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Psicologia Social

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CAPÍTULO 12 TEXTO PSICOLOGIA SOCIAL Se pensarmos a Psicologia como o estudo do mundo psicológico, torna-se importante incluir nessa ciência a reflexão e o estudo da relação dos indivíduos com o coletivo em que estão inseridos. Como nos tornamos o que somos? A sociedade, os outros e o coletivo têm algo a ver com isso? A relação indivíduo-sociedade é, assim, o tema geral da Psicologia Social. Psicologia Social é uma área da Psicologia. Seu objeto, no entanto, não tem sido consensual: para alguns é o estudo do comportamento em interação social e para outros é a dimensão subjetiva dos fenômenos sociais. Vamos lhe apresentar, separadamente, cada uma dessas psicologias sociais, mas antes vamos uni-las para falar de uma só área. Há uma preocupação comum, presente nas duas tendências, que é a relação que os indivíduos mantêm com o coletivo no qual estão inseridos. Indivíduo-Sociedade: Uma Relação Importante A Psicologia, ao procurar estudar o ser humano e tornar-se a ciência do psicológico de acordo com regras e preceitos da ciência moderna (objetiva, neutra, sistemática e empírica), encontrou dificuldades, pois o sujeito que estuda tem como objeto um sujeito igual a ele. Sujeito e objeto da pesquisa são o mesmo. A exigência da ciência moderna era manter-se afastada do objeto: ser uma ciência objetiva da subjetividade. Dicotomia Divisão de um conceito em dois grupos contraditórios. Guiada por essa perspectiva, a Psicologia se respaldou e fundamentou em uma base dicotômica: de um lado a subjetividade e de outro a objetividade como coisas separadas. Assim, indivíduo e sociedade ficaram separados nas construções teóricas da Psicologia; pensados como instâncias diferentes e sem relação na sua constituição. A Psicologia Social, como área da Psicologia, não escapou a essa história. Estudou dicotomicamente a relação indivíduo-sociedade e se perguntou: que influência o coletivo tem sobre os indivíduos? O nosso primeiro bloco de teorias na Psicologia Social é composto daqueles que, com base nessa separação indivíduo-sociedade, se propuseram a estudar as "manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação". (RODRIGUES, Aroldo e ASSMAR, Eveline M. L. Psicologia social. Petrópolis: Vozes, p. 3) A interação social, a interdependência entre os indivíduos, o comportamento dos indivíduos a partir de um lugar social, o encontro BIBLIOTECA INTA A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA 177 social são os objetos investigados por essas teorias. Assim, torna-se o encontro social como referência para conhecer o conjunto dos conceitos. Os principais conceitos são: percepção social, comunicação, atitudes, mudança de atitudes, papéis sociais, representação do eu, grupos sociais, socialização. O segundo bloco é formado pelas teorias que criticaram a dicotomia presente nas teorias do primeiro bloco e partiram para a produção de um pensamento que tomasse o indivíduo e a sociedade como âmbitos de um mesmo processo, em que ambos se constituem mutuamente. Para essas teorias não há humano, da forma como se apresenta, não fosse a vida coletiva, em sociedade. A sociedade, por sua vez, é o espaço criado a partir das relações entre os "sócios" (indivíduos em sociedade) que produzem a vida e a si mesmos. Não se pode entender os indivíduos e sua subjetividade, sem se considerar sua inserção em uma sociedade. Mas vamos aos poucos. Primeiro Bloco: As Teorias Dicotômicas As teorias desse bloco estão relacionadas diretamente às primeiras incursões no campo que veio a se chamar Psicologia Social. A Psicologia Social tem sua origem marcada pelas preocupações decorrentes da expansão, consolidação e crise do capitalismo durante o século XIX. Tornava-se necessário entender o comportamento dos indivíduos em sociedades que se encontravam em grandes massas ou multidões. A Sociologia respondia quatro de seus entendimentos gerais, mas surgiram tentativas no campo da Psicologia de resolvê-las. Pode-se indicar aí o início da Psicologia Social. A Psicologia dos povos, por exemplo, respondia a necessidades dos alemães de encontrarem noções e teorizações que pudessem contribuir para a formação rápida da "nação" alemã. Inglaterra e França já estavam à frente nesse movimento, mas a Alemanha precisava avançar na direção da unificação do povo alemão e empregou esforços políticos e intelectuais para isso. Defenderiam a ideia teórica de uma alma supraindividual que seria o povo e a Nação. A alma do indivíduo constituiria parte subalterna da alma do povo. O processo migratório do final do século XIX e início do século XX colocou com intensidade o problema da comunicação linguística e de interinfluências dos povos e o interesse em se ter uma psicologia de cada um desses agrupamentos sociais. Na França e na Itália, a questão do controle das manifestações sociais que aconteciam vai se tornar uma questão importante. A França foi palco das primeiras manifestações contra o capitalismo. O proletariado e os grupos socialistas se organizaram e passaram a ter um lugar como atores importantes na cena social. George Tarde (1890) publicou sobre a Psicologia das massas, produzindo conhecimentos sobre os estados afetivos, não racionais, do comportamento coletivo. Em 1895, Le Bon publicou Psicologia das multidões. 178 PSICOLOGIAS Mas é o pragmatismo americano que, no século XX (a partir de 1920), vai permitir o grande desenvolvimento na Psicologia Social. Descolam-se da ideia de Psicologia das massas e trazem o pequeno grupo e as relações interpessoais para o lugar de objeto básico da investigação científica nesse campo. Sem qualquer crítica à dicotomia, a Psicologia Social vai se desenvolver acolhendo duas visões: uma sociológica e outra psicológica. A divisão era inevitável, pois ao não criticarem e superarem a dicotomia restava escolher qual dos dois âmbitos era a influência mais forte para o outro. A sociedade determinava o comportamento dos indivíduos com sua força coercitiva ou o indivíduo possuía força e características que, recebendo influência da sociedade, a organizava de forma própria, autodeterminando seu comportamento em sociedade. A Visão Sociológica Influenciada pelas visões sociológicas, em especial a de Durkheim, afirma o domínio da exterioridade sobre o indivíduo. Sua mais completa expressão está na Teoria dos Papéis Sociais. Entendida a sociedade como um conjunto de posições sociais (como a posição de médico, de professor, de aluno, de filho, de pai), todas as expectativas de comportamento estabelecidas pelo conjunto social para os ocupantes das diferentes posições sociais determinam o chamado papel prescrito. Assim, sabemos o que esperar de alguém que ocupa determinada posição. Assim, quando ocorre um encontro entre duas ou mais pessoas, elas utilizarão indícios da posição que cada uma ocupa para decidir sobre como tratá-lo, ou que dizer, enfim, como comportar-se. Por exemplo, o médico é identificado pela roupa branca e pelo estetoscópio que carrega, e assim entenderão que não vai usá-la para saber de classe que carrega... Enfim, preste atenção e vai ver quantos indícios utilizar para saber quem é a pessoa que se apresenta a você no encontro social e assim poder decidir sobre o que fazer. Todos os comportamentos que manifestamos em nosso encontro são chamados, na Psicologia Social, de papel desempenhado. Tais comportamentos, por sua vez, podem ou não estar de acordo com a prescrição social, isto é, às normas prescritas socialmente para o desempenho de determinado papel. Os papéis sociais permitem-nos compreender a situação social, pois são referências para a nossa percepção do outro, ao mesmo tempo em que são referências para o nosso próprio comportamento. Se no encontro social nos apresentamos como ocupantes da posição de professores ou autores de um livro, sabemos como nos comportar, porque aprendemos, no decorrer de nossa socialização, o que está prescrito para os ocupantes dessas posições. Se formos convidados a proferir uma palestra em sua escola, não iremos vestidos como se estivéssemos indo para o clube. E aqui vale a pena ressaltar que, quando aprendemos um papel social, aprendemos também o papel complementar, isto é, quando aprendemos a nos comportar como alunos, desde o início de nossa vida escolar, estamos também aprendendo o papel do outro com quem interagimos - o papel do professor. BIBLIOTECA INTA Os diferentes papeis sociais e a nossa enorme plasticidade como seres humanos per- mitem que nos adaptemos às diferentes siturações sociais e que sejamos capazes de nos comportar diferentemente em cada uma delas. Aprender os nossos papeis sociais é, na realidade, aprender o conjunto de rituais que nossa sociedade criou. Desempenhar os papéis é também manter a sociedade funcionando e realizando as tarefas necessárias ao seu bom funcionamento e à sobrevivência de todos. Goffman, no final dos anos 1950 (1959) publicou o livro A representação do eu na vida cotidiana. Utilizou a linguagem teatral para fazer avançar a Teoria do Papel. Consi- derado um autor no campo da Antropologia Social, foi muito estudado e utilizado como referência na Psicologia Social. Construiu um modelo de analise sobre os mecanismos utilizados pelas pessoas, em sociedade, para produzir, controlar e garantir determinada impressão causada. Explicando melhor, para Goffman as pessoas sempre querem causar determinada impressão nos outros e farão tudo para isso. Roupas, maneiras, jeito, as- sunto, objetos de uso pessoal, enfim, utilizarão o que estiver ao seu alcance para parecer determinada espécie de pessoa. Os recursos utilizados estão disponíveis na cultura, na sociedade e, portanto, são conhecidos também pelos outros, que tenderão, por sua vez, a criar uma impressão próxima ou não da intenção do indivíduo. Causada a impressão, as pessoas tem agora que garantir que ela seja mantida e, de novo, utilizarão os mecanis- mos de controle que estiverem ao seu alcance. Goffman descreveu muitos mecanismos utilizados nessas encenações e utilizando a linguagem teatral vai desvendando as formas com que nos comportamos em sociedade. Em 1961 publicou livro Manicômios, prisões e conventos, no qual utilizou o modelo citado analisou as instituições totais, ou seja, aquelas que abarcam toda a vida dos indiví- duos. Sua análise foi útil para as críticas que se sucederam às instituições como prisões e manicômios. Em 1963, outra publicação de Goffman foi importante: O estigma, na qual analisou o processo de estigmatização, ou seja, a manipulação das identidades deterioradas. Goffman de forma e nome ao chamado controle social a maneira como a socieda- de pressiona os indivíduos para que atuem de acordo com as regras e as expectativas sociais. Mas ao escapar o dicotomia: de um lado estava o sujeito; do outro, uma so- ciedade com regras e modelos de conduta. A tarefa da ciência é apenas descrever esse encontro. A subjetividade e o comportamento dos indivíduos estão submetidos a extre- ioridade de forma mecanica. Há, em Goffman, uma naturalização da pressão social e da tarefa de controlar as impressões. A VISÃO PSICOLÓGICA Dialogando com a visão sociológica, a Teoria Cognitivista — também produção ame- ricana da segunda metade de século XX — acreditou ser necessário fortalecer o indivíduo na relação com a sociedade e afirmou que a pressão social, os papéis e as expectativas não terão nenhuma influência sobre os indivíduos se eles não as perceberem. Assim, a forma como o indivíduo se põe frente à sociedade, como percebe os outros, como com- tende as regras sociais, como lhe chegam as expectativas, tudo isso é fundamental para entender o comportamento em sociedade. Influenciados pela Gestalt (que chega aos EUA com os alemães refugiados do nazis- mo), vão formular a Teoria Cognitivista. A nossa enorme plasticidade como seres humanos permite que nos adaptemos às diferentes situações sociais. A pressão social, os papéis e as expectativas não terão nenhuma influência sobre os indivíduos se eles não as perceberem. 180 | PSICOLOGIAS Cognição é a organização estruturada e significativa que o sujeito faz a partir de suas percepções e das influências que recebe do meio. A interação social e o encontro social são os objetos investigados por essa perspectiva. Vamos imaginar um encontro social e apresentar a partir daí os conceitos. PERCEPÇÃO SOCIAL Nós, autores deste livro, encontramos-nos com você. Essa é nossa suposição e nosso ponto de partida. O primeiro processo desencadeado é o da percepção social. Perce- bemo-nos um ao outro. E percebemos não só a presença do outro, mas o conjunto de características que apresenta, o que nos possibilita “ter uma impressão” dele. Essa impressão é possível porque, a partir de nossos contatos com o mundo, vamos or- ganizando essas informações em nossa cognição (organização do conhecimento no nível da consciência), e é essa organização que nos permitirá compreender ou categorizar um novo fato. Assim, se você estiver vestido de calça jeans, camiseta, tênis de caderno e livros nas mãos, a sua aparência nos permitirá percebe-lo como um estudante. E nós, com o dobro da sua idade e um estilo semelhente de vestir, seremos categorizados como professores. A percepção é, pois, um processo que vai desde a recepção do estímulo pelos órgãos dos sentidos até a atribuição de significado ao estímulo. COMUNICAÇÃO Quando percebemos (condição para o encontro), podemos dizer que já teve início a comunicação. A comunicação é um processo que envolve codificação (formação de um sistema de códigos) e decodificação (forma de procurar entender a codificação) de men- sagens. Essas mensagens permitem a troca de informações entre os indivíduos. Dizemos: a você, nós percebemos como estudante. Nossa percepção é que você, como estudante, entende o que estamos falando porque somos professores. Logo, você pri- lizamos o código que é comum entre nós. Recebe essa mensagem, decodifica-a e então tem condições de nos responder: Eu também tenho prazer em conhecê-los (nova mensagem, no mesmo código, o que, por sua vez, sera decodificada por nos). A comunicação não é constituída apenas de código verbal. Também utilizamos para a comunicação expressões de rosto, gestos, movimentos, desenhos e sinais. A partir desse esquema básico da comu- nicação: transmissor (aquele que codifica), mensagem (transmitida utilizando um códi- go), receptor (aquele que decodifica), a Psi- cologia Social estudou o processo de inter- dependência e de influencia entre as pessoas que se comunicam, respondendo a questões do tipo: como se da influencia, quais as ca- racterísticas da mensagem, como aumentar nosso poder de persuasão por meio da co- municação e quais os processos psicológicos envolvidos na comunicação? Percebemo-nos um ao outro. A comunicação é um processo que envolve codificação e decodificação de mensagens. BIBLIOTECA INTA A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA | 181 ATTITUDES A partir da percepção do meio social e dos outros, o individuo vai organizando essas informações, relacionando-as com afetos (positivos ou negativos) e desen- volvendo uma predisposição para agir (favorável ou desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos objetos presentes no meio social. A essas informações com forte carga afetiva, que predispõem o individuo para determinada ação (comportamento), da- mos o nome de atitudes. Portanto, para a Psicologia Social, diferentemente do senso comum, nós não toma- mos atitudes (comportamento, ação), nós desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opi- niões) em relação aos objetos do meio social. As atitudes possibilitam-nos certa regularidade na relação com o meio. Temos atitu- des positivas em relação a determinados objetos ou pessoas, o que nos predispõe a uma ação favorável em relação a eles. Isso porque os componentes da atitude – informações, afeto e predisposição para a ação – tendem a ser congruentes. Assim, se você se apresenta como estudante e traz em suas mãos este livro escrito por nós, a possibilidade de desenvolvermos uma atitude positiva em relação a você é muito grande, pois já temos anteriormente informações e afetos positivos em relação a estudantes, principalmente aos que estão lendo nosso livro. Dessa forma, é de se esperar que nosso comportamento em relação a você seja “favorável” – vamos cumprimenta-lo, convidá-lo para tomar um café na cantina etc. As atitudes são, assim, bons preditores de comportamentos. No entanto, não é com tanta facilidade que conseguimos prever o comportamen- to de alguém a partir do conhecimento de sua atitude, pois nosso comportamento é resultante também da situação dada e de várias atitudes mobilizadas em determina situação. Então, por exemplo, se estamos atrasados para um compromisso no momen- to em que encontramos você, é possível que nossa previsão de comportamento favorável não se concretize, pois a situação dada apresenta outros elementos que modificam o comportamento esperado. MUDANÇA DE ATTITUDES Nossas atitudes podem ser modificadas a partir de novas informações, novos afetos ou novos comportamentos ou situações. Assim, podemos mudar nossa atitude em relação a determinado objeto porque des- cobrimos que ele faz bem à saúde ou nos ajuda de alguma forma. Por exemplo, se você desenvolveu uma atitude negativa em relação a nosso livro porque não gostou da capa, esperamos que após lê-lo você possa modificar sua atitude pela constatação de que ele o ajude, de alguma forma, a compreender melhor o mundo. Podemos mudar uma atitude quando somos obrigados a nos comportar em de- acordo com ela. Por exemplo, você não gosta de alguns rapazes que moram no seu prédio (atitude negativa), mas terá de conviver com eles porque passaram a estudar na mesma sala que você. Para evitar uma tensão constante, que o levaria a um conflito, você tenta des- cobrir aspectos positivos neles (como o fato de serem bons alunos ou muito requisitados pelas garotas), que permitam uma aproximação e a mudança de atitude (atitude positiva). Nós não tomamos atitudes, nós desenvolvemos atitudes em relação aos objetos do meio social. 182 | PSICOLOGIAS Existe uma forte tendência a manter os componentes das atitudes em consonância. Informações positivas sobre os rapazes, por exemplo, levarão a afeto positivo. Informação positiva e afeto positivo levam a um comportamento favorável na direção do objeto. PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Nesse nosso encontro, vimos que nossas atitudes são importantes, pois, em certo sentido, são elas que norteiam nosso comportamento. Ainda há a influência dos motivos, dos interesses e das necessidades com que nos apresentamos na situação. Esse conjunto de aspectos psicológicos permite-nos compreender, atribuir significado e responder ao outro. Então você deve estar se perguntando: De onde vem esse conjunto de aspectos tão importantes? A formação do conjunto de nossas crenças, valores e significações se dá no processo que a Psicologia Social denominou socialização. Nesse processo, o indivíduo torna-se membro de determinado conjunto social, aprendendo seus códigos, suas normas e regras básicas de relacionamento, apropriando-se dos conhecimentos já sistematizados e acumulados por esse conjunto. GRUPOS SOCIAIS Claro que existem elementos que servem de intermediários entre o conjunto social mais amplo e o indivíduo. Essa intermediação é feita pelos grupos sociais. Assim, quando se dá esse nosso encontro, poderíamos dizer que estão se encontrando representantes de diferentes grupos sociais: de um lado você, representando sua família, seus grupos de amigos, seu grupo racial, seu grupo religioso etc., de outro lado nós, representando nossos grupos de pertencimento ou de referência, ou seja, grupos aos quais pertencemos ou nos quais nos referenciamos para saber como nos comportar, o que dizer, como perceber o outro, do que gostar ou não gostar. Os grupos sociais são conjuntos de indivíduos que, com objetivos comuns, desenvolvem ações na direção desses objetivos. Para garantir essa organização, possuem normas; formas de pressionar seus integrantes para que se conformem às normas; um funcionamento determinado, com tarefas e funções distribuídas entre seus membros; formas de cooperação e de competição; apresentam aspectos que atraem os indivíduos, impedindo que abandonem o grupo. A Psicologia Social dedicou grande parte de seus estudos à compreensão desses processos grupais, como veremos no capítulo de Psicologia Institucional e processo grupal. 183 BIBLIOTECA INTA A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA SEGUNDO BLOCO: A CRÍTICA A DICOTOMIA UMA NOVA PSICOLOGIA SOCIAL A Psicologia Social, nos anos 1970, começou a fazer críticas à sua própria inserção na sociedade e às suas contribuições e compromissos. Estava aliada a interesses das elites e produzia conhecimentos que ajudavam a aumentar o lucro das empresas, mais do que conhecimentos que pudessem ajudar a melhorar as condições de vida da maioria das populações, principalmente em países do Terceiro Mundo. Na Europa e na antiga União Soviética é que vamos encontrar autores que aceitaram o desafio de mudar o rumo da Psicologia Social. A preocupação era poder construir contribuições que fossem críticas e possibilitassem visibilidade das condições de exploração e desigualdade vividas nas sociedades. A América Latina recebeu de braços abertos essas novas possibilidades para a Psicologia Social e, no Brasil, em especial, elas vão tomar fôlego e desenvolver-se. Algumas críticas importantes foram feitas às teorias do primeiro bloco, criando a base para o surgimento de novas concepções em Psicologia Social. a) É uma Psicologia Social baseada em um método descritivo, ou seja, um método que se propõe a descrever aquilo que é observável, factual. É uma psicologia que organiza e dá nome aos processos observáveis dos encontros sociais. b) Tem seu desenvolvimento comprometido com os objetivos da sociedade norte-americana do pós-guerra, que precisava ver conhecimentos e de instrumentos que possibilitassem a intervenção na realidade, de forma a obter resultados imediatos, com a intenção de recuperar uma nação, garantindo o aumento da produtividade econômica. Não é para menos que os temas mais desenvolvidos tenham sido a comunicação persuasiva, a mudança de atitudes, a dinâmica grupal etc., voltados sempre para a procura de "fórmulas de ajuste e adequação de comportamentos individuais ao contexto social". c) É uma Psicologia Social que parte de uma noção estreita do social. Este é considerado apenas como a relação entre pessoas – a interação social – e não como um conjunto de produções humanas capazes de, ao mesmo tempo em que vão construindo a realidade social, construir também o indivíduo. Essa concepção será a referência para a construção de uma nova Psicologia Social. d) É uma Psicologia Social assentada na dicotomia, separando indivíduo e sociedade como se um pudesse existir sem o outro. Suas teorias privilegiam um ou outro polo da dicotomia. "(...) A separação entre objetividade e subjetividade leva a uma naturalização tanto dos aspectos subjetivos como dos aspectos objetivos, que, em última instância, faz com que esses aspectos pareçam independentes uns dos outros. A partir do momento em que são tomados como independentes, passam a ser vistos como autônomos, com movimento próprio e natural. Cabe à Psicologia estabelecer, da melhor maneira possível, os mecanismos de interação entre os aspectos subjetivos e os aspectos objetivos." GONÇALVES, 2001, p. 47 184 | PSICOLOGIAS A nova Psicologia Social toma a relação indivíduo-sociedade como básica, mas toma como objeto a dimensão subjetiva dos fenômenos sociais, como afirmam Gonçalves e Bock: "A Psicologia Social é uma área de conhecimento da Psicologia que tem diferentes definições, não apresentando, com clareza, seu objeto de estudo (...) A Psicologia Social que aqui compreendendo como o estudo, no âmbito da Psicologia, dos fenômenos sociais na sua dimensão subjetiva. Interessa a essa área compreender os fenômenos sociais a partir da análise da subjetividade que vai sendo constituída ou modificada no decurso da atuação e inserção social dos sujeitos e, ao mesmo tempo, vai constituindo os fenômenos sociais." GONÇALVES e BOCK, 2003, p. 41 Para essas perspectivas, inseridas nesse bloco, o indivíduo age sobre o mundo, transformando-o, e ao fazer isso transforma a si mesmo. Os seres humanos escaparam das suas limitações biológicas e criaram um mundo de cultura; um mundo humanizado. Conquistar novas habilidades e possibilidades de atuação, enriquecer sua capacidade de pensar e de criar. Ao trabalharem transformando a natureza, colocam humanidade no mundo material e, enquanto criam esse mundo, vão conquistando novas possibilidades de ser. Assim, os seres humanos e o mundo se transformam em um mesmo processo, caracterizado pela ação coletiva dos humanos sobre o mundo. Esse processo também é caracterizado pelas relações sociais que mantêm os humanos unidos para a tarefa de transformação do mundo. Há, portanto, três âmbitos do processo: um individual (ou seja, o processo de transformação que vai acontecendo com o sujeito que vai desenvolvendo registros, sentimentos, habilidades), outro social (feitos de processo e transformação que se dão para além do indivíduo, no âmbito coletivo dos sócios) e outro ainda no mundo material (ou seja, do mundo material vai adquirindo formas dadas pelos humanos e vai se transformando). Sugerimos que você olhe uma paradinha e olhe um torno de você. Há algo melhor que uma carga de humanidade? Veja os objetos ou como o comportamento do mundo a servir à humanidade. Assim propusemos uma relação nova dos nossos sucessos. Os outros humanos também podem ser olhados e vamos ver que somos todos muito parecidos, apesar das diferenças individuais. Mas cabe lembrar que os humanos não foram sempre iguais e muito menos o mundo à nossa volta. Isso significa que os humanos e o mundo foram se transformando, e isso se deu pela ação do conjunto dos sócios. Atividade humana e relações sociais são dois aspectos fundamentais para a Psicologia Social. Os humanos não nasceram humanizados; foram se humanizando no processo histórico de transformação do mundo. Esse aspecto é aqui de grande importância, pois não há uma natureza humana que já carregue todas as possibilidades do humano, elas apenas se desenvolvem no decorrer da vida. Os seres humanos conquistaram a humanidade e fizeram isso atuando sobre o mundo e se relacionando com os outros seres. Atividade, relações sociais e cultura são categorias prioritárias para a análise do processo e a compreensão do que faz o ser humano ser como é e o que explica seu comportamento. Dos fonógrafos até os modernos celulares; dos gramofones até os modernos mídia players portáteis; dos arquivos de papel, ábacos, máquinas de escrever até os modernos computadores. Mudanças nas regras de conduta social, que envolvem desde comer com as mãos ao mesmo prato até comer individualmente com talheres; nas formas de vestir-se; nas formas de casamento e relacionamento afetivo; na sexualidade. Esse é o processo histórico de humanização. Fonógrafo Aparelho que reproduz sons pela vibração de uma agulha sobre os sulcos de um disco. Gramofone Antigo aparelho reprodutor de sons gravados em disco de vinil. A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA Tudo isso para dizer que na sociedade vamos encontrar fenômenos (fenômenos sociais) que se desenvolveram ao longo do tempo; foram surgindo como possibilidades e foram encontrando humanos diferentes que os criaram e se adaptaram a essas novas formas. Norbert Elias é um grande antropólogo que pode nos dar vários elementos decorrentes de seus estudos sobre o “processo civilizador”, mostrando a história dos costumes, das regras sociais e do modo como os indivíduos as percebiam, modificando comportamentos e sentimentos. Estamos assim apontando a existência de um âmbito, às vezes pouco percebido, que se refere aos aspectos subjetivos, psicológicos, de toda a história social humana. São emoções, sentimentos, pensamentos, sentidos, significados e desejos vividos pelos indivíduos e pelo coletivo, tendo, portanto, existência social e presença nos produtos criados pelos humanos na cultura. As teorias desse bloco visam compreender exatamente a existência da subjetividade na vida que é coletiva; social. E compreendendo dessa forma possibilitaria que, ao estudar a relação do indivíduo com a sociedade, se pudesse evidenciar as questões sociais responsáveis pela produção das situações de exclusão, dominância e desigualdade vividas. Norbert Elias propôs então novas formas de produzir o conhecimento, novos fundamentos e novo objeto. Passou-se então a entender como objeto da Psicologia Social o estudo da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais. Várias teorias podem ser encaixadas nesse bloco: a teoria das representações sociais, as leituras foucaultianas na Psicologia Social, as leituras a partir da esquizoanálise, o construcionismo como práticas discursivas, mas aqui vamos traçar a contribuição da Psicologia Sócio-Histórica. A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA NA PSICOLOGIA SOCIAL No Brasil, a contribuição de Silvia Lane foi indispensável para que, na Psicologia Social, tivéssemos o desenvolvimento desse pensamento. Para Silvia Lane, toda a psicologia é social. “Esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da Psicologia à Psicologia Social, mas sim cada uma assumir dentro da sua especificidade a natureza histórico-social do ser humano. Desde o desenvolvimento infantil até das patologias e as técnicas de intervenção, características do psicólogo, devem ser analisadas criticamente à luz desta concepção do ser humano – é a clareza de que não se pode conhecer qualquer comportamento humano isolando-o ou fragmentando-o, como se este existisse em si e por si. Também com esta afirmativa não negamos a especificidade da Psicologia Social – ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo que lhe é específico como naquilo em que é manifestação grupal e social. Porém, agora a Psicologia Social poderá responder a questão de como o homem é sujeito da História e transformador de sua própria vida e da sua sociedade, assim como qualquer outra área da Psicologia.” LANE, Silvia T. M. A Psicologia Social e uma nova concepção de homem para a psicologia. In: LANE, Silvia T.M. e CODO, Wanderley (Orgs.). Psicologia Social – o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1994.