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28 Tempo 223 Cultura uma visão antropológica Sidney W Mintz Traduzido por James Emanuel de Albuquerque Definese cultura como uma propriedade humana ímpar baseada em uma forma simbólica relacionada ao tempo de comunicação vida social e a qualidade cumu lativa de interação humana permitindo que as ideias a tecnologia e a cultura material se empilhem no interior dos grupos humanos Palavraschave Cultura Sociedade História Superindividual Superorgânico Compadrazgo Culture an Anthropological View Culture is defined as a uniquely human property one based on a symbolic time binding form of communication social life and the cumulative quality of human interaction enabling ideas technology and material culture to pile up within human groups Keywords Culture Society History Superindividual Superorganic Com padrazgo Tradução recebida e aprovada para publicação em julho de 2009 Tradução do ensaio Culture An Anthropological View publicado originalmente em The Yale Review XVII 4 1982 p 499512 Revisão de Leda Maia Maria Regina Celestino de Almeida e Cecília Azevedo Research Professor Department of History Johns Hopkins University Mestrando no PPGHIS IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro em março de 2005 Artigos Sidney W Mintz 224 Culture un regard anthropologique La culture est définie comme une propriété humaine unique basée sur une for me symbolique reliée au temps de communication de vie sociale et sur la qualité cumulative de linteraction humaine ce qui permet ainsi que la culture matérielle et la technologie saccumulent dans les groupements humains Motsclés Culture Société Histoire Superindividuel Superorganique Compadrazgo Desde 1877 quando Edward Burnett Tylor empregou pela primeira vez o termo cultura para referirse a todos os produtos comportamentais espi rituais e materiais da vida social humana os sentidos mais antigos e restritos desse termo foram perdendo terreno Entre esses sentidos mais antigos de cultura dois em especial so breviveram em formato modificado Um deles é que em certas sociedades algumas pessoas possuem cultura e outras não O outro se refere ao conceito próximo embora bastante diferente de que certas sociedades possuem cultura enquanto outras não Estas duas idéias diferem qualitativamente a primeira estabelece diferenças de grau e a segunda diferenças de espécie No primeiro caso a sociedade na qual as pessoas que possuem cultura distinguemse das que não a têm a linha divisória é estabelecida usualmente entre discurso apropriado e inapropriado comportamento apropriado e inapro priado e contrastes similares Cultura nessa visão seria um conjunto formado por nascimento posição social educação e criação que se traduziria em idéias e comportamentos seria portanto também uma questão de privilégios No segundo caso sociedades com cultura e sociedades sem cultura a cultura em si era vista como o produto de certas peculiaridades da história do grupo Sua gênese poderia ser atribuída ao gênio de seus portadores a alguns he róis míticos a uma divindade benigna ou o que seja mas apenas algumas sociedades teriam a sorte de possuíla E nestes dois significados antigos a diferença estava em estabelecer se essa cultura poderia ser transmitida tanto para aquelas sociedades cujos membros não a possuíam quanto para aquelas onde apenas alguns de seus membros a possuíam Franz Boas com certeza fez mais do que qualquer outro antropólogo pela promoção de um conceito de cultura que englobasse a espécie huma na segundo o qual todos os grupos humanos e não outras formas de vida manifestam esta propriedade ou capacidade O interesse de Boas se situava 225 Cultura uma visão antropológica particularmente nas sociedades comumente rotuladas de primitivas Suas características comuns mais notáveis provavelmente seriam o tamanho redu zido o desconhecimento da escrita tecnologia sem máquinas e uma ordem social largamente construída em torno de laços familiares No tempo de Boas tais sociedades estavam sendo descobertas e destruídas numa proporção acelerada quando começou a lecionar em Columbia nos primórdios do século XX Boas ainda pôde testemunhar os processos de descoberta e destruição na região noroeste do Pacífico onde realizou seu próprio trabalho de campo bem como no resto da América Nativa Foi também o período sem dúvida em que os avanços tecnológicos eram apresentados como a mais convincente medida da superioridade da civilização o fim do verdadeiro progresso pelos líderes do Ocidente Por esta razão acredito a ênfase teórica de Boas voltouse não apenas para a exclusividade humana das propriedades da cultura distribuída igual mente por todos os grupos sociais independentemente de seus níveis de de senvolvimento tecnológico mas também para as propriedades particulares de cada uma das culturas Ele foi visto como um antievolucionista e creio que esta visão é correta pelo menos na medida em que ele se afastou do Darwi nismo social do seu tempo uma perspectiva que pode ser exemplificada de forma concisa em minha opinião na conclusão do destacado sociólogo de Yale William Graham Summer segundo a qual os milionários são um produto da seleção natural que atua no conjunto dos homens para escolher aqueles que satisfazem as exigências para certo trabalho a ser feito A preocupação de Boas com os conhecimentos grupais particulares de outros povos principalmente dos menos numerosos desconhecedores da escrita e limitados tecnicamente parece ter contribuído entre outras coisas para que os cidadãos das grandes sociedades poderosas tecnicamente desenvolvidas e agressivas da América e Europa desenvolvessem uma visão mais objetiva de si próprios Talvez nenhum dos escritos de Boas tenha revelado de maneira mais marcante o seu ponto de vista como a carta que escreveu a um parente durante a sua primeira visita aos esquimós ao iniciar a sua carreira de antropólogo Era dezembro de 1883 Boas seu criado Wilhelm e o esquimó que os acompanha va de nome Sigma tinham viajado sob condições altamente adversas para o extremo noroeste do Estreito de Cumberland Caminhando por 36 horas na maior parte desse tempo perdidos vagando pelo gelo a 45ºC negativos Artigos Sidney W Mintz 226 suas provações só tiveram fim quando foram convidados a entrar em um iglu esquimó onde puderam se aquecer comer e dormir Não é realmente um belo costume observou Boas que estes selvagens sofram todo tipo de privações em comum mas nos momentos de alegria quando alguém traz um butim da caçada eles se juntem para comer e beber Eu muitas vezes me pergunto quais as vantagens que a nossa boa sociedade possui sobre a desses selvagens Quanto mais observo seus costumes mais me convenço de que não temos por que nos considerarmos superiores Onde em nossa sociedade encontraríamos tamanha hospitalidade Aqui sem a menor queixa eles estão dispostos a fazer todos os trabalhos que lhes são exigidos Nós não temos o direito de criticálos por sua forma de vida e suas superstições que podem nos parecer ridículas Nós pessoas altamente educadas somos piores relativa mente falando O medo das tradições e velhos costumes está profundamente arraigado na humanidade e do mesmo modo que regula a vida aqui impede o progresso para nós Acredito que todos os indivíduos e todos os povos se vêem diante do conflito de abandonar a tradição e seguir o caminho da verdade Os esquimós estão sentados ao meu redor as bocas cheias de fígado de foca cru a gota de sangue no verso do papel mostra que eu também participei Como ser pensante o resultado mais importante desta viagem para mim está no fortalecimento do meu ponto de vista de que o conceito de um indivíduo cultivado é meramente relativo e que o valor de uma pessoa deve ser julgado pelo seu Herzenbildung1 Esta qualidade está presente ou ausente aqui entre os esquimós tanto quanto entre nós Boas viu a cultura como um traço distintivo da humanidade ele resistiu aos vários exercícios classificatórios que procuraram estabelecer hierarquias entre as culturas ele lembrava aos antropólogos que sua tarefa primordial era registrar cuidadosamente as informações etnográficas específicas sobre o maior número possível de sociedades primitivas diferentes antes de seu desaparecimento eis os aspectos básicos de sua posição No entanto parece não ter tido muito interesse no desenvolvimento de uma teoria da cultura da cultura na forma abstrata algo que viria a se tornar o hobby de muitos antropólogos Hoje cerca de quarenta anos após a morte de Boas confesso que deveria estar mais preocupado em admitir que não estamos mais próximos na verda de alguns poderiam dizer que estamos mais afastados de qualquer consenso 1 Nota do Tradutor em alemão no original 227 Cultura uma visão antropológica sobre a natureza da cultura É mais do que curioso o fato de quase todos os meus colegas antropólogos concordarem que cultura é o conceito mais fundamental do nosso campo de saber mesmo admitindo que não é possível definila Cultura seriam ideias Seriam padrões Seriam atos Seriam as con sequências incluindo os objetos materiais desses atos Seria tudo isso uma relação entre alguns ou todos eles ou uma coisa inteiramente diversa Por incrível que pareça nós não temos a menor ideia ou melhor dizendo temos centenas delas Isso talvez se deva a um desejo por parte de quase todos os antropólogos de dizer alguma coisa totalmente original sobre cultura Não sei bem com o que comparar esta aspiração tão amplamente partilhada mas entre os mais considerados mestres da minha área ao menos nos EUA quase todos escreveram alguma coisa sobre essa questão embora nenhum deles tenha chegado a um consenso Transformando em virtude o que parece no momento uma necessidade alguns de meus colegas argumentam que é a despreocupação dos antropólogos agindo como se soubessem o que é cultura que lhes possibilita propor questões investigativas sobre o comportamento humano Talvez seja assim A verdade é que a nossa incerteza ou tantas certezas nos ajudaram a bloquear a fronteira que separa as áreas humanas das ciências desempenhando o papel de guarda de portão de que alguns de nós tanto se vangloriam Embora não esteja certo de que essa perspectiva possa ser vista com otimismo julgo salutar termos pelo menos uma doutrina cujos defensores em sua maioria estejam preparados para concordar que os seres humanos não são nem sofisticados computadores nem macacos extremamente engenhosos nem feitos à imagem e semelhança de um deus cristão E mais ainda me compraz a idéia de que muitos de nós se não a maioria nem mesmo consideram que os prós e os contras destas postulações são questões merecedoras de interesse Admitindose que não existe unanimidade no círculo da antropologia quanto à definição do seu conceito mais básico o que mais deve ser dito Pri meiramente é possível tomar partido na questão das concepções histórica versus nãohistórica ou ahistórica de cultura Enquanto vários acadêmicos têm criticado a visão de cultura de Alfred Kroeber denominada superorgâ nica bem como o termo em si originário de Spencer o que Kroeber tinha em mente é claro e acredito eu convincente simplesmente quando falamos em cultura estamos trabalhando com algo que é orgânico ou seja produzido por organismo humano mas que pode ser visto como algo mais que orgânico se for para ser plenamente inteligível para nós Artigos Sidney W Mintz 228 Kroeber argumenta adicionalmente que a cultura é superindividual bem como superorgânica existem certas propriedades da cultura tais como transmissibilidade alta variabilidade padrões de valor influência em indivíduos que são difíceis de explicar ou cuja significância é mais difícil de encontrar estritamente em termos de composição orgânica ou personalidades de indivíduos Essas pro priedades ou qualidades da cultura evidentemente se fixam não no indivíduo orgânico homem enquanto tal mas nas ações e nos produtos de comportamento de sociedades de homens ou seja na cultura Esse trecho pode parecer enigmático mas para mim significa que o comportamento humano não pode ser plenamente entendido pelo ou redu zido ao exame de indivíduos isoladamente Tudo o que eles são bem como o que eles pensam e fazem seus atos e as consequências de seus atos é sempre social E por ser este o caso o comportamento social não pode ser reduzido a uma análise do comportamento individual Confesso que nunca entendi plenamente por que essas asserções desper taram não apenas ceticismo mas até certa animosidade Kroeber por insistir em propriedades da cultura extrassomáticas transmitidas socialmente portanto coletivas e cumulativas foi acusado de postular alguma forma de influência externa impalpável mas poderosa à qual os humanos estariam sujeitos inconsciente e inapelavelmente Entretanto parece claro para mim que Kroeber estava na verdade dizendo algo mais simples Se os seres humanos são por natureza sociais e também extremamente dependentes na infância e na menoridade se uma grande massa de aprendizado social é necessária para tornálo cultivado em sua própria sociedade para o qual Melville Herskovits criou o termo agora amplamente empregado enculturação se resumindo ser humano significa a necessidade de absorver um volume suficiente de formas culturais da sua própria sociedade para ser considerado humano em termos específicos da cultura então eu acredito que as asserções de Kroeber são tanto não excepcionais quanto não excepcionáveis A analogia mais fácil e mais convincente é provavelmente a linguagem e Kroeber a utiliza Novamente a língua inglesa é uma parte da cultura A faculdade de falar e en tender alguma ou qualquer linguagem é orgânica é uma faculdade da espécie humana Os sons das palavras são é claro produzidos pelos indivíduos não pela espécie Mas a agregação total das palavras formas gramática e signifi cados que constituem a língua inglesa são o produto cumulativo e conjunto 229 Cultura uma visão antropológica produzido por milhões de indivíduos ao longo de muitos séculos Nenhum de nós criou ou inventou o inglês que fala Nós o falamos como ele chegou até nós pronto vindo de seus milhões de indivíduos predecessores pelos muitos séculos passados O inglês é obviamente superindividual no sentido de que é infinitamente maior e mais significante do que o discurso de qualquer ho mem individualmente e por influenciar sua fala infinitamente mais do que ele possa esperar que sua fala influencie a língua inglesa E a língua inglesa é superorgânica em razão do fato de que suas palavras e significados não são consequências diretas do fato de serem organismos humanos senão todos os homens falariam de forma tão similar quanto andam de forma similar Em vez disso o modo como falam depende preponderantemente de como a sociedade em que eles cresceram falava antes Com este exemplo Kroeber afirma que um fato cultural é sempre um fato histórico e o entendimento mais imediato e usualmente mais completo desse fato que poderemos obter é um conhecimento histórico Esta asserção até certo ponto moderada que aparece de uma forma ou de outra em seu trabalho ao longo dos anos e nos trabalhos de muitos outros alunos de Boas longe esteve no entanto de ser considerada auto explicativa nos anos 1940 quando a antropologia social britânica estava em ascensão Nessa época seus líderes afirmavam que a história era irrelevante para nosso entendimento de sociedades que desconheciam a escrita ou então meramente um último recurso para antropólogos sem imaginação Alexander Lesser quando se viu envolvido em uma controvérsia ainda no início de sua carreira com um dos maiores antropólogos funcionalistas britânicos A R RadcliffeBrown escreveu em 1934 Nós observamos tais e tais eventos acontecendo Entretanto muitas coisas estão sempre acontecendo simultaneamente Como podemos determinar se estas coisas acontecidas ao mesmo tempo estão ou não relacionadas entre si Por certo podem ser eventos contemporâneos ou mesmo seriais não porque estivessem relacionados entre si mas em função de seus condicionantes não determinados nem observados terem causado a sua ocorrência em tempos subsequentes Em resumo eventos contemporâneos ou associados podem ser meramente coexistências Cultura em qualquer tempo é antes de tudo uma massa de eventos coexistentes Se estamos tentando definir relações entre tais eventos é impossível na visão da conhecida historicidade das coisas presumir que as relações estejam na superfície contemporânea dos eventos Qualquer acontecimento é determinado mais pelos eventos ocorridos antes da ocasião em questão do que pelo que podemos observar contemporaneamente com ele Assim que nos voltamos para os eventos anteriores para termos a compreensão Artigos Sidney W Mintz 230 de eventos observados estamos nos voltando para a história A história nada mais é do que isso É a utilização do fato condicionante da historicidade para a elucidação de eventos observados Grifo adicionado Para o que propomos aqui pouca importância têm os motivos de americanos e britânicos terem divergido tão radicalmente sobre a utilidade de materiais históricos na análise da cultura particularmente desde que a controvérsia parece atualmente terse resolvido em favor de uma combinação de abordagem histórica e funcional pelo menos para aqueles que dão importância a essas coisas Mas a aceitação da história ou de explanações históricas na antropologia levanta questões sobre a natureza da explanação em si Convencionavase assumir na antropologia que cultura significando o modo de vida particular de um grupo definido e sociedade significan do um grupo organizado tendo continuidade ao longo do tempo são meios convenientes de se falar de duas faces de um mesmo fenômeno que se en caixam Temos um povo organizado como uma sociedade que possui um conjunto de instituições tecnologias linguagens crenças valores em resumo uma cultura Cultura era portanto associada de algum modo a um grupo organizado Uma versão desta engenhosa mas até certo ponto enganosa harmonia aparece no equipamento teórico de quase todo antropólogo socialcultural levantando questões históricas genuínas Há muito tempo Eric Wolf argu mentou que erramos ao pensar em uma cultura em cada sociedade uma subcultura em cada segmento social e esse erro prejudicou nossa capacidade de ver as coisas dinamicamente Wolf prossegue sugerindo que é possível que um grupo humano possa ter mais do que uma cultura diversificar sua abordagem em relação à vida ampliando seu campo de manobras através de um processo de generalização assim como é possível que um grupo humano se especialize restringindose a um conjunto de formas culturais e evitando quaisquer alternativas possíveis Mas uma vez que a possibilidade de certa falta de identidade entre uma cultura e uma sociedade tenha sido considerada ambos os termos se tornaram de alguma forma mais problemáticos Na formulação de Wolf que considero a mais instigante entre muitas outras na antropologia os termos são definidos como se segue Por cultura eu entendo as formas desenvolvidas historicamente através das quais os membros de uma determinada sociedade se relacionam entre si Por 231 Cultura uma visão antropológica sociedade eu entendo o elemento de ação de manobras humanas dentro de um campo constituído pelas formas culturais de manobras humanas que almejam tanto a preservação de certo equilíbrio de oportunidades e riscos na vida quanto a sua mudança A maioria dos antropólogos culturais considera as formas culturais tão limitadoras que terminam por negligenciar inteiramente o elemento de manobras humanas que flui através dessas formas e em torno de las pressionandoos contra seus limites ou desempenhando diversos conjuntos de formas contra o meio A cultura passada certamente estrutura o processo de percepção mas a manobra humana não é sempre consciente e racional ao considerarmos os dois aspectos a visão das formas culturais definindo o campo de manobras humano e a visão da manobra humana sempre exercendo pressão sobre as limitações inerentes às formas culturais podemos chegar a uma forma mais dinâmica de apreensão das verdadeiras tensões da vida Essa perspectiva se bem entendi presume que atores individuais por vezes percebem oportunidades entre as práticas existentes oportunidades que são consistentes com práticas passadas e ainda assim particularmente adequa das às suas próprias inclinações pessoais Essas percepções estão de acordo com certos tipos de normas que as pessoas aprenderam por enculturação Mas elas contêm a promessa de um benefício especial futuro ou imediato um casamento vantajoso uma compra oportuna um favor concedido uma festa marcada uma punição diminuída Para seu exemplo Wolf recolheu dados de seu próprio trabalho de campo Ainda que eu não pretendesse abordar a etnografia neste ponto pode ser útil detalhar um pouco mais o exemplo de Wolf para solidificar o argumento No final dos anos 1940 estávamos ambos fazendo trabalhos de campo em Porto Rico Wolf em uma localidade nas montanhas onde as fazendas variavam em tamanho de centenas de quilômetros quadrados a uns pouco lotes e os fazendeiros desde os muito ricos até pequenos trabalhadores sem terra enquanto eu estava em uma comunidade na planície onde praticamente toda a terra pertencia ou estava arrendada a uma única empresa norteamericana de produção de açúcar Essas localidades obviamente se diferenciavam em muitos aspectos assim como as situações de vida de seus habitantes Como Wolf e eu comparávamos frequentemente nossas descobertas cedo percebemos certas diferenças no sistema do ritual católico do compadrio ou apadrinhamento batismal em espanhol compadrazgo no modo como era empregado nas comunidades que estávamos estudando De uma maneira geral os associados à pesquisa de Wolf procuravam os mais ricos para serem padrinhos de seus filhos e por sua vez esta elite apa Artigos Sidney W Mintz 232 rentemente aceitava prontamente tais convites Entretanto na comunidade que eu estava estudando a população preferia escolher vizinhos e amigos ou parentes próximos para serem seus compadres O povo de cada lugar tinha boas explicações para suas escolhas Os integrantes da pesquisa de Wolf que procuravam a camada mais rica argumentavam com oportunidades de emprego medicamentos em tempos de crise empréstimos emergenciais de dinheiro sementes ou animais os mais ricos aceitavam pensando na obtenção de votos mãodeobra suplementar pequenas tarefas ou serviços domésticos Os do meu grupo referindose aos seus pares de classe argumentavam com a distância e a falta de confiança nos padrinhos ricos que não teriam verdadei ro interesse no afilhado e poderiam simplesmente comprar o parentesco Mesmo quando lhes foi sugerido que o prefeito o farmacêutico ou o médico poderiam ser aparentados úteis eles rejeitaram o argumento por não merecer qualquer consideração Com efeito eles perguntaram com que propósito al guém iria se humilhar apenas para depois descobrir que o relacionamento não era sincero Era melhor escolher um companheiro de trabalho um cunhado um vizinho com quem poderiam trocar um prato de comida um companheiro de partido político Nem riqueza nem influência nem poder mas a proximi dade de algum laço já existente esse era o fator decisivo Essas diferenças resultaram em dois padrões de relacionamento social muito contrastantes mesmo que ambos os padrões possam ser facilmente relacionados com a mesma forma cultural básica Mas certamente cada um foi construído sobre condições sociais e econômicas prévias onde as escolhas foram feitas de acordo com as percepções que cada um tinha de suas próprias oportunidades Houve podese dizer uma busca de sentido entre situa ções nas quais os parâmetros extremos de ação já tinham sido predefinidos por eles Essas fronteiras ou estruturas externas variáveis para a manobra são construídas sobre dispositivos de classificação social tais como classe e raça e outros critérios que usualmente mudam lentamente e para grupos inteiros geralmente apenas através de uma reconstrução revolucionária do sistema social O compadrazgo instituição na qual esta gama de manobras individuais foi percebida é um produto histórico e a sua história pode ser traçada por muitos séculos com efeito Wolf e eu tentamos isso em um artigo anterior Enquanto complexo de formas institucionais o compadrazgo se presta facil mente a um tratamento histórico e pode ser estudado não apenas em termos 233 Cultura uma visão antropológica de sua difusão através do mundo católico e catolicizado como na América Latina mas também em termos de sua redução e desgaste em regiões como o norte da Europa e o mundo protestante em geral Entretanto quando alguém passa do estudo do compadrazgo enquanto conjunto de formas desenvolvidas e derivadas historicamente para um corpo vivo de oportunidades dentro do qual as pessoas invocam suas capacidades de manobra esticando uma ou outra regra de modo a maximizar suas pró prias vantagens percebidas está passando do aspecto cultural para o aspecto social do fenômeno Wolf registrou que os compadres da minha comunidade poderiam obter grandes benefícios com seu compadrio mas o coparentesco ritual os vincula de forma particular e portanto se mostra pouco adaptável às manobras humanas no caso de algumas atividades coletivas como uma greve envolvendo toda a plantação que requer uma ação através de organismos como um sindicato com características universalizadas Mas ele também notou que os laços de coparentesco rituais e os sindicatos embora sejam formas conflituosas e contraditórias em algum contexto podem ambas sobreviver a despeito de sua contraditoriedade Em um nível de ação as duas formas e o jogo que elas tornam possível têm uma função complementar em outro nível de ação contudo elas interferem e contradizem uma à outra Nesta situação ambas as formas podem sobreviver e sobreviver também em seu potencial combinado de tensão e interferência Pretendo retornar a essa afirmação conclusiva mais tarde Mas tendo anteriormente argumentado que a cultura deve ser vista historicamente para que seja afinal entendida gostaria de agregar outra condição derivada da discussão precedente A formulação uma cultura uma sociedade não apenas limita nossas interpretações ela também tende a falsear a forma de representação dos modos pelos quais uma cultura enquanto corpo de materiais historicamente derivados está encarnada nos eventos sociais Alguns tratamentos das distinções culturasociedade partem da hipótese de que estes seriam aspectos independentes apesar de interdependentes da vida social um a cultura relacionado à significação e o outro a sociedade relacionado aos objetivos dos atores no sistema em curso uma visão que apa rece por exemplo nos primeiros trabalhos de Clifford Geertz Nessa visão uma perda de entrosamento entre o social e o cultural pode produzir tensão e mudança no sistema em si Mas essa interessante formulação não leva muito em conta as possibilidades de variação tanto dentro da cultura quanto dentro Artigos Sidney W Mintz 234 da estrutura social bastante distinta da promessa analítica de sua oposição conceitual O exemplo que já mencionei dos trabalhos de campo de Wolf e também do meu subentende alguma coisa sobre variabilidade dentro de um campo singular de materiais historicamente derivados no que se refere aos usuários Ele introduz na discussão o conceito de que vários tipos de diferenças inclusive as diferenças muito importantes de destino econômico e oportuni dades de vida podem modificar radicalmente quaisquer formas particulares dentre as alternativas existentes em um sistema cultural que as pessoas possam empregar bem como o significado que estas formas possam ter para elas Esta é acredito a primeira vez que emprego o termo significado aqui e suspeito que possa ser a última posto que os argumentos que este termo pode levantar são com certeza abundantes Mas quando trabalhamos com o que pretendem os atores de um sistema social atores que empregam uma variante cultural em vez de outra em diversos pontos de suas vidas parecenos necessário enfatizar que a relação entre intenção ato e consequência não é uma relação invariante Pessoas em posições diferentes podem concebivelmente fazer a mesma coisa pretendendo coisas bem diferentes ao fazêla e provocar consequências bem diferentes através de seus atos similares Até aqui minha argumentação consistiu em afirmar que cultura é um produto histórico e historicamente mais bem entendido que cultura e sociedade embora separáveis conceitualmente e úteis quando utilizadas assim não são nem perfeitamente coerentes em si mesmas nem necessa riamente congruentes entre si e que atores em um sistema singular podem empregar formas culturais variáveis mas igualmente aceitáveis no curso de sua manobra social Sobre este assunto gostaria de acrescentar algumas referências ao rela cionamento entre formas culturais e as que ocupam posições muito diferentes dentro de uma mesma sociedade Durante os anos 1960 houve um breve mo vimento na antropologia e na literatura a ela relacionada no qual cultura foi equiparada de diversas formas a classe social classes sociais diferentes sendo dotadas de diferentes culturas e assim por diante Pareceme atualmente que nada disso resultou em grandes esclarecimentos a chamada cultura da pobreza foi a variante mais falada de um argumento que parece ter tido um pequeno poder de permanência Não considero demonstrável o fato de que classes diferentes possuam culturas diferentes em um sentido rigoroso não mais do que penso ser demonstrável a existência de uma só cultura coerente em cada sociedade 235 Cultura uma visão antropológica Mas o que está claro para mim é que as pessoas conduzem a maior parte das suas ações com base em suas experiências e aprendizados passados Tais aprendizados e experiências podem ser amplamente compartilhados mesmo de uma maneira não uniforme Os hacendados de Wolf e os meus obreros por exemplo podem ter compartilhado algum entendimento convencional como nós antropólogos gostamos de dizer sobre o apadrinhamento ritual Mas esses entendimentos são pelo menos tão notáveis pelo que se entende por diferente quanto pelo que é entendido como igual Podemos dizer que um hacendado que utiliza um instrumento para obter mãodeobra barata ocasional e um obrero que utiliza o mesmo instrumento para obter um compromisso de apoio em situações de emergência estão compartilhando a mesma cultura neste caso por apelarem a um suposto repertório de idéias comuns Mas imagino que essas idéias comuns mesmo assumindo que possamos descobrilas e validar sua existência intersubjetiva não terão tanta importância seja como uma indicação seja como uma explicação para o que está acontecendo Esses indivíduos agem diferentemente porque seus interesses são di ferentes porque eles estão postados em cantos diferentes do sistema social porque suas influências entre si não são nem estáticas nem simétricas Quando tais indivíduos parecem compor grupos grupos estes que agem diferentemente em terrenos semelhantes não é porque necessariamente as culturas desses grupos são qualitativamente diferentes mas porque as alternativas culturais percebidas por eles como mais apropriadas no momento emergem em contex tos sociais específicos Não se trata simplesmente de uma questão de diferenças de classe em cultura ou subcultura ou cultura de classe pacotinhos arrumados de material cultural anexados a grupinhos organizados As classes não podem ser meticulosamente dispostas de uma forma tão simples cada uma possuindo seus padrões normativos distintivos As classes como a própria cultura são processos Elas tomam forma ao longo do tempo e são forjadas assim como afirma E P Thompson pela sua própria experiência Acredito que inevitavelmente os antropólogos interessados em cultura no mundo moderno terão de encarar o fato de que a maneira e a maneira correta com que as pessoas conduzem suas vidas desempenhará papel imensamente importante na forma como a experiência é objetivada e transformada em idéias de um modo progressivo e contínuo As pessoas adquirem experiência enquanto estão sendo acionadas e enquanto agem Na maior parte do tempo e na maioria das formas elas agem de acordo Artigos Sidney W Mintz 236 com um código socialmente herdado de comportamento padronizado um código histórico de longa permanência Mas esse código não é jamais uma camisadeforça existem escolhas e alternativas Estas incluindo a opção pela não ação são utilizadas em várias permutações embora finalmente sujeitas às condições externas Tais condições externas variam de acordo com diferentes grupos é claro e estão sujeitas ao controle de diferentes formas Grupos diferentes podem escolher em sua maioria soluções diferentes e às vezes potencial mente contraditórias ou conflitantes mesmo quando tais soluções em geral se enquadrem em alguma classe de alternativas culturalmente aceitáveis A classe se forma escreve Thompson enquanto homens e mulheres vivem suas relações produtivas e enquanto eles experimentam suas diferentes situações dentro do conjunto das relações sociais com suas culturas e expec tativas herdadas e enquanto lidam com estas experiências de maneiras cul turais E como para chamar a nossa atenção nós estudantes de sociedades vivas para a forma pela qual os estudantes do passado podem aguçar nossa percepção Thompson acrescenta alguns exemplos úteis A exibição ostentatória as perucas empoadas e os trajes dos poderosos tam bém devem ser vistos como se pretendia que fossem vistos de baixo para cima na platéia do teatro da hegemonia e do controle de classes Até mesmo a liberalidade e a caridade podem ser vistas como atos calculados de apazigua mento de classes em tempos de escassez e extorsões calculadas sob ameaça de motim pela massa o que é vindo de cima um ato de doação é vindo de baixo um ato de ganho Uma categoria tão simples como o roubo pode se transformar sob certas circunstâncias em evidência de esforços prolongados dos aldeões na defesa de velhos hábitos de direito comum ou de trabalhadores na defesa de gratificações costumeiras O porquê de um historiador da Inglaterra do século XVIII ter tanta coisa útil a dizer aos antropólogos decorre a meu ver de diversos fatos da vida que têm pouco ou quase nada a ver com política Thompson não aceita o conceito de uma cultura inteiramente coerente na verdade ele vê sua realidade em uma natureza um tanto difusa e modificável Ele compreende o caráter fluido de autoconstrução da identidade de classe e da consciência de classe e reconhece que classe e cultura são similarmente produtos históricos dinâmicos Mas além de tudo isso penso que ele se dirige a nós antropólogos porque precisamos em algum momento renunciar à ilusão de que as sociedades que estudamos não pertencem às esferas de poder e de influência mundial peculiarmente 237 Cultura uma visão antropológica protegidas das forças econômicas sociais e políticas com as quais nós mesmos estamos bastante familiarizados As sociedades que estudamos não se situam fora destas esferas nem assim estiveram por longos séculos O fato de admitir esses princípios não nos torna instantaneamente sociólogos como sapos que viram príncipes ainda existe muita antropologia real a ser feita E mais podemos continuar a postular um mundo pleno de culturas independentes e coerentes para sejam lá quais forem as propostas teóricas ou estéticas que imaginemos Cultura é em última análise e final mente comportamento mediado através de símbolos e podemos fazer todo tipo de elucubração com e sobre esta questão Mas chegou sem dúvida o momento de liberar nossa obsessão com um primitivismo semiimaginado ligado de algum modo a um igualmente dúbio isolamento o que resulta em uma visão de cultura perfeitamente coerente monolítica consistente internamente e harmoniosa Sabemos que o assunto não é simples existem casos na verdade em que a cultura parece ser exatamente isso Mas nós antropólogos temos de lidar com o mundo como ele é como ele se tornou Para tanto creio que temos de renunciar à antiga visão de cultura lembrar que é a nossa identidade comum de criaturas que utilizam símbolos que faz o mundo único e começar tudo de novo Nota do Autor Esta é a melhor ocasião para agradecer a Kai Erikson e Hans Medick por criticarem tão bem este ensaio e para pedir desculpas por não ter conseguido transformálo em algo que agradasse a ambos ANÁLISE TEXTUAL TÍTULO CULTURA UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA AUTOR SIDNEY W MINTZ O estudo intitulado Cultura uma visão antropológica de Sidney Mintz foi publicado no Brasil no ano de 2009 pelo periódico Tempo O estudo traduzido para a língua portuguesa por James Emanuel de Albuquerque foi escrito em inglês e apresentado no The Yale Review no ano de 1982 O estudo objetiva discorrer acerca do conceito de cultura a partir da percepção antropológica de teóricos de peso a exemplo de estudiosos como Edward Burnett Tylor Franz Boas Alfred Kroeber e EP Thompson dentre outros mencionados ao longo do estudo De modo geral tratase de um importante referencial para os estudos antropológicos contemporâneos principalmente considerando a importância de debates acerca do conceito de cultura na era em que vivemos Isso pois como evidenciado a partir das diferentes perspectivas dos autores que embasam as ideias apresentadas por Mintz o conceito de cultura se trata de um desafio amplo e multifacetado que suscita debates acerca da diversidade nas sociedades bem como das mais diversas práticas e ações humanas Tylor por exemplo é reconhecido como o primeiro teórico a cunhar o termo cultura para se referir ao resultado dos comportamentos que permeiam as vivências dos seres humanos o que auxiliou na ampliação do entendimento do termo dado que percepções anteriores a essas perderam a relevância Cabe destacar que como apresentado por Mintz 2009 p 224 dentre os principais conceitos incorriam percepções como a de que certas sociedades possuem cultura e outras não Fato que gera uma dicotomia na qual distinguese comportamentos e práticas aceitáveis ou inaceitáveis e invalida os modos de vida de um povo em relação a outro Face a esse contexto a percepção de Franz Boas foi fundamental para romper com essas percepções limitantes auferindo novos significados e ajudando a compreender a cultura de modo mais amplo Conforme elucidado por Mintz 2009 p 224 o autor promoveu um conceito de cultura capaz de englobar toda a espécie humana compreendendo sua abrangência em relação a grupos sociais e suas particularidades Nesse sentido Boas apresentou diversas contribuições demonstrando que as hierarquias são questionáveis e problemáticas como destacado por Mintz 2009 p 226 ao mencionar que Nós não temos o direito de criticálos por sua forma de vida e suas superstições que podem nos parecer ridículas Nós pessoas altamente educadas somos piores relativamente falando Adiante Mintz demonstra alguns questionamentos clássicos da antropologia a exemplo do fato de que muitos estudiosos da área desconsideravam preocupações com um conceito tão significativo como o de cultura Logo o autor destaca que não há unanimidade no círculo da antropologia quanto à definição do seu conceito mais básico isto é o de cultura Assim podemos observar que diferentes autores apresentam percepções complementares eou até mesmo que destoem entre si A par disso Mintz apresenta as ideias de Alfred Kroeber compreendendo que simplesmente quando falamos em cultura estamos trabalhando com algo que é orgânico ou seja produzido por organismo humano mas que pode ser visto como algo mais que orgânico se for para ser plenamente inteligível para nós Mintz 2009 p 227 O entendimento da cultura a partir de Kroeber portanto elucida que um fato cultural é sempre um fato histórico O que também é evidente em estudos de outros teóricos e alunos de Boas sendo uma contribuição assertiva já que a historicidade era desconsiderada por diversos estudiosos da antropologia britânica por exemplo Diante dessas considerações Mintz 2009 p 234 destaca que minha argumentação consistiu em afirmar que cultura é um produto histórico e historicamente mais bem entendido que cultura e sociedade embora separáveis conceitualmente e úteis quando utilizadas assim não são nem perfeitamente coerentes em si mesmas nem necessariamente congruentes entre si e que atores em um sistema singular podem empregar formas culturais variáveis mas igualmente aceitáveis no curso de sua manobra social Por isso o autor elucida a necessidade de acrescentar algumas ponderações em torno das formas culturais que ocupam diferentes posições dentro de um mesmo grupo social destacando concepções como a de classe social e de subcultura muito difundidas para demarcar os processos de organização social Mintz 2009 p 235 então elucida a proposição de Thompson para o qual essas dissociações e grupos organizados são forjados ao longo do tempo entendendo que incorre um processo progressivo e contínuo Diante disso fica evidente que as diferentes condições as quais um determinado grupo é submetido atuam como forças de controle que os aderem à diferentes formas Por isso o autor compreende que A classe se forma escreve Thompson enquanto homens e mulheres vivem suas relações produtivas e enquanto eles experimentam suas diferentes situações dentro do conjunto das relações sociais com suas culturas e expectativas herdadas e enquanto lidam com estas experiências de maneiras culturais MINTZ 2009 p 236 Logo como observado nas percepções de Thompson é desconsiderado qualquer possibilidade de uma cultura inteiramente coerente Por conta disso Thompson considera que a cultura é difusa e se modifica entendendo as dimensões de seu caráter fluido tendo em vista que as identidades as classes e a cultura são produtos históricos dinâmicos MINTZ 2009 p 236 Não é em vão que Mintz enfatize ao término desse estudo que Cultura é em última análise e finalmente comportamento mediado através de símbolos e podemos fazer todo tipo de elucubração com e sobre esta questão Mas chegou sem dúvida o momento de liberar nossa obsessão com um primitivismo semiimaginado ligado de algum modo a um igualmente dúbio isolamento o que resulta em uma visão de cultura perfeitamente coerente monolítica consistente internamente e harmoniosa Sabemos que o assunto não é simples existem casos na verdade em que a cultura parece ser exatamente isso Mas nós antropólogos temos de lidar com o mundo como ele é como ele se tornou Para tanto creio que temos de renunciar à antiga visão de cultura lembrar que é a nossa identidade comum de criaturas que utilizam símbolos que faz o mundo único e começar tudo de novo MINTZ 2009 p 237 Assim consideramos que essas percepções são de suma importância pois sabemos que nos estudos antropológicos contemporâneos o entendimento da diversidade cultural é fundamental para efetivar direitos deveres saberes e práticas condizentes e humanizadoras Nesse sentido a antropologia como estudo científico das culturas humanas em muito contribui principalmente por encerrar debates dicotômicos nos quais se hierarquizam relações e pessoas menos favorecidas são vistas como desprovidas de cultura Portanto à luz das percepções apresentadas vemos que esse debate é crucial pois como um fenômeno intrínseco à natureza humana a cultura de diferentes povos precisa ser estudada reconhecida e sobretudo respeitada em sua complexidade e dinamicidade Face às questões apresentadas ao longo do estudo compreendemos a importância da valorização e do respeito à diversidade Esse ideal também suscita novas demandas críticas afinal como lidar com práticas culturais que dissociam do postulado na Declaração Universal dos Direitos Humanos em culturas remotas Essa por exemplo é uma questão bastante complexa que permeia os estudos da cultura Isso pois sabemos que precisamos lidar com questões ainda mais delicadas do que as dicotomias já postuladas ao longo dos estudos da cultura Nesse sentido compreendemos que a antropologia possui um compromisso crítico com questões inerentes à ética à tolerância e ao respeito Por isso cabe destacar que o estudo de Mintz é de extrema relevância para pensar nessas e em outras questões de interesse de estudiosos das mais diversas áreas das ciências humanas e das ciências sociais Isso pois o autor aponta fundamentos basilares para um entendimento mais amplo da cultura abrangendo antropologia história estudos culturais e muitas outras disciplinas fundamentais para a compreensão da diversidade cultural e das sociedades ao longo das eras REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOAS Franz Antropologia cultural Zahar 2004 KROEBER Alfred Louis KLUCKHOHN Clyde Culture A critical review of concepts and definitions Papers Peabody Museum of Archaeology Ethnology Harvard University 1952 MINTZ Sidney W Cultura uma visão antropológica Tempo v 14 p 223237 2010 THOMPSON Edward Palmer et al Historia social y antropología Instituto Mora 1994 TYLOR Edward Burnett Conceito de cultura 1 1981
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Texto de pré-visualização
28 Tempo 223 Cultura uma visão antropológica Sidney W Mintz Traduzido por James Emanuel de Albuquerque Definese cultura como uma propriedade humana ímpar baseada em uma forma simbólica relacionada ao tempo de comunicação vida social e a qualidade cumu lativa de interação humana permitindo que as ideias a tecnologia e a cultura material se empilhem no interior dos grupos humanos Palavraschave Cultura Sociedade História Superindividual Superorgânico Compadrazgo Culture an Anthropological View Culture is defined as a uniquely human property one based on a symbolic time binding form of communication social life and the cumulative quality of human interaction enabling ideas technology and material culture to pile up within human groups Keywords Culture Society History Superindividual Superorganic Com padrazgo Tradução recebida e aprovada para publicação em julho de 2009 Tradução do ensaio Culture An Anthropological View publicado originalmente em The Yale Review XVII 4 1982 p 499512 Revisão de Leda Maia Maria Regina Celestino de Almeida e Cecília Azevedo Research Professor Department of History Johns Hopkins University Mestrando no PPGHIS IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro em março de 2005 Artigos Sidney W Mintz 224 Culture un regard anthropologique La culture est définie comme une propriété humaine unique basée sur une for me symbolique reliée au temps de communication de vie sociale et sur la qualité cumulative de linteraction humaine ce qui permet ainsi que la culture matérielle et la technologie saccumulent dans les groupements humains Motsclés Culture Société Histoire Superindividuel Superorganique Compadrazgo Desde 1877 quando Edward Burnett Tylor empregou pela primeira vez o termo cultura para referirse a todos os produtos comportamentais espi rituais e materiais da vida social humana os sentidos mais antigos e restritos desse termo foram perdendo terreno Entre esses sentidos mais antigos de cultura dois em especial so breviveram em formato modificado Um deles é que em certas sociedades algumas pessoas possuem cultura e outras não O outro se refere ao conceito próximo embora bastante diferente de que certas sociedades possuem cultura enquanto outras não Estas duas idéias diferem qualitativamente a primeira estabelece diferenças de grau e a segunda diferenças de espécie No primeiro caso a sociedade na qual as pessoas que possuem cultura distinguemse das que não a têm a linha divisória é estabelecida usualmente entre discurso apropriado e inapropriado comportamento apropriado e inapro priado e contrastes similares Cultura nessa visão seria um conjunto formado por nascimento posição social educação e criação que se traduziria em idéias e comportamentos seria portanto também uma questão de privilégios No segundo caso sociedades com cultura e sociedades sem cultura a cultura em si era vista como o produto de certas peculiaridades da história do grupo Sua gênese poderia ser atribuída ao gênio de seus portadores a alguns he róis míticos a uma divindade benigna ou o que seja mas apenas algumas sociedades teriam a sorte de possuíla E nestes dois significados antigos a diferença estava em estabelecer se essa cultura poderia ser transmitida tanto para aquelas sociedades cujos membros não a possuíam quanto para aquelas onde apenas alguns de seus membros a possuíam Franz Boas com certeza fez mais do que qualquer outro antropólogo pela promoção de um conceito de cultura que englobasse a espécie huma na segundo o qual todos os grupos humanos e não outras formas de vida manifestam esta propriedade ou capacidade O interesse de Boas se situava 225 Cultura uma visão antropológica particularmente nas sociedades comumente rotuladas de primitivas Suas características comuns mais notáveis provavelmente seriam o tamanho redu zido o desconhecimento da escrita tecnologia sem máquinas e uma ordem social largamente construída em torno de laços familiares No tempo de Boas tais sociedades estavam sendo descobertas e destruídas numa proporção acelerada quando começou a lecionar em Columbia nos primórdios do século XX Boas ainda pôde testemunhar os processos de descoberta e destruição na região noroeste do Pacífico onde realizou seu próprio trabalho de campo bem como no resto da América Nativa Foi também o período sem dúvida em que os avanços tecnológicos eram apresentados como a mais convincente medida da superioridade da civilização o fim do verdadeiro progresso pelos líderes do Ocidente Por esta razão acredito a ênfase teórica de Boas voltouse não apenas para a exclusividade humana das propriedades da cultura distribuída igual mente por todos os grupos sociais independentemente de seus níveis de de senvolvimento tecnológico mas também para as propriedades particulares de cada uma das culturas Ele foi visto como um antievolucionista e creio que esta visão é correta pelo menos na medida em que ele se afastou do Darwi nismo social do seu tempo uma perspectiva que pode ser exemplificada de forma concisa em minha opinião na conclusão do destacado sociólogo de Yale William Graham Summer segundo a qual os milionários são um produto da seleção natural que atua no conjunto dos homens para escolher aqueles que satisfazem as exigências para certo trabalho a ser feito A preocupação de Boas com os conhecimentos grupais particulares de outros povos principalmente dos menos numerosos desconhecedores da escrita e limitados tecnicamente parece ter contribuído entre outras coisas para que os cidadãos das grandes sociedades poderosas tecnicamente desenvolvidas e agressivas da América e Europa desenvolvessem uma visão mais objetiva de si próprios Talvez nenhum dos escritos de Boas tenha revelado de maneira mais marcante o seu ponto de vista como a carta que escreveu a um parente durante a sua primeira visita aos esquimós ao iniciar a sua carreira de antropólogo Era dezembro de 1883 Boas seu criado Wilhelm e o esquimó que os acompanha va de nome Sigma tinham viajado sob condições altamente adversas para o extremo noroeste do Estreito de Cumberland Caminhando por 36 horas na maior parte desse tempo perdidos vagando pelo gelo a 45ºC negativos Artigos Sidney W Mintz 226 suas provações só tiveram fim quando foram convidados a entrar em um iglu esquimó onde puderam se aquecer comer e dormir Não é realmente um belo costume observou Boas que estes selvagens sofram todo tipo de privações em comum mas nos momentos de alegria quando alguém traz um butim da caçada eles se juntem para comer e beber Eu muitas vezes me pergunto quais as vantagens que a nossa boa sociedade possui sobre a desses selvagens Quanto mais observo seus costumes mais me convenço de que não temos por que nos considerarmos superiores Onde em nossa sociedade encontraríamos tamanha hospitalidade Aqui sem a menor queixa eles estão dispostos a fazer todos os trabalhos que lhes são exigidos Nós não temos o direito de criticálos por sua forma de vida e suas superstições que podem nos parecer ridículas Nós pessoas altamente educadas somos piores relativa mente falando O medo das tradições e velhos costumes está profundamente arraigado na humanidade e do mesmo modo que regula a vida aqui impede o progresso para nós Acredito que todos os indivíduos e todos os povos se vêem diante do conflito de abandonar a tradição e seguir o caminho da verdade Os esquimós estão sentados ao meu redor as bocas cheias de fígado de foca cru a gota de sangue no verso do papel mostra que eu também participei Como ser pensante o resultado mais importante desta viagem para mim está no fortalecimento do meu ponto de vista de que o conceito de um indivíduo cultivado é meramente relativo e que o valor de uma pessoa deve ser julgado pelo seu Herzenbildung1 Esta qualidade está presente ou ausente aqui entre os esquimós tanto quanto entre nós Boas viu a cultura como um traço distintivo da humanidade ele resistiu aos vários exercícios classificatórios que procuraram estabelecer hierarquias entre as culturas ele lembrava aos antropólogos que sua tarefa primordial era registrar cuidadosamente as informações etnográficas específicas sobre o maior número possível de sociedades primitivas diferentes antes de seu desaparecimento eis os aspectos básicos de sua posição No entanto parece não ter tido muito interesse no desenvolvimento de uma teoria da cultura da cultura na forma abstrata algo que viria a se tornar o hobby de muitos antropólogos Hoje cerca de quarenta anos após a morte de Boas confesso que deveria estar mais preocupado em admitir que não estamos mais próximos na verda de alguns poderiam dizer que estamos mais afastados de qualquer consenso 1 Nota do Tradutor em alemão no original 227 Cultura uma visão antropológica sobre a natureza da cultura É mais do que curioso o fato de quase todos os meus colegas antropólogos concordarem que cultura é o conceito mais fundamental do nosso campo de saber mesmo admitindo que não é possível definila Cultura seriam ideias Seriam padrões Seriam atos Seriam as con sequências incluindo os objetos materiais desses atos Seria tudo isso uma relação entre alguns ou todos eles ou uma coisa inteiramente diversa Por incrível que pareça nós não temos a menor ideia ou melhor dizendo temos centenas delas Isso talvez se deva a um desejo por parte de quase todos os antropólogos de dizer alguma coisa totalmente original sobre cultura Não sei bem com o que comparar esta aspiração tão amplamente partilhada mas entre os mais considerados mestres da minha área ao menos nos EUA quase todos escreveram alguma coisa sobre essa questão embora nenhum deles tenha chegado a um consenso Transformando em virtude o que parece no momento uma necessidade alguns de meus colegas argumentam que é a despreocupação dos antropólogos agindo como se soubessem o que é cultura que lhes possibilita propor questões investigativas sobre o comportamento humano Talvez seja assim A verdade é que a nossa incerteza ou tantas certezas nos ajudaram a bloquear a fronteira que separa as áreas humanas das ciências desempenhando o papel de guarda de portão de que alguns de nós tanto se vangloriam Embora não esteja certo de que essa perspectiva possa ser vista com otimismo julgo salutar termos pelo menos uma doutrina cujos defensores em sua maioria estejam preparados para concordar que os seres humanos não são nem sofisticados computadores nem macacos extremamente engenhosos nem feitos à imagem e semelhança de um deus cristão E mais ainda me compraz a idéia de que muitos de nós se não a maioria nem mesmo consideram que os prós e os contras destas postulações são questões merecedoras de interesse Admitindose que não existe unanimidade no círculo da antropologia quanto à definição do seu conceito mais básico o que mais deve ser dito Pri meiramente é possível tomar partido na questão das concepções histórica versus nãohistórica ou ahistórica de cultura Enquanto vários acadêmicos têm criticado a visão de cultura de Alfred Kroeber denominada superorgâ nica bem como o termo em si originário de Spencer o que Kroeber tinha em mente é claro e acredito eu convincente simplesmente quando falamos em cultura estamos trabalhando com algo que é orgânico ou seja produzido por organismo humano mas que pode ser visto como algo mais que orgânico se for para ser plenamente inteligível para nós Artigos Sidney W Mintz 228 Kroeber argumenta adicionalmente que a cultura é superindividual bem como superorgânica existem certas propriedades da cultura tais como transmissibilidade alta variabilidade padrões de valor influência em indivíduos que são difíceis de explicar ou cuja significância é mais difícil de encontrar estritamente em termos de composição orgânica ou personalidades de indivíduos Essas pro priedades ou qualidades da cultura evidentemente se fixam não no indivíduo orgânico homem enquanto tal mas nas ações e nos produtos de comportamento de sociedades de homens ou seja na cultura Esse trecho pode parecer enigmático mas para mim significa que o comportamento humano não pode ser plenamente entendido pelo ou redu zido ao exame de indivíduos isoladamente Tudo o que eles são bem como o que eles pensam e fazem seus atos e as consequências de seus atos é sempre social E por ser este o caso o comportamento social não pode ser reduzido a uma análise do comportamento individual Confesso que nunca entendi plenamente por que essas asserções desper taram não apenas ceticismo mas até certa animosidade Kroeber por insistir em propriedades da cultura extrassomáticas transmitidas socialmente portanto coletivas e cumulativas foi acusado de postular alguma forma de influência externa impalpável mas poderosa à qual os humanos estariam sujeitos inconsciente e inapelavelmente Entretanto parece claro para mim que Kroeber estava na verdade dizendo algo mais simples Se os seres humanos são por natureza sociais e também extremamente dependentes na infância e na menoridade se uma grande massa de aprendizado social é necessária para tornálo cultivado em sua própria sociedade para o qual Melville Herskovits criou o termo agora amplamente empregado enculturação se resumindo ser humano significa a necessidade de absorver um volume suficiente de formas culturais da sua própria sociedade para ser considerado humano em termos específicos da cultura então eu acredito que as asserções de Kroeber são tanto não excepcionais quanto não excepcionáveis A analogia mais fácil e mais convincente é provavelmente a linguagem e Kroeber a utiliza Novamente a língua inglesa é uma parte da cultura A faculdade de falar e en tender alguma ou qualquer linguagem é orgânica é uma faculdade da espécie humana Os sons das palavras são é claro produzidos pelos indivíduos não pela espécie Mas a agregação total das palavras formas gramática e signifi cados que constituem a língua inglesa são o produto cumulativo e conjunto 229 Cultura uma visão antropológica produzido por milhões de indivíduos ao longo de muitos séculos Nenhum de nós criou ou inventou o inglês que fala Nós o falamos como ele chegou até nós pronto vindo de seus milhões de indivíduos predecessores pelos muitos séculos passados O inglês é obviamente superindividual no sentido de que é infinitamente maior e mais significante do que o discurso de qualquer ho mem individualmente e por influenciar sua fala infinitamente mais do que ele possa esperar que sua fala influencie a língua inglesa E a língua inglesa é superorgânica em razão do fato de que suas palavras e significados não são consequências diretas do fato de serem organismos humanos senão todos os homens falariam de forma tão similar quanto andam de forma similar Em vez disso o modo como falam depende preponderantemente de como a sociedade em que eles cresceram falava antes Com este exemplo Kroeber afirma que um fato cultural é sempre um fato histórico e o entendimento mais imediato e usualmente mais completo desse fato que poderemos obter é um conhecimento histórico Esta asserção até certo ponto moderada que aparece de uma forma ou de outra em seu trabalho ao longo dos anos e nos trabalhos de muitos outros alunos de Boas longe esteve no entanto de ser considerada auto explicativa nos anos 1940 quando a antropologia social britânica estava em ascensão Nessa época seus líderes afirmavam que a história era irrelevante para nosso entendimento de sociedades que desconheciam a escrita ou então meramente um último recurso para antropólogos sem imaginação Alexander Lesser quando se viu envolvido em uma controvérsia ainda no início de sua carreira com um dos maiores antropólogos funcionalistas britânicos A R RadcliffeBrown escreveu em 1934 Nós observamos tais e tais eventos acontecendo Entretanto muitas coisas estão sempre acontecendo simultaneamente Como podemos determinar se estas coisas acontecidas ao mesmo tempo estão ou não relacionadas entre si Por certo podem ser eventos contemporâneos ou mesmo seriais não porque estivessem relacionados entre si mas em função de seus condicionantes não determinados nem observados terem causado a sua ocorrência em tempos subsequentes Em resumo eventos contemporâneos ou associados podem ser meramente coexistências Cultura em qualquer tempo é antes de tudo uma massa de eventos coexistentes Se estamos tentando definir relações entre tais eventos é impossível na visão da conhecida historicidade das coisas presumir que as relações estejam na superfície contemporânea dos eventos Qualquer acontecimento é determinado mais pelos eventos ocorridos antes da ocasião em questão do que pelo que podemos observar contemporaneamente com ele Assim que nos voltamos para os eventos anteriores para termos a compreensão Artigos Sidney W Mintz 230 de eventos observados estamos nos voltando para a história A história nada mais é do que isso É a utilização do fato condicionante da historicidade para a elucidação de eventos observados Grifo adicionado Para o que propomos aqui pouca importância têm os motivos de americanos e britânicos terem divergido tão radicalmente sobre a utilidade de materiais históricos na análise da cultura particularmente desde que a controvérsia parece atualmente terse resolvido em favor de uma combinação de abordagem histórica e funcional pelo menos para aqueles que dão importância a essas coisas Mas a aceitação da história ou de explanações históricas na antropologia levanta questões sobre a natureza da explanação em si Convencionavase assumir na antropologia que cultura significando o modo de vida particular de um grupo definido e sociedade significan do um grupo organizado tendo continuidade ao longo do tempo são meios convenientes de se falar de duas faces de um mesmo fenômeno que se en caixam Temos um povo organizado como uma sociedade que possui um conjunto de instituições tecnologias linguagens crenças valores em resumo uma cultura Cultura era portanto associada de algum modo a um grupo organizado Uma versão desta engenhosa mas até certo ponto enganosa harmonia aparece no equipamento teórico de quase todo antropólogo socialcultural levantando questões históricas genuínas Há muito tempo Eric Wolf argu mentou que erramos ao pensar em uma cultura em cada sociedade uma subcultura em cada segmento social e esse erro prejudicou nossa capacidade de ver as coisas dinamicamente Wolf prossegue sugerindo que é possível que um grupo humano possa ter mais do que uma cultura diversificar sua abordagem em relação à vida ampliando seu campo de manobras através de um processo de generalização assim como é possível que um grupo humano se especialize restringindose a um conjunto de formas culturais e evitando quaisquer alternativas possíveis Mas uma vez que a possibilidade de certa falta de identidade entre uma cultura e uma sociedade tenha sido considerada ambos os termos se tornaram de alguma forma mais problemáticos Na formulação de Wolf que considero a mais instigante entre muitas outras na antropologia os termos são definidos como se segue Por cultura eu entendo as formas desenvolvidas historicamente através das quais os membros de uma determinada sociedade se relacionam entre si Por 231 Cultura uma visão antropológica sociedade eu entendo o elemento de ação de manobras humanas dentro de um campo constituído pelas formas culturais de manobras humanas que almejam tanto a preservação de certo equilíbrio de oportunidades e riscos na vida quanto a sua mudança A maioria dos antropólogos culturais considera as formas culturais tão limitadoras que terminam por negligenciar inteiramente o elemento de manobras humanas que flui através dessas formas e em torno de las pressionandoos contra seus limites ou desempenhando diversos conjuntos de formas contra o meio A cultura passada certamente estrutura o processo de percepção mas a manobra humana não é sempre consciente e racional ao considerarmos os dois aspectos a visão das formas culturais definindo o campo de manobras humano e a visão da manobra humana sempre exercendo pressão sobre as limitações inerentes às formas culturais podemos chegar a uma forma mais dinâmica de apreensão das verdadeiras tensões da vida Essa perspectiva se bem entendi presume que atores individuais por vezes percebem oportunidades entre as práticas existentes oportunidades que são consistentes com práticas passadas e ainda assim particularmente adequa das às suas próprias inclinações pessoais Essas percepções estão de acordo com certos tipos de normas que as pessoas aprenderam por enculturação Mas elas contêm a promessa de um benefício especial futuro ou imediato um casamento vantajoso uma compra oportuna um favor concedido uma festa marcada uma punição diminuída Para seu exemplo Wolf recolheu dados de seu próprio trabalho de campo Ainda que eu não pretendesse abordar a etnografia neste ponto pode ser útil detalhar um pouco mais o exemplo de Wolf para solidificar o argumento No final dos anos 1940 estávamos ambos fazendo trabalhos de campo em Porto Rico Wolf em uma localidade nas montanhas onde as fazendas variavam em tamanho de centenas de quilômetros quadrados a uns pouco lotes e os fazendeiros desde os muito ricos até pequenos trabalhadores sem terra enquanto eu estava em uma comunidade na planície onde praticamente toda a terra pertencia ou estava arrendada a uma única empresa norteamericana de produção de açúcar Essas localidades obviamente se diferenciavam em muitos aspectos assim como as situações de vida de seus habitantes Como Wolf e eu comparávamos frequentemente nossas descobertas cedo percebemos certas diferenças no sistema do ritual católico do compadrio ou apadrinhamento batismal em espanhol compadrazgo no modo como era empregado nas comunidades que estávamos estudando De uma maneira geral os associados à pesquisa de Wolf procuravam os mais ricos para serem padrinhos de seus filhos e por sua vez esta elite apa Artigos Sidney W Mintz 232 rentemente aceitava prontamente tais convites Entretanto na comunidade que eu estava estudando a população preferia escolher vizinhos e amigos ou parentes próximos para serem seus compadres O povo de cada lugar tinha boas explicações para suas escolhas Os integrantes da pesquisa de Wolf que procuravam a camada mais rica argumentavam com oportunidades de emprego medicamentos em tempos de crise empréstimos emergenciais de dinheiro sementes ou animais os mais ricos aceitavam pensando na obtenção de votos mãodeobra suplementar pequenas tarefas ou serviços domésticos Os do meu grupo referindose aos seus pares de classe argumentavam com a distância e a falta de confiança nos padrinhos ricos que não teriam verdadei ro interesse no afilhado e poderiam simplesmente comprar o parentesco Mesmo quando lhes foi sugerido que o prefeito o farmacêutico ou o médico poderiam ser aparentados úteis eles rejeitaram o argumento por não merecer qualquer consideração Com efeito eles perguntaram com que propósito al guém iria se humilhar apenas para depois descobrir que o relacionamento não era sincero Era melhor escolher um companheiro de trabalho um cunhado um vizinho com quem poderiam trocar um prato de comida um companheiro de partido político Nem riqueza nem influência nem poder mas a proximi dade de algum laço já existente esse era o fator decisivo Essas diferenças resultaram em dois padrões de relacionamento social muito contrastantes mesmo que ambos os padrões possam ser facilmente relacionados com a mesma forma cultural básica Mas certamente cada um foi construído sobre condições sociais e econômicas prévias onde as escolhas foram feitas de acordo com as percepções que cada um tinha de suas próprias oportunidades Houve podese dizer uma busca de sentido entre situa ções nas quais os parâmetros extremos de ação já tinham sido predefinidos por eles Essas fronteiras ou estruturas externas variáveis para a manobra são construídas sobre dispositivos de classificação social tais como classe e raça e outros critérios que usualmente mudam lentamente e para grupos inteiros geralmente apenas através de uma reconstrução revolucionária do sistema social O compadrazgo instituição na qual esta gama de manobras individuais foi percebida é um produto histórico e a sua história pode ser traçada por muitos séculos com efeito Wolf e eu tentamos isso em um artigo anterior Enquanto complexo de formas institucionais o compadrazgo se presta facil mente a um tratamento histórico e pode ser estudado não apenas em termos 233 Cultura uma visão antropológica de sua difusão através do mundo católico e catolicizado como na América Latina mas também em termos de sua redução e desgaste em regiões como o norte da Europa e o mundo protestante em geral Entretanto quando alguém passa do estudo do compadrazgo enquanto conjunto de formas desenvolvidas e derivadas historicamente para um corpo vivo de oportunidades dentro do qual as pessoas invocam suas capacidades de manobra esticando uma ou outra regra de modo a maximizar suas pró prias vantagens percebidas está passando do aspecto cultural para o aspecto social do fenômeno Wolf registrou que os compadres da minha comunidade poderiam obter grandes benefícios com seu compadrio mas o coparentesco ritual os vincula de forma particular e portanto se mostra pouco adaptável às manobras humanas no caso de algumas atividades coletivas como uma greve envolvendo toda a plantação que requer uma ação através de organismos como um sindicato com características universalizadas Mas ele também notou que os laços de coparentesco rituais e os sindicatos embora sejam formas conflituosas e contraditórias em algum contexto podem ambas sobreviver a despeito de sua contraditoriedade Em um nível de ação as duas formas e o jogo que elas tornam possível têm uma função complementar em outro nível de ação contudo elas interferem e contradizem uma à outra Nesta situação ambas as formas podem sobreviver e sobreviver também em seu potencial combinado de tensão e interferência Pretendo retornar a essa afirmação conclusiva mais tarde Mas tendo anteriormente argumentado que a cultura deve ser vista historicamente para que seja afinal entendida gostaria de agregar outra condição derivada da discussão precedente A formulação uma cultura uma sociedade não apenas limita nossas interpretações ela também tende a falsear a forma de representação dos modos pelos quais uma cultura enquanto corpo de materiais historicamente derivados está encarnada nos eventos sociais Alguns tratamentos das distinções culturasociedade partem da hipótese de que estes seriam aspectos independentes apesar de interdependentes da vida social um a cultura relacionado à significação e o outro a sociedade relacionado aos objetivos dos atores no sistema em curso uma visão que apa rece por exemplo nos primeiros trabalhos de Clifford Geertz Nessa visão uma perda de entrosamento entre o social e o cultural pode produzir tensão e mudança no sistema em si Mas essa interessante formulação não leva muito em conta as possibilidades de variação tanto dentro da cultura quanto dentro Artigos Sidney W Mintz 234 da estrutura social bastante distinta da promessa analítica de sua oposição conceitual O exemplo que já mencionei dos trabalhos de campo de Wolf e também do meu subentende alguma coisa sobre variabilidade dentro de um campo singular de materiais historicamente derivados no que se refere aos usuários Ele introduz na discussão o conceito de que vários tipos de diferenças inclusive as diferenças muito importantes de destino econômico e oportuni dades de vida podem modificar radicalmente quaisquer formas particulares dentre as alternativas existentes em um sistema cultural que as pessoas possam empregar bem como o significado que estas formas possam ter para elas Esta é acredito a primeira vez que emprego o termo significado aqui e suspeito que possa ser a última posto que os argumentos que este termo pode levantar são com certeza abundantes Mas quando trabalhamos com o que pretendem os atores de um sistema social atores que empregam uma variante cultural em vez de outra em diversos pontos de suas vidas parecenos necessário enfatizar que a relação entre intenção ato e consequência não é uma relação invariante Pessoas em posições diferentes podem concebivelmente fazer a mesma coisa pretendendo coisas bem diferentes ao fazêla e provocar consequências bem diferentes através de seus atos similares Até aqui minha argumentação consistiu em afirmar que cultura é um produto histórico e historicamente mais bem entendido que cultura e sociedade embora separáveis conceitualmente e úteis quando utilizadas assim não são nem perfeitamente coerentes em si mesmas nem necessa riamente congruentes entre si e que atores em um sistema singular podem empregar formas culturais variáveis mas igualmente aceitáveis no curso de sua manobra social Sobre este assunto gostaria de acrescentar algumas referências ao rela cionamento entre formas culturais e as que ocupam posições muito diferentes dentro de uma mesma sociedade Durante os anos 1960 houve um breve mo vimento na antropologia e na literatura a ela relacionada no qual cultura foi equiparada de diversas formas a classe social classes sociais diferentes sendo dotadas de diferentes culturas e assim por diante Pareceme atualmente que nada disso resultou em grandes esclarecimentos a chamada cultura da pobreza foi a variante mais falada de um argumento que parece ter tido um pequeno poder de permanência Não considero demonstrável o fato de que classes diferentes possuam culturas diferentes em um sentido rigoroso não mais do que penso ser demonstrável a existência de uma só cultura coerente em cada sociedade 235 Cultura uma visão antropológica Mas o que está claro para mim é que as pessoas conduzem a maior parte das suas ações com base em suas experiências e aprendizados passados Tais aprendizados e experiências podem ser amplamente compartilhados mesmo de uma maneira não uniforme Os hacendados de Wolf e os meus obreros por exemplo podem ter compartilhado algum entendimento convencional como nós antropólogos gostamos de dizer sobre o apadrinhamento ritual Mas esses entendimentos são pelo menos tão notáveis pelo que se entende por diferente quanto pelo que é entendido como igual Podemos dizer que um hacendado que utiliza um instrumento para obter mãodeobra barata ocasional e um obrero que utiliza o mesmo instrumento para obter um compromisso de apoio em situações de emergência estão compartilhando a mesma cultura neste caso por apelarem a um suposto repertório de idéias comuns Mas imagino que essas idéias comuns mesmo assumindo que possamos descobrilas e validar sua existência intersubjetiva não terão tanta importância seja como uma indicação seja como uma explicação para o que está acontecendo Esses indivíduos agem diferentemente porque seus interesses são di ferentes porque eles estão postados em cantos diferentes do sistema social porque suas influências entre si não são nem estáticas nem simétricas Quando tais indivíduos parecem compor grupos grupos estes que agem diferentemente em terrenos semelhantes não é porque necessariamente as culturas desses grupos são qualitativamente diferentes mas porque as alternativas culturais percebidas por eles como mais apropriadas no momento emergem em contex tos sociais específicos Não se trata simplesmente de uma questão de diferenças de classe em cultura ou subcultura ou cultura de classe pacotinhos arrumados de material cultural anexados a grupinhos organizados As classes não podem ser meticulosamente dispostas de uma forma tão simples cada uma possuindo seus padrões normativos distintivos As classes como a própria cultura são processos Elas tomam forma ao longo do tempo e são forjadas assim como afirma E P Thompson pela sua própria experiência Acredito que inevitavelmente os antropólogos interessados em cultura no mundo moderno terão de encarar o fato de que a maneira e a maneira correta com que as pessoas conduzem suas vidas desempenhará papel imensamente importante na forma como a experiência é objetivada e transformada em idéias de um modo progressivo e contínuo As pessoas adquirem experiência enquanto estão sendo acionadas e enquanto agem Na maior parte do tempo e na maioria das formas elas agem de acordo Artigos Sidney W Mintz 236 com um código socialmente herdado de comportamento padronizado um código histórico de longa permanência Mas esse código não é jamais uma camisadeforça existem escolhas e alternativas Estas incluindo a opção pela não ação são utilizadas em várias permutações embora finalmente sujeitas às condições externas Tais condições externas variam de acordo com diferentes grupos é claro e estão sujeitas ao controle de diferentes formas Grupos diferentes podem escolher em sua maioria soluções diferentes e às vezes potencial mente contraditórias ou conflitantes mesmo quando tais soluções em geral se enquadrem em alguma classe de alternativas culturalmente aceitáveis A classe se forma escreve Thompson enquanto homens e mulheres vivem suas relações produtivas e enquanto eles experimentam suas diferentes situações dentro do conjunto das relações sociais com suas culturas e expec tativas herdadas e enquanto lidam com estas experiências de maneiras cul turais E como para chamar a nossa atenção nós estudantes de sociedades vivas para a forma pela qual os estudantes do passado podem aguçar nossa percepção Thompson acrescenta alguns exemplos úteis A exibição ostentatória as perucas empoadas e os trajes dos poderosos tam bém devem ser vistos como se pretendia que fossem vistos de baixo para cima na platéia do teatro da hegemonia e do controle de classes Até mesmo a liberalidade e a caridade podem ser vistas como atos calculados de apazigua mento de classes em tempos de escassez e extorsões calculadas sob ameaça de motim pela massa o que é vindo de cima um ato de doação é vindo de baixo um ato de ganho Uma categoria tão simples como o roubo pode se transformar sob certas circunstâncias em evidência de esforços prolongados dos aldeões na defesa de velhos hábitos de direito comum ou de trabalhadores na defesa de gratificações costumeiras O porquê de um historiador da Inglaterra do século XVIII ter tanta coisa útil a dizer aos antropólogos decorre a meu ver de diversos fatos da vida que têm pouco ou quase nada a ver com política Thompson não aceita o conceito de uma cultura inteiramente coerente na verdade ele vê sua realidade em uma natureza um tanto difusa e modificável Ele compreende o caráter fluido de autoconstrução da identidade de classe e da consciência de classe e reconhece que classe e cultura são similarmente produtos históricos dinâmicos Mas além de tudo isso penso que ele se dirige a nós antropólogos porque precisamos em algum momento renunciar à ilusão de que as sociedades que estudamos não pertencem às esferas de poder e de influência mundial peculiarmente 237 Cultura uma visão antropológica protegidas das forças econômicas sociais e políticas com as quais nós mesmos estamos bastante familiarizados As sociedades que estudamos não se situam fora destas esferas nem assim estiveram por longos séculos O fato de admitir esses princípios não nos torna instantaneamente sociólogos como sapos que viram príncipes ainda existe muita antropologia real a ser feita E mais podemos continuar a postular um mundo pleno de culturas independentes e coerentes para sejam lá quais forem as propostas teóricas ou estéticas que imaginemos Cultura é em última análise e final mente comportamento mediado através de símbolos e podemos fazer todo tipo de elucubração com e sobre esta questão Mas chegou sem dúvida o momento de liberar nossa obsessão com um primitivismo semiimaginado ligado de algum modo a um igualmente dúbio isolamento o que resulta em uma visão de cultura perfeitamente coerente monolítica consistente internamente e harmoniosa Sabemos que o assunto não é simples existem casos na verdade em que a cultura parece ser exatamente isso Mas nós antropólogos temos de lidar com o mundo como ele é como ele se tornou Para tanto creio que temos de renunciar à antiga visão de cultura lembrar que é a nossa identidade comum de criaturas que utilizam símbolos que faz o mundo único e começar tudo de novo Nota do Autor Esta é a melhor ocasião para agradecer a Kai Erikson e Hans Medick por criticarem tão bem este ensaio e para pedir desculpas por não ter conseguido transformálo em algo que agradasse a ambos ANÁLISE TEXTUAL TÍTULO CULTURA UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA AUTOR SIDNEY W MINTZ O estudo intitulado Cultura uma visão antropológica de Sidney Mintz foi publicado no Brasil no ano de 2009 pelo periódico Tempo O estudo traduzido para a língua portuguesa por James Emanuel de Albuquerque foi escrito em inglês e apresentado no The Yale Review no ano de 1982 O estudo objetiva discorrer acerca do conceito de cultura a partir da percepção antropológica de teóricos de peso a exemplo de estudiosos como Edward Burnett Tylor Franz Boas Alfred Kroeber e EP Thompson dentre outros mencionados ao longo do estudo De modo geral tratase de um importante referencial para os estudos antropológicos contemporâneos principalmente considerando a importância de debates acerca do conceito de cultura na era em que vivemos Isso pois como evidenciado a partir das diferentes perspectivas dos autores que embasam as ideias apresentadas por Mintz o conceito de cultura se trata de um desafio amplo e multifacetado que suscita debates acerca da diversidade nas sociedades bem como das mais diversas práticas e ações humanas Tylor por exemplo é reconhecido como o primeiro teórico a cunhar o termo cultura para se referir ao resultado dos comportamentos que permeiam as vivências dos seres humanos o que auxiliou na ampliação do entendimento do termo dado que percepções anteriores a essas perderam a relevância Cabe destacar que como apresentado por Mintz 2009 p 224 dentre os principais conceitos incorriam percepções como a de que certas sociedades possuem cultura e outras não Fato que gera uma dicotomia na qual distinguese comportamentos e práticas aceitáveis ou inaceitáveis e invalida os modos de vida de um povo em relação a outro Face a esse contexto a percepção de Franz Boas foi fundamental para romper com essas percepções limitantes auferindo novos significados e ajudando a compreender a cultura de modo mais amplo Conforme elucidado por Mintz 2009 p 224 o autor promoveu um conceito de cultura capaz de englobar toda a espécie humana compreendendo sua abrangência em relação a grupos sociais e suas particularidades Nesse sentido Boas apresentou diversas contribuições demonstrando que as hierarquias são questionáveis e problemáticas como destacado por Mintz 2009 p 226 ao mencionar que Nós não temos o direito de criticálos por sua forma de vida e suas superstições que podem nos parecer ridículas Nós pessoas altamente educadas somos piores relativamente falando Adiante Mintz demonstra alguns questionamentos clássicos da antropologia a exemplo do fato de que muitos estudiosos da área desconsideravam preocupações com um conceito tão significativo como o de cultura Logo o autor destaca que não há unanimidade no círculo da antropologia quanto à definição do seu conceito mais básico isto é o de cultura Assim podemos observar que diferentes autores apresentam percepções complementares eou até mesmo que destoem entre si A par disso Mintz apresenta as ideias de Alfred Kroeber compreendendo que simplesmente quando falamos em cultura estamos trabalhando com algo que é orgânico ou seja produzido por organismo humano mas que pode ser visto como algo mais que orgânico se for para ser plenamente inteligível para nós Mintz 2009 p 227 O entendimento da cultura a partir de Kroeber portanto elucida que um fato cultural é sempre um fato histórico O que também é evidente em estudos de outros teóricos e alunos de Boas sendo uma contribuição assertiva já que a historicidade era desconsiderada por diversos estudiosos da antropologia britânica por exemplo Diante dessas considerações Mintz 2009 p 234 destaca que minha argumentação consistiu em afirmar que cultura é um produto histórico e historicamente mais bem entendido que cultura e sociedade embora separáveis conceitualmente e úteis quando utilizadas assim não são nem perfeitamente coerentes em si mesmas nem necessariamente congruentes entre si e que atores em um sistema singular podem empregar formas culturais variáveis mas igualmente aceitáveis no curso de sua manobra social Por isso o autor elucida a necessidade de acrescentar algumas ponderações em torno das formas culturais que ocupam diferentes posições dentro de um mesmo grupo social destacando concepções como a de classe social e de subcultura muito difundidas para demarcar os processos de organização social Mintz 2009 p 235 então elucida a proposição de Thompson para o qual essas dissociações e grupos organizados são forjados ao longo do tempo entendendo que incorre um processo progressivo e contínuo Diante disso fica evidente que as diferentes condições as quais um determinado grupo é submetido atuam como forças de controle que os aderem à diferentes formas Por isso o autor compreende que A classe se forma escreve Thompson enquanto homens e mulheres vivem suas relações produtivas e enquanto eles experimentam suas diferentes situações dentro do conjunto das relações sociais com suas culturas e expectativas herdadas e enquanto lidam com estas experiências de maneiras culturais MINTZ 2009 p 236 Logo como observado nas percepções de Thompson é desconsiderado qualquer possibilidade de uma cultura inteiramente coerente Por conta disso Thompson considera que a cultura é difusa e se modifica entendendo as dimensões de seu caráter fluido tendo em vista que as identidades as classes e a cultura são produtos históricos dinâmicos MINTZ 2009 p 236 Não é em vão que Mintz enfatize ao término desse estudo que Cultura é em última análise e finalmente comportamento mediado através de símbolos e podemos fazer todo tipo de elucubração com e sobre esta questão Mas chegou sem dúvida o momento de liberar nossa obsessão com um primitivismo semiimaginado ligado de algum modo a um igualmente dúbio isolamento o que resulta em uma visão de cultura perfeitamente coerente monolítica consistente internamente e harmoniosa Sabemos que o assunto não é simples existem casos na verdade em que a cultura parece ser exatamente isso Mas nós antropólogos temos de lidar com o mundo como ele é como ele se tornou Para tanto creio que temos de renunciar à antiga visão de cultura lembrar que é a nossa identidade comum de criaturas que utilizam símbolos que faz o mundo único e começar tudo de novo MINTZ 2009 p 237 Assim consideramos que essas percepções são de suma importância pois sabemos que nos estudos antropológicos contemporâneos o entendimento da diversidade cultural é fundamental para efetivar direitos deveres saberes e práticas condizentes e humanizadoras Nesse sentido a antropologia como estudo científico das culturas humanas em muito contribui principalmente por encerrar debates dicotômicos nos quais se hierarquizam relações e pessoas menos favorecidas são vistas como desprovidas de cultura Portanto à luz das percepções apresentadas vemos que esse debate é crucial pois como um fenômeno intrínseco à natureza humana a cultura de diferentes povos precisa ser estudada reconhecida e sobretudo respeitada em sua complexidade e dinamicidade Face às questões apresentadas ao longo do estudo compreendemos a importância da valorização e do respeito à diversidade Esse ideal também suscita novas demandas críticas afinal como lidar com práticas culturais que dissociam do postulado na Declaração Universal dos Direitos Humanos em culturas remotas Essa por exemplo é uma questão bastante complexa que permeia os estudos da cultura Isso pois sabemos que precisamos lidar com questões ainda mais delicadas do que as dicotomias já postuladas ao longo dos estudos da cultura Nesse sentido compreendemos que a antropologia possui um compromisso crítico com questões inerentes à ética à tolerância e ao respeito Por isso cabe destacar que o estudo de Mintz é de extrema relevância para pensar nessas e em outras questões de interesse de estudiosos das mais diversas áreas das ciências humanas e das ciências sociais Isso pois o autor aponta fundamentos basilares para um entendimento mais amplo da cultura abrangendo antropologia história estudos culturais e muitas outras disciplinas fundamentais para a compreensão da diversidade cultural e das sociedades ao longo das eras REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOAS Franz Antropologia cultural Zahar 2004 KROEBER Alfred Louis KLUCKHOHN Clyde Culture A critical review of concepts and definitions Papers Peabody Museum of Archaeology Ethnology Harvard University 1952 MINTZ Sidney W Cultura uma visão antropológica Tempo v 14 p 223237 2010 THOMPSON Edward Palmer et al Historia social y antropología Instituto Mora 1994 TYLOR Edward Burnett Conceito de cultura 1 1981