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TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCSP E PROFESSOR EMRITO DA MESMA UNIVERSIDADE o ilustre advogado e professor Luís ROBERTO BARROSO acosta documentos instrutórios relativos ao refúgio e ao processo de extradição de CESARE BATTISTI que ora se processa ante o Egrégio Supremo Tribunal Federal formulando a seguir em vista deles a seguinte CONSULTA I O ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político a CESARE BATTISTI configura ato vinculado ou envolveu o exercício de competência compreensiva de aspecto discricionário cuja avaliação e consequente decisão não pode ser substituída pelo juízo do Poder Judiciário maiormente em face das circunstâncias concretas que o envolvem II Vindo a ocorrer empate na votação da extradição deve ser aplicada a mesma regra do Regimento Interno prevista para o caso de habeas corpus de acordo com a qual a teor do art 146 parágrafo único o Presidente da Corte não vota e o empate será interpretado como favorável ao acusado Ao indagado respondo nos tennos que seguem PARECER I No Estado de Direito não há ato algum que escape ao exame de legalidade efetuável pelo Poder Judiciário Isto não significa entretanto que todos os aspectos envolvidos nos atos administrativos sejam reexamináveis pelo Poder Judiciário Em muitos deles o próprio núcleo do ato isto é sua essência terá sido pelo próprio Direito caracterizado como um objeto de alçada de outro Poder donde predefinido como um tópico alheio ao espaço inerente à esfera sobre a qual incide a correção jurisdicional esfera esta que é a da legalidade e não a da apreciação discricionária 2 De outra feita anotamos que embora seja comum falarse em ato discricionário a expressão deve ser recebida apenas como uma maneira elíptica de dizer ato praticado no exercício de apreciação discricionária em relação a algum ou alguns dos aspectos que o condicionam ou que o compõem Com efeito o que é discricionária é a competência do agente quanto ao aspecto ou aspectos tais ou quais conforme se ViUl Logo a verdadeira questão é a de saberse sobre quê poderá incidir a correção judicial do ato e sobre quê não poderá incidir sob pena de invadir esfera da alçada do Executivo Naquilo que estiver em causa aspecto discricionário só cabe juízo administrativo não havendo espaço então para juízo de legalidade 11 3 A antítese do campo de apreciação discricionária é a que se expressa no chamado ato vinculado A identificação dele auxilia então por antinomia o reconhecimento da esfera antitética na qual descabe interferência da revisão judicial O eminente Min CEZAR PELUSO por ocasião de seu voto no caso CESARE BATTISTI honrounos com a citação de obra teórica de nossa lavra assumindo dessarte como correta a qualificação que fizemos do que seria tal ato 1 Discricionariedade e Controle Judicial Malheiros Eds 28 ed ga tiragem 2008 Cap I n 10 pag 18 1 TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCSP E PROFESSOR EMRITO DA MESMA UNIVERSIDADE Disse então o reputado magistrado que diversamente dos atos discricionários nos vinculados a lei disciplina a conduta do agente público estabelecendo de antemão e em termos estritamente objetivos aferiveis objetivamente quais as situações de fato que ensejarão o exercício de uma dada conduta e determinando em seguida de modo completo qual o comportamento único que perante aquela situação de fato tem que ser obrigatoriamente tomado pelo agente Neste caso dizse que existe vinculação porque foi prétraçada pela regra de Direito a situação de fato e o foi em termos de incontendível objetividade 4 Visto isto para saberse se o ato de refúgio e se a extradição comportam apreciação administrativa discricionária ou se pelo contrário respondem a um modelo legal que haja delineado uma situação de fato caracterizada de modo inteiramente objetivo isto é reconhecível com incontendível objetividade apontando diante dela a conduta única exigida pela regra de direito tudo se resume a aplicar as noções referidas É o contraste do modelo legal com os atos supostos que oferece resposta simples ao questionado 5 De acordo com o art 10 da lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que I devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas encontrese fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolherse à proteção de tal país Por acaso ndados temores de perseguição é a descrição de algo que se pode reconhecer de modo plenamente objetivo ou tal desenho normativo comporta nas situações concretas da vida real mais de lUIIa aceitável Ou seja é induvidoso é unanimemente sempre certo que dada situação responde para além de qualquer dúvida ou entredúvida ao que caberia denominar como fundados temores de perseguição ou inversamente a captação desta idéia padece de certa fluidez de uma imprecisão que levaria certos sujeitos a reputarem inexistente afigura normativa do mesmo passo que conduziria outros a aceitaremna como ocorrente sendo razoável a opinião abraçada tanto por um QUanto DOr outros l 6 Parece extreme de dúvidas que a noção referida não se encaixa entre aquelas cujo reconhecimento é de universal coincidência mas pelo contrário enseja o prosperar de intelecções contraditórias Isto ocorre porque para servirmonos da insuperável lição de RENATO ALESSI estão em pauta condizioni di falto suscetibili oltre che di un accertamento anche di un aprezzamento di una valutazione della misura nella quale sussistono por se tratar de condizioni che possono sussistere in grado maggiore o minore condições que podem subsistir em grau maior ou menor principi di Diritto Amministrativo Giuffre Ed 43 ed 1979 vol I pag 236 Em síntese e conclusão não está em pauta no caso do refúgio e pois da extradição de CESARE BATTISTI um ato vinculado mas pelo contrário um ato que comporta teor de discricionariedade e nesta mesma medida insuscetível de substituição do juízo administrativo que lhe concedeu refúgio pelo juízo jurisdicional fato que obviamente impede sua extradição porquanto o art 33 da mencionada lei n 9474 de 22 dejulho de 1997 estabelece de modo claro que O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio 2 TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCSP E PROFESSOR EMRITO DA MESMA UNIVERSIDADE 7 Aliás no caso concreto diante dos elementos acostados há indicações veementes de que existiam indiscutíveis razões ensejadoras de tundados temores de perseguição Com efeito preliminarmente cabe anotar que é induvidoso que os fatos que lhe foram apontados como justificadores de sua condenação na Itália em um segundo julgamento na reformatio in pejus ocorrida pois no primeiro a acusação de homicídio foi atribuída a outro sujeito e não a ele estão referidos pela própria sentença como crimes cometidos sob inspiração política e com propósitos políticos tanto que esteve preso em prisão destinada a autores de crimes políticos que não estiveram envolvidos em ações que causaram morte O que impressiona na verdade além do fato de que foi julgado em período notoriamente de grande conturbação no qual era extremamente exacerbado o sentimento de repúdio e repressão aos participantes do movimento de esquerda ao qual era filiado é a circunstância de ainda hoje décadas depois daqueles eventos inexistir um clima de mínima serenidade em relação a eles 8 Mesmo deixando de lado o fato de que a imputação de crimes de morte contra CESARE BATTISTI em julgamento à sua revelia assentouse sobre depoimento dos chamados pentiti justamente os que dantes haviam sido condenados por este mesmo fato que no julgamento anterior não lhe havia sido irrogado pela Justiça Italiana é o rancor atualmente evidentíssimo em diversas manifestações provenientes de autoridades italianas o que não pode deixar de suscitar fundados temores de perseguição identificados seja pelo ângulo objetivo ou subjetivo Com efeito um parlamentar italiano da base de apoio ao Governo do Primeiro Ministro Berlusconi como noticiam elementos acostados à consulta manifestouse em relação ao refúgio concedido afirmando Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas entre os quais pelo menos nós brasileiros teríamos de incluir os Ministros do Egrégio SlF mas sim por suas dançarinas Por mais críticas que se faça a nossos legisladores dificilmente se imaginaria um parlamentar brasileiro dizendo salvo se inspirado por um fortíssimo ódio e desequilíbrio emocional que os parlamentares italianos eram mais conhecidos pela presença da atriz Cicciolina em seus quadros do que pelo descortínio político Nem se imaginaria pessoas de responsabilidade nos quadros políticos do Brasil dizendo por exemplo que o senhor Berlusconi é mais conhecido por suas aventuras amorosas com jovens do que por sua ressonância política dado o fato da imprensa internacional divulgálas com alarde k 9 A frase do deputado italiano é pois bastante expressiva de um estado de ânimo que não inspira segurança de que hoje inexistam naquele país razões para fundados temores de perseguição Fosse ela um comportamento isolado poderseia supor um exagero na ilação daí extraída Sucede todavia que esta foi apenas uma dentre muitas manifestações expressivas de um estado de espírito destemperado e flagrantemente desproporcional em relação ao caso CESARE BA TTISTI Com efeito o exPresidente da República Italiana FRANCESCO COSSIGA afirmou que o Ministro da Justiça do Brasil disse umas cretinices e que o Presidente LULA era do tipo chamado na Itália de catocomunistd O VicePrefeito de Milão propôs um boicote aos produtos brasileiros como forma de pressionar o Brasil a reconsiderar a decisão de refúgio a CESARE BATTISTI O Vice Presidente de Relações Exteriores dQ Senado da Itália Senador SERGIO DIVINA defendeu o boicote turístico ao Brasil O Ministro da Defesa IGNAZIO LA RUSSA declarou que a decisão coloca em risco a amizade entre a Itália e o Brasil ameaçou se acorrentar à porta da embaixada brasileira em Roma e saiu à frente de uma passeata de protesto em Milão contra o refúgio a CESARE 3 Ll4 TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCSP E PROFESSOR EMRITO DA MESMA UNIVERSIDADE BATTISTI Aliás o próprio presidente do Conselho de Ministros Italiano ROMANO PRODI enviou carta pessoal ao presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SIL V A encarecendo a importância para o Governo e a opinião pública da ltálid que a extradição fosse deferida pelo Supremo Tribunal Federal Será que isto ocorreria se estivesse em pauta um crime comum Ou seria tratado de outra forma isto é com a serenidade da Justiça e das relações respeitosas entre as Nações tanto mais sendo certo e sabido que similarmente ao que ocorre em todos os demais países existem dezenas de foragidos da Justiça Italiana pelo mundo afora condenados por crimes comuns mas onde a presença notória da Máfia exacerba o fenômeno 10 Há outros exemplos mais do mesmo clima de descontrolada fúria que poderiam ser citados mas parece desnecessário mencionálos Se estes não são suficientes para ilustrar um estado de espírito desmesuradamente falto de proporção e em consequência obviamente justificador de Jundados temores de perseguição não haveria como reconhecer esta figura salvo se fosse explicitamente confessado pelas autoridades daquele País De resto se o clima é este hoje é de perguntarse como seria então à época do segundo julgamento do ora extraditando 11 Em conclusão é inequívoco que o refúgio correspondeu a uma decisão tomada no âmbito de discrição administrativa e no qual in casu existem as mais categóricas indicações da ocorrência de ndados temores de perseguição sendo incabível a revisão jurisdicional deste ato Inversamente o arquivamento do pedido de extradição é ato vinculado por força do art 33 da lei n 9474 de 22 de julho de 1997 1 12 Indaga ainda o Consulente se vindo a ocoITer empate na extradição deve ser aplicada a mesma regra do Regimento Interno prevista para o caso de habeas corpus de acordo com a qual a teor do aIt 146 parágrafo único o Presidente da Corte não vota e o empate será interpretado como favorável ao acusado De acordo com este preceptivo No julgamento do habeas corpus pelo Plenário o Presidente não terá voto salvo em matéria constitucional proclamandose na hipótese de empate a decisão maisfavorávelao paciente E claro a todas as luzes que o bem jurídico prestigiado neste comando foi a liberdade No referido preceptivo a Suprema Corte manifestou sua prévia opção em prol deste valor relevantíssimo e o fez de forma tão assinalada que excluiu a possibilidade de um voto do Presidente assumir rumo que pudesse fazêIo periclitar Sendo este pois como evidentemente é o sentido da regra em questão resulta inequívoca sua aplicação perante situações da mesma compostura isto é em que se digladiem duas posições uma das quais implicaria em fazer soçobrar a liberdade e outra em resguardáIa quando a votação para decidir pela prevalência de uma ou de outra haja abicado em um empate Tratase já se vê pura e simplesmente da aplicação da notória regra de interpretação apontada por CARLOS MAXIMILIANO nosso mestre maior de hermenêutica segundo a qual ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio Ou seja onde existe a mesma razão prevalece a mesma regra de direito Hermenêutica e Aplicação do Direito Ed Forense 15a ed 1995 pág 245 13 De fato seria rnanifestarnente descabido que existindo um empate quanto à questão de confirmar ou infirmar o refúgio de CESARE BATTISTI fosse negada a opção favor libertatis suposta no parágrafo único do art 146 do RISTF pois em tal caso dita 4 TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA PUCSP E PROFESSOR EMRITO DA MESMA UNIVERSIDADE negativa traria implicada consigo não apenas a perda da liberdade de um extraditando mas além disto uma perda até mesmo maior do que a admitida pelo direito brasileiro a prisão perpétua Deveras a opção pela liberdade em caso de empate no julgamento de habeas corpus é garantida perante gravames à liberdade menos radicais do que os que estariam em pauta na hipótese de extradição de CESARE BA TTISTI já que se esta viesse a ocorrer o sacrificio da liberdade estaria predefinido em termos radicais e absolutos até a morte do extraditando Seria um semsentido que o Direito salvaguardasse o menos e deixasse a descoberto o mais logo interpretação que abonasse conclusão desta ordem pecaria por ilogismo 4 Isto tudo posto e considerado às indagações da Consulta respondo I O ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político a CESARE BATTISTI não configura ato vinculado Pelo contrário envolveu o exercício de competência compreensiva de aspecto discricionário cuja avaliação e consequente decisão não pode ser substituída pelo juízo do Poder Judiciário maiormente em face das circunstâncias concretas que o envolvem Já o arquivamento do pedido de extradição é ato vinculado imposto pelo art 33 da lei n 9474 de 220797 II Vindo a ocorrer empate na votação da extradição deve ser aplicada a mesma regra do Regimento Interno prevista para o caso de habeas corpus de acordo com a qual a teor do art 146 parágrafo único o Presidente da Corte não vota e o empate será interpretado como favorável ao acusado É que em um e outro caso está presente o mesmo fundamento lógico abraçado pelo Direito ou seja o de optar pelo princípio favor libertatis o qual se aplica ainda com maior razão em hipótese na qual a extradição implicaria como ocorre no caso concreto no agravo máximo à liberdade ou seja a prisão perpétua que de resto não é tolerada em nosso sistema jurídico É o meu parecer São Paulo 21 de etembro de 2009 7 Celso Antônio BjJlÍdeira de Mello OABsf no110199