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As três acepções fundamentais da palavra Direito Miguel Reale A filosofia do Direito colocanos em face da necessi dade de discriminar preliminarmente algumas das acep ções fundamentais da palavra Direito Nas ciências cha madas exatas os vocábulos têm em regra u m significado bastante preciso u m físico ou u m químico jogam com u m vocabulário próprio e o fazem com certa garantia de que dada palavra traduz sempre u m significado constante e comum entre os cultores das respectivas ciências Nas ciências culturais essa precisão terminológica é difícil quando não impossível A vacilação do significado dos termos resulta da di ferença mesma existente entre as ciências físicomatemá ticas e as ciências que chamamos culturais ou ciências do espírito Naquelas o observador colocase diante de u m objeto procurando alcançar a máxima neutralidade de maneira que o seu coeficiente pessoal não possa per turbar o resultado da pesquisa O cientista de laboratório pretende adquirir u m grau extremo da despersonalização de modo que o fenômeno em exame seja apreendido tal como êle é Há dois ele mentos fundamentais nessa análise científicopositiva de A m lado a possibilidade de uma crescente despersonaliza ção do observador e de outro a estabilidade do objeto Este artigo corresponde a u m a das aulas do curso de Fi losofia do Direito em 1949 conforme notas taquigráficas revistas 69 da própria pesquiza Os elementos formadores do mundo material embora não se comparem com os do mundo ma temático são estáveis se provoco uma reação com deter minados líquidos tenho a certeza de que mantidas iguais condições eles reagirão sempre da mesma maneira Isso não acontece no mundo das criações humanas pois o ob jeto de estudo do Direito da Política da Economia etc é em última análise o homem mesmo ou seja u m ser livre que muda continuamente através do tempo e que com a sua liberdade representa uma soma de imprevistos e de contingência no processo dos fatos analisados As ciências culturais em contraposição á exatidão e á certeza das ciências chamadas positivas apresentam duas características menor possibilidade de despersonalização por parte do cientista e a mutabilidade nos elementos sob análise Se existem tais diferenças é claro que se apre sente também uma variação de terminologia que não en contramos no campo físicomatemático Daí dizerse que nas ciências culturais pode haver rigor mas não exa tidão de resultados H E N R Y BERGSON 18591940 u m dos grandes vultos do pensamento filosófico de nosso tempo afirmou que as pa lavras são prisões dentro das quais se contêm idéias que se transformam que vivem e se ajustam a situações dife rentes E preciso penetrar nessas prisões partir a es trutura gráfica das palavras para entrar em contacto com a riquesa do conteúdo que nelas se encerra E o que pre tendemos fazer em linhas gerais com a palavra DIREI TO palavra trabalhada por gerações e gerações através de séculos de lutas e indagações palavra que no fundo se confunde com o próprio destino da espécie humana Desde que u m homem surge posto diante de outro homem põese o Direito como uma delimitação garan tidora de atividades recíprocas Através da história obe decendo a idéias diversas o homem vem realizando o Di reito vivendo regras jurídicas em uma experiência inces sante e ás vezes trágica 70 Toda história humana ligase essencialmente á histó ria do Direito porque tudo quanto o homem fez desde as grandes realizações artísticas até á mais humilde das utilizações domésticas tudo está condicionado direta ou indiretamente pelo Direito ou se manifesta mediante for mas jurídicas O Direito não é tudo mas é a condição de tudo não é a vida mas é a garantia predípua da vida do homem em sociedade Se tomarmos a palavra Direito e desdobrarmos as camadas de seu conteúdo verificaremos que ela se apre senta com três acepções fundamentais que assinalam 3 facetas de uma única realidade indecomponivel A pri meira acepção da palavra Direito prendese aos primór dios da cultura e representa na realidade o significado primordial é o Direito significando o justo Quando se nos depara uma injustiça quando nos revolta o abuso da força quando vemos o fraco espesinhado pelo forte gri tamos logo não é direito ou então está sendo vio lado o direito ou ainda o direito exige que se faça uma reparação E ainda nesse sentido que se proclamam as guerras e as lutas cívicas em defeza do Direito E o significado do Direito como justo como u m ideal que sobrepaira ás contingências de espaço e de tempo A primeira noção que os grandes pensadores tiveram do Direito foi como Justiça Não foi com SÓCRATES 470399 AC nem PLATÃO 427248 AC ou ARISTÓTELES 384322 AC que os homens começaram a agitar o pro blema desde as primitivas teogonias ou seja desde aque las elocubrações ao mesmo tempo religiosas e filosóficas que surgiram como concepção total do universo e da vida encontramos o sentido de Direito como juãtiça São antigas na história do pensamento humano per guntas como estas Que é justo Existe o justo por natureza ou o justo representa mera convenção O justo se confunde com o ordenado por lei Será o justo a vontade do mais forte ou será ao contrário algo 71 que se deva impor também aos mais fortes O problema do justo remonta por assim dizer ás raizes das pesquizas humanas Só mais tarde é que o Direito como sistema positivo de normas passa a ser objeto de cogitações de uma ciência autônoma Cronológica e filosòficamente fa lando ou seja do ponto de vista histórico e lógico o pro blema básico é o do Direito como justo Essa preocupação de alcançar a justiça esse desejo ardente que a espécie humana alimenta de realizar a igual dade e a harmonia dos interesses através dos tempos dá lugar a uma experiência social a uma forma de con duta a u m modo de ser e de comportarse que nós de nominamos experiência jurídica 0 Direito é uma experiência uital é uma soma de atos que as gerações vão vivendo uma após outras do minadas todas pelo ideal que chamamos do justo Pois bem a esta experiência histórica que se concretiza no tempo ao fato social que progride ou regride assumindo fisionomias e aspectos diversos variando de lugar para lu gar de tempo para tempo e exprimindose em sistemas de normas positivas também damos o nome de Direito Vejam bem em primeiro lugar o Direito é percebido como justo ou seja como u m sistema de valores subor dinado ao ualor de Justiça valor que consiste em servir aos demais valores na coexistência social pois é próprio do Direito criar as condições indispensáveis para que indi víduos e grupos possam realizar plenamente suas aspira ções ou tendências no sentido do bem do belo do útil do verdadeiro ou do santo E m segundo lugar temse o Direito como forma mais concreta como fato social como a objetivação do justo no tempo o que eqüivale a ver o Direito Positivo como uma realidade posta pelo Espírito uma objetivação do Es pirito no sentido intencional do valor do justo 72 Mas não se para aí O homem não faz apenas regras de conduta tão pouco se limita a obedecêlas ou a desres peitálas E m certo momento da evolução cultural surge a necessidade de se estudar a experiência jurídica de exa minar o mundo complexo das regras buscandose entre elas uma constante a razão de sua unidade os laços de subordinação recíproca os motivos de sua composição em um todo lógico coerente Tal fenômeno de compreensão unitária de sistemática da realidade históricosocial verificase quando surge a Ciência do Direito Esta aparece milênios após o início da experiência jurídica cujo estudo em si a Sociologia Jurídica é ainda mais recente Foram os romanos que não se limitando a viver o Direito quizeram compreendelo na sua unidade siste mática e lógica A ciência só surge quando há unificação e sistematiza ção O primeiro povo a se preocupar com a coordenação lógica das regras jurídicas com a distribuição dos precei tos em institutos destes em sistemas particulares e destes ainda em sistemas gerais á luz de princípios diretores foi o povo romano Temos assim a terceira acepção da palavra Direito o Direito como ciência ou seja como compreensão racional unitária e lógica do fato social que denominamos também Direito Estão vendo portanto que a palavra Direito designa três coisas distintas mas que efetivamente não são senão três aspectos distintos da mesma realidade três facetas do mesmo objeto ou se quizerem três momentos distintos da objetivação do Espírito Do exposto resulta o quadro gráfico que podemos es tabelecer discriminando no Direito as três faces com as quais se compõe a pirâmide jurídica 73 Filosofia do Direito ou melhor Axiologia ou Deontologia Jurídica Sociologia do Direito e História do Direito Deontologia Jurídica Ciência do Direito ou Jurisprudência O estudo do Direito como justo é feito pela Filosofia do Direito Alguns mestres chegam mesmo a dizer que Filosofia do Direito é apenas o estudo críticosistemático do justo declarando que todos os demais são estudo aces sórios Para nós o problema do justo não é apenas u m problema ético ou moral O problema do justo implica em condições lógicas e éticas Como a Filosofia do Di reito além do justo estuda os pressupostos da Ciência do Direito e da experiência jurídica concreta podemos adian tar esta noção Filosofia do Direito é a Filosofia mesma enquanto determina as condições lógicas e éticas do justo e de sua objetivação no plano históricocultural Esta noção demonstra que a Filosofia do Direito go verna como cúpola do sistema a totalidade das regras jurídicas uma vez que fixa os princípios lógicos e éticos que condicionam a atividade científica dos juristas de terminando u m tipo especial de conduta social que se ca racteriza por ser bilateral atributiva razão de ser de sua coercibilidade Passando ao exame do segundo prisma encontramos o fato social que com mais precisão denominamos fato his tóricocultural Pois bem duas ordens de pesquizas se destinam ao exame do fato jurídico uma é a Sociologia do Direitoi a História do Direito a outra j a como valor do justo DIREITO b como fato social c como ordenação nor mativa 74 Se o Direito é u m fato social que se desenrola no tempo variando de país para pais de época para época é suscetível de ser estudado pelo historiador Há uma his tória do Direito como há uma história particular de cada uma de suas instituições podemos estudar por exemplo o matrimônio ou a propriedade através dos tempos Os problemas de História do Direito põem em vista evidente mente outro problema complementar que é o da Filosofia da História do Direito A Sociologia do Direito distinguese da História do Di reito porque esta estuda o desenvolvimento e a concate nação dos fatos em sua singularidade ou seja com todas as suas características de elementos individuais muito embora o deva integrar no fluxo geral dos acontecimentos buscandolhe o sentido perene Diversa é porém a finalidade da Sociologia do Di reito que estuda os fatos na sua generalidade E claro que a Sociologia também está condicionada pelo espaço e pelo tempo mas a preocupação do sociólogo não é u m fato que tenha acontecido hic et nunc mas sim as condições ou as causas geradoras do acontecimento bem como seus nexos com os demais elementos ou fatores sociais Para o historiador u m fato particular tem u m signi ficado extraordinário O nascimento de Napoleão é u m fato histórico que revoluciona todo o desenvolvimento po li ticocultural da espécie humana entretanto o fato do nascimento de Napoleão não interessa ao sociólogo senão como dado ou élo de u m sistema sucetíivel de ser consi derado em grau de generalidade E m suma o fato histórico particular ou geral é sempre estudado tanto pela História do Direito como pela Socio logia do Direito mas com diverso entendimento embora entre ambas existam relações íntimas Não há em ver dade grande sociólogo que não seja dotado de grande las iro de conhecimentos históricos e viceversa Podemos dizer que a história representa a laboratório de experiência do sociólogo Como não podemos provocar 75 acontecimentos sociais como faz o físico ou o químico outra coisa não nos resta senão voltar os olhos para o pas sado observando as experiências de outras gerações e ti rando conclusões para os nossos tempos Visto assim o Direito como experiência histórica pas semos a considerálo como estrutura normativa ou seja como processo ou técnica de pensamento como compreensão racional Então surge outro campo de pesquizas outra ordem de indagações é a Ciência de Direito ou Jurisprudência Nesta Faculdade não estudamos de preferência o Direito como fato social em si mas sim em referibilidade norma tiva isto é como conjunto de princípios ou de conceitos pelos quais se ordenam e se compreendem certas regras sociais dotadas de garantias específicas Costumamos dar a essa parte do Direito o nome tradicional de jurispru dência que se desdobra em múltiplos aspectos como se jam o Direito Civil o Direito Comercial o Direito Penal etc Como porém o Direito não pode ser separado dos demais fatores que compõem o processo cultural nas Fa culdades de Direito estudamse disciplinas que não são pro priamente jurídicas mas que iluminam a visão dos fatos jurídicos entre elas podemos citar a Economia Política a Ciência das Finanças a Teoria do Estado a Criminologia e a Medicina Legal Estão vendo os senhores que pela própria análise da palavra Direito desdobrada na riquesa dos seus significa dos temos o programa daquilo que nos cumpre estudar durante este ano Fazendo o estudo do justo do fato social com referência ao justo dos processos lógicos da ciência jurídica também com relação ao justo o que nos cabe ponderar de princípio é que não pretendemos jamais partir sua unidade nem fazer prevalecer u m dos seus aspectos sobre os outros porquanto o Direito não é outra coisa senão o Espjírito como intersubjetívidade Mesmo em nossa época encontramos autores que dando demasiada importância a u m determinado aspecto ou ob 76 servando as questões segundo determinado ângulo preten dem subordinarlhe todos os demais Sociólogos há com efeito que querem reduzir a Fi losofia do Direito ou as Jurisprudências a u m capítulo da Sociologia Jurídica Acham que sociológicas deveriam ser por exemplo a interpretação e a aplicação do Direito pelos juizes assim como a elaboração das leis e toda a siste mática da ciência jurídica Por outro lado não faltam juristas que colocados ex clusivamente no plano filosófico pretendem integrar na Filosofia do Direito todas as expressões do mundo jurídico transformando a jurisprudência em mera arte de aplicação de dados preceitos de ordem ética Há finalmente aqueles que se colocam estritamente no plano do Direito Positivo entendendoo como sistema ló gico de normas autosuficientes e encarando o Direito tão somente quanto ao seu aspecto lógico ou técnico desconhe cendo por completo o aspecto sociológico ou filosófico do problema São aqueles para os quais a Ciência do Direito seria uma Enciclopédia Jurídica a qual dispensaria a própria Filosofia do Direito Durante muito tempo esta visão positivista e acanhada dominou os espíritos a tal ponto que nesta mesma Faculdade deixou de ser lecionada Filosofia do Direito para ser estudada apenas Enciclopé dia Jurídica Apareceu em seguida a reação natural e justa contra essa visão unilateral da vida jurídica afim de se estabelecer o equilíbrio das três facetas evitando a elefantiase de u m aspecto tendente a absorver os outros e recompondose a harmonia do sistema Isto demonstra que refugimos das concepções unila terais da vida jurídica temos mesmo tentado lançar as bases de uma concepção que se poderia chamar de con cepção tridimensional do Direito incompatível ao mesmo tempo com as visões unilaterais do sociologismo do eti cismo e do normativismo puros Para essa concepção tridimensional do Direito a rea lidade jurídica se apresenta como uma realidade comple 11 xa que se integra de três elementos fato valor e norma Só mais tarde poderão os senhores compreender toda a riqueza dessas palavras Por enquanto são meras noções que demonstram como através da análise do termo do vocábulo Direito vamos arrancando dele sucessivamente os elementos que nos permitirão uma sondagem nas raí zes do problema basilar que nos preocupa Eiri resumo a realidade jurídica é uma realidade com plexa que reúne em si três elementos complementares de maneira absolutamente necessária Podemos mesmo dizer que a experiência jurídica o fato social vai se integrando cada vez mais na estrutura lógiconormativa da Ciência do Direito afim de alcançarmos as condições ideais do que consideramos justo Há uma perfeita entrosagem no pro cesso histórico porquanto o homem aperfeiçoa a Ciência do Direito para apreender o fato social no sentido autên tico do justo 0 estudo dos senhores tem sido dirigido no sen tido da Ciência do Direito estudaram jurisprudências como o Direito Civil o Direito Penal e assim por diante re ceberam o Direito na sua estrutura lógicocompreensiva de regras de conduta Cumpre agora verificar que as regras jurídicas não surgiram por acaso nem por u m ca pricho do legislador mas que ao contrário representam a expressão lógica de uma realidade subjacente á qual se ligam fenômenos econômicos geográficos demográficos artísticos éticos religiosos etc e que tal expressão lógica tem como finalidade única a realização dos valores do justo O Direito desenvolvese por conseguinte como a pró pria vida humana na sua expressão de coexistência pací fica e livre Enquanto o homem se concentra em si mesmo e vive como homem isolado não há que falar em Direito O Direito surge tão somente quando u m homem se coloca diante de outro homem e há recíproca afirmação do eu Se ambos dizem eu sou surge o problema da existência 78 do outro que só se resolve plenamente pela afirmação nós somos Esta já é a afirmação do Direito mesmo porque pelo Direito se torna possível a coexistência pacífica e orde nada de indivíduos e de grupos distintos segundo sua livre razão comum de ser Igualdade de homens livres em uma convivência feita de recíproco respeito e de con córdia Não há pois que separar a Filosofia do Direito da Sociologia ou da História do Direito São pesquizas que se conjugam e se coordenam distinguindose apenas por u m esforço de abstração por necessidades lógicas e peda gógicas mas que devem depois ser reconduzidas em sín tese no momento da atividade prática da aplicação do Direito de sua integração como momento da vida Os grandes jurisconsultos da familia de BEVILACQDA 18331946 de TEIXEIRA DE FREITAS 18171883 de LAFAIETE 17341917 jamais ficaram ilhados no exclusivismo da téc nica jurídica Sabiam aliar a ciência do justo á do fato social e histórico porque viam o Direito em sua totalidade multi plicandose em facetas arestas ângulos e perspecticas co m o partes sempre ligadas umas às outras na harmonia de u m todo orgânico
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As três acepções fundamentais da palavra Direito Miguel Reale A filosofia do Direito colocanos em face da necessi dade de discriminar preliminarmente algumas das acep ções fundamentais da palavra Direito Nas ciências cha madas exatas os vocábulos têm em regra u m significado bastante preciso u m físico ou u m químico jogam com u m vocabulário próprio e o fazem com certa garantia de que dada palavra traduz sempre u m significado constante e comum entre os cultores das respectivas ciências Nas ciências culturais essa precisão terminológica é difícil quando não impossível A vacilação do significado dos termos resulta da di ferença mesma existente entre as ciências físicomatemá ticas e as ciências que chamamos culturais ou ciências do espírito Naquelas o observador colocase diante de u m objeto procurando alcançar a máxima neutralidade de maneira que o seu coeficiente pessoal não possa per turbar o resultado da pesquisa O cientista de laboratório pretende adquirir u m grau extremo da despersonalização de modo que o fenômeno em exame seja apreendido tal como êle é Há dois ele mentos fundamentais nessa análise científicopositiva de A m lado a possibilidade de uma crescente despersonaliza ção do observador e de outro a estabilidade do objeto Este artigo corresponde a u m a das aulas do curso de Fi losofia do Direito em 1949 conforme notas taquigráficas revistas 69 da própria pesquiza Os elementos formadores do mundo material embora não se comparem com os do mundo ma temático são estáveis se provoco uma reação com deter minados líquidos tenho a certeza de que mantidas iguais condições eles reagirão sempre da mesma maneira Isso não acontece no mundo das criações humanas pois o ob jeto de estudo do Direito da Política da Economia etc é em última análise o homem mesmo ou seja u m ser livre que muda continuamente através do tempo e que com a sua liberdade representa uma soma de imprevistos e de contingência no processo dos fatos analisados As ciências culturais em contraposição á exatidão e á certeza das ciências chamadas positivas apresentam duas características menor possibilidade de despersonalização por parte do cientista e a mutabilidade nos elementos sob análise Se existem tais diferenças é claro que se apre sente também uma variação de terminologia que não en contramos no campo físicomatemático Daí dizerse que nas ciências culturais pode haver rigor mas não exa tidão de resultados H E N R Y BERGSON 18591940 u m dos grandes vultos do pensamento filosófico de nosso tempo afirmou que as pa lavras são prisões dentro das quais se contêm idéias que se transformam que vivem e se ajustam a situações dife rentes E preciso penetrar nessas prisões partir a es trutura gráfica das palavras para entrar em contacto com a riquesa do conteúdo que nelas se encerra E o que pre tendemos fazer em linhas gerais com a palavra DIREI TO palavra trabalhada por gerações e gerações através de séculos de lutas e indagações palavra que no fundo se confunde com o próprio destino da espécie humana Desde que u m homem surge posto diante de outro homem põese o Direito como uma delimitação garan tidora de atividades recíprocas Através da história obe decendo a idéias diversas o homem vem realizando o Di reito vivendo regras jurídicas em uma experiência inces sante e ás vezes trágica 70 Toda história humana ligase essencialmente á histó ria do Direito porque tudo quanto o homem fez desde as grandes realizações artísticas até á mais humilde das utilizações domésticas tudo está condicionado direta ou indiretamente pelo Direito ou se manifesta mediante for mas jurídicas O Direito não é tudo mas é a condição de tudo não é a vida mas é a garantia predípua da vida do homem em sociedade Se tomarmos a palavra Direito e desdobrarmos as camadas de seu conteúdo verificaremos que ela se apre senta com três acepções fundamentais que assinalam 3 facetas de uma única realidade indecomponivel A pri meira acepção da palavra Direito prendese aos primór dios da cultura e representa na realidade o significado primordial é o Direito significando o justo Quando se nos depara uma injustiça quando nos revolta o abuso da força quando vemos o fraco espesinhado pelo forte gri tamos logo não é direito ou então está sendo vio lado o direito ou ainda o direito exige que se faça uma reparação E ainda nesse sentido que se proclamam as guerras e as lutas cívicas em defeza do Direito E o significado do Direito como justo como u m ideal que sobrepaira ás contingências de espaço e de tempo A primeira noção que os grandes pensadores tiveram do Direito foi como Justiça Não foi com SÓCRATES 470399 AC nem PLATÃO 427248 AC ou ARISTÓTELES 384322 AC que os homens começaram a agitar o pro blema desde as primitivas teogonias ou seja desde aque las elocubrações ao mesmo tempo religiosas e filosóficas que surgiram como concepção total do universo e da vida encontramos o sentido de Direito como juãtiça São antigas na história do pensamento humano per guntas como estas Que é justo Existe o justo por natureza ou o justo representa mera convenção O justo se confunde com o ordenado por lei Será o justo a vontade do mais forte ou será ao contrário algo 71 que se deva impor também aos mais fortes O problema do justo remonta por assim dizer ás raizes das pesquizas humanas Só mais tarde é que o Direito como sistema positivo de normas passa a ser objeto de cogitações de uma ciência autônoma Cronológica e filosòficamente fa lando ou seja do ponto de vista histórico e lógico o pro blema básico é o do Direito como justo Essa preocupação de alcançar a justiça esse desejo ardente que a espécie humana alimenta de realizar a igual dade e a harmonia dos interesses através dos tempos dá lugar a uma experiência social a uma forma de con duta a u m modo de ser e de comportarse que nós de nominamos experiência jurídica 0 Direito é uma experiência uital é uma soma de atos que as gerações vão vivendo uma após outras do minadas todas pelo ideal que chamamos do justo Pois bem a esta experiência histórica que se concretiza no tempo ao fato social que progride ou regride assumindo fisionomias e aspectos diversos variando de lugar para lu gar de tempo para tempo e exprimindose em sistemas de normas positivas também damos o nome de Direito Vejam bem em primeiro lugar o Direito é percebido como justo ou seja como u m sistema de valores subor dinado ao ualor de Justiça valor que consiste em servir aos demais valores na coexistência social pois é próprio do Direito criar as condições indispensáveis para que indi víduos e grupos possam realizar plenamente suas aspira ções ou tendências no sentido do bem do belo do útil do verdadeiro ou do santo E m segundo lugar temse o Direito como forma mais concreta como fato social como a objetivação do justo no tempo o que eqüivale a ver o Direito Positivo como uma realidade posta pelo Espírito uma objetivação do Es pirito no sentido intencional do valor do justo 72 Mas não se para aí O homem não faz apenas regras de conduta tão pouco se limita a obedecêlas ou a desres peitálas E m certo momento da evolução cultural surge a necessidade de se estudar a experiência jurídica de exa minar o mundo complexo das regras buscandose entre elas uma constante a razão de sua unidade os laços de subordinação recíproca os motivos de sua composição em um todo lógico coerente Tal fenômeno de compreensão unitária de sistemática da realidade históricosocial verificase quando surge a Ciência do Direito Esta aparece milênios após o início da experiência jurídica cujo estudo em si a Sociologia Jurídica é ainda mais recente Foram os romanos que não se limitando a viver o Direito quizeram compreendelo na sua unidade siste mática e lógica A ciência só surge quando há unificação e sistematiza ção O primeiro povo a se preocupar com a coordenação lógica das regras jurídicas com a distribuição dos precei tos em institutos destes em sistemas particulares e destes ainda em sistemas gerais á luz de princípios diretores foi o povo romano Temos assim a terceira acepção da palavra Direito o Direito como ciência ou seja como compreensão racional unitária e lógica do fato social que denominamos também Direito Estão vendo portanto que a palavra Direito designa três coisas distintas mas que efetivamente não são senão três aspectos distintos da mesma realidade três facetas do mesmo objeto ou se quizerem três momentos distintos da objetivação do Espírito Do exposto resulta o quadro gráfico que podemos es tabelecer discriminando no Direito as três faces com as quais se compõe a pirâmide jurídica 73 Filosofia do Direito ou melhor Axiologia ou Deontologia Jurídica Sociologia do Direito e História do Direito Deontologia Jurídica Ciência do Direito ou Jurisprudência O estudo do Direito como justo é feito pela Filosofia do Direito Alguns mestres chegam mesmo a dizer que Filosofia do Direito é apenas o estudo críticosistemático do justo declarando que todos os demais são estudo aces sórios Para nós o problema do justo não é apenas u m problema ético ou moral O problema do justo implica em condições lógicas e éticas Como a Filosofia do Di reito além do justo estuda os pressupostos da Ciência do Direito e da experiência jurídica concreta podemos adian tar esta noção Filosofia do Direito é a Filosofia mesma enquanto determina as condições lógicas e éticas do justo e de sua objetivação no plano históricocultural Esta noção demonstra que a Filosofia do Direito go verna como cúpola do sistema a totalidade das regras jurídicas uma vez que fixa os princípios lógicos e éticos que condicionam a atividade científica dos juristas de terminando u m tipo especial de conduta social que se ca racteriza por ser bilateral atributiva razão de ser de sua coercibilidade Passando ao exame do segundo prisma encontramos o fato social que com mais precisão denominamos fato his tóricocultural Pois bem duas ordens de pesquizas se destinam ao exame do fato jurídico uma é a Sociologia do Direitoi a História do Direito a outra j a como valor do justo DIREITO b como fato social c como ordenação nor mativa 74 Se o Direito é u m fato social que se desenrola no tempo variando de país para pais de época para época é suscetível de ser estudado pelo historiador Há uma his tória do Direito como há uma história particular de cada uma de suas instituições podemos estudar por exemplo o matrimônio ou a propriedade através dos tempos Os problemas de História do Direito põem em vista evidente mente outro problema complementar que é o da Filosofia da História do Direito A Sociologia do Direito distinguese da História do Di reito porque esta estuda o desenvolvimento e a concate nação dos fatos em sua singularidade ou seja com todas as suas características de elementos individuais muito embora o deva integrar no fluxo geral dos acontecimentos buscandolhe o sentido perene Diversa é porém a finalidade da Sociologia do Di reito que estuda os fatos na sua generalidade E claro que a Sociologia também está condicionada pelo espaço e pelo tempo mas a preocupação do sociólogo não é u m fato que tenha acontecido hic et nunc mas sim as condições ou as causas geradoras do acontecimento bem como seus nexos com os demais elementos ou fatores sociais Para o historiador u m fato particular tem u m signi ficado extraordinário O nascimento de Napoleão é u m fato histórico que revoluciona todo o desenvolvimento po li ticocultural da espécie humana entretanto o fato do nascimento de Napoleão não interessa ao sociólogo senão como dado ou élo de u m sistema sucetíivel de ser consi derado em grau de generalidade E m suma o fato histórico particular ou geral é sempre estudado tanto pela História do Direito como pela Socio logia do Direito mas com diverso entendimento embora entre ambas existam relações íntimas Não há em ver dade grande sociólogo que não seja dotado de grande las iro de conhecimentos históricos e viceversa Podemos dizer que a história representa a laboratório de experiência do sociólogo Como não podemos provocar 75 acontecimentos sociais como faz o físico ou o químico outra coisa não nos resta senão voltar os olhos para o pas sado observando as experiências de outras gerações e ti rando conclusões para os nossos tempos Visto assim o Direito como experiência histórica pas semos a considerálo como estrutura normativa ou seja como processo ou técnica de pensamento como compreensão racional Então surge outro campo de pesquizas outra ordem de indagações é a Ciência de Direito ou Jurisprudência Nesta Faculdade não estudamos de preferência o Direito como fato social em si mas sim em referibilidade norma tiva isto é como conjunto de princípios ou de conceitos pelos quais se ordenam e se compreendem certas regras sociais dotadas de garantias específicas Costumamos dar a essa parte do Direito o nome tradicional de jurispru dência que se desdobra em múltiplos aspectos como se jam o Direito Civil o Direito Comercial o Direito Penal etc Como porém o Direito não pode ser separado dos demais fatores que compõem o processo cultural nas Fa culdades de Direito estudamse disciplinas que não são pro priamente jurídicas mas que iluminam a visão dos fatos jurídicos entre elas podemos citar a Economia Política a Ciência das Finanças a Teoria do Estado a Criminologia e a Medicina Legal Estão vendo os senhores que pela própria análise da palavra Direito desdobrada na riquesa dos seus significa dos temos o programa daquilo que nos cumpre estudar durante este ano Fazendo o estudo do justo do fato social com referência ao justo dos processos lógicos da ciência jurídica também com relação ao justo o que nos cabe ponderar de princípio é que não pretendemos jamais partir sua unidade nem fazer prevalecer u m dos seus aspectos sobre os outros porquanto o Direito não é outra coisa senão o Espjírito como intersubjetívidade Mesmo em nossa época encontramos autores que dando demasiada importância a u m determinado aspecto ou ob 76 servando as questões segundo determinado ângulo preten dem subordinarlhe todos os demais Sociólogos há com efeito que querem reduzir a Fi losofia do Direito ou as Jurisprudências a u m capítulo da Sociologia Jurídica Acham que sociológicas deveriam ser por exemplo a interpretação e a aplicação do Direito pelos juizes assim como a elaboração das leis e toda a siste mática da ciência jurídica Por outro lado não faltam juristas que colocados ex clusivamente no plano filosófico pretendem integrar na Filosofia do Direito todas as expressões do mundo jurídico transformando a jurisprudência em mera arte de aplicação de dados preceitos de ordem ética Há finalmente aqueles que se colocam estritamente no plano do Direito Positivo entendendoo como sistema ló gico de normas autosuficientes e encarando o Direito tão somente quanto ao seu aspecto lógico ou técnico desconhe cendo por completo o aspecto sociológico ou filosófico do problema São aqueles para os quais a Ciência do Direito seria uma Enciclopédia Jurídica a qual dispensaria a própria Filosofia do Direito Durante muito tempo esta visão positivista e acanhada dominou os espíritos a tal ponto que nesta mesma Faculdade deixou de ser lecionada Filosofia do Direito para ser estudada apenas Enciclopé dia Jurídica Apareceu em seguida a reação natural e justa contra essa visão unilateral da vida jurídica afim de se estabelecer o equilíbrio das três facetas evitando a elefantiase de u m aspecto tendente a absorver os outros e recompondose a harmonia do sistema Isto demonstra que refugimos das concepções unila terais da vida jurídica temos mesmo tentado lançar as bases de uma concepção que se poderia chamar de con cepção tridimensional do Direito incompatível ao mesmo tempo com as visões unilaterais do sociologismo do eti cismo e do normativismo puros Para essa concepção tridimensional do Direito a rea lidade jurídica se apresenta como uma realidade comple 11 xa que se integra de três elementos fato valor e norma Só mais tarde poderão os senhores compreender toda a riqueza dessas palavras Por enquanto são meras noções que demonstram como através da análise do termo do vocábulo Direito vamos arrancando dele sucessivamente os elementos que nos permitirão uma sondagem nas raí zes do problema basilar que nos preocupa Eiri resumo a realidade jurídica é uma realidade com plexa que reúne em si três elementos complementares de maneira absolutamente necessária Podemos mesmo dizer que a experiência jurídica o fato social vai se integrando cada vez mais na estrutura lógiconormativa da Ciência do Direito afim de alcançarmos as condições ideais do que consideramos justo Há uma perfeita entrosagem no pro cesso histórico porquanto o homem aperfeiçoa a Ciência do Direito para apreender o fato social no sentido autên tico do justo 0 estudo dos senhores tem sido dirigido no sen tido da Ciência do Direito estudaram jurisprudências como o Direito Civil o Direito Penal e assim por diante re ceberam o Direito na sua estrutura lógicocompreensiva de regras de conduta Cumpre agora verificar que as regras jurídicas não surgiram por acaso nem por u m ca pricho do legislador mas que ao contrário representam a expressão lógica de uma realidade subjacente á qual se ligam fenômenos econômicos geográficos demográficos artísticos éticos religiosos etc e que tal expressão lógica tem como finalidade única a realização dos valores do justo O Direito desenvolvese por conseguinte como a pró pria vida humana na sua expressão de coexistência pací fica e livre Enquanto o homem se concentra em si mesmo e vive como homem isolado não há que falar em Direito O Direito surge tão somente quando u m homem se coloca diante de outro homem e há recíproca afirmação do eu Se ambos dizem eu sou surge o problema da existência 78 do outro que só se resolve plenamente pela afirmação nós somos Esta já é a afirmação do Direito mesmo porque pelo Direito se torna possível a coexistência pacífica e orde nada de indivíduos e de grupos distintos segundo sua livre razão comum de ser Igualdade de homens livres em uma convivência feita de recíproco respeito e de con córdia Não há pois que separar a Filosofia do Direito da Sociologia ou da História do Direito São pesquizas que se conjugam e se coordenam distinguindose apenas por u m esforço de abstração por necessidades lógicas e peda gógicas mas que devem depois ser reconduzidas em sín tese no momento da atividade prática da aplicação do Direito de sua integração como momento da vida Os grandes jurisconsultos da familia de BEVILACQDA 18331946 de TEIXEIRA DE FREITAS 18171883 de LAFAIETE 17341917 jamais ficaram ilhados no exclusivismo da téc nica jurídica Sabiam aliar a ciência do justo á do fato social e histórico porque viam o Direito em sua totalidade multi plicandose em facetas arestas ângulos e perspecticas co m o partes sempre ligadas umas às outras na harmonia de u m todo orgânico