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Michael J Sandel DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos bem como o simples teste da qualidade da obra com o fim exclusivo de compra futura É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda aluguel ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa Você pode encontrar mais obras em nosso site LeLivrossite ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento e não mais lutando por dinheiro e poder então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível Justiça Copyright 2009 by Michael Sandel 2009 PROJETO GRÁFICO DA VERSÃO IMPRESSA Evelyn Grumach e João de Souza Leite Título original em inglês Justice CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ Sandel Michael J Justiça recurso eletrônico Michael J Sandel tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2015 Tradução de Justice Inclui bibliografia Formato ePub Requisitos do sistema Adobe Digital Editions Modo de acesso World Wide Web ISBN 9788520010976 recurso eletrônico 1 Justiça Filosofia 2 Valores 3 Ética 4 Livros eletrônicos I Título CDD 1722 CDU 1722 Todos os direitos reservados Proibida a reprodução armazenamento ou transmissão de partes deste livro através de quaisquer meios sem prévia autorização por escrito Este livro foi revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Direitos exclusivos desta edição reservados pela EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA Um selo da EDITORA RECORD LTDA Rua Argentina 171 Rio de Janeiro RJ 20921380 Tel 25852000 Seja um leitor preferencial Record Cadastrese e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções Atendimento e venda direta ao leitor mdiretorecordcombr ou 21 2585 2002 Produzido no Brasil 2015 Sumário No verão de 1884 quatro marinheiros ingleses estavam à deriva em um pequeno bote salvavidas no Atlântico Sul a mais de 1600 km da costa Seu navio o Mignonette naufragara durante uma tempestade eles tinham apenas duas latas de nabos em conserva e estavam sem água potável Thomas Dudley era o capitão Edwin Stephens o primeirooficial e Edmund Brooks um marinheiro todos homens de excelente caráter segundo relatos de jornais1 O quarto sobrevivente era o taifeiro Richard Parker de 17 anos Ele era órfão e fazia sua primeira longa viagem pelo mar Richard se alistara contra o conselho de amigos com o otimismo da ambição juvenil imaginando que a viagem faria dele um homem Infelizmente não foi assim No bote os quatro marinheiros à deriva olhavam para o horizonte esperando que um navio passasse para resgatálos Nos primeiros três dias comeram pequenas porções dos nabos No quarto dia pegaram uma tartaruga Conseguiram sobreviver com a tartaruga e os nabos restantes durante mais alguns dias Depois ficaram sem ter o que comer por oito dias Parker o taifeiro estava deitado no canto do bote Bebera água salgada contrariando a orientação dos outros e ficara doente Parecia estar morrendo No 19º dia de provação Dudley o capitão sugeriu um sorteio para determinar quem morreria para que os outros pudessem sobreviver Mas Brooks foi contra a proposta e não houve sorteio Chegou o dia seguinte e não havia navio à vista Dudley pediu a Brooks que desviasse o olhar e fez um gesto para Stephens indicando que Parker deveria ser morto Dudley fez uma oração disse ao rapaz que a hora dele havia chegado e o matou com um canivete apunhalandoo na jugular Brooks deixou de lado a objeção de sua consciência e participou da divisão do prêmio Durante quatro dias os três homens se alimentaram do corpo e do sangue do taifeiro Por fim o socorro chegou Dudley descreve o resgate em seu diário com um eufemismo cruel No 24º dia durante o desjejum finalmente apareceu um navio Os três sobreviventes foram resgatados Quando voltaram para a Inglaterra foram presos e levados a julgamento Brooks foi testemunha da acusação Dudley e Stephens foram julgados Eles confessaram espontaneamente que haviam matado e comido Parker Alegaram que tinham feito isso por necessidade Suponhamos que você fosse o juiz Como os julgaria Para simplificar as coisas deixe de lado as questões legais e suponha que você tivesse de decidir se matar o taifeiro seria moralmente admissível O mais forte argumento de defesa é que diante das circunstâncias extremas fora necessário matar uma pessoa para salvar três Se ninguém tivesse sido morto e comido todos os quatro provavelmente teriam morrido Parker enfraquecido e doente era o candidato lógico já que morreria logo de qualquer maneira E ao contrário de Dudley e Stephens não tinha dependentes Sua morte não privaria ninguém de sustento e não deixaria mulher e filhos de luto Esse argumento está sujeito no mínimo a duas objeções Primeiramente podese perguntar se os benefícios de matar o taifeiro analisados como um todo realmente pesaram mais do que os custos Mesmo se considerarmos o número de vidas salvas e a felicidade dos sobreviventes e de suas famílias a aceitação desse crime poderia ter consequências ruins para a sociedade em geral enfraquecendo a regra contra o assassinato por exemplo aumentando a tendência das pessoas de fazer justiça com as próprias mãos ou tornando mais difícil para os capitães recrutar taifeiros Em segundo lugar se mesmo depois de todas as considerações os benefícios pesassem mais do que os custos não teríamos a incômoda impressão de que matar e comer um taifeiro indefeso é errado por motivos que vão além dos cálculos de custos e benefícios sociais Não é um erro usar um ser humano dessa maneira explorando sua vulnerabilidade tirando sua vida sem seu consentimento mesmo que isso seja feito em benefício de outros Para qualquer um que fique chocado com os atos de Dudley e Stephens a primeira objeção parecerá um fraco lamento Ela aceita o pressuposto utilitarista de que a moral consiste em pesar custos e benefícios e apenas espera uma avaliação mais ampla das consequências sociais Se o assassinato do taifeiro for digno de repúdio moral a segunda objeção atinge melhor o objetivo Ela rejeita a ideia de que a coisa certa a fazer é simplesmente uma questão de medir as consequências os custos e benefícios Sugere que a moral significa algo mais alguma coisa relativa à própria maneira como os seres humanos se tratam uns aos outros Esses dois entendimentos sobre o caso do bote salvavidas ilustram duas abordagens opostas da justiça A primeira diz que a moral de uma ação depende unicamente das consequências que ela acarreta a coisa certa a fazer é aquela que produzirá os melhores resultados considerandose todos os aspectos A segunda abordagem diz que as consequências não são tudo com o que devemos nos preocupar moralmente falando devemos observar certos deveres e direitos por razões que não dependem das consequências sociais de nossos atos Para solucionar o caso do bote salvavidas bem como muitos outros dilemas menos extremos com os quais normalmente nos deparamos precisamos explorar algumas grandes questões da moral e da filosofia política A moral é uma questão de avaliar vidas quantitativamente e pesar custos e benefícios Ou certos deveres morais e direitos humanos são tão fundamentais que estão acima de cálculos dessa natureza Se certos direitos são assim fundamentais sejam eles naturais sagrados inalienáveis ou categóricos como podemos identificálos E o que os torna fundamentais O UTILITARISMO DE JEREMY BENTHAM O inglês Jeremy Bentham 17481832 não deixou dúvidas sobre sua opinião a respeito Ele desprezava profundamente a ideia dos direitos naturais considerandoos um absurdo total Seus pressupostos filosóficos exercem até hoje uma poderosa influência sobre o pensamento de legisladores economistas executivos e cidadãos comuns Bentham filósofo moral e estudioso das leis fundou a doutrina utilitarista Sua ideia central é formulada de maneira simples e tem apelo intuitivo o mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor De acordo com Bentham a coisa certa a fazer é aquela que maximizará a utilidade Como utilidade ele define qualquer coisa que produza prazer ou felicidade e que evite a dor ou o sofrimento Bentham chega a esse princípio por meio da seguinte linha de raciocínio todos somos governados pelos sentimentos de dor e prazer São nossos mestres soberanos Prazer e dor nos governam em tudo que fazemos e determinam o que devemos fazer Os conceitos de certo e errado deles advêm2 Todos gostamos do prazer e não gostamos da dor A filosofia utilitarista reconhece esse fato e faz dele a base da vida moral e política Maximizar a utilidade é um princípio não apenas para o cidadão comum mas também para os legisladores Ao determinar as leis ou diretrizes a serem seguidas um governo deve fazer o possível para maximizar a felicidade da comunidade em geral O que afinal é uma comunidade Segundo Bentham é um corpo fictício formado pela soma dos indivíduos que abrange Cidadãos e legisladores devem assim fazer a si mesmos a seguinte pergunta Se somarmos todos os benefícios dessa diretriz e subtrairmos todos os custos ela produzirá mais felicidade do que uma decisão alternativa O argumento de Bentham para o princípio de que devemos maximizar a utilidade assume a forma de uma audaciosa afirmação não existe a menor possibilidade de rejeitálo Todo argumento moral diz ele deve implicitamente inspirarse na ideia de maximizar a felicidade As pessoas podem dizer que acreditam em alguns deveres ou direitos absolutos e categóricos Mas não teriam base para defender esses deveres ou direitos a menos que acreditassem que respeitálos poderia maximizar a felicidade humana pelo menos em longo prazo Quando um homem tenta combater o princípio da utilidade escreve Bentham ele o faz com razões que derivam sem que tenha consciência disso daquele princípio em si Todas as divergências morais devidamente compreendidas são discordâncias sobre como se deve aplicar o princípio utilitarista da maximização do prazer e da minimização da dor Um homem consegue mover a Terra pergunta Bentham Sim mas antes ele precisa encontrar outra Terra na qual se apoiar E a única Terra a única premissa o único ponto de partida para o argumento moral de acordo com Bentham é o princípio da utilidade3 Bentham achava que seu princípio da utilidade era uma ciência da moral que poderia servir como base para a reforma política Ele propôs uma série de projetos com vistas a tornar a lei penal mais eficiente e humana Um deles foi o Panopticon um presídio com uma torre central de inspeção que permitisse ao supervisor observar os detentos sem que eles o vissem Bentham sugeriu que o Panopticon fosse dirigido por um empresário de preferência ele mesmo que gerenciaria a prisão em troca dos lucros gerados pelo trabalho dos prisioneiros que trabalhariam 16 horas por dia Embora o plano de Bentham tenha acabado por ser rejeitado podese dizer que ele era avançado para sua época Recentemente a ideia de terceirizar os presídios para companhias privadas foi retomada nos Estados Unidos e na Inglaterra Arrebanhando mendigos Outro plano de Bentham foi uma estratégia para melhorar o tratamento dado aos pobres por meio da criação de um reformatório autofinanciável para abrigálos O plano que procurava reduzir a presença de mendigos nas ruas oferece uma clara ilustração da lógica utilitarista Bentham percebeu primeiramente que o fato de haver mendigos nas ruas reduz a felicidade dos transeuntes de duas maneiras Para os mais sensíveis a visão de um mendigo produz um sentimento de dor para os mais insensíveis causa repugnância De uma forma ou de outra encontrar mendigos reduz a felicidade do público em geral Assim Bentham propôs a remoção dos mendigos das ruas confinandoos em abrigos4 Alguns podem considerar isso injusto com os mendigos mas Bentham não neglicencia sua utilidade felicidade Ele reconhece que alguns mendigos seriam mais felizes mendigando do que trabalhando em um abrigo mas observa também que para cada mendigo feliz mendigando existem muitos infelizes E conclui que a soma do sofrimento do público em geral é maior do que a infelicidade que os mendigos levados para o abrigo possam sentir5 Algumas pessoas podem ficar apreensivas com o fato de que construir e gerenciar o abrigo possa significar um gasto para os contribuintes reduzindo sua felicidade e consequentemente sua utilidade Mas Bentham propôs uma maneira de tornar seu plano para os pobres inteiramente autofinanciável Qualquer cidadão que encontrasse um mendigo teria permissão para apreendêlo e leválo para o abrigo mais próximo Uma vez lá confinado cada mendigo teria de trabalhar para pagar os custos de seu sustento o que contaria pontos em uma conta de autolibertação A conta poderia incluir comida roupas roupa de cama cuidados médicos e um seguro de vida caso o mendigo morresse antes de terminar o pagamento A fim de incentivar os cidadãos a ter o trabalho de capturar os mendigos e leválos para o reformatório Bentham propôs uma recompensa de vinte xelins por captura acrescidos é claro à dívida do mendigo6 Bentham também aplicou a lógica utilitarista à distribuição dos quartos nas prisõesoficina para minimizar o desconforto dos internos com seus vizinhos Perto de cada grupo no qual todo comportamento inconveniente deve ser identificado coloquese um grupo não suscetível àquele comportamento inconveniente Assim por exemplo perto de loucos delirantes ou de pessoas com linguajar libertino coloquese os surdos ou idiotas Perto de prostitutas e jovens desregradas coloquemse as mulheres idosas Quanto aos que apresentam deformações chocantes Bentham propôs abrigálos perto dos internos cegos7 Por mais cruel que sua proposta possa parecer o objetivo de Bentham não era punir os mendigos Ele apenas queria promover o bemestar geral resolvendo um problema que afeta a felicidade social Seu plano para lidar com os pobres nunca foi adotado mas o espírito utilitarista que o gerou está vivo e forte até hoje Antes de considerar algumas instâncias do pensamento utilitarista nos dias atuais vale perguntar se a filosofia de Bentham é passível de objeções e se for com base em quê OBJEÇÃO 1 DIREITOS INDIVIDUAIS A vulnerabilidade mais flagrante do utilitarismo muitos argumentam é que ele não consegue respeitar os direitos individuais Ao considerar apenas a soma das satisfações pode ser muito cruel com o indivíduo isolado Para o utilitarista os indivíduos têm importância mas apenas enquanto as preferências de cada um forem consideradas em conjunto com as de todos os demais E isso significa que a lógica utilitarista se aplicada de forma consistente poderia sancionar a violação do que consideramos normas fundamentais da decência e do respeito no trato humano conforme o caso a seguir ilustra Jogando cristãos aos leões Na Roma antiga cristãos eram jogados aos leões no Coliseu para a diversão da multidão Imaginemos como seria o cálculo utilitarista Sim de fato o cristão sofre dores excruciantes quando o leão o ataca e o devora mas pensemos no êxtase coletivo dos expectadores que lotam o Coliseu Se a quantidade de romanos que se deleitam com o espetáculo for muito maior do que a de cristãos que argumentos teria um utilitarista para condenar tal prática Os utilitaristas talvez se preocupassem com a possibilidade de tais jogos tornarem os romanos menos civilizados e gerarem mais violência nas ruas de Roma ou disseminar entre as possíveis vítimas o medo de que um dia também elas seriam lançadas aos leões Se tais efeitos são suficientemente maus eles podem pesar mais do que o prazer proporcionado pelos jogos e dar ao utilitarista uma razão para repudiálos Entretanto se esses cálculos forem as únicas razões para que se desista de submeter cristãos à morte violenta pelo bem do entretenimento não estaria faltando algo moralmente importante a esse raciocínio A tortura é justificável em alguma circunstância Uma questão semelhante surge em debates atuais sobre a justificativa da tortura em interrogatórios de suspeitos de terrorismo Consideremos uma situação na qual uma bombarelógio está por explodir Imaginese no comando de um escritório local da CIA Você prende um terrorista suspeito e acredita que ele tenha informações sobre um dispositivo nuclear preparado para explodir em Manhattan dentro de algumas horas Na verdade você tem razões para suspeitar que ele próprio tenha montado a bomba O tempo vai passando e ele se recusa a admitir que é um terrorista ou a informar onde a bomba foi colocada Seria certo torturálo até que ele diga onde está a bomba e como fazer para desativála O argumento a favor da tortura nesse caso começa com um cálculo utilitarista A tortura inflige dor ao suspeito reduzindo muito sua felicidade ou utilidade Mas milhares de inocentes morrerão se a bomba explodir Assim você pode argumentar nos termos do utilitarismo que é moralmente justificável infligir dor intensa a uma pessoa se isso evitar morte e sofrimento em grande escala O argumento do exvicepresidente Richard Cheney de que o uso de técnicas de interrogatório severas contra membros da AlQaeda suspeitos de terrorismo ajudou a impedir outro ataque terrorista como o das Torres Gêmeas baseiase nessa lógica utilitarista Isso não significa que os utilitaristas sejam necessariamente favoráveis à tortura Alguns são contra a tortura por motivos de ordem prática Eles argumentam que ela raramente funciona porque as informações extraídas sob coação nem sempre são confiáveis Infligese a dor mas a comunidade não fica mais segura com isso não há acréscimo à utilidade coletiva Ou então receiam que se nosso país adotar a tortura nossos soldados possam enfrentar um tratamento mais cruel se forem feitos prisioneiros Essa consequência poderia resultar no cômputo geral em redução da utilidade Essas considerações práticas podem ser verdadeiras ou não Como motivos para que se rejeite a tortura entretanto são perfeitamente compatíveis com o pensamento utilitarista Não afirmam que torturar um ser humano seja intrinsecamente errado apenas que a prática da tortura terá efeitos nocivos que considerados como um todo resultarão em mais malefícios do que benefícios Algumas pessoas repudiam a tortura por princípio Elas acreditam que esse recurso é uma violação dos direitos humanos um desrespeito à dignidade intrínseca dos seres humanos Sua posição contra a tortura não depende de considerações utilitaristas Elas argumentam que os direitos e a dignidade humana têm uma base moral que transcende a noção de utilidade Se essas pessoas estiverem certas a filosofia de Bentham estará errada A situação da bombarelógio portanto parece apoiar o argumento de Bentham Os números realmente parecem fazer uma diferença moral Uma coisa é aceitar a provável morte de três homens em um bote salvavidas para evitar que se mate um inocente taifeiro a sanguefrio Mas o que dizer quando a vida de milhares de inocentes está em jogo como no caso da bombarelógio O que dizer quando centenas de milhares de vidas estão em risco O utilitarista argumentaria que até certo ponto mesmo o mais ardente defensor dos direitos humanos encontraria dificuldades para justificar que é moralmente preferível deixar um grande número de inocentes morrer a torturar um único terrorista suspeito que pode saber onde a bomba está escondida Entretanto como um teste para a argumentação moral do utilitarismo o caso da bombarelógio pode levar a um engano Ele pretende provar que os números devem ser levados em consideração assim se um determinado número de vidas estiver em risco devemos abandonar nossos escrúpulos sobre dignidade e direitos humanos E se isso for verdade então a moralidade deve considerar os custos e os benefícios finais Entretanto a situação da tortura não significa que a expectativa de salvar muitas vidas justifique infligir sofrimento grave a um inocente Lembremonos de que a pessoa torturada com o objetivo de se salvarem muitas vidas é suspeita de terrorismo Na verdade é a pessoa que acreditamos que tenha colocado a bomba A justificativa moral da tortura depende muito do fato de presumirmos que aquela pessoa seja responsável de alguma forma pelo perigo que tentamos afastar Ainda que não seja responsável pela bomba em questão presumimos que tenha cometido outros atos terríveis que a fizeram merecedora do cruel tratamento As intuições morais no caso da bombarelógio não estão relacionadas apenas com custos e benefícios mas também com a ideia não utilitarista de que terroristas são pessoas más que merecem ser punidas Podemos ver isso mais claramente se alterarmos a situação de modo a remover qualquer elemento de presunção de culpa Suponhamos que a única forma de induzir o suspeito de terrorismo a falar seja a tortura de sua jovem filha que não tem noção das atividades nefastas do pai Seria moralmente aceitável fazer isso Acredito que até mesmo o mais convicto utilitarista vacilasse ao pensar nessa possibilidade Mas essa versão da situação de tortura é um teste mais verdadeiro do princípio utilitarista Ela põe de lado a percepção de que o terrorista merece ser punido de alguma forma apesar da valiosa informação que esperamos extrair dele e nos força a avaliar o cálculo utilitarista em si A cidade da felicidade A segunda versão do caso da tortura aquela que envolve a filha inocente remonta a um conto de Ursula K Le Guin A história The Ones Who Walked Away from Omelas fala de uma cidade chamada Omelas uma cidade de felicidade e celebração cívica um lugar sem reis ou escravos sem propaganda ou bolsa de valores sem bomba atômica Embora tal lugar seja difícil de imaginar a autora nos conta mais uma coisa sobre ele Em um porão sob um dos belos prédios públicos de Omelas ou talvez na adega de uma das suas espaçosas residências particulares existe um quarto com uma porta trancada e sem janelas E nesse quarto há uma criança A criança é oligofrênica está malnutrida e abandonada Ela passa os dias em extremo sofrimento Todos sabem que ela está lá todas as pessoas de Omelas Sabem que ela tem que estar lá Todos acreditam que a própria felicidade a beleza da cidade a ternura de suas amizades a saúde de seus filhos até mesmo a abundância de suas colheitas e o clima agradável de seus céus dependem inteiramente do sofrimento abominável da criança Se ela for retirada daquele local horrível e levada para a luz do dia se for limpa alimentada e confortada toda a prosperidade a beleza e o encanto de Omelas definharão e serão destruídos São essas as condições8 Essas condições são moralmente aceitáveis A primeira objeção ao utilitarismo de Bentham aquela que apela para os direitos humanos fundamentais diz que não mesmo que disso dependa a felicidade de uma cidade Seria errado violar os direitos de uma criança inocente ainda que fosse pela felicidade de uma população OBJEÇÃO 2 VALORES COMO MOEDA COMUM O utilitarismo procura mostrarse como uma ciência de moralidade baseada na quantificação na agregação e no cômputo geral da felicidade Ele pesa as preferências sem as julgar As preferências de todos têm o mesmo peso Essa proposta de não julgamento é a origem de grande parte de seu atrativo E a promessa de tornar a escolha moral uma ciência esclarece grande parte do raciocínio econômico contemporâneo Para agregar valores no entanto é necessário pesálos todos em uma única balança como se tivessem todos a mesma natureza A ideia de Bentham sobre a utilidade nos oferece essa moeda comum Entretanto será possível traduzir todos os bens morais em uma única moeda corrente sem perder algo na tradução A segunda objeção ao utilitarismo põe isso em dúvida De acordo com essa objeção não é possível transformar em moeda corrente valores de naturezas distintas A fim de explorar essa objeção consideremos a maneira pela qual a lógica utilitarista é aplicada em análises de custo e benefício uma forma de tomada de decisões amplamente utilizada por governos e corporações A análise de custo e benefício tenta trazer a racionalidade e o rigor para as escolhas complexas da sociedade transformando todos os custos e benefícios em termos monetários e então comparandoos Os benefícios do câncer de pulmão A Philip Morris uma companhia de tabaco tem ampla atuação na República Tcheca onde o tabagismo continua popular e socialmente aceitável Preocupado com os crescentes custos dos cuidados médicos em consequência do fumo o governo tcheco pensou recentemente em aumentar a taxação sobre o cigarro Na esperança de conter o aumento dos impostos a Philip Morris encomendou uma análise do custobenefício dos efeitos do tabagismo no orçamento do país O estudo descobriu que o governo efetivamente lucra mais do que perde com o consumo de cigarros pela população O motivo embora os fumantes em vida imponham altos custos médicos ao orçamento eles morrem cedo e assim poupam o governo de consideráveis somas em tratamentos de saúde pensões e abrigo para os idosos De acordo com o estudo uma vez levados em conta os efeitos positivos do tabagismo incluindo a receita com os impostos e a economia com a morte prematura dos fumantes o lucro líquido para o tesouro é de 147 milhões de dólares por ano9 A análise de custo e benefício foi um desastre de relações públicas para a Philip Morris Companhias de tabaco costumavam negar que o cigarro matasse escreveu um comentarista Agora elas se gabam disso10 Um grupo antitabagista publicou matérias pagas em jornais mostrando o pé de um cadáver em um necrotério com a etiqueta US 1227 presa ao dedo representando a economia do governo tcheco com cada morte causada pelo cigarro Diante do ultraje público e ridicularizado o diretor executivo da Philip Morris se desculpou reconhecendo que o estudo mostrava um desrespeito absolutamente inaceitável pelos valores humanos básicos11 Alguns diriam que o estudo da Philip Morris mostra o desatino moral da análise de custo e benefício e do pensamento utilitarista que sustenta Encarar a morte por câncer de pulmão como um benefício final realmente mostra um inominável desrespeito pela vida humana Qualquer diretriz moralmente defensável em relação ao tabagismo deveria considerar não apenas os efeitos fiscais mas também as consequências para a saúde pública e para o bemestar social Entretanto um utilitarista não negaria a relevância dessas consequências mais amplas a dor e o sofrimento as famílias enlutadas a perda da vida Bentham criou o conceito da utilidade precisamente para capturar em uma única escala a natureza discrepante das coisas com as quais nos importamos incluindo o valor da vida humana Para alguém que pense como ele o estudo sobre o tabagismo não nega os princípios utilitaristas simplesmente os aplica de forma equivocada Uma análise mais ampla de custo e benefício acrescentaria ao cálculo moral uma quantia que representasse o custo da morte prematura para o fumante e sua família e o confrontaria com a economia que essa morte traria para o governo Tudo isso nos leva de volta à questão sobre a possibilidade de traduzir valores morais em termos monetários Algumas versões da análise de custo e benefício tentam fazer isso chegando até mesmo a estipular um valor em dólares para a vida humana Consideremos dois usos da análise de custo e benefício que provocaram enorme indignação não porque não tenham calculado o valor da vida humana e sim porque o fizeram Explodindo tanques de combustível Durante os anos 1970 o Ford Pinto era um dos carros compactos mais vendidos nos Estados Unidos Infelizmente seu tanque de combustível estava sujeito a explodir quando outro carro colidia com ele pela traseira Mais de quinhentas pessoas morreram quando seus automóveis Pinto pegaram fogo e muitas mais sofreram sérias queimaduras Quando uma das vítimas processou a Ford Motor Company pelo erro de projeto veio a público que os engenheiros da Ford sabiam do perigo representado pelo tanque de gasolina Mas os executivos da companhia haviam realizado uma análise de custo e benefício que os levara a concluir que os benefícios de consertar as unidades em vidas salvas e ferimentos evitados não compensavam os 11 dólares por carro que custaria para equipar cada veículo com um dispositivo que tornasse o tanque de combustível mais seguro Para calcular os benefícios obtidos com um tanque de gasolina mais seguro a Ford estimou que em um ano 180 mortes e 180 queimaduras poderiam acontecer se nenhuma mudança fosse feita Estipulou então um valor monetário para cada vida perdida e cada queimadura sofrida 200 mil dólares por vida e 67 mil por queimadura Acrescentou a esses valores a quantidade e o valor dos Pintos que seriam incendiados e calculou que o benefício final da melhoria da segurança seria de 495 milhões de dólares Mas o custo de instalar um dispositivo de 11 dólares em 125 milhões de veículos seria de 1375 milhões de dólares Assim a companhia chegou à conclusão de que o custo de consertar o tanque não compensaria o benefício de um carro mais seguro12 O júri ficou revoltado quando tomou conhecimento do estudo e determinou que fosse paga ao autor da ação uma indenização de 25 milhões de dólares pelos prejuízos e 125 milhões de dólares por danos morais total reduzido mais tarde para 35 milhões13 Talvez os jurados tenham considerado errado uma corporação atribuir um valor monetário à vida humana ou talvez tenham considerado que 200 mil dólares fosse um valor ofensivamente baixo A Ford não chegou a esse número sozinha obteveo de uma agência governamental dos Estados Unidos No início dos anos 1970 a Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário havia calculado o custo de uma ocorrência fatal no trânsito Considerando futuras perdas de produtividade custos médicos custos funerários e a dor e o sofrimento da vítima a agência chegou ao valor de 200 mil dólares para cada vítima fatal Se a objeção do júri fosse quanto ao valor atribuído e não ao princípio um utilitarista poderia concordar Poucas pessoas concordariam em morrer num acidente de carro por 200 mil dólares A maioria teria escolhido viver Para mensurar o efeito total de uma morte no trânsito sobre a utilidade seria preciso incluir também a perda da futura felicidade da vítima e não apenas o que ela deixaria de ganhar e os custos funerários Qual seria então uma estimativa mais fiel do valor monetário de uma vida humana Um desconto para idosos A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos EPA tentou responder a essa pergunta e também provocou indignação porém de forma diferente Em 2003 a EPA apresentou uma análise de custo e benefício dos novos padrões de poluição do ar A agência atribuiu um valor mais generoso à vida humana do que a Ford porém com uma diferença no ajuste de idade 37 milhões de dólares por vida salva em consequência do ar mais puro exceto para aqueles acima de 70 anos cujas vidas foram avaliadas em 23 milhões Por trás das diferentes avaliações havia um princípio utilitarista salvar a vida de uma pessoa mais idosa é menos útil do que salvar a vida de uma mais jovem O jovem tem mais vida pela frente e portanto mais felicidade para usufruir Defensores dos mais idosos não raciocinavam assim Eles protestaram contra o desconto para cidadãos idosos argumentando que o governo não deveria atribuir um valor mais alto à vida dos jovens do que à dos idosos Abalada pelo protesto a EPA rapidamente desistiu do desconto e tirou o relatório de circulação14 Críticos do utilitarismo apontam esses episódios como provas de que a análise de custo e benefício leva a enganos e que atribuir um valor monetário à vida humana é moralmente errôneo Defensores da análise de custobenefício discordam Eles argumentam que muitas escolhas sociais trocam implicitamente um determinado número de vidas por outros bens e conveniências A vida humana tem seu preço insistem eles quer admitamos quer não Por exemplo o uso do automóvel implica uma perda previsível de vidas humanas mais de 40 mil mortes por ano nos Estados Unidos Mas isso não nos conduz a uma sociedade sem carros De fato não nos leva sequer a reduzir o limite de velocidade Durante uma crise de petróleo em 1974 o Congresso dos Estados Unidos estabeleceu um limite nacional de velocidade de 90 kmh Embora o objetivo fosse economizar combustível um dos efeitos do limite mais baixo foi a redução dos acidentes fatais no trânsito Na década de 1980 o Congresso revogou essa restrição e muitos estados aumentaram o limite de velocidade para 100 kmh Os motoristas ganharam tempo mas as mortes no trânsito voltaram a aumentar Naquela ocasião ninguém fez uma análise de custo e benefício para determinar se os benefícios da direção mais rápida compensavam o custo em vidas Alguns anos mais tarde no entanto dois economistas fizeram as contas Eles definiram o benefício do limite de velocidade maior em termos de economia de tempo na ida e na volta para o trabalho calcularam o benefício econômico do tempo poupado avaliado na média de 20 dólares por hora e dividiram os lucros pelo número de mortes adicionais Descobriram que pela facilidade de dirigir mais depressa os americanos estavam efetivamente avaliando a vida humana à taxa de 154 milhão de dólares cada Esse era o ganho financeiro por acidente fatal de dirigir 10 kmh mais rápido15 Os defensores da análise de custo e benefício observam que ao dirigir a 100 kmh em vez de 90 kmh estamos implicitamente avaliando a vida humana em 154 milhão muito menos do que os 6 milhões por vida normalmente atribuídos por agências do governo dos Estados Unidos ao estabelecer os padrões de poluição e as regras de saúde e segurança Então por que não ser explícitos quanto a isso Se é inevitável trocar certos níveis de segurança por determinados benefícios e conveniências argumentam eles deveríamos fazer isso conscientemente comparando os custos e benefícios tão sistematicamente quanto possível mesmo que isso implique colocar uma etiqueta de preço na vida humana Os utilitaristas veem nossa tendência a repudiar o valor monetário para avaliar a vida humana como um impulso que deveríamos superar um tabu que obstrui o raciocínio claro e a escolha social racional Para os críticos do utilitarismo entretanto nossa hesitação aponta para algo de importância moral a ideia de que não é possível mensurar e comparar todos os valores e bens em uma única escala de medidas Quanto custa o sofrimento A solução dessa controvérsia não parece muito óbvia Entretanto alguns cientistas sociais de mente empírica tentaram resolvêla Na década de 1930 Edward Thorndike psicólogo social tentou provar o que o utilitarismo presume que é possível converter nossos desejos e nossas aversões aparentemente incompatíveis em uma moeda comum de prazer e dor Thorndike chefiou uma pesquisa com jovens que recebiam auxílio do governo e perguntoulhes quanto deveriam receber para passar por várias experiências Por exemplo Quanto você cobraria para permitir que lhe extraíssem um dente superior da frente Ou para ter o dedo mínimo de um dos pés amputado Ou para comer uma minhoca viva de 15 centímetros Ou para estrangular um gato viralatas até a morte com as próprias mãos Ou para viver o resto da vida em uma fazenda no Kansas a 16 km de distância da cidade mais próxima16 A qual desses itens você acha que foi atribuído o preço mais alto e qual teve o preço mais baixo Aqui está a lista dos preços que a pesquisa divulgou em dólares de 1937 Dente 4500 Dedo do pé 57000 Minhoca 100000 Gato 10000 Kansas 300000 Thorndike achou que sua descoberta confirmava a ideia de que toda mercadoria pode ser medida e comparada em uma única escala Qualquer desejo ou satisfação existente ocorre em uma determinada quantidade e é portanto mensurável escreveu ele A vida de um cachorro ou gato ou galinha em grande parte é constituída e determinada por apetites anseios desejos e sua gratificação E isso também se aplica à vida humana embora o apetite e os desejos sejam mais numerosos sutis e complicados17 Entretanto o caráter irracional da lista de preços de Thorndike sugere o absurdo de tais comparações Podemos realmente concluir que os participantes da pesquisa consideraram a perspectiva de viver em uma fazenda no Kansas três vezes mais desagradável do que comer uma minhoca ou essas experiências são tão diferentes entre si que não é possível fazer uma comparação significativa Thorndike revelou que quase um terço dos participantes havia declarado que nenhuma quantia os induziria a sofrer alguma dessas experiências sugerindo que a consideravam incomensuravelmente repugnantes18 As meninas do St Anne Pode não existir um argumento irrefutável a favor ou contra a pretensão de que todo bem moral pode ser transformado sem perdas em uma única medida de valor Mas eis um caso que questiona essa pretensão Na década de 1970 quando eu estudava em Oxford havia faculdades separadas para homens e mulheres As das mulheres tinham regras que não permitiam que rapazes passassem a noite nos quartos das moças O cumprimento dessas regras raramente era fiscalizado portanto eram facilmente violadas ou pelo menos era oque se dizia A maioria dos funcionários das faculdades não considerava mais uma atribuição sua zelar pelas noções tradicionais de moralidade sexual Cresciam as ressões para o relaxamento de tais regras o que se tornou tema de debate no St Annes College uma das instituições só para moças Algumas mulheres mais velhas do corpo docente da faculdade eram conservadoras Eram contra as visitas masculinas por razões morais convencionais segundo elas era imoral que jovens solteiras passassem a noite com rapazes Mas os tempos haviam mudado e as conservadoras se sentiam constrangidas Assim traduziram seus argumentos em termos utilitaristas Se os homens passarem a noite contestavam elas as despesas da faculdade aumentarão Como poderíamos perguntar Bem eles tomarão banho e consequentemente usarão mais água quente Além disso argumentaram seremos forçadas a substituir os colchões com mais frequência As liberais enfrentaram os argumentos das conservadoras adotando a seguinte solução cada mulher poderia receber no máximo três convidados por semana desde que cada um pagasse 50 pence por noite para reduzir os custos da faculdade No dia seguinte a manchete estampada no Guardian dizia Moças do St Anne 50 pence por noite A linguagem da virtude não fora muito bem traduzida para a linguagem da utilidade Pouco depois as regras para os alojamentos femininos foram totalmente relaxadas e a cobrança foi suspensa JOHN STUART MILL Já tecemos considerações sobre duas objeções ao princípio da maior felicidade de Bentham ele não atribui o devido valor à dignidade humana e aos direitos individuais e reduz equivocadamente tudo que tem importância moral a uma única escala de prazer e dor Quão convincentes são essas objeções John Stuart Mill 18061873 acreditava que havia resposta para elas Nascido uma geração após a de Bentham tentou salvar o utilitarismo reformulandoo como uma doutrina mais humana e menos calculista John Stuart Mill era filho de James Mill amigo e discípulo de Bentham James Mill educou o filho em casa e o menino se tornou uma criançaprodígio Estudou grego aos 3 anos e latim aos 8 Aos 11 escreveu uma história das leis romanas Quando completou 20 sofreu um colapso nervoso que o deixou deprimido por vários anos Pouco tempo depois conheceu Harriet Taylor Na época ela era casada e tinha dois filhos mas se tornou amiga íntima de Mill Quando seu marido morreu vinte anos mais tarde ela e Mill se casaram Taylor foi a maior colaboradora e companheira intelectual de Mill quando ele se dispôs a revisar a doutrina de Bentham Em defesa da liberdade Os trabalhos de Mill são uma árdua tentativa de conciliar os direitos do indivíduo com a filosofia utilitarista que herdara do pai e adotara de Bentham Seu livro On Liberty 1859 é a clássica defesa da liberdade individual nos países de língua inglesa Seu princípio central é o de que as pessoas devem ser livres para fazer o que quiserem contanto que não façam mal aos outros O governo não deve interferir na liberdade individual a fim de proteger uma pessoa de si mesma ou impor as crenças da maioria no que concerne à melhor maneira de viver Os únicos atos pelos quais uma pessoa deve explicações à sociedade segundo Mill são aqueles que atingem os demais Desde que eu não esteja prejudicando o próximo minha independência é por direito absoluta No que diz respeito a si mesmo ao próprio corpo e à própria mente o indivíduo é soberano19 Essa reflexão radical sobre os direitos individuais parece necessitar de algo mais forte do que a teoria do utilitarismo para se justificar Por exemplo suponhamos que a maioria rejeite uma pequena crença religiosa e queira extingui la Não seria possível ou até mesmo provável que a extinção da crença produzisse maior felicidade para um número maior de pessoas É claro que a minoria rejeitada sofreria infeliz e frustrada Mas se a maioria for grande e entusiasta o bastante em seu repúdio aos tais hereges a felicidade coletiva compensará o sofrimento dos outros Se esse cenário for possível então parece que o utilitarismo é uma base fraca e não confiável para a liberdade religiosa O princípio de liberdade de Mill pareceria necessitar de uma base moral mais concreta do que o princípio da utilidade de Bentham Mill discorda Ele insiste que a liberdade individual depende inteiramente de considerações utilitaristas É correto afirmar que eu renuncio a qualquer vantagem que possa ser acrescida à minha tese que provenha da ideia do direito abstrato como algo independente da teoria utilitarista Eu vejo a utilidade como a instância final de todas as questões éticas mas deve ser uma utilidade no sentido mais amplo baseada nos interesses permanentes do homem como um ser em evolução20 Mill acredita que devamos maximizar a utilidade em longo prazo e não caso a caso Com o tempo argumenta o respeito à liberdade individual levará à máxima felicidade humana Permitir que a maioria se imponha aos dissidentes ou censure os livrespensadores pode maximizar a utilidade hoje porém tornará a sociedade pior e menos feliz no longo prazo Por que deveríamos presumir que ao defender a liberdade individual e o direito de discordar estaremos promovendo o bemestar da sociedade no longo prazo Em resposta Mill nos dá várias razões a opinião dissidente pode se provar verdadeira ou parcialmente verdadeira representando assim uma correção da opinião da maioria E mesmo que esse não seja o caso submeter a opinião da maioria a uma vigorosa contestação de ideias evitará que ela se transforme em dogma ou preconceito Finalmente a sociedade que força seus membros a abraçar costumes e convenções está sujeita a cair em um conformismo ridículo privando se da energia e da vitalidade que promovem o avanço social As especulações de Mill sobre os efeitos sociais salutares da liberdade são bastante plausíveis Entretanto não fornecem uma base moral convincente para os direitos do indivíduo por pelo menos duas razões em primeiro lugar respeitar os direitos individuais com o objetivo de promover o progresso social torna os direitos reféns da contingência Suponhamos que uma sociedade atinja um tipo de felicidade de longo prazo por meios despóticos Os utilitaristas não concluiriam então que nessa sociedade os direitos individuais não são moralmente necessários Em segundo lugar ao basear os direitos individuais em considerações utilitaristas deixamos de considerar a ideia segundo a qual a violação dos direitos de alguém inflige um mal ao indivíduo qualquer que seja seu efeito no bemestar geral Não seria a perseguição da maioria aos adeptos de determinada crença impopular uma injustiça com eles como indivíduos independentemente dos efeitos negativos que tal intolerância possa produzir para a sociedade como um todo ao longo do tempo Mill tem uma resposta para esses desafios mas ela o leva além dos limites da moral utilitarista É errado forçar uma pessoa a viver de acordo com costumes e convenções ou com a opinião predominante explica Mill porque isso a impede de atingir a finalidade máxima da vida humana o desenvolvimento completo e livre de suas faculdades A conformidade na opinião de Mill é inimiga da melhor forma de viver As faculdades humanas de percepção julgamento sentimento discriminativo atividade mental e até mesmo a preferência moral só são exercitadas quando se faz uma escolha Aquele que só faz alguma coisa porque é o costume não faz escolha alguma Ele não é capaz de discernir nem de desejar o que é melhor As capacidades mentais e morais assim como as musculares só se aperfeiçoam se forem estimuladas Quem abdica de tomar as próprias decisões não necessita de outra faculdade apenas da capacidade de imitar como os macacos Aquele que decide por si emprega todas as suas faculdades21 Mill admite que seguir convenções pode levar uma pessoa a um caminho na vida satisfatório que a manterá longe de perigos Entretanto qual será seu valor comparativo como ser humano pergunta ele É realmente importante considerar não apenas o que os homens fazem mas também que tipo de homem são para fazer o que fazem22 Ações e consequências não são tudo afinal O caráter também conta Para Mill a individualidade tem menos importância pelo prazer que ela proporciona do que por aquilo que ela reflete Aquele cujos desejos e impulsos não são próprios não tem caráter não mais do que uma máquina tem caráter23 A enfática celebração da individualidade é a mais importante contribuição de Mill em On Liberty mas é também de certa forma um tipo de heresia em relação ao utilitarismo Já que apela para os ideais morais além dos utilitários ideais de caráter e desenvolvimento humano não é na realidade a reelaboração do princípio de Bentham e sim uma renúncia a ele apesar de Mill afirmar o contrário Prazeres mais elevados A resposta de Mill à segunda objeção ao utilitarismo a de que ele reduz todos os valores a uma única escala também termina por apoiarse em ideais morais independentes da utilidade Em Utilitarianism 1861 um longo ensaio que escreveu pouco depois de On Liberty Mill tenta mostrar que os utilitaristas sabem distinguir os prazeres mais elevados dos menos elevados Para Bentham prazer é prazer e dor é dor A única base para se considerar uma experiência melhor ou pior do que outra são a intensidade e a duração do prazer ou da dor que ela ocasiona Os chamados prazeres mais elevados ou virtudes mais nobres são simplesmente aqueles que produzem prazer mais intenso e duradouro Bentham não reconhece nenhuma distinção qualitativa entre os prazeres Se a quantidade do prazer proporcionado for igual escreve ele pushpin tem o mesmo valor que a poesia24 Em parte o atrativo do utilitarismo de Bentham é esse espírito acrítico Ele considera as preferências das pessoas como elas são sem julgar seu valor moral Todas as preferências têm o mesmo peso Bentham acredita que é presunçoso considerar alguns prazeres inerentemente melhores do que outros Algumas pessoas gostam de Mozart outras de Madonna Umas apreciam balé outras gostam de boliche Alguns leem Platão outros a Playboy Quem pode determinar pergunta Bentham quais desses prazeres são mais elevados ou mais valiosos ou mais nobres do que os demais A recusa em distinguir os prazeres mais elevados dos mais reles reflete a crença de Bentham de que todos os valores podem ser mensurados e comparados em uma única escala Se as experiências diferem apenas na quantidade do prazer ou da dor que proporcionam e não qualitativamente faz sentido avaliálas em uma única escala Mas alguns se opõem ao utilitarismo precisamente neste ponto eles acreditam que alguns prazeres sejam realmente mais elevados do que outros Se certos prazeres são valiosos e outros são banais como dizem eles por que uma sociedade deveria mensurar todas as preferências de maneira indiscriminada e além disso considerar a soma dessas preferências como o bem maior Pense novamente nos romanos que atiravam cristãos aos leões no Coliseu Uma das objeções feitas ao sangrento espetáculo é que ele violava os direitos das vítimas Mas outra objeção é que ele proporciona prazeres perversos em vez de prazeres nobres Não seria melhor mudar tais preferências em vez de satisfazêlas Dizem que os puritanos proibiram o bearbaiting não porque causasse sofrimento aos ursos mas devido ao prazer que proporcionava aos espectadores O bearbaiting deixou de ser um passatempo popular mas as rinhas de cães e galos exercem um fascínio persistente e algumas jurisdições as proíbem Um argumento para proibir essas brigas é a crueldade contra os animais Entretanto tais leis também podem refletir um argumento moral de que sentir prazer com brigas de cães é abominável algo que uma sociedade civilizada deveria desencorajar Não é preciso ser um puritano para simpatizar com esse argumento Bentham levaria em consideração todas as preferências independentemente de seu valor ao determinar como a lei deveria ser Entretanto se mais pessoas preferissem assistir a brigas de cães do que apreciar as pinturas de Rembrandt a sociedade deveria subsidiar arenas de luta em vez de museus de arte Se alguns prazeres são indignos e degradantes por que deveriam ter algum peso na decisão sobre quais leis deveriam ser adotadas Mill tenta poupar o utilitarismo dessa objeção Ao contrário de Bentham ele acredita que seja possível distinguir entre os prazeres mais elevados e os mais desprezíveis avaliar a qualidade e não apenas a quantidade ou a intensidade dos nossos desejos E acha que pode fazer essa distinção sem se basear em qualquer outra ideia moral que não a própria utilidade Mill começa por afirmar sua fidelidade ao credo utilitarista As ações estão certas na proporção em que tendam a promover a felicidade erradas quando tendem a produzir o oposto da felicidade Por felicidade compreendese o prazer e a ausência do sofrimento por infelicidade a dor e a privação do prazer Ele também confirma a teoria da vida na qual se baseia essa teoria da moralidade ou seja que prazer e ausência da dor são as únicas coisas desejáveis como finalidade e que todas as coisas desejáveis o são tanto pelo prazer inerente a elas quanto por promover o prazer e evitar a dor25 Apesar de insistir no fato de que apenas prazer e dor são realmente importantes Mill reconhece que alguns tipos de prazer são mais desejáveis e mais valiosos do que outros Como podemos saber quais prazeres são qualitativamente mais elevados Mill propõe um teste simples Entre dois prazeres se houver um que obtenha a preferência de todos ou de quase todos que tenham experimentado ambos independentemente de qualquer sentimento de obrigação moral para tal preferência esse será o prazer mais desejável26 Esse teste tem uma clara vantagem não parte da ideia utilitarista de que a moralidade baseiase única e simplesmente em nossos desejos A única prova de que algo seja desejável é alguém o desejar escreve Mill27 Entretanto como meio de chegar a distinções qualitativas entre os prazeres o teste parece estar aberto a uma objeção óbvia Não é verdade que frequentemente preferimos os prazeres menores aos mais elevados Não é verdade que às vezes preferimos ficar deitados no sofá assistindo a uma comédia a ler Platão ou ir à ópera E não é possível preferir essas experiências sem as considerar particularmente valiosas Shakespeare versus Os Simpsons Quando discuto com meus alunos sobre as ideias de Mill relativas a prazeres mais elevados faço uma experiência com uma versão do seu teste Mostro a eles três exemplos de diversão que costumam ser apreciados uma luta da World Wrestling Entertainment um espetáculo barulhento no qual os assim chamados lutadores agridemse mutuamente com cadeiras dobráveis um monólogo de Hamlet interpretado por um ator shakespeariano e um episódio de Os Simpsons Eu lhes faço então duas perguntas De qual dessas apresentações você mais gostou qual lhe deu mais prazer e qual delas você considera a mais elevada ou mais valiosa Invariavelmente Os Simpsons recebem o maior número de votos como a que deu mais prazer seguida do texto de Shakespeare Alguns poucos corajosos confessam sua preferência pela luta de WWE Entretanto quando lhes pergunto qual experiência consideram a mais elevada qualitativamente os alunos em peso votam em Shakespeare Os resultados dessa experiência representam um desafio para o teste de Mill Muitos alunos preferem ver Homer Simpson mas ainda assim consideram que um monólogo de Hamlet possa proporcionar um prazer mais elevado Reconhecidamente alguns dizem que Shakespeare é melhor porque estão em uma sala de aula e não querem parecer incultos E alguns alunos argumentam que Os Simpsons uma sutil mistura de ironia humor e crítica social são comparáveis à arte de Shakespeare Entretanto visto que a maioria das pessoas que experimentaram os dois diz preferir assistir a Os Simpsons Mill teria dificuldade de concluir que Shakespeare é qualitativamente mais elevado E ainda assim ele não desiste da ideia de que algumas maneiras de viver sejam mais nobres do que outras mesmo que seja mais difícil satisfazer as pessoas que as adotem Um ser com faculdades mais elevadas é mais exigente para ser feliz e é provavelmente mais capaz de sofrer de maneira intensa do que um ser de faculdades inferiores mas apesar de tudo ele jamais desejaria situarse em um patamar de existência que considera inferior Por que não queremos trocar uma vida comprometida com as nossas mais altas faculdades por uma vida de contentamento banal Mill acha que a razão para isso tem a ver com o amor pela liberdade e pela independência pessoal e conclui que seu argumento mais adequado é o senso de dignidade que todos os seres humanos possuem de uma forma ou de outra28 Mill reconhece que ocasionalmente sob a influência da tentação até mesmo o melhor entre nós adia os prazeres mais elevados em detrimento dos mais simples Todos nós por vezes cedemos ao impulso da preguiça Entretanto isso não significa que não saibamos distinguir entre Rembrandt e uma reprodução Mill aborda esse ponto em uma passagem memorável É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito E se o tolo ou o porco tiverem uma opinião diferente é porque eles só conhecem o próprio lado da questão29 Essa expressão de fé nas faculdades humanas mais elevadas é convincente Mas ao basearse nela Mill foge da premissa do utilitarismo Os desejos de facto não são mais a única base para julgar o que é nobre e o que é vulgar O padrão atual parte de um ideal da dignidade humana independente daquilo que queremos e desejamos Os prazeres mais elevados não são maiores porque os preferimos nós os preferimos porque reconhecemos que são mais elevados Não consideramos Hamlet uma grande obra de arte porque a preferimos às diversões mais simples e sim porque ela exige mais de nossas faculdades e nos torna mais plenamente humanos O que acontece com os direitos individuais acontece também com os prazeres mais elevados Mill salva o utilitarismo da acusação de que ele reduz tudo a um cálculo primitivo de prazer e dor mas o consegue apenas invocando um ideal moral da dignidade e da personalidade humana independente da própria utilidade Entre os dois maiores defensores do utilitarismo Mill foi o filósofo mais humano Bentham o mais consistente Bentham morreu em 1832 aos 84 anos Entretanto se você for a Londres hoje pode visitálo Ele exigiu em testamento que seu corpo fosse conservado embalsamado e exposto E assim ele se encontra no University College de Londres onde permanece sentado e meditativo dentro de uma urna de vidro com as roupas que vestia em vida Pouco antes de morrer Bentham fez a si mesmo uma pergunta coerente com sua filosofia Qual seria a utilidade de um homem morto para os vivos Uma das utilidades seria concluiu ceder o próprio corpo para o estudo da anatomia No caso de grandes filósofos no entanto melhor seria preservar sua presença física a fim de inspirar as futuras gerações de pensadores30 Bentham enquadrouse na segunda categoria De fato a modéstia não era uma das características mais evidentes de Bentham Ele não apenas deu instruções rigorosas para a conservação e exposição de seu corpo mas também sugeriu que seus amigos e discípulos se reunissem todos os anos no intuito de celebrar o fundador do maior sistema de felicidade moral e legal e quando o fizessem que Bentham estivesse presente na ocasião31 Seus admiradores fizeramlhe a vontade O autoícone de Bentham conforme ele mesmo o chamou estava presente na fundação da Sociedade Internacional Bentham na década de 1980 E consta que o Bentham embalsamado é levado para reuniões do conselho diretor da faculdade cujas minutas o registram como presente porém não votante32 Apesar do planejamento criterioso de Bentham o processo de embalsamamento da sua cabeça não deu certo e agora ele mantém sua vigília com uma cabeça de cera no lugar da verdadeira Sua cabeça verdadeira atualmente mantida em um porão foi exposta por algum tempo sobre uma bandeja entre seus pés Mas os estudantes roubaramna e cobraram como resgate que a universidade doasse dinheiro a uma obra de caridade33 Mesmo depois de morto Jeremy Bentham promove o bem maior para o maior número de pessoas Notas Antiga brincadeira infantil praticada entre os séculos XVI e XIX N da T Esporte medieval no qual os ursos tinham os dentes e as garras arrancados e acorrentados eram devorados por cães ferozes N da T 1 Queen v Dudley and Stephens 14 Queens Bench Division 273 9 de dezembro de 1884 Citações de notícia de jornal em The Story of the Mignonette The Illustrated London News 20 de setembro de 1884 Ver também A W Brian Simpson Cannibalism and the Common Law Chicago University of Chicago Press 1984 2 Jeremy Bentham Introduction to the Principles of Morals and Legislation 1789 J H Burns e H L A Hart eds Oxford Oxford University Press 1996 cap 1 3 Ibidem 4 Jeremy Bentham Tracts on Poor Laws and Pauper Management 1797 em John Bowring ed The Works of Jeremy Bentham vol 8 Nova York Russel Russell 1962 pp 369439 5 Ibidem p 401 6 Ibidem pp 401402 7 Ibidem p 373 8 Ursula K Le Guin The Ones Who Walked Away from Omelas em Richard Bausch ed Norton Anthology of Short Fiction Nova York W W Norton 2000 9 Gordon Fairclough Philip Morris Notes Cigarettes Benefits for Nations Finances Wall Street Journal 16 de julho de 2001 p A2 O texto da reportagem Public Finance Balance of Smoking in the Czech Republic 28 de novembro de 2000 conforme foi preparado para Philip Morris por Arthur D Little International Inc está disponível online em wwwmindfullyorgIndustryPhilipMorrisCzech Studyhtm e em wwwtobaccofreekidsorgreportsphilipmorrispmczechstudypdf 10 Ellen Goodman Thanks but No Thanks Boston Globe 22 de julho de 2001 p D7 11 Gordon Fairclough Philip Morris Says Its Sorry for Death Report Wall Street Journal 26 de julho de 2001 p B1 12 O caso da corte era Grimshaw v Ford Motor Co 174 Cal Reporter 348 Cal Ct App 1981 A análise custo e benefício foi divulgada em Mark Dowie Pinto Madness Mother Jones setembrooutubro de 1977 Para um caso similar da General Motors ver Elsa Walsh e Benjamin Weiser Court Secrecy Masks Safety Issues Washington Post 23 de outubro de 1988 pp A1 A22 13 W Kip Kiscusi Corporate Risk Analysis A Reckless Act Stanford Law Review 52 fevereiro de 2000 569 14 Katharine Q Seelye e John Tierney EPA Drops AgeBased Cost Studies New York Times 8 de maio de 2003 p A26 Cindy Skrzycki Under Fire EPA Drops the Seniro Death Discount Washington Post 13 de maio de 2003 p E1 Robert Hahn e Scott Wallsten Whose Life Is Worth More And Why Is It Horrible to Ask Washington Post 1º de junho de 2003 15 Orlei Ashenfelter e Michael Greenstone Using Mandated Speed Limits to Measure the Value of a Statistical Life Journal of Political Economy 112 suplemento fevereiro de 2004 S22767 16 Edward L Thorndike Human Nature and the Social Order Nova York Macmillan 1940 Versão resumida editada por Geraldine Joncich Clifford Boston MIT Press 1969 pp 7883 17 Ibidem p 43 18 Ibidem 19 John Stuart Mill On Liberty 1859 Stefan Collini ed Cambridge Cambridge University Press 1989 cap 1 20 Ibidem 21 Ibidem cap 3 22 Ibidem 23 Ibidem 24 A citação é de um texto pouco conhecido de Bentham The Rationale of Reward publicado na década de 1820 A opinião de Bentham tornouse conhecida por intermédio de John Stuart Mill Ver Ross Harrison Bentham Londres Routledge 1983 p 5 25 John Stuart Mill Utilitarianism 1861 George Sher ed Indianapolis Hackett Publishing 1979 cap 2 26 Ibidem 27 Ibidem cap 4 28 Ibidem cap 2 29 Ibidem 30 Eu me baseei aqui e nos parágrafos seguintes no excelente relato de Joseph Lelyveld English Thinker 17481832 Preserves His Poise New York Times 18 de junho de 1986 31 Extrack from Jeremy Benthams Last Will And Testament 30 de maio de 1832 no website do Bentham Project University Colllege London em wwwuclacukBenthamProjectinfowillhtm 32 Esses e outros casos são relatados no website de Bentham Project University College London em wwwuclukBenthamProjectinfojbhtm 33 Ibidem
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primeiros três dias comeram pequenas porções dos nabos No quarto dia pegaram uma tartaruga Conseguiram sobreviver com a tartaruga e os nabos restantes durante mais alguns dias Depois ficaram sem ter o que comer por oito dias Parker o taifeiro estava deitado no canto do bote Bebera água salgada contrariando a orientação dos outros e ficara doente Parecia estar morrendo No 19º dia de provação Dudley o capitão sugeriu um sorteio para determinar quem morreria para que os outros pudessem sobreviver Mas Brooks foi contra a proposta e não houve sorteio Chegou o dia seguinte e não havia navio à vista Dudley pediu a Brooks que desviasse o olhar e fez um gesto para Stephens indicando que Parker deveria ser morto Dudley fez uma oração disse ao rapaz que a hora dele havia chegado e o matou com um canivete apunhalandoo na jugular Brooks deixou de lado a objeção de sua consciência e participou da divisão do prêmio Durante quatro dias os três homens se alimentaram do corpo e do sangue do taifeiro Por fim o socorro chegou Dudley descreve o resgate em seu diário com um eufemismo cruel No 24º dia durante o desjejum finalmente apareceu um navio Os três sobreviventes foram resgatados Quando voltaram para a Inglaterra foram presos e levados a julgamento Brooks foi testemunha da acusação Dudley e Stephens foram julgados Eles confessaram espontaneamente que haviam matado e comido Parker Alegaram que tinham feito isso por necessidade Suponhamos que você fosse o juiz Como os julgaria Para simplificar as coisas deixe de lado as questões legais e suponha que você tivesse de decidir se matar o taifeiro seria moralmente admissível O mais forte argumento de defesa é que diante das circunstâncias extremas fora necessário matar uma pessoa para salvar três Se ninguém tivesse sido morto e comido todos os quatro provavelmente teriam morrido Parker enfraquecido e doente era o candidato lógico já que morreria logo de qualquer maneira E ao contrário de Dudley e Stephens não tinha dependentes Sua morte não privaria ninguém de sustento e não deixaria mulher e filhos de luto Esse argumento está sujeito no mínimo a duas objeções Primeiramente podese perguntar se os benefícios de matar o taifeiro analisados como um todo realmente pesaram mais do que os custos Mesmo se considerarmos o número de vidas salvas e a felicidade dos sobreviventes e de suas famílias a aceitação desse crime poderia ter consequências ruins para a sociedade em geral enfraquecendo a regra contra o assassinato por exemplo aumentando a tendência das pessoas de fazer justiça com as próprias mãos ou tornando mais difícil para os capitães recrutar taifeiros Em segundo lugar se mesmo depois de todas as considerações os benefícios pesassem mais do que os custos não teríamos a incômoda impressão de que matar e comer um taifeiro indefeso é errado por motivos que vão além dos cálculos de custos e benefícios sociais Não é um erro usar um ser humano dessa maneira explorando sua vulnerabilidade tirando sua vida sem seu consentimento mesmo que isso seja feito em benefício de outros Para qualquer um que fique chocado com os atos de Dudley e Stephens a primeira objeção parecerá um fraco lamento Ela aceita o pressuposto utilitarista de que a moral consiste em pesar custos e benefícios e apenas espera uma avaliação mais ampla das consequências sociais Se o assassinato do taifeiro for digno de repúdio moral a segunda objeção atinge melhor o objetivo Ela rejeita a ideia de que a coisa certa a fazer é simplesmente uma questão de medir as consequências os custos e benefícios Sugere que a moral significa algo mais alguma coisa relativa à própria maneira como os seres humanos se tratam uns aos outros Esses dois entendimentos sobre o caso do bote salvavidas ilustram duas abordagens opostas da justiça A primeira diz que a moral de uma ação depende unicamente das consequências que ela acarreta a coisa certa a fazer é aquela que produzirá os melhores resultados considerandose todos os aspectos A segunda abordagem diz que as consequências não são tudo com o que devemos nos preocupar moralmente falando devemos observar certos deveres e direitos por razões que não dependem das consequências sociais de nossos atos Para solucionar o caso do bote salvavidas bem como muitos outros dilemas menos extremos com os quais normalmente nos deparamos precisamos explorar algumas grandes questões da moral e da filosofia política A moral é uma questão de avaliar vidas quantitativamente e pesar custos e benefícios Ou certos deveres morais e direitos humanos são tão fundamentais que estão acima de cálculos dessa natureza Se certos direitos são assim fundamentais sejam eles naturais sagrados inalienáveis ou categóricos como podemos identificálos E o que os torna fundamentais O UTILITARISMO DE JEREMY BENTHAM O inglês Jeremy Bentham 17481832 não deixou dúvidas sobre sua opinião a respeito Ele desprezava profundamente a ideia dos direitos naturais considerandoos um absurdo total Seus pressupostos filosóficos exercem até hoje uma poderosa influência sobre o pensamento de legisladores economistas executivos e cidadãos comuns Bentham filósofo moral e estudioso das leis fundou a doutrina utilitarista Sua ideia central é formulada de maneira simples e tem apelo intuitivo o mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor De acordo com Bentham a coisa certa a fazer é aquela que maximizará a utilidade Como utilidade ele define qualquer coisa que produza prazer ou felicidade e que evite a dor ou o sofrimento Bentham chega a esse princípio por meio da seguinte linha de raciocínio todos somos governados pelos sentimentos de dor e prazer São nossos mestres soberanos Prazer e dor nos governam em tudo que fazemos e determinam o que devemos fazer Os conceitos de certo e errado deles advêm2 Todos gostamos do prazer e não gostamos da dor A filosofia utilitarista reconhece esse fato e faz dele a base da vida moral e política Maximizar a utilidade é um princípio não apenas para o cidadão comum mas também para os legisladores Ao determinar as leis ou diretrizes a serem seguidas um governo deve fazer o possível para maximizar a felicidade da comunidade em geral O que afinal é uma comunidade Segundo Bentham é um corpo fictício formado pela soma dos indivíduos que abrange Cidadãos e legisladores devem assim fazer a si mesmos a seguinte pergunta Se somarmos todos os benefícios dessa diretriz e subtrairmos todos os custos ela produzirá mais felicidade do que uma decisão alternativa O argumento de Bentham para o princípio de que devemos maximizar a utilidade assume a forma de uma audaciosa afirmação não existe a menor possibilidade de rejeitálo Todo argumento moral diz ele deve implicitamente inspirarse na ideia de maximizar a felicidade As pessoas podem dizer que acreditam em alguns deveres ou direitos absolutos e categóricos Mas não teriam base para defender esses deveres ou direitos a menos que acreditassem que respeitálos poderia maximizar a felicidade humana pelo menos em longo prazo Quando um homem tenta combater o princípio da utilidade escreve Bentham ele o faz com razões que derivam sem que tenha consciência disso daquele princípio em si Todas as divergências morais devidamente compreendidas são discordâncias sobre como se deve aplicar o princípio utilitarista da maximização do prazer e da minimização da dor Um homem consegue mover a Terra pergunta Bentham Sim mas antes ele precisa encontrar outra Terra na qual se apoiar E a única Terra a única premissa o único ponto de partida para o argumento moral de acordo com Bentham é o princípio da utilidade3 Bentham achava que seu princípio da utilidade era uma ciência da moral que poderia servir como base para a reforma política Ele propôs uma série de projetos com vistas a tornar a lei penal mais eficiente e humana Um deles foi o Panopticon um presídio com uma torre central de inspeção que permitisse ao supervisor observar os detentos sem que eles o vissem Bentham sugeriu que o Panopticon fosse dirigido por um empresário de preferência ele mesmo que gerenciaria a prisão em troca dos lucros gerados pelo trabalho dos prisioneiros que trabalhariam 16 horas por dia Embora o plano de Bentham tenha acabado por ser rejeitado podese dizer que ele era avançado para sua época Recentemente a ideia de terceirizar os presídios para companhias privadas foi retomada nos Estados Unidos e na Inglaterra Arrebanhando mendigos Outro plano de Bentham foi uma estratégia para melhorar o tratamento dado aos pobres por meio da criação de um reformatório autofinanciável para abrigálos O plano que procurava reduzir a presença de mendigos nas ruas oferece uma clara ilustração da lógica utilitarista Bentham percebeu primeiramente que o fato de haver mendigos nas ruas reduz a felicidade dos transeuntes de duas maneiras Para os mais sensíveis a visão de um mendigo produz um sentimento de dor para os mais insensíveis causa repugnância De uma forma ou de outra encontrar mendigos reduz a felicidade do público em geral Assim Bentham propôs a remoção dos mendigos das ruas confinandoos em abrigos4 Alguns podem considerar isso injusto com os mendigos mas Bentham não neglicencia sua utilidade felicidade Ele reconhece que alguns mendigos seriam mais felizes mendigando do que trabalhando em um abrigo mas observa também que para cada mendigo feliz mendigando existem muitos infelizes E conclui que a soma do sofrimento do público em geral é maior do que a infelicidade que os mendigos levados para o abrigo possam sentir5 Algumas pessoas podem ficar apreensivas com o fato de que construir e gerenciar o abrigo possa significar um gasto para os contribuintes reduzindo sua felicidade e consequentemente sua utilidade Mas Bentham propôs uma maneira de tornar seu plano para os pobres inteiramente autofinanciável Qualquer cidadão que encontrasse um mendigo teria permissão para apreendêlo e leválo para o abrigo mais próximo Uma vez lá confinado cada mendigo teria de trabalhar para pagar os custos de seu sustento o que contaria pontos em uma conta de autolibertação A conta poderia incluir comida roupas roupa de cama cuidados médicos e um seguro de vida caso o mendigo morresse antes de terminar o pagamento A fim de incentivar os cidadãos a ter o trabalho de capturar os mendigos e leválos para o reformatório Bentham propôs uma recompensa de vinte xelins por captura acrescidos é claro à dívida do mendigo6 Bentham também aplicou a lógica utilitarista à distribuição dos quartos nas prisõesoficina para minimizar o desconforto dos internos com seus vizinhos Perto de cada grupo no qual todo comportamento inconveniente deve ser identificado coloquese um grupo não suscetível àquele comportamento inconveniente Assim por exemplo perto de loucos delirantes ou de pessoas com linguajar libertino coloquese os surdos ou idiotas Perto de prostitutas e jovens desregradas coloquemse as mulheres idosas Quanto aos que apresentam deformações chocantes Bentham propôs abrigálos perto dos internos cegos7 Por mais cruel que sua proposta possa parecer o objetivo de Bentham não era punir os mendigos Ele apenas queria promover o bemestar geral resolvendo um problema que afeta a felicidade social Seu plano para lidar com os pobres nunca foi adotado mas o espírito utilitarista que o gerou está vivo e forte até hoje Antes de considerar algumas instâncias do pensamento utilitarista nos dias atuais vale perguntar se a filosofia de Bentham é passível de objeções e se for com base em quê OBJEÇÃO 1 DIREITOS INDIVIDUAIS A vulnerabilidade mais flagrante do utilitarismo muitos argumentam é que ele não consegue respeitar os direitos individuais Ao considerar apenas a soma das satisfações pode ser muito cruel com o indivíduo isolado Para o utilitarista os indivíduos têm importância mas apenas enquanto as preferências de cada um forem consideradas em conjunto com as de todos os demais E isso significa que a lógica utilitarista se aplicada de forma consistente poderia sancionar a violação do que consideramos normas fundamentais da decência e do respeito no trato humano conforme o caso a seguir ilustra Jogando cristãos aos leões Na Roma antiga cristãos eram jogados aos leões no Coliseu para a diversão da multidão Imaginemos como seria o cálculo utilitarista Sim de fato o cristão sofre dores excruciantes quando o leão o ataca e o devora mas pensemos no êxtase coletivo dos expectadores que lotam o Coliseu Se a quantidade de romanos que se deleitam com o espetáculo for muito maior do que a de cristãos que argumentos teria um utilitarista para condenar tal prática Os utilitaristas talvez se preocupassem com a possibilidade de tais jogos tornarem os romanos menos civilizados e gerarem mais violência nas ruas de Roma ou disseminar entre as possíveis vítimas o medo de que um dia também elas seriam lançadas aos leões Se tais efeitos são suficientemente maus eles podem pesar mais do que o prazer proporcionado pelos jogos e dar ao utilitarista uma razão para repudiálos Entretanto se esses cálculos forem as únicas razões para que se desista de submeter cristãos à morte violenta pelo bem do entretenimento não estaria faltando algo moralmente importante a esse raciocínio A tortura é justificável em alguma circunstância Uma questão semelhante surge em debates atuais sobre a justificativa da tortura em interrogatórios de suspeitos de terrorismo Consideremos uma situação na qual uma bombarelógio está por explodir Imaginese no comando de um escritório local da CIA Você prende um terrorista suspeito e acredita que ele tenha informações sobre um dispositivo nuclear preparado para explodir em Manhattan dentro de algumas horas Na verdade você tem razões para suspeitar que ele próprio tenha montado a bomba O tempo vai passando e ele se recusa a admitir que é um terrorista ou a informar onde a bomba foi colocada Seria certo torturálo até que ele diga onde está a bomba e como fazer para desativála O argumento a favor da tortura nesse caso começa com um cálculo utilitarista A tortura inflige dor ao suspeito reduzindo muito sua felicidade ou utilidade Mas milhares de inocentes morrerão se a bomba explodir Assim você pode argumentar nos termos do utilitarismo que é moralmente justificável infligir dor intensa a uma pessoa se isso evitar morte e sofrimento em grande escala O argumento do exvicepresidente Richard Cheney de que o uso de técnicas de interrogatório severas contra membros da AlQaeda suspeitos de terrorismo ajudou a impedir outro ataque terrorista como o das Torres Gêmeas baseiase nessa lógica utilitarista Isso não significa que os utilitaristas sejam necessariamente favoráveis à tortura Alguns são contra a tortura por motivos de ordem prática Eles argumentam que ela raramente funciona porque as informações extraídas sob coação nem sempre são confiáveis Infligese a dor mas a comunidade não fica mais segura com isso não há acréscimo à utilidade coletiva Ou então receiam que se nosso país adotar a tortura nossos soldados possam enfrentar um tratamento mais cruel se forem feitos prisioneiros Essa consequência poderia resultar no cômputo geral em redução da utilidade Essas considerações práticas podem ser verdadeiras ou não Como motivos para que se rejeite a tortura entretanto são perfeitamente compatíveis com o pensamento utilitarista Não afirmam que torturar um ser humano seja intrinsecamente errado apenas que a prática da tortura terá efeitos nocivos que considerados como um todo resultarão em mais malefícios do que benefícios Algumas pessoas repudiam a tortura por princípio Elas acreditam que esse recurso é uma violação dos direitos humanos um desrespeito à dignidade intrínseca dos seres humanos Sua posição contra a tortura não depende de considerações utilitaristas Elas argumentam que os direitos e a dignidade humana têm uma base moral que transcende a noção de utilidade Se essas pessoas estiverem certas a filosofia de Bentham estará errada A situação da bombarelógio portanto parece apoiar o argumento de Bentham Os números realmente parecem fazer uma diferença moral Uma coisa é aceitar a provável morte de três homens em um bote salvavidas para evitar que se mate um inocente taifeiro a sanguefrio Mas o que dizer quando a vida de milhares de inocentes está em jogo como no caso da bombarelógio O que dizer quando centenas de milhares de vidas estão em risco O utilitarista argumentaria que até certo ponto mesmo o mais ardente defensor dos direitos humanos encontraria dificuldades para justificar que é moralmente preferível deixar um grande número de inocentes morrer a torturar um único terrorista suspeito que pode saber onde a bomba está escondida Entretanto como um teste para a argumentação moral do utilitarismo o caso da bombarelógio pode levar a um engano Ele pretende provar que os números devem ser levados em consideração assim se um determinado número de vidas estiver em risco devemos abandonar nossos escrúpulos sobre dignidade e direitos humanos E se isso for verdade então a moralidade deve considerar os custos e os benefícios finais Entretanto a situação da tortura não significa que a expectativa de salvar muitas vidas justifique infligir sofrimento grave a um inocente Lembremonos de que a pessoa torturada com o objetivo de se salvarem muitas vidas é suspeita de terrorismo Na verdade é a pessoa que acreditamos que tenha colocado a bomba A justificativa moral da tortura depende muito do fato de presumirmos que aquela pessoa seja responsável de alguma forma pelo perigo que tentamos afastar Ainda que não seja responsável pela bomba em questão presumimos que tenha cometido outros atos terríveis que a fizeram merecedora do cruel tratamento As intuições morais no caso da bombarelógio não estão relacionadas apenas com custos e benefícios mas também com a ideia não utilitarista de que terroristas são pessoas más que merecem ser punidas Podemos ver isso mais claramente se alterarmos a situação de modo a remover qualquer elemento de presunção de culpa Suponhamos que a única forma de induzir o suspeito de terrorismo a falar seja a tortura de sua jovem filha que não tem noção das atividades nefastas do pai Seria moralmente aceitável fazer isso Acredito que até mesmo o mais convicto utilitarista vacilasse ao pensar nessa possibilidade Mas essa versão da situação de tortura é um teste mais verdadeiro do princípio utilitarista Ela põe de lado a percepção de que o terrorista merece ser punido de alguma forma apesar da valiosa informação que esperamos extrair dele e nos força a avaliar o cálculo utilitarista em si A cidade da felicidade A segunda versão do caso da tortura aquela que envolve a filha inocente remonta a um conto de Ursula K Le Guin A história The Ones Who Walked Away from Omelas fala de uma cidade chamada Omelas uma cidade de felicidade e celebração cívica um lugar sem reis ou escravos sem propaganda ou bolsa de valores sem bomba atômica Embora tal lugar seja difícil de imaginar a autora nos conta mais uma coisa sobre ele Em um porão sob um dos belos prédios públicos de Omelas ou talvez na adega de uma das suas espaçosas residências particulares existe um quarto com uma porta trancada e sem janelas E nesse quarto há uma criança A criança é oligofrênica está malnutrida e abandonada Ela passa os dias em extremo sofrimento Todos sabem que ela está lá todas as pessoas de Omelas Sabem que ela tem que estar lá Todos acreditam que a própria felicidade a beleza da cidade a ternura de suas amizades a saúde de seus filhos até mesmo a abundância de suas colheitas e o clima agradável de seus céus dependem inteiramente do sofrimento abominável da criança Se ela for retirada daquele local horrível e levada para a luz do dia se for limpa alimentada e confortada toda a prosperidade a beleza e o encanto de Omelas definharão e serão destruídos São essas as condições8 Essas condições são moralmente aceitáveis A primeira objeção ao utilitarismo de Bentham aquela que apela para os direitos humanos fundamentais diz que não mesmo que disso dependa a felicidade de uma cidade Seria errado violar os direitos de uma criança inocente ainda que fosse pela felicidade de uma população OBJEÇÃO 2 VALORES COMO MOEDA COMUM O utilitarismo procura mostrarse como uma ciência de moralidade baseada na quantificação na agregação e no cômputo geral da felicidade Ele pesa as preferências sem as julgar As preferências de todos têm o mesmo peso Essa proposta de não julgamento é a origem de grande parte de seu atrativo E a promessa de tornar a escolha moral uma ciência esclarece grande parte do raciocínio econômico contemporâneo Para agregar valores no entanto é necessário pesálos todos em uma única balança como se tivessem todos a mesma natureza A ideia de Bentham sobre a utilidade nos oferece essa moeda comum Entretanto será possível traduzir todos os bens morais em uma única moeda corrente sem perder algo na tradução A segunda objeção ao utilitarismo põe isso em dúvida De acordo com essa objeção não é possível transformar em moeda corrente valores de naturezas distintas A fim de explorar essa objeção consideremos a maneira pela qual a lógica utilitarista é aplicada em análises de custo e benefício uma forma de tomada de decisões amplamente utilizada por governos e corporações A análise de custo e benefício tenta trazer a racionalidade e o rigor para as escolhas complexas da sociedade transformando todos os custos e benefícios em termos monetários e então comparandoos Os benefícios do câncer de pulmão A Philip Morris uma companhia de tabaco tem ampla atuação na República Tcheca onde o tabagismo continua popular e socialmente aceitável Preocupado com os crescentes custos dos cuidados médicos em consequência do fumo o governo tcheco pensou recentemente em aumentar a taxação sobre o cigarro Na esperança de conter o aumento dos impostos a Philip Morris encomendou uma análise do custobenefício dos efeitos do tabagismo no orçamento do país O estudo descobriu que o governo efetivamente lucra mais do que perde com o consumo de cigarros pela população O motivo embora os fumantes em vida imponham altos custos médicos ao orçamento eles morrem cedo e assim poupam o governo de consideráveis somas em tratamentos de saúde pensões e abrigo para os idosos De acordo com o estudo uma vez levados em conta os efeitos positivos do tabagismo incluindo a receita com os impostos e a economia com a morte prematura dos fumantes o lucro líquido para o tesouro é de 147 milhões de dólares por ano9 A análise de custo e benefício foi um desastre de relações públicas para a Philip Morris Companhias de tabaco costumavam negar que o cigarro matasse escreveu um comentarista Agora elas se gabam disso10 Um grupo antitabagista publicou matérias pagas em jornais mostrando o pé de um cadáver em um necrotério com a etiqueta US 1227 presa ao dedo representando a economia do governo tcheco com cada morte causada pelo cigarro Diante do ultraje público e ridicularizado o diretor executivo da Philip Morris se desculpou reconhecendo que o estudo mostrava um desrespeito absolutamente inaceitável pelos valores humanos básicos11 Alguns diriam que o estudo da Philip Morris mostra o desatino moral da análise de custo e benefício e do pensamento utilitarista que sustenta Encarar a morte por câncer de pulmão como um benefício final realmente mostra um inominável desrespeito pela vida humana Qualquer diretriz moralmente defensável em relação ao tabagismo deveria considerar não apenas os efeitos fiscais mas também as consequências para a saúde pública e para o bemestar social Entretanto um utilitarista não negaria a relevância dessas consequências mais amplas a dor e o sofrimento as famílias enlutadas a perda da vida Bentham criou o conceito da utilidade precisamente para capturar em uma única escala a natureza discrepante das coisas com as quais nos importamos incluindo o valor da vida humana Para alguém que pense como ele o estudo sobre o tabagismo não nega os princípios utilitaristas simplesmente os aplica de forma equivocada Uma análise mais ampla de custo e benefício acrescentaria ao cálculo moral uma quantia que representasse o custo da morte prematura para o fumante e sua família e o confrontaria com a economia que essa morte traria para o governo Tudo isso nos leva de volta à questão sobre a possibilidade de traduzir valores morais em termos monetários Algumas versões da análise de custo e benefício tentam fazer isso chegando até mesmo a estipular um valor em dólares para a vida humana Consideremos dois usos da análise de custo e benefício que provocaram enorme indignação não porque não tenham calculado o valor da vida humana e sim porque o fizeram Explodindo tanques de combustível Durante os anos 1970 o Ford Pinto era um dos carros compactos mais vendidos nos Estados Unidos Infelizmente seu tanque de combustível estava sujeito a explodir quando outro carro colidia com ele pela traseira Mais de quinhentas pessoas morreram quando seus automóveis Pinto pegaram fogo e muitas mais sofreram sérias queimaduras Quando uma das vítimas processou a Ford Motor Company pelo erro de projeto veio a público que os engenheiros da Ford sabiam do perigo representado pelo tanque de gasolina Mas os executivos da companhia haviam realizado uma análise de custo e benefício que os levara a concluir que os benefícios de consertar as unidades em vidas salvas e ferimentos evitados não compensavam os 11 dólares por carro que custaria para equipar cada veículo com um dispositivo que tornasse o tanque de combustível mais seguro Para calcular os benefícios obtidos com um tanque de gasolina mais seguro a Ford estimou que em um ano 180 mortes e 180 queimaduras poderiam acontecer se nenhuma mudança fosse feita Estipulou então um valor monetário para cada vida perdida e cada queimadura sofrida 200 mil dólares por vida e 67 mil por queimadura Acrescentou a esses valores a quantidade e o valor dos Pintos que seriam incendiados e calculou que o benefício final da melhoria da segurança seria de 495 milhões de dólares Mas o custo de instalar um dispositivo de 11 dólares em 125 milhões de veículos seria de 1375 milhões de dólares Assim a companhia chegou à conclusão de que o custo de consertar o tanque não compensaria o benefício de um carro mais seguro12 O júri ficou revoltado quando tomou conhecimento do estudo e determinou que fosse paga ao autor da ação uma indenização de 25 milhões de dólares pelos prejuízos e 125 milhões de dólares por danos morais total reduzido mais tarde para 35 milhões13 Talvez os jurados tenham considerado errado uma corporação atribuir um valor monetário à vida humana ou talvez tenham considerado que 200 mil dólares fosse um valor ofensivamente baixo A Ford não chegou a esse número sozinha obteveo de uma agência governamental dos Estados Unidos No início dos anos 1970 a Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário havia calculado o custo de uma ocorrência fatal no trânsito Considerando futuras perdas de produtividade custos médicos custos funerários e a dor e o sofrimento da vítima a agência chegou ao valor de 200 mil dólares para cada vítima fatal Se a objeção do júri fosse quanto ao valor atribuído e não ao princípio um utilitarista poderia concordar Poucas pessoas concordariam em morrer num acidente de carro por 200 mil dólares A maioria teria escolhido viver Para mensurar o efeito total de uma morte no trânsito sobre a utilidade seria preciso incluir também a perda da futura felicidade da vítima e não apenas o que ela deixaria de ganhar e os custos funerários Qual seria então uma estimativa mais fiel do valor monetário de uma vida humana Um desconto para idosos A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos EPA tentou responder a essa pergunta e também provocou indignação porém de forma diferente Em 2003 a EPA apresentou uma análise de custo e benefício dos novos padrões de poluição do ar A agência atribuiu um valor mais generoso à vida humana do que a Ford porém com uma diferença no ajuste de idade 37 milhões de dólares por vida salva em consequência do ar mais puro exceto para aqueles acima de 70 anos cujas vidas foram avaliadas em 23 milhões Por trás das diferentes avaliações havia um princípio utilitarista salvar a vida de uma pessoa mais idosa é menos útil do que salvar a vida de uma mais jovem O jovem tem mais vida pela frente e portanto mais felicidade para usufruir Defensores dos mais idosos não raciocinavam assim Eles protestaram contra o desconto para cidadãos idosos argumentando que o governo não deveria atribuir um valor mais alto à vida dos jovens do que à dos idosos Abalada pelo protesto a EPA rapidamente desistiu do desconto e tirou o relatório de circulação14 Críticos do utilitarismo apontam esses episódios como provas de que a análise de custo e benefício leva a enganos e que atribuir um valor monetário à vida humana é moralmente errôneo Defensores da análise de custobenefício discordam Eles argumentam que muitas escolhas sociais trocam implicitamente um determinado número de vidas por outros bens e conveniências A vida humana tem seu preço insistem eles quer admitamos quer não Por exemplo o uso do automóvel implica uma perda previsível de vidas humanas mais de 40 mil mortes por ano nos Estados Unidos Mas isso não nos conduz a uma sociedade sem carros De fato não nos leva sequer a reduzir o limite de velocidade Durante uma crise de petróleo em 1974 o Congresso dos Estados Unidos estabeleceu um limite nacional de velocidade de 90 kmh Embora o objetivo fosse economizar combustível um dos efeitos do limite mais baixo foi a redução dos acidentes fatais no trânsito Na década de 1980 o Congresso revogou essa restrição e muitos estados aumentaram o limite de velocidade para 100 kmh Os motoristas ganharam tempo mas as mortes no trânsito voltaram a aumentar Naquela ocasião ninguém fez uma análise de custo e benefício para determinar se os benefícios da direção mais rápida compensavam o custo em vidas Alguns anos mais tarde no entanto dois economistas fizeram as contas Eles definiram o benefício do limite de velocidade maior em termos de economia de tempo na ida e na volta para o trabalho calcularam o benefício econômico do tempo poupado avaliado na média de 20 dólares por hora e dividiram os lucros pelo número de mortes adicionais Descobriram que pela facilidade de dirigir mais depressa os americanos estavam efetivamente avaliando a vida humana à taxa de 154 milhão de dólares cada Esse era o ganho financeiro por acidente fatal de dirigir 10 kmh mais rápido15 Os defensores da análise de custo e benefício observam que ao dirigir a 100 kmh em vez de 90 kmh estamos implicitamente avaliando a vida humana em 154 milhão muito menos do que os 6 milhões por vida normalmente atribuídos por agências do governo dos Estados Unidos ao estabelecer os padrões de poluição e as regras de saúde e segurança Então por que não ser explícitos quanto a isso Se é inevitável trocar certos níveis de segurança por determinados benefícios e conveniências argumentam eles deveríamos fazer isso conscientemente comparando os custos e benefícios tão sistematicamente quanto possível mesmo que isso implique colocar uma etiqueta de preço na vida humana Os utilitaristas veem nossa tendência a repudiar o valor monetário para avaliar a vida humana como um impulso que deveríamos superar um tabu que obstrui o raciocínio claro e a escolha social racional Para os críticos do utilitarismo entretanto nossa hesitação aponta para algo de importância moral a ideia de que não é possível mensurar e comparar todos os valores e bens em uma única escala de medidas Quanto custa o sofrimento A solução dessa controvérsia não parece muito óbvia Entretanto alguns cientistas sociais de mente empírica tentaram resolvêla Na década de 1930 Edward Thorndike psicólogo social tentou provar o que o utilitarismo presume que é possível converter nossos desejos e nossas aversões aparentemente incompatíveis em uma moeda comum de prazer e dor Thorndike chefiou uma pesquisa com jovens que recebiam auxílio do governo e perguntoulhes quanto deveriam receber para passar por várias experiências Por exemplo Quanto você cobraria para permitir que lhe extraíssem um dente superior da frente Ou para ter o dedo mínimo de um dos pés amputado Ou para comer uma minhoca viva de 15 centímetros Ou para estrangular um gato viralatas até a morte com as próprias mãos Ou para viver o resto da vida em uma fazenda no Kansas a 16 km de distância da cidade mais próxima16 A qual desses itens você acha que foi atribuído o preço mais alto e qual teve o preço mais baixo Aqui está a lista dos preços que a pesquisa divulgou em dólares de 1937 Dente 4500 Dedo do pé 57000 Minhoca 100000 Gato 10000 Kansas 300000 Thorndike achou que sua descoberta confirmava a ideia de que toda mercadoria pode ser medida e comparada em uma única escala Qualquer desejo ou satisfação existente ocorre em uma determinada quantidade e é portanto mensurável escreveu ele A vida de um cachorro ou gato ou galinha em grande parte é constituída e determinada por apetites anseios desejos e sua gratificação E isso também se aplica à vida humana embora o apetite e os desejos sejam mais numerosos sutis e complicados17 Entretanto o caráter irracional da lista de preços de Thorndike sugere o absurdo de tais comparações Podemos realmente concluir que os participantes da pesquisa consideraram a perspectiva de viver em uma fazenda no Kansas três vezes mais desagradável do que comer uma minhoca ou essas experiências são tão diferentes entre si que não é possível fazer uma comparação significativa Thorndike revelou que quase um terço dos participantes havia declarado que nenhuma quantia os induziria a sofrer alguma dessas experiências sugerindo que a consideravam incomensuravelmente repugnantes18 As meninas do St Anne Pode não existir um argumento irrefutável a favor ou contra a pretensão de que todo bem moral pode ser transformado sem perdas em uma única medida de valor Mas eis um caso que questiona essa pretensão Na década de 1970 quando eu estudava em Oxford havia faculdades separadas para homens e mulheres As das mulheres tinham regras que não permitiam que rapazes passassem a noite nos quartos das moças O cumprimento dessas regras raramente era fiscalizado portanto eram facilmente violadas ou pelo menos era oque se dizia A maioria dos funcionários das faculdades não considerava mais uma atribuição sua zelar pelas noções tradicionais de moralidade sexual Cresciam as ressões para o relaxamento de tais regras o que se tornou tema de debate no St Annes College uma das instituições só para moças Algumas mulheres mais velhas do corpo docente da faculdade eram conservadoras Eram contra as visitas masculinas por razões morais convencionais segundo elas era imoral que jovens solteiras passassem a noite com rapazes Mas os tempos haviam mudado e as conservadoras se sentiam constrangidas Assim traduziram seus argumentos em termos utilitaristas Se os homens passarem a noite contestavam elas as despesas da faculdade aumentarão Como poderíamos perguntar Bem eles tomarão banho e consequentemente usarão mais água quente Além disso argumentaram seremos forçadas a substituir os colchões com mais frequência As liberais enfrentaram os argumentos das conservadoras adotando a seguinte solução cada mulher poderia receber no máximo três convidados por semana desde que cada um pagasse 50 pence por noite para reduzir os custos da faculdade No dia seguinte a manchete estampada no Guardian dizia Moças do St Anne 50 pence por noite A linguagem da virtude não fora muito bem traduzida para a linguagem da utilidade Pouco depois as regras para os alojamentos femininos foram totalmente relaxadas e a cobrança foi suspensa JOHN STUART MILL Já tecemos considerações sobre duas objeções ao princípio da maior felicidade de Bentham ele não atribui o devido valor à dignidade humana e aos direitos individuais e reduz equivocadamente tudo que tem importância moral a uma única escala de prazer e dor Quão convincentes são essas objeções John Stuart Mill 18061873 acreditava que havia resposta para elas Nascido uma geração após a de Bentham tentou salvar o utilitarismo reformulandoo como uma doutrina mais humana e menos calculista John Stuart Mill era filho de James Mill amigo e discípulo de Bentham James Mill educou o filho em casa e o menino se tornou uma criançaprodígio Estudou grego aos 3 anos e latim aos 8 Aos 11 escreveu uma história das leis romanas Quando completou 20 sofreu um colapso nervoso que o deixou deprimido por vários anos Pouco tempo depois conheceu Harriet Taylor Na época ela era casada e tinha dois filhos mas se tornou amiga íntima de Mill Quando seu marido morreu vinte anos mais tarde ela e Mill se casaram Taylor foi a maior colaboradora e companheira intelectual de Mill quando ele se dispôs a revisar a doutrina de Bentham Em defesa da liberdade Os trabalhos de Mill são uma árdua tentativa de conciliar os direitos do indivíduo com a filosofia utilitarista que herdara do pai e adotara de Bentham Seu livro On Liberty 1859 é a clássica defesa da liberdade individual nos países de língua inglesa Seu princípio central é o de que as pessoas devem ser livres para fazer o que quiserem contanto que não façam mal aos outros O governo não deve interferir na liberdade individual a fim de proteger uma pessoa de si mesma ou impor as crenças da maioria no que concerne à melhor maneira de viver Os únicos atos pelos quais uma pessoa deve explicações à sociedade segundo Mill são aqueles que atingem os demais Desde que eu não esteja prejudicando o próximo minha independência é por direito absoluta No que diz respeito a si mesmo ao próprio corpo e à própria mente o indivíduo é soberano19 Essa reflexão radical sobre os direitos individuais parece necessitar de algo mais forte do que a teoria do utilitarismo para se justificar Por exemplo suponhamos que a maioria rejeite uma pequena crença religiosa e queira extingui la Não seria possível ou até mesmo provável que a extinção da crença produzisse maior felicidade para um número maior de pessoas É claro que a minoria rejeitada sofreria infeliz e frustrada Mas se a maioria for grande e entusiasta o bastante em seu repúdio aos tais hereges a felicidade coletiva compensará o sofrimento dos outros Se esse cenário for possível então parece que o utilitarismo é uma base fraca e não confiável para a liberdade religiosa O princípio de liberdade de Mill pareceria necessitar de uma base moral mais concreta do que o princípio da utilidade de Bentham Mill discorda Ele insiste que a liberdade individual depende inteiramente de considerações utilitaristas É correto afirmar que eu renuncio a qualquer vantagem que possa ser acrescida à minha tese que provenha da ideia do direito abstrato como algo independente da teoria utilitarista Eu vejo a utilidade como a instância final de todas as questões éticas mas deve ser uma utilidade no sentido mais amplo baseada nos interesses permanentes do homem como um ser em evolução20 Mill acredita que devamos maximizar a utilidade em longo prazo e não caso a caso Com o tempo argumenta o respeito à liberdade individual levará à máxima felicidade humana Permitir que a maioria se imponha aos dissidentes ou censure os livrespensadores pode maximizar a utilidade hoje porém tornará a sociedade pior e menos feliz no longo prazo Por que deveríamos presumir que ao defender a liberdade individual e o direito de discordar estaremos promovendo o bemestar da sociedade no longo prazo Em resposta Mill nos dá várias razões a opinião dissidente pode se provar verdadeira ou parcialmente verdadeira representando assim uma correção da opinião da maioria E mesmo que esse não seja o caso submeter a opinião da maioria a uma vigorosa contestação de ideias evitará que ela se transforme em dogma ou preconceito Finalmente a sociedade que força seus membros a abraçar costumes e convenções está sujeita a cair em um conformismo ridículo privando se da energia e da vitalidade que promovem o avanço social As especulações de Mill sobre os efeitos sociais salutares da liberdade são bastante plausíveis Entretanto não fornecem uma base moral convincente para os direitos do indivíduo por pelo menos duas razões em primeiro lugar respeitar os direitos individuais com o objetivo de promover o progresso social torna os direitos reféns da contingência Suponhamos que uma sociedade atinja um tipo de felicidade de longo prazo por meios despóticos Os utilitaristas não concluiriam então que nessa sociedade os direitos individuais não são moralmente necessários Em segundo lugar ao basear os direitos individuais em considerações utilitaristas deixamos de considerar a ideia segundo a qual a violação dos direitos de alguém inflige um mal ao indivíduo qualquer que seja seu efeito no bemestar geral Não seria a perseguição da maioria aos adeptos de determinada crença impopular uma injustiça com eles como indivíduos independentemente dos efeitos negativos que tal intolerância possa produzir para a sociedade como um todo ao longo do tempo Mill tem uma resposta para esses desafios mas ela o leva além dos limites da moral utilitarista É errado forçar uma pessoa a viver de acordo com costumes e convenções ou com a opinião predominante explica Mill porque isso a impede de atingir a finalidade máxima da vida humana o desenvolvimento completo e livre de suas faculdades A conformidade na opinião de Mill é inimiga da melhor forma de viver As faculdades humanas de percepção julgamento sentimento discriminativo atividade mental e até mesmo a preferência moral só são exercitadas quando se faz uma escolha Aquele que só faz alguma coisa porque é o costume não faz escolha alguma Ele não é capaz de discernir nem de desejar o que é melhor As capacidades mentais e morais assim como as musculares só se aperfeiçoam se forem estimuladas Quem abdica de tomar as próprias decisões não necessita de outra faculdade apenas da capacidade de imitar como os macacos Aquele que decide por si emprega todas as suas faculdades21 Mill admite que seguir convenções pode levar uma pessoa a um caminho na vida satisfatório que a manterá longe de perigos Entretanto qual será seu valor comparativo como ser humano pergunta ele É realmente importante considerar não apenas o que os homens fazem mas também que tipo de homem são para fazer o que fazem22 Ações e consequências não são tudo afinal O caráter também conta Para Mill a individualidade tem menos importância pelo prazer que ela proporciona do que por aquilo que ela reflete Aquele cujos desejos e impulsos não são próprios não tem caráter não mais do que uma máquina tem caráter23 A enfática celebração da individualidade é a mais importante contribuição de Mill em On Liberty mas é também de certa forma um tipo de heresia em relação ao utilitarismo Já que apela para os ideais morais além dos utilitários ideais de caráter e desenvolvimento humano não é na realidade a reelaboração do princípio de Bentham e sim uma renúncia a ele apesar de Mill afirmar o contrário Prazeres mais elevados A resposta de Mill à segunda objeção ao utilitarismo a de que ele reduz todos os valores a uma única escala também termina por apoiarse em ideais morais independentes da utilidade Em Utilitarianism 1861 um longo ensaio que escreveu pouco depois de On Liberty Mill tenta mostrar que os utilitaristas sabem distinguir os prazeres mais elevados dos menos elevados Para Bentham prazer é prazer e dor é dor A única base para se considerar uma experiência melhor ou pior do que outra são a intensidade e a duração do prazer ou da dor que ela ocasiona Os chamados prazeres mais elevados ou virtudes mais nobres são simplesmente aqueles que produzem prazer mais intenso e duradouro Bentham não reconhece nenhuma distinção qualitativa entre os prazeres Se a quantidade do prazer proporcionado for igual escreve ele pushpin tem o mesmo valor que a poesia24 Em parte o atrativo do utilitarismo de Bentham é esse espírito acrítico Ele considera as preferências das pessoas como elas são sem julgar seu valor moral Todas as preferências têm o mesmo peso Bentham acredita que é presunçoso considerar alguns prazeres inerentemente melhores do que outros Algumas pessoas gostam de Mozart outras de Madonna Umas apreciam balé outras gostam de boliche Alguns leem Platão outros a Playboy Quem pode determinar pergunta Bentham quais desses prazeres são mais elevados ou mais valiosos ou mais nobres do que os demais A recusa em distinguir os prazeres mais elevados dos mais reles reflete a crença de Bentham de que todos os valores podem ser mensurados e comparados em uma única escala Se as experiências diferem apenas na quantidade do prazer ou da dor que proporcionam e não qualitativamente faz sentido avaliálas em uma única escala Mas alguns se opõem ao utilitarismo precisamente neste ponto eles acreditam que alguns prazeres sejam realmente mais elevados do que outros Se certos prazeres são valiosos e outros são banais como dizem eles por que uma sociedade deveria mensurar todas as preferências de maneira indiscriminada e além disso considerar a soma dessas preferências como o bem maior Pense novamente nos romanos que atiravam cristãos aos leões no Coliseu Uma das objeções feitas ao sangrento espetáculo é que ele violava os direitos das vítimas Mas outra objeção é que ele proporciona prazeres perversos em vez de prazeres nobres Não seria melhor mudar tais preferências em vez de satisfazêlas Dizem que os puritanos proibiram o bearbaiting não porque causasse sofrimento aos ursos mas devido ao prazer que proporcionava aos espectadores O bearbaiting deixou de ser um passatempo popular mas as rinhas de cães e galos exercem um fascínio persistente e algumas jurisdições as proíbem Um argumento para proibir essas brigas é a crueldade contra os animais Entretanto tais leis também podem refletir um argumento moral de que sentir prazer com brigas de cães é abominável algo que uma sociedade civilizada deveria desencorajar Não é preciso ser um puritano para simpatizar com esse argumento Bentham levaria em consideração todas as preferências independentemente de seu valor ao determinar como a lei deveria ser Entretanto se mais pessoas preferissem assistir a brigas de cães do que apreciar as pinturas de Rembrandt a sociedade deveria subsidiar arenas de luta em vez de museus de arte Se alguns prazeres são indignos e degradantes por que deveriam ter algum peso na decisão sobre quais leis deveriam ser adotadas Mill tenta poupar o utilitarismo dessa objeção Ao contrário de Bentham ele acredita que seja possível distinguir entre os prazeres mais elevados e os mais desprezíveis avaliar a qualidade e não apenas a quantidade ou a intensidade dos nossos desejos E acha que pode fazer essa distinção sem se basear em qualquer outra ideia moral que não a própria utilidade Mill começa por afirmar sua fidelidade ao credo utilitarista As ações estão certas na proporção em que tendam a promover a felicidade erradas quando tendem a produzir o oposto da felicidade Por felicidade compreendese o prazer e a ausência do sofrimento por infelicidade a dor e a privação do prazer Ele também confirma a teoria da vida na qual se baseia essa teoria da moralidade ou seja que prazer e ausência da dor são as únicas coisas desejáveis como finalidade e que todas as coisas desejáveis o são tanto pelo prazer inerente a elas quanto por promover o prazer e evitar a dor25 Apesar de insistir no fato de que apenas prazer e dor são realmente importantes Mill reconhece que alguns tipos de prazer são mais desejáveis e mais valiosos do que outros Como podemos saber quais prazeres são qualitativamente mais elevados Mill propõe um teste simples Entre dois prazeres se houver um que obtenha a preferência de todos ou de quase todos que tenham experimentado ambos independentemente de qualquer sentimento de obrigação moral para tal preferência esse será o prazer mais desejável26 Esse teste tem uma clara vantagem não parte da ideia utilitarista de que a moralidade baseiase única e simplesmente em nossos desejos A única prova de que algo seja desejável é alguém o desejar escreve Mill27 Entretanto como meio de chegar a distinções qualitativas entre os prazeres o teste parece estar aberto a uma objeção óbvia Não é verdade que frequentemente preferimos os prazeres menores aos mais elevados Não é verdade que às vezes preferimos ficar deitados no sofá assistindo a uma comédia a ler Platão ou ir à ópera E não é possível preferir essas experiências sem as considerar particularmente valiosas Shakespeare versus Os Simpsons Quando discuto com meus alunos sobre as ideias de Mill relativas a prazeres mais elevados faço uma experiência com uma versão do seu teste Mostro a eles três exemplos de diversão que costumam ser apreciados uma luta da World Wrestling Entertainment um espetáculo barulhento no qual os assim chamados lutadores agridemse mutuamente com cadeiras dobráveis um monólogo de Hamlet interpretado por um ator shakespeariano e um episódio de Os Simpsons Eu lhes faço então duas perguntas De qual dessas apresentações você mais gostou qual lhe deu mais prazer e qual delas você considera a mais elevada ou mais valiosa Invariavelmente Os Simpsons recebem o maior número de votos como a que deu mais prazer seguida do texto de Shakespeare Alguns poucos corajosos confessam sua preferência pela luta de WWE Entretanto quando lhes pergunto qual experiência consideram a mais elevada qualitativamente os alunos em peso votam em Shakespeare Os resultados dessa experiência representam um desafio para o teste de Mill Muitos alunos preferem ver Homer Simpson mas ainda assim consideram que um monólogo de Hamlet possa proporcionar um prazer mais elevado Reconhecidamente alguns dizem que Shakespeare é melhor porque estão em uma sala de aula e não querem parecer incultos E alguns alunos argumentam que Os Simpsons uma sutil mistura de ironia humor e crítica social são comparáveis à arte de Shakespeare Entretanto visto que a maioria das pessoas que experimentaram os dois diz preferir assistir a Os Simpsons Mill teria dificuldade de concluir que Shakespeare é qualitativamente mais elevado E ainda assim ele não desiste da ideia de que algumas maneiras de viver sejam mais nobres do que outras mesmo que seja mais difícil satisfazer as pessoas que as adotem Um ser com faculdades mais elevadas é mais exigente para ser feliz e é provavelmente mais capaz de sofrer de maneira intensa do que um ser de faculdades inferiores mas apesar de tudo ele jamais desejaria situarse em um patamar de existência que considera inferior Por que não queremos trocar uma vida comprometida com as nossas mais altas faculdades por uma vida de contentamento banal Mill acha que a razão para isso tem a ver com o amor pela liberdade e pela independência pessoal e conclui que seu argumento mais adequado é o senso de dignidade que todos os seres humanos possuem de uma forma ou de outra28 Mill reconhece que ocasionalmente sob a influência da tentação até mesmo o melhor entre nós adia os prazeres mais elevados em detrimento dos mais simples Todos nós por vezes cedemos ao impulso da preguiça Entretanto isso não significa que não saibamos distinguir entre Rembrandt e uma reprodução Mill aborda esse ponto em uma passagem memorável É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito E se o tolo ou o porco tiverem uma opinião diferente é porque eles só conhecem o próprio lado da questão29 Essa expressão de fé nas faculdades humanas mais elevadas é convincente Mas ao basearse nela Mill foge da premissa do utilitarismo Os desejos de facto não são mais a única base para julgar o que é nobre e o que é vulgar O padrão atual parte de um ideal da dignidade humana independente daquilo que queremos e desejamos Os prazeres mais elevados não são maiores porque os preferimos nós os preferimos porque reconhecemos que são mais elevados Não consideramos Hamlet uma grande obra de arte porque a preferimos às diversões mais simples e sim porque ela exige mais de nossas faculdades e nos torna mais plenamente humanos O que acontece com os direitos individuais acontece também com os prazeres mais elevados Mill salva o utilitarismo da acusação de que ele reduz tudo a um cálculo primitivo de prazer e dor mas o consegue apenas invocando um ideal moral da dignidade e da personalidade humana independente da própria utilidade Entre os dois maiores defensores do utilitarismo Mill foi o filósofo mais humano Bentham o mais consistente Bentham morreu em 1832 aos 84 anos Entretanto se você for a Londres hoje pode visitálo Ele exigiu em testamento que seu corpo fosse conservado embalsamado e exposto E assim ele se encontra no University College de Londres onde permanece sentado e meditativo dentro de uma urna de vidro com as roupas que vestia em vida Pouco antes de morrer Bentham fez a si mesmo uma pergunta coerente com sua filosofia Qual seria a utilidade de um homem morto para os vivos Uma das utilidades seria concluiu ceder o próprio corpo para o estudo da anatomia No caso de grandes filósofos no entanto melhor seria preservar sua presença física a fim de inspirar as futuras gerações de pensadores30 Bentham enquadrouse na segunda categoria De fato a modéstia não era uma das características mais evidentes de Bentham Ele não apenas deu instruções rigorosas para a conservação e exposição de seu corpo mas também sugeriu que seus amigos e discípulos se reunissem todos os anos no intuito de celebrar o fundador do maior sistema de felicidade moral e legal e quando o fizessem que Bentham estivesse presente na ocasião31 Seus admiradores fizeramlhe a vontade O autoícone de Bentham conforme ele mesmo o chamou estava presente na fundação da Sociedade Internacional Bentham na década de 1980 E consta que o Bentham embalsamado é levado para reuniões do conselho diretor da faculdade cujas minutas o registram como presente porém não votante32 Apesar do planejamento criterioso de Bentham o processo de embalsamamento da sua cabeça não deu certo e agora ele mantém sua vigília com uma cabeça de cera no lugar da verdadeira Sua cabeça verdadeira atualmente mantida em um porão foi exposta por algum tempo sobre uma bandeja entre seus pés Mas os estudantes roubaramna e cobraram como resgate que a universidade doasse dinheiro a uma obra de caridade33 Mesmo depois de morto Jeremy Bentham promove o bem maior para o maior número de pessoas Notas Antiga brincadeira infantil praticada entre os séculos XVI e XIX N da T Esporte medieval no qual os ursos tinham os dentes e as garras arrancados e acorrentados eram devorados por cães ferozes N da T 1 Queen v Dudley and Stephens 14 Queens Bench Division 273 9 de dezembro de 1884 Citações de notícia de jornal em The Story of the Mignonette The Illustrated London News 20 de setembro de 1884 Ver também A W Brian Simpson Cannibalism and the Common Law Chicago University of Chicago Press 1984 2 Jeremy Bentham Introduction to the Principles of Morals and Legislation 1789 J H Burns e H L A Hart eds Oxford Oxford University Press 1996 cap 1 3 Ibidem 4 Jeremy Bentham Tracts on Poor Laws and Pauper Management 1797 em John Bowring ed The Works of Jeremy Bentham vol 8 Nova York Russel Russell 1962 pp 369439 5 Ibidem p 401 6 Ibidem pp 401402 7 Ibidem p 373 8 Ursula K Le Guin The Ones Who Walked Away from Omelas em Richard Bausch ed Norton Anthology of Short Fiction Nova York W W Norton 2000 9 Gordon Fairclough Philip Morris Notes Cigarettes Benefits for Nations Finances Wall Street Journal 16 de julho de 2001 p A2 O texto da reportagem Public Finance Balance of Smoking in the Czech Republic 28 de novembro de 2000 conforme foi preparado para Philip Morris por Arthur D Little International Inc está disponível online em wwwmindfullyorgIndustryPhilipMorrisCzech Studyhtm e em wwwtobaccofreekidsorgreportsphilipmorrispmczechstudypdf 10 Ellen Goodman Thanks but No Thanks Boston Globe 22 de julho de 2001 p D7 11 Gordon Fairclough Philip Morris Says Its Sorry for Death Report Wall Street Journal 26 de julho de 2001 p B1 12 O caso da corte era Grimshaw v Ford Motor Co 174 Cal Reporter 348 Cal Ct App 1981 A análise custo e benefício foi divulgada em Mark Dowie Pinto Madness Mother Jones setembrooutubro de 1977 Para um caso similar da General Motors ver Elsa Walsh e Benjamin Weiser Court Secrecy Masks Safety Issues Washington Post 23 de outubro de 1988 pp A1 A22 13 W Kip Kiscusi Corporate Risk Analysis A Reckless Act Stanford Law Review 52 fevereiro de 2000 569 14 Katharine Q Seelye e John Tierney EPA Drops AgeBased Cost Studies New York Times 8 de maio de 2003 p A26 Cindy Skrzycki Under Fire EPA Drops the Seniro Death Discount Washington Post 13 de maio de 2003 p E1 Robert Hahn e Scott Wallsten Whose Life Is Worth More And Why Is It Horrible to Ask Washington Post 1º de junho de 2003 15 Orlei Ashenfelter e Michael Greenstone Using Mandated Speed Limits to Measure the Value of a Statistical Life Journal of Political Economy 112 suplemento fevereiro de 2004 S22767 16 Edward L Thorndike Human Nature and the Social Order Nova York Macmillan 1940 Versão resumida editada por Geraldine Joncich Clifford Boston MIT Press 1969 pp 7883 17 Ibidem p 43 18 Ibidem 19 John Stuart Mill On Liberty 1859 Stefan Collini ed Cambridge Cambridge University Press 1989 cap 1 20 Ibidem 21 Ibidem cap 3 22 Ibidem 23 Ibidem 24 A citação é de um texto pouco conhecido de Bentham The Rationale of Reward publicado na década de 1820 A opinião de Bentham tornouse conhecida por intermédio de John Stuart Mill Ver Ross Harrison Bentham Londres Routledge 1983 p 5 25 John Stuart Mill Utilitarianism 1861 George Sher ed Indianapolis Hackett Publishing 1979 cap 2 26 Ibidem 27 Ibidem cap 4 28 Ibidem cap 2 29 Ibidem 30 Eu me baseei aqui e nos parágrafos seguintes no excelente relato de Joseph Lelyveld English Thinker 17481832 Preserves His Poise New York Times 18 de junho de 1986 31 Extrack from Jeremy Benthams Last Will And Testament 30 de maio de 1832 no website do Bentham Project University Colllege London em wwwuclacukBenthamProjectinfowillhtm 32 Esses e outros casos são relatados no website de Bentham Project University College London em wwwuclukBenthamProjectinfojbhtm 33 Ibidem