·

Cursos Gerais ·

Antropologia Social

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

CDD30101 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Han ByungChul Sociedade do cansaço ByungChul Han tradução de Enio Paulo Giachini Petrópolis RJ Vozes 2015 Título original Müdigkeitsgesellschaft Bibliografia ISBN 9788532650832 Edição digital 1 Depressão mental Aspectos sociais 2 Fadiga mental Aspectos sociais 3 Paradigmas Ciências Sociais 4 Sociedade I Título 1501597 Índices para catálogo sistemático 1 Sociologia e filosofia 30101 Matthes Seitz Berlin Verlag Berlin 2010 Título do original alemão Müdigkeitsgesellschaft Direitos de publicação em língua portuguesa Brasil 2015 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luís 100 25689900 Petrópolis RJ wwwvozescombr Brasil Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora Diretor editorial Frei Antônio Moser Editores Aline dos Santos Carneiro José Maria da Silva Lídio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretário executivo João Batista Kreuch Editoração Flávia Peixoto Diagramação Sandra Bretz Projeto de capa Pierre Fauchau Artefinalização Jardim Objeto ISBN 9788532650832 edição brasileira digital ISBN 9783882216165 edição alemã Editado conforme o novo acordo ortográfico Sumário 1 A violência neuronal 2 Além da sociedade disciplinar 3 O tédio profundo 4 Vita activa 5 Pedagogia do ver 6 O Caso Bartleby 7 Sociedade do cansaço Textos de capa 1 A violência neuronal Cada época possuiu suas enfermidades fundamentais Desse modo temos uma época bacteriológica que chegou ao seu fim com a descoberta dos antibióticos Apesar do medo imenso que temos hoje de uma pandemia gripal não vivemos numa época viral Graças à técnica imunológica já deixamos para trás essa época Visto a partir da perspectiva patológica o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral mas neuronal Doenças neuronais como a depressão transtorno de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade Tdah Transtorno de personalidade limítrofe TPL ou a Síndrome de Burnout SB determinam a paisagem patológica do começo do século XXI Não são infecções mas enfartos provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso mas pelo excesso de positividade Assim eles escapam a qualquer técnica imunológica que tem a função de afastar a negatividade daquilo que é estranho O século passado foi uma época imunológica Tratase de uma época na qual se estabeleceu uma divisão nítida entre dentro e fora amigo e inimigo ou entre próprio e estranho Mesmo a Guerra Fria seguia esse esquema imunológico O próprio paradigma imunológico do século passado foi integralmente dominado pelo vocabulário dessa guerra por um dispositivo francamente militar A ação imunológica é definida como ataque e defesa Nesse dispositivo imunológico que ultrapassou o campo biológico adentrando no campo e em todo o âmbito social ali foi inscrita uma cegueira Pela defesa afastase tudo que é estranho O objeto da defesa imunológica é a estranheza como tal Mesmo que o estranho não tenha nenhuma intenção hostil mesmo que ele não represente nenhum perigo é eliminado em virtude de sua alteridade Nesses últimos tempos têm surgido diversos discursos sociais que se servem nitidamente de modelos explicativos imunológicos Todavia a atualidade do discurso imunológico não pode ser interpretada como sinal de que a organização da sociedade de hoje seria uma época mais imunológica do que qualquer outra O fato de um paradigma ser erigido propriamente como objeto de reflexão muitas vezes é sinal de seu declínio Imperceptivelmente já desde há algum tempo vai se delineando uma mudança de paradigma O fim da Guerra Fria ocorreu precisamente no curso dessa mudança de paradigma1 Hoje a sociedade está entrando cada vez mais numa constelação que se afasta totalmente do esquema de organização e de defesa imunológicas Caracterizase pelo desaparecimento da alteridade e da estranheza A alteridade é a categoria fundamental da imunologia Toda e qualquer reação imunológica é uma reação à alteridade Mas hoje em dia em lugar da alteridade entra em cena a diferença que não provoca nenhuma reação imunológica A diferença pósimunológica sim a diferença pósmoderna já não faz adoecer Em nível imunológico ela é o mesmo2 Falta à diferença de certo modo o aguilhão da estranheza que provocaria uma violenta reação imunológica Também a estranheza se neutraliza numa fórmula de consumo O estranho cede lugar ao exótico O tourist viaja para visitálo O turista ou o consumidor já não é mais um sujeito imunológico Dessa forma também Roberto Esposito coloca uma falsa hipótese na base de sua Teoria da Immunitas ao afirmar Em qualquer dia do último ano podemos ler o relato nos jornais talvez até na mesma página a respeito de diversos acontecimentos O que têm em comum entre si fenômenos como a luta contra o surto de uma nova epidemia a resistência contra um pedido de extradição de um chefe de Estado estrangeiro acusado de violação dos direitos humanos o reforço das barreiras contra a imigração ilegal e as estratégias para neutralizar o ataque dos vírus de computador mais recentes Nada na medida em que os interpretamos dentro de seus respectivos âmbitos separados entre si como a medicina o direito a política social e a tecnologia da informática Mas isso se modifica quando nos referimos a uma categoria interpretativa cuja especificidade mais própria consiste na capacidade de cruzar transversalmente aquelas linguagens particulares referindonos a um e ao mesmo horizonte de sentido Como fica evidente já a partir do título desse volume proponho essa categoria como sendo a categoria da imunização Os acontecimentos descritos acima independente de sua desigualdade lexical podem ser todos reduzidos a uma reação de proteção contra um risco3 Nenhum dos acontecimentos mencionados por Esposito aponta para o fato de que nos encontramos em meio a uma época imunológica Também o assim chamado imigrante hoje em dia já não é mais imunologicamente um outro não é um estrangeiro em sentido enfático que representaria um perigo real ou alguém que nos causasse medo Imigrantes são vistos mais como um peso do que como uma ameaça Também o problema do vírus de computador já não tem mais tanto impacto social Não é por acaso que então que em sua análise imunológica Esposito não se volta para problemas da atualidade mas exclusivamente a objetos do passado O paradigma imunológico não se coaduna com o processo de globalização A alteridade que provocaria uma imunorreação atuaria contrapondose ao processo de suspensão de barreiras O mundo organizado imunologicamente possui uma topologia específica É marcado por barreiras passagens e soleiras por cercas trincheiras e muros Essas impedem o processo de troca e intercâmbio A promiscuidade geral que hoje em dia toma conta de todos os âmbitos da vida e a falta da alteridade imunologicamente ativa condicionamse mutuamente Também a hibridização que domina não apenas o atual discurso teoréticocultural mas também o sentimento que se tem hoje em dia da vida é diametralmente contrária precisamente à imunização A hiperestesia imunológica não admite qualquer hibridização A dialética da negatividade é o traço fundamental da imunidade O imunologicamente outro é o negativo que penetra no próprio e procura negálo Nessa negatividade do outro o próprio sucumbe quando não consegue de seu lado negar àquele A autoafirmação imonológica do próprio portanto se realiza como negação da negação O próprio afirmase no outro negando a negatividade do outro Também a profilaxia imunológica portanto a vacinação segue a dialética da negatividade Introduzse no próprio apenas fragmentos do outro para provocar a imunorreação Nesse caso a negação da negação ocorre sem perigo de vida visto que a defesa imunológica não é confrontada com o outro ele mesmo Deliberadamente fazse um pouco de autoviolência para protegerse de uma violência ainda maior que seria mortal O desaparecimento da alteridade significa que vivemos numa época pobre de negatividades É bem verdade que os adoecimentos neuronais do século XXI seguem por seu turno sua dialética não a dialética da negatividade mas a da positividade São estados patológicos devidos a um exagero de positividade A violência não provém apenas da negatividade mas também da positividade não apenas do outro ou do estranho mas também do igual Baudrillard aponta claramente para essa violência da positividade quando escreve sobre o igual Quem vive do igual também perece pelo igual4 Baudrillard fala igualmente da obesidade de todos os sistemas atuais do sistema de informação do sistema de comunicação e do sistema de produção Não existe imunorreação à gordura Mas Baudrillard expõe o totalitarismo do igual a partir da perspectiva imunológica e essa é a debilidade de sua teoria não é por acaso que se fala tanto de imunidade anticorpos de inseminação e aborto Em tempos de carestia a preocupação está voltada para a absorção e assimilação Em épocas de superabundância o problema voltase mais para a rejeição e expulsão A comunicação generalizada e a superinformação ameaçam todas as forças humanas de defesa5 Num sistema onde domina o igual só se pode falar de força de defesa em sentido figurado A defesa imunológica voltase sempre contra o outro ou o estranho em sentido enfático O igual não leva à formação de anticorpos Num sistema dominado pelo igual não faz sentido fortalecer os mecanismos de defesa Temos de distinguir entre rejeição Abstössung imunológica e não imunológica Essa se aplica a um excesso de igual um exagero de positividade Ali não há participação de nenhuma negatividade Ela tampouco é uma exclusão Ausschliessung que pressupõe um espaço interno imunológico A rejeição imunológica se dá ao contrário independentemente do quantum pois é uma reação à negatividade do outro O sujeito imunológico rejeita o outro com sua interioridade o exclui mesmo que exista em quantidade mínima A violência da positividade que resulta da superprodução superdesempenho ou supercomunicação já não é mais viral A imunologia não assegura mais nenhum acesso a ela A rejeição frente ao excesso de positividade não apresenta nenhuma defesa imunológica mas uma abreação neuronaldigestiva uma rejeição Tampouco o esgotamento a exaustão e o sufocamento frente à demasia são reações imunológicas Todas essas são manifestações de uma violência neuronal que não é viral uma vez que não podem ser reduzidas à negatividade imunológica Assim a teoria da violência de Baudrillard está perpassada de refutações argumentativas porque busca descrever imunologicamente a violência da positividade ou do igual do qual não participa nenhuma alteridade Assim ele escreve É uma violência viral aquela da rede e do virtual Uma violência da aniquilação suave uma violência genética e de comunicação uma violência do consenso Essa violência é viral no sentido de não operar diretamente através de infecção reação em cadeia e eliminação de todas as imunidades Também no sentido de que atua em contraposição à violência negativa e histórica através de um excesso de positividade precisamente como células cancerígenas através de uma proliferação infinita excrescência e metástase Há um parentesco secreto entre virtualidade e viralidade6 De acordo com a genealogia da inimizade de Baudrillard o inimigo aparece num primeiro estágio como lobo Ele é um inimigo exterior que ataca e contra o qual nos defendemos construindo fortificações e muros7 No próximo estágio o inimigo toma a forma de um rato É um inimigo que atua nos subterrâneos que se combate através da higiene Num estágio seguinte o estágio do besouro finalmente o inimigo toma a forma viral O quarto estágio toma a forma dos vírus esses se movem praticamente na quarta dimensão É mais difícil defenderse do vírus pois estão localizados no coração do sistema8 Surge um inimigo fantasma que se estende sobre todo planeta como um vírus que em geral se infiltra e penetra em todas as fendas do poder9 A violência viral parte daquelas singularidades que se instalam no sistema como células potenciais terroristas e buscam minar o sistema a partir do interior Baudrillard apresenta o terrorismo como a principal figura da violência viral em consequência de uma revolta do singular frente ao global Mesmo em forma viral a inimizade segue o esquema imunológico O vírus inimigo penetra no sistema que funciona como um sistema imunológico e repele o invasor viral Todavia a genealogia da inimizade não coincide com a genealogia da violência A violência da positividade não pressupõe nenhuma inimizade Desenvolvese precisamente numa sociedade permissiva e pacificada Por isso ela é mais invisível que uma violência viral Habita o espaço livre de negatividade do igual onde não se dá nenhuma polarização entre inimigo e amigo interior e exterior ou entre próprio e estranho A positivação do mundo faz surgir novas formas de violência Essas não partem do outro imunológico Ao contrário elas são imanentes ao sistema Precisamente em virtude de sua imanência não evocam a defesa imunológica Aquela violência neuronal que leva ao infarto psíquico é um terror da imanência Esse se distingue radicalmente daquele horror que procede do estranho no sentido imunológico A Medusa é quiçá o outro imunológico em sua forma extrema Constitui uma alteridade radical que nem sequer se pode olhar sem sucumbir Assim a violência neuronal ao contrário escapa a toda ótica imunológica pois não tem negatividade A violência da positividade não é privativa mas saturante não excludente mas exaustiva Por isso é inacessível a uma percepção direta A violência viral que continua seguindo o esquema imunológico de interior e exterior ou de próprio e outro e pressupõe uma singularidade ou alteridade hostil ao sistema não está mais em condições de descrever enfermidades neuronais como depressão Tdah ou SB A violência neuronal não parte mais de uma negatividade estranha ao sistema É antes uma violência sistêmica isto é uma violência imanente ao sistema Tanto a depressão quanto o Tdah ou o SB apontam para um excesso de positividade A SB é uma queima do eu por superaquecimento devido a um excesso de igual O hiper da hiperatividade não é uma categoria imunológica Representa apenas uma massificação do positivo 1 É interessante notar que há uma influência mútua entre discursos sociais e biológicos Ciências não estão livres de dispositivos que não são de origem científica Assim após o fim da Guerra Fria encontramos uma mudança de paradigma também dentro da imunologia medicinal A imunologista americana Polly Matzinger rejeita o velho paradigma imunológico da Guerra Fria De acordo com seu modelo imunológico o sistema imunológico não distingue entre self e nonself entre próprio e estranho ou outro mas entre friendly e dangerous cf MATZINGER P Friendly and dangerous signals is the tissue in control Nature Immunology vol 8 n 1 2007 p 1113 O objeto da defesa imunológica já não é mais a estranheza ou a alteridade como tal Só se repele apenas aquela intromissão estranha que se porta destrutivamente no interior do próprio Nessa perspectiva enquanto o estranho não chama a atenção não é tocado pela defesa imunológica De acordo com a ideia de Matzinger o sistema imunológico biológico é mais hospitaleiro do que se admitiu até o presente Não conhece nenhuma xenofobia É mais inteligente portanto que a sociedade humana com xenofobia Essa é uma reação imunológica patologicamente potenciada prejudicial inclusive ao desenvolvimento do próprio 2 Também o pensamento de Heidegger aponta um teor imunológico Assim ele rechaça decididamente o igual e lhe contrapõe o mesmo Contrariamente ao igual o mesmo possui uma interioridade na qual repousa toda e qualquer reação imunológica 3 ESPOSITO R Immunitas Schutz und Negation des Lebens Berlim 2004 p 7 4 BAUDRILLARD J Die Transparenz des Bösen Ein Essay über extreme Phänomene Berlim 1992 p 75 5 Ibid p 86 6 Ibid p 54 7 BAUDRILLARD J Der Geist des Terrorismus Viena 2002 p 85 8 Ibid p 86 9 Ibid p 20 2 Além da sociedade disciplinar A sociedade disciplinar de Foucault feita de hospitais asilos presídios quartéis e fábricas não é mais a sociedade de hoje Em seu lugar há muito tempo entrou uma outra sociedade a saber uma sociedade de academias de fitness prédios de escritórios bancos aeroportos shopping centers e laboratórios de genética A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar mas uma sociedade de desempenho Também seus habitantes não se chamam mais sujeitos da obediência mas sujeitos de desempenho e produção São empresários de si mesmos Nesse sentido aqueles muros das instituições disciplinares que delimitam os espaços entre o normal e o anormal se tornaram arcaicos A analítica do poder de Foucault não pode descrever as modificações psíquicas e topológicas que se realizaram com a mudança da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho Também aquele conceito da sociedade de controle não dá mais conta de explicar aquela mudança Ele contém sempre ainda muita negatividade A sociedade disciplinar é uma sociedade da negatividade É determinada pela negatividade da proibição O verbo modal negativo que a domina é o nãoterodireito Também ao dever inere uma negatividade a negatividade da coerção A sociedade de desempenho vai se desvinculando cada vez mais da negatividade Justamente a desregulamentação crescente vai abolindoa O poder ilimitado é o verbo modal positivo da sociedade de desempenho O plural coletivo da afirmação Yes we can expressa precisamente o caráter de positividade da sociedade de desempenho No lugar de proibição mandamento ou lei entram projeto iniciativa e motivação A sociedade disciplinar ainda está dominada pelo não Sua negatividade gera loucos e delinquentes A sociedade do desempenho ao contrário produz depressivos e fracassados A mudança de paradigma da sociedade disciplinar para a sociedade de desempenho aponta para a continuidade de um nível Já habita naturalmente o inconsciente social o desejo de maximizar a produção A partir de determinado ponto da produtividade a técnica disciplinar ou o esquema negativo da proibição se choca rapidamente com seus limites Para elevar a produtividade o paradigma da disciplina é substituído pelo paradigma do desempenho ou pelo esquema positivo do poder pois a partir de um determinado nível de produtividade a negatividade da proibição tem um efeito de bloqueio impedindo um maior crescimento A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever Assim o inconsciente social do dever troca de registro para o registro do poder O sujeito de desempenho é mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência O poder porém não cancela o dever O sujeito de desempenho continua disciplinado Ele tem atrás de si o estágio disciplinar O poder eleva o nível de produtividade que é intencionado através da técnica disciplinar o imperativo do dever Mas em relação à elevação da produtividade não há qualquer ruptura há apenas continuidade Alain Ehrenberg localiza a depressão na passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de desempenho A carreira da depressão começa no instante em que o modelo disciplinar de controle comportamental que autoritária e proibitivamente estabeleceu seu papel às classes sociais e aos dois gêneros foi abolido em favor de uma norma que incita cada um à iniciativa pessoal em que cada um se comprometa a tornarse ele mesmo O depressivo não está cheio no limite mas está esgotado pelo esforço de ter de ser ele mesmo10 Problematicamente Alain Ehrenberg aborda a depressão apenas a partir da perspectiva da economia do simesmo O que nos torna depressivos seria o imperativo de obedecer apenas a nós mesmos Para ele a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós moderno em ser ele mesmo Mas pertence também à depressão precisamente a carência de vínculos característica para a crescente fragmentação e atomização do social Esse aspecto da depressão não aparece na análise de Ehrenberg Ele passa por alto também a violência sistêmica inerente à sociedade de desempenho que produz infartos psíquicos O que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo mas a pressão de desempenho Visto a partir daqui a Síndrome de Burnout não expressa o simesmo esgotado mas antes a alma consumida Segundo Ehrenberg a depressão se expande ali onde os mandatos e as proibições da sociedade disciplinar dão lugar à responsabilidade própria e à iniciativa O que torna doente na realidade não é o excesso de responsabilidade e iniciativa mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pósmoderna do trabalho Alain Ehrenberg equipara equivocadamente o tipo humano da atualidade com o homem soberano nietzscheano O homem soberano igual a si mesmo e cuja vinda Nietzsche anunciou está prestes a tornarse realidade en masse Nada há acima dele que lhe possa dizer quem ele deve ser pois ele dá mostras de obedecer apenas a si mesmo11 Precisamente Nietzsche diria que aquele tipo humano está em vias de tornarse realidade en masse soberano não é o superhomem mas o último homem que apenas ainda trabalha12 Essa soberania está precisamente ausente daquele novo tipo humano exposto e entregue indefeso ao excesso de positividade O homem depressivo é aquele animal laborans que explora a si mesmo e quiçá deliberadamente sem qualquer coação estranha É agressor e vítima ao mesmo tempo O simesmo em sentido enfático é ainda uma categoria imunológica Mas a depressão se esquiva de todo e qualquer esquema imunológico Ela irrompe no momento em que o sujeito de desempenho não pode mais poder Ela é de princípio um cansaço de fazer e de poder A lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível Nãomaispoderpoder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagresssão O sujeito de desempenho encontrase em guerra consigo mesmo O depressivo é o inválido dessa guerra internalizada A depressão é o adoecimento de uma sociedade que sofre sob o excesso de positividade Reflete aquela humanidade que está em guerra consigo mesma O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorálo É senhor e soberano de si mesmo Assim não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo É nisso que ele se distingue do sujeito de obediência A queda da instância dominadora não leva à liberdade Ao contrário faz com que liberdade e coação coincidam Assim o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho13 O excesso de trabalho e desempenho agudizase numa autoexploração Essa é mais eficiente que uma exploração do outro pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade O explorador é ao mesmo tempo o explorado Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos Essa autorreferencialidade gera uma liberdade paradoxal que em virtude das estruturas coercitivas que lhe são inerentes se transforma em violência Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal 10 EHRENBERG A Das erschöpfte Selbst Depression und Gesellschaft in der Gegenwart Frankfurt aM 2008 p 14s 11 Ibid p 155 12 O último homem de Nietzsche eleva a saúde à categoria de uma deusa louvamos a saúde nós encontramos a felicidade dizem os últimos homens e piscam os olhos Also sprach Zarathustra Kritische Gesamtausgabe 5ª seção vol 1 p 14 13 Em seu sentido verdadeiro a liberdade está ligada com a negatividade É sempre uma liberdade da coação que provém do outro imunológico Onde a negatividade cede lugar ao excesso de positividade desaparece também a ênfase da liberdade que surge dialeticamente à negação da negação