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Cursos Gerais ·
Direito Constitucional
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ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE\n\nSessão solene de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil\n\nEstatuto do Homem, da Liberdade, da Democracia\n\nDeputado ULYSSES GUIMARÃES (PMDB-SP)\n\nExcelentíssimo Senhor Presidente da República, José Sarney. \nExcelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Humberto Lucena.\nExcelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Rafael Mayer.\n\nSenhores Membros da Mesa da Assembleia Nacional Constituinte.\nEminente Relator Bernardo Cabral.\nPreclaros Chefes do Poder Legislativo do países amigos.\nInsignes Embaixadores, saudados no Decano D. Carlos Furno.\nExcelentíssimos Senhores Ministros de Estado.\nExcelentíssimos Senhores Governadores de Estado.\nExcelentíssimos Senhores Presidentes de Assembléias Legislativas.\nDignos Líderes Partidários.\n\nAutoridades civis, militares e religiosas, registrando o comparecimento do Cardeal D. José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília, e de D. Luciano Mendes de Almeida, Presidente da CNBB.\n\nDiscurso proferido pelo Constituinte ULYSSES GUIMARÃES, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na Sessão solene de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Prestigosos Senhores Presidentes de Confederações.\n\nSenhoras e Senhores Constituintes.\n\nMinhas Senhoras e meus Senhores.\n\nDois de fevereiro de 1987: \"ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar\". São palavras constantes do discurso de posse como Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.\n\nHoje, 5 de outubro de 1988, no que tang e a Constituição, a Nação mudou.\n\nA Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quis mudar o homem em cidadã e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e crédito, lazer quando descansa.\n\nNum País de 30.401.000 analfabetos, afrontoosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.\n\nChegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora.\n\nBem-aventurados os que chegam. Não nos desmoralizamos capitulando ante pressões aliciadoras e comprometedoras, não desertamos, não caímos no caminho. Alguns a fatalidade derrubou: Virgílio Távora, Alair Ferreira, Fábio Lucena, Antonio Farias e Norberto Schwantes. Pronunciamos seus nomes queridos com saudade e orgulho: cumpriram com o seu dever.\n\nA Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo.\n\nA Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma.\n\nQuanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.\n\nA persistência da Constituição é a sobrevivência da Democracia.\n\nQuando, após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgraçe homens e nações, principalmente na América Latina.\n\nAssinalarei algumas marcas da Constituição que passará a comandar esta grande Nação. A primeira é a coragem. A coragem é a matéria-prima da civilização. Sem ela, o dever e as instituições perecem. Sem a coragem as demais virtudes sucumbem na hora do perigo. Sem ela não haveria a cruz nem os evangelhos.\n\nA Assembleia Nacional Constituinte rompeu contra o establishment, investiu contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no genial canto de Camões. Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas com o ouro de seus privilégios e especulações.\n\nFoi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna.\n\nO enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas no longo trajeto das Subcomissões & Redação Final.\n\nA participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franqueavam, livremente, as onze entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, Comissões, galerias e salões.\n\nHá, portanto, representante o exigenciado sopra de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de dezenas, de menores carentes, de índios, de possuidores, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio.\n\nA Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. E sua marca de fábrica.\n\nO inimigo mortal do homem é a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. O Estado de Direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.\n\nTipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do homem, colocando-o no umbral da Constituição e catalogando-lhe o número não superado, só no artigo 5.º, de 77 incisos e 104 dispositivos.\n\nNão lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção.\n\nTem substância popular e cristã o título que consagra: \"A Constituição Cidade\". Vivenciados e originários dos Estados e Municípios, os Constituintes haveriam de ser fiéis à Federação. Exemplarmente o foram.\n\nNo Brasil, desde o Império, o Estado ultraja a geografia. Espantoso despatutério: o Estado contra o País, quando o País é a geografia, a base física da Nação, portanto, do Estado.\n\nÉ elementar: não existe Estado sem País nem País sem a geografia. Esta antinomia é fator de nosso atraso e de muitos de nossos problemas, pois somos um arquipélago social, econômico, ambiental e de costumes, não uma ilha.\n\nA civilização e a grandeza do Brasil percorreram rotas centrífugas e não centrípetas.\n\nOs bandeirantes não ficaram arranhando o litoral como caranguejos, na imagem pitoresca, mas exata, de Frei Vicente do Salvador. Cavalgaram os rios e marcharam para o oeste e para a História, na conquista de um continente.\n\nFoi também indômita vocação federativa que inspirou o gênio de Juscelino Kubitschek, que plantou Brasília longe do mar, no coração do sertão, como o Capital da interiorização e da integração.\n\nA Federação é a unidade na desigualdade, é a coesão pela autonomia das Províncias. Comprimidas pelo centralismo, há o perigo de serem empurradas para a secessão.\n\nÉ a irmandade entre as regiões. Para que não se rompa o elo, as mais prósperas devem colaborar com as menos desenvolvidas. Enquanto houver Norte e Nordeste fracos, não haverá na União Estado forte, pois fraco é o Brasil.\n\nAs necessidades básicas do homem estão nos Estados e nos Municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las.\n\nA Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos Municípios. O desgoberno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade os paços municipais, arranca os grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.\n\nA Constituição reabilitou a Federação ao alocar recursos ponderáveis às unidades regionais e locais, bem como ao arbitrar competência tributária para lastrear-lhes a independência financeira.\n\nDemocracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios.\n\nSe a Democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são Governo o Executivo e o Legislativo. O Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos parlamentos contemporâneos.\n\nÉ axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só. O Governo associativo e gregário é mais apto do que o solitário. Eis outro imperativo de governabilidade: a co-participação e a co-responsabilidade.\n\nCabe a indagação: instituiu-se no Brasil o tricameralismo ou fortaleceu-se o unicameralismo, com as numerosas e fundamentais atribuições cometidas ao Congresso Nacional? A resposta virá pela boca do tempo. Faço votos para que essa regência trina prove bem.\n\nNós, os legisladores, ampliamos nossos deveres. Teremos de honrá-los. A Nação repudia a preguiça, a negligência, a inépcia. Soma-se à nossa atividade ordinária, bastante dilatada, a edição de 56 leis complementares e 314 ordinárias. Não esqueçamos que, na ausência de lei complementar, os cidadãos poderão ter o provimento suplementar pelo Mandado de Injunção.\n\nA confiabilidade do Congresso Nacional permite que repita, pois tem pertinência, o slogan: “Vamos votar, vamos votar”, que integra o folclore de nossa prática constituinte, reproduzido até em horas de diversão e em programas humorísticos.\n\nTem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da Democracia, em participativa além de representativa. E o clamor da soberania popular é direto, tocando no umbral da Constituição, para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais.\n\nO povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar pelo referendo projetos aprovados pelo Parlamento. A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao Prefeito, do Senador ao Vereador.\n\nA moral é o cerne da Pátria.\n\nA corrupção é o crime da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que a pretexto de salvá-la, a tiranizam.\n\nNão roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.\n\nPela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização, através do mandato de segurança coletivo: do direito de receber informações dos órgãos públicos; da prerrogativa de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos Municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às Comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas e poderão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União, do Estado ou do Município. A gratuidade facilita a efetividade dessa fiscalização.\n\nA exposição panorâmica da lei fundamental que hoje passa a reger a Nação, permite conceituá-la, sinoticamente, como a Constituição Coragem, a Constituição Cidadã, a Constituição Federativa, a Constituição Representativa e Participativa, a Constituição do Governo Síntese Executivo-Legislativo, a Constituição Fiscalizadora.\n\nNão é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos.\n\nNão é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhante, do que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abrir-los. Será redentor ao que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.\n\nRecorde-se, alvissareiramente, que o Brasil é o quinto País a implantar o instituto moderno da seguridade, com a integração de ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social, assim como à universalidade dos benefícios para os que contribuiram ou não, além de beneficiar onze milhões de aposentados, espoliados em seus proventos.\n\nÉ consagrador o testemunho da ONU de que nenhuma outra Carta no mundo tenha dedicado mais espaço ao meio ambiente do que a que vamos promulgar.\n\nSenhor Presidente José Sarney: Vossa Excelência cumpriu exemplarmente o compromisso de Tancredo Neves, de Vossa Excelência e da Aliança Democrática ao convocar a Assembléia Nacional Constituinte. A Emenda Constitucional n.º 26 teve origem em Mensagem de seu Governo, vinculando Vossa Excelência à efeméride que hoje a Nação celebra.\n\nNossa homenagem ao Presidente do Senado, Humberto Lucena, atuante na Constituinte pelo seu trabalho, seu talento e pela colaboração fraterna da Casa que representa.\n\nSenhor Ministro Rafael Mayer, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Saúdo o Poder Judiciário na pessoa austera e modelar de Vossa Excelência.\n\nO imperativo de “Muda Brasil”, desafio de nossa geração, não se processará sem o consequente “Muda Justiça”, que se instrumentalizou na Carta Magna com a valiosa contribuição do Poder chefiado por Vossa Excelência. Registro a homogeneidade e o desempenho admirável e solidário de seus altos deveres, por parte dos dignos membros da Mesa Diretora, condôminos imprescindíveis de minha Presidência.\n\nO Relator Bernardo Cabral foi capaz, flexível para o entendimento, mas irremovível nas posições de defesa dos interesses do País. O louvou da Nação aplaudirá sua vida pública.\n\nOs Relatores Adjuntos, José Fogaca, Konder Reis e Adolfo Oliveira, prestaram colaboração unanimemente enaltecida.\n\nO Brasil agradece pela minha voz a honrosa presença dos prestigiosos dignitários do Poder Legislativo do Continente Americano, de Portugal, da Espanha, de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Príncipe e Cabo Verde.\n\nOs Senhores Governadores de Estado e Presidentes das Assembleias Legislativas dão realce singular a esta solenidade histórica.\n\nOs líderes foram o vestibular da Constituinte. Suas reuniões pela manhã e pela madrugada, com autores de emendas e interessados, disciplinaram, agilizavam e qualificaram as decisões do Plenário. Os Anais garantirão seus nomes e sua benemérita faina.\n\nCumprimento as autoridades civis, eclesiásticas e militares, integrados estes em seus feitos com a missão, que cumprem com decisão, de prestar a estabilidade democrática.\n\nNossas congratulações à imprensa, ao rádio e à televisão. Viram tudo, ouviram o que quiseram, tiveram acesso desimpedido às dependências e documentos da Constituinte. Nosso reconhecimento tanto pela divulgação como pelas críticas, que documentam a absoluta liberdade de imprensa neste País.\n\nTestemunho a coadjuvação diuturna e esclarecida dos funcionários e assessores, abraçando-os nas pessoas de seus excepcionais chefes, Paulo Affonso Martins de Oliveira e Adelmar Sabino.\n\nAgora conversamos pela última vez, companheiras e companheiros Constituintes.\n\nA atuação das mulheres nesta Casa foi de tal teor que, pela edificante força do exemplo, aumentará a representação feminina nas futuras eleições.\n\nAgradeço aos Constituintes a eleição como seu Presidente e agrado o convívio alegre, civilizado e motivador. Quanto a mim, cumpri-se o magistério do filósofo: o segredo da felicidade é fazer do seu dever o seu prazer.\n\nTodos os dias, quando divisava, na chegada ao Congresso, a concha côncava da Câmara rogando as bênçãos do céu e a convexa do Senado ouvindo as súplicas da terra, a alegria inundava meu coração. Era como ver a aurora, o canto do rio, ouvir os passarinhos. Senti-me ininterruptamente nove mil horas nesta cadeira, em 320 sessões, gerando até interpretações divertidas pela não saída para lugares biologicamente exigíveis. Somadas às das sessões, foram 17 horas diárias de labor, também no gabinete e na residência, incluidos sábados, domingos e feriados.\n\nPolítico, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfezeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereci. Que o bem que os Constituintes me fizeram frutifique em paz, êxito e alegria para cada um deles.\n\nAdeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de reencontro.\n\nNosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.\n\nAutoridades, Constituintes, Senhoras e Senhores.\n\nA sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado.\n\nO Estado era Tordesilhas. Rebeliada, a sociedade empurrou as fronteiras do Brasil, criando uma das maiores geografias do Universo.\n\nO Estado, encerrando na metrópole, resignara-se ante a invasão holandesa no Nordeste. A sociedade restaurou nossa integridade territorial com a insurreição nativa de Tabocas e Guarapes, sob a liderança de André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e João Fernandes Vieira, que cunhou a frase da preeminência da sociedade sobre o Estado: \"Desobedecer a El-Rei, para servir a El-Rei\".\n\nO Estado capitulou na entrega do Acre, a sociedade retomou-o com as foices, os machados e os punhos de Plácido de Castro e seus seringueiros.\n\nO Estado autoritário prendeu e exilou, a sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou.\n\nA sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.\n\nFoi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-Já, que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.\n\nTermino com as palavras com que comecei esta fala: A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.\n\nA Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança.\n\nQue a promulgação seja nosso grito:\n— Mudar para vencer!\nMuda Brasil!! Senador AFONSO ARINOS (PFL-RJ)\n\nSenhores Constituintes:\n\nPermita que o mais idoso dos representantes do povo com assento nesta Assembleia agradeça, de todo coração, a honra que só por aquele título lhe foi concedida, de falar em nome dela, nesta data em que a palavra do Brasil, ao se elevar neste recinto, ressoa em todo o mundo.\n\nA experiência histórica brasileira em matéria constituinte é bem antiga. Provém da Conspiração da Inconfidência, ocorrida em 1788 na Capitania de Minas Gerais.\n\nO Tiradentes, herói e mártir daquele grande episódio, inspirava-se em um livro francês dedicado ao estudo da Constituição dos Estados Unidos da América, elaborada havia apenas um ano.\n\nA primeira Constituinte brasileira foi convocada pelo Príncipe Regente D. Pedro antes da Independência, por decisão de 3 de junho de 1822, e eleita pela grande maioria das Províncias.\n\nDiscurso proferido pelo Constitutinte AFONSO ARINOS na Sessão solene de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Desde a sua instalação, a 3 de maio de 1823, revelou-se o insano conflito entre a Assembléia, expressão da soberania nacional, e o Príncipe Regente, aferrado à tradição absolutista da monarquia dos Braganzas.\n\nDo dissídio crescente resultou a dissolução da Assembléia, pela tropa militar, na noite de 11 de novembro de 1823, a chamada noite de agonia. Esta agonia da coação militar sobre a representação popular infelizmente não foi a única na nossa história.\n\nA Constituinte caiu com honra, enfrentando as ameaças e acusando energicamente o Príncipe, inclusive com pregações em prol da República. O principal redator do projeto foi o Deputado Antônio Carlos de Andrade, que tomou por modelo, não mais a Constituição dos Estados Unidos, porém aquelas das monarquias continentais da Europa Ocidental.\n\nEsse mesmo modelo francês da Carta outorgada pelo Rei Luís XVIII, em 1814, na fase da Restauração pós-napoleônica, foi embutido na Carta brasileira outorgada a 25 de março de 1824, pelo já Imperador Pedro I. Foi redigida por pequena comissão de brasileiros ilustres, componentes do chamado Conselho de Estado, no qual figuravam diplomatas como Maciel da Costa, Marquês de Queuz; escritores como Mariano de Fonseca, Marquês de Maricá, autor das famosas Máximas; ou provectos juristas como Carneiro de Campos, Marquês de Caravelas, o principal redator do documento.\n\nA Constituinte republicana de 1891, na qual predominou o gênio de Rui Barbosa, voltou ao modelo americano, que nunca funcionou a contento no Brasil nem em nenhum outro sistema presidencialista na América Latina, devido à impossibilidade da criação, por costume e não pelo texto, de um órgão moderador e constantemente renovador como é a Suprema Corte dos Estados Unidos, único país do mundo em que o sistema presidencial funciona a contento. Rui Barbosa, no declínio da vida, rendeu-se a esta verdade.\n\nA terceira Constituinte, de 1934, que encerrou o longo Governo Provisório de Getúlio Vargas, seguiu-se à pressão de vários setores sociais que reclamavam desde a Revolução Paulista de 1932. O texto do projeto foi preparado por uma Comissão presidida pelo Ministro do Exterior, Melo Franco, e composta de outros grandes nomes como Assis Brasil, Antônio Carlos de Andrade, João Mangabeira, Osvaldo Aranha e Oliveira Viana.\nO jurista Carlos Maximiliano, comentarista da Constituição de 1891, foi o relator geral. Concessão perigosa da Comissão foi a eleição do Presidente da República pela Câmara dos Deputados, o que assegurou a Vargas a desejada continuidade no poder e o preparo político esmerado da Constituição fascista de 11 de novembro de 1937 que morreu com a morte do fascismo no mundo.\n\nA quarta Constituite brasileira foi a de 1946, época em que a vitória democrática na Segunda Guerra Mundial determinou um grande movimento constitucional em toda parte.\n\nNa Europa surgiram nove Constituições; na América Latina, doze; nos países árabes e na Ásia, cinco. Ao todo, vinte e seis reordenações jurídicas estatais.\n\nIniciou-se, nesta fase, um movimento sem precedentes no processo geral de elaboração constitucional, movimento este que continua a se manifestar até hoje. Como já acentuamos em outra oportunidade: “Tem sido observado, pelos autores de Direito Constitucional Comparado, um fenômeno realmente marcante... O Direito, nas novas Constituições, parece evoluir, em conjunto, para tornar-se mais um corpo de normas teóricas e finalísticas, e cada vez menos um sistema legal vigente e aplicável. Por outras palavras: nunca existiu distância maior entre a letra escrita dos textos constitucionais e a sua aplicação”.\n\nHoje poderíamos juntar algo de mais grave, que é o seguinte: a aplicabilidade dos textos depende, paradoxalmente, da sua aplicação.\n\nEsta situação anômala manifesta-se fortemente no texto de 1988, confirmando-se aqui aquilo que Oliveira Viana chamou de idealismo constitucional.\n\nÉ importante insistir neste ponto. A garantia dos direitos individuais é cada vez mais eficaz e operativa nas Constituições contemporâneas, mas a garantia dos direitos coletivos e sociais, fortemente capitulados nos textos, sobretudo nos países em desenvolvimento e, particularmente, nas condições do Brasil, torna-se extremamente duvidosa (para usarmos uma expres... são branda), quaisquer que sejam as afirmações gráficas existentes nos documentos, como este que estamos, hoje, comemorando. Afirmar o contrário é ingenuidade, ilusão, ou falta de sinceridade, quem sabe de coragem. Direito individual assegurado, direito social sem garantia: eis a situação.\n\nO Mandado de Injunção vai ser o instrumento dessas experiências. O desiderável é que o Supremo Tribunal Federal, preservando suas tradições de competência, diligência e integridade, se esforce para encaminhar soluções viáveis e realistas, ou para oferecer interpretações aceitáveis às dificuldades, bem como rumos para o enfrentamento gradual dos problemas que vão aparecer entre a letra do texto e sua implementação.\n\nRecordemos, ainda uma vez, que este problema não é só nosso, no Direito Constitucional moderno. Tudo decorre do desajustamento entre a generosidade da aspiração política e a dificuldade da sua implementação jurídica.\n\nSomos, pois, a quinta Assembleia Constituinte brasileira. Lançemos um olhar retrospectivo sobre seus trabalhos, que hoje se encerram, em tão consagradora cerimônia.\n\nA ideia da Constituinte já se manifestava desde o final da década de 70, através de organizações depois transformadas em partidos políticos. Em 1984, formou-se a Aliança Democrática, que indicou o nome do saudoso Tancredo Neves para a Presidência da República. Em 1985, já eleito pelo Colégio Eleitoral, o Presidente Tancredo visitou o presente orador, no Rio, e o convidou para presidir uma Comissão incumbida de redigir o Anteprojeto da Constituição. Formada ela, com personalidades eminentes nas áreas jurídica, política, literária, empresarial, trabalhista e científica, iniciou seus trabalhos em agosto de 1985. Com o dramático falecimento do Presidente Tancredo Neves, assumiu o Presidente José Sarney, que mantinha a convocação. A Constituinte foi eleita em novembro de 1986 e instalada em fevereiro de 1987. Em junho desse ano, foi criada a Comissão de Sistematização presidida pelo mesmo constituinte que chefiara a Comissão lembrada por Tancredo Neves. Aos admiráveis e dedicados membros dessa Comissão coube o preparo final do Projeto da Constituição, concluído no mês de novembro e remetido ao plenario, que o discutiu, enriqueceu-o e finalmente o aprovou por consagradora maioria.\n\nCumprem realizar, finalmente, a colaboração direta do povo no processo político, não só através de centenas de propostas remetidas à Comissão de Sistematização, vindas até do exterior, como também pela ação de grupos variados de brasileiros, que atuavam diretamente: sindicatos, empresários, militares, professores, mulheres, índios e negros. Era estimulante e comovente sentir a mobilização direta do povo, desejos de colaborar na obra de seus representantes.\n\nSenhores Constituintes:\nConcluída está vossa tarefa preferencial, mas outro dever se abre ao vosso cuidado e esforço. Este dever indelcinável é sustentar a Constituição de 1988, apesar de quaisquer divergências com sua feitura; é colaborar nas leis que a tornem mais rapidamente e mais eficientemente operativa, apesar das dificuldades referidas; é colaborar na sua defesa contra a onda que se avoluma e propaga no seio do povo, e que visa a ataque tão desabrido, que esses ataques passaram a envolver toda a classe política. Hoje se está falando dos políticos como se constituissem um grupo específico de aproveitadores hedonistas e mal intencionados.\n\nÉ indispensável deter-mo-nos sobre este aspecto da atualidade nacional, pois ele envolve graves consequências.\n\nComecemos por lembrar que Ação Política corresponde exatamente à ação de governar as coletividades sociais e nacionais integradas no Estado. Se há Estado (e ele existe desde a antiguidade grega), há necessariamente Política. Na Grécia antiga o Estado era a cidade, como a Atenas de Aristóteles ou a Esparta de Licurgo; e a Política era o governo da cidade. Em Roma, o Estado abarcou todo o mundo conhecido, e o governo fez política durante séculos, primeiro com os Reis, depois com a República, depois com o Império.\n\nNa Idade Média não havia Política porque não havia Estado, nem propriamente comunidade social, senão que população escassa de senhores e servos disseminados em volta de castelos em terras que não eram territórios. Com o Renascimento renasce o Estado, e com ele a Política, a terrível \"política\" ditatorial doutrinada por Maquiavel para os Médicis de Florença.\n\nSenhores Constituintes, pensemos seriamente neste movimento, talvez não intencional, mas seguramente orquestrado, que visa a desmoralizar a classe política. Lembremos aos brasileiros de boa fé que Política é exatamente Governo, e que por detrás da campanha insidiosa que atinge a milhões de brasileiros de boa fé, pode haver a intenção de acabar não com a Política, que não acaba nunca, nem pode acabar, mas acabar com as liberdades que estão garantidas na Constituição que elaboramos, como nunca estiveram garantidas em nenhuma outra.\n\nDerrubar a Constituição, exercer os políticos, é derrubar liberdade para entregar a Política atual a outra política, isto é, a outro tipo de governo não declarado, que teria em mãos a sorte e o destino do povo, e com ele o próprio futuro da Pátria.\n\nO desprezo à Política não é a sua supressão, pois ela se confunde com o Governo.\n\nQue haverá por detrás de tudo isso? Será que estamos ameaçados de outro tipo de \"política\", ou seja, as ditaduras civis e militares que têm sido a agonia secular da nossa República?\n\nSenhores Constituintes de hoje, senhores Congressistas de amanhã:\nVosso dever é fazer Política, isto é, defender e praticar a Constituição Brasileira em vigor, acreditar nela, convocar a Nação para defendê-la, se estiver em risco, reagir contra esses riscos disfarçados. Em suma, praticar é defender a Liberdade. Fazer Política, é honrar nosso mandato, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo.
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ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE\n\nSessão solene de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil\n\nEstatuto do Homem, da Liberdade, da Democracia\n\nDeputado ULYSSES GUIMARÃES (PMDB-SP)\n\nExcelentíssimo Senhor Presidente da República, José Sarney. \nExcelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Humberto Lucena.\nExcelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Rafael Mayer.\n\nSenhores Membros da Mesa da Assembleia Nacional Constituinte.\nEminente Relator Bernardo Cabral.\nPreclaros Chefes do Poder Legislativo do países amigos.\nInsignes Embaixadores, saudados no Decano D. Carlos Furno.\nExcelentíssimos Senhores Ministros de Estado.\nExcelentíssimos Senhores Governadores de Estado.\nExcelentíssimos Senhores Presidentes de Assembléias Legislativas.\nDignos Líderes Partidários.\n\nAutoridades civis, militares e religiosas, registrando o comparecimento do Cardeal D. José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília, e de D. Luciano Mendes de Almeida, Presidente da CNBB.\n\nDiscurso proferido pelo Constituinte ULYSSES GUIMARÃES, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na Sessão solene de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Prestigosos Senhores Presidentes de Confederações.\n\nSenhoras e Senhores Constituintes.\n\nMinhas Senhoras e meus Senhores.\n\nDois de fevereiro de 1987: \"ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar\". São palavras constantes do discurso de posse como Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.\n\nHoje, 5 de outubro de 1988, no que tang e a Constituição, a Nação mudou.\n\nA Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quis mudar o homem em cidadã e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e crédito, lazer quando descansa.\n\nNum País de 30.401.000 analfabetos, afrontoosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.\n\nChegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora.\n\nBem-aventurados os que chegam. Não nos desmoralizamos capitulando ante pressões aliciadoras e comprometedoras, não desertamos, não caímos no caminho. Alguns a fatalidade derrubou: Virgílio Távora, Alair Ferreira, Fábio Lucena, Antonio Farias e Norberto Schwantes. Pronunciamos seus nomes queridos com saudade e orgulho: cumpriram com o seu dever.\n\nA Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo.\n\nA Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma.\n\nQuanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.\n\nA persistência da Constituição é a sobrevivência da Democracia.\n\nQuando, após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgraçe homens e nações, principalmente na América Latina.\n\nAssinalarei algumas marcas da Constituição que passará a comandar esta grande Nação. A primeira é a coragem. A coragem é a matéria-prima da civilização. Sem ela, o dever e as instituições perecem. Sem a coragem as demais virtudes sucumbem na hora do perigo. Sem ela não haveria a cruz nem os evangelhos.\n\nA Assembleia Nacional Constituinte rompeu contra o establishment, investiu contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no genial canto de Camões. Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas com o ouro de seus privilégios e especulações.\n\nFoi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna.\n\nO enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas no longo trajeto das Subcomissões & Redação Final.\n\nA participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franqueavam, livremente, as onze entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, Comissões, galerias e salões.\n\nHá, portanto, representante o exigenciado sopra de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de dezenas, de menores carentes, de índios, de possuidores, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio.\n\nA Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. E sua marca de fábrica.\n\nO inimigo mortal do homem é a miséria. Não há pior discriminação do que a miséria. O Estado de Direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.\n\nTipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do homem, colocando-o no umbral da Constituição e catalogando-lhe o número não superado, só no artigo 5.º, de 77 incisos e 104 dispositivos.\n\nNão lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção.\n\nTem substância popular e cristã o título que consagra: \"A Constituição Cidade\". Vivenciados e originários dos Estados e Municípios, os Constituintes haveriam de ser fiéis à Federação. Exemplarmente o foram.\n\nNo Brasil, desde o Império, o Estado ultraja a geografia. Espantoso despatutério: o Estado contra o País, quando o País é a geografia, a base física da Nação, portanto, do Estado.\n\nÉ elementar: não existe Estado sem País nem País sem a geografia. Esta antinomia é fator de nosso atraso e de muitos de nossos problemas, pois somos um arquipélago social, econômico, ambiental e de costumes, não uma ilha.\n\nA civilização e a grandeza do Brasil percorreram rotas centrífugas e não centrípetas.\n\nOs bandeirantes não ficaram arranhando o litoral como caranguejos, na imagem pitoresca, mas exata, de Frei Vicente do Salvador. Cavalgaram os rios e marcharam para o oeste e para a História, na conquista de um continente.\n\nFoi também indômita vocação federativa que inspirou o gênio de Juscelino Kubitschek, que plantou Brasília longe do mar, no coração do sertão, como o Capital da interiorização e da integração.\n\nA Federação é a unidade na desigualdade, é a coesão pela autonomia das Províncias. Comprimidas pelo centralismo, há o perigo de serem empurradas para a secessão.\n\nÉ a irmandade entre as regiões. Para que não se rompa o elo, as mais prósperas devem colaborar com as menos desenvolvidas. Enquanto houver Norte e Nordeste fracos, não haverá na União Estado forte, pois fraco é o Brasil.\n\nAs necessidades básicas do homem estão nos Estados e nos Municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las.\n\nA Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos Municípios. O desgoberno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade os paços municipais, arranca os grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.\n\nA Constituição reabilitou a Federação ao alocar recursos ponderáveis às unidades regionais e locais, bem como ao arbitrar competência tributária para lastrear-lhes a independência financeira.\n\nDemocracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios.\n\nSe a Democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são Governo o Executivo e o Legislativo. O Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos parlamentos contemporâneos.\n\nÉ axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só. O Governo associativo e gregário é mais apto do que o solitário. Eis outro imperativo de governabilidade: a co-participação e a co-responsabilidade.\n\nCabe a indagação: instituiu-se no Brasil o tricameralismo ou fortaleceu-se o unicameralismo, com as numerosas e fundamentais atribuições cometidas ao Congresso Nacional? A resposta virá pela boca do tempo. Faço votos para que essa regência trina prove bem.\n\nNós, os legisladores, ampliamos nossos deveres. Teremos de honrá-los. A Nação repudia a preguiça, a negligência, a inépcia. Soma-se à nossa atividade ordinária, bastante dilatada, a edição de 56 leis complementares e 314 ordinárias. Não esqueçamos que, na ausência de lei complementar, os cidadãos poderão ter o provimento suplementar pelo Mandado de Injunção.\n\nA confiabilidade do Congresso Nacional permite que repita, pois tem pertinência, o slogan: “Vamos votar, vamos votar”, que integra o folclore de nossa prática constituinte, reproduzido até em horas de diversão e em programas humorísticos.\n\nTem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da Democracia, em participativa além de representativa. E o clamor da soberania popular é direto, tocando no umbral da Constituição, para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais.\n\nO povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar pelo referendo projetos aprovados pelo Parlamento. A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao Prefeito, do Senador ao Vereador.\n\nA moral é o cerne da Pátria.\n\nA corrupção é o crime da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que a pretexto de salvá-la, a tiranizam.\n\nNão roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.\n\nPela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização, através do mandato de segurança coletivo: do direito de receber informações dos órgãos públicos; da prerrogativa de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos Municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às Comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas e poderão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União, do Estado ou do Município. A gratuidade facilita a efetividade dessa fiscalização.\n\nA exposição panorâmica da lei fundamental que hoje passa a reger a Nação, permite conceituá-la, sinoticamente, como a Constituição Coragem, a Constituição Cidadã, a Constituição Federativa, a Constituição Representativa e Participativa, a Constituição do Governo Síntese Executivo-Legislativo, a Constituição Fiscalizadora.\n\nNão é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de cinco anos.\n\nNão é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhante, do que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abrir-los. Será redentor ao que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.\n\nRecorde-se, alvissareiramente, que o Brasil é o quinto País a implantar o instituto moderno da seguridade, com a integração de ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social, assim como à universalidade dos benefícios para os que contribuiram ou não, além de beneficiar onze milhões de aposentados, espoliados em seus proventos.\n\nÉ consagrador o testemunho da ONU de que nenhuma outra Carta no mundo tenha dedicado mais espaço ao meio ambiente do que a que vamos promulgar.\n\nSenhor Presidente José Sarney: Vossa Excelência cumpriu exemplarmente o compromisso de Tancredo Neves, de Vossa Excelência e da Aliança Democrática ao convocar a Assembléia Nacional Constituinte. A Emenda Constitucional n.º 26 teve origem em Mensagem de seu Governo, vinculando Vossa Excelência à efeméride que hoje a Nação celebra.\n\nNossa homenagem ao Presidente do Senado, Humberto Lucena, atuante na Constituinte pelo seu trabalho, seu talento e pela colaboração fraterna da Casa que representa.\n\nSenhor Ministro Rafael Mayer, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Saúdo o Poder Judiciário na pessoa austera e modelar de Vossa Excelência.\n\nO imperativo de “Muda Brasil”, desafio de nossa geração, não se processará sem o consequente “Muda Justiça”, que se instrumentalizou na Carta Magna com a valiosa contribuição do Poder chefiado por Vossa Excelência. Registro a homogeneidade e o desempenho admirável e solidário de seus altos deveres, por parte dos dignos membros da Mesa Diretora, condôminos imprescindíveis de minha Presidência.\n\nO Relator Bernardo Cabral foi capaz, flexível para o entendimento, mas irremovível nas posições de defesa dos interesses do País. O louvou da Nação aplaudirá sua vida pública.\n\nOs Relatores Adjuntos, José Fogaca, Konder Reis e Adolfo Oliveira, prestaram colaboração unanimemente enaltecida.\n\nO Brasil agradece pela minha voz a honrosa presença dos prestigiosos dignitários do Poder Legislativo do Continente Americano, de Portugal, da Espanha, de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Príncipe e Cabo Verde.\n\nOs Senhores Governadores de Estado e Presidentes das Assembleias Legislativas dão realce singular a esta solenidade histórica.\n\nOs líderes foram o vestibular da Constituinte. Suas reuniões pela manhã e pela madrugada, com autores de emendas e interessados, disciplinaram, agilizavam e qualificaram as decisões do Plenário. Os Anais garantirão seus nomes e sua benemérita faina.\n\nCumprimento as autoridades civis, eclesiásticas e militares, integrados estes em seus feitos com a missão, que cumprem com decisão, de prestar a estabilidade democrática.\n\nNossas congratulações à imprensa, ao rádio e à televisão. Viram tudo, ouviram o que quiseram, tiveram acesso desimpedido às dependências e documentos da Constituinte. Nosso reconhecimento tanto pela divulgação como pelas críticas, que documentam a absoluta liberdade de imprensa neste País.\n\nTestemunho a coadjuvação diuturna e esclarecida dos funcionários e assessores, abraçando-os nas pessoas de seus excepcionais chefes, Paulo Affonso Martins de Oliveira e Adelmar Sabino.\n\nAgora conversamos pela última vez, companheiras e companheiros Constituintes.\n\nA atuação das mulheres nesta Casa foi de tal teor que, pela edificante força do exemplo, aumentará a representação feminina nas futuras eleições.\n\nAgradeço aos Constituintes a eleição como seu Presidente e agrado o convívio alegre, civilizado e motivador. Quanto a mim, cumpri-se o magistério do filósofo: o segredo da felicidade é fazer do seu dever o seu prazer.\n\nTodos os dias, quando divisava, na chegada ao Congresso, a concha côncava da Câmara rogando as bênçãos do céu e a convexa do Senado ouvindo as súplicas da terra, a alegria inundava meu coração. Era como ver a aurora, o canto do rio, ouvir os passarinhos. Senti-me ininterruptamente nove mil horas nesta cadeira, em 320 sessões, gerando até interpretações divertidas pela não saída para lugares biologicamente exigíveis. Somadas às das sessões, foram 17 horas diárias de labor, também no gabinete e na residência, incluidos sábados, domingos e feriados.\n\nPolítico, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfezeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereci. Que o bem que os Constituintes me fizeram frutifique em paz, êxito e alegria para cada um deles.\n\nAdeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de reencontro.\n\nNosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.\n\nAutoridades, Constituintes, Senhoras e Senhores.\n\nA sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado.\n\nO Estado era Tordesilhas. Rebeliada, a sociedade empurrou as fronteiras do Brasil, criando uma das maiores geografias do Universo.\n\nO Estado, encerrando na metrópole, resignara-se ante a invasão holandesa no Nordeste. A sociedade restaurou nossa integridade territorial com a insurreição nativa de Tabocas e Guarapes, sob a liderança de André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e João Fernandes Vieira, que cunhou a frase da preeminência da sociedade sobre o Estado: \"Desobedecer a El-Rei, para servir a El-Rei\".\n\nO Estado capitulou na entrega do Acre, a sociedade retomou-o com as foices, os machados e os punhos de Plácido de Castro e seus seringueiros.\n\nO Estado autoritário prendeu e exilou, a sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou.\n\nA sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.\n\nFoi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-Já, que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.\n\nTermino com as palavras com que comecei esta fala: A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.\n\nA Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança.\n\nQue a promulgação seja nosso grito:\n— Mudar para vencer!\nMuda Brasil!! Senador AFONSO ARINOS (PFL-RJ)\n\nSenhores Constituintes:\n\nPermita que o mais idoso dos representantes do povo com assento nesta Assembleia agradeça, de todo coração, a honra que só por aquele título lhe foi concedida, de falar em nome dela, nesta data em que a palavra do Brasil, ao se elevar neste recinto, ressoa em todo o mundo.\n\nA experiência histórica brasileira em matéria constituinte é bem antiga. Provém da Conspiração da Inconfidência, ocorrida em 1788 na Capitania de Minas Gerais.\n\nO Tiradentes, herói e mártir daquele grande episódio, inspirava-se em um livro francês dedicado ao estudo da Constituição dos Estados Unidos da América, elaborada havia apenas um ano.\n\nA primeira Constituinte brasileira foi convocada pelo Príncipe Regente D. Pedro antes da Independência, por decisão de 3 de junho de 1822, e eleita pela grande maioria das Províncias.\n\nDiscurso proferido pelo Constitutinte AFONSO ARINOS na Sessão solene de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Desde a sua instalação, a 3 de maio de 1823, revelou-se o insano conflito entre a Assembléia, expressão da soberania nacional, e o Príncipe Regente, aferrado à tradição absolutista da monarquia dos Braganzas.\n\nDo dissídio crescente resultou a dissolução da Assembléia, pela tropa militar, na noite de 11 de novembro de 1823, a chamada noite de agonia. Esta agonia da coação militar sobre a representação popular infelizmente não foi a única na nossa história.\n\nA Constituinte caiu com honra, enfrentando as ameaças e acusando energicamente o Príncipe, inclusive com pregações em prol da República. O principal redator do projeto foi o Deputado Antônio Carlos de Andrade, que tomou por modelo, não mais a Constituição dos Estados Unidos, porém aquelas das monarquias continentais da Europa Ocidental.\n\nEsse mesmo modelo francês da Carta outorgada pelo Rei Luís XVIII, em 1814, na fase da Restauração pós-napoleônica, foi embutido na Carta brasileira outorgada a 25 de março de 1824, pelo já Imperador Pedro I. Foi redigida por pequena comissão de brasileiros ilustres, componentes do chamado Conselho de Estado, no qual figuravam diplomatas como Maciel da Costa, Marquês de Queuz; escritores como Mariano de Fonseca, Marquês de Maricá, autor das famosas Máximas; ou provectos juristas como Carneiro de Campos, Marquês de Caravelas, o principal redator do documento.\n\nA Constituinte republicana de 1891, na qual predominou o gênio de Rui Barbosa, voltou ao modelo americano, que nunca funcionou a contento no Brasil nem em nenhum outro sistema presidencialista na América Latina, devido à impossibilidade da criação, por costume e não pelo texto, de um órgão moderador e constantemente renovador como é a Suprema Corte dos Estados Unidos, único país do mundo em que o sistema presidencial funciona a contento. Rui Barbosa, no declínio da vida, rendeu-se a esta verdade.\n\nA terceira Constituinte, de 1934, que encerrou o longo Governo Provisório de Getúlio Vargas, seguiu-se à pressão de vários setores sociais que reclamavam desde a Revolução Paulista de 1932. O texto do projeto foi preparado por uma Comissão presidida pelo Ministro do Exterior, Melo Franco, e composta de outros grandes nomes como Assis Brasil, Antônio Carlos de Andrade, João Mangabeira, Osvaldo Aranha e Oliveira Viana.\nO jurista Carlos Maximiliano, comentarista da Constituição de 1891, foi o relator geral. Concessão perigosa da Comissão foi a eleição do Presidente da República pela Câmara dos Deputados, o que assegurou a Vargas a desejada continuidade no poder e o preparo político esmerado da Constituição fascista de 11 de novembro de 1937 que morreu com a morte do fascismo no mundo.\n\nA quarta Constituite brasileira foi a de 1946, época em que a vitória democrática na Segunda Guerra Mundial determinou um grande movimento constitucional em toda parte.\n\nNa Europa surgiram nove Constituições; na América Latina, doze; nos países árabes e na Ásia, cinco. Ao todo, vinte e seis reordenações jurídicas estatais.\n\nIniciou-se, nesta fase, um movimento sem precedentes no processo geral de elaboração constitucional, movimento este que continua a se manifestar até hoje. Como já acentuamos em outra oportunidade: “Tem sido observado, pelos autores de Direito Constitucional Comparado, um fenômeno realmente marcante... O Direito, nas novas Constituições, parece evoluir, em conjunto, para tornar-se mais um corpo de normas teóricas e finalísticas, e cada vez menos um sistema legal vigente e aplicável. Por outras palavras: nunca existiu distância maior entre a letra escrita dos textos constitucionais e a sua aplicação”.\n\nHoje poderíamos juntar algo de mais grave, que é o seguinte: a aplicabilidade dos textos depende, paradoxalmente, da sua aplicação.\n\nEsta situação anômala manifesta-se fortemente no texto de 1988, confirmando-se aqui aquilo que Oliveira Viana chamou de idealismo constitucional.\n\nÉ importante insistir neste ponto. A garantia dos direitos individuais é cada vez mais eficaz e operativa nas Constituições contemporâneas, mas a garantia dos direitos coletivos e sociais, fortemente capitulados nos textos, sobretudo nos países em desenvolvimento e, particularmente, nas condições do Brasil, torna-se extremamente duvidosa (para usarmos uma expres... são branda), quaisquer que sejam as afirmações gráficas existentes nos documentos, como este que estamos, hoje, comemorando. Afirmar o contrário é ingenuidade, ilusão, ou falta de sinceridade, quem sabe de coragem. Direito individual assegurado, direito social sem garantia: eis a situação.\n\nO Mandado de Injunção vai ser o instrumento dessas experiências. O desiderável é que o Supremo Tribunal Federal, preservando suas tradições de competência, diligência e integridade, se esforce para encaminhar soluções viáveis e realistas, ou para oferecer interpretações aceitáveis às dificuldades, bem como rumos para o enfrentamento gradual dos problemas que vão aparecer entre a letra do texto e sua implementação.\n\nRecordemos, ainda uma vez, que este problema não é só nosso, no Direito Constitucional moderno. Tudo decorre do desajustamento entre a generosidade da aspiração política e a dificuldade da sua implementação jurídica.\n\nSomos, pois, a quinta Assembleia Constituinte brasileira. Lançemos um olhar retrospectivo sobre seus trabalhos, que hoje se encerram, em tão consagradora cerimônia.\n\nA ideia da Constituinte já se manifestava desde o final da década de 70, através de organizações depois transformadas em partidos políticos. Em 1984, formou-se a Aliança Democrática, que indicou o nome do saudoso Tancredo Neves para a Presidência da República. Em 1985, já eleito pelo Colégio Eleitoral, o Presidente Tancredo visitou o presente orador, no Rio, e o convidou para presidir uma Comissão incumbida de redigir o Anteprojeto da Constituição. Formada ela, com personalidades eminentes nas áreas jurídica, política, literária, empresarial, trabalhista e científica, iniciou seus trabalhos em agosto de 1985. Com o dramático falecimento do Presidente Tancredo Neves, assumiu o Presidente José Sarney, que mantinha a convocação. A Constituinte foi eleita em novembro de 1986 e instalada em fevereiro de 1987. Em junho desse ano, foi criada a Comissão de Sistematização presidida pelo mesmo constituinte que chefiara a Comissão lembrada por Tancredo Neves. Aos admiráveis e dedicados membros dessa Comissão coube o preparo final do Projeto da Constituição, concluído no mês de novembro e remetido ao plenario, que o discutiu, enriqueceu-o e finalmente o aprovou por consagradora maioria.\n\nCumprem realizar, finalmente, a colaboração direta do povo no processo político, não só através de centenas de propostas remetidas à Comissão de Sistematização, vindas até do exterior, como também pela ação de grupos variados de brasileiros, que atuavam diretamente: sindicatos, empresários, militares, professores, mulheres, índios e negros. Era estimulante e comovente sentir a mobilização direta do povo, desejos de colaborar na obra de seus representantes.\n\nSenhores Constituintes:\nConcluída está vossa tarefa preferencial, mas outro dever se abre ao vosso cuidado e esforço. Este dever indelcinável é sustentar a Constituição de 1988, apesar de quaisquer divergências com sua feitura; é colaborar nas leis que a tornem mais rapidamente e mais eficientemente operativa, apesar das dificuldades referidas; é colaborar na sua defesa contra a onda que se avoluma e propaga no seio do povo, e que visa a ataque tão desabrido, que esses ataques passaram a envolver toda a classe política. Hoje se está falando dos políticos como se constituissem um grupo específico de aproveitadores hedonistas e mal intencionados.\n\nÉ indispensável deter-mo-nos sobre este aspecto da atualidade nacional, pois ele envolve graves consequências.\n\nComecemos por lembrar que Ação Política corresponde exatamente à ação de governar as coletividades sociais e nacionais integradas no Estado. Se há Estado (e ele existe desde a antiguidade grega), há necessariamente Política. Na Grécia antiga o Estado era a cidade, como a Atenas de Aristóteles ou a Esparta de Licurgo; e a Política era o governo da cidade. Em Roma, o Estado abarcou todo o mundo conhecido, e o governo fez política durante séculos, primeiro com os Reis, depois com a República, depois com o Império.\n\nNa Idade Média não havia Política porque não havia Estado, nem propriamente comunidade social, senão que população escassa de senhores e servos disseminados em volta de castelos em terras que não eram territórios. Com o Renascimento renasce o Estado, e com ele a Política, a terrível \"política\" ditatorial doutrinada por Maquiavel para os Médicis de Florença.\n\nSenhores Constituintes, pensemos seriamente neste movimento, talvez não intencional, mas seguramente orquestrado, que visa a desmoralizar a classe política. Lembremos aos brasileiros de boa fé que Política é exatamente Governo, e que por detrás da campanha insidiosa que atinge a milhões de brasileiros de boa fé, pode haver a intenção de acabar não com a Política, que não acaba nunca, nem pode acabar, mas acabar com as liberdades que estão garantidas na Constituição que elaboramos, como nunca estiveram garantidas em nenhuma outra.\n\nDerrubar a Constituição, exercer os políticos, é derrubar liberdade para entregar a Política atual a outra política, isto é, a outro tipo de governo não declarado, que teria em mãos a sorte e o destino do povo, e com ele o próprio futuro da Pátria.\n\nO desprezo à Política não é a sua supressão, pois ela se confunde com o Governo.\n\nQue haverá por detrás de tudo isso? Será que estamos ameaçados de outro tipo de \"política\", ou seja, as ditaduras civis e militares que têm sido a agonia secular da nossa República?\n\nSenhores Constituintes de hoje, senhores Congressistas de amanhã:\nVosso dever é fazer Política, isto é, defender e praticar a Constituição Brasileira em vigor, acreditar nela, convocar a Nação para defendê-la, se estiver em risco, reagir contra esses riscos disfarçados. Em suma, praticar é defender a Liberdade. Fazer Política, é honrar nosso mandato, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo.