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Teoria Geral do Direito Civil

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See discussions stats and author profiles for this publication at httpswwwresearchgatenetpublication288490662 Ampliando os direitos da personalidade Chapter December 2010 DOI 1013140RG2133743449 CITATIONS 6 READS 3728 2 authors including Maria Celina Bodin de Moraes Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 21 PUBLICATIONS 453 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Maria Celina Bodin de Moraes on 28 December 2015 The user has requested enhancement of the downloaded file Ampliando os direitos da personalidade Maria Celina Bodin de Moraes La vita rischia di essere sottratta allautonomia della persona Stefano Rodotà SUMÁRIO 1 Introdução 2 Dos direitos da personalidade à cláusula geral de tutela da pessoa 3 Transformações do corpo e autonomia privada 4 Proteção ao nome à imagem e direito à identidade pessoal 5 Privacidade como autodeterminação 6 Conclusão 1 Introdução Sempre foi muito firme a opinião de que o direito de propriedade representava o verdadeiro e único elemento de unificação das diversas matérias que compõem o direito civil Assim foi possivelmente desde tempos imemoriais até que no final do séc XIX se percebeu a necessidade concreta de garantir proteção a uma esfera de privacidade das pessoas 1 e a partir daí seguiramlhe ao longo do séc XX os demais direitos da personalidade Variadas são as razões apontadas para esta circunstância histórica mas a primeira embora controversa é a mais interessante teria sido a completa ausência nas sociedades ocidentais pelo menos até fins do séc XVIII da noção de vida privada a qual somente veio a ter origem a partir de determinada concepção de civilização 2 Ao longo dos séculos anteriores todo privado era público e só os grupos tinham o privilégio de ter direitos 3 O Código Napoleão expressou a monumental revolução de que é fruto ao reconhecer direitos Professora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ e Professora Associada do Departamento de Direito da PUCRio 1 WARREN Samuel D e BRANDEIS Louis D The Right to Privacy In Harvard Law Review vol IV n 5 1890 Segundo Stefano Rodotà Già a metà dellOttocento uno scrittore Robert Kerr descriveva la società dellInghilterra vittoriana parlando di un diritto ad essere lasciato solo quarantanni prima del saggio famoso di Warren e Brandeis e analizzava il significato della privacy individuando la sua caratteristica essenziale nel rispetto reciproco e lintimità A vida na sociedade de vigilância Privacidade hoje Rio de Janeiro Renovar 2008 no prelo 2 Assim BEIGNER Bernard Les droits de la personnalité Paris PUF 1992 p 58 com base nos relatos de Arthur Young No mesmo sentido ELIAS Norbert O processo civilizador vol I passim Manifesta outra opinião SENNETT Richard O declínio do homem público As tiranias da intimidade São Paulo Cia das Letras 1988 3 Segundo LEITE DE CAMPOS Diogo Nós Estudos sobre o direito das pessoas Coimbra Almedina 2004 p 115 e ss O direito à privacidade cada cidadão um castelo que está na base dos direitos da personalidade seria o mais impensável dos direitos p 117 2 subjetivos aos indivíduos agora então sujeitos de direito garantindo a proteção do Estado à burguesia vitoriosa através da plena jurisdicização das trocas cujo instrumento é o contrato isto é o direito a um bem e das titularidades propriedade entendida como o direito sobre um bem Duzentos anos depois dentre as garantias oferecidas ao sujeito reconhece se a prevalência sobre o patrimônio da proteção da personalidade humana seja no que diz respeito à sua identidade e integridade seja no que se refere à sua intimidade e vida privada Tais bens de fato passaram a constituir os pontos cardeais de nosso sistema jurídico o qual porém tem sido sistematicamente bombardeado e desafiado assim como vem ocorrendo em todos os cantos do mundo por inovações científicas e tecnológicas de grande magnitude e de consequências aparentemente imprevisíveis incontroláveis e inevitáveis A relevância dos chamados direitos da personalidade no momento atual decorre também de outros fatores sociais De um lado provém da explosão qualitativa e quantitativa de meios de comunicação de massa invasores progressivamente direcionados a desconsiderar vidas particulares de outro lado do fato de que numerosas relações sociais antes entendidas como parte de sistemas extrajurídicos foram sendo crescentemente jurisdicizadas Possivelmente este aumento exponencial da regulamentação jurídica deveuse ao minguamento de instâncias sociais outrora tidas como incontestáveis e que serviam utilmente a mediar os conflitos tais como a religião a família a política as corporações os usos e etc Outro elemento menos evidente configurase no fato de que a partir do incremento das técnicas de engenharia genética se instalou um ambiente de luta pelo biopoder 4 engendrado da uma biopolítica e do consequente desenvolvimento de uma nova disciplina o biodireito 5 que mal começa a despontar e já se vê às voltas com problemas da mais alta indagação Neste sentido uma apriorística decisão diz respeito à proteção dos bens jurídicos em jogo o corpo e a informação devem ser tratados como bens a serem tutelados através de direitos da personalidade ou através do direito de propriedade Nos Estados Unidos onde a propriedade privada sempre exerceu um papel cultural central a construção da privacy foi feita através da circunscrição de um 4 A elaboração partiu de FOUCAULT Michel A história da sexualidade I A vontade de saber Rio de Janeiro Graal 1993 e foi recentemente retomada por AGAMBEN Giorgio Homo Sacer O poder soberano e a vida nua Belo Horizonte UFMG 2004 Foucault situa a biopolítica no quadro de uma ação mais ampla que denomina de biopoder Sua tese fundamental supõe que no regime da soberania o súdito deve sua vida e sua morte à vontade do soberano é porque o soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a vida p 287 Nestas condições o poder é um mecanismo de retirada e de extorsão ou seja um poder negativo sobre a vida Diferentemente na época clássica o poder deixou de basearse predominantemente na retirada e na apropriação para funcionar na base da incitação e da vigilância Ele começou a produzir intensificar e ordenar forças mais do que limitálas ou destruílas Esse é o ponto no qual se pode situar a clássica passagem do poder ao biopoder tal como proposta por Foucault de fazer morrer e deixar viver soberania o poder passa a fazer viver e deixar morrer biopoderbiopolítica ARÁN Márcia e PEIXOTO JÚNIOR Carlos Augusto Vulnerabilidade e vida nua bioética e biopolítica na atualidade In Revista de Saúde Pública vol 41 n 5 São Paulo out 2007 5 Para a definição do termo v MARTINSCOSTA Judith Bioética e dignidade da pessoa humana rumo à construção de um biodireito In Revista Trimestral de Direito Civil n 3 2000 p 64 3 território de uma esfera de intimidade da pessoa do mesmo modo como se faz com um pedaço de terra usando a lógica do tresspass da violaçãoproteção de uma propriedade espaço particular6 Isto também deve valer para o corpo e para as informações pessoais ainda a serem devidamente regulados Alan WESTIN passou a defender que o melhor meio de tutelar a privacidade é considerar a informação como propriedade da pessoa de modo que possa se desejar negociá la no mercado 7 No Brasil como se sabe a Constituição veda todo tipo de comercialização relativamente a órgãos tecidos e substâncias humanas art 199 4º Já quanto à informação ou sua privacidade isto é a extensão da titularidade e da possibilidade de controle efetivo sobre os próprios dados pessoais especialmente dos chamados dados sensíveis 8 a única proteção atualmente disponível é o habeas data art 5º LXXII L 950797 instrumento claramente insuficiente destinado tão somente à retificação dos dados e não à disposição sobre os mesmos Quanto à proteção dos direitos da personalidade é fato que a partir da mudança de perspectiva constitucional passando a estar o ordenamento a serviço da pessoa humana conforme a determinação do art 1º III da Constituição consolidouse definitivamente a prevalência das relações não patrimoniais pessoais e familiares face às relações patrimoniais contratuais e proprietárias Conseqüência desta opção constitucional foi o substancial aumento das restrições estruturais impostas à vontade individual pelo Código de 2002 através por exemplo das noções de abuso do direito dos princípios da boafé da confiança e da função social do contrato e da propriedade solidificando a já existente compressão da autonomia privada patrimonial Entretanto no que se refere às relações extrapatrimoniais o Código Civil à luz de interpretação constitucionalizada possivelmente regrediu Com efeito debatese atualmente se em virtude do mesmo princípio fundamental da proteção da dignidade humana não derivaria logicamente uma expansão da autonomia privada no que se refere às escolhas da vida privada de cada pessoa humana Ou seja a privacidade garantida pela Constituição a uma pessoa digna plenamente capaz não deveria significar pelo menos em linha de princípio mais amplo poder de escolha sobre os seus bens mais importantes O Código Civil de 2002 porém em dispositivo redigido como a seguir veremos vinte e cinco anos antes da consagração constitucional da dignidade humana nega de forma incisiva esta possibilidade O art 11 diz Com exceção dos casos previstos em lei os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária Sua literalidade inaceitável nos dias atuais vem sendo temperada pela doutrina civilista que periodicamente tem se reunido nas Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça 6 RODOTÀ Stefano A vida na sociedade de vigilância Privacidade hoje Rio de Janeiro Renovar 2008 no prelo 7 WESTIN Alan F Privacy and Freedom New York Atheneum Publishers 1967 8 Dados sensíveis são os dados pessoais que dizem respeito à saúde opiniões políticas ou religiosas hábitos sexuais etc aptos a gerar situações de discriminação e desigualdade 4 Federal e coordenadas pelo Min Ruy Rosado de Aguiar Jr Assim na I Jornada realizada em 2002 foi aprovado o Enunciado n 4 O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária desde que não seja permanente nem geral Em 2004 na III Jornada acentuouse a distância em relação à interpretação literal do dispositivo com a aprovação do Enunciado n 139 Os direitos da personalidade podem sofrer limitações ainda que não especificamente previstas em lei não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular contrariamente à boafé objetiva e aos bons costumes9 2 Dos direitos da personalidade à cláusula geral de tutela da pessoa O capítulo referente aos direitos da personalidade foi amplamente noticiado como uma das grandes novidades do Código Civil de 2002 motivo para louvores e prova de sua atualidade A constatação de que se trata neste ponto de mera repetição de dispositivos redigidos em 1963 por Orlando Gomes10 não é contudo a principal crítica a esta propaganda enganosa Seu problema mais grave é fazer crer que o vasto movimento mundial que ao longo do último quartel do século XX se dedicou a orientar o Direito no sentido de uma integral e irrestrita proteção da pessoa humana em sua dignidade limitase para o civilista a um rol de tímidas enunciações do legislador ordinário reduzidas em número e presas à categoria dos direitos subjetivos Como já foi salientado em doutrina a tutela da personalidade para ser eficaz não pode ser fracionada em diversas fattispecie fechadas como se fossem hipóteses autônomas não comunicáveis entre si 11 Tal tutela deve ser concebida de forma unitária dado o seu fundamento que é a unidade do valor da dignidade da pessoa É facilmente constatável que a personalidade humana não se realiza através de um esquema fixo de situação jurídica subjetiva o direito subjetivo mas sim por meio de uma complexidade de situações subjetivas que podem se apresentar ora como poder jurídico ora como direito potestativo ou como autoridade parental interesse legítimo faculdade estado enfim qualquer acontecimento ou circunstância rectius situação juridicamente relevante12 O direito subjetivo concebido para titularizar as relações patrimoniais não se adapta perfeitamente à categoria do ser âmbito das relações 9 Os enunciados aprovados nas diversas Jornadas de Direito Civil estão reunidos na internet disponíveis em wwwjfgovbrportalpublicacaodownloadwsptmparquivo1296 acesso em 20112007 10 Com o objetivo de constarem de Anteprojeto de Código Civil em seguida revisto por Comissão que incluiu além do autor Caio Mário da Silva Pereira e Orosimbo Nonato Revisão de Anteprojeto 1964 Ambos os documentos tanto o anteprojeto como sua revisão compõem o vol 2 de publicação do Senado Federal intitulada Código Civil Anteprojetos Brasília Senado Federal 1989 De 1963 em diante em relação ao capítulo dos direitos da personalidade a única modificação significativa foi a inclusão do atual art 21 do CCb acrescido em 1983 ao Projeto da Câmara dos Deputados 63475 enviado em 15061984 ao Senado Federal SFProjeto de Lei da Câmara n 1181984 O Senado manteve a redação aprovada pela Câmara 11 Para a crítica v PERLINGIERI Pietro Perfis do Direito Civil Introdução ao direito civil constitucional Rio de Janeiro Renovar 1999 p 153 e ss 12 Assim PERLINGIERI Pietro Perfis cit p 155 5 extrapatrimoniais onde não existe dualidade entre sujeito e objeto porque ambos representam a pessoa humana13 Esta problemática transposição vem ocorrendo mediante a atribuição de uma série de características excepcionais aos direitos subjetivos comuns necessariedade vitaliciedade extrapatrimonialidade inalienabilidade indisponibilidade inexpropriabilidade intransmissibilidade irrenunciabilidade impenhorabilidade imprescritibilidade mas que mesmo assim não estão aptas a garantir uma valoração apropriada do merecimento de tutela dos interesses em jogo especialmente por continuarem a revestir no âmbito civilista uma ótica de proteção essencialmente repressivoressarcitória14 Limitandose a este perfil estão contidas no disposto no art 12 do Código de 2002 as medidas judiciais previstas no CPC nos arts 287 273 e 796 respectivamente obrigação de fazer antecipação de tutela e medidas cautelares tais como busca e apreensão No entanto graças à legislação especial pós88 é possível reconhecer aqui e ali a intervenção do legislador em sua tarefa de atuação promocional e a expressa abertura ao juiz para exercer o papel de dar eficácia ao acesso à justiça através de instrumentos diferenciados e mais eficientes Assim por exemplo ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente na averiguação oficiosa da paternidade no Estatuto do Idoso na lei Maria da Penha etc A propósito dos direitos da personalidade um de seus aspectos mais interessantes e problemáticos consiste no fato de que se evidenciam sempre novas instâncias concernentes à personalidade do sujeito não previstas nem previsíveis pelo legislador de modo que estes interesses precisam ser tidos como uma categoria aberta De fato à uma identificação taxativa dos direitos da personalidade opõese a consideração de que a pessoa humana e portanto sua personalidade configurase como um valor unitário daí decorrendo o reconhecimento pelo ordenamento jurídico de uma cláusula geral a consagrar a proteção integral da sua personalidade isto é a pessoa globalmente considerada O conceito é então elástico abrangendo um número ilimitado de hipóteses e somente encontra os limites postos na tutela do interesse de outras personalidades Nessa medida bem fez o legislador civil português ao optar pela cláusula geral de tutela reconhecendo que a proteção dos direitos da personalidade para ser eficaz deve ser a mais ampla possível O art 70º 1 do Código Civil português de 1966 declara A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral No direito brasileiro a previsão do inciso III do art 1º da Constituição ao considerar a dignidade humana como valor sobre o qual se funda a República representa uma verdadeira cláusula geral de tutela de todos os direitos que da personalidade irradiam Assim em nosso ordenamento o princípio da dignidade da pessoa humana atua como uma cláusula geral de tutela e promoção da 13 PERLINGIERI Pietro Perfis cit p 155 14 Como explica TEPEDINO Gustavo A tutela da pessoa humana além de superar a perspectiva setorial direito público e direito privado não se satisfaz com as técnicas ressarcitória e repressiva binômio lesãosanção exigindo ao reverso instrumentos de proteção do homem A tutela da personalidade no ordenamento civilconstitucional brasileiro In Temas de Direito Civil 3 ed Rio de Janeiro Renovar 2004 pp 4849 6 personalidade em suas mais diversas manifestações que portanto não pode ser limitada em sua aplicação pelo legislador ordinário15 A concepção revela seu proveito de forma ainda mais incisiva quando se tem que enfrentar os difíceis conflitos nos quais há a colisão de interesses relativos à proteção da personalidade Não parece possível solucionar em termos de titularidade ou não de direitos subjetivos os recorrentes conflitos envolvendo a proteção da personalidade especialmente quando do outro lado é também uma expressão da dignidade de outra pessoa que está em jogo Nos casos de colisão como entre os direitos à informação de um lado e à imagem honra ou privacidade de outro o melhor caminho é reconhecer nos chamados direitos da personalidade expressões da irrestrita proteção jurídica à pessoa humana e portanto atribuirlhes a natureza de princípios de inspiração constitucional Assim tais litígios deverão ser examinados através do já amplamente aceito mecanismo da ponderação 16 com o objetivo de verificar no caso concreto onde se realiza mais plenamente a dignidade da pessoa humana conforme a determinação constitucional Como consequência qualquer reflexão acerca dos direitos da personalidade deve ter como ponto de partida o fato de que Os direitos da personalidade regulados de maneira nãoexaustiva pelo Código Civil são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana contida no art 1º inc III da Constituição princípio da dignidade da pessoa humana Em caso de colisão entre eles como nenhum pode sobrelevar os demais devese aplicar a técnica da ponderação17 3 Transformações do corpo e autonomia privada A integridade psicofísica é um dos aspectos da dignidade humana mais tradicionalmente protegidos a abranger desde a vedação à tortura e lesões corporais no âmbito penal até o direito ao fornecimento de medicamentos no âmbito administrativo Nas relações privadas todavia embora sua manifestação como defesa contra lesões exteriores também seja bastante relevante são mais controversas e merecedoras de análise as questões envolvendo os limites ou os parâmetros para a disposição sobre o próprio corpo A questão ganhou novo fôlego em decorrência de um processo no qual o corpo foi na expressão de Rodotà multiplicado desterritorializado e desmaterializado primeiro perdeu sua unidade que foi decomposta em órgãos células gametas vindo cada uma dessas porções a ter outra utilidade que não a estabelecida pela natureza depois perdeu sua materialidade através da instituição 15 TEPEDINO Gustavo A tutela da personalidade cit p 50 16 Alexy define os princípios como normas que ordenam a realização de algo na maior medida possível relativamente às possibilidades jurídicas e fáticas Os princípios são por conseguinte mandados de otimização que se caracterizam por poder ser cumpridos em diversos graus por meio de uma ponderação a qual corresponde à seguinte medida de proporcionalidade Quanto mais alto for o grau de descumprimento de um princípio tanto maior deverá ser a importância do outro ALEXY Robert Sistema jurídico princípios jurídicos y razón In Doxa n 5 1988 p 143 147 17 Este é o teor do Enunciado n 274 aprovado na IV Jornada de Direito Civil 2006 7 de um corpo eletrônico que vem se tornando a passos cada vez mais largos a senha imprescindível nas relações eletrônicas impressões digitais DNA geometria da mão da orelha da íris da retina dos traços faciais voz assinatura uso do teclado e até mesmo o modo de andar marcam a individualidade de cada um podendo portanto servir à sua identificação18 Realmente as principais perplexidades em torno do tema dizem respeito ao extraordinário desenvolvimento da biotecnologia e a suas consequências sobre a esfera psicofísica do ser humano em especial a proteção ao material genético e reprodutivo19 De fato as hipóteses em que a proteção da liberdade da pessoa entra em confronto com a sua integridade psicofísica têm se avolumado A partir dos tão debatidos casos de transfusão de sangue a pacientes testemunhas de Jeová e de alimentação forçada de sujeitos em greve de fome novas demandas ainda mais desconcertantes se juntaram a estas colocando em discussão os termos da tutela ao direito ao próprio corpo A situação mais extrema dentre essas hipóteses parece ser a dos que sofrem de apotemnofilia BIID para body integrity identity disorder vulgarmente conhecidos como amputados por escolha amputees by choice ou wannabes pessoas que embora não estejam fisicamente doentes desejam às vezes ferozmente ter um de seus membros amputado 20 Esta condição tornouse visível a partir de sua divulgação na internet e hoje há diversas listas de discussão uma delas intitulada justamente amputeesbychoice a qual tem se preocupado em oferecer segundo se diz algum alívio aos portadores desta disfunção os quais passam a se sentir menos solitários e menos excepcionais21 O Código Civil indica no art 13 três critérios para regular os atos de disposição do próprio corpo a diminuição permanente à integridade física os bons costumes e a autorizar o ato a exigência médica ou finalidade terapêutica22 18 Assim RODOTÀ Stefano Transformações do corpo In Revista Trimestral de Direito Civil n 19 julset de 2004 p 93 19 V por todos os diversos artigos reunidos na obra editada por KOLB Robert W The Ethics of Genetic Commerce Oxford Blackwell Pub 2007 20 Ilustrativa desta rara condição é a história de Karl um químico americano que após estudos aprofundados de termodinâmica foi capaz de avaliar as condições ideais para que suas pernas mergulhadas em gelo seco por seis horas não tivessem mais salvação v What Drives People to Want to Be Amputees no site ABC News disponível em httpabcnewsgocomPrimetime Health storyid1806125 acesso em 20102007 Atualmente o fenômeno está sendo estudado especialmente pelo Dr Michel B First um dos editores da DSMIV e da DSMIVTR que cunhou o termo BIID e dele agora começa a diferenciar hipóteses AID Amputee Identity Disorderseria apenas um dos casos de BIID O Dr First considera ao menos conceitualmente BIIDAID como uma condição análoga ao transexualismo GIDGender Identity Disorder 21 ELLIOT Carl A new way to be mad In The Atlantic Monthly dez 2000 disponível na internet em The Atlanticcom ora em httpwwwtheatlanticcomdocprem200012madness acesso em 20102007 Para tentar entender o ponto de vista do doente v httpwwwamputee onlinecomamputee wannabeehtml No Brasil v o pioneiro artigo de KONDER Carlos Nelson O consentimento no biodireito os casos dos transexuais e dos wannabes In Revista Trimestral de Direito Civil n 15 julset de 2003 pp 4172 22 Código Civil art 13 Salvo por exigência médica é defeso o ato de disposição do próprio corpo quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes Já na I Jornada de Direito Civil 2002 o Enunciado n 6 explicitava A expressão exigência médica contida no art 13 referese tanto ao bemestar físico quanto ao bemestar psíquico do disponente 8 Independentemente do critério relativo aos bons costumes de interpretação complexa em uma sociedade que tem por princípio o pluralismo o caso dos amputees caracterizaria uma diminuição permanente mas sem seu enquadramento como exigência médica 23 o que ocorre na situação vivenciada por pessoas transexuais Neste último caso no entanto o problema não passa pela já consolidada autorização para a cirurgia de modificação do sexo admitida em nosso ordenamento através de resolução do Conselho Federal de Medicina24 mas pelas consequências jurídicas da cirurgia impossibilitada a obtenção de alteração cabal no registro civil no que se refere ao sexo que ali vem indicado25 Sob o argumento da proteção à veracidade do registro e da proteção à segurança jurídica nossa jurisprudência superior se firmou no sentido de não autorizar a retificação do registro mas tãosomente admitir a averbação com a necessária referência à situação anterior e à causa da alteração 26 Sobre o tema foi sustentado que a solução que menos prejuízos traz à pessoa humana é a que concebe o sexo não como um atributo instantaneamente adquirido na concepção segundo a visão biomédica mas a partir do reconhecimento da imprescindibilidade da esfera psíquica como um aspecto que vai aos poucos se formando em processo que ocorre até o início da vida adulta27 Se nestes casos já se revela incompatível com a proteção integral à dignidade humana a tutela da integridade física em termos absolutos em outros casos a falta de ponderação é ainda mais grave em virtude da desconsideração de outros interesses constitucionalmente protegidos que no caso podem se mostrar mais relevantes do que a incolumidade física 23 Recentemente porém BAYNE Tim e LEVY Neil Amputees By Choice Body Integrity Identity Disorder and the Ethics of Amputation In Journal of Applied Philosophy vol 22 n 1 2005 pp 7586 tendo em vista o grau normal de autonomia e racionalidade que apresentam os doentes sustentam que do ponto de vista ético enquanto não houver outra possibilidade de cura a cirurgia deve ser autorizada 24 Inicialmente pela Resolução 14721997 atualmente pela Resolução 16522002 ambas do CFM 25 Mas cf o Enunciado n 276 aprovado na IV Jornada de Direito Civil 2006 que se refere expressamente à alteração do sexo O art 13 do Código Civil ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica autoriza as cirurgias de transgenitalização em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina e a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil 26 STJ 3ª T REsp 678933 Rel Min Carlos Alberto M Direito julg 22032007 publ 21052007 em cuja ementa se lê Mudança de sexo Averbação no registro civil 1 O recorrido quis seguir o seu destino e agente de sua vontade livre procurou alterar no seu registro civil a sua opção cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo a tanto como se sabe equivale o ato cirúrgico para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito discriminação opróbrio desonra indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito 2 Recurso especial conhecido e provido 27 RODOTA Stefano Présentation générale des problèmes liés au transsexualisme In Transsexualisme médicine et droit XXIII Coloque de Droit Européen Pays Bas Vrije Universiteit 1993 p 20 9 Assim por exemplo a hipótese da recusa à realização do exame de DNA em que o Supremo Tribunal Federal por maioria de 6 a 4 entendeu que a proteção à integridade física do suposto pai prevalecia sobre o melhor interesse da criança concretizado no seu direito à verdade real sobre sua origem genética28 Neste caso já se teve a ocasião de expor que o direito à integridade física configura verdadeiro direito subjetivo da personalidade garantido constitucionalmente cujo exercício no entanto se torna abusivo se servir de escusa para eximir a comprovação acima de qualquer dúvida de vínculo genético a fundamentar adequadamente as responsabilidades decorrentes da relação de paternidade A perícia compulsória então se em princípio repugna aqueles que com razão veem o corpo humano como bem jurídico intangível e inviolável parece ser providência necessária e legítima a ser adotada pelo juiz quando tem por objetivo impedir que o exercício contrário à finalidade de sua tutela prejudique como ocorre no caso do reconhecimento do estado de filiação direito de terceiro correspondente à dignidade de pessoa em desenvolvimento interesse este que é a um só tempo público e individual29 Ainda nesta linha no tocante à doação de órgãos para depois da morte o consentimento presumido foi afastado pela MP 171898 que depois de reeditada vinte e seis vezes ganhou nova redação fazendo prevalecer sempre a vontade dos familiares independentemente de expressa declaração do falecido no sentido da doação ou da não doação Converteuse após mais cinco reedições na L 1021101 e é o dispositivo vigente na lei de transplantes 30 a não ser que se interprete ter sido ele revogado pelo art 14 do Código Civil de 2002 É válida com objetivo científico ou altruístico a disposição gratuita do próprio corpo no todo ou em parte para depois da morte raciocínio mais consentâneo com os princípios da liberdade pessoal e da solidariedade e com a funcionalização da família aos interesses de cada um de seus membros todos constitucionalmente assegurados31 28 Investigação de paternidade Exame DNA Condução do réu debaixo de vara Discrepa a mais não poder das garantias constitucionais implícitas e explícitas preservação da dignidade humana da intimidade da intangibilidade do corpo humano do império da lei e da inexecução específica da obrigação de fazer provimento judicial que em ação civil de investigação de paternidade implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório debaixo de vara para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA A recusa resolvese no plano jurídicoinstrumental consideradas a dogmática a doutrina e a jurisprudência no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos STF Tribunal Pleno HC 713734 Rel p o acórdão Min Marco Aurélio Mello julg 10111994 vm 29 BODIN DE MORAES M C Recusa à realização do exame de DNA na investigação da paternidade e direitos da personalidade In Revista Forense n 343 julset de 1998 p 168 30 Art 4º da L 943497 com a redação dada pela L 1021101 A retirada de tecidos órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica dependerá da autorização do cônjuge ou parente maior de idade obedecida a linha sucessória reta ou colateral até o segundo grau inclusive firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte 31 Neste sentido o Enunciado n 277 aprovado na IV Jornada de Direito Civil 2006 O art 14 do Código Civil ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo com objetivo científico ou altruístico para depois da morte determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares portanto a aplicação do art 4º da Lei n 943497 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador 10 A regra do art 15 segundo a qual Ninguém pode ser constrangido a submeterse com risco de vida a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica tem gerado alguns malentendidos 32 Antes do Código Civil regulava o assunto o Código de Ética Médica o qual vedava ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente a que práticas terapêuticas se submeter salvo em caso de iminente perigo de vida A expressão atual com risco de vida portanto interpretada sistematicamente altera a regra anterior atribuindo agora ao paciente desde que lúcido e consciente a completa autodeterminação Isto vale evidentemente para cirurgias e tratamentos programados em situações de emergência em que há risco de vida do paciente o médico procederá ao tratamento não apenas pelo consentimento presumido implícito mas pela ausência neste caso de qualquer forma de constrangimento São apenas circunstanciais as duas grandes questões que a vida social propõe hoje não apenas aos operadores do direito no que se refere aos direitos da personalidade quando em que circunstâncias e quanto em que medida à luz do princípio maior da dignidade da pessoa humana podemos dispor com autonomia e informação acerca de nós mesmos Que limites deverão ser impostos à autodeterminação Parece relevante assinalar que ao proceder às necessárias ponderações se deve atentar para a armadilha de uma tutela paternalista Ordenamentos de tipo paternalista só são compatíveis com sociedades infantilizadas tidas como irresponsáveis ignorantes e inconsequentes às quais em regra tudo deve ser proibido ou regulado podendose fazer apenas o que é expressamente permitido princípio este que é próprio dos sistemas fascistas e portanto incompatível com sistemas democráticos 33 Ao paternalismo contido na máxima segundo a qual as pessoas devem ser protegidas de si próprias deve ser oposta a presunção que vigora nas sociedades democráticas a liberdade de escolha acerca do próprio destino não pode ser exceção 4 Proteção ao nome à imagem e o direito à identidade pessoal Nome e imagem são dois aspectos fundamentais da personalidade que receberam destaque na tutela do Código e cuja importância decorre não apenas do fato de atuarem como os sinais designativos que indicam a individualização da pessoa no meio social mas também por constituírem manifestações intrínsecas da individualidade pessoal dizendo respeito portanto ao seu interesse mais essencial 32 Assim por exemplo Já o artigo 15 dispõe acerca de tratamento médico compulsório salvo em situações que a intervenção gere risco de vida para o paciente Esse artigo resta de todo autoritário e completamente anacrônico em relação às teorias da Bioética em especial no que tange o Consentimento Informado STANCIOLI Brunello Souza Os direitos da personalidade no novo Código Civil brasileiro In Videtur n 27 disponível em httpwwwhottoposcomvidetur27 indexhtm acesso em 27112007 33 Os inquisidores que impunham caridosamente a salvação da alma foram substituídos por outros inquisidores que zelam pela saúde pública dos corpos sobretudo quando sua reparação representa um custo para a previdência A cruzada contra o cigarro causa dos piores atentados contra a liberdade pessoal é um exemplo deste puritanismo em nome da vida entendida esta como duração produtiva SAVATER Fernando El valor de eligir Barcelona Ariel 2003 p 107 11 O nome composto de prenome e sobrenome art 16 chega a se confundir com a própria personalidade de quem o porta e serve em primeiro lugar como proteção da esfera individual 34 É o primeiro e mais imediato elemento característico da individualização de uma pessoa e ela tem assim a possibilidade de defendêlo de usos que a exponham de alguma maneira a desprezo público independentemente da prática de difamação art 17 A tutela alcança ainda o uso não autorizado quando direcionado à propaganda comercial art 18 35 bem como o pseudônimo art 19 Por outro lado o nome serve também como sinal designativo da pessoa e desempenha o papel de tornar possível o cumprimento do dever de identificação social de modo que a pessoa tem em virtude disso o dever de usálo 36 É justamente neste âmbito atuando como dever que se encontram as principais problemáticas relativas ao nome Tutelado como o sinal legal identificador da pessoa em relação ao mundo exterior na vida social e no comércio jurídico se justifica o princípio de imutabilidade do prenome bem como a exigência de manutenção de sobrenome de família No entanto cada vez mais a jurisprudência vem flexibilizando o princípio da imutabilidade do prenome que nunca foi absoluto 37 admitindo numerosas exceções casuísticas com vistas à realização da personalidade da pessoa de cujo nome se trata 38 Outro aspecto de relevância é a imagem cuja proteção se tornou muito mais difícil em virtude dos processos tecnológicos que generalizaram as formas requintadas de manipulação e divulgação Aqui é possível observar um processo de ampliação dos bens jurídicos protegidos para além da imagemretrato o aspecto fisionômico a forma plástica do sujeito hoje se protege também a imagematributo isto é o conjunto de características decorrente do comportamento do indivíduo de modo a compor sua representação no meio social39 As duas instâncias referidas são exemplificadas através da diferença que existe entre lesar a imagem de alguém publicandose sem autorização uma imagem fidedigna a lesão aqui se daria sob o ponto de vista estático e a publicação sem autorização da imagem deformada fazendo por exemplo um comunista passar por fascista e a lesão teria ocorrido sob o aspecto dinâmico 40 34 Sobre o tema remetese a BODIN DE MORAES M C A tutela do nome da pessoa humana In Revista Forense n 364 novdez de 2002 pp 217228 35 O Enunciado n 278 da IV Jornada de Direito Civil 2006 interpreta extensivamente o dispositivo A publicidade que divulgar sem autorização qualidades inerentes a determinada pessoa ainda que sem mencionar seu nome mas sendo capaz de identificá la constitui violação a direito da personalidade 36 Assim Harry WESTERMANN Código Civil Alemão Parte geral Porto Alegre Sergio Fabris Editor 1991 p 37 37 Assim por exemplo na adoção ECA art 47 5º na naturalização dos estrangeiros para aportuguesálo art 115 da L 681590 para a inclusão de apelidos notórios LRP art 58 alterado pela L 970898 para a proteção de testemunhas LRP art 58 parágrafo único inserido pela L 980799 38 V para diversos exemplos BODIN DE MORAES M C A tutela do nome da pessoa humana cit pp 224227 39 Sobre o tema v PEREIRA DE SOUZA C A Contornos atuais do direito à imagem In Revista Forense n 367 maijun de 2003 pp 4568 40 O exemplo é inspirado em LORENZETTI Riccardo L Fundamentos do Direito Privado São Paulo Revista dos Tribunais 1998 p 485 12 Observese a distinção desta ampliação do direito à imagem com relação ao direito à honra os fatos imputados para a caracterização da lesão à identidade não precisam ser negativos basta que sejam incompatíveis com a representação construída pela própria pessoa em seu meio social Neste sentido a controvérsia instaurada na jurisprudência nacional acerca da autonomia do direito à imagem frente ao direito à honra Embora no Superior Tribunal de Justiça haja decisões que só reconhecem o dano moral quando há intuito de depreciar a vítima41 no Supremo Tribunal Federal afirmouse que para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo O que acontece é que de regra a publicação da fotografia de alguém com intuito comercial ou não causa desconforto aborrecimento ou constrangimento não importando o tamanho desse desconforto desse aborrecimento ou desse constrangimento Desde que ele exista há o dano moral que deve ser reparado manda a Constituição art 5º X II 42 A noção de imagematributo pareceu à jurisprudência italiana que não deveria ficar contida no âmbito do direito à imagem porque representava muito mais do que a simples imagem 43 Os Tribunais criaram então um direito da personalidade autônomo a que chamaram de direito à identidade pessoal o qual se distingue não apenas do direito à honra mas também do direito ao nome do direito à imagem e do direito à privacidade Enquanto o nome identifica o sujeito físico no plano da existência material e a imagem evoca os traços fisionômicos da pessoa a identidade pessoal representa uma fórmula sintética para destacar a pessoa globalmente considerada de seus elementos características e manifestações isto é para expressar a concreta personalidade individual que veio se consolidando na vida social44 Este novo direito da personalidade consubstanciouse em um direito de ser si mesmo diritto ad essere se stesso entendido como o respeito à imagem global da pessoa participante da vida em sociedade com a aquisição de idéias e experiências pessoais com as convicções ideológicas religiosas morais e sociais que distinguem a pessoa e ao mesmo tempo a qualificam45 O direito à identidade pessoal contemplaria duas instâncias uma estática e outra dinâmica A identidade estática compreende os direitos ao nome à origem genética à identificação biofísica e à imagemretrato a identidade dinâmica se refere à verdade biográfica ao estilo individual e social isto é à imagematributo 41 Civil Recurso Especial Ação indenizatória Violação do direito de imagem Uso indevido Prova do dano Aquele que usa a imagem de terceiro sem autorização com intuito de auferir lucros e depreciar a vítima está sujeito à reparação bastando ao autor provar tãosomente o fato gerador da violação do direito à sua imagem O uso indevido autoriza por si só a reparação em danos materiais desde que abrangido no pedido deduzido pelo autor Se ao uso indevido da imagem somase o intuito de depreciar a vítima deve a reparação abranger não apenas os danos materiais mas também os morais STJ 3ª T REsp 436070 Rel Min Nancy Andrighi julg 4112004 publ RDR 31428 grifouse 42 STF 2ª T RE 215984 Rel Min Carlos Velloso julg 04062002 publ RTJ 183031096 43 V a respeito PINO Giorgio Il diritto allidentità personale Interpretazione costituzionale e creatività giurisprudenziale Bologna Il Mulino 2003 e SESSAREGO Carlos F Derecho a la identidad personal Buenos Aires Astrea 1992 44 Assim PINO G Il diritto allidentità personale cit p 188 e ss Dentre os autores italianos que aprofundaram o tema v DE CUPIS Adriano I diritti della personalità Milano Giuffrè 1982 e DOGLIOTTI Massimo Trattato di diritto privato a cura di P Rescigno Torino Utet 1981 45 LORENZETTI R L Fundamentos cit p483 13 àquilo que a diferencia e singulariza em sociedade Neste último sentido alguns autores falam de direito à paternidade de seus próprios atos 46 A propósito da identificação dinâmica Harry WESTERMANN elabora o seguinte exemplo Um jovem rapaz tenta aproximarse de uma moça particularmente atraente muito conhecida na pequena cidade onde ambos vivem ela porém o ignora solenemente No decorrer de suas tentativas ele a fotografou ampliou o retrato e o colocou em sua mesa de trabalho Indagado por amigos sobre como chegou a obter a foto e que relações tem com a mocinha ele sorri significativamente Ela evidentemente gostaria de obrigarlhe a destruir o retrato ou pelo menos a mantêlo guardado 47 A identidade pessoal constitui assim um bem em si mesmo independentemente da condição pessoal e social das virtudes e dos defeitos do sujeito de modo que a cada um é reconhecido o direito a que sua individualidade seja preservada 48 Há ainda um aspecto fundamental do direito à identidade pessoal a sua intrínseca modificabilidade isto é sua capacidade ou potencialidade de mudança Diferentemente do nome da imagem ou da privacidade a identidade pessoal pode mudar e frequentemente muda com a evolução da pessoa Tendo em vista a redação de seu art 20 o Código Civil neste ponto constitui verdadeiro obstáculo a uma tutela da imagem condizente com a proteção integral da dignidade da pessoa humana 49 Com efeito além de sugerir em sua parte final a não autonomia da proteção à imagem uma vez que a lesão só se concretizaria com a concomitante lesão à honra ou se destinar a fins comerciais pecando assim pelo excesso o dispositivo peca ainda por omissão ao afirmar que somente a administração da justiça ou a manutenção da ordem pública podem justificar a divulgação nãoautorizada da imagem desconsiderando outros interesses merecedores de tutela que podem se revelar no caso concreto mais relevantes50 Aliás decisões vêm sendo exaradas inspiradas por este dispositivo 46 V LORENZETTI R L Fundamentos cit p 484 Machado disse que uma pessoa faz caminho ao andar deixando seu rastro É a forma que os demais nos olham pelo que temos feito na vida somos um tipo especial de católicos de profissionais de trabalhadores somos ecologistas homens de paz bons vizinhos afiliados a um clube etc Tudo isto nos identifica Este aspecto é dinâmico porque é variável e faz referência ao passado aos fatos objetivos que a pessoa vai deixando e pelos quais as outras pessoas a reconhecem 47 WESTERMANN Harry Código Civil Alemão cit p 36 48 Corte Costituzionale italiana Sentenza n 13 de 1994 49 Art 20 Salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública a divulgação de escritos a transmissão da palavra ou a publicação a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber se lhe atingirem a honra a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais 50 Enunciado n 279 da IV Jornada de Direito Civil 2006 A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa Em caso de colisão levarseá em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados bem como a veracidade destes e ainda as características de sua utilização comercial informativa biográfica privilegiandose medidas que não restrinjam a divulgação de informações V também BARROSO Luís Roberto Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade Critérios de ponderação Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa In Revista Trimestral de Direito Civil n 16 outdez 2003 pp 59102 14 da legislação ordinária mas que ao menos aparentemente são incompatíveis com a proteção a ser atribuída à pessoa 51 Mais consentâneo com o espírito do art 20 parece ser a interpretação de que a liberdade de expressão deve ser exercida responsavelmente para não ultrapassar os limites claros da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas De qualquer forma o controle da legalidade da conduta dos órgãos de imprensa não pode ser confundido com a censura proibida expressamente nos termos do art 220 2º da Constituição O ato do juiz se configura como controle jurídico ou legal com vistas à proteção da pessoa humana 5 Privacidade como autodeterminação De todos os aspectos da personalidade certamente a privacidade é o que sofreu as transformações mais radicais O tradicional conceito do direito a ficar só elaborado por Warren e Brandeis fundase em uma criticável e anacrônica perspectiva do indivíduo murado conduzindo a um isolamento protegido a uma tutela negativa que se concretiza apenas na exclusão dos demais 52 Nesta concepção outrora dominante o homem era visto como um ser hermeticamente fechado ao mundo exterior isolado solitário em seu interior era o chamado homo clausus Esta concepção porém foi abandonada em prol da compreensão a ela oposta isto é aquela segundo a qual o indivíduo existe enquanto em relação com outros o sentido da alteridade e com o mundo a ele externo Hoje se sabe que o ser humano existe apenas como integrante de uma espécie que precisa de outros para existir rectius coexistir 53 Do ponto de vista da moderna sociologia portanto o indivíduo como tal não existe coexiste juntamente com os outros indivíduos 54 E porque sua relação com os semelhantes passou a ser avaliada como constitutiva de sua existência uma condição fundadora não pôde ele mais 51 STJ 4ª T Resp 595600 Rel Min Cesar Asfor Rocha julg 18032004 publ RDR 31442 em cuja ementa se lê Direito civil Direito de imagem Topless praticado em cenário público Não se pode cometer o delírio de em nome do direito de privacidade estabelecerse uma redoma protetora em torno de uma pessoa para tornála imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem Se a demandante expõe sua imagem em cenário público não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada Recurso especial não conhecido Grifouse Como se o público da pequena praia onde uma então ilustre desconhecida tomava sol devesse ou pudesse ser comparado ao contingente alcançado pelo jornal de maior circulação do estado que estampou no dia seguinte sem a sua autorização uma fotografia de média dimensão sob a alegação de tratarse de notícia 52 LEWICKI Bruno A privacidade da pessoa humana no ambiente de trabalho Rio de Janeiro Renovar 2003 p 9 53 É a do chamado homo non clausus O sociólogo alemão Norbert Elias foi um dos maiores defensores dessa última corrente a qual o concebe o indivíduo como fundamentalmente em relação com um mundo que não é ele mesmo ou ela mesma com outros objetos e em particular com outros homens ELIAS Norbert Norbert Elias por ele mesmo 1990 Rio de Janeiro Zahar 2001 p 97 e ss 54 Artífices desta tese são entre outros Georg Simmel e Norbert Elias Cf L WAIZBORT org Dossiê Norbert Elias São Paulo Edusp 1999 p 104 Para eles indivíduo e sociedade são conceitos complementares não apenas logicamente mas também em sua realização A pluralidade dos indivíduos produz através de suas relações mútuas o que se denomina unidade do todo isto é a sociedade mas aquela pluralidade não seria imaginável sem esta unidade 15 ser estimado como havia feito o pensamento liberalindividualista como uma pequena totalidade uma micro célula autônoma autossuficiente e autossubsistente Segundo Stefano Rodotà aqui há um ponto de chegada na longa evolução do conceito de privacidade da originária definição the right to be let alone ao direito de determinar as modalidades de construção da própria esfera privada bem como de manter o controle sobre as próprias informações Visto desta maneira configurase o direito à privacidade como um instrumento fundamental contra a discriminação a favor da igualdade e da liberdade 55 De fato nas sociedades de informação como são as sociedades em que vivemos podese dizer que nós somos as nossas informações pois elas nos definem nos classificam nos etiquetam portanto a privacidade hoje se manifesta essencialmente em ter como controlar a circulação das informações e saber quem as usa significa adquirir concretamente um poder sobre si mesmo56 Tratase da concepção qualitativamente diferente da privacidade como direito à autodeterminação informativa o qual concede a cada um de nós um real poder sobre nossas próprias informações nossos próprios dados No contexto atual revelamse especialmente assustadoras as medidas tomadas na linha do falacioso slogan menos privacidade mais segurança Rodotà recorda a metáfora do homem de vidro de matriz nazista em que se baseia a pretensão do Estado de conhecer tudo até os aspectos mais íntimos da vida dos cidadãos transformando automaticamente em suspeito aquele que quiser salvaguardar sua vida privada Ao argumento de que quem não tem nada a esconder nada deve temer o autor não se cansa de admoestar que o emprego das tecnologias da informação coloca justamente o cidadão que nada tem a temer em uma situação de risco de discriminação57 O caso de Truro em Massachusetts nos Estados Unidos é emblemático dos problemas ínsitos a esta concepção Em janeiro de 2005 em razão do assassinato de Christa Worthington ocorrido três anos antes setecentos e noventa homens foram chamados a ceder saliva fragmentos de DNA de modo a permitir a comparação com uma amostra encontrada na cena do crime O portavoz da Polícia de Truro afirmou que o programa era voluntário mas particular atenção seria dada àqueles que se recusassem a cooperar Nós estamos tentando achar 55 Sobre o tema v RODOTÀ Stefano A vida na sociedade de vigilância Privacidade hoje cit no prelo A hipótese é explicada por Danilo Doneda Nesta mudança a proteção da dignidade acompanha a consolidação da própria teoria dos direitos da personalidade e em seus mais recentes desenvolvimentos contribui para afastar uma leitura pela qual sua utilização em nome de um individualismo exacerbado alimentou o medo de que eles se tornassem o direito dos egoísmos privados Algo paradoxal a proteção da privacidade na sociedade da informação tomada na sua forma de proteção de dados pessoais avança sobre terrenos outrora não proponíveis e induz a pensála como um elemento que antes de garantir o isolamento ou a tranquilidade proporcione ao indivíduo os meios necessários para a construção e consolidação de uma esfera privada própria Danilo DONEDA Da privacidade à proteção de dados pessoais Rio de Janeiro Renovar 2006 pp 2324 56 RODOTÀ Stefano Nessuna censura sulla privacy In La Repubblica 13041997 57 RODOTÀ Stefano Lorganizzazione del nuovo mondo Disponível em httpmagazineenelit boilerarretratiarretratiboiler67htmlarticoliFocusRodotaasp acesso em 20102007 16 aquela pessoa que tem algo a esconder explicou 58 Criase assim o princípio antagonista ao da presunção de inocência e consolidase a política do cidadão transparente tudo o que é seu pode ser vasculhado A estratégia americana da luta contra o terrorismo levada a cabo pelo governo Bush fez com que aquele país passasse a considerar indispensável exercer formas de controle total sobre os cidadãos através da coleta de suas comunicações eletrônicas e de seus deslocamentos em particular das viagens aéreas O governo reagiu aos atentados de 11 de setembro de 2001 instituindo um projeto que denominou Total Information Awareness posteriormente renomeado como Terrorism Information Awareness TIA59 não deixando margem a dúvidas acerca de seus objetivos os Estados Unidos desejam exercer uma vigilância total sobre os dados de todos os cidadãos do mundo O problema não é exclusivo do continente americano Na França o Conselho Nacional da Informática e das Liberdades CNIL revelou que há mais de 30 mil câmeras só em Paris O caso francês que causou protestos por parte do CNIL não se compara com a situação da sociedade britânica onde há uma câmera para cada 14 pessoas 42 milhões no total a mais vigiada no mundo Não obstante esta realidade Stefano RODOTÀ não crê que a única reação possível seja a da aceitação acrítica quase uma rendição em direção a uma sociedade inevitavelmente transparente 60 Muitos princípios em matéria de proteção de dados pessoais já estão consolidados na Europa Além do princípio da dignidade humana aplicamse à proteção dos dados pessoais os princípios da finalidade pertinência proporcionalidade simplificação harmonização e necessidade Uma trama tão urdida de princípios para a proteção dos dados pessoais atende à realidade de uma matéria que por sua amplitude e por sua tendência à aplicação em todo tipo de relação humana não pode ser confiada unicamente às formas disciplinares casuísticas E a legislação por princípios para que possa atingir seus propósitos deve servir para a definição de um quadro geral no interior do qual a seguir deverão ser postas e interpretadas as disposições específicas Assim é que em Roma na Itália a Comissão de Proteção dos Dados Pessoais tomou uma série de decisões limitativas da ação das câmeras ao promulgar em 2004 uma normativa geral relativa à videosorveglianza61 Dentre as regras para a instalação desses aparelhos consta que devem ser ativados somente quando outras medidas tenham se revelado insuficientes ou impossíveis sistemas de alarme outros controles físicos ou logísticos medidas de limitação a entradas etc Além disso a eventual conservação das imagens deve ser limitada no tempo não podendo ultrapassar vinte e quatro horas e os cidadãos devem 58 New York Times 07012005 59 O congresso norteamericano cortou as verbas deste projeto em setembro de 2003 Sua menção no entanto continua relevante visto que outros projetos de controle através do data mining permanecem em curso patrocinados por agências governamentais do setor de inteligência e segurança Sobre o tema v httpwwwepicorgprivacyprofilingtia acesso em 10082007 60 RODOTÀ Stefano Il secolo del Grande Fratello In La Repubblica 20011999 61 Provvedimento generale sulla videosorveglianza datado de 29042004 Disponível em httpwwwgaranteprivacyitgarantenavigjspindexjsp acesso em 15072007 17 sempre ser advertidos por escrito com uma placa quando uma área estiver posta sob televigilância No Brasil a ausência qualquer de regulamentação em defesa dos dados pessoais gera a real possibilidade de criação de um banco de dados centralizado gigantesco mantendo todos sob controle e vigilância isso aliás é o que está em curso nos Estados Unidos por determinação do Patriotic Act com vistas à necessidade de prevenção contra o terrorismo No entanto esperase que o respeito à dignidade humana consagrado no art 1º III de nossa Constituição bem como a tradição civilista que nosso sistema encerra aliados à chamada globalização através dos direitos permita a nossa aproximação ao modelo europeu através de uma legislação por princípios 62 As primeiras notícias porém não são alvissareiras O temor advém da iminente instauração do Sistema de Identificação Automática de Veículos SINIAV 63 prevista na Resolução n 212 de 2006 do Conselho Nacional de Trânsito que determina que todos os automóveis brasileiros deverão em breve termo portar uma placa eletrônica que os identificará automaticamente em todas as vias e rodovias de circulação do país O sistema também denominado de Placa Eletrônica vem sendo apresentado como um instrumento fundamental de apoio à fiscalização e repressão ao furto e roubo de veículos e cargas voltado para elaborar políticas de melhoria da gestão de tráfego e de outras ações direcionadas ao aumento da segurança pública Nenhuma palavra sobre a tutela dos dados coletados ou sobre a proteção da privacidade dos proprietários Como adverte a doutrina mais atenta um sistema poderoso como o este somente pode ser cogitado se levados em conta os riscos potenciais ao cidadão pelo uso abusivo ou indevido de suas informações pessoais64 Tal sistema portanto deveria vir acompanhado de previsões específicas sobre a utilização e segurança dos dados pessoais coletados sob pena de representar uma concreta ameaça à privacidade e às garantias fundamentais dos cidadãos chegando a suscitar dúvidas quanto à sua constitucionalidade justamente no que tange à privacidade de todos proprietários condutores e passageiros65 6 Conclusão Cumpre em conclusão à ideia de ampliação dos direitos da personalidade ressaltar a expansão também de sua tutela de fato no que tange a direitos ou extensivamente a situações jurídicas extrapatrimoniais a pessoa humana nunca esteve tão protegida Isto se deve em grande parte à radical transformação da responsabilidade civil na qual a plena reparação do dano moral consagrada com a Constituição de 62 Sobre a distinção entre os modelos europeu e americano v DONEDA Danilo Da privacidade à proteção de dados pessoais Rio de Janeiro Renovar 2006 pp 221322 63 Disponível em httpwwwdenatrangovbrdownloadResolucoesRESOLUCAO212rtf acesso em 21092007 64 DONEDA Danilo A placa eletrônica e o monitoramento de automóveis na Sociedade da Vigilância In Revista Trimestral de Direito Civil n32 outdez de 2007 no prelo 65 DONEDA Danilo A placa eletrônica cit 18 1988 aliada à generalização da responsabilidade objetiva e ao alargamento do nexo de causalidade conduziu a uma explosão das hipóteses de indenização por lesão à pessoa Este movimento todavia não veio acompanhado da correlata evolução doutrinária capaz de prover rigor científico a este novo paradigma de direito dos danos e assim garantir a necessária segurança jurídica Assim embora as intenções jurisprudenciais tenham sido sempre as melhores a ausência de uma dogmática tanto conceitual quanto procedimental e da sua momentânea em virtude da transição ao póspositivismo e aparente desnecessidade de modo a garantir a racionalidade da decisão provavelmente impedirá que a tutela se mantenha A transformação permanente do ordenamento nacional em direção à tutela integral do seu valor maior constitucionalmente garantido isto é a dignidade das pessoas humanas corre sério risco Para além desta preocupação já diversas vezes e por muitos externada cumpre mencionar uma outra mais filosófica do que jurídica mas igualmente importante A partir da constatação de que a relação com os semelhantes é constitutiva de própria existência do sujeito e portanto o indivíduo como tal não existe ele coexiste juntamente com os outros indivíduos passouse a afirmar a necessidade de superação do paradigma da subjetividade que à concepção do homem como uma pequena totalidade uma ilha uma micro célula autônoma autossuficiente e autossubsistente 66 Nessa nova perspectiva as sociedades contemporâneas não mais seriam compreendidas ou construídas tendo como ponto de referência central o indivíduo ou a pessoa mas em seu lugar o espaço comum existente entre as pessoas isto é cada um em relação ao Outro A noção principal portanto passa a ser a da intersubjetividade67 Na ótica jurídica isto é o que faz com que se possa sustentar que a tutela dos direitos da personalidade não pode ser separada da consciência da unidade direitodever do senso de solidariedade e responsabilidade sobre os quais é construída qualquer sociedade moderna Não será útil dilatar a tutela do dissenso a qual pode comprometer a dignidade do consenso Os direitos da personalidade não podem ser efetivados por meio do Estado devem se transformar em patrimônio cultural de um povo no conteúdo ético do ordenamento68 Em crítica direta e frontal a esta posição afirmouse que supor que as liberdades humanas só são protegidas na medida em que seu exercício atender a interesses coletivos equivale no nosso entendimento a recair num coletivisimo transpersonalista que não leva a sério que é o Homem a medida de todas as coisas Num sistema constitucional antropocêntrico fundado na dignidade da pessoa humana não parece legítimo resolver possíveis tensões entre a liberdade 66 Metaforicamente do mesmo modo que uma norma para ser jurídica não pode existir sozinha porque o que a torna jurídica é exatamente o fato de pertencer a um ordenamento jurídico e não o contrário como demonstrou Kelsen Para uma explicação da obra de Hans Kelsen especialmente deste aspecto da teoria positivista v BOBBIO Norberto Teoria do ordenamento jurídico São PauloBrasília UNBPolis 1989 67 Assim por exemplo em sentidos diferenciados manifestaramse Hannah Arendt Michel Foucault Paul Ricoeur Jürgen Habermas Agnes Heller entre outros 68 PERLINGIERI Pietro Entrevista In Revista Trimestral de Direito Civil n 6 abrjun 2001 p 294 19 existencial da pessoa e os interesses da coletividade sempre em favor dos segundos 69 Evidentemente é por todos ressaltado que se a noção não se esgota na espécie pois cada ser humano é único em sua completa individualidade também ocorre que a pessoa humana é um ser social e enraizado70 Único e plural a um só tempo parte da comunidade humana mas possuidor de um destino singular esta é a lei da pluralidade humana referida pela própria Hannah Arendt Quem habita este planeta não é o Homem mas os homens71 Todavia embora seja a dimensão social constitutiva da própria identidade ela se manifesta por meio do sujeito individual através da elaboração que se desenvolve no processo de construção de sua personalidade Neste sentido o princípio da solidariedade a impor deveres e direitos no contexto desta necessária interação social constantemente se sopesa com o princípio da liberdade voltado a garantir a prerrogativa da individualidade na construção da própria identidade No equilíbrio dos demais variável em cada caso se encontra a dignidade da pessoa humana que posto não prescinda da dimensão da interação nela tampouco se exaure Portanto a solidariedade atende à garantia da interação como aspecto de constituição da identidade individual única de cada sujeito ao seu lado a liberdade tutela a possibilidade de elaboração desta interação pelo próprio sujeito efetivando as opções mais condizentes com sua identidade pessoal formada e conformada socialmente A propósito já se destacou que o princípio da liberdade pessoal se consubstancia cada vez mais numa perspectiva de privacidade de intimidade de exercício da vida privada Liberdade significa hoje poder realizar sem interferências de qualquer gênero as próprias escolhas individuais exercendoas como melhor convier72 Como consequência direta da constitucionalização do direito civil portanto no âmbito patrimonial os institutos são tutelados em razão e nos limites da sua função social Já no âmbito extrapatrimonial não se deve cogitar de direitosdeveres para com a sociedade porque não cabe esperar o exercício de função social com relação aos atributos existenciaisconstitutivos da pessoa humana 73 Isto é o mesmo que dizer que como o desenvolvimento da personalidade da pessoa humana não interessa ao campo do jurídico mas apenas a si mesma o ordenamento deverá tãosomente garantirlhe o espaço onde desenvolver suas escolhas autônomas salientando ainda que de toda liberdade decorre direta e proporcionalmente uma responsabilidade Em síntese a ampliação dos direitos da personalidade no nível do Código de 2002 deve se atribuir ao art 21 interpretandose a inviolabilidade da vida 69 SARMENTO Daniel Direitos fundamentais e relações privadas Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 p 215 70 Id ibidem 71 ARENDT Hannah A condição humana 9 ed Rio de JaneiroSão Paulo Forense Universitária 1999 p 188 Em sentido semelhante Fernando Savater ao mencionar a sociedade boa aduz que não há unidade de destino no universal mas pluralidade universalizada de destinos particulares Ética como amorpróprio São Paulo Martins Fontes 2000 p 142 72 BODIN DE MORAES MC Danos à pessoa humana Rio de Janeiro Renovar 2003 p 107 73 No mesmo sentido SARMENTO Daniel Direitos fundamentais e relações privadas citp 215 20 privada não como a tímida tutela do microcosmo da casa mas como o espaço inviolável da liberdade de escolhas existenciais Ou nas palavras sempre inspiradoras de Stefano Rodotà Do nexo cada vez mais intenso entre vida e liberdade decorre para a vida um sentido mais profundo e o direito encontra uma medida mais discreta Colocase a serviço do mestiere di vivere e assim pode ser instrumento de apreensão lugar do homem e não do poder instrumento humilde e disponível e não imposição insustentável74 74 La vita e le regole cit p 72 View publication stats