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A Posse\n\nJosé Alberto Vieira\n\nESTUDO SOBRE O SEU OBJECTO E EXTENSÃO\nPERSPECTIVA HISTÓRICA E DE DIREITO PORTUGUÊS A POSSE\nESTUDO SOBRE O SEU OBJECTO E EXTENSÃO.\nPERSPECTIVA HISTÓRICA E DE DIREITO PORTUGUÊS\nAUTOR\nJosé Alberto Vieira\nEDITOR\nEDIÇÕES ALMEDINA, S.A.\nRua Fernandes Tomás, nº 76-80\n3000-167 Coimbra\nTel.: 239 851 904 • Fax: 239 851 901\nwww.almedina.net • editora@almedina.net\nDESIGN DE CAPA\nFBA.\nPRÉ-IMPRESSÃO\nEDIÇÕES ALMEDINA, S.A.\nIMPRESSÃO E ACABAMENTO\nPAPELEMONDE\nAbril, 2018\nDEPÓSITO LEGAL\n439413/18\n\nOs dados e as opiniões inseridos na presente publicação são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).\nToda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo, sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infrator.\n\nALMEDINA\nCRUPOALMEDINA\n\nBIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO\nVIEIRA, José Alberto\nA posse : estudo sobre o seu objecto e extensão : perspectiva histórica\n e de direito português. - (Manuais universitários)\nISBN 978-972-40-7435-1\nCDU 347 Com a conservação da posse... aquele que invoca judicialmente a posse.\n\n39. A exteriorização de um direito\nI. Na doutrina objectivista apresentada por JHERING3104 o corpus possessó- rio equivale à posse quando não haja uma norma legal que descaracterize a situação para mera detenção. Esta estrutura da posse assenta, assim, num único elemento positivo (o corpus possessório) e pressupõe outro negati- vo (a inexistência de uma norma que exclua a posse), contrapondo-se aos elementos tradicionais revelados por PAULO e erguidos como funda- mento do subjectivismo possessório: o corpus e o animus.\n\nA teoria objectivista de JHERING representa um indiscutível avanço na dogmática possessória, ligando a vontade (animus) unicamente à ação humana de controlo material da coisa, ao mesmo tempo que dissocia da estrutura da posse como elemento autônomo, quer dizer, lhe retira qual- quer papel na atribuição, manutenção e perda da posse.\n\nEste modo de construir a estrutura da posse não se afigura, porém, isento de reparos. No seu afã principal de afastar de cena o animus possessório e de destruir a doutrina subjectivista nele baseada, JHERING3155 deixa na som- bra a razão substantiva pela qual ao controlo material de uma coisa - que pode ser até ilícito por estar em violação de um direito real - estão asso- ciados efeitos jurídicos e um conteúdo de proteção, incluindo acções próprias que não cabem no regime de nenhum outro direito real de gozo.\n\nEssa razão substantiva encontra-se na exteriorização de um direito. Isso decorre com muita clareza da conjugação dos artigos 1251º e 1253º do código civil português. Começando pelo último preceito e analisando cada uma das hipóteses legais de detenção, as únicas previstas no sistema jurídico português, todas elas revelam um traço comum: o detentor é alguém que actua por conta de outra pessoa (o possuidor), não afirmando um direito próprio sobre a coisa.\n\nNão obstante as três alíneas do art. 1253º, o critério que constituiu a regra geral da detenção consta da alínea c) do preceito. Segundo ela, são detentores ou possuidores precários:\n\n“(...) todos que possuem em nome de outrem”.\n\nNa verdade, o art. 1253º poderia ter simplesmente esta redação que nada se alteraria no regime jurídico da posse. Nem a hipótese da alínea a) (constituto possessório) nem a hipótese da alínea b) (actos de mera toeleção) dispõem nada de diverso. Em ambos os casos, aquele que tem a coisa em seu poder age em nome de outrem, não afirmando um direito próprio sobre a coisa.\n\nQuem não exterioriza um direito sobre a coisa é sempre detentor, segundo o art. 1253º do código civil. A actuação sobre a coisa por conta de outrem gera apenas detenção, não a posse, apesar da coisa se encontrar fisicamente com o detentor.\n\nSe o art. 1253º desvaloriza para detenção aquele que tendo a coisa contig a cuida age por conta de outrem, acentuando a dimensão negativa da ausência de direito, o art. 1251º dispõe pela positiva que a posse se manifesta quando alguém age sobre a coisa nos termos da propriedade ou de outro direito estabelecido. real, ou seja, dito por outras palavras, quando exterioriza um direito sobre a coisa.\n\nÉ aqui reside a verdadeira razão pela qual desde a antiguidade romana até aos nossos dias o Direito protege a posse: porque nela ocorre a exteriorização de um direito. A exteriorização de um direito através da posse reveste uma intensidade tal, que a lei portuguesa presume a titularidade do mesmo (art. 1268º, nº 1 do código civil).\n\nPossuidor não é, por conseguinte, aquele que tem o mero controle material da coisa, em si, juridicamente irrelevante, mas sim o que, exercendo esse controle, afirma simultaneamente a titularidade de um direito, ainda que não a tenha. Quem não exterioriza um direito não tem posse, mas detenção (art. 1253º do código civil), não beneficiando, assim, do conteúdo de proteção que cabe ao possuidor, incluindo as ações possessórias.\n\nA afirmação ou exteriorização de um direito constitui o elemento estruturante da posse que acresce ao corpus da teoria objetivista de JHERING e substitui a referência, funcionando e inútil, ao animus da teoria subjectivista. Ao mesmo tempo concilia o regime jurídico com o seu fundamento principal: a tutela provisória de um direito, o direito exteriorizado na posse como simplesmente como tal. \n\nCom isto, evidencia-se devidamente um dos fundamentos da posse, a tutela provisória de um direito, e devolve-se ao sistema normativo o seu papel de regulação da mesma, afastando a tentação ingénua de deixar na vontade incognoscível, aleatória e arbitrária do possuidor o seu reconhecimento e efeitos jurídicos.\n\nII. A exteriorização de um direito não deve ser confundida nem com a aparência de um direito nem tão-pouco com a titularidade do mesmo. Se a posse apenas fosse protegida em caso de aparição de titularidade do direito, esta proteção não seria concedida quando a não titularidade do possuidor fosse conhecida em geral. No entanto, isso não acontece. Um adquirente da propriedade por título inválido ou um esbulhador cujo posse se os requisitos gerais estiverem presentes, ou seja, mesmo que falhe a aparência de titularidade do direito. Isto vale igualmente para a falta de titularidade do direito. Por muito que tal gerar perplexidade, a ausência de titularidade do direito nunca impediu historicamente, desde o Direito romano, a proteção possessória do possuidor formal, seja a posse deste adquirida com violação da propriedade, o caso típico do furto, ou não, como no negócio jurídico inválido.\n\nAquele que tem o controle material da coisa, o senhorio de facto sobre a mesma, exterioriza um direito sobre ela. Isso não depende nem da aparência suscitada nem da titularidade do direito. O ladrão afirma um direito próprio sobre a coisa e actua sobre ela como se o tivesse, exercendo poderes de uso, fruição e disposição.\n\nPor esta razão, também o possuidor formal beneficia da presunção da titularidade do direito (art. 1268º do código civil), pode recorrer às ações possessórias, defendendo a sua posse, e pode vir ainda a adquirir o direito que exteriorizou por usucapião.\n\nIII. Num sistema jurídico como o romano em que não vem admitida mais do que uma posse sobre a coisa, ou se tem a posse desta ou se tem a simples detenção. Para quem sustenta que a posse só existe nos termos da propriedade, por via do animus domini (SAVIGNY) ou simplesmente da exteriorização que a ele vem associada (HERING), a falta de afimação deste direito implica invariablymente o estatuto de detenção. A exteriorização de qualquer outro direito confere sempre a posição de detentor sobre a coisa, uma posse naturais ou uma quasi possessio (ou iuris possessio), dependendo dos casos, para usar terminologia romana.\n\nA superação da regra romana plures eandem rem in solidum possidere non possunt nos códigos civis modernos eliminou a característica da exclusividade ligada à posse. Para além da propriedade, pode haver posse, pelo menos, não tocante a qualquer outro dos direitos reais de gozo (art. 1251º do código civil), independentemente da questão de saber se ela pode existir por referência a outras espécies de direitos reais (nomeadamente, de garantia) e mesmo a direitos subjectivos não reais.\n\nUma posse exercida nos termos de um direito real menor implica sempre a detenção por referência à propriedade. O possuidor nos termos do direito de casa de morada ou de uma superfície, e que tem a coisa... quando o possuidor conhece a ausência de titularidade; o exemplo do possuidor ladrão elucida isto sem dificuldade.\nO registo do facto aquisitivo confirma ou prova por si a exteriorização do direito. De resto, o Código do Registro Predial presume mesmo a titularidade do direito a que se reporta o facto registado (art. 7º). Nos casos em que o registo se faz na dependência do título aquisitivo, como, por exemplo, a inscrição predial, ele apenas reforça a exteriorização que decorre já desse título. Outros casos, como o registo automóvel, em que a inscrição regimental opera pela mera declaração da probatio cum paribus para efeito do registo, este ganhará uma importância probatória autónoma no esclarecimento da existência da exteriorização de um direito.\nFinalmente, a exteriorização do direito pode advir do próprio corpus possessório, a partir de uma interpretação que se faça do âmbito da atuação do sujeito sobre a coisa. Aquele que, sem autorização do proprietário ou o seu conhecimento, mais claras, faz uma derivação de águas do Ribeiro existente no prédio vizinho para o seu, actua como titular de uma serventia de águas, sem ter título aquisitivo ou registo a seu favor. A exteriorização retira-se por interpretação do corpus possessório, que coincide com o exercício de uma servidão. Do mesmo modo, o ladrão que toma a coisa a outro para vender e realizar dinheiro em ela actua como seu proprietário e essa actuação permite vislumbrar o direito nos termos do qual a actuação tem lugar.\nO disposto no art. 1252º, nº 2 do código civil apoia esta leitura do corpus possessório. Dispõe o preceito:\n\"Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto\".\nA preferência por aquele que tem o corpus em caso de conflito possessório, havendo dúvidas sobre quem é o possuidor da coisa, denota uma valorização desse elemento que só pode ser explicada pela manifestação de um direito que dele resulta.\nCom isto não se pretende dar qualquer relevância isolada ao corpus. Este só origina posse quando acompanhado da exteriorização de um direito. OS ELEMENTOS DA POSSE\n- O controle material da coisa;\n- A exteriorização de um direito próprio sobre ela.\nDado que a posse representa o somatório destes dois elementos, aquele que pretende fazer valer a posse tem de os provar. Falhando a prova de qualquer deles, não se demonstra que a posse exista.\nNo que diz respeito à questão que ora se aborda, a exteriorização do direito pode ser provada, fundamentalmente, por três vias:\n- Pelo título aquisitivo do direito exteriorizado;\n- Pelo registo do facto aquisitivo do direito;\n- Pelo próprio corpus possessorio.\nAntes de se abordar cada uma destas vias, convém esclarecer que nenhuma delas constitui prova absoluta e definitiva da exteriorização de um direito. Por exemplo, o registo pode estar desactualizado, o direito pode entretanto haver sido transmitido depois de adquirido, etc.\nA existência de um título aquisitivo constitui provavelmente a prova mais segura da exteriorização de um direito. Os factos com eficácia real, como a compra e venda, a doação, a permuta, o testamento, etc., celebram a favor de que tem o corpus possessório, atentando previsivelmente essa exteriorização. O título aquisitivo não tem, porém, de ser negocial, dado que a lei prevê factos não negociais de aquisição de direitos reais, como a usucapião, a ocupação, a acessão, a aquisição tabular por força de efeito atribuído do registro predial, etc.\nA validade do título aquisitivo não tem relevância jurídica neste contexto. Como a posse não requer a titularidade do direito, existindo sem atender a ela, a invalidez do título aquisitivo não compromete, em princípio, a aparência de exteriorização do direito que resulta dele.\nUm título translativo do direito a favor de outro pode infirmar a exteriorização resultante de um título aquisitivo anterior nos casos de constituo possessório, por força da aplicação do disposto no art. 1253º, alínea b) do código civil. Fora desses casos, a celebração de um facto translativo não é suficiente para afastar a exteriorização do direito: o possuidor que celebra a compra e venda (sem cláusula de constituto), mas recusa-se a realizar a disposição a favor do comprador permanece na posse, apesar do contrato celebrado. A posse não supõe a titularidade do direito e pode existir na mesma em determinado momento a adquirir, tem igualmente de provar que ela se mantém, o que passa pela demonstração actual dos seus elementos constitutivos. Na construção dogmática que se perfilha sobre os elementos da posse, a exteriorização do direito não toma o lugar do animus, como um seu qualificador do subtítulo, acentuando antes a diferença de perspectiva entre uma teoria que se contenta em fundar-se numa data leitura de extractos históricos de juristas romanos contidos no corpus iuris civilis e o conteúdo moderno apurado através da interpretação das fontes normativas em vigor.\n\nSegundo a perspectiva primitiva dos romanos, mantida durante séculos na Europa continental por força das sucessivas recepções do Direito romano, a posse vem reconhecida àquele que tem o senhorio da coisa e a intenção de o exercer. A transformação do regime da posse operada pelos códigos civis modernos, e para o que aqui interessa, pelo código civil português, não guardou, todavia, nenhum papel para a vontade. A posse pode subsistir sem a vontade do possuidor e mesmo contra ela. É o Direito e não o possuidor que define quando a posse existe, quando se mantém e quando se extingue.\n\nNa teleologia do sistema jurídico português a proteção atribuída ao possuidor acontece por causa da associação da posse a um direito daquele que actua sobre a coisa. A posse faz presumir a titularidade desse direito (art. 1268º, n.º 1 do código civil).\n\nNada disto tem a ver com o animus, mas com o fundamento da posse: a tutela provisória de um direito.\n\n41. A mera detenção\nI. Na doutrina de alguns autores, com destaque para SAVIGNY, a detenção é o elemento físico correspondente ao estado deAppearênciamaterial da coisa, o qual se soma ao animus (nas doutrinas subjectivistas).\n\nO conceito de detenção tem, todavia, outro significado na lei portuguesa. Detentor é alguém que, tendo embora a coisa consigo, actua nela por conta de outra pessoa, de quem é um mero intermediário. O detentor não exterioriza, assim, o direito sobre a coisa, sendo essa a razão primária do seu estatuto legal. O art. 1253º do código civil contém o elenco das situações principais de detenção, que se podiam resumir, no entanto, ao teor constante da alínea c) do preceito: tem a detenção da coisa aquele que, actuando sobre ela, exterioriza direito alheio ou, se se preferir, não exterioriza um direito próprio.\n\nII. O art. 1251º do código civil não esgota, contudo, o âmbito da detenção. Há pelo menos um outro grupo de casos em que não está em causa a falta de exteriorização de um direito, mas uma impossibilidade legal de posse.\n\nTem-se em vista, em concreto, as coisas fora do comércio, que não podem ser objecto de posse. O que apreende um bem do domínio público e o retém fisicamente, como o poder de actuar sobre ele, tem somente detenção da coisa.\n\nA detenção existe nestes casos, portanto a lei impossibilita a posse sobre coisas do domínio público (ou equiparado), declarando inexplicável o seu regime jurídico, e não pela falta de qualquer um dos seus elementos estruturantes.\n\nIII. Se bem que a ausência de exteriorização do direito seja o principal critério de distinção entre a situação possessória e a de mera detenção, convém precisar ainda que o detentor não tem o “poder de facto” sobre a coisa, como por vezes se lê.\n\nNa verdade, intermediando a actuação do possuidor sobre a coisa, o detentor concretiza o senhorio físico daquele, não o seu. Por esta razão, não se pode falar de um corpus possessório do detentor. Tal corpus, enquanto expressão de uma dominação física da coisa, pertence apenas ao possuidor.\n\nAinda assim, a detenção caracteriza uma situação em que alguém tem a coisa consigo com a intensidade suficiente para exprimir o controle do possuidor, o que o coloca num patamar de estabilidade e intensidade que a diferenciam do mero contacto esporádico e pontual de alguém sobre uma coisa, que não constitui nem posse nem detenção. detenção, há quem leve a ficção subjectivista ao limite, falando num animus detinendi do detentor.\n\nAs explicações fundadas na vontade do agente não correspondem ao regime jurídico da posse, como se teve a oportunidade de se expor. Aqueles que a sua vontade seja contrária à posse; inversamente, o que tem animus possidendi, mas a norma jurídica qualifica a situação como detenção, é um quão relevância para o Direito.\n\nO mesmo se diga para a detenção. Esta decorre da aplicação de uma norma jurídica que retira a posse numa situação de controle material de alguém sobre uma coisa corpórea. Qual a vontade do detentor, não se pergunta nem se requer para coisa alguma no regime jurídico da posse.\n\nV. Alguns autores, e por vezes tribunais, nacionais e estrangeiros, fundam o estatuto do detentor numa combinação do elemento voluntário (animus) com o título. Assim, o contrato de locação e de comodato, por exemplo, dariam o título que permitiria a qualificação da situação como detenção. Trata-se, como se percebe, de uma reminiscência da teoria que tornou a decisão sobre a posse ou detenção dependente do regime jurídico, não de uma proclamada intenção ou falta dela.\n\nVI. São apresentadas por vezes classificações de detenção. Assim fazem, por exemplo, SACCO, SACCO/CATERINA e RIST, em Itália, que falam em detenção autónoma e qualificada. A razão para esta qualificação reside no art. 1168 do codice civile italiano, que nos casos de esbulho violento e clandestino concede acções possessórias ao detentor, mencionando separadamente o que detêm por razões de serviço e de hospitalidade. Este último tem uma detenção “autónoma”, por contraposição aos demais detentores, como uma detenção “qualificada” ou “interessada”. Defronte dos dados normativos portugueses, não se vê qualquer razão para uma classificação da detenção ou dos detentores. O Direito português não conhece nenhuma situação como os que art. 1168 do codice civile prevê em Itália ou o BGB contempla para o denominado “servidor da posse” (Besitzdiener) nos §§ 855 e 860. O regime jurídico português não atribui ao art. 1251 e seguintes do código civil qualquer forma de tutela possessória ao detentor, que nunca pode agir sósinho em caso de esbulho da coisa realizado por terceiro. Ao possuidor cabe a tutela possessória, não ao detentor. Com isto não deve ser confundida a situação emergente dos regimes de locação (art. 1037, nº 2), comodato (art. 1133, nº 2), parceira pecuária (art. 1125, nº 2) e depósito (art. 1188, nº 2), nos quais a lei outorga protecção ao possessor na localidade, comoditário, parcelo pensador e depositário. Trata-se, nestes casos, de verdadeira proteção de posse e não de outra de legitimidade activa ao detentor para defesa da sua “posição”. Estes preceitos fundam uma proteção possessória diferenciada para a posse fora do âmbito dos direitos reais de gozo, não dão azo a qualquer diferenciação de tratamento jurídico entre os detentores. VII. Não havendo um tratamento jurídico diferenciado da detenção, não se vislumbra qualquer razão para fazer uma classificação de figuras que se reconduzam ao conceito, mas apresentam notas distintivas próprias. O Direito português não propicia qualquer fundamento para isso, conforme se fez notar no ponto anterior. Não se ignora, contudo, que os termos em que o sistema jurídico português aceita o concurso de posses sobre a mesma coisa possibilita a ocorrência de múltiplas situações em que um detentor reveste simultaneamente a qualidade de possuidor. Para dar os exemplos mais simples e incontroversos, o caso do possuidor nos termos do usufruto, do uso e habitação e da servidão de passagem no tocante à propriedade, e do possuidor nos termos da servidão de passagem no tocante à propriedade, etc. Nestes casos não se vê inconveniente em falar numa detenção combinada, para assinalar que o detentor tem ao mesmo tempo a posse referida a um outro direito diverso daquele em que actua por conta de outrem. Esta detenção combinada contrapõe-se aos casos de detenção simples ou pura, em que o detentor reveste apenas essa qualidade, não tendo qualquer posse a seu favor. Os exemplos são os do mandatário (representativo), do procurador, do trabalhador por conta de outrem relativamente a coisas da entidade empregadora, do gestor de negócios, do empreiteiro relativamente às coisas fornecidas pelo dono da obra, etc. De qualquer forma, uma tal classificação entre a detenção combinada e a detenção simples ou pura serve apenas o propósito, mode de salientar a circunstância de o estado de detenção poder coexistir com uma posse na mesma pessoa e não para expressar qualquer regime jurídico próprio da detenção, uma diferença de tratamento normativo para alguns detentores, que o Direito português não prevê. VIII. Caracterizada desta forma, a detenção consiste numa situação de facto em que se encontra aquele que funciona como intermediário do possuidor no controle material da coisa. À detenção à ordem jurídica portuguesa, em particular, o regime jurídico do art. 1251 e seguintes do código civil, não associa quaisquer efeitos jurídicos, nomeadamente, nenhum dos efeitos jurídicos da posse, incluindo a tutela possessória ou a usucapião. Nada disto deve surpreender. O detentor actua por conta de um possuidor; se a posse é violada, com turbação ou esbulho, a reacção cabe ao titular da posse, não a um mero intermediário do “poder de facto” como é o detentor. defesa da posse. De resto, o contrário, uma defesa de uma mera situação de facto, de um nada jurídico, por via de acções possessórias não deixaria de representar um equívoco técnico injustificável. A outorga de acções possessórias implica o reconhecimento normativo da situação possessória e não uma tutela, que seria incompreensível, da detenção.