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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO DO POVO INDÍGENA XUCURU E SEUS MEMBROS VS BRASIL SENTENÇA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2018 Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas No Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros a Corte Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Corte Interamericana Corte ou Tribunal assim constituída1 Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi VicePresidente Humberto Antonio Sierra Porto Juiz Elizabeth Odio Benito Juíza Eugenio Raúl Zaffaroni Juiz e L Patricio Pazmiño Freire Juiz presentes ademais Pablo Saavedra Alessandri Secretário e Emilia Segares Rodríguez Secretária Adjunta em conformidade com os artigos 623 e 631 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos doravante denominada Convenção Americana ou Convenção e com os artigos 31 32 42 65 e 67 do Regulamento da Corte doravante denominado Regulamento profere a presente Sentença que se estrutura na seguinte ordem 1 O Juiz Roberto F Caldas de nacionalidade brasileira não participou da deliberação da presente Sentença em conformidade com o disposto nos artigos 192 do Estatuto e 191 do Regulamento da Corte 2 SUMÁRIO I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 4 II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6 III COMPETÊNCIA 8 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 9 A Inadmissibilidade do caso em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão 9 A1 Alegações do Estado e observações da Comissão 9 A2 Considerações da Corte 10 B Alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte e alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à adesão do Estado à Convenção 10 B1 Alegações do Estado e observações da Comissão 10 B2 Considerações da Corte 11 C Alegada incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho 11 C1 Alegações do Estado e observações da Comissão 11 C2 Considerações da Corte 11 D Alegada falta de esgotamento dos recursos internos 12 D1 Alegações do Estado e observações da Comissão 12 D2 Considerações da Corte 13 V PROVA 14 A Prova documental testemunhal e pericial 14 B Admissão da prova 14 B1 Admissão da prova documental 14 B2 Admissão das declarações e dos laudos periciais 15 C Avaliação da prova 15 VI CONSIDERAÇÃO PRÉVIA 15 VII FATOS 16 A Contexto 16 A1 O Povo Indígena Xucuru 16 A2 Legislação a respeito do reconhecimento demarcação e titulação das terras indígenas no Brasil 17 B Antecedentes fatos anteriores ao reconhecimento de competência 19 B1 O processo administrativo de reconhecimento demarcação e titulação do território indígena Xucuru 19 B2 Ação judicial relativa à demarcação do território indígena Xucuru 20 B3 Atos de violência no contexto de demarcação do território indígena Xucuru 20 C Fatos dentro da competência temporal da Corte 21 C1 Continuação do processo demarcatório 21 C2 Continuação das ações judiciais pendentes relativas à demarcação do território indígena Xucuru 22 C3 Atos de hostilidade contra líderes do Povo Indígena Xucuru 23 3 VIII MÉRITO 24 VIII1 DIREITOS À PROPRIEDADE ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL 25 A Argumentos das partes e da Comissão 25 B Considerações da Corte 29 B1 O direito de propriedade coletiva na Convenção Americana 29 B2 O dever de garantir o direito à propriedade coletiva e a segurança jurídica 31 B3 O prazo razoável e a efetividade dos processos administrativos 34 B4 O alegado agravo à propriedade coletiva 38 B5 O alegado descumprimento da obrigação de adotar disposições de direito interno 41 VIII2 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL 43 A Alegações das partes e da Comissão 43 B Considerações da Corte 43 IX REPARAÇÕES 46 A Parte lesada 48 B Restituição 48 C Medidas de satisfação publicação da Sentença 50 D Outras medidas 50 E Indenização compensatória coletiva 51 F Custas e gastos 52 G Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 53 X PONTOS RESOLUTIVOS 53 4 I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 1 O caso submetido à Corte Em 16 de março de 2016 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Comissão Interamericana ou Comissão submeteu à Corte o Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros contra a República Federativa do Brasil doravante denominado Estado ou Brasil De acordo com a Comissão o caso se refere à suposta violação do direito à propriedade coletiva e à integridade pessoal do Povo Indígena Xucuru em consequência i da alegada demora de mais de 16 anos entre 1989 e 2005 no processo administrativo de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais e ii da suposta demora na desintrusão total dessas terras e territórios para que o referido povo indígena pudesse exercer pacificamente esse direito O caso também se relaciona à suposta violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em consequência do alegado descumprimento do prazo razoável no processo administrativo respectivo bem como da suposta demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas com relação a parte das terras e territórios ancestrais do Povo Indígena Xucuru A Comissão salientou que o Brasil violou o direito à propriedade bem como o direito à integridade pessoal às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 21 5 8 e 25 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento 2 Tramitação perante a Comissão A tramitação do caso perante a Comissão Interamericana foi o seguinte a Petição Em 16 de outubro de 2002 a Comissão recebeu a petição inicial apresentada pelo Movimento Nacional de Direitos HumanosRegional Nordeste pelo Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares GAJOP e pelo Conselho Indigenista Missionário CIMI à qual foi atribuído o número de caso 12728 b Relatório de Admissibilidade Em 29 de outubro de 2009 a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade No 9809 doravante denominado Relatório de Admissibilidade c Relatório de Mérito Em 28 de julho de 2015 a Comissão aprovou o Relatório de Mérito No 4415 em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana doravante denominado Relatório de Mérito no qual chegou a uma série de conclusões e formulou varias recomendações ao Estado i Conclusões A Comissão concluiu que o Estado era responsável internacionalmente a pela violação do direito à propriedade consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana e no artigo 21 da Convenção Americana bem como do direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5o da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2o do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros b pela violação dos direitos às garantias e à proteção judiciais consagrados nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros ii Recomendações Por conseguinte a Comissão recomendou ao Estado o que se segue 5 a Adotar com a brevidade possível as medidas necessárias inclusive as medidas legislativas administrativas ou de outra natureza indispensáveis à realização do saneamento efetivo do território ancestral do Povo Indígena Xucuru de acordo com seu direito consuetudinário valores usos e costumes Consequentemente garantir aos membros do povo que possam continuar vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional conforme sua identidade cultural estrutura social sistema econômico costumes crenças e tradições particulares b Adotar com a brevidade possível as medidas necessárias para concluir os processos judiciais interpostos por pessoas não indígenas sobre parte do território do Povo Indígena Xucuru Em cumprimento a essa recomendação o Estado deveria zelar por que suas autoridades judiciais resolvessem as respectivas ações conforme as normas sobre direitos dos povos indígenas expostos no Relatório de Mérito c Reparar nos âmbitos individual e coletivo as consequências da violação dos direitos enunciados no Relatório de Mérito Em especial considerar os danos provocados aos membros do Povo Indígena Xucuru pela demora no reconhecimento demarcação e delimitação e pela falta de saneamento oportuno e efetivo de seu território ancestral d Adotar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram fatos similares em especial adotar um recurso simples rápido e efetivo que tutele o direito dos povos indígenas do Brasil de reivindicar seus territórios ancestrais e de exercer pacificamente sua propriedade coletiva 3 Notificação ao Estado O Relatório de Mérito notificado ao Estado mediante comunicação de 16 de outubro de 2015 concedia um prazo de dois meses para informar sobre o cumprimento das recomendações Após a concessão de uma prorrogação a Comissão determinou que o Estado não havia avançado substancialmente no cumprimento das recomendações Em especial embora a Comissão tenha registrado que teriam ocorrido avanços na desintrusão formal das terras e territórios ancestrais do Povo Indígena Xucuru a informação disponível dá conta de que o mencionado povo indígena ainda não conseguiu exercer seu direito de maneira pacífica O Estado tampouco apresentou informação concreta sobre avanços na reparação ao Povo Indígena Xucuru pelas violações declaradas no Relatório de Mérito 4 Apresentação à Corte Em 16 de março de 2016 a Comissão submeteu o caso à Corte ante a necessidade de obtenção de justiça os fatos e violações de direitos humanos descritos no Relatório de Mérito2 Especificamente a Comissão apresentou à Corte as ações e omissões estatais que ocorreram ou continuaram ocorrendo após 10 de dezembro de 1998 data de aceitação da competência da Corte por parte do Estado3 Tudo isso sem prejuízo de que o Estado pudesse aceitar a competência da Corte para conhecer a totalidade do caso em conformidade com o estipulado no artigo 622 da Convenção 5 Pedidos da Comissão Interamericana Com base no exposto a Comissão Interamericana solicitou a este Tribunal que declarasse a responsabilidade internacional do 2 A Comissão Interamericana designou como delegados o Comissário Francisco Eguiguren e o Secretário Executivo Emilio Álvarez Icaza L e como assessoras jurídicas Elizabeth AbiMershed Secretária Executiva Adjunta e Silvia Serrano Guzmán advogada da Secretaria Executiva 3 Dentre essas ações e omissões destacamse 1 a violação do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru em virtude de uma demora de sete anos sob a competência temporal da Corte no processo de reconhecimento desse território 2 a violação do direito à propriedade coletiva em razão da falta de desintrusão total desse território ancestral de 1998 até esta data 3 a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial vinculadas à mesma demora no processo administrativo de reconhecimento 4 a violação do direito à integridade pessoal dos membros do Povo Indígena Xucuru desde 10 de dezembro de 1998 em consequência das violações anteriores e da consequente impossibilidade de exercer pacificamente o direito à propriedade coletiva sobre suas terras e territórios ancestrais 5 a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial desde 10 de dezembro de 1998 em razão da demora na decisão das ações civis interpostas por ocupantes não indígenas sobre partes do território ancestral 6 Brasil pelas violações constantes do Relatório de Mérito e que se ordenasse ao Estado como medidas de reparação as recomendações incluídas nesse Relatório II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6 Notificação ao Estado e aos representantes A apresentação do caso foi notificada tanto ao Estado como aos representantes das supostas vítimas em 19 de abril de 2016 7 Escrito de petições argumentos e provas Os representantes não apresentaram seu escrito de solicitações argumentos e provas4 8 Escrito de exceções preliminares e contestação Em 14 de setembro de 2016 o Estado apresentou o escrito de interposição de exceções preliminares e contestação à apresentação do caso doravante denominado contestação ou escrito de contestação5 nos termos do artigo 41 do Regulamento do Tribunal O Estado interpôs cinco exceções preliminares e se opôs às violações alegadas 9 Observações sobre as exceções preliminares Em 26 de outubro de 2016 a Comissão apresentou suas observações sobre as exceções preliminares e solicitou que fossem julgadas improcedentes 10 Audiência pública Mediante resolução de 31 de janeiro de 20176 o Presidente da Corte convocou as partes e a Comissão para uma audiência pública para ouvir suas alegações e observações finais orais sobre exceções preliminares e eventuais questões de mérito reparações e custas Também ordenou o recebimento do depoimento de uma testemunha e dois peritos propostos pelo Estado e pela Comissão Do mesmo modo nessa resolução se ordenou receber o depoimento prestado perante tabelião público affidavit de um perito proposto pelo Estado7 A audiência pública foi realizada em 21 de março de 2017 durante o 57 Período Extraordinário de Sessões da Corte que ocorreu na Cidade da Guatemala Guatemala8 4 Em 21 de fevereiro de 2017 os representantes informaram que a organização Justiça Global atuaria como copeticionária do Caso 5 O Estado designou como agente para o presente caso o senhor Fernando Jacques de Magalhães Pimenta e como agentes suplentes Maria Cristina Martins dos Anjos Agostinho do Nascimento Netto Pedro Marcos de Castro Saldanha Boni de Moraes Soares Rodrigo de Oliveira Morais Daniela Marques Thiago Almeida Garcia Luciana Peres Victor Marcelo Almeida Andrea Vergara da Silva Fernanda Menezes Pereira Taiz Marrão Batista da Costa e Carolina Ribeiro Santana 6 Resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 31 de janeiro de 2017 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsasuntosxucuru310117pdf 7 Mediante resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 31 de janeiro de 2017 solicitouse ao perito Christian Teófilo da Silva proposto pelo Estado que apresentasse seu depoimento perante tabelião público Também se convocou para a audiência o perito Carlos Frederico Marés de Souza Filho apresentado também pelo Estado e a perita Victoria TauliCorpuz proposta pela Comissão Interamericana Posteriormente em 17 de fevereiro de 2017 o Estado solicitou alegando causa de força maior uma mudança na modalidade das peritagens propostas de modo que o perito Christian Teófilo da Silva fosse convocado para a audiência enquanto o perito Carlos Frederico Marés de Souza Filho apresentasse sua peritagem perante tabelião público Da mesma forma em 21 de fevereiro de 2017 a Comissão Interamericana solicitou a mudança de modalidade da peritagem proposta a fim de que a perita Victoria TauliCorpuz pudesse apresentar sua peritagem mediante declaração a tabelião público Consequentemente em 28 de fevereiro de 2017 atendendo a esse pedido mediante Nota da Secretaria as partes e a Comissão Interamericana foram notificadas da decisão do Presidente em exercício da Corte Interamericana de aceitar as mudanças de modalidade das peritagens solicitadas pelo Estado e pela Comissão Interamericana respectivamente 8 A essa audiência compareceram a pela Comissão Interamericana o advogado da Secretaria Executiva Jorge Humberto Meza Flores b pelos representantes das supostas vítimas Adelar Cupsinski Caroline Hilgert Marcos Luidson de Araújo Fernando Delgado Michael Mary Nolan Raphaela de Araújo Lima Lopes Rodrigo Deodato de Souza Silva e Vânia Rocha Fialho de Paiva e Souza c pelo Estado João Luiz de Barros Pereira Pinto Rodrigo de 7 11 Amici curiae O Tribunal recebeu cinco escritos de amici curiae apresentados 1 de forma conjunta pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Ottawa pela Fundação para o Devido Processo pelo Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná e pela Rede de Cooperação Amazônica9 2 também de forma conjunta pela Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e pelo Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos do Amazonas10 3 pela Associação de Juízes para a Democracia11 4 pela Clínica de Direitos Humanos do Amazonas vinculada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Pará12 e 5 pela Defensoria Pública da União do Brasil13 12 O Estado apresentou objeções aos escritos de amici curiae apresentados Com respeito ao escrito da Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Ottawa da Fundação para o Devido Processo do Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná e da Rede de Cooperação Amazônica o Estado alegou que pretende ampliar o campo de análise da Corte ao abranger projetos de lei e outras medidas legislativas fora do caso concreto Por outro lado em relação ao amicus curiae da Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos do Amazonas o Estado aduziu que o escrito mostra uma inclinação para a parte acusatória e que pretende ampliar o objeto do caso ao solicitar à Corte que aplique o princípio de iura novit curia para analisar e pronunciarse sobre o regime constitucional de atribuições de propriedade sobre a terra indígena Com relação ao escrito da Associação de Juízes para a Democracia o Brasil afirmou que se trata de uma organização formada por juízes brasileiros que são agentes do Estado membros do Poder Judiciário e portanto detentores da responsabilidade da República O Estado também ressaltou que o escrito é abertamente parcial e que nele figuram questões alheias ao objeto do litígio como a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil em outro caso não submetido à análise da Corte Finalmente no que concerne ao escrito da Defensoria Pública da União o Estado argumentou que o escrito não apresentou um tratamento técnico e imparcial das questões teóricas relevantes para o caso ao ter assumido abertamente as teses sustentadas pelos representantes O Estado também salientou que a DPU não possui uma personalidade jurídica diferente daquela do Estado brasileiro de maneira que é impossível permitir a uma instituição do Estado depor contra o Estado em uma Corte internacional Por último alegou que o escrito ultrapassou os limites Oliveira Morais Fernanda Menezes Pereira Luciana Peres Carolina Ribeiro Santana Taiz Marrão Batista da Costa e Thiago Almeida Garcia 9 O escrito se refere ao procedimento administrativo de demarcação de terras no Brasil e ao exercício de consulta prévia nesse país e foi firmado por Salvador Herencia Carrasco Daniel Lopes Cerqueira Melina Girardi Fachin e Luís Donisete Benzi Grupioni 10 O escrito de amicus curiae se refere ao direito ao território indígena e foi firmado por Sílvia Maria da Silveira Loureiro Pedro José Calafate Villa Simões Jamilly Izabela de Brito Silva Denison Melo de Aguiar Breno Matheus Barrozo de Miranda Caio Henrique Faustino da Silva Emilly Bianca Ferreira dos Santos Ian Araújo Cordeiro Kamayra Gomes Mendes Marlison Alves Carvalho Matheus Costa Azevedo Taynah Mendes Saraiva Uchôa e Victória Braga Brasil 11 O escrito se refere às violações dos direitos à propriedade coletiva e às garantias e à proteção judiciais em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros e foi firmado por André Augusto Salvador Bezerra 12 O escrito de amicus curiae se refere à vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil com base em seus direitos territoriais e foi firmado por Cristina Figueiredo Terezo Ribeiro Laércio Dias Franco Neto Isabela Feijó Sena Rodrigues Ana Caroline Lima Monteiro Raysa Antonia Alves Alves Tamires da Silva Lima Carlos Eduardo Barros da Silva e Jucélio Soares de Carvalho Junior 13 O escrito tem por objeto as ações e omissões do Estado contrárias ao disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos na Convenção No 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho em outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos bem como em normas brasileiras e foi firmado por Carlos Eduardo Barbosa Paz Francisco de Assis Nascimento Nóbrega Isabel Penido de Campos Machado Pedro de Paula Lopes Almeida Rita Lamy Freund e Antônio Carlos Araújo de Oliveira 8 do objeto de litígio quanto à titulação das terras indígenas e às alegações sobre violência e criminalização 13 A esse respeito a Corte faz notar que as observações do Estado sobre a admissibilidade dos amici curiae no presente caso não foram apresentadas no prazo estabelecido para esse efeito qual seja em suas alegações finais escritas razão pela qual são consideradas extemporâneas Sem prejuízo do exposto ante a gravidade de algumas afirmações sustentadas pelo Brasil este Tribunal observa que de acordo com o artigo 23 do Regulamento quem apresenta um amicus curiae é uma pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que se conduz perante a Corte com a finalidade de apresentar argumentos sobre os fatos constantes da apresentação do caso ou formular considerações jurídicas sobre a matéria do processo ou seja não é uma parte processual no litígio e o documento é apresentado com o objetivo de esclarecer a Corte sobre algumas questões fáticas ou jurídicas relacionadas ao processo em tramitação no Tribunal motivo por que não se pode entender que se trate de uma alegação ou argumentação que deva ser apreciada por este Tribunal para a resolução do caso e em nenhum caso um escrito de amicus curiae poderia ser avaliado como um elemento probatório propriamente dito Portanto é improcedente o pedido do Estado de que se excluam do processo posto que não cabe ao Tribunal pronunciarse sobre a procedência ou não desses escritos ou sobre solicitações ou petições que deles constem As observações sobre o conteúdo e o alcance dos referidos amici curiae não afetam sua admissibilidade sem prejuízo de que essas observações possam ser consideradas substancialmente no momento de avaliar a informação que neles figure caso seja considerada apropriada 14 Alegações e observações finais escritas Em 24 de abril de 2017 os representantes e o Estado enviaram respectivamente suas alegações finais escritas e determinados anexos e a Comissão apresentou suas observações finais escritas 15 Observações das partes e da Comissão Em 26 de abril de 2017 e em 12 de maio de 2017 a Secretaria da Corte remeteu os anexos das alegações finais escritas e solicitou aos representantes ao Estado e à Comissão as observações que julgasem pertinentes Mediante comunicações de 12 e 19 de maio de 2017 os representantes remeteram as observações solicitadas Por sua vez mediante comunicação de 18 de maio de 2017 o Estado enviou suas observações A Comissão não apresentou observações 16 Prova para melhor resolver Em 2 e 3 de março de 2017 o Estado e os representantes respectivamente apresentaram determinados documentos solicitados por esta Corte14 17 Deliberação do presente caso A Corte inicou a deliberação da presente Sentença em 5 de fevereiro de 2018 III COMPETÊNCIA 18 A Corte Interamericana é competente para conhecer do presente caso nos termos do artigo 623 da Convenção em razão de o Brasil ser Estado Parte na Convenção Americana 14 Documentos solicitados ao Estado 1 Autos completos da Ação Ordinária No 00022465120024058300 número original 200283000022466 interposta por Paulo Pessoa Cavalcanti de Petribu e outros 2 Atualização desde 1996 da Ação de Reintegração de Posse No 00026972819924058300 número original 9200026974 interposta por Milton do Rego Barros Didier e outros e 3 Informação detalhada sobre a situação jurídica das seis ocupações não indígenas ainda não indenizadas e retiradas da Terra indígena Xucuru Documento solicitado aos representantes informação sobre os membros do Povo Indígena Xucuru sua identificação e composição atual 9 desde 25 de setembro de 1992 e de ter reconhecido a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 19 Em seu escrito de contestação o Estado apresentou cinco exceções preliminares referentes à A inadmissibilidade do caso na Corte em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão B incompetência ratione temporis a respeito de fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte C incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de adesão do Estado à Convenção D incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da OIT e E falta de esgotamento prévio de recursos internos 20 Para resolver as exceções apresentadas pelo Estado a Corte recorda que se considerarão exceções preliminares unicamente os argumentos que tenham ou poderiam ter exclusivamente essa natureza atendendo a seu conteúdo e finalidade ou seja que caso fossem resolvidos favoravelmente impediriam a continuação do processo ou o pronunciamento sobre o mérito15 Tem sido critério reiterado da Corte que por meio de uma exceção preliminar se apresentam objeções relacionadas à admissibilidade de um caso ou a sua competência para conhecer de um determinado assunto ou parte dele seja em razão da pessoa seja da matéria tempo ou lugar16 21 A seguir a Corte passará a analisar as exceções preliminares aludidas na ordem em que foram apresentadas pelo Estado A Inadmissibilidade do caso em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão A1 Alegações do Estado e observações da Comissão 22 O Estado salientou que a Comissão manteve em sua página na Web o texto completo do Relatório Preliminar de Mérito No 442015 de 28 de julho de 2015 antes de submeter o caso à Corte o que considerou violatório do artigo 51 da Convenção que autoriza a Comissão a emitir um relatório definitivo e eventualmente a publicálo ou a sometêlo à jurisdição da Corte mas de modo algum a autoriza a publicálo antes de levar o caso à Corte Portanto o Estado solicitou que se declare que a Comissão violou os artigos 50 e 51 da Convenção e que retire de sua página eletrônica o referido Relatório 23 A Comissão observou que a alegação do Estado não constitui uma exceção preliminar pois não se refere a questões de competência nem aos requisitos de admissibilidade estabelecidos na Convenção Também salientou que o Relatório de Mérito emitido em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana é um relatório preliminar e de natureza confidencial que pode dar lugar a duas ações submeter o caso à Corte Interamericana ou proceder a sua eventual publicação No momento em que em conformidade com o artigo 51 da Convenção a Comissão opta por um desses dois caminhos o relatório perde sua característica inicial seja porque o caso foi submetido à Corte seja porque foi emitido o relatório final ou definitivo Nesse caso depois da 15 Cf Caso Cepeda Vargas Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2010 Série C No 213 par 35 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de março de 2017 Série C No 334 par 18 16 Cf Caso Las Palmeras Vs Colômbia Exceções Preliminares Sentença de 4 de fevereiro de 2000 Série C No 67 par 34 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 18 10 apresentação do caso à Corte a Comissão procedeu à publicação de seu relatório de mérito em sua página na Web segundo sua prática reiterada a qual não viola norma alguma convencional ou regulamentar A2 Considerações da Corte 24 A Corte observa que os argumentos do Estado são idênticos aos apresentados em sua exceção preliminar nos Casos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil e Favela Nova Brasília17 Nas sentenças referentes a esses casos a Corte procedeu a uma análise detalhada da alegação estatal e concluiu que o Estado não demonstrou sua afirmação relativa a que a publicação do Relatório de Mérito do caso havia ocorrido de maneira diferente do exposto pela Comissão ou de maneira contrária ao estabelecido na Convenção Americana O que o Tribunal expressa nos casos citados se aplica também ao presente pois o Estado tampouco demonstrou que a publicação do Relatório de Mérito se deu de forma contrária ao exposto pela Comissão ou infringindo o estabelecido na Convenção Americana 25 Em vista do exposto a Corte considera que a alegação estatal é improcedente B Alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte e alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à adesão do Estado à Convenção 26 A Corte analisará conjuntamente as duas exceções preliminares do Estado sobre limitação temporal ratione temporis pois se referem a hipóteses que estão relacionadas e implicam argumentos idênticos de parte do Estado e da Comissão B1 Alegações do Estado e observações da Comissão 27 O Estado ressaltou que formalizou sua adesão à Convenção Americana em 6 de novembro de 1992 e que reconheceu a jurisdição da Corte em 10 de dezembro de 1998 Portanto a Corte só poderia conhecer de casos iniciados depois dessa aceitação Também afirmou que a interpretação da Comissão além de não levar em consideração a soberania estatal por estender a jurisdição da Corte além dos limites declarados pelo Brasil viola o regime especial de declarações com limitação da competência temporal instituído pelo artigo 622 da Convenção 28 O Estado afirmou ademais que as alegações de violações dos direitos à proteção judicial e às garantias judiciais em detrimento do Povo Indígena Xucuru quanto à reivindicação territorial de seus membros não podem ser avaliadas em sua totalidade mas unicamente as possíveis violações causadas por fatos iniciados ou que deveriam ter iniciado depois de 10 de dezembro de 1998 e que constituam violações específicas e autônomas de denegação de justiça 29 Além disso o Estado alegou que a Corte deveria se declarar incompetente para conhecer de supostas violações sucedidas antes de 25 de setembro de 1992 data em que o Brasil aderiu à Convenção Americana especificamente os atos relativos ao processo de demarcação da terra indígena Xucuru ocorridos de 1989 a setembro de 1998 17 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de outubro de 2016 Série C No 318 par 25 a 27 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 16 de fevereiro de 2017 Série C No 333 par 24 a 29 11 30 A Comissão destacou que foi explícita ao indicar que apenas submeteu ao conhecimento da Corte Interamericana os fatos ocorridos depois de 10 de dezembro de 1998 B2 Considerações da Corte 31 O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998 e em sua declaração salientou que o Tribunal teria competência a respeito de fatos posteriores a esse reconhecimento18 Com base no exposto e no princípio de irretroatividade a Corte não pode exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção e declarar uma violação de suas normas quando os fatos alegados ou a conduta do Estado que pudesse implicar sua responsabilidade internacional sejam anteriores a esse reconhecimento de competência19 Por esse motivo os fatos ocorridos antes que o Brasil reconhecesse a competência contenciosa da Corte encontramse fora da competência do Tribunal20 32 Com base no exposto este Tribunal reafirma sua jurisprudência constante sobre esse tema e considera parcialmente fundamentadas as exceções preliminares C Alegada incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho C1 Alegações do Estado e observações da Comissão 33 O Estado considerou que esta Corte carece de competência material para analisar eventuais violações da Convenção No 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT cujos instrumentos não fazem parte do sistema de proteção da Organização dos Estados Americanos 34 A Comissão esclareceu que no Relatório de Mérito se limitou a levar em conta os conteúdos da Convenção No 169 da OIT a fim de estabelecer o alcance da proteção da propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru à luz da Convenção Americana sem incluir violações diretas a disposição alguma dessa Convenção Além disso esclareceu que tampouco é essa sua pretensão Por conseguinte considerou que essa exceção preliminar também é improcedente C2 Considerações da Corte 35 A Corte salientou que em matéria contenciosa apenas tem competência para declarar violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos que a ela 18 O reconhecimento de competência feito pelo Brasil em 10 de dezembro de 1998 destaca que o Governo da República Federativa do Brasil declara que reconhece por tempo indeterminado como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em conformidade com o artigo 62 da referida Convenção sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta Declaração Cf Informação geral do Tratado Convenção Americana sobre Direitos Humanos Brasil reconhecimento de competência Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasb32html último acesso em 5 de janeiro de 2018 19 Cf Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Sentença de Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2010 Série C No 219 par 16 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 63 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 49 20 Cf Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 16 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Vs Brasil par 49 12 conferem essa competência21 No entanto em reiteradas ocasiões considerou útil e apropriado utilizar outros tratados internacionais tais como diversas convenções da OIT para analisar o conteúdo e o alcance das disposições e direitos da Convenção22 de acordo com a evolução do Sistema Interamericano e levando em consideração o desenvolvimento dessa matéria no Direito Internacional dos Direitos Humanos23 36 Uma vez que a Corte considera que não é objeto do litígio a eventual violação de disposições da Convenção No 169 da OIT não poderia declarar uma violação a esse respeito Por esse motivo a Corte julga improcedente a presente exceção preliminar D Alegada falta de esgotamento dos recursos internos D1 Alegações do Estado e observações da Comissão 37 O Estado destacou que as supostas vítimas ou seus representantes não podem buscar diretamente a tutela jurisdicional internacional sem antes promover os recursos internos Nesse sentido acrescentou que o reconhecimento de violação dos direitos humanos e sua reparação só podem ser solicitados à jurisdição do Sistema Interamericano de Direitos Humanos se ambos reconhecimento e reparação foram antes objeto de recurso na jurisdição doméstica 38 Além disso a respeito do registro do território indígena Xucuru como propriedade da União o Estado salientou que em agosto de 2002 se apresentou a ação de suscitação de dúvida ao passo que a petição foi apresentada à Comissão em outubro de 2002 e que o período de dois meses é muito curto para resolver uma questão tão complexa O Estado também alegou que os peticionários como organizações não governamentais estavam legitimados para fazer uso da ação civil pública regulamentada mediante a Lei No 734785 prevista para a defesa de direitos de caráter difuso ou coletivo Por fim o Estado citou uma série de ações civis públicas interpostas por uma das organizações peticionárias em outros casos e concluiu que os denunciantes não estão convencionalmente autorizados a não utilizar os recursos internos existentes 39 O Estado salientou também que os indígenas sempre tiveram os meios e recursos necessários para impugnar o processo de identificação e indenização das ocupações privadas de sua terra bem como para conseguir a retirada forçada de pessoas não indígenas razão pela qual a não interposição desses recursos internos implica a inadmissibilidade da apresentação do caso a esta Corte 40 Por outro lado o Estado argumentou que não impediu nem dificultou que os membros da comunidade indígena Xucuru tentassem recursos judiciais para reclamar indenizações por supostos danos materiais ou morais decorrentes do processo de delimitação ou de qualquer outra causa Ressaltou que pelo contrário a legislação civil brasileira confere aos indígenas como a qualquer outro cidadão uma série de direitos que lhes permitem ter pleno acesso à justiça 21 Cf Caso do Massacre de Plan de Sánchez Vs Guatemala Mérito Sentença de 29 de abril de 2004 Série C No 105 par 51 22 Cf Caso Vargas Areco Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 155 par 120 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 50 A título de exemplo a Carta da OEA a Carta Democrática Interamericana a Convenção Europeia de Direitos Humanos etc 23 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de junho de 2005 Série C No 125 par 127 e Caso dos Massacres de Ituango Vs Colômbia Sentença de Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de julho de 2006 Série C No 148 par 157 13 41 Finalmente o Estado ressaltou que o Relatório de Admissibilidade apresenta contradições e omissões e nesse mesmo sentido sustentou que a Comissão não se pronunciou sobre os recursos idôneos e efetivos para cada uma das violações invocadas O Estado também solicitou que caso a Corte considere que as contradições e omissões da Comissão podem ser sanadas lhe seja permitido discutir novamente a questão do esgotamento dos recursos internos e a existência de recursos idôneos à luz do caso concreto 42 A Comissão estabeleceu que o requisito de esgotamento dos recursos internos previsto no artigo 461 da Convenção Americana está relacionado aos fatos alegados que violam direitos humanos Também afirmou que a Convenção Americana não prevê que mecanismos adicionais devam ser esgotados para que as vítimas possam obter uma indenização relacionada a fatos a respeito dos quais os recursos internos pertinentes ou foram esgotados ou se encontram nas hipóteses de exceção ao esgotamento no momento do pronunciamento de admissibilidade Sustentou que uma interpretação como a proposta pelo Estado não somente colocaria um ônus probatório desproporcional sobre as vítimas mas seria contrária ao previsto na Convenção com respeito ao requisito de esgotamento dos recursos internos e à instituição da reparação 43 Além disso a Comissão salientou que embora o Estado tenha alegado a falta de esgotamento dos recursos internos no trâmite de admissibilidade perante a Comissão seus argumentos foram substancialmente diferentes dos apresentados perante a Corte Interamericana razão pela qual os últimos são extemporâneos D2 Considerações da Corte 44 A Corte salientou que o artigo 461a da Convenção dispõe que para determinar a admissibilidade de uma petição ou comunicação apresentada à Comissão em conformidade com os artigos 44 ou 45 da Convenção é necessário que se tenham interposto e esgotado os recursos da jurisdição interna conforme os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos24 45 Portanto durante a etapa de admissibilidade do caso perante a Comissão o Estado deve especificar claramente os recursos que a seu critério ainda não foram esgotados ante a necessidade de salvaguardar o princípio de igualdade processual entre as partes que deve reger todo procedimento no Sistema Interamericano25 Como a Corte estabeleceu de maneira reiterada não é tarefa deste Tribunal nem da Comissão identificar ex officio os recursos internos pendentes de esgotamento em razão do que não compete aos órgãos internacionais corrigir a falta de precisão dos alegações do Estado26 Os argumentos que conferem conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de admissibilidade devem corresponder àqueles expostos à Corte27 46 No presente caso durante a etapa de admissibilidade o Estado apresentou dois escritos à Comissão um em 20 de fevereiro de 2004 e outro em 21 de julho de 2009 Em ambos os escritos afirmou que o caso era inadmissível por não terem sido esgotados os recursos internos sem especificar que recursos deviam ter sido esgotados e salientou que 24 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares Sentença de 26 de junho de 1987 par 85 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 77 25 Cf Caso Gonzales Lluy e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2015 Série C No 298 par 28 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 26 Cf Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de junho de 2009 Série C No 197 par 23 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 27 Cf Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 29 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 14 não havia uma demora injustificada nos procedimentos internos que se desenvolveram em relação à demarcação titulação e desintrusão do território indígena Xucuru Posteriormente em 14 de setembro de 2016 no escrito de contestação no âmbito do processo perante a Corte o Estado se referiu novamente à mencionada exceção preliminar e além disso pela primeira vez citou diversos meios de impugnação que no seu entender poderiam ter sido interpostos pelos membros da comunidade indígena Xucuru 47 Com base no exposto a Corte observa que os argumentos que conferem conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado junto à Comissão durante a etapa de admissibilidade não correspondem àqueles expostos a esta Corte Por conseguinte embora o Estado tenha efectivamente apresentado a exceção de falta de esgotamento durante a tramitação do caso na Comissão a Corte constata que o Estado recém especificou durante o procedimento contencioso perante este Tribunal que recursos considerava que deviam ser esgotados antes de recorrer a essa instância 48 A Corte considera que o exposto pelo Estado perante a Comissão não atende aos requisitos da exceção preliminar de falta de esgotamento de recursos internos Isso porque não especificou os recursos internos pendentes de esgotamento ou que estavam em curso nem expôs as razões pelas quais considerava que eram procedentes e efetivos no momento processual oportuno de forma precisa e específica Portanto a Corte considera improcedente a exceção preliminar28 V PROVA A Prova documental testemunhal e pericial 49 A Corte recebeu diversos documentos apresentados como prova pelo Estado pelos representantes e pela Comissão como anexos a seus escritos principais par 4 7 e 8 supra Recebeu também as declarações prestadas perante tabelião público affidavit dos peritos Victoria TauliCorpuz e Christian Teófilo da Silva propostos pela Comissão e pelo Estado respectivamente Quanto à prova oferecida em audiência pública a Corte recebeu os depoimentos da testemunha José Sérgio de Souza e do perito Christian Teófilo da Silva ambos propostos pelo Estado B Admissão da prova B1 Admissão da prova documental 50 No presente caso assim como em outros a Corte admite os documentos apresentados pelas partes e pela Comissão na devida oportunidade processual artigo 57 do Regulamento que não tenham sido contrapostos ou objetados nem cuja autenticidade tenha sido posta em dúvida29 sem prejuízo de que a seguir se resolvam as controvérsias suscitadas sobre a admissibilidade de determinados documentos 51 Durante a audiência os juízes do Tribunal solicitaram considerações das partes sobre os ocupantes não indígenas estabelecidos no Território do Povo Indígena Xucuru Em resposta a essa solicitação tanto o Estado como os representantes apresentaram determinada documentação juntamente com suas alegações finais escritas Posteriormente 28 Cf Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 93 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 80 29 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito Sentença de 29 de julho de 1988 par 140 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 20 15 o Brasil solicitou que se incluísse um documento complementar referente ao anexo 1 de suas alegações finais escritas30 A esse respeito os representantes solicitaram que esse documento fosse recusado por considerar que havia uma intenção de introduzir prova depois da devida etapa processual e que o documento tinha sido elaborado posteriormente ao prazo para apresentar o escrito de alegações finais motivo por que não pode ser visto como parte de um escrito submetido dentro do prazo A Corte constata que o conteúdo do documento objetado pelos representantes é idêntico ao do anexo 1 remetido com suas alegações finais escritas de maneira que não se configurava uma hipótese de prova extemporânea ou de intenção de introduzir prova extemporaneamente no processo 52 Finalmente a Corte faz notar que o Estado apresentou diversas observações sobre anexos proporcionados pelos representantes juntamente com suas alegações finais escritas31 Essas observações se referem ao conteúdo e ao valor probatório dos documentos e não implicam uma objeção à admissão dessa prova B2 Admissão dos depoimentos e dos laudos periciais 53 A Corte julga pertinente admitir os depoimentos prestados em audiência pública e perante tabelião público quando se ajustem ao objeto definido pela resolução que ordenou recebêlos e ao objeto do presente caso C Avaliação da prova 54 Segundo o estabelecido nos artigos 46 47 48 50 51 57 e 58 do Regulamento bem como em sua jurisprudência constante a respeito da prova e sua apreciação a Corte examinará e avaliará os elementos probatórios documentais remetidos pelas partes e pela Comissão bem como os depoimentos e laudos periciais ao estabelecer os fatos do caso e pronunciarse sobre o mérito Para isso sujeitase aos princípios da crítica sã no âmbito da respectiva estrutura normativa levando em conta o conjunto do acervo probatório e o alegado na causa32 VI CONSIDERAÇÃO PRÉVIA 55 Os representantes das supostas vítimas não apresentaram seu escrito de petições argumentos e provas Não obstante isso participaram da audiência pública e apresentaram seu escrito de alegações finais oportunidade em que expuseram fatos e formularam alegações de violação de direitos e solicitações de reparações 56 Com respeito à oportunidade processual para a apresentação de prova documental em conformidade com o artigo 57 do Regulamento33 esta deve ser apresentada em geral 30 O documento se refere aos ocupantes não indígenas atualmente instalados na terra indígena do povo Xucuru expediente de prova folha 42762 31 O Estado apresentou diversas observações sobre os anexos 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 e 24 e alegou que incluem considerações acerca do chamado processo de criminalização de líderes do povo Xucuru A esse respeito considerou que não é pertinente ao objeto de litígio e ultrapassa o limite do pedido de esclarecimento da Corte consistindo em verdadeiro resgate de argumentos que foram recusados como incoerentes expressamente pela Comissão 32 Cf Caso da Panel Blanca Paniagua Morales e outros Vs Guatemala Sentença de 8 de março de 1998 Mérito par 76 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 98 33 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos Artigo 57 1 Admissão As provas produzidas ante a Comissão serão incorporadas ao expediente desde que tenham sido recebidas em procedimentos contraditórios salvo que a Corte considere indispensável repetilas 2 Excepcionalmente e depois de escutar o parecer de todos os intervenientes no processo a Corte poderá admitir uma prova se aquele que a apresenta justificar adequadamente que por força maior ou impedimento grave não apresentou ou ofereceu essa prova nos momentos processuais 16 junto com os escritos de apresentação do caso de petições e argumentos ou na contestação conforme seja pertinente A Corte recorda que não é admissível a prova remetida fora das devidas oportunidades processuais salvo na etapa de exceções estabelecidas no referido artigo 572 do Regulamento a saber força maior ou impedimento grave ou caso se trate de prova referente a um fato ocorrido posteriormente aos citados momentos processuais 57 Em relação aos efeitos da falta de apresentação de um escrito de petições e argumentos por parte de representantes de supostas vítimas em aplicação do artigo 292 do Regulamento34 a outros casos a Corte permitiu às partes participar de certas ações processuais levando em conta as etapas prescritas de acordo com o momento processual Nesses casos a Corte considerou que devido à falta de apresentação do escrito de solicitações e argumentos não avaliaria nenhuma alegação ou prova dos representantes que acrescentasse fatos outros direitos que se aleguem violados ou supostas vítimas no caso ou pretensões de reparações e custas diferentes daquelas solicitadas pela Comissão por não haver sido apresentadas no momento processual oportuno artigo 401 do Regulamento No mesmo sentido a Corte recorda que as alegações finais são essencialmente uma oportunidade para sistematizar os argumentos de fato e de direito apresentados oportunamente35 58 Por conseguinte em virtude dos princípios de contradição e preclusão processual aplicáveis ao procedimento perante a Corte as solicitações e argumentos dos representantes não serão levados em conta salvo quando tenham relação com o suscitado pela Comissão VII FATOS 59 No presente capítulo se exporá o contexto referente ao caso e os fatos concretos dentro da competência temporal da Corte Os fatos anteriores à data de ratificação da competência contenciosa da Corte por parte do Brasil 10 de dezembro de 1998 são enunciados unicamente como parte do contexto e dos antecedentes do caso A Contexto A1 O Povo Indígena Xucuru 60 As referências históricas ao Povo Indígena Xucuru remontam ao século XVI no estado de Pernambuco Vários documentos históricos descrevem as áreas ocupadas pelos Xucuru ao longo do século XVIII Atualmente o chamado Povo Xukuru de Ororubá é constituído por 2354 familias as quais vivem em 2265 casas Dentro da terra indígena Xucuru vivem 7726 indígenas distribuídos em 24 comunidades dentro de um território de estabelecidos nos artigos 351 361 402 e 411 deste Regulamento A Corte poderá ademais admitir uma prova que se refira a um fato ocorrido posteriormente aos citados momentos processuais 34 Regulamento da Corte Interamericana Artigo 292 Quando as vítimas ou supostas vítimas ou seus representantes o Estado demandado ou se for o caso o Estado demandante se apresentarem tardiamente ingressarão no processo na fase em que o mesmo se encontra 35 Cf Caso Nadege Dorzema e outros Vs República Dominicana Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de outubro de 2012 Série C No 251 par 19 e 22 Caso J Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2013 Série C No 275 par 34 Caso Liakat Ali Alibux Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2013 Série C No 275 par 29 Caso Pollo Rivera e outros Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 21 de outubro de 2016 Série C No 319 par 23 e Caso IV Vs Bolívia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 329 par 288 17 aproximadamente 27555 hectares no município de Pesqueira estado de Pernambuco Além disso aproximadamente 4000 indígenas vivem fora da terra indígena na cidade de Pesqueira36 61 O povo Xucuru tem sua própria organização com estruturas políticas e de poder como a Assembleia o Cacique e o ViceCacique o Conselho Indígena de Saúde de Ororubá uma Comissão Interna para resolução de problemas entre a comunidade um Conselho de Líderes e um Pajé líder espiritual da comunidade e dos líderes do Povo entre outros37 A2 Legislação a respeito do reconhecimento demarcação e titulação das terras indígenas no Brasil 62 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 doravante denominada Constituição concedeu hierarquia constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre suas terras territórios e recursos Segundo o artigo 20 da Constituição as áreas indígenas são propriedade da União que concede a posse permanente aos indígenas38 bem como o usufruto exclusivo dos recursos nelas existentes39 63 Desde 1996 o processo administrativo de demarcação e titulação de terras indígenas é regulamentado pelo Decreto No 177596 e pela Portaria do Ministério da Justiça No 1496 O processo de demarcação compreende cinco etapas e ocorre por iniciativa e sob orientação da Fundação Nacional do Índio doravante denominada FUNAI mas o ato administrativo final de demarcação é atribuição exclusiva da Presidência da República O processo administrativo se inicia quando a FUNAI tem conhecimento de uma terra indígena que deve ser demarcada ou a pedido dos próprios indígenas e suas organizações ou de organizações não governamentais Uma vez conhecidos os pedidos e a urgência da demarcação a administração pública detém o poder discricionário de iniciar ou não o processo40 64 Na primeira etapa identificação e delimitação o procedimento se inicia com a designação de um grupo de trabalho de servidores públicos ou especialistas mediante portaria do Presidente da FUNAI O trabalho desenvolvido por esse grupo será coordenado por um antropólogo qualificado O estudo antropológico de identificação da terra indígena é o que comprovará o cumprimento dos requisitos constitucionais e fundamentará o processo41 65 O grupo técnico deve apresentar o relatório do trabalho realizado à FUNAI analisando a existência ou não de ocupação tradicional da terra e propondo a área a delimitar A FUNAI pode aprovar o relatório complementálo ou recusálo Caso seja aprovado em um prazo de 15 dias devem ser publicados um resumo do relatório um memorial descritivo e um mapa da área no Diário Oficial da União e nos diários oficiais dos estados onde se localize a área em demarcação além disso a publicação será fixada na Prefeitura Municipal correspondente à localização do território42 36 Resposta dos representantes a um pedido de informações da Corte de 3 de março de 2017 expediente de mérito folhas 464 a 466 Vânia Fialho Estratégias e Tentativas de Regularização da Terra indígena Xucuru Relatório citado no Ministério da Justiça FUNAIDireção de Assuntos de TerrasCGID expediente de prova folhas 1003 a 1007 Ministério da SaúdeSecretaria Especial de Direito Indígena Memorando No 042017 de 3 de março de 2017 Informação sobre o registro de famílias do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena SIASI expediente de prova folha 469 37 Escrito dos representantes de 3 de março de 2017 expediente de mérito folhas 464 a 466 38 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Artigo 20 inciso XI 39 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Artigo 231 40 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 1o expediente de prova folhas 1416 41 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o expediente de prova folhas 1416 42 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 7 expediente de prova folhas 1416 18 66 Após essa publicação os estados municípios ou possíveis interessados disporão de 90 dias para apresentar objeções ao procedimento à FUNAI A objeção poderá conter todas as provas e alegações jurídicas e de fato inclusive títulos dominicais peritagens laudos depoimentos de testemunhas fotografias e mapas a fim de solicitar indenização ou para mostrar vícios totais ou parciais do relatório43 67 Na segunda etapa declaração a FUNAI dispõe de 60 dias para analisar as objeções emitir seu parecer e caso seja pertinente encaminhar o processo ao Ministro da Justiça Na hipótese de serem admitidas as razões da objeção a FUNAI poderá voltar a analisar sua decisão corrigir os vícios do processo ou mudar sua decisão de aprovar o território e de cumprimento dos requisitos constitucionais para o reconhecimento da terra indígena44 68 Por outro lado caso o procedimento administrativo seja enviado ao Ministro da Justiça este poderá em 30 dias negar a identificação e devolver o expediente à FUNAI Essa decisão será fundamentada no descumprimento do disposto no primeiro parágrafo do artigo 231 da Constituição45 O Ministro da Justiça poderá também ordenar as medidas necessárias para regularizar eventuais vícios de procedimento46 Finalmente caso o Ministro da Justiça aprove o procedimento administrativo a terra tradicionalmente ocupada pelos indígenas é declarada mediante portaria do Ministro da Justiça o que determina a demarcação administrativa da área47 69 Na terceira etapa demarcação física a execução da demarcação física é realizada com um estudo detalhado da área momento em que são identificadas as localizações descritas no relatório do grupo de trabalho48 Realizada a demarcação física a quarta etapa homologação consiste em que seja homologada mediante um decreto presidencial ato final do procedimento que reconhece juridicamente a nova terra indígena49 A homologação é um ato de caráter declaratório e reconhece a ocupação indígena e a nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação domínio e posse das terras sua extinção e sua 43 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 8 expediente de prova folhas 1416 44 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 9 expediente de prova folhas 1416 45 Constituição Federal Brasileira CAPÍTULO VIII DOS ÍNDIOS Artigo 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente as utilizadas para suas atividades produtivas as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seus usos costumes e tradições 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinamse a sua posse permanente cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes 3º O aproveitamento dos recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional ouvidas as comunidades afetadas ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo ad referendum do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional garantido em qualquer hipótese o retorno imediato logo que cesse o risco 6º São nulos e extintos não produzindo efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo ou a exploração das riquezas naturais do solo dos rios e dos lagos nelas existentes ressalvado relevante interesse público da União segundo o que dispuser lei complementar não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União salvo na forma da lei quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art 174 3º e 4º 46 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 10 expediente de prova folhas 1416 47 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 10 inciso I expediente de prova folhas 1416 48 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 1 expediente de prova folhas 1416 49 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 5o expediente de prova folhas 1416 19 incapacidade de produzir efeitos jurídicos Extingue qualquer título de propriedade sobre a área demarcada que passa a ser propriedade da União A demarcação homologada também autoriza a retirada dos ocupantes não indígenas da terra50 70 Finalmente na quinta etapa registro nos 30 dias seguintes à publicação do decreto de homologação a FUNAI promoverá o registro imobiliário do território na comarca respectiva e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda51 B Antecedentes fatos anteriores ao reconhecimento de competência B1 O processo administrativo de reconhecimento demarcação e titulação do território indígena Xucuru 71 No início do procedimento de demarcação do território Xucuru o processo demarcatório não estava regulamentado pelo Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 sendo determinado pelo Decreto No 94945 de 198752 O processo foi iniciado em 1989 com a criação do Grupo Técnico para realizar a identificação e delimitação do território por meio da Portaria No 218FUNAI89 Segundo o Decreto 9494587 a FUNAI deveria propor a demarcação da área com base no estudo do Grupo Técnico53 O Grupo Técnico emitiu o Relatório de Identificação em 6 de setembro de 1989 mostrando que os Xucuru tinham direito a uma área de 26980 hectares primeira etapa O relatório foi aprovado pelo Presidente da FUNAI Despacho No 3 em 23 de março de 1992 e em 28 de maio do mesmo ano o Ministro da Justiça concedeu a posse permanente da terra ao Povo Indígena Xucuru mediante a Portaria No 259MJ9254 Em 1995 a extensão do território indígena Xucuru foi retificada determinandose uma área de 275550583 hectares segunda etapa realizandose posteriormente a demarcação física do território55 terceira etapa 72 Em 8 de janeiro de 1996 o Presidente da República promulgou o Decreto No 177596 par 63 supra que introduziu mudanças no processo administrativo de demarcação O decreto reconheceu o direito de terceiros interessados no território de impugnar o processo de demarcação e interpor ações judiciais por seu direito à propriedade e de solicitar indenizações56 Além disso nos casos em que o processo administrativo estivesse em curso os interessados tinham o direito de manifestarse em um prazo de 90 dias a contar da data de publicação do Decreto57 73 Aproximadamente58 270 objeções contra o processo demarcatório foram interpostas por pessoas interessadas inclusive pessoas jurídicas como o município de Pesqueira Em 10 de junho de 1996 o Ministro da Justiça declarou todas essas objeções improcedentes por meio do Despacho No 32 Os terceiros interessados apresentaram um Mandado de Segurança ao Superior Tribunal de Justiça doravante denominado STJ Em 28 de maio de 1997 o STJ decidiu a favor dos terceiros interessados concedendo um novo prazo para as 50 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 4o expediente de prova folhas 1416 51 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 6o expediente de prova folhas 1416 52 Decreto No 94945 de 23 de setembro de 1987 expediente de prova folhas 1921 53 Decreto No 94945 de 23 de setembro de 1987 artigo 3o expediente de prova folhas 1921 54 Alegações finais do Estado de 24 de abril de 2017 expediente de mérito folhas 10441046 55 Relatório de Mérito expediente de mérito folha 19 e Contestação do Estado expediente de mérito folha 207 56 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 8 expediente de prova folhas 1416 57 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 9o expediente de prova folhas 1416 58 O relatório de mérito da Comissão Interamericana se refere a 269 ou 272 objeções expediente de mérito folha 20 o que não encontra apoio no expediente de prova O Estado se referiu a 269 objeções em seu escrito de alegações finais escritas expediente de prova folha 1354 20 objeções administrativas As novas objeções foram também recusadas pelo Ministro da Justiça que reafirmou a necessidade de se continuar a demarcação59 B2 Ação judicial relativa à demarcação do território indígena Xucuru 74 Em março de 1992 Milton do Rego Barros Didier e Maria Edite Didier apresentaram a ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 número original 9200026974 em detrimento do Povo Indígena Xucuru e dos litisconsortes passivos o Ministério Público Federal doravante denominado MPF a FUNAI e a União60 Essa ação se referia à fazenda Caípe de aproximadamente 300 hectares localizados no território indígena Xucuru na cidade de Pesqueira que havia sido ocupada por cerca de 350 indígenas do povo Xucuru em 1992 75 Após um incidente de conflito de competência CC 10588 suscitado em 17 de junho de 1994 pela Vara de Pesqueira61 e decidido pelo STJ em 14 de dezembro de 199462 o expediente da ação de reintegração de posse foi enviado à 9a Vara Federal do Estado de Pernambuco Em 17 de julho de 1998 a sentença foi emitida a favor dos ocupantes não indígenas63 Posteriormente a FUNAI64 o Povo Indígena Xucuru65 o Ministério Publico66 e a União 67 apresentaram recursos de apelação B3 Atos de violência no contexto de demarcação do território indígena Xucuru 76 O Cacique Xicão chefe do povo Xucuru foi assassinado em 21 de maio de 1998 O inquérito determinou que o autor intelectual do homicídio foi o fazendeiro José Cordeiro de Santana conhecido como Zé de Riva um ocupante não indígena do território Xucuru O autor material foi identificado como Ricardo que havia sido contratado pelo autor intelectual mediante um intermediário Rivaldo Cavalcanti de Siqueira conhecido como Riva de Alceu Ricardo morreu no estado de Maranhão em um acontecimento não relacionado ao presente caso68 José Cordeiro de Santana se suicidou enquanto se encontrava detido pela Polícia Federal69 Após o início do inquérito policial No 2111998SRDPFPE 9800121781 na 4ª Vara Federal do Estado de Pernambuco o Ministério Público Federal interpôs uma Ação Pública Incondicionada em agosto de 2002 processo No 200283000124421 acusando Rivaldo Cavalcanti Siqueira de autor do crime de homicídio simples O processo foi redistribuído à 16ª Vara Federal de Pernambuco e em novembro de 2004 o Tribunal do Júri condenou Rivaldo Cavalcanti Siqueira a 19 anos de prisão O senhor Cavalcanti Siqueira foi assassinado enquanto cumpria pena no centro penitenciário em 200670 59 Considerações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2 de novembro de 2015 expediente de prova folhas 11271130 escrito de alegações finais do Estado expediente de prova folha 1354 60 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 14432720 61 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 18591864 62 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 18871898 63 Sentença do Juiz Federal de Primeira Instância de 17 de julho de 1998 expediente de prova folhas 20742083 Alegações finais dos Representantes de 24 de abril de 2017 expediente de mérito folhas 10961163 64 Recurso de apelação apresentado pela FUNAI expediente de prova folhas 20972165 65 Recurso de apelação apresentado pelo Povo Indígena Xucuru de 25 de agosto de 1998 expediente de prova folhas 21912223 66 Recurso de apelação apresentado pelo Ministério Público Federal de 8 de setembro de 1998 expediente de prova folhas 22262228 67 Recurso de apelação apresentado pela União de 23 de outubro de 1998 expediente de prova folhas 2236 2240 68 Memorando No 02PGFPFEFUNAI09 da AdvocaciaGeral da União à FUNAI de 21 de janeiro de 2009 expediente de prova folhas 98100 69 Memorando No 02PGFPFEFUNAI09 da AdvocaciaGeral da União à FUNAI de 21 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 98 70 Trâmite processual e sentença da ação penal incondicionada expediente de prova folhas 42824295 21 C Fatos dentro da competência temporal da Corte C1 Continuação do processo demarcatório 77 A Corte não dispõe de informação sobre os fatos ocorridos no processo administrativo de demarcação entre 10 de dezembro de 1998 e abril de 2001 Em 30 de abril de 2001 o Presidente da República expediu o Decreto Presidencial que homologou a demarcação do território indígena Xucuru correspondente a uma área de 275550583 hectares quarta etapa O Decreto foi publicado no Diário Oficial da União de 2 de maio de 200171 78 A FUNAI solicitou o registro do território junto ao Registro de Imóveis da municipalidade de Pesqueira em 17 de maio de 2001 No entanto o Oficial de Registro de Imóveis de Pesqueira interpôs uma ação de suscitação de dúvida No 0012334 2120024058300 número original 200283000123349 regulamentada pela Lei 601573 questionando aspectos formais da solicitação de registro da propriedade indígena por parte da FUNAI Segundo o Estado e a Comissão essa ação foi interposta em agosto de 2002 A resolução final confirmando a legalidade do registro de imóveis foi emitida pela 12ª Vara Federal em 22 de junho de 200572 79 Em 18 de novembro de 2005 foi executada a titulação do território indígena Xucuru ante o 1º Registro de Imóveis de Pesqueira como propriedade da União para posse permanente do Povo Indígena Xucuru73 quinta etapa 80 O processo de regularização das terras com o objetivo de cadastrar os ocupantes não indígenas foi iniciado em 1989 com os estudos de identificação e foi concluído em 2007 resultando em 624 áreas cadastradas74 O procedimento de pagamento de indenizações por benfeitorias de boafé75 teve início em 2001 e o último pagamento foi efetuado em 2013 concluindo a indenização de 523 ocupantes não indígenas76 Das 101 terras restantes 19 pertenciam aos próprios indígenas restando então 82 áreas que eram propriedade de não indígenas Dessas 82 áreas 75 foram ocupadas pelos Xucuru entre 1992 e 2012 Até a data de emissão da presente Sentença 45 exocupantes não indígenas não haviam recebido sua indenização e segundo o Estado estão em comunicação com as autoridades para receber os respectivos pagamentos por benfeitorias de boafé77 Além disso seis ocupantes não indígenas permanecem dentro do território indígena Xucuru78 71 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03DNN2001Dnn9198htm Último acesso em 5 de janeiro de 2018 72 Trâmite processual e sentença da ação de suscitação de dúvida expediente de prova folhas 2529 73 Registro da Terra indígena Xucuru de 18 de novembro de 2005 expediente de prova folhas 3138 74 Informação Técnica No 1432016CGAFDPTFUNAI de 10 de agosto de 2016 expediente de prova folhas 14291433 75 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Artigo 231 6º 76 Informação Técnica No 1432016CGAFDPTFUNAI de 10 de agosto de 2016 expediente de prova folhas 14291433 77 Informação Técnica No 1432016CGAFDPTFUNAI de 10 de agosto de 2016 expediente de prova folhas 14291433 78 Instrução Técnica Executiva No 2142016DPTFUNAI de 26 de julho de 2016 expediente de prova folhas 14121428 Os seis ocupantes que ainda se encontram no território indígena são Luiz Alves de Almeida com duas ocupações na Vila de Cimbres e Sítio Ramalho correspondente a uma área de 006ha e 1023ha respectivamente Maria das Montanhas Lima com uma ocupação na região da Aldeia Sucupira Sítio Campina Nova correspondente a uma área de 678ha Bernadete Lourdes Maciel com uma ocupação na Vila de Cimbres correspondente a uma área de 2362ha José Pedro do Nascimento com uma ocupação em Capim de Planta correspondente a uma área de 961ha José Paulino da Silva com uma ocupação em Pé de Serra do Oiti correspondente a uma área de 706ha e Murilo Tenorio de Freitas com uma ocupação em Ipanema correspondente a uma área de 1100ha A totalidade do território ocupado pelos não indígenas representa 16043ha da extensão total do território indígena Xucuru de 27555583ha Ver Alegações finais do Estado de 24 de abril de 2017 expediente de mérito folhas 9861086 22 C2 Continuação das ações judiciais pendentes relativas à demarcação do território indígena Xucuru 81 A respeito da ação de reintegração de posse iniciada em março de 1992 a sentença de 17 de julho de 1998 foi objeto de recurso do MPF da FUNAI do Povo Indígena Xucuru e da União par 75 supra A Apelação Civil No 1718199PE número original 9905351329 foi negada em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 5ª Região doravante denominado TRF5 em 24 de abril de 200379 82 A FUNAI80 e a União 81 apresentaram um Recurso Especial ao STJ e esse órgão negou o recurso e confirmou a sentença do TRF5 em 6 de novembro de 200782 A União e a FUNAI interpuseram uma série de embargos de declaração83 e de agravos de instrumento84 junto ao STJ entre 2007 e 2012 Esses recursos foram negados com exceção de um embargo de declaração da União oposto em 8 de fevereiro de 2010 que teve decisão favorável em 10 de maio de 201185 83 A Sentença da ação de reintegração de posse adquiriu força de coisa julgada em 28 de março de 201486 84 Em 10 de março de 2016 a FUNAI interpôs uma ação rescisória para anular a sentença por descumprimento do direito ao contraditório e ampla defesa A decisão do Tribunal Regional Federal sobre essa ação continua pendente e a disputa por essa parcela de 300 hectares do território do Povo Indígena Xucuru não teve solução definitiva87 85 Em contrapartida em fevereiro de 2002 Paulo Pessoa Cavalcanti de Petribu e outros interpuseram a ação ordinária No 00022465120024058300 número original 200283000022466 solicitando a anulação do processo administrativo de demarcação dos seguintes imóveis localizados no território identificado como parte da terra indígena Xucuru Fazenda Lagoa da Pedra Ramalho Lago Grande e sítios Capim Grosso e Pedra da Cobra88 Os autores da ação alegaram que a demarcação deveria ser anulada porque não haviam sido pessoalmente notificados para apresentar objeções ao processo administrativo89 86 Em 1o de junho de 2010 a 12ª Vara Federal de Pernambuco decidiu em primeira instância que a ação ordinária era parcialmente procedente excluindo a União como parte demandada e determinando que os autores tinham o direito de receber indenização da 79 Trâmite processual da Apelação Civil AC1718199PE expediente de prova folhas 5457 80 Recurso apresentado pela FUNAI de 27 de junho de 2003 expediente de prova folhas 23812401 81 Recurso apresentado pela União de 4 de agosto de 2003 expediente de prova folhas 24822486 82 Sentença do STJ de 6 de novembro de 2007 expediente de prova folhas 25162520 83 Recurso apresentado ao juiz ou tribunal que emite a sentença com o objetivo de esclarecer ambiguidades ou contradicções na sentença emitida corrigir eventual omissão sobre pontos a respeito dos quais o juiz deve se pronunciar e corrigir possíveis erros materiais 84 Recurso contra decisões interlocutórias suscetíveis de provocar dano grave e de difícil reparação a uma das partes A apreciação do agravo de instrumento deve ser realizada de imediato pela instância superior 85 Trâmite processual da ação de reintegração de posse número original 00026972819924058300 expediente de prova folhas 14432720 Trâmite processual do Recurso Especial No 646933PE acordo e decisão do STJ de 6 de novembro de 2007 expediente de prova folhas 5975 86 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 14432720 87 Detalhe de Processo Justiça Federal da 5ª Região expediente de prova folha 4006 88 Quadro enviado como prova para melhor resolver pelo Estado expediente de prova folha 40344038 89 Os mesmos autores também apresentaram em dezembro de 2002 de maneira acessória à ação ordinária a Medida Cautelar Inominada No 00193497120024058300 número original 200283000193492 para obter a produção antecipada da prova pericial a respeito da alegada invasão e destruição da Fazenda Lagoa da Pedra A medida cautelar foi decidida em favor dos ocupantes não indígenas em 9 de dezembro de 2009 Ver trâmite processual e sentença de 9 de dezembro de 2009 sobre a Medida Cautelar expediente de prova folhas 5975 23 FUNAI no montante de R 138537586 A FUNAI e a União recorreram da sentença junto ao Tribunal Regional da 5ª Região que reformou a decisão de primeira instância em 26 de julho de 2012 Nessa decisão o TRF5 reconheceu a União como parte do processo reconheceu vícios no processo de demarcação do território indígena Xucuru mas não declarou a nulidade em virtude da gravidade dessa medida mas determinou o pagamento de indenização por perdas e danos a favor dos demandantes90 Em 7 de dezembro de 2012 a FUNAI interpôs um recurso especial junto ao STJ e um recurso extraordinário junto ao STF As decisões do STJ e do STF continuam pendentes91 C3 Atos de hostilidade contra líderes do Povo Indígena Xucuru 87 O processo de delimitação demarcação e desintrusão da terra indígena do povo Xucuru foi marcado por um contexto de insegurança e ameaças92 que resultou na morte de vários líderes indígenas da comunidade93 88 A presença de ocupantes não indígenas no território do povo Xucuru durante o processo administrativo de demarcação e a existência de interesses alheios provocou dissidências e conflitos internos na própria comunidade indígena94 89 O filho e sucessor do Cacique Xicão o Cacique Marquinhos e sua mãe Zenilda Maria de Araújo receberam ameaças por sua posição de líderes da luta do Povo Indígena Xucuru pelo reconhecimento de suas terras ancestrais95 Em 2001 as ameaças se concentraram no Cacique Marquinhos96 A Comissão Interamericana concedeu medidas cautelares em favor de ambos em 29 de outubro de 2002 90 No entanto o Cacique Marquinhos sofreu um atentado contra sua vida em 7 de fevereiro de 200397 que causou a morte de dois membros do povo Xucuru que acompanhavam o Cacique nesse momento98 Esses acontecimentos desencadearam atos de violência no território indígena99 Em consequência do exposto foram expulsos 90 Resolução do Tribunal Federal da 5ª Região expediente de prova folhas 2804 a 2813 91 Recurso especial Superior Tribunal de Justiça expediente de prova folha 2819 92 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 no expediente de prova folhas 187198 Carta aberta do povo Xucuru à população de Pesqueira e a todos os romeiros de Nossa Senhora das Graças de 22 de setembro de 2001 expediente de prova folhas 169170 Expediente No 126000000875200139 do Ministério Público Procuradoria da República de Pernambuco de 16 de março de 2003 expediente de prova folhas 225267 Petição inicial e solicitação de medidas cautelares de 16 de outubro de 2002 expediente de prova folhas 333363 93 Expediente No 126000000875200139 do Ministério Público Procuradoria da República de Pernambuco de 16 de março de 2003 expediente de prova folhas 225267 Relação das ações criminais contra o povo Xucuru de 26 de março de 2007 expediente de prova folhas 565566 94 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 no expediente de prova folhas 187198 Expediente No 126000000875200139 do Ministério Público Procuradoria da República de Pernambuco de 16 de março de 2003 expediente de prova folhas 225267 Relatório citado no Ministério da JustiçaFUNAIDireção de Assuntos de TerrasCGID expediente de prova folhas 1003 a 1007 Anexo 17 ADDiper Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco SA expediente de prova folhas 172184 95 Declaração do Cacique Marquinhos no Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de 9 de agosto de 2007 expediente de prova folhas 712713 96 Petição inicial e solicitação de medidas cautelares de 16 de outubro de 2002 97 Notícia do atentado contra o Cacique Marquinhos no Portal JC OnLine de 7 de fevereiro de 2003 expediente de prova folha 567 Declaração do Cacique Marquinhos na Delegacia da Polícia Federal em Caruaru de 10 de setembro de 2009 expediente de prova folha 570 98 Relatório da Coordenação Geral de Defensa dos Direitos Indígenas CGDDI expediente de prova folhas 199 204 99 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 expediente de prova folhas 187198 Relatório da Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas CGDDI expediente de prova folhas 199204 24 aproximadamente 500 membros da comunidade da terra indígena Xucuru os quais foram instalados no Município de Pesqueira100 91 Em 20 março de 2003101 o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH criou uma Comissão Especial com o objetivo de acompanhar a investigação de tentativa de homicídio contra o Cacique Marquinhos e os fatos conexos Finalmente o Cacique foi incluído no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de Pernambuco em 2008102 VIII MÉRITO 92 Neste capítulo a Corte elaborará as considerações de direito pertinentes relacionadas às alegadas violações dos direitos à propriedade às garantias judiciais e à proteção judicial e à integridade pessoal tudo isso em relação ao processo de titulação demarcação e desintrusão do território do Povo Indígena Xucuru e seus membros 100 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 expediente de prova folhas 187198 Relatório da Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas CGDDI expediente de prova folhas 199204 101 Resolução No 18 de 20 de março de 2003 expediente de prova folha 205 102 Comunicação do Estado de 20 de julho de 2013 no expediente de Medidas Cautelares expediente de prova folhas 102109 Defensores e Defensoras de Direitos Humanos O enfrentamento das desigualdades em Pernambuco publicação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco expediente de prova folhas 111115 Audiência pública junto à Comissão Interamericana 27 de fevereiro de 2003 25 VIII1 DIREITOS À PROPRIEDADE103 ÀS GARANTIAS JUDICIAIS104 E À PROTEÇÃO JUDICIAL105 93 Neste capítulo a Corte analisará as alegadas violações do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru e a alegada inefetividade do procedimento administrativo de reconhecimento demarcação titulação registro e desintrusão do território Para esse efeito a Corte formulará considerações sobre i o direito de propriedade coletiva na Convenção Americana ii o dever de garantir o direito à propriedade coletiva e o princípio de segurança jurídica iii a garantia de prazo razoável e a efetividade do processo administrativo e iv a aplicação dos preceitos jurídicos anteriores ao caso concreto Finalmente a Corte analisará v a alegação sobre o descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno estabelecido no artigo 2o da Convenção Americana A Argumentos das partes e da Comissão 94 A Comissão salientou que o direito à propriedade coletiva dos povos indígenas reveste características particulares pela especial relação desses povos com suas terras e territórios tradicionais de cuja integridade depende sua própria sobrevivência como povo sendo objeto de proteção jurídica internacional O território indígena é uma forma de 103 Artigo 21 Direito à propriedade privada 1 Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social 2 Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens salvo mediante o pagamento de indenização justa por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei 3 Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei 104 Artigo 8o Garantias judiciais 1 Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas a direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal b comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa d direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor e direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei f direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos g direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada e h direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior 3 A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza 4 O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos 5 O processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça 105 Artigo 25 Proteção judicial 1 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição pela lei ou pela presente Convenção mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais 2 Os Estados Partes comprometemse a a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso b a desenvolver as possibilidades de recurso judicial e c a assegurar o cumprimento pelas autoridades competentes de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso 26 propriedade que não se fundamenta no reconhecimento oficial do Estado mas no tradicional uso e posse das terras e recursos 95 Em relação à obrigação de demarcação e reconhecimento a Comissão afirmou que esse procedimento constitui o meio pelo qual se oferece segurança jurídica à propriedade coletiva dos povos indígenas e se previnem conflitos com diversos atores assentandose as bases para a consecução da posse e uso pacífico de suas terras e territórios por meio da desintrusão 96 Em relação às violações decorrentes da obrigação de desintrusão oportuna do território indígena a Comissão salientou que a responsabilidade internacional do Estado no presente caso se configurou como consequência dos anos em que o Povo Indígena Xucuru não pôde exercer a posse pacífica de suas terras e territórios devido à presença de pessoas não indígenas nesse território Destacou que nesse caso o Estado tinha o dever de proceder à desintrusão das terras indígenas demarcadas culminando com a indenização dos benfeitorias realizadas pelos terceiros ocupantes de boafé não indígenas e permitir dessa maneira sua retirada das terras do povo indígena 97 Segundo a Comissão as violações decorrentes da demora na resolução das ações judiciais interpostas por terceiras pessoas não indígenas nos anos de 1992 e 2002 se devem ao fato de mantêlas indefinidamente sem uma solução provocando uma ameaça permanente sobre o direito à propriedade coletiva e constituindo um fator de maior insegurança jurídica para o Povo Indígena Xucuru Por tudo isso a Comissão concluiu que o Estado era responsável pela violação do artigo 21 em relação aos artigos 11 e 2 da Convenção Americana 98 Com respecto às garantias judiciais e à proteção judicial a Comissão considerou que o Estado não demonstrou que o processo administrativo de demarcação do território do povo Xucuru envolvesse aspectos ou debates particularmente complexos que guardem relação com o atraso de mais de 16 anos para a conclusão do processo administrativo de titulação demarcação e reconhecimento do território indígena Por conseguinte a Comissão considerou que o prazo que durou o processo administrativo não foi razoável nos termos exigidos pela Convenção Americana 99 Para a Comissão o argumento do Estado sobre a complexidade do registro imobiliário do território indígena e o número de ocupantes não indígenas não guarda relação ou nexo de causalidade com a demora no processo administrativo pois conforme se infere do próprio expediente a identificação dessas ocupações para o eventual desintrusão não é determinante para a conclusão de suas etapas A Comissão ressaltou que na prática tiveram lugar de maneira paralela e continuaram posteriormente ao mesmo 100 A Comissão salientou que as ações judiciais apresentadas por ocupantes não indígenas do território indígena Xucuru não contam com uma solução definitiva respectivamente há mais de 20 e 12 anos o que não é compatível com o princípio do prazo razoável estabelecido na Convenção A demora na solução dessas duas ações judiciais constitui uma ameaça permanente ao direito à propriedade coletiva em consequência da falta de solução oportuna dessas duas ações em um prazo razoável Por conseguinte o Estado é responsável pela violação dos artigos 81 e 25 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru 101 Os representantes destacaram que o processo de demarcação da terra indígena ainda não foi concluído pois há que considerar que o povo Xucuru espera há 27 anos obter o gozo pacífico e exclusivo de seu território 27 102 Destacaram também que a situação atual do Povo Indígena Xucuru provoca instabilidade e insegurança por três razões i a presença de seis ocupantes não indígenas proprietários de sete terrenos os quais continuam vivendo no território sem o consentimento do povo ii a existência de outros antigos ocupantes que já não se acham na terra mas que ainda não receberam as indenizações que lhes cabem e iii a falta de solução da ação iniciada por Paulo Petribu e a decisão judicial desfavorável que ordena a reintegração da posse a favor de Milton Didier e Maria Edite Didier a qual é suscetível de execução Para os representantes o acima exposto representa uma violação dos direitos dos povos indígenas consagrados na Convenção Americana impedindo ao Povo Indígena Xucuru viver em seu território de modo pacífico e sem ameaças 103 Os representantes ressaltaram que o Estado se equivoca ao afirmar que há uma coexistência pacífica para eximirse de sua responsabilidade de concluir o processo demarcatório Isso porque em primeiro lugar devese considerar o histórico de assassinatos e ameaças contra o povo indígena levado a cabo pelos ocupantes não indígenas que ali permaneciam e em segundo lugar porque a estrutura normativa do processo de demarcação contempla a obrigação de desintrusão do território sem que se deva examinar se há consentimento do povo indígena 104 Ressaltaram também que desde o início do processo de demarcação até o registro do território indígena do povo Xucuru foi garantida de maneira formal a proteção institucional ao povo indígena apesar de materialmente o processo administrativo não ter representado o acesso ao gozo total de seu direito ao território originário proteção e segurança jurídica 105 Em conclusão os representantes afirmaram que o Estado brasileiro violou o direito à propriedade coletiva estabelecido no artigo 21 em relação às obrigações dos artigos 11 e 2o da Convenção América em consequência da demora no processo de demarcação e titulação e da falta de desintrusão da propriedade coletiva 106 Sobre os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial os representantes sustentaram que o processo administrativo de delimitação e demarcação da terra dos povos indígenas é dividido em diferentes fases inseridas num processo que deveria avançar de maneira sucessiva sem nenhum tipo de complicação No entanto no caso do território indígena do povo Xucuru o desenvolvimento de cada uma dessas fases não ocorreu de maneira automática expondo o povo indígena a uma série de ameaças e inseguranças jurídicas No que se refere às ações judiciais interpostas por não indígenas afirmaram que excederam o prazo razoável de duração de acordo com os parâmetros estabelecidos na Convenção As ações apresentadas por terceiros careciam de complexidade razão pela qual não há lugar para uma justificação para uma duração tão longa destacando os efeitos nocivos da situação anterior Em razão do exposto os representantes concluíram que o Estado violou os artigos 8 e 25 em relação às obrigações estabelecidas nos artigos 11 e 2 da Convenção 107 O Estado afirmou que o regime jurídico brasileiro garante proteção maior às comunidades indígenas consagrando a posse permanente da terra a qual é inalienável imprescritível e inembargável São os povos indígenas que têm o usufruto exclusivo das riquezas dos solos rios lagos etc respeitando sua organização social costumes línguas crenças e tradições A Constituição estabelece o dever da União de delimitar e proteger as terras indígenas 28 108 Além disso salientou que não é possível considerar uma violação da garantia de acesso ao Poder Judiciário relativo ao processo administrativo de demarcação já que se trata de um processo iniciado de ofício pelo Estado em cumprimento à Constituição Os indígenas apesar da possibilidade de participar de todas as fases do processo administrativo demarcatório não são autores mas beneficiários da ação estatal e do resultado do processo administrativo Segundo o Estado é irrazoável declarar uma violação porque não foi retirado o último dos ocupantes não indígenas sem levar em conta que a terra está demarcada e titulada há mais de uma década 109 Quanto à presença de ocupantes não indígenas na terra indígena Xucuru o Estado afirmou que mediante uma recente inspeção oficial verificou que era insignificante pacífica e aceita pelos indígenas Por esse motivo o Estado afirmou que garantiu a posse pacífica do território do Povo Indígena Xucuru com o pagamento de mais de 84 das indenizações devidas aos antigos ocupantes Além disso hoje os indígenas estão de posse da quase totalidade das antigas ocupações restando somente sete parcelas que não estão em sua posse 110 Finalmente o Estado declarou que não foi violado o direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru porquanto não houve uma demora injustificada nem no procedimento demarcatório nem na titulação ou desintrusão da terra indígena Pelo acima exposto o Brasil concluiu que não violou o artigo 21 em relação às obrigações dos artigos 11 e 2 da Convenção Americana 111 O Estado destacou que no processo administrativo e nas ações judiciais apresentadas por terceiros não indígenas os membros da comunidade indígena Xucuru não tiveram as condições necessárias de sujeitos passivos Por conseguinte não teria lugar a violação do artigo 8o em relação às obrigações estabelecidas no artigo 11 da Convenção Americana 112 O Estado também afirmou que a demarcação de terras indígenas é uma tarefa complexa o que se justifica pela necessidade de transparência do procedimento e do contraditório de todas as partes em especial dos ocupantes não indígenas que historicamente se estabeleceram de boafé nesse território A existência de conflitos e resistência dos ocupantes não indígenas e entre os próprios integrantes do Povo Indígena Xucuru representou uma realidade fática complexa de modo que se houve atraso isso se justifica pela realidade 113 Com relação à ação de suscitação de dúvidas o Estado salientou que não questionou a natureza indígena da terra a idoneidade do procedimento demarcatório ou o direito de posse permanente do povo Xucuru protegido constitucionalmente como direito originário sendo a demarcação um procedimento declaratório de direito preexistente e o registro unicamente um ato de divulgação O ato de registro da terra demarcada implicava complexidade fática e dano a direitos de terceiros Ainda que se considerasse que o registro da terra indígena Xucuru era uma medida legítima para dar divulgação à posse indígena desse território não seria descabida a exigência formulada pelo oficial de registro de imóveis de Pesqueira Por tudo isso o Estado considerou que não houve demora injustificada nem no caso do procedimento demarcatório da terra indígena nem na titulação da posse permanente 114 Por outro lado com relação às duas ações judiciais o Estado afirmou que cumpriu seu dever constitucional de assegurar o direito de acesso ao poder judiciário mas não uma infração das obrigações internacionais estabelecidas na Convenção Americana Para o Estado é evidente que a solução das ações judiciais demandou tempo circunstância que 29 impactou o prazo do processo administrativo de demarcação Do mesmo modo negar o acesso à justiça aos não indígenas seria agir de forma arbitrária Acrescentou que os artigos 8 e 25 da Convenção não podem ser confundidos nem interpretados da mesma maneira de modo que deles decorra um mesmo resultado O Estado concluiu que não violou os artigos 81 e 25 em relação às obrigações estabelecidas no artigo 11 da Convenção B Considerações da Corte B1 O direito de propriedade coletiva na Convenção Americana 115 A Corte recorda que o artigo 21 da Convenção Americana protege o estreito vínculo que os povos indígenas mantêm com suas terras bem como com seus recursos naturais e com os elementos incorporais que neles se originam Entre os povos indígenas e tribais existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal da propriedade coletiva da terra no sentido de que a posse desta não se centra em um indivíduo mas no grupo e sua comunidade106 Essas noções do domínio e da posse sobre as terras não necessariamente correspondem à concepção clássica de propriedade mas a Corte estabeleceu que merecem igual proteção do artigo 21 da Convenção Americana Desconhecer as versões específicas do direito ao uso e gozo dos bens dadas pela cultura usos costumes e crenças de cada povo equivaleria a afirmar que só existe uma forma de usar os bens e deles dispor o que por sua vez significaria tornar ilusória a proteção desses coletivos por meio dessa disposição107 Ao se desconhecer o direito ancestral dos membros das comunidades indígenas sobre seus territórios se poderia afetar outros direitos básicos como o direito à identidade cultural e à própria sobrevivência das comunidades indígenas e seus membros108 116 A jurisprudência desta Corte reconheceu reiteradamente o direito de propriedade dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais e o dever de proteção que emana do artigo 21 da Convenção Americana à luz das normas da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas bem como os direitos reconhecidos pelos Estados em suas leis internas ou em outros instrumentos e decisões internacionais constituindo desse modo um corpus juris que define as obrigações dos Estados Partes na Convenção Americana em relação à proteção dos direitos de propriedade indígena109 Portanto ao analisar o conteúdo e alcance do artigo 21 da Convenção no presente caso a Corte levará em conta à luz das regras gerais de interpretação estabelecidas em seu artigo 29b e como fez anteriormente110 a referida interrelação especial da propriedade coletiva das terras para os povos indígenas bem como as alegadas gestões que o Estado realizou para tornar plenamente efetivos esses direitos111 106 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2001 Série C No 79 par 149 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2015 Série C No 309 par 129 107 Cf Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de março de 2006 Série C No 146 par 120 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de outubro de 2015 Série C No 305 par 100 108 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença 17 de junho de 2005 Série C No 125 par 147 e Caso dos Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs Panamá Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 14 de outubro de 2014 Série C No 284 par 18 109 Cf Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes Indocumentados Parecer Consultivo OC1803 de 17 de setembro de 2003 Série A No 18 par 120 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 127 e 128 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 103 110 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 148 Caso dos Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros par 113 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 103 111 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 124 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 103 30 117 Por outro lado o Tribunal recorda sua jurisprudência a respeito da propriedade comunitária das terras indígenas segundo a qual se dispõe inter alia que 1 a posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes aos do título de pleno domínio concedido pelo Estado 2 a posse tradicional confere aos indígenas o direito de exigir o reconhecimento oficial de propriedade e seu registro 3 os membros dos povos indígenas que por causas alheias a sua vontade tenham saído ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade sobre elas apesar da falta de título legal salvo quando as terras tenham sido legitimamente transferidas a terceiros de boafé 4 o Estado deve delimitar demarcar e conceder título coletivo das terras aos membros das comunidades indígenas112 5 os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a posse de suas terras e estas tenham sido trasladadas legitimamente a terceiros de boafé têm o direito de recuperálas ou a obter outras terras de igual extensão e qualidade113 6 o Estado deve garantir a propriedade efetiva dos povos indígenas e absterse de realizar atos que possam levar a que os agentes do próprio Estado ou terceiros que ajam com sua aquiescência ou sua tolerância afetem a existência o valor o uso ou o gozo de seu território114 7 o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas de controlar efetivamente seu território e dele ser proprietários sem nenhum tipo de interferência externa de terceiros115 e 8 o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas ao controle e uso de seu território e recursos naturais116 Com relação ao exposto a Corte afirmou que não se trata de um privilégio de usar a terra o qual pode ser cassado pelo Estado ou superado por direitos à propriedade de terceiros mas um direito dos integrantes de povos indígenas e tribais de obter a titulação de seu território a fim de garantir o uso e gozo permanente dessa terra117 118 No mesmo sentido a Corte estabeleceu que a falta de uma delimitação e demarcação efetiva pelo Estado dos limites do território sobre os quais existe um direito de propriedade coletiva de um povo indígena pode criar um clima de incerteza permanente entre os membros dos referidos povos porquanto não sabem com certeza até onde se estende geograficamente seu direito de propriedade coletiva e consequentemente desconhecem até onde podem usar os respectivos bens e deles usufruir livremente118 119 A Corte também estabeleceu que em atenção ao princípio de segurança jurídica é necessário materializar os direitos territoriais dos povos indígenas mediante a adoção de medidas legislativas e administrativas para criar um mecanismo efetivo de delimitação demarcação e titulação que reconheça esses direitos na prática119 considerando que o reconhecimento dos direitos de propriedade coletiva indígena deve ser garantido por meio da concessão de um título de propriedade formal ou outra forma similar de reconhecimento estatal que ofereça segurança jurídica à posse indígena da terra frente à ação de terceiros 112 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 164 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 105 113 Cf Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai par 128 e Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs Paraguai par 109 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 131 114 Cf Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 164 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 132 115 Caso do Povo Saramaka Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 28 de novembro de 2007 Série C No 172 par 115 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 132 116 Caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs Equador Mérito e Reparações Sentença de 27 de junho de 2012 Série C No 245 par 146 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 132 117 Cf Caso da Comunidade Moiwana Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de junho de 2005 Série C No 124 par 211 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 105 118 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 153 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 106 119 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 164 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 133 31 ou dos agentes do próprio Estado Um reconhecimento meramente abstrato ou jurídico das terras territórios ou recursos indígenas carece de sentido caso não se estabeleça delimite e demarque fisicamente a propriedade120 Ao mesmo tempo essa demarcação e titulação deve se traduzir no efetivo uso e gozo pacífico da propriedade coletiva 120 No presente caso o Tribunal observa que existe uma controvérsia entre as partes quanto ao alcance das obrigações internacionais do Brasil Em especial tanto a Comissão como os representantes alegam um agravo ao direito de propriedade coletiva pela falta de segurança jurídica em duas vertentes por um lado i sobre o direito de propriedade a respeito do território Xucuru e a falta de eficácia das ações executadas pelo Estado para efetuar o registro e titulação do território e por outro ii sobre a falta de segurança jurídica no uso e gozo da propriedade em decorrência da demora na desintrusão do território Em virtude do exposto a Corte passará a formular algumas considerações sobre o alcance das obrigações decorrentes do dever geral de garantia a respeito do artigo 21 da Convenção bem como sua relação com a noção de segurança jurídica à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos com o objetivo de determinar se as ações e as alegadas omissões do Estado brasileiro comprometem sua responsabilidade internacional pelo descumprimento da obrigação geral antes citada bem como pela ineficácia dos processos administrativos B2 O dever de garantir o direito à propriedade coletiva e a segurança jurídica 121 Esta Corte afirmou reiteradamente que o artigo 11 da Convenção apresenta duas vertentes Por um lado se encontra a obrigação negativa de respeito que implica que os Estados devem se abster de cometer atos que infrinjam os direitos e as liberdades fundamentais reconhecidas pela Convenção121 por outro encontramse as obrigações positivas de garantia dos Estados Essas obrigações implicam o dever dos Estados Partes de organizar todo o aparato governamental e em geral todas as estruturas mediante as quais se manifesta o exercício do poder público de maneira que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos122 Essas obrigações se configuram e devem manifestarse de diferentes formas dependendo do direito de que se trate É evidente que por exemplo assegurar a igualdade e a não discriminação de jure e de facto não exige do Estado os mesmos atos praticados para assegurar o livre uso e gozo da propriedade privada ou como neste caso da propriedade coletiva das populações indígenas 122 Muito estreitamente vinculado ao anterior encontrase o princípio de segurança jurídica Esse princípio garante entre outros aspectos estabilidade nas situações jurídicas e é parte fundamental da confiança do cidadão na institucionalidade democrática Essa confiança é um dos pilares essenciais sobre os quais reside um Estado de Direito123 desde que se fundamente em uma real e efetiva certeza dos direitos e liberdades fundamentais Este Tribunal coincide com seu par europeu no sentido de que esse princípio se encontra 120 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 133 121 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala par 139 Caso Castillo González Vs Venezuela par 122 Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 208 e Caso Velásquez Paiz e outros Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de novembro de 2015 Série C No 307 par 106 122 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 166167 e Caso IV Vs Bolívia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 329 par 207 123 TEDH Caso Vinčić e outros Vs Sérvia No 4469806 e outros Sentença de 1o de dezembro de 2009 par 56 Ver também Identidade de gênero e igualdade e não discriminação de casais do mesmo sexo Obrigações estatais em relação à mudança de nome à identidade de gênero e aos direitos decorrentes de um vínculo entre casais do mesmo sexo interpretação e alcance dos artigos 11 3 7 112 13 17 18 e 24 em relação ao artigo 1o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC2417 de 24 de novembro de 2017 Série A No 24 par 192 32 implícito em todos os artigos da Convenção124 Em contraposição a falta de segurança jurídica pode se originar em aspectos legais e administrativos ou em práticas estatais125 que reduzam a confiança pública nas instituições judiciais legislativas ou executivas ou no gozo dos direitos ou obrigações reconhecidos por meio daquelas e impliquem instabilidade quanto ao exercício dos direitos fundamentais e de situações jurídicas em geral 123 Desse modo para esta Corte a segurança jurídica se vê assegurada entre outras concepções enquanto exista confiança de que os direitos e liberdades fundamentais serão respeitados e garantidos a todas as pessoas sob a jurisdição de um Estado Parte na Convenção Americana Isso como se explicou pode se dar por diversos meios dependendo da situação concreta e do direito humano de que se trate 124 Para a situação em especial dos povos indígenas a perita Victoria TauliCorpuz Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas observou que para garantir o uso e o gozo do direito da propriedade coletiva os Estados devem assegurar que não exista interferência externa sobre os territórios tradicionais126 ou seja devem eliminar qualquer tipo de interferência sobre o território em questão por meio da desintrusão127 com o objetivo de que o exercício do direito à propriedade tenha um conteúdo tangível e real No mesmo sentido manifestouse no presente processo o perito Carlos Frederico Marés de Souza Filho128 Um reconhecimento meramente abstrato ou jurídico das terras territórios ou recursos indígenas carece de sentido caso as populações ou povos interessados não possam exercer plenamente e de forma pacífica seu direito A desintrusão não só implica a retirada de terceiros de boafé ou de pessoas que ocupem ilegalmente os territórios demarcados e titulados mas a garantia de sua posse pacífica e que os bens titulados careçam de vícios ocultos isto é que sejam livres de obrigações ou gravames em benefício de terceiras pessoas Caso isso não se verifique para a Corte é claro que o direito de propriedade coletiva não foi garantido por completo Assim a Corte considera que os processos administrativos de delimitação demarcação titulação e desintrusão de territórios indígenas são mecanismos que garantem segurança jurídica e proteção a esse direito 125 O acima exposto não significa que sempre que estejam em conflito os interesses territoriais particulares ou estatais e os interesses territoriais dos membros das comunidades indígenas devam prevalecer os últimos sobre os primeiros129 Esta Corte já se pronunciou sobre as ferramentas jurídicas necessárias para resolver essas situações130 A Corte reitera sua jurisprudência no sentido de que tanto a propriedade privada dos particulares como a propriedade coletiva dos membros das comunidades indígenas tenham a proteção convencional que lhes concede o artigo 21 da Convenção Americana131 Sobre o assunto a 124 TEDH Caso Beian Vs Romênia No 1 No 3065805 Sentença de 6 de dezembro de 2007 par 39 e Caso Brumărescu Vs Romênia Grande Sala No 2834295 Sentença de 10 de novembro de 1999 par 61 Ver também Parecer Consultivo OC2417 par 192 125 TEDH Caso Nejdet Şahin e Perihan Şahin Vs Turquia No 1327905 Sentença de 20 de outubro de 2011 par 56 Ver também Parecer Consultivo OC2417 par 192 126 Declaração pericial prestada mediante affidavit pela senhora Victoria TauliCorpuz de 17 de março de 2017 expediente de mérito folha 715 127 Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 181 128 Declaração pericial prestada mediante affidavit pelo senhor Carlos Frederico Marés de Souza Filho em 12 de março de 2017 expediente de mérito folha 650 129 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 149 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 158 130 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 149 151 e 217 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 158 131 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 33 Corte salientou que quando existam conflitos de interesses nas reivindicações indígenas ou quando o direito à propriedade coletiva indígena e a propriedade privada particular entrem em contradição real ou aparente haverá necessidade de avaliar caso a caso a legalidade a necessidade a proporcionalidade e a consecução de um objetivo legítimo numa sociedade democrática132 utilidade pública e interesse social para restringir o direito de propriedade privada por um lado ou o direito às terras tradicionais por outro133 sem que a limitação a esse último implique a denegação de sua subsistência como povo134 O conteúdo de cada um desses parâmetros foi definido pelo Tribunal em sua jurisprudência Caso Comunidade indígena Yakye Axa135 e adiante 126 Essa tarefa compete exclusivamente ao Estado136 sem discriminação alguma e levando em conta os critérios e circunstâncias anteriormente destacados entre eles a relação especial que os povos indígenas têm com suas terras137 Não obstante isso a Corte julga pertinente fazer uma distinção entre a ponderação de direitos que às vezes será necessária durante um processo de reconhecimento demarcação e titulação dos direitos territoriais dos povos interessados e o processo de desintrusão Este último normalmente exigirá que os direitos de propriedade coletiva já tenham sido definidos 127 Nesse sentido a Corte constata que no Brasil a ponderação anteriormente descrita não é necessária atendendo à Constituição Federal e sua interpretação por parte do Supremo Tribunal Federal138 a qual confere preeminência ao direito à propriedade coletiva sobre o direito à propriedade privada quando se estabelece a posse histórica e os laços tradicionais do povo indígena ou tradicional com o território ou seja os direitos dos povos indígenas ou originários prevalecem frente a terceiros de boafé e ocupantes não indígenas Além disso o Estado afirmou que tem o dever constitucional de proteger as terras indígenas139 132 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 144 e 146 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 Sobre o juízo de proporcionalidade podese ver no mesmo sentido Caso Kimel Vs Argentina Mérito Reparações e Custas Sentença de 2 de maio de 2008 Série C No 177 par 51 e Caso Mémoli Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de agosto de 2013 Série C No 265 par 127 133 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 134 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 135 O artigo 211 da Convenção dispõe que a lei pode subordinar o uso e gozo dos bens ao interesse social A necessidade das restrições legalmente contempladas dependerá de que estejam destinadas a atender a um interesse público imperativo sendo insuficiente que se demonstre por exemplo que a lei cumpre um propósito útil ou oportuno A proporcionalidade reside em que a restrição deve ajustarse estreitamente à consecução de um legítimo objetivo interferindo na menor medida possível no efetivo exercício do direito restringido Finalmente para que sejam compatíveis com a Convenção as restrições devem justificarse segundo objetivos coletivos que por sua importância preponderem claramente sobre a necessidade do pleno gozo do direito restringido Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par145 e ss e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 136 Cf Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai par 136 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 156 137 Os Estados devem levar em conta que os direitos territoriais indígenas abrangem um conceito mais amplo e diferente que está relacionado ao direito coletivo à sobrevivência como povo organizado com o controle de seu habitat como condição necessária para a reprodução de sua cultura para seu próprio desenvolvimento e para levar a cabo seus planos de vida A propriedade sobre a terra garante que os membros das comunidades indígenas conservem seu patrimônio cultural Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 146 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 156 138 STF Ação popular Demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol de 19 de março de 2009 Mandado de Segurança MS 21575MS Mato Grosso do Sul 3 de fevereiro de 1994 Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1512RR Roraima 7 de janeiro de 1996 Questão de ordem na ação cível originária ACOQO 312BA Bahia 27 de fevereiro de 2002 Mandado de Segurança MS 23862GO Goiás 4 de março de 2004 139 Cf Constituição Federal do Brasil artigo 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens 34 128 Também é importante destacar que a titulação de um território indígena no Brasil reveste caráter declaratório e não constitutivo do direito Esse ato facilita a proteção do território e por conseguinte constitui etapa importante de garantia do direito à propriedade coletiva Nas palavras do perito proposto pelo Estado Carlos Frederico Marés de Souza Filho quando uma terra é ocupada por um povo indígena o Poder Público tem a obrigação de protegêla fazer respeitar seus bens e demarcála Isso quer dizer que a terra não necessita estar demarcada para ser protegida mas que ela deve ser demarcada como obrigação do Estado brasileiro A demarcação é direito e garantia do próprio povo que a ocupa tradicionalmente140 A demarcação portanto seria um ato de proteção e não de criação do direito de propriedade coletiva no Brasil o qual é considerado originário dos povos indígenas e tribais 129 A controvérsia no presente caso ocorre portanto quando se trata de determinar se as ações executadas pelo Estado no caso concreto foram efetivas para garantir esse reconhecimento de direitos e o impacto que sobre ela teve a demora nos processos Além disso a Corte analisará se a demora em resolver as ações judiciais interpostas por terceiros não indígenas afetaram a segurança jurídica do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru B3 O prazo razoável e a efetividade dos processos administrativos 130 A jurisprudência deste Tribunal salientou em outros casos que os povos indígenas e tribais têm direito a que existam mecanismos administrativos efetivos e expeditos para proteger garantir e promover seus direitos sobre os territórios indígenas mediante os quais se possam levar a cabo os processos de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de sua propriedade territorial141 Os procedimentos mencionados devem cumprir as regras do devido processo legal consagradas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana142 131 Juntamente com o acima exposto a Corte reiterou que o direito de toda pessoa a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos fundamentais constitui um dos pilares básicos não só da Convenção Americana mas do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática no sentido da Convenção143 Além disso no que diz respeito a povos indígenas e tribais é indispensável que os Estados ofereçam uma proteção efetiva que leve em conta suas particularidades e suas características econômicas e sociais além de sua situação de especial vulnerabilidade seu direito consuetudinário valores usos e costumes144 132 Este Tribunal destacou que não basta que a norma consagre processos destinados à titulação delimitação demarcação e desintrusão de territórios indígenas ou ancestrais mas que esses processos tenham efetividade prática Destacou também que esses procedimentos 140 Declaração pericial prestada mediante affidavit pelo senhor Carlos Frederico Marés de Souza Filho em 5 de março de 2017 expediente de mérito folha 642 141 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 138 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 142 Cf Caso Godínez Cruz Vs Honduras Exceções Preliminares Sentença de 26 de junho de 1987 Série C No 3 par 92 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 143 Cf Caso Castillo Páez Vs Peru Mérito Sentença de 3 de novembro de 1997 Série C No 34 par 82 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 228 144 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 63 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 228 35 devem ser efetivos no sentido de que devem supor uma possibilidade real145 de que as comunidades indígenas e tribais possam defender seus direitos e possam exercer o controle efetivo de seu território sem nenhuma interferência externa146 133 Nesse sentido a Corte concorda com o critério da Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas que em sua peritagem salientou que efetividade no contexto do caso sub judice implica que o procedimento administrativo elaborado pelo Estado seja rápido e capaz de regularizar e garantir o direito dos povos indígenas de usar seus territórios de forma pacífica e deles usufruir No caso concreto isso não se limita à titulação formal da propriedade coletiva mas inclui a retirada das pessoas não indígenas que se encontrem nesse território 134 Embora seja certo que a fim de analisar o prazo razoável em termos gerais a Corte deve considerar a duração global de um processo147 em certas situações particulares pode ser pertinente uma avaliação específica de suas diferentes etapas148 No presente caso o Tribunal deve discernir não só se o processo administrativo teve uma demora excessiva mas também o processo de desintrusão dos territórios do povo Xucuru Por conseguinte a seguir a Corte passa a analisar os atos relevantes do processo administrativo e de desintrusão no período em que pode exercer sua competência contenciosa isto é de 10 de dezembro de 1998 até a data de emissão desta Sentença 135 A jurisprudência deste Tribunal considerou quatro elementos para determinar se se cumpriu ou não a garantia do prazo razoável a saber a a complexidade do assunto b a atividade processual do interessado c a conduta das autoridades judiciais e d o dano provocado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo Do mesmo modo o Tribunal julgou em outras oportunidades que compete ao Estado justificar com fundamento nesses critérios a razão pela qual necessitou do tempo transcorrido para considerar o caso149 136 Nesse sentido a Corte considera que conforme sua jurisprudência150 a garantia de prazo razoável deve ser interpretada e aplicada com a finalidade de garantir as regras do devido processo legal consagrado no artigo 8o da Convenção Americana em processos de natureza administrativa ainda mais quando por intermédio deles se pretende proteger garantir e promover os direitos sobre os territórios indígenas mediante os quais se possam levar a cabo os processos de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de sua propriedade territorial151 i Complexidade do assunto 145 Cf Caso do Tribunal Constitucional Vs Peru Competência Sentença de 31 de janeiro de 2001 Série C No 71 par 90 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 240 146 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nigarágua Mérito par 150 a 153 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 153 147 Cf Caso Suárez Rosero Vs Equador Mérito Sentença de 12 de novembro de 1997 Série C No 35 par 71 e Caso Tenorio Roca e outros Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de junho de 2016 Série C No 314 par 239 148 Cf Caso das Comunidades Afrodescendentes Deslocadas da Bacia do Rio Cacarica Operação Gênesis Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de novembro de 2013 Série C No 270 par 403 e Caso Tenorio Roca e outros Vs Peru par 239 149 Cf Caso Anzualdo Castro Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de setembro de 2009 Série C No 202 par 156 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 218 150 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 138 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 151 Cf Caso Godínez Cruz Vs Honduras Exceções Preliminares Sentença de 26 de junho de 1987 Série C No 3 par 92 Nesse mesmo sentido ver Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de março de 2006 Série C No 146 par 97 e 98 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 e 251 36 137 Na jurisprudência deste Tribunal vários critérios foram levados em conta para determinar a complexidade de um assunto Dentre eles destacamse i a complexidade da prova152 ii a pluralidade de sujeitos processuais153 ou o número de vítimas154 iii as características dos recursos constantes da legislação interna155 e iv o contexto em que ocorreram os fatos156 138 De maneira mais específica em casos de povos indígenas com circunstâncias análogas esta Corte considerou que a determinação de seus direitos não implica aspectos ou debates jurídicos que possam justificar um atraso de vários anos em razão da complexidade do assunto157 Com efeito no presente caso o Tribunal constata que a existência e o alcance dos direitos do povo Xucuru sobre seus territórios não era objeto de controvérsia no momento em que o Estado reconheceu a competência contenciosa da Corte O território havia sido demarcado e se encontravam pendentes unicamente a titulação e a desintrusão A Corte constata que a homologação presidencial do território Xucuru ocorreu em 30 de abril de 2001 dois anos e quatro meses depois do reconhecimento da competência contenciosa Não obstante isso apenas em 18 de novembro de 2005 que ocorre a titulação definitiva do referido território par 79 supra O Estado não demonstrou quais seriam os fatores de complexidade que explicariam o atraso na conclusão do processo de titulação de dezembro de 1998 a novembro de 2005 Além disso no entender da Corte a ação de suscitação de dúvidas interposta pelo oficial do registro imobiliário da cidade de Pesqueira não era complexa porque se circunscrevia a um debate jurídico já estabelecido e resolvido pela Constituição Brasileira e demais normas jurídicas emitidas para regulamentar o processo de reconhecimento titulação demarcação e registro de territórios indígenas 139 Por outro lado o Tribunal observa que a desintrusão dos territórios indígenas em determinadas circunstâncias pode implicar um trabalho complexo atendendo a fatores como a dimensão do território suas características geográficas o número de terceiros instalados no território a sanear e o perfil ou características das pessoas ou grupos de pessoas a ser desalojadas entre outros 140 No caso em exame a Corte não dispõe de prova suficiente para estabelecer com exatidão quantas pessoas e propriedades ainda se encontravam ocupadas por terceiros não indígenas em 10 de dezembro de 1998 O acervo probatório no presente caso permite estabelecer que em 1992 70 dos territórios tradicionais Xucuru se encontravam ocupados por terceiros em 624 propriedades ou ocupações Do mesmo modo de acordo com a prova oferecida pelas partes em 2016 esse percentual se teria reduzido a 05 especificamente seis proprietários não indígenas que ainda ocupam sete propriedades que se estendem por 16043 hectares do território indígena Xucuru Por outro lado a Corte 152 Cf Caso Genie Lacayo Vs Nicarágua Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de janeiro de 1997 Série C No 30 par 78 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 153 Cf Caso Acosta Calderón Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de junho de 2005 Série C No 129 par 106 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 154 Cf Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 156 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 Do mesmo modo ver Caso Baldeón García Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 6 de abril de 2006 Série C No 147 par 152 Caso Vargas Areco Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 155 par 103 e Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2015 Série C No 308 par 179 155 Cf Caso Salvador Chiriboga Vs Equador Exceção Preliminar e Mérito Sentença de 6 de maio de 2008 Série C No 179 par 83 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 156 Cf Caso Genie Lacayo Vs Nicarágua Mérito Sentença de 29 de janeiro de 1997 Série C No 30 par 78 e 79 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 157 Cf Caso dos Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs Panamá par 181 37 constatou que 45 indenizações ainda não foram pagas a terceiros não indígenas que já saíram do território par 80 supra 141 No que se refere exclusivamente ao processo de desintrusão a Corte considera que se tratava de um procedimento complexo e custoso em razão do grande número de proprietários não indígenas Sem prejuízo do exposto observa que o processo de cadastro de ocupantes não indígenas demorou 18 anos de 1989 a 2007 par 80 supra ou seja nove anos dentro da competência do Tribunal Além disso verificouse que o procedimento de pagamento de indenizações por benfeitorias de boafé começou em 2001 e o último pagamento foi efetuado em 2013 concluindo a indenização de 523 ocupantes não indígenas Segundo o depoimento da testemunha José Sergio de Souza durante a audiência pública e informação prestada pelo Estado o pagamento de indenizações foi interrompido por vários anos em diversas oportunidades por razões orçamentárias bem como por problemas na documentação dos beneficiários e ainda não foi concluído O Estado não demonstrou de maneira precisa qual era o percentual do território Xucuru que permanecia pendente de desintrusão em 10 de dezembro de 1998 nem explicou qual é hoje a complexidade concreta que explica a demora na desintrusão do território Xucuru ou nela interfere Sem prejuízo de que permaneçam somente seis ocupantes não indígenas no território Xucuru no momento da emissão da presente Sentença a Corte observa que em que pese o grande número de ocupantes não indígenas presentes nesse território no início do processo de reconhecimento e titulação em 1989 a complexidade e os custos do processo de desintrusão não justificam a demora de praticamente 28 anos sendo 19 anos dentro da competência da Corte para concluílo ii A atividade processual dos interessados 142 Em relação a esse segundo elemento compete à Corte avaliar se os interessados realizaram intervenções que lhes eram razoavelmente exigíveis nas diferentes etapas processuais158 143 No presente caso a Corte considera que foi demonstrado que cabia ao Estado por intermédio da FUNAI iniciar e impulsionar o processo administrativo de demarcação e titulação além da desintrusão Nesse sentido o Tribunal considera que não se exigia do povo Xucuru que interviesse no processo administrativo e não existe informação nem prova disponível que permita ao Tribunal inferir que a demora no processo seja imputável em alguma medida aos integrantes do Povo Indígena Xucuru iii A conduta das autoridades estatais 144 Quanto à conduta das autoridades estatais a Corte entendeu que como regentes do processo têm o dever de guiar e conduzir o procedimento judicial ou administrativo a fim de não sacrificar a justiça e o devido processo em prol da formalidade159 145 No que diz respeito a esse elemento a Corte constata diversos momentos em que se percebe ausência de impulso processual por parte das autoridades estatais Do expediente entregue o Tribunal observa que não houve avanços significativos no processo administrativo de 10 de dezembro de 1998 a 2001 quando ocorre a homologação presidencial das terras demarcadas 158 Cf Caso Fornerón e filha Vs Argentina Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de abril de 2012 Série C No 242 par 69 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 158 159 Cf Caso Myrna Mack Chang Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2003 Série C No 101 par 211 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 158 38 146 A Corte observa que embora a homologação presidencial do território demarcado tenha ocorrido em 30 de abril de 2001 a solicitação da FUNAI de registro da propriedade foi impugnada pelo oficial do registro de imóveis de Pesqueira em agosto de 2002 Isso influenciou de maneira direta para que os territórios não fossem titulados até 18 de novembro de 2005 O Tribunal observa que a demora de quatro anos para a resolução dessa ação aconteceu apesar de sua falta de complexidade160 Nesse sentido o atraso adicional na titulação das terras é diretamente imputável à atividade processual do Estado e das autoridades que fizeram tramitar a ação 147 De outra parte no que se refere à desintrusão o Tribunal considera que a conclusão é a mesma Da prova disponível se infere que a demora nesse processo ocorreu por dificuldades orçamentárias ou de organização do Estado Em atenção a isso as indenizações a terceiros de boafé e sua retirada do território tardou mais de 20 anos 14 deles dentro da competência contenciosa da Corte par 77 a 80 supra e esses trâmites ainda não foram concluídos iv O dano provocado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo 148 Em relação a esse elemento a Corte sustentou que para determinar a razoabilidade do prazo devese levar em conta o dano provocado pela duração do procedimento na situação jurídica da pessoa nele envolvida considerando entre outros elementos a matéria objeto de controvérsia Nesse sentido este Tribunal estabeleceu que caso o tempo influa de maneira relevante na situação jurídica do indivíduo será necessário que o procedimento avance com maior diligência a fim de que o caso se resolva em tempo breve161 O Tribunal considera que a demora em si mesma poderia implicar um dano autônomo ao direito à propriedade coletiva motivo pelo qual será examinada em detalhe à luz do artigo 21 da Convenção Americana par 150 a 162 infra 149 Portanto o Tribunal considera que com base nas considerações expostas nesta seção há suficientes elementos para concluir que o atraso do processo administrativo foi excessivo em especial a homologação e a titulação do território Xucuru Do mesmo modo o tempo transcorrido para que o Estado realizasse a desintrusão dos territórios titulados é injustificável Nesse sentido a Corte considera que o Estado violou o direito à garantia judicial de prazo razoável reconhecido no artigo 81 da Convenção em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento B4 O alegado agravo à propriedade coletiva 150 Com efeito não é objeto de controvérsia no presente caso a existência do direito do povo Xucuru sobre seus territórios tradicionais Tanto a norma constitucional como o próprio Estado principalmente por intermédio da FUNAI realizaram grandes esforços ao longo do anos por proteger e garantir o direito à propriedade coletiva de povos indígenas no Brasil162 Não obstante isso o Tribunal identifica três pontos nos quais existe controvérsia 160 Sentença de ação de suscitação de dúvida de 22 de junho de 2005 Anexos ao Relatório de Mérito da Comissão expediente de prova folhas 2729 161 Cf Caso Valle Jaramillo e outros Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 par 155 e Caso Yarce e outras Vs Colômbia Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de novembro de 2016 Série C No 325 par 288 162 Cf Decreto nº 1775 de 8 de janeiro de 1996 expediente de prova folha 1396 PortariaFUNAI nº 14 de 9 de janeiro de 1996 expediente de prova folha 1400 Manifestação da 6ª Sala de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal na ação No 126000000791200367 expediente de prova folha 1404 Informação Técnica No 155 2016 CGAFDPTFUNAI expediente de prova folha 1435 Cópia do expediente No 0002697 28199240583000 9ª Vara Federal de Pernambuco Milton Barros Didier e Maria Edite Didier expediente de 39 entre as partes e que poderiam constituir um agravo ao direito à propriedade coletiva Por um lado a alegada falta de cumprimento das obrigações positivas para garantir o direito de propriedade por outro lado a falta de segurança jurídica sobre o uso e gozo pacífico dos territórios tradicionais do povo Xucuru decorrente da falta da desintrusão Também se discute a efetividade dos processos iniciados em âmbito interno para esse efeito Nesse sentido o Tribunal deve constatar esses aspectos e determinar se isso implica uma violação do direito da propriedade coletiva desse povo nos termos do artigo 21 da Convenção 151 Nesse sentido o Tribunal considera que do acervo probatório disponível se infere que o Estado envidou diversos esforços por materializar os direitos do povo Xucuru sobre seus territórios tradicionais163 A partir de 10 de dezembro de 1998 permaneciam pendentes de implementação as duas etapas finais do processo de reconhecimento demarcação e titulação do território ou seja a homologação presidencial e o registro da terra indígena no Registro de Imóveis Nenhuma dessas etapas envolvia trabalhos de campo ou procedimentos complexos que superassem a decisão política de emissão do Decreto Presidencial e seu registro Conforme se expôs anteriormente o Tribunal não dispõe de informação sobre o processo administrativo de demarcação entre essa data e 30 de abril de 2001 momento em que o Presidente da República emitiu o Decreto Presidencial que homologou a demarcação do território indígena Xucuru par 81 supra 152 Posteriormente ao Decreto Presidencial a quinta etapa do processo administrativo foi suspensa em virtude de uma ação de suscitação de dúvidas interposta por um funcionário público do Registro de Imóveis de Pesqueira Portanto apenas em novembro de 2005 que finalmente se concluiu o processo administrativo de titulação com o registro definitivo do território indígena Xucuru par 79 supra 153 Paralelamente ao processo de demarcação titulação e registro tiveram lugar o procedimento de desintrusão do território e os pagamentos de indenizações por benfeitorias de boafé Nesse processo que teve início em 2001 foram indenizados 523 ocupantes não indígenas de um total de 624 ocupantes cadastrados par 80 supra164 Segundo a prova disponível em 2003 a FUNAI teria desembolsado mais de oito milhões de reais165 para atender a essa despesa166 No entanto até a data da emissão da presente Sentença a Corte tem informação de que 45 exocupantes não indígenas não receberam sua indenização e seis familias não indígenas ainda permanecem no território tradicional167 prova folha 1443 Informação Técnica No 122017CORTCGAFDPTFUNAI expediente de prova folha 42762 Memorando No 02PGFPFEFUNAI09 expediente de prova folha 4278 163 O processo administrativo referente ao território indígena Xucuru foi iniciado ex officio pela FUNAI em 1989 Durante a tramitação desse processo uma mudança normativa resultou na possibilidade de impugnações do processo por ocupantes não indígenas o que foi resolvido de maneira expedita pelo Ministério da Justiça no momento oportuno Do mesmo modo a demarcação física do território foi concluída em 1995 par 71 supra De modo que das cinco etapas previstas no Decreto No 177596 três já estavam concluídas quando do reconhecimento de competência da jurisdição da Corte por parte do Brasil em dezembro de 1998 Todas essas ações se encontram fora da competência contenciosa deste Tribunal par 31 e 32 supra 164 Informação Técnica N1552016CGAFDPTFUNAI de 6 de setembro de 2016 expediente de prova para melhor resolver folhas 40324038 165 Quadro Resumo Controle de Pagamento de Indenização de Ocupantes NãoÍndios de 27 de novembro de 2003 Anexo 2 ao Relatório de Mérito expediente de prova folha 23 166 Em audiência realizada em 21 de março de 2017 os Representantes do Estado afirmaram que o Brasil por intermédio da FUNAI havia desemboldado cerca de 20 milhões de reais em indenizações aos ocupantes não indigenas sem no entanto apresentar prova que apoie essa afirmação 167 A esse respeito o Estado apresentou os seguintes dados sobre as medidas de desintrusão do território Xucuru Segundo os registros da FUNAI anteriores à realização da diligência foram identificadas 634 ocupações de cidadãos não indígenas na Terra indígena Xucuru das quais até 2013 523 teriam sido integralmente indenizadas em favor de proprietários de boafé Entre as 101 ocupações não indenizadas verificouse que na realidade 19 pertenciam a indígenas do povo Xucuru o que implicava obviamente na inexistência de qualquer direito de receber a indenização As 82 ocupações restantes estavam com seus processos indenizatórios pendentes por diversos motivos entre os quais a ações judiciais pendentes inclusive para discutir o montante da indenização b a 40 154 Nesse sentido a Corte constata que a homologação e registro do território indígena Xucuru até o ano 2005 e a lenta e incompleta desintrusão desse território foram elementos fundamentais que permitiram a presença de ocupantes não indígenas e geraram em parte tensão e disputas entre indígenas e não indígenas par 87 a 91 supra A Relatora Especial TauliCorpuz salientou em sua peritagem que um dos impactos negativos decorrentes da falta da regularização de territórios indígenas é o padrão de tensão e violência que habitualmente surge nessas situações168 Essas circunstâncias segundo seu conhecimento se veem agravadas pelas demoras nos referidos processos 155 A esse respeito o Estado afirmou que a reocupação da maior parte do território pelo Povo Indígena Xucuru teve lugar entre 1992 e 2012169 No entanto o Estado não especificou em que períodos ou de que forma ocorreu a recuperação de cada parcela O Estado tampouco apresentou prova de qual foi o processo de retirada das 624 ocupações cadastradas ou de como foi esse processo Por conseguinte a Corte considera que as ações executadas pelo Estado não foram efetivas para garantir o livre gozo do direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru 156 No entender deste Tribunal embora seja certo que o povo Xucuru contou com o reconhecimento formal da propriedade coletiva de seus territórios desde novembro de 2005 não há hoje segurança jurídica sobre seus direitos à totalidade do território ou seja os integrantes do povo Xucuru não podem confiar em que todos os direitos vinculados a sua propriedade coletiva sejam respeitados e garantidos 157 A Corte observa que a ação de reintegração de posse No 0002697 2819924058300 número original 9200026974 interposta em março de 1992 par 74 supra e a ação ordinária No 00022465120024058300 número original 200283000022466 que solicitava a anulação do processo administrativo de demarcação do território indígena Xucuru com respeito a cinco imóveis par 85 supra tiveram um impacto direto no direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru Embora ambas as ações judiciais tenham sido apresentadas por terceiros não indígenas é indiscutível que ambos os processos devem ser analisados pela Corte pois tiveram um impacto direto na segurança jurídica da titularidade dos direitos sobre o território coletivo 158 A ação de reintegração de posse interposta em 1992 somente chegou a uma decisão definitiva em 2014 quando adquiriu força de coisa julgada par 83 supra isto é 22 anos depois de sua interposição e 16 anos depois do reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Brasil Essa ação tem impacto em 300 hectares do território Xucuru e pode ser executada a qualquer momento sem prejuízo da excepcionalíssima ação rescisória existência de dívidas sobre o imóvel superiores aos valores dos benfeitorias indenizáveis o que levava os proprietários a naturalmente perder o interesse na indenização c a ausência de documentação regular do imóvel para que se pudesse realizar o devido pagamento ou simplesmente d a impossibilidade de localizar os proprietários de boafé na ocupação ou em qualquer outro lugar Os seis ocupantes que permanecem na terra indígena são os seguintes 1 Luiz Alves de Almeida LVAs 494 e 495 duas ocupações na Vila de Cimbres e no Sítio Ramalho com superfícies de 006 ha e 1023 ha respectivamente 2 Maria das Montanhas Lima LVA 543 uma ocupação na região da Aldeia Sucupira Sítio Campina Nova com superfície de 678 ha 3 Bernadete Lourdes Maciel LVA 517 uma ocupação na Vila de Cimbres com superfície de 2362 ha 4 José Pedro do Nascimento herança LVA 587 uma ocupação na localidade Capim de Planta com superfície de 961 ha 5 José Paulino da Silva herança LVA 538 uma ocupação na localidade Pé de Serra do Oiti com superfície de 706 ha e 6 Murilo Tenorio de Freitas LVA 580 uma ocupação denominada Ipanema com superfície de 1100 ha expediente de mérito folhas 1058 e 1059 168 Declaração pericial prestada mediante affidavit pela senhora Victoria TauliCorpuz de 17 de março de 2017 expediente de mérito folha 713 O perito Marés de Souza Filho se manifestou no mesmo sentido expediente de mérito folha 652 169 Escrito de alegações finais escritas do Estado do Brasil expediente de mérito folha 1017 41 apresentada pela FUNAI em 2016 par 84 supra Por outro lado a segunda ação interposta em 2002 pretendia a anulação do processo administrativo e só chegou a uma resolução de mérito em 2012 sendo que ainda continuam pendentes recursos ante tribunais superiores par 85 e 86 supra 159 A respeito desses dois processos a Corte reconhece que o Estado não tem responsabilidade direta pelo fato de terem sido apresentados por terceiros não indígenas Além disso tem a obrigação de proporcionar um recurso adequado para a determinação de direitos inclusive de terceiros Não obstante isso a excessiva demora na tramitação e resolução dessas ações provocou um impacto adicional na frágil segurança jurídica do povo Xucuru em relação à propriedade de seu território ancestral 160 Isto posto conforme foi estabelecido supra a critério deste Tribunal no momento do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal por parte do Brasil a determinação do direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru não supunha uma complexidade inerente O Estado tampouco demonstrou que esses processos representassem uma complexidade jurídica ou fática que pudesse justificar a falta de uma decisão definitiva até o dia de hoje 161 Por outro lado como foi estabelecido anteriormente o processo de demarcação e titulação e a resolução das ações judiciais interpostas por terceiros demoraram excessivamente não foram efetivos nem garantiram segurança jurídica ao povo Xucuru Além disso embora seja certo que o processo administrativo em suas diversas etapas se encontra estabelecido na legislação brasileira fica evidente que não surtiu os efeitos para os quais foi concebido isto é garantir que o povo Xucuru tenha confiança plena de exercer pacificamente seus direitos de uso e gozo de seus territórios tradicionais A juízo do Tribunal apesar de que somente seis ocupantes não indígenas permaneçam vivendo dentro do território indígena e de que 45 exocupantes não tenham recebido sua indenização enquanto o povo Xucuru não tenha segurança jurídica para exercer plenamente seu direito de propriedade coletiva as instâncias nacionais não terão sido completamente efetivas em garantir esse direito Esse fato não constitui uma constatação limitada no momento de emissão da presente Sentença mas também leva em consideração os quase 19 anos de 10 de dezembro de 1998 até esta data em que a inefetividade do processo implicou um agravo direto ao direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru Desse modo a Corte considera que a violação desse direito ocorre ao não ser ele garantido efetivamente e ao não se prover segurança jurídica 162 Portanto o Tribunal conclui que o processo administrativo de titulação demarcação e desintrusão do território indígena Xucuru foi parcialmente ineficaz Por outro lado a demora na resolução das ações interpostas por terceiros não indígenas afetou a segurança jurídica do direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru Nesse sentido a Corte considera que o Estado violou o direito à proteção judicial e o direito à propriedade coletiva reconhecidos nos artigos 25 e 21 da Convenção em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento B5 Alegado descumprimento da obrigação de adotar disposições de direito interno 163 Esta Corte ordenou modificações legislativas quando no âmbito do litígio de um caso concreto foi provado que uma lei interna é violatória dos direitos previstos na Convenção170 Não obstante isso o Tribunal recusou solicitações dessa natureza171 quando as partes não 170 Caso Garibaldi Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de setembro de 2009 Série C No 203 par 173 e Caso Escher e outros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 6 de julho de 2009 Série C No 200 par 254 171 Caso Garibaldi Vs Brasil par 173 e Caso Escher e outros Vs Brasil par 254 42 argumentaram nem demonstraram a existência de uma norma concreta incompatível com a Convenção e que tenha sido aplicada às vítimas do caso específico Esse tipo de solicitação também foi recusado quando não foi demonstrada alguma omissão legislativa que implique um descumprimento do artigo 2o da Convenção172 164 Os representantes argumentaram em seu escrito de alegações finais de maneira extemporânea par 55 a 58 supra que as normas internas padecem de vícios como a falta de prazos para a conclusão das etapas do processo de demarcação reconhecimento e titulação à exceção dos 30 dias para o registro do título de propriedade no Registro de Imóveis quinta etapa Segundo se alega o exposto provoca falta de segurança jurídica e no presente caso colaborou com o atraso do processo administrativo e a situação de tensão e violência verificada 165 Se a Comissão ou os representantes consideravam que havia uma suposta incompatibilidade da legislação brasileira com a Convenção essa incompatibilidade devia ter sido provada durante as diferentes etapas do processo perante esta Corte A Comissão não argumentou de forma precisa quais eram as normas ou a omissão se fosse o caso incompatíveis com a Convenção Por sua vez a alegação dos representantes além de ser extemporânea se refere à norma infraconstitucional que regulamenta o processo de titulação e demarcação mas não especificaram qual a norma que consideravam incompatível com a Convenção nem salientaram em que sentido essa norma devia ser modificada para que cumpra o disposto no artigo 2o da Convenção A esse respeito esta Corte ressaltou que a competência contenciosa da Corte não tem por objeto a revisão das legislações nacionais de maneira abstrata mas é exercida para resolver casos concretos em que se alegue que uma ação ou omissão do Estado executada contra pessoas determinadas é contrária à Convenção173 Do exposto a Corte considera que nem a Comissão nem os representantes apresentaram argumentos suficientes que lhe possibilitem declarar o descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno estabelecido no artigo 2o da Convenção Americana 166 Com base nas considerações acima esta Corte considera que não dispõe de elementos para determinar que norma poderia estar em conflito com a Convenção e muito menos como essa eventual norma impactou de maneira negativa o processo de titulação reconhecimento e desintrusão do território Xucuru Por conseguinte a Corte conclui que o Estado não é responsável pelo descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno estabelecido no artigo 2o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 21 do mesmo instrumento 172 Caso Garibaldi Vs Brasil par 173 Caso Escher e outros Vs Brasil par 254 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 211 173 Cf Responsabilidade Internacional pela Expedição e Aplicação de Leis Violatórias da Convenção artigos 1º e 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC1494 de 9 de dezembro de 1994 Série A No 14 par 48 Caso Genie Lacayo Vs Nicarágua Exceções Preliminares Sentença de 27 de janeiro de 1995 Série C No 21 par 50 Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de junho de 2009 Série C No 197 par 130 Caso Manuel Cepeda Vargas Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2010 Série C No 213 par 51 e Caso García Lucero e outras Vs Chile Exceção Preliminar Mérito e Reparações Sentença de 28 de agosto de 2013 Série C No 267 par 157 43 VIII2 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL174 A Alegações das partes e da Comissão 167 Com respeito ao artigo 51 da Convenção Americana a Comissão observou que a falta de reconhecimento oportuno e a falta de proteção eficaz além da desocupação do território ocupado historicamente pelo Povo Indígena Xucuru tiveram como consequência uma situação de insegurança e violência pela qual considerou em virtude do princípio iura novit curia que se violou o direito à integridade psíquica e moral dos membros do povo Xucuru contrariando o disposto no artigo 51 da Convenção Americana A Comissão não apresentou argumentos adicionais para realizar essa determinação 168 Os representantes afirmaram que as falhas estatais relativas à falta de reconhecimento rápido das terras Xucuru à falta de proteção eficaz dos povos indígenas e à remoção efetiva de pessoas não indígenas provocou um clima de insegurança tensão e violência que causou danos à saúde e à integridade pessoal dos membros do povo Xucuru e ao povo Xucuru como um todo Segundo os representantes a violação do artigo 5o decorre da natureza dos danos sofridos pelo povo Xucuru assassinatos hostilidade e outras tensões e violências além de processos recorrentes de criminalização As demais alegações dos representantes foram considerados extemporâneas par 55 a 58 supra 169 O Estado afirmou que do Relatório de Mérito não se deduz com clareza qual é o fato ação ou omissão do Estado que teria implicado a suposta violação do direito à integridade pessoal Salientou que prima facie não há correlação direta e automática entre uma suposta violação do direito de propriedade de uma pessoa ou grupo de pessoas e a violação de seu direito à integridade pessoal Não obstante isso afirmou que a Comissão não se encarregou de sua obrigação de argumentar e provar que houve uma violação autônoma do direito à integridade pessoal pois se limitou a afirmar a existência dessa violação o que limita de forma importante a defesa do Estado nesse ponto Além disso a Comissão tampouco identificou qual seria o dano físico ou psíquico resultante da alegada violação do direito à propriedade 170 Em relação à suposta estratégia de criminalização dos líderes indígenas o Estado destacou que a própria Comissão ao definir o objeto do presente caso não considerou tal argumento por não haver conexão nem tampouco estabeleceu de que maneira os recursos internos se haviam esgotado Nesse sentido o Estado sustentou que a Comissão não dispunha de informação suficiente sobre os supostos fatos as denúncias às autoridades estatais e os respectivos processos de investigação e ação penal razão pela qual não lhe foi possível realizar determinações autônomas de admissibilidade e mérito por esses fatos Esses fatos específicos não foram portanto submetidos à análise do Tribunal por meio do escrito de apresentação do caso nem sequer a título de contexto B Considerações da Corte 174 Artigo 5o Direito à integridade pessoal 1 Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física psíquica e moral 2 Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano 3 A pena não pode passar da pessoa do delinquente 4 Os processados devem ficar separados dos condenados salvo em circunstâncias excepcionais e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas 5 Os menores quando puderem ser processados devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado com a maior rapidez possível para seu tratamento 6 As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados 44 171 Esta Corte salientou que a violação do direito à integridade física e psíquica das pessoas reveste diversas conotações de grau e abrange desde a tortura até outro tipo de constrangimento ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes cujas sequelas físicas e psíquicas variam de intensidade segundo fatores endógenos e exógenos da pessoa duração dos tratamentos idade sexo saúde contexto e vulnerabilidade entre outros que serão analisados em cada situação concreta175 ou seja as características pessoais de uma suposta vítima de tortura ou tramentos cruéis desumanos ou degradantes devem ser levadas em conta no momento de determinar se a integridade pessoal foi violada já que essas características podem mudar a percepção da realidade do indivíduo e por conseguinte aumentar o sofrimento e o sentido de humillação quando são submetidas a certos tratamentos176 Nesse sentido a Corte ressalta que o sofrimento é uma experiência própria de cada indivíduo e nessa medida dependerá de uma multiplicidade de fatores que tornam cada pessoa um ser único177 172 Como parte da obrigação de garantia o Estado está no dever jurídico de prevenir razoavelmente as violações dos direitos humanos e de investigar seriamente com os meios a seu alcance as violações que se tenham cometido no âmbito de sua jurisdição a fim de identificar os responsáveis e a eles impor as sanções pertinentes e de assegurar à vítima uma adequada reparação178 173 A esse respeito essa obrigação de garantia se projeta além da relação entre os agentes estatais e as pessoas submetidas a sua jurisdição abrangendo também o dever de prevenir na esfera privada que terceiros violem os bens jurídicos protegidos179 Isso não significa que um Estado seria responsável por qualquer violação de direitos humanos cometida entre particulares dentro de sua jurisdição pois seus deveres de adotar medidas de prevenção e proteção dos particulares em suas relações entre si se encontram condicionados ao conhecimento de uma situação de risco real e imediato para um indivíduo ou grupo de indivíduos determinado ou a que o Estado devesse conhecer essa situação de risco real e imediato180 e às possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco 174 Esta Corte também salientou que além das obrigações gerais de respeitar e garantir os direitos do artigo 11 da Convenção decorrem deveres especiais determináveis em função das necessidades especiais de proteção do sujeito de direito seja por sua condição pessoal seja pela situação específica em que se encontre181 Nesse sentido a Corte recorda que em determinados contextos os Estados têm a obrigação de adotar todas as medidas necessárias e razoáveis para garantir o direito à vida à liberdade pessoal e à integridade pessoal das pessoas que se encontrem em uma situação de especial vulnerabilidade especialmente em consequência de seu trabalho desde que o Estado tenha conhecimento de um risco real e imediato relacionado a elas e que existam possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco182 A Corte pondera que as considerações acima se aplicam à 175 Caso Loayza Tamayo Vs Peru Mérito par 57 e 58 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 250 176 Caso Ximenes Lopes Vs Brasil par 127 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 250 177 Caso IV Vs Bolívia par 267 178 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 174 e Caso IV Vs Bolívia par 207 179 Caso do Massacre de Mapiripán Vs Colômbia par 111 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 209 180 Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de janeiro de 2006 Série C No 140 par123 e Caso Velásquez Paiz e outros Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de novembro de 2015 Série C No 307 par 109 181 Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs Colômbia par 111 e Caso IV Vs Bolívia par 206 182 Caso Luna López Vs Honduras Mérito Reparações e Custas Sentença de 10 de outubro de 2013 Série C No 269 par 123 e Caso Yarce e outras Vs Colômbia par 192 45 situação dos líderes indígenas e dos membros de povos indígenas que atuem em defesa de seus territórios e de direitos humanos 175 A Corte reitera que a defesa dos direitos humanos só pode ser livremente exercida quando as pessoas que o fazem não sejam vítimas de ameaças ou de qualquer tipo de agressão física psíquica ou moral ou de outros atos de hostilidade183 Para esses efeitos é dever do Estado não só criar as condições legais e formais mas também garantir as condições fáticas nas quais os defensores de direitos humanos possam desenvolver livremente sua função184 Por sua vez os Estados devem facilitar os meios necessários para que as pessoas defensoras de direitos humanos ou que exerçam uma função pública na qual se encontrem ameaçadas ou em situação de risco ou que denunciem violações de direitos humanos possam desempenhar livremente suas atividades proteger essas pessoas quando sejam objeto de ameaças para evitar atentados a sua vida e integridade criar as condições para a erradicação de violações por parte de agentes estatais ou de particulares absterse de impor obstáculos que dificultem a realização de seu trabalho e investigar séria e eficazmente as violações cometidas contra elas combatendo a impunidade185 Definitivamente a obrigação do Estado de garantir os direitos à vida e à integridade pessoal das pessoas se vê fortalecida quando se trata de um defensor ou defensora de direitos humanos 176 No presente caso a controvérsia proposta se refere à obrigação do Estado de garantir o direito à integridade pessoal do Povo Indígena Xucuru e seus membros Sem prejuízo do exposto a Corte observa que em seu Relatório de Mérito a Comissão alegou a violação do artigo 5o da Convenção sem especificar a que fato essa violação se refere e quem seriam as vítimas Para a Comissão a demora no processo de titulação demarcação e desintrusão somada à falta de proteção estatal do território provocou insegurança e violência o que violaria o direito à integridade psíquica e moral dos membros do povo Xucuru Essa conclusão foi formulada com base no princípio de iura novit curia uma vez que os representantes não haviam apresentado essa alegação durante a tramitação do caso na Comissão 177 Por outro lado apesar de a Comissão não ter salientado os fatos concretos que redundariam na violação do direito à integridade pessoal do povo Xucuru a Corte constata que o marco fático apresentado no Relatório de Mérito se refere a três mortes de líderes 183 Caso Fleury e outros Vs Haiti Mérito e Reparações Sentença de 23 de novembro de 2011 Série C No 236 par 81 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 140 Ver também CIDH Relatório sobre a Situação das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos nas Américas OEASerLVII Doc 66 31 dezembro 2011 par 46 184 Caso García e Familiares Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 novembro de 2012 Série C No 258 par 182 e Caso Defensor de Direitos Humanos e outros Vs Guatemala par 142 185 Caso Nogueira de Carvalho e outro Vs Brasil Exceções Preliminares e Mérito Sentença de 28 de novembro de 2006 Série C No 161 par 77 Caso Defensor de Direitos Humanos e outros Vs Guatemala par 142 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 140 Ver também Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária das Nações Unidas Parecer No 392012 Bielorrússia UN Doc AHRCWGAD201239 23 de novembro de 2012 par 45 disponível em httpundocsorgAHRCWGAD201239 No mesmo sentido ver ONU Declaração sobre o direito e o dever dos indivíduos dos grupos e das instituições de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos ARES53144 8 de março de 1999 artigo 122 O Estado garantirá a proteção pelas autoridades competentes de toda pessoa individual ou coletivamente frente a toda violência ameaça represália discriminação negativa de fato ou de direito pressão ou qualquer outra ação arbitrária que resulte do exercício legítimo dos direitos mencionados na presente Declaração e Resoluções 181801 de 17 de maio de 2001 e 184202 de 4 de junho de 2002 da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos Defensoras e defensores de direitos humanos Apoio às tarefas realizadas pelas pessoas grupos e organizações da sociedade civil para a promoção e proteção dos direitos humanos nas Américas mediante as quais resolveu Instar os Estados membros a que intensifiquem os esforços no sentido de adotar as medidas necessárias para garantir a vida a integridade pessoal e a liberdade de expressão dos mesmos de acordo com sua legislação nacional e em conformidade com os princípios e as normas reconhecidos internacionalmente 46 indígenas Xucuru ocorridas em setembro de 1992 José Everaldo Rodrigues Bispo e maio de 1998 Cacique Xicão e de um funcionário da FUNAI em maio de 1995 Geraldo Rolim ou seja anteriormente ao reconhecimento da competência contenciosa da Corte Além disso a Comissão afirmou não dispor de informação detalhada sobre essas mortes e se referiu a um escrito da AdvocaciaGeral da União do Brasil no qual se estabelecem os autores material e intelectual do assassinato do Cacique Xicão Finalmente a Comissão se referiu às medidas cautelares concedidas em 29 de outubro de 2002 a favor do Cacique Marquinhos e de sua mãe Zenilda Maria de Araujo em razão de ameaças recebidas entre 1999 e 2002 As medidas cautelares continuam vigentes até esta data186 178 A Corte considera em primeiro lugar que a Comissão não cumpriu a obrigação de provar sua alegação levando em conta que não apresentou a argumentação jurídica e fática necessária e não indicou os fatos concretos que configurariam a alegada violação nem os responsáveis por ela Isso é especialmente relevante no presente caso atendendo a que a alegada violação do direito à integridade pessoal teria ocorrido em detrimento das pessoas que fazem parte do Povo Indígena Xucuru ou seja de milhares de pessoas 179 Além disso as alegações dos representantes apresentadas durante a audiência pública e em seu escrito de alegações finais complementaram a alegação da Comissão Concretamente apresentaram alegações mais precisas e especificaram determinados aspectos da falta de proteção estatal que teria resultado na impunidade do homicídio do Cacique Xicão em maio de 1998 e na falta de proteção dos líderes do povo indígena 180 No tocante ao anteriormente exposto é importante recordar que essa alegação foi apresentada pela primeira vez durante a audiência pública e foi posteriormente detalhada no escrito de alegações finais A Corte recorda que as alegações apresentadas nessa etapa e a prova reunida juntamente com as alegações finais escritas são extemporâneas par 57 e 58 supra e por conseguinte a Corte não poderia examinálas pois afetaria o direito de defesa do Estado que não teria podido se defender adequadamente de acusações concretas apresentadas pela primeira vez durante a audiência pública 181 Consequentemente a Corte considera que embora seja possível constatar a existência de um contexto de tensão e violência durante determinados períodos do processo de titulação demarcação e desintrusão do território indígena Xucuru par 76 87 88 89 90 e 91 supra a argumentação da Comissão não oferece base suficiente para estabelecer a responsabilidade internacional do Estado do mesmo modo a extemporaneidade das alegações dos representantes redunda em que não se disponha de evidência suficiente que mostre um dano irreparável à integridade psíquica e moral do Povo Indígena Xucuru e seus membros Por conseguinte não é possível concluir que o Estado tenha violado o direito à integridade pessoal estabelecido no artigo 51 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento IX REPARAÇÕES Aplicação do artigo 631 da Convenção Americana 182 Com base no disposto no artigo 631 da Convenção Americana187 a Corte salientou que toda violação de uma obrigação internacional que tenha provocado dano implica o dever 186 Relatório de Mérito No 4415 par 61 expediente de mérito folha 23 187 O artigo 631 da Convenção Americana dispõe que quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados Determinará também se isso for procedente que sejam reparadas as consequências da 47 de reparálo adequadamente188 e que essa disposição compreende uma norma consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito Internacional contemporâneo sobre responsabilidade de um Estado189 183 A reparação do dano ocasionado pela infração de uma obrigação internacional requer sempre que seja possível a plena restituição restitutio in integrum que consiste no restabelecimiento da situação anterior Caso isso não seja viável como ocorre na maioria dos casos de violações de direitos humanos o Tribunal determinará medidas para garantir os direitos violados e reparar as consequências que as infrações tenham causado190 184 Este Tribunal estabeleceu que as reparações devem ter um nexo causal com os fatos do caso as violações declaradas os danos comprovados e as medidas solicitadas para reparar os danos respectivos Portanto a Corte deverá observar essa concomitância para pronunciarse devidamente e conforme o direito191 185 Considerando as violações declaradas no capítulo anterior o Tribunal passará a analisar as pretensões apresentadas pelos representantes das vítimas bem como os argumentos do Estado à luz dos critérios fixados em sua jurisprudência em relação à natureza e alcance da obrigação de reparar192 186 Os representantes em seu escrito de alegações finais solicitaram à Corte que ordene na sentença medidas de reparação em favor do Povo Indígena Xucuru e seus membros193 No entanto não se apresentou o escrito de petições argumentos e provas na oportunidade processual estabelecida no artigo 40 do Regulamento da Corte194 Em virtude disso não medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada 188 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas Sentença de 21 de julho de 1989 Série C No 7 par 25 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 209 189 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 209 190 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 26 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 210 191 Caso Ticona Estrada e outros Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 Série C No 191 par 110 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 210 192 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 a 27 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 211 193 Os representantes solicitaram as seguintes medidas de reparação em favor do povo Xucuru e seus membros i conclusão do processo demarcatório da Terra indígena Xucuru com a desintrusão total da área retirando os ocupantes não indígenas em prazo não superior a um ano garantindo sua proteção contra novos invasores ii publicação da sentença nos meios de comunicação TV e jornais além de transmissão por rádio no estado de Pernambuco e em âmbito nacional iii realização de um ato público de reconhecimento de responsabilidade estatal pelos fatos iv garantia da continuidade das medidas de proteção em favor de Zenilda e Marcos fortalecendo o Programa Nacional de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos v criação de um fundo de desenvolvimento comunitário para o povo Xucuru vi garantia dos direitos territoriais indígenas evitando retrocessos no regime jurídico interno vii garantia do acesso dos povos indígenas à justiça assegurando sua participação efetiva e reconhecimento de personalidade jurídica em todos os processos que a eles digam respeito viii adequação do Estatuto do Índio Lei 600173 com base na Constituição Federal de 1988 e na legislação internacional mediante um processo de consulta livre prévio e fundamentado ix promoção da consulta livre prévia e fundamentada nos termos da jurisprudência interamericana com o apoio da Convenção 169 da OIT sempre que se apresente uma iniciativa que afete os direitos dos povos indígenas em suas terras x exercício do controle de convencionalidade em qualquer decisão judicial que afete negativamente a integridade e a segurança jurídica da terra indígena Xucuru bem como anulação de qualquer título de propriedade que a ele se oponha xi pagamento das custas e gastos dos peticionários de acordo com a jurisprudência interamericana 194 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos Artigo 40 Escrito de solicitações argumentos e provas 1 Notificada a apresentação do caso à suposta vítima ou aos seus representantes estes disporão de um prazo improrrogável de dois meses contado a partir do recebimento desse escrito e de seus anexos para apresentar autonomamente à Corte seu escrito de petições argumentos e provas 2 O escrito de petições argumentos e provas deverá conter a a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação do caso pela Comissão b as provas oferecidas devidamente ordenadas com indicação dos fatos e argumentos 48 será possível levar em consideração as solicitações de reparação que apresentaram em suas alegações finais escritas mas somente examinar as recomendações formuladas pela Comissão no Relatório de Mérito No 4415 A Parte lesada 187 Este Tribunal reitera que se consideram partes lesadas nos termos do artigo 631 da Convenção aquelas que foram declaradas vítimas da violação de algum direito nela reconhecido195 Portanto esta Corte considera como parte lesada o Povo Indígena Xucuru B Restituição 188 A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado adotar com a brevidade possível as medidas necessárias para tornar efetivo o direito de propriedade coletiva e a posse do Povo Indígena Xucuru e seus membros com respeito a seu território ancestral Em especial o Estado deverá adotar as medidas legislativas administrativas ou de outra natureza necessárias para conseguir sua desintrusão efetiva compatível com seu direito consuetudinário valores usos e costumes Também deverá garantir aos membros da comunidade que possam continuar vivendo seu modo de vida tradicional conforme sua identidade cultural estrutura social sistema econômico costumes crenças e tradições distintivas 189 Em segundo lugar recomendou a adoção com a brevidade possível das medidas necessárias para encerrar as ações judiciais interpostas por pessoas não indígenas a respeito de parte do território do povo Xucuru Para a Comissão o Estado deve assegurar que suas autoridades judiciais resolvam as respectivas ações em conformidade com as normas sobre direitos dos povos indígenas 190 O Estado declarou que a recomendação da Comissão se baseia em uma realidade fática superada absolutamente diferente daquela que se observa nos dias de hoje Com efeito para o Estado os funcionários da FUNAI informaram claramente que não há situação de conflito na Tierra Indígena Xucuru 191 Para o Estado os seis cidadãos que ainda vivem no território Xucuru estão em situação absolutamente pacificada sem resistência ou objeção do povo Xucuru e só aguardam o recebimento das indenizações a que têm direito para que deixem definitivamente a terra indígena Por todo o exposto o Estado entende que a recomendação da Comissão embora pudesse ter algum sentido no tempo dos fatos considerados em seu Relatório de Mérito já não se adequa à realidade fática e por isso deve ser considerada inadequada 192 No que concerne à segunda recomendação o Estado sustentou que não tem relação alguma com a atualidade que vive o Povo Indígena Xucuru Acrescentou que a ação judicial apresentada pelo senhor Milton Barros Didier e Maria Edite Didier já foi concluída pelas instâncias competentes do Poder Judiciário e esclareceu que sobre ela recaem os efeitos da coisa julgada de maneira que já não se pode modificar a situação atual Nas palavras do Estado a recomendação da Comissão quanto a essa ação judicial perdeu completamente sobre os quais versam c a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração No caso dos peritos deverão ademais remeter seu currículo e seus dados de contato d as pretensões incluídas as que concernem a reparações e custas 195 Caso do Massacre de la Rochela Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 11 de maio de 2007 Série C No 163 par 233 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 287 49 seu objeto Por fim o Estado informou que se encontra em curso uma negociação com o senhor e a senhora Didier para o pagamento de uma indenização por benfeitorias de boafé 193 A Corte determinou na presente Sentença que o processo de titulação e demarcação do território indígena Xucuru foi concluído no ano de 2005 com o registro dessa propriedade no Registro de Imóveis da municipalidade de Pesqueira par 79 supra Além disso não há controvérsia entre as partes quanto a que seis famílias permanecem ocupando 160 hectares do território indígena Xucuru e a que a sentença de reintegração de posse de 300 hectares em benefício do senhor Milton Didier e Maria Didier pode ser executada a qualquer momento Nesse sentido embora se reconheça o atual número limitado de ocupantes não indígenas no território Xucuru a Corte dispõe que o Estado deve garantir de maneira imediata e efetiva o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre a totalidade de seu território de modo que não sofram nenhuma invasão interferência ou dano por parte de terceiros ou agentes do Estado que possam depreciar a existência o valor o uso e o gozo de seu território196 194 Em especial cabe ao Estado realizar a desintrusão do território indígena Xucuru que permanece na posse de terceiros não indígenas e efetuar os pagamentos pendentes de indenizações por benfeitorias de boafé Essa obrigação de desintrusão compete ao Estado de ofício e com extrema diligência Nesse sentido o Estado deve remover qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão Em especial mediante a garantia do domínio pleno e efetivo do povo Xucuru sobre seu território em prazo não superior a 18 meses a partir da notificação da presente Sentença 195 Com respeito à sentença de reintegração de posse favorável a Milton do Rego Barros Didier e Maria Edite Barros Didier caso a negociação em curso informada pelo Estado para que recebam uma indenização por benfeitorias de boafé197 não prospere conforme a jurisprudência da Corte o Estado deverá avaliar a possibilidade de sua compra ou a expropiação dessas terras por razões de utilidade pública ou interesse social198 196 Caso por motivos objetivos e fundamentados199 não seja definitivamente material e legalmente possível a reintegração total ou parcial desse território específico o Estado deverá de maneira excepcional oferecer ao Povo Indígena Xucuru terras alternativas da mesma qualidade física ou melhor as quais deverão ser contíguas a seu território titulado livres de qualquer vício material ou formal e devidamente tituladas em seu favor O Estado deverá entregar as terras escolhidas mediante consenso com o Povo Indígena Xucuru conforme suas próprias formas de consulta e decisão valores usos e costumes200 Uma vez acordado o exposto essa medida deverá ser efetivamente executada no prazo de um ano contado a partir da notificação de vontade do Povo Indígena Xucuru O Estado se encarregará das despesas decorrentes do referido processo bem como dos respectivos gastos por perda ou dano que possam sofrer em consequência da concessão dessas terras alternativas201 196 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2001 Série C No 79 par 1532 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2015 Série C No 309 par 282 197 Escrito de alegações finais expediente de mérito folha 1018 198 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 217 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 324 d 199 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 217 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 325 200 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 217 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 325 201 Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 325 Ver também Artigo 165 da Convenção 169 da OIT 50 C Medidas de satisfação publicação da Sentença 197 A jurisprudência internacional e em especial desta Corte estabeleceu reiteradamente que a sentença constitui por si mesma uma forma de reparação202 Além disso o Tribunal determinará medidas que busquem reparar o dano imaterial e que não tenham natureza pecuniária além de medidas de alcance ou repercussão pública203 198 Os representantes o Estado e a Comissão não se referiram a essa medida de reparação 199 Não obstante isso a Corte considera pertinente ordenar como fez em outros casos204 que o Estado no prazo de seis meses contados a partir da notificação da presente Sentença publique a o resumo oficial da presente Sentença elaborado pela Corte no Diário Oficial em corpo de letra legível e adequado e b o texto integral da presente Sentença disponível por um período de pelo menos um ano em uma página eletrônica oficial do Estado 200 O Estado deverá informar de forma imediata a esta Corte tão logo efetive cada uma das publicações dispostas independentemente do prazo de um ano para apresentar seu primeiro relatório a que se refere o ponto resolutivo 12 da Sentença D Outras Medidas 201 A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado tomar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram fatos similares e adotar em especial um recurso simples rápido e efetivo que tutele o direito dos povos indígenas do Brasil de reinvidicar seus territórios ancestrais e exercer pacificamente sua propriedade coletiva 202 O Estado sustentou que o ordenamento jurídico brasileiro e sua jurisprudência reconhecem os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras ancestrais e estabelecem claramente mecanismos processuais aptos para permitir que as comunidades indígenas possam reivindicar em juízo a ocupação das terras tradicionalmente ocupadas inclusive na ausência de processos administrativos em relação a suas terras 203 Nesse sentido o Estado considerou que dispõe de normas processuais absolutamente efetivas para permitir aos povos indígenas a salvaguarda judicial de seus direitos Por outro lado também afirmou a existência de procedimentos bastante claros e definidos para a iniciativa do poder público de conduzir administrativamente o processo de demarcação e delimitação de terras indígenas amparadas em estudos técnicos e com participação dos povos indígenas Esses procedimentos estão definidos em leis e atos normativos que detalham os requisitos e fases que devem ser observados para a demarcação e titulação de terras indígenas sem descuidar da proteção dos direitos de terceiros de boafé 204 Nesse mesmo sentido o Estado afirmou que não lhe falta regulamentar em leis ou atos normativos de qualquer natureza os processos judiciais e administrativos que possam levar ao exercício pleno dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras Além disso 202 Caso Neira Alegría e outros Vs Peru Reparações e Custas Sentença de 19 de setembro de 1996 Série C No 29 par 56 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 297 203 Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2001 Série C No 77 par 84 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 297 204 Caso Cantoral Benavides Vs Peru Reparações e Custas Sentença de 3 de dezembro de 2001 Série C No 88 par 79 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 300 51 considerou que a recomendação da Comissão era inadequada porque implicaria a realização de um julgamento sobre a convencionalidade ou não do direito nacional brasileiro 205 A Corte considera que não se demonstrou a necessidade de adoção de um recurso simples rápido e efetivo que tutele o direito dos povos indígenas no Brasil levando em conta que tanto a Constituição como leis infraconstitucionais e sua interpretação por parte dos tribunais superiores confere proteção a esses direitos nem tampouco ficou provado o descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno relacionado ao processo de reconhecimento titulação e desintrusão do território Xucuru E Indenização compensatória coletiva 206 Em relação ao dano material e imaterial a Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado a reparação no âmbito individual e coletivo das consequências da violação dos direitos enunciados Em especial os danos provocados aos membros do Povo Indígena Xucuru pela demora no reconhecimento demarcação e titulação de seu território ancestral bem como pela falta da respectiva desintrusão oportuna 207 O Estado afirmou que a recomendação relacionada à tomada de medidas para ressarcir a inadequada reparação de danos é improcedente porquanto não houve esgotamento dos recursos internos alegação e comprovação de danos materiais ou morais perante o poder judiciário interno nem sequer sua comprovação à Comissão Desse modo não haveria fundamento para emitir uma condenação internacional do Estado à reparação de danos O contrário seria uma violação do caráter complementar do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Salientou ademais que a imputação de sanção indenizatória não deve ser a prima ratio entre as medidas de reparação apropriadas sob pena de se incorrer em monetização do sistema de petições individuais 208 A Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano material e as hipóteses em que cabe indenizálo Este Tribunal estabeleceu que o dano material supõe a perda ou redução das receitas das vítimas os gastos efetuados em virtude dos fatos e as consequências de caráter pecuniário que guardem nexo causal com os fatos do caso205 209 Quanto ao dano imaterial a Corte estabeleceu que este pode comprender tanto os sofrimentos e as aflições causados à vítima direta e a seus familiares o desrespeito de valores muito significativos para as pessoas e qualquer alteração de caráter não pecuniário nas condições de existência da vítima ou sua família206 A Corte salientou que dado que não é possível atribuir ao dano imaterial um equivalente monetário preciso só pode ser objeto de compensação para os fins da reparação integral à vítima mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro ou a entrega de bens ou a prestação de serviços apreciáveis em dinheiro que o Tribunal determine em aplicação razoável do arbítrio judicial e de maneira justa207 210 A Corte observa que as partes não especificaram suas solicitações a respeito do dano material ou imaterial de modo que a Corte unicamente se refere ao dano imaterial provocado pelas violações de direitos humanos declaradas na presente Sentença e à 205 Cf Caso Bámaca Velásquez Vs Guatemala Reparações e Custas Sentença de 22 de fevereiro de 2002 Série C No 91 par 43 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 233 206 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2001 Série C No 77 par 84a e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 236 207 Cf Caso Yatama Vs Nicarágua Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de junho de 2005 Série C No 127 par 243 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 352 52 respectiva responsabilidade internacional do Estado em detrimento do Povo Indígena Xucuru 211 Em consideração às violações de direitos humanos determinadas na presente Sentença o Tribunal ordena a criação de um fundo de desenvolvimento comunitário como compensação pelo dano imaterial imposto aos membros do Povo Indígena Nesse sentido a Corte esclarece que esse fundo é complementar a qualquer outro benefício presente ou futuro que caiba a esse povo indígena em relação aos deveres gerais de desenvolvimento do Estado 212 A Corte fixa de maneira justa o montante de US100000000 um milhão de dólares dos Estados Unidos da América para a constituição do referido fundo O destino desse fundo deverá ser acordado com os membros do Povo Indígena Xucuru quanto a qualquer medida que considerem pertinente para o benefício do território indígena e seus integrantes A constituição do fundo em questão caberá ao Estado em consulta com os integrantes do povo Xucuru num período não superior a 18 meses a partir da notificação da presente Sentença F Custas e gastos 213 Em suas alegações finais escritas os representantes solicitaram à Corte o pagamento das custas e gastos dos peticionários de acordo com a jurisprudência interamericana sem especificar os montantes ou apresentar prova de sustento 214 A Corte reitera que conforme sua jurisprudência208 as custas e gastos fazem parte do conceito de reparação uma vez que a atividade desempenhada pelas vítimas com a finalidade de obter justiça em âmbito tanto nacional como internacional implica despesas que devem ser compensadas quando a responsabilidade internacional do Estado é declarada mediante uma sentença condenatória Quanto ao reembolso das custas e gastos cabe ao Tribunal apreciar prudentemente seu alcance que compreende os gastos gerados ante as autoridades da jurisdição interna bem como os gerados no curso do processo perante o Sistema Interamericano levando em conta as circunstâncias do caso concreto e a natureza da jurisdição internacional de proteção dos direitos humanos Essa apreciação pode ser realizada com base no princípio de equidade e levando em conta os gastos mencionados pelas partes desde que seu quantum seja razoável209 215 Conforme salientou em outras ocasiões a Corte lembra que não é suficiente o envio de documentos probatórios mas que se exige que as partes desenvolvam uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado e que ao se tratar de alegados desembolsos econômicos se estabeleçam com clareza os objetos de despesa e sua justificação210 216 No presente caso a Corte nota que os representantes não apresentaram seu escrito de solicitações argumentos e prova Do mesmo modo em seu escrito de alegações finais os representantes se limitaram a uma solicitação genérica sem apresentar prova ou documentos probatórios Levando isso em conta a Corte ante a falta da devida comprovação não ordenará o pagamento de gastos Por outro lado em virtude de o litígio 208 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 42 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 241 209 Caso Garrido e Baigorria Vs Argentina Reparações e Custas Sentença de 27 de agosto de 1998 Série C No 39 par 82 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 241 210 Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 21 de novembro de 2007 Série C No 170 par 277 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 357 53 internacional ter se estendido por vários anos esta Corte julga procedente conceder uma soma razoável de US1000000 dez mil dólares dos Estados Unidos da América aos representantes no presente caso a título de custas G Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 217 A quantia atribuída na presente Sentença a título de reembolso de custas será paga aos representantes de forma integral conforme o disposto nesta Sentença sem reduções decorrentes de eventuais ônus fiscais 218 Caso o Estado incorra em mora sobre o Fundo de Desenvolvimento Comunitário pagará juros sobre a quantia devida já convertida em reais brasileiros correspondente aos juros bancários de mora na República Federativa do Brasil 219 O Estado deve cumprir suas obrigações monetárias mediante o pagamento em dólares dos Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda brasileira utilizando para o cálculo respectivo o tipo de câmbio que se encontre vigente na bolsa de Nova York Estados Unidos da América no dia anterior ao do pagamento X PONTOS RESOLUTIVOS 220 Portanto A CORTE DECIDE Por unanimidade 1 Julgar improcedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à inadmissibilidade do caso na Corte em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão à incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da OIT e à falta de esgotamento prévio dos recursos internos nos termos dos parágrafos 24 25 35 36 44 45 46 47 e 48 da presente Sentença 2 Declarar parcialmente procedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à incompetência ratione temporis a respeito de fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado nos termos dos parágrafos 31 e 32 da presente Sentença DECLARA Por unanimidade que 3 O Estado é responsável pela violação do direito à garantia judicial de prazo razoável previsto no artigo 81 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 130 a 149 da presente Sentença Por unanimidade que 54 4 O Estado é responsável pela violação do direito à proteção judicial bem como do direito à propriedade coletiva previsto nos artigos 25 e 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 150 a 162 da presente Sentença Por unanimidade que 5 O Estado não é responsável pela violação do dever de adotar disposições de direito interno previsto no artigo 2o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 21 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 163 a 166 da presente Sentença Por unanimidade que 6 O Estado não é responsável pela violação do direito à integridade pessoal previsto no artigo 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 171 a 181 da presente Sentença E DISPÕE Por unanimidade que 7 Esta Sentença constitui por si mesma uma forma de reparação 8 O Estado deve garantir de maneira imediata e efetiva o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre seu território de modo que não sofram nenhuma invasão interferência ou dano por parte de terceiros ou agentes do Estado que possam depreciar a existência o valor o uso ou o gozo de seu território nos termos do parágrafo 193 da presente Sentença 9 O Estado deve concluir o processo de desintrusão do território indígena Xucuru com extrema diligência efetuar os pagamentos das indenizações por benfeitorias de boafé pendentes e remover qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão de modo a garantir o domínio pleno e efetivo do povo Xucuru sobre seu território em prazo não superior a 18 meses nos termos dos parágrafos 194 a 196 da presente Sentença 10 O Estado deve proceder às publicações indicadas no parágrafo 199 da Sentença nos termos nela dispostos 11 O Estado deve pagar as quantias fixadas nos parágrafos 212 e 216 da presente Sentença a título de custas e indenizações por dano imaterial nos termos dos parágrafos 217 a 219 da presente Sentença 12 O Estado deve no prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para seu cumprimento 13 A Corte supervisionará o cumprimento integral desta Sentença no exercício de suas atribuições e no cumprimento de seus deveres conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dará por concluído o presente caso uma vez tenha o Estado dado cabal cumprimento ao nela disposto 55 Corte IDH Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de fevereiro da Corte Interamericana de Direitos Humanos Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi Humberto A Sierra Porto Elizabeth Odio Benito Eugenio Raúl Zaffaroni L Patricio Pazmiño Freire Pablo Saavedra Alessandri Secretário Comuniquese e executese Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Pablo Saavedra Alessandri Secretário
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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO DO POVO INDÍGENA XUCURU E SEUS MEMBROS VS BRASIL SENTENÇA DE 5 DE FEVEREIRO DE 2018 Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas No Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros a Corte Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Corte Interamericana Corte ou Tribunal assim constituída1 Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi VicePresidente Humberto Antonio Sierra Porto Juiz Elizabeth Odio Benito Juíza Eugenio Raúl Zaffaroni Juiz e L Patricio Pazmiño Freire Juiz presentes ademais Pablo Saavedra Alessandri Secretário e Emilia Segares Rodríguez Secretária Adjunta em conformidade com os artigos 623 e 631 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos doravante denominada Convenção Americana ou Convenção e com os artigos 31 32 42 65 e 67 do Regulamento da Corte doravante denominado Regulamento profere a presente Sentença que se estrutura na seguinte ordem 1 O Juiz Roberto F Caldas de nacionalidade brasileira não participou da deliberação da presente Sentença em conformidade com o disposto nos artigos 192 do Estatuto e 191 do Regulamento da Corte 2 SUMÁRIO I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 4 II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6 III COMPETÊNCIA 8 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 9 A Inadmissibilidade do caso em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão 9 A1 Alegações do Estado e observações da Comissão 9 A2 Considerações da Corte 10 B Alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte e alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à adesão do Estado à Convenção 10 B1 Alegações do Estado e observações da Comissão 10 B2 Considerações da Corte 11 C Alegada incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho 11 C1 Alegações do Estado e observações da Comissão 11 C2 Considerações da Corte 11 D Alegada falta de esgotamento dos recursos internos 12 D1 Alegações do Estado e observações da Comissão 12 D2 Considerações da Corte 13 V PROVA 14 A Prova documental testemunhal e pericial 14 B Admissão da prova 14 B1 Admissão da prova documental 14 B2 Admissão das declarações e dos laudos periciais 15 C Avaliação da prova 15 VI CONSIDERAÇÃO PRÉVIA 15 VII FATOS 16 A Contexto 16 A1 O Povo Indígena Xucuru 16 A2 Legislação a respeito do reconhecimento demarcação e titulação das terras indígenas no Brasil 17 B Antecedentes fatos anteriores ao reconhecimento de competência 19 B1 O processo administrativo de reconhecimento demarcação e titulação do território indígena Xucuru 19 B2 Ação judicial relativa à demarcação do território indígena Xucuru 20 B3 Atos de violência no contexto de demarcação do território indígena Xucuru 20 C Fatos dentro da competência temporal da Corte 21 C1 Continuação do processo demarcatório 21 C2 Continuação das ações judiciais pendentes relativas à demarcação do território indígena Xucuru 22 C3 Atos de hostilidade contra líderes do Povo Indígena Xucuru 23 3 VIII MÉRITO 24 VIII1 DIREITOS À PROPRIEDADE ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL 25 A Argumentos das partes e da Comissão 25 B Considerações da Corte 29 B1 O direito de propriedade coletiva na Convenção Americana 29 B2 O dever de garantir o direito à propriedade coletiva e a segurança jurídica 31 B3 O prazo razoável e a efetividade dos processos administrativos 34 B4 O alegado agravo à propriedade coletiva 38 B5 O alegado descumprimento da obrigação de adotar disposições de direito interno 41 VIII2 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL 43 A Alegações das partes e da Comissão 43 B Considerações da Corte 43 IX REPARAÇÕES 46 A Parte lesada 48 B Restituição 48 C Medidas de satisfação publicação da Sentença 50 D Outras medidas 50 E Indenização compensatória coletiva 51 F Custas e gastos 52 G Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 53 X PONTOS RESOLUTIVOS 53 4 I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 1 O caso submetido à Corte Em 16 de março de 2016 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Comissão Interamericana ou Comissão submeteu à Corte o Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros contra a República Federativa do Brasil doravante denominado Estado ou Brasil De acordo com a Comissão o caso se refere à suposta violação do direito à propriedade coletiva e à integridade pessoal do Povo Indígena Xucuru em consequência i da alegada demora de mais de 16 anos entre 1989 e 2005 no processo administrativo de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais e ii da suposta demora na desintrusão total dessas terras e territórios para que o referido povo indígena pudesse exercer pacificamente esse direito O caso também se relaciona à suposta violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em consequência do alegado descumprimento do prazo razoável no processo administrativo respectivo bem como da suposta demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas com relação a parte das terras e territórios ancestrais do Povo Indígena Xucuru A Comissão salientou que o Brasil violou o direito à propriedade bem como o direito à integridade pessoal às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 21 5 8 e 25 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento 2 Tramitação perante a Comissão A tramitação do caso perante a Comissão Interamericana foi o seguinte a Petição Em 16 de outubro de 2002 a Comissão recebeu a petição inicial apresentada pelo Movimento Nacional de Direitos HumanosRegional Nordeste pelo Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Populares GAJOP e pelo Conselho Indigenista Missionário CIMI à qual foi atribuído o número de caso 12728 b Relatório de Admissibilidade Em 29 de outubro de 2009 a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade No 9809 doravante denominado Relatório de Admissibilidade c Relatório de Mérito Em 28 de julho de 2015 a Comissão aprovou o Relatório de Mérito No 4415 em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana doravante denominado Relatório de Mérito no qual chegou a uma série de conclusões e formulou varias recomendações ao Estado i Conclusões A Comissão concluiu que o Estado era responsável internacionalmente a pela violação do direito à propriedade consagrado no artigo XXIII da Declaração Americana e no artigo 21 da Convenção Americana bem como do direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5o da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2o do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros b pela violação dos direitos às garantias e à proteção judiciais consagrados nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros ii Recomendações Por conseguinte a Comissão recomendou ao Estado o que se segue 5 a Adotar com a brevidade possível as medidas necessárias inclusive as medidas legislativas administrativas ou de outra natureza indispensáveis à realização do saneamento efetivo do território ancestral do Povo Indígena Xucuru de acordo com seu direito consuetudinário valores usos e costumes Consequentemente garantir aos membros do povo que possam continuar vivendo de maneira pacífica seu modo de vida tradicional conforme sua identidade cultural estrutura social sistema econômico costumes crenças e tradições particulares b Adotar com a brevidade possível as medidas necessárias para concluir os processos judiciais interpostos por pessoas não indígenas sobre parte do território do Povo Indígena Xucuru Em cumprimento a essa recomendação o Estado deveria zelar por que suas autoridades judiciais resolvessem as respectivas ações conforme as normas sobre direitos dos povos indígenas expostos no Relatório de Mérito c Reparar nos âmbitos individual e coletivo as consequências da violação dos direitos enunciados no Relatório de Mérito Em especial considerar os danos provocados aos membros do Povo Indígena Xucuru pela demora no reconhecimento demarcação e delimitação e pela falta de saneamento oportuno e efetivo de seu território ancestral d Adotar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram fatos similares em especial adotar um recurso simples rápido e efetivo que tutele o direito dos povos indígenas do Brasil de reivindicar seus territórios ancestrais e de exercer pacificamente sua propriedade coletiva 3 Notificação ao Estado O Relatório de Mérito notificado ao Estado mediante comunicação de 16 de outubro de 2015 concedia um prazo de dois meses para informar sobre o cumprimento das recomendações Após a concessão de uma prorrogação a Comissão determinou que o Estado não havia avançado substancialmente no cumprimento das recomendações Em especial embora a Comissão tenha registrado que teriam ocorrido avanços na desintrusão formal das terras e territórios ancestrais do Povo Indígena Xucuru a informação disponível dá conta de que o mencionado povo indígena ainda não conseguiu exercer seu direito de maneira pacífica O Estado tampouco apresentou informação concreta sobre avanços na reparação ao Povo Indígena Xucuru pelas violações declaradas no Relatório de Mérito 4 Apresentação à Corte Em 16 de março de 2016 a Comissão submeteu o caso à Corte ante a necessidade de obtenção de justiça os fatos e violações de direitos humanos descritos no Relatório de Mérito2 Especificamente a Comissão apresentou à Corte as ações e omissões estatais que ocorreram ou continuaram ocorrendo após 10 de dezembro de 1998 data de aceitação da competência da Corte por parte do Estado3 Tudo isso sem prejuízo de que o Estado pudesse aceitar a competência da Corte para conhecer a totalidade do caso em conformidade com o estipulado no artigo 622 da Convenção 5 Pedidos da Comissão Interamericana Com base no exposto a Comissão Interamericana solicitou a este Tribunal que declarasse a responsabilidade internacional do 2 A Comissão Interamericana designou como delegados o Comissário Francisco Eguiguren e o Secretário Executivo Emilio Álvarez Icaza L e como assessoras jurídicas Elizabeth AbiMershed Secretária Executiva Adjunta e Silvia Serrano Guzmán advogada da Secretaria Executiva 3 Dentre essas ações e omissões destacamse 1 a violação do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru em virtude de uma demora de sete anos sob a competência temporal da Corte no processo de reconhecimento desse território 2 a violação do direito à propriedade coletiva em razão da falta de desintrusão total desse território ancestral de 1998 até esta data 3 a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial vinculadas à mesma demora no processo administrativo de reconhecimento 4 a violação do direito à integridade pessoal dos membros do Povo Indígena Xucuru desde 10 de dezembro de 1998 em consequência das violações anteriores e da consequente impossibilidade de exercer pacificamente o direito à propriedade coletiva sobre suas terras e territórios ancestrais 5 a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial desde 10 de dezembro de 1998 em razão da demora na decisão das ações civis interpostas por ocupantes não indígenas sobre partes do território ancestral 6 Brasil pelas violações constantes do Relatório de Mérito e que se ordenasse ao Estado como medidas de reparação as recomendações incluídas nesse Relatório II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6 Notificação ao Estado e aos representantes A apresentação do caso foi notificada tanto ao Estado como aos representantes das supostas vítimas em 19 de abril de 2016 7 Escrito de petições argumentos e provas Os representantes não apresentaram seu escrito de solicitações argumentos e provas4 8 Escrito de exceções preliminares e contestação Em 14 de setembro de 2016 o Estado apresentou o escrito de interposição de exceções preliminares e contestação à apresentação do caso doravante denominado contestação ou escrito de contestação5 nos termos do artigo 41 do Regulamento do Tribunal O Estado interpôs cinco exceções preliminares e se opôs às violações alegadas 9 Observações sobre as exceções preliminares Em 26 de outubro de 2016 a Comissão apresentou suas observações sobre as exceções preliminares e solicitou que fossem julgadas improcedentes 10 Audiência pública Mediante resolução de 31 de janeiro de 20176 o Presidente da Corte convocou as partes e a Comissão para uma audiência pública para ouvir suas alegações e observações finais orais sobre exceções preliminares e eventuais questões de mérito reparações e custas Também ordenou o recebimento do depoimento de uma testemunha e dois peritos propostos pelo Estado e pela Comissão Do mesmo modo nessa resolução se ordenou receber o depoimento prestado perante tabelião público affidavit de um perito proposto pelo Estado7 A audiência pública foi realizada em 21 de março de 2017 durante o 57 Período Extraordinário de Sessões da Corte que ocorreu na Cidade da Guatemala Guatemala8 4 Em 21 de fevereiro de 2017 os representantes informaram que a organização Justiça Global atuaria como copeticionária do Caso 5 O Estado designou como agente para o presente caso o senhor Fernando Jacques de Magalhães Pimenta e como agentes suplentes Maria Cristina Martins dos Anjos Agostinho do Nascimento Netto Pedro Marcos de Castro Saldanha Boni de Moraes Soares Rodrigo de Oliveira Morais Daniela Marques Thiago Almeida Garcia Luciana Peres Victor Marcelo Almeida Andrea Vergara da Silva Fernanda Menezes Pereira Taiz Marrão Batista da Costa e Carolina Ribeiro Santana 6 Resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 31 de janeiro de 2017 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsasuntosxucuru310117pdf 7 Mediante resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 31 de janeiro de 2017 solicitouse ao perito Christian Teófilo da Silva proposto pelo Estado que apresentasse seu depoimento perante tabelião público Também se convocou para a audiência o perito Carlos Frederico Marés de Souza Filho apresentado também pelo Estado e a perita Victoria TauliCorpuz proposta pela Comissão Interamericana Posteriormente em 17 de fevereiro de 2017 o Estado solicitou alegando causa de força maior uma mudança na modalidade das peritagens propostas de modo que o perito Christian Teófilo da Silva fosse convocado para a audiência enquanto o perito Carlos Frederico Marés de Souza Filho apresentasse sua peritagem perante tabelião público Da mesma forma em 21 de fevereiro de 2017 a Comissão Interamericana solicitou a mudança de modalidade da peritagem proposta a fim de que a perita Victoria TauliCorpuz pudesse apresentar sua peritagem mediante declaração a tabelião público Consequentemente em 28 de fevereiro de 2017 atendendo a esse pedido mediante Nota da Secretaria as partes e a Comissão Interamericana foram notificadas da decisão do Presidente em exercício da Corte Interamericana de aceitar as mudanças de modalidade das peritagens solicitadas pelo Estado e pela Comissão Interamericana respectivamente 8 A essa audiência compareceram a pela Comissão Interamericana o advogado da Secretaria Executiva Jorge Humberto Meza Flores b pelos representantes das supostas vítimas Adelar Cupsinski Caroline Hilgert Marcos Luidson de Araújo Fernando Delgado Michael Mary Nolan Raphaela de Araújo Lima Lopes Rodrigo Deodato de Souza Silva e Vânia Rocha Fialho de Paiva e Souza c pelo Estado João Luiz de Barros Pereira Pinto Rodrigo de 7 11 Amici curiae O Tribunal recebeu cinco escritos de amici curiae apresentados 1 de forma conjunta pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Ottawa pela Fundação para o Devido Processo pelo Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná e pela Rede de Cooperação Amazônica9 2 também de forma conjunta pela Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e pelo Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos do Amazonas10 3 pela Associação de Juízes para a Democracia11 4 pela Clínica de Direitos Humanos do Amazonas vinculada ao Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal do Pará12 e 5 pela Defensoria Pública da União do Brasil13 12 O Estado apresentou objeções aos escritos de amici curiae apresentados Com respeito ao escrito da Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Ottawa da Fundação para o Devido Processo do Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná e da Rede de Cooperação Amazônica o Estado alegou que pretende ampliar o campo de análise da Corte ao abranger projetos de lei e outras medidas legislativas fora do caso concreto Por outro lado em relação ao amicus curiae da Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos do Amazonas o Estado aduziu que o escrito mostra uma inclinação para a parte acusatória e que pretende ampliar o objeto do caso ao solicitar à Corte que aplique o princípio de iura novit curia para analisar e pronunciarse sobre o regime constitucional de atribuições de propriedade sobre a terra indígena Com relação ao escrito da Associação de Juízes para a Democracia o Brasil afirmou que se trata de uma organização formada por juízes brasileiros que são agentes do Estado membros do Poder Judiciário e portanto detentores da responsabilidade da República O Estado também ressaltou que o escrito é abertamente parcial e que nele figuram questões alheias ao objeto do litígio como a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil em outro caso não submetido à análise da Corte Finalmente no que concerne ao escrito da Defensoria Pública da União o Estado argumentou que o escrito não apresentou um tratamento técnico e imparcial das questões teóricas relevantes para o caso ao ter assumido abertamente as teses sustentadas pelos representantes O Estado também salientou que a DPU não possui uma personalidade jurídica diferente daquela do Estado brasileiro de maneira que é impossível permitir a uma instituição do Estado depor contra o Estado em uma Corte internacional Por último alegou que o escrito ultrapassou os limites Oliveira Morais Fernanda Menezes Pereira Luciana Peres Carolina Ribeiro Santana Taiz Marrão Batista da Costa e Thiago Almeida Garcia 9 O escrito se refere ao procedimento administrativo de demarcação de terras no Brasil e ao exercício de consulta prévia nesse país e foi firmado por Salvador Herencia Carrasco Daniel Lopes Cerqueira Melina Girardi Fachin e Luís Donisete Benzi Grupioni 10 O escrito de amicus curiae se refere ao direito ao território indígena e foi firmado por Sílvia Maria da Silveira Loureiro Pedro José Calafate Villa Simões Jamilly Izabela de Brito Silva Denison Melo de Aguiar Breno Matheus Barrozo de Miranda Caio Henrique Faustino da Silva Emilly Bianca Ferreira dos Santos Ian Araújo Cordeiro Kamayra Gomes Mendes Marlison Alves Carvalho Matheus Costa Azevedo Taynah Mendes Saraiva Uchôa e Victória Braga Brasil 11 O escrito se refere às violações dos direitos à propriedade coletiva e às garantias e à proteção judiciais em detrimento do Povo Indígena Xucuru e seus membros e foi firmado por André Augusto Salvador Bezerra 12 O escrito de amicus curiae se refere à vulnerabilidade dos povos indígenas no Brasil com base em seus direitos territoriais e foi firmado por Cristina Figueiredo Terezo Ribeiro Laércio Dias Franco Neto Isabela Feijó Sena Rodrigues Ana Caroline Lima Monteiro Raysa Antonia Alves Alves Tamires da Silva Lima Carlos Eduardo Barros da Silva e Jucélio Soares de Carvalho Junior 13 O escrito tem por objeto as ações e omissões do Estado contrárias ao disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos na Convenção No 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho em outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos bem como em normas brasileiras e foi firmado por Carlos Eduardo Barbosa Paz Francisco de Assis Nascimento Nóbrega Isabel Penido de Campos Machado Pedro de Paula Lopes Almeida Rita Lamy Freund e Antônio Carlos Araújo de Oliveira 8 do objeto de litígio quanto à titulação das terras indígenas e às alegações sobre violência e criminalização 13 A esse respeito a Corte faz notar que as observações do Estado sobre a admissibilidade dos amici curiae no presente caso não foram apresentadas no prazo estabelecido para esse efeito qual seja em suas alegações finais escritas razão pela qual são consideradas extemporâneas Sem prejuízo do exposto ante a gravidade de algumas afirmações sustentadas pelo Brasil este Tribunal observa que de acordo com o artigo 23 do Regulamento quem apresenta um amicus curiae é uma pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que se conduz perante a Corte com a finalidade de apresentar argumentos sobre os fatos constantes da apresentação do caso ou formular considerações jurídicas sobre a matéria do processo ou seja não é uma parte processual no litígio e o documento é apresentado com o objetivo de esclarecer a Corte sobre algumas questões fáticas ou jurídicas relacionadas ao processo em tramitação no Tribunal motivo por que não se pode entender que se trate de uma alegação ou argumentação que deva ser apreciada por este Tribunal para a resolução do caso e em nenhum caso um escrito de amicus curiae poderia ser avaliado como um elemento probatório propriamente dito Portanto é improcedente o pedido do Estado de que se excluam do processo posto que não cabe ao Tribunal pronunciarse sobre a procedência ou não desses escritos ou sobre solicitações ou petições que deles constem As observações sobre o conteúdo e o alcance dos referidos amici curiae não afetam sua admissibilidade sem prejuízo de que essas observações possam ser consideradas substancialmente no momento de avaliar a informação que neles figure caso seja considerada apropriada 14 Alegações e observações finais escritas Em 24 de abril de 2017 os representantes e o Estado enviaram respectivamente suas alegações finais escritas e determinados anexos e a Comissão apresentou suas observações finais escritas 15 Observações das partes e da Comissão Em 26 de abril de 2017 e em 12 de maio de 2017 a Secretaria da Corte remeteu os anexos das alegações finais escritas e solicitou aos representantes ao Estado e à Comissão as observações que julgasem pertinentes Mediante comunicações de 12 e 19 de maio de 2017 os representantes remeteram as observações solicitadas Por sua vez mediante comunicação de 18 de maio de 2017 o Estado enviou suas observações A Comissão não apresentou observações 16 Prova para melhor resolver Em 2 e 3 de março de 2017 o Estado e os representantes respectivamente apresentaram determinados documentos solicitados por esta Corte14 17 Deliberação do presente caso A Corte inicou a deliberação da presente Sentença em 5 de fevereiro de 2018 III COMPETÊNCIA 18 A Corte Interamericana é competente para conhecer do presente caso nos termos do artigo 623 da Convenção em razão de o Brasil ser Estado Parte na Convenção Americana 14 Documentos solicitados ao Estado 1 Autos completos da Ação Ordinária No 00022465120024058300 número original 200283000022466 interposta por Paulo Pessoa Cavalcanti de Petribu e outros 2 Atualização desde 1996 da Ação de Reintegração de Posse No 00026972819924058300 número original 9200026974 interposta por Milton do Rego Barros Didier e outros e 3 Informação detalhada sobre a situação jurídica das seis ocupações não indígenas ainda não indenizadas e retiradas da Terra indígena Xucuru Documento solicitado aos representantes informação sobre os membros do Povo Indígena Xucuru sua identificação e composição atual 9 desde 25 de setembro de 1992 e de ter reconhecido a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 19 Em seu escrito de contestação o Estado apresentou cinco exceções preliminares referentes à A inadmissibilidade do caso na Corte em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão B incompetência ratione temporis a respeito de fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte C incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de adesão do Estado à Convenção D incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da OIT e E falta de esgotamento prévio de recursos internos 20 Para resolver as exceções apresentadas pelo Estado a Corte recorda que se considerarão exceções preliminares unicamente os argumentos que tenham ou poderiam ter exclusivamente essa natureza atendendo a seu conteúdo e finalidade ou seja que caso fossem resolvidos favoravelmente impediriam a continuação do processo ou o pronunciamento sobre o mérito15 Tem sido critério reiterado da Corte que por meio de uma exceção preliminar se apresentam objeções relacionadas à admissibilidade de um caso ou a sua competência para conhecer de um determinado assunto ou parte dele seja em razão da pessoa seja da matéria tempo ou lugar16 21 A seguir a Corte passará a analisar as exceções preliminares aludidas na ordem em que foram apresentadas pelo Estado A Inadmissibilidade do caso em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão A1 Alegações do Estado e observações da Comissão 22 O Estado salientou que a Comissão manteve em sua página na Web o texto completo do Relatório Preliminar de Mérito No 442015 de 28 de julho de 2015 antes de submeter o caso à Corte o que considerou violatório do artigo 51 da Convenção que autoriza a Comissão a emitir um relatório definitivo e eventualmente a publicálo ou a sometêlo à jurisdição da Corte mas de modo algum a autoriza a publicálo antes de levar o caso à Corte Portanto o Estado solicitou que se declare que a Comissão violou os artigos 50 e 51 da Convenção e que retire de sua página eletrônica o referido Relatório 23 A Comissão observou que a alegação do Estado não constitui uma exceção preliminar pois não se refere a questões de competência nem aos requisitos de admissibilidade estabelecidos na Convenção Também salientou que o Relatório de Mérito emitido em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana é um relatório preliminar e de natureza confidencial que pode dar lugar a duas ações submeter o caso à Corte Interamericana ou proceder a sua eventual publicação No momento em que em conformidade com o artigo 51 da Convenção a Comissão opta por um desses dois caminhos o relatório perde sua característica inicial seja porque o caso foi submetido à Corte seja porque foi emitido o relatório final ou definitivo Nesse caso depois da 15 Cf Caso Cepeda Vargas Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2010 Série C No 213 par 35 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de março de 2017 Série C No 334 par 18 16 Cf Caso Las Palmeras Vs Colômbia Exceções Preliminares Sentença de 4 de fevereiro de 2000 Série C No 67 par 34 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 18 10 apresentação do caso à Corte a Comissão procedeu à publicação de seu relatório de mérito em sua página na Web segundo sua prática reiterada a qual não viola norma alguma convencional ou regulamentar A2 Considerações da Corte 24 A Corte observa que os argumentos do Estado são idênticos aos apresentados em sua exceção preliminar nos Casos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil e Favela Nova Brasília17 Nas sentenças referentes a esses casos a Corte procedeu a uma análise detalhada da alegação estatal e concluiu que o Estado não demonstrou sua afirmação relativa a que a publicação do Relatório de Mérito do caso havia ocorrido de maneira diferente do exposto pela Comissão ou de maneira contrária ao estabelecido na Convenção Americana O que o Tribunal expressa nos casos citados se aplica também ao presente pois o Estado tampouco demonstrou que a publicação do Relatório de Mérito se deu de forma contrária ao exposto pela Comissão ou infringindo o estabelecido na Convenção Americana 25 Em vista do exposto a Corte considera que a alegação estatal é improcedente B Alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte e alegada incompetência ratione temporis quanto a fatos anteriores à adesão do Estado à Convenção 26 A Corte analisará conjuntamente as duas exceções preliminares do Estado sobre limitação temporal ratione temporis pois se referem a hipóteses que estão relacionadas e implicam argumentos idênticos de parte do Estado e da Comissão B1 Alegações do Estado e observações da Comissão 27 O Estado ressaltou que formalizou sua adesão à Convenção Americana em 6 de novembro de 1992 e que reconheceu a jurisdição da Corte em 10 de dezembro de 1998 Portanto a Corte só poderia conhecer de casos iniciados depois dessa aceitação Também afirmou que a interpretação da Comissão além de não levar em consideração a soberania estatal por estender a jurisdição da Corte além dos limites declarados pelo Brasil viola o regime especial de declarações com limitação da competência temporal instituído pelo artigo 622 da Convenção 28 O Estado afirmou ademais que as alegações de violações dos direitos à proteção judicial e às garantias judiciais em detrimento do Povo Indígena Xucuru quanto à reivindicação territorial de seus membros não podem ser avaliadas em sua totalidade mas unicamente as possíveis violações causadas por fatos iniciados ou que deveriam ter iniciado depois de 10 de dezembro de 1998 e que constituam violações específicas e autônomas de denegação de justiça 29 Além disso o Estado alegou que a Corte deveria se declarar incompetente para conhecer de supostas violações sucedidas antes de 25 de setembro de 1992 data em que o Brasil aderiu à Convenção Americana especificamente os atos relativos ao processo de demarcação da terra indígena Xucuru ocorridos de 1989 a setembro de 1998 17 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de outubro de 2016 Série C No 318 par 25 a 27 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 16 de fevereiro de 2017 Série C No 333 par 24 a 29 11 30 A Comissão destacou que foi explícita ao indicar que apenas submeteu ao conhecimento da Corte Interamericana os fatos ocorridos depois de 10 de dezembro de 1998 B2 Considerações da Corte 31 O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998 e em sua declaração salientou que o Tribunal teria competência a respeito de fatos posteriores a esse reconhecimento18 Com base no exposto e no princípio de irretroatividade a Corte não pode exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção e declarar uma violação de suas normas quando os fatos alegados ou a conduta do Estado que pudesse implicar sua responsabilidade internacional sejam anteriores a esse reconhecimento de competência19 Por esse motivo os fatos ocorridos antes que o Brasil reconhecesse a competência contenciosa da Corte encontramse fora da competência do Tribunal20 32 Com base no exposto este Tribunal reafirma sua jurisprudência constante sobre esse tema e considera parcialmente fundamentadas as exceções preliminares C Alegada incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho C1 Alegações do Estado e observações da Comissão 33 O Estado considerou que esta Corte carece de competência material para analisar eventuais violações da Convenção No 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT cujos instrumentos não fazem parte do sistema de proteção da Organização dos Estados Americanos 34 A Comissão esclareceu que no Relatório de Mérito se limitou a levar em conta os conteúdos da Convenção No 169 da OIT a fim de estabelecer o alcance da proteção da propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru à luz da Convenção Americana sem incluir violações diretas a disposição alguma dessa Convenção Além disso esclareceu que tampouco é essa sua pretensão Por conseguinte considerou que essa exceção preliminar também é improcedente C2 Considerações da Corte 35 A Corte salientou que em matéria contenciosa apenas tem competência para declarar violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos que a ela 18 O reconhecimento de competência feito pelo Brasil em 10 de dezembro de 1998 destaca que o Governo da República Federativa do Brasil declara que reconhece por tempo indeterminado como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em conformidade com o artigo 62 da referida Convenção sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta Declaração Cf Informação geral do Tratado Convenção Americana sobre Direitos Humanos Brasil reconhecimento de competência Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasb32html último acesso em 5 de janeiro de 2018 19 Cf Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Sentença de Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2010 Série C No 219 par 16 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 63 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 49 20 Cf Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 16 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Vs Brasil par 49 12 conferem essa competência21 No entanto em reiteradas ocasiões considerou útil e apropriado utilizar outros tratados internacionais tais como diversas convenções da OIT para analisar o conteúdo e o alcance das disposições e direitos da Convenção22 de acordo com a evolução do Sistema Interamericano e levando em consideração o desenvolvimento dessa matéria no Direito Internacional dos Direitos Humanos23 36 Uma vez que a Corte considera que não é objeto do litígio a eventual violação de disposições da Convenção No 169 da OIT não poderia declarar uma violação a esse respeito Por esse motivo a Corte julga improcedente a presente exceção preliminar D Alegada falta de esgotamento dos recursos internos D1 Alegações do Estado e observações da Comissão 37 O Estado destacou que as supostas vítimas ou seus representantes não podem buscar diretamente a tutela jurisdicional internacional sem antes promover os recursos internos Nesse sentido acrescentou que o reconhecimento de violação dos direitos humanos e sua reparação só podem ser solicitados à jurisdição do Sistema Interamericano de Direitos Humanos se ambos reconhecimento e reparação foram antes objeto de recurso na jurisdição doméstica 38 Além disso a respeito do registro do território indígena Xucuru como propriedade da União o Estado salientou que em agosto de 2002 se apresentou a ação de suscitação de dúvida ao passo que a petição foi apresentada à Comissão em outubro de 2002 e que o período de dois meses é muito curto para resolver uma questão tão complexa O Estado também alegou que os peticionários como organizações não governamentais estavam legitimados para fazer uso da ação civil pública regulamentada mediante a Lei No 734785 prevista para a defesa de direitos de caráter difuso ou coletivo Por fim o Estado citou uma série de ações civis públicas interpostas por uma das organizações peticionárias em outros casos e concluiu que os denunciantes não estão convencionalmente autorizados a não utilizar os recursos internos existentes 39 O Estado salientou também que os indígenas sempre tiveram os meios e recursos necessários para impugnar o processo de identificação e indenização das ocupações privadas de sua terra bem como para conseguir a retirada forçada de pessoas não indígenas razão pela qual a não interposição desses recursos internos implica a inadmissibilidade da apresentação do caso a esta Corte 40 Por outro lado o Estado argumentou que não impediu nem dificultou que os membros da comunidade indígena Xucuru tentassem recursos judiciais para reclamar indenizações por supostos danos materiais ou morais decorrentes do processo de delimitação ou de qualquer outra causa Ressaltou que pelo contrário a legislação civil brasileira confere aos indígenas como a qualquer outro cidadão uma série de direitos que lhes permitem ter pleno acesso à justiça 21 Cf Caso do Massacre de Plan de Sánchez Vs Guatemala Mérito Sentença de 29 de abril de 2004 Série C No 105 par 51 22 Cf Caso Vargas Areco Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 155 par 120 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 50 A título de exemplo a Carta da OEA a Carta Democrática Interamericana a Convenção Europeia de Direitos Humanos etc 23 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de junho de 2005 Série C No 125 par 127 e Caso dos Massacres de Ituango Vs Colômbia Sentença de Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de julho de 2006 Série C No 148 par 157 13 41 Finalmente o Estado ressaltou que o Relatório de Admissibilidade apresenta contradições e omissões e nesse mesmo sentido sustentou que a Comissão não se pronunciou sobre os recursos idôneos e efetivos para cada uma das violações invocadas O Estado também solicitou que caso a Corte considere que as contradições e omissões da Comissão podem ser sanadas lhe seja permitido discutir novamente a questão do esgotamento dos recursos internos e a existência de recursos idôneos à luz do caso concreto 42 A Comissão estabeleceu que o requisito de esgotamento dos recursos internos previsto no artigo 461 da Convenção Americana está relacionado aos fatos alegados que violam direitos humanos Também afirmou que a Convenção Americana não prevê que mecanismos adicionais devam ser esgotados para que as vítimas possam obter uma indenização relacionada a fatos a respeito dos quais os recursos internos pertinentes ou foram esgotados ou se encontram nas hipóteses de exceção ao esgotamento no momento do pronunciamento de admissibilidade Sustentou que uma interpretação como a proposta pelo Estado não somente colocaria um ônus probatório desproporcional sobre as vítimas mas seria contrária ao previsto na Convenção com respeito ao requisito de esgotamento dos recursos internos e à instituição da reparação 43 Além disso a Comissão salientou que embora o Estado tenha alegado a falta de esgotamento dos recursos internos no trâmite de admissibilidade perante a Comissão seus argumentos foram substancialmente diferentes dos apresentados perante a Corte Interamericana razão pela qual os últimos são extemporâneos D2 Considerações da Corte 44 A Corte salientou que o artigo 461a da Convenção dispõe que para determinar a admissibilidade de uma petição ou comunicação apresentada à Comissão em conformidade com os artigos 44 ou 45 da Convenção é necessário que se tenham interposto e esgotado os recursos da jurisdição interna conforme os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos24 45 Portanto durante a etapa de admissibilidade do caso perante a Comissão o Estado deve especificar claramente os recursos que a seu critério ainda não foram esgotados ante a necessidade de salvaguardar o princípio de igualdade processual entre as partes que deve reger todo procedimento no Sistema Interamericano25 Como a Corte estabeleceu de maneira reiterada não é tarefa deste Tribunal nem da Comissão identificar ex officio os recursos internos pendentes de esgotamento em razão do que não compete aos órgãos internacionais corrigir a falta de precisão dos alegações do Estado26 Os argumentos que conferem conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de admissibilidade devem corresponder àqueles expostos à Corte27 46 No presente caso durante a etapa de admissibilidade o Estado apresentou dois escritos à Comissão um em 20 de fevereiro de 2004 e outro em 21 de julho de 2009 Em ambos os escritos afirmou que o caso era inadmissível por não terem sido esgotados os recursos internos sem especificar que recursos deviam ter sido esgotados e salientou que 24 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares Sentença de 26 de junho de 1987 par 85 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 77 25 Cf Caso Gonzales Lluy e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2015 Série C No 298 par 28 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 26 Cf Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de junho de 2009 Série C No 197 par 23 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 27 Cf Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 29 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 14 não havia uma demora injustificada nos procedimentos internos que se desenvolveram em relação à demarcação titulação e desintrusão do território indígena Xucuru Posteriormente em 14 de setembro de 2016 no escrito de contestação no âmbito do processo perante a Corte o Estado se referiu novamente à mencionada exceção preliminar e além disso pela primeira vez citou diversos meios de impugnação que no seu entender poderiam ter sido interpostos pelos membros da comunidade indígena Xucuru 47 Com base no exposto a Corte observa que os argumentos que conferem conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado junto à Comissão durante a etapa de admissibilidade não correspondem àqueles expostos a esta Corte Por conseguinte embora o Estado tenha efectivamente apresentado a exceção de falta de esgotamento durante a tramitação do caso na Comissão a Corte constata que o Estado recém especificou durante o procedimento contencioso perante este Tribunal que recursos considerava que deviam ser esgotados antes de recorrer a essa instância 48 A Corte considera que o exposto pelo Estado perante a Comissão não atende aos requisitos da exceção preliminar de falta de esgotamento de recursos internos Isso porque não especificou os recursos internos pendentes de esgotamento ou que estavam em curso nem expôs as razões pelas quais considerava que eram procedentes e efetivos no momento processual oportuno de forma precisa e específica Portanto a Corte considera improcedente a exceção preliminar28 V PROVA A Prova documental testemunhal e pericial 49 A Corte recebeu diversos documentos apresentados como prova pelo Estado pelos representantes e pela Comissão como anexos a seus escritos principais par 4 7 e 8 supra Recebeu também as declarações prestadas perante tabelião público affidavit dos peritos Victoria TauliCorpuz e Christian Teófilo da Silva propostos pela Comissão e pelo Estado respectivamente Quanto à prova oferecida em audiência pública a Corte recebeu os depoimentos da testemunha José Sérgio de Souza e do perito Christian Teófilo da Silva ambos propostos pelo Estado B Admissão da prova B1 Admissão da prova documental 50 No presente caso assim como em outros a Corte admite os documentos apresentados pelas partes e pela Comissão na devida oportunidade processual artigo 57 do Regulamento que não tenham sido contrapostos ou objetados nem cuja autenticidade tenha sido posta em dúvida29 sem prejuízo de que a seguir se resolvam as controvérsias suscitadas sobre a admissibilidade de determinados documentos 51 Durante a audiência os juízes do Tribunal solicitaram considerações das partes sobre os ocupantes não indígenas estabelecidos no Território do Povo Indígena Xucuru Em resposta a essa solicitação tanto o Estado como os representantes apresentaram determinada documentação juntamente com suas alegações finais escritas Posteriormente 28 Cf Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 93 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 80 29 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito Sentença de 29 de julho de 1988 par 140 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 20 15 o Brasil solicitou que se incluísse um documento complementar referente ao anexo 1 de suas alegações finais escritas30 A esse respeito os representantes solicitaram que esse documento fosse recusado por considerar que havia uma intenção de introduzir prova depois da devida etapa processual e que o documento tinha sido elaborado posteriormente ao prazo para apresentar o escrito de alegações finais motivo por que não pode ser visto como parte de um escrito submetido dentro do prazo A Corte constata que o conteúdo do documento objetado pelos representantes é idêntico ao do anexo 1 remetido com suas alegações finais escritas de maneira que não se configurava uma hipótese de prova extemporânea ou de intenção de introduzir prova extemporaneamente no processo 52 Finalmente a Corte faz notar que o Estado apresentou diversas observações sobre anexos proporcionados pelos representantes juntamente com suas alegações finais escritas31 Essas observações se referem ao conteúdo e ao valor probatório dos documentos e não implicam uma objeção à admissão dessa prova B2 Admissão dos depoimentos e dos laudos periciais 53 A Corte julga pertinente admitir os depoimentos prestados em audiência pública e perante tabelião público quando se ajustem ao objeto definido pela resolução que ordenou recebêlos e ao objeto do presente caso C Avaliação da prova 54 Segundo o estabelecido nos artigos 46 47 48 50 51 57 e 58 do Regulamento bem como em sua jurisprudência constante a respeito da prova e sua apreciação a Corte examinará e avaliará os elementos probatórios documentais remetidos pelas partes e pela Comissão bem como os depoimentos e laudos periciais ao estabelecer os fatos do caso e pronunciarse sobre o mérito Para isso sujeitase aos princípios da crítica sã no âmbito da respectiva estrutura normativa levando em conta o conjunto do acervo probatório e o alegado na causa32 VI CONSIDERAÇÃO PRÉVIA 55 Os representantes das supostas vítimas não apresentaram seu escrito de petições argumentos e provas Não obstante isso participaram da audiência pública e apresentaram seu escrito de alegações finais oportunidade em que expuseram fatos e formularam alegações de violação de direitos e solicitações de reparações 56 Com respeito à oportunidade processual para a apresentação de prova documental em conformidade com o artigo 57 do Regulamento33 esta deve ser apresentada em geral 30 O documento se refere aos ocupantes não indígenas atualmente instalados na terra indígena do povo Xucuru expediente de prova folha 42762 31 O Estado apresentou diversas observações sobre os anexos 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 e 24 e alegou que incluem considerações acerca do chamado processo de criminalização de líderes do povo Xucuru A esse respeito considerou que não é pertinente ao objeto de litígio e ultrapassa o limite do pedido de esclarecimento da Corte consistindo em verdadeiro resgate de argumentos que foram recusados como incoerentes expressamente pela Comissão 32 Cf Caso da Panel Blanca Paniagua Morales e outros Vs Guatemala Sentença de 8 de março de 1998 Mérito par 76 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 98 33 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos Artigo 57 1 Admissão As provas produzidas ante a Comissão serão incorporadas ao expediente desde que tenham sido recebidas em procedimentos contraditórios salvo que a Corte considere indispensável repetilas 2 Excepcionalmente e depois de escutar o parecer de todos os intervenientes no processo a Corte poderá admitir uma prova se aquele que a apresenta justificar adequadamente que por força maior ou impedimento grave não apresentou ou ofereceu essa prova nos momentos processuais 16 junto com os escritos de apresentação do caso de petições e argumentos ou na contestação conforme seja pertinente A Corte recorda que não é admissível a prova remetida fora das devidas oportunidades processuais salvo na etapa de exceções estabelecidas no referido artigo 572 do Regulamento a saber força maior ou impedimento grave ou caso se trate de prova referente a um fato ocorrido posteriormente aos citados momentos processuais 57 Em relação aos efeitos da falta de apresentação de um escrito de petições e argumentos por parte de representantes de supostas vítimas em aplicação do artigo 292 do Regulamento34 a outros casos a Corte permitiu às partes participar de certas ações processuais levando em conta as etapas prescritas de acordo com o momento processual Nesses casos a Corte considerou que devido à falta de apresentação do escrito de solicitações e argumentos não avaliaria nenhuma alegação ou prova dos representantes que acrescentasse fatos outros direitos que se aleguem violados ou supostas vítimas no caso ou pretensões de reparações e custas diferentes daquelas solicitadas pela Comissão por não haver sido apresentadas no momento processual oportuno artigo 401 do Regulamento No mesmo sentido a Corte recorda que as alegações finais são essencialmente uma oportunidade para sistematizar os argumentos de fato e de direito apresentados oportunamente35 58 Por conseguinte em virtude dos princípios de contradição e preclusão processual aplicáveis ao procedimento perante a Corte as solicitações e argumentos dos representantes não serão levados em conta salvo quando tenham relação com o suscitado pela Comissão VII FATOS 59 No presente capítulo se exporá o contexto referente ao caso e os fatos concretos dentro da competência temporal da Corte Os fatos anteriores à data de ratificação da competência contenciosa da Corte por parte do Brasil 10 de dezembro de 1998 são enunciados unicamente como parte do contexto e dos antecedentes do caso A Contexto A1 O Povo Indígena Xucuru 60 As referências históricas ao Povo Indígena Xucuru remontam ao século XVI no estado de Pernambuco Vários documentos históricos descrevem as áreas ocupadas pelos Xucuru ao longo do século XVIII Atualmente o chamado Povo Xukuru de Ororubá é constituído por 2354 familias as quais vivem em 2265 casas Dentro da terra indígena Xucuru vivem 7726 indígenas distribuídos em 24 comunidades dentro de um território de estabelecidos nos artigos 351 361 402 e 411 deste Regulamento A Corte poderá ademais admitir uma prova que se refira a um fato ocorrido posteriormente aos citados momentos processuais 34 Regulamento da Corte Interamericana Artigo 292 Quando as vítimas ou supostas vítimas ou seus representantes o Estado demandado ou se for o caso o Estado demandante se apresentarem tardiamente ingressarão no processo na fase em que o mesmo se encontra 35 Cf Caso Nadege Dorzema e outros Vs República Dominicana Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de outubro de 2012 Série C No 251 par 19 e 22 Caso J Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2013 Série C No 275 par 34 Caso Liakat Ali Alibux Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2013 Série C No 275 par 29 Caso Pollo Rivera e outros Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 21 de outubro de 2016 Série C No 319 par 23 e Caso IV Vs Bolívia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 329 par 288 17 aproximadamente 27555 hectares no município de Pesqueira estado de Pernambuco Além disso aproximadamente 4000 indígenas vivem fora da terra indígena na cidade de Pesqueira36 61 O povo Xucuru tem sua própria organização com estruturas políticas e de poder como a Assembleia o Cacique e o ViceCacique o Conselho Indígena de Saúde de Ororubá uma Comissão Interna para resolução de problemas entre a comunidade um Conselho de Líderes e um Pajé líder espiritual da comunidade e dos líderes do Povo entre outros37 A2 Legislação a respeito do reconhecimento demarcação e titulação das terras indígenas no Brasil 62 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 doravante denominada Constituição concedeu hierarquia constitucional aos direitos dos povos indígenas sobre suas terras territórios e recursos Segundo o artigo 20 da Constituição as áreas indígenas são propriedade da União que concede a posse permanente aos indígenas38 bem como o usufruto exclusivo dos recursos nelas existentes39 63 Desde 1996 o processo administrativo de demarcação e titulação de terras indígenas é regulamentado pelo Decreto No 177596 e pela Portaria do Ministério da Justiça No 1496 O processo de demarcação compreende cinco etapas e ocorre por iniciativa e sob orientação da Fundação Nacional do Índio doravante denominada FUNAI mas o ato administrativo final de demarcação é atribuição exclusiva da Presidência da República O processo administrativo se inicia quando a FUNAI tem conhecimento de uma terra indígena que deve ser demarcada ou a pedido dos próprios indígenas e suas organizações ou de organizações não governamentais Uma vez conhecidos os pedidos e a urgência da demarcação a administração pública detém o poder discricionário de iniciar ou não o processo40 64 Na primeira etapa identificação e delimitação o procedimento se inicia com a designação de um grupo de trabalho de servidores públicos ou especialistas mediante portaria do Presidente da FUNAI O trabalho desenvolvido por esse grupo será coordenado por um antropólogo qualificado O estudo antropológico de identificação da terra indígena é o que comprovará o cumprimento dos requisitos constitucionais e fundamentará o processo41 65 O grupo técnico deve apresentar o relatório do trabalho realizado à FUNAI analisando a existência ou não de ocupação tradicional da terra e propondo a área a delimitar A FUNAI pode aprovar o relatório complementálo ou recusálo Caso seja aprovado em um prazo de 15 dias devem ser publicados um resumo do relatório um memorial descritivo e um mapa da área no Diário Oficial da União e nos diários oficiais dos estados onde se localize a área em demarcação além disso a publicação será fixada na Prefeitura Municipal correspondente à localização do território42 36 Resposta dos representantes a um pedido de informações da Corte de 3 de março de 2017 expediente de mérito folhas 464 a 466 Vânia Fialho Estratégias e Tentativas de Regularização da Terra indígena Xucuru Relatório citado no Ministério da Justiça FUNAIDireção de Assuntos de TerrasCGID expediente de prova folhas 1003 a 1007 Ministério da SaúdeSecretaria Especial de Direito Indígena Memorando No 042017 de 3 de março de 2017 Informação sobre o registro de famílias do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena SIASI expediente de prova folha 469 37 Escrito dos representantes de 3 de março de 2017 expediente de mérito folhas 464 a 466 38 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Artigo 20 inciso XI 39 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Artigo 231 40 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 1o expediente de prova folhas 1416 41 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o expediente de prova folhas 1416 42 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 7 expediente de prova folhas 1416 18 66 Após essa publicação os estados municípios ou possíveis interessados disporão de 90 dias para apresentar objeções ao procedimento à FUNAI A objeção poderá conter todas as provas e alegações jurídicas e de fato inclusive títulos dominicais peritagens laudos depoimentos de testemunhas fotografias e mapas a fim de solicitar indenização ou para mostrar vícios totais ou parciais do relatório43 67 Na segunda etapa declaração a FUNAI dispõe de 60 dias para analisar as objeções emitir seu parecer e caso seja pertinente encaminhar o processo ao Ministro da Justiça Na hipótese de serem admitidas as razões da objeção a FUNAI poderá voltar a analisar sua decisão corrigir os vícios do processo ou mudar sua decisão de aprovar o território e de cumprimento dos requisitos constitucionais para o reconhecimento da terra indígena44 68 Por outro lado caso o procedimento administrativo seja enviado ao Ministro da Justiça este poderá em 30 dias negar a identificação e devolver o expediente à FUNAI Essa decisão será fundamentada no descumprimento do disposto no primeiro parágrafo do artigo 231 da Constituição45 O Ministro da Justiça poderá também ordenar as medidas necessárias para regularizar eventuais vícios de procedimento46 Finalmente caso o Ministro da Justiça aprove o procedimento administrativo a terra tradicionalmente ocupada pelos indígenas é declarada mediante portaria do Ministro da Justiça o que determina a demarcação administrativa da área47 69 Na terceira etapa demarcação física a execução da demarcação física é realizada com um estudo detalhado da área momento em que são identificadas as localizações descritas no relatório do grupo de trabalho48 Realizada a demarcação física a quarta etapa homologação consiste em que seja homologada mediante um decreto presidencial ato final do procedimento que reconhece juridicamente a nova terra indígena49 A homologação é um ato de caráter declaratório e reconhece a ocupação indígena e a nulidade dos atos que tenham por objeto a ocupação domínio e posse das terras sua extinção e sua 43 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 8 expediente de prova folhas 1416 44 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 9 expediente de prova folhas 1416 45 Constituição Federal Brasileira CAPÍTULO VIII DOS ÍNDIOS Artigo 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente as utilizadas para suas atividades produtivas as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seus usos costumes e tradições 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinamse a sua posse permanente cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes 3º O aproveitamento dos recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional ouvidas as comunidades afetadas ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo ad referendum do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional garantido em qualquer hipótese o retorno imediato logo que cesse o risco 6º São nulos e extintos não produzindo efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo ou a exploração das riquezas naturais do solo dos rios e dos lagos nelas existentes ressalvado relevante interesse público da União segundo o que dispuser lei complementar não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União salvo na forma da lei quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art 174 3º e 4º 46 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 10 expediente de prova folhas 1416 47 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 10 inciso I expediente de prova folhas 1416 48 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 1 expediente de prova folhas 1416 49 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 5o expediente de prova folhas 1416 19 incapacidade de produzir efeitos jurídicos Extingue qualquer título de propriedade sobre a área demarcada que passa a ser propriedade da União A demarcação homologada também autoriza a retirada dos ocupantes não indígenas da terra50 70 Finalmente na quinta etapa registro nos 30 dias seguintes à publicação do decreto de homologação a FUNAI promoverá o registro imobiliário do território na comarca respectiva e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda51 B Antecedentes fatos anteriores ao reconhecimento de competência B1 O processo administrativo de reconhecimento demarcação e titulação do território indígena Xucuru 71 No início do procedimento de demarcação do território Xucuru o processo demarcatório não estava regulamentado pelo Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 sendo determinado pelo Decreto No 94945 de 198752 O processo foi iniciado em 1989 com a criação do Grupo Técnico para realizar a identificação e delimitação do território por meio da Portaria No 218FUNAI89 Segundo o Decreto 9494587 a FUNAI deveria propor a demarcação da área com base no estudo do Grupo Técnico53 O Grupo Técnico emitiu o Relatório de Identificação em 6 de setembro de 1989 mostrando que os Xucuru tinham direito a uma área de 26980 hectares primeira etapa O relatório foi aprovado pelo Presidente da FUNAI Despacho No 3 em 23 de março de 1992 e em 28 de maio do mesmo ano o Ministro da Justiça concedeu a posse permanente da terra ao Povo Indígena Xucuru mediante a Portaria No 259MJ9254 Em 1995 a extensão do território indígena Xucuru foi retificada determinandose uma área de 275550583 hectares segunda etapa realizandose posteriormente a demarcação física do território55 terceira etapa 72 Em 8 de janeiro de 1996 o Presidente da República promulgou o Decreto No 177596 par 63 supra que introduziu mudanças no processo administrativo de demarcação O decreto reconheceu o direito de terceiros interessados no território de impugnar o processo de demarcação e interpor ações judiciais por seu direito à propriedade e de solicitar indenizações56 Além disso nos casos em que o processo administrativo estivesse em curso os interessados tinham o direito de manifestarse em um prazo de 90 dias a contar da data de publicação do Decreto57 73 Aproximadamente58 270 objeções contra o processo demarcatório foram interpostas por pessoas interessadas inclusive pessoas jurídicas como o município de Pesqueira Em 10 de junho de 1996 o Ministro da Justiça declarou todas essas objeções improcedentes por meio do Despacho No 32 Os terceiros interessados apresentaram um Mandado de Segurança ao Superior Tribunal de Justiça doravante denominado STJ Em 28 de maio de 1997 o STJ decidiu a favor dos terceiros interessados concedendo um novo prazo para as 50 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 4o expediente de prova folhas 1416 51 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 6o expediente de prova folhas 1416 52 Decreto No 94945 de 23 de setembro de 1987 expediente de prova folhas 1921 53 Decreto No 94945 de 23 de setembro de 1987 artigo 3o expediente de prova folhas 1921 54 Alegações finais do Estado de 24 de abril de 2017 expediente de mérito folhas 10441046 55 Relatório de Mérito expediente de mérito folha 19 e Contestação do Estado expediente de mérito folha 207 56 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 2o 8 expediente de prova folhas 1416 57 Decreto No 1775 de 8 de janeiro de 1996 artigo 9o expediente de prova folhas 1416 58 O relatório de mérito da Comissão Interamericana se refere a 269 ou 272 objeções expediente de mérito folha 20 o que não encontra apoio no expediente de prova O Estado se referiu a 269 objeções em seu escrito de alegações finais escritas expediente de prova folha 1354 20 objeções administrativas As novas objeções foram também recusadas pelo Ministro da Justiça que reafirmou a necessidade de se continuar a demarcação59 B2 Ação judicial relativa à demarcação do território indígena Xucuru 74 Em março de 1992 Milton do Rego Barros Didier e Maria Edite Didier apresentaram a ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 número original 9200026974 em detrimento do Povo Indígena Xucuru e dos litisconsortes passivos o Ministério Público Federal doravante denominado MPF a FUNAI e a União60 Essa ação se referia à fazenda Caípe de aproximadamente 300 hectares localizados no território indígena Xucuru na cidade de Pesqueira que havia sido ocupada por cerca de 350 indígenas do povo Xucuru em 1992 75 Após um incidente de conflito de competência CC 10588 suscitado em 17 de junho de 1994 pela Vara de Pesqueira61 e decidido pelo STJ em 14 de dezembro de 199462 o expediente da ação de reintegração de posse foi enviado à 9a Vara Federal do Estado de Pernambuco Em 17 de julho de 1998 a sentença foi emitida a favor dos ocupantes não indígenas63 Posteriormente a FUNAI64 o Povo Indígena Xucuru65 o Ministério Publico66 e a União 67 apresentaram recursos de apelação B3 Atos de violência no contexto de demarcação do território indígena Xucuru 76 O Cacique Xicão chefe do povo Xucuru foi assassinado em 21 de maio de 1998 O inquérito determinou que o autor intelectual do homicídio foi o fazendeiro José Cordeiro de Santana conhecido como Zé de Riva um ocupante não indígena do território Xucuru O autor material foi identificado como Ricardo que havia sido contratado pelo autor intelectual mediante um intermediário Rivaldo Cavalcanti de Siqueira conhecido como Riva de Alceu Ricardo morreu no estado de Maranhão em um acontecimento não relacionado ao presente caso68 José Cordeiro de Santana se suicidou enquanto se encontrava detido pela Polícia Federal69 Após o início do inquérito policial No 2111998SRDPFPE 9800121781 na 4ª Vara Federal do Estado de Pernambuco o Ministério Público Federal interpôs uma Ação Pública Incondicionada em agosto de 2002 processo No 200283000124421 acusando Rivaldo Cavalcanti Siqueira de autor do crime de homicídio simples O processo foi redistribuído à 16ª Vara Federal de Pernambuco e em novembro de 2004 o Tribunal do Júri condenou Rivaldo Cavalcanti Siqueira a 19 anos de prisão O senhor Cavalcanti Siqueira foi assassinado enquanto cumpria pena no centro penitenciário em 200670 59 Considerações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2 de novembro de 2015 expediente de prova folhas 11271130 escrito de alegações finais do Estado expediente de prova folha 1354 60 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 14432720 61 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 18591864 62 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 18871898 63 Sentença do Juiz Federal de Primeira Instância de 17 de julho de 1998 expediente de prova folhas 20742083 Alegações finais dos Representantes de 24 de abril de 2017 expediente de mérito folhas 10961163 64 Recurso de apelação apresentado pela FUNAI expediente de prova folhas 20972165 65 Recurso de apelação apresentado pelo Povo Indígena Xucuru de 25 de agosto de 1998 expediente de prova folhas 21912223 66 Recurso de apelação apresentado pelo Ministério Público Federal de 8 de setembro de 1998 expediente de prova folhas 22262228 67 Recurso de apelação apresentado pela União de 23 de outubro de 1998 expediente de prova folhas 2236 2240 68 Memorando No 02PGFPFEFUNAI09 da AdvocaciaGeral da União à FUNAI de 21 de janeiro de 2009 expediente de prova folhas 98100 69 Memorando No 02PGFPFEFUNAI09 da AdvocaciaGeral da União à FUNAI de 21 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 98 70 Trâmite processual e sentença da ação penal incondicionada expediente de prova folhas 42824295 21 C Fatos dentro da competência temporal da Corte C1 Continuação do processo demarcatório 77 A Corte não dispõe de informação sobre os fatos ocorridos no processo administrativo de demarcação entre 10 de dezembro de 1998 e abril de 2001 Em 30 de abril de 2001 o Presidente da República expediu o Decreto Presidencial que homologou a demarcação do território indígena Xucuru correspondente a uma área de 275550583 hectares quarta etapa O Decreto foi publicado no Diário Oficial da União de 2 de maio de 200171 78 A FUNAI solicitou o registro do território junto ao Registro de Imóveis da municipalidade de Pesqueira em 17 de maio de 2001 No entanto o Oficial de Registro de Imóveis de Pesqueira interpôs uma ação de suscitação de dúvida No 0012334 2120024058300 número original 200283000123349 regulamentada pela Lei 601573 questionando aspectos formais da solicitação de registro da propriedade indígena por parte da FUNAI Segundo o Estado e a Comissão essa ação foi interposta em agosto de 2002 A resolução final confirmando a legalidade do registro de imóveis foi emitida pela 12ª Vara Federal em 22 de junho de 200572 79 Em 18 de novembro de 2005 foi executada a titulação do território indígena Xucuru ante o 1º Registro de Imóveis de Pesqueira como propriedade da União para posse permanente do Povo Indígena Xucuru73 quinta etapa 80 O processo de regularização das terras com o objetivo de cadastrar os ocupantes não indígenas foi iniciado em 1989 com os estudos de identificação e foi concluído em 2007 resultando em 624 áreas cadastradas74 O procedimento de pagamento de indenizações por benfeitorias de boafé75 teve início em 2001 e o último pagamento foi efetuado em 2013 concluindo a indenização de 523 ocupantes não indígenas76 Das 101 terras restantes 19 pertenciam aos próprios indígenas restando então 82 áreas que eram propriedade de não indígenas Dessas 82 áreas 75 foram ocupadas pelos Xucuru entre 1992 e 2012 Até a data de emissão da presente Sentença 45 exocupantes não indígenas não haviam recebido sua indenização e segundo o Estado estão em comunicação com as autoridades para receber os respectivos pagamentos por benfeitorias de boafé77 Além disso seis ocupantes não indígenas permanecem dentro do território indígena Xucuru78 71 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03DNN2001Dnn9198htm Último acesso em 5 de janeiro de 2018 72 Trâmite processual e sentença da ação de suscitação de dúvida expediente de prova folhas 2529 73 Registro da Terra indígena Xucuru de 18 de novembro de 2005 expediente de prova folhas 3138 74 Informação Técnica No 1432016CGAFDPTFUNAI de 10 de agosto de 2016 expediente de prova folhas 14291433 75 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Artigo 231 6º 76 Informação Técnica No 1432016CGAFDPTFUNAI de 10 de agosto de 2016 expediente de prova folhas 14291433 77 Informação Técnica No 1432016CGAFDPTFUNAI de 10 de agosto de 2016 expediente de prova folhas 14291433 78 Instrução Técnica Executiva No 2142016DPTFUNAI de 26 de julho de 2016 expediente de prova folhas 14121428 Os seis ocupantes que ainda se encontram no território indígena são Luiz Alves de Almeida com duas ocupações na Vila de Cimbres e Sítio Ramalho correspondente a uma área de 006ha e 1023ha respectivamente Maria das Montanhas Lima com uma ocupação na região da Aldeia Sucupira Sítio Campina Nova correspondente a uma área de 678ha Bernadete Lourdes Maciel com uma ocupação na Vila de Cimbres correspondente a uma área de 2362ha José Pedro do Nascimento com uma ocupação em Capim de Planta correspondente a uma área de 961ha José Paulino da Silva com uma ocupação em Pé de Serra do Oiti correspondente a uma área de 706ha e Murilo Tenorio de Freitas com uma ocupação em Ipanema correspondente a uma área de 1100ha A totalidade do território ocupado pelos não indígenas representa 16043ha da extensão total do território indígena Xucuru de 27555583ha Ver Alegações finais do Estado de 24 de abril de 2017 expediente de mérito folhas 9861086 22 C2 Continuação das ações judiciais pendentes relativas à demarcação do território indígena Xucuru 81 A respeito da ação de reintegração de posse iniciada em março de 1992 a sentença de 17 de julho de 1998 foi objeto de recurso do MPF da FUNAI do Povo Indígena Xucuru e da União par 75 supra A Apelação Civil No 1718199PE número original 9905351329 foi negada em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 5ª Região doravante denominado TRF5 em 24 de abril de 200379 82 A FUNAI80 e a União 81 apresentaram um Recurso Especial ao STJ e esse órgão negou o recurso e confirmou a sentença do TRF5 em 6 de novembro de 200782 A União e a FUNAI interpuseram uma série de embargos de declaração83 e de agravos de instrumento84 junto ao STJ entre 2007 e 2012 Esses recursos foram negados com exceção de um embargo de declaração da União oposto em 8 de fevereiro de 2010 que teve decisão favorável em 10 de maio de 201185 83 A Sentença da ação de reintegração de posse adquiriu força de coisa julgada em 28 de março de 201486 84 Em 10 de março de 2016 a FUNAI interpôs uma ação rescisória para anular a sentença por descumprimento do direito ao contraditório e ampla defesa A decisão do Tribunal Regional Federal sobre essa ação continua pendente e a disputa por essa parcela de 300 hectares do território do Povo Indígena Xucuru não teve solução definitiva87 85 Em contrapartida em fevereiro de 2002 Paulo Pessoa Cavalcanti de Petribu e outros interpuseram a ação ordinária No 00022465120024058300 número original 200283000022466 solicitando a anulação do processo administrativo de demarcação dos seguintes imóveis localizados no território identificado como parte da terra indígena Xucuru Fazenda Lagoa da Pedra Ramalho Lago Grande e sítios Capim Grosso e Pedra da Cobra88 Os autores da ação alegaram que a demarcação deveria ser anulada porque não haviam sido pessoalmente notificados para apresentar objeções ao processo administrativo89 86 Em 1o de junho de 2010 a 12ª Vara Federal de Pernambuco decidiu em primeira instância que a ação ordinária era parcialmente procedente excluindo a União como parte demandada e determinando que os autores tinham o direito de receber indenização da 79 Trâmite processual da Apelação Civil AC1718199PE expediente de prova folhas 5457 80 Recurso apresentado pela FUNAI de 27 de junho de 2003 expediente de prova folhas 23812401 81 Recurso apresentado pela União de 4 de agosto de 2003 expediente de prova folhas 24822486 82 Sentença do STJ de 6 de novembro de 2007 expediente de prova folhas 25162520 83 Recurso apresentado ao juiz ou tribunal que emite a sentença com o objetivo de esclarecer ambiguidades ou contradicções na sentença emitida corrigir eventual omissão sobre pontos a respeito dos quais o juiz deve se pronunciar e corrigir possíveis erros materiais 84 Recurso contra decisões interlocutórias suscetíveis de provocar dano grave e de difícil reparação a uma das partes A apreciação do agravo de instrumento deve ser realizada de imediato pela instância superior 85 Trâmite processual da ação de reintegração de posse número original 00026972819924058300 expediente de prova folhas 14432720 Trâmite processual do Recurso Especial No 646933PE acordo e decisão do STJ de 6 de novembro de 2007 expediente de prova folhas 5975 86 Ação de reintegração de posse No 00026972819924058300 expediente de prova folhas 14432720 87 Detalhe de Processo Justiça Federal da 5ª Região expediente de prova folha 4006 88 Quadro enviado como prova para melhor resolver pelo Estado expediente de prova folha 40344038 89 Os mesmos autores também apresentaram em dezembro de 2002 de maneira acessória à ação ordinária a Medida Cautelar Inominada No 00193497120024058300 número original 200283000193492 para obter a produção antecipada da prova pericial a respeito da alegada invasão e destruição da Fazenda Lagoa da Pedra A medida cautelar foi decidida em favor dos ocupantes não indígenas em 9 de dezembro de 2009 Ver trâmite processual e sentença de 9 de dezembro de 2009 sobre a Medida Cautelar expediente de prova folhas 5975 23 FUNAI no montante de R 138537586 A FUNAI e a União recorreram da sentença junto ao Tribunal Regional da 5ª Região que reformou a decisão de primeira instância em 26 de julho de 2012 Nessa decisão o TRF5 reconheceu a União como parte do processo reconheceu vícios no processo de demarcação do território indígena Xucuru mas não declarou a nulidade em virtude da gravidade dessa medida mas determinou o pagamento de indenização por perdas e danos a favor dos demandantes90 Em 7 de dezembro de 2012 a FUNAI interpôs um recurso especial junto ao STJ e um recurso extraordinário junto ao STF As decisões do STJ e do STF continuam pendentes91 C3 Atos de hostilidade contra líderes do Povo Indígena Xucuru 87 O processo de delimitação demarcação e desintrusão da terra indígena do povo Xucuru foi marcado por um contexto de insegurança e ameaças92 que resultou na morte de vários líderes indígenas da comunidade93 88 A presença de ocupantes não indígenas no território do povo Xucuru durante o processo administrativo de demarcação e a existência de interesses alheios provocou dissidências e conflitos internos na própria comunidade indígena94 89 O filho e sucessor do Cacique Xicão o Cacique Marquinhos e sua mãe Zenilda Maria de Araújo receberam ameaças por sua posição de líderes da luta do Povo Indígena Xucuru pelo reconhecimento de suas terras ancestrais95 Em 2001 as ameaças se concentraram no Cacique Marquinhos96 A Comissão Interamericana concedeu medidas cautelares em favor de ambos em 29 de outubro de 2002 90 No entanto o Cacique Marquinhos sofreu um atentado contra sua vida em 7 de fevereiro de 200397 que causou a morte de dois membros do povo Xucuru que acompanhavam o Cacique nesse momento98 Esses acontecimentos desencadearam atos de violência no território indígena99 Em consequência do exposto foram expulsos 90 Resolução do Tribunal Federal da 5ª Região expediente de prova folhas 2804 a 2813 91 Recurso especial Superior Tribunal de Justiça expediente de prova folha 2819 92 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 no expediente de prova folhas 187198 Carta aberta do povo Xucuru à população de Pesqueira e a todos os romeiros de Nossa Senhora das Graças de 22 de setembro de 2001 expediente de prova folhas 169170 Expediente No 126000000875200139 do Ministério Público Procuradoria da República de Pernambuco de 16 de março de 2003 expediente de prova folhas 225267 Petição inicial e solicitação de medidas cautelares de 16 de outubro de 2002 expediente de prova folhas 333363 93 Expediente No 126000000875200139 do Ministério Público Procuradoria da República de Pernambuco de 16 de março de 2003 expediente de prova folhas 225267 Relação das ações criminais contra o povo Xucuru de 26 de março de 2007 expediente de prova folhas 565566 94 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 no expediente de prova folhas 187198 Expediente No 126000000875200139 do Ministério Público Procuradoria da República de Pernambuco de 16 de março de 2003 expediente de prova folhas 225267 Relatório citado no Ministério da JustiçaFUNAIDireção de Assuntos de TerrasCGID expediente de prova folhas 1003 a 1007 Anexo 17 ADDiper Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco SA expediente de prova folhas 172184 95 Declaração do Cacique Marquinhos no Programa Estadual de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de 9 de agosto de 2007 expediente de prova folhas 712713 96 Petição inicial e solicitação de medidas cautelares de 16 de outubro de 2002 97 Notícia do atentado contra o Cacique Marquinhos no Portal JC OnLine de 7 de fevereiro de 2003 expediente de prova folha 567 Declaração do Cacique Marquinhos na Delegacia da Polícia Federal em Caruaru de 10 de setembro de 2009 expediente de prova folha 570 98 Relatório da Coordenação Geral de Defensa dos Direitos Indígenas CGDDI expediente de prova folhas 199 204 99 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 expediente de prova folhas 187198 Relatório da Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas CGDDI expediente de prova folhas 199204 24 aproximadamente 500 membros da comunidade da terra indígena Xucuru os quais foram instalados no Município de Pesqueira100 91 Em 20 março de 2003101 o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH criou uma Comissão Especial com o objetivo de acompanhar a investigação de tentativa de homicídio contra o Cacique Marquinhos e os fatos conexos Finalmente o Cacique foi incluído no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de Pernambuco em 2008102 VIII MÉRITO 92 Neste capítulo a Corte elaborará as considerações de direito pertinentes relacionadas às alegadas violações dos direitos à propriedade às garantias judiciais e à proteção judicial e à integridade pessoal tudo isso em relação ao processo de titulação demarcação e desintrusão do território do Povo Indígena Xucuru e seus membros 100 Relatório do Estado Caso Xucuru Secretaria Especial de Direitos Humanos Presidência da República 20 de fevereiro de 2004 expediente de prova folhas 187198 Relatório da Coordenação Geral de Defesa dos Direitos Indígenas CGDDI expediente de prova folhas 199204 101 Resolução No 18 de 20 de março de 2003 expediente de prova folha 205 102 Comunicação do Estado de 20 de julho de 2013 no expediente de Medidas Cautelares expediente de prova folhas 102109 Defensores e Defensoras de Direitos Humanos O enfrentamento das desigualdades em Pernambuco publicação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Pernambuco expediente de prova folhas 111115 Audiência pública junto à Comissão Interamericana 27 de fevereiro de 2003 25 VIII1 DIREITOS À PROPRIEDADE103 ÀS GARANTIAS JUDICIAIS104 E À PROTEÇÃO JUDICIAL105 93 Neste capítulo a Corte analisará as alegadas violações do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru e a alegada inefetividade do procedimento administrativo de reconhecimento demarcação titulação registro e desintrusão do território Para esse efeito a Corte formulará considerações sobre i o direito de propriedade coletiva na Convenção Americana ii o dever de garantir o direito à propriedade coletiva e o princípio de segurança jurídica iii a garantia de prazo razoável e a efetividade do processo administrativo e iv a aplicação dos preceitos jurídicos anteriores ao caso concreto Finalmente a Corte analisará v a alegação sobre o descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno estabelecido no artigo 2o da Convenção Americana A Argumentos das partes e da Comissão 94 A Comissão salientou que o direito à propriedade coletiva dos povos indígenas reveste características particulares pela especial relação desses povos com suas terras e territórios tradicionais de cuja integridade depende sua própria sobrevivência como povo sendo objeto de proteção jurídica internacional O território indígena é uma forma de 103 Artigo 21 Direito à propriedade privada 1 Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social 2 Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens salvo mediante o pagamento de indenização justa por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei 3 Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei 104 Artigo 8o Garantias judiciais 1 Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas a direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal b comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa d direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor e direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei f direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos g direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada e h direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior 3 A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza 4 O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos 5 O processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça 105 Artigo 25 Proteção judicial 1 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição pela lei ou pela presente Convenção mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais 2 Os Estados Partes comprometemse a a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso b a desenvolver as possibilidades de recurso judicial e c a assegurar o cumprimento pelas autoridades competentes de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso 26 propriedade que não se fundamenta no reconhecimento oficial do Estado mas no tradicional uso e posse das terras e recursos 95 Em relação à obrigação de demarcação e reconhecimento a Comissão afirmou que esse procedimento constitui o meio pelo qual se oferece segurança jurídica à propriedade coletiva dos povos indígenas e se previnem conflitos com diversos atores assentandose as bases para a consecução da posse e uso pacífico de suas terras e territórios por meio da desintrusão 96 Em relação às violações decorrentes da obrigação de desintrusão oportuna do território indígena a Comissão salientou que a responsabilidade internacional do Estado no presente caso se configurou como consequência dos anos em que o Povo Indígena Xucuru não pôde exercer a posse pacífica de suas terras e territórios devido à presença de pessoas não indígenas nesse território Destacou que nesse caso o Estado tinha o dever de proceder à desintrusão das terras indígenas demarcadas culminando com a indenização dos benfeitorias realizadas pelos terceiros ocupantes de boafé não indígenas e permitir dessa maneira sua retirada das terras do povo indígena 97 Segundo a Comissão as violações decorrentes da demora na resolução das ações judiciais interpostas por terceiras pessoas não indígenas nos anos de 1992 e 2002 se devem ao fato de mantêlas indefinidamente sem uma solução provocando uma ameaça permanente sobre o direito à propriedade coletiva e constituindo um fator de maior insegurança jurídica para o Povo Indígena Xucuru Por tudo isso a Comissão concluiu que o Estado era responsável pela violação do artigo 21 em relação aos artigos 11 e 2 da Convenção Americana 98 Com respecto às garantias judiciais e à proteção judicial a Comissão considerou que o Estado não demonstrou que o processo administrativo de demarcação do território do povo Xucuru envolvesse aspectos ou debates particularmente complexos que guardem relação com o atraso de mais de 16 anos para a conclusão do processo administrativo de titulação demarcação e reconhecimento do território indígena Por conseguinte a Comissão considerou que o prazo que durou o processo administrativo não foi razoável nos termos exigidos pela Convenção Americana 99 Para a Comissão o argumento do Estado sobre a complexidade do registro imobiliário do território indígena e o número de ocupantes não indígenas não guarda relação ou nexo de causalidade com a demora no processo administrativo pois conforme se infere do próprio expediente a identificação dessas ocupações para o eventual desintrusão não é determinante para a conclusão de suas etapas A Comissão ressaltou que na prática tiveram lugar de maneira paralela e continuaram posteriormente ao mesmo 100 A Comissão salientou que as ações judiciais apresentadas por ocupantes não indígenas do território indígena Xucuru não contam com uma solução definitiva respectivamente há mais de 20 e 12 anos o que não é compatível com o princípio do prazo razoável estabelecido na Convenção A demora na solução dessas duas ações judiciais constitui uma ameaça permanente ao direito à propriedade coletiva em consequência da falta de solução oportuna dessas duas ações em um prazo razoável Por conseguinte o Estado é responsável pela violação dos artigos 81 e 25 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru 101 Os representantes destacaram que o processo de demarcação da terra indígena ainda não foi concluído pois há que considerar que o povo Xucuru espera há 27 anos obter o gozo pacífico e exclusivo de seu território 27 102 Destacaram também que a situação atual do Povo Indígena Xucuru provoca instabilidade e insegurança por três razões i a presença de seis ocupantes não indígenas proprietários de sete terrenos os quais continuam vivendo no território sem o consentimento do povo ii a existência de outros antigos ocupantes que já não se acham na terra mas que ainda não receberam as indenizações que lhes cabem e iii a falta de solução da ação iniciada por Paulo Petribu e a decisão judicial desfavorável que ordena a reintegração da posse a favor de Milton Didier e Maria Edite Didier a qual é suscetível de execução Para os representantes o acima exposto representa uma violação dos direitos dos povos indígenas consagrados na Convenção Americana impedindo ao Povo Indígena Xucuru viver em seu território de modo pacífico e sem ameaças 103 Os representantes ressaltaram que o Estado se equivoca ao afirmar que há uma coexistência pacífica para eximirse de sua responsabilidade de concluir o processo demarcatório Isso porque em primeiro lugar devese considerar o histórico de assassinatos e ameaças contra o povo indígena levado a cabo pelos ocupantes não indígenas que ali permaneciam e em segundo lugar porque a estrutura normativa do processo de demarcação contempla a obrigação de desintrusão do território sem que se deva examinar se há consentimento do povo indígena 104 Ressaltaram também que desde o início do processo de demarcação até o registro do território indígena do povo Xucuru foi garantida de maneira formal a proteção institucional ao povo indígena apesar de materialmente o processo administrativo não ter representado o acesso ao gozo total de seu direito ao território originário proteção e segurança jurídica 105 Em conclusão os representantes afirmaram que o Estado brasileiro violou o direito à propriedade coletiva estabelecido no artigo 21 em relação às obrigações dos artigos 11 e 2o da Convenção América em consequência da demora no processo de demarcação e titulação e da falta de desintrusão da propriedade coletiva 106 Sobre os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial os representantes sustentaram que o processo administrativo de delimitação e demarcação da terra dos povos indígenas é dividido em diferentes fases inseridas num processo que deveria avançar de maneira sucessiva sem nenhum tipo de complicação No entanto no caso do território indígena do povo Xucuru o desenvolvimento de cada uma dessas fases não ocorreu de maneira automática expondo o povo indígena a uma série de ameaças e inseguranças jurídicas No que se refere às ações judiciais interpostas por não indígenas afirmaram que excederam o prazo razoável de duração de acordo com os parâmetros estabelecidos na Convenção As ações apresentadas por terceiros careciam de complexidade razão pela qual não há lugar para uma justificação para uma duração tão longa destacando os efeitos nocivos da situação anterior Em razão do exposto os representantes concluíram que o Estado violou os artigos 8 e 25 em relação às obrigações estabelecidas nos artigos 11 e 2 da Convenção 107 O Estado afirmou que o regime jurídico brasileiro garante proteção maior às comunidades indígenas consagrando a posse permanente da terra a qual é inalienável imprescritível e inembargável São os povos indígenas que têm o usufruto exclusivo das riquezas dos solos rios lagos etc respeitando sua organização social costumes línguas crenças e tradições A Constituição estabelece o dever da União de delimitar e proteger as terras indígenas 28 108 Além disso salientou que não é possível considerar uma violação da garantia de acesso ao Poder Judiciário relativo ao processo administrativo de demarcação já que se trata de um processo iniciado de ofício pelo Estado em cumprimento à Constituição Os indígenas apesar da possibilidade de participar de todas as fases do processo administrativo demarcatório não são autores mas beneficiários da ação estatal e do resultado do processo administrativo Segundo o Estado é irrazoável declarar uma violação porque não foi retirado o último dos ocupantes não indígenas sem levar em conta que a terra está demarcada e titulada há mais de uma década 109 Quanto à presença de ocupantes não indígenas na terra indígena Xucuru o Estado afirmou que mediante uma recente inspeção oficial verificou que era insignificante pacífica e aceita pelos indígenas Por esse motivo o Estado afirmou que garantiu a posse pacífica do território do Povo Indígena Xucuru com o pagamento de mais de 84 das indenizações devidas aos antigos ocupantes Além disso hoje os indígenas estão de posse da quase totalidade das antigas ocupações restando somente sete parcelas que não estão em sua posse 110 Finalmente o Estado declarou que não foi violado o direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru porquanto não houve uma demora injustificada nem no procedimento demarcatório nem na titulação ou desintrusão da terra indígena Pelo acima exposto o Brasil concluiu que não violou o artigo 21 em relação às obrigações dos artigos 11 e 2 da Convenção Americana 111 O Estado destacou que no processo administrativo e nas ações judiciais apresentadas por terceiros não indígenas os membros da comunidade indígena Xucuru não tiveram as condições necessárias de sujeitos passivos Por conseguinte não teria lugar a violação do artigo 8o em relação às obrigações estabelecidas no artigo 11 da Convenção Americana 112 O Estado também afirmou que a demarcação de terras indígenas é uma tarefa complexa o que se justifica pela necessidade de transparência do procedimento e do contraditório de todas as partes em especial dos ocupantes não indígenas que historicamente se estabeleceram de boafé nesse território A existência de conflitos e resistência dos ocupantes não indígenas e entre os próprios integrantes do Povo Indígena Xucuru representou uma realidade fática complexa de modo que se houve atraso isso se justifica pela realidade 113 Com relação à ação de suscitação de dúvidas o Estado salientou que não questionou a natureza indígena da terra a idoneidade do procedimento demarcatório ou o direito de posse permanente do povo Xucuru protegido constitucionalmente como direito originário sendo a demarcação um procedimento declaratório de direito preexistente e o registro unicamente um ato de divulgação O ato de registro da terra demarcada implicava complexidade fática e dano a direitos de terceiros Ainda que se considerasse que o registro da terra indígena Xucuru era uma medida legítima para dar divulgação à posse indígena desse território não seria descabida a exigência formulada pelo oficial de registro de imóveis de Pesqueira Por tudo isso o Estado considerou que não houve demora injustificada nem no caso do procedimento demarcatório da terra indígena nem na titulação da posse permanente 114 Por outro lado com relação às duas ações judiciais o Estado afirmou que cumpriu seu dever constitucional de assegurar o direito de acesso ao poder judiciário mas não uma infração das obrigações internacionais estabelecidas na Convenção Americana Para o Estado é evidente que a solução das ações judiciais demandou tempo circunstância que 29 impactou o prazo do processo administrativo de demarcação Do mesmo modo negar o acesso à justiça aos não indígenas seria agir de forma arbitrária Acrescentou que os artigos 8 e 25 da Convenção não podem ser confundidos nem interpretados da mesma maneira de modo que deles decorra um mesmo resultado O Estado concluiu que não violou os artigos 81 e 25 em relação às obrigações estabelecidas no artigo 11 da Convenção B Considerações da Corte B1 O direito de propriedade coletiva na Convenção Americana 115 A Corte recorda que o artigo 21 da Convenção Americana protege o estreito vínculo que os povos indígenas mantêm com suas terras bem como com seus recursos naturais e com os elementos incorporais que neles se originam Entre os povos indígenas e tribais existe uma tradição comunitária sobre uma forma comunal da propriedade coletiva da terra no sentido de que a posse desta não se centra em um indivíduo mas no grupo e sua comunidade106 Essas noções do domínio e da posse sobre as terras não necessariamente correspondem à concepção clássica de propriedade mas a Corte estabeleceu que merecem igual proteção do artigo 21 da Convenção Americana Desconhecer as versões específicas do direito ao uso e gozo dos bens dadas pela cultura usos costumes e crenças de cada povo equivaleria a afirmar que só existe uma forma de usar os bens e deles dispor o que por sua vez significaria tornar ilusória a proteção desses coletivos por meio dessa disposição107 Ao se desconhecer o direito ancestral dos membros das comunidades indígenas sobre seus territórios se poderia afetar outros direitos básicos como o direito à identidade cultural e à própria sobrevivência das comunidades indígenas e seus membros108 116 A jurisprudência desta Corte reconheceu reiteradamente o direito de propriedade dos povos indígenas sobre seus territórios tradicionais e o dever de proteção que emana do artigo 21 da Convenção Americana à luz das normas da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas bem como os direitos reconhecidos pelos Estados em suas leis internas ou em outros instrumentos e decisões internacionais constituindo desse modo um corpus juris que define as obrigações dos Estados Partes na Convenção Americana em relação à proteção dos direitos de propriedade indígena109 Portanto ao analisar o conteúdo e alcance do artigo 21 da Convenção no presente caso a Corte levará em conta à luz das regras gerais de interpretação estabelecidas em seu artigo 29b e como fez anteriormente110 a referida interrelação especial da propriedade coletiva das terras para os povos indígenas bem como as alegadas gestões que o Estado realizou para tornar plenamente efetivos esses direitos111 106 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2001 Série C No 79 par 149 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2015 Série C No 309 par 129 107 Cf Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de março de 2006 Série C No 146 par 120 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de outubro de 2015 Série C No 305 par 100 108 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença 17 de junho de 2005 Série C No 125 par 147 e Caso dos Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs Panamá Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 14 de outubro de 2014 Série C No 284 par 18 109 Cf Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes Indocumentados Parecer Consultivo OC1803 de 17 de setembro de 2003 Série A No 18 par 120 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 127 e 128 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 103 110 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 148 Caso dos Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros par 113 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 103 111 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 124 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 103 30 117 Por outro lado o Tribunal recorda sua jurisprudência a respeito da propriedade comunitária das terras indígenas segundo a qual se dispõe inter alia que 1 a posse tradicional dos indígenas sobre suas terras tem efeitos equivalentes aos do título de pleno domínio concedido pelo Estado 2 a posse tradicional confere aos indígenas o direito de exigir o reconhecimento oficial de propriedade e seu registro 3 os membros dos povos indígenas que por causas alheias a sua vontade tenham saído ou perdido a posse de suas terras tradicionais mantêm o direito de propriedade sobre elas apesar da falta de título legal salvo quando as terras tenham sido legitimamente transferidas a terceiros de boafé 4 o Estado deve delimitar demarcar e conceder título coletivo das terras aos membros das comunidades indígenas112 5 os membros dos povos indígenas que involuntariamente tenham perdido a posse de suas terras e estas tenham sido trasladadas legitimamente a terceiros de boafé têm o direito de recuperálas ou a obter outras terras de igual extensão e qualidade113 6 o Estado deve garantir a propriedade efetiva dos povos indígenas e absterse de realizar atos que possam levar a que os agentes do próprio Estado ou terceiros que ajam com sua aquiescência ou sua tolerância afetem a existência o valor o uso ou o gozo de seu território114 7 o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas de controlar efetivamente seu território e dele ser proprietários sem nenhum tipo de interferência externa de terceiros115 e 8 o Estado deve garantir o direito dos povos indígenas ao controle e uso de seu território e recursos naturais116 Com relação ao exposto a Corte afirmou que não se trata de um privilégio de usar a terra o qual pode ser cassado pelo Estado ou superado por direitos à propriedade de terceiros mas um direito dos integrantes de povos indígenas e tribais de obter a titulação de seu território a fim de garantir o uso e gozo permanente dessa terra117 118 No mesmo sentido a Corte estabeleceu que a falta de uma delimitação e demarcação efetiva pelo Estado dos limites do território sobre os quais existe um direito de propriedade coletiva de um povo indígena pode criar um clima de incerteza permanente entre os membros dos referidos povos porquanto não sabem com certeza até onde se estende geograficamente seu direito de propriedade coletiva e consequentemente desconhecem até onde podem usar os respectivos bens e deles usufruir livremente118 119 A Corte também estabeleceu que em atenção ao princípio de segurança jurídica é necessário materializar os direitos territoriais dos povos indígenas mediante a adoção de medidas legislativas e administrativas para criar um mecanismo efetivo de delimitação demarcação e titulação que reconheça esses direitos na prática119 considerando que o reconhecimento dos direitos de propriedade coletiva indígena deve ser garantido por meio da concessão de um título de propriedade formal ou outra forma similar de reconhecimento estatal que ofereça segurança jurídica à posse indígena da terra frente à ação de terceiros 112 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 164 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 105 113 Cf Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai par 128 e Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs Paraguai par 109 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 131 114 Cf Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 164 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 132 115 Caso do Povo Saramaka Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 28 de novembro de 2007 Série C No 172 par 115 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 132 116 Caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs Equador Mérito e Reparações Sentença de 27 de junho de 2012 Série C No 245 par 146 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 132 117 Cf Caso da Comunidade Moiwana Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de junho de 2005 Série C No 124 par 211 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 105 118 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 153 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 106 119 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 164 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 133 31 ou dos agentes do próprio Estado Um reconhecimento meramente abstrato ou jurídico das terras territórios ou recursos indígenas carece de sentido caso não se estabeleça delimite e demarque fisicamente a propriedade120 Ao mesmo tempo essa demarcação e titulação deve se traduzir no efetivo uso e gozo pacífico da propriedade coletiva 120 No presente caso o Tribunal observa que existe uma controvérsia entre as partes quanto ao alcance das obrigações internacionais do Brasil Em especial tanto a Comissão como os representantes alegam um agravo ao direito de propriedade coletiva pela falta de segurança jurídica em duas vertentes por um lado i sobre o direito de propriedade a respeito do território Xucuru e a falta de eficácia das ações executadas pelo Estado para efetuar o registro e titulação do território e por outro ii sobre a falta de segurança jurídica no uso e gozo da propriedade em decorrência da demora na desintrusão do território Em virtude do exposto a Corte passará a formular algumas considerações sobre o alcance das obrigações decorrentes do dever geral de garantia a respeito do artigo 21 da Convenção bem como sua relação com a noção de segurança jurídica à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos com o objetivo de determinar se as ações e as alegadas omissões do Estado brasileiro comprometem sua responsabilidade internacional pelo descumprimento da obrigação geral antes citada bem como pela ineficácia dos processos administrativos B2 O dever de garantir o direito à propriedade coletiva e a segurança jurídica 121 Esta Corte afirmou reiteradamente que o artigo 11 da Convenção apresenta duas vertentes Por um lado se encontra a obrigação negativa de respeito que implica que os Estados devem se abster de cometer atos que infrinjam os direitos e as liberdades fundamentais reconhecidas pela Convenção121 por outro encontramse as obrigações positivas de garantia dos Estados Essas obrigações implicam o dever dos Estados Partes de organizar todo o aparato governamental e em geral todas as estruturas mediante as quais se manifesta o exercício do poder público de maneira que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos122 Essas obrigações se configuram e devem manifestarse de diferentes formas dependendo do direito de que se trate É evidente que por exemplo assegurar a igualdade e a não discriminação de jure e de facto não exige do Estado os mesmos atos praticados para assegurar o livre uso e gozo da propriedade privada ou como neste caso da propriedade coletiva das populações indígenas 122 Muito estreitamente vinculado ao anterior encontrase o princípio de segurança jurídica Esse princípio garante entre outros aspectos estabilidade nas situações jurídicas e é parte fundamental da confiança do cidadão na institucionalidade democrática Essa confiança é um dos pilares essenciais sobre os quais reside um Estado de Direito123 desde que se fundamente em uma real e efetiva certeza dos direitos e liberdades fundamentais Este Tribunal coincide com seu par europeu no sentido de que esse princípio se encontra 120 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 133 121 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala par 139 Caso Castillo González Vs Venezuela par 122 Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 208 e Caso Velásquez Paiz e outros Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de novembro de 2015 Série C No 307 par 106 122 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 166167 e Caso IV Vs Bolívia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 329 par 207 123 TEDH Caso Vinčić e outros Vs Sérvia No 4469806 e outros Sentença de 1o de dezembro de 2009 par 56 Ver também Identidade de gênero e igualdade e não discriminação de casais do mesmo sexo Obrigações estatais em relação à mudança de nome à identidade de gênero e aos direitos decorrentes de um vínculo entre casais do mesmo sexo interpretação e alcance dos artigos 11 3 7 112 13 17 18 e 24 em relação ao artigo 1o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC2417 de 24 de novembro de 2017 Série A No 24 par 192 32 implícito em todos os artigos da Convenção124 Em contraposição a falta de segurança jurídica pode se originar em aspectos legais e administrativos ou em práticas estatais125 que reduzam a confiança pública nas instituições judiciais legislativas ou executivas ou no gozo dos direitos ou obrigações reconhecidos por meio daquelas e impliquem instabilidade quanto ao exercício dos direitos fundamentais e de situações jurídicas em geral 123 Desse modo para esta Corte a segurança jurídica se vê assegurada entre outras concepções enquanto exista confiança de que os direitos e liberdades fundamentais serão respeitados e garantidos a todas as pessoas sob a jurisdição de um Estado Parte na Convenção Americana Isso como se explicou pode se dar por diversos meios dependendo da situação concreta e do direito humano de que se trate 124 Para a situação em especial dos povos indígenas a perita Victoria TauliCorpuz Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas observou que para garantir o uso e o gozo do direito da propriedade coletiva os Estados devem assegurar que não exista interferência externa sobre os territórios tradicionais126 ou seja devem eliminar qualquer tipo de interferência sobre o território em questão por meio da desintrusão127 com o objetivo de que o exercício do direito à propriedade tenha um conteúdo tangível e real No mesmo sentido manifestouse no presente processo o perito Carlos Frederico Marés de Souza Filho128 Um reconhecimento meramente abstrato ou jurídico das terras territórios ou recursos indígenas carece de sentido caso as populações ou povos interessados não possam exercer plenamente e de forma pacífica seu direito A desintrusão não só implica a retirada de terceiros de boafé ou de pessoas que ocupem ilegalmente os territórios demarcados e titulados mas a garantia de sua posse pacífica e que os bens titulados careçam de vícios ocultos isto é que sejam livres de obrigações ou gravames em benefício de terceiras pessoas Caso isso não se verifique para a Corte é claro que o direito de propriedade coletiva não foi garantido por completo Assim a Corte considera que os processos administrativos de delimitação demarcação titulação e desintrusão de territórios indígenas são mecanismos que garantem segurança jurídica e proteção a esse direito 125 O acima exposto não significa que sempre que estejam em conflito os interesses territoriais particulares ou estatais e os interesses territoriais dos membros das comunidades indígenas devam prevalecer os últimos sobre os primeiros129 Esta Corte já se pronunciou sobre as ferramentas jurídicas necessárias para resolver essas situações130 A Corte reitera sua jurisprudência no sentido de que tanto a propriedade privada dos particulares como a propriedade coletiva dos membros das comunidades indígenas tenham a proteção convencional que lhes concede o artigo 21 da Convenção Americana131 Sobre o assunto a 124 TEDH Caso Beian Vs Romênia No 1 No 3065805 Sentença de 6 de dezembro de 2007 par 39 e Caso Brumărescu Vs Romênia Grande Sala No 2834295 Sentença de 10 de novembro de 1999 par 61 Ver também Parecer Consultivo OC2417 par 192 125 TEDH Caso Nejdet Şahin e Perihan Şahin Vs Turquia No 1327905 Sentença de 20 de outubro de 2011 par 56 Ver também Parecer Consultivo OC2417 par 192 126 Declaração pericial prestada mediante affidavit pela senhora Victoria TauliCorpuz de 17 de março de 2017 expediente de mérito folha 715 127 Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 181 128 Declaração pericial prestada mediante affidavit pelo senhor Carlos Frederico Marés de Souza Filho em 12 de março de 2017 expediente de mérito folha 650 129 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 149 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 158 130 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 149 151 e 217 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 158 131 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 33 Corte salientou que quando existam conflitos de interesses nas reivindicações indígenas ou quando o direito à propriedade coletiva indígena e a propriedade privada particular entrem em contradição real ou aparente haverá necessidade de avaliar caso a caso a legalidade a necessidade a proporcionalidade e a consecução de um objetivo legítimo numa sociedade democrática132 utilidade pública e interesse social para restringir o direito de propriedade privada por um lado ou o direito às terras tradicionais por outro133 sem que a limitação a esse último implique a denegação de sua subsistência como povo134 O conteúdo de cada um desses parâmetros foi definido pelo Tribunal em sua jurisprudência Caso Comunidade indígena Yakye Axa135 e adiante 126 Essa tarefa compete exclusivamente ao Estado136 sem discriminação alguma e levando em conta os critérios e circunstâncias anteriormente destacados entre eles a relação especial que os povos indígenas têm com suas terras137 Não obstante isso a Corte julga pertinente fazer uma distinção entre a ponderação de direitos que às vezes será necessária durante um processo de reconhecimento demarcação e titulação dos direitos territoriais dos povos interessados e o processo de desintrusão Este último normalmente exigirá que os direitos de propriedade coletiva já tenham sido definidos 127 Nesse sentido a Corte constata que no Brasil a ponderação anteriormente descrita não é necessária atendendo à Constituição Federal e sua interpretação por parte do Supremo Tribunal Federal138 a qual confere preeminência ao direito à propriedade coletiva sobre o direito à propriedade privada quando se estabelece a posse histórica e os laços tradicionais do povo indígena ou tradicional com o território ou seja os direitos dos povos indígenas ou originários prevalecem frente a terceiros de boafé e ocupantes não indígenas Além disso o Estado afirmou que tem o dever constitucional de proteger as terras indígenas139 132 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 144 e 146 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 Sobre o juízo de proporcionalidade podese ver no mesmo sentido Caso Kimel Vs Argentina Mérito Reparações e Custas Sentença de 2 de maio de 2008 Série C No 177 par 51 e Caso Mémoli Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de agosto de 2013 Série C No 265 par 127 133 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 134 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 143 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 135 O artigo 211 da Convenção dispõe que a lei pode subordinar o uso e gozo dos bens ao interesse social A necessidade das restrições legalmente contempladas dependerá de que estejam destinadas a atender a um interesse público imperativo sendo insuficiente que se demonstre por exemplo que a lei cumpre um propósito útil ou oportuno A proporcionalidade reside em que a restrição deve ajustarse estreitamente à consecução de um legítimo objetivo interferindo na menor medida possível no efetivo exercício do direito restringido Finalmente para que sejam compatíveis com a Convenção as restrições devem justificarse segundo objetivos coletivos que por sua importância preponderem claramente sobre a necessidade do pleno gozo do direito restringido Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par145 e ss e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 155 136 Cf Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai par 136 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 156 137 Os Estados devem levar em conta que os direitos territoriais indígenas abrangem um conceito mais amplo e diferente que está relacionado ao direito coletivo à sobrevivência como povo organizado com o controle de seu habitat como condição necessária para a reprodução de sua cultura para seu próprio desenvolvimento e para levar a cabo seus planos de vida A propriedade sobre a terra garante que os membros das comunidades indígenas conservem seu patrimônio cultural Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 146 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 156 138 STF Ação popular Demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol de 19 de março de 2009 Mandado de Segurança MS 21575MS Mato Grosso do Sul 3 de fevereiro de 1994 Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1512RR Roraima 7 de janeiro de 1996 Questão de ordem na ação cível originária ACOQO 312BA Bahia 27 de fevereiro de 2002 Mandado de Segurança MS 23862GO Goiás 4 de março de 2004 139 Cf Constituição Federal do Brasil artigo 231 São reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens 34 128 Também é importante destacar que a titulação de um território indígena no Brasil reveste caráter declaratório e não constitutivo do direito Esse ato facilita a proteção do território e por conseguinte constitui etapa importante de garantia do direito à propriedade coletiva Nas palavras do perito proposto pelo Estado Carlos Frederico Marés de Souza Filho quando uma terra é ocupada por um povo indígena o Poder Público tem a obrigação de protegêla fazer respeitar seus bens e demarcála Isso quer dizer que a terra não necessita estar demarcada para ser protegida mas que ela deve ser demarcada como obrigação do Estado brasileiro A demarcação é direito e garantia do próprio povo que a ocupa tradicionalmente140 A demarcação portanto seria um ato de proteção e não de criação do direito de propriedade coletiva no Brasil o qual é considerado originário dos povos indígenas e tribais 129 A controvérsia no presente caso ocorre portanto quando se trata de determinar se as ações executadas pelo Estado no caso concreto foram efetivas para garantir esse reconhecimento de direitos e o impacto que sobre ela teve a demora nos processos Além disso a Corte analisará se a demora em resolver as ações judiciais interpostas por terceiros não indígenas afetaram a segurança jurídica do direito à propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru B3 O prazo razoável e a efetividade dos processos administrativos 130 A jurisprudência deste Tribunal salientou em outros casos que os povos indígenas e tribais têm direito a que existam mecanismos administrativos efetivos e expeditos para proteger garantir e promover seus direitos sobre os territórios indígenas mediante os quais se possam levar a cabo os processos de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de sua propriedade territorial141 Os procedimentos mencionados devem cumprir as regras do devido processo legal consagradas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana142 131 Juntamente com o acima exposto a Corte reiterou que o direito de toda pessoa a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos fundamentais constitui um dos pilares básicos não só da Convenção Americana mas do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática no sentido da Convenção143 Além disso no que diz respeito a povos indígenas e tribais é indispensável que os Estados ofereçam uma proteção efetiva que leve em conta suas particularidades e suas características econômicas e sociais além de sua situação de especial vulnerabilidade seu direito consuetudinário valores usos e costumes144 132 Este Tribunal destacou que não basta que a norma consagre processos destinados à titulação delimitação demarcação e desintrusão de territórios indígenas ou ancestrais mas que esses processos tenham efetividade prática Destacou também que esses procedimentos 140 Declaração pericial prestada mediante affidavit pelo senhor Carlos Frederico Marés de Souza Filho em 5 de março de 2017 expediente de mérito folha 642 141 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 138 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 142 Cf Caso Godínez Cruz Vs Honduras Exceções Preliminares Sentença de 26 de junho de 1987 Série C No 3 par 92 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 143 Cf Caso Castillo Páez Vs Peru Mérito Sentença de 3 de novembro de 1997 Série C No 34 par 82 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 228 144 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 63 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 228 35 devem ser efetivos no sentido de que devem supor uma possibilidade real145 de que as comunidades indígenas e tribais possam defender seus direitos e possam exercer o controle efetivo de seu território sem nenhuma interferência externa146 133 Nesse sentido a Corte concorda com o critério da Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas que em sua peritagem salientou que efetividade no contexto do caso sub judice implica que o procedimento administrativo elaborado pelo Estado seja rápido e capaz de regularizar e garantir o direito dos povos indígenas de usar seus territórios de forma pacífica e deles usufruir No caso concreto isso não se limita à titulação formal da propriedade coletiva mas inclui a retirada das pessoas não indígenas que se encontrem nesse território 134 Embora seja certo que a fim de analisar o prazo razoável em termos gerais a Corte deve considerar a duração global de um processo147 em certas situações particulares pode ser pertinente uma avaliação específica de suas diferentes etapas148 No presente caso o Tribunal deve discernir não só se o processo administrativo teve uma demora excessiva mas também o processo de desintrusão dos territórios do povo Xucuru Por conseguinte a seguir a Corte passa a analisar os atos relevantes do processo administrativo e de desintrusão no período em que pode exercer sua competência contenciosa isto é de 10 de dezembro de 1998 até a data de emissão desta Sentença 135 A jurisprudência deste Tribunal considerou quatro elementos para determinar se se cumpriu ou não a garantia do prazo razoável a saber a a complexidade do assunto b a atividade processual do interessado c a conduta das autoridades judiciais e d o dano provocado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo Do mesmo modo o Tribunal julgou em outras oportunidades que compete ao Estado justificar com fundamento nesses critérios a razão pela qual necessitou do tempo transcorrido para considerar o caso149 136 Nesse sentido a Corte considera que conforme sua jurisprudência150 a garantia de prazo razoável deve ser interpretada e aplicada com a finalidade de garantir as regras do devido processo legal consagrado no artigo 8o da Convenção Americana em processos de natureza administrativa ainda mais quando por intermédio deles se pretende proteger garantir e promover os direitos sobre os territórios indígenas mediante os quais se possam levar a cabo os processos de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de sua propriedade territorial151 i Complexidade do assunto 145 Cf Caso do Tribunal Constitucional Vs Peru Competência Sentença de 31 de janeiro de 2001 Série C No 71 par 90 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 240 146 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nigarágua Mérito par 150 a 153 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname par 153 147 Cf Caso Suárez Rosero Vs Equador Mérito Sentença de 12 de novembro de 1997 Série C No 35 par 71 e Caso Tenorio Roca e outros Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de junho de 2016 Série C No 314 par 239 148 Cf Caso das Comunidades Afrodescendentes Deslocadas da Bacia do Rio Cacarica Operação Gênesis Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de novembro de 2013 Série C No 270 par 403 e Caso Tenorio Roca e outros Vs Peru par 239 149 Cf Caso Anzualdo Castro Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de setembro de 2009 Série C No 202 par 156 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 218 150 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua par 138 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 151 Cf Caso Godínez Cruz Vs Honduras Exceções Preliminares Sentença de 26 de junho de 1987 Série C No 3 par 92 Nesse mesmo sentido ver Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de março de 2006 Série C No 146 par 97 e 98 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 227 e 251 36 137 Na jurisprudência deste Tribunal vários critérios foram levados em conta para determinar a complexidade de um assunto Dentre eles destacamse i a complexidade da prova152 ii a pluralidade de sujeitos processuais153 ou o número de vítimas154 iii as características dos recursos constantes da legislação interna155 e iv o contexto em que ocorreram os fatos156 138 De maneira mais específica em casos de povos indígenas com circunstâncias análogas esta Corte considerou que a determinação de seus direitos não implica aspectos ou debates jurídicos que possam justificar um atraso de vários anos em razão da complexidade do assunto157 Com efeito no presente caso o Tribunal constata que a existência e o alcance dos direitos do povo Xucuru sobre seus territórios não era objeto de controvérsia no momento em que o Estado reconheceu a competência contenciosa da Corte O território havia sido demarcado e se encontravam pendentes unicamente a titulação e a desintrusão A Corte constata que a homologação presidencial do território Xucuru ocorreu em 30 de abril de 2001 dois anos e quatro meses depois do reconhecimento da competência contenciosa Não obstante isso apenas em 18 de novembro de 2005 que ocorre a titulação definitiva do referido território par 79 supra O Estado não demonstrou quais seriam os fatores de complexidade que explicariam o atraso na conclusão do processo de titulação de dezembro de 1998 a novembro de 2005 Além disso no entender da Corte a ação de suscitação de dúvidas interposta pelo oficial do registro imobiliário da cidade de Pesqueira não era complexa porque se circunscrevia a um debate jurídico já estabelecido e resolvido pela Constituição Brasileira e demais normas jurídicas emitidas para regulamentar o processo de reconhecimento titulação demarcação e registro de territórios indígenas 139 Por outro lado o Tribunal observa que a desintrusão dos territórios indígenas em determinadas circunstâncias pode implicar um trabalho complexo atendendo a fatores como a dimensão do território suas características geográficas o número de terceiros instalados no território a sanear e o perfil ou características das pessoas ou grupos de pessoas a ser desalojadas entre outros 140 No caso em exame a Corte não dispõe de prova suficiente para estabelecer com exatidão quantas pessoas e propriedades ainda se encontravam ocupadas por terceiros não indígenas em 10 de dezembro de 1998 O acervo probatório no presente caso permite estabelecer que em 1992 70 dos territórios tradicionais Xucuru se encontravam ocupados por terceiros em 624 propriedades ou ocupações Do mesmo modo de acordo com a prova oferecida pelas partes em 2016 esse percentual se teria reduzido a 05 especificamente seis proprietários não indígenas que ainda ocupam sete propriedades que se estendem por 16043 hectares do território indígena Xucuru Por outro lado a Corte 152 Cf Caso Genie Lacayo Vs Nicarágua Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de janeiro de 1997 Série C No 30 par 78 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 153 Cf Caso Acosta Calderón Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de junho de 2005 Série C No 129 par 106 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 154 Cf Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 156 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 Do mesmo modo ver Caso Baldeón García Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 6 de abril de 2006 Série C No 147 par 152 Caso Vargas Areco Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 155 par 103 e Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2015 Série C No 308 par 179 155 Cf Caso Salvador Chiriboga Vs Equador Exceção Preliminar e Mérito Sentença de 6 de maio de 2008 Série C No 179 par 83 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 156 Cf Caso Genie Lacayo Vs Nicarágua Mérito Sentença de 29 de janeiro de 1997 Série C No 30 par 78 e 79 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 220 157 Cf Caso dos Povos Indígenas Kuna de Madungandí e Emberá de Bayano e seus membros Vs Panamá par 181 37 constatou que 45 indenizações ainda não foram pagas a terceiros não indígenas que já saíram do território par 80 supra 141 No que se refere exclusivamente ao processo de desintrusão a Corte considera que se tratava de um procedimento complexo e custoso em razão do grande número de proprietários não indígenas Sem prejuízo do exposto observa que o processo de cadastro de ocupantes não indígenas demorou 18 anos de 1989 a 2007 par 80 supra ou seja nove anos dentro da competência do Tribunal Além disso verificouse que o procedimento de pagamento de indenizações por benfeitorias de boafé começou em 2001 e o último pagamento foi efetuado em 2013 concluindo a indenização de 523 ocupantes não indígenas Segundo o depoimento da testemunha José Sergio de Souza durante a audiência pública e informação prestada pelo Estado o pagamento de indenizações foi interrompido por vários anos em diversas oportunidades por razões orçamentárias bem como por problemas na documentação dos beneficiários e ainda não foi concluído O Estado não demonstrou de maneira precisa qual era o percentual do território Xucuru que permanecia pendente de desintrusão em 10 de dezembro de 1998 nem explicou qual é hoje a complexidade concreta que explica a demora na desintrusão do território Xucuru ou nela interfere Sem prejuízo de que permaneçam somente seis ocupantes não indígenas no território Xucuru no momento da emissão da presente Sentença a Corte observa que em que pese o grande número de ocupantes não indígenas presentes nesse território no início do processo de reconhecimento e titulação em 1989 a complexidade e os custos do processo de desintrusão não justificam a demora de praticamente 28 anos sendo 19 anos dentro da competência da Corte para concluílo ii A atividade processual dos interessados 142 Em relação a esse segundo elemento compete à Corte avaliar se os interessados realizaram intervenções que lhes eram razoavelmente exigíveis nas diferentes etapas processuais158 143 No presente caso a Corte considera que foi demonstrado que cabia ao Estado por intermédio da FUNAI iniciar e impulsionar o processo administrativo de demarcação e titulação além da desintrusão Nesse sentido o Tribunal considera que não se exigia do povo Xucuru que interviesse no processo administrativo e não existe informação nem prova disponível que permita ao Tribunal inferir que a demora no processo seja imputável em alguma medida aos integrantes do Povo Indígena Xucuru iii A conduta das autoridades estatais 144 Quanto à conduta das autoridades estatais a Corte entendeu que como regentes do processo têm o dever de guiar e conduzir o procedimento judicial ou administrativo a fim de não sacrificar a justiça e o devido processo em prol da formalidade159 145 No que diz respeito a esse elemento a Corte constata diversos momentos em que se percebe ausência de impulso processual por parte das autoridades estatais Do expediente entregue o Tribunal observa que não houve avanços significativos no processo administrativo de 10 de dezembro de 1998 a 2001 quando ocorre a homologação presidencial das terras demarcadas 158 Cf Caso Fornerón e filha Vs Argentina Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de abril de 2012 Série C No 242 par 69 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 158 159 Cf Caso Myrna Mack Chang Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2003 Série C No 101 par 211 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 158 38 146 A Corte observa que embora a homologação presidencial do território demarcado tenha ocorrido em 30 de abril de 2001 a solicitação da FUNAI de registro da propriedade foi impugnada pelo oficial do registro de imóveis de Pesqueira em agosto de 2002 Isso influenciou de maneira direta para que os territórios não fossem titulados até 18 de novembro de 2005 O Tribunal observa que a demora de quatro anos para a resolução dessa ação aconteceu apesar de sua falta de complexidade160 Nesse sentido o atraso adicional na titulação das terras é diretamente imputável à atividade processual do Estado e das autoridades que fizeram tramitar a ação 147 De outra parte no que se refere à desintrusão o Tribunal considera que a conclusão é a mesma Da prova disponível se infere que a demora nesse processo ocorreu por dificuldades orçamentárias ou de organização do Estado Em atenção a isso as indenizações a terceiros de boafé e sua retirada do território tardou mais de 20 anos 14 deles dentro da competência contenciosa da Corte par 77 a 80 supra e esses trâmites ainda não foram concluídos iv O dano provocado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo 148 Em relação a esse elemento a Corte sustentou que para determinar a razoabilidade do prazo devese levar em conta o dano provocado pela duração do procedimento na situação jurídica da pessoa nele envolvida considerando entre outros elementos a matéria objeto de controvérsia Nesse sentido este Tribunal estabeleceu que caso o tempo influa de maneira relevante na situação jurídica do indivíduo será necessário que o procedimento avance com maior diligência a fim de que o caso se resolva em tempo breve161 O Tribunal considera que a demora em si mesma poderia implicar um dano autônomo ao direito à propriedade coletiva motivo pelo qual será examinada em detalhe à luz do artigo 21 da Convenção Americana par 150 a 162 infra 149 Portanto o Tribunal considera que com base nas considerações expostas nesta seção há suficientes elementos para concluir que o atraso do processo administrativo foi excessivo em especial a homologação e a titulação do território Xucuru Do mesmo modo o tempo transcorrido para que o Estado realizasse a desintrusão dos territórios titulados é injustificável Nesse sentido a Corte considera que o Estado violou o direito à garantia judicial de prazo razoável reconhecido no artigo 81 da Convenção em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento B4 O alegado agravo à propriedade coletiva 150 Com efeito não é objeto de controvérsia no presente caso a existência do direito do povo Xucuru sobre seus territórios tradicionais Tanto a norma constitucional como o próprio Estado principalmente por intermédio da FUNAI realizaram grandes esforços ao longo do anos por proteger e garantir o direito à propriedade coletiva de povos indígenas no Brasil162 Não obstante isso o Tribunal identifica três pontos nos quais existe controvérsia 160 Sentença de ação de suscitação de dúvida de 22 de junho de 2005 Anexos ao Relatório de Mérito da Comissão expediente de prova folhas 2729 161 Cf Caso Valle Jaramillo e outros Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 par 155 e Caso Yarce e outras Vs Colômbia Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de novembro de 2016 Série C No 325 par 288 162 Cf Decreto nº 1775 de 8 de janeiro de 1996 expediente de prova folha 1396 PortariaFUNAI nº 14 de 9 de janeiro de 1996 expediente de prova folha 1400 Manifestação da 6ª Sala de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal na ação No 126000000791200367 expediente de prova folha 1404 Informação Técnica No 155 2016 CGAFDPTFUNAI expediente de prova folha 1435 Cópia do expediente No 0002697 28199240583000 9ª Vara Federal de Pernambuco Milton Barros Didier e Maria Edite Didier expediente de 39 entre as partes e que poderiam constituir um agravo ao direito à propriedade coletiva Por um lado a alegada falta de cumprimento das obrigações positivas para garantir o direito de propriedade por outro lado a falta de segurança jurídica sobre o uso e gozo pacífico dos territórios tradicionais do povo Xucuru decorrente da falta da desintrusão Também se discute a efetividade dos processos iniciados em âmbito interno para esse efeito Nesse sentido o Tribunal deve constatar esses aspectos e determinar se isso implica uma violação do direito da propriedade coletiva desse povo nos termos do artigo 21 da Convenção 151 Nesse sentido o Tribunal considera que do acervo probatório disponível se infere que o Estado envidou diversos esforços por materializar os direitos do povo Xucuru sobre seus territórios tradicionais163 A partir de 10 de dezembro de 1998 permaneciam pendentes de implementação as duas etapas finais do processo de reconhecimento demarcação e titulação do território ou seja a homologação presidencial e o registro da terra indígena no Registro de Imóveis Nenhuma dessas etapas envolvia trabalhos de campo ou procedimentos complexos que superassem a decisão política de emissão do Decreto Presidencial e seu registro Conforme se expôs anteriormente o Tribunal não dispõe de informação sobre o processo administrativo de demarcação entre essa data e 30 de abril de 2001 momento em que o Presidente da República emitiu o Decreto Presidencial que homologou a demarcação do território indígena Xucuru par 81 supra 152 Posteriormente ao Decreto Presidencial a quinta etapa do processo administrativo foi suspensa em virtude de uma ação de suscitação de dúvidas interposta por um funcionário público do Registro de Imóveis de Pesqueira Portanto apenas em novembro de 2005 que finalmente se concluiu o processo administrativo de titulação com o registro definitivo do território indígena Xucuru par 79 supra 153 Paralelamente ao processo de demarcação titulação e registro tiveram lugar o procedimento de desintrusão do território e os pagamentos de indenizações por benfeitorias de boafé Nesse processo que teve início em 2001 foram indenizados 523 ocupantes não indígenas de um total de 624 ocupantes cadastrados par 80 supra164 Segundo a prova disponível em 2003 a FUNAI teria desembolsado mais de oito milhões de reais165 para atender a essa despesa166 No entanto até a data da emissão da presente Sentença a Corte tem informação de que 45 exocupantes não indígenas não receberam sua indenização e seis familias não indígenas ainda permanecem no território tradicional167 prova folha 1443 Informação Técnica No 122017CORTCGAFDPTFUNAI expediente de prova folha 42762 Memorando No 02PGFPFEFUNAI09 expediente de prova folha 4278 163 O processo administrativo referente ao território indígena Xucuru foi iniciado ex officio pela FUNAI em 1989 Durante a tramitação desse processo uma mudança normativa resultou na possibilidade de impugnações do processo por ocupantes não indígenas o que foi resolvido de maneira expedita pelo Ministério da Justiça no momento oportuno Do mesmo modo a demarcação física do território foi concluída em 1995 par 71 supra De modo que das cinco etapas previstas no Decreto No 177596 três já estavam concluídas quando do reconhecimento de competência da jurisdição da Corte por parte do Brasil em dezembro de 1998 Todas essas ações se encontram fora da competência contenciosa deste Tribunal par 31 e 32 supra 164 Informação Técnica N1552016CGAFDPTFUNAI de 6 de setembro de 2016 expediente de prova para melhor resolver folhas 40324038 165 Quadro Resumo Controle de Pagamento de Indenização de Ocupantes NãoÍndios de 27 de novembro de 2003 Anexo 2 ao Relatório de Mérito expediente de prova folha 23 166 Em audiência realizada em 21 de março de 2017 os Representantes do Estado afirmaram que o Brasil por intermédio da FUNAI havia desemboldado cerca de 20 milhões de reais em indenizações aos ocupantes não indigenas sem no entanto apresentar prova que apoie essa afirmação 167 A esse respeito o Estado apresentou os seguintes dados sobre as medidas de desintrusão do território Xucuru Segundo os registros da FUNAI anteriores à realização da diligência foram identificadas 634 ocupações de cidadãos não indígenas na Terra indígena Xucuru das quais até 2013 523 teriam sido integralmente indenizadas em favor de proprietários de boafé Entre as 101 ocupações não indenizadas verificouse que na realidade 19 pertenciam a indígenas do povo Xucuru o que implicava obviamente na inexistência de qualquer direito de receber a indenização As 82 ocupações restantes estavam com seus processos indenizatórios pendentes por diversos motivos entre os quais a ações judiciais pendentes inclusive para discutir o montante da indenização b a 40 154 Nesse sentido a Corte constata que a homologação e registro do território indígena Xucuru até o ano 2005 e a lenta e incompleta desintrusão desse território foram elementos fundamentais que permitiram a presença de ocupantes não indígenas e geraram em parte tensão e disputas entre indígenas e não indígenas par 87 a 91 supra A Relatora Especial TauliCorpuz salientou em sua peritagem que um dos impactos negativos decorrentes da falta da regularização de territórios indígenas é o padrão de tensão e violência que habitualmente surge nessas situações168 Essas circunstâncias segundo seu conhecimento se veem agravadas pelas demoras nos referidos processos 155 A esse respeito o Estado afirmou que a reocupação da maior parte do território pelo Povo Indígena Xucuru teve lugar entre 1992 e 2012169 No entanto o Estado não especificou em que períodos ou de que forma ocorreu a recuperação de cada parcela O Estado tampouco apresentou prova de qual foi o processo de retirada das 624 ocupações cadastradas ou de como foi esse processo Por conseguinte a Corte considera que as ações executadas pelo Estado não foram efetivas para garantir o livre gozo do direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru 156 No entender deste Tribunal embora seja certo que o povo Xucuru contou com o reconhecimento formal da propriedade coletiva de seus territórios desde novembro de 2005 não há hoje segurança jurídica sobre seus direitos à totalidade do território ou seja os integrantes do povo Xucuru não podem confiar em que todos os direitos vinculados a sua propriedade coletiva sejam respeitados e garantidos 157 A Corte observa que a ação de reintegração de posse No 0002697 2819924058300 número original 9200026974 interposta em março de 1992 par 74 supra e a ação ordinária No 00022465120024058300 número original 200283000022466 que solicitava a anulação do processo administrativo de demarcação do território indígena Xucuru com respeito a cinco imóveis par 85 supra tiveram um impacto direto no direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru Embora ambas as ações judiciais tenham sido apresentadas por terceiros não indígenas é indiscutível que ambos os processos devem ser analisados pela Corte pois tiveram um impacto direto na segurança jurídica da titularidade dos direitos sobre o território coletivo 158 A ação de reintegração de posse interposta em 1992 somente chegou a uma decisão definitiva em 2014 quando adquiriu força de coisa julgada par 83 supra isto é 22 anos depois de sua interposição e 16 anos depois do reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Brasil Essa ação tem impacto em 300 hectares do território Xucuru e pode ser executada a qualquer momento sem prejuízo da excepcionalíssima ação rescisória existência de dívidas sobre o imóvel superiores aos valores dos benfeitorias indenizáveis o que levava os proprietários a naturalmente perder o interesse na indenização c a ausência de documentação regular do imóvel para que se pudesse realizar o devido pagamento ou simplesmente d a impossibilidade de localizar os proprietários de boafé na ocupação ou em qualquer outro lugar Os seis ocupantes que permanecem na terra indígena são os seguintes 1 Luiz Alves de Almeida LVAs 494 e 495 duas ocupações na Vila de Cimbres e no Sítio Ramalho com superfícies de 006 ha e 1023 ha respectivamente 2 Maria das Montanhas Lima LVA 543 uma ocupação na região da Aldeia Sucupira Sítio Campina Nova com superfície de 678 ha 3 Bernadete Lourdes Maciel LVA 517 uma ocupação na Vila de Cimbres com superfície de 2362 ha 4 José Pedro do Nascimento herança LVA 587 uma ocupação na localidade Capim de Planta com superfície de 961 ha 5 José Paulino da Silva herança LVA 538 uma ocupação na localidade Pé de Serra do Oiti com superfície de 706 ha e 6 Murilo Tenorio de Freitas LVA 580 uma ocupação denominada Ipanema com superfície de 1100 ha expediente de mérito folhas 1058 e 1059 168 Declaração pericial prestada mediante affidavit pela senhora Victoria TauliCorpuz de 17 de março de 2017 expediente de mérito folha 713 O perito Marés de Souza Filho se manifestou no mesmo sentido expediente de mérito folha 652 169 Escrito de alegações finais escritas do Estado do Brasil expediente de mérito folha 1017 41 apresentada pela FUNAI em 2016 par 84 supra Por outro lado a segunda ação interposta em 2002 pretendia a anulação do processo administrativo e só chegou a uma resolução de mérito em 2012 sendo que ainda continuam pendentes recursos ante tribunais superiores par 85 e 86 supra 159 A respeito desses dois processos a Corte reconhece que o Estado não tem responsabilidade direta pelo fato de terem sido apresentados por terceiros não indígenas Além disso tem a obrigação de proporcionar um recurso adequado para a determinação de direitos inclusive de terceiros Não obstante isso a excessiva demora na tramitação e resolução dessas ações provocou um impacto adicional na frágil segurança jurídica do povo Xucuru em relação à propriedade de seu território ancestral 160 Isto posto conforme foi estabelecido supra a critério deste Tribunal no momento do reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal por parte do Brasil a determinação do direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru não supunha uma complexidade inerente O Estado tampouco demonstrou que esses processos representassem uma complexidade jurídica ou fática que pudesse justificar a falta de uma decisão definitiva até o dia de hoje 161 Por outro lado como foi estabelecido anteriormente o processo de demarcação e titulação e a resolução das ações judiciais interpostas por terceiros demoraram excessivamente não foram efetivos nem garantiram segurança jurídica ao povo Xucuru Além disso embora seja certo que o processo administrativo em suas diversas etapas se encontra estabelecido na legislação brasileira fica evidente que não surtiu os efeitos para os quais foi concebido isto é garantir que o povo Xucuru tenha confiança plena de exercer pacificamente seus direitos de uso e gozo de seus territórios tradicionais A juízo do Tribunal apesar de que somente seis ocupantes não indígenas permaneçam vivendo dentro do território indígena e de que 45 exocupantes não tenham recebido sua indenização enquanto o povo Xucuru não tenha segurança jurídica para exercer plenamente seu direito de propriedade coletiva as instâncias nacionais não terão sido completamente efetivas em garantir esse direito Esse fato não constitui uma constatação limitada no momento de emissão da presente Sentença mas também leva em consideração os quase 19 anos de 10 de dezembro de 1998 até esta data em que a inefetividade do processo implicou um agravo direto ao direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru Desse modo a Corte considera que a violação desse direito ocorre ao não ser ele garantido efetivamente e ao não se prover segurança jurídica 162 Portanto o Tribunal conclui que o processo administrativo de titulação demarcação e desintrusão do território indígena Xucuru foi parcialmente ineficaz Por outro lado a demora na resolução das ações interpostas por terceiros não indígenas afetou a segurança jurídica do direito de propriedade do Povo Indígena Xucuru Nesse sentido a Corte considera que o Estado violou o direito à proteção judicial e o direito à propriedade coletiva reconhecidos nos artigos 25 e 21 da Convenção em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento B5 Alegado descumprimento da obrigação de adotar disposições de direito interno 163 Esta Corte ordenou modificações legislativas quando no âmbito do litígio de um caso concreto foi provado que uma lei interna é violatória dos direitos previstos na Convenção170 Não obstante isso o Tribunal recusou solicitações dessa natureza171 quando as partes não 170 Caso Garibaldi Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de setembro de 2009 Série C No 203 par 173 e Caso Escher e outros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 6 de julho de 2009 Série C No 200 par 254 171 Caso Garibaldi Vs Brasil par 173 e Caso Escher e outros Vs Brasil par 254 42 argumentaram nem demonstraram a existência de uma norma concreta incompatível com a Convenção e que tenha sido aplicada às vítimas do caso específico Esse tipo de solicitação também foi recusado quando não foi demonstrada alguma omissão legislativa que implique um descumprimento do artigo 2o da Convenção172 164 Os representantes argumentaram em seu escrito de alegações finais de maneira extemporânea par 55 a 58 supra que as normas internas padecem de vícios como a falta de prazos para a conclusão das etapas do processo de demarcação reconhecimento e titulação à exceção dos 30 dias para o registro do título de propriedade no Registro de Imóveis quinta etapa Segundo se alega o exposto provoca falta de segurança jurídica e no presente caso colaborou com o atraso do processo administrativo e a situação de tensão e violência verificada 165 Se a Comissão ou os representantes consideravam que havia uma suposta incompatibilidade da legislação brasileira com a Convenção essa incompatibilidade devia ter sido provada durante as diferentes etapas do processo perante esta Corte A Comissão não argumentou de forma precisa quais eram as normas ou a omissão se fosse o caso incompatíveis com a Convenção Por sua vez a alegação dos representantes além de ser extemporânea se refere à norma infraconstitucional que regulamenta o processo de titulação e demarcação mas não especificaram qual a norma que consideravam incompatível com a Convenção nem salientaram em que sentido essa norma devia ser modificada para que cumpra o disposto no artigo 2o da Convenção A esse respeito esta Corte ressaltou que a competência contenciosa da Corte não tem por objeto a revisão das legislações nacionais de maneira abstrata mas é exercida para resolver casos concretos em que se alegue que uma ação ou omissão do Estado executada contra pessoas determinadas é contrária à Convenção173 Do exposto a Corte considera que nem a Comissão nem os representantes apresentaram argumentos suficientes que lhe possibilitem declarar o descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno estabelecido no artigo 2o da Convenção Americana 166 Com base nas considerações acima esta Corte considera que não dispõe de elementos para determinar que norma poderia estar em conflito com a Convenção e muito menos como essa eventual norma impactou de maneira negativa o processo de titulação reconhecimento e desintrusão do território Xucuru Por conseguinte a Corte conclui que o Estado não é responsável pelo descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno estabelecido no artigo 2o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 21 do mesmo instrumento 172 Caso Garibaldi Vs Brasil par 173 Caso Escher e outros Vs Brasil par 254 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 211 173 Cf Responsabilidade Internacional pela Expedição e Aplicação de Leis Violatórias da Convenção artigos 1º e 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC1494 de 9 de dezembro de 1994 Série A No 14 par 48 Caso Genie Lacayo Vs Nicarágua Exceções Preliminares Sentença de 27 de janeiro de 1995 Série C No 21 par 50 Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de junho de 2009 Série C No 197 par 130 Caso Manuel Cepeda Vargas Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2010 Série C No 213 par 51 e Caso García Lucero e outras Vs Chile Exceção Preliminar Mérito e Reparações Sentença de 28 de agosto de 2013 Série C No 267 par 157 43 VIII2 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL174 A Alegações das partes e da Comissão 167 Com respeito ao artigo 51 da Convenção Americana a Comissão observou que a falta de reconhecimento oportuno e a falta de proteção eficaz além da desocupação do território ocupado historicamente pelo Povo Indígena Xucuru tiveram como consequência uma situação de insegurança e violência pela qual considerou em virtude do princípio iura novit curia que se violou o direito à integridade psíquica e moral dos membros do povo Xucuru contrariando o disposto no artigo 51 da Convenção Americana A Comissão não apresentou argumentos adicionais para realizar essa determinação 168 Os representantes afirmaram que as falhas estatais relativas à falta de reconhecimento rápido das terras Xucuru à falta de proteção eficaz dos povos indígenas e à remoção efetiva de pessoas não indígenas provocou um clima de insegurança tensão e violência que causou danos à saúde e à integridade pessoal dos membros do povo Xucuru e ao povo Xucuru como um todo Segundo os representantes a violação do artigo 5o decorre da natureza dos danos sofridos pelo povo Xucuru assassinatos hostilidade e outras tensões e violências além de processos recorrentes de criminalização As demais alegações dos representantes foram considerados extemporâneas par 55 a 58 supra 169 O Estado afirmou que do Relatório de Mérito não se deduz com clareza qual é o fato ação ou omissão do Estado que teria implicado a suposta violação do direito à integridade pessoal Salientou que prima facie não há correlação direta e automática entre uma suposta violação do direito de propriedade de uma pessoa ou grupo de pessoas e a violação de seu direito à integridade pessoal Não obstante isso afirmou que a Comissão não se encarregou de sua obrigação de argumentar e provar que houve uma violação autônoma do direito à integridade pessoal pois se limitou a afirmar a existência dessa violação o que limita de forma importante a defesa do Estado nesse ponto Além disso a Comissão tampouco identificou qual seria o dano físico ou psíquico resultante da alegada violação do direito à propriedade 170 Em relação à suposta estratégia de criminalização dos líderes indígenas o Estado destacou que a própria Comissão ao definir o objeto do presente caso não considerou tal argumento por não haver conexão nem tampouco estabeleceu de que maneira os recursos internos se haviam esgotado Nesse sentido o Estado sustentou que a Comissão não dispunha de informação suficiente sobre os supostos fatos as denúncias às autoridades estatais e os respectivos processos de investigação e ação penal razão pela qual não lhe foi possível realizar determinações autônomas de admissibilidade e mérito por esses fatos Esses fatos específicos não foram portanto submetidos à análise do Tribunal por meio do escrito de apresentação do caso nem sequer a título de contexto B Considerações da Corte 174 Artigo 5o Direito à integridade pessoal 1 Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física psíquica e moral 2 Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano 3 A pena não pode passar da pessoa do delinquente 4 Os processados devem ficar separados dos condenados salvo em circunstâncias excepcionais e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas 5 Os menores quando puderem ser processados devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado com a maior rapidez possível para seu tratamento 6 As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados 44 171 Esta Corte salientou que a violação do direito à integridade física e psíquica das pessoas reveste diversas conotações de grau e abrange desde a tortura até outro tipo de constrangimento ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes cujas sequelas físicas e psíquicas variam de intensidade segundo fatores endógenos e exógenos da pessoa duração dos tratamentos idade sexo saúde contexto e vulnerabilidade entre outros que serão analisados em cada situação concreta175 ou seja as características pessoais de uma suposta vítima de tortura ou tramentos cruéis desumanos ou degradantes devem ser levadas em conta no momento de determinar se a integridade pessoal foi violada já que essas características podem mudar a percepção da realidade do indivíduo e por conseguinte aumentar o sofrimento e o sentido de humillação quando são submetidas a certos tratamentos176 Nesse sentido a Corte ressalta que o sofrimento é uma experiência própria de cada indivíduo e nessa medida dependerá de uma multiplicidade de fatores que tornam cada pessoa um ser único177 172 Como parte da obrigação de garantia o Estado está no dever jurídico de prevenir razoavelmente as violações dos direitos humanos e de investigar seriamente com os meios a seu alcance as violações que se tenham cometido no âmbito de sua jurisdição a fim de identificar os responsáveis e a eles impor as sanções pertinentes e de assegurar à vítima uma adequada reparação178 173 A esse respeito essa obrigação de garantia se projeta além da relação entre os agentes estatais e as pessoas submetidas a sua jurisdição abrangendo também o dever de prevenir na esfera privada que terceiros violem os bens jurídicos protegidos179 Isso não significa que um Estado seria responsável por qualquer violação de direitos humanos cometida entre particulares dentro de sua jurisdição pois seus deveres de adotar medidas de prevenção e proteção dos particulares em suas relações entre si se encontram condicionados ao conhecimento de uma situação de risco real e imediato para um indivíduo ou grupo de indivíduos determinado ou a que o Estado devesse conhecer essa situação de risco real e imediato180 e às possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco 174 Esta Corte também salientou que além das obrigações gerais de respeitar e garantir os direitos do artigo 11 da Convenção decorrem deveres especiais determináveis em função das necessidades especiais de proteção do sujeito de direito seja por sua condição pessoal seja pela situação específica em que se encontre181 Nesse sentido a Corte recorda que em determinados contextos os Estados têm a obrigação de adotar todas as medidas necessárias e razoáveis para garantir o direito à vida à liberdade pessoal e à integridade pessoal das pessoas que se encontrem em uma situação de especial vulnerabilidade especialmente em consequência de seu trabalho desde que o Estado tenha conhecimento de um risco real e imediato relacionado a elas e que existam possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco182 A Corte pondera que as considerações acima se aplicam à 175 Caso Loayza Tamayo Vs Peru Mérito par 57 e 58 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 250 176 Caso Ximenes Lopes Vs Brasil par 127 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 250 177 Caso IV Vs Bolívia par 267 178 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 174 e Caso IV Vs Bolívia par 207 179 Caso do Massacre de Mapiripán Vs Colômbia par 111 e Caso Comunidade Garífuna de Triunfo de la Cruz e seus membros Vs Honduras par 209 180 Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de janeiro de 2006 Série C No 140 par123 e Caso Velásquez Paiz e outros Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de novembro de 2015 Série C No 307 par 109 181 Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs Colômbia par 111 e Caso IV Vs Bolívia par 206 182 Caso Luna López Vs Honduras Mérito Reparações e Custas Sentença de 10 de outubro de 2013 Série C No 269 par 123 e Caso Yarce e outras Vs Colômbia par 192 45 situação dos líderes indígenas e dos membros de povos indígenas que atuem em defesa de seus territórios e de direitos humanos 175 A Corte reitera que a defesa dos direitos humanos só pode ser livremente exercida quando as pessoas que o fazem não sejam vítimas de ameaças ou de qualquer tipo de agressão física psíquica ou moral ou de outros atos de hostilidade183 Para esses efeitos é dever do Estado não só criar as condições legais e formais mas também garantir as condições fáticas nas quais os defensores de direitos humanos possam desenvolver livremente sua função184 Por sua vez os Estados devem facilitar os meios necessários para que as pessoas defensoras de direitos humanos ou que exerçam uma função pública na qual se encontrem ameaçadas ou em situação de risco ou que denunciem violações de direitos humanos possam desempenhar livremente suas atividades proteger essas pessoas quando sejam objeto de ameaças para evitar atentados a sua vida e integridade criar as condições para a erradicação de violações por parte de agentes estatais ou de particulares absterse de impor obstáculos que dificultem a realização de seu trabalho e investigar séria e eficazmente as violações cometidas contra elas combatendo a impunidade185 Definitivamente a obrigação do Estado de garantir os direitos à vida e à integridade pessoal das pessoas se vê fortalecida quando se trata de um defensor ou defensora de direitos humanos 176 No presente caso a controvérsia proposta se refere à obrigação do Estado de garantir o direito à integridade pessoal do Povo Indígena Xucuru e seus membros Sem prejuízo do exposto a Corte observa que em seu Relatório de Mérito a Comissão alegou a violação do artigo 5o da Convenção sem especificar a que fato essa violação se refere e quem seriam as vítimas Para a Comissão a demora no processo de titulação demarcação e desintrusão somada à falta de proteção estatal do território provocou insegurança e violência o que violaria o direito à integridade psíquica e moral dos membros do povo Xucuru Essa conclusão foi formulada com base no princípio de iura novit curia uma vez que os representantes não haviam apresentado essa alegação durante a tramitação do caso na Comissão 177 Por outro lado apesar de a Comissão não ter salientado os fatos concretos que redundariam na violação do direito à integridade pessoal do povo Xucuru a Corte constata que o marco fático apresentado no Relatório de Mérito se refere a três mortes de líderes 183 Caso Fleury e outros Vs Haiti Mérito e Reparações Sentença de 23 de novembro de 2011 Série C No 236 par 81 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 140 Ver também CIDH Relatório sobre a Situação das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos nas Américas OEASerLVII Doc 66 31 dezembro 2011 par 46 184 Caso García e Familiares Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 novembro de 2012 Série C No 258 par 182 e Caso Defensor de Direitos Humanos e outros Vs Guatemala par 142 185 Caso Nogueira de Carvalho e outro Vs Brasil Exceções Preliminares e Mérito Sentença de 28 de novembro de 2006 Série C No 161 par 77 Caso Defensor de Direitos Humanos e outros Vs Guatemala par 142 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 140 Ver também Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária das Nações Unidas Parecer No 392012 Bielorrússia UN Doc AHRCWGAD201239 23 de novembro de 2012 par 45 disponível em httpundocsorgAHRCWGAD201239 No mesmo sentido ver ONU Declaração sobre o direito e o dever dos indivíduos dos grupos e das instituições de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos ARES53144 8 de março de 1999 artigo 122 O Estado garantirá a proteção pelas autoridades competentes de toda pessoa individual ou coletivamente frente a toda violência ameaça represália discriminação negativa de fato ou de direito pressão ou qualquer outra ação arbitrária que resulte do exercício legítimo dos direitos mencionados na presente Declaração e Resoluções 181801 de 17 de maio de 2001 e 184202 de 4 de junho de 2002 da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos Defensoras e defensores de direitos humanos Apoio às tarefas realizadas pelas pessoas grupos e organizações da sociedade civil para a promoção e proteção dos direitos humanos nas Américas mediante as quais resolveu Instar os Estados membros a que intensifiquem os esforços no sentido de adotar as medidas necessárias para garantir a vida a integridade pessoal e a liberdade de expressão dos mesmos de acordo com sua legislação nacional e em conformidade com os princípios e as normas reconhecidos internacionalmente 46 indígenas Xucuru ocorridas em setembro de 1992 José Everaldo Rodrigues Bispo e maio de 1998 Cacique Xicão e de um funcionário da FUNAI em maio de 1995 Geraldo Rolim ou seja anteriormente ao reconhecimento da competência contenciosa da Corte Além disso a Comissão afirmou não dispor de informação detalhada sobre essas mortes e se referiu a um escrito da AdvocaciaGeral da União do Brasil no qual se estabelecem os autores material e intelectual do assassinato do Cacique Xicão Finalmente a Comissão se referiu às medidas cautelares concedidas em 29 de outubro de 2002 a favor do Cacique Marquinhos e de sua mãe Zenilda Maria de Araujo em razão de ameaças recebidas entre 1999 e 2002 As medidas cautelares continuam vigentes até esta data186 178 A Corte considera em primeiro lugar que a Comissão não cumpriu a obrigação de provar sua alegação levando em conta que não apresentou a argumentação jurídica e fática necessária e não indicou os fatos concretos que configurariam a alegada violação nem os responsáveis por ela Isso é especialmente relevante no presente caso atendendo a que a alegada violação do direito à integridade pessoal teria ocorrido em detrimento das pessoas que fazem parte do Povo Indígena Xucuru ou seja de milhares de pessoas 179 Além disso as alegações dos representantes apresentadas durante a audiência pública e em seu escrito de alegações finais complementaram a alegação da Comissão Concretamente apresentaram alegações mais precisas e especificaram determinados aspectos da falta de proteção estatal que teria resultado na impunidade do homicídio do Cacique Xicão em maio de 1998 e na falta de proteção dos líderes do povo indígena 180 No tocante ao anteriormente exposto é importante recordar que essa alegação foi apresentada pela primeira vez durante a audiência pública e foi posteriormente detalhada no escrito de alegações finais A Corte recorda que as alegações apresentadas nessa etapa e a prova reunida juntamente com as alegações finais escritas são extemporâneas par 57 e 58 supra e por conseguinte a Corte não poderia examinálas pois afetaria o direito de defesa do Estado que não teria podido se defender adequadamente de acusações concretas apresentadas pela primeira vez durante a audiência pública 181 Consequentemente a Corte considera que embora seja possível constatar a existência de um contexto de tensão e violência durante determinados períodos do processo de titulação demarcação e desintrusão do território indígena Xucuru par 76 87 88 89 90 e 91 supra a argumentação da Comissão não oferece base suficiente para estabelecer a responsabilidade internacional do Estado do mesmo modo a extemporaneidade das alegações dos representantes redunda em que não se disponha de evidência suficiente que mostre um dano irreparável à integridade psíquica e moral do Povo Indígena Xucuru e seus membros Por conseguinte não é possível concluir que o Estado tenha violado o direito à integridade pessoal estabelecido no artigo 51 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento IX REPARAÇÕES Aplicação do artigo 631 da Convenção Americana 182 Com base no disposto no artigo 631 da Convenção Americana187 a Corte salientou que toda violação de uma obrigação internacional que tenha provocado dano implica o dever 186 Relatório de Mérito No 4415 par 61 expediente de mérito folha 23 187 O artigo 631 da Convenção Americana dispõe que quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados Determinará também se isso for procedente que sejam reparadas as consequências da 47 de reparálo adequadamente188 e que essa disposição compreende uma norma consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito Internacional contemporâneo sobre responsabilidade de um Estado189 183 A reparação do dano ocasionado pela infração de uma obrigação internacional requer sempre que seja possível a plena restituição restitutio in integrum que consiste no restabelecimiento da situação anterior Caso isso não seja viável como ocorre na maioria dos casos de violações de direitos humanos o Tribunal determinará medidas para garantir os direitos violados e reparar as consequências que as infrações tenham causado190 184 Este Tribunal estabeleceu que as reparações devem ter um nexo causal com os fatos do caso as violações declaradas os danos comprovados e as medidas solicitadas para reparar os danos respectivos Portanto a Corte deverá observar essa concomitância para pronunciarse devidamente e conforme o direito191 185 Considerando as violações declaradas no capítulo anterior o Tribunal passará a analisar as pretensões apresentadas pelos representantes das vítimas bem como os argumentos do Estado à luz dos critérios fixados em sua jurisprudência em relação à natureza e alcance da obrigação de reparar192 186 Os representantes em seu escrito de alegações finais solicitaram à Corte que ordene na sentença medidas de reparação em favor do Povo Indígena Xucuru e seus membros193 No entanto não se apresentou o escrito de petições argumentos e provas na oportunidade processual estabelecida no artigo 40 do Regulamento da Corte194 Em virtude disso não medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada 188 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas Sentença de 21 de julho de 1989 Série C No 7 par 25 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 209 189 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 209 190 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 26 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 210 191 Caso Ticona Estrada e outros Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 Série C No 191 par 110 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 210 192 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 a 27 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 211 193 Os representantes solicitaram as seguintes medidas de reparação em favor do povo Xucuru e seus membros i conclusão do processo demarcatório da Terra indígena Xucuru com a desintrusão total da área retirando os ocupantes não indígenas em prazo não superior a um ano garantindo sua proteção contra novos invasores ii publicação da sentença nos meios de comunicação TV e jornais além de transmissão por rádio no estado de Pernambuco e em âmbito nacional iii realização de um ato público de reconhecimento de responsabilidade estatal pelos fatos iv garantia da continuidade das medidas de proteção em favor de Zenilda e Marcos fortalecendo o Programa Nacional de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos v criação de um fundo de desenvolvimento comunitário para o povo Xucuru vi garantia dos direitos territoriais indígenas evitando retrocessos no regime jurídico interno vii garantia do acesso dos povos indígenas à justiça assegurando sua participação efetiva e reconhecimento de personalidade jurídica em todos os processos que a eles digam respeito viii adequação do Estatuto do Índio Lei 600173 com base na Constituição Federal de 1988 e na legislação internacional mediante um processo de consulta livre prévio e fundamentado ix promoção da consulta livre prévia e fundamentada nos termos da jurisprudência interamericana com o apoio da Convenção 169 da OIT sempre que se apresente uma iniciativa que afete os direitos dos povos indígenas em suas terras x exercício do controle de convencionalidade em qualquer decisão judicial que afete negativamente a integridade e a segurança jurídica da terra indígena Xucuru bem como anulação de qualquer título de propriedade que a ele se oponha xi pagamento das custas e gastos dos peticionários de acordo com a jurisprudência interamericana 194 Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos Artigo 40 Escrito de solicitações argumentos e provas 1 Notificada a apresentação do caso à suposta vítima ou aos seus representantes estes disporão de um prazo improrrogável de dois meses contado a partir do recebimento desse escrito e de seus anexos para apresentar autonomamente à Corte seu escrito de petições argumentos e provas 2 O escrito de petições argumentos e provas deverá conter a a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação do caso pela Comissão b as provas oferecidas devidamente ordenadas com indicação dos fatos e argumentos 48 será possível levar em consideração as solicitações de reparação que apresentaram em suas alegações finais escritas mas somente examinar as recomendações formuladas pela Comissão no Relatório de Mérito No 4415 A Parte lesada 187 Este Tribunal reitera que se consideram partes lesadas nos termos do artigo 631 da Convenção aquelas que foram declaradas vítimas da violação de algum direito nela reconhecido195 Portanto esta Corte considera como parte lesada o Povo Indígena Xucuru B Restituição 188 A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado adotar com a brevidade possível as medidas necessárias para tornar efetivo o direito de propriedade coletiva e a posse do Povo Indígena Xucuru e seus membros com respeito a seu território ancestral Em especial o Estado deverá adotar as medidas legislativas administrativas ou de outra natureza necessárias para conseguir sua desintrusão efetiva compatível com seu direito consuetudinário valores usos e costumes Também deverá garantir aos membros da comunidade que possam continuar vivendo seu modo de vida tradicional conforme sua identidade cultural estrutura social sistema econômico costumes crenças e tradições distintivas 189 Em segundo lugar recomendou a adoção com a brevidade possível das medidas necessárias para encerrar as ações judiciais interpostas por pessoas não indígenas a respeito de parte do território do povo Xucuru Para a Comissão o Estado deve assegurar que suas autoridades judiciais resolvam as respectivas ações em conformidade com as normas sobre direitos dos povos indígenas 190 O Estado declarou que a recomendação da Comissão se baseia em uma realidade fática superada absolutamente diferente daquela que se observa nos dias de hoje Com efeito para o Estado os funcionários da FUNAI informaram claramente que não há situação de conflito na Tierra Indígena Xucuru 191 Para o Estado os seis cidadãos que ainda vivem no território Xucuru estão em situação absolutamente pacificada sem resistência ou objeção do povo Xucuru e só aguardam o recebimento das indenizações a que têm direito para que deixem definitivamente a terra indígena Por todo o exposto o Estado entende que a recomendação da Comissão embora pudesse ter algum sentido no tempo dos fatos considerados em seu Relatório de Mérito já não se adequa à realidade fática e por isso deve ser considerada inadequada 192 No que concerne à segunda recomendação o Estado sustentou que não tem relação alguma com a atualidade que vive o Povo Indígena Xucuru Acrescentou que a ação judicial apresentada pelo senhor Milton Barros Didier e Maria Edite Didier já foi concluída pelas instâncias competentes do Poder Judiciário e esclareceu que sobre ela recaem os efeitos da coisa julgada de maneira que já não se pode modificar a situação atual Nas palavras do Estado a recomendação da Comissão quanto a essa ação judicial perdeu completamente sobre os quais versam c a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração No caso dos peritos deverão ademais remeter seu currículo e seus dados de contato d as pretensões incluídas as que concernem a reparações e custas 195 Caso do Massacre de la Rochela Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 11 de maio de 2007 Série C No 163 par 233 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 287 49 seu objeto Por fim o Estado informou que se encontra em curso uma negociação com o senhor e a senhora Didier para o pagamento de uma indenização por benfeitorias de boafé 193 A Corte determinou na presente Sentença que o processo de titulação e demarcação do território indígena Xucuru foi concluído no ano de 2005 com o registro dessa propriedade no Registro de Imóveis da municipalidade de Pesqueira par 79 supra Além disso não há controvérsia entre as partes quanto a que seis famílias permanecem ocupando 160 hectares do território indígena Xucuru e a que a sentença de reintegração de posse de 300 hectares em benefício do senhor Milton Didier e Maria Didier pode ser executada a qualquer momento Nesse sentido embora se reconheça o atual número limitado de ocupantes não indígenas no território Xucuru a Corte dispõe que o Estado deve garantir de maneira imediata e efetiva o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre a totalidade de seu território de modo que não sofram nenhuma invasão interferência ou dano por parte de terceiros ou agentes do Estado que possam depreciar a existência o valor o uso e o gozo de seu território196 194 Em especial cabe ao Estado realizar a desintrusão do território indígena Xucuru que permanece na posse de terceiros não indígenas e efetuar os pagamentos pendentes de indenizações por benfeitorias de boafé Essa obrigação de desintrusão compete ao Estado de ofício e com extrema diligência Nesse sentido o Estado deve remover qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão Em especial mediante a garantia do domínio pleno e efetivo do povo Xucuru sobre seu território em prazo não superior a 18 meses a partir da notificação da presente Sentença 195 Com respeito à sentença de reintegração de posse favorável a Milton do Rego Barros Didier e Maria Edite Barros Didier caso a negociação em curso informada pelo Estado para que recebam uma indenização por benfeitorias de boafé197 não prospere conforme a jurisprudência da Corte o Estado deverá avaliar a possibilidade de sua compra ou a expropiação dessas terras por razões de utilidade pública ou interesse social198 196 Caso por motivos objetivos e fundamentados199 não seja definitivamente material e legalmente possível a reintegração total ou parcial desse território específico o Estado deverá de maneira excepcional oferecer ao Povo Indígena Xucuru terras alternativas da mesma qualidade física ou melhor as quais deverão ser contíguas a seu território titulado livres de qualquer vício material ou formal e devidamente tituladas em seu favor O Estado deverá entregar as terras escolhidas mediante consenso com o Povo Indígena Xucuru conforme suas próprias formas de consulta e decisão valores usos e costumes200 Uma vez acordado o exposto essa medida deverá ser efetivamente executada no prazo de um ano contado a partir da notificação de vontade do Povo Indígena Xucuru O Estado se encarregará das despesas decorrentes do referido processo bem como dos respectivos gastos por perda ou dano que possam sofrer em consequência da concessão dessas terras alternativas201 196 Cf Caso da Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni Vs Nicarágua Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2001 Série C No 79 par 1532 e Caso Povos Kaliña e Lokono Vs Suriname Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2015 Série C No 309 par 282 197 Escrito de alegações finais expediente de mérito folha 1018 198 Cf Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 217 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 324 d 199 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 217 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 325 200 Caso Comunidade Indígena Yakye Axa Vs Paraguai par 217 e Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 325 201 Caso Comunidade Garífuna de Punta Piedra e seus membros Vs Honduras par 325 Ver também Artigo 165 da Convenção 169 da OIT 50 C Medidas de satisfação publicação da Sentença 197 A jurisprudência internacional e em especial desta Corte estabeleceu reiteradamente que a sentença constitui por si mesma uma forma de reparação202 Além disso o Tribunal determinará medidas que busquem reparar o dano imaterial e que não tenham natureza pecuniária além de medidas de alcance ou repercussão pública203 198 Os representantes o Estado e a Comissão não se referiram a essa medida de reparação 199 Não obstante isso a Corte considera pertinente ordenar como fez em outros casos204 que o Estado no prazo de seis meses contados a partir da notificação da presente Sentença publique a o resumo oficial da presente Sentença elaborado pela Corte no Diário Oficial em corpo de letra legível e adequado e b o texto integral da presente Sentença disponível por um período de pelo menos um ano em uma página eletrônica oficial do Estado 200 O Estado deverá informar de forma imediata a esta Corte tão logo efetive cada uma das publicações dispostas independentemente do prazo de um ano para apresentar seu primeiro relatório a que se refere o ponto resolutivo 12 da Sentença D Outras Medidas 201 A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado tomar as medidas necessárias para evitar que no futuro ocorram fatos similares e adotar em especial um recurso simples rápido e efetivo que tutele o direito dos povos indígenas do Brasil de reinvidicar seus territórios ancestrais e exercer pacificamente sua propriedade coletiva 202 O Estado sustentou que o ordenamento jurídico brasileiro e sua jurisprudência reconhecem os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras ancestrais e estabelecem claramente mecanismos processuais aptos para permitir que as comunidades indígenas possam reivindicar em juízo a ocupação das terras tradicionalmente ocupadas inclusive na ausência de processos administrativos em relação a suas terras 203 Nesse sentido o Estado considerou que dispõe de normas processuais absolutamente efetivas para permitir aos povos indígenas a salvaguarda judicial de seus direitos Por outro lado também afirmou a existência de procedimentos bastante claros e definidos para a iniciativa do poder público de conduzir administrativamente o processo de demarcação e delimitação de terras indígenas amparadas em estudos técnicos e com participação dos povos indígenas Esses procedimentos estão definidos em leis e atos normativos que detalham os requisitos e fases que devem ser observados para a demarcação e titulação de terras indígenas sem descuidar da proteção dos direitos de terceiros de boafé 204 Nesse mesmo sentido o Estado afirmou que não lhe falta regulamentar em leis ou atos normativos de qualquer natureza os processos judiciais e administrativos que possam levar ao exercício pleno dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras Além disso 202 Caso Neira Alegría e outros Vs Peru Reparações e Custas Sentença de 19 de setembro de 1996 Série C No 29 par 56 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 297 203 Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2001 Série C No 77 par 84 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 297 204 Caso Cantoral Benavides Vs Peru Reparações e Custas Sentença de 3 de dezembro de 2001 Série C No 88 par 79 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 300 51 considerou que a recomendação da Comissão era inadequada porque implicaria a realização de um julgamento sobre a convencionalidade ou não do direito nacional brasileiro 205 A Corte considera que não se demonstrou a necessidade de adoção de um recurso simples rápido e efetivo que tutele o direito dos povos indígenas no Brasil levando em conta que tanto a Constituição como leis infraconstitucionais e sua interpretação por parte dos tribunais superiores confere proteção a esses direitos nem tampouco ficou provado o descumprimento do dever de adotar disposições de direito interno relacionado ao processo de reconhecimento titulação e desintrusão do território Xucuru E Indenização compensatória coletiva 206 Em relação ao dano material e imaterial a Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado a reparação no âmbito individual e coletivo das consequências da violação dos direitos enunciados Em especial os danos provocados aos membros do Povo Indígena Xucuru pela demora no reconhecimento demarcação e titulação de seu território ancestral bem como pela falta da respectiva desintrusão oportuna 207 O Estado afirmou que a recomendação relacionada à tomada de medidas para ressarcir a inadequada reparação de danos é improcedente porquanto não houve esgotamento dos recursos internos alegação e comprovação de danos materiais ou morais perante o poder judiciário interno nem sequer sua comprovação à Comissão Desse modo não haveria fundamento para emitir uma condenação internacional do Estado à reparação de danos O contrário seria uma violação do caráter complementar do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Salientou ademais que a imputação de sanção indenizatória não deve ser a prima ratio entre as medidas de reparação apropriadas sob pena de se incorrer em monetização do sistema de petições individuais 208 A Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano material e as hipóteses em que cabe indenizálo Este Tribunal estabeleceu que o dano material supõe a perda ou redução das receitas das vítimas os gastos efetuados em virtude dos fatos e as consequências de caráter pecuniário que guardem nexo causal com os fatos do caso205 209 Quanto ao dano imaterial a Corte estabeleceu que este pode comprender tanto os sofrimentos e as aflições causados à vítima direta e a seus familiares o desrespeito de valores muito significativos para as pessoas e qualquer alteração de caráter não pecuniário nas condições de existência da vítima ou sua família206 A Corte salientou que dado que não é possível atribuir ao dano imaterial um equivalente monetário preciso só pode ser objeto de compensação para os fins da reparação integral à vítima mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro ou a entrega de bens ou a prestação de serviços apreciáveis em dinheiro que o Tribunal determine em aplicação razoável do arbítrio judicial e de maneira justa207 210 A Corte observa que as partes não especificaram suas solicitações a respeito do dano material ou imaterial de modo que a Corte unicamente se refere ao dano imaterial provocado pelas violações de direitos humanos declaradas na presente Sentença e à 205 Cf Caso Bámaca Velásquez Vs Guatemala Reparações e Custas Sentença de 22 de fevereiro de 2002 Série C No 91 par 43 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 233 206 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2001 Série C No 77 par 84a e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 236 207 Cf Caso Yatama Vs Nicarágua Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de junho de 2005 Série C No 127 par 243 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 352 52 respectiva responsabilidade internacional do Estado em detrimento do Povo Indígena Xucuru 211 Em consideração às violações de direitos humanos determinadas na presente Sentença o Tribunal ordena a criação de um fundo de desenvolvimento comunitário como compensação pelo dano imaterial imposto aos membros do Povo Indígena Nesse sentido a Corte esclarece que esse fundo é complementar a qualquer outro benefício presente ou futuro que caiba a esse povo indígena em relação aos deveres gerais de desenvolvimento do Estado 212 A Corte fixa de maneira justa o montante de US100000000 um milhão de dólares dos Estados Unidos da América para a constituição do referido fundo O destino desse fundo deverá ser acordado com os membros do Povo Indígena Xucuru quanto a qualquer medida que considerem pertinente para o benefício do território indígena e seus integrantes A constituição do fundo em questão caberá ao Estado em consulta com os integrantes do povo Xucuru num período não superior a 18 meses a partir da notificação da presente Sentença F Custas e gastos 213 Em suas alegações finais escritas os representantes solicitaram à Corte o pagamento das custas e gastos dos peticionários de acordo com a jurisprudência interamericana sem especificar os montantes ou apresentar prova de sustento 214 A Corte reitera que conforme sua jurisprudência208 as custas e gastos fazem parte do conceito de reparação uma vez que a atividade desempenhada pelas vítimas com a finalidade de obter justiça em âmbito tanto nacional como internacional implica despesas que devem ser compensadas quando a responsabilidade internacional do Estado é declarada mediante uma sentença condenatória Quanto ao reembolso das custas e gastos cabe ao Tribunal apreciar prudentemente seu alcance que compreende os gastos gerados ante as autoridades da jurisdição interna bem como os gerados no curso do processo perante o Sistema Interamericano levando em conta as circunstâncias do caso concreto e a natureza da jurisdição internacional de proteção dos direitos humanos Essa apreciação pode ser realizada com base no princípio de equidade e levando em conta os gastos mencionados pelas partes desde que seu quantum seja razoável209 215 Conforme salientou em outras ocasiões a Corte lembra que não é suficiente o envio de documentos probatórios mas que se exige que as partes desenvolvam uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado e que ao se tratar de alegados desembolsos econômicos se estabeleçam com clareza os objetos de despesa e sua justificação210 216 No presente caso a Corte nota que os representantes não apresentaram seu escrito de solicitações argumentos e prova Do mesmo modo em seu escrito de alegações finais os representantes se limitaram a uma solicitação genérica sem apresentar prova ou documentos probatórios Levando isso em conta a Corte ante a falta da devida comprovação não ordenará o pagamento de gastos Por outro lado em virtude de o litígio 208 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 42 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 241 209 Caso Garrido e Baigorria Vs Argentina Reparações e Custas Sentença de 27 de agosto de 1998 Série C No 39 par 82 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 241 210 Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 21 de novembro de 2007 Série C No 170 par 277 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 357 53 internacional ter se estendido por vários anos esta Corte julga procedente conceder uma soma razoável de US1000000 dez mil dólares dos Estados Unidos da América aos representantes no presente caso a título de custas G Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 217 A quantia atribuída na presente Sentença a título de reembolso de custas será paga aos representantes de forma integral conforme o disposto nesta Sentença sem reduções decorrentes de eventuais ônus fiscais 218 Caso o Estado incorra em mora sobre o Fundo de Desenvolvimento Comunitário pagará juros sobre a quantia devida já convertida em reais brasileiros correspondente aos juros bancários de mora na República Federativa do Brasil 219 O Estado deve cumprir suas obrigações monetárias mediante o pagamento em dólares dos Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda brasileira utilizando para o cálculo respectivo o tipo de câmbio que se encontre vigente na bolsa de Nova York Estados Unidos da América no dia anterior ao do pagamento X PONTOS RESOLUTIVOS 220 Portanto A CORTE DECIDE Por unanimidade 1 Julgar improcedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à inadmissibilidade do caso na Corte em virtude da publicação do Relatório de Mérito pela Comissão à incompetência ratione materiae a respeito da suposta violação da Convenção 169 da OIT e à falta de esgotamento prévio dos recursos internos nos termos dos parágrafos 24 25 35 36 44 45 46 47 e 48 da presente Sentença 2 Declarar parcialmente procedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à incompetência ratione temporis a respeito de fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado nos termos dos parágrafos 31 e 32 da presente Sentença DECLARA Por unanimidade que 3 O Estado é responsável pela violação do direito à garantia judicial de prazo razoável previsto no artigo 81 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 130 a 149 da presente Sentença Por unanimidade que 54 4 O Estado é responsável pela violação do direito à proteção judicial bem como do direito à propriedade coletiva previsto nos artigos 25 e 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 150 a 162 da presente Sentença Por unanimidade que 5 O Estado não é responsável pela violação do dever de adotar disposições de direito interno previsto no artigo 2o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 21 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 163 a 166 da presente Sentença Por unanimidade que 6 O Estado não é responsável pela violação do direito à integridade pessoal previsto no artigo 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento do Povo Indígena Xucuru nos termos dos parágrafos 171 a 181 da presente Sentença E DISPÕE Por unanimidade que 7 Esta Sentença constitui por si mesma uma forma de reparação 8 O Estado deve garantir de maneira imediata e efetiva o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre seu território de modo que não sofram nenhuma invasão interferência ou dano por parte de terceiros ou agentes do Estado que possam depreciar a existência o valor o uso ou o gozo de seu território nos termos do parágrafo 193 da presente Sentença 9 O Estado deve concluir o processo de desintrusão do território indígena Xucuru com extrema diligência efetuar os pagamentos das indenizações por benfeitorias de boafé pendentes e remover qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão de modo a garantir o domínio pleno e efetivo do povo Xucuru sobre seu território em prazo não superior a 18 meses nos termos dos parágrafos 194 a 196 da presente Sentença 10 O Estado deve proceder às publicações indicadas no parágrafo 199 da Sentença nos termos nela dispostos 11 O Estado deve pagar as quantias fixadas nos parágrafos 212 e 216 da presente Sentença a título de custas e indenizações por dano imaterial nos termos dos parágrafos 217 a 219 da presente Sentença 12 O Estado deve no prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para seu cumprimento 13 A Corte supervisionará o cumprimento integral desta Sentença no exercício de suas atribuições e no cumprimento de seus deveres conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dará por concluído o presente caso uma vez tenha o Estado dado cabal cumprimento ao nela disposto 55 Corte IDH Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de fevereiro da Corte Interamericana de Direitos Humanos Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi Humberto A Sierra Porto Elizabeth Odio Benito Eugenio Raúl Zaffaroni L Patricio Pazmiño Freire Pablo Saavedra Alessandri Secretário Comuniquese e executese Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Pablo Saavedra Alessandri Secretário