxismo Em 1945 História Econômica do Brasil uma das mais importantes contribuições desde o campo da economia à perspectiva histórica adotada pelos comunistas BIELSCHOWSLY 2004 As interpretações de Caio Prado Júnior no entanto são antagônicas a algumas das teses do PCB leiase às ideias de Sodré Em 1942 fundou a editora Brasiliense cuja revista se tornou um dos principais veículos de questionamento da esquerda às ideias dos comunistas especialmente à proposta de aliança com o populismo e à tese do feudalismo brasileiro De tal forma ao liquidarse a interpretação nacionalburguesa após a implementação do regime militar em 1964 uma vez que sua proposta de aliança da burguesia nacional com o proletariado esfacelouse em vista da aliança daquela com a burguesia mercantil sob o comando da tecnoburocracia estatal surge uma nova interpretação no nível da esquerda patrocinada por Caio Prado Júnior a interpretação funcionalcapitalista Esta tinha como postulado básico que o Brasil sempre fora um país capitalista tendo havido desde sempre uma perfeita unidade entre as classes dominantes brasileiras entre a fração industrial e a fração agráriomercantil Logicamente essa interpretação identificava nas ideias do PCB e do ISEB a culpa pelo Golpe Militar combatendoas BRESSERPEREIRA 1982 Como marxista que era Caio Prado Júnior a fim de compreender o caráter da colonização brasileira viuse na necessidade de recuar no tempo a propósito de compreender seu contexto e suas motivações De tal forma demonstra especialmente em Formação do Brasil Contemporâneo colônia 20111942 mas retomando em História Econômica do Brasil 20141945 que a colonização portuguesa não é um fato isolado a aventura sem precedentes e sem seguimento de uma determinada nação empreendedora ou mesmo uma ordem de acontecimentos paralela a outras semelhantes mas independente delas PRADO JÚNIOR 20111942 p17 Assim o Brasil que é representado portanto como uma parte em um todo 10 foi o resultado do empreendimento comercial europeu fato que não pode ser perdido de vista embora tenhamos a tendência de pensar a nós mesmos apenas a partir de nossa constituição A ideia de povoar não ocorreu aos portugueses diferentemente do que se passou com os ingleses na América do Norte 3 O desprezo por nosso território vazio e primitivo teve consequências importantes para o nosso desenvolvimento futuro A colonização que iniciou pelo estabelecimento de simples feitorias se complexificou tomando o aspecto de uma grande empresa comercial embora ainda voltada para o exterior e em proveito dos interesses comerciais europeus de modo que o descompromisso com esta terra inviabilizou o surgimento de uma organização social sólida se formos às raízes da colonização veremos que nos constituímos para fornecer açúcar tabaco alguns outros gêneros mais tarde ouro e diamantes depois algodão e em seguida café para o comércio europeu Nada mais que isso Ibid p26 Éramos portanto uma invenção do capitalismo europeu antes de sermos uma nação A força da grande exploração comercial segundo o autor assentada no trabalho escravo e na grande propriedade agrícola teria fortes reflexos na estrutura social e na organização política do Brasil na dificuldade de construção de uma sociedade com interesses próprios interesses nacionais na ausência quase completa de superestrutura Ibid p341 A grande característica de nosso período colonial segundo o autor é que este transcorreu sem grandes descontinuidades e fora marcado por três elementos a produção para o mercado externo a mãodeobra escrava e o latifúndio Não procurou feudalismo buscou as características que davam sentido à totalidade o essencial não o acessório Assim quebrando a ideia de Revolução Burguesa nos moldes do PCB teve como um de seus traços mais originais a insistência no caráter sempre capitalista das relações de classe no Brasil Os fundamentos da futura sociedade nacional dando continuidade ao seu raciocínio não se encontrariam no setor orgânico da sociedade colonial na minoria de senhores e na grande maioria de escravo mas no setor inorgânico no grande número dos desclassificados dos inúteis e inadaptados indivíduos de ocupações mais ou menos incertas ou aleatórias ou sem ocupação alguma Ibid p279 origem do proletariado brasileiro O defeito da colônia desponta justamente como qualidade da nação O grupo inorgânico sendo a antítese do orgânico teve de agir direcionandose para o mercado interno seja por opção seja por falta desta RICUPERO 2011 O continuísmo é a orientação da colônia que transborda para o restante de nossa história especialmente observado na subordinação e na dependência do mercado mundial Para Caio Prado Júnior os primeiros passos de nosso incipiente capitalismo iniciamse como para Nelson Werneck Sodré em 1844 com a Tarifa Alves Branco e em 1850 com a abolição do tráfico Esta última não 3 Estes teriam como objetivo verdadeiramente a construção de uma sociedade que lhes oferecesse o que seu continente de origem não mais oferecia agregando portanto trabalho motivação e espírito nacional às terras recémcolonizadas 11 apenas libera capitais para indústria para infraestrutura e para especulação como possibilita o deslocamento da primazia econômica das velhas regiões do Norte privadas a partir de então de mãodeobra barata para o CentroSul do país que se valerá da imigração europeia para a produção de um gênero que já a partir do século XVIII adquire grande importância nos mercados internacionais o café Apesar do processo de acumulação de capitais que se seguiu ao desenvolvimento da lavoura cafeeira no país esta serviu para reforçar a estrutura tradicional da economia brasileira inteiramente voltada para o mercado externo Nos centros onde a indústria começa a florescer por sua vez a questão da mãodeobra será resolvida com o emprego da população marginal a fração inorgânica já citada O advento da República que não teve profundeza política ou social servirá para romper com o conservadorismo do Império desencadeando um espírito dominante um espírito burguês afeito à nova fase de prosperidade material à especulação ao enriquecimento Concomitantemente a esta fase de bonança no entanto o germe da instabilidade se escondia e se agravava A concentração cada vez maior das atividades na produção de uns poucos gêneros exportáveis e a estruturação de toda a vida do país sobre base tão precária e dependente das reações longínquas de mercados internacionais fora do seu alcance tornavam aquele sistema essencialmente frágil e vulnerável E paradoxalmente cada passo no sentido de ampliálo mais o comprometia porque o tornava mais dependente PRADO JÚNIOR 20141945 p211 A indústria manufatureira seria a saída para a diferenciação da produção A partir da Primeira Guerra Mundial a indústria passou a ocupar um lugar importante na economia do país no entanto o mais sólido setor que veio a desenvolverse foi aquele da indústria subsidiária de grandes empresas estrangeiras sejam filiais destas empresas sejam montadoras de peças acabadas ou semiacabadas É o capital estrangeiro que contribuirá para a industrialização do Brasil na visão de Caio Prado Júnior mesmo para o posterior estabelecimento da indústria de base A dependência em relação ao capital estrangeiro que veio da colônia que mostrouse funcional para a nossa economia é um fenômeno que acompanhou a história do país A transformação do escravo em trabalhador livre derrubou o principal obstáculo ao estabelecimento das relações capitalistas de produção uma vez que significou a ativação do mercado interno o sentido da colonização brasileira porém persistiu Indo a fundo do sistema presente ainda encontraremos por detrás de aparências por vezes enganadoras o essencial da velha situação da colônia que subordina o funcionamento da economia brasileira e suas atividades a objetivos e interesses estranhos ao pais PRADO JÚNIOR 20041966 p 100 12 Assim a própria ideia de Revolução Burguesa perde o seu fundamento Não houve princípio deste evento no Brasil e nunca existiu a divisão entre burguesia retrógrada ligada ao latifúndio e ao imperialismo e burguesia nacional progressista e eventual aliada do proletariado na revolução democráticoburguesa A partir do exposto a crítica que Caio Prado Júnior promove ao marxismo do PCB especialmente colocada em A Revolução Brasileira 20041966 relacionase com a proposição por parte dos comunistas de reformas teoricamente bem formuladas e bem intencionadas que não encontravam nos fatos correntes da realidade brasileira as circunstâncias capazes de as promover Assim criticava o fato de ao se buscar a qualificação a priori da revolução brasileira seu tipo ideal sua natureza a partir de experiências estranhas à nossa inferiamse soluções para os problemas nacionais sem o conhecimento e sem a análise concreta dos fatos econômicos sociais e políticos do país e de suas contradições ou seja soluções alheias à dialética dos fatos históricos Criticava portanto o que percebia como discussões abstratas inspiradas em modelos aporísticos os quais dificultavam a elaboração de uma verdadeira teoria revolucionária capaz de orientar a ação política no Brasil O princípio destas abstrações segundo o autor residia na tentativa de conciliar a evolução histórica brasileira às etapas consideradas em teoria anteriores ao socialismo ou seja ao feudalismo e ao capitalismo Determinados pseudomarxistas na acepção do autor buscavam de tal modo os restos de um sistema feudal semifeudal ou mesmo aparentado ao feudalismo o qual de fato nunca existira realmente no país Na visão de Caio Prado as formas extorsivas de exploração do trabalho que remanesciam no sistema então vigente eram provenientes não do feudalismo mas do escravismo sobre o qual se estabeleceram as relações sociais brasileiras e no qual se assentaram os conflitos de classe Tais conflitos no entanto não se referiam tal como ocorria com o camponês encontrado na Europa ou na Rússia czarista à luta dos escravos pela livre exploração da terra mas sim à melhora nas suas condições de trabalho e de emprego esta que não se ajusta convenientemente aos esquemas teóricos adotados pelo partido A partir desta interpretação o autor critica a ação política do PCB que generalizava a reivindicação da terra como a expressão essencial e básica do conjunto da economia agrária no Brasil ao passo que dava pouca ênfase à questão salarial e à extensão da legislação trabalhista ao homem do campo sendo o resultado prático a perda de potencial para a mobilização da massa de trabalhadores rurais A essa concepção de que a conjuntura corrente brasileira correspondia à transição de uma fase feudal ou semifeudal para a democracia burguesa e capitalista procurouse acrescentar a luta antiimperialista mas novamente baseada em um modelo distante aquele dos países asiáticos Assim a tese do PCB apresentava os restos feudais da estrutura agrária brasileira e o imperialismo estadunidense ambos correlacionados como as principais amarras para o progresso do país Isso dava margem à divisão da classe burguesa O autor no entanto esclarece que novamente tal 13 esquema nada tinha de correspondência com a realidade do Brasil Aqui todos os grupos dominantes se comporiam da mesma categoria de indivíduos fossem urbanas ou rurais as suas atividades Eram unidade na diversidade A consequência prática dessa visão foi uma linha política ilusória de apoio a grupos e partidos vazios de conteúdo ideológico munidos de interesses não relacionados aos ideais e agendas dos comunistas FLORESTAN FERNANDES A REVOLUÇÃO DEFORMADA Florestan Fernandes pertence a uma geração de intelectuais posterior a Sodré e a Prado Júnior e dentre os três é o único que seguiu verdadeiramente carreira acadêmica tendo sido professor na Universidade de São Paulo USP e um dos pais fundadores da sociologia crítica no Brasil uma sociologia segundo Ianni 1996 concentrada na pesquisa e na interpretação das condições e possibilidades de mudança social de revolução social Nascido em 1920 paulista também não era proveniente de uma família aristocrática como Caio Prado Júnior nem de classe média como Nelson Werneck Sodré Era filho de uma empregada doméstica Trabalhou como garçom e como engraxate Por um breve período de tempo militou no Partido Socialista Revolucionário de orientação trotskista Pelo Partido dos Trabalhadores PT no entanto foi eleito por duas vezes deputado federal A obra de Florestan é vasta incluindo estudos empíricos e de viés antropológico sobre a luta e conquista de direitos sociais pelos negros e pelos indígenas estudos sobre educação e cultura popular contribuições teóricas e balanços críticos do pensamento sociológico Pela riqueza de sua produção intelectual e pela originalidade de seu raciocínio BresserPereira 1982 encontra dificuldade em classificálo em uma de suas correntes de interpretação sobre o Brasil Segundo Bresser sua análise indignada dos acontecimentos de 1964 em A Revolução Burguesa no Brasil permitiria enquadrálo na interpretação funcionalcapitalista ao lado de Caio Prado Júnior devido à sua frustração com a ação da classe burguesa no país ao mesmo tempo entra em conflito com esta interpretação e consequentemente com seu pensador maior por demonstrar que em nosso modelo de revolução burguesa dependente a qual marcou a passagem do capitalismo mercantil para o capitalismo industrial do qual a Revolução de 1930 é o marco é fictícia a pretendida coesão de nossa burguesia A Revolução Burguesa no Brasil 201219744 é perpassada por duas questões de caráter teórico e históricosociológico o que é Revolução Burguesa tal fenômeno foi experimentado pelo Brasil Essa primeira questão diferencia a sua análise dos dois autores anteriormente 4 Florestan escreve este livro em um momento em que a ideia de Revolução Burguesa já havia sido abandonada pelos analistas mais afeitos à ideia de que o Brasil possuía uma burguesia submissa ao Estado e à tecnocracia TRINDADE 1986 14 analisados uma vez que o sociólogo vai às raízes do conceito para promover sua crítica que também o abrangem O caráter ensaístico do livro que destoa do restante de sua produção marcada pelo estilo monográfico carrega em seu subtítulo um descompasso um ensaio porém de interpretação sociológica O primeiro o permite uma interpretação do Brasil uma interpretação militante em seu tom inconformado e em sua crítica mordaz enquanto o segundo indica que o faz pela ótica de um sociólogo preocupado por seus referenciais teóricos e metodológicos pelo rigor científico por ele professado RICUPERO 2004 A tese defendida é controversa o país já havia passado por sua Revolução Burguesa uma vez que o capitalismo se fez aqui hegemônico tanto na economia quanto na sociedade embora tenha sido uma revolução de natureza diversa dos modelos préconcebidos embora incompleta e embora deformada Uma Revolução Burguesa peculiar pois umbilicalmente ligada a um capitalismo de caráter dependente ou seja concebido para operar estrutural e dinamicamente como subsidiário das sociedades desenvolvidas Ao analisar portanto a afirmação da dominação burguesa no Brasil Florestan não busca na história dos povos europeus o paralelo analítico para o entendimento de nossa realidade concreta como o fez Nelson Werneck Sodré defendendo que a Revolução Burguesa não pode ser meramente descrita como um episódio histórico mas deve ser vista como um fenômeno estrutural Por ser estrutural pode reproduzirse de modos variados a depender do contexto e das circunstâncias Tendo isto em mente Florestan trabalha a realidade brasileira a partir de dois níveis o nível da história no qual busca analisar a realização efetiva das relações entre as classes e o nível da estrutura no qual analisa as implicações econômicas políticas sociais e culturais de um capitalismo de caráter dependente e subdesenvolvido O sincretismo teórico do livro marca intelectual de Florestan5 é demonstrado por Fernando Henrique Cardoso 2013 a primeira parte do livro As Origens da Revolução Burguesa é marcado pelo estilo weberiano típicoideal pela busca dos agentes humanos capazes de encarnar o espírito burguês necessário ao estabelecimento de uma ordem social competitiva o fazendeiro o imigrante os comerciantes e que se oporiam ao espírito colonial Os últimos ensaios marcam um estilo de análise mais marxista tendo as etapas de acumulação de capital como temática O que esta mistura fecunda demonstra é um sociólogo de excelente formação teórica e paixão pela pesquisa que não sufoca os processos históricos no vazio de análises típicoideal ou economicistas CARDOSO 2013 p191 Em termos históricos Florestan vê na Independência o início da Revolução Burguesa brasileira tanto por delimitar o fim do estatuto colonial como por dar início à construção de nossa sociedade nacional Nossa autonomização política em relação à metrópole no entanto foi motivada pelo desejo de romper com um modelo colonial que neutralizava a capacidade de 5 Cf Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica 1980 15 dominação das elites nativas mas não pelo desejo de transformar as estruturas sociais vigentes nem pela vontade de reorganizar as relações de produção O paradoxo principal portanto encontrase no fato de nossa revolução nacional ter trabalhado para a consolidação da grande lavoura de tipo exportadora de modo que a autonomização política não foi acompanhada de uma autonomização econômica do país Ocorreu assim uma amálgama entre caracteres autônomos associados à sociedade nacional elementos puramente revolucionários com heteronômicos ligados à era colonial reacionários por natureza No Brasil portanto foi no plano político que se estabeleceu o pacto de dominação entre as classes refletindo o não deslocamento dos velhos grupos dominantes por novos Assim criouse uma situação na qual a nova organização jurídico política convivia com o velho substrato moral material e social dos tempos de Brasil colônia De tal forma Essa sociedade civil no período da extinção do estatuto colonial e da implantação da Monarquia constitucional estava mais comprometida com a defesa da propriedade da escravidão e de outros componentes tradicionais do status quo ante e mais empenhada na apropriação dos meios de organização do poder que então se criaram que com as questões concernentes aos requisitos ideais de integração da sociedade nacional FERNANDES 20121974 p56 Nesse contexto o Estado que no caso brasileiro foi anterior à Nação era requerido pelas elites senhoriais tanto para manter as estruturas sociais que garantiam os seus privilégios e o seu prestígio social a despeito da utopia liberal presente desde a colônia quanto para fomentar o aparecimento das condições econômicas culturais e sociais que garantissem nossa sociedade nacional em seus moldes Especificamente sobre este liberalismo elaborado nas nações centrais e portanto exógeno suas motivações eram econômicas e apenas secundariamente políticas sendo em realidade instrumento de dominação patrimonialista A democracia burguesa pretendida não passaria de tal maneira de uma democracia restrita No desencadear de nossa Revolução Burguesa os agentes responsáveis pela criação das novas estruturas econômicas propriamente ditas aquelas de caráter tipicamente burguesas foram em especial os fazendeiros de café variante do antigo senhor rural mas que trabalharam pela dissociação entre a fazenda e a riqueza por ela produzida e os imigrantes que nunca buscaram status de senhor tão somente o enriquecimento Estes dois tipos atuaram no contexto de desagregação da ordem senhorial e da implantação do regime republicano o qual contém o gérmen da nossa dominação burguesa A especificidade destes agentes de nossa incipiente burguesia foi no entanto não terem forjado instituições próprias de poder convergindo sua ação para o Estado e realizando o pacto tático de dominação de classe no plano político Em consequência não desafiaram a base de poder da oligarquia pela qual tinham em realidade forte atração de modo que esta pode modernizarse ou irradiarse conforme suas conveniências não havendo a superação 16 das formas econômicas não capitalistas anteriores as quais produziam para exportação Assim a partir da solidariedade entre as classes possuidoras por meio do Estado a dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos herdados do passado ou improvisados no presente e era quase neutra para a formação e a difusão de procedimentos democráticos alternativos que deveriam ser instituídos FLORESTAN 20121974 p217 A burguesia brasileira portanto ao preferir a mudança gradual a modernização à mudança social radical conforme o que constaria em modelos clássicos de Revolução Burguesa circunscreveuse ao horizonte cultural da oligarquia essencialmente particularista e conservadora no sentido político e social Uma típica revolução dentro da ordem Foi portanto e no limite a oligarquia que estabeleceu o tipo de dominação burguesa que conheceríamos no Brasil elegendo a repressão ao proletariado como o eixo central de nossa revolução Assim a burguesia no Brasil não logrou realizar uma revolução nacional e democrática tornandose uma burguesia dependente e autocrática herdeira do passado sendo o resultado deste quadro o congelando das possibilidades de expansão da ordem social competitiva e consequentemente do próprio campo de atuação histórico de nossa burguesia e de suas potencialidades enquanto classe dominante Tal era logicamente funcional para as nações capitalistas e hegemônicas umas vez que as classes dominantes brasileiras se relacionariam com o imperialismo por meio de afinidades seletivas entre eles A economia capitalista subdesenvolvida engendra uma burguesia que é vítima de sua própria situação de classe Ela possui poder para resguardar sua posição econômica e os privilégios dela decorrentes no cenário nacional Mas é impotente noutras direções fundamentais a tal ponto que induz e fomenta um crescimento econômico que a escraviza cada vez mais intensamente ao domínio dos núcleos hegemônicos externos FERNANDES 20061968 p83 O golpe de 1964 foi a expressão máxima da autocracia de nossa burguesia não mais ocultada pela ideologia liberal mas desvelada nua Isso vem ao encontro da formulação teórica do autor e a disjunção entre a revolução econômica e a revolução política por ele produzida não se choca com a sua ideia de marxismo Em consonância com o que Marx escreve em seu famigerado prefácio Florestan esclarece que estrutura e história estão correlacionadas Quando as relações autoritárias se exacerbam a estrutura ganha saliência o que é mais profundo vem a tona e revela a face burguesa da imposição da autoridade FERNANDES 1979 p15 O poder a Revolução Burguesa não são portanto realidades transcendentais mas históricas O autor ao considerar essa realidade difusa contraditória e altamente móvel afastase em parte de Caio Prado Júnior cujo pensamento denota certo continuísmo na ação de nossas elites Em um escrito anterior Classes Sociais na América Latina 1972 Florestan esclarece que ao apanhar se as classes sociais no Brasil e na América Latina a partir do viés da hegemonia dos estratos dominantes de fato temos a impressão de uma sociedade sem história na qual todas as mudanças 17 trabalham para a manutenção de pequenos grupos no poder No entanto se as tomarmos tendo em vista a duração e as debilidades da revolução burguesa e os ritmos históricos das transições inesperadas a impressão que temos é a inversa de modo que as sociedades latinoamericanas aparecem como sociedades em convulsão que estão em busca do seu próprio patamar e tempo histórico FLORESTAN 1972 p36 A diferença entre Florestan e Caio Prado Júnior portanto reside especialmente no peso que concede o primeiro aos fatores internos de formação e desenvolvimento da sociedade brasileira dando inclusive grande peso ao Estado nacional CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil de fato foi cenário para narrativas diversas Algumas enfocavam aspectos micro sociológicos mesmo antropológicos de nosso país como Gilberto Freyre ao analisar a Casa Grande e a Senzala do período escravocrata extravasando os resultados desta observação para o nível estrutural Outras dentre as quais encontramse as obras dos três autores aqui trabalhados promoviam grandes narrativas historicamente largas sobre o desenvolvimento político econômico e social do país Algumas destas apontavam para uma direção devido ao seu objeto ao seu método de trabalho à sua posição ideológica outras sob perspectiva diversa para o diametralmente oposto sem prejuízo porém para a descrição de nosso país e de suas realidades Todas essas visões do Brasil e seus descompassos nos permitem inferir a complexidade do empreendimento de compreensão de nosso desenvolvimento histórico das causas de nossas mazelas e a dificuldade de se criar uma interpretação que seja ao mesmo tempo totalizante de nossos processos e justa com as nossas particularidades Florestan Fernandes Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré em diferentes momentos escolheram como pano de fundo de seus trabalhos uma questão que lhes parecia fundamental não simplesmente pelo seu aspecto teórico ou pela necessidade de fixar conceitos mas para a compreensão de nossos problemas e para a proposição de soluções possíveis a ideia de Revolução Burguesa de constituição do capitalismo e de hegemonia da burguesia no Brasil O que os intrigava era a visão de um quadro aparente de Revolução sem o aspecto revolucionário e o significado deste paradoxo Os três a partir do campo da esquerda optaram por uma análise marxista em maior ou menor grau cada qual com sua interpretação acerca do método Florestan Fernandes neste ponto mostrouse destoante pois não foi um marxista ortodoxo antes nas palavras de Antônio Candido 2001 seu pensamento bastante particular seria melhor representado por uma fusão de pensamentos paralelos O ponto que os uniu como visto foi a percepção de uma disjunção entre o exposto pela teoria marxista relativo ao modelo clássico de Revolução Burguesa em especial a Revolução 18 Francesa e de estabelecimento do capitalismo e o ocorrido no Brasil Especificamente criticaram o que viram como a manutenção de uma cultura oligárquica e semicolonial a qual concorria para travar e obstruir nossos dinamismos societários As razões apontadas para tanto porém divergiam entre nossos autores Nelson Werneck Sodré apegado conforme exposto a uma interpretação etapista da evolução histórica atribuiu o fenômeno ao que via como a continuidade de traços feudais ou semifeudais e de relações imperialistas o que não apenas engendrava manifestações de autoritarismo por parte de nossa burguesia como impedia seu pleno potencial revolucionário Caio Prado Júnior opondose à ideia de feudalismo no Brasil defendeu que o sentido da colonização brasileira produzia continuísmos com a sociedade colonial Finalmente Florestan Fernandes assumiu ser o caráter dependente de nosso capitalismo sua mais marcante particularidade Ao passo que o capitalismo nascera lenta e tortuosamente para Florestan Fernandes e para Nelson Werneck Sodré ele sempre existira segundo Caio Prado Júnior Neste quadro a despeito de perceber o componente autocrático de nossa burguesia Nelson Werneck Sodré acreditava haver a possibilidade de uma das frações burguesas a fração industrial ser progressista nacionalista e democrática O desencanto com a ação burguesa no país no contraponto foi marca de Caio Prado Júnior e de Florestan Fernandes em seus escritos É necessário notar porém em primeiro lugar que a defesa que Nelson Werneck Sodré fez do feudalismo no caso brasileiro não era a defesa de um modo de produção feudal tal qual o europeu mas apenas a observação de que determinadas relações de trabalho existentes no país não poderiam ser facilmente descritas enquanto escravistas Para o autor tratavase antes de uma questão semântica o emprego de tal termo na ausência de outro mais explicativo No entanto a crítica muito bem colocada de Caio Prado Júnior sustentava que as relações pretensamente feudais ou semifeudais descritas por Sodré não constituíam senão relações acessórias em suas fases históricas e não deveriam ser tomadas como o essencial de nosso modo de produção Não tratava se portanto de uma mera questão de linguagem mas de uma questão metodológica Ficou claro que Caio Prado Júnior descartou a Revolução Burguesa enquanto categoria histórica útil ao caso brasileiro A severidade de sua análise seguramente é explicada pelas condições em que escrevera A Revolução Brasileira e pela missão que assumiu de invalidar as teses de seu partido vistas como danosas Sua pesquisa porém termina por nulificar um debate caro à esquerda por negar rupturas importantes com nosso passado e por apegarse demasiadamente a um economicismo também dogmático Quando nega a Independência e o desabrochar da República como um momento paradigmático em nossa evolução história e em nosso desenvolvimento teve dificuldades em explicar uma evidente mudança sociocultural de explicar o surgimento de um espírito burguês Florestan Fernandes que utiliza a Independência como um marco na formação de nossa sociedade nacional utiliza o recurso dos agentes burgueses porém combina esta 19 categoria tipicamente weberiana com as etapas de acumulação de capital de mudança nas condições materiais da sociedade Combina portanto uma análise materialista tipicamente marxista com alguns elementos culturalistas tendo como resultado uma mistura bastante criativa Além do método a grande novidade em Florestan que o distancia tanto de Nelson Werneck Sodré quanto de Caio Prado Júnior quanto da ortodoxia marxista foi ter dissociado a revolução econômica da revolução política e ter considerado que a segunda precedia a primeira invertendo a lógica de Marx Esse fato explica a peculiaridade de sua tese sobre a Revolução Burguesa brasileira o fato de esta ter ocorrido pois é inegável que o capitalismo tornouse hegemônico embora de maneira segmentária O resultado foi o capitalismo ter evoluído em nosso país sem contar com um crescimento autônomo e autossustentado de modo que as classes careceriam de dimensão estrutural O fato no entanto de Florestan ter feito a defesa da Revolução Burguesa no Brasil mesmo sem a concorrência de uma classe burguesa que a levasse a cabo não deixa de ser contraditório A temática da ação burguesa no Brasil segue sendo debatida no âmbito da Economia Política da História das Ciências Sociais brasileiras É um objeto especialmente fecundo em momentos de rupturas históricas como o foi após o Golpe Militar de 1964 e como o é atualmente após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff Surgem hoje análises que apontam para o realinhamento de frações da burguesia em relação ao governo Dilma mormente da fração industrial como o fator que possibilitou a abertura do processo que afastou definitivamente a presidenta do cargo com resultados no entanto ainda inconclusos Uma vez mais fezse necessário reformular e reorientar a visão sobre a realidade nacional sobre a ação burguesa no país e sobre as formas de relação entre a burguesia e o Estado no sistema capitalista e no regime democrático não sem paradoxos não sem o abandono de hipóteses anteriores já consolidadas mas com ganhos para a interpretação de nossas particularidades 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENOIT Hector O Programa de Transição de Trotsky e a América Revista Crítica Marxista São Paulo v 2 n 1 p3843 nov 2004 BIELSCHOWSKY Ricardo Pensamento econômico brasileiro o ciclo ideológico do desenvolvimentismo Rio de Janeiro Contraponto 2004 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Sete Interpretações sobre o Brasil Dados Rio de Janeiro v 25 n 3 p269306 jun 1982 CÂNDIDO Antônio Florestan Fernandes São Paulo Perseu Abramo 2001 CARDOSO Fernando Henrique Pensadores Que Inventaram o Brasil São Paulo Companhia das Letras 2013 COSTA Octavio Vida e obra de Nelson Werneck Sodré In CUNHA Paulo Ribeiro da CABRAL Fátima Org Nelson Werneck Sodré entre a pena e o sabre São Paulo Editora Unesp 2006 p 1730 FERNANDES Florestan Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo São Paulo Hucitec 1979 FERNANDES Florestan Classes Sociais na América Latina In FERNANDES Florestan Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina Rio de Janeiro Zahar 1972 p 33122 FERNANDES Florestan Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica São Paulo T A Queiroz 1980 FERNANDES Florestan Revolução Burguesa no Brasil Rio de Janeiro Globo 20121974 FERNANDES Florestan Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento Rio de Janeiro Global Editora 20061968 HIPPÓLITO Regina Enfoques de uma vida militante In CUNHA Paulo Ribeiro da CABRAL Fátima Org Nelson Werneck Sodré entre a pena e o sabre São Paulo Editora Unesp 2006 p 197214 HOBSBAWN Eric La Era de la Revolución 17891848 Buenos Aires Crítica 2009 IANNI Octávio A Sociologia de Florestan Fernandes Estudos Avançados São Paulo v 10 n 26 p2533 jun 1996 IANNI Octávio Tendências do Pensamento Brasileiro Tempo Social São Paulo v 12 n 2 p55 74 nov 2000 LOWY Michael Revolução burguesa e revolução permanente em Marx e Engels Discurso São Paulo v 9 n 1 p129151 jun 1978 MARX Karl ENGELS Friedrich Luta de Classes na Rússia São Paulo Boitempo 2009 MARX Karl ENGELS Friedrich Manifesto do Partido Comunista In MARX Karl ENGELS Friedrich Karl Marx e Friedrich Engels Obras Escolhidas São Paulo AlfaÔmega 19851848 p 1347 MARX Karl A Burguesia e a ContraRevolução In MARX Karl ENGELS Friedrich Karl Marx e Friedrich Engels Obras Escolhidas São Paulo AlfaÔmega 19851848 p 4851 POLITZER Georges Princípios Elementares de Filosofia São Paulo Centauro 20071971 PRADO JÚNIOR Caio A Revolução Brasileira e a Questão Agrária no Brasil São Paulo Companhia das Letras 20141966 21 PRADO JUNIOR Caio Formação do Brasil Contemporâneo colônia São Paulo Companhia das Letras 2011 PRADO JÚNIOR Caio História Econômica do Brasil Brasiliense São Paulo 20141945 QUEIROZ Fábio José C de O conceito de revolução em Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes Outubro São Paulo v 19 n 1 p155177 jan 2011 RICUPERO Bernardo Sete Lições sobre as Interpretações do Brasil São Paulo Alameda 2011 SODRÉ Nelson Werneck Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil Rio de Janeiro Graphia 1997 SODRÉ Nelson Werneck Formação Histórica do Brasil São Paulo Brasiliense 19731962 TRINDADE Hélgio Burguesia e Estado no Brasil um balanço crítico Ensaios FEE Porto Alegre v 7 n 1 p105124 jun 1986
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A IDEIA DE REVOLUÇÃO BURGUESA NO BRASIL UMA ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DE NELSON WERNECK SODRÉ CAIO PRADO JÚNIOR E FLORESTAN FERNANDES Resumo O presente artigo tem como objetivo a análise das contribuições de três Intérpretes do Brasil à temática da Revolução Burguesa de seu início e de desenvolvimento no Brasil Nelson Werneck Sodré Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes Debatendo um tema caro ao pensamento de esquerda os três autores se aproximaram do pensamento e do método marxista embora com diferentes graus de ortodoxia e com importantes diferenças em relação à descrição do fenômeno promovida por Marx e Engels Este artigo tratará justamente destas diferenças sendo a ideia de Revolução Burguesa e o debate que engendra relativo à ação burguesa no Brasil e à relação entre a burguesia e o Estado no sistema capitalista e no regime democrático ainda hoje essenciais na compreensão da realidade brasileira justificando portanto a retomada destes autores Mariana Falcão Chaise Doutoranda Universidade de São Paulo USP marianachaiseuspbr INTRODUÇÃO O Brasil foi terreno especialmente fértil para diversas correntes de explicação e de análise sobre a sua formação e seu desenvolvimento enquanto Estado nação economia e sociedade Um país portanto que foi pensado em diversas vias paralelas ou colidentes formando um quadro complexo de narrativas Aqueles pensadores que se destacaram como Intérpretes do Brasil ostentam portanto pela riqueza de suas obras pela originalidade de seu pensamento um título que foi possível a poucos em meio a vários grandes pensadores produzidos no país e também no exterior pois foram muitos os brasilianistas que se aventuraram em desvendar no campo da Economia da Ciência Política da Sociologia os processos que levaram hoje a constituição de nossa realidade os quais permitem antever um futuro possível Este título de Intérprete segundo Ricupero 2011 cabe a autores que apareceram entre a Proclamação da República e o desenvolvimento pleno da Universidade a partir dos anos de 1930 embora com alguns sucessores Isso é devido ao fato de não ter havido uma preocupação específica em interpretar o Brasil logo após a nossa Independência pois se fazia necessário antes criar nossas referencias nacionais engendrar nossa emancipação mental Igualmente uma investigação mais totalizante acerca do Brasil era bloqueada em vista das condições da sociedade de então na qual o trabalho escravo era predominante e observavase uma exclusão deliberada do tema da mão de obra do debate político e cultural Após a consolidação da Universidade na ponta oposta desta demarcação o padrão de reflexão sobre o país foi alterado os ensaios que possibilitavam grande liberdade na definição do problema e grande criatividade nas hipóteses e teses foi gradualmente substituído pelo estilo monográfico mais afeito ao padrão acadêmico porém com reveses entre eles a obliteração de uma realidade obviamente complexa 2 O objetivo deste trabalho é analisar a contribuição de três destes Intérpretes do Brasil dois deles que o são consensualmente considerandose a literatura especializada e outro que de certo modo aparece mais obtusamente enquanto tal respectivamente Florestan Fernandes Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré Dada a amplitude da produção destes três autores nossa análise recairá sobre um ponto específico de suas obras embora consideremos ser para os três ponto fundamental a ideia de Revolução Burguesa no Brasil ideia cara ao pensamento de esquerda O tema da Revolução Burguesa seu caráter e sua explicação foi uma das questões mais discutidas no país ao longo das décadas de 1930 a 1960 conjugada com a tese da sociedade de classes e da história como uma história de luta de classes O resultado de diversas destas reflexões foi a visão de um Brasil atravessado por lutas sociais e perpassado por rupturas históricas Dos autores comprometidos com essas ideias os quais obviamente apontavam o projeto socialista como uma alternativa futura se destacaram nossos três autores além de outros notáveis pensadores Astrogildo Pereira Leandro Konder Carlos Nelson Coutinho IANNI 2000 A temática claramente é tributária do marxismo de modo que tanto Florestan Fernandes quanto Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré se apropriam do método marxista do materialismo dialético para desenvolvêla embora em diferentes graus de ortodoxia Diferenças fundamentais em relação à descrição do fenômeno promovida por Marx e Engels no entanto foram percebidas e apontadas pelos três e a maneira pela qual os autores aqui trabalhados buscaram contornar essa disjunção entre teoria e empiria marca em parte as discrepâncias entre suas análises Para Marx e Engels o modelo exemplar de Revolução Burguesa era a Revolução Francesa aquela que concorreu para a eliminação de todos os vestígios da sociedade feudal esta que criara os meios de produção e de troca sobre os quais se edificariam os burgueses A França imediatamente antes da Revolução era a mais poderosa e a mais típica das velhas monarquias absolutas da Europa de modo que o conflito entre os interesses estabelecidos pelo Antigo Regime e as novas forças sociais que ascendiam era e foi mais agudo na França que em qualquer outro lugar A Revolução Francesa marcou portanto a política e a ideologia do século XIX e não diferentemente o pensamento marxista que buscou no movimento burguês de toda a Europa a semente da Revolução Francesa estando Marx e Engels especialmente preocupados com a impotência da burguesia alemã de produzir a sua própria revolução naqueles moldes HOBSBAWN 2009 A Revolução Burguesa marca o início da hegemonia da burguesia enquanto classe assentando sua cosmologia de classe como cosmologia da sociedade e o capitalismo enquanto modo de produção plenamente estabelecido enquanto complexo sociocultural A burguesia neste modelo concentrou em si os interesses de toda a sociedade uma vez que o proletariado e as camadas da população urbana que não pertenciam à burguesia ainda não tinham quaisquer 3 interesses separados dos da burguesia ou ainda não constituíam classes ou setores de classe com desenvolvimento independente MARX 19851848 p49 Ao lutarem ao lado da burguesia lutavam pela realização dos interesses burgueses Tal significava no entanto o revolucionar de seu modo de vida o revolucionar dos instrumentos de produção portanto das relações de produção portanto do conjunto das condições sociais MARX ENGELS 19851848 A vitória da burguesia significava então o triunfo de um novo regime social o triunfo da propriedade burguesa sobre a propriedade feudal da nação sobre o provincianismo da concorrência sobre as corporações da partilha sobre o direito de primogenitura da submissão da terra ao proprietário sobre a submissão do proprietário à terra da ilustração sobre a superstição da família sobre a linhagem da indústria sobre a negligência heroica do direito burguês sobre os privilégios medievais MARX 19851848 p50 Esse conceito de burguesia revolucionária porém que possibilita e emerge da Revolução Burguesa tornase um conceitochave na interpretação etapista do marxismo apoiada nos resultados VI Congresso da III Internacional Comunista de 1928 e no pensamento stalinista a qual advogando que todas as sociedades passariam pelas mesmas fases históricas percorridas pela Europa Ocidental buscava descobrir em determinados contextos restos de um passado ainda não superado De tal maneira a Revolução Burguesa e o desenvolvimento capitalista se tornariam uma preliminar histórica necessária à intervenção revolucionária autônoma do proletariado bem como o feudalismo fora o resultado da dissolução do modo de produção antigo escravista o antigo o feudal e o burguês se sucederiam na história caracterizados por determinado tipo de relação entre os homens por determinado tipo de exploração do homem pelo homem Esse tipo de interpretação abundou em análises relativas à Ásia e à América Latina que sendo continentes vistos como atrasados deveriam ainda desenvolver suas forças produtivas antes de atingir a etapa capitalista e antes de suas camadas proletárias reivindicassem o socialismo BENOIT 2004 LOWY 1978 De fato nos anos 1960 um dos conceitos mais difundidos e utilizados pela literatura sociopolítica especializada era o de burguesia nacional ou seja uma burguesia nacionalista que encabeçaria o setor moderno de nossa sociedade em vistas de um desenvolvimento verdadeiramente nacional e autônomo Esse mito mobilizador de um projeto burguês nacional era levantado em círculos de esquerda que defendiam este enquanto etapa prévia dando origem a diversas teorias sobre alianças de classe necessárias à realização deste projeto TRINDADE 1986 O marxismo no entanto enquanto uma teoria revolucionária buscou associar teoria e prática Por isso para Marx e Engels era necessário um método que não fosse dogmático O materialismo dialético por eles desenvolvido considera que o ser social está determinado pelas condições materiais de existência em que os homens e mulheres vivem em sociedade as relações sociais portanto são relações sociais e históricas e a economia não poderia ser dissociada de seu 4 contexto social e político POLITZER 20071971 Em Luta de Classes na Rússia 2013 defendem inclusive que mesmo em vista da primitividade da sociedade burguesa russa existiria a possibilidade de a propriedade comunal no país migrar diretamente para uma forma social superior socialista sem a necessidade dos estágio intermediário da propriedade privada burguesa O período da comuna agrícola aparece como o período de transição da propriedade comum para a propriedade privada como período de transição da forma primária para a forma secundária Mas isso que dizer que em todas as circunstancias o desenvolvimento da comuna agrícola deve seguir este mesmo curso De modo algum Sua forma constitutiva admite a seguinte alternativa ou o elemento da propriedade privada implicado nela prevalecerá sobre o elemento coletivo ou esta último prevalecerá sobre o primeiro Ibid p93 De tal forma alguns círculos da esquerda especialmente após o Golpe Militar de 1964 e especialmente dentro das universidades opuseramse às análises etapistas e ao diagnóstico resultante de ação política criticando duramente a visão que identificava frações nacionalistas e potencialmente progressistas no seio da burguesia então o paradigma dominante A burguesia nacional para estes críticos que despontavam seria uma categoria mitológica TRINDADE 1986 Dos autores aqui analisados todos tributários do método marxista e todos debatendo a ideia e as possibilidades de Revolução Burguesa no Brasil Nelson Werneck Sodré apresentase como o mais próximo à tese etapista Assim buscou nas contradições do desenvolvimento brasileiro restos de um passado feudal ou semifeudal o qual limitaria a capacidade revolucionária de parcela de nossa burguesia Caio Prado Júnior ao entrar em choque com essa ideia e em vista das circunstancias históricas que levaram à dissolução da aliança entre classes enquanto estratégia política chegou a negar a própria necessidade de utilizar a Revolução Burguesa enquanto categoria histórica ao caso brasileiro partidário da tese de perfeita união entre nossas frações burguesas e do capitalismo enquanto sentido de nossa colonização Florestan Fernandes que não apenas bebeu deste debate prévio como defendeu um método híbrido aplicado às Ciências Sociais a depender do objeto e da conveniência foi provavelmente o mais original dos três defendendo que o problema do país estava na relação entre Revolução Burguesa e capitalismo de tipo dependente e subdesenvolvido que tem como resultado uma situação ambivalente quando da junção da ordem econômica vigente com a ordem social de classes A interpretação de Florestan sacralizou em definitivo a proposição relativa à Revolução Burguesa brasileira QUEIROZ 2011 NELSON WERNECK SODRÉ A REVOLUÇÃO INCOMPLETA De início fazse necessário situar o autor no tempo e no espaço a fim de compreendermos as agendas e os compromissos políticos e ideológicos por trás de seus escritos Nelson Werneck Sodré cujo pensamento repercutiu entre o público estudantil da década de 1960 sofreu por parte da 5 intelectualidade brasileira de sua época reunida nas Universidades das quais ele não era quadro daquilo que Regina Hippolito 2006 denominou conspiração do silêncio o nãoreconhecimento e o consequente nãodebate de sua contribuição intelectual Nascido em 1911 no Rio de Janeiro teve singular trajetória ao ter seguido carreira no Exército instituição fortemente dominada pelo pensamento positivista e ter sido concomitantemente um dos mais importante portavozes do Partido Comunista Brasileiro PCB além de marxista atuante em plena Guerra Fria Assim era ao mesmo tempo militar e intelectual militante nacionalista e comprometido com o ideário comunista Era portanto um eterno estranho no ninho no meio militar um comunista entre anticomunistas no meio civil um historiador nãoacadêmico e um general COSTA 2006 Sobre seu percurso militar Sodré foi oficial de Artilharia tenente e general de brigada foi também professor de História Militar na Escola do EstadoMaior do Exército EEME hoje ECEME Enquanto intelectual em 1954 passou a compor o Instituto Superior de Estudos Brasileiros ISEB dedicado a construir teorias alternativas àquelas desenvolvidas nos países centrais com o objetivo de explicar as realidades brasileira e latinoamericana Foi neste que se desenvolveu a interpretação nacionalburguesa do Brasil A partir de uma crítica radical à cultura oligárquica e semicolonial vigente propôsse um projeto de industrialização e de independência política no qual uma parcela da burguesia a fração industrial nacionalista progressista industrializante conduziria nosso processo de modernização entrando em choque com a fração agráriomercantil BRESSERPEREIRA 1982 Nelson Werneck Sodré era o marxista ligado ao ISEB grupo este que partilhava desta visão sobre o Brasil com o PCB dentro do qual Sodré era o principal intelectual O raciocínio do PCB era igualmente de que a sociedade passava por uma etapa de superação da economia colonial exportadora e de transição para uma economia industrial e moderna No entanto diferente dos demais desenvolvimentistas do ISEB seus partidários acreditavam que esta transição era uma etapa da luta pela implantação do socialismo e que para se atingir enfim este ideal seria necessário antes eliminar duas contradições herdadas do período anterior o monopólio da terra a condição interna e o imperialismo a condição externa BIELSCHOWSLY 2004 A temática da Revolução Burguesa portanto devido à visão da necessidade histórica de se passar por uma etapa verdadeiramente burguesa de desenvolvimento era cara ao partido Assim contextualizar a posição do autor no quadro amplo do debate político brasileiro nos permite perceber que os esquemas teóricos defendidos tratavam ao final para Sodré e para o PCB do estabelecimento da trajetória política mais apropriada para chegarse aos seus objetivos revolucionários no caso o apoio ao desenvolvimento capitalista em vista da destruição dos resquícios de formações anteriores a Revolução Burguesa antes da reivindicação socialista As ideias do PCB tiveram em Nelson 6 Werneck Sodré um de seus grandes proponentes mas também em Caio Prado Júnior embora com marcantes diferenças que resultaram em intenso debate entre estes dois autores Para compreendermos a maneira na qual Nelson Werneck Sodré formulou sua tese de Revolução Burguesa no Brasil devemos antes decifrar as premissas de sua obra Sodré reafirmou em Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil 1997 a análise desenvolvida no livro Formação Histórica do Brasil 19731962 a qual fora acusada de esquemática Logo na primeira página declara que recebeu com surpresa as controvérsias geradas em torno de suas teses sobre o surgimento do capitalismo no Brasil mas que permanecia sustentandoas1 Para o autor os três elementos que alimentavam a particularidade do caso brasileiro e que darão vazão para sua análise dos modos de produção no país eram primeiro o desenvolvimento desigual no plano universal a distância entre áreas dominadas pela comunidade primitiva e áreas dominadas pelo feudalismo quando de nosso descobrimento O segundo aspecto agora particular pois brasileiro é a vigência dentro do Brasil de diferentes etapas históricas simultaneamente Finalmente o terceiro aspecto é a transplantação a transferência para o Brasil de elementos que lançaram as bases de uma sociedade diversa daquela dos descobridores a sociedade brasileira nasceu da transplantação de elementos europeus que resultarão na classe social dominante e de elementos africanos que resultarão na massa dominada Não teria havido portanto o fenômeno da passagem da sociedade primitiva a dos indígenas para o escravismo Sob tais premissas Sodré sustenta sua polêmica tese do feudalismo brasileiro da ocorrência no Brasil de escravismo e passagem ao feudalismo e de feudalismo e passagem ao capitalismo Para o autor essa sequência normal na medida em que segue o modelo conceitual e o esquema stalinista decorreu da análise do particular brasileiro e não da simples adoção da fórmula universal Sobre a primeira passagem o feudalismo para o autor vigorou no Brasil em zonas secundárias nas zonas principais que forneciam o maior volume de exportações o regime era escravista à base de africanos importados nas áreas secundárias e subsidiárias no entanto não o era O missionário na Amazônia e nas reduções jesuíticas platinas o sertanejo da zona pastoril não compravam o índio mas utilizavam o índio e usufruíam de seu trabalho Assim a definição da relação feudal derivava tanto do fato de constituirse em uma economia de base monetária insuficiente quanto do laço de dependência social do trabalhador colonato parceria e demais formas não assalariadas A área mineradora no entanto apresentava um fenômeno interessante que o autor classificou como regressão feudal a passagem do escravismo que marcou a fase 1 Assim defendese afirmando que o uso de uma linguagem conceitual surgida em outros tempos e em outros lugares para definir fenômenos e processos brasileiros deve ser feito com atenção à passagem do universal ao particular O uso do raciocínio dialético exclui o uso de paradigmas retirados de realidades diversas os quais induzem ao erro e a deformações mas estabelece obediência ao método o materialismo histórico 7 inicial da atividade a um tipo de relação feudal Regressão justamente porque a passagem a um regime social mais avançado coincidia com o declínio da atividade Essa posição entrará em choque com a posição de Caio Prado Júnior para quem a colonização brasileira fora obra do capitalismo europeu de modo que o sistema de produção aqui implantado era também capitalista Sodré rebate esta visão argumentando em Formação Histórica do Brasil 19731962 que a colonização fora obra do capital mercantil précapitalista2 sendo o próprio colonizador originário de uma área que domina o modo feudal de produção SODRÉ 1962 p70 Igualmente advogou que as relações de produção capitalista não se exportariam sendo ao contrário produtos do desenvolvimento interno dos países O ouro brasileiro resultante de nossa regressão feudal acelerou o desenvolvimento do modo de produção capitalista na Europa no século XVIII E é justamente a disputa pelo mercado brasileiro que levará ao fim do monopólio português e consequentemente à Independência Na medida em que a República avançava eliminase a herança colonial que retardou nosso desenvolvimento capitalista Em Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil 1997 porém Nelson Werneck Sodré demonstra que ao passo que nos Estados Unidos a ausência de um passado feudal permitiu a concomitância de autonomia política com a Revolução Burguesa ou seja com o primado político da burguesia que permitiria à classe realizar as reformas necessárias ao estabelecimento capitalista pleno no Brasil nossa autonomia herdando escravismo e feudalismo não teria traço algum de Revolução Burguesa No nosso país condicionado pela dependência ao imperialismo e limitado pelo latifúndio e pela sobrevivência de relações précapitalistas observou se desde sua constituição uma burguesia demasiado frágil dependente do capital externo que prefere transgredir a lutar SODRÉ 19731962 p20 O Brasil arcaico nos cerca por todos os lados o latifúndio persiste resiste abalado mas sobrevivendo a tudo É uma revolução burguesa peculiar à nação de passado colonial recente e de economia dependente Revolução burguesa difícil porque o imperialismo que preside à dependência coloca todos os obstáculos à união entre burguesia e proletariadocampesinato para o avanço efetivo a burguesia nos países de economia dependente teme a aliança com as classes dominadas pois estas estão suficientemente fortes para reivindicar a participação nas vantagens da vitória Ibid p21 As reformas do século XIX especialmente aquelas relativas ao regime de trabalho e ao regime político assinalaram os primeiros vestígios de um capitalismo nascido de parto difícil Ibid p20 em um quadro de desenvolvimento lento irregular e desigual enfrentando a 2 Segundo o autor aqueles que apoiaram a existência de características capitalistas na colonização foram levados a tal por confundirem capital comercial e capitalismo O primeiro se referiria a um momento histórico em que o excedente econômico era obtido por meio das trocas de mercadorias sendo anterior à generalização do trabalho assalariado que representaria o segundo SODRÉ 19731962 8 resistência maciça e tenaz monolítica por vezes das relações antigas Ibid p68 O início da Revolução Burguesa brasileira foi marcado em 1844 pela instituição da tarifa Alves Branco de aumento das taxas de importação e em 1850 pela Lei de Terras que estabelecia que a terra poderia apenas ser adquirida pela compra e pela abolição do tráfico negreiro A partir daí os investimentos em escravos começam a ser transferidos à expansão das lavouras à indústria nascente e à infraestrutura No plano externo nosso desenvolvimento capitalista foi impulsionado pelo início da Primeira Guerra Mundial que reduziu o volume de importações forçando a produção endógena e favorecendo a acumulação interna O mesmo ocorreu em maior proporção após a Crise de 1929 acentuando a transferência de investimentos da agricultura para a indústria No plano político no entanto o grande momento de conquista da hegemonia por parte da burguesia foi o movimento de 1930 corolário necessário e complementar da crise econômica Foi devido e a partir deste que se observou o declínio do poder das oligarquias em especial as exportadoras e o consequente aumento do intervencionismo estatal marcado pela tônica nacionalista Logo cedo no entanto a despeito do discurso conciliatório entre as classes o que convencionouse chamar de populismo a burguesia optou por formas repressivas de dominação em composição com o latifúndio e com o imperialismo contendo o avanço e as reivindicações do proletariado Era o Estado Novo que com recuos e avanços desembocará na Ditadura de 1964 Cedo o poder assumiu formas repressivas e tendeu à busca de uma hipotética harmonia entre as classes Mantido intacto embora com menor participação no poder o latifúndio definindo as formas précapitalistas persistia freando as mudanças a propriedade da terra permaneceu intocada e a resistência do imperialismo continuou débil Mas o fato é que pela primeira vez a burguesia teve o comando das ações exerceu hegemonia no processo Ibid p 78 Em resumo de suas ideias a autonomia política para Nelson Werneck Sodré não foi o marco da Revolução Burguesa Apenas o movimento de 1930 condicionado pela crise de 1929 irá assinalar a ação violenta para impor a hegemonia da burguesia embora conciliada com o latifúndio e com o imperialismo e sem o concurso da aliança com o proletariado e com o campesinato Assim a Revolução Burguesa no Brasil por ter sido incompleta foi para si limitadora e limitou as possibilidades de desenvolvimento pleno de um capitalismo de caráter verdadeiramente nacional No Brasil não tivemos nenhum Cromwell não se impôs ao povo brasileiro nenhuma Magna Carta não há nenhuma queda da Bastilha e não tivemos nem Marat nem Napoleão Ibid p21 O autor portanto sempre vislumbrando um ideal socialista por ora postergado utilizou a ideia de Revolução Burguesa não apenas como categoria analítica mas como projeto político a necessidade de completarse nossa Revolução Burguesa apoiandose em princípios anti imperialistas e antilatifundiários O grande problema do Brasil estaria em sua visão na criação de uma economia nacional e naturalmente de uma política nacional e de uma cultura nacional Tal 9 política nacional estaria ligada à existência de uma estrutura democrática logo à ampliação dos direitos de cidadania de modo a dar vazão às reivindicações populares futuras CAIO PRADO JÚNIOR A REVOLUÇÃO DESNECESSÁRIA Tanto quanto Nelson Werneck Sodré Caio Prado Júnior fez parte de uma geração de intérpretes do Brasil que buscaram explicar as vicissitudes brasileiras em um quadro político posterior à Revolução de 1930 marcado por polarizações políticas opondo socialistas a integralistas Paulista historiador nasceu em 1907 filho de uma das mais importantes famílias da burguesia cafeeira influentes barões do café fato que lhe rendeu desconfianças no seio da esquerda Como Sodré foi filiado ao PCB partido pelo qual foi eleito deputado estadual Em 1934 publicou Evolução Política do Brasil a primeira tentativa de síntese da história brasileira baseada no marxismo Em 1945 História Econômica do Brasil uma das mais importantes contribuições desde o campo da economia à perspectiva histórica adotada pelos comunistas BIELSCHOWSLY 2004 As interpretações de Caio Prado Júnior no entanto são antagônicas a algumas das teses do PCB leiase às ideias de Sodré Em 1942 fundou a editora Brasiliense cuja revista se tornou um dos principais veículos de questionamento da esquerda às ideias dos comunistas especialmente à proposta de aliança com o populismo e à tese do feudalismo brasileiro De tal forma ao liquidarse a interpretação nacionalburguesa após a implementação do regime militar em 1964 uma vez que sua proposta de aliança da burguesia nacional com o proletariado esfacelouse em vista da aliança daquela com a burguesia mercantil sob o comando da tecnoburocracia estatal surge uma nova interpretação no nível da esquerda patrocinada por Caio Prado Júnior a interpretação funcionalcapitalista Esta tinha como postulado básico que o Brasil sempre fora um país capitalista tendo havido desde sempre uma perfeita unidade entre as classes dominantes brasileiras entre a fração industrial e a fração agráriomercantil Logicamente essa interpretação identificava nas ideias do PCB e do ISEB a culpa pelo Golpe Militar combatendoas BRESSERPEREIRA 1982 Como marxista que era Caio Prado Júnior a fim de compreender o caráter da colonização brasileira viuse na necessidade de recuar no tempo a propósito de compreender seu contexto e suas motivações De tal forma demonstra especialmente em Formação do Brasil Contemporâneo colônia 20111942 mas retomando em História Econômica do Brasil 20141945 que a colonização portuguesa não é um fato isolado a aventura sem precedentes e sem seguimento de uma determinada nação empreendedora ou mesmo uma ordem de acontecimentos paralela a outras semelhantes mas independente delas PRADO JÚNIOR 20111942 p17 Assim o Brasil que é representado portanto como uma parte em um todo 10 foi o resultado do empreendimento comercial europeu fato que não pode ser perdido de vista embora tenhamos a tendência de pensar a nós mesmos apenas a partir de nossa constituição A ideia de povoar não ocorreu aos portugueses diferentemente do que se passou com os ingleses na América do Norte 3 O desprezo por nosso território vazio e primitivo teve consequências importantes para o nosso desenvolvimento futuro A colonização que iniciou pelo estabelecimento de simples feitorias se complexificou tomando o aspecto de uma grande empresa comercial embora ainda voltada para o exterior e em proveito dos interesses comerciais europeus de modo que o descompromisso com esta terra inviabilizou o surgimento de uma organização social sólida se formos às raízes da colonização veremos que nos constituímos para fornecer açúcar tabaco alguns outros gêneros mais tarde ouro e diamantes depois algodão e em seguida café para o comércio europeu Nada mais que isso Ibid p26 Éramos portanto uma invenção do capitalismo europeu antes de sermos uma nação A força da grande exploração comercial segundo o autor assentada no trabalho escravo e na grande propriedade agrícola teria fortes reflexos na estrutura social e na organização política do Brasil na dificuldade de construção de uma sociedade com interesses próprios interesses nacionais na ausência quase completa de superestrutura Ibid p341 A grande característica de nosso período colonial segundo o autor é que este transcorreu sem grandes descontinuidades e fora marcado por três elementos a produção para o mercado externo a mãodeobra escrava e o latifúndio Não procurou feudalismo buscou as características que davam sentido à totalidade o essencial não o acessório Assim quebrando a ideia de Revolução Burguesa nos moldes do PCB teve como um de seus traços mais originais a insistência no caráter sempre capitalista das relações de classe no Brasil Os fundamentos da futura sociedade nacional dando continuidade ao seu raciocínio não se encontrariam no setor orgânico da sociedade colonial na minoria de senhores e na grande maioria de escravo mas no setor inorgânico no grande número dos desclassificados dos inúteis e inadaptados indivíduos de ocupações mais ou menos incertas ou aleatórias ou sem ocupação alguma Ibid p279 origem do proletariado brasileiro O defeito da colônia desponta justamente como qualidade da nação O grupo inorgânico sendo a antítese do orgânico teve de agir direcionandose para o mercado interno seja por opção seja por falta desta RICUPERO 2011 O continuísmo é a orientação da colônia que transborda para o restante de nossa história especialmente observado na subordinação e na dependência do mercado mundial Para Caio Prado Júnior os primeiros passos de nosso incipiente capitalismo iniciamse como para Nelson Werneck Sodré em 1844 com a Tarifa Alves Branco e em 1850 com a abolição do tráfico Esta última não 3 Estes teriam como objetivo verdadeiramente a construção de uma sociedade que lhes oferecesse o que seu continente de origem não mais oferecia agregando portanto trabalho motivação e espírito nacional às terras recémcolonizadas 11 apenas libera capitais para indústria para infraestrutura e para especulação como possibilita o deslocamento da primazia econômica das velhas regiões do Norte privadas a partir de então de mãodeobra barata para o CentroSul do país que se valerá da imigração europeia para a produção de um gênero que já a partir do século XVIII adquire grande importância nos mercados internacionais o café Apesar do processo de acumulação de capitais que se seguiu ao desenvolvimento da lavoura cafeeira no país esta serviu para reforçar a estrutura tradicional da economia brasileira inteiramente voltada para o mercado externo Nos centros onde a indústria começa a florescer por sua vez a questão da mãodeobra será resolvida com o emprego da população marginal a fração inorgânica já citada O advento da República que não teve profundeza política ou social servirá para romper com o conservadorismo do Império desencadeando um espírito dominante um espírito burguês afeito à nova fase de prosperidade material à especulação ao enriquecimento Concomitantemente a esta fase de bonança no entanto o germe da instabilidade se escondia e se agravava A concentração cada vez maior das atividades na produção de uns poucos gêneros exportáveis e a estruturação de toda a vida do país sobre base tão precária e dependente das reações longínquas de mercados internacionais fora do seu alcance tornavam aquele sistema essencialmente frágil e vulnerável E paradoxalmente cada passo no sentido de ampliálo mais o comprometia porque o tornava mais dependente PRADO JÚNIOR 20141945 p211 A indústria manufatureira seria a saída para a diferenciação da produção A partir da Primeira Guerra Mundial a indústria passou a ocupar um lugar importante na economia do país no entanto o mais sólido setor que veio a desenvolverse foi aquele da indústria subsidiária de grandes empresas estrangeiras sejam filiais destas empresas sejam montadoras de peças acabadas ou semiacabadas É o capital estrangeiro que contribuirá para a industrialização do Brasil na visão de Caio Prado Júnior mesmo para o posterior estabelecimento da indústria de base A dependência em relação ao capital estrangeiro que veio da colônia que mostrouse funcional para a nossa economia é um fenômeno que acompanhou a história do país A transformação do escravo em trabalhador livre derrubou o principal obstáculo ao estabelecimento das relações capitalistas de produção uma vez que significou a ativação do mercado interno o sentido da colonização brasileira porém persistiu Indo a fundo do sistema presente ainda encontraremos por detrás de aparências por vezes enganadoras o essencial da velha situação da colônia que subordina o funcionamento da economia brasileira e suas atividades a objetivos e interesses estranhos ao pais PRADO JÚNIOR 20041966 p 100 12 Assim a própria ideia de Revolução Burguesa perde o seu fundamento Não houve princípio deste evento no Brasil e nunca existiu a divisão entre burguesia retrógrada ligada ao latifúndio e ao imperialismo e burguesia nacional progressista e eventual aliada do proletariado na revolução democráticoburguesa A partir do exposto a crítica que Caio Prado Júnior promove ao marxismo do PCB especialmente colocada em A Revolução Brasileira 20041966 relacionase com a proposição por parte dos comunistas de reformas teoricamente bem formuladas e bem intencionadas que não encontravam nos fatos correntes da realidade brasileira as circunstâncias capazes de as promover Assim criticava o fato de ao se buscar a qualificação a priori da revolução brasileira seu tipo ideal sua natureza a partir de experiências estranhas à nossa inferiamse soluções para os problemas nacionais sem o conhecimento e sem a análise concreta dos fatos econômicos sociais e políticos do país e de suas contradições ou seja soluções alheias à dialética dos fatos históricos Criticava portanto o que percebia como discussões abstratas inspiradas em modelos aporísticos os quais dificultavam a elaboração de uma verdadeira teoria revolucionária capaz de orientar a ação política no Brasil O princípio destas abstrações segundo o autor residia na tentativa de conciliar a evolução histórica brasileira às etapas consideradas em teoria anteriores ao socialismo ou seja ao feudalismo e ao capitalismo Determinados pseudomarxistas na acepção do autor buscavam de tal modo os restos de um sistema feudal semifeudal ou mesmo aparentado ao feudalismo o qual de fato nunca existira realmente no país Na visão de Caio Prado as formas extorsivas de exploração do trabalho que remanesciam no sistema então vigente eram provenientes não do feudalismo mas do escravismo sobre o qual se estabeleceram as relações sociais brasileiras e no qual se assentaram os conflitos de classe Tais conflitos no entanto não se referiam tal como ocorria com o camponês encontrado na Europa ou na Rússia czarista à luta dos escravos pela livre exploração da terra mas sim à melhora nas suas condições de trabalho e de emprego esta que não se ajusta convenientemente aos esquemas teóricos adotados pelo partido A partir desta interpretação o autor critica a ação política do PCB que generalizava a reivindicação da terra como a expressão essencial e básica do conjunto da economia agrária no Brasil ao passo que dava pouca ênfase à questão salarial e à extensão da legislação trabalhista ao homem do campo sendo o resultado prático a perda de potencial para a mobilização da massa de trabalhadores rurais A essa concepção de que a conjuntura corrente brasileira correspondia à transição de uma fase feudal ou semifeudal para a democracia burguesa e capitalista procurouse acrescentar a luta antiimperialista mas novamente baseada em um modelo distante aquele dos países asiáticos Assim a tese do PCB apresentava os restos feudais da estrutura agrária brasileira e o imperialismo estadunidense ambos correlacionados como as principais amarras para o progresso do país Isso dava margem à divisão da classe burguesa O autor no entanto esclarece que novamente tal 13 esquema nada tinha de correspondência com a realidade do Brasil Aqui todos os grupos dominantes se comporiam da mesma categoria de indivíduos fossem urbanas ou rurais as suas atividades Eram unidade na diversidade A consequência prática dessa visão foi uma linha política ilusória de apoio a grupos e partidos vazios de conteúdo ideológico munidos de interesses não relacionados aos ideais e agendas dos comunistas FLORESTAN FERNANDES A REVOLUÇÃO DEFORMADA Florestan Fernandes pertence a uma geração de intelectuais posterior a Sodré e a Prado Júnior e dentre os três é o único que seguiu verdadeiramente carreira acadêmica tendo sido professor na Universidade de São Paulo USP e um dos pais fundadores da sociologia crítica no Brasil uma sociologia segundo Ianni 1996 concentrada na pesquisa e na interpretação das condições e possibilidades de mudança social de revolução social Nascido em 1920 paulista também não era proveniente de uma família aristocrática como Caio Prado Júnior nem de classe média como Nelson Werneck Sodré Era filho de uma empregada doméstica Trabalhou como garçom e como engraxate Por um breve período de tempo militou no Partido Socialista Revolucionário de orientação trotskista Pelo Partido dos Trabalhadores PT no entanto foi eleito por duas vezes deputado federal A obra de Florestan é vasta incluindo estudos empíricos e de viés antropológico sobre a luta e conquista de direitos sociais pelos negros e pelos indígenas estudos sobre educação e cultura popular contribuições teóricas e balanços críticos do pensamento sociológico Pela riqueza de sua produção intelectual e pela originalidade de seu raciocínio BresserPereira 1982 encontra dificuldade em classificálo em uma de suas correntes de interpretação sobre o Brasil Segundo Bresser sua análise indignada dos acontecimentos de 1964 em A Revolução Burguesa no Brasil permitiria enquadrálo na interpretação funcionalcapitalista ao lado de Caio Prado Júnior devido à sua frustração com a ação da classe burguesa no país ao mesmo tempo entra em conflito com esta interpretação e consequentemente com seu pensador maior por demonstrar que em nosso modelo de revolução burguesa dependente a qual marcou a passagem do capitalismo mercantil para o capitalismo industrial do qual a Revolução de 1930 é o marco é fictícia a pretendida coesão de nossa burguesia A Revolução Burguesa no Brasil 201219744 é perpassada por duas questões de caráter teórico e históricosociológico o que é Revolução Burguesa tal fenômeno foi experimentado pelo Brasil Essa primeira questão diferencia a sua análise dos dois autores anteriormente 4 Florestan escreve este livro em um momento em que a ideia de Revolução Burguesa já havia sido abandonada pelos analistas mais afeitos à ideia de que o Brasil possuía uma burguesia submissa ao Estado e à tecnocracia TRINDADE 1986 14 analisados uma vez que o sociólogo vai às raízes do conceito para promover sua crítica que também o abrangem O caráter ensaístico do livro que destoa do restante de sua produção marcada pelo estilo monográfico carrega em seu subtítulo um descompasso um ensaio porém de interpretação sociológica O primeiro o permite uma interpretação do Brasil uma interpretação militante em seu tom inconformado e em sua crítica mordaz enquanto o segundo indica que o faz pela ótica de um sociólogo preocupado por seus referenciais teóricos e metodológicos pelo rigor científico por ele professado RICUPERO 2004 A tese defendida é controversa o país já havia passado por sua Revolução Burguesa uma vez que o capitalismo se fez aqui hegemônico tanto na economia quanto na sociedade embora tenha sido uma revolução de natureza diversa dos modelos préconcebidos embora incompleta e embora deformada Uma Revolução Burguesa peculiar pois umbilicalmente ligada a um capitalismo de caráter dependente ou seja concebido para operar estrutural e dinamicamente como subsidiário das sociedades desenvolvidas Ao analisar portanto a afirmação da dominação burguesa no Brasil Florestan não busca na história dos povos europeus o paralelo analítico para o entendimento de nossa realidade concreta como o fez Nelson Werneck Sodré defendendo que a Revolução Burguesa não pode ser meramente descrita como um episódio histórico mas deve ser vista como um fenômeno estrutural Por ser estrutural pode reproduzirse de modos variados a depender do contexto e das circunstâncias Tendo isto em mente Florestan trabalha a realidade brasileira a partir de dois níveis o nível da história no qual busca analisar a realização efetiva das relações entre as classes e o nível da estrutura no qual analisa as implicações econômicas políticas sociais e culturais de um capitalismo de caráter dependente e subdesenvolvido O sincretismo teórico do livro marca intelectual de Florestan5 é demonstrado por Fernando Henrique Cardoso 2013 a primeira parte do livro As Origens da Revolução Burguesa é marcado pelo estilo weberiano típicoideal pela busca dos agentes humanos capazes de encarnar o espírito burguês necessário ao estabelecimento de uma ordem social competitiva o fazendeiro o imigrante os comerciantes e que se oporiam ao espírito colonial Os últimos ensaios marcam um estilo de análise mais marxista tendo as etapas de acumulação de capital como temática O que esta mistura fecunda demonstra é um sociólogo de excelente formação teórica e paixão pela pesquisa que não sufoca os processos históricos no vazio de análises típicoideal ou economicistas CARDOSO 2013 p191 Em termos históricos Florestan vê na Independência o início da Revolução Burguesa brasileira tanto por delimitar o fim do estatuto colonial como por dar início à construção de nossa sociedade nacional Nossa autonomização política em relação à metrópole no entanto foi motivada pelo desejo de romper com um modelo colonial que neutralizava a capacidade de 5 Cf Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica 1980 15 dominação das elites nativas mas não pelo desejo de transformar as estruturas sociais vigentes nem pela vontade de reorganizar as relações de produção O paradoxo principal portanto encontrase no fato de nossa revolução nacional ter trabalhado para a consolidação da grande lavoura de tipo exportadora de modo que a autonomização política não foi acompanhada de uma autonomização econômica do país Ocorreu assim uma amálgama entre caracteres autônomos associados à sociedade nacional elementos puramente revolucionários com heteronômicos ligados à era colonial reacionários por natureza No Brasil portanto foi no plano político que se estabeleceu o pacto de dominação entre as classes refletindo o não deslocamento dos velhos grupos dominantes por novos Assim criouse uma situação na qual a nova organização jurídico política convivia com o velho substrato moral material e social dos tempos de Brasil colônia De tal forma Essa sociedade civil no período da extinção do estatuto colonial e da implantação da Monarquia constitucional estava mais comprometida com a defesa da propriedade da escravidão e de outros componentes tradicionais do status quo ante e mais empenhada na apropriação dos meios de organização do poder que então se criaram que com as questões concernentes aos requisitos ideais de integração da sociedade nacional FERNANDES 20121974 p56 Nesse contexto o Estado que no caso brasileiro foi anterior à Nação era requerido pelas elites senhoriais tanto para manter as estruturas sociais que garantiam os seus privilégios e o seu prestígio social a despeito da utopia liberal presente desde a colônia quanto para fomentar o aparecimento das condições econômicas culturais e sociais que garantissem nossa sociedade nacional em seus moldes Especificamente sobre este liberalismo elaborado nas nações centrais e portanto exógeno suas motivações eram econômicas e apenas secundariamente políticas sendo em realidade instrumento de dominação patrimonialista A democracia burguesa pretendida não passaria de tal maneira de uma democracia restrita No desencadear de nossa Revolução Burguesa os agentes responsáveis pela criação das novas estruturas econômicas propriamente ditas aquelas de caráter tipicamente burguesas foram em especial os fazendeiros de café variante do antigo senhor rural mas que trabalharam pela dissociação entre a fazenda e a riqueza por ela produzida e os imigrantes que nunca buscaram status de senhor tão somente o enriquecimento Estes dois tipos atuaram no contexto de desagregação da ordem senhorial e da implantação do regime republicano o qual contém o gérmen da nossa dominação burguesa A especificidade destes agentes de nossa incipiente burguesia foi no entanto não terem forjado instituições próprias de poder convergindo sua ação para o Estado e realizando o pacto tático de dominação de classe no plano político Em consequência não desafiaram a base de poder da oligarquia pela qual tinham em realidade forte atração de modo que esta pode modernizarse ou irradiarse conforme suas conveniências não havendo a superação 16 das formas econômicas não capitalistas anteriores as quais produziam para exportação Assim a partir da solidariedade entre as classes possuidoras por meio do Estado a dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos herdados do passado ou improvisados no presente e era quase neutra para a formação e a difusão de procedimentos democráticos alternativos que deveriam ser instituídos FLORESTAN 20121974 p217 A burguesia brasileira portanto ao preferir a mudança gradual a modernização à mudança social radical conforme o que constaria em modelos clássicos de Revolução Burguesa circunscreveuse ao horizonte cultural da oligarquia essencialmente particularista e conservadora no sentido político e social Uma típica revolução dentro da ordem Foi portanto e no limite a oligarquia que estabeleceu o tipo de dominação burguesa que conheceríamos no Brasil elegendo a repressão ao proletariado como o eixo central de nossa revolução Assim a burguesia no Brasil não logrou realizar uma revolução nacional e democrática tornandose uma burguesia dependente e autocrática herdeira do passado sendo o resultado deste quadro o congelando das possibilidades de expansão da ordem social competitiva e consequentemente do próprio campo de atuação histórico de nossa burguesia e de suas potencialidades enquanto classe dominante Tal era logicamente funcional para as nações capitalistas e hegemônicas umas vez que as classes dominantes brasileiras se relacionariam com o imperialismo por meio de afinidades seletivas entre eles A economia capitalista subdesenvolvida engendra uma burguesia que é vítima de sua própria situação de classe Ela possui poder para resguardar sua posição econômica e os privilégios dela decorrentes no cenário nacional Mas é impotente noutras direções fundamentais a tal ponto que induz e fomenta um crescimento econômico que a escraviza cada vez mais intensamente ao domínio dos núcleos hegemônicos externos FERNANDES 20061968 p83 O golpe de 1964 foi a expressão máxima da autocracia de nossa burguesia não mais ocultada pela ideologia liberal mas desvelada nua Isso vem ao encontro da formulação teórica do autor e a disjunção entre a revolução econômica e a revolução política por ele produzida não se choca com a sua ideia de marxismo Em consonância com o que Marx escreve em seu famigerado prefácio Florestan esclarece que estrutura e história estão correlacionadas Quando as relações autoritárias se exacerbam a estrutura ganha saliência o que é mais profundo vem a tona e revela a face burguesa da imposição da autoridade FERNANDES 1979 p15 O poder a Revolução Burguesa não são portanto realidades transcendentais mas históricas O autor ao considerar essa realidade difusa contraditória e altamente móvel afastase em parte de Caio Prado Júnior cujo pensamento denota certo continuísmo na ação de nossas elites Em um escrito anterior Classes Sociais na América Latina 1972 Florestan esclarece que ao apanhar se as classes sociais no Brasil e na América Latina a partir do viés da hegemonia dos estratos dominantes de fato temos a impressão de uma sociedade sem história na qual todas as mudanças 17 trabalham para a manutenção de pequenos grupos no poder No entanto se as tomarmos tendo em vista a duração e as debilidades da revolução burguesa e os ritmos históricos das transições inesperadas a impressão que temos é a inversa de modo que as sociedades latinoamericanas aparecem como sociedades em convulsão que estão em busca do seu próprio patamar e tempo histórico FLORESTAN 1972 p36 A diferença entre Florestan e Caio Prado Júnior portanto reside especialmente no peso que concede o primeiro aos fatores internos de formação e desenvolvimento da sociedade brasileira dando inclusive grande peso ao Estado nacional CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil de fato foi cenário para narrativas diversas Algumas enfocavam aspectos micro sociológicos mesmo antropológicos de nosso país como Gilberto Freyre ao analisar a Casa Grande e a Senzala do período escravocrata extravasando os resultados desta observação para o nível estrutural Outras dentre as quais encontramse as obras dos três autores aqui trabalhados promoviam grandes narrativas historicamente largas sobre o desenvolvimento político econômico e social do país Algumas destas apontavam para uma direção devido ao seu objeto ao seu método de trabalho à sua posição ideológica outras sob perspectiva diversa para o diametralmente oposto sem prejuízo porém para a descrição de nosso país e de suas realidades Todas essas visões do Brasil e seus descompassos nos permitem inferir a complexidade do empreendimento de compreensão de nosso desenvolvimento histórico das causas de nossas mazelas e a dificuldade de se criar uma interpretação que seja ao mesmo tempo totalizante de nossos processos e justa com as nossas particularidades Florestan Fernandes Caio Prado Júnior e Nelson Werneck Sodré em diferentes momentos escolheram como pano de fundo de seus trabalhos uma questão que lhes parecia fundamental não simplesmente pelo seu aspecto teórico ou pela necessidade de fixar conceitos mas para a compreensão de nossos problemas e para a proposição de soluções possíveis a ideia de Revolução Burguesa de constituição do capitalismo e de hegemonia da burguesia no Brasil O que os intrigava era a visão de um quadro aparente de Revolução sem o aspecto revolucionário e o significado deste paradoxo Os três a partir do campo da esquerda optaram por uma análise marxista em maior ou menor grau cada qual com sua interpretação acerca do método Florestan Fernandes neste ponto mostrouse destoante pois não foi um marxista ortodoxo antes nas palavras de Antônio Candido 2001 seu pensamento bastante particular seria melhor representado por uma fusão de pensamentos paralelos O ponto que os uniu como visto foi a percepção de uma disjunção entre o exposto pela teoria marxista relativo ao modelo clássico de Revolução Burguesa em especial a Revolução 18 Francesa e de estabelecimento do capitalismo e o ocorrido no Brasil Especificamente criticaram o que viram como a manutenção de uma cultura oligárquica e semicolonial a qual concorria para travar e obstruir nossos dinamismos societários As razões apontadas para tanto porém divergiam entre nossos autores Nelson Werneck Sodré apegado conforme exposto a uma interpretação etapista da evolução histórica atribuiu o fenômeno ao que via como a continuidade de traços feudais ou semifeudais e de relações imperialistas o que não apenas engendrava manifestações de autoritarismo por parte de nossa burguesia como impedia seu pleno potencial revolucionário Caio Prado Júnior opondose à ideia de feudalismo no Brasil defendeu que o sentido da colonização brasileira produzia continuísmos com a sociedade colonial Finalmente Florestan Fernandes assumiu ser o caráter dependente de nosso capitalismo sua mais marcante particularidade Ao passo que o capitalismo nascera lenta e tortuosamente para Florestan Fernandes e para Nelson Werneck Sodré ele sempre existira segundo Caio Prado Júnior Neste quadro a despeito de perceber o componente autocrático de nossa burguesia Nelson Werneck Sodré acreditava haver a possibilidade de uma das frações burguesas a fração industrial ser progressista nacionalista e democrática O desencanto com a ação burguesa no país no contraponto foi marca de Caio Prado Júnior e de Florestan Fernandes em seus escritos É necessário notar porém em primeiro lugar que a defesa que Nelson Werneck Sodré fez do feudalismo no caso brasileiro não era a defesa de um modo de produção feudal tal qual o europeu mas apenas a observação de que determinadas relações de trabalho existentes no país não poderiam ser facilmente descritas enquanto escravistas Para o autor tratavase antes de uma questão semântica o emprego de tal termo na ausência de outro mais explicativo No entanto a crítica muito bem colocada de Caio Prado Júnior sustentava que as relações pretensamente feudais ou semifeudais descritas por Sodré não constituíam senão relações acessórias em suas fases históricas e não deveriam ser tomadas como o essencial de nosso modo de produção Não tratava se portanto de uma mera questão de linguagem mas de uma questão metodológica Ficou claro que Caio Prado Júnior descartou a Revolução Burguesa enquanto categoria histórica útil ao caso brasileiro A severidade de sua análise seguramente é explicada pelas condições em que escrevera A Revolução Brasileira e pela missão que assumiu de invalidar as teses de seu partido vistas como danosas Sua pesquisa porém termina por nulificar um debate caro à esquerda por negar rupturas importantes com nosso passado e por apegarse demasiadamente a um economicismo também dogmático Quando nega a Independência e o desabrochar da República como um momento paradigmático em nossa evolução história e em nosso desenvolvimento teve dificuldades em explicar uma evidente mudança sociocultural de explicar o surgimento de um espírito burguês Florestan Fernandes que utiliza a Independência como um marco na formação de nossa sociedade nacional utiliza o recurso dos agentes burgueses porém combina esta 19 categoria tipicamente weberiana com as etapas de acumulação de capital de mudança nas condições materiais da sociedade Combina portanto uma análise materialista tipicamente marxista com alguns elementos culturalistas tendo como resultado uma mistura bastante criativa Além do método a grande novidade em Florestan que o distancia tanto de Nelson Werneck Sodré quanto de Caio Prado Júnior quanto da ortodoxia marxista foi ter dissociado a revolução econômica da revolução política e ter considerado que a segunda precedia a primeira invertendo a lógica de Marx Esse fato explica a peculiaridade de sua tese sobre a Revolução Burguesa brasileira o fato de esta ter ocorrido pois é inegável que o capitalismo tornouse hegemônico embora de maneira segmentária O resultado foi o capitalismo ter evoluído em nosso país sem contar com um crescimento autônomo e autossustentado de modo que as classes careceriam de dimensão estrutural O fato no entanto de Florestan ter feito a defesa da Revolução Burguesa no Brasil mesmo sem a concorrência de uma classe burguesa que a levasse a cabo não deixa de ser contraditório A temática da ação burguesa no Brasil segue sendo debatida no âmbito da Economia Política da História das Ciências Sociais brasileiras É um objeto especialmente fecundo em momentos de rupturas históricas como o foi após o Golpe Militar de 1964 e como o é atualmente após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff Surgem hoje análises que apontam para o realinhamento de frações da burguesia em relação ao governo Dilma mormente da fração industrial como o fator que possibilitou a abertura do processo que afastou definitivamente a presidenta do cargo com resultados no entanto ainda inconclusos Uma vez mais fezse necessário reformular e reorientar a visão sobre a realidade nacional sobre a ação burguesa no país e sobre as formas de relação entre a burguesia e o Estado no sistema capitalista e no regime democrático não sem paradoxos não sem o abandono de hipóteses anteriores já consolidadas mas com ganhos para a interpretação de nossas particularidades 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENOIT Hector O Programa de Transição de Trotsky e a América Revista Crítica Marxista São Paulo v 2 n 1 p3843 nov 2004 BIELSCHOWSKY Ricardo Pensamento econômico brasileiro o ciclo ideológico do desenvolvimentismo Rio de Janeiro Contraponto 2004 BRESSERPEREIRA Luiz Carlos Sete Interpretações sobre o Brasil Dados Rio de Janeiro v 25 n 3 p269306 jun 1982 CÂNDIDO Antônio Florestan Fernandes São Paulo Perseu Abramo 2001 CARDOSO Fernando Henrique Pensadores Que Inventaram o Brasil São Paulo Companhia das Letras 2013 COSTA Octavio Vida e obra de Nelson Werneck Sodré In CUNHA Paulo Ribeiro da CABRAL Fátima Org Nelson Werneck Sodré entre a pena e o sabre São Paulo Editora Unesp 2006 p 1730 FERNANDES Florestan Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo São Paulo Hucitec 1979 FERNANDES Florestan Classes Sociais na América Latina In FERNANDES Florestan Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina Rio de Janeiro Zahar 1972 p 33122 FERNANDES Florestan Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica São Paulo T A Queiroz 1980 FERNANDES Florestan Revolução Burguesa no Brasil Rio de Janeiro Globo 20121974 FERNANDES Florestan Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento Rio de Janeiro Global Editora 20061968 HIPPÓLITO Regina Enfoques de uma vida militante In CUNHA Paulo Ribeiro da CABRAL Fátima Org Nelson Werneck Sodré entre a pena e o sabre São Paulo Editora Unesp 2006 p 197214 HOBSBAWN Eric La Era de la Revolución 17891848 Buenos Aires Crítica 2009 IANNI Octávio A Sociologia de Florestan Fernandes Estudos Avançados São Paulo v 10 n 26 p2533 jun 1996 IANNI Octávio Tendências do Pensamento Brasileiro Tempo Social São Paulo v 12 n 2 p55 74 nov 2000 LOWY Michael Revolução burguesa e revolução permanente em Marx e Engels Discurso São Paulo v 9 n 1 p129151 jun 1978 MARX Karl ENGELS Friedrich Luta de Classes na Rússia São Paulo Boitempo 2009 MARX Karl ENGELS Friedrich Manifesto do Partido Comunista In MARX Karl ENGELS Friedrich Karl Marx e Friedrich Engels Obras Escolhidas São Paulo AlfaÔmega 19851848 p 1347 MARX Karl A Burguesia e a ContraRevolução In MARX Karl ENGELS Friedrich Karl Marx e Friedrich Engels Obras Escolhidas São Paulo AlfaÔmega 19851848 p 4851 POLITZER Georges Princípios Elementares de Filosofia São Paulo Centauro 20071971 PRADO JÚNIOR Caio A Revolução Brasileira e a Questão Agrária no Brasil São Paulo Companhia das Letras 20141966 21 PRADO JUNIOR Caio Formação do Brasil Contemporâneo colônia São Paulo Companhia das Letras 2011 PRADO JÚNIOR Caio História Econômica do Brasil Brasiliense São Paulo 20141945 QUEIROZ Fábio José C de O conceito de revolução em Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes Outubro São Paulo v 19 n 1 p155177 jan 2011 RICUPERO Bernardo Sete Lições sobre as Interpretações do Brasil São Paulo Alameda 2011 SODRÉ Nelson Werneck Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil Rio de Janeiro Graphia 1997 SODRÉ Nelson Werneck Formação Histórica do Brasil São Paulo Brasiliense 19731962 TRINDADE Hélgio Burguesia e Estado no Brasil um balanço crítico Ensaios FEE Porto Alegre v 7 n 1 p105124 jun 1986