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Cursos Gerais ·

Psicologia Social

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Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 CONSTRUINDO A AUTONOMIA MORAL NA ESCOLA os conflitos interpessoais e a aprendizagem dos valores título Building moral autonomy in school interpersonal conflicts and the learning of values Telma Pileggi Vinhaa Luciene Regina Paulino Tognettab aDoutora em educação Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas Unicamp Campinas SP Brasil email telmavinhauolcombr bDoutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas Unicamp Campinas São Paulo Brasil email lrpaulinouolcombr Resumo A partir de pesquisas que investigaram se o ambiente escolar influencia o desenvolvimento moral dos alunos e a maneira com a qual eles se relacionam e resolvem seus conflitos interpessoais propõese uma reflexão fundamentada na teoria construtivista sobre a forma como os conflitos têm sido resolvidos na escola em duas perspectivas tradicional e construtivista e uma análise das consequências destes na formação moral dos alunos Inicialmente é apresentado um breve quadro teórico que fundamenta essas investigações descrevendo o desenvolvimento moral segundo a teoria de Jean Piaget e outros pesquisadores que compartilham dessa concepção e são estabelecidas ISSN 15183483 Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 Licenciado sob uma Licença Creative Commons 526 VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 algumas reflexões sobre o ambiente sociomoral da escola e a construção da autorregulação Constatase que apesar de os educadores afirmarem que pretendem favorecer a formação de pessoas autônomas que vivam relações mais justas respeitosas e solidárias nem sempre conseguem fazer com que as crianças e os jovens pautem suas ações em princípios morais e autorregulem seus comportamentos Em seguida são apresentados os principais processos utilizados para intervir nas situações de conflitos interpessoais tanto pelos educadores que possuem uma perspectiva tradicional quanto na construtivista compreendendo que estes transmitem mensagens que dizem respeito à moralidade Os resultados encontrados indicam que apesar dos professores terem objetivos comuns o processo empregado nas escolas mais tradicionais favorece a manutenção de altos níveis de heteronomia em seus alunos Constatouse ainda que por causa da concepção de que os conflitos são naturais nas relações e podem ser oportunidades para trabalhar os valores e regras e ao emprego de intervenções mais coerentes com o processo de construção da moralidade tais intervenções contribuíram mais efetivamente para a melhoria das relações interpessoais e para o desenvolvimento da autorregulação Palavraschave Conflito interpessoal Desenvolvimento moral Construtivismo Educação Valores Abstract Based on previous research that investigated if the environment in schools influences the moral development of students and the means by which they interrelate with each other and solve interpersonal conflicts a contemplation is proposed founded on Piagets constructivist theory about how conflicts have been dealt with in schools under two perspectives traditional and constructivist and an analyses of its consequences to the moral development of the students Primarily some ideas about the construction of the self regulation and the sociomoral environment in schools are exposed Studies indicate that despite the educators display their intention of favoring the development of autonomous human beings who could live fairer more compassionate and more respectful relations they not always are successfully capable of persuading the children and adolescents to act under moral principles or selfregulate their 527 Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 behaviors Subsequently the main processes utilized either by the educators who follow a traditional perspective as well as by the constructivists to intervene in situations of interpersonal conflicts considering that they convey messages regarding morality are exposed The present results indicate that even though the teachers share the same aspirations the process employed by the most conservative schools favors the continuance of higher levels of heteronomy within their students Furthermore due to the conception that conflicts are natural in relations and may even constitute opportunities to work with values and rules and also as a result of the employment of interventions more coherent with the process of building the morality it has been observed that such interventions did contribute more effectively with the progress of selfregulation and enhancement of interpersonal relations Keywords Interpersonal conflict Moral development Constructivism Education Values A construção da autonomia e o ambiente escolar O desenvolvimento da autonomia e de relações mais justas respeitosas e solidárias são algumas das metas encontradas na maioria dos projetos pedagógicos das instituições escolares Ao conversarmos com professores durante os cursos de formação assessorias e nas pesquisas que realizamos percebemos que apesar de almejarem de fato esses objetivos muitos não se sentem seguros sobre como esse desenvolvimento ocorre e como podem favorecêlo no contexto educativo Jean Piaget 19321977 mostranos em seus estudos que o sujeito tem um papel ativo na construção dos valores das normas de conduta Há uma interação isto é um caminho de idaevolta com o indivíduo atuando sobre o meio e o meio sobre ele e não simplesmente a internalização pura desse ambiente Na realidade não é apenas um ou outro fator isolado família traços de personalidade escola amigos meios de comunicação etc mas o conjunto deles que contribui nesse processo de construção de valores morais Será durante a convivência diária desde pequena com o adulto com seus pares com as situações escolares com os problemas com os quais se defronta e também experimentando agindo que a criança irá construir seus valores princípios e normas 528 Ao relacionarmonos uns com os outros é imprescindível a existência de regras que visam garantir a harmonia do convívio social Aliás as regras só existem em função da convivência humana e da necessidade de regulála Contudo para Piaget o importante não são as normas em si mas sim o porquê as seguimos Por exemplo uma pessoa pode não furtar por medo de ser apanhada e outra porque os objetos não lhe pertencem Ambas não furtaram mas apesar de ser o mesmo ato possuíam motivações bastante distintas Desta forma o valor moral de uma ação não está na mera obediência às regras determinadas socialmente mas sim no princípio inerente a cada ação É comum nas situações em que a criança mente agride furta desrespeita não compartilha algo ou é mal educada que o adulto ensinea a importância de não cometer tais atos A questão é como o adulto o faz pois este processo irá interferir nas razões pelas quais as normas serão legitimadas Piaget mostra que a criança nasce na anomia isto é há uma ausência total de regras O bebê não sabe o que deve ou não ser feito muito menos as regras da sociedade em que vive Mais tarde a criança começa a perceber a si mesma e aos outros percebe também que há coisas que podem ou não ser feitas ingressando no mundo da moral das regras tornandose heterônoma submetendose àquelas pessoas que detêm o poder Na heteronomia a criança já sabe que há coisas certas e erradas mas são os adultos que as definem isto é as regras emanam dos mais velhos Ela é naturalmente governada pelos outros e considera que o certo é obedecer às ordens das pessoas que são autoridade os pais professor ou outro adulto qualquer que respeite A criança pequena ainda não compreende o sentido das regras mas as obedece porque respeita a fonte delas os pais e as pessoas significativas para ela Além do amor que a leva a querer obedecer às ordens a criança teme a própria autoridade em si teme ainda a perda do afeto da proteção da confiança das pessoas que a amam Há também o medo do castigo da censura e de perder o cuidado Nessa fase o controle é essencialmente externo Há portanto uma aceitação de regras que são exteriores ao sujeito O desenvolvimento moral foi bem sucedido quando com o tempo esse controle vai se tornando interno isto é um autocontrole uma obediência às normas que não depende mais do olhar dos adultos ou de outras pessoas É a moral autônoma É importante não confundir autonomia com individualismo ou liberdade para fazer o que bem entende pois na autonomia é preciso coordenar os diferentes fatores relevantes para decidir agir da melhor maneira para todos os envolvidos levando em consideração ao tomar VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 529 decisões o princípio da equidade ou seja as diferenças os direitos os sentimentos as perspectivas de si e as dos outros O indivíduo que é autônomo segue regras morais que emergem dos sentimentos internos que o obrigam a considerar os outros além de si havendo a reciprocidade Desta forma a fonte das regras não está mais nos outros na comunidade ou em uma autoridade como na moral heterônoma mas no próprio indivíduo autorregulação La Taille 2001 p 16 ressalta que a pessoa é moralmente autônoma se apesar das mudanças de contextos e da presença de pressões sociais ela permanece na prática fiel a seus valores e a seus princípios de ação Assim a pessoa heterônoma será aquela que muda de comportamento moral em diferentes contextos Na heteronomia a obediência ao princípio ou regra não se mantém pois depende de fatores exteriores ou seja a regulação é externa em alguns contextos a pessoa segue determinados valores e em outros não mais os segue Por exemplo se a pessoa corre o risco de ser punida não age de determinada forma se não corre este risco age trata com respeito algumas pessoas que considera como iguais ou superiores mas outras não Constatase que se uma ação é movida apenas por fatores exteriores ou seja é motivada pelas circunstâncias esta tende a desaparecer ou se modificar quando esses fatores externos também se modificarem Diversos estudos têm confirmado que o desenvolvimento moral está relacionado à qualidade das relações que se apresentam nos ambientes sociais nos quais a criança interage e obviamente essas relações não ocorrem apenas na família Aliás é preciso que a criança possa ter experiências de vida social para aprender a viver em grupo e a escola é um local muito apropriado para essa vivência Pesquisas nacionais e internacionais ARAÚJO 1993 BAGAT 1986 DEVRIES ZAN 1998 TOGNETTA 2003 VINHA 2000 2003 indicam que as escolas inevitavelmente influenciam de modo significativo na formação moral das crianças e jovens Quanto mais o ambiente oferecido for cooperativo maior o desenvolvimento da autonomia e quanto mais autoritário maiores os níveis de heteronomia Nos objetivos dos projetos pedagógicos de diferentes escolas analisados em nossas pesquisas não encontramos de maneira explícita a formação de pessoas obedientes acríticas submissas ou heterônomas Não se pretende formar pessoas que sejam reguladas por mecanismos exteriores seguindo ou não determinado princípio ou regra dependendo do contexto Todavia se os valores morais não fizerem parte da identidade do sujeito da sua perspectiva ética não estiverem alicerçados numa convicção pessoal os Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 530 jovens não seguirão as regras e os princípios movidos pelo sentimento de obrigação mas sim por interesse ou submissão acrítica a ação moral é decorrente do sentimento de obrigação da autorregulação O que ocorre frequentemente é que no cotidiano da escola e das famílias os adultos utilizam procedimentos que levam as crianças e jovens a se submeterem a essas normas porque uma autoridade pais professores etc assim o quer ou sabe o que é melhor para elas atuando por conseguinte por caminhos que promovem mais a obediência do que a autonomia Deste modo encontrase comumente nas escolas a imposição de regras tolas e desnecessárias não usar modismos não conversar sem autorização do professor normas justificadas em nome da igualdade estrita não da equidade e da homogeneidade eu entendi que você não pode vir com a blusa do uniforme porque derrubou o achocolatado ao sair para o colégio e na casa de seu pai não havia outra blusa limpa porém regra é regra e não posso abrir exceção permitindo sua entrada na escola ou embasadas na mera obediência à autoridade não pode usar boné porque é a regra da escola não fale assim porque senão contarei para seu pai Para que sejam cumpridas são empregadas formas de legitimação por meio de procedimentos exteriores receber uma recompensa ser censurado ou punido que somente reforçam a submissão e a obediência acrítica Transmitem assim a ideia equivocada de que compreender e obedecer são coisas distintas Tais procedimentos dificultam a compreensão das razões das regras podendo a longo prazo apresentar efeitos indesejados visto que a criança ou o jovem pode não construir suas próprias razões para seguir regras morais Para haver a legitimação é importante que o educador faça corresponder o cumprimento das normas a uma sensação de bem estar de satisfação interna de orgulho ao respeitálas e também que promova a reflexão sobre as consequências naturais decorrentes do não cumprimento das mesmas favorecendo o desenvolvimento do autorrespeito Enquanto a criança é pequena heterônoma esses procedimentos característicos de relações de respeito unilateral fazem com que seu comportamento seja controlável mesmo que as imposições sejam arbitrárias Entretanto conforme vão crescendo e desenvolvendo se moralmente esses mecanismos dificilmente funcionam Então se observa o aumento do controle e da coerção visando conseguir o bom comportamento Apesar de nobres intenções e belos discursos muitos adultos preferem de fato a moral heterônoma e o respeito unilateral à moral autônoma e às relações de respeito mútuo visto que estas são geradoras de conflitos e inquietações exigem coerência e reciprocidade VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 531 Nessa complexa rede de interações na escola há um fenômeno que não pode ser esquecido pelos educadores os conflitos1 interpessoais Refletir sobre essa questão é necessário não somente pelo fato de os conflitos estarem sempre presentes mas porque as intervenções decorrentes apresentam consequências significativas na construção dos valores e das regras ou seja na formação moral de nossas crianças e jovens Mais do que inevitáveis são necessários para que essa aprendizagem ocorra como veremos a seguir Os conflitos entre os alunos na escola Atualmente muitos professores sentemse impotentes e inseguros ao se depararem com problemas cada vez mais frequentes de indisciplina de violência ou de conflitos tais como agressões físicas e verbais furtos insultos desobediência às normas bullying entre outros A forte presença dessas situações nas instituições educativas é comprovada por inúmeros estudos LA FÁBRICA DO BRASIL 2001 NAKAYMA 1999 VASCONCELOS 2005 Um exemplo é uma recente pesquisa realizada por Biondi 2008 com base em questionários respondidos por diretores de todo o Brasil Saeb2 a indisciplina por parte dos alunos é apontada como problema por 64 dos diretores das escolas estaduais 54 das municipais e 47 das instituições particulares Fante 2003 também constatou que 47 dos professores dedicam entre 21 e 40 do seu dia escolar aos problemas de conflitos entre alunos Em uma investigação sobre conflitos em escolas públicas e privadas de São Paulo Leme 2006 encontrou que 52 dos alunos da 6ª e 469 de 8ª séries concordaram com a afirmação de que os conflitos aumentaram nos últimos anos Os conflitos entre os alunos foram apontados por 855 dos diretores paulistas com um aspecto muito importante para garantir o bom funcionamento e convívio escolar Apesar desses dados alguns educadores parecem acreditar que os conflitos sejam ocorrências atípicas que não fazem parte do currículo nem de seu trabalho como professor e ainda concebem harmonia ou paz 1 Os conflitos tanto os que ocorrem no interior do sujeito cognitivos e morais como entre os indivíduos interpessoais possuem um lugar relevante na teoria de Piaget Por meio dos conflitos é que o processo de equilibração ou autorregulação é desencadeado Ao utilizar simplesmente o vocábulo conflito estamos referindonos às interações entre as pessoas em que há algum desequilíbrio questão primária desse trabalho 2 Sistema de Avaliação da Educação Básica Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 532 como ausência dos mesmos Diante das brigas e atritos esses educadores sentemse inseguros e desconhecem como poderiam intervir de forma construtiva Os educadores constatam angustiados que as brigas estão sendo resolvidas de forma cada vez mais violenta mas sentemse despreparados para realizarem intervenções diferentes de conter punir acusar censurar ameaçar excluir ou mesmo ignorar Assim acabam por educar moralmente agindo de maneira intuitiva e improvisada pautando suas intervenções principalmente no senso comum Não obstante o tempo significativo dispensado a tais fenômenos pelo professor raramente os cursos de formação estudam essas questões deixando o futuro profissional em educação sem preparo para lidar com mais segurança ao defrontarse com situações de conflitos que ocorrem em qualquer instituição educativa Nas palavras de Dubet 1998 p 230 deveria haver cursos sobre a violência dizia ele porque a gente deveria aprender a responder a isto como se aprende as matemáticas E completa é um absurdo Esta formação deveria ser mais ágil muito mais longa e muito menos ideológica Por conseguinte acabam por ter reações impulsivas que não raro somente pioram o problema ou apenas contém o conflito no espaço escolar Um exemplo seria o fato tão frequente de alguns alunos não agredirem dentro da escola mas resolverem seus conflitos de forma violenta fora desta instituição ou ainda utilizarem os meios de comunicação eletrônica como a internet para insultar vingarse ou intimidar Essas situações também denotam a dificuldade de alguns jovens resolverem seus conflitos de forma não violenta de chegarem a soluções que beneficiem pelo menos em parte os envolvidos e de expressarem seus sentimentos sem causar dano aos outros A concepção sobre os conflitos do professor e consequentemente o tipo de intervenção realizada por ele ao deparar se com desavenças entre as crianças e jovens interfere nas interações entre os alunos e no desenvolvimento socioafetivo dos mesmos transmitindo mensagens que dizem respeito à moralidade Em nossa pesquisa TOGNETTA VINHA 2007 VINHA 2003 comprovamos que em geral encontramse duas grandes concepções sobre os conflitos interpessoais entre os educadores Em uma visão tradicional os conflitos são vistos como sendo negativos e danosos ao bom andamento das relações entre os alunos Tal concepção evidenciase porque os esforços são em geral apontados para duas direções a primeira delas seria evitálos Para isto elaboram se regras e mais regras controlamse os comportamentos por meio de VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 533 filmadoras ou através de vigilância sistemática dos alunos trancamse armários e salas de aula para evitar furtos ameaçam coagem A segunda direção ainda bastante prezada pela escola é a resolução rápida desses conflitos Deste modo os educadores transferem o problema para a família ou especialista dão as soluções prontas utilizam mecanismos de contenção e punições incentivam a delação culpabilizam admoestam associam a obediência à regra ao temor da autoridade ao medo da punição da censura e da perda do afeto São mecanismos de controle utilizados cotidianamente na escola que funcionam temporariamente mas que além de reforçar a heteronomia não raro contribuem para agravar o problema Em longo prazo contribuem para formar jovens que possuem baixo índice de habilidade social apresentando dificuldades para emitir opiniões argumentar e ouvir perspectivas diferentes sem sentirse ameaçado tomar decisões expor e discutir seus sentimentos e coordenar perspectivas em ações efetivas Na resolução de seus próprios conflitos empregam mecanismos ainda primitivos tais como as reações impulsivas submissas ou agressivas a não interação as soluções unilaterais a mentira Como são privados de entender as justificativas para os valores e normas nas relações esses jovens tendem a orientar suas ações de modo a receberem gratificações evitarem castigos ou por mero conformismo demonstrando que os valores morais foram pobremente interiorizados O fato de fazer com que um comportamento não seja mais apresentado não significa que a criança ou jovem percebeu as consequências de tal ato e está aprendendo outras formas mais elaboradas de proceder pode significar simplesmente que está sob controle por temor ou por interesse Como nos recorda La Taille 1996 p 10 o aluno bemcomportado pode sêlo por medo do castigo por conformismo Pouco importa seu comportamento é tranquilo Ele é disciplinado Isto é desejável É a educação do presente que resolve momentaneamente o problema da escola Por certo os conflitos são inevitáveis em salas de aula em que a interação social e o trabalho em equipe são valorizados Obviamente numa escola cujo ambiente sociomoral é cooperativo ou seja numa classe em que as interações sociais entre os pares são favorecidas em que os alunos tomam decisões realizam atividades em grupos assumem pequenas responsabilidades fazem escolhas etc haverá bem mais situações de conflitos do que na escola tradicional onde os alunos em geral interagem muito pouco uns com os outros ficando a maior parte do tempo em silêncio imóveis copiando pontos resolvendo folhas de exercícios ouvindo as explicações do professor cabendo ao docente resolver os Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 534 problemas e tomar todas as decisões Portanto podese desconfiar de uma classe de alunos silenciosos e que possui poucas desavenças Já para o professor que possui uma perspectiva construtivista os conflitos são compreendidos como naturais em qualquer relação e necessários ao desenvolvimento da criança e do jovem São vistos como oportunidades para que os valores e as regras sejam trabalhados oferecendo pistas sobre o que precisam aprender Por conseguinte suas intervenções não enfatizam a resolução do conflito em si o produto como resolver mas sim o processo ou seja a forma com que os problemas serão enfrentados o que eles poderão aprender com o ocorrido Os educadores que possuem esta concepção compreendem o conflito e sua resolução como partes importantes do currículo tanto quanto os outros conteúdos que devem ser trabalhados e não apenas o vendo como um problema a ser resolvido De acordo com essa perspectiva ao invés de o professor gastar seu tempo e energia tentando prevenilos devese aproveitálos como oportunidades para auxiliar os alunos a reconhecerem as perspectivas próprias e as dos outros e aprenderem aos poucos como buscar soluções aceitáveis e respeitosas para todas as partes envolvidas Ao agir assim o educador demonstra reconhecer a importância de desenvolverse nas crianças e jovens habilidades que os auxiliem na resolução de conflitos interpessoais e consequentemente favorecer a formação de pessoas autônomas Por exemplo situações de mentira constituemse em oportunidades para refletir sobre a necessidade da veracidade para manter o elo de confiança circunstâncias em que há agressões físicas ou verbais entre os alunos podem ser aproveitadas para trabalhar o reconhecimento dos sentimentos e a resolução das desavenças de forma não violenta e mais eficaz por meio do diálogo e assim por diante Piaget concebe o conflito tanto o que ocorre no interior do sujeito como entre os indivíduos como necessários ao desenvolvimento Quando ocorre um conflito na interação com o outro o indivíduo é motivado por esse desequilíbrio a refletir sobre maneiras distintas de restabelecer a reciprocidade Uma resolução de conflito considerada como positiva implica em um equilíbrio entre a capacidade de persuasão do outro e a satisfação de si mesmo sendo necessário para isto operar considerando os sentimentos e perspectivas próprias e de uma outra pessoa resolução cooperativa Por reconhecer a importância de favorecer a atividade no interior do sujeito o professor que pauta suas intervenções nessa concepção reconhece que o conflito vivido pelos alunos não lhe pertence assim sendo não lhe cabe resolvêlo retirandoos do mesmo Frequentemente o que ocorre é o contrário ou seja o professor retira VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 535 os alunos do controle do próprio conflito ou problema atribuindo a si próprio a resolução dessas situações vividas pelos alunos dizendolhes o que deve ser feito ou induzindo Todavia o fato de não solucionar por eles não é sinônimo de largálos a própria sorte Em situações de conflito o educador poderá intervir explicitando o problema de tal forma que eles possam entender ajudálos a verbalizar seus sentimentos e desejos promovendo uma interação e auxiliálos a escutar uns aos outros convidandoos para colocar suas sugestões e propor soluções O professor auxilia o autoconhecimento quando ajuda as crianças e jovens a refletirem sobre seus sentimentos e tendências de reação todavia ele deve evitar tomar partido falar pelos envolvidos ou propor a resolução estimulandoos a descreverem por si próprios seus pontos de vista e sentimentos favorecendo a coordenação dos mesmos A escola deve ajudálos a controlar seus impulsos tornadoos aptos a refletir sobre as consequências de seus atos Ressaltase todavia que se os esforços do professor para mediar um atrito entre as crianças estão mostrandose ineficientes porque elas estão bravas ou com raiva ele pode pedir que se separem até se sentirem mais calmas podendo escutar e falar Quando se tem a concepção de que harmonia não significa ausência de conflitos pois estes são situações necessárias para a aprendizagem e que lidar com eles não é algo desviante da função de educador modificamse inclusive os sentimentos diante dos mesmos Compreende se que os problemas ou desavenças por serem naturais em qualquer relação devem ser administrados não sofridos A angústia ou a insegurança leva o sujeito a resolvêlos rapidamente de forma improvisada para livrarse daquilo que gera esses sentimentos assim muitas vezes as intervenções são autoritárias e não raro desastrosas Concebendoos como inerentes às relações e necessários ao crescimento individual ou de um grupo lidase com os conflitos de forma mais serena percebendo a necessidade de muitas vezes planejar o processo de resolução dos mesmos O que o conflito está indicando O que os alunos precisam aprender Como trabalhar essa questão compreendendo que os procedimentos que serão empregados as situações promovidas ou as regras que serão elaboradas não devem apenas atuar sobre as consequências de um problema mas sim sobre as causas Uma resolução considerada eficaz em um conflito é aquela que minimiza ou elimina as causas que o gerou Algumas pesquisas LEME 2004 PEREIRA 1998 VINHA 2003 VINYAMATA 1999 indicam que o conflito pode ser um contexto construtivo mas também pode ser destrutivo Nesse processo a postura do professor fará grande diferença Muitas vezes a intervenção descuidada do Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 536 adulto só faz com que os educandos tentem esconder o conflito e outras vezes a interferência do professor pode aumentar as hostilidades e acarretar maiores problemas Daí a importância de se estudar e refletir com profundidade sobre esta dimensão das relações educativas tão necessária para a realização de um trabalho construtivo na escola para minimizar a violência para a melhoraria das interações sociais e para um maior favorecimento do desenvolvimento sociomoral de suas crianças e jovens CONCLUSÕES Esse artigo pretendeu enfocar as intervenções em situações de conflitos interpessoais todavia sabemos que para favorecer o desenvolvimento da autonomia e de relações mais justas respeitosas e solidárias é necessário tomar consciência de que a ética está presente nas mais diversas dimensões da escola tais como na relação da equipe de especialistas com os integrantes da instituição e também no trabalho docente ou seja na postura nos juízos emitidos na qualidade das relações que são estabelecidas nas concepções e intervenções diante da indisciplina do bullying das infrações dos conflitos No tipo quantidade conteúdo forma de elaboração e legitimação das regras na maneira pela qual o conhecimento é concebido trabalhado e avaliado na relação e nas ações com a comunidade Sabendo da importância de vivenciar a moral mas de refletir discutir e analisar as atitudes além de se trabalhar conteúdos éticos de forma transversal e por projetos interdisciplinares fazse também necessário que os alunos e adultos tenham experiências vividas efetivamente com os valores morais propiciando uma atmosfera sociomoral cooperativa no contexto educativo E é preciso ainda oferecer sistematicamente oportunidades para que a construção de valores morais aconteça como um objeto do conhecimento que depende da tomada de consciência e portanto de momentos em que se possa pensar sobre o tema Constatase que raramente a educação apresenta ao aluno a moral como objeto de estudo e reflexão Desejase que os alunos ajam moralmente mas não se abrem espaços para que haja a reflexão sobre as ações sobre os princípios e as normas sobre os valores e sentimentos que nos movem Portanto considerando que a transmissão direta de conhecimentos é pouco eficaz para fazer com que os valores morais tornemse centrais na personalidade para a vivência democrática e cooperativa e para resolver problemas que requerem o desenvolvimento VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 537 das dimensões cognitivas e afetivas assim como de habilidades interpessoais é preciso oferecer nas instituições educativas oportunidades frequentes para a realização de propostas de atividades sistematizadas que trabalhem os procedimentos da educação moral tais como assembleias3 discussão de dilemas narrativas morais etc Procedimentos estes que favoreçam a apropriação racional das normas e valores o autoconhecimento e o conhecimento do outro a identificação e expressão dos sentimentos a aprendizagem de formas mais justas e eficazes de resolver conflitos e consequentemente o desenvolvimento da autonomia4 Apesar de boas intenções e nobres objetivos dos educadores infelizmente constatase ainda que o ambiente sociomoral da maioria das escolas requer que os alunos sejam bem comportados tranquilos submissos passivos e obedientes em todos os aspectos tanto nos relacionados à autonomia e à iniciativa quanto ao pensamento reflexivo DE VRIES ZAN 1998 Todavia uma educação pautada na submissão à autoridade e na obediência acrítica às regras sem a compreensão das necessidades ou dos princípios que as embasam principalmente por conformismo e pelo temor de situações constrangedoras ou de punições poderá modificar ações externamente mas dificilmente contribuirá para integrar ou situar os valores morais em um lugar central na personalidade o que acarretaria em atitudes mais autônomas isto é coerentes com estes valores independentemente das pressões do meio exterior 3 Segundo Puig 2000 p 86 as assembleias são o momento institucional da palavra e do diálogo Momento em que o coletivo se reúne para refletir tomar consciência de si mesmo e transformar o que seus membros consideram oportuno de forma a melhorar os trabalhos e a convivência É portanto um espaço para o exercício da cidadania onde as regras são elaboradas e reelaboradas constantemente em que se discutem os conflitos e se negociam soluções vivenciando a democracia e validando o respeito mútuo como princípio norteador das relações interpessoais As assembleias de classe tratam de temáticas envolvendo especificamente determinada classe tendo como objetivo regular e regulamentar a convivência e as relações interpessoais assim como a resolução de conflitos por meio do diálogo A periodicidade geralmente é semanal em encontros de uma hora ou quinzenal com os mais velhos com a duração de 90 minutos a 120 minutos Esses momentos são inclusos no horário São conduzidos inicialmente por um adulto como o professor polivalente o professorconselheiro ou orientador e posteriormente pelos próprios alunoscoordenadores representantes eleitos que se revezam sob orientação do adulto 4 Para saber mais sobre os procedimentos da educação moral expressão de sentimentos assembleias e resolução de conflitos consultar MORENO SASTRE 2002 PUIG 2000 2004 TOGNETTA 2003 TOGNETTA VINHA 2007 VINHA 2000 2003 Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 538 Auxiliar na aprendizagem dos alunos e ao mesmo tempo favorecer seu desenvolvimento sociomoral podem aparentar serem problemas diferentes mas não o são Esta dissociação é equivocada pois são sistemas solidários visto que os eventos de desavenças pessoais e os de aprendizagem estão incorporados fundemse A obtenção de relações equilibradas e satisfatórias o que não significa que os conflitos estarão ausentes não são frutos de um dom gratuito ou de desenvolvimento maturacional mas sim decorrentes de um processo de construção e aprendizagem A criança ou jovem não irá aprender por si mesmo uma questão que é muito complexa e para a qual não foram previstas boas intervenções e oferecidas situações que lhe auxiliassem a aprender o que necessita Porém raramente se percebe a preocupação das instituições escolares com as possibilidades pedagógicas dos conflitos sendo que seus esforços nesta área estão mais voltados para conseguir um bom comportamento do aluno muitas vezes por medo ou conformismo e para a contenção do conflito do que para a aprendizagem REFERÊNCIAS ARAÚJO U F Um estudo da relação entre o ambiente cooperativo e o julgamento moral na criança 1993 194 f Dissertação Mestrado em Educação Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas Campinas 1993 BAGAT M P Annotazzioni e riflessioni sullautonomia morale Attualitá Psicologia Roma v 1 n 2 p 4956 1986 BIONDI R Atributos escolares e o desempenho dos estudantes uma análise em painel dos dados do Saeb Brasília MECSEF 2008 Disponível em http wwwpublicacoesinepgovbrdetalhesasppub4321Acesso em 12 mar 2008 DEVRIES R ZAN B A ética na educação infantil Porto Alegre Artes Médicas 1998 DUBET F A formação dos indivíduos a desinstitucionalização Revista Contemporaneidade e Educação São Paulo v 3 p 2733 1998 FANTE C Fenômeno bullying estratégias de intervenção e prevenção da violência entre escolares São José do Rio Preto SP Ativa 2003 VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 539 LA FABRICA DO BRASIL Escola e família instituições em conflito 2001 Disponível em www1folhauolcombrfolhadimensteinsonosso pesquisa20sF320nossoppt Acesso em 10 out 2002 LA TAILLE Y A indisciplina e o sentimento de vergonha In AQUINO J G Org Indisciplina na escola alternativas teóricas e práticas São Paulo Summus 1996 p 924 LA TAILLE Y Autonomia e identidade Revista Criança do Professor de Educação Infantil Brasília v 35 p 1618 2001 LEME M I S Educação o rompimento possível do círculo vicioso da violência In MALUF M R Org Psicologia educacional questões contemporâneas São Paulo Casa do Psicólogo 2004 p 163186 Convivência conflitos e educação nas escolas de São Paulo São Paulo ISME 2006 MORENO M SASTRE G Resolução de conflitos e aprendizagem emocional São Paulo Moderna 2002 NAKAYAMA A M A Disciplina na escola o que pensam os pais professores e alunos de uma escola de 1º Grau 1996 239 f Dissertação Mestrado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Universidade São Paulo São Paulo 1999 PEREIRA M I G G Emoções e conflitos análise da dinâmica das interações numa classe de educação infantil 1998 209 f Tese Doutorado em Educação Faculdade de Educação Universidade São Paulo São Paulo 1998 PIAGET J O julgamento moral na criança São Paulo Mestre Jou 19321977 PUIG J Democracia e participação escolar São Paulo Moderna 2000 Práticas morais uma abordagem sociocultural da educação moral São Paulo Moderna 2004 TOGNETTA L R P A construção da solidariedade e a educação do sentimento na escola uma proposta de trabalho com as virtudes numa visão construtivista Campinas Mercado de Letras 2003 TOGNETTA L R P VINHA T P Quando a escola é democrática um olhar sobre a prática das regras e assembléias na escola Campinas Mercado de Letras 2007 Construindo a autonomia moral na escola Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 540 VASCONCELOS M S Indisciplina no contexto escolar estudo a partir de representações de professores do ensino fundamental e médio Apresentação de trabalho Florianópolis ANPEP 2005 VINHA T P O educador e a moralidade infantil numa visão construtivista Campinas Mercado de Letras 2000 Os conflitos interpessoais na relação educativa 2003 427 f Tese Doutorado em Educação Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas Campinas 2003 VINYAMATA E La resolución de conflitos Cuadernos de Pedagogia Barcelona n 246 p 8991 1999 Recebido 26022009 Received 02262009 Aprovado 12032009 Approved 03122009 Revisado 16092009 Reviewed 09162009 VINHA T P TOGNETTA L R P Rev Diálogo Educ Curitiba v 9 n 28 p 525540 setdez 2009 A CONVIVÊNCIA ÉTICA EM ESCOLAS PÚBLICAS ANÁLISE DE UM PROGRAMA DE INTERVENÇÃO A PARTIR DAS PERSPECTIVAS DOS PROFISSIONAIS DA ESCOLA RESUMO Diante dos problemas de convivência nas escolas o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral GEPEM elaborou o programa Convivência ética na escola que propõe a implantação de ações visando contribuir para a melhoria da qualidade da convivência escolar e do processo de resolução dos conflitos Este artigo apresenta uma pesquisa exploratória de caráter descritivo que investigou as percepções de professores e gestores quanto às transformações contribuições e limitações do programa implantado em quatro escolas públicas Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e os dados foram analisados qualitativamente A maioria dos respondentes defende ser papel da escola atuar na qualidade da convivência favorecendo a formação ética e lidando construtivamente com os conflitos Entre as mudanças destacase a importância da teoria subsidiando ações a valorização da participação e protagonismo estudantil o fortalecimento do respeito e do diálogo nas relações As limitações foram a falta de engajamento de alguns profissionais ausência de espaços de diálogo e decisões coletivas na escola PALAVRASCHAVE Convivência escolar Intervenção pedagógica Formação docente Educação moral Problemas de convivência para os profissionais da escola BRESSOUX 2003 DEBARBIEUX et al 2012 VINHA NUNES 2020 2021 O desafio é como as escolas podem lidar com os problemas de convivência e ao mesmo tempo favorecer o desenvolvimento de pessoas autônomas No Brasil as experiências bemsucedidas nessa área em escolas públicas são ainda iniciativas isoladas quase artesanais É o que mostra o estudo de Menin Bataglia e Zechi 2013 que examinaram os projetos de educação em valores nas escolas públicas Verificouse que de 1062 escolas que desenvolvem esses projetos menos de 5 tinham uma proposta mais sistematizada que poderia ser considerada bemsucedida A maior parte dos profissionais envolvidos 71 não teve nenhuma formação nessa área de modo que suas propostas eram pautadas principalmente no senso comum As autoras apontam motivos pelos quais a grande maioria não era eficaz as ações eram direcionadas apenas aos alunos eram pontuais e por curto espaço de tempo não se tratava de projetos institucionais mas de um pequeno grupo empregavam um processo de transmissãodoutrinação haviam evidentes contradições entre os objetivos e o clima relacional e disciplinar na escola almejavam o controle dos comportamentos e da disciplina e não o desenvolvimento socioemocional que ensejaria o emprego de estratégias mais assertivas e cooperativas para lidar com os conflitos Porém certas pesquisas com intervenção em escolas brasileiras evidenciam que uma educação para a convivência ética e democrática é possível além de desejável MENIN 2019 TOGNETTA 2021 VINHA et al 2017 Segundo tais estudos incivilidades e vários tipos de violência na escola podem ser enfocados oportunizando a aprendizagem da necessidade de regras e valores e o desenvolvimento socioemocional e emocional pela busca de soluções dialógicas com a participação ativa dos envolvidos Indicam ainda modos de construção e aprendizado de valores e práticas coerentes com a convivência ética e democrática que podem e devem ocorrer na educação Tendo como base essa perspectiva o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral GEPEM desenvolveu o programa A convivência ética na escola CEE Tratase de um programa de formação de professores e transformações na escola com ações diferenciadas e complementares entre si visando a melhoria da qualidade da convivência e do processo de resolução dos conflitos interpessoais favorecendo a construção de um clima escolar positivo Qualificamos como ética a convivência pautada em práticas que defendam valores vinculados ao diálogo participação diversidade justiça respeito e solidariedade implicando a formação de sujeitos cada vez mais autônomos os quais pautem suas decisões e ações em valores morais Ela não pode se restringir à boa socialização com a adoção de formas de convivência já estabelecidas mas deve ser compreendida como um processo no qual algumas normas relações e costumes são criticados e assim são pensadas e discutidas novas formas de conviver PUIG et al 2000 Para essa concepção o programa CEE foi implantado pela equipe do GEPEM em seis escolas municipais de Ensino Fundamental por meio de um convênio da Faculdade de Educação da UNICAMP com uma Secretaria Municipal de Educação No presente estudo analisamos apenas quatro escolas que foram as que começaram a implantação ao mesmo tempo Destacase que elas aderiram voluntariamente ao programa Com duração prevista de 24 meses tal programa consiste em ações de prevenção das violências atenção aos problemas de convivência e promoção dos valores e habilidades socioemocionais Foi elaborado considerandose três vias diferentes de atuação porém interrelacionadas interpessoal ligada à maneira de ser e de fazer dos educadores especialmente a relação que travam entre eles e com seus alunos curricular referente ao planejamento e à execução de atividades pensadas especificamente para trabalhar a formação ética dos alunos institucional que se constituiu das atividades educativas que partem da organização da escola e da classe e que têm como pressuposto a participação democrática PUIG et al 2000 p 17 As ações em síntese consistiram em Avaliação do clima escolar e diagnóstico das necessidades institucionais foram feitas reuniões com a equipe gestora e professores sessões de observações do cotidiano e aplicados questionários para avaliação do clima escolar em alunos professores e gestores Posteriormente os pesquisadores realizaram a devolutiva dos resultados debatendo os dados com os profissionais da escola e planejando coletivamente as ações decorrentes Espaço sistematizado para o desenvolvimento de propostas socioemocionais e emocionais inserção de uma disciplina semanal de 90 minutos na grade curricular das séries finais do Ensino Fundamental ministrada por um professor de referência selecionado pela escola Nas séries iniciais era ministrada pelo professor polivalente Formação continuada com os profissionais das escolas semanalquinzenal com todos os profissionais da escola estudandose temas como a construção da personalidade ética linguagem assertiva e empática regras e processos de legitimação problemas de convivência conflitos e possibilidades de intervenções entre outros totalizando cerca de 140 horas formações quinzenais com professores de referência objetivando estudar a condução de assembleias e procedimentos ativos ligados ao desenvolvimento socioemocional e emocional ocorrentes na nova disciplina cerca de 70 horas Implantação de espaços de participação resolução e mediação de conflitos realização de assembleias em cada turma para diálogo e construção de soluções conjuntas para a melhoria da convivência e dos trabalhos implantação de espaços para a mediação de conflitos em que as partes envolvidas apoiadas pelo mediador são incentivadas a dialogar buscando um acordo satisfatório e não punitivo para a desavença Equipes de ajuda formadas por grupos de alunos que apoiam os colegas que estão com problemas ou envolvidos em conflitos ou bullying Escolha coletiva dos valores da escola com elaboração de plano de ações revisão da quantidade e qualidade das regras Elaboração de um Plano Institucional de Convivência um documento que prevê a organização e o funcionamento da instituição com relação à convivência fixando os objetivos a serem alcançados as normas que regulam e as ações que serão realizadas Acompanhamento e assessoria por meio de sessões de observação participe e reuniões de assessoria à equipe de gestores e professores A implantação dos procedimentos era flexível não imposta ocorrendo com participação coletiva Nem todos aconteceram nas quatro unidades devido às necessidades e condições de cada uma Qualquer implantação de programas em escolas precisa considerar e lidar com realidades diferentes repletas de desafios demandas urgências No CEE foi empregado um processo responsivo contínuo que se trata da interação e interlocução entre os idealizadores e os implementadores respeitando o contexto e atendendo também às demandas e necessidades das escolas No decorrer e ao término do programa foram realizadas avaliações pela equipe por métodos quantiqualitativos como avaliação do clima escolar pré e póstestes e avaliação responsiva questionários de avaliações das formações e das transformações na escola e sessões de observação As diferentes análises dos dados mostraram que as transformações dependem das características de cada instituição que avançaram em ritmos e caminhos diferentes Contudo constataramse progressos na melhoria expressiva na qualidade das relações interpessoais no uso de uma comunicação mais empática na presença de intervenções mais construtivas nos conflitos na mudança da qualidade das regras e na ampliação da participação dos alunos no processo de elaboração e na discussão dos problemas no aumento dos sentimentos de justiça respeito e pertencimento pelos estudantes CAMPOS 2020 VINHA NUNES 2021 VINHA NUNES MORO 2019 O presente artigo teve como objetivo investigar as percepções de professores e gestores com relação ao programa A Convivência ética na escola quanto à implicação destes profissionais com relação à qualidade da convivência e aprendizagem sociomoral dos alunos assim como conhecer as transformações contribuições e limitações do programa C e quatro 33 professores da escola D Todos os entrevistados são graduados em licenciatura plena Pedagogia ou outras licenciaturas seis possuem pósgraduação lato sensu e sete pósgraduação stricto sensu Somente dois professores estão em início de carreira com até cinco anos de profissão a maioria deles 14 são profissionais com mais de 15 anos de docência Apresentação e discussão dos resultados Neste artigo apresentaremos os resultados do conjunto dos participantes das quatro escolas em duas grandes categorias A primeira engloba questões destinadas a compreender as concepções dos entrevistados quanto ao trabalho com a convivência e aprendizagem sociomoral dos alunos A segunda aborda as percepções com relação às contribuições e aos limites do programa responsabilidade da família Essa percepção conforme os relatos foi se consolidando ao longo das formações promovidas pelo programa Chama a atenção ainda que mesmo reconhecendo ser isso necessário 9 indicaram que isso é necessário porque a família e a sociedade não o fazem ou seja não se trata de uma função precipua da escola Essa concepção embora em porcentagem bem menor vai ao encontro de outros estudos para os quais muitos docentes são a favor de a escola desenvolver projetos de formação moral porque há uma crise de valores na família e na sociedade e portanto cabe à escola suprir essa lacuna MENIN BATAGLIA ZECHI 2013 ZECHI 2014 Identificamos na análise documental que no início do programa a maioria dos profissionais atribuía sobre tudo às famílias a causa dos problemas de mau comportamento dos alunos e da formação em valores Esse dado é coerente com os estudos de Dedeschi 2011 e Souza 2012 que apontam ser forte essa crença entre os professores e que poucos incluem como também influenciando as questões pedagógicas a falta de espaços de diálogo e de participação ou mesmo a qualidade das relações interpessoais na escola Logo não há muito o que mudar pois as causas dos problemas estão fora dos muros da instituição o que acarreta certa impotência e busca de soluções também externas como maior fiscalização contratação de mais profissionais projetos de conscientização para as famílias entre outros VINHA TONGUETA 2013 As respostas contidas nessa categoria trazem resultados positivos ao revelarem que todos os entrevistados mesmo com limites se implicaram como responsáveis pelo trabalho com a convivência escolar e entendem a escola como lócus de aprendizagem sociomoral A formação promovida pelo programa CEE conforme os relatos colaborou para essa mudança de concepção enfatizando a validade de se investir em uma consistente formação nessa área Quadro 1 Percepção dos respondentes sobre as contribuições do programa 10 Fonte Elaborado pelos autores A convivência ética em escolas públicas Análise de um programa de intervenção a partir das perspectivas dos profissionais da escola valorização do protagonismo estudantil e o fortalecimento do respeito e diálogo nas relações interpessoais o que é corroborado por Vinha Nunes e Moro 2019 Quanto aos procedimentos foram destacadas pelos participantes as assembleias e as equipes de ajuda como muito importantes para a convivência ética Identificouse a falta de engajamento de alguns profissionais e que algumas transformações pretendidas em especial quanto ao estabelecimento de relações mais dialógicas e a ampliação dos espaços de participação dos profissionais não avançaram tanto como o esperado em duas escolas As que apresentaram menor transformação foram as que tinham gestores com menor engajamento e postura mais centralizadora com pouco envolvimento com o programa Levin e Fullan 2008 alertam que culturas não mudam por imposição mas sim pelo deslocamento específico de normas estruturas e processos existentes por outros Nesse sentido a formação dos profissionais principalmente a partir da reflexão da realidade vivida é necessária para as mudanças de paradigmas e crenças e para a ampliação de conhecimento embora isso não garanta resultar em aperfeiçoamento ou transformação de novas práticas Também não adianta para um programa atuar apenas em processos ou estruturas e não transformar valores crenças e concepções dos envolvidos O processo de mudança cultural leva tempo e depende da modelização dos novos valores práticas e procedimentos que se espera substituam os existentes exigindo planejamento eficiente formação aprofundada emprego de energia acompanhamento e apoio constantes Para os autores esse processo deve envolver certa pressão e suporte a pressão implica objetivos de transformação compactados acompanhamento e avaliação transparente o suporte envolve apoio técnico desenvolvimento de novas competências acesso a novas ideias mais tempo para aprendizado e colaboração O programa procurou atuar nesse sentido com objetivos compartilhados formação constante acompanhamento assessoria e colaboração Contudo um fator relevante que deve ser considerado por programas que pretendem transformações mais profundas na cultura é a necessidade de contar com um longo período para ser desenvolvido e consolidado geralmente maior que 56 anos BELLEI VANNI VALENZUELA CONTRERAS 2016 o que não ocorreu no CEE o qual teve a duração de apenas 24 meses Para maior alcance dos objetivos recomendase a ampliação do período de implementação e acompanhamento Recomendase ainda maior articulação entre formadores escola e equipe da Secretaria Municipal de Educação formação continuada e apoio às transformações e aos desafios que a escola enfrenta a fim de que paulatinamente e de comum acordo com a comunidade escolar vá ocorrendo a implantação de ações intencionais e sistematizadas coordenadas entre si incluídas em Planos de Convivência e nos Projetos PolíticoPedagógicos Deve responder a objetivos e problemas reais da escola identificados como relevantes por sua comunidade e cujas soluções devem ser acordadas coletivamente De fato por ser um lugar de convívio com a diversidade e de aprendizado da vivência no espaço público a escola é local ideal para se aprender a viver de maneira participativa respeitosa e ética fortalecendo os valores democráticos Os resultados deste estudo indicam a validade de investir em formação e acompanhamento dos processos de transformação nas escolas nessa área Países como Chile Colômbia e Espanha entre outros possuem políticas públicas ligadas à prevenção e mitigação da violência escolar e à promoção da convivência participativa inclusiva e democrática contemplando plano de desenvolvimento profissional docente e certos procedimentos como a implantação de Comissões de Convivência na escola processos de mediação de conflitos valorização da participação e protagonismo juvenil construção coletiva de Plano de Convivência entre outros SALLÁN BARRERACOROMINAS 2014 No Brasil apesar de o artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases afirmar que as escolas têm a incumbência de promover medidas de conscientização de prevenção e combate a todos os tipos de violência especialmente a intimidação sistemática bullying no âmbito das escolas e estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas BRASIL 1996 atualmente a política pública nessa área fomentada pelo Ministério da Educação é o Programa Nacional das Escolas CívicoMilitares BRASIL 2019 que visa a implantar 216 colégios nesse modelo até 2023 Em tais escolas a gestão é partilhada com militares sendo que os professores e coordenadores formam a equipe pedagógica e os policiais a equipe responsável pela disciplina dos estudantes São adotados mecanismos disciplinares oferecendose aos estudantes civis uma educação alicerçada em procedimentos ritos e valores militares tais como a contenção do conflito o reforço e o culto aos símbolos nacionais a imposição de normas rígidas a obediência crítica à hierarquia e a uma disciplina inflexível Com isso fortalecemse estudantes predominantemente a heteronomia moral com a obediência às autoridades imposta por relações de coação e de respeito unilateral não sendo vivenciadas experiências importantes que favorecem o desenvolvimento de competências socioemocionais e dos valores democráticos Na contramão dessa proposta defendemos que uma das principais finalidades da educação é a autonomia moral com a assunção voluntária consciente e racional de valores que o próprio indivíduo legitima e considera como válidos para si e para todos os seres humanos não importa quem sejam Para ocorrer essa forma de assunção de valores os indivíduos devem viver em ambientes onde os conflitos sejam oportunidades de aprendizado que haja participação e predominem relações de confiança cooperação e respeito mútuo Assim é preciso oferecer alternativas ao modelo de escolas cívicomilitares e às propostas reducionistas de aumento de rigor e de controle diante da dificuldade das instituições educativas em lidar com os problemas de convivência Discutir o modelo de convivência escolar implica debater o tipo de sociedade que queremos construir É imperioso apresentar outros modelos adaptados à realidade das escolas brasileiras devidamente fundamentados em pesquisas como evidenciam as experiências de outros países que já avançaram em políticas públicas nessa área BRESSOUX P As pesquisas sobre o efeitoescola e o efeitoprofessor Educação em Revista Belo Horizonte n 38 p 1788 2013 Disponível em httpswwwresearchgatenetpublication271134780Aspesquisassobreoefeitoescolaeoefeitoprofessor Acesso em 15 abr 2021 OECD Organização para a Economia Cooperação e Desenvolvimento Education in Brazil an international perspective Paris OECD publishing 2021 Disponível em httpswwwoecdilibraryorgeducationeducationinbrazil60a667f7en Acesso em 17 jul 2021 ZECHI J A M VINHA T P A convivência ética em escolas públicas Análise de um programa de intervenção a partir das perspectivas dos profissionais da escola Revista IberoAmericana de Estudos em Educação Araraquara v 17 n 2 p 12931310 abrjun 2022 eISSN 19825587 DOI httpsdoiorg1021723riaeev17i215032 Compreendendo Piaget Compreendendo Piaget Compreendendo Piaget COMPREENDENDO PIAGET MORAL MORAL