·
Engenharia Civil ·
Ética Geral e Profissional
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
94
Código de Ética Profissional da Engenharia e Geociências - 10ª Edição
Ética Geral e Profissional
UFERSA
24
Dados de Copyright e Sobre a Obra de Justiça de Michael Sandel
Ética Geral e Profissional
UFERSA
33
Justiça - Michael Sandel
Ética Geral e Profissional
UFERSA
27
Justiça - Michael J. Sandel
Ética Geral e Profissional
UFERSA
41
Fragmentos sobre a Etica Profissional: Reflexões e Modelos
Ética Geral e Profissional
UFERSA
154
Conselho Editorial - Lumen Juris
Ética Geral e Profissional
UFERSA
37
Ética e Legislação Profissional: A Convivência em Sociedade
Ética Geral e Profissional
UFERSA
5
Ética e Ciência: Intersecções na Filosofia da Ciência
Ética Geral e Profissional
UFRB
20
Conceitos de Administração e Ética Empresarial
Ética Geral e Profissional
UNIASSELVI
4
Template para Mapa Disciplina: Administração e Ética Empresarial
Ética Geral e Profissional
UNIASSELVI
Texto de pré-visualização
ÉTICA PRÁTICA PETER SINGER Tradução Álvaro Augusto Fernandes Revisão Científica Cristina Beckert e Desidério Murcho Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Sociedade Portuguesa de Filosofia Gradiva Filosofia Aberta Título original inglês Practical Ethics 1993 by Cambridge University Press Tradução Álvaro Augusto Fernandes Revisão do texto Manuel Joaquim Vieira Impressão e acabamento Tipografia Lugo Ltda A ética aplicada é uma das áreas onde a filosofia praticada na sua melhor tradição argumentativa demonstra a sua fecundidade como instrumento de abordagem a alguns dos grandes problemas da humanidade A filosofia é uma atividade viva caracterizada pelo estudo minucioso dos problemas e pela tentativa de produzir respostas convincentes alicerçadas em argumentos sólidos Nesta obra Peter Singer mostranos a filosofia no seu melhor introduzindo de forma exemplar os seguintes temas Natureza da ética Noção de igualdade Direitos dos animais Eutanásia Aborto Fome no mundo Problema dos refugiados Ética do meio ambiente Desobediência civil Natureza da acção ética Sentido da vida Esta obra clara informada e muita bem argumentada enfrenta alguns dos grandes desafios éticos do nosso tempo Tratase dos desafios éticos impostos pela fome no mundo pelo equilíbrio ecológico do planeta pela exigência de igualdade e pela moderna ciência médica entre outros Que posições poderão defender com respeito à eutanásia e ao aborto E relativamente aos refugiados e à ajuda internacional aos países do Terceiro Mundo E quanto aos animais Teremos o direito de os fazer sofrer só para satisfazer o nosso prazer Que desafios nos levantam uma sociedade verdadeiramente igualitária Leitura obrigatória para estudantes de filosofia direito sociologia relações internacionais e comunicação social esta obra é de um interesse público indesmentível constituindo ponto de reflexão fundamental para todos os que se preocupam com os grandes problemas éticos do nosso tempo Um livro que nos permite exercer uma cidadania livre e crítica fundamental numa democracia viva e participada De mim não aprendereis filosofia mas antes como filosofar não aprendereis pensamentos para repetir mas antes como pensar Immanuel Kant Peter Singer é um dos maiores especialistas em ética aplicada área para cuja revitalização contribuiu decisivamente Ensinou nas Universidades de Oxford Nova Iorque e Monash sendo atualmente professor catedrático na Universidade de Princeton Da sua obra destacamse Marx 1980 Hegel 1983 Animal Liberation 1990 Rethinking Life and Death 1994 e Ethics into Action 1998 é um coautor das obras the Reproduction Revolution 1984 Should the Baby Live 1985 Embryo Experimentation 1990 e The Great Ape Project 1995 Regidiu o artigo sobre ética da actual edição da Enciclopédia Britannica e organizou os volumes Applied Ethics 1986 A Companion to Ethics 1991 e Ethics 1994 Deu ainda origem à obra Singer and His Critics 1999 organizada por Dale Jamieson Em 1992 foi eleito presidente fundador da Associação Internacional de Bioética foi o primeiro director do Centro de Bioética da Universidade de Monash e é codirector da revista internacional Bioethics Encontrou ainda tempo para escrever a presente introdução à ética prática e uma obra de divulgação admirável How Are We to Live1995 Prefácio A ética prática tem um âmbito vasto Se tivermos atenção encontraremos ramificações éticas na maior parte das nossas escolhas Este livro não pretende abordar a área na sua totalidade Os problemas de que trata foram escolhidos com base em dois critérios a sua importância e a capacidade do raciocínio filosófico para contribuir para a sua discussão Considero que um tema ético importante é aquele que toda a pessoa que pensa um pouco tem de enfrentar Somos confrontados diariamente com alguns dos temas tratados neste livro quais são as nossas responsabilidades pessoais para com os pobres Teremos alguma justificação para tratar os animais como se não passassem de máquinas que produzem carne para a nossa alimentação Será legitimo usarmos papel não reciclado E em todo o caso por que motivo havemos de nos preocupar em agir de acordo com princípios morais Outros problemas como o aborto ou a eutanásia não representam felizmente decisões quotidianas que a maior parte de nós tenha de tomar mas são problemas que podem surgir na nossa vida a qualquer momento São também temas de preocupação actual sobre os quais todas as pessoas que participam no processo de tomada de decisões da nossa sociedade precisam de reflectir Até que ponto um problema pode ser discutido filosoficamente com proveito depende da sua natureza Alguns são controversos sobretudo porque há factos em disputa Por exemplo a questão de saber se devemos permitir ou não a difusão de novos organismos transgénicos criados com recurso a ADN recombinante depende em grande medida de se saber se esses organismos implicam um risco grave para o ambiente Embora os filósofos possam não possuir os conhecimentos necessários para se pronunciarem sobre essa questão têm algo útil a dizer sobre se é aceitável correr um determinado risco de danificar o ambiente Noutros casos porém os factos são claros e aceites por ambas as partes são as perspectivas éticas em confronto que dão origem ao desacordo quanto ao que se deve fazer Nesse caso o tipo de raciocínio e análise que os filósofos praticam pode de facto contribuir para esclarecer a questão Nos problemas abordados neste livro são os desacordos éticos e não os factuais que determinam as posições que as pessoas tomam A contribuição potencial dos filósofos para a discussão dessas questões é portanto considerável Este livro desempenhou um papel central em acontecimentos que devem constituir motivos de reflexão para todos aqueles que pensam que a liberdade de pensamento e de expressão se pode considerar garantida na actuais democracias progressistas Desde a sua primeira publicação em 1979 foi muito lido e usado em diversos cursos universitários Foi traduzido para alemão espanhol italiano japonês e sueco A reacção foi em geral positiva Há é claro muitas pessoas que não concordam com os argumentos que apresentei mas o desacordo temse situado quase sempre ao nível do debate civilizado A única excepção foi a reacção dos países de língua alemã Na Alemanha Áustria e Suíça a contestação às perspectivas apresentadas neste livro atingiu um ponto tal que as conferências para que fui convidado tiveram de ser canceladas e as aulas das disciplinas em universidades alemãs em que o livro iria ser usado sofreram tantos distúrbios que não puderam prosseguir Os leitores interessados em mais pormenores desta história lamentável encontrarão um relato mais completo no final do livro em apêndice Naturalmente que a oposição germânica a este livro me fez reflectir sobre se as perspectivas que apresento são como pelo menos alguns alemães parecem crer tão erradas ou perigosas que não devam ser expressas Embora a maior parte da oposição germânica esteja mal informada sobre aquilo que defendo existe uma verdade subjacente na afirmação de que este livro rompe com um tabu ou talvez mesmo com mais de um tabu Na Alemanha desde a derrota de Hitler que não tem sido possível discutir abertamente a questão da eutanásia nem a questão de saber se uma vida humana pode ser tão desgraçada que não valha a pena vivêla Mais fundamental ainda e não estando limitado à Alemanha é o tabu de comparar o valor de vidas humanas e não humanas Na agitação que se seguiu ao cancelamento de uma conferência na Alemanha para a qual eu fora convidado para falar a organização promotora alemã para se demarcar das minhas idéias aprovou uma série de moções uma das quais dizia o seguinte A singularidade da vida humana não permite qualquer comparação ou mais especificamente qualquer equiparação da existência humana com a de outros seres vivos com as suas formas de vida ou interessesComparar e em alguns casos equiparar a vida humana à vida dos animais é justamente o que este livro faz de facto pode dizerse que se há algum aspecto deste livro que o distingue de outras abordagens de temas como a igualdade humana o aborto a eutanásia e o ambiente é o facto de esses temas serem analisados com uma rejeição consciente de qualquer pressuposto de que todos os membros da nossa espécie têm apenas por serem membros da nossa espécie qualquer valor distintivo ou inerente que os coloque acima dos membros de outras espécies A crença na superioridade humana é uma crença fundamental subjacente ao nosso pensamento em muitas áreas melindrosas Desafiála não é coisa de somenos e o facto de tal desafio provocar uma reacção intensa não é de admirar Contudo a partir do momento em que tivermos compreendido que a quebra deste tabu de comparar seres humanos e animais é em parte responsável pelos protestos tornase claro que não podemos recuar Por motivos que são aprofundados em capítulos subseqüentes proibir quaisquer comparações interespécies seria filosoficamente indefensável Tornaria também impossível ultrapassar os males que estamos agora a infligir aos animais não humanos e reforçaria atitudes que causaram imensos danos irreparáveis ao ambiente deste planeta que partilhamos com os membros de outras espécies Portanto não me afastei das idéias que causaram tanta controvérsia em terras de língua alemã Se estas perspectivas apresentam os seus perigos são ainda maiores os perigos de tentar conservar os presentes tabus que estão a esboroarse É escusado dizer que muita gente discordará daquilo que tenho para dizer As objecções e os contra argumentos são bemvindos Desde os tempos de Platão que a filosofia tem avançado dialecticamente sempre que os filósofos apresentam razões para discordar das idéias de outros filósofos O desacordo é bom porque nos leva a uma posição mais defensável a opinião de que as idéias que apresentei não devem ser sequer discutidas é porém uma coisa completamente diferente que deixarei de bom grado ao juízo dos leitores depois de terem lido os capítulos que se seguem e de neles terem reflectido Embora não tenha mudado de idéias sobre as questões que suscitaram a oposição mais fanática esta edição revista contém muitas outras alterações Acrescentei dois novos capítulos sobre importantes questões éticas que não foram abordadas na edição anterior o capítulo 9 sobre a questão dos refugiados e o capítulo 10 sobre o ambiente O capítulo 2 tem uma nova secção sobre a igualdade e os deficientes As secções do capítulo 6 sobre experiências com embriões e utilização de tecido fetal também são novas Todos os capítulos foram revistos o material factual foi actualizado e nos casos em que a minha posição foi mal interpretada pelos críticos tento expôla de forma mais clara No que diz respeito às minhas perspectivas éticas subjacentes alguns amigos e colegas ficarão por certo desiludidos por verificarem que horas a fio a discutir comigo certos assuntos só serviram para reforçar a minha convicção de que a abordagem consequencialista da ética usada na 1a edição é fundamentalmente sólida Houve duas mudanças significativas na forma de consequencialismo adoptada A primeira é que uso a distinção traçada por R M Hare no seu livro Moral Thinking entre dois níveis distintos de raciocínio moral o nível intuitivo corrente e o nível reflexivo mais crítico A segunda é que abandonei a idéia que ensaiei de forma bastante experimental no capítulo 5 da 1a edição de que podíamos tentar combinar as versões total e da existência prévia do utilitarismo aplicando a primeira a seres sencientes que não são autoconscientes e a segunda àqueles que o são Penso actualmente que o utilitarismo das preferências traça uma distinção suficientemente clara entre estas duas categorias de seres permitindonos aplicar uma única versão de utilitarismo a todos os seres sencientes Apesar de tudo ainda não estou satisfeito com o meu tratamento de toda esta questão sobre o modo como devemos lidar com escolhas que envolvem dar origem a um ou mais seres Como os capítulos 47 deixam claro a forma como respondermos a estas questões desconcertantes tem implicações em temas como o aborto o tratamento de recémnascidos com graves malformações incapacitantes e o abate de animais No período que mediou entre a publicação das diferentes edições deste livro surgiu aquela que é de longe a análise mais completa e perspicaz deste problema até à data a obra Reasons and Persons de Derek Parfit Infelizmente o próprio Parfit não resolve as questões que levantou e a sua conclusão é a de que tem de prosseguir a busca da teoria X uma forma satisfatória de responder à questão Por isso não se deve esperar que essa solução possa surgir deste volume simultaneamente mais pequeno e abarcando uma matéria mais vasta Na redacção deste livro recorri profusamente aos meus artigos e livros já publicados Assim o capítulo 3 baseiase no livro Libertação Animal Porto 2000 2a edição inglesa 1990 embora leve em consideração as objecções levantadas desde a sua primeira publicação inglesa em 1975 As secções do capítulo 6 que versam temas como a fertilização in vitro o argumento da potencialidade a experimentação com embriões e a utilização de tecido fetal baseiamse no trabalho que escrevi em conjunto com Karen Dawson publicado com o título IVF and the Argument from Potential na revista Philosophy and Public Affairs vol 17 1988 e em Peter Singer Helga Kuhse e outros Embryo Experimentation Cambridge University Press 1990 Nesta edição revista o capítulo 7 foi enriquecido com a inclusão de idéias elaboradas em conjunto com Helga Kuhse ao trabalharmos no livro Should the Baby Live Oxford University Press 1985 que trata de forma muito mais aprofundada a questão da eutanásia no caso de recém nascidos com deficiências profundas O capítulo 8 reformula os argumentos de Famine Affluence and Morality publicado em Philosophy and Public Affairs vol 1 1972 e de Reconsidering the Famine Relief Argument publicado em Peter Brown e Henry Shue orgs Food Policy The Responsibilities of the United States in the Life and Death Choices Nova Iorque The Free Press 1977 O capítulo 9 também retoma um artigo escrito em colaboração desta vez com a minha mulher Renata Singer publicado pela primeira vez com o título Ethics of Refugee Policy em M Gibney org Open Borders Closed Societies Greenwood Press Nova Iorque 1988 O capítulo 9 baseiase em Environmental Values um capítulo com que contribuí para o livro Environmental Challenge organizado por Ian Marsh Longman Cheshire Melburne 1991 Partes do capítulo 11 foram retiradas do meu primeiro livro Democracy and Disobedience Oxford Clarendon Press 1973 Devo a H J McCloskey Derek Parfit e Robert Young comentários valiosos ao esboço da 1a edição deste livro As idéias de Robert Young também influenciaram o meu pensamento numa fase anterior quando demos em conjunto um curso sobre este tema na Universidade La Trobe Em particular o capítulo sobre a eutanásia deve muito às suas idéias muito embora Robert possa não concordar totalmente com ele Recuando ainda mais no tempo o meu interesse pela ética foi estimulado por H J McCloskey de quem tive o privilégio de ser aluno no tempo em que andava a tirar a minha licenciatura enquanto a marca deixada por R M Hare meu professor em Oxford é visível nos fundamentos éticos subjacentes às posições defendidas neste livro Jeremy Mynott da Cambridge University Press incentivoume a escrevêlo e ajudoume a darlhe forma e a aperfeiçoálo à medida que progredia Pela ajuda dada à elaboração desta edição revista e aumentada desejo agradecer àqueles com quem trabalhei em conjunto nas matérias agora introduzidas neste livro Karen Dawson Helga Kuhse e Renata Singer É justo destacar que tenho trabalhado em estreita colaboração com Helga Kuhse nos últimos dez anos período durante o qual aprendi muito com as discussões que mantivemos sobre a maioria dos temas abordados neste livro Helga Kuhse também leu e comentou diversos capítulos desta edição revista Paola Cavalieri fez comentários e críticas a todo o texto inicial e estoulhe grato por me sugerir vários aperfeiçoamentos Há é claro muitas outras pessoas que questionaram o que escrevi na 1a edição e me forçaram a repensar essas questões mas agradecer a todas é impossível e agradecer apenas a algumas é injusto Nesta edição foi Terence Moore da Cambridge University Press que com o seu entusiasmo pelo livro me estimulou a efectuar as necessárias revisões Para poder apresentar um texto limpo as notas referências e sugestões de leituras complementares surgem no final do livro divididas por capítulos 10 O Ambiente Um rio serpenteia por entre ravinas cobertas de floresta e gargantas escarpadas em direcção ao mar A comissão hidroeléctrica estatal considera as quedas de água energia não aproveitada A construção de urna barragem numa das gargantas proporcionaria trabalho durante três anos a 1000 pessoas e emprego a longo prazo para 20 ou 30 A albufeira armazenaria água suficiente para garantir que o estado satisfaria de forma económica as suas necessidades energéticas da década seguinte Esta situação fomentaria o estabelecimento de indústrias de energia intensiva contribuindo assim mais para o emprego e crescimento económico O terreno acidentado do vale do rio só permite o acesso a pessoas de razoável condição física mas é apesar de tudo um lugar predilecto dos que gostam de passear pelo bosque O próprio rio atrai os mais ousados praticantes de desportos radicais como o rafting No coração dos vales abrigados encontramse manchas de uma espécie rara de pinheiros tendo muitas das árvores uma idade superior a 1000 anos Os vales e desfiladeiros abrigam muitos animais e aves incluindo uma espécie em perigo de rato marsupial que raramente se vê fora do vale Pode haver também muitos outros animais e plantas raros mas ninguém sabe ao certo porque os cientistas ainda não estudaram esta região a fundo Será que se deve construir a barragem Eis um exemplo de uma situação em que temos de escolher entre conjuntos de valores muito diferentes A descrição baseiase por alto na proposta de construção de uma barragem no rio Franklin no Sudoeste da ilha australiana da Tasmânia pode lerse no capítulo 11 um relato do resultado mas alterei deliberadamente alguns pormenores e a descrição acima deve ser tratada como um caso hipotético Muitos outros exemplos colocariam igualmente bem o problema da escolha entre valores abater uma floresta virgem construir uma fábrica de papel que liberta poluentes nas águas costeiras ou abrir uma nova mina nos limites de um parque nacional Um conjunto diferente de exemplos levantaria questões relacionadas com estas mas ligeiramente diferentes o uso de produtos que contribuem para a depleção da camada de ozone ou para o efeito de estufa a construção de mais centrais nucleares etc Neste capítulo exploro os valores subjacentes aos debates sobre essas decisões e o exemplo que apresentei pode servir de ponto de referência para esses debates Incidirei particularmente nos valores em causa nas controvérsias sobre a preservação do ambiente natural porque neste caso os valores fundamentalmente diferentes das duas partes são bastante claros Quando falamos em inundar o vale de um rio a escolha que enfrentamos é especialmente clara Podemos dizer em geral que quem é favorável à construção da barragem valoriza mais o emprego e um maior rendimento per capita que a preservação do meio natural das plantas e dos animais tanto dos comuns como dos que pertencem a espécies em vias de extinção bem como as oportunidades para actividades recreativas ao ar livre No entanto antes de examinarmos os valores daquelas pessoas que construiriam a barragem e daquelas que não o fariam façamos uma breve investigação das origens das atitudes modernas relativamente ao mundo natural A tradição ocidental As atitudes ocidentais relativamente à natureza surgiram de uma mescla das do povo hebreu tal como estão representadas nos primeiros livros da Bíblia e da filosofia dos Gregos antigos em particular Aristóteles Em contraste com outras tradições antigas como por exemplo as da índia tanto as tradições hebraicas como gregas consideravam o ser humano o centro do universo moral na realidade não apenas o centro mas com muita frequência a totalidade das características moralmente significativas deste mundo A história bíblica da criação relatada no Génesis põe a nu a perspectiva hebraica do lugar especial que os seres humanos ocupam no plano divino Depois Deus disse Façamos o ser humano à nossa imagem à nossa semelhança para que domine sobre os peixes do mar sobre as aves do céu sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra Deus criou o ser humano à sua imagem criouo à imagem de Deus Ele os criou homem e mulher Abençoandoos Deus disselhes Crescei e multiplicaivos enchei e dominai a Terra Dominai sobre os peixes do mar sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na Terra Os cristãos debatem hoje o significado desta concessão de domínio e aqueles que se preocupam com o ambiente defendem que este domínio não deveria ser interpretado como uma licença para fazermos o que quisermos com os restantes seres vivos mas como uma directiva para cuidar deles em nome de Deus e ser responsável perante Deus pela forma como os tratamos No entanto há pouca justificação no texto em si para uma tal interpretação e atendendo ao exemplo que Deus deu quando afogou quase todos os animais da Terra para punir os seres humanos pela sua maldade não admira que as pessoas pensem que a inundação de um único vale não é nada com que valha a pena preocuparemse Após o dilúvio repetese a concessão de domínio numa linguagem mais sinistra Sereis temidos e respeitados por todos os animais da Terra por todas as aves do céu por tudo quanto rasteja sobre a Terra e por todos os peixes do mar ponhoos à vossa disposição A implicação é clara agir de modo a causar temor e pavor a tudo o que se move na Terra não é impróprio de facto está de acordo com um decreto divino Os mais influentes pensadores cristãos dos primeiros tempos não tinham dúvidas sobre a forma como se devia entender o domínio do homem Deus cuida dos bois perguntou Paulo no decurso de uma discussão sobre uma directiva do Velho Testamento para dar descanso ao boi no sábado mas tratavase apenas de uma pergunta retórica Paulo tinha a certeza de que a resposta era negativa e o preceito explicavase em termos de benefício para os seres humanos Agostinho partilhava desta linha de pensamento comentando episódios do Novo Testamento em que Jesus destruiu uma figueira e provocou o afogamento de uma vara de porcos explicava estes incidentes intrigantes afirmando que se destinavam a ensinarnos que coibirse de matar animais ou de destruir plantas é o cúmulo da superstição Quando o cristianismo triunfou no Império Romano absorveu também elementos da atitude dos Gregos antigos para com o mundo natural A influência grega foi levada para a filosofia cristã pelo maior dos escolásticos medievais Tomás de Aquino cuja obra da sua vida foi a fusão da teologia cristã com o pensamento de Aristóteles Aristóteles encarava a natureza como uma hierarquia em que os seres de menor capacidade de raciocínio existiam para benefício daqueles com maior capacidade de raciocínio Assim sendo temos de admitir manifestamente que de modo semelhante as plantas existem para a subsistência dos animais quando adultos e que os outros animais existem para o bem do homem os animais domésticos para uso e alimentação e os animais selvagens se não todos pelo menos a maior parte para alimentação e outras carências de modo a obtermos vestes e outros instrumentos a partir deles Se a natureza nada faz de imperfeito ou em vão então necessariamente criou todos estes seres em função do homem Na sua obra principal aSumma Theologica Aquino seguiu esta passagem de Aristóteles quase palavra por palavra acrescentando que esta posição respeita o mandamento de Deus expresso no Génesis Na sua classificação dos pecados Aquino só considera os pecados contra Deus nós mesmos ou os nossos vizinhos Não há qualquer possibilidade de pecar contra os animais não humanos nem contra o mundo natural Era este o pensamento do cristianismo ortodoxo durante pelo menos os seus primeiros 18 séculos Houve por certo espíritos mais generosos como Basílio João Crisóstomo ou Francisco de Assis mas na maior parte da história do cristianismo não exerceram impacte significativo na tradição dominante Vale portanto a pena destacar as características principais desta tradição ocidental dominante pois podem servir de ponto de comparação quando estudarmos as diferentes perspectivas relativamente ao meio ambiente De acordo com a tradição ocidental dominante o mundo natural existe para benefício dos seres humanos Deus concedeulhes domínio sobre o mundo natural e não se importa com a forma como o tratamos Os seres humanos são os únicos membros moralmente importantes deste mundo A própria natureza não possui qualquer valor intrínseco e a destruição de plantas e de animais só é pecado se com essa destruição prejudicarmos os seres humanos Apesar da sua severidade esta tradição não exclui a preocupação pela natureza desde que essa preocupação se possa relacionar com o bemestar humano É claro que muitas vezes isso pode acontecer Podese ser contrário à energia nuclear sem ultrapassar de modo algum os limites da tradição ocidental dominante com base na ideia de o combustível nuclear quer nas bombas quer nas centrais ser tão perigoso para a vida humana que é melhor deixar o urânio no subsolo Do mesmo modo muitos argumentos contra a poluição o uso de gases que danificam a camada de ozone a queima de combustíveis fósseis e a destruição das florestas podem ser apresentados em termos do prejuízo para a saúde e bemestar humanos que os poluentes provocam ou das mudanças de clima que resultam da utilização de combustíveis fósseis e da perda de manchas florestais O efeito de estufa para citar apenas um dos perigos para o nosso ambiente ameaça provocar uma subida no nível médio das águas que inundarão as regiões baixas litorais incluindo o delta do Nilo no Egipto fértil e densamente povoado e o delta da região de Bengala que cobre 80 do Bangladesh e está já sujeito e violentas tempestades sazonais que estão na origem de cheias desastrosas Só nestas duas regiões estão em risco a vida e os haveres de 46 milhões de pessoas Uma subida do nível médio das águas do mar podia também varrer do mapa países insulares como as Maldivas pois nenhuma destas ilhas se encontra a mais de um metro ou dois de altitude Deste modo é óbvio que a conservação do nosso ambiente é um valor da maior importância mesmo no quadro de uma moral antropocêntrica Do ponto de vista de uma forma de civilização baseada na agricultura e na criação de animais o meio natural pode parecer uma terra desaproveitada uma área inútil que necessita de ser limpa para se tornar produtiva e valiosa Houve um tempo em que aldeias rodeadas de quintas pareciam oásis de terras de cultivo no meio de manchas de floresta ou de agrestes encostas montanhosas Hoje porém é mais apropriada uma metáfora diferente o que resta da verdadeira vida selvagem é como ilhas no meio de um mar de actividade humana que ameaça destruílas Esta situação confere ao meio selvagem um valor de escassez que proporciona a base para um argumento forte a favor da preservação mesmo em termos de uma ética antropocêntrica Esse argumento tornase ainda mais forte quando adoptamos uma perspectiva em longo prazo Voltamos agora a nossa atenção para este aspecto de imensa importância para os valores ambientais As gerações do futuro Uma floresta virgem é o produto dos muitos milhões de anos que passaram desde a origem do nosso planeta Se for abatida pode crescer uma nova floresta mas a continuidade é interrompida A ruptura nos ciclos de vida natural de plantas e animais significa que a floresta nunca voltará a ser aquilo que teria sido se não fosse cortada Os ganhos obtidos com o abate da floresta emprego lucros das empresas ganhos em exportações e papel e cartão de embalagem mais baratos são benefícios de curto prazo Mesmo que a floresta não seja abatida mas inundada para se construir uma barragem hidroeléctrica é provável que os benefícios durem apenas por geração ou duas após esse período as novas tecnologias tornarão obsoletos esses métodos de gerar energia No entanto a partir do momento em que a floresta é abatida ou inundada a ligação com o passado perdese para sempre Tratase de um custo que será suportado por todas as gerações que nos sucederem sobre o planeta é por essa razão que os ambientalistas têm razão quando falam do meio natural como um legado mundial é algo que herdámos dos nossos antepassados e que temos de preservar para os nossos descendentes se não os quisermos privar desse bem Ao contrário de muitas sociedades humanas mais estáveis orientadas pela tradição o nosso sistema político e cultural moderno tem grande dificuldade em reconhecer valores de longo prazo Os políticos são notórios por não olharem para além da eleição seguinte mas mesmo que o façam terão logo os seus conselheiros económicos a dizerlhe que se deve descontar de tal modo tudo o que se venha a ganhar no futuro que o melhor é ignorar totalmente o futuro a longo prazo Os economistas aprenderam a aplicar uma taxa de redução a todas as futuras mercadorias Por outras palavras 1 milhão de dólares 180000 contos daqui a 20 anos não terá o mesmo valor que 1 milhão de dólares actuais mesmo levando em conta a inflação Os economistas reduzirão o valor do milhão de dólares numa certa percentagem que normalmente corresponde às taxas de juro reais a longo prazo Faz sentido do ponto de vista económico porque se eu tivesse 1000 dólares hoje 180 contos poderia investilos de modo que valessem mais em termos reais daqui a 20 anos Mas a utilização de uma taxa de redução significa que os valores ganhos num horizonte temporal de 100 anos valem muito pouco em comparação com os valores ganhos hoje e os valores ganhos daqui a 1000 anos não contam praticamente para nada Isto não acontece devido à incerteza de haver seres humanos ou outras criaturas sencientes a habitar este planeta nessa altura mas apenas devido ao efeito cumulativo da taxa de rendimento do dinheiro investido hoje No entanto do ponto de vista dos valores sem preço e intemporais do meio natural a aplicação de uma taxa de redução dános uma resposta errada Há coisas que uma vez perdidas nenhum dinheiro do mundo pode reconquistar Assim justificar a destruição de uma floresta antiga com base na ideia de que nos trará um substancial rendimento nas exportações é um disparate mesmo que pudéssemos investir esse rendimento e aumentar o seu valor de ano para ano é que por muito que esse valor aumente nunca poderá voltar a comprar a ligação com o passado que a floresta representa Este argumento não prova que não pode haver justificação para o abate de uma floresta virgem mas significa de facto que qualquer justificação desse tipo tem de ter em consideração o valor das florestas para as gerações do futuro mais remoto assim como do futuro mais imediato Este valor estará obviamente relacionado com o significado paisagístico ou biológico particular da floresta mas à medida que a proporção do meio verdadeiramente selvagem diminui cada pedaço que resta tornase mais importante pois as oportunidades para se desfrutar a vida selvagem tornamse escassas reduzindose a probabilidade de uma selecção razoável das principais formas de vida selvagem a serem preservadas Será que podemos ter a certeza de que as futuras gerações irão apreciar a natureza Não se sentirão talvez mais felizes sentadas em centros comerciais com ar condicionado entretidas com jogos de computador mais sofisticados do que alguém pode imaginar É possível Mas há diversas razões para não atribuirmos demasiado peso a esta possibilidade Em primeiro lugar a tendência temse manifestado na direcção oposta o apreço pela natureza nunca foi tão grande como actualmente em especial nos países que resolveram os problemas da pobreza e da fome e onde restam relativamente poucas terras virgens Esta é valorizada como algo de extrema beleza como um repositório de conhecimento científico ainda por conquistar pelas oportunidades recreativas que proporciona e porque muita gente fica feliz por saber que ainda resta alguma coisa natural que a civilização moderna deixou relativamente intacta Se como todos temos esperança as futuras gerações forem capazes de satisfazer as necessidades básicas da maioria das pessoas é de esperar que durante séculos também elas valorizarão a natureza pelas mesmas razões que nós Os argumentos a favor da preservação do meio natural baseados na sua beleza são por vezes tratados como se tivessem pouco valor por serem meramente estéticos Tratase de um erro Dedicamos um grande esforço à conservação dos tesouros artísticos de civilizações humanas anteriores É difícil imaginar qualquer ganho económico que estivéssemos dispostos a aceitar como compensação adequada para por exemplo a destruição dos quadros do Louvre Como deveremos comparar o valor estético da natureza com as pinturas do Louvre Neste caso talvez o juízo se torne inevitavelmente subjectivo de modo que relatarei a minha própria experiência Contemplei quadros no Louvre e em muitas das outras grandes galerias da Europa e dos Estados Unidos Penso que tenho um sentido razoável de apreciação das belasartes contudo não tive em museu algum experiências que tivessem preenchido o meu sentido estético da forma como me sinto realizado quando caminho por um cenário natural e faço uma pausa para admirar do alto de um pico rochoso a paisagem de um vale coberto de floresta ou me sento junto de uma torrente que serpenteia sobre seixos cobertos de musgo no meio de altos fetos que crescem à sombra do dossel da floresta Creio não ser o único a sentir tal exaltação para muita gente a natureza constitui a fonte dos mais altos sentimentos de emoção estética elevandose a uma intensidade quase espiritual Apesar de tudo é possível que este apreço pela natureza não venha a ser partilhado pelas pessoas que viverem daqui a um século ou dois Mas se a vida selvagem pode ser a fonte de uma alegria e de uma satisfação tão profundas isso será uma grande perda Até certo ponto depende de nós que as futuras gerações gostem ou não da natureza tratase pelo menos de uma decisão sobre a qual podemos exercer alguma influência Mediante a nossa preservação da natureza damos uma oportunidade às futuras gerações e por meio de livros e filmes criamos uma cultura que pode ser transmitida aos nossos filhos e aos nossos netos Se sentirmos que um passeio pela floresta com os sentidos sintonizados para a apreciação dessa experiência é uma forma mais gratificante de passar um dia do que entretermonos com jogos de computador ou se sentirmos que levar comida e abrigo numa mochila para passarmos uma semana a andar de bicicleta por um ambiente natural intacto contribuirá mais para desenvolver o carácter que ficar a ver televisão durante um período equivalente nesse caso devemos encorajar as futuras gerações a ter sentimentos de apreço pela natureza se acabarem por preferir jogos de computador é sinal de que não conseguimos esse intento Por fim se mantivermos intactas as extensões naturais que ainda existem as futuras gerações terão pelo menos a escolha de largar os jogos de computador e sair para contemplar um mundo que não foi criado por seres humanos Se destruirmos o meio natural essa opção perdese para sempre Do mesmo modo que despendemos avultadas somas a justo título para preservar cidades como Veneza mesmo que as futuras gerações possam não mostrar interesse pelos seus tesouros arquitectónicos também devemos preservar o meio natural embora haja a possibilidade de as gerações vindouras se interessarem pouco por ele Assim não defraudaremos as futuras gerações como fomos defraudados por gerações do passado cujos actos irreflectidos nos privaram da possibilidade de contemplarmos animais como o dodó a vacamarinha de Steller ou o marsupial lobodatasmânia Temos de ter o cuidado de não infligir perdas irreparáveis às gerações que nos sucederem Neste caso também o esforço para mitigar o efeito de estufa merece a maior prioridade Porque se por meio natural nos referimos à parte do nosso planeta que não está afectada pela actividade humana talvez seja demasiado tarde pode não restar qualquer meio natural no nosso planeta Bill McKibben defendeu que ao contribuirmos para a diminuição da camada de ozone e para o aumento do teor de dióxido de carbono na atmosfera já demos origem à mudança condensada no título do seu livro O Fim da Natureza Ao alterarmos o clima tomamos todos os recantos do planeta forjados pelo homem e artificiais Privámos a natureza da sua independência o que é fatal para o seu sentido A independência da natureza é o seu sentido sem ela nada resta além de nós Este pensamento é profundamente perturbador Porém McKibben não o desenvolve a ponto de sugerir que podemos também desistir de tentar inverter a tendência É verdade que num certo sentido do termo a natureza já não existe Passámos uma esponja por cima da história do nosso planeta Como escreve McKibben vivemos num mundo pósnatural Ninguém pode desfazer isso o clima do nosso planeta está sob a nossa influência Contudo ainda nos resta muito daquilo que valorizamos na natureza e ainda é possível salvar o que resta Assim uma ética antropocêntrica pode constituir a base de argumentos fortes em favor daquilo a que podemos chamar valores ambientais Uma tal ética não implica que o crescimento económico seja mais importante que a preservação do meio natural pelo contrário é perfeitamente compatível com uma ética antropocêntrica encarar o crescimento económico baseado na exploração de recursos insubstituíveis como algo que traz ganhos à geração presente e possivelmente a mais uma ou duas gerações seguintes mas a um preço que será pago por todas as gerações do futuro Porém à luz da análise que fizemos do especismo no capítulo 3 devia ser também claro que é um erro limitarmonos a uma ética antropocêntrica Precisamos agora de nos debruçar sobre desafios mais fundamentais a esta tradicional abordagem ocidental das questões ambientais Haverá valor para lá dos seres sencientes Embora alguns debates sobre temas ambientais importantes possam ser conduzidos apelando apenas para os interesses a longo prazo da nossa espécie um tema central em toda a abordagem séria dos valores ambientais será a questão do valor intrínseco Já vimos que é arbitrário defender que apenas os seres humanos tem valor intrínseco Se pensarmos que existe valor nas experiências humanas conscientes não podemos negar que há valor em pelo menos algumas experiências de seres não humanos Até onde se alarga o valor intrínseco A todos os seres sencientes e apenas a esses Ou passa além da fronteira da senciência Para explorarmos esta questão serão úteis alguns comentários à noção de valor intrínseco Uma coisa tem valor intrínseco se for um bem ou desejável em si contrapõese ao valor instrumental ou seja o valor como meio para um outro fim ou objectivo A nossa felicidade por exemplo tem valor intrínseco pelo menos para a maioria de nós pelo facto de a desejarmos por si mesma O dinheiro por outro lado só possui valor instrumental Queremolo devido às coisas que com ele podemos comprar mas se estivéssemos perdidos numa ilha deserta não precisaríamos dele para coisa alguma Ao passo que a felicidade seria tão importante para nós numa ilha deserta como em qualquer outro lugar Consideremos agora por um momento a questão de construir uma barragem proposta no início deste capítulo Se a decisão fosse tomada exclusivamente com base nos interesses humanos compararíamos os benefícios económicos da barragem para os cidadãos da região com as perdas para os amantes da natureza os cientistas e outros agora e no futuro que dão valor à preservação do rio no seu estado natural Já vimos que como este cálculo inclui um número indefinido de futuras gerações a perda do rio representa um custo maior do que poderíamos a princípio imaginar Mesmo assim quando alargamos a base da nossa decisão além dos seres humanos temos muito mais para contrapor aos benefícios económicos da construção da barragem Nesses cálculos têm de entrar os interesses de todos os animais não humanos que vivem na área que será inundada Alguns poderão deslocarse para uma região vizinha conveniente mas o meio selvagem não está repleto de nichos vazios à espera de um ocupante quando há um território que pode sustentar um animal nativo o mais provável é estar já ocupado Assim a maioria dos animais que vivem na área inundada morrerão ou se afogam ou morrem de fome O afogamento e a fome são mortes horríveis e o sofrimento associado a estas mortes não deve como vimos receber um peso menor do que aquele que daríamos a um sofrimento equivalente infligido a seres humanos Este facto aumenta consideravelmente o peso das considerações em desfavor da construção da barragem E que dizer do facto de os animais morrerem para além do sofrimento que ocorrerá no decurso da sua morte Como vimos podemos sem incorrer numa discriminação arbitrária com base na espécie encarar a morte de um animal não humano que não seja uma pessoa como menos significativa que a morte de uma pessoa dado que os seres humanos são capazes de prever e planear o futuro de uma forma que não está ao alcance dos animais não humanos A diferença entre causar a morte a uma pessoa e a um ser que não é uma pessoa não significa que a morte de um animal que não é uma pessoa se deva considerar sem importância Pelo contrário os utilitaristas terão em consideração a perda que essa morte inflige nos animais a perda da sua futura existência e das experiências que a sua futura vida traria Quando se propõe uma barragem que iria inundar um vale e mataria milhares talvez milhões de criaturas sencientes deve atribuirse grande importancia a essas mortes na avaliação dos custos e dos benefícios da construção da barragem Além disso no caso dos utilitaristas que aceitam a visão total estudada no capítulo 4 se a barragem destruir o habitat no qual os animais viviam o facto de essa perda vir a ser contínua é relevante Se a barragem não for construída é de supor que os animais continuem a habitar o vale durante milhares de anos vivendo os seus próprios prazeres e dores Poderíamos perguntar se a vida dos animais num ambiente natural produz mais prazer do que dor ou mais satisfação do que frustração de preferências Neste ponto a ideia de calcular os benefícios tornase quase absurda mas isso não significa que a perda da vida dos animais que virão a existir deva ser afastada da nossa tomada de decisões No entanto isto pode não ser tudo Será que também devemos ponderar não apenas o sofrimento e a morte dos animais individuais mas também o facto de uma espécie inteira poder desaparecer E que dizer da perda de árvores que subsistiram milhares de anos Que peso se não for nulo devemos atribuir à preservação dos animais das espécies das árvores e do ecossistema do vale independentemente dos interesses dos seres humanos na sua preservação quer sejam económicos recreativos ou científicos Neste ponto deparasenos um desacordo moral fundamental um desacordo sobre o tipo de seres que devemos ter em consideração na nossa deliberação moral Vejamos o que se tem dito em favor de alargar a ética além dos seres sencientes Reverência pela vida A posição ética desenvolvida neste livro é um alargamento da ética da tradição ocidental dominante Esta ética alargada traça a fronteira da consideração moral em tomo de todas as criaturas sencientes mas deixa os restantes seres vivos de fora A inundação de florestas antigas a possível perda de uma espécie na sua totalidade a destruição de vários ecossistemas complexos o próprio bloqueamento do rio e a perda dessas gargantas rochosas são factores a ter em consideração apenas na medida em que afectarem adversamente criaturas sencientes Será possível uma ruptura mais radical com a posição tradicional Será que podemos mostrar que estes aspectos da inundação do vale em parte ou no seu todo têm um valor intrínseco de modo que devem ser tidos em consideração independentemente dos efeitos sobre os seres humanos ou sobre os animais não humanos Alargar a ética de forma plausível de modo a abarcar os seres não ser cientes é uma tarefa difícil Uma ética baseada nos interesses de criaturas sencientes assenta em bases familiares As criaturas sencientes têm necessidades e desejos A pergunta Como será serse um opossum e estar a afogarse faz pelo menos sentido mesmo que nos seja impossível dar uma resposta mais precisa do que Deve ser horrível Para chegar a decisões morais que afectem criaturas sencientes podemos tentar somar os efeitos que as diferentes acções terão em todas as criaturas sencientes afectadas pelas acções alternativas ao nosso alcance Isto proporcionanos pelo menos algumas linhas de orientação sobre o que poderia ser correcto fazer Mas nada há que corresponda ao que é serse uma árvore a morrer por as suas raízes terem ficado alagadas A partir do momento em que abandonamos os interesses das criaturas sencientes como a nossa fonte de valor onde encontraremos valor O que é bom ou mau para as criaturas não sencientes e por que motivo tem isso importância Poderseia pensar que desde que nos limitemos aos seres vivos não é difícil encontrar uma resposta Sabemos o que é bom ou mau para as plantas do jardim água luz e estrume são bons calor ou frio extremos são maus O mesmo se aplica às plantas das florestas ou do meio natural Por que razão não poderemos pois considerar o seu florescimento um bem em si independentemente da sua utilidade para as criaturas sencientes Um problema que se nos depara neste caso é que sem interesses conscientes para nos guiarem não temos meios de avaliar os pesos relativos a atribuir ao desenvolvimento de diferentes formas de vida Será um pinheiro com 2001 anos de idade mais merecedor de ser conservado que um tufo de relva A maioria das pessoas diria que sim mas este juízo tem mais a ver com os nossos sentimentos de veneração pela idade dimensões e beleza da árvore ou com o tempo que seria necessário para a substituir do que com a nossa percepção de um valor intrínseco no desenvolvimento de uma velha árvore que um jovem tufo de relva não possua Se deixarmos de falar em termos de ser ciência a fronteira entre seres vivos e objectos naturais inanimados tornase mais difícil de defender Seria realmente pior cortar uma árvore antiga do que destruir uma bela estabilidade que levou ainda mais tempo a formarse Em que bases se poderia fazer semelhante juízo Provavelmente a defesa mais conhecida de uma ética que se alarga a todos os seres vivos é a de Albert Schweitzer A expressão que usava reverência pela vida é muitas vezes citada os argumentos que propôs em apoio dessa posição são menos conhecidos Eis uma das poucas passagens em que defendeu a sua ética A verdadeira filosofia deve começar pelos factos mais imediatos e mais abrangentes da consciência E pode ser formulada do seguinte modo Sou vida que quer viver e existo no meio de vida que quer viver Tal como na minha própria vontade de viver há um anseio por mais vida e por essa misteriosa exaltação da vontade que se chama prazer e terror face ao aniquilamento e a esse insulto à vontade de viver que se chama dor tudo isso predomina igualmente em toda a vontade de viver que me rodeia quer se exprima de modo acessível à minha compreensão quer se conserve muda A ética consiste portanto no facto de eu sentir a necessidade de praticar o mesmo respeito pela vida por toda a vontade de viver como em relação a mim Nisso tenho já o necessário princípio fundamental da moral É um bem manter e acalentar a vida é um mal destruir e reprimir a vida Um homem só é verdadeiramente ético quando obedece ao dever que lhe é imposto de ajudar toda a vida que possa socorrer e quando faz alguma coisa para evitar causar danos a qualquer ser vivo Esse homem não pergunta até que ponto esta ou aquela vida merece solidariedade enquanto valiosa em si mesma nem até que ponto é capaz de sentir Para ele a vida em si é sagrada Não estilhaça um cristal de gelo que brilha ao sol não arranca uma folha de uma árvore não colhe uma flor e tem o cuidado de nenhum insecto esmagar quando caminha Se trabalha à luz da candeia nas noites de Verão prefere manter a janela fechada e respirar ar abafado a ver insectos uns atrás dos outros cair em cima da sua mesa de trabalho com as asas chamuscadas e feridas Uma perspectiva semelhante foi defendida recentemente pelo filósofo americano contemporâneo Paul Taylor No seu livro Respect for Nature Taylor defende que todo o ser vivo procura o seu próprio bem à sua maneira única Desde que compreendamos isto podemos encarar todos os seres vivos como nos encaramos a nós e portanto estamos prontos a atribuir à sua existência o mesmo valor que atribuímos à nossa Não é clara a forma como devemos interpretar a posição de Schweitzer A referência ao cristal de gelo é especialmente intrigante porque um cristal de gelo não tem vida No entanto pondo este pormenor de lado o problema das afirmações apresentadas tanto por Schweitzer como por Taylor que visam de fender as suas perspectivas éticas é que usam a linguagem de forma metafórica e depois argumentam como se o que afirmaram fosse literalmente verdade Podemos muitas vezes falar de plantas que procuram água ou luz para sobreviver e esta forma de pensar acerca das plantas torna mais fácil aceitar falar da sua vontade de viver ou da sua procura do seu próprio bem Mas a partir do momento em que paramos e reflectimos no facto de as plantas não serem conscientes e não poderem ter qualquer comportamento intencional tornase claro que toda esta linguagem é metafórica poderíamos igualmente dizer que um rio procura o seu próprio bem e luta para chegar ao mar ou que o bem de um projéctil teleguiado é explodir juntamente com o seu alvo É enganador da parte de Schweitzer tentar levarnos para uma ética do respeito por todas as formas de vida referindose a anseio exaltação prazer e terror As plantas não sentem nada disso Acresce que no caso das plantas de rios e de mísseis teleguiados é possível dar uma explicação puramente física do que acontece e na ausência de consciência não há qualquer boa razão para termos maior respeito pelos processos físicos que regem o crescimento e a decadência dos seres vivos do que aquela que temos pelos que regem as coisas inanimadas Assim sendo é pelo menos pouco evidente que devamos ter mais respeito por uma árvore do que por uma estalactite ou mais respeito por um organismo unicelular do que por uma montanha Ecologia profunda Há mais de 40 anos o ecologista americano Aldo Leopold escreveu que havia a necessidade de uma nova ética uma ética que trate das relações do homem com a terra e com os animais e plantas que nela crescem A ética da terra que propôs alargaria as fronteiras da comunidade abrangendo solos águas plantas e animais e colectivamente a terra A ascensão das preocupações ecológicas no início dos anos 70 levou a um interesse renovado por esta atitude O filósofo norueguês Arne Naess escreveu um artigo breve mas influente onde distingue as tendências superficiais das profundas no seio do movimento ecológico O pensamento ecológico superficial estava limitado ao quadro moral tradicional os seus partidários desejavam ardentemente impedir a poluição das nossas reservas de água de modo a podermos ter água potável para beber e procuravam preservar o meio natural de modo que as pessoas pudessem continuar a desfrutar os prazeres da natureza Os ecologistas profundos por outro lado queriam preservar a integridade da biosfera unicamente por si mesma independentemente dos possíveis benefícios para os seres humanos que poderiam daí advir Posteriormente outros autores desenvolveram algumas formas de teoria ambientalista profunda Ao passo que a ética da reverência pela vida se centra nos organismos vivos individuais as propostas da ecologia profunda têm tendência para considerar algo mais vasto como objecto de valor as espécies os sistemas ecológicos ou mesmo a biosfera no seu todo Leopold resumiu assim as bases da sua nova ética da terra Uma coisa é um bem quando tem tendência para preservar a integridade a estabilidade e a beleza da comunidade biótica É um mal quando tem a tendência contráriaNum artigo publicado em 1984 Arne Naess e George Sessions um filósofo americano que faz parte do movimento ecológico profundo estabeleceram diversos princípios para uma ética ecológica profunda começando com os seguintes 1 O bemestar e o desenvolvimento da vida na Terra humana e não humana têm valor em si sinónimos valor intrínseco valor inerente Estes valores são independentes da utilidade do mundo não humano para finalidades humanas 2 A riqueza e a diversidade de formas de vida contribuem para a realização desses valores e também são valores em si 3 Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade excepto para satisfazer necessidades vitais Embora estes princípios se refiram apenas à vida Naess e Sessions afirmam no mesmo artigo que a ecologia profunda usa o termo biosfera de uma forma mais abrangente para se referir também a coisas não vivas como os rios bacias hidrográficas paisagens e ecossistemas Dois australianos que trabalham na área da ética ambiental profunda Richard Sylvan e Val Plumwood também alargam a sua ética além dos seres vivos incluindo nela uma obrigação de não pôr em risco o bemestar de objectos ou sistemas naturais sem uma boa razão para o fazer Na secção anterior citei a observação de Paul Taylor em que este afirmava que devíamos estar preparados não apenas para respeitar todo o ser vivo mas também para atribuir à vida de todo o ser vivo o mesmo valor que atribuímos à nossa Tratase de um tema comum entre os ecologistas profundos que muitas vezes se alarga além dos seres vivos No livro Deep Ecology Bill Devall e George Sessions defendem uma forma de igualitarismo biocêntrico A intuição da igualdade biocêntrica é a de que todas as coisas da biosfera têm o mesmo direito de viver de se desenvolverem e de atingirem as suas próprias formas individuais de desenvolvimento e de autorealização no seio da auto realização mais vasta A intuição fundamental é a de que todos os organismos e entidades da ecosfera como partes do mundo interligado são iguais em termos de valor intrínseco Se como a citação sugere a igualdade biocêntrica assenta numa intuição fundamental erguese contra algumas intuições fortes que apontam em sentido contrário por exemplo a intuição de que os direitos de viver e de se desenvolver dos adultos humanos normais devem ser preferidos aos das leveduras e que os direitos dos gorilas prevalecem sobre os das ervas Se porém a ideia é a de que os seres humanos os gorilas as leveduras e as ervas fazem parte de um todo interligado nesse caso ainda se pode perguntar como decorre daí que sejam iguais em valor intrínseco Será porque todo o ser vivo desempenha um papel no ecossistema de que depende para a sua sobrevivência Mas em primeiro lugar mesmo que isso mostrasse que existe um valor intrínseco nos microrganismos e nas plantas no seu todo nada diz sobre o valor de microrganismos ou de plantas individuais visto que nenhum indivíduo é necessário para a sobrevivência do ecossistema no seu conjunto Em segundo lu gar o facto de todos os organismos fazerem parte do todo interligado não implica que possuam todos valor intrínseco e muito menos valor intrínseco igual Podem ter valor apenas porque são necessários para a existência do todo e o todo pode ter valor apenas porque sustenta a existência de vários seres conscientes Assim a ética da ecologia profunda não consegue fornecer respostas persuasivas para questões relacionadas com o valor da vida dos seres individuais No entanto talvez este seja o tipo errado de pergunta Como a ciência da ecologia se debruça sobre os sistemas e não sobre os organismos individuais a ética ecológica podia ser mais plausível se fosse aplicada a um nível superior talvez ao nível das espécies e dos ecossistemas Por detrás de muitas tentativas para derivar valores a partir da ética ecológica a este nível encontrase uma ou outra forma de holismo a ideia de que num certo sentido a espécie ou o ecossistema não são apenas um conjunto de indivíduos mas uma verdadeira entidade por direito próprio O holismo é exposto no livro de Lawrence Johnson A Morally Deep World Johnson fala com àvontade dos interesses da espécie num sentido diferente do somatório dos interesses de cada um dos seus membros e defende que devíamos ter em consideração nas nossas deliberações morais os interesses de uma espécie ou de um ecossistema No livro The Ecological Self Freya Mathews defende que todo o sistema autorealizado tem valor intrínseco pelo facto de se procurar manter ou preservar a si próprio Embora os organismos vivos sejam exemplos paradigmáticos de sistemas autorealizados Mathews tal como Johnson inclui as espécies e os ecossistemas na categoria de entidades ou sujeitos holistas com a sua própria forma de realização Freya Mathews inclui mesmo a totalidade do ecossistema global secundando James Lovelock ao referirselhe pelo nome da deusa grega da Terra Gaia Nesta base defende a sua própria forma de igualitarismo biocêntrico É claro que há uma questão filosófica séria acerca de se saber se uma espécie ou um ecossistema se podem considerar o tipo de indivíduo que pode ter interesses ou um sujeito susceptível de se realizar e mesmo que possa a ética da ecologia profunda enfrentará problemas semelhantes aos que identificámos quando considerámos a ideia da reverência pela vida Porque é necessário não apenas que se possa afirmar com propriedade que as árvores espécies e ecossistemas possuem interesses mas que têm interesses moralmente significativos Para os encararmos como sujeitos será preciso demonstrar que a sobrevivência ou a realização desse tipo de sujeito tem valor moral independentemente do valor que possui devido à sua importância como suporte da vida consciente Ao discutir a ética da reverência pela vida vimos que uma forma de estabelecer que um interesse é moralmente significativo consiste em perguntar o que representa para a entidade afectada ter um interesse não satisfeito A mesma pergunta se pode fazer a propósito da autorealização o que é para o sujeito ficar por se realizar Este tipo de perguntas dão origem a respostas inteligíveis quando as levantamos relativamente a seres sencientes mas não quando as levantamos relativamente a árvores espécies ou ecossistemas O facto de como James Lovelock assinala em Gaia Um Novo Olhar sobre a Vida na Terra a biosfera poder responder a acontecimentos de uma forma que se assemelha a sistemas autosustentáveis não prova só por si que a biosfera deseje conscientemente manterse a si própria Dar ao ecossistema global o nome de uma deusa grega é uma boa ideia mas não é a melhor maneira de nos ajudar a pensar claramente na sua natureza Da mesma forma numa escala mais pequena nada há que corresponda ao que sente um ecossistema inundado por uma barragem porque não existe tal sentimento A este respeito as árvores os ecossistemas e as espécies assemelhamse mais a rochas que a seres sencientes assim a linha divisória entre criaturas sencientes e não sencientes é nessa medida uma base mais firme para uma fronteira moralmente importante do que a linha divisória entre coisas vivas e não vivas ou entre entidades holistas e quaisquer outras entidades que possamos não considerar holistas Seja o que for que essas entidades possam ser até um único átomo quando visto ao nível adequado é um sistema complexo que procura manterse a si próprio Esta rejeição da base ética para uma ecologia profunda não significa que a argumentação em favor da preservação do meio selvagem não seja forte Significa apenas que um tipo de argumento o argumento do valor intrínseco das plantas das espécies ou dos ecossistemas é na melhor das hipóteses problemático A não ser que possa colocarse numa base diferente mais firme devemos confinarnos a argumentos baseados nos interesses de criaturas sencientes presentes e futuras humanas e não humanas Estes argumentos bastam para provar que pelo menos numa sociedade onde ninguém precisa de destruir o meio natural para obter comida para a sua sobrevivência ou materiais para se abrigar dos elementos o valor de preservar áreas significativas que restem do meio natural excede de longe os valores económicos que se obtêm pela sua destruição O desenvolvimento de uma ética ambiental Em última análise o conjunto de valores e proibições éticos adoptados pela ética de sociedades específicas reflectirá sempre as condições nas quais têm de viver e de trabalhar para sobreviver Esta afirmação é quase uma tautologia porque se a ética da sociedade não tomasse em consideração tudo aquilo que é necessário à sobrevivência essa sociedade deixaria de existir Muitos dos padrões éticos que hoje aceitamos podem ser explicados nestes termos Alguns são universais e é legítimo esperar que sejam benéficos para a comunidade em praticamente todas as condições em que os seres humanos vivem É evidente que uma sociedade que permita que os membros da comunidade se matem impunemente entre si não durará muito tempo Inversamente os valores paternais e maternais de cuidar das crianças e outras virtudes como a honestidade ou a lealdade para com o grupo promoverão uma comunidade estável e duradoira Outras proibições podem reflectir condições específicas a prática entre os Esquimós de matarem os pais idosos que já não são capazes de se defender sozinhos é muitas vezes citada como uma resposta necessária à vida num clima muito agreste Não há dúvida de que sendo processos lentos o ritmo de mudança das condições climáticas ou a migração para regiões diferentes deu tempo aos sistemas éticos para fazerem as necessárias adaptações Enfrentamos agora uma nova ameaça à nossa sobrevivência A proliferação de seres humanos associada aos resíduos do crescimento económico é tão capaz de varrer a nossa sociedade da face da Terra e todas as restantes sociedades como as velhas ameaças tradicionais Ainda não se desenvolveu uma ética capaz de fazer face a esta ameaça Alguns princípios éticos que possuímos correspondem exactamente na realidade ao contrário daquilo que precisamos O problema é que como vimos os princípios éticos mudam lentamente e temos pouco tempo para desenvolvermos uma nova ética do meio ambiente Uma tal ética consideraria eticamente duvidoso todo o acto nocivo para o ambiente e os actos desnecessariamente prejudiciais como males claros É este o aspecto sério subjacente à minha observação no capítulo 1 de que as questões morais levantadas por conduzir um automóvel são mais graves do que as suscitadas pelo comportamento sexual Uma ética do meio ambiente acharia que poupar e reciclar recursos seria virtuoso e que o consumo extravagante e desnecessário seria uma depravação Para citar apenas um exemplo da perspectiva de uma ética do meio ambiente a nossa escolha de entretenimentos não é neutra Actualmente encaramos a opção entre corridas de automóveis ou de bicicletas entre esqui aquático e windsurf uma mera questão de gosto No entanto há uma diferença essencial as corridas de automóveis e o esqui aquático exigem o consumo de combustíveis fósseis e a descarga de dióxido de carbono na atmosfera As corridas de bicicleta e o windsurf não Quando levarmos a sério a necessidade de preservar o ambiente as corridas de automóveis e o esqui aquático deixarão de ser formas aceitáveis de entretenimento tal como hoje já não é aceitável lançar cães contra ursos acorrentados para os enraivecer É fácil discernir as linhas gerais de uma ética verdadeiramente ambientalista Ao seu nível mais fundamental uma tal ética promove a consideração pelos interesses de todas as criaturas sencientes incluindo as gerações subsequentes que se projectam no futuro distante É acompanhada por uma estética de apreço pelos lugares selvagens e pela natureza intacta A um nível mais minucioso aplicável à vida dos habitantes das cidades desencoraja as famílias numerosas Neste ponto estabelece um agudo contraste com algumas crenças éticas actuais que são relíquias de um tempo em que a Terra era pouco povoada também contrabalança a implicação da versão total do utilitarismo discutida no capítulo 4 Uma ética do meio ambiente rejeita os ideais de uma sociedade materialista na qual o êxito é medido pelo número de artigos de consumo que uma pessoa consegue acumular Em seu lugar ajuíza o êxito em termos do desenvolvimento das potencialidades de cada qual e da conquista da autorealização e da felicidade Promove a frugalidade na medida em que é necessária para minimizar a poluição e garantir que tudo pode ser reutilizado vezes sem conta Deitar fora descuidadamente materiais que podem ser reciclados é uma forma de vandalismo é roubar recursos do planeta que são nossa propriedade comum Assim os diversos guias e livros do consumidor verde sobre as coisas que podemos fazer para salvar o nosso planeta reciclando o que usamos e comprando os artigos ambientalmente mais inócuos possível fazem parte da nova ética que se torna necessária Mas até estas opções se pode revelar uma solução provisória um degrau para uma ética na qual a própria ideia de consumir produtos desnecessários seja posta em causa O windsurf pode ser melhor que o esqui aquático mas se continuarmos a comprar novas pranchas para estarmos na crista da onda das últimas tendências da moda em pranchas e velas a diferença tornase insignificante Temos de avaliar a nossa noção de extravagância Num mundo sujeito a grande pressão este conceito não se limita a carros de luxo com motorista ou a champanhe Dom Perignon A madeira proveniente de uma floresta tropical húmida é extravagante porque o valor a longo prazo da floresta tropical é de longe maior que as utilizações dadas à madeira Os produtos de papel que se deitam fora são extravagantes porque florestas antigas estão a ser transformadas em toros de madeira e a ser vendidas aos fabricantes de papel Dar um passeio de carro pela província constitui uma utilização extravagante de combustíveis fósseis que contribui para o efeito de estufa No decurso da segunda guerra mundial quando a gasolina era escassa havia cartazes que perguntavam A sua viagem é mesmo necessária Apelar para a solidariedade nacional para combater um perigo visível e imediato foi altamente eficaz O perigo para o nosso ambiente é menos imediato e mais difícil de vislumbrar mas a necessidade de suprimir as viagens desnecessárias e outras formas de consumo dispensável é igualmente grande No que diz respeito à alimentação a grande extravagância não é o caviar ou as trufas mas a carne de vaca a carne de porco e o frango Cerca de 38 da produção mundial de cereais serve actualmente para alimentar animais assim como grande quantidade de soja Há três vezes mais animais domésticos neste planeta que seres humanos O peso total dos efectivos mundiais de gado bovino 1280 milhões excede só por si o da população humana Enquanto olhamos com tristeza para o número de crianças que nascem nas regiões mais pobres do mundo ignoramos o excesso de população dos animais de criação para o qual contribuímos O prodigioso desperdício de cereais que servem para a alimentação intensiva de animais já foi mencionado nos capítulos 3 e 8 Isso contudo é apenas uma parte do prejuízo causado pelos animais que criamos deliberadamente Os métodos de energia intensiva da agropecuária industrial dos países desenvolvidos são responsáveis pelo consumo de quantidades enormes de combustíveis fósseis Os fertilizantes químicos usados para a produção de rações para o gado e os porcos e galinhas criados em recintos fechados produzem óxido nitroso outro gás que causa o efeito de estufa Depois há a perda das florestas Por todo o lado os habitantes das florestas tanto humanos como não humanos estão a ser escorraçados Desde 1960 25 das florestas da América Central foram abatidas para se criar gado Depois de arroteados os solos pobres suportam pastagens durante alguns anos após o que se torna necessário procurar novas pastagens Os arbustos invadem as terras de pastagem abandonadas mas a floresta não regressa Quando as florestas são abatidas para se criarem pastagens para o gado biliões de toneladas de dióxido de carbono são libertadas na atmosfera Por fim pensase que o gado mundial produz cerca de 20 do metano libertado na atmosfera e o metano capta vinte e cinco vezes mais calor do Sol que o dióxido de carbono O estrume das explorações agropecuárias também produz metano porque ao contrário do estrume depositado naturalmente nos campos não se decompõe na presença do oxigénio Tudo isto corresponde a uma razão imperiosa a somar à que se desenvolveu no capítulo 3 em favor de uma alimentação baseada sobretudo em vegetais A ênfase na frugalidade e numa vida simples não significa que a ética do meio ambiente veja com maus olhos o prazer mas que os prazeres que valoriza não advêm de um consumo exagerado Provêm em vez disso de relações pessoais e sexuais calorosas da proximidade das crianças e dos amigos da conversa de desportos e entretenimentos que estão em harmonia com o nosso ambiente sem o agredirem da alimentação que não se baseia na exploração de criaturas sencientes nem destrói a Terra da actividade e do trabalho criativos de todos os tipos e com o devido cuidado para não se estragar precisamente o que é mais valioso da apreciação dos lugares ainda intactos do mundo onde vivemos
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Recomendado para você
94
Código de Ética Profissional da Engenharia e Geociências - 10ª Edição
Ética Geral e Profissional
UFERSA
24
Dados de Copyright e Sobre a Obra de Justiça de Michael Sandel
Ética Geral e Profissional
UFERSA
33
Justiça - Michael Sandel
Ética Geral e Profissional
UFERSA
27
Justiça - Michael J. Sandel
Ética Geral e Profissional
UFERSA
41
Fragmentos sobre a Etica Profissional: Reflexões e Modelos
Ética Geral e Profissional
UFERSA
154
Conselho Editorial - Lumen Juris
Ética Geral e Profissional
UFERSA
37
Ética e Legislação Profissional: A Convivência em Sociedade
Ética Geral e Profissional
UFERSA
5
Ética e Ciência: Intersecções na Filosofia da Ciência
Ética Geral e Profissional
UFRB
20
Conceitos de Administração e Ética Empresarial
Ética Geral e Profissional
UNIASSELVI
4
Template para Mapa Disciplina: Administração e Ética Empresarial
Ética Geral e Profissional
UNIASSELVI
Texto de pré-visualização
ÉTICA PRÁTICA PETER SINGER Tradução Álvaro Augusto Fernandes Revisão Científica Cristina Beckert e Desidério Murcho Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Sociedade Portuguesa de Filosofia Gradiva Filosofia Aberta Título original inglês Practical Ethics 1993 by Cambridge University Press Tradução Álvaro Augusto Fernandes Revisão do texto Manuel Joaquim Vieira Impressão e acabamento Tipografia Lugo Ltda A ética aplicada é uma das áreas onde a filosofia praticada na sua melhor tradição argumentativa demonstra a sua fecundidade como instrumento de abordagem a alguns dos grandes problemas da humanidade A filosofia é uma atividade viva caracterizada pelo estudo minucioso dos problemas e pela tentativa de produzir respostas convincentes alicerçadas em argumentos sólidos Nesta obra Peter Singer mostranos a filosofia no seu melhor introduzindo de forma exemplar os seguintes temas Natureza da ética Noção de igualdade Direitos dos animais Eutanásia Aborto Fome no mundo Problema dos refugiados Ética do meio ambiente Desobediência civil Natureza da acção ética Sentido da vida Esta obra clara informada e muita bem argumentada enfrenta alguns dos grandes desafios éticos do nosso tempo Tratase dos desafios éticos impostos pela fome no mundo pelo equilíbrio ecológico do planeta pela exigência de igualdade e pela moderna ciência médica entre outros Que posições poderão defender com respeito à eutanásia e ao aborto E relativamente aos refugiados e à ajuda internacional aos países do Terceiro Mundo E quanto aos animais Teremos o direito de os fazer sofrer só para satisfazer o nosso prazer Que desafios nos levantam uma sociedade verdadeiramente igualitária Leitura obrigatória para estudantes de filosofia direito sociologia relações internacionais e comunicação social esta obra é de um interesse público indesmentível constituindo ponto de reflexão fundamental para todos os que se preocupam com os grandes problemas éticos do nosso tempo Um livro que nos permite exercer uma cidadania livre e crítica fundamental numa democracia viva e participada De mim não aprendereis filosofia mas antes como filosofar não aprendereis pensamentos para repetir mas antes como pensar Immanuel Kant Peter Singer é um dos maiores especialistas em ética aplicada área para cuja revitalização contribuiu decisivamente Ensinou nas Universidades de Oxford Nova Iorque e Monash sendo atualmente professor catedrático na Universidade de Princeton Da sua obra destacamse Marx 1980 Hegel 1983 Animal Liberation 1990 Rethinking Life and Death 1994 e Ethics into Action 1998 é um coautor das obras the Reproduction Revolution 1984 Should the Baby Live 1985 Embryo Experimentation 1990 e The Great Ape Project 1995 Regidiu o artigo sobre ética da actual edição da Enciclopédia Britannica e organizou os volumes Applied Ethics 1986 A Companion to Ethics 1991 e Ethics 1994 Deu ainda origem à obra Singer and His Critics 1999 organizada por Dale Jamieson Em 1992 foi eleito presidente fundador da Associação Internacional de Bioética foi o primeiro director do Centro de Bioética da Universidade de Monash e é codirector da revista internacional Bioethics Encontrou ainda tempo para escrever a presente introdução à ética prática e uma obra de divulgação admirável How Are We to Live1995 Prefácio A ética prática tem um âmbito vasto Se tivermos atenção encontraremos ramificações éticas na maior parte das nossas escolhas Este livro não pretende abordar a área na sua totalidade Os problemas de que trata foram escolhidos com base em dois critérios a sua importância e a capacidade do raciocínio filosófico para contribuir para a sua discussão Considero que um tema ético importante é aquele que toda a pessoa que pensa um pouco tem de enfrentar Somos confrontados diariamente com alguns dos temas tratados neste livro quais são as nossas responsabilidades pessoais para com os pobres Teremos alguma justificação para tratar os animais como se não passassem de máquinas que produzem carne para a nossa alimentação Será legitimo usarmos papel não reciclado E em todo o caso por que motivo havemos de nos preocupar em agir de acordo com princípios morais Outros problemas como o aborto ou a eutanásia não representam felizmente decisões quotidianas que a maior parte de nós tenha de tomar mas são problemas que podem surgir na nossa vida a qualquer momento São também temas de preocupação actual sobre os quais todas as pessoas que participam no processo de tomada de decisões da nossa sociedade precisam de reflectir Até que ponto um problema pode ser discutido filosoficamente com proveito depende da sua natureza Alguns são controversos sobretudo porque há factos em disputa Por exemplo a questão de saber se devemos permitir ou não a difusão de novos organismos transgénicos criados com recurso a ADN recombinante depende em grande medida de se saber se esses organismos implicam um risco grave para o ambiente Embora os filósofos possam não possuir os conhecimentos necessários para se pronunciarem sobre essa questão têm algo útil a dizer sobre se é aceitável correr um determinado risco de danificar o ambiente Noutros casos porém os factos são claros e aceites por ambas as partes são as perspectivas éticas em confronto que dão origem ao desacordo quanto ao que se deve fazer Nesse caso o tipo de raciocínio e análise que os filósofos praticam pode de facto contribuir para esclarecer a questão Nos problemas abordados neste livro são os desacordos éticos e não os factuais que determinam as posições que as pessoas tomam A contribuição potencial dos filósofos para a discussão dessas questões é portanto considerável Este livro desempenhou um papel central em acontecimentos que devem constituir motivos de reflexão para todos aqueles que pensam que a liberdade de pensamento e de expressão se pode considerar garantida na actuais democracias progressistas Desde a sua primeira publicação em 1979 foi muito lido e usado em diversos cursos universitários Foi traduzido para alemão espanhol italiano japonês e sueco A reacção foi em geral positiva Há é claro muitas pessoas que não concordam com os argumentos que apresentei mas o desacordo temse situado quase sempre ao nível do debate civilizado A única excepção foi a reacção dos países de língua alemã Na Alemanha Áustria e Suíça a contestação às perspectivas apresentadas neste livro atingiu um ponto tal que as conferências para que fui convidado tiveram de ser canceladas e as aulas das disciplinas em universidades alemãs em que o livro iria ser usado sofreram tantos distúrbios que não puderam prosseguir Os leitores interessados em mais pormenores desta história lamentável encontrarão um relato mais completo no final do livro em apêndice Naturalmente que a oposição germânica a este livro me fez reflectir sobre se as perspectivas que apresento são como pelo menos alguns alemães parecem crer tão erradas ou perigosas que não devam ser expressas Embora a maior parte da oposição germânica esteja mal informada sobre aquilo que defendo existe uma verdade subjacente na afirmação de que este livro rompe com um tabu ou talvez mesmo com mais de um tabu Na Alemanha desde a derrota de Hitler que não tem sido possível discutir abertamente a questão da eutanásia nem a questão de saber se uma vida humana pode ser tão desgraçada que não valha a pena vivêla Mais fundamental ainda e não estando limitado à Alemanha é o tabu de comparar o valor de vidas humanas e não humanas Na agitação que se seguiu ao cancelamento de uma conferência na Alemanha para a qual eu fora convidado para falar a organização promotora alemã para se demarcar das minhas idéias aprovou uma série de moções uma das quais dizia o seguinte A singularidade da vida humana não permite qualquer comparação ou mais especificamente qualquer equiparação da existência humana com a de outros seres vivos com as suas formas de vida ou interessesComparar e em alguns casos equiparar a vida humana à vida dos animais é justamente o que este livro faz de facto pode dizerse que se há algum aspecto deste livro que o distingue de outras abordagens de temas como a igualdade humana o aborto a eutanásia e o ambiente é o facto de esses temas serem analisados com uma rejeição consciente de qualquer pressuposto de que todos os membros da nossa espécie têm apenas por serem membros da nossa espécie qualquer valor distintivo ou inerente que os coloque acima dos membros de outras espécies A crença na superioridade humana é uma crença fundamental subjacente ao nosso pensamento em muitas áreas melindrosas Desafiála não é coisa de somenos e o facto de tal desafio provocar uma reacção intensa não é de admirar Contudo a partir do momento em que tivermos compreendido que a quebra deste tabu de comparar seres humanos e animais é em parte responsável pelos protestos tornase claro que não podemos recuar Por motivos que são aprofundados em capítulos subseqüentes proibir quaisquer comparações interespécies seria filosoficamente indefensável Tornaria também impossível ultrapassar os males que estamos agora a infligir aos animais não humanos e reforçaria atitudes que causaram imensos danos irreparáveis ao ambiente deste planeta que partilhamos com os membros de outras espécies Portanto não me afastei das idéias que causaram tanta controvérsia em terras de língua alemã Se estas perspectivas apresentam os seus perigos são ainda maiores os perigos de tentar conservar os presentes tabus que estão a esboroarse É escusado dizer que muita gente discordará daquilo que tenho para dizer As objecções e os contra argumentos são bemvindos Desde os tempos de Platão que a filosofia tem avançado dialecticamente sempre que os filósofos apresentam razões para discordar das idéias de outros filósofos O desacordo é bom porque nos leva a uma posição mais defensável a opinião de que as idéias que apresentei não devem ser sequer discutidas é porém uma coisa completamente diferente que deixarei de bom grado ao juízo dos leitores depois de terem lido os capítulos que se seguem e de neles terem reflectido Embora não tenha mudado de idéias sobre as questões que suscitaram a oposição mais fanática esta edição revista contém muitas outras alterações Acrescentei dois novos capítulos sobre importantes questões éticas que não foram abordadas na edição anterior o capítulo 9 sobre a questão dos refugiados e o capítulo 10 sobre o ambiente O capítulo 2 tem uma nova secção sobre a igualdade e os deficientes As secções do capítulo 6 sobre experiências com embriões e utilização de tecido fetal também são novas Todos os capítulos foram revistos o material factual foi actualizado e nos casos em que a minha posição foi mal interpretada pelos críticos tento expôla de forma mais clara No que diz respeito às minhas perspectivas éticas subjacentes alguns amigos e colegas ficarão por certo desiludidos por verificarem que horas a fio a discutir comigo certos assuntos só serviram para reforçar a minha convicção de que a abordagem consequencialista da ética usada na 1a edição é fundamentalmente sólida Houve duas mudanças significativas na forma de consequencialismo adoptada A primeira é que uso a distinção traçada por R M Hare no seu livro Moral Thinking entre dois níveis distintos de raciocínio moral o nível intuitivo corrente e o nível reflexivo mais crítico A segunda é que abandonei a idéia que ensaiei de forma bastante experimental no capítulo 5 da 1a edição de que podíamos tentar combinar as versões total e da existência prévia do utilitarismo aplicando a primeira a seres sencientes que não são autoconscientes e a segunda àqueles que o são Penso actualmente que o utilitarismo das preferências traça uma distinção suficientemente clara entre estas duas categorias de seres permitindonos aplicar uma única versão de utilitarismo a todos os seres sencientes Apesar de tudo ainda não estou satisfeito com o meu tratamento de toda esta questão sobre o modo como devemos lidar com escolhas que envolvem dar origem a um ou mais seres Como os capítulos 47 deixam claro a forma como respondermos a estas questões desconcertantes tem implicações em temas como o aborto o tratamento de recémnascidos com graves malformações incapacitantes e o abate de animais No período que mediou entre a publicação das diferentes edições deste livro surgiu aquela que é de longe a análise mais completa e perspicaz deste problema até à data a obra Reasons and Persons de Derek Parfit Infelizmente o próprio Parfit não resolve as questões que levantou e a sua conclusão é a de que tem de prosseguir a busca da teoria X uma forma satisfatória de responder à questão Por isso não se deve esperar que essa solução possa surgir deste volume simultaneamente mais pequeno e abarcando uma matéria mais vasta Na redacção deste livro recorri profusamente aos meus artigos e livros já publicados Assim o capítulo 3 baseiase no livro Libertação Animal Porto 2000 2a edição inglesa 1990 embora leve em consideração as objecções levantadas desde a sua primeira publicação inglesa em 1975 As secções do capítulo 6 que versam temas como a fertilização in vitro o argumento da potencialidade a experimentação com embriões e a utilização de tecido fetal baseiamse no trabalho que escrevi em conjunto com Karen Dawson publicado com o título IVF and the Argument from Potential na revista Philosophy and Public Affairs vol 17 1988 e em Peter Singer Helga Kuhse e outros Embryo Experimentation Cambridge University Press 1990 Nesta edição revista o capítulo 7 foi enriquecido com a inclusão de idéias elaboradas em conjunto com Helga Kuhse ao trabalharmos no livro Should the Baby Live Oxford University Press 1985 que trata de forma muito mais aprofundada a questão da eutanásia no caso de recém nascidos com deficiências profundas O capítulo 8 reformula os argumentos de Famine Affluence and Morality publicado em Philosophy and Public Affairs vol 1 1972 e de Reconsidering the Famine Relief Argument publicado em Peter Brown e Henry Shue orgs Food Policy The Responsibilities of the United States in the Life and Death Choices Nova Iorque The Free Press 1977 O capítulo 9 também retoma um artigo escrito em colaboração desta vez com a minha mulher Renata Singer publicado pela primeira vez com o título Ethics of Refugee Policy em M Gibney org Open Borders Closed Societies Greenwood Press Nova Iorque 1988 O capítulo 9 baseiase em Environmental Values um capítulo com que contribuí para o livro Environmental Challenge organizado por Ian Marsh Longman Cheshire Melburne 1991 Partes do capítulo 11 foram retiradas do meu primeiro livro Democracy and Disobedience Oxford Clarendon Press 1973 Devo a H J McCloskey Derek Parfit e Robert Young comentários valiosos ao esboço da 1a edição deste livro As idéias de Robert Young também influenciaram o meu pensamento numa fase anterior quando demos em conjunto um curso sobre este tema na Universidade La Trobe Em particular o capítulo sobre a eutanásia deve muito às suas idéias muito embora Robert possa não concordar totalmente com ele Recuando ainda mais no tempo o meu interesse pela ética foi estimulado por H J McCloskey de quem tive o privilégio de ser aluno no tempo em que andava a tirar a minha licenciatura enquanto a marca deixada por R M Hare meu professor em Oxford é visível nos fundamentos éticos subjacentes às posições defendidas neste livro Jeremy Mynott da Cambridge University Press incentivoume a escrevêlo e ajudoume a darlhe forma e a aperfeiçoálo à medida que progredia Pela ajuda dada à elaboração desta edição revista e aumentada desejo agradecer àqueles com quem trabalhei em conjunto nas matérias agora introduzidas neste livro Karen Dawson Helga Kuhse e Renata Singer É justo destacar que tenho trabalhado em estreita colaboração com Helga Kuhse nos últimos dez anos período durante o qual aprendi muito com as discussões que mantivemos sobre a maioria dos temas abordados neste livro Helga Kuhse também leu e comentou diversos capítulos desta edição revista Paola Cavalieri fez comentários e críticas a todo o texto inicial e estoulhe grato por me sugerir vários aperfeiçoamentos Há é claro muitas outras pessoas que questionaram o que escrevi na 1a edição e me forçaram a repensar essas questões mas agradecer a todas é impossível e agradecer apenas a algumas é injusto Nesta edição foi Terence Moore da Cambridge University Press que com o seu entusiasmo pelo livro me estimulou a efectuar as necessárias revisões Para poder apresentar um texto limpo as notas referências e sugestões de leituras complementares surgem no final do livro divididas por capítulos 10 O Ambiente Um rio serpenteia por entre ravinas cobertas de floresta e gargantas escarpadas em direcção ao mar A comissão hidroeléctrica estatal considera as quedas de água energia não aproveitada A construção de urna barragem numa das gargantas proporcionaria trabalho durante três anos a 1000 pessoas e emprego a longo prazo para 20 ou 30 A albufeira armazenaria água suficiente para garantir que o estado satisfaria de forma económica as suas necessidades energéticas da década seguinte Esta situação fomentaria o estabelecimento de indústrias de energia intensiva contribuindo assim mais para o emprego e crescimento económico O terreno acidentado do vale do rio só permite o acesso a pessoas de razoável condição física mas é apesar de tudo um lugar predilecto dos que gostam de passear pelo bosque O próprio rio atrai os mais ousados praticantes de desportos radicais como o rafting No coração dos vales abrigados encontramse manchas de uma espécie rara de pinheiros tendo muitas das árvores uma idade superior a 1000 anos Os vales e desfiladeiros abrigam muitos animais e aves incluindo uma espécie em perigo de rato marsupial que raramente se vê fora do vale Pode haver também muitos outros animais e plantas raros mas ninguém sabe ao certo porque os cientistas ainda não estudaram esta região a fundo Será que se deve construir a barragem Eis um exemplo de uma situação em que temos de escolher entre conjuntos de valores muito diferentes A descrição baseiase por alto na proposta de construção de uma barragem no rio Franklin no Sudoeste da ilha australiana da Tasmânia pode lerse no capítulo 11 um relato do resultado mas alterei deliberadamente alguns pormenores e a descrição acima deve ser tratada como um caso hipotético Muitos outros exemplos colocariam igualmente bem o problema da escolha entre valores abater uma floresta virgem construir uma fábrica de papel que liberta poluentes nas águas costeiras ou abrir uma nova mina nos limites de um parque nacional Um conjunto diferente de exemplos levantaria questões relacionadas com estas mas ligeiramente diferentes o uso de produtos que contribuem para a depleção da camada de ozone ou para o efeito de estufa a construção de mais centrais nucleares etc Neste capítulo exploro os valores subjacentes aos debates sobre essas decisões e o exemplo que apresentei pode servir de ponto de referência para esses debates Incidirei particularmente nos valores em causa nas controvérsias sobre a preservação do ambiente natural porque neste caso os valores fundamentalmente diferentes das duas partes são bastante claros Quando falamos em inundar o vale de um rio a escolha que enfrentamos é especialmente clara Podemos dizer em geral que quem é favorável à construção da barragem valoriza mais o emprego e um maior rendimento per capita que a preservação do meio natural das plantas e dos animais tanto dos comuns como dos que pertencem a espécies em vias de extinção bem como as oportunidades para actividades recreativas ao ar livre No entanto antes de examinarmos os valores daquelas pessoas que construiriam a barragem e daquelas que não o fariam façamos uma breve investigação das origens das atitudes modernas relativamente ao mundo natural A tradição ocidental As atitudes ocidentais relativamente à natureza surgiram de uma mescla das do povo hebreu tal como estão representadas nos primeiros livros da Bíblia e da filosofia dos Gregos antigos em particular Aristóteles Em contraste com outras tradições antigas como por exemplo as da índia tanto as tradições hebraicas como gregas consideravam o ser humano o centro do universo moral na realidade não apenas o centro mas com muita frequência a totalidade das características moralmente significativas deste mundo A história bíblica da criação relatada no Génesis põe a nu a perspectiva hebraica do lugar especial que os seres humanos ocupam no plano divino Depois Deus disse Façamos o ser humano à nossa imagem à nossa semelhança para que domine sobre os peixes do mar sobre as aves do céu sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra Deus criou o ser humano à sua imagem criouo à imagem de Deus Ele os criou homem e mulher Abençoandoos Deus disselhes Crescei e multiplicaivos enchei e dominai a Terra Dominai sobre os peixes do mar sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na Terra Os cristãos debatem hoje o significado desta concessão de domínio e aqueles que se preocupam com o ambiente defendem que este domínio não deveria ser interpretado como uma licença para fazermos o que quisermos com os restantes seres vivos mas como uma directiva para cuidar deles em nome de Deus e ser responsável perante Deus pela forma como os tratamos No entanto há pouca justificação no texto em si para uma tal interpretação e atendendo ao exemplo que Deus deu quando afogou quase todos os animais da Terra para punir os seres humanos pela sua maldade não admira que as pessoas pensem que a inundação de um único vale não é nada com que valha a pena preocuparemse Após o dilúvio repetese a concessão de domínio numa linguagem mais sinistra Sereis temidos e respeitados por todos os animais da Terra por todas as aves do céu por tudo quanto rasteja sobre a Terra e por todos os peixes do mar ponhoos à vossa disposição A implicação é clara agir de modo a causar temor e pavor a tudo o que se move na Terra não é impróprio de facto está de acordo com um decreto divino Os mais influentes pensadores cristãos dos primeiros tempos não tinham dúvidas sobre a forma como se devia entender o domínio do homem Deus cuida dos bois perguntou Paulo no decurso de uma discussão sobre uma directiva do Velho Testamento para dar descanso ao boi no sábado mas tratavase apenas de uma pergunta retórica Paulo tinha a certeza de que a resposta era negativa e o preceito explicavase em termos de benefício para os seres humanos Agostinho partilhava desta linha de pensamento comentando episódios do Novo Testamento em que Jesus destruiu uma figueira e provocou o afogamento de uma vara de porcos explicava estes incidentes intrigantes afirmando que se destinavam a ensinarnos que coibirse de matar animais ou de destruir plantas é o cúmulo da superstição Quando o cristianismo triunfou no Império Romano absorveu também elementos da atitude dos Gregos antigos para com o mundo natural A influência grega foi levada para a filosofia cristã pelo maior dos escolásticos medievais Tomás de Aquino cuja obra da sua vida foi a fusão da teologia cristã com o pensamento de Aristóteles Aristóteles encarava a natureza como uma hierarquia em que os seres de menor capacidade de raciocínio existiam para benefício daqueles com maior capacidade de raciocínio Assim sendo temos de admitir manifestamente que de modo semelhante as plantas existem para a subsistência dos animais quando adultos e que os outros animais existem para o bem do homem os animais domésticos para uso e alimentação e os animais selvagens se não todos pelo menos a maior parte para alimentação e outras carências de modo a obtermos vestes e outros instrumentos a partir deles Se a natureza nada faz de imperfeito ou em vão então necessariamente criou todos estes seres em função do homem Na sua obra principal aSumma Theologica Aquino seguiu esta passagem de Aristóteles quase palavra por palavra acrescentando que esta posição respeita o mandamento de Deus expresso no Génesis Na sua classificação dos pecados Aquino só considera os pecados contra Deus nós mesmos ou os nossos vizinhos Não há qualquer possibilidade de pecar contra os animais não humanos nem contra o mundo natural Era este o pensamento do cristianismo ortodoxo durante pelo menos os seus primeiros 18 séculos Houve por certo espíritos mais generosos como Basílio João Crisóstomo ou Francisco de Assis mas na maior parte da história do cristianismo não exerceram impacte significativo na tradição dominante Vale portanto a pena destacar as características principais desta tradição ocidental dominante pois podem servir de ponto de comparação quando estudarmos as diferentes perspectivas relativamente ao meio ambiente De acordo com a tradição ocidental dominante o mundo natural existe para benefício dos seres humanos Deus concedeulhes domínio sobre o mundo natural e não se importa com a forma como o tratamos Os seres humanos são os únicos membros moralmente importantes deste mundo A própria natureza não possui qualquer valor intrínseco e a destruição de plantas e de animais só é pecado se com essa destruição prejudicarmos os seres humanos Apesar da sua severidade esta tradição não exclui a preocupação pela natureza desde que essa preocupação se possa relacionar com o bemestar humano É claro que muitas vezes isso pode acontecer Podese ser contrário à energia nuclear sem ultrapassar de modo algum os limites da tradição ocidental dominante com base na ideia de o combustível nuclear quer nas bombas quer nas centrais ser tão perigoso para a vida humana que é melhor deixar o urânio no subsolo Do mesmo modo muitos argumentos contra a poluição o uso de gases que danificam a camada de ozone a queima de combustíveis fósseis e a destruição das florestas podem ser apresentados em termos do prejuízo para a saúde e bemestar humanos que os poluentes provocam ou das mudanças de clima que resultam da utilização de combustíveis fósseis e da perda de manchas florestais O efeito de estufa para citar apenas um dos perigos para o nosso ambiente ameaça provocar uma subida no nível médio das águas que inundarão as regiões baixas litorais incluindo o delta do Nilo no Egipto fértil e densamente povoado e o delta da região de Bengala que cobre 80 do Bangladesh e está já sujeito e violentas tempestades sazonais que estão na origem de cheias desastrosas Só nestas duas regiões estão em risco a vida e os haveres de 46 milhões de pessoas Uma subida do nível médio das águas do mar podia também varrer do mapa países insulares como as Maldivas pois nenhuma destas ilhas se encontra a mais de um metro ou dois de altitude Deste modo é óbvio que a conservação do nosso ambiente é um valor da maior importância mesmo no quadro de uma moral antropocêntrica Do ponto de vista de uma forma de civilização baseada na agricultura e na criação de animais o meio natural pode parecer uma terra desaproveitada uma área inútil que necessita de ser limpa para se tornar produtiva e valiosa Houve um tempo em que aldeias rodeadas de quintas pareciam oásis de terras de cultivo no meio de manchas de floresta ou de agrestes encostas montanhosas Hoje porém é mais apropriada uma metáfora diferente o que resta da verdadeira vida selvagem é como ilhas no meio de um mar de actividade humana que ameaça destruílas Esta situação confere ao meio selvagem um valor de escassez que proporciona a base para um argumento forte a favor da preservação mesmo em termos de uma ética antropocêntrica Esse argumento tornase ainda mais forte quando adoptamos uma perspectiva em longo prazo Voltamos agora a nossa atenção para este aspecto de imensa importância para os valores ambientais As gerações do futuro Uma floresta virgem é o produto dos muitos milhões de anos que passaram desde a origem do nosso planeta Se for abatida pode crescer uma nova floresta mas a continuidade é interrompida A ruptura nos ciclos de vida natural de plantas e animais significa que a floresta nunca voltará a ser aquilo que teria sido se não fosse cortada Os ganhos obtidos com o abate da floresta emprego lucros das empresas ganhos em exportações e papel e cartão de embalagem mais baratos são benefícios de curto prazo Mesmo que a floresta não seja abatida mas inundada para se construir uma barragem hidroeléctrica é provável que os benefícios durem apenas por geração ou duas após esse período as novas tecnologias tornarão obsoletos esses métodos de gerar energia No entanto a partir do momento em que a floresta é abatida ou inundada a ligação com o passado perdese para sempre Tratase de um custo que será suportado por todas as gerações que nos sucederem sobre o planeta é por essa razão que os ambientalistas têm razão quando falam do meio natural como um legado mundial é algo que herdámos dos nossos antepassados e que temos de preservar para os nossos descendentes se não os quisermos privar desse bem Ao contrário de muitas sociedades humanas mais estáveis orientadas pela tradição o nosso sistema político e cultural moderno tem grande dificuldade em reconhecer valores de longo prazo Os políticos são notórios por não olharem para além da eleição seguinte mas mesmo que o façam terão logo os seus conselheiros económicos a dizerlhe que se deve descontar de tal modo tudo o que se venha a ganhar no futuro que o melhor é ignorar totalmente o futuro a longo prazo Os economistas aprenderam a aplicar uma taxa de redução a todas as futuras mercadorias Por outras palavras 1 milhão de dólares 180000 contos daqui a 20 anos não terá o mesmo valor que 1 milhão de dólares actuais mesmo levando em conta a inflação Os economistas reduzirão o valor do milhão de dólares numa certa percentagem que normalmente corresponde às taxas de juro reais a longo prazo Faz sentido do ponto de vista económico porque se eu tivesse 1000 dólares hoje 180 contos poderia investilos de modo que valessem mais em termos reais daqui a 20 anos Mas a utilização de uma taxa de redução significa que os valores ganhos num horizonte temporal de 100 anos valem muito pouco em comparação com os valores ganhos hoje e os valores ganhos daqui a 1000 anos não contam praticamente para nada Isto não acontece devido à incerteza de haver seres humanos ou outras criaturas sencientes a habitar este planeta nessa altura mas apenas devido ao efeito cumulativo da taxa de rendimento do dinheiro investido hoje No entanto do ponto de vista dos valores sem preço e intemporais do meio natural a aplicação de uma taxa de redução dános uma resposta errada Há coisas que uma vez perdidas nenhum dinheiro do mundo pode reconquistar Assim justificar a destruição de uma floresta antiga com base na ideia de que nos trará um substancial rendimento nas exportações é um disparate mesmo que pudéssemos investir esse rendimento e aumentar o seu valor de ano para ano é que por muito que esse valor aumente nunca poderá voltar a comprar a ligação com o passado que a floresta representa Este argumento não prova que não pode haver justificação para o abate de uma floresta virgem mas significa de facto que qualquer justificação desse tipo tem de ter em consideração o valor das florestas para as gerações do futuro mais remoto assim como do futuro mais imediato Este valor estará obviamente relacionado com o significado paisagístico ou biológico particular da floresta mas à medida que a proporção do meio verdadeiramente selvagem diminui cada pedaço que resta tornase mais importante pois as oportunidades para se desfrutar a vida selvagem tornamse escassas reduzindose a probabilidade de uma selecção razoável das principais formas de vida selvagem a serem preservadas Será que podemos ter a certeza de que as futuras gerações irão apreciar a natureza Não se sentirão talvez mais felizes sentadas em centros comerciais com ar condicionado entretidas com jogos de computador mais sofisticados do que alguém pode imaginar É possível Mas há diversas razões para não atribuirmos demasiado peso a esta possibilidade Em primeiro lugar a tendência temse manifestado na direcção oposta o apreço pela natureza nunca foi tão grande como actualmente em especial nos países que resolveram os problemas da pobreza e da fome e onde restam relativamente poucas terras virgens Esta é valorizada como algo de extrema beleza como um repositório de conhecimento científico ainda por conquistar pelas oportunidades recreativas que proporciona e porque muita gente fica feliz por saber que ainda resta alguma coisa natural que a civilização moderna deixou relativamente intacta Se como todos temos esperança as futuras gerações forem capazes de satisfazer as necessidades básicas da maioria das pessoas é de esperar que durante séculos também elas valorizarão a natureza pelas mesmas razões que nós Os argumentos a favor da preservação do meio natural baseados na sua beleza são por vezes tratados como se tivessem pouco valor por serem meramente estéticos Tratase de um erro Dedicamos um grande esforço à conservação dos tesouros artísticos de civilizações humanas anteriores É difícil imaginar qualquer ganho económico que estivéssemos dispostos a aceitar como compensação adequada para por exemplo a destruição dos quadros do Louvre Como deveremos comparar o valor estético da natureza com as pinturas do Louvre Neste caso talvez o juízo se torne inevitavelmente subjectivo de modo que relatarei a minha própria experiência Contemplei quadros no Louvre e em muitas das outras grandes galerias da Europa e dos Estados Unidos Penso que tenho um sentido razoável de apreciação das belasartes contudo não tive em museu algum experiências que tivessem preenchido o meu sentido estético da forma como me sinto realizado quando caminho por um cenário natural e faço uma pausa para admirar do alto de um pico rochoso a paisagem de um vale coberto de floresta ou me sento junto de uma torrente que serpenteia sobre seixos cobertos de musgo no meio de altos fetos que crescem à sombra do dossel da floresta Creio não ser o único a sentir tal exaltação para muita gente a natureza constitui a fonte dos mais altos sentimentos de emoção estética elevandose a uma intensidade quase espiritual Apesar de tudo é possível que este apreço pela natureza não venha a ser partilhado pelas pessoas que viverem daqui a um século ou dois Mas se a vida selvagem pode ser a fonte de uma alegria e de uma satisfação tão profundas isso será uma grande perda Até certo ponto depende de nós que as futuras gerações gostem ou não da natureza tratase pelo menos de uma decisão sobre a qual podemos exercer alguma influência Mediante a nossa preservação da natureza damos uma oportunidade às futuras gerações e por meio de livros e filmes criamos uma cultura que pode ser transmitida aos nossos filhos e aos nossos netos Se sentirmos que um passeio pela floresta com os sentidos sintonizados para a apreciação dessa experiência é uma forma mais gratificante de passar um dia do que entretermonos com jogos de computador ou se sentirmos que levar comida e abrigo numa mochila para passarmos uma semana a andar de bicicleta por um ambiente natural intacto contribuirá mais para desenvolver o carácter que ficar a ver televisão durante um período equivalente nesse caso devemos encorajar as futuras gerações a ter sentimentos de apreço pela natureza se acabarem por preferir jogos de computador é sinal de que não conseguimos esse intento Por fim se mantivermos intactas as extensões naturais que ainda existem as futuras gerações terão pelo menos a escolha de largar os jogos de computador e sair para contemplar um mundo que não foi criado por seres humanos Se destruirmos o meio natural essa opção perdese para sempre Do mesmo modo que despendemos avultadas somas a justo título para preservar cidades como Veneza mesmo que as futuras gerações possam não mostrar interesse pelos seus tesouros arquitectónicos também devemos preservar o meio natural embora haja a possibilidade de as gerações vindouras se interessarem pouco por ele Assim não defraudaremos as futuras gerações como fomos defraudados por gerações do passado cujos actos irreflectidos nos privaram da possibilidade de contemplarmos animais como o dodó a vacamarinha de Steller ou o marsupial lobodatasmânia Temos de ter o cuidado de não infligir perdas irreparáveis às gerações que nos sucederem Neste caso também o esforço para mitigar o efeito de estufa merece a maior prioridade Porque se por meio natural nos referimos à parte do nosso planeta que não está afectada pela actividade humana talvez seja demasiado tarde pode não restar qualquer meio natural no nosso planeta Bill McKibben defendeu que ao contribuirmos para a diminuição da camada de ozone e para o aumento do teor de dióxido de carbono na atmosfera já demos origem à mudança condensada no título do seu livro O Fim da Natureza Ao alterarmos o clima tomamos todos os recantos do planeta forjados pelo homem e artificiais Privámos a natureza da sua independência o que é fatal para o seu sentido A independência da natureza é o seu sentido sem ela nada resta além de nós Este pensamento é profundamente perturbador Porém McKibben não o desenvolve a ponto de sugerir que podemos também desistir de tentar inverter a tendência É verdade que num certo sentido do termo a natureza já não existe Passámos uma esponja por cima da história do nosso planeta Como escreve McKibben vivemos num mundo pósnatural Ninguém pode desfazer isso o clima do nosso planeta está sob a nossa influência Contudo ainda nos resta muito daquilo que valorizamos na natureza e ainda é possível salvar o que resta Assim uma ética antropocêntrica pode constituir a base de argumentos fortes em favor daquilo a que podemos chamar valores ambientais Uma tal ética não implica que o crescimento económico seja mais importante que a preservação do meio natural pelo contrário é perfeitamente compatível com uma ética antropocêntrica encarar o crescimento económico baseado na exploração de recursos insubstituíveis como algo que traz ganhos à geração presente e possivelmente a mais uma ou duas gerações seguintes mas a um preço que será pago por todas as gerações do futuro Porém à luz da análise que fizemos do especismo no capítulo 3 devia ser também claro que é um erro limitarmonos a uma ética antropocêntrica Precisamos agora de nos debruçar sobre desafios mais fundamentais a esta tradicional abordagem ocidental das questões ambientais Haverá valor para lá dos seres sencientes Embora alguns debates sobre temas ambientais importantes possam ser conduzidos apelando apenas para os interesses a longo prazo da nossa espécie um tema central em toda a abordagem séria dos valores ambientais será a questão do valor intrínseco Já vimos que é arbitrário defender que apenas os seres humanos tem valor intrínseco Se pensarmos que existe valor nas experiências humanas conscientes não podemos negar que há valor em pelo menos algumas experiências de seres não humanos Até onde se alarga o valor intrínseco A todos os seres sencientes e apenas a esses Ou passa além da fronteira da senciência Para explorarmos esta questão serão úteis alguns comentários à noção de valor intrínseco Uma coisa tem valor intrínseco se for um bem ou desejável em si contrapõese ao valor instrumental ou seja o valor como meio para um outro fim ou objectivo A nossa felicidade por exemplo tem valor intrínseco pelo menos para a maioria de nós pelo facto de a desejarmos por si mesma O dinheiro por outro lado só possui valor instrumental Queremolo devido às coisas que com ele podemos comprar mas se estivéssemos perdidos numa ilha deserta não precisaríamos dele para coisa alguma Ao passo que a felicidade seria tão importante para nós numa ilha deserta como em qualquer outro lugar Consideremos agora por um momento a questão de construir uma barragem proposta no início deste capítulo Se a decisão fosse tomada exclusivamente com base nos interesses humanos compararíamos os benefícios económicos da barragem para os cidadãos da região com as perdas para os amantes da natureza os cientistas e outros agora e no futuro que dão valor à preservação do rio no seu estado natural Já vimos que como este cálculo inclui um número indefinido de futuras gerações a perda do rio representa um custo maior do que poderíamos a princípio imaginar Mesmo assim quando alargamos a base da nossa decisão além dos seres humanos temos muito mais para contrapor aos benefícios económicos da construção da barragem Nesses cálculos têm de entrar os interesses de todos os animais não humanos que vivem na área que será inundada Alguns poderão deslocarse para uma região vizinha conveniente mas o meio selvagem não está repleto de nichos vazios à espera de um ocupante quando há um território que pode sustentar um animal nativo o mais provável é estar já ocupado Assim a maioria dos animais que vivem na área inundada morrerão ou se afogam ou morrem de fome O afogamento e a fome são mortes horríveis e o sofrimento associado a estas mortes não deve como vimos receber um peso menor do que aquele que daríamos a um sofrimento equivalente infligido a seres humanos Este facto aumenta consideravelmente o peso das considerações em desfavor da construção da barragem E que dizer do facto de os animais morrerem para além do sofrimento que ocorrerá no decurso da sua morte Como vimos podemos sem incorrer numa discriminação arbitrária com base na espécie encarar a morte de um animal não humano que não seja uma pessoa como menos significativa que a morte de uma pessoa dado que os seres humanos são capazes de prever e planear o futuro de uma forma que não está ao alcance dos animais não humanos A diferença entre causar a morte a uma pessoa e a um ser que não é uma pessoa não significa que a morte de um animal que não é uma pessoa se deva considerar sem importância Pelo contrário os utilitaristas terão em consideração a perda que essa morte inflige nos animais a perda da sua futura existência e das experiências que a sua futura vida traria Quando se propõe uma barragem que iria inundar um vale e mataria milhares talvez milhões de criaturas sencientes deve atribuirse grande importancia a essas mortes na avaliação dos custos e dos benefícios da construção da barragem Além disso no caso dos utilitaristas que aceitam a visão total estudada no capítulo 4 se a barragem destruir o habitat no qual os animais viviam o facto de essa perda vir a ser contínua é relevante Se a barragem não for construída é de supor que os animais continuem a habitar o vale durante milhares de anos vivendo os seus próprios prazeres e dores Poderíamos perguntar se a vida dos animais num ambiente natural produz mais prazer do que dor ou mais satisfação do que frustração de preferências Neste ponto a ideia de calcular os benefícios tornase quase absurda mas isso não significa que a perda da vida dos animais que virão a existir deva ser afastada da nossa tomada de decisões No entanto isto pode não ser tudo Será que também devemos ponderar não apenas o sofrimento e a morte dos animais individuais mas também o facto de uma espécie inteira poder desaparecer E que dizer da perda de árvores que subsistiram milhares de anos Que peso se não for nulo devemos atribuir à preservação dos animais das espécies das árvores e do ecossistema do vale independentemente dos interesses dos seres humanos na sua preservação quer sejam económicos recreativos ou científicos Neste ponto deparasenos um desacordo moral fundamental um desacordo sobre o tipo de seres que devemos ter em consideração na nossa deliberação moral Vejamos o que se tem dito em favor de alargar a ética além dos seres sencientes Reverência pela vida A posição ética desenvolvida neste livro é um alargamento da ética da tradição ocidental dominante Esta ética alargada traça a fronteira da consideração moral em tomo de todas as criaturas sencientes mas deixa os restantes seres vivos de fora A inundação de florestas antigas a possível perda de uma espécie na sua totalidade a destruição de vários ecossistemas complexos o próprio bloqueamento do rio e a perda dessas gargantas rochosas são factores a ter em consideração apenas na medida em que afectarem adversamente criaturas sencientes Será possível uma ruptura mais radical com a posição tradicional Será que podemos mostrar que estes aspectos da inundação do vale em parte ou no seu todo têm um valor intrínseco de modo que devem ser tidos em consideração independentemente dos efeitos sobre os seres humanos ou sobre os animais não humanos Alargar a ética de forma plausível de modo a abarcar os seres não ser cientes é uma tarefa difícil Uma ética baseada nos interesses de criaturas sencientes assenta em bases familiares As criaturas sencientes têm necessidades e desejos A pergunta Como será serse um opossum e estar a afogarse faz pelo menos sentido mesmo que nos seja impossível dar uma resposta mais precisa do que Deve ser horrível Para chegar a decisões morais que afectem criaturas sencientes podemos tentar somar os efeitos que as diferentes acções terão em todas as criaturas sencientes afectadas pelas acções alternativas ao nosso alcance Isto proporcionanos pelo menos algumas linhas de orientação sobre o que poderia ser correcto fazer Mas nada há que corresponda ao que é serse uma árvore a morrer por as suas raízes terem ficado alagadas A partir do momento em que abandonamos os interesses das criaturas sencientes como a nossa fonte de valor onde encontraremos valor O que é bom ou mau para as criaturas não sencientes e por que motivo tem isso importância Poderseia pensar que desde que nos limitemos aos seres vivos não é difícil encontrar uma resposta Sabemos o que é bom ou mau para as plantas do jardim água luz e estrume são bons calor ou frio extremos são maus O mesmo se aplica às plantas das florestas ou do meio natural Por que razão não poderemos pois considerar o seu florescimento um bem em si independentemente da sua utilidade para as criaturas sencientes Um problema que se nos depara neste caso é que sem interesses conscientes para nos guiarem não temos meios de avaliar os pesos relativos a atribuir ao desenvolvimento de diferentes formas de vida Será um pinheiro com 2001 anos de idade mais merecedor de ser conservado que um tufo de relva A maioria das pessoas diria que sim mas este juízo tem mais a ver com os nossos sentimentos de veneração pela idade dimensões e beleza da árvore ou com o tempo que seria necessário para a substituir do que com a nossa percepção de um valor intrínseco no desenvolvimento de uma velha árvore que um jovem tufo de relva não possua Se deixarmos de falar em termos de ser ciência a fronteira entre seres vivos e objectos naturais inanimados tornase mais difícil de defender Seria realmente pior cortar uma árvore antiga do que destruir uma bela estabilidade que levou ainda mais tempo a formarse Em que bases se poderia fazer semelhante juízo Provavelmente a defesa mais conhecida de uma ética que se alarga a todos os seres vivos é a de Albert Schweitzer A expressão que usava reverência pela vida é muitas vezes citada os argumentos que propôs em apoio dessa posição são menos conhecidos Eis uma das poucas passagens em que defendeu a sua ética A verdadeira filosofia deve começar pelos factos mais imediatos e mais abrangentes da consciência E pode ser formulada do seguinte modo Sou vida que quer viver e existo no meio de vida que quer viver Tal como na minha própria vontade de viver há um anseio por mais vida e por essa misteriosa exaltação da vontade que se chama prazer e terror face ao aniquilamento e a esse insulto à vontade de viver que se chama dor tudo isso predomina igualmente em toda a vontade de viver que me rodeia quer se exprima de modo acessível à minha compreensão quer se conserve muda A ética consiste portanto no facto de eu sentir a necessidade de praticar o mesmo respeito pela vida por toda a vontade de viver como em relação a mim Nisso tenho já o necessário princípio fundamental da moral É um bem manter e acalentar a vida é um mal destruir e reprimir a vida Um homem só é verdadeiramente ético quando obedece ao dever que lhe é imposto de ajudar toda a vida que possa socorrer e quando faz alguma coisa para evitar causar danos a qualquer ser vivo Esse homem não pergunta até que ponto esta ou aquela vida merece solidariedade enquanto valiosa em si mesma nem até que ponto é capaz de sentir Para ele a vida em si é sagrada Não estilhaça um cristal de gelo que brilha ao sol não arranca uma folha de uma árvore não colhe uma flor e tem o cuidado de nenhum insecto esmagar quando caminha Se trabalha à luz da candeia nas noites de Verão prefere manter a janela fechada e respirar ar abafado a ver insectos uns atrás dos outros cair em cima da sua mesa de trabalho com as asas chamuscadas e feridas Uma perspectiva semelhante foi defendida recentemente pelo filósofo americano contemporâneo Paul Taylor No seu livro Respect for Nature Taylor defende que todo o ser vivo procura o seu próprio bem à sua maneira única Desde que compreendamos isto podemos encarar todos os seres vivos como nos encaramos a nós e portanto estamos prontos a atribuir à sua existência o mesmo valor que atribuímos à nossa Não é clara a forma como devemos interpretar a posição de Schweitzer A referência ao cristal de gelo é especialmente intrigante porque um cristal de gelo não tem vida No entanto pondo este pormenor de lado o problema das afirmações apresentadas tanto por Schweitzer como por Taylor que visam de fender as suas perspectivas éticas é que usam a linguagem de forma metafórica e depois argumentam como se o que afirmaram fosse literalmente verdade Podemos muitas vezes falar de plantas que procuram água ou luz para sobreviver e esta forma de pensar acerca das plantas torna mais fácil aceitar falar da sua vontade de viver ou da sua procura do seu próprio bem Mas a partir do momento em que paramos e reflectimos no facto de as plantas não serem conscientes e não poderem ter qualquer comportamento intencional tornase claro que toda esta linguagem é metafórica poderíamos igualmente dizer que um rio procura o seu próprio bem e luta para chegar ao mar ou que o bem de um projéctil teleguiado é explodir juntamente com o seu alvo É enganador da parte de Schweitzer tentar levarnos para uma ética do respeito por todas as formas de vida referindose a anseio exaltação prazer e terror As plantas não sentem nada disso Acresce que no caso das plantas de rios e de mísseis teleguiados é possível dar uma explicação puramente física do que acontece e na ausência de consciência não há qualquer boa razão para termos maior respeito pelos processos físicos que regem o crescimento e a decadência dos seres vivos do que aquela que temos pelos que regem as coisas inanimadas Assim sendo é pelo menos pouco evidente que devamos ter mais respeito por uma árvore do que por uma estalactite ou mais respeito por um organismo unicelular do que por uma montanha Ecologia profunda Há mais de 40 anos o ecologista americano Aldo Leopold escreveu que havia a necessidade de uma nova ética uma ética que trate das relações do homem com a terra e com os animais e plantas que nela crescem A ética da terra que propôs alargaria as fronteiras da comunidade abrangendo solos águas plantas e animais e colectivamente a terra A ascensão das preocupações ecológicas no início dos anos 70 levou a um interesse renovado por esta atitude O filósofo norueguês Arne Naess escreveu um artigo breve mas influente onde distingue as tendências superficiais das profundas no seio do movimento ecológico O pensamento ecológico superficial estava limitado ao quadro moral tradicional os seus partidários desejavam ardentemente impedir a poluição das nossas reservas de água de modo a podermos ter água potável para beber e procuravam preservar o meio natural de modo que as pessoas pudessem continuar a desfrutar os prazeres da natureza Os ecologistas profundos por outro lado queriam preservar a integridade da biosfera unicamente por si mesma independentemente dos possíveis benefícios para os seres humanos que poderiam daí advir Posteriormente outros autores desenvolveram algumas formas de teoria ambientalista profunda Ao passo que a ética da reverência pela vida se centra nos organismos vivos individuais as propostas da ecologia profunda têm tendência para considerar algo mais vasto como objecto de valor as espécies os sistemas ecológicos ou mesmo a biosfera no seu todo Leopold resumiu assim as bases da sua nova ética da terra Uma coisa é um bem quando tem tendência para preservar a integridade a estabilidade e a beleza da comunidade biótica É um mal quando tem a tendência contráriaNum artigo publicado em 1984 Arne Naess e George Sessions um filósofo americano que faz parte do movimento ecológico profundo estabeleceram diversos princípios para uma ética ecológica profunda começando com os seguintes 1 O bemestar e o desenvolvimento da vida na Terra humana e não humana têm valor em si sinónimos valor intrínseco valor inerente Estes valores são independentes da utilidade do mundo não humano para finalidades humanas 2 A riqueza e a diversidade de formas de vida contribuem para a realização desses valores e também são valores em si 3 Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade excepto para satisfazer necessidades vitais Embora estes princípios se refiram apenas à vida Naess e Sessions afirmam no mesmo artigo que a ecologia profunda usa o termo biosfera de uma forma mais abrangente para se referir também a coisas não vivas como os rios bacias hidrográficas paisagens e ecossistemas Dois australianos que trabalham na área da ética ambiental profunda Richard Sylvan e Val Plumwood também alargam a sua ética além dos seres vivos incluindo nela uma obrigação de não pôr em risco o bemestar de objectos ou sistemas naturais sem uma boa razão para o fazer Na secção anterior citei a observação de Paul Taylor em que este afirmava que devíamos estar preparados não apenas para respeitar todo o ser vivo mas também para atribuir à vida de todo o ser vivo o mesmo valor que atribuímos à nossa Tratase de um tema comum entre os ecologistas profundos que muitas vezes se alarga além dos seres vivos No livro Deep Ecology Bill Devall e George Sessions defendem uma forma de igualitarismo biocêntrico A intuição da igualdade biocêntrica é a de que todas as coisas da biosfera têm o mesmo direito de viver de se desenvolverem e de atingirem as suas próprias formas individuais de desenvolvimento e de autorealização no seio da auto realização mais vasta A intuição fundamental é a de que todos os organismos e entidades da ecosfera como partes do mundo interligado são iguais em termos de valor intrínseco Se como a citação sugere a igualdade biocêntrica assenta numa intuição fundamental erguese contra algumas intuições fortes que apontam em sentido contrário por exemplo a intuição de que os direitos de viver e de se desenvolver dos adultos humanos normais devem ser preferidos aos das leveduras e que os direitos dos gorilas prevalecem sobre os das ervas Se porém a ideia é a de que os seres humanos os gorilas as leveduras e as ervas fazem parte de um todo interligado nesse caso ainda se pode perguntar como decorre daí que sejam iguais em valor intrínseco Será porque todo o ser vivo desempenha um papel no ecossistema de que depende para a sua sobrevivência Mas em primeiro lugar mesmo que isso mostrasse que existe um valor intrínseco nos microrganismos e nas plantas no seu todo nada diz sobre o valor de microrganismos ou de plantas individuais visto que nenhum indivíduo é necessário para a sobrevivência do ecossistema no seu conjunto Em segundo lu gar o facto de todos os organismos fazerem parte do todo interligado não implica que possuam todos valor intrínseco e muito menos valor intrínseco igual Podem ter valor apenas porque são necessários para a existência do todo e o todo pode ter valor apenas porque sustenta a existência de vários seres conscientes Assim a ética da ecologia profunda não consegue fornecer respostas persuasivas para questões relacionadas com o valor da vida dos seres individuais No entanto talvez este seja o tipo errado de pergunta Como a ciência da ecologia se debruça sobre os sistemas e não sobre os organismos individuais a ética ecológica podia ser mais plausível se fosse aplicada a um nível superior talvez ao nível das espécies e dos ecossistemas Por detrás de muitas tentativas para derivar valores a partir da ética ecológica a este nível encontrase uma ou outra forma de holismo a ideia de que num certo sentido a espécie ou o ecossistema não são apenas um conjunto de indivíduos mas uma verdadeira entidade por direito próprio O holismo é exposto no livro de Lawrence Johnson A Morally Deep World Johnson fala com àvontade dos interesses da espécie num sentido diferente do somatório dos interesses de cada um dos seus membros e defende que devíamos ter em consideração nas nossas deliberações morais os interesses de uma espécie ou de um ecossistema No livro The Ecological Self Freya Mathews defende que todo o sistema autorealizado tem valor intrínseco pelo facto de se procurar manter ou preservar a si próprio Embora os organismos vivos sejam exemplos paradigmáticos de sistemas autorealizados Mathews tal como Johnson inclui as espécies e os ecossistemas na categoria de entidades ou sujeitos holistas com a sua própria forma de realização Freya Mathews inclui mesmo a totalidade do ecossistema global secundando James Lovelock ao referirselhe pelo nome da deusa grega da Terra Gaia Nesta base defende a sua própria forma de igualitarismo biocêntrico É claro que há uma questão filosófica séria acerca de se saber se uma espécie ou um ecossistema se podem considerar o tipo de indivíduo que pode ter interesses ou um sujeito susceptível de se realizar e mesmo que possa a ética da ecologia profunda enfrentará problemas semelhantes aos que identificámos quando considerámos a ideia da reverência pela vida Porque é necessário não apenas que se possa afirmar com propriedade que as árvores espécies e ecossistemas possuem interesses mas que têm interesses moralmente significativos Para os encararmos como sujeitos será preciso demonstrar que a sobrevivência ou a realização desse tipo de sujeito tem valor moral independentemente do valor que possui devido à sua importância como suporte da vida consciente Ao discutir a ética da reverência pela vida vimos que uma forma de estabelecer que um interesse é moralmente significativo consiste em perguntar o que representa para a entidade afectada ter um interesse não satisfeito A mesma pergunta se pode fazer a propósito da autorealização o que é para o sujeito ficar por se realizar Este tipo de perguntas dão origem a respostas inteligíveis quando as levantamos relativamente a seres sencientes mas não quando as levantamos relativamente a árvores espécies ou ecossistemas O facto de como James Lovelock assinala em Gaia Um Novo Olhar sobre a Vida na Terra a biosfera poder responder a acontecimentos de uma forma que se assemelha a sistemas autosustentáveis não prova só por si que a biosfera deseje conscientemente manterse a si própria Dar ao ecossistema global o nome de uma deusa grega é uma boa ideia mas não é a melhor maneira de nos ajudar a pensar claramente na sua natureza Da mesma forma numa escala mais pequena nada há que corresponda ao que sente um ecossistema inundado por uma barragem porque não existe tal sentimento A este respeito as árvores os ecossistemas e as espécies assemelhamse mais a rochas que a seres sencientes assim a linha divisória entre criaturas sencientes e não sencientes é nessa medida uma base mais firme para uma fronteira moralmente importante do que a linha divisória entre coisas vivas e não vivas ou entre entidades holistas e quaisquer outras entidades que possamos não considerar holistas Seja o que for que essas entidades possam ser até um único átomo quando visto ao nível adequado é um sistema complexo que procura manterse a si próprio Esta rejeição da base ética para uma ecologia profunda não significa que a argumentação em favor da preservação do meio selvagem não seja forte Significa apenas que um tipo de argumento o argumento do valor intrínseco das plantas das espécies ou dos ecossistemas é na melhor das hipóteses problemático A não ser que possa colocarse numa base diferente mais firme devemos confinarnos a argumentos baseados nos interesses de criaturas sencientes presentes e futuras humanas e não humanas Estes argumentos bastam para provar que pelo menos numa sociedade onde ninguém precisa de destruir o meio natural para obter comida para a sua sobrevivência ou materiais para se abrigar dos elementos o valor de preservar áreas significativas que restem do meio natural excede de longe os valores económicos que se obtêm pela sua destruição O desenvolvimento de uma ética ambiental Em última análise o conjunto de valores e proibições éticos adoptados pela ética de sociedades específicas reflectirá sempre as condições nas quais têm de viver e de trabalhar para sobreviver Esta afirmação é quase uma tautologia porque se a ética da sociedade não tomasse em consideração tudo aquilo que é necessário à sobrevivência essa sociedade deixaria de existir Muitos dos padrões éticos que hoje aceitamos podem ser explicados nestes termos Alguns são universais e é legítimo esperar que sejam benéficos para a comunidade em praticamente todas as condições em que os seres humanos vivem É evidente que uma sociedade que permita que os membros da comunidade se matem impunemente entre si não durará muito tempo Inversamente os valores paternais e maternais de cuidar das crianças e outras virtudes como a honestidade ou a lealdade para com o grupo promoverão uma comunidade estável e duradoira Outras proibições podem reflectir condições específicas a prática entre os Esquimós de matarem os pais idosos que já não são capazes de se defender sozinhos é muitas vezes citada como uma resposta necessária à vida num clima muito agreste Não há dúvida de que sendo processos lentos o ritmo de mudança das condições climáticas ou a migração para regiões diferentes deu tempo aos sistemas éticos para fazerem as necessárias adaptações Enfrentamos agora uma nova ameaça à nossa sobrevivência A proliferação de seres humanos associada aos resíduos do crescimento económico é tão capaz de varrer a nossa sociedade da face da Terra e todas as restantes sociedades como as velhas ameaças tradicionais Ainda não se desenvolveu uma ética capaz de fazer face a esta ameaça Alguns princípios éticos que possuímos correspondem exactamente na realidade ao contrário daquilo que precisamos O problema é que como vimos os princípios éticos mudam lentamente e temos pouco tempo para desenvolvermos uma nova ética do meio ambiente Uma tal ética consideraria eticamente duvidoso todo o acto nocivo para o ambiente e os actos desnecessariamente prejudiciais como males claros É este o aspecto sério subjacente à minha observação no capítulo 1 de que as questões morais levantadas por conduzir um automóvel são mais graves do que as suscitadas pelo comportamento sexual Uma ética do meio ambiente acharia que poupar e reciclar recursos seria virtuoso e que o consumo extravagante e desnecessário seria uma depravação Para citar apenas um exemplo da perspectiva de uma ética do meio ambiente a nossa escolha de entretenimentos não é neutra Actualmente encaramos a opção entre corridas de automóveis ou de bicicletas entre esqui aquático e windsurf uma mera questão de gosto No entanto há uma diferença essencial as corridas de automóveis e o esqui aquático exigem o consumo de combustíveis fósseis e a descarga de dióxido de carbono na atmosfera As corridas de bicicleta e o windsurf não Quando levarmos a sério a necessidade de preservar o ambiente as corridas de automóveis e o esqui aquático deixarão de ser formas aceitáveis de entretenimento tal como hoje já não é aceitável lançar cães contra ursos acorrentados para os enraivecer É fácil discernir as linhas gerais de uma ética verdadeiramente ambientalista Ao seu nível mais fundamental uma tal ética promove a consideração pelos interesses de todas as criaturas sencientes incluindo as gerações subsequentes que se projectam no futuro distante É acompanhada por uma estética de apreço pelos lugares selvagens e pela natureza intacta A um nível mais minucioso aplicável à vida dos habitantes das cidades desencoraja as famílias numerosas Neste ponto estabelece um agudo contraste com algumas crenças éticas actuais que são relíquias de um tempo em que a Terra era pouco povoada também contrabalança a implicação da versão total do utilitarismo discutida no capítulo 4 Uma ética do meio ambiente rejeita os ideais de uma sociedade materialista na qual o êxito é medido pelo número de artigos de consumo que uma pessoa consegue acumular Em seu lugar ajuíza o êxito em termos do desenvolvimento das potencialidades de cada qual e da conquista da autorealização e da felicidade Promove a frugalidade na medida em que é necessária para minimizar a poluição e garantir que tudo pode ser reutilizado vezes sem conta Deitar fora descuidadamente materiais que podem ser reciclados é uma forma de vandalismo é roubar recursos do planeta que são nossa propriedade comum Assim os diversos guias e livros do consumidor verde sobre as coisas que podemos fazer para salvar o nosso planeta reciclando o que usamos e comprando os artigos ambientalmente mais inócuos possível fazem parte da nova ética que se torna necessária Mas até estas opções se pode revelar uma solução provisória um degrau para uma ética na qual a própria ideia de consumir produtos desnecessários seja posta em causa O windsurf pode ser melhor que o esqui aquático mas se continuarmos a comprar novas pranchas para estarmos na crista da onda das últimas tendências da moda em pranchas e velas a diferença tornase insignificante Temos de avaliar a nossa noção de extravagância Num mundo sujeito a grande pressão este conceito não se limita a carros de luxo com motorista ou a champanhe Dom Perignon A madeira proveniente de uma floresta tropical húmida é extravagante porque o valor a longo prazo da floresta tropical é de longe maior que as utilizações dadas à madeira Os produtos de papel que se deitam fora são extravagantes porque florestas antigas estão a ser transformadas em toros de madeira e a ser vendidas aos fabricantes de papel Dar um passeio de carro pela província constitui uma utilização extravagante de combustíveis fósseis que contribui para o efeito de estufa No decurso da segunda guerra mundial quando a gasolina era escassa havia cartazes que perguntavam A sua viagem é mesmo necessária Apelar para a solidariedade nacional para combater um perigo visível e imediato foi altamente eficaz O perigo para o nosso ambiente é menos imediato e mais difícil de vislumbrar mas a necessidade de suprimir as viagens desnecessárias e outras formas de consumo dispensável é igualmente grande No que diz respeito à alimentação a grande extravagância não é o caviar ou as trufas mas a carne de vaca a carne de porco e o frango Cerca de 38 da produção mundial de cereais serve actualmente para alimentar animais assim como grande quantidade de soja Há três vezes mais animais domésticos neste planeta que seres humanos O peso total dos efectivos mundiais de gado bovino 1280 milhões excede só por si o da população humana Enquanto olhamos com tristeza para o número de crianças que nascem nas regiões mais pobres do mundo ignoramos o excesso de população dos animais de criação para o qual contribuímos O prodigioso desperdício de cereais que servem para a alimentação intensiva de animais já foi mencionado nos capítulos 3 e 8 Isso contudo é apenas uma parte do prejuízo causado pelos animais que criamos deliberadamente Os métodos de energia intensiva da agropecuária industrial dos países desenvolvidos são responsáveis pelo consumo de quantidades enormes de combustíveis fósseis Os fertilizantes químicos usados para a produção de rações para o gado e os porcos e galinhas criados em recintos fechados produzem óxido nitroso outro gás que causa o efeito de estufa Depois há a perda das florestas Por todo o lado os habitantes das florestas tanto humanos como não humanos estão a ser escorraçados Desde 1960 25 das florestas da América Central foram abatidas para se criar gado Depois de arroteados os solos pobres suportam pastagens durante alguns anos após o que se torna necessário procurar novas pastagens Os arbustos invadem as terras de pastagem abandonadas mas a floresta não regressa Quando as florestas são abatidas para se criarem pastagens para o gado biliões de toneladas de dióxido de carbono são libertadas na atmosfera Por fim pensase que o gado mundial produz cerca de 20 do metano libertado na atmosfera e o metano capta vinte e cinco vezes mais calor do Sol que o dióxido de carbono O estrume das explorações agropecuárias também produz metano porque ao contrário do estrume depositado naturalmente nos campos não se decompõe na presença do oxigénio Tudo isto corresponde a uma razão imperiosa a somar à que se desenvolveu no capítulo 3 em favor de uma alimentação baseada sobretudo em vegetais A ênfase na frugalidade e numa vida simples não significa que a ética do meio ambiente veja com maus olhos o prazer mas que os prazeres que valoriza não advêm de um consumo exagerado Provêm em vez disso de relações pessoais e sexuais calorosas da proximidade das crianças e dos amigos da conversa de desportos e entretenimentos que estão em harmonia com o nosso ambiente sem o agredirem da alimentação que não se baseia na exploração de criaturas sencientes nem destrói a Terra da actividade e do trabalho criativos de todos os tipos e com o devido cuidado para não se estragar precisamente o que é mais valioso da apreciação dos lugares ainda intactos do mundo onde vivemos