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Ciências Econômicas ·
História do Pensamento Econômico
· 2001/1
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Equilíbrio neociássico de mercado de fatores: um ponto de vista sraffiano Frankiin Serrano* O objetivo deste artigo é discutir criticamente a visão crescentemente popular de que o nível global de atividade econômica nas economias capitalistas é, normalmente, restrito pelo lado da oferta, e não pelo da demanda, e a noção neoclássica de equilíbrio de mercado de fatores na qual essa visão está baseada. O argumento é apresentado e m termos de uma discussão a respeito da explicação teórica de dois fatos estilizados. O primeiro é uma evidente (apesar de lenta e com freqüência irregular) tendência secular na direção de uma igual- dade aproximada entre oportunidades de emprego e o tamanho d a força de trabalho. O segundo fato estilizado é a tendência secular (que parece operar bem mais rápido e mais eficientemente) na direção de certa congruência entre a demanda agregada e o estoque de capital da economia, ou, em outras palavras, uma tendência de aproximação do grau de utilização do equipamento de capital ao seu nível planejado ou normal. Para os autores neoclássicos, esses fatos estilizados são vistos como u m a clara confirmação de sua visão de que, no longo prazo, o produto tende a se ajustar à capacidade produtiva disponível (ou, mais geralmente, às dotações de "fatores de produção"). Como K. Arrow argumentou em sua palestra do Prê- mio Nobel de 1972: 'The balancing of suppiy and demand is far from perfect. (...) the system has been marked by recurring periods In which the suppiy of available labor and ofproductive equipment for the production ofgoods has been in excess of their utilization (...) Nevertheless, when due * Professor Adjunto do Instituto de Economia da UFRJ. O autor agradece (mas evidentemente sem responsabilizar) a Carlos Medeiros, Ricardo Henriques e F Petri, por comentários a versões anteriores deste artigo, a Romulo Tavares Ribeiro, Maria Malta e Luiz Daniel Wilicox de Souza, pela assistência de pesquisa, e ao CNPq pelo apoio financeiro. ' "O equilíbrio de oferta e demanda está longe de ser perfeito (...) o sistema tem sido marcado por períodos recorrentes nos quais a oferta de trabalho disponível e de equipamento produ- tivo para a produção de bens têm estado em excesso sobre Sua utilização (...) No entanto, quando os devidos descontos são feitos, a coerência (...) é notável." 2 Note-se o uso inconsistente de Arrow de um modelo de equilíbrio intertemporal, no qual não se pode permitir que transações sejam feitas em desequilíbrio, para descrever as tendências efetivas de longo prazo de economias nas quais situações de desequilíbrio podem não apenas existir, mas também exibir certo grau de persistência. Para uma crítica de um exemplo recente da inconsistência de Arrow, ver Petri (1994b). Dada a nossa orientação crítica, ao longo deste artigo interpretaremos a teoria neoclássica mais generosamente em termos de sua versão tradicional de longo prazo. Sempre que a adoção da versão de longo prazo pareça não oferecer a mais forte linha de defesa neoclássica (como na seção 7), apontaremos as diferenças relevantes entre as versões de longo prazo e intertemporal, nas notas de rodapé ^"Os EUA ( ) criaram muito mais empregos nos últimos dez ou quinze anos do que a Europa. (,.-) a força de trabalho dos EUA durante estes anos cresceu bem mais do que a européia. E isto não é uma coincidência! Se os europeus tivessem bem mais gente procurando empre- go, haveria mais empregos," allowances are made, the coherence (...) is remarkable"' {Arrow, reimpressão dé 1983, p.200).2 Alguns anos mais tarde, em uma entrevista dada a G. Feiwel, Arrow deu um exemplo mais concreto do que ele tinha e m m e n t e ; 'The US (...) created many more jobs in the last ten or fifteen years than Europe has. (...) the US labor force has during these years grown a lot more than the European has. And that is not a coincidence! If the Europeans had a lot more people looking for jobs, there wòuld be more/oòs"3 (Arrow, 1989, p.175-176;. Vamos argumentar, seguindo a abordagem Sraffiana (Garegnani, 1990a), que, ao contrário do que comumente se acredita, aceitar esses dois fatos estilizados de forma alguma significa que tenhamos que aceitar a teoria neoclássica específica proposta para explicar aqueles fatos, ou a direção de causalidade proposta, que implica que as dotações de fatores são as variáveis independentes. A explicação neoclássica desses dois fatos requer que os processos de equilíbrio de mercado operem nos mercados dós assim chamados fatores de produção. Equilíbrio de mercado de fatores, entretanto, só será possível se fo- rem satisfeitos dois conjuntos d e condições c o m respeito a: (i) flexibilidade dos preços dos fatores; e (ii) funções de (excesso) demanda "bem-comportadas" por fatores de produção, em geral, e por "capital" em particular. Ambas as condi- ções acima, contudo, estão expostas a um número de sérias objeções empíricas e teóricas, e, portanto, a explicação neoclássica desses dois fatos estilizados mostra-se completamente inadequada. 1 - Equilíbrio de mercado nos mercados de fatores Como se sabe, uma das proposições centrais da abordagem neoclássica (ou marginalista) é que, em economias livremente (ou "perfeitamente") competi- tivas, há uma tendência de longo prazo de todos os mercados, e, em jaarticular, dos mercados dos assim chamados fatores de produção, se equiilibrarem. Essa noção de equilíbrio de mercado nos mercados de fatores tem duas dimensões. A primeira é puramente descritiva. Equilíbrio de mercado significa que oferta e de- manda se igualam." A segunda dimensão, que infelizmente raramente recebe a atenção que merece, é de natureza teórica e está relacionada ao rnecanismo causai que supomos gerar aquele equilíbrio. Isto porque, na abordagem neoclássica, equilíbrio de mercado significa, também, que a oferta de e a demanda por fatores 'Para ser mais preciso, equilíbrio de mercado não descarta situações nas quais prevaleça excesso de oferta crônico,. Nesse caso, porém, o bem ou o serviço de fator que está em excesso de oferta não é escasso, e seu preço cairá a zero. Dai, por exemplo, uma situação de permanente desemprego involuntário de trabalho deveria implicar salários nulos. O restante do artigo está dividido em 8 seções. Na seção 1, discutimos a noção neoclássica de equilíbrio de mercado nos mercados de fatores de produ- ção. Na seção 2, aplicamos aquela noção ao mercado de trabalho e mostramos como a teoria neoclássica explica o nosso primeiro fato estilizado. Na seção 3, destacamos a peculiaridade do papel do equilíbrio de mercado no mercado de poupança-investimento, o qual deve, numa economia monetária, assegurar tam- bém o ajustamento da demanda agregada à oferta agregada e, daí, prover a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado. Na seção 4, dis- cutimos a relevância da hipótese neoclássica de flexibilidade dos salários reais e nominais. Na seção 5, fazemos o mesmo para a noção de flexibilidade real e nominal da taxa de juros. Na seção 6, lidamos brevemente (seguindo Garegnani (1990b)) com as inconsistências teóricas do conceito de uma função de deman- da por fatores "bem-comportadas" numa economia com capital heterogêneo. Na seção 7, discutimos a curiosa tentativa neoclássica de dar uma resposta empírica a uma crítica teórica. Na seção 8, concluímos o artigo, examinando a base de uma explicação alternativa de nossos dois fatos estilizados, encontrada n a abor- dagem clássica do excedente, revivida e modernizada por Sraffa (1960), de for- ma a incorporar t a m b é m as contribuições positivas de Keynes e Kalecki sobre a demanda efetiva. ' E a respeito da oferta de fatores (em contraste com sua dotação)? A "oferta" de fatores de produção é meltior tratada como a demanda privada por eles vinda de seus próprios deten- tores. Ao longo deste artigo, a menos que seja estabelecido de outra forma, nós assumire- mos que a oferta de fatores é totalmente inelástica (alternativamente, o leitor pode pensar que estamos falando de funções de excesso de demanda pelos fatores de produção). se equilibram no longo prazo, p o r q u e a demanda por fatores de produção vai se adaptar à dotação de recursos produtivos. A causalidade, claramente, vai dos recursos produtivos (a dotação de fatores de produção), como a variável indepen- dente, à demanda por eles, como a variável de ajuste ou dependente.^ A presença dessa segunda dimensão tem implicações importantes. Por exemplo, ela nos permite ver que a mera observação de que oferta e demanda venham a estar e m algum sentido equilibradas não é suficiente (ao contrário do que freqüentemente se afirma) para caracterizar a situação como sendo de equilíbrio de mercado, no sentido neoclássico preciso do termo. Evidência adicional deve serfornecida para mostrar que o mecanismo pelo qual esse equilíbrio foi gerado é tal que se possa dizer que foi a dada dotação de fatores que gerou ou induziu a demanda necessá- ria. Ao longo desse trabalho, a noção de equilíbrio de mercado será interpretada como englobando: (a) o sentido puramente descritivo de "demanda igual à oferta (ou dotação)"; e (b) a dimensão especificamente neoclássica (e daí teórica) que significa "a dotação (ou oferta) exógena determina a demanda (endógena)". No aparato neoclássico, o mecanismo básico que é visto como operando e m economias competitivas e que supõe-se gerar equilíbrio de mercado nos mercados de fatores é o assim chamado princípio da substituição (tanto na produção quanto no consumo). A idéia básica é a de que, sob condições com- petitivas, qualquer aumento exógeno na dotação disponível de qualquer fator de produção vai levar, no longo prazo, a um aumento na demanda por esse fator. Isto vai ocorrer porque a maior disponibilidade daquele fator em relação à de- manda inicial por ele vai reduzir seu preço e m relação aos preços dos demais fatores de produção. A queda resultante no preço relativo daquele fator terá en- tão o duplo efeito de: - baratear os métodos de produção que usam aquele fator mais intensiva- mente (levando à substituição na produção); e - baratear o preço final de bens e serviços em cuja produção aquele fator é usado em alta proporção (levando à substituição no consumo). A conseqüência desses efeitos substituição por uma ou por ambas as rotas antes mencionadas é aumentar a d e m a n d a pelo fator de produção cuja dotação tenha aumentado, uma vez que mudanças apropriadas nos preços rela- tivos de fator e produto vão tornar lucrativo usar esse fator mais intensivamente 2 - Equilíbrio de mercado no mercado de trabalho e o primeiro fato estilizado Uma ilustração da operação da tendência ao equilíbrio de mercado de fato- res pode ser encontrada na análise neoclássica do mercado de trabalho de um tipo particular de trabalho, numa economia de escambo que não usa moeda. Nós temos, por um lado, a dotação daquele tipo de trabalho, a qual, por simpli- ficação, suporemos c o m o sendo inelasticamente ofertada. Isto nos d á a curva de oferta (dotação) daquele tipo de trabalho. Do outro lado, para quaisquer dadas quantidades utilizadas de todos os outros fatores de produção (incluindo outros tipos de trabalho), podemos derivar uma cun/a de demanda por trabalho daquele tipo. O papel do princípio da subs- tituição aparece, aqui, no fato de que a curva de demanda por trabalho daquele = Note-se que estamos nos referindo a funções (excesso) de demanda por fatores de equili- brio geral. Sobre a natureza dessas funções, ver Garegnani (2000). na produção tanto pela via da substituição direta (na produção) quanto pela via da substituição i n d i r e t a de fatores, pois a substituição no consumo, levando a um aumento na demanda por bens mais intensivos no fator que ficou mais bara- to, gera um aumento na demanda derivada por esse fator. Contudo, para que o mecanismo acima opere no sentido postulado pelos neoclássicos, dois conjuntos de condições têm de ser atendidos: i) os preços relativos de todos os bens e fatores (tanto reais quanto nomi- nais) devem ser "flexíveis", no sentido particular de que tenderão a cair sempre que fiouver uma situação de excesso de oferta e a aumentar sempre que fiouver excesso de demanda (isto é, mudanças de preços seguem a "lei de oferta e demanda"); e ii) o efeito substituição de fatores tanto pela via direta quanto pela indireta tem de ser a conseqüência dominante dessas mudanças de preços de fatores (e de mercadorias). Em outras palavras, as funções de demanda por fatores têm de ser "bem-comportadas" (negativamente inclinadas).® Portanto, apenas se todos os preços, e especialmente os preços de fator, são, nesse sentido, flexíveis e as funções de demanda por fator são "bem-com- portadas", podemos esperar uma tendência de longo prazo de os mercados de fatores se equilibrarem. Se u m a ou ambas as condições (i) e (ii) não forem satisfeitas, não se obterá equilíbrio de mercado. tipo particular é negativamente inclinada. E a hipótese de flexibilidade de preço aparece, aqui, como os salários reais desse tipo de trabalhadores caindo inde- finidamente, enquanto a demanda por trabalho for menor do que a oferta dispo- nível, e subindo continuamente, enquanto a demanda por trabalho for maior do que aquela m e s m a oferta (ou dotação). Nesse caso, é plausível que a economia estará continuamente gravitando em torno e na direção da posição na qual o mercado de trabalho se equilibra. De fato, se houver, por exemplo, uma elevação exógena no número de trabalhado- res daquele tipo (ofertado inelasticamente), nós sabemos, por causa da hipóte- se de flexibilidade de preços de fatores, que os salários reais daqueles trabalha- dores estarão caindo. Do princípio da substituição t a m b é m sabemos que essa queda no seu salário real irá elevar a demanda por trabalho daquele tipo especí- fico, tanto por fazer as firmas passarem a métodos de produção que usam mais intensivamente aquele tipo de trabalho (substituição indireta), quanto porque os bens de consumo que usam coeficientes mais altos daquele tipo de trabalho serão crescentemente demandados pelos consumidores (substituição indireta). Note-se que o m e s m o processo se aplica simultaneamente ao mercado de trabalho de todo outro tipo particular de trabalhadores. Daí haver uma tendên- cia contínua, sob essas hipóteses, em direção ao equilíbrio de mercado para toda a força de trabalho. Essa é, de fato, a base para a explicação neoclássica de nosso primeiro fato estilizado. É o número de oportunidades de emprego que se ajusta à oferta disponível de trabalho, através d a operação desse mecanismo de equilíbrio de mercado nos mercados de trabalho. Sob aquelas hipóteses, a mesma tendência na direção do equilíbrio de mercado estará ocorrendo em todo e em cada mercado de fatores primários ou não reprodutíveis, tais como a terra. Note-se que o fato de que nós podemos derivar uma dennanda negativa- mente inclinada por cada fator não reprodutível, dadas as quantidades efetivamente utilizadas de todos os outros fatores, significa que se, por alguma razão, o mercado de um fator particular não se equilibra, digamos por causa de uma rigidez no preço daquele fator, isso, de forma alguma, põe e m risco o equilíbrio de mercado dos outros mercados onde preços de fatores tenham permanecido completamente flexíveis. O que aconteceria é que, dado o fato de estar sendo usado menos de um fator particular do que se poderia, isto será equivalente a um deslocamento para a esquerda das curvas de demanda por todos os outros fatores, o que vai, provavelmente, implicar que seus preços de equilíbrio termina- rão menores do que teriam sido de outra forma. Por isso, rigidez de preço em um mercado irá normalmente significar falta de equilíbrio de mercado apenas naquele mercado. ' Supomos, aqui, que os organizadores da produção são os proprietários do capital existente. " Observa-se que estamos assumindo, por simplificação, que a força de trabalho permanece constante e que não há progresso técnico. Crescimento dé oferta de trabalho ou de produ- tividade deslocaria a demanda por investimento para a direita: Para a relação entre a deman- da por capital como um estoque e como um fluxo, ver Garegnani (1978-1979) e Petri (1997). 3 - Equilíbrio de mercado no mercado de poupança e investimento e o segundo fato estilizado No sentido de examinar a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado, temos de começar por assumir provisoriamente que a economia e m consideração produz um único b e m de capital circulante, o qual p o d e ser usado tanto para consumo quanto para investimento, isto é, vamos assumir o caso no qual o capital é homogêneo em relação ao produto. Essa hipótese será removida na seção 6. Vamos, t a m b é m , admitir que a economia em consideração é u m a econo- mia monetária. Nesse caso, quando olhamos para o mercado de capitai, nota- mos uma peculiaridade no mesmo, a qual não aparece no mercado dos outros fatores (não reprodutíveis). Essa peculiaridade é que equilíbrio de mercado, nes- se mercado particular, resolve t a m b é m u m problema macroeconômico. Vamos, então, olhar para o mercado de capital "na margem" não como um mercado do estoque existente de capital, mas como o mercado de capital "novo" como fluxo de investimento e poupança brutos.^ Nesse contexto, a ocorrência de poupança líquida significaria um aumento na oferta de estoque de capital, enquanto investimento líquido (igual, nessa economia de capital circulante, a um aumento no investimento bruto) represen- taria o aumento na demanda por aquele estoque. N u m esquema neoclássico, a d e m a n d a por investimento bruto t e m de ser derivada da demanda pelo estoque de capital. Entretanto, nossa hipótese simplificadora da economia, usando apenas capital circulante, significa que a curva de demanda por investimento bruto (capital como um fluxo) é idêntica à d e m a n d a por capital c o m o um estoque dado que todo o estoque de capital é usado por inteiro e m cada período.'' Aqui v e m o s que a inclinação d a d e m a n d a por investimento bruto, correspondendo a um dado montante dos outros fatores empregados, será ne- cessariamente negativa inclinada, visto que a demanda por qualquer fator é u m a função negativa de seu preço. Isto, mais a flexibilidade do preço de fator relevan- te, nesse caso a taxa de juros, prove a base para a idéia de que qualquer montan- te de poupança ofertado (seja líquido ou bruto) sempre será absorvido por níveis aumentados de investimento (líquido ou bruto), através do equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança. Note-se que, além d e determinar a taxa d e juros d e equilíbrio, o equilíbrio de mercado no mercado de capital (de investimento e poupança) deveria resol- ver o problema que preocupava Keynes (1936). Keynes, em sua Teoria Geral, apontou que, mesmo se o salário real não é "alto demais" (no sentido de estar acima do produto marginal da dotação de trabalho), e m uma economia monetá- ria apenas seria realmente lucrativo empregar tal montante de trabalho se a produção desses trabalhadores pudesse ser vendida, isto é, se houvesse u m a "demanda efetiva" para o nível de produto ofertado quando eles são empregados. Se houver equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança, isto não se constitui num problema sério. Qualquer aumento no produto acima do que estiver sendo correntemente gasto em consumo de fato acarreta um aumento na poupança potencial. Porém, se a taxa de juros é inteiramente flexí- vel e a demanda por investimento é elástica e m relação à taxa d e juros, o equi- líbrio de mercado do mercado de capital garante que toda essa poupança extra será absorvida pelo investimento aumentado. Por isso, há essa importante assimetria e m uma economia monetária, na qual, para o mercado de trabalho funcionar apropriadamente, o mercado de ca- pital deve também funcionar apropriadamente, já que o equilíbrio de investimen- to e poupança é, t a m b é m , o equilíbrio entre a oferta agregada e a d e m a n d a agregada da economia. Essa assimetria é relevante apenas para uma economia monetária, por- que, apenas numa economia que usa moeda, os atos de vender e de comprar p o d e m ser logicamente separados como duas transações distintas, daí uma discrepância geral entre d e m a n d a agregada e oferta agregada, e, por isso, a possibilidade de problemas de demanda efetiva pode aparecer. E m uma econo- mia de escambo, uma decisão de ofertar um certo montante de produtos neces- sariamente implica também uma decisão de aceitar como pagamento e, portan- to, de demandar uma quantidade de produtos do mesmo valor. Assim, logicamente, não é possível ao valor total da oferta agregada ser diferente do valor d a deman- da agregada, não importa quão diferentes a oferta e a demanda por bens particu- lares possam ser uma da outra. Nós podemos ver, claramente, que essa característica peculiar do merca- d o d e investimento e poupança, n u m a economia monetária, cria tal assimetria quando recordamos que, se, por exemplo, o salário real fosse rígido, isso não causaria qualquer problema para o equilíbrio de mercado no mercado de capital 4 - Sobre a flexibilidade de salários reais e nominais Para validar a interpretação neoclássica dos nossos dois fatos estilizados, é necessário demonstrar que as condições que permitiriam ocorrer o resultado de equilíbrio de mercado estão presentes na realidade. Isto significa que, para o caso de o equilíbrio de mercado se sustentar, os preços de fatores têm de ser "flexíveis", tanto em termos nominais quanto reais, e todas as funções de de- ' Em teorias neoclássicas, o produto de plena capacidade, tal como determinado pelo estoque de capital disponível, só é distinto do produto de pleno emprego se o salário real é rígido. Do contrário, virtualmente, qualquer montante de trabaltio poderia ser empregado com um dado montante de "capital" pela operação do principio da substituição. (como vimos na seção anterior). Apesar d e o nível de equilíbrio de emprego e produto vir a ser menor do que no caso de pleno emprego, a produção de todos os trabalhadores empregados poderá ser vendida, se o mercado d e capital se equilibrar. Esta seria u m a situação na qual o produto potencial seria menor do que aquele correspondente ao pleno emprego.^ Por outro lado, fosse a taxa de juros rígida por algum motivo (como Keynes pensava que era — veremos mais sobre esse assunto a seguir), o investimento não poderia ajustar-se à poupança de pleno emprego e, dessa forma, não pode- ria haver qualquer equilíbrio de mercado no mercado de trabalho, m e s m o c o m salários reais flexíveis (e "desemprego involuntário" ocorreria). No caso de salários reais rígidos, a taxa de juros rígida e a resultante falta de demanda efetiva gerariam desemprego "keynesiano", em adição ao desem- prego "estrutural" causado pelo salário real alto. Portanto, o equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança é, de fato, o que prove o equivalente neoclássico da Lei de Say, usada de forma bastante arbitrária por Ricardo e por alguns outros economistas clássicos. Esse argumento neoclássico ao menos prove u m mecanismo particular, que, se fun- cionar, garantirá a determinação do investimento pela poupança potencial (seja de pleno emprego, seja de plena capacidade). Esta é, então, a explicação neoclássica do nosso segundo fato estilizado. Há u m a tendência à plena utilização da capacidade, isto é, todo produto poten- cial pode ser vendido porque há equilíbrio de mercado no mercado de investi- mento e poupança (mercado de capital "novo"). manda por fator têm de ser "bem-comportadas" (em termos da nossa discussão na seção 1, para apresentar equilíbrio de mercado no sentido de (b), temos de prover evidência para as hiipóteses (i) sobre preços flexíveis e (ii) sobre "bom comportamento"). O problema é que há fortes razões empíricas e teóricas para rejeitar ambas as hipóteses. Vamos olhar brevemente algumas dessas razões, c o m e ç a n d o c o m aquelas relacionadas a hipóteses de 'flexibilidade" de preço de fator. O principal problema c o m a hipótese de flexibilidade generalizada de pre- ço de fator no longo prazo é que ela parece ser inteiramente desprovida de conteúdo empírico, especialmente no que diz respeito a preços (salários e juros), tanto reais quanto nominais, dos dois principais fatores de produção (trabalho e capital). N o caso de flexibilidade a longo prazo de salários reais, u m a das pouquíssimas coisas c o m que economistas do trabalho de convicções muito diferentes parecem concordar é que, e m geral, m e s m o na ausência d e fortes sindicatos o u de regulação salarial específica, salários não tendem a cair in- definidamente em situações de desemprego involuntário, nem tendem a crescer sem limite quando o mercado de trabalho está relativamente aquecido. Parece claro que a determinação de salários é sempre fortemente influen- ciada por forças institucionais, políticas e culturais. Esta parece ser uma caracte- rística fundamental da operação de mercados de trabalho. Aquelas influências sócio-políticas se fazem presentes em todos os aspectos do processo de deter- minação de salário, tanto se estamos considerando salários em termos nomi- nais quanto reais, lidando com níveis absolutos de salário ou diferenciais relati- vos de salário, e tanto no que diz respeito a tendências de longo prazo quanto a flutuações de curto prazo. Salários, portanto, não seguem na prática a "lei de oferta e demanda" (isto é, o mercado de trabalho não é um mercado de leilão) e, daí, não são flexíveis no sentido específico em que esse termo é entendido na teoria neoclássica. Note- -se, entretanto, que isto não significa q u e o s salários são rigidamente"fixos" ou constantes ao longo do tempo e nem que os salários são completamente inde- pendentes das condições do mercado de trabalho. Uma coisa é reconhecer o impacto das condições do mercado de trabalho (tal como uma larga reserva de trabalhadores desempregados) como um dos vários fatores que afetam no longo prazo o poder de barganha dos assalariados e, daí, o nível de salários. Algo completamente diferente é representar a influência de longo prazo das condi- ções do mercado de trabalho sobre salários como um processo no qual o único nível de salário sustentável é aquele que satisfaz a condição de equilíbrio de "Sobre essa natureza dos salários, ver Garegnani (1990b) e mesmo Solow (1991). ' Por isso, os teóricos neoclássicos têm sido forçados pelos fatos a assumirem uma entre duas posições insatisfatórias. A primeira é sugerir, tal como os assim chamados Novos Keynesianos fazem, que salários reais são, de fato, flexíveis, mas apenas num muito vago longo prazo (definido, quase tautologicamente, como o tempo que leva para o desemprego curar a si mesmo — ver Layard, Nickel e Jackman (1991)). A segunda posição, assumida pelos assim chamados Novos Clássicos, alega que, em verdade, salários reais são muito flexíveis, tão flexíveis que se movem instantaneamente para equilibrar o mercado de trabalho, o qual nunca está, na realidade, em desequilíbrio. Por isso, os salários reais de mercado observados são (distijrbios aleatórios à parte), em verdade, salários de equilíbrio de mercado, e o desemprego realmente nunca acontece. Note-se que, em ambos os casos, a flexibilidade dos salários reais não pode ser observada, uma vez que ela ou opera tão devagar que é dificilmente perceptível (versão Novo-Keynesiana — ver Mankiw e Romer (1991)) ou é tão rápida que não pode ser vista (visão Novo-Clássica), Parece mesmo não ocorrer a eles que essa flexibilidade não pode ser vista, talvez simplesmente, porque ela não existe. mercado e que implica, por exemplo, que os salários ficarão caindo enquanto houver qualquer grau de desemprego involuntário, não importa quão pequenoJ° É claro, somente a última caracterização significa verdadeira flexibilidade salarial no sentido neoclássico. E é esse tipo de flexibilidade que não é fácil de achar nos mercados de trabalho de economias capitalistas. Porém, com freqüência, no mesmo livro ou artigo (por exemplo, em Blanchard e Fischer, (1989; cap.1) e também em Layard, Nickel e Jackman (1991, cap. 1), onde essa falta de flexibilidade do salário real está documentada, é feita referência ao nosso primeiro fato estilizado (isto é, ao ajustamento aproximado a longo pra- zo entre as oportunidades de emprego e o tamanho da força de trabalho), c o m o dando suporte a u m a visão neoclássica do mercado de trabalho, esquecendo o fato óbvio de que, se salários reais são rígidos, na realidade isso significa que esse fato estilizado simplesmente não pode ser explicado na linha do mecanis- m o neoclássico de equilíbrio de mercado, e daí a explicação ser buscada e m outro lugar" (ver seção 8). Por outro lado, a aceitação de que salários n o m i n a i s também não se- g u e m , na realidade, a "lei de oferta e demanda" t e m implicações para as condi- ções de equilíbrio de mercado no mercado de capital. C o m o nós vimos anteriormente, equilíbrio de mercado no mercado de in- vestimento e poupança, e daí a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado (sobre uma tendência à utilização normal da capacidade), depen- de, por seu turno, da flexibilidade da taxa real de juros. Além disso, como tam- b é m vimos, através da assimetria ligando os mercados de investimento e pou- pança e de trabalho numa economia monetária, a flexibilidade da taxa de juros é igualmente um requerimento para o equilíbrio de mercado no mercado de trabalho, bem como para a explicação neoclássica do primeiro fato estilizado. 5 - A flexibilidade das taxas nominal e real de juros o problema aqui é que não apenas os salários nominais não são flexíveis na realidade, m a s também que, se fosse para serem flexíveis no sentido neociássico, eles poderiam, na verdade, criar problemas por afetarem adversa- mente a flexibilidade d a taxa real de juros. Mantendo provisoriamente a hipótese irrealista de uma oferta nominal de m o e d a exógena, vamos assumir agora que há algum desemprego e que salá- rios nominais são flexíveis, mas não infinita e instantaneamente flexíveis. A lenta queda no salário nominal vai levar não apenas a uma queda corrente no nível de preços, a um aumento na oferta real de moeda e a uma queda correspondente n a taxa nominal de juros, mas vai, t a m b é m , quase certamente, acarretar um processo de deflação. Essa deflação significará que, a despeito da queda da taxa nominal de juros, a taxa real de juros pode mesmo estar aumentando c o m efeitos adversos sobre o investimento (e devedores e m geral). Por isso, c o m o Keynes (1936, cap.19) notou, flexibilidade do salário nominal, a não s e r q u e seja instantânea, pode, efetivamente, fazer o equilíbrio de mercado no merca- 2 Esta é claramente a visão da assim chamada "síntese neoclássica". Ver Tobin (1980). Aquela flexibilidade, em uma economia monetária, depende de serem tam- b é m suficientemente flexíveis tanto salários nominais e preços, de um lado, quanto a taxa nominal de juros, de outro. Por isso, o equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança pode ser impedido pela falta de flexibilidade dos salários nominais. Porque, sob condições competitivas, os preços de produtos são proporcionais a esses salá- rios nominais, e, para um dado nível exógeno da oferta monetária nominal, de- terminam, junto com a demanda por moeda, uma taxa nominal (e real) de juros que pode facilmente ser "alta demais" para o investimento absorver a poupança de plena capacidade (ou pleno emprego). Essa taxa de juros alta, como vimos, criará uma restrição de d e m a n d a efetiva, que não irá permitir que ocorra pleno emprego no mercado de trabalfio, m e s m o se supondo os salários reais flexíveis. '^Esse argumento tem sido ressuscitado recentemente por autores neoclássicos mais velhos, aparentemente preocupados com os excessos de seus alunos. Ver Hahn (1984), Hahn e Solow (1995) e Tobin (1993). " Note-se que a oferta monetária endógena, por deixar a oferta monetária real inalterada, elimina a possibilidade do efeito encaixes reais, ou efeito Pigou, que, supostamente, faz o consumo aumentar com o aumento no valor real da base monetária, a qual constitui parte da riqueza do setor privado (Kalecki, 1944). Note-se, entretanto, que, mesmo no caso implausivel de a oferta monetária nominal ser mantida exógena, o total do aumento da riqueza privada advindo da deflação ocorreria, necessariamente, às expensas do governo, uma vez que o que está mudando em valor é um ativo do público, mas um passivo do governo. O assim chamado efeito encaixes reais é, por isso, apenas possível, mesmo sob as mais favoráveis condições, na medida em que o governo aceite o que, no fim das contas, é igual a um aumento no déficit público real inteiramente financiado por moeda. Do contrário, impostos podem ser elevados pelo mesmo exato montante em que a base monetária real (e a riqueza privada) tiver aumentado. É irônico que esse efeito pôde estar sendo usado para argumentar a favor das propriedades, últimas auto-reguladoras de mercados livres sem intervenção do governo. "^Note-se que, se os preços, por algum motivo, não caíssem tanto quanto os salários nominais, como Kalecki (1971) apontou, a situação ficaria até pior, com a decorrente redistribuição de renda contra os trabalhadores com uma alta propensão a consumir, que aumentaria a propensão marginal a poupar da economia, diminuindo a demanda agregada. do de investimento e poupança mais difícil e, daí, pode levar a economia para longe do pleno emprego. No entanto, no m u n d o real, a taxa nominal de juros é determinada exogenamente pelas autoridades monetárias e está sujeita a restrições políti- cas, institucionais, internacionais e de convenções (como mostrado por Kalecki e Kaldor; ver Pivetti (1991) e Moore (1988)), enquanto a oferta nominal de moeda é, e m grande parte, endógena. Isso significa que a taxa nominal de juros não é, de forma alguma, flexível no mundo real. Sendo esse o caso, salários nominais flexíveis certamente criariam proble- mas. A exogeneidade da taxa n o m i n a l de juros leva a oferta nominal de moeda a se tornar endógena,^* contraindo-se junto c o m a folha de salários nominais e c o m o nível de preços da economia e evitando qualquer mudança significativa na oferta real de moeda.^^ Porém a queda nos salários nominais, no caso de desemprego, seguramen- te aumentaria a taxa real de juros, uma vez que a deflação de salários e preços ocorreria tendo como pano de fundo uma taxa nominal de juros fixa, causando uma queda no investimento e movendo a economia certamente para longe do equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança (Moore, 1997). Nesse caso, a combinação de taxa de juros nominais exógena com flexibilidade de salários nominais e de preços criaria um processo cumulativo de deflação (ou inflação)^^, pois faria a taxa real de juros mover-se na direção errada. Por isso, flexibilidade da taxa real de juros, no sentido neociássico, não apenas não é observada na realidade, como também, de qualquer forma, reque- reria a combinação, empiricamente implausível, de flexibilidade instantânea de salário nominal c o m a exogeneidade da oferta monetária nominal. isso significa que equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança não ocorre, e daí a explicação neoclássica do nosso segundo fato estilizado é falha. Além disso, c o m o mencionado anteriormente, os efeitos-re- percussão da falta de equilíbrio de mercado no mercado de investimento e pou- pança sobre o mercado de trabalho impediriam o equilíbrio de mercado no mer- cado de trabalho, mesmo se os salários reais pudessem ser considerados flexí- veis (o que, aliás, eles não são na prática). 6 - Capital heterogêneo e funções de demanda por fatores "bem-comportadas" Sérias dificuldades adicionais aparecem quando nós passamos a exami- nar a segunda hipótese sobre a qual os resultados de equilíbrio de mercado neociássico são baseados: a hipótese de que as funções de demanda por fator são "bem-comportadas" (condição ii, na seção 1). Nós devemos começar nossa discussão relembrando que o conceito de uma curva de demanda por um fator de produção, certamente, não se origina de generalizações indutivas de regularidades empíricas observadas. C o m o é bem sabido, funções de d e m a n d a por fatores são conceitos derivados da teoria neoclássica. Isto significa supor-se que essas funções são logicamente dedutíveis das hipóteses mais "primitivas" sobre preferências, dotações e tecnologia. Uma função de demanda por um fator de produção é dita "bem-comporta- da" quando acaba tendo a propriedade de que sua demanda geralmente cresce (em relação à demanda pelos outros fatores) c o m uma queda e m seu preço relativo. Teóricos neoclássicos sempre se apoiaram nessa noção de funções de demanda por fator "bem-comportadas", ou negativamente inclinadas para garan- tir a unicidade e a estabilidade (global) de suas posições de equilíbrio. É também essa propriedade de "bom comportamento" que, no fim, fornece plausibilidade teórica à hipótese de que preços de fator são flexíveis (de outra forma, não faria sentido esperar que os preços dos fatores seguissem a "lei de oferta e demanda"). Flexibilidade de preço de fatores e as associadas funções de demanda "bem-comportadas" por eles são, por isso, duas noções que se comple- mentam e, juntas, provêem condições suficientes para se obter o resultado neociássico de equilíbrio de mercado generalizado nos mercados de fatores. ' À parte os problemas teóricos do capital discutidos nesta seção, há também os problemas adicionais, que podem advir tanto dos efeitos-renda "perversos" de equilíbrio parcial quanto geral. Estes podem aparecer, no contexto parcial, como a possibilidade de funções de oferta de fator "maicomportadas" tanto de trabalho quanto de poupança (um problema que ex- cluímos por nossa suposição de ofertas de fator inelásticas). No contexto de equilíbrio geral, mudanças nos preços de fator mudam a distribuição de renda. E a composição da demanda, se 08 agentes não são semelhantes, pode se mover de tal maneira que a queda no preço de um fator pode, no fim, reduzir ao invés de aumentar sua demanda (se esse efeito-renda negativo for maior do que o efeito-substituição). Nós abstrairemos esse problema, assumin- do que todos os agentes nessa economia são perfeitamente idênticos. Isto é feito para permitir que nos concentremos no problema mais fundamental da quebra do efeito-substitui- ção, uma vez que teóricos neoclássicos sempre argumentam que suficiente substitutibilidade resolveria tais dificuldades. Ver Kirman (1989) e Petri (1989). Todavia o fato d e que funções de d e m a n d a por fator "bem-comportadas" são de importância crucial para garantir os resultados neoclássicos tradicio- nais não significa que seja fácil deduzir funções c o m essas propriedades de- sejáveis partindo das hipóteses neoclássicas. Exatamente o contrário é que é averdadeJ^ A rigor, para ver isto, nós devemos agora relaxar a hipótese feita no come- ço da seção 3 de que a economia usa um único bem de capital homogêneo e m relação ao produto. Se ao capital é assim permitido ser heterogêneo, digamos, permitindo a existência de muitos tipos de bens de capital, então é inevitável que mudanças na taxa (uniforme) de juros (ou alternativamente no salário real) devam ter u m impacto direto sobre preços relativos. Como é bem sabido desde Sraffa (1960), esses efeitos podem ser bem complexos e irregulares e afetam significativa- mente tanto o valor relativo de conjuntos de bens de capital heterogêneos como a ordenação de rentabilidade de métodos de produção alternativos, podendo ir, virtualmente, em qualquer direção. C o m o conseqüência, fenômenos como a reversão da intensidade de capi- tal (reverso capital deepening) e o retorno das técnicas (reswitching) podem ' Nas versões tradicionais de longo prazo da teoria neoclássica, que tomavam um valor dado do estoque de capital como representando a dotação de capital da economia, a mera dependência, por menor que seja, entre preços relativos e distribuição torna imediatamente inconsistente a oferta de capital (pois esta vai variar drasticamente, por exemplo, com uma mera mudança de numerário) e, por conseqüência, as curvas de demanda de todos os demais fatores de produção, que são calculadas para dada quantidade de capital. As versões intertemporais da teoria neoclássica escapam dessa inconsistência ao tomar a dotação de capital enquanto um vetor de bens de capital específicos: não escapam dos problemas de reversão das técnicas e de reversão da intensidade de capital. Note-se que, ao longo deste texto, estamos sendo particularmente generosos com os neoclássicos e aceitando a sua inconsistência metodológica mencionada na nota 2, a partir da qual a teoria explicaria a realidade usando os resultados das versões antigas de longo prazo, e, ao mesmo tempo, incoerentemente, a defesa teórica da abordagem neoclássica se faz utilizan- do a versão intertemporal que se admite ser inaplicável à realidade. A versão da teoria neoclássica que de fato é usada para explicar a realidade ainda é a versão marginalista intertemporal, que se torna logicamente inconsistente assim que se introduz capital hetero- gêneo. ocorrerJ^ A reversão da intensidade de capital ocorre quando uma taxa de juros menor (e daí uma taxa de salário maior) leva a uma queda, ao invés de a um aumento, na "quantidade decapitai" demandada (em relação ao trabalho). Por outro lado, o retorno das técnicas acontece quando um método de produção que era o mais lucrativo entre os disponíveis a uma taxa de lucro particular é substituído por um outro método à uma (digamos) maior taxa de lucro, mas reemerge como o mais lucrativo a uma taxa de lucro ainda maior. A reversão da intensidade de capital contradiz, se o capital é medido c o m o uma magnitude e m valor, a idéia central por trás do princípio da substituição, que é a relação inversa entre preços relativos de fatores de produção e a demanda por eles (uma vez que não apenas a razão capital/trabalho é reduzida c o m uma menor taxa de lucro, mas também o salário real correspondentemente maior está associado c o m a adoção de técnicas que usam maiores coeficientes de trabalho). O retor- no das técnicas, por outro lado, mostra que não há maneira de ordená-las ine- quivocamente e m termos d e suas intensidades e m capital, e, daí, nenhum índi- ce de intensidade em capital pode ser usado para substituir a medição em valor e contornar as dificuldades, tais como a reversão da intensidade de capital. A possibilidade generalizada da ocorrência desses tipos de fenômenos significa que funções de d e m a n d a por fator "bem-comportadas" não podem ser derivadas das hipóteses neoclássicas usuais. "Para uma análise completa dessas dificuldades, ver Garegnani (1990b). ^° Note-se que, ao invés de usar a versão tradicional de longo prazo da teoria neoclássica, alguém poderia alternativamente considerar a moderna versão intertemporal dessa teoria. Isso complicaria a análise, mas não afetaria nossas conclusões. Se a economia intertemporal é tal que inclui um steady state terminal, reswitching e reverso capital deepening, podem ocorrer ao longo da seqüência de equilíbrios (Schefold, 2000). Em condições mais gerais, com mudança de preços relativos através da trajetória inteira de equilíbrio intertemporal, a condição de lucro zero para todos os bens de capital que são produzidos irá acarretar uma taxa efetiva de juros uniforme (a qual será igual à taxa própria de juros do numerário escolhido) sobre o investimento bruto, mas simplesmente não há razão para supor que o valor do investimento bruto será uma função inversa "bem-comportada" daquela taxa de juros (Garegnani, 1990b; 2000). Para uma crítica de outras versões, tais como a array of opportunities e a "custos de ajuste" de funções investimento elásticas à taxa de juros, ver Petri (1997)). Isto tem sido demonstrado para a versão tradicional de longo prazo da teoria neoclássica. Para a forma diferente, na qual o problema da quebra da substituição pode afetar a seqijên- cia de equilíbrios no mercado de trabalho nas versões intertemporais, ver Schefold (2000) e Garegnani (1990b). A base para a relação inversa entre a taxa de juros e o investimento, o princípio da substituição, não pode ser deduzido, logicamente, das dotações, técnicas e preferências no caso de capital hieterogêneoJ^ Uma vez que uma função de demanda por investimento "bem-comportada" não pode ser derivada, ao contrário do que usualmente se pensa, não há sim- plesmente qualquer base lógica para a idéia neoclássica de equilíbrio de merca- d o no mercado de capital, m e s m o se as taxas de juros forem inteiramente flexíveis.20 Portanto, em uma economia monetária, não há t a m b é m qualquer base para a idéia de que o investimento tenderá a absorver a poupança de plena capacidade. Por isso, a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado é desprovida de suas fundamentações. Por outro lado, essas dificuldades c o m o capital t ê m duas implicações negativas no que diz respeito à função de demanda por trabalho (e outros fatores não reprodutíveis). A primeira é que a demanda por investimento, positiva ou de formato irregular, refletindo, como ela o faz, como a razão capital/trabalho da economia se move, enquanto a distribuição se altera, implica que a função de d e m a n d a por trabalho t a m b é m não será "bem-comportada", já que, por exem- plo, o fato de que mais capital é usado quando a taxa de juros cresce pode significar que técnicas menos intensivas em trabalho estão sendo escolhidas, enquanto o salário real cai.^^ 7 - A teoria neoclássica e os fatos estilizados Pode ser útil, neste ponto, citar uma vez mais a explicação de Arrow para sua crença na explicação neoclássica de nossos dois fatos estilizados. Na m e s m a palestra mencionada na introdução, Arrow relembra u m debate c o m Joan Robinson nos seguintes termos: "She wouldsay'well,whenyou are out of equilibrium , you say the real wage ought to be out, but ifyou do that you cut demandandmake matters worse' ".^^ Arrow relembra que Robinson diria que, em seguida à queda do salário real, as firmas não contratariam mais trabalhado- res "porque elas não podem vender os bens". Sua resposta foi: 'The thing is, however, if they did hire the workers they would sell the goods ("grifos do au- torr3(Arrow, Í 9 8 9 , p . 182). É evidente que, na passagem acima, Arrow está supondo que: (a) c o m um salário real menor será lucrativo empregar técnicas que são mais intensivas e m trabalho; e (b) o investimento é levado à igualdade com a poupança de pleno emprego. Á discussão anterior mostrou que não há nenhum bom motivo, teórico ou empírico, para sua crença e m (a) ou e m (b). De fato, o resultado de toda a discussão das seções precedentes é que, simplesmente, não há qualquer argumento teórico em apoio à hipótese de fun- 22 "Ela diria: 'bem, quando você está fora do equilíbrio, você diz: o salário real deveria ser reduzido, mas se você faz isso você reduz a demanda e torna as coisas piores'." "O ponto é, entretanto, se eles contratassem mesmo os trabalhadores eles iriam vender os bens," Por outro lado, no contexto de uma economia monetária, a ausência de u m mecanismo que possa garantir equilíbrio de mercado no mercado d e capital (investimento e poupança) faz o formato (tanto a inclinação quanto a posição) da curva de demanda por trabalho ser virtualmente irrelevante, já que, como vimos acima, a falta de equilíbrio de mercado no mercado de capital, pela introdução de u m a restrição de demanda efetiva, também evita a ocorrência de equilíbrio de mercado no mercado de trabalho. Assim, os problemas c o m capital heterogêneo mostram que, fora do con- texto de u m único b e m de capital homogêneo e m relação ao produto, não há base teórica para uma função investimento elástica em relação à taxa de juros e, conseqüentemente, nenhuma fundamentação teórica para a explicação neoclássica de qualquer um dos nossos dois fatos estilizados. ções d e demanda por fator "bem-comportadas" e, e m particular, para u m a fun- ção investimento elástica em relação à taxa de juros. Antes disso, já tínhamos argumentado que parece não haver qualquer ra- zão empírica convincente para pensar em preços de fator (ou variáveis distributivas) como sendo flexíveis, no sentido neociássico, seja em termos reais, seja e m nominais (monetários). Parece então que nenhuma das duas condições requeridas para garantir os resultados neoclássicos de equilíbrio de mercado, a saber, funções de de- manda por fator "bem-comportadas" (condição ii) e flexibilidade de preço de fator (condição i), pode, de forma plausível, ser uma característica geral de econo- mias capitalistas competitivas. Portanto, parece haver fortes razões teóricas e empíricas para rejeitar a explicação neoclássica de nossos dois fatos estilizados e a noção associada de equilíbrio de mercado nos mercados de fatores de produção. Aqueles que privilegiam a explicação neoclássica, contudo, tentam defendê- -la apelando para dois argumentos conectados: um deles lógico e o outro empírico. S e u primeiro argumento é o seguinte: eles concordam tanto que funções de demanda por fator "bem-comportadas" requerem mesmo um número de su- posições arbitrárias e artificiais, quanto que aquelas funções "bem-comporta- das" provêem condições suficientes para a unicidade e a estabilidade das posi- ções de equilíbrio (o que, junto com preços de fator flexíveis, garante os resulta- dos de equilíbrio de mercado). Esses teóricos neoclássicos, porém, apontam que, enquanto funções de demanda por fator "bem-comportadas" provêem mes- mo condições suficientes para equilíbrios únicos e estáveis, eles não consti- tuem condições necessárias para esses resultados. Em outras palavras, logicamente, equilíbrios únicos e estáveis podem ainda ocorrer, m e s m o s e m funções de demanda por fator "bem-comportadas" (e as hipóteses artificiais usa- das para gerá-los), para certo conjunto ou conjuntos de valores dos parâmetros, enquanto é verdade que, para outro conjunto em particular, eles podem não ocorrer. Assim, uma vez que unicidade e estabilidade não são desconsiderados c o m o u m a possibilidade lógica e que sua ocorl-ência, ou não, depende de valo- res específicos dos parâmetros, a questão da validade dos resultados de equilí- brio de mercado torna-se estritamente empírica (Malinvaud, 1981). Precisamente neste ponto, seu segundo argumento vem à tona. Esses au- tores alegam que, se funções de demanda por fator viessem a ser "maicomportadas" na prática, na forma e na extensão que levassem a equilíbrios múltiplos e instá- veis, o sistema econômico, necessariamente, estaria exibindo violentas flutuações de preços e quantidades de bens e um enorme grau de instabilidade. O m e c a - nismo de mercado estaria, então, permanentemente produzindo resultados in- coerentes, com as demandas e as ofertas de bens e fatores sempre tendendo a explodir ou divergir ao invés de se equilibrar. Dado o fato de que tal estado permanente ou crônico de incoerência ou extrema instabilidade jamais foi observado nas economias capitalistas existen- tes, os dois argumentos unidos nos levam à conclusão de que, de alguma for- ma, as funções de demanda por fator efetivas são, de fato, "bem-comportadas" (ou, se não estritamente "bem-comportadas", por sorte o afastamento desse ideal não tem nem a forma nem a magnitude que causaria problemas). Ade- mais, segue o argumento, no longo prazo, mercados de fator tendem m e s m o a (aproximadamente) se equilibrar, algo que estaria próximo do impossível c o m funções de demanda por fator seriamente "malcomportadas". Daí os teóricos neoclássicos tomarem o equilíbrio aproximado a longo prazo entre d e m a n d a e oferta de trabalho e de capital (o que tomamos como nossos dois fatos estilizados) c o m o evidência indireta de que preços reais e nominais de fator são suficiente- mente flexíveis, de que efeitos-renda são, na prática, suficientemente pequenos e de que "paradoxos" teóricos do capital (tais como retorno das técnicas e reversão do capital), enquanto possíveis na teoria, por sorte também não acon- tecem na prática (que era também claramente a posição de Arrow) — ver Arrow (1983). A linha acima de defesa da visão neoclássica, apesar de engenhosa, não se sustenta frente a um escrutínio mais detalhado. Antes de mais nada, como vimos nas seções 4 e 5, parece haver suficiente evidência direta de que preços reais e nominais de fator não são flexíveis na realidade. Nesse caso, a teoria neoclássica deveria prever desequilíbrio permanente nos mercados de fatores, e nossos dois fatos estilizados simplesmente não poderiam ser explicados por ela. Além disso, se funções de d e m a n d a por fator são, na prática, muito "mal- comportadas" (como elas provavelmente seriam), não há razão para observar- m o s aquela violenta instabilidade novamente, pela mera razão de que, na reali- dade, preços de fator simplesmente não são flexíveis no sentido neoclássico. De fato, é altamente provável que uma das principais causas dessa aparente rigidez é a correta percepção generalizada, tanto de agentes econômicos priva- dos quanto de governos, de que, se preços de fator fossem flexíveis, as coisas poderiam facilmente se tornar muito piores (sobre isso, ver Petri (1994a) e Kalecki (1944)). Vamos, contudo, abstrair essa evidência direta para olhar para a lógica do argumento sobre condições suficientes versus condições necessárias. Teóri- cos neoclássicos, hoje em dia, tendem a subestimar a importância de condi- ções suficientes e m relação à de condições necessárias. Uma coisa simples, m a s crucial, que os defensores da visão neoclássica tendem a não mencionar nessa conexão é que qualquer teoria que pretenda explicar um fenômeno parti- cular naturalmente deve especificar as condições suficientes para tal fenômeno ocorrer (realmente, isto é o que significa ter uma teoria do fenômeno). Se a teoria proposta não fornece as condições suficientes, ou, até pior, se os propo- nentes da teoria não acreditam na relevância das suposições que eles próprios têm de fazer para obter os resultados desejados, a teoria e m questão é, para dizer o mínimo, incompleta. No que diz respeito ao fenômeno em questão, sim- plesmente não pode ser de qualquer relevância para sua explicação (rigorosa- mente não é realmente uma teoria para esse fenômeno). S e m condições sufici- entes, simplesmente não fiá qualquer conexão lógica entre a ocorrência das hipóteses da teoria e a ocorrência do fenômeno que deve ser explicado. Portan- to, não há qualquer explicação do fenômeno em mãos. Contrariamente ao que os neoclássicos dizem, a falta de condições suficientes aceitáveis não é uma virtude da sua teoria que mostra sua "flexibilidade" e "abertura" empírica (como Malinvaud (1981) alega). É, de fato, um sinal de uma séria deficiência em seu argumento. O que pode ser corretamente deduzido da ausência de condições suficientes aceitáveis é, simplesmente, que não há qualquer razão teórica para esperarmos que as premissas neoclássicas usuais levem a um equilíbrio de mercado generalizado nos mercados de fatores. Para dar sentido à segunda parte do argumento a favor da explicação neoclássica, temos de nos referir de novo à distinção que estivemos fazendo entre os fatos estilizados — mostrando uma certa igualação entre as oportuni- dades de emprego e o tamanho da força de trabalho e a demanda por mercado- rias e o estoque de capital — e a teoria neoclássica de equilíbrio de mercado particular, na qual as dotações são as variáveis independentes, enquanto a de- m a n d a por eles é, endogenamente, determinada através da operação do princí- pio da substituição. Quando a distinção acima é feita, torna-se claro que a observação dos fatos estilizados por si próprios não dá suporte algum, n e m direto nem indireto, à teoria neoclássica proposta para explicá-los. De fato, há apenas uma maneira de considerar que esses fatos estilizados poderiam estar fornecendo evidência indireta e m favor da teoria neoclássica. Isso ocorreria se a teoria neoclássica fosse a única maneira concebível de expli- car aqueles fatos estilizados. O modo de pensar neociássico tornou-se tão dominante que este autor está certo de que muitos teóricos acreditam que este seja o caso, mas eles nunca estabeleceram essa importante suposição adicional explicitamente. Entretanto a idéia de que a explicação neoclássica é a única concebível é completamente infundada. Nenhum argumento racional foi jamais apresentado 8 - A abordagem clássica do excedente e os fatos estilizados Vamos então finalizar, apresentando, muito brevemente, uma explicação teórica alternativa possível para ambos os fatos estilizados, que pode ser en- contrada na moderna abordagem clássica do excedente, a qual é (contraria- mente às explicações neoclássicas) tanto empiricamente plausível quanto teo- ricamente consistente. Essa abordagem é baseada em duas idéias centrais, a saber: (a) os salá- rios reais e a distribuição da renda, em uma economia capitalista, são fortemente influenciados por fatores institucionais e sócio-políticos, e (b) a força da concor- rência depende dá mobilidade do capital. No que tange aos determinantes do produto potencial no longo prazo, teóricos do excedente sempre entenderam que a capacidade produtiva dependia do estágio atingido pelo processo de acumula- ção de capital e a tecnologia. Isto significa dizer que, nessa visão, o crescimento a longo prazo é usualmente restrito pela disponibilidade de capital (em vez de trabalho ou recursos naturais). Nas teorias clássicas do excedente, a capacidade produtiva da economia depende do estoque de capital e das condições técnicas de produção (repre- sentadas pelas razões capital-produto relevantes). A idéia clássica de que a acumulação de capital é a restrição relevante a longo prazo tem sido comumente interpretada pelos neoclássicos como basea- da na suposição combinada de uma oferta ilimitada de trabalho e da hipótese de tecnologia de proporções fixas. A última suposição tem o papel de fazer capital e trabalho se tornarem complementares em vez de substitutos, de tal maneira ""(...) qualquer teoria coerente de reações aos estímulos apropriados em um contexto econô- mico (...) poderia, a princípio, levar a uma teoria da economia". ^Como exemplos, ele menciona a possibilidade de basear uma teoria do comportamento do consumidor no "hábito", e argumenta que essa teoria seria tanto "plausível" quanto "capaz de ser testada" (Arrow, 1987, p, 199), e a teoria keynesiana do multiplicador. a seu favor, e não é fácil conceber algum. Em verdade, o próprio Arrow foi hones- to o suficiente para admitir, em uma outra ocasião, que teorias não baseadas em princípios neoclássicos poderiam facilmente ser concebidas e que "(...) any coherent theory of reactions to the stimuli appropriate in an economia context (...) could in principie lead to a theory of the economy"^^ (Arrow, 1987, p.198- -199)25. " Note-se, porém, que a existência de proporções fixas, isto é, um único método para produzir cada mercadoria, não é suficiente para fazer capital e trabalho complementares no niVel agregado. Se as proporções nas quais capital e trabalho são usados são diferentes para cada mercadoria, uma substituição de fator, enquanto os preços de fator mudam, irá ainda ocorrer, não através da substituição direta na produção, mas pela substituição indireta, na medida em que a demanda dos consumidores se volta para bens que usam mais intensiva- mente os fatores mais baratos. ' Note-se que o bem-conhecido argumento de acordo com o qual a visão clássica sobre a exogeneidade da distribuição é exatamente a rigidez — que, evitando que a substituição aconteça, interfere na operação normal do mecanismo de mercado e é a causa do desem- prego aparentemente "estrutural" — está inteiramente baseado na suposição insustentável de que funções de demanda por fator são, de fato, "bem-comportadas". . . . que é o fator de produção que está disponível em menor oferta (e seu próprio coeficiente técnico) que determina a plena capacidade. A primeira hipótese (oferta ilimitada de trabalho) garantiria que é o capital, e não o trabalho, o fator limitante. De acordo com essa interpretação, a visão clássica seria relevante apenas no caso especial de economias subdesenvolvidas e superpopulosas que sofres- sem de drástica rigidez tecnológica.^® Essa difundida interpretação (neoclássica) das teorias clássicas do exce- dente é totalmente incorreta. A teoria clássica é perfeitamente compatível c o m a existência de técnicas alternativas (mesmo uma infinidade delas) e não tem de negar a influência possível de preços relativos sobre a d e m a n d a por mercado- rias. A razão por que capital e trabalho são complementares se encontra na hipótese, básica para a abordagem do excedente, de que a distribuição é deter- minada exogenamente c o m o já mencionamos antes. Portanto, nesta abordagem, a técnica escolhida não é necessariamente a única disponível para produzir o nível de plena capacidade, mas, e m verdade, aquela minimizadora de custo/maximizadora de lucro em relação a uma dada variável distributiva exógena (aos dados "preços de fatores"). O princípio da subs- tituição, certamente, não está e m operação. Mas isto não acontece, necessa- riamente, porque não há métodos alternativos de produção disponíveis, mas porque os "preços de fatores" não mudam. Nem é a visão clássica do excedente baseada na suposição de que a força de trabalho é indefinidamente grande. A idéia é a de que há (como nós veremos aqui e m mais detalhe) u m número de mecanismos sociais e econômicos e m operação em economias capitalistas que permitem ao sistema elevar a disponi- bilidade de trabalho e m compasso com os requerimentos do processo de acu- mulação. Com essas incompreensões comuns fora do caminho, podemos agora olhar como a visão clássica do excedente explicaria nossos dois fatos estilizados. 'Como Garegnani (1990a, p. 116) apontou, tal "(.,.) coincidência aproximada a longo prazo entre emprego de trabalho e trabalho buscando emprego (...) é apenas para ser esperada, na extensão em que trabalhadores não podem viver de ar. Essa coincidência aproximada pode, em verdade, resultar de trabalho procurando emprego ajustando-se a oportunidades de emprego, ao invés do contrário" (Garegnani, 1990a, p.116), através de imigração, mu- danças nas taxas de participação e "desemprego disfarçado" no setor informal. Vamos começar c o m o primeiro desses, aquele relacionado aos ajustes entre a força de trabalho e a demanda por emprego assalariado. A explicação da abordagem clássica do excedente para esse fato é que, no limite estreito e m que as oportunidades de emprego e o tamanho da força de trabalho em uma economia são em algum sentido compatibilizados, o processo é caracterizado pelo tamanho da força de trabalho, adaptando-se às oportunida- des de emprego (ao invés de vice-versa, c o m o na teoria neoclássica). G ponto central é simplesmente que, dado que em economias capitalistas muitas pessoas (a maioria) simplesmente têm de trabalhar para sobreviver, sempre que o desemprego alcança níveis muito altos por períodos considerá- veis de tempo, um número de processos é posto e m ação, o que, automatica- mente, tende a reduzir a discrepância original entre oferta e demanda por traba- lho. Muitos desses que ficam para trás são, mais cedo ou mais tarde, forçados a se juntar ao contingente de "autônomos" no setor informal da economia. Es- ses processos (e alguns outros similares) tendem a diminuir as taxas registradas de desemprego aberto sem gerar quaisquer novos empregos no setor capitalista formal.^^ Por outro lado, situações persistentes de escassez de trabalho têm sido normalmente evitadas, uma vez que o tamanho efetivo da força de trabalho pode facilmente ser (e historicamente tem sido) aumentado, elevando-se o número médio de horas trabalhadas (elevando-se a demanda por horas-extras), as ta- xas de participação de certos grupos demográficos (por exemplo, mulheres ca- sadas, pessoas jovens), as migrações regional e internacional de trabalho, e trazendo trabalho do setor informal. Estas são as fontes que, junto c o m o pro- gresso técnico, continuamente reabastecem a reserva de pessoas potencial- mente empregáveis em economias capitalistas. Isto significa que, no longo prazo, a taxa de desemprego certamente será positiva e possivelmente até relativamente alta, mas que, ao mesmo tempo. I FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA - FEE I Núcleo de Documentação/Biblioteca Ensaios FEE, Porto Alegre, v.22, n. 1, p.7-34,2001 ajustamentos endógenos no tamanho da força de trabalho não vão permitir que o desemprego aberto cresça a l é m de certos limites.^^ A explicação da abordagem clássica d o excedente para o nosso segundo fato estilizado, aquele que se refere à congruência de longo prazo entre os tamanhos relativos do estoque de capital e a demanda pelos produtos produzi- dos c o m ele, está baseada na extensão para o longo prazo do princípio d a d e m a n d a efetiva de Keynes e Kalecki.3° Nessa visão, o segundo fato estilizado é explicado c o m o o resultado da operação d e uma tendência da capacidade produtiva a ajustar-se à tendência secular da demanda efetiva.^^ Isto significa que e s s a teoria leva e m conta não a p e n a s os efeitos multiplicadores usualmente contemplados t a m b é m nas teorias d e curto prazo de utilização de capacidade, m a s ainda os efeitos aceleradores pelos quais o crescimento sustentado da d e m a n d a efetiva vai induzindo a criação de capaci- dade produtiva da economia.^^ A amplitude desses limites dependerá do tamanho do setor informal, das características sociológicas da força de trabalho, do aparato institucional acerca do seguro-desemprego, dos sindicatos e da mobilidade internacional de trabalho. Note-se que, fora os ajustes "automáticos" derivados das decisões e das estratégias de sobrevivência dos indivíduos discutidos no texto, existe, também, a pressão social e política para que os governos busquem políticas expansionistas em época de grande desemprego (por exemplo, frentes de trabalho no nordeste brasileiro, ou políticas keynesianas de pleno emprego na Inglaterra do pós-guerra) e pressões para que os governos incentivem, por exemplo, a imigração em períodos de relativa escassez de mão-de-obra. ^° É verdade que alguns dos antigos economistas clássicos, como Ricardo, acreditaram um tanto arbitrariamente na Lei de Say. Entretanto, como Garegnani (1978-1979) mostrou, a Lei de Say não é uma característica necessária da teoria do valor e da distribuição clássica do excedente e pode e deve ser substituída por uma teoria de longo prazo do produto, baseada no principio da demanda efetiva. ^' "Agora, o tamanho da dotação de capital parece, quando nada, até mais suscetível de adaptação ao seu emprego do que é o tamanho da força de trabalho (...) é o nível da demanda agregada e do produto que determina o nível de estoque de capital." (Garegnani, 1990a, p.116-117). =•2 Para a versão do autor sobre esta visão, onde a tendência da demanda efetiva vai depender da evolução dos gastos autônomos e das mudanças de longo prazo nos determinantes do multiplicador (por exemplo a distribuição de tenda) e do acelerador (o viés prevalecente na mudança técnica), ver Serrano (1995; 1996). Bibliografia A R R O W , K. (1983a). General economic equilibrium: purpose, analytictechniques, coilective choices. In: C o l l e c t e d p a p e r s : g e n e r a l e q u i l i b r i u m . Reimpres- são. Basil Blackwell, 1972. v.2. A R R O W , K. (1983b). Gost theoretical and demand theoretical approaches to the theory of price determination. In: C o l l e c t e d p a p e r s : g e n e r a l e q u i l i b r i u m . Reimpressão. Basil Blackwell, 1972. v.2. A R R O W , K. (1989). An interview. In: FEIWEL, G., ed. J o a n R o b i n s o n a n d m o d e r n e c o n o m i c theory. London : Macmilian. A R R O W , Kenneth (1987). Economic theory and the hypothesis of rationality. In: EATWELL, J., MILGATE, M., N E W M A N , R, eds. T h e n e w P a l g r a v e D i c t i o n a r y of E c o n o m i c s . London : Macmilian. B L A N C H A R D , O., FISCHER, S. (1989). L e c t u r e s o n M a c r o e c o n o m i c s . Cambridge, M a s s . : The M.l.T. G A R E G N A N I , P. (1978-1979). Notes on consumption, invéstment and effective d e m a n d . C a m b r i d g e J o u r n a l o f E c o n o m i c s . 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S C H E F O L D , B. (2000). The paradoxos of capital in intertemporal genereal equilibrium. In: KURZ, H., ed. E s s a y s o n the L e g a c y of Piero Sraffa. Cambridge: Cambridge University. S E R R A N O , F. (1995). L o n g p e r i o d effective d e m a n d a n d t h e sraffian supermultiplier. C o n t r i b u t i o n s t o Political E c o n o m y . Abstract This paper presents a Sraffian criticism of Kenneth Arrow's defence of the etnpirical relevance of neoclássica! general equilibrium theory. The neoclassical explanation would only make empirical sense if market clearing really happens in the markets for factors of production. This in turn depends on two things: (a) nominal and real "flexibility" of factor prices; and (b) on the (direct and indirect) substitution effects being the dominant effect of factor price changes. However: 1. nominal factor price flexibility is both empirically implausible and anyway tends to be destabilizing (and cause a lack of real flexibility) 2. Sraffa's capital critique shows that in any case the substitution effect may break down completely in the real-world case of heterogeneous capital. An alternative (and more consistent) Sraffa-based explanation of the facts is aiso briefly sketched. S E R R A N O , F. (1996). T h e s r a f f i a n s u p e r m u l t i p l i e r . Tese (Doutorado nãò publicada). Cambridgè University. S O L O W , R. (1991). T h e l a b o u r m a r k e t a s a s o c i a l i n s t i t u t i o n . Oxford : Oxford University. SRAFFA, P. (1960). P r o d u c t i o n of c o m m o d i t i e s b y m e a n s o f c o m m o d i t i e s . Cambridgè: Cambridgè University. T O B I N , J . (1980). A s s e t a c c u m u l a t i o n a n d e c o n o m i c activity. Chicago : University of Chicago. T O B I N , J. (1993). Price flexibility and output stability, an old keynesian view. J o u r n a l of E c o n o m i c P e r s p e c t i v e s , 7.
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Equilíbrio neociássico de mercado de fatores: um ponto de vista sraffiano Frankiin Serrano* O objetivo deste artigo é discutir criticamente a visão crescentemente popular de que o nível global de atividade econômica nas economias capitalistas é, normalmente, restrito pelo lado da oferta, e não pelo da demanda, e a noção neoclássica de equilíbrio de mercado de fatores na qual essa visão está baseada. O argumento é apresentado e m termos de uma discussão a respeito da explicação teórica de dois fatos estilizados. O primeiro é uma evidente (apesar de lenta e com freqüência irregular) tendência secular na direção de uma igual- dade aproximada entre oportunidades de emprego e o tamanho d a força de trabalho. O segundo fato estilizado é a tendência secular (que parece operar bem mais rápido e mais eficientemente) na direção de certa congruência entre a demanda agregada e o estoque de capital da economia, ou, em outras palavras, uma tendência de aproximação do grau de utilização do equipamento de capital ao seu nível planejado ou normal. Para os autores neoclássicos, esses fatos estilizados são vistos como u m a clara confirmação de sua visão de que, no longo prazo, o produto tende a se ajustar à capacidade produtiva disponível (ou, mais geralmente, às dotações de "fatores de produção"). Como K. Arrow argumentou em sua palestra do Prê- mio Nobel de 1972: 'The balancing of suppiy and demand is far from perfect. (...) the system has been marked by recurring periods In which the suppiy of available labor and ofproductive equipment for the production ofgoods has been in excess of their utilization (...) Nevertheless, when due * Professor Adjunto do Instituto de Economia da UFRJ. O autor agradece (mas evidentemente sem responsabilizar) a Carlos Medeiros, Ricardo Henriques e F Petri, por comentários a versões anteriores deste artigo, a Romulo Tavares Ribeiro, Maria Malta e Luiz Daniel Wilicox de Souza, pela assistência de pesquisa, e ao CNPq pelo apoio financeiro. ' "O equilíbrio de oferta e demanda está longe de ser perfeito (...) o sistema tem sido marcado por períodos recorrentes nos quais a oferta de trabalho disponível e de equipamento produ- tivo para a produção de bens têm estado em excesso sobre Sua utilização (...) No entanto, quando os devidos descontos são feitos, a coerência (...) é notável." 2 Note-se o uso inconsistente de Arrow de um modelo de equilíbrio intertemporal, no qual não se pode permitir que transações sejam feitas em desequilíbrio, para descrever as tendências efetivas de longo prazo de economias nas quais situações de desequilíbrio podem não apenas existir, mas também exibir certo grau de persistência. Para uma crítica de um exemplo recente da inconsistência de Arrow, ver Petri (1994b). Dada a nossa orientação crítica, ao longo deste artigo interpretaremos a teoria neoclássica mais generosamente em termos de sua versão tradicional de longo prazo. Sempre que a adoção da versão de longo prazo pareça não oferecer a mais forte linha de defesa neoclássica (como na seção 7), apontaremos as diferenças relevantes entre as versões de longo prazo e intertemporal, nas notas de rodapé ^"Os EUA ( ) criaram muito mais empregos nos últimos dez ou quinze anos do que a Europa. (,.-) a força de trabalho dos EUA durante estes anos cresceu bem mais do que a européia. E isto não é uma coincidência! Se os europeus tivessem bem mais gente procurando empre- go, haveria mais empregos," allowances are made, the coherence (...) is remarkable"' {Arrow, reimpressão dé 1983, p.200).2 Alguns anos mais tarde, em uma entrevista dada a G. Feiwel, Arrow deu um exemplo mais concreto do que ele tinha e m m e n t e ; 'The US (...) created many more jobs in the last ten or fifteen years than Europe has. (...) the US labor force has during these years grown a lot more than the European has. And that is not a coincidence! If the Europeans had a lot more people looking for jobs, there wòuld be more/oòs"3 (Arrow, 1989, p.175-176;. Vamos argumentar, seguindo a abordagem Sraffiana (Garegnani, 1990a), que, ao contrário do que comumente se acredita, aceitar esses dois fatos estilizados de forma alguma significa que tenhamos que aceitar a teoria neoclássica específica proposta para explicar aqueles fatos, ou a direção de causalidade proposta, que implica que as dotações de fatores são as variáveis independentes. A explicação neoclássica desses dois fatos requer que os processos de equilíbrio de mercado operem nos mercados dós assim chamados fatores de produção. Equilíbrio de mercado de fatores, entretanto, só será possível se fo- rem satisfeitos dois conjuntos d e condições c o m respeito a: (i) flexibilidade dos preços dos fatores; e (ii) funções de (excesso) demanda "bem-comportadas" por fatores de produção, em geral, e por "capital" em particular. Ambas as condi- ções acima, contudo, estão expostas a um número de sérias objeções empíricas e teóricas, e, portanto, a explicação neoclássica desses dois fatos estilizados mostra-se completamente inadequada. 1 - Equilíbrio de mercado nos mercados de fatores Como se sabe, uma das proposições centrais da abordagem neoclássica (ou marginalista) é que, em economias livremente (ou "perfeitamente") competi- tivas, há uma tendência de longo prazo de todos os mercados, e, em jaarticular, dos mercados dos assim chamados fatores de produção, se equiilibrarem. Essa noção de equilíbrio de mercado nos mercados de fatores tem duas dimensões. A primeira é puramente descritiva. Equilíbrio de mercado significa que oferta e de- manda se igualam." A segunda dimensão, que infelizmente raramente recebe a atenção que merece, é de natureza teórica e está relacionada ao rnecanismo causai que supomos gerar aquele equilíbrio. Isto porque, na abordagem neoclássica, equilíbrio de mercado significa, também, que a oferta de e a demanda por fatores 'Para ser mais preciso, equilíbrio de mercado não descarta situações nas quais prevaleça excesso de oferta crônico,. Nesse caso, porém, o bem ou o serviço de fator que está em excesso de oferta não é escasso, e seu preço cairá a zero. Dai, por exemplo, uma situação de permanente desemprego involuntário de trabalho deveria implicar salários nulos. O restante do artigo está dividido em 8 seções. Na seção 1, discutimos a noção neoclássica de equilíbrio de mercado nos mercados de fatores de produ- ção. Na seção 2, aplicamos aquela noção ao mercado de trabalho e mostramos como a teoria neoclássica explica o nosso primeiro fato estilizado. Na seção 3, destacamos a peculiaridade do papel do equilíbrio de mercado no mercado de poupança-investimento, o qual deve, numa economia monetária, assegurar tam- bém o ajustamento da demanda agregada à oferta agregada e, daí, prover a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado. Na seção 4, dis- cutimos a relevância da hipótese neoclássica de flexibilidade dos salários reais e nominais. Na seção 5, fazemos o mesmo para a noção de flexibilidade real e nominal da taxa de juros. Na seção 6, lidamos brevemente (seguindo Garegnani (1990b)) com as inconsistências teóricas do conceito de uma função de deman- da por fatores "bem-comportadas" numa economia com capital heterogêneo. Na seção 7, discutimos a curiosa tentativa neoclássica de dar uma resposta empírica a uma crítica teórica. Na seção 8, concluímos o artigo, examinando a base de uma explicação alternativa de nossos dois fatos estilizados, encontrada n a abor- dagem clássica do excedente, revivida e modernizada por Sraffa (1960), de for- ma a incorporar t a m b é m as contribuições positivas de Keynes e Kalecki sobre a demanda efetiva. ' E a respeito da oferta de fatores (em contraste com sua dotação)? A "oferta" de fatores de produção é meltior tratada como a demanda privada por eles vinda de seus próprios deten- tores. Ao longo deste artigo, a menos que seja estabelecido de outra forma, nós assumire- mos que a oferta de fatores é totalmente inelástica (alternativamente, o leitor pode pensar que estamos falando de funções de excesso de demanda pelos fatores de produção). se equilibram no longo prazo, p o r q u e a demanda por fatores de produção vai se adaptar à dotação de recursos produtivos. A causalidade, claramente, vai dos recursos produtivos (a dotação de fatores de produção), como a variável indepen- dente, à demanda por eles, como a variável de ajuste ou dependente.^ A presença dessa segunda dimensão tem implicações importantes. Por exemplo, ela nos permite ver que a mera observação de que oferta e demanda venham a estar e m algum sentido equilibradas não é suficiente (ao contrário do que freqüentemente se afirma) para caracterizar a situação como sendo de equilíbrio de mercado, no sentido neoclássico preciso do termo. Evidência adicional deve serfornecida para mostrar que o mecanismo pelo qual esse equilíbrio foi gerado é tal que se possa dizer que foi a dada dotação de fatores que gerou ou induziu a demanda necessá- ria. Ao longo desse trabalho, a noção de equilíbrio de mercado será interpretada como englobando: (a) o sentido puramente descritivo de "demanda igual à oferta (ou dotação)"; e (b) a dimensão especificamente neoclássica (e daí teórica) que significa "a dotação (ou oferta) exógena determina a demanda (endógena)". No aparato neoclássico, o mecanismo básico que é visto como operando e m economias competitivas e que supõe-se gerar equilíbrio de mercado nos mercados de fatores é o assim chamado princípio da substituição (tanto na produção quanto no consumo). A idéia básica é a de que, sob condições com- petitivas, qualquer aumento exógeno na dotação disponível de qualquer fator de produção vai levar, no longo prazo, a um aumento na demanda por esse fator. Isto vai ocorrer porque a maior disponibilidade daquele fator em relação à de- manda inicial por ele vai reduzir seu preço e m relação aos preços dos demais fatores de produção. A queda resultante no preço relativo daquele fator terá en- tão o duplo efeito de: - baratear os métodos de produção que usam aquele fator mais intensiva- mente (levando à substituição na produção); e - baratear o preço final de bens e serviços em cuja produção aquele fator é usado em alta proporção (levando à substituição no consumo). A conseqüência desses efeitos substituição por uma ou por ambas as rotas antes mencionadas é aumentar a d e m a n d a pelo fator de produção cuja dotação tenha aumentado, uma vez que mudanças apropriadas nos preços rela- tivos de fator e produto vão tornar lucrativo usar esse fator mais intensivamente 2 - Equilíbrio de mercado no mercado de trabalho e o primeiro fato estilizado Uma ilustração da operação da tendência ao equilíbrio de mercado de fato- res pode ser encontrada na análise neoclássica do mercado de trabalho de um tipo particular de trabalho, numa economia de escambo que não usa moeda. Nós temos, por um lado, a dotação daquele tipo de trabalho, a qual, por simpli- ficação, suporemos c o m o sendo inelasticamente ofertada. Isto nos d á a curva de oferta (dotação) daquele tipo de trabalho. Do outro lado, para quaisquer dadas quantidades utilizadas de todos os outros fatores de produção (incluindo outros tipos de trabalho), podemos derivar uma cun/a de demanda por trabalho daquele tipo. O papel do princípio da subs- tituição aparece, aqui, no fato de que a curva de demanda por trabalho daquele = Note-se que estamos nos referindo a funções (excesso) de demanda por fatores de equili- brio geral. Sobre a natureza dessas funções, ver Garegnani (2000). na produção tanto pela via da substituição direta (na produção) quanto pela via da substituição i n d i r e t a de fatores, pois a substituição no consumo, levando a um aumento na demanda por bens mais intensivos no fator que ficou mais bara- to, gera um aumento na demanda derivada por esse fator. Contudo, para que o mecanismo acima opere no sentido postulado pelos neoclássicos, dois conjuntos de condições têm de ser atendidos: i) os preços relativos de todos os bens e fatores (tanto reais quanto nomi- nais) devem ser "flexíveis", no sentido particular de que tenderão a cair sempre que fiouver uma situação de excesso de oferta e a aumentar sempre que fiouver excesso de demanda (isto é, mudanças de preços seguem a "lei de oferta e demanda"); e ii) o efeito substituição de fatores tanto pela via direta quanto pela indireta tem de ser a conseqüência dominante dessas mudanças de preços de fatores (e de mercadorias). Em outras palavras, as funções de demanda por fatores têm de ser "bem-comportadas" (negativamente inclinadas).® Portanto, apenas se todos os preços, e especialmente os preços de fator, são, nesse sentido, flexíveis e as funções de demanda por fator são "bem-com- portadas", podemos esperar uma tendência de longo prazo de os mercados de fatores se equilibrarem. Se u m a ou ambas as condições (i) e (ii) não forem satisfeitas, não se obterá equilíbrio de mercado. tipo particular é negativamente inclinada. E a hipótese de flexibilidade de preço aparece, aqui, como os salários reais desse tipo de trabalhadores caindo inde- finidamente, enquanto a demanda por trabalho for menor do que a oferta dispo- nível, e subindo continuamente, enquanto a demanda por trabalho for maior do que aquela m e s m a oferta (ou dotação). Nesse caso, é plausível que a economia estará continuamente gravitando em torno e na direção da posição na qual o mercado de trabalho se equilibra. De fato, se houver, por exemplo, uma elevação exógena no número de trabalhado- res daquele tipo (ofertado inelasticamente), nós sabemos, por causa da hipóte- se de flexibilidade de preços de fatores, que os salários reais daqueles trabalha- dores estarão caindo. Do princípio da substituição t a m b é m sabemos que essa queda no seu salário real irá elevar a demanda por trabalho daquele tipo especí- fico, tanto por fazer as firmas passarem a métodos de produção que usam mais intensivamente aquele tipo de trabalho (substituição indireta), quanto porque os bens de consumo que usam coeficientes mais altos daquele tipo de trabalho serão crescentemente demandados pelos consumidores (substituição indireta). Note-se que o m e s m o processo se aplica simultaneamente ao mercado de trabalho de todo outro tipo particular de trabalhadores. Daí haver uma tendên- cia contínua, sob essas hipóteses, em direção ao equilíbrio de mercado para toda a força de trabalho. Essa é, de fato, a base para a explicação neoclássica de nosso primeiro fato estilizado. É o número de oportunidades de emprego que se ajusta à oferta disponível de trabalho, através d a operação desse mecanismo de equilíbrio de mercado nos mercados de trabalho. Sob aquelas hipóteses, a mesma tendência na direção do equilíbrio de mercado estará ocorrendo em todo e em cada mercado de fatores primários ou não reprodutíveis, tais como a terra. Note-se que o fato de que nós podemos derivar uma dennanda negativa- mente inclinada por cada fator não reprodutível, dadas as quantidades efetivamente utilizadas de todos os outros fatores, significa que se, por alguma razão, o mercado de um fator particular não se equilibra, digamos por causa de uma rigidez no preço daquele fator, isso, de forma alguma, põe e m risco o equilíbrio de mercado dos outros mercados onde preços de fatores tenham permanecido completamente flexíveis. O que aconteceria é que, dado o fato de estar sendo usado menos de um fator particular do que se poderia, isto será equivalente a um deslocamento para a esquerda das curvas de demanda por todos os outros fatores, o que vai, provavelmente, implicar que seus preços de equilíbrio termina- rão menores do que teriam sido de outra forma. Por isso, rigidez de preço em um mercado irá normalmente significar falta de equilíbrio de mercado apenas naquele mercado. ' Supomos, aqui, que os organizadores da produção são os proprietários do capital existente. " Observa-se que estamos assumindo, por simplificação, que a força de trabalho permanece constante e que não há progresso técnico. Crescimento dé oferta de trabalho ou de produ- tividade deslocaria a demanda por investimento para a direita: Para a relação entre a deman- da por capital como um estoque e como um fluxo, ver Garegnani (1978-1979) e Petri (1997). 3 - Equilíbrio de mercado no mercado de poupança e investimento e o segundo fato estilizado No sentido de examinar a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado, temos de começar por assumir provisoriamente que a economia e m consideração produz um único b e m de capital circulante, o qual p o d e ser usado tanto para consumo quanto para investimento, isto é, vamos assumir o caso no qual o capital é homogêneo em relação ao produto. Essa hipótese será removida na seção 6. Vamos, t a m b é m , admitir que a economia em consideração é u m a econo- mia monetária. Nesse caso, quando olhamos para o mercado de capitai, nota- mos uma peculiaridade no mesmo, a qual não aparece no mercado dos outros fatores (não reprodutíveis). Essa peculiaridade é que equilíbrio de mercado, nes- se mercado particular, resolve t a m b é m u m problema macroeconômico. Vamos, então, olhar para o mercado de capital "na margem" não como um mercado do estoque existente de capital, mas como o mercado de capital "novo" como fluxo de investimento e poupança brutos.^ Nesse contexto, a ocorrência de poupança líquida significaria um aumento na oferta de estoque de capital, enquanto investimento líquido (igual, nessa economia de capital circulante, a um aumento no investimento bruto) represen- taria o aumento na demanda por aquele estoque. N u m esquema neoclássico, a d e m a n d a por investimento bruto t e m de ser derivada da demanda pelo estoque de capital. Entretanto, nossa hipótese simplificadora da economia, usando apenas capital circulante, significa que a curva de demanda por investimento bruto (capital como um fluxo) é idêntica à d e m a n d a por capital c o m o um estoque dado que todo o estoque de capital é usado por inteiro e m cada período.'' Aqui v e m o s que a inclinação d a d e m a n d a por investimento bruto, correspondendo a um dado montante dos outros fatores empregados, será ne- cessariamente negativa inclinada, visto que a demanda por qualquer fator é u m a função negativa de seu preço. Isto, mais a flexibilidade do preço de fator relevan- te, nesse caso a taxa de juros, prove a base para a idéia de que qualquer montan- te de poupança ofertado (seja líquido ou bruto) sempre será absorvido por níveis aumentados de investimento (líquido ou bruto), através do equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança. Note-se que, além d e determinar a taxa d e juros d e equilíbrio, o equilíbrio de mercado no mercado de capital (de investimento e poupança) deveria resol- ver o problema que preocupava Keynes (1936). Keynes, em sua Teoria Geral, apontou que, mesmo se o salário real não é "alto demais" (no sentido de estar acima do produto marginal da dotação de trabalho), e m uma economia monetá- ria apenas seria realmente lucrativo empregar tal montante de trabalho se a produção desses trabalhadores pudesse ser vendida, isto é, se houvesse u m a "demanda efetiva" para o nível de produto ofertado quando eles são empregados. Se houver equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança, isto não se constitui num problema sério. Qualquer aumento no produto acima do que estiver sendo correntemente gasto em consumo de fato acarreta um aumento na poupança potencial. Porém, se a taxa de juros é inteiramente flexí- vel e a demanda por investimento é elástica e m relação à taxa d e juros, o equi- líbrio de mercado do mercado de capital garante que toda essa poupança extra será absorvida pelo investimento aumentado. Por isso, há essa importante assimetria e m uma economia monetária, na qual, para o mercado de trabalho funcionar apropriadamente, o mercado de ca- pital deve também funcionar apropriadamente, já que o equilíbrio de investimen- to e poupança é, t a m b é m , o equilíbrio entre a oferta agregada e a d e m a n d a agregada da economia. Essa assimetria é relevante apenas para uma economia monetária, por- que, apenas numa economia que usa moeda, os atos de vender e de comprar p o d e m ser logicamente separados como duas transações distintas, daí uma discrepância geral entre d e m a n d a agregada e oferta agregada, e, por isso, a possibilidade de problemas de demanda efetiva pode aparecer. E m uma econo- mia de escambo, uma decisão de ofertar um certo montante de produtos neces- sariamente implica também uma decisão de aceitar como pagamento e, portan- to, de demandar uma quantidade de produtos do mesmo valor. Assim, logicamente, não é possível ao valor total da oferta agregada ser diferente do valor d a deman- da agregada, não importa quão diferentes a oferta e a demanda por bens particu- lares possam ser uma da outra. Nós podemos ver, claramente, que essa característica peculiar do merca- d o d e investimento e poupança, n u m a economia monetária, cria tal assimetria quando recordamos que, se, por exemplo, o salário real fosse rígido, isso não causaria qualquer problema para o equilíbrio de mercado no mercado de capital 4 - Sobre a flexibilidade de salários reais e nominais Para validar a interpretação neoclássica dos nossos dois fatos estilizados, é necessário demonstrar que as condições que permitiriam ocorrer o resultado de equilíbrio de mercado estão presentes na realidade. Isto significa que, para o caso de o equilíbrio de mercado se sustentar, os preços de fatores têm de ser "flexíveis", tanto em termos nominais quanto reais, e todas as funções de de- ' Em teorias neoclássicas, o produto de plena capacidade, tal como determinado pelo estoque de capital disponível, só é distinto do produto de pleno emprego se o salário real é rígido. Do contrário, virtualmente, qualquer montante de trabaltio poderia ser empregado com um dado montante de "capital" pela operação do principio da substituição. (como vimos na seção anterior). Apesar d e o nível de equilíbrio de emprego e produto vir a ser menor do que no caso de pleno emprego, a produção de todos os trabalhadores empregados poderá ser vendida, se o mercado d e capital se equilibrar. Esta seria u m a situação na qual o produto potencial seria menor do que aquele correspondente ao pleno emprego.^ Por outro lado, fosse a taxa de juros rígida por algum motivo (como Keynes pensava que era — veremos mais sobre esse assunto a seguir), o investimento não poderia ajustar-se à poupança de pleno emprego e, dessa forma, não pode- ria haver qualquer equilíbrio de mercado no mercado de trabalho, m e s m o c o m salários reais flexíveis (e "desemprego involuntário" ocorreria). No caso de salários reais rígidos, a taxa de juros rígida e a resultante falta de demanda efetiva gerariam desemprego "keynesiano", em adição ao desem- prego "estrutural" causado pelo salário real alto. Portanto, o equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança é, de fato, o que prove o equivalente neoclássico da Lei de Say, usada de forma bastante arbitrária por Ricardo e por alguns outros economistas clássicos. Esse argumento neoclássico ao menos prove u m mecanismo particular, que, se fun- cionar, garantirá a determinação do investimento pela poupança potencial (seja de pleno emprego, seja de plena capacidade). Esta é, então, a explicação neoclássica do nosso segundo fato estilizado. Há u m a tendência à plena utilização da capacidade, isto é, todo produto poten- cial pode ser vendido porque há equilíbrio de mercado no mercado de investi- mento e poupança (mercado de capital "novo"). manda por fator têm de ser "bem-comportadas" (em termos da nossa discussão na seção 1, para apresentar equilíbrio de mercado no sentido de (b), temos de prover evidência para as hiipóteses (i) sobre preços flexíveis e (ii) sobre "bom comportamento"). O problema é que há fortes razões empíricas e teóricas para rejeitar ambas as hipóteses. Vamos olhar brevemente algumas dessas razões, c o m e ç a n d o c o m aquelas relacionadas a hipóteses de 'flexibilidade" de preço de fator. O principal problema c o m a hipótese de flexibilidade generalizada de pre- ço de fator no longo prazo é que ela parece ser inteiramente desprovida de conteúdo empírico, especialmente no que diz respeito a preços (salários e juros), tanto reais quanto nominais, dos dois principais fatores de produção (trabalho e capital). N o caso de flexibilidade a longo prazo de salários reais, u m a das pouquíssimas coisas c o m que economistas do trabalho de convicções muito diferentes parecem concordar é que, e m geral, m e s m o na ausência d e fortes sindicatos o u de regulação salarial específica, salários não tendem a cair in- definidamente em situações de desemprego involuntário, nem tendem a crescer sem limite quando o mercado de trabalho está relativamente aquecido. Parece claro que a determinação de salários é sempre fortemente influen- ciada por forças institucionais, políticas e culturais. Esta parece ser uma caracte- rística fundamental da operação de mercados de trabalho. Aquelas influências sócio-políticas se fazem presentes em todos os aspectos do processo de deter- minação de salário, tanto se estamos considerando salários em termos nomi- nais quanto reais, lidando com níveis absolutos de salário ou diferenciais relati- vos de salário, e tanto no que diz respeito a tendências de longo prazo quanto a flutuações de curto prazo. Salários, portanto, não seguem na prática a "lei de oferta e demanda" (isto é, o mercado de trabalho não é um mercado de leilão) e, daí, não são flexíveis no sentido específico em que esse termo é entendido na teoria neoclássica. Note- -se, entretanto, que isto não significa q u e o s salários são rigidamente"fixos" ou constantes ao longo do tempo e nem que os salários são completamente inde- pendentes das condições do mercado de trabalho. Uma coisa é reconhecer o impacto das condições do mercado de trabalho (tal como uma larga reserva de trabalhadores desempregados) como um dos vários fatores que afetam no longo prazo o poder de barganha dos assalariados e, daí, o nível de salários. Algo completamente diferente é representar a influência de longo prazo das condi- ções do mercado de trabalho sobre salários como um processo no qual o único nível de salário sustentável é aquele que satisfaz a condição de equilíbrio de "Sobre essa natureza dos salários, ver Garegnani (1990b) e mesmo Solow (1991). ' Por isso, os teóricos neoclássicos têm sido forçados pelos fatos a assumirem uma entre duas posições insatisfatórias. A primeira é sugerir, tal como os assim chamados Novos Keynesianos fazem, que salários reais são, de fato, flexíveis, mas apenas num muito vago longo prazo (definido, quase tautologicamente, como o tempo que leva para o desemprego curar a si mesmo — ver Layard, Nickel e Jackman (1991)). A segunda posição, assumida pelos assim chamados Novos Clássicos, alega que, em verdade, salários reais são muito flexíveis, tão flexíveis que se movem instantaneamente para equilibrar o mercado de trabalho, o qual nunca está, na realidade, em desequilíbrio. Por isso, os salários reais de mercado observados são (distijrbios aleatórios à parte), em verdade, salários de equilíbrio de mercado, e o desemprego realmente nunca acontece. Note-se que, em ambos os casos, a flexibilidade dos salários reais não pode ser observada, uma vez que ela ou opera tão devagar que é dificilmente perceptível (versão Novo-Keynesiana — ver Mankiw e Romer (1991)) ou é tão rápida que não pode ser vista (visão Novo-Clássica), Parece mesmo não ocorrer a eles que essa flexibilidade não pode ser vista, talvez simplesmente, porque ela não existe. mercado e que implica, por exemplo, que os salários ficarão caindo enquanto houver qualquer grau de desemprego involuntário, não importa quão pequenoJ° É claro, somente a última caracterização significa verdadeira flexibilidade salarial no sentido neoclássico. E é esse tipo de flexibilidade que não é fácil de achar nos mercados de trabalho de economias capitalistas. Porém, com freqüência, no mesmo livro ou artigo (por exemplo, em Blanchard e Fischer, (1989; cap.1) e também em Layard, Nickel e Jackman (1991, cap. 1), onde essa falta de flexibilidade do salário real está documentada, é feita referência ao nosso primeiro fato estilizado (isto é, ao ajustamento aproximado a longo pra- zo entre as oportunidades de emprego e o tamanho da força de trabalho), c o m o dando suporte a u m a visão neoclássica do mercado de trabalho, esquecendo o fato óbvio de que, se salários reais são rígidos, na realidade isso significa que esse fato estilizado simplesmente não pode ser explicado na linha do mecanis- m o neoclássico de equilíbrio de mercado, e daí a explicação ser buscada e m outro lugar" (ver seção 8). Por outro lado, a aceitação de que salários n o m i n a i s também não se- g u e m , na realidade, a "lei de oferta e demanda" t e m implicações para as condi- ções de equilíbrio de mercado no mercado de capital. C o m o nós vimos anteriormente, equilíbrio de mercado no mercado de in- vestimento e poupança, e daí a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado (sobre uma tendência à utilização normal da capacidade), depen- de, por seu turno, da flexibilidade da taxa real de juros. Além disso, como tam- b é m vimos, através da assimetria ligando os mercados de investimento e pou- pança e de trabalho numa economia monetária, a flexibilidade da taxa de juros é igualmente um requerimento para o equilíbrio de mercado no mercado de trabalho, bem como para a explicação neoclássica do primeiro fato estilizado. 5 - A flexibilidade das taxas nominal e real de juros o problema aqui é que não apenas os salários nominais não são flexíveis na realidade, m a s também que, se fosse para serem flexíveis no sentido neociássico, eles poderiam, na verdade, criar problemas por afetarem adversa- mente a flexibilidade d a taxa real de juros. Mantendo provisoriamente a hipótese irrealista de uma oferta nominal de m o e d a exógena, vamos assumir agora que há algum desemprego e que salá- rios nominais são flexíveis, mas não infinita e instantaneamente flexíveis. A lenta queda no salário nominal vai levar não apenas a uma queda corrente no nível de preços, a um aumento na oferta real de moeda e a uma queda correspondente n a taxa nominal de juros, mas vai, t a m b é m , quase certamente, acarretar um processo de deflação. Essa deflação significará que, a despeito da queda da taxa nominal de juros, a taxa real de juros pode mesmo estar aumentando c o m efeitos adversos sobre o investimento (e devedores e m geral). Por isso, c o m o Keynes (1936, cap.19) notou, flexibilidade do salário nominal, a não s e r q u e seja instantânea, pode, efetivamente, fazer o equilíbrio de mercado no merca- 2 Esta é claramente a visão da assim chamada "síntese neoclássica". Ver Tobin (1980). Aquela flexibilidade, em uma economia monetária, depende de serem tam- b é m suficientemente flexíveis tanto salários nominais e preços, de um lado, quanto a taxa nominal de juros, de outro. Por isso, o equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança pode ser impedido pela falta de flexibilidade dos salários nominais. Porque, sob condições competitivas, os preços de produtos são proporcionais a esses salá- rios nominais, e, para um dado nível exógeno da oferta monetária nominal, de- terminam, junto com a demanda por moeda, uma taxa nominal (e real) de juros que pode facilmente ser "alta demais" para o investimento absorver a poupança de plena capacidade (ou pleno emprego). Essa taxa de juros alta, como vimos, criará uma restrição de d e m a n d a efetiva, que não irá permitir que ocorra pleno emprego no mercado de trabalfio, m e s m o se supondo os salários reais flexíveis. '^Esse argumento tem sido ressuscitado recentemente por autores neoclássicos mais velhos, aparentemente preocupados com os excessos de seus alunos. Ver Hahn (1984), Hahn e Solow (1995) e Tobin (1993). " Note-se que a oferta monetária endógena, por deixar a oferta monetária real inalterada, elimina a possibilidade do efeito encaixes reais, ou efeito Pigou, que, supostamente, faz o consumo aumentar com o aumento no valor real da base monetária, a qual constitui parte da riqueza do setor privado (Kalecki, 1944). Note-se, entretanto, que, mesmo no caso implausivel de a oferta monetária nominal ser mantida exógena, o total do aumento da riqueza privada advindo da deflação ocorreria, necessariamente, às expensas do governo, uma vez que o que está mudando em valor é um ativo do público, mas um passivo do governo. O assim chamado efeito encaixes reais é, por isso, apenas possível, mesmo sob as mais favoráveis condições, na medida em que o governo aceite o que, no fim das contas, é igual a um aumento no déficit público real inteiramente financiado por moeda. Do contrário, impostos podem ser elevados pelo mesmo exato montante em que a base monetária real (e a riqueza privada) tiver aumentado. É irônico que esse efeito pôde estar sendo usado para argumentar a favor das propriedades, últimas auto-reguladoras de mercados livres sem intervenção do governo. "^Note-se que, se os preços, por algum motivo, não caíssem tanto quanto os salários nominais, como Kalecki (1971) apontou, a situação ficaria até pior, com a decorrente redistribuição de renda contra os trabalhadores com uma alta propensão a consumir, que aumentaria a propensão marginal a poupar da economia, diminuindo a demanda agregada. do de investimento e poupança mais difícil e, daí, pode levar a economia para longe do pleno emprego. No entanto, no m u n d o real, a taxa nominal de juros é determinada exogenamente pelas autoridades monetárias e está sujeita a restrições políti- cas, institucionais, internacionais e de convenções (como mostrado por Kalecki e Kaldor; ver Pivetti (1991) e Moore (1988)), enquanto a oferta nominal de moeda é, e m grande parte, endógena. Isso significa que a taxa nominal de juros não é, de forma alguma, flexível no mundo real. Sendo esse o caso, salários nominais flexíveis certamente criariam proble- mas. A exogeneidade da taxa n o m i n a l de juros leva a oferta nominal de moeda a se tornar endógena,^* contraindo-se junto c o m a folha de salários nominais e c o m o nível de preços da economia e evitando qualquer mudança significativa na oferta real de moeda.^^ Porém a queda nos salários nominais, no caso de desemprego, seguramen- te aumentaria a taxa real de juros, uma vez que a deflação de salários e preços ocorreria tendo como pano de fundo uma taxa nominal de juros fixa, causando uma queda no investimento e movendo a economia certamente para longe do equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança (Moore, 1997). Nesse caso, a combinação de taxa de juros nominais exógena com flexibilidade de salários nominais e de preços criaria um processo cumulativo de deflação (ou inflação)^^, pois faria a taxa real de juros mover-se na direção errada. Por isso, flexibilidade da taxa real de juros, no sentido neociássico, não apenas não é observada na realidade, como também, de qualquer forma, reque- reria a combinação, empiricamente implausível, de flexibilidade instantânea de salário nominal c o m a exogeneidade da oferta monetária nominal. isso significa que equilíbrio de mercado no mercado de investimento e poupança não ocorre, e daí a explicação neoclássica do nosso segundo fato estilizado é falha. Além disso, c o m o mencionado anteriormente, os efeitos-re- percussão da falta de equilíbrio de mercado no mercado de investimento e pou- pança sobre o mercado de trabalho impediriam o equilíbrio de mercado no mer- cado de trabalho, mesmo se os salários reais pudessem ser considerados flexí- veis (o que, aliás, eles não são na prática). 6 - Capital heterogêneo e funções de demanda por fatores "bem-comportadas" Sérias dificuldades adicionais aparecem quando nós passamos a exami- nar a segunda hipótese sobre a qual os resultados de equilíbrio de mercado neociássico são baseados: a hipótese de que as funções de demanda por fator são "bem-comportadas" (condição ii, na seção 1). Nós devemos começar nossa discussão relembrando que o conceito de uma curva de demanda por um fator de produção, certamente, não se origina de generalizações indutivas de regularidades empíricas observadas. C o m o é bem sabido, funções de d e m a n d a por fatores são conceitos derivados da teoria neoclássica. Isto significa supor-se que essas funções são logicamente dedutíveis das hipóteses mais "primitivas" sobre preferências, dotações e tecnologia. Uma função de demanda por um fator de produção é dita "bem-comporta- da" quando acaba tendo a propriedade de que sua demanda geralmente cresce (em relação à demanda pelos outros fatores) c o m uma queda e m seu preço relativo. Teóricos neoclássicos sempre se apoiaram nessa noção de funções de demanda por fator "bem-comportadas", ou negativamente inclinadas para garan- tir a unicidade e a estabilidade (global) de suas posições de equilíbrio. É também essa propriedade de "bom comportamento" que, no fim, fornece plausibilidade teórica à hipótese de que preços de fator são flexíveis (de outra forma, não faria sentido esperar que os preços dos fatores seguissem a "lei de oferta e demanda"). Flexibilidade de preço de fatores e as associadas funções de demanda "bem-comportadas" por eles são, por isso, duas noções que se comple- mentam e, juntas, provêem condições suficientes para se obter o resultado neociássico de equilíbrio de mercado generalizado nos mercados de fatores. ' À parte os problemas teóricos do capital discutidos nesta seção, há também os problemas adicionais, que podem advir tanto dos efeitos-renda "perversos" de equilíbrio parcial quanto geral. Estes podem aparecer, no contexto parcial, como a possibilidade de funções de oferta de fator "maicomportadas" tanto de trabalho quanto de poupança (um problema que ex- cluímos por nossa suposição de ofertas de fator inelásticas). No contexto de equilíbrio geral, mudanças nos preços de fator mudam a distribuição de renda. E a composição da demanda, se 08 agentes não são semelhantes, pode se mover de tal maneira que a queda no preço de um fator pode, no fim, reduzir ao invés de aumentar sua demanda (se esse efeito-renda negativo for maior do que o efeito-substituição). Nós abstrairemos esse problema, assumin- do que todos os agentes nessa economia são perfeitamente idênticos. Isto é feito para permitir que nos concentremos no problema mais fundamental da quebra do efeito-substitui- ção, uma vez que teóricos neoclássicos sempre argumentam que suficiente substitutibilidade resolveria tais dificuldades. Ver Kirman (1989) e Petri (1989). Todavia o fato d e que funções de d e m a n d a por fator "bem-comportadas" são de importância crucial para garantir os resultados neoclássicos tradicio- nais não significa que seja fácil deduzir funções c o m essas propriedades de- sejáveis partindo das hipóteses neoclássicas. Exatamente o contrário é que é averdadeJ^ A rigor, para ver isto, nós devemos agora relaxar a hipótese feita no come- ço da seção 3 de que a economia usa um único bem de capital homogêneo e m relação ao produto. Se ao capital é assim permitido ser heterogêneo, digamos, permitindo a existência de muitos tipos de bens de capital, então é inevitável que mudanças na taxa (uniforme) de juros (ou alternativamente no salário real) devam ter u m impacto direto sobre preços relativos. Como é bem sabido desde Sraffa (1960), esses efeitos podem ser bem complexos e irregulares e afetam significativa- mente tanto o valor relativo de conjuntos de bens de capital heterogêneos como a ordenação de rentabilidade de métodos de produção alternativos, podendo ir, virtualmente, em qualquer direção. C o m o conseqüência, fenômenos como a reversão da intensidade de capi- tal (reverso capital deepening) e o retorno das técnicas (reswitching) podem ' Nas versões tradicionais de longo prazo da teoria neoclássica, que tomavam um valor dado do estoque de capital como representando a dotação de capital da economia, a mera dependência, por menor que seja, entre preços relativos e distribuição torna imediatamente inconsistente a oferta de capital (pois esta vai variar drasticamente, por exemplo, com uma mera mudança de numerário) e, por conseqüência, as curvas de demanda de todos os demais fatores de produção, que são calculadas para dada quantidade de capital. As versões intertemporais da teoria neoclássica escapam dessa inconsistência ao tomar a dotação de capital enquanto um vetor de bens de capital específicos: não escapam dos problemas de reversão das técnicas e de reversão da intensidade de capital. Note-se que, ao longo deste texto, estamos sendo particularmente generosos com os neoclássicos e aceitando a sua inconsistência metodológica mencionada na nota 2, a partir da qual a teoria explicaria a realidade usando os resultados das versões antigas de longo prazo, e, ao mesmo tempo, incoerentemente, a defesa teórica da abordagem neoclássica se faz utilizan- do a versão intertemporal que se admite ser inaplicável à realidade. A versão da teoria neoclássica que de fato é usada para explicar a realidade ainda é a versão marginalista intertemporal, que se torna logicamente inconsistente assim que se introduz capital hetero- gêneo. ocorrerJ^ A reversão da intensidade de capital ocorre quando uma taxa de juros menor (e daí uma taxa de salário maior) leva a uma queda, ao invés de a um aumento, na "quantidade decapitai" demandada (em relação ao trabalho). Por outro lado, o retorno das técnicas acontece quando um método de produção que era o mais lucrativo entre os disponíveis a uma taxa de lucro particular é substituído por um outro método à uma (digamos) maior taxa de lucro, mas reemerge como o mais lucrativo a uma taxa de lucro ainda maior. A reversão da intensidade de capital contradiz, se o capital é medido c o m o uma magnitude e m valor, a idéia central por trás do princípio da substituição, que é a relação inversa entre preços relativos de fatores de produção e a demanda por eles (uma vez que não apenas a razão capital/trabalho é reduzida c o m uma menor taxa de lucro, mas também o salário real correspondentemente maior está associado c o m a adoção de técnicas que usam maiores coeficientes de trabalho). O retor- no das técnicas, por outro lado, mostra que não há maneira de ordená-las ine- quivocamente e m termos d e suas intensidades e m capital, e, daí, nenhum índi- ce de intensidade em capital pode ser usado para substituir a medição em valor e contornar as dificuldades, tais como a reversão da intensidade de capital. A possibilidade generalizada da ocorrência desses tipos de fenômenos significa que funções de d e m a n d a por fator "bem-comportadas" não podem ser derivadas das hipóteses neoclássicas usuais. "Para uma análise completa dessas dificuldades, ver Garegnani (1990b). ^° Note-se que, ao invés de usar a versão tradicional de longo prazo da teoria neoclássica, alguém poderia alternativamente considerar a moderna versão intertemporal dessa teoria. Isso complicaria a análise, mas não afetaria nossas conclusões. Se a economia intertemporal é tal que inclui um steady state terminal, reswitching e reverso capital deepening, podem ocorrer ao longo da seqüência de equilíbrios (Schefold, 2000). Em condições mais gerais, com mudança de preços relativos através da trajetória inteira de equilíbrio intertemporal, a condição de lucro zero para todos os bens de capital que são produzidos irá acarretar uma taxa efetiva de juros uniforme (a qual será igual à taxa própria de juros do numerário escolhido) sobre o investimento bruto, mas simplesmente não há razão para supor que o valor do investimento bruto será uma função inversa "bem-comportada" daquela taxa de juros (Garegnani, 1990b; 2000). Para uma crítica de outras versões, tais como a array of opportunities e a "custos de ajuste" de funções investimento elásticas à taxa de juros, ver Petri (1997)). Isto tem sido demonstrado para a versão tradicional de longo prazo da teoria neoclássica. Para a forma diferente, na qual o problema da quebra da substituição pode afetar a seqijên- cia de equilíbrios no mercado de trabalho nas versões intertemporais, ver Schefold (2000) e Garegnani (1990b). A base para a relação inversa entre a taxa de juros e o investimento, o princípio da substituição, não pode ser deduzido, logicamente, das dotações, técnicas e preferências no caso de capital hieterogêneoJ^ Uma vez que uma função de demanda por investimento "bem-comportada" não pode ser derivada, ao contrário do que usualmente se pensa, não há sim- plesmente qualquer base lógica para a idéia neoclássica de equilíbrio de merca- d o no mercado de capital, m e s m o se as taxas de juros forem inteiramente flexíveis.20 Portanto, em uma economia monetária, não há t a m b é m qualquer base para a idéia de que o investimento tenderá a absorver a poupança de plena capacidade. Por isso, a explicação neoclássica para o nosso segundo fato estilizado é desprovida de suas fundamentações. Por outro lado, essas dificuldades c o m o capital t ê m duas implicações negativas no que diz respeito à função de demanda por trabalho (e outros fatores não reprodutíveis). A primeira é que a demanda por investimento, positiva ou de formato irregular, refletindo, como ela o faz, como a razão capital/trabalho da economia se move, enquanto a distribuição se altera, implica que a função de d e m a n d a por trabalho t a m b é m não será "bem-comportada", já que, por exem- plo, o fato de que mais capital é usado quando a taxa de juros cresce pode significar que técnicas menos intensivas em trabalho estão sendo escolhidas, enquanto o salário real cai.^^ 7 - A teoria neoclássica e os fatos estilizados Pode ser útil, neste ponto, citar uma vez mais a explicação de Arrow para sua crença na explicação neoclássica de nossos dois fatos estilizados. Na m e s m a palestra mencionada na introdução, Arrow relembra u m debate c o m Joan Robinson nos seguintes termos: "She wouldsay'well,whenyou are out of equilibrium , you say the real wage ought to be out, but ifyou do that you cut demandandmake matters worse' ".^^ Arrow relembra que Robinson diria que, em seguida à queda do salário real, as firmas não contratariam mais trabalhado- res "porque elas não podem vender os bens". Sua resposta foi: 'The thing is, however, if they did hire the workers they would sell the goods ("grifos do au- torr3(Arrow, Í 9 8 9 , p . 182). É evidente que, na passagem acima, Arrow está supondo que: (a) c o m um salário real menor será lucrativo empregar técnicas que são mais intensivas e m trabalho; e (b) o investimento é levado à igualdade com a poupança de pleno emprego. Á discussão anterior mostrou que não há nenhum bom motivo, teórico ou empírico, para sua crença e m (a) ou e m (b). De fato, o resultado de toda a discussão das seções precedentes é que, simplesmente, não há qualquer argumento teórico em apoio à hipótese de fun- 22 "Ela diria: 'bem, quando você está fora do equilíbrio, você diz: o salário real deveria ser reduzido, mas se você faz isso você reduz a demanda e torna as coisas piores'." "O ponto é, entretanto, se eles contratassem mesmo os trabalhadores eles iriam vender os bens," Por outro lado, no contexto de uma economia monetária, a ausência de u m mecanismo que possa garantir equilíbrio de mercado no mercado d e capital (investimento e poupança) faz o formato (tanto a inclinação quanto a posição) da curva de demanda por trabalho ser virtualmente irrelevante, já que, como vimos acima, a falta de equilíbrio de mercado no mercado de capital, pela introdução de u m a restrição de demanda efetiva, também evita a ocorrência de equilíbrio de mercado no mercado de trabalho. Assim, os problemas c o m capital heterogêneo mostram que, fora do con- texto de u m único b e m de capital homogêneo e m relação ao produto, não há base teórica para uma função investimento elástica em relação à taxa de juros e, conseqüentemente, nenhuma fundamentação teórica para a explicação neoclássica de qualquer um dos nossos dois fatos estilizados. ções d e demanda por fator "bem-comportadas" e, e m particular, para u m a fun- ção investimento elástica em relação à taxa de juros. Antes disso, já tínhamos argumentado que parece não haver qualquer ra- zão empírica convincente para pensar em preços de fator (ou variáveis distributivas) como sendo flexíveis, no sentido neociássico, seja em termos reais, seja e m nominais (monetários). Parece então que nenhuma das duas condições requeridas para garantir os resultados neoclássicos de equilíbrio de mercado, a saber, funções de de- manda por fator "bem-comportadas" (condição ii) e flexibilidade de preço de fator (condição i), pode, de forma plausível, ser uma característica geral de econo- mias capitalistas competitivas. Portanto, parece haver fortes razões teóricas e empíricas para rejeitar a explicação neoclássica de nossos dois fatos estilizados e a noção associada de equilíbrio de mercado nos mercados de fatores de produção. Aqueles que privilegiam a explicação neoclássica, contudo, tentam defendê- -la apelando para dois argumentos conectados: um deles lógico e o outro empírico. S e u primeiro argumento é o seguinte: eles concordam tanto que funções de demanda por fator "bem-comportadas" requerem mesmo um número de su- posições arbitrárias e artificiais, quanto que aquelas funções "bem-comporta- das" provêem condições suficientes para a unicidade e a estabilidade das posi- ções de equilíbrio (o que, junto com preços de fator flexíveis, garante os resulta- dos de equilíbrio de mercado). Esses teóricos neoclássicos, porém, apontam que, enquanto funções de demanda por fator "bem-comportadas" provêem mes- mo condições suficientes para equilíbrios únicos e estáveis, eles não consti- tuem condições necessárias para esses resultados. Em outras palavras, logicamente, equilíbrios únicos e estáveis podem ainda ocorrer, m e s m o s e m funções de demanda por fator "bem-comportadas" (e as hipóteses artificiais usa- das para gerá-los), para certo conjunto ou conjuntos de valores dos parâmetros, enquanto é verdade que, para outro conjunto em particular, eles podem não ocorrer. Assim, uma vez que unicidade e estabilidade não são desconsiderados c o m o u m a possibilidade lógica e que sua ocorl-ência, ou não, depende de valo- res específicos dos parâmetros, a questão da validade dos resultados de equilí- brio de mercado torna-se estritamente empírica (Malinvaud, 1981). Precisamente neste ponto, seu segundo argumento vem à tona. Esses au- tores alegam que, se funções de demanda por fator viessem a ser "maicomportadas" na prática, na forma e na extensão que levassem a equilíbrios múltiplos e instá- veis, o sistema econômico, necessariamente, estaria exibindo violentas flutuações de preços e quantidades de bens e um enorme grau de instabilidade. O m e c a - nismo de mercado estaria, então, permanentemente produzindo resultados in- coerentes, com as demandas e as ofertas de bens e fatores sempre tendendo a explodir ou divergir ao invés de se equilibrar. Dado o fato de que tal estado permanente ou crônico de incoerência ou extrema instabilidade jamais foi observado nas economias capitalistas existen- tes, os dois argumentos unidos nos levam à conclusão de que, de alguma for- ma, as funções de demanda por fator efetivas são, de fato, "bem-comportadas" (ou, se não estritamente "bem-comportadas", por sorte o afastamento desse ideal não tem nem a forma nem a magnitude que causaria problemas). Ade- mais, segue o argumento, no longo prazo, mercados de fator tendem m e s m o a (aproximadamente) se equilibrar, algo que estaria próximo do impossível c o m funções de demanda por fator seriamente "malcomportadas". Daí os teóricos neoclássicos tomarem o equilíbrio aproximado a longo prazo entre d e m a n d a e oferta de trabalho e de capital (o que tomamos como nossos dois fatos estilizados) c o m o evidência indireta de que preços reais e nominais de fator são suficiente- mente flexíveis, de que efeitos-renda são, na prática, suficientemente pequenos e de que "paradoxos" teóricos do capital (tais como retorno das técnicas e reversão do capital), enquanto possíveis na teoria, por sorte também não acon- tecem na prática (que era também claramente a posição de Arrow) — ver Arrow (1983). A linha acima de defesa da visão neoclássica, apesar de engenhosa, não se sustenta frente a um escrutínio mais detalhado. Antes de mais nada, como vimos nas seções 4 e 5, parece haver suficiente evidência direta de que preços reais e nominais de fator não são flexíveis na realidade. Nesse caso, a teoria neoclássica deveria prever desequilíbrio permanente nos mercados de fatores, e nossos dois fatos estilizados simplesmente não poderiam ser explicados por ela. Além disso, se funções de d e m a n d a por fator são, na prática, muito "mal- comportadas" (como elas provavelmente seriam), não há razão para observar- m o s aquela violenta instabilidade novamente, pela mera razão de que, na reali- dade, preços de fator simplesmente não são flexíveis no sentido neoclássico. De fato, é altamente provável que uma das principais causas dessa aparente rigidez é a correta percepção generalizada, tanto de agentes econômicos priva- dos quanto de governos, de que, se preços de fator fossem flexíveis, as coisas poderiam facilmente se tornar muito piores (sobre isso, ver Petri (1994a) e Kalecki (1944)). Vamos, contudo, abstrair essa evidência direta para olhar para a lógica do argumento sobre condições suficientes versus condições necessárias. Teóri- cos neoclássicos, hoje em dia, tendem a subestimar a importância de condi- ções suficientes e m relação à de condições necessárias. Uma coisa simples, m a s crucial, que os defensores da visão neoclássica tendem a não mencionar nessa conexão é que qualquer teoria que pretenda explicar um fenômeno parti- cular naturalmente deve especificar as condições suficientes para tal fenômeno ocorrer (realmente, isto é o que significa ter uma teoria do fenômeno). Se a teoria proposta não fornece as condições suficientes, ou, até pior, se os propo- nentes da teoria não acreditam na relevância das suposições que eles próprios têm de fazer para obter os resultados desejados, a teoria e m questão é, para dizer o mínimo, incompleta. No que diz respeito ao fenômeno em questão, sim- plesmente não pode ser de qualquer relevância para sua explicação (rigorosa- mente não é realmente uma teoria para esse fenômeno). S e m condições sufici- entes, simplesmente não fiá qualquer conexão lógica entre a ocorrência das hipóteses da teoria e a ocorrência do fenômeno que deve ser explicado. Portan- to, não há qualquer explicação do fenômeno em mãos. Contrariamente ao que os neoclássicos dizem, a falta de condições suficientes aceitáveis não é uma virtude da sua teoria que mostra sua "flexibilidade" e "abertura" empírica (como Malinvaud (1981) alega). É, de fato, um sinal de uma séria deficiência em seu argumento. O que pode ser corretamente deduzido da ausência de condições suficientes aceitáveis é, simplesmente, que não há qualquer razão teórica para esperarmos que as premissas neoclássicas usuais levem a um equilíbrio de mercado generalizado nos mercados de fatores. Para dar sentido à segunda parte do argumento a favor da explicação neoclássica, temos de nos referir de novo à distinção que estivemos fazendo entre os fatos estilizados — mostrando uma certa igualação entre as oportuni- dades de emprego e o tamanho da força de trabalho e a demanda por mercado- rias e o estoque de capital — e a teoria neoclássica de equilíbrio de mercado particular, na qual as dotações são as variáveis independentes, enquanto a de- m a n d a por eles é, endogenamente, determinada através da operação do princí- pio da substituição. Quando a distinção acima é feita, torna-se claro que a observação dos fatos estilizados por si próprios não dá suporte algum, n e m direto nem indireto, à teoria neoclássica proposta para explicá-los. De fato, há apenas uma maneira de considerar que esses fatos estilizados poderiam estar fornecendo evidência indireta e m favor da teoria neoclássica. Isso ocorreria se a teoria neoclássica fosse a única maneira concebível de expli- car aqueles fatos estilizados. O modo de pensar neociássico tornou-se tão dominante que este autor está certo de que muitos teóricos acreditam que este seja o caso, mas eles nunca estabeleceram essa importante suposição adicional explicitamente. Entretanto a idéia de que a explicação neoclássica é a única concebível é completamente infundada. Nenhum argumento racional foi jamais apresentado 8 - A abordagem clássica do excedente e os fatos estilizados Vamos então finalizar, apresentando, muito brevemente, uma explicação teórica alternativa possível para ambos os fatos estilizados, que pode ser en- contrada na moderna abordagem clássica do excedente, a qual é (contraria- mente às explicações neoclássicas) tanto empiricamente plausível quanto teo- ricamente consistente. Essa abordagem é baseada em duas idéias centrais, a saber: (a) os salá- rios reais e a distribuição da renda, em uma economia capitalista, são fortemente influenciados por fatores institucionais e sócio-políticos, e (b) a força da concor- rência depende dá mobilidade do capital. No que tange aos determinantes do produto potencial no longo prazo, teóricos do excedente sempre entenderam que a capacidade produtiva dependia do estágio atingido pelo processo de acumula- ção de capital e a tecnologia. Isto significa dizer que, nessa visão, o crescimento a longo prazo é usualmente restrito pela disponibilidade de capital (em vez de trabalho ou recursos naturais). Nas teorias clássicas do excedente, a capacidade produtiva da economia depende do estoque de capital e das condições técnicas de produção (repre- sentadas pelas razões capital-produto relevantes). A idéia clássica de que a acumulação de capital é a restrição relevante a longo prazo tem sido comumente interpretada pelos neoclássicos como basea- da na suposição combinada de uma oferta ilimitada de trabalho e da hipótese de tecnologia de proporções fixas. A última suposição tem o papel de fazer capital e trabalho se tornarem complementares em vez de substitutos, de tal maneira ""(...) qualquer teoria coerente de reações aos estímulos apropriados em um contexto econô- mico (...) poderia, a princípio, levar a uma teoria da economia". ^Como exemplos, ele menciona a possibilidade de basear uma teoria do comportamento do consumidor no "hábito", e argumenta que essa teoria seria tanto "plausível" quanto "capaz de ser testada" (Arrow, 1987, p, 199), e a teoria keynesiana do multiplicador. a seu favor, e não é fácil conceber algum. Em verdade, o próprio Arrow foi hones- to o suficiente para admitir, em uma outra ocasião, que teorias não baseadas em princípios neoclássicos poderiam facilmente ser concebidas e que "(...) any coherent theory of reactions to the stimuli appropriate in an economia context (...) could in principie lead to a theory of the economy"^^ (Arrow, 1987, p.198- -199)25. " Note-se, porém, que a existência de proporções fixas, isto é, um único método para produzir cada mercadoria, não é suficiente para fazer capital e trabalho complementares no niVel agregado. Se as proporções nas quais capital e trabalho são usados são diferentes para cada mercadoria, uma substituição de fator, enquanto os preços de fator mudam, irá ainda ocorrer, não através da substituição direta na produção, mas pela substituição indireta, na medida em que a demanda dos consumidores se volta para bens que usam mais intensiva- mente os fatores mais baratos. ' Note-se que o bem-conhecido argumento de acordo com o qual a visão clássica sobre a exogeneidade da distribuição é exatamente a rigidez — que, evitando que a substituição aconteça, interfere na operação normal do mecanismo de mercado e é a causa do desem- prego aparentemente "estrutural" — está inteiramente baseado na suposição insustentável de que funções de demanda por fator são, de fato, "bem-comportadas". . . . que é o fator de produção que está disponível em menor oferta (e seu próprio coeficiente técnico) que determina a plena capacidade. A primeira hipótese (oferta ilimitada de trabalho) garantiria que é o capital, e não o trabalho, o fator limitante. De acordo com essa interpretação, a visão clássica seria relevante apenas no caso especial de economias subdesenvolvidas e superpopulosas que sofres- sem de drástica rigidez tecnológica.^® Essa difundida interpretação (neoclássica) das teorias clássicas do exce- dente é totalmente incorreta. A teoria clássica é perfeitamente compatível c o m a existência de técnicas alternativas (mesmo uma infinidade delas) e não tem de negar a influência possível de preços relativos sobre a d e m a n d a por mercado- rias. A razão por que capital e trabalho são complementares se encontra na hipótese, básica para a abordagem do excedente, de que a distribuição é deter- minada exogenamente c o m o já mencionamos antes. Portanto, nesta abordagem, a técnica escolhida não é necessariamente a única disponível para produzir o nível de plena capacidade, mas, e m verdade, aquela minimizadora de custo/maximizadora de lucro em relação a uma dada variável distributiva exógena (aos dados "preços de fatores"). O princípio da subs- tituição, certamente, não está e m operação. Mas isto não acontece, necessa- riamente, porque não há métodos alternativos de produção disponíveis, mas porque os "preços de fatores" não mudam. Nem é a visão clássica do excedente baseada na suposição de que a força de trabalho é indefinidamente grande. A idéia é a de que há (como nós veremos aqui e m mais detalhe) u m número de mecanismos sociais e econômicos e m operação em economias capitalistas que permitem ao sistema elevar a disponi- bilidade de trabalho e m compasso com os requerimentos do processo de acu- mulação. Com essas incompreensões comuns fora do caminho, podemos agora olhar como a visão clássica do excedente explicaria nossos dois fatos estilizados. 'Como Garegnani (1990a, p. 116) apontou, tal "(.,.) coincidência aproximada a longo prazo entre emprego de trabalho e trabalho buscando emprego (...) é apenas para ser esperada, na extensão em que trabalhadores não podem viver de ar. Essa coincidência aproximada pode, em verdade, resultar de trabalho procurando emprego ajustando-se a oportunidades de emprego, ao invés do contrário" (Garegnani, 1990a, p.116), através de imigração, mu- danças nas taxas de participação e "desemprego disfarçado" no setor informal. Vamos começar c o m o primeiro desses, aquele relacionado aos ajustes entre a força de trabalho e a demanda por emprego assalariado. A explicação da abordagem clássica do excedente para esse fato é que, no limite estreito e m que as oportunidades de emprego e o tamanho da força de trabalho em uma economia são em algum sentido compatibilizados, o processo é caracterizado pelo tamanho da força de trabalho, adaptando-se às oportunida- des de emprego (ao invés de vice-versa, c o m o na teoria neoclássica). G ponto central é simplesmente que, dado que em economias capitalistas muitas pessoas (a maioria) simplesmente têm de trabalhar para sobreviver, sempre que o desemprego alcança níveis muito altos por períodos considerá- veis de tempo, um número de processos é posto e m ação, o que, automatica- mente, tende a reduzir a discrepância original entre oferta e demanda por traba- lho. Muitos desses que ficam para trás são, mais cedo ou mais tarde, forçados a se juntar ao contingente de "autônomos" no setor informal da economia. Es- ses processos (e alguns outros similares) tendem a diminuir as taxas registradas de desemprego aberto sem gerar quaisquer novos empregos no setor capitalista formal.^^ Por outro lado, situações persistentes de escassez de trabalho têm sido normalmente evitadas, uma vez que o tamanho efetivo da força de trabalho pode facilmente ser (e historicamente tem sido) aumentado, elevando-se o número médio de horas trabalhadas (elevando-se a demanda por horas-extras), as ta- xas de participação de certos grupos demográficos (por exemplo, mulheres ca- sadas, pessoas jovens), as migrações regional e internacional de trabalho, e trazendo trabalho do setor informal. Estas são as fontes que, junto c o m o pro- gresso técnico, continuamente reabastecem a reserva de pessoas potencial- mente empregáveis em economias capitalistas. Isto significa que, no longo prazo, a taxa de desemprego certamente será positiva e possivelmente até relativamente alta, mas que, ao mesmo tempo. I FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA - FEE I Núcleo de Documentação/Biblioteca Ensaios FEE, Porto Alegre, v.22, n. 1, p.7-34,2001 ajustamentos endógenos no tamanho da força de trabalho não vão permitir que o desemprego aberto cresça a l é m de certos limites.^^ A explicação da abordagem clássica d o excedente para o nosso segundo fato estilizado, aquele que se refere à congruência de longo prazo entre os tamanhos relativos do estoque de capital e a demanda pelos produtos produzi- dos c o m ele, está baseada na extensão para o longo prazo do princípio d a d e m a n d a efetiva de Keynes e Kalecki.3° Nessa visão, o segundo fato estilizado é explicado c o m o o resultado da operação d e uma tendência da capacidade produtiva a ajustar-se à tendência secular da demanda efetiva.^^ Isto significa que e s s a teoria leva e m conta não a p e n a s os efeitos multiplicadores usualmente contemplados t a m b é m nas teorias d e curto prazo de utilização de capacidade, m a s ainda os efeitos aceleradores pelos quais o crescimento sustentado da d e m a n d a efetiva vai induzindo a criação de capaci- dade produtiva da economia.^^ A amplitude desses limites dependerá do tamanho do setor informal, das características sociológicas da força de trabalho, do aparato institucional acerca do seguro-desemprego, dos sindicatos e da mobilidade internacional de trabalho. Note-se que, fora os ajustes "automáticos" derivados das decisões e das estratégias de sobrevivência dos indivíduos discutidos no texto, existe, também, a pressão social e política para que os governos busquem políticas expansionistas em época de grande desemprego (por exemplo, frentes de trabalho no nordeste brasileiro, ou políticas keynesianas de pleno emprego na Inglaterra do pós-guerra) e pressões para que os governos incentivem, por exemplo, a imigração em períodos de relativa escassez de mão-de-obra. ^° É verdade que alguns dos antigos economistas clássicos, como Ricardo, acreditaram um tanto arbitrariamente na Lei de Say. Entretanto, como Garegnani (1978-1979) mostrou, a Lei de Say não é uma característica necessária da teoria do valor e da distribuição clássica do excedente e pode e deve ser substituída por uma teoria de longo prazo do produto, baseada no principio da demanda efetiva. ^' "Agora, o tamanho da dotação de capital parece, quando nada, até mais suscetível de adaptação ao seu emprego do que é o tamanho da força de trabalho (...) é o nível da demanda agregada e do produto que determina o nível de estoque de capital." (Garegnani, 1990a, p.116-117). =•2 Para a versão do autor sobre esta visão, onde a tendência da demanda efetiva vai depender da evolução dos gastos autônomos e das mudanças de longo prazo nos determinantes do multiplicador (por exemplo a distribuição de tenda) e do acelerador (o viés prevalecente na mudança técnica), ver Serrano (1995; 1996). Bibliografia A R R O W , K. (1983a). General economic equilibrium: purpose, analytictechniques, coilective choices. 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Sraffa's capital critique shows that in any case the substitution effect may break down completely in the real-world case of heterogeneous capital. An alternative (and more consistent) Sraffa-based explanation of the facts is aiso briefly sketched. S E R R A N O , F. (1996). T h e s r a f f i a n s u p e r m u l t i p l i e r . Tese (Doutorado nãò publicada). Cambridgè University. S O L O W , R. (1991). T h e l a b o u r m a r k e t a s a s o c i a l i n s t i t u t i o n . Oxford : Oxford University. SRAFFA, P. (1960). P r o d u c t i o n of c o m m o d i t i e s b y m e a n s o f c o m m o d i t i e s . Cambridgè: Cambridgè University. T O B I N , J . (1980). A s s e t a c c u m u l a t i o n a n d e c o n o m i c activity. Chicago : University of Chicago. T O B I N , J. (1993). Price flexibility and output stability, an old keynesian view. J o u r n a l of E c o n o m i c P e r s p e c t i v e s , 7.