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Direito ·
Direitos Humanos
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Prova Online Direitos Humanos
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Faculdade Cesmac do Agreste Disciplina Direitos Humanos Professora Carla Priscilla Cordeiro Nome do aluno Turma e período Reposição das avaliações Instruções 1 Colocar na mensagem do email reavaliaçãoreposição da primeira ou segunda ou terceira nota 2 O trabalho deve ser enviado para o email dhcesmacagrestegmailcom até o dia 17122022 3 O trabalho deve ser enviado digitado Deve seguir as regras da ABNT ter capa e contracapa Trabalho 1 Para compor sua primeira nota leia o livro A era dos direitos escrita por Noberto Bobbio enviada junto com este trabalho Em seguida a Faça um resumo do livro em formato de paráfrase Obs cuidado com o plágio cópia literal do trabalho Você deve ler a obra e a resumir COM SUAS PALAVRAS Quantidade mínima de páginas do resumo 8 Trabalho 2 Para compor sua segunda nota leia o livro A invenção dos direitos humanos uma história escrita por Lynn Hunt enviada junto com este trabalho Em seguida a Faça um resumo do livro em formato de paráfrase Obs cuidado com o plágio cópia literal do trabalho Você deve ler a obra e a resumir COM SUAS PALAVRAS Quantidade mínima de páginas do resumo 12 sem quantidade mínima ou máxima Trabalho 3 Analise as assertivas a seguir marcando V para as assertivas Verdadeiras e F para as Falsas Justifique as falsas com tratados convenções e declarações internacionais 1 A Superioridade Normativa é uma das características dos Direitos Humanos 2 Os Direitos Humanos Consistem em um conjunto de direitos considerados indispensáveis para a vida humana pautados na liberdade igualdade e dignidade 3 Há um rol predeterminado e fixo desse conjunto mínimo de Direitos Humanos direitos essenciais à vida digna 4 A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal por meio da inscrição desses direitos protegido nas Constituições e Tratados 5 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 6 A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser material sendo considerado parte integrante dos direitos humanos aquele que mesmo não expresso é indispensável para a promoção da dignidade humana 7 Do ponto de vista subjetivo a realização dos direitos humanos pode ser da incumbência do Estado ou de um particular 8 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 9 A Reciprocidade é uma das características dos Direitos Humanos 10 Não existem conflitos entre direitos humanos uma vez que eles se complementam em relação aos seus limites preferências e prevalências 11 Há automatismo no mundo dos direitos humanos pois basta anunciar um direito para que o dever de proteção incida mecanicamente 12 Uma das consequências de uma sociedade pautada na defesa dos direitos humanos é o desconhecimento do direito a ter direitos 13 O cerne dos direitos humanos é a luta contra a opressão e a busca do bemestar do indivíduo 14 Os primeiros direitos humanos foram reconhecidos na préhistória do direito 15 O Pacto Internacional sobre Direitos econômicos Sociais e Culturais PIDESC não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 16 A Disponibilidade é uma das características dos Direitos Humanos 17 A nossa Constituição utiliza apenas a expressão direitos fundamentais para se referir aos direitos humanos incorporados ao nosso ordenamento jurídico 18 A teoria do status de Jellinek adota como base teórica o jusnaturalismo 19 A teoria do status de Jellinek é pautada 1 pelo reconhecimento do caráter positivo dos direitos 2 pela afirmação de verticalidade defendendo que os direitos são concretizados na relação desigual entre indivíduo e Estado 20 A teoria das gerações dos direitos humanos foi lançada por Karl Marx 21 Na teoria das gerações dos direitos humanos a segunda dimensão engloba os direitos de liberdade que são os direitos a prestações negativas 22 A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 23 A Essencialidade é uma das características dos Direitos Humanos 24 Os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade como o direito ao desenvolvimento o direito à paz o direito a autodeterminação e em especial o direito ao meio ambiente equilibrado 25 O STF utiliza adota a teoria das gerações de direitos 26 A Convenção sobre a imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 27 A Universalidade é uma das características dos Direitos Humanos 28 A classificação dos direitos humanos como direitos de defesa consiste no reconhecimento de um conjunto de prerrogativas do indivíduo voltado a defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público 29 Os direitos a prestações jurídicas acarretam discussão sobre a criação de medidas específicas para o combate à inércia do Estado em legislar 30 Os direitos a procedimentos e organizações são aqueles em que se exige uma postura negativa do Estado 31 Os direitos sociais consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou sociedade ou até mesmo a abstenção de agir para assegurar condições materiais e socioculturais mínimas de sobrevivência 32 Os direitos sociais são frutos das revoluções burguesas em diversos países latinoamericanos 33 O conteúdo dos direitos sociais é essencialmente prestacional 34Direitos difusos são aqueles direitos transindividuais de natureza indivisível 35 A característica fundamental dos direitos difusos é a indeterminabilidade dos titulares 36 Os direitos humanos se caracterizam pela existência da proibição do retrocesso 37 A justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais consiste na exigência judicial nacional ou internacional de tais direitos pelos Estados 38 A interpretação pro homine exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo 39 O critério da máxima efetividade exige que a interpretação de determinado direto conduza ao maior proveito de seu titular com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão 40 Os direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma precisa e fechada a exemplo da intimidade devido processo legal ampla defesa que devem ser interpretados de uma única forma 41 São ramos do Direito Internacional Público o Direito Internacional dos Direitos Humanos o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados 42 A Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1947 foi elaborada pela extinta Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas 43 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos entrou em vigor em 1976 Ele tem por finalidade tornar juridicamente relevantes aos Estados vários direitos já contidos na Declaração Universal de 1948 detalhandoos e criando mecanismos de monitoramento internacional de sua implementação pelos Estados Partes 44 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 45 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê o direito de todos de dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais à autodeterminação bem como o dever de todos os demais Estados de respeitarem esse direito 46 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC é considerado um marco por ter assegurado destaque aos direitos econômicos sociais e culturais vencendo a resistência de vários Estados e mesmo da doutrina que viam os direitos sociais em sentido amplo como meras recomendações ou exortações 47 A primeira parte do PIDESC consagra o direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam direito de acordo com o direito internacional 48 A terceira parte do PIDESC consagra a liberdade de associação pacífica 49 O PIDESC prevê em sua sexta parte o direito de contrair casamento e constituir família 50 Em sua segunda parte o PIDESC prevê o direito de participação política L Y N N H U N T A invenção dos direitos humanos Uma história Tradução Rosaura Eichenberg COMPANHIA DAS LETRAS Copyright 2007 by Lynn Hunt Publicado originalmente nos Estados Unidos por W W Norton Company Inc Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil cm 2009 Título original Invcnting human rights A history Capa Mariana Newlands Foto de capa Gianni Dagli Orti Corbis LatinStock Índice remissivo Luciano Marchiori Preparação Lucas Murtinho Revisão Ana Maria Barbosa Huendel Viana Dados Internacionais de Catalogação na Publicação cip Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Hunt Lynn A invenção dos direitos humanos unia história Lynn Hunt tradução Rosaura Eichenberg São Paulo Companhia das Letras 2009 Título original Invcnting human rights a history ISBN 9788535914597 I Direitos humanos na literatura 2 Direitos humanos História 3 Tortura História I Titulo 0903980 ÍDO32309 índice para catálogo sistemático 1 Direitos humanos Ciência política História 2009 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ LTDA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 37073500 Faxll37073501 wwwcompanhiadasletrascombr Para Lee e Jane Irmãs Amigas Inspiradoras Sumário Agradecimentos 9 IntroduçãoConsideramos estas verdades autoevidentes 13 1 TORRENTES DE EMOÇÕES 35 Lendo romances e imaginando a igualdade 2 OSSOS DOS SEUS OSSOS 7 Abolindo a tortura 3 ELES DERAM UM GRANDE EXEMPLO 113 Declarando os direitos 4 ISSO NÃO TERMINARÁ NUNCA 146 As consequências das declarações 5 A FORÇA MALEÁVEL DA HUMANIDADE 177 Porque os direitos humanos fracassaram a princípio mas tiveram sucesso no longo prazo Apêndice Três declarações 177617891948 217 Notas 237 Créditos das imagens 271 índice remissivo 273 Agradecimentos Enquanto escrevia este livro beneficieime de incontáveis sugestões oferecidas por amigos colegas e participantes de vários seminários e conferências N e n h u m a expressão de gratidão de minha parte poderia pagar as dívidas que tive a felicidade de con Irair e só espero que alguns dos credores reconheçam as suas con tribuições em certas passagens ou notas O ato de proferir as Con ferências Patten na Universidade de Indiana as Conferências Merle Curti na Universidade de Wisconsin e as Conferências James W Richards na Universidade de Virginia propiciou oportunidades inestimáveis para testar as minhas noções preliminares Alguns insights excelentes também vieram do público em Camino Col lege Carleton College Centro de Investigación y Docencia Econó micas Cidade do México Universidade de Fordham Instituto de Pesquisa Histórica Universidade de Londres Lewis Clark Col lege Pomona College Universidade de Stanford Universidade Texas AM Universidade de Paris Universidade de Ulster Cole raine Universidade de Washington Seattle e na minha institui ção a Universidade da Califórnia Los Angeles UCLA O financia mento para a maior parte da minha pesquisa proveio da Cátedra Eugen Weber de História Moderna Europeia na UCLA e a pesquisa foi muito facilitada pela riqueza verdadeiramente excepcional das bibliotecas da UCLA A maioria das pessoas pensa que o ensino fica abaixo da pes quisa na lista de prioridades dos professores universitários mas a ideia para este livro surgiu originalmente de u m a coletânea de documentos que editei e traduzi com o objetivo de ensinar estu dantes dos cursos de graduação The French Revolution and Human Rights A Brief Documentary History Boston Nova York Bedford St Martins Press 1996 Uma bolsa da National Endow ment for the Humanities me ajudou a completar aquele projeto Antes de escrever este livro publiquei um breve esboço The Para doxical Origins of Human Rights in Jeffrey N Wasserstrom Lynn H u n t e Marilyn B Young eds Human Rights and Revolutions Lanham MD Rowman Littlefield 2000 pp 317 Alguns dos argumentos no capítulo 2 foram primeiro desenvolvidos de um modo diferente em Le Corps au XVIIIE siècle les origines des droits de lhomme Diogène 203 julhosetembro de 2003 pp 4967 Da ideia até a execução final a estrada pelo menos no meu caso é longa e às vezes árdua mas se torna transitável com a ajuda daqueles que me são próximos e queridos Joyce Appleby e Suzanne Desan leram os primeiros rascunhos dos meus três pri meiros capítulos e deram sugestões maravilhosas para aperfeiçoá los A minha editora na W W Norton Amy Cherry forneceu o ti po de atenção minuciosa à redação e ao argumento com que a maioria dos autores só consegue sonhar Sem Margaret Jacob eu não teria escrito este livro Ela me estimulou com o seu próprio entusiasmo pela pesquisa e redação com a sua valentia em se aven turar em domínios novos e controversos e não menos importante com a sua capacidade de deixar tudo de lado para preparar um jan tar refinado Ela sabe o quanto lhe devo Meu pai morreu enquanto 10 eu escrevia este livro mas ainda posso escutar as suas palavras de encorajamento e apoio Dedico este livro às minhas irmãs Lee e Jane em reconhecimento ainda que inadequado por tudo o que temos partilhado ao longo de muitos anos Elas me ensinaram as minhas primeiras lições sobre os direitos a resolução de conflitos e o amor Introdução Consideramos estas verdades autoevidentes Às vezes grandes textos surgem da reescrita sob pressão No seu primeiro rascunho da Declaração da Independência prepa rado em meados de junho de 1776 Thomas Jefferson escreveu Consideramos que estas verdades são sagradas e inegáveis que todos os homens são criados iguais independantes sic que dessa criação igual derivam direitos inerentes 8c inalienáveis entre os quais estão a preservação da vida a liberdade a busca da feli cidade Em grande parte graças às suas próprias revisões a frase de Jefferson logo se livrou dos soluços para falar em tons mais cla ros mais vibrantes Consideramos estas verdades autoevidentes que todos os homens são criados iguais dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis que entre estes estão a Vida a Liber dade e a busca da Felicidade Com essa única frase Jefferson trans formou um típico documento do século xvin sobre injustiças polí ticas n u m a proclamação duradoura dos direitos humanos 1 Treze anos mais tarde Jefferson estava em Paris quando os franceses começaram a pensar em redigir uma declaração de seus direitos Em janeiro de 1789vários meses antes da queda da Bas 13 tilha o marquês de Lafayette amigo de Jefferson e veterano da Guerra da Independência americana delineou uma declaração francesa muito provavelmente com a ajuda de Jefferson Quando a Bastilha caiu em 14 de julho e a Revolução Francesa começou para valer a necessidade de u m a declaração oficial ganhou impulso Apesar dos melhores esforços de Lafayette o documento não foi forjado por uma única mão como Jefferson fizera para o Congresso americano Em 20 de agosto a nova Assembleia Nacio nal começou a discussão de 24 artigos rascunhados por um comitê desajeitado de quarenta deputados Depois de seis dias de debate tumultuado e infindáveis emendas os deputados franceses só tinham aprovado dezessete artigos Exaustos pela disputa prolon gada e precisando tratar de outras questões prementes os deputa dos votaram em 27 de agosto de 1789 por suspender a discussão do rascunho e adotar provisoriamente os artigos já aprovados como a sua Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão O documento tão freneticamente ajambrado era espantoso na sua impetuosidade e simplicidade Sem mencionar nem uma única vez rei nobreza ou igreja declarava que os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem são a fundação de todo e qual quer governo Atribuía a soberania à nação e não ao rei e declara va que todos são iguais perante a lei abrindo posições para o talento e o mérito e eliminando implicitamente todo o privilégio baseado no nascimento Mais extraordinária que qualquer garan tia particular entretanto era a universalidade das afirmações fei tas As referências a homens homem todo homem todos os homens todos os cidadãos cada cidadão sociedade e toda sociedade eclipsavam a única referência ao povo francês Como resultado a publicação da declaração galvanizou ime diatamente a opinião pública mundial sobre o tema dos direitos tanto contra como a favor N u m sermão proferido em Londres em 4 de novembro de 1789 Richard Price amigo de Benjamin Fran 14 klin e crítico frequente do governo inglês tornouse lírico a res peito dos novos direitos do homem Vivi para ver os direitos dos homens mais bem compreendidos do que nunca e nações ansiando por liberdade que pareciam ter perdido a ideia do que isso fosse Indignado com o entusiasmo ingênuo de Price pelas abstrações metafísicas dos franceses o famoso ensaísta Edmund Burke membro do Parlamento britânico rabiscou uma resposta furiosa O seu panfleto Reflexões sobre a revolução em França 1790 foi logo reconhecido como o texto fundador do conserva dorismo Não somos os convertidos por Rousseau trovejou Burke Sabemos que não fizemos nenhuma descoberta e pensa mos que nenhuma descoberta deve ser feita no tocante à morali dade Não fomos estripados e amarrados para que pudésse mos ser preenchidos como pássaros empalhados n u m museu com farelos trapos e pedaços miseráveis de papel borrado sobre os direitos do homem Price e Burke haviam concordado sobre a Revolução Americana os dois a apoiaram Mas a Revolução Fran cesa aumentou bastante o valor da aposta e as linhas de batalha logo se formaram era a aurora de u m a nova era de liberdade baseada na razão ou o início de uma queda implacável r u m o à anarquia e à violência 2 Por quase dois séculos apesar da controvérsia provocada pela Revolução Francesa a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão encarnou a promessa de direitos humanos universais Em 1948 quando as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos o artigo I a dizia Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Em 1789 o artigo l 2 da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão já havia proclamado Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Embora as modificações na linguagem fossem significa tivas o eco entre os dois documentos é inequívoco As origens dos documentos não nos dizem necessariamente 15 nada de significativo sobre as suas consequências Importa real mente que o esboço tosco de Jefferson tenha passado por 86 alte rações feitas por ele mesmo pelo Comitê dos Cinco ou pelo Con gresso Jefferson e Adams claramente pensavam que sim pois ainda estavam discutindo sobre quem contribuiu com o quê na década de 1820 a última de suas longas e memoráveis vidas Entre tanto a Declaração da Independência não tinha natureza consti tucional Declarava simplesmente intenções e passaramse quin ze anos antes que os estados finalmente ratificassem uma Bill of Rights muito diferente em 1791 A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão afirmava salvaguardar as liberdades indivi duais mas não impediu o surgimento de um governo francês que reprimiu os direitos conhecido como o Terror e futuras consti tuições francesas houve muitas delas formularam declara ções diferentes ou passaram sem nenhuma declaração Ainda mais perturbador é que aqueles que com tanta con fiança declaravam no final do século xvin que os direitos são uni versais vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclu sivo em mente Não ficamos surpresos por eles considerarem que as crianças os insanos os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena participação no processo político pois pensamos da mesma maneira Mas eles t a m b é m excluíam aqueles sem propriedade os escravos os negros livres em alguns casos as minorias religiosas e sempre e por toda parte as mulhe res Em anos recentes essas limitações a todos os homens provo caram muitos comentários e alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham um verdadeiro significado de emancipa O Committee of Five formado por T h o m a s Jefferson John Adams Benjamin Franklin Robert Livingston e Roger S h e r m a n foi designado pelo C o n g r e s s o americano em 11 de j u n h o de 1776 para esboçar a Declaração da Independência americana NT 16 ção Os fundadores os que estruturaram e os que redigiram as decla rações têm sido julgados elitistas racistas e misóginos por sua inca pacidade de considerar todos verdadeiramente iguais em direitos Não devemos esquecer as restrições impostas aos direitos pelos homens do século xvin mas parar por aí dando palmadi nhas nas costas pelo nosso próprio avanço comparativo é não compreender o principal Como é que esses homens vivendo em sociedades construídas sobre a escravidão a subordinação e a sub serviência aparentemente natural chegaram a imaginar homens nada parecidos com eles e em alguns casos também mulheres como iguais Como é que a igualdade de direitos se tornou uma verdade autoevidente em lugares tão improváveis É espantoso que homens como Jefferson um senhor de escravos e Lafayette um aristocrata pudessem falar dessa forma dos direitos autoevi dentes e inalienáveis de todos os homens Se pudéssemos com preender como isso veio a acontecer compreenderíamos melhor o que os direitos humanos significam para nós hoje em dia O P A R A D O X O D A A U T O E V I D Ê N C I A Apesar de suas diferenças de linguagem as duas declarações do século xvm se baseavam numa afirmação de autoevidência Jef ferson deixou isso explícito quando escreveu Consideramos estas verdades autoevidentes A declaração francesa afirmava categoricamente que a ignorância a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental Pouca coisa tinha mudado a esse respeito em 1948 Verdade a Declaração das Nações Unidas assu mia um tom mais legalista Visto que o reconhecimento da digni dade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade da jus 17 tiça e da paz no mundo Mas isso também constituía uma afirma ção de autoevidência porque visto que significa literalmente sendo fato que Em outras palavras visto que é simplesmente um m o d o legalista de afirmar algo determinado autoevidente Essa afirmação de autoevidência crucial para os direitos humanos mesmo nos dias de hoje dá origem a um paradoxo se a igualdade dos direitos é tão autoevidente por que essa afirmação tinha de ser feita e por que só era feita em tempos e lugares específi cos Como podem os direitos humanos ser universais se não são universalmente reconhecidos Vamos nos contentar com a explica ção dada pelos redatores de 1948 de que concordamos sobre os direitos desde que ninguém nos pergunte por quê Os direitos podem ser autoevidentes quando estudiosos discutem há mais de dois séculos sobre o que Jefferson queria dizer com a sua expressão O debate continuará para sempre porque Jefferson nunca sentiu a necessidade de se explicar Ninguém do Comitê dos Cinco ou do Congresso quis revisar a sua afirmação mesmo modificando extensamente outras seções de sua versão preliminar Aparente mente concordavam com ele Mais ainda se Jefferson tivesse se explicado a autoevidência da afirmação teria se evaporado Uma afirmação que requer discussão não é evidente por si mesma 3 Acredito que a afirmação de autoevidência é crucial para a história dos direitos humanos e este livro busca explicar como ela veio a ser tão convincente no século XVIII Felizmente ela também propicia um ponto focal no que tende a ser u m a história muito difusa Os direitos humanos tornaramse tão ubíquos na atuali dade que parecem requerer u m a história igualmente vasta As ideias gregas sobre a pessoa individual as noções romanas de lei e direito as doutrinas cristãs da alma O risco é que a história dos direitos humanos se torne a história da civilização ocidental ou agora às vezes até a história do mundo inteiro A antiga Babilônia o hinduísmo o budismo e o islã também não deram as suas con 18 tribuições Como então explicamos a repentina cristalização das afirmações dos direitos humanos no final do século XVIII Os direitos humanos requerem três qualidades encadeadas devem ser naturais inerentes nos seres humanos iguais os mes mos para todo m u n d o e universais aplicáveis por toda parte Para que os direitos sejam direitos humanos todos os humanos em todas as regiões do m u n d o devem possuílos igualmente e apenas por causa de seu status como seres humanos Acabou sendo mais fácil aceitar a qualidade natural dos direitos do que a sua igualdade ou universalidade De muitas maneiras ainda estamos apren dendo a lidar com as implicações da demanda por igualdade e uni versalidade de direitos Com que idade alguém tem direito a uma plena participação política Os imigrantes nãocidadãos participam dos direitos ou não e de quais Entretanto nem o caráter natural a igualdade e a universali dade são suficientes Os direitos humanos só se tornam significa tivos quando ganham conteúdo político Não são os direitos de humanos n u m estado de natureza são os direitos de humanos em sociedade Não são apenas direitos h u m a n o s em oposição aos direitos divinos ou direitos humanos em oposição aos direitos animais são os direitos de humanos visàvis uns aos outros São portanto direitos garantidos no mundo político secular mesmo que sejam chamados sagrados e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detêm A igualdade a universalidade e o caráter natural dos direitos ganharam uma expressão política direta pela primeira vez na Declaração da Independência americana de 1776 e na Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão de 1789 Embora se referisse aos antigos direitos e liberdades estabelecidos pela lei inglesa e derivados da história inglesa a Bill ofRights inglesa de 1689 não declarava a igualdade a universalidade ou o caráter natural dos direitos Em contraste a Declaração da Independência insistia que 19 todos os homens são criados iguais e que todos possuemdireitos inalienáveis Da mesma forma a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão proclamava que Os homens nascem e per manecem livres e iguais em direitos Não os homens franceses não os homens brancos não os católicos mas os homens o que tanto naquela época como agora não significa apenas machos mas pes soas isto é membros da raça humana Em outras palavras em algum momento entre 1689 e 1776 direitos que tinham sido consi derados muito frequentemente como sendo de determinado povo o s ingleses nascidos livres por exemploforam transformados em direitos humanos direitos naturais universais o que os france ses chamavam les droits de Vhomme ou os direitos do homem 4 O S D I R E I T O S H U M A N O S E O S D I R E I T O S D O H O M E M Uma breve incursão na história dos termos ajudará a fixar o m o m e n t o do surgimento dos direitos humanos As pessoas do século xvni não usavam frequentemente a expressão direitos humanos e quando o faziam em geral queriam dizer algo dife rente do significado que hoje lhe atribuímos Antes de 1789 Jeffer son por exemplo falava com muita frequência de direitos natu rais Começou a usar o termo direitos do h o m e m somente depois de 1789 Quando empregava direitos humanos queria dizer algo mais passivo e menos político do que os direitos naturais ou os direitos do homem Em 1806 por exemplo usou o termo ao se referir aos males do tráfico de escravos Eu lhes felicito colegas cidadãos por estar próximo o período em que poderão interpor constitucionalmente a sua autoridade para afastar os cidadãos dos Estados Unidos de toda participação ulte rior naquelas violações dos direitos humanos que têm sido reitera 20 das por tanto tempo contra os habitantes inofensivos da África e que a moralidade a reputação e os melhores interesses do nosso país desejam há muito proscrever Ao sustentar que os africanos gozavam de direitos humanos Jefferson não tirava nenhuma ilação sobre os escravos negros no país Os direitos humanos pela definição de Jefferson não capaci tava os africanos muito menos os afroamericanos a agir em seu próprio nome 5 Durante o século xvni em inglês e em francês os termos direitos humanos direitos do gênero h u m a n o e direitos da humanidade se mostraram todos demasiado gerais para servir ao emprego político direto Referiamse antes ao que distinguia os humanos do divino n u m a ponta da escala e dos animais na ou tra do que a direitos politicamente relevantes como a liberdade de expressão ou o direito de participar na política Assim n u m dos empregos mais antigos 1734 de direitos da h u m a n i d a d e em francês o acerbo crítico literário Nicolas LengletDufresnoy ele próprio um padre católico satirizava aqueles monges inimitáveis do século vi que renunciavam tão inteiramente a todos os direitos da humanidade que pastavam como animais e andavam por toda parte completamente nus Da mesma forma em 1756 Voltaire podia proclamar com ironia que a Pérsia era a monarquia em que mais desfrutava dos direitos da humanidade porque os persas tinham os maiores recursos contra o tédio O termo direito humano apareceu em francês pela primeira vez em 1763 signifi cando algo semelhante a direito natural mas não pegou apesar de ser usado por Voltaire no seu amplamente influente Tratado sobre a tolerância Enquanto os ingleses continuaram a preferir direitos natu rais ou simplesmente direitos durante todo o século xvni os franceses inventaram u m a nova expressão na década de 1760 21 direitos do homem droits de lhomme Os direitos natu ralis ou a lei natural droit naturel tem ambos os significados em francês tinham histórias mais longas que recuavam centenas de anos no passado mas talvez como consequênciaos direitos naturalistinha um número exagerado de possíveis significados Às vezes significava simplesmente fazer sentido dentro da ordem tradicional Assim por exemplo o bispo Bossuet um portavoz a favor da monarquia absoluta de Luís xiv usou direito natural somente ao descrever a entrada de Jesus Cristo no céu ele entrou no céu pelo seu próprio direito natural 7 O termo direitos do homem começou a circular em francês depois de sua aparição em O contrato social 1762 de JeanJac ques Rousseau ainda que ele não desse ao termo nenhuma defini ção e ainda que ou talvez porque o usasse ao lado de direi tos da humanidadedireitos do cidadãoedireitos da soberania Qualquer que fosse a razão por volta de junho de 1763 direitos do h o m e m tinha se tornado um termo comum segundo uma revista clandestina Os atores da Comédie française representaram hoje pela primeira vez Manco uma peça sobre os incas no Peru de que falamos antes É uma das piores tragédias já construídas Há nela um papel para um selvagem que poderia ser muito belo ele recita cm verso tudo o que temos lido espalhado sobre reis liberdade e os direitos do homem em A desigualdade de condições em Emílio em O contrato social Embora a peça não empregue de fato a expressão precisa os direi tos do homem mas antes a relacionada direitos de nosso ser é claro que o termo havia entrado no uso intelectual e estava de fato diretamente associado com as obras de Rousseau Outros escrito res do Iluminismo como o barão DHolbach Raynal e Mercier adotaram a expressão nas décadas de 1770 e 1780 8 22 Antes de 1789 direitos do homem tinha poucas incursões no inglês Mas a Revolução Americana incitou o marquês de Con dorcet defensor do Iluminismo francês a dar o primeiro passo para definir os direitos do homem que para ele incluíam a segu rança da pessoa a segurança da propriedade a justiça imparcial e idônea e o direito de contribuir para a formulação das leis No seu ensaio de 1786 De linfluence de la révolution dAmérique sur lEurope Condorcet ligava explicitamente os direitos do h o m e m à Revolução Americana O espetáculo de um grande povo em que os direitos do homem são respeitados é útil para todos os outros apesar da diferença de clima costumes e constituições A Declara ção da Independência americana ele proclamava era nada menos que uma exposição simples e sublime desses direitos que são ao mesmo tempo tão sagrados e há tanto tempo esquecidos Em janeiro de 1789 EmmanuelJoseph Sieyès usou a expressão no seu incendiário panfleto contra a nobreza O que é o Terceiro Estado O rascunho de uma declaração dos direitos feito por Lafayette em janeiro de 1789 referiase explicitamente aos direitos do homem referência também feita por Condorcet no seu próprio rascunho do início de 1789 Desde a primavera de 1789 isto é mesmo antes da queda da Bastilha em 14 de julho muitos debates sobre a necessidade de uma declaração dos direitos do homem per meavam os círculos políticos franceses 9 Q u a n d o a linguagem dos direitos h u m a n o s apareceu na segunda metade do século xvin havia a princípio pouca definição explícita desses direitos Rousseau não ofereceu nenhuma explica ção quando usou o termo direitos do homem O jurista inglês William Blackstone os definiu como a liberdade natural da huma nidade isto é os direitos absolutos do h o m e m considerado como um agente livre dotado de discernimento para distinguir o bem do mal A maioria daqueles que usavam a expressão nas déca das de 1770 e 1780 na França como DHolbach e Mirabeau figu 23 ras controversas do Iluminismo referiase aos direitos do h o m e m como se fossem óbvios e não necessitassem de nenhuma justificação ou definição eram em outras palavras autoevidentes DHolbach argumentava por exemplo que se os homens temessem menos a morte os direitos do h o m e m seriam defendidos com mais ousa dia Mirabeau denunciava os seus perseguidores que não tinham nem caráter nem alma porque não têm absolutamente nenhuma ideia dos direitos dos homens Ninguém apresentou uma lista precisa desses direitos antes de 1776 a data da Declaração de Direitos da Virgínia redigida por George Mason 1 A ambiguidade dos direitos humanos foi percebida pelo pas tor calvinista jeanPaul Rabaut SaintÉtienne que escreveu ao rei francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de edito de tolerância para protestantes como ele próprio Encora jado pelo sentimento crescente em favor dos direitos do homem Rabaut insistiu sabemos hoje o que são os direitos naturais e eles certamente dão aos homens muito mais do que o edito con cede aos protestantes Chegou a hora em que não é mais acei tável que uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade que são muito bem conhecidos em todo o mundo Talvez eles fos sem bem conhecidos mas o próprio Rabaut admitia que um rei católico não podia sancionar oficialmente o direito calvinista ao culto público Em suma tudo dependiacomo ainda depende da interpretação dada ao que não era mais aceitável 1 1 C O M O O S D I R E I T O S S E T O R N A R A M A U T O E V I D E N T E S Os direitos humanos são difíceis de determinar porque sua definição e na verdade a sua própria existência depende tanto das emoções quanto da razão A reivindicação de autoevidência se baseia em última análise n u m apelo emocional ela é convincente 24 se ressoa dentro de cada indivíduo Além disso temos muita cer leza de que um direito humano está em questão quando nos senti mos horrorizados pela sua violação Rabaut SaintÉtienne sabia ue podia apelar ao conhecimento implícito do que não era mais aceitável Em 1755 o influente escritor do Iluminismo francês I enis Diderot tinha escrito a respeito do droit naturel que o uso desse termo é tão familiar que quase ninguém deixaria de ficar convencido no interior de si mesmo de que a noção lhe é obvia mente conhecida Esse sentimento interior é comum tanto para o lilósofo quanto para o h o m e m que absolutamente não refletiu omo outros de seu tempo Diderot dava apenas uma indicação vaga do significado de direitos naturais como homem concluía não tenho outros direitos naturais que sejam verdadeiramente inalienáveis a não ser aqueles da humanidade Mas ele tocara na qualidade mais importante dos direitos humanos eles requeriam certo sentimento interior amplamente partilhado 1 2 Até JeanJacques Burlamaqui o austero filósofo suíço da lei natural insistia que a liberdade só podia ser experimentada pelos sentimentos interiores de cada homem Tais provas de senti mento estão acima de toda objeção e produzem a convicção mais profundamente arraigada Os direitos humanos não são apenas nina doutrina formulada em documentos baseiamse numa dis posição em relação às outras pessoas um conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o eirado no mundo secular As ideias filosóficas as tradições legais e 1 política revolucionária precisaram ter esse tipo de ponto de refe iciicia emocional interior para que os direitos humanos fossem verdadeiramente autoevidentes E como insistia Diderot esses M i i i i m e n t o s tinham de ser experimentados por muitas pessoas Bio somente pelos filósofos que escreviam sobre eles O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um onjunto de pressuposições sobre a autonomia individual Para 25 ter direitos humanos as pessoas deviam ser vistas como indiví duos separados que eram capazes de exercer um julgamento moral independente como dizia Blackstone os direitos do h o m e m acompanhavam o indivíduo considerado como um agente livre dotado de discernimento para distinguir o bem do mal Mas para que se tornassem membros de uma comunidade política baseada naqueles julgamentos morais independentes esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir empatia pelos outros Todo m u n d o teria direitos somente se todo m u n d o pudesse ser visto de um modo essencial como semelhante A igualdade não era apenas um conceito abstrato ou um slogan político Tinha de ser internalizada de alguma forma Embora consideremos naturais as ideias de autonomia e igualdade junto com os direitos humanos elas só ganharam influência no século XVIII O filósofo moral contemporâneo J B Schneewind investigou o que ele chama de a invenção da autono mia A nova perspectiva que surgiu no fim do século XVIII afirma ele centravase na crença de que todos os indivíduos normais são igualmente capazes de viver juntos numa moralidade de autocon trole Por trás desses indivíduos normais existe uma longa his tória de luta No século XVIII e de fato até o presente não se imagi navam todas as pessoas como igualmente capazes de autonomia moral Duas qualidades relacionadas mas distintas estavam impli cadas a capacidade de raciocinar e a independência de decidir por si mesmo Ambas tinham de estar presentes para que um indiví duo fosse moralmente autônomo Às crianças e aos insanos faltava a necessária capacidade de raciocinar mas eles poderiam algum dia ganhar ou recuperar essa capacidade Assim como as crianças os escravos os criados os sem propriedade e as mulheres não tinham a independência de status requerida para serem plena mente autônomos As crianças os criados os sem propriedade e talvez até os escravos poderiam um dia tornarse autônomos cres 26 cndo abandonando o serviço adquirindo uma propriedade ou 1 oinprando a sua liberdade Apenas as mulheres não pareciam ter nenhuma dessas opções eram definidas como inerentemente 1 lependentes de seus pais ou maridos Se os proponentes dos direi tos humanos naturais iguais e universais excluíam automatica mente algumas categorias de pessoas do exercício desses direitos era primariamente porque viam essas pessoas como menos do que plenamente capazes de autonomia moral 1 4 Entretanto o poder recémdescoberto da empatia podia fun cionar até contra os preconceitos mais duradouros Em 1791 o governo revolucionário francês concedeu direitos iguais aos judeus em 1792 até os homens sem propriedade foram emanci pados e em 1794 o governo francês aboliu oficialmente a escravi dão N e m a autonomia n e m a empatia estavam determinadas eram habilidades que podiam ser aprendidas e as limitações acei táveis dos direitos podiam ser e foram questionadas Os direitos não podem ser definidos de uma vez por todas porque a sua base emocional continua a se deslocar em parte como reação Is declarações de direitos Os direitos permanecem sujeitos a dis cussão porque a nossa percepção de quem tem direitos e do que são ses direitos m u d a constantemente A revolução dos direitos 1111 manos é por definição contínua A autonomia e a empatia são práticas culturais e não apenas ideias e portanto são incorporadas de forma bastante literal isto r têm dimensões tanto físicas como emocionais A autonomia niilividualdependedeuma percepção crescente da separação e do Ifáter sagrado dos corpos humanos o seu corpo é seu e o meu iOrpo é meu e devemos ambos respeitar as fronteiras entre os cor pos um do outro A empatia depende do reconhecimento de que I tutros sentem e pensam como fazemos de que nossos sentimen i interiores são semelhantes de um m o d o essencial Para ser lUtônoma u m a pessoa tem de estar legitimamente separada e 27 protegida na sua separação mas para fazer com que os direitos acompanhem essa separação corporal a individualidade de uma pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional Os direitos humanos dependem tanto do domínio de si mesmo como do reco nhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direitos que nos têm preocu pado ao longo de toda a história A autonomia e a empatia não se materializaram a partir do ar rarefeito do século xvni elas tinham raízes profundas Durante o longo período de vários séculos os indivíduos tinham começado a se afastar das teias da comunidade tornandose agentes cada vez mais independentes tanto legal como psicologicamente Um maior respeito pela integridade corporal e linhas de demarcação mais claras entre os corpos individuais haviam sido produzidos pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das fun ções corporais e pelo senso crescente de decoro corporal Com o tempo as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com um cônjuge na cama Usavam utensílios para comer e começaram a considerar repulsivo um comportamento antes tão aceitável como jogar comida no chão ou limpar excreções corporais nas roupas A constante evolução de noções de interioridade e profun didade da psique desde a alma cristã à consciência protestante e às noções de sensibilidade do século xvni preenchia a individuali dade com um novo conteúdo Todos esses processos ocorreram durante um longo período Mas houve um avanço repentino no desenvolvimento dessas práticas na segunda metade do século xvni A autoridade absoluta dos pais sobre os filhos foi questionada O público começou a ver os espetáculos teatrais ou a escutar música em silêncio Os retratos e as pinturas de gênero desafiaram o predomínio das grandes telas mitológicas e históricas da pintura acadêmica Os romances e os 28 i rnais proliferaram tornando as histórias das vidas comuns aces síveis a um amplo público A tortura como parte do processo judi cial e as formas mais extremas de punição corporal começaram a ser vistas como inaceitáveis Todas essas mudanças contribuíram para uma percepção da separação e do autocontrole dos corpos individuais junto com a possibilidade de empatia com outros As noções de integridade corporal e individualidade empática investigadas nos próximos capítulos têm histórias não desseme lhantes da dos direitos humanos aos quais estão intimamente rela cionadas Isto é as mudanças nos pontos de vista parecem acontecer todas ao mesmo tempo em meados do século xvni Considerese por exemplo a tortura Entre 1700 e 1750 a maioria dos empregos da palavra tortura em francês se referia às dificuldades que um escritor experimentava para encontrar uma expressão apropriada Assim Marivaux em 1724 se referia a torturar a mente para extrair reflexões A tortura isto é a tortura legalmente autorizada para obter confissões de culpa ou nomes de cúmplices tornouse uma questão de grande importância depois que Montesquieu atacou a prática no seu Espírito das leis 1748 Numa das suas passagens mais influentes Montesquieu insiste que Tantas pessoas inteligentes e tantos homens de gênio escreveram contra esta prática a tortura judicial que não ouso falar depois deles Acrescenta então um tanto enigmaticamente Eu ia dizer que talvez ela fosse apropriada para o governo despótico no qual tudo que inspira medo contribui para o vigor do governo ia dizer que os escravos entre os gregos e os romanos Mas escuto a voz da natureza gritando contra mim Aqui t ambém a autoevidênciaa voz da natureza gritandofornece o fundamento para o argumento Depois de Montesquieu Voltaire e muitos outros especialmente o italiano Beccaria se juntariam à campanha Na década de 1780 a abolição da tortura e das formas bárbaras de punição corporal tinham se tornado artigos essenciais na nova doutrina dos direitos humanos 1 5 29 As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das outras pessoas forneceram um suporte crítico para o novo funda mento secular da autoridade política Embora Jefferson escre vesse que o seu Criador tinha dotado os homens de direitos o papel do Criador terminava ali O governo já não dependia de Deus muito menos da interpretação da vontade de Deus apresen tada por uma igreja Governos são instituídos entre os homens disse Jeffersonpara assegurar esses Direitos e eles derivam o seu poder do Consentimento dos Governados Da mesma forma a Declaração francesa de 1789 mantinha que o objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e impres critíveis do homem e que o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação A autoridade política nessa visão deri vava da natureza mais interior dos indivíduos e da sua capacidade de criar a comunidade por meio do consentimento Os cientistas políticos e os historiadores têm examinado essa concepção da autoridade política a partir de ângulos variados mas têm pres tado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que a tornou possível 1 6 Meu argumento fará grande uso da influência de novos tipos de experiência desde ver imagens em exposições públicas até ler romances epistolares imensamente populares sobre o amor e o casamento Essas experiências ajudaram a difundir as práticas da autonomia e da empatia O cientista político Benedict Anderson argumenta que os jornais e os romances criaram a comunidade imaginada que o nacionalismo requer para florescer O que pode ria ser denominado empatia imaginada antes serve como funda mento dos direitos humanos que do nacionalismo É imaginada não no sentido de inventada mas no sentido de que a empatia requer um salto de fé de imaginar que alguma outra pessoa é como você Os relatos de tortura produziam essa empatia imaginada por meio de novas visões da dor Os romances a geravam induzindo 30 111 ivas sensações a respeito do eu interior Cada u m à sua maneira reforçava a noção de u m a comunidade baseada em indivíduos mlônomos e empáticos que podiam se relacionar para além de Ni ias famílias imediatas associações religiosas ou até nações com valores universais maiores 1 7 Não há n e n h u m m o d o fácil ou óbvio de provar ou mesmo medir o efeito das novas experiências culturais sobre as pessoas do século xviii muito menos sobre as suas concepções dos direitos Os isl udos científicos das reações atuais à leitura e ao ato de ver tele isio revelaramse bastante difíceis e eles têm a vantagem de exa miiiar sujeitos vivos que podem ser expostos a estratégias de pes quisa sempre mutáveis Ainda assim os neurocientistas e os psicólogos cognitivos têm feito algum progresso em ligar a biolo gia do cérebro a resultados psicológicos e no fim das contas até lociais e culturais Mostraram por exemplo que a capacidade de 1 onstruir narrativas é baseada na biologia do cérebro sendo cru cial para o desenvolvimento de qualquer noção do eu Certos tipos ilc lesões cerebrais afetam a compreensão narrativa e doenças 1 o r n o o autismo mostram que a capacidade de empatia o reco uliecimento de que os outros têm mentes como a nossa tem m na base biológica Na sua maior parte entretanto esses estudos o examinam um lado da equação o biológico Mesmo que a maioria dos psiquiatras e até alguns neurocientistas concordem U e o próprio cérebro é influenciado por forças sociais e culturais essa interação tem sido mais difícil de estudar Na verdade o pró 11 i eu tem se mostrado muito difícil de examinar Sabemos que l ei 1 íos a experiência de ter um eu mas os neurocientistas não con eguiram determinar o local dessa experiência muito menos plicar como ela funciona 1 8 Se a neurociência a psiquiatria e a psicologia ainda estão nu ei las sobre a natureza do eu então talvez não seja surpreen 1 lente que os historiadores tenham se mantido totalmente afasta 31 dos do assunto A maioria dos historiadores provavelmente acre dita que o eu é em alguma medida modelado por fatores sociais e culturais isto é que a individualidade no século x significava algo diferente do que significa para nós hoje em dia Mas pouco se sabe sobre a história da pessoa como um conjunto de experiências Os estudiosos têm escrito bastante sobre o surgimento do individua lismo e da autonomia como doutrinas porém muito menos sobre como o próprio eu poderia mudar ao longo do tempo Concordo com outros historiadores que o significado do eu muda ao longo do tempo e acredito que a experiência e não apenas a ideia da individualidade muda de forma decisiva para algumas pessoas no século xviii Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tor tura ou romances epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da vida social e política Os novos tipos de leitura e de visão e audição criaram novas experiências individuais empatia que por sua vez tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos os direitos humanos Nestas páginas tento desemaranhar como esse processo se realizou Como a his tória minha disciplina tem desdenhado por tanto tempo qual quer forma de argumento psicológico nós historiadores fala mos frequentemente de reducionismo psicológico mas nunca de reducionismo sociológico ou cultural ela tem omitido em grande parte a possibilidade de um argumento que depende de um relato sobre o que acontece dentro do eu Estou tentando voltar de novo a atenção para o que acontece dentro das mentes individuais Esse poderia parecer um lugar óbvio para procurar uma explicação das mudanças sociais e polí ticas transformadoras mas as mentes individuais salvo as dos grandes pensadores e escritores têm sido surpreendentemente negligenciadas nos trabalhos recentes das ciências humanas e 32 sociais A atenção tem se voltado para o contexto social e cultural e não para o modo como as mentes individuais compreendem e remodelam esse contexto Acredito que a mudança social e política nesse caso os direitos humanos ocorre porque muitos indi víduos tiveram experiências semelhantes não porque todos habi tassem o mesmo contexto social mas porque por meio de suas i nterações entre si e com suas leituras e visões eles realmente cria ram um novo contexto social Em suma estou insistindo que qual quer relato de mudança histórica deve no fim das contas explicar a alteração das mentes individuais Para que os direitos humanos se ornassem autoevidentes as pessoas comuns precisaram ter novas compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos 33 i Torrentes de emoções Lendo romances e imaginando a igualdade Um ano antes de publicar O contrato social Rousseau ganhou atenção internacional com um romance de sucesso Júlia ou A nova Heloísa 1761 Embora os leitores modernos achem que a forma do romance epistolar ou em cartas tem às vezes um desenvolvi mento torturantemente lento os leitores do século xvin reagiram de m o d o visceral O subtítulo excitou as suas expectativas pois a história medieval do amor condenado de Heloísa e Abelardo era bem conhecida Pedro Abelardo filósofo e clérigo católico do século xii seduziu a sua aluna Heloísa e pagou um alto preço nas mãos do tio dela a castração Separados para sempre os dois aman tes então trocaram cartas íntimas que cativaram leitores ao longo tios séculos A paródia contemporânea de Rousseau parecia a prin cípio apontar numa direção muito diferente A nova Heloísa Júlia também se apaixona pelo seu tutor mas desiste do miserável Saint Preux para satisfazer seu pai autoritário que exige o seu casamento comWolmar um soldado russo mais velho que no passado salvara a vida do pai de Júlia Ela não só supera a sua paixão por SaintPreux mas também parece aprender a amálo simplesmente como amigo 35 antes de morrer após salvar seu filho pequeno do afogamento Será que Rousseau procurava celebrar a submissão à autoridade do pai e do esposo ou tinha a intenção de retratar como trágico o ato de ela sacrificar os seus próprios desejos O enredo mesmo com suas ambiguidades não explica a explosão de emoções experimentada pelos leitores de Rousseau O que os comovia era a sua intensa identificação com as persona gens especialmente Júlia Como Rousseau já desfrutava de cele bridade internacional a notícia da iminente publicação do seu romance se espalhou como um rastilho de pólvora em parte por que ele lia trechos do romance em voz alta para vários amigos Embora Voltaire fizesse pouco da obra chamandoa esse lixo miserável Jean le Rond dAlembert que coeditou a Encyclopédie com Diderot escreveu a Rousseau para dizer que tinha devorado o livro e avisálo de que devia esperar ser censurado num país em que se fala tanto do sentimento e da paixão e tão pouco se os conhece O Journal desSavantsadmiúa que o romance tinha defei tos e até algumas passagens cansativas mas concluía que somente os de coração empedernido podiam resistir às torrentes de emo ções que tanto devastam a alma que provocam de forma tão impe riosa e tirânica lágrimas tão amargas 1 Os cortesãos o clero os oficiais militares e toda sorte de pes soas comuns escreviam a Rousseau para descrever seus sentimen tos de um fogo devorador suas emoções e mais emoções con vulsões e mais convulsões Um contava que não tinha chorado a morte de Júlia mas que estava gritando uivando como um ani mal figura 1 Como observou um comentarista do século xx a respeito dessas cartas os leitores do romance no século xvin não o liam com prazer mas antes com paixão delírio espasmos e solu ços A tradução inglesa apareceu dois meses após a edição original francesa seguiramse dez edições em inglês entre 1761 e 1800 Cento e quinze edições da versão francesa foram publicadas no 36 I I C U R A í O leito de morte de Júlia lista cena provocou mais sofrimento do que qualquer outra em Júlia ou Á nova Heloísa A gravura de Nicolas Delaunay baseada num desenho do famoso artista JeanMichel Moreau apareceu numa edição de 1782 das IInas reunidas de Rousseau m e s m o período para satisfazer o apetite voraz de um público internacional que lia francês 2 A leitura de Júlia predispôs os seus leitores para uma nova forma de empatia Embora Rousseau tenha feito circular o termo direitos humanos esse não é o tema principal do romance que gira em torno de paixão amor e virtude Ainda assim Júlia encora java uma identificação extremamente intensa com os personagens e com isso tornava os leitores capazes de sentir empatia além das fronteiras de classe sexo e nação Os leitores do século XVIII como as pessoas antes deles sentiam empatia por aqueles que lhes eram próximos e por aqueles que eram muito obviamente seus seme lhantes as suas famílias imediatas os seus parentes as pessoas de sua paróquia os seus iguais sociais costumeiros em geral Mas as pessoas do século XVIII tiveram de aprender a sentir empatia cru zando fronteiras mais amplamente definidas Aléxis de Tocqueville conta uma história relatada pelo secretário de Voltaire sobre madame de Châtelet que não hesitava em se despir na frente de seus criados não considerando ser um fato comprovado que os cama reiros fossem homens Os direitos humanos só podiam fazer sen tido quando os camareiros fossem também vistos como homens 3 R O M A N C E S E E M P A T I A Romances como Júlia levavam os leitores a se identificar com personagens comuns que lhes eram por definição pessoalmente desconhecidos Os leitores sentiam empatia pelos personagens especialmente pela heroína ou pelo herói graças aos mecanismos da própria forma narrativa Por meio da troca fictícia de cartas em outras palavras os romances epistolares ensinavam a seus leitores nada menos que uma nova psicologia e nesse processo estabele ciam os fundamentos para uma nova ordem política e social Os romances tornavam a Júlia da classe média e até criados como 38 I ameia a heroína do romance de mesmo nome escrito por Samuel Richardson igual e mesmo superior a homens ricos como o sr B o empregador e futuro sedutor de Pamela Os romances apresen tavam a ideia de que todas as pessoas são fundamentalmente seme lhantes por causa de seus sentimentos íntimos e muitos romances mostravam em particular o desejo de autonomia Dessa forma a leitura dos romances criava um senso de igualdade e empatia por meio do envolvimento apaixonado com a narrativa Seria coinci dência que os três maiores romances de identificação psicológica do século XVIII Pamela 1740 e Clarissa 17478 de Richard son e Júlia 1761 de Rousseau tenham sido todos publicados no período que imediatamente precedeu o surgimento do con ceito dos direitos do homem Não é preciso dizer que a empatia não foi inventada no século XVIII A capacidade de empatia é universal porque está arraigada na biologia do cérebro depende de uma capacidade de base bioló gica a de compreender a subjetividade de outras pessoas e ser capaz de imaginar que suas experiências interiores são semelhan tes às nossas As crianças que sofrem de autismo por exemplo têm grande dificuldade em decodificar as expressões faciais como indi cadoras de sentimentos e em geral enfrentam problemas para atri buir estados subjetivos a outros O autismo em suma é caracteri zado pela incapacidade de sentir empatia pelos outros 4 Normalmente todo m u n d o aprende a sentir empatia desde uma tenra idade Embora a biologia propicie uma predisposição essencial cada cultura modela a expressão de empatia a seu modo A empatia só se desenvolve por meio da interação social portanto as formas dessa interação configuram a empatia de maneiras importantes No século xviii os leitores de romances aprenderam a estender o seu alcance de empatia Ao ler eles sentiam empatia além de fronteiras sociais tradicionais entre os nobres e os plebeus os senhores e os criados os homens e as mulheres talvez até entre 39 os adultos e as crianças Em consequência passavam a ver os ou tros indivíduos que não conheciam pessoalmentecomo seus semelhantes tendo os mesmos tipos de emoções internas Sem esse processo de aprendizado a igualdade talvez não tivesse um significado profundo e em particular n e n h u m a consequência política A igualdade das almas no céu não é a mesma coisa que direitos iguais aqui na terra Antes do século xvin os cristãos acei tavam prontamente a primeira sem admitir a segunda A capacidade de identificação através das linhas sociais pode ter sido adquirida de várias maneiras e não me atrevo a dizer que a leitura de romances tenha sido a única Ainda assim ler roman ces parece especialmente pertinente em parte porque o auge de determinado tipo de r o m a n c e o repistolarcoincide cronolo gicamente com o nascimento dos direitos humanos O romance epistolar cresceu como gênero entre as décadas de 1760 e 1780 e depois um tanto misteriosamente extinguiuse na década de 1790 Romances de todos os tipos tinham sido publicados antes mas eles decolaram como gênero no século xvill especialmente depois de 1740 a data da publicação de Pamela de Richardson Na França oito novos romances foram publicados em 1701 52 em 1750 e 112 em 1789 Na GrãBretanha o número de novos roman ces aumentou seis vezes entre a primeira década do século xvin e a década de 1760 cerca de trinta novos romances apareceram todo ano na década de 1770 quarenta por ano na de 1780 e setenta por ano na de 1790 Além disso mais pessoas sabiam ler e os romances de então apresentavam pessoas comuns como personagens cen trais enfrentando os problemas cotidianos do amor e do casa mento e construindo sua carreira no mundo A capacidade de ler e escrever tinha aumentado a ponto de até criados homens e mulhe res lerem romances nas grandes cidades embora a leitura de romances não fosse então nem seja agora comum entre as classes baixas Os camponeses franceses que chegavam a constituir 80 da população não tinham o costume de ler romances isso quando sabiam ler 5 Apesar das limitações do leitorado os heróis e as heroínas comuns do romance do século xvin de Robinson Crusoé e Tom Jones a Clarissa Harlowe e Julie dÉtanges tornaramse nomes familiares mesmo ocasionalmente para aqueles que não sabiam ler Os personagens aristocráticos como D o m Quixote e a princesa de Clèves tão proeminentes nos romances do século xvii agora davam lugar a criados marinheiros e moças da classe média enquanto filha de um pequeno nobre suíço até Júlia parece bem classe média A escalada extraordinária do romance à preemi nência no século xvin não passou despercebida e os estudiosos a ligaram ao longo dos anos ao capitalismo às ambições da classe média ao crescimento da esfera pública ao surgimento da família nuclear a u m a m u d a n ç a nas relações de gênero e até ao surgi mento do nacionalismo Quaisquer que tenham sido as razões para o desenvolvimento do romance o meu interesse é pelos seus efeitos psicológicos e pelo m o d o como ele se liga ao surgimento dos direitos humanos Para chegar ao estímulo da identificação psicológica propor cionado pelo romance concentrome sobre três romances episto lares especialmente influentes f tília de Rousseau e dois romances de seu predecessor inglês e modelo confesso Samuel Richardson Pamelal740 e Clarissa 17478 O meu argumento poderia ter abarcado o romance do século xvin em geral e teria então conside rado as muitas mulheres que escreveram romances e os persona gens masculinos como Tom Jones ou Tristram Shandy que defi nitivamente t a m b é m receberam muita atenção Decidi me concentrar em Júlia Pamela e Clarissa três romances escritos por homens e centrados em heroínas por causa de seu indiscutível impacto cultural Eles não produziram sozinhos as mudanças na empatia aqui traçadas mas um exame mais detalhado de sua 4 1 40 recepção certamente mostra o novo aprendizado da empatia em ação Para compreender o que era novo a respeito do romance um rótulo só adotado pelos escritores na segunda metade do século xviii é proveitoso ver o que romances específicos provo cavam em seus leitores No romance epistolar não há nenhum ponto de vista autoral fora e acima da ação como mais tarde no romance realista do século xix o ponto de vista autoral são as perspectivas dos perso nagens expressas em suas cartas Os editores das cartas como Richardson e Rousseau se denominavam criavam uma sensação vívida de realidade exatamente porque a sua autoria ficava obscu recida dentro da troca de cartas Isso tornava possível uma sensa ção intensificada de identificação como se o personagem fosse real e não fictício Muitos contemporâneos comentaram essa expe riência alguns com alegria e assombro outros com preocupação e até repulsa A publicação dos romances de Richardson e Rousseau pro duziu reações instantâneas e não apenas nos países em que foram originalmente publicados Um francês anônimo que agora se sabe que era um clérigo publicou uma carta de 42 páginas em 1742 detalhando a ávida recepção dada à tradução francesa de Pamela Não se pode entrar n u m a casa sem encontrar u m a Pamela Embora afirme que o romance tem muitos defeitos o autor confessa Eu o devorei Devorar se tornaria a metáfora mais comum para a leitura desses romances Ele descreve a resis tência de Pamela às investidas do sr B seu patrão como se eles fos sem antes pessoas reais que personagens fictícios Descobrese preso pelo enredo Treme quando Pamela está em perigo sente indignação quando personagens aristocráticos como o sr B agem de forma indigna A sua escolha de palavras e tipo de linguagem reforçam repetidamente a sensação de absorção emocional criada pela leitura 7 42 O romance composto de cartas podia produzir esses efeitos psicológicos extraordinários porque a sua forma narrativa facili tava o desenvolvimento de um personagem isto é u m a pessoa com um eu interior N u m a das primeiras cartas de Pamela por exemplo a nossa heroína descreve para a mãe como o seu patrão tentou seduzila Ele me beijou duas ou três vezes com uma avidez assustadoraPor fim arranqüeime de seus braços e estava saindo do pavilhão mas ele me reteve e fechou a porta Eu teria dado a minha vida por um vintém E ele disse não vou lhe fazer mal Pamela não tenha medo de mim Eu disse não vou ficar Não vai garota Disse ele Você sabe com quem está falando Perdi todo o medo e todo o respeito e disse Sim sei senhor até demais Bem que posso esquecer que sou sua criada quando o senhor esquece o que é próprio de um patrão SOLU CEI e chorei com muita tristeza Que garota tola você é disse ele Eu lhe fiz algum mal Sim senhor disse eu o maior mal do mundo o senhor me ensinou a esquecer quem eu sou e o que me é próprio e diminuiu a distância que o destino criou entre nós rebaixandose para tomar liberdades com uma pobre criada Lemos a carta junto com a mãe Nenhum narrador nem mesmo aspas se interpõem entre nós e a própria Pamela Não podemos deixar de nos identificar com Pamela e experimentar com ela a eli minação potencial da distância social bem como a ameaça à sua compostura figura 2 8 Embora tenha muitas qualidades teatrais e seja representada para a mãe de Pamela por meio da escrita a cena difere também do teatro porque Pamela pode escrever com mais detalhes sobre suas emoções interiores Muito mais tarde ela escreverá páginas sobre suas ideias de suicídio quando seus planos de fuga fracassam Uma peça em contraste não poderia se demorar dessa maneira sobre a 43 FIGURA 2 O sr B lê uma das cartas de Pamela a seus pais Numa das cenas iniciais do romance o sr B se aproxima impetuosamente de Pamela e pede para ver a carta que ela está escrevendo Escrever é o meio de autonomia de Pamela Os artistas e os editores não resistiram a acrescentar repre sentações visuais das principais cenas A gravura do artista holandês Jan Punt apareceu numa antiga tradução francesa publicada em Amsterdã manifestação de um eu interior que no palco em geral tem de ser i nferido a partir da ação ou da fala Um romance de muitas cente nas de páginas podia revelar um personagem ao longo do tempo e ai nda por cima a partir da perspectiva do eu interior O leitor não segue apenas as ações de Pamela ele participa do florescimento de sua personalidade enquanto ela escreve O leitor se torna simulta neamente Pamela mesmo quando se imagina uma amigoa dela e um observador de fora Assim que se tornou conhecido como o autor de Pamela em 1741 ele publicou o romance anonimamente Richardson come çou a receber cartas a maioria de entusiastas O seu amigo Aaron I lill proclamou que o romance era a alma da religião boa educa ção discrição bom caráter espirituosidade fantasia belos pensa mentos e moralidade Richardson tinha enviado um exemplar para as filhas de Aaron no início de dezembro de 1740 e Hill rabis cou u m a resposta imediata Não tenho feito nada senão ler o romance para outros e escutar que outros o leiam para mim desde que me chegou às mãos e acho provável que não faça nada mais por só Deus sabe quanto tempo ainda por vir ele se apodera Iodas as noites da imaginação Tem um feitiço em cada uma de suas páginas mas é o feitiço da paixão e do significado O livro como que enfeitiçava os seus leitores A narrativaa troca de car las arrebatava inesperadamente a todos introduzindoos n u m novo conjunto de experiências 9 Hill e suas filhas não estavam sozinhos A loucura por Pamela logo tragou a Inglaterra Numa vila diziase os habitantes toca ram os sinos da igreja depois de escutar o rumor de que o sr B linha finalmente se casado com Pamela Uma segunda impressão apareceu em janeiro de 1741 o original foi publicado em 6 de novembro de 1740 uma terceira em março uma quarta em maio e uma quinta em setembro A essa altura outros já tinham escrito paródias críticas extensas poemas e imitações do original A elas 45 deveriam se seguir com o passar dos anos muitas adaptações tea trais pinturas e gravuras das cenas principais Em 1744 a tradução francesa entrou para o índex papal dos livros proibidos onde logo se veria acompanhada de Júlia de Rousseau junto com muitas outras obras do Iluminismo Nem todo mundo encontrava nesses roman ces a alma da religião ou a moralidade que Hill afirmara ver 1 0 Quando Richardson começou a publicar Clarissa em dezem bro de 1747 as expectativas eram elevadas Quando os últimos volumes foram sete ao todo cada um com trezentas a quatrocen tas páginas apareceram em dezembro de 1748 Richardson já tinha recebido cartas implorando que ele oferecesse um final feliz Clarissa foge com o devasso Lovelace para escapar do pretendente abominável proposto pela sua família Ela então tem de resistir a Lovelace que acaba estuprando Clarissa depois de drogála Ape sar do oferecimento arrependido de casamento por parte de Love lace e de seus próprios sentimentos pelo sedutor Clarissa morre o coração partido pelo ataque do devasso à sua virtude e à sua consciência de si mesma Lady Dorothy Bradshaigh contou a Richardson a sua reação à cena da morte O meu ânimo é estra nhamente arrebatado meu sono é agitado acordando à noite irrompo n u m choro de paixão como t a m b é m me aconteceu à hora do café esta manhã e como me acontece neste momento O poeta Thomas Edwards escreveu em janeiro de 1749 Nunca senti tanta tristeza na minha vida como por essa querida menina refe rida anteriormente como a divina Clarissa 1 1 Clarissa agradou mais aos leitores cultos que ao público em geral mas ainda assim teve cinco edições nos treze anos seguintes e foi logo traduzido para o francês 1751 o alemão 1751 e o holandês 1755 Um estudo das bibliotecas particulares monta das entre 1740 e 1760 mostrou que Pamela e Clarissa estavam entre os três romances ingleses Tom Jones de Henry Fielding era o ter ceiro com mais probabilidade de serem encontrados nelas O 46 lamanho de Clarissa sem dúvida desanimou alguns leitores mesmo antes de os trinta volumes manuscritos irem para o prelo Richardson se preocupou e tentou cortar o romance Um boletim literário parisiense apresentou um julgamento misto sobre a lei tura da tradução francesa Ao ler este livro experimentei algo nem um pouco c o m u m o mais intenso prazer e o mais aborrecido tédio Mas dois anos mais tarde outro colaborador do boletim anunciou que o gênio de Richardson ao apresentar tantos perso nagens individualizados tornava Clarissa talvez a obra mais sur preendente que já surgiu das mãos de um homem 1 2 Embora Rousseau acreditasse que o seu romance era superior ao de Richardson ele ainda assim considerava Clarissa o melhor de todo o resto Ninguém ainda escreveu em qualquer língua um romance igual a Clarissa nem mesmo algum que dele se aproxime As comparações entre Júlia e Clarissa continuaram por todo o século JeanneMarie Roland esposa de um ministro e coordena dor informal da facção política girondina durante a Revolução I rancesa confessou a um amigo em 1789 que ela relia o romance de Rousseau todo ano mas ainda considerava a obra de Richardson o i ume da perfeição Não há ninguém no mundo que apresente um romance capaz de suportar uma comparação com Clarissa é a obraprima do gênero o modelo e o desespero de todo imitador Tanto os homens como as mulheres se identificavam com as I moinas desses romances Pelas cartas a Rousseau sabemos que os homens mesmo os oficiais militares reagiam intensamente a Iiília Um certo Louis François oficial militar aposentado escre veu a Rousseau Você me deixou louco por ela Imagine então as lagrimas que sua morte arrancou de mim Nunca verti lágri mas mais deliciosas Essa leitura teve um efeito tão poderoso sobre mim que acredito que teria morrido de b o m grado durante aquele MI premo momento Alguns leitores reconheciam explicitamente i sua identificação com a heroína C J Panckoucke que se torna 47 ria um famoso editor disse a Rousseau Senti passar pelo meu cora ção a pureza das emoções de Júlia A identificação psicológica que conduz à empatia cruzava claramente as fronteiras de gênero Os lei tores masculinos de Rousseau não só não se identificavam com SaintPreux o amante a que Júlia é forçada a renunciar como sen tiam ainda menos empatia por Wolmar o seu manso esposo ou pelo barão DÉtanges o seu pai tirânico Como as leitoras os homens se identificavam com a própria Júlia A luta de Júlia para dominar as suas paixões e levar uma vida virtuosa tornavase a sua luta 1 4 Pela sua própria forma portanto o romance epistolar era capaz de demonstrar que a individualidade dependia de qualida des de interioridade ter um âmago pois os personagens expressam seus sentimentos íntimos nas suas cartas Além disso o romance epistolar mostrava que todos os indivíduos tinham essa interioridade muitos dos personagens escrevem e conse quentemente que todos os indivíduos eram de certo modo iguais porque todos eram semelhantes por possuir essa interioridade A troca de cartas torna a criada Pamela por exemplo antes um modelo de individualidade e autonomia orgulhosa que um este reótipo dos oprimidos Como Pamela Clarissa e Júlia passam a representar a própria individualidade Os leitores se tornam mais conscientes da capacidade que existe em si próprio e em todos os outros indivíduos 1 5 Desnecessário dizer que nem todos experimentaram os mes mos sentimentos ao ler esses romances O sagaz romancista inglês Horace Walpole zombava das lamentações tediosas de Richard sonque são quadros da vida elevada como seriam concebidos por um livreiro e romances como seriam espiritualizados por um pro fessor metodista Entretanto muitos sentiram rapidamente que Richardson e Rousseau tinham mexido n u m nervo cultural vital Apenas um mês depois da publicação dos volumes finais de Cla rissa Sarah Fielding a irmã do grande rival de Richardson e ela 48 própria uma romancista de sucesso publicou anonimamente um panfleto de 56 páginas defendendo o romance Embora seu irmão I lenry tivesse publicado um dos primeiros artigos satíricos sobre Pamela An apologyfor the life ofmrs Shamela Andrews in which lhe many notoriousfalsehoods and misrepresentations ofa Book cal led Pamela are exposed and refuted Uma apologia à vida da sra Shamela Andrews na qual as muitas falsidades e deturpações de um livro chamado Pamelasão desmascaradas e refutadas 1741 ela l i nha se tornado uma boa amiga de Richardson que publicou um tle seus romances Uma das suas personagens fictícias o sr Clark insiste que Richardson conseguiu atraílo de tal modo para dentro da teia de ilusões que de minha parte estou intimamente familia rizado com todos os Harlow sic como se os tivesse conhecido desde os primeiros anos da minha infância Outra personagem a srta Gibson insiste nas virtudes da técnica literária de Richard son Muito verdadeiro senhor é o seu comentário de que u m a história contada dessa maneira só pode se desenrolar lentamente de que os personagens só podem ser vistos por aqueles que pres tam uma atenção precisa ao conjunto entretanto o autor ganha u m a vantagem escrevendo n o tempo presente como ele próprio o chama e na primeira pessoa o fato de que as suas pinceladas pene t i a m imediatamente n o coração e sentimos todas a s desgraças que ele pinta não só choramos por mas com Clarissa e a acompanha mos passo a passo por todas as suas desgraças 1 O célebre fisiologista e estudioso literário suíço Albrecht von I laller publicou uma apreciação anônima de Clarissa em Gentle inans Magazine em 1749 Von Haller lutou com todas as forças para compreender a originalidade de Richardson Embora apre 1 iasse as muitas virtudes de romances franceses anteriores Von I laller insistia que eles não ofereciam geralmente nada mais do que representações das ilustres ações de pessoas ilustres en quanto no romance de Richardson o leitor vê um personagem na 49 mesma posição de vida em que nós próprios nos encontramos O autor suíço examinou atentamente o formato epistolar Embora os leitores talvez tivessem dificuldade em acreditar que todos os per sonagens gostavam de passar o seu tempo registrando os seus sen timentos e pensamentos íntimos o romance epistolar podia apresentar retratos minuciosamente acurados de personagens in dividuais e com isso evocar o que Haller chamava de compaixão O patético nunca foi exposto com igual força e é manifesto em milhares de exemplos que os temperamentos mais empedernidos e insensíveis têm sido suavizados até a compaixão derretendose em lágrimas pela morte pelos sofrimentos e pelas tristezas de Cla rissa Ele concluía que Não conhecemos nenhuma representa ção em nenhuma língua que chegue perto de poder competir com esse romance 1 7 D E G R A D A Ç Ã O O U M E L H O R A Os contemporâneos sabiam por suas próprias experiências que a leitura desses romances tinha efeitos sobre os corpos e não apenas sobre as mentes mas discordavam entre si sobre as con sequências O clero católico e protestante denunciava o potencial de obscenidade sedução e degradação moral Já em 1734 Nico las LengletDufresnoy ele próprio um clérigo educado na Sor bonne achou necessário defender os romances contra os seus colegas ainda que sob um pseudônimo Refutou provocadora mente todas as objeções que levavam as autoridades a proibir romances como estímulos que servem para inspirar em nós sen timentos que são demasiado vivos e demasiado acentuados Insistindo que os romances eram apropriados em qualquer período ele concedia que em todos os tempos a credulidade o amor e as mulheres têm reinado assim em todos os tempos os 50 romances têm sido lidos com atenção e saboreados Seria melhor concentrarse em tornálos bons sugeria do que tentar suprimilos por completo 1 8 Os ataques não terminaram quando a produção de romances disparou em meados do século Em 1755 outro clérigo católico o abade ArmandPierre Jacquin escreveu u m a obra de quatrocentas páginas para mostrar que a leitura de romances solapava a mora I idade a religião e todos os princípios da ordem social Abram essas obras ele insistia e vocês verão em quase todas os direitos ila justiça divina e humana violados a autoridade dos pais sobre os filhos desdenhada os laços sagrados do casamento e da amizade rompidos O perigo residia precisamente nos seus poderes de atração ao martelar constantemente as seduções do amor eles estimulavam os leitores a agir segundo seus piores impulsos a recusar o conselho de seus pais e da igreja a ignorar as censuras morais da comunidade O único lado b o m em que Jacquin podia pensar era a falta de uma força duradoura nos romances O leitor podia devorar um romance na primeira leitura mas jamais o reler Eu estava errado em profetizar que o romance de Pamela logo seria esquecido Acontecerá o mesmo em três anos com Tom lonese Clarissa 1 Queixas semelhantes fluíam das penas dos protestantes ingle ses O reverendo Vicesimus Knox resumiu décadas de ansiedades subsistentes em 1779 quando proclamou que os romances eram degenerados prazeres culpados que desviavam as jovens inteli gências de u m a leitura mais séria e edificante A excitação nos romances britânicos só servia para disseminar os hábitos liberti nos franceses e explicava a corrupção da presente era Os roman ces de Richardson admitia Knox tinham sido escritos com as i ntenções mais puras Mas inevitavelmente o autor tinha narrado cenas e excitado sentimentos que eram incompatíveis com a vir tude Os clérigos não estavam sozinhos no seu desprezo pelo 51 romance Uma estrofe em Ladys Magazine de 1771 resumia uma visão amplamente partilhada With Pamela by name No better acquainted For as novels I hate My mind is not tainted Pamela só de nome Mais não conheço Como romances odeio Minha mente é sem defeito Muitos moralistas temiam que os romances semeassem descon tentamento especialmente na mente de criados e moças 2 O médico suíço SamuelAuguste Tissot ligava a leitura de romances à masturbação que ele pensava provocar uma degene ração física mental e moral Tissot acreditava que os corpos ten diam naturalmente a se deteriorar e que a masturbação apressava o processo tanto nos homens como nas mulheres Só o que posso dizer é que o ócio a inatividade ficar tempo demais na cama uma cama que seja demasiado macia uma dieta rica picante salgada e cheia de vinhos amigos suspeitos e livros licenciosos são as causas mais propensas a gerar esses excessos Com licenciosos Tissot não queria dizer abertamente pornográficos n o século XVIII licencioso significava algo que tendia ao erótico mas era distinto do muito mais objetável obsceno Os romances sobre o amor e a maioria dos romances do século xvni contava histórias de amor escorregavam muito facilmente para a categoria dos licencio sos Na Inglaterra as moças nos internatos pareciam especial mente em perigo por causa de sua capacidade de conseguir esses livros imorais e repugnantes para lêlos na cama 2 1 Assim os clérigos e os médicos concordavam em ver a leitura de romances em termos de p e r d a d e tempo de fluidos vitais de religião e de moralidade Supunham que a leitora imitaria a ação do romance e se arrependeria mais tarde Uma leitora de Clarissa por exemplo poderia desconsiderar os desejos da sua família e concordar como Clarissa em fugir com um devasso tipo Lovelace que a conduziria por bem ou por mal à sua ruína Em 1792 um crítico inglês anônimo ainda insistia que o aumento de romances ajuda a explicar o aumento da prostituição e os inúmeros adulté rios e fugas de que ouvimos falar nas diferentes regiões do reino Segundo essa visão os romances estimulavam exageradamente o corpo encorajavam uma absorção em si mesmo moralmente sus peita e provocavam ações destrutivas em relação à autoridade familiar moral e religiosa 2 2 Richardson e Rousseau reivindicavam antes o papel de edi lor que o de autor para que pudessem se esquivar da má reputa ção associada aos romances Q u a n d o publicou Pamela Richard son nunca se referia à obra como um romance O título completo da primeira edição é um estudo sobre protestos excessivos Pamela Ou a virtude recompensada Numa série de cartas fami liares de uma bela bonzela a seus pais agora publicadas pela pri meira vez para cultivar os princípios da virtude e religião nas men tes de jovens de ambos os sexos Uma narrativa que tem o seu fundamento na verdade e na natureza e ao mesmo tempo em que agradavelmente entretém por uma variedade de incidentes curio sos e patéticos é inteiramente despida de todas aquelas imagens que em muitas obras calculadas apenas para a diversão tendem a inflamaras mentes que deveriam instruir O prefácio pelo editor Richardson justifica a publicação das seguintes Cartas em ter mos morais elas instruirão e aperfeiçoarão as mentes dos jovens inculcarão a religião e a moralidade pintarão o vício em suas cores apropriadas etc 2 3 53 52 Embora também se referisse a si mesmo como editor Rous seau claramente considerava sua obra um romance Na primeira frase do prefácio de Júlia Rousseau ligava os romances à sua famosa crítica do teatro As grandes cidades devem ter teatros e os povos corruptos Romances Como se isso não fosse aviso sufi ciente Rousseau também apresentava um prefácio que consistia n u m a Conversa sobre Romances entre o Editor e um H o m e m de Letras Nele o personagem R Rousseau apresenta todas as acusações habituais contra o romance por ele brincar com a ima ginação para criar desejos que os leitores não podem satisfazer virtuosamente Escutamos a queixa de que os Romances perturbam as mentes das pessoas posso muito bem acreditar Ao dispor interminavelmente diante dos olhos dos leitores os pretensos encantos de um estado que não é o deles eles os seduzem levamnos a ver o seu próprio estado com desprezo e trocamno na imaginação por um estado que os leitores são induzidos a amar Tentando ser o que não somos passamos a acreditar que somos diferentes do que somos e esse é o caminho para a loucura E mesmo assim Rousseau passa então a apresentar um romance a seus leitores Ele até atirou a luva em desafio Se alguém quer me criticar por têlo escrito diz Rousseau que ele o diga para todas as pessoas do m u n d o menos para mim De minha parte jamais poderia ter qualquer estima por um h o m e m desses O livro pode ria escandalizar quase todo mundo Rousseau alegremente admi te mas ao menos não proporcionará apenas um prazer tépido Rousseau esperava plenamente que os seus leitores tivessem rea ções violentas 2 4 Apesar das preocupações de Richardson e Rousseau a res peito de suas reputações alguns críticos já tinham começado a 54 I esenvolver uma visão muito mais positiva do funcionamento do romance Já ao defender Richardson Sarah Fielding e Von Haller i i nham chamado atenção para a empatia ou compaixão estimulada I cla leitura de Clarissa Nessa nova visão os romances operavam sobre os leitores para tornálos mais compreensivos em relação aos outros em vez de apenas absorvidos em si mesmos e assim mais morais e não menos Um dos defensores mais articulados do romance foi Diderot autor do artigo sobre o direito natural para a üncyclopéâie e ele próprio um romancista Quando Richardson morreu em 1761 Diderot escreveu um panegírico comparandoo aos maiores autores entre os antigos Moisés Homero Eurípides e Sófocles Diderot se alongou mais entretanto sobre a imersão do leitor no m u n d o do romance Apesar de todas as precauções assumese um papel nas suas obras somos lançados nas conversas aprovamos censuramos admiramos ficamos irritados sentimos i ndignação Quantas vezes não me surpreendi gritando como acon tece com as crianças que foram levadas ao teatro pela primeira vez N ão acredite ele está enganando você Se você for lá estará per dido A narrativa de Richardson cria a impressão de que você está 1 resente reconhece Diderot e ainda mais que esse é o seu mundo e i ião um país muito distante não um local exótico não um conto de ladas Os seus personagens são tirados da sociedade comum as paixões que ele pinta são as que sinto em m i m mesmo 2 5 Diderot não usa os termos identificação ou empatia mas apresenta uma descrição convincente dos dois Nós nos reconhece mos nos personagens ele admite saltamos imaginativamente para 0 meio da ação sentimos os mesmos sentimentos que os persona gens estão experimentando Em suma aprendemos a sentir empa 1 ia por alguém que não é nós mesmos e não pode jamais ter contato direto conosco ao contrário digamos dos membros da nossa la mília mas que ainda assim de um modo imaginativo é também nós mesmos sendo esse um elemento crucial na identificação Esse 55 processo explica por que Panckoucke escreveu para Rousseau Senti passar pelo meu coração a pureza das emoções de Júlia A empatia depende da identificação Diderot percebe que a técnica narrativa de Richardson o atrai inelutavelmente para essa experiência É uma espécie de incubadora do aprendizado emo cional No espaço de algumas horas passei por um grande número de situações que a mais longa das vidas não pode nos ofe recer ao longo de sua total duração Senti que tinha adquirido experiência Diderot se identifica tanto com os personagens que se sente roubado no final do romance Tive a mesma sensação que experimentam os homens que intimamente entrelaçados viveram juntos por um longo tempo e agora estão a ponto de se separar No final tive de repente a impressão de que haviam me deixado sozinho 2 6 Diderot simultaneamente perdeu a si mesmo na ação e recu perou a si mesmo na leitura Ele tem uma percepção mais nítida da separação de seu eu agora se sente solitário mas também percebe com mais clareza que os outros também possuem uma individualidade Em outras palavras tem o que ele próprio cha mava aquele sentimento interior que é necessário aos direitos humanos Diderot compreende além disso que o efeito do romance é inconsciente Nós nos sentimos atraídos para o bem com uma impetuosidade que não reconhecemos Quando con frontados com a injustiça experimentamos uma aversão que não sabemos como explicar para nós mesmos O romance exerce o seu efeito pelo processo de envolvimento na narrativa e não por dis cursos moralizadores explícitos 2 7 A leitura de ficção recebeu o seu tratamento filosófico mais sério no livro Elements of Criticism 1762 de Henry Home lorde Kames O jurista e filósofo escocês não discutia os romances de per si na obra mas argumentava que a ficção em geral cria uma espé cie de presença ideal ou sonho acordado em que o leitor se ima 56 gina transportado para a cena descrita Kames descrevia essa pre sença ideal como um estado de transe O leitor é lançado numa espécie de devaneio e perdendo a consciência do eu e da leitura sua presente ocupação concebe todo incidente como se ocorresse na sua presença precisamente como se ele fosse u m a testemunha cular O que é mais importante para Kames é que essa transfor i nação promove a moralidade A presença ideal abre o leitor para sentimentos que reforçam os laços da sociedade Os indivíduos são a trancados de seus interesses privados e motivados a desempenhar a tos de generosidade e benevolência A presença ideal era outro termo para o feitiço da paixão e do significado de Aaron Hill 2 8 Thomas Jefferson aparentemente partilhava essa opinião uando Robert Skipwith que se casou com a meiairmã da esposa de Jefferson escreveu a ele em 1771 pedindo u m a lista de livros i ecomendados Jefferson sugeriu muitos dos clássicos antigos e modernos de política religião direito ciência filosofia e história lilements of Criticism de Kames estava na lista mas Jefferson come Çou o seu catálogo com poesia peças teatrais e romances incluin do os de Laurence Sterne Henry Fielding JeanFrançois Mar montel Oliver Goldsmith Richardson e Rousseau Na carta que acompanhava a lista de leituras Jefferson se tornava eloquente sobre as diversões da ficção Como Kames ele insistia que a fic 0 poderia gravar na memória tanto os princípios c o m o a prática di virtude Citando especificamente Shakespeare Marmontel e eme Jefferson explicava que ao ler essas obras experimentamos m nós próprios o forte desejo de praticar atos caridosos e gratos inversamente ficamos repugnados com as más ações ou a con duta imoral A ficção ele insistia produz o desejo da imitação moral com uma eficácia ainda maior que a da leitura de história 2 9 Em última análise o que estava em jogo nesse conflito de opi i sobre o romance era nada menos do que a valorização da v i l i secular c o m u m como o fundamento da moralidade Aos 57 olhos dos críticos da leitura desse gênero a simpatia por u m a heroína de romance estimulava o que havia de pior no indivíduo desejos ilícitos e autorrespeito excessivo e demonstrava a dege neração irrevogável do m u n d o secular Para os adeptos da nova visão de moralização empática em contraste essa identificação mostrava que o despertar de uma paixão podia ajudar a transfor mar a natureza interior do indivíduo e produzir uma sociedade mais moral Acreditavam que a natureza interior dos humanos fornecia uma base para a autoridade social e política 3 Assim o feitiço mágico lançado pelo romance mostrou ter efeitos de longo alcance Embora os adeptos do romance não o dis sessem tão explicitamente eles compreendiam que escritores como Richardson e Rousseau estavam efetivamente atraindo os seus leitores para a vida cotidiana como uma espécie de experiên cia religiosa substituta Os leitores aprendiam a apreciar a intensi dade emocional do comum e a capacidade de pessoas como eles de criar por sua própria conta um mundo moral Os direitos huma nos cresceram no canteiro semeado por esses sentimentos Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas apren deram a pensar nos outros como seus iguais como seus semelhan tes em algum modo fundamental Aprenderam essa igualdade ao menos em parte experimentando a identificação com persona gens comuns que pareciam dramaticamente presentes e familia res mesmo que em última análise fictícios 3 O E S T R A N H O D E S T I N O D A S M U L H E R E S Nos três romances aqui escolhidos o foco da identificação psicológica é uma jovem personagem feminina criada por um autor masculino É claro ocorria também a identificação com per sonagens masculinos Jefferson por exemplo seguia avidamente a 58 sorte de Tristram Shandy 175967 de Sterne e do alter ego de Sterne Yorick em Uma viagem sentimental 1768 As escritoras tinham também os seus entusiastas tanto entre os leitores como entre as leitoras O abolicionista e reformador penal francês Jac quesPierre Brissot citava Júlia constantemente mas o seu roman ce inglês favorito era Cecília 1782 de Fanny Burney C o m o o exemplo de Burney confirma entretanto as personagens femini nas possuíam uma posição elevada todos os seus três romances tinham os nomes das heroínas apresentadas 3 2 As heroínas eram convincentes porque a sua busca de auto nomia nunca podia ser plenamente bemsucedida As mulheres tinham poucos direitos legais sem os pais ou maridos Os leitores achavam a busca de independência da heroína especialmente comovente porque logo compreendiam as restrições que essa mulher inevitavelmente enfrentava N u m final feliz Pamela se casa com o sr B e aceita os limites implícitos de sua liberdade Em contraste Clarissa morre em vez de se casar com Lovelace depois que ele a estupra Embora Júlia pareça aceitar a imposição do pai renunciando ao homem que ama ela também morre na cena final Alguns críticos modernos têm visto masoquismo ou martírio nessas histórias mas os contemporâneos podiam ver outras carac terísticas Tanto os leitores como as leitoras se identificavam com essas personagens porque as mulheres demonstravam muita força de vontade muita personalidade Os leitores não queriam apenas salvar as heroínas queriam ser como elas até mesmo como Clarissa e Júlia apesar de suas mortes trágicas Quase toda a ação nos três romances gira em torno de expressões da vontade femi nina em geral uma vontade que tem de se atritar com restrições dos pais e da sociedade Pamela deve resistir ao sr B para manter o seu senso de virtude e o seu senso de individualidade e a sua resis tência acaba por conquistálo Clarissa se mantém firme contra sua família e depois contra Lovelace por razões bem parecidas e no 59 final Lovelace quer desesperadamente casarse com Clarissa uma oferta que ela recusa Júlia deve desistir de SaintPreux e aprender a amar a sua vida com Wolmar a luta é toda sua Em cada romance tudo remete ao desejo de independência da heroína As ações dos personagens masculinos só servem para realçar essa vontade femi nina Os leitores que sentiam empatia pelas heroínas aprendiam que todas as pessoas até as mulheres aspiravam a uma maior autonomia e experimentavam imaginativamente o esforço psico lógico que a luta acarretava Os romances do século xvin refletiam uma preocupação cul tural mais profunda com a autonomia Os filósofos do Iluminismo acreditavam firmemente que tinham sido pioneiros nessa área no século XVIII Quando falavam de liberdade queriam dizer autono mia individual quer fosse a liberdade de expressar opiniões ou praticar a religião escolhida quer a independência ensinada aos meninos se fossem seguidos os preceitos de Rousseau no seu guia educativo Emilio 1762 A narrativa iluminista da conquista da autonomia atingiu o seu ápice no ensaio de 1784 de Immanuel Kant O que é o Iluminismo Ele o definiu celebremente como a humanidade saindo da imaturidade em que ela própria incorreu A imaturidade ele continuava é a incapacidade de empregar a própria compreensão sem a orientação de outro O Iluminismo para Kant significava autonomia intelectual a capacidade de pen sar por si mesmo A ênfase do Iluminismo sobre a autonomia individual nasceu da revolução no pensamento político do século XVII iniciada por Hugo Grotius e John Locke Eles tinham argumentado que o acordo social de um h o m e m autônomo com outros indivíduos também autônomos era o único fundamento possível da autori dade política legítima Se a autoridade justificada pelo direito divino pela escritura e pela história devia ser substituída por um contrato entre homens autônomos então os meninos tinham de 60 ser ensinados a pensar por si mesmos Assim a teoria educacional modelada de forma muito influente por Locke e Rousseau deslo couse de uma ênfase na obediência reforçada pelo castigo para o ultivo cuidadoso da razão como o principal movimento da inde xe udência Locke explicava a importância das novas práticas em Pensamentos sobre a educação 1693 Devemos cuidar para que nossos filhos quando crescidos sejam como nós próprios Ireferimos ser considerados criaturas racionais e ter nossa liber dade não gostamos de nos sentir constrangidos sob constantes repreensões e intimidações Como Locke reconhecia a autono mia política e intelectual dependia de educar as crianças no seu caso tanto os meninos como as meninas segundo novas regras a autonomia requeria uma nova relação com o m u n d o e não apenas novas ideias 3 4 Ter pensamentos e decisões próprios requeria assim tanto mudanças psicológicas e políticas como filosóficas Em Emílio Rousseau pedia que as mães ajudassem a construir paredes psico lógicas entre os seus filhos e todas as pressões sociais e políticas externas Montem desde cedo ele recomendavaum cercado ao redor da alma de seu filho O pregador e panfletário político inglês Richard Price insistia em 1776 ao escrever em apoio aos colonos americanos que um dos quatro aspectos gerais da liberdade era a liberdade física esse princípio da Espontaneidade ou Autodeter minação que nos torna Agentes Para ele a liberdade era sinônimo de autodireção ou autogoverno a metáfora política nesse caso sugerindo uma metáfora psicológica mas as duas eram intima mente relacionadas 3 5 Os reformadores inspirados pelo Iluminismo queriam ir além de proteger o corpo ou cercar a alma c o m o recomendava Rousseau Exigiam uma ampliação do âmbito da tomada de deci são individual As leis revolucionárias francesas sobre a família demonstram a profundidade da preocupação sentida em relação 61 às limitações tradicionais impostas à independência Em março de 1790 a nova Assembleia Nacional aboliu a primogenitura que dava direitos especiais de herança ao primeiro filho e as infames lettres de cachet que permitiam às famílias encarcerar as crianças sem julgamento Em agosto do mesmo ano os deputados estabe leceram conselhos de família para ouvir as disputas entre pais e filhos até a idade de vinte anos em vez de permitir aos pais o con trole exclusivo sobre os seus filhos Em abril de 1791 a Assembleia decretou que todas as crianças meninos e meninas deviam herdar igualmente Depois em agosto e setembro de 1792 os deputados diminuíram a idade da maioridade de 25 para 21 anos declararam que os adultos já não podiam estar sujeitos à autoridade paterna e instituíram o divórcio pela primeira vez na história francesa tor nandoo acessível tanto para os homens como para as mulheres pelos mesmos motivos legais Em suma os revolucionários fize ram tudo o que foi possível para expandir as fronteiras da autono mia pessoal 3 6 Na GrãBretanha e em suas colônias norteamericanas o desejo de maior autonomia pode ser mais facilmente retraçado em autobiografias e romances do que na lei ao menos antes da Revo lução Americana De fato em 1753 a Lei do Casamento tornou ile gais na Inglaterra os casamentos daqueles abaixo de 21 anos a menos que o pai ou o guardião consentisse Apesar dessa reafirma ção da autoridade paterna a antiga dominação patriarcal dos maridos sobre as esposas e dos pais sobre os filhos declinou no século xvm De Robinson Crusoé 1719 de Daniel Defoe à Auto biografia escrita entre 1771 e 1788 de Benjamin Franklin os escritores ingleses e americanos celebraram a independência como uma virtude cardinal O romance de Defoe sobre o mari nheiro naufragado fornecia um manual sobre como um h o m e m podia aprender a se defender sozinho Não é surpreendente por tanto que Rousseau tenha tornado o romance de Defoe leitura 62 obrigatória para o jovem Emílio ou que Robinson Crusoétenha sido publicado pela primeira vez nas colônias americanas em 1774 bem no meio do nascimento da crise da independência Robinson Crusoé foi um dos bestsellers coloniais americanos de 1775 só rivalizado por Cartas de lorde Chesterfield a seu filho e O legado de um pai a suas filhas de John Gregory popularizações das v isões de Locke sobre a educação de meninos e meninas 3 7 As tendências na vida das pessoas reais se moviam na mesma direção ainda que de forma mais hesitante Os jovens esperavam cada vez mais poder fazer as suas próprias escolhas de casamento embora as famílias ainda exercessem grande pressão sobre eles i omo podia ser observado nos romances com enredos que giram em torno desse ponto por exemplo Clarissa As práticas de criar as crianças também revelam mudanças sutis de atitude Os ingle ses abandonaram o costume de enrolar os bebês em panos antes dos franceses a Rousseau podese dar um considerável crédito I nrr dissuadir os franceses desse hábito mas mantiveram por mais lempo o de bater nos meninos na escola Na década de 1750 as famílias aristocráticas inglesas tinham deixado de usar correias para guiar o caminhar de seus filhos desmamavam os bebês mais cedo e como as crianças já não eram enroladas em panos ensina vam mais cedo o uso do banheiro na hora de fazer as necessidades ludo sinal de uma ênfase crescente na independência 3 8 Entretanto a história era às vezes mais confusa O divórcio na Inglaterra ao contrário de outros países protestantes era virtual mente impossível no século xvm entre 1700 e 1857 quando a Lei das Causas Matrimoniais estabeleceu um tribunal especial para ouvir casos de divórcio apenas 325 divórcios foram concedidos pela lei privada do Parlamento na Inglaterra no País de Gales e na Irlanda Embora o número de divórcios tivesse de fato crescido de catorze na primeira metade do século x v m para 117 na segunda metade o divórcio estava para todos os efeitos limitado a h o m e n s 63 aristocratas pois os motivos exigidos tornavam quase impossível a obtenção do divórcio para as mulheres Os números indicam apenas 234 divórcios concedidos por ano na segunda metade do século xviii Depois que os revolucionários franceses instituíram o divórcio em contraste 20 mil divórcios foram concedidos na França entre 1792 e 1803 ou 1800 por ano As colônias britânicas na América do Norte seguiam em geral a prática inglesa de proibir o divórcio mas permitir alguma forma de separação legal porém após a independência as petições de divórcio começaram a ser aceitas pelos novos tribunais na maioria dos estados Estabele cendo uma tendência depois repetida na França revolucionária as mulheres protocolaram a maioria das petições de divórcio nos pri meiros anos da independência dos novos Estados Unidos 3 9 Em notas escritas em 1771 e 1772 sobre um caso legal de divórcio Thomas Jefferson ligava claramente o divórcio aos direi tos naturais O divórcio devolveria às mulheres o seu direito natu ral de igualdade Ele insistia que por sua própria natureza os con tratos por consentimento m ú t u o deviam ser dissolúveis se uma das partes quebrasse o a c o r d o o mesmo argumento que os revo lucionários franceses usariam em 1792 Além disso a possibili dade do divórcio legal assegurava a liberdade de afeição também um direito natural Na busca da felicidade tornada famosa pela Declaração da Independência estaria incluído o direito ao divór cio porque a finalidade do casamento é a Reprodução a Felici dade O direito à busca da felicidade requeria portanto o divór cio Não é por acaso que Jefferson apresentaria argumentos semelhantes para um divórcio entre as colônias americanas e a GrãBretanha quatro anos mais tarde 4 0 A medida que pressionavam pela expansão da autodetermi nação as pessoas do século xvm defrontavamse com um dilema o que propiciaria a origem da comunidade nessa nova ordem que intensificava os direitos do indivíduo U m a coisa era explicar 6 4 como a moralidade podia ser derivada da razão humana e não da Sagrada Escritura ou como a autonomia devia ser preferida à obe iliência cega Mas era outra coisa completamente diferente conci liar esse indivíduo orientado para si mesmo com o bem comum s filósofos escoceses de meados do século puseram a questão da comunidade secular no centro da sua obra e apresentaram u m a resposta filosófica que repercutia a prática da empatia ensinada pelo romance Os filósofos como as pessoas do século xvm de modo mais geral chamavam a sua resposta de simpatia Usei o ermo empatia porque apesar de ter entrado no vernáculo ape nas no século xx ele capta melhor a vontade ativa de se identificar com os outros Simpatia agora significa frequentemente piedade que pode implicar condescendência um sentimento incompatí vel com um verdadeiro sentimento de igualdade 4 1 A palavra simpatia tinha um significado muito amplo no século xvm Para Francis Hutcheson a simpatia era uma espécie de sentido u m a faculdade moral Mais nobre do que a visão ou a audição sentidos partilhados com os animais porém menos nobre do que a consciência a simpatia ou sentimento de solidarie dade tornava a vida social possível Pela força da natureza humana anterior a qualquer raciocínio a simpatia atuava como uma espé cie de força gravitacional social para trazer as pessoas para fora de si mesmas A simpatia assegurava que a felicidade não podia ser definida apenas pela autossatisfaçãoPor uma espécie de contágio ou infecção concluía Hutcheson todos os nossos prazeres mesmo aqueles do tipo mais inferior são estranhamente intensifi cados pelo fato de serem partilhados com os outros 4 2 Adam Smith autor de A riqueza das nações 1776 e aluno de I lutcheson dedicou u m a de suas primeiras obras à questão da simpatia No capítulo inicial da sua Teoria dos sentimentos morais 1759 ele usa o exemplo da tortura para chegar à maneira como a simpatia opera O que nos faz sentir compaixão pelo sofrimento 65 de alguém que está sendo torturado Ainda que o sofredor seja um irmão nunca podemos experimentar diretamente o que ele sente Podemos apenas nos identificar com o seu sofrimento por meio da nossa imaginação que nos coloca a nós próprios na sua situação suportando os mesmos tormentos como que entramos no seu corpo e nos tornamos em alguma medida ele próprio Esse processo de identificação imaginativasimpatiapermite que o observa dor sinta o que a vítima da tortura sente O observador só é capaz de se tornar um ser verdadeiramente moral entretanto quando dá o próximo passo e compreende que ele também é passível dessa iden tificação imaginativa Quando consegue ver a si próprio como o objeto dos sentimentos dos outros é capaz de desenvolver dentro de si mesmo um espectador imparcial que serve como sua bússola moral A autonomia e a simpatia portanto andam juntas para Smith Apenas uma pessoa autônoma pode desenvolver um espec tador imparcial dentro de si mesma mas ela só pode fazêlo explica Smith caso se identifique com os outros primeiro 1 1 A simpatia ou a sensibilidade o último termo era muito mais difundido em francês tiveram uma ressonância cultural ampla nos dois lados do Atlântico na última metade do século XVIII Thomas Jefferson lia Hutcheson e Smith embora tivesse citado especificamente o romancista Laurence Sterne como aquele que oferecia o melhor curso de moralidade Dada a ubi quidade de referências a simpatia e sensibilidade no m u n d o atlân tico não parece acidental que o primeiro romance escrito por um americano publicado em 1789 tivesse como título The Power of Sympathy A simpatia e a sensibilidade permeavam de tal modo a literatura a pintura e até a medicina que alguns médicos começa ram a se preocupar com um excesso dessas faculdades que eles receavam poder levar à melancolia à hipocondria ou aos vapo res Os médicos achavam que as damas desocupadas as leitoras eram especialmente suscetíveis 4 4 66 A simpatia e a sensibilidade atuavam em favor de muitos gru pos não emancipados mas não das mulheres Capitalizando o sucesso do romance em invocar novas formas de identificação psi ológica os primeiros abolicionistas encorajavam os escravos libertos a escrever suas autobiografias romanceadas às vezes par ialmente fictícias a fim de ganhar adeptos para o movimento nas i ente Os males da escravidão adquiriram vida quando foram des critos em primeira mão por homens como Olaudah Equiano cujo livro The Inter estingNar rative ofthe Life of Olaudah Equiano or iustavus Vassa TheAfrican Written by Himselffoi publicado pela primeira vez em Londres em 1789 Mas a maioria dos abolicionis tas deixou de relacionar sua causa com os direitos das mulheres I cpois de 1789 muitos revolucionários franceses assumiriam posições públicas e vociferantes em favor dos direitos dos protes tantes judeus negros livres e até escravos ao mesmo tempo que se oporiam ativamente a conceder direitos às mulheres Nos novos listados Unidos embora a escravidão se apresentasse imediata mente como tema para um debate acalorado os direitos das mu lheres provocavam ainda menos comentário público do que na fiança As mulheres não obtiveram direitos políticos iguais em nenhum lugar antes do século xx 4 5 As pessoas do século xvin como quase todo m u n d o na histó ria humana antes delas viam as mulheres como dependentes um estado definido pelo seu status familiar e assim por definição não plenamente capazes de autonomia política Elas podiam lutar pela iiiIodeterminação como uma virtude privada moral sem estabe lei er ligação com os direitos políticos Tinham direitos mas não I io I í ticos Essa visão se tornou explícita quando os revolucionários limceses redigiram u m a nova Constituição em 1789 O abade I 1 1 1 1 nanuelJoseph Sieyès um intérprete ilustre da teoria constitu I onal explicava a distinção emergente entre os direitos naturais e civis de um lado e os direitos políticos de outro Todos os habi 67 tantes de um país inclusive as mulheres possuíam os direitos de um cidadão passivo o direito à proteção de sua pessoa proprie dade e liberdade Mas nem todos eram cidadãos ativos sustentava ele com direito a participar diretamente das atividades públicas As mulheres ao menos no presente estado as crianças os estran geiros aqueles que não contribuem para manter a ordem pública eram definidos como cidadãos passivos A ressalva de Sieyès ao menos no presente estado deixava u m a pequena brecha para mudanças futuras nos direitos das mulheres Outros tentariam explorar essa brecha mas sem sucesso no curto prazo 4 6 Os poucos que de fato defendiam os direitos das mulheres no século xviii eram ambivalentes a respeito dos romances Os oposi tores tradicionais dos romances acreditavam que as mulheres eram especialmente suscetíveis ao enlevo da leitura sobre o amor e até os defensores dos romances como Jefferson preocupavam se com os seus efeitos sobre as jovens Em 1818 um Jefferson muito mais velho do que aquele entusiasmado com seus romancistas pre feridos em 1771 alertava sobre a paixão desregrada por roman ces entre as moças O resultado é uma imaginação intumescida e um juízo doentio Não é surpreendente portanto que os defen sores ardentes dos direitos das mulheres levassem essas suspeitas a sério Como jefferson Mary Wollstonecraft a mãe do feminismo moderno contrastou explicitamente a leitura de romances o único tipo de leitura calculado para atrair uma inteligência ino cente e frívola com a leitura de história e com a compreensão racional ativa de modo mais geral No entanto a própria Wollsto necraft escreveu dois romances centrados em heroínas resenhou muitos romances na imprensa e a eles se referia constantemente na sua correspondência Apesar de suas objeções às prescrições de Rousseau para a educação feminina em Emílio ela leu avidamente Júlia e usava expressões lembradas de Clarissa e dos romances de Sterne para transmitir suas próprias emoções nas cartas 4 7 68 Aprender a sentir empatia abriu o caminho para os direitos humanos mas não assegurava que todos seriam capazes de seguir imediatamente esse caminho Ninguém compreendeu isso me I hor nem se afligiu mais a esse respeito do que o autor da Declara ção da Independência Numa carta de 1802 ao clérigo cientista e reformador inglês Joseph Priestley Jefferson exibiu o exemplo americano para o m u n d o inteiro É impossível não ter consciên cia de que estamos agindo por toda a humanidade de que circuns tâncias negadas a outros mas a nós concedidas impuseramnos o dever de experimentar qual é o grau de liberdade e autogoverno que uma sociedade pode se arriscar a conceder a seus indivíduos lefferson pressionava pelo mais elevado grau de liberdade ima gj nável o que para ele significava abrir a participação política para lautos homens brancos quanto fosse possível e talvez eventual mente até para os índios se eles pudessem ser transformados em ricultores Embora reconhecesse a humanidade dos negros e até OS direitos dos escravos como seres humanos não imaginava um estado em que eles ou as mulheres de qualquer cor tivessem parte al iva Mas esse era o mais elevado grau de liberdade imaginável pa ra a imensa maioria dos americanos e europeus mesmo 24 anos mais tarde no dia da morte de Jefferson 4 8 69 2 Ossos dos seus ossos Abolindo a tortura Em 1762 no mesmo ano em que Rousseau usou pela primei ra vez o termo direitos do homem um tribunal na cidade de Tou louse no sul da França condenou um protestante francês de 64 anos chamado Jean Calas por assassinar seu filho para impedir que ele se convertesse ao catolicismo Os juízes condenaram Jean à morte pelo suplício da roda Antes da execução Calas primeiro teve de suportar uma tortura judicialmente supervisionada conhecida como a questão preliminar que se destinava a conse guir que aqueles já condenados nomeassem seus cúmplices Com os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele Calas foi esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava fir memente seus braços para cima enquanto um peso de ferro man tinha os pés no lugar figura 3 Quando Calas se recusou a forne cer nomes depois de duas aplicações foi atado a um banco e jarros de água foram despejados à força pela sua garganta enquanto a boca era mantida aberta por dois pauzinhos figura 4 Pressio nado de novo a citar nomes dizse que ele respondeu Onde não há crime não pode haver cúmplices 7 IIGURA3 Tortura judicial E quase impossível encontrar representações da tortura judicialmente sancionada Esta xilografía de página inteira do século xvi 216 x 144 cm tem o objetivo de mostrar um método empregado em Toulouse que se parece com o sofrido por Jean Calas dois séculos mais tarde É uma versão da tortura judicial mais comumente usada na Europa chamada strap mdo nome derivado da palavra italiana para puxão ou rasgão violento FIGURA 4 Tortura pela água A xilografía do século xvi 216 x 144 cm mostra um método francês de tortura pela água Não é exatamente o mesmo que Calas sofreu mas chega perto o suficiente para transmitir a ideia geral A morte não se seguia imediatamente nem se pretendia que assim fosse O suplício da roda reservado aos homens condenados por homicídio ou assalto na estrada ocorria em dois estágios Pri meiro o carrasco atava o condenado a uma cruz em forma de X e esmagava sistematicamente os ossos de seus antebraços pernas coxas e braços desferindo em cada um deles dois golpes brutais lor meio de um sarilho preso à corda ao redor do pescoço do con denado um assistente embaixo do cadafalso então deslocava as vértebras do pescoço com puxões violentos na corda Enquanto isso o carrasco fustigava a cintura com três golpes fortes da vara de ferro Depois o carrasco descia o corpo quebrado e o prendia com os membros torturantemente inclinados para trás a uma roda de carruagem em cima de um poste de três metros Ali o condenado permanecia bastante tempo depois da morte concluindo u m espetáculo muito terrível N u m a instrução secreta o tribunal concedeu a Calas a graça de ser estrangulado depois de duas horas de tormento antes que seu corpo fosse ligado à roda Calas morreu ainda protestando inocência O caso Calas galvanizou a atenção quando foi adotado por Voltaire alguns meses depois da execução Voltaire arrecadou d inheiro para a família escreveu cartas em nome de vários membros da família Calas com o intuito de apresentar suas visões originais dos latos e depois publicou um panfleto e um livro baseados no caso O mais famoso desses foi o seu Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de Jean Calas no qual ele usou pela primeira vez a expressão direito humano o ponto principal de seu argumento era que a intolerância não podia ser um direito humano ele não propunha o argumento positivo de que a liberdade de religião era um direito 11 umano Voltaire não protestou inicialmente nem contra a tortura nem contra o suplício da roda O que o enfureceu foi o fanatismo religioso que ele concluiu ter motivado a polícia e os juízes É impossível ver como seguindo esse princípio o direito humano 73 um h o m e m pode dizer a outro acredite no que eu acredito e no que você não pode acreditar senão vai morrer É assim que eles falam em Portugal Espanha e Goa países infames pelas suas inquisições 2 Como o culto calvinista público tinha sido proibido na França desde 1685 as autoridades aparentemente não precisavam se esfor çar muito para acreditar que Calas tivesse matado o filho para impedir a sua conversão ao catolicismo Certa noite depois do jan tar a família tinha encontrado MareAntoine pendendo num vão de porta que abria para uma despensa nos fundos da casa um apa rente suicídio Para evitar o escândalo afirmaram ter descoberto o corpo no chão presumivelmente vítima de assassinato O suicídio era punível pela lei na França uma pessoa que cometesse suicídio não podia ser enterrada em chão consagrado e se considerada cul pada n u m julgamento o corpo podia ser exumado arrastado pela cidade pendurado pelos pés e atirado no lixo A polícia se aproveitou das incoerências no testemunho da família e logo prendeu o pai a mãe e o irmão junto com seu criado e um visitante acusando todos de assassinato Um tribunal local condenou o pai a mãe e o irmão à tortura para obter confissões de culpa chamada a questão preparatória mas na apelação o Par lement de Toulouse revogou a sentença do tribunal local recu souse a aplicar a tortura antes da condenação e considerou cul pado apenas o pai esperando que ele nomeasse os outros quando torturado pouco antes da sua execução A publicidade inexorável dada por Voltaire ao caso valeu para o resto da família que ainda não tinha sido inocentada O Conselho Real primeiro anulou os veredictos por razões técnicas em 1763 e 1764 e depois em 1765 votou a favor da absolvição de todos os envolvidos e da devolução dos bens confiscados da família Durante a tempestade a respeito do caso Calas o foco de aten Parlement corte de justiça NT 74 ção de Voltaire começou a mudar e cada vez mais o próprio sis tema de justiça criminal e especialmente o seu emprego da tortura e da crueldade passou a ser criticado Nos seus textos iniciais sobre Calas em 17623 Voltaire não usou nem uma única vez o t e r m o geral tortura empregando em seu lugar o eufemismo legal a questão Ele denunciou a tortura judicial pela primeira vez em 1766 e depois estabeleceu frequentemente a ligação entre Calas e a tortura A compaixão natural leva todo m u n d o a detestar a cruel dade da tortura judicial insistia Voltaire embora ele próprio não tivesse dito essas palavras antes A tortura tem sido abolida em utros países e com sucesso a questão está portanto decidida As visões de Voltaire mudaram tanto que em 1769 ele se sentiu com pelido a acrescentar um artigo sobre Tortura a seu Dicionário filosófico publicado pela primeira vez em 1764 e já no índex papal tios livros proibidos No artigo Voltaire emprega a sua alternância habitual do ridículo e do ataque fulminante para condenar as prá ticas francesas como incivilizadas os estrangeiros julgam a França pelas suas peças teatrais romances versos e belas atrizes sem saber que não há nação mais cruel que a França Uma nação civilizada conclui Voltaire já não pode seguir antigos costumes atrozes O c i ue há muito tempo tinha parecido aceitável a ele e a muitos outros passava a ser posto em dúvida 3 Assim como aconteceu com os direitos humanos de m o d o mais geral as novas atitudes sobre a tortura e sobre uma punição mais humana se cristalizaram primeiro na década de 1760 n ã o i penas na França mas em outros países europeus e nas colônias americanas Frederico o Grande da Prússia amigo de Voltaire já linha abolido a tortura judicial nas suas terras em 1754 Outros imitaram seu exemplo nas décadas seguintes a Suécia em 1772 a Áustria e a Boêmia em 1776 Em 1780 a monarquia francesa eli minou o uso da tortura para extrair confissões de culpa antes da i ondenação e em 1788 aboliu provisoriamente o uso da tortura 75 pouco antes da execução para obter os nomes de cúmplices Em 1783 o governo britânico descontinuou a procissão pública para Tyburn onde as execuções tinham se tornado um importante entretenimento popular e introduziu o uso regular da queda uma plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para asse gurar enforcamentos mais rápidos e mais humanos Em 1789 o governo revolucionário francês renunciou a todas as formas de tor tura judicial e em 1792 introduziu a guilhotina que tinha a inten ção de tornar a execução da pena de morte uniforme e tão indolor quanto possível No final do século xvm a opinião pública parecia exigir o fim da tortura judicial e de muitas indignidades infligidas aos corpos dos condenados Como o médico americano Benjamin Rush insistia em 1787 não devemos esquecer que até os criminosos possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos e conhecidos São ossos dos seus ossos 4 T O R T U R A E C R U E L D A D E A tortura judicialmente supervisionada para extrair confis sões tinha sido introduzida ou reintroduzida na maioria dos paí ses europeus no século XIII como consequência do refloresci mento da lei romana e do exemplo da Inquisição católica Nos séculos xvi xvii e Xvm muitas das mais refinadas inteligências legais da Europa dedicaramse a codificar e regularizar o uso da tortura judicial para impedir abusos perpetrados por juízes exage radamente zelosos ou sádicos A GrãBretanha tinha suposta mente substituído a tortura judicial pelos júris no século XIII mas a tortura ainda ocorria nos séculos xvi e XVII nos casos de sedição e feitiçaria Contra as bruxas por exemplo os magistrados escoce ses mais severos empregavam ferroadas privação de sono tortura pelas botas esmagar as pernas queimaduras com ferro em brasa e outros métodos A tortura para obter os nomes de cúmpli ces era permitida pela lei colonial de Massachusetts mas aparente mente nunca era ordenada 5 As formas brutais de punição depois da condenação eram ubíquas na Europa e nas Américas Embora a Bill ofRights britâ nica de 1689 proibisse expressamente o castigo cruel osjuízes ainda sentenciavam os criminosos ao poste dos açoites ao banco dos afogamentos ao tronco ao pelourinho ao ferro de marcar à execução por arrastamento e esquartejamento desmembra mento do corpo por meio de cavalos ou para as mulheres arras lamento esquartejamento e morte na fogueira O que constituía uma punição cruel dependia claramente das expectativas cultu rais Foi somente em 1790 que o Parlamento britânico proibiu queimar as mulheres na fogueira Antes entretanto havia aumen tado dramaticamente o número de ofensas capitais que segundo algumas estimativas triplicou no século xvm e em 1753 tinha con tribuído para tornar as punições por assassinato ainda mais hor ríveis a fim de aumentar seu poder de dissuasão O Parlamento também ordenou que os corpos de todos os assassinos fossem entregues a cirurgiões para dissecação naquele tempo conside rada uma ignomínia e concedeu aos juízes a autoridade discri cionária de ordenar que o corpo de qualquer assassino masculino fosse dependurado acorrentado depois da execução Apesar do crescente desconforto com esse escarnecer do cadáver dos assassi nos a prática só foi definitivamente abolida em 1834 Não surpreende que a punição nas colónias tenha seguido os padrões estabelecidos no centro imperial Assim um terço de todas as sentenças na Corte Superior de Massachusetts mesmo na última metade do século xvm exigia humilhações públicas que iam desde usar cartazes até a perda de uma orelha a marcação a ferro e o açoite Um contemporâneo em Boston descreveu como as mulheres eram tiradas de uma imensa jaula na qual eram arras 77 76 tadas sobre rodas desde a prisão e atadas n u m poste com as costas nuas nas quais eram aplicadas trinta ou quarenta chicotadas entre os gritos das culpadas e o tumulto da turba A Bill ofRights britâ nica não protegia os escravos porque eles não eram considerados pessoas com direitos legais Virginia e Carolina do Norte permitiam expressamente a castração de escravos por ofensas hediondas e em Maryland nos casos de pequena traição ou incêndio criminoso por parte de um escravo a mão direita era cortada e o escravo depois enforcado a cabeça cortada o corpo esquartejado e as partes des membradas exibidas em público Ainda na década de 1740 os escravos em Nova York podiam ser queimados até a morte de forma torturantemente lenta supliciados na roda ou dependurados por correntes até morrerem por falta de alimento 7 A maioria das sentenças determinadas pelos tribunais france ses na última metade do século xvin ainda incluía alguma forma de castigo corporal público como a marcação a ferro o açoite ou o uso do colarinho de ferro que ficava preso a um poste ou ao pelou rinho figura 5 No mesmo ano em que Calas foi executado o Parlementde Paris sentenciou apelações de processos penais con tra 235 homens e mulheres julgados em primeira instância no tri bunal de Châtelet um tribunal de instância inferior de Paris 82 foram sentenciados ao banimento e à marcação a ferro em geral combinados com açoites nove à mesma combinação mais o cola rinho de ferro dezenove à marcação a ferro e ao aprisionamento vinte ao confinamento no Hospital Geral depois de serem mar cados a ferro eou terem de usar o colarinho de ferro doze ao enforcamento três ao suplício da roda e um a morrer queimado O Parlementde Paris era a mais alta corte de justiça do Antigo Regime NT Fundado por Luís xiv o Hospital Geral servia para recolher marginais indigentes etc N T Le véritable PorlraiiiTtre dâpres nature sur Lh Place du Palais RoyildEmmanuel Jean de là Caste cotndamné par Jugement souverain de M vie Lieutenant G de Police dii28Jaul 1760 au Carcan pendant 3Jaurs a Ittmanpl et aux Galères a perpétuité FIGURA 5 O colarinho de ferro A ideia deste castigo era uma humilhação pública Esta reprodução de um artista anônimo mostra um homem condenado por fraude e libelo em 1760 Segundo a legenda ele foi primeiro preso ao colarinho de ferro por três dias e depois marcado a ferro e enviado às galés para o resto da vida na fogueira Se todos os outros tribunais de Paris fossem incluídos na conta o número de humilhações públicas e mutilações aumenta ria para quinhentas ou seiscentas com umas dezoito execuções em apenas um ano numa única jurisdição 8 A pena de morte podia ser imposta de cinco maneiras dife rentes na França decapitação para os nobres enforcamento para os criminosos comuns arrastamento e esquartejamento por ofen sas contra o soberano conhecidas como lèsemajesté morte na fogueira por heresia magia incêndio criminoso envenenamento bestialidade e sodomia e o suplício da roda por assassinato ou sal teamento Os juízes ordenavam arrastamento e esquartejamento e morte na fogueira com pouca frequência no século xvili mas o suplício da roda era muito comum na jurisdição do Parlementde AixenProvence no sul da França por exemplo quase a metade das 53 sentenças de morte impostas entre 1760 e 1762 era pelo suplício da roda Mas da década de 1760 em diante campanhas de vários tipos levaram à abolição da tortura sancionada pelo estado e a uma cres cente moderação nos castigos até para os escravos Os reforma dores atribuíam suas realizações à difusão do humanitarismo do Iluminismo Em 1786 o reformador inglês Samuel Romilly olhou para trás e afirmou cheio de confiança que à medida que os homens refletem e raciocinam sobre esse tema importante as noções absurdas e bárbaras de justiça que prevaleceram por eras têm sido demolidas e têm sido adotados princípios humanos e racionais em seu lugar Muito do impulso imediato para pensar sobre o assunto veio do curto e vigoroso Dos delitos e das penas publicado em 1764 por um aristocrata italiano de 24 anos Cesare Beccaria Promovido pelos círculos em torno de Diderot tradu zido rapidamente para o francês e o inglês e avidamente lido por Voltaire no decorrer do caso Calas o pequeno livro de Beccaria examinava o sistema de justiça criminal de cada nação O sistema 8o italiano recente não rejeitava apenas a tortura e o castigo cruel mas t a m b é m n u m a atitude extraordinária para a é p o c a a própria pena de morte Contra o poder absoluto dos governantes a orto doxia religiosa e os privilégios da nobreza Beccaria propunha um padrão democrático de justiça a maior felicidade do maior número Virtualmente todo reformador a partir de então de Phi ladelphia a Moscou o citava 1 Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento Para ele a pena de morte só podia ser perniciosa para a sociedade pelo exemplo de barbárie que proporciona e ao objetar a tor mentos e crueldade inútil na punição ele os ridicularizava como o instrumento de um fanatismo furioso Além disso ao justificar a sua intervenção ele expressava a esperança de que se eu contri buir para salvar da agonia da morte uma vítima infeliz da tirania ou da ignorância igualmente fatal a sua bênção e lágrimas de êxtase serão para m i m um consolo suficiente para o desprezo de toda a humanidade Depois de ler Beccaria o jurista inglês Wil liam Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria caracterís tica após a visão do Iluminismo a lei criminal afirmava Black stone deve sempre se conformar aos ditados da verdade e da justiça aos sentimentos humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade Entretanto como mostra o exemplo de Voltaire a elite edu cada e até muitos dos principais reformadores não compreendeu imediatamente a conexão entre a linguagem nascente dos direitos e a tortura e o castigo cruel Voltaire escarneceu do malogro da jus tiça no caso Calas mas não objetou originalmente ao fato de que o velho fora torturado ou supliciado na roda Se a compaixão natu ral leva todo m u n d o a detestar a crueldade da tortura judicial como Voltaire disse mais tarde por çue isso não era óbvio antes da década de 1760 nem mesmo para ele Evidentemente antolhos de 8l algum tipo haviam atuado para inibir a operação da empatia antes desse período 1 2 Quando os escritores e os reformadores legais do Iluminismo começaram a questionar a tortura e a punição cruel ocorreu uma viravolta quase completa de atitude ao longo de algumas décadas A descoberta do sentimento de companheirismo constituía parte dessa mudança mas apenas parte O que era preciso além da empatia na verdade nesse caso uma precondição necessária para a empatia com o condenado pela justiçaera um novo inte resse pelo corpo humano Antes sagrado apenas dentro de uma ordem religiosamente definida em que os corpos individuais podiam ser mutilados ou torturados para o bem comum o corpo se tornou sagrado por si próprio n u m a ordem secular que se baseava na autonomia e inviolabilidade dos indivíduos Esse desenvolvimento ocorre em duas partes Os corpos ganharam um valor mais positivo quando se tornaram mais separados mais senhores de si mesmos e mais individualizados durante o desenro lar do século XVIII enquanto as violações dos corpos provocavam mais e mais reações negativas A P E S S O A A U T Ô N O M A Embora possa parecer que os corpos estão sempre inerente mente separados um do outro ao menos após o nascimento as fronteiras entre os corpos se tornaram mais nitidamente definidas depois do século xiv Os indivíduos se tornaram mais autônomos à medida que sentiam cada vez mais a necessidade de guardar para si mesmos os seus excretos corporais O limiar da vergonha bai xou enquanto a pressão por autocontrole aumentou O ato de defecar ou urinar em público tornouse cada vez mais repulsivo As pessoas começaram a usar lenços em vez de assoar o nariz com 82 as mãos Cuspir comer numa tigela comum e dormir numa cama com um estranho tornaramse atos repugnantes ou ao menos desagradáveis As explosões violentas de emoção e o comporta mento agressivo passaram a ser socialmente inaceitáveis Essas mudanças de atitude em relação ao corpo eram as indicações superficiais de uma transformação subjacente Todas assinalavam 0 advento do indivíduo fechado em si mesmo cujas fronteiras tinham de ser respeitadas na interação social A compostura e a autonomia requeriam uma crescente autodisciplina 1 3 As mudanças do século xviii nos espetáculos musicais e tea trais na arquitetura doméstica e na arte do retrato tiveram como base essas alterações de longo prazo nas atitudes Além disso essas novas experiências revelaramse cruciais para o surgimento da própria sensibilidade Nas décadas depois de 1750 em vez de cami nhar pelo teatro para encontrar e conversar com os amigos o público das óperas começou a escutar a música em silêncio o que 1 he facultava sentir fortes emoções individuais em reação à música Uma mulher contou a sua reação à ópera Alceste de Gluck que estreou em Paris em 1776 Escutei essa nova obra com uma pro funda atenção Desde os primeiros compassos fui invadida por um forte sentimento de admiração reverente e senti dentro de mim esse impulso religioso com tal intensidade que sem me dar conta caí de joelhos no meu camarote e permaneci nessa posi ção suplicante e com as mãos unidas até o final da peça A reação dessa mulher é especialmente notável porque ela a carta é assi nada Pauline de R traça um paralelo explícito com a experiên cia religiosa O fundamento de toda a autoridade estava se deslo cando de u m a estrutura religiosa transcendental para u m a estrutura humana interior mas esse deslocamento só podia fazer sentido para as pessoas se fosse experimentado de um modo pes soal até mesmo íntimo 1 4 Os frequentadores do teatro exibiam uma tendência maior 83 para as arruaças durante os espetáculos do que os amantes da música mas mesmo no teatro novas práticas anunciavam um futuro diferente em que as peças seriam representadas n u m a atmosfera semelhante a um silêncio religioso Durante grande parte do século xvin os espectadores parisienses coordenavam os atos de tossir cuspir espirrar e soltar gases para perturbar os espe táculos de que não gostavam e demonstrações públicas de em briaguez e de brigas interrompiam frequentemente as frases dos artistas Para colocar os espectadores a u m a distância maior e assim tornar mais difíceis as perturbações a possibilidade de se sentar no palco foi eliminada na França em 1759 Em 1782 os esforços para estabelecer a ordem na plateia ou parterre culmina ram na instalação de bancos na Comédie Française antes disso os espectadores na plateia andavam livremente nesse espaço e às vezes comportavamse mais como uma turba do que como um público Embora os bancos fossem acaloradamente contestados na imprensa da época e vistos por alguns como um ataque peri goso à liberdade e franqueza da plateia a direção dos acontecimen tos tinha se tornado clara as explosões coletivas deviam dar lugar a experiências interiores individuais e mais tranquilas 1 5 A arquitetura residencial reforçava esse sentido de separação do indivíduo A câmara chambre nas casas francesas tornouse cada vez mais especializada na segunda metade do século xvin A sala antes de finalidade geral transformouse no quarto de dor mir e nas famílias mais ricas as crianças tinham quartos de dor mir separados do de seus pais Dois terços das casas parisienses tinham quartos de dormir na segunda metade do século xvin enquanto apenas uma em sete tinha salas destinadas às refeições A elite da sociedade parisiense começou a insistir numa variedade de quartos para uso privado que iam desde os boudoirs que vem do francês bouâer para amuarse um quarto para expressar seu mau humor em privado à toalete e aos quartos de banho Ainda assim o movimento em direção à privacidade individual não deve ser exagerado ao menos na França Os viajantes ingleses queixa vamse incessantemente da prática francesa de três ou quatro estranhos dormirem n u m mesmo quarto n u m a hospedaria ainda que em camas separadas do uso de lavatórios à vista de todos do ato de urinar na lareira e do de jogar o conteúdo dos peni cos na rua pelas janelas As suas queixas atestam entretanto um processo em andamento em ambos os países Na Inglaterra um novo exemplo notável era o circuito de caminhada no jardim desenvolvido nas grandes propriedades rurais entre as décadas de 1740 e 1760 o circuito fechado com suas vistas e monumentos cuidadosamente escolhidos destinavase a intensificar a contem plação e a recordação privadas 1 6 Os corpos sempre tinham sido centrais para a pintura euro peia mas antes do século XVII eram com muita frequência os cor pos da Sagrada Família dos santos católicos ou dos governantes e seus cortesãos No século XVII e especialmente no xvin mais pes soas comuns começaram a encomendar pinturas de si mesmas e de suas famílias Depois de 1750 as exposições públicas regulares elas próprias uma nova característica da vida social apresenta vam números crescentes de retratos de pessoas comuns em Lon dres e Paris mesmo que a pintura histórica ainda ocupasse oficial mente a posição de premier genre Nas colônias britânicas na América do Norte a arte do retrato dominava as artes visuais em parte porque as tradições políticas e eclesiásticas europeias tinham menor peso A importância dos retratos só fez crescer nas colônias no século xvin quatro vezes mais retratos foram pintados nas colônias entre 1750 e 1776 do que entre 1700 e 1750 e muitos desses retratos representavam cidadãos comuns e proprietários de terras figura 6 Quando a pintura histórica ganhou nova proeminência na França sob a Revolução e o Império Napoleónico os retratos ainda constituíam s FIGURA 6 Retrato do capitão John Pigott feito por Joseph Blackburn Como muitos artistas ativos nas colônias americanas Joseph Blackburn nasceu e foi muito provavelmente educado na Inglaterra antes de ir para Bermuda em 1752 e no ano seguinte para Newport em Rhode Island Depois de pintar muitos retratos em Newport Boston e Portsmouth em New Hampshire ele retornou para a Inglaterra em 1764 Esta pintura a óleo do final da década de 1750 ou início dos anos 1760 127 x 1016 cm forma um par com o retrato da esposa de Pigott Blackburn era conhe cido por sua atenção minuciosa às rendas e a outros detalhes nas roupas uns 40 das pinturas apresentadas nos Salons Os preços cobrados pelos pintores de retratos aumentaram nas últimas décadas do século xviii e as gravuras levaram os retratos a um público mais amplo do que os modelos originais e suas famílias O mais famoso pintor inglês da era sir Joshua Reynolds fez a sua reputação como retratista e segundo Horace Walpole resgatou a pintura de retra tos da insipidez 1 7 Um espectador contemporâneo expressou o seu desdém depois de ver o número de retratos na exposição francesa de 1769 A multidão de retratos senhor que me impressiona por toda parte forçame a despeito de mim mesmo a falar agora deste assunto e a tratar deste tema árido e monótono que tinha reservado para o final Em vão o público há muito tempo reclama da multidão de burgueses que deve passar incessantemente em revista A faci lidade do gênero a sua utilidade e a vaidade de todas essas persona gens mesquinhas estimulam nossos artistas principiantes Gra ças ao infeliz gosto do século o Salon está se tornando uma mera galeria de retratos 0 infeliz gosto do século emanava da Inglaterra segundo os franceses e assinalava para muitos a iminente vitória do comércio sobre a verdadeira arte No seu artigo Retrato para a Encyclopédie ile muitos volumes de Diderot o chevalier Louis de Jaucourt con cluía que o gênero de pintura mais seguido e procurado na Ingla 1 erra é o do retrato Mais tarde no mesmo século o escritor Louis Sébastien Mercier tentou tranquilizar os espíritos os ingleses si bressaem nos retratos e nada supera os retratos de Regnols sic entre os quais os principais exemplos são os maiores em tamanho maturai e no mesmo patamar das pinturas históricas figura 7 I o seu costumeiro m o d o astuto Mercier tinha captado o ele mento crítico na Inglaterra os retratos eram comparáveis ao 87 FIGURA 7 Retrato de lady Charlotte FitzWilliam mezzotinto feito por James MacArdell de umapintura realizada por sir Joshua Reynolds 1754 Reynolds ganhou fama por pintar retratos de figuras importantes da sociedade britânica Ele frequentemente pintava apenas as faces e as mãos de seus modelos deixando ao cuidado de especialistas ou assisten tes a roupagem e a indumentária Charlotte tinha somente oito anos na época deste retrato mas o seu penteado os brincos e o broche de pérola lhe dão uma aparência mais velha Reproduções como esta levaram a fama de Reynolds ainda mais longe James MacArdell fez mezzotintos de muitos retratos pintados por Reynolds A legenda diz J Reynolds pinxt J McArdell fecit Lady Charlotte FitzWilliam Publicado por J Reynolds de acordo com a Lei do Parlamento 1754 principal gênero da Academia de BelasArtes francesa as pinturas históricas A pessoa c o m u m podia então ser heróica meramente em virtude de sua individualidade O corpo comum tinha agora distinção 1 8 É verdade que os retratos podiam transmitir algo completa mente diferente da individualidade À medida que a riqueza comercial crescia aos trancos e barrancos na GrãBretanha na França e em suas colônias encomendar retratos como u m a marca de status e nobreza refletia um aumento mais geral do consu mismo A semelhança nem sempre tinha importância nessas enco mendas As pessoas comuns não queriam parecer comuns nos seus retratos e alguns pintores de retratos ganharam reputação mais por sua capacidade de pintar rendas sedas e cetins do que faces Entretanto embora os retratos às vezes focalizassem representa ções de tipos ou alegorias de virtudes ou riqueza na segunda metade do século xvili esses retratos diminuíram de importância quando os artistas e seus clientes começaram a preferir represen l ações mais naturais da individualidade psicológica e fisionômica Além disso a própria proliferação de retratos individuais estimu lou a visão de que cada pessoa era um indivíduo isto é singular separado distinto e original e assim é que devia ser representado As mulheres desempenharam um papel às vezes surpreen dente nesse desenvolvimento A voga de romances como Clarissa que focalizavam mulheres comuns com uma rica vida interior fazia com que as pinturas alegóricas de modelos femininos com laces semelhantes a máscaras parecessem irrelevantes ou simples mente decorativas No entanto como os pintores p r o c u r a v a m cada vez mais franqueza e intimidade psicológica nos seus retra los a relação entre o pintor e o modelo tornouse mais carregada cie uma visível tensão sexual especialmente quando as mulheres pintavam os homens Em 1775 James Boswell registrou as críticas de Samuel Johnson contra as retratistas Ele Johnson achava a 89 pintura de retratos um emprego impróprio para as mulheres A prática pública de qualquer arte e o ato de perscrutar a face dos homens é algo muito indelicado numa mulher Ainda assim várias pintoras de retratos se tornaram verdadeiras celebridades na última metade do século xvin Denis Diderot encomendou o seu retrato a uma delas a artista alemã Anna Therbusch Na sua crítica do Salon de 1767 onde a pintura apareceu Diderot sentiu que precisava se defender contra a sugestão de que tinha dormido com a artista uma mulher que não é bonita Mas ele também teve de admitir que sua filha ficou tão impressionada com a seme lhança do retrato feito por Therbusch que precisava se controlar para não o beijar cem vezes na ausência de seu pai por medo de arruinar a pintura 2 0 Assim embora alguns críticos talvez julgassem a semelhança nos retratos secundária para o valor estético a parecença era obviamente muito valorizada por muitos clientes e por um cres cente número de críticos No seu autorrevelador Journal to Eliza escrito em 1767 Laurence Sterne se refere repetidamente à sua doce Imagem sentimental o retrato de Eliza provavelmente feito por Richard Cosway tudo o que ele tem de sua amada ausente A sua Imagem é Você Mesma toda Sentimento Suavi dade e Verdade Original muito querida Como se parece com você e se parecerá até que você a faça desaparecer pela sua presença Assim como aconteceu no romance epistolar também na pintura de retratos as mulheres desempenharam um papel fundamental no processo da empatia Ainda que a maioria dos homens em teoria quisesse que as mulheres conservassem os papéis de modéstia e virtude na prática as mulheres inevitavel mente representavam e assim evocavam o sentimentalismo uma atitude que sempre ameaçava ir além das suas próprias fronteiras 2 1 Tão valorizada era a semelhança por fim que em 1786 o músico e gravurista francês GillesLouis Chrétien inventou uma 90 FIGURA 8 Fisionotraço de Jefferson A legenda diz Quenedy dei ad vivum et sculpt Traçado a partir modelo vivo e gravado por Quenedey c máquina chamada fisionotraço que produzia mecanicamente retratos de perfil ver figura 8 O perfil original em tamanho natu ral era depois reduzido e gravado sobre uma placa de cobre Entre as centenas de perfis produzidos por Chrétien primeiro em cola boração com Edmé Quenedey um miniaturista e depois rivali zando com ele encontravase um de Thomas Jefferson produzido em abril de 1789 Um emigrado francês introduziu o processo nos Estados Unidos e Jefferson mandou fazer outro perfil em 1804 Agora uma curiosidade histórica há muito obscurecida pelo surgi mento da fotografia o fisionotraço é ainda outro sinal do interesse em representar pessoas comuns Jefferson à parte e em captar as menores diferenças entre cada pessoa Além disso como suge rem os comentários de Sterne o retrato especialmente a miniatura servia frequentemente como um desencadeador de lembranças e uma oportunidade para reencontrar uma emoção amorosa 2 2 O E S P E T Á C U L O P Ú B L I C O D A D O R Caminhar pelo jardim escutar música em silêncio usar um lenço e ver retratos são todas ações que parecem acompanhar a imagem do leitor empático e que parecem completamente incon gruentes com a tortura e execução de Jean Calas Mas os próprios juízes e legisladores que sustentavam o sistema legal tradicional e defendiam até a sua dureza sem dúvida escutavam música em silêncio encomendavam retratos e possuíam casas com quartos de dormir embora talvez não tivessem lido os romances por causa da sua associação com a sedução e a devassidão Os magistrados endossavam o sistema tradicional de crime e castigo porque acre ditavam que os culpados do crime só podiam ser controlados por uma força externa Na visão tradicional as pessoas comuns não sabiam regular suas próprias paixões Tinham de ser lideradas 92 estimuladas para fazer o bem e dissuadidas de seguir seus instintos mais baixos Essa tendência para o mal na humanidade resultava do pecado original a doutrina cristã de que todos são inatamente predispostos para o pecado desde que Adão e Eva foram privados da graça de Deus no jardim do Éden Os escritos de PierreFrançois Muyart de Vouglans nos dão uma compreensão rara da posição tradicionalista pois ele foi um dos poucos juristas que aceitaram o desafio de Beccaria e publica ram defesas dos métodos antigos Além de suas muitas obras sobre a lei criminal Muyart também escreveu ao menos dois panfletos defendendo o cristianismo e atacando seus críticos modernos especialmente Voltaire Em 1767 publicou uma refutação ponto por ponto das ideias de Beccaria Opôsse nos termos mais fortes à tentativa de Beccaria de fundamentar o seu sistema sobre os sen imentos inefáveis do coração Eu me orgulho de ter tanta sensi bilidade quanto qualquer pessoa insistia mas sem dúvida não lenho u m a organização de fibras terminações nervosas tão frouxa quanto a de nossos modernos criminalistas pois não senti esse estremecimento suave de que falam Em vez disso Muyart sentiu surpresa para não dizer choque quando viu que Beccaria construiu seu sistema sobre as ruínas de todo o senso comum 2 3 Muyart zombou da abordagem racionalista de Beccaria Sentado no seu gabinete o autor começa a redigir as leis de Iodas as nações e nos leva a compreender que até agora nunca tive mos um pensamento exato ou sólido sobre esse assunto crucial A razão de ser tão difícil reformar a lei criminal segundo Muyart era que ela estava baseada sobre a lei positiva e dependia menos do raciocínio que da experiência e da prática O que a experiência ensinava era a necessidade de controlar os indisciplinados e não 1 lagar as suas sensibilidades Quem de fato não sabe que como s homens são modelados pelas suas paixões o seu temperamento domina muito frequentemente os seus sentimentos Os homens 93 devem ser julgados como são não como deveriam ser ele insistia e só o poder de uma justiça vingadora que inspira um temor reve rente podia refrear esses temperamentos 2 4 A ostentação da dor no cadafalso era destinada a insuflar o terror nos espectadores e dessa forma servia como um instru mento de dissuasão Os que a presenciavame as multidões eram frequentemente imensaseram levados a se identificar com a dor da pessoa condenada e por meio dessa experiência a sentir a majestade esmagadora da lei do Estado e em última instância de Deus Muyart portanto achava revoltante que Beccaria tentasse justificar os seus argumentos por referência à sensibilidade em relação à dor do culpado Essa sensibilidade fazia o sistema tradi cional funcionar Precisamente porque cada homem se identifi cava com o que acontecia ao outro e porque ele tinha um horror natural à dor era necessário preferir na escolha dos castigos aquele que fosse mais cruel para o corpo do culpado 2 5 Pela compreensão tradicional as dores do corpo não perten ciam inteiramente à pessoa condenada individual Essas dores tinham os propósitos religiosos e políticos mais elevados da reden ção e reparação da comunidade Os corpos podiam ser mutilados com o objetivo de impor a autoridade e quebrados ou queimados com o objetivo de restaurar a ordem moral política e religiosa Em outras palavras o ofensor servia como u m a espécie de vítima sacrificai cujo sofrimento restauraria a integridade da comuni dade e a ordem do Estado A natureza sacrificai do rito na França era sublinhada pela inclusão de um ato formal de penitência a amende honorablé em muitas sentenças francesas quando o cri minoso condenado carregava uma tocha de fogo e parava na frente de uma igreja para pedir perdão a caminho do cadafalso 2 6 Como a punição era um rito sacrificai a festividade inevita velmente acompanhava e às vezes eclipsava o medo As execuções públicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação 94 F I G U R A 9 Procissão para Tyburn por William Hogarth 1747 0 aprendiz ocioso executado em Tyburn é a ilustração 11 da série de 1 logarth Industryand Idleness Atividade e ociosidade que compara o destino de dois aprendizes Esta representa o triste fim de Thomas Idle o aprendiz ocioso em inglês the idle apprentice A forca pode ser vista no fundo à direita perto da tribuna para a multidão Um pregador meto dista discursa enfadonhamente para o prisioneiro que está provavel mente lendo a sua Bíblia enquanto é transportado de carroça ao lado de seu caixão Um homem vende bolos no primeiro plano à direita O seu cesto está rodeado por quatro velas porque ele está ali desde o amanhe cer servindo as pessoas que chegaram cedo para conseguir bons lugares I Im garoto está roubando a sua carteira Atrás da mulher apregoando a confissão de Thomas Idle está outra vendendo gim guardado no cesto preso à sua cintura À sua frente uma mulher dá um soco num homem enquanto outro homem ali perto se prepara para atirar um cachorro no pregador Hogarth capta toda a desordem da multidão da execução A legenda diz Desenhado Gravado por Wm Hogarth Publicado segundo a Lei do Parlamento 30 de setembro de 1747 comunitária do dano do crime As execuções em Paris ocorriam na mesma praça a Place de Greve em que os fogos de artifício celebravam os nascimentos e os casamentos da família real Como os observadores frequentemente relatavam entretanto essa festivi dade tinha em si uma qualidade imprevisível As classes inglesas educadas expressavam cada vez mais a sua desaprovação das cenas espantosas de embriaguez e devassidão que acompanhavam toda execução em Tyburn figura 9 Em cartas os observadores deplo ravam que a multidão ridicularizasse os clérigos enviados para prestar assistência aos prisioneiros que os aprendizes de cirurgiões e os amigos dos executados brigassem pelos cadáveres e de modo geral que houvesse a expressão de uma espécie de Alegria como se o Espetáculo que tinham presenciado lhes proporcionasse Prazer em vez de Dor Relatando um enforcamento no inverno de 1776 o MorningPostde Londres reclamava que a multidão impiedosa se comportava com uma indecência extremamente desumanagri tando rindo atirando bolas de neve uns nos outros principal mente naqueles poucos que manifestavam uma compaixão apro priada pelas desgraças de seus semelhantes 2 7 Mesmo quando a multidão era mais moderada só o seu tamanho já podia ser perturbador Um visitante britânico em Paris relatou uma execução pelo suplício da roda em 1787 O barulho da multidão era como o murmúrio rouco causado pelas ondas do mar quebrando ao longo de uma costa rochosa por um momento amainava e n u m silêncio terrível a multidão contemplava o car rasco pegar uma barra de ferro e dar início à tragédia golpeando o antebraço da vítima Muito perturbador para este e muitos outros observadores era o grande número de espectadoras É espantoso que a parte mais delicada da criação cujos sentimentos são tão requintadamente ternos e refinados venha em grandes números para ver um espetáculo tão sangrento mas sem dúvida é a pie dade a compaixão bondosa que sentem o que as torna tão ansio 96 sas sobre as torturas infligidas a nossos semelhantes Desnecessá rio dizer não é sem dúvida que essa fosse a emoção predomi nante das mulheres A multidão já não sentia as emoções que o espetáculo se destinava a provocar 2 8 A dor o castigo e o espetáculo público do sofrimento perde ram todos as suas amarras religiosas na segunda metade do século xviii mas o processo não aconteceu de repente e não era muito bem compreendido à época Mesmo Beccaria deixou de ver todas as consequências do novo pensamento que ele tanto contribuiu para cristalizar Queria pôr a lei numa base rousseauniana em vez le religiosa as leis devem ser convenções entre os homens n u m estado de liberdade sustentava Mas embora argumentasse em fa vor de uma moderação do castigoque deveria ser o menor pos sível no caso dado e proporcional ao crime Beccaria ainda insistia que ele deveria ser público Para ele a exposição pública garantia a transparência da lei 2 9 Na visão individualista e secular que nascia as dores perten ciam apenas ao sofredor aqui e agora A atitude em relação à dor não m u d o u por causa do aperfeiçoamento médico no tratamento da dor Os que exerciam a medicina tentavam certamente aliviar a dor à época mas os verdadeiros passos pioneiros em anestesia só aconteceram em meados do século xix com o uso do éter e do clo rofórmio Em vez disso a mudança de atitude surgiu como uma consequência da reavaliação do corpo individual e de suas dores omo a dor e o próprio corpo agora pertenciam somente ao indi víduo e não à comunidade o indivíduo já não podia ser sacrifi cado para o bem da comunidade ou para um propósito religioso mais elevado Como o reformador inglês Henry Dagge insistia o bem da sociedade é promovido com mais sucejsso pelo respeito aos indivíduos Em vez da expiação de um pecado o castigo devia ser visto como o pagamento de umadívida com a sociedade e clara mente nenhum pagamento podia ser esperado de um corpo muti V 97 lado Se a dor tinha servido como o símbolo da reparação no antigo regime agora a dor parecia um obstáculo a qualquer quitação sig nificativa N u m exemplo dessa mudança de visão muitos juízes nas colônias britânicas na América do Norte começaram a impor multas por delitos contra a propriedade em vez de chibatadas 3 0 Na nova visão consequentemente o castigo cruel executado n u m cenário público constituía um ataque à sociedade em vez de sua reafirmação A dor brutalizava o indivíduo e por identifica ção os espectadores em vez de abrir a porta para a salvação por meio do arrependimento Assim o advogado inglês William Eden denunciou a exposição dos cadáveres deixamonos apodrecer como espantalhos nas sebes e nossas forcas estão amontoadas de carcaças humanas Alguma dúvida de que uma familiaridade for çada com esses objetos possa ter qualquer outro efeito que não seja o de embotar os sentimentos e destruir os preconceitos benevolen tes das pessoas Em 1787 Benjamin Rush podia afastar até as últi mas dúvidas A reforma de um criminoso jamais pode ser levada a efeito por um castigo público afirmava sem rodeios O castigo público destrói qualquer sensação de vergonha não produz mudanças de atitude e em vez de funcionar como um instru mento de dissuasão tem o efeito oposto nos espectadores Embora concordasse com Beccaria na sua oposição à pena de morte o dr Rush o abandonava ao argumentar que o castigo devia ser privado ministrado por trás das paredes de uma prisão e orientado para a reabilitação isto é a readaptação do criminoso à sociedade e à sua liberdade pessoal tão cara a todos os homens 3 1 O S E S T E R T O R E S D A T O R T U R A A conversão das elites às novas visões da dor e da punição ocorreu em estágios entre o início da década de 1760 e o final da 98 década de 1780 Muitos advogados por exemplo publicaram peti ções na década de 1760 denunciando a injustiça da condenação de Calas mas como Voltaire nenhum deles se opunha ao emprego da lortura judicial ou ao suplício da roda Eles também focalizavam o fanatismo religioso que estavam convencidos de haver incitado tanto as pessoas comuns como os juízes em Toulouse As petições se alongavam sobre o momento da tortura e morte de Jean Calas mas sem questionar a sua legitimidade como instrumentos penais Na verdade as petições em favor de Calas essencialmente sus tentavam as pressuposições que estão por trás da tortura e do cas tigo cruel Os defensores de Calas pressupunham que o corpo com a dor diria a verdade Calas provou a sua inocência quando conti nuou sustentandoa mesmo com a dor e o sofrimento figura 10 lim linguagem típica do lado próCalas AlexandreJerôme Loy seau de Mauléon insistia queCalas suportou a questão a tortura com u m a resignação heroica que só pertence à inocência En quanto seus ossos estavam sendo esmagados um a um Calas pro nunciou estas palavras comoventes Morro inocente Jesus Cristo a própria inocência desejou fervorosamente morrer com um sofrimento ainda mais cruel Deus pune em mim o pecado daquele infeliz o filho de Calas que se matou Deus é justo e adoro os seus castigos Loyseau argumentava além do mais que a perseverança majestosa do velho Calas provocou uma inversão dos sentimentos da população Vendoo afirmar repetidamente a sua inocência durante os seus tormentos o povo de Toulouse começou a sentir compaixão e a se arrepender da suspeita irracio nal que antes sentia em relação ao calvinista Cada golpe da vara de I erro soavano fundo das almas daqueles que presenciavam a exe tição e torrentes de lágrimas se derramavam tarde demais de lodos os olhos presentes As torrentes de lágrimas seriam sem pre demasiado tardias enquanto as pressuposições por trás da lortura e do castigo cruel continuassem sem questionamento 3 2 99 FIGURA IO Sentimentalizando o caso Calas A reprodução do caso Calas que teve circulação mais ampla foi esta em tamanho grande originalmente 34 x 45 cm realizada pelo artista e gra vurista alemão Daniel Chodowiecki que fez a gravura a partir de sua pró pria pintura a óleo da cena A águaforte estabeleceu a sua reputação e manteve viva a afronta sentida por toda parte devido ao castigo de Calas Chodowiecki tinha se casado com uma mulher pertencente a uma famí lia de refugiados protestantes franceses em Berlim apenas três anos antes de produzir esta gravura A principal dessas pressuposições era a de que a tortura podia incitar o corpo a falar a verdade mesmo quando a mente indivi dual resistisse Uma longa tradição fisionômica na Europa tinha sustentado que o caráter podia ser desvendado a partir das marcas u sinais do corpo No final do século xvi e no XVII foram publica das várias obras sobre metoposcopia prometendo ensinar os lei lores a interpretar o caráter ou a sorte de uma pessoa a partir das linhas rugas ou manchas na face Um dos títulos típicos era o de Richard Saunders Physiognomie and Chiromancie Metoposcopie The Symmetrical Proportions and Signal Moles of the Body Fully and Accurately Explained with their NaturalPredictive Significa lionsBoth toMen and Women Fisionomia e quiromancia metopos copia as proporções simétricas e os sinais do corpo plenamente e acu radamente explicados com suas significações naturais previsíveis tanto para os homens como para as mulheres publicado em 1653 Sem ter de endossar as variantes mais extremas dessa tradição muitos europeus acreditavam que os corpos podiam revelar a pes soa interior de uma forma involuntária Embora remanescentes desse pensamento ainda pudessem ser encontrados no final do século xviii e início do xix na forma por exemplo da frenología a maioria dos cientistas e médicos se virou contra ele depois de 1750 Argumentavam que a aparência exterior do corpo não tinha nenhuma relação com a alma ou caráter interior Assim o crimi noso podia dissimular e o inocente podia muito bem confessar um crime que não cometera Como Beccaria insistia ao argumen tar contra a tortura o robusto escapará e o fraco será condenado A dor na análise de Beccaria não podia ser o teste da verdade como se a verdade residisse nos músculos e fibras de um desgra çado sob tortura A dor era meramente uma sensação sem cone xão com o sentimento moral 3 Os relatos dos advogados diziam relativamente pouco sobre I reação de Calas à tortura porque a questão ocorria em privado 101 longe dos olhos dos observadores A aplicação privada da tortura tornavaa especialmente repulsiva aos olhos de Beccaria Signifi cava que o acusado perdia a sua proteção pública mesmo antes de ser considerado culpado e que qualquer valor impeditivo da puni ção também se perdia Os juízes franceses também começavam cla ramente a sentir algumas dúvidas sobretudo a respeito da tortura para conseguir confissões de culpa Depois de 1750 os parlements franceses tribunais regionais de apelação começaram a intervir para impedir o uso da tortura antes do julgamento do caso tor tura preparatória como o Parlementde Toulouse fez no caso Calas Eles também decretavam com menos frequência a pena de morte e ordenavam mais amiúde que o condenado fosse estrangu lado antes de ser queimado na fogueira ou colocado sobre a roda 3 4 Mas os juízes não renunciaram totalmente à tortura e não teriam concordado com o desprezo de Beccaria pela estrutura reli giosa da tortura O reformador italiano denunciava sumariamente outro motivo ridículo para a tortura a saber limpar um homem da infâmia Esse absurdo só podia ser explicado como fruto da reli gião Como a própria tortura era uma causa de infâmia para a vítima não podia lavar a mancha Muyart de Vouglans defendia a tortura contra os argumentos de Beccaria O exemplo de um inocente falsa mente condenado empalidecia em comparação aos milhões de outros que eram culpados mas que jamais poderiam ter sido con denados sem o emprego da tortura A tortura judicial não só era por tanto útil como também podia ser justificada pela antiguidade e universalidade de seu emprego As exceções frequentemente citadas só provavam a regra insistia Muyart que devia ser procurada na his tória da própria França e no Sacro Império Romano Segundo Muyart o sistema de Beccaria contradizia a lei canónica a lei civil a lei internacional e a experiência de todos os séculos O próprio Beccaria não enfatizava a conexão entre as suas visões sobre a tortura e a nascente linguagem dos direitos Mas 102 outros estavam prontos a fazêlo em seu n o m e O seu tradutor francês o abade André Morellet modificou a ordem da apresen lação de Beccaria para chamar a atenção para a ligação com os direitos do homem Morellet tirou a única referência de Becca ria a seu objetivo de apoiar os direitos do h o m e m i diritti degli uomini do final do capítulo 11 na edição italiana original de 1764 passandoa para a introdução da tradução francesa de 1766 Defender os direitos do h o m e m agora parecia ser o principal objetivo de Beccaria e esses direitos eram afirmados como o baluarte essencial contra o sofrimento individual O rearranjo de Morellet foi adotado em muitas traduções subsequentes e até em edições italianas posteriores 3 6 Apesar dos esforços de Muyart a maré se virou contra a tor tura na década de 1760 Embora tivessem sido publicados ante riormente ataques à tortura o fio dágua das publicações se tornou uma torrente Liderando as acusações estavam as muitas tradu ções reimpressões e reedições de Beccaria Umas 28 edições italia nas muitas com falsos cólofons e nove francesas foram publicadas antes de 1800 apesar de o livro ter aparecido no índex papal dos livros proibidos em 1766 Uma tradução inglesa foi publicada em Londres em 1767 e a ela se seguiram edições em Glasgow Dublin Edimburgo Charleston e Philadelphia Traduções alemãs holan desas polonesas e espanholas apareceram pouco depois O tradu tor londrino de Beccaria captou o espírito mutável dos tempos as leis penais ainda são tão imperfeitas e se fazem acompanhar por tantas circunstâncias desnecessárias de crueldade em todas as nações que uma tentativa de reduzilas ao padrão da razão deve interessar a toda a humanidade 3 7 A crescente influência de Beccaria era tão dramática que os opositores do Iluminismo acusavam a existência de uma conspi ração Uma coincidência que ao caso Calas tivesse sucedido o tra tado definidor sobre a reforma penal Redigido além do mais por 103 um italiano anteriormente ignoto com conhecimento apenas superficial da lei Em 1779 o sempre incendiário jornalista SimonNicolasHenri Linguet noticiou que u m a testemunha havia lhe exposto tudo Pouco depois do caso Calas os enciclopedistas armados com os tormentos da vítima e aproveitando circunstâncias propícias embora sem se comprometer diretamente como é o seu costume escreveram ao reverendo padre Barnabite em Milão que é seu ban queiro italiano e um famoso matemático Contaramlhe que era o momento de desencadear uma catilinária contra o rigor dos casti gos e contra a intolerância que a filosofia italiana devia fornecer a artilharia e eles fariam uso dela secretamente em Paris Linguet reclamava que o tratado de Beccaria era amplamente visto como uma petição indireta em favor de Calas e outras recentes víti mas de injustiça A influência de Beccaria ajudou a galvanizar a campanha contra a tortura mas no início o processo foi lento Dois artigos sobre a tortura na Encyclopédie de Diderot ambos publicados em 1765 captam a ambiguidade No primeiro sobre a jurisprudência da tortura AntoineGaspard Boucher dArgis se refere prosaica mente aos tormentos violentos a que o acusado é submetido mas sem n e n h u m julgamento sobre o seu mérito No artigo seguinte entretanto que considerava a tortura parte do procedi mento criminal o chevalier de Jaucourt martela contra o seu emprego desdobrando todos os argumentos existentes desde a voz da humanidade às deficiências da tortura em fornecer uma evidência segura da culpa ou da inocência Durante a segunda metade da década de 1760 cinco novos livros apareceram advo gando a reforma da lei criminal Na década de 1780 em contraste 39 livros desse tipo foram publicados 1 9 Durante as décadas de 1770 e 1780 a campanha pela abolição da tortura e pela moderação do castigo ganhou impulso quando sociedades eruditas nos estados italianos nos cantões suíços e na França ofereceram prêmios para os melhores ensaios sobre a reforma penal O governo francês achou a intensidade crescente da crítica tão preocupante que ordenou que a academia de Châlons surMarne parasse de imprimir cópias do ensaio vencedor de 1780 de JacquesPierre Brissot de Warville Mais do que qualquer nova proposta a retórica injuriosa de Brissot disparou os alarmes Esses direitos sagrados que o homem recebeu da natureza que a sociedade viola tão frequentemente com o seu aparato judicial ainda requerem a supressão de muitos de nossos castigos mutilado res e a suavização daqueles que devemos preservar É inconcebível que uma nação gentil douce vivendo num clima temperado sob um governo moderado possa combinar um caráter amável e costu mes pacíficos com a atrocidade de canibais Pois os nossos castigos judiciais exalam apenas sangue e morte e só tendem a inspirar fúria e desespero no coração do acusado O governo francês não gostou de se ver comparado a canibais mas na década de 1780 a barbárie da tortura judicial e o castigo cruel tinham se tornado um mantra da reforma Em 1781 Joseph MichelAntoine Servan um antigo defensor da reforma penal aplaudiu a recente decisão de Luís xvi de abolir a tortura para obter uma confissão de culpa essa infame tortura que por tantos sécu los usurpou o templo da própria justiça e o transformou n u m a escola de sofrimento onde os carrascos professavam o refina mento da dor A tortura judicial era para ele uma espécie de esfinge um monstro absurdo indigno de encontrar asilo entre os povos selvagens 4 0 Encorajado por outros reformadores apesar de sua juventude 105 104 e falta de experiência Brissot se dedicou em seguida a publicar uma obra de dez volumes Bibliothèquephilosophique du Législateur du Politique et du Juriconsulte 17825 que teve de ser impressa na Suíça e contrabandeada para a França e reunia o texto de Brissot e outros escritos sobre a reforma Embora apenas um sintetizador Brissot claramente ligava a tortura aos direitos humanos Alguém é jovem demais quando se trata de defender os direitos ultrajados da humanidade O termo humanidade o espetáculo da huma nidade sofredora por exemplo aparecia repetidas vezes nas suas páginas Em 1788 Brissot fundou a Sociedade dos Amigos dos Negros a primeira sociedade francesa pela abolição da escravatura Assim a campanha pela reforma penal tornouse cada vez mais intimamente associada com a defesa geral dos direitos humanos 4 1 Brissot empregou as mesmas estratégias retóricas dos advo gados que escreviam petições das várias causes célebres francesas da década de 1780 eles não só defendiam seus clientes erroneamente acusados mas também atacavam cada vez mais o sistema legal como um todo Aqueles que escreviam petições adotavam em geral a voz em primeira pessoa de seus clientes para desenvolver narra tivas romanescas melodramáticas que provavam a sua tese Essa estratégia retórica culminou em duas petições escritas por um dos correspondentes de Brissot CharlesMarguerite Dupaty um magistrado de Bordeaux residente em Paris que interveio em nome de três homens condenados ao suplício da roda por roubo agravado A primeira petição de Dupaty de 1786 com 251 pági nas não só denunciava cada deslize do processo judicial como incluía um relato detalhado de seu encontro com os três homens na prisão Nesse relato Dupaty passa inteligentemente de sua visão da cena na primeira pessoa para a dos prisioneiros E eu Bradier um dos condenados então disse metade do meu corpo ficou inchado por seis meses E eu disse Lardoise outro dos condena dos graças a Deus fui capaz de resistir a uma epidemia na prisão entretanto a pressão de meus ferros eu isto é Dupaty posso muito bem acreditar trinta meses nos ferros machucou tanto a minha perna que ela gangrenou quase tiveram de amputála A cena termina com Dupaty em lágrimas Dessa forma o advogado explora ao máximo a sua solidariedade para com os prisioneiros 4 2 Dupaty então m u d a de novo a perspectiva dessa vez diri gindose diretamente aos juízes Juízes de Chaumont Magistra dos Criminalistas vós o escutais Eis o grito da razão da ver dade da justiça e da Lei Por fim Dupaty convoca diretamente a intervenção do rei Implora que o monarca escute o sangue dos inocentes de Calas a seus três ladrões acusados dignese da altura de seu trono dignese a dar uma olhada em todas as ciladas sangrentas de sua legislação criminal onde perecemos onde todos os dias inocentes perecem A petição então conclui com u m a súplica de várias páginas para que Luís xvi reforme a legislação cri minal de acordo com a razão e a humanidade 4 3 A petição de Dupaty incitou de tal forma a opinião pública em favor do acusado e contra o sistema legal que o Parlementde Paris votou que fosse publicamente queimada O portavoz do tri bunal denunciou o estilo romanesco da petição Dupaty vê a seu lado a humanidade tremendo e estendendolhe as mãos uma terra natal desgrenhada mostrandolhe as suas feridas a nação inteira assumindo a voz de Dupaty e ordenando que fale em seu nome Mas o tribunal se mostrou impotente para conter a maré crescente da opinião Jean Caritat marquês de Condorcet em breve o defen sor dos direitos h u m a n o s mais coerente e de maior projeção da Revolução Francesa publicou dois panfletos em favor de Dupaty no final de 1786 Embora não fosse ele próprio um advogado Con dorcet atacou o desprezo pelo homem demonstrado pelo tribu nal e a contínua violação manifesta da lei natural que se tornara patente no caso Calas e em outros julgamentos injustos realizados desde então 4 4 107 i o 6 Em 1788 a própria Coroa francesa já tinha se associado a muitas das novas atitudes No decreto que abolia provisoria mente a tortura antes da execução para obter nomes de cúmpli ces o governo de Luís xvi falava de reafirmar a inocência remover do castigo qualquer excesso de severidade e punir os malfeitores com toda a moderação que a humanidade exige No seu tratado de 1780 sobre a lei criminal francesa Muyart reconhe cia que ao defender a validade de confissões obtidas por meio de tortura não ignoro absolutamente o fato de que devo combater um sistema que mais do que nunca ganhou crédito em tempos recentes Mas ele se recusava a entrar no debate insistindo que seus opositores eram simplesmente polemistas e que ele tinha a força do passado por trás de sua posição A campanha pela reforma penal na França foi tão bemsucedida que em 1789 a cor reção dos abusos no código criminal constituía uma das questões mais frequentemente citadas nas listas de queixas preparadas para os futuros Estados Gerais 4 5 AS P A I X Õ E S E A P E S S O A Ao longo desse debate cada vez mais unilateral os novos sig nificados atribuídos ao corpo tinham se tornado mais plenamente evidentes O corpo quebrado de Calas ou até a perna gangrenada de Lardoise o ladrão acusado de Dupaty ganharam uma nova dig nidade Nas idas e vindas sobre a tortura e o castigo cruel essa dig nidade apareceu primeiro nas reações negativas aos ataques judi ciais que sofreu Mas com o tempo tornouse o motivo como era evidente nas petições de Dupaty de sentimentos positivos de empatia Só mais para o fim do século xvm é que as pressuposições do novo modelo se tornaram explícitas No seu curto mas ilumi nador panfleto de dezoito páginas de 1787 o dr Benjamin Rush 108 ligou os defeitos do castigo público à nova noção do indivíduo autônomo mas solidário C o m o médico Rush admitia algum emprego de dor corporal no castigo embora ele claramente prefe risse trabalho vigilância solidão e silêncio um reconhecimento da individualidade e potencial utilidade do criminoso O castigo público se mostrava muito objetável aos seus olhos pela sua ten dência a destruir a simpatia a viceregente da benevolência divina em nosso mundo Essas são as palavraschave a simpatia o u o que agora chamamos empatiapropiciava os fundamen tos da moralidade a centelha do divino na vida h u m a n a em nosso mundo A sensibilidade é a sentinela da faculdade moral afirmava Rush Ele equiparava essa sensibilidade a um senso repentino de justiça uma espécie de reflexo condicionado para o bem moral O castigo público dava um curtocircuito na simpatia quando a desgraça que os criminosos sofrem é o efeito de uma lei do Estado a que não se pode resistir a simpatia do espectador é abortada e retorna vazia ao seio em que foi despertada Assim o castigo público solapava os sentimentos sociais tornando os espectadores cada vez mais insensíveis os espectadores perdiam os seus senti mentos de amor universal e a sensação de que os criminosos tinham corpos e almas semelhantes aos seus 4 6 Embora Rush certamente se considerasse um bom cristão o seu modelo de pessoa diferia em quase todos os aspectos daquele proposto por Muyart de Vouglans na sua defesa da tortura e dos castigos corporais tradicionais Para Muyart o pecado original explicava a incapacidade dos humanos de controlar as suas pai xões Era verdade que as paixões forneciam a força motivadora da vida mas a sua turbulência ou mesmo rebeldia inerente tinha de ser controlada pela razão pelas pressões da comunidade pela igreja e na falta dela no caso do crime pelo Estado Na visão de Muyart as fontes do crime vício eram as paixões desejo e medo 109 o desejo de se adquirir coisas que não se têm e o medo de se per der aquelas que se têm Essas paixões sufocavam os sentimentos de honra e justiça gravados pela lei natural no coração humano A Divina Providência dava aos reis a suprema autoridade sobre a vida dos homens que eles delegavam aos juízes reservando para si mesmos o direito do perdão O objetivo principal da lei criminal era portanto a prevenção do triunfo do vício sobre a virtude Con ter o mal inerente da humanidade era o lema da visão de justiça de Muyart 4 7 Os reformadores em última análise invertiam as pressuposi ções filosóficas e políticas desse modelo e defendiam em seu lugar o cultivo por meio da educação e da experiência de qualidades humanas inerentemente boas Em meados do século xvm alguns filósofos do Iluminismo tinham adotado u m a posição sobre as paixões que não diferia daquela proposta recentemente pelo neu rologista António Damásio que insiste em que as emoções são cruciais para o raciocínio e a consciência e não hostis a eles Embora Damásio ligue suas raízes intelectuais a Espinosa filósofo holandês do século XVII as elites europeias só passaram a aceitar de modo abrangente uma avaliação mais positiva das emoçõesdas paixões como eles as chamavam no século XVIII O espino sismo tinha má reputação por levar ao materialismo a alma é apenas matéria por isso não há alma e ao ateísmo Deus é a natu reza portanto não há Deus Em meados do século xvm alguns dos pertencentes às profissões cultas tinham aceitado ainda assim uma espécie de materialismo implícito ou mitigado que não fazia afirmações teológicas sobre a alma mas argumentava que a maté ria podia pensar e sentir Essa versão do materialismo conduzia logicamente à posição igualitária de que todos os humanos têm a mesma organização física e mental e portanto de que a experiên cia e a educação e não o nascimento explicam as diferenças entre eles 4 8 110 Subscrevendo u m a filosofia explicitamente materialista ou n ã o e a maioria das pessoas não a subscrevia vários m e m b r o s das elites cultas passaram a sustentar uma visão das paixões m u i t o diferente daquela defendida por Muyart A emoção e a razão pas saram a ser vistas como parceiras As paixões eram o único M o t o r do Ser Sensível e dos Seres Inteligentes segundo o fisiologista suíço Charles Bonnet As paixões eram boas e podiam ser mobili zadas pela educação para o aperfeiçoamento da humanidade que agora era vista como aperfeiçoável em vez de inerentemente má Por essa visão os criminosos tinham cometido erros mas p o d i a m ser reeducados Além disso as paixões baseadas na biologia nutriam a sensibilidade moral O sentimento era a reação emocio nal a u m a sensação física e a moralidade era a educação desse sentimento para trazer à luz o seu componente social a sensibili dade Laurence Sterne o romancista favorito de Thomas Jeffer son colocou o novo credo da era na boca de Yorick o personagem central de seu romance reveladoramente intitulado Uma viagem sentimental Cara sensibilidade eterna fonte de nossos sentimentos é aqui que te descubro e esta é a tua divindade que se agita dentro de mim que sinto algumas alegrias generosas e afetos generosos além de mim mesmo tudo vem de ti grande grande SENSÓRIO do mundo que vibra mesmo quando um único fio de cabelo cai sobre o chão no deserto mais remoto da tua criação Sterne encontrava essa sensibilidade até no camponês mais rude 4 9 Talvez pareça um tanto exagerado estabelecer uma ligação entre assoar o nariz com um lenço escutar música ler um r o m a n c e ou encomendar um retrato e a abolição da tortura e a m o d e r a ç ã o do castigo cruel Mas a tortura legalmente sancionada não t e r m i nou apenas porque os juízes desistiram desse expediente ou p o r 111 que os escritores do Iluminismo finalmente se opuseram a ela A tortura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa se desmantelou e foi substituída pouco a pouco por uma nova estrutura na qual os indivíduos eram donos de seus corpos tinham direitos relativos à individualidade e à inviolabilidade des ses corpos e reconheciam em outras pessoas as mesmas paixões sentimentos e simpatias que viam em si mesmos Os homens e às vezes mulheres para voltar ao b o m dr Rush pela última vez cujas pessoas detestamos criminosos condenados possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos e conhecidos Se contemplamos as suas misérias sem emoção ou simpatia então o próprio princípio da simpatia cessará comple tamente de atuar e logo perderá o seu lugar no coração humano 5 0 112 3 Eles deram um grande exemplo Declarando os direitos DECLARAÇÃO A ação de afirmar dizer apresentar ou anunciar aberta explícita ou formalmente afirmação ou asserção positiva uma asserção anúncio ou proclamação em termos enfáticos sole nes ou legais Uma proclamação ou afirmação pública incor porada num documento instrumento ou ato público Oxford English Dictionary 2 a ed eletrônica Por que os direitos devem ser apresentados numa declaração Por que os países e os cidadãos sentem a necessidade dessa afirma ção formal As campanhas para abolir a tortura e o castigo cruel apontam para uma resposta uma afirmação formal e pública con firma as mudanças que ocorreram nas atitudes subjacentes Mas as declarações de direitos em 1776 e 1789 foram ainda mais longe Mais do que assinalar transformações nas atitudes e expectativas gerais elas ajudaram a tornar efetiva uma transferência de sobera nia de Jorge 111 e o Parlamento britânico para u m a nova república no caso americano e de u m a monarquia que reivindicava u m a autoridade suprema para uma nação e seus representantes no caso 1 113 francês Em 1776 e 1789 as declarações abriram panoramas polí ticos inteiramente novos As campanhas contra a tortura e o cas tigo cruel seriam fundidas a partir de então com toda uma legião de outras causas de direitos humanos cuja relevância só se tornou clara depois que as declarações foram feitas A história da palavradeclaração fornece uma primeira indi cação da mudança na soberania A palavra inglesadeclaration vem da francesa declaration Em francês a palavra se referia origi nalmente a um catálogo de terras a serem dadas em troca do jura mento de vassalagem a u m senhor feudal Ao longo do século XVII passou cada vez mais a se referir às afirmações públicas do rei Em outras palavras o ato de declarar estava ligado à soberania Quando a autoridade se deslocou dos senhores feudais para o rei francês o poder de fazer declarações também mudou de mãos Na Inglaterra o inverso também é válido quando os súditos queriam de seus reis a reafirmação de seus direitos eles redigiam as suas próprias declarações Assim a Magna Carta Great Charter de 1215 formalizou os direitos dos barões ingleses em relação ao rei inglês a Petição de Direitos de 1628 confirmou os diversos Direi tos e Liberdades dos Súditos e a Bill of Rights inglesa de 1689 vali dou os verdadeiros antigos e indubitáveis direitos e liberdades do povo deste reino 1 Em 1776 e 1789 as palavras carta petição ebill pareciam inadequadas para a tarefa de garantir os direitos o mesmo seria verdade em 1948 Petição e bill implicavam um pedido ou apelo a um poder superior um bill era originalmente uma peti ção ao soberano e carta significava frequentemente um antigo documento ou escritura Declaração tinha um ar menos mofado e submisso Além disso ao contrário de petição bill ou até carta declaração podia significar a intenção de se apoderar da soberania Jefferson portanto começou a Declaração de Indepen dência com a seguinte explicação da necessidade de declarála 114 Quando no Curso dos acontecimentos humanos tornase ne cessário que um povo dissolva os laços políticos que o ligam a outro e assuma entre as potências da terra a posição separada e igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu reza um respeito decente pelas opiniões da humanidade requer que ele declare minha ênfase as causas que o impelem à separa ção Uma expressão de respeito decente não podia obscurecer o ponto principal as colônias estavam se declarando um Estado separado e igual e se apoderando de sua própria soberania Em contraste em 1789 os deputados franceses ainda não estavam prontos para repudiar explicitamente a soberania de seu rei Mas eles ainda assim quase realizaram esse repúdio ao omitir deliberadamente qualquer menção ao rei na sua Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Os representantes do povo francês reunidos em Assembleia Nacional e considerando que a ignorância a negligência ou o menosprezo dos direitos do h o m e m são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governa mental resolveram apresentar n u m a declaração minha ênfase solene os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem A Assembleia tinha de fazer algo mais além de proferir discursos ou rascunhar leis sobre questões específicas Tinha de aspirar a escre ver para a posteridade que os direitos não fluíam de um acordo entre o governante e os cidadãos menos ainda de uma petição a ele ou de uma carta concedida por ele mas antes da natureza dos pró prios seres humanos Esses atos de declarar tinham ao mesmo tempo um ar retró grado e avançado Em cada caso os declarantes afirmavam estar confirmando direitos que já existiam e eram inquestionáveis Mas ao fazêlo efetuavam uma revolução na soberania e criavam uma base inteiramente nova para o governo A Declaração da Indepen Ver no Apéndice o texto completo U5 dência afirmava que o rei Jorge III tinha pisoteado os direitos pree xistentes dos colonos e que suas ações justificavam o estabeleci mento de um governo separado sempre que qualquer Forma de Governo se torne destrutiva desses fins assegurar os direitos é Direito do Povo alterála ou abolila e instituir novo Governo Da mesma forma os deputados franceses declararam que esses direi tos tinham sido simplesmente ignorados negligenciados ou des prezados não afirmaram que os tinham inventado A partir de agora entretanto a declaração propunha que esses direitos cons tituíssem o fundamento do governo embora não o tivessem sido no passado Mesmo afirmando que esses direitos já existiam e que eles os estavam meramente defendendo os deputados criavam algo radicalmente novo governos justificados pela sua garantia dos direitos universais D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S N O S E S T A D O S U N I D O S No começo os americanos não tinham a intenção clara de se separar da GrãBretanha Ninguém imaginava na década de 1760 que os direitos os levariam a entrar n u m território tão novo O remodelamento da sensibilidade ajudou a tornar a ideia dos direi tos mais tangível para as classes cultas nos debates sobre a tortura e o castigo cruel por exemplo mas a noção dos direitos m u d o u também em reação às circunstâncias políticas Havia duas versões da linguagem dos direitos no século xvni uma versão particula rista direitos específicos de um povo ou tradição nacional e uma universalista os direitos do h o m e m em geral Os americanos usa vam uma ou outra linguagem ou ambas em combinação depen dendo das circunstâncias Durante a crise da Lei do Selo em mea dos da década de 1760 por exemplo os panfletários americanos enfatizavam os seus direitos como colonos dentro do Império Bri tánico enquanto a Declaração da Independência de 1776 invocava claramente os direitos universais de todos os homens Depois os americanos montaram a sua própria tradição particularista com a Constituição de 1787 e a Bill of Rights de 1791 Em contraste os franceses adotaram quase imediatamente a versão universalista em parte porque ela solapava as reivindicações particularistas e históricas da monarquia Nos debates sobre a Declaração francesa o duque Mathieu de Montmorency exortou seus colegas deputa dos a seguir o exemplo dos Estados Unidos eles deram um grande exemplo no novo hemisfério vamos dar um exemplo para o uni 2 verso Antes que os americanos e os franceses declarassem os direi tos do h o m e m os principais proponentes do universalismo viviam às margens das grandes potências Talvez essa própria mar ginalidade tenha capacitado um punhado de pensadores holande ses alemães e suíços a tomar a iniciativa no argumento de que os direitos eram universais Já em 1625 um jurista calvinista holan dês Hugo Grotius propôs uma noção de direitos que se aplicava a toda a humanidade não apenas a um país ou a uma tradição legal Ele definia direitos naturais como algo autocontrolado e conce bível separadamente da vontade de Deus Sugeria também que as pessoas podiam usar os seus direitos sem a ajuda da religião para estabelecer os fundamentos contratuais da vida social O seu seguidor alemão Samuel Pufendorf o primeiro professor de direito natural em Heidelberg delineou as realizações de Grotius na sua história geral dos ensinamentos do direito natural publi cada em 1678 Embora criticasse Grotius em certos pontos Pufen dorf ajudou a solidificar a reputação de Grotius como uma fonte primordial da corrente universalista do pensamento dos direitos 3 Os teóricos suíços do direito natural teorizaram sobre essas ideias no início do século xvni O mais influente deles JeanJac ques Burlamaqui ensinava direito em Genebra Ele sintetizou os LI 116 vários escritos sobre direito natural do século xvil em Principes du droit naturel 1747 Como seus predecessores Burlamaqui forne ceu pouco conteúdo político ou legal específico para a noção dos direitos naturais universais o seu principal objetivo era provar que eles existiam e derivavam da razão e da natureza humana Ele atua lizou o conceito ao ligálo àquilo que os filósofos escoceses contem porâneos chamavam de senso moral interior antecipando assim o argumento dos meus primeiros capítulos Traduzida imediata mente para o inglês e o holandês a obra de Burlamaqui foi ampla mente usada como uma espécie de livrotexto da lei natural e dos direitos naturais na última metade do século xvin Rousseau entre outros adotou Burlamaqui como um ponto de partida 4 A obra de Burlamaqui estimulou uma renovação mais geral das teorias da lei natural e dos direitos naturais na Europa Ociden tal e nas colônias norteamericanas Jean Barbeyrac outro protes tante genebrino publicou uma nova tradução francesa da obra chave de Grotius em 1746 antes ele havia publicado uma tradu ção francesa de uma das obras de Pufendorf sobre direito natural Uma biografia adulatória de Grotius escrita pelo francês Jean Lévesque de Burigny saiu em 1752 e foi traduzida para o inglês em 1754 Em 1754 Thomas Rutherforth publicou as suas conferên cias sobre Grotius e direito natural proferidas na Universidade de Cambridge Grotius Pufendorf e Burlamaqui eram todos bem conhecidos dos revolucionários americanos como Jefferson e Madison que eram versados em direito 5 Os ingleses tinham produzido dois pensadores universalistas capitais no século xvil Thomas Hobbes e John Locke As suas obras eram bem conhecidas nas colônias britânicas da América do Norte e Locke em particular ajudou a formar o pensamento polí tico americano talvez ainda mais do que influenciou as visões inglesas Hobbes teve menos impacto do que Locke porque ele acreditava que os direitos naturais tinham de se render a uma auto ii8 ridade absoluta a fim de impedir a guerra de todos contra todos que do contrário sucederia Enquanto Grotius havia igualado os direitos naturais à vida ao corpo à liberdade e à honra uma lista que parecia questionar em particular a escravidão Locke definia os direitos naturais como Vida Liberdade e Propriedade C o m o enfatizava a posse Propriedade Locke não questionava a escravidão Justificava a escravidão de cativos capturados n u m a guerra justa Locke até propunha uma legislação para assegurar que todo h o m e m livre de Carolina tenha poder e a u t o r i d a d e absolutos sobre seus escravos negros Entretanto apesar da influência de Hobbes e Locke u r n a grande porção se não a maior parte da discussão inglesa e p o r tanto americana sobre os direitos naturais na primeira metade do século xviii manteve o foco sobre os direitos particulares historica mente fundamentados do inglês nascido livre e não sobre direitos universalmente aplicáveis Escrevendo na década de 1750 W i l l i a m Blackstone explicava por que os seus conterrâneos punham o f o c o sobre seus direitos particulares em vez de atentar para os u n i v e r sais Estas liberdades naturais eram outrora quer por herança quer por aquisição os direitos de toda a humanidade mas e s t a n d o agora na maioria dos outros países do m u n d o mais ou m e n o s degradados e destruídos podese dizer que no presente eles c o n t i nuam a ser de um modo peculiar e enfático os direitos do povo da Inglaterra Mesmo que os direitos tivessem sido outrora u n i v e r sais afirmava o proeminente jurista apenas os ingleses em s u a superioridade tinham conseguido mantêlos 7 Da década de 1760 em diante entretanto o fio universalista dos direitos começou a se entrelaçar com o particularista nas c o l ô nias britânicas da América do Norte JúiThe Rights ofthe BritisH Colonies Asserted and Proved 1764 por exemplo o a d v o g a d o James Otis de Boston confirmava tanto os direitos naturais d o s colonos A natureza colocou todos eles n u m estado de i g u a l d a d 119 e liberdade perfeita como seus direitos civis e políticos como cidadãos britânicos Todo súdito britânico nascido no continente da América ou em qualquer outro dos domínios britânicos está autorizado pela lei de Deus e da natureza pela lei comum e pela lei do Parlamento a usufruir de todos os direitos naturais essen ciais inerentes e inseparáveis de nossos colegas súditos na Grã Bretanha Ainda assim dos direitos de nossos colegas súditos em 1764 até os direitos inalienáveis de todos os homens de Jef ferson em 1776 foi mister dar outro passo gigantesco 8 O fio universalista dos direitos engrossou na década de 1760 e especialmente na de 1770 quando se alargou a brecha entre as colônias norteamericanas e a GrãBretanha Se os colonos que riam estabelecer um novo país separado não podiam contar meramente com os direitos dos ingleses nascidos livres Caso con trário estavam querendo uma reforma e não a independência Os direitos universais proporcionavam um fundamento lógico melhor e assim os discursos das eleições americanas nas décadas de 1760 e 1770 começaram a citar diretamente Burlamaqui em defesa dos direitos da humanidade Grotius Pufendorf e espe cialmente Locke apareciam entre os autores mais frequentemente citados nos escritos políticos e Burlamaqui podia ser encontrado em números cada vez maiores de bibliotecas públicas e particula res Quando a autoridade britânica começou a entrar em colapso em 1774 os colonos passaram a se considerar em algo semelhante ao estado de natureza a respeito do qual tinham lido Burlamaqui tinha afirmado A ideia do Direito e ainda mais a da lei natural estão manifestamente relacionadas com a natureza do homem É portanto dessa própria natureza do homem da sua constituição e da sua condição que devemos deduzir os princípios desta ciência Burlamaqui falava apenas da natureza do h o m e m em geral não sobre a condição dos colonos americanos ou a constituição da GrãBretanha mas sobre a constituição e a condição da humani 120 dade universal Esse pensamento universalista tornava os colonos capazes de imaginar um rompimento com a tradição e a soberania britânica 9 Mesmo antes de o Congresso declarar a independência os colonos convocaram convenções estaduais para substituir o go verno britânico enviaram instruções com os seus delegados para exigir independência e começaram a rascunhar Constituições estaduais que frequentemente incluíam declarações de direitos A Declaração de Direitos da Virginia de 12dejunho de 1776 procla mava que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inerentes que eram definidos como a fruição da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades e de buscar e obter felicidade e segurança Ainda mais importante a Declaração da Virginia passava a ofere cer uma lista de direitos específicos como a liberdade de imprensa e a liberdade de opinião religiosa ela ajudou a estabelecer o modelo não só para a Declaração da Independência mas também para a definitiva Bill ofRightsda Constituição dos Estados Unidos Na primavera de 1776 declarar a independência e declarar os direitos universais em vez de britânicos tinha adquirido momentum nos círculos políticos Assim os acontecimentos de 17746 fundiram temporaria mente os pensamentos particularista e universalista sobre os direi tos nas colônias insurgentes Em reação à GrãBretanha os colo nos podiam citar os seus direitos já existentes como súditos britânicos e ao mesmo tempo reivindicar o direito universal a um governo que assegurasse os seus direitos inalienáveis como ho mens iguais Entretanto como os últimos de fato anulavam os pri meiros à medida que se moviam mais decisivamente para a inde pendência os americanos sentiam a necessidade de declarar os seus direitos como parte da transição de um estado de natureza de volta a um governo civil ou de um estado de sujeição a Jorge III em i i direção a uma nova política republicana Os direitos universalistas nunca teriam sido declarados nas colônias americanas sem o momento revolucionário criado pela resistência à autoridade britâ nica Embora nem todos concordassem sobre a importância de declarar os direitos ou sobre o conteúdo dos direitos a serem decla rados a independência abriu a porta para a declaração dos direitos 1 1 Mesmo na GrãBretanha uma noção mais universalista dos direitos começou a se introduzir sorrateiramente no discurso na década de 1760 Os debates sobre os direitos tinham se aquietado com a restauração da estabilidade depois da revolução de 1688 que havia resultado na Bill ofRights O número de títulos de livros que incluíam alguma menção aos direitos declinou constante mente na GrãBretanha do início dos anos 1700 aos anos 1750 Quando se intensificou a discussão internacional da lei natural e dos direitos naturais os números começaram a se elevar de novo na década de 1760 e continuaram a crescer a partir de então N u m longo panfleto de 1768 que denunciava o patrocínio aristocrático de posições clericais na Igreja da Escócia o autor invocava tanto os direitos naturais da humanidade como os direitos naturais e civis dos BRETÕES LIVRES Da mesma forma o pregador anglicano William Dodd argumentava que o papismo era incoerente com os Direitos Naturais dos HOMENS em geral e dos INGLESES em parti cular Ainda assim o político da oposição John Wilkes sempre empregava a linguagem de vosso direito hereditário como INGLE SES ao apresentar seus argumentos na década de 1760 The Letters ofjunius cartas anônimas publicadas contra o governo britânico no final da década de 1760 e início da de 1770 também usava a lin guagem dos direitos do povo para se referir aos direitos sob a tra dição e a lei inglesas 1 2 A guerra entre os colonos e a Coroa britânica tornou a tendên cia universalista mais plenamente manifesta na própria GrãBre tanha Um folheto de 1776 assinado M Dcita Blackstone no sen 122 tido de que os colonos carregam consigo apenas aquela parte das leis inglesas que é aplicável à sua situação portanto se inova ções ministeriais violam seus direitos naturais como homens ingleses livres a cadeia de governo é quebrada podendose esperar que os colonos exerçam seus direitos naturais Richard Price tornou o apelo ao universalismo muito explícito em seu pan fleto imensamente influente de 1776 Observations on theNature of Civil Liberty the Principies of Government and the Justice andPolicy ofthe War with America O seu texto passou por não menos de quinze edições em Londres em 1776 e foi reimpresso no mesmo ano em Dublin Edimburgo Charleston Nova York e Filadélfia Price baseou o seu apoio aos colonos nos princípios gerais da Liberdade Civil isto é no que a razão a equidade e os direitos da humanidade propiciam e não no precedente no estatuto ou nas cartas a prática da liberdade inglesa no passado O panfleto de Price foi traduzido para o francês o alemão e o holandês O seu tra dutor holandês Joan Derk van der Capellen tot den Poli escreveu a Price em dezembro de 1777 e relatou o seu próprio apoio n u m discurso mais tarde impresso e de ampla circulação à causa ame ricana Considero os americanos homens valentes que defendem de um m o d o moderado piedoso e corajoso os direitos que rece bem sendo homens não do Poder Legislativo da Inglaterra mas do próprio Deus 1 3 O panfleto de Price provocou uma feroz controvérsia na Grã Bretanha Uns trinta panfletos apareceram quase imediatamente em resposta acusando Price de falso patriotismo partidarismo parricidio anarquia sedição e até traição O panfleto de Price inse riu os direitos naturais da humanidade os direitos da natureza h u m a n a e especialmente os direitos inalienáveis da natureza humana na agenda da Europa Como um autor claramente reco nhecia a questão crucial era a seguinte saber se existem direitos inerentes à Natureza Humana tão ligados à vontade que tais direi 123 tos não p o d e m ser alienados Era apenas um sofisma afirmava esse opositor argumentar que há certos direitos da Natureza H u m a n a que são inalienáveis A esses os homens tinham de renunciar um homem tinha de desistir do governo de seu ser pela sua própria vontade a fim de entrar no estado civil As polêmicas mostram que o significado de direitos naturais liber dade civil e democracia era objeto de atenção e debate de muitas das melhores inteligências políticas da GrãBretanha 1 4 A distinção entre as liberdades natural e civil proposta pelos opositores de Price serve para lembrar que a articulação dos direi tos naturais engendrava a sua própria tradição contrária que con tinua até os dias atuais Como os direitos naturais que cresceram em oposição a governos vistos como despóticos a tradição contrá ria era também reativa argumentando que os direitos naturais constituíam uma invenção ou que nunca poderiam ser inalienáveis e portanto eram irrelevantes Hobbes já tinha argumentado na metade do século xvii que os homens deveriam renunciar aos direitos naturais que portanto não eram inalienáveis para estabe lecer uma sociedade civil ordeira Robert Filmer o inglês propo nente da autoridade patriarcal refutou Grotius explicitamente em 1679 e declarou ser um absurdo a doutrina da liberdade natural Em Patriar dia 1680 ele novamente contradisse a noção da igual dade e liberdade natural da humanidade argumentando que todas as pessoas nascem sujeitas aos pais o único direito natural na visão de Filmer é inerente ao poder régio que deriva do modelo original do poder patriarcal e está confirmado nos Dez Mandamentos 1 5 Mais influente no longo prazo foi a visão de Jeremy Bentham que argumentava que só importava a lei positiva real em vez de ideal ou natural Em 1775 muito antes de se tornar famoso como o pai do Utilitarismo Bentham escreveu uma crítica sobre Com mentaries on the Laws ofEngland de Blackstone expondo a sua rejeição do conceito de lei natural Não há isso que chamam de 124 preceitos nada queordene o h o m e m a praticar qualquer um dos atos que se alega serem impostos pela pretensa lei da Natureza Se algum h o m e m conhece algum desses preceitos que ele os pro duza Se são produzíveis não deveríamos nos dar ao trabalho de descobrilos como nosso autor Blackstone pouco depois nos diz que devemos fazer com a ajuda da razão Bentham se opunha à ideia de que a lei natural era inata à pes soa e podia ser descoberta pela razão Assim rejeitava basicamente toda a tradição da lei natural e com ela os direitos naturais O prin cípio da utilidade a maior felicidade do maior número de pessoas uma ideia que ele tomou emprestada de Beccaria ele argumenta ria mais tarde servia como a melhor medida do certo e do errado Só cálculos baseados em fatos em vez de julgamentos baseados na razão podiam fornecer a base para a lei Dada essa posição a sua rejeição posterior da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão é menos surpreendente N u m panfleto em que critica a Declaração francesa artigo por artigo ele negou categoricamente a existência de direitos naturais Os direitos naturais são um mero absurdo os direitos naturais e imprescritíveis um absurdo retó rico um absurdo bombástico 1 Apesar de seus críticos o discurso dos direitos estava ga nhando impulso desde a década de 1760 Os direitos naturais então suplementados pelos direitos do gênero humano direitos da humanidade e direitos do homem tornaramse expressões corriqueiras Com o seu potencial político imensamente intensifi cado pelos conflitos americanos das décadas de 1760 e 1770 o dis curso dos direitos universais cruzou de volta o Atlântico para a GrãBretanha a República Holandesa e a França Em 1768 por exemplo o economista francês de mente reformista Pierre Samuel du Pont de Nemours ofereceu a sua própria definição dos direitos de cada homem A sua lista incluía a liberdade de esco lher u m a ocupação o livre comércio a educação pública e a tribu 125 tação proporcional Em 1776 Du Pont se apresentou como volun tário para ir às colônias americanas e relatar os acontecimentos ao governo francês uma oferta que não foi aproveitada Mais tarde Du Pont se tornou amigo íntimo de Jefferson e em 1789 foi eleito deputado pelo Terceiro Estado 1 7 Embora a Declaração da Independência talvez não tenha sido praticamente esquecida como Pauline Maier recentemente pro clamou a linguagem universalista dos direitos retornou essencial mente ao seu lar na Europa depois de 1776 Os novos governos estaduais dos Estados Unidos começaram a adotar declarações individuais dos direitos já em 1776 mas os Artigos da Confedera ção de 1777 não incluíam n e n h u m a declaração de direitos e a Constituição de 1787 foi aprovada sem nenhuma declaração desse tipo A Bill of Rights americana só passou a existir com a ratificação das primeiras dez emendas da Constituição em 1791 e era um documento profundamente particularista que protegia os cida dãos americanos contra abusos cometidos pelo seu governo fede ral Em comparação a Declaração da Independência e a Declara ção de Direitos da Virginia de 1776 tinham feito afirmações muito mais universalistas Na década de 1780 os direitos na América tinham assumido uma posição menos importante do que o inte resse em construir u m a nova estrutura institucional nacional Como consequência a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão de 1789 de fato precedeu a Bill of Rights americana e logo atraiu a atenção internacional 1 8 d e c l a r a n d o o s d i r e i t o s n a f r a n ç a Apesar do afastamento americano do universalismo na década de 1780 os direitos do h o m e m receberam um grande empurrão do exemplo americano Sem ele na verdade os direi 126 tos h u m a n o s poderiam ter definhado p o r falta de interesse Depois de insuflar um interesse difundido pelos direitos do homem no início da década de 1760 o próprio Rousseau se desi I udiu N u m a longa carta escrita em janeiro de 1769 sobre as suas convicções religiosas Rousseau atacou o uso excessivo desta bela palavra humanidade Os sofisticados m u n d a n o s as menos humanas das pessoas invocavamna com tanta frequên cia que ela estava se tornando insípida até ridícula A humani dade tinha de ser gravada nos corações insistia Rousseau e não apenas impressa nas páginas dos livros O inventor da expressão direitos do h o m e m não viveu para ver o impacto pleno da inde pendência americana ele m o r r e u em 1778 o ano em que a França se j u n t o u ao lado americano contra a GrãBretanha Embora Rousseau soubesse de Benjamin Franklin uma verda deira celebridade na França desde sua chegada como ministro dos colonos rebeldes em 1776 e n u m a ocasião tivesse defendido o direito dos americanos de proteger suas liberdades mesmo que fossem obscuros ou desconhecidos ele expressava pouco inte resse pelos assuntos americanos 1 9 As repetidas referências à humanidade e aos direitos do h o m e m continuaram apesar do escárnio de Rousseau irias pode riam ter sido ineficazes se os acontecimentos na América não tives sem lhes dado mais poder de fogo Entre 1776e 1783nove diferen tes traduções francesas da Declaração da Independência e ao menos cinco traduções francesas de várias constituições e declara ções de direitos estaduais propiciaram aplicações específicas de doutrinas de direitos e ajudaram a cristalizar o senso de que o governo francês também poderia ser estabelecido sobre novos fundamentos Embora alguns reformadores franceses preferissem uma monarquia constitucional no estilo inglês e Condorcet por sua parte expressasse desapontamento com o espírito aristocrá tico da nova Constituição dos Estados Unidos muitos se entu 127 siasmavam com a capacidade americana de escapar ao peso morto do passado e estabelecer o autogoverno 2 0 Os precedentes americanos tornaramse ainda mais convin centes quando os franceses entraram n u m estado de emergência constitucional Em 1788 enfrentando uma bancarrota causada em grande medida pela participação francesa na Guerra da Indepen dência americana Luís xvi concordou em convocar os Estados Gerais que tinham se reunido pela última vez em 1614 Quando começaram as eleições dos delegados ruídos surdos de declarações já podiam ser ouvidos Em janeiro de 1789 um amigo de Jefferson Lafayette preparou um rascunho de declaração e nas semanas seguintes Condorcet silenciosamente formulou o seu O rei tinha pedido que o clero o Primeiro Estado os nobres o Segundo Estado e o povo comum o Terceiro Estado não só elegessem dele gados mas também fizessem listas de suas queixas Várias listas redigidas em fevereiro março e abril de 1789 se referiam aos direi tos inalienáveis do homem aos direitos imprescritíveis dos homens livres aos direitos e dignidade do homem e do cidadão ou aos direitos dos homens livres e esclarecidos mas predomina vam os direitos do homem A linguagem dos direitos estava agora se difundindo rapidamente na atmosfera da crescente crise 2 1 Algumas listas de queixas t as dos nobres mais frequente mente que as do clero ou do Terceiro Estado exigiam de forma explícita u m a declaração de direitos em geral as que também pediam uma nova Constituição Por exemplo a nobreza da região Béziers no sul requeria que a assembleia geral adotasse como sua verdadeira tarefa preliminar o exame rascunho e declaração dos direitos do h o m e m e do cidadão A lista de queixas do Terceiro Estado da grande Paris intitulou a sua segunda seção Declaração de direitos e apresentou uma lista desses direitos Quase todas as listas pediam direitos específicos de uma ou outra forma liber dade de imprensa liberdade de religião em alguns casos tributa 128 ção igual igualdade de tratamento perante a lei proteção contra a prisão arbitrária e que tais 2 2 Os delegados vieram com as suas listas de queixas para a abertura oficial dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789 Depois de semanas de debates fúteis sobre o procedimento os deputados do Terceiro Estado se declararam unilateralmente membros de uma Assembleia Nacional em 17 de junho eles afirmavam repre sentar toda a nação e não apenas o seu estado Muitos deputa dos clericais logo se juntaram a eles e em pouco tempo os nobres não tiveram outra escolha senão abandonar os trabalhos ou tam bém aderir Em 19 de junho bem no meio dessas lutas um depu tado pediu que a nova Assembleia começasse imediatamente a grande tarefa de uma declaração de direitos que ele insistia ter sido exigida pelos eleitores embora estivesse longe de ser univer salmente reclamada a ideia estava com toda a certeza no ar Um Comitê sobre a Constituição foi montado em 6 de julho e em 9 de julho o comitê anunciou à Assembleia Nacional que começaria com u m a declaração dos direitos naturais e imprescritíveis do homem denominada na recapitulação da sessão a declaração dos direitos do homem 2 1 Thomas Jefferson então em Paris escreveu a Thomas Paine na Inglaterra em 11 de julho dando um relato esbaforido dos acontecimentos que se desenrolavam Paine era o autor de Com mon Sense 1776 o panfleto mais influente do movimento da independência americana Segundo Jefferson os deputados da Assembleia Nacional lançaram por terra o velho governo e estão agora começando a construir outro da estaca zero Relatava que eles consideravam que a primeira tarefa devia ser o rascunho de uma Declaração dos direitos naturais e imprescritíveis do homem os mesmos termos usados pelo Comitê sobre a Cons tituição Jefferson trocou muitas ideias com Lafayette que naquele mesmo dia leu o seu próprio rascunho de uma proposta de decla 129 ração para a Assembleia Vários outros deputados proeminentes correram então a imprimir as suas propostas A terminologia variava os direitos do homem na sociedade os direitos do cida dão francês ou simplesmente direitos mas os direitos do homem predominava nos títulos 2 4 Em 14 de julho três dias depois que Jefferson escreveu a Paine as multidões em Paris se armaram e atacaram a prisão da Bastilha e outros símbolos da autoridade real O rei havia orde nado que milhares de tropas entrassem em Paris levando muitos deputados a temer um golpe contrarrevolucionario O rei retirou os seus soldados mas a questão de uma declaração ainda não fora solucionada No final de julho e início de agosto os deputados ainda estavam debatendo se precisavam de uma declaração se ela deveria aparecer no topo da Constituição e se deveria ser acompa nhada por uma declaração dos deveres do cidadão A divisão sobre a necessidade de uma declaração refletia os desacordos fundamen tais sobre o curso dos acontecimentos Se a autoridade monár quica precisasse simplesmente de alguns reparos uma declaração dos direitos do homem não era necessária Para aqueles em con traste que concordavam com o diagnóstico de Jefferson de que o governo tinha de ser reconstruído do nada uma declaração de direitos era essencial Por fim em 4 de agosto a assembleia votou por redigir uma declaração de direitos sem os deveres Ninguém então ou desde então explicou adequadamente como a opinião acabou mudando em favor de rascunhar essa declaração em grande parte porque os deputados estavam tão ocupados confrontando as questões coti dianas que não compreendiam as grandes consequências de cada uma de suas decisões Como resultado as suas cartas e até memó rias posteriores mostraramse torturantemente vagas sobre as mudanças de maré da opinião Sabemos que a maioria tinha pas sado a acreditar ser necessário um fundamento inteiramente 130 novo Os direitos do h o m e m forneciam os princípios para u m a visão alternativa de governo Como os americanos haviam feito antes os franceses declararam os direitos como parte de uma cres cente ruptura com a autoridade estabelecida O deputado Rabaut SaintÉtienne comentou esse paralelo em 18 de agosto como os americanos queremos nos regenerar e assim a declaração de direitos é essencialmente necessária 2 5 O debate se animou em meados de agosto apesar de alguns deputados zombarem abertamente da discussão metafísica Confrontada com u m a série desnorteante de alternativas a As sembleia Nacional decidiu considerar um documento de compro misso redigido por um subcomitê de quarenta membros na sua maior parte anônimos No meio da contínua incerteza e ansiedade sobre o futuro os deputados dedicaram seis dias a um debate tumultuado 2024 de agosto 26 de agosto Concordaram a res peito de dezessete artigos emendados entre os 24 propostos nos Estados Unidos os estados individuais ratificaram apenas dez das doze primeiras emendas propostas para a Constituição Exaurida pela discussão dos artigos e emendas em 27 de agosto a Assembleia votou por adiar qualquer outra discussão para depois da redação de u m a nova Constituição A questão nunca foi reaberta Dessa maneira um tanto ambígua a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão adquiriu a sua forma definitiva Os deputados franceses declaravam que todos os homens e não só os francesesnascem e permanecem livres e iguais em direi tos artigo I a Entre os direitos naturais inalienáveis e sagrados do h o m e m estavam a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão artigo 2 a Concretamente isso significava que quaisquer limites aos direitos tinham de ser estabelecidos na lei artigo 4 a Todos os cidadãos tinham o direito de participar Ver no Apêndice o texto completo 131 na formação da lei que deveria ser a mesma para todos artigo 6 f i e consentir na tributação artigo 14 que deveria ser dividida igualmente segundo a capacidade de pagar artigo 13 Além disso a declaração proibia ordens arbitrárias artigo 7 punições des necessárias artigo 8 fl e qualquer presunção legal de culpa artigo 9 S ou apropriação governamental desnecessária da propriedade artigo 17 Em termos um tanto vagos insistia que ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo as religiosas artigo 10 enquanto afirmava com mais vigor a liberdade de imprensa artigo 11 N u m único documento portanto os deputados franceses ten taram condensar tanto as proteções legais dos direitos individuais como um novo fundamento para a legitimidade do governo A soberania se baseava exclusivamente na nação artigo 3 2 e asocie dade tinha o direito de considerar que todo agente público devia prestar contas de seus atos artigo 15 Não era feita nenhuma men ção ao rei tradição história ou costumes franceses nem à Igreja Católica Os direitos eram declarados na presença e sob os auspí cios do Ser Supremo mas por mais sagrados que fossem não lhes era atribuída uma origem sobrenatural Jefferson tinha sentido a necessidade de afirmar que todos os homens eram dotados pelo seu Criador com direitos mas os franceses deduziam os direitos de origens inteiramente seculares a natureza a razão e a sociedade Durante os debates Mathieu de Montmorency havia afirmado que os direitos do homem na sociedade são eternos e não é necessá ria nenhuma sanção para reconhecêlos O desafio à antiga ordem na Europa não poderia ter sido mais direto 2 6 Nenhum dos artigos da declaração especificava os direitos de grupos particulares Os homens o homem cada homem I todos os cidadãos cada cidadão a sociedade qualquer socie dade eram contrastados com ninguém nenhum indivíduo nenhum homem Era literalmente tudo ou nada As classes as 132 religiões e os sexos não apareciam na declaração Embora a ausên cia de especificidade logo criasse problemas a generalidade das afirmações não era uma grande surpresa O Comitê sobre a Cons tituição tinha se comprometido originalmente em preparar até quatro documentos diferentes sobre os direitos 1 uma declara ção dos direitos do homem 2 dos direitos da nação 3 dos direi tos do rei e 4 dos direitos dos cidadãos sob o governo francês O documento adotado combinava o primeiro o segundo e o quarto mas sem definir as qualificações para a cidadania Antes de passar aos aspectos específicos os direitos do rei ou as qualificações para a cidadania os deputados se empenharam primeiro em estabele cer princípios gerais para todo o governo A esse respeito o artigo 2 a é típico O objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem Os deputados queriam propor a base de toda associação política não da monarquia não do governo francês mas de toda associação polí tica Eles teriam de se voltar em breve para o governo francês 2 7 O ato de declarar não resolvia todas as questões De fato emprestava maior urgência a algumas dessas questões os direi tos daqueles que não tinham propriedade ou das minorias religio sas por exemplo e abria novas questões sobre grupos como os escravos ou as mulheres que nunca haviam detido uma posição política a serem examinadas no próximo capítulo Talvez aque les que se opunham a uma declaração tivessem percebido que o próprio ato de declarar teria um efeito galvanizador Declarar era mais do que esclarecer artigos de doutrina ao fazer a declaração os deputados se apoderavam efetivamente da soberania C o m o resultado o ato de declarar abriu um espaço antes inimaginável para o debate político se a nação era soberana qual era o papel do rei e quem representava melhor a nação Se os direitos serviam como o fundamento da legitimidade o que justificava a sua limi tação a pessoas de certas idades sexos raças religiões ou riqueza 133 Alin guagem dos direitos humanos tinha germinado por algum t e m p o nas novas práticas culturais da autonomia individual e integridade corporal mas depois irrompeu repentinamente em tempos de rebelião e revolução Quem devia queria ou podia con trolar os seus efeitos Declarar os direitos t a m b é m teve consequências fora da França A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão trans formou a linguagem de todo mundo quase da noite para o dia A mudança pode ser encontrada de forma especialmente clara nos escritos e discursos de Richard Price o pregador britânico dissi dente que havia inflamado a controvérsia com seu discurso dos direitos da humanidade em apoio aos colonos americanos em 17760 seu panfleto de 1784 Observations on theImportance ofthe American Revolution continuava na mesma veia comparava o movimento de independência americano à introdução do cristia nismo e predizia que ele produziria uma difusão geral dos princí pios da humanidade apesar da escravidão que ele condenava categoricamente N u m sermão de novembro de 1789 Price endossava a nova terminologia francesa Vivi para ver os direitos dos homens mais bem compreendidos do que nunca e nações ansiando por liberdade que pareciam ter perdido a ideia do que isso fosse Depois de partilhar os benefícios de uma Revolução 1688 fui poupado para ser testemunha de duas outras Revolu ções a americana e a francesa ambas gloriosas 2 8 O panfleto escrito em 1790 por Edmund Burke contra Price Reflexões sobre a revolução na França desencadeou por sua vez um frenesi de discussão em várias linguagens sobre os direitos do homem Burke argumentava que o novo império conquistador de luz e razão não podia propiciar um fundamento adequado para um governo bemsucedido que tinha de estar arraigado nas tradições duradouras de uma nação Na sua acusação aos novos princípios franceses Burke escolheu a Declaração para uma con 134 denação especialmente dura A sua linguagem enfureceu Thomas laine que se agarrou a essa passagem notória na sua réplica de 1791 Os direitos do homem uma resposta ao ataque do sr Burke à Revolução Francesa O sr Burke com sua costumeira violência escreveu Paine insultou a Declaração dos Direitos do Homem A essa cha mou de pedaços miseráveis de papel borrado sobre os direitos do homem O sr Burke pretende negar que o h o m e m tenha direitos Nesse caso deve querer dizer que não existem esses tais direitos em n e n h u m lugar e que ele próprio não tem n e n h u m pois q u e m existe no m u n d o senão o homem Embora a resposta de Mary Wollstonecraft Vindication ofthe Rights ofMen in a Letter to the Right Honourable Edmund Burke Occasioned by his Reflections on the Revolution in France tivesse sido publicada antes em 1790 Os direitos do homem causou um impacto ainda mais direto e estu pendo em parte porque Paine aproveitou a ocasião para argumen tar contra todas as formas de monarquia hereditária inclusive a inglesa A sua obra teve várias edições inglesas ainda no primeiro ano de sua publicação 2 9 Como consequência o emprego da linguagem dos direitos aumentou dramaticamente depois de 1789 As evidências dessa onda podem ser prontamente encontradas no número de títulos em inglês que usam a palavra direitos ele quadruplicou na década de 1790 418 em comparação com a de 1780 95 ou com qualquer década anterior durante o século xvni Algo semelhante aconteceu em holandês rechten van des mensch apareceu pela pri meira vez em 1791 com a tradução de Paine sendo depois seguido por muitos usos na década de 1790 Rechten des menschen apare ceu logo depois nas terras em que se falava o alemão Um tanto iro nicamente portanto a polêmica entre os escritores de língua inglesa levou os direitos do homem francês a um público inter nacional O impacto foi maior do que tinha sido depois de 1776 1 3 5 porque os franceses tinham uma monarquia como as da maioria das outras nações europeias e eles nunca abandonaram a lingua gem do universalismo Os escritos inspirados pela Revolução Francesa também elevaram o nível da discussão americana dos direitos os seguidores de Jefferson invocavam constantemente os direitos do homem mas os federalistas tratavam com desprezo uma linguagem associada com excesso democrático ou ameaças à autoridade estabelecida Essas disputas ajudaram a disseminar a linguagem dos direitos humanos por todo o m u n d o ocidental 3 0 A B O L I N D O A T O R T U R A E A P U N I Ç Ã O C R U E L Seis semanas depois de aprovarem a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão e mesmo antes que tivessem sido deter minadas as ressalvas a votar os deputados franceses aboliram todos os usos da tortura judicial como parte de uma reforma provisória do procedimento criminal Em 10 de setembro de 1789 o conselho da cidade de Paris enviou uma petição formal à Assembleia Nacio nal em n o m e da razão e humanidade demandando reformas judiciais imediatas que não só resgatariam a inocência como estabeleceriam melhor as provas do crime e tornariam a condena ção mais certa Os membros do conselho da cidade fizeram a peti ção porque muitas pessoas tinham sido presas pela nova Guarda Nacional comandada em Paris por Lafayette nas semanas de sublevação depois de 14 de julho Poderia o sigilo habitual dos pro cedimentos judiciais fomentar a manipulação e a chicana dos ini migos da Revolução Em resposta a Assembleia Nacional nomeou um Comitê dos Sete para redigir as reformas mais prementes não apenas para Paris mas para toda a nação Em 5 de outubro sob a pressão de uma marcha impressionante a Versalhes Luís xvi deu finalmente a sua aprovação formal à Declaração dos Direitos do 136 H o m e m e do Cidadão Os participantes da marcha forçaram o rei e sua família a se mudar de Versalhes para Paris em 6 de outubro No meio dessa renovada agitação em 89 de outubro a Assembleia aprovou o decreto proposto pelo seu comitê Ao mesmo tempo os deputados votaram por se juntar ao rei em Paris 3 1 A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão tinha tra çado apenas princípios gerais de justiça a lei devia ser a mesma para todos não devia permitir a prisão arbitrária ou castigos além daqueles estrita e obviamente necessários e o acusado devia ser considerado inocente até ser julgado culpado O decreto de 89 de outubro de 1789 começava com uma invocação da declaração A Assembleia Nacional considerando que um dos principais direi tos do homem por ela reconhecido é o de usufruir quando acu sado de um delito criminal de toda a liberdade e segurança para a defesa que possa ser conciliada com o interesse da sociedade que pede a punição dos crimes Passava então a especificar os pro cedimentos a maioria dos quais se destinava a assegurar a transpa rência para o público N u m lance inspirado pela desconfiança no judiciário então em vigor o decreto requeria a eleição de comissá rios especiais em cada distrito para ajudar em todos os casos crimi nais inclusive na supervisão da coleta de evidências e testemu nhos Garantia o acesso da defesa a todas as informações reunidas e a natureza pública de todos os procedimentos criminais pondo em prática um dos princípios mais acalentados por Beccaria O mais curto dos 28 artigos no decreto o artigo 24 é o mais interessante para nossos propósitos Ele abolia todas as formas de tortura e também o uso de um banco baixo e humilhante a sel lette para o interrogatório final do acusado perante os seus juízes Luís xvi havia suprimido anteriormente a questão preparatória o emprego da tortura para obter confissões de culpa mas tinha proibido apenas provisoriamente o uso da questão preliminar a tortura para obter os nomes de cúmplices O governo do rei tinha 137 eliminado a selletteem maio de 1788 mas como a ação era muito recente os deputados consideraram necessário tornar a sua pró pria posição bem clara A sellette era um instrumento de humilha ção e representava o tipo de ataque à dignidade do indivíduo que os deputados agora consideravam inaceitável O deputado que apresentou o decreto para o comitê reservou a discussão dessas medidas para o fim com o intuito de sublinhar a sua importância simbólica Tinha insistido com os seus colegas desde o início que vocês não podem deixar no Código corrente manchas que revol tam a humanidade vocês certamente querem que elas desapare çam sem demora Depois se tornou quase lacrimoso quando che gou ao tema da tortura Acreditamos que devemos à humanidade apresentarlhes uma observação final O rei já baniu da França a prática absurda mente cruel de arrancar do acusado por meio de tortura a confissão de crimes mas ele lhes deixou a glória de completar esse grande ato de razão e justiça Permanece ainda em nosso código a tortura preliminar os refinamentos mais execráveis de crueldade ainda são empregados para obter a revelação dos cúmplices Fixem seus olhos nesse resquício de barbárie por favor senhores e logrem pros crever de seus corações essa prática Seria um espetáculo belo e comovente para o universo ver um rei e uma nação unidos pelos laços indissolúveis de um amor recíproco rivalizando entre si no zelo pela perfeição das leis um tentando superar o outro na constru ção de monumentos à justiça à liberdade e à humanidade Na esteira da declaração de direitos a tortura foi por fim comple tamente abolida A abolição da tortura não estava na agenda do governo da cidade de Paris em 10 de setembro mas os deputados não resistiram à oportunidade apresentada de tornála o clímax de sua primeira revisão do código criminal 3 2 138 Q u a n d o chegou a hora de completar a revisão do código penal após mais de dezoito meses o deputado encarregado de apresentar a reforma invocou todas as noções que tinham se tor nado familiares durante as campanhas contra a tortura e a punição cruel LouisMichel Lepeletier de SaintFargeau outrora juiz no Parlementde Paris subiu à tribuna em 23 de maio de 1791 para apresentar os princípios do Comitê sobre a Lei Criminal uma continuação do Comitê dos Sete nomeado em setembro de 1789 Denunciou as torturas atrozes imaginadas em séculos bárbaros e ainda assim conservadas em séculos esclarecidos a falta de pro porção entre os crimes e as punições uma das principais queixas de Beccaria e a ferocidade geralmente absurda das leis anterio res Os princípios de humanidade agora modelariam o código penal que no futuro se basearia antes na reabilitação por meio do trabalho que na punição sacrificai por meio da dor 3 3 Tão bemsucedidas tinham sido as campanhas contra a tor tura e a punição cruel que o comitê colocou a seção sobre as puni ções antes da seção que definia os crimes no novo código penal Todas as sociedades experimentam o crime mas a punição reflete a própria natureza de u m a política pública O comitê propôs uma revisão completa do sistema penal para dar corpo aos novos valo res cívicos em nome da igualdade todos seriam julgados nos mes mos tribunais sob a mesma lei e seriam suscetíveis às mesmas punições A privação da liberdade seria a punição exemplar o que significava que ser enviado para as galés no mar e para o exílio seria substituído pelo aprisionamento e por trabalhos forçados Os con cidadãos do criminoso nada saberiam sobre a significância da punição se o criminoso fosse simplesmente enviado para outro lugar fora do alcance da visão pública O comitê até defendia eli minar a pena de morte à exceção dos casos de rebelião contra o Estado mas sabia que enfrentaria resistência quanto a esse ponto Os deputados votaram por reinstalar a pena de morte para alguns 139 crimes embora excluíssem todos os crimes religiosos como a here sia o sacrilégio ou a prática da magia A sodomia antes punível com a morte não era mais considerada crime A pena de morte só seria executada pela decapitação antes reservada aos nobres A guilhotina inventada para tornar a decapitação o menos dolorosa possível começou a ser praticada em abril de 17920 suplício da roda a queima na fogueira essas torturas que acompanhavam a pena de morte desapareceriam todos esses horrores legais são detestados pela humanidade e pela opinião pública insistia Lepe letier Esses espetáculos cruéis degradam a moral pública e são indignos de um século humano e esclarecido 3 4 Como a reabilitação e o reingresso do criminoso na sociedade eram as metas principais a mutilação corporal e as marcas de ferro em brasa se tornaram intoleráveis Ainda assim Lepeletier se estendeu bastante sobre a questão das marcas feitas com ferro em brasa como a sociedade se protegeria contra criminosos condena dos sem nenhum tipo de sinal permanente de seu status Concluiu que na nova ordem seria impossível que vagabundos ou crimino sos passassem despercebidos porque as municipalidades mante riam registros exatos com os nomes de cada habitante Marcar os seus corpos de forma permanente impediria que se reintegrassem na sociedade Nisso como na questão mais geral da dor os deputa dos tinham de seguir um caminho sem muita margem de erro a punição devia ter simultaneamente efeitos de dissuasão e readap tação A punição não podia ser tão degradante a ponto de impedir que os condenados se reintegrassem na sociedade Como conse quência embora prescrevesse a exposição pública dos condenados às vezes acorrentados o código penal limitava cuidadosamente a exposição no máximo três dias dependendo da gravidade do delito Os deputados também queriam acabar com o colorido reli gioso da punição Eliminaram o ato formal da penitência arriende 140 honorable em que o condenado vestindo apenas u m a camisa com uma corda ao redor do pescoço e uma tocha na mão ia até a porta de uma igreja e implorava o perdão de Deus do rei e da jus tiça Em lugar disso o comitê propunha uma punição baseada nos direitos chamada de degradação cívica que poderia ser a única punição ou ser acrescentada a um período de encarceramento Os procedimentos eram descritos em detalhes por Lepeletier O con denado era conduzido a um lugar público especificado onde o escrivão do tribunal criminal lia em voz alta estas palavras O seu país o considerou culpado de uma ação desonrosa A lei e o tribu nal lhe tiram a posição de cidadão francês O condenado era então preso n u m colarinho de ferro e ali permanecia exposto ao público por duas horas O seu nome o seu crime e o seu julgamento seriam escritos n u m cartaz colocado abaixo da sua cabeça As mulheres os estrangeiros e os recidivistas criavam um problema entretanto como podiam perder os seus direitos de votar ou o direito de ocu par um cargo público quando não tinham esses direitos O artigo 32 tratava especificamente desse ponto no caso de uma sentença de degradação cívica contra mulheres estrangeiros ou recidivis tas eles eram condenados ao colarinho de ferro por duas horas e usavam um cartaz semelhante ao prescrito para os homens mas o escrivão não lia a frase a respeito da perda da posição cívica 3 5 A degradação cívica pode parecer formulística mas ela apontava para a reorientação não só do código penal mas do sis tema político em geral O condenado agora era um cidadão não um súdito portanto ele ou ela as mulheres eram cidadãs passi vas não podiam ser obrigados a suportar a tortura castigos des necessariamente cruéis ou penalidades excessivamente desonro sas Q u a n d o apresentou a reforma do código penal Lepeletier distinguiu entre dois tipos de punição castigos corporais prisão morte e castigos desonrosos Embora todas as punições tivessem u m a dimensão de vergonha ou desonra como o próprio Lepele 141 tier afirmava os deputados queriam circunscrever o uso de castigos desonrosos Eles mantiveram a exposição pública e o colarinho de ferro mas suprimiram o ato de penitência o uso do tronco e do pelourinho o ato de arrastar o corpo n u m a espécie de armação depois da morte a reprimenda judicial e o ato de declarar indefini damente em aberto um caso contra o acusado sugerindo portanto a culpa Propomos dizia Lepeletier que vocês adotem o princí pio do castigo desonroso mas multipliquem menos as variações que ao dividilo enfraquecem este pensamento terrível e salutar a sociedade e as leis proferem um anátema contra alguém que se cor rompeu pelo crime Podiase desonrar um criminoso em nome da sociedade e das leis mas não em nome da religião ou do rei 3 6 N u m outro passo que significou um realinhamento funda mental os deputados decidiram que os novos castigos desonrosos se destinavam apenas ao indivíduo criminoso não à sua família Com os tipos tradicionais de castigo desonroso os membros das famílias dos condenados sofriam diretamente as consequências Nenhum deles podia comprar cargos ou ocupar posições públicas a sua propriedade ficava em alguns casos sujeita a confisco e eles eram considerados igualmente desonrados pela comunidade Em 1784 o jovem advogado PierreLouis Lacretelle ganhou um prê mio da Academia Metz por um ensaio em que defendia que a ver gonha do castigo desonroso não devia ser estendida aos membros da família O segundo prêmio foi para um jovem advogado de Arras com um extraordinário futuro Maximilien Robespierre que adotou a mesma posição Essa atenção ao castigo desonroso reflete uma mudança sutil mas importante no conceito de honra com o desenvolvimento de uma noção dos direitos humanos a compreensão tradicional de honra começava a ser atacada A honra tinha sido a qualidade pes soal mais importante sob a monarquia de fato Montesquieu argumentou em seu O espírito das leis 1748 que a honra era o 142 princípio inspirador da monarquia como forma de governo Mui tos consideravam a honra a província especial da aristocracia No seu ensaio sobre castigos desonrosos Robespierre tinha atribuído a prática de desonrar famílias inteiras aos defeitos da própria noção de honra Se consideramos a natureza dessa honra fértil em caprichos sem pre inclinada a uma excessiva sutileza frequentemente apreciando as coisas pelo seu glamour e não pelo seu valor intrínseco e os homens pelos seus acessórios títulos que lhes são alheios e não pelas suas qualidades pessoais podemos facilmente compreender como ela a honra podia entregar ao desprezo aqueles que têm como ente querido um vilão punido pela sociedade Entretanto Robespierre também denunciou o ato de reservar a decapitação considerada mais honrada apenas para os nobres Ele queria que todas as pessoas fossem igualmente honradas ou que renunciassem ao próprio conceito de honra 3 7 Mesmo antes da década de 1780 entretanto a honra estava passando por mudanças Honra segundo a edição de 1762 do dicionário da Académie Française significa virtude probidade Ao falar das mulheres entretanto a honra significa castidade modéstia Na segunda metade do século xvni observase cada vez mais que as distinções de honra separavam mais os homens das mulheres que os aristocratas dos comuns Para os homens a honra estava se tornando ligada à virtude a qualidade que Montesquieu associava com repúblicas todos os cidadãos eram honrados se fos sem virtuosos Sob o novo regime a honra tinha a ver com as ações não com o nascimento A distinção entre os homens e as mulheres passou da honra para as questões de cidadania bem como para as formas de punição A honra e a virtude das mulheres era privada e doméstica a dos homens era pública Tanto os homens como as 143 mulheres podiam ser desonrados na punição mas apenas os homens tinham direitos políticos a perder Tanto na punição como nos direitos os aristocratas e os comuns agora eram iguais os homens e as mulheres não 3 8 A diluição da honra não passou despercebida Em 1794 o escritor SébastienRoch Nicolas Chamfort um dos membros da elitista Académie Française satirizou a mudança É uma verdade reconhecida que o nosso século tem posto as pala vras no seu lugar ao banir sutilezas escolásticas dialéticas e metafí sicas ele retornou ao simples e verdadeiro na física na moral e na política Falando apenas da moral percebese o quanto esta palavra honra incorpora ideias complexas e metafísicas O nosso século sentiu os inconvenientes dessas ideias e para trazer tudo de volta ao simples para impedir todo abuso de palavras estabeleceu que a honra permanece integral para todo homem que nunca foi um ex condenado No passado essa palavra foi uma fonte de equívocos e contestações no presente nada poderia ser mais claro O homem foi colocado no colarinho de ferro ou não Essa é a pergunta a ser feita É uma simples pergunta factual que pode ser facilmente res pondida pelos registros do escrivão do tribunal Um homem que não foi colocado no colarinho de ferro é um homem de honra que pode reivindicar qualquer coisa cargos no ministério etc Tem ingresso garantido nas corporações profissionais nas academias nas cortes do soberano Percebese como a clareza e a precisão nos poupam de brigas e discussões e como o comércio da vida se torna conveniente e fácil Chamfort tinha as suas próprias razões para levar a honra a sério Uma criança abandonada de pais desconhecidos Chamfort construiu uma reputação literária e se tornou o secretário pessoal da irmã de Luís xvi Matouse no auge do Terror pouco depois de 144 escrever essas palavras Durante a Revolução ele primeiro atacou a prestigiada Académie Française que o tinha elegido em 1781 e depois se arrependeu de suas ações e a defendeu Chegar à Acadé mie era a maior honra que podia ser conferida a um escritor sob a monarquia A Académie foi abolida em 1793 e revivida sob N a p o leão Chamfort compreendeu não só a magnitude da mudança na h o n r a a dificuldade de manter as distinções sociais n u m m u n d o impacientemente equalizador mas também a conexão do novo código penal com tal modificação O colarinho de ferro tinha se tornado o mínimo denominador c o m u m da perda de honra 3 9 O novo código penal foi apenas uma das muitas consequên cias que derivaram da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Os deputados tinham reagido à recomendação insistente do duque de Montmorency dar um grande exemplo redi gindo uma declaração de direitos e em algumas semanas c o m e çaram a descobrir como podiam ser imprevisíveis os efeitos desse exemplo A ação de afirmar dizer apresentar ou anunciar aberta explícita ou formalmente implícita no ato de declarar tinha u m a lógica própria Uma vez anunciados abertamente os direitos p r o p u n h a m novas questões questões antes n ã o cogitadas e n ã o cogitáveis O ato de declarar os direitos revelouse apenas o pri meiro passo n u m processo extremamente tenso que continua até os nossos dias 145 4 Isso não terminará nunca As consequências das declarações Pouco antes do Natal de 1789 os deputados da Assembleia Nacional francesa se viram no meio de um debate peculiar Come çou em 21 de dezembro quando um deputado propôs a questão dos direitos de voto dos nãocatólicos Vocês declararam que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direi tos ele lembrou a seus colegas deputados Declararam que nin guém pode ser perturbado por suas opiniões religiosas Há mui tos deputados protestantes entre nós ele observou e assim a Assembleia devia decretar imediatamente que os nãocatólicos possam ser eleitos pelo voto ocupar cargos e aspirar a qualquer posto civil ou militar como os outros cidadãos Os nãocatólicos consistiam uma categoria estranha Quan do Pierre Brunet de Latuque a usou na sua proposta de decreto ele claramente queria dizer protestantes Mas não incluía também os judeus A França era o lar de uns 40 mil judeus em 1789 além de ter de 100 mil a 200 mil protestantes os católicos formavam os outros 99 da população Dois dias depois da intervenção inicial de Brunet de Latuque o conde Stanislas de ClermontTonnerre decidiu entrar no emaranhado da questão Não há meiotermo insistiu Ou vocês estabelecem u m a religião oficial do Estado ou admitem que os membros de qualquer religião podem votar e ocu par cargos públicos ClermontTonnerre insistia que a crença reli giosa não devia ser motivo para a exclusão dos direitos políticos e que portanto os judeus também deviam ter direitos iguais Mas não era tudo A profissão também não devia ser motivo de exclusão ele argumentou Os carrascos e os atores a quem eram negados direitos políticos no passado agora deviam ter acesso a eles Os carrascos costumavam ser considerados desonrados porque ga nhavam a vida matando pessoas e os atores porque fingiam ser outra pessoa ClermontTonnerre acreditava em coerência deve mos ou proibir completamente as peças teatrais ou eliminar a desonra associada ao ato de representar 1 As questões dos direitos revelavam portanto uma tendência a se suceder em cascata Assim que os deputados consideraram o status dos protestantes como uma minoria religiosa sem direitos civis os judeus estavam fadados a vir à baila quando as exclusões religiosas entraram na agenda as profissionais não demoraram a seguilas Já em 1776 John Adams temera uma progressão ainda mais radical em Massachusetts A James Sullivan ele escreveu Pode acreditar senhor é perigoso abrir uma Fonte de Controvérsia e altercação tão fértil como a que seria aberta pela tentativa de alte rar as Qualificações dos Votantes Isso não terminará nunca Surgi rão novas reivindicações As mulheres exigirão o voto Os garotos de 12 a 21 anos pensarão que seus Direitos não são suficientemente considerados e todo Homem sem um tostão exigirá uma Voz igual a qualquer outra em todas as Leis do Estado Adams não pensava realmente que as mulheres ou as crianças pediriam o direito de votar mas temia as consequências de esten 147 i 46 der o sufrágio aos homens sem propriedade Era muito mais fácil argumentar contra todo H o m e m sem um tostão apontando pedidos ainda mais absurdos que poderiam vir daqueles em pata mares ainda mais inferiores na escala social 2 Tanto nos novos Estados Unidos como na França as declara ções de direitos se referiam a homens cidadãos povo e socie dade sem cuidar das diferenças na posição política Mesmo antes que a Declaração francesa fosse rascunhada um astuto teórico constitucional o abade Sieyès tinha argumentado a favor de uma distinção entre os direitos naturais e civis dos cidadãos de um la do e os direitos políticos de outro As mulheres as crianças os es trangeiros e aqueles que não pagavam tributos deviam ser so mente cidadãos passivos Apenas aqueles que contribuem para a ordem pública são como os verdadeiros acionistas da grande empresa social Somente eles são os verdadeiros cidadãos ativos 3 Os mesmos princípios já estavam em vigor há muito tempo do outro lado do Atlântico As treze colônias negavam o voto às mulheres aos negros aos índios e aos sem propriedade Em Dela ware por exemplo o sufrágio era limitado aos homens brancos adultos que possuíssem cinquenta acres de terra que tivessem resi dido em Delaware por dois anos que fossem naturais da região ou naturalizados que negassem a autoridade da Igreja Católica Romana e que reconhecessem que o Antigo e o Novo Testamentos eram obra da inspiração divina Depois da independência alguns estados decretaram condições mais liberais A Pensilvânia por exemplo estendeu o direito de votar a todos os homens adultos livres que pagassem tributos de qualquer importância e Nova Jer sey permitiu por um curto período que as mulheres que tivessem alguma propriedade votassem mas a maioria dos estados reteve as suas qualificações referentes à propriedade e muitos conservaram os testes religiosos ao menos por algum tempo John Adams cap tou a visão dominante tal é a Fragilidade do Coração h u m a n o que poucos Homens que não possuem Propriedade têm um julga mento próprio 4 A cronologia básica da extensão dos direitos é mais fácil de seguir na França porque os direitos políticos eram definidos pela legislatura nacional enquanto nos novos Estados Unidos tais direitos eram regulados pelos estados individuais Na semana de 2027 de outubro de 1789 os deputados aprovaram uma série de decretos estabelecendo as condições de elegibilidade para votar 1 ser francês ou ter se tornado francês por meio de naturalização 2 ter atingido a maioridade estabelecida então em 25 anos 3 ter residido na zona eleitoral ao menos por um ano 4 pagar impostos diretos n u m cômputo igual ao valor local de três dias de trabalho um cômputo mais elevado era exigido no caso da elegi bilidade para ocupar cargos 5 não ser criado doméstico Os deputados nada diziam sobre religião raça ou sexo ao estabelecer esses requisitos embora fosse claramente pressuposto que as mulheres e os escravos estavam excluídos Durante os meses e anos seguintes grupo após grupo foi alvo de discussões específicas e por fim a maioria deles conseguiu direi tos políticos iguais Os homens protestantes ganharam seus direi tos em 24 de dezembro de 1789 assim como todas as profissões Os homens judeus obtiveram finalmente o mesmo avanço em 27 de setembro de 1791 Alguns mas nem todos os homens negros livres conquistaram direitos políticos em 15 de maio de 1791 mas os perderam em 24 de setembro e depois os viram restabelecidos e aplicados de m o d o mais geral em 4 de abril de 1792 Em 10 de agosto de 1792 os direitos de votar foram estendidos a todos os homens na França metropolitana à exceção dos criados e desem pregados Em 4 de fevereiro de 1794 a escravidão foi abolida e direitos iguais concedidos ao menos em princípio aos escravos Apesar dessa quase inimaginável extensão dos direitos políticos a grupos antes não emancipados a linha foi traçada nas mulheres as 149 148 mulheres nunca ganharam direitos políticos iguais durante a Revolução Elas ganharam entretanto direitos iguais de herança e o direito ao divórcio A L Ó G I C A D O S D I R E I T O S M I N O R I A S R E L I G I O S A S A Revolução Francesa mais do que qualquer outro aconteci mento revelou que os direitos humanos têm uma lógica interna Quando enfrentaram a necessidade de transformar seus nobres ideais em leis específicas os deputados desenvolveram uma espé cie de escala de conceptibilidade ou discutibilidade Ninguém sabia de antemão que grupos iam aparecer na discussão quando surgiriam ou qual seria a decisão sobre o seu status Porém mais cedo ou mais tarde tornouse claro que conceder direitos a alguns grupos aos protestantes por exemplo era mais facilmente ima ginável do que concedêlos a outros as mulheres A lógica do pro cesso determinava que logo que surgia um grupo cuja discussão fosse muito concebível homens com propriedades protestantes aqueles na mesma espécie de categoria mas localizados mais abaixo na escala de conceptibilidade homens sem propriedade judeus apareciam na agenda A lógica do processo não movia os acontecimentos necessariamente adiante mas em longo prazo era essa a tendência Os opositores dos direitos dos judeus por exem plo usavam o caso dos protestantes ao contrário dos judeus eles eram ao menos cristãos para convencer os deputados a adiar a questão dos direitos judaicos Entretanto em menos de dois anos os judeus ainda assim conseguiram direitos iguais em parte por que a discussão explícita de seus direitos tinha tornado a concessão de direitos iguais aos judeus mais imaginável Nos mecanismos dessa lógica a natureza supostamente metafísica da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão revelouse um bem muito positivo Exatamente por ter deixado de I ado qualquer questão específica a discussão dos princípios gerais em julhoagosto de 1789 ajudou a pôr em ação modos de pensar que acabaram promovendo interpretações mais radicais das espe cificidades necessárias A declaração se destinava a articular os direitos universais da humanidade e os direitos políticos gerais da nação francesa e dos seus cidadãos Não oferecia qualificações específicas para a participação ativa A instituição de um governo requeria o movimento do geral para o específico assim que as elei ções foram estabelecidas a definição das qualificações para votar e ocupar cargos tornouse urgente A virtude de começar com o geral tornouse visível assim que as questões específicas passaram a ser consideradas Os protestantes foram o primeiro grupo de identidade defi nida a se apresentar para consideração e a discussão a seu respeito estabeleceu u m a característica duradoura das disputas subse quentes um grupo não podia ser considerado em separado Os protestantes não podiam se apresentar sem levantar a questão dos judeus Da mesma forma os direitos dos atores não podiam ser questionados sem invocar o espectro dos carrascos ou os direitos dos negros livres sem chamar atenção para os escravos Quando escreviam sobre os direitos das mulheres os panfletistas os com paravam inevitavelmente aos dos homens sem propriedade e aos dos escravos Mesmo as discussões sobre a maioridade que foi diminuída de 25 para 21 anos em 1792 dependiam da sua compa ração com a infância O status e os direitos de protestantes judeus negros livres ou mulheres eram determinados em grande medida pelo seu lugar na grande rede de grupos que constituíam a comu nidade organizada Os protestantes e os judeus já tinham aparecido juntos nos debates sobre o rascunho de uma declaração Um jovem deputado nobre o conde de Castellane tinha argumentado que os protes 151 150 tantes e os judeus deviam possuir o mais sagrado de todos os direitos o da liberdade de religião No entanto mesmo ele insistia que n e n h u m a religião específica devia ser citada na declaração Rabaut SaintÉtienne ele próprio um pastor calvinista de Langue doc onde viviam muitos calvinistas mencionava a demanda de liberdade de religião para os nãocatólicos na sua lista de queixas local Rabaut incluía explicitamente os judeus entre os nãocatóli cos mas o seu argumento como o de todos os demais no debate dizia respeito à liberdade de religião e não aos direitos políticos das minorias Depois de horas de um debate tumultuado os deputa dos adotaram em agosto um artigo de compromisso que não fazia menção aos direitos políticos artigo 10 da declaração Ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo as religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei A formulação era deliberadamente ambígua e até inter pretada por alguns como uma vitória dos conservadores que se opunham com ferocidade à liberdade de religião O culto público dos protestantes não perturbaria a ordem pública 5 Em dezembro menos de seis meses mais tarde entretanto a maioria dos deputados tomava a liberdade de religião como algo natural Mas a liberdade de religião também implicava direitos políticos iguais para as minorias religiosas Brunet de Latuque propôs a questão dos direitos políticos dos protestantes apenas uma semana depois da redação dos regulamentos para as eleições municipais em 14 de dezembro de 1789 Informou a seus colegas que os nãocatólicos estavam sendo excluídos das listas dos votan tes sob o pretexto de que não tinham sido explicitamente incluídos nos regulamentos Os senhores certamente não quiseram disse esperançosamente deixar que as opiniões religiosas fossem uma razão oficial para excluir alguns cidadãos e admitir outros A lin guagem de Brunet era reveladora os deputados estavam tendo de interpretar as suas ações anteriores à luz do presente Os oposito 152 res dos protestantes quiseram alegar que os protestantes não podiam participar porque a Assembleia não tinha votado um decreto nesse sentido afinal os protestantes tinham sido excluídos dos cargos políticos pela lei desde a revogação do Edito de Nantes em 1685 e nenhuma lei subsequente havia revisado formalmente o seu status político Brunet e seus partidários argumentaram que os princípios gerais proclamados na Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão não admitiam exceções que todos aqueles que satisfaziam as condições etárias e econômicas de elegibilidade tinham de ser automaticamente elegíveis e que portanto as restri ções anteriores contra os protestantes já não eram válidas 6 Em outras palavras o universalismo abstrato da declaração estava impondo as suas consequências Nem Brunet nem qualquer outra pessoa propôs a questão dos direitos das mulheres nesse momento a elegibilidade automática aparentemente não abar cava a diferença sexual Mas no minuto em que se discutiu o status dos protestantes dessa maneira os diques cederam Alguns depu tados reagiram com alarme A proposição de ClermontTonnerre de estender os direitos dos protestantes para todas as religiões e profissões deu origem a um intenso debate Embora a questão dos direitos dos protestantes tivesse começado a discussão quase todo mundo agora admitia que eles deviam ter os mesmos direitos dos católicos Estender os direitos para os carrascos e atores suscitou apenas objeções isoladas em grande parte frívolas mas a sugestão de conceder direitos políticos aos judeus provocou uma resistên cia furiosa Até um deputado aberto a uma eventual emancipação dos judeus argumentou que a sua ociosidade a sua falta de tato um resultado necessário das leis e condições humilhantes a que estão sujeitos em muitos lugares tudo contribui para tornálos odiosos Darlhes direitos na sua visão apenas desencadearia uma reação popular violenta contra eles e de fato tumultos con tra os judeus já t i n h a m ocorrido no leste da França Em 24 de 153 dezembro de 1789 véspera de Natal a Assembleia votou por estender direitos políticos iguais aos nãocatólicos e a todas as profissões ao mesmo tempo que adiavam a questão dos direitos políticos dos judeus O voto em favor dos direitos políticos dos protestantes foi evidentemente maciço segundo os participantes e um deputado escreveu no seu diário sobre a alegria que se mani festou no momento em que o decreto foi aprovado 7 A reviravolta na opinião sobre os protestantes foi espantosa Antes do Edito de Tolerância de 1787 os protestantes não tinham sido capazes de praticar legalmente a sua religião casar ou trans mitir sua propriedade Depois de 1787 eles podiam praticar a sua religião casar perante os oficiais locais e registrar os nascimentos de seus filhos Ganharam apenas direitos civis entretanto não direitos iguais de participação política e ainda não possuíam o direito de praticar a sua religião em público Isso era reservado uni camente aos católicos Algumas das altas cortes tinham conti nuado a resistir à aplicação do edito ao longo de 1788 e 1789 Em agosto de 1789 portanto estava longe de ser evidente que a maio ria dos deputados apoiava a verdadeira liberdade de religião Entretanto no final de dezembro tinham concedido direitos polí ticos iguais aos protestantes O que explicava a mudança de opinião Rabaut SaintÉtienne atribuía a transformação de atitudes à demonstração de responsa bilidade cívica dos deputados protestantes Vinte e quatro protes tantes inclusive ele próprio tinham sido eleitos deputados em 1789 Mesmo antes disso os protestantes tinham ocupado cargos locais apesar das proscrições oficiais e na incerteza dos primeiros meses de 1789 muitos protestantes tinham participado das elei ções para os Estados Gerais O principal historiador da Assembleia Nacional Timothy Tackett atribui a mudança de opinião sobre os protestantes a lutas políticas internas dentro da Assembleia os moderados achavam o obstrucionismo da direita cada vez mais 154 desagradável e assim alinhavamse com a esquerda que apoiava a extensão dos direitos Mas até o principal exemplo de obstrucio nismo citado por Tackett o ruidoso deputado clerical e abade Jean Maury argumentava em favor dos direitos dos protestantes A posição de Maury fornece um indício do processo pois ele ligava o apoio dos direitos políticos dos protestantes ao ato de negar os dos judeus Os protestantes têm a mesma religião e as mesmas leis que nós já possuem os mesmos direitos Maury procurava estabelecer dessa maneira uma distinção entre os protestantes e os judeus Entretanto os judeus espanhóis e portugueses do sul da França começaram imediatamente a preparar u m a petição à Assembleia Nacional com o argumento de que eles t a m b é m já estavam exercendo os seus direitos políticos em nível local A ten tativa de opor uma minoria religiosa contra outra só alargava a fenda na porta 8 O status dos protestantes foi transformado tanto pela teoria como pela prática isto é pela discussão dos princípios gerais da liberdade de religião e pela participação real dos protestantes em assuntos locais e nacionais Brunet de Latuque tinha invocado o princípio geral ao afirmar que os deputados não poderiam ter desejado que as opiniões religiosas fossem u m a razão oficial para excluir alguns cidadãos e admitir outros N ã o querendo admitir o ponto geral Maury tinha de conceder o prático os protestantes já exerciam os mesmos direitos que os católicos A discussão geral em agosto deixara intencionalmente essas questões não resolvidas abrindo a porta para reinterpretações posteriores e ainda mais importante sem fechar a porta para a participação em assuntos locais Os protestantes e até alguns judeus tinham se precipitado para aproveitar ao máximo as novas oportunidades apresentadas Ao contrário dos protestantes antes do Edito de Tolerância de 1787 os judeus franceses não sofriam penalidades por professar publicamente a sua religião mas tinham poucos direitos civis e 155 nenhum direito político Na verdade o caráter francês dos judeus era em alguma medida questionado Os calvinistas eram franceses que tinham se desviado do caminho ao abraçar a heresia enquanto os judeus eram originalmente estrangeiros que constituíam uma nação separada dentro da França Assim os judeus alsacianos eram conhecidos oficialmente como a nação judaica da Alsácia Mas nação tinha um significado menos nacionalista nessa época do que teria mais tarde nos séculos xix e xx Como a maioria dos judeus na França os judeus alsacianos constituíam u m a nação u m a vez que viviam dentro de u m a comunidade judaica cujos direitos e obrigações tinham sido determinados pelo rei em cartas patentes especiais Eles tinham o direito de governar alguns de seus assuntos e até decidir casos em suas próprias cortes de justiça mas também sofriam uma legião de restrições aos tipos de comércio que podiam praticar aos lugares onde podiam viver e às profissões a que podiam aspirar Os escritores do Iluminismo tinham escrito frequentemente sobre os judeus embora nem sempre de modo positivo e depois da concessão de direitos civis aos protestantes em 1787 a atenção se deslocou para a tentativa de melhorar a situação dos judeus Luís xvi criou uma comissão para estudar a questão em 1788 tarde demais para que fosse tomada qualquer medida antes da Revolu ção Embora os direitos políticos dos judeus estivessem abaixo dos concedidos aos protestantes na escala de conceptibilidade os judeus se beneficiaram da atenção atraída para o seu caso Entre tanto a discussão explícita não se traduziu imediatamente em direitos Trezentas e sete das listas de queixas redigidas na prima vera de 1789 mencionavam explicitamente os judeus mas a opi nião estava claramente dividida Dezessete por cento urgiam pela limitação do número de judeus permitidos na França e 9 advo gavam a sua expulsão enquanto apenas 910 insistiam na melhoria de suas condições Entre as milhares de listas de queixas 156 apenas oito advogavam a concessão de direitos iguais aos judeus Ainda assim era um número maior que o daquelas que faziam a mesma reivindicação para as mulheres 1 0 Os direitos dos judeus parecem se ajustar à regra geral de que os primeiros esforços para propor a questão d o s direitos saem fre quentemente pela culatra A posição em grande parte negativa das listas de queixas prenunciava a recusa dos deputados a conceder direitos políticos aos judeus em dezembro de 1789 Ao longo dos vinte meses seguintes entretanto a lógica dos direitos fez avançar a discussão Apenas um mês depois do adiamento do debate dos direitos dos judeus os judeus espanhóis e portugueses do sul da França apresentaram a sua petição à Assembleia argumentando que como os protestantes eles já estavam participando da política em algumas cidades francesas no sul como Bordeaux Falando pelo Comitê sobre a Constituição o bispo católico liberal Charles Maurice de TalleyrandPérigord essencialmente endossou essa posição Os judeus não estavam pedindo novos direitos de cidada nia ele insistiu estavam apenas pedindo para continuar a gozar esses direitos uma vez que eles como os protestantes já os esta vam exercendo Assim a Assembleia podia conceder direitos a alguns judeus sem m u d a r o status dos judeus em geral Dessa maneira o argumento da prática podia se virar contra aqueles que queriam distinções categóricas O discurso de Talleyrand provocou uma comoção especial mente entre os deputados da AlsáciaLorena lar da maior popula ção judaica Os judeus do leste da França e r a m asquenazes que falavam iídiche Os homens tinham barba ao contrário dos sefar ditas de Bordeaux e os regulamentos franceses restringiamnos em grande parte a ter como ocupação o empréstimo de dinheiro e a mascataria As relações entre eles e seus devedores camponeses não eram exatamente amigáveis Os deputados da região não per deram tempo em apontar a consequência inevitável de seguir a 157 orientação de Talleyrand a exceção para os judeus de Bordeaux majoritariamente sefarditas logo resultará na mesma exceção para os outros judeus do reino Enfrentando objeções vociferan tes os deputados ainda assim votaram por 374 a 224 no sentido de que todos os judeus conhecidos como judeus portugueses espa nhóis e de Avignon continuarão a exercer os direitos que têm exer cido até o presente e portanto exercerão os direitos dos cidadãos ativos desde que satisfaçam os requisitos estabelecidos pelos decretos da Assembleia Nacional para a cidadania ativa 2 O voto a favor de direitos para alguns judeus de fato tornou mais difícil no longo prazo recusálos para outros Em 27 de setembro de 1791 a Assembleia revogou todas as suas reservas e exceções anteriores com respeito aos judeus concedendo a todos os judeus direitos iguais Exigiu também que os judeus prestassem um juramento cívico renunciando aos privilégios e isenções espe ciais negociados pela monarquia Nas palavras de ClermontTon nerre Devemos recusar tudo aos judeus como uma nação e con ceder tudo aos judeus como indivíduos Em troca da renúncia a suas próprias cortes de justiça e leis eles se tornariam cidadãos franceses individuais como todos os outros Mais uma vez a prá tica e a teoria operavam numa relação dinâmica mútua Sem a teo ria isto é os princípios enunciados na declaração a referência a alguns judeus que já praticavam esses direitos teria causado pouco impacto Sem a referência à prática a teoria poderia ter permane cido uma letra morta como aparentemente continuou a ser para as mulheres 1 3 No entanto os direitos não eram apenas concedidos pelo corpo legislativo Os debates sobre os direitos incitavam as comu nidades de minorias a falar por si mesmas e a exigir reconheci mento igual Os protestantes tinham maior acesso aos debates porque podiam falar por meio de seus deputados já eleitos para a Assembleia Nacional Mas os judeus parisienses que não passa 158 vam de algumas centenas e não tinham status corporativo apre sentaram a sua primeira petição à Assembleia Nacional ainda em agosto de 1789 Já pediam que os deputados consagrem o nosso título e direitos de Cidadãos Uma semana mais tarde os repre sentantes da muito mais numerosa comunidade dos judeus na Alsácia e na Lorena também publicaram uma carta aberta pedindo a cidadania Quando os deputados reconheceram os direitos dos judeus do sul em janeiro de 1790 os judeus de Paris da Alsácia e da Lorena uniramse para apresentar uma petição em conjunto Como alguns deputados tinham questionado se os judeus real mente queriam a cidadania francesa os peticionários tornaram a sua posição clara como água Eles pedem que as distinções degra dantes que sofreram até o presente sejam abolidas e que eles sejam declarados CIDADÃOS OS peticionários sabiam exatamente como apresentar seu caso Depois de uma longa revisão de todos os pre conceitos havia muito existentes contra os judeus concluíam com uma invocação da inevitabilidade histórica Tudo está mudando a sorte dos judeus deve mudar ao mesmo tempo e as pessoas não ficarão mais surpresas com essa mudança particular do que com todas aquelas que veem ao seu redor todo dia Liguem o aper feiçoamento da sorte dos judeus à revolução amalgamem por assim dizer esta revolução parcial com a revolução geral Dataram o seu panfleto com a mesma data em que a Assembleia votou por criar uma exceção para os judeus do sul 1 4 Em dois anos portanto as minorias religiosas tinham ganhado direitos iguais na França Claro que o preconceito não havia desaparecido especialmente com relação aos judeus Ainda assim u m a percepção da enormidade de tal mudança em tão pouco tempo pode ser estabelecida por simples comparações Na GrãBretanha os católicos ganharam acesso às Forças Armadas às universidades e ao Judiciário em 1793 Os judeus britânicos tive ram de esperar até 1845 para conseguir as mesmas concessões Os 159 católicos só p u d e r a m ser eleitos para o Parlamento britânico depois de 1829 os judeus depois de 1858 A história registrada nos novos Estados Unidos foi um pouco melhor A pequena população judaica nas colônias britânicas na América do Norte que contava apenas com cerca de 2500 indivíduos não tinha igualdade polí tica Depois da independência a maior parte dos novos Estados Unidos continuou a restringir a ocupação de cargos públicos e em alguns estados o ato de votar aos protestantes A primeira emenda da Constituição redigida em setembro de 1789 e ratificada em 1791 garantia a liberdade de religião e depois disso os estados reti raram gradativamente os seus testes religiosos O processo prosse guiu em geral pelos mesmos dois estágios observados na GrãBre tanha primeiro os católicos depois os judeus ganharam direitos políticos plenos Massachusetts por exemplo abriu em 1780 os cargos públicos para qualquer um da religião cristã embora esperasse até 1833 para fazer a mesma coisa com todas as religiões Seguindo o exemplo de Jefferson a Virginia agiu com mais rapi dez concedendo direitos iguais em 1785 e a Carolina do Sul e a Pensilvânia trilharam o mesmo caminho em 1790 Rhode Island só o faria em 1842 1 5 N E G R O S L I V R E S E S C R A V I D Ã O E R A Ç A A força intimidadora da lógica revolucionária dos direitos pode ser vista com ainda maior clareza nas decisões francesas sobre os negros livres e os escravos Mais uma vez a comparação é reveladora a França concedeu direitos políticos iguais aos negros livres 1792 e emancipou os escravos 1794 muito antes de qual quer outra nação que possuía escravos Apesar de conceder direi tos às minorias religiosas bem antes dos seus primos britânicos os novos Estados Unidos ficaram muito atrás no tocante à questão da escravidão Depois de anos de campanhas de petições encabeçadas pela Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos de inspira ção quaker o Parlamento britânico votou pelo fim da participação no tráfico de escravos em 1807 e decidiu em 1833 abolir a escravi dão nas colônias britânicas A história nos Estados Unidos foi mais sombria porque a Convenção Constitucional de 1787 não conce deu ao governo federal o controle sobre a escravidão Apesar de o Congresso ter também votado a proibição da importação de escra vos em 1807 os Estados Unidos só aboliram oficialmente a escra vidão em 1865 quando a 13 a emenda da Constituição foi ratifi cada Além disso o status dos negros livres na realidade declinou em muitos estados depois de 1776 atingindo o seu nadir no notó rio caso Dred Scott de 1857 quando a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou que n e m os escravos nem os negros livres eram cidadãos Dred Scott só foi derrubado em 1868 quando a 14 a emenda da Constituição dos estados Unidos foi ratificada garan tindo que Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do estado em que residem 1 6 Os abolicionistas na França seguiram a orientação inglesa criando em 1788 u m a sociedade irmã modelada segundo a britâ nica Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos Carecendo de amplo apoio a francesa Sociedade dos Amigos dos Negros poderia ter naufragado não fossem os acontecimentos de 1789 que a colocaram em primeiro plano As opiniões dos Amigos dos Negros não podiam ser ignoradas porque entre seus proeminen tes membros estavam Brissot Condorcet Lafayette e o abade Bap tisteHenri Grégoire todos participantes famosos de campanhas pelos direitos h u m a n o s em outras arenas Grégoire um clérigo católico da Lorena tinha defendido mesmo antes de 1789 o rela xamento de restrições contra os judeus no leste da França e em 1789 publicou um panfleto advogando direitos iguais para os 161 160 homens de cor livres Chamava atenção para o racismo florescente dos colonos brancos Os brancos sustentava tendo o poder do seu lado decidiram injustamente que a pele escura exclui o indiví duo das vantagens da sociedade 1 7 Ainda assim a concessão de direitos aos negros e mulatos livres e a abolição da escravatura não se deram por aclamação O número de abolicionistas na nova Assembleia Nacional era muito menor que o daqueles que temiam mexer com o sistema de escra vos e as imensas riquezas que ele trazia para a França Em geral os cultivadores brancos e os mercadores dos portos do Atlântico con seguiam retratar os Amigos dos Negros como fanáticos que pre tendiam fomentar a insurreição dos escravos Em 8 de março de 1790 os deputados votaram por excluir as colônias da Constitui ção e portanto da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cida dão O portavoz do comitê colonial Antoine Barnave explicou que a aplicação rigorosa e universal dos princípios gerais não é conveniente para as colônias A diferença em termos de lugares costumes clima e produtos nos parecia requerer uma diferença nas leis O decreto também tornava crime a incitação de tumulto nas colônias 1 8 Apesar dessa recusa o discurso dos direitos abriu o seu cami nho inelutavelmente por toda a escala social nas colônias Come çou no topo com os cultivadores brancos da maior e mais rica colônia Saint Domingue hoje Haiti Em meados de 1788 eles exigiram reformas no comércio e na representação das colônias nos vindouros Estados Gerais Em pouco tempo ameaçavam exi gir a independência como os norteamericanos se o governo nacional tentasse interferir no sistema dos escravos Os brancos das classes mais baixas por outro lado esperavam que a revolução na França lhes trouxesse compensação contra os brancos mais ricos que não desejavam partilhar o poder político com meros artesãos e comerciantes 162 As demandas crescentes dos negros e mulatos livres eram muito mais perigosas para a continuidade do status quo Excluídos por decreto real de praticar a maioria das profissões ou até de ado tar o nome de parentes brancos as pessoas de cor livres ainda assim possuíam consideráveis propriedades um terço das plantações e um quarto dos escravos em Saint Domingue por exemplo Que riam ser tratados da mesma forma que os brancos e ao mesmo tempo manter o sistema de escravos Um de seus delegados em Paris em 1789 Vincent Ogé tentou conquistar os cultivadores brancos enfatizando os seus interesses comuns como donos de plantações Veremos derramamento de sangue nossas terras invadidas os objetos de nosso trabalho destruídos nossas casas queimadas o escravo levará a revolta mais longe A sua solu ção era conceder direitos iguais aos homens de cor livres como ele próprio que então ajudariam a conter os escravos ao menos por um tempo Quando o seu apelo aos cultivadores brancos fracassou e o apoio dos Amigos dos Negros mostrouse igualmente inútil Ogé voltou a Saint Domingue e no outono de 1790 incitou uma revolta dos homens de cor livres A revolta fracassou e Ogé foi supliciado na roda 1 Mas o apoio aos direitos dos homens de cor livres não parou por aí Em Paris a agitação contínua dos Amigos dos Negros con quistou um decreto em maio de 1791 que concedia direitos polí ticos a todos os homens de cor livres nascidos de mães e pais livres Depois que os escravos de Saint Domingue se rebelaram em agosto de 1791 os deputados rescindiram até esse decreto alta mente restritivo mas aprovaram um mais generoso em abril de 1792 Não surpreende que os deputados agissem de maneira con fusa pois a situação real nas colônias era desnorteante A revolta dos escravos que começou em meados de agosto de 1791 havia atraído até 10 mil insurgentes já no final do mês um número que continuava a crescer rapidamente Bandos armados de escravos 163 massacravam os brancos e queimavam os campos de cana deaçú car e as casas das plantações Os cultivadores imediatamente cul param os Amigos dos Negros e a difusão delugarescomuns sobre os Direitos do Homem 2 0 De que lado os homens de cor livres se posicionavam nessa luta Eles tinham servido nas milícias acusadas de capturar escra vos fugidos e às vezes eram eles próprios donos de escravos Em 1789 os Amigos dos Negros os tinham retratado não só como um baluarte contra um potencial levante de escravos mas também como mediadores em qualquer futura abolição da escravatura Agora os escravos tinham se rebelado Tendo inicialmente rejei tado a visão dos Amigos dos Negros um número cada vez maior de deputados em Paris começou desesperadamente a endossála no início de 1792 Esperavam que os homens de cor livres pudes sem se aliar às forças francesas e aos brancos de classe baixa contra tanto os cultivadores quanto os escravos Entre os deputados um antigo oficial naval nobre e dono de plantações expôs o argu mento Essa classe os brancos pobres é reforçada pela dos homens de cor livres que possuem propriedade esse é o partido da Assembleia Nacional nesta ilha Os receios de nossos colonos cultivadores brancos têm portanto fundamento uma vez que eles têm tudo a temer da influência de nossa revolução sobre os seus escravos Os direitos do h o m e m derrubam o sistema em que se assentam as suas fortunas Somente mudando os seus prin cípios é que os colonos salvarão as suas vidas e as suas fortunas O deputado ArmandGuy Kersaint passou a defender a própria abolição gradual da escravidão Na verdade os negros e mulatos livres desempenharam um papel ambíguo durante todo o levante dos escravos ora se aliando aos brancos contra os escravos ora se aliando aos escravos contra os brancos 2 1 Mais uma vez a potente combinação de teoria declaração dos direitos e prática nesse caso franca revolta e rebelião forçou 164 a mão dos legisladores Como mostrava o argumento de Kersaint os direitos do h o m e m eram inevitavelmente parte da discussão mesmo na Assembleia que os tinha declarado inaplicáveis às colô nias Os acontecimentos levaram os deputados a reconhecer a sua aplicabilidade em lugares e em relação a grupos que eles tinham originalmente esperado excluir desses direitos Aqueles que se opunham a conceder direitos aos homens de cor livres concorda vam a respeito de um ponto central com aqueles que apoiavam a ideia de conferir esses direitos os direitos dos homens de cor livres não podiam ser separados da reflexão sobre o próprio sistema escravagista Assim u m a vez reconhecidos esses direitos o pró ximo passo se tornava ainda mais inevitável No verão de 1793 as colônias francesas estavam em total sublevação Uma república havia sido declarada na França e a guerra agora opunha a nova república à GrãBretanha e à Espanha no Caribe Os cultivadores brancos procuraram fazer alianças com os britânicos Alguns dos escravos rebeldes de Saint Domingue juntaramse aos espanhóis que controlavam a metade leste da ilha Santo Domingo em troca de promessas de liberdade para si mesmos Mas a Espanha não tinha a menor intenção de abolir a escravidão Em agosto de 1793 enfrentando um colapso total da autoridade francesa dois comissários enviados da França começa ram a oferecer a emancipação aos escravos que lutavam pela Repú blica Francesa e depois também a suas famílias Além disso pro metiam concessões de terra No final do mês estavam prometendo liberdade a províncias inteiras O decreto emancipando os escra vos do norte abria com o artigo P da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Embora inicialmente temerosos de uma trama britânica para solapar o poder francês por meio da libertação de escravos os deputados em Paris votaram por abolir a escravidão em todas as colônias em fevereiro de 1794 Agiram assim que escu 165 taram relatos em primeira mão de três homens um branco um mulato e um escravo liberto enviados de Saint Domingue para explicar a necessidade da emancipação Além da abolição da escravidão negra em todas as colônias os deputados decretaram que todos os homens sem distinção de cor residindo nas colô nias são cidadãos franceses e gozarão de todos os direitos assegu rados pela Constituição 2 2 A abolição da escravatura foi um ato de puro altruísmo escla recido Dificilmente A contínua revolta dos escravos em Saint Domingue e sua conjunção com a guerra em muitas frentes deixa vam pouca escolha aos comissários e portanto aos deputados em Paris se quisessem conservar até mesmo uma pequena porção de sua ilhacolônia Mas como revelavam as ações dos britânicos e dos espanhóis ainda havia muito espaço de manobra para manter a escravidão no seu lugar eles podiam prometer a emancipação exclusivamente àqueles que passassem para o seu lado sem ofere cer a abolição geral da escravatura Mas a propagação dos direitos do homem tornou a manutenção da escravidão muito mais difí cil para os franceses A medida que se espalhava na França a dis cussão dos direitos boicotava a tentativa da legislatura de manter as colônias fora da Constituição precisamente por ser inevitável que incitasse os homens de cor livres e os próprios escravos a fazer novas demandas e a lutar ferozmente por elas Desde o começo os cultivadores e seus aliados perceberam a ameaça Os deputados coloniais em Paris escreveram secretamente para as colônias a fim de instruir seus amigos a vigiar as pessoas e os acontecimentos prender os suspeitos apoderarse de quaisquer escritos em que a palavra liberdade seja meramente pronunciada Embora os escravos talvez não tivessem compreendido todas as sutilezas da doutrina dos direitos do homem as próprias palavras passaram a ter um efeito inegavelmente talismânico O exescravo Toussaint Louverture que se tornaria em breve o líder da revolta proclamou 166 em agosto de 1793 queEu quero que a Liberdade e a Igualdade rei nem em Saint Domingue Trabalho para que elas passem a existir Univos a nós irmãos companheiros insurgentes e lutai conos co pela mesma causa Sem a declaração inicial a abolição da escra vatura em 1794 teria permanecido inconcebível 2 3 Em 1802 Napoleão enviou uma imensa força expedicionária da França para capturar ToussaintLouverture e restabelecer a escravidão nas colônias francesas Transportado de volta para a França Toussaint morreu numa prisão fria louvado por William Wordsworth e celebrado pelos abolicionistas em toda parte Wordsworth acolheu o zelo de Toussaint pela liberdade Though fallen thyself never to rise again Live and take comfort Thou hast left behind Powers that will work for thee air earth and skies Theres nota breathing of the common wind That will forget thee thou hast great allies Thy friends are exultations agonies And love and mans unconquerable mind Embora tu próprio caído para não mais te erguer Vive e consolate Deixaste para trás Poderes que lutarão por ti o ar a terra e os céus Nem um único sopro do vento comum Te esquecerá tens grandes aliados Teus amigos são o júbilo a agonia E o amor e a mente inconquistável do homem A ação de Napoleão retardou a abolição definitiva da escravatura nas colônias francesas até 1848 quando uma segunda república chegou ao poder Mas ele não conseguiu fazer o tempo andar com pletamente para trás Os escravos de Saint Domingue recusaram 167 se a aceitar a sua sorte e resistiram com sucesso ao exército de Napoleão até a retirada francesa que deixou para trás a primeira nação liderada por escravos libertos o Estado independente do Haiti Dos 60 mil soldados franceses suíços alemães e poloneses enviados à ilha apenas uns poucos milhares retornaram ao outro lado do oceano Os outros tinham tombado em combates ferozes ou pela febre amarela que dizimou milhares inclusive o coman dantechefe das forças expedicionárias Entretanto mesmo nas colônias onde a escravidão foi restaurada com sucesso o gosto da liberdade não foi esquecido Depois que a revolução de 1830 na França substituiu a monarquia ultraconservadora um abolicio nista visitou Guadalupe e relatou a reação dos escravos à sua ban deira tricolor adotada pela república em 1794 Signo glorioso de nossa emancipação nós te saudamos gritaram quinze ou vinte escravos Olá bandeira benévola que vem do outro lado do oceano para anunciar o triunfo de nossos amigos e as horas de nossa libertação 2 4 D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S D A S M U L H E R E S Embora os deputados pudessem concordar se pressiona dos que a declaração de direitos se aplicava a todos os homens sem distinção de cor apenas um punhado se dispunha a dizer que ela se aplicava também às mulheres Ainda assim os direitos das mulheres surgiram na discussão e os deputados estenderam os direitos civis das mulheres em importantes novas direções As moças ganharam o direito ao divórcio pelas mesmas razões de seus maridos O divórcio não era permitido pela lei francesa antes de sua decretação em 1792 A monarquia restaurada revogou o divór cio em 1816 e o divórcio só foi reinstituído em 1884 e mesmo então com mais restrições do que as aplicadas em 1792 Dada a i 6 8 exclusão universal das mulheres dos direitos políticos no século xviii e durante a maior parte da história humana as mulheres não ganharam o direito de votar nas eleições nacionais em ne n h u m lugar do m u n d o antes do fim do século xix é mais sur preendente que os direitos das mulheres não tenham sequer sido discutidos na arena pública do que o fato de as mulheres em última análise não os terem ganhado Os direitos das mulheres estavam claramente mais abaixo na escala de conceptibilidade do que os de outros grupos A ques tão da mulher veio à tona periodicamente na Europa durante os séculos xvii e xvm sobretudo com respeito à educação das mulhe res ou à falta dessa educação mas os direitos delas não tinham sido o foco de nenhuma discussão prolongada nos anos que levam à Revolução Francesa ou à Americana Em contraste com os protes tantes franceses os judeus ou até os escravos o status das mulhe res não tinha sido objeto de guerras de panfletos competições públicas de ensaios comissões do governo ou organizações de defesa especialmente organizadas como os Amigos dos Negros Esse descaso talvez se devesse ao fato de que as mulheres não cons tituíam u m a minoria perseguida Eram oprimidas segundo os nossos padrões e oprimidas por causa de seu sexo mas não eram uma minoria e certamente ninguém estava tentando forçálas a m u d a r de identidade como acontecia com os protestantes e os judeus Se alguns comparavam a sua sorte à escravidão poucos levavam a analogia além do reino da metáfora As leis limitavam os direitos das mulheres sem dúvida mas elas realmente tinham alguns direitos ao contrário dos escravos Pensavase que as mulheres eram moralmente se não intelectualmente dependen tes de seus pais e maridos mas não se imaginava que fossem des providas de autonomia na verdade a sua inclinação pela autono mia requeria uma vigilância constante de supostas autoridades de todos os tipos Tampouco eram desprovidas de voz mesmo em 169 assuntos políticos as demonstrações e tumultos a respeito do pre ço do pão revelaram repetidamente essa verdade antes e durante a Revolução Francesa 2 5 As mulheres simplesmente não constituíam uma categoria política claramente separada e distinguível antes da Revolução O exemplo de Condorcet o mais aberto defensor masculino dos direitos políticos das mulheres durante a Revolução é revelador Já em 1781 ele publicou um panfleto exigindo a abolição da escrava tura Numa lista que incluía reformas propostas para os campone ses os protestantes e o sistema de justiça criminal bem como o estabelecimento do livre comércio e a vacinação contra a varíola as mulheres não eram mencionadas Elas apenas se tornaram uma questão para esse pioneiro dos direitos humanos um ano depois do início da revolução 2 6 Embora algumas tenham votado por procuração nas eleições para os Estados Gerais e um pequeno n ú m e r o de deputados achasse que as mulheres ou ao menos as viúvas que possuíam pro priedades poderiam votar no futuro as mulheres como tais isto é como uma potencial categoria de direitos absolutamente não apa receram nas discussões da Assembleia Nacional entre 1789 e 1791 Alista alfabética dos enormes Archives parlementaires cita mulhe res apenas duas vezes n u m dos casos um grupo de bretãs que pedia para fazer um juramento cívico e no outro um grupo de mulheres parisienses que enviava um discurso Em contraste os judeus apareciam em discussões diretas dos deputados ao menos em dezessete ocasiões diferentes No final de 1789 atores carras cos protestantes judeus negros livres e até homens pobres podiam ser imaginados como cidadãos ao menos por um número substancial de deputados Apesar dessa recalibração contínua da escala de conceptibilidade os direitos iguais para a classe feminina permaneciam inimagináveis para quase todo m u n d o t a n t o ho mens como mulheres 2 7 M I7O Porém mesmo aqui a lógica dos direitos seguiu o seu cami nho ainda que de forma espasmódica Em julho de 1790 Condor cet chocou os seus leitores com um surpreendente editorial jorna lístico Sobre a admissão das mulheres aos direitos da cidadania tornando explícito o fundamento lógico dos direitos humanos que tinha se desenvolvido constantemente na segunda metade do século XVIII os direitos dos homens resultam apenas do fato de que eles são seres sensíveis capazes de adquirir ideias morais e de raciocinar sobre essas ideias As mulheres não têm as mesmas características Como as mulheres têm as mesmas qualidades ele insistia elas têm necessariamente direitos iguais Condorcet tirava a conclusão lógica que os seus colegas revolucionários tinham tanta dificuldade em deduzir por si mesmos Ou nenhum indivíduo na humanidade tem direitos verdadeiros ou todos têm os mesmos e quem vota contra o direito de outro qualquer que seja a sua religião cor ou sexo abjurou a partir desse momento os seus próprios direitos Aí estava a filosofia moderna dos direitos humanos na sua forma pura claramente articulada As particularidades dos huma nos excluindose talvez a idade as crianças ainda não sendo capazes de raciocinar por conta própria não devem pesar na balança nem mesmo dos direitos políticos Condorcet t a m b é m explicava por que tantas mulheres bem como homens tinham aceitado sem questio nar a subordinação inj ustificável das mulheres O hábito pode fami liarizar os homens com a violação de seus direitos naturais a ponto de entre aqueles que os perderam ninguém sonhar em reclamálos nem acreditar que sofreu uma injustiça Ele desafiava os seus leitores a reconhecer que as mulheres sempre tiveram direitos e que o cos tume social os cegara para essa verdade fundamental 2 8 Em setembro de 1791 a dramaturga antiescravagista Olympe de Gouges virou a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cida dão pelo avesso A sua Declaração dos Direitos da Mulher insistia 171 que A mulher nasce livre e permanece igual ao h o m e m em direi tos artigo I a Todas as cidadãs e cidadãos sendo iguais aos seus da lei olhos devem ser igualmente admissíveis a todas as digni dades cargos e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem n e n h u m a outra distinção que não seja a de suas virtudes e talentos artigo 6 a A inversão da linguagem da declaração oficial de 1789 não nos parece chocante no presente mas certamente cho cou à época Na Inglaterra Mary Wollstonecraft não foi tão longe quanto as suas companheiras francesas que exigiam direitos polí ticos absolutamente iguais para as mulheres mas escreveu com mais detalhes e com uma paixão intensa sobre as maneiras como a educação e a tradição haviam tolhido a inteligência das mulheres Em Vindication of the Rights ofWoman publicado em 1792 ela ligava a emancipação das mulheres à implosão de todas as formas de hierarquia na sociedade Como De Gouges Wollstonecraft foi vítima de difamação pública pela sua ousadia O destino de De Gouges foi ainda pior pois ela acabou na guilhotina condenada como uma contrarrevolucionaria impudente e um ser inatural um homemmulher 2 9 Uma vez desencadeado o momentum os direitos das mulhe res não ficaram limitados às publicações de uns poucos indiví duos pioneiros Entre 1791 e 1793 as mulheres estabeleceram clu bes políticos em ao menos cinquenta cidades provincianas e de maior porte bem como em Paris Os direitos das mulheres come çaram a ser debatidos nos clubes em jornais e em panfletos Em abril de 1793 durante a consideração da cidadania n u m a nova proposta de Constituição para a república um deputado argu mentou detalhadamente em favor de direitos políticos iguais para as mulheres A sua intervenção mostrava que a ideia tinha ganhado alguns adeptos Há sem dúvida u m a diferença ele admitia a dos sexos mas não compreendo como uma dife rença sexual contribui para uma desigualdade nos direitos Vamos antes nos desvencilhar do preconceito do sexo assim como nos liberamos do preconceito contra a cor dos negros Os deputados não seguiram a sua orientação 3 0 Em vez disso em outubro de 1793 os deputados atacaram os clubes de mulheres Reagindo a lutas nas ruas entre mulheres a res peito do uso de insígnias revolucionárias a Convenção votou por suprimir todos os clubes políticos para mulheres sob o pretexto de que tais clubes só as desviavam de seus apropriados deveres domésticos Segundo o deputado que apresentou o decreto as mulheres não tinham o conhecimento a aplicação a dedicação ou a abnegação exigidos para governar Deviam se ater às funções privadas a que as mulheres são destinadas pela própria natureza O fundamento lógico não era nenhuma novidade o que era novo era a necessidade de vir a público e proibir as mulheres de formar e frequentar clubes políticos As mulheres podem ter surgido por último nas discussões e como tema de menor importância mas os seus direitos acabaram entrando na agenda e o que foi dito a seu respeito na década de 1790 especialmente em favor dos direitos teve um impacto que durou até o presente 3 1 A lógica dos direitos tinha forçado até os direitos das mulhe res a sair da névoa obscura do hábito ao menos na França e na Inglaterra Nos Estados Unidos o descaso com os direitos das mulheres atraiu relativamente pouca discussão pública antes de 1792 e não apareceram escritos americanos na era revolucionária que possam ser comparados aos de Condorcet Olympe de Gouges ou Mary Wollstonecraft Na verdade antes da publicação de Vin dication of the Rights ofWoman de Wollstonecraft em 1792 o con ceito dos direitos das mulheres quase não recebeu atenção na Inglaterra nem na América A própria Wollstonecraft havia desen volvido as suas influentes noções sobre o assunto n u m a reação direta à Revolução Francesa Na sua primeira obra sobre direitos Vindication of the Rights ofMen 1790 ela contestou as acusações 173 172 de Burke contra os direitos do h o m e m na França Isso a levou a considerar por sua vez os direitos da mulher 3 2 Se olharmos além das proclamações oficiais e decretos dos políticos homens a mudança de expectativa a respeito dos direitos das mulheres é mais impressionante Surpreendentemente por exemplo Vindication ofthe Rights ofWoman podia ser encontrado em mais bibliotecas particulares americanas no início da república do que Os direitos do homem de Paine Embora o próprio Paine não desse atenção aos direitos das mulheres outros os considera vam No início do século xix sociedades de debates discursos de formatura e revistas populares nos Estados Unidos tratavam regu larmente das pressuposições de gênero por trás do sufrágio mas culino Na França as mulheres aproveitaram as novas oportunida des de publicação criadas pela liberdade de imprensa para escrever mais livros e panfletos do que nunca O direito das mulheres à herança igual provocou incontáveis processos na justiça porque as mulheres determinaram se agarrar ao que era agora legitima mente delas Afinal os direitos não eram uma proposição tudo ounada Os novos direitos mesmo que não fossem direitos polí ticos abriam o caminho de novas oportunidades para as mulhe res e elas logo as aproveitaram C o m o as ações anteriores dos protestantes judeus e homens de cor livres já tinham mostrado a cidadania não é apenas algo a ser concedido pelas autoridades é algo a ser conquistado por si mesmo Uma medida da autono mia moral é essa capacidade de argumentar insistir e para alguns lutar 3 3 Depois de 1793 as mulheres se viram mais reprimidas no m u n d o oficial da política francesa Entretanto a promessa de direitos não havia sido completamente esquecida N u m longo artigo publicado em 1800 sobre De la condition desfemmes dans les Republiques de Charles Théremin a poeta e dramaturga Cons tance Pipelet mais tarde conhecida como Constance de Salm 174 mostrou que as mulheres não tinham perdido de vista as metas enunciadas nos primeiros anos da revolução É compreensível que no Antigo Regime não se acreditasse neces sário assegurar a uma metade da humanidade metade dos direitos ligados aos seres humanos mas seria mais difícil compreender que se tenha podido deixar inteiramente de reconhecer os direitos das mulheres durante os últimos dez anos naqueles momentos em que as palavras igualdade e liberdade ressoavam por toda parte naque les momentos em que a filosofia ajudada pela experiência ilumi nava sem cessar o homem a respeito de seus verdadeiros direitos Ela atribuía esse descaso com os direitos das mulheres ao fato de que as massas masculinas acreditavam facilmente que limitar ou até aniquilar o poder das mulheres aumentaria o poder dos ho mens No seu artigo Pipelet citava a obra de Wollstonecraft sobre os direitos das mulheres mas não reivindicava para as mulheres o direito de votar ou ocupar cargos públicos 3 4 Pipelet demonstrava uma compreensão sutil da tensão entre a lógica revolucionária dos direitos e as restrições continuadas dos costumes É especialmente durante a revolução que as mulheres seguindo o exemplo dos homens raciocinam muito sobre a sua verdadeira essência e tomam atitudes em consequên cia desse seu pensar Se continuava a obscuridade ou a ambigui dade sobre o tema dos direitos das mulheres e Pipelet emprestou um tom de grande incerteza a muitas de suas passagens era por que o Iluminismo não havia progredido o suficiente as pessoas comuns e especialmente as mulheres comuns continuavam não educadas À medida que as mulheres ganhavam educação elas demonstravam inevitavelmente os seus talentos pois o mérito não tem sexo afirmava Pipelet Ela concordava com Théremin que as mulheres deviam ser empregadas como mestresescolas e ter a 75 permissão para defender os seus direitos naturais e inalienáveis nos tribunais Se a própria Pipelet não chegou a advogar direitos políticos plenos para as mulheres foi porque ela estava reagindo ao que via como possívelimaginável argumentável nos seus dias Mas como muitos outros ela via que a filosofia dos direitos naturais tinha u m a lógica implacável mesmo que ainda não tivesse sido elaborada no caso das mulheres essa outra metade da humani dade A noção dos direitos do homem como a própria revolução abriu um espaço imprevisível para discussão conflito e mudança A promessa daqueles direitos pode ser negada suprimida ou sim plesmente continuar não cumprida mas não morre 1 7 6 5 A força maleável da humanidade Por que os direitos humanos fracassaram a princípio mas tiveram sucesso no longo prazo Os direitos humanos eram simplesmente um absurdo retó rico um absurdo bombástico como afirmava o filósofo Jeremy Bentham A longa lacuna na história dos direitos humanos de sua formulação inicial nas revoluções americana e francesa até a Declaração Universal das Nações Unidas em 1948 faz qualquer um parar para pensar Os direitos não desapareceram nem no pensamento nem na ação mas as discussões e os decretos agora ocorriam quase exclusivamente dentro de estruturas nacionais específicas A noção de vários tipos de direitos garantidos pela Constituição os direitos políticos dos trabalhadores das mino rias religiosas e das mulheres por exemplo continuou a ganhar terreno nos séculos xix e xx mas os debates sobre direitos naturais universalmente aplicáveis diminuíram Os trabalhadores por exemplo ganharam direitos como trabalhadores britânicos fran ceses alemães ou americanos O nacionalista italiano do século xix Giuseppe Mazzini captou o novo foco sobre a nação quando fez a pergunta retórica O que é um País senão o lugar em que os nossos direitos individuais estão mais seguros Foram necessá 177 rias duas guerras mundiais devastadoras para estilhaçar essa con fiança na nação 1 D E F I C I Ê N C I A S D O S D I R E I T O S D O H O M E M O nacionalismo só assumiu a posição de estrutura domi nante para os direitos gradualmente depois de 1815 com a queda de Napoleão e o fim da era revolucionária Entre 1789 e 1815 duas concepções diferentes de autoridade guerrearam entre si os direi tos do h o m e m de um lado e a sociedade hierárquica tradicional do outro Cada lado invocava a nação embora nenhum deles fizesse afirmações sobre a determinação da identidade pela etnicidade Por definição os direitos do homem repudiavam qualquer ideia de que os direitos dependiam da nacionalidade Edmund Burke por outro lado havia tentado ligar a sociedade hierárquica a certa concepção de nação argumentando que a liberdade só podia ser garantida por um governo arraigado na história de u m a nação com ênfase sobre a história Os direitos só funcionavam ele insis tia quando nasciam de tradições e práticas de longa data Aqueles que apoiavam os direitos do h o m e m haviam negado a importância da tradição e da história Precisamente porque se baseava em abstrações metafísicas a Declaração francesa sus tentava Burke não tinha força emocional suficiente para impor a obediência Como poderiam aqueles pedaços miseráveis de papel borrado ser comparados ao amor a Deus ao amor reverente aos reis ao dever com os magistrados à reverência aos padres e à defe rência para com os superiores Os revolucionários teriam de usar a violência para se manter no poder ele já tinha concluído em 1790 Quando os republicanos franceses executaram o rei e passa ram ao Terror como um sistema reconhecido de governo como fizeram em 1793 e 1794 o prognóstico de Burke parecia ter se con 178 cretizado A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão arquivada junto com a Constituição de 1790 não havia impedido a supressão do dissenso e a execução de todos aqueles vistos como inimigos Apesar das críticas de Burke muitos escritores e políticos na Europa e nos Estados Unidos haviam saudado entusiasticamente a Declaração dos Direitos em 1789 Quando a Revolução Francesa tornouse mais radical entretanto a opinião pública começou a se dividir Os governos monárquicos em particular reagiram forte mente contra a proclamação de uma república e a execução do rei Em dezembro de 1792 Thomas Paine foi forçado a fugir para a França quando um tribunal britânico o julgou culpado de sedição por atacar a monarquia hereditária na segunda parte de Os direitos do homem O governo britânico seguiu adiante com uma campa nha sistemática de tormento e perseguição dos defensores das ideias francesas Em 1798 somente 22 anos depois da declaração dos direitos iguais de todos os homens o Congresso dos Estados Unidos aprovou as Leis dos Estrangeiros e da Sedição para limitar as críticas ao governo americano O novo espírito dos tempos pode ser visto nos comentários feitos em 1797 por John Robinson um professor de filosofia natural na Universidade de Edimburgo Ele invectivava contra essa máxima maldita que agora ocupa toda mente de pensar continuamente em nossos direitos e exigilos ansiosamente de toda parte Essa obsessão dos direitos era o maior veneno da vida segundo Robinson que a via como a causa principal da sublevação política existente mesmo na Escócia e da guerra entre a França e seus vizinhos que agora ameaçava tragar toda a Europa 2 A cautela de Robinson quanto aos direitos empalidecia em comparação com os mísseis de ataque lançados sobre o continente pelos monarquistas contrarrevolucionarios Segundo Louis de Bonald um conservador sem papas na língua a revolução come 179 çou com a declaração dos direitos do h o m e m e só terminará quando os direitos de Deus forem declarados A declaração de direitos afirmava representava a má influência da filosofia do Ilu minismo e junto com ela o ateísmo o protestantismo e a maço naria que ele colocava todos no mesmo saco A declaração enco rajava as pessoas a negligenciar os seus deveres e a pensar apenas em seus desejos individuais Já que não podia servir como um freio para essas paixões ela consequentemente levou a França direto à anarquia ao terror e à desintegração social Apenas uma Igreja Católica revivida protegida por uma monarquia restaurada e legí tima podia inculcar princípios morais verdadeiros Sob o rei Bourbon reinstalado em 1815 Bonald assumiu a liderança para revogar as leis revolucionárias sobre o divórcio e restabelecer a censura rigorosa antes da publicação 1 Antes do retorno dos reis Bourbon quando os republicanos franceses e mais tarde Napoleão espalharam a mensagem da Revo lução Francesa por meio da conquista militar os direitos do h o m e m ficaram emaranhados com a agressão imperialista Para seu crédito a influência da França induziu os suíços e os holande ses a abolir a tortura em 1798 a Espanha os seguiu em 1808 quando o irmão de Napoleão governou como rei Depois da queda de Napoleão entretanto os suíços reintroduziram a tortura e o rei espanhol restabeleceu a Inquisição que usava a tortura para obter confissões Os franceses também encorajaram a emancipação dos judeus em todos os lugares dominados pelos seus exércitos Embora os governantes que retornavam ao poder eliminassem alguns desses direitos recentemente adquiridos nos estados ita liano e alemão a emancipação dos judeus mostrouse permanente nos Países Baixos Uma vez que a emancipação dos judeus era vista como francesa os bandoleiros que atormentavam as forças fran cesas em alguns territórios recémconquistados também ataca vam frequentemente os judeus 4 As intervenções contraditórias de Napoleão mostravam que os direitos não precisavam ser vistos como um pacote único Ele introduziu a tolerância religiosa e direitos políticos e civis iguais para as minorias religiosas em todos os lugares em que governou mas em casa na França limitou severamente a liberdade de ex pressão de todos e basicamente eliminou a liberdade de imprensa O imperador francês acreditava que os homens não nascem para serem livres A liberdade é uma necessidade sentida por uma pequena classe de homens a quem a natureza dotou com mentes mais nobres do que a massa dos homens Consequentemente ela pode ser reprimida com impunidade A igualdade por outro lado agrada às massas Os franceses não desejavam a verdadeira liber dade na sua opinião eles simplesmente aspiravam a ascender ao topo da sociedade Sacrificariam os seus direitos políticos para assegurar a sua igualdade legal 5 Sobre a questão da escravidão Napoleão se revelou inteira mente coerente Durante uma breve calmaria na luta na Europa em 1802 ele enviou expedições militares às colônias no Caribe Embora deixasse as suas intenções deliberadamente vagas no início para não provocar um levante geral dos escravos libertos as instruções dadas ao seu cunhado um dos generais comandantes deixavam os seus objetivos bem claros Assim que chegassem os soldados deviam ocu par pontos estratégicos e obter o controle da região Em seguida deviam perseguir os rebeldes sem piedade desarmar todos os negros prender os seus líderes e transportálos de volta à França abrindo o caminho para restaurar a escravidão Napoleão tinha cer teza de que a perspectiva de uma república negra é igualmente per turbadora para os espanhóis os ingleses e os americanos O seu plano fracassou em Saint Domingue que ganhou a sua indepen dência como Haiti mas teve sucesso em outras colônias francesas Os mortos na luta em Saint Domingue chegaram a 150 mil um décimo da população de Guadalupe foi morta ou deportada 6 181 i8o Napoleão tentou criar um híbrido entre os direitos do ho m e m e a sociedade hierárquica tradicional mas no fim das contas ambos os lados rejeitaram a cria bastarda Napoleão foi criticado pelos tradicionalistas devido à sua ênfase na tolerância religiosa na abolição do feudalismo e na igualdade perante a lei e pelo outro lado devido às restrições que impôs a um grande número de liber dades políticas Conseguiu ficar em paz com a Igreja Católica mas nunca se tornou um governante legítimo aos olhos dos tradiciona listas Para os defensores dos direitos a sua insistência na igualdade perante a lei não conseguiu contrabalançar a sua revivescência da nobreza e a criação de um império hereditário Quando perdeu o poder o imperador francês foi denunciado tanto pelos tradiciona listas como pelos defensores dos direitos como um tirano um dés pota e um usurpador Um dos críticos mais persistentes de Napo leão a escritora Germaine de Stáel proclamou em 1817 que o seu único legado eram mais alguns segredos na arte da tirania De Stâel como todos os outros comentaristas tanto da esquerda como da direita só se referia ao líder deposto pelo seu sobrenome Bona parte e nunca lhe dava o tratamento imperial do primeiro nome Napoleão 7 O N A C I O N A L I S M O E N T R A E M C E N A A vitória das forças da ordem mostrouse efêmera no longo prazo em grande parte graças aos desenvolvimentos ativados pelo seu nêmesis Napoleão Ao longo do século xix o nacionalismo sur preendeu ambos os lados dos debates revolucionários transfor mando a discussão dos direitos e criando novos tipos de hierarquia que em última análise ameaçavam a ordem tradicional As aventu ras imperialistas do corso emergente catalisaram inadvertida mente as forças do nacionalismo de Varsóvia a Lima Por onde 182 andou ele criou novas entidades o ducado de Varsóvia o reino da Itália a confederação do Reno produziu novas oportunidades ou provocou novas animosidades que alimentariam aspirações nacionais O seu ducado de Varsóvia lembrou aos poloneses que existira outrora uma Polônia antes de ela ser engolida por Prússia Áustria e Rússia Mesmo que os novos governos italiano e alemão tenham desaparecido depois da queda de Napoleão eles haviam mostrado que a unificação nacional era concebível Ao depor o rei da Espanha o imperador francês abriu a porta para os movimen tos de independência sulamericanos nas décadas de 1810 e 1820 Simon Bolívar o libertador de Bolívia Panamá Colômbia Equa dor Peru e Venezuela falava a mesma linguagem nascente do nacionalismo empregada por seus congêneres na Europa O nosso solo nativo dizia com entusiasmo desperta sentimentos ternos e lembranças deliciosas Que alegações de amor e dedi cação podiam ser maiores O sentimento nacional oferecia a força emocional que faltava àqueles pedaços miseráveis de papel borrado ridicularizados por Burke 8 Em reação ao imperialismo francês alguns escritores alemães rejeitaram tudo o que era francês inclusive os direitos do h o m e m e desenvolveram um novo sentido de nação baseado explicitamente na etnicidade Carecendo de uma estrutura única de naçãoEstado os nacionalistas alemães enfatizavam em seu lugar a mística do Volk ou povo um caráter próprio alemão que o distinguia dos outros povos Os primeiros sinais de problemas futuros já podiam ser percebidos nas visões expressas no início do século xix pelo nacionalista alemão Friedrich Jahn Quanto mais puro um povo melhor ele escreveu As leis da natureza susten tava operavam contra a mistura de raças e povos Para Jahn os direitos sagrados eram os do povo alemão e ele ficava tão exas perado com a influência francesa que exortava seus colegas ale mães a parar completamente de falar francês Como todos os 183 nacionalistas subsequentes Jahn recomendava insistentemente que se escrevesse e estudasse a história patriótica Monumentos funerais públicos e festivais populares deviam todos se concentrar em assun tos alemães e não ideais universais No mesmo momento em que os europeus travavam as maiores batalhas contra as ambições impe riais de Napoleão Jahn propunha fronteiras surpreendentemente amplas para essa nova Alemanha Ela devia incluir ele afirmava a Suíça os Países Baixos a Dinamarca a Prússia e a Áustria e uma nova capital devia ser construída com o nome de Teutona 9 Como Jahn a maioria dos primeiros nacionalistas preferia uma forma democrática de governo porque ela maximizaria o senso de pertencimento à nação Em consequência os tradiciona listas se opuseram inicialmente ao nacionalismo e à unificação alemã e italiana tanto quanto tinham se oposto aos direitos do homem Os primeiros nacionalistas falavam a linguagem revolu cionária do universalismo messiânico mas para eles a nação em vez dos direitos servia como um trampolim para o universalismo Bolívar acreditava que a Colômbia iluminaria o caminho para a liberdade e a justiça universais Mazzini fundador da nacionalista Sociedade da Jovem Itália proclamou que os italianos liderariam uma cruzada universal dos povos oprimidos pela liberdade o poeta Adam Mickiewicz achava que os poloneses mostrariam o caminho para a libertação universal Os direitos humanos agora dependiam da autodeterminação nacional e a prioridade perten cia necessariamente à última Depois de 1848 os tradicionalistas começaram a aceitar as demandas nacionalistas e o nacionalismo passou da esquerda para a direita no espectro político O fracasso das revoluções nacionalista e constitucionalista em 1848 na Alemanha na Itália e na Hungria abriu o caminho para essas mudanças Os nacionalis tas interessados em garantir os direitos dentro das nações recente mente propostas mostravamse demasiado dispostos a rejeitar os 184 direitos de outros grupos étnicos Os alemães reunidos em Frank furt redigiram u m a nova Constituição nacional para a Alemanha mas negaram qualquer autodeterminação aos dinamarqueses poloneses ou tchecos dentro de suas fronteiras propostas Os hún garos que pediam independência daÁustria ignoravam os interes ses dos romenos eslovacos croatas e eslovenos que constituíam mais da metade da população da Hungria A competição interét nica condenou ao fracasso as revoluções de 1848 e com elas a liga ção entre os direitos e a autodeterminação nacional A unificação nacional da Alemanha e da Itália foi obtida nas décadas de 1850 e 1860 por guerras e diplomacia e a garantia dos direitos individuais não desempenhou n e n h u m papel Antes entusiasticamente pronto para assegurar os direitos por meio da difusão da autodeterminação nacional o naciona lismo se tornou cada vez mais fechado e defensivo A mudança refletia a enormidade da tarefa de criar uma nação A ideia de que a Europa podia ser caprichadamente dividida em naçõesEstados de etnicidade e cultura relativamente homogêneas era desmentida pelo próprio mapa linguístico Toda naçãoEstado abrigava mino rias linguísticas e culturais no século xix mesmo aquelas estabele cidas havia muito tempo como a GrãBretanha e a França Quan do foi declarada a república na França em 1870 metade dos cidadãos não sabia falar francês os outros falavam dialetos ou lín guas regionais como o bretão o francoprovençal o basco o alsa ciano o catalão o córsico o occitano ou nas colônias o crioulo Uma grande campanha de educação teve de ser empreendida para integrar todos na nação As nações aspirantes enfrentavam pres sões ainda maiores por causa da maior heterogeneidade étnica o conde Camillo di Cavour primeiroministro do novo Reino da Itália tinha como primeira língua o dialeto piemontês e menos de 3 de seus concidadãos falavam o italiano padrão A situação era ainda mais caótica na Europa Oriental onde muitos grupos étni 185 cos diferentes vivam em grande intimidade Uma Polônia revi vida por exemplo incluiria não só uma comunidade substancial de judeus mas também lituanos ucranianos alemães e bielorus sos cada um com sua língua e tradições A dificuldade de criar ou manter a homogeneidade étnica contribuiu para a crescente preocupação com a imigração em todo o m u n d o Poucos se o p u n h a m à imigração antes da década de 1860 mas ela passou a ser criticada nos países anfitriões nas déca das de 1880 e 1890 A Austrália tentou impedir o influxo de asiáti cos para poder conservar o seu caráter inglês e irlandês Os Estados Unidos proibiram a imigração da China em 1882 e de toda a Ásia em 1917 e depois em 1924 estabeleceram cotas para todos os demais com base na composição étnica corrente da população norteamericana O governo britânico aprovou u m a Lei dos Estrangeiros em 1905 para impedir a imigração de indesejáveis que muitos interpretavam serem os judeus da Europa Oriental Ao mesmo tempo que os trabalhadores e criados começaram a ganhar direitos políticos iguais nesses países barreiras bloqueavam aque les que não partilhavam as mesmas origens étnicas Nessa nova atmosfera protetora o nacionalismo assumiu um caráter mais xenófobo e racista Embora a xenofobia pudesse ter como alvo qualquer grupo estrangeiro os chineses nos Estados Unidos os italianos na França ou os poloneses na Alemanha as últimas décadas do século xix assistiram a um crescimento alar mante do antissemitismo Os políticos de direita na Alemanha na Áustria e na França usavam jornais clubes políticos e em alguns casos novos partidos políticos para atiçar o ódio aos judeus como inimigos da verdadeira nação Depois de duas décadas de propa ganda antissemítica nos jornais de direita o Partido Conservador Alemão fez do antissemitismo um artigo oficial da sua plataforma em 1892 Mais ou menos na mesma época o caso Dreyfus fez estra gos na política francesa criando divisões duradouras entre os i86 defensores e os opositores de Dreyfus O caso começou em 1894 quando um oficial judeu do exército chamado Alfred Dreyfus foi erroneamente acusado de espionar para a Alemanha Quando foi julgado culpado apesar do grande n ú m e r o de evidências pro vando a sua inocência o famoso romancista Emile Zola publicou um artigo ousado na primeira página dos jornais acusando o exér cito e o governo francês de acobertar as tentativas de incriminar falsamente Dreyfus Em resposta à crescente maré de opinião em favor de Dreyfus uma recémformada Liga Antissemítica francesa fomentou tumultos em muitas cidades e metrópoles às vezes incluindo ataques de milhares de agitadores a propriedades judai cas A Liga conseguia mobilizar tantas pessoas porque várias cida des tinham jornais que produziam em grande quantidade diatri bes antissemíticas O governo ofereceu a Dreyfus um perdão em 1899 e finalmente o exonerou em 1906 mas o antissemitismo tor nouse mais venenoso por toda parte Em 1895 Karl Lueger con seguiu se eleger prefeito de Viena com um programa antissemítico Ele se tornaria um dos heróis de Hitler E X P L I C A Ç Õ E S B I O L Ó G I C A S P A R A A E X C L U S Ã O Quando se tornou mais intimamente entrelaçado com a etni cidade o nacionalismo alimentou uma ênfase crescente nas expli cações biológicas para a diferença Os argumentos para os direitos do h o m e m tinham se baseado na pressuposição da igualdade da natureza humana em todas as culturas e classes Depois da Revo lução Francesa tornouse cada vez mais difícil reafirmar as dife renças simplesmente com base na tradição nos costumes ou na história As diferenças tinham de ter um fundamento mais sólido se os homens quisessem manter a sua superioridade em relação às mulheres os brancos em relação aos negros ou os cristãos em rela 187 ção aos judeus Em suma se os direitos deviam ser menos que uni versais iguais e naturais era preciso explicar por quê Em conse quência o século xix presenciou uma explosão de explicações bio lógicas da diferença Ironicamente portanto a própria noção de direitos huma nos abriu inadvertidamente a porta para formas mais virulentas de sexismo racismo e antissemitismo Com efeito as afirmações de alcance geral sobre a igualdade natural de toda a humanidade suscitavam asserções igualmente globais sobre a diferença natural produzindo um novo tipo de opositor aos direitos humanos até mais poderoso e sinistro do que os tradicionalistas As novas for mas de racismo antissemitismo e sexismo ofereciam explicações biológicas para o caráter natural da diferença humana No novo racismo os judeus não eram apenas os assassinos de Jesus a sua inerente inferioridade racial ameaçava macular a pureza dos bran cos por meio da miscigenação Os negros já não eram inferiores por serem escravos mesmo quando a abolição da escravatura avançou por todo o m u n d o o racismo se tornou mais e não menos venenoso As mulheres não eram simplesmente menos racionais que os homens por serem menos educadas a sua biolo gia as destinava à vida privada e doméstica e as tornava inteira mente inadequadas para a política os negócios ou as profissões Nessas novas doutrinas biológicas a educação ou as mudanças no meio ambiente jamais poderiam alterar as estruturas hierárquicas inerentes na natureza humana Entre as novas doutrinas biológicas o sexismo era a menos organizada em termos políticos a menos sistemática em termos intelectuais e a menos negativa em termos emocionais Afinal n e n h u m a nação podia se reproduzir sem as mães portanto embora fosse concebível argumentar que os escravos negros deviam ser enviados de volta para a África ou que os judeus deviam ser proibidos de residir em determinado local não era possível 188 excluir completamente as mulheres Assim podiase admitir que elas possuíam qualidades positivas que talvez fossem importantes na esfera privada Além disso como as mulheres diferiam clara mente dos homens em termos biológicos embora o grau dessa diferença ainda permaneça tema de debate poucos descartavam imediatamente os argumentos biológicos sobre a diferença entre os sexos que tinha u m a história muito mais longa que os argu mentos biológicos sobre as raças Mas a Revolução Francesa havia mostrado que até a diferença sexual ou ao menos a sua importân cia política podia ser questionada C o m o surgimento de argu mentos explícitos para a igualdade política das mulheres o argu mento biológico para a inferioridade das mulheres mudou Elas já não ocupavam um patamar mais baixo na mesma escala biológica dos homens o que as tornava biologicamente semelhantes aos homens ainda que inferiores As mulheres agora eram cada vez mais moldadas como biologicamente diferentes elas se tornaram o sexo oposto 1 Não é fácil determinar a hora exata nem mesmo a natureza dessa mudança no pensamento sobre as mulheres mas o período da Revolução Francesa parece ser crítico Os revolucionários fran ceses tinham invocado argumentos em grande parte tradicionais para a diferença das mulheres em 1793 quando as proibiram de se reunir em clubes políticos Em geral as mulheres não são capazes de pensamentos elevados e meditações sérias proclamava o portavoz do governo Nos anos seguintes entretanto os médicos na França trabalharam muito para dar a essas ideias vagas u m a base mais biológica O principal fisiologista francês da década de 1790 e início dos anos 1800 Pierre Cabanis argumentava que as mulheres tinham fibras musculares mais fracas e a massa cerebral mais delicada o que as tornava incapazes para as carreiras públi cas mas a sua consequente sensibilidade volátil adequavaas para os papéis de esposa mãe e ama Esse pensamento ajudou a estabe 189 lecer uma nova tradição em que as mulheres pareciam predestina das a se realizar dentro dos limites da domesticidade ou de uma esfera feminina separada 1 1 No seu influente tratado A sujeição das mulheres 1869 o filósofo inglês John Stuart Mili questionou a própria existência dessas diferenças biológicas Insistia que não podemos saber como os homens e as mulheres diferem quanto à sua natureza porque só os vemos nos seus papéis sociais correntes O que agora se chama a natureza das mulheres argumentava é algo eminentemente artificial Mill li gava a reforma do status das mulheres ao pro gresso social e econômico global A subordinação legal das mulhe res afirmava é errada em si mesma e deve ser substituída por um princípio de perfeita igualdade não admitindo nenhum poder ou privilégio n u m dos lados nem incapacidade no outro Não foi necessário nenhum equivalente das ligas ou partidos antissemíti cos entretanto para manter a força do argumento biológico Em 1908 n u m caso legal perante a Suprema Corte dos Estados Unidos que criou jurisprudência o juiz Louis Brandéis usou os mesmos velhos argumentos ao explicar por que o sexo podia ser uma base legal para classificação A organização física da mulher as suas funções maternais a criação dos filhos e a manutenção do lar a colocavam numa categoria diferente e separada O feminismo se tornara um termo de uso comum na década de 1890 e a resistên cia às suas demandas era feroz As mulheres só conseguiram o direito de votar na Austrália em 1902 nos Estados Unidos em 1920 na GrãBretanha em 1928 e na França em 1944 1 2 À semelhança do sexismo o racismo e o antissemitismo assu miram novas formas depois da Revolução Francesa Os proposito res dos direitos do homem embora ainda nutrissem muitos este reótipos negativos sobre os judeus e os negros já não aceitavam a existência do preconceito como base suficiente para um argu mento O fato de que os direitos dos judeus na França sempre 190 tinham sido restringidos provava apenas que o hábito e o costume exerciam grande poder e não que tais restrições fossem autorizadas pela razão Da mesma forma para os abolicionistas a escravidão não demonstrava a inferioridade dos africanos negros revelava meramente a ganância dos escravagistas e cultivadores brancos Assim aqueles que rejeitavam a ideia de direitos iguais para os judeus ou negros necessitavam de uma doutrina um caso con vincentemente arrazoado para apoiar a sua posição especial mente depois que os judeus tinham ganhado direitos e a escravidão fora abolida nas colônias britânicas e francesas em 1833 e 1848 res pectivamente Ao longo do século xix os opositores dos direitos para os judeus e os negros recorreram cada vez mais à ciência ou ao que passava por ciência para encontrar essa doutrina Podese remontar a ciência da raça ao fim do século xvin e aos esforços para classificar os povos do mundo Dois fios tecidos no século xvin entrelaçaramse no xix primeiro o argumento de que a história tinha visto um desenvolvimento sucessivo dos povos rumo à civilização e de que os brancos eram os mais avan çados do grupo e segundo a ideia de que as características perma nentes herdadas dividiam as pessoas de acordo com a raça O racismo como uma doutrina sistemática dependia da conjunção dos dois Os pensadores do século xvm pressupunham que todos os povos acabariam por alcançar a civilização enquanto os teóri cos raciais do século xix acreditavam que somente certas raças o fariam por causa de suas inerentes qualidades biológicas É pos sível encontrar elementos dessa conjunção em cientistas do início do século xix como o naturalista francês Georges Cuvier que escreveu em 1817 que certas causas intrínsecas impediam o desenvolvimento das raças negra e mongólica Somente depois da metade do século entretanto é que essas ideias aparecem na sua forma plenamente articulada 1 3 O epítome do gênero pode ser encontrado no Essai sur Viné 191 galité des races humaines 18535 de Arthur Gobineau Usando u m a miscelânea de argumentos derivados da arqueologia da etnologia da linguística e da historia o diplomata e h o m e m de letras francês argumentava que uma hierarquia das raças funda mentada na biologia determinava a historia da humanidade Na parte inferior ficavam as raças de pele escura animalistas ininte lectuais e intensamente sensuais logo acima na escala vinham os amarelos apáticos e medíocres mas práticos e no topo estavam os povos brancos perseverantes intelectualmente enérgicos e aven turosos que equilibravam u m extraordinário instinto para a ordem com um pronunciado gosto pela liberdade Dentro da raça branca o ramo ariano reinava supremo Tudo o que é grande nobre e proveitoso nas obras do h o m e m sobre esta terra na ciência na arte e na civilização deriva dos arianos concluía Gobineau Migrando de seu lar inicial na Asia Central os arianos tinham propiciado a estirpe original para as civilizações indiana egípcia chinesa romana europeia e até por meio da colonização astecaeinca 1 4 A miscigenação explicava tanto a ascensão como a queda de civilizações segundo Gobineau A questão étnica domina todos os outros problemas da historia e detém a sua chave escreveu Ao contrário de alguns de seus futuros seguidores entretanto Gobi neau achava que os arianos já tinham perdido a sua força por meio de casamentos entre grupos étnicos diferentes e que ainda que isso o desgostasse o igualitarismo e a democracia acabariam triun fando o que assinalaria o fim da própria civilização Embora as noções fantasiosas de Gobineau recebessem pouco impulso na França o imperador Guilherme i da Alemanha que governou de 1861 a 1888 considerouas tão apropriadas que conferiu cidada nia honorária ao francês Elas também foram adotadas pelo com positor alemão Richard Wagner e depois pelo genro de Wagner o escritor inglês e germanófilo Houston Stewart Chamberlain Por 192 meio da influência de Chamberlain os arianos de Gobineau se tor naram um elemento central da ideologia racial de Hitler 1 5 Gobineau deu um molde secular e aparentemente sistemá tico a ideias já em circulação em grande parte do m u n d o ociden tal Em 1850 por exemplo o anatomista escocês Robert Knox publicou The Races ofMen em que argumentava que a raça ou a descendência hereditária é tudo ela carimba o homem No ano seguinte o chefe do sindicato dos compositores tipográficos da Philadelphia John Campbell apresentou o seu Negro Mania Beingan Examination ofthe Falsely Assumed Equality ofthe Races ofMankind O racismo não estava limitado ao sul dos Estados Uni dos Campbell citava Cuvier e Knox entre outros para insistir na selvageria e barbárie dos negros e para argumentar contra qual quer possibilidade de igualdade entre brancos e negros Como o próprio Gobineau tinha criticado o tratamento dos escravos afri canos nos Estados Unidos os seus tradutores americanos tiveram de eliminar esses trechos para tornar a obra mais palatável aos sulistas próescravidão quando ela foi publicada em inglês em 1856 Assim a perspectiva da abolição da escravatura que só se oficializou nos Estados Unidos em 1865 só intensificou o inte resse pela ciência racial 1 6 C o m o demonstram os títulos das obras de Gobineau e Campbell a característica c o m u m em grande parte do pensa mento racista era uma reação visceral contra a noção de igualdade Gobineau confessou a Tocqueville o asco que lhe provocavam os macacões sujos trabalhadores que tinham participado da revo lução de 1848 na França De sua parte Campbell sentia repugnân cia a partilhar uma plataforma política com homens de cor O que antes havia definido uma rejeição aristocrática da sociedade m o derna ter de se misturar com as camadas inferiores assumia agora um significado racial O advento da política de massa na última metade do século xix pode ter corroído aos poucos o senso 193 de diferença de classe ou criado a ilusão de que o desgastava mas não eliminou completamente a diferença que se deslocou do registro de classe para o de raça e sexo O estabelecimento do sufrá gio universal masculino combinava com a abolição da escravatura e o início da imigração em massa para tornar a igualdade muito mais concreta e ameaçadora 1 7 O imperialismo agravou ainda mais esses desenvolvimentos Ao mesmo tempo em que aboliam a escravidão nas suas colônias de exploração as potências europeias estendiam o seu domínio na África e na Ásia Os franceses invadiram a Argélia em 1830 e termi naram por incorporála à França Os britânicos anexaram Cinga pura em 1819 e a Nova Zelândia em 1840 além de aumentar implacavelmente o seu controle sobre a índia Em 1914 a África tinha sido dividida entre a França a GrãBretanha a Alemanha a Itália a Bélgica a Espanha e Portugal Quase nenhum estado afri cano saiu ileso Embora em alguns casos o governo estrangeiro tivesse na verdade tornado os países mais atrasados ao destruir as indústrias locais em favor das importações do centro imperial os europeus em geral tiraram apenas uma lição de suas conquistas eles tinham o direito e o deverde civilizar os lugares bárba ros e mais atrasados que governavam Nem todos os defensores dessas aventuras imperiais promo viam o racismo explícito John Stuart Mill que trabalhou por mui tos anos para a Companhia Britânica das índias Orientais a admi nistradora efetiva do governo britânico na índia até 1858 rejeitava as explicações biológicas da diferença Ainda assim até ele acredi tava que os estados principescos da índia eram selvagens com pouca ou nenhuma lei e vivendo numa condição muito pouco acima do mais elevado dos animais Apesar de Mill o imperia lismo europeu e a ciência racial desenvolveram u m a relação sim biótica o imperialismo das raças conquistadoras tornava as afir mações raciais mais verossímeis e a ciência racial ajudava a 194 justificar o imperialismo Em 1861 o explorador britânico Richard Burton adotou um discurso que logo se tornaria padrão O afri cano dizia possui em grande medida as piores características dos tipos orientais inferiores estagnação da mente indolência do corpo deficiência moral superstição e paixão infantil Depois da década de 1870 essas atitudes descobriram um público de massa em novos jornais de produção barata semanários ilustrados e exposições etnográficas Mesmo na Argélia considerada parte da França após 1848 os nativos só ganharam direitos depois de muito tempo Em 1865 um decreto do governo declarouos súditos e não cidadãos enquanto em 1870 o Estado francês tornou os judeus argelinos cidadãos naturalizados Os h o m e n s muçulmanos só ganharam direitos políticos iguais em 1947 A missão civiliza dora não era um projeto de curto prazo 1 8 Gobineau não havia considerado os judeus um caso especial na sua elaboração da ciência racial mas os seus seguidores sim Em seu Foundations ofthe Nineteenth Century publicado na Alema nha em 1899 Houston Stewart Chamberlain combinava as ideias de Gobineau sobre raça e o misticismo alemão a respeito do Volk com um ataque acrimonioso contra os judeus esse povo estran geiro que escravizou os nossos governos a nossa lei a nossa ciên cia o nosso comércio a nossa literatura a nossa arte Chamber lain apresentava apenas um novo argumento mas ele teve u m a influência direta sobre Hitler entre todos os povos apenas os aria nos e os judeus tinham mantido a sua pureza racial o que signifi cava que agora eles deviam lutar um contra o outro até a morte Em outros aspectos Chamberlain amontoou uma variedade de ideias cada vez mais comuns 1 9 í Embora o antissemitismo moderno se baseasse nos estereóti pos cristãos negativos sobre os judeus que já circulavam havia séculos a doutrina assumiu novas características depois da década de 1870 Ao contrário dos negros os judeus já não representavam 195 F I G U R A 11 A Revolução Francesa antes ehoje Caran dAche em Psst 1898 Caran dAche era o pseudônimo de Emmanuel Poiré um cartunista polí tico francês que publicou caricaturas antissemitas durante o caso Drey fus na França Esta caricatura brinca com uma imagem comum da Revo lução Francesa de 1789 mostrando o camponês oprimido por um nobre porque os nobres eram isentos de alguns impostos Nos tempos moder nos o camponês tem de carregar ainda mais fardos sobre seus ombros estão um político republicano um maçom e no topo um financista judeu Caran dAche também publicou várias imagens ridicularizando Zola De Psst n a 3 7 1 5 de outubro de 1898 um estágio inferior do desenvolvimento histórico como haviam representado por exemplo no século xviii Em vez disso eles sig nificavam as ameaças da própria modernidade o materialismo excessivo a emancipação e a participação política de grupos mino ritários e o cosmopolitismo degenerado e desarraigado da vida urbana As caricaturas nos jornais pintavam os judeus como gananciosos fingidos e devassos os jornalistas e os panfletistas escreviam sobre o controle judaico do capital mundial e sua mani pulação conspiratória dos partidos parlamentares figura 11 Uma caricatura americana de 1894 menos malévola do que mui tas de suas congêneres europeias mostra os continentes do m u n d o rodeados pelos tentáculos de um polvo colocado no lugar das ilhas britânicas O polvo traz a etiqueta ROTSCHILD em referência à rica e poderosa família judaica Esses esforços modernos de difamação ganharam força com Os protocolos dos sábios de Sião um docu mento fraudulento que tinha o propósito de revelar u m a conspi ração judaica para montar um supergoverno que controlaria o m u n d o inteiro Publicado primeiramente na Rússia em 1903 e desmascarado como u m a falsificação em 1921 Os protocolos foram mesmo assim repetidamente reimpressos pelos nazistas na Alemanha sendo até os nossos dias ensinados como fato nas esco las de alguns países árabes Assim o novo antissemitismo combi nava elementos tradicionais e modernos os judeus deviam ser excluídos dos direitos e até expulsos da nação porque eram dema siado diferentes e demasiado poderosos S O C I A L I S M O E C O M U N I S M O O nacionalismo não foi o único movimento de massas a sur gir no século xix A semelhança do nacionalismo o socialismo e o comunismo se formaram numa reação explícita a limitações visí 197 veis dos direitos individuais constitucionalmente estruturados Enquanto os primeiros nacionalistas queriam direitos para todos os povos e não apenas para aqueles com estados já estabelecidos os socialistas e os comunistas queriam assegurar que as classes bai xas tivessem igualdade social e econômica e não apenas direitos políticos iguais Entretanto mesmo quando chamavam atenção para direitos que tinham sido defraudados pelos propositores dos direitos do homem as organizações socialistas e comunistas rebai xavam inevitavelmente a importância dos direitos como u m a meta A própria visão de Marx era bem delineada a emancipação política podia ser alcançada por meio da igualdade legal dentro da sociedade burguesa mas a verdadeira emancipação h u m a n a requeria a destruição da sociedade burguesa e suas proteções cons titucionais da propriedade privada Ainda assim os socialistas e os comunistas propuseram duas questões duradouras sobre os direi tos Os direitos políticos eram suficientes E o direito individual à proteção da propriedade privada podia coexistir com a necessi dade de a sociedade fomentar o bemestar de seus membros menos afortunados Assim como o nacionalismo tinha passado por duas fases no século xix indo do entusiasmo inicial sobre a autodeterminação a um protecionismo mais defensivo sobre a identidade étnica tam bém o socialismo evoluiu com o tempo Passou de uma primeira ênfase em reconstruir a sociedade por meios pacíficos mas não políticos a uma divisão entre aqueles a favor da política parlamen tar e aqueles pela derrubada violenta dos governos Durante a pri meira metade do século xix quando os sindicatos eram ilegais na maioria dos países e os trabalhadores não tinham direito ao voto os socialistas se concentraram em revolucionar as novas relações sociais criadas pela industrialização Não podiam esperar ganhar as eleições quando os trabalhadores não podiam votar o que con tinuou a ser verdade até pelo menos a década de 1870 Em vez 198 disso os pioneiros socialistas montaram fábricasmodelo coope rativas de produtores e de consumidores e comunidades experi mentais para superar o conflito e a alienação entre os grupos sociais Queriam capacitar os trabalhadores e os pobres a tirar pro veito da nova ordem industrial socializar a indústria e substituir a competição pela cooperação Muitos desses primeiros socialistas partilhavam u m a descon fiança em relação aos direitos do homem O principal socialista francês das décadas de 1820 e 1830 Charles Fourier argumentava que as constituições e o discurso dos direitos inalienáveis eram uma hipocrisia O que poderiam significar os direitos imprescri tíveis do cidadão quando o indigente não tem nem a liberdade de trabalhar nem a autoridade de exigir emprego O direito de tra balhar suplantava todos os outros direitos na sua opinião Como Fourier muitos dos primeiros socialistas citavam o ato de não con ceder direitos às mulheres um sinal da bancarrota das doutrinas anteriores de direitos As mulheres poderiam atingir a libertação sem a abolição da propriedade privada e dos códigos legais que sustentavam o patriarcado 2 0 Dois fatores alteraram a trajetória do socialismo na segunda metade do século xix o advento do sufrágio universal masculino e o surgimento do comunismo o termo comunista apareceu pela primeira vez em 1840 Os socialistas eos comunistas então se divi diram entre os que visavam estabelecer um movimento político parlamentar com partidos e campanhas para os cargos públicos e aqueles como os bolcheviques na Rússia que insistiam que ape nas a ditadura do proletariado e a revolução total transformariam as condições sociais Os primeiros acreditavam que o estabeleci mento gradual do voto para todos os homens abria a perspectiva de que os trabalhadores poderiam atingir os seus objetivos dentro da política parlamentar O Partido Trabalhista britânico por exemplo foi formado em 1900 a partir de uma variedade de sindi 1 9 9 catos partidos e clubes preexistentes para promover os interesses e a eleição de trabalhadores Por outro lado a Revolução Russa de 1917 encorajou os comunistas em toda parte a acreditar que a transformação social e econômica total estava prestes a se realizar e que a participação na política parlamentar só desperdiçava ener gias necessárias para outros tipos de luta Como era de se esperar os dois ramos também diferiam na sua visão dos direitos Os socialistas e comunistas que adotavam o processo político também patrocinavam a causa dos direitos Um dos fundadores do Partido Socialista francês Jean Jaurès argu mentava que um Estado socialista só retém a sua legitimidade enquanto assegura os direitos individuais Ele apoiava Dreyfus o sufrágio universal masculino e a separação da Igreja e do Estado em suma direitos políticos iguais para todos os homens bem como a melhora da vida dos trabalhadores Jaurès considerava a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão um documento de importância universal Os do outro lado seguiam Marx mais de perto ao argumentar como fazia um socialista francês opositor de Jaurès que o Estado burguês só podia serum instrumento de con servadorismo e opressão social 2 1 O próprio Karl Marx só havia discutido os direitos do ho m e m com alguma minúcia na sua juventude No seu ensaio Sobre a questão judaica publicado em 1843 cinco anos antes do Manifesto comunista Marx condenava os próprios fundamentos da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Nenhum dos supostos direitos do homem queixavase vai além do homem egoísta A assim chamada liberdade só dizia respeito ao homem como um ser isolado não como parte de uma classe ou comunidade O direito de propriedade só garantia o direito de buscar o interesse próprio sem considerar os outros Os direitos do h o m e m garantiam a liberdade de religião quando a necessi dade dos homens era se livrar da religião confirmavam o direito 200 de possuir propriedade quando o necessário era se livrar da pro priedade incluíam o direito de negociar quando o necessário era se livrar dos negócios Marx não gostava particularmente da ênfase política nos direitos do h o m e m Os direitos políticos diziam respeito aos meios pensava ele e não aos fins O h o m e m político era abstrato artificial não autêntico O h o m e m só podia recuperar a sua autenticidade reconhecendo que a emanci pação humana não podia ser alcançada por meio da política ela requeria uma revolução focalizada nas relações sociais e na aboli ção da propriedade privada 2 2 Essas visões e posteriores variações a seu respeito exerceram influência no m o v i m e n t o socialista e comunista por m u i t a s gerações Os bolcheviques proclamaram u m a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado em 1918 mas ela não incluía nem um único direito político ou legal A sua m e t a era abolir toda a exploração do h o m e m pelo h o m e m e l i m i n a r completamente a divisão da sociedade em classes esmagar im placavelmente a resistência dos exploradores e estabelecer u m a organização socialista da sociedade O próprio Lênin citava Marx ao argumentar contra qualquer ênfase nos direitos indivi duais A noção de um direito igual afirmava Lênin é em si mesma uma violação da igualdade e u m a injustiça porque está baseada naleiburguesa Os assim chamados direitos iguais p r o tegem a propriedade privada e portanto perpetuam a exploração dos trabalhadores Joseph Stálin proclamou uma nova Consti tuição em 1936 que afirmava garantir a liberdade de expressão de imprensa e de religião mas o seu governo não hesitou em des pachar centenas de milhares de inimigos da classe dissidentes e até colegas membros do partido para campos de prisioneiros ou execução imediata 2 3 o i A S G U E R R A S M U N D I A I S E A B U S C A D E N O V A S S O L U Ç Õ E S Ao mesmo tempo que os bolcheviques começavam a estabe lecer a sua ditadura do proletariado na Rússia as baixas astronô micas da Primeira Guerra Mundial incitavam os líderes dos Alia dos em breve vitoriosos a encontrar um novo mecanismo para assegurar a paz Quando os bolcheviques assinaram um tratado de paz com os alemães em março de 1918 a Rússia tinha perdido quase 2 milhões de homens Quando a guerra terminou na frente ocidental em novembro de 1918 até 14 milhões de pessoas tinham morrido a maioria delas soldados Três quartos dos homens mobilizados para lutar na Rússia e na França acabaram feridos ou mortos Em 1919 os diplomatas que redigiram os acordos de paz fundaram uma Liga das Nações para manter a paz supervisionar o desarmamento arbitrar as disputas entre as nações e garantir os direitos para as minorias nacionais mulheres e crianças A Liga fracassou apesar de alguns esforços nobres O Senado dos Estados Unidos se recusou a ratificar a participação americana no início foi negado à Alemanha e à Rússia o ingresso no quadro dos asso ciados e embora promovesse a autodeterminação na Europa a Liga administrou as antigas colônias alemãs e territórios do agora defunto Império Otomano por meio de um sistema de manda tos justificados mais uma vez pelo maior progresso europeu em relação aos outros povos Além disso a Liga se mostrou impotente para deter o surgimento do fascismo na Itália e do nazismo na Ale manha e portanto não conseguiu impedir a deflagração da Segunda Guerra Mundial A Segunda Guerra Mundial estabeleceu uma nova referência para a barbárie com os seus quase incompreensíveis 60 milhões de mortos Além do mais a maioria dos mortos dessa vez era de civis e 6 milhões eram judeus mortos apenas por serem judeus A con 202 fusão e a destruição deixaram milhões de refugiados no final da guerra muitos deles quase incapazes de imaginar um futuro e vivendo em campos para pessoas desalojadas Ainda outros foram forçados a se reassentar por razões étnicas 25 milhões de alemães por exemplo foram expulsos da Tchecoslováquia em 1946 Todas as potências envolvidas na guerra atacaram civis n u m ou noutro momento mas quando a guerra terminou as revelações sobre a escala dos horrores deliberadamente perpetrados pelos alemães chocaram o público As fotografias tiradas na libertação dos cam pos de extermínio nazistas mostravam as consequências estarrece doras do antissemitismo que tinha sido justificado pelo discurso da supremacia racial ariana e da purificação nacional Os julga mentos de Nuremberg de 19456 não só chamaram a atenção do grande público para essas atrocidades mas também estabelece ram o precedente de que os governantes os funcionários e o pes soal militar podiam ser punidos por crimes contra a humanidade Mesmo antes do fim da guerra os Aliadosem particular os Estados Unidos a União Soviética e a GrãBretanha determina ram aperfeiçoar a Liga das Nações Uma conferência realizada em San Francisco na primavera de 1945 estabeleceu a estrutura básica para um novo corpo internacional as Nações Unidas Ele teria um Conselho de Segurança dominado pelas grandes potências uma Assembleia Geral com delegados de todos os paísesmembros e um Secretariado chefiado por um secretáriogeral à guisa de Poder Executivo O encontro também providenciou uma Corte Interna cional de Justiça em Haia nos Países Baixos para substituir uma corte semelhante estabelecida pela Liga das Nações em 1921 Cin quenta e um países assinaram a Carta das Nações Unidas como membros fundadores em 26 de junho de 1945 Apesar do surgimento das evidências dos crimes nazistas contra os judeus os ciganos os eslavos e outros os diplomatas que se reuniram em San Francisco tiveram de ser estimulados e incita 203 dos a pôr os direitos humanos na agenda Em 1944 tanto a Grã Bretanha como a União Soviética haviam rejeitado propostas de incluir os direitos humanos na Carta das Nações Unidas A Grã Bretanha temia o encorajamento que tal ação poderia dar aos movimentos de independência nas suas colônias e a União Sovié tica não queria nenhuma interferência na sua esfera de influência então em expansão Além disso os Estados Unidos tinham inicial mente se oposto à sugestão da China de que a carta deveria incluir uma afirmação sobre a igualdade de todas as raças A pressão vinha de duas direções diferentes Muitos estados de tamanho pequeno e médio na América Latina e na Ásia pediam insistentemente mais atenção aos direitos humanos em parte por que se ressentiam da dominação arrogante das grandes potências sobre os procedimentos Além disso uma multidão de organiza ções religiosas trabalhistas femininas e cívicas a maioria baseada nos Estados Unidos tentava influenciar diretamente os delegados da conferência Apelos urgentes feitos face a face por representan tes do Comitê Judaico Americano do Comitê Conjunto pela Liberdade Relig iosa do Congresso das Organizações Industriais CIO e da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor NAACP ajudaram a mudar a visão de funcionários do Departa mento de Estado dos Estados Unidos que concordaram em pôr os direitos humanos na Carta das Nações Unidas A União Soviética e a GrãBretanha deram o seu consentimento porque a carta tam bém garantia que as Nações Unidas nunca interviriam nos assun tos internos de um país 2 4 O compromisso com os direitos h u m a n o s ainda não estava nem um pouco assegurado A Carta das Nações Unidas de 1945 enfatizava as questões de segurança internacional e dedicava ape nas algumas linhas ao respeito e c u m p r i m e n t o universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça sexo língua ou religião Mas ela criava u m a 204 Comissão dos Direitos Humanos que decidiu que sua primeira tarefa devia ser o esboço de u m a carta dos direitos h u m a n o s Como presidente da comissão Eleanor Roosevelt desempenhou um papel central ao conseguir que u m a declaração fosse rascu nhada e depois guiála pelo complexo processo de aprovação John Humphrey um professor de direito de quarenta anos da Universi dade McGill no Canadá preparou um rascunho preliminar Esse texto tinha de ser revisado por toda a comissão posto a circular por todos os Estadosmembros depois revisto pelo Conselho Social e Econômico e se aprovado enviado para a Assembleia Geral na qual devia ser primeiro considerado pelo Terceiro Comitê sobre Assuntos Sociais Humanitários e Culturais O Terceiro Comitê tinha delegados de todos os Estadosmembros e quando o rascu nho foi discutido a União Soviética propôs emendas para quase todos os artigos Oitenta e três reuniões apenas do Terceiro Comitê e quase 170 emendas mais tarde um rascunho foi sancio nado para ser votado Por fim em 10 de dezembro de 1948 a Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos Quarenta e oito países votaram a favor oito países do bloco soviético abstiveramse e nenhum votou contra 2 5 Como seus predecessores do século xvin a Declaração Uni versal explicava n u m preâmbulo por que esse pronunciamento formal tinha se tornado necessário O desrespeito e o desprezo pelos direitos humanos têm resultado em atos bárbaros que ofen deram a consciência da humanidade afirmava A variação em relação à linguagem da Declaração francesa original de 1789 é reveladora Em 1789 os franceses tinham insistido que a ignorân cia a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental A ignorância e até a simples negligência já não eram possíveis Em 1948 todos sabiam presumivelmente qual era o significado dos direitos humanos Além disso a expressão males públicos de 20S 1789 não captava a magnitude dos acontecimentos recentemente experimentados O desrespeito e o desprezo propositais pelos direitos h u m a n o s tinham produzido atos de u m a brutalidade quase inimaginável A Declaração Universal não reafirmava simplesmente as noções de direitos individuais do século xvni tais como a igual dade perante a lei a liberdade de expressão a liberdade de religião o direito de participar do governo a proteção da propriedade pri vada e a rejeição da tortura e da punição cruel Ela também proibia expressamente a escravidão e providenciava o sufrágio universal e igual por votação secreta Além disso requeria a liberdade de ir e vir o direito a uma nacionalidade o direito de casar e com mais controvérsia o direito à segurança social o direito de trabalhar com pagamento igual para trabalho igual tendo por base um salá rio de subsistência o direito ao descanso e ao lazer e o direito à educação que devia ser grátis nos níveis elementares Numa época de endurecimento das linhas de conflito da Guerra Fria a Declara ção Universal expressava um conjunto de aspirações em vez de uma realidade prontamente alcançável Delineava um conjunto de obrigações morais para a comunidade mundial mas não tinha nenhum mecanismo de imposição Se tivesse incluído um meca nismo para impor as obrigações morais nunca teria sido apro vada Entretanto apesar de todas as suas deficiências o docu mento teria efeitos não de todo diferentes daqueles causados pelos seus predecessores do século xviil Por mais de cinquenta anos ele tem estabelecido o padrão para a discussão e ação internacionais sobre os direitos humanos Ver no Apêndice o texto completo 206 A Declaração Universal cristalizou 150 anos de luta pelos direitos Durante todo o século xix e o início do xx algumas socie dades benevolentes tinham mantido acesa a chama dos direitos humanos universais enquanto as nações se voltavam para dentro de si mesmas As principais organizações desse tipo eram as socie dades inspiradas pelos quakers fundadas para combater o tráfico de escravos e a escravidão A britânica Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos criada em 1787 distribuía literatura e ima gens abolicionistas e organizava grandes campanhas de petições dirigidas ao Parlamento Os seus líderes desenvolveram laços pró ximos com os abolicionistas nos Estados Unidos na França e no Caribe Quando em 1807 o Parlamento aprovou um projeto de lei para acabar com a participação britânica no tráfico de escravos os abolicionistas deram um novo nome ao seu grupo o de Sociedade Antiescravidão e passaram a organizar grandes campanhas de petições para que o Parlamento abolisse a própria escravidão o que finalmente aconteceu em 1833 A Sociedade Antiescravidão Estrangeira e Britânica então tomou a batuta e promoveu agita ções para o fim da escravidão em outros países especialmente nos Estados Unidos Por sugestão dos abolicionistas americanos a sociedade bri tânica organizou uma convenção mundial antiescravidão em Londres em 1840 para coordenar a luta internacional contra a escravidão Apesar de os delegados terem se recusado a permitir a participação formal de mulheres abolicionistas assim ajudando a precipitar o movimento sufragista das mulheres eles favoreceram a causa internacional com o desenvolvimento de novos contatos internacionais informações sobre as condições dos escravos e resoluções que denunciavam a escravidão como um pecado con tra Deus e condenavam aquelas igrejas que a apoiavam especial mente no sul dos Estados Unidos Embora fosse dominada pelos britânicos e americanos a convenção mundial estabeleceu o 207 molde para futuras campanhas internacionais pelo sufrágio das mulheres pela proteção do trabalho infantil pelos direitos dos tra balhadores e uma legião de outras questões algumas relacionadas a direitos e outras não como a abstêmia 2 6 Durante as décadas de 1950 e 1960 a causa dos direitos huma nos internacionais assumiu uma posição de menor importância em relação às lutas anticoloniais e de independência Ao término da Primeira Guerra Mundial o presidente americano Woodrow Wilson insistira notoriamente em que a paz duradoura devia se assentar sobre o princípio da autodeterminação nacional Todo povo insistia ele tem o direito de escolher a soberania sob a qual deverá viver Tinha em mente os poloneses os tchecos e os sérvios não os africanos e ele e seus aliados concederam indepen dência à Polônia à Tchecoslováquia e à Iugoslávia porque se con sideravam no direito de dispor dos territórios antes controlados pelas potências derrotadas A GrãBretanha concordou em incluir a autodeterminação nacional na Carta Atlântica de 1941 que expunha os princípios compartilhados pelos Estados Unidos e pela GrãBretanha para travar a guerra mas Winston Churchill insistiu que esse conceito se aplicava apenas à Europa e não às colônias da GrãBretanha Os intelectuais africanos discordaram e incorporaram a questão à sua crescente campanha pela indepen dência Embora as Nações Unidas tivessem deixado de tomar uma posição forte sobre a descolonização nos seus primeiros anos já em 1952 haviam concordado em tornar a autodeterminação uma parte oficial do seu programa A maioria dos estados africanos recuperou a sua independência pacificamente ou pela força na década de 1960 Embora às vezes incorporassem nas suas consti tuições os direitos enumerados por exemplo na Convenção Euro peia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Funda mentais de 1950 a garantia legal dos direitos foi frequentemente vítima dos caprichos da política internacional e intertribal 2 7 208 Nas décadas depois de 1948 formouse aos trancos e barran cos um consenso internacional sobre a importância de se defender os direitos humanos A Declaração Universal é mais o início do processo do que o seu apogeu Em n e n h u m outro lugar o pro gresso dos direitos humanos foi mais visível do que entre os comu nistas que tinham resistido por tanto tempo a esse apelo Desde o início da década de 1970 os partidos comunistas da Europa Oci dental retornaram a uma posição muito semelhante à exposta por Jaurès na França na virada do século Eles substituíram a ditadura do proletariado nas suas plataformas oficiais pelo avanço da democracia e endossaram explicitamente os direitos humanos No final da década de 1980 o bloco soviético começou a se mover na mesma direção O secretáriogeral do Partido Comunista Mikhail Gorbatchev propôs ao Congresso do Partido Comunista de 1988 em Moscou que a União Soviética fosse a partir daquela data um Estado sob o domínio da lei com a máxima proteção para os direi tos e a liberdade do indivíduo soviético Naquele mesmo ano foi criado pela primeira vez um departamento de direitos humanos n u m a escola de direito soviética Ocorrera certa convergência A Declaração Universal de 1948 incluía direitos sociais e econômicos o direito à segurança social o direito ao trabalho o direito à educação por exemplo e nos anos 1980 a maioria dos partidos socialistas e comunistas havia desistido de sua anterior hostilidade aos direitos políticos e civis 2 8 As organizações não governamentais agora chamadas ONGS nunca desapareceram mas ganharam mais influência internacio nal a partir do início da década de 1980 em grande parte por causa da difusão da própria globalização ONGS como Anistia Internacio nal fundada em 1961 AntiSlavery International uma conti nuação da Sociedade Antiescravidão Human Rights Watch fun dada em 1978 e Médicos sem Fronteiras fundada em 1971 para não falar em incontáveis grupos locais cujas atividades são desco 209 nhecidas fora de suas regiões providenciaram apoio fundamental para os direitos humanos nas últimas décadas Essas ONGS frequen temente exerceram mais pressão sobre governos danosos e contri buíram mais para sanar a fome a doença e o tratamento brutal de dissidentes e minorias do que as próprias Nações Unidas mas quase todas elas basearam os seus programas nos direitos articula dos numa ou noutra parte da Declaração Universal 2 9 Desnecessário dizer que ainda é mais fácil endossar os direitos humanos do que os impor O fluxo constante de conferências e con venções internacionais contra o genocídio a escravidão o uso da tortura e o racismo e a favor da proteção das mulheres crianças e minorias mostra que os direitos humanos ainda precisam ser res gatados As Nações Unidas adotaram uma Convenção Suplemen tar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura em 1956 porém ainda assim estimase que haja 27 milhões de escravos no mundo hoje Aprovaram a Convenção contra a Tortura e Outros Trata mentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes em 1984 por que a tortura não desapareceu quando suas formas judiciais foram abolidas no século xvm Em vez de ser empregada n u m cenário legalmente sancionado a tortura passou aos quartos dos fundos da polícia e das forças militares secretas e nem tão secretas dos Esta dos modernos Os nazistas autorizaram explicitamente o uso do aperto contra os comunistas as testemunhas de Jeová os sabota dores os terroristas os dissidentes os elementos antissociais e os vagabundos poloneses ou soviéticos As categorias já não são exa tamente as mesmas mas a prática resiste A África do Sul os france ses na Argélia o Chile a Grécia a Argentina o Iraque os america nos em Abu Ghraiba lista jamais termina A esperança de acabar com os atos bárbaros ainda não se tornou realidade 3 0 210 O S L I M I T E S D A E M P A T I A O que devemos concluir do ressurgimento da tortura e da limpeza étnica do emprego continuado do estupro como arma de guerra da opressão continuada das mulheres do crescente tráfico sexual de crianças e mulheres e das práticas subsistentes da escra vidão Os direitos humanos nos desapontaram por se mostrarem inadequados para a sua tarefa Um paradoxo entre distância e pro ximidade está em ação nos tempos modernos Por um lado a difu são da capacidade de ler e escrever e o desenvolvimento de roman ces jornais rádio filmes televisão e internet tornaram possível que mais e mais pessoas sintam empatia por aqueles que vivem em lugares distantes e em circunstâncias muito diferentes Fotos de crianças morrendo de fome em Bangladesh ou relatos de milhares de homens e meninos assassinados em Srebrenica na Bósnia podem mobilizar milhões de pessoas para que enviem dinheiro mercadorias e às vezes a si próprias como ajuda ao povo de outros lugares ou para que exortem seus governos ou organizações inter nacionais a intervir Por outro lado relatos em primeira mão con tam como vizinhos em Ruanda se matavam uns aos outros com furiosa brutalidade por causa da etnicidade Essa violência em close está longe de ser excepcional ou recente os judeus os cristãos e os muçulmanos tentam há muito tempo explicar por que o bíblico Caim filho de Adão e Eva matou seu irmão Abel À medida que se passam os anos depois das atrocidades nazistas pesquisas cuidadosas têm mostrado que seres humanos comuns sem ano malias psicológicas nem paixões políticas ou religiosas podem ser induzidos nas circunstâncias corretas a empreender o que sabem ser assassinato em massa em combates corpo a corpo Os torturadores na Argélia na Argentina e em Abu Ghraib também começaram como soldados comuns Os torturadores e os assassi 211 nos são como nós e frequentemente infligem dor a pessoas que estão bem diante deles 3 1 Assim embora as formas modernas de comunicação tenham expandido os meios de sentir empatia pelos outros elas não têm sido capazes de assegurar que os homens ajam com base nesse sen timento de camaradagem A ambivalência quanto à força da empa tia pode ser encontrada do século xvin em diante tendo sido expressa até por aqueles que empreenderam explicar a sua opera ção Na sua Teoria dos sentimentos morais Adam Smith considera a reação de um h o m e m humanitário na Europa ao ficar sabendo de um terremoto na China que mata centenas de milhões de pessoas Ele dirá todas as coisas adequadas prediz Smith e continuará com as suas atividades como se nada tivesse acontecido Se em con traste soubesse que perderia o dedo mínimo no dia seguinte ele se agitaria e viraria de um lado para o outro a noite inteira Estaria dis posto a sacrificar as centenas de milhões de chineses em troca do seu dedo mínimo Não não estaria afirma Smith Mas o que leva uma pessoa a resistir a essa barganha Não é a força maleável da huma nidade insiste Smith que nos torna capazes de agir contra o inte resse próprio Tem de ser uma força mais forte a da consciência É a razão o princípio a consciência o habitante do peito o h o m e m interior o grande juiz e árbitro da nossa conduta 3 2 A própria lista de Smith em 1759 razão princípio cons ciência o h o m e m interior capta um elemento importante no estado atual do debate sobre empatia O que é suficientemente forte para nos motivar a agir com base em nosso sentimento de camaradagem A heterogeneidade da lista de Smith indica que ele próprio tinha algum problema para responder essa questão razão é sinônimo de o habitante do peito Smith parecia acre ditar como muitos ativistas dos direitos humanos hoje em dia que uma combinação de invocações aos princípios dos direitos e ape los emocionais ao sentimento de camaradagem podem tornar a 212 empatia moralmente mais eficaz Os críticos daquela época e mui tos críticos atuais responderiam que um senso de dever religioso mais elevado precisa ser ativado para fazer a empatia funcionar Na opinião deles os humanos não podem vencer a sua propensão inte rior à apatia ou ao mal por conta própria Um antigo presidente da American Bar Association Ordem dos Advogados americana expressou essa opinião comum Quando os seres humanos não são vistos como semelhantes a Deus disse ele os seus direitos básicos podem muito bem perder a sua raison dêtre metafísica Sozinha a ideia dos atributos humanos comuns não é suficiente 3 3 Adam Smith focaliza u m a questão quando há realmente duas Smith considera que a empatia por aqueles distantes está na mesma categoria dos sentimentos por aqueles que nos são próxi mos apesar de reconhecer que o que nos confronta diretamente é muito mais motivador do que os problemas enfrentados por aque les que estão distantes As duas questões portanto são o que pode nos motivar a agir com base em nossos sentimentos pelos que estão distantes e o que faz o sentimento de camaradagem entrar n u m tal colapso que podemos torturar aleijar ou até matar os que nos são mais próximos A distância e a proximidade os sentimen tos positivos e os negativos tudo tem de entrar na equação Da metade do século xvin em diante e precisamente por causa do surgimento de uma noção dos direitos humanos essas tensões se tornaram cada vez mais mortíferas Todos os que faziam campanhas contra a escravidão a tortura legal e o castigo cruel no final do século xvin realçavam a crueldade nas suas narrativas emocionalmente arrebatadoras Eles pretendiam provocar a repulsa mas o despertar de sensações por meio da leitura e da visão de gravuras explícitas do sofrimento nem sempre podia ser cuidadosamente canalizado Da mesma forma o romance que suscitava u m a atenção intensa para os sofrimentos de moças comuns assumiu outras formas mais sinistras no final do século 213 XVIII O romance gótico exemplificado por The Monk 1796 cie Matthew Lewis apresentava cenas de incesto estupro tortura I assassinato e essas cenas sensacionalistas pareciam ser cada vez mais a razão do exercício em detrimento do estudo dos sentimcn tos interiores ou resultados morais O marquês de Sade fez o romance gótico dar um passo além para se transformar numa por nografia explícita da dor reduzindo deliberadamente a seu núcleo sexual as longas e dilatadas cenas de sedução de romances mais antigos como Clarissa de Richardson Sade visava revelar os sig nificados ocultos dos romances anteriores sexo dominação dor I poder em vez de amor empatia e benevolência O direito natural para ele significava apenas o direito de agarrar o máximo de poder possível e sentir prazer em brandilo sobre os outros Não é mero acaso que Sade tenha escrito quase todos os seus romances na década de 1790 durante a Revolução Francesa 3 4 Assim a noção dos direitos humanos trouxe na sua esteira toda uma sucessão de gêmeos malignos A reivindicação de direi tos universais iguais e naturais estimulava o crescimento de novas e às vezes fanáticas ideologias da diferença Alguns novos modos de ganhar compreensão empática abriram o caminho para um sen sacionalismo da violência O esforço para expulsar a crueldade de suas amarras legais judiciais e religiosas tornavaa mais acessível como uma ferramenta diária de dominação e desumanização Os crimes inteiramente desumanos do século xx só se tornaram con cebíveis quando todos puderam afirmar serem membros iguais da família humana O reconhecimento dessas dualidades é essencial para o futuro dos direitos humanos A empatia não se exauriu como alguns têm afirmado Mais do que nunca tornouse uma força mais poderosa para o bem Mas o efeito compensatório de violência dor e dominação também é maior do que nunca 3 5 Os direitos humanos são o único baluarte que partilhamos comumente contra esses males Ainda devemos aperfeiçoar conti 214 nuamente a versão dos direitos humanos do século xviil para se assegurar que o Humanos na Declaração Universal dos Direitos 11 umanos elimine todas as ambiguidades do homem nos direi tos do homem A cascata de direitos continua embora sempre com um grande conflito sobre como ela deve fluir o direito de uma mulher a escolher versus o direito de um feto a viver o direito de morrer com dignidade versus o direito absoluto à vida os direitos dos inválidos os direitos dos homossexuais os direitos das crian ças os direitos dos animais os argumentos não terminaram nem vão terminar Os que fizeram campanhas pelos direitos humanos no século xvin podiam condenar os seus opositores como tradicionalistas insensíveis interessados apenas em manter uma ordem social baseada antes na desigualdade na particulari dade e no costume histórico do que na igualdade na universali dade e nos direitos naturais Mas já não podemos nos dar ao luxo de uma simples rejeição de visões mais antigas Na outra ponta da luta pelos direitos humanos quando a crença neles se torna mais difundida temos de enfrentar o m u n d o que foi forjado por esse esforço Temos de imaginar o que fazer com os torturadores e os assassinos como prevenir o seu surgimento no futuro sem deixar de reconhecer o tempo todo que eles são nós Não podemos nem tolerálos nem desumanizálos A estrutura dos direitos humanos com seus órgãos interna cionais cortes internacionais e convenções internacionais talvez seja exasperadora na sua lentidão para reagir ou na sua repetida incapacidade de atingir seus objetivos principais mas não existe n e n h u m a estrutura mais adequada para confrontar essas ques tões As cortes e as organizações governamentais por mais que tenham alcance internacional serão sempre freadas por conside rações geopolíticas A história dos direitos humanos mostra que os direitos são afinal mais bem defendidos pelos sentimentos con vicções e ações de multidões de indivíduos que exigem respostas 215 correspondentes ao seu senso íntimo de afronta O pastor protes tante Rabaut SaintÉtienne já tinha compreendido essa verdade em 1787 quando escreveu ao governo francês para reclamar dos defeitos do novo edito que oferecia tolerância religiosa aos protes tantes Chegou a hora disse ele em que não é mais aceitável que uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade que são muito bem conhecidos em todo o mundo As declarações em 1776 1789 e 1948 providenciaram uma pedra de toque para esses direitos da humanidade recorrendo ao senso do que não é mais aceitável e ajudando por sua vez a tornar as violações ainda mais inadmissíveis O processo tinha e tem em si uma inegável cir cularidade conhecemos o significado dos direitos humanos por que nos afligimos quando são violados As verdades dos direitos humanos talvez sejam paradoxais nesse sentido mas apesar disso ainda são autoevidentes 216 A P Ê N D I C E Três declarações 177617891948 Declaração da Independência 1776 NO CONGRESSO 4 de julho de 1776 A Declaração unânime dos treze Estados unidos da América Quando no Curso dos acontecimentos humanos tornase necessário que um povo dissolva os laços políticos que o ligam a outro e assuma entre as potências da Terra a posição separada e igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu reza um respeito decente pelas opiniões da humanidade requer que ele declare as causas que o impelem à separação Consideramos estas verdades autoevidentes que todos os homens são criados iguais dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis que entre estes estão a Vida a Liberdade e a busca da Felicidade Que para assegurar esses direitos Gover nos são instituídos entre os Homens derivando seus justos pode res do consentimento dos governados Que sempre que qual quer Forma de Governo se torne destrutiva desses fins é Direito do Povo alterála ou abolila e instituir novo Governo assen 219 tando sua fundação nesses princípios e organizando os seus poderes da forma que lhe pareça mais conveniente para a realiza ção da sua Segurança e Felicidade A prudência de fato dita que os Governos estabelecidos há muito tempo não devem ser muda dos por causas superficiais e transitórias e assim sendo toda experiência tem mostrado que a humanidade está mais disposta a sofrer enquanto os males são suportáveis do que a se desagra var abolindo as formas a que está acostumada Mas quando uma longa sequência de abusos e usurpações perseguindo invariavel mente o mesmo Objeto revela o desígnio de reduzir o povo a um Despotismo absoluto é seu direito é seu dever derrubar tal Governo e providenciar novos Guardiães para sua futura segu rança Tal tem sido a tolerância paciente destas Colônias e tal é agora a necessidade que as força a alterar os Sistemas anteriores de Governo A história do presente Rei da GrãBretanha é uma história de repetidas injúrias e usurpações todas tendo por obje tivo direto o estabelecimento de uma Tirania absoluta sobre estes Estados Para proválo que os Fatos sejam submetidos a um m u n d o honesto Ele recusou Assentimento a Leis as mais salutares e necessá rias para o bem público Ele proibiu aos Governadores aprovar Leis de importância imediata e urgente a menos que sua aplicação fosse suspensa até que se obtivesse seu Assentimento e quando assim suspensas dei xou totalmente de lhes dar atenção Ele recusou aprovar outras Leis para acomodar grandes dis tritos de pessoas a menos que essas pessoas abrissem mão do direito de Representação no Legislativo um direito inestimável para elas e temível apenas para os tiranos Ele convocou os corpos legislativos a se reunir em lugares inu sitados desconfortáveis e distantes dos locais em que se guardam 220 os Arquivos públicos com o único propósito de fatigálos até que se submetessem a suas medidas Ele dissolveu as Câmaras de Representantes repetidas vezes por se oporem com firmeza viril a suas invasões dos direitos do povo Ele recusou por muito tempo depois dessas dissoluções fazer com que outros fossem eleitos com isso os poderes Legislativos incapazes de Aniquilação retornaram ao Povo em geral para serem exercidos permanecendo o Estado nesse meiotempo exposto a todos os perigos de invasão externa ou convulsão interna Ele se empenhou em impedir o povoamento desses Estados obstruindo para esse fim as Leis de Naturalização de Estrangeiros recusando aprovar outras que encorajassem as migrações para cá e impondo mais condições para novas Apropriações de Terras Ele dificultou a Administração da Justiça recusando Assenti mento a Leis que estabeleciam poderes Judiciários Ele tornou os Juízes dependentes apenas da Vontade do sobe rano quanto à posse dos cargos e ao valor e pagamento dos salários Ele criou uma multidão de Novos Cargos e para cá enviou enxames de Oficiais para atormentar o nosso povo e devorarlhe completamente a substância Ele manteve entre nós em tempos de paz Exércitos Perma nentes sem o Consentimento de nossos corpos legislativos Ele tentou tornar o poder Militar independente e superior ao poder Civil Ele combinou com outros para nos submeter a uma jurisdi ção alheia à nossa Constituição e não reconhecida pelas nossas leis dando Assentimento a seus Atos de pretensa legislação Para Aquartelar grandes corpos de tropas armadas entre nós Para protegêlas por um arremedo de Julgamento da puni ção por quaisquer Assassinatos que viessem a cometer contra os Habitantes destes Estados 221 Para cortar o nosso Comércio com todas as regiões do mundo Para fixar Impostos sem o nosso Consentimento Para nos privar em muitos casos dos benefícios do Julga mento pelo Júri Para nos transportar alémMar para sermos julgados por pretensos delitos Para abolir o Sistema livre de Leis Inglesas numa Província vizinha aí estabelecendo um governo Arbitrário e ampliandolhe as fronteiras a fim de tornálo ao mesmo tempo um exemplo e um instrumento adequado para introduzir o mesmo domínio absoluto nestas Colônias Para nos tomar as nossas Cartas abolindo as nossas Leis mais valiosas e alterando fundamentalmente as Formas de nossos Governos Para suspender os nossos Corpos Legislativos declarandose investido do poder para legislar para nós em todo e qualquer caso Ele abdicou do Governo aqui ao nos declarar fora da sua pro teção e travar Guerra contra nós Ele saqueou os nossos mares devastou as nossas Costas incendiou as nossas cidades e destruiu a vida de nosso povo Ele está neste momento transportando grandes Exércitos de Mercenários estrangeiros para completar a obra de morte desola ção e tirania já iniciada em circunstâncias de Crueldade perfídia quase sem paralelo nas eras mais bárbaras e totalmente indignas do Chefe de uma nação civilizada Ele obrigou nossos concidadãos Aprisionados em altoMar a pegar em armas contra o próprio País deles a se tornar os carras cos de seus amigos e Irmãos ou a tombarem eles próprios pelas Mãos desses seus semelhantes Ele provocou insurreições domésticas entre nós e empe nhouse em lançar sobre os habitantes de nossas fronteiras os 222 cruéis índios Selvagens cuja conhecida regra de guerra é a destrui ção de todos sem distinção de idade sexo e condições Em toda etapa dessas Opressões Nós fizemos Pedidos de Reparação nos termos mais humildes Nossas repetidas Petições só têm recebido como resposta repetidas injúrias Um Príncipe cujo caráter é assim marcado por todo ato que define um Tirano é ina propriado para ser o governante de um povo livre Tampouco temos sido descorteses com nossos irmãos brittâ nicos sic De tempos em tempos nós os temos alertado sobre as tentativas de seu legislativo no sentido de estender sobre nós uma jurisdição injustificável Temos lhes lembrado as circunstâncias de nossa emigração e colonização Temos apelado à sua justiça e mag nanimidade nativas e temos rogado pelos laços de nosso paren tesco comum que desautorizem essas usurpações que interrom periam inevitavelmente as nossas ligações e correspondência Eles também têm sido surdos à voz da justiça e da consanguini dade Devemos portanto admitir a necessidade que denuncia nossa Separação e considerálos assim c o m o consideramos o resto da humanidade Inimigos na Guerra Amigos na Paz Nós portanto os Representantes dos Estados Unidos da América Reunidos em Congresso Geral apelando ao Juiz Su premo do m u n d o pela retidão de nossas intenções publicamos e declaramos solenemente em Nome e por Autoridade do b o m Povo destas Colônias que estas Colônias Unidas são e por direito devem ser Estados Livres e Independentes que elas estão Desobri gadas de toda Vassalagem para com a Coroa Britânica e que todo vínculo político entre elas e o Estado da GrãBretanha é e deve ser totalmente dissolvido e que como Estados Livres e Independen tes elas têm pleno Poder para declarar Guerra concluir a Paz con trair Alianças estabelecer Comércio e praticar todos os outros 223 Atos e Negócios que os Estados Independentes têm o direito de fazer E para apoiar esta Declaração com uma firme confiança na proteção da Divina Providência empenhamos mutuamente as nossas Vidas as nossas Fortunas e a nossa sagrada Honra Fonte Paul Leicester Ford ed The Writings of Thomas Jeffer son 10 vols Nova York G P Putnams Sons 18929 vol 2 pp 4258 wwwarchivesgovnationalarchivesexperiencechar tersdeclarationtranscripthtml 224 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 Os representantes do povo francês reunidos em Assembleia Nacional e considerando que a ignorância a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental resolveram apresentar n u m a declaração solene os direitos naturais inalienáveis e sagra dos do h o m e m para que esta declaração por estar constante mente presente a todos os membros do corpo social possa sempre lembrar a todos os seus direitos e deveres para que os atos dos poderes Legislativo e Executivo por estarem a todo m o m e n t o sujeitos a uma comparação com o objetivo de toda instituição política possam ser mais plenamente respeitados e para que as demandas dos cidadãos por estarem a partir de agora fundamen tadas em princípios simples e incontestáveis possam sempre visar a manter a Constituição e o bemestar geral Em consequência a Assembleia Nacional reconhece e declara na presença e sob os auspícios do Ser Supremo os seguin tes direitos do h o m e m e do cidadão 1 Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direi 225 tos As distinções sociais só p o d e m ser baseadas na utilidade comum 2 0 objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem Esses direitos são a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão 3 O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação N e n h u m corpo e n e n h u m indivíduo pode exercer uma autoridade que não emane expressamente da nação 4 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não preju dique o outro assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o desfrute dos mesmos direitos Esses limites só podem ser determinados pela lei 5 A lei só tem o direito de proibir aquelas ações que são pre judiciais à sociedade N e n h u m obstáculo deve ser interposto ao que a lei não proíbe nem pode alguém ser forçado a fazer o que a lei não ordena 6 A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de participar em pessoa ou por meio de seus representan tes na sua formação Deve ser a mesma para todos quer proteja quer penalize Todos os cidadãos sendo iguais a seus olhos são igualmente admissíveis a todas as dignidades cargos e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem nenhuma outra distin ção que não seja a de suas virtudes e talentos 7 N e n h u m h o m e m pode ser indiciado preso ou detido exceto em casos determinados pela lei e segundo as formas que a lei prescreve Aqueles que solicitam lavram executam ou man dam executar ordens arbitrárias devem ser punidos mas os cida dãos intimados ou detidos por força da lei devem obedecer ime diatamente tornandose culpados pela resistência 8 Apenas punições estrita e obviamente necessárias podem ser estabelecidas pela lei e ninguém pode ser punido senão por 226 força de u m a lei estabelecida e promulgada antes do tempo do delito e legalmente aplicada 9 Sendo todo h o m e m considerado inocente até ser declarado culpado se for considerado indispensável prendêlo todo rigor desnecessário para deter a sua pessoa deve ser severamente repri mido pela lei 10 Ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo as religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei 11 A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem Todo cidadão pode portanto falar escrever e publicar livremente se aceitar a responsabilidade por qualquer abuso dessa liberdade nos termos estabelecidos pela lei 12 A salvaguarda dos direitos do homem e do cidadão requer uma força pública Essa força é portanto instituída para o bem de todos e não para o benefício privado daqueles a quem é confiada 13 Para a manutenção da autoridade pública e para as despe sas da administração a tributação c o m u m é indispensável Ela deve ser dividida igualmente entre todos os cidadãos de acordo com sua capacidade de pagar 14 Todos os cidadãos têm o direito de exigir por si mesmos ou por meio de seus representantes que lhes seja demonstrada a necessidade dos impostos públicos de concordar livremente com a sua existência de acompanhar o seu emprego e de determinar os meios de distribuição avaliação e arrecadação bem como a dura ção dos impostos 15 A sociedade tem o direito de considerar que todo agente público da administração deve prestar contas de seus atos 16 Não possui Constituição a sociedade em que a garantia dos direitos não esteja assegurada ou a separação dos poderes estabelecida 17 C o m o a propriedade é um direito inviolável e sagrado 227 ninguém pode ser dela privado a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada a requeira indubitavelmente e sob condição de uma justa e prévia compensação Fonte La Constitution française Présentée au Roi par lAssemblée Nationale le 3 septembre 1791 Paris 1791 228 Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 PREÂMBULO Visto que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo Visto que o desrespeito e o desprezo pelos direitos humanos têm resultado em atos bárbaros que ofenderam a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os seres huma nos tenham liberdade de expressão e crença e a liberdade de viver sem medo e privações foi proclamado como a aspiração mais ele vada do h o m e m comum Visto que é essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo estado de direito para que o h o m e m não seja compelido a recorrer em última instância à rebelião contra a tirania e a opressão Visto que é essencial promover o desenvolvimento de rela ções amistosas entre as nações Visto que os povos das Nações Unidas reafirmaram na Carta sua fé nos direitos humanos fundamentais na dignidade e valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e mulheres 229 e que decidiram promover o progresso social e melhores padrões de vida em maior liberdade Visto que os Estadosmembros se comprometeram a desen volver em cooperação com as Nações Unidas o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e o cumprimento desses direitos e liberdades Visto que uma compreensão comum desses direitos e liber dades é da maior importância para o pleno cumprimento desse compromisso A ASSEMBLEIA GERAL proclama ESTA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS como um ideal c o m u m a ser alcançado por todos os povos e todas as nações para que todo indivíduo e todo órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração pro cure pelo ensinamento e pela educação promover o respeito a esses direitos e liberdades e por medidas progressivas de caráter nacional e internacional assegurar o seu reconhecimento e cum primento universais e efetivos tanto entre os povos dos próprios Estadosmembros como entre os povos dos territórios sob sua jurisdição Artigo 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos São dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros n u m espírito de fraternidade Artigo 2 Todo ser humano pode fruir de todos os direitos e liberdades apresentados nesta Declaração sem distinção de qual quer sorte como raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra ordem origem nacional ou social bens nascimento ou qualquer outro status Além disso nenhuma distinção deve ser feita com base no status político jurisdicional ou internacional do país ou território a que uma pessoa pertence seja ele território 230 independente sob tutela não autônomo ou com qualquer outra limitação de soberania Artigo 3 1 Todo ser humano tem direito à vida à liberdade e à segurança pessoal Artigo 4 Ninguém deve ser mantido em escravidão ou servi dão a escravidão e o tráfico de escravos devem ser proibidos em todas as suas formas Artigo 5 e Ninguém deve ser submetido à tortura ou a um tra tamento ou punição cruel desumano ou degradante Artigo 6 Todo ser humano tem o direito de ser reconhecido por toda parte como uma pessoa perante a lei Artigo 7 Todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a uma proteção igual da lei Todos têm direito a uma proteção igual contra qualquer discriminação que viole esta Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação Artigo 8 Todo ser humano tem direito a receber dos tribu nais nacionais competentes uma reparação efetiva para atos que violem os direitos fundamentais a ele concedidos pela constituição ou pela lei Artigo 9 Ninguém deve ser submetido à prisão à detenção ou ao exílio arbitrários Artigo 10 Todo ser humano tem direito em total igualdade a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal indepen 231 dente e imparcial para a determinação de seus direitos e deveres e de qualquer acusação criminal contra a sua pessoa Artigo 111 Todo ser h u m a n o acusado de um delito tem direito à presunção de inocência até que seja provada a sua culpa de acordo com a lei n u m julgamento público em que lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias para a sua defesa 2 Ninguém deve ser considerado culpado por qualquer ato ou omissão que não constituía delito perante o direito nacional ou internacional na época em que foi cometido Tampouco deve ser imposta uma pena mais pesada do que a aplicável na época em que o delito foi cometido Artigo 12 Ninguém deve ser sujeito a interferências arbitrá rias na sua privacidade família lar ou correspondência nem a ata ques à sua honra e reputação Todo ser humano tem direito à pro teção da lei contra tais interferências ou ataques Artigo 13 1 Todo ser humano tem o direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado 2 Todo ser humano tem o direito de sair de qualquer país inclusive do seu próprio e de retornar ao seu país Artigo 141 Todo ser humano vítima de perseguição tem o direito de procurar e receber asilo em outros países 2 Este direito não pode ser invocado no caso de uma perse guição legitimamente motivada por crimes não políticos ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas Artigo 151 Todo ser humano tem direito a uma nacionali dade 232 2 Ninguém deve ser arbitrariamente destituído de sua nacio nalidade nem lhe será negado o direito de m u d a r de nacionalidade Artigo 16 1 Os homens e mulheres adultos sem qualquer restrição de raça nacionalidade ou religião t ê m o direito de casar e fundar uma família fazendo jus a direitos iguais em relação ao casamento durante o casamento e na sua dissolução 2 O casamento deve ser realizado somente com o livre e pleno consentimento dos futuros cônjuges 3 A família é a unidade de grupo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado Artigo 171 Todo ser humano tem direito à propriedade só ou em sociedade com outros 2 Ninguém deve ser arbitrariamente destituído de sua pro priedade Artigo 18 Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de pensa mento consciência e religião este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar a sua reli gião ou crença pelo ensino pela prática pelo culto e pela observân cia sozinho ou em comunidade com outros em público ou em privado Artigo 19 Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de opi nião e expressão este direito inclui a liberdade de ter opiniões sem quaisquer interferências e de procurar receber e transmitir infor mações e ideias por qualquer meio de comunicação e independen temente de fronteiras Artigo 201 Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de reu nião e associação pacíficas 233 2 Ninguém pode ser obrigado a pertencer a uma associação Artigo 211 Todo ser humano tem o direito de participar do governo de seu país diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos 2 Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público no seu país 3 A vontade do povo deve ser a base da autoridade do governo esta vontade deve ser expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal e igual realizadas por voto secreto ou por procedimento equivalente que assegure a liber dade de voto Artigo 22 Todo ser humano como m e m b r o da sociedade tem direito à segurança social e à realização por meio de esforço nacional e cooperação internacional e de acordo com a organiza ção e os recursos de cada Estado dos direitos econômicos sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvi mento da sua personalidade Artigo 231 Todo ser humano tem direito ao trabalho à livre escolha do emprego a condições justas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego 2 Todo ser humano sem qualquer distinção tem direito a pagamento igual para trabalho igual 3 Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remu neração justa e satisfatória que assegure para si mesmo e para sua família uma existência à altura da dignidade humana suplemen tada se necessário por outros meios de proteção social 4 Todo ser humano tem o direito de organizar sindicatos e deles participar para a proteção de seus interesses 234 Artigo 24 Todo ser humano tem direito ao descanso e ao lazer inclusive a uma limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas Artigo 251 Todo ser humano tem direito a um padrão de vida que lhe assegure para si mesmo e para sua família saúde e bemestar incluindo alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis bem como o direito à segurança em caso de desemprego doença invalidez viuvez velhice ou perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle 2 A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis tência especiais Todas as crianças nascidas dentro ou fora do casa mento devem ter a mesma proteção social Artigo 261 Todo ser humano tem direito à educação A edu cação deve ser gratuita ao menos nos estágios elementares e fun damentais A educação elementar deve ser obrigatória A educação técnica e profissional deve ser colocada à disposição de todos e a educação superior deve ser igualmente acessível a todos com base no mérito 2 A educação deve ser orientada para o pleno desenvolvi mento da personalidade humana e para o fortalecimento do res peito pelos direitos h u m a n o s e liberdades fundamentais Deve promover a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e deve fomentar as atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz 3 Os pais têm o direito prioritário de escolher o tipo de edu cação que será dado a seus filhos Artigo 27 1 Todo ser h u m a n o tem o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade apreciar as artes e par ticipar do progresso científico e seus benefícios 235 2 Todo ser h u m a n o tem direito à proteção dos interesses morais e materiais que resultem de qualquer produção científica literária ou artística de sua autoria Artigo 28 Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração possam ser plenamente realizados Artigo 291 Todo ser humano tem deveres para com a co munidade em que o livre e pleno desenvolvimento da sua persona lidade é possível 2 No exercício de seus direitos e liberdades todo ser humano deve estar sujeito apenas às limitações determinadas pela lei exclusivamente com o propósito de assegurar o devido reco nhecimento e respeito pelos direitos e liberdades dos outros e de satisfazer as justas exigências da moral da ordem pública e do bemestar geral de uma sociedade democrática 3 Estes direitos e liberdades não podem ser exercidos em hipótese alguma contra os propósitos e princípios das Nações Unidas Artigo 30 Nada nesta Declaração pode ser interpretado de maneira a implicar que qualquer Estado grupo ou pessoa tem o direito de se envolver em qualquer atividade ou executar qualquer ato destinado à destruição de qualquer um dos direitos e liberda des aqui estabelecidos Fonte Mary Ann Glendon A World Made New Eleanor Roo seveltand the Universal Declaration ofHuman Rights Nova York Random House 2001 pp 3104 wwwunorgOverview rightshtml 236 Notas I N T R O D U Ç Ã O P P 1333 1 Julian P Boyd ed The Papers of Thomas Jefferson 31 vols Princeton Princeton University Press 1950 vol 1 176066 esp p 423 mas ver também pp 309433 2 D O T h o m a s ed Political Writings Richard Price Cambridge Nova York Cambridge University Press 1991 p 195 Citação de Burke tirada do pará grafo 144 disponível online em wwwbartlebycom2436html Reflections on the French Revolution vol xxiv parte 3 Nova York P F Collier Son 1909 14 Barteblycom 2001 Ed brasileira Reflexões sobre a revolução em França trad Renato de Assumpção Faria Brasília U N B 1997 3 Jacques Maritain u m dos líderes d o C o m i t é da U N E S C O sobre as Bases Teóricas dos Direitos H u m a n o s citado in M a r y A n n Glendon A World Made New Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration ofHuman Rights Nova York R a n d o m House 2001 p 77 Sobre a Declaração Americana ver Pauline Maier American Scripture Making the Declaration of Independence Nova York Alfred A Knopf 1997 pp 23641 4 Sobre a diferença entre a Declaração de Independência americana e a Declaração dos Direitos inglesa de 1689 ver Michael P Zuckert Natural Rights and the New Republicanism Princeton Princeton University Press 1994 esp pp 325 5 A citação de Jefferson é tirada de Andrew A Lipscomb e Albert F Bergh 237 eds The Writings of Thomas Jefferson 20 vols Washington DC T h o m a s Jeffer son Memorial Association of the United States 19034 vol 3 p 421 Fui capaz de seguir o uso dos termos por Jefferson graças ao site de suas citações criado pela biblioteca da Universidade de Virginia httpetextlibvirginiaedujeffer sonquotations Há muito mais a ser feito sobre a questão dos termos dos direi tos h u m a n o s e à medida que os bancos de dados online se expandem e são refi nados essa pesquisa se torna m e n o s embaraçosa Direitos h u m a n o s é usado desde os primeiros anos do século xvni em inglês mas a maioria das ocorrências aparece frequentemente em conj unção com religião c o m o em direitos divinos e h u m a n o s ou até direito divino divino vs direito divino humano Este último ocorre in Matthew Tindal The Rights of the Christian Church Asserted against the Romish and All Other Priests Who Claim an Independent Power over It Londres 1706 p liv o primeiro em por exemplo A Compleat History of the Whole Procee dings of the Parliament of Great Britain against Dr Henry Sacheverell Londres 1710 pp 8 4 e 8 7 6 A linguagem dos direitos h u m a n o s é traçada muito facilmente em francês graças ao Project for American and French Research on the Treasury of the French Language A R T F L u m banco de dados online de uns 2 mil textos franceses dos sécu los X I I I ao X X A R T F L inclui apenas u m a seleção de textos escritos em francês e favo rece a literatura em detrimento de outras categorias Encontrase u m a descrição do recurso em httphumanitiesuchicagoeduorgsARTFLartflflyerhtml Nico las LengletDufresnoy De lusage des romans Où lon fait voir leur utilité et leurs dif férents caractères Avec une bibliothèque des romans accompagnée de remarques cri tiques sur leurs choix et leurs éditions Amsterdam Vve de Poilras 1734 Genebra Slatkine Reprints 1970p 245 Voltaire Essay sur lhistoire générale et sur les moeurs et lesprit des nations depuis Charlemagne jusquà nos jours Genebra Cramer 1756 p 292 Consultando Voltaire électronique u m C D R O M pesquisável das obras coligidas de Voltaire encontrei droit humain usado sete vezes droits humains no plural nunca quatro delas no Tratado sobre a tolerância e u m a vez em três outras obras Em A R T F L a expressão aparece u m a vez in LouisFrançois Ramond lettres de W Coxe à W Melmoth Paris Belin 1781 p 95 m a s no contexto significa lei h u m a n a em oposição à lei divina A função de busca do Voltaire eletrônico torna virtualmente impossível determinar com rapidez se Voltaire usou droits de lhomme ou droits de lhumanité em qualquer uma de suas obras a busca só indica as milha res de referências a droits e homme por exemplo na m e s m a obra e não n u m a expressão consecutiva em contraste a A R T F L 7 A R T F L dá a citação c o m o sendo de JacquesBénigne Bossuet Méditations sur lÉvangile 1704 Paris Vrin 1966 p 484 8 Rousseau pode ter t o m a d o o t e r m o direitos do h o m e m de JeanJacques 238 Burlamaqui que o usou no sumário de Principes du droit naturel par Burla maqui Conseiller dÉtat et cidevant Professeur en droit naturel et civil à Genève Genebra Barrillot et fils 1747 parte 1 cap vu seção 4 F o n d e m e n t général des Droits de l h o m m e Aparece c o m o direitos do homem na tradução inglesa de Nugent Londres 1748 Rousseau discute as ideias de B u r l a m a q u i sobre o droit naturelem seu Discours sur lorigine et les fondements de linégalité parmi les hom mes 1755 Oeuvres complètes ed Bernard Gagnebin e Marcel R a y m o n d 5 vols Paris Gallimard 195995 vol 3 1966 p 124 Ed brasileira Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens trad Paulo Neves Porto Alegre L P M 2008 O relato sobre Manco é tirado de Mémoires secrets pour ser vir à lhistoire de la République des lettres en France depuis MDCCIXII jusquà nos jours 36 vols Londres J Adamson 17849 vol 1 p 230 As Mémoires secrets cobriam os anos 176287 Sem ser obra de um único autor Louis Petit de Bachau m o n t m o r r e u em 1771 m a s provavelmente de vários as m e m ó r i a s incluíam resenhas de livros panfletos peças teatrais concertos musicais exposições de arte e casos sensacionais nos t r i b u n a i s v e r Jeremy D Popkin e Bernadette Fort The M é m o i r e s secrets and the Culture of Publicity in EighteenthCentury France Oxford Voltaire Foundation 1998 e Louis A Oliver B a c h a u m o n t t h e C h r o nicler A Questionable Renown in Studies on Voltaire and the Eighteenth Century vol 143 Voltaire F o u n d a t i o n Banbury Oxford 1975 p p 16179 C o m o os volumes foram publicados depois das datas que pretendiam cobrir não p o d e m o s ter absoluta certeza de que o uso de direitos do h o m e m fosse tão c o m u m em 1763 q u a n t o o autor supõe No primeiro ato cena I I M a n c o recita Nascidos c o m o eles na floresta m a s rápidos em nos conhecer Exigindo t a n t o o título c o m o os direitos de nosso ser Lembramos a seus corações surpresos Tanto este título c o m o estes direitos há tanto t e m p o profanados Antoine Le Blanc de Guillet MancoCapac premier Ynca Du Pérou Tragédie Représentée pour lapre mière fois par les Comédiens François ordinaires du Roi le 12 Juin 1763 Paris Belin 1782p 4 9 Direitos do h o m e m aparece u m a vez in William Blackstone Commen taries on the Laws ofEngland 4 vols Oxford 17659vol 1 1765p 1 2 1 0 p r i meiro uso que encontrei em inglês está em John Perceval Earl of E g m o n t A Full and Fair Discussion of the Pretensions of the Dissenters to the Repeal of the Sacra mental Test Londres 1733p 14Aparece t a m b é m naepístola poética de 1773 The Dying Negro e n u m tratado anterior do líder abolicionista Granville Sharp A Declaration of the Peoples Natural Right to a Share in the Legislature Londres 1774 p xxv Encontrei esses dados usando o serviço online de T h o m s o n Galé Eighteenth C e n t u r y Collections Online e sou grata a Jenna GibbsBoyer pela ajuda nessa pesquisa A citação de Condorcet está em Marie Louise Sophie de 239 Grouchy marquesa de Condorcet ed Oeuvres complètes de Condorcet 21 vols Brunswick Paris Vieweg Henrichs 1804 vol X I pp 2402 249 251 Sieyès u s o u o t e r m o droits de lhomme apenas u m a vez Il ne faut point juger de ses d e m a n d e s par les observations isolées de quelques auteurs plus ou m o i n s ins truits des droits de l h o m m e Não se deve julgar suas do Terceiro Estado d e m a n d a s pelas observações isoladas de alguns autores mais ou menos conhece dores dos direitos do h o m e m E m m a n u e l Sieyès Le TiersÉtat 1789 Paris E C h a m p i o n 1888 p 36 Na sua carta a James Madison escrita em Paris em 12 de Janeiro de 1789 T h o m a s Jefferson enviou o r a s c u n h o da declaração feito p o r Lafayette O segundo parágrafo começava Les droits de l h o m m e assurent sa propriété sa liberté son honneur sa vie Os direitos do h o m e m asseguram sua propriedadesualiberdadesuahonrasuavida Jefferson Papers vol 14p 438 O r a s c u n h o de Condorcet data de um p o u c o antes da a b e r t u r a dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789 in Iain McLean e Fiona Hewitt eds Condorcet Foundations of Social Choice and Political Theory Aldershot Hants Edward Elgar 1994 p 57 ver pp 25570 sobre o rascunho da declaração dos direitos em que aparece a expressão direitos do homem embora não no título Ver os tex tos dos vários projetos para u m a declaração in Antoine de Baecque ed LAn Ides droits de lhomme Paris Presses d u C N R S 1988 10 Blackstone Commentaries on the Laws of England vol 1 p 121 P H dHolbach Système de la Nature 1770 Londres 1771 p 336 H C o m t e de Mira beau Lettres écrites du donjon 1780 Paris 1792 p 4 1 11 Citado in Lynn Hunt ed The French Revolution and Human Rights A Brief Documentary HistoryBoston Bedford BooksSt Martins Press 1996p 46 12 Denis Diderot e Jean le Rond dAlembert eds Encyclopédie ou Diction naire raisonné des sciences des arts et des métiers 17 vols Paris 175180 vol 5 1755 pp 1156 Esse volume inclui dois artigos diferentes sobre Droit Natu rel O primeiro é intitulado Droit Naturel Morale pp 1156 e começa com o asterisco editorial característico de Diderot assinalando a sua autoria o segundo é intitulado Droit de la nature ou Droit naturel pp 131 4 e é assinado A AntoineGaspard Boucher dArgis A informação sobre a autoria vem de John LoughThe Contributors to the Encyclopédie in Richard N Schwab e Wal ter E Rex Inventory of Diderots Encyclopédie vol 7 Inventory of the Plates with a Study of the Contributors to the Encyclopédie by John Lough Oxford Voltaire Foundation 1984 pp 483564 O segundo artigo de Boucher dArgis consiste n u m a história do conceito e é baseado em grande parte no tratado de Burlama qui de 1747 Principes du droit naturel 13 Burlamaqui Principes du droit naturel p 29 a ênfase é dele 14 J B Schneewind Thelnvention of Autonomy A History of Modem Moral 240 Philosophy Cambridge Cambridge University Press 1998 p 4 Ed brasileira A invenção da autonomia uma história da filosofia moral moderna trad Magda França Lopes São Leopoldo Unisinos 2001 A a u t o n o m i a parece ser o ele m e n t o crucial que falta nas teorias da lei natural até meados do século X V I I I C o m o argumenta Haakonssen Segundo a maioria dos advogados da lei natural nos séculos xvn e xviii a ação moral consistia em estar sujeito à lei natural e cumprir os deveres impostos p o r essa lei e n q u a n t o os direitos e r a m derivados sendo meros meios para o c u m p r i m e n t o dos deveres K n u d Haakonssen Natural Law and Moral Philosophy From Grotius to the Scottish Enlightenment Cam bridge Cambridge University Press 1996 p 6 A esse respeito Burlamaqui que tanto influenciou os americanos nas décadas de 1760 e 1770 pode m u i t o bem marcar u m a transição importante Burlamaqui insiste que os homens estão sub metidos a um poder superior mas que esse p o d e r deve estar de acordo c o m a natureza interior do h o m e m Para que regule as ações humanas a lei deve estar absolutamente de acordo com a natureza e a constituição do h o m e m relacio nada enfim com a sua felicidade que é aquilo que a razão o leva necessariamenle a buscar Burlamaqui Príncipes p 89 Sobre a importância geral da autono m i a para os direitos h u m a n o s ver Charles Taylor Sources of the Self The Making of Modern Identity Cambridge M A Harvard University Press 1989 esp p 12 Ed brasileira As fontes do Self a construção da identidade moderna trad Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu Azevedo São Paulo Edições Loyola 1997 15 Pesquisei tortura e m A R T F L A expressão de Marivaux é de Le Specta teurfrançais 1724 in Frederic Deloffre e Michel Gilet eds Journaux et oeuvres diverses Paris Garnier 1969 p 114 Montesquieu The Spirit of the Laws trad e ed A n n e M Cohler Basia Carolyn Miller e Harold Samuel Stone Cambridge Cambridge University Press 1989 pp 923 Ed brasileira O espírito das leis trad Cristina Murachco São Paulo Martins Fontes 2005 16 A m i n h a opinião é claramente muito mais otimista do que a elaborada p o r Michel Foucault que enfatiza antes as superfícies que as profundezas psico lógicas ligando as novas visões do corpo mais ao surgimento da disciplina que 1 liberdade Ver p o r exemplo Discipline and Punish The Birth of the Prison dc Foucault trad Alan Sheridan Nova York Vintage 1979 Ed brasileira Vigiar e punir história da violência nas prisões trad Raquel Ramalhete Petrópolis Vozes 1987 17 Benedict Anderson Imagined Communities Reflections on the Origin and Spread of Nationalism Londres Verso 1983 esp pp 2536 Ed brasileira Comunidades imaginadas reflexões sobre a origem e difusão do nacionalisinoYm Denise Bottman São Paulo C o m p a n h i a das Letras 2008 18 Leslie Brothers F r i d a s Footprint How Society Shapes the Human Mind l i Nova York Oxford University Press 1997 Kai Voigeley Martin Kurthen Peter Falkai e Walfgang Maier Essential F u n c t i o n s of the H u m a n Self M o d e l Are Implemented in the Prefrontal Cortex Consciousness and Cognition 8 1999 34363 i T O R R E N T E S D E E M O Ç Õ E S P P 3 5 6 9 1 FrançoisMarie Aro uet de Voltaire a Marie de Vichy de C h a m r o n d mar quesa de Deffand 6 de março de 1761 em R A Leigh éd Correspondance com plete de Jean Jacques Rousseau 52 vols Genebra Institut et Musée Voltaire 1965 98 vol 8 1969 p 222 Jean le Rond dAlembert a Rousseau Paris 10 de feve reiro de 1761 in Correspondance complète de Jean Jacques Rousseau vol 8 p 76 Sobre as respostas dos leitores citadas neste parágrafo e no seguinte ver Daniel Mornet Rousseau La NouvelleHéloïse 4 vols Paris Hachette 1925 vol 1 pp 2469 2 Sobre as traduções inglesas ver JeanJacques Rousseau La Nouvelle Héloïse trad Judith H McDowell University Park P A Pennsylvania State Uni versity Press 1968 p 2 Ed brasileira Júlia ou A nova Heloísa trad FulviaML Moretto São Paulo Hucitec 1994 Sobre as edições francesas ver JoAnn E McEachern Bibliography of the Writings of Jean Jacques Rousseau to 1800 vol 1 Julie ou La Nouvelle Héloïse Oxford Voltaire Foundation Taylor Institution 1993 pp 76975 3 Alexis de Tocqueville LAncien Régime ed J P Mayer 1856 Paris Galli mard 1964 p 286 Ed brasileira O Antigo Regime e a Revolução trad Yvone Jean Brasília U N B 1989 Olivier Zunz m u i t o gentilmente me indicou essa obra 4 Jean Decety e Philip L JacksonThe Functional Architecture of H u m a n Empathy Behavioral and Cognitive Neuroscience Reviews 3 2004 71100 ver esp p 91 5 Sobre a evolução geral do r o m a n c e francês ver Jacques Rustin Le Vice à la mode Etude sur le roman français du XVIII siècle de M a n o n Lescaut à lapparition deha Nouvelle Héloïse 17311761 Paris O p h r y s 1979 p 20 Compilei os números sobre a publicação dos novos romances franceses a partir de Angus Martin Vivienne G Mylne e Richard Frautschi Bibliographie du genre romanesque français 17511800 Londres Mansell 1977 Sobre o r o m a n c e inglês ver James Raven British Fiction 17501770 Newark D E University of Delaware Press 1987 pp 89 e James Raven Historical I n t r o d u c t i o n T h e Novel Comes of Age in Peter Garside James Raven e Rainer Schõwerling eds The English Novel 17701829 A Bibliographical Survey of Prose Fiction Published 242 in the British Isles Londres Nova York Oxford University Press 2000 p p 15 121 esp pp 2632 Raven mostra que a porcentagem de r o m a n c e s epistolares caiu de 4 4 de todos os romances na década de 1770 para 18 na década de 1790 6 Este não é o lugar para u m a exaustiva lista de obras A m a i s influente para m i m é Benedict Anderson Comunidades imaginadas 7 Abade Marquet Lettre sur Pamela Londres 1742 p p 34 8 Mantive a pontuação original Pamela or Virtue Rewarded In a Series of Familiar Letters from a Beautiful YoungDamsel to her Parents In four volumes The sixth edition corrected By the late Mr Sam Richardson Londres William Otridge 1772 vol l p p 223 9 Aaron Hill a Samuel Richardson 17 de dezembro de 1740 Hill implora que Richardson revele o n o m e do autor suspeitando sem dúvida que seja o próprio RichardsonAnna Laetitia Barbauld ed The Correspondence of Samuel Richard son Author ofPamela Clarissa and Sir Charles Grandison Selectedfrom theOrigi nalManuscripts 6 vols Londres Richard Phillips 1804 vol 1 pp 545 10 T C D u n c a n Eaves e Ben D Kimpel Samuel Richardson A Biography Oxford Clarendon Press 1971 pp 12441 11 Carta de Bradshaigh datada de 11 de janeiro de 1749 citada em Eaves e Kimpel Samuel Richardson p 224 Carta de Edward de 26 de janeiro de 1749 in Barbauld ed Correspondence of Samuel Richardsonvol m p 1 12 Sobre as bibliotecas particulares francesas ver François JostLe R o m a n épistolaireetla technique narrative au xvnr siècle in Comparative Literature Stu dies 3 1966 397427 esp pp 4012 baseado n u m estudo de Daniel Mornet de 1910 Sobre as reações dos boletins informativos boletins escritos por intelec tuais na França para governantes estrangeiros que queriam acompanhar os últi m o s desenvolvimentos na cultura francesa ver Correspondance littéraire philo sophique et critique par Grimm Diderot Raynal Meister etc revue sur les textes originaux comprenant outre ce qui a été publié à diverses époques les fragments sup primés en 1813 parla censure les parties inédites conservées à la Bibliothèque ducale de Gotha et à lArsenal à Paris 16 vols Paris Garnier 187782 Nendeln Lich tenstein Kraus 1968 pp 25 e 248 25 de janeiro de 1751 e 15de j u n h o de 1753 O abade Guillaume T h o m a s Raynal foi o autor do primeiro e Friedrich Melchior G r i m m muito provavelmente escreveu o segundo 13 Richardson não retribuiu o elogio de Rousseau ele afirmava ter achado impossível 1er falia mas m o r r e u no ano da publicação de Júlia em francês Ver Eaves e Kimpel Samuel Richardson p 605 sobre a citação de Rousseau e a reação de Richardson a Júlia Claude Perroud ed Lettres de Madame Roland vol 2 178893 Paris Imprimerie Nationale 1902 pp 439 esp p 48 14 Robert Darnton The Great Cat Massacre and Other Episodes in French I t Cultural History Nova York W W Norton 1984 citação p 243 Ed brasileira O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa trad Sonia C o u t i n h o Rio de Janeiro Graal 1986 Claude Labrosse Lire au XVIII siècle La Nouvelle Héloïse et ses lecteurs Lyon Presses Universitaires de Lyon 1985 citação p 96 15 Um exame recente dos textos sobre o romance epistolar pode ser encon trado em Elizabeth Heckendorn Cook Epistolary Bodies Gender and Genre in the EighteenthCentury Republic of Letters Stanford Stanford University Press 1996 Sobre as origens do gênero ver JostLe R o m a n épistolaire 16 W S Lewis éd The Yale Edition of Horace Walpoles Correspondence vol 22 New Haven 1960 p 271 carta a sir Horace M a n n 20 de dezembro de 1764 Remarks on Clarissa Addressed to the Author Occasioned by some critical Conver sations on the Characters and Conduct of that Work With Some Reflections on the Character and Behaviour of PriorsEmma Londres 1749 pp 8 e 51 17 Gentlemans Magazine 19 junho de 1749 pp 2456 e 19 agosto de 1749 pp 3459 citações nas pp 245 e 346 18 N A LengletDufresnoy De lusage des romans où lon fait voir leur uti lité et leurs différents caractères 2 vols 1734 Genebra Slatkine Reprints 1979 citações pp 13 e 92 vol 18 e 325 no original Vinte anos mais tarde Lenglet Dufresnoy foi convidado a colaborar com outras figuras do Iluminismo na Ency clopédie de Diderot 19 ArmandPierre Jacquin Entretiens sur les romans 1755 Genebra Slat kine Reprints 1970 citações p p 225 237 305169 e 101 A literatura antirro mance é discutida em Daniel Mornet Rousseau La Nouvelle Héloïse 4 vols Paris Hachette 1925 vol 1 20 Richard C Taylor James Harrison T h e Novelist Magazine and the Early Canonizing of the English Novel Studies in English Literature 15001900 33 1993 62943 citação p 633 John T i n n o n Taylor Early Opposition to the English Novel The Popular Reaction from 1760 to 830 Nova York Kings Crown Press 1943 p 52 2 1 SamuelAuguste Tissot LOnanisme 1774 ed latina 1758 Paris Édi tions dela Différence 1991esp pp 22 e 1667 Taylor Early Opposition 6 1 22 Gary KellyUnbecoming a Heroine Novel Reading Romanticism and Barretts The Heroine NineteenthCentury Literature 45 1990 22041 citação p 222 23 Londres Impresso para C Rivington no adro de St Paul e J O s b o r n etc 1741 24 JeanJacques Rousseau Julie or The New Heloise trad Philip Stewart e Jean Vaché vol 6 de Roger D Masters e Christopher Kelly eds The Collected Wri 244 tings of Rousseau Hanover N H University Press of New England 1997 citações p p 3 e 15 25 Éloge de Richardson Journal étranger 8 1762 Genebra Slatkine Reprints 1968 716 citações pp 89 U m a análise mais detalhada deste texto encontrase in Roger Chartier Richardson Diderot et la lectrice impatiente MLN 114 1999 64766 N ã o se sabe q u a n d o Diderot leu pela p r i m e i r a vez Richardson as referências a ele na correspondência de Diderot só começam a aparecer em 1758 G r i m m referiuse a Richardson na sua correspondência já em 1753 June S Siegel Diderot a n d Richardson Manuscripts Missives and Mysteries Diderot Studies 18 1975 14567 26 Éloge pp 89 27 Ibid p 9 28 H e n r y H o m e lorde Kames Elements of Criticism 3 1 ed 2 vols Edim burgo A Kincaid 8c J Bell 1765 vol 1 pp 80828592 Ver t a m b é m Mark Sal ber Phillips Society and Sentiment Genres of Historical Writings in Britain 1740 1820 Princeton Princeton University Press 2000 pp 10910 29 Julian P Boyd ed The Papers of Thomas Jefferson 30 vols Princeton Princeton University Press 1950 vol l p p 7681 30 Jean Starobinski de m onst ra que esse debate sobre os efeitos da identifi cação aplicavase igualmente ao teatro mas argumenta que a análise de Diderot a respeito de Richardson constitui um importante p o n t o crítico no desenvolvi m e n t o de u m a nova atitude para com a identificação Se mettre à la place la mutation de la critique de lâge classique à Diderot Cahiers Vilfredo Pareto 14 1976 36478 3 1 Sobre esse ponto ver esp Michael McKean The Origins of the English Novel I600J74OBaltimore Johns Hopkins University Press 1987 p 128 32 Andrew Burstein The Inner Jefferson Portrait of a Grieving Optimist Charlottesville V A University of Virginia Press 1995 p 54 J P Brissot de War ville Mémoires 7541793 publiés avec étude critique et notes par Cl Perroud Paris Picardsdvol l p p 3 5 4 5 33 I m m a n u e l KantAn Answer to the Question W h a t is Enlightenment in James Schmidt ed What Is Enlightenment EighteenthCentury Answers and TwentiethCentury Questions Berkeley University of California Press 1996pp 5864 citação p 58 N ã o é fácil determinar a cronologia da autonomia A maio ria dos historiadores concorda que o alcance da t o m a d a de decisão individual aumentou de m o d o geral entre os séculos xvi e xx no m u n d o ocidental m e s m o ipê d i s c o r d e m sobre c o m o e p o r q u e isso ocorreu I n ú m e r o s livros e artigos foram escritos sobre a história do individualismo c o m o d o u t r i n a filosófica e social e suas associações com o cristianismo a consciência protestante o capita is lismo a m o d e r n i d a d e e os valores ocidentais de m o d o mais geral ver Michael Carrithers Steven Collins e Steven Lukes eds The Category of the Person Anthro pology Philosophy History Cambridge Cambridge University Press 1985 Um breve exame dos textos sobre o tema pode ser encontrado em Michael Mascuch Origins of the Individualist Self Autobiography and SelfIdentity in England 1591 1791 Stanford Stanford University Press 1996 pp 1324 Um dos poucos a relatar esses desenvolvimentos para os direitos h u m a n o s é Charles Taylor As fon tes do Self 34 Citado em Jay Fliegelman Prodigals and Pilgrims The American Revo lution Against Patriarchal Authority 7501800 Cambridge Cambridge Univer sity Press 1982 p 15 35 JeanJacques Rousseau Emile ou lÉducation 4 vols Haia Jean Néaume 1762 vol 1 pp 24 Ed brasileira Emílio ou Da educação trad Roberto Leal Ferrara São Paulo Martins Fontes 1995 Richard Price Observations on the Nature of Civil Liberty the Principles of Government and the Justice and Policy of the War with America to which is added An Appendix and Postscript containing A State of the National Debt An Estimate of the Money drawn from the Public by the Taxes and An Account of the National Income and Expenditure since the last War 9 ed Londres Edward 8c Charles Dilly and Thomas Cadell 1776 pp 56 36 Lynn H u n t The Family Romance of the French Revolution Berkeley University of California Press 1992 pp 401 37 Fliegelman Prodigals and Pilgrims pp 3967 38 Lawrence Stone The Family Sex and Marriage in England 15001800 Londres Weidenfeld 8c Nicolson 1977 Sobre enrolar os bebês em panos des m a m a d o s e ensinálos a usar o banheiro ver Randolph Trumbach The Rise of the Egalitarian Family Aristocratic Kinship and Domestic Relations in Eighteenth Century England Nova York Academic Press 1978 pp 197229 39 Sybil Wolfram Divorce in England 17001857 Oxford Journal of Legal Studies 5 verão de 1985 15586 Roderick Phillips Putting Asunder A History of Divorce in Western Society Cambridge Cambridge University Press 1988 p 257 Nancy F Cott Divorce and the Changing Status of W o m e n in Eighteenth Century Massachusetts William andMary Quarterly y série vol 33 n a 4 outu bro de 1976 586614 40 Frank L Dewey T h o m a s Jeffersons Notes on Divorce William and Mary Quarterly 3 série vol 39 n 1 The Family in Early American History and Culture Janeiro de 1982 2123 citações pp 219217216 AlEmpathysó entrou na língua inglesa no início do século XX c o m o um termo usado na estética e na psicologia U m a tradução da palavra alemã Einfüh 246 lung ela foi definida c o m o o p o d e r de projetar a própria personalidade no e assim compreender plenamente o objeto da contemplação 42 Francis Hutcheson A Short Introduction to Moral Philosophy in Three Books ContainingtheElementsofEthicksandthe Law of Nature 17472 aed Glas gow Robert 8c Andrew Foulis 1753 pp 126 43 Adam Smith The Theory of Moral Sentiments 3 a ed Londres 1767 p 2 Ed brasileira Teoria dos sentimentos morais trad Lya Luft São Paulo Martins Fontes 1999 44 Burstein The Inner Jefferson 54 The Power ofSympathyfoi escrito por William Hill Brown A n n e C Vila Beyond Sympathy Vapors Melancholia and the Pathologies of Sensibility in Tissot and Rousseau Yale French Studies n 92 Exploring the Conversible World Text and Sociability from the Classical Age to the Enlightenment 1997 88101 45 Há m u i t o s debates s o b r e as origens de E q u i a n o se ele n a s c e u na África c o m o afirmava ou nos Estados Unidos mas isso não é relevante para o m e u argumento Sobre a discussão mais recente ver Vincent Carretta Equiano the African Biography of a SelfMade Man Athens G A University of Georgia Press 2005 46 Abade Sieyès Préliminaire de la constitution française Paris Baudouin 1789 47 H A Washington éd The Writings of Thomas Jefferson 9 vols Nova York John C Riker 18537 vol 7 1857 pp 1013 Sobre Wollstonecraft ver Phillips Society and Sentiment p 114 e especialmente Janet Todd éd The Col lected Letters of Mary Wollstonecraft Londres Allen Lane 2003 pp 34114121 228253313342359364402404 48 Andrew A Lipscomb e Albert E Bergh eds The Writings of Thomas Jef ferson 20 vols Washington D C T h o m a s Jefferson Memorial Association of the United States 19034 vol 10 p 324 2 O S S O S D O S S E U S O S S O S P P 7 O H 2 10 melhor relato geral ainda é de David D Bien The Calas Affair Persecu tion Toleration and Heresy in EighteenthCenturyToulouse Princeton Princeton University Press 1960 As torturas de Calas são descritas em Charles Berrial SaintPrix Des tribunaux et de la procédure du grand criminel au XVIII siècle jusquen 1789 avec des recherches sur la question ou torture Paris Auguste Aubry 1859 pp 936 Baseio m i n h a descrição do suplício da roda no relato de uma les t e m u n h a ocular do suplício em Paris James St John Esq Letters from FranCt 247 to a Gentleman in the South of Ireland Containing Various Subjects Interesting to both Nations Written in 17872 vols Dublin P Byrne 1788 vol I I carta de 23 de julho de 1787 pp 106 2 Voltaire publicou um panfleto de 21 páginas em agosto de 1762 sobre a Histoire dElisabeth Canning et des Calas Ele usou o caso de Elisabeth Canning para mostrar c o m o a justiça inglesa funcionava de maneira superior mas a maior parte do panfleto é dedicada ao caso Calas A estruturação do caso em termos de intolerância religiosa apresentada por Voltaire pode ser vista muito claramente em Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de lean Calas 1763 A citação é tirada de Jacques van den Heuvel ed MélangesVoltaire Paris Gallimard 1961p583 3 A conexão entre a tortura e Calas pode ser pesquisada em Ulla Kòlving ed Voltaire électronique C D R O M Alexandria V A ChadwyckHealey Oxford Voltaire Foundation 1998 A denúncia de tortura em 1766 pode ser encontrada in An Essay on Crimes and Punishments Translated from the Italian with a Com mentary Attributed to Mons De Voltaire Translated from the French 4 1 ed Lon dres F Newberry 1775 pp xiixiii Ed brasileira Dos delitos e das penas trad Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa São Paulo Martins Fontes 1995 Sobre o artigo a respeito da Tortura no Dicionário filosófico ver Theodore Bes terman et al eds les oeuvres complètes de Voltaire 135 vols 19682003 vol 36 ed Ulla Kôlving Oxford Voltaire Foundation 1994 pp 5723 Voltaire argu m e n t o u a favor da abolição real da tortura em 1778 em seu O preço da justiçaVer Franco Venturi ed Cesare Beccaria Dei Delitti e dellepene con une raccolta di let tere e documenti relativi alia nascita dellopera e alia sua fortuna nelTEuropa Del Settecento Turim Giulio Einaudi 1970 pp 4935 4 J D E Preuss Friedrich der Grosse eine Lebengeschichte 9 vols Osna brück Alemanha Ocidental Biblio Verlag 1981 reimpressão da ed de Berlim 1832 vol 1 pp 1401 O decreto do rei francês deixou aberta a perspectiva de restabelecer a question préalable se a experiência revelasse a sua necessidade Além disso o decreto era um entre muitos outros relacionados aos esforços da Coroa para diminuir a autoridade dos parlements Depois de ter de registrálo n u m lit de justice Luís xvi suspendeu a implementação de todos esses decretos em setembro de 1788 C o m o consequência a tortura só foi definitivamente abolida q u a n d o a Assembleia Nacional a suprimiu em 8 de outubro de 1789 Berriat SaintPrix Des Tribunaux p 55 Ver t a m b é m David Yale Jacobson The Politics of Criminal Law Reform in PreRevolutionary France dissertação de P h D Brown University 1976 pp 367429 Sobre o texto dos decretos da abolição ver Athanase Jean Léger et al eds Recueil général des anciennes lois françaises depuis lan 420 jusquà la Révolution de 178929 vols Paris Pion 182457 vol 26 248 1824 pp 3735 e vol 28 1824 pp 52632 Benjamin Rush An Enquiry into the Effects of Public Punishments upon Criminals and Upon Society Read in the Society for Promoting Political Enquiries Convened at the House of His Excellency Benjamin Franklin Esquire in Philadelphia March 9th 1787 P h i l a d e l p h i a Joseph James 1787 in Reform of Criminal Law in Pennsylvania Selected Enqui ries 17871810 Nova York A r n o Press 1972 c o m a n u m e r a ç ã o original das páginas citação p 7 5 Sobre o estabelecimento e abolição geral da t o r t u r a na E u r o p a ver Edward Peters Torture Philadelphia University of Pennsylvania Press 1985 Ed portuguesa História da tortura trad Pedro Silva R a m o s Lisboa Teorema 1994 Embora a tortura não fosse abolida em alguns cantões suíços até m e a d o s do século xix a prática desapareceu em grande parte ao m e n o s enquanto i n s t r u m e n t o legal na Europa ao longo das guerras revolucionárias e napoleónicas Napoleão a aboliu na Espanha por exemplo em 1808 e ela n u n c a foi restabele cida Sobre a história do desenvolvimento dos júris ver sir James Fitzjames Ste phen A History of the Criminal Law of England 3 vols 1833 C h i p p e n h a m Wilts Routledge 1996 vol 1 pp 2504 Sobre casos de feitiçaria e o uso da tortura ver Alan Macfarlane Witchcraft in Tudor and Stuart England A Regional and Compa rative Study Londres Routledge Kegan Paul 1970 pp 13940 e Cristina A Larner Enemies of God The Witchhunt in Scotland Londres Chatto W i n d u s 1981 p 109 C o m o Larner indica as constantes injunções dos juízes escoceses e ingleses exigindo um fim para a tortura nos casos de feitiçaria m o s t r a m q u e ela continuava a ser um p o n t o controverso James Heath Torture and English Law An Administrative and Legal History from the Plantagenets to the Stuarts Westport C T Greenwood Press 1982 p 179 detalha várias referências ao uso da roda nos séculos xvi e X V I I mas ela não era sancionada pela lei c o m u m Ver t a m b é m Kathryn Preyer Penal Measures in the American Colonies An Overview Ameri can Journal of Legal History 26 outubro de 1982 32653 esp p 333 6 Sobre os métodos gerais de punição ver J A Sharpe Judicial Punishment in England Londres Fáber 8c Fáber 1990 A p u n i ç ã o no p e l o u r i n h o p o d i a incluir ter as orelhas cortadas ou ter u m a orelha pregada no pelourinho p 21 O t r o n c o era um dispositivo de m a d e i r a para prender os pés de um infrator O pelourinho era um dispositivo em que os infratores ficavam com a cabeça e as mãos entre dois pedaços de madeira Leon Radzinowicz A History of English Criminal Law and Its Administration from 17504 vols Londres Stevens 8c Sons 1948 vol 1 pp 35 e 165227 Um p a n o r a m a da pesquisa recente nesse agora muito ricamente explorado veio encontrase em Joanna Innes e John StylesThe Crime Wave Recent Writing on Crime and Criminal Justice in EighteenthCen tury England Journal of British Studies 25 outubro de 1986 380435 249 7 Linda Kealey Patterns of Punishment Massachusetts in the Eighteenth Century American Journal ofLegal History 30 abril de 1986 16386 citação p 172 William M Wiecek The Statutory Law of Slavery and Race in the Thirteen Mainland Colonies of British America William and Mary Quarterly 3 série vol 34 n 2 abril de 1977 25880esp pp 2745 8 Richard M o w e r y Andrews Law Magistracy and Crime in Old Regime Paris 7351789 vol 1 The System of Criminal Justice Cambridge Cambridge University Press 1994 especialmente pp 3853878 9 Benoît Garnot Justice et société en France aux XVI e XVII et XVIII siècles Paris Ophrys2000p 186 10 Romilly é citado em Randall McGowenThe Body and Punishment in EighteenthCentury England Journal of Modern History 59 1987 65179 p 668 A famosa frase de Beccaria pode ser encontrada in Crimes and Punishments p 2 Jeremy Bentham t o m o u o lema de Beccaria c o m o o fundamento para a sua doutrina do Utilitarismo Para Bentham Beccaria era nada m e n o s que meu mes tre o primeiro evangelista da R a z ã o L e o n Radzinowicz Cesare Beccaria and the English System of Criminal Justice A Reciprocal Relationship in Atti delcon vegno internazionale su Cesare Beccari promosso daliAccademia delle Scienze di Torino nel secondo centenário deliopera Dei delitti e delle pene Turim 46 de o u t u b r o de 1964 Turim Accademia delle Scienze 1966 pp 5766 citação p 57 Sobre a recepção na França e em outras regiões da Europa ver as cartas reimpres sas in Venturi ed Cesare Beccaria esp pp 31224 Voltaire m e n c i o n o u que lia Beccaria n u m a carta de 16 de outubro de 1765 na qual ele t a m b é m se refere ao caso Calas e ao caso Sirven que t a m b é m envolvia protestantes Theodore Bes terman et al eds Les Oeuvres complètes de Voltaire 135 vols 19682003 vol 113 Theodore Besterman ed Correspondence and Related Documents April December 1765 vol 29 1973 346 1 1 0 erudito holandês Pieter Spierenburg liga a moderação da punição à crescente empatia A morte e o sofrimento de seres h u m a n o s eram experimen tados cada vez mais c o m o dolorosos só porque as outras pessoas eram cada vez mais percebidas c o m o seres h u m a n o s semelhantes Spierenburg The Spec tacle of Suffering Executions and the Evolution of Repression From a Preindustrial Metropolis to the European Experience Cambridge Cambridge University Press 1984 p 185 Beccaria Crimes and Punishments citações p p 43 107 e 112 Blackstone t a m b é m defendia punições proporcionais aos crimes e lamentava o grande n ú m e r o de crimes punidos com a pena de morte na InglaterraWilliam Blackstone Commentaries on the Laws of England 4 vols 8 1 ed Oxford Claren don Press 1778 vol I V p 3 Blackstone cita Montesquieu e Beccaria n u m a nota nessa página Sobre a influência de Beccaria sobre Blackstone ver Coleman Phil 250 lipson True Criminal Law Reformers Beccaria Bentham Romilly Montclair N j Patterson Smith 1970 esp p 90 12 Em anos recentes os estudiosos t ê m questionado se Beccaria ou o Ilu m i n i s m o de m o d o mais geral tiveram algum papel em eliminar a tortura judi cial ou em m o d e r a r a punição ou até se a abolição foi u m a coisa tão boa assim ver John H Langbein Torture and the Law of Proof Europe and England in the Ancien Regime Chicago University of Chicago Press 1976 Andrews Law Magistracy and Crime J S C o c k b u r n P u n i s h m e n t and Brutalization in the English Enlightenment Law and History Review 12 1994 15579 e esp Michel Foucault Vigiar epunir 13Norbert Elias The Civilizing Process The Development ofMannerstrad E d m u n d Jephcott ed alemã 1939 Nova York Urizen Books 1978 citação pp 6970 Ed brasileira O processo civilizador Uma história dos costumes trad Ruy J u n g m a n n São Paulo Jorge Zahar Editor 1995 Encontrase u m a visão crítica desta narrativa em Barbara H Rosenwein Worrying About Emotions in History American Historical Review 107 2002 82145 14 James H Johnson Listeningin Paris A Cultural History Berkeley Uni versity of California Press 1995 citação p 61 15 Jeffrey S Ravel enfatiza a continuada rebeldia da plateia que ficava em pé em The Contested Parterre Public Theater and French Political Culture 680 79 Ithaca N Y Cornell University Press 1999 16 Annik PardailhéGalabrun The Birth of Intimacy Privacy and Domestic Life in Early Modern Paris trad Jocelyn Phelps Philadelphia University of Pennsylvania Press 1991 John ArcherLandscape and Identity Baby Talk at the Leasowes 1760 Cultural Critique 51 2002 14385 17 Ellen G Miles ed The Portrait in Eighteenth Century America Newark D E University of Delaware Press 1993 p 10 George T M Shackelford e M a r y Tavener Holmes A Magic Mirror The Portrait in France 70000 Houston M u s e u m of the Fine Arts 1986 p 9 A citação de Walpole foi tirada de D e s m o n d ShaweTaylor The Georgians EighteenthCentury Portraiture and Society Lon dres Barrie Jenkins 1990 p 27 18 Lettres sur les peintures sculptures et gravures de Mrs de IAcademie Royale exposées au Sallon du Louvre depuis MDCCLXVI1jusquen MDCCLXXIX Londres John Adamson 1780 p 51 Salon de 1769 Ver também Rémy G Sais selin Style Truth and the Portrait Cleveland Cleveland Museum of Art 1963 esp p 27 As reclamações quanto à arte do retrato e aos tableaux du petit genre c o n t i n u a r a m na década de 1770 Lettres sur les peintures pp 76 212229 O artigo de Jaucourt pode ser encontrado em Encyclopedic ou dictionnaire raisonnc dessciences des arts et desmétierslvols Paris 175180 vol 13 1765p 153 2 5 1 comentário de Mercier da década de 1780 é citado em ShaweTaylor The Geor gians 2 1 19 Sobre a importância das roupas e o impacto do consumismo na pintura de retratos nas colônias britânicas da América do Norte ver T H Breen The Meaning ofLikeness PortraitPainting in an EighteenthCentury C o n s u m e r Society in Miles ed The Portrait pp 3760 20 Angela Rosenthal Shes Got the Look EighteenthCentury Female Portrait Painters and the Psychology of a PotentiallyDangerous Employment in Joanna Woodall ed Portraiture Facing the Subject Manchester Manchester University Press 1997 p p 14766 citação de Boswell p 147 Ver t a m b é m Kathleen Nicholson T h e Ideology of Feminine Virtue T h e Vestal Virgin in French EighteenthCentury Allegorical Portraiture in ibid pp 5272 Denis Diderot Oeuvres complètes de Diderot revue sur les éditions originales compre nant ce qui a été publié à diverses époques et les manuscrits inédits conservés à la Bibliothèque de lErmitage notices notes table analytique Étude sur Diderot et le mouvement philosophique au XVIII siècle par J Assézat 20 vols Paris Garnier 18757 Nendeln Lichtenstein Kraus 1966 vol 11 BeauxArts II arts du des sin Salons pp 2602 21 Sterne A Sentimental Journeyp 158 e 164 22 Howard C Rice Jr A New Likeness of Thomas Jefferson William and Mary Quarterly 3 a série vol 6 li 1 janeiro de 1949 849 Sobre o processo de m o d o mais geral ver Tony Halliday Facing the Public Portraiture in the Aftermath of the French Revolution Manchester Manchester University Press 1999 pp 437 23 Muyart n ã o pôs o seu n o m e nos panfletos que defendiam o cristia nismo Motifs de ma foi en JésusChrist par un magistrat Paris Vve Hérissant 1776 e Preuves de lauthenticité de nos évangiles contre les assertions de certains critiques modernes Lettre à Madame de Par lauteur de Motifs de ma foi en JésusChrist Paris D u r a n d et Belin 1785 24 PierreFrançois Muyart de Vouglans Réfutation du Traité des délits et peines etc impressa no final de seu Les Lois criminelles de France dans leur ordre naturel Paris Benoît Morin 1780 pp 811815 e 830 25 Ibid p 830 26 Spierenburg The Spectacle of Sufferings 53 27 Anon Considerations on theDearness of Corn and Provisions Londres J Almon 1767 p 31 Anon The Accomplished LetterWriter or Universal Cor respondent Containing Familiar Letters on the Most Common Occasions in Life Londres 1779pp 1 4 8 5 0 D o n n a T A n d r e w e R a n d a l l M c G o w e n ThePerreaus and Mrs Rudd Forgery and Betrayal in EighteenthCentury London Berkeley University of California Press 2001 p 9 252 28 St John Letters from France vol I I carta de 23 de j u l h o de 1787 p 13 29 Crimes and Punishments pp 2 e 179 30 A respeito dos estudos do século xvm sobre a dor ver M a r g a r e t C Jacob e Michael J Sauter W h y Did H u m p h r y Davy a n d Associates N o t P u r s u e the PainAlleviating Effects of Nitrous Oxide journal of the History of Medicine 58 abril de 2002 16176 Dagge citado in M c G o w e n T h e Body a n d P u n i s h m e n t in E i g h t e e n t h C e n t u r y England p 669 Sobre m u l t a s coloniais ver Preyer Penal Measures pp 3501 31 Eden citado in McGowen The Body and P u n i s h m e n t in Eighteenth C e n t u r y England p 670 A m i n h a análise segue a de M c G o w e n em m u i t o s aspectos Benjamin Rush An Enquiry ver esp pp 4510 e 15 32 U m a fonte essencial não só sobre o caso Calas m a s sobre a prática da tortura de m o d o mais geral é Lisa Silverman Tortured Subjects Pain Truth and the Body in Early Modern France Chicago University of Chicago Press 2001 Ver t a m b é m AlexandreJérôme Loyseau de Mauléon Mémoire pour Donat Pierre et Louis Calas Paris Le Breton 1762 pp 389 e Élie de Beaumont Mémoire pour Dame AnneRose Cabibel veuve Calas et pour ses enfants sur le renvoi aux requêtes de lHôtel au Souverain ordonné par arrêt du Conseil du 4 juin 1764 Paris L Cel lot 1765 Élie de Beaumont representou a família Calas perante o Conselho Real Sobre a publicação desse tipo de petição legal ver Sarah Maza Private Lives and Public Affairs The Causes Célèbres ofPrerevolutionary France Berkeley Univer sity of California Press 1993pp 1938 33 Alain Corbin JeanJacques Courtine e Georges Vigarello eds Histoire du corps 3 vols Paris Éditions du Seuil 20056 vol Dela Renaissance aux Lumières 2005 pp 3069 Ed brasileira História do corpo 3 vols trad Lúcia M E O r t h Petrópolis Vozes 2008 vol 1 Da Renascença às Luzes Crimes and Punishments pp 58 e 60 34 O Parlement de Burgundy deixou de ordenar a question préparatoire depois de 1766 e o seu emprego da pena de morte declinou de 13145 de todas as condenações criminais na primeira metade do século xviu para m e n o s de 5 entre 1770 e 1789 O e m p r e g o da question préparatoire entretanto aparente m e n t e n ã o d i m i n u i u na França Jacobson T h e Politics of C r i m i n a l Law Reform pp 3647 35 Crimes and Punishments pp 601 ênfase no original Muyart de Vou glans Réfutation du Traité pp 8246 36 Ver Venturi ed Cesare Beccaria pp 301 a edição italiana definitiva de 1766 a última supervisionada pelo próprio Beccaria O parágrafo aparece no m e s m o lugar na tradução inglesa original no cap 11 Sobre o emprego posterior da ordem francesa ver por exemplo Dei delitti e delle pene Edizione rivista coretta e 253 disposta secondo Fordine delia traduzionefrancese approvato dallautore Londres Presso la Società dei Filosofi 1774 p 4 Segundo Luigi Firpo essa edição foi na ver dade publicada por Coltellini em Livorno Luigi Firpo Contributo alia biblio grafia dei Beccaria Le edizioni italiane settecentesche del Dei delitti e dellepene in Atti del convegno internazionale su Cesare Beccaria pp 329453 esp pp 3789 37 A primeira obra francesa abertamente crítica ao emprego judicial da tor tura apareceu em 1682 e foi escrita por um importante magistrado no Parlement de Dijon Augustin Nicolas o seu argumento era contra o uso da tortura em julgamen tos de feitiçariaSilverman Tortured Subjects p 1610 estudo mais completo das várias edições italianas de Beccaria pode ser encontrado em Firpo Contributo alia bibliografia de Beccaria pp 329453 Sobre a tradução inglesa e para outras línguas ver Marcello Maestro Cesare Beccaria and the Origins of Penal Reform Philadelphia Temple University Press 1973 p 43 Suplementei a sua contagem das edições de lín gua inglesa com o English Short Tide Catalogue Crimes and Punishments p iii 38 Venturi ed Cesar Beccaria p 4 9 6 0 texto apareceu em Annales politi ques et littéraires 5 1779 de Linguet 39 Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences des arts et des métiers 17 vols Paris 1751 80 vol 13 1765 pp 7024 Jacobson The Politics of Cri minal Law Reform pp 2956 40 Jacobson The Politics of Criminal Law Reform p 316 Venturi ed Cesare Beccaria p 517 JosephMichelAntoine Servan Discours sur le progrès des connoissances humaines en général de la morale et de la législation en particulier n p 1781p 99 41 Tenho u m a opinião mais favorável dos escritos sobre lei criminal de Bris sot do que Robert Darnton Ver por exemplo George Washingtons False Teeth An Unconventional Guide to the Eighteenth Century Nova York WWNorton 2003 esp p 165 Ed brasileira Os dentes falsos de George Washington trad José Geraldo Couto São Paulo Companhia das Letras 2005 As citações de Brissot são tira das de Théorie des lois criminelles 2 vols Paris J P Aillaud 1836 vol 1 pp 67 42 Essas estratégias retóricas são analisadas em profundidade em Maza Private Lives and Public Affairs Q u a n d o Brissot publicou o seu Théorie des lois cri minelles 1781 escrito originalmente para um concurso de ensaios em Berna Dupa t y lhe escreveu com o intuito de celebrar o esforço de a m bos para fazer a verdade e com ela a humanidade triunfar A carta foi reimpressa na edição de 1836 Théorie des lois criminelles vol 1 p vi CharlesMarguerite D u p a t y Mémoire justificatif pour trois hommes condamnés àla roue Paris PhilippeDenys Pierres 1786 p 221 43 Dupaty Mémoire justificatif pp 226 e 240 LHumanité aparece muitas vezes na petição e em virtualmente todo parágrafo nas últimas páginas 254 44 Maza Private Lives and Public Affairs p 253 JacobsonThe Politics of Criminal Law Reform pp 3601 45 Jourdan ed Recueil general des anciennes lois françaises vol 28 p 528 Muyart de Vouglans Les Loix criminelles p 796 No ranking da frequência dos assuntos por d o c u m e n t o 1 sendo o grau mais alto 1125 o mais baixo o código criminal teve 705 para o Terceiro Estado 275 para a Nobreza e 337 para as Paró quias o processo legal teve 34 para o Terceiro Estado 775 para a Nobreza e 15 para as Paróquias a acusação e as penalidades criminais tiveram 605 para o Ter ceiro Estado 76 para a Nobreza e 171 para as Paróquias e as penalidades pela lei criminal tiveram 415 para o Terceiro Estado 2135 para a Nobreza e 340 para as Paróquias As duas formas de tortura judicialmente sancionadas não chegaram a ter graus assim tão elevados p o r q u e a questão preparatória já tinha sido defini tivamente eliminada e aquestão preliminar fora t a m b é m provisoriamente abo lida O ranking dos assuntos é tirado de Gilbert Saphiro e John Markoff Revolu tionary Demands A Content Analysis of the Cahiers de Doléances of 1789 Stanford Stanford University Press 1998 pp 43874 46 Rush An Enquiry pp 13 e 67 47 Muyart de Vouglans Les Loix criminelles esp pp 378 48 António Damásio The Feeling of What Happens Body and Emotion in the Making of Consciousness San Diego Harcourt 1999 ed brasileira O misté rio da consciência do corpo e das emoções ao conhecimento de si trad Laura Tei xeira Motta São Paulo C o m p a n h i a das Letras 2000 e Looking for Spinoza Joy Sorrow and the Feeling Brain San Diego Harcourt 2003 ed brasileira Em busca de Espinosa prazer e dor na ciência dos sentimentos trad João Baptista da Costa Aguiar São Paulo C o m p a n h i a das Letras 2004 A n n T h o m s o n Mate rialistic Theories of M i n d and Brain in Wolfgang Lefèvre ed Between Leibniz Newton and Kant Philosophy and Science in the Eighteenth Century Dordrecht Kluwer Academic Publishers 2001 pp 14973 49 Jessica Riskin Science in the Age of Sensibility The Sentimental Empiri cists of the French Enlightenment Chicago University of Chicago Press 2002 citação de Bonnet p 51 Sterne A Sentimental Journey p 117 50 Rush An Enquiry p 7 3 E L E S D E R A M U M G R A N D E E X E M P L O P P 11345 1 O significado de declaração p o d e ser pesquisado in Dictionnaires dautrefois função de A R T F I e m wwwlibuchicagoedueftsARTFlprojcits 2 5 5 dicosX O título oficial da Bill ofRights inglesa de 1689 era U m a Lei Declarando os Direitos e as Liberdades do Súdito e Estabelecendo a Sucessão da Coroa 2 Archives parlementaires de 1787à 1860 Recueil complet des débats législa tifs et politiques des chambres françaises série 199 vols Paris Librairie Adminis trative de P D u p o n t 18751913 vol 8 p 320 3 Sobre a importância de Grotius e do seu tratado O direito da guerra e da paz 1625 ver Richard Tuck Natural Rights Théories Their Origin and Develop ment Cambridge Cambridge University Press 1979 Ver t a m b é m Léon Ingber La Tradition de Grotius Les Droits de l h o m m e et le droit naturel à lépoque con temporaine Cahiers de philosophie politique et juridique n 11 Des Théories du droit naturel Caen 1988 4373 Sobre Pufendorf ver T J Hochstrasser Natu ral Law Théories in the Early Enlightenment Cambridge Cambridge University Press 2000 4 N ã o me concentrei aqui na distinção entre a lei natural e os direitos natu rais em parte porque nas obras em francês c o m o a de Burlamaqui ela é frequen temente p o u c o nítida Além disso as próprias figuras políticas do século xvm não faziam necessariamente distinções claras O tratado de Burlamaqui de 1747 foi t r a d u z i d o i m e d i a t a m e n t e para o inglês c o m o The Principies of Natural Law 1748 e depois para o holandês 1750 dinamarquês 1757 italiano 1780 e finalmente espanhol 1850 Bernard Gagnebin Burlamaqui et le droit naturel Genebra Editions de la Frégate 1944 p 227 Gagnebin afirma que Burlamaqui tinha m e n o s influência na França m a s um dos ilustres autores que escreviam para a Encyclopédie Boucher dArgis usouo c o m o sua fonte para um dos arti gos sobre a lei natural Sobre as visões de Burlamaqui a respeito da razão da natu reza h u m a n a e da filosofia escocesa ver J J Burlamaqui Principes du droit natu rel par J Burlamaqui Conseiller dÉtat et cidevant Professeur en droit naturel et civil à Genève Genebra Barrillot et fils 1747 pp 12 e 165 5 Jean Lévesque de Burigny Vie de Grotius avec lhistoire de ses ouvrages et de négociations auxquelles il fut employé 2 vols Paris De b u r e laîné 1752 T Rutherford D D F R S Institutes of Natural Law Being the substance ofa Course of Lectures on Grotius de Jure Belli et Paci read in St Johns Collège Cambridge 2 vols Cambridge J Bentham 17546 As palestras de Rutherford parecem ser u m a exemplificação perfeita da ideia de Haakonssen de que a ênfase da teoria da lei natural sobre os deveres mostrouse muito difícil de se conciliar com a ênfase emergente sobre os direitos naturais que cada pessoa possui ainda que Grotius tivesse contribuído para ambas O u t r o jurista suíço E m e r de Vattel escreveu t a m b é m extensamente sobre a lei natural m a s ele se concentrou mais nas relações entre as nações Vattel t a m b é m insistia na liberdade e independência naturais de todos os homens On prouve en Droit Naturel que tous les h o m m e s tiennent de 256 la Nature une Liberté 8c une indépendance quils ne peuvent perdre que par leur consentement Provase em Direito Natural que todos os h o m e n s recebem da Natureza u m a Liberdade 8c u m a independência que eles não p o d e m perder senão por seu consentimento M de Vattel Le Droit des gens ou principes de la hi naturelle appliques à la conduite etaux affaires des nations et des souverains 2 vols LeydenAuxDépens de la compagnie 1758 vol l p 2 6 John Locke Two Treatises of Government Cambridge Cambridge Uni versity Press 1963 pp 3667 Ed brasileira Dois tratados sobre o governo trad Júlio Fischer São Paulo Martins Fontes 1998 James FarrSo Vile and Mise rable an Estate The Problem of Slavery in Lockes Political Thought Political Theory vol 14 n a 2 maio de 1986 26389 citação p 263 7 William Blackstone Commentaries on the Laws of England 8 ed 4 vols Oxford Clarendon Press 1778vol lp 129Ainfluênciadodiscurso dos direi tos naturais é evidente nos comentários de Blackstone porque ele começa a sua discussão no livro 1 com u m a consideração sobre os direitos absolutos dos indi víduos c o m os quais ele queria dizer aqueles que pertenceriam às suas pessoas m e r a m e n t e n u m estado de natureza e que todo h o m e m tem o direito de possuir dentro ou fora da sociedade 1123 mesmas palavras na edição de 1766 Dublin Há u m a literatura imensa sobre a relativa influência das ideias universalistas e particularistas dos direitos nas colónias britânicas na América do Norte U m a alusão sobre esses debates pode ser encontrada em Donald S Lutz The Relative Influence of European Writers on Late EighteenthCentury American Political Thought American Political Science Review 78 1984 18997 8 James Otis TheRights of the British Colonies Asserted and Proved Boston Edes 8c Gill 1764 citações pp 28 e 35 9 Sobre a influência de Burlamaqui nos conflitos americanos ver Ray For rest Harvey Jean Jacques Burlamaqui A Liberal Tradition in American Constitu tionalism Chapel Hill University of N o r t h Carolina Press 1937p 116 Sobre as citações de Pufendorf Grotius e Locke ver Lutz The Relative Influence of Euro pean Writers esp pp 1934 sobre a presença de Burlamaqui nas bibliotecas americanas ver David Lundberg e H e n r y F May T h e Enlightened Reader in America American Quarterly 28 1976 26293 esp p 275 Citação de Burla maqui Principes du droit naturel p 2 10 Sobre o crescente desejo de declarar a independência ver Pauline Maier American Scripture pp 4796 Sobre a Declaração da Virginia ver Kate Mason Rowland The Life of George Mason 172517922 vols Nova York G P Putnams Sons 1892vol l p p 4 3 8 4 1 11 U m a discussão breve mas extremamente pertinente é encontrada em 257 Jack N Rakove Declaring Rights A Brief History with Documents Boston Bed ford Books 1998 esp pp 328 12 Sou grata a Jennifer Popiel pela pesquisa inicial sobre os títulos ingleses empregando o English Short Title Catalogue N ã o faço distinção no emprego do termo direitos e não excluo o considerável n ú m e r o de reimpressões ao longo dos anos O n ú m e r o de usos de direitos nos títulos d o b r o u dos anos 1760 para os anos 1770 de 51 na década de 1760 para 109 na de 1770 e depois permaneceu quase o m e s m o na década de 1780 95 William G r a h a m of Newcastle An Attempt to Prove That Every Species of Patronage is Foreign to the Nature of the Church and That any MODIFICATIONS which either have been or ever can be proposed are INSUFFICIENT to regain and secure her in the Possession of the LIBERTY wherewith CHRISThath made her free Edimburgo JGray 8cGAls ton 1768 pp 163 e 167 Já em 1753 um certo James Tod tinha publicado um panfleto intitulado The Natural Rights of Mankind Asserted Or a Just and Faithful Narrative of the Illegal Procedure of the Presbytery of Edinburgh against Mr James Tod Preacher of the Gospel Edimburgo 1753 William D o d d Popery inconsis tent with the Natural Rights of MEN in general and of ENGLISHMEN in particu lar A Sermon Preached at CharlotteStreet Chapel Londres W Faden 1768 Sobre Wilkes ver por exemplo To the Electors of Aylesbury 1764 in English Liberty Being a Collection of Interesting Tracts From the Year 1762 to 1769 Contai ning the Private Correspondence Public Letters Speeches and Addresses of John Wilkes Esq Londres T Baldwin s d p 125 Sobre Junius ver por exemplo as cartas xii 30 de maio de 1769 e xni 12 de j u n h o de 1769 in The Letters of Junius 2 vols Dublin T h o m a s Ewing 1772pp 69 e 81 13 Manasseh Dawes A Letter to Lord Chatham Concerning the Present War of Great Britain against America Reviewing Candidly and Impartially Its Unhappy Cause and Consequence and wherein The Doctrine of Sir William Black stone as Explained in his Celebrated Commentaries on the Laws of England is Oppo sed to Ministerial Tyranny and Held up in Favor of America With some Thoughts on Government by a Gentleman of the Inner Temple Londres G Kearsley sd manuscrito 1776 citações pp 17 e 25 Richard Price Observations on the Nature of Civil Liberty citação p 7 Price alegou existirem onze edições de seu tratado n u m a carta a John W i n t h r o p D O Thomas The Honest Mind The Thought and Work of Richard Price Oxford Clarendon Press 1977 pp 1 4 9 5 0 0 sucesso do panfleto foi instantâneo Price escreveu a William Adams em 14 de fevereiro de 1776 que o panfleto fora publicado três dias antes e já estava quase inteira mente esgotada a sua edição de mil cópias W Bernard Peach e D O Thomas eds The Correspondence of Richard Price 3 vols D u r h a m N C Duke University Press e Cardiff University of Wales Press 198394 vol 1 July 1748March 1778 258 1983 p 243 U m a bibliografia completa encontrase em D O T h o m a s John Stephens e P A L Jones A Bibliography of the Works of Richard Price Aldershot Hants Scolar Press 1993 esp pp 5480 J D van der Capellen carta de 14 de dezembro de 1777 in Peach e Thomas eds The Correspondence of Richard Price v o l 1 p 262 14 Civil Liberty Asserted and the Rights of the Subject Defended against The Anarchical Principles of the Reverend Dr Price In which his Sophistical Reasonings Dangerous Tenets and Principles of False Patriotism Contained in his Observa tions on Civil Liberty etc are Exposed and Refuted In a Letter to a Gentleman in theCountryByaFriendtotheRightsoftheConstitutionLondresWiMe 1776 citações pp 389 Os opositores de Price não negavam necessariamente a existên cia de direitos universais Às vezes eles simplesmente se o p u n h a m às posições específicas de Price no Parlamento ou à relação da GrãBretanha com as colônias Por exemplo The Honor of Parliament and the Justice of the Nation Vindicated In a Reply to Dr Prices Observations on the Nature of Civil Liberty Londres W Davis 1776 usa a expressão os direitos naturais da h u m a n i d a d e por t o d o o livro n u m sentido favorável Da m e s m a forma o autor de Experience Preferable to Theory An Answer to Dr Prices Observations on the Nature of Civil Liberty and the Justice and Policy of the War with America Londres T Payne 1776 não vê n e n h u m problema em se referir aos direitos da natureza h u m a n a p 3 ou aos direitos da h u m a n i d a d e p 5 15 A longa réplica de Filmer a Grotius pode ser encontrada em Observa tions Concerning the Original of Government no seu The Freeholders Grand Inquest TouchingOur Sovereign Lord the Kingandhis Parliament Londres 1679 Ele resume a sua posição Apresentei brevemente aqui as inconveniências irre mediáveis que a c o m p a n h a m a doutrina da liberdade natural e da comunidade de todas as coisas estes e muito mais absurdos são facilmente eliminados se ao con trário m a n t e m o s o domínio natural e privado de Adão c o m o a fonte de todo o governo e propriedade p 58 Patriarcha Or the Natural Power of Kings Lon dres R Chiswel et al 1685 esp pp 124 16 Charles Warren Everett ed A Comment on the Commentaries A Criti cism of William Blackstones C o m m e n t a r i e s on the Laws of England by Jeremy Bentham Oxford Clarendon Press 1928 citações pp 378 Nonsense u p o n Stilts or Pandoras Box Opened or The French Declaration of Rights Prefixed to the Constitution of 1791 Laid O p e n and Exposed reimpresso in Philip Scho field Catherine PeaseWatkin e Cyprian Blamires eds The Collected Works of Jeremy Bentham Rights Representation and Reform Nonsense u p o n Stilts and Other Writings on the French Revolution Oxford Clarendon Press 2002 p p 259 31975 citação p 3 3 0 0 panfleto escrito em 1795 só foi publicado em 1816 em francês e 1824 em inglês 17 Du P o n t t a m b é m insistia n o s deveres recíprocos d o s indivíduos Pierre du Pont de N e m o u r s De lOrigine et des progrès dune science nouvelle 1768 in Eugène Daire ed Physiocrates Quesnay Dupont de Nemours Mercier de la Rivière lAbbé Bandeau Le Trosne Paris Librarie de Guillaumin 1846 pp 33566 citação p 342 18 Sobre a praticamente esquecida Declaração da Independência ver Maier American Scripture pp 16070 19 A carta de Rousseau criticando o uso excessivo de h u m a n i d a d e pode ser encontrada em R A Leigh ed Correspondance complète de Jean Jacques Rous seau vol 27 Janvier 1769Avril 1770 Oxford Voltaire Foundation 1980 p 15 carta de Rousseau a Laurent Aymon de Franquières 15 de janeiro de 1769 Sou grata a Melissa Verlet pela sua pesquisa sobre esse tema Sobre Rousseau ter conhe cido Benjamin Franklin e sua defesa dos americanos ver o relato de T h o m a s Ben tley datado de 6 de agosto de 1776 em Leigh ed Correspondance complète vol 40 Janvier 1775Juillet 1778pp 25863 os americanos que ele disse não terem menos direito de defender as suas liberdades por serem obscuros ou desconheci dos p 259 Além desse relato de um visitante de Rousseau não há m e n ç ã o a temas americanos nas cartas do próprio Rousseau de 1775 até a sua morte 20 Elise Marienstras e N a o m i WulfFrench Translations and Reception of the Declaration of Independence Journal of American History 85 1999 1299 334 Joyce Appleby America as a Model for the Radical French Reformers of 1789 William and Mary Quarterly 3 série vol 28 n 2 abril de 1971 26786 21 Sobre os empregos dessas expressões ver Archives parlementaires 1 711 257139348383 3256348662666740 4668 5391545 Os primei ros seis volumes dos Archives parlementaires c o n t ê m apenas u m a seleção das milhares de listas de queixas existentes os editores incluíram muitas das listas gerais as dos nobres clero e Terceiro Estado de toda u m a região e algumas dos estágios preliminares Sou grata a Susan Mokhberi pela pesquisa sobre esses ter mos A maior parte da análise do conteúdo das listas de queixas foi realizada antes que houvesse escaneamento e pesquisa eletrônica e portanto reflete os interes ses específicos dos autores e os meios um tanto canhestros de análise antes dispo níveis Gilbert Saphiro e John Markoff Revolutionary Demands 22 Archives parlementaires 2 348 5 238 Beatrice Fry Hyslop French Nationalism in 1789According to the General Cahiers Nova York Columbia Uni versity Press 1934 pp 907 Stéphane Rials La Déclaration des droits de lhomme et du citoyen Paris Hachette 1989 Um tanto desapontador é Claude Courvoi sierLes Droits de l h o m m e dans les cahiers de doléances in Gérard Chinéa ed 260 Les Droits de lhomme et la conquête des libertés Des Lumières aux révolutions de 1848 Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 1988 pp 4 4 9 23 Archives parlementaires 8135217 24 Julian P Boyd ed The Papers of Thomas Jefferson 31 vols Princeton Princeton University Press 1950 vol 15 March 271789 to November301789 1958 pp 2669 Os títulos dos vários projetos e n c o n t r a m s e em A n t o i n e de Baecque ed LAn Ides droits de lhomme De Baecque oferece informações essen ciais sobre o pano de fundo dos debates 25 Rabaut é citado em de Baecque LAn I p 138 Sobre a dificuldade de explicar a m u d a n ç a de opiniões a respeito da necessidade de u m a declaração ver Timothy Tackett Becoming a Revolutionary The Deputies of the French National Assembly and the Emergence of a Revolutionary Culture 17891790 Princeton Princeton University Press 1996 p 183 26 Sessão da Assembleia Nacional de 1 de agosto de 1789 Archives parle mentaires 230 27 A necessidade de quatro declarações é mencionada na recapitulação dada pelo Comitê sobre a Constituição em 9 de julho de 1789 Archives parle mentaires 217 28 Conforme citado em D O T h o m a s ed Richard Price Political Writings Cambridge Cambridge University Press 1991pp 119e 195 29 A passagem de Direitos do homem pode ser encontrada em Hypertext on American History from the Colonial Period until M o d e r n Times Depart m e n t of H u m a n i t i e s C o m p u t i n g Universidade de G r o n i n g e n Países Baixos h t t p o d u r l e t n l u s a D 1 7 7 6 1 8 0 0 p a i n e R O M r o f m 0 4 h t m consultado em 13 de j u l h o de 2005 A passagem de Burke p o d e ser e n c o n t r a d a em wwwbartlebyeom2436html consultado em 7 de abril de 2006 30 Sobre os títulos ingleses ver nota 12 acima O n ú m e r o de títulos ingle ses que usam a palavra direitos na década de 1770 foi 109 muito mais elevado que na década de 1760 mas ainda só um quarto do n ú m e r o encontrado na década de 1790 Os títulos holandeses p o d e m ser encontrados no Short Title Catalogue Netherlands Sobre as traduções alemãs de Paine ver H a n s Arnold Die Auf n a h m e von T h o m a s Paine Schriften in Deutschland PMLA 72 1959 36586 Sobre as ideias de Jefferson ver Matthew Schoenbachler Republicanism in the Age of D e m o c r a t i c Revolution T h e DemocraticRepublican Societies of the 1790s Journal of the Early Republic 18 1998 23761 Sobre o impacto deWoll stonecraft nos Estados Unidos ver Rosemarie Zagarri The Rights of Man and W o m a n in PostRevolutionary America William and Mary Quarterly 3 série vol 55 n 2 abril de 1998 20330 3 1 Sobre a discussão de 10 de setembro de 1789 ver Archivesparlementai I res 8608 Sobre a discussão e passagem finais ver ibid 9386739260 melhor relato da política em torno da nova legislação criminal e penal pode ser encon trado em Roberto Martucci La Costituente ed il problema pénale in Francia 1789 1791 Milão Giuffre 1984 Martucci mostra que o Comitê dos Sete tornouse o Comitê sobre a Lei Criminal 32 Archives parlementaires 9 3946 o decreto final e 9 2137 relatório do comitê a p r e s e n t a d o p o r Bon Albert Briois de B e a u m e t z O artigo 24 no decreto final era u m a versão levemente revisada do artigo 23 original submetido pelo comitê em 29 de setembro Ver t a m b é m E d m o n d Seligman La Justice en Francependantla Révolution 2 vols Paris Librairie Pion 1913 vol 1 pp 197 204 A linguagem usada pelo comitê sustenta a posição t o m a d a por Barry M Saphiro de que o humanitarismo do Iluminismo animava as considerações dos d e p u t a d o s Saphiro Revolutionary Justice in Paris 17891790 Cambridge Cambridge University Press 1993 33 Archives parlementaires 2631932 34 Ibid 26 323 A imprensa focalizava quase exclusivamente a questão da p e n a de m o r t e e m b o r a alguns notassem c o m aprovação a eliminação da marca de ferro em brasa O opositor mais vociférante da pena de m o r t e foi Louis P r u d h o m m e em Révolutions de Paris 98 2128 de m a i o de 1791 pp 3217 e 99 28 de m a i o 4 de j u n h o de 1791 pp 365470 P r u d h o m m e citava Beccaria c o m o apoio 3 5 0 texto do código criminal pode ser encontrado em Archivesparlemen taires3 32639 sessão de 25 de setembro de 1791 36 Ibid 26325 37 Robespierre é citado em c o n f o r m i d a d e c o m a crítica que Lacretelle publicou a respeito do ensaio Sur le discours qui avait obtenu un second prix à lAcadémie de Metz par Maximilien Robespierre em PierreLouis Lacretelle Oeuvres 6 vols Paris Bossange 18234 vol m p p 31534 citação p 321 O p r ó p r i o ensaio de Lacretelle encontrase no vol lit p p 205314 Ver t a m b é m Joseph I Shulim T h e Youthful Robespierre and His Ambivalence Toward the Ancien Régime EighteenthCentury Studies 5 primavera de 1972 398420 Fui alertada para a importância da h o n r a no sistema de justiça criminal por Gene Ogle Policing Saint Domingue Race Violence and H o n o r in an Old Regime Colony diss PhD University of Pennsylvania 2003 38 A definição de h o n r a no dicionário da Académie Française p o d e ser encontrada em A R T F L httpcoletuchicagoeducgibindicollooptflstrip p e d h w h o n n e u r 39 SébastienRochNicolas Chamfort Maximes et pensées anecdotes et caracteres ed Louis Ducros 1794 Paris Larousse 1928 p 27 Ed brasileira 262 Máximas e pensamentos trad Cláudio Figueiredo Rio de Janeiro José Olympio 2007 Eve Katz Chamfort Yale French Studies n 40 1968 3246 4 isso N Ã O T E R M I N A R Á N U N C A P P 14676 1 Archives parlementaires 10 69347547 Sobre os atores ver Paul Frie dland Political Actors Representative Bodies and Theatricality in the Age of the French Revolution Ithaca N Y Cornell University Press 2002 esp pp 2157 2 Citado em Joan R GundersenTndependence Citizenship and the A m e rican Revolution Signs Journal of Women in Culture and Society 13 1987 634 3 Em 2021 de julho de 1789 Sieyès leu o seuReconnaissance et exposition raisonnée des droits de l h o m m e et du citoyen para o Comitê sobre a Constitui ção O texto foi publicado c o m o Préliminaire de la constitution française Paris Baudoin 1789 4 Sobre as qualificações para votar em Delaware e nas outras treze colônias ver Patrick T Conley e John P Kaminsky eds The Bill of Rights and the States The Colonial and Revolutionary Origins of American Liberties Madison wi Madison House 1992 esp p 291 Adams é citado in Jacob Katz Cogan The Look Within Property Capacity and Suffrage in NineteenthCentury America Yale Law Jour nal 107 1997 477 5 Antoine de Baecque éd LAn Ides droits de lhomme p 165 22 de agosto pp 1749 23 de agosto Timothy Tackett Becoming a Revolutionary p 184 6 Archives parlementaires 10 Paris 1878 6935 7 Ibid 780 e 782 A frasechave do decreto diz Não pode ser apresentado n e n h u m motivo para excluir da elegibilidade um cidadão a não ser aqueles que resultam de decretos constitucionais Sobre a reação à decisão a respeito dos pro testantes ver Journal dAdrian Duquesnoy Député du tiers état de BarleDuc sur lAssemblée Constituante 2 vols Paris 1894 vol 11 p 208 Ver t a m b é m Ray m o n d Birn Religious Toleration and Freedom of Expression in Dale van Kley ed The French Idea of Freedom The Old Regime and the Declaration of the Rights of1789 Stanford Stanford University Press 1994 pp 26599 8 Tackett Becoming a Revolutionary pp 2623 Archives parlementaires 10 Paris 1878 757 9 Ronald Schechter Obstinate Hebrews Representations of Jews in France 17151815 Berkeley University of California Press 2003 pp 1834 10 David Feuerwerker Anatomie de 307 cahiers de doléances de 1789 Annales E S G 20 1965 4561 11 Archives parlementaires 11 Paris 1880 364 263 12 Ibid 3645 31 Paris 1880 372 13 As palavras de ClermontTonnerre são tiradas de seu discurso de 23 de dezembro de 1789 ibid 10 Paris 1878 7547 Alguns críticos t o m a m o dis curso de ClermontTonnerre como um exemplo da recusa a endossar a diferença étnica d e n t r o da c o m u n i d a d e nacional Mas u m a interpretação mais anódina parece justificada os deputados acreditavam que todos os cidadãos devem viver sob as mesmas leis e instituições portanto um grupo de cidadãos não podia ser julgado em tribunais separados Tenho claramente u m a visão mais positiva que Schechter que descarta a emancipação fabulosa dos judeus O decreto de 27 de setembro de 1791 ele insiste era m e r a m e n t e u m a revogação de restrições e m u d o u o status apenas de um p u n h a d o de judeus a saber aqueles que satisfa ziam as condições rigorosas para a cidadania ativa Q u e o decreto tivesse conce dido aos judeus direitos iguais aos de todos os outros cidadãos franceses parece não ser muito significativo para ele m e s m o que os judeus só t e n h a m ganhado essa igualdade no estado de Maryland em 1826 ou na GrãBretanha em 1858 Schechter Obstinate Hebrews p 151 14 U m a discussão das petições judaicas encontrase em Schechter Obsti nate Hebrews pp 16578 citação p 166 Petition desjuifs établis en France adres sée à 1Assemblée Nationale le 28 Janvier 1790 sur Iajournement du 24 décembre 1789 Paris Praul 1790 citações pp 56967 15 Stanley F ChyetThe Political Rights of Jews in the United States 1776 1840 American Jewish Archives 101958 1475 Sou grata a Beth Wenger pela sua ajuda nessa questão 16 Um útil p a n o r a m a do caso dos Estados Unidos pode ser encontrado em Cogan The Look Within Ver t a m b é m David Skillen Bogen T h e Maryland Context of Dred Scott The Decline in the Legal Status of Maryland Free Blacks 17761810 American Journal of Legal History 34 1990 381411 17 Mémoire enfaveur desgens de couleur ou sangmêlés de StDomingue et desautresílesfrançoisesdelAmériqueadresséàlAssembléeNationaleparM Gré goire cure dEmbermenil Depute de Lorraine Paris 1789 18 Archivesparlementaires 12 Paris 1881 7 1 David Geggus Racial Equality Slavery and Colonial Secession d u r i n g the C o n st i t u e n t Assembly American Historical Reviewvo 94 n 5 dezembro de 1989 1290308 19 Motion faiteparM Vincent Ogéjeuneàlassembléedes colons habitants deSDomingue à 1hôtel Massiac Place des Victoires provavelmente Paris 1789 20 Laurent Dubois Avengers of the New World The Story of the Haitian Revolution Cambridge M A Belknap Press of Harvard University Press 2004 p 102 21 Archives parlementaires 40 Paris 1893 586 e 590 A r m a n d G u y Ker 264 saint Moyens proposés à lAssemblée Nationale p o u r rétablir la paix et lordre dans les colonies 22 Dubois Avengers of the New World esp p 163 Décret de la Convention Nationale du 16 jour de pluviôse an second de la République française une et indi visible Paris Imprimerie Nationale Executive du Louvre ano 11 1794 23 Philip D C u r t i n T h e Declaration of t h e Rights of M a n in Saint Domingue 17881791 Hispanic American Historical Review 30 1950 157 75 citação p 162 Sobre Toussaint ver Dubois Avengers of the New World p 176 Dubois fornece um relato completo do interesse dos escravos pelos direitos do h o m e m 24 Sobre o fracasso dos esforços de Napoleão ver Dubois Avengers O p o e m a de Wordsworth To Toussaint LOverture 1803 pode ser e n c o n t r a d o em E de Selincourt éd The Poetical Works of William Wordsworth 5 vols Oxford Clarendon Press 19409 vol 3 pp 1123 Laurent Dubois A Colony of Citizens Revolution and Slave Emancipation in theFrench Caribbean 17871804 Chapel Hill University of N o r t h Caroline Press 2004 citação p 421 25 A explicação para a exclusão das mulheres t e m sido muito debatida nos últimos tempos Ver por exemplo a muito sugestiva intervenção de Anne Verjus Le Cens de la famille Les femmes et le vote 17891848 Paris Belin 2002 26 Réflexions sur lesclavage des nègres Neufchâtel Société typographique 1781 pp 979 27 As referências às mulheres e aos judeus encontramse em Archives par lementaires 33 Paris 1889 3634312 Sobre as opiniões a respeito das viúvas ver Tackett Becoming a Revolutionary p 105 28 Sur ladmission des femmes au droit de cité Journal de la Société de 17895 3 de julho de 1790 112 29 Os textos de Condorcet e Olympe de Gouges p o d e m ser encontrados em Lynn Hunt éd The French Revolution and Human Rights A Brief Documen tary HistoryBoston BedfordSt Martins Press 1996 pp 119211248 Sobre a reação a Wollstonecraft e para um ótimo relato das suas idéias ver Barbara Tay lor Mary Wollstonecraft and the Feminist Imagination Cambridge Cambridge University Press 2003 30 A contribuição de Pierre Guyomar p o d e ser encontrada em Archives parlementaires 63 Paris 1903 5919 O portavoz do comitê constitucional propôs a questão dos direitos das mulheres em 29 de abril de 1793 e citou dois defensores da idéia um deles Guyomar mas a rejeitou pp 5614 31 Lynn Hunt The Family Romance esp p 119 32 Rosemarie ZagarriThe Rights of Man and W o m a n in PostRevolutio 265 nary America William and Mary Quarterly 3 série vol 5 5 n a 2 abril de 1998 20330 33 Zagarri T h e Rights of M a n a n d W o m a n Carla Hesse The Other Enlightenment How French Women Became Modern Princeton Princeton Uni versity Press 2001 Suzanne Desan The Family on Trial in Revolutionary France Berkeley University of California Press 2004 Ver t a m b é m Sarah Knott e Bar bara Taylor eds Women Gender and Enlightenment Nova York PalgraveMac millan2005 34 Rapport sur un ouvrage du cit Theremin intitulé De la condition des femmes dans u n e république Par Constance D T Pipelet Le Mois vol 5 n 14 ano Vin aparentemente mês Prairial 22843 5 A F O R Ç A M A L E Á V E L D A H U M A N I D A D E P P 177216 1 Mazzini é citado em Micheline R Ishay The History of Human Rights From Ancient Times to the Globalization Era Berkeley e Londres University of California Press 2004 p 137 2 J B Morrell Professors Robison and Playfair a n d the T h e o p h o b i a Gallica Natural Philosophy Religion and Politics in Edinburgh 17891815 Notes and Records of the Royal Society ofLondon vol 26 n 1 junho de 1971 4 3 63 citação pp 478 3 Louis de Bonald Législation primitive Paris Le Clere ano XI 1802 citação p 184 Ver t a m b é m Jeremy Jennings T h e Declaration des droits de lhomme et du citoyen and Its Critics in France Reaction and Idéologie Histori cal Journalvo 35 n s 4 dezembro de 1992 83959 4 Sobre o bandido Schinderhannes e seus ataques a franceses e judeus na Renânia no final da década de 1790 ver T C W Blanning The French Revolution in Germany Occupation and Resistance in the Rhineland 17921802 Oxford Cla rendon Press 1983 pp 2929 5 J Christopher Herold ed The Mind of Napoleon Nova York Columbia University Press 1955 p 73 6 Laurent Dubois e John D Garrigus eds Slave Revolution in the Carib bean 17891804 A Brief History with Documents Boston BefordSt Martins Press 2006 citação p 176 7 G e r m a i n e de Staël Considérations sur la Révolution Française 1817 Paris Charpentier 1862 p 152 8 Simon Collier Nationality Nationalism and Supranationalism in the 266 Writings of Simon Bolivar Hispanic American Historical Review vol 63 n 1 fevereiro de 1983 3764 citação p 41 9 Hans Kohn Father Jahns Nationalism Review of Politics vol 11 n 4 outubro de 1949 41932 citação p 428 10 T h o m a s W Laqueur Making Sex Body and Gender from the Greeks to Freud Cambridge M A Harvard University Press 1990 Ed brasileira Inven tando o sexo corpo egênero dos gregos a Freud trad Vera Whately Rio de Janeiro RelumeDumará 2001 11 As visões revolucionárias francesas são discutidas em Lynn H u n t The Family Romance esp pp 119 e 157 12 O texto de Mill p o d e ser e n c o n t r a d o em wwwconstitutionorg j s m w o m e n h t m Sobre Brandeis ver Susan Moller Okin Women in Western Political Thought Princeton Princeton University Press 1979 esp p 256 13 Sobre Cuvier e a questão de m o d o mais geral ver George W Stocking Jr French Anthropology in 1800 Isis vol 55 n 2 junho de 1964 13450 H A r t h u r de Gobineau Essai sur linégalité des races humaines 2 a ed Paris FirminDidot 1884 2 vols citação vol 1 p 216 Michael D Biddiss Father of Racist Ideology The Social and Political Thought of Count Gobineau Londres Weidenfeld ScNicolson 1970 citação p 113ver t a m b é m pp 1223 arespeitodas civilizações baseadas na linhagem ariana 15 Michael D Biddiss Prophecy and Pragmatism Gobineaus Confron tation with Tocqueville The Historical Journal vol 13 n 4 dezembro de 1970 61133 citação p 626 16 Herbert H O d o m Generalizations on Race in NineteenthCentury Physical Anthropology Isis vol 5 8 1 primavera de 1967 418 citação p 8 Sobre a tradução americana de Gobineau ver Michelle M Wright Nigger Pea sants from France Missing Translations of American Anxieties on Race and the Nation Callaloovo 22 n 4 outono de 1999 83152 17 Biddiss Prophecy and Pragmatism p 625 18 Jennifer Pitts A Turn to Empire The Rise of Imperial Liberalism in Bri tain and France Princeton Princeton University Press 2005 p 139 Patrick Brantlinger Victorians a n d Africans The Genealogy of the Myth of the Dark Continent Critical Inquiry vol 12 n 1 outono de 1985 166203 citação de Burton p 179 Ver t a m b é m Nancy Stepan The Idea of Race in Science Great Bri tain 18001960 Hamden C T Archon Books 1982 e William H Schneider An Empire for the Masses The French Popular Image of Africa 18701900 Westport C T Greenwood Press 1982 19 Paul A Fortier Gobineau and G e r m a n Racism Comparative Litera 267 ture vol 19 n 2 4 o u t o n o 1967 34150 A citação de Chamberlain encontrase em wwwhschamberlainnetgrundlagendivision2chapter5html 20 Robert C BowlesThe Reaction of Charles Fourier to the French Revo lution French Historical Studies vol l n 2 3 primavera de 1960 34856 citação p 352 2 1 Aaron Noland Individualism in Jean Jaurèss Socialist Thought Jour nal of the History of Ideas vol 22 n 2 1 janeiromarço de 1961 6380 citação p 75 Q u a n t o à fréquente invocação dos direitos em Jaurès e sua celebração da declaração ver Jean Jaurès Études socialistes Paris Ollendorff 1902 que está disponível em Frantext w w w l i b u c h i c a g o e d u e f t s A R T F L d a t a b a s e s T L F O principal opositor de Jaurès Jules Guesde é citado em Ignacio Walker D e m o cratic Socialism in Comparative Perspective Comparative Politics vol 23 n 2 4 julho de 1991 43958 citação p 441 22 Robert C Tucker TheMarxEngels Reader 2 a ed Nova York W W Nor ton 1978 pp 436 23 Ver Vladimir Lenin The State and Revolution 1918 em wwwmar xistsorgarchiveleninworks1917staterevindexhtm Ed brasileira O Estado e a revolução trad Aristides Lobo São Paulo Expressão Popular 2007 24 Jan H e r m a n Burgers The Road to San Francisco T h e Revival of the H u m a n Rights Idea in the Twentieth Century Human Rights Quarterly vol 14 n 2 4 novembro de 1992 44777 25 A condição estabelecida pela Carta é citada em Ishay The History of Human Rights p 216 A fonte essencial da história da Declaração Universal é Mary Ann Glendon A World Made New 26 Douglas H Maynard The Worlds AntiSlavery Convention of 1849 Mississippi Valley Historical Review vol 47 n 2 3 dezembro de 1960 45271 27 Michla Pomerance The United States and SelfDetermination Pers pectives on the Wilsonian Concept American Journal of International Law vol 70 n 2 l Janeiro de 1976 127 citação p 2 Marika SherwoodThere Is No New Deal for the Blackman in San Francisco African Attempts to Influence the Foun ding Conference of the United Nations AprilJuly 1945 International Journal of African Historical Studiesvo29tí íl 1996 7194A WBrian SimpsonHmfln Rights and the End of Empire Britain and the Genesis of the European Convention Londres Oxford University Press 2001 esp pp 17583 28 Manfred Spieker H o w the E u r o c o m m u n i s t s Interpret Democracy Review of Politics vol 42 n 2 4 outubro de 1980 42764 John Quigley H u m a n Rights Study in Soviet Academia Human Rights Quarterly vol l l n 3 agosto de 1989 4528 29 Kenneth Cmiel The Recent History of H u m a n Rights American His 268 torical Review fevereiro de 2004 wwwhistorycooperativeorgjournalsahr 1091cmielhtml consultado em 3 de abril de 2006 30 Edward Peters Torture p 125 31 Christopher R Browning Ordinary Men Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland Nova York HarperCollins 1992 3 2 0 caso hipotético é estudado na parte ill cap 3 da Teoria dos sentimen tos morais e pode ser consultado em wwwadamsmithorgsmithtmstmsp3 c3ahtm Ed brasileira trad Lya Luft São Paulo Martins Fontes 1999 33 Jerome J Shestack The Philosophic Foundations of H u m a n Rights Human Rights Quarterly vol 20 n 2 2 maio de 1998 201 34 citação p 206 34 Karen Halttunen Humanitarianism and the Pornography of Pain in AngloAmerican Culture American Historical Review vol 100n 22 abril 1995 30334 Sobre Sade ver H u n t The Family Romance esp pp 12450 35 Carolyn J Dean TheFragility ofEmpathy After theHolocaustIthaca N Y Cornell University Press 2004 269 Créditos das imagens P 37 Julies D e a t h b e d D e p a r t m e n t of Special Collections Charles E Young Research Library U C L A P 44 SingerMendenhall Collection Rare Book and Manuscript Library Univer sity of Pennsylvania P 71 Special Collections University of Maryland Libraries P 72 Special Collections University of Maryland Libraries P 79 Bibliothèque Nationale de France P 86 Portrait of Captain John Pigott por Joseph Blackburn 2009 M u s e u m AssociatesLACMA P 88 The British M u s e u m C o m p a n y Limited P 9 1 Bibliothèque Nationale de France P 95 The British M u s e u m C o m p a n y Limited 271 P 100 Bibliothèque Nationale de France P 196 The French Revolution Before and Today D e p a r t m e n t of Special Col lections Charles E Young Research Library U C L A 272 índice remissivo Abelardo Pedro 35 Académie Française 1435262 açoitamento 7778 acordo social 60 Adams John 161478258263 África divisão colonial europeia da 194208 Alemanha antissemitismo 195197 ideologia racial da 186 192 195 197 202 nacionalismo da 1845 195 regime nazista da 1972023 2101 Alembert Jean Le Rond d 36240242 alma negação materialista da 110 amende honorable 94140 América do Sul movimentos de inde pendência da 183 Anderson Benedict 30241243 anestesia 97 antissemitismo 1868190 195197 203 Argélia controle francês da 1945210 arquitetura doméstica 83 a r r a s t a m e n t o e esquartejamento 77 80 arte do retrato 8385251 Artigos da Confederação 1777 126 asiáticos imigrantes 186 asquenazes 157 assassinos penalidades judiciais para 77 Assembleia Nacional declarações de direitos da 11512933 ver tam bém Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão formação da 129 punição judicial refor mada pela 13742248 sobre a eli gibilidade dos direitos políticos 146 sobre o sistema da escravatura 1621645 ateísmo 110180 atores direitos políticos dos 147153 Austrália restrições de imigração da 186 sufrágio feminino na 190 273 autismo 3139 autocontrole 262982 autodeterminação nacional 1845208 a u t o n o m i a individual a escrita como expressão da 44 autodisciplina requerida pela 83 busca das heroí nas da ficção pela 5960 c o m o liberdade 6 1 das mulheres 2658 6064 679 169 ênfase educacio nal na 60 61 interioridade c o m o evidência da 30 48 j u l g a m e n t o moral e 26241 autoridade política acordo social so bre a 60 preservação dos direitos como base da 30 Barbeyrac Jean 118 Barnave Antoine 162 Bastilha ataque à prisão da 130 Beccaria Cesare 8 0 8 1 9 3 4 9 7 1 0 1 4 139 248 2 5 0 1 2534 a m p l a influência de 8011021034125 2501262 oposto à pena de morte 80 8 1 98 p r o c e d i m e n t o s crimi nais públicos apoiados por 9798 101 137 sobre a tortura 29 801 1012 sobre os direitos do h o m e m 1023 Bentham Jeremy 1245 1 7 7 2 5 0 1 256259 Bill of Rights americana 1791 16 117121126 Bill of Rights britânica 1689 19 77 114122256 Blackburn Joseph 86 Blackstone William 23 26 8 1 119 1221245239402502579 bolcheviques 1992012 Bolívar Simón 183184267 Bonald Louis de 17980266 Bonnet Charles 111255 Bossuet JacquesBénigne 22238 Boswell James 89252 Boucher dArgis AntoineGaspard 104240256 Bradshaigh Lady Dorothy 46243 Brandeis Louis 190267 Brissot JacquesPierre 591056161 245254 Brunet de Latuque Pierre 1461523 155 BurkeEdmund 15134135174178 9183237261 Burlamaqui JeanJacques 25 1178 120238412567 Burney Fanny 59 Burton Richard 195267 Cabanis Pierre 189 Calas Jean 705788019299104 10782478250253 Calas MarcAntoine 74 calvinistas 152156 Campbell John 193 capacidade de 1er e escrever 40211 capitalismo 41246 Caran dAche Emmanuel Poiré 196 carrascos 105147151153170222 Carta Adântica 1941208 casamento autoridade dos pais no 62 3 direitos de divórcio e 624 150 168 180 entre diferentes grupos 188192 Castellane C o m t e de 151 catolicismo a r g u m e n t o dos direitos naturais contra 122 direitos civis britânicos e 1 5 9 d o m í n i o n a Fran ça do 2 4 7 0 7 4 1 4 6 1 5 5 1 7 9 1 8 1 274 nas colônias americanas 148 160 táticas da Inquisição do 7476180 Cavour Camillo di 185 cérebro funcionamento do 3139 Chamberlain Howard Stewart 1923 195268 C h a m f o r t SébastienRoch Nicolas 1445262263 Chodowiecki Daniel 100 Chrétien GillesLouis 9092 Churchill Winston 208 Clarissa Richardson dilema femi nino apresentado em 46535963 publicação de 39 46 reações dos leitores a 4 6 4 8 4 9 5 1 5 5 6 8 8 9 C l e r m o n t T o n n e r r e c o n d e Stanislas de 1467153158264 clínica médica tratamento da dor na 97 colarinho de ferro 7 8 7 9 1 4 1 2 1 4 4 145 Comitê dos Sete 136139262 Comitê sobre a Constituição 129133 157261263 Comitê sobre a Lei Criminal 139262 Common Sense Paine 129 c o m u n i d a d e a u t o n o m i a individual vs64 c o m u n i s m o 197199 Condorcet marquês de 231071278 16117117323940265 sobre os direitos das mulheres 1702 consciência 65 Constituição E U A 117 121 1267 131161 consumismo 89252 Contrato social O Rousseau 2235 Convenção Constitucional 161 Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos H u m a n o s e Liberda des Fundamentais 1950 208 corpo caráter revelado pelo 99 101 dignidade do 108 integridade do 2783082241 na pintura 85 Corte Internacional de Justiça 203 Cosway Richard 90 crianças controle dos pais sobre as 28 612 educação das 602 práticas de criação das 63 crimes contra a h u m a n i d a d e 202 cristianismo 93 134245 252 igual dade das almas no 28 40 pecado original n o 93 109 ver também catolicismo protestantismo Cuvier Georges 191193267 Dagge Henry 97253 Damásio António 110255 decapitação 80140143 14 a Emenda 161 13 a Emenda 161 declaração definição 1134 Declaração da Independência 1776 Bill ofRightsvs 16 126 busca da felicidade na 64 Declaração da Virgina vs 121 direitos h u m a n o s afirmados na 13 23 1156 126 franceses influenciados pela 20 127 texto da 21923 transferência de soberania afirmada na 115 Declaração de Direitos da Virgínia 1776 121126 Declaração dos Direitos da M u l h e r 1791171 Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão 1789 adoção da 13 131 afirmação de autoevidência da 17 aprovação real da 136 con 275 trovérsia dos direitos inflamada pela 15 1345 critérios dos direi tos políticos e 1501153 Declara ção das Nações Unidas vs 205 declaração dos direitos das m u l h e res m o d e l a d a na 171 exclusão colonial da 162 liberdade religiosa na 132 146 152 motivação da 12730 m u d a n ç a de soberania sugerida pela 133 o rei omitido na 115 132 precedentes americanos para 19 127 131 r a s c u n h o da 1301 reações críticas a 125 135 179 reações socialistas a 199200 sobre o governo c o m o fiador dos direitos 29115133 terminologia dos direitos na 23 240 texto da 225 227 229 universalidade da 1419117153199200 Declaração dos Direitos dos Trabalha dores e dos Explorados 1918 2001 Declaração Universal dos Direitos H u m a n o s 194815205215229 Defoe Daniel 62 degradação cívica 141 Delaunay Nicolas 37 Dez Mandamentos 124 Dicionário Filosófico Voltaire 75248 Diderot Denis 255568090240243 245 252 enciclopédia de 36 87 104240 244 sobre direitos natu rais 25 sobre Richardson 55245 direito romano 76 Direitos do homem Os Paine 135 174 direitos h u m a n o s abolição da tortura ligada aos 1023 106 108 113 254 autoevidência dos 17 2429 33 bases biológicas para exclusão dos 18795 c o m o naturais 19 115252567 conflitos entre 215 da liberdade 61181200 da tole rância religiosa 24 734121 132 146 1521545 160 das minorias étnicas 185 ver também negros judeus dentro da estrutura nacio nal 177 direitos divinos vs 238 esforços internacionais para 202 7 209 215 foco particularista vs p e n s a m e n t o universalista sobre 1168 120 1226 fontes seculares dos 132 garantia governamental dos 19133 1781845 igualdade dos 179 1878201 intolerância rejeitada c o m o 734 orientação socialista sobre 197201 p o d e r patriarcal vs 124178199 políti cos vs naturais 67 124 148 ver também direitos políticos reco n h e c i m e n t o progressivo dos 27 177 sociedade hierárquica tradi cional ameaçada pelos 17881 ter minologia dos 204238 universa lidade dos 14161820691168 1201226132136177188 direitos h u m a n o s declarações dos da O N U ver Declaração Universal dos Direitos H u m a n o s francesa ver Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão nos E U A 1168120 1226 ver também Bill of Rights americana Declaração da Indepen dência transferência de soberania sugerida por 11451323 direitos políticos das minorias religio sas 146 1489 15161 177 181 263 das mulheres 679 141147 276 9 151153157 16875177189 9 0 1 9 9 2 0 7 2 6 5 direitos naturais vs67123124148 dos trabalha dores 177198 igualdade vs 181 nos E U A 148 nos territórios colo niais 1945 posse de propriedade vs 26148 163170 profissão vs 147 149 153 raça vs 149 151 1607 requisitos de idade dos 147 8151 divórcio 624150168180 D o d d William 122258 dor c o m o experiência c o m u n a l 94 pornografia da 214 t r a t a m e n t o médico da 97 Dos delitos e das penas Beccaria 80 248 DredScott 161264 Dreyfus Alfred 1867196200 Du Pont de Nemours PierreSamuel 125260 Dupaty CharlesMarguerite 1068 254 Eden William 98 Edito de Tolerância 1787 1545 educação 63 a u t o n o m i a da indivi dualidade na 601 das mulheres 68175 pública 125 Edwards Thomas 46 Elements ofCriticism Kames 567 245 Emílio Rousseau 226016368246 emoção ver paixões empatia através das linhas do gênero 48 60 c o m o m e i o de aperfeiçoa m e n t o moral 558656109 defi nição 65 desenvolvimento da 27 39 evocada nos r o m a n c e s 312 3843 49 556 60 fronteiras socioculturais transpostas pela 27 389 funcionamento do cérebro e 3 1 39 igualdade e 26 39 limites da 212 213 214 reformas crimi nais produzidas pela 82 simpatia vs 65 tortura e 3010809 empregados domésticos direitos polí ticos dos 149 Encyclopédie Diderot 365587104 240244251254256 enforcamentos 7678 Equiano Olaudah 67247 escravidão abolição a m e r i c a n a da 1601 193 abolição francesa da 27 149 1601 1657 abolicionis tas e 671612167 191207ações internacionais contra a 2067210 a r g u m e n t o s dos direitos naturais contra a 20119134 de prisionei ros em guerras justas 119 direitos das mulheres vs 67 151 169 nas colônias francesas 1617181191 negros livres vs 151 punição cor poral e 78 relatos autobiográficos da 67 Espinosa 110255 Essai sur linégalité des races humaines Gobineau 191267 Estados Unidos Bill of Rights dos 16 117 121 126 Constituição dos 117 1211267 131161 direitos das minorias religiosas nos 159 60 eligibilidade dos direitos políti cos expandida nos 148 escravidão nos 20781601193 nascimento revolucionário dos 15 23 612 122134 restrições étnicas de imi gração nos 186 sobre g r u p o s da 277 paz internacional 2024 sufrágio feminino nos 190 EstadosGerais 170240 eu interior revelação corporal do 99 101 experiência religiosa apreciação artís tica da 83 moralidade secular vs 5758 expressão liberdade de 2 1 1 8 1 2 0 1 206229 família reformas legais francesas na 612 federalistas 136 feitiçaria 76249254 feminismo 68190 Fielding Henry 4657 Fielding Sarah 4855 FilmerRobert 124259 fisionotraço 92 FitzWilliam Lady Charlotte 88 Foucault Michel 241251 Fourier Charles 199268 França antissemitismo na 1867 Ar gélia incorporada à 1934 Declara ção dos Direitos do H o m e m e do Cidadão ver Declaração dos Direi tos do H o m e m e do Cidadão en trada principal dialetos regionais da 185 diferenças religiosas na 24 707414614958 escravidão colo nial da 1617 181 190 imperia lismo da 17981 183 1935 na Primeira Guerra Mundial 202 Re volução Americana ajudada pela 127 Revolução Francesa 14547 107 1356 150 16970 173 179 80187 18990196214 sufrágio feminino concedido na 190 ver também Assembleia Nacional François Louis 47 Franklin Benjamin 14 16 62 127 249260 Frederico II o Grande rei da Prússia 75 frenologia 101 Gagnebin Bernard 239256 Gluck Christoph Willibald von 83 Gobineau Arthur de 1923195267 Goldsmith Oliver 57 Gorbatchev Mikhail 209 Gouges Olympe de 171 3265 GrãBretanha abolição da escravatura da 160207 controvérsia dos direi tos na 1235259 direitos particu lares dos h o m e n s livres da 116 11920 direitos políticos das m i n o rias religiosas na 159 documentos dos direitos na 1977114122256 restrições de imigração da 186 separação americana da 116120 122127 sufrágio feminino na 190 territórios colônias da 194208 Graham William 258 Grégoire BaptisteHenri 161 G r i m m Friedrich Melchior 243245 Grotius H u g o 60 11720 124 2 4 1 2567259 Guadalupe escravos em 168181 Guilherme I da Alemanha 192 guilhotina 76140172 Guyomar Pierre 265 Haakonssen Knud 241256 Haiti Saint D o m i n g u e levante dos escravos do 16231657181262 278 Haller Albrecht von 495055 Heloísa 3537242 herança direitos de 62150174 heterogeneidade étnica m o v i m e n t o s nacionalistas vs 185 HillAaron4557243 HitlerAdolf187193195 Hobbes T h o m a s 1189124 Hogarth William 95 Holbach PaulHenriDietrich d 22 4240 honra 1425 Humphrey John 205 Hutcheson Francis 6566247 identificação 36389558245 igualdade a r g u m e n t o s biológicos contra 1905 crítica social da 201 das almas cristãs vs direitos terre nos 40 do sistema penal 139 dos direitos h u m a n o s 1791878201 empatia e 26 39 58 liberdades políticas vs 181 Iluminismo 2 2 5 4 6 6 0 1 812 103 112156 175180244 262 auto n o m i a individual enfatizada pelo 601 reformas do sistema criminal e 801251 sobre emoções 1101 imigração restrições racistas na 186 194 imperialismo 183194 imprensa liberdade de 121128132 174181 índex papal dos livros proibidos 46 75103 índia domínio britânico da 194 individualidade 289 3 2 4 8 56 59 8 9 1 0 9 1 1 2 ver também a u t o n o mia individual interioridade individualismo arte do retrato e 85 92 industrialização 198 Inquisição Católica 76180 interioridade 2848 Itália unificação da 1845 Jacquin ArmandPierre 51244 Jahn Friedrich 1834267 jardins circuito de caminhada em 85 Jaucourt Louis de 87104251 JaurèsJean200209268 Jefferson Thomas a Declaração Fran cesa e 13129130240 c o m o autor da Declaração da Independência 13168 64 120 132 critérios de participação política de 69 160 escravidão e 172069 retrato de 912 sobre o divórcio 64 sobre o governo c o m o segurança dos direi tos 30 sobre romances 578 66 68111 termos dos direitos h u m a nos empregados por 20136 Jesus Cristo 2299 Johnson Samuel 89251 Jorge m rei da Inglaterra 113116121 jornais 29 30 172 1867 195 197 211 Journal to Eliza Sterne 90 judeus direitos políticos concedidos aos 27 146 149 1513 15561 170 180 195 264 genocídio na zista contra 202 preconceito xe nófobo e u r o p e u contra 18691 195197 Julgamentos de Nuremberg 203 Júlia Rousseau 3 8 4 1 4 6 5 6 5 9 6 8 243 enredo de 3559 prefácio de 54 reações empáticas dos leitores 279 a 3 6 4 7 subtítulo de 35 sucesso de 36 Kames H e n r y H o m e Lorde 567245 Kant I m m a n u e l 60245255 KersaintArmandGuy 1645264 KnoxRobert 193 Knox Vicesimus 51 Lacretelle PierreLouis 142262 Lafayette marquês de 14 1723128 129136161240 Larner Christina A 249 Le Blanc de Guillet Antoine 239 Lei das Causas Matrimoniais 1857 63 Lei do Casamento 1753 62 lei positiva 93124 Leis dos Estrangeiros e da Sedição 1798 179 LengletDufresnoy Nicolas 2 1 50 238244 Lênin 201 Lepeletier de SaintFargeau Louis Michel 13942 Letters ofjunius The 122258 lettres de cachet 62 Lévesque de Burigny Jean 118256 Lewis Matthew 214 liberdade autogoverno como 61 libertinagem 51 Liga das Nações 2023 Linguet SimonNicolasHenri 104 254 Locke John 6016311820257 Loyseau de M a u l é o n Alexandre Jérôme 99253 LuegerKarl 187 Luís xiv rei da França 2278 Luís X V I rei da França 1051078128 1367144 156248 ações revolu cionárias contra 130 136 refor m a s do sistema criminal de 105 1078137248 MacArdell James 88 Madison James 118240 Magna Carta 1215 114 Maier Pauline 126237242257260 Manco Le Blanc de Guillet 22239 marca de ferro em brasa 262 Marivaux Pierre Carlet de Chamblain de 29241 Martucci Roberto 262 Marx Karl 1982001268 Mason George 24257 masturbação 52 materialismo 110197 Maury Jean 155 Mazzini Giuseppe 177184266 Mercier LouisSébastien 22 87252 260 metoposcopia 101 MickiewiczAdam 184 Mill John Stuart 190194 Mirabeau conde de 2324240 m o n a r q u i a 2 1 2 2 75 113 117 127 1331356142145158168179 80 Montesquieu barão de 291423241 250 M o n t m o r e n c y Mathieu d u q u e de 117132145 Moreau JeanMichel 37 Morellet André 103 m o v i m e n t o d e i n d e p e n d ê n c i a h ú n garo 185 m u ç u l m a n o s argelinos 195 28o mulheres a u t o n o m i a pessoal das 26 586064679169 c o m o heroínas de ficção 5960 68 ver também romances c o m o pintoras de retra tos 8990 dependência moral im p u t a d a às 26 169 direitos de di vórcio das 624149 168 direitos políticos das 6791411479151 1531571687517718990199 207265 honra das 143 limitações biológicas atribuídas às 187 188 90 punição criminal das 7 7 1 4 1 172 s e n t i m e n t o associado às 90 97 Muyart de Vouglans PierreFrançois 9341023108112523255 nacionalismo 3 0 4 1 1781827197 8241 polonês 183186 Nações Unidas 15171772034208 210 22930 232 2356 Declara ção Universal dos Direitos H u m a n o s aprovada pelas 2046 210 22936 Napoleão Bonaparte 1451678178 1804249265 nazismo 202 negros inferioridade biológica atri b u í d a aos 18795 livres 16 67 149 151 1601 170 ver também escravidão Nicolas Augustin 254 Observations on the Importance ofthe American Revolution Price 134 Observations on the Nature of Civil Liberty Price 1232462589 OgéVincent163264 organizações n ã o governamentais O N G S 20910 Otis James 119257 Paine T h o m a s 129130135174179 261 pais autoridade absoluta dos 28 paixões a u t o c o n t r o l e das 82 c o m p o r t a m e n t o criminal ligado a 109 10 controle externo das 92 93 razão vs 1101 Pamela Richardson 4014449 51 diferenças de classe em 39 42 efeito moral de 523 popularidade de 426 reações emocionais a 42 3 restrições da heroína em 59 Panckoucke C J 4756 Patriarcha Filmer 124259 pecado original 93109 pelourinho 7778142249 pena de morte administração menos dolorosa da 7610213940 admi nistrações torturantes da 70 77 80 99 13140 execução pública da 73 76 9499 fator dissuasivo da 77 oposição à 8 0 1 98 139 250 262 taxas de implementação da 77102253 penitência atos formais dos crimino sos de 941401 Pensamentos sobre a educação Locke 61 performances musicais 83 Petição de Direitos 1628 114 Pigott John 86 Pipelet Constance Constance de Salm 1746266 Place de Greve 96 poder patriarcal 124 281 Poiré E m m a n u e l Caran cTAche 196 presença ideal 5657 Price Richard 145 6 1 1234 134 237246258259261 Priestley Joseph 69 Primeira Guerra Mundial 202208 Primeiro Estado 128 primogenitura 62 privacidade no projeto do lar 85 p r o p r i e d a d e apropriação governa mental da 131 crítica socialista da 198201 direitos ligados à 26148 163 170 dos negros livres 163 escravos c o m o 119 punição pelo confisco da 142 prot e st a nt i sm o consciência indivi dual no 28 direitos políticos fran ceses e 14614915158263maio ria americana 160 na França 24 70146180216 Protocolos dos sábios de Sião Os 197 P r u d h o m m e Louis 262 Pufendorf Samuel 1178 120 256 257 punição obediência imposta pela 61 punição corporal 29 das crianças na escola 63 dos escravos 78 formas brutais de 2977249 humilhação na 7980 137 1413 m o d e r a ç ã o na 105 108 2501 multas 98 mutilação na 80 140 punições vergonhosas vs 141 reabilitação vs9813940 ver rambém punição criminal pena de morte tortura punição criminal abordagens racio nais da 80193 c o m o reparação à comunidade 94 98 condições da prisão e 106 das mulheres 77141 171 de m e m b r o s da família 142 desonra da 1415 igualdade da 139 reformas francesas da 13645 valor dissuasivo da 779498140 visões religiosas da 923978102 10910140 ver também p u n i ç ã o corporal pena de morte tortura Punt Jan 44 quartos de dormir 8492 queima na fogueira 77880102140 Quenedey Edmé 912 questão preliminar 70137255 questão preparatória 74137255 Rabaut SaintÉtienne JeanPaul 245 131152154216261 racismo 162 188 1901 1934 210 ver também antissemitismo Raven James 2423 Raynal Guillaume T h o m a s 22243 razão 6165 justiça criminal e 8 0 8 1 94 paixão vs 110111 religião argumentos dos direitos na turais contra instituições da 122 liberdade de 128 132 146 152 1545 160 200204206 punição criminal influenciada pela 9 2 9 3 978 10210910140 tolerância da24734121132146152154 51601812216248 ver também catolicismo cristianismo judeus protestantismo revogação do Edito de Nantes 153 revoluções c o m p r o m i s s o comunista com 199200 Revolução A m e r i cana 15 2 3 6 2 Revolução Fran cesa 145471071356150169 70 173 17980 187 18990 196 214 Revolução Russa 200 282 Reynolds Sir Joshua 878 Richardson Samuel 3941243 c o m o autor a n ô n i m o 45243 c o m o edi tor de r o m a n c e s epistolares 42 534 reações dos leitores a 459 51556 Rights ofthe British Colonies Asserted and Proved The Otis 119257 Robespierre Maximilien de 1423 262 Robinson Crusoé Defoe 416263 Robison John 179 roda suplício da 7 0 7 3 7 8 8 0 9 6 9 9 106140247 Roland JeanneMarie 47243 romances a u t o n o m i a individual nos 5860 busca da a u t o n o m i a pelas personagens femininas 5860 68 efeitos morais dos 45 508 678 epistolares 30323841243 góti cos 214 identificação dos leitores com os personagens dos 363842 3458 556 5860 leitorado dos 41456 natureza interior revelada nos 30434858 peças teatrais vs 43 pessoas c o m u n s como persona gens centrais dos 294089 p o n t o de vista do autor 42 reações empá ticas aos 31238495566066 Romilly Samuel 802501 Roosevelt Eleanor 2052367 Rothschild família 197 Rousseau JeanJacques como r o m a n cista 35641468534578243 sobre Richardson 47 243 teorias educacionais de 6 0 3 6 8 t e r m o s de direitos h u m a n o s usados por 22370127238 Ruanda conflito étnico em 211 Rush Benjamin 76 98 1089 112 249253255 Rutherford T h o m a s 256 Sade marquês de 214269 Saint D o m i n g u e ver Haiti Salm Constance de Constance Pipe let174 Saphiro Barry M 255260262 Saunders Richard 101 Schechter Ronald 2634 SchneewindJB26240 sefarditas 157 Segunda Guerra Mundial 202 Segundo Estado 128 sellette 137 sensibilidade 28 66 ver também em patia simpatia senso moral interior 118 Servan JosephMichelAntoine 105 254 sexismo 188190 Shakespeare William 57 Sieyès E m m a n u e l J o s e p h 23 678 148240247263 simpatia 58 657 109 112 ver tam bém empatia sindicatos 1989234 Skipwith Robert 57 Smith Adam 652123247 Sobre a admissão das mulheres aos direitos da cidadania Condorcet 171 socialismo 1979 Sociedade Antiescravidão 207209 sociedade burguesa 198 Sociedade dos Amigos dos Negros 106161 sociedade hierárquica 178182 283 Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos 161207 sodomia 80140 Spierenburg Peter 250252 Staèl Germaine de 266 Stalin Joseph 201 Starobinski Jean 245 Sterne Laurence 5 7 5 9 6 6 6 8 9 0 9 2 111252255 strappado7 suicídio 4374 Sujeição das mulheres A Mill 190 Suprema C o r t e dos Estados Unidos 161190 supremacia ariana 203 Tackett Timothy 1545261263265 TalleyrandPérigord C h a r l e s M a u rice de 1578 teatro 4354583245 teoria da lei natural 256 ver também direitos h u m a n o s c o m o naturais Teoria dos sentimentos morais Smith 65212247269 Terceiro Estado 23 126 1289 240 255260 Terror 16144178 Therbusch Anna 90 Théremin Charles 1745266 Tissot SamuelAuguste 52244247 Tocqueville Alexis de 38193242267 Tod James 258 Tom Jones Fielding 414651 tortura abolição oficial da 75 108 13692489 afirmações dos direi tos h u m a n o s vs 1023 106 108 113254 campanha contra a 102 6108254 convenção da O N U con tra 210 empatia e 30 1089111 2 métodos de 707476137 moti vação religiosa da 102180nocaso Calas 70 7499 para obter infor mações 297074699101 2104 108138180 pena de morte admi nistrada com 70778099131 40 ressurgimento contemporâneo da 2101 ToussaintLouverture 1667 trabalhadores direitos políticos dos 177198 Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de Jean Calas Voltaire 73 tributação 125129132227 Tristram ShandySteme4l 59 tronco i n s t r u m e n t o de tortura 77 142249 Tyburn execuções públicas em 7695 6 União Soviética 2035 209 na Pri meira Guerra Mundial 202 Utilitarismo 124250 Van der Capellen tot den Poli Joan Derk 123259 Vattel Emer de 2567 Viagem sentimental Uma Sterne 59 111 vida secular 57 Vindication of the Rights of Woman Wollstonecraft 1724 violência da revolução política 179 reportagens d a mídia m o d e r n a sobre 211 sensacionalismo da 214 Voltaire 2 1 29 36 38 735 8 1 93 2389 242 248 250 260 argu m e n t o dos direitos h u m a n o s usado 284 por 734 sobre o caso da tortura de Wollstonecraft Mary 68 135 1723 Calas 73480199248250 Wagner Richard 192 Walpole Horace 4887244251 Wilkes John 122258 Wilson Woodrow 208 175247261265 Wordsworth William 167265 xenofobia 186 Zola Emile 187196 285 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 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Coutinho 7a Tiragem Do original Letà dei Diritti Tradução autorizada do idioma italiano da edição publicada Giulio Einaudi Editore 1992 2004 Elsevier Editora Ltda Todos os direitos revervados e protegidos pela lei 9610 de 19021998 Nenhuma parte deste livro sem autorização prévia por escrito da editora poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados eletrônicos mecânicos fotográficos gravação ou quaisquer outros Copidesque Roberto Cortes de Lacerda Editoração Eletrônica DTPhoenix Editorial Revisão Gráfica Mariflor Brenlla Rial Rocha Edna Rocha Projeto Gráfico Editora CampusElsevier A Qualidade da Informação Rua Sete de Setembro 111 16º andar 20050006 Rio de Janeiro RJ Brasil Telefone 21 39709300 Fax 21 25071991 Email infoelseviercombr Escritório São Paulo Rua Quitana 753 8º andar 04569011 Brooklin São Paulo SP Telefone 11 51058555 ISBN 13 9788535215618 ISBN 10 8535215611 Edição original ISBN 880612174X Nota Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra No entanto podem ocorrer erros de digitação impressão ou dúvida conceitual Em qualquer das hipóteses solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens originados do uso desta publicação CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ B637e Bobbio Norberto 1909 A era dos direitos Norberto Bobbio tradução Carlos Nelson Coutinho apresentação de Celso Lafer Nova ed Rio de Janeiro Elsevier 2004 7ª reimpressão Tradução de Letà dei Diritti ISBN 10 8535215611 1 Direitos humanos Discursos conferências etc I Título CDD 3234 042368 CDU 3427 100 SUMÁRIO Introdução 7 PRIMEIRA PARTE Sobre os fundamentos dos direitos do homem 12 Presente e futuro dos direitos do homem 17 A era dos direitos 26 Direitos do homem e sociedade 33 SEGUNDA PARTE A Revolução Francesa e os direitos do homem 40 A herança da Grande Revolução 49 Kant e a Revolução Francesa 57 TERCEIRA PARTE A resistência à opressão hoje 61 Contra a pena de morte 68 O debate atual sobre a pena de morte 76 As razões da tolerância 86 QUARTA PARTE Os direitos do homem hoje 92 INTRODUÇÃO P OR SUGESTÃO E COM A AJUDA DE Luigi Bonanate e Michelangelo Bovero recolho neste volume os artigos principais ou que considero principais que escrevi ao longo de muitos anos sobre o tema dos direitos do homem O problema é estreitamente ligado aos da democracia e da paz aos quais dediquei a maior parte de meus escritos políticos O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constitui ções democráticas modernas A paz por sua vez é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional Ao mesmo tempo o processo de democratização do sistema internacional que é o caminho obrigatório para a busca do ideal da paz perpétua no sentido kantiano da expressão não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem acima de cada Estado Direitos do homem democracia e paz são três mo mentos necessários do mesmo movimento histórico sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos Em outras palavras a democracia é a sociedade dos cidadãos e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais haverá paz estável uma paz que não tenha a guerra como alterna tiva somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado mas do mundo Meu primeiro escrito sobre o assunto remonta a 1951 nasceu de uma aula sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem ministrada em 4 de maio em Turim a convite da Scuola di applicazione darma1 Relendoa agora após tantos anos percebo que nela estão contidas ainda que somente mencionadas algu mas teses das quais não mais me afastei 1 os direitos naturais são direitos históricos 2 nascem no início da era moderna juntamente com a concepção individualista da sociedade 3 tornamse um dos principais indicadores do progresso histórico O primeiro ensaio da coletânea é uma das duas comunicações de abertura a outra fora confiada a Perelman do Simpósio sobre os Fundamentos dos Direitos do Homem que teve lugar em LAquila em setembro de 1964 promovido pelo Instituto Internacional de Filosofia sob a presidência de Guido Calogero confirmo e aprofundo nele a tese da historicidade com base na qual contesto não apenas a legitimidade mas também a eficácia prática da busca do fundamento absoluto Seguese com o título Presente e futuro nos direitos do homem a conferência que pronunciei em Turim em dezembro de 1967 por ocasião do Simpósio Nacional sobre os Direitos do Homem promovido pela Sociedade Italiana para a Organização Internacional por oca sião do vigésimo aniversário da Declaração Universal nela esboço em suas grandes linhas as várias fases da história dos direitos do homem desde sua proclamação até sua transformação em direito positivo desde sua transformação em direito positivo no interior de cada Estado até a que tem lugar no sistema internacional por enquanto apenas no início e retomando o tema da historicidade desses direitos retiro uma nova confirmação dessa sua contínua expansão O terceiro escrito que dá título à coletânea em seu conjunto A era dos direi tos é com diferente título o discurso que pronunciei na Universidade de Madri em setembro de 1987 a convite do professor Gregorio PecesBarba Martínez diretor do Instituto de Derechos Humanos de Madri Abordo nele o tema já aflorado nos escritos anteriores do significado histórico ou melhor filosófico histórico da inversão característica da formação do Estado moderno ocorrida na relação entre Estado e cidadãos passouse da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão emergindo um modo diferente de encarar a relação política não mais predominantemente do ângulo do soberano e sim daquele do cidadão em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição àconcepção organicista tradicional Ponho particularmente em evidência pela primeira vez como ocorreu a 1 La dichiarazione universale dei diritti delluomo in Vários autores La Dichiarazione universale dei diritti delluomo Turim Arri Grafiche Plinio Castello 1951 pp 5370 Já me havia ocupado do problema embora marginalmente no Prefácio à tradução italiana de Georges Gurvitch La Dichiarazione dei diritti sociali Milão Edizioni di Comunità 1949 pp 1327 A E R A D O S D I R E I T O S 8 ampliação do âmbito dos direitos do homem na passagem do homem abstrato ao homem concreto através de um processo de gradativa diferenciação ou especificação dos carecimentos e dos interesses dos quais se solicita o reconhecimento e a proteção Uma ulterior e por enquanto conclusiva reformulação dos temas da historicidade e da especificação dos direitos do homem e apresentada no ensaio Direitos do homem e socie dade que escrevi para ser a comunicação de abertura do Congresso Internacional de Sociologia do Direito realizado em Bolonha no final de maio de 1988 esse texto constitui o último capítulo da primeira parte desta coletânea dedicada à discussão de problemas gerais de teoria e de história dos direitos do homem Há algumas páginas dessa parte dedicadas ao debate teórico por excelência tortuosíssimo acerca do conceito de direito aplicado aos direitos do homem Voltarei daqui a pouco a esse tema Na segunda parte recolhi três discursos sobre os direitos do homem e a Revolução Francesa o primeiro foi pronunciado em 14 de dezembro de 1988 em Roma por ocasião da inauguração da nova Biblioteca da Câmara de Deputados a convite do seu presidente a deputada Nilde Jotti o segundo em se tembro de 1989 na Fundação Giorgio Cini de Veneza inaugurando um curso sobre a Revolução Francesa o terceiro como abertura da cerimônia em que me foi conferida a laurea ad honorem na Universidade de Bolonha em 6 de abril de 1989 Esse último discurso partindo das obras de filosofia do direito e da história de Kant termina dando ênfase particular à teoria kantiana do direito cosmopolita que pode ser considerada como a conclusão da argumentação até aqui desenvolvida sobre o tema dos direitos do homem e ao mesmo tempo como o ponto de partida para novas reflexões2 A terceira parte compreende estudos sobre temas particulares que se relacionam mais ou menos diretamen te com o tema principal A resistência à opressão hoje foi lido como comunicação ao seminário de estudos sobre Autonomia e Direito de Resistência realizado em Sassari em maio de 1971 promovido pelo professor Pierangelo Catalano os dois escritos sobre a pena de morte foram compostos o primeiro para a IV Assembléia Nacional de Amnesty International realizado em Rimini em abril de 1981 o segundo para o seminário interna cional A pena de morte no mundo ocorrido em Bolonha em outubro de 1982 finalmente o ensaio sobre a tolerância foi lido no simpósio A intolerância iguais e diversos na história realizado em Bolonha em dezembro de 19853 Nesses escritos são discutidos problemas tanto históricos como teóricos No plano histórico sustento que a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva característica da formação do Estado moderno na representação da relação política ou seja na relação Estadocidadão ou soberanosúditos relação que é encarada cada vez mais do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos e não do ponto de vista dos direitos do soberano em correspondência com a visão individualista da sociedade4 se gundo a qual para compreender a sociedade é preciso partir de baixo ou seja dos indivíduos que a compõem em oposição à concepção orgânica tradicional segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos A inversão de perspectiva que a partir de então se torna irreversível é provocada no início da era moderna principalmente pelas guerras de religião através das quais se vai afirmando o direito de resistência à opressão o qual pressupõe um direito ainda mais substancial e originário o direito do indivíduo a não ser oprimido ou seja a gozar de algumas liberdades fundamentais fundamentais porque naturais e naturais por que cabem ao homem enquanto tal e não dependem do beneplácito do soberano entre as quais em primeiro lugar a liberdade religiosa Essa inversão é estrei tamente ligada à afirmação do que chamei de modelo jusnaturalista contraposto ao seu eterno adversário que sempre renasce e jamais foi definitivamente derrota do o modelo aristotélico5 O caminho contínuo ainda que várias vezes interrompido da concepção individu alista da sociedade procede lentamente indo do reconhecimento dos direitos do cidadão de cada Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo cujo primeiro anúncio foi a Declaração universal dos direi 2 Cf também minha Introdução a I Kant Per Ia pace perpetua ed de N Merker Roma Editori Riuniti 1985 pp VIIXXI 3 Outros escritos meus sobre os direitos do homem estão inseridos no livro Il Terzo assente Saggi e discorsi sulla guerra e Ia pace Ed de Pietro Polito Milão Edizioni Sonda 1989 Não estão incluídos nem nesse volume nem na presente coletânea os seguintes textos Il preambolo della Convezione europea dei diritti delluomo in Rivista di diritto internazionalle LVII 1973 pp 437455 Vi sono diritti fondamentali in Rivista di filosofia LXXI 1980 nº 18 pp 460 464 Diritti delluomo e diritti del cittadino nel secolo XIX in Europa in Vários autores Grundrechte im 19 Jahrhundert FrankfurtdoMeno Peter Lang 1982 pp 1115 Dalla priorità dei doveri Allá priorità dei diritti in Mondoperaio XLI 1988 nº 3 pp 5760 4 Sobre esse tema há uma imensa literatura Mas gostaria de citar aqui pois é menos conhecido o livro de Celso Lafer A reconstrução dos direitos humanos Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Companhia das Letras 1988 que contém algumas páginas notáveis sobre o individualismo e sua história também com referência ao pensamento de H Arendt 5 Refirome em particular ao meu ensaio sobre O modelo jusnaturalista in N BobbioM Bovero Società e stato nella filosofia política moderna Milão Il Saggiatore 1979 pp 17109 ed brasileira Sociedade e Estado na filosofia política moderna São Paulo Brasiliense 1986 pp 13100 NORBERTO BOBBIO 9 tos do homem a partir do direito interno de cada Estado através do direito entre os outros Estados até o direito cosmopolita para usar uma expressão kantiana que ainda não teve o acolhimento que me rece na teoria do direito A Declaração favoreceu assim escreve um autorizado internacionalista num recente escrito sobre os direitos do homem a emergência embora débil tênue e obstaculizada do indivíduo no interior de um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados soberanos Ela pôs em movimento um processo irreversível com o qual todos deveriam se alegrar6 Do ponto de vista teórico sempre defendi e continuo a defender fortalecido por novos argumentos que os direitos do homem por mais fundamentais que sejam são direitos históricos ou seja nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual não todos de uma vez e nem de uma vez por todas7 O problema sobre o qual ao que parece os filósofos são convocados a dar seu parecer do fundamento até mesmo do fundamento absoluto irresistível inquestionável dos direitos do homem e um problema mal formulado8 a liberdade religiosa e um efeito das guerras de religião as liberdades civis da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos a liberdade política e as liberdades so ciais do nascimento crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assala riados dos camponeses com pouca ou nenhuma terra dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas mas também a proteção do trabalho contra o desemprego os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo depois a assistência para a invalidez e a velhice todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmosAo lado dos direitos sociais que foram chamados de direitos de segunda geração emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração que constituem uma categoria para dizer a verdade ainda excessivamente heterogênea e vaga o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata9 O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos o direito de viver num ambiente não poluído Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamarse de direitos de quarta geração referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo10 Quais são os limites dessa possível e cada vez mais certa no futuro manipulação Mais uma prova se isso ainda fosse necessário de que os direitos não nascem todos de uma vez Nascem quando devem ou podem nascer Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem que acompanha inevitavelmente o progresso técnico isto é o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder remédios que são providenciados através da exigencia de que o mesmo poder intervenha de modo protetor As primeiras correspondem os direitos de liberdade ou um nãoagir do Estado aos segundos os direitos sociais ou uma ação positiva do Estado Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações suas espécies são sempre com relação aos poderes constituídos apenas duas ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios Nos direitos de terceira e de quarta geração podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie 6 A Cassese I diritti umani nel mondo contemporaneo Bàri Laterza 1988 p 143 7 Que os direitos do homem sejam direitos históricos surgidos na idade moderna a partir das lutas contra o Estado absoluto é uma das teses centrais do ensaio historicamente bem documentado de G PecesBarba Martínez Sobre el puesto de La Historia en el comcepto de los derechos fundamentales in Anuario de derechos humanos publicado pelo Instituto de Derechos Humanos da Universidade Complutense de Madri vol IV 19861987 pp 219258 Para a história dos direitos do homem do ponto de vista de seu reconhecimento que é de resto o único ponto de vista pertinente remeto ao ensaio de G Pugliese Appunti per uma storia della protezione dei diritti delluomo in Riv trim dir e proc civ XLIII 1989 nº 3 pp 619659 8 Sobre o tema também com freqüentes referências à minha posição cf o recente volume que recolhe o debate ocorrido em Madri em 19 e 20 de abril de 1988 publicado com o título El fundamento de los derechos humanos ed de G PecesBarba Martínez Madri Editorial Debate 1989 Do mesmo autor nesse volume cf Sobre el fundamento de los derechos humanos Un problema de moral y derecho pp 265277 que contém a expressão mais recente das reflexões que o autor vem desenvolvendo há anos sobre o problema dos direitos do homem a começar pelo livro Derechos fundamentales 1976 várias vezes reeditado 9 A figura dos direitos de terceira geração foi introduzida na literatura cada vez mais ampla sobre os novos direitos No artigo Sobre La evolución contemporânea de la teoria de los derechos del hombre Jean Rivera inclui entre esses direitos os direitos de solidariedade o direito ao desenvolvimento à paz internacional a um ambiente protegido à comunicação Depois dessa enumeração é natural que o autor pergunte se é ainda possível falar de direitos em sentido próprio ou se não se trata de simples aspirações e desejos Corrientes y problemas en filosofia del derecho in Anales de La cátedra Francisco Suárez 1985 nº 25 p 193 No livro já citado Celso Lafer fala dos direitos de terceira geração como se tratando sobretudo de direitos não são os indivíduos mas os grupos humanos como a família o povo a nação e a própria humanidade p 131 Sobre o direito à paz cf as reflexões de A Ruiz Miguel Tenemos derecho a La paz in Anuario de derechos humanos publicado pelo Instituto de Derechos Humanos de Madri ed de G PecesBarba Martínez nº 3 1984 1985 pp 387434 O autor voltou depois ao temo no livro La justicia de La guerra y de La paz Madri Centro de Estúdios Constitucionales 1988 pp 271 e ss Ainda sobre os direitos de terceira geração cf A E Pérez Concepto y concepción de los derechos humanos in Cuadernos de filosofia dei derecho 1987 nº4 pp 56 e ss o autor inclui entre esses direitos o direito à paz os do consumidor à qualidade de vida à liberdade de informação ligando o surgimento dos mesmos ao desenvolvimento de novas tecnologias 10 Sobre esse tema já existe uma literatura significativa particularmente anglosaxônica da qual dá notícia Bartha Maria Knoppers lintegrità deI patrimonio genetico diritto soggettivo o dirritto dellumanità in Politica dei dirritto XXXI nº 2 junho de 1990 pp 341361 A E R A D O S D I R E I T O S 10 Em um dos ensaios Direitos do homem e sociedade destaco particularmente a proliferação obstaculizada por alguns das exigências de novos conhecimentos e de novas proteções na passagem da consideração do homem abstrato para aquela do homem em suas diversas fases de vida e em seus diversos estágios Os direitos de terceira geração como o de viver num ambiente não poluído nõ poderiam Ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de Segunda geração do mesmo modo como estes últimos por exemplo o direito à instrução ou à assistência não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras declarações setecentistas Essas exigências nascem somente somente quando nascem determinados carecimentos Novos cerecimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazêlos Falar de direitos naturais ou fundamentais inalienáveis ou invioláveis é usar fórmulas de uma linguagem persuasiva que podem ter uma função prática num documento político a de dar maior força à exigência mas não têm nenhum valor teórico sendo portanto completamente irrelevantes numa discursão de teoria do direito No que se refere ao significado da palavra direito Na expressão direitos do homem o debate é permanente e confuso Contribuiu para aumentar a confusão o encontro cada vez mais frequente entre juristas de tradi ção e cultura continental e Juristas de tradição anglosaxônica que usam frequentemente palavras diversas para dizer a mesma coisa e por vezes acreditam dizer coisas diversas usando as mesmas palavras A distinção clássica na linguagem dos juristas da Europa continental é entre direitos naturais e direitos positivos Da Inglaterra e dos Estados Unidos por influência creio sobretudo de Dworkin cheganos a distinção entre moral rights e legal rights que é intraduzível e o que é pior numa tradição onde o direito e moral são duas esferas bem diferenciadas da vida prática incompreensível em italiano a expressão direitos legais ou jurídicos soa redundante enquanto a expressão direitos morais soa contraditória Não tenho dúvidas de que um jurista francês teria a mesma relutância em falar de droits moraux e um alemão de moralische Rechte E então Devemos renunciar a nos entender O único modo para nos entender é reconhecer a comparabilidade entre as duas distinções em função da qual direitos morais enquanto algo contraposto a direitos legais ocupa o mesmo espaço ocupado por direitos naturais enquanto algo contraposto a direitos positivos Tra tase em ambos os casos de uma contraposição entre dois diversos sistemas normativos onde o que muda é o critério de distinção Na distinção entre moral rights e legal rights o critério é o fundamento na distinção entre direitos naturais e direitos positivos é a origem Mas em todos os quatro casos a palavra direito no sentido de direito subjetivo uma precisão supérflua em inglês porque right tem somente o sentido de direito subjetivo faz referência a um sistema normativo seja ele chamado de moral ou natural jurídico ou positivo Assim como não é concebível um direito natural fora do sistema das leis naturais também não há outro modo de conceber o significado de moral rights a não ser referindoos a um conjunto ou sistema de leis que costumam ser chamadas de morais ainda que nunca fique claro qual é o seu estatuto do mesmo modo como de resto nunca ficou claro qual é o estatuto das leis naturais Estou de acordo com os que consideram o direito como uma figura deôntica que tem um sentido preciso somente na linguagem normativa Não há direito sem obrigação e não há nem direito nem obrigação sem uma norma de conduta A não usual expressão direitos morais tornase menos estranha quando é relaciona da com a usadíssima expressão obrigações morais A velha objeção segundo a qual não podem ocorrer direitos sem as obrigações correspondentes mas podem ocorrer obrigações sem direitos deriva da confusão entre dois sistemas normativos diversos Decerto não se pode pretender que a uma obrigação moral corresponda um direito legal já que a uma obrigação moral pode corresponder apenas um direito moral O costumeiro exemplo de que a obrigação moral de dar esmolas não faz nascer o direito de pedilas é impróprio porque esse exemplo mostra apenas que de uma obrigação mo ral não nasce uma obrigação jurídica Mas podese dizer o mesmo do direito moral Que sentido pode ter a expressão direito moral se não a de direito que corresponde a uma obrigação moral O que para os juristas é um ius imperfectum pode ser um ius perfectum do ponto de vista moral Sei muito bem que uma tradição milenar nos habituou a um uso restrito do termo ius limitado a um sistema normativo que tem força de obrigatoriedade maior do que todos os demais sistemas morais ou sociais mas quando se introduz a noção de direito moral introduzse também necessariamente a corres pondente obrigação moral Ter direito moral em face de alguém significa que há um outro indivíduo que tem obrigação moral para comigo Não se quer dizer com isso que a linguagem moral deva se servir das duas figuras deônticas do direito e da obrigação que são mais adequadas à linguagem jurídica mas no momento mesmo NORBERTO BOBBIO 11 em que nos servimos delas a afirmação de um direito implica a afirmação de um dever e vice versa Se a afirmação do direito precede temporalmente a do dever ou se ocorre o contrário eis um puro evento histórico ou seja uma questão de fato para dar um exemplo um tema bastante discutido hoje é o de nossas obrigações de nós con temporâneos em face das futuras gerações Mas o mesmo tema pode ser considerado do ponto de vista dos direitos das futuras gerações em relação a nós É absolutamente indiferente com relação à substância do problema que comecemos pelas obri gações de uns ou pelos direitos dos outros Os pósteros têm direitos em relação a nos porque temos obrigações em relação a eles ou viceversa Basta colocar a questão nesses termos para compreendermos que a lógica da linguagem mostra a absoluta inconsistência do problema Apesar das inúmeras tentativas de análise definitória a linguagem dos direitos permanece bastante ambí gua pouco rigorosa e freqüentemente usada de modo retórico Nada impede que se use o mesmo termo para indicar direitos apenas proclamados numa declaração ate mesmo solene e direitos efetivamente protegidos num ordenamento jurídico inspirado nos princípios do constitucionalismo onde haja juizes imparciais e vári as formas de poder executivo das decisões dos juizes Mas entre uns e outros há uma bela diferença já a maior parte dos direitos sociais os chamados direitos de segunda geração que são exibidos brilhantemente em todas as declarações nacionais e internacionais permaneceu no papel O que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais às quais o nome de direitos serve unicamente para atribuir um título de nobreza Proclamar o direito dos indivíduos nãoimporta em que parte do mundo se encontrem os direitos do homem são por si mesmos universais de viver num mundo não poluído não significa mais do que expressar a aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao uso de substâncias poluentes Mas uma coisa é proclamar esse direitooutra é desfrutá lo efetivamente A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos semdireitos Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato ainda que sejam solene e repetidamente proclamados NORBERTO BOBBIO Turim outubro de 1990 A E R A D O S D I R E I T O S 12 PRIMEIRA PARTE SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM 1 Neste ensaio proponhome a discutir três temas a qual é o sentido do problema que nos pusemos acerca do fundamento absoluto dos direitos do homem b se um fundamento absoluto é possível c se caso seja possível é também desejável 2 O problema do fundamento de um direito apresentase diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter No primeiro caso investigo no ordenamento jurídico positivo do qual faço parte como titular de direitos e de deveres se há uma norma válida que o reconheça e qual é essa norma no segundo caso tentarei buscar boas razões para defender a legitimidade do direito em questão e para convencer o maior numero possível de pessoas sobretudo as que detêm o poder direto ou indireto de produzir normas válidas naquele ordenamento a reconhecêlo Não há dúvida de que quando num seminário de filósofos e não de juristas como é o nosso colocamos o problema do fundamento dos direitos do homem pretendemos enfrentar um problema do segundo tipo ou seja não um problema de direito positivo mas de direito racional ou critico ou se se quiser de direito natural no sentido restrito que é para mim o único aceitável da palavra Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis isto é fins que me recem ser perseguidos e de que apesar de sua desejabilidade não foram ainda todos eles por toda a parte e em igual medida reconhecidos e estamos convencidos de que lhes encontrar um fundamento ou seja aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos outros é um meio adequado para obter para eles um mais amplo reconhecimento 3 Da finalidade visada pela busca do fundamento nasce a ilusão do fundamento absoluto ou seja a ilusão de que de tanto acumular e elaborar razões e argumentos terminaremos por encontrar a razão e o argumen to irresistível ao qual ninguém poderá recusar a própria adesão O fundamento absoluto é o fundamento irresistível no mundo de nossas idéias do mesmo modo como o poder absoluto é o poder irresistível que se pense em Hobbes no mundo de nossas ações Diante do fundamento irresistível a mente se dobra necessari amente tal como o faz a vontade diante do poder irresistível O fundamento último não pode mais ser ques tionado assim como o poder último deve ser obedecido sem questionamentos Quem resiste ao primeiro se põe fora da comunidade das pessoas racionais assim como quem se rebela contra o segundo se põe fora da comunidade das pessoas justas ou boas Essa ilusão foi comum durante séculos aos jusnaturalistas que supunham ter colocado certos direitos mas nem sempre os mesmos acima da possibilidade de qualquer refutação de rivandoos diretamente da natureza do homem Mas a natureza do homem revelouse muito frágil como fundamento absoluto de direitos irresistíveis Não é o caso de repetir as infinitas críticas dirigidas à doutrina dos direitos naturais nem de monstrar mais uma vez o caráter capcioso dos argumentos empregados para provar o seu valor absoluto Bastará recordar que muitos direitos até mesmo os mais diversos entre si até mesmo os menos fundamentais fundamentais somente na opinião de quem os defendia foram subordinados à generosa e complacente natureza do homem Para dar um exemplo ardeu por muito tempo entre os jusnaturalistas a disputa acerca de qual das três soluções possíveis quanto à sucessão dos bens o retorno à comunidade a transmissão familiar de pai para filho ou a livre disposição pelo proprietário era a mais natural e portanto devia ser preferida num sistema que aceitava como justo tudo o que se fundava na natureza Podiam disputar por muito tempo com efeito todas as três soluções são perfeitamente compatíveis com a natureza do homem conforme se considere este último como membro de uma comunidade da qual em última instância sua vida depende como pai de família voltado por instinto natural para a continuação da espécie ou como pessoa livre e autônoma única respon NORBERTO BOBBIO 13 sável pelas próprias ações e pelos próprios bens Kant havia racionalmente reduzido os direitos irresistíveis que ele chamava de inatos a apenas um a liberdade Mas o que é a liberdade 4 Essa ilusão Já não e possível hoje toda busca do fundamento absoluto é por sua vez infundada Contra essa ilusão levanto quatro dificuldades e passo assim ao segundo tema A primeira deriva da consideração de que direitos do homem é uma expressão muito vaga já tentamos alguma vez definilos E se tentamos qual foi o resultado A maioria das definições são tautológicas Direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem Ou nos dizem algo apenas sobre o estatuto desejado ou proposto para esses direitos e não sobre o seu conteúdo Direitos do homem são aqueles que pertencem ou deveriam pertencer a todos os homens ou dos quais nenhum homem pode ser despojado Finalmente quando se acrescenta alguma referência ao conteúdo não se pode deixar de introduzir termos avaliativos Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoa mento da pessoa humana ou para o desenvolvimento da civilização etc etc E aqui nasce uma nova dificul dade os termos avaliativos são interpretados de modo diverso conforme a ideologia assumida pelo intérprete com efeito é objeto de muitas polêmicas apaixonantes mas inso lúveis saber o que se entende por aperfeiço amento da pessoa humana ou por desenvolvimento da civilização O acordo éobtido em geral quando os polemistas depois de muitas concessões recíprocas consentem em aceitar uma fórmula genérica que oculta e não resolve a contradição essa fórmula genérica conserva a definição no mesmo nível de generalida de em que aparece nas duas definições precedentes Mas as con tradições que são assim afastadas renascem quando se passa do momento da enunciação puramente verbal para o da aplicação O fundamento de direitos dos quais se sabe apenas que são condições para a realização de valores últimos e o apelo a esses valores últimos Mas os valores últimos por sua vez não se justificam o que se faz é assumilos O que é último precisamente por ser último não tem nenhum fundamento De resto os valores últimos são antinômicos não podem ser todos realizados globalmente e ao mesmo tempo Para realizálos são necessárias concessões de ambas as partes nessa obra de conciliação que requer renúncias recíprocas entram em jogo as preferências pessoais as opções políticas as orientações ideológicas Portanto permanece o fato de que nenhum dos três tipos de definição permite elaborar uma categoria de direitos do homem que tenha contornos nítidos Perguntase então como é possível pôr o problema do fundamento absoluto ou não de direitos dos quais é impossível dar uma noção precisa 5 Em segundo lugar os direitos do homem constituem uma classe variável como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente O elenco dos direitos do homem se modificou e continua a se modificar com a mudança das condições históricas ou seja dos carecimentos e dos interesses das classes no poder dos meios disponíveis para a realização dos mesmos das transformações técnicas etc Direitos que fo ram declara dos absolutos no final do século XVIII como a propriedade sacre et inviolable foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencio navam como os direitos sociais são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações Não é difícil prever que no futuro poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar como o direito a não portar armas contra a própria vontade ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas Não se concebe como seja possível atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos De resto não há por que ter medo do relativismo A constatada pluralidade das concepções religiosas e morais é um fato histórico também ele sujeito a modificação O relativismo que deriva dessa pluralidade é também relativo E além do mais é precisamente esse relativismo o mais forte argumento em favor de alguns direitos do homem dos mais celebrados como a liberdade de religião e em geral a liberdade de pensamento Se não estivéssemos convencidos da irresistível pluralidade das concepções últimas e se ao contrário estivéssemos convencidos de que asserções religiosas éticas e políticas são demonstráveis como teoremas e essa era mais uma vez a ilusão dos jusna turalistas de um Hobbes por exemplo que chamava as leis naturais de teoremas A E R A D O S D I R E I T O S 14 então os direitos à liberdade religiosa ou à liberdade de pensamento político perderiam sua razão de ser ou pelo menos adquiririam um outro significado seriam não o direito de ter a própria religião pessoal ou de expressar o próprio pensamento político mas sim o direito de não ser dissuadido pela força de empreender a busca da única verdade religiosa e do único bem político Reflitase sobre a profunda diferença que existe entre o direito à liberdade religiosa e o direito à liberdade cientifica O direito à liberdade religiosa consiste no direito a professar qualquer religião ou a não professar nenhuma O direito à liberdade científica consiste não no direito a professar qualquer verdade científica ou a não professar nenhuma mas essencialmente no direito a não sofrer empecilhos no processo da investigação científica 6 Além de mal definível item 4 e variável item 5 a classe dos direitos do homem é também heterogê nea Entre os direitos compreendidos na própria Declaração há pretensões muito diversas entre si e o que é pior até mesmo incompa tíveis Portanto as razões que valem para sustentar umas não valem para sustentar outras Nesse caso não se deveria falar de fundamento mas de fundamentos dos direitos do homem de diversos fundamentos conforme o direito cujas boas razões se deseja defender Inicialmente cabe dizer que entre os direitos humanos como já se observou várias vezes há direitos com estatutos muito diversos entre si Há alguns que valem em qualquer situação e para todos os homens indistin tamente são os direitos acerca dos quais há a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepci onais nem com relação a esta ou àquela categoria mesmo restrita de membros do gênero humano é o caso por exemplo do direito de não ser escra vizado e de não sofrer tortura Esses direitos são privilegiados porque não são postos em concorrência com outros direitos ainda que também fundamentais Porém até entre os chamados direitos fundamentais os que não são suspensos em nenhuma circunstância nem negados para determinada categoria de pessoas são bem poucos em outras Palavras são bem poucos os direitos considera dos fundamentais que não entram em concorrência com outros direitos também consi derados fundamentais e que portanto não imponham em certas situações e em relação a determinadas categorias de su jeitos uma opção Não se pode afirmar um novo direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir algum velho direito do qual se beneficiavam outras categorias de pessoas o reconhecimento do direito de não ser escravi zado implica a eliminação do direito de possuir escravos o reconhecimento do direito de não ser torturado implica a supressão do direito de torturar Nesses casos a escolha parece fácil e é evidente que ficaríamos maravilhados se alguém nos pedisse para jus tificar tal escolha consideramos evidente em moral o que não necessita ser justificado Mas na maioria dos casos a escolha é duvidosa e exige ser motivada Isso depende do fato de que tanto o direito que se afirma como o que é negado têm suas boas razões na Itália nor exemplo pedese a abolição da censura prévia dos espetáculos cinematográficos a escolha é simples se se puser num prato da balança a liberdade do artista e no outro o direito de alguns órgãos administrativos habitualmente incompetentes e medíocres de sufocála mas parece mais difícil se se contrapuser o direito de expressão do produtor do filme ao direito do público de não ser escandalizado ou chocado ou excitado A dificuldade da escolha se resolve com a introdução dos limites à extensão de um dos dois direitos de modo que seja em parte salvaguardado também o outro com relação aos espetáculos para continuarmos com nosso exemplo a Consti tuição italiana prevê o limite posto pelo resguardo dos bons costumes Portanto sobre esse ponto parece que temos de concluir que direitos que têm eficácia tão diversa não podem ter o mesmo fundamento e sobretudo que os direitos do segundo tipo fundamentais sim mas sujeitos a restrições não podem ter um fundamento absoluto que não permitisse dar uma justificação válida para a sua restrição 7 Do caso até agora exposto no qual se revela um contraste entre o direito fundamental de uma categoria de pessoas e o direito igualmente fundamental de uma outra categoria é preciso distinguir um caso que põe ainda mais gravemente em perigo a busca do fundamento absoluto aquele no qual se revela uma antinomia entre os direitos invocados pelas mes mas pessoas Todas as declarações recentes dos direitos do homem com preendem além dos direitos individuais tradicionais que consistem em liberdades também os chamados direi tos sociais que consistem em poderes Os primeiros exigem da parte dos outros incluídos aqui os órgãos públi cos obrigações pu ramente negativas que implicam a abstenção de determinados comportamentos os segun NORBERTO BOBBIO 15 dos só podem ser realizados se for imposto a outros incluídos aqui os órgãos públicos um certo número de obrigações positivas São antinômicos no sentido de que o desenvolvimento deles não pode proceder parale lamente a realização integral de uns impede a realização integral dos outros Quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduosTratase de duas situações jurídicas tão diversas que os argumentos utilizados para defender a primeira não valem para defender a segun da Os dois principais argumentos para in troduzir algumas liberdades entre os direitos fundamentais são a a irredutibilidade das crenças últimas b a crença de que quanto mais livre for o indivíduo tanto mais poderá ele pro gredir moralmente e promover também o progresso material da sociedade Ora desses dois argumentos o primeiro é irre levante para justificar a exigência de novos poderes enquanto o segundo se revelou histori camente falso Pois bem dois direitos fundamentais mas antinômicos não Podem ter um e outro um fundamento abso luto ou seja um fundamento que torne um direito e o seu oposto ambos inquestionáveis e irresistíveis Aliás vale a pena recordar que historicamente a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos total ou parcialmente incompatíveis com aqueles Bas ta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do funda mento absoluto dos direitos de liberdade O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão em alguns casos é também um pretexto para de fender posições conservadoras 8 Expus até aqui algumas razões pelas quais creio que não se possa propor a busca do fundamento absoluto dos direitos do homem Mas há um outro aspecto da questão que emergiu destas últimas considerações E com isso passo à terceira questão que me coloquei no início Tratase de saber se a busca do fundamento absoluto ainda que coroada de sucesso é capaz de obter o resultado esperado ou seja o de conseguir de modo mais rápido e eficaz o reconhecimento e a realização dos direitos do homem Entra aqui em discussão o segundo dogma do racionalismo ético que é de resto a Segunda ilusão do jusnaturalismo o de que os valores últimos não só podem ser demonstrados como teoremas mas de que basta demonstrálos ou seja tornálos em certo sentido inquestionáveis e irresistíveis para que seja assegurada sua realização Ao lado do dogma da demonstrabilidade dos valores últimos cuja ausência de fundamento tenta mos demonstrar nos itens anterio res o racionalismo ético em sua forma mais radical e antiga sustenta também que a racionalidade demonstrada de um valor é condição não só necessária mas também suficiente de sua realização O primeiro dogma assegura a potência da razão o segundo assegura o seu primado Esse segundo dogma do racionalismo ético e do jusnaturalismo que é a expressão histórica mais respeitá vel do racionalismo ético é desmentido pela experiência histórica Aduzo sobre esse ponto três argumentos Em primeiro lugar não se pode dizer que os direitos do homem tenham sido mais respeitados nas épocas em que os eruditos estavam de acordo em considerar que haviam en contrado um argumento irrefutável para defendêlos ou seja um fundamento absoluto o de que tais direitos derivavam da essência ou da natureza do homem Em segundo lugar apesar da crise dos fundamentos a maior parte dos governos existentes proclamou pela primeira vez nessas décadas uma Declaração Universal dos Direitos do Homem Por conseguin te de pois dessa declaração o problema dos fundamentos perdeu grande parte do seu interesse Se a maioria dos governos existentes concordou com uma declaração comum isso é sinal de que encontraram boas razões para fazêlo Por isso agora não se trata tanto de buscar outras razoes ou mesmo como querem os Jusnaturalistas redivivos a razão das razões mas de por as condições para uma mais ampla e escrupulosa rea lização dos direitos proclamados Decerto para empenharse na criação dessas condições é preciso que se esteja conven cido de que a realização dos direitos do homem é uma meta de sejável mas não basta essa convicção para que aquelas con dições se efetivem Muitas dessas condições e passo assim ao terceiro tema não dependem da boa vontade nem mesmo dos governantes e dependem menos ainda das boas razões adotadas para demonstrar a bondade absoluta desses direitos somente a transformação industrial num país por exemplo torna possível a proteção dos direitos ligados às relações detrabalho Devese recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem particularmente contra os direitos sociais não é a sua falta de fundamento mas a sua inexeqüibilidade Quando se trata de enunciálos o acordo é obtido com relativa facilidade independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamen A E R A D O S D I R E I T O S 16 to absoluto quando se trata de passar à ação ainda que o fundamento seja inquestionável começam as reservas e as oposições O problema fundamental em relação aos direitos do homem hoje não é tanto o de justificálos mas o de protegêlos Tratase de um problema não filosófico mas político 9 É inegável que existe uma crise dos fundamentos Devese reconhecêla mas não tentar superála bus cando outro fundamento absoluto para servir como substituto para o que se perdeu Nossa tarefa hoje é muito mais modesta embora também mais difícil Não se trata de encontrar o fundamento absoluto empreendi mento sublime porém desesperado mas de buscar em cada caso concreto os vários fundamentos possíveis Mas também essa busca dos fundamentos possíveis empreendimento legítimo e não destinado como o outro ao fracasso não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condi ções dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado Esse estudo é tarefa das ciências históricas e sociais O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos sociais econômicos psicológicos inerentes à sua realização o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios Isso significa que o filósofo já não está sozinho O filósofo que se obstinar em permanecer só termina por condenar a filosofia à esterilidade Essa crise dos fundamentos é tam bém um aspecto da crise da filosofia NORBERTO BOBBIO 17 PRESENTE E FUTURO DOS DIREITOS DO HOMEM H Á TRÊS ANOS no simpósio promovido pelo Institut International de Philosophie sobre o Fundamento dos Direitos do Homem tive oportunidade de dizer num tom um pouco peremptório no final de minha comunicação que o problema grave de nosso tempo com relação aos direitos do homem não era mais o de fundamentálos e sim o de protegêlos Desde então não tive razões para mudar de idéia Mais que isso essa frase que dirigida a um público de filósofos podia ter uma intenção polêmica pôde servir quando me ocorreu repetila no simpósio predominantemente jurídico promovido pelo Comitê Consultivo Italiano para os Direitos do Homem como introdução por assim dizer quase obrigatória Com efeito o problema que temos diante de nós não é filosófico mas jurídico e num sentido mais amplo político Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos qual é sua natureza e seu fundamento se são direitos naturais ou históricos absolutos ou relativos mas sim qual é o modo mais seguro para garantilos para impedir que apesar das solenes declarações eles sejam continuamente violados De resto quando a Assem bléia Geral da ONU em sua última sessão acolheu a proposta de que a Conferência Internacional dos Direi tos do Homem decidida na sessão do ano anterior fosse realizada em Teerã na primavera de 1968 fazia votos de que a conferênciaassinalasse um notável passo à frente na ação empreendida no sentido de encorajar e ampliar o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais Entendese que a exigência do respei to aos direitos humanos e às liberdades fundamentais nasce da convicção partilhada universalmente de que eles pos suem fundamento o problema do fundamento é ineludível Mas quando digo que o problema mais urgente que temos de enfrentar não é o problema do fundamento mas o das garantias quero dizer que consi deramos o problema do fundamento não como inexistente mas como em certo sentido resolvido ou seja como um problema com cuja solução já não devemos mais nos preocupar Com efeito podese dizer que o problema do fundamento dos direitos humanos teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1848 A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e por tanto reconhecido e essa prova é o consenso geral acerca da sua validade Os jusnaturalistas teriam falado de consensus omnium gentium ou humani generis Há três modos de fundar os valores deduzilos de um dado objetivo constante como por exemplo a natureza humana considerálos como verdades evidentes em si mesmas e finalmente a descoberta de que num dado período his tórico eles são geralmente aceitos precisamente a prova do consenso O primeiro modo nos ofereceria a maior garantia de sua validade universal se verdadeiramente existisse a natureza huma na e admitindose que existisse como dado constante e imutável tivéssemos a possibilidade de conhecêla em sua essência a julgarmos pela história do jusnaturalismo a natureza humana foi interpretada dos mais diferen tes modos e o apelo à natureza serviu para justificar sistemas de valores até mesmo diversos entre si Qual é o direito fundamental do homem segundo a sua natureza O direito do mais forte como queria Spinoza ou o direito à liberdade como queria Kant O segundo modo o apelo à evidência tem o defeito de se situar para além de qualquer prova e de se recusar a qualquer argumentação possível de caráter racional na realida de tão logo submetemos valores proclamados evidentes à verificação histórica percebemos que aquilo que foi considerado como evidente por alguns num dado momento não é mais considerado como evidente por outros em outro momento Deve provavelmente ter aparecido como evidente aos autores da Declaração de 1789 que a propriedade era sagrada e inviolável Hoje ao contrário toda referência ao direito de proprieda de como direito do homem desapareceu nos documentos mais recentes das Nações Unidas Atualmente quem não pensa que é evidente que não se deve torturar os prisioneiros Todavia durante séculos a tortura foi aceita e de fendida como um procedimento judiciário normal Desde que os homens começaram a refletir sobre a justificação do uso da violência foi sempre evidente que vim vi repellere licet atualmente ao contrário A E R A D O S D I R E I T O S 18 difundemse cada vez mais teorias da nãoviolência que se fundam precisamente na recusa desse conceito O terceiro modo de justificar os valores consiste em mos trar que são apoiados no consenso o que significa que um valor é tanto mais fundado quanto mais é aceito Com o argumento do consenso substituise pela prova da intersubjetividade a prova da objetividade considerada impossível ou extremamente incerta Trata se certamente de um fundamento histórico e como tal não absoluto mas esse fundamento histórico do consenso é o único que pode ser factualmente comprovado A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determi nado sistema de valores Os velhos jusnaturalistas desconfiavam e não estavam inteiramente errados do consenso geral como fundamento do direito já que esse consenso era dificil de comprovar Seria necessário buscar sua expressão documental através da inquieta e obscura história das nações como tentaria fazêlo Giambattista Vico Mas agora esse documento existe foi aprovado por 48 Estados em 10 de dezembro de 1948 na Assembléia Geral das Nações Unidas e a partir de então foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados mas de indivíduos livres e iguais Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história na medida em que pela primeira vez um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito através de seus respectivos governos pela maioria dos homens que vive na Terra Com essa declaração um sistema de valores é pela primeira vez na história universal não em princípio mas de fato na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado Os valores de que foram portadoras as religiões e as Igrejas até mesmo a mais universal das religiões a cristã envolveram de fato isto é historicamente até hoje apenas uma parte da humanidade Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade toda a humanidade partilha alguns valores comuns e podemos finalmente crer na universalidade dos valores no único sentido em que tal crença é historicamente legítima ou seja no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens Esse universalismo foi uma lenta conquista Na história da formação das declarações de direitos podemse distinguir pelo menos três fases As declarações nascem como teorias filosóficas Sua primeira fase deve ser buscada na obra dos filósofos Se não quisermos remontar até a idéia estóica da sociedade universal dos ho mens racionais o sábio é cidadão não desta ou daquela pátria mas do mundo a idéia de que o homem enquanto tal tem direitos por natureza que ninguém nem mesmo o Estado lhe pode subtrair e que ele mesmo não pode alienar mesmo que em caso de necessidade ele os aliene a transferência não é válida essa idéia foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno Seu pai é John Locke Segundo Locke o verdadeiro estado do homem não é o estado civil mas o natural ou seja o estado de natureza no qual os homens são livres e iguais sendo o estado civil uma criação artificial que não tem outra meta além da de permitir a mais ampla explicitação da liberdade e da igualdade naturais Ainda que a hipótese do estado de natureza tenha sido abandonada as primeiras palavras com as quais se abre a Declaração Universal dos Direitos do Homem con servam um claro eco de tal hipótese Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos O que é uma maneira diferente de dizer que os homens são livres e iguais por natureza E como não recordar as primeiras célebres palavras com que se inicia o Contrato social de Rousseau ou seja O homem nasceu livre e por toda a parte encontrase a ferros A Declaração conserva apenas um eco porque os homens de fato não nascem nem livres nem iguais São livres e iguais com relação a um nascimento ou natureza ideais que era precisamente a que tinham em mente os jusnaturalistas quando falavam em estado de natureza A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato mas um ideal a perseguir não são uma existência mas um valor não são um ser mas um dever ser Enquanto teorias filosóficas as primeiras afirmações dos direitos do homem são pura e simplesmente a expressão de um pensamento individual são universais em relação ao conteúdo na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo mas são extrema mente limitadas em relação à sua eficácia na medida em que são na melhor das hipóteses propostas para um futuro legislador No momento em que essas teorias são acolhidas pela primeira vez por um legislador o que ocorre com as Declarações de Direitos dos Estados Norteamericanos e da Revolução Francesa um pouco depois e postas na base de uma nova concepção do Estado que não é mais absoluto e sim limitado que não é mais fim em NORBERTO BOBBIO 19 si mesmo e sim meio para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria existência a afirmação dos direitos do homem não é mais expressão de uma nobre exigência mas o ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos no sentido estrito da pa lavra isto é enquanto direitos positivos ou efetivos O segundo momento da história da Declaração dos Direitos do Homemconsiste portanto na passagem da teoria à prática do direito somente pensado para o direito realizado Nessa passagem a afirmação dos direitos do homem ganha em concreticidade mas perde em universalidade Os direitos são doravante protegidos ou seja são autênticos direitos positivos mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece Embora se mantenha nas fórmulas solenes a distinção entre direitos do homem e direitos do cidadão não são mais direitos do homem e sim apenas do cidadão ou pelo menos são direitos do homem somente enquanto são direitos do cidadão deste ou daquele Estado particular Com a Declaração de 1948 tem inicio uma terceira e última fase na qual a afirmação dos direitos é ao mesmo tempo universal e positiva universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado mas todos os homens positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha vio lado No final desse processo os direitos do cidadão terão se transformado realmente positivamen te em direitos do homem Ou pelo menos serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras porque compreende toda a humanidade ou em outras palavras serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo Somos tentados a descrever o processo de desenvolvimento que culmina da Declara ção Universal também de um outro modo servindonos das categorias tradicionais do direito natural e do direito positivo os direitos do homem nascem como direitos naturais universais desenvolvemse como direi tos positivos particulares para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético que começa pela universali dade abstrata dos direitos naturais transfigurase na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata mas também ela concreta dos direitos positivos universais Quando digo contém em germe quero chamar a atenção para o fato de que a Declaração Universal é apenas o início de um longo processo cuja realização final ainda não somos capazes de ver A Declaração é algo mais do que um sistema doutrinário porém algo menos do que um sistema de normas jurídicas De resto como já várias vezes foi observado a própria Declaração proclama os princípios de que se faz pregoeira não como normas jurídicas mas como ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas as nações Uma remissão às normas jurídicas existe mas está contida num juízo hipotético Com efeito lêse no Preâm bulo que é indispensável que os direitos do homem sejam protegidos por normas jurídicas se se quer evitar que o homem seja obrigado a recorrer como última instância à rebelião contra a tirania e a opressão Essa proposição se limita a estabelecer uma conexão necessária entre determinado meio e determinado fim ou se quisermos apresenta uma opção entre duas alternativas ou a proteção jurídica ou a rebelião Mas não põe em ação o meio Indica qual das duas alternativas foi escolhida mas ainda não é capaz de realizála São coisas diversas mostrar o caminho e percorrêlo até o fim Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais a única defesa possí vel contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural o chamado direito de resistência Mais tarde nas Constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos o direito natural de resistência transformouse no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado Mas o que podem fazer os cidadãos de um Estado que não tenha reconhecido os direitos do homem como direitos dignos de proteção Mais uma vez só lhes resta aberto o caminho do chamado direito de resistência Somente a extensão dessa proteção de alguns Estados para todos os Estados e ao mesmo tempo a proteção desses mesmos direitos num degrau mais alto do que o Estado ou seja o degrau da comunidade internacional total ou parcial poderá tornar cada vez menos provável a alternativa entre opressão e resistên cia Portanto e claro que com aquele juízo hipotético ou o que é o mesmocom aquela alternativa os autores da Declaração demonstraram estar perfeitamente conscientes do meio que leva ao fim desejado Mas uma coisa é a consciência do meio outra a sua realização Quando se diz que a Declaração Universal representou apenas o momento inicial da fase final de um Processo o da conversão universal em direito positivo dos direitos do homem pensase habitualmente na A E R A D O S D I R E I T O S 20 dificuldade de implementar medidas eficientes para a sua garantia numa comunidade como a inter nacional na qual ainda não ocorreu o processo de monopolização da força que caracterizou o nascimento do Estado moderno Mas há também problemas de desenvolvimento que dizem respeito ao próprio conteúdo da Decla ração Com relação ao conteúdo ou seja à quantidade e à qualidade dos direitos elencados a Declaração não pode apresentar nenhuma pretensão de ser de finitiva Também os direitos do homem são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem A expressão direitos do homem que é certamente enfática ainda que oportunamente enfática pode provocar equívocos já que faz pensar na exis tência de direitos que pertencem a um homem abstrato e como tal subtraídos ao fluxo da história a um homem essencial e eterno de cuja contemplação derivaríamos o conhecimento infalível dos seus direitos e deveres Sabemos hoje que também os direitos ditos humanos são o produto não da natureza mas da civilização humana enquanto direitos históricos eles são mutáveis ou seja suscetíveis de transformação e de ampliação Basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos Hobbes conhecia apenas um deles o direito à vida Como todos sabem o desen volvimento dos direitos do homem passou por três fases num primeiro momento afirmaramse os direitos de liberdade isto é todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo ou para os grupos particulares uma esfera de liberdade em relação ao Estado num segundo momento foram propugnados os direitos políticos os quais concebendo a liberdade não apenas negativamente como nãoimpedimento mas positivamente como autonomia tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla gene ralizada e freqüen te dos membros de uma comunidade no poder político ou liberdade no Estado finalmente foram proclama dos os direitos sociais que expressam o amadurecimento de novas exigências podemos mesmo dizer de novos valores como os do bemestar e da igualdade não apenas formal e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado Se tivessem dito a Locke campeão dos direitos de liberdade que todos os cidadãos deveriam participar do poder político e pior ainda obter um trabalho remunerado ele teria respondido que isso não passava de loucura E não obstante Locke tinha examinado a fundo a natureza humana mas a natureza humana que ele examinara era a do burguês ou do comerciante do século XVIII e não lera nela porque não podia lêlo daquele ângulo as exigências e demandas de quem tinha uma outra natureza ou mais precisamente não tinha nenhuma natureza humana já que a natureza humana se identi ficava como a dos pertencentes a uma classe determinada Ora a Declaração Universal dos Direitos do Homem que é certamente com relação ao processo de prote ção global dos direitos do homem um ponto de partida para uma meta progressiva como dissemos até aqui representa ao contrário com relação ao conteúdo isto é com relação aos direitos proclamados um ponto de parada num processo de modo algum concluído Os direitos elencados na Declaração não são os únicos e possíveis direitos do homem são os direitos do homem histórico tal como este se configurava na mente dos redatores da Declaração após a tragédia da Segunda Guerra Mundial numa época que tivera início com a Revolução Francesa e desembocara na Revolução Soviética Não e preciso muita imaginação para prever que o desenvolvimento da técnica a transformação das condições econômicas e sociais a ampliação dos conheci mentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novos carecimentos e portanto para novas demandas de liberdade e de poderes Para dar apenas alguns exemplos lembro que a crescente quantidade e intensidade das informações a que o homem de hoje está submetido faz surgir com força cada vez maior a necessidade de não se ser enganado excitado ou perturbado por uma propaganda maciça e deformadora começa a se esboçar contra o direito de expressar as próprias opiniões o direito à verdade das informações No campo do direito à participação no poder fazse sentir na medida em que o poder econômico se torna cada vez mais determinante nas decisões políticas e cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de cada homem a exigência de participação no poder econômico ao lado e para além do direito já por toda parte reconhecido ainda que nem sempre aplicado de participação no poder político O campo dos direitos sociais finalmente está em contínuo movimento assim como as demandas de proteção social nasceram com a revolução industrial é provável que o rápido desenvolvimento técnico e econômico traga consigo novas demandas que hoje não somos capazes nem de prever A Declaração Univer sal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda NORBERTO BOBBIO 21 metade do século XX É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre Quero dizer com isso que a comunidade internacional se encontra hoje diante não só do problema de fornecer garantias válidas para aqueles direitos mas também de aperfei çoar continuamente o conteúdo da Declaração articulandoo especificandoo atualizandoo de modo a não deixálo cristalizarse e enrijecer se em fórmulas tanto mais solenes quanto mais vazias Esse problema foi enfrentado pelos organismos interna cionais nos últimos anos mediante uma série de atos que mostram quanto é grande por parte desses organis mos a consciência da historicidade do documento inicial e da necessidade de mantêlo vivo fazendoo cres cer a partir de si mesmo Tratase de um verdadeiro desenvolvimento ou talvez mesmo de um gradual amadurecimento da Declaração Universal que gerou e está para gerar outros documentos interpretativos ou mesmo complementares do documento inicial Limitome a alguns exemplos A Declaração dos Direito da Criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959 referese em seu preâmbulo a Declaração Universal mas logo após essa referência apresenta o problema dos direitos da criança como uma especificação da solução dada ao problema dos direitos do homem Se se diz que a criançapor causa de sua imaturidade física e intelectual necessita uma proteção particular e de cuidados especiais deixase assim claro que os direitos da criança são consideradas como um ius singulare com relação a um ius commune o destaque que se dá a essa especificidade através do novo documen to deriva de um processo de especificação do genérico no qual se realiza o respeito à máxima suum cuique tribuere Recordemos o art 2º da Declaração Universal que condena toda discriminação fundada não só sobre a religião a língua etc mas também sobre o sexo e a raça No que se refere à discriminação fundada na diferença de sexo a Declaração não vai e não pode ir além dessa enunciação genérica já que se deve entender que quando o texto fala de indivíduos referese indiferentemente a homens e mulheres Mas em 20 de dezembro de 1952 a Assembléia Geral aprovou urna Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher que nos primeiros três artigos prevê a não discriminação tanto em relação ao direito de votar e de ser votado quanto à possibilidade de acesso a todos os cargos públicos Quanto à discriminação racial basta recordar que em 20 de novembro de 1963 a Assembléia Geral aprovou uma Declaração seguida dois anos depois por uma Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial que especifica em onze artigos algumas espécies típicas de ação discriminatória e contempla também práticas especificas e bem deli mitadas de discriminação particularmente o apartheid art 5º práticas específicas que não podiam evidente mente estar previstas numa declaração geral Talvez um dos fenômenos mais interessantes e evidentes do crescimento do problema dos direitos do ho mem seja aquele relacionado com o processo de descolonização o qual teve lugar de modo mais decisivo é bom recordar depois da Declaração Universal Pois bem na Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais aprovada em 14 de dezembro de 1960 temos a habitual referência genérica aos direitos do homem globalmente considerados mas temos também algo mais a afirmação desde o primeiro artigo de que a sujeição dos povos ao domínio estrangeiro é uma ne gação dos direitos fundamentais do homem Tratase de uma autêntica complementação cujo caráter explosivo não é difícil de imaginar ao texto da Declaração Universal Com efeito uma coisa é dizer como o faz a Declaração Universal no art 2º 2 que nenhuma distinção será estabelecida com base no estatuto político jurídico ou internacional do país ou do ter ritório a que uma pessoa pertence outra é considerar como contrária aos direitos do homem como o faz a Declaração da Independência a sujeição dos povos ao domínio estrangeiro A primeira afirmação referese à pessoa individual a segunda a todo um povo Uma chega até a nãodiscriminação individual a outra prossegue até a autonomia coletiva E ligase com efeito ao princípio já proclamado desde os tempos da Revolução Francesa e que se tornou depois um dos motivos inspiradores dos movimentos nacionais dos séculos XIX e XX do direito de todo Povo à autodeterminação princípio que faz seu reaparecimento precisamente no art 2º da mesma Declaração de Independência Portanto tornase evidente que ao lado da afirmação dos direitos de cada homem aos quais se refere de modo exclusivo a Declaração Universal tornou se agora madura através do processo de descolonização e da tomada de consciência dos novos valores que ele expressa a exigência de afirmar direitos fundamentais dos povos que não estão necessariamente inclu ídos nos primeiros Chegouse ao ponto de acolher o princípio de autodeterminação dos povos como primeiro princípio ou princípio dos princípios nos úl timos e mais importantes documentos relativos aos direitos do A E R A D O S D I R E I T O S 22 homem aprovados pelas Nações Unidas O Pacto sobre os direitos econômicos sociais e culturais e o Pacto sobre os direitos civis e políticos ambos adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 começam assim Todos os povos têm o direito à autodeterminação e prosseguem Em virtude desse direito eles decidem livremente sobre seu estatuto político e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico sócio cultural O art 3º de ambos os pactos reiterando afirma que os Estados devem promover a realização do direito à autodeterminação dos povos Não tenho a pretensão de elencar todos os casos em que a atividade de promoção dos direitos humanos realizada pelos organismos das Nações Unidas e penso particularmente nas convenções sobre o trabalho e a liberdade sindical adotadas pela Organização Internacional do Trabalho representou um desenvolvi mento e uma determinação mais precisa da Declaração Universal Mas não posso deixar de recordar ainda a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio aprovada pela Assembléia Geral em 9 de dezembro de 1958 que estende a um grupo humano considerado em seu conjunto os artigos 3 e 5 da Declaração Univer sal os quais atribuem ao indivíduo os direitos à vida à segurança pessoal a não ser escravizado ou tratado de maneira cruel desumana ou degradante Mais uma vez para além dos direitos do homem como indivíduo desenhamse novos direitos de grupos humanos povos e nações Um caso interessante e bastante desconcertante dessa Magna Charta dos povos em processo de elaboração é o art 47 do Pacto sobre os direitos civis e políticos que fala de um direito inerente a todos os povos de desfrutar e de dispor plenamente de suas riquezas e recursos naturais Não é difícil entender as razões dessa afirmação bem mais difícil é prever suas con seqüências caso ela seja aplicada literalmente Afirmei no inicio que o importante não é fundamentar os direitos do homem mas protegêlos Não preciso aduzir aqui que para protegêlos não basta proclamálos Falei até agora somente das várias enunciações mais ou menos articuladas O problema real que temos de enfrentar contudo é o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos E inútil dizer que nos encontramos aqui numa estrada desco nhecida e além do mais numa estrada pela qual trafegam na maioria dos casos dois tipos de cami nhantes os que enxergam com clareza mas têm os pés presos e os que poderiam ter os pés livres mas têm os olhos vendados Pareceme antes de mais nada que é preciso distinguir duas ordens de dificuldades umade natureza mais propriamente jurídicopolítica outra substancial ou seja inerente ao conteúdo dos direitos em pauta A primeira dificuldade depende da própria natureza da comunidade internacional ou mais precisamente do tipo de relações existentes entre os Estados singulares e entre cada um dos Estados singulares e a comuni dade internacional tomada em seu conjunto Para retomar uma velha distinção empregada outrora para descrever as relações entre Estado e Igreja poderseia dizer com o grau de aproximação que é inevitável nas distinções muito nítidas que os organismos internacionais possuem em relação aos Estados que os compõem uma vis directiva e não coactiva Ora quando falamos de proteção jurídica e queremos distinguila de outras formas de controle social pensamos na proteção que tem o cidadão quando a tem no interior do Estado ou seja numa proteção que é fundada na vis directiva e da vis coactiva quanto à eficácia é um problema complexo que não pode ser abordado aqui Limitome à seguinte observação para que a vis directiva alcance seu próprio fim são necessárias em geral uma ou outra destas duas con dições melhor sendo quando as duas ocorrem em conjunto a o que a exerce deve ter muita autoridade ou seja deve incutir se não temor reverencial pelo menos respeito b aquele sobre o qual ela se exerce deve ser muito razoável ou seja deve ter uma disposição genérica a considerar como válidos não só os argumentos da força mas também os da razão Ainda que toda generalização seja indébíta e as relações entre os Estados e os organismos internacionais possam ser de natureza muito diver sa é preciso admitir que existem casos nos quais faltam uma ou outra das duas condi ções quando não faltam ambas E é precisamente nesses casos que se pode verificar mais facilmente a situação de insuficiente e até mesmo de inexistente proteção dos direitos do homem situação que deveria ser remedi ada pela comunidade internacional O desprezo pelos direitos do homem no plano interno e o escasso respeito à autoridade internacional no plano externo marcham juntos Quanto mais um governo for autoritário em relação à liberdade dos seus cidadãos tanto mais será libertário que me seja permitido usar essa expressão em face da autoridade internacional Repetindo a velha distinção ainda que de modo mais preciso a teoria política distingue hoje substancial mente duas formas de controle social a influência e o poder entendendose por influência o modo de NORBERTO BOBBIO 23 controle que determina a ação do outro incidindo sobre sua escolha e por poder o modo de controle que determina o comportamento do outro pondoo na impossibilidade de agir diferentemente Mesmo partindo se dessa distinção resulta claro que existe uma diferença entre a proteção jurídica em sentido estrito e as garantias internacionais a primeira servese da forma de controle social que é o poder as segundas são funda das exclusivamente na influência Tomemos a teoria de Felix Oppenheim que distingue três formas de influ ência a dissuasão o desencorajamento e o con dicionamento e três formas de poder a violência física o impedimento legal e a ameaça de sanções graves O controle dos organismos internacionais corresponde bastante bem às três formas de influência mas estanca diante da primeira forma de poder Contudo é precisa mente com a primeira forma de poder que começa aquele tipo de proteção a que estamos habituados por uma longa tradição a chamar de jurídica Longe de mim a idéia de promover uma inútil questão de palavras trata se de saber substantivamente quais são as possíveis formas de controle social e com base nessa tipologia estabelecer quais são as empregadas e empregáveis atualmente pela comunidade internacional e depois dis tinguindo formas mais ou menos eficazes com relação ao fim que é o de impedir ou reduzir ao mínimo os comportamentos desviantes perguntar qual seria com relação à tutela dos direitos do homem o grau de eficácia das medidas atualmente aplicadas ou aplicáveis no plano internacional As atividades até aqui implementadas pelos organismos internacionais tendo em vista a tutela dos direitos do homem podem ser consideradas sob três aspectos promoção controle e garantia Por promoção entendese o conjunto de ações que são orientadas para este duplo objetivo a induzir os Estados que não têm uma disciplina específica para a tutela dos direitos do homem a introduzila b induzir os que já a têm a aperfeiçoá la seja com relação ao direito substancial número e qualidade dos direitos a tutelar seja com relação aos procedimentos número e qualidade dos controle jurisdicionais Por atividades de controle entendese o conjunto de medidas que os vários organismos internacionais põem em movimento para verificar se e em que grau as recomendações foram acolhidas se e em que grau as convenções foram respeitadas Dois modos típicos para exercer esse controle ambos previstos por exemplo nos dois Pactos de 1966 já mencionados são os relatórios que cada Estado signatário da convenção se compromete a apresentar sobre as medidas adotadas para tutelar os direitos do homem de acordo com o próprio pacto cf art 40 bem como os comunicados com os quais um Estado membro denuncia que um outro Estado membro não cumpriu as obrigações decorrentes do pacto cf art 41 Finalmente por atividades de garantia talvez fosse melhor dizer de garantia em sentido estrito entendese a organização de uma autêntica tutela jurisdicional de nível internacional que substitua a nacional A separação entre as duas primeiras formas de tutela dos direitos do homem e a terceira é bastante nítida enquanto a promoção e o controle se dirigem exclusivamente para as garantias existentes ou a instituir no interior do Estado ou seja tendem a reforçar ou a aperfeiçoar o sistema juris dicional nacional a terceira tem como meta a criação de uma nova e mais alta jurisdição a substituição da garantia nacional pela interna cional quando aquela for insuficiente ou mesmo inexistente Como se sabe esse tipo de garantia foi previsto pela Convenção Européia dos Direitos do Homem firmada em Roma em 4 de novembro de 1950 e que entrou em vigor em 3 de setembro de 1953 através do procedimen to saudado como profundamente inovador das demandas individuais à Comissão Européia dos Direitos do Homem cf art 25 É uma inovação que representa até agora apenas uma ponta avançada no sistema atual da proteção internacional dos di reitos do homem Mas só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma jurisdição internacional conseguir imporse e superporse às jurisdições nacionais e quando se realizar a passagem da garantia dentro do Estado que é ainda a caracte rística predominante da atual fase para a garantia contra o Estado Devese recordar que a luta pela afirmação dos direitos do homem no interior de cada Estado foi acompa nhada pela instauração dos regimes representativos ou seja pela dissolução dos Estados de poder concentra do Embora toda analogia histórica deva ser feita com muita cautela é provável que a luta pela afirmação dos direitos do homem também contra o Estado pressuponha uma mudança que de fato já está em andamento ainda que lento sobre a concepção do poder ex terno do Estado em relação aos outros Estados bem como um aumento do caráter representativo dos organismos inter nacionais O exemplo da Convenção Européia ensi na que as formas de garantia internacional são mais evoluídas hoje nos casos em que são mais evoluídas as garantias nacionais ou seja a rigor nos casos em que são menos necessárias Chamamos de Estados de direi to os Estados onde funciona regularmente um sistema de garantias dos direitos do homem no mundo exis A E R A D O S D I R E I T O S 24 tem Estados de direito e Estados não de direito Não há dúvida de que os cidadãos que têm mais necessidade da proteção internacional são os cidadãos dos Estados não de direito Mas tais Estados são precisamente os menos incli nados a aceitar as transformações da comunidade internacional que deveriam abrir caminho para a instituição e o bom funcionamento de uma plena proteção jurídica dos direitos do homem Dito de modo drástico encontramonos hoje numa fase em que com relação à tutela internacional dos direitos do homem onde essa é possível talvez não seja necessária e onde é necessária é bem menos possível Além das dificuldades jurídicopolíticas a tutela dos direitos do homem vai de encontro a dificuldades inerentes ao próprio conteúdo desses direitos Causa espanto que de modo geral haja pouca preocupação com esse tipo de dificuldade Dado que a maior parte desses direitos são agora aceitos pelo senso moral comum crêse que o seu exercício seja igualmente simples Mas ao contrário é terrivelmente complicado Por um lado o consenso geral quanto a eles induz a crer que tenham um valor absoluto por outro a expressão genérica e única direitos do homem faz pensar numa categoria homogênea Mas ao contrário os direitos do homem em sua maio ria não são absolutos nem constituem de modo algum uma categoria homogênea Entendo por valor absoluto o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem válidos em todas as situações e para todos os homens sem distinção Tratase de um estatuto privilegiado que depende de uma situação que se verifica muito raramente é a situação na qual existem direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais É preciso partir da afirmação óbvia de que não se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas O direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos assim como o direito de não ser torturado implica a eliminação do direito de torturar Esses dois direitos podem ser conside rados absolutos já que a ação que é conside rada ilícita em conseqüência de sua instituição e proteção e universalmente condenada Prova disso é que na Convenção Européia dos Direitos do Homem ambos esses direitos são explicitamente excluídos da suspensão da tutela que atinge to dos os demais direitos em caso de guerra ou de outro perigo público cf art 15 2 Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem ao contrário ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante Basta pensar para ficarmos num exemplo no direito à liberdade de expressão por um lado e no direito de não ser enganado excitado escandalizado injuriado difamado vilipendiado por outro Nesses casos que são a maioria devese falar de direitos funda mentais não absolutos mas relativos no sentido de que a tutela deles encontra em certo ponto um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental mas concorrente E dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um termina e o outro começa a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas Alguns artigos da Convenção Européia dos Direitos do Homem são como se sabe divididos em dois parágrafos o primeiro dos quais enuncia o direito enquanto o outro enumera as restrições freqüentemente numerosas Além disso há situações em que até mesmo um direito que alguns grupos consideram fundamental não consegue fazerse reconhecer pois continua a predominar o direito fundamental que lhe é con traposto como é o caso da objeção de consciência O que e mais fundamental o direito de não matar ou o direito da coletividade em seu conjunto de ser defendida contra uma agressão externa Com base em que critério de valor uma tal questão pode ser resolvida Minha consciência o sistema de valores do grupo a que pertenço ou a consciência moral da humanidade num dado momento histórico E quem não per cebe que cada um desses critérios é extremamente vago demasiado vago para a concretização daquele princípio de certeza de que parece ter necessidade um sistema jurídico para poder distribuir imparcialmente a razão e a nãorazão Quando digo que os direitos do homem constituem uma categoria heterogênea refirome ao fato de que desde quando passaram a ser considerados como direitos do homem além dos direitos de liberdade também os direitos sociais a categoria em seu conjunto passou a conter direitos entre si incompatíveis ou seja direitos cuja proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a proteção de outros Podese fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo tempo livre e justa na qual são global e simultaneamente realizados os direitos de liberdade e os direitos sociais as sociedades reais que temos diante de nós são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos livres Esclareço dizendo que chamo de liberdades os direitos que são garantidos quan do o Estado não intervém e de poderes os direitos que exigem uma intervenção do Estado para sua efetivação Pois bem liberdades e poderes com freqüência não NORBERTO BOBBIO 25 são como se crê complementares mas incompatíveis Para dar um exemplo banal o aumento do poder de comprar automóveis diminuiu até quase paralisar a liberdade de circulação Outro exemplo um pouco menos banal a extensão do direito social de ir à escola até os catorze anos suprimiu na Itália a liberdade de escolher um tipo de escola e não outro Mas talvez não haja necessidade de dar exemplos a sociedade histó rica em que vivemos caracterizada por uma organização cada vez maior em vista da efi ciência é uma socie dade em que a cada dia adquirimos uma fatia de poder em troca de uma falta de liberdade Essa distinção entre dois tipos de direitos humanos cuja realização total e simultânea é impossível é consagrada de resto pelo fato de que também no plano teórico se encontram frente a frente e se opõem duas concepções diversas dos direitos do homem a liberal e a socialista A diferença entre as suas concepções consiste precisamente na convicção de ambas de que entre os dois tipos de direito é preciso escolher ou pelo menos estabelecer uma ordem de prioridade com a conseqüente diversidade do critério da escolha e da ordem de prioridade Embora cada uma delas tenha pretendido fazer uma síntese a história submeteu a uma dura prova os regimes que as representavam O que podemos esperar do desenvolvimento dos dois tipos de regime não é uma síntese definitiva mas no máximo um compromisso ou seja uma síntese mas provisória Mais uma vez porém colocase a questão quais serão os critérios de avaliação com base nos quais se tentará o compromisso Também a essa questão ninguém é capaz de dar uma resposta que permita à humanidade evitar o perigo de incorrer em erros trágicos Através da proclamação dos direitos do homem fizemos emergir os valores fundamen tais da civilização humana até o presente Isso é verdade Mas os valores últimos são antinômicos e esse é o problema Uma última consideração Falei das dificuldades que surgem no próprio seio da categoria dos direitos do homem considerada em sua complexidade Cabe ainda mencionar uma dificuldade que se refere às condições de realização desses direitos Nem tudo o que é desejável e merecedor de ser perseguido é realizável Para a realização dos direitos do homem são freqüentemente necessárias condições objetivas que não depen dem da boa vontade dos que os proclamam nem das boas disposições dos que possuem os meios para protegêlos Mesmo o mais liberal dos Estados se encontra na necessidade de suspender alguns direitos de liberdade em tempos de guerra do mesmo modo o mais socialista dos Estados não terá condições de garantir o direito a uma retribuição justa em épocas de carestia Sabese que o tremendo problema diante do qual estão hoje os países em desenvolvimento é o de se encontrarem em condições econômicas que apesar dos programas ideais não permitem desenvolver a proteção da maioria dos direitos sociais O direito ao trabalho nasceu com a Revolu ção Industrial e é estreitamente ligado à sua consecução Quanto a esse direito não basta fundamentálo ou proclamálo Nem tampouco basta protegêlo O problema da sua realização não é nem filosófico nem moral Mas tampouco é um problema jurídico É um problema cuja solução depende de um certo desenvolvimento da sociedade e como tal desafia até mesmo a Constituição mais evoluída e põe em crise até mesmo o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica Creio que uma discussão sobre os direitos humanos deve hoje levar em conta para não correr o risco de se tornar acadêmica todas as dificuldades procedimentais e substantivas as quais me referi brevemente A efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana E um problema que não pode ser isolado sob pena não digo de não resolvêlo mas de sequer compreendêlo em sua real dimensão Quem o isola já o perdeu Não se pode pôr o problema dos direitos do homem abstrain do dos dois grandes problemas de nosso tempo que são os problemas da guerra e da miséria do absurdo contraste entre o excesso de potência que criou as condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grandes massas humanas à fome Só nesse contexto é que podemos nos aproximar do problema dos direitos com senso de realismo Não devemos ser pessimistas a ponto de nos abandonarmos ao desespero mas também não devemos ser tão otimistas que nos tornemos presunçosos A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso do desenvolvimento dos direitos humanos depois da Segunda Guerra Mundial aconselharia este salutar exercício ler a Declaração Universal e depois olhar em torno de si Será obrigado a reconhecer que apesar das antecipações iluminadas dos filó sofos das corajosas formulações dos juristas dos esforços dos políticos de boa vontade o caminho a percorrer e ainda longo E ele terá a impressão de que a história humana embora velha de milênios quando comparada às enormes tarefas que está diante de nós talvez tenha apenas começado A E R A D O S D I R E I T O S 26 A ERA DOS DIREITOS N ÃO FAZ MUITO TEMPO um entrevistador após uma longa conversa sobre as característica de nosso tempo que despertam viva preocupação para o futuro da humanidade sobretudo três o aumento cada vez maior e até agora incontrolado da população o aumento cada vez mais rápido e até agora incontrolado da degradação do ambiente o aumento cada vez mais rápido incontrolado e insensato do poder destrutivo dos armamentos perguntoume no final e em meio a tantas previsíveis causas de infelicidade eu via algum sinal positivo Respondi que sim que via pelo menos um desses sinais a crescente importância atribuída nos debates internacionais entre homens de cultura e políticos em seminários de estudo e em conferências gover namentais ao problema do reconhecimento dos direitos do homem O problema bem entendido não nasceu hoje Pelo menos desde o início da era moderna através da difusão das doutrinas jusnaturalistas primeiro e das Declarações dos Direitos do Homem incluídas nas Cons tituições dos Estados liberais depois o problema acompanha o nascimento o desenvolvimento a afirmação numa parte cada vez mais ampla do mundo do Estado de direito Mas é também verdade que somente depois da Segunda Guerra Mundial é que esse problema passou da esfera nacional para a internacional envolvendo pela primeira vez na história todos povos Reforçaramse cada vez mais os três processos de evolução na história dos direitos do homem apresentados e comentados na Introdução geral à antologia de documentos editada por Gregorio Peces Barba Derecho positivo de los derechos humanos conversão em direito positivo generalização internacionalização 1 São várias as perspectivas que se podem assumir para tratar do tema dos direitos do homem Indico algumas delas filosófica histórica ética jurídica política Cada uma dessas perspectivas ligase a todas as outras mas pode também ser assumida separadamente Para o discurso de hoje escolhi uma perspectiva diver sa que reconheço ser arriscada e talvez até pretensiosa na medida em que deveria englobar e superar todas as outras a perspectiva que eu só saberia chamar de filosofia da história Sei que a filosofia da história está hoje desacreditada particularmente no ambiente cultural italiano depois que Benedetto Croce lhe decretou a morte Hoje a filosofia da história é considerada uma forma de saber típica da cultura do século XIX algo já superado Talvez a última grande tentativa de filosofia da história tenha sido a obra de Karl Jaspers Vom Ursprung und Ziel der Geschichte 1949 que apesar do fascínio que emana da representação do curso histórico da humanidade através de grandes épocas foi rapidamente esquecida e não provocou nenhum debate sério Mas diante de um grande tema como o dos direitos do homem é difícil resistir à tentação de ir além da história meramente narrativa De acordo com a opinião comum dos historiadores tanto dos que a acolheram como dos que a recusaram fazer filosofia da história significa diante de um evento ou de uma série de eventos pôr o problema do senti do segundo uma concepção finalística ou teleológica da história e isso vale não apenas para a história humana mas também para a história natural considerando o decurso histórico em seu conjunto desde sua origem até sua consumação como algo orientado para um fim para um télos Para quem se situa desse ponto de vista os eventos deixam de ser dados de fato a descrever a narrar a alinhar no tempo eventualmente a explicar segundo as técnicas e procedimentos de investigação consolidados e habitualmente seguidos pelos historiadores mas se tornam sinais ou indícios reveladores de um processo não necessariamente intencional no sentido de uma direção preestabelecida Apesar da desconfiança ou até mesmo da aversão que o histori ador experimenta diante da filosofia da história será que podemos excluir inteiramente que na narrativa histórica de grandes eventos ocultase uma perspectiva finalista ainda que o historiador não tenha plena consciência disso Como pode um historiador do Ancien Régime não se deixar influenciar quando narra os eventos do seu desenlace final na Grande Revolução Como pode subtrairse à tentação de interpretálos como sinais premonitórios de uma meta preestabelecida e já implícita neles O homem é um animal teleológico que atua geralmente em função de finalidades projetadas no futuro NORBERTO BOBBIO 27 Somente quando se leva em conta a finalidade de uma ação é que se pode compreender o seu sentido A perspectiva da filosofia da história representa a transposição dessa interpretação finalista da ação de cada indivíduo para a humanidade em seu conjunto como se a humanidade fosse um indivíduo ampliado ao qual atribuímos as características do indivíduo reduzido O que torna a filosofia da história problemática é precisa mente essa transposição da qual não podemos fornecer nenhuma prova convincente O importante é que quem crê oportuno operar essa transposição seja ela legítima ou não do ponto de vista do historiador profissi onal deve estar consciente de que passa a se mover num terreno que com Kant podemos chamar de história profética ou seja de uma história cuja função não é cognoscitiva mas aconselhadora exortativa ou apenas sugestiva 2 Num de seus últimos escritos Kant pôs a seguinte questão Se o gênero humano está em constante progresso para o melhor A essa pergunta que ele considerava como pertencendo a uma concepção profética da história julgou ser possível dar uma resposta afirmativa ainda que com alguma hesitação Buscando identificar um evento que pudesse ser considerado como um sinal da disposição do homem a progredirele o indicou no entusiasmo que despertara na opinião pública mundial a Revolução Francesa cuja causa só podia ser uma disposição moral da humanidade O verdadeiro entusiasmo comentava ele referese sempre ao que é ideal ao que é puramente moral e não pode residir no interesse individual A causa desse entusiasmo e portanto o sinal premonitório signum prognosticum da disposição moral da humanidade era segundo Kant o aparecimento no cenário da história do direito que tem um povo de não ser impedido por outras forças de dar a si mesmo uma Constituição civil que julga boa Por Constituição civil Kant entende uma Constituição em harmonia com os direitos naturais dos homens ou seja uma Cons tituição segundo a qual os que obedecem à lei devem também reunidos legislar Definindo o direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é legislador Kant dava uma definição da liberdade como autonomia como poder de legislar para si mesmo De resto no início da Metafisica dos costumes escrita na mesma época afirmara solenemente de modo apodítico como se a afirmação não pudesse ser submetida a discussão que uma vez entendido o direito como a faculdade moral de obrigar outros o homem tem direitos inatos e adquiridos e o único direito inato ou seja transmitido ao homem pela natureza e não por uma autoridade constituída é a liberdade isto é a indepen dência em face de qualquer constrangimento imposto pela vontade do outro ou mais uma vez a liberdade como autonomia Inspirandome nessa extraordinária passagem de Kant exponho a minha tese do ponto de vista da filoso fia da história o atual debate sobre os direitos do homem cada vez mais amplo cada vez mais intenso tão amplo que agora envolveu todos os povos da Terra tão intenso que foi posto na ordem do dia pelas mais autorizadas assembléias internacionais pode ser interpretado como um sinal premonitório signum prognosticum do progresso moral da humanidade Não me considero um cego defensor do progresso A idéia do progresso foi uma idéia central da filosofia da história nos séculos passados depois do crepúsculo embora não definitivo da idéia da regressão que Kant chamava de terrorista e dos ciclos predominantes na época clássica e précristã E ao dizer definitivo já sugiro a idéia de que o renascimento contínuo de idéias do passado que em determinada época eram conside radas mortas para sempre é já por si mesmo um argumento contra a idéia do progresso indefinido e irreversível Contudo mesmo não sendo um defensor dogmático do progresso irre sistível tampouco sou um defensor igualmente dogmático da idéia contrária A única afirmação que considero poder fazer com certa segurança é que a história humana é ambígua dando respostas diversas segundo quem a interroga e segundo o ponto de vista adotado por quem a interroga Apesar disso não podemos deixar de nos interrogar sobre o destino do homem assim como não podemos deixar de nos interrogar sobre sua origem o que só podemos fazer repito mais uma vez escrutando os sinais que os eventos nos oferecem tal como Kant o fez quando propôs a questão de saber se o gênero humano estava em constante progresso para o melhor Decerto uma coisa é o progresso científico e técnico outra é o progresso moral Não se trata de retomar a antiga controvérsia sobre a relação entre um e outro Limitome a dizer que enquanto parece indubitável que o progresso técnico e científico é efetivo tendo mostrado até agora as duas características da continuidade e da irreversibilidade bem mais difícil se não mesmo arriscado é enfrentar o problema da efetividade do A E R A D O S D I R E I T O S 28 progresso moral pelo menos por duas razões 1 O próprio conceito de moral é problemático 2 Ainda que todos estivéssemos de acordo sobre o modo de entender a moral ninguém até agora encon trou indicadores para medir o progresso moral de uma nação ou mesmo de toda a humanidade tão claros quanto o são os indicadores que servem para medir o progresso científico e técnico 3 O conceito de moral é problemático Não pretendo certamente propor uma solução Posso simples mente dizer qual é em minha opinião o modo mais útil para nos aproximarmos do problema qual é o modo também pedagogi camente mais eficaz para fazer compreender a natureza doproblema dando assim um sen tido àquele conceito obscuríssimo salvo para uma visão religiosa do mundo mas aqui busco encontrar uma resposta do ponto de vista de uma ética racional que é habitualmente designado com a expressão consciên cia moral Na verdade Kant dizia que juntamente com o céu estrelado a consciência moral era uma das duas coisas que o deixavam maravilhado mas a maravilha não só não é uma explicação mas pode até derivar de uma ilusão e gerar por sua vez outras ilusões O que nós chamamos de consciência moral sobretudo em função da grande para não dizer exclusiva influência que teve a educação cristã na formação do homem europeu é algo relacionado com a formação e o crescimento da consciência do estado de sofrimento de indi gência de penúria de miséria ou mais geralmente de infelicidade em que se encontra o homem no mundo bem como ao sentimento da insuportabilidade de tal estado Como disse antes a história humana é ambígua para quem se põe o problema de atribuirlhe um sentido Nela o bem e o mal se misturam se contrapõem se confundem Mas quem ousaria negar que o mal sempre prevaleceu sobre o bem a dor sobre a alegria a infelicidade sobre a felicidade a morte sobre a vida Sei muito bem que uma coisa é constatar outra é explicar e justificar De minha parte não hesito em afirmar que as explicações ou justificações teológicas não me convencem que as racionais são parciais e que elas estão freqüentemente em tal contradição recíproca que não se pode acolher uma sem excluir a outra mas os crité rios de escolha são frágeis e cada um deles suporta bons argumentos Apesar de minha incapacidade de oferecer uma explicação ou justificação convincente sintome bastante tranqüilo em afirmar que a parte obscura da história do homem e com maior razão da natureza é bem mais ampla do que a parte clara Mas não posso negar que uma face clara apareceu de tempos em tempos ainda que com breve duração Mesmo hoje quando o inteiro decurso histórico da humanidade parece ameaçado de morte há zonas de luz que até o mais convicto dos pessimistas não pode ignorar a abolição da escravidão a supressão em muitos países dos suplícios que outrora acompanhavam a pena de morte e da própria pena de morte É nessa zona de luz que coloco em primeiro lugar juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas o interesse crescen te de movimentos partidos e governos pela afirmação reconhecimento e proteção dos direitos do homem Todos esses esforços para o bem ou pelo menos para a correção limitação e superação do mal que são uma característica essencial do mundo humano em contraste com o mundo animal nascem da consciência da qual há pouco falei do estado de sofrimento e de infelicidade em que o homem vive do que resulta a exigência de sair de tal estado O homem sempre buscou superar a consciência da morte que gera angústia seja através da integração do indivíduo do ser que morre no grupo a que pertence e que é considerado imor tal seja através da crença religiosa na imortalidade ou na reencarnação A esse conjunto de esforços que o homem faz para transformar o mundo que o circunda e tornálo menos hostil pertencem tanto as técnicas produtoras de instrumentos que se voltam para a transformação do mundo material quanto as regras de conduta que se voltam para a modificação das relações interindividuais no sentido de tornar possível uma convivência pacífica e a própria sobrevivência do grupo Ins trumentos e regras de conduta formam o mundo da cultura contraposto ao da natureza Encontrandose num mundo hostil tanto em face da natureza quanto em relação a seus semelhantes segundo a hipótese hobbesiana do homo homini lupus o homem buscou reagir a essa dupla hostilidade inven tando técnicas de sobrevivência com relação à primeira e de defesa com relação à segunda Estas últimas são representadas pelos sistemas de regras que reduzem os impulsos agressivos mediante penas ou estimulam os impulsos de colaboração e de solidariedade através de prêmios No inicio as regras são essencialmente imperativas ne gativas ou positivas e visam a obter comportamen tos desejados ou a evitar os não desejados recorrendo a sanções celestes ou terrenas Logo nos vêm à mente os NORBERTO BOBBIO 29 Dez mandamentos para darmos o exemplo que nos é mais familiar eles foram durante séculos e ainda o são o código moral por excelência do mundocristão a ponto de serem identificados com a lei inscrita no coração dos homens ou com a lei conforme à natureza Mas podemse aduzir outros inúmeros exemplos desde o Código de Hamurabi até a Lei das doze tábuas O mundo moral tal como aqui o entendemos como o remédio ao mal que o homem pode causar ao outro nasce com a formulação a imposição e a aplicação de mandamen tos ou de proibições e portanto do ponto de vista daqueles a quem são dirigidos os mandamentos e as proibições de obrigações Isso quer dizer que a figura deôntica originária é o dever não o direito Ao longo da história da moral entendida como conjunto de regras de conduta sucedemse por séculos códigos de leis sejam estas consuetudinárias propostas por sábios ou impostas pelos detentores do poder ou então de proposições que contêm mandamentos e proibições O herói do mundo clássico é o grande legisla dor Minos Licurgo Sólon Mas a admiração pelo legislador por aquele que assumindo a iniciativa de fundar uma nação deve sentirse capaz de mudar a natureza humana chega até Rousseau As grandes obras de moral são tratados sobre as leis desde os Nómoi As leis de Platão e o De legibus Das leis de Cícero até o Esprit des lois de Montesquieu A obra de Platão começa com as seguintes palavras Quem é que vocês consideram como o autor da instituição das leis um deus ou um homem pergunta o ateniense a Clínias e este responde Um deus hóspede um deus Quando Cícero define a lei natural que características lhe atribui Vetare et jubere proibir e ordenar Para Montesquieu o homem mesmo tendo sido feito para viver em sociedade pode esquecer que existem também os outros Com as leis políticas e civis os legisladores o restituíram aos seus deveres De todas essas citações mas infinitas outras poderiam ser aduzidas resulta que a função primária da lei é a de comprimir não a de liberar a de restringir não a de ampliar os espaços de liberdade a de corrigir a árvore torta não a de deixála crescer selvagemente Com uma metáfora usual podese dizer que direito e dever são como o verso e o reverso de uma mesma moeda Mas qual é o verso e qual é o reverso Depende da posição com que olhamos a moeda Pois bem a moeda da moral foi tradicionalmente olhada mais Pelo lado dos deveres do que pelo lado dos direitos Não é difícil compreender as razões O problema da moral foi originariamente considerado mais do ângulo da sociedade do que daquele do indivíduo E não podia ser de outro modo aos códigos de regras de conduta foi atribuída a função de proteger mais o grupo em seu conjunto do que o indivíduo singular Originariamente a função do preceito não matar não era tanto a de proteger o membro individual do grupo mas a de impedir uma das razões fundamentais da desagregação do próprio grupo A melhor prova disso é o fato de que esse preceito considerado justamente como um dos fundamentos da moral só vale no interior do grupo não vale em relação aos membros dos outros grupos Para que pudesse ocorrer expressandome figurativamente mas de um modo que me parece suficiente mente claro a passagem do código dos deveres para o código dos direitos era necessário inverter a moeda o problema da moral devia ser considerado não mais do ponto de vista apenas da sociedade mas também daquele do indivíduo Era necessária uma verdadeira revolução copernicana se não no modo pelo menos rios efeitos Não é verdade que uma revolução radical só possa ocorrer necesssariamente de modo revolucionário Pode ocorrer também gradativamente Falo aqui de revolução copernicana precisamente no sentido kantiano como inversão do ponto de observação Para tornar compreensível essa inflexão ainda que limi 1 tadamente à esfera política mas a política é um capítulo da moral em geral ocorreume utilizar esta outra contraposição a relação política por excelência é a relação entre governantes e governados entre quem tem o poder de obrigar com suas decisões os membros do grupo e os que estão submetidos a essas decisões Ora essa relação pode ser considerada do ângulo dos governantes ou do ângulo dos governados No curso do pensamento político predominou durante séculos o primeiro ângulo E o primeiro ângulo é o dos governantes O objeto da política foi sempre o governo o bom governo ou o mau governo ou como se conquista o poder e como ele é exercido quais são as funções dos magistrados quais são os poderes atribuídos ao governo e como se distinguem e interagem entre si como se fazem as leis e como se faz para que sejam respei tadas como se declaram as guerras e se pactua a paz como se nomeiam os ministros e os embaixadores Basta pensar nas grandes metáforas mediante as quais ao longo dos séculos buscouse tornar compreensível a natureza da arte política o pastor o timoneiro o condutor o tece lão o médico Todas se referem a atividades típicas do governante a função de guia da qual deve dispor para poder conduzir à sua própria meta os indivíduos que lhe são confiados tem necessidade de meios de comando A E R A D O S D I R E I T O S 30 ou a organização de um universo fracionado necessita de uma mão firme para ser estável ou sólida os cuidados devem por vezes ser enérgicos para terem eficácia sobre um corpo doente O indivíduo singular é essencialmente um objeto do poder ou no máximo um sujeito passivo Mais do que de seus direitos a tratadística política fala dos seus deveres entre os quais ressalta como principal o de obede cer às leis Ao tema do poder de comando corresponde do outro lado da relação o tema da obrigação política que é precisamente a obrigação considerada primária para o cidadão de observar as leis Se se reco nhece um sujeito ativo nessa relação ele não é o indivíduo singular com seus direitos originários válidos também contra o poder de governo mas é o povo em sua totalidade na qual o indivíduo singular desaparece enquanto sujeito de direitos 4 A grande reviravolta teve inicio no Ocidente a partir da concepção cristã da vida segundo a qual todos os homens são irmãos enquanto filhos de Deus Mas na realidade a fraternidade não tem por si mesma um valor moral Tanto a história sagrada quanto a profana mais próxima de nós nascem ambas por um motivo sobre o qual especularam todos os intérpretes de um fratricídio A doutrina filosófica que fez do indivíduo e não mais da sociedade o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito foi o jusnaturalismo que pode ser considerado sob muitos aspectos e o foi certamente nas intenções dos seus criadores a secularização da ética cristã etsi daremus non esse deum No estado de natureza para Lucrécio os homens viviam more ferarum como animais para Cícero in agris bestiarum modo vagabantur vagavam pelos campos como os animais e ainda para Hobbes comportavamse nesse estado natural uns contra os outros como lobos Ao contrário Locke que foi o principal inspirador dos primeiros legisladores dos direitos do homem começa o capítulo sobre o estado de natureza com as seguintes palavras Para entender bem o poder político e deriválo de sua origem devese considerar em que estado se encontram naturalmente todos os homens e esse é um estado da perfeita liberdade de regular as próprias ações e de dispor das próprias posses e das próprias pessoas como se acreditar melhor nos limites da lei de natureza sem pedir permissão ou depen der da vontade de nenhum outro Portanto no princípio segundo Locke não estava o sofrimento a miséria a danação do estado ferino como o diria Vico mas um estado de liberdade ainda que nos limites das leis Precisamente partindo de Locke podese compreender como a doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista da sociedade e portanto do Estado continuamente combatida pela bem mais sólida e antiga concepção organicista segundo a qual a sociedade é um todo e o todo está acima das partes A concepção individualista custou a abrir caminho já que foi geralmente considerada como fomentadora de desunião de discórdia de ruptura da ordem constituída Em Hobbes surpreende o contraste entre o ponto de partida individualista no estado de natureza há somente indivíduos sem ligações recíprocas cada qual fechado em sua própria esfera de interesses e em contradição com os interesses de todos os outros e a persis tente figuração do Estado como um corpo ampliado um homem artificial no qual o soberano é a alma os magistrados são as articulações as penas e os prêmios são os nervos etc A concepção orgânica é tão persisten te que ainda nas vésperas da Revolução Francesa que proclama os direitos do indivíduo diante do Estado Edmund Burke escreve Os indivíduos pas sam como sombras mas o Estado é fixo e estável E depois a Revolução no período da Restauração Lamennais acusa o individualismo de destruir a verdadeira idéia da obediência e do dever destruindo com isso o poder e o direito E depois pergunta E o que resta então senão uma terrível confusão de interesses paixões e opiniões diversas Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo o indivíduo singular devese observar que tem valor em si mesmo e depois vem o Estado e não viceversa já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado ou melhor para citar o famoso artigo 2º da Declaração de 1789 a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o objetivo de toda associação política Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado é invertida também a relação tradicional entre direito e dever Em relação aos indivíduos doravante primeiro vêm os direitos depois os deveres em relação ao Estado primeiro os deveres depois os direitos A mesma inversão ocorre com relação à finalidade do Estado a qual para o organicismo é a concórdia ciceroniana a omónoia dos gregos ou seja a luta contra as facções que dilaceran do o corpo político o matam e para o individualismo é o crescimento do indivíduo tanto quanto possível livre de condicionamentos externos O mesmo ocorre corri relação ao tema da justiça numa concepção orgânica a definição mais apropriada do justo é a platônica para a qual cada uma das partes de que é compos NORBERTO BOBBIO 31 to o corpo social deve desempenhar a função que lhe é própria na concepção individualista ao contrário justo é que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias necessidades e atingir os próprios fins antes de mais nada a felicidade que é um fim individual por excelêncía É hoje dominante nas ciências sociais a orientação de estudos chamada de individualismo metodológico segundo a qual o estudo da sociedade deve partir do estudo das ações do indivíduo Não se trata aqui de discutir quais são os limites dessa orientação mas há duas outras formas de individualismo sem as quais o ponto de vista dos direitos do homem se torna incompreensível o individualismo ontológico que parte do pressuposto que eu não saberia dizer se é mais metafísico ou teológico da autonomia de cada indivíduo com relação a todos os outros e da igual dignidade de cada um deles e o individualismo ético segundo o qual todo indivíduo é uma pessoa moral Todas essas três versões do individualismo contribuem para dar conotação positiva a um termo que foi conotado negativamente quer pelas correntes de pensamento conservador e reacionário quer pelas revolucionárias O individualismo é a base filosófica da democracia uma cabeça um voto Como tal sempre se contrapôs e sempre se contraporá àsconcepções holísticas da sociedade e da história qualquer que seja a proce dência das mesmas concepções que têm em comum o desprezo pela demo cracia entendida como aquela forma de governo na qual todos são livres para tomar as decisões sobre o que lhes diz respeito e têm o poder de fazêlo Liberdade e poder que derivam do reconhecimento de alguns direitos fundamentais inalienáveis e invioláveis como é o caso dos direitos do homem Estou seguro de que me podem objetar que o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos não esperou pela revolução copernicana dos jusnaturalistas O primado do direito ius sobre a obrigação e um traço característico do direito romano tal como este foi elaborado pelos juristas da época clássica Mas tratase como qualquer um pode comprovar por si de direitos que competem ao indivíduo como sujeito econômico como titular de direitos sobre as coisas e como capaz de intercambiar bens com outros sujeitos econômicos dotados da mesma capacidade A inflexão a que me referi e que serve como fundamento para o reconheci mento dos direitos do homem ocorre quando esse reconhecimento se amplia da esfera das relações econômi cas interpessoais para as relações de poder entre príncipe e súditos quando nascem os chamados direitos públicos subjetivos que caracterizam o Estado de di reito É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos No Estado despótico os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos No Estado absoluto os indivíduos Possuem em relação ao soberano direitos privados No Estado de direito o indivíduo tem em face do Estado não só direitos privados mas também direitos públicos O Estado de direito é o Estado dos cidadãos 5 Desde seu primeiro aparecimento no pensamento político dos séculos XVII e XVIII a doutrina dos direitos do homem já evoluiu muito ainda que entre contradições refutações limitações Embora a meta final de uma sociedade de livres e iguais que reproduza na realidade o hipotético estado de natureza precisamente por ser utópica não tenha sido alcançada foram percorridas várias etapas das quais não se poderá facilmente voltar atrás Além de processos de conversão em direito positivo de generalização e de internacionalização aos quais me referi no início manifestouse nestes últimos anos uma nova linha de tendência que se pode chamar de especificação ela consiste na passagem gradual porém cada vez mais acentuada para uma ulterior determina ção dos sujeitos titulares de direitos Ocorreu com relação aos sujeitos o que desde o início ocorrera com relação à idéia abstrata de liberdade que se foi progressivamente determinando em liberdades singulares e concretas de consciência de opinião de imprensa de reunião de associação numa progressão ininterrupta que prossegue até hoje basta pensar na tutela da própria imagem diante da invasão dos meios de reprodução e difusão de coisas do mundo exterior ou na tutela da privacidade diante do aumento da capacidade dos poderes públicos de memorizar nos próprios arquivos os dados privados da vida de cada pessoa Assim com relação ao abstrato sujeito homem que já encontrara uma primeira especificação no cidadão no sentido de que podiam ser atribuídos ao cidadão novos direitos com relação ao homem em geral fezse valer a exigência de responder com nova especificação à seguinte questão que homem que cidadão Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero seja às várias fases da vida seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana Com relação ao gênero foram cada vez mais reconhecidas as diferenças específicas entre a mulher e o homem Com relação às várias fases da vida foram A E R A D O S D I R E I T O S 32 se progressivamente diferenciando os direitos da infância e da velhice por um lado e os do homem adulto por outro Com relação aos estados normais e excepcionais fezse valer a exigência de reconhecer direitos especi ais aos doentes aos deficientes aos doentes mentais etc Basta folhear os documentos aprovados nestes últimos anos pelos organismos internacionais para perceber essa inovação Refirome por exemplo à Declaração dos Direitos da Criança 1959 à Declaração sobre a Eliminação da Discriminação à Mulher 1967 à Declaração dos Direitos do Deficiente Mental 1971 No que se refere aos direitos do velho há vários documentos internacionais que se sucederam após a Assembléia mun dial ocorrida em Viena de 26 de julho a 6 de agosto de 1982 a qual pôs na ordem do dia o tema de novos pro gramas internacionais para garantir segurança econômica e social aos velhos cujo número está em contínuo aumento Olhando para o futuro jà podemos entrever a extensão da esfera do direito à vida das gerações futuras cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas assim como a novos sujeitos como os animais que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos ou no máximo como sujeitos passivos sem direitos Decerto todas essas novas perspectivas fazem parte do que eu chamei inicialmente de história profética da humanidade que a história dos historiadores os quais se permitem apenas uma ou outra previsão puramente conjuntural mas recusam como algo estranho à sua tarefa fazer profecias não aceita tomar em consideração Finalmente descendo do plano ideal ao plano real uma coisa é falar dos direitos do homem direitos sempre novos e cada vez mais extensos e justificálos com argumentos convincentes outra coisa é garantir lhes uma proteção efetiva Sobre isso é oportuna ainda a seguinte consideração à medida que as pretensões aumentam a satisfação delas tornase cada vez mais difícil Os direitos sociais como se sabe são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade Mas sabemos todos igualmente que a proteção internacional é mais difícil do que a proteção no interior de um Estado particularmente no interior de um Estado de direito Poderseiam multiplicar os exemplos de contraste entre as declarações solenes e sua consecução entre a grandiosidade das promessas e amiséria das realizações Já que interpretei a amplitude que assumiu atualmente o debate sobre os direitos do homem como um sinal do progresso moral da humanidade não será inoportuno repetir que esse crescimento moral não se mensura pelas palavras mas pelos fatos De boas intenções o infer no está cheio Concluo disse no início que assumir o ponto de vista da filosofia da história significa levantar o problema do sentido da história Mas a história em si mesma tem um sentido a história enquanto sucessão de eventos tais como são narrados pelos historiadores A história tem apenas o sentido que nós em cada ocasião concre ta de acordo com a oportunidade com nossos desejos e nossas esperanças atribuímos a ela E por tanto não tem um único sentido Refletindo sobre o tema dos direitos do homem pareceume poder dizer que ele indica um sinal do progresso moral da humanidade Mas é esse o único sentido Quando reflito sobre outros aspectos de nosso tempo por exemplo sobre a vertiginosa corrida armamentista que põe em perigo a própria vida na Terra sintome obrigado a dar uma resposta completamente diversa Comecei com Kant Concluo com Kant O progresso para ele não era necessário Era apenas possível Ele criticava os políticos por não terem confiança na virtude e na força da motivação moral bem como por viverem repetindo que o mundo foi sempre assim como o vemos hoje Kant comentava que com essa atitude tais políticos faziam com que o objeto de sua previsão ou seja a imobilidade e a monótona repetitividade da história se realizasse efetivamente Desse modo retardavam propositalmente os meios que poderiam assegurar o progresso para o melhor Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade já estamos demasiadamente atrasados Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade com nossa indolência com nosso ceticismo Não temos muito tempo a perder NORBERTO BOBBIO 33 DIREITOS DO HOMEM E SOCIEDADE N UM DISCURSO GERAL sobre os direitos do homem devese ter a preocupação inicial de manter a distinção entre teoria e prática ou melhor devese ter em mente antes de mais nada que teoria e prática percor rem duas estradas diversas e a velocidades muito desiguais Quero dizer que nestes últimos anos falouse e continua a se falar de direitos do homem entre eruditos filósofos juristas sociólogos e políticos muito mais do que se conseguiu fazer até agora para que eles sejam reconhecidos e protegidos efetivamente ou seja para transformar aspirações nobres mas vagas exigências justas mas débeis em direitos propriamente dites Isto é no sentido em que os juristas falam de direito Tendo sempre presente essa distinção a fim de não confundir dois planos que devem se manter bem distintos podese afirmar em geral que o desenvolvimento da teoria e da prática mais da teoria do que da prática dos direitos do homem ocorreu a partir do final da guerra essencialmente em duas direções na direção de sua universalização e naquela de sua multiplicação Não irei me deter aqui no processo de universalização antes de mais nada porque me parece menos rele vante para a sociologia do direito e depois porque o tema foi amplamente tratado na doutrina do direito internacional que vê corretamentenesse processo o ponto de partida de uma profunda transformação do direito das gentes como foi chamado du rante séculos em direito também dos indivíduos dos in divíduos singulares os quais adquirindo pelo menos potencialmente o direito de questionarem o seu próprio Estado vão se transformando de cidadãos de um Estado par ticular em cidadãos do mundo Irei me deter em particular no segundo processo o da multiplicação pois ele se presta melhor a algumas considerações sobre as relações entre direitos do homem e sociedade sobre a origem social dos direitos do homem sobre a estreita conexão existente entre mudança social e nascimento de novos direitos sobre temas que em minha opinião podem ser mais interessantes para uma reunião de sociólogos do direito de estudiosos cuja tarefa específica é refletir sobre o direito como fenômeno social Também os direitos do homem são indubitavelmente um fenômeno social Ou pelo menos são também um fenô meno social e entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados filosófico jurídico econômico etc há lugar para o sociológico precisamente o da sociologia jurídica Essa multiplicação ia dizendo proliferação ocorreu de três modos a porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela b porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem c porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico ou homem em abstrato mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade como criança velho doente etc Em substância mais bens mais sujeitos mais status do indivíduo É supérfluo notar que entre esses três processos existem relações de interdependência o reconhecimento de novos direitos de onde de indica o sujeito implica quase sempre o aumento de direitos a onde a indica o objeto Ainda mais supérfluo é observar o que importa para nossos fins que todas as três causas dessa multi plicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem revelam de modo cada vez mais evidente e explícito a necessidade de fazer referência a um contexto social determinado Com relação ao primeiro processo ocorreu a passagem dos direitos de liberdade das chamadas liberdades negativas de religião de opinião de imprensa etc para os direitos políticos e sociais que requerem uma intervenção direta do Estado Com relação ao segundo ocorreu a passagem da consideração do indivíduo huma no uti singulus que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais ou morais em outras palavras da pessoa para sujeitos diferentes do indivíduo como a família as minorias étnicas e religiosas toda a humanidade em seu conjunto como no atual debate entre filósofos da moral sobre o direito dos pósteros à sobrevivência e além dos indivíduos humanos con siderados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam até mesmo para sujeitos diferentes dos homens corno os animais Nos movimentos ecológicos está emergindo quase que um direito da natureza a ser res peitada ou não explorada onde as palavras respeito e exploração são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos do homem A E R A D O S D I R E I T O S 34 Com relação ao terceiro processo a passagem ocorreu do homem genérico do homem enquanto homem para o homem específico ou tomado na diversidade de seus diversos status sociais com base em diferentes critérios de diferenciação o sexo a idade as condições físicas cada um dos quais revela diferenças específi cas que não permitem igual tratamento e igual proteção A mulher é diferente do homem a criança do adulto o adulto do velho o sadio do doente o doente temporário do doente crônico o doente mental dos outros doentes os fisicamente normais dos deficientes etc Basta examinar as cartas de direitos que se sucede ram no âmbito internacional nestes últimos quarenta anos para perceber esse fenômeno em 1952 a Con venção sobre os Direitos Políticos da Mulher em 1959 a Declaração da Criança em 1971 a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental em 1975 a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos em 1982 a primei ra Assembléia Mundial em Viena sobre os direitos dos anciãos que propôs um plano de ação aprovado por uma re solução da Assembléia da ONU em 3 de dezembro Bem entendido esse processo de multiplicação por especificação ocorreu principalmente no âmbito dos direitos sociais Os direitos de liberdade negativa os primeiros direitos reconhecidos e protegidos valem para o homem abstrato Não por acaso foram apresentados quando do seu surgimento como direitos do Homem A liberdade religiosa uma vez afirmada foi se estendendo a todos embora no início não tenha sido reconhe cida para certas confissões ou para os ateus mas essas eram exceções que deviam ser justificadas O mesmo vale para a liberdade de opinião Os direitos de liberdade evoluem paralelamente ao principio do tratamento igual Com relação aos direitos de liberdade vale o principio de que os homens são iguais No estado de natureza de Locke que foi o grande inspirador das Declarações de Direitos do Homem os homens são todos iguais onde por igualdade se entende que são iguais no gozo da liberdade no sentido de que ne nhum indivíduo pode ter mais liberdade do que outro Esse tipo de igualdade é o que aparece enunciado por exemplo no art 1º da Declaração Universal na afirmação de que todos os homens nascem iguais em liberdade e direitos afirma ção cujo significado é que todos os homens nascem iguais na liberdade no duplo sentido da expressão os homens têm igual direito à liberdade os homens têm direito a uma igual liberdade São todas formulações do mesmo princípio segundo o qual deve ser excluída toda discriminação fundada em diferenças específicas entre homem e homem entre grupos e grupos como se lê no art 3º da Constituição italiana o qual depois de ter dito que os homens têm igual dignidade social acrescenta especificando e precisando que são iguais diante da lei sem distinção de sexo de raça de língua de religião de opinião política de condições pessoais ou sociais O mesmo princípio é ainda mais explícito no art 2º I da Declaração Universal no qual se diz que cabe a cada indivíduo todos os direitos e todas as liberdades enunciadas na presente Declaração sem nenhu ma distinção por razões de cor sexo língua religião opinião política ou de outro tipo por origem nacional ou social riqueza nascimento ou outra consideração Essa universalidade ou indistinção ou nãodiscriminação na atribuição e no eventual gozo dos direitos de liberdade não vale para os direitos sociais e nem mesmo para os direitos políticos diante dos quais os indivíduos são iguais só genericamente mas não específicamente Com relação aos direitos políticos e aos direitos sociais existem diferenças de indivíduo para indivíduo ou melhor de grupos de indivíduos para gru pos de indivíduos diferenças que são até agora e o são intrinsecamente relevantes Durante séculos somen te os homens do sexo masculino e nem todos tiveram o direito de votar ainda hoje não têm esse direito os menores e não é razoável pensar que o obtenham num futuro próximo Isso quer dizer que na afirmação e no reconhecimento dos direitos políticos não se podem deixar de levar em conta determinadas diferenças que justificam um tratamento não igual Do mesmo modo e com maior evidência isso ocorre no campo dos direitos sociais Só de modo genérico e retórico se pode afirmar que todos são iguais com relação aos três direitos sociais fundamentais ao trabalho à instrução e à saúde ao contrário é possível dizer realisticamen te que todos são iguais no gozo das liberdades negativas E não é possível afirmar aquela primeira igualdade porque na atribuição dos direitos sociais não se podem deixar de levar em conta as diferenças específicas que são relevantes para distinguir um indivíduo de outro ou melhor um grupo de indivíduos de outro grupo O que se lê no art 3º da Constituição italiana antes citado ou seja que todos os cidadãos são iguais sem distinção de condições pessoais ou sociais não é verdade em relação aos direitos sociais já que certas condi ções pessoais ou sociais são relevantes precisamente na atribuição desses direitos Com relação ao trabalho são relevantes as diferenças de idade e de sexo com relação à instrução são relevantes diferenças entre crianças normais e crianças que não são normais com relação à saúde são relevantes diferenças entre adultos e velhos NORBERTO BOBBIO 35 Não pretendo levar esse raciocínio até as extremas conseqüências Pretendo apenas observar que igualdade e diferença têm uma relevância diversa conforme estejam em questão di reitos de liberdade ou direitos sociais Essa entre outras é umadas razões pelas quais no campo dos direitos sociais mais do que naquele dos direitos de liberdade ocorreu a proliferação dos direitos a que antes me referi através do reconhecimento dos direitos sociais surgiram ao lado do homem abstrato ou genérico do cidadão sem outras qualificações novos personagens antes desconhecidos nas Declarações dos direitos de liberdade a mulher e a criança o velho e o muito velho o doente e o demente etc É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita além do problema da proliferação dos direitos do homem problemas bem mais difíceis de resolver no que concerne àquela prática de que falei no início é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do Estado que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo uma nova forma de Estado o Estado social Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o super poder do Estado e portanto com o objetivo de limitar o poder os direitos sociais exigem para sua realização prática ou seja para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva precisa mente o contrário isto é a ampliação dos poderes do Estado Também poder como de resto qualquer outro termo da linguagem política a começar por liberdade tem conforme o contexto uma conotação positiva e outra negativa O exercício do poder pode ser consi derado benéfico ou maléfico segundo os con textos históricos e segundo os diversos pontos de vista a partir dos quais esses contextos são considerados Não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem ou o aumento do poder seja sempre um mal Insisti até agora no fenômeno da proliferação dos direitos do homem como característica da atual fase de desenvolvimento da teoria e da prática desses direitos e o fiz porque em minha opinião nada serve para mostrar melhor o nexo entre mudança na teoria e na prática dos direitos do homem por um lado e mudança social por outro e portanto para iluminar o aspecto mais interessante e fecundo a partir do qual pode ser estudado o tema dos direitos do homem pelos sociólogos do direito Parto da distinção introduzida Por Renato Treves entre as duas tarefas essenciais da sociologia do direito a de investigar qual a função do direito e portanto também dos direitos do homem em toda a gama de suas especificações na mudança social tarefa que pode ser sintetizada na fórmula o direito na sociedade e a de analisar a maior ou menor aplicação das normas jurídicas numa determinada sociedade incluindo a maior ou menor aplicação das normas dos Estados particulares ou do sistema internacional em seu conjunto relativas aos direitos do homem tarefa que se resume na fórmula a sociedade no direito Ambas as tarefas têm uma particular e atualíssima aplicação precisamente naquela esfera de todo ordenamento jurídico que compreende o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem Se se pode falar de uma tarefa própria da sociologia do direito em relação ao problema dos direitos do homem ou seja de uma tarefa que distinga a sociologia do direito da filosofia do direito da teoria geral do direito da ciência jurí dica ela deriva precisamente da constatação de que o nascimento e agora também o crescimento dos direitos do homem são estreitamente ligados à transformação da sociedade como a relação entre a proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento social o mostra claramente Portanto a sociologia em geral e a sociologia do direito em particular estão na melhor condição possível para dar uma contribuição espe cífica ao aprofundamento do problema A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista a qual para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal independentemente do Estado partira da hipótese de um estado de natureza onde os direitos do homem são poucos e essenciais o direito à vida e à sobrevivência que incluí também o direito à propriedade e o direito à liberdade que compreende algumas liberdades essencial mente negativas Para a teoria de Kant que podemos considerar como a conclusão dessa primeira fase da história dos direitos do homem que culmina nas primeiras Declarações dos Direitos não mais enunciadas por filósofos e portanto sine imperio mas por detentores do poder de governo e portanto cum imperio o homem natural tem um único direito o direito de liberdade entendida a liberdade como independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro já que todos os demais direitos incluído o direito à igualdade estão compreendidos nele A hipótese do estado de natureza enquanto estado préestatal e em alguns escritores até mesmo pré social era uma tentativa de justificar racionalmente ou de racionalizar determinadas exigências que se iam A E R A D O S D I R E I T O S 36 ampliando cada vez mais num primeiro momento durante as guerras de religião surgiu a exigência da liber dade de consciência contra toda for ma de imposição de uma crença imposição freqüentemente seguida de sanções não só espirituais mas também temporais e num segundo momento na época que vai da Revolução Inglesa à NorteAmericana e à Francesa houve demanda de liberdades civis contra toda forma de despotismo O estado de natureza era uma mera ficção doutrinária que devia servir para justificar como direitos inerentes à própria natureza do homem e como tais invioláveis por parte dos detentores do poder público inalienáveis pelos seus próprios titulares e imprescri tíveis por mais longa que fosse a duração de sua violação ou alienação exigências de liberdade provenientes dos que lutavam contra o dogmatismo das Igrejas e contra o autoritarismo dos Estados A realidade de onde nasceram as exigências desses direitos era constituída pelas lutas e pelos movimentos que lhes deram vida e as alimentaram lutas e movimentos cujas razões se quisermos compreendê las devem ser buscadas não mais na hipótese do estado de natureza mas na realidade social da época nas suas contradições nas mudanças que tais contradições foram produzindo em cada oportunidade concreta Essa exigência de passar da hipótese racional para a análise da sociedade real e de sua história vale com maior razão hoje quando as exigências provenientes de baixo em favor de uma maior proteção de indivíduos e de grupos e se trata de exigências que vão bem além da liberdade em relação a e da liberdade de aumentaram enormemente e continuam a aumentar ora para justificálas a hipótese abstrata de um estado de natureza simples primitivo onde o homem vive com poucos carecimentos essenciais não teria mais nenhuma força de persuasão e portanto nenhuma utilidade teórica ou prática O fato mesmo de que a lista desses direitos esteja em contínua ampliação não só demonstra que o ponto de partida do hipotético estado de natureza perdeu toda plausibilidade mas nos deveria tornar conscientes de que o mundo das relações sociais de onde essas exigências derivam é muito mais complexo e de que para a vida e para a sobrevivência dos homens nessa nova sociedade não bastam os chamados direitos fundamentais como os direitos à vida à liberdade e a propriedade Não existe atualmente nenhuma carta de direitos para darmos um exemplo convincente que não reco nheça o direito à instrução crescente de resto de sociedade para sociedade primeiro elementar depois secundária e pouco a pouco até mesmo universitária Não me consta que nas mais conhe cidas descrições do estado de natureza esse direito fosse mencionado A verdade é que esse direito não fora posto no estado de natureza porque não emergira na sociedade da época em que nasceram as doutrinas jus naturalistas quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades para chegarem aos poderosos da Terra eram princi palmente exigências de li berdade em face das Igrejas e dos Estados e não ainda de outros bens como o da instrução que somente uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente poderia expressar Tratavase de exigências cuja finalidade era principalmente pôr limites aos poderes opressivos e sendo assim a hipótese de um estado préestatal ou de um estado liberto de poderes supraindividuaís como os das Igrejas e dos governos políticos correspondia perfeitamente à finalidade de justificar a redução aos seus mínimos termos do espaço ocupado por tais poderes e de ampliar os espaços de liberdade dos indivíduos Ao contrário a hipótese do homem como animal político que remonta a Aristóteles permitira justificar durante séculos o Estado paternalista e em sua expressão mais crua despótico no qual o indivíduo não possui por natureza nenhum dos direitos de liberdade direitos dos quais como uma criança não estaria em condições de se servir não só para o bem comum masnem mesmo para seu próprio bem Não é casual que o adversário mais direto de Locke tenha sido o mais rígido defensor do Estado patriarcal ou que o defensor do direito de liberdade como direito fundamental de onde todos os outros decorrem tenha sido ao mesmo tempo o mais coerente adversá rio do patriarcalismo ou seja daquela forma de governo na qual os súditos são tratados como eternos menores Enquanto a relação entre mudança social e nascimento dos direitos de liberdade era menos evidente podendo assim dar vida à hipótese de que a exigência de liberdades civis era fundada na existência de direitos naturais pertencentes ao homem enquanto tal independentemente de qualquer conside ração histórica a relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais por um lado e a transformação da sociedade por outro é inteiramente evidente Prova disso que as exigências de direitos sociais tornaramse tanto mais nume rosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade Cabe considerar de resto que as exigên cias que se concretizam na demanda de uma intervenção pública e de uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico e que com relação à própria teoria são precisamente certas transformações sociais e certas inovações técnicas NORBERTO BOBBIO 37 que fazem surgir novas exigências imprevisíveis e ine xequíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido Isso nos traz uma ulterior confirmação da sociabilidade ou da nãonaturalidade desses direitos Para darmos um exemplo de grande atualidade a exigência de uma maior proteção dos velhos jamais teria podido nascer se não tivesse ocorrido o aumento não só do número de velhos mas também de sua longevidade dois efeitos de modificações ocorridas nas relações sociais e resultantes dos progressos da medicina E o que dizer dos movimentos ecológicos e das exigências de uma maior proteção da natureza proteção que implica a proibição do abuso ou do mau uso dos recursos naturais ainda que os homens não possam deixar de usálos De resto também a esfera dos direitos de liberdade foi se modificando e se ampliando em função de inovações técnicas no campo da transmissão e difusão das idéias e das imagens e do possível abuso que se pode fazer dessas inovações algo inconcebível quando o próprio uso não era possível ou era tecnicamente difícil Isso significa que a conexão entre mudança social e mudança na teoria e na prática dos direitos fundamentais sempre existiu o nascimento dos direitos sociais apenas tornou essa conexão mais evidente tão evidente que agora já não pode ser negligenciada Numa sociedade em que so os proprietários tinham cidadania ativa era óbvio que o direito de propriedade fosse levado a direito fundamental do mesmo modo também foi algo óbvio que na sociedade dos países da primeira revolução industrial quando entraram em cena os movimentos operários o direito ao trabalho tivesse sido elevado a direito fundamental A reivindicação do direito ao trabalho como direito fundamental tão fundamental que passou a fazer parte de todas as Declarações de Direitos con temporâneas teve as mesmas boas razões da anterior reivindicação do direito de propriedade como direito natural Eram boas razões que tinham suas raízes na natureza das relações de poder características das sociedades que haviam gerado tais reivindicações e por conseguinte na natureza específica historicamen te determinada daquelas sociedades Ainda mais importante e amplíssima é a tarefa dos sociólogos do direito no que se refere ao outro tema fundamental o da aplicação das normas jurídicas ou do fenômeno que é cada vez mais estudado sob o nome por enquanto intraduzível para o italiano de implementation O campo dos direitos do homem ou mais precisamente das normas que declaram reconhecem definem atribuem direitos ao homem aparece cer tamente como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos so ciais Tanto é assim que na Constitui ção italiana as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de programáticas Será que ia nos perguntarmos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam proíbem ou permitem hic et nunc mas ordenam proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado E sobretudo já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o programa é apenas uma obrigação moral ou no máximo política pode ainda ser chamado corretamente de direito A diferença entre esses autointitulados direitos e os direitos propriamente ditos não será tão grande que torna impróprio ou pelo menos pouco útil o uso da mesma palavra para designar uns e outros E além do mais a esmagadora maioria de normas sobre os direitos do homem tais como as que emanam de órgãos internacionais não são sequer normas programáticas como o são as normas de uma Constituição nacional relativas aos direitos sociais Ou pelo menos não o são enquanto não forem ratificadas por Estados particulares É muito instrutiva a esse respeito a pesquisa realizada pelo professor Evan sobre o número de ratificações das duas Convenções internacionais sobre os direitos do ho mem por parte dos Estadosmembros das Nações Unidas ela indica que somente dois quintos dos Estados as ratificaram e que existem grandes diferenças quanto a isso entre os Estados do Primeiro do Segundo e do Terceiro Mundos As cartas de direitos enquanto permanecerem no âmbito do sistema internacional do qual promanam são mais do que cartas de direitos no sentido próprio da palavra são expressões de boas intenções ou quan do muito diretivas gerais de ação orientadas para um futuro indeterminado e incerto sem nenhuma garantia de realização além da boa vontade dos Estados e sem outra base de sustentação além da pressão da opinião pública internacional ou de agências não estatais como a Amnesty Internaticinal Decerto não é aqui o local adequado para enfrentar o problema dos vários significados do termo direito e das querelas em grande parte verbais a que essa busca de definição deu lugar um problema do qual não se pode fugir quando o tema em discussão é precisamente o dos direitos do homem Não importa que o proble A E R A D O S D I R E I T O S 38 ma seja enfrentado através da distinção clássica entre direitos naturais e direitos positivos ou através da distin ção entre moral rights e legal rights mais comum na linguagem da filosofia anglosaxônica em ambos os casos não se pode deixar imediatamente de perceber que o termo da distinção Se é conveniente ou não o termo direito não só para o segundo mas também para o primeiro termo é uma questão de oportunidade Partilho a preocupação dos que pensam que chamar de direitos exigências na melhor das hipóteses de direitos futuros significa criar expectativas que podem não ser jamais satisfeitas em todos os que usam a palavra direito segundo a linguagem corrente ou seja no significado de expectativas que podem ser satisfeitas por que são protegidas Por prudência sempre usei no transcorrer desta minha comunicação a palavra exigências em vez de direitos sempre que me referi a direitos não constitucionalizados ou seja a meras aspirações ainda que justificadas com argumentos plausíveis no sentido de direitos positivos futuros Poderia também ter usado a palavra pretensão claim que pertence à linguagem jurídica e que é freqüentemente usada nos debates sobre a natureza dos direitos do homem mas em minha opinião esse termo é ainda demasiadamente forte Naturalmente nada tenho contra chamar de direitos também essas exigências de direitos futuros contanto que se evite a confusão entre uma exigência mesmo que bem motivada de proteção futura de um certo bem por um lado e por outro a proteção efetiva desse bem que posso obter recorrendo a uma corte de justiça capaz de reparar o erro e eventualmente de punir o culpado Podese sugerir aos que não querem renunciar ao uso da palavra direito mesmo no caso de exigências naturalmente motivadas de uma proteção futura que distin gam entre um direito em sentido fraco e um direito em sentido forte sempre que não quiserem atribuir a palavra direito somente às exigências ou pretensões efetivamente protegidas Direito é uma figura deôntica e portanto é um termo da linguagem normativa ou seja de uma lingua gem na qual se fala de normas e sobre normas A existência de um direito seja em sentido forte ou fraco implica sempre a existência de um sistema normativo onde por existência deve entenderse tanto o mero fato exterior de um direito histórico ou vigentequanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação Assim como não existe pai sem filho e viceversa também não existe direito sem obrigação e viceversa A velha idéia de que existem obrigações sem direitos correspondentes como as obrigações de beneficência derivava da negação de que o beneficiário fosse titular de um direito Isso não anulava o fato de que a obrigação da beneficência fosse uma obrigação para com Deus ou para com a própria consciência que eram e não o beneficiário os verdadei ros e únicos titulares de um direito em face do benfeitor Podese falar de direitos morais só no âmbito de um sistema normativo moral onde haja obrigações cuja fonte não é a autoridade mu nida de força coativa mas Deus a própria consciência a pressão social a depender das várias teorias da moral Podese falar de direitos naturais pressupondo como o fazem os jusnaturalistas um sistema de leis da natureza que atribuem como todas as leis direitos e deveres esse sistema pode ser derivado da observação da natureza do homem do código da natureza assim como os direitos positivos são deriváveis do estudo de um código de leis positivas validados por uma autoridade capaz de fazer respeitar os próprios mandamentos Obrigações morais obrigações naturais e obrigações positivas bem como os respectivos direitos relativos pertencem a sistemas normativos diversos Para dar sentido a termos como obrigação e direito é preciso inserilos num contexto de normas independen temente de qual seja a natureza desse contexto Mas com relação aos direitos positivos os direitos naturais são apenas exigências motivadas com argumentos históricos e racionais de seu aco lhimento num sistema de direito eficientemente protegido Do ponto de vista de um ordenamento jurídico os chamados direitos natu rais ou morais não são propriamente direitos são apenas exigências que buscam validade a fim de se tornarem eventualmente direitos num novo ordenamento normativo caracterizado por um diferente modo de proteção dos mesmos Também a passagem de um ordenamento para outro é uma passagem que ocorre num determina do contexto social não sendo de nenhum modo predeterminada O jusnaturalista objetará que existem direitos naturais ou morais absolutos direitos que enquanto tais são direitos também em relação a qualquer outro sistema normativo histórico ou positivo Mas uma afirmação desse tipo é contraditada pela variedade dos códigos naturais e morais propostos bem como pelo próprio uso corrente da linguagem que não permite chamar de direitos a maior parte das exigências ou pretensões validadas doutrinariamente ou até mesmo apoiadas por uma forte e autorizada opinião pública enquanto elas não forem acolhidas num ordenamento jurídico positivo Para dar alguns exemplos antes que as mulheres NORBERTO BOBBIO 39 obtivessem nas várias legis lações positivas o direito de votar será que se podia corretamente falar de um direito natural ou moral das mulheres a votar quando as razões pelas quais não se reconhecia esse direito seja naturais as mulheres são muito passionais para poderem expressar sua opinião sobre uma lei que deve ser motivada racionalmente Nas legislações onde ela não é reconhecida que sentido tem afirmar que existe apesar de tudo um direito natural ou moral à objeção de consciência motivada racionalmente Será que se pode dizer que existia um direito à objeção de consciência antes que esta fosse reconhecida Nas legislações onde ela não é reconhecida que sentido afirmar que existe apesar de tudo um direito natural ou moral à objeção de consciência O que se pode dizer apenas é que há boas razões para que essa exigência seja reco nhecida Que sentido tem afirmar que existia um direito à liberdade de abortar antes que essa aspiração das mulheres fosse acolhida e reconhecida por uma legislação civil com razões fundadas de resto em argumentos históricos e sociais e portanto que não têm validade absoluta tais como o crescente número de mulheres que trabalham ou o perigo de um excesso popula cional que ameaça a humanidade Poderíamos prosseguir Esse discurso adquire um interesse particular quando se pensa nos direitos do ho mem que experimentaram historicamente a passagem de um sistema de di reitos em sentido fraco na medida em que estavam inseridos em códigos de normas de direitos em sentido dos Estados nacionais E hoje através das várias cartas de direitos promulgadas em fóruns internacionais ocorreu a passagem ou seja de um sistema mais forte como o nacional não despótico para um sistema mais fraco como o internacional onde os direitos proclamados são sustentados quase que exclusivamente pela pressão social como ocorre habitualmente no caso dos códigos morais e são repetidamente violados sem que as violações sejam na maioria dos casos punidas sofrendo uma outra sanção que não a condenação moral No sistema internacional tal como ele existe atualmente inexistem algumas condições necessárias para que possa ocorrer a passagem dos direitos em sentido fraco para direitos em sentido forte a a de que o reconhecimento e a proteção de pretensões ou exigências contidas nas Declarações provenientes de órgãos e agências do sistema internacional sejam consi derados condi ções necessárias para que um Estado possa pertencer à comunidade internacional b a existên cia no sistema internacional de um poder comum suficientemente forte para prevenir ou reprimir a violação dos direitos declarados Não há melhor ocasião do que este congresso internacional de estudiosos em particular de sociólogos do direito que se ocupam profissionalmente com a observação da interrelação entre sistema jurídico e sistema social para denunciar o abuso ou melhor o uso enganoso que se faz do termo direito nas declarações deste ou daquele direito do homem na sociedade internacional Não sem certa hipocrisia já que aqueles que se sentam à mesa de um fórum internacional sejam políticos diplomatas juristas ou especialistas em geral não podem ignorar que o objeto de suas discussões são pura e simplesmente propostas ou diretivas para uma futura legislação e que as cartas enunciadas ao término desses fóruns não são propriamente cartas de direitos como as que servem de premissa às Constituições nacionais a partir do final do século XVIII ou para usar a primeira expressão com que os direitos do homem fizeram seu aparecimento na cena da história não são Bill of Rights mas são documentos que tratam do que deverão ou deveriam ser direitos num futuro próximo se e quando os Estados particulares os reconhecerem ou se e quando o sistema internacional houver implan tado os órgãos e os poderes necessários para fazêlos valer sempre que forem violados Uma coisa é um direito outra a promessa de um direito futuro Uma coisa é um direito atual outra um direito potencial Uma coisa é ter um direito que é enquanto reconhecido e protegido outra é ter um direito que deve ser mas que para ser ou para que passe do dever ser ao ser precisa transformarse de objeto de discussão de uma assembléia de especialistas em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção Partida constatação da enorme defasagem entre a amplitude do debate teórico sobre os direitos do homem e os limites dentro dos quais se processa a efetiva proteção dos mesmos nos Estados particulares e no sistema internacional Essa defasagem só pode ser superada pelas forças políticas Mas os sociólogos do direito são entre os cultores de disciplinas jurídicas os que estão em melhores condições para documentar essa defasagem explicar suas razões e graças a isso reduzir suas dimensões A E R A D O S D I R E I T O S 40 SEGUNDA PARTE A REVOLUÇÃO FRANCESA E OS DIREITOS DO HOMEM A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO foi aprovada pela Assembléia Nacional em 26 de agosto de 1789 A discussão que levou à aprovação se processou em dois tempos De 1º a 4 de agosto discutiuse se se devia proceder a uma declaração de direitos antes da emanação de uma Constituição Contra os que a consideravam inútil e contra os que a consideravam útil mas devendo ser adiada ou útil somente se acompanhada de uma declaração dos deveres a Assembléia decidiu quase por unanimidade que uma declaração dos direitos a ser considerada segundo as palavras de um membro da Assembléia inspiradas em Rousseau como o ato da constituição de um povo devia ser proclamada imediatamente e portanto prece der a Constituição De 20 a 26 de agosto o texto préselecionado Pela Assembléia foi discutido e aprovado Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos pelo menos simbolicamente que assinalam o fim de uma época e o início de outra e portanto indicam uma virada na história do gênero humano Um grande hístoriador da Revolução Georges Lefebvre escreveu Proclamando a liberdade a igualdade e a soberania popular a Declaração foi o atestado de óbito do Antigo Regime destruído pela Revolução Entre os milhares de testemunhos sobre o significado ideal desse texto que nos foram deixados pelos historiadores do século passado escolho o de um escritor político aindaque ele tenha sido o primeiro a pôr em discussão a imagem que a revolução fizera de si mesma Alexis de Tocqueville Referindose à primeira fase do 1789 descrevea como o tempo de juvenil entusiasmo de orgulho de paixões generosas e sinceras tempo do qual apesar de todos os erros os homens iriam conservar eterna memória e que por muito tempo ainda perturbará o sono dos que querem subjugar ou corromper os homens Curiosamente a mesma palavra entusiasmo uma palavra que o racionalista Voltaire detestava fora usada por Kant embora condenando o regicídio como uma abominação Kant escreveu que essa revolução de um povo rico de espiritualidade ainda que esse povo tivesse podido acumular miséria e crueldade encontrara uma participação de aspirações que sabe a entusiasmo só podendo ter como causa uma dispo sição moral da espécie humana Definindo o entusiasmo como a participação no bem com paixão explica va logo após que o verdadeiro entusiasmo se refere só e sempre ao que é ideal ao que é puramente moral e que a causa moral desse entusiasmo era o direito que tem um povo de não ser impedido por outras forças de dar a si mesmo uma Constituição civil que ele crê boa Desse modo Kant ligava diretamente o aspecto que considerava positivo da revolução com o direito de um povo a decidir seu próprio destino Esse direito segun do Kant revelarase pela primeira vez na Revolução Francesa E esse era o direito de liberdade num dos dois sentidos principais do termo ou seja como autodeterminação corno autonomia como capacidade de legislar para si mesmo como a antítese de toda forma de poder paterno ou patriarcal que caracterizara os governos despóticos tradicionais Quando Kant define a liberdade numa passagem da Paz perpétua definea do seguinte modo A liberdade jurídica e a faculdade de só obedecer a leis externas às quais pude dar o meu assentimento Nessa definição era claríssima a inspiração de Rousseau que definira a liberdade como a obediência à lei que nós mesmos nos prescrevemos Não obstante a discordância várias vezes expressa em relação ao idealismo abstrato kantiano bem como a ostentação de uma certa superioridade dos alemães que julgavam não ter necessidade da Revolução porque haviam feito a Reforma Hegel quando se refere em suas lições de filosofia da história à Revolução France sa não pode ocultar sua admiração e fala também mais uma vez do entusiasmo do espírito Enthusiasmos des Geistes pelo qual o mundo foi percorrido e agitado como se então tivesse finalmente ocorrido a verdadei ra conciliação do divino com o mundo Chamandoa de uma esplêndida aurora pelo que todos os seres pensantes cele braram em uníssono essa época expressa com essa metáfora a sua convicção de que com a Revolução iniciarase uma nova época da história com uma explícita referência à Declaração cuja finalidade NORBERTO BOBBIO 41 era a seu ver a meta inteiramente política de firmar os direitos naturais o principal dos quais é a liberdade seguido pela igualdade diante da lei enquanto uma sua ulterior determinação A primeira defesa ampla historicamente documentada e filosoficamente argumentada da Declaração foi a contida nas duas partes de Os direitos do homem de Thomas Paine que foram Publicadas respectivamente em 1791 e em 1792 A obra é em grande parte um panfleto contra Edmund Burke que em defesa da Cons tituição inglesa atacara com acrimônia a Revolução Francesa desde sua primeira fase afirmando o seguinte sobre os direitos do homem Nós não nos deixamos esvaziar de nossos sentimentos para nos encher ar tificialmente como pássaros embalsamados num museu de palha de cinzas e de insípidos fragmentos de papel exaltando os direitos do homem Naturais para Burke são sentimentos como o temor a Deus o respeito ao rei o afeto pelo parlamento não naturais aliás falsos e espúrios são ao contrário os sentimentos que a alusão aos direitos naturais é evidente nos ensinam uma servil licenciosa e degradada insolência uma espécie de liberdade que dura apenas poucos dias de festa e que nos torna justamente dignos de uma eterna e miserável escravidão Especificava que os ingleses são homens ligados aos sentimentos mais naturais embora esses sejam preconceitos Evitamos cuidadosamente que seres humanos vivam e ajam segundo as luzes da própria racionalidade individual porque consideramos que é melhor para cada um valerse do patrimônio de experiência acumulado pe los povos ao longo dos séculos Para fundar os direitos do homem Paine oferece uma justificação e não podia então ser de outro modo religiosa Segundo ele para encontrar o fundamento dos direitos do homem é preciso não permanecer na história como fizera Burke mas transcender a história e chegar ao momento da origem quando o homem surgiu das mãos do Criador A história nada prova salvo os nossos erros dos quais devemos nos libertar O único ponto de partida para escapar dela é reafirmar a unidade do gênero humano que a história dividiu Só assim se descobre que o homem antes de ter direitos civis que são o produto da história tem direitos naturais que os precedem e esses direitos naturais são o fundamento de todos os direitos civis Mais precisamente São direitos naturais os que cabem ao homem em virtude de sua existência A esse gênero pertencem todos os direitos intelectuais ou direitos da mente e também todos os direitos de agir como indivíduo para o próprio bemestar e para a própria felicidade que não sejam lesivos aos direitos naturais dos outros Distinguia três formas de governo o fundado na superstição o fundado na força e um terceiro fundado no interesse comum que ele chamava de governo da razão Paine antes de chegar à França participara ativamente da revolução norteamericana com vários escritos e em particular com o ensaio Common sense 1776 no qual embora fosse súdito britânico criticava asperamente o poder do rei reclamando o direito dos estados americanos à sua independência a partir da tese muito característica do mais genuíno liberalismo segundo a qual chegara a hora de a sociedade civil se eman cipar do poder político já que enquanto a sociedade é uma bênção o governo tal como as roupas que cobrem nossa nudez é o emblema da inocência perdida Com sua ação e com sua obra Paine representou a continuidade entre as duas revoluções Não tinha dúvidas de que uma fosse o desenvolvimento da outra e de que em geral a Revolução Americana abrira a porta para as revoluções da Europa idênticos eram os princípios inspiradores bem como seu fundamento o direito natural idêntico era o desfecho o governo fundado no contrato social a república como governo que rechaça para sempre a lei da hereditariedade a democracia como governo de todos A relação entre as duas revoluções bem mais complexa do que Paine supunha foi continuamente reexaminada e debatida nos últimos dois séculos Os problemas são dois qual foi o influxo e se foi determinante da mais antiga na mais recente qual das duas consideradas em si mesmas é política ou eticamente superior à outra Com relação ao primeiro problema o debate foi particularmente intenso no final do século passado quan do Jellinek numa conhecida obra publicada em 1896 negou através de um exame ponto por ponto a originalidade da Declaração francesa provocando vivas réplicas dos que defendiam que a semelhança se devia à inspiração comum estes além disso alegavam que a inspiração direta era improvável tendo em vista o escasso conhecimento dos vários Bill of Rights americanos pelos constituintes franceses Observandose bem há algumas diferenças de princípio na Declaração de 1789 não aparece entre as metas a alcançar a felicida de a expressão felicidade de todos aparece apenas no preâmbulo e por conseguinte essa não é mais urna palavrachave desse documento como era o caso ao contrário nas cartas americanas a começar pela da A E R A D O S D I R E I T O S 42 Virgínia 1776 conhecida dos constituintes franceses onde alguns direitos inherent traduzido de modo um pouco forçado como inata são protegidos porque permite a busca da felicidade e da segurança O que era felicidade e qual a relação entre a felicidade e o bem público fora um dos temas debatidos pelos philosophes mas à medida que tomou corpo a figura do Estado liberal e de direito foi completamente abandonada a idéia de que fosse tarefa do Estado assegurar a felicidade dos súditos Também nesse caso a palavra mais clara e íluminadora foi dita por Kant o qual em defesa do Estado liberal puro cuja meta é permitir que a liberdade de cada um possa expressarse com base numa lei universal racional rechaçou o Estado eudemonológico um Estado que pretendiaincluir entre suas tarefas a de fazer os súditos felizes já que a verdadeira finalidade do Estado deve ser apenas dar aos súditos tanta liberdade que lhes permita buscar cada um deles a seu modo a sua própria felicidade Em segundo lugar a Declaração francesa como foi várias vezes notado é ainda mais intransigente mente individualista do que a americana Não há necessidade de insistir particularmente ainda mais por que voltaremos ao assunto no fato de que a concepção da sociedade que está na base das duas Declarações é aquela que no século seguinte será chamada quase sempre com uma conotação negativa de individualis ta Para a formação dessa concepção segundo a qual o indivíduo isolado independentemente de todos os outros embora juntamente com todos os outros mas cada um por si é o fundamento da sociedade em oposi ção à idéia que atravessou séculos do homem como animal político e como tal social desde as origens haviam contribuído quer a idéia de um estado de natureza tal como este fora reconstruído por Hobbes e Rousseau ou seja como estado présocial quer a construção artificial do homo oeconomicus realizada pelos primeiros economistas quer a idéia cristã do indivíduo como pessoa moral que tem valor em si mesmo en quanto criatura de Deus Ambas as Declarações partem dos homens consi derados singularmente os direitos que elas proclamam per tencem aos indivíduos considerados um a um que os possuem antes de ingressarem em qualquer sociedade Mas enquanto a utilidade comum é invocada pelo documento francês unicamente para justificar eventuais distinções sociais quase todas as cartas americanas fazem referência direta à finalida de da associação política que é a do common benefit Virgínia do good of whole Maryland ou do common good Massachussets Os constituintes americanos relacionaram os direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade Os constituintes franceses pretendiam afirmar primária e exclusivamente os direitos dos indivíduos Bem diversa será a idéia na qual se inspirará a Constituição jacobina que é encabeçada pelo art 1º no qual se diz Finalidade da sociedade é a felicidade comum essa Constituição põe em primeiro plano o que é de todos em relação ao que pertence aos indivíduos o bem do todo em relação ao direito das partes Quanto ao segundo tema o de saber qual das duas revoluções foi ética e politicamente superior a controvérsia é bem antiga já durante a discussão na Assembléia Nacional um de seus membros Pierre Victor Malouet intendente de finanças candidato da Baixa Auvergne expressara seu próprio parecer contrário à proclamação dos direitos afirmando que o que fora bom para os americanos que haviam tomado o homem no seio da natureza e o tinham apresentado em sua soberania primitiva estando assim preparados para receber a liberdade em toda a sua energia não seria tão bom para os franceses uma imensa multidão dos quais era composta de homens sem propriedade que esperavam do governo mais a segurança do trabalho a qual por outro lado os torna dependentes do que a liberdade Também nesse caso entre os muitos testemunhos dessa controvérsia escolho um que deveria ser particular mente familiar ao público italiano embora eu tenha a impressão de que foi inteiramente esquecido No ensaio sobre A Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Italiana de 1859 Alessandro Manzoni aborda o tema da comparação entre a Revolução Americana e a Revolução Francesa partindo de uma comparação entre a Constituição americana de 1787 e a Declaração de 1789 e não hesita em dar a palma à primeira com argu mentos que lembram aqueles do intendente francês Ele observa que além do fato de a Constituição america na de 1787 não se ter feito preceder por nenhuma declaração as Declarações dos con gressos anteriores referiamse apenas a alguns direitos positivos e especiais das Colônias diante do Governo e do Parlamento da Inglaterra limitavamse portanto a proclamar e a reivindicar direitos que haviam sido violados por aquele Governo e que aquele Parlamento tentara invalidar contra uma posse antiga e pacífica Concluía que a semelhança que se quisera estabelecer entre as duas Declarações era apenas verbal e verbal era sua enunciação tanto que ao passo que as cartas dos ame ricanos tinham produzido os efeitos desejados da solene proclama ção dos constituintes de 1789 podiase dizer apenas que precedera de pouco o tempo em que o desprezo e a NORBERTO BOBBIO 43 violação de todo direito chegaram a um grau que permite duvidar que haja um termo de comparação em toda a história Deixemos aos historiadores a disputa sobre a relação entre as duas declarações Apesar da influência até mesmo imediata que a revolução das treze colônias teve na Europa bem como da rápida formação no Velho Continente do mito americano o fato é que foi a Revolução Francesa que constituiu por cerca de dois séculos o modelo ideal para todos os que combateram pela própria emancipação e pela libertação do próprio povo Foram os princípios de 1789 que constituíram no bem como no mal um ponto de referência obrigató rio para os amigos e para os inimigos da liberdade princípios invocados pelos primeiros e execrados pelos segundos Da subterrânea e imediata força de expansão que a Revolução Francesa teve na Europa permitam me recordar a esplêndida imagem de Heine que comparava o frêmito dos alemães ao ouvirem as notícias do que ocorria na França com o rumor que emerge das grandes conchas que ornamentam as lareiras mesmo quando já estão distantes do mar há muito tempo Quando em Paris no gran de oceano humano as ondas da revolução subiam agitavamse e se enfureciam tempestuosamente para além do Reno os co rações alemães murmuravam e fremiam Quantas vezes ecoou o apelo aos princípios de 1789 nos momentos cruciais de nossa história Limitome a recordar dois deles o Risorgimento e a oposição ao fascismo Embora preconizando uma nova época a que chamou de social Mazzini reconheceu que na Declaração dos Direitos de 1789 haviam sido resumidos os resultados da era cristã pondo acima de qualquer dúvida e elevando a dogma político a liberdade conquistada na esfera da idéia pelo mundo grecoromano a igualdade conquistada pelo mundo cristão e a fraternidade que é conseqüência imediata dos dois termos Carlo Rosselli no livro programático Socialismo liberal escrito no desterro e publicado na França em 1930 disse que o princípio da liberdade estendido à vida cul tural durante os séculos XVII e XVIII atingira seu apogeu com a Enciclopédia terminando por triunfar politica mente com a Revolução de 1789 e sua Declaração de Direitos Disse antes no bem como no mal a condenação dos princípios de 1789 foi um dos motivos habituais de todo movimento reacionário a começar por De Maistre e chegando à Actio Française Mas basta citar uma passagem do príncipe dos escritores reacionários Friedrich Nietzsche com o qual uma nova esquerda sem bússola mantém há algum tempo certo namoro o qual num de seus últimos fragmentos publicados postu mamente escreveu A nossa hostilidade à Révolution não se refere à farsa cruenta à imoralidade com que ela se desenvolveu mas à sua moralidade de rebanho às verdades com que sempre e ainda continua a operar a sua imagem contagiosa de justiça e liberdade a qual se enredam todas as almas medíocres à subversão da autoridade das classes superiores Não muitos anos depois faziamlhe eco alguns dos seus talvez inconscien tes netos italianos que ironizavam a apoteose das retumbantes blagues da Revolução Francesa justiça Fraternidade Igualdade Liberdade O NÚCLEO DOUTRINÁRIO DA DECLARAÇÃO está contido nos três artigos iniciais o primeiro referese à condi ção natural dos indivíduos que precede a formação da sociedade civil o segundo à finalidade da sociedade política que vem depois se não cronologicamente pelo menos axiologicamente do estado de natureza o terceiro ao princípio de legitimidade do poder que cabe à nação A fórmula do primeiro os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos foi retomada quase literalmente pelo art 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Rousseau escrevera no início do Contrato social O homem nasceu livre mas por toda parte se encontra a ferros Tratavase como se disse várias vezes de um nascimen to não natural mas ideal Desde o momento em que a crença numa mítica idade de ouro que remontava aos antigos e fora retomada durante o Renascimento foi suplantada pela teoria que de Lucrécio chegara a Vico da origem ferina do homem e da barbáríe primitiva tornouse doutrina corrente que os homens não nascem nem livres nem iguais Que os homens fossem livres e iguais no estado de natureza tal como descrito por Locke no Segundo tratado do governo era uma hipótese racional não era nem uma constatação empírica nem um dado histórico mas uma exigência da razão única que poderia inverter radicalmente a concepção secular segundo a qual o poder político o poder sobre os homens o imperium procede de cima para baixo e não viceversa Essa hipótese devia servir segundo o próprio Locke para entender bem o poder político e deriválo de sua origem Era precisamente essa a meta a que se haviam proposto os constituintes os quais A E R A D O S D I R E I T O S 44 logo após no art 2º declaravam que o objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem tais como a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão No artigo não está presente a expressão contrato social mas a idéia do contrato está implícita na palavra associação Por associação entendese é impossível não entender uma sociedade baseada no contrato A ligação entre os dois artigos é dada pelo fato de que o primeiro fala de igualdade nos direitos enquanto o segundo especifica quais são esses direitos entre os quais não comparece mais a igualdade a qual reaparece porém no art 6º que prevê a igualdade diante da lei bem como no art13 que prevê a igualdade fiscal Dos quatro direitos elencados somente a liberdade é definida art 4º e é definida como o direito de poder fazer tudo o que não prejudique os outros que é uma definição diversa da que se tornou corrente de Hobbes a Montesquieu segundo a qual à liberdade consiste em fazer tudo o que as leis permitam bem como da definição de Kant segundo a qual a minha liberdade se estende até o ponto da compatibilidade com a liberdade dos outros A segurança será definida no art 8º da Constituição de 1793 como a proteção conce dida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa de seus direitos e de suas propriedades Quanto à propriedade que o último artigo da Declaração considera um direito inviolável e sagrado ela se tornará o alvo das críticas dos socialistas e irá caracterizar historicamente a Revolução de 1789 como revolução burguesa Sua inclusão entre os direitos naturais remontava a uma antiga tradição jurídica bem anterior à afirmação das doutrinas jusnaturalistas Era uma consequência da autonomia que no direito roma no clássico era desfrutada pelo direito privadoem relação ao direito público da doutrina dos modos originários de aquisição da propriedade através do contrato e da sucessão modos tanto uns como outros que pertenciam à esfera das relações privadas que se desenvolviam fora da esfera pública Para não remontar a um passado muito distante era bem conhecida a teoria de Locke um dos principais inspiradores da liberdade dos modernos segundo a qual a propriedade deriva do trabalho individual ou seja de uma atividade que se desenvolve antes e fora do Estado Ao contrário do que hoje se poderia pensar depois das históricas reivindi cações dos nãoproprietários contra os proprietários guiados pelos movimentos socialistas do século XIX o direito de propriedade foi durante séculos considerado como um dique o mais forte dos diques contra o poder arbitrário do soberano Foi Thomas Hobbes talvez o mais rigoroso teórico do absolutismo que teve a audácia de considerar como uma teoria sediciosa e portanto merecedora de condenação num Estado funda do nos princípios da razão a que afirma que os cidadãos têm a propriedade absoluta das coisas que estão sob sua posse É ponto pacífico que também por trás da afirmação do direito de resistência estava o pensamento de Locke embora essa afirmação fosse muita antiga Tendo dito que a razão pela qual os homens entram em sociedade é a conservação de suas propriedades bem como de suas liberdades Locke deduzia disso que quan do o governo viola esses direitos põemse em estado de guerra contra seu povo o qual a partir desse momen to está desvinculado de qualquer dever de obediência não lhe restando mais do que o refúgio comum que Deus ofereceu a todos os homens contra a força e a violência isto é o retorno à liberdade originária e a resistência Juridicamente o direito de resistência é um direito secundário do mesmo modo como são normas secundárias as que servem para proteger as normas primárias é um direito secundário que intervém num segundo momento quando são violados os direitos de liberdade de propriedade e de segurança que são direitos primários E também é diverso porque o direito de resistência intervém para tutelar os outros direitos mas não pode por sua vez ser tutelado devendo portanto ser exercido com todos os riscos e perigos Num plano rigorosamente lógico nenhum governo pode garantir o exercício do direito de resistência que se mani festa precisamente quando o cidadão já não reconhece a autoridade do governo e o governo por seu turno não tem mais nenhuma obrigação para com ele Com uma possível alusão a esse artigo Kant dirá que para que um povo seja autorizado à resistência deveria haver uma lei pública que a permitisse mas uma tal disposição seria contraditória já que no momento em que o soberano admitisse a resistência contra si mesmo renunciaria a sua própria soberania e o súdito tornarseia soberano em seu lugar E impossível que os constituintes não tivessem percebido a contradição Mas como explica Georges Lefebvre a inserção do direito de resistência entre os direitos naturais deviase à recordação imediata do 14 de julho e ao temor de um novo assalto aristocrático tratavase portanto de uma justificação póstuma da luta contra o Antigo Regime NORBERTO BOBBIO 45 Na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 não aparece o direito de resistência mas no preâmbulo lêse que os direitos do homem que seriam sucessivamente enumerados devem ser protegidos se se quer evitar que o homem seja obrigado como última instância à rebelião contra a tirania e a opressão É como dizer que a resistência não é um direito mas em determinadas circunstâncias uma necessidade como o indica a palavra obrigado O terceiro artigo segundo o qual o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação reflete fielmente o debate que se travara no mês de junho quando havia sido rechaçada a proposta do conde de Mirabeau no sentido de adotar a palavra povo que assinalava a diferença com relação às duas outras ordens em vez de nação mais abrangente unificadora e compreensiva defendida pelo abade Sieyès de onde nas cera nome de Assembléia Nacional Esse artigo expressa também conceito destinado a tornarse um dos fundamentos de todo governo democrático futuro de que a representação é una e indivisível ou seja não pode ser dividida com base nas ordens ou nos estamentos em que se dividia a sociedade da época e de que sua indivisibilidade e unidade é composta não por corpos separados mas por indivíduos singulares que contam cada um por um de acordo com um principio que a partir de então justifica a desconfiança de todo governo democrático diante da representação dos interesses No conceito da soberania una e indivisível da nação estava também implícito o princípio da proibição do mandato imperativo principio firmemente defendido por Sieyès já anunciado no art 6º segundo o qual a lei e expressão da vontade geral e explicitamente formulado no art 8º do preâmbulo da lei de 22 de dezembro de 1789 que diz Os representantes indicados para a Assembléia Nacional pelos departamentos deverão ser considerados não como repre sentantes de um departamento mas como representantes da totalidade dos departamentos ou seja de toda a nação Repre sentação individual e não por corpos separados bem como proibição de mandato imperativo eis duas institui ções que concorriam para a destruição da sociedade por ordens na qual dado em cada ordem tinha um seu ordenamento jurídico separado os indivíduos não eram iguais nem nos direitos nem diante da lei Desse ponto de vista a Declaração podia corre tamente ser considerada como o fez um grande historiador da Revolução Alphonse Aulard como o atestado de óbito do Antigo Regime ainda que o tiro de misericórdia só viesse a ser dado no preâmbulo da Constituição de 1791 quando foi secamente proclamado que não existe mais nobreza nem pariato nem distinções hereditárias nem distinções de ordem ou de regime feudal não há mais para nenhuma parte da Nação e para nenhum indivíduo nenhum privilégio ou exceção em face do direito comum de todos os franceses A DECLARAÇÃO DESDE ENTÃO ATÉ HOJE foi submetida a duas críticas recorrentes e opostas foi acusada de excessiva abstratividade pelos reacionários e conservadores em geral e de excessiva ligação com os interesses de uma classe particular por Marx e pela esquerda em geral A acusação de abstratividade foi repetida infinitas vezes de resto a abstratívidade do pensamento iluminista é um dos motivos clássicos de todas as correntes antiiluministas Não preciso repetir a célebre afirmação de De Maistre que dizia ver ingleses alemães franceses e graças a Montesquieu saber também que existiam os persas mas o homem o homem em geral esse ele nunca vira e se é que existia ele o ignorava Mas basta citar menos conhecido mas não menos drástico um juízo de Taine segundo o qual a maior parte dos artigos da Declaração não são mais do que dogmas abstratos definições metafísicas axiomas mais ou menos literári os ou seja mais ou menos falsos ora vagos ora contraditórios suscetíveis de mais de um significado e de significados opostos uma espécie de insígnia pomposa inútil e pesada que corre o risco de cair na cabeça dos transeuntes já que todo dia é sacudida por mãos violentas Quem não se contentar com essas deprecações ou talvez sejam mais imprecações e quiser buscar uma crítica filosófica deverá ler o adendo ao 539 da Enciclopédia de Hegel onde além de muitas considerações importantes está dito que liberdade e igualdade são tão pouco algo por natureza que ao contrário são um produto e um resultado da consciên cia histórica a qual de resto se diferencia de nação para nação Mas será mesmo verdade que os constituintes franceses eram assim tão pouco atentos com a cabeça nas nuvens e os pés bem longe do chão A essa pergunta respondeuse com a observação de que aqueles direitos aparentemente abstratos eram realmente na intenção dos constituintes instrumentos de polêmica política cada um deles devendo ser interpretado como a antítese de um abuso do poder que se queria combater ia que os revolucionários como dissera Mirabeau mais que uma Declaração abstrata de direitos tinham querido A E R A D O S D I R E I T O S 46 fazer um ato de guerra contra os tiranos Se esses direitos foram depois proclamados como se estivessem inscri tos numa tábua das leis fora do tempo e da história isso resultara como explicará Tocquevílie do fato de que a Revolução Francesa havia sido uma revolução política que operara como as revoluções religiosas que consideram o homem em si mesmo sem se deterem nos traços peculiares que as leis os costumes e as tradições de um povo podiam ter inserido naquele fundo comum e operara como as revoluções religiosas porque pare cia ter como objetivo mais do que a reforma da França a regeneração de todo o gênero humano De resto foi por essa razão segundo Tocquevílle que a Revolução pôde acender paixões que até então nem mesmo as revoluções políticas mais violentas tinham podido produzir A crítica oposta segundo a qual a Declaração em vez de ser demasiadamente abstrata era tão concreta e historicamente determinada que na verdade não era a defesa do homem em geral que teria existido sem que o autor das Noites de São Petersburgo o soubesse mas do burguês que existia em carne e osso e lutava pela própria emancipação de classe contra a aristocracia sem se preocupar muito com os direitos do que seria chamado de Quarto Estado foi feita pelo jovem Marx no artigo sobre A questão judaica suficientemente conhecido para que não seja preciso nos ocuparmos de novo dele e repetida depois ritualmente por diversas gerações de marxistas De nenhum modo se tratava do homem abstrato universal O homem de que falava a Declaração era na verdade o burguês os direitos tutelados pela Declaração eram os direitos do burguês do homem explicava Marx egoísta do homem separado dos outros homens e da comunidade do homem enquanto mônada isolada e fechada em si mesma Quais tenham sido as conseqüências que considero funestas dessa interpretação que confundia uma questão de fato ou seja a ocasião histórica da qual nascera a reivindicação desses direitos que era certamente a luta do Terceiro Estado contra a aristocracia com uma questão de princípio e via no homem apenas o cidadão e no cidadão apenas o burguês esse é um tema sobre o qual com o discernimento que o passar dos anos nos proporciona talvez tenhamos idéias mais claras do que nossos pais Mas ainda estamos demasiada mente imersos na corrente dessa história para sermos capazes de ver onde ela terminará Pareceme difícil negar que a afirmação dos direitos do homem in primis os de liberdade ou melhor de liberdades individuais é um dos pontos firmes do pensamento político universal do qual não mais se pode voltar atrás A acusação feita por Marx à Declaração era a de ser inspirada numa concepção individualista da sociedade A acusação era justíssima Mas é aceitável Decerto o ponto de vista no qual se situa a Declaração para dar uma solução ao eterno problema das relações entre governantes e governados é o do indivíduo do indivíduo singular considerado como o titular do poder soberano na medida em que no hipotético estado de natureza présocial ainda não existe nenhum poder acima dele O poder político ou o poder dos indivíduos associados vem depois E um poder que nasce de uma convenção é o produto de uma invenção humana como uma máquina mas se trata conforme a definição de Hobbes cuja reconstrução racional do Estado parte com absoluto rigor dos indivíduos conside rados singularmen te da mais engenhosa e também da mais benéfica das máquinas a machina machinarum Esse ponto de vista representa a inversão radical do ponto de vista tradicional do pensamento político seja do pensamento clássico no qual as duas metáforas predominantes para representar o poder são a do pastor e o povo é o rebanho e a do timoneiro do gubernator e o povo é a chusma seja do pensamento medieval omnis potestas nisi a Deo Dessa inversão nasce o Estado moderno primeiro liberal no qual os indivíduos que reivindicam o poder soberano são apenas uma parte da sociedade depois democrático no qual são potencial mente todos a fazer tal reivindicação e finalmente social no qual os indivíduos todos transformados em soberanos sem distinções de classe reivindicam além dos direitos de liberdade também os direitos soci ais que são igualmente direitos do indivíduo o Estado dos cidadãos que não são mais somente os burgueses nem os cidadãos de que fala Aristóteles no inicio do Livro III da Política definidos como aqueles que podem ter acesso aos cargos públicos e que quando excluídos os escravos e estrangeiros mesmo numa democracia são uma minoria O ponto de vista tradicional tinha por efeito a atribuição aos indivíduos não de direitos mas sobretudo de obrigações a começar pela obrigação da obediência às leis isto é às ordens do soberano Os códigos morais e jurídicos foram ao longo dos séculos desde os Dez Mandamentos até as Doze Tábuas conjuntos de regras imperativas que estabelecem obrigações para os indivíduos não direitos Ao contrário observemos mais uma vez os dois primeiros artigos da Declaração Primeiro há a afirmação de que os indivíduos têm direitos depois NORBERTO BOBBIO 47 a de que o governo precisamente em conseqüência desses direitos obrigase a garantilos A relação tradicio nal entre direitos dos governantes e obrigações dos súditos é invertida completamente Até mesmo nas chama das cartas de direitos que precederam as de 1776 na América e a de 1789 na França desde a Magna Charta até o Bill of Rights de 1689 os direitos ou as liberdades não eram reconhecidos como existentes antes do poder do soberano mas eram concedidos ou concertados devendo aparecer mesmo que fossem resultado de um pacto entre súditos e soberano como um ato unilateral deste último O que equivale a dizer que sem a concessão do soberano o súdito jamais teria tido qualquer direito Não é diferente o que ocorrerá no século XIX quando surgem as monarquias constitucionais afirmase que as Constituições foram octroyées pelos sobe ranos O fato de que essas Constituições fossem a conseqüência de um conflito entre rei e súditos concluído com um pacto não devia cancelar a imagem sacralizada do poder para a qual o que os cidadãos obtêm é sempre o resultado de uma graciosa concessão do príncipe As Declarações de Direito estavam destinadas a inverter essa imagem E com efeito pouco a pouco logra ram invertêla Hoje o próprio conceito de democracia é inseparável do con ceito de direitos do homem Se se elimina uma concepção individualista da sociedade não se pode mais justificar a democracia do que aquela segundo a qual na democracia os indivíduos todos os indivíduos detêm uma parte da soberania E como foi possível firmar de modo irreversível esse conceito senão através da inversão da relação entre poder e liberdade fazendose com que a liberdade precedesse o poder Tenho dito freqüentemente que quando nos referimos a uma democracia seria mais correto falar de soberania dos cidadãose não de soberania popular Povo é um conceito ambíguo do qual se serviram também todas as ditaduras modernas É uma abstração por vezes enga nosa não fica claro que parcela dos indivíduos que vivem num território é compreendida pelo termo povo As decisões coletivas não são tomadas pelo povo mas pelos indivíduos muitos ou poucos que o compõem Numa democracia quem toma as decisões coletivas direta ou indiretamente são sempre e apenas indivíduos singulares no momento em que depositam seu voto na urna Isso pode soar mal para quem só consegue pensar a sociedade como um organismo mas quer isso agrade ou não a sociedade democrática não é um corpo orgânico mas uma soma de in divíduos Se não fosse assim não teria nenhuma justificação o princípio da maioria o qual não obstante é a regra fun damental de decisão democrática E a maioria é o resultado de uma simples soma aritmética onde o que se soma são os votos dos indivíduos um por um Concepção individualis ta e concepção orgânica da sociedade estão em irremediável con tradição É absurdo perguntar qual é a mais verdadeira em sentido absoluto Mas não é absurdo e sim absolutamente razoável afirmar que a única verdadeira para compreender e fazer compreender o que é a democracia e a segunda con cepção não a primeira É preciso desconfiar de quem defende uma concepção antiindividualista da sociedade Através do antiindividualismo passaram mais ou menos todas as doutrinas reacionárias Burke dizia Os indivíduos desa parecem como sombras só a comunidade é fixa e estável De Maistre dizia Submeter o governo à discussão individual significa destruílo Lammenais dizia O individualismo destruindo a idéia de obediência e de dever destrói o poder e a lei Não seria muito difícil encontrar citações análogas na esquerda antidemocrática Ao contrário não existe nenhuma Constituição democrática a começar pela Constituição republicana da Itália que não pressuponha a exis tência de indivíduos singulares que têm direitos enquanto tais E como seria possível dizer que eles são invioláveis se não houvesse o pressuposto de que axiologicamente o indivíduo é superior à sociedade de que faz parte A concepção individualista da sociedade já conquistou muito espaço Os direitos do homem que tinham sido e continuam a ser afirmados nas Constituições dos Estados particulares são hoje reconhecidos e solene mente proclamados no âmbito da comunidade internacional com uma conseqüência que abalou literalmente a doutrina e a prática do direito internacional todo indivíduo foi elevado a sujeito potencial da comunidade internacional cujos sujeitos até agora considerados eram eminentemente os Estados soberanos Desse modo o direito das gentes foi transformado em direito das gentes e dos indivíduos e ao lado do direito internacional como direito público externo o ius publicum europaeum está crescendo um novo direito que poderemos chamar com as palavras de Kant de cosmopolita embora Kant o limitasse ao direito de todo homem a ser tratado como amigo e não como inimigo qualquer que fosse o lugar onde estivesse ou seja ao direito como ele dizia de hospitalidade Contudo mesmo com essa limitação Kant via no direito cosmopolita não uma representação fantástica de mentes exaltadas mas uma das condições necessárias para a busca da paz perpé A E R A D O S D I R E I T O S 48 tua numa época da história em que a violação do direito ocorrida num ponto da terra é sentida em todos os outros O mesmo Kant que como disse no inicio vira no entusiasmo com que fora acolhida a Revolução Francesa um sinal da disposição moral da humanidade inseria esse evento extraordinário numa história profética da humanidade ou seja numa história da qual não se tem dados seguros mas da qual só se pode apreender sinais premonitórios Um desses sinais premo nitórios segundo ele era precisamente o nascimento de urna Consti tuição fundada no direito natural que permitia dar uma resposta afirmativa à questão de se o gênero huma no estava em constante progresso para o melhor Dizia também que o evento tivera tal efeito nos espíritos que não mais podia ser esquecido já que revelara na natureza humana uma tal disposição e potencialidade para o melhor que nenhum político poderia doravante cancelar Nós tendo chegado quase ao fim do século que conheceu duas guerras mundiais e a era das tiranias bem como a ameaça de uma guerra de extermínio podemos até sorrir diante do otimismo de um filósofo que viveu numa era em que a crença na irresistibilidade do pro gresso era quase universal Mas podemos sustentar seriamente que a idéia da Constituição fundada no direito natural foi esquecida O tema dos direitos do homem que foi imposto à atenção dos soberanos pela Declaração de 1789 não será hoje mais atual do que nunca Não é um dos grandes temas juntamente com o da paz e o da justiça internacional para os quais são arrastados irresistivelmente queriamno ou não povos e governos Assim como as Declarações nacionais foram o pressuposto necessário para o nascimento das demo cracias modernas a Declaração Universal dos Direitos do Homem não será talvez o pressuposto daquela democratização do sistema internacional da qual dependem o fim do sistema tradicional de equilíbrio no qual a paz é sempre uma trégua entre duas guerras e o inicio de uma era de paz estável que não tenha mais a guerra como alternativa Reconheço que afirmações desse gênero só podem ser fei tas no âmbito da história profética de que falava Kant e portanto de uma história cujas antecipações não têm a certeza das previsões científicas mas será que são possíveis previsões científicas na história humana Reconheço também que des graçadamente os profe tas da desventura na maioria dos casos não foram ouvidos e os eventos por eles anunciados se reali zaram enquanto os profetas dos tempos felizes foram logo ouvidos mas os eventos que anunciaram não se verifica ram Por que não poderia ocorrer um momento propício no qual o profeta da desventura esteja errado e o que prevê tempos felizes tenha razão NORBERTO BOBBIO 49 A HERANÇA DA GRANDE REVOLUÇÃO C OM A REVOLUÇÃO FRANCESA entrou prepotentemente na imaginação dos homens a idéia de um evento político extraordinário que rompendo a continuidade do curso histórico assinala o fim último de uma época e o principio primeiro de outra Duas datas muito próximas entre si podem ser elevadas a símbolos desses dois momentos 4 de agosto de 1789 quando a renúncia dos nobres aos seus privilégios assinala o fim do regime feudal 26 de agosto quando a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem marca o princípio de uma nova era Não vale a pena sublinhar por ser muito evidente o fato de que uma coisa é o símbolo e outra é a realidade dos eventos gradativamente examinados por historiadores cada vez mais exigentes Mas a força do símbolo e refirome em particular ao tema do meu discurso não desapareceu com o passar dos anos Com efeito a declaração de 26 de agosto fora precedida alguns anos antes pelas declarações de direitos pelos Bill of Rights de algumas colônias norteamericanas em luta contra a metrópole A comparação entre as duas revoluções e as respectivas enunciações de direitos é um tema ritual que compreende tanto um juízo de fato sobre a relação entre os dois eventos quanto um juízo de valor sobre a superioridade moral e política de um em relação ao outro No que se refere às duas revoluções a diversidade é de tal ordem que muitas argumen tações sobre as afinidades e diferenças entre elas aparecem freqüentemente como meros exercícios acadêmi cos e pior ainda as disputas sobre a superioridade de uma sobre a outra revelam um condicionamento de masiadamente ideológico para que pos sam ser levadas muito a sério Não se pode comparar com proveito uma guerra de independência uma guerra de libertação como diríamos hoje de um povo que se propõe ter uma Constituição política construída à imagem e semelhança daquela da metrópole a república presidencialista como se sabe tem como exemplo o modelo da monarquia constitucional por um lado e por outro a derru bada de um regime político e de uma ordem social que se queria ver substituída por uma ordem completamente diferente seja no que se refere à relação entre governantes e governados seja no que se refere à dominação de classe Mais sensata ou menos arbitrária é ao contrário a comparação entre as duas declarações contanto que essa comparação não mais seja posta em termos peremptórios como ocorreu no fim do século no confron to entre o grande jurista George Jellinek que afirmava com riqueza de detalhes que a declaração francesa derivava das americanas e Emile Boutmy que de modo igualmente detalhado contestou Jellinek afirmando entre outras coisas que os constituintes franceses tinham um escasso conhecimento dos precedentes de além mar fazendo assim uma afirmação desmentida pelos fatos Que o exemplo americano tenha desempenhado um papel decisivo na elaboração da declaração francesa foi algo recentemente afirmado mais uma vez pelo autor do amplo Verbete sobre os Direitos do homem do Dictionnaire critique de la Révolution française publicado há pouco tempo Mas é necessário preliminarmente distinguir entre o conteúdo da declaração por um lado e a própria idéia de uma declaração como algo que devia preceder a Constituição por outro Quanto ao conteúdo podese discutir quanto à idéia a influência determinante da declaração americana é algo indiscutível O primeiro a apresentar um projeto de declaração foi La Fayette herói da independência americana com um texto elaborado sob o olhar e com os conselhos de Jefferson então embaixador dos Estados Unidos em Paris Os constituintes não só conhecem o modelo americano mas também como observa Gouchet posicionamse em face do projeto de declaração segun do o que pensam das declarações anteriores Um monarchien intendente de finanças da Baixa Auvergne Pierre Victor Malouet justifica o seu parecer contrário dizendo que enquanto um povo novo como o ame ricano estava disposto a receber a liberdade em toda a sua energia um povo como o francês composto por uma multidão imensa de súditos sem propriedade esperava do governo mais a segurança do trabalho que os torna independentes do que a liberdade Com relação ao conteúdo dos dois textos apesar das di ferenças muitas vezes assinaladas a mais evidente das quais é a referência da declaração francesa à vontade geral como titular do poder legislativo art 6º de nítida derivação rousseauísta não se pode deixar de reconhecer que ambos têm sua origem comum na tradição do direito natural a qual em minha opinião é bem mais determinante mesmo na declaração francesa do que a tradição do autor do Contrato social O ponto de partida comum é a afirmação de que o homem tem direitos A E R A D O S D I R E I T O S 50 naturais que enquanto naturais são anteriores à instituição do poder civil e por conseguinte devem ser reconhecidos respeitados e protegidos por esse poder O art 2º os define como imprescritíveis querendo com isso dizer que à diferença dos direitos surgidos historicamente e reconhecidos pelas leis civis não foram perdidos nem mesmo pelos povos que não os exerceram durante um longo período de tempo ab imemorabili O primeiro crítico severo da Revolução Francesa Edmund Burke afirmará tão logo chegam à Inglaterra as notícias da sublevação parisiense a célebre tese da prescrição histórica segundo a qual os direitos dos ingleses recebem sua força não do fato de serem naturais mas de se terem afirmado através de um hábito de liberdade desconhecido pela maior parte dos demais povos Ao contrário da teoria da prescrição histórica a tese da imprescritibilidade tem consciente e intencionalmente um valor revolucionário De modo geral a afirmação de que o homem enquanto tal fora e antes da formação de qualquer grupo social temdireitos originários representa uma verdadeira reviravolta tanto na teoria quanto na prática políti cas reviravolta que merece ser brevemente comentada A relação política ou a relação entre governantes e governados entre dominantes e dominados entre príncipe e povo entre soberano e súditos entre Estado e cidadãos é uma relação de poder que pode assumir três direções conforme seja considerada como relação de poder recíproco como poder do primeiro dos dois sujeitos sobre o segundo ou como poder do segundo sobre o primeiro Tradicionalmente tanto no pensamen to político clássico quanto naquele que predo minou na Idade Média a relação política foi considerada como uma relação desigual na qual um dos dois sujeitos da relação está no alto enquanto o outro está embaixo e na qual o que está no alto é o governante em relação ao governado o dominante em relação ao dominado o príncipe em relação ao povo o soberano em relação aos súditos o Estado em relação aos cidadãos Nos termos da linguagem política a potestas vem antes da libertas no sentido de que a esfera da liberdade reservada aos indivíduos é concedida magnanimamente pelos detentores do poder Em termos hobbesianos a lex enten dida como o mandamento do soberano vem antes do ius no sentido de que o ius ou o direito do indivíduo coincide pura e simplesmente com o silentium legis É doutrina jurídica tradicional a de que o direito público pode regular o direito privado ao passo que o direito privado não pode derrogar o direito público A figuração do poder político ocorreu através de metáforas que iluminam bem esse ponto de vista se o governante e o pastor que se recorde a polêmica entre Sócrates e Trasímaco sobre esse tema os governados são o rebanho a oposição entre a moral dos senhores e a moral do rebanho chega até Nietzsche se o governante é o timoneiro ou gubernator o povo é a chusma que deve obedecer e que quando não obedece e se rebela acreditando poder dispensar a experiente direção do comandante como se lê numa passagem de A república de Platão faz com que a nave vá necessariamente a pique se o governante é o pai a figuração do Estado como uma família ampliada e portanto do soberano como pai do seu povo é urna das mais comuns em toda a literatura política antiga e moderna os súditos são comparados aos filhos que devem obedecer às ordens do pai porque ainda não alcançaram a idade da razão e não podem regular por si mesmos suas ações Das três metáforas a última é a mais difícil de morrer Recordemos a dura crítica de Locke contra o Patriarcha de Filmer para quem o poder de governar deriva diretamente dos antigos patriarcas assim como a critica de longo alcance que Kant dirigiu contra o Estado paternalista o qual considera os súditos como menores que devem ser guiados independentemente de sua vontade para uma vida sadia próspera boa e feliz Mas tanto Locke quanto Kant são Jusnaturalistas ou seja ambos são pensadores que já haviam efetuado aquela inversão de perspectiva para usar uma famosa expressão do próprio Kant ainda que usada por ele num outro contexto aquela revolução copernicana que faz com que a relação política seja considerada não mais ex parte princípis mas sim ex parte civium Para que pudesse ocorrer essa inversão de ponto de vista da qual nasce o pensamento político moderno era necessário que se abandonasse a teoria tradicional que em outro local chamei de modelo aristotélico segundo a qual o homem é um animal político que nasce num grupo social a família e aperfeiçoa sua própria natureza naquele grupo social maior autosuficiente por si mesmo que é a polis e ao mesmo tempo era necessário que se considerasse embora através de uma hi pótese racional que não levava em conta intencio nalmente a origem histórica das sociedades humanas o indivíduo em si mesmo fora de qualquer vínculo social e com maior razão político num estado como o estado de natureza no qual não se constitui ainda nenhum poder superior aos indivíduos e não existem leis positivas que imponham esta ou aquela ação sendo portanto um estado de liberdade e igualdade perfeitas ainda que hipotéticas Era necessário que se tomasse NORBERTO BOBBIO 51 como pressuposto a existência de um estado anterior a toda forma organizada de sociedade um estado originá rio o qual precisamente por esse seu caráter originário devia ser considerado como o lugar de nascimento e o fundamento do estado civil não mais um estado natural como a família ou outro grupo social mas artificial consciente e intencionalmente construído pela união voluntária dos indivíduos naturais Em síntese enquanto os indivíduos eram considerados como sendo originariamente membros de um grupo social natural como a família que era um grupo organizado hierarquicamente não nasciam nem livres já que eram submetidos à autoridade paterna nem iguais já que a relação entre pai e filho é a relação de um superior com um inferior Somente formulando a hipótese de um estado originário sem sociedade nem Estado no qual os homens vivem sem outras leis além das leis naturais que não são impostas por uma autoridade externa mas obedecidas em consciência é que se pode sustentar o corajoso princípio contraintuitivo e claramente antihistórico de que os homens nascem livres e iguais como se lê nas palavras que abrem solene mente a declaração Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Essas palavras serão repetidas tais e quais literalmente um século e meio depois no art 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos Na realidade os homens não nascem nem livres nem iguais Que os homens nasçam livres e iguais é uma exigência da razão não uma constatação de fato ou um dado histórico É uma hipótese que permite inverter radicalmente a concepção tradicional segundo a qual o poder político o poder sobre os homens chamado de imperium procede de cima para baixo e não viceversa De acordo com o próprio Locke essa hipótese devia servir para entender bem o poder político e deriválo de sua origem E tratavase claramente de uma origem não histórica e sim ideal O modo pelo qual se chegou a essa inversão de perspectiva é algo que pode ser indicado apenas em linhas muito gerais e sobre o qual talvez possamos mais conjeturar do que ilustrar de modo exaustivo Tratarseia de nada menos do que de dar conta do nascimento da concepção individualista da sociedade e da história que é a antítese radical da concepção organicista segundo a qual para repetir uma afirmação de Aristóteles que será retomada por Hegel o todo a sociedade é anterior as suas partes invertendo essa relação entre o todo e as partes a concepção individualista da sociedade e da história afirma que primeiro vem o indivíduo não o indivíduo para a sociedade Também esse princípio se encontra solenemente afirmado na Declaração em seu art 2º onde se enunciam os quatro direitos naturais que o homem possui originariamente e se afirma textu almente que a finalidade de toda associação política é a conservação desses direitos Numa concepção orgâ nica da sociedade a finalidade da organização política é a conser vação do todo Nela não haveria lugar para direitos que não só a precederiam mas que até mesmo pretenderiam manterse fora dela ou melhor submetê la às suas próprias exigências A propria expressão associação política é totalmente estranha à linguagem do organicismo dizse associação de uma formação social voluntária derivada de uma convenção Embora a expressão contratosocial não apareça na Declaração a palavra associação o pressupõe Numa concepção orgânica da sociedade as partes estão em função do todo numa concepção individualista o todo é o resultado da livre vontade das partes Nunca será suficientemente sublinhada a importância his tórita dessa inversão Da concepção individualis ta da sociedade nasce a democracia moderna a democracia no sentido moderno da palavra que deve ser corretamente definida não como o faziam os antigos isto é como o poder do povo e sim como o poder dos indivíduos tomados um a um de todos os individuos que compõem uma sociedade regida por algumas regras essenciais entre as quais uma fundamental a que atribui a cada um do mesmo modo como a todos os outros o direito de participar livremente na tomada das decisões coletivas ou seja das decisões que obrigam toda a coletividade A democracia moderna repousa na soberania não do povo mas dos cidadãos O povo é uma abstração que foi freqüentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas Foi dito que depois do nazismo a pala vra VoIk tornouse impronunciável E quem não se lembra que o órgão oficial do regime fascista se chama Il Popolo dItalia Não gostaria de ser mal entendido mas até mesmo a palavra peuple depois do abuso que dela se fez durante a Revolução Francesa tornouse suspeitao povo de Paris derruba a Bastilha promove os massa cres de setembro julga e executa o rei Mas o que esse povo tem a ver com os cidadãos de uma democracia contemporânea O mesmo equivoco se ocultava no conceito de populus romanus ou de povo das cidades medievais que impunha entre outras coisas a distinção entre povo graúdo e povo miúdo À medida que a A E R A D O S D I R E I T O S 52 democracia real se foi desenvolvendo a palavra povo tornouse cada vez mais vazia e retórica embora também a Constituição italiana enuncie o princípio de que a soberania pertence ao povo Numa democra cia moderna quem toma as decisões coletivas direta ou indiretamente são sempre e somente os cidadãos uti singuli no momento em que depositam o seu voto na urna Não é um corpo coletivo Se não fosse assim não teria nenhuma justificação a regra da maioria que é a regra fundamental do governo democrático A maioria e o resultado da soma aritmética onde o que se somam são os votos de indivíduos singulares precisamente daqueles indivíduos que a ficção de um estado de natureza prépolítico permitiu conceber como dotados de direitos originários entre os quais o de determinar mediante sua livre vontade própria as leis que lhe dizem respeito Se a concepção individualista da sociedade for eliminada não será mais possível justificar a democracia como uma boa forma de governo Todas as doutrinas reacionárias passaram através das várias concepções antiindividualistas Podese ler em Edmundo Burke Os indivíduos desaparecem como sombras somente a comunidade é fixa e estável De Maistre declarou peremptoriamente Submeter o governo à discussão indi vidual significa destruílo O primeiro Lamennais reafirmava O individualismo destruindo a idéia do dever e da obediência destrói o poder e a lei Ao contrário não há nenhuma Constituição democrática que não pressuponha a existência de direitos indi viduais ou seja que não parta da idéia de que primeiro vem a liberdade dos cidadãos singularmente considerados e só depois o poder do governo que os cidadãos constitu em e controlam através de suas liberdades O debate para a elaboração da Declaração na Assembléia nacional durou quinze dias de 11 a 26 de agosto Foram apresentados vários projetos um depois do outro para coordenálos foi nomeada em 12 de agosto uma comissão de cinco membros Depois de três dias Mirabeau em nome da comissão apresen tou uma redação com dezenove artigos a partir de vinte projetos diferentes Em 18 de agosto teve lugar uma forte contestação Esse primeiro texto foi deixado de lado sendo adotado o projeto anônimo elaborado pelo Sexto Grupo da Assembléia Depois de outros incidentes de percurso que tornaram a discussão difícil e caóti ca o debate sobre os artigos singulares travouse entre 20 e 26 de agosto Os 24 artigos foram paulatinamente reduzidos a 17 o último dos quais o que fala da propriedade sagrada e inviolável foi aprovado no dia 26 Os problemas a resolver previamente eram três 1 se era ou não oportuna uma Declaração 2 se reconhe cida sua oportunidade ela devia ser promulgada isoladamente ou como preâmbulo à Constituição caso em que deveria ser adiada 3 se uma vez acolhida a idéia de sua promulgação independente ela deveria ou não ser acompanhada como o próprio Abbé Gregoire exigia por uma declaração dos deveres Predominou a opinião intermediária E foi a escolha justa A Declaração aprovada como texto independente destacado da futura cons tituição terá sua vida autônoma e apesar de tudo é preciso reconhecêlo gloriosa Passará à história com a denominação retumbante no bem como no mal de princípios de 1789 Os constituintes estavam bem conscientes de realizarem um ato historicamente relevante como resulta do preâmbulo que precede a enunciação dos artigos Nele a necessidade da declaração é fundamentada com o argumento de que o esquecimento e o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos O artigo fundamental é o segundo no qual são enunciados os seguin tes direitos à liberdade à propriedade à segurança e à resistência a opressão A Declaração foi repetidamente submetida a críticas formais e substanciais Quanto às primeiras não lhes foi difícil descobrir contradições e lacunas Logo de início podemos ver que dos quatro direitos enunciados somente o primeiro o direito à liberdade é definido mas só no art 3º como o poder de fazer tudo o que não prejudique os outros de onde deriva a regra do artigo seguinte segundo a qual a lei tem o direito de proibir somente as ações nocivas à sociedade No art 5º ao contrário a liberdade é definida implicitamente como o direito de fazer tudo o que não é nem proibido nem ordenado definição bem mais clássica na qual a liberdade é entendida negativa como silentium legis ou seja como o espaço deixado livre pela ausência de leis impe rativas negativas ou positivas Essa segunda definição diferentemente da primeira é implícita já que o texto se limita a dizer de modo tortuoso que tudo o que não é proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que a lei não ordena As duas definições divergem enquanto a primeira define a liberdade de um indivíduo em relação aos outros indivíduos a segunda define a liberdade dos indivíduos em re lação ao poder do Estado A primeira é limitada pelo direito dos outros a não serem prejudicados refletindo o clássico principium iuris do neminem laedere a segunda tem em vista exclusivamente o possível excesso NORBERTO BOBBIO 53 de poder por parte do Estado Na realidade a primeira mais do que uma definição da liberdade é uma definição da violação do direito a segunda é uma definição da liberdade mas somente da liberdade negativa A liberdade positiva ou a liberdade como autonomia é definida implicitamente no art 6º onde se diz que sendo a lei expressão da vontade geral todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou através de seus representantes para a formação da lei A propriedade não precisava ser definida a ela se refere apenas o último artigo que estabelece um princí pio geral de direito absolutamente óbvio o de que a propriedade sendo um direito sagrado e inviolável não pode ser limitada a não ser por razões de utilidade pública A segurança não é definida mas será definida no art 8º da Constituição de 1793 Os temas relativos à segurança são enfrentados nos artigos 7º 8º 9º e 10º que resumem os princípios gerais relativos à liberdade pessoal ou habeas corpus A liberdade pessoal é historica mente o primeiro dos direitos a ser reclamado pelos súditos de um Estado e a obter proteção o que ocorre desde a Magna Charta considerada geralmente como o antepassado dos Bill of Rights Mas é preciso distinguir entre a liberdade pessoal e os outros direitos naturais a primeira é o fundamento do Estado de direito que se baseia no princípio da rule of law ao passo que os segundos são o pressuposto do Estado liberal ou seja do Estado limitado O alvo da primeira é o poder arbitrário o da segunda o poder absoluto O fato de que o poder tenda a ser arbitrário quando se amplia o seu caráter absoluto não significa que um e outro ponham o mesmo problema quando se trata de escolher os meios para combatêlos O reconhecimento gradual das liberdades civis para não falar da liberdade política é uma conquista posterior à proteção da liberdade pessoal Quando muito podese dizer que a proteção da liberdade pessoal veio depois do direito de propriedade A esfera da propriedade foi sempre mais pro tegida do que a esfera da pessoa Não seria necessária uma norma da Declara ção para proclamar a propriedade como di reito sagrado e inviolável Mesmo nos Estados absolutos a seguran ça da propriedade foi sempre maior do que a segurança das pessoas Um dos grandes temas dos philosophes foi a reforma do direito penal ou seja do direito do qual depende a maior ou menor liberdade da pessoa Além da liberdade pessoal a Declaração contempla no art 9º muito contestado a liberdade religiosa e no art 10º a liberdade de opinião e de imprensa Não são previstas nem a liberdade de reunião nem menos ainda a de associação que é a única liberdade a ser conquistada aquela de onde nasceu a sociedade pluralista das modernas democracias Dois artigos se referem aos direitos e deveres fiscais O art 16 proclama o estranho princípio segundo o qual uma sociedade que não assegura a garantia dos direitos e na qual a separação de poderes não é determinada não tem uma Constituição aqui a inspiração do célebre capítulo do Esprit des lois sobre a liberdade dos ingleses é evidente Isso não anula o fato de que a afirmação é teórica e históricamente insensata confunde Constituição com boa Constituição ou melhor com a Constituição considerada boa em determinado contexto histórico Mas tambémAristóteles chamara de politeia ou seja de Constitui ção a melhor forma de governo Cabe ainda dizer algo sobre o direito de resistência que havia sido apresentado em muitos dos projetos de declaração como uma coisa óbvia Mas era tão pouco óbvia de resto que o art 7º afirma que todo cidadão appelé ou saisi com base na lei deve obedecer imediatamente ou se torna culpado de resistência Na realidade o direito de resistência é um direito se é que ainda se pode corretamente chamálo de direito diferente dos demais é um direito não primário mas secundário cujo exercício ocorre apenas quando os direitos primários ou seja os direitos de liberdade de propriedade e de segurança forem violados O indiví duo recorre ao direito de resistência como extrema ratio em última instância para se proteger contra a falta de proteção dos direitos primários portanto ele não pode por sua vez ser tutelado mas deve ser exercido com riscos e perigos para quem o reivindica Falando rigorosamente nenhum governo pode garantir o exercício de um direito que se manifesta precisamente no momento em que a autoridade do governo desaparece e se instaura entre Estado e cidadão não mais uma relação de direito e sim uma relação de fato na qual vigora o direito do mais forte Os constituintes haviam tomado plena consciência da contradição Mas como explica Georges Lerebvre a inserção do direito de resistência entre os direitos naturais deviase ao temor de um novo assalto aristocrático e portanto não era mais do que a justificação póstuma da derrubada do Antigo Regime As críticas substanciais a que foram submetidos os direitos naturais são bem mais graves do que as formais Essas críticas são de dois tipos Umas se referem à insignificância ou vacuidade ou superficialidade desses direitos por causa de sua abstratividade e pretensa universalidade Uma das mais duras sentenças de condena ção veio imediatamente do primeiro adversário da Revolução Edmund Burke Nós não nos deixamos esva A E R A D O S D I R E I T O S 54 ziar de nossos sentimentos para nos encher artificialmente como pássaros embalsamados num museu de palha de cinzas e de insípidos fragmentos de papel exaltando os direitos do homem Taine lhe fará eco um século depois os artigos da Declaração não são mais do que dogmas abstratos definições metafísicas axiomas mais ou menos literários ou seja mais ou menos falsos ora vagos ora contraditórios suscetíveis de vários significados opostos Paradoxalmente a crítica que foi dirigida à Declaração por Marx e por toda a tradição do marxismo teórico foi de característica exatamente inversa os artigos que elevam certas liberdades e não outras a direitos naturais além de exaltar a propriedade como sagrada e inviolável não são excessivamente abstratos e sim excessivamente concretos expressão claramente ideológica não de princípios universais mas dos interesses de uma determinada classe a burguesia que se preparava para substituir a classe feudal no domínio da sociedade e do Estado Ambas as críticas não foram e não podiam ir muito longe Aqueles direitos podem parecer abstratos em sua formulação mas na realidade como desde o início disse Mirabeau deviam ser interpretados cada um deles como um concretíssimo ato de guerra contra antigos e agora não mais toleráveis abusos de poder Suas obser vações ecoaram mais de um século depois em Salvemini Decerto abstrata e metafísica e a primeira das Declarações e é bastante discutível que se possa falar de direitos naturais do homem Mas é preciso observar bem e não perder de vista o espírito da Declaração se se quer evitar uma crítica pedante e limitada à sua letra Cada um daqueles direitos significava naquele momento a abolição de uma serie de abusos intoleráveis correspondendo a uma urgente necessidade da nação Também a crítica marxista não captava o aspecto essencial da proclamação dos direitos eles eram expressão da exigência de limites ao superpoder do Estado uma exigência que se no momento em que foi feita podia beneficiar a classe burguesa conservava um valor universal Basta ler o primeiro dos artigos que se referem à liberdade pessoal Ninguém pode ser acusado preso e detido senão nos casos determinados pela lei etc é o artigo que consagra o princípio do garantismo nulla poena sine lege depois podese meditar sobre o que ocorreu nos países em que são ou ainda são evidentes as funestas consequências do desprezo por tais princípios já que o questionamento de sua universa lidade atinge indiscriminadamente tanto os burgueses quanto os proletários A outra crítica bem mais radical e também mais séria referese ao fundamento filosófico daquele documento que parte da premissa de que existem direitos naturais Mas será que existem esses direitos A afirmação dos mesmos é a direta conseqüência do domínio do pensamento jusnaturalista que durou dois séculos de Grócio a Kant Contudo todas as principais correntes filosóficas do século XIX ainda que a partir de diferentes pontos de vista e com diversas motivações empreenderam um ataque contra o jusnaturalismo elas têm como ponto de partida a refutação do direito natural e como ponto de chegada a busca de um fundamento para o direito diverso daquele que o põe na natureza originária do homem A primeira dura crítica filosófica e não mais apenas política dos direitos naturais tal como brotaram da cabeça dos constituintes franceses foi feita em nome do utilitarismo e pode ser lida nas Anarchical Fallacies de Bentham tratase de uma feroz demolição dessa fantasiosa invenção de direitos que jamais exis tiram já que o direito para Bentham é produto da autoridade do Estado Non veritas sed auctoritas facit legem Mas a autoridade de que fala Bentham não é um poder arbitrário existe um critério objetivo para limitar e portanto controlar a autoridade a saber o princípio da utilidade que já Beccaria a quem Bentham apela expressara na fórmula a felicidade do maior número Não menos contrário a admitir direitos naturais é o historicismo seja na versão mais estritamente jurídica da Escola Histórica do Direito que deriva o direito do Espírito do Povo de cada povo razão por que cada povo teria o seu direito sendo a idéia de um direito universal uma contradição em termos ou seja na versão filosófica de Hegel que era contudo adversário da Escola Histórica no que se referia à necessidade de uma codificação na Alemanha para quem liberdade e igualdade não são algo dado por natureza mas são ao contrário um produto e um resultado da consciência histórica que não devem perma necer sob formas abstratas já que são precisamente essas que não deixam surgir ou destroem a concreticidade ou seja a organização do Estado uma Constituição e um governo em geral A negação do direito natural finalmente encontra sua mais radical expressão no positivismo jurídico que é a doutrina dominante entre os juristas desde a primeira metade do século passado até o fim da Segunda Guerra Mundial concordam com essa doutrina digase de passagem os dois maiores juristas alemães da pri NORBERTO BOBBIO 55 meira metade do século embora eles sejam habitualmente considerados como representantes de duas visões antitéticas do direito e da política Hans Kelsen e Carl Schmitt Para o positivismo jurídico os supostos direitos naturais não são mais do que direitos públicos subjetivos direitos reflexos do poder do Estado que não constituem um limite ao poder do Estado anterior ao nascimento do próprio Estado mas são uma conseqüên cia pelo menos na conhecida e célebre doutrina de Jellinek da limitação que o Estado impõe a si mesmo Não há dúvida de que o antijusnaturalismo prolongado pluriargumentado e repetido deixou marcas Difi cilmente se poderia hoje sustentar sem revisões teóricas ou concessões práticas a doutrina dos direitos naturais tal como foi sustentada nos séculos passados Podese muito bem afirmar que não existe outro direito além do direito positivo sem por isso rechaçar a exigência da qual nasceram as doutrinas dos direitos naturais que expressam de modo variado exigências de correção de complementação e de mudança do direito positivo Essas exigências ganham uma força particular quando são apresentadas como direitos embora não sejam direitos no sentido próprio como da palavra ou seja no sentido em que por direito os juristas entendem uma pretensão garantida pela existência de um poder superior capaz de obrigar pela força os recalcitrantes ou seja daquele poder comum que não existe no estado de natureza que os jusnaturalistas tomam como hipótese Por outro lado apesar da crítica antijusnaturalista as proclamações dos direitos do homem e do cidadão não só não desapareceram mesmo na era do positivismo jurídico como ainda continuaram a se enriquecer com exigências sempre novas até chegarem a englobar os direitos sociais e a fragmentar o homem abstrato em todas as suas possíveis especificações de homem e mulher criança e velho sadio e doente dando lugar a uma proliferação de cartas de direitos que fazem parecer estreita e inteiramente inadequada a afirmação dos quatro direitos da Declaração de 1789 Finalmente as cartas de direito ampliaram o seu campo de validade dos Estados particulares para o sistema internacional No Preâmbulo ao Estatuto das Nações Unidas emanado depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial afirmase que doravante deverão ser protegidos os direitos do homem fora e acima dos Estados particulares se se quer evitar que o homem seja obrigado como última instância a rebelarse contra a tirania e a opressão Três anos depois foi solenemente aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem através da qual todos os homens da Terra tornandose idealmente sujeitos do direito internacional adquiri ram uma nova cidadania a cidadania mundial e enquanto tais tornaramse potencialmente titulares do direito de exigir o respeito aos direitos fundamentais contra o seu próprio Estado Naquele luminoso opúsculo que é A paz perpétua Kant traça as linhas de um direito que vai além do direito público interno e do direito pública externo chamandoo de direito cosmopolita É o direito do futuro que deveria regular não mais o direito entre Estados e súditos não mais aquele entre os Estados particulares mas o direito entre os cidadãos dos diversos Estados entre si um direito que para Kant não é uma representação fantástica de mentes exaltadas mas uma das condições necessárias para a busca da paz perpétua numa época da história em que a violação do direito ocorrida num ponto da Terra é percebida em todos os outros pontos A Revolução Francesa foi exaltada e execrada julgada ora como uma obra divina ora como uma obra diabólica Foi justificada ou não justificada de diferentes modos justificada porque apesar da violência que a acompanhou teria transformado profundamente a sociedade européia não justificada porque um fim mesmo bom não santifica todos os meios ou pior ainda porque o próprio fim não era bom ou finalmente porque o fim teria sido bom mas não foi alcançado Mas qualquer que seja o Juízo sobre aqueles eventos a Declaração dos Direitos continua a ser um marco fundamental O próprio Furet embora tenha contribuído com seus estudos e com sua inter pretação para sugerir a idéia de que a Revolução já se esgotou há muito tempo admite que a manifestação mais espetacular da restituição do contrato social foi a Declaração dos Direitos do Homem já que constitui a base de um novo viver associado Disso de resto tinham consciência os próprios protagonistas e os próprios contemporâneos Em 8 de agosto Dupont de Nemours disse Não se trata de uma Declaração dos Direitos destinada a durar um dia Tratase da lei sobre a qual se fundam as leis de nossa nação e das outras nações de algo que deve durar até o fim dos séculos No final de 1789 Pietro Verri escrevia na Gazzeta di Milano As idéias francesas servem de modelo para os outros homens Enquanto os direitos dos homens estavam estabelecidos entre as montanhas dos Alpes entre os pântanos dos Países Baixos e na ilha da GrãBretanha esses sistemas pouca influência tiveram na maioria dos outros reinos Agora a luz foi colocada no coração da Europa ela não pode deixar de se espraiar sobre os outros governos Dissemos no início que a Declaração de 1789 foi pre cedida pela norteamericana Uma indiscutível A E R A D O S D I R E I T O S 56 foram os princípios de 1789 que constituíram durante um século ou mais a fonte ininterrupta de inspiração ideal para os povos que lutavam por sua liberdade e ao mesmo tempo o principal objeto de irrisão e desprezo por parte dos reacionários de todos os credos e facções que escarneciam a apologia das retumbantes blagues da Revolução Francesa justiça Fraternidade Igualdade Liberdade O significado histórico de 1789 não escapou a Tocquevílle embora ele tenha sido o primeiro grande historiador a refutar a imagem que a Revolu ção tivera de si mesma O tempo em que foi concebida a Declaração foi o tempo de juvenil entusiasmo de orgulho de paixões generosas e sinceras tempo do qual apesar de todos os erros os homens iriam conservar eterna memória e que por muito tempo ainda perturbará o sono dos que querem subjugar ou corromper os homens Num dos muitos documentos contrarevolucionários de Pio VI contemporâneo dos eventos chamase de direito monstruoso o direito de liberdade de pensamento e de imprensa deduzido da igualdade e da liberda de de todos os homens e se comenta Não se pode imaginar nada mais insensato do que estabelecer uma tal igualdade e uma tal liberdade entre nós Cerca de dois séculos depois numa mensagem ao secretário das Nações Unidas por ocasião do trigésimo aniversário da Declaração Universal João Paulo II aproveitava a oportunidade para demonstrar o seu constante interesse e solicitude pelos direitos humanos fundamentais cuja expressão encontramos claramente formulada na mensagem do próprio Evangelho Que melhor prova poderíamos ter do caminho vitorioso realizado por aquele texto em sua secular história No final desse cami nho parece agora ter ocorrido para além dos insensatos e estéreis facciosismos a reconciliação do pensamen to cristão com uma das mais altas expressões do pensamento racionalista e laico NORBERTO BOBBIO 57 KANT E A REVOLUÇÃO FRANCESA N OS TEMPOS DE HOJE quando a cega vontade de poder que dominou a história do mundo tem a seu serviço meios extraordinários para se impor menos do que nunca a honra do douto pode ser separada de um renovado senso de responsabilidade no duplo significado da palavra para o qual ser responsável quer dizer por um lado levar em conta as conseqüências da própria ação e por outro responder pelas próprias ações diante de nosso próximo Em outras palavras tratase de evitar tanto a fuga na pura ética das boas intenções faça o que deve e que ocorra o que tiver de ocorrer quanto o fechamento num esplêndido isolamento desprezo o som de tua harpa que me impede de escutar a voz da justiça À medida que nossos conhecimentos se ampliaram e continuam a se ampliar com velocidade vertiginosa a compreen são de quem somos e para onde vamos tornouse cada vez mais difícil Contudo ao mesmo tempo pela insólita magnitude das ameaças que pesam sobre nós essa compreensão é cada vez mais necessária Esse contraste entre a exigência incontornável de captar em sua globalidade o conjunto dos problemas que devem ser resolvidos para evitar catástrofes sem precedentes por um lado e por outro a crescente dificuldade de dar respostas sensatas a todas as questões que nos permitiriam alcançar aquela visão global única a permitir um pacífico e feliz desenvolvimento da humanidade esse contraste é um dos mui tos paradoxos de nosso tempo e ao mesmo tempo uma das razões das angústias em que se encontra o estudioso ao qual é confiado de modo eminente o exercício da inteligência esclarecedora bem como o empenho em não deixar irrealizada nenhu ma tentativa para acolher o desafio posto à razão pelas paixões incontroladas e pelo mortal conflito dos inte resses No final dos meus últimos discursos acreditei poder expressar esse malestar do homem de razão permi tamme não usar a palavra intelectual agora desgastada pelo longo uso nem sempre correto que lhe atribuiu excessivas vezes a tarefa presunçosa e inexeqüível de encontrar o fio de Ariadne para sair do labirinto referin dome à ambigüidade da história A história foi sempre ambígua apesar das aparências já que deu sempre respostas diversas conforme quem a in terrogava e as circunstâncias em que o fazia Mas hoje depois do esgotamento da idéia de progresso o crepúsculo de um mito como foi dito a ambigüidade é maior do que nunca Duas interpretações opostas dominaram no século pas sado a interpretação triunfal hegeliana segundo a qual a his tória é a realização progressiva da idéia de liberdade hegeliana mas podemos tranqüila mente acrescentar também marxiana a história como passagem do reino da necessidade ao reino da liberda de e a interpretação nietzschiana segundo a qual a humanidade se dirige para a era do niilismo Pois bem ninguém gostaria hoje nem mesmo consideraria de alguma utilidade de se aventurar a prever ou mesmo de ter de apostar em qual das duas está destinada a se verificar O mundo dos homens dirigese para a paz universal como Kant havia previsto ou para a guerra exterminadora para a qual foi cunhada em oposição a pacifismo um dos ideais do século que acre ditava no progresso a palavra exterminismo Dirigese para o reino da liberdade através de um movimento constante e cada vez mais amplo de emancipação dos indivídu os das classes dos povos ou para o reino do Grande Irmão descrito por Orwell De modo mais geral tem ainda algum sentido propor o problema do sentido da história Propor o problema do sentido da história significa considerar que existe uma intencionalidade no movimento da história enten dida precisamente como direção consciente para um objetivo E só é possível dar uma resposta a essa questão do objetivo da história buscando um projeto preestabelecido a ser atribuído a um sujeito coletivo seja ele a Providência a Razão a Natureza o Espírito Universal Mas será que hoje no âmbito de um pensamento fragmentado como o que caracteriza a filosofia contemporânea tão desconfiada diante das idéias gerais tão temerosa a meu ver corretamente de se comprometer com visões excessivamente gerais alguém pode crer ainda num sujeito universal Essa crença por outro lado não passaria de uma das várias formas possíveis de antropomorfização da história ou seja de atribuição de faculdades ou poderes próprios do homem a um sujeito nesse caso a Humanidade a Razão Universal diverso do homem singular através de uma extrapolação de tipo analógico que não oferece nenhuma garantia de vericidade e que permi tiria apenas uma reconstrução puramente conjetural para usarmos uma expressão kantiana do decurso histórico Mas fazer uma história A E R A D O S D I R E I T O S 58 completamente conjetural derivada inteiramente de indícios e não de fatos comprovados equivaleria como adverte o próprio Kant a traçar a trama de um romance ou de um simples jogo da imaginação O que não exclui que se possam fazer conjeturas sobre o curso de uma história contudo é preciso que se tenha plena consciência de que me diante conjeturas podese preencher uma lacuna de nossa documentação entre uma causa longínqua e um efeito próximo mas seria absolutamente ilusório e portanto inútil reconstruir assim toda a história global da humanidade Diversa da história conjetural é para Kant a história profética que tem talvez um fim mais ambicioso o de descobrir a tendência de desenvolvimento da história humana se essa é estacionaria ou se vai do mal ao pior ou do bem ao melhor e para Kant como se sabe a resposta justa é a última mas não tem a menor pretensão de verdade ao contrário do que ocorre com a história conjetural Diferentemente da história empírica que é a história dos historiadores a história profética que é a história dos filósofos não procede por causas de uma causa a seu efeito numa cadeia ininterrupta salvo o caso em que algumas lacunas são preenchidas através de conjeturas mas busca descobrir num evento extraordinário não tanto a causa de um evento sucessivo mas antes um indício um signo signum rememorativum demonstrativum prognostícum de uma ten dência da humanidade considerada em sua totalidade Somente a história profética ou filosófica não a história empirica mesmo que enriquecida pela história conjetural pode desafiar ou mesmo resolver a ambigüidade do movimento histórico dando uma resposta à questão de se a humanidade está ou não em constante progresso para o melhor O que a história profética pode fazer é pressagiar o que poderá ocorrer não prevêlo A previsão é tarefa de uma história hipotética de uma história que enuncia suas proposições na forma do se isto então aquilo numa relação entre condições e conseqüências mas ela não é capaz de estabelecer com certeza se irão ou não se verificar as condições das quais deveriam necessariamente derivar certas conseqüências Ao contrário o evento extraordinário que é o ponto de partida da história profética é algo que ocorreu efetivamente O que torna problemático esse tipo de história é o caráter significativo ou não do evento préselecionado que pode influir sobre a credibilidade da predição A questão de saber se Kant teve ou não razão ao indicar o evento revelador da tendência da humanidade para o melhor é uma questão que podemos deixar sem resposta O que pode hoje no período do bicentenário da Revolução e do grande rumor que foi continuamente crescendo até o aturdimento e estamos apenas no princípio em torno do evento ocorrido há duzentos anos suscitar o nosso interesse de pósteros é o fato de o grande filósofo da época ter captado na Revolução Francesa o evento extraordinário o signum prognosticum de onde extraiu o seu presságio sobre o futuro da humanidade As conhecidíssimas páginas de Kant sobre a Revolução Francesa encontramse numa de suas últimas obras publicada em 1798 quando os anos da tempestade que abalara o mundo e durante os quais rolara a cabeça do rei crime que Kant execrava já estavam distantes O escrito intitulado Se o gênero humano está em constante progresso para o melhor está incluído na obra O conflito das faculdades do qual constitui a segunda parte dedicada ao conflito da faculdade filosófica na qual Kant via representado o espírito crítico apesar disso porém ele constatava estar essa faculdade dominada pela reação e servir de ninho para os com placentes inimigos da Re volução Um autorizado comentador escreveu A fé de Kant no progresso indefini do da humanidade na racionalidade imanente à história no triunfo final da liberdade e da paz com justiça não foi abalada nem mesmo pelas desordens ocor ridas na França pelas contínuas guerras que tiveram lugar naquele tempo pelo pessimismo difundido e alimentado pelos juristas e pelos homens de Estado Pare ceulhe que somente o filósofo fosse capaz de entender as vozes ocultas da história de medir o grau de desenvolvimento a que chegara a humanidade de entrever o curso futuro dos eventos de indicar as diretivas para as reformas civis e políticas O ensaio fora proibido precisamente porque nele se fazia a apologia da revolução E foi publicado somente depois da morte de Frederico Guilherme II ocorrida em 1797 quando foram anuladas algumas restrições à liberdade de imprensa Um dos seus parágrafos intitulase De um evento de nosso tempo que revela a tendência moral da huma nidade O evento é a revolução de um povo rico espiritualmente o qual embora tenha acumulado misérias e crueldades capazes de induzir um homem bempensante a não tentar a experiência uma segunda vez encontrou nos espíritos de todos os espectadores uma participação de aspirações que se aproximava do entusiasmo definido este último como participação no bem com paixão que se refere sempre e apenas ao que é ideal ao que e puramente moral e que não pode ter outra causa senão uma disposição moral da espécie NORBERTO BOBBIO 59 humana O ponto central da tese kantiana para o qual eu gostaria de chamar a atenção é que tal disposição moral se manifesta na afirmação do direito um direito natural que tem um povo a não ser impedido por outras forças de se dar a Constituição civil que creia ser boa Para Kant essa Constituição só pode ser republicana ou seja uma Constituição cuja bondade consiste em ser ela a única capaz de evitar por princípio a guerra Para Kant a força e a moralidade da Revolução re sidem na afirmação desse direito do povo a se dar livremente uma Constituição em harmonia com os direitos naturais dos indivíduos singulares de modo tal que aqueles que obedecem às leis devem também se reunir para legislar O conceito mesmo de honra próprio da antiga nobre za guerreira esvaise diante das armas dos que tinham em vista o direito do povo a que pertenciam Algumas das idéias aqui expressas tinham sido antecipadas e expostas de modo mais amplo em dois escritos anteriores Idéia de uma história universal do ponto de vista cosmopolita e Para a paz perpétua O primeiro redigido em 1784 alguns anos portanto antes da Revolução não despertou interesse entre seus contempo râneos embora esses tenhamconhecido e comentado como o fizeram Fichte e Hegel o segundo mais tarde juntamente com todos os escritos kantianos de filosofia da história foi malquisto no ambiente do historicismo de Dilthey a Meinecke que viram na história teleológica na concepção finalista da história uma herança da filosofia antihistoricista do Iluminismo Só foi finalmente revalorizado no início de nosso século por alguns socialistas de inspiração kan tiaria 6 A crítica por se deter principalmente no problema da legitimidade da filosofia da história nas aporias próprias desta última em Kant e na maior ou menor coerência dela com relação às outras obras do próprio Kant terminou por dar menor importância ao tema central da obra que fora ironizado por Hegel mas que é hoje mais atual do que nunca ou seja o tema da tendência da história humana para uma ordem jurídica mundial Esse tema tão bem resumido no uso do termochave Weltbürgertum e no de ordenamento cosmopolita era de origem estóica mas fora transferido por Kant de uma concepção finalista da história Kant sabia muito bem que a mola do progresso não é a calmaria mas o conflito Todavia compreendera que existe um limite para além do qual o antagonismo se faz demasia damente destrutivo tornandose neces sário um autodisciplinamento do conflito que possa chegar até a constituição de um ordenamento civil uni versal Numa época de guerras incessantes entre Estados soberanos ele observa lucidamente que a liberdade selvagem dos Estados já constituídos por causa do emprego de todas as forças da comunidade nos armamen tos das devastações que decorrem das guerras e mais ainda da necessidade de manterse continuamente em armas impede por um lado o Pleno e progressivo desenvolvimento das disposições naturais e por outro em função dos males que daí derivam obrigará a nossa espécie a buscar uma lei de equilíbrio entre muitos Estados que pela sua própria liberdade são antagonistas bem como a estabelecer um poder comum que dê força a tal lei de modo a fazer surgir um ordenamento cosmopolita de segurança pública Os críticos da filosofia da história kantiana viram ainda menos o fato de que essa idéia da cosmópolis segundo a qual cada homem é potencialmente cidadão não só de um Estado particular mas sim do mundo seria desenvolvida no escrito Para a paz perpétua 1795 Um dos aspectos menos estudados desse escrito é a introdução por parte de Kant ao lado do direito Público interno e do externo de uma terceira espécie de direito que ele chama de ius cosmopolíticum Como se sabe dos três artigos definitivos do tratado imaginário para uma paz perpétua o primeiro que afirma que a Constituição de todo Estado deve ser republicana pertence ao direito público interno o segundo para o qual o direito internacional deve se fundar numa federação de Estados livres pertence ao direito público externo Mas Kant acrescenta um terceiro artigo que diz o seguinte O direito cosmopolita deve ser limitado às condições de uma hospitalidade universal Por que Kant julga dever acrescentar aos dois gêneros de direito público tradicionais o interno e o externo um terceiro gênero Porque além das relações entre o Estado e os seus cidadãos e daquelas entre o Estado e os outros Estados ele considera que devam ser consideradas também as relações entre cada Estado particular e os cidadãos dos outros Estados ou inversamente entre o cidadão de um Estado e um Estado que não é o seu com os outros Estados Disso derivam duas máximas no que se refere à Primeira relação o dever de hospitalidade ou o direito Kant sublinha que se trata de um direito e não penas de um dever meramente filantrópico de um estrangeiro que chega ao território de um outro Estado a não ser tratado com hostilidade no que se refere à segunda relação o direito de visita que cabe a todos os homens ou seja de passar a fazer parte da sociedade universal em virtude do direito comum à posse da superfície da Terra sobre a qual sendo ela esférica os A E R A D O S D I R E I T O S 60 homens não podem se dispersar isolandose ao infinito mas devem finalmente se encontrar e coexistir Desses dois direitos dos cidadãos do mundo derivam dois deveres dos Estados do primeiro o dever de permitir ao cidadão estrangeiro o ingresso no seu próprio território do que resulta a condenação dos habitantes das costas dos Estados bárbaros que se apoderam das naves que nelas aportam escravizam os náufragos do segun do o dever do hóspede de não se aproveitar da hospitalidade para transformar a visita em conquista do que resulta a condenação dos Estados comerciais europeus que sob o pretexto de estabelecerem re lações comerci ais introduzem tropas que oprimem os nativos Não será inútil recordar que Hegel que ironizou as fantasias kantianas da paz perpétua justificou a expansão colonial Nessa relação de reciprocidade entre o direito de visita do cidadão estrangeiro e o dever de hospitalidade do Estado visitado Kant tinha originariamente prefigurado o direito de todo homem a ser cidadão não só do seu próprio Estado mas do mundo inteiro além disso havia representado toda a Terra como uma potencial cidade do mundo precisamente como uma cosmópolis E é somente com esse tipo de relação não entre indivíduos não entre Estado e indivíduos no interior não entre Estado e Estado mas entre Estados e indiví duos dos outros Estados que Kant concluia o sistema geral do direito e representava de modo integral o desenvolvimento histórico do direito no qual o ordenamento jurídico universal a cidade do mundo ou cosmópolis representa a quarta e última fase do sistema jurídico geral depois do estado de natureza onde não há outro direito além do direito privado o direito entre indivíduos depois do estado civil regulado pelo direito público interno depois da ordem internacional regulada pelo direito público externo Concebido como a última fase de um processo o direito cosmopolita não é para Kant uma representação de mentes exaltadas já que num mundo onde se chegou progressivamente no que se refere à associação dos povos da Terra a um tal nível que a violação do direito ocorrida num ponto da Terra é percebida em todos os outros pontos o direito cosmopolita é o necessário coroamento do código não escrito tanto do direito público interno como do direito internacional para a fundação de um direito público geral e portanto para a realiza ção da paz perpétua É fato hoje inquestionável que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948 colocou as premissas para transformar também os indivíduos singulares e não mais apenas os Estados em sujeitos jurídicos do direito internacional tendo assim por conseguinte iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes mas o direito de todos os indivíduos Essa nova fase do direito internacional não poderia ser chamada em nome de Kant de direito cosmopolita No escrito sobre a paz perpétua Kant não fez nenhuma referência à Revolução Francesa Somente no seu último escrito de que falei no início onde retoma mais uma vez o tema da Constituição civil fundada no direito de um povo a legislar única Constituição que poderia dar vida a um sistema de Estados que eliminaria para sempre a guerra foi que Kant reconheceu no grande movimento da França o evento que podia ser interpretado numa visão profética da história como o sinal premonitório de uma nova ordem mundial Entre as muitas celebrações desse evento pode encontrar dignamente o seu lugar a interpretação que dele formulou o maior filósofo da época interpretação que de resto é a única capaz de salvar o valor perene desse evento para além de todas as controvérsias dos historiadores os quais olhando para as arvores isoladas freqüentemente deixam de ver a floresta Diante da ambigüidade da história também eu creio que um dos poucos talvez o único sinal de um confiável movimento histórico para o melhor seja o crescente interesse dos eruditos e das próprias instâncias internacionais por um reconhecimento cada vez maior e por uma garantia cada vez mais segura dos direitos do homem Um sinal premonitório não é ainda uma prova E apenas um motivo para que não permaneçamos especta dores passivos e para que não encorajemos com nossa passividade os que dizem que o mundo vai ser sempre como foi até hoje estes últimos e torno a repetir Kant contribuem para fazer com que sua previsão se realize ou seja para que o mundo permaneça assim como sempre foi Que não triunfem os inertes TERCEIRA PARTE NORBERTO BOBBIO 61 A RESISTÊNCIA À OPRESSÃO HOJE 1 O alfa e o ômega da teoria política é o problema do poder como o poder é adquirido como é conservado e perdido como é exercido como é defendido e como é possível defen derse contra ele Mas o mesmo problema pode ser considerado de dois pontos de vista diferentes ou mesmo opostos ex parte principis ou ex parte populi Maquiavel ou Rousseau para indicar dois símbolos A teoria da razão de Estado ou a teoria dos direitos naturais e o constitucionalismo A teoria do Estadopotência de Ranke a Meinecke e ao primeiro Weber ou a teoria da soberania popular A teoria do inevitável domínio de uma restrita classe política minoria organizada ou a teoria da ditadura do proletariado de Marx a Lenin O primeiro ponto de vista é o de quem se posiciona como conselheiro do príncipe presume ou finge ser o portavoz dos interesses nacionais fala em nome do Estado presente o segundo ponto de vista é o de quem se erige em defensor do povo ou da massa seja ela concebida como uma nação oprimida ou como uma classe ex plorada de quem fala em nome do anti Estado ou do Estado que será Toda a história do pensamento político pode ser dis tinguida conforme se tenha posto o acento como os primeiros no dever da obediência ou como os segundos no direito à resistência ou à revolução Essa premissa serve apenas para situar o nosso discurso o ponto de vista no qual colocamos quando abor damos o tema da resistência à opressão não é o primeiro mas o segundo Não há dúvida de que o velho problema da resistência à opressão voltou a se tornar atual graças à imprevista e geral explosão do movimento de contestação Mas ignoro se foi tentada uma análise das diferenças entre os dois fenômenos Num recente artigo Georges Lavau faz um exame muito interessante do fenômeno da contestação buscando apontar seus traços distintivos Particularmente em face da oposição legal e da revolução Mas não toca no problema da diferença entre contestação e resistência Penso contudo que a questão merece estudo quando menos por que tanto a contestação quanto a resistência pertencem às formas de oposição extralegal com relação ao modo como é exercida e deslegitimadora com relação ao objetivo final Creio que também nesse caso como primeiro expediente para destacar a diferença entre os dois fenôme nos vale a referência ao seu respectivo contrário o contrário da resistência é a obediência o contrário da contestação é a aceitação A teoria geral do direito detevese muitas vezes e com prazer ultimamente em Hart pa diferença entre a obediência a uma norma ou ao ordenamento em seu conjunto que é uma atitude passiva e pode ser também mecânica puramente habitual instintiva e a aceitação de uma norma ou do ordenamento em seu con junto que é uma atitude ativa que implica se não um juízo de aprovação pelo menos uma inclinação favorável a se servir da norma ou das normas para guiar a própria conduta e para condenar a conduta de quem não se conforma com ela ou elas Enquanto contrária à obediência a resistência compreende todo comportamento de ruptura contra a ordem constituída que ponha em crise o sistema pelo simples fato de produzirse como ocorre num tumulto num motim numa rebelião numa insurreição até o caso limite da revolução que ponha o sistema em crise mas não necessariamente em questão Enquanto contrária à aceitação a contestação se refere mais do que a um comportamento de ruptura a uma atitude de crítica que põe em questão a ordem constituída sem neces sariamente pôla em crise Lavau observa corretamente que a contestação supera o âmbito do subsistema político para atingir não só sua ordem normativa mas também os modelos culturais gerais o sistema cultural que asseguram a legitimidade profunda do subsistema político E com efeito se a resistência culmina essencialmente num ato prático numa ação ainda que apenas demonstrativa como a do negro que se senta à mesa de um restaurante reserva do aos brancos a contestação por seu turno expressase através de um discurso crítico num protesto verbal na enunciação de um slogan Não por acaso o lugar próprio em que se manifesta a atitude contestadora é a assembléia ou seja um lugar onde não se age mas se fala Decerto na prática a distinção não é assim tão nítida numa situação concreta é difícil estabelecer onde termina a contestação e onde começa a resistência O importante é que se podem verificar os dois casoslimite o de uma resistência sem contestação a ocupação de terras por camponeses famintos e o de uma contestação que não se faz acompanhar por ato subversivo que possa ser chamado de resistência a ocupação de salas de aula na Universidade que é certamente um ato de A E R A D O S D I R E I T O S 62 resistência nem sempre caracterizou necessariamente a contestação do movimento estudantil Enquanto a resistência ainda que não necessariamente violenta pode chegar até o uso da violência e de qualquer modo não é incompatível com o uso da violência a violência do contestador ao contrário é sempre apenas ideoló gica Partindo do renovado interesse pelo problema da resis tência do qual de resto nasceu o atual simpósio pretendo nesta minha comunicação a destacar as razões históricas dessa revivescência itens 2 3 e 4 b indicar alguns elementos distintivos entre o modo como se punha ontem e o modo como se põe hoje o problema da resistência itens 5 e 6 Referindome ao título que dei à comunicação tratase de responder a duas questões a a resistência hoje por quê b a resistência hoje como Concluo a comunicação com algumas observações sobre os vários tipos de resistência item 7 2 Extinta a eficácia da literatura política suscitada pela Revolução Francesa o problema do direito de resistência perdeu ao longo do século XIX grande parte do seu interesse Podemse indicar duas razões para esse declínio uma ideológica outra institucional Uma das características marcantes das ideologias políticas do século XIX que deixou de merecer a devida atenção foi a crença no fenecimento natural do Estado Tendo chegado com Hegel à sua máxima expressão a idéia cara aos grandes filósofos políticos da época moderna a Hobbes a Rousseau a Kant de que o Estado era a realização do domínio da razão na história o racional em si e para si todas as grandes corren tes políticas do século passado inverteram o caminho passando a contrapor a sociedade ao Estado descobrindo na sociedade e não no Estado as forças que se orientam no sentido da libertação e do progresso histórico e vendo no Estado uma forma residual arcaica em via de extinção do poder do homem sobre o homem Dessa desvalorização que foi uma típica expressão da profunda transformação produzida na sociedade e por reflexo na concepção geral da sociedade e do progresso histórico pelo crescimento da sociedade industrial e pela idéia de que os homens deviam agora se deixar guiar mais pelas leis naturais da economia do que pelas leis artificiais da política são conhecidas essencialmente três versões a liberalliberista à Spencer segundo a qual o Estado nascido e fortalecido nas sociedades militares iria perder grande parte de suas funções à medida que fosse crescendo a sociedade industrial a socialista marxengelsiana segundo a qual depois do Estado burguês haveria certamente uma ditadura mas cuja finalidade era suprimir no futuro qualquer forma de Esta do a libertária de Godwin a Proudhon e Bakunin segundo a qual as instituições políticas caracterizadas pelo exercício da força ao contrário do que haviam suposto Hobbes e Hegel os grandes teóricos do Estado moder no não só não eram indispensáveis para salvar o homem da barbárie do estado de natureza ou da insensatez da sociedade civil mas eram inúteis ou melhor danosas podendo tranqüilamente desaparecer sem deixar traço ou saudade A máxima concentração de poder ocorre quando os que detêm o monopólio do poder coercitivo no qual consiste propriamente o poder político detêm ao mesmo tempo o monopólio do poder econômico e do poder ideológico através da aliança com a Igreja única elevada a Igreja de Estado ou modernamente com o partido único em outras palavras ocorre quando o soberano tem como na teoria também aqui paradigmática de Hobbes ao lado do imperium e do dominium também a potestas spiritualis que é de resto o poder de pretender obediência dos próprios súditos por força de sanções não só terrenas mas também ultraterrenas A ilusão oitocentista sobre o fenecimento gradual do Estado derivava da concepção de que através da Reforma e da revolução científica primeiro e através da revolução industrial depois ou seja através de um processo de fragmentação da unidade religiosa e de secularização da cultura por um lado e por outro através da formação de uma camada de empresários independentes fossem ou não os dois fenômenos ligados entre si haviam se iniciado dois processos paralelos de desconcentração do poder com a conseqüente desmonopoliza ção do poder ideológicoreligioso que encontraria sua garantia jurídica na proclamação da liberdade religiosa e em geral da liberdade de pensamento e com a não menos conseqüente desmonopolização do poder econô mico que encontraria sua expressão formal no reconhecimento da liberdade de iniciativa econômica Teria restado ao Estado apenas o monopólio do poder coercitivo a ser usado em defesa mas só em última instância como extrema ratio do antagonismo das idéias e da concorrência dos interesses A desforra da sociedade civil contra o Estado foi uma idéia comum ainda que interpretada e orien tada de diferentes modos tanto aos liberais quanto aos libertários tanto aos socialistas utópicos quanto aos socialistas científicos NORBERTO BOBBIO 63 3 Do ponto de vista institucional o Estado liberal e posteriormente democrático que se instaurou pro gressivamente ao longo de todo o arco do século passado foi caracterizado por um processo de acolhimento e regulamentação das várias exigências provenientes da burguesia em ascensão no sentido de conter e delimitar o poder tradicional Dado que tais exigências tinham sido feitas em nome ou sob a espécie do direito à resistên cia ou à revolução o processo que deu lugar ao Estado liberal e democrático pode ser corretamente chamado de processo de constitucionalização do direito de resistência e de revolução Os institutos através dos quais se obteve esse resultado podem ser diferenciados com base nos dois modos tradicionais mediante os quais se supunha que ocorresse a degeneração do poder o abuso no exercício do poder o tyrannus quoad exercitium e o déficit de legitimação o tyrannus absque titulo Como tive ocasião de esclarecer melhor em outro local essa diferença pode se tornar ainda mais clara se recorrermos à distinção entre dois conceitos que habitualmente não são devidamente distinguidos o de legalidade e o de legitimidade A constitucionalização dos remédios contra o abuso do poder ocorreu através de dois institutos típicos o da separação dos poderes e o da subordinação de todo poder estatal e no limite também do poder dos próprios órgãos legislativos ao direito o chamado constitucionalisrno Por separação dos poderes entendo em sentido lato não apenas a separação vertical das principais funções do Estado entre os órgãos si tuados no vértice da administração estatal mas também a separação horizontal entre órgãos centrais e órgãos periféricos nas várias formas de autogoverno que vão da descentralização políticoadministrativa até o federalismo O segundo processo foi o que deu lugar à figura verdadeiramente dominante em todas as teorias políticas do século passado do Estado de direito ou seja do Estado no qual todo poder é exercido no âmbito de regras jurídicas que delimitam sua competência e orientam ainda que freqüentemente com certa margem de discricionariedade suas decisões Ele corresponde àquele pro cesso de transformação do poder tradicional fundado em relações pessoais e patrimoniais num poder legal e racional essencialmente impessoal processo que foi descrito com muita penetração por Max Weber Penso que não se deu atenção ao fato de que a teorização mais completa desse tipo de Estado é a doutrina kelseniana do ordenamento jurídico por graus Apesar de sua pretensão de ser válida para qualquer época ou lugar a concepção dinâmica do ordenamento jurídico tal como foi exposta por Kelsen e por sua escola é o reflexo daquele processo de legalização dos poderes estatais que Max Weber enquanto historiador descreveu como passagem do poder tradicional para o poder legal Também com relação às exigências que visavam a dar alguma garantia contra as várias formas de usurpação do poder legítimo ou como se diria hoje contra a sua deslegitimação pareceme que a maioria dos remédios pode ser compreendida nos dois principais institutos que caracterizam a concepção democrática do Estado os dois remédios anteriores os relativos ao abuso de poder são mais característicos da concepção liberal O primeiro é a constitucionalização da oposição que permite isto é torna lícita a formação de um poder alternativo ainda que nos limites das chamadas regras do jogo ou seja a formação de um verdadeiro contrapoder que pode ser considerado embora de modo um tanto ou quanto paradoxal como uma forma de usurpação legalizada O segundo é a investidura popular dos governantes e a verificação periódica dessa investidura por parte do povo através da gradual ampliação do sufrágio até o limite não ulteriormente supe rável do sufrágio universal masculino e feminino o instituto do sufrágio universal pode ser con siderado o meio através do qual ocorre a constitucionalização do poder do povo de derrubar os governantes embora também aqui nos limites de regras preestabelecidas um poder que estava anteriormente reservado apenas ao fato revolucionário também aqui tratase de um fato que se torna direito ou segundo o modelo jusnaturalista de um direito natural que se torna direito positivo 4 Nosso renovado interesse pelo problema da resistência depende do fato de que tanto no plano ideológi co quanto no institucional ocorreu uma inversão de tendência com relação à concepção e à práxis política através das quais se foi formando o Estado liberal e democrático do século XIX Agora sabemos com certeza algumas coisas a o desenvolvimento da sociedade industrial não diminuiu as funções do Estado como acreditavam os liberais que juravam sobre a validade absoluta das leis da evolução mas aumentouas desmesuradamente b nos países onde ocorreu a revolução socialista a idéia do desapareci mento do Estado foi por enquanto posta de lado c as idéias libertárias continuam a alimentar pequenos grupos de utopistas sociais não se transformando num real movimento político O enorme interesse suscitado A E R A D O S D I R E I T O S 64 nestes últimos anos pela obra de Max Weber depende também do fato de que ele como bom conservador e como realista desencantado como costumam ser os conservadores com inspiração religiosa viu o avanço ameaçador mas inelutável que se dá conjuntamente com o desenvolvimento da sociedade industrial tivesse essa sido promovida por uma camada empresarial ou por uma classe de funcionários do Estado coletivista da era do domínio dos aparelhos burocráticos ou seja não o enfraquecimento mas o fortalecimento do Estado Do ponto de vista institucional a situação de nosso tempo caracterizase não só como é natural nos países de economia coletivista mas também nos países capitalistas por um processo inverso ao que designa mos como desmonopolização do poder econômico e ideológico ou seja por um processo que se orienta tanto para a remonopolização do poder econômico através da progressiva concentração das empresas e dos bancos quanto para a remonopolização do poder ideológico através da formação de grandes partidos de massa che gando ao limite do partido único que detém o direito em medida maior do que o soberano absoluto de outrora um verdadeiro novo Príncipe de estabelecer o que é bom e o que e mau para a salvação dos próprios súditos bem como através do controle que os detentores do poder econômico exercem nos países capitalistas sobre os meios de formação da opinião pública A ilusão jurídicoinstitucional do século passado consistia em crer que o sistema político fosse ou auto suficiente e portanto gozasse de certa independência em face do sistema social global ou fosse ele mesmo o sistema dominante e portanto que bastasse buscar remédios aptos a controlar o sistema político para contro lar com isso o sistema de poder da sociedade como um todo Hoje ao contrário estamos cada vez mais conscientes de que o sistema político é um subsistema do sistema global e de que o controle do primeiro não implica absolutamente o controle do segundo Dos quatro remédios de que falamos no item anterior o que parecia mais decisivo o quarto ou o controle a partir de baixo o poder de todos a democracia participativa o Estado baseado no consenso a realização no limite do ideal rousseauísta da liberdade como autonomia é também aquele para o qual se orientam com particular intensidade as formas mais recentes e mais insistentes de contestação Quando comparada à democracia de inspiração rousseauísta com efeito a participação popular nos Esta dos democráticos reais está em crise por pelo menos três razões a a participação culmina na melhor das hipóteses na formação da vontade da maioria parlamentar mas o parlamento na sociedade industrial avan çada não é mais o centro do poder real mas apenas freqüentemente uma câmara de ressonância de decisões tomadas em outro lugar b mesmo que o parlamento ainda fosse o órgão do poder real a participação popular limitase a legitimar a intervalos mais ou menos longos uma classe política restrita que tende à própria autoconservação e que é cada vez menos representativa c também no restrito âmbito de uma eleição una tantum sem responsabilidades políticas diretas a participação é distorcida ou manipulada pela propaganda das poderosas organizações religiosas partidárias sindicais etc A participação democrática deveria ser efici ente direta e livre a participação popular mesmo nas democracias mais evoluídas não é nem eficiente nem direta nem livre Da soma desses três déficits de participação popular nasce a razão mais grave de crise ou seja a apatia política o fenômeno tantas vezes observado e lamentado da despolitização das massas nos Estados dominados pelos grandes aparelhos partidários A democracia rousseauista ou é participativa ou não é nada Não é que faltem propostas de remédios para reavivar a participação e tornála mais eficiente Sub a a instituição de órgãos de decisão popular fora dos institutos clássicos do governo parlamentar a chamada democracia dos conselhos sub b a democracia direta ou assembleísta um dos temas mais difundidos pela contestação sub c o controle popular dos meios de informação e de propaganda etc Mas é nesse ponto que reemergem propostas mais radicais que ultrapassam a linha da democracia representativa e repõem em circu lação os temas tradicionais do direito à resistência e à revolução 5 Quando o tipo de Estado que se propôs a absorver o direito à resistência mediante sua constitucionalização entra em crise é natural que se recoloque o velho problema bem como que voltem a ecoar ainda que sob novas vestes as velhas soluções as quais na época iam desde a obediência passiva até o tiranicídio enquanto agora vão da desobediência civil à guerrilha O retorno a velhos temas que pareciam esgotados não é nem uma reexumação nem uma repetição Os problemas nascem quando certas condições históricas os fazem nascer e assumem em cada oportunidade aspec tos diversos adaptados às circunstâncias Entre as velhas teorias sobre o direito de resistência e as novas há NORBERTO BOBBIO 65 diferenças que merecem ser destacadas ainda que por enquanto apenas com algumas anotações que deveriam ser aprofundadas a o problema da resistência é visto hoje mas também isso é conseqüência da sociedade de massas como fenômeno coletivo e não individual em relação tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo do ato ou dos atos de resistência Não quero dizer com isso que não fosse prevista nos velhos escritores também a resistência coletiva Grócio dedicalhe um capítulo o quarto do Livro I do seu célebre tratado mas o caso extremo e mais problemático era sempre o assassinato do tirano Agora as coisas são bem diferen tes por um lado conservouse como fenômeno típico de resistência individual a objeção de consciên cia mas ela é manifestamente um resíduo de atitudes religiosas que remontam em grande parte às seitas nãoconformistas Por outro nem mesmo os anarquistas promovem mais atentados contra os chefes de Estado merece reflexão a constatação de que os atentados individuais são hoje praticados geralmente por forças reacionárias b se é verdade que as situações nas quais nasce o direito de resistência não são diversas hoje das que eram imaginadas pelos velhos escritores dos séculos XVI e XVII ou seja conquista usurpação exercício abusivo do poder na resistência armada italiana de 1943 a 1945 ocorreram todas três a primeira contra os alemães a segunda e a terceira contra os facistas da República de Saló há uma grande diferença com relação ao tipo de opressão contra o qual se declara ser lícito resistir religiosa nos primeiros monarcômacos política em Locke nacional e de classe ou econômica nas lutas de libertação dos povos do Terceiro Mundo e nos vários movimentos revolucionários de inspiração comunista ou castrista etc O que hoje se tende a derrubar não é uma determinada forma de Estado as formas degeneradas de Estado segundo a tradicional classificação aristotélica mas uma determinada forma de sociedade da qual as instituições políticas são apenas um aspecto Ninguém pensa hoje que se possa renovar o mundo abatendo um tirano Seríamos tentados a dizer que ocorreu uma inversão radical da fórmula de Hobbes para Hobbes todos os Estados são bons o Estado é bom pelo simples fato de ser Estado enquanto hoje todos os Estados são maus o Estado é mau essencialmente pelo simples fato de ser Estado c mas a maior diferença reside a meu ver na motivação e nas conseqüentes argumentações derivações com as quais o problema é enfrentado Enquanto as velhas teorias discutiam sobre o caráter lícito ou ilícito da resistência em suas varias formas ou seja colocavam o problema em termos jurídicos quem hoje discute sobre resistência ou revolução o faz em termos essencialmente políticos ou seja coloca o problema da sua oportunidade ou da sua eficácia não se pergunta se é justa e portanto se constitui um direito mas se e adequada à finalidade Tendo predominado a concepção positivista do direito para a qual o direito se identifica com o conjunto de regras que tem sua sustentação na força monopolizada o problema de um direito à resistência expressão na qual direito só pode ter o significado de direito natural não tem mais nenhum sentido Não se trata de ter o direito de abater o jugo colonial ou de classe tratase de ter a força para fazêlo O discurso não versa tanto sobre direitos e deveres mas sobre as técnicas mais adequadas a empregar naquela oportunidade concreta técnicas de guerrilha versus téc nicas da nãoviolência Assim e que ao lado da crise das velhas teorias da guerra justa assistimos à crise das teorias que eram ainda dominantes na época do Iluminismo da revolução justa 6 Quem quiser buscar uma comprovação do que foi dito deveria fazer uma análise mais precisa do que aquela que pode ser feita nesta oportunidade dos dois grandes movimentos de resistência que hoje dividem o mundo o que se expressa nos partidos revolucionários em suas diversas acepções e o que se expressa nos movimentos de desobediência civil Para simplificar e admitidas as articulações internas leninismo e gandhismo A discriminação entre um e outro é o uso da violência e portanto do ponto de vista ideológico a justificação ou não justificação da violência Sob esse aspecto a fenomenologia dos movimentos contemporâneos não difere da antiga também nos velhos tratados sobre as várias formas de resistência a diferença que dividia a resistência ativa da passiva era o uso da violência Hoje a diferença reside principalmente como dissemos no tipo de argumentação com o qual esse uso ou esse nãouso é justificado mais política como dissemos do que jurídica ou ética A coisa é bastante óbvia para o partido revolucionário cuja teorização extrai sua matriz de uma doutrina realista no sentido maquiavélico da palavra como é o caso da doutrina marxiana e mais ainda da leniniana A E R A D O S D I R E I T O S 66 segundo a qual o fim justifica os meios Uma outra diferença entre a teoria da violência revolucionária de hoje e a do passado as teorias jusnaturalistas está no fato de que para as últimas a violência estatal era um caso limite que devia ser determinada em cada oportunidade concreta como se dizia conquista usurpação abuso do poder etc para a primeira ao contrário o Estado enquanto tal anarquismo ou o Estado burguês enquanto tal isto é enquanto fundado na opressão de uma restrita classe de privilegiados sobre uma numerosa classe de explorados comunismo é violento O Estado é violência concentrada e organizada da sociedade segundo a famosa frase de Marx que é um dos temas condutores da teoria revolucionaria que passa através de Lenin para chegar a Mao à guerra popular a guerrilha etc Nova com relação à teoria tradicional é a justificação também daquele excesso de violência em que con siste o terror de Robespierre a Mao Deste último podemos repetir uma tese igualmente famosa foi necessário criar um breve reinado do terror em cada zona rural Para reparar um delito é necessário superar os limites Menos óbvio e portanto mais interessante é o fato de que a própria teoria da desobediência civil desde a obediência passiva de origem exclusivamente religiosa passando por Thoreau que continua a representar um caso individual não pagar os impostos se estes servem para o prosseguimento de uma guerra injusta por Tolstoi até o método satyagraha de Gandhi percorreu um longo caminho na estrada do realismo político ou seja de sua justificação política Antes de mais nada o fato de que se trate agora de comportamento coletivo e não mais individual ou seja de um comportamento cuja violência é sempre mais fácil de justificar implica uma revisão do tradicional contraste entre ética individual na qual a violência é na maioria dos casos ilícita e ética de grupo na qual a violência é considerada lícita Uma das características da ética gandhiana é precisamente a de não admitir nenhuma diferença entre o que é lícito ao indivíduo e o que é licito ao grupo organizado Em segundo lugar com a teoria e a práxis gandhianas foi introduzida no âmbito do que tradicionalmente tem sido chamado de resistência passiva uma ulterior distinção entre nãoviolência negativa e nãoviolência positiva Um dos preceitos fundamentais da pregação gandhiana é o de que as campa nhas nãoviolentas devem ser sempre acompanhadas do chamado trabalho construtivo ou seja de todo aquele conjunto de comportamentos que devem demonstrar ao adversário que não se tem a intenção apenas de abatêlo mas também de construir um modo melhor de convivência com o qual o próprio adversário deverá se beneficiar Finalmente a justificação que hoje se tende a dar da nãoviolência nova encarnação das doutrinas tradicionais da resistência passiva não é mais religiosa ou ética e sim política Pelo menos em duas direções a ao se tomar consciência do fato de que o uso de certos meios prejudica a obtenção do fim o emprego de meios não violentos se torna politicamente mais produtivo pelo fato de que somente uma socie dade que nasce da não violência será por sua vez não violenta enquanto uma sociedade que nasce da violên cia não poderá dispensar a violência se quer se conservar o que em outras palavras significa que a não violência serve melhor à obtenção do fim último ao qual tende também o revolucionário que usa a violên cia isto e uma sociedade mais livre e mais justa sem opressores ou oprimidos do que a violência b diante das dimensões cada vez mais gigantescas da violência institucionalizada e organizada e da sua enorme capaci dade destruidora a prática da nãoviolência é talvez a única forma de pressão que sirva para em última instância modificar as relações de poder Em suma a nãoviolência como única alternativa política observe se bem política à violência do sistema 7 Concluo com algumas observações também essas apenas esboçadas sobre a tipologia das várias formas que pode assumir a desobediência civil E preciso antes de mais nada fazer uma distinção entre a nãoobser vância de uma lei proibitiva que consiste numa ação positiva como o sitin dos negros nos restaurantes ou nos âmbitos que lhes são proibidos ou como a realização de uma passeata quando esta é proibida e apesar da proibição por um lado e por outro a nãoexecução de uma lei imperativa que consiste numa omissão ou numa abstenção exemplos típicos são o nãopagamento dos impostos ou a nãoprestação do serviço militar Há contudo uma diferença entre não fazer o que é ordenado e fazer o contrário do que é ordenado diante da intimação de esvaziar uma praça por exemplo sentar no chão Podese fazer resistência passiva não só dei xando de fazer o que se deve como também fazendo mais fazendo em excesso como é o caso do obstrucionismo parlamentar As várias formas de obediência civil devem ainda ser diferenciadas das técnicas de pressão não violenta que se voltam contra interesses econômicos Também essas por seu turno podem ser diferenciadas conforme NORBERTO BOBBIO 67 consistem em abstenções como a greve ou o boicote ou em ações como a ocupação de terras de uma casa ou de uma fábrica ou a greve ao contrário Umas e outras de resto devem ser distinguidas das chamadas ações exemplares como o jejum prolongado a autoimolação é uma ação exemplar mas não faz parte das técnicas da nãoviolência já que implica uma violência contra si mesmo Mesmo em suas diferenças essas várias técnicas têm em comum a sua finalidade principal que é mais a de paralisar neutralizar por em dificuldade o adversário do que esmagalo ou destruílo que é mais a de tornar difícil ou mesmo impossível a obtenção da finalidade visada pelo outro do que buscar diretamente a finalidade de substituílo Não ofendêlo mas tornálo inofensivo Não contrapor ao poder um outro poder um contrapoder mas tornar o poder impotente Finalmente perguntome se não seria oportuno distinguir entre as várias formas de resistência passiva que repito correspondem à resistência não violenta e o poder negativo se por poder negativo se entende o poder de veto isto é o poder para dizêlo com Rousseau daquele órgão ou daquela pessoa que não podendo fazer nada pode impedir tudo A discussão desse problema assume particular interesse neste simpósio em função dos estudos estimulantes pela novidade da colocação que lhe dedicou Pierangelo Catalano que tende a incluir no poder negativo formas de resistência como a greve que em minha opinião não podem ser reduzidas sic et simpliciter ao poder de veto Compreendo que uma certa confusão pode derivar do fato de que tanto a greve quanto o poder de veto visam à mesma finalidade ou seja a de paralisar o exercício de um poder dominante Mas apesar disso existem diferenças que merecem ser destacadas Para começar se é verdade que tanto uma quanto as outras podem ser consideradas formas de exercício de poder impeditivo devese reconhecer que uma coisa é impedir que uma lei uma ordem um comando ou de qualquer modo uma decisão seja implementada poder de veto e outra é tornála ineficaz depois de já ter sido implementada através do seu nãocumprimento além do mais há formas de resistência passiva como a greve e o boicote que não consistem numa desobediência à lei Por outro lado o poder de veto manifestase geralmente numa declaração de vontade numa proposição performativa como diria JL Austin enquanto a resistência passiva consiste em comportamentos comissivos ou omissivos O poder de veto é geralmente institucionalizado ou seja depende de uma norma secundária autorizativa a não ser que suponhamos o caso extremo da invasão do parlamento pela massa no momento em que aquele está para aprovar uma lei mas será que nesse caso podemos dizer que a massa exerceu o poder de veto as várias formas de resistência passiva ao contrário nascem fora do quadro das instituições vigentes embora algumas delas num segundo momento possam ser institucionalizadas O poder de veto é habitualmente exercido no vértice como no caso em que o chefe de Estado veta uma lei aprovada pelo parlamento ou quando um dos membros do Conselho de Segu rança da ONU veta alguma decisão a resistência passiva é exercida na base O poder de veto é com freqüên cia o resíduo de um poder que resiste à morte a resistência passiva pode ser o primeiro sinal de um poder novo O poder de veto serve habitualmente à conservação do status quo a resistência passiva visa geralmente à mudança Em suma pareceme que poder de veto e resistência passiva são tanto estrutural quanto funcional mente duas coisas diversas Por isso teria dúvidas sobre a oportunidade de forçar a inclusão de ambas numa mesma categoria sob a denominação comum de poderes negativos A E R A D O S D I R E I T O S 68 CONTRA A PENA DE MORTE 1 Se examinarmos o longo curso da história humana mais que milenar teremos de reconhecer quer isso nos agrade ou não que o debate sobre a abolição da pena de morte mal começou Durante séculos o problema de se era ou não licito ou justo condenar um culpado à morte sequer foi colocado Jamais se pôs em dúvida que entre as penas a infligir a quem violou as leis da tribo ou da cidade ou do povo ou do Estado estivesse também a pena de morte ou mesmo que a pena de morte fosse a rainha das penas aquela que satisfazia ao mesmo tempo as necessidades de vingança de justiça e de segurança do corpo coletivo diante de um dos seus membros que se havia corrompido Para começar tomemos um livro clássico o primeiro grande livro sobre as leis e sobre a justiça de nossa civilização ocidental as Leis os Nómoi de Platão No Livro IX Platão dedica algumas páginas ao problema das leis penais Reconhece que a pena deve ter a finalidade de tornar melhor mas aduz que se se demonstrar que o delinqüente é incurável a morte será para ele o menor dos males Não cabe aqui mencionar todas as vezes em que se fala nesse livro sobre a pena de morte em relação a uma série muito ampla de delitos desde os delitos contra as divindades e os cultos até aqueles contra os genitores contra o pai e a mãe ou em geral contra os homicídios voluntários Falando precisamente de homicidas voluntários Platão diz em certo momento que eles devem necessariamente pagar a pena natural ou seja a de padecer o que fizeram 870 e Chamo a atenção para o adjetivo natural e para o princípio do padecer o que se fez Esse princípio que nasce da doutrina da reciprocidade que é dos pitagóricos mais antiga ainda portanto que a de Platão e que será formulada pelos juristas medievais e repetida durante séculos com a famosa expressão segundo a qual o malum passionis deve corresponder ao malum actionis atravessa toda a história do direito penal e chega até nós absolutamente inalterado Como veremos mais adiante é uma das justificações mais comuns para a pena de morte Citei esse célebre texto da Antiguidade apenas para apresentar um testemunho o mais autorizado possí vel de como a pena de morte foi considerada não só perfeitamente legítima mas até mesmo natural desde as origens de nossa civilização bem como do fato de que aceitála como pena jamais constituiu um problema Poderia citar muitos outros textos A imposição da pena de morte constitui tão pouco um problema que até mesmo uma religião da nãoviolência do noli resistere malo uma religião que sobretudo nos primeiros séculos levantava o problema da objeção de consciência ao serviço militar e à obrigação de portar armas uma religião que tem por inspirador divino um condenado à morte jamais se opôs substantivamente à prática da pena capital 2 É preciso chegar ao Iluminismo no coração do século XVIII para encontrar pela primeira vez um sério e amplo debate sobre a licitude ou oportunidade da pena capital o que não quer dizer que o problema não tivesse jamais sido levantado antes A importância histórica que nunca será suficientemente sublimada do famoso livro de Beccaria 1764 reside precisamente nisto tratase da primeira obra que enfrenta seriamen te o problema e oferece alguns argumentos racionais para darlhe uma solução que contrasta com uma tradição secular É preciso dizer desde já que o ponto de partida usado por Beccaria em sua argumentação é a função exclusivamente intimidatória da pena A finalidade da pena não é senão impedir o réu de causar novos danos aos seus concidadãos e demover os demais de fazerem o mesmo Veremos em seguida a importância desse ponto de partida para o desenvolvimento do tema Se esse é o ponto de partida tratase de saber qual é a força intimidatória da pena de morte com relação a outras penas E esse é o tema que se põe ainda hoje e que foi várias vezes posto pela própria Amnesty International A resposta de Beccaria deriva do princípio introdu zido no parágrafo intitulado Doçura das penas O princípio é o seguinte Um dos maiores freios contra os delitos não é a crueldade das penas mas a infalibilidade dessas e por conseguinte a vigilância dos magistra dos e a severidade de um juiz inexorável a qual para ser útil à virtude deve ser acompanhada de uma legislação doce Suavidade das penas Não é necessário que as penas sejam cruéis para serem dissuasórias Basta que sejam certas O que constitui uma razão aliás a razão principal para não se cometer o delito não é NORBERTO BOBBIO 69 tanto a severidade da pena quanto a certeza de que se será de algum modo punido Subsidiariamente Beccaria introduz também um segundo princípio além da certeza da pena a intimidação nasce não da intensidade da pena mas de sua extensão como é o caso por exemplo da prisão perpétua A pena de morte é muito intensa ao passo que a prisão perpétua é muito extensa Portanto a perda perpétua total da própria liberdade tem mais força intimidatória do que a pena de morte Ambos os argumentos de Beccaria são utilitaristas no sentido de que contestam a utilidade da pena de morte nem útil nem necessária como se expressa Beccaria ao iniciar sua argumentação A esses argumen tos Beccaria aduz um outro que provocou a maior perplexidade e que de fato foi hoje em grande parte abandonado Tratase do chamado argumento contratualista que deriva da teoria do contrato social ou da origem convencional da sociedade política Esse argumento pode ser assim enunciado se a sociedade política deriva de um acordo dos indivíduos que renunciam a viver em estado de natureza e criam leis para se proteger reciprocamente é inconcebível que esses indivíduos tenham posto à disposição de seus semelhantes também o direito à vida Sabese que o livro de Beccaria teve estrepitoso sucesso Basta pensar na acolhida que lhe deu Voltaire grande parte da fama do livro de Beccaria se deve sobretudo ao fato de que foi acolhido favoravelmente por Voltaire Beccaria era um ilustre desconhecido ao passo que na pátria das luzes que era a França Voltaire era Voltaire Sabese também que por influência do debate sobre a pena de morte que teve lugar naqueles anos foi emanada a primeira lei penal que aboliu a pena de morte a lei toscana de 1786 que no 51 depois de uma série de considerações entre as quais emerge mais uma vez sobretudo a função intimidatória da pena mas sem negligenciar a sua função também corretora a correção do réu também ele filho da sociedade e do Estado declara abolir para sempre a pena de morte contra qualquer réu seja primário ou contumaz e ainda que confesso e convicto de qualquer delito declarado capital pelas leis até aqui promulgadas todas as quais ficam revogadas e abolidas no que a isso se refere Talvez ainda mais clamoroso tenha sido o eco que obteve na Rússia de Catarina II em cuja célebre Instru ção proposta já em 1765 ou seja imediatamente após a publicação do livro de Beccaria podese ler o seguin te A experiência de todos os séculos prova que a pena de morte jamais tornou uma nação melhor Seguese uma frase que parece extraída do livro de Beccaria Portanto se demonstro que no estado ordinário da sociedade a morte de um cidadão não é nem útil nem necessária terei feito vencer a causa da humanidade 3 Contudo devese acrescentar que apesar do sucesso literário do livro junto ao público culto não só a pena de morte não foi abolida nos países civilizados ou que se consideravam civilizados com relação à época e aos países considerados bárbaros quando não mesmo selvagens mas a causa da abolição tampouco estava destinada a predominar na filosofia penal da época Poderíamos fazer muitas citações Escolho três delas entre os mais ilustres pensadores da época Rousseau no Contrato social que saiu em 1762 dois anos antes do livro de Beccaria o grande Kant e o ainda maior Hegel No capítulo do Contrato social intitulado Do direito de vida e de morte Rousseau refutou antecipadamente o argumento contratualista Não é verdade disse ele que o indivíduo ao se acordar com os outros para constituir o Estado reservese um direito à vida em qualquer caso É para não ser vítima de um assassino que alguém consente em morrer caso venha a ser assassino Portanto a atribuição ao Estado do direito à própria vida serve não para destruíla mas para garantila contra o ataque dos outros Poucos anos depois da publicação de Dos delitos e das penas um outro ilustre escritor político Filarigieri em Scienza della legislazione 1783 a maior obra italiana de filosofia política da segunda metade do século XVIII caracterizou como sofisma o argumento contratualista de Beccaria afirmando que é verdade que no estado de natureza o homem tem direito à vida sendo também verdade que não pode renunciar àquele direito mas pode perdêlo com seus delitos Se pode perdêlo no estado de natureza não se vê por que não possa perdêlo no estado civil que é instituído precisamente com a finalidade não de criar um novo direito mas de tornar seguro o exercício do antigo direito o do ofendido de reagir com força à força de rechaçar com a ofensa à vida do outro a ofensa contra a própria vida Os dois maiores filósofos da época Kant e Hegel um antes outro depois da Revolução Francesa defendem uma rigorosa teoria retributiva da pena e chegam à conclusão de que a pena de morte é até mesmo um dever Kant partindo da concepção retributiva da pena segundo a qual a função da pena não é preve A E R A D O S D I R E I T O S 70 nir os delitos mas simplesmente fazer justiça ou seja fazer com que haja uma perfeita correspondência entre o crime e o castigo tratase da justiça como igualdade daquela espécie de igualdade que os antigos chamavam de igualdade corretiva afirma que o dever da pena de morte cabe ao Estado e é um imperativo categóri co não um imperativo hipotético fundado na relação meiofim Cito diretamente o texto selecionando a frase mais significativa Se ele matou deve morrer Não há nenhum sucedâneo nenhuma comutação de pena que possa satisfazer a justiça Não há nenhuma comparação possível entre uma vida ainda que penosa e a morte e por conseguinte nenhuma outra compensação entre o delito e a punição salvo a morte juridica mente infligida ao criminoso mas despojada de toda maldade que poderia na pessoa de quem a padece revoltar a humanidade Hegel vai além Depois de ter refutado o argumento contratualista de Beccaria negando que o Estado possa nascer de um contrato afirma que o delinqüente não só deve ser punido com uma pena correspondente ao crime cometido mas tem o direito de ser punido com a morte já que somente a punição o resgata e é somente através dela que ele é reconhecido como ser racional aliás ele é honrado diz Hegel Num adendo porém ele tem a lealdade de reconhecer que a obra de Beccaria teve pelo menos o efeito de reduzir o número de condenações à morte 4 O infortúnio quis que enquanto os maiores filósofos da época continuavam a defender a legitimidade da pena de morte um dos maiores defensores de sua abolição tivesse sido como se sabe Robespierre num famoso discurso à Assembléia Constituinte de maio de 1791 ou seja Robespierre o mesmo que iria passar à história na época da Restauração a época em que Hegel escreveu sua obra como o maior responsável pelo terror revolucionário pelo assassinato indiscriminado de que ele próprio foi vítima quase que como para demons trar a inexorabilidade da lei segundo a qual a revolução devora os seus próprios filhos a violência gera violên cia etc Esse discurso de Robespierre deve ser recordado porque contém uma das condenações mais convin centes do ponto de vista da argumentação da pena de morte Ele refuta em primeiro lugar o argumento da intimidação afirmando não ser verdade que a pena de morte seja mais intimidadora do que as demais penas e aduzia o exemplo quase ritual já utilizado por Montesquieu do Japão na época afirmavase que embora as penas aplicadas no Japão fossem atrozes o Japão era um país de criminosos Depois além desse argumento refuta também aquele fundado na justiça Finalmente aduz o argumento que Beccaria não recordara da irreversibilidade dos erros judiciários Todo o discurso se inspira no principio de que a suavidade das penas e aqui a derivação de Beccaria é evidente é prova de civilização enquanto a crueldade delas caracteriza os povos bárbaros mais uma vez o Japão Não nos afastaremos muito da verdade se dissermos que o mais célebre e inteligente continuador quase repetidor de Beccaria foi desgraçadamente Robespierre 5 Apesar da persistência e da predominância das teorias antiabolicionistas não se pode dizer que o debate sobre a pena de morte levantado por Beccaria tenha deixado de produzir efeitos A contraposição entre abolicionistas e antiabolicionistas é demasiadamente simplista e não representa exatamente a realidade O debate sobre a pena de morte não visou somente à sua abolição num primeiro momento dirigiuse para a limitação dessa pena a alguns crimes graves especificamente determinados depois para a eliminação dos suplícios ou crueldades inúteis que via de regra a acompanhavam e num terceiro momento para a supres são de sua execução publica Quando se deplora que a pena de morte ainda exista na maioria dos Estados esquecese que o grande passo à frente realizado pelas legislações de quase todos os países nos dois últimos séculos constitui na diminuição dos crimes puníveis com a pena de morte Na Inglaterra no início do século XVIII ainda eram mais de duzentos os casos entre os quais até mesmo o de crimes hoje punidos com poucos anos de prisão Mesmo nos ordenamentos nos quais a pena de morte sobreviveu e ainda sobrevive ela é aplicada quase exclusivamente no caso de homicídio premeditado Ao lado da diminuição dos delitos capi tais incluise entre as medidas atenuadoras a supressão da obrigação de aplicála nos casos previstos que é substituída pelo poder discricionário do juiz ou dos jurados de aplicála ou não No que se refere à crueldade da execução basta a leitura daquele fascinante livro de Foucault que é Vigiar e punir onde se descrevem no capítulo intitulado A ostentação dos suplícios alguns episódios aterradores de execuções capitais precedi das de longas e ferozes sevícias Um autor inglês do século XVIII citado por Foucault escreve que a morte suplicio é a arte de conservar a vida no sofrimento subdividindoa em mil mortes e obtendose antes que NORBERTO BOBBIO 71 cesse a existência as mais refinadas agonias O suplício é por assim dizer a multiplicação da pena de morte como se a pena de morte não bastasse o suplício mata uma pessoa várias vezes O suplício responde a duas exigências deve ser infamante seja pelas cicatrizes que deixa no corpo seja pela ressonância de que é acom panhado e clamoroso ou seja deve ser constatado por todos Esse elemento nos remete ao tema da publicidade e por tanto à necessidade de que a execução fosse pública publicidade que devese observar não desaparece com a supressão das execuções públicas já que se estende ao desfile em meio à multidão dos deportados encadeados rumo aos trabalhos forçados Hoje a maioria dos Estados que conservaram a pena de morte a executam com a discrição e a reserva com que se executa um doloroso dever Muitos Estados não abolicionistas buscaram não apenas eliminar os suplícios mas tornar a pena de morte o mais possível indolor ou menos cruel Naturalmente isso não quer dizer que o conseguiram basta ler relatórios sobre as três formas de execução mais comuns a guilhotina francesa o enforcamento inglês e a cadeira elétrica norteamericana para compreender que não é inteiramente verda de que tenha sido eliminado também o suplício já que a morte nem sempre é tão instantânea como se deixa crer ou se busca fazer crer por parte dos que defendem a pena capital De qualquer modo a execução não se realiza mais à vista do público ainda que o eco de uma execução capital na imprensa e não se deve esquecer que num regime de liberdade de imprensa tem amplo espaço e difusão a imprensa sensacionalista substitua a antiga presença do público na praça diante do patíbulo Sobre a vergonha da publicidade como argumento contra a pena de morte gostaria de me limitar a recordar as invectivas de Victor Hugo que por toda a vida a combateu apaixonadamente com toda a potência do seu estilo eloqüente ainda que hoje nos possa parecer grandiloqüente Recentemente foi publicado na França um livro que recolhe os escritos de Victor Hugo sobre a pena de morte uma fonte de citações Da leitura dessas paginas resulta que ele batalhou da juventude à velhice contra a pena de morte em todas as ocasiões inclusive como politico mas também através dos escritos das poesias e dos romances As invectivas quase sempre partem da visão ou da descrição de uma execução Em Os miseráveis ele escreveu O patíbulo quando está lá erguido para o céu tem algo de alucinante Alguém pode ser indiferente quanto à pena de morte e não se pronunciar não dizer nem sim nem não mas isso só enquanto não viu uma guilhotina Quando vê uma o abalo é violento ele é obrigado a tomar partido a favor ou contra Hugo recorda que quando tinha dezesseis anos viu uma ladra que um carrasco marcava com ferro em brasa Ainda conservo no ouvido quarenta anos depois e sempre conservarei na alma o espantoso grito da mulher Era uma ladra mas a partir daquele momento tornouse para mim uma mártir Chamei a atenção para essa evolução no interior do instituto da pena de morte para mostrar que embora essa pena não tenha sido abolida a polêmica iluminista não deixou de ter efeitos Gostaria ainda de acrescen tar que freqüentemente mesmo quando a pena de morte é pronunciada por um tribunal nem sempre é executada ou e suspensa e depois comutada ou o condenado é agraciado Nos Estados Unidos o caso de Gary Gilmore que foi justiçado em janeiro de 1977 no estado de Utah provocou grande comoção porque desde 1967 há dez anos ninguém fora justiçado Em 1972 uma famosa sentença da Suprema Corte estabe leceu que muitas das circunstâncias em que se aplicava a pena capital eram anticonstitucionais com base na VIIIª Emenda que proíbe impor penas cruéis e desproporcionais unusual Porém em 1976 uma outra decisão mudou a interpretação afirmando que a pena de morte nem sempre viola a Constituição com o que se abriu caminho para uma nova execução precisamente a de Gilmore O fato de que uma condenação à morte tenha suscitado tantas discussões e reanimado as associações abolicionistas mostra que mesmo nos paises onde ainda existe a pena capital há uma opinião pública vigilante e sensível que obstaculiza sua aplicação 6 Do que disse até aqui resulta já bastante evidente que os argumentos pró e contra dependem quase sempre da concepção que os debatedores têm da função da pena As concepções tradicionais são sobretudo duas a retributiva que repousa na regra da justiça como igualdade já a vimos em Kant e em Hegel ou correspondência entre iguais segundo a máxima de que é justo que quem realizou uma má ação seja atingido pelo mesmo mal que causou a outros a lei de talião do olhoporolho de que é exemplo conhecidíssimo o inferno de Dante e portanto de que é justo assim o quer a justiça que quem mata seja morto não tem direito à vida quem não a respeita perde o direito à vida quem a tirou de outro etc e a preventiva segundo a qual a função da pena é A E R A D O S D I R E I T O S 72 desencorajar com a ameaça de um mal as ações que um determinado ordenamento considera danosas Com base nessa concepção da pena é óbvio que a pena de morte só se justifica se se puder demonstrar que sua força de intimidação é grande e superior à de qualquer outra pena incluindo a prisão perpétua As duas concepções da pena se contrapõem também como concepção ética e concepção utilitarista elas se fundem em duas teorias diversas da ética a primeira numa ética dos princípios ou da justiça a segunda numa ética utilitarista que predominou nos últimos séculos e predomina até hoje no mundo anglosaxônico Podese dizer que em geral os adeptos da pena de morte apelam para a primeira como por exemplo Kant e Hegel enquanto os adversários se valem da segunda como por exemplo Beccaria Permitamme expor um episódio histórico freqüentemente relembrado num debate como o nosso que remonta nada menos do que a 428 aC retirado das Histórias de Tucídides Os atenienses têm de decidir sobre a sorte dos habitantes de Mitilene que se haviam rebelado Falam dois oradores Cléon afirma que os rebeldes devem ser condenados à morte porque lhes deve ser imposta a lei de talião e a punição que merecem além disso ele aduz que os outros aliados saberão assim que quem se rebela é punido com a morte Diódoto ao contrário afirma que a pena de morte não serve para nada já que é impossivel e dá provas de grande ingenuidade quem assim pensa que a natureza humana quando se empenha com paixão na realização de qualquer projeto possa ter um freio na força das leis ou em qualquer outra ameaça de modo que é preciso evitar ter excessiva confiança em que a pena de morte seja uma garantia para impedir o mal Continua sugerindo a observância de um critério de utilidade segundo o qual em vez de matar os habitantes de Mitilene devese buscar transformálos em aliados 7 Na realidade o debate complicase um pouco mais porque as concepções da pena não são somente essas duas embora essas duas sejam de longe as predominantes Recordo pelo menos outras três a pena como expiação como emenda e como defesa social Dessas a primeira parece mais favorável à abolição do que à conservação da pena de morte para expiar preciso continuar a viver Mas podese também afirmar que verda deira expiação é a morte a morte entendida como purificação da culpa como cancelamento da mácula o sangue se lava com sangue A rigor essa concepção da pena é compatível tanto com a tese da manutenção quanto com a da abolição da pena de morte A segunda a da emenda é a única que exclui totalmente a pena de morte Mesmo o mais perverso dos criminosos pode se redimir se ele for morto serlheá vedado o caminho do aperfeiçoamento moral que não pode ser recusado a ninguém Quando os iluministas disseram que a pena de morte deveria ser substituída pelos trabalhos forçados justificaram freqüentemente essa tese afirmando que o trabalho redime No comen tário ao livro de Beccaria Voltaire escreveu o seguinte referindose à política penal de Catarina II favorável à abolição da pena de morte Os delitos não se multiplicaram por causa dessa humanidade e quase sempre ocorreu que os culpados enviados à Sibéria lá se tornaram pessoas de bem e pouco após acrescenta Se os homens forem obrigados a trabalhar tornarseão pessoas honestas Caberia fazer um longo discurso sobre essa ideologia do trabalho cuja extrema macabra demoníaca conseqüência se revelou nas palavras colocadas na entrada dos campos de concentração nazistas Arbeit macht frei ou seja o trabalho liberta A terceira concepção a da defesa social é também ambígua geralmente os defensores da pena como defesa social foram e são abolicionistas mas o fazem por razões humanitárias e também porque recusam o conceito de culpa que está na base da concepção redistributiva a qual só encontra sua própria justificação se admitir a liberdade do querer Todavia a defesa social não exclui a pena de morte poderseia afirmar que o melhor modo para se defender dos criminosos é eliminálos 8 Embora sejam muitas as teorias da pena as duas predominantes são as que chamei de ética e de utilitarista De resto tratase de um contraste que vai além do contraste entre dois modos diversos de conceber a pena já que remete a uma oposição mais profunda entre duas éticas ou morais entre dois critérios diversos de julga mento do bem e do mal ou com base em princípios bons acolhidos como absolutamente válidos ou com base em bons resultados entendendose por bons resultados os que levam à maior utilidade do maior número como afirmavam os utilitaristas Beccaria Bentham etc Uma coisa com efeito é dizer que não se deve fazer o mal porque existe uma norma que o proíbe por exemplo os dez mandamentos outra é dizer que não se deve fazer o mal porque ele tem conseqüências funestas para a convivência humana Dois critérios diversos e NORBERTO BOBBIO 73 que não coincidem porque pode muito bem ocorrer que uma ação considerada má com base em princípios tenha conseqüências utilitaristicamente boas e viceversa A julgar pela disputa a favor ou contra a pena de morte como vimos dirseia que os defensores da pena de morte seguem uma concepção ética da justiça enquanto os abolicionistas são seguidores de uma concepção utilitarista Reduzidos a seus termos mais simples os dois raciocínios opostos poderiam ser resumidos nestas duas afirmações para uns a pena de morte é justa para os outros a pena de morte não é útil Justa para os primeiros independentemente de sua utilidade Desse ponto de vista o raciocínio kantiano e irrepreensível considerar o condenado à morte como um espantalho significaria reduzir a pessoa a meio ou como se diria hoje instrumentalizála Não útil para os segundos independentemente de qualquer consideração de justiça Em outras palavras para os primeiros a pena de morte poderia até não ser útil mas é justa para os segundos poderia até ser justa mas não é útil Portanto enquanto os que partem da teoria da retribuição vêem a pena de morte como um mal necessário e talvez até como um bem como vimos no uso de Hegel já que reconstitui a ordem violada os que partem da teoria intimidatória julgam a pena de morte como um mal não necessário e portanto como algo que de modo algum pode ser considerado um bem 9 Não há dúvida de que a partir de Beccaria o argumento fundamental dos abolicionistas foi o da força de intimidação Mas a afirmação de que a pena de morte teria menos força intimidatória do que a pena a traba lhos forçados era na época uma afirmação fundada em opiniões pessoais derivadas por sua vez de uma avaliação psicológica do estado de espírito do criminoso não sufragada por nenhuma comprovação factual Desde que foi aplicado ao estudo da criminalidade o método da investigação positiva foram feitas pesquisas empíricas sobre o maior ou menor poder dissuasório das penas comparandose os dados da criminalidade em períodos e em lugares com ou sem pena de morte Essas investigações naturalmente foram facilitadas nos Estados Unidos pelo fato de existirem estados em que vigora a pena de morte e outros em que ela foi abolida No Canadá um Moratorium act de 1967 que suspendeu a pena de morte por cinco anos permitiu estudar a incidência dessa pena sobre a criminalidade comparandose o presente com o passado Um exame cuidadoso desses estudos mostra que na realidade nenhuma dessas pesquisas forneceu resultados intei ramente convin centes Basta pensar em todas as variáveis concomitantes que têm de ser levadas em conta além da relação simples entre diminuição das penas e aumento ou diminuição dos delitos Por exemplo a certeza da pena problema já colocado por Beccaria o que dissuade mais a gravidade da pena ou a certeza de que ela será aplicada Somente se a certeza permanecer estável nos dois momentos é que a comparação pode ser feita É o caso do terrorismo na Itália o que contribuiu mais para a derrota do terrorismo o agravamento das penas ou o melhoramento dos meios para descobrir os terroristas Diante dos resultados até agora obtidos por essa análise nem sempre probatórios temse buscado refúgio nas pesquisas de opinião as opiniões dos juízes dos condenados à morte do público Mas é preciso começar dizendo em matéria de bem e de mal o principio da maioria não vale e Beccaria o sabia muito bem tanto que escreveu o seguinte Se me opusessem o exemplo de quase todos os séculos e de quase todas as nações que puniram alguns delitos com pena de morte responderia que esse exemplo se anula em face da verdade contra a qual não há prescrição que a história dos homens nos dá a idéia de um imenso arquipélago de erros entre os quais sobrenadam poucas e confusas e a grandes intervalos de distância algumas verdades Em segundo lugar as pesquisas de opinião provam pouco já que estão sujeitas às mudanças de humor das pessoas que reagem emotivamente diante dos fatos de que são espectadoras É sabido que a atitude do público diante da pena de morte varia de acordo com a situação de menor ou maior tranqüilidade social Se não tivessem ocorrido o terrorismo e o aumento da criminalidade nestes últimos anos é provável que o problema da pena de morte sequer tivesse sido levantado A Itália foi um dos primeiros Estados a abolir a pena de morte em 1889 no código penal Zanardelli quando Croce escreveu a Storia dItalia em 1928 afirmou que a abolição da pena de morte tornarase um dado dos costumes e que a simples idéia da restauração da pena capital era incompatível com o sentimento nacional Apesar disso poucos anos depois o fascismo a restaurou sem gran des abalos na opinião pública com exceção do protesto estéril de alguns antifascistas Entre esses recordo o livro de 1932 escrito por Paolo Rossi que depois se tornou ministro da República e também presidente da Corte Constitucional La pena di morte e la sua critica no qual o autor pronuncia uma nítida condenação da pena de morte contra o projeto de novo código penal então em elaboração recorrendo principalmente ao A E R A D O S D I R E I T O S 74 argumento da emenda O lado débil do argumento que baseia a exigência de abolir a pena de morte na sua menor força de intimi dação reside no fato de que caso fosse possível demonstrar de modo irrefutável que a morte tem pelo menos em determinadas situações um poder de dissuasão maior do que o de outras penas ela deveria ser mantida ou reestabelecida Não se pode ocultar a gravidade da objeção Por isso penso que seria não diria um erro mas um grande limite fundar a tese da abolição apenas num argumento utilitarista É verdade que existem outros argumentos secundários mas que a meu ver não são decisivos Há o argu mento da irreversibilidade da pena de morte e portanto da irreparabilidade do erro judiciário Mas os antiabolicionistas podem sempre retorquir que a pena capital precisamente por sua gravidade e irremediabilidade deve ser aplicada somente em caso de certeza absoluta de culpa Nesse caso tratarseia de introduzir uma nova limitação à aplicação Mas se a pena de morte é justa e dissuasória não importa que seja pouco aplicada mas sim que exista Há além disso um argumento contrário de peso o das recidivas Num opúsculo recente sobre a pena de morte 1980 o último que tive oportunidade de ler publicado na popular coleção francesa Que saisje o autor Marcel Normand defende ferrenhamente a pena de morte e insiste no argumento da recidiva cita alguns casos que reconheço impressionantes de assassinos condenados à morte e depois agraciados os quais quando retornaram à liberdade apesar dos muitos anos de prisão volta ram a cometer homicídios Surge a inquietadora questão se a condenação à morte tivesse sido executada uma ou mais vidas humanas teriam sido poupadas E a conclusão para poupar a vida de um delinqüente a socieda de sacrificou a vida de um inocente O Leitmotiv do autor é o seguinte enquanto os abolicionistas se poem do ângulo do criminoso os antiabolicionistas se situam no das vítimas Quem tem mais razão 10 Ainda mais embaraçosa é a pergunta que me formulei há pouco a respeito da tese utilitarista o limite da tese está numa pura e simples presunção a de que a pena de morte não serve para fazer diminuir os crimes de sangue Mas se se conseguisse demonstrar que ela previne tais crimes Então o abolicionista teria de recorrer a outra instância de caráter moral a um princípio posto como absolutamente indiscutível um autêntico postulado ético E esse argumento só pode ser derivado do imperativo moral não matarás que deve ser acolhido como um princípio de valor absoluto Mas como Poderseia retrucar o indivíduo tem o direito de matar em legítima defesa enquanto a coletividade não o tem Respondese a coletividade não tem esse direito porque a legítima defesa nasce e se justifica somente como resposta imediata numa situação onde seja impossível agir de outro modo a resposta da coletividade é mediatizada através de um processo por vezes até mesmo longo no qual se conflitam argumentos pró e contra Em outras palavras a condenação à morte depois de um processo não é mais um homicídio em legítima defesa mas um homicídio legal legalizado perpetrado a sangue frio premeditado Um homicídio que requer executores ou seja pessoas autorizadas a matar Não é por acaso que o executor da pena de morte embora autorizado a matar tenha sido sempre considerado como um personagem infame leiase o livro de Charles Duff Manual do carrasco recentemente traduzido em itali ano onde o carrasco é apresentado de modo grotesco como o cão o amigo fiel da sociedade Entre outras coisas aduzse para negar a eficácia intimidatória da pena de morte o caso de um carrasco que se torna por sua vez assassino e que deve ser justiçado O Estado não pode colocarse no mesmo plano do indivíduo singular O indivíduo age por raiva por paixão por interesse em defesa própria O Estado responde de modo mediato reflexivo racional Também ele tem o dever de se defender Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e por isso não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se defender O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força Deve sentir toda a responsabilidade desse privilégio e desse beneficio Compreendo mui to bem que é um raciocínio dificil abstrato que pode ser tachado de moralismo ingênuo de pregação inútil Mas busquemos dar uma razão para nossa repugnância frente à pena de morte A razão é uma só o manda mento de não matar Não vejo outra Fora dessa razão última todos os demais argumentos valem pouco ou nada podem ser contraditados por argumentos que têm mais ou menos a mesma força persuasória Dostoievski o disse magnificamente quando pôs na boca do Príncipe Michkin as seguintes palavras Foi dito Não matarás E então se alguém matou por que se tem de matálo também Matar quem matou é um castigo incomparavel mente maior do que o próprio crime O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assas sinato criminoso NORBERTO BOBBIO 75 De resto precisamente porque a razão última da condenação da pena de morte é tão elevada e árdua a grande maioria dos Estados continua a praticála e continuará a fazêlo apesar das declarações internacionais dos apelos das associações abolicionistas da nobilíssima ação da Amnesty International Apesar disso acredi tamos firmemente que o desaparecimento total da pena de morte do teatro da história estará destinada a representar um sinal indiscutível do progresso civil Esse conceito foi muito bem expresso por John Stuart Mill um ator que amo Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costu mes e instituições umas após outras foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas Estou convencido de que esse será também o destino da pena de morte Se me perguntarem quando se cumprirá esse destino direi que não sei Sei apenas que o seu cumprimento será um sinal indiscutível do progresso moral A E R A D O S D I R E I T O S 76 O DEBATE ATUAL SOBRE A PENA DE MORTE 1 Num mundo como o nosso abalado por guerras civis e internacionais cada vez mais cruentas e destrui doras pela difusão de atos terroristas cada vez mais cruéis e impiedosos resignado a viver sob a ameaça do extermínio atômico o debate sobre a pena de morte cujos efeitos não são nem de longe comparáveis aos dos massacres cotidianamente perpretados no mundo pode aparecer como pouco mais do que um ocioso passatempo dos costumeiros sábios que não se dão conta de como vai o mundo Refirome decerto à pena de morte judicial à qual está dedicada em particular esta minha introdução Sobre a pena de morte extrajudicial em todas as suas formas desde as infligidas pelos esquadrões da morte pelos serviços secretos pela própria polícia sob o argumento da legítima defesa por uma mão misteriosa que deve permanecer misteriosa na prisão onde o condenado paga uma pena não capital até aquela indireta perpretada nos campos de concentração ou de trabalho forçado a diferença entre matar e deixar intencional mente morrer não é moralmente relevante não há o que discutir Cabe apenas condenála como uma infâmia e quando muito estudála em todos os seus aspectos buscando compreenderlhe as causas indican do as circunstâncias que a favorecem e explicando sua difusão Não há mais solene condenação da pena de morte extrajudicial do que a que brota das páginas de um livro que os integrantes de minha geração não esqueceram as Cartas dos condenados à morte da Resistência européia O debate já hoje secular sobre a pena de morte referese à questão de saber se é moral eou juridicamente lícito por parte do Estado matar para punir ainda que respeitando todas as garantias processuais próprias do Estado de direito em outras palavras de saber se o direito que tem o Estado de punir o qual em geral não é contestado vai até o direito de infligir uma condenação à morte ainda que nas formas de um processo legal Os problemas levantados pelas execuções extrajudiciais são completamente diversos Ninguém espera que surja um novo Beccaria para denunciar a desumanidade de tais execuções ou para propor com argumentos de caráter humanitário a doçura das penas ou jurídico os limites do contrato social a sua abolição São problemas que se inserem num capítulo diverso da filosofia moral e jurídica no capítulo relativo à justificação da guerra ou do exercício da violência por parte de indivíduos ou grupos em cujas relações vigora apenas um princípio regulador dos conflitos o da autotutela É evidente que uma vez admitida em certos casos a licitude da guerra ou seja de um modo de resolver conflitos mediante o uso de armas mortais disso decorre a licença embora dentro de certos limites que constituem o ius belli de matar Com relação à pena de morte extrajudicial o problema ético eou jurídico a discutir não é saber se é lícito infligir a morte mas se é lícito o recurso a penas extrajudiciais quaisquer que sejam no interior de um Estado constituído e eventualmente dentro de que limites e em quais circunstâncias 2 Considerando os muitos séculos decorridos desde o nascimento do pensamento filosófico ocidental o debate sobre a pena de morte é relativamente recente A obra de Beccaria da qual nasceu a primeira grande discussão pró e contra a pena capital entre os eruditos é de 1764 o primeiro Estado que a aboliu foi o grão ducado de Toscana com uma lei de 1786 Ao longo de todo o curso da história da filosofia a communis opinio dos filósofos foi favorável à pena capital a começar por Platão e indo muito além do livro de Beccaria basta pensar em Kant Hegel e Schopenhauer Se tivéssemos de nos basear no argumento ex auctoritate os abolicionistas seriam derrotados Deixo de considerar a influência ambivalente do cristianismo sobre a solução do problema já que o tema é tratado especificamente em outra das comunicações digo ambivalente porque da própria visão religiosa do mundo e portanto das relações de convivência foram extraídos conforme a época e as circunstâncias argumentos favoráveis e contrários Levando em consideração exclusivamente as grandes concepções filosófi cas da sociedade e do Estado podese afirmar que a concepção orgânica do Estado segundo a qual para retomar o principio aristotélico o todo está acima das partes dominante no mundo antigo e na era medie NORBERTO BOBBIO 77 val ofereceu um dos argumentos mais comuns para a justificação da pena de morte Se o homem como animal político não pode viver fora de um corpo social do qual constitui logicamente um membro a vida ou melhor a sobrevivência do corpo social em sua totalidade é um bem superior à vida ou à sobrevivência de uma de suas partes em particular a vida de um indivíduo deve ser sacrificada à vida do todo quando estando aquele infectado apresenta o risco de contagiar e de pôr em perigo a vida do todo Foi argumento de autorida de durante séculos o seguinte texto de Santo Tomás Cada parte está ordenada ao todo como o imperfeito ao perfeito Por causa disso vemos que se a extirpação de um membro é benéfica à saúde do corpo humano em seu todo é louvável e salutar suprimilo Ora cada pessoa considerada isoladamente colocase em relação à comunidade como a parte em relação ao todo Por conseguinte se um homem constitui um perigo para a comunidade é louvável e salutar matálo para salvar o bem comum Para mostrar como é persis tente esse modo de justificar a condenação à morte limitome a citar a argumentação que em A Montanha Mágica de Thomas Mann Naphta o revolucionário da conservação apresenta contra Setembrini que acabara de concluir sua peroração contra a pena de morte Tão logo entra em jogo algo suprapessoal supraindividual e esse é o único estado digno do homem e portanto em sentido mais elevado o estado normal a vida singular deve não apenas ser sacrificada sem cerimônia ao pensamento mais alto mas deve ser posta em risco espontaneamente pelo próprio indivíduo Não foi por acaso que as primeiras teorias abolicionistas a começar pela de Beccaria se desenvolveram no âmbito da concepção individualista da sociedade e do Estado que inverteu completamente a relação entre o todo e as partes tornado possível a partir de Hobbes a fundamentação contratualista do Estado Na verdade não se pode afirmar que a negação do direito do Estado de punir um culpado com a morte seja uma conclusão lógica e como tal necessária de toda teoria que faça o Estado derivar de um contrato social originário a melhor prova disso é a existência de autores que são ao mesmo tempo contratualistas e defenso res da pena de morte como Rousseau para dar o exemplo mais conhecido ao qual se pode aduzir também o de nosso Filangieri Mas ao contrário da concepção orgânica da qual os autores de modo geral se valeram para aprovar a pena de morte a concepção contratualista tornou a recusa dessa pena se não necessária pelo menos possível No 100 da Filosofia do direito no qual defende a pena de morte Hegel valese da crítica a Beccaria para aduzir um argumento a mais contra as teorias contratualistas das quais é um adversário radical 3 Embora relativamente recentes as teorias abolicionistas tiveram um notável sucesso se não com relação à abolição total já que ainda são muito mais numerosos os Estados que mantêm a pena capital do que os que a aboliram pelo menos com relação à abolição parcial ou mesmo quase total Não me parece supérfluo sublinhar mais uma vez o fato de que o objeto das discussões nos últimos anos é a abolição final da pena de morte que é agora limitada até mesmo nos Estados que a mantiveram a um número cada vez mais restrito de crimes particularmente graves Sobre a necessidade de limitar sua previsão legislativa não há mais discordância a pena de morte deixou há muito de ser como o foi durante séculos a pena por excelência já que era a mais fácil de executar e ao mesmo tempo a de maior poder de intimidação aliás a única que tinha verdadeiramente esse poder Dirseia que a maioria dos legisladores antes da grande batalha iluminista seguiam a linha de Drácon o qual perguntado sobre os motivos de sua severidade respondera que a pena de morte era justa para os pequenos ladrões e que para os outros crimes mais graves ainda não encontrara infelizmente uma pena maior A partir de Beccaria o que se tornou objeto de discussão não foi só saber se a pena de morte é eticamente lícita mas também se é realmente a maior das penas Para constatar o processo gradual de deslegitimação da pena de morte devemse ainda considerar três dados reais a restringese cada vez mais o número dos crimes para os quais a pena de morte é obrigatória ao mesmo tempo em que se amplia o de crimes nos quais a aplicação da pena de morte é deixada à decisão discricional dos juízes e dos jurados b nem em todos os Estados nos quais a pena de morte é ainda admitida ela é efetivamente aplicada tanto que em todos os relatórios sobre a pena de morte no mundo costumase acrescentar ao elenco dos Estados onde ela está abolida de iure aqueles nos quais está abolida de facto c mesmo onde a pena de morte não só está prevista mas a sentença capital foi emanada manifestouse a A E R A D O S D I R E I T O S 78 tendência a sua suspensão sine die bem como ao seu perdão em conseqüência do indulto Embora seja nítida no longo período que vem do Iluminismo até hoje a tendência à diminuição da pena de morte com relação tanto ao número de Estados quanto à natureza dos crimes é preciso aduzir pelo menos duas outras especificações para tornar mais completa essa visão de conjunto primeiro a gradual e contínua conquista dos abolicionistas detevese diante da última fortaleza a da abolição total a qual mantém uma ferrenha resistência ao desmantelamento com a conseqüência de que o debate a favor ou contra a pena de morte não pode de modo algum ser considerado como concluído nem a causa dos abolicionistas dada como vitoriosa segundo a própria tendência à abolição se considerada não a longo prazo mas em períodos breves não se demonstra de modo algum nítida parecendo avançar ao contrário em ziguezagues No que se refere à natureza do debate vale a pena observar também que ele é muito mais intenso nos países onde não se deu ainda a abolição total e o problema se põe de iure condendo ou onde a reforma foi aprovada recentemente Num País como a Itália que após a queda do fascismo retomou ou melhor tornou norma constitucional a proibição da pena de morte as tradicionais doutrinas antiabolicionistas pelo menos até agora reemergiram menos do que nos Estados Unidos e na França Falando de doutrinas refirome ao debate tal como se desenvolve entre filósofos sociólogos psicólogos juristas etc Outra é a situação no que se refere ao chamado sentimento popular ao common sense dos escritores anglosaxônicos E com efeito uma constatação habitual de todos os que se ocuparam da pena de morte é que entre o senso comum e a opinião dos doutos existe geralmente uma grande defasagem As teses abolicionistas começam a predominar entre os que se ocupam profissionalmente do problema nas ligas ou associações em favor dos direitos do homem ou assemelhados nas próprias Igrejas constituídas ao contrário de uma tradição que já parecia consolidada ao passo que se formos julgar por muitas pesquisas de opinião cuja credibilidade de resto pode despertar sérias dúvidas o sentimento popular continua a ser hostil a tais teses quando não chega mesmo a reclamar o retorno à pena de morte onde ela já foi há muito abolida já que falei da Itália é impossível ignorar o fato de que enquanto a república dos doutos não deu até agora sinal de ter sido solicitada a levantar o problema da difusão e da crudelização da violência criminal e política a opinião do público tal como se manifesta nas cartas aos jornais nas conversas cotidianas na resposta aos apelos provenientes de movimentos e partidos de extremadireita demonstrouse sensível a essas solicitações De resto a existência dessa defasagem entre opi nião douta e opinião popular é provada pelo fato de que um dos argumentos ainda que débil ao qual recorrem os antiabolicionistas para defender ou corroborar suas teses nos países onde a discussão é viva e o chamado argumento do common sense Também o ministro Rocco recorreu a ele para justificar a retomada da pena de morte na Itália durante o fascismo Mas o argumento é débil por diversas razões a a invocação popular da pena de morte é preciso encostálos no muro é indiscriminada não fazendo nenhuma distinção entre crimes mais ou menos graves b o sentimento popular é volúvel sendo facilmente influenciável pelas circuns tâncias c as questões de princípio suportam mal uma resolução com base na regra da maioria Quanto à segunda observação relativa à nãolinearidade da tendência abolicionista a principal observa ção a fazer é que a legislação sobre a pena de morte sofre o efeito do estado de maior ou menor tranqüilidade em que se encontra uma determinada sociedade e do muitas vezes conseqüente menor ou maior grau de autoritarismo do regime Assim enquanto a tendência constante no longo prazo é certamente no sentido da restrição do âmbito da pena capital seja ratione loci ou ratione materiae há casos em que por um breve período a pena de morte foi restabelecida em Estados que há muito a tinham abolido é típico o caso da Itália durante o fascismo A relação de dependência entre o debate sobre a pena de morte e o estado da ordem pública pode trazer uma comprovação à constatação de que na Itália durante o império do Código Zanardelli 1889 que abolira tal pena o problema do restabelecimento jamais foi seriamente levantado numa situação de gradual contenção e regulamentação dos conflitos sociais ao contrário quando o restabelecimento ocorreu por obra de um regime autoritário como o fascismo em conseqüência também do aguçamento e da radicalização da luta social no imediato primeiro pósguerra isso ocorreu com o pleno consentimento ou pelo menos com a indiferença do público Se houve alguma resistência essa foi exclusivamente em meio ao conformismo geral de caráter doutrinário devese recordar pelo menos o livro de Paolo Rossi publicado em 1932 4 A particular intensidade do debate atual sobre a pena de morte depende não apenas do interesse sempre NORBERTO BOBBIO 79 vivo pela solução legislativa do problema mas também do fato de que ele se insere num dos debates em que mais intensamente se empenharam os filósofos morais contemporâneos particularmente os anglosaxônicos o debate sobre o direito à vida Para se ter uma idéia ainda que só aproximativa da amplitude e da relevância desse debate podese considerar que ele compreende além do tema do direito à vida em sentido estrito ou seja do direito de não ser morto também o direito de nascer ou de ser deixado à luz o direito de não ser deixado morrer e o direito de ser mantido em vida ou direito à sobrevivência Já que não há direito de um indivíduo sem o correspondente dever de outro e já que todo dever pressupõe uma norma imperativa o debate sobre as quatro formas em que se explicita o direito à vida remete ao debate sobre o fundamento de validade e eventualmente sobre os limites do dever de não matar de não abortar ou de não provocar o aborto de socorrer quem está em perigo de vida de oferecer os meios mínimos de sustento a quem deles é carente Traduzidos em termos normativos esses quatro deveres pressupoem quatro imperativos sendo os dois primeiros negativos ou ordem de não fazer e os dois outros positivos ou ordem de fazer Considerado do ponto de vista do direito à vida o problema da pena de morte inserese no debate geral sobre o direito à vida em sentido estrito e por conseguinte sobre o fundamento de validade e eventualmente sobre os limites da norma não matarás Para quem considera que o não mataras tem validade absoluta e que portanto no sentido kantiano é um imperativo categórico que não permite exceções o problema da pena de morte já está resolvido infligir a pena capital é algo ilícito em qualquer caso Mas existem imperativos categóricos O próprio Kant é defensor da pena de morte Então o não matarás não é um imperativo categórico Felizmente podemos prescindir de dar uma resposta à pergunta já que se o debate sobre a licitude da pena de morte na realidade não tende a se aplacar continuando a alimentar sutis cada vez mais sutis controvérsias entre os filósofos morais isso depende do fato de que nenhum dos contendores parte do pressuposto da validade absoluta do preceito não matarás nem por conseguinte da consideração do direito à vida como direito absoluto que deve valer em todos os casos sem exceção O que caracteriza os chamados direitos fundamentais entre os quais está certamente o direito à vida é o fato de serem universais ou seja de valerem para todo homem independentemente da raça da nacionalidade etc mas não necessariamente de valerem sem exceções Com isso não queremos afirmar que não existam direitos absolutos penso que na consciência contemporânea esse é o caso por exemplo do direito de não ser torturado ou de não ser escravi zado mas simplesmente que o caráter absoluto do direito à vida não é habitualmente usado e de resto seria difícil fazêlo como argumento em favor da abolição da pena de morte Então uma vez admitido que o mandamento não matarás admite exceções o ponto controverso é saber se a pena de morte pode ser consi derada como uma exceção Já que e regra geral de toda controvérsia que quem defende uma exceção ao princípio geral deve justificála cabe então aos defensores da pena de morte o ônus de aduzir argumentos tais que tornem aceitáveis a admissão restando aos que a negam a tarefa de refutálos Do ponto de vista dos procedimentos com efeito o debate sobre a pena de morte desenvolveuse em toda a sua história e ainda se desenvolve atualmente através da apresentação prioritária dos argumentos adotados para justificar esse caso de exceção a proibição de matar e da sucessiva defesa pelo menos no caso específico da validade do preceito 5 Tal como no caso da secular discussão sobre a justificação do recurso ao uso da força que se resolve na busca de uma iusta causa para um comportamento normalmente considerado injusto e do qual o exemplo historicamente mais interessante e ainda hoje rico de ensinamentos foi o da guerra justa os dois argumen tos mais comuns e também mais fáceis adotados para justificar a pena de morte são o estado de necessidade e a legítima defesa Tratase como todos sabem de dois motivos de justificação de um delito cujas conseqüências podem ser a não incriminação ou a nãopunibilidade acolhidos pelo direito penal de todos os países O que vale para o indivíduo assim se argumenta não tem por que não valer também para o Estado Aliás valeria ainda com maior razão para o Estado com base na supremacia do Estado sobre o indivíduo de onde nasceu e prosperou durante séculos a doutrina da razão de Estado fundada no princípio de que na condução do Estado são admitidas derrogações às normas gerais que valem para a conduta dos privados Naturalmente essas duas causas de justificação de um ato gravíssimo como o homicídio praticado pelo Estado podem também ser vistas do ângulo do indivíduo na medida em que este é titular do direito universal à vida derivado da obriga ção igualmente universal de não matar Se se parte do pressuposto de que o direito à vida não é um direito absoluto assim como não é absoluto o preceito de não matar disso resulta que pode ser perdido uma outra A E R A D O S D I R E I T O S 80 questão é saber se eu posso renunciar a ele e se além do direito de viver deva admitirse também o dever de viver As circunstâncias nas quais se pode perder direito à vida são sobretudo duas quando tal direito entra em conflito com um direito fundamental considerado como superior e quando o titular do direito não reco nhece e viola o igual direito dos outros ou quando se choca com um outro direito ou com o direito do outro Olhandose bem vêse que estado de necessidade e legítima defesa podem ser considerados causas de justifi cação da pena de morte também do ponto de vista do direito não absoluto do indivíduo à vida na justifica ção com base no estado de necessidade o direito à vida do indivíduo entra em conflito com o direito à segurança do Estado na justificação com base na legítima defesa o indivíduo perde o direito à vida por ter posto em risco a vida de outros dos quais se torna vingador o poder público Todavia ambos os argumentos são débeis mencioneios porque apesar de sua fragilidade são freqüentemente utilizados ainda que hoje em dia mais por parte do common sense do que da doutrina Sua fragilidade deriva do fato de que o Estado não se encontra diante do dilema de infligir a pena de morte ou de deixar sem punição um ato criminoso A pena de morte ou o assassinato legalizado é uma das possíveis penas de que o Estado dispõe Não se pode pôr em discussão o problema da licitude ou oportunidade da pena de morte sem levar em conta o fato de que não se trata do único remédio para o delito e que existem penas alternativas Tanto o estado de necessidade quanto a legítima defesa operam como causas de justificação no pressuposto de que o indivíduo em certas circunstâncias precisamente nas circunstâncias em que não pode deixar de violar a lei a necessidade não tem lei sem que sua vida fique séria e gravemente ameaçada não tem alternativas O Estado como detentor do monopólio da força e como conjunto de aparelhos que se encarregam de várias manei ras do exercício da força não se encontra habitualmente em tais situações nas quais pode encontrarse o policial enquanto indivíduo o qual como qualquer outro cidadão pode beneficiarse da exceção da legítima defesa o Estado dispõe de penas alternativas e portanto não é obrigado a matar para infligir a pena Quando se levam em conta essas sanções alternativas entre as quais existem penas severas como a prisão perpétua e não se pode deixar de leválas em conta então a disputa sobre a pena de morte deve deslocar se para um outro terreno que e o da comparação entre essa pena e outras sanções possíveis Já não se trata de discutir em torno das causas de justificação da violação do preceito não matarás isoladamente considerado e portanto em sentido absoluto mas de travar a disputa na presença de determinadas alternativas funcionais à pena de morte e portanto em relação a elas em outras palavras o problema já não é apenas o da licitude ou da oportunidade da pena de morte como homicídio com justa causa mas da licitude ou oportunidade do homi cídio legal em concorrência e portanto em comparação com outras sanções O defensor da pena de morte não se pode limitar a aduzir argumentos em favor da derrogação do preceito de não matar como o estado de necessidade e a legítima defesa derrogações que podem valer tanto com relação à ação do indivíduo quanto no caso de guerra no qual o Estado não dispõe em face dos outros Estados de sanções eficazes como a da detenção ele deve aduzir ainda argumentos para justificar o homicídio legal não obstante a possibilidade que tem o Estado de recorrer a outros meios para punir o culpado e para prevenir o delito Quando Beccaria pronunciou a primeira clamorosa condenação da pena de morte um dos argumentos apresentados o que se destinava a ter maior sucesso foi que a prisão perpétua tinha uma forma intimidatória maior do que a morte e que portanto com relação a essa outra pena a pena de morte não era nem útil nem necessária 6 Uma vez que o problema da pena de morte deixa de ser tratado no quadro do debate sobre as eventuais derrogações do preceito não matarás sendo trazido ao contrário para o campo estritamente penalístico da natureza e das funções das várias sanções mediante as quais o Estado cumpre sua função punitiva é preventiva ou seja quando a pena de morte é considerada como sanção e como uma sanção entre outras e enquanto tal como meio para punir o culpado quia peccatur e para impedir que outros cometam no futuro crimes semelhantes ne peccetur então as teorias principais que se chocam e se combatem mediante golpes de boas razões são sobretudo duas a retributiva segundo a qual a função essencial da pena é intercambiar o malum actionis com o malum passionis e a preventiva segundo a qual a função essencial da pena consiste em desencorajar as ações que o ordenamento considera como nocivas sendo portanto intimidatória e dissuasória A distinção entre as duas teorias é nítida ainda que no concreto haja quem extraia argumentos tanto de uma quanto da outra para defender a própria tese Geralmente porém há uma predominância de defensores da pena de morte entre os que sustentam a tese da pena como retribuição enquanto os defensores da abolição NORBERTO BOBBIO 81 se encontram sobretudo entre os que sustentam a tese da pena como prevenção A distinção é nítida porque a diferença entre as duas teorias se baseia numa diversa formulação geral do problema Diante do problema da pena de morte como de resto diante de qualquer outra medida que o Estado deva tomar para cumprir suas tarefas podemse propor duas diferentes questões a se é eticamente lícita b se é politicamente oportuna As duas questões devem ser bem diferenciadas já que podem levar a respostas diversas uma medida eticamen te justa pode ser politicamente inoportuna e viceversa O contraste secular entre ética e política tem sua fonte principal nessa divergência Na realidade como já se observou várias vezes o contraste entre ética e política se resolve no contraste entre duas éticas às quais Max Weber deu os nomes de ética da intenção e ética da responsabilidade ou se se prefere entre dois diferentes critérios de julgamento da bondade ou da maldade das ações humanas ou segundo a conformidade com princípios universais que são pressupostos como mandamentos para a boa ação e como proibições da má ação ou a partir do resultado obtido o qual é habitualmente julgado segundo o princípio utilitarista da máxima felicidade para o maior número disso resul ta que o contraste entre as duas éticas e também representado como contraste entre a moral deontológica e a moral utilitarista Ora o problema que o retributivista se põe é o da licitude moral da pena de morte e ao fazer assim ele se coloca do ponto de vista da ética que julga as ações com base em princípios preestabelecidos Ao contrário o problema que o preventivista que me seja permitido esse neologismo se coloca é o problema da oportunidade política da pena de morte e ao fazer isso ele se situa no ponto de vista de uma ética que julga as ações com base no resultado Quis chamar a atenção para esse contraste na colocação geral do problema porque ele pode servir para explicar as razões pelas quais nos debates sobre a pena de morte o diálogo entre retributivistas e preventivistas aparece freqüentemente como um diálogo de surdos Perguntar se o culpado de um crime grave deva ser condenado à pena de morte porque esta é justa e por um problema de ética dos princípios ou de licitude moral perguntar se a pena de morte deva ser infligida porque é mais intimidatória do que qualquer outra pena é pôr um problema de ética do resultado ou de oportunidade política A melhor prova desse contraste sobre os pressupostos é um dos argumentos fundamentais utilizado por uns e por outros não para defender a própria tese mas para refutar a do adversário Kant defensor da pena de morte por ser retributivista recusa o argumento da intimidação como imoral já que esse argumento viola a máxima que proíbe tratar a pessoa como meio O utilitarista convencido de que a pena de morte é inútil porque menos dissuasória do que outas penas recusa o argumento da retribuição por considerálo efeito de um obtuso e desumano rigorismo moral Resumindo para os que põem o problema da pena de morte como problema de justiça tratase de demons trar que a pena de morte e justa com base nos princípios da justiça retributiva que é uma subespécie da justiça geral tal como a comutativa ou aritmética independentemente de qualquer referência a motivos de utilida de social fiat iustitia pereat mundus para os que se põem o problema da pena de morte de um ponto de vista exclusivamente utilitarista a pena de morte deve ser recusada porque não serve aos fins que devem ser própri os do Estado organismo não ético ou seja os de desencorajar o delito independentemente de qualquer razão de justiça abstrata Dito de outro modo e sinteticamente para os primeiros a pena de morte poderia também ser útil mas o que importa é que seja justa para os segundos poderia também ser justa mas o que importa é que seja útil já que para esses ela não é útil deve ser recusada como um mal não necessário ao passo que para aqueles na medida em que satisfaz uma exigência de justiça deve ser aprovada por ser eticamente boa independentemente do fato de ser ou não útil 7 A diversidade dos pressupostos filosóficos é certamente uma das razões do fato de que o debate jamais se tenha esgotado completamente mas permaneça sempre vivo intenso ferrenho com as partes contrapostas jamais se dando por vencidas Mas não é a única É preciso levar em conta que um debate de filosofia moral não pertence ao campo da lógica demonstrativa mas ao da lógica argumentativa ou da retórica para usar a expressão de Perelman e que por conseguinte os argumentos pró e contra jamais são dirimentes e como tal definitivos E com efeito não há argumento adotado por uma das partes que não seja contraditado pela outra não há uma boa razão em defesa de uma das teses que não seja contraditada por uma boa razão em defesa da tese oposta Observemos a teoria retributiva cuja força consiste no apelo ao princípio da justiça retributiva ou comutativa A E R A D O S D I R E I T O S 82 segundo a qual uma das regras sobre as quais se apóia qualquer convivência humana possível é a correspon dência entre o dar ou o fazer e o receber uma aplicação do principio geral da reciprocidade tem seu ponto fraco na afirmação de que a única correspondência possível ao ato de infligir a morte é receber a morte Quando Kant afirma que quem mata deve morrer e tratase de um dever não hipotético mas categórico comenta Não há nenhum sucedâneo nenhuma comutação de pena que possa satisfazer a justiça Não há nenhuma comparação possível entre uma vida ainda que penosa e a morte e por conseguinte nenhuma outra compensação entre o delito e a punição salvo a morte Ele dá por suposto então que a morte é o pior dos males Mas se não fosse Decerto quando Kant diz que não há comparação possível entre uma vida ainda que penosa e a morte pretende refutar a tese de Beccaria e de todos os que o seguiram Mas essa é uma afirmação peremptória desprovida de qualquer comprovação A esse ponto a teoria retributiva é obrigada a descer do céu dos princípios para a terra dos dados empíricos assumindo o caminho perigoso e incerto do chamado argumento da preferência já adotado por Feuerbach e continuamente retomado posto diante da escolha entre a morte e a prisão perpetua o que o condenado escolheria É indubitável que esse argumento é um caminho obrigatório para o retributivista cuja teoria resiste ou cai conforme consiga ou não demonstrar qual é a pena justa para cada crime e para o crime mais grave que é o homicídio a pena justa deve ser a pena mais grave mas é igualmente indubitável que o argumento da preferência foi várias vezes e em minha opinião com sucesso refutado seja porque um argu mento como esse só pode ser apoiado num imenso número de respostas dos mais diferentes sujeitos o que não é fácil de conseguir nem jamais foi seriamente tentado seja porque os dois lados do dilema ou a morte imedi ata ou a morte adiada após uma detenção provavelmente longa não são emotivamente comparáveis já que o primeiro é certo e exclui qualquer esperança enquanto o segundo deixa lugar à esperança ou à ilusão de que a situação possa alterarse no longo prazo O fato de que o condenado declare preferir a detenção prolongada não é tanto uma prova do caráter mais aterrador da pena de morte mas antes a expressão do estado de espírito do sujeito do qual não se pode extrair nenhuma conclusão acerca da dúvida proposta O ponto fraco da teoria preventivista hoje dominante entre os abolicionistas já que a licitude da pena de morte foi tradicionalmente defendida pelos retributivistas consiste em jogar o jogo apostando tudo numa única carta a da intimidação O seu argumento principal é que a pena de morte não tem a força intimidatória que lhe é atribuída arbitrariamente e que portanto de um ponto de vista utilitarista desaparece sua única razão de ser A debilidade desse argumento reside no fato de que até agora não foi obtida nenhuma compro vação segura da força dissuasória das diversas penas em particular da pena de morte em relação à da prisão prolongada apesar das pesquisas de opinião e investigações empíricas realizadas nos países onde a pena de morte foi abolida ou restaurada entre o antes e o depois Também nesse campo as ciências sociais perma neceram firmemente situadas na universalidade do mais ou menos Bem entendido a culpa não é dos cien tistas sociais mas da quase infinita variedade dos entes os seres humanos que constituem o objeto de suas observações da mutabilidade das condições em que os indivíduos agem pelo que é diácil que a própria obser vação possa ser repetida ceteris paribus bem como das muitas variáveis que têm de ser levadas em consideração entre as quais no caso específico são importantíssimas a extraordinária variedade dos delitos e de suas motiva ções e a maior ou menor certeza de ser descoberto e condenado Tratase de resto do problema já posto por Beccaria é mais dissuasória a gravidade da pena ou a certeza de sua aplicação Somente se a certeza permane cer estável nos dois momentos do antes e do depois é que a comparação se torna possível O problema foi repetidamente colocado quando do debate sobre o terrorismo e sobre o seqüestro de pessoas na Itália o que contribui mais para a derrota do terrorismo e para a diminuição dos seqüestros o agravamento das penas ou uma ação mais eficaz na luta contra a delinqüência Poderosas associações criminosas como a máfia obtêm um extraordinário efeito de obediência às suas leis com a ameaça da pena de morte a única pena que conhe cem porque a probabilidade de escapar dela para os que transgridem tais leis é mínima É tão grande a dúvida sobre a força de intimidação da pena de morte em relação à pena de prisão prolon gada que alguns abolicionistas foram obrigados a recuar para o chamado argumento da aposta no sentido do pari pascaliano na dúvida tanto a manutenção quanto a abolição se baseiam numa aposta no sentido de que os defensores apostam em sua eficácia enquanto os adversários o fazem em sua ineficácia Mas há uma diferença entre a aposta de uns e de outros apostar na eficácia conduz a um resultado do qual não se pode mais recuar se a dúvida for resolvida em sentido contrario enquanto apostas na ineficácia poupando uma vida NORBERTO BOBBIO 83 permitem a mudança de rumo quando a descoberta da verdade mostrar o erro da posição assumida O argu mento da aposta é sempre um argumento interlocutório que vale enquanto permanecer a incerteza sobre a questão o que e mais dissuasório a pena de morte ou a prisão perpetua Enquanto a plausibilidade da aposta pascaliana deriva do fato de que a dúvida sobre a existência do inferno e do paraíso é insolúvel é uma dúvida radical a aposta dos abolicionistas se justifica com base numa dúvida que pode vir a ser resolvida e que uma vez resolvida em certo sentido assinalaria sua irremediável derrota Tudo isso leva a concluir que os que querem implantar a tese da abolição sobre uma sólida base não podem se limitar a recorrer ao argumento da intimidação já que se se conseguisse demonstrar de modo irrefutável e nada exclui essa possibilidade que a pena de morte tem um poder de intimidação maior do que o de outras penas pelo menos em determinadas situações e para certos crimes eles deveriam reconhecer ter perdido a sua batalha 8 A verdade é que uma tese especialmente no campo moral e político jamais é defendida com único argumento Basta pensar no que ocorre numa sessão de um tribunal ao lado do argumento principal há o argumento incidental O gênero literário no qual se inspiram ou do qual se aproximam cada vez mais os escritos de filosofia moral é do diálogo com coadjuvante expõemse as teses do adversário a cada tese se faz corresponder uma objeção prevêemse as contraobjeções às quais se responde com novas objeções e assim por diante É o caso na controvérsia sobre a pena de morte Um relatório redigido com base em dois questionários enviados pelas Nações Unidas nos anos 60 aos governos a organismos não governamentais a personagens representativos arrola quinze motivos adotados pelos Estados abolicionistas o primeiro dos quais consiste precisamente em afirmar que o valor da pena de morte como dissuasória não está provado ou é discutível depois ratificado pela consideração de que a de tenção é suficiente finalmente reforçado pela observação de que em alguns casos a própria pena de morte é criminógena Não é o caso de expor aqui todos os motivos tanto mais que alguns deles têm um caráter limitado ao país que os enunciou Mas não existe nem um contra o qual os antiabolicionistas não tenham contraposto ou não possam facilmente contrapor um motivo contrá rio Dessas contraposições limitome a tomar em consideração as duas que me parecem historicamente e ainda hoje mais importantes a primeira das quais se situa no terreno filosófico enquanto a segunda se põe num terreno mais estritamente jurídico As duas concepções mais gerais da pena sobre as quais me detive são a retributiva e a utilitarista Ambas consideram a pena do ponto de vista das tarefas e dos interesses do Estado Mas o problema da pena pode também ser considerado do ponto de vista do indivíduo que deverá sofrêla Desse ponto de vista as concep ções mais comuns são as da expiação e da emenda Segundo a primeira o fim da pena em relação não ao que fez justiça mas ao que é julgado é contribuir através do sofrimento para o resgate do mal realizado segundo a outra é ajudar o condenado a se corrigir e através da correção a restabelecerse Ora dessas duas concepções a primeira é perfeitamente compatível com a pena de morte já que se pode afirmar que o mais grave dos delitos o assassinato de um semelhante só pode ser expiado com a morte entendida a morte como purificação da culpa como cancelamento da mácula o sangue se lava com sangue ou como diz o poeta se cometi delito a expiálo venho diante de teus olhos com o meu sangue a segunda ao contrário é absolu tamente incompatível pela óbvia razão de que condição necessária para se emendar é sobreviver A corres pondência entre essas duas concepções da pena a parte subiecti por um lado e as duas a parte rei publicae por outro é evidente O argumento fundado sobre a função expiatória pode ser usado para reforçar a tese dos defensores da pena êle morte enquanto o argumento fundado na função emendadora pode ser usado para confirmar a tese dos abolicionistas Mas ambos são reciprocamente irrefutáveis já que se baseiam em pressu postos axiológicos que quando não são fundados apenas emotivamente enraízamse em complexos sistemas de crenças dificilmente comparáveis entre si No terreno jurídico o argumento mais forte dos aboli cionistas é aquele que diz que a execução da pena de morte torna irremediável o erro judiciário Não há tratado sobre a pena de morte que não cite casos exempla res da prova de inocência do suposto culpado descoberta após a morte no patíbulo nem jamais pareceu argumento aceitável o que diz que o custo social da morte de um Inocente é inferior ao beneficio que a sociedade retira da eliminação àsica de tantos terríveis criminosos aliás tratase de um argumento diante do qual a consciência humana de modo geral recua horrorizada Mesmo prescindindo da relativamente fácil A E R A D O S D I R E I T O S 84 resposta dos antiabolicio nistas segundo a qual a pena de morte deve ser infligida com as maiores cautelas e somente quando se tenha a certeza total do delito com base na sábia máxima de que é rnelhor que se salve um criminoso do que deixar morrer um inocente já que se a pena de morte é eficaz como intimidação não importa que seja pouco aplicada mas sim que exista um argumento contra a abolição não menos forte do que o do erro judiciário e oposto a ele pode ser extraído dos casos dos quais os antiabolicionistas dão numerosos exemplos de assassinos contumazes isto é de perigosos criminosos que uma vez de volta à liberdade por cessação da pena anistia ou evasão cometeram outros homicídios Não há dúvida de que o caso docontumaz levanta uma inquietante questão Se tivesse sido condenado à morte não se teria poupado a vida de um inocente Se é aceitável a máxima de que é melhor que se salve um criminoso do que deixar morrer um inocente o que dizer desta outra Não importa que um inocente morra contanto que um crimi noso se salve A questão é embaraçosa mesmo quando a vítima do contumaz não é juridicamente um ino cente como ocorre nos casos de vingança por um agravo real sofrido e portanto a vítima é juridicamente condenável Não há quem não veja quanto essa questão pode efetivamente se colocar diante da dramática freqüência com que em nossas prisões criminosos comuns ou terroristas os quais onde vigora a pena de morte teriam sido provavelmente justiçados continuam a matar Para çoncluir ao lado desse vaivém de argumentos pró e contra a disputa sobre a pena de morte conhece também argumentos reversíveis ou de dois gumes argumentos que prestam a ser utilizados por uma e por outra parte Um desses bastante curioso referese à dureza da pena de morte para os abolicionistas a pena capital deve ser abolida por razões humanitárias precisamente pela sua dureza ao contrario um filósofo como John Stuart Mill que não pode certamente ser acusado de conservador pronunciou no Parlamento inglês um discurso favorável à manutenção da pena capital nos casos mais graves afirmando que a abolição estaria destinada a produzir an enervation an effeminacy in the general mind of the country ou seja a desencorajar o desprezo pela morte com o qual uma sociedade deve contar como uma virtude social necessária Mas o exemplo mais interessante de reversibilidade referese ao diferente uso do mesmo preceito não matarás Os defensores da pena de morte recorrem freqüentemente ao argumento de que a condenação capital do homici da é um solene atestado o mais solene que se possa dar do mandamento de 11 não matarás no sentido de que a vida do outro deve ser respeitada se se quer que a própria o seja para o abolicionista ao contrário uma violação inaceitável da proibição de matar é precisamente a pena capital Esse conceito não pode ser me lhor expresso do que com as palavras que no início do seu romance quase como que para apresentar seu persona gem Dos toievski põe na boca do príncipe Mishkin Matar quem matou é um castigo incomparavelmente maior do que o próprio crime O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assassinato criminoso Por um lado a proibição de matar é adotada para justificar a pena de morte por outro para condenála 9 O debate sobre a pena de morte do qual procurei fornecer uma breve síntese destinase a prosseguir Não se deve crer que a vitória definitiva digo definitiva de quem se opõe a ela esteja próxima Uma das poucas lições certas e constantes que podemos retirar da história é que a violência chama a vio lência não só de fato mas também o que é ainda mais grave com todo o seu séquito de justificações éticas jurídicas sociológicas que a precedem ou a acompanham Não há violência ainda que a mais terrível que não tenha sido justificada como resposta como única resposta possível à violência alheia a violência do rebelde como resposta à violência do Estado a do Estado como resposta à do rebelde numa cadeia sem fim como é sem fim a cadeia das vinganças familiares e privadas No decurso desta comunicação referime essencialmente a violência do delinqüente comum Mas não se deve esquecer que no teatro da história o Papel maior é ocupado pela vio lência política ao qual pertence aquele fenômeno de violência coletiva a guerra diante da qual falar de abolicionismo 11 como legitima mente se pode fazer a propósito da pena de morte pode parecer uma imperdoável ingenuidade Não se pode prescindir da violência política porque dela retiram alimento e continuam a renascer a exigência da pena de morte e o exer cício de fato da violência homicida também pelo Estado ainda que geralmente sob todas aquelas formas extrajudiciais a que me referi no início Somente durante o crescimento do Estado liberal e de direito no século passado é que se manifestou a tendência a considerar a motivação política do ato violento contra as instituições de um Estado particularmente de um Estado despótico e enquanto tal nem liberal nem NORBERTO BOBBIO 85 de direito com indulgência ao contrário durante séculos o delito político sob a espécie de delito de lesa majestade foi julgado com a maior severidade Hoje diante da explosão do terrorismo político vaise manifestando uma tendência contrária também nos Estados liberais de direito cuja expressão mais evidente é a emanação de leis excepcionais Não há por que ter excessivas ilusões Mas tampouco se deve negligenciar o caminho Já percorrido um enorme caminho do qual nem sempre estamos plenamente conscientes Desde as origens das sociedades humanas até um tempo tão próximo de nós que podemos chamálo de ontem a marca do poder foi o direito de vida ou de morte Elias Canetti nas páginas em que expõe suas agudíssimas reflexões sobre a sobrevivência como manifestação de potência minha sobrevivência depende da tua morte mors tua vita mea comenta Ninguém pode aproximarse do poderoso quem lhe leva uma mensagem é revistado para que não porte armas A morte é sistematicamente mantida longe do poderoso ele pode e deve infligila Pode infligila tão freqüentemente quanto o quiser A condenação capital que ele pronuncia é sempre executada É a marca do seu poder o qual só permanece absoluto enquanto seu direito de infligir a morte continua incontestado É na última página A morte como ameaça é a moeda do poder Os exemplos que Canetti oferece em abundân cia da extensão e da freqüência do exercício desse poder nas mais diversas regiões e em todos os tempos são aterrorizantes Sobre um rei africano Deviase obedecer incondicionalmente a todas as suas ordens Qual quer inobservância era punida com a morte A ordem manifestase assim em sua forma mais pura e antiga como a sentença de morte do leão contra todos os animais mais fracos que estão incessantemente sob sua ameaça Da constatação de que violência chama violência numa cadeia sem fim retiro o argumento mais forte contra a pena de morte talvez o único pelo qual valha a pena lutar a salvação da humanidade hoje mais do que nunca depende da interrupção dessa cadeia Se ela não se romper poderia não estar longe o dia de uma catástrofe sem precedentes alguém fala não sem fundamento de uma catástrofe final E então é preciso começar A abolição da pena de morte é apenas um pequeno começo Mas é grande o abalo que ela produz na prática e na própria concepção do poder de Estado figurado tradicionalmente como o poder irresistível A E R A D O S D I R E I T O S 86 AS RAZÕES DA TOLERÂNCIA 1 Inicio com uma consideração sobre o próprio conceito de tolerância e sobre o diferente uso que dele se pode fazer em diferentes contextos Essa premissa é necessária porque a tolerância cujas razões pretendo analisar corresponde a apenas um dos seus significados ainda que seja o historicamente predominante Quan do se fala de tolerância nesse seu significado histórico predominante o que se tem em mente é o problema da convivência de crenças primeiro religiosas depois também políticas diversas Hoje o conceito de tolerância é generalizado para o problema da convivência das minorias étnicas lingüísticas raciais para os que são chamados geralmente de diferentes como por exemplo os homossexuais os loucos ou os deficientes Os problemas a que se referem esses dois modos de entender de praticar e de justificar a tolerância não são os mesmos Uma coisa é o problema da tolerância de crenças e opiniões diversas que implica um discurso sobre a verdade e a compatibilidade teórica ou prática de verdades até mesmo contrapostas outra é o problema da tolerância em face de quem é diverso por motivos fisicos ou sociais um problema que põe em primeiro plano o tema do preconceito e da conseqüente discriminação As razões que se podem aduzir e que foram efetiva mente aduzidas nos séculos em que fervia o debate religioso em defesa da tolerância no primeiro sentido não sãoas mesmas que se aduzem para defender a tolerância no segundo Do mesmo modo são diferentes as razões das duas formas de intolerância A primeira deriva da convicção de pos suir a verdade a segunda deriva de um preconceito entendido como uma opinião ou conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico pas sivo pela tradição pelo costume ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão De certo também a convicção de possuir a verdade pode ser falsa e assumir a forma de um preconceito Mas é um preconceito que se combate de modo inteiramente diverso não se podem pôr no mesmo plano os argumentos utilizados para convencer o fiel de uma Igreja ou o seguidor de um partido a admitir a presença de outras confissões e de outros partidos por um lado e por outro os argumentos que se devem aduzir para convencer um branco a conviver pacificamente com um negro um turinês com um sulista a não discriminar social e legalmente um homossexual etc A questão fundamental que foi posta sempre pelos defensores da tolerância religiosa ou política é deste teor como são compatíveis teórica e praticamente duas verdades opostas A questão que deve pôr a si mesmo o defensor da tolerância em face dos diferentes é outra como é possível demonstrar que o malestar diante de uma minoria ou diante do irregular do anormal mais precisamente do diferente deriva de preconceitos inveterados de formas irracionais puramente emotivas de julgar os ho mens e os eventos A melhor prova dessa diferença está no fato de que no segundo caso a expressão habitual com que se designa o que deve ser combatido mesmo nos documentos oficiais internacionais não é a intole rância mas a discriminação seja esta racial sexual étnica etc O motivo pelo qual me ocupo das razões da tolerância no primeiro sentido é que o problema histórico da tolerância tal como foi posto na Europa durante o período das guerras de religião e sucessivamente pelos movimentos de heréticos e depois pelos filósofos como Locke e Voltaire o problema tra tado nas histórias da tolerância como a mais famosa a de Joseph Lecler em dois volumes 1954 é o problema relativo exclusiva mente à possibilidade de convivência de confissões religiosas diversas problema nascido na epoca em que ocorre a ruptura do universo religioso cristão 2 Da acusação que o tolerante faz ao intolerante isto é de ser um fanático o intolerante se defende acusandoo de por sua vez ser um cético ou pelo menos um indiferente alguém que não tem convicções fortes e que considera não existir nenhuma verdade pela qual valha a pena lutar É bem conhecida a contro vérsia que se acendeu no principio do século entre Luigi Luzzatti autor de um livro em que exaltava a tolerân cia La libertà di coscienza e di scienza 1909 como princípio inspirador do Estado liberal Por um lado e por outro Benedetto Croce o qual depois de ter afirmado que a tolerância é fórmula prática e contingente e não principio universal não podendo ser empregada como critério para julgar a história a qual no caso tem critérios que lhe são intrínsecos replicou que entre os tolerantes nem sempre estiveram os espíritos mais nobres e heróicos Com freqüência estiveram entre eles os retóricos e os indiferentes Os espíritos vigorosos NORBERTO BOBBIO 87 matavam e morriam E concluía Assim é a história e ninguém pode mudála A acusação de Croce é muito precisa os tolerantes podem ser além de retóricos mas aqui a expressão é genérica e prova velmente dirigida contra o seu adversário do momento também indiferentes A quem lhe fez notar que dizendo isso demonstrava ser intolerante Croce respondeu seraficamente que ele era tão pouco intolerante que no âmbito da história era tolerante até mesmo com os intolerantes Em suma para o intolerante ou para quem se coloca acima da antítese tolerânciaintolerância julgandoa historicamente e não de modo práticopolítico o tolerante seria freqüentemente tolerante não por boas ra zões mas por más razões Não seria tolerante porque estivesse seriamente empenhado em defender o direito de cada um a professar a própria verdade no caso em que tenha uma mias porque não dá a menor importância à verdade Mas ao lado das más razões existem também boas razões Expondoas gostaria de evitar a tentação de inverter a acusação e afirmar que não se pode ser intolerante sem ser fanáticoConsidero que a antítese indíferençafanatísmo não remete exatamente à antítese tolerânciaintolerância que é essencialmente práti ca 3 Começo pela razão mais vil meramente prática ou de prudência política e que não obstante foi a que terminou por fazer admitir no terreno da prática política o respeito pelas diversas crenças religiosas inclusive por parte dos que em principio deveriam ser intolerantes porque convencidos de possuir a verdade e por considerarem errados todos os que pensam diferentemente a tolerância como mal menor ou como mal necessário Entendida desse modo a tolerância não implica a renúncia à própria convicção firme mas implica pura e simplesmente a opinião a ser eventualmente revista em cada oportunidade concreta de acordo com as circunstâncias e as situações de que a verdade tem tudo a ganhar quando suporta o erro alheio já que a perseguição como a experiência histórica o demonstrou com freqüência em vez de esmagálo reforçao A intolerância não obtém os resultados a que se propõe Mesmo nesse nível elementar captase a diferença entre o tolerante e o cético o cético é aquele para quem não importa que a fé triunfe o tolerante por razões práticas dá muita importância ao triunfo de uma verdade a sua mas considera que através da tolerância o seu fim que é combater o erro ou impedir que ele cause danos é melhor alcançado do que mediante a intolerância Essa razão na medida em que é essencial prática assume diversos aspectos conforme a diferente natureza das correlações de forças entre mim ou minha doutrina ou minha escola detentora da verdade e os outros imersos no erro Se sou o mais forte aceitar o erro alheio pode ser um ato de astúcia a perseguição causa escândalo o escândalo faz crescer a mancha a qual ao contrário deve ser mantida o mais possível oculta O erro poderia propagarse mais na perseguição do que numa benévola indulgente e permissiva tolerância per missiva mas sempre atenta Se sou o mais fraco suportar o erro alheio é um estado de necessidade se me rebelasse seria esmagado e perderia qualquer esperança de que minha pequena semente pudesse germinar no futuro Se somos iguais entra em jogo o princípio da reciprocidade sobre o qual se fundam todas as transações todos os compromissos todos os acordos que estão na base de qualquer convivência pacífica toda convivên cia se baseia ou sobre o compromisso ou sobre a imposição a tolerância nesse caso é o efeito de uma troca de um modus vivendi de um do ut Ães sob a égide do se tu me toleras eu te tolero É bastante evidente que se me atribuo o direito de perseguir os outros atribuo a eles o direito de me perseguirem Hoje é você amanhã sou eu Em todos esses casos a tolerância é evidentemente conscientemente utilitaristicamente o resultado de um cálculo e como tal nada tem a ver com o problema da verdade 4 Subindo um pouco mais na escala das boas razões passamos da razão da mera prudência política para a escolha de um autêntico método universal ou que deveria valer universalmente de convivência civil a tolerância pode significar a escolha do método da persuasão em vez do método da força ou da coerção Por trás da tolerância entendida desse modo não há mais apenas o ato de suportar passiva e resignadamente o erro mas já há uma atitude ativa de confiança na razão ou na razoabilidade do outro uma concepção do homem como capaz de seguir não só os próprios interesses mas também de considerar seu próprio interesse à luz do interesse dos outros bem como a recusa consciente da violência como único meio para obter o triunfo das próprias idéias Enquanto a tolerância como mero ato de suportar o mal e o erro é doutrina teológica a tolerância como A E R A D O S D I R E I T O S 88 algo que implica o método da persuasão foi um dos grandes temas dos sábios mais iluminados que contribuí ram para fazer triunfar na Europa o princípio de tolerância ao término das sangrentas guerras de religião Na ilha da Utopia praticase a tolerância religiosa e Utopo explica as suas razões do seguinte modo Seria temerário e tolo Insolens et ineptum pretender através de violências e ameaças que aquilo que tu crês verdadeiro apareça como tal para todos Além do mais sobretudo se só uma religião fosse verdadeira e todas as outras falsas Utopo prevê que no futuro contanto que se proceda de modo racional1 e moderado a verda de virá finalmente à luz impondose por seus próprios méritos Se ao contrário as contendas se dessem entre armas e brigas dado que precisamente os piores são os mais obstinados a melhor e mais santa das religiões estaria destinada a ser esmagada na luta em meio às mais vãs superstições como trigo em meio ao joio O maior teórico da tolerância John Locke escreveu Seria de desejar que um dia se permitisse a verdade defenderse por si só Muito pouca ajuda lhe conferiu o poder dos grandes que nem sempre a conhecem e nem sempre lhe são favoráveis A verdade não precisa da violência para ser ouvida pelo espirito dos homens e não se pode ensinála pela boca da lei São os erros que reinam graças à ajuda externa tomada emprestada de outros meios Mas a verdade se não é captada pelo intelecto com sua luz não poderá triunfar com a força externa Quis citar extensamente essas duas passagens embora se jam bastante conhecidas porque a idéia nelas expressa generalizada da esfera religiosa à esfera política representa um dos motivos inspirados do governo democrático e um dos traços diferenciadores do regime democrático em relação a qualquer forma de despotis mo Uma das definições possíveis de democracia e a que poe em particular evidência a substituição das técni cas da força pelas técnicas da persuasão como meio de resolver conflitos Não é aqui o local para nos estender mos sobre as características do discurso persuasivo ou sobre a nouvelle rhéthorique Mas sabese bem quan to a escola da nova retórica contribuiu para ilustrar a relação entre argumentação retórica no discurso e método democrático na prática 5 Podemos agora dar outro passo à frente Para além das razões de método podese aduzir em favor da tolerância uma razão moral o respeito à pessoa alheia Também nesse caso a tolerância não se baseia na renúncia à Própria verdade ou na indiferença frente a qualquer forma de verdade Creio firmemente em minha verdade mas penso que devo obedecer a um princípio moral absoluto o respeito à pessoa alheia Aparentemente tratase de um caso de conflito entre razão teórica e razão prática entre aquilo em que devo crer e aquilo que devo fazer Na realidade tratase de um conflito entre dois princípios morais a moral da coerência que me induzi a pôr minha verdade acima de tudo e a moral do respeito ou da benevolência em face do outro Assim como o método da persuasão é estreitamente ligado à forma de governo democrático também o reconhecimento do direito de todo homem a crer de acordo com sua consciência é estreitamente ligado à afirmação dos direitos de liberdade antes de mais nada ao direito à liberdade religiosa e depois à liberdade de opinião aos chamados direitos naturais ou invioláveis que servem como fundamento ao Estado liberal De resto ainda que nem sempre historicamente pelo menos na teoria o Estado liberal e o Estado democrático são interdependentes já que o segundo é o prolongamento necessário do primeiro nos casos em que lograram se impor eles ou se mantêm juntos ou caem juntos Se o outro deve chegar à verdade deve fazêlo por convicção íntima e não por imposição Desse ponto de vista a tolerância não e apenas um mal menor não é apenas a adoção de um método de convivência preferí vel a outro mas é a única resposta possível à imperiosa afirmação de que a liberdade in terior é um bem demasiadamente elevado para que não seja reconhecido ou melhor exigido A tolerância aqui não é de sejada porque socialmente útil ou politicamente eficaz mas sim por ser um dever ético Também nesse caso o tolerante não é cético porque crê em sua verdade Tampouco é indiferente porque inspira sua própria ação num dever absoluto como é o caso do dever de respeitar a liberdade do outro 6 Ao lado dessas três doutrinas que consideram a tole rância do ponto de vista da razão prática há outras que a consideram do ponto de vista teórico ou do ponto de vista da própria natureza da verdade São as NORBERTO BOBBIO 89 doutrinas segundo as quais a verdade só pode ser alcançada através do confronto ou mesmo da síntese de verdades parciais Segundo tais doutrinas a verdade não é una A verdade tem muitas faces Vivemos não num universo mas num multiverso Num multiverso a tolerância não e apenas um método de convivência não é apenas um dever moral mas uma necessidade inerente à própria natureza da verdade São pelo menos três as posições filosóficas representativas dessa exigência o sincretismo de que foi expres são na época das grandes controvérsias teológicas o humanismo cristão e hoje numa época de grandes conflitos ideológicos as várias tentativas de conjugar cristianismo e marxismo o ecletismo ou filosofia do justo meio que teve o seu breve momento de celebridade como filosofia da restauração e portanto também numa perspectiva irênica após período de choque violento entre revolução e reação revivendo hoje nas várias propostas de terceira via entre liberalismo e socialismo entre mundo ocidental e mundo oriental entre capitalismo e coletivismo e o historicismo relativista segundo o qual para retomar a famosa afirmação de Max Weber numa era de politeísmo de valores o único templo aberto deveria ser o Panteão um templo no qual cada um pode adorar seu próprio deus 7 As boas razões da tolerância não nos devem fazer esquecer que também a intolerância pode ter suas boas razões Todos nós já nos vimos cotidianamente explodir em exclamações do tipo é intolerável que como podemos tolerar que tudo bem quanto à tolerância mas ela tem limites etc Nesse ponto cabe esclarecer que o próprio termo tolerância tem dois significados um positivo e outro negativo e que portanto também tem dois significados respectivamente negativo e positivo o termo oposto Em sentido positivo tolerância se opõe a intolerância em sentido negativo e vice versa ao sentido negativo de tolerância se contrapõe o sentido positivo de intolerância Intolerância em sentido positivo é sinônimo de severidade rigor firmeza qualidades todas que se incluem no âmbito das virtudes tolerância em sentido ne gativo ao contrário é sinônimo de indulgência culposa de condescendência com o mal com o erro por falta de princípios por amor da vida tranqüila ou por cegueira diante dos valores É evidente que quando fazemos o elogio da tolerância reconhecendo nela um dos princípios fundamentais da vida livre e pacífica pretende mos falar da tolerância em sentido positivo Mas não devemos jamais esquecer que os defensores da intolerân cia se valem do sentido negativo para denegrila se Deus não existe então tudo é permitido De resto foi precisamente essa a razão pela qual Locke não admitia que se tolerassem os ateus os quais segundo uma doutrina comum naquela época não tinham nenhuma razão para cumprir uma promessa ou observar um juramento e portanto seriam sempre cidadãos em que não se podia confiar Textualmente Para um ateu nem a palavra dada nem os pactos nem os juramentos que são os liames da sociedade humana podem ser estáveis ou sagrados eliminado Deus ainda que só no pensamento todas essas coisas caem por terra Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância re ligiosa política racial ou seja à indevida exclu são do diferente Tolerância em sentido negativo se opõe a firmeza nos princípios ou seja à justa ou devida exclusão de tudo o que pode causar dano ao indivíduo ou à sociedade Se as sociedades despóticas de todos os tempos e de nosso tempo sofrem de falta de tolerância em sentido positivo as nossas sociedades democráticas e permissivas sofrem de excesso de tolerância em sentido negativo de tolerância no sentido de deixar as coisas como estão de não interferir de não se escandalizar nem se indignar com mais nada Nestes dias recebi um questionário onde se pede apoio à exigência do direito à pornografia Mas nem mesmo a tolerância positiva é absoluta A tolerância absoluta e uma pura abstração A tolerância histórica real concreta é sempre relativa Com isso não quero dizer que a diferença entre tolerância e into lerância esteja destinada a desaparecer Mas é um fato que entre conceitos extremos um dos quais é o contrá rio do outro existe um contínuo uma zona cinzenta o nem isto nem aquilo cuja maior ou menor amplitu de é variável e é sobre essa variável que se pode avaliar qual sociedade é mais ou menos tolerante mais ou menos intolerante 8 Não é fácil estabelecer os limites desse contínuo para além dos quais uma sociedade tolerante se transfor ma numa sociedade intolerante Excluo a solução proposta por Marcuse em seu conhecido ensaio sobre a tolerância repressiva que con sidera repressiva a tolerância tal como exercida nos Estados Unidos onde as idéias da esquerda radical não são admitidas enquanto são admitidas e favorecidas as da direita reacionária A expressão tolerância repressiva é uma autêntica contradição em termos A tolerância positiva consiste na A E R A D O S D I R E I T O S 90 remoção de formas tradicionais de repressão a tolerância negativa chega mesmo à exaltação de uma sociedade antirepressiva maximamente permissiva Marcuse pode permitirse essa expressão contraditória porque dis tingue as idéias em boas as progressistas e más as reacionárias afirmando que boa tolerância é a que tolera apenas as idéias boas Assim em vez de distinguir entre tolerância e intolerância distingue a tolerância em face de certas idéias da tolerância em face de outras chamando urna de boa e outra de má Partindo dessa distinção afirma que uma sociedade tolerante na qual a tolerância readquira o sentido originário de uma prática liberadora e não repressiva como ocorre na sociedade burguesa quando de seu surgimento de veria inverter completamente a rota tolerar apenas as idéias progressistas e rechaçar as reacionárias A negação da tolerância em face de movimentos reacionários antes que possam tornarse ativos a intolerância até em face do pensamento das opiniões das palavras e finalmente a intolerância na direção oposta ou seja em face dos conservadores que se pro clamam tais em face da direita política Essas idéias podem ser antidernocráticas mas correspondem ao desenvolvimento atual da sociedade democrática que destruiu as bases para a tolerância universal Uma posição desse tipo é inaceitável Quem distingue entre as boas e as más idéias A tolerância só é tal se forem toleradas também as más idéias Contrapor uma tolerância repressiva que é recusada a uma tolerância emancipadora que é exaltada quer dizer passar de uma forma de intolerância para outra 9 Não é que a tolerância seja ou deva ser ilimitada Nenhuma forma de tolerância é tão ampla que compre enda todas as idéias possíveis A tolerância e sempre tolerância em face de alguma coisa e exclusão de outra coisa O que não convence na teoria marcusiaria é o critério de exclusão já que se trata sob certo aspecto de um critério excessivamente vago e sob outro excessivamente restritivo Vago porque a avaliação do que é progressista e do que é reacionário é relativa a si tuações históricas mutáveis restritivo porque se a tolerância é dirigida somente para o reconhecimento de certas doutrinas e não de outras sua função é completamente desnaturada O núcleo da idéia de tolerância é o reconhecimento do igual direito a conviver que é reconhe cido a doutrinas opostas bem como o reconhecimento por parte de quem se considera de positário da verda de do direito ao erro pelo menos do direito ao erro de boafé A exigência da tolerância nasce no momento em que se toma consciência da irredutibilidade das opiniões e da necessidade de encontrar um modus vívendi uma regra puramente formal uma regra do jogo que permita que todas as opinioes se expressem Ou a tolerância ou a perseguição tertium non datur Se a tolerância que Marcuse condena e chama de repressiva é persecutória não se vê por que não seja persecutória pelas mesmas razões a tolerância que ele aprova Seria o mesmo que dizer que a tolerância nascida num certo contexto histórico deveria ser agora considerada como uma idéia que já cumpriu seu destino e que numa situação de conflito antagônico entre concepções do mundo opostas irredutíveis incompatíveis ela perdeu toda a razão de ser 10 Uma coisa é afirmar que a tolerância jamais é ilimi tada somente a tolerância negativa é ilimitada mas por isso mesmo termina por desacreditar a própria idéia de tolerância outra é considerar que se ela deve ter limites os critérios para fixálos não devem ser os propostos por Marcuse O único critério razoável é o que deriva da idéia mesma de tolerância e pode ser formulado assim a tolerância deve ser estendida a todos salvo àqueles que negam o princípio de tolerância ou mais brevemente todos devem ser tolerados salvo os intolerantes Essa era a razão pela qual Locke considerava que o princípio da tolerância não deveria ser estendido aos católicos sendo também a que justifica hoje na esfera dapolítica a negação do direito de cidadania aos comunistas e aos fascistas Tratase de resto do mesmo princípio pelo qual se afirma que a regra da maioria não vale para as minorias opressoras ou seja para aqueles que se se tornassem maioria suprimiriam o principio da maioria Naturalmente também esse critério de distinção que abstratamente parece claríssimo não é de fácil realização na prática como parece à primeira vista e não pode ser aceito sem reservas A razão pela qual não é tão claro como parece quando enunciado reside no fato de que há várias gradações de intolerância e são vários os âmbitos onde a intolerância pode manifestarse Não pode ser aceito sem reservas por uma razão de modo algum negligenciável quem crê na bondade da to lerância o faz não apenas NORBERTO BOBBIO 91 porque constata a irredutibilidade das crenças e opiniões com a conseqüente necessidade de não empobre cer mediante proibições a variedade de mani festações do pensamento humano mas também porque crê na sua fecundidade e considera que o único modo de fazer com que o intolerante aceite a tolerância não e a perseguição mas o reconhecimento de seu direito de expressarse Responder ao intolerante com a intolerân cia pode ser formalmente irreprochável mas é certamente algo eticamente pobre e talvez também politica mente inoportuno Não estamos afirmando que o intolerante acolhido no recinto da liberdade compreenda necessariamente o valor ético do respeito às idéias alheias Mas é certo que o intolerante perseguido e excluído jamais se tornará um liberal Pode valer a pena pôr em risco a liberdade fazendo com que ela beneficie também o seu ini migo se a única alternativa possível for restringila até o ponto de fazêla sufocar ou pelo menos de não lhe permitir dar todos os seus frutos É melhor uma liberdade sempre em pe rigo mas expansiva do que uma liberdade protegida mas incapaz de se desenvolver Somente uma liberdade em perigo é capaz de se renovar Uma liberdade incapaz de se renovar transformase mais cedo ou mais tarde numa nova escravidão A escolha entre as duas atitudes é uma escolha última e como toda escolha última não é facilmente defensável com argumentos racionais De resto há situações históricas que podem favorecer ora uma das opções ora outra Ninguém pensaria hoje em renovar a proibição dos católicos como queria Locke porque as guerras religiosas terminaram pelo menos na Europa e não é previsível o seu retorno Ao contrário em muitos países europeus há uma proibição do partido comunista porque a divisão entre países democráticos e países submetidos a regimes de ditadura guiados pelo movimento comunista internacional ainda está presente e operante no mundo e na sociedade euro péia dividida entre um Ocidente capitalista e democrático e um Oriente socialista e não democrático Devemos nos contentar em dizer que a escolha de uma ou de outra solução permite distinguir entre uma concepção restritiva da tolerância que é própria do liberalismo conservador e uma concepção extensiva que é própria do liberalismo radical ou progressista ou que outro nome se lhe queira dar Aduzo dois exemplos iluminadores O conservador Gaetano Mosca rechaçava como ingênua e infundada a doutrina segundo a qual a violência nada poderia contra a verdade e a liberdade observando que a história infelizmente dera mais razão aos intolerantes do que aos tolerantes rechaçava também a afirmação de que a verdade termina sempre por triunfar contra a perseguição e de que a liberdade é fim em si mesma como a lança de Aquiles que curava as feridas que ela mesma produzia Dizia que essa doutrina dos liberais avançados faria os pósteros rirem às nossas costas Luigi Einaudi ao contrário numa famosa passagem que já citei em outros lugares escrita em 1945 no momento em que nosso país se preparava para restaurar as instituições da liberda de afirmou Os que crêem na idéia da liberdade afirmam que um partido tem direito de participar plena mente na vida política mesmo quando for declaradamente liberticida Para sobreviverem os homens livres não devem renegar suas próprias razões de vida renegar a própria liberdade de que se professam defensores Como sempre a lição da história é ambígua e por isso é difícil aceitar a tese de que a história é mestra da vida Na história de nosso país se pensarmos no advento do fascismo ficamos tentados a dar razão a Mosca se pensarmos ao contráriono processo de gradual democratização do partido comunista e no fascismo residu al permanentemente minoritário ficamos tentados a dar razão a Einaudi 11 Onde a história destes últimos séculos não parece ambígua é quando mostra a interdependência entre a teoria e a prática da tolerância por um lado e o espírito laico por outro entendido este como a formação daquela mentalidade que confia a sorte do regnum homínis mais as razões da razão que une todos os homens do que aos impulsos da fé Esse espírito deu origem por um lado aos Estados não confessionais ou neutros em matéria religiosa e ao mesmo tempo liberais ou neutros em matéria política e por outro à chamada socieda de aberta na qual a superação dos contrates de fé de crenças de doutrinas de opiniões devese ao império da áurea regra segundo a qual minha liberdade se estende até o ponto em que não invada a liberdade dos outros ou para usar as palavras de Kant a liberdade do arbítrio de um pode subsistir com a liberdade de todos os outros segundo uma lei universal que é a lei da razão A E R A D O S D I R E I T O S 92 QUARTA PARTE OS DIREITOS DO HOMEM HOJE E M UM DOS MEUS ESCRITOS SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM eu havia exumado a idéia da história profética de Kant para indicar com relação à importância que os direitos do homem assumiram no debate atual um sinal dos tempos1 Ao contrário da história dos historiadores que através de depoimentos e conjecturas tenta conhecer o passado e através de hipóteses no formato se então faz cautelosas previsões sobre o futuro quase sempre erradas a história profética não prevê mais prenuncia o futuro extraindo dos acontecimentos do tempo o evento singular único extraordinário que é interpretado como um sinal particularmente demonstra tivo de uma tendência da humanidade para um fim seja ele desejado ou combatido Eu dizia portanto que o debate atual cada vez mais difuso sobre os direitos do homem a ponto de ser colocado na ordem do dia das mais respeitadas assembléias internacionais podia ser interpretado como um sinal premonitório talvez único de uma tendência da humanidade para retomar a expressão kantiana para melhor Quando escrevi essas palavras não conhecia o texto do primeiro documento da Pontifícia Comissão Justitia et Pax com o título A Igreja e os Direitos do Homem que começa assim O dinamismo da fé impele continu amente o povo de Deus à leitura atenta e eficaz dos sinais dos tempos Na era contemporânea entre os vários sinais dos tempos não pode passar para o segundo plano a crescente atenção que em todas as partes do mundo se dá aos direitos do homem seja devido à consciência cada vez mais sensível e profunda que se forma nos indivíduos e na comunidade em torno a tais direitos ou à contínua e dolorosa multiplicação das violações desses direitos2 O sinal dos tempos não é o espírito do tempo de Hegel que se entrelaça de várias maneiras com o espírito do povo convergindo tanto um quanto o outro para formar o espírito do mundo O espírito do tempo serve para interpretar o presente O sinal dos tempos serve por sua vez para um olhar temerário indiscreto incerto mas confiante para o futuro Os sinais dos tempos não são apenas faustos Há também muitos infaustos Aliás nunca se multiplicaram tanto os profetas de desventuras como hoje em dia a morte atômica a segunda morte como foi chamada a destruição progressiva e irrefreável das próprias condições de vida nesta terra o niilismo moral ou a inversão de todos os valores O século que agora chega ao fim já começou com a idéia do declínio da decadência ou para usar uma metáfora célebre do crepúsculo Mas sempre se vai difundindo sobretudo por sugestão de teorias físicas apenas ouvidas o uso de uma palavra muito forte catástrofe Catástrofe atômica catástrofe econômica catástrofe moral Havíamos nos contentado até ontem com a metáfora kantiana do homem como madeira torta Em um dos ensaios mais fascinantes do rigorosíssimo crítico da razão Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita Kant perguntou a si mesmo como de uma madeira torta como a que constitui o homem podia sair algo inteiramente reto Mas o próprio Kant acreditava na lenta aproxima ção do ideal da retificação através de conceitos justos grande experiência e sobretudo boa vontade3 Da divisão da sociedade razão pela qual a humanidade continua a ir em direção ao pior e que ele chamava de terrorista Kant dizia que recair no pior não pode ser um estado constantemente duradouro na espécie huma na porque em um determinado grau de regressão ela destruiria a si mesma4 Mas é exatamente a imagem dessa corrida para a autodestruição que aflora nas visões catastróficas de hoje Segundo um dos mais impávidos e melancólicos defensores da concepção terrorista da história o homem é um animal errado5 não culpado atenção porque essa é uma velha história que conhecemos bem culpado porém redimível e talvez sem que 1 No discurso Kant e a Revolução Francesa que pronunciei por ocasião da laurea ad honorem que me foi conferida pela Universidade de Bolonha agora neste mesmo volume 2 A Igreja e os direitos do homem Documento de trabalho n 1 Cidade do Vaticano Roma 1975 p 1 A frase citada encontrase no início da Apresentação assinada pelo cardeal Maurice Roy presidente da Pontifícia Comissão Justitia et Pax 3 Que cito de E Kant Scritti politici e di filosofia della storia del diritto Utet Turim 1956 p 130 4 I Kant Se il genere umano sai in costante progressi verso il meglio in Scritti politici cit p 215 5 Refirome ao moralisra de origem romena mas de língua francesa do qual foram traduzidas pela editora Adelphi de Milão Squartamento e La tentazione di esistere muitas vezes reeditados E M Cioran NORBERTO BOBBIO 93 ele mesmo saiba já redimido mas errado É possível retificar uma madeira torta Porém parece que o erro do qual fala esse amaríssimo intérprete do nosso tempo é incorrigível Todavia jamais se propagou tão rapidamente quanto hoje em dia no mundo sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial que foi essa sim uma catástrofe a idéia que eu não sei dizer se é ambiciosa ou sublime ou apenas consoladora ou ingenuamente confiante dos direitos do homem que por si só nos convida a apagar a imagem da madeira torta ou do animal errado e a representar esse ser contraditório e ambíguo que é o homem não mais apenas do ponto de vista da sua miséria mas também do ponto de vista da sua grandeza em potencial A princípio a enorme importância do temo dos direitos do homem depende do fato de ele estar extrema mente ligado aos dois problemas fundamentais do nosso tempo a democracia e a paz O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições democráticas e ao mesmo tempo a paz é o pressuposto necessário para a proteção efetiva dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internaci onal Vale sempre o velho ditado e recentemente tivemos uma nova experiência que diz inter arma silent leges Hoje estamos cada vez mais convencidos de que o ideal da paz perpétua só pode ser perseguido através de uma democratização progressiva do sistema internacional e que essa democratização não pode estar separa da da gradual e cada vez mais efetiva proteção dos direitos do homem democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos confli tos que surgem entre os indivíduos entre grupos e entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticas que são os Estados apesar de serem democráticas com os próprios cidadãos Não será inútil lembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem começa afirmando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo e que a essas palavras se associa diretamente a Carta da ONU na qual à declaração de que é necessário salvar as gerações futuras do flagelo da guerra seguese logo depois a reafirmação da fé nos direitos fundamentais do homem Leio em uma obra recente Etica y derechos humanos Não há dúvidas de que os direitos do homem são umas das maiores invenções da nossa civilização6 Se a palavra invenção pode parecer forte demais diga mos inovação e entendamos inovação no sentido em que Hegel dizia que o ditado bíblico nada de novo sob o sol não vale para o sol do Espírito pois o seu curso nunca é uma repetição de si mesmo mas é a mutável manifestação que o Espírito dá de si mesmo em formas sempre diferentes é essencialmente progresso7 É verdade que a idéia da universalidade da natureza humana é antiga apesar de ter surgido na história do Ocidente com o cristianismo Mas a transformação dessa idéia filosófica da universalidade da natureza huma na em instituição política e nesse sentido podemos falar em invenção ou seja em um modo diferente e de certa maneira revolucionário de regular as relações entre governantes e governados acontece somente na Idade Moderna através do jusnaturalismo e encontra sua primeira expressão politicamente relevante nas declarações de direitos do fim do século XVIII Chamemna de invenção ou de inovação mas quando lemos não mais em um texto filosófico como o segundo ensaio sobre o governo civil de Locke mas em um docu mento político como a Declaração dos Direitos da Virgínia 1778 Todos os homens são por natureza igual mente livres e possuem alguns direitos inatos dos quais ao entrar em estado de sociedade não podem por nenhuma convenção privar ou despojar a sua posterioridade temos de admitir que nasceu naquele momen to uma nova e quero dizer aqui literalmente sem precedentes forma de regime político que não é mais apenas o governo das leis contraposto ao dos homens já louvado por Aristóteles mas o governo que ao mesmo tempo é dos homens e das leis dos homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indivíduos que as próprias leis não podem ultrapassar em uma palavra o Estado liberal moderno que se desdobra sem solução de continuidade e por desenvolvimento interno no Estado democrático A inovação que me induziu em outras ocasiões a falar com linguagem kantiana de uma verdadeira revolu ção coperniciana no modo de compreender a relação política é dupla Afirmar que o homem possui direitos preexistentes à instituição do Estado ou seja de um poder ao qual é atribuída a tarefa de tomar decisões coletivas que uma vez tomadas devem ser obedecidas por todos aqueles que constituem aquela coletividade 6 C S Nino Etica y derechos humanos Paidos Studio Buenos Aires 1984 p 13 7 Assim nas Lições de filosofia da história no parágrafo O processo do espírito no mundo A E R A D O S D I R E I T O S 94 significa virar de cabeça para baixo a concepção tradicional de política a partir de pelo menos dois pontos de vista diferentes em primeiro lugar contrapondo o homem os homens os indivíduos considerados singular mente à sociedade à cidade em especial àquela cidade plenamente organizada que é a res publica ou o Estado em uma palavra à totalidade que por uma antiga tradição foi considerada superior às suas partes em segundo lugar considerando o direito e não o dever como antecedente na relação moral e na relação jurídica ao contrário do que havia acontecido em uma antiga tradição através de obras clássicas que vão de Dos Deveres de Cícero a Deveres do Homem de Mazzini passando por De officio hominis et civis de Pufendorf Em relação à primeira inversão quando consideramos a relação política não mais do ponto de vista do governante mas do governado não mais de cima para baixo mas de baixo para cima onde baixo não é mais o povo como entidade coletiva mas são os homens os cidadãos que se agregam com outros homens com outros cidadãos para formar uma vontade geral decorre que é abandonada definitivamente a concepção organicista que todavia fora dominante durante séculos deixando traços indeléveis na nossa linguagem política na qual ainda se fala de corpo político e de órgãos do Estado Com relação à segunda inversão a primazia do direito não implica de forma alguma a eliminação do dever pois direito e dever são dois termos correlatos e não se pode afirmar um direito sem afirmar ao mesmo tempo o dever do outro de respeitálo Mas qualquer um que tenha certa familiaridade com a história do pensamento político aprendeu que o estudo da política sempre foi direcionado para dar maior destaque aos deveres do que aos direitos do cidadão basta pensar no tema fundamental da chamada obrigação política aos direitos e poderes do soberano do que aos do cidadão em outras palavras a atribuir a posição do sujeito ativo na relação mais ao soberano do que aos súditos Por mais que eu julgue necessário ter muita cautela ao ver reviravoltas saltos qualitativos revoluções epocais a cada estação não hesito em afirmar que a proclamação dos direitos do homem dividiu em dois o curso histórico no que diz respeito à concepção da relação política E é um sinal dos tempos para retomar a expres são inicial o fato de que para tornar cada vez mais evidente e irreversível essa reviravolta convirjam até se encontrarem sem se contradizerem as três grandes correntes do pensamento político moderno o liberalismo o socialismo e o cristianismo social Elas convergem apesar de cada uma delas conservar a própria identidade na preferência atribuída a certos direitos mais do que a outros originando assim um sistema complexo cada vez mais complexo de direitos fundamentais cuja integração prática é muitas vezes dificultada justamente pela sua fonte de inspiração doutrinária diversa e pelas diferentes finalidades que cada uma delas se propõe a atingir mas que ainda assim representa uma meta a ser conquistada na auspiciada unidade do gênero humano Cronologicamente são anteriores os direitos de liberdades defendidos pelo pensamento liberal no qual a liberdade é entendida em sentido negativo como liberdade dos modernos contraposta tanto à liberdade dos antigos quanto à liberdade dos escritores medievais para os quais a república livre significava independente de um poder superior ao do reino ou do império ou então popular no sentido de uma república governada pelos próprios cidadãos ou por parte deles e não por um príncipe imposto ou legitimado através de uma lei acessória Os direitos sociais sob forma de instituição da instrução pública e de medidas a favor do trabalho para os pobres válidos que não puderam conseguilo fazem a sua primeira aparição no título I da Constituição Francesa de 1791 e são reafirmados solenemente nos artigos 21 e 22 da Declaração dos Direitos de junho de 1793 O direito ao trabalho se tornou um dos temas do debate acalorado apesar de estéril na Assembléia Constituinte francesa de 1848 deixando todavia um fraco vestígio no artigo VIII do Preâmbulo Em sua dimensão mais ampla os direitos sociais entraram na história do constitucionalismo moderno com a Consti tuição de Weimar A mais fundamentada razão da sua aparentemente contradição mas real complementaridade com relação aos direitos de liberdade é a que vê nesses direitos uma integração dos direitos de liberdade no sentido de que eles são a própria condição de seu exercício efetivo Os direitos de liberdade só podem ser assegurados garantindose a cada um o mínimo de bemestar econômico que permite uma vida digna Quanto ao cristianismo social no documento já citado da Pontifícia Comissão Justitia et Pax reconhece se honestamente que nem sempre ao longo dos séculos a afirmação dos direitos fundamentais do homem constante e que especialmente nos últimos dois séculos houve dificuldades reservas e às vezes rea ções por parte dos católicos à difusão das declarações dos direitos do homem proclamados pelo liberalismo e pelo laicismo São feitas referências especialmente aos comportamentos de precaução negativos e por vezes NORBERTO BOBBIO 95 hostis de condenação de Pio VI Pio VII e de Gregório XVI8 Mas ao mesmo tempo percebese que uma mudança de rumo iniciouse com Leão XIII em especial com a encíclica Rerum novarum de 1891 na qual entre os direitos de liberdade da tradição liberal afirmase com força o direito de associação com atenção especial para as associações dos operários um direito que é a base daquele pluralismo dos grupos sobre o qual repousa e do qual se nutre a democracia dos modernos em contraposição à democracia dos antigos que chega até Rousseau e entre os direitos sociais da tradição socialista dáse destaque especial ao direito ao traba lho que para ser protegido em seus vários aspectos o direito a um salário justo o direito devido descanso à proteção das mulheres e das crianças invoca a contribuição do Estado Através de vários documentos encíclicas e mensagens natalinas célebres como os de 1942 e 1944 de Pio XII a Constituição Pastoral Gaudium et spes do Concílio Vaticano II o famoso discurso de Paulo VI dirigido ao Secretário Geral da ONU cem anos mais tarde chegase ao documento recentíssimo datado de primeiro de maio deste ano 1991 a encíclica Centesimus annus que reafirma solenemente a importância que a Igreja atribui ao reconhecimento dos direitos do homem tanto que como já foi observado o parágrafo 47 contém uma iluminadora carta dos direitos humanos precedida das seguintes palavras É necessário que os povos que estão reformando os seus ordenamentos dêem à democracia um fundamento autêntico e sólido mediante o reconhecimento explícito dos direitos humanos O primeiro desses direitos é o direito à vida ao qual se seguem o direito a crescer em uma família unida o direito a amadurecer a própria inteligência e a própria liberdade na busca e no conheci mento da verdade o direito a participar do trabalho o direito a formar livremente uma família e por último mais fonte de todos os direitos precedentes o direito à liberdade religiosa Não há quem não veja que a lista desses direitos é bem diferente da lista dos direitos enumerados nas cartas da Revolução Francesa O direito à vida que aparece aqui como o primeiro direito a ser protegido lá nas cartas francesas nunca aparece Nas cartas americanas aparece sob a forma quase sempre de direito ao gozo e à defesa da vida ao lado dos direitos de liberdade Para não ofuscar a auspiciada convergência para um fim comum da proteção universal dos direitos do homem essa diferença geralmente é pouco destacada Mas a diferença existe e tem sem dúvida um caráter filosófico De um lado prima a proteção do direito de liberdade nas suas diversas manifestações de outro tem primazia a proteção do direito à vida desde o momento em que a vida tem início contra o aborto até o momento em que a vida chega ao fim contra a eutanásia Na tradição jusnaturalista o direito à vida era reconhecido na forma rudimentar enunciada por Hobbes do direito a não ser morto na guerra de todos contra todos do estado de natureza e portanto como direito em última instân cia à paz Na declaração de 89 podemos quando muito encontrar uma referência à proteção da vida nos artigos 7 8 e 9 que contêm os princípios fundamentais do habeas corpus Hoje o direito à vida assume uma importância bem diferente ainda mais se começarmos a tomar consciên cia de que ele está se estendendo cada vez mais como resulta dos mais recentes documentos internacionais e da igreja à qualidade da vida Todavia não devemos nos esquecer de que a conjunção entre o direito à vida e o direito à liberdade já havia acontecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem cujo artigo I reconhece o direito à vida mesmo se o objetivo principal do artigo se limita à defesa do indivíduo contra o homicídio internacional ou seja à proteção da vida na sua plenitude não nos casoslimite da vida que está para começar ou da vida que está para terminar Os direitos do homem apesar de terem sido considerados naturais desde o início não foram dados de uma vez por todas Basta pensar nas vicissitudes da extensão dos direitos políticos Durante séculos não se conside rou de forma alguma natural que as mulheres votassem Agora podemos também dizer que não foram dados todos de uma vez e nem conjuntamente Todavia não há dúvida de que as várias tradições estão se aproxi mando e formando juntas um único grande desenho da defesa do homem que compreende os três bens supremos da vida da liberdade e da segurança social Defesa do quê A resposta que nos provém da observação da história é muito simples e clara do Poder de toda forma de Poder A relação política por excelência é uma relação entre poder e liberdade Há uma estreita correlação entre um e outro Quanto mais se estende o poder de um dos dois sujeitos da relação mais diminui 8 Opúsculo cit p 12 Um número de Concilium Revista Internacional de Teologia XXVI n 2 1990 é inteiramente dedicado ao tema dos direitos humanos Em um artigo de Leonard Swidler Direitos humanos um panorama histórico lemos Apesar de ter sido somente na era moderna que se desenvolveu a nossa idéia de direitos humanos ela tem as suas raízes nos dois pilares da civilização ocidental a religião judaicocristã e a cultura greco romana p 31 No artigo de Knut Walf Evangelho direito canônico e direitos humanos admitese que as igrejas cristãs como um todo tiveram dificuldade em reconhecer os direitos do homem até a metade do século XX p 58 A E R A D O S D I R E I T O S 96 a liberdade do outro e viceversa Pois bem o que distingue o momento atual em relação às épocas precedentes e reforça a demanda por novos direitos é a forma de poder que prevalece sobre todos os outros A luta pelos direitos teve como primeiro adversário o poder religioso depois o poder político e por fim o poder econômico Hoje as ameaças à vida à liberdade e à segurança podem vir do poder sempre maior que as conquistas da ciência e das aplicações dela derivadas dão a quem está em condição de usálas Entramos na era que é chamada de pósmoderna e é caracterizada pelo enorme progresso vertiginoso e irreversível da transformação tecnológica e conseqüente mente também tecnocrática do mundo Desde o dia em que Bacon disse que a ciência é poder o homem percorreu um longo caminho O crescimento do saber só fez aumentar a possibilidade do homem de dominar a natureza e os outros homens Os direitos da nova geração como foram chamados que vieram depois daqueles em que se encontraram as três correntes de idéias do nosso tempo nascem todos dos perigos à vida à liberdade e à segurança provenien tes do aumento do progresso tecnológico Bastam estes três exemplos centrais do debate atual o direito de viver em um ambiente não poluído do qual surgiram os movimentos ecológicos que abalaram a vida política tanto dentro dos próprios Estados quanto no sistema internacional o direito à privacidade que é colocado em sério risco pela possibilidade que os poderes públicos têm de memorizar todos os dados relativos à vida de uma pessoa e com isso controlar os seus comportamentos sem que ela perceba o direito o último da série que está levantando debates nas organizações internacionais e a respeito do qual provavelmente acontecerão os con flitos mais ferrenhos entre duas visões opostas da natureza do homem o direito à integridade do próprio patrimônio genético que vai bem mais além do que o direito à integridade física já afirmado nos artigos 2 e 3 da Convenção Européia dos Direitos do Homem No discurso Le fondement théologique des droits de lhomme O fundamento teológico dos direitos do ho mem pronunciado em novembro de 1988 o bispo de RoltenburgStuttgart Walter Kasper escreveu uma frase que pode constituir a conclusão do meu discurso Os direitos do homem constituem no dia de hoje um novo ethos mundial9 Naturalmente é necessário não esquecer que um ethos representa o mundo do dever ser O mundo real nos oferece infelizmente um espetáculo muito diferente À visionária consciência a respeito da centralidade de uma tendente a uma formulação assim como a uma proteção cada vez melhor dos direitos do homem corresponde a sua sistemática violação em quase todos os países do mundo nas relações entre um país e outro entre uma raça e outra entre poderosos e fracos entre ricos e pobres entre maiorias e minorias entre violentos e conformados O ethos dos direitos do homem resplandece nas declarações solenes que permane cem quase sempre e quase em toda parte letra morta O desejo de potência dominou e continua a dominar o curso da história A única razão para a esperança é que a história conhece os tempos longos e os tempos breves A história dos direitos do homem é melhor não se iludir é a dos tempos longos Afinal sempre aconteceu que enquanto os profetas das desventuras anunciam a desgraça que está prestes a acontecer e convidam à vigilância os profetas dos tempos felizes olham para longe Um ilustre historiador contemporâneo comparou a sensação do encurtamento dos tempos que se difunde nas eras das grandes revoltas reais ou apenas temidas citando uma frase da visão da Sibila Tiburtina E os anos se reduzirão em meses e os meses em semanas e as semanas em dias e os dias em horas10 com a sensação da aceleração dos tempos que por sua vez pertence à geração nascida na era tecnológica para a qual a passagem de uma fase à outra do progresso técnico que antigamente demorava séculos depois décadas agora demora poucos anos Os dois fenômenos são alternativos mas a intencionalidade é a mesma quando se quer chegar mais rapidamente à meta os meios são dois ou encurtar a estrada ou aumentar o passo O tempo vivido não é tempo real algumas vezes pode ser mais rápido algumas vezes mais lento As transformações do mundo que vivenciamos nos últimos anos seja por causa da precipitação da crise de um sistema de poder que parecia muito sólido e aliás ambicionava representar o futuro do planeta seja por causa da rapidez dos progressos técnicos suscitam em nós o dúplice estado de espírito do encurtamento e da acele ração dos tempos Sentimonos por vezes à beira do abismo e a catástrofe impende Nós nos salvaremos Como nos salvaremos Quem nos salvará Estranhamente essa sensação de estar acossados pelos aconteci mentos em relação ao futuro contrasta com a sensação oposta do alongamento e refreamento do tempo passa 9 In Les droits de lhomme et lEglise publicado pelo Conseil Pontifical Justice et Paix Cidade do Vaticano 1990 p 49 10 Reinhart Koselleck Accelerazione e secolarizzazione Istituto Suor Orsola Benicasa Nápoles 1989 p 9 NORBERTO BOBBIO 97 do em relação ao qual a origem do homem remonta cada vez mais para trás Quanto mais a nossa memória afunda em um passado remoto que continua a se alongar mais a nossa imaginação se inflama com a idéia de uma corrida sempre mais rápida em direção ao fim É um pouco o estado de espírito do velho que conheço bem para ele o passado é tudo o futuro nada Teríamos pouco motivo para ficar alegres se não fosse pelo fato de um grande ideal como o dos direitos do homem subverter completamente o sentido do tempo pois se projeta nos tempos longos como todo ideal cujo advento não pode ser objeto de uma revisão como eu dizia no início mas depende de um presságio Hoje podemos apenas apostar em uma visão da história para a qual é possível dizer que a racionalidade não mora mais aqui como está distante o tempo em que Hegel ensinava aos seus discípulos em Berlim que a razão governa tudo Que a história conduza ao reino dos direitos do homem e não ao reino do Grande Irmão pode ser somente o objeto de um compromisso É verdade que apostar é uma coisa e vencer é outra Mas também é verdade que em aposta o faz porque tem confiança na vitória É claro não basta confiança para vencer Mas se não se tem a menor confiança a partida está perdida antes de começar Depois se me perguntassem o que é necessário para ser ter confiança eu voltaria às palavras de Kant citadas no início conceitos justos uma grande experiência e sobretudo muito boa vontade httpdireitoufma2010wordpresscom diagramação JOABE S ARRUDA joabesarruda PageMaker 65 FACULDADE CESMAC DO AGRESTE DISCIPLINA DIREITOS HUMANOS Professora Carla Priscilla Cordeiro Nome do aluno Ana Carolina Alvim Da Silva Turma e período 5º A No livro intitulado A era dos Direitos de Norberto Bobbio é abordado sobre as questões envolvendo a proteção aos direitos humanos de forma a relacionálos com a democracia e a paz sendo esta a responsável direta pela proteção dos Direitos Humanos tanto no âmbito interno quanto no ambiente externo sendo que neste mesmo sentido a democracia é um meio necessário para atingir a paz perpétua1 Neste sentido o autor menciona já na introdução que o livro se debruçará sobre três pilares básicos e importantes para a conjuntura atual quais sejam Os Direitos do homem a paz e a democracia Esses três pilares acabam assumindo uma relação de codependência uma vez que se os direitos do homem não forem protegidos não é possível se falar em Estado Democrático de Direito E se não houver democracia os conflitos jamais poderão ser solucionados de forma pacífica e harmônica E uma vez não sendo possível solucionar os conflitos de forma harmônica a paz não será atingida2 Em outras palavras Bobbio menciona que não há democracia sem direito uma vez que só através deles será possível manter as regras do jogo e regular a atuação da sociedade especialmente quando amparados pelos critérios da razão Já que o Direito surge das relações sociais e da convivência entre as pessoas e assim é aplicado justamente para garantir essa convivência plena e pacífica E a partir desses conceitos o autor divide a obra em quatro grandes partes A primeira parte consta com os seguintes capítulos Sobre fundamentos dos direitos do homem Presente e futuro dos direitos do homem A era dos direitos Direitos do homem e sociedade A segunda parte é subdividida em A revolução francesa e os Direitos do Homem A herança da grande revolução Kant e a Revolução Francesa A terceira parte vai mencionar sobre A resistência à opressão hoje Contra a pena de morte O debate atual sobre a pena de morte e As razões da tolerância 1 BOBBIO Norberto Era dos direitos Elsevier Brasil 2004 p 7 2 BOBBIO Norberto Era dos direitos Elsevier Brasil 2004 p 7 Enquanto que a quarta parte mencionará sobre Os direitos do homem hoje Todas essas divisões e subdivisões no livro com seus respectivos conteúdos serão melhor especificada no decorrer deste resumo Neste sentido ao falar sobre os fundamentos dos direitos dos homens o autor visa responder alguns questionamentos quais sejam Qual o sentido dos fundamentos absoluto dos direitos do homem Um fundamento é possível E qual é desejável Para responder estes questionamentos Bobbio vai mencionar que os direitos humanos devem estar compostos por fundamentos e embora não existam fundamentos absolutos eles devem ser respeitados Pois existe uma pluralidade de pensamentos e enquanto consequência o Estado pode tratar cada pensamento de uma determinada forma Alguns dos direitos fundamentais de alcance amplo não concorrem com outros enquanto outros serão absolutos Desta forma Bobbio compreende que não se pode criar um novo direito se os antigos não forem esquecidos Ao mencionar sobre o presente e futuro dos direitos do homem Bobbio menciona que o grande problema jurídico não é apenas buscar encontrar quantos direitos estão disponíveis de forma fundamentada mas sim de compreender como proteger esses direitos E para garantir a aplicação dos direitos eles devem esta positivados em alguma legislação e para além disso caso não sejam respeitados haverá o direito à resistência jurídica através do judiciário E isso pode se dar de forma nacional ou até mesmo internacional Enquanto futuro dos direito fundamentais o autor ressalta os direitos sociais como por exemplo os tecnológicos e aqueles que irão envolver a participação social Bobbio vai relacionar a revolução americana e a revolução francesa sendo que essa segunda foi mais importante pois conseguiu firmar uma constituição republicana capaz de afirmar os direitos existentes e assim evitar as possíveis guerras Por fim o autor menciona os problemas relacionados à linguagem do Direito que apesar de estabelecer regramentos importantes permanece ambígua e de difícil acessibilidade recaindo na mera retórica Já no livro A invenção dos Direitos Humanos Uma história de Lynn Hunt é abordado sobre os três grandes acontecimentos que foram essenciais para o surgimento e construção dos direitos humanos da forma pela qual se conhece hoje quais sejam A independência dos Estados Unidos A revolução Francesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas ONU Neste sentido será abordado sobre alguns pensadores filósofos e políticos que contribuíram para estes períodos temporais e pelas alterações sociais por elas proporcionadas Dentre os principais períodos aqui recai falar sobre o pensamento iluminista e as respectivas contribuições para a diminuição e até mesmo extermínio de pontos que eram típicos do processo penal como por exemplo a tortura Neste sentido as correntes de pensamento iluministas encabeçada por grandes nomes como Beccaria através do livro dos delitos e das penas foi extremamente importante para estabelecer uma série de garantias para os acusados de crimes e para o término da violação dos direitos através da eliminação dos perigos físicos tortura e pena de morte Neste sentido a autora vai trabalhar com o conceito de empatia3 sendo este considerado determinante para trabalhar com os Direitos Humanos E para além disso é usado também da literatura romântica uma vez que muitas vezes este tipo de leitura facilita uma fácil identificação dos leitores com os personagens possibilitando esta empatia Especialmente se estes personagens estiverem em conformidade com a jornada de herói ou seja 3 Conforme o dicionário online o termo empatia significa Capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria A ptidão para se identificar com o outro sentindo o que ele sente desejando o que ele deseja aprendendo da maneira como ele aprende Na Psicologia Identificação de um sujeito com outro quando alguém através de suas próprias especulações ou sensações se coloca no lugar de outra pessoa tentando entendêlaSociologia Compreensão do Eu social a partir de três recursos enxergarse de acordo com a opinião de outra pessoa enxergar os outros de acordo com a opinião de outra pessoa enxergar os outros de acordo com a opinião deles próprios Disponível em httpswwwdiciocombrempatia representando uma trajetória interessante e salvadora que leva a um maior senso empático4 Ou seja a autora defende que através da leitura seria possível garantir essa identificação com os personagens e sentir essa empatia tão necessária para fornecer a garantia dos direitos humanos Contudo as obras de romances que possibilitavam este sentimento com a grande influência da igreja católica na época passaram a serem vistas enquanto uma possível forma de degradação diante dos pecados que neles eram apresentados e que portanto contrariavam a virtude e os bons costumes da época5 Contudo apesar dessas crenças ainda assim haviam espaços sociais que acreditavam que a natureza dos direitos humanos era capaz de fornecer bases estruturalistas para a política Neste sentido a autora menciona que Assim o feitiço mágico lançado pelo romance mostrou ter efeitos de longo alcance Embora os adeptos do romance não o dissessem tão explicitamente eles compreendiam que escritores como Richardson e Rousseau estavam efetivamente atraindo os seus leitores para a vida cotidiana como uma espécie de experiência religiosa substituta Os leitores aprendiam a apreciar a intensidade emocional do comum e a capacidade de pessoas como eles de criar por sua própria conta um mundo moral Os direitos humanos cresceram no canteiro semeado por esses sentimentos Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas aprenderam a pensarmos outros como seus iguais como seus semelhantes em algum modo fundamental Aprenderam essa igualdade ao menos em parte experimentando a identificação com personagens comuns que pareciam dramaticamente presentes e familiares mesmo que em última análise fictícios6 Ou seja podemos perceber que embora tenha havido uma espécie de retaliação e até mesmo uma cruzada contra este tipo de literatura ainda assim era interpretado como um terreno fértil para o crescimento de determinados sentimentos que estimulassem a capacidade humana de se colocar no lugar do outro de forma transpassar as próprias crenças sejam elas religiosas ou políticas a ponto de rechaçar as violações aos direitos humanos e especialmente estimular a proteção 4 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 38 5 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 51 6 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 58 No segundo capítulo a autora vai abordar sobre a abolição da tortura com o título Ossos dos seus ossos onde é mencionado sobre o fato de Rousseau ter utilizado pela primeira vez no ano de 1762 o termo direitos do homem e uma série de torturas que seguiram ocorrendo contra os acusados Essas torturas por sua vez eram utilizadas especificamente para arrancar a confissão dessas pessoas uma vez que esta era considerada a principal fonte de prova sendo o que mais ocorreu contra as bruxas e hereges das mais variadas formas7 Diante dessas mais variadas formas de tortura onde os menos favorecidos estavam nos piores lugares uma vez que eram os que sofriam as consequências mais graves Beccaria buscou a construção de uma justiça democrática pautada em vieses éticos Desta forma a autora ressalta o importante papel por ele representado Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento Para ele a pena de morte só podia ser perniciosa para a sociedade pelo exemplo de barbárie que proporciona e ao objetar a tormentos e crueldade inútil na punição ele os ridicularizava como o instrumento de um fanatismo furioso Além disso ao justificar a sua intervenção ele expressava a esperança de que se eu contribuir para salvar da agonia da morte uma vítima infeliz da tirania ou da ignorância igualmente fatal a sua bênção e lágrimas de êxtase serão para mim um consolo suficiente para o desprezo de toda a humanidade Depois de ler Beccaria o jurista inglês William Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria característica após a visão do Iluminismo a lei criminal afirmava Blackstone deve sempre se conforma r aos ditados da verdade e da justiça aos sentimentos humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade8 Neste sentido após a imposição de alguns escritores iluministas no que tange à tortura e à punição cruel passaram a abordar também sobre os sentimentos relacionados à empatia mas que se sobressaíam a ela uma vez que se relacionava com a necessidade de justiça Logo alteraramse os corpos nos quais eram detentores deste sentimento empático Pois em um período anterior a este os corpos que eram considerados merecedores deste respeito empático eram apenas aqueles considerados sagrados e posteriormente 7 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 76 8 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 81 tornouse sagrado aquilo que estava relacionado ao direito à inviolabilidade dos indivíduos Essas afirmações levam ao questionamento sobre quais corpos então eram detentores dessa proteção o que ocasionou a uma divisão entre cidadãos detentores de direitos passivos e de direitos ativos Os direitos passivos eram aqueles que se garantiam à toda população como por exemplo o direito a segurança Enquanto que os direitos ativos não se estendiam a todos uma vez que estavam relacionados com a possibilidade de exercício dos atos da vida pública REFERÊNCIAS BOBBIO Norberto Era dos direitos Elsevier Brasil 2004 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009
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Faculdade Cesmac do Agreste Disciplina Direitos Humanos Professora Carla Priscilla Cordeiro Nome do aluno Turma e período Reposição das avaliações Instruções 1 Colocar na mensagem do email reavaliaçãoreposição da primeira ou segunda ou terceira nota 2 O trabalho deve ser enviado para o email dhcesmacagrestegmailcom até o dia 17122022 3 O trabalho deve ser enviado digitado Deve seguir as regras da ABNT ter capa e contracapa Trabalho 1 Para compor sua primeira nota leia o livro A era dos direitos escrita por Noberto Bobbio enviada junto com este trabalho Em seguida a Faça um resumo do livro em formato de paráfrase Obs cuidado com o plágio cópia literal do trabalho Você deve ler a obra e a resumir COM SUAS PALAVRAS Quantidade mínima de páginas do resumo 8 Trabalho 2 Para compor sua segunda nota leia o livro A invenção dos direitos humanos uma história escrita por Lynn Hunt enviada junto com este trabalho Em seguida a Faça um resumo do livro em formato de paráfrase Obs cuidado com o plágio cópia literal do trabalho Você deve ler a obra e a resumir COM SUAS PALAVRAS Quantidade mínima de páginas do resumo 12 sem quantidade mínima ou máxima Trabalho 3 Analise as assertivas a seguir marcando V para as assertivas Verdadeiras e F para as Falsas Justifique as falsas com tratados convenções e declarações internacionais 1 A Superioridade Normativa é uma das características dos Direitos Humanos 2 Os Direitos Humanos Consistem em um conjunto de direitos considerados indispensáveis para a vida humana pautados na liberdade igualdade e dignidade 3 Há um rol predeterminado e fixo desse conjunto mínimo de Direitos Humanos direitos essenciais à vida digna 4 A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal por meio da inscrição desses direitos protegido nas Constituições e Tratados 5 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 6 A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser material sendo considerado parte integrante dos direitos humanos aquele que mesmo não expresso é indispensável para a promoção da dignidade humana 7 Do ponto de vista subjetivo a realização dos direitos humanos pode ser da incumbência do Estado ou de um particular 8 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 9 A Reciprocidade é uma das características dos Direitos Humanos 10 Não existem conflitos entre direitos humanos uma vez que eles se complementam em relação aos seus limites preferências e prevalências 11 Há automatismo no mundo dos direitos humanos pois basta anunciar um direito para que o dever de proteção incida mecanicamente 12 Uma das consequências de uma sociedade pautada na defesa dos direitos humanos é o desconhecimento do direito a ter direitos 13 O cerne dos direitos humanos é a luta contra a opressão e a busca do bemestar do indivíduo 14 Os primeiros direitos humanos foram reconhecidos na préhistória do direito 15 O Pacto Internacional sobre Direitos econômicos Sociais e Culturais PIDESC não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 16 A Disponibilidade é uma das características dos Direitos Humanos 17 A nossa Constituição utiliza apenas a expressão direitos fundamentais para se referir aos direitos humanos incorporados ao nosso ordenamento jurídico 18 A teoria do status de Jellinek adota como base teórica o jusnaturalismo 19 A teoria do status de Jellinek é pautada 1 pelo reconhecimento do caráter positivo dos direitos 2 pela afirmação de verticalidade defendendo que os direitos são concretizados na relação desigual entre indivíduo e Estado 20 A teoria das gerações dos direitos humanos foi lançada por Karl Marx 21 Na teoria das gerações dos direitos humanos a segunda dimensão engloba os direitos de liberdade que são os direitos a prestações negativas 22 A Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 23 A Essencialidade é uma das características dos Direitos Humanos 24 Os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade como o direito ao desenvolvimento o direito à paz o direito a autodeterminação e em especial o direito ao meio ambiente equilibrado 25 O STF utiliza adota a teoria das gerações de direitos 26 A Convenção sobre a imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade não compõe o sistema de proteção universal dos Direitos Humanos 27 A Universalidade é uma das características dos Direitos Humanos 28 A classificação dos direitos humanos como direitos de defesa consiste no reconhecimento de um conjunto de prerrogativas do indivíduo voltado a defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público 29 Os direitos a prestações jurídicas acarretam discussão sobre a criação de medidas específicas para o combate à inércia do Estado em legislar 30 Os direitos a procedimentos e organizações são aqueles em que se exige uma postura negativa do Estado 31 Os direitos sociais consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou sociedade ou até mesmo a abstenção de agir para assegurar condições materiais e socioculturais mínimas de sobrevivência 32 Os direitos sociais são frutos das revoluções burguesas em diversos países latinoamericanos 33 O conteúdo dos direitos sociais é essencialmente prestacional 34Direitos difusos são aqueles direitos transindividuais de natureza indivisível 35 A característica fundamental dos direitos difusos é a indeterminabilidade dos titulares 36 Os direitos humanos se caracterizam pela existência da proibição do retrocesso 37 A justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais consiste na exigência judicial nacional ou internacional de tais direitos pelos Estados 38 A interpretação pro homine exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo 39 O critério da máxima efetividade exige que a interpretação de determinado direto conduza ao maior proveito de seu titular com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão 40 Os direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma precisa e fechada a exemplo da intimidade devido processo legal ampla defesa que devem ser interpretados de uma única forma 41 São ramos do Direito Internacional Público o Direito Internacional dos Direitos Humanos o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados 42 A Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1947 foi elaborada pela extinta Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas 43 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos entrou em vigor em 1976 Ele tem por finalidade tornar juridicamente relevantes aos Estados vários direitos já contidos na Declaração Universal de 1948 detalhandoos e criando mecanismos de monitoramento internacional de sua implementação pelos Estados Partes 44 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi promulgado internamente por meio do Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 45 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê o direito de todos de dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais à autodeterminação bem como o dever de todos os demais Estados de respeitarem esse direito 46 O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC é considerado um marco por ter assegurado destaque aos direitos econômicos sociais e culturais vencendo a resistência de vários Estados e mesmo da doutrina que viam os direitos sociais em sentido amplo como meras recomendações ou exortações 47 A primeira parte do PIDESC consagra o direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam direito de acordo com o direito internacional 48 A terceira parte do PIDESC consagra a liberdade de associação pacífica 49 O PIDESC prevê em sua sexta parte o direito de contrair casamento e constituir família 50 Em sua segunda parte o PIDESC prevê o direito de participação política L Y N N H U N T A invenção dos direitos humanos Uma história Tradução Rosaura Eichenberg COMPANHIA DAS LETRAS Copyright 2007 by Lynn Hunt Publicado originalmente nos Estados Unidos por W W Norton Company Inc Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil cm 2009 Título original Invcnting human rights A history Capa Mariana Newlands Foto de capa Gianni Dagli Orti Corbis LatinStock Índice remissivo Luciano Marchiori Preparação Lucas Murtinho Revisão Ana Maria Barbosa Huendel Viana Dados Internacionais de Catalogação na Publicação cip Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Hunt Lynn A invenção dos direitos humanos unia história Lynn Hunt tradução Rosaura Eichenberg São Paulo Companhia das Letras 2009 Título original Invcnting human rights a history ISBN 9788535914597 I Direitos humanos na literatura 2 Direitos humanos História 3 Tortura História I Titulo 0903980 ÍDO32309 índice para catálogo sistemático 1 Direitos humanos Ciência política História 2009 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ LTDA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 37073500 Faxll37073501 wwwcompanhiadasletrascombr Para Lee e Jane Irmãs Amigas Inspiradoras Sumário Agradecimentos 9 IntroduçãoConsideramos estas verdades autoevidentes 13 1 TORRENTES DE EMOÇÕES 35 Lendo romances e imaginando a igualdade 2 OSSOS DOS SEUS OSSOS 7 Abolindo a tortura 3 ELES DERAM UM GRANDE EXEMPLO 113 Declarando os direitos 4 ISSO NÃO TERMINARÁ NUNCA 146 As consequências das declarações 5 A FORÇA MALEÁVEL DA HUMANIDADE 177 Porque os direitos humanos fracassaram a princípio mas tiveram sucesso no longo prazo Apêndice Três declarações 177617891948 217 Notas 237 Créditos das imagens 271 índice remissivo 273 Agradecimentos Enquanto escrevia este livro beneficieime de incontáveis sugestões oferecidas por amigos colegas e participantes de vários seminários e conferências N e n h u m a expressão de gratidão de minha parte poderia pagar as dívidas que tive a felicidade de con Irair e só espero que alguns dos credores reconheçam as suas con tribuições em certas passagens ou notas O ato de proferir as Con ferências Patten na Universidade de Indiana as Conferências Merle Curti na Universidade de Wisconsin e as Conferências James W Richards na Universidade de Virginia propiciou oportunidades inestimáveis para testar as minhas noções preliminares Alguns insights excelentes também vieram do público em Camino Col lege Carleton College Centro de Investigación y Docencia Econó micas Cidade do México Universidade de Fordham Instituto de Pesquisa Histórica Universidade de Londres Lewis Clark Col lege Pomona College Universidade de Stanford Universidade Texas AM Universidade de Paris Universidade de Ulster Cole raine Universidade de Washington Seattle e na minha institui ção a Universidade da Califórnia Los Angeles UCLA O financia mento para a maior parte da minha pesquisa proveio da Cátedra Eugen Weber de História Moderna Europeia na UCLA e a pesquisa foi muito facilitada pela riqueza verdadeiramente excepcional das bibliotecas da UCLA A maioria das pessoas pensa que o ensino fica abaixo da pes quisa na lista de prioridades dos professores universitários mas a ideia para este livro surgiu originalmente de u m a coletânea de documentos que editei e traduzi com o objetivo de ensinar estu dantes dos cursos de graduação The French Revolution and Human Rights A Brief Documentary History Boston Nova York Bedford St Martins Press 1996 Uma bolsa da National Endow ment for the Humanities me ajudou a completar aquele projeto Antes de escrever este livro publiquei um breve esboço The Para doxical Origins of Human Rights in Jeffrey N Wasserstrom Lynn H u n t e Marilyn B Young eds Human Rights and Revolutions Lanham MD Rowman Littlefield 2000 pp 317 Alguns dos argumentos no capítulo 2 foram primeiro desenvolvidos de um modo diferente em Le Corps au XVIIIE siècle les origines des droits de lhomme Diogène 203 julhosetembro de 2003 pp 4967 Da ideia até a execução final a estrada pelo menos no meu caso é longa e às vezes árdua mas se torna transitável com a ajuda daqueles que me são próximos e queridos Joyce Appleby e Suzanne Desan leram os primeiros rascunhos dos meus três pri meiros capítulos e deram sugestões maravilhosas para aperfeiçoá los A minha editora na W W Norton Amy Cherry forneceu o ti po de atenção minuciosa à redação e ao argumento com que a maioria dos autores só consegue sonhar Sem Margaret Jacob eu não teria escrito este livro Ela me estimulou com o seu próprio entusiasmo pela pesquisa e redação com a sua valentia em se aven turar em domínios novos e controversos e não menos importante com a sua capacidade de deixar tudo de lado para preparar um jan tar refinado Ela sabe o quanto lhe devo Meu pai morreu enquanto 10 eu escrevia este livro mas ainda posso escutar as suas palavras de encorajamento e apoio Dedico este livro às minhas irmãs Lee e Jane em reconhecimento ainda que inadequado por tudo o que temos partilhado ao longo de muitos anos Elas me ensinaram as minhas primeiras lições sobre os direitos a resolução de conflitos e o amor Introdução Consideramos estas verdades autoevidentes Às vezes grandes textos surgem da reescrita sob pressão No seu primeiro rascunho da Declaração da Independência prepa rado em meados de junho de 1776 Thomas Jefferson escreveu Consideramos que estas verdades são sagradas e inegáveis que todos os homens são criados iguais independantes sic que dessa criação igual derivam direitos inerentes 8c inalienáveis entre os quais estão a preservação da vida a liberdade a busca da feli cidade Em grande parte graças às suas próprias revisões a frase de Jefferson logo se livrou dos soluços para falar em tons mais cla ros mais vibrantes Consideramos estas verdades autoevidentes que todos os homens são criados iguais dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis que entre estes estão a Vida a Liber dade e a busca da Felicidade Com essa única frase Jefferson trans formou um típico documento do século xvin sobre injustiças polí ticas n u m a proclamação duradoura dos direitos humanos 1 Treze anos mais tarde Jefferson estava em Paris quando os franceses começaram a pensar em redigir uma declaração de seus direitos Em janeiro de 1789vários meses antes da queda da Bas 13 tilha o marquês de Lafayette amigo de Jefferson e veterano da Guerra da Independência americana delineou uma declaração francesa muito provavelmente com a ajuda de Jefferson Quando a Bastilha caiu em 14 de julho e a Revolução Francesa começou para valer a necessidade de u m a declaração oficial ganhou impulso Apesar dos melhores esforços de Lafayette o documento não foi forjado por uma única mão como Jefferson fizera para o Congresso americano Em 20 de agosto a nova Assembleia Nacio nal começou a discussão de 24 artigos rascunhados por um comitê desajeitado de quarenta deputados Depois de seis dias de debate tumultuado e infindáveis emendas os deputados franceses só tinham aprovado dezessete artigos Exaustos pela disputa prolon gada e precisando tratar de outras questões prementes os deputa dos votaram em 27 de agosto de 1789 por suspender a discussão do rascunho e adotar provisoriamente os artigos já aprovados como a sua Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão O documento tão freneticamente ajambrado era espantoso na sua impetuosidade e simplicidade Sem mencionar nem uma única vez rei nobreza ou igreja declarava que os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem são a fundação de todo e qual quer governo Atribuía a soberania à nação e não ao rei e declara va que todos são iguais perante a lei abrindo posições para o talento e o mérito e eliminando implicitamente todo o privilégio baseado no nascimento Mais extraordinária que qualquer garan tia particular entretanto era a universalidade das afirmações fei tas As referências a homens homem todo homem todos os homens todos os cidadãos cada cidadão sociedade e toda sociedade eclipsavam a única referência ao povo francês Como resultado a publicação da declaração galvanizou ime diatamente a opinião pública mundial sobre o tema dos direitos tanto contra como a favor N u m sermão proferido em Londres em 4 de novembro de 1789 Richard Price amigo de Benjamin Fran 14 klin e crítico frequente do governo inglês tornouse lírico a res peito dos novos direitos do homem Vivi para ver os direitos dos homens mais bem compreendidos do que nunca e nações ansiando por liberdade que pareciam ter perdido a ideia do que isso fosse Indignado com o entusiasmo ingênuo de Price pelas abstrações metafísicas dos franceses o famoso ensaísta Edmund Burke membro do Parlamento britânico rabiscou uma resposta furiosa O seu panfleto Reflexões sobre a revolução em França 1790 foi logo reconhecido como o texto fundador do conserva dorismo Não somos os convertidos por Rousseau trovejou Burke Sabemos que não fizemos nenhuma descoberta e pensa mos que nenhuma descoberta deve ser feita no tocante à morali dade Não fomos estripados e amarrados para que pudésse mos ser preenchidos como pássaros empalhados n u m museu com farelos trapos e pedaços miseráveis de papel borrado sobre os direitos do homem Price e Burke haviam concordado sobre a Revolução Americana os dois a apoiaram Mas a Revolução Fran cesa aumentou bastante o valor da aposta e as linhas de batalha logo se formaram era a aurora de u m a nova era de liberdade baseada na razão ou o início de uma queda implacável r u m o à anarquia e à violência 2 Por quase dois séculos apesar da controvérsia provocada pela Revolução Francesa a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão encarnou a promessa de direitos humanos universais Em 1948 quando as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos o artigo I a dizia Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Em 1789 o artigo l 2 da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão já havia proclamado Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Embora as modificações na linguagem fossem significa tivas o eco entre os dois documentos é inequívoco As origens dos documentos não nos dizem necessariamente 15 nada de significativo sobre as suas consequências Importa real mente que o esboço tosco de Jefferson tenha passado por 86 alte rações feitas por ele mesmo pelo Comitê dos Cinco ou pelo Con gresso Jefferson e Adams claramente pensavam que sim pois ainda estavam discutindo sobre quem contribuiu com o quê na década de 1820 a última de suas longas e memoráveis vidas Entre tanto a Declaração da Independência não tinha natureza consti tucional Declarava simplesmente intenções e passaramse quin ze anos antes que os estados finalmente ratificassem uma Bill of Rights muito diferente em 1791 A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão afirmava salvaguardar as liberdades indivi duais mas não impediu o surgimento de um governo francês que reprimiu os direitos conhecido como o Terror e futuras consti tuições francesas houve muitas delas formularam declara ções diferentes ou passaram sem nenhuma declaração Ainda mais perturbador é que aqueles que com tanta con fiança declaravam no final do século xvin que os direitos são uni versais vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclu sivo em mente Não ficamos surpresos por eles considerarem que as crianças os insanos os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena participação no processo político pois pensamos da mesma maneira Mas eles t a m b é m excluíam aqueles sem propriedade os escravos os negros livres em alguns casos as minorias religiosas e sempre e por toda parte as mulhe res Em anos recentes essas limitações a todos os homens provo caram muitos comentários e alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham um verdadeiro significado de emancipa O Committee of Five formado por T h o m a s Jefferson John Adams Benjamin Franklin Robert Livingston e Roger S h e r m a n foi designado pelo C o n g r e s s o americano em 11 de j u n h o de 1776 para esboçar a Declaração da Independência americana NT 16 ção Os fundadores os que estruturaram e os que redigiram as decla rações têm sido julgados elitistas racistas e misóginos por sua inca pacidade de considerar todos verdadeiramente iguais em direitos Não devemos esquecer as restrições impostas aos direitos pelos homens do século xvin mas parar por aí dando palmadi nhas nas costas pelo nosso próprio avanço comparativo é não compreender o principal Como é que esses homens vivendo em sociedades construídas sobre a escravidão a subordinação e a sub serviência aparentemente natural chegaram a imaginar homens nada parecidos com eles e em alguns casos também mulheres como iguais Como é que a igualdade de direitos se tornou uma verdade autoevidente em lugares tão improváveis É espantoso que homens como Jefferson um senhor de escravos e Lafayette um aristocrata pudessem falar dessa forma dos direitos autoevi dentes e inalienáveis de todos os homens Se pudéssemos com preender como isso veio a acontecer compreenderíamos melhor o que os direitos humanos significam para nós hoje em dia O P A R A D O X O D A A U T O E V I D Ê N C I A Apesar de suas diferenças de linguagem as duas declarações do século xvm se baseavam numa afirmação de autoevidência Jef ferson deixou isso explícito quando escreveu Consideramos estas verdades autoevidentes A declaração francesa afirmava categoricamente que a ignorância a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental Pouca coisa tinha mudado a esse respeito em 1948 Verdade a Declaração das Nações Unidas assu mia um tom mais legalista Visto que o reconhecimento da digni dade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade da jus 17 tiça e da paz no mundo Mas isso também constituía uma afirma ção de autoevidência porque visto que significa literalmente sendo fato que Em outras palavras visto que é simplesmente um m o d o legalista de afirmar algo determinado autoevidente Essa afirmação de autoevidência crucial para os direitos humanos mesmo nos dias de hoje dá origem a um paradoxo se a igualdade dos direitos é tão autoevidente por que essa afirmação tinha de ser feita e por que só era feita em tempos e lugares específi cos Como podem os direitos humanos ser universais se não são universalmente reconhecidos Vamos nos contentar com a explica ção dada pelos redatores de 1948 de que concordamos sobre os direitos desde que ninguém nos pergunte por quê Os direitos podem ser autoevidentes quando estudiosos discutem há mais de dois séculos sobre o que Jefferson queria dizer com a sua expressão O debate continuará para sempre porque Jefferson nunca sentiu a necessidade de se explicar Ninguém do Comitê dos Cinco ou do Congresso quis revisar a sua afirmação mesmo modificando extensamente outras seções de sua versão preliminar Aparente mente concordavam com ele Mais ainda se Jefferson tivesse se explicado a autoevidência da afirmação teria se evaporado Uma afirmação que requer discussão não é evidente por si mesma 3 Acredito que a afirmação de autoevidência é crucial para a história dos direitos humanos e este livro busca explicar como ela veio a ser tão convincente no século XVIII Felizmente ela também propicia um ponto focal no que tende a ser u m a história muito difusa Os direitos humanos tornaramse tão ubíquos na atuali dade que parecem requerer u m a história igualmente vasta As ideias gregas sobre a pessoa individual as noções romanas de lei e direito as doutrinas cristãs da alma O risco é que a história dos direitos humanos se torne a história da civilização ocidental ou agora às vezes até a história do mundo inteiro A antiga Babilônia o hinduísmo o budismo e o islã também não deram as suas con 18 tribuições Como então explicamos a repentina cristalização das afirmações dos direitos humanos no final do século XVIII Os direitos humanos requerem três qualidades encadeadas devem ser naturais inerentes nos seres humanos iguais os mes mos para todo m u n d o e universais aplicáveis por toda parte Para que os direitos sejam direitos humanos todos os humanos em todas as regiões do m u n d o devem possuílos igualmente e apenas por causa de seu status como seres humanos Acabou sendo mais fácil aceitar a qualidade natural dos direitos do que a sua igualdade ou universalidade De muitas maneiras ainda estamos apren dendo a lidar com as implicações da demanda por igualdade e uni versalidade de direitos Com que idade alguém tem direito a uma plena participação política Os imigrantes nãocidadãos participam dos direitos ou não e de quais Entretanto nem o caráter natural a igualdade e a universali dade são suficientes Os direitos humanos só se tornam significa tivos quando ganham conteúdo político Não são os direitos de humanos n u m estado de natureza são os direitos de humanos em sociedade Não são apenas direitos h u m a n o s em oposição aos direitos divinos ou direitos humanos em oposição aos direitos animais são os direitos de humanos visàvis uns aos outros São portanto direitos garantidos no mundo político secular mesmo que sejam chamados sagrados e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detêm A igualdade a universalidade e o caráter natural dos direitos ganharam uma expressão política direta pela primeira vez na Declaração da Independência americana de 1776 e na Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão de 1789 Embora se referisse aos antigos direitos e liberdades estabelecidos pela lei inglesa e derivados da história inglesa a Bill ofRights inglesa de 1689 não declarava a igualdade a universalidade ou o caráter natural dos direitos Em contraste a Declaração da Independência insistia que 19 todos os homens são criados iguais e que todos possuemdireitos inalienáveis Da mesma forma a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão proclamava que Os homens nascem e per manecem livres e iguais em direitos Não os homens franceses não os homens brancos não os católicos mas os homens o que tanto naquela época como agora não significa apenas machos mas pes soas isto é membros da raça humana Em outras palavras em algum momento entre 1689 e 1776 direitos que tinham sido consi derados muito frequentemente como sendo de determinado povo o s ingleses nascidos livres por exemploforam transformados em direitos humanos direitos naturais universais o que os france ses chamavam les droits de Vhomme ou os direitos do homem 4 O S D I R E I T O S H U M A N O S E O S D I R E I T O S D O H O M E M Uma breve incursão na história dos termos ajudará a fixar o m o m e n t o do surgimento dos direitos humanos As pessoas do século xvni não usavam frequentemente a expressão direitos humanos e quando o faziam em geral queriam dizer algo dife rente do significado que hoje lhe atribuímos Antes de 1789 Jeffer son por exemplo falava com muita frequência de direitos natu rais Começou a usar o termo direitos do h o m e m somente depois de 1789 Quando empregava direitos humanos queria dizer algo mais passivo e menos político do que os direitos naturais ou os direitos do homem Em 1806 por exemplo usou o termo ao se referir aos males do tráfico de escravos Eu lhes felicito colegas cidadãos por estar próximo o período em que poderão interpor constitucionalmente a sua autoridade para afastar os cidadãos dos Estados Unidos de toda participação ulte rior naquelas violações dos direitos humanos que têm sido reitera 20 das por tanto tempo contra os habitantes inofensivos da África e que a moralidade a reputação e os melhores interesses do nosso país desejam há muito proscrever Ao sustentar que os africanos gozavam de direitos humanos Jefferson não tirava nenhuma ilação sobre os escravos negros no país Os direitos humanos pela definição de Jefferson não capaci tava os africanos muito menos os afroamericanos a agir em seu próprio nome 5 Durante o século xvni em inglês e em francês os termos direitos humanos direitos do gênero h u m a n o e direitos da humanidade se mostraram todos demasiado gerais para servir ao emprego político direto Referiamse antes ao que distinguia os humanos do divino n u m a ponta da escala e dos animais na ou tra do que a direitos politicamente relevantes como a liberdade de expressão ou o direito de participar na política Assim n u m dos empregos mais antigos 1734 de direitos da h u m a n i d a d e em francês o acerbo crítico literário Nicolas LengletDufresnoy ele próprio um padre católico satirizava aqueles monges inimitáveis do século vi que renunciavam tão inteiramente a todos os direitos da humanidade que pastavam como animais e andavam por toda parte completamente nus Da mesma forma em 1756 Voltaire podia proclamar com ironia que a Pérsia era a monarquia em que mais desfrutava dos direitos da humanidade porque os persas tinham os maiores recursos contra o tédio O termo direito humano apareceu em francês pela primeira vez em 1763 signifi cando algo semelhante a direito natural mas não pegou apesar de ser usado por Voltaire no seu amplamente influente Tratado sobre a tolerância Enquanto os ingleses continuaram a preferir direitos natu rais ou simplesmente direitos durante todo o século xvni os franceses inventaram u m a nova expressão na década de 1760 21 direitos do homem droits de lhomme Os direitos natu ralis ou a lei natural droit naturel tem ambos os significados em francês tinham histórias mais longas que recuavam centenas de anos no passado mas talvez como consequênciaos direitos naturalistinha um número exagerado de possíveis significados Às vezes significava simplesmente fazer sentido dentro da ordem tradicional Assim por exemplo o bispo Bossuet um portavoz a favor da monarquia absoluta de Luís xiv usou direito natural somente ao descrever a entrada de Jesus Cristo no céu ele entrou no céu pelo seu próprio direito natural 7 O termo direitos do homem começou a circular em francês depois de sua aparição em O contrato social 1762 de JeanJac ques Rousseau ainda que ele não desse ao termo nenhuma defini ção e ainda que ou talvez porque o usasse ao lado de direi tos da humanidadedireitos do cidadãoedireitos da soberania Qualquer que fosse a razão por volta de junho de 1763 direitos do h o m e m tinha se tornado um termo comum segundo uma revista clandestina Os atores da Comédie française representaram hoje pela primeira vez Manco uma peça sobre os incas no Peru de que falamos antes É uma das piores tragédias já construídas Há nela um papel para um selvagem que poderia ser muito belo ele recita cm verso tudo o que temos lido espalhado sobre reis liberdade e os direitos do homem em A desigualdade de condições em Emílio em O contrato social Embora a peça não empregue de fato a expressão precisa os direi tos do homem mas antes a relacionada direitos de nosso ser é claro que o termo havia entrado no uso intelectual e estava de fato diretamente associado com as obras de Rousseau Outros escrito res do Iluminismo como o barão DHolbach Raynal e Mercier adotaram a expressão nas décadas de 1770 e 1780 8 22 Antes de 1789 direitos do homem tinha poucas incursões no inglês Mas a Revolução Americana incitou o marquês de Con dorcet defensor do Iluminismo francês a dar o primeiro passo para definir os direitos do homem que para ele incluíam a segu rança da pessoa a segurança da propriedade a justiça imparcial e idônea e o direito de contribuir para a formulação das leis No seu ensaio de 1786 De linfluence de la révolution dAmérique sur lEurope Condorcet ligava explicitamente os direitos do h o m e m à Revolução Americana O espetáculo de um grande povo em que os direitos do homem são respeitados é útil para todos os outros apesar da diferença de clima costumes e constituições A Declara ção da Independência americana ele proclamava era nada menos que uma exposição simples e sublime desses direitos que são ao mesmo tempo tão sagrados e há tanto tempo esquecidos Em janeiro de 1789 EmmanuelJoseph Sieyès usou a expressão no seu incendiário panfleto contra a nobreza O que é o Terceiro Estado O rascunho de uma declaração dos direitos feito por Lafayette em janeiro de 1789 referiase explicitamente aos direitos do homem referência também feita por Condorcet no seu próprio rascunho do início de 1789 Desde a primavera de 1789 isto é mesmo antes da queda da Bastilha em 14 de julho muitos debates sobre a necessidade de uma declaração dos direitos do homem per meavam os círculos políticos franceses 9 Q u a n d o a linguagem dos direitos h u m a n o s apareceu na segunda metade do século xvin havia a princípio pouca definição explícita desses direitos Rousseau não ofereceu nenhuma explica ção quando usou o termo direitos do homem O jurista inglês William Blackstone os definiu como a liberdade natural da huma nidade isto é os direitos absolutos do h o m e m considerado como um agente livre dotado de discernimento para distinguir o bem do mal A maioria daqueles que usavam a expressão nas déca das de 1770 e 1780 na França como DHolbach e Mirabeau figu 23 ras controversas do Iluminismo referiase aos direitos do h o m e m como se fossem óbvios e não necessitassem de nenhuma justificação ou definição eram em outras palavras autoevidentes DHolbach argumentava por exemplo que se os homens temessem menos a morte os direitos do h o m e m seriam defendidos com mais ousa dia Mirabeau denunciava os seus perseguidores que não tinham nem caráter nem alma porque não têm absolutamente nenhuma ideia dos direitos dos homens Ninguém apresentou uma lista precisa desses direitos antes de 1776 a data da Declaração de Direitos da Virgínia redigida por George Mason 1 A ambiguidade dos direitos humanos foi percebida pelo pas tor calvinista jeanPaul Rabaut SaintÉtienne que escreveu ao rei francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de edito de tolerância para protestantes como ele próprio Encora jado pelo sentimento crescente em favor dos direitos do homem Rabaut insistiu sabemos hoje o que são os direitos naturais e eles certamente dão aos homens muito mais do que o edito con cede aos protestantes Chegou a hora em que não é mais acei tável que uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade que são muito bem conhecidos em todo o mundo Talvez eles fos sem bem conhecidos mas o próprio Rabaut admitia que um rei católico não podia sancionar oficialmente o direito calvinista ao culto público Em suma tudo dependiacomo ainda depende da interpretação dada ao que não era mais aceitável 1 1 C O M O O S D I R E I T O S S E T O R N A R A M A U T O E V I D E N T E S Os direitos humanos são difíceis de determinar porque sua definição e na verdade a sua própria existência depende tanto das emoções quanto da razão A reivindicação de autoevidência se baseia em última análise n u m apelo emocional ela é convincente 24 se ressoa dentro de cada indivíduo Além disso temos muita cer leza de que um direito humano está em questão quando nos senti mos horrorizados pela sua violação Rabaut SaintÉtienne sabia ue podia apelar ao conhecimento implícito do que não era mais aceitável Em 1755 o influente escritor do Iluminismo francês I enis Diderot tinha escrito a respeito do droit naturel que o uso desse termo é tão familiar que quase ninguém deixaria de ficar convencido no interior de si mesmo de que a noção lhe é obvia mente conhecida Esse sentimento interior é comum tanto para o lilósofo quanto para o h o m e m que absolutamente não refletiu omo outros de seu tempo Diderot dava apenas uma indicação vaga do significado de direitos naturais como homem concluía não tenho outros direitos naturais que sejam verdadeiramente inalienáveis a não ser aqueles da humanidade Mas ele tocara na qualidade mais importante dos direitos humanos eles requeriam certo sentimento interior amplamente partilhado 1 2 Até JeanJacques Burlamaqui o austero filósofo suíço da lei natural insistia que a liberdade só podia ser experimentada pelos sentimentos interiores de cada homem Tais provas de senti mento estão acima de toda objeção e produzem a convicção mais profundamente arraigada Os direitos humanos não são apenas nina doutrina formulada em documentos baseiamse numa dis posição em relação às outras pessoas um conjunto de convicções sobre como são as pessoas e como elas distinguem o certo e o eirado no mundo secular As ideias filosóficas as tradições legais e 1 política revolucionária precisaram ter esse tipo de ponto de refe iciicia emocional interior para que os direitos humanos fossem verdadeiramente autoevidentes E como insistia Diderot esses M i i i i m e n t o s tinham de ser experimentados por muitas pessoas Bio somente pelos filósofos que escreviam sobre eles O que sustentava essas noções de liberdade e direitos era um onjunto de pressuposições sobre a autonomia individual Para 25 ter direitos humanos as pessoas deviam ser vistas como indiví duos separados que eram capazes de exercer um julgamento moral independente como dizia Blackstone os direitos do h o m e m acompanhavam o indivíduo considerado como um agente livre dotado de discernimento para distinguir o bem do mal Mas para que se tornassem membros de uma comunidade política baseada naqueles julgamentos morais independentes esses indivíduos autônomos tinham de ser capazes de sentir empatia pelos outros Todo m u n d o teria direitos somente se todo m u n d o pudesse ser visto de um modo essencial como semelhante A igualdade não era apenas um conceito abstrato ou um slogan político Tinha de ser internalizada de alguma forma Embora consideremos naturais as ideias de autonomia e igualdade junto com os direitos humanos elas só ganharam influência no século XVIII O filósofo moral contemporâneo J B Schneewind investigou o que ele chama de a invenção da autono mia A nova perspectiva que surgiu no fim do século XVIII afirma ele centravase na crença de que todos os indivíduos normais são igualmente capazes de viver juntos numa moralidade de autocon trole Por trás desses indivíduos normais existe uma longa his tória de luta No século XVIII e de fato até o presente não se imagi navam todas as pessoas como igualmente capazes de autonomia moral Duas qualidades relacionadas mas distintas estavam impli cadas a capacidade de raciocinar e a independência de decidir por si mesmo Ambas tinham de estar presentes para que um indiví duo fosse moralmente autônomo Às crianças e aos insanos faltava a necessária capacidade de raciocinar mas eles poderiam algum dia ganhar ou recuperar essa capacidade Assim como as crianças os escravos os criados os sem propriedade e as mulheres não tinham a independência de status requerida para serem plena mente autônomos As crianças os criados os sem propriedade e talvez até os escravos poderiam um dia tornarse autônomos cres 26 cndo abandonando o serviço adquirindo uma propriedade ou 1 oinprando a sua liberdade Apenas as mulheres não pareciam ter nenhuma dessas opções eram definidas como inerentemente 1 lependentes de seus pais ou maridos Se os proponentes dos direi tos humanos naturais iguais e universais excluíam automatica mente algumas categorias de pessoas do exercício desses direitos era primariamente porque viam essas pessoas como menos do que plenamente capazes de autonomia moral 1 4 Entretanto o poder recémdescoberto da empatia podia fun cionar até contra os preconceitos mais duradouros Em 1791 o governo revolucionário francês concedeu direitos iguais aos judeus em 1792 até os homens sem propriedade foram emanci pados e em 1794 o governo francês aboliu oficialmente a escravi dão N e m a autonomia n e m a empatia estavam determinadas eram habilidades que podiam ser aprendidas e as limitações acei táveis dos direitos podiam ser e foram questionadas Os direitos não podem ser definidos de uma vez por todas porque a sua base emocional continua a se deslocar em parte como reação Is declarações de direitos Os direitos permanecem sujeitos a dis cussão porque a nossa percepção de quem tem direitos e do que são ses direitos m u d a constantemente A revolução dos direitos 1111 manos é por definição contínua A autonomia e a empatia são práticas culturais e não apenas ideias e portanto são incorporadas de forma bastante literal isto r têm dimensões tanto físicas como emocionais A autonomia niilividualdependedeuma percepção crescente da separação e do Ifáter sagrado dos corpos humanos o seu corpo é seu e o meu iOrpo é meu e devemos ambos respeitar as fronteiras entre os cor pos um do outro A empatia depende do reconhecimento de que I tutros sentem e pensam como fazemos de que nossos sentimen i interiores são semelhantes de um m o d o essencial Para ser lUtônoma u m a pessoa tem de estar legitimamente separada e 27 protegida na sua separação mas para fazer com que os direitos acompanhem essa separação corporal a individualidade de uma pessoa deve ser apreciada de forma mais emocional Os direitos humanos dependem tanto do domínio de si mesmo como do reco nhecimento de que todos os outros são igualmente senhores de si É o desenvolvimento incompleto dessa última condição que dá origem a todas as desigualdades de direitos que nos têm preocu pado ao longo de toda a história A autonomia e a empatia não se materializaram a partir do ar rarefeito do século xvni elas tinham raízes profundas Durante o longo período de vários séculos os indivíduos tinham começado a se afastar das teias da comunidade tornandose agentes cada vez mais independentes tanto legal como psicologicamente Um maior respeito pela integridade corporal e linhas de demarcação mais claras entre os corpos individuais haviam sido produzidos pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das fun ções corporais e pelo senso crescente de decoro corporal Com o tempo as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com um cônjuge na cama Usavam utensílios para comer e começaram a considerar repulsivo um comportamento antes tão aceitável como jogar comida no chão ou limpar excreções corporais nas roupas A constante evolução de noções de interioridade e profun didade da psique desde a alma cristã à consciência protestante e às noções de sensibilidade do século xvni preenchia a individuali dade com um novo conteúdo Todos esses processos ocorreram durante um longo período Mas houve um avanço repentino no desenvolvimento dessas práticas na segunda metade do século xvni A autoridade absoluta dos pais sobre os filhos foi questionada O público começou a ver os espetáculos teatrais ou a escutar música em silêncio Os retratos e as pinturas de gênero desafiaram o predomínio das grandes telas mitológicas e históricas da pintura acadêmica Os romances e os 28 i rnais proliferaram tornando as histórias das vidas comuns aces síveis a um amplo público A tortura como parte do processo judi cial e as formas mais extremas de punição corporal começaram a ser vistas como inaceitáveis Todas essas mudanças contribuíram para uma percepção da separação e do autocontrole dos corpos individuais junto com a possibilidade de empatia com outros As noções de integridade corporal e individualidade empática investigadas nos próximos capítulos têm histórias não desseme lhantes da dos direitos humanos aos quais estão intimamente rela cionadas Isto é as mudanças nos pontos de vista parecem acontecer todas ao mesmo tempo em meados do século xvni Considerese por exemplo a tortura Entre 1700 e 1750 a maioria dos empregos da palavra tortura em francês se referia às dificuldades que um escritor experimentava para encontrar uma expressão apropriada Assim Marivaux em 1724 se referia a torturar a mente para extrair reflexões A tortura isto é a tortura legalmente autorizada para obter confissões de culpa ou nomes de cúmplices tornouse uma questão de grande importância depois que Montesquieu atacou a prática no seu Espírito das leis 1748 Numa das suas passagens mais influentes Montesquieu insiste que Tantas pessoas inteligentes e tantos homens de gênio escreveram contra esta prática a tortura judicial que não ouso falar depois deles Acrescenta então um tanto enigmaticamente Eu ia dizer que talvez ela fosse apropriada para o governo despótico no qual tudo que inspira medo contribui para o vigor do governo ia dizer que os escravos entre os gregos e os romanos Mas escuto a voz da natureza gritando contra mim Aqui t ambém a autoevidênciaa voz da natureza gritandofornece o fundamento para o argumento Depois de Montesquieu Voltaire e muitos outros especialmente o italiano Beccaria se juntariam à campanha Na década de 1780 a abolição da tortura e das formas bárbaras de punição corporal tinham se tornado artigos essenciais na nova doutrina dos direitos humanos 1 5 29 As mudanças nas reações aos corpos e individualidades das outras pessoas forneceram um suporte crítico para o novo funda mento secular da autoridade política Embora Jefferson escre vesse que o seu Criador tinha dotado os homens de direitos o papel do Criador terminava ali O governo já não dependia de Deus muito menos da interpretação da vontade de Deus apresen tada por uma igreja Governos são instituídos entre os homens disse Jeffersonpara assegurar esses Direitos e eles derivam o seu poder do Consentimento dos Governados Da mesma forma a Declaração francesa de 1789 mantinha que o objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e impres critíveis do homem e que o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação A autoridade política nessa visão deri vava da natureza mais interior dos indivíduos e da sua capacidade de criar a comunidade por meio do consentimento Os cientistas políticos e os historiadores têm examinado essa concepção da autoridade política a partir de ângulos variados mas têm pres tado pouca atenção à visão dos corpos e das individualidades que a tornou possível 1 6 Meu argumento fará grande uso da influência de novos tipos de experiência desde ver imagens em exposições públicas até ler romances epistolares imensamente populares sobre o amor e o casamento Essas experiências ajudaram a difundir as práticas da autonomia e da empatia O cientista político Benedict Anderson argumenta que os jornais e os romances criaram a comunidade imaginada que o nacionalismo requer para florescer O que pode ria ser denominado empatia imaginada antes serve como funda mento dos direitos humanos que do nacionalismo É imaginada não no sentido de inventada mas no sentido de que a empatia requer um salto de fé de imaginar que alguma outra pessoa é como você Os relatos de tortura produziam essa empatia imaginada por meio de novas visões da dor Os romances a geravam induzindo 30 111 ivas sensações a respeito do eu interior Cada u m à sua maneira reforçava a noção de u m a comunidade baseada em indivíduos mlônomos e empáticos que podiam se relacionar para além de Ni ias famílias imediatas associações religiosas ou até nações com valores universais maiores 1 7 Não há n e n h u m m o d o fácil ou óbvio de provar ou mesmo medir o efeito das novas experiências culturais sobre as pessoas do século xviii muito menos sobre as suas concepções dos direitos Os isl udos científicos das reações atuais à leitura e ao ato de ver tele isio revelaramse bastante difíceis e eles têm a vantagem de exa miiiar sujeitos vivos que podem ser expostos a estratégias de pes quisa sempre mutáveis Ainda assim os neurocientistas e os psicólogos cognitivos têm feito algum progresso em ligar a biolo gia do cérebro a resultados psicológicos e no fim das contas até lociais e culturais Mostraram por exemplo que a capacidade de 1 onstruir narrativas é baseada na biologia do cérebro sendo cru cial para o desenvolvimento de qualquer noção do eu Certos tipos ilc lesões cerebrais afetam a compreensão narrativa e doenças 1 o r n o o autismo mostram que a capacidade de empatia o reco uliecimento de que os outros têm mentes como a nossa tem m na base biológica Na sua maior parte entretanto esses estudos o examinam um lado da equação o biológico Mesmo que a maioria dos psiquiatras e até alguns neurocientistas concordem U e o próprio cérebro é influenciado por forças sociais e culturais essa interação tem sido mais difícil de estudar Na verdade o pró 11 i eu tem se mostrado muito difícil de examinar Sabemos que l ei 1 íos a experiência de ter um eu mas os neurocientistas não con eguiram determinar o local dessa experiência muito menos plicar como ela funciona 1 8 Se a neurociência a psiquiatria e a psicologia ainda estão nu ei las sobre a natureza do eu então talvez não seja surpreen 1 lente que os historiadores tenham se mantido totalmente afasta 31 dos do assunto A maioria dos historiadores provavelmente acre dita que o eu é em alguma medida modelado por fatores sociais e culturais isto é que a individualidade no século x significava algo diferente do que significa para nós hoje em dia Mas pouco se sabe sobre a história da pessoa como um conjunto de experiências Os estudiosos têm escrito bastante sobre o surgimento do individua lismo e da autonomia como doutrinas porém muito menos sobre como o próprio eu poderia mudar ao longo do tempo Concordo com outros historiadores que o significado do eu muda ao longo do tempo e acredito que a experiência e não apenas a ideia da individualidade muda de forma decisiva para algumas pessoas no século xviii Meu argumento depende da noção de que ler relatos de tor tura ou romances epistolares teve efeitos físicos que se traduziram em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro como novos conceitos sobre a organização da vida social e política Os novos tipos de leitura e de visão e audição criaram novas experiências individuais empatia que por sua vez tornaram possíveis novos conceitos sociais e políticos os direitos humanos Nestas páginas tento desemaranhar como esse processo se realizou Como a his tória minha disciplina tem desdenhado por tanto tempo qual quer forma de argumento psicológico nós historiadores fala mos frequentemente de reducionismo psicológico mas nunca de reducionismo sociológico ou cultural ela tem omitido em grande parte a possibilidade de um argumento que depende de um relato sobre o que acontece dentro do eu Estou tentando voltar de novo a atenção para o que acontece dentro das mentes individuais Esse poderia parecer um lugar óbvio para procurar uma explicação das mudanças sociais e polí ticas transformadoras mas as mentes individuais salvo as dos grandes pensadores e escritores têm sido surpreendentemente negligenciadas nos trabalhos recentes das ciências humanas e 32 sociais A atenção tem se voltado para o contexto social e cultural e não para o modo como as mentes individuais compreendem e remodelam esse contexto Acredito que a mudança social e política nesse caso os direitos humanos ocorre porque muitos indi víduos tiveram experiências semelhantes não porque todos habi tassem o mesmo contexto social mas porque por meio de suas i nterações entre si e com suas leituras e visões eles realmente cria ram um novo contexto social Em suma estou insistindo que qual quer relato de mudança histórica deve no fim das contas explicar a alteração das mentes individuais Para que os direitos humanos se ornassem autoevidentes as pessoas comuns precisaram ter novas compreensões que nasceram de novos tipos de sentimentos 33 i Torrentes de emoções Lendo romances e imaginando a igualdade Um ano antes de publicar O contrato social Rousseau ganhou atenção internacional com um romance de sucesso Júlia ou A nova Heloísa 1761 Embora os leitores modernos achem que a forma do romance epistolar ou em cartas tem às vezes um desenvolvi mento torturantemente lento os leitores do século xvin reagiram de m o d o visceral O subtítulo excitou as suas expectativas pois a história medieval do amor condenado de Heloísa e Abelardo era bem conhecida Pedro Abelardo filósofo e clérigo católico do século xii seduziu a sua aluna Heloísa e pagou um alto preço nas mãos do tio dela a castração Separados para sempre os dois aman tes então trocaram cartas íntimas que cativaram leitores ao longo tios séculos A paródia contemporânea de Rousseau parecia a prin cípio apontar numa direção muito diferente A nova Heloísa Júlia também se apaixona pelo seu tutor mas desiste do miserável Saint Preux para satisfazer seu pai autoritário que exige o seu casamento comWolmar um soldado russo mais velho que no passado salvara a vida do pai de Júlia Ela não só supera a sua paixão por SaintPreux mas também parece aprender a amálo simplesmente como amigo 35 antes de morrer após salvar seu filho pequeno do afogamento Será que Rousseau procurava celebrar a submissão à autoridade do pai e do esposo ou tinha a intenção de retratar como trágico o ato de ela sacrificar os seus próprios desejos O enredo mesmo com suas ambiguidades não explica a explosão de emoções experimentada pelos leitores de Rousseau O que os comovia era a sua intensa identificação com as persona gens especialmente Júlia Como Rousseau já desfrutava de cele bridade internacional a notícia da iminente publicação do seu romance se espalhou como um rastilho de pólvora em parte por que ele lia trechos do romance em voz alta para vários amigos Embora Voltaire fizesse pouco da obra chamandoa esse lixo miserável Jean le Rond dAlembert que coeditou a Encyclopédie com Diderot escreveu a Rousseau para dizer que tinha devorado o livro e avisálo de que devia esperar ser censurado num país em que se fala tanto do sentimento e da paixão e tão pouco se os conhece O Journal desSavantsadmiúa que o romance tinha defei tos e até algumas passagens cansativas mas concluía que somente os de coração empedernido podiam resistir às torrentes de emo ções que tanto devastam a alma que provocam de forma tão impe riosa e tirânica lágrimas tão amargas 1 Os cortesãos o clero os oficiais militares e toda sorte de pes soas comuns escreviam a Rousseau para descrever seus sentimen tos de um fogo devorador suas emoções e mais emoções con vulsões e mais convulsões Um contava que não tinha chorado a morte de Júlia mas que estava gritando uivando como um ani mal figura 1 Como observou um comentarista do século xx a respeito dessas cartas os leitores do romance no século xvin não o liam com prazer mas antes com paixão delírio espasmos e solu ços A tradução inglesa apareceu dois meses após a edição original francesa seguiramse dez edições em inglês entre 1761 e 1800 Cento e quinze edições da versão francesa foram publicadas no 36 I I C U R A í O leito de morte de Júlia lista cena provocou mais sofrimento do que qualquer outra em Júlia ou Á nova Heloísa A gravura de Nicolas Delaunay baseada num desenho do famoso artista JeanMichel Moreau apareceu numa edição de 1782 das IInas reunidas de Rousseau m e s m o período para satisfazer o apetite voraz de um público internacional que lia francês 2 A leitura de Júlia predispôs os seus leitores para uma nova forma de empatia Embora Rousseau tenha feito circular o termo direitos humanos esse não é o tema principal do romance que gira em torno de paixão amor e virtude Ainda assim Júlia encora java uma identificação extremamente intensa com os personagens e com isso tornava os leitores capazes de sentir empatia além das fronteiras de classe sexo e nação Os leitores do século XVIII como as pessoas antes deles sentiam empatia por aqueles que lhes eram próximos e por aqueles que eram muito obviamente seus seme lhantes as suas famílias imediatas os seus parentes as pessoas de sua paróquia os seus iguais sociais costumeiros em geral Mas as pessoas do século XVIII tiveram de aprender a sentir empatia cru zando fronteiras mais amplamente definidas Aléxis de Tocqueville conta uma história relatada pelo secretário de Voltaire sobre madame de Châtelet que não hesitava em se despir na frente de seus criados não considerando ser um fato comprovado que os cama reiros fossem homens Os direitos humanos só podiam fazer sen tido quando os camareiros fossem também vistos como homens 3 R O M A N C E S E E M P A T I A Romances como Júlia levavam os leitores a se identificar com personagens comuns que lhes eram por definição pessoalmente desconhecidos Os leitores sentiam empatia pelos personagens especialmente pela heroína ou pelo herói graças aos mecanismos da própria forma narrativa Por meio da troca fictícia de cartas em outras palavras os romances epistolares ensinavam a seus leitores nada menos que uma nova psicologia e nesse processo estabele ciam os fundamentos para uma nova ordem política e social Os romances tornavam a Júlia da classe média e até criados como 38 I ameia a heroína do romance de mesmo nome escrito por Samuel Richardson igual e mesmo superior a homens ricos como o sr B o empregador e futuro sedutor de Pamela Os romances apresen tavam a ideia de que todas as pessoas são fundamentalmente seme lhantes por causa de seus sentimentos íntimos e muitos romances mostravam em particular o desejo de autonomia Dessa forma a leitura dos romances criava um senso de igualdade e empatia por meio do envolvimento apaixonado com a narrativa Seria coinci dência que os três maiores romances de identificação psicológica do século XVIII Pamela 1740 e Clarissa 17478 de Richard son e Júlia 1761 de Rousseau tenham sido todos publicados no período que imediatamente precedeu o surgimento do con ceito dos direitos do homem Não é preciso dizer que a empatia não foi inventada no século XVIII A capacidade de empatia é universal porque está arraigada na biologia do cérebro depende de uma capacidade de base bioló gica a de compreender a subjetividade de outras pessoas e ser capaz de imaginar que suas experiências interiores são semelhan tes às nossas As crianças que sofrem de autismo por exemplo têm grande dificuldade em decodificar as expressões faciais como indi cadoras de sentimentos e em geral enfrentam problemas para atri buir estados subjetivos a outros O autismo em suma é caracteri zado pela incapacidade de sentir empatia pelos outros 4 Normalmente todo m u n d o aprende a sentir empatia desde uma tenra idade Embora a biologia propicie uma predisposição essencial cada cultura modela a expressão de empatia a seu modo A empatia só se desenvolve por meio da interação social portanto as formas dessa interação configuram a empatia de maneiras importantes No século xviii os leitores de romances aprenderam a estender o seu alcance de empatia Ao ler eles sentiam empatia além de fronteiras sociais tradicionais entre os nobres e os plebeus os senhores e os criados os homens e as mulheres talvez até entre 39 os adultos e as crianças Em consequência passavam a ver os ou tros indivíduos que não conheciam pessoalmentecomo seus semelhantes tendo os mesmos tipos de emoções internas Sem esse processo de aprendizado a igualdade talvez não tivesse um significado profundo e em particular n e n h u m a consequência política A igualdade das almas no céu não é a mesma coisa que direitos iguais aqui na terra Antes do século xvin os cristãos acei tavam prontamente a primeira sem admitir a segunda A capacidade de identificação através das linhas sociais pode ter sido adquirida de várias maneiras e não me atrevo a dizer que a leitura de romances tenha sido a única Ainda assim ler roman ces parece especialmente pertinente em parte porque o auge de determinado tipo de r o m a n c e o repistolarcoincide cronolo gicamente com o nascimento dos direitos humanos O romance epistolar cresceu como gênero entre as décadas de 1760 e 1780 e depois um tanto misteriosamente extinguiuse na década de 1790 Romances de todos os tipos tinham sido publicados antes mas eles decolaram como gênero no século xvill especialmente depois de 1740 a data da publicação de Pamela de Richardson Na França oito novos romances foram publicados em 1701 52 em 1750 e 112 em 1789 Na GrãBretanha o número de novos roman ces aumentou seis vezes entre a primeira década do século xvin e a década de 1760 cerca de trinta novos romances apareceram todo ano na década de 1770 quarenta por ano na de 1780 e setenta por ano na de 1790 Além disso mais pessoas sabiam ler e os romances de então apresentavam pessoas comuns como personagens cen trais enfrentando os problemas cotidianos do amor e do casa mento e construindo sua carreira no mundo A capacidade de ler e escrever tinha aumentado a ponto de até criados homens e mulhe res lerem romances nas grandes cidades embora a leitura de romances não fosse então nem seja agora comum entre as classes baixas Os camponeses franceses que chegavam a constituir 80 da população não tinham o costume de ler romances isso quando sabiam ler 5 Apesar das limitações do leitorado os heróis e as heroínas comuns do romance do século xvin de Robinson Crusoé e Tom Jones a Clarissa Harlowe e Julie dÉtanges tornaramse nomes familiares mesmo ocasionalmente para aqueles que não sabiam ler Os personagens aristocráticos como D o m Quixote e a princesa de Clèves tão proeminentes nos romances do século xvii agora davam lugar a criados marinheiros e moças da classe média enquanto filha de um pequeno nobre suíço até Júlia parece bem classe média A escalada extraordinária do romance à preemi nência no século xvin não passou despercebida e os estudiosos a ligaram ao longo dos anos ao capitalismo às ambições da classe média ao crescimento da esfera pública ao surgimento da família nuclear a u m a m u d a n ç a nas relações de gênero e até ao surgi mento do nacionalismo Quaisquer que tenham sido as razões para o desenvolvimento do romance o meu interesse é pelos seus efeitos psicológicos e pelo m o d o como ele se liga ao surgimento dos direitos humanos Para chegar ao estímulo da identificação psicológica propor cionado pelo romance concentrome sobre três romances episto lares especialmente influentes f tília de Rousseau e dois romances de seu predecessor inglês e modelo confesso Samuel Richardson Pamelal740 e Clarissa 17478 O meu argumento poderia ter abarcado o romance do século xvin em geral e teria então conside rado as muitas mulheres que escreveram romances e os persona gens masculinos como Tom Jones ou Tristram Shandy que defi nitivamente t a m b é m receberam muita atenção Decidi me concentrar em Júlia Pamela e Clarissa três romances escritos por homens e centrados em heroínas por causa de seu indiscutível impacto cultural Eles não produziram sozinhos as mudanças na empatia aqui traçadas mas um exame mais detalhado de sua 4 1 40 recepção certamente mostra o novo aprendizado da empatia em ação Para compreender o que era novo a respeito do romance um rótulo só adotado pelos escritores na segunda metade do século xviii é proveitoso ver o que romances específicos provo cavam em seus leitores No romance epistolar não há nenhum ponto de vista autoral fora e acima da ação como mais tarde no romance realista do século xix o ponto de vista autoral são as perspectivas dos perso nagens expressas em suas cartas Os editores das cartas como Richardson e Rousseau se denominavam criavam uma sensação vívida de realidade exatamente porque a sua autoria ficava obscu recida dentro da troca de cartas Isso tornava possível uma sensa ção intensificada de identificação como se o personagem fosse real e não fictício Muitos contemporâneos comentaram essa expe riência alguns com alegria e assombro outros com preocupação e até repulsa A publicação dos romances de Richardson e Rousseau pro duziu reações instantâneas e não apenas nos países em que foram originalmente publicados Um francês anônimo que agora se sabe que era um clérigo publicou uma carta de 42 páginas em 1742 detalhando a ávida recepção dada à tradução francesa de Pamela Não se pode entrar n u m a casa sem encontrar u m a Pamela Embora afirme que o romance tem muitos defeitos o autor confessa Eu o devorei Devorar se tornaria a metáfora mais comum para a leitura desses romances Ele descreve a resis tência de Pamela às investidas do sr B seu patrão como se eles fos sem antes pessoas reais que personagens fictícios Descobrese preso pelo enredo Treme quando Pamela está em perigo sente indignação quando personagens aristocráticos como o sr B agem de forma indigna A sua escolha de palavras e tipo de linguagem reforçam repetidamente a sensação de absorção emocional criada pela leitura 7 42 O romance composto de cartas podia produzir esses efeitos psicológicos extraordinários porque a sua forma narrativa facili tava o desenvolvimento de um personagem isto é u m a pessoa com um eu interior N u m a das primeiras cartas de Pamela por exemplo a nossa heroína descreve para a mãe como o seu patrão tentou seduzila Ele me beijou duas ou três vezes com uma avidez assustadoraPor fim arranqüeime de seus braços e estava saindo do pavilhão mas ele me reteve e fechou a porta Eu teria dado a minha vida por um vintém E ele disse não vou lhe fazer mal Pamela não tenha medo de mim Eu disse não vou ficar Não vai garota Disse ele Você sabe com quem está falando Perdi todo o medo e todo o respeito e disse Sim sei senhor até demais Bem que posso esquecer que sou sua criada quando o senhor esquece o que é próprio de um patrão SOLU CEI e chorei com muita tristeza Que garota tola você é disse ele Eu lhe fiz algum mal Sim senhor disse eu o maior mal do mundo o senhor me ensinou a esquecer quem eu sou e o que me é próprio e diminuiu a distância que o destino criou entre nós rebaixandose para tomar liberdades com uma pobre criada Lemos a carta junto com a mãe Nenhum narrador nem mesmo aspas se interpõem entre nós e a própria Pamela Não podemos deixar de nos identificar com Pamela e experimentar com ela a eli minação potencial da distância social bem como a ameaça à sua compostura figura 2 8 Embora tenha muitas qualidades teatrais e seja representada para a mãe de Pamela por meio da escrita a cena difere também do teatro porque Pamela pode escrever com mais detalhes sobre suas emoções interiores Muito mais tarde ela escreverá páginas sobre suas ideias de suicídio quando seus planos de fuga fracassam Uma peça em contraste não poderia se demorar dessa maneira sobre a 43 FIGURA 2 O sr B lê uma das cartas de Pamela a seus pais Numa das cenas iniciais do romance o sr B se aproxima impetuosamente de Pamela e pede para ver a carta que ela está escrevendo Escrever é o meio de autonomia de Pamela Os artistas e os editores não resistiram a acrescentar repre sentações visuais das principais cenas A gravura do artista holandês Jan Punt apareceu numa antiga tradução francesa publicada em Amsterdã manifestação de um eu interior que no palco em geral tem de ser i nferido a partir da ação ou da fala Um romance de muitas cente nas de páginas podia revelar um personagem ao longo do tempo e ai nda por cima a partir da perspectiva do eu interior O leitor não segue apenas as ações de Pamela ele participa do florescimento de sua personalidade enquanto ela escreve O leitor se torna simulta neamente Pamela mesmo quando se imagina uma amigoa dela e um observador de fora Assim que se tornou conhecido como o autor de Pamela em 1741 ele publicou o romance anonimamente Richardson come çou a receber cartas a maioria de entusiastas O seu amigo Aaron I lill proclamou que o romance era a alma da religião boa educa ção discrição bom caráter espirituosidade fantasia belos pensa mentos e moralidade Richardson tinha enviado um exemplar para as filhas de Aaron no início de dezembro de 1740 e Hill rabis cou u m a resposta imediata Não tenho feito nada senão ler o romance para outros e escutar que outros o leiam para mim desde que me chegou às mãos e acho provável que não faça nada mais por só Deus sabe quanto tempo ainda por vir ele se apodera Iodas as noites da imaginação Tem um feitiço em cada uma de suas páginas mas é o feitiço da paixão e do significado O livro como que enfeitiçava os seus leitores A narrativaa troca de car las arrebatava inesperadamente a todos introduzindoos n u m novo conjunto de experiências 9 Hill e suas filhas não estavam sozinhos A loucura por Pamela logo tragou a Inglaterra Numa vila diziase os habitantes toca ram os sinos da igreja depois de escutar o rumor de que o sr B linha finalmente se casado com Pamela Uma segunda impressão apareceu em janeiro de 1741 o original foi publicado em 6 de novembro de 1740 uma terceira em março uma quarta em maio e uma quinta em setembro A essa altura outros já tinham escrito paródias críticas extensas poemas e imitações do original A elas 45 deveriam se seguir com o passar dos anos muitas adaptações tea trais pinturas e gravuras das cenas principais Em 1744 a tradução francesa entrou para o índex papal dos livros proibidos onde logo se veria acompanhada de Júlia de Rousseau junto com muitas outras obras do Iluminismo Nem todo mundo encontrava nesses roman ces a alma da religião ou a moralidade que Hill afirmara ver 1 0 Quando Richardson começou a publicar Clarissa em dezem bro de 1747 as expectativas eram elevadas Quando os últimos volumes foram sete ao todo cada um com trezentas a quatrocen tas páginas apareceram em dezembro de 1748 Richardson já tinha recebido cartas implorando que ele oferecesse um final feliz Clarissa foge com o devasso Lovelace para escapar do pretendente abominável proposto pela sua família Ela então tem de resistir a Lovelace que acaba estuprando Clarissa depois de drogála Ape sar do oferecimento arrependido de casamento por parte de Love lace e de seus próprios sentimentos pelo sedutor Clarissa morre o coração partido pelo ataque do devasso à sua virtude e à sua consciência de si mesma Lady Dorothy Bradshaigh contou a Richardson a sua reação à cena da morte O meu ânimo é estra nhamente arrebatado meu sono é agitado acordando à noite irrompo n u m choro de paixão como t a m b é m me aconteceu à hora do café esta manhã e como me acontece neste momento O poeta Thomas Edwards escreveu em janeiro de 1749 Nunca senti tanta tristeza na minha vida como por essa querida menina refe rida anteriormente como a divina Clarissa 1 1 Clarissa agradou mais aos leitores cultos que ao público em geral mas ainda assim teve cinco edições nos treze anos seguintes e foi logo traduzido para o francês 1751 o alemão 1751 e o holandês 1755 Um estudo das bibliotecas particulares monta das entre 1740 e 1760 mostrou que Pamela e Clarissa estavam entre os três romances ingleses Tom Jones de Henry Fielding era o ter ceiro com mais probabilidade de serem encontrados nelas O 46 lamanho de Clarissa sem dúvida desanimou alguns leitores mesmo antes de os trinta volumes manuscritos irem para o prelo Richardson se preocupou e tentou cortar o romance Um boletim literário parisiense apresentou um julgamento misto sobre a lei tura da tradução francesa Ao ler este livro experimentei algo nem um pouco c o m u m o mais intenso prazer e o mais aborrecido tédio Mas dois anos mais tarde outro colaborador do boletim anunciou que o gênio de Richardson ao apresentar tantos perso nagens individualizados tornava Clarissa talvez a obra mais sur preendente que já surgiu das mãos de um homem 1 2 Embora Rousseau acreditasse que o seu romance era superior ao de Richardson ele ainda assim considerava Clarissa o melhor de todo o resto Ninguém ainda escreveu em qualquer língua um romance igual a Clarissa nem mesmo algum que dele se aproxime As comparações entre Júlia e Clarissa continuaram por todo o século JeanneMarie Roland esposa de um ministro e coordena dor informal da facção política girondina durante a Revolução I rancesa confessou a um amigo em 1789 que ela relia o romance de Rousseau todo ano mas ainda considerava a obra de Richardson o i ume da perfeição Não há ninguém no mundo que apresente um romance capaz de suportar uma comparação com Clarissa é a obraprima do gênero o modelo e o desespero de todo imitador Tanto os homens como as mulheres se identificavam com as I moinas desses romances Pelas cartas a Rousseau sabemos que os homens mesmo os oficiais militares reagiam intensamente a Iiília Um certo Louis François oficial militar aposentado escre veu a Rousseau Você me deixou louco por ela Imagine então as lagrimas que sua morte arrancou de mim Nunca verti lágri mas mais deliciosas Essa leitura teve um efeito tão poderoso sobre mim que acredito que teria morrido de b o m grado durante aquele MI premo momento Alguns leitores reconheciam explicitamente i sua identificação com a heroína C J Panckoucke que se torna 47 ria um famoso editor disse a Rousseau Senti passar pelo meu cora ção a pureza das emoções de Júlia A identificação psicológica que conduz à empatia cruzava claramente as fronteiras de gênero Os lei tores masculinos de Rousseau não só não se identificavam com SaintPreux o amante a que Júlia é forçada a renunciar como sen tiam ainda menos empatia por Wolmar o seu manso esposo ou pelo barão DÉtanges o seu pai tirânico Como as leitoras os homens se identificavam com a própria Júlia A luta de Júlia para dominar as suas paixões e levar uma vida virtuosa tornavase a sua luta 1 4 Pela sua própria forma portanto o romance epistolar era capaz de demonstrar que a individualidade dependia de qualida des de interioridade ter um âmago pois os personagens expressam seus sentimentos íntimos nas suas cartas Além disso o romance epistolar mostrava que todos os indivíduos tinham essa interioridade muitos dos personagens escrevem e conse quentemente que todos os indivíduos eram de certo modo iguais porque todos eram semelhantes por possuir essa interioridade A troca de cartas torna a criada Pamela por exemplo antes um modelo de individualidade e autonomia orgulhosa que um este reótipo dos oprimidos Como Pamela Clarissa e Júlia passam a representar a própria individualidade Os leitores se tornam mais conscientes da capacidade que existe em si próprio e em todos os outros indivíduos 1 5 Desnecessário dizer que nem todos experimentaram os mes mos sentimentos ao ler esses romances O sagaz romancista inglês Horace Walpole zombava das lamentações tediosas de Richard sonque são quadros da vida elevada como seriam concebidos por um livreiro e romances como seriam espiritualizados por um pro fessor metodista Entretanto muitos sentiram rapidamente que Richardson e Rousseau tinham mexido n u m nervo cultural vital Apenas um mês depois da publicação dos volumes finais de Cla rissa Sarah Fielding a irmã do grande rival de Richardson e ela 48 própria uma romancista de sucesso publicou anonimamente um panfleto de 56 páginas defendendo o romance Embora seu irmão I lenry tivesse publicado um dos primeiros artigos satíricos sobre Pamela An apologyfor the life ofmrs Shamela Andrews in which lhe many notoriousfalsehoods and misrepresentations ofa Book cal led Pamela are exposed and refuted Uma apologia à vida da sra Shamela Andrews na qual as muitas falsidades e deturpações de um livro chamado Pamelasão desmascaradas e refutadas 1741 ela l i nha se tornado uma boa amiga de Richardson que publicou um tle seus romances Uma das suas personagens fictícias o sr Clark insiste que Richardson conseguiu atraílo de tal modo para dentro da teia de ilusões que de minha parte estou intimamente familia rizado com todos os Harlow sic como se os tivesse conhecido desde os primeiros anos da minha infância Outra personagem a srta Gibson insiste nas virtudes da técnica literária de Richard son Muito verdadeiro senhor é o seu comentário de que u m a história contada dessa maneira só pode se desenrolar lentamente de que os personagens só podem ser vistos por aqueles que pres tam uma atenção precisa ao conjunto entretanto o autor ganha u m a vantagem escrevendo n o tempo presente como ele próprio o chama e na primeira pessoa o fato de que as suas pinceladas pene t i a m imediatamente n o coração e sentimos todas a s desgraças que ele pinta não só choramos por mas com Clarissa e a acompanha mos passo a passo por todas as suas desgraças 1 O célebre fisiologista e estudioso literário suíço Albrecht von I laller publicou uma apreciação anônima de Clarissa em Gentle inans Magazine em 1749 Von Haller lutou com todas as forças para compreender a originalidade de Richardson Embora apre 1 iasse as muitas virtudes de romances franceses anteriores Von I laller insistia que eles não ofereciam geralmente nada mais do que representações das ilustres ações de pessoas ilustres en quanto no romance de Richardson o leitor vê um personagem na 49 mesma posição de vida em que nós próprios nos encontramos O autor suíço examinou atentamente o formato epistolar Embora os leitores talvez tivessem dificuldade em acreditar que todos os per sonagens gostavam de passar o seu tempo registrando os seus sen timentos e pensamentos íntimos o romance epistolar podia apresentar retratos minuciosamente acurados de personagens in dividuais e com isso evocar o que Haller chamava de compaixão O patético nunca foi exposto com igual força e é manifesto em milhares de exemplos que os temperamentos mais empedernidos e insensíveis têm sido suavizados até a compaixão derretendose em lágrimas pela morte pelos sofrimentos e pelas tristezas de Cla rissa Ele concluía que Não conhecemos nenhuma representa ção em nenhuma língua que chegue perto de poder competir com esse romance 1 7 D E G R A D A Ç Ã O O U M E L H O R A Os contemporâneos sabiam por suas próprias experiências que a leitura desses romances tinha efeitos sobre os corpos e não apenas sobre as mentes mas discordavam entre si sobre as con sequências O clero católico e protestante denunciava o potencial de obscenidade sedução e degradação moral Já em 1734 Nico las LengletDufresnoy ele próprio um clérigo educado na Sor bonne achou necessário defender os romances contra os seus colegas ainda que sob um pseudônimo Refutou provocadora mente todas as objeções que levavam as autoridades a proibir romances como estímulos que servem para inspirar em nós sen timentos que são demasiado vivos e demasiado acentuados Insistindo que os romances eram apropriados em qualquer período ele concedia que em todos os tempos a credulidade o amor e as mulheres têm reinado assim em todos os tempos os 50 romances têm sido lidos com atenção e saboreados Seria melhor concentrarse em tornálos bons sugeria do que tentar suprimilos por completo 1 8 Os ataques não terminaram quando a produção de romances disparou em meados do século Em 1755 outro clérigo católico o abade ArmandPierre Jacquin escreveu u m a obra de quatrocentas páginas para mostrar que a leitura de romances solapava a mora I idade a religião e todos os princípios da ordem social Abram essas obras ele insistia e vocês verão em quase todas os direitos ila justiça divina e humana violados a autoridade dos pais sobre os filhos desdenhada os laços sagrados do casamento e da amizade rompidos O perigo residia precisamente nos seus poderes de atração ao martelar constantemente as seduções do amor eles estimulavam os leitores a agir segundo seus piores impulsos a recusar o conselho de seus pais e da igreja a ignorar as censuras morais da comunidade O único lado b o m em que Jacquin podia pensar era a falta de uma força duradoura nos romances O leitor podia devorar um romance na primeira leitura mas jamais o reler Eu estava errado em profetizar que o romance de Pamela logo seria esquecido Acontecerá o mesmo em três anos com Tom lonese Clarissa 1 Queixas semelhantes fluíam das penas dos protestantes ingle ses O reverendo Vicesimus Knox resumiu décadas de ansiedades subsistentes em 1779 quando proclamou que os romances eram degenerados prazeres culpados que desviavam as jovens inteli gências de u m a leitura mais séria e edificante A excitação nos romances britânicos só servia para disseminar os hábitos liberti nos franceses e explicava a corrupção da presente era Os roman ces de Richardson admitia Knox tinham sido escritos com as i ntenções mais puras Mas inevitavelmente o autor tinha narrado cenas e excitado sentimentos que eram incompatíveis com a vir tude Os clérigos não estavam sozinhos no seu desprezo pelo 51 romance Uma estrofe em Ladys Magazine de 1771 resumia uma visão amplamente partilhada With Pamela by name No better acquainted For as novels I hate My mind is not tainted Pamela só de nome Mais não conheço Como romances odeio Minha mente é sem defeito Muitos moralistas temiam que os romances semeassem descon tentamento especialmente na mente de criados e moças 2 O médico suíço SamuelAuguste Tissot ligava a leitura de romances à masturbação que ele pensava provocar uma degene ração física mental e moral Tissot acreditava que os corpos ten diam naturalmente a se deteriorar e que a masturbação apressava o processo tanto nos homens como nas mulheres Só o que posso dizer é que o ócio a inatividade ficar tempo demais na cama uma cama que seja demasiado macia uma dieta rica picante salgada e cheia de vinhos amigos suspeitos e livros licenciosos são as causas mais propensas a gerar esses excessos Com licenciosos Tissot não queria dizer abertamente pornográficos n o século XVIII licencioso significava algo que tendia ao erótico mas era distinto do muito mais objetável obsceno Os romances sobre o amor e a maioria dos romances do século xvni contava histórias de amor escorregavam muito facilmente para a categoria dos licencio sos Na Inglaterra as moças nos internatos pareciam especial mente em perigo por causa de sua capacidade de conseguir esses livros imorais e repugnantes para lêlos na cama 2 1 Assim os clérigos e os médicos concordavam em ver a leitura de romances em termos de p e r d a d e tempo de fluidos vitais de religião e de moralidade Supunham que a leitora imitaria a ação do romance e se arrependeria mais tarde Uma leitora de Clarissa por exemplo poderia desconsiderar os desejos da sua família e concordar como Clarissa em fugir com um devasso tipo Lovelace que a conduziria por bem ou por mal à sua ruína Em 1792 um crítico inglês anônimo ainda insistia que o aumento de romances ajuda a explicar o aumento da prostituição e os inúmeros adulté rios e fugas de que ouvimos falar nas diferentes regiões do reino Segundo essa visão os romances estimulavam exageradamente o corpo encorajavam uma absorção em si mesmo moralmente sus peita e provocavam ações destrutivas em relação à autoridade familiar moral e religiosa 2 2 Richardson e Rousseau reivindicavam antes o papel de edi lor que o de autor para que pudessem se esquivar da má reputa ção associada aos romances Q u a n d o publicou Pamela Richard son nunca se referia à obra como um romance O título completo da primeira edição é um estudo sobre protestos excessivos Pamela Ou a virtude recompensada Numa série de cartas fami liares de uma bela bonzela a seus pais agora publicadas pela pri meira vez para cultivar os princípios da virtude e religião nas men tes de jovens de ambos os sexos Uma narrativa que tem o seu fundamento na verdade e na natureza e ao mesmo tempo em que agradavelmente entretém por uma variedade de incidentes curio sos e patéticos é inteiramente despida de todas aquelas imagens que em muitas obras calculadas apenas para a diversão tendem a inflamaras mentes que deveriam instruir O prefácio pelo editor Richardson justifica a publicação das seguintes Cartas em ter mos morais elas instruirão e aperfeiçoarão as mentes dos jovens inculcarão a religião e a moralidade pintarão o vício em suas cores apropriadas etc 2 3 53 52 Embora também se referisse a si mesmo como editor Rous seau claramente considerava sua obra um romance Na primeira frase do prefácio de Júlia Rousseau ligava os romances à sua famosa crítica do teatro As grandes cidades devem ter teatros e os povos corruptos Romances Como se isso não fosse aviso sufi ciente Rousseau também apresentava um prefácio que consistia n u m a Conversa sobre Romances entre o Editor e um H o m e m de Letras Nele o personagem R Rousseau apresenta todas as acusações habituais contra o romance por ele brincar com a ima ginação para criar desejos que os leitores não podem satisfazer virtuosamente Escutamos a queixa de que os Romances perturbam as mentes das pessoas posso muito bem acreditar Ao dispor interminavelmente diante dos olhos dos leitores os pretensos encantos de um estado que não é o deles eles os seduzem levamnos a ver o seu próprio estado com desprezo e trocamno na imaginação por um estado que os leitores são induzidos a amar Tentando ser o que não somos passamos a acreditar que somos diferentes do que somos e esse é o caminho para a loucura E mesmo assim Rousseau passa então a apresentar um romance a seus leitores Ele até atirou a luva em desafio Se alguém quer me criticar por têlo escrito diz Rousseau que ele o diga para todas as pessoas do m u n d o menos para mim De minha parte jamais poderia ter qualquer estima por um h o m e m desses O livro pode ria escandalizar quase todo mundo Rousseau alegremente admi te mas ao menos não proporcionará apenas um prazer tépido Rousseau esperava plenamente que os seus leitores tivessem rea ções violentas 2 4 Apesar das preocupações de Richardson e Rousseau a res peito de suas reputações alguns críticos já tinham começado a 54 I esenvolver uma visão muito mais positiva do funcionamento do romance Já ao defender Richardson Sarah Fielding e Von Haller i i nham chamado atenção para a empatia ou compaixão estimulada I cla leitura de Clarissa Nessa nova visão os romances operavam sobre os leitores para tornálos mais compreensivos em relação aos outros em vez de apenas absorvidos em si mesmos e assim mais morais e não menos Um dos defensores mais articulados do romance foi Diderot autor do artigo sobre o direito natural para a üncyclopéâie e ele próprio um romancista Quando Richardson morreu em 1761 Diderot escreveu um panegírico comparandoo aos maiores autores entre os antigos Moisés Homero Eurípides e Sófocles Diderot se alongou mais entretanto sobre a imersão do leitor no m u n d o do romance Apesar de todas as precauções assumese um papel nas suas obras somos lançados nas conversas aprovamos censuramos admiramos ficamos irritados sentimos i ndignação Quantas vezes não me surpreendi gritando como acon tece com as crianças que foram levadas ao teatro pela primeira vez N ão acredite ele está enganando você Se você for lá estará per dido A narrativa de Richardson cria a impressão de que você está 1 resente reconhece Diderot e ainda mais que esse é o seu mundo e i ião um país muito distante não um local exótico não um conto de ladas Os seus personagens são tirados da sociedade comum as paixões que ele pinta são as que sinto em m i m mesmo 2 5 Diderot não usa os termos identificação ou empatia mas apresenta uma descrição convincente dos dois Nós nos reconhece mos nos personagens ele admite saltamos imaginativamente para 0 meio da ação sentimos os mesmos sentimentos que os persona gens estão experimentando Em suma aprendemos a sentir empa 1 ia por alguém que não é nós mesmos e não pode jamais ter contato direto conosco ao contrário digamos dos membros da nossa la mília mas que ainda assim de um modo imaginativo é também nós mesmos sendo esse um elemento crucial na identificação Esse 55 processo explica por que Panckoucke escreveu para Rousseau Senti passar pelo meu coração a pureza das emoções de Júlia A empatia depende da identificação Diderot percebe que a técnica narrativa de Richardson o atrai inelutavelmente para essa experiência É uma espécie de incubadora do aprendizado emo cional No espaço de algumas horas passei por um grande número de situações que a mais longa das vidas não pode nos ofe recer ao longo de sua total duração Senti que tinha adquirido experiência Diderot se identifica tanto com os personagens que se sente roubado no final do romance Tive a mesma sensação que experimentam os homens que intimamente entrelaçados viveram juntos por um longo tempo e agora estão a ponto de se separar No final tive de repente a impressão de que haviam me deixado sozinho 2 6 Diderot simultaneamente perdeu a si mesmo na ação e recu perou a si mesmo na leitura Ele tem uma percepção mais nítida da separação de seu eu agora se sente solitário mas também percebe com mais clareza que os outros também possuem uma individualidade Em outras palavras tem o que ele próprio cha mava aquele sentimento interior que é necessário aos direitos humanos Diderot compreende além disso que o efeito do romance é inconsciente Nós nos sentimos atraídos para o bem com uma impetuosidade que não reconhecemos Quando con frontados com a injustiça experimentamos uma aversão que não sabemos como explicar para nós mesmos O romance exerce o seu efeito pelo processo de envolvimento na narrativa e não por dis cursos moralizadores explícitos 2 7 A leitura de ficção recebeu o seu tratamento filosófico mais sério no livro Elements of Criticism 1762 de Henry Home lorde Kames O jurista e filósofo escocês não discutia os romances de per si na obra mas argumentava que a ficção em geral cria uma espé cie de presença ideal ou sonho acordado em que o leitor se ima 56 gina transportado para a cena descrita Kames descrevia essa pre sença ideal como um estado de transe O leitor é lançado numa espécie de devaneio e perdendo a consciência do eu e da leitura sua presente ocupação concebe todo incidente como se ocorresse na sua presença precisamente como se ele fosse u m a testemunha cular O que é mais importante para Kames é que essa transfor i nação promove a moralidade A presença ideal abre o leitor para sentimentos que reforçam os laços da sociedade Os indivíduos são a trancados de seus interesses privados e motivados a desempenhar a tos de generosidade e benevolência A presença ideal era outro termo para o feitiço da paixão e do significado de Aaron Hill 2 8 Thomas Jefferson aparentemente partilhava essa opinião uando Robert Skipwith que se casou com a meiairmã da esposa de Jefferson escreveu a ele em 1771 pedindo u m a lista de livros i ecomendados Jefferson sugeriu muitos dos clássicos antigos e modernos de política religião direito ciência filosofia e história lilements of Criticism de Kames estava na lista mas Jefferson come Çou o seu catálogo com poesia peças teatrais e romances incluin do os de Laurence Sterne Henry Fielding JeanFrançois Mar montel Oliver Goldsmith Richardson e Rousseau Na carta que acompanhava a lista de leituras Jefferson se tornava eloquente sobre as diversões da ficção Como Kames ele insistia que a fic 0 poderia gravar na memória tanto os princípios c o m o a prática di virtude Citando especificamente Shakespeare Marmontel e eme Jefferson explicava que ao ler essas obras experimentamos m nós próprios o forte desejo de praticar atos caridosos e gratos inversamente ficamos repugnados com as más ações ou a con duta imoral A ficção ele insistia produz o desejo da imitação moral com uma eficácia ainda maior que a da leitura de história 2 9 Em última análise o que estava em jogo nesse conflito de opi i sobre o romance era nada menos do que a valorização da v i l i secular c o m u m como o fundamento da moralidade Aos 57 olhos dos críticos da leitura desse gênero a simpatia por u m a heroína de romance estimulava o que havia de pior no indivíduo desejos ilícitos e autorrespeito excessivo e demonstrava a dege neração irrevogável do m u n d o secular Para os adeptos da nova visão de moralização empática em contraste essa identificação mostrava que o despertar de uma paixão podia ajudar a transfor mar a natureza interior do indivíduo e produzir uma sociedade mais moral Acreditavam que a natureza interior dos humanos fornecia uma base para a autoridade social e política 3 Assim o feitiço mágico lançado pelo romance mostrou ter efeitos de longo alcance Embora os adeptos do romance não o dis sessem tão explicitamente eles compreendiam que escritores como Richardson e Rousseau estavam efetivamente atraindo os seus leitores para a vida cotidiana como uma espécie de experiên cia religiosa substituta Os leitores aprendiam a apreciar a intensi dade emocional do comum e a capacidade de pessoas como eles de criar por sua própria conta um mundo moral Os direitos huma nos cresceram no canteiro semeado por esses sentimentos Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas apren deram a pensar nos outros como seus iguais como seus semelhan tes em algum modo fundamental Aprenderam essa igualdade ao menos em parte experimentando a identificação com persona gens comuns que pareciam dramaticamente presentes e familia res mesmo que em última análise fictícios 3 O E S T R A N H O D E S T I N O D A S M U L H E R E S Nos três romances aqui escolhidos o foco da identificação psicológica é uma jovem personagem feminina criada por um autor masculino É claro ocorria também a identificação com per sonagens masculinos Jefferson por exemplo seguia avidamente a 58 sorte de Tristram Shandy 175967 de Sterne e do alter ego de Sterne Yorick em Uma viagem sentimental 1768 As escritoras tinham também os seus entusiastas tanto entre os leitores como entre as leitoras O abolicionista e reformador penal francês Jac quesPierre Brissot citava Júlia constantemente mas o seu roman ce inglês favorito era Cecília 1782 de Fanny Burney C o m o o exemplo de Burney confirma entretanto as personagens femini nas possuíam uma posição elevada todos os seus três romances tinham os nomes das heroínas apresentadas 3 2 As heroínas eram convincentes porque a sua busca de auto nomia nunca podia ser plenamente bemsucedida As mulheres tinham poucos direitos legais sem os pais ou maridos Os leitores achavam a busca de independência da heroína especialmente comovente porque logo compreendiam as restrições que essa mulher inevitavelmente enfrentava N u m final feliz Pamela se casa com o sr B e aceita os limites implícitos de sua liberdade Em contraste Clarissa morre em vez de se casar com Lovelace depois que ele a estupra Embora Júlia pareça aceitar a imposição do pai renunciando ao homem que ama ela também morre na cena final Alguns críticos modernos têm visto masoquismo ou martírio nessas histórias mas os contemporâneos podiam ver outras carac terísticas Tanto os leitores como as leitoras se identificavam com essas personagens porque as mulheres demonstravam muita força de vontade muita personalidade Os leitores não queriam apenas salvar as heroínas queriam ser como elas até mesmo como Clarissa e Júlia apesar de suas mortes trágicas Quase toda a ação nos três romances gira em torno de expressões da vontade femi nina em geral uma vontade que tem de se atritar com restrições dos pais e da sociedade Pamela deve resistir ao sr B para manter o seu senso de virtude e o seu senso de individualidade e a sua resis tência acaba por conquistálo Clarissa se mantém firme contra sua família e depois contra Lovelace por razões bem parecidas e no 59 final Lovelace quer desesperadamente casarse com Clarissa uma oferta que ela recusa Júlia deve desistir de SaintPreux e aprender a amar a sua vida com Wolmar a luta é toda sua Em cada romance tudo remete ao desejo de independência da heroína As ações dos personagens masculinos só servem para realçar essa vontade femi nina Os leitores que sentiam empatia pelas heroínas aprendiam que todas as pessoas até as mulheres aspiravam a uma maior autonomia e experimentavam imaginativamente o esforço psico lógico que a luta acarretava Os romances do século xvin refletiam uma preocupação cul tural mais profunda com a autonomia Os filósofos do Iluminismo acreditavam firmemente que tinham sido pioneiros nessa área no século XVIII Quando falavam de liberdade queriam dizer autono mia individual quer fosse a liberdade de expressar opiniões ou praticar a religião escolhida quer a independência ensinada aos meninos se fossem seguidos os preceitos de Rousseau no seu guia educativo Emilio 1762 A narrativa iluminista da conquista da autonomia atingiu o seu ápice no ensaio de 1784 de Immanuel Kant O que é o Iluminismo Ele o definiu celebremente como a humanidade saindo da imaturidade em que ela própria incorreu A imaturidade ele continuava é a incapacidade de empregar a própria compreensão sem a orientação de outro O Iluminismo para Kant significava autonomia intelectual a capacidade de pen sar por si mesmo A ênfase do Iluminismo sobre a autonomia individual nasceu da revolução no pensamento político do século XVII iniciada por Hugo Grotius e John Locke Eles tinham argumentado que o acordo social de um h o m e m autônomo com outros indivíduos também autônomos era o único fundamento possível da autori dade política legítima Se a autoridade justificada pelo direito divino pela escritura e pela história devia ser substituída por um contrato entre homens autônomos então os meninos tinham de 60 ser ensinados a pensar por si mesmos Assim a teoria educacional modelada de forma muito influente por Locke e Rousseau deslo couse de uma ênfase na obediência reforçada pelo castigo para o ultivo cuidadoso da razão como o principal movimento da inde xe udência Locke explicava a importância das novas práticas em Pensamentos sobre a educação 1693 Devemos cuidar para que nossos filhos quando crescidos sejam como nós próprios Ireferimos ser considerados criaturas racionais e ter nossa liber dade não gostamos de nos sentir constrangidos sob constantes repreensões e intimidações Como Locke reconhecia a autono mia política e intelectual dependia de educar as crianças no seu caso tanto os meninos como as meninas segundo novas regras a autonomia requeria uma nova relação com o m u n d o e não apenas novas ideias 3 4 Ter pensamentos e decisões próprios requeria assim tanto mudanças psicológicas e políticas como filosóficas Em Emílio Rousseau pedia que as mães ajudassem a construir paredes psico lógicas entre os seus filhos e todas as pressões sociais e políticas externas Montem desde cedo ele recomendavaum cercado ao redor da alma de seu filho O pregador e panfletário político inglês Richard Price insistia em 1776 ao escrever em apoio aos colonos americanos que um dos quatro aspectos gerais da liberdade era a liberdade física esse princípio da Espontaneidade ou Autodeter minação que nos torna Agentes Para ele a liberdade era sinônimo de autodireção ou autogoverno a metáfora política nesse caso sugerindo uma metáfora psicológica mas as duas eram intima mente relacionadas 3 5 Os reformadores inspirados pelo Iluminismo queriam ir além de proteger o corpo ou cercar a alma c o m o recomendava Rousseau Exigiam uma ampliação do âmbito da tomada de deci são individual As leis revolucionárias francesas sobre a família demonstram a profundidade da preocupação sentida em relação 61 às limitações tradicionais impostas à independência Em março de 1790 a nova Assembleia Nacional aboliu a primogenitura que dava direitos especiais de herança ao primeiro filho e as infames lettres de cachet que permitiam às famílias encarcerar as crianças sem julgamento Em agosto do mesmo ano os deputados estabe leceram conselhos de família para ouvir as disputas entre pais e filhos até a idade de vinte anos em vez de permitir aos pais o con trole exclusivo sobre os seus filhos Em abril de 1791 a Assembleia decretou que todas as crianças meninos e meninas deviam herdar igualmente Depois em agosto e setembro de 1792 os deputados diminuíram a idade da maioridade de 25 para 21 anos declararam que os adultos já não podiam estar sujeitos à autoridade paterna e instituíram o divórcio pela primeira vez na história francesa tor nandoo acessível tanto para os homens como para as mulheres pelos mesmos motivos legais Em suma os revolucionários fize ram tudo o que foi possível para expandir as fronteiras da autono mia pessoal 3 6 Na GrãBretanha e em suas colônias norteamericanas o desejo de maior autonomia pode ser mais facilmente retraçado em autobiografias e romances do que na lei ao menos antes da Revo lução Americana De fato em 1753 a Lei do Casamento tornou ile gais na Inglaterra os casamentos daqueles abaixo de 21 anos a menos que o pai ou o guardião consentisse Apesar dessa reafirma ção da autoridade paterna a antiga dominação patriarcal dos maridos sobre as esposas e dos pais sobre os filhos declinou no século xvm De Robinson Crusoé 1719 de Daniel Defoe à Auto biografia escrita entre 1771 e 1788 de Benjamin Franklin os escritores ingleses e americanos celebraram a independência como uma virtude cardinal O romance de Defoe sobre o mari nheiro naufragado fornecia um manual sobre como um h o m e m podia aprender a se defender sozinho Não é surpreendente por tanto que Rousseau tenha tornado o romance de Defoe leitura 62 obrigatória para o jovem Emílio ou que Robinson Crusoétenha sido publicado pela primeira vez nas colônias americanas em 1774 bem no meio do nascimento da crise da independência Robinson Crusoé foi um dos bestsellers coloniais americanos de 1775 só rivalizado por Cartas de lorde Chesterfield a seu filho e O legado de um pai a suas filhas de John Gregory popularizações das v isões de Locke sobre a educação de meninos e meninas 3 7 As tendências na vida das pessoas reais se moviam na mesma direção ainda que de forma mais hesitante Os jovens esperavam cada vez mais poder fazer as suas próprias escolhas de casamento embora as famílias ainda exercessem grande pressão sobre eles i omo podia ser observado nos romances com enredos que giram em torno desse ponto por exemplo Clarissa As práticas de criar as crianças também revelam mudanças sutis de atitude Os ingle ses abandonaram o costume de enrolar os bebês em panos antes dos franceses a Rousseau podese dar um considerável crédito I nrr dissuadir os franceses desse hábito mas mantiveram por mais lempo o de bater nos meninos na escola Na década de 1750 as famílias aristocráticas inglesas tinham deixado de usar correias para guiar o caminhar de seus filhos desmamavam os bebês mais cedo e como as crianças já não eram enroladas em panos ensina vam mais cedo o uso do banheiro na hora de fazer as necessidades ludo sinal de uma ênfase crescente na independência 3 8 Entretanto a história era às vezes mais confusa O divórcio na Inglaterra ao contrário de outros países protestantes era virtual mente impossível no século xvm entre 1700 e 1857 quando a Lei das Causas Matrimoniais estabeleceu um tribunal especial para ouvir casos de divórcio apenas 325 divórcios foram concedidos pela lei privada do Parlamento na Inglaterra no País de Gales e na Irlanda Embora o número de divórcios tivesse de fato crescido de catorze na primeira metade do século x v m para 117 na segunda metade o divórcio estava para todos os efeitos limitado a h o m e n s 63 aristocratas pois os motivos exigidos tornavam quase impossível a obtenção do divórcio para as mulheres Os números indicam apenas 234 divórcios concedidos por ano na segunda metade do século xviii Depois que os revolucionários franceses instituíram o divórcio em contraste 20 mil divórcios foram concedidos na França entre 1792 e 1803 ou 1800 por ano As colônias britânicas na América do Norte seguiam em geral a prática inglesa de proibir o divórcio mas permitir alguma forma de separação legal porém após a independência as petições de divórcio começaram a ser aceitas pelos novos tribunais na maioria dos estados Estabele cendo uma tendência depois repetida na França revolucionária as mulheres protocolaram a maioria das petições de divórcio nos pri meiros anos da independência dos novos Estados Unidos 3 9 Em notas escritas em 1771 e 1772 sobre um caso legal de divórcio Thomas Jefferson ligava claramente o divórcio aos direi tos naturais O divórcio devolveria às mulheres o seu direito natu ral de igualdade Ele insistia que por sua própria natureza os con tratos por consentimento m ú t u o deviam ser dissolúveis se uma das partes quebrasse o a c o r d o o mesmo argumento que os revo lucionários franceses usariam em 1792 Além disso a possibili dade do divórcio legal assegurava a liberdade de afeição também um direito natural Na busca da felicidade tornada famosa pela Declaração da Independência estaria incluído o direito ao divór cio porque a finalidade do casamento é a Reprodução a Felici dade O direito à busca da felicidade requeria portanto o divór cio Não é por acaso que Jefferson apresentaria argumentos semelhantes para um divórcio entre as colônias americanas e a GrãBretanha quatro anos mais tarde 4 0 A medida que pressionavam pela expansão da autodetermi nação as pessoas do século xvm defrontavamse com um dilema o que propiciaria a origem da comunidade nessa nova ordem que intensificava os direitos do indivíduo U m a coisa era explicar 6 4 como a moralidade podia ser derivada da razão humana e não da Sagrada Escritura ou como a autonomia devia ser preferida à obe iliência cega Mas era outra coisa completamente diferente conci liar esse indivíduo orientado para si mesmo com o bem comum s filósofos escoceses de meados do século puseram a questão da comunidade secular no centro da sua obra e apresentaram u m a resposta filosófica que repercutia a prática da empatia ensinada pelo romance Os filósofos como as pessoas do século xvm de modo mais geral chamavam a sua resposta de simpatia Usei o ermo empatia porque apesar de ter entrado no vernáculo ape nas no século xx ele capta melhor a vontade ativa de se identificar com os outros Simpatia agora significa frequentemente piedade que pode implicar condescendência um sentimento incompatí vel com um verdadeiro sentimento de igualdade 4 1 A palavra simpatia tinha um significado muito amplo no século xvm Para Francis Hutcheson a simpatia era uma espécie de sentido u m a faculdade moral Mais nobre do que a visão ou a audição sentidos partilhados com os animais porém menos nobre do que a consciência a simpatia ou sentimento de solidarie dade tornava a vida social possível Pela força da natureza humana anterior a qualquer raciocínio a simpatia atuava como uma espé cie de força gravitacional social para trazer as pessoas para fora de si mesmas A simpatia assegurava que a felicidade não podia ser definida apenas pela autossatisfaçãoPor uma espécie de contágio ou infecção concluía Hutcheson todos os nossos prazeres mesmo aqueles do tipo mais inferior são estranhamente intensifi cados pelo fato de serem partilhados com os outros 4 2 Adam Smith autor de A riqueza das nações 1776 e aluno de I lutcheson dedicou u m a de suas primeiras obras à questão da simpatia No capítulo inicial da sua Teoria dos sentimentos morais 1759 ele usa o exemplo da tortura para chegar à maneira como a simpatia opera O que nos faz sentir compaixão pelo sofrimento 65 de alguém que está sendo torturado Ainda que o sofredor seja um irmão nunca podemos experimentar diretamente o que ele sente Podemos apenas nos identificar com o seu sofrimento por meio da nossa imaginação que nos coloca a nós próprios na sua situação suportando os mesmos tormentos como que entramos no seu corpo e nos tornamos em alguma medida ele próprio Esse processo de identificação imaginativasimpatiapermite que o observa dor sinta o que a vítima da tortura sente O observador só é capaz de se tornar um ser verdadeiramente moral entretanto quando dá o próximo passo e compreende que ele também é passível dessa iden tificação imaginativa Quando consegue ver a si próprio como o objeto dos sentimentos dos outros é capaz de desenvolver dentro de si mesmo um espectador imparcial que serve como sua bússola moral A autonomia e a simpatia portanto andam juntas para Smith Apenas uma pessoa autônoma pode desenvolver um espec tador imparcial dentro de si mesma mas ela só pode fazêlo explica Smith caso se identifique com os outros primeiro 1 1 A simpatia ou a sensibilidade o último termo era muito mais difundido em francês tiveram uma ressonância cultural ampla nos dois lados do Atlântico na última metade do século XVIII Thomas Jefferson lia Hutcheson e Smith embora tivesse citado especificamente o romancista Laurence Sterne como aquele que oferecia o melhor curso de moralidade Dada a ubi quidade de referências a simpatia e sensibilidade no m u n d o atlân tico não parece acidental que o primeiro romance escrito por um americano publicado em 1789 tivesse como título The Power of Sympathy A simpatia e a sensibilidade permeavam de tal modo a literatura a pintura e até a medicina que alguns médicos começa ram a se preocupar com um excesso dessas faculdades que eles receavam poder levar à melancolia à hipocondria ou aos vapo res Os médicos achavam que as damas desocupadas as leitoras eram especialmente suscetíveis 4 4 66 A simpatia e a sensibilidade atuavam em favor de muitos gru pos não emancipados mas não das mulheres Capitalizando o sucesso do romance em invocar novas formas de identificação psi ológica os primeiros abolicionistas encorajavam os escravos libertos a escrever suas autobiografias romanceadas às vezes par ialmente fictícias a fim de ganhar adeptos para o movimento nas i ente Os males da escravidão adquiriram vida quando foram des critos em primeira mão por homens como Olaudah Equiano cujo livro The Inter estingNar rative ofthe Life of Olaudah Equiano or iustavus Vassa TheAfrican Written by Himselffoi publicado pela primeira vez em Londres em 1789 Mas a maioria dos abolicionis tas deixou de relacionar sua causa com os direitos das mulheres I cpois de 1789 muitos revolucionários franceses assumiriam posições públicas e vociferantes em favor dos direitos dos protes tantes judeus negros livres e até escravos ao mesmo tempo que se oporiam ativamente a conceder direitos às mulheres Nos novos listados Unidos embora a escravidão se apresentasse imediata mente como tema para um debate acalorado os direitos das mu lheres provocavam ainda menos comentário público do que na fiança As mulheres não obtiveram direitos políticos iguais em nenhum lugar antes do século xx 4 5 As pessoas do século xvin como quase todo m u n d o na histó ria humana antes delas viam as mulheres como dependentes um estado definido pelo seu status familiar e assim por definição não plenamente capazes de autonomia política Elas podiam lutar pela iiiIodeterminação como uma virtude privada moral sem estabe lei er ligação com os direitos políticos Tinham direitos mas não I io I í ticos Essa visão se tornou explícita quando os revolucionários limceses redigiram u m a nova Constituição em 1789 O abade I 1 1 1 1 nanuelJoseph Sieyès um intérprete ilustre da teoria constitu I onal explicava a distinção emergente entre os direitos naturais e civis de um lado e os direitos políticos de outro Todos os habi 67 tantes de um país inclusive as mulheres possuíam os direitos de um cidadão passivo o direito à proteção de sua pessoa proprie dade e liberdade Mas nem todos eram cidadãos ativos sustentava ele com direito a participar diretamente das atividades públicas As mulheres ao menos no presente estado as crianças os estran geiros aqueles que não contribuem para manter a ordem pública eram definidos como cidadãos passivos A ressalva de Sieyès ao menos no presente estado deixava u m a pequena brecha para mudanças futuras nos direitos das mulheres Outros tentariam explorar essa brecha mas sem sucesso no curto prazo 4 6 Os poucos que de fato defendiam os direitos das mulheres no século xviii eram ambivalentes a respeito dos romances Os oposi tores tradicionais dos romances acreditavam que as mulheres eram especialmente suscetíveis ao enlevo da leitura sobre o amor e até os defensores dos romances como Jefferson preocupavam se com os seus efeitos sobre as jovens Em 1818 um Jefferson muito mais velho do que aquele entusiasmado com seus romancistas pre feridos em 1771 alertava sobre a paixão desregrada por roman ces entre as moças O resultado é uma imaginação intumescida e um juízo doentio Não é surpreendente portanto que os defen sores ardentes dos direitos das mulheres levassem essas suspeitas a sério Como jefferson Mary Wollstonecraft a mãe do feminismo moderno contrastou explicitamente a leitura de romances o único tipo de leitura calculado para atrair uma inteligência ino cente e frívola com a leitura de história e com a compreensão racional ativa de modo mais geral No entanto a própria Wollsto necraft escreveu dois romances centrados em heroínas resenhou muitos romances na imprensa e a eles se referia constantemente na sua correspondência Apesar de suas objeções às prescrições de Rousseau para a educação feminina em Emílio ela leu avidamente Júlia e usava expressões lembradas de Clarissa e dos romances de Sterne para transmitir suas próprias emoções nas cartas 4 7 68 Aprender a sentir empatia abriu o caminho para os direitos humanos mas não assegurava que todos seriam capazes de seguir imediatamente esse caminho Ninguém compreendeu isso me I hor nem se afligiu mais a esse respeito do que o autor da Declara ção da Independência Numa carta de 1802 ao clérigo cientista e reformador inglês Joseph Priestley Jefferson exibiu o exemplo americano para o m u n d o inteiro É impossível não ter consciên cia de que estamos agindo por toda a humanidade de que circuns tâncias negadas a outros mas a nós concedidas impuseramnos o dever de experimentar qual é o grau de liberdade e autogoverno que uma sociedade pode se arriscar a conceder a seus indivíduos lefferson pressionava pelo mais elevado grau de liberdade ima gj nável o que para ele significava abrir a participação política para lautos homens brancos quanto fosse possível e talvez eventual mente até para os índios se eles pudessem ser transformados em ricultores Embora reconhecesse a humanidade dos negros e até OS direitos dos escravos como seres humanos não imaginava um estado em que eles ou as mulheres de qualquer cor tivessem parte al iva Mas esse era o mais elevado grau de liberdade imaginável pa ra a imensa maioria dos americanos e europeus mesmo 24 anos mais tarde no dia da morte de Jefferson 4 8 69 2 Ossos dos seus ossos Abolindo a tortura Em 1762 no mesmo ano em que Rousseau usou pela primei ra vez o termo direitos do homem um tribunal na cidade de Tou louse no sul da França condenou um protestante francês de 64 anos chamado Jean Calas por assassinar seu filho para impedir que ele se convertesse ao catolicismo Os juízes condenaram Jean à morte pelo suplício da roda Antes da execução Calas primeiro teve de suportar uma tortura judicialmente supervisionada conhecida como a questão preliminar que se destinava a conse guir que aqueles já condenados nomeassem seus cúmplices Com os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele Calas foi esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava fir memente seus braços para cima enquanto um peso de ferro man tinha os pés no lugar figura 3 Quando Calas se recusou a forne cer nomes depois de duas aplicações foi atado a um banco e jarros de água foram despejados à força pela sua garganta enquanto a boca era mantida aberta por dois pauzinhos figura 4 Pressio nado de novo a citar nomes dizse que ele respondeu Onde não há crime não pode haver cúmplices 7 IIGURA3 Tortura judicial E quase impossível encontrar representações da tortura judicialmente sancionada Esta xilografía de página inteira do século xvi 216 x 144 cm tem o objetivo de mostrar um método empregado em Toulouse que se parece com o sofrido por Jean Calas dois séculos mais tarde É uma versão da tortura judicial mais comumente usada na Europa chamada strap mdo nome derivado da palavra italiana para puxão ou rasgão violento FIGURA 4 Tortura pela água A xilografía do século xvi 216 x 144 cm mostra um método francês de tortura pela água Não é exatamente o mesmo que Calas sofreu mas chega perto o suficiente para transmitir a ideia geral A morte não se seguia imediatamente nem se pretendia que assim fosse O suplício da roda reservado aos homens condenados por homicídio ou assalto na estrada ocorria em dois estágios Pri meiro o carrasco atava o condenado a uma cruz em forma de X e esmagava sistematicamente os ossos de seus antebraços pernas coxas e braços desferindo em cada um deles dois golpes brutais lor meio de um sarilho preso à corda ao redor do pescoço do con denado um assistente embaixo do cadafalso então deslocava as vértebras do pescoço com puxões violentos na corda Enquanto isso o carrasco fustigava a cintura com três golpes fortes da vara de ferro Depois o carrasco descia o corpo quebrado e o prendia com os membros torturantemente inclinados para trás a uma roda de carruagem em cima de um poste de três metros Ali o condenado permanecia bastante tempo depois da morte concluindo u m espetáculo muito terrível N u m a instrução secreta o tribunal concedeu a Calas a graça de ser estrangulado depois de duas horas de tormento antes que seu corpo fosse ligado à roda Calas morreu ainda protestando inocência O caso Calas galvanizou a atenção quando foi adotado por Voltaire alguns meses depois da execução Voltaire arrecadou d inheiro para a família escreveu cartas em nome de vários membros da família Calas com o intuito de apresentar suas visões originais dos latos e depois publicou um panfleto e um livro baseados no caso O mais famoso desses foi o seu Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de Jean Calas no qual ele usou pela primeira vez a expressão direito humano o ponto principal de seu argumento era que a intolerância não podia ser um direito humano ele não propunha o argumento positivo de que a liberdade de religião era um direito 11 umano Voltaire não protestou inicialmente nem contra a tortura nem contra o suplício da roda O que o enfureceu foi o fanatismo religioso que ele concluiu ter motivado a polícia e os juízes É impossível ver como seguindo esse princípio o direito humano 73 um h o m e m pode dizer a outro acredite no que eu acredito e no que você não pode acreditar senão vai morrer É assim que eles falam em Portugal Espanha e Goa países infames pelas suas inquisições 2 Como o culto calvinista público tinha sido proibido na França desde 1685 as autoridades aparentemente não precisavam se esfor çar muito para acreditar que Calas tivesse matado o filho para impedir a sua conversão ao catolicismo Certa noite depois do jan tar a família tinha encontrado MareAntoine pendendo num vão de porta que abria para uma despensa nos fundos da casa um apa rente suicídio Para evitar o escândalo afirmaram ter descoberto o corpo no chão presumivelmente vítima de assassinato O suicídio era punível pela lei na França uma pessoa que cometesse suicídio não podia ser enterrada em chão consagrado e se considerada cul pada n u m julgamento o corpo podia ser exumado arrastado pela cidade pendurado pelos pés e atirado no lixo A polícia se aproveitou das incoerências no testemunho da família e logo prendeu o pai a mãe e o irmão junto com seu criado e um visitante acusando todos de assassinato Um tribunal local condenou o pai a mãe e o irmão à tortura para obter confissões de culpa chamada a questão preparatória mas na apelação o Par lement de Toulouse revogou a sentença do tribunal local recu souse a aplicar a tortura antes da condenação e considerou cul pado apenas o pai esperando que ele nomeasse os outros quando torturado pouco antes da sua execução A publicidade inexorável dada por Voltaire ao caso valeu para o resto da família que ainda não tinha sido inocentada O Conselho Real primeiro anulou os veredictos por razões técnicas em 1763 e 1764 e depois em 1765 votou a favor da absolvição de todos os envolvidos e da devolução dos bens confiscados da família Durante a tempestade a respeito do caso Calas o foco de aten Parlement corte de justiça NT 74 ção de Voltaire começou a mudar e cada vez mais o próprio sis tema de justiça criminal e especialmente o seu emprego da tortura e da crueldade passou a ser criticado Nos seus textos iniciais sobre Calas em 17623 Voltaire não usou nem uma única vez o t e r m o geral tortura empregando em seu lugar o eufemismo legal a questão Ele denunciou a tortura judicial pela primeira vez em 1766 e depois estabeleceu frequentemente a ligação entre Calas e a tortura A compaixão natural leva todo m u n d o a detestar a cruel dade da tortura judicial insistia Voltaire embora ele próprio não tivesse dito essas palavras antes A tortura tem sido abolida em utros países e com sucesso a questão está portanto decidida As visões de Voltaire mudaram tanto que em 1769 ele se sentiu com pelido a acrescentar um artigo sobre Tortura a seu Dicionário filosófico publicado pela primeira vez em 1764 e já no índex papal tios livros proibidos No artigo Voltaire emprega a sua alternância habitual do ridículo e do ataque fulminante para condenar as prá ticas francesas como incivilizadas os estrangeiros julgam a França pelas suas peças teatrais romances versos e belas atrizes sem saber que não há nação mais cruel que a França Uma nação civilizada conclui Voltaire já não pode seguir antigos costumes atrozes O c i ue há muito tempo tinha parecido aceitável a ele e a muitos outros passava a ser posto em dúvida 3 Assim como aconteceu com os direitos humanos de m o d o mais geral as novas atitudes sobre a tortura e sobre uma punição mais humana se cristalizaram primeiro na década de 1760 n ã o i penas na França mas em outros países europeus e nas colônias americanas Frederico o Grande da Prússia amigo de Voltaire já linha abolido a tortura judicial nas suas terras em 1754 Outros imitaram seu exemplo nas décadas seguintes a Suécia em 1772 a Áustria e a Boêmia em 1776 Em 1780 a monarquia francesa eli minou o uso da tortura para extrair confissões de culpa antes da i ondenação e em 1788 aboliu provisoriamente o uso da tortura 75 pouco antes da execução para obter os nomes de cúmplices Em 1783 o governo britânico descontinuou a procissão pública para Tyburn onde as execuções tinham se tornado um importante entretenimento popular e introduziu o uso regular da queda uma plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para asse gurar enforcamentos mais rápidos e mais humanos Em 1789 o governo revolucionário francês renunciou a todas as formas de tor tura judicial e em 1792 introduziu a guilhotina que tinha a inten ção de tornar a execução da pena de morte uniforme e tão indolor quanto possível No final do século xvm a opinião pública parecia exigir o fim da tortura judicial e de muitas indignidades infligidas aos corpos dos condenados Como o médico americano Benjamin Rush insistia em 1787 não devemos esquecer que até os criminosos possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos e conhecidos São ossos dos seus ossos 4 T O R T U R A E C R U E L D A D E A tortura judicialmente supervisionada para extrair confis sões tinha sido introduzida ou reintroduzida na maioria dos paí ses europeus no século XIII como consequência do refloresci mento da lei romana e do exemplo da Inquisição católica Nos séculos xvi xvii e Xvm muitas das mais refinadas inteligências legais da Europa dedicaramse a codificar e regularizar o uso da tortura judicial para impedir abusos perpetrados por juízes exage radamente zelosos ou sádicos A GrãBretanha tinha suposta mente substituído a tortura judicial pelos júris no século XIII mas a tortura ainda ocorria nos séculos xvi e XVII nos casos de sedição e feitiçaria Contra as bruxas por exemplo os magistrados escoce ses mais severos empregavam ferroadas privação de sono tortura pelas botas esmagar as pernas queimaduras com ferro em brasa e outros métodos A tortura para obter os nomes de cúmpli ces era permitida pela lei colonial de Massachusetts mas aparente mente nunca era ordenada 5 As formas brutais de punição depois da condenação eram ubíquas na Europa e nas Américas Embora a Bill ofRights britâ nica de 1689 proibisse expressamente o castigo cruel osjuízes ainda sentenciavam os criminosos ao poste dos açoites ao banco dos afogamentos ao tronco ao pelourinho ao ferro de marcar à execução por arrastamento e esquartejamento desmembra mento do corpo por meio de cavalos ou para as mulheres arras lamento esquartejamento e morte na fogueira O que constituía uma punição cruel dependia claramente das expectativas cultu rais Foi somente em 1790 que o Parlamento britânico proibiu queimar as mulheres na fogueira Antes entretanto havia aumen tado dramaticamente o número de ofensas capitais que segundo algumas estimativas triplicou no século xvm e em 1753 tinha con tribuído para tornar as punições por assassinato ainda mais hor ríveis a fim de aumentar seu poder de dissuasão O Parlamento também ordenou que os corpos de todos os assassinos fossem entregues a cirurgiões para dissecação naquele tempo conside rada uma ignomínia e concedeu aos juízes a autoridade discri cionária de ordenar que o corpo de qualquer assassino masculino fosse dependurado acorrentado depois da execução Apesar do crescente desconforto com esse escarnecer do cadáver dos assassi nos a prática só foi definitivamente abolida em 1834 Não surpreende que a punição nas colónias tenha seguido os padrões estabelecidos no centro imperial Assim um terço de todas as sentenças na Corte Superior de Massachusetts mesmo na última metade do século xvm exigia humilhações públicas que iam desde usar cartazes até a perda de uma orelha a marcação a ferro e o açoite Um contemporâneo em Boston descreveu como as mulheres eram tiradas de uma imensa jaula na qual eram arras 77 76 tadas sobre rodas desde a prisão e atadas n u m poste com as costas nuas nas quais eram aplicadas trinta ou quarenta chicotadas entre os gritos das culpadas e o tumulto da turba A Bill ofRights britâ nica não protegia os escravos porque eles não eram considerados pessoas com direitos legais Virginia e Carolina do Norte permitiam expressamente a castração de escravos por ofensas hediondas e em Maryland nos casos de pequena traição ou incêndio criminoso por parte de um escravo a mão direita era cortada e o escravo depois enforcado a cabeça cortada o corpo esquartejado e as partes des membradas exibidas em público Ainda na década de 1740 os escravos em Nova York podiam ser queimados até a morte de forma torturantemente lenta supliciados na roda ou dependurados por correntes até morrerem por falta de alimento 7 A maioria das sentenças determinadas pelos tribunais france ses na última metade do século xvin ainda incluía alguma forma de castigo corporal público como a marcação a ferro o açoite ou o uso do colarinho de ferro que ficava preso a um poste ou ao pelou rinho figura 5 No mesmo ano em que Calas foi executado o Parlementde Paris sentenciou apelações de processos penais con tra 235 homens e mulheres julgados em primeira instância no tri bunal de Châtelet um tribunal de instância inferior de Paris 82 foram sentenciados ao banimento e à marcação a ferro em geral combinados com açoites nove à mesma combinação mais o cola rinho de ferro dezenove à marcação a ferro e ao aprisionamento vinte ao confinamento no Hospital Geral depois de serem mar cados a ferro eou terem de usar o colarinho de ferro doze ao enforcamento três ao suplício da roda e um a morrer queimado O Parlementde Paris era a mais alta corte de justiça do Antigo Regime NT Fundado por Luís xiv o Hospital Geral servia para recolher marginais indigentes etc N T Le véritable PorlraiiiTtre dâpres nature sur Lh Place du Palais RoyildEmmanuel Jean de là Caste cotndamné par Jugement souverain de M vie Lieutenant G de Police dii28Jaul 1760 au Carcan pendant 3Jaurs a Ittmanpl et aux Galères a perpétuité FIGURA 5 O colarinho de ferro A ideia deste castigo era uma humilhação pública Esta reprodução de um artista anônimo mostra um homem condenado por fraude e libelo em 1760 Segundo a legenda ele foi primeiro preso ao colarinho de ferro por três dias e depois marcado a ferro e enviado às galés para o resto da vida na fogueira Se todos os outros tribunais de Paris fossem incluídos na conta o número de humilhações públicas e mutilações aumenta ria para quinhentas ou seiscentas com umas dezoito execuções em apenas um ano numa única jurisdição 8 A pena de morte podia ser imposta de cinco maneiras dife rentes na França decapitação para os nobres enforcamento para os criminosos comuns arrastamento e esquartejamento por ofen sas contra o soberano conhecidas como lèsemajesté morte na fogueira por heresia magia incêndio criminoso envenenamento bestialidade e sodomia e o suplício da roda por assassinato ou sal teamento Os juízes ordenavam arrastamento e esquartejamento e morte na fogueira com pouca frequência no século xvili mas o suplício da roda era muito comum na jurisdição do Parlementde AixenProvence no sul da França por exemplo quase a metade das 53 sentenças de morte impostas entre 1760 e 1762 era pelo suplício da roda Mas da década de 1760 em diante campanhas de vários tipos levaram à abolição da tortura sancionada pelo estado e a uma cres cente moderação nos castigos até para os escravos Os reforma dores atribuíam suas realizações à difusão do humanitarismo do Iluminismo Em 1786 o reformador inglês Samuel Romilly olhou para trás e afirmou cheio de confiança que à medida que os homens refletem e raciocinam sobre esse tema importante as noções absurdas e bárbaras de justiça que prevaleceram por eras têm sido demolidas e têm sido adotados princípios humanos e racionais em seu lugar Muito do impulso imediato para pensar sobre o assunto veio do curto e vigoroso Dos delitos e das penas publicado em 1764 por um aristocrata italiano de 24 anos Cesare Beccaria Promovido pelos círculos em torno de Diderot tradu zido rapidamente para o francês e o inglês e avidamente lido por Voltaire no decorrer do caso Calas o pequeno livro de Beccaria examinava o sistema de justiça criminal de cada nação O sistema 8o italiano recente não rejeitava apenas a tortura e o castigo cruel mas t a m b é m n u m a atitude extraordinária para a é p o c a a própria pena de morte Contra o poder absoluto dos governantes a orto doxia religiosa e os privilégios da nobreza Beccaria propunha um padrão democrático de justiça a maior felicidade do maior número Virtualmente todo reformador a partir de então de Phi ladelphia a Moscou o citava 1 Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento Para ele a pena de morte só podia ser perniciosa para a sociedade pelo exemplo de barbárie que proporciona e ao objetar a tor mentos e crueldade inútil na punição ele os ridicularizava como o instrumento de um fanatismo furioso Além disso ao justificar a sua intervenção ele expressava a esperança de que se eu contri buir para salvar da agonia da morte uma vítima infeliz da tirania ou da ignorância igualmente fatal a sua bênção e lágrimas de êxtase serão para m i m um consolo suficiente para o desprezo de toda a humanidade Depois de ler Beccaria o jurista inglês Wil liam Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria caracterís tica após a visão do Iluminismo a lei criminal afirmava Black stone deve sempre se conformar aos ditados da verdade e da justiça aos sentimentos humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade Entretanto como mostra o exemplo de Voltaire a elite edu cada e até muitos dos principais reformadores não compreendeu imediatamente a conexão entre a linguagem nascente dos direitos e a tortura e o castigo cruel Voltaire escarneceu do malogro da jus tiça no caso Calas mas não objetou originalmente ao fato de que o velho fora torturado ou supliciado na roda Se a compaixão natu ral leva todo m u n d o a detestar a crueldade da tortura judicial como Voltaire disse mais tarde por çue isso não era óbvio antes da década de 1760 nem mesmo para ele Evidentemente antolhos de 8l algum tipo haviam atuado para inibir a operação da empatia antes desse período 1 2 Quando os escritores e os reformadores legais do Iluminismo começaram a questionar a tortura e a punição cruel ocorreu uma viravolta quase completa de atitude ao longo de algumas décadas A descoberta do sentimento de companheirismo constituía parte dessa mudança mas apenas parte O que era preciso além da empatia na verdade nesse caso uma precondição necessária para a empatia com o condenado pela justiçaera um novo inte resse pelo corpo humano Antes sagrado apenas dentro de uma ordem religiosamente definida em que os corpos individuais podiam ser mutilados ou torturados para o bem comum o corpo se tornou sagrado por si próprio n u m a ordem secular que se baseava na autonomia e inviolabilidade dos indivíduos Esse desenvolvimento ocorre em duas partes Os corpos ganharam um valor mais positivo quando se tornaram mais separados mais senhores de si mesmos e mais individualizados durante o desenro lar do século XVIII enquanto as violações dos corpos provocavam mais e mais reações negativas A P E S S O A A U T Ô N O M A Embora possa parecer que os corpos estão sempre inerente mente separados um do outro ao menos após o nascimento as fronteiras entre os corpos se tornaram mais nitidamente definidas depois do século xiv Os indivíduos se tornaram mais autônomos à medida que sentiam cada vez mais a necessidade de guardar para si mesmos os seus excretos corporais O limiar da vergonha bai xou enquanto a pressão por autocontrole aumentou O ato de defecar ou urinar em público tornouse cada vez mais repulsivo As pessoas começaram a usar lenços em vez de assoar o nariz com 82 as mãos Cuspir comer numa tigela comum e dormir numa cama com um estranho tornaramse atos repugnantes ou ao menos desagradáveis As explosões violentas de emoção e o comporta mento agressivo passaram a ser socialmente inaceitáveis Essas mudanças de atitude em relação ao corpo eram as indicações superficiais de uma transformação subjacente Todas assinalavam 0 advento do indivíduo fechado em si mesmo cujas fronteiras tinham de ser respeitadas na interação social A compostura e a autonomia requeriam uma crescente autodisciplina 1 3 As mudanças do século xviii nos espetáculos musicais e tea trais na arquitetura doméstica e na arte do retrato tiveram como base essas alterações de longo prazo nas atitudes Além disso essas novas experiências revelaramse cruciais para o surgimento da própria sensibilidade Nas décadas depois de 1750 em vez de cami nhar pelo teatro para encontrar e conversar com os amigos o público das óperas começou a escutar a música em silêncio o que 1 he facultava sentir fortes emoções individuais em reação à música Uma mulher contou a sua reação à ópera Alceste de Gluck que estreou em Paris em 1776 Escutei essa nova obra com uma pro funda atenção Desde os primeiros compassos fui invadida por um forte sentimento de admiração reverente e senti dentro de mim esse impulso religioso com tal intensidade que sem me dar conta caí de joelhos no meu camarote e permaneci nessa posi ção suplicante e com as mãos unidas até o final da peça A reação dessa mulher é especialmente notável porque ela a carta é assi nada Pauline de R traça um paralelo explícito com a experiên cia religiosa O fundamento de toda a autoridade estava se deslo cando de u m a estrutura religiosa transcendental para u m a estrutura humana interior mas esse deslocamento só podia fazer sentido para as pessoas se fosse experimentado de um modo pes soal até mesmo íntimo 1 4 Os frequentadores do teatro exibiam uma tendência maior 83 para as arruaças durante os espetáculos do que os amantes da música mas mesmo no teatro novas práticas anunciavam um futuro diferente em que as peças seriam representadas n u m a atmosfera semelhante a um silêncio religioso Durante grande parte do século xvin os espectadores parisienses coordenavam os atos de tossir cuspir espirrar e soltar gases para perturbar os espe táculos de que não gostavam e demonstrações públicas de em briaguez e de brigas interrompiam frequentemente as frases dos artistas Para colocar os espectadores a u m a distância maior e assim tornar mais difíceis as perturbações a possibilidade de se sentar no palco foi eliminada na França em 1759 Em 1782 os esforços para estabelecer a ordem na plateia ou parterre culmina ram na instalação de bancos na Comédie Française antes disso os espectadores na plateia andavam livremente nesse espaço e às vezes comportavamse mais como uma turba do que como um público Embora os bancos fossem acaloradamente contestados na imprensa da época e vistos por alguns como um ataque peri goso à liberdade e franqueza da plateia a direção dos acontecimen tos tinha se tornado clara as explosões coletivas deviam dar lugar a experiências interiores individuais e mais tranquilas 1 5 A arquitetura residencial reforçava esse sentido de separação do indivíduo A câmara chambre nas casas francesas tornouse cada vez mais especializada na segunda metade do século xvin A sala antes de finalidade geral transformouse no quarto de dor mir e nas famílias mais ricas as crianças tinham quartos de dor mir separados do de seus pais Dois terços das casas parisienses tinham quartos de dormir na segunda metade do século xvin enquanto apenas uma em sete tinha salas destinadas às refeições A elite da sociedade parisiense começou a insistir numa variedade de quartos para uso privado que iam desde os boudoirs que vem do francês bouâer para amuarse um quarto para expressar seu mau humor em privado à toalete e aos quartos de banho Ainda assim o movimento em direção à privacidade individual não deve ser exagerado ao menos na França Os viajantes ingleses queixa vamse incessantemente da prática francesa de três ou quatro estranhos dormirem n u m mesmo quarto n u m a hospedaria ainda que em camas separadas do uso de lavatórios à vista de todos do ato de urinar na lareira e do de jogar o conteúdo dos peni cos na rua pelas janelas As suas queixas atestam entretanto um processo em andamento em ambos os países Na Inglaterra um novo exemplo notável era o circuito de caminhada no jardim desenvolvido nas grandes propriedades rurais entre as décadas de 1740 e 1760 o circuito fechado com suas vistas e monumentos cuidadosamente escolhidos destinavase a intensificar a contem plação e a recordação privadas 1 6 Os corpos sempre tinham sido centrais para a pintura euro peia mas antes do século XVII eram com muita frequência os cor pos da Sagrada Família dos santos católicos ou dos governantes e seus cortesãos No século XVII e especialmente no xvin mais pes soas comuns começaram a encomendar pinturas de si mesmas e de suas famílias Depois de 1750 as exposições públicas regulares elas próprias uma nova característica da vida social apresenta vam números crescentes de retratos de pessoas comuns em Lon dres e Paris mesmo que a pintura histórica ainda ocupasse oficial mente a posição de premier genre Nas colônias britânicas na América do Norte a arte do retrato dominava as artes visuais em parte porque as tradições políticas e eclesiásticas europeias tinham menor peso A importância dos retratos só fez crescer nas colônias no século xvin quatro vezes mais retratos foram pintados nas colônias entre 1750 e 1776 do que entre 1700 e 1750 e muitos desses retratos representavam cidadãos comuns e proprietários de terras figura 6 Quando a pintura histórica ganhou nova proeminência na França sob a Revolução e o Império Napoleónico os retratos ainda constituíam s FIGURA 6 Retrato do capitão John Pigott feito por Joseph Blackburn Como muitos artistas ativos nas colônias americanas Joseph Blackburn nasceu e foi muito provavelmente educado na Inglaterra antes de ir para Bermuda em 1752 e no ano seguinte para Newport em Rhode Island Depois de pintar muitos retratos em Newport Boston e Portsmouth em New Hampshire ele retornou para a Inglaterra em 1764 Esta pintura a óleo do final da década de 1750 ou início dos anos 1760 127 x 1016 cm forma um par com o retrato da esposa de Pigott Blackburn era conhe cido por sua atenção minuciosa às rendas e a outros detalhes nas roupas uns 40 das pinturas apresentadas nos Salons Os preços cobrados pelos pintores de retratos aumentaram nas últimas décadas do século xviii e as gravuras levaram os retratos a um público mais amplo do que os modelos originais e suas famílias O mais famoso pintor inglês da era sir Joshua Reynolds fez a sua reputação como retratista e segundo Horace Walpole resgatou a pintura de retra tos da insipidez 1 7 Um espectador contemporâneo expressou o seu desdém depois de ver o número de retratos na exposição francesa de 1769 A multidão de retratos senhor que me impressiona por toda parte forçame a despeito de mim mesmo a falar agora deste assunto e a tratar deste tema árido e monótono que tinha reservado para o final Em vão o público há muito tempo reclama da multidão de burgueses que deve passar incessantemente em revista A faci lidade do gênero a sua utilidade e a vaidade de todas essas persona gens mesquinhas estimulam nossos artistas principiantes Gra ças ao infeliz gosto do século o Salon está se tornando uma mera galeria de retratos 0 infeliz gosto do século emanava da Inglaterra segundo os franceses e assinalava para muitos a iminente vitória do comércio sobre a verdadeira arte No seu artigo Retrato para a Encyclopédie ile muitos volumes de Diderot o chevalier Louis de Jaucourt con cluía que o gênero de pintura mais seguido e procurado na Ingla 1 erra é o do retrato Mais tarde no mesmo século o escritor Louis Sébastien Mercier tentou tranquilizar os espíritos os ingleses si bressaem nos retratos e nada supera os retratos de Regnols sic entre os quais os principais exemplos são os maiores em tamanho maturai e no mesmo patamar das pinturas históricas figura 7 I o seu costumeiro m o d o astuto Mercier tinha captado o ele mento crítico na Inglaterra os retratos eram comparáveis ao 87 FIGURA 7 Retrato de lady Charlotte FitzWilliam mezzotinto feito por James MacArdell de umapintura realizada por sir Joshua Reynolds 1754 Reynolds ganhou fama por pintar retratos de figuras importantes da sociedade britânica Ele frequentemente pintava apenas as faces e as mãos de seus modelos deixando ao cuidado de especialistas ou assisten tes a roupagem e a indumentária Charlotte tinha somente oito anos na época deste retrato mas o seu penteado os brincos e o broche de pérola lhe dão uma aparência mais velha Reproduções como esta levaram a fama de Reynolds ainda mais longe James MacArdell fez mezzotintos de muitos retratos pintados por Reynolds A legenda diz J Reynolds pinxt J McArdell fecit Lady Charlotte FitzWilliam Publicado por J Reynolds de acordo com a Lei do Parlamento 1754 principal gênero da Academia de BelasArtes francesa as pinturas históricas A pessoa c o m u m podia então ser heróica meramente em virtude de sua individualidade O corpo comum tinha agora distinção 1 8 É verdade que os retratos podiam transmitir algo completa mente diferente da individualidade À medida que a riqueza comercial crescia aos trancos e barrancos na GrãBretanha na França e em suas colônias encomendar retratos como u m a marca de status e nobreza refletia um aumento mais geral do consu mismo A semelhança nem sempre tinha importância nessas enco mendas As pessoas comuns não queriam parecer comuns nos seus retratos e alguns pintores de retratos ganharam reputação mais por sua capacidade de pintar rendas sedas e cetins do que faces Entretanto embora os retratos às vezes focalizassem representa ções de tipos ou alegorias de virtudes ou riqueza na segunda metade do século xvili esses retratos diminuíram de importância quando os artistas e seus clientes começaram a preferir represen l ações mais naturais da individualidade psicológica e fisionômica Além disso a própria proliferação de retratos individuais estimu lou a visão de que cada pessoa era um indivíduo isto é singular separado distinto e original e assim é que devia ser representado As mulheres desempenharam um papel às vezes surpreen dente nesse desenvolvimento A voga de romances como Clarissa que focalizavam mulheres comuns com uma rica vida interior fazia com que as pinturas alegóricas de modelos femininos com laces semelhantes a máscaras parecessem irrelevantes ou simples mente decorativas No entanto como os pintores p r o c u r a v a m cada vez mais franqueza e intimidade psicológica nos seus retra los a relação entre o pintor e o modelo tornouse mais carregada cie uma visível tensão sexual especialmente quando as mulheres pintavam os homens Em 1775 James Boswell registrou as críticas de Samuel Johnson contra as retratistas Ele Johnson achava a 89 pintura de retratos um emprego impróprio para as mulheres A prática pública de qualquer arte e o ato de perscrutar a face dos homens é algo muito indelicado numa mulher Ainda assim várias pintoras de retratos se tornaram verdadeiras celebridades na última metade do século xvin Denis Diderot encomendou o seu retrato a uma delas a artista alemã Anna Therbusch Na sua crítica do Salon de 1767 onde a pintura apareceu Diderot sentiu que precisava se defender contra a sugestão de que tinha dormido com a artista uma mulher que não é bonita Mas ele também teve de admitir que sua filha ficou tão impressionada com a seme lhança do retrato feito por Therbusch que precisava se controlar para não o beijar cem vezes na ausência de seu pai por medo de arruinar a pintura 2 0 Assim embora alguns críticos talvez julgassem a semelhança nos retratos secundária para o valor estético a parecença era obviamente muito valorizada por muitos clientes e por um cres cente número de críticos No seu autorrevelador Journal to Eliza escrito em 1767 Laurence Sterne se refere repetidamente à sua doce Imagem sentimental o retrato de Eliza provavelmente feito por Richard Cosway tudo o que ele tem de sua amada ausente A sua Imagem é Você Mesma toda Sentimento Suavi dade e Verdade Original muito querida Como se parece com você e se parecerá até que você a faça desaparecer pela sua presença Assim como aconteceu no romance epistolar também na pintura de retratos as mulheres desempenharam um papel fundamental no processo da empatia Ainda que a maioria dos homens em teoria quisesse que as mulheres conservassem os papéis de modéstia e virtude na prática as mulheres inevitavel mente representavam e assim evocavam o sentimentalismo uma atitude que sempre ameaçava ir além das suas próprias fronteiras 2 1 Tão valorizada era a semelhança por fim que em 1786 o músico e gravurista francês GillesLouis Chrétien inventou uma 90 FIGURA 8 Fisionotraço de Jefferson A legenda diz Quenedy dei ad vivum et sculpt Traçado a partir modelo vivo e gravado por Quenedey c máquina chamada fisionotraço que produzia mecanicamente retratos de perfil ver figura 8 O perfil original em tamanho natu ral era depois reduzido e gravado sobre uma placa de cobre Entre as centenas de perfis produzidos por Chrétien primeiro em cola boração com Edmé Quenedey um miniaturista e depois rivali zando com ele encontravase um de Thomas Jefferson produzido em abril de 1789 Um emigrado francês introduziu o processo nos Estados Unidos e Jefferson mandou fazer outro perfil em 1804 Agora uma curiosidade histórica há muito obscurecida pelo surgi mento da fotografia o fisionotraço é ainda outro sinal do interesse em representar pessoas comuns Jefferson à parte e em captar as menores diferenças entre cada pessoa Além disso como suge rem os comentários de Sterne o retrato especialmente a miniatura servia frequentemente como um desencadeador de lembranças e uma oportunidade para reencontrar uma emoção amorosa 2 2 O E S P E T Á C U L O P Ú B L I C O D A D O R Caminhar pelo jardim escutar música em silêncio usar um lenço e ver retratos são todas ações que parecem acompanhar a imagem do leitor empático e que parecem completamente incon gruentes com a tortura e execução de Jean Calas Mas os próprios juízes e legisladores que sustentavam o sistema legal tradicional e defendiam até a sua dureza sem dúvida escutavam música em silêncio encomendavam retratos e possuíam casas com quartos de dormir embora talvez não tivessem lido os romances por causa da sua associação com a sedução e a devassidão Os magistrados endossavam o sistema tradicional de crime e castigo porque acre ditavam que os culpados do crime só podiam ser controlados por uma força externa Na visão tradicional as pessoas comuns não sabiam regular suas próprias paixões Tinham de ser lideradas 92 estimuladas para fazer o bem e dissuadidas de seguir seus instintos mais baixos Essa tendência para o mal na humanidade resultava do pecado original a doutrina cristã de que todos são inatamente predispostos para o pecado desde que Adão e Eva foram privados da graça de Deus no jardim do Éden Os escritos de PierreFrançois Muyart de Vouglans nos dão uma compreensão rara da posição tradicionalista pois ele foi um dos poucos juristas que aceitaram o desafio de Beccaria e publica ram defesas dos métodos antigos Além de suas muitas obras sobre a lei criminal Muyart também escreveu ao menos dois panfletos defendendo o cristianismo e atacando seus críticos modernos especialmente Voltaire Em 1767 publicou uma refutação ponto por ponto das ideias de Beccaria Opôsse nos termos mais fortes à tentativa de Beccaria de fundamentar o seu sistema sobre os sen imentos inefáveis do coração Eu me orgulho de ter tanta sensi bilidade quanto qualquer pessoa insistia mas sem dúvida não lenho u m a organização de fibras terminações nervosas tão frouxa quanto a de nossos modernos criminalistas pois não senti esse estremecimento suave de que falam Em vez disso Muyart sentiu surpresa para não dizer choque quando viu que Beccaria construiu seu sistema sobre as ruínas de todo o senso comum 2 3 Muyart zombou da abordagem racionalista de Beccaria Sentado no seu gabinete o autor começa a redigir as leis de Iodas as nações e nos leva a compreender que até agora nunca tive mos um pensamento exato ou sólido sobre esse assunto crucial A razão de ser tão difícil reformar a lei criminal segundo Muyart era que ela estava baseada sobre a lei positiva e dependia menos do raciocínio que da experiência e da prática O que a experiência ensinava era a necessidade de controlar os indisciplinados e não 1 lagar as suas sensibilidades Quem de fato não sabe que como s homens são modelados pelas suas paixões o seu temperamento domina muito frequentemente os seus sentimentos Os homens 93 devem ser julgados como são não como deveriam ser ele insistia e só o poder de uma justiça vingadora que inspira um temor reve rente podia refrear esses temperamentos 2 4 A ostentação da dor no cadafalso era destinada a insuflar o terror nos espectadores e dessa forma servia como um instru mento de dissuasão Os que a presenciavame as multidões eram frequentemente imensaseram levados a se identificar com a dor da pessoa condenada e por meio dessa experiência a sentir a majestade esmagadora da lei do Estado e em última instância de Deus Muyart portanto achava revoltante que Beccaria tentasse justificar os seus argumentos por referência à sensibilidade em relação à dor do culpado Essa sensibilidade fazia o sistema tradi cional funcionar Precisamente porque cada homem se identifi cava com o que acontecia ao outro e porque ele tinha um horror natural à dor era necessário preferir na escolha dos castigos aquele que fosse mais cruel para o corpo do culpado 2 5 Pela compreensão tradicional as dores do corpo não perten ciam inteiramente à pessoa condenada individual Essas dores tinham os propósitos religiosos e políticos mais elevados da reden ção e reparação da comunidade Os corpos podiam ser mutilados com o objetivo de impor a autoridade e quebrados ou queimados com o objetivo de restaurar a ordem moral política e religiosa Em outras palavras o ofensor servia como u m a espécie de vítima sacrificai cujo sofrimento restauraria a integridade da comuni dade e a ordem do Estado A natureza sacrificai do rito na França era sublinhada pela inclusão de um ato formal de penitência a amende honorablé em muitas sentenças francesas quando o cri minoso condenado carregava uma tocha de fogo e parava na frente de uma igreja para pedir perdão a caminho do cadafalso 2 6 Como a punição era um rito sacrificai a festividade inevita velmente acompanhava e às vezes eclipsava o medo As execuções públicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação 94 F I G U R A 9 Procissão para Tyburn por William Hogarth 1747 0 aprendiz ocioso executado em Tyburn é a ilustração 11 da série de 1 logarth Industryand Idleness Atividade e ociosidade que compara o destino de dois aprendizes Esta representa o triste fim de Thomas Idle o aprendiz ocioso em inglês the idle apprentice A forca pode ser vista no fundo à direita perto da tribuna para a multidão Um pregador meto dista discursa enfadonhamente para o prisioneiro que está provavel mente lendo a sua Bíblia enquanto é transportado de carroça ao lado de seu caixão Um homem vende bolos no primeiro plano à direita O seu cesto está rodeado por quatro velas porque ele está ali desde o amanhe cer servindo as pessoas que chegaram cedo para conseguir bons lugares I Im garoto está roubando a sua carteira Atrás da mulher apregoando a confissão de Thomas Idle está outra vendendo gim guardado no cesto preso à sua cintura À sua frente uma mulher dá um soco num homem enquanto outro homem ali perto se prepara para atirar um cachorro no pregador Hogarth capta toda a desordem da multidão da execução A legenda diz Desenhado Gravado por Wm Hogarth Publicado segundo a Lei do Parlamento 30 de setembro de 1747 comunitária do dano do crime As execuções em Paris ocorriam na mesma praça a Place de Greve em que os fogos de artifício celebravam os nascimentos e os casamentos da família real Como os observadores frequentemente relatavam entretanto essa festivi dade tinha em si uma qualidade imprevisível As classes inglesas educadas expressavam cada vez mais a sua desaprovação das cenas espantosas de embriaguez e devassidão que acompanhavam toda execução em Tyburn figura 9 Em cartas os observadores deplo ravam que a multidão ridicularizasse os clérigos enviados para prestar assistência aos prisioneiros que os aprendizes de cirurgiões e os amigos dos executados brigassem pelos cadáveres e de modo geral que houvesse a expressão de uma espécie de Alegria como se o Espetáculo que tinham presenciado lhes proporcionasse Prazer em vez de Dor Relatando um enforcamento no inverno de 1776 o MorningPostde Londres reclamava que a multidão impiedosa se comportava com uma indecência extremamente desumanagri tando rindo atirando bolas de neve uns nos outros principal mente naqueles poucos que manifestavam uma compaixão apro priada pelas desgraças de seus semelhantes 2 7 Mesmo quando a multidão era mais moderada só o seu tamanho já podia ser perturbador Um visitante britânico em Paris relatou uma execução pelo suplício da roda em 1787 O barulho da multidão era como o murmúrio rouco causado pelas ondas do mar quebrando ao longo de uma costa rochosa por um momento amainava e n u m silêncio terrível a multidão contemplava o car rasco pegar uma barra de ferro e dar início à tragédia golpeando o antebraço da vítima Muito perturbador para este e muitos outros observadores era o grande número de espectadoras É espantoso que a parte mais delicada da criação cujos sentimentos são tão requintadamente ternos e refinados venha em grandes números para ver um espetáculo tão sangrento mas sem dúvida é a pie dade a compaixão bondosa que sentem o que as torna tão ansio 96 sas sobre as torturas infligidas a nossos semelhantes Desnecessá rio dizer não é sem dúvida que essa fosse a emoção predomi nante das mulheres A multidão já não sentia as emoções que o espetáculo se destinava a provocar 2 8 A dor o castigo e o espetáculo público do sofrimento perde ram todos as suas amarras religiosas na segunda metade do século xviii mas o processo não aconteceu de repente e não era muito bem compreendido à época Mesmo Beccaria deixou de ver todas as consequências do novo pensamento que ele tanto contribuiu para cristalizar Queria pôr a lei numa base rousseauniana em vez le religiosa as leis devem ser convenções entre os homens n u m estado de liberdade sustentava Mas embora argumentasse em fa vor de uma moderação do castigoque deveria ser o menor pos sível no caso dado e proporcional ao crime Beccaria ainda insistia que ele deveria ser público Para ele a exposição pública garantia a transparência da lei 2 9 Na visão individualista e secular que nascia as dores perten ciam apenas ao sofredor aqui e agora A atitude em relação à dor não m u d o u por causa do aperfeiçoamento médico no tratamento da dor Os que exerciam a medicina tentavam certamente aliviar a dor à época mas os verdadeiros passos pioneiros em anestesia só aconteceram em meados do século xix com o uso do éter e do clo rofórmio Em vez disso a mudança de atitude surgiu como uma consequência da reavaliação do corpo individual e de suas dores omo a dor e o próprio corpo agora pertenciam somente ao indi víduo e não à comunidade o indivíduo já não podia ser sacrifi cado para o bem da comunidade ou para um propósito religioso mais elevado Como o reformador inglês Henry Dagge insistia o bem da sociedade é promovido com mais sucejsso pelo respeito aos indivíduos Em vez da expiação de um pecado o castigo devia ser visto como o pagamento de umadívida com a sociedade e clara mente nenhum pagamento podia ser esperado de um corpo muti V 97 lado Se a dor tinha servido como o símbolo da reparação no antigo regime agora a dor parecia um obstáculo a qualquer quitação sig nificativa N u m exemplo dessa mudança de visão muitos juízes nas colônias britânicas na América do Norte começaram a impor multas por delitos contra a propriedade em vez de chibatadas 3 0 Na nova visão consequentemente o castigo cruel executado n u m cenário público constituía um ataque à sociedade em vez de sua reafirmação A dor brutalizava o indivíduo e por identifica ção os espectadores em vez de abrir a porta para a salvação por meio do arrependimento Assim o advogado inglês William Eden denunciou a exposição dos cadáveres deixamonos apodrecer como espantalhos nas sebes e nossas forcas estão amontoadas de carcaças humanas Alguma dúvida de que uma familiaridade for çada com esses objetos possa ter qualquer outro efeito que não seja o de embotar os sentimentos e destruir os preconceitos benevolen tes das pessoas Em 1787 Benjamin Rush podia afastar até as últi mas dúvidas A reforma de um criminoso jamais pode ser levada a efeito por um castigo público afirmava sem rodeios O castigo público destrói qualquer sensação de vergonha não produz mudanças de atitude e em vez de funcionar como um instru mento de dissuasão tem o efeito oposto nos espectadores Embora concordasse com Beccaria na sua oposição à pena de morte o dr Rush o abandonava ao argumentar que o castigo devia ser privado ministrado por trás das paredes de uma prisão e orientado para a reabilitação isto é a readaptação do criminoso à sociedade e à sua liberdade pessoal tão cara a todos os homens 3 1 O S E S T E R T O R E S D A T O R T U R A A conversão das elites às novas visões da dor e da punição ocorreu em estágios entre o início da década de 1760 e o final da 98 década de 1780 Muitos advogados por exemplo publicaram peti ções na década de 1760 denunciando a injustiça da condenação de Calas mas como Voltaire nenhum deles se opunha ao emprego da lortura judicial ou ao suplício da roda Eles também focalizavam o fanatismo religioso que estavam convencidos de haver incitado tanto as pessoas comuns como os juízes em Toulouse As petições se alongavam sobre o momento da tortura e morte de Jean Calas mas sem questionar a sua legitimidade como instrumentos penais Na verdade as petições em favor de Calas essencialmente sus tentavam as pressuposições que estão por trás da tortura e do cas tigo cruel Os defensores de Calas pressupunham que o corpo com a dor diria a verdade Calas provou a sua inocência quando conti nuou sustentandoa mesmo com a dor e o sofrimento figura 10 lim linguagem típica do lado próCalas AlexandreJerôme Loy seau de Mauléon insistia queCalas suportou a questão a tortura com u m a resignação heroica que só pertence à inocência En quanto seus ossos estavam sendo esmagados um a um Calas pro nunciou estas palavras comoventes Morro inocente Jesus Cristo a própria inocência desejou fervorosamente morrer com um sofrimento ainda mais cruel Deus pune em mim o pecado daquele infeliz o filho de Calas que se matou Deus é justo e adoro os seus castigos Loyseau argumentava além do mais que a perseverança majestosa do velho Calas provocou uma inversão dos sentimentos da população Vendoo afirmar repetidamente a sua inocência durante os seus tormentos o povo de Toulouse começou a sentir compaixão e a se arrepender da suspeita irracio nal que antes sentia em relação ao calvinista Cada golpe da vara de I erro soavano fundo das almas daqueles que presenciavam a exe tição e torrentes de lágrimas se derramavam tarde demais de lodos os olhos presentes As torrentes de lágrimas seriam sem pre demasiado tardias enquanto as pressuposições por trás da lortura e do castigo cruel continuassem sem questionamento 3 2 99 FIGURA IO Sentimentalizando o caso Calas A reprodução do caso Calas que teve circulação mais ampla foi esta em tamanho grande originalmente 34 x 45 cm realizada pelo artista e gra vurista alemão Daniel Chodowiecki que fez a gravura a partir de sua pró pria pintura a óleo da cena A águaforte estabeleceu a sua reputação e manteve viva a afronta sentida por toda parte devido ao castigo de Calas Chodowiecki tinha se casado com uma mulher pertencente a uma famí lia de refugiados protestantes franceses em Berlim apenas três anos antes de produzir esta gravura A principal dessas pressuposições era a de que a tortura podia incitar o corpo a falar a verdade mesmo quando a mente indivi dual resistisse Uma longa tradição fisionômica na Europa tinha sustentado que o caráter podia ser desvendado a partir das marcas u sinais do corpo No final do século xvi e no XVII foram publica das várias obras sobre metoposcopia prometendo ensinar os lei lores a interpretar o caráter ou a sorte de uma pessoa a partir das linhas rugas ou manchas na face Um dos títulos típicos era o de Richard Saunders Physiognomie and Chiromancie Metoposcopie The Symmetrical Proportions and Signal Moles of the Body Fully and Accurately Explained with their NaturalPredictive Significa lionsBoth toMen and Women Fisionomia e quiromancia metopos copia as proporções simétricas e os sinais do corpo plenamente e acu radamente explicados com suas significações naturais previsíveis tanto para os homens como para as mulheres publicado em 1653 Sem ter de endossar as variantes mais extremas dessa tradição muitos europeus acreditavam que os corpos podiam revelar a pes soa interior de uma forma involuntária Embora remanescentes desse pensamento ainda pudessem ser encontrados no final do século xviii e início do xix na forma por exemplo da frenología a maioria dos cientistas e médicos se virou contra ele depois de 1750 Argumentavam que a aparência exterior do corpo não tinha nenhuma relação com a alma ou caráter interior Assim o crimi noso podia dissimular e o inocente podia muito bem confessar um crime que não cometera Como Beccaria insistia ao argumen tar contra a tortura o robusto escapará e o fraco será condenado A dor na análise de Beccaria não podia ser o teste da verdade como se a verdade residisse nos músculos e fibras de um desgra çado sob tortura A dor era meramente uma sensação sem cone xão com o sentimento moral 3 Os relatos dos advogados diziam relativamente pouco sobre I reação de Calas à tortura porque a questão ocorria em privado 101 longe dos olhos dos observadores A aplicação privada da tortura tornavaa especialmente repulsiva aos olhos de Beccaria Signifi cava que o acusado perdia a sua proteção pública mesmo antes de ser considerado culpado e que qualquer valor impeditivo da puni ção também se perdia Os juízes franceses também começavam cla ramente a sentir algumas dúvidas sobretudo a respeito da tortura para conseguir confissões de culpa Depois de 1750 os parlements franceses tribunais regionais de apelação começaram a intervir para impedir o uso da tortura antes do julgamento do caso tor tura preparatória como o Parlementde Toulouse fez no caso Calas Eles também decretavam com menos frequência a pena de morte e ordenavam mais amiúde que o condenado fosse estrangu lado antes de ser queimado na fogueira ou colocado sobre a roda 3 4 Mas os juízes não renunciaram totalmente à tortura e não teriam concordado com o desprezo de Beccaria pela estrutura reli giosa da tortura O reformador italiano denunciava sumariamente outro motivo ridículo para a tortura a saber limpar um homem da infâmia Esse absurdo só podia ser explicado como fruto da reli gião Como a própria tortura era uma causa de infâmia para a vítima não podia lavar a mancha Muyart de Vouglans defendia a tortura contra os argumentos de Beccaria O exemplo de um inocente falsa mente condenado empalidecia em comparação aos milhões de outros que eram culpados mas que jamais poderiam ter sido con denados sem o emprego da tortura A tortura judicial não só era por tanto útil como também podia ser justificada pela antiguidade e universalidade de seu emprego As exceções frequentemente citadas só provavam a regra insistia Muyart que devia ser procurada na his tória da própria França e no Sacro Império Romano Segundo Muyart o sistema de Beccaria contradizia a lei canónica a lei civil a lei internacional e a experiência de todos os séculos O próprio Beccaria não enfatizava a conexão entre as suas visões sobre a tortura e a nascente linguagem dos direitos Mas 102 outros estavam prontos a fazêlo em seu n o m e O seu tradutor francês o abade André Morellet modificou a ordem da apresen lação de Beccaria para chamar a atenção para a ligação com os direitos do homem Morellet tirou a única referência de Becca ria a seu objetivo de apoiar os direitos do h o m e m i diritti degli uomini do final do capítulo 11 na edição italiana original de 1764 passandoa para a introdução da tradução francesa de 1766 Defender os direitos do h o m e m agora parecia ser o principal objetivo de Beccaria e esses direitos eram afirmados como o baluarte essencial contra o sofrimento individual O rearranjo de Morellet foi adotado em muitas traduções subsequentes e até em edições italianas posteriores 3 6 Apesar dos esforços de Muyart a maré se virou contra a tor tura na década de 1760 Embora tivessem sido publicados ante riormente ataques à tortura o fio dágua das publicações se tornou uma torrente Liderando as acusações estavam as muitas tradu ções reimpressões e reedições de Beccaria Umas 28 edições italia nas muitas com falsos cólofons e nove francesas foram publicadas antes de 1800 apesar de o livro ter aparecido no índex papal dos livros proibidos em 1766 Uma tradução inglesa foi publicada em Londres em 1767 e a ela se seguiram edições em Glasgow Dublin Edimburgo Charleston e Philadelphia Traduções alemãs holan desas polonesas e espanholas apareceram pouco depois O tradu tor londrino de Beccaria captou o espírito mutável dos tempos as leis penais ainda são tão imperfeitas e se fazem acompanhar por tantas circunstâncias desnecessárias de crueldade em todas as nações que uma tentativa de reduzilas ao padrão da razão deve interessar a toda a humanidade 3 7 A crescente influência de Beccaria era tão dramática que os opositores do Iluminismo acusavam a existência de uma conspi ração Uma coincidência que ao caso Calas tivesse sucedido o tra tado definidor sobre a reforma penal Redigido além do mais por 103 um italiano anteriormente ignoto com conhecimento apenas superficial da lei Em 1779 o sempre incendiário jornalista SimonNicolasHenri Linguet noticiou que u m a testemunha havia lhe exposto tudo Pouco depois do caso Calas os enciclopedistas armados com os tormentos da vítima e aproveitando circunstâncias propícias embora sem se comprometer diretamente como é o seu costume escreveram ao reverendo padre Barnabite em Milão que é seu ban queiro italiano e um famoso matemático Contaramlhe que era o momento de desencadear uma catilinária contra o rigor dos casti gos e contra a intolerância que a filosofia italiana devia fornecer a artilharia e eles fariam uso dela secretamente em Paris Linguet reclamava que o tratado de Beccaria era amplamente visto como uma petição indireta em favor de Calas e outras recentes víti mas de injustiça A influência de Beccaria ajudou a galvanizar a campanha contra a tortura mas no início o processo foi lento Dois artigos sobre a tortura na Encyclopédie de Diderot ambos publicados em 1765 captam a ambiguidade No primeiro sobre a jurisprudência da tortura AntoineGaspard Boucher dArgis se refere prosaica mente aos tormentos violentos a que o acusado é submetido mas sem n e n h u m julgamento sobre o seu mérito No artigo seguinte entretanto que considerava a tortura parte do procedi mento criminal o chevalier de Jaucourt martela contra o seu emprego desdobrando todos os argumentos existentes desde a voz da humanidade às deficiências da tortura em fornecer uma evidência segura da culpa ou da inocência Durante a segunda metade da década de 1760 cinco novos livros apareceram advo gando a reforma da lei criminal Na década de 1780 em contraste 39 livros desse tipo foram publicados 1 9 Durante as décadas de 1770 e 1780 a campanha pela abolição da tortura e pela moderação do castigo ganhou impulso quando sociedades eruditas nos estados italianos nos cantões suíços e na França ofereceram prêmios para os melhores ensaios sobre a reforma penal O governo francês achou a intensidade crescente da crítica tão preocupante que ordenou que a academia de Châlons surMarne parasse de imprimir cópias do ensaio vencedor de 1780 de JacquesPierre Brissot de Warville Mais do que qualquer nova proposta a retórica injuriosa de Brissot disparou os alarmes Esses direitos sagrados que o homem recebeu da natureza que a sociedade viola tão frequentemente com o seu aparato judicial ainda requerem a supressão de muitos de nossos castigos mutilado res e a suavização daqueles que devemos preservar É inconcebível que uma nação gentil douce vivendo num clima temperado sob um governo moderado possa combinar um caráter amável e costu mes pacíficos com a atrocidade de canibais Pois os nossos castigos judiciais exalam apenas sangue e morte e só tendem a inspirar fúria e desespero no coração do acusado O governo francês não gostou de se ver comparado a canibais mas na década de 1780 a barbárie da tortura judicial e o castigo cruel tinham se tornado um mantra da reforma Em 1781 Joseph MichelAntoine Servan um antigo defensor da reforma penal aplaudiu a recente decisão de Luís xvi de abolir a tortura para obter uma confissão de culpa essa infame tortura que por tantos sécu los usurpou o templo da própria justiça e o transformou n u m a escola de sofrimento onde os carrascos professavam o refina mento da dor A tortura judicial era para ele uma espécie de esfinge um monstro absurdo indigno de encontrar asilo entre os povos selvagens 4 0 Encorajado por outros reformadores apesar de sua juventude 105 104 e falta de experiência Brissot se dedicou em seguida a publicar uma obra de dez volumes Bibliothèquephilosophique du Législateur du Politique et du Juriconsulte 17825 que teve de ser impressa na Suíça e contrabandeada para a França e reunia o texto de Brissot e outros escritos sobre a reforma Embora apenas um sintetizador Brissot claramente ligava a tortura aos direitos humanos Alguém é jovem demais quando se trata de defender os direitos ultrajados da humanidade O termo humanidade o espetáculo da huma nidade sofredora por exemplo aparecia repetidas vezes nas suas páginas Em 1788 Brissot fundou a Sociedade dos Amigos dos Negros a primeira sociedade francesa pela abolição da escravatura Assim a campanha pela reforma penal tornouse cada vez mais intimamente associada com a defesa geral dos direitos humanos 4 1 Brissot empregou as mesmas estratégias retóricas dos advo gados que escreviam petições das várias causes célebres francesas da década de 1780 eles não só defendiam seus clientes erroneamente acusados mas também atacavam cada vez mais o sistema legal como um todo Aqueles que escreviam petições adotavam em geral a voz em primeira pessoa de seus clientes para desenvolver narra tivas romanescas melodramáticas que provavam a sua tese Essa estratégia retórica culminou em duas petições escritas por um dos correspondentes de Brissot CharlesMarguerite Dupaty um magistrado de Bordeaux residente em Paris que interveio em nome de três homens condenados ao suplício da roda por roubo agravado A primeira petição de Dupaty de 1786 com 251 pági nas não só denunciava cada deslize do processo judicial como incluía um relato detalhado de seu encontro com os três homens na prisão Nesse relato Dupaty passa inteligentemente de sua visão da cena na primeira pessoa para a dos prisioneiros E eu Bradier um dos condenados então disse metade do meu corpo ficou inchado por seis meses E eu disse Lardoise outro dos condena dos graças a Deus fui capaz de resistir a uma epidemia na prisão entretanto a pressão de meus ferros eu isto é Dupaty posso muito bem acreditar trinta meses nos ferros machucou tanto a minha perna que ela gangrenou quase tiveram de amputála A cena termina com Dupaty em lágrimas Dessa forma o advogado explora ao máximo a sua solidariedade para com os prisioneiros 4 2 Dupaty então m u d a de novo a perspectiva dessa vez diri gindose diretamente aos juízes Juízes de Chaumont Magistra dos Criminalistas vós o escutais Eis o grito da razão da ver dade da justiça e da Lei Por fim Dupaty convoca diretamente a intervenção do rei Implora que o monarca escute o sangue dos inocentes de Calas a seus três ladrões acusados dignese da altura de seu trono dignese a dar uma olhada em todas as ciladas sangrentas de sua legislação criminal onde perecemos onde todos os dias inocentes perecem A petição então conclui com u m a súplica de várias páginas para que Luís xvi reforme a legislação cri minal de acordo com a razão e a humanidade 4 3 A petição de Dupaty incitou de tal forma a opinião pública em favor do acusado e contra o sistema legal que o Parlementde Paris votou que fosse publicamente queimada O portavoz do tri bunal denunciou o estilo romanesco da petição Dupaty vê a seu lado a humanidade tremendo e estendendolhe as mãos uma terra natal desgrenhada mostrandolhe as suas feridas a nação inteira assumindo a voz de Dupaty e ordenando que fale em seu nome Mas o tribunal se mostrou impotente para conter a maré crescente da opinião Jean Caritat marquês de Condorcet em breve o defen sor dos direitos h u m a n o s mais coerente e de maior projeção da Revolução Francesa publicou dois panfletos em favor de Dupaty no final de 1786 Embora não fosse ele próprio um advogado Con dorcet atacou o desprezo pelo homem demonstrado pelo tribu nal e a contínua violação manifesta da lei natural que se tornara patente no caso Calas e em outros julgamentos injustos realizados desde então 4 4 107 i o 6 Em 1788 a própria Coroa francesa já tinha se associado a muitas das novas atitudes No decreto que abolia provisoria mente a tortura antes da execução para obter nomes de cúmpli ces o governo de Luís xvi falava de reafirmar a inocência remover do castigo qualquer excesso de severidade e punir os malfeitores com toda a moderação que a humanidade exige No seu tratado de 1780 sobre a lei criminal francesa Muyart reconhe cia que ao defender a validade de confissões obtidas por meio de tortura não ignoro absolutamente o fato de que devo combater um sistema que mais do que nunca ganhou crédito em tempos recentes Mas ele se recusava a entrar no debate insistindo que seus opositores eram simplesmente polemistas e que ele tinha a força do passado por trás de sua posição A campanha pela reforma penal na França foi tão bemsucedida que em 1789 a cor reção dos abusos no código criminal constituía uma das questões mais frequentemente citadas nas listas de queixas preparadas para os futuros Estados Gerais 4 5 AS P A I X Õ E S E A P E S S O A Ao longo desse debate cada vez mais unilateral os novos sig nificados atribuídos ao corpo tinham se tornado mais plenamente evidentes O corpo quebrado de Calas ou até a perna gangrenada de Lardoise o ladrão acusado de Dupaty ganharam uma nova dig nidade Nas idas e vindas sobre a tortura e o castigo cruel essa dig nidade apareceu primeiro nas reações negativas aos ataques judi ciais que sofreu Mas com o tempo tornouse o motivo como era evidente nas petições de Dupaty de sentimentos positivos de empatia Só mais para o fim do século xvm é que as pressuposições do novo modelo se tornaram explícitas No seu curto mas ilumi nador panfleto de dezoito páginas de 1787 o dr Benjamin Rush 108 ligou os defeitos do castigo público à nova noção do indivíduo autônomo mas solidário C o m o médico Rush admitia algum emprego de dor corporal no castigo embora ele claramente prefe risse trabalho vigilância solidão e silêncio um reconhecimento da individualidade e potencial utilidade do criminoso O castigo público se mostrava muito objetável aos seus olhos pela sua ten dência a destruir a simpatia a viceregente da benevolência divina em nosso mundo Essas são as palavraschave a simpatia o u o que agora chamamos empatiapropiciava os fundamen tos da moralidade a centelha do divino na vida h u m a n a em nosso mundo A sensibilidade é a sentinela da faculdade moral afirmava Rush Ele equiparava essa sensibilidade a um senso repentino de justiça uma espécie de reflexo condicionado para o bem moral O castigo público dava um curtocircuito na simpatia quando a desgraça que os criminosos sofrem é o efeito de uma lei do Estado a que não se pode resistir a simpatia do espectador é abortada e retorna vazia ao seio em que foi despertada Assim o castigo público solapava os sentimentos sociais tornando os espectadores cada vez mais insensíveis os espectadores perdiam os seus senti mentos de amor universal e a sensação de que os criminosos tinham corpos e almas semelhantes aos seus 4 6 Embora Rush certamente se considerasse um bom cristão o seu modelo de pessoa diferia em quase todos os aspectos daquele proposto por Muyart de Vouglans na sua defesa da tortura e dos castigos corporais tradicionais Para Muyart o pecado original explicava a incapacidade dos humanos de controlar as suas pai xões Era verdade que as paixões forneciam a força motivadora da vida mas a sua turbulência ou mesmo rebeldia inerente tinha de ser controlada pela razão pelas pressões da comunidade pela igreja e na falta dela no caso do crime pelo Estado Na visão de Muyart as fontes do crime vício eram as paixões desejo e medo 109 o desejo de se adquirir coisas que não se têm e o medo de se per der aquelas que se têm Essas paixões sufocavam os sentimentos de honra e justiça gravados pela lei natural no coração humano A Divina Providência dava aos reis a suprema autoridade sobre a vida dos homens que eles delegavam aos juízes reservando para si mesmos o direito do perdão O objetivo principal da lei criminal era portanto a prevenção do triunfo do vício sobre a virtude Con ter o mal inerente da humanidade era o lema da visão de justiça de Muyart 4 7 Os reformadores em última análise invertiam as pressuposi ções filosóficas e políticas desse modelo e defendiam em seu lugar o cultivo por meio da educação e da experiência de qualidades humanas inerentemente boas Em meados do século xvm alguns filósofos do Iluminismo tinham adotado u m a posição sobre as paixões que não diferia daquela proposta recentemente pelo neu rologista António Damásio que insiste em que as emoções são cruciais para o raciocínio e a consciência e não hostis a eles Embora Damásio ligue suas raízes intelectuais a Espinosa filósofo holandês do século XVII as elites europeias só passaram a aceitar de modo abrangente uma avaliação mais positiva das emoçõesdas paixões como eles as chamavam no século XVIII O espino sismo tinha má reputação por levar ao materialismo a alma é apenas matéria por isso não há alma e ao ateísmo Deus é a natu reza portanto não há Deus Em meados do século xvm alguns dos pertencentes às profissões cultas tinham aceitado ainda assim uma espécie de materialismo implícito ou mitigado que não fazia afirmações teológicas sobre a alma mas argumentava que a maté ria podia pensar e sentir Essa versão do materialismo conduzia logicamente à posição igualitária de que todos os humanos têm a mesma organização física e mental e portanto de que a experiên cia e a educação e não o nascimento explicam as diferenças entre eles 4 8 110 Subscrevendo u m a filosofia explicitamente materialista ou n ã o e a maioria das pessoas não a subscrevia vários m e m b r o s das elites cultas passaram a sustentar uma visão das paixões m u i t o diferente daquela defendida por Muyart A emoção e a razão pas saram a ser vistas como parceiras As paixões eram o único M o t o r do Ser Sensível e dos Seres Inteligentes segundo o fisiologista suíço Charles Bonnet As paixões eram boas e podiam ser mobili zadas pela educação para o aperfeiçoamento da humanidade que agora era vista como aperfeiçoável em vez de inerentemente má Por essa visão os criminosos tinham cometido erros mas p o d i a m ser reeducados Além disso as paixões baseadas na biologia nutriam a sensibilidade moral O sentimento era a reação emocio nal a u m a sensação física e a moralidade era a educação desse sentimento para trazer à luz o seu componente social a sensibili dade Laurence Sterne o romancista favorito de Thomas Jeffer son colocou o novo credo da era na boca de Yorick o personagem central de seu romance reveladoramente intitulado Uma viagem sentimental Cara sensibilidade eterna fonte de nossos sentimentos é aqui que te descubro e esta é a tua divindade que se agita dentro de mim que sinto algumas alegrias generosas e afetos generosos além de mim mesmo tudo vem de ti grande grande SENSÓRIO do mundo que vibra mesmo quando um único fio de cabelo cai sobre o chão no deserto mais remoto da tua criação Sterne encontrava essa sensibilidade até no camponês mais rude 4 9 Talvez pareça um tanto exagerado estabelecer uma ligação entre assoar o nariz com um lenço escutar música ler um r o m a n c e ou encomendar um retrato e a abolição da tortura e a m o d e r a ç ã o do castigo cruel Mas a tortura legalmente sancionada não t e r m i nou apenas porque os juízes desistiram desse expediente ou p o r 111 que os escritores do Iluminismo finalmente se opuseram a ela A tortura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa se desmantelou e foi substituída pouco a pouco por uma nova estrutura na qual os indivíduos eram donos de seus corpos tinham direitos relativos à individualidade e à inviolabilidade des ses corpos e reconheciam em outras pessoas as mesmas paixões sentimentos e simpatias que viam em si mesmos Os homens e às vezes mulheres para voltar ao b o m dr Rush pela última vez cujas pessoas detestamos criminosos condenados possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos e conhecidos Se contemplamos as suas misérias sem emoção ou simpatia então o próprio princípio da simpatia cessará comple tamente de atuar e logo perderá o seu lugar no coração humano 5 0 112 3 Eles deram um grande exemplo Declarando os direitos DECLARAÇÃO A ação de afirmar dizer apresentar ou anunciar aberta explícita ou formalmente afirmação ou asserção positiva uma asserção anúncio ou proclamação em termos enfáticos sole nes ou legais Uma proclamação ou afirmação pública incor porada num documento instrumento ou ato público Oxford English Dictionary 2 a ed eletrônica Por que os direitos devem ser apresentados numa declaração Por que os países e os cidadãos sentem a necessidade dessa afirma ção formal As campanhas para abolir a tortura e o castigo cruel apontam para uma resposta uma afirmação formal e pública con firma as mudanças que ocorreram nas atitudes subjacentes Mas as declarações de direitos em 1776 e 1789 foram ainda mais longe Mais do que assinalar transformações nas atitudes e expectativas gerais elas ajudaram a tornar efetiva uma transferência de sobera nia de Jorge 111 e o Parlamento britânico para u m a nova república no caso americano e de u m a monarquia que reivindicava u m a autoridade suprema para uma nação e seus representantes no caso 1 113 francês Em 1776 e 1789 as declarações abriram panoramas polí ticos inteiramente novos As campanhas contra a tortura e o cas tigo cruel seriam fundidas a partir de então com toda uma legião de outras causas de direitos humanos cuja relevância só se tornou clara depois que as declarações foram feitas A história da palavradeclaração fornece uma primeira indi cação da mudança na soberania A palavra inglesadeclaration vem da francesa declaration Em francês a palavra se referia origi nalmente a um catálogo de terras a serem dadas em troca do jura mento de vassalagem a u m senhor feudal Ao longo do século XVII passou cada vez mais a se referir às afirmações públicas do rei Em outras palavras o ato de declarar estava ligado à soberania Quando a autoridade se deslocou dos senhores feudais para o rei francês o poder de fazer declarações também mudou de mãos Na Inglaterra o inverso também é válido quando os súditos queriam de seus reis a reafirmação de seus direitos eles redigiam as suas próprias declarações Assim a Magna Carta Great Charter de 1215 formalizou os direitos dos barões ingleses em relação ao rei inglês a Petição de Direitos de 1628 confirmou os diversos Direi tos e Liberdades dos Súditos e a Bill of Rights inglesa de 1689 vali dou os verdadeiros antigos e indubitáveis direitos e liberdades do povo deste reino 1 Em 1776 e 1789 as palavras carta petição ebill pareciam inadequadas para a tarefa de garantir os direitos o mesmo seria verdade em 1948 Petição e bill implicavam um pedido ou apelo a um poder superior um bill era originalmente uma peti ção ao soberano e carta significava frequentemente um antigo documento ou escritura Declaração tinha um ar menos mofado e submisso Além disso ao contrário de petição bill ou até carta declaração podia significar a intenção de se apoderar da soberania Jefferson portanto começou a Declaração de Indepen dência com a seguinte explicação da necessidade de declarála 114 Quando no Curso dos acontecimentos humanos tornase ne cessário que um povo dissolva os laços políticos que o ligam a outro e assuma entre as potências da terra a posição separada e igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu reza um respeito decente pelas opiniões da humanidade requer que ele declare minha ênfase as causas que o impelem à separa ção Uma expressão de respeito decente não podia obscurecer o ponto principal as colônias estavam se declarando um Estado separado e igual e se apoderando de sua própria soberania Em contraste em 1789 os deputados franceses ainda não estavam prontos para repudiar explicitamente a soberania de seu rei Mas eles ainda assim quase realizaram esse repúdio ao omitir deliberadamente qualquer menção ao rei na sua Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Os representantes do povo francês reunidos em Assembleia Nacional e considerando que a ignorância a negligência ou o menosprezo dos direitos do h o m e m são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governa mental resolveram apresentar n u m a declaração minha ênfase solene os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem A Assembleia tinha de fazer algo mais além de proferir discursos ou rascunhar leis sobre questões específicas Tinha de aspirar a escre ver para a posteridade que os direitos não fluíam de um acordo entre o governante e os cidadãos menos ainda de uma petição a ele ou de uma carta concedida por ele mas antes da natureza dos pró prios seres humanos Esses atos de declarar tinham ao mesmo tempo um ar retró grado e avançado Em cada caso os declarantes afirmavam estar confirmando direitos que já existiam e eram inquestionáveis Mas ao fazêlo efetuavam uma revolução na soberania e criavam uma base inteiramente nova para o governo A Declaração da Indepen Ver no Apéndice o texto completo U5 dência afirmava que o rei Jorge III tinha pisoteado os direitos pree xistentes dos colonos e que suas ações justificavam o estabeleci mento de um governo separado sempre que qualquer Forma de Governo se torne destrutiva desses fins assegurar os direitos é Direito do Povo alterála ou abolila e instituir novo Governo Da mesma forma os deputados franceses declararam que esses direi tos tinham sido simplesmente ignorados negligenciados ou des prezados não afirmaram que os tinham inventado A partir de agora entretanto a declaração propunha que esses direitos cons tituíssem o fundamento do governo embora não o tivessem sido no passado Mesmo afirmando que esses direitos já existiam e que eles os estavam meramente defendendo os deputados criavam algo radicalmente novo governos justificados pela sua garantia dos direitos universais D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S N O S E S T A D O S U N I D O S No começo os americanos não tinham a intenção clara de se separar da GrãBretanha Ninguém imaginava na década de 1760 que os direitos os levariam a entrar n u m território tão novo O remodelamento da sensibilidade ajudou a tornar a ideia dos direi tos mais tangível para as classes cultas nos debates sobre a tortura e o castigo cruel por exemplo mas a noção dos direitos m u d o u também em reação às circunstâncias políticas Havia duas versões da linguagem dos direitos no século xvni uma versão particula rista direitos específicos de um povo ou tradição nacional e uma universalista os direitos do h o m e m em geral Os americanos usa vam uma ou outra linguagem ou ambas em combinação depen dendo das circunstâncias Durante a crise da Lei do Selo em mea dos da década de 1760 por exemplo os panfletários americanos enfatizavam os seus direitos como colonos dentro do Império Bri tánico enquanto a Declaração da Independência de 1776 invocava claramente os direitos universais de todos os homens Depois os americanos montaram a sua própria tradição particularista com a Constituição de 1787 e a Bill of Rights de 1791 Em contraste os franceses adotaram quase imediatamente a versão universalista em parte porque ela solapava as reivindicações particularistas e históricas da monarquia Nos debates sobre a Declaração francesa o duque Mathieu de Montmorency exortou seus colegas deputa dos a seguir o exemplo dos Estados Unidos eles deram um grande exemplo no novo hemisfério vamos dar um exemplo para o uni 2 verso Antes que os americanos e os franceses declarassem os direi tos do h o m e m os principais proponentes do universalismo viviam às margens das grandes potências Talvez essa própria mar ginalidade tenha capacitado um punhado de pensadores holande ses alemães e suíços a tomar a iniciativa no argumento de que os direitos eram universais Já em 1625 um jurista calvinista holan dês Hugo Grotius propôs uma noção de direitos que se aplicava a toda a humanidade não apenas a um país ou a uma tradição legal Ele definia direitos naturais como algo autocontrolado e conce bível separadamente da vontade de Deus Sugeria também que as pessoas podiam usar os seus direitos sem a ajuda da religião para estabelecer os fundamentos contratuais da vida social O seu seguidor alemão Samuel Pufendorf o primeiro professor de direito natural em Heidelberg delineou as realizações de Grotius na sua história geral dos ensinamentos do direito natural publi cada em 1678 Embora criticasse Grotius em certos pontos Pufen dorf ajudou a solidificar a reputação de Grotius como uma fonte primordial da corrente universalista do pensamento dos direitos 3 Os teóricos suíços do direito natural teorizaram sobre essas ideias no início do século xvni O mais influente deles JeanJac ques Burlamaqui ensinava direito em Genebra Ele sintetizou os LI 116 vários escritos sobre direito natural do século xvil em Principes du droit naturel 1747 Como seus predecessores Burlamaqui forne ceu pouco conteúdo político ou legal específico para a noção dos direitos naturais universais o seu principal objetivo era provar que eles existiam e derivavam da razão e da natureza humana Ele atua lizou o conceito ao ligálo àquilo que os filósofos escoceses contem porâneos chamavam de senso moral interior antecipando assim o argumento dos meus primeiros capítulos Traduzida imediata mente para o inglês e o holandês a obra de Burlamaqui foi ampla mente usada como uma espécie de livrotexto da lei natural e dos direitos naturais na última metade do século xvin Rousseau entre outros adotou Burlamaqui como um ponto de partida 4 A obra de Burlamaqui estimulou uma renovação mais geral das teorias da lei natural e dos direitos naturais na Europa Ociden tal e nas colônias norteamericanas Jean Barbeyrac outro protes tante genebrino publicou uma nova tradução francesa da obra chave de Grotius em 1746 antes ele havia publicado uma tradu ção francesa de uma das obras de Pufendorf sobre direito natural Uma biografia adulatória de Grotius escrita pelo francês Jean Lévesque de Burigny saiu em 1752 e foi traduzida para o inglês em 1754 Em 1754 Thomas Rutherforth publicou as suas conferên cias sobre Grotius e direito natural proferidas na Universidade de Cambridge Grotius Pufendorf e Burlamaqui eram todos bem conhecidos dos revolucionários americanos como Jefferson e Madison que eram versados em direito 5 Os ingleses tinham produzido dois pensadores universalistas capitais no século xvil Thomas Hobbes e John Locke As suas obras eram bem conhecidas nas colônias britânicas da América do Norte e Locke em particular ajudou a formar o pensamento polí tico americano talvez ainda mais do que influenciou as visões inglesas Hobbes teve menos impacto do que Locke porque ele acreditava que os direitos naturais tinham de se render a uma auto ii8 ridade absoluta a fim de impedir a guerra de todos contra todos que do contrário sucederia Enquanto Grotius havia igualado os direitos naturais à vida ao corpo à liberdade e à honra uma lista que parecia questionar em particular a escravidão Locke definia os direitos naturais como Vida Liberdade e Propriedade C o m o enfatizava a posse Propriedade Locke não questionava a escravidão Justificava a escravidão de cativos capturados n u m a guerra justa Locke até propunha uma legislação para assegurar que todo h o m e m livre de Carolina tenha poder e a u t o r i d a d e absolutos sobre seus escravos negros Entretanto apesar da influência de Hobbes e Locke u r n a grande porção se não a maior parte da discussão inglesa e p o r tanto americana sobre os direitos naturais na primeira metade do século xviii manteve o foco sobre os direitos particulares historica mente fundamentados do inglês nascido livre e não sobre direitos universalmente aplicáveis Escrevendo na década de 1750 W i l l i a m Blackstone explicava por que os seus conterrâneos punham o f o c o sobre seus direitos particulares em vez de atentar para os u n i v e r sais Estas liberdades naturais eram outrora quer por herança quer por aquisição os direitos de toda a humanidade mas e s t a n d o agora na maioria dos outros países do m u n d o mais ou m e n o s degradados e destruídos podese dizer que no presente eles c o n t i nuam a ser de um modo peculiar e enfático os direitos do povo da Inglaterra Mesmo que os direitos tivessem sido outrora u n i v e r sais afirmava o proeminente jurista apenas os ingleses em s u a superioridade tinham conseguido mantêlos 7 Da década de 1760 em diante entretanto o fio universalista dos direitos começou a se entrelaçar com o particularista nas c o l ô nias britânicas da América do Norte JúiThe Rights ofthe BritisH Colonies Asserted and Proved 1764 por exemplo o a d v o g a d o James Otis de Boston confirmava tanto os direitos naturais d o s colonos A natureza colocou todos eles n u m estado de i g u a l d a d 119 e liberdade perfeita como seus direitos civis e políticos como cidadãos britânicos Todo súdito britânico nascido no continente da América ou em qualquer outro dos domínios britânicos está autorizado pela lei de Deus e da natureza pela lei comum e pela lei do Parlamento a usufruir de todos os direitos naturais essen ciais inerentes e inseparáveis de nossos colegas súditos na Grã Bretanha Ainda assim dos direitos de nossos colegas súditos em 1764 até os direitos inalienáveis de todos os homens de Jef ferson em 1776 foi mister dar outro passo gigantesco 8 O fio universalista dos direitos engrossou na década de 1760 e especialmente na de 1770 quando se alargou a brecha entre as colônias norteamericanas e a GrãBretanha Se os colonos que riam estabelecer um novo país separado não podiam contar meramente com os direitos dos ingleses nascidos livres Caso con trário estavam querendo uma reforma e não a independência Os direitos universais proporcionavam um fundamento lógico melhor e assim os discursos das eleições americanas nas décadas de 1760 e 1770 começaram a citar diretamente Burlamaqui em defesa dos direitos da humanidade Grotius Pufendorf e espe cialmente Locke apareciam entre os autores mais frequentemente citados nos escritos políticos e Burlamaqui podia ser encontrado em números cada vez maiores de bibliotecas públicas e particula res Quando a autoridade britânica começou a entrar em colapso em 1774 os colonos passaram a se considerar em algo semelhante ao estado de natureza a respeito do qual tinham lido Burlamaqui tinha afirmado A ideia do Direito e ainda mais a da lei natural estão manifestamente relacionadas com a natureza do homem É portanto dessa própria natureza do homem da sua constituição e da sua condição que devemos deduzir os princípios desta ciência Burlamaqui falava apenas da natureza do h o m e m em geral não sobre a condição dos colonos americanos ou a constituição da GrãBretanha mas sobre a constituição e a condição da humani 120 dade universal Esse pensamento universalista tornava os colonos capazes de imaginar um rompimento com a tradição e a soberania britânica 9 Mesmo antes de o Congresso declarar a independência os colonos convocaram convenções estaduais para substituir o go verno britânico enviaram instruções com os seus delegados para exigir independência e começaram a rascunhar Constituições estaduais que frequentemente incluíam declarações de direitos A Declaração de Direitos da Virginia de 12dejunho de 1776 procla mava que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inerentes que eram definidos como a fruição da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades e de buscar e obter felicidade e segurança Ainda mais importante a Declaração da Virginia passava a ofere cer uma lista de direitos específicos como a liberdade de imprensa e a liberdade de opinião religiosa ela ajudou a estabelecer o modelo não só para a Declaração da Independência mas também para a definitiva Bill ofRightsda Constituição dos Estados Unidos Na primavera de 1776 declarar a independência e declarar os direitos universais em vez de britânicos tinha adquirido momentum nos círculos políticos Assim os acontecimentos de 17746 fundiram temporaria mente os pensamentos particularista e universalista sobre os direi tos nas colônias insurgentes Em reação à GrãBretanha os colo nos podiam citar os seus direitos já existentes como súditos britânicos e ao mesmo tempo reivindicar o direito universal a um governo que assegurasse os seus direitos inalienáveis como ho mens iguais Entretanto como os últimos de fato anulavam os pri meiros à medida que se moviam mais decisivamente para a inde pendência os americanos sentiam a necessidade de declarar os seus direitos como parte da transição de um estado de natureza de volta a um governo civil ou de um estado de sujeição a Jorge III em i i direção a uma nova política republicana Os direitos universalistas nunca teriam sido declarados nas colônias americanas sem o momento revolucionário criado pela resistência à autoridade britâ nica Embora nem todos concordassem sobre a importância de declarar os direitos ou sobre o conteúdo dos direitos a serem decla rados a independência abriu a porta para a declaração dos direitos 1 1 Mesmo na GrãBretanha uma noção mais universalista dos direitos começou a se introduzir sorrateiramente no discurso na década de 1760 Os debates sobre os direitos tinham se aquietado com a restauração da estabilidade depois da revolução de 1688 que havia resultado na Bill ofRights O número de títulos de livros que incluíam alguma menção aos direitos declinou constante mente na GrãBretanha do início dos anos 1700 aos anos 1750 Quando se intensificou a discussão internacional da lei natural e dos direitos naturais os números começaram a se elevar de novo na década de 1760 e continuaram a crescer a partir de então N u m longo panfleto de 1768 que denunciava o patrocínio aristocrático de posições clericais na Igreja da Escócia o autor invocava tanto os direitos naturais da humanidade como os direitos naturais e civis dos BRETÕES LIVRES Da mesma forma o pregador anglicano William Dodd argumentava que o papismo era incoerente com os Direitos Naturais dos HOMENS em geral e dos INGLESES em parti cular Ainda assim o político da oposição John Wilkes sempre empregava a linguagem de vosso direito hereditário como INGLE SES ao apresentar seus argumentos na década de 1760 The Letters ofjunius cartas anônimas publicadas contra o governo britânico no final da década de 1760 e início da de 1770 também usava a lin guagem dos direitos do povo para se referir aos direitos sob a tra dição e a lei inglesas 1 2 A guerra entre os colonos e a Coroa britânica tornou a tendên cia universalista mais plenamente manifesta na própria GrãBre tanha Um folheto de 1776 assinado M Dcita Blackstone no sen 122 tido de que os colonos carregam consigo apenas aquela parte das leis inglesas que é aplicável à sua situação portanto se inova ções ministeriais violam seus direitos naturais como homens ingleses livres a cadeia de governo é quebrada podendose esperar que os colonos exerçam seus direitos naturais Richard Price tornou o apelo ao universalismo muito explícito em seu pan fleto imensamente influente de 1776 Observations on theNature of Civil Liberty the Principies of Government and the Justice andPolicy ofthe War with America O seu texto passou por não menos de quinze edições em Londres em 1776 e foi reimpresso no mesmo ano em Dublin Edimburgo Charleston Nova York e Filadélfia Price baseou o seu apoio aos colonos nos princípios gerais da Liberdade Civil isto é no que a razão a equidade e os direitos da humanidade propiciam e não no precedente no estatuto ou nas cartas a prática da liberdade inglesa no passado O panfleto de Price foi traduzido para o francês o alemão e o holandês O seu tra dutor holandês Joan Derk van der Capellen tot den Poli escreveu a Price em dezembro de 1777 e relatou o seu próprio apoio n u m discurso mais tarde impresso e de ampla circulação à causa ame ricana Considero os americanos homens valentes que defendem de um m o d o moderado piedoso e corajoso os direitos que rece bem sendo homens não do Poder Legislativo da Inglaterra mas do próprio Deus 1 3 O panfleto de Price provocou uma feroz controvérsia na Grã Bretanha Uns trinta panfletos apareceram quase imediatamente em resposta acusando Price de falso patriotismo partidarismo parricidio anarquia sedição e até traição O panfleto de Price inse riu os direitos naturais da humanidade os direitos da natureza h u m a n a e especialmente os direitos inalienáveis da natureza humana na agenda da Europa Como um autor claramente reco nhecia a questão crucial era a seguinte saber se existem direitos inerentes à Natureza Humana tão ligados à vontade que tais direi 123 tos não p o d e m ser alienados Era apenas um sofisma afirmava esse opositor argumentar que há certos direitos da Natureza H u m a n a que são inalienáveis A esses os homens tinham de renunciar um homem tinha de desistir do governo de seu ser pela sua própria vontade a fim de entrar no estado civil As polêmicas mostram que o significado de direitos naturais liber dade civil e democracia era objeto de atenção e debate de muitas das melhores inteligências políticas da GrãBretanha 1 4 A distinção entre as liberdades natural e civil proposta pelos opositores de Price serve para lembrar que a articulação dos direi tos naturais engendrava a sua própria tradição contrária que con tinua até os dias atuais Como os direitos naturais que cresceram em oposição a governos vistos como despóticos a tradição contrá ria era também reativa argumentando que os direitos naturais constituíam uma invenção ou que nunca poderiam ser inalienáveis e portanto eram irrelevantes Hobbes já tinha argumentado na metade do século xvii que os homens deveriam renunciar aos direitos naturais que portanto não eram inalienáveis para estabe lecer uma sociedade civil ordeira Robert Filmer o inglês propo nente da autoridade patriarcal refutou Grotius explicitamente em 1679 e declarou ser um absurdo a doutrina da liberdade natural Em Patriar dia 1680 ele novamente contradisse a noção da igual dade e liberdade natural da humanidade argumentando que todas as pessoas nascem sujeitas aos pais o único direito natural na visão de Filmer é inerente ao poder régio que deriva do modelo original do poder patriarcal e está confirmado nos Dez Mandamentos 1 5 Mais influente no longo prazo foi a visão de Jeremy Bentham que argumentava que só importava a lei positiva real em vez de ideal ou natural Em 1775 muito antes de se tornar famoso como o pai do Utilitarismo Bentham escreveu uma crítica sobre Com mentaries on the Laws ofEngland de Blackstone expondo a sua rejeição do conceito de lei natural Não há isso que chamam de 124 preceitos nada queordene o h o m e m a praticar qualquer um dos atos que se alega serem impostos pela pretensa lei da Natureza Se algum h o m e m conhece algum desses preceitos que ele os pro duza Se são produzíveis não deveríamos nos dar ao trabalho de descobrilos como nosso autor Blackstone pouco depois nos diz que devemos fazer com a ajuda da razão Bentham se opunha à ideia de que a lei natural era inata à pes soa e podia ser descoberta pela razão Assim rejeitava basicamente toda a tradição da lei natural e com ela os direitos naturais O prin cípio da utilidade a maior felicidade do maior número de pessoas uma ideia que ele tomou emprestada de Beccaria ele argumenta ria mais tarde servia como a melhor medida do certo e do errado Só cálculos baseados em fatos em vez de julgamentos baseados na razão podiam fornecer a base para a lei Dada essa posição a sua rejeição posterior da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão é menos surpreendente N u m panfleto em que critica a Declaração francesa artigo por artigo ele negou categoricamente a existência de direitos naturais Os direitos naturais são um mero absurdo os direitos naturais e imprescritíveis um absurdo retó rico um absurdo bombástico 1 Apesar de seus críticos o discurso dos direitos estava ga nhando impulso desde a década de 1760 Os direitos naturais então suplementados pelos direitos do gênero humano direitos da humanidade e direitos do homem tornaramse expressões corriqueiras Com o seu potencial político imensamente intensifi cado pelos conflitos americanos das décadas de 1760 e 1770 o dis curso dos direitos universais cruzou de volta o Atlântico para a GrãBretanha a República Holandesa e a França Em 1768 por exemplo o economista francês de mente reformista Pierre Samuel du Pont de Nemours ofereceu a sua própria definição dos direitos de cada homem A sua lista incluía a liberdade de esco lher u m a ocupação o livre comércio a educação pública e a tribu 125 tação proporcional Em 1776 Du Pont se apresentou como volun tário para ir às colônias americanas e relatar os acontecimentos ao governo francês uma oferta que não foi aproveitada Mais tarde Du Pont se tornou amigo íntimo de Jefferson e em 1789 foi eleito deputado pelo Terceiro Estado 1 7 Embora a Declaração da Independência talvez não tenha sido praticamente esquecida como Pauline Maier recentemente pro clamou a linguagem universalista dos direitos retornou essencial mente ao seu lar na Europa depois de 1776 Os novos governos estaduais dos Estados Unidos começaram a adotar declarações individuais dos direitos já em 1776 mas os Artigos da Confedera ção de 1777 não incluíam n e n h u m a declaração de direitos e a Constituição de 1787 foi aprovada sem nenhuma declaração desse tipo A Bill of Rights americana só passou a existir com a ratificação das primeiras dez emendas da Constituição em 1791 e era um documento profundamente particularista que protegia os cida dãos americanos contra abusos cometidos pelo seu governo fede ral Em comparação a Declaração da Independência e a Declara ção de Direitos da Virginia de 1776 tinham feito afirmações muito mais universalistas Na década de 1780 os direitos na América tinham assumido uma posição menos importante do que o inte resse em construir u m a nova estrutura institucional nacional Como consequência a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão de 1789 de fato precedeu a Bill of Rights americana e logo atraiu a atenção internacional 1 8 d e c l a r a n d o o s d i r e i t o s n a f r a n ç a Apesar do afastamento americano do universalismo na década de 1780 os direitos do h o m e m receberam um grande empurrão do exemplo americano Sem ele na verdade os direi 126 tos h u m a n o s poderiam ter definhado p o r falta de interesse Depois de insuflar um interesse difundido pelos direitos do homem no início da década de 1760 o próprio Rousseau se desi I udiu N u m a longa carta escrita em janeiro de 1769 sobre as suas convicções religiosas Rousseau atacou o uso excessivo desta bela palavra humanidade Os sofisticados m u n d a n o s as menos humanas das pessoas invocavamna com tanta frequên cia que ela estava se tornando insípida até ridícula A humani dade tinha de ser gravada nos corações insistia Rousseau e não apenas impressa nas páginas dos livros O inventor da expressão direitos do h o m e m não viveu para ver o impacto pleno da inde pendência americana ele m o r r e u em 1778 o ano em que a França se j u n t o u ao lado americano contra a GrãBretanha Embora Rousseau soubesse de Benjamin Franklin uma verda deira celebridade na França desde sua chegada como ministro dos colonos rebeldes em 1776 e n u m a ocasião tivesse defendido o direito dos americanos de proteger suas liberdades mesmo que fossem obscuros ou desconhecidos ele expressava pouco inte resse pelos assuntos americanos 1 9 As repetidas referências à humanidade e aos direitos do h o m e m continuaram apesar do escárnio de Rousseau irias pode riam ter sido ineficazes se os acontecimentos na América não tives sem lhes dado mais poder de fogo Entre 1776e 1783nove diferen tes traduções francesas da Declaração da Independência e ao menos cinco traduções francesas de várias constituições e declara ções de direitos estaduais propiciaram aplicações específicas de doutrinas de direitos e ajudaram a cristalizar o senso de que o governo francês também poderia ser estabelecido sobre novos fundamentos Embora alguns reformadores franceses preferissem uma monarquia constitucional no estilo inglês e Condorcet por sua parte expressasse desapontamento com o espírito aristocrá tico da nova Constituição dos Estados Unidos muitos se entu 127 siasmavam com a capacidade americana de escapar ao peso morto do passado e estabelecer o autogoverno 2 0 Os precedentes americanos tornaramse ainda mais convin centes quando os franceses entraram n u m estado de emergência constitucional Em 1788 enfrentando uma bancarrota causada em grande medida pela participação francesa na Guerra da Indepen dência americana Luís xvi concordou em convocar os Estados Gerais que tinham se reunido pela última vez em 1614 Quando começaram as eleições dos delegados ruídos surdos de declarações já podiam ser ouvidos Em janeiro de 1789 um amigo de Jefferson Lafayette preparou um rascunho de declaração e nas semanas seguintes Condorcet silenciosamente formulou o seu O rei tinha pedido que o clero o Primeiro Estado os nobres o Segundo Estado e o povo comum o Terceiro Estado não só elegessem dele gados mas também fizessem listas de suas queixas Várias listas redigidas em fevereiro março e abril de 1789 se referiam aos direi tos inalienáveis do homem aos direitos imprescritíveis dos homens livres aos direitos e dignidade do homem e do cidadão ou aos direitos dos homens livres e esclarecidos mas predomina vam os direitos do homem A linguagem dos direitos estava agora se difundindo rapidamente na atmosfera da crescente crise 2 1 Algumas listas de queixas t as dos nobres mais frequente mente que as do clero ou do Terceiro Estado exigiam de forma explícita u m a declaração de direitos em geral as que também pediam uma nova Constituição Por exemplo a nobreza da região Béziers no sul requeria que a assembleia geral adotasse como sua verdadeira tarefa preliminar o exame rascunho e declaração dos direitos do h o m e m e do cidadão A lista de queixas do Terceiro Estado da grande Paris intitulou a sua segunda seção Declaração de direitos e apresentou uma lista desses direitos Quase todas as listas pediam direitos específicos de uma ou outra forma liber dade de imprensa liberdade de religião em alguns casos tributa 128 ção igual igualdade de tratamento perante a lei proteção contra a prisão arbitrária e que tais 2 2 Os delegados vieram com as suas listas de queixas para a abertura oficial dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789 Depois de semanas de debates fúteis sobre o procedimento os deputados do Terceiro Estado se declararam unilateralmente membros de uma Assembleia Nacional em 17 de junho eles afirmavam repre sentar toda a nação e não apenas o seu estado Muitos deputa dos clericais logo se juntaram a eles e em pouco tempo os nobres não tiveram outra escolha senão abandonar os trabalhos ou tam bém aderir Em 19 de junho bem no meio dessas lutas um depu tado pediu que a nova Assembleia começasse imediatamente a grande tarefa de uma declaração de direitos que ele insistia ter sido exigida pelos eleitores embora estivesse longe de ser univer salmente reclamada a ideia estava com toda a certeza no ar Um Comitê sobre a Constituição foi montado em 6 de julho e em 9 de julho o comitê anunciou à Assembleia Nacional que começaria com u m a declaração dos direitos naturais e imprescritíveis do homem denominada na recapitulação da sessão a declaração dos direitos do homem 2 1 Thomas Jefferson então em Paris escreveu a Thomas Paine na Inglaterra em 11 de julho dando um relato esbaforido dos acontecimentos que se desenrolavam Paine era o autor de Com mon Sense 1776 o panfleto mais influente do movimento da independência americana Segundo Jefferson os deputados da Assembleia Nacional lançaram por terra o velho governo e estão agora começando a construir outro da estaca zero Relatava que eles consideravam que a primeira tarefa devia ser o rascunho de uma Declaração dos direitos naturais e imprescritíveis do homem os mesmos termos usados pelo Comitê sobre a Cons tituição Jefferson trocou muitas ideias com Lafayette que naquele mesmo dia leu o seu próprio rascunho de uma proposta de decla 129 ração para a Assembleia Vários outros deputados proeminentes correram então a imprimir as suas propostas A terminologia variava os direitos do homem na sociedade os direitos do cida dão francês ou simplesmente direitos mas os direitos do homem predominava nos títulos 2 4 Em 14 de julho três dias depois que Jefferson escreveu a Paine as multidões em Paris se armaram e atacaram a prisão da Bastilha e outros símbolos da autoridade real O rei havia orde nado que milhares de tropas entrassem em Paris levando muitos deputados a temer um golpe contrarrevolucionario O rei retirou os seus soldados mas a questão de uma declaração ainda não fora solucionada No final de julho e início de agosto os deputados ainda estavam debatendo se precisavam de uma declaração se ela deveria aparecer no topo da Constituição e se deveria ser acompa nhada por uma declaração dos deveres do cidadão A divisão sobre a necessidade de uma declaração refletia os desacordos fundamen tais sobre o curso dos acontecimentos Se a autoridade monár quica precisasse simplesmente de alguns reparos uma declaração dos direitos do homem não era necessária Para aqueles em con traste que concordavam com o diagnóstico de Jefferson de que o governo tinha de ser reconstruído do nada uma declaração de direitos era essencial Por fim em 4 de agosto a assembleia votou por redigir uma declaração de direitos sem os deveres Ninguém então ou desde então explicou adequadamente como a opinião acabou mudando em favor de rascunhar essa declaração em grande parte porque os deputados estavam tão ocupados confrontando as questões coti dianas que não compreendiam as grandes consequências de cada uma de suas decisões Como resultado as suas cartas e até memó rias posteriores mostraramse torturantemente vagas sobre as mudanças de maré da opinião Sabemos que a maioria tinha pas sado a acreditar ser necessário um fundamento inteiramente 130 novo Os direitos do h o m e m forneciam os princípios para u m a visão alternativa de governo Como os americanos haviam feito antes os franceses declararam os direitos como parte de uma cres cente ruptura com a autoridade estabelecida O deputado Rabaut SaintÉtienne comentou esse paralelo em 18 de agosto como os americanos queremos nos regenerar e assim a declaração de direitos é essencialmente necessária 2 5 O debate se animou em meados de agosto apesar de alguns deputados zombarem abertamente da discussão metafísica Confrontada com u m a série desnorteante de alternativas a As sembleia Nacional decidiu considerar um documento de compro misso redigido por um subcomitê de quarenta membros na sua maior parte anônimos No meio da contínua incerteza e ansiedade sobre o futuro os deputados dedicaram seis dias a um debate tumultuado 2024 de agosto 26 de agosto Concordaram a res peito de dezessete artigos emendados entre os 24 propostos nos Estados Unidos os estados individuais ratificaram apenas dez das doze primeiras emendas propostas para a Constituição Exaurida pela discussão dos artigos e emendas em 27 de agosto a Assembleia votou por adiar qualquer outra discussão para depois da redação de u m a nova Constituição A questão nunca foi reaberta Dessa maneira um tanto ambígua a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão adquiriu a sua forma definitiva Os deputados franceses declaravam que todos os homens e não só os francesesnascem e permanecem livres e iguais em direi tos artigo I a Entre os direitos naturais inalienáveis e sagrados do h o m e m estavam a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão artigo 2 a Concretamente isso significava que quaisquer limites aos direitos tinham de ser estabelecidos na lei artigo 4 a Todos os cidadãos tinham o direito de participar Ver no Apêndice o texto completo 131 na formação da lei que deveria ser a mesma para todos artigo 6 f i e consentir na tributação artigo 14 que deveria ser dividida igualmente segundo a capacidade de pagar artigo 13 Além disso a declaração proibia ordens arbitrárias artigo 7 punições des necessárias artigo 8 fl e qualquer presunção legal de culpa artigo 9 S ou apropriação governamental desnecessária da propriedade artigo 17 Em termos um tanto vagos insistia que ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo as religiosas artigo 10 enquanto afirmava com mais vigor a liberdade de imprensa artigo 11 N u m único documento portanto os deputados franceses ten taram condensar tanto as proteções legais dos direitos individuais como um novo fundamento para a legitimidade do governo A soberania se baseava exclusivamente na nação artigo 3 2 e asocie dade tinha o direito de considerar que todo agente público devia prestar contas de seus atos artigo 15 Não era feita nenhuma men ção ao rei tradição história ou costumes franceses nem à Igreja Católica Os direitos eram declarados na presença e sob os auspí cios do Ser Supremo mas por mais sagrados que fossem não lhes era atribuída uma origem sobrenatural Jefferson tinha sentido a necessidade de afirmar que todos os homens eram dotados pelo seu Criador com direitos mas os franceses deduziam os direitos de origens inteiramente seculares a natureza a razão e a sociedade Durante os debates Mathieu de Montmorency havia afirmado que os direitos do homem na sociedade são eternos e não é necessá ria nenhuma sanção para reconhecêlos O desafio à antiga ordem na Europa não poderia ter sido mais direto 2 6 Nenhum dos artigos da declaração especificava os direitos de grupos particulares Os homens o homem cada homem I todos os cidadãos cada cidadão a sociedade qualquer socie dade eram contrastados com ninguém nenhum indivíduo nenhum homem Era literalmente tudo ou nada As classes as 132 religiões e os sexos não apareciam na declaração Embora a ausên cia de especificidade logo criasse problemas a generalidade das afirmações não era uma grande surpresa O Comitê sobre a Cons tituição tinha se comprometido originalmente em preparar até quatro documentos diferentes sobre os direitos 1 uma declara ção dos direitos do homem 2 dos direitos da nação 3 dos direi tos do rei e 4 dos direitos dos cidadãos sob o governo francês O documento adotado combinava o primeiro o segundo e o quarto mas sem definir as qualificações para a cidadania Antes de passar aos aspectos específicos os direitos do rei ou as qualificações para a cidadania os deputados se empenharam primeiro em estabele cer princípios gerais para todo o governo A esse respeito o artigo 2 a é típico O objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem Os deputados queriam propor a base de toda associação política não da monarquia não do governo francês mas de toda associação polí tica Eles teriam de se voltar em breve para o governo francês 2 7 O ato de declarar não resolvia todas as questões De fato emprestava maior urgência a algumas dessas questões os direi tos daqueles que não tinham propriedade ou das minorias religio sas por exemplo e abria novas questões sobre grupos como os escravos ou as mulheres que nunca haviam detido uma posição política a serem examinadas no próximo capítulo Talvez aque les que se opunham a uma declaração tivessem percebido que o próprio ato de declarar teria um efeito galvanizador Declarar era mais do que esclarecer artigos de doutrina ao fazer a declaração os deputados se apoderavam efetivamente da soberania C o m o resultado o ato de declarar abriu um espaço antes inimaginável para o debate político se a nação era soberana qual era o papel do rei e quem representava melhor a nação Se os direitos serviam como o fundamento da legitimidade o que justificava a sua limi tação a pessoas de certas idades sexos raças religiões ou riqueza 133 Alin guagem dos direitos humanos tinha germinado por algum t e m p o nas novas práticas culturais da autonomia individual e integridade corporal mas depois irrompeu repentinamente em tempos de rebelião e revolução Quem devia queria ou podia con trolar os seus efeitos Declarar os direitos t a m b é m teve consequências fora da França A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão trans formou a linguagem de todo mundo quase da noite para o dia A mudança pode ser encontrada de forma especialmente clara nos escritos e discursos de Richard Price o pregador britânico dissi dente que havia inflamado a controvérsia com seu discurso dos direitos da humanidade em apoio aos colonos americanos em 17760 seu panfleto de 1784 Observations on theImportance ofthe American Revolution continuava na mesma veia comparava o movimento de independência americano à introdução do cristia nismo e predizia que ele produziria uma difusão geral dos princí pios da humanidade apesar da escravidão que ele condenava categoricamente N u m sermão de novembro de 1789 Price endossava a nova terminologia francesa Vivi para ver os direitos dos homens mais bem compreendidos do que nunca e nações ansiando por liberdade que pareciam ter perdido a ideia do que isso fosse Depois de partilhar os benefícios de uma Revolução 1688 fui poupado para ser testemunha de duas outras Revolu ções a americana e a francesa ambas gloriosas 2 8 O panfleto escrito em 1790 por Edmund Burke contra Price Reflexões sobre a revolução na França desencadeou por sua vez um frenesi de discussão em várias linguagens sobre os direitos do homem Burke argumentava que o novo império conquistador de luz e razão não podia propiciar um fundamento adequado para um governo bemsucedido que tinha de estar arraigado nas tradições duradouras de uma nação Na sua acusação aos novos princípios franceses Burke escolheu a Declaração para uma con 134 denação especialmente dura A sua linguagem enfureceu Thomas laine que se agarrou a essa passagem notória na sua réplica de 1791 Os direitos do homem uma resposta ao ataque do sr Burke à Revolução Francesa O sr Burke com sua costumeira violência escreveu Paine insultou a Declaração dos Direitos do Homem A essa cha mou de pedaços miseráveis de papel borrado sobre os direitos do homem O sr Burke pretende negar que o h o m e m tenha direitos Nesse caso deve querer dizer que não existem esses tais direitos em n e n h u m lugar e que ele próprio não tem n e n h u m pois q u e m existe no m u n d o senão o homem Embora a resposta de Mary Wollstonecraft Vindication ofthe Rights ofMen in a Letter to the Right Honourable Edmund Burke Occasioned by his Reflections on the Revolution in France tivesse sido publicada antes em 1790 Os direitos do homem causou um impacto ainda mais direto e estu pendo em parte porque Paine aproveitou a ocasião para argumen tar contra todas as formas de monarquia hereditária inclusive a inglesa A sua obra teve várias edições inglesas ainda no primeiro ano de sua publicação 2 9 Como consequência o emprego da linguagem dos direitos aumentou dramaticamente depois de 1789 As evidências dessa onda podem ser prontamente encontradas no número de títulos em inglês que usam a palavra direitos ele quadruplicou na década de 1790 418 em comparação com a de 1780 95 ou com qualquer década anterior durante o século xvni Algo semelhante aconteceu em holandês rechten van des mensch apareceu pela pri meira vez em 1791 com a tradução de Paine sendo depois seguido por muitos usos na década de 1790 Rechten des menschen apare ceu logo depois nas terras em que se falava o alemão Um tanto iro nicamente portanto a polêmica entre os escritores de língua inglesa levou os direitos do homem francês a um público inter nacional O impacto foi maior do que tinha sido depois de 1776 1 3 5 porque os franceses tinham uma monarquia como as da maioria das outras nações europeias e eles nunca abandonaram a lingua gem do universalismo Os escritos inspirados pela Revolução Francesa também elevaram o nível da discussão americana dos direitos os seguidores de Jefferson invocavam constantemente os direitos do homem mas os federalistas tratavam com desprezo uma linguagem associada com excesso democrático ou ameaças à autoridade estabelecida Essas disputas ajudaram a disseminar a linguagem dos direitos humanos por todo o m u n d o ocidental 3 0 A B O L I N D O A T O R T U R A E A P U N I Ç Ã O C R U E L Seis semanas depois de aprovarem a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão e mesmo antes que tivessem sido deter minadas as ressalvas a votar os deputados franceses aboliram todos os usos da tortura judicial como parte de uma reforma provisória do procedimento criminal Em 10 de setembro de 1789 o conselho da cidade de Paris enviou uma petição formal à Assembleia Nacio nal em n o m e da razão e humanidade demandando reformas judiciais imediatas que não só resgatariam a inocência como estabeleceriam melhor as provas do crime e tornariam a condena ção mais certa Os membros do conselho da cidade fizeram a peti ção porque muitas pessoas tinham sido presas pela nova Guarda Nacional comandada em Paris por Lafayette nas semanas de sublevação depois de 14 de julho Poderia o sigilo habitual dos pro cedimentos judiciais fomentar a manipulação e a chicana dos ini migos da Revolução Em resposta a Assembleia Nacional nomeou um Comitê dos Sete para redigir as reformas mais prementes não apenas para Paris mas para toda a nação Em 5 de outubro sob a pressão de uma marcha impressionante a Versalhes Luís xvi deu finalmente a sua aprovação formal à Declaração dos Direitos do 136 H o m e m e do Cidadão Os participantes da marcha forçaram o rei e sua família a se mudar de Versalhes para Paris em 6 de outubro No meio dessa renovada agitação em 89 de outubro a Assembleia aprovou o decreto proposto pelo seu comitê Ao mesmo tempo os deputados votaram por se juntar ao rei em Paris 3 1 A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão tinha tra çado apenas princípios gerais de justiça a lei devia ser a mesma para todos não devia permitir a prisão arbitrária ou castigos além daqueles estrita e obviamente necessários e o acusado devia ser considerado inocente até ser julgado culpado O decreto de 89 de outubro de 1789 começava com uma invocação da declaração A Assembleia Nacional considerando que um dos principais direi tos do homem por ela reconhecido é o de usufruir quando acu sado de um delito criminal de toda a liberdade e segurança para a defesa que possa ser conciliada com o interesse da sociedade que pede a punição dos crimes Passava então a especificar os pro cedimentos a maioria dos quais se destinava a assegurar a transpa rência para o público N u m lance inspirado pela desconfiança no judiciário então em vigor o decreto requeria a eleição de comissá rios especiais em cada distrito para ajudar em todos os casos crimi nais inclusive na supervisão da coleta de evidências e testemu nhos Garantia o acesso da defesa a todas as informações reunidas e a natureza pública de todos os procedimentos criminais pondo em prática um dos princípios mais acalentados por Beccaria O mais curto dos 28 artigos no decreto o artigo 24 é o mais interessante para nossos propósitos Ele abolia todas as formas de tortura e também o uso de um banco baixo e humilhante a sel lette para o interrogatório final do acusado perante os seus juízes Luís xvi havia suprimido anteriormente a questão preparatória o emprego da tortura para obter confissões de culpa mas tinha proibido apenas provisoriamente o uso da questão preliminar a tortura para obter os nomes de cúmplices O governo do rei tinha 137 eliminado a selletteem maio de 1788 mas como a ação era muito recente os deputados consideraram necessário tornar a sua pró pria posição bem clara A sellette era um instrumento de humilha ção e representava o tipo de ataque à dignidade do indivíduo que os deputados agora consideravam inaceitável O deputado que apresentou o decreto para o comitê reservou a discussão dessas medidas para o fim com o intuito de sublinhar a sua importância simbólica Tinha insistido com os seus colegas desde o início que vocês não podem deixar no Código corrente manchas que revol tam a humanidade vocês certamente querem que elas desapare çam sem demora Depois se tornou quase lacrimoso quando che gou ao tema da tortura Acreditamos que devemos à humanidade apresentarlhes uma observação final O rei já baniu da França a prática absurda mente cruel de arrancar do acusado por meio de tortura a confissão de crimes mas ele lhes deixou a glória de completar esse grande ato de razão e justiça Permanece ainda em nosso código a tortura preliminar os refinamentos mais execráveis de crueldade ainda são empregados para obter a revelação dos cúmplices Fixem seus olhos nesse resquício de barbárie por favor senhores e logrem pros crever de seus corações essa prática Seria um espetáculo belo e comovente para o universo ver um rei e uma nação unidos pelos laços indissolúveis de um amor recíproco rivalizando entre si no zelo pela perfeição das leis um tentando superar o outro na constru ção de monumentos à justiça à liberdade e à humanidade Na esteira da declaração de direitos a tortura foi por fim comple tamente abolida A abolição da tortura não estava na agenda do governo da cidade de Paris em 10 de setembro mas os deputados não resistiram à oportunidade apresentada de tornála o clímax de sua primeira revisão do código criminal 3 2 138 Q u a n d o chegou a hora de completar a revisão do código penal após mais de dezoito meses o deputado encarregado de apresentar a reforma invocou todas as noções que tinham se tor nado familiares durante as campanhas contra a tortura e a punição cruel LouisMichel Lepeletier de SaintFargeau outrora juiz no Parlementde Paris subiu à tribuna em 23 de maio de 1791 para apresentar os princípios do Comitê sobre a Lei Criminal uma continuação do Comitê dos Sete nomeado em setembro de 1789 Denunciou as torturas atrozes imaginadas em séculos bárbaros e ainda assim conservadas em séculos esclarecidos a falta de pro porção entre os crimes e as punições uma das principais queixas de Beccaria e a ferocidade geralmente absurda das leis anterio res Os princípios de humanidade agora modelariam o código penal que no futuro se basearia antes na reabilitação por meio do trabalho que na punição sacrificai por meio da dor 3 3 Tão bemsucedidas tinham sido as campanhas contra a tor tura e a punição cruel que o comitê colocou a seção sobre as puni ções antes da seção que definia os crimes no novo código penal Todas as sociedades experimentam o crime mas a punição reflete a própria natureza de u m a política pública O comitê propôs uma revisão completa do sistema penal para dar corpo aos novos valo res cívicos em nome da igualdade todos seriam julgados nos mes mos tribunais sob a mesma lei e seriam suscetíveis às mesmas punições A privação da liberdade seria a punição exemplar o que significava que ser enviado para as galés no mar e para o exílio seria substituído pelo aprisionamento e por trabalhos forçados Os con cidadãos do criminoso nada saberiam sobre a significância da punição se o criminoso fosse simplesmente enviado para outro lugar fora do alcance da visão pública O comitê até defendia eli minar a pena de morte à exceção dos casos de rebelião contra o Estado mas sabia que enfrentaria resistência quanto a esse ponto Os deputados votaram por reinstalar a pena de morte para alguns 139 crimes embora excluíssem todos os crimes religiosos como a here sia o sacrilégio ou a prática da magia A sodomia antes punível com a morte não era mais considerada crime A pena de morte só seria executada pela decapitação antes reservada aos nobres A guilhotina inventada para tornar a decapitação o menos dolorosa possível começou a ser praticada em abril de 17920 suplício da roda a queima na fogueira essas torturas que acompanhavam a pena de morte desapareceriam todos esses horrores legais são detestados pela humanidade e pela opinião pública insistia Lepe letier Esses espetáculos cruéis degradam a moral pública e são indignos de um século humano e esclarecido 3 4 Como a reabilitação e o reingresso do criminoso na sociedade eram as metas principais a mutilação corporal e as marcas de ferro em brasa se tornaram intoleráveis Ainda assim Lepeletier se estendeu bastante sobre a questão das marcas feitas com ferro em brasa como a sociedade se protegeria contra criminosos condena dos sem nenhum tipo de sinal permanente de seu status Concluiu que na nova ordem seria impossível que vagabundos ou crimino sos passassem despercebidos porque as municipalidades mante riam registros exatos com os nomes de cada habitante Marcar os seus corpos de forma permanente impediria que se reintegrassem na sociedade Nisso como na questão mais geral da dor os deputa dos tinham de seguir um caminho sem muita margem de erro a punição devia ter simultaneamente efeitos de dissuasão e readap tação A punição não podia ser tão degradante a ponto de impedir que os condenados se reintegrassem na sociedade Como conse quência embora prescrevesse a exposição pública dos condenados às vezes acorrentados o código penal limitava cuidadosamente a exposição no máximo três dias dependendo da gravidade do delito Os deputados também queriam acabar com o colorido reli gioso da punição Eliminaram o ato formal da penitência arriende 140 honorable em que o condenado vestindo apenas u m a camisa com uma corda ao redor do pescoço e uma tocha na mão ia até a porta de uma igreja e implorava o perdão de Deus do rei e da jus tiça Em lugar disso o comitê propunha uma punição baseada nos direitos chamada de degradação cívica que poderia ser a única punição ou ser acrescentada a um período de encarceramento Os procedimentos eram descritos em detalhes por Lepeletier O con denado era conduzido a um lugar público especificado onde o escrivão do tribunal criminal lia em voz alta estas palavras O seu país o considerou culpado de uma ação desonrosa A lei e o tribu nal lhe tiram a posição de cidadão francês O condenado era então preso n u m colarinho de ferro e ali permanecia exposto ao público por duas horas O seu nome o seu crime e o seu julgamento seriam escritos n u m cartaz colocado abaixo da sua cabeça As mulheres os estrangeiros e os recidivistas criavam um problema entretanto como podiam perder os seus direitos de votar ou o direito de ocu par um cargo público quando não tinham esses direitos O artigo 32 tratava especificamente desse ponto no caso de uma sentença de degradação cívica contra mulheres estrangeiros ou recidivis tas eles eram condenados ao colarinho de ferro por duas horas e usavam um cartaz semelhante ao prescrito para os homens mas o escrivão não lia a frase a respeito da perda da posição cívica 3 5 A degradação cívica pode parecer formulística mas ela apontava para a reorientação não só do código penal mas do sis tema político em geral O condenado agora era um cidadão não um súdito portanto ele ou ela as mulheres eram cidadãs passi vas não podiam ser obrigados a suportar a tortura castigos des necessariamente cruéis ou penalidades excessivamente desonro sas Q u a n d o apresentou a reforma do código penal Lepeletier distinguiu entre dois tipos de punição castigos corporais prisão morte e castigos desonrosos Embora todas as punições tivessem u m a dimensão de vergonha ou desonra como o próprio Lepele 141 tier afirmava os deputados queriam circunscrever o uso de castigos desonrosos Eles mantiveram a exposição pública e o colarinho de ferro mas suprimiram o ato de penitência o uso do tronco e do pelourinho o ato de arrastar o corpo n u m a espécie de armação depois da morte a reprimenda judicial e o ato de declarar indefini damente em aberto um caso contra o acusado sugerindo portanto a culpa Propomos dizia Lepeletier que vocês adotem o princí pio do castigo desonroso mas multipliquem menos as variações que ao dividilo enfraquecem este pensamento terrível e salutar a sociedade e as leis proferem um anátema contra alguém que se cor rompeu pelo crime Podiase desonrar um criminoso em nome da sociedade e das leis mas não em nome da religião ou do rei 3 6 N u m outro passo que significou um realinhamento funda mental os deputados decidiram que os novos castigos desonrosos se destinavam apenas ao indivíduo criminoso não à sua família Com os tipos tradicionais de castigo desonroso os membros das famílias dos condenados sofriam diretamente as consequências Nenhum deles podia comprar cargos ou ocupar posições públicas a sua propriedade ficava em alguns casos sujeita a confisco e eles eram considerados igualmente desonrados pela comunidade Em 1784 o jovem advogado PierreLouis Lacretelle ganhou um prê mio da Academia Metz por um ensaio em que defendia que a ver gonha do castigo desonroso não devia ser estendida aos membros da família O segundo prêmio foi para um jovem advogado de Arras com um extraordinário futuro Maximilien Robespierre que adotou a mesma posição Essa atenção ao castigo desonroso reflete uma mudança sutil mas importante no conceito de honra com o desenvolvimento de uma noção dos direitos humanos a compreensão tradicional de honra começava a ser atacada A honra tinha sido a qualidade pes soal mais importante sob a monarquia de fato Montesquieu argumentou em seu O espírito das leis 1748 que a honra era o 142 princípio inspirador da monarquia como forma de governo Mui tos consideravam a honra a província especial da aristocracia No seu ensaio sobre castigos desonrosos Robespierre tinha atribuído a prática de desonrar famílias inteiras aos defeitos da própria noção de honra Se consideramos a natureza dessa honra fértil em caprichos sem pre inclinada a uma excessiva sutileza frequentemente apreciando as coisas pelo seu glamour e não pelo seu valor intrínseco e os homens pelos seus acessórios títulos que lhes são alheios e não pelas suas qualidades pessoais podemos facilmente compreender como ela a honra podia entregar ao desprezo aqueles que têm como ente querido um vilão punido pela sociedade Entretanto Robespierre também denunciou o ato de reservar a decapitação considerada mais honrada apenas para os nobres Ele queria que todas as pessoas fossem igualmente honradas ou que renunciassem ao próprio conceito de honra 3 7 Mesmo antes da década de 1780 entretanto a honra estava passando por mudanças Honra segundo a edição de 1762 do dicionário da Académie Française significa virtude probidade Ao falar das mulheres entretanto a honra significa castidade modéstia Na segunda metade do século xvni observase cada vez mais que as distinções de honra separavam mais os homens das mulheres que os aristocratas dos comuns Para os homens a honra estava se tornando ligada à virtude a qualidade que Montesquieu associava com repúblicas todos os cidadãos eram honrados se fos sem virtuosos Sob o novo regime a honra tinha a ver com as ações não com o nascimento A distinção entre os homens e as mulheres passou da honra para as questões de cidadania bem como para as formas de punição A honra e a virtude das mulheres era privada e doméstica a dos homens era pública Tanto os homens como as 143 mulheres podiam ser desonrados na punição mas apenas os homens tinham direitos políticos a perder Tanto na punição como nos direitos os aristocratas e os comuns agora eram iguais os homens e as mulheres não 3 8 A diluição da honra não passou despercebida Em 1794 o escritor SébastienRoch Nicolas Chamfort um dos membros da elitista Académie Française satirizou a mudança É uma verdade reconhecida que o nosso século tem posto as pala vras no seu lugar ao banir sutilezas escolásticas dialéticas e metafí sicas ele retornou ao simples e verdadeiro na física na moral e na política Falando apenas da moral percebese o quanto esta palavra honra incorpora ideias complexas e metafísicas O nosso século sentiu os inconvenientes dessas ideias e para trazer tudo de volta ao simples para impedir todo abuso de palavras estabeleceu que a honra permanece integral para todo homem que nunca foi um ex condenado No passado essa palavra foi uma fonte de equívocos e contestações no presente nada poderia ser mais claro O homem foi colocado no colarinho de ferro ou não Essa é a pergunta a ser feita É uma simples pergunta factual que pode ser facilmente res pondida pelos registros do escrivão do tribunal Um homem que não foi colocado no colarinho de ferro é um homem de honra que pode reivindicar qualquer coisa cargos no ministério etc Tem ingresso garantido nas corporações profissionais nas academias nas cortes do soberano Percebese como a clareza e a precisão nos poupam de brigas e discussões e como o comércio da vida se torna conveniente e fácil Chamfort tinha as suas próprias razões para levar a honra a sério Uma criança abandonada de pais desconhecidos Chamfort construiu uma reputação literária e se tornou o secretário pessoal da irmã de Luís xvi Matouse no auge do Terror pouco depois de 144 escrever essas palavras Durante a Revolução ele primeiro atacou a prestigiada Académie Française que o tinha elegido em 1781 e depois se arrependeu de suas ações e a defendeu Chegar à Acadé mie era a maior honra que podia ser conferida a um escritor sob a monarquia A Académie foi abolida em 1793 e revivida sob N a p o leão Chamfort compreendeu não só a magnitude da mudança na h o n r a a dificuldade de manter as distinções sociais n u m m u n d o impacientemente equalizador mas também a conexão do novo código penal com tal modificação O colarinho de ferro tinha se tornado o mínimo denominador c o m u m da perda de honra 3 9 O novo código penal foi apenas uma das muitas consequên cias que derivaram da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Os deputados tinham reagido à recomendação insistente do duque de Montmorency dar um grande exemplo redi gindo uma declaração de direitos e em algumas semanas c o m e çaram a descobrir como podiam ser imprevisíveis os efeitos desse exemplo A ação de afirmar dizer apresentar ou anunciar aberta explícita ou formalmente implícita no ato de declarar tinha u m a lógica própria Uma vez anunciados abertamente os direitos p r o p u n h a m novas questões questões antes n ã o cogitadas e n ã o cogitáveis O ato de declarar os direitos revelouse apenas o pri meiro passo n u m processo extremamente tenso que continua até os nossos dias 145 4 Isso não terminará nunca As consequências das declarações Pouco antes do Natal de 1789 os deputados da Assembleia Nacional francesa se viram no meio de um debate peculiar Come çou em 21 de dezembro quando um deputado propôs a questão dos direitos de voto dos nãocatólicos Vocês declararam que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direi tos ele lembrou a seus colegas deputados Declararam que nin guém pode ser perturbado por suas opiniões religiosas Há mui tos deputados protestantes entre nós ele observou e assim a Assembleia devia decretar imediatamente que os nãocatólicos possam ser eleitos pelo voto ocupar cargos e aspirar a qualquer posto civil ou militar como os outros cidadãos Os nãocatólicos consistiam uma categoria estranha Quan do Pierre Brunet de Latuque a usou na sua proposta de decreto ele claramente queria dizer protestantes Mas não incluía também os judeus A França era o lar de uns 40 mil judeus em 1789 além de ter de 100 mil a 200 mil protestantes os católicos formavam os outros 99 da população Dois dias depois da intervenção inicial de Brunet de Latuque o conde Stanislas de ClermontTonnerre decidiu entrar no emaranhado da questão Não há meiotermo insistiu Ou vocês estabelecem u m a religião oficial do Estado ou admitem que os membros de qualquer religião podem votar e ocu par cargos públicos ClermontTonnerre insistia que a crença reli giosa não devia ser motivo para a exclusão dos direitos políticos e que portanto os judeus também deviam ter direitos iguais Mas não era tudo A profissão também não devia ser motivo de exclusão ele argumentou Os carrascos e os atores a quem eram negados direitos políticos no passado agora deviam ter acesso a eles Os carrascos costumavam ser considerados desonrados porque ga nhavam a vida matando pessoas e os atores porque fingiam ser outra pessoa ClermontTonnerre acreditava em coerência deve mos ou proibir completamente as peças teatrais ou eliminar a desonra associada ao ato de representar 1 As questões dos direitos revelavam portanto uma tendência a se suceder em cascata Assim que os deputados consideraram o status dos protestantes como uma minoria religiosa sem direitos civis os judeus estavam fadados a vir à baila quando as exclusões religiosas entraram na agenda as profissionais não demoraram a seguilas Já em 1776 John Adams temera uma progressão ainda mais radical em Massachusetts A James Sullivan ele escreveu Pode acreditar senhor é perigoso abrir uma Fonte de Controvérsia e altercação tão fértil como a que seria aberta pela tentativa de alte rar as Qualificações dos Votantes Isso não terminará nunca Surgi rão novas reivindicações As mulheres exigirão o voto Os garotos de 12 a 21 anos pensarão que seus Direitos não são suficientemente considerados e todo Homem sem um tostão exigirá uma Voz igual a qualquer outra em todas as Leis do Estado Adams não pensava realmente que as mulheres ou as crianças pediriam o direito de votar mas temia as consequências de esten 147 i 46 der o sufrágio aos homens sem propriedade Era muito mais fácil argumentar contra todo H o m e m sem um tostão apontando pedidos ainda mais absurdos que poderiam vir daqueles em pata mares ainda mais inferiores na escala social 2 Tanto nos novos Estados Unidos como na França as declara ções de direitos se referiam a homens cidadãos povo e socie dade sem cuidar das diferenças na posição política Mesmo antes que a Declaração francesa fosse rascunhada um astuto teórico constitucional o abade Sieyès tinha argumentado a favor de uma distinção entre os direitos naturais e civis dos cidadãos de um la do e os direitos políticos de outro As mulheres as crianças os es trangeiros e aqueles que não pagavam tributos deviam ser so mente cidadãos passivos Apenas aqueles que contribuem para a ordem pública são como os verdadeiros acionistas da grande empresa social Somente eles são os verdadeiros cidadãos ativos 3 Os mesmos princípios já estavam em vigor há muito tempo do outro lado do Atlântico As treze colônias negavam o voto às mulheres aos negros aos índios e aos sem propriedade Em Dela ware por exemplo o sufrágio era limitado aos homens brancos adultos que possuíssem cinquenta acres de terra que tivessem resi dido em Delaware por dois anos que fossem naturais da região ou naturalizados que negassem a autoridade da Igreja Católica Romana e que reconhecessem que o Antigo e o Novo Testamentos eram obra da inspiração divina Depois da independência alguns estados decretaram condições mais liberais A Pensilvânia por exemplo estendeu o direito de votar a todos os homens adultos livres que pagassem tributos de qualquer importância e Nova Jer sey permitiu por um curto período que as mulheres que tivessem alguma propriedade votassem mas a maioria dos estados reteve as suas qualificações referentes à propriedade e muitos conservaram os testes religiosos ao menos por algum tempo John Adams cap tou a visão dominante tal é a Fragilidade do Coração h u m a n o que poucos Homens que não possuem Propriedade têm um julga mento próprio 4 A cronologia básica da extensão dos direitos é mais fácil de seguir na França porque os direitos políticos eram definidos pela legislatura nacional enquanto nos novos Estados Unidos tais direitos eram regulados pelos estados individuais Na semana de 2027 de outubro de 1789 os deputados aprovaram uma série de decretos estabelecendo as condições de elegibilidade para votar 1 ser francês ou ter se tornado francês por meio de naturalização 2 ter atingido a maioridade estabelecida então em 25 anos 3 ter residido na zona eleitoral ao menos por um ano 4 pagar impostos diretos n u m cômputo igual ao valor local de três dias de trabalho um cômputo mais elevado era exigido no caso da elegi bilidade para ocupar cargos 5 não ser criado doméstico Os deputados nada diziam sobre religião raça ou sexo ao estabelecer esses requisitos embora fosse claramente pressuposto que as mulheres e os escravos estavam excluídos Durante os meses e anos seguintes grupo após grupo foi alvo de discussões específicas e por fim a maioria deles conseguiu direi tos políticos iguais Os homens protestantes ganharam seus direi tos em 24 de dezembro de 1789 assim como todas as profissões Os homens judeus obtiveram finalmente o mesmo avanço em 27 de setembro de 1791 Alguns mas nem todos os homens negros livres conquistaram direitos políticos em 15 de maio de 1791 mas os perderam em 24 de setembro e depois os viram restabelecidos e aplicados de m o d o mais geral em 4 de abril de 1792 Em 10 de agosto de 1792 os direitos de votar foram estendidos a todos os homens na França metropolitana à exceção dos criados e desem pregados Em 4 de fevereiro de 1794 a escravidão foi abolida e direitos iguais concedidos ao menos em princípio aos escravos Apesar dessa quase inimaginável extensão dos direitos políticos a grupos antes não emancipados a linha foi traçada nas mulheres as 149 148 mulheres nunca ganharam direitos políticos iguais durante a Revolução Elas ganharam entretanto direitos iguais de herança e o direito ao divórcio A L Ó G I C A D O S D I R E I T O S M I N O R I A S R E L I G I O S A S A Revolução Francesa mais do que qualquer outro aconteci mento revelou que os direitos humanos têm uma lógica interna Quando enfrentaram a necessidade de transformar seus nobres ideais em leis específicas os deputados desenvolveram uma espé cie de escala de conceptibilidade ou discutibilidade Ninguém sabia de antemão que grupos iam aparecer na discussão quando surgiriam ou qual seria a decisão sobre o seu status Porém mais cedo ou mais tarde tornouse claro que conceder direitos a alguns grupos aos protestantes por exemplo era mais facilmente ima ginável do que concedêlos a outros as mulheres A lógica do pro cesso determinava que logo que surgia um grupo cuja discussão fosse muito concebível homens com propriedades protestantes aqueles na mesma espécie de categoria mas localizados mais abaixo na escala de conceptibilidade homens sem propriedade judeus apareciam na agenda A lógica do processo não movia os acontecimentos necessariamente adiante mas em longo prazo era essa a tendência Os opositores dos direitos dos judeus por exem plo usavam o caso dos protestantes ao contrário dos judeus eles eram ao menos cristãos para convencer os deputados a adiar a questão dos direitos judaicos Entretanto em menos de dois anos os judeus ainda assim conseguiram direitos iguais em parte por que a discussão explícita de seus direitos tinha tornado a concessão de direitos iguais aos judeus mais imaginável Nos mecanismos dessa lógica a natureza supostamente metafísica da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão revelouse um bem muito positivo Exatamente por ter deixado de I ado qualquer questão específica a discussão dos princípios gerais em julhoagosto de 1789 ajudou a pôr em ação modos de pensar que acabaram promovendo interpretações mais radicais das espe cificidades necessárias A declaração se destinava a articular os direitos universais da humanidade e os direitos políticos gerais da nação francesa e dos seus cidadãos Não oferecia qualificações específicas para a participação ativa A instituição de um governo requeria o movimento do geral para o específico assim que as elei ções foram estabelecidas a definição das qualificações para votar e ocupar cargos tornouse urgente A virtude de começar com o geral tornouse visível assim que as questões específicas passaram a ser consideradas Os protestantes foram o primeiro grupo de identidade defi nida a se apresentar para consideração e a discussão a seu respeito estabeleceu u m a característica duradoura das disputas subse quentes um grupo não podia ser considerado em separado Os protestantes não podiam se apresentar sem levantar a questão dos judeus Da mesma forma os direitos dos atores não podiam ser questionados sem invocar o espectro dos carrascos ou os direitos dos negros livres sem chamar atenção para os escravos Quando escreviam sobre os direitos das mulheres os panfletistas os com paravam inevitavelmente aos dos homens sem propriedade e aos dos escravos Mesmo as discussões sobre a maioridade que foi diminuída de 25 para 21 anos em 1792 dependiam da sua compa ração com a infância O status e os direitos de protestantes judeus negros livres ou mulheres eram determinados em grande medida pelo seu lugar na grande rede de grupos que constituíam a comu nidade organizada Os protestantes e os judeus já tinham aparecido juntos nos debates sobre o rascunho de uma declaração Um jovem deputado nobre o conde de Castellane tinha argumentado que os protes 151 150 tantes e os judeus deviam possuir o mais sagrado de todos os direitos o da liberdade de religião No entanto mesmo ele insistia que n e n h u m a religião específica devia ser citada na declaração Rabaut SaintÉtienne ele próprio um pastor calvinista de Langue doc onde viviam muitos calvinistas mencionava a demanda de liberdade de religião para os nãocatólicos na sua lista de queixas local Rabaut incluía explicitamente os judeus entre os nãocatóli cos mas o seu argumento como o de todos os demais no debate dizia respeito à liberdade de religião e não aos direitos políticos das minorias Depois de horas de um debate tumultuado os deputa dos adotaram em agosto um artigo de compromisso que não fazia menção aos direitos políticos artigo 10 da declaração Ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo as religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei A formulação era deliberadamente ambígua e até inter pretada por alguns como uma vitória dos conservadores que se opunham com ferocidade à liberdade de religião O culto público dos protestantes não perturbaria a ordem pública 5 Em dezembro menos de seis meses mais tarde entretanto a maioria dos deputados tomava a liberdade de religião como algo natural Mas a liberdade de religião também implicava direitos políticos iguais para as minorias religiosas Brunet de Latuque propôs a questão dos direitos políticos dos protestantes apenas uma semana depois da redação dos regulamentos para as eleições municipais em 14 de dezembro de 1789 Informou a seus colegas que os nãocatólicos estavam sendo excluídos das listas dos votan tes sob o pretexto de que não tinham sido explicitamente incluídos nos regulamentos Os senhores certamente não quiseram disse esperançosamente deixar que as opiniões religiosas fossem uma razão oficial para excluir alguns cidadãos e admitir outros A lin guagem de Brunet era reveladora os deputados estavam tendo de interpretar as suas ações anteriores à luz do presente Os oposito 152 res dos protestantes quiseram alegar que os protestantes não podiam participar porque a Assembleia não tinha votado um decreto nesse sentido afinal os protestantes tinham sido excluídos dos cargos políticos pela lei desde a revogação do Edito de Nantes em 1685 e nenhuma lei subsequente havia revisado formalmente o seu status político Brunet e seus partidários argumentaram que os princípios gerais proclamados na Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão não admitiam exceções que todos aqueles que satisfaziam as condições etárias e econômicas de elegibilidade tinham de ser automaticamente elegíveis e que portanto as restri ções anteriores contra os protestantes já não eram válidas 6 Em outras palavras o universalismo abstrato da declaração estava impondo as suas consequências Nem Brunet nem qualquer outra pessoa propôs a questão dos direitos das mulheres nesse momento a elegibilidade automática aparentemente não abar cava a diferença sexual Mas no minuto em que se discutiu o status dos protestantes dessa maneira os diques cederam Alguns depu tados reagiram com alarme A proposição de ClermontTonnerre de estender os direitos dos protestantes para todas as religiões e profissões deu origem a um intenso debate Embora a questão dos direitos dos protestantes tivesse começado a discussão quase todo mundo agora admitia que eles deviam ter os mesmos direitos dos católicos Estender os direitos para os carrascos e atores suscitou apenas objeções isoladas em grande parte frívolas mas a sugestão de conceder direitos políticos aos judeus provocou uma resistên cia furiosa Até um deputado aberto a uma eventual emancipação dos judeus argumentou que a sua ociosidade a sua falta de tato um resultado necessário das leis e condições humilhantes a que estão sujeitos em muitos lugares tudo contribui para tornálos odiosos Darlhes direitos na sua visão apenas desencadearia uma reação popular violenta contra eles e de fato tumultos con tra os judeus já t i n h a m ocorrido no leste da França Em 24 de 153 dezembro de 1789 véspera de Natal a Assembleia votou por estender direitos políticos iguais aos nãocatólicos e a todas as profissões ao mesmo tempo que adiavam a questão dos direitos políticos dos judeus O voto em favor dos direitos políticos dos protestantes foi evidentemente maciço segundo os participantes e um deputado escreveu no seu diário sobre a alegria que se mani festou no momento em que o decreto foi aprovado 7 A reviravolta na opinião sobre os protestantes foi espantosa Antes do Edito de Tolerância de 1787 os protestantes não tinham sido capazes de praticar legalmente a sua religião casar ou trans mitir sua propriedade Depois de 1787 eles podiam praticar a sua religião casar perante os oficiais locais e registrar os nascimentos de seus filhos Ganharam apenas direitos civis entretanto não direitos iguais de participação política e ainda não possuíam o direito de praticar a sua religião em público Isso era reservado uni camente aos católicos Algumas das altas cortes tinham conti nuado a resistir à aplicação do edito ao longo de 1788 e 1789 Em agosto de 1789 portanto estava longe de ser evidente que a maio ria dos deputados apoiava a verdadeira liberdade de religião Entretanto no final de dezembro tinham concedido direitos polí ticos iguais aos protestantes O que explicava a mudança de opinião Rabaut SaintÉtienne atribuía a transformação de atitudes à demonstração de responsa bilidade cívica dos deputados protestantes Vinte e quatro protes tantes inclusive ele próprio tinham sido eleitos deputados em 1789 Mesmo antes disso os protestantes tinham ocupado cargos locais apesar das proscrições oficiais e na incerteza dos primeiros meses de 1789 muitos protestantes tinham participado das elei ções para os Estados Gerais O principal historiador da Assembleia Nacional Timothy Tackett atribui a mudança de opinião sobre os protestantes a lutas políticas internas dentro da Assembleia os moderados achavam o obstrucionismo da direita cada vez mais 154 desagradável e assim alinhavamse com a esquerda que apoiava a extensão dos direitos Mas até o principal exemplo de obstrucio nismo citado por Tackett o ruidoso deputado clerical e abade Jean Maury argumentava em favor dos direitos dos protestantes A posição de Maury fornece um indício do processo pois ele ligava o apoio dos direitos políticos dos protestantes ao ato de negar os dos judeus Os protestantes têm a mesma religião e as mesmas leis que nós já possuem os mesmos direitos Maury procurava estabelecer dessa maneira uma distinção entre os protestantes e os judeus Entretanto os judeus espanhóis e portugueses do sul da França começaram imediatamente a preparar u m a petição à Assembleia Nacional com o argumento de que eles t a m b é m já estavam exercendo os seus direitos políticos em nível local A ten tativa de opor uma minoria religiosa contra outra só alargava a fenda na porta 8 O status dos protestantes foi transformado tanto pela teoria como pela prática isto é pela discussão dos princípios gerais da liberdade de religião e pela participação real dos protestantes em assuntos locais e nacionais Brunet de Latuque tinha invocado o princípio geral ao afirmar que os deputados não poderiam ter desejado que as opiniões religiosas fossem u m a razão oficial para excluir alguns cidadãos e admitir outros N ã o querendo admitir o ponto geral Maury tinha de conceder o prático os protestantes já exerciam os mesmos direitos que os católicos A discussão geral em agosto deixara intencionalmente essas questões não resolvidas abrindo a porta para reinterpretações posteriores e ainda mais importante sem fechar a porta para a participação em assuntos locais Os protestantes e até alguns judeus tinham se precipitado para aproveitar ao máximo as novas oportunidades apresentadas Ao contrário dos protestantes antes do Edito de Tolerância de 1787 os judeus franceses não sofriam penalidades por professar publicamente a sua religião mas tinham poucos direitos civis e 155 nenhum direito político Na verdade o caráter francês dos judeus era em alguma medida questionado Os calvinistas eram franceses que tinham se desviado do caminho ao abraçar a heresia enquanto os judeus eram originalmente estrangeiros que constituíam uma nação separada dentro da França Assim os judeus alsacianos eram conhecidos oficialmente como a nação judaica da Alsácia Mas nação tinha um significado menos nacionalista nessa época do que teria mais tarde nos séculos xix e xx Como a maioria dos judeus na França os judeus alsacianos constituíam u m a nação u m a vez que viviam dentro de u m a comunidade judaica cujos direitos e obrigações tinham sido determinados pelo rei em cartas patentes especiais Eles tinham o direito de governar alguns de seus assuntos e até decidir casos em suas próprias cortes de justiça mas também sofriam uma legião de restrições aos tipos de comércio que podiam praticar aos lugares onde podiam viver e às profissões a que podiam aspirar Os escritores do Iluminismo tinham escrito frequentemente sobre os judeus embora nem sempre de modo positivo e depois da concessão de direitos civis aos protestantes em 1787 a atenção se deslocou para a tentativa de melhorar a situação dos judeus Luís xvi criou uma comissão para estudar a questão em 1788 tarde demais para que fosse tomada qualquer medida antes da Revolu ção Embora os direitos políticos dos judeus estivessem abaixo dos concedidos aos protestantes na escala de conceptibilidade os judeus se beneficiaram da atenção atraída para o seu caso Entre tanto a discussão explícita não se traduziu imediatamente em direitos Trezentas e sete das listas de queixas redigidas na prima vera de 1789 mencionavam explicitamente os judeus mas a opi nião estava claramente dividida Dezessete por cento urgiam pela limitação do número de judeus permitidos na França e 9 advo gavam a sua expulsão enquanto apenas 910 insistiam na melhoria de suas condições Entre as milhares de listas de queixas 156 apenas oito advogavam a concessão de direitos iguais aos judeus Ainda assim era um número maior que o daquelas que faziam a mesma reivindicação para as mulheres 1 0 Os direitos dos judeus parecem se ajustar à regra geral de que os primeiros esforços para propor a questão d o s direitos saem fre quentemente pela culatra A posição em grande parte negativa das listas de queixas prenunciava a recusa dos deputados a conceder direitos políticos aos judeus em dezembro de 1789 Ao longo dos vinte meses seguintes entretanto a lógica dos direitos fez avançar a discussão Apenas um mês depois do adiamento do debate dos direitos dos judeus os judeus espanhóis e portugueses do sul da França apresentaram a sua petição à Assembleia argumentando que como os protestantes eles já estavam participando da política em algumas cidades francesas no sul como Bordeaux Falando pelo Comitê sobre a Constituição o bispo católico liberal Charles Maurice de TalleyrandPérigord essencialmente endossou essa posição Os judeus não estavam pedindo novos direitos de cidada nia ele insistiu estavam apenas pedindo para continuar a gozar esses direitos uma vez que eles como os protestantes já os esta vam exercendo Assim a Assembleia podia conceder direitos a alguns judeus sem m u d a r o status dos judeus em geral Dessa maneira o argumento da prática podia se virar contra aqueles que queriam distinções categóricas O discurso de Talleyrand provocou uma comoção especial mente entre os deputados da AlsáciaLorena lar da maior popula ção judaica Os judeus do leste da França e r a m asquenazes que falavam iídiche Os homens tinham barba ao contrário dos sefar ditas de Bordeaux e os regulamentos franceses restringiamnos em grande parte a ter como ocupação o empréstimo de dinheiro e a mascataria As relações entre eles e seus devedores camponeses não eram exatamente amigáveis Os deputados da região não per deram tempo em apontar a consequência inevitável de seguir a 157 orientação de Talleyrand a exceção para os judeus de Bordeaux majoritariamente sefarditas logo resultará na mesma exceção para os outros judeus do reino Enfrentando objeções vociferan tes os deputados ainda assim votaram por 374 a 224 no sentido de que todos os judeus conhecidos como judeus portugueses espa nhóis e de Avignon continuarão a exercer os direitos que têm exer cido até o presente e portanto exercerão os direitos dos cidadãos ativos desde que satisfaçam os requisitos estabelecidos pelos decretos da Assembleia Nacional para a cidadania ativa 2 O voto a favor de direitos para alguns judeus de fato tornou mais difícil no longo prazo recusálos para outros Em 27 de setembro de 1791 a Assembleia revogou todas as suas reservas e exceções anteriores com respeito aos judeus concedendo a todos os judeus direitos iguais Exigiu também que os judeus prestassem um juramento cívico renunciando aos privilégios e isenções espe ciais negociados pela monarquia Nas palavras de ClermontTon nerre Devemos recusar tudo aos judeus como uma nação e con ceder tudo aos judeus como indivíduos Em troca da renúncia a suas próprias cortes de justiça e leis eles se tornariam cidadãos franceses individuais como todos os outros Mais uma vez a prá tica e a teoria operavam numa relação dinâmica mútua Sem a teo ria isto é os princípios enunciados na declaração a referência a alguns judeus que já praticavam esses direitos teria causado pouco impacto Sem a referência à prática a teoria poderia ter permane cido uma letra morta como aparentemente continuou a ser para as mulheres 1 3 No entanto os direitos não eram apenas concedidos pelo corpo legislativo Os debates sobre os direitos incitavam as comu nidades de minorias a falar por si mesmas e a exigir reconheci mento igual Os protestantes tinham maior acesso aos debates porque podiam falar por meio de seus deputados já eleitos para a Assembleia Nacional Mas os judeus parisienses que não passa 158 vam de algumas centenas e não tinham status corporativo apre sentaram a sua primeira petição à Assembleia Nacional ainda em agosto de 1789 Já pediam que os deputados consagrem o nosso título e direitos de Cidadãos Uma semana mais tarde os repre sentantes da muito mais numerosa comunidade dos judeus na Alsácia e na Lorena também publicaram uma carta aberta pedindo a cidadania Quando os deputados reconheceram os direitos dos judeus do sul em janeiro de 1790 os judeus de Paris da Alsácia e da Lorena uniramse para apresentar uma petição em conjunto Como alguns deputados tinham questionado se os judeus real mente queriam a cidadania francesa os peticionários tornaram a sua posição clara como água Eles pedem que as distinções degra dantes que sofreram até o presente sejam abolidas e que eles sejam declarados CIDADÃOS OS peticionários sabiam exatamente como apresentar seu caso Depois de uma longa revisão de todos os pre conceitos havia muito existentes contra os judeus concluíam com uma invocação da inevitabilidade histórica Tudo está mudando a sorte dos judeus deve mudar ao mesmo tempo e as pessoas não ficarão mais surpresas com essa mudança particular do que com todas aquelas que veem ao seu redor todo dia Liguem o aper feiçoamento da sorte dos judeus à revolução amalgamem por assim dizer esta revolução parcial com a revolução geral Dataram o seu panfleto com a mesma data em que a Assembleia votou por criar uma exceção para os judeus do sul 1 4 Em dois anos portanto as minorias religiosas tinham ganhado direitos iguais na França Claro que o preconceito não havia desaparecido especialmente com relação aos judeus Ainda assim u m a percepção da enormidade de tal mudança em tão pouco tempo pode ser estabelecida por simples comparações Na GrãBretanha os católicos ganharam acesso às Forças Armadas às universidades e ao Judiciário em 1793 Os judeus britânicos tive ram de esperar até 1845 para conseguir as mesmas concessões Os 159 católicos só p u d e r a m ser eleitos para o Parlamento britânico depois de 1829 os judeus depois de 1858 A história registrada nos novos Estados Unidos foi um pouco melhor A pequena população judaica nas colônias britânicas na América do Norte que contava apenas com cerca de 2500 indivíduos não tinha igualdade polí tica Depois da independência a maior parte dos novos Estados Unidos continuou a restringir a ocupação de cargos públicos e em alguns estados o ato de votar aos protestantes A primeira emenda da Constituição redigida em setembro de 1789 e ratificada em 1791 garantia a liberdade de religião e depois disso os estados reti raram gradativamente os seus testes religiosos O processo prosse guiu em geral pelos mesmos dois estágios observados na GrãBre tanha primeiro os católicos depois os judeus ganharam direitos políticos plenos Massachusetts por exemplo abriu em 1780 os cargos públicos para qualquer um da religião cristã embora esperasse até 1833 para fazer a mesma coisa com todas as religiões Seguindo o exemplo de Jefferson a Virginia agiu com mais rapi dez concedendo direitos iguais em 1785 e a Carolina do Sul e a Pensilvânia trilharam o mesmo caminho em 1790 Rhode Island só o faria em 1842 1 5 N E G R O S L I V R E S E S C R A V I D Ã O E R A Ç A A força intimidadora da lógica revolucionária dos direitos pode ser vista com ainda maior clareza nas decisões francesas sobre os negros livres e os escravos Mais uma vez a comparação é reveladora a França concedeu direitos políticos iguais aos negros livres 1792 e emancipou os escravos 1794 muito antes de qual quer outra nação que possuía escravos Apesar de conceder direi tos às minorias religiosas bem antes dos seus primos britânicos os novos Estados Unidos ficaram muito atrás no tocante à questão da escravidão Depois de anos de campanhas de petições encabeçadas pela Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos de inspira ção quaker o Parlamento britânico votou pelo fim da participação no tráfico de escravos em 1807 e decidiu em 1833 abolir a escravi dão nas colônias britânicas A história nos Estados Unidos foi mais sombria porque a Convenção Constitucional de 1787 não conce deu ao governo federal o controle sobre a escravidão Apesar de o Congresso ter também votado a proibição da importação de escra vos em 1807 os Estados Unidos só aboliram oficialmente a escra vidão em 1865 quando a 13 a emenda da Constituição foi ratifi cada Além disso o status dos negros livres na realidade declinou em muitos estados depois de 1776 atingindo o seu nadir no notó rio caso Dred Scott de 1857 quando a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou que n e m os escravos nem os negros livres eram cidadãos Dred Scott só foi derrubado em 1868 quando a 14 a emenda da Constituição dos estados Unidos foi ratificada garan tindo que Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do estado em que residem 1 6 Os abolicionistas na França seguiram a orientação inglesa criando em 1788 u m a sociedade irmã modelada segundo a britâ nica Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos Carecendo de amplo apoio a francesa Sociedade dos Amigos dos Negros poderia ter naufragado não fossem os acontecimentos de 1789 que a colocaram em primeiro plano As opiniões dos Amigos dos Negros não podiam ser ignoradas porque entre seus proeminen tes membros estavam Brissot Condorcet Lafayette e o abade Bap tisteHenri Grégoire todos participantes famosos de campanhas pelos direitos h u m a n o s em outras arenas Grégoire um clérigo católico da Lorena tinha defendido mesmo antes de 1789 o rela xamento de restrições contra os judeus no leste da França e em 1789 publicou um panfleto advogando direitos iguais para os 161 160 homens de cor livres Chamava atenção para o racismo florescente dos colonos brancos Os brancos sustentava tendo o poder do seu lado decidiram injustamente que a pele escura exclui o indiví duo das vantagens da sociedade 1 7 Ainda assim a concessão de direitos aos negros e mulatos livres e a abolição da escravatura não se deram por aclamação O número de abolicionistas na nova Assembleia Nacional era muito menor que o daqueles que temiam mexer com o sistema de escra vos e as imensas riquezas que ele trazia para a França Em geral os cultivadores brancos e os mercadores dos portos do Atlântico con seguiam retratar os Amigos dos Negros como fanáticos que pre tendiam fomentar a insurreição dos escravos Em 8 de março de 1790 os deputados votaram por excluir as colônias da Constitui ção e portanto da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cida dão O portavoz do comitê colonial Antoine Barnave explicou que a aplicação rigorosa e universal dos princípios gerais não é conveniente para as colônias A diferença em termos de lugares costumes clima e produtos nos parecia requerer uma diferença nas leis O decreto também tornava crime a incitação de tumulto nas colônias 1 8 Apesar dessa recusa o discurso dos direitos abriu o seu cami nho inelutavelmente por toda a escala social nas colônias Come çou no topo com os cultivadores brancos da maior e mais rica colônia Saint Domingue hoje Haiti Em meados de 1788 eles exigiram reformas no comércio e na representação das colônias nos vindouros Estados Gerais Em pouco tempo ameaçavam exi gir a independência como os norteamericanos se o governo nacional tentasse interferir no sistema dos escravos Os brancos das classes mais baixas por outro lado esperavam que a revolução na França lhes trouxesse compensação contra os brancos mais ricos que não desejavam partilhar o poder político com meros artesãos e comerciantes 162 As demandas crescentes dos negros e mulatos livres eram muito mais perigosas para a continuidade do status quo Excluídos por decreto real de praticar a maioria das profissões ou até de ado tar o nome de parentes brancos as pessoas de cor livres ainda assim possuíam consideráveis propriedades um terço das plantações e um quarto dos escravos em Saint Domingue por exemplo Que riam ser tratados da mesma forma que os brancos e ao mesmo tempo manter o sistema de escravos Um de seus delegados em Paris em 1789 Vincent Ogé tentou conquistar os cultivadores brancos enfatizando os seus interesses comuns como donos de plantações Veremos derramamento de sangue nossas terras invadidas os objetos de nosso trabalho destruídos nossas casas queimadas o escravo levará a revolta mais longe A sua solu ção era conceder direitos iguais aos homens de cor livres como ele próprio que então ajudariam a conter os escravos ao menos por um tempo Quando o seu apelo aos cultivadores brancos fracassou e o apoio dos Amigos dos Negros mostrouse igualmente inútil Ogé voltou a Saint Domingue e no outono de 1790 incitou uma revolta dos homens de cor livres A revolta fracassou e Ogé foi supliciado na roda 1 Mas o apoio aos direitos dos homens de cor livres não parou por aí Em Paris a agitação contínua dos Amigos dos Negros con quistou um decreto em maio de 1791 que concedia direitos polí ticos a todos os homens de cor livres nascidos de mães e pais livres Depois que os escravos de Saint Domingue se rebelaram em agosto de 1791 os deputados rescindiram até esse decreto alta mente restritivo mas aprovaram um mais generoso em abril de 1792 Não surpreende que os deputados agissem de maneira con fusa pois a situação real nas colônias era desnorteante A revolta dos escravos que começou em meados de agosto de 1791 havia atraído até 10 mil insurgentes já no final do mês um número que continuava a crescer rapidamente Bandos armados de escravos 163 massacravam os brancos e queimavam os campos de cana deaçú car e as casas das plantações Os cultivadores imediatamente cul param os Amigos dos Negros e a difusão delugarescomuns sobre os Direitos do Homem 2 0 De que lado os homens de cor livres se posicionavam nessa luta Eles tinham servido nas milícias acusadas de capturar escra vos fugidos e às vezes eram eles próprios donos de escravos Em 1789 os Amigos dos Negros os tinham retratado não só como um baluarte contra um potencial levante de escravos mas também como mediadores em qualquer futura abolição da escravatura Agora os escravos tinham se rebelado Tendo inicialmente rejei tado a visão dos Amigos dos Negros um número cada vez maior de deputados em Paris começou desesperadamente a endossála no início de 1792 Esperavam que os homens de cor livres pudes sem se aliar às forças francesas e aos brancos de classe baixa contra tanto os cultivadores quanto os escravos Entre os deputados um antigo oficial naval nobre e dono de plantações expôs o argu mento Essa classe os brancos pobres é reforçada pela dos homens de cor livres que possuem propriedade esse é o partido da Assembleia Nacional nesta ilha Os receios de nossos colonos cultivadores brancos têm portanto fundamento uma vez que eles têm tudo a temer da influência de nossa revolução sobre os seus escravos Os direitos do h o m e m derrubam o sistema em que se assentam as suas fortunas Somente mudando os seus prin cípios é que os colonos salvarão as suas vidas e as suas fortunas O deputado ArmandGuy Kersaint passou a defender a própria abolição gradual da escravidão Na verdade os negros e mulatos livres desempenharam um papel ambíguo durante todo o levante dos escravos ora se aliando aos brancos contra os escravos ora se aliando aos escravos contra os brancos 2 1 Mais uma vez a potente combinação de teoria declaração dos direitos e prática nesse caso franca revolta e rebelião forçou 164 a mão dos legisladores Como mostrava o argumento de Kersaint os direitos do h o m e m eram inevitavelmente parte da discussão mesmo na Assembleia que os tinha declarado inaplicáveis às colô nias Os acontecimentos levaram os deputados a reconhecer a sua aplicabilidade em lugares e em relação a grupos que eles tinham originalmente esperado excluir desses direitos Aqueles que se opunham a conceder direitos aos homens de cor livres concorda vam a respeito de um ponto central com aqueles que apoiavam a ideia de conferir esses direitos os direitos dos homens de cor livres não podiam ser separados da reflexão sobre o próprio sistema escravagista Assim u m a vez reconhecidos esses direitos o pró ximo passo se tornava ainda mais inevitável No verão de 1793 as colônias francesas estavam em total sublevação Uma república havia sido declarada na França e a guerra agora opunha a nova república à GrãBretanha e à Espanha no Caribe Os cultivadores brancos procuraram fazer alianças com os britânicos Alguns dos escravos rebeldes de Saint Domingue juntaramse aos espanhóis que controlavam a metade leste da ilha Santo Domingo em troca de promessas de liberdade para si mesmos Mas a Espanha não tinha a menor intenção de abolir a escravidão Em agosto de 1793 enfrentando um colapso total da autoridade francesa dois comissários enviados da França começa ram a oferecer a emancipação aos escravos que lutavam pela Repú blica Francesa e depois também a suas famílias Além disso pro metiam concessões de terra No final do mês estavam prometendo liberdade a províncias inteiras O decreto emancipando os escra vos do norte abria com o artigo P da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Embora inicialmente temerosos de uma trama britânica para solapar o poder francês por meio da libertação de escravos os deputados em Paris votaram por abolir a escravidão em todas as colônias em fevereiro de 1794 Agiram assim que escu 165 taram relatos em primeira mão de três homens um branco um mulato e um escravo liberto enviados de Saint Domingue para explicar a necessidade da emancipação Além da abolição da escravidão negra em todas as colônias os deputados decretaram que todos os homens sem distinção de cor residindo nas colô nias são cidadãos franceses e gozarão de todos os direitos assegu rados pela Constituição 2 2 A abolição da escravatura foi um ato de puro altruísmo escla recido Dificilmente A contínua revolta dos escravos em Saint Domingue e sua conjunção com a guerra em muitas frentes deixa vam pouca escolha aos comissários e portanto aos deputados em Paris se quisessem conservar até mesmo uma pequena porção de sua ilhacolônia Mas como revelavam as ações dos britânicos e dos espanhóis ainda havia muito espaço de manobra para manter a escravidão no seu lugar eles podiam prometer a emancipação exclusivamente àqueles que passassem para o seu lado sem ofere cer a abolição geral da escravatura Mas a propagação dos direitos do homem tornou a manutenção da escravidão muito mais difí cil para os franceses A medida que se espalhava na França a dis cussão dos direitos boicotava a tentativa da legislatura de manter as colônias fora da Constituição precisamente por ser inevitável que incitasse os homens de cor livres e os próprios escravos a fazer novas demandas e a lutar ferozmente por elas Desde o começo os cultivadores e seus aliados perceberam a ameaça Os deputados coloniais em Paris escreveram secretamente para as colônias a fim de instruir seus amigos a vigiar as pessoas e os acontecimentos prender os suspeitos apoderarse de quaisquer escritos em que a palavra liberdade seja meramente pronunciada Embora os escravos talvez não tivessem compreendido todas as sutilezas da doutrina dos direitos do homem as próprias palavras passaram a ter um efeito inegavelmente talismânico O exescravo Toussaint Louverture que se tornaria em breve o líder da revolta proclamou 166 em agosto de 1793 queEu quero que a Liberdade e a Igualdade rei nem em Saint Domingue Trabalho para que elas passem a existir Univos a nós irmãos companheiros insurgentes e lutai conos co pela mesma causa Sem a declaração inicial a abolição da escra vatura em 1794 teria permanecido inconcebível 2 3 Em 1802 Napoleão enviou uma imensa força expedicionária da França para capturar ToussaintLouverture e restabelecer a escravidão nas colônias francesas Transportado de volta para a França Toussaint morreu numa prisão fria louvado por William Wordsworth e celebrado pelos abolicionistas em toda parte Wordsworth acolheu o zelo de Toussaint pela liberdade Though fallen thyself never to rise again Live and take comfort Thou hast left behind Powers that will work for thee air earth and skies Theres nota breathing of the common wind That will forget thee thou hast great allies Thy friends are exultations agonies And love and mans unconquerable mind Embora tu próprio caído para não mais te erguer Vive e consolate Deixaste para trás Poderes que lutarão por ti o ar a terra e os céus Nem um único sopro do vento comum Te esquecerá tens grandes aliados Teus amigos são o júbilo a agonia E o amor e a mente inconquistável do homem A ação de Napoleão retardou a abolição definitiva da escravatura nas colônias francesas até 1848 quando uma segunda república chegou ao poder Mas ele não conseguiu fazer o tempo andar com pletamente para trás Os escravos de Saint Domingue recusaram 167 se a aceitar a sua sorte e resistiram com sucesso ao exército de Napoleão até a retirada francesa que deixou para trás a primeira nação liderada por escravos libertos o Estado independente do Haiti Dos 60 mil soldados franceses suíços alemães e poloneses enviados à ilha apenas uns poucos milhares retornaram ao outro lado do oceano Os outros tinham tombado em combates ferozes ou pela febre amarela que dizimou milhares inclusive o coman dantechefe das forças expedicionárias Entretanto mesmo nas colônias onde a escravidão foi restaurada com sucesso o gosto da liberdade não foi esquecido Depois que a revolução de 1830 na França substituiu a monarquia ultraconservadora um abolicio nista visitou Guadalupe e relatou a reação dos escravos à sua ban deira tricolor adotada pela república em 1794 Signo glorioso de nossa emancipação nós te saudamos gritaram quinze ou vinte escravos Olá bandeira benévola que vem do outro lado do oceano para anunciar o triunfo de nossos amigos e as horas de nossa libertação 2 4 D E C L A R A N D O O S D I R E I T O S D A S M U L H E R E S Embora os deputados pudessem concordar se pressiona dos que a declaração de direitos se aplicava a todos os homens sem distinção de cor apenas um punhado se dispunha a dizer que ela se aplicava também às mulheres Ainda assim os direitos das mulheres surgiram na discussão e os deputados estenderam os direitos civis das mulheres em importantes novas direções As moças ganharam o direito ao divórcio pelas mesmas razões de seus maridos O divórcio não era permitido pela lei francesa antes de sua decretação em 1792 A monarquia restaurada revogou o divór cio em 1816 e o divórcio só foi reinstituído em 1884 e mesmo então com mais restrições do que as aplicadas em 1792 Dada a i 6 8 exclusão universal das mulheres dos direitos políticos no século xviii e durante a maior parte da história humana as mulheres não ganharam o direito de votar nas eleições nacionais em ne n h u m lugar do m u n d o antes do fim do século xix é mais sur preendente que os direitos das mulheres não tenham sequer sido discutidos na arena pública do que o fato de as mulheres em última análise não os terem ganhado Os direitos das mulheres estavam claramente mais abaixo na escala de conceptibilidade do que os de outros grupos A ques tão da mulher veio à tona periodicamente na Europa durante os séculos xvii e xvm sobretudo com respeito à educação das mulhe res ou à falta dessa educação mas os direitos delas não tinham sido o foco de nenhuma discussão prolongada nos anos que levam à Revolução Francesa ou à Americana Em contraste com os protes tantes franceses os judeus ou até os escravos o status das mulhe res não tinha sido objeto de guerras de panfletos competições públicas de ensaios comissões do governo ou organizações de defesa especialmente organizadas como os Amigos dos Negros Esse descaso talvez se devesse ao fato de que as mulheres não cons tituíam u m a minoria perseguida Eram oprimidas segundo os nossos padrões e oprimidas por causa de seu sexo mas não eram uma minoria e certamente ninguém estava tentando forçálas a m u d a r de identidade como acontecia com os protestantes e os judeus Se alguns comparavam a sua sorte à escravidão poucos levavam a analogia além do reino da metáfora As leis limitavam os direitos das mulheres sem dúvida mas elas realmente tinham alguns direitos ao contrário dos escravos Pensavase que as mulheres eram moralmente se não intelectualmente dependen tes de seus pais e maridos mas não se imaginava que fossem des providas de autonomia na verdade a sua inclinação pela autono mia requeria uma vigilância constante de supostas autoridades de todos os tipos Tampouco eram desprovidas de voz mesmo em 169 assuntos políticos as demonstrações e tumultos a respeito do pre ço do pão revelaram repetidamente essa verdade antes e durante a Revolução Francesa 2 5 As mulheres simplesmente não constituíam uma categoria política claramente separada e distinguível antes da Revolução O exemplo de Condorcet o mais aberto defensor masculino dos direitos políticos das mulheres durante a Revolução é revelador Já em 1781 ele publicou um panfleto exigindo a abolição da escrava tura Numa lista que incluía reformas propostas para os campone ses os protestantes e o sistema de justiça criminal bem como o estabelecimento do livre comércio e a vacinação contra a varíola as mulheres não eram mencionadas Elas apenas se tornaram uma questão para esse pioneiro dos direitos humanos um ano depois do início da revolução 2 6 Embora algumas tenham votado por procuração nas eleições para os Estados Gerais e um pequeno n ú m e r o de deputados achasse que as mulheres ou ao menos as viúvas que possuíam pro priedades poderiam votar no futuro as mulheres como tais isto é como uma potencial categoria de direitos absolutamente não apa receram nas discussões da Assembleia Nacional entre 1789 e 1791 Alista alfabética dos enormes Archives parlementaires cita mulhe res apenas duas vezes n u m dos casos um grupo de bretãs que pedia para fazer um juramento cívico e no outro um grupo de mulheres parisienses que enviava um discurso Em contraste os judeus apareciam em discussões diretas dos deputados ao menos em dezessete ocasiões diferentes No final de 1789 atores carras cos protestantes judeus negros livres e até homens pobres podiam ser imaginados como cidadãos ao menos por um número substancial de deputados Apesar dessa recalibração contínua da escala de conceptibilidade os direitos iguais para a classe feminina permaneciam inimagináveis para quase todo m u n d o t a n t o ho mens como mulheres 2 7 M I7O Porém mesmo aqui a lógica dos direitos seguiu o seu cami nho ainda que de forma espasmódica Em julho de 1790 Condor cet chocou os seus leitores com um surpreendente editorial jorna lístico Sobre a admissão das mulheres aos direitos da cidadania tornando explícito o fundamento lógico dos direitos humanos que tinha se desenvolvido constantemente na segunda metade do século XVIII os direitos dos homens resultam apenas do fato de que eles são seres sensíveis capazes de adquirir ideias morais e de raciocinar sobre essas ideias As mulheres não têm as mesmas características Como as mulheres têm as mesmas qualidades ele insistia elas têm necessariamente direitos iguais Condorcet tirava a conclusão lógica que os seus colegas revolucionários tinham tanta dificuldade em deduzir por si mesmos Ou nenhum indivíduo na humanidade tem direitos verdadeiros ou todos têm os mesmos e quem vota contra o direito de outro qualquer que seja a sua religião cor ou sexo abjurou a partir desse momento os seus próprios direitos Aí estava a filosofia moderna dos direitos humanos na sua forma pura claramente articulada As particularidades dos huma nos excluindose talvez a idade as crianças ainda não sendo capazes de raciocinar por conta própria não devem pesar na balança nem mesmo dos direitos políticos Condorcet t a m b é m explicava por que tantas mulheres bem como homens tinham aceitado sem questio nar a subordinação inj ustificável das mulheres O hábito pode fami liarizar os homens com a violação de seus direitos naturais a ponto de entre aqueles que os perderam ninguém sonhar em reclamálos nem acreditar que sofreu uma injustiça Ele desafiava os seus leitores a reconhecer que as mulheres sempre tiveram direitos e que o cos tume social os cegara para essa verdade fundamental 2 8 Em setembro de 1791 a dramaturga antiescravagista Olympe de Gouges virou a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cida dão pelo avesso A sua Declaração dos Direitos da Mulher insistia 171 que A mulher nasce livre e permanece igual ao h o m e m em direi tos artigo I a Todas as cidadãs e cidadãos sendo iguais aos seus da lei olhos devem ser igualmente admissíveis a todas as digni dades cargos e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem n e n h u m a outra distinção que não seja a de suas virtudes e talentos artigo 6 a A inversão da linguagem da declaração oficial de 1789 não nos parece chocante no presente mas certamente cho cou à época Na Inglaterra Mary Wollstonecraft não foi tão longe quanto as suas companheiras francesas que exigiam direitos polí ticos absolutamente iguais para as mulheres mas escreveu com mais detalhes e com uma paixão intensa sobre as maneiras como a educação e a tradição haviam tolhido a inteligência das mulheres Em Vindication of the Rights ofWoman publicado em 1792 ela ligava a emancipação das mulheres à implosão de todas as formas de hierarquia na sociedade Como De Gouges Wollstonecraft foi vítima de difamação pública pela sua ousadia O destino de De Gouges foi ainda pior pois ela acabou na guilhotina condenada como uma contrarrevolucionaria impudente e um ser inatural um homemmulher 2 9 Uma vez desencadeado o momentum os direitos das mulhe res não ficaram limitados às publicações de uns poucos indiví duos pioneiros Entre 1791 e 1793 as mulheres estabeleceram clu bes políticos em ao menos cinquenta cidades provincianas e de maior porte bem como em Paris Os direitos das mulheres come çaram a ser debatidos nos clubes em jornais e em panfletos Em abril de 1793 durante a consideração da cidadania n u m a nova proposta de Constituição para a república um deputado argu mentou detalhadamente em favor de direitos políticos iguais para as mulheres A sua intervenção mostrava que a ideia tinha ganhado alguns adeptos Há sem dúvida u m a diferença ele admitia a dos sexos mas não compreendo como uma dife rença sexual contribui para uma desigualdade nos direitos Vamos antes nos desvencilhar do preconceito do sexo assim como nos liberamos do preconceito contra a cor dos negros Os deputados não seguiram a sua orientação 3 0 Em vez disso em outubro de 1793 os deputados atacaram os clubes de mulheres Reagindo a lutas nas ruas entre mulheres a res peito do uso de insígnias revolucionárias a Convenção votou por suprimir todos os clubes políticos para mulheres sob o pretexto de que tais clubes só as desviavam de seus apropriados deveres domésticos Segundo o deputado que apresentou o decreto as mulheres não tinham o conhecimento a aplicação a dedicação ou a abnegação exigidos para governar Deviam se ater às funções privadas a que as mulheres são destinadas pela própria natureza O fundamento lógico não era nenhuma novidade o que era novo era a necessidade de vir a público e proibir as mulheres de formar e frequentar clubes políticos As mulheres podem ter surgido por último nas discussões e como tema de menor importância mas os seus direitos acabaram entrando na agenda e o que foi dito a seu respeito na década de 1790 especialmente em favor dos direitos teve um impacto que durou até o presente 3 1 A lógica dos direitos tinha forçado até os direitos das mulhe res a sair da névoa obscura do hábito ao menos na França e na Inglaterra Nos Estados Unidos o descaso com os direitos das mulheres atraiu relativamente pouca discussão pública antes de 1792 e não apareceram escritos americanos na era revolucionária que possam ser comparados aos de Condorcet Olympe de Gouges ou Mary Wollstonecraft Na verdade antes da publicação de Vin dication of the Rights ofWoman de Wollstonecraft em 1792 o con ceito dos direitos das mulheres quase não recebeu atenção na Inglaterra nem na América A própria Wollstonecraft havia desen volvido as suas influentes noções sobre o assunto n u m a reação direta à Revolução Francesa Na sua primeira obra sobre direitos Vindication of the Rights ofMen 1790 ela contestou as acusações 173 172 de Burke contra os direitos do h o m e m na França Isso a levou a considerar por sua vez os direitos da mulher 3 2 Se olharmos além das proclamações oficiais e decretos dos políticos homens a mudança de expectativa a respeito dos direitos das mulheres é mais impressionante Surpreendentemente por exemplo Vindication ofthe Rights ofWoman podia ser encontrado em mais bibliotecas particulares americanas no início da república do que Os direitos do homem de Paine Embora o próprio Paine não desse atenção aos direitos das mulheres outros os considera vam No início do século xix sociedades de debates discursos de formatura e revistas populares nos Estados Unidos tratavam regu larmente das pressuposições de gênero por trás do sufrágio mas culino Na França as mulheres aproveitaram as novas oportunida des de publicação criadas pela liberdade de imprensa para escrever mais livros e panfletos do que nunca O direito das mulheres à herança igual provocou incontáveis processos na justiça porque as mulheres determinaram se agarrar ao que era agora legitima mente delas Afinal os direitos não eram uma proposição tudo ounada Os novos direitos mesmo que não fossem direitos polí ticos abriam o caminho de novas oportunidades para as mulhe res e elas logo as aproveitaram C o m o as ações anteriores dos protestantes judeus e homens de cor livres já tinham mostrado a cidadania não é apenas algo a ser concedido pelas autoridades é algo a ser conquistado por si mesmo Uma medida da autono mia moral é essa capacidade de argumentar insistir e para alguns lutar 3 3 Depois de 1793 as mulheres se viram mais reprimidas no m u n d o oficial da política francesa Entretanto a promessa de direitos não havia sido completamente esquecida N u m longo artigo publicado em 1800 sobre De la condition desfemmes dans les Republiques de Charles Théremin a poeta e dramaturga Cons tance Pipelet mais tarde conhecida como Constance de Salm 174 mostrou que as mulheres não tinham perdido de vista as metas enunciadas nos primeiros anos da revolução É compreensível que no Antigo Regime não se acreditasse neces sário assegurar a uma metade da humanidade metade dos direitos ligados aos seres humanos mas seria mais difícil compreender que se tenha podido deixar inteiramente de reconhecer os direitos das mulheres durante os últimos dez anos naqueles momentos em que as palavras igualdade e liberdade ressoavam por toda parte naque les momentos em que a filosofia ajudada pela experiência ilumi nava sem cessar o homem a respeito de seus verdadeiros direitos Ela atribuía esse descaso com os direitos das mulheres ao fato de que as massas masculinas acreditavam facilmente que limitar ou até aniquilar o poder das mulheres aumentaria o poder dos ho mens No seu artigo Pipelet citava a obra de Wollstonecraft sobre os direitos das mulheres mas não reivindicava para as mulheres o direito de votar ou ocupar cargos públicos 3 4 Pipelet demonstrava uma compreensão sutil da tensão entre a lógica revolucionária dos direitos e as restrições continuadas dos costumes É especialmente durante a revolução que as mulheres seguindo o exemplo dos homens raciocinam muito sobre a sua verdadeira essência e tomam atitudes em consequên cia desse seu pensar Se continuava a obscuridade ou a ambigui dade sobre o tema dos direitos das mulheres e Pipelet emprestou um tom de grande incerteza a muitas de suas passagens era por que o Iluminismo não havia progredido o suficiente as pessoas comuns e especialmente as mulheres comuns continuavam não educadas À medida que as mulheres ganhavam educação elas demonstravam inevitavelmente os seus talentos pois o mérito não tem sexo afirmava Pipelet Ela concordava com Théremin que as mulheres deviam ser empregadas como mestresescolas e ter a 75 permissão para defender os seus direitos naturais e inalienáveis nos tribunais Se a própria Pipelet não chegou a advogar direitos políticos plenos para as mulheres foi porque ela estava reagindo ao que via como possívelimaginável argumentável nos seus dias Mas como muitos outros ela via que a filosofia dos direitos naturais tinha u m a lógica implacável mesmo que ainda não tivesse sido elaborada no caso das mulheres essa outra metade da humani dade A noção dos direitos do homem como a própria revolução abriu um espaço imprevisível para discussão conflito e mudança A promessa daqueles direitos pode ser negada suprimida ou sim plesmente continuar não cumprida mas não morre 1 7 6 5 A força maleável da humanidade Por que os direitos humanos fracassaram a princípio mas tiveram sucesso no longo prazo Os direitos humanos eram simplesmente um absurdo retó rico um absurdo bombástico como afirmava o filósofo Jeremy Bentham A longa lacuna na história dos direitos humanos de sua formulação inicial nas revoluções americana e francesa até a Declaração Universal das Nações Unidas em 1948 faz qualquer um parar para pensar Os direitos não desapareceram nem no pensamento nem na ação mas as discussões e os decretos agora ocorriam quase exclusivamente dentro de estruturas nacionais específicas A noção de vários tipos de direitos garantidos pela Constituição os direitos políticos dos trabalhadores das mino rias religiosas e das mulheres por exemplo continuou a ganhar terreno nos séculos xix e xx mas os debates sobre direitos naturais universalmente aplicáveis diminuíram Os trabalhadores por exemplo ganharam direitos como trabalhadores britânicos fran ceses alemães ou americanos O nacionalista italiano do século xix Giuseppe Mazzini captou o novo foco sobre a nação quando fez a pergunta retórica O que é um País senão o lugar em que os nossos direitos individuais estão mais seguros Foram necessá 177 rias duas guerras mundiais devastadoras para estilhaçar essa con fiança na nação 1 D E F I C I Ê N C I A S D O S D I R E I T O S D O H O M E M O nacionalismo só assumiu a posição de estrutura domi nante para os direitos gradualmente depois de 1815 com a queda de Napoleão e o fim da era revolucionária Entre 1789 e 1815 duas concepções diferentes de autoridade guerrearam entre si os direi tos do h o m e m de um lado e a sociedade hierárquica tradicional do outro Cada lado invocava a nação embora nenhum deles fizesse afirmações sobre a determinação da identidade pela etnicidade Por definição os direitos do homem repudiavam qualquer ideia de que os direitos dependiam da nacionalidade Edmund Burke por outro lado havia tentado ligar a sociedade hierárquica a certa concepção de nação argumentando que a liberdade só podia ser garantida por um governo arraigado na história de u m a nação com ênfase sobre a história Os direitos só funcionavam ele insis tia quando nasciam de tradições e práticas de longa data Aqueles que apoiavam os direitos do h o m e m haviam negado a importância da tradição e da história Precisamente porque se baseava em abstrações metafísicas a Declaração francesa sus tentava Burke não tinha força emocional suficiente para impor a obediência Como poderiam aqueles pedaços miseráveis de papel borrado ser comparados ao amor a Deus ao amor reverente aos reis ao dever com os magistrados à reverência aos padres e à defe rência para com os superiores Os revolucionários teriam de usar a violência para se manter no poder ele já tinha concluído em 1790 Quando os republicanos franceses executaram o rei e passa ram ao Terror como um sistema reconhecido de governo como fizeram em 1793 e 1794 o prognóstico de Burke parecia ter se con 178 cretizado A Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão arquivada junto com a Constituição de 1790 não havia impedido a supressão do dissenso e a execução de todos aqueles vistos como inimigos Apesar das críticas de Burke muitos escritores e políticos na Europa e nos Estados Unidos haviam saudado entusiasticamente a Declaração dos Direitos em 1789 Quando a Revolução Francesa tornouse mais radical entretanto a opinião pública começou a se dividir Os governos monárquicos em particular reagiram forte mente contra a proclamação de uma república e a execução do rei Em dezembro de 1792 Thomas Paine foi forçado a fugir para a França quando um tribunal britânico o julgou culpado de sedição por atacar a monarquia hereditária na segunda parte de Os direitos do homem O governo britânico seguiu adiante com uma campa nha sistemática de tormento e perseguição dos defensores das ideias francesas Em 1798 somente 22 anos depois da declaração dos direitos iguais de todos os homens o Congresso dos Estados Unidos aprovou as Leis dos Estrangeiros e da Sedição para limitar as críticas ao governo americano O novo espírito dos tempos pode ser visto nos comentários feitos em 1797 por John Robinson um professor de filosofia natural na Universidade de Edimburgo Ele invectivava contra essa máxima maldita que agora ocupa toda mente de pensar continuamente em nossos direitos e exigilos ansiosamente de toda parte Essa obsessão dos direitos era o maior veneno da vida segundo Robinson que a via como a causa principal da sublevação política existente mesmo na Escócia e da guerra entre a França e seus vizinhos que agora ameaçava tragar toda a Europa 2 A cautela de Robinson quanto aos direitos empalidecia em comparação com os mísseis de ataque lançados sobre o continente pelos monarquistas contrarrevolucionarios Segundo Louis de Bonald um conservador sem papas na língua a revolução come 179 çou com a declaração dos direitos do h o m e m e só terminará quando os direitos de Deus forem declarados A declaração de direitos afirmava representava a má influência da filosofia do Ilu minismo e junto com ela o ateísmo o protestantismo e a maço naria que ele colocava todos no mesmo saco A declaração enco rajava as pessoas a negligenciar os seus deveres e a pensar apenas em seus desejos individuais Já que não podia servir como um freio para essas paixões ela consequentemente levou a França direto à anarquia ao terror e à desintegração social Apenas uma Igreja Católica revivida protegida por uma monarquia restaurada e legí tima podia inculcar princípios morais verdadeiros Sob o rei Bourbon reinstalado em 1815 Bonald assumiu a liderança para revogar as leis revolucionárias sobre o divórcio e restabelecer a censura rigorosa antes da publicação 1 Antes do retorno dos reis Bourbon quando os republicanos franceses e mais tarde Napoleão espalharam a mensagem da Revo lução Francesa por meio da conquista militar os direitos do h o m e m ficaram emaranhados com a agressão imperialista Para seu crédito a influência da França induziu os suíços e os holande ses a abolir a tortura em 1798 a Espanha os seguiu em 1808 quando o irmão de Napoleão governou como rei Depois da queda de Napoleão entretanto os suíços reintroduziram a tortura e o rei espanhol restabeleceu a Inquisição que usava a tortura para obter confissões Os franceses também encorajaram a emancipação dos judeus em todos os lugares dominados pelos seus exércitos Embora os governantes que retornavam ao poder eliminassem alguns desses direitos recentemente adquiridos nos estados ita liano e alemão a emancipação dos judeus mostrouse permanente nos Países Baixos Uma vez que a emancipação dos judeus era vista como francesa os bandoleiros que atormentavam as forças fran cesas em alguns territórios recémconquistados também ataca vam frequentemente os judeus 4 As intervenções contraditórias de Napoleão mostravam que os direitos não precisavam ser vistos como um pacote único Ele introduziu a tolerância religiosa e direitos políticos e civis iguais para as minorias religiosas em todos os lugares em que governou mas em casa na França limitou severamente a liberdade de ex pressão de todos e basicamente eliminou a liberdade de imprensa O imperador francês acreditava que os homens não nascem para serem livres A liberdade é uma necessidade sentida por uma pequena classe de homens a quem a natureza dotou com mentes mais nobres do que a massa dos homens Consequentemente ela pode ser reprimida com impunidade A igualdade por outro lado agrada às massas Os franceses não desejavam a verdadeira liber dade na sua opinião eles simplesmente aspiravam a ascender ao topo da sociedade Sacrificariam os seus direitos políticos para assegurar a sua igualdade legal 5 Sobre a questão da escravidão Napoleão se revelou inteira mente coerente Durante uma breve calmaria na luta na Europa em 1802 ele enviou expedições militares às colônias no Caribe Embora deixasse as suas intenções deliberadamente vagas no início para não provocar um levante geral dos escravos libertos as instruções dadas ao seu cunhado um dos generais comandantes deixavam os seus objetivos bem claros Assim que chegassem os soldados deviam ocu par pontos estratégicos e obter o controle da região Em seguida deviam perseguir os rebeldes sem piedade desarmar todos os negros prender os seus líderes e transportálos de volta à França abrindo o caminho para restaurar a escravidão Napoleão tinha cer teza de que a perspectiva de uma república negra é igualmente per turbadora para os espanhóis os ingleses e os americanos O seu plano fracassou em Saint Domingue que ganhou a sua indepen dência como Haiti mas teve sucesso em outras colônias francesas Os mortos na luta em Saint Domingue chegaram a 150 mil um décimo da população de Guadalupe foi morta ou deportada 6 181 i8o Napoleão tentou criar um híbrido entre os direitos do ho m e m e a sociedade hierárquica tradicional mas no fim das contas ambos os lados rejeitaram a cria bastarda Napoleão foi criticado pelos tradicionalistas devido à sua ênfase na tolerância religiosa na abolição do feudalismo e na igualdade perante a lei e pelo outro lado devido às restrições que impôs a um grande número de liber dades políticas Conseguiu ficar em paz com a Igreja Católica mas nunca se tornou um governante legítimo aos olhos dos tradiciona listas Para os defensores dos direitos a sua insistência na igualdade perante a lei não conseguiu contrabalançar a sua revivescência da nobreza e a criação de um império hereditário Quando perdeu o poder o imperador francês foi denunciado tanto pelos tradiciona listas como pelos defensores dos direitos como um tirano um dés pota e um usurpador Um dos críticos mais persistentes de Napo leão a escritora Germaine de Stáel proclamou em 1817 que o seu único legado eram mais alguns segredos na arte da tirania De Stâel como todos os outros comentaristas tanto da esquerda como da direita só se referia ao líder deposto pelo seu sobrenome Bona parte e nunca lhe dava o tratamento imperial do primeiro nome Napoleão 7 O N A C I O N A L I S M O E N T R A E M C E N A A vitória das forças da ordem mostrouse efêmera no longo prazo em grande parte graças aos desenvolvimentos ativados pelo seu nêmesis Napoleão Ao longo do século xix o nacionalismo sur preendeu ambos os lados dos debates revolucionários transfor mando a discussão dos direitos e criando novos tipos de hierarquia que em última análise ameaçavam a ordem tradicional As aventu ras imperialistas do corso emergente catalisaram inadvertida mente as forças do nacionalismo de Varsóvia a Lima Por onde 182 andou ele criou novas entidades o ducado de Varsóvia o reino da Itália a confederação do Reno produziu novas oportunidades ou provocou novas animosidades que alimentariam aspirações nacionais O seu ducado de Varsóvia lembrou aos poloneses que existira outrora uma Polônia antes de ela ser engolida por Prússia Áustria e Rússia Mesmo que os novos governos italiano e alemão tenham desaparecido depois da queda de Napoleão eles haviam mostrado que a unificação nacional era concebível Ao depor o rei da Espanha o imperador francês abriu a porta para os movimen tos de independência sulamericanos nas décadas de 1810 e 1820 Simon Bolívar o libertador de Bolívia Panamá Colômbia Equa dor Peru e Venezuela falava a mesma linguagem nascente do nacionalismo empregada por seus congêneres na Europa O nosso solo nativo dizia com entusiasmo desperta sentimentos ternos e lembranças deliciosas Que alegações de amor e dedi cação podiam ser maiores O sentimento nacional oferecia a força emocional que faltava àqueles pedaços miseráveis de papel borrado ridicularizados por Burke 8 Em reação ao imperialismo francês alguns escritores alemães rejeitaram tudo o que era francês inclusive os direitos do h o m e m e desenvolveram um novo sentido de nação baseado explicitamente na etnicidade Carecendo de uma estrutura única de naçãoEstado os nacionalistas alemães enfatizavam em seu lugar a mística do Volk ou povo um caráter próprio alemão que o distinguia dos outros povos Os primeiros sinais de problemas futuros já podiam ser percebidos nas visões expressas no início do século xix pelo nacionalista alemão Friedrich Jahn Quanto mais puro um povo melhor ele escreveu As leis da natureza susten tava operavam contra a mistura de raças e povos Para Jahn os direitos sagrados eram os do povo alemão e ele ficava tão exas perado com a influência francesa que exortava seus colegas ale mães a parar completamente de falar francês Como todos os 183 nacionalistas subsequentes Jahn recomendava insistentemente que se escrevesse e estudasse a história patriótica Monumentos funerais públicos e festivais populares deviam todos se concentrar em assun tos alemães e não ideais universais No mesmo momento em que os europeus travavam as maiores batalhas contra as ambições impe riais de Napoleão Jahn propunha fronteiras surpreendentemente amplas para essa nova Alemanha Ela devia incluir ele afirmava a Suíça os Países Baixos a Dinamarca a Prússia e a Áustria e uma nova capital devia ser construída com o nome de Teutona 9 Como Jahn a maioria dos primeiros nacionalistas preferia uma forma democrática de governo porque ela maximizaria o senso de pertencimento à nação Em consequência os tradiciona listas se opuseram inicialmente ao nacionalismo e à unificação alemã e italiana tanto quanto tinham se oposto aos direitos do homem Os primeiros nacionalistas falavam a linguagem revolu cionária do universalismo messiânico mas para eles a nação em vez dos direitos servia como um trampolim para o universalismo Bolívar acreditava que a Colômbia iluminaria o caminho para a liberdade e a justiça universais Mazzini fundador da nacionalista Sociedade da Jovem Itália proclamou que os italianos liderariam uma cruzada universal dos povos oprimidos pela liberdade o poeta Adam Mickiewicz achava que os poloneses mostrariam o caminho para a libertação universal Os direitos humanos agora dependiam da autodeterminação nacional e a prioridade perten cia necessariamente à última Depois de 1848 os tradicionalistas começaram a aceitar as demandas nacionalistas e o nacionalismo passou da esquerda para a direita no espectro político O fracasso das revoluções nacionalista e constitucionalista em 1848 na Alemanha na Itália e na Hungria abriu o caminho para essas mudanças Os nacionalis tas interessados em garantir os direitos dentro das nações recente mente propostas mostravamse demasiado dispostos a rejeitar os 184 direitos de outros grupos étnicos Os alemães reunidos em Frank furt redigiram u m a nova Constituição nacional para a Alemanha mas negaram qualquer autodeterminação aos dinamarqueses poloneses ou tchecos dentro de suas fronteiras propostas Os hún garos que pediam independência daÁustria ignoravam os interes ses dos romenos eslovacos croatas e eslovenos que constituíam mais da metade da população da Hungria A competição interét nica condenou ao fracasso as revoluções de 1848 e com elas a liga ção entre os direitos e a autodeterminação nacional A unificação nacional da Alemanha e da Itália foi obtida nas décadas de 1850 e 1860 por guerras e diplomacia e a garantia dos direitos individuais não desempenhou n e n h u m papel Antes entusiasticamente pronto para assegurar os direitos por meio da difusão da autodeterminação nacional o naciona lismo se tornou cada vez mais fechado e defensivo A mudança refletia a enormidade da tarefa de criar uma nação A ideia de que a Europa podia ser caprichadamente dividida em naçõesEstados de etnicidade e cultura relativamente homogêneas era desmentida pelo próprio mapa linguístico Toda naçãoEstado abrigava mino rias linguísticas e culturais no século xix mesmo aquelas estabele cidas havia muito tempo como a GrãBretanha e a França Quan do foi declarada a república na França em 1870 metade dos cidadãos não sabia falar francês os outros falavam dialetos ou lín guas regionais como o bretão o francoprovençal o basco o alsa ciano o catalão o córsico o occitano ou nas colônias o crioulo Uma grande campanha de educação teve de ser empreendida para integrar todos na nação As nações aspirantes enfrentavam pres sões ainda maiores por causa da maior heterogeneidade étnica o conde Camillo di Cavour primeiroministro do novo Reino da Itália tinha como primeira língua o dialeto piemontês e menos de 3 de seus concidadãos falavam o italiano padrão A situação era ainda mais caótica na Europa Oriental onde muitos grupos étni 185 cos diferentes vivam em grande intimidade Uma Polônia revi vida por exemplo incluiria não só uma comunidade substancial de judeus mas também lituanos ucranianos alemães e bielorus sos cada um com sua língua e tradições A dificuldade de criar ou manter a homogeneidade étnica contribuiu para a crescente preocupação com a imigração em todo o m u n d o Poucos se o p u n h a m à imigração antes da década de 1860 mas ela passou a ser criticada nos países anfitriões nas déca das de 1880 e 1890 A Austrália tentou impedir o influxo de asiáti cos para poder conservar o seu caráter inglês e irlandês Os Estados Unidos proibiram a imigração da China em 1882 e de toda a Ásia em 1917 e depois em 1924 estabeleceram cotas para todos os demais com base na composição étnica corrente da população norteamericana O governo britânico aprovou u m a Lei dos Estrangeiros em 1905 para impedir a imigração de indesejáveis que muitos interpretavam serem os judeus da Europa Oriental Ao mesmo tempo que os trabalhadores e criados começaram a ganhar direitos políticos iguais nesses países barreiras bloqueavam aque les que não partilhavam as mesmas origens étnicas Nessa nova atmosfera protetora o nacionalismo assumiu um caráter mais xenófobo e racista Embora a xenofobia pudesse ter como alvo qualquer grupo estrangeiro os chineses nos Estados Unidos os italianos na França ou os poloneses na Alemanha as últimas décadas do século xix assistiram a um crescimento alar mante do antissemitismo Os políticos de direita na Alemanha na Áustria e na França usavam jornais clubes políticos e em alguns casos novos partidos políticos para atiçar o ódio aos judeus como inimigos da verdadeira nação Depois de duas décadas de propa ganda antissemítica nos jornais de direita o Partido Conservador Alemão fez do antissemitismo um artigo oficial da sua plataforma em 1892 Mais ou menos na mesma época o caso Dreyfus fez estra gos na política francesa criando divisões duradouras entre os i86 defensores e os opositores de Dreyfus O caso começou em 1894 quando um oficial judeu do exército chamado Alfred Dreyfus foi erroneamente acusado de espionar para a Alemanha Quando foi julgado culpado apesar do grande n ú m e r o de evidências pro vando a sua inocência o famoso romancista Emile Zola publicou um artigo ousado na primeira página dos jornais acusando o exér cito e o governo francês de acobertar as tentativas de incriminar falsamente Dreyfus Em resposta à crescente maré de opinião em favor de Dreyfus uma recémformada Liga Antissemítica francesa fomentou tumultos em muitas cidades e metrópoles às vezes incluindo ataques de milhares de agitadores a propriedades judai cas A Liga conseguia mobilizar tantas pessoas porque várias cida des tinham jornais que produziam em grande quantidade diatri bes antissemíticas O governo ofereceu a Dreyfus um perdão em 1899 e finalmente o exonerou em 1906 mas o antissemitismo tor nouse mais venenoso por toda parte Em 1895 Karl Lueger con seguiu se eleger prefeito de Viena com um programa antissemítico Ele se tornaria um dos heróis de Hitler E X P L I C A Ç Õ E S B I O L Ó G I C A S P A R A A E X C L U S Ã O Quando se tornou mais intimamente entrelaçado com a etni cidade o nacionalismo alimentou uma ênfase crescente nas expli cações biológicas para a diferença Os argumentos para os direitos do h o m e m tinham se baseado na pressuposição da igualdade da natureza humana em todas as culturas e classes Depois da Revo lução Francesa tornouse cada vez mais difícil reafirmar as dife renças simplesmente com base na tradição nos costumes ou na história As diferenças tinham de ter um fundamento mais sólido se os homens quisessem manter a sua superioridade em relação às mulheres os brancos em relação aos negros ou os cristãos em rela 187 ção aos judeus Em suma se os direitos deviam ser menos que uni versais iguais e naturais era preciso explicar por quê Em conse quência o século xix presenciou uma explosão de explicações bio lógicas da diferença Ironicamente portanto a própria noção de direitos huma nos abriu inadvertidamente a porta para formas mais virulentas de sexismo racismo e antissemitismo Com efeito as afirmações de alcance geral sobre a igualdade natural de toda a humanidade suscitavam asserções igualmente globais sobre a diferença natural produzindo um novo tipo de opositor aos direitos humanos até mais poderoso e sinistro do que os tradicionalistas As novas for mas de racismo antissemitismo e sexismo ofereciam explicações biológicas para o caráter natural da diferença humana No novo racismo os judeus não eram apenas os assassinos de Jesus a sua inerente inferioridade racial ameaçava macular a pureza dos bran cos por meio da miscigenação Os negros já não eram inferiores por serem escravos mesmo quando a abolição da escravatura avançou por todo o m u n d o o racismo se tornou mais e não menos venenoso As mulheres não eram simplesmente menos racionais que os homens por serem menos educadas a sua biolo gia as destinava à vida privada e doméstica e as tornava inteira mente inadequadas para a política os negócios ou as profissões Nessas novas doutrinas biológicas a educação ou as mudanças no meio ambiente jamais poderiam alterar as estruturas hierárquicas inerentes na natureza humana Entre as novas doutrinas biológicas o sexismo era a menos organizada em termos políticos a menos sistemática em termos intelectuais e a menos negativa em termos emocionais Afinal n e n h u m a nação podia se reproduzir sem as mães portanto embora fosse concebível argumentar que os escravos negros deviam ser enviados de volta para a África ou que os judeus deviam ser proibidos de residir em determinado local não era possível 188 excluir completamente as mulheres Assim podiase admitir que elas possuíam qualidades positivas que talvez fossem importantes na esfera privada Além disso como as mulheres diferiam clara mente dos homens em termos biológicos embora o grau dessa diferença ainda permaneça tema de debate poucos descartavam imediatamente os argumentos biológicos sobre a diferença entre os sexos que tinha u m a história muito mais longa que os argu mentos biológicos sobre as raças Mas a Revolução Francesa havia mostrado que até a diferença sexual ou ao menos a sua importân cia política podia ser questionada C o m o surgimento de argu mentos explícitos para a igualdade política das mulheres o argu mento biológico para a inferioridade das mulheres mudou Elas já não ocupavam um patamar mais baixo na mesma escala biológica dos homens o que as tornava biologicamente semelhantes aos homens ainda que inferiores As mulheres agora eram cada vez mais moldadas como biologicamente diferentes elas se tornaram o sexo oposto 1 Não é fácil determinar a hora exata nem mesmo a natureza dessa mudança no pensamento sobre as mulheres mas o período da Revolução Francesa parece ser crítico Os revolucionários fran ceses tinham invocado argumentos em grande parte tradicionais para a diferença das mulheres em 1793 quando as proibiram de se reunir em clubes políticos Em geral as mulheres não são capazes de pensamentos elevados e meditações sérias proclamava o portavoz do governo Nos anos seguintes entretanto os médicos na França trabalharam muito para dar a essas ideias vagas u m a base mais biológica O principal fisiologista francês da década de 1790 e início dos anos 1800 Pierre Cabanis argumentava que as mulheres tinham fibras musculares mais fracas e a massa cerebral mais delicada o que as tornava incapazes para as carreiras públi cas mas a sua consequente sensibilidade volátil adequavaas para os papéis de esposa mãe e ama Esse pensamento ajudou a estabe 189 lecer uma nova tradição em que as mulheres pareciam predestina das a se realizar dentro dos limites da domesticidade ou de uma esfera feminina separada 1 1 No seu influente tratado A sujeição das mulheres 1869 o filósofo inglês John Stuart Mili questionou a própria existência dessas diferenças biológicas Insistia que não podemos saber como os homens e as mulheres diferem quanto à sua natureza porque só os vemos nos seus papéis sociais correntes O que agora se chama a natureza das mulheres argumentava é algo eminentemente artificial Mill li gava a reforma do status das mulheres ao pro gresso social e econômico global A subordinação legal das mulhe res afirmava é errada em si mesma e deve ser substituída por um princípio de perfeita igualdade não admitindo nenhum poder ou privilégio n u m dos lados nem incapacidade no outro Não foi necessário nenhum equivalente das ligas ou partidos antissemíti cos entretanto para manter a força do argumento biológico Em 1908 n u m caso legal perante a Suprema Corte dos Estados Unidos que criou jurisprudência o juiz Louis Brandéis usou os mesmos velhos argumentos ao explicar por que o sexo podia ser uma base legal para classificação A organização física da mulher as suas funções maternais a criação dos filhos e a manutenção do lar a colocavam numa categoria diferente e separada O feminismo se tornara um termo de uso comum na década de 1890 e a resistên cia às suas demandas era feroz As mulheres só conseguiram o direito de votar na Austrália em 1902 nos Estados Unidos em 1920 na GrãBretanha em 1928 e na França em 1944 1 2 À semelhança do sexismo o racismo e o antissemitismo assu miram novas formas depois da Revolução Francesa Os proposito res dos direitos do homem embora ainda nutrissem muitos este reótipos negativos sobre os judeus e os negros já não aceitavam a existência do preconceito como base suficiente para um argu mento O fato de que os direitos dos judeus na França sempre 190 tinham sido restringidos provava apenas que o hábito e o costume exerciam grande poder e não que tais restrições fossem autorizadas pela razão Da mesma forma para os abolicionistas a escravidão não demonstrava a inferioridade dos africanos negros revelava meramente a ganância dos escravagistas e cultivadores brancos Assim aqueles que rejeitavam a ideia de direitos iguais para os judeus ou negros necessitavam de uma doutrina um caso con vincentemente arrazoado para apoiar a sua posição especial mente depois que os judeus tinham ganhado direitos e a escravidão fora abolida nas colônias britânicas e francesas em 1833 e 1848 res pectivamente Ao longo do século xix os opositores dos direitos para os judeus e os negros recorreram cada vez mais à ciência ou ao que passava por ciência para encontrar essa doutrina Podese remontar a ciência da raça ao fim do século xvin e aos esforços para classificar os povos do mundo Dois fios tecidos no século xvin entrelaçaramse no xix primeiro o argumento de que a história tinha visto um desenvolvimento sucessivo dos povos rumo à civilização e de que os brancos eram os mais avan çados do grupo e segundo a ideia de que as características perma nentes herdadas dividiam as pessoas de acordo com a raça O racismo como uma doutrina sistemática dependia da conjunção dos dois Os pensadores do século xvm pressupunham que todos os povos acabariam por alcançar a civilização enquanto os teóri cos raciais do século xix acreditavam que somente certas raças o fariam por causa de suas inerentes qualidades biológicas É pos sível encontrar elementos dessa conjunção em cientistas do início do século xix como o naturalista francês Georges Cuvier que escreveu em 1817 que certas causas intrínsecas impediam o desenvolvimento das raças negra e mongólica Somente depois da metade do século entretanto é que essas ideias aparecem na sua forma plenamente articulada 1 3 O epítome do gênero pode ser encontrado no Essai sur Viné 191 galité des races humaines 18535 de Arthur Gobineau Usando u m a miscelânea de argumentos derivados da arqueologia da etnologia da linguística e da historia o diplomata e h o m e m de letras francês argumentava que uma hierarquia das raças funda mentada na biologia determinava a historia da humanidade Na parte inferior ficavam as raças de pele escura animalistas ininte lectuais e intensamente sensuais logo acima na escala vinham os amarelos apáticos e medíocres mas práticos e no topo estavam os povos brancos perseverantes intelectualmente enérgicos e aven turosos que equilibravam u m extraordinário instinto para a ordem com um pronunciado gosto pela liberdade Dentro da raça branca o ramo ariano reinava supremo Tudo o que é grande nobre e proveitoso nas obras do h o m e m sobre esta terra na ciência na arte e na civilização deriva dos arianos concluía Gobineau Migrando de seu lar inicial na Asia Central os arianos tinham propiciado a estirpe original para as civilizações indiana egípcia chinesa romana europeia e até por meio da colonização astecaeinca 1 4 A miscigenação explicava tanto a ascensão como a queda de civilizações segundo Gobineau A questão étnica domina todos os outros problemas da historia e detém a sua chave escreveu Ao contrário de alguns de seus futuros seguidores entretanto Gobi neau achava que os arianos já tinham perdido a sua força por meio de casamentos entre grupos étnicos diferentes e que ainda que isso o desgostasse o igualitarismo e a democracia acabariam triun fando o que assinalaria o fim da própria civilização Embora as noções fantasiosas de Gobineau recebessem pouco impulso na França o imperador Guilherme i da Alemanha que governou de 1861 a 1888 considerouas tão apropriadas que conferiu cidada nia honorária ao francês Elas também foram adotadas pelo com positor alemão Richard Wagner e depois pelo genro de Wagner o escritor inglês e germanófilo Houston Stewart Chamberlain Por 192 meio da influência de Chamberlain os arianos de Gobineau se tor naram um elemento central da ideologia racial de Hitler 1 5 Gobineau deu um molde secular e aparentemente sistemá tico a ideias já em circulação em grande parte do m u n d o ociden tal Em 1850 por exemplo o anatomista escocês Robert Knox publicou The Races ofMen em que argumentava que a raça ou a descendência hereditária é tudo ela carimba o homem No ano seguinte o chefe do sindicato dos compositores tipográficos da Philadelphia John Campbell apresentou o seu Negro Mania Beingan Examination ofthe Falsely Assumed Equality ofthe Races ofMankind O racismo não estava limitado ao sul dos Estados Uni dos Campbell citava Cuvier e Knox entre outros para insistir na selvageria e barbárie dos negros e para argumentar contra qual quer possibilidade de igualdade entre brancos e negros Como o próprio Gobineau tinha criticado o tratamento dos escravos afri canos nos Estados Unidos os seus tradutores americanos tiveram de eliminar esses trechos para tornar a obra mais palatável aos sulistas próescravidão quando ela foi publicada em inglês em 1856 Assim a perspectiva da abolição da escravatura que só se oficializou nos Estados Unidos em 1865 só intensificou o inte resse pela ciência racial 1 6 C o m o demonstram os títulos das obras de Gobineau e Campbell a característica c o m u m em grande parte do pensa mento racista era uma reação visceral contra a noção de igualdade Gobineau confessou a Tocqueville o asco que lhe provocavam os macacões sujos trabalhadores que tinham participado da revo lução de 1848 na França De sua parte Campbell sentia repugnân cia a partilhar uma plataforma política com homens de cor O que antes havia definido uma rejeição aristocrática da sociedade m o derna ter de se misturar com as camadas inferiores assumia agora um significado racial O advento da política de massa na última metade do século xix pode ter corroído aos poucos o senso 193 de diferença de classe ou criado a ilusão de que o desgastava mas não eliminou completamente a diferença que se deslocou do registro de classe para o de raça e sexo O estabelecimento do sufrá gio universal masculino combinava com a abolição da escravatura e o início da imigração em massa para tornar a igualdade muito mais concreta e ameaçadora 1 7 O imperialismo agravou ainda mais esses desenvolvimentos Ao mesmo tempo em que aboliam a escravidão nas suas colônias de exploração as potências europeias estendiam o seu domínio na África e na Ásia Os franceses invadiram a Argélia em 1830 e termi naram por incorporála à França Os britânicos anexaram Cinga pura em 1819 e a Nova Zelândia em 1840 além de aumentar implacavelmente o seu controle sobre a índia Em 1914 a África tinha sido dividida entre a França a GrãBretanha a Alemanha a Itália a Bélgica a Espanha e Portugal Quase nenhum estado afri cano saiu ileso Embora em alguns casos o governo estrangeiro tivesse na verdade tornado os países mais atrasados ao destruir as indústrias locais em favor das importações do centro imperial os europeus em geral tiraram apenas uma lição de suas conquistas eles tinham o direito e o deverde civilizar os lugares bárba ros e mais atrasados que governavam Nem todos os defensores dessas aventuras imperiais promo viam o racismo explícito John Stuart Mill que trabalhou por mui tos anos para a Companhia Britânica das índias Orientais a admi nistradora efetiva do governo britânico na índia até 1858 rejeitava as explicações biológicas da diferença Ainda assim até ele acredi tava que os estados principescos da índia eram selvagens com pouca ou nenhuma lei e vivendo numa condição muito pouco acima do mais elevado dos animais Apesar de Mill o imperia lismo europeu e a ciência racial desenvolveram u m a relação sim biótica o imperialismo das raças conquistadoras tornava as afir mações raciais mais verossímeis e a ciência racial ajudava a 194 justificar o imperialismo Em 1861 o explorador britânico Richard Burton adotou um discurso que logo se tornaria padrão O afri cano dizia possui em grande medida as piores características dos tipos orientais inferiores estagnação da mente indolência do corpo deficiência moral superstição e paixão infantil Depois da década de 1870 essas atitudes descobriram um público de massa em novos jornais de produção barata semanários ilustrados e exposições etnográficas Mesmo na Argélia considerada parte da França após 1848 os nativos só ganharam direitos depois de muito tempo Em 1865 um decreto do governo declarouos súditos e não cidadãos enquanto em 1870 o Estado francês tornou os judeus argelinos cidadãos naturalizados Os h o m e n s muçulmanos só ganharam direitos políticos iguais em 1947 A missão civiliza dora não era um projeto de curto prazo 1 8 Gobineau não havia considerado os judeus um caso especial na sua elaboração da ciência racial mas os seus seguidores sim Em seu Foundations ofthe Nineteenth Century publicado na Alema nha em 1899 Houston Stewart Chamberlain combinava as ideias de Gobineau sobre raça e o misticismo alemão a respeito do Volk com um ataque acrimonioso contra os judeus esse povo estran geiro que escravizou os nossos governos a nossa lei a nossa ciên cia o nosso comércio a nossa literatura a nossa arte Chamber lain apresentava apenas um novo argumento mas ele teve u m a influência direta sobre Hitler entre todos os povos apenas os aria nos e os judeus tinham mantido a sua pureza racial o que signifi cava que agora eles deviam lutar um contra o outro até a morte Em outros aspectos Chamberlain amontoou uma variedade de ideias cada vez mais comuns 1 9 í Embora o antissemitismo moderno se baseasse nos estereóti pos cristãos negativos sobre os judeus que já circulavam havia séculos a doutrina assumiu novas características depois da década de 1870 Ao contrário dos negros os judeus já não representavam 195 F I G U R A 11 A Revolução Francesa antes ehoje Caran dAche em Psst 1898 Caran dAche era o pseudônimo de Emmanuel Poiré um cartunista polí tico francês que publicou caricaturas antissemitas durante o caso Drey fus na França Esta caricatura brinca com uma imagem comum da Revo lução Francesa de 1789 mostrando o camponês oprimido por um nobre porque os nobres eram isentos de alguns impostos Nos tempos moder nos o camponês tem de carregar ainda mais fardos sobre seus ombros estão um político republicano um maçom e no topo um financista judeu Caran dAche também publicou várias imagens ridicularizando Zola De Psst n a 3 7 1 5 de outubro de 1898 um estágio inferior do desenvolvimento histórico como haviam representado por exemplo no século xviii Em vez disso eles sig nificavam as ameaças da própria modernidade o materialismo excessivo a emancipação e a participação política de grupos mino ritários e o cosmopolitismo degenerado e desarraigado da vida urbana As caricaturas nos jornais pintavam os judeus como gananciosos fingidos e devassos os jornalistas e os panfletistas escreviam sobre o controle judaico do capital mundial e sua mani pulação conspiratória dos partidos parlamentares figura 11 Uma caricatura americana de 1894 menos malévola do que mui tas de suas congêneres europeias mostra os continentes do m u n d o rodeados pelos tentáculos de um polvo colocado no lugar das ilhas britânicas O polvo traz a etiqueta ROTSCHILD em referência à rica e poderosa família judaica Esses esforços modernos de difamação ganharam força com Os protocolos dos sábios de Sião um docu mento fraudulento que tinha o propósito de revelar u m a conspi ração judaica para montar um supergoverno que controlaria o m u n d o inteiro Publicado primeiramente na Rússia em 1903 e desmascarado como u m a falsificação em 1921 Os protocolos foram mesmo assim repetidamente reimpressos pelos nazistas na Alemanha sendo até os nossos dias ensinados como fato nas esco las de alguns países árabes Assim o novo antissemitismo combi nava elementos tradicionais e modernos os judeus deviam ser excluídos dos direitos e até expulsos da nação porque eram dema siado diferentes e demasiado poderosos S O C I A L I S M O E C O M U N I S M O O nacionalismo não foi o único movimento de massas a sur gir no século xix A semelhança do nacionalismo o socialismo e o comunismo se formaram numa reação explícita a limitações visí 197 veis dos direitos individuais constitucionalmente estruturados Enquanto os primeiros nacionalistas queriam direitos para todos os povos e não apenas para aqueles com estados já estabelecidos os socialistas e os comunistas queriam assegurar que as classes bai xas tivessem igualdade social e econômica e não apenas direitos políticos iguais Entretanto mesmo quando chamavam atenção para direitos que tinham sido defraudados pelos propositores dos direitos do homem as organizações socialistas e comunistas rebai xavam inevitavelmente a importância dos direitos como u m a meta A própria visão de Marx era bem delineada a emancipação política podia ser alcançada por meio da igualdade legal dentro da sociedade burguesa mas a verdadeira emancipação h u m a n a requeria a destruição da sociedade burguesa e suas proteções cons titucionais da propriedade privada Ainda assim os socialistas e os comunistas propuseram duas questões duradouras sobre os direi tos Os direitos políticos eram suficientes E o direito individual à proteção da propriedade privada podia coexistir com a necessi dade de a sociedade fomentar o bemestar de seus membros menos afortunados Assim como o nacionalismo tinha passado por duas fases no século xix indo do entusiasmo inicial sobre a autodeterminação a um protecionismo mais defensivo sobre a identidade étnica tam bém o socialismo evoluiu com o tempo Passou de uma primeira ênfase em reconstruir a sociedade por meios pacíficos mas não políticos a uma divisão entre aqueles a favor da política parlamen tar e aqueles pela derrubada violenta dos governos Durante a pri meira metade do século xix quando os sindicatos eram ilegais na maioria dos países e os trabalhadores não tinham direito ao voto os socialistas se concentraram em revolucionar as novas relações sociais criadas pela industrialização Não podiam esperar ganhar as eleições quando os trabalhadores não podiam votar o que con tinuou a ser verdade até pelo menos a década de 1870 Em vez 198 disso os pioneiros socialistas montaram fábricasmodelo coope rativas de produtores e de consumidores e comunidades experi mentais para superar o conflito e a alienação entre os grupos sociais Queriam capacitar os trabalhadores e os pobres a tirar pro veito da nova ordem industrial socializar a indústria e substituir a competição pela cooperação Muitos desses primeiros socialistas partilhavam u m a descon fiança em relação aos direitos do homem O principal socialista francês das décadas de 1820 e 1830 Charles Fourier argumentava que as constituições e o discurso dos direitos inalienáveis eram uma hipocrisia O que poderiam significar os direitos imprescri tíveis do cidadão quando o indigente não tem nem a liberdade de trabalhar nem a autoridade de exigir emprego O direito de tra balhar suplantava todos os outros direitos na sua opinião Como Fourier muitos dos primeiros socialistas citavam o ato de não con ceder direitos às mulheres um sinal da bancarrota das doutrinas anteriores de direitos As mulheres poderiam atingir a libertação sem a abolição da propriedade privada e dos códigos legais que sustentavam o patriarcado 2 0 Dois fatores alteraram a trajetória do socialismo na segunda metade do século xix o advento do sufrágio universal masculino e o surgimento do comunismo o termo comunista apareceu pela primeira vez em 1840 Os socialistas eos comunistas então se divi diram entre os que visavam estabelecer um movimento político parlamentar com partidos e campanhas para os cargos públicos e aqueles como os bolcheviques na Rússia que insistiam que ape nas a ditadura do proletariado e a revolução total transformariam as condições sociais Os primeiros acreditavam que o estabeleci mento gradual do voto para todos os homens abria a perspectiva de que os trabalhadores poderiam atingir os seus objetivos dentro da política parlamentar O Partido Trabalhista britânico por exemplo foi formado em 1900 a partir de uma variedade de sindi 1 9 9 catos partidos e clubes preexistentes para promover os interesses e a eleição de trabalhadores Por outro lado a Revolução Russa de 1917 encorajou os comunistas em toda parte a acreditar que a transformação social e econômica total estava prestes a se realizar e que a participação na política parlamentar só desperdiçava ener gias necessárias para outros tipos de luta Como era de se esperar os dois ramos também diferiam na sua visão dos direitos Os socialistas e comunistas que adotavam o processo político também patrocinavam a causa dos direitos Um dos fundadores do Partido Socialista francês Jean Jaurès argu mentava que um Estado socialista só retém a sua legitimidade enquanto assegura os direitos individuais Ele apoiava Dreyfus o sufrágio universal masculino e a separação da Igreja e do Estado em suma direitos políticos iguais para todos os homens bem como a melhora da vida dos trabalhadores Jaurès considerava a Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão um documento de importância universal Os do outro lado seguiam Marx mais de perto ao argumentar como fazia um socialista francês opositor de Jaurès que o Estado burguês só podia serum instrumento de con servadorismo e opressão social 2 1 O próprio Karl Marx só havia discutido os direitos do ho m e m com alguma minúcia na sua juventude No seu ensaio Sobre a questão judaica publicado em 1843 cinco anos antes do Manifesto comunista Marx condenava os próprios fundamentos da Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão Nenhum dos supostos direitos do homem queixavase vai além do homem egoísta A assim chamada liberdade só dizia respeito ao homem como um ser isolado não como parte de uma classe ou comunidade O direito de propriedade só garantia o direito de buscar o interesse próprio sem considerar os outros Os direitos do h o m e m garantiam a liberdade de religião quando a necessi dade dos homens era se livrar da religião confirmavam o direito 200 de possuir propriedade quando o necessário era se livrar da pro priedade incluíam o direito de negociar quando o necessário era se livrar dos negócios Marx não gostava particularmente da ênfase política nos direitos do h o m e m Os direitos políticos diziam respeito aos meios pensava ele e não aos fins O h o m e m político era abstrato artificial não autêntico O h o m e m só podia recuperar a sua autenticidade reconhecendo que a emanci pação humana não podia ser alcançada por meio da política ela requeria uma revolução focalizada nas relações sociais e na aboli ção da propriedade privada 2 2 Essas visões e posteriores variações a seu respeito exerceram influência no m o v i m e n t o socialista e comunista por m u i t a s gerações Os bolcheviques proclamaram u m a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado em 1918 mas ela não incluía nem um único direito político ou legal A sua m e t a era abolir toda a exploração do h o m e m pelo h o m e m e l i m i n a r completamente a divisão da sociedade em classes esmagar im placavelmente a resistência dos exploradores e estabelecer u m a organização socialista da sociedade O próprio Lênin citava Marx ao argumentar contra qualquer ênfase nos direitos indivi duais A noção de um direito igual afirmava Lênin é em si mesma uma violação da igualdade e u m a injustiça porque está baseada naleiburguesa Os assim chamados direitos iguais p r o tegem a propriedade privada e portanto perpetuam a exploração dos trabalhadores Joseph Stálin proclamou uma nova Consti tuição em 1936 que afirmava garantir a liberdade de expressão de imprensa e de religião mas o seu governo não hesitou em des pachar centenas de milhares de inimigos da classe dissidentes e até colegas membros do partido para campos de prisioneiros ou execução imediata 2 3 o i A S G U E R R A S M U N D I A I S E A B U S C A D E N O V A S S O L U Ç Õ E S Ao mesmo tempo que os bolcheviques começavam a estabe lecer a sua ditadura do proletariado na Rússia as baixas astronô micas da Primeira Guerra Mundial incitavam os líderes dos Alia dos em breve vitoriosos a encontrar um novo mecanismo para assegurar a paz Quando os bolcheviques assinaram um tratado de paz com os alemães em março de 1918 a Rússia tinha perdido quase 2 milhões de homens Quando a guerra terminou na frente ocidental em novembro de 1918 até 14 milhões de pessoas tinham morrido a maioria delas soldados Três quartos dos homens mobilizados para lutar na Rússia e na França acabaram feridos ou mortos Em 1919 os diplomatas que redigiram os acordos de paz fundaram uma Liga das Nações para manter a paz supervisionar o desarmamento arbitrar as disputas entre as nações e garantir os direitos para as minorias nacionais mulheres e crianças A Liga fracassou apesar de alguns esforços nobres O Senado dos Estados Unidos se recusou a ratificar a participação americana no início foi negado à Alemanha e à Rússia o ingresso no quadro dos asso ciados e embora promovesse a autodeterminação na Europa a Liga administrou as antigas colônias alemãs e territórios do agora defunto Império Otomano por meio de um sistema de manda tos justificados mais uma vez pelo maior progresso europeu em relação aos outros povos Além disso a Liga se mostrou impotente para deter o surgimento do fascismo na Itália e do nazismo na Ale manha e portanto não conseguiu impedir a deflagração da Segunda Guerra Mundial A Segunda Guerra Mundial estabeleceu uma nova referência para a barbárie com os seus quase incompreensíveis 60 milhões de mortos Além do mais a maioria dos mortos dessa vez era de civis e 6 milhões eram judeus mortos apenas por serem judeus A con 202 fusão e a destruição deixaram milhões de refugiados no final da guerra muitos deles quase incapazes de imaginar um futuro e vivendo em campos para pessoas desalojadas Ainda outros foram forçados a se reassentar por razões étnicas 25 milhões de alemães por exemplo foram expulsos da Tchecoslováquia em 1946 Todas as potências envolvidas na guerra atacaram civis n u m ou noutro momento mas quando a guerra terminou as revelações sobre a escala dos horrores deliberadamente perpetrados pelos alemães chocaram o público As fotografias tiradas na libertação dos cam pos de extermínio nazistas mostravam as consequências estarrece doras do antissemitismo que tinha sido justificado pelo discurso da supremacia racial ariana e da purificação nacional Os julga mentos de Nuremberg de 19456 não só chamaram a atenção do grande público para essas atrocidades mas também estabelece ram o precedente de que os governantes os funcionários e o pes soal militar podiam ser punidos por crimes contra a humanidade Mesmo antes do fim da guerra os Aliadosem particular os Estados Unidos a União Soviética e a GrãBretanha determina ram aperfeiçoar a Liga das Nações Uma conferência realizada em San Francisco na primavera de 1945 estabeleceu a estrutura básica para um novo corpo internacional as Nações Unidas Ele teria um Conselho de Segurança dominado pelas grandes potências uma Assembleia Geral com delegados de todos os paísesmembros e um Secretariado chefiado por um secretáriogeral à guisa de Poder Executivo O encontro também providenciou uma Corte Interna cional de Justiça em Haia nos Países Baixos para substituir uma corte semelhante estabelecida pela Liga das Nações em 1921 Cin quenta e um países assinaram a Carta das Nações Unidas como membros fundadores em 26 de junho de 1945 Apesar do surgimento das evidências dos crimes nazistas contra os judeus os ciganos os eslavos e outros os diplomatas que se reuniram em San Francisco tiveram de ser estimulados e incita 203 dos a pôr os direitos humanos na agenda Em 1944 tanto a Grã Bretanha como a União Soviética haviam rejeitado propostas de incluir os direitos humanos na Carta das Nações Unidas A Grã Bretanha temia o encorajamento que tal ação poderia dar aos movimentos de independência nas suas colônias e a União Sovié tica não queria nenhuma interferência na sua esfera de influência então em expansão Além disso os Estados Unidos tinham inicial mente se oposto à sugestão da China de que a carta deveria incluir uma afirmação sobre a igualdade de todas as raças A pressão vinha de duas direções diferentes Muitos estados de tamanho pequeno e médio na América Latina e na Ásia pediam insistentemente mais atenção aos direitos humanos em parte por que se ressentiam da dominação arrogante das grandes potências sobre os procedimentos Além disso uma multidão de organiza ções religiosas trabalhistas femininas e cívicas a maioria baseada nos Estados Unidos tentava influenciar diretamente os delegados da conferência Apelos urgentes feitos face a face por representan tes do Comitê Judaico Americano do Comitê Conjunto pela Liberdade Relig iosa do Congresso das Organizações Industriais CIO e da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor NAACP ajudaram a mudar a visão de funcionários do Departa mento de Estado dos Estados Unidos que concordaram em pôr os direitos humanos na Carta das Nações Unidas A União Soviética e a GrãBretanha deram o seu consentimento porque a carta tam bém garantia que as Nações Unidas nunca interviriam nos assun tos internos de um país 2 4 O compromisso com os direitos h u m a n o s ainda não estava nem um pouco assegurado A Carta das Nações Unidas de 1945 enfatizava as questões de segurança internacional e dedicava ape nas algumas linhas ao respeito e c u m p r i m e n t o universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça sexo língua ou religião Mas ela criava u m a 204 Comissão dos Direitos Humanos que decidiu que sua primeira tarefa devia ser o esboço de u m a carta dos direitos h u m a n o s Como presidente da comissão Eleanor Roosevelt desempenhou um papel central ao conseguir que u m a declaração fosse rascu nhada e depois guiála pelo complexo processo de aprovação John Humphrey um professor de direito de quarenta anos da Universi dade McGill no Canadá preparou um rascunho preliminar Esse texto tinha de ser revisado por toda a comissão posto a circular por todos os Estadosmembros depois revisto pelo Conselho Social e Econômico e se aprovado enviado para a Assembleia Geral na qual devia ser primeiro considerado pelo Terceiro Comitê sobre Assuntos Sociais Humanitários e Culturais O Terceiro Comitê tinha delegados de todos os Estadosmembros e quando o rascu nho foi discutido a União Soviética propôs emendas para quase todos os artigos Oitenta e três reuniões apenas do Terceiro Comitê e quase 170 emendas mais tarde um rascunho foi sancio nado para ser votado Por fim em 10 de dezembro de 1948 a Assembleia Geral aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos Quarenta e oito países votaram a favor oito países do bloco soviético abstiveramse e nenhum votou contra 2 5 Como seus predecessores do século xvin a Declaração Uni versal explicava n u m preâmbulo por que esse pronunciamento formal tinha se tornado necessário O desrespeito e o desprezo pelos direitos humanos têm resultado em atos bárbaros que ofen deram a consciência da humanidade afirmava A variação em relação à linguagem da Declaração francesa original de 1789 é reveladora Em 1789 os franceses tinham insistido que a ignorân cia a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental A ignorância e até a simples negligência já não eram possíveis Em 1948 todos sabiam presumivelmente qual era o significado dos direitos humanos Além disso a expressão males públicos de 20S 1789 não captava a magnitude dos acontecimentos recentemente experimentados O desrespeito e o desprezo propositais pelos direitos h u m a n o s tinham produzido atos de u m a brutalidade quase inimaginável A Declaração Universal não reafirmava simplesmente as noções de direitos individuais do século xvni tais como a igual dade perante a lei a liberdade de expressão a liberdade de religião o direito de participar do governo a proteção da propriedade pri vada e a rejeição da tortura e da punição cruel Ela também proibia expressamente a escravidão e providenciava o sufrágio universal e igual por votação secreta Além disso requeria a liberdade de ir e vir o direito a uma nacionalidade o direito de casar e com mais controvérsia o direito à segurança social o direito de trabalhar com pagamento igual para trabalho igual tendo por base um salá rio de subsistência o direito ao descanso e ao lazer e o direito à educação que devia ser grátis nos níveis elementares Numa época de endurecimento das linhas de conflito da Guerra Fria a Declara ção Universal expressava um conjunto de aspirações em vez de uma realidade prontamente alcançável Delineava um conjunto de obrigações morais para a comunidade mundial mas não tinha nenhum mecanismo de imposição Se tivesse incluído um meca nismo para impor as obrigações morais nunca teria sido apro vada Entretanto apesar de todas as suas deficiências o docu mento teria efeitos não de todo diferentes daqueles causados pelos seus predecessores do século xviil Por mais de cinquenta anos ele tem estabelecido o padrão para a discussão e ação internacionais sobre os direitos humanos Ver no Apêndice o texto completo 206 A Declaração Universal cristalizou 150 anos de luta pelos direitos Durante todo o século xix e o início do xx algumas socie dades benevolentes tinham mantido acesa a chama dos direitos humanos universais enquanto as nações se voltavam para dentro de si mesmas As principais organizações desse tipo eram as socie dades inspiradas pelos quakers fundadas para combater o tráfico de escravos e a escravidão A britânica Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos criada em 1787 distribuía literatura e ima gens abolicionistas e organizava grandes campanhas de petições dirigidas ao Parlamento Os seus líderes desenvolveram laços pró ximos com os abolicionistas nos Estados Unidos na França e no Caribe Quando em 1807 o Parlamento aprovou um projeto de lei para acabar com a participação britânica no tráfico de escravos os abolicionistas deram um novo nome ao seu grupo o de Sociedade Antiescravidão e passaram a organizar grandes campanhas de petições para que o Parlamento abolisse a própria escravidão o que finalmente aconteceu em 1833 A Sociedade Antiescravidão Estrangeira e Britânica então tomou a batuta e promoveu agita ções para o fim da escravidão em outros países especialmente nos Estados Unidos Por sugestão dos abolicionistas americanos a sociedade bri tânica organizou uma convenção mundial antiescravidão em Londres em 1840 para coordenar a luta internacional contra a escravidão Apesar de os delegados terem se recusado a permitir a participação formal de mulheres abolicionistas assim ajudando a precipitar o movimento sufragista das mulheres eles favoreceram a causa internacional com o desenvolvimento de novos contatos internacionais informações sobre as condições dos escravos e resoluções que denunciavam a escravidão como um pecado con tra Deus e condenavam aquelas igrejas que a apoiavam especial mente no sul dos Estados Unidos Embora fosse dominada pelos britânicos e americanos a convenção mundial estabeleceu o 207 molde para futuras campanhas internacionais pelo sufrágio das mulheres pela proteção do trabalho infantil pelos direitos dos tra balhadores e uma legião de outras questões algumas relacionadas a direitos e outras não como a abstêmia 2 6 Durante as décadas de 1950 e 1960 a causa dos direitos huma nos internacionais assumiu uma posição de menor importância em relação às lutas anticoloniais e de independência Ao término da Primeira Guerra Mundial o presidente americano Woodrow Wilson insistira notoriamente em que a paz duradoura devia se assentar sobre o princípio da autodeterminação nacional Todo povo insistia ele tem o direito de escolher a soberania sob a qual deverá viver Tinha em mente os poloneses os tchecos e os sérvios não os africanos e ele e seus aliados concederam indepen dência à Polônia à Tchecoslováquia e à Iugoslávia porque se con sideravam no direito de dispor dos territórios antes controlados pelas potências derrotadas A GrãBretanha concordou em incluir a autodeterminação nacional na Carta Atlântica de 1941 que expunha os princípios compartilhados pelos Estados Unidos e pela GrãBretanha para travar a guerra mas Winston Churchill insistiu que esse conceito se aplicava apenas à Europa e não às colônias da GrãBretanha Os intelectuais africanos discordaram e incorporaram a questão à sua crescente campanha pela indepen dência Embora as Nações Unidas tivessem deixado de tomar uma posição forte sobre a descolonização nos seus primeiros anos já em 1952 haviam concordado em tornar a autodeterminação uma parte oficial do seu programa A maioria dos estados africanos recuperou a sua independência pacificamente ou pela força na década de 1960 Embora às vezes incorporassem nas suas consti tuições os direitos enumerados por exemplo na Convenção Euro peia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Funda mentais de 1950 a garantia legal dos direitos foi frequentemente vítima dos caprichos da política internacional e intertribal 2 7 208 Nas décadas depois de 1948 formouse aos trancos e barran cos um consenso internacional sobre a importância de se defender os direitos humanos A Declaração Universal é mais o início do processo do que o seu apogeu Em n e n h u m outro lugar o pro gresso dos direitos humanos foi mais visível do que entre os comu nistas que tinham resistido por tanto tempo a esse apelo Desde o início da década de 1970 os partidos comunistas da Europa Oci dental retornaram a uma posição muito semelhante à exposta por Jaurès na França na virada do século Eles substituíram a ditadura do proletariado nas suas plataformas oficiais pelo avanço da democracia e endossaram explicitamente os direitos humanos No final da década de 1980 o bloco soviético começou a se mover na mesma direção O secretáriogeral do Partido Comunista Mikhail Gorbatchev propôs ao Congresso do Partido Comunista de 1988 em Moscou que a União Soviética fosse a partir daquela data um Estado sob o domínio da lei com a máxima proteção para os direi tos e a liberdade do indivíduo soviético Naquele mesmo ano foi criado pela primeira vez um departamento de direitos humanos n u m a escola de direito soviética Ocorrera certa convergência A Declaração Universal de 1948 incluía direitos sociais e econômicos o direito à segurança social o direito ao trabalho o direito à educação por exemplo e nos anos 1980 a maioria dos partidos socialistas e comunistas havia desistido de sua anterior hostilidade aos direitos políticos e civis 2 8 As organizações não governamentais agora chamadas ONGS nunca desapareceram mas ganharam mais influência internacio nal a partir do início da década de 1980 em grande parte por causa da difusão da própria globalização ONGS como Anistia Internacio nal fundada em 1961 AntiSlavery International uma conti nuação da Sociedade Antiescravidão Human Rights Watch fun dada em 1978 e Médicos sem Fronteiras fundada em 1971 para não falar em incontáveis grupos locais cujas atividades são desco 209 nhecidas fora de suas regiões providenciaram apoio fundamental para os direitos humanos nas últimas décadas Essas ONGS frequen temente exerceram mais pressão sobre governos danosos e contri buíram mais para sanar a fome a doença e o tratamento brutal de dissidentes e minorias do que as próprias Nações Unidas mas quase todas elas basearam os seus programas nos direitos articula dos numa ou noutra parte da Declaração Universal 2 9 Desnecessário dizer que ainda é mais fácil endossar os direitos humanos do que os impor O fluxo constante de conferências e con venções internacionais contra o genocídio a escravidão o uso da tortura e o racismo e a favor da proteção das mulheres crianças e minorias mostra que os direitos humanos ainda precisam ser res gatados As Nações Unidas adotaram uma Convenção Suplemen tar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura em 1956 porém ainda assim estimase que haja 27 milhões de escravos no mundo hoje Aprovaram a Convenção contra a Tortura e Outros Trata mentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes em 1984 por que a tortura não desapareceu quando suas formas judiciais foram abolidas no século xvm Em vez de ser empregada n u m cenário legalmente sancionado a tortura passou aos quartos dos fundos da polícia e das forças militares secretas e nem tão secretas dos Esta dos modernos Os nazistas autorizaram explicitamente o uso do aperto contra os comunistas as testemunhas de Jeová os sabota dores os terroristas os dissidentes os elementos antissociais e os vagabundos poloneses ou soviéticos As categorias já não são exa tamente as mesmas mas a prática resiste A África do Sul os france ses na Argélia o Chile a Grécia a Argentina o Iraque os america nos em Abu Ghraiba lista jamais termina A esperança de acabar com os atos bárbaros ainda não se tornou realidade 3 0 210 O S L I M I T E S D A E M P A T I A O que devemos concluir do ressurgimento da tortura e da limpeza étnica do emprego continuado do estupro como arma de guerra da opressão continuada das mulheres do crescente tráfico sexual de crianças e mulheres e das práticas subsistentes da escra vidão Os direitos humanos nos desapontaram por se mostrarem inadequados para a sua tarefa Um paradoxo entre distância e pro ximidade está em ação nos tempos modernos Por um lado a difu são da capacidade de ler e escrever e o desenvolvimento de roman ces jornais rádio filmes televisão e internet tornaram possível que mais e mais pessoas sintam empatia por aqueles que vivem em lugares distantes e em circunstâncias muito diferentes Fotos de crianças morrendo de fome em Bangladesh ou relatos de milhares de homens e meninos assassinados em Srebrenica na Bósnia podem mobilizar milhões de pessoas para que enviem dinheiro mercadorias e às vezes a si próprias como ajuda ao povo de outros lugares ou para que exortem seus governos ou organizações inter nacionais a intervir Por outro lado relatos em primeira mão con tam como vizinhos em Ruanda se matavam uns aos outros com furiosa brutalidade por causa da etnicidade Essa violência em close está longe de ser excepcional ou recente os judeus os cristãos e os muçulmanos tentam há muito tempo explicar por que o bíblico Caim filho de Adão e Eva matou seu irmão Abel À medida que se passam os anos depois das atrocidades nazistas pesquisas cuidadosas têm mostrado que seres humanos comuns sem ano malias psicológicas nem paixões políticas ou religiosas podem ser induzidos nas circunstâncias corretas a empreender o que sabem ser assassinato em massa em combates corpo a corpo Os torturadores na Argélia na Argentina e em Abu Ghraib também começaram como soldados comuns Os torturadores e os assassi 211 nos são como nós e frequentemente infligem dor a pessoas que estão bem diante deles 3 1 Assim embora as formas modernas de comunicação tenham expandido os meios de sentir empatia pelos outros elas não têm sido capazes de assegurar que os homens ajam com base nesse sen timento de camaradagem A ambivalência quanto à força da empa tia pode ser encontrada do século xvin em diante tendo sido expressa até por aqueles que empreenderam explicar a sua opera ção Na sua Teoria dos sentimentos morais Adam Smith considera a reação de um h o m e m humanitário na Europa ao ficar sabendo de um terremoto na China que mata centenas de milhões de pessoas Ele dirá todas as coisas adequadas prediz Smith e continuará com as suas atividades como se nada tivesse acontecido Se em con traste soubesse que perderia o dedo mínimo no dia seguinte ele se agitaria e viraria de um lado para o outro a noite inteira Estaria dis posto a sacrificar as centenas de milhões de chineses em troca do seu dedo mínimo Não não estaria afirma Smith Mas o que leva uma pessoa a resistir a essa barganha Não é a força maleável da huma nidade insiste Smith que nos torna capazes de agir contra o inte resse próprio Tem de ser uma força mais forte a da consciência É a razão o princípio a consciência o habitante do peito o h o m e m interior o grande juiz e árbitro da nossa conduta 3 2 A própria lista de Smith em 1759 razão princípio cons ciência o h o m e m interior capta um elemento importante no estado atual do debate sobre empatia O que é suficientemente forte para nos motivar a agir com base em nosso sentimento de camaradagem A heterogeneidade da lista de Smith indica que ele próprio tinha algum problema para responder essa questão razão é sinônimo de o habitante do peito Smith parecia acre ditar como muitos ativistas dos direitos humanos hoje em dia que uma combinação de invocações aos princípios dos direitos e ape los emocionais ao sentimento de camaradagem podem tornar a 212 empatia moralmente mais eficaz Os críticos daquela época e mui tos críticos atuais responderiam que um senso de dever religioso mais elevado precisa ser ativado para fazer a empatia funcionar Na opinião deles os humanos não podem vencer a sua propensão inte rior à apatia ou ao mal por conta própria Um antigo presidente da American Bar Association Ordem dos Advogados americana expressou essa opinião comum Quando os seres humanos não são vistos como semelhantes a Deus disse ele os seus direitos básicos podem muito bem perder a sua raison dêtre metafísica Sozinha a ideia dos atributos humanos comuns não é suficiente 3 3 Adam Smith focaliza u m a questão quando há realmente duas Smith considera que a empatia por aqueles distantes está na mesma categoria dos sentimentos por aqueles que nos são próxi mos apesar de reconhecer que o que nos confronta diretamente é muito mais motivador do que os problemas enfrentados por aque les que estão distantes As duas questões portanto são o que pode nos motivar a agir com base em nossos sentimentos pelos que estão distantes e o que faz o sentimento de camaradagem entrar n u m tal colapso que podemos torturar aleijar ou até matar os que nos são mais próximos A distância e a proximidade os sentimen tos positivos e os negativos tudo tem de entrar na equação Da metade do século xvin em diante e precisamente por causa do surgimento de uma noção dos direitos humanos essas tensões se tornaram cada vez mais mortíferas Todos os que faziam campanhas contra a escravidão a tortura legal e o castigo cruel no final do século xvin realçavam a crueldade nas suas narrativas emocionalmente arrebatadoras Eles pretendiam provocar a repulsa mas o despertar de sensações por meio da leitura e da visão de gravuras explícitas do sofrimento nem sempre podia ser cuidadosamente canalizado Da mesma forma o romance que suscitava u m a atenção intensa para os sofrimentos de moças comuns assumiu outras formas mais sinistras no final do século 213 XVIII O romance gótico exemplificado por The Monk 1796 cie Matthew Lewis apresentava cenas de incesto estupro tortura I assassinato e essas cenas sensacionalistas pareciam ser cada vez mais a razão do exercício em detrimento do estudo dos sentimcn tos interiores ou resultados morais O marquês de Sade fez o romance gótico dar um passo além para se transformar numa por nografia explícita da dor reduzindo deliberadamente a seu núcleo sexual as longas e dilatadas cenas de sedução de romances mais antigos como Clarissa de Richardson Sade visava revelar os sig nificados ocultos dos romances anteriores sexo dominação dor I poder em vez de amor empatia e benevolência O direito natural para ele significava apenas o direito de agarrar o máximo de poder possível e sentir prazer em brandilo sobre os outros Não é mero acaso que Sade tenha escrito quase todos os seus romances na década de 1790 durante a Revolução Francesa 3 4 Assim a noção dos direitos humanos trouxe na sua esteira toda uma sucessão de gêmeos malignos A reivindicação de direi tos universais iguais e naturais estimulava o crescimento de novas e às vezes fanáticas ideologias da diferença Alguns novos modos de ganhar compreensão empática abriram o caminho para um sen sacionalismo da violência O esforço para expulsar a crueldade de suas amarras legais judiciais e religiosas tornavaa mais acessível como uma ferramenta diária de dominação e desumanização Os crimes inteiramente desumanos do século xx só se tornaram con cebíveis quando todos puderam afirmar serem membros iguais da família humana O reconhecimento dessas dualidades é essencial para o futuro dos direitos humanos A empatia não se exauriu como alguns têm afirmado Mais do que nunca tornouse uma força mais poderosa para o bem Mas o efeito compensatório de violência dor e dominação também é maior do que nunca 3 5 Os direitos humanos são o único baluarte que partilhamos comumente contra esses males Ainda devemos aperfeiçoar conti 214 nuamente a versão dos direitos humanos do século xviil para se assegurar que o Humanos na Declaração Universal dos Direitos 11 umanos elimine todas as ambiguidades do homem nos direi tos do homem A cascata de direitos continua embora sempre com um grande conflito sobre como ela deve fluir o direito de uma mulher a escolher versus o direito de um feto a viver o direito de morrer com dignidade versus o direito absoluto à vida os direitos dos inválidos os direitos dos homossexuais os direitos das crian ças os direitos dos animais os argumentos não terminaram nem vão terminar Os que fizeram campanhas pelos direitos humanos no século xvin podiam condenar os seus opositores como tradicionalistas insensíveis interessados apenas em manter uma ordem social baseada antes na desigualdade na particulari dade e no costume histórico do que na igualdade na universali dade e nos direitos naturais Mas já não podemos nos dar ao luxo de uma simples rejeição de visões mais antigas Na outra ponta da luta pelos direitos humanos quando a crença neles se torna mais difundida temos de enfrentar o m u n d o que foi forjado por esse esforço Temos de imaginar o que fazer com os torturadores e os assassinos como prevenir o seu surgimento no futuro sem deixar de reconhecer o tempo todo que eles são nós Não podemos nem tolerálos nem desumanizálos A estrutura dos direitos humanos com seus órgãos interna cionais cortes internacionais e convenções internacionais talvez seja exasperadora na sua lentidão para reagir ou na sua repetida incapacidade de atingir seus objetivos principais mas não existe n e n h u m a estrutura mais adequada para confrontar essas ques tões As cortes e as organizações governamentais por mais que tenham alcance internacional serão sempre freadas por conside rações geopolíticas A história dos direitos humanos mostra que os direitos são afinal mais bem defendidos pelos sentimentos con vicções e ações de multidões de indivíduos que exigem respostas 215 correspondentes ao seu senso íntimo de afronta O pastor protes tante Rabaut SaintÉtienne já tinha compreendido essa verdade em 1787 quando escreveu ao governo francês para reclamar dos defeitos do novo edito que oferecia tolerância religiosa aos protes tantes Chegou a hora disse ele em que não é mais aceitável que uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade que são muito bem conhecidos em todo o mundo As declarações em 1776 1789 e 1948 providenciaram uma pedra de toque para esses direitos da humanidade recorrendo ao senso do que não é mais aceitável e ajudando por sua vez a tornar as violações ainda mais inadmissíveis O processo tinha e tem em si uma inegável cir cularidade conhecemos o significado dos direitos humanos por que nos afligimos quando são violados As verdades dos direitos humanos talvez sejam paradoxais nesse sentido mas apesar disso ainda são autoevidentes 216 A P Ê N D I C E Três declarações 177617891948 Declaração da Independência 1776 NO CONGRESSO 4 de julho de 1776 A Declaração unânime dos treze Estados unidos da América Quando no Curso dos acontecimentos humanos tornase necessário que um povo dissolva os laços políticos que o ligam a outro e assuma entre as potências da Terra a posição separada e igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da Natu reza um respeito decente pelas opiniões da humanidade requer que ele declare as causas que o impelem à separação Consideramos estas verdades autoevidentes que todos os homens são criados iguais dotados pelo seu Criador de certos Direitos inalienáveis que entre estes estão a Vida a Liberdade e a busca da Felicidade Que para assegurar esses direitos Gover nos são instituídos entre os Homens derivando seus justos pode res do consentimento dos governados Que sempre que qual quer Forma de Governo se torne destrutiva desses fins é Direito do Povo alterála ou abolila e instituir novo Governo assen 219 tando sua fundação nesses princípios e organizando os seus poderes da forma que lhe pareça mais conveniente para a realiza ção da sua Segurança e Felicidade A prudência de fato dita que os Governos estabelecidos há muito tempo não devem ser muda dos por causas superficiais e transitórias e assim sendo toda experiência tem mostrado que a humanidade está mais disposta a sofrer enquanto os males são suportáveis do que a se desagra var abolindo as formas a que está acostumada Mas quando uma longa sequência de abusos e usurpações perseguindo invariavel mente o mesmo Objeto revela o desígnio de reduzir o povo a um Despotismo absoluto é seu direito é seu dever derrubar tal Governo e providenciar novos Guardiães para sua futura segu rança Tal tem sido a tolerância paciente destas Colônias e tal é agora a necessidade que as força a alterar os Sistemas anteriores de Governo A história do presente Rei da GrãBretanha é uma história de repetidas injúrias e usurpações todas tendo por obje tivo direto o estabelecimento de uma Tirania absoluta sobre estes Estados Para proválo que os Fatos sejam submetidos a um m u n d o honesto Ele recusou Assentimento a Leis as mais salutares e necessá rias para o bem público Ele proibiu aos Governadores aprovar Leis de importância imediata e urgente a menos que sua aplicação fosse suspensa até que se obtivesse seu Assentimento e quando assim suspensas dei xou totalmente de lhes dar atenção Ele recusou aprovar outras Leis para acomodar grandes dis tritos de pessoas a menos que essas pessoas abrissem mão do direito de Representação no Legislativo um direito inestimável para elas e temível apenas para os tiranos Ele convocou os corpos legislativos a se reunir em lugares inu sitados desconfortáveis e distantes dos locais em que se guardam 220 os Arquivos públicos com o único propósito de fatigálos até que se submetessem a suas medidas Ele dissolveu as Câmaras de Representantes repetidas vezes por se oporem com firmeza viril a suas invasões dos direitos do povo Ele recusou por muito tempo depois dessas dissoluções fazer com que outros fossem eleitos com isso os poderes Legislativos incapazes de Aniquilação retornaram ao Povo em geral para serem exercidos permanecendo o Estado nesse meiotempo exposto a todos os perigos de invasão externa ou convulsão interna Ele se empenhou em impedir o povoamento desses Estados obstruindo para esse fim as Leis de Naturalização de Estrangeiros recusando aprovar outras que encorajassem as migrações para cá e impondo mais condições para novas Apropriações de Terras Ele dificultou a Administração da Justiça recusando Assenti mento a Leis que estabeleciam poderes Judiciários Ele tornou os Juízes dependentes apenas da Vontade do sobe rano quanto à posse dos cargos e ao valor e pagamento dos salários Ele criou uma multidão de Novos Cargos e para cá enviou enxames de Oficiais para atormentar o nosso povo e devorarlhe completamente a substância Ele manteve entre nós em tempos de paz Exércitos Perma nentes sem o Consentimento de nossos corpos legislativos Ele tentou tornar o poder Militar independente e superior ao poder Civil Ele combinou com outros para nos submeter a uma jurisdi ção alheia à nossa Constituição e não reconhecida pelas nossas leis dando Assentimento a seus Atos de pretensa legislação Para Aquartelar grandes corpos de tropas armadas entre nós Para protegêlas por um arremedo de Julgamento da puni ção por quaisquer Assassinatos que viessem a cometer contra os Habitantes destes Estados 221 Para cortar o nosso Comércio com todas as regiões do mundo Para fixar Impostos sem o nosso Consentimento Para nos privar em muitos casos dos benefícios do Julga mento pelo Júri Para nos transportar alémMar para sermos julgados por pretensos delitos Para abolir o Sistema livre de Leis Inglesas numa Província vizinha aí estabelecendo um governo Arbitrário e ampliandolhe as fronteiras a fim de tornálo ao mesmo tempo um exemplo e um instrumento adequado para introduzir o mesmo domínio absoluto nestas Colônias Para nos tomar as nossas Cartas abolindo as nossas Leis mais valiosas e alterando fundamentalmente as Formas de nossos Governos Para suspender os nossos Corpos Legislativos declarandose investido do poder para legislar para nós em todo e qualquer caso Ele abdicou do Governo aqui ao nos declarar fora da sua pro teção e travar Guerra contra nós Ele saqueou os nossos mares devastou as nossas Costas incendiou as nossas cidades e destruiu a vida de nosso povo Ele está neste momento transportando grandes Exércitos de Mercenários estrangeiros para completar a obra de morte desola ção e tirania já iniciada em circunstâncias de Crueldade perfídia quase sem paralelo nas eras mais bárbaras e totalmente indignas do Chefe de uma nação civilizada Ele obrigou nossos concidadãos Aprisionados em altoMar a pegar em armas contra o próprio País deles a se tornar os carras cos de seus amigos e Irmãos ou a tombarem eles próprios pelas Mãos desses seus semelhantes Ele provocou insurreições domésticas entre nós e empe nhouse em lançar sobre os habitantes de nossas fronteiras os 222 cruéis índios Selvagens cuja conhecida regra de guerra é a destrui ção de todos sem distinção de idade sexo e condições Em toda etapa dessas Opressões Nós fizemos Pedidos de Reparação nos termos mais humildes Nossas repetidas Petições só têm recebido como resposta repetidas injúrias Um Príncipe cujo caráter é assim marcado por todo ato que define um Tirano é ina propriado para ser o governante de um povo livre Tampouco temos sido descorteses com nossos irmãos brittâ nicos sic De tempos em tempos nós os temos alertado sobre as tentativas de seu legislativo no sentido de estender sobre nós uma jurisdição injustificável Temos lhes lembrado as circunstâncias de nossa emigração e colonização Temos apelado à sua justiça e mag nanimidade nativas e temos rogado pelos laços de nosso paren tesco comum que desautorizem essas usurpações que interrom periam inevitavelmente as nossas ligações e correspondência Eles também têm sido surdos à voz da justiça e da consanguini dade Devemos portanto admitir a necessidade que denuncia nossa Separação e considerálos assim c o m o consideramos o resto da humanidade Inimigos na Guerra Amigos na Paz Nós portanto os Representantes dos Estados Unidos da América Reunidos em Congresso Geral apelando ao Juiz Su premo do m u n d o pela retidão de nossas intenções publicamos e declaramos solenemente em Nome e por Autoridade do b o m Povo destas Colônias que estas Colônias Unidas são e por direito devem ser Estados Livres e Independentes que elas estão Desobri gadas de toda Vassalagem para com a Coroa Britânica e que todo vínculo político entre elas e o Estado da GrãBretanha é e deve ser totalmente dissolvido e que como Estados Livres e Independen tes elas têm pleno Poder para declarar Guerra concluir a Paz con trair Alianças estabelecer Comércio e praticar todos os outros 223 Atos e Negócios que os Estados Independentes têm o direito de fazer E para apoiar esta Declaração com uma firme confiança na proteção da Divina Providência empenhamos mutuamente as nossas Vidas as nossas Fortunas e a nossa sagrada Honra Fonte Paul Leicester Ford ed The Writings of Thomas Jeffer son 10 vols Nova York G P Putnams Sons 18929 vol 2 pp 4258 wwwarchivesgovnationalarchivesexperiencechar tersdeclarationtranscripthtml 224 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 Os representantes do povo francês reunidos em Assembleia Nacional e considerando que a ignorância a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental resolveram apresentar n u m a declaração solene os direitos naturais inalienáveis e sagra dos do h o m e m para que esta declaração por estar constante mente presente a todos os membros do corpo social possa sempre lembrar a todos os seus direitos e deveres para que os atos dos poderes Legislativo e Executivo por estarem a todo m o m e n t o sujeitos a uma comparação com o objetivo de toda instituição política possam ser mais plenamente respeitados e para que as demandas dos cidadãos por estarem a partir de agora fundamen tadas em princípios simples e incontestáveis possam sempre visar a manter a Constituição e o bemestar geral Em consequência a Assembleia Nacional reconhece e declara na presença e sob os auspícios do Ser Supremo os seguin tes direitos do h o m e m e do cidadão 1 Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direi 225 tos As distinções sociais só p o d e m ser baseadas na utilidade comum 2 0 objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem Esses direitos são a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão 3 O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação N e n h u m corpo e n e n h u m indivíduo pode exercer uma autoridade que não emane expressamente da nação 4 A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não preju dique o outro assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o desfrute dos mesmos direitos Esses limites só podem ser determinados pela lei 5 A lei só tem o direito de proibir aquelas ações que são pre judiciais à sociedade N e n h u m obstáculo deve ser interposto ao que a lei não proíbe nem pode alguém ser forçado a fazer o que a lei não ordena 6 A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de participar em pessoa ou por meio de seus representan tes na sua formação Deve ser a mesma para todos quer proteja quer penalize Todos os cidadãos sendo iguais a seus olhos são igualmente admissíveis a todas as dignidades cargos e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem nenhuma outra distin ção que não seja a de suas virtudes e talentos 7 N e n h u m h o m e m pode ser indiciado preso ou detido exceto em casos determinados pela lei e segundo as formas que a lei prescreve Aqueles que solicitam lavram executam ou man dam executar ordens arbitrárias devem ser punidos mas os cida dãos intimados ou detidos por força da lei devem obedecer ime diatamente tornandose culpados pela resistência 8 Apenas punições estrita e obviamente necessárias podem ser estabelecidas pela lei e ninguém pode ser punido senão por 226 força de u m a lei estabelecida e promulgada antes do tempo do delito e legalmente aplicada 9 Sendo todo h o m e m considerado inocente até ser declarado culpado se for considerado indispensável prendêlo todo rigor desnecessário para deter a sua pessoa deve ser severamente repri mido pela lei 10 Ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo as religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei 11 A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem Todo cidadão pode portanto falar escrever e publicar livremente se aceitar a responsabilidade por qualquer abuso dessa liberdade nos termos estabelecidos pela lei 12 A salvaguarda dos direitos do homem e do cidadão requer uma força pública Essa força é portanto instituída para o bem de todos e não para o benefício privado daqueles a quem é confiada 13 Para a manutenção da autoridade pública e para as despe sas da administração a tributação c o m u m é indispensável Ela deve ser dividida igualmente entre todos os cidadãos de acordo com sua capacidade de pagar 14 Todos os cidadãos têm o direito de exigir por si mesmos ou por meio de seus representantes que lhes seja demonstrada a necessidade dos impostos públicos de concordar livremente com a sua existência de acompanhar o seu emprego e de determinar os meios de distribuição avaliação e arrecadação bem como a dura ção dos impostos 15 A sociedade tem o direito de considerar que todo agente público da administração deve prestar contas de seus atos 16 Não possui Constituição a sociedade em que a garantia dos direitos não esteja assegurada ou a separação dos poderes estabelecida 17 C o m o a propriedade é um direito inviolável e sagrado 227 ninguém pode ser dela privado a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada a requeira indubitavelmente e sob condição de uma justa e prévia compensação Fonte La Constitution française Présentée au Roi par lAssemblée Nationale le 3 septembre 1791 Paris 1791 228 Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 PREÂMBULO Visto que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo Visto que o desrespeito e o desprezo pelos direitos humanos têm resultado em atos bárbaros que ofenderam a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os seres huma nos tenham liberdade de expressão e crença e a liberdade de viver sem medo e privações foi proclamado como a aspiração mais ele vada do h o m e m comum Visto que é essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo estado de direito para que o h o m e m não seja compelido a recorrer em última instância à rebelião contra a tirania e a opressão Visto que é essencial promover o desenvolvimento de rela ções amistosas entre as nações Visto que os povos das Nações Unidas reafirmaram na Carta sua fé nos direitos humanos fundamentais na dignidade e valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e mulheres 229 e que decidiram promover o progresso social e melhores padrões de vida em maior liberdade Visto que os Estadosmembros se comprometeram a desen volver em cooperação com as Nações Unidas o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e o cumprimento desses direitos e liberdades Visto que uma compreensão comum desses direitos e liber dades é da maior importância para o pleno cumprimento desse compromisso A ASSEMBLEIA GERAL proclama ESTA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS como um ideal c o m u m a ser alcançado por todos os povos e todas as nações para que todo indivíduo e todo órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração pro cure pelo ensinamento e pela educação promover o respeito a esses direitos e liberdades e por medidas progressivas de caráter nacional e internacional assegurar o seu reconhecimento e cum primento universais e efetivos tanto entre os povos dos próprios Estadosmembros como entre os povos dos territórios sob sua jurisdição Artigo 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos São dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros n u m espírito de fraternidade Artigo 2 Todo ser humano pode fruir de todos os direitos e liberdades apresentados nesta Declaração sem distinção de qual quer sorte como raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra ordem origem nacional ou social bens nascimento ou qualquer outro status Além disso nenhuma distinção deve ser feita com base no status político jurisdicional ou internacional do país ou território a que uma pessoa pertence seja ele território 230 independente sob tutela não autônomo ou com qualquer outra limitação de soberania Artigo 3 1 Todo ser humano tem direito à vida à liberdade e à segurança pessoal Artigo 4 Ninguém deve ser mantido em escravidão ou servi dão a escravidão e o tráfico de escravos devem ser proibidos em todas as suas formas Artigo 5 e Ninguém deve ser submetido à tortura ou a um tra tamento ou punição cruel desumano ou degradante Artigo 6 Todo ser humano tem o direito de ser reconhecido por toda parte como uma pessoa perante a lei Artigo 7 Todos são iguais perante a lei e têm direito sem qualquer distinção a uma proteção igual da lei Todos têm direito a uma proteção igual contra qualquer discriminação que viole esta Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação Artigo 8 Todo ser humano tem direito a receber dos tribu nais nacionais competentes uma reparação efetiva para atos que violem os direitos fundamentais a ele concedidos pela constituição ou pela lei Artigo 9 Ninguém deve ser submetido à prisão à detenção ou ao exílio arbitrários Artigo 10 Todo ser humano tem direito em total igualdade a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal indepen 231 dente e imparcial para a determinação de seus direitos e deveres e de qualquer acusação criminal contra a sua pessoa Artigo 111 Todo ser h u m a n o acusado de um delito tem direito à presunção de inocência até que seja provada a sua culpa de acordo com a lei n u m julgamento público em que lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias para a sua defesa 2 Ninguém deve ser considerado culpado por qualquer ato ou omissão que não constituía delito perante o direito nacional ou internacional na época em que foi cometido Tampouco deve ser imposta uma pena mais pesada do que a aplicável na época em que o delito foi cometido Artigo 12 Ninguém deve ser sujeito a interferências arbitrá rias na sua privacidade família lar ou correspondência nem a ata ques à sua honra e reputação Todo ser humano tem direito à pro teção da lei contra tais interferências ou ataques Artigo 13 1 Todo ser humano tem o direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado 2 Todo ser humano tem o direito de sair de qualquer país inclusive do seu próprio e de retornar ao seu país Artigo 141 Todo ser humano vítima de perseguição tem o direito de procurar e receber asilo em outros países 2 Este direito não pode ser invocado no caso de uma perse guição legitimamente motivada por crimes não políticos ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas Artigo 151 Todo ser humano tem direito a uma nacionali dade 232 2 Ninguém deve ser arbitrariamente destituído de sua nacio nalidade nem lhe será negado o direito de m u d a r de nacionalidade Artigo 16 1 Os homens e mulheres adultos sem qualquer restrição de raça nacionalidade ou religião t ê m o direito de casar e fundar uma família fazendo jus a direitos iguais em relação ao casamento durante o casamento e na sua dissolução 2 O casamento deve ser realizado somente com o livre e pleno consentimento dos futuros cônjuges 3 A família é a unidade de grupo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado Artigo 171 Todo ser humano tem direito à propriedade só ou em sociedade com outros 2 Ninguém deve ser arbitrariamente destituído de sua pro priedade Artigo 18 Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de pensa mento consciência e religião este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar a sua reli gião ou crença pelo ensino pela prática pelo culto e pela observân cia sozinho ou em comunidade com outros em público ou em privado Artigo 19 Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de opi nião e expressão este direito inclui a liberdade de ter opiniões sem quaisquer interferências e de procurar receber e transmitir infor mações e ideias por qualquer meio de comunicação e independen temente de fronteiras Artigo 201 Todo ser h u m a n o tem direito à liberdade de reu nião e associação pacíficas 233 2 Ninguém pode ser obrigado a pertencer a uma associação Artigo 211 Todo ser humano tem o direito de participar do governo de seu país diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos 2 Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público no seu país 3 A vontade do povo deve ser a base da autoridade do governo esta vontade deve ser expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal e igual realizadas por voto secreto ou por procedimento equivalente que assegure a liber dade de voto Artigo 22 Todo ser humano como m e m b r o da sociedade tem direito à segurança social e à realização por meio de esforço nacional e cooperação internacional e de acordo com a organiza ção e os recursos de cada Estado dos direitos econômicos sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvi mento da sua personalidade Artigo 231 Todo ser humano tem direito ao trabalho à livre escolha do emprego a condições justas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego 2 Todo ser humano sem qualquer distinção tem direito a pagamento igual para trabalho igual 3 Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remu neração justa e satisfatória que assegure para si mesmo e para sua família uma existência à altura da dignidade humana suplemen tada se necessário por outros meios de proteção social 4 Todo ser humano tem o direito de organizar sindicatos e deles participar para a proteção de seus interesses 234 Artigo 24 Todo ser humano tem direito ao descanso e ao lazer inclusive a uma limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas Artigo 251 Todo ser humano tem direito a um padrão de vida que lhe assegure para si mesmo e para sua família saúde e bemestar incluindo alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis bem como o direito à segurança em caso de desemprego doença invalidez viuvez velhice ou perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle 2 A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis tência especiais Todas as crianças nascidas dentro ou fora do casa mento devem ter a mesma proteção social Artigo 261 Todo ser humano tem direito à educação A edu cação deve ser gratuita ao menos nos estágios elementares e fun damentais A educação elementar deve ser obrigatória A educação técnica e profissional deve ser colocada à disposição de todos e a educação superior deve ser igualmente acessível a todos com base no mérito 2 A educação deve ser orientada para o pleno desenvolvi mento da personalidade humana e para o fortalecimento do res peito pelos direitos h u m a n o s e liberdades fundamentais Deve promover a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e deve fomentar as atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz 3 Os pais têm o direito prioritário de escolher o tipo de edu cação que será dado a seus filhos Artigo 27 1 Todo ser h u m a n o tem o direito de participar livremente na vida cultural da comunidade apreciar as artes e par ticipar do progresso científico e seus benefícios 235 2 Todo ser h u m a n o tem direito à proteção dos interesses morais e materiais que resultem de qualquer produção científica literária ou artística de sua autoria Artigo 28 Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos nesta Declaração possam ser plenamente realizados Artigo 291 Todo ser humano tem deveres para com a co munidade em que o livre e pleno desenvolvimento da sua persona lidade é possível 2 No exercício de seus direitos e liberdades todo ser humano deve estar sujeito apenas às limitações determinadas pela lei exclusivamente com o propósito de assegurar o devido reco nhecimento e respeito pelos direitos e liberdades dos outros e de satisfazer as justas exigências da moral da ordem pública e do bemestar geral de uma sociedade democrática 3 Estes direitos e liberdades não podem ser exercidos em hipótese alguma contra os propósitos e princípios das Nações Unidas Artigo 30 Nada nesta Declaração pode ser interpretado de maneira a implicar que qualquer Estado grupo ou pessoa tem o direito de se envolver em qualquer atividade ou executar qualquer ato destinado à destruição de qualquer um dos direitos e liberda des aqui estabelecidos Fonte Mary Ann Glendon A World Made New Eleanor Roo seveltand the Universal Declaration ofHuman Rights Nova York Random House 2001 pp 3104 wwwunorgOverview rightshtml 236 Notas I N T R O D U Ç Ã O P P 1333 1 Julian P Boyd ed The Papers of Thomas Jefferson 31 vols Princeton Princeton University Press 1950 vol 1 176066 esp p 423 mas ver também pp 309433 2 D O T h o m a s ed Political Writings Richard Price Cambridge Nova York Cambridge University Press 1991 p 195 Citação de Burke tirada do pará grafo 144 disponível online em wwwbartlebycom2436html Reflections on the French Revolution vol xxiv parte 3 Nova York P F Collier Son 1909 14 Barteblycom 2001 Ed brasileira Reflexões sobre a revolução em França trad Renato de Assumpção Faria Brasília U N B 1997 3 Jacques Maritain u m dos líderes d o C o m i t é da U N E S C O sobre as Bases Teóricas dos Direitos H u m a n o s citado in M a r y A n n Glendon A World Made New Eleanor Roosevelt and the Universal Declaration ofHuman Rights Nova York R a n d o m House 2001 p 77 Sobre a Declaração Americana ver Pauline Maier American Scripture Making the Declaration of Independence Nova York Alfred A Knopf 1997 pp 23641 4 Sobre a diferença entre a Declaração de Independência americana e a Declaração dos Direitos inglesa de 1689 ver Michael P Zuckert Natural Rights and the New Republicanism Princeton Princeton University Press 1994 esp pp 325 5 A citação de Jefferson é tirada de Andrew A Lipscomb e Albert F Bergh 237 eds The Writings of Thomas Jefferson 20 vols Washington DC T h o m a s Jeffer son Memorial Association of the United States 19034 vol 3 p 421 Fui capaz de seguir o uso dos termos por Jefferson graças ao site de suas citações criado pela biblioteca da Universidade de Virginia httpetextlibvirginiaedujeffer sonquotations Há muito mais a ser feito sobre a questão dos termos dos direi tos h u m a n o s e à medida que os bancos de dados online se expandem e são refi nados essa pesquisa se torna m e n o s embaraçosa Direitos h u m a n o s é usado desde os primeiros anos do século xvni em inglês mas a maioria das ocorrências aparece frequentemente em conj unção com religião c o m o em direitos divinos e h u m a n o s ou até direito divino divino vs direito divino humano Este último ocorre in Matthew Tindal The Rights of the Christian Church Asserted against the Romish and All Other Priests Who Claim an Independent Power over It Londres 1706 p liv o primeiro em por exemplo A Compleat History of the Whole Procee dings of the Parliament of Great Britain against Dr Henry Sacheverell Londres 1710 pp 8 4 e 8 7 6 A linguagem dos direitos h u m a n o s é traçada muito facilmente em francês graças ao Project for American and French Research on the Treasury of the French Language A R T F L u m banco de dados online de uns 2 mil textos franceses dos sécu los X I I I ao X X A R T F L inclui apenas u m a seleção de textos escritos em francês e favo rece a literatura em detrimento de outras categorias Encontrase u m a descrição do recurso em httphumanitiesuchicagoeduorgsARTFLartflflyerhtml Nico las LengletDufresnoy De lusage des romans Où lon fait voir leur utilité et leurs dif férents caractères Avec une bibliothèque des romans accompagnée de remarques cri tiques sur leurs choix et leurs éditions Amsterdam Vve de Poilras 1734 Genebra Slatkine Reprints 1970p 245 Voltaire Essay sur lhistoire générale et sur les moeurs et lesprit des nations depuis Charlemagne jusquà nos jours Genebra Cramer 1756 p 292 Consultando Voltaire électronique u m C D R O M pesquisável das obras coligidas de Voltaire encontrei droit humain usado sete vezes droits humains no plural nunca quatro delas no Tratado sobre a tolerância e u m a vez em três outras obras Em A R T F L a expressão aparece u m a vez in LouisFrançois Ramond lettres de W Coxe à W Melmoth Paris Belin 1781 p 95 m a s no contexto significa lei h u m a n a em oposição à lei divina A função de busca do Voltaire eletrônico torna virtualmente impossível determinar com rapidez se Voltaire usou droits de lhomme ou droits de lhumanité em qualquer uma de suas obras a busca só indica as milha res de referências a droits e homme por exemplo na m e s m a obra e não n u m a expressão consecutiva em contraste a A R T F L 7 A R T F L dá a citação c o m o sendo de JacquesBénigne Bossuet Méditations sur lÉvangile 1704 Paris Vrin 1966 p 484 8 Rousseau pode ter t o m a d o o t e r m o direitos do h o m e m de JeanJacques 238 Burlamaqui que o usou no sumário de Principes du droit naturel par Burla maqui Conseiller dÉtat et cidevant Professeur en droit naturel et civil à Genève Genebra Barrillot et fils 1747 parte 1 cap vu seção 4 F o n d e m e n t général des Droits de l h o m m e Aparece c o m o direitos do homem na tradução inglesa de Nugent Londres 1748 Rousseau discute as ideias de B u r l a m a q u i sobre o droit naturelem seu Discours sur lorigine et les fondements de linégalité parmi les hom mes 1755 Oeuvres complètes ed Bernard Gagnebin e Marcel R a y m o n d 5 vols Paris Gallimard 195995 vol 3 1966 p 124 Ed brasileira Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens trad Paulo Neves Porto Alegre L P M 2008 O relato sobre Manco é tirado de Mémoires secrets pour ser vir à lhistoire de la République des lettres en France depuis MDCCIXII jusquà nos jours 36 vols Londres J Adamson 17849 vol 1 p 230 As Mémoires secrets cobriam os anos 176287 Sem ser obra de um único autor Louis Petit de Bachau m o n t m o r r e u em 1771 m a s provavelmente de vários as m e m ó r i a s incluíam resenhas de livros panfletos peças teatrais concertos musicais exposições de arte e casos sensacionais nos t r i b u n a i s v e r Jeremy D Popkin e Bernadette Fort The M é m o i r e s secrets and the Culture of Publicity in EighteenthCentury France Oxford Voltaire Foundation 1998 e Louis A Oliver B a c h a u m o n t t h e C h r o nicler A Questionable Renown in Studies on Voltaire and the Eighteenth Century vol 143 Voltaire F o u n d a t i o n Banbury Oxford 1975 p p 16179 C o m o os volumes foram publicados depois das datas que pretendiam cobrir não p o d e m o s ter absoluta certeza de que o uso de direitos do h o m e m fosse tão c o m u m em 1763 q u a n t o o autor supõe No primeiro ato cena I I M a n c o recita Nascidos c o m o eles na floresta m a s rápidos em nos conhecer Exigindo t a n t o o título c o m o os direitos de nosso ser Lembramos a seus corações surpresos Tanto este título c o m o estes direitos há tanto t e m p o profanados Antoine Le Blanc de Guillet MancoCapac premier Ynca Du Pérou Tragédie Représentée pour lapre mière fois par les Comédiens François ordinaires du Roi le 12 Juin 1763 Paris Belin 1782p 4 9 Direitos do h o m e m aparece u m a vez in William Blackstone Commen taries on the Laws ofEngland 4 vols Oxford 17659vol 1 1765p 1 2 1 0 p r i meiro uso que encontrei em inglês está em John Perceval Earl of E g m o n t A Full and Fair Discussion of the Pretensions of the Dissenters to the Repeal of the Sacra mental Test Londres 1733p 14Aparece t a m b é m naepístola poética de 1773 The Dying Negro e n u m tratado anterior do líder abolicionista Granville Sharp A Declaration of the Peoples Natural Right to a Share in the Legislature Londres 1774 p xxv Encontrei esses dados usando o serviço online de T h o m s o n Galé Eighteenth C e n t u r y Collections Online e sou grata a Jenna GibbsBoyer pela ajuda nessa pesquisa A citação de Condorcet está em Marie Louise Sophie de 239 Grouchy marquesa de Condorcet ed Oeuvres complètes de Condorcet 21 vols Brunswick Paris Vieweg Henrichs 1804 vol X I pp 2402 249 251 Sieyès u s o u o t e r m o droits de lhomme apenas u m a vez Il ne faut point juger de ses d e m a n d e s par les observations isolées de quelques auteurs plus ou m o i n s ins truits des droits de l h o m m e Não se deve julgar suas do Terceiro Estado d e m a n d a s pelas observações isoladas de alguns autores mais ou menos conhece dores dos direitos do h o m e m E m m a n u e l Sieyès Le TiersÉtat 1789 Paris E C h a m p i o n 1888 p 36 Na sua carta a James Madison escrita em Paris em 12 de Janeiro de 1789 T h o m a s Jefferson enviou o r a s c u n h o da declaração feito p o r Lafayette O segundo parágrafo começava Les droits de l h o m m e assurent sa propriété sa liberté son honneur sa vie Os direitos do h o m e m asseguram sua propriedadesualiberdadesuahonrasuavida Jefferson Papers vol 14p 438 O r a s c u n h o de Condorcet data de um p o u c o antes da a b e r t u r a dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789 in Iain McLean e Fiona Hewitt eds Condorcet Foundations of Social Choice and Political Theory Aldershot Hants Edward Elgar 1994 p 57 ver pp 25570 sobre o rascunho da declaração dos direitos em que aparece a expressão direitos do homem embora não no título Ver os tex tos dos vários projetos para u m a declaração in Antoine de Baecque ed LAn Ides droits de lhomme Paris Presses d u C N R S 1988 10 Blackstone Commentaries on the Laws of England vol 1 p 121 P H dHolbach Système de la Nature 1770 Londres 1771 p 336 H C o m t e de Mira beau Lettres écrites du donjon 1780 Paris 1792 p 4 1 11 Citado in Lynn Hunt ed The French Revolution and Human Rights A Brief Documentary HistoryBoston Bedford BooksSt Martins Press 1996p 46 12 Denis Diderot e Jean le Rond dAlembert eds Encyclopédie ou Diction naire raisonné des sciences des arts et des métiers 17 vols Paris 175180 vol 5 1755 pp 1156 Esse volume inclui dois artigos diferentes sobre Droit Natu rel O primeiro é intitulado Droit Naturel Morale pp 1156 e começa com o asterisco editorial característico de Diderot assinalando a sua autoria o segundo é intitulado Droit de la nature ou Droit naturel pp 131 4 e é assinado A AntoineGaspard Boucher dArgis A informação sobre a autoria vem de John LoughThe Contributors to the Encyclopédie in Richard N Schwab e Wal ter E Rex Inventory of Diderots Encyclopédie vol 7 Inventory of the Plates with a Study of the Contributors to the Encyclopédie by John Lough Oxford Voltaire Foundation 1984 pp 483564 O segundo artigo de Boucher dArgis consiste n u m a história do conceito e é baseado em grande parte no tratado de Burlama qui de 1747 Principes du droit naturel 13 Burlamaqui Principes du droit naturel p 29 a ênfase é dele 14 J B Schneewind Thelnvention of Autonomy A History of Modem Moral 240 Philosophy Cambridge Cambridge University Press 1998 p 4 Ed brasileira A invenção da autonomia uma história da filosofia moral moderna trad Magda França Lopes São Leopoldo Unisinos 2001 A a u t o n o m i a parece ser o ele m e n t o crucial que falta nas teorias da lei natural até meados do século X V I I I C o m o argumenta Haakonssen Segundo a maioria dos advogados da lei natural nos séculos xvn e xviii a ação moral consistia em estar sujeito à lei natural e cumprir os deveres impostos p o r essa lei e n q u a n t o os direitos e r a m derivados sendo meros meios para o c u m p r i m e n t o dos deveres K n u d Haakonssen Natural Law and Moral Philosophy From Grotius to the Scottish Enlightenment Cam bridge Cambridge University Press 1996 p 6 A esse respeito Burlamaqui que tanto influenciou os americanos nas décadas de 1760 e 1770 pode m u i t o bem marcar u m a transição importante Burlamaqui insiste que os homens estão sub metidos a um poder superior mas que esse p o d e r deve estar de acordo c o m a natureza interior do h o m e m Para que regule as ações humanas a lei deve estar absolutamente de acordo com a natureza e a constituição do h o m e m relacio nada enfim com a sua felicidade que é aquilo que a razão o leva necessariamenle a buscar Burlamaqui Príncipes p 89 Sobre a importância geral da autono m i a para os direitos h u m a n o s ver Charles Taylor Sources of the Self The Making of Modern Identity Cambridge M A Harvard University Press 1989 esp p 12 Ed brasileira As fontes do Self a construção da identidade moderna trad Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu Azevedo São Paulo Edições Loyola 1997 15 Pesquisei tortura e m A R T F L A expressão de Marivaux é de Le Specta teurfrançais 1724 in Frederic Deloffre e Michel Gilet eds Journaux et oeuvres diverses Paris Garnier 1969 p 114 Montesquieu The Spirit of the Laws trad e ed A n n e M Cohler Basia Carolyn Miller e Harold Samuel Stone Cambridge Cambridge University Press 1989 pp 923 Ed brasileira O espírito das leis trad Cristina Murachco São Paulo Martins Fontes 2005 16 A m i n h a opinião é claramente muito mais otimista do que a elaborada p o r Michel Foucault que enfatiza antes as superfícies que as profundezas psico lógicas ligando as novas visões do corpo mais ao surgimento da disciplina que 1 liberdade Ver p o r exemplo Discipline and Punish The Birth of the Prison dc Foucault trad Alan Sheridan Nova York Vintage 1979 Ed brasileira Vigiar e punir história da violência nas prisões trad Raquel Ramalhete Petrópolis Vozes 1987 17 Benedict Anderson Imagined Communities Reflections on the Origin and Spread of Nationalism Londres Verso 1983 esp pp 2536 Ed brasileira Comunidades imaginadas reflexões sobre a origem e difusão do nacionalisinoYm Denise Bottman São Paulo C o m p a n h i a das Letras 2008 18 Leslie Brothers F r i d a s Footprint How Society Shapes the Human Mind l i Nova York Oxford University Press 1997 Kai Voigeley Martin Kurthen Peter Falkai e Walfgang Maier Essential F u n c t i o n s of the H u m a n Self M o d e l Are Implemented in the Prefrontal Cortex Consciousness and Cognition 8 1999 34363 i T O R R E N T E S D E E M O Ç Õ E S P P 3 5 6 9 1 FrançoisMarie Aro uet de Voltaire a Marie de Vichy de C h a m r o n d mar quesa de Deffand 6 de março de 1761 em R A Leigh éd Correspondance com plete de Jean Jacques Rousseau 52 vols Genebra Institut et Musée Voltaire 1965 98 vol 8 1969 p 222 Jean le Rond dAlembert a Rousseau Paris 10 de feve reiro de 1761 in Correspondance complète de Jean Jacques Rousseau vol 8 p 76 Sobre as respostas dos leitores citadas neste parágrafo e no seguinte ver Daniel Mornet Rousseau La NouvelleHéloïse 4 vols Paris Hachette 1925 vol 1 pp 2469 2 Sobre as traduções inglesas ver JeanJacques Rousseau La Nouvelle Héloïse trad Judith H McDowell University Park P A Pennsylvania State Uni versity Press 1968 p 2 Ed brasileira Júlia ou A nova Heloísa trad FulviaML Moretto São Paulo Hucitec 1994 Sobre as edições francesas ver JoAnn E McEachern Bibliography of the Writings of Jean Jacques Rousseau to 1800 vol 1 Julie ou La Nouvelle Héloïse Oxford Voltaire Foundation Taylor Institution 1993 pp 76975 3 Alexis de Tocqueville LAncien Régime ed J P Mayer 1856 Paris Galli mard 1964 p 286 Ed brasileira O Antigo Regime e a Revolução trad Yvone Jean Brasília U N B 1989 Olivier Zunz m u i t o gentilmente me indicou essa obra 4 Jean Decety e Philip L JacksonThe Functional Architecture of H u m a n Empathy Behavioral and Cognitive Neuroscience Reviews 3 2004 71100 ver esp p 91 5 Sobre a evolução geral do r o m a n c e francês ver Jacques Rustin Le Vice à la mode Etude sur le roman français du XVIII siècle de M a n o n Lescaut à lapparition deha Nouvelle Héloïse 17311761 Paris O p h r y s 1979 p 20 Compilei os números sobre a publicação dos novos romances franceses a partir de Angus Martin Vivienne G Mylne e Richard Frautschi Bibliographie du genre romanesque français 17511800 Londres Mansell 1977 Sobre o r o m a n c e inglês ver James Raven British Fiction 17501770 Newark D E University of Delaware Press 1987 pp 89 e James Raven Historical I n t r o d u c t i o n T h e Novel Comes of Age in Peter Garside James Raven e Rainer Schõwerling eds The English Novel 17701829 A Bibliographical Survey of Prose Fiction Published 242 in the British Isles Londres Nova York Oxford University Press 2000 p p 15 121 esp pp 2632 Raven mostra que a porcentagem de r o m a n c e s epistolares caiu de 4 4 de todos os romances na década de 1770 para 18 na década de 1790 6 Este não é o lugar para u m a exaustiva lista de obras A m a i s influente para m i m é Benedict Anderson Comunidades imaginadas 7 Abade Marquet Lettre sur Pamela Londres 1742 p p 34 8 Mantive a pontuação original Pamela or Virtue Rewarded In a Series of Familiar Letters from a Beautiful YoungDamsel to her Parents In four volumes The sixth edition corrected By the late Mr Sam Richardson Londres William Otridge 1772 vol l p p 223 9 Aaron Hill a Samuel Richardson 17 de dezembro de 1740 Hill implora que Richardson revele o n o m e do autor suspeitando sem dúvida que seja o próprio RichardsonAnna Laetitia Barbauld ed The Correspondence of Samuel Richard son Author ofPamela Clarissa and Sir Charles Grandison Selectedfrom theOrigi nalManuscripts 6 vols Londres Richard Phillips 1804 vol 1 pp 545 10 T C D u n c a n Eaves e Ben D Kimpel Samuel Richardson A Biography Oxford Clarendon Press 1971 pp 12441 11 Carta de Bradshaigh datada de 11 de janeiro de 1749 citada em Eaves e Kimpel Samuel Richardson p 224 Carta de Edward de 26 de janeiro de 1749 in Barbauld ed Correspondence of Samuel Richardsonvol m p 1 12 Sobre as bibliotecas particulares francesas ver François JostLe R o m a n épistolaireetla technique narrative au xvnr siècle in Comparative Literature Stu dies 3 1966 397427 esp pp 4012 baseado n u m estudo de Daniel Mornet de 1910 Sobre as reações dos boletins informativos boletins escritos por intelec tuais na França para governantes estrangeiros que queriam acompanhar os últi m o s desenvolvimentos na cultura francesa ver Correspondance littéraire philo sophique et critique par Grimm Diderot Raynal Meister etc revue sur les textes originaux comprenant outre ce qui a été publié à diverses époques les fragments sup primés en 1813 parla censure les parties inédites conservées à la Bibliothèque ducale de Gotha et à lArsenal à Paris 16 vols Paris Garnier 187782 Nendeln Lich tenstein Kraus 1968 pp 25 e 248 25 de janeiro de 1751 e 15de j u n h o de 1753 O abade Guillaume T h o m a s Raynal foi o autor do primeiro e Friedrich Melchior G r i m m muito provavelmente escreveu o segundo 13 Richardson não retribuiu o elogio de Rousseau ele afirmava ter achado impossível 1er falia mas m o r r e u no ano da publicação de Júlia em francês Ver Eaves e Kimpel Samuel Richardson p 605 sobre a citação de Rousseau e a reação de Richardson a Júlia Claude Perroud ed Lettres de Madame Roland vol 2 178893 Paris Imprimerie Nationale 1902 pp 439 esp p 48 14 Robert Darnton The Great Cat Massacre and Other Episodes in French I t Cultural History Nova York W W Norton 1984 citação p 243 Ed brasileira O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa trad Sonia C o u t i n h o Rio de Janeiro Graal 1986 Claude Labrosse Lire au XVIII siècle La Nouvelle Héloïse et ses lecteurs Lyon Presses Universitaires de Lyon 1985 citação p 96 15 Um exame recente dos textos sobre o romance epistolar pode ser encon trado em Elizabeth Heckendorn Cook Epistolary Bodies Gender and Genre in the EighteenthCentury Republic of Letters Stanford Stanford University Press 1996 Sobre as origens do gênero ver JostLe R o m a n épistolaire 16 W S Lewis éd The Yale Edition of Horace Walpoles Correspondence vol 22 New Haven 1960 p 271 carta a sir Horace M a n n 20 de dezembro de 1764 Remarks on Clarissa Addressed to the Author Occasioned by some critical Conver sations on the Characters and Conduct of that Work With Some Reflections on the Character and Behaviour of PriorsEmma Londres 1749 pp 8 e 51 17 Gentlemans Magazine 19 junho de 1749 pp 2456 e 19 agosto de 1749 pp 3459 citações nas pp 245 e 346 18 N A LengletDufresnoy De lusage des romans où lon fait voir leur uti lité et leurs différents caractères 2 vols 1734 Genebra Slatkine Reprints 1979 citações pp 13 e 92 vol 18 e 325 no original Vinte anos mais tarde Lenglet Dufresnoy foi convidado a colaborar com outras figuras do Iluminismo na Ency clopédie de Diderot 19 ArmandPierre Jacquin Entretiens sur les romans 1755 Genebra Slat kine Reprints 1970 citações p p 225 237 305169 e 101 A literatura antirro mance é discutida em Daniel Mornet Rousseau La Nouvelle Héloïse 4 vols Paris Hachette 1925 vol 1 20 Richard C Taylor James Harrison T h e Novelist Magazine and the Early Canonizing of the English Novel Studies in English Literature 15001900 33 1993 62943 citação p 633 John T i n n o n Taylor Early Opposition to the English Novel The Popular Reaction from 1760 to 830 Nova York Kings Crown Press 1943 p 52 2 1 SamuelAuguste Tissot LOnanisme 1774 ed latina 1758 Paris Édi tions dela Différence 1991esp pp 22 e 1667 Taylor Early Opposition 6 1 22 Gary KellyUnbecoming a Heroine Novel Reading Romanticism and Barretts The Heroine NineteenthCentury Literature 45 1990 22041 citação p 222 23 Londres Impresso para C Rivington no adro de St Paul e J O s b o r n etc 1741 24 JeanJacques Rousseau Julie or The New Heloise trad Philip Stewart e Jean Vaché vol 6 de Roger D Masters e Christopher Kelly eds The Collected Wri 244 tings of Rousseau Hanover N H University Press of New England 1997 citações p p 3 e 15 25 Éloge de Richardson Journal étranger 8 1762 Genebra Slatkine Reprints 1968 716 citações pp 89 U m a análise mais detalhada deste texto encontrase in Roger Chartier Richardson Diderot et la lectrice impatiente MLN 114 1999 64766 N ã o se sabe q u a n d o Diderot leu pela p r i m e i r a vez Richardson as referências a ele na correspondência de Diderot só começam a aparecer em 1758 G r i m m referiuse a Richardson na sua correspondência já em 1753 June S Siegel Diderot a n d Richardson Manuscripts Missives and Mysteries Diderot Studies 18 1975 14567 26 Éloge pp 89 27 Ibid p 9 28 H e n r y H o m e lorde Kames Elements of Criticism 3 1 ed 2 vols Edim burgo A Kincaid 8c J Bell 1765 vol 1 pp 80828592 Ver t a m b é m Mark Sal ber Phillips Society and Sentiment Genres of Historical Writings in Britain 1740 1820 Princeton Princeton University Press 2000 pp 10910 29 Julian P Boyd ed The Papers of Thomas Jefferson 30 vols Princeton Princeton University Press 1950 vol l p p 7681 30 Jean Starobinski de m onst ra que esse debate sobre os efeitos da identifi cação aplicavase igualmente ao teatro mas argumenta que a análise de Diderot a respeito de Richardson constitui um importante p o n t o crítico no desenvolvi m e n t o de u m a nova atitude para com a identificação Se mettre à la place la mutation de la critique de lâge classique à Diderot Cahiers Vilfredo Pareto 14 1976 36478 3 1 Sobre esse ponto ver esp Michael McKean The Origins of the English Novel I600J74OBaltimore Johns Hopkins University Press 1987 p 128 32 Andrew Burstein The Inner Jefferson Portrait of a Grieving Optimist Charlottesville V A University of Virginia Press 1995 p 54 J P Brissot de War ville Mémoires 7541793 publiés avec étude critique et notes par Cl Perroud Paris Picardsdvol l p p 3 5 4 5 33 I m m a n u e l KantAn Answer to the Question W h a t is Enlightenment in James Schmidt ed What Is Enlightenment EighteenthCentury Answers and TwentiethCentury Questions Berkeley University of California Press 1996pp 5864 citação p 58 N ã o é fácil determinar a cronologia da autonomia A maio ria dos historiadores concorda que o alcance da t o m a d a de decisão individual aumentou de m o d o geral entre os séculos xvi e xx no m u n d o ocidental m e s m o ipê d i s c o r d e m sobre c o m o e p o r q u e isso ocorreu I n ú m e r o s livros e artigos foram escritos sobre a história do individualismo c o m o d o u t r i n a filosófica e social e suas associações com o cristianismo a consciência protestante o capita is lismo a m o d e r n i d a d e e os valores ocidentais de m o d o mais geral ver Michael Carrithers Steven Collins e Steven Lukes eds The Category of the Person Anthro pology Philosophy History Cambridge Cambridge University Press 1985 Um breve exame dos textos sobre o tema pode ser encontrado em Michael Mascuch Origins of the Individualist Self Autobiography and SelfIdentity in England 1591 1791 Stanford Stanford University Press 1996 pp 1324 Um dos poucos a relatar esses desenvolvimentos para os direitos h u m a n o s é Charles Taylor As fon tes do Self 34 Citado em Jay Fliegelman Prodigals and Pilgrims The American Revo lution Against Patriarchal Authority 7501800 Cambridge Cambridge Univer sity Press 1982 p 15 35 JeanJacques Rousseau Emile ou lÉducation 4 vols Haia Jean Néaume 1762 vol 1 pp 24 Ed brasileira Emílio ou Da educação trad Roberto Leal Ferrara São Paulo Martins Fontes 1995 Richard Price Observations on the Nature of Civil Liberty the Principles of Government and the Justice and Policy of the War with America to which is added An Appendix and Postscript containing A State of the National Debt An Estimate of the Money drawn from the Public by the Taxes and An Account of the National Income and Expenditure since the last War 9 ed Londres Edward 8c Charles Dilly and Thomas Cadell 1776 pp 56 36 Lynn H u n t The Family Romance of the French Revolution Berkeley University of California Press 1992 pp 401 37 Fliegelman Prodigals and Pilgrims pp 3967 38 Lawrence Stone The Family Sex and Marriage in England 15001800 Londres Weidenfeld 8c Nicolson 1977 Sobre enrolar os bebês em panos des m a m a d o s e ensinálos a usar o banheiro ver Randolph Trumbach The Rise of the Egalitarian Family Aristocratic Kinship and Domestic Relations in Eighteenth Century England Nova York Academic Press 1978 pp 197229 39 Sybil Wolfram Divorce in England 17001857 Oxford Journal of Legal Studies 5 verão de 1985 15586 Roderick Phillips Putting Asunder A History of Divorce in Western Society Cambridge Cambridge University Press 1988 p 257 Nancy F Cott Divorce and the Changing Status of W o m e n in Eighteenth Century Massachusetts William andMary Quarterly y série vol 33 n a 4 outu bro de 1976 586614 40 Frank L Dewey T h o m a s Jeffersons Notes on Divorce William and Mary Quarterly 3 série vol 39 n 1 The Family in Early American History and Culture Janeiro de 1982 2123 citações pp 219217216 AlEmpathysó entrou na língua inglesa no início do século XX c o m o um termo usado na estética e na psicologia U m a tradução da palavra alemã Einfüh 246 lung ela foi definida c o m o o p o d e r de projetar a própria personalidade no e assim compreender plenamente o objeto da contemplação 42 Francis Hutcheson A Short Introduction to Moral Philosophy in Three Books ContainingtheElementsofEthicksandthe Law of Nature 17472 aed Glas gow Robert 8c Andrew Foulis 1753 pp 126 43 Adam Smith The Theory of Moral Sentiments 3 a ed Londres 1767 p 2 Ed brasileira Teoria dos sentimentos morais trad Lya Luft São Paulo Martins Fontes 1999 44 Burstein The Inner Jefferson 54 The Power ofSympathyfoi escrito por William Hill Brown A n n e C Vila Beyond Sympathy Vapors Melancholia and the Pathologies of Sensibility in Tissot and Rousseau Yale French Studies n 92 Exploring the Conversible World Text and Sociability from the Classical Age to the Enlightenment 1997 88101 45 Há m u i t o s debates s o b r e as origens de E q u i a n o se ele n a s c e u na África c o m o afirmava ou nos Estados Unidos mas isso não é relevante para o m e u argumento Sobre a discussão mais recente ver Vincent Carretta Equiano the African Biography of a SelfMade Man Athens G A University of Georgia Press 2005 46 Abade Sieyès Préliminaire de la constitution française Paris Baudouin 1789 47 H A Washington éd The Writings of Thomas Jefferson 9 vols Nova York John C Riker 18537 vol 7 1857 pp 1013 Sobre Wollstonecraft ver Phillips Society and Sentiment p 114 e especialmente Janet Todd éd The Col lected Letters of Mary Wollstonecraft Londres Allen Lane 2003 pp 34114121 228253313342359364402404 48 Andrew A Lipscomb e Albert E Bergh eds The Writings of Thomas Jef ferson 20 vols Washington D C T h o m a s Jefferson Memorial Association of the United States 19034 vol 10 p 324 2 O S S O S D O S S E U S O S S O S P P 7 O H 2 10 melhor relato geral ainda é de David D Bien The Calas Affair Persecu tion Toleration and Heresy in EighteenthCenturyToulouse Princeton Princeton University Press 1960 As torturas de Calas são descritas em Charles Berrial SaintPrix Des tribunaux et de la procédure du grand criminel au XVIII siècle jusquen 1789 avec des recherches sur la question ou torture Paris Auguste Aubry 1859 pp 936 Baseio m i n h a descrição do suplício da roda no relato de uma les t e m u n h a ocular do suplício em Paris James St John Esq Letters from FranCt 247 to a Gentleman in the South of Ireland Containing Various Subjects Interesting to both Nations Written in 17872 vols Dublin P Byrne 1788 vol I I carta de 23 de julho de 1787 pp 106 2 Voltaire publicou um panfleto de 21 páginas em agosto de 1762 sobre a Histoire dElisabeth Canning et des Calas Ele usou o caso de Elisabeth Canning para mostrar c o m o a justiça inglesa funcionava de maneira superior mas a maior parte do panfleto é dedicada ao caso Calas A estruturação do caso em termos de intolerância religiosa apresentada por Voltaire pode ser vista muito claramente em Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de lean Calas 1763 A citação é tirada de Jacques van den Heuvel ed MélangesVoltaire Paris Gallimard 1961p583 3 A conexão entre a tortura e Calas pode ser pesquisada em Ulla Kòlving ed Voltaire électronique C D R O M Alexandria V A ChadwyckHealey Oxford Voltaire Foundation 1998 A denúncia de tortura em 1766 pode ser encontrada in An Essay on Crimes and Punishments Translated from the Italian with a Com mentary Attributed to Mons De Voltaire Translated from the French 4 1 ed Lon dres F Newberry 1775 pp xiixiii Ed brasileira Dos delitos e das penas trad Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa São Paulo Martins Fontes 1995 Sobre o artigo a respeito da Tortura no Dicionário filosófico ver Theodore Bes terman et al eds les oeuvres complètes de Voltaire 135 vols 19682003 vol 36 ed Ulla Kôlving Oxford Voltaire Foundation 1994 pp 5723 Voltaire argu m e n t o u a favor da abolição real da tortura em 1778 em seu O preço da justiçaVer Franco Venturi ed Cesare Beccaria Dei Delitti e dellepene con une raccolta di let tere e documenti relativi alia nascita dellopera e alia sua fortuna nelTEuropa Del Settecento Turim Giulio Einaudi 1970 pp 4935 4 J D E Preuss Friedrich der Grosse eine Lebengeschichte 9 vols Osna brück Alemanha Ocidental Biblio Verlag 1981 reimpressão da ed de Berlim 1832 vol 1 pp 1401 O decreto do rei francês deixou aberta a perspectiva de restabelecer a question préalable se a experiência revelasse a sua necessidade Além disso o decreto era um entre muitos outros relacionados aos esforços da Coroa para diminuir a autoridade dos parlements Depois de ter de registrálo n u m lit de justice Luís xvi suspendeu a implementação de todos esses decretos em setembro de 1788 C o m o consequência a tortura só foi definitivamente abolida q u a n d o a Assembleia Nacional a suprimiu em 8 de outubro de 1789 Berriat SaintPrix Des Tribunaux p 55 Ver t a m b é m David Yale Jacobson The Politics of Criminal Law Reform in PreRevolutionary France dissertação de P h D Brown University 1976 pp 367429 Sobre o texto dos decretos da abolição ver Athanase Jean Léger et al eds Recueil général des anciennes lois françaises depuis lan 420 jusquà la Révolution de 178929 vols Paris Pion 182457 vol 26 248 1824 pp 3735 e vol 28 1824 pp 52632 Benjamin Rush An Enquiry into the Effects of Public Punishments upon Criminals and Upon Society Read in the Society for Promoting Political Enquiries Convened at the House of His Excellency Benjamin Franklin Esquire in Philadelphia March 9th 1787 P h i l a d e l p h i a Joseph James 1787 in Reform of Criminal Law in Pennsylvania Selected Enqui ries 17871810 Nova York A r n o Press 1972 c o m a n u m e r a ç ã o original das páginas citação p 7 5 Sobre o estabelecimento e abolição geral da t o r t u r a na E u r o p a ver Edward Peters Torture Philadelphia University of Pennsylvania Press 1985 Ed portuguesa História da tortura trad Pedro Silva R a m o s Lisboa Teorema 1994 Embora a tortura não fosse abolida em alguns cantões suíços até m e a d o s do século xix a prática desapareceu em grande parte ao m e n o s enquanto i n s t r u m e n t o legal na Europa ao longo das guerras revolucionárias e napoleónicas Napoleão a aboliu na Espanha por exemplo em 1808 e ela n u n c a foi restabele cida Sobre a história do desenvolvimento dos júris ver sir James Fitzjames Ste phen A History of the Criminal Law of England 3 vols 1833 C h i p p e n h a m Wilts Routledge 1996 vol 1 pp 2504 Sobre casos de feitiçaria e o uso da tortura ver Alan Macfarlane Witchcraft in Tudor and Stuart England A Regional and Compa rative Study Londres Routledge Kegan Paul 1970 pp 13940 e Cristina A Larner Enemies of God The Witchhunt in Scotland Londres Chatto W i n d u s 1981 p 109 C o m o Larner indica as constantes injunções dos juízes escoceses e ingleses exigindo um fim para a tortura nos casos de feitiçaria m o s t r a m q u e ela continuava a ser um p o n t o controverso James Heath Torture and English Law An Administrative and Legal History from the Plantagenets to the Stuarts Westport C T Greenwood Press 1982 p 179 detalha várias referências ao uso da roda nos séculos xvi e X V I I mas ela não era sancionada pela lei c o m u m Ver t a m b é m Kathryn Preyer Penal Measures in the American Colonies An Overview Ameri can Journal of Legal History 26 outubro de 1982 32653 esp p 333 6 Sobre os métodos gerais de punição ver J A Sharpe Judicial Punishment in England Londres Fáber 8c Fáber 1990 A p u n i ç ã o no p e l o u r i n h o p o d i a incluir ter as orelhas cortadas ou ter u m a orelha pregada no pelourinho p 21 O t r o n c o era um dispositivo de m a d e i r a para prender os pés de um infrator O pelourinho era um dispositivo em que os infratores ficavam com a cabeça e as mãos entre dois pedaços de madeira Leon Radzinowicz A History of English Criminal Law and Its Administration from 17504 vols Londres Stevens 8c Sons 1948 vol 1 pp 35 e 165227 Um p a n o r a m a da pesquisa recente nesse agora muito ricamente explorado veio encontrase em Joanna Innes e John StylesThe Crime Wave Recent Writing on Crime and Criminal Justice in EighteenthCen tury England Journal of British Studies 25 outubro de 1986 380435 249 7 Linda Kealey Patterns of Punishment Massachusetts in the Eighteenth Century American Journal ofLegal History 30 abril de 1986 16386 citação p 172 William M Wiecek The Statutory Law of Slavery and Race in the Thirteen Mainland Colonies of British America William and Mary Quarterly 3 série vol 34 n 2 abril de 1977 25880esp pp 2745 8 Richard M o w e r y Andrews Law Magistracy and Crime in Old Regime Paris 7351789 vol 1 The System of Criminal Justice Cambridge Cambridge University Press 1994 especialmente pp 3853878 9 Benoît Garnot Justice et société en France aux XVI e XVII et XVIII siècles Paris Ophrys2000p 186 10 Romilly é citado em Randall McGowenThe Body and Punishment in EighteenthCentury England Journal of Modern History 59 1987 65179 p 668 A famosa frase de Beccaria pode ser encontrada in Crimes and Punishments p 2 Jeremy Bentham t o m o u o lema de Beccaria c o m o o fundamento para a sua doutrina do Utilitarismo Para Bentham Beccaria era nada m e n o s que meu mes tre o primeiro evangelista da R a z ã o L e o n Radzinowicz Cesare Beccaria and the English System of Criminal Justice A Reciprocal Relationship in Atti delcon vegno internazionale su Cesare Beccari promosso daliAccademia delle Scienze di Torino nel secondo centenário deliopera Dei delitti e delle pene Turim 46 de o u t u b r o de 1964 Turim Accademia delle Scienze 1966 pp 5766 citação p 57 Sobre a recepção na França e em outras regiões da Europa ver as cartas reimpres sas in Venturi ed Cesare Beccaria esp pp 31224 Voltaire m e n c i o n o u que lia Beccaria n u m a carta de 16 de outubro de 1765 na qual ele t a m b é m se refere ao caso Calas e ao caso Sirven que t a m b é m envolvia protestantes Theodore Bes terman et al eds Les Oeuvres complètes de Voltaire 135 vols 19682003 vol 113 Theodore Besterman ed Correspondence and Related Documents April December 1765 vol 29 1973 346 1 1 0 erudito holandês Pieter Spierenburg liga a moderação da punição à crescente empatia A morte e o sofrimento de seres h u m a n o s eram experimen tados cada vez mais c o m o dolorosos só porque as outras pessoas eram cada vez mais percebidas c o m o seres h u m a n o s semelhantes Spierenburg The Spec tacle of Suffering Executions and the Evolution of Repression From a Preindustrial Metropolis to the European Experience Cambridge Cambridge University Press 1984 p 185 Beccaria Crimes and Punishments citações p p 43 107 e 112 Blackstone t a m b é m defendia punições proporcionais aos crimes e lamentava o grande n ú m e r o de crimes punidos com a pena de morte na InglaterraWilliam Blackstone Commentaries on the Laws of England 4 vols 8 1 ed Oxford Claren don Press 1778 vol I V p 3 Blackstone cita Montesquieu e Beccaria n u m a nota nessa página Sobre a influência de Beccaria sobre Blackstone ver Coleman Phil 250 lipson True Criminal Law Reformers Beccaria Bentham Romilly Montclair N j Patterson Smith 1970 esp p 90 12 Em anos recentes os estudiosos t ê m questionado se Beccaria ou o Ilu m i n i s m o de m o d o mais geral tiveram algum papel em eliminar a tortura judi cial ou em m o d e r a r a punição ou até se a abolição foi u m a coisa tão boa assim ver John H Langbein Torture and the Law of Proof Europe and England in the Ancien Regime Chicago University of Chicago Press 1976 Andrews Law Magistracy and Crime J S C o c k b u r n P u n i s h m e n t and Brutalization in the English Enlightenment Law and History Review 12 1994 15579 e esp Michel Foucault Vigiar epunir 13Norbert Elias The Civilizing Process The Development ofMannerstrad E d m u n d Jephcott ed alemã 1939 Nova York Urizen Books 1978 citação pp 6970 Ed brasileira O processo civilizador Uma história dos costumes trad Ruy J u n g m a n n São Paulo Jorge Zahar Editor 1995 Encontrase u m a visão crítica desta narrativa em Barbara H Rosenwein Worrying About Emotions in History American Historical Review 107 2002 82145 14 James H Johnson Listeningin Paris A Cultural History Berkeley Uni versity of California Press 1995 citação p 61 15 Jeffrey S Ravel enfatiza a continuada rebeldia da plateia que ficava em pé em The Contested Parterre Public Theater and French Political Culture 680 79 Ithaca N Y Cornell University Press 1999 16 Annik PardailhéGalabrun The Birth of Intimacy Privacy and Domestic Life in Early Modern Paris trad Jocelyn Phelps Philadelphia University of Pennsylvania Press 1991 John ArcherLandscape and Identity Baby Talk at the Leasowes 1760 Cultural Critique 51 2002 14385 17 Ellen G Miles ed The Portrait in Eighteenth Century America Newark D E University of Delaware Press 1993 p 10 George T M Shackelford e M a r y Tavener Holmes A Magic Mirror The Portrait in France 70000 Houston M u s e u m of the Fine Arts 1986 p 9 A citação de Walpole foi tirada de D e s m o n d ShaweTaylor The Georgians EighteenthCentury Portraiture and Society Lon dres Barrie Jenkins 1990 p 27 18 Lettres sur les peintures sculptures et gravures de Mrs de IAcademie Royale exposées au Sallon du Louvre depuis MDCCLXVI1jusquen MDCCLXXIX Londres John Adamson 1780 p 51 Salon de 1769 Ver também Rémy G Sais selin Style Truth and the Portrait Cleveland Cleveland Museum of Art 1963 esp p 27 As reclamações quanto à arte do retrato e aos tableaux du petit genre c o n t i n u a r a m na década de 1770 Lettres sur les peintures pp 76 212229 O artigo de Jaucourt pode ser encontrado em Encyclopedic ou dictionnaire raisonnc dessciences des arts et desmétierslvols Paris 175180 vol 13 1765p 153 2 5 1 comentário de Mercier da década de 1780 é citado em ShaweTaylor The Geor gians 2 1 19 Sobre a importância das roupas e o impacto do consumismo na pintura de retratos nas colônias britânicas da América do Norte ver T H Breen The Meaning ofLikeness PortraitPainting in an EighteenthCentury C o n s u m e r Society in Miles ed The Portrait pp 3760 20 Angela Rosenthal Shes Got the Look EighteenthCentury Female Portrait Painters and the Psychology of a PotentiallyDangerous Employment in Joanna Woodall ed Portraiture Facing the Subject Manchester Manchester University Press 1997 p p 14766 citação de Boswell p 147 Ver t a m b é m Kathleen Nicholson T h e Ideology of Feminine Virtue T h e Vestal Virgin in French EighteenthCentury Allegorical Portraiture in ibid pp 5272 Denis Diderot Oeuvres complètes de Diderot revue sur les éditions originales compre nant ce qui a été publié à diverses époques et les manuscrits inédits conservés à la Bibliothèque de lErmitage notices notes table analytique Étude sur Diderot et le mouvement philosophique au XVIII siècle par J Assézat 20 vols Paris Garnier 18757 Nendeln Lichtenstein Kraus 1966 vol 11 BeauxArts II arts du des sin Salons pp 2602 21 Sterne A Sentimental Journeyp 158 e 164 22 Howard C Rice Jr A New Likeness of Thomas Jefferson William and Mary Quarterly 3 a série vol 6 li 1 janeiro de 1949 849 Sobre o processo de m o d o mais geral ver Tony Halliday Facing the Public Portraiture in the Aftermath of the French Revolution Manchester Manchester University Press 1999 pp 437 23 Muyart n ã o pôs o seu n o m e nos panfletos que defendiam o cristia nismo Motifs de ma foi en JésusChrist par un magistrat Paris Vve Hérissant 1776 e Preuves de lauthenticité de nos évangiles contre les assertions de certains critiques modernes Lettre à Madame de Par lauteur de Motifs de ma foi en JésusChrist Paris D u r a n d et Belin 1785 24 PierreFrançois Muyart de Vouglans Réfutation du Traité des délits et peines etc impressa no final de seu Les Lois criminelles de France dans leur ordre naturel Paris Benoît Morin 1780 pp 811815 e 830 25 Ibid p 830 26 Spierenburg The Spectacle of Sufferings 53 27 Anon Considerations on theDearness of Corn and Provisions Londres J Almon 1767 p 31 Anon The Accomplished LetterWriter or Universal Cor respondent Containing Familiar Letters on the Most Common Occasions in Life Londres 1779pp 1 4 8 5 0 D o n n a T A n d r e w e R a n d a l l M c G o w e n ThePerreaus and Mrs Rudd Forgery and Betrayal in EighteenthCentury London Berkeley University of California Press 2001 p 9 252 28 St John Letters from France vol I I carta de 23 de j u l h o de 1787 p 13 29 Crimes and Punishments pp 2 e 179 30 A respeito dos estudos do século xvm sobre a dor ver M a r g a r e t C Jacob e Michael J Sauter W h y Did H u m p h r y Davy a n d Associates N o t P u r s u e the PainAlleviating Effects of Nitrous Oxide journal of the History of Medicine 58 abril de 2002 16176 Dagge citado in M c G o w e n T h e Body a n d P u n i s h m e n t in E i g h t e e n t h C e n t u r y England p 669 Sobre m u l t a s coloniais ver Preyer Penal Measures pp 3501 31 Eden citado in McGowen The Body and P u n i s h m e n t in Eighteenth C e n t u r y England p 670 A m i n h a análise segue a de M c G o w e n em m u i t o s aspectos Benjamin Rush An Enquiry ver esp pp 4510 e 15 32 U m a fonte essencial não só sobre o caso Calas m a s sobre a prática da tortura de m o d o mais geral é Lisa Silverman Tortured Subjects Pain Truth and the Body in Early Modern France Chicago University of Chicago Press 2001 Ver t a m b é m AlexandreJérôme Loyseau de Mauléon Mémoire pour Donat Pierre et Louis Calas Paris Le Breton 1762 pp 389 e Élie de Beaumont Mémoire pour Dame AnneRose Cabibel veuve Calas et pour ses enfants sur le renvoi aux requêtes de lHôtel au Souverain ordonné par arrêt du Conseil du 4 juin 1764 Paris L Cel lot 1765 Élie de Beaumont representou a família Calas perante o Conselho Real Sobre a publicação desse tipo de petição legal ver Sarah Maza Private Lives and Public Affairs The Causes Célèbres ofPrerevolutionary France Berkeley Univer sity of California Press 1993pp 1938 33 Alain Corbin JeanJacques Courtine e Georges Vigarello eds Histoire du corps 3 vols Paris Éditions du Seuil 20056 vol Dela Renaissance aux Lumières 2005 pp 3069 Ed brasileira História do corpo 3 vols trad Lúcia M E O r t h Petrópolis Vozes 2008 vol 1 Da Renascença às Luzes Crimes and Punishments pp 58 e 60 34 O Parlement de Burgundy deixou de ordenar a question préparatoire depois de 1766 e o seu emprego da pena de morte declinou de 13145 de todas as condenações criminais na primeira metade do século xviu para m e n o s de 5 entre 1770 e 1789 O e m p r e g o da question préparatoire entretanto aparente m e n t e n ã o d i m i n u i u na França Jacobson T h e Politics of C r i m i n a l Law Reform pp 3647 35 Crimes and Punishments pp 601 ênfase no original Muyart de Vou glans Réfutation du Traité pp 8246 36 Ver Venturi ed Cesare Beccaria pp 301 a edição italiana definitiva de 1766 a última supervisionada pelo próprio Beccaria O parágrafo aparece no m e s m o lugar na tradução inglesa original no cap 11 Sobre o emprego posterior da ordem francesa ver por exemplo Dei delitti e delle pene Edizione rivista coretta e 253 disposta secondo Fordine delia traduzionefrancese approvato dallautore Londres Presso la Società dei Filosofi 1774 p 4 Segundo Luigi Firpo essa edição foi na ver dade publicada por Coltellini em Livorno Luigi Firpo Contributo alia biblio grafia dei Beccaria Le edizioni italiane settecentesche del Dei delitti e dellepene in Atti del convegno internazionale su Cesare Beccaria pp 329453 esp pp 3789 37 A primeira obra francesa abertamente crítica ao emprego judicial da tor tura apareceu em 1682 e foi escrita por um importante magistrado no Parlement de Dijon Augustin Nicolas o seu argumento era contra o uso da tortura em julgamen tos de feitiçariaSilverman Tortured Subjects p 1610 estudo mais completo das várias edições italianas de Beccaria pode ser encontrado em Firpo Contributo alia bibliografia de Beccaria pp 329453 Sobre a tradução inglesa e para outras línguas ver Marcello Maestro Cesare Beccaria and the Origins of Penal Reform Philadelphia Temple University Press 1973 p 43 Suplementei a sua contagem das edições de lín gua inglesa com o English Short Tide Catalogue Crimes and Punishments p iii 38 Venturi ed Cesar Beccaria p 4 9 6 0 texto apareceu em Annales politi ques et littéraires 5 1779 de Linguet 39 Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences des arts et des métiers 17 vols Paris 1751 80 vol 13 1765 pp 7024 Jacobson The Politics of Cri minal Law Reform pp 2956 40 Jacobson The Politics of Criminal Law Reform p 316 Venturi ed Cesare Beccaria p 517 JosephMichelAntoine Servan Discours sur le progrès des connoissances humaines en général de la morale et de la législation en particulier n p 1781p 99 41 Tenho u m a opinião mais favorável dos escritos sobre lei criminal de Bris sot do que Robert Darnton Ver por exemplo George Washingtons False Teeth An Unconventional Guide to the Eighteenth Century Nova York WWNorton 2003 esp p 165 Ed brasileira Os dentes falsos de George Washington trad José Geraldo Couto São Paulo Companhia das Letras 2005 As citações de Brissot são tira das de Théorie des lois criminelles 2 vols Paris J P Aillaud 1836 vol 1 pp 67 42 Essas estratégias retóricas são analisadas em profundidade em Maza Private Lives and Public Affairs Q u a n d o Brissot publicou o seu Théorie des lois cri minelles 1781 escrito originalmente para um concurso de ensaios em Berna Dupa t y lhe escreveu com o intuito de celebrar o esforço de a m bos para fazer a verdade e com ela a humanidade triunfar A carta foi reimpressa na edição de 1836 Théorie des lois criminelles vol 1 p vi CharlesMarguerite D u p a t y Mémoire justificatif pour trois hommes condamnés àla roue Paris PhilippeDenys Pierres 1786 p 221 43 Dupaty Mémoire justificatif pp 226 e 240 LHumanité aparece muitas vezes na petição e em virtualmente todo parágrafo nas últimas páginas 254 44 Maza Private Lives and Public Affairs p 253 JacobsonThe Politics of Criminal Law Reform pp 3601 45 Jourdan ed Recueil general des anciennes lois françaises vol 28 p 528 Muyart de Vouglans Les Loix criminelles p 796 No ranking da frequência dos assuntos por d o c u m e n t o 1 sendo o grau mais alto 1125 o mais baixo o código criminal teve 705 para o Terceiro Estado 275 para a Nobreza e 337 para as Paró quias o processo legal teve 34 para o Terceiro Estado 775 para a Nobreza e 15 para as Paróquias a acusação e as penalidades criminais tiveram 605 para o Ter ceiro Estado 76 para a Nobreza e 171 para as Paróquias e as penalidades pela lei criminal tiveram 415 para o Terceiro Estado 2135 para a Nobreza e 340 para as Paróquias As duas formas de tortura judicialmente sancionadas não chegaram a ter graus assim tão elevados p o r q u e a questão preparatória já tinha sido defini tivamente eliminada e aquestão preliminar fora t a m b é m provisoriamente abo lida O ranking dos assuntos é tirado de Gilbert Saphiro e John Markoff Revolu tionary Demands A Content Analysis of the Cahiers de Doléances of 1789 Stanford Stanford University Press 1998 pp 43874 46 Rush An Enquiry pp 13 e 67 47 Muyart de Vouglans Les Loix criminelles esp pp 378 48 António Damásio The Feeling of What Happens Body and Emotion in the Making of Consciousness San Diego Harcourt 1999 ed brasileira O misté rio da consciência do corpo e das emoções ao conhecimento de si trad Laura Tei xeira Motta São Paulo C o m p a n h i a das Letras 2000 e Looking for Spinoza Joy Sorrow and the Feeling Brain San Diego Harcourt 2003 ed brasileira Em busca de Espinosa prazer e dor na ciência dos sentimentos trad João Baptista da Costa Aguiar São Paulo C o m p a n h i a das Letras 2004 A n n T h o m s o n Mate rialistic Theories of M i n d and Brain in Wolfgang Lefèvre ed Between Leibniz Newton and Kant Philosophy and Science in the Eighteenth Century Dordrecht Kluwer Academic Publishers 2001 pp 14973 49 Jessica Riskin Science in the Age of Sensibility The Sentimental Empiri cists of the French Enlightenment Chicago University of Chicago Press 2002 citação de Bonnet p 51 Sterne A Sentimental Journey p 117 50 Rush An Enquiry p 7 3 E L E S D E R A M U M G R A N D E E X E M P L O P P 11345 1 O significado de declaração p o d e ser pesquisado in Dictionnaires dautrefois função de A R T F I e m wwwlibuchicagoedueftsARTFlprojcits 2 5 5 dicosX O título oficial da Bill ofRights inglesa de 1689 era U m a Lei Declarando os Direitos e as Liberdades do Súdito e Estabelecendo a Sucessão da Coroa 2 Archives parlementaires de 1787à 1860 Recueil complet des débats législa tifs et politiques des chambres françaises série 199 vols Paris Librairie Adminis trative de P D u p o n t 18751913 vol 8 p 320 3 Sobre a importância de Grotius e do seu tratado O direito da guerra e da paz 1625 ver Richard Tuck Natural Rights Théories Their Origin and Develop ment Cambridge Cambridge University Press 1979 Ver t a m b é m Léon Ingber La Tradition de Grotius Les Droits de l h o m m e et le droit naturel à lépoque con temporaine Cahiers de philosophie politique et juridique n 11 Des Théories du droit naturel Caen 1988 4373 Sobre Pufendorf ver T J Hochstrasser Natu ral Law Théories in the Early Enlightenment Cambridge Cambridge University Press 2000 4 N ã o me concentrei aqui na distinção entre a lei natural e os direitos natu rais em parte porque nas obras em francês c o m o a de Burlamaqui ela é frequen temente p o u c o nítida Além disso as próprias figuras políticas do século xvm não faziam necessariamente distinções claras O tratado de Burlamaqui de 1747 foi t r a d u z i d o i m e d i a t a m e n t e para o inglês c o m o The Principies of Natural Law 1748 e depois para o holandês 1750 dinamarquês 1757 italiano 1780 e finalmente espanhol 1850 Bernard Gagnebin Burlamaqui et le droit naturel Genebra Editions de la Frégate 1944 p 227 Gagnebin afirma que Burlamaqui tinha m e n o s influência na França m a s um dos ilustres autores que escreviam para a Encyclopédie Boucher dArgis usouo c o m o sua fonte para um dos arti gos sobre a lei natural Sobre as visões de Burlamaqui a respeito da razão da natu reza h u m a n a e da filosofia escocesa ver J J Burlamaqui Principes du droit natu rel par J Burlamaqui Conseiller dÉtat et cidevant Professeur en droit naturel et civil à Genève Genebra Barrillot et fils 1747 pp 12 e 165 5 Jean Lévesque de Burigny Vie de Grotius avec lhistoire de ses ouvrages et de négociations auxquelles il fut employé 2 vols Paris De b u r e laîné 1752 T Rutherford D D F R S Institutes of Natural Law Being the substance ofa Course of Lectures on Grotius de Jure Belli et Paci read in St Johns Collège Cambridge 2 vols Cambridge J Bentham 17546 As palestras de Rutherford parecem ser u m a exemplificação perfeita da ideia de Haakonssen de que a ênfase da teoria da lei natural sobre os deveres mostrouse muito difícil de se conciliar com a ênfase emergente sobre os direitos naturais que cada pessoa possui ainda que Grotius tivesse contribuído para ambas O u t r o jurista suíço E m e r de Vattel escreveu t a m b é m extensamente sobre a lei natural m a s ele se concentrou mais nas relações entre as nações Vattel t a m b é m insistia na liberdade e independência naturais de todos os homens On prouve en Droit Naturel que tous les h o m m e s tiennent de 256 la Nature une Liberté 8c une indépendance quils ne peuvent perdre que par leur consentement Provase em Direito Natural que todos os h o m e n s recebem da Natureza u m a Liberdade 8c u m a independência que eles não p o d e m perder senão por seu consentimento M de Vattel Le Droit des gens ou principes de la hi naturelle appliques à la conduite etaux affaires des nations et des souverains 2 vols LeydenAuxDépens de la compagnie 1758 vol l p 2 6 John Locke Two Treatises of Government Cambridge Cambridge Uni versity Press 1963 pp 3667 Ed brasileira Dois tratados sobre o governo trad Júlio Fischer São Paulo Martins Fontes 1998 James FarrSo Vile and Mise rable an Estate The Problem of Slavery in Lockes Political Thought Political Theory vol 14 n a 2 maio de 1986 26389 citação p 263 7 William Blackstone Commentaries on the Laws of England 8 ed 4 vols Oxford Clarendon Press 1778vol lp 129Ainfluênciadodiscurso dos direi tos naturais é evidente nos comentários de Blackstone porque ele começa a sua discussão no livro 1 com u m a consideração sobre os direitos absolutos dos indi víduos c o m os quais ele queria dizer aqueles que pertenceriam às suas pessoas m e r a m e n t e n u m estado de natureza e que todo h o m e m tem o direito de possuir dentro ou fora da sociedade 1123 mesmas palavras na edição de 1766 Dublin Há u m a literatura imensa sobre a relativa influência das ideias universalistas e particularistas dos direitos nas colónias britânicas na América do Norte U m a alusão sobre esses debates pode ser encontrada em Donald S Lutz The Relative Influence of European Writers on Late EighteenthCentury American Political Thought American Political Science Review 78 1984 18997 8 James Otis TheRights of the British Colonies Asserted and Proved Boston Edes 8c Gill 1764 citações pp 28 e 35 9 Sobre a influência de Burlamaqui nos conflitos americanos ver Ray For rest Harvey Jean Jacques Burlamaqui A Liberal Tradition in American Constitu tionalism Chapel Hill University of N o r t h Carolina Press 1937p 116 Sobre as citações de Pufendorf Grotius e Locke ver Lutz The Relative Influence of Euro pean Writers esp pp 1934 sobre a presença de Burlamaqui nas bibliotecas americanas ver David Lundberg e H e n r y F May T h e Enlightened Reader in America American Quarterly 28 1976 26293 esp p 275 Citação de Burla maqui Principes du droit naturel p 2 10 Sobre o crescente desejo de declarar a independência ver Pauline Maier American Scripture pp 4796 Sobre a Declaração da Virginia ver Kate Mason Rowland The Life of George Mason 172517922 vols Nova York G P Putnams Sons 1892vol l p p 4 3 8 4 1 11 U m a discussão breve mas extremamente pertinente é encontrada em 257 Jack N Rakove Declaring Rights A Brief History with Documents Boston Bed ford Books 1998 esp pp 328 12 Sou grata a Jennifer Popiel pela pesquisa inicial sobre os títulos ingleses empregando o English Short Title Catalogue N ã o faço distinção no emprego do termo direitos e não excluo o considerável n ú m e r o de reimpressões ao longo dos anos O n ú m e r o de usos de direitos nos títulos d o b r o u dos anos 1760 para os anos 1770 de 51 na década de 1760 para 109 na de 1770 e depois permaneceu quase o m e s m o na década de 1780 95 William G r a h a m of Newcastle An Attempt to Prove That Every Species of Patronage is Foreign to the Nature of the Church and That any MODIFICATIONS which either have been or ever can be proposed are INSUFFICIENT to regain and secure her in the Possession of the LIBERTY wherewith CHRISThath made her free Edimburgo JGray 8cGAls ton 1768 pp 163 e 167 Já em 1753 um certo James Tod tinha publicado um panfleto intitulado The Natural Rights of Mankind Asserted Or a Just and Faithful Narrative of the Illegal Procedure of the Presbytery of Edinburgh against Mr James Tod Preacher of the Gospel Edimburgo 1753 William D o d d Popery inconsis tent with the Natural Rights of MEN in general and of ENGLISHMEN in particu lar A Sermon Preached at CharlotteStreet Chapel Londres W Faden 1768 Sobre Wilkes ver por exemplo To the Electors of Aylesbury 1764 in English Liberty Being a Collection of Interesting Tracts From the Year 1762 to 1769 Contai ning the Private Correspondence Public Letters Speeches and Addresses of John Wilkes Esq Londres T Baldwin s d p 125 Sobre Junius ver por exemplo as cartas xii 30 de maio de 1769 e xni 12 de j u n h o de 1769 in The Letters of Junius 2 vols Dublin T h o m a s Ewing 1772pp 69 e 81 13 Manasseh Dawes A Letter to Lord Chatham Concerning the Present War of Great Britain against America Reviewing Candidly and Impartially Its Unhappy Cause and Consequence and wherein The Doctrine of Sir William Black stone as Explained in his Celebrated Commentaries on the Laws of England is Oppo sed to Ministerial Tyranny and Held up in Favor of America With some Thoughts on Government by a Gentleman of the Inner Temple Londres G Kearsley sd manuscrito 1776 citações pp 17 e 25 Richard Price Observations on the Nature of Civil Liberty citação p 7 Price alegou existirem onze edições de seu tratado n u m a carta a John W i n t h r o p D O Thomas The Honest Mind The Thought and Work of Richard Price Oxford Clarendon Press 1977 pp 1 4 9 5 0 0 sucesso do panfleto foi instantâneo Price escreveu a William Adams em 14 de fevereiro de 1776 que o panfleto fora publicado três dias antes e já estava quase inteira mente esgotada a sua edição de mil cópias W Bernard Peach e D O Thomas eds The Correspondence of Richard Price 3 vols D u r h a m N C Duke University Press e Cardiff University of Wales Press 198394 vol 1 July 1748March 1778 258 1983 p 243 U m a bibliografia completa encontrase em D O T h o m a s John Stephens e P A L Jones A Bibliography of the Works of Richard Price Aldershot Hants Scolar Press 1993 esp pp 5480 J D van der Capellen carta de 14 de dezembro de 1777 in Peach e Thomas eds The Correspondence of Richard Price v o l 1 p 262 14 Civil Liberty Asserted and the Rights of the Subject Defended against The Anarchical Principles of the Reverend Dr Price In which his Sophistical Reasonings Dangerous Tenets and Principles of False Patriotism Contained in his Observa tions on Civil Liberty etc are Exposed and Refuted In a Letter to a Gentleman in theCountryByaFriendtotheRightsoftheConstitutionLondresWiMe 1776 citações pp 389 Os opositores de Price não negavam necessariamente a existên cia de direitos universais Às vezes eles simplesmente se o p u n h a m às posições específicas de Price no Parlamento ou à relação da GrãBretanha com as colônias Por exemplo The Honor of Parliament and the Justice of the Nation Vindicated In a Reply to Dr Prices Observations on the Nature of Civil Liberty Londres W Davis 1776 usa a expressão os direitos naturais da h u m a n i d a d e por t o d o o livro n u m sentido favorável Da m e s m a forma o autor de Experience Preferable to Theory An Answer to Dr Prices Observations on the Nature of Civil Liberty and the Justice and Policy of the War with America Londres T Payne 1776 não vê n e n h u m problema em se referir aos direitos da natureza h u m a n a p 3 ou aos direitos da h u m a n i d a d e p 5 15 A longa réplica de Filmer a Grotius pode ser encontrada em Observa tions Concerning the Original of Government no seu The Freeholders Grand Inquest TouchingOur Sovereign Lord the Kingandhis Parliament Londres 1679 Ele resume a sua posição Apresentei brevemente aqui as inconveniências irre mediáveis que a c o m p a n h a m a doutrina da liberdade natural e da comunidade de todas as coisas estes e muito mais absurdos são facilmente eliminados se ao con trário m a n t e m o s o domínio natural e privado de Adão c o m o a fonte de todo o governo e propriedade p 58 Patriarcha Or the Natural Power of Kings Lon dres R Chiswel et al 1685 esp pp 124 16 Charles Warren Everett ed A Comment on the Commentaries A Criti cism of William Blackstones C o m m e n t a r i e s on the Laws of England by Jeremy Bentham Oxford Clarendon Press 1928 citações pp 378 Nonsense u p o n Stilts or Pandoras Box Opened or The French Declaration of Rights Prefixed to the Constitution of 1791 Laid O p e n and Exposed reimpresso in Philip Scho field Catherine PeaseWatkin e Cyprian Blamires eds The Collected Works of Jeremy Bentham Rights Representation and Reform Nonsense u p o n Stilts and Other Writings on the French Revolution Oxford Clarendon Press 2002 p p 259 31975 citação p 3 3 0 0 panfleto escrito em 1795 só foi publicado em 1816 em francês e 1824 em inglês 17 Du P o n t t a m b é m insistia n o s deveres recíprocos d o s indivíduos Pierre du Pont de N e m o u r s De lOrigine et des progrès dune science nouvelle 1768 in Eugène Daire ed Physiocrates Quesnay Dupont de Nemours Mercier de la Rivière lAbbé Bandeau Le Trosne Paris Librarie de Guillaumin 1846 pp 33566 citação p 342 18 Sobre a praticamente esquecida Declaração da Independência ver Maier American Scripture pp 16070 19 A carta de Rousseau criticando o uso excessivo de h u m a n i d a d e pode ser encontrada em R A Leigh ed Correspondance complète de Jean Jacques Rous seau vol 27 Janvier 1769Avril 1770 Oxford Voltaire Foundation 1980 p 15 carta de Rousseau a Laurent Aymon de Franquières 15 de janeiro de 1769 Sou grata a Melissa Verlet pela sua pesquisa sobre esse tema Sobre Rousseau ter conhe cido Benjamin Franklin e sua defesa dos americanos ver o relato de T h o m a s Ben tley datado de 6 de agosto de 1776 em Leigh ed Correspondance complète vol 40 Janvier 1775Juillet 1778pp 25863 os americanos que ele disse não terem menos direito de defender as suas liberdades por serem obscuros ou desconheci dos p 259 Além desse relato de um visitante de Rousseau não há m e n ç ã o a temas americanos nas cartas do próprio Rousseau de 1775 até a sua morte 20 Elise Marienstras e N a o m i WulfFrench Translations and Reception of the Declaration of Independence Journal of American History 85 1999 1299 334 Joyce Appleby America as a Model for the Radical French Reformers of 1789 William and Mary Quarterly 3 série vol 28 n 2 abril de 1971 26786 21 Sobre os empregos dessas expressões ver Archives parlementaires 1 711 257139348383 3256348662666740 4668 5391545 Os primei ros seis volumes dos Archives parlementaires c o n t ê m apenas u m a seleção das milhares de listas de queixas existentes os editores incluíram muitas das listas gerais as dos nobres clero e Terceiro Estado de toda u m a região e algumas dos estágios preliminares Sou grata a Susan Mokhberi pela pesquisa sobre esses ter mos A maior parte da análise do conteúdo das listas de queixas foi realizada antes que houvesse escaneamento e pesquisa eletrônica e portanto reflete os interes ses específicos dos autores e os meios um tanto canhestros de análise antes dispo níveis Gilbert Saphiro e John Markoff Revolutionary Demands 22 Archives parlementaires 2 348 5 238 Beatrice Fry Hyslop French Nationalism in 1789According to the General Cahiers Nova York Columbia Uni versity Press 1934 pp 907 Stéphane Rials La Déclaration des droits de lhomme et du citoyen Paris Hachette 1989 Um tanto desapontador é Claude Courvoi sierLes Droits de l h o m m e dans les cahiers de doléances in Gérard Chinéa ed 260 Les Droits de lhomme et la conquête des libertés Des Lumières aux révolutions de 1848 Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 1988 pp 4 4 9 23 Archives parlementaires 8135217 24 Julian P Boyd ed The Papers of Thomas Jefferson 31 vols Princeton Princeton University Press 1950 vol 15 March 271789 to November301789 1958 pp 2669 Os títulos dos vários projetos e n c o n t r a m s e em A n t o i n e de Baecque ed LAn Ides droits de lhomme De Baecque oferece informações essen ciais sobre o pano de fundo dos debates 25 Rabaut é citado em de Baecque LAn I p 138 Sobre a dificuldade de explicar a m u d a n ç a de opiniões a respeito da necessidade de u m a declaração ver Timothy Tackett Becoming a Revolutionary The Deputies of the French National Assembly and the Emergence of a Revolutionary Culture 17891790 Princeton Princeton University Press 1996 p 183 26 Sessão da Assembleia Nacional de 1 de agosto de 1789 Archives parle mentaires 230 27 A necessidade de quatro declarações é mencionada na recapitulação dada pelo Comitê sobre a Constituição em 9 de julho de 1789 Archives parle mentaires 217 28 Conforme citado em D O T h o m a s ed Richard Price Political Writings Cambridge Cambridge University Press 1991pp 119e 195 29 A passagem de Direitos do homem pode ser encontrada em Hypertext on American History from the Colonial Period until M o d e r n Times Depart m e n t of H u m a n i t i e s C o m p u t i n g Universidade de G r o n i n g e n Países Baixos h t t p o d u r l e t n l u s a D 1 7 7 6 1 8 0 0 p a i n e R O M r o f m 0 4 h t m consultado em 13 de j u l h o de 2005 A passagem de Burke p o d e ser e n c o n t r a d a em wwwbartlebyeom2436html consultado em 7 de abril de 2006 30 Sobre os títulos ingleses ver nota 12 acima O n ú m e r o de títulos ingle ses que usam a palavra direitos na década de 1770 foi 109 muito mais elevado que na década de 1760 mas ainda só um quarto do n ú m e r o encontrado na década de 1790 Os títulos holandeses p o d e m ser encontrados no Short Title Catalogue Netherlands Sobre as traduções alemãs de Paine ver H a n s Arnold Die Auf n a h m e von T h o m a s Paine Schriften in Deutschland PMLA 72 1959 36586 Sobre as ideias de Jefferson ver Matthew Schoenbachler Republicanism in the Age of D e m o c r a t i c Revolution T h e DemocraticRepublican Societies of the 1790s Journal of the Early Republic 18 1998 23761 Sobre o impacto deWoll stonecraft nos Estados Unidos ver Rosemarie Zagarri The Rights of Man and W o m a n in PostRevolutionary America William and Mary Quarterly 3 série vol 55 n 2 abril de 1998 20330 3 1 Sobre a discussão de 10 de setembro de 1789 ver Archivesparlementai I res 8608 Sobre a discussão e passagem finais ver ibid 9386739260 melhor relato da política em torno da nova legislação criminal e penal pode ser encon trado em Roberto Martucci La Costituente ed il problema pénale in Francia 1789 1791 Milão Giuffre 1984 Martucci mostra que o Comitê dos Sete tornouse o Comitê sobre a Lei Criminal 32 Archives parlementaires 9 3946 o decreto final e 9 2137 relatório do comitê a p r e s e n t a d o p o r Bon Albert Briois de B e a u m e t z O artigo 24 no decreto final era u m a versão levemente revisada do artigo 23 original submetido pelo comitê em 29 de setembro Ver t a m b é m E d m o n d Seligman La Justice en Francependantla Révolution 2 vols Paris Librairie Pion 1913 vol 1 pp 197 204 A linguagem usada pelo comitê sustenta a posição t o m a d a por Barry M Saphiro de que o humanitarismo do Iluminismo animava as considerações dos d e p u t a d o s Saphiro Revolutionary Justice in Paris 17891790 Cambridge Cambridge University Press 1993 33 Archives parlementaires 2631932 34 Ibid 26 323 A imprensa focalizava quase exclusivamente a questão da p e n a de m o r t e e m b o r a alguns notassem c o m aprovação a eliminação da marca de ferro em brasa O opositor mais vociférante da pena de m o r t e foi Louis P r u d h o m m e em Révolutions de Paris 98 2128 de m a i o de 1791 pp 3217 e 99 28 de m a i o 4 de j u n h o de 1791 pp 365470 P r u d h o m m e citava Beccaria c o m o apoio 3 5 0 texto do código criminal pode ser encontrado em Archivesparlemen taires3 32639 sessão de 25 de setembro de 1791 36 Ibid 26325 37 Robespierre é citado em c o n f o r m i d a d e c o m a crítica que Lacretelle publicou a respeito do ensaio Sur le discours qui avait obtenu un second prix à lAcadémie de Metz par Maximilien Robespierre em PierreLouis Lacretelle Oeuvres 6 vols Paris Bossange 18234 vol m p p 31534 citação p 321 O p r ó p r i o ensaio de Lacretelle encontrase no vol lit p p 205314 Ver t a m b é m Joseph I Shulim T h e Youthful Robespierre and His Ambivalence Toward the Ancien Régime EighteenthCentury Studies 5 primavera de 1972 398420 Fui alertada para a importância da h o n r a no sistema de justiça criminal por Gene Ogle Policing Saint Domingue Race Violence and H o n o r in an Old Regime Colony diss PhD University of Pennsylvania 2003 38 A definição de h o n r a no dicionário da Académie Française p o d e ser encontrada em A R T F L httpcoletuchicagoeducgibindicollooptflstrip p e d h w h o n n e u r 39 SébastienRochNicolas Chamfort Maximes et pensées anecdotes et caracteres ed Louis Ducros 1794 Paris Larousse 1928 p 27 Ed brasileira 262 Máximas e pensamentos trad Cláudio Figueiredo Rio de Janeiro José Olympio 2007 Eve Katz Chamfort Yale French Studies n 40 1968 3246 4 isso N Ã O T E R M I N A R Á N U N C A P P 14676 1 Archives parlementaires 10 69347547 Sobre os atores ver Paul Frie dland Political Actors Representative Bodies and Theatricality in the Age of the French Revolution Ithaca N Y Cornell University Press 2002 esp pp 2157 2 Citado em Joan R GundersenTndependence Citizenship and the A m e rican Revolution Signs Journal of Women in Culture and Society 13 1987 634 3 Em 2021 de julho de 1789 Sieyès leu o seuReconnaissance et exposition raisonnée des droits de l h o m m e et du citoyen para o Comitê sobre a Constitui ção O texto foi publicado c o m o Préliminaire de la constitution française Paris Baudoin 1789 4 Sobre as qualificações para votar em Delaware e nas outras treze colônias ver Patrick T Conley e John P Kaminsky eds The Bill of Rights and the States The Colonial and Revolutionary Origins of American Liberties Madison wi Madison House 1992 esp p 291 Adams é citado in Jacob Katz Cogan The Look Within Property Capacity and Suffrage in NineteenthCentury America Yale Law Jour nal 107 1997 477 5 Antoine de Baecque éd LAn Ides droits de lhomme p 165 22 de agosto pp 1749 23 de agosto Timothy Tackett Becoming a Revolutionary p 184 6 Archives parlementaires 10 Paris 1878 6935 7 Ibid 780 e 782 A frasechave do decreto diz Não pode ser apresentado n e n h u m motivo para excluir da elegibilidade um cidadão a não ser aqueles que resultam de decretos constitucionais Sobre a reação à decisão a respeito dos pro testantes ver Journal dAdrian Duquesnoy Député du tiers état de BarleDuc sur lAssemblée Constituante 2 vols Paris 1894 vol 11 p 208 Ver t a m b é m Ray m o n d Birn Religious Toleration and Freedom of Expression in Dale van Kley ed The French Idea of Freedom The Old Regime and the Declaration of the Rights of1789 Stanford Stanford University Press 1994 pp 26599 8 Tackett Becoming a Revolutionary pp 2623 Archives parlementaires 10 Paris 1878 757 9 Ronald Schechter Obstinate Hebrews Representations of Jews in France 17151815 Berkeley University of California Press 2003 pp 1834 10 David Feuerwerker Anatomie de 307 cahiers de doléances de 1789 Annales E S G 20 1965 4561 11 Archives parlementaires 11 Paris 1880 364 263 12 Ibid 3645 31 Paris 1880 372 13 As palavras de ClermontTonnerre são tiradas de seu discurso de 23 de dezembro de 1789 ibid 10 Paris 1878 7547 Alguns críticos t o m a m o dis curso de ClermontTonnerre como um exemplo da recusa a endossar a diferença étnica d e n t r o da c o m u n i d a d e nacional Mas u m a interpretação mais anódina parece justificada os deputados acreditavam que todos os cidadãos devem viver sob as mesmas leis e instituições portanto um grupo de cidadãos não podia ser julgado em tribunais separados Tenho claramente u m a visão mais positiva que Schechter que descarta a emancipação fabulosa dos judeus O decreto de 27 de setembro de 1791 ele insiste era m e r a m e n t e u m a revogação de restrições e m u d o u o status apenas de um p u n h a d o de judeus a saber aqueles que satisfa ziam as condições rigorosas para a cidadania ativa Q u e o decreto tivesse conce dido aos judeus direitos iguais aos de todos os outros cidadãos franceses parece não ser muito significativo para ele m e s m o que os judeus só t e n h a m ganhado essa igualdade no estado de Maryland em 1826 ou na GrãBretanha em 1858 Schechter Obstinate Hebrews p 151 14 U m a discussão das petições judaicas encontrase em Schechter Obsti nate Hebrews pp 16578 citação p 166 Petition desjuifs établis en France adres sée à 1Assemblée Nationale le 28 Janvier 1790 sur Iajournement du 24 décembre 1789 Paris Praul 1790 citações pp 56967 15 Stanley F ChyetThe Political Rights of Jews in the United States 1776 1840 American Jewish Archives 101958 1475 Sou grata a Beth Wenger pela sua ajuda nessa questão 16 Um útil p a n o r a m a do caso dos Estados Unidos pode ser encontrado em Cogan The Look Within Ver t a m b é m David Skillen Bogen T h e Maryland Context of Dred Scott The Decline in the Legal Status of Maryland Free Blacks 17761810 American Journal of Legal History 34 1990 381411 17 Mémoire enfaveur desgens de couleur ou sangmêlés de StDomingue et desautresílesfrançoisesdelAmériqueadresséàlAssembléeNationaleparM Gré goire cure dEmbermenil Depute de Lorraine Paris 1789 18 Archivesparlementaires 12 Paris 1881 7 1 David Geggus Racial Equality Slavery and Colonial Secession d u r i n g the C o n st i t u e n t Assembly American Historical Reviewvo 94 n 5 dezembro de 1989 1290308 19 Motion faiteparM Vincent Ogéjeuneàlassembléedes colons habitants deSDomingue à 1hôtel Massiac Place des Victoires provavelmente Paris 1789 20 Laurent Dubois Avengers of the New World The Story of the Haitian Revolution Cambridge M A Belknap Press of Harvard University Press 2004 p 102 21 Archives parlementaires 40 Paris 1893 586 e 590 A r m a n d G u y Ker 264 saint Moyens proposés à lAssemblée Nationale p o u r rétablir la paix et lordre dans les colonies 22 Dubois Avengers of the New World esp p 163 Décret de la Convention Nationale du 16 jour de pluviôse an second de la République française une et indi visible Paris Imprimerie Nationale Executive du Louvre ano 11 1794 23 Philip D C u r t i n T h e Declaration of t h e Rights of M a n in Saint Domingue 17881791 Hispanic American Historical Review 30 1950 157 75 citação p 162 Sobre Toussaint ver Dubois Avengers of the New World p 176 Dubois fornece um relato completo do interesse dos escravos pelos direitos do h o m e m 24 Sobre o fracasso dos esforços de Napoleão ver Dubois Avengers O p o e m a de Wordsworth To Toussaint LOverture 1803 pode ser e n c o n t r a d o em E de Selincourt éd The Poetical Works of William Wordsworth 5 vols Oxford Clarendon Press 19409 vol 3 pp 1123 Laurent Dubois A Colony of Citizens Revolution and Slave Emancipation in theFrench Caribbean 17871804 Chapel Hill University of N o r t h Caroline Press 2004 citação p 421 25 A explicação para a exclusão das mulheres t e m sido muito debatida nos últimos tempos Ver por exemplo a muito sugestiva intervenção de Anne Verjus Le Cens de la famille Les femmes et le vote 17891848 Paris Belin 2002 26 Réflexions sur lesclavage des nègres Neufchâtel Société typographique 1781 pp 979 27 As referências às mulheres e aos judeus encontramse em Archives par lementaires 33 Paris 1889 3634312 Sobre as opiniões a respeito das viúvas ver Tackett Becoming a Revolutionary p 105 28 Sur ladmission des femmes au droit de cité Journal de la Société de 17895 3 de julho de 1790 112 29 Os textos de Condorcet e Olympe de Gouges p o d e m ser encontrados em Lynn Hunt éd The French Revolution and Human Rights A Brief Documen tary HistoryBoston BedfordSt Martins Press 1996 pp 119211248 Sobre a reação a Wollstonecraft e para um ótimo relato das suas idéias ver Barbara Tay lor Mary Wollstonecraft and the Feminist Imagination Cambridge Cambridge University Press 2003 30 A contribuição de Pierre Guyomar p o d e ser encontrada em Archives parlementaires 63 Paris 1903 5919 O portavoz do comitê constitucional propôs a questão dos direitos das mulheres em 29 de abril de 1793 e citou dois defensores da idéia um deles Guyomar mas a rejeitou pp 5614 31 Lynn Hunt The Family Romance esp p 119 32 Rosemarie ZagarriThe Rights of Man and W o m a n in PostRevolutio 265 nary America William and Mary Quarterly 3 série vol 5 5 n a 2 abril de 1998 20330 33 Zagarri T h e Rights of M a n a n d W o m a n Carla Hesse The Other Enlightenment How French Women Became Modern Princeton Princeton Uni versity Press 2001 Suzanne Desan The Family on Trial in Revolutionary France Berkeley University of California Press 2004 Ver t a m b é m Sarah Knott e Bar bara Taylor eds Women Gender and Enlightenment Nova York PalgraveMac millan2005 34 Rapport sur un ouvrage du cit Theremin intitulé De la condition des femmes dans u n e république Par Constance D T Pipelet Le Mois vol 5 n 14 ano Vin aparentemente mês Prairial 22843 5 A F O R Ç A M A L E Á V E L D A H U M A N I D A D E P P 177216 1 Mazzini é citado em Micheline R Ishay The History of Human Rights From Ancient Times to the Globalization Era Berkeley e Londres University of California Press 2004 p 137 2 J B Morrell Professors Robison and Playfair a n d the T h e o p h o b i a Gallica Natural Philosophy Religion and Politics in Edinburgh 17891815 Notes and Records of the Royal Society ofLondon vol 26 n 1 junho de 1971 4 3 63 citação pp 478 3 Louis de Bonald Législation primitive Paris Le Clere ano XI 1802 citação p 184 Ver t a m b é m Jeremy Jennings T h e Declaration des droits de lhomme et du citoyen and Its Critics in France Reaction and Idéologie Histori cal Journalvo 35 n s 4 dezembro de 1992 83959 4 Sobre o bandido Schinderhannes e seus ataques a franceses e judeus na Renânia no final da década de 1790 ver T C W Blanning The French Revolution in Germany Occupation and Resistance in the Rhineland 17921802 Oxford Cla rendon Press 1983 pp 2929 5 J Christopher Herold ed The Mind of Napoleon Nova York Columbia University Press 1955 p 73 6 Laurent Dubois e John D Garrigus eds Slave Revolution in the Carib bean 17891804 A Brief History with Documents Boston BefordSt Martins Press 2006 citação p 176 7 G e r m a i n e de Staël Considérations sur la Révolution Française 1817 Paris Charpentier 1862 p 152 8 Simon Collier Nationality Nationalism and Supranationalism in the 266 Writings of Simon Bolivar Hispanic American Historical Review vol 63 n 1 fevereiro de 1983 3764 citação p 41 9 Hans Kohn Father Jahns Nationalism Review of Politics vol 11 n 4 outubro de 1949 41932 citação p 428 10 T h o m a s W Laqueur Making Sex Body and Gender from the Greeks to Freud Cambridge M A Harvard University Press 1990 Ed brasileira Inven tando o sexo corpo egênero dos gregos a Freud trad Vera Whately Rio de Janeiro RelumeDumará 2001 11 As visões revolucionárias francesas são discutidas em Lynn H u n t The Family Romance esp pp 119 e 157 12 O texto de Mill p o d e ser e n c o n t r a d o em wwwconstitutionorg j s m w o m e n h t m Sobre Brandeis ver Susan Moller Okin Women in Western Political Thought Princeton Princeton University Press 1979 esp p 256 13 Sobre Cuvier e a questão de m o d o mais geral ver George W Stocking Jr French Anthropology in 1800 Isis vol 55 n 2 junho de 1964 13450 H A r t h u r de Gobineau Essai sur linégalité des races humaines 2 a ed Paris FirminDidot 1884 2 vols citação vol 1 p 216 Michael D Biddiss Father of Racist Ideology The Social and Political Thought of Count Gobineau Londres Weidenfeld ScNicolson 1970 citação p 113ver t a m b é m pp 1223 arespeitodas civilizações baseadas na linhagem ariana 15 Michael D Biddiss Prophecy and Pragmatism Gobineaus Confron tation with Tocqueville The Historical Journal vol 13 n 4 dezembro de 1970 61133 citação p 626 16 Herbert H O d o m Generalizations on Race in NineteenthCentury Physical Anthropology Isis vol 5 8 1 primavera de 1967 418 citação p 8 Sobre a tradução americana de Gobineau ver Michelle M Wright Nigger Pea sants from France Missing Translations of American Anxieties on Race and the Nation Callaloovo 22 n 4 outono de 1999 83152 17 Biddiss Prophecy and Pragmatism p 625 18 Jennifer Pitts A Turn to Empire The Rise of Imperial Liberalism in Bri tain and France Princeton Princeton University Press 2005 p 139 Patrick Brantlinger Victorians a n d Africans The Genealogy of the Myth of the Dark Continent Critical Inquiry vol 12 n 1 outono de 1985 166203 citação de Burton p 179 Ver t a m b é m Nancy Stepan The Idea of Race in Science Great Bri tain 18001960 Hamden C T Archon Books 1982 e William H Schneider An Empire for the Masses The French Popular Image of Africa 18701900 Westport C T Greenwood Press 1982 19 Paul A Fortier Gobineau and G e r m a n Racism Comparative Litera 267 ture vol 19 n 2 4 o u t o n o 1967 34150 A citação de Chamberlain encontrase em wwwhschamberlainnetgrundlagendivision2chapter5html 20 Robert C BowlesThe Reaction of Charles Fourier to the French Revo lution French Historical Studies vol l n 2 3 primavera de 1960 34856 citação p 352 2 1 Aaron Noland Individualism in Jean Jaurèss Socialist Thought Jour nal of the History of Ideas vol 22 n 2 1 janeiromarço de 1961 6380 citação p 75 Q u a n t o à fréquente invocação dos direitos em Jaurès e sua celebração da declaração ver Jean Jaurès Études socialistes Paris Ollendorff 1902 que está disponível em Frantext w w w l i b u c h i c a g o e d u e f t s A R T F L d a t a b a s e s T L F O principal opositor de Jaurès Jules Guesde é citado em Ignacio Walker D e m o cratic Socialism in Comparative Perspective Comparative Politics vol 23 n 2 4 julho de 1991 43958 citação p 441 22 Robert C Tucker TheMarxEngels Reader 2 a ed Nova York W W Nor ton 1978 pp 436 23 Ver Vladimir Lenin The State and Revolution 1918 em wwwmar xistsorgarchiveleninworks1917staterevindexhtm Ed brasileira O Estado e a revolução trad Aristides Lobo São Paulo Expressão Popular 2007 24 Jan H e r m a n Burgers The Road to San Francisco T h e Revival of the H u m a n Rights Idea in the Twentieth Century Human Rights Quarterly vol 14 n 2 4 novembro de 1992 44777 25 A condição estabelecida pela Carta é citada em Ishay The History of Human Rights p 216 A fonte essencial da história da Declaração Universal é Mary Ann Glendon A World Made New 26 Douglas H Maynard The Worlds AntiSlavery Convention of 1849 Mississippi Valley Historical Review vol 47 n 2 3 dezembro de 1960 45271 27 Michla Pomerance The United States and SelfDetermination Pers pectives on the Wilsonian Concept American Journal of International Law vol 70 n 2 l Janeiro de 1976 127 citação p 2 Marika SherwoodThere Is No New Deal for the Blackman in San Francisco African Attempts to Influence the Foun ding Conference of the United Nations AprilJuly 1945 International Journal of African Historical Studiesvo29tí íl 1996 7194A WBrian SimpsonHmfln Rights and the End of Empire Britain and the Genesis of the European Convention Londres Oxford University Press 2001 esp pp 17583 28 Manfred Spieker H o w the E u r o c o m m u n i s t s Interpret Democracy Review of Politics vol 42 n 2 4 outubro de 1980 42764 John Quigley H u m a n Rights Study in Soviet Academia Human Rights Quarterly vol l l n 3 agosto de 1989 4528 29 Kenneth Cmiel The Recent History of H u m a n Rights American His 268 torical Review fevereiro de 2004 wwwhistorycooperativeorgjournalsahr 1091cmielhtml consultado em 3 de abril de 2006 30 Edward Peters Torture p 125 31 Christopher R Browning Ordinary Men Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland Nova York HarperCollins 1992 3 2 0 caso hipotético é estudado na parte ill cap 3 da Teoria dos sentimen tos morais e pode ser consultado em wwwadamsmithorgsmithtmstmsp3 c3ahtm Ed brasileira trad Lya Luft São Paulo Martins Fontes 1999 33 Jerome J Shestack The Philosophic Foundations of H u m a n Rights Human Rights Quarterly vol 20 n 2 2 maio de 1998 201 34 citação p 206 34 Karen Halttunen Humanitarianism and the Pornography of Pain in AngloAmerican Culture American Historical Review vol 100n 22 abril 1995 30334 Sobre Sade ver H u n t The Family Romance esp pp 12450 35 Carolyn J Dean TheFragility ofEmpathy After theHolocaustIthaca N Y Cornell University Press 2004 269 Créditos das imagens P 37 Julies D e a t h b e d D e p a r t m e n t of Special Collections Charles E Young Research Library U C L A P 44 SingerMendenhall Collection Rare Book and Manuscript Library Univer sity of Pennsylvania P 71 Special Collections University of Maryland Libraries P 72 Special Collections University of Maryland Libraries P 79 Bibliothèque Nationale de France P 86 Portrait of Captain John Pigott por Joseph Blackburn 2009 M u s e u m AssociatesLACMA P 88 The British M u s e u m C o m p a n y Limited P 9 1 Bibliothèque Nationale de France P 95 The British M u s e u m C o m p a n y Limited 271 P 100 Bibliothèque Nationale de France P 196 The French Revolution Before and Today D e p a r t m e n t of Special Col lections Charles E Young Research Library U C L A 272 índice remissivo Abelardo Pedro 35 Académie Française 1435262 açoitamento 7778 acordo social 60 Adams John 161478258263 África divisão colonial europeia da 194208 Alemanha antissemitismo 195197 ideologia racial da 186 192 195 197 202 nacionalismo da 1845 195 regime nazista da 1972023 2101 Alembert Jean Le Rond d 36240242 alma negação materialista da 110 amende honorable 94140 América do Sul movimentos de inde pendência da 183 Anderson Benedict 30241243 anestesia 97 antissemitismo 1868190 195197 203 Argélia controle francês da 1945210 arquitetura doméstica 83 a r r a s t a m e n t o e esquartejamento 77 80 arte do retrato 8385251 Artigos da Confederação 1777 126 asiáticos imigrantes 186 asquenazes 157 assassinos penalidades judiciais para 77 Assembleia Nacional declarações de direitos da 11512933 ver tam bém Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão formação da 129 punição judicial refor mada pela 13742248 sobre a eli gibilidade dos direitos políticos 146 sobre o sistema da escravatura 1621645 ateísmo 110180 atores direitos políticos dos 147153 Austrália restrições de imigração da 186 sufrágio feminino na 190 273 autismo 3139 autocontrole 262982 autodeterminação nacional 1845208 a u t o n o m i a individual a escrita como expressão da 44 autodisciplina requerida pela 83 busca das heroí nas da ficção pela 5960 c o m o liberdade 6 1 das mulheres 2658 6064 679 169 ênfase educacio nal na 60 61 interioridade c o m o evidência da 30 48 j u l g a m e n t o moral e 26241 autoridade política acordo social so bre a 60 preservação dos direitos como base da 30 Barbeyrac Jean 118 Barnave Antoine 162 Bastilha ataque à prisão da 130 Beccaria Cesare 8 0 8 1 9 3 4 9 7 1 0 1 4 139 248 2 5 0 1 2534 a m p l a influência de 8011021034125 2501262 oposto à pena de morte 80 8 1 98 p r o c e d i m e n t o s crimi nais públicos apoiados por 9798 101 137 sobre a tortura 29 801 1012 sobre os direitos do h o m e m 1023 Bentham Jeremy 1245 1 7 7 2 5 0 1 256259 Bill of Rights americana 1791 16 117121126 Bill of Rights britânica 1689 19 77 114122256 Blackburn Joseph 86 Blackstone William 23 26 8 1 119 1221245239402502579 bolcheviques 1992012 Bolívar Simón 183184267 Bonald Louis de 17980266 Bonnet Charles 111255 Bossuet JacquesBénigne 22238 Boswell James 89252 Boucher dArgis AntoineGaspard 104240256 Bradshaigh Lady Dorothy 46243 Brandeis Louis 190267 Brissot JacquesPierre 591056161 245254 Brunet de Latuque Pierre 1461523 155 BurkeEdmund 15134135174178 9183237261 Burlamaqui JeanJacques 25 1178 120238412567 Burney Fanny 59 Burton Richard 195267 Cabanis Pierre 189 Calas Jean 705788019299104 10782478250253 Calas MarcAntoine 74 calvinistas 152156 Campbell John 193 capacidade de 1er e escrever 40211 capitalismo 41246 Caran dAche Emmanuel Poiré 196 carrascos 105147151153170222 Carta Adântica 1941208 casamento autoridade dos pais no 62 3 direitos de divórcio e 624 150 168 180 entre diferentes grupos 188192 Castellane C o m t e de 151 catolicismo a r g u m e n t o dos direitos naturais contra 122 direitos civis britânicos e 1 5 9 d o m í n i o n a Fran ça do 2 4 7 0 7 4 1 4 6 1 5 5 1 7 9 1 8 1 274 nas colônias americanas 148 160 táticas da Inquisição do 7476180 Cavour Camillo di 185 cérebro funcionamento do 3139 Chamberlain Howard Stewart 1923 195268 C h a m f o r t SébastienRoch Nicolas 1445262263 Chodowiecki Daniel 100 Chrétien GillesLouis 9092 Churchill Winston 208 Clarissa Richardson dilema femi nino apresentado em 46535963 publicação de 39 46 reações dos leitores a 4 6 4 8 4 9 5 1 5 5 6 8 8 9 C l e r m o n t T o n n e r r e c o n d e Stanislas de 1467153158264 clínica médica tratamento da dor na 97 colarinho de ferro 7 8 7 9 1 4 1 2 1 4 4 145 Comitê dos Sete 136139262 Comitê sobre a Constituição 129133 157261263 Comitê sobre a Lei Criminal 139262 Common Sense Paine 129 c o m u n i d a d e a u t o n o m i a individual vs64 c o m u n i s m o 197199 Condorcet marquês de 231071278 16117117323940265 sobre os direitos das mulheres 1702 consciência 65 Constituição E U A 117 121 1267 131161 consumismo 89252 Contrato social O Rousseau 2235 Convenção Constitucional 161 Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos H u m a n o s e Liberda des Fundamentais 1950 208 corpo caráter revelado pelo 99 101 dignidade do 108 integridade do 2783082241 na pintura 85 Corte Internacional de Justiça 203 Cosway Richard 90 crianças controle dos pais sobre as 28 612 educação das 602 práticas de criação das 63 crimes contra a h u m a n i d a d e 202 cristianismo 93 134245 252 igual dade das almas no 28 40 pecado original n o 93 109 ver também catolicismo protestantismo Cuvier Georges 191193267 Dagge Henry 97253 Damásio António 110255 decapitação 80140143 14 a Emenda 161 13 a Emenda 161 declaração definição 1134 Declaração da Independência 1776 Bill ofRightsvs 16 126 busca da felicidade na 64 Declaração da Virgina vs 121 direitos h u m a n o s afirmados na 13 23 1156 126 franceses influenciados pela 20 127 texto da 21923 transferência de soberania afirmada na 115 Declaração de Direitos da Virgínia 1776 121126 Declaração dos Direitos da M u l h e r 1791171 Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão 1789 adoção da 13 131 afirmação de autoevidência da 17 aprovação real da 136 con 275 trovérsia dos direitos inflamada pela 15 1345 critérios dos direi tos políticos e 1501153 Declara ção das Nações Unidas vs 205 declaração dos direitos das m u l h e res m o d e l a d a na 171 exclusão colonial da 162 liberdade religiosa na 132 146 152 motivação da 12730 m u d a n ç a de soberania sugerida pela 133 o rei omitido na 115 132 precedentes americanos para 19 127 131 r a s c u n h o da 1301 reações críticas a 125 135 179 reações socialistas a 199200 sobre o governo c o m o fiador dos direitos 29115133 terminologia dos direitos na 23 240 texto da 225 227 229 universalidade da 1419117153199200 Declaração dos Direitos dos Trabalha dores e dos Explorados 1918 2001 Declaração Universal dos Direitos H u m a n o s 194815205215229 Defoe Daniel 62 degradação cívica 141 Delaunay Nicolas 37 Dez Mandamentos 124 Dicionário Filosófico Voltaire 75248 Diderot Denis 255568090240243 245 252 enciclopédia de 36 87 104240 244 sobre direitos natu rais 25 sobre Richardson 55245 direito romano 76 Direitos do homem Os Paine 135 174 direitos h u m a n o s abolição da tortura ligada aos 1023 106 108 113 254 autoevidência dos 17 2429 33 bases biológicas para exclusão dos 18795 c o m o naturais 19 115252567 conflitos entre 215 da liberdade 61181200 da tole rância religiosa 24 734121 132 146 1521545 160 das minorias étnicas 185 ver também negros judeus dentro da estrutura nacio nal 177 direitos divinos vs 238 esforços internacionais para 202 7 209 215 foco particularista vs p e n s a m e n t o universalista sobre 1168 120 1226 fontes seculares dos 132 garantia governamental dos 19133 1781845 igualdade dos 179 1878201 intolerância rejeitada c o m o 734 orientação socialista sobre 197201 p o d e r patriarcal vs 124178199 políti cos vs naturais 67 124 148 ver também direitos políticos reco n h e c i m e n t o progressivo dos 27 177 sociedade hierárquica tradi cional ameaçada pelos 17881 ter minologia dos 204238 universa lidade dos 14161820691168 1201226132136177188 direitos h u m a n o s declarações dos da O N U ver Declaração Universal dos Direitos H u m a n o s francesa ver Declaração dos Direitos do H o m e m e do Cidadão nos E U A 1168120 1226 ver também Bill of Rights americana Declaração da Indepen dência transferência de soberania sugerida por 11451323 direitos políticos das minorias religio sas 146 1489 15161 177 181 263 das mulheres 679 141147 276 9 151153157 16875177189 9 0 1 9 9 2 0 7 2 6 5 direitos naturais vs67123124148 dos trabalha dores 177198 igualdade vs 181 nos E U A 148 nos territórios colo niais 1945 posse de propriedade vs 26148 163170 profissão vs 147 149 153 raça vs 149 151 1607 requisitos de idade dos 147 8151 divórcio 624150168180 D o d d William 122258 dor c o m o experiência c o m u n a l 94 pornografia da 214 t r a t a m e n t o médico da 97 Dos delitos e das penas Beccaria 80 248 DredScott 161264 Dreyfus Alfred 1867196200 Du Pont de Nemours PierreSamuel 125260 Dupaty CharlesMarguerite 1068 254 Eden William 98 Edito de Tolerância 1787 1545 educação 63 a u t o n o m i a da indivi dualidade na 601 das mulheres 68175 pública 125 Edwards Thomas 46 Elements ofCriticism Kames 567 245 Emílio Rousseau 226016368246 emoção ver paixões empatia através das linhas do gênero 48 60 c o m o m e i o de aperfeiçoa m e n t o moral 558656109 defi nição 65 desenvolvimento da 27 39 evocada nos r o m a n c e s 312 3843 49 556 60 fronteiras socioculturais transpostas pela 27 389 funcionamento do cérebro e 3 1 39 igualdade e 26 39 limites da 212 213 214 reformas crimi nais produzidas pela 82 simpatia vs 65 tortura e 3010809 empregados domésticos direitos polí ticos dos 149 Encyclopédie Diderot 365587104 240244251254256 enforcamentos 7678 Equiano Olaudah 67247 escravidão abolição a m e r i c a n a da 1601 193 abolição francesa da 27 149 1601 1657 abolicionis tas e 671612167 191207ações internacionais contra a 2067210 a r g u m e n t o s dos direitos naturais contra a 20119134 de prisionei ros em guerras justas 119 direitos das mulheres vs 67 151 169 nas colônias francesas 1617181191 negros livres vs 151 punição cor poral e 78 relatos autobiográficos da 67 Espinosa 110255 Essai sur linégalité des races humaines Gobineau 191267 Estados Unidos Bill of Rights dos 16 117 121 126 Constituição dos 117 1211267 131161 direitos das minorias religiosas nos 159 60 eligibilidade dos direitos políti cos expandida nos 148 escravidão nos 20781601193 nascimento revolucionário dos 15 23 612 122134 restrições étnicas de imi gração nos 186 sobre g r u p o s da 277 paz internacional 2024 sufrágio feminino nos 190 EstadosGerais 170240 eu interior revelação corporal do 99 101 experiência religiosa apreciação artís tica da 83 moralidade secular vs 5758 expressão liberdade de 2 1 1 8 1 2 0 1 206229 família reformas legais francesas na 612 federalistas 136 feitiçaria 76249254 feminismo 68190 Fielding Henry 4657 Fielding Sarah 4855 FilmerRobert 124259 fisionotraço 92 FitzWilliam Lady Charlotte 88 Foucault Michel 241251 Fourier Charles 199268 França antissemitismo na 1867 Ar gélia incorporada à 1934 Declara ção dos Direitos do H o m e m e do Cidadão ver Declaração dos Direi tos do H o m e m e do Cidadão en trada principal dialetos regionais da 185 diferenças religiosas na 24 707414614958 escravidão colo nial da 1617 181 190 imperia lismo da 17981 183 1935 na Primeira Guerra Mundial 202 Re volução Americana ajudada pela 127 Revolução Francesa 14547 107 1356 150 16970 173 179 80187 18990196214 sufrágio feminino concedido na 190 ver também Assembleia Nacional François Louis 47 Franklin Benjamin 14 16 62 127 249260 Frederico II o Grande rei da Prússia 75 frenologia 101 Gagnebin Bernard 239256 Gluck Christoph Willibald von 83 Gobineau Arthur de 1923195267 Goldsmith Oliver 57 Gorbatchev Mikhail 209 Gouges Olympe de 171 3265 GrãBretanha abolição da escravatura da 160207 controvérsia dos direi tos na 1235259 direitos particu lares dos h o m e n s livres da 116 11920 direitos políticos das m i n o rias religiosas na 159 documentos dos direitos na 1977114122256 restrições de imigração da 186 separação americana da 116120 122127 sufrágio feminino na 190 territórios colônias da 194208 Graham William 258 Grégoire BaptisteHenri 161 G r i m m Friedrich Melchior 243245 Grotius H u g o 60 11720 124 2 4 1 2567259 Guadalupe escravos em 168181 Guilherme I da Alemanha 192 guilhotina 76140172 Guyomar Pierre 265 Haakonssen Knud 241256 Haiti Saint D o m i n g u e levante dos escravos do 16231657181262 278 Haller Albrecht von 495055 Heloísa 3537242 herança direitos de 62150174 heterogeneidade étnica m o v i m e n t o s nacionalistas vs 185 HillAaron4557243 HitlerAdolf187193195 Hobbes T h o m a s 1189124 Hogarth William 95 Holbach PaulHenriDietrich d 22 4240 honra 1425 Humphrey John 205 Hutcheson Francis 6566247 identificação 36389558245 igualdade a r g u m e n t o s biológicos contra 1905 crítica social da 201 das almas cristãs vs direitos terre nos 40 do sistema penal 139 dos direitos h u m a n o s 1791878201 empatia e 26 39 58 liberdades políticas vs 181 Iluminismo 2 2 5 4 6 6 0 1 812 103 112156 175180244 262 auto n o m i a individual enfatizada pelo 601 reformas do sistema criminal e 801251 sobre emoções 1101 imigração restrições racistas na 186 194 imperialismo 183194 imprensa liberdade de 121128132 174181 índex papal dos livros proibidos 46 75103 índia domínio britânico da 194 individualidade 289 3 2 4 8 56 59 8 9 1 0 9 1 1 2 ver também a u t o n o mia individual interioridade individualismo arte do retrato e 85 92 industrialização 198 Inquisição Católica 76180 interioridade 2848 Itália unificação da 1845 Jacquin ArmandPierre 51244 Jahn Friedrich 1834267 jardins circuito de caminhada em 85 Jaucourt Louis de 87104251 JaurèsJean200209268 Jefferson Thomas a Declaração Fran cesa e 13129130240 c o m o autor da Declaração da Independência 13168 64 120 132 critérios de participação política de 69 160 escravidão e 172069 retrato de 912 sobre o divórcio 64 sobre o governo c o m o segurança dos direi tos 30 sobre romances 578 66 68111 termos dos direitos h u m a nos empregados por 20136 Jesus Cristo 2299 Johnson Samuel 89251 Jorge m rei da Inglaterra 113116121 jornais 29 30 172 1867 195 197 211 Journal to Eliza Sterne 90 judeus direitos políticos concedidos aos 27 146 149 1513 15561 170 180 195 264 genocídio na zista contra 202 preconceito xe nófobo e u r o p e u contra 18691 195197 Julgamentos de Nuremberg 203 Júlia Rousseau 3 8 4 1 4 6 5 6 5 9 6 8 243 enredo de 3559 prefácio de 54 reações empáticas dos leitores 279 a 3 6 4 7 subtítulo de 35 sucesso de 36 Kames H e n r y H o m e Lorde 567245 Kant I m m a n u e l 60245255 KersaintArmandGuy 1645264 KnoxRobert 193 Knox Vicesimus 51 Lacretelle PierreLouis 142262 Lafayette marquês de 14 1723128 129136161240 Larner Christina A 249 Le Blanc de Guillet Antoine 239 Lei das Causas Matrimoniais 1857 63 Lei do Casamento 1753 62 lei positiva 93124 Leis dos Estrangeiros e da Sedição 1798 179 LengletDufresnoy Nicolas 2 1 50 238244 Lênin 201 Lepeletier de SaintFargeau Louis Michel 13942 Letters ofjunius The 122258 lettres de cachet 62 Lévesque de Burigny Jean 118256 Lewis Matthew 214 liberdade autogoverno como 61 libertinagem 51 Liga das Nações 2023 Linguet SimonNicolasHenri 104 254 Locke John 6016311820257 Loyseau de M a u l é o n Alexandre Jérôme 99253 LuegerKarl 187 Luís xiv rei da França 2278 Luís X V I rei da França 1051078128 1367144 156248 ações revolu cionárias contra 130 136 refor m a s do sistema criminal de 105 1078137248 MacArdell James 88 Madison James 118240 Magna Carta 1215 114 Maier Pauline 126237242257260 Manco Le Blanc de Guillet 22239 marca de ferro em brasa 262 Marivaux Pierre Carlet de Chamblain de 29241 Martucci Roberto 262 Marx Karl 1982001268 Mason George 24257 masturbação 52 materialismo 110197 Maury Jean 155 Mazzini Giuseppe 177184266 Mercier LouisSébastien 22 87252 260 metoposcopia 101 MickiewiczAdam 184 Mill John Stuart 190194 Mirabeau conde de 2324240 m o n a r q u i a 2 1 2 2 75 113 117 127 1331356142145158168179 80 Montesquieu barão de 291423241 250 M o n t m o r e n c y Mathieu d u q u e de 117132145 Moreau JeanMichel 37 Morellet André 103 m o v i m e n t o d e i n d e p e n d ê n c i a h ú n garo 185 m u ç u l m a n o s argelinos 195 28o mulheres a u t o n o m i a pessoal das 26 586064679169 c o m o heroínas de ficção 5960 68 ver também romances c o m o pintoras de retra tos 8990 dependência moral im p u t a d a às 26 169 direitos de di vórcio das 624149 168 direitos políticos das 6791411479151 1531571687517718990199 207265 honra das 143 limitações biológicas atribuídas às 187 188 90 punição criminal das 7 7 1 4 1 172 s e n t i m e n t o associado às 90 97 Muyart de Vouglans PierreFrançois 9341023108112523255 nacionalismo 3 0 4 1 1781827197 8241 polonês 183186 Nações Unidas 15171772034208 210 22930 232 2356 Declara ção Universal dos Direitos H u m a n o s aprovada pelas 2046 210 22936 Napoleão Bonaparte 1451678178 1804249265 nazismo 202 negros inferioridade biológica atri b u í d a aos 18795 livres 16 67 149 151 1601 170 ver também escravidão Nicolas Augustin 254 Observations on the Importance ofthe American Revolution Price 134 Observations on the Nature of Civil Liberty Price 1232462589 OgéVincent163264 organizações n ã o governamentais O N G S 20910 Otis James 119257 Paine T h o m a s 129130135174179 261 pais autoridade absoluta dos 28 paixões a u t o c o n t r o l e das 82 c o m p o r t a m e n t o criminal ligado a 109 10 controle externo das 92 93 razão vs 1101 Pamela Richardson 4014449 51 diferenças de classe em 39 42 efeito moral de 523 popularidade de 426 reações emocionais a 42 3 restrições da heroína em 59 Panckoucke C J 4756 Patriarcha Filmer 124259 pecado original 93109 pelourinho 7778142249 pena de morte administração menos dolorosa da 7610213940 admi nistrações torturantes da 70 77 80 99 13140 execução pública da 73 76 9499 fator dissuasivo da 77 oposição à 8 0 1 98 139 250 262 taxas de implementação da 77102253 penitência atos formais dos crimino sos de 941401 Pensamentos sobre a educação Locke 61 performances musicais 83 Petição de Direitos 1628 114 Pigott John 86 Pipelet Constance Constance de Salm 1746266 Place de Greve 96 poder patriarcal 124 281 Poiré E m m a n u e l Caran cTAche 196 presença ideal 5657 Price Richard 145 6 1 1234 134 237246258259261 Priestley Joseph 69 Primeira Guerra Mundial 202208 Primeiro Estado 128 primogenitura 62 privacidade no projeto do lar 85 p r o p r i e d a d e apropriação governa mental da 131 crítica socialista da 198201 direitos ligados à 26148 163 170 dos negros livres 163 escravos c o m o 119 punição pelo confisco da 142 prot e st a nt i sm o consciência indivi dual no 28 direitos políticos fran ceses e 14614915158263maio ria americana 160 na França 24 70146180216 Protocolos dos sábios de Sião Os 197 P r u d h o m m e Louis 262 Pufendorf Samuel 1178 120 256 257 punição obediência imposta pela 61 punição corporal 29 das crianças na escola 63 dos escravos 78 formas brutais de 2977249 humilhação na 7980 137 1413 m o d e r a ç ã o na 105 108 2501 multas 98 mutilação na 80 140 punições vergonhosas vs 141 reabilitação vs9813940 ver rambém punição criminal pena de morte tortura punição criminal abordagens racio nais da 80193 c o m o reparação à comunidade 94 98 condições da prisão e 106 das mulheres 77141 171 de m e m b r o s da família 142 desonra da 1415 igualdade da 139 reformas francesas da 13645 valor dissuasivo da 779498140 visões religiosas da 923978102 10910140 ver também p u n i ç ã o corporal pena de morte tortura Punt Jan 44 quartos de dormir 8492 queima na fogueira 77880102140 Quenedey Edmé 912 questão preliminar 70137255 questão preparatória 74137255 Rabaut SaintÉtienne JeanPaul 245 131152154216261 racismo 162 188 1901 1934 210 ver também antissemitismo Raven James 2423 Raynal Guillaume T h o m a s 22243 razão 6165 justiça criminal e 8 0 8 1 94 paixão vs 110111 religião argumentos dos direitos na turais contra instituições da 122 liberdade de 128 132 146 152 1545 160 200204206 punição criminal influenciada pela 9 2 9 3 978 10210910140 tolerância da24734121132146152154 51601812216248 ver também catolicismo cristianismo judeus protestantismo revogação do Edito de Nantes 153 revoluções c o m p r o m i s s o comunista com 199200 Revolução A m e r i cana 15 2 3 6 2 Revolução Fran cesa 145471071356150169 70 173 17980 187 18990 196 214 Revolução Russa 200 282 Reynolds Sir Joshua 878 Richardson Samuel 3941243 c o m o autor a n ô n i m o 45243 c o m o edi tor de r o m a n c e s epistolares 42 534 reações dos leitores a 459 51556 Rights ofthe British Colonies Asserted and Proved The Otis 119257 Robespierre Maximilien de 1423 262 Robinson Crusoé Defoe 416263 Robison John 179 roda suplício da 7 0 7 3 7 8 8 0 9 6 9 9 106140247 Roland JeanneMarie 47243 romances a u t o n o m i a individual nos 5860 busca da a u t o n o m i a pelas personagens femininas 5860 68 efeitos morais dos 45 508 678 epistolares 30323841243 góti cos 214 identificação dos leitores com os personagens dos 363842 3458 556 5860 leitorado dos 41456 natureza interior revelada nos 30434858 peças teatrais vs 43 pessoas c o m u n s como persona gens centrais dos 294089 p o n t o de vista do autor 42 reações empá ticas aos 31238495566066 Romilly Samuel 802501 Roosevelt Eleanor 2052367 Rothschild família 197 Rousseau JeanJacques como r o m a n cista 35641468534578243 sobre Richardson 47 243 teorias educacionais de 6 0 3 6 8 t e r m o s de direitos h u m a n o s usados por 22370127238 Ruanda conflito étnico em 211 Rush Benjamin 76 98 1089 112 249253255 Rutherford T h o m a s 256 Sade marquês de 214269 Saint D o m i n g u e ver Haiti Salm Constance de Constance Pipe let174 Saphiro Barry M 255260262 Saunders Richard 101 Schechter Ronald 2634 SchneewindJB26240 sefarditas 157 Segunda Guerra Mundial 202 Segundo Estado 128 sellette 137 sensibilidade 28 66 ver também em patia simpatia senso moral interior 118 Servan JosephMichelAntoine 105 254 sexismo 188190 Shakespeare William 57 Sieyès E m m a n u e l J o s e p h 23 678 148240247263 simpatia 58 657 109 112 ver tam bém empatia sindicatos 1989234 Skipwith Robert 57 Smith Adam 652123247 Sobre a admissão das mulheres aos direitos da cidadania Condorcet 171 socialismo 1979 Sociedade Antiescravidão 207209 sociedade burguesa 198 Sociedade dos Amigos dos Negros 106161 sociedade hierárquica 178182 283 Sociedade para a Abolição do Tráfico de Escravos 161207 sodomia 80140 Spierenburg Peter 250252 Staèl Germaine de 266 Stalin Joseph 201 Starobinski Jean 245 Sterne Laurence 5 7 5 9 6 6 6 8 9 0 9 2 111252255 strappado7 suicídio 4374 Sujeição das mulheres A Mill 190 Suprema C o r t e dos Estados Unidos 161190 supremacia ariana 203 Tackett Timothy 1545261263265 TalleyrandPérigord C h a r l e s M a u rice de 1578 teatro 4354583245 teoria da lei natural 256 ver também direitos h u m a n o s c o m o naturais Teoria dos sentimentos morais Smith 65212247269 Terceiro Estado 23 126 1289 240 255260 Terror 16144178 Therbusch Anna 90 Théremin Charles 1745266 Tissot SamuelAuguste 52244247 Tocqueville Alexis de 38193242267 Tod James 258 Tom Jones Fielding 414651 tortura abolição oficial da 75 108 13692489 afirmações dos direi tos h u m a n o s vs 1023 106 108 113254 campanha contra a 102 6108254 convenção da O N U con tra 210 empatia e 30 1089111 2 métodos de 707476137 moti vação religiosa da 102180nocaso Calas 70 7499 para obter infor mações 297074699101 2104 108138180 pena de morte admi nistrada com 70778099131 40 ressurgimento contemporâneo da 2101 ToussaintLouverture 1667 trabalhadores direitos políticos dos 177198 Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de Jean Calas Voltaire 73 tributação 125129132227 Tristram ShandySteme4l 59 tronco i n s t r u m e n t o de tortura 77 142249 Tyburn execuções públicas em 7695 6 União Soviética 2035 209 na Pri meira Guerra Mundial 202 Utilitarismo 124250 Van der Capellen tot den Poli Joan Derk 123259 Vattel Emer de 2567 Viagem sentimental Uma Sterne 59 111 vida secular 57 Vindication of the Rights of Woman Wollstonecraft 1724 violência da revolução política 179 reportagens d a mídia m o d e r n a sobre 211 sensacionalismo da 214 Voltaire 2 1 29 36 38 735 8 1 93 2389 242 248 250 260 argu m e n t o dos direitos h u m a n o s usado 284 por 734 sobre o caso da tortura de Wollstonecraft Mary 68 135 1723 Calas 73480199248250 Wagner Richard 192 Walpole Horace 4887244251 Wilkes John 122258 Wilson Woodrow 208 175247261265 Wordsworth William 167265 xenofobia 186 Zola Emile 187196 285 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678 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Coutinho 7a Tiragem Do original Letà dei Diritti Tradução autorizada do idioma italiano da edição publicada Giulio Einaudi Editore 1992 2004 Elsevier Editora Ltda Todos os direitos revervados e protegidos pela lei 9610 de 19021998 Nenhuma parte deste livro sem autorização prévia por escrito da editora poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados eletrônicos mecânicos fotográficos gravação ou quaisquer outros Copidesque Roberto Cortes de Lacerda Editoração Eletrônica DTPhoenix Editorial Revisão Gráfica Mariflor Brenlla Rial Rocha Edna Rocha Projeto Gráfico Editora CampusElsevier A Qualidade da Informação Rua Sete de Setembro 111 16º andar 20050006 Rio de Janeiro RJ Brasil Telefone 21 39709300 Fax 21 25071991 Email infoelseviercombr Escritório São Paulo Rua Quitana 753 8º andar 04569011 Brooklin São Paulo SP Telefone 11 51058555 ISBN 13 9788535215618 ISBN 10 8535215611 Edição original ISBN 880612174X Nota Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra No entanto podem ocorrer erros de digitação impressão ou dúvida conceitual Em qualquer das hipóteses solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens originados do uso desta publicação CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ B637e Bobbio Norberto 1909 A era dos direitos Norberto Bobbio tradução Carlos Nelson Coutinho apresentação de Celso Lafer Nova ed Rio de Janeiro Elsevier 2004 7ª reimpressão Tradução de Letà dei Diritti ISBN 10 8535215611 1 Direitos humanos Discursos conferências etc I Título CDD 3234 042368 CDU 3427 100 SUMÁRIO Introdução 7 PRIMEIRA PARTE Sobre os fundamentos dos direitos do homem 12 Presente e futuro dos direitos do homem 17 A era dos direitos 26 Direitos do homem e sociedade 33 SEGUNDA PARTE A Revolução Francesa e os direitos do homem 40 A herança da Grande Revolução 49 Kant e a Revolução Francesa 57 TERCEIRA PARTE A resistência à opressão hoje 61 Contra a pena de morte 68 O debate atual sobre a pena de morte 76 As razões da tolerância 86 QUARTA PARTE Os direitos do homem hoje 92 INTRODUÇÃO P OR SUGESTÃO E COM A AJUDA DE Luigi Bonanate e Michelangelo Bovero recolho neste volume os artigos principais ou que considero principais que escrevi ao longo de muitos anos sobre o tema dos direitos do homem O problema é estreitamente ligado aos da democracia e da paz aos quais dediquei a maior parte de meus escritos políticos O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constitui ções democráticas modernas A paz por sua vez é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional Ao mesmo tempo o processo de democratização do sistema internacional que é o caminho obrigatório para a busca do ideal da paz perpétua no sentido kantiano da expressão não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem acima de cada Estado Direitos do homem democracia e paz são três mo mentos necessários do mesmo movimento histórico sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos Em outras palavras a democracia é a sociedade dos cidadãos e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais haverá paz estável uma paz que não tenha a guerra como alterna tiva somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado mas do mundo Meu primeiro escrito sobre o assunto remonta a 1951 nasceu de uma aula sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem ministrada em 4 de maio em Turim a convite da Scuola di applicazione darma1 Relendoa agora após tantos anos percebo que nela estão contidas ainda que somente mencionadas algu mas teses das quais não mais me afastei 1 os direitos naturais são direitos históricos 2 nascem no início da era moderna juntamente com a concepção individualista da sociedade 3 tornamse um dos principais indicadores do progresso histórico O primeiro ensaio da coletânea é uma das duas comunicações de abertura a outra fora confiada a Perelman do Simpósio sobre os Fundamentos dos Direitos do Homem que teve lugar em LAquila em setembro de 1964 promovido pelo Instituto Internacional de Filosofia sob a presidência de Guido Calogero confirmo e aprofundo nele a tese da historicidade com base na qual contesto não apenas a legitimidade mas também a eficácia prática da busca do fundamento absoluto Seguese com o título Presente e futuro nos direitos do homem a conferência que pronunciei em Turim em dezembro de 1967 por ocasião do Simpósio Nacional sobre os Direitos do Homem promovido pela Sociedade Italiana para a Organização Internacional por oca sião do vigésimo aniversário da Declaração Universal nela esboço em suas grandes linhas as várias fases da história dos direitos do homem desde sua proclamação até sua transformação em direito positivo desde sua transformação em direito positivo no interior de cada Estado até a que tem lugar no sistema internacional por enquanto apenas no início e retomando o tema da historicidade desses direitos retiro uma nova confirmação dessa sua contínua expansão O terceiro escrito que dá título à coletânea em seu conjunto A era dos direi tos é com diferente título o discurso que pronunciei na Universidade de Madri em setembro de 1987 a convite do professor Gregorio PecesBarba Martínez diretor do Instituto de Derechos Humanos de Madri Abordo nele o tema já aflorado nos escritos anteriores do significado histórico ou melhor filosófico histórico da inversão característica da formação do Estado moderno ocorrida na relação entre Estado e cidadãos passouse da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão emergindo um modo diferente de encarar a relação política não mais predominantemente do ângulo do soberano e sim daquele do cidadão em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição àconcepção organicista tradicional Ponho particularmente em evidência pela primeira vez como ocorreu a 1 La dichiarazione universale dei diritti delluomo in Vários autores La Dichiarazione universale dei diritti delluomo Turim Arri Grafiche Plinio Castello 1951 pp 5370 Já me havia ocupado do problema embora marginalmente no Prefácio à tradução italiana de Georges Gurvitch La Dichiarazione dei diritti sociali Milão Edizioni di Comunità 1949 pp 1327 A E R A D O S D I R E I T O S 8 ampliação do âmbito dos direitos do homem na passagem do homem abstrato ao homem concreto através de um processo de gradativa diferenciação ou especificação dos carecimentos e dos interesses dos quais se solicita o reconhecimento e a proteção Uma ulterior e por enquanto conclusiva reformulação dos temas da historicidade e da especificação dos direitos do homem e apresentada no ensaio Direitos do homem e socie dade que escrevi para ser a comunicação de abertura do Congresso Internacional de Sociologia do Direito realizado em Bolonha no final de maio de 1988 esse texto constitui o último capítulo da primeira parte desta coletânea dedicada à discussão de problemas gerais de teoria e de história dos direitos do homem Há algumas páginas dessa parte dedicadas ao debate teórico por excelência tortuosíssimo acerca do conceito de direito aplicado aos direitos do homem Voltarei daqui a pouco a esse tema Na segunda parte recolhi três discursos sobre os direitos do homem e a Revolução Francesa o primeiro foi pronunciado em 14 de dezembro de 1988 em Roma por ocasião da inauguração da nova Biblioteca da Câmara de Deputados a convite do seu presidente a deputada Nilde Jotti o segundo em se tembro de 1989 na Fundação Giorgio Cini de Veneza inaugurando um curso sobre a Revolução Francesa o terceiro como abertura da cerimônia em que me foi conferida a laurea ad honorem na Universidade de Bolonha em 6 de abril de 1989 Esse último discurso partindo das obras de filosofia do direito e da história de Kant termina dando ênfase particular à teoria kantiana do direito cosmopolita que pode ser considerada como a conclusão da argumentação até aqui desenvolvida sobre o tema dos direitos do homem e ao mesmo tempo como o ponto de partida para novas reflexões2 A terceira parte compreende estudos sobre temas particulares que se relacionam mais ou menos diretamen te com o tema principal A resistência à opressão hoje foi lido como comunicação ao seminário de estudos sobre Autonomia e Direito de Resistência realizado em Sassari em maio de 1971 promovido pelo professor Pierangelo Catalano os dois escritos sobre a pena de morte foram compostos o primeiro para a IV Assembléia Nacional de Amnesty International realizado em Rimini em abril de 1981 o segundo para o seminário interna cional A pena de morte no mundo ocorrido em Bolonha em outubro de 1982 finalmente o ensaio sobre a tolerância foi lido no simpósio A intolerância iguais e diversos na história realizado em Bolonha em dezembro de 19853 Nesses escritos são discutidos problemas tanto históricos como teóricos No plano histórico sustento que a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva característica da formação do Estado moderno na representação da relação política ou seja na relação Estadocidadão ou soberanosúditos relação que é encarada cada vez mais do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos e não do ponto de vista dos direitos do soberano em correspondência com a visão individualista da sociedade4 se gundo a qual para compreender a sociedade é preciso partir de baixo ou seja dos indivíduos que a compõem em oposição à concepção orgânica tradicional segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos A inversão de perspectiva que a partir de então se torna irreversível é provocada no início da era moderna principalmente pelas guerras de religião através das quais se vai afirmando o direito de resistência à opressão o qual pressupõe um direito ainda mais substancial e originário o direito do indivíduo a não ser oprimido ou seja a gozar de algumas liberdades fundamentais fundamentais porque naturais e naturais por que cabem ao homem enquanto tal e não dependem do beneplácito do soberano entre as quais em primeiro lugar a liberdade religiosa Essa inversão é estrei tamente ligada à afirmação do que chamei de modelo jusnaturalista contraposto ao seu eterno adversário que sempre renasce e jamais foi definitivamente derrota do o modelo aristotélico5 O caminho contínuo ainda que várias vezes interrompido da concepção individu alista da sociedade procede lentamente indo do reconhecimento dos direitos do cidadão de cada Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo cujo primeiro anúncio foi a Declaração universal dos direi 2 Cf também minha Introdução a I Kant Per Ia pace perpetua ed de N Merker Roma Editori Riuniti 1985 pp VIIXXI 3 Outros escritos meus sobre os direitos do homem estão inseridos no livro Il Terzo assente Saggi e discorsi sulla guerra e Ia pace Ed de Pietro Polito Milão Edizioni Sonda 1989 Não estão incluídos nem nesse volume nem na presente coletânea os seguintes textos Il preambolo della Convezione europea dei diritti delluomo in Rivista di diritto internazionalle LVII 1973 pp 437455 Vi sono diritti fondamentali in Rivista di filosofia LXXI 1980 nº 18 pp 460 464 Diritti delluomo e diritti del cittadino nel secolo XIX in Europa in Vários autores Grundrechte im 19 Jahrhundert FrankfurtdoMeno Peter Lang 1982 pp 1115 Dalla priorità dei doveri Allá priorità dei diritti in Mondoperaio XLI 1988 nº 3 pp 5760 4 Sobre esse tema há uma imensa literatura Mas gostaria de citar aqui pois é menos conhecido o livro de Celso Lafer A reconstrução dos direitos humanos Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Companhia das Letras 1988 que contém algumas páginas notáveis sobre o individualismo e sua história também com referência ao pensamento de H Arendt 5 Refirome em particular ao meu ensaio sobre O modelo jusnaturalista in N BobbioM Bovero Società e stato nella filosofia política moderna Milão Il Saggiatore 1979 pp 17109 ed brasileira Sociedade e Estado na filosofia política moderna São Paulo Brasiliense 1986 pp 13100 NORBERTO BOBBIO 9 tos do homem a partir do direito interno de cada Estado através do direito entre os outros Estados até o direito cosmopolita para usar uma expressão kantiana que ainda não teve o acolhimento que me rece na teoria do direito A Declaração favoreceu assim escreve um autorizado internacionalista num recente escrito sobre os direitos do homem a emergência embora débil tênue e obstaculizada do indivíduo no interior de um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados soberanos Ela pôs em movimento um processo irreversível com o qual todos deveriam se alegrar6 Do ponto de vista teórico sempre defendi e continuo a defender fortalecido por novos argumentos que os direitos do homem por mais fundamentais que sejam são direitos históricos ou seja nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual não todos de uma vez e nem de uma vez por todas7 O problema sobre o qual ao que parece os filósofos são convocados a dar seu parecer do fundamento até mesmo do fundamento absoluto irresistível inquestionável dos direitos do homem e um problema mal formulado8 a liberdade religiosa e um efeito das guerras de religião as liberdades civis da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos a liberdade política e as liberdades so ciais do nascimento crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assala riados dos camponeses com pouca ou nenhuma terra dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas mas também a proteção do trabalho contra o desemprego os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo depois a assistência para a invalidez e a velhice todas elas carecimentos que os ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmosAo lado dos direitos sociais que foram chamados de direitos de segunda geração emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração que constituem uma categoria para dizer a verdade ainda excessivamente heterogênea e vaga o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata9 O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos o direito de viver num ambiente não poluído Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamarse de direitos de quarta geração referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo10 Quais são os limites dessa possível e cada vez mais certa no futuro manipulação Mais uma prova se isso ainda fosse necessário de que os direitos não nascem todos de uma vez Nascem quando devem ou podem nascer Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem que acompanha inevitavelmente o progresso técnico isto é o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder remédios que são providenciados através da exigencia de que o mesmo poder intervenha de modo protetor As primeiras correspondem os direitos de liberdade ou um nãoagir do Estado aos segundos os direitos sociais ou uma ação positiva do Estado Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações suas espécies são sempre com relação aos poderes constituídos apenas duas ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios Nos direitos de terceira e de quarta geração podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie 6 A Cassese I diritti umani nel mondo contemporaneo Bàri Laterza 1988 p 143 7 Que os direitos do homem sejam direitos históricos surgidos na idade moderna a partir das lutas contra o Estado absoluto é uma das teses centrais do ensaio historicamente bem documentado de G PecesBarba Martínez Sobre el puesto de La Historia en el comcepto de los derechos fundamentales in Anuario de derechos humanos publicado pelo Instituto de Derechos Humanos da Universidade Complutense de Madri vol IV 19861987 pp 219258 Para a história dos direitos do homem do ponto de vista de seu reconhecimento que é de resto o único ponto de vista pertinente remeto ao ensaio de G Pugliese Appunti per uma storia della protezione dei diritti delluomo in Riv trim dir e proc civ XLIII 1989 nº 3 pp 619659 8 Sobre o tema também com freqüentes referências à minha posição cf o recente volume que recolhe o debate ocorrido em Madri em 19 e 20 de abril de 1988 publicado com o título El fundamento de los derechos humanos ed de G PecesBarba Martínez Madri Editorial Debate 1989 Do mesmo autor nesse volume cf Sobre el fundamento de los derechos humanos Un problema de moral y derecho pp 265277 que contém a expressão mais recente das reflexões que o autor vem desenvolvendo há anos sobre o problema dos direitos do homem a começar pelo livro Derechos fundamentales 1976 várias vezes reeditado 9 A figura dos direitos de terceira geração foi introduzida na literatura cada vez mais ampla sobre os novos direitos No artigo Sobre La evolución contemporânea de la teoria de los derechos del hombre Jean Rivera inclui entre esses direitos os direitos de solidariedade o direito ao desenvolvimento à paz internacional a um ambiente protegido à comunicação Depois dessa enumeração é natural que o autor pergunte se é ainda possível falar de direitos em sentido próprio ou se não se trata de simples aspirações e desejos Corrientes y problemas en filosofia del derecho in Anales de La cátedra Francisco Suárez 1985 nº 25 p 193 No livro já citado Celso Lafer fala dos direitos de terceira geração como se tratando sobretudo de direitos não são os indivíduos mas os grupos humanos como a família o povo a nação e a própria humanidade p 131 Sobre o direito à paz cf as reflexões de A Ruiz Miguel Tenemos derecho a La paz in Anuario de derechos humanos publicado pelo Instituto de Derechos Humanos de Madri ed de G PecesBarba Martínez nº 3 1984 1985 pp 387434 O autor voltou depois ao temo no livro La justicia de La guerra y de La paz Madri Centro de Estúdios Constitucionales 1988 pp 271 e ss Ainda sobre os direitos de terceira geração cf A E Pérez Concepto y concepción de los derechos humanos in Cuadernos de filosofia dei derecho 1987 nº4 pp 56 e ss o autor inclui entre esses direitos o direito à paz os do consumidor à qualidade de vida à liberdade de informação ligando o surgimento dos mesmos ao desenvolvimento de novas tecnologias 10 Sobre esse tema já existe uma literatura significativa particularmente anglosaxônica da qual dá notícia Bartha Maria Knoppers lintegrità deI patrimonio genetico diritto soggettivo o dirritto dellumanità in Politica dei dirritto XXXI nº 2 junho de 1990 pp 341361 A E R A D O S D I R E I T O S 10 Em um dos ensaios Direitos do homem e sociedade destaco particularmente a proliferação obstaculizada por alguns das exigências de novos conhecimentos e de novas proteções na passagem da consideração do homem abstrato para aquela do homem em suas diversas fases de vida e em seus diversos estágios Os direitos de terceira geração como o de viver num ambiente não poluído nõ poderiam Ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de Segunda geração do mesmo modo como estes últimos por exemplo o direito à instrução ou à assistência não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras declarações setecentistas Essas exigências nascem somente somente quando nascem determinados carecimentos Novos cerecimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazêlos Falar de direitos naturais ou fundamentais inalienáveis ou invioláveis é usar fórmulas de uma linguagem persuasiva que podem ter uma função prática num documento político a de dar maior força à exigência mas não têm nenhum valor teórico sendo portanto completamente irrelevantes numa discursão de teoria do direito No que se refere ao significado da palavra direito Na expressão direitos do homem o debate é permanente e confuso Contribuiu para aumentar a confusão o encontro cada vez mais frequente entre juristas de tradi ção e cultura continental e Juristas de tradição anglosaxônica que usam frequentemente palavras diversas para dizer a mesma coisa e por vezes acreditam dizer coisas diversas usando as mesmas palavras A distinção clássica na linguagem dos juristas da Europa continental é entre direitos naturais e direitos positivos Da Inglaterra e dos Estados Unidos por influência creio sobretudo de Dworkin cheganos a distinção entre moral rights e legal rights que é intraduzível e o que é pior numa tradição onde o direito e moral são duas esferas bem diferenciadas da vida prática incompreensível em italiano a expressão direitos legais ou jurídicos soa redundante enquanto a expressão direitos morais soa contraditória Não tenho dúvidas de que um jurista francês teria a mesma relutância em falar de droits moraux e um alemão de moralische Rechte E então Devemos renunciar a nos entender O único modo para nos entender é reconhecer a comparabilidade entre as duas distinções em função da qual direitos morais enquanto algo contraposto a direitos legais ocupa o mesmo espaço ocupado por direitos naturais enquanto algo contraposto a direitos positivos Tra tase em ambos os casos de uma contraposição entre dois diversos sistemas normativos onde o que muda é o critério de distinção Na distinção entre moral rights e legal rights o critério é o fundamento na distinção entre direitos naturais e direitos positivos é a origem Mas em todos os quatro casos a palavra direito no sentido de direito subjetivo uma precisão supérflua em inglês porque right tem somente o sentido de direito subjetivo faz referência a um sistema normativo seja ele chamado de moral ou natural jurídico ou positivo Assim como não é concebível um direito natural fora do sistema das leis naturais também não há outro modo de conceber o significado de moral rights a não ser referindoos a um conjunto ou sistema de leis que costumam ser chamadas de morais ainda que nunca fique claro qual é o seu estatuto do mesmo modo como de resto nunca ficou claro qual é o estatuto das leis naturais Estou de acordo com os que consideram o direito como uma figura deôntica que tem um sentido preciso somente na linguagem normativa Não há direito sem obrigação e não há nem direito nem obrigação sem uma norma de conduta A não usual expressão direitos morais tornase menos estranha quando é relaciona da com a usadíssima expressão obrigações morais A velha objeção segundo a qual não podem ocorrer direitos sem as obrigações correspondentes mas podem ocorrer obrigações sem direitos deriva da confusão entre dois sistemas normativos diversos Decerto não se pode pretender que a uma obrigação moral corresponda um direito legal já que a uma obrigação moral pode corresponder apenas um direito moral O costumeiro exemplo de que a obrigação moral de dar esmolas não faz nascer o direito de pedilas é impróprio porque esse exemplo mostra apenas que de uma obrigação mo ral não nasce uma obrigação jurídica Mas podese dizer o mesmo do direito moral Que sentido pode ter a expressão direito moral se não a de direito que corresponde a uma obrigação moral O que para os juristas é um ius imperfectum pode ser um ius perfectum do ponto de vista moral Sei muito bem que uma tradição milenar nos habituou a um uso restrito do termo ius limitado a um sistema normativo que tem força de obrigatoriedade maior do que todos os demais sistemas morais ou sociais mas quando se introduz a noção de direito moral introduzse também necessariamente a corres pondente obrigação moral Ter direito moral em face de alguém significa que há um outro indivíduo que tem obrigação moral para comigo Não se quer dizer com isso que a linguagem moral deva se servir das duas figuras deônticas do direito e da obrigação que são mais adequadas à linguagem jurídica mas no momento mesmo NORBERTO BOBBIO 11 em que nos servimos delas a afirmação de um direito implica a afirmação de um dever e vice versa Se a afirmação do direito precede temporalmente a do dever ou se ocorre o contrário eis um puro evento histórico ou seja uma questão de fato para dar um exemplo um tema bastante discutido hoje é o de nossas obrigações de nós con temporâneos em face das futuras gerações Mas o mesmo tema pode ser considerado do ponto de vista dos direitos das futuras gerações em relação a nós É absolutamente indiferente com relação à substância do problema que comecemos pelas obri gações de uns ou pelos direitos dos outros Os pósteros têm direitos em relação a nos porque temos obrigações em relação a eles ou viceversa Basta colocar a questão nesses termos para compreendermos que a lógica da linguagem mostra a absoluta inconsistência do problema Apesar das inúmeras tentativas de análise definitória a linguagem dos direitos permanece bastante ambí gua pouco rigorosa e freqüentemente usada de modo retórico Nada impede que se use o mesmo termo para indicar direitos apenas proclamados numa declaração ate mesmo solene e direitos efetivamente protegidos num ordenamento jurídico inspirado nos princípios do constitucionalismo onde haja juizes imparciais e vári as formas de poder executivo das decisões dos juizes Mas entre uns e outros há uma bela diferença já a maior parte dos direitos sociais os chamados direitos de segunda geração que são exibidos brilhantemente em todas as declarações nacionais e internacionais permaneceu no papel O que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais às quais o nome de direitos serve unicamente para atribuir um título de nobreza Proclamar o direito dos indivíduos nãoimporta em que parte do mundo se encontrem os direitos do homem são por si mesmos universais de viver num mundo não poluído não significa mais do que expressar a aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao uso de substâncias poluentes Mas uma coisa é proclamar esse direitooutra é desfrutá lo efetivamente A linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos semdireitos Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato ainda que sejam solene e repetidamente proclamados NORBERTO BOBBIO Turim outubro de 1990 A E R A D O S D I R E I T O S 12 PRIMEIRA PARTE SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM 1 Neste ensaio proponhome a discutir três temas a qual é o sentido do problema que nos pusemos acerca do fundamento absoluto dos direitos do homem b se um fundamento absoluto é possível c se caso seja possível é também desejável 2 O problema do fundamento de um direito apresentase diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter No primeiro caso investigo no ordenamento jurídico positivo do qual faço parte como titular de direitos e de deveres se há uma norma válida que o reconheça e qual é essa norma no segundo caso tentarei buscar boas razões para defender a legitimidade do direito em questão e para convencer o maior numero possível de pessoas sobretudo as que detêm o poder direto ou indireto de produzir normas válidas naquele ordenamento a reconhecêlo Não há dúvida de que quando num seminário de filósofos e não de juristas como é o nosso colocamos o problema do fundamento dos direitos do homem pretendemos enfrentar um problema do segundo tipo ou seja não um problema de direito positivo mas de direito racional ou critico ou se se quiser de direito natural no sentido restrito que é para mim o único aceitável da palavra Partimos do pressuposto de que os direitos humanos são coisas desejáveis isto é fins que me recem ser perseguidos e de que apesar de sua desejabilidade não foram ainda todos eles por toda a parte e em igual medida reconhecidos e estamos convencidos de que lhes encontrar um fundamento ou seja aduzir motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos outros é um meio adequado para obter para eles um mais amplo reconhecimento 3 Da finalidade visada pela busca do fundamento nasce a ilusão do fundamento absoluto ou seja a ilusão de que de tanto acumular e elaborar razões e argumentos terminaremos por encontrar a razão e o argumen to irresistível ao qual ninguém poderá recusar a própria adesão O fundamento absoluto é o fundamento irresistível no mundo de nossas idéias do mesmo modo como o poder absoluto é o poder irresistível que se pense em Hobbes no mundo de nossas ações Diante do fundamento irresistível a mente se dobra necessari amente tal como o faz a vontade diante do poder irresistível O fundamento último não pode mais ser ques tionado assim como o poder último deve ser obedecido sem questionamentos Quem resiste ao primeiro se põe fora da comunidade das pessoas racionais assim como quem se rebela contra o segundo se põe fora da comunidade das pessoas justas ou boas Essa ilusão foi comum durante séculos aos jusnaturalistas que supunham ter colocado certos direitos mas nem sempre os mesmos acima da possibilidade de qualquer refutação de rivandoos diretamente da natureza do homem Mas a natureza do homem revelouse muito frágil como fundamento absoluto de direitos irresistíveis Não é o caso de repetir as infinitas críticas dirigidas à doutrina dos direitos naturais nem de monstrar mais uma vez o caráter capcioso dos argumentos empregados para provar o seu valor absoluto Bastará recordar que muitos direitos até mesmo os mais diversos entre si até mesmo os menos fundamentais fundamentais somente na opinião de quem os defendia foram subordinados à generosa e complacente natureza do homem Para dar um exemplo ardeu por muito tempo entre os jusnaturalistas a disputa acerca de qual das três soluções possíveis quanto à sucessão dos bens o retorno à comunidade a transmissão familiar de pai para filho ou a livre disposição pelo proprietário era a mais natural e portanto devia ser preferida num sistema que aceitava como justo tudo o que se fundava na natureza Podiam disputar por muito tempo com efeito todas as três soluções são perfeitamente compatíveis com a natureza do homem conforme se considere este último como membro de uma comunidade da qual em última instância sua vida depende como pai de família voltado por instinto natural para a continuação da espécie ou como pessoa livre e autônoma única respon NORBERTO BOBBIO 13 sável pelas próprias ações e pelos próprios bens Kant havia racionalmente reduzido os direitos irresistíveis que ele chamava de inatos a apenas um a liberdade Mas o que é a liberdade 4 Essa ilusão Já não e possível hoje toda busca do fundamento absoluto é por sua vez infundada Contra essa ilusão levanto quatro dificuldades e passo assim ao segundo tema A primeira deriva da consideração de que direitos do homem é uma expressão muito vaga já tentamos alguma vez definilos E se tentamos qual foi o resultado A maioria das definições são tautológicas Direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem Ou nos dizem algo apenas sobre o estatuto desejado ou proposto para esses direitos e não sobre o seu conteúdo Direitos do homem são aqueles que pertencem ou deveriam pertencer a todos os homens ou dos quais nenhum homem pode ser despojado Finalmente quando se acrescenta alguma referência ao conteúdo não se pode deixar de introduzir termos avaliativos Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoa mento da pessoa humana ou para o desenvolvimento da civilização etc etc E aqui nasce uma nova dificul dade os termos avaliativos são interpretados de modo diverso conforme a ideologia assumida pelo intérprete com efeito é objeto de muitas polêmicas apaixonantes mas inso lúveis saber o que se entende por aperfeiço amento da pessoa humana ou por desenvolvimento da civilização O acordo éobtido em geral quando os polemistas depois de muitas concessões recíprocas consentem em aceitar uma fórmula genérica que oculta e não resolve a contradição essa fórmula genérica conserva a definição no mesmo nível de generalida de em que aparece nas duas definições precedentes Mas as con tradições que são assim afastadas renascem quando se passa do momento da enunciação puramente verbal para o da aplicação O fundamento de direitos dos quais se sabe apenas que são condições para a realização de valores últimos e o apelo a esses valores últimos Mas os valores últimos por sua vez não se justificam o que se faz é assumilos O que é último precisamente por ser último não tem nenhum fundamento De resto os valores últimos são antinômicos não podem ser todos realizados globalmente e ao mesmo tempo Para realizálos são necessárias concessões de ambas as partes nessa obra de conciliação que requer renúncias recíprocas entram em jogo as preferências pessoais as opções políticas as orientações ideológicas Portanto permanece o fato de que nenhum dos três tipos de definição permite elaborar uma categoria de direitos do homem que tenha contornos nítidos Perguntase então como é possível pôr o problema do fundamento absoluto ou não de direitos dos quais é impossível dar uma noção precisa 5 Em segundo lugar os direitos do homem constituem uma classe variável como a história destes últimos séculos demonstra suficientemente O elenco dos direitos do homem se modificou e continua a se modificar com a mudança das condições históricas ou seja dos carecimentos e dos interesses das classes no poder dos meios disponíveis para a realização dos mesmos das transformações técnicas etc Direitos que fo ram declara dos absolutos no final do século XVIII como a propriedade sacre et inviolable foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencio navam como os direitos sociais são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações Não é difícil prever que no futuro poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar como o direito a não portar armas contra a própria vontade ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos homens O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas Não se concebe como seja possível atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos De resto não há por que ter medo do relativismo A constatada pluralidade das concepções religiosas e morais é um fato histórico também ele sujeito a modificação O relativismo que deriva dessa pluralidade é também relativo E além do mais é precisamente esse relativismo o mais forte argumento em favor de alguns direitos do homem dos mais celebrados como a liberdade de religião e em geral a liberdade de pensamento Se não estivéssemos convencidos da irresistível pluralidade das concepções últimas e se ao contrário estivéssemos convencidos de que asserções religiosas éticas e políticas são demonstráveis como teoremas e essa era mais uma vez a ilusão dos jusna turalistas de um Hobbes por exemplo que chamava as leis naturais de teoremas A E R A D O S D I R E I T O S 14 então os direitos à liberdade religiosa ou à liberdade de pensamento político perderiam sua razão de ser ou pelo menos adquiririam um outro significado seriam não o direito de ter a própria religião pessoal ou de expressar o próprio pensamento político mas sim o direito de não ser dissuadido pela força de empreender a busca da única verdade religiosa e do único bem político Reflitase sobre a profunda diferença que existe entre o direito à liberdade religiosa e o direito à liberdade cientifica O direito à liberdade religiosa consiste no direito a professar qualquer religião ou a não professar nenhuma O direito à liberdade científica consiste não no direito a professar qualquer verdade científica ou a não professar nenhuma mas essencialmente no direito a não sofrer empecilhos no processo da investigação científica 6 Além de mal definível item 4 e variável item 5 a classe dos direitos do homem é também heterogê nea Entre os direitos compreendidos na própria Declaração há pretensões muito diversas entre si e o que é pior até mesmo incompa tíveis Portanto as razões que valem para sustentar umas não valem para sustentar outras Nesse caso não se deveria falar de fundamento mas de fundamentos dos direitos do homem de diversos fundamentos conforme o direito cujas boas razões se deseja defender Inicialmente cabe dizer que entre os direitos humanos como já se observou várias vezes há direitos com estatutos muito diversos entre si Há alguns que valem em qualquer situação e para todos os homens indistin tamente são os direitos acerca dos quais há a exigência de não serem limitados nem diante de casos excepci onais nem com relação a esta ou àquela categoria mesmo restrita de membros do gênero humano é o caso por exemplo do direito de não ser escra vizado e de não sofrer tortura Esses direitos são privilegiados porque não são postos em concorrência com outros direitos ainda que também fundamentais Porém até entre os chamados direitos fundamentais os que não são suspensos em nenhuma circunstância nem negados para determinada categoria de pessoas são bem poucos em outras Palavras são bem poucos os direitos considera dos fundamentais que não entram em concorrência com outros direitos também consi derados fundamentais e que portanto não imponham em certas situações e em relação a determinadas categorias de su jeitos uma opção Não se pode afirmar um novo direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir algum velho direito do qual se beneficiavam outras categorias de pessoas o reconhecimento do direito de não ser escravi zado implica a eliminação do direito de possuir escravos o reconhecimento do direito de não ser torturado implica a supressão do direito de torturar Nesses casos a escolha parece fácil e é evidente que ficaríamos maravilhados se alguém nos pedisse para jus tificar tal escolha consideramos evidente em moral o que não necessita ser justificado Mas na maioria dos casos a escolha é duvidosa e exige ser motivada Isso depende do fato de que tanto o direito que se afirma como o que é negado têm suas boas razões na Itália nor exemplo pedese a abolição da censura prévia dos espetáculos cinematográficos a escolha é simples se se puser num prato da balança a liberdade do artista e no outro o direito de alguns órgãos administrativos habitualmente incompetentes e medíocres de sufocála mas parece mais difícil se se contrapuser o direito de expressão do produtor do filme ao direito do público de não ser escandalizado ou chocado ou excitado A dificuldade da escolha se resolve com a introdução dos limites à extensão de um dos dois direitos de modo que seja em parte salvaguardado também o outro com relação aos espetáculos para continuarmos com nosso exemplo a Consti tuição italiana prevê o limite posto pelo resguardo dos bons costumes Portanto sobre esse ponto parece que temos de concluir que direitos que têm eficácia tão diversa não podem ter o mesmo fundamento e sobretudo que os direitos do segundo tipo fundamentais sim mas sujeitos a restrições não podem ter um fundamento absoluto que não permitisse dar uma justificação válida para a sua restrição 7 Do caso até agora exposto no qual se revela um contraste entre o direito fundamental de uma categoria de pessoas e o direito igualmente fundamental de uma outra categoria é preciso distinguir um caso que põe ainda mais gravemente em perigo a busca do fundamento absoluto aquele no qual se revela uma antinomia entre os direitos invocados pelas mes mas pessoas Todas as declarações recentes dos direitos do homem com preendem além dos direitos individuais tradicionais que consistem em liberdades também os chamados direi tos sociais que consistem em poderes Os primeiros exigem da parte dos outros incluídos aqui os órgãos públi cos obrigações pu ramente negativas que implicam a abstenção de determinados comportamentos os segun NORBERTO BOBBIO 15 dos só podem ser realizados se for imposto a outros incluídos aqui os órgãos públicos um certo número de obrigações positivas São antinômicos no sentido de que o desenvolvimento deles não pode proceder parale lamente a realização integral de uns impede a realização integral dos outros Quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduosTratase de duas situações jurídicas tão diversas que os argumentos utilizados para defender a primeira não valem para defender a segun da Os dois principais argumentos para in troduzir algumas liberdades entre os direitos fundamentais são a a irredutibilidade das crenças últimas b a crença de que quanto mais livre for o indivíduo tanto mais poderá ele pro gredir moralmente e promover também o progresso material da sociedade Ora desses dois argumentos o primeiro é irre levante para justificar a exigência de novos poderes enquanto o segundo se revelou histori camente falso Pois bem dois direitos fundamentais mas antinômicos não Podem ter um e outro um fundamento abso luto ou seja um fundamento que torne um direito e o seu oposto ambos inquestionáveis e irresistíveis Aliás vale a pena recordar que historicamente a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos total ou parcialmente incompatíveis com aqueles Bas ta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do funda mento absoluto dos direitos de liberdade O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão em alguns casos é também um pretexto para de fender posições conservadoras 8 Expus até aqui algumas razões pelas quais creio que não se possa propor a busca do fundamento absoluto dos direitos do homem Mas há um outro aspecto da questão que emergiu destas últimas considerações E com isso passo à terceira questão que me coloquei no início Tratase de saber se a busca do fundamento absoluto ainda que coroada de sucesso é capaz de obter o resultado esperado ou seja o de conseguir de modo mais rápido e eficaz o reconhecimento e a realização dos direitos do homem Entra aqui em discussão o segundo dogma do racionalismo ético que é de resto a Segunda ilusão do jusnaturalismo o de que os valores últimos não só podem ser demonstrados como teoremas mas de que basta demonstrálos ou seja tornálos em certo sentido inquestionáveis e irresistíveis para que seja assegurada sua realização Ao lado do dogma da demonstrabilidade dos valores últimos cuja ausência de fundamento tenta mos demonstrar nos itens anterio res o racionalismo ético em sua forma mais radical e antiga sustenta também que a racionalidade demonstrada de um valor é condição não só necessária mas também suficiente de sua realização O primeiro dogma assegura a potência da razão o segundo assegura o seu primado Esse segundo dogma do racionalismo ético e do jusnaturalismo que é a expressão histórica mais respeitá vel do racionalismo ético é desmentido pela experiência histórica Aduzo sobre esse ponto três argumentos Em primeiro lugar não se pode dizer que os direitos do homem tenham sido mais respeitados nas épocas em que os eruditos estavam de acordo em considerar que haviam en contrado um argumento irrefutável para defendêlos ou seja um fundamento absoluto o de que tais direitos derivavam da essência ou da natureza do homem Em segundo lugar apesar da crise dos fundamentos a maior parte dos governos existentes proclamou pela primeira vez nessas décadas uma Declaração Universal dos Direitos do Homem Por conseguin te de pois dessa declaração o problema dos fundamentos perdeu grande parte do seu interesse Se a maioria dos governos existentes concordou com uma declaração comum isso é sinal de que encontraram boas razões para fazêlo Por isso agora não se trata tanto de buscar outras razoes ou mesmo como querem os Jusnaturalistas redivivos a razão das razões mas de por as condições para uma mais ampla e escrupulosa rea lização dos direitos proclamados Decerto para empenharse na criação dessas condições é preciso que se esteja conven cido de que a realização dos direitos do homem é uma meta de sejável mas não basta essa convicção para que aquelas con dições se efetivem Muitas dessas condições e passo assim ao terceiro tema não dependem da boa vontade nem mesmo dos governantes e dependem menos ainda das boas razões adotadas para demonstrar a bondade absoluta desses direitos somente a transformação industrial num país por exemplo torna possível a proteção dos direitos ligados às relações detrabalho Devese recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem particularmente contra os direitos sociais não é a sua falta de fundamento mas a sua inexeqüibilidade Quando se trata de enunciálos o acordo é obtido com relativa facilidade independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamen A E R A D O S D I R E I T O S 16 to absoluto quando se trata de passar à ação ainda que o fundamento seja inquestionável começam as reservas e as oposições O problema fundamental em relação aos direitos do homem hoje não é tanto o de justificálos mas o de protegêlos Tratase de um problema não filosófico mas político 9 É inegável que existe uma crise dos fundamentos Devese reconhecêla mas não tentar superála bus cando outro fundamento absoluto para servir como substituto para o que se perdeu Nossa tarefa hoje é muito mais modesta embora também mais difícil Não se trata de encontrar o fundamento absoluto empreendi mento sublime porém desesperado mas de buscar em cada caso concreto os vários fundamentos possíveis Mas também essa busca dos fundamentos possíveis empreendimento legítimo e não destinado como o outro ao fracasso não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condi ções dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado Esse estudo é tarefa das ciências históricas e sociais O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos sociais econômicos psicológicos inerentes à sua realização o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios Isso significa que o filósofo já não está sozinho O filósofo que se obstinar em permanecer só termina por condenar a filosofia à esterilidade Essa crise dos fundamentos é tam bém um aspecto da crise da filosofia NORBERTO BOBBIO 17 PRESENTE E FUTURO DOS DIREITOS DO HOMEM H Á TRÊS ANOS no simpósio promovido pelo Institut International de Philosophie sobre o Fundamento dos Direitos do Homem tive oportunidade de dizer num tom um pouco peremptório no final de minha comunicação que o problema grave de nosso tempo com relação aos direitos do homem não era mais o de fundamentálos e sim o de protegêlos Desde então não tive razões para mudar de idéia Mais que isso essa frase que dirigida a um público de filósofos podia ter uma intenção polêmica pôde servir quando me ocorreu repetila no simpósio predominantemente jurídico promovido pelo Comitê Consultivo Italiano para os Direitos do Homem como introdução por assim dizer quase obrigatória Com efeito o problema que temos diante de nós não é filosófico mas jurídico e num sentido mais amplo político Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos qual é sua natureza e seu fundamento se são direitos naturais ou históricos absolutos ou relativos mas sim qual é o modo mais seguro para garantilos para impedir que apesar das solenes declarações eles sejam continuamente violados De resto quando a Assem bléia Geral da ONU em sua última sessão acolheu a proposta de que a Conferência Internacional dos Direi tos do Homem decidida na sessão do ano anterior fosse realizada em Teerã na primavera de 1968 fazia votos de que a conferênciaassinalasse um notável passo à frente na ação empreendida no sentido de encorajar e ampliar o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais Entendese que a exigência do respei to aos direitos humanos e às liberdades fundamentais nasce da convicção partilhada universalmente de que eles pos suem fundamento o problema do fundamento é ineludível Mas quando digo que o problema mais urgente que temos de enfrentar não é o problema do fundamento mas o das garantias quero dizer que consi deramos o problema do fundamento não como inexistente mas como em certo sentido resolvido ou seja como um problema com cuja solução já não devemos mais nos preocupar Com efeito podese dizer que o problema do fundamento dos direitos humanos teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1848 A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e por tanto reconhecido e essa prova é o consenso geral acerca da sua validade Os jusnaturalistas teriam falado de consensus omnium gentium ou humani generis Há três modos de fundar os valores deduzilos de um dado objetivo constante como por exemplo a natureza humana considerálos como verdades evidentes em si mesmas e finalmente a descoberta de que num dado período his tórico eles são geralmente aceitos precisamente a prova do consenso O primeiro modo nos ofereceria a maior garantia de sua validade universal se verdadeiramente existisse a natureza huma na e admitindose que existisse como dado constante e imutável tivéssemos a possibilidade de conhecêla em sua essência a julgarmos pela história do jusnaturalismo a natureza humana foi interpretada dos mais diferen tes modos e o apelo à natureza serviu para justificar sistemas de valores até mesmo diversos entre si Qual é o direito fundamental do homem segundo a sua natureza O direito do mais forte como queria Spinoza ou o direito à liberdade como queria Kant O segundo modo o apelo à evidência tem o defeito de se situar para além de qualquer prova e de se recusar a qualquer argumentação possível de caráter racional na realida de tão logo submetemos valores proclamados evidentes à verificação histórica percebemos que aquilo que foi considerado como evidente por alguns num dado momento não é mais considerado como evidente por outros em outro momento Deve provavelmente ter aparecido como evidente aos autores da Declaração de 1789 que a propriedade era sagrada e inviolável Hoje ao contrário toda referência ao direito de proprieda de como direito do homem desapareceu nos documentos mais recentes das Nações Unidas Atualmente quem não pensa que é evidente que não se deve torturar os prisioneiros Todavia durante séculos a tortura foi aceita e de fendida como um procedimento judiciário normal Desde que os homens começaram a refletir sobre a justificação do uso da violência foi sempre evidente que vim vi repellere licet atualmente ao contrário A E R A D O S D I R E I T O S 18 difundemse cada vez mais teorias da nãoviolência que se fundam precisamente na recusa desse conceito O terceiro modo de justificar os valores consiste em mos trar que são apoiados no consenso o que significa que um valor é tanto mais fundado quanto mais é aceito Com o argumento do consenso substituise pela prova da intersubjetividade a prova da objetividade considerada impossível ou extremamente incerta Trata se certamente de um fundamento histórico e como tal não absoluto mas esse fundamento histórico do consenso é o único que pode ser factualmente comprovado A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determi nado sistema de valores Os velhos jusnaturalistas desconfiavam e não estavam inteiramente errados do consenso geral como fundamento do direito já que esse consenso era dificil de comprovar Seria necessário buscar sua expressão documental através da inquieta e obscura história das nações como tentaria fazêlo Giambattista Vico Mas agora esse documento existe foi aprovado por 48 Estados em 10 de dezembro de 1948 na Assembléia Geral das Nações Unidas e a partir de então foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados mas de indivíduos livres e iguais Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história na medida em que pela primeira vez um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito através de seus respectivos governos pela maioria dos homens que vive na Terra Com essa declaração um sistema de valores é pela primeira vez na história universal não em princípio mas de fato na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado Os valores de que foram portadoras as religiões e as Igrejas até mesmo a mais universal das religiões a cristã envolveram de fato isto é historicamente até hoje apenas uma parte da humanidade Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade toda a humanidade partilha alguns valores comuns e podemos finalmente crer na universalidade dos valores no único sentido em que tal crença é historicamente legítima ou seja no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos homens Esse universalismo foi uma lenta conquista Na história da formação das declarações de direitos podemse distinguir pelo menos três fases As declarações nascem como teorias filosóficas Sua primeira fase deve ser buscada na obra dos filósofos Se não quisermos remontar até a idéia estóica da sociedade universal dos ho mens racionais o sábio é cidadão não desta ou daquela pátria mas do mundo a idéia de que o homem enquanto tal tem direitos por natureza que ninguém nem mesmo o Estado lhe pode subtrair e que ele mesmo não pode alienar mesmo que em caso de necessidade ele os aliene a transferência não é válida essa idéia foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno Seu pai é John Locke Segundo Locke o verdadeiro estado do homem não é o estado civil mas o natural ou seja o estado de natureza no qual os homens são livres e iguais sendo o estado civil uma criação artificial que não tem outra meta além da de permitir a mais ampla explicitação da liberdade e da igualdade naturais Ainda que a hipótese do estado de natureza tenha sido abandonada as primeiras palavras com as quais se abre a Declaração Universal dos Direitos do Homem con servam um claro eco de tal hipótese Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos O que é uma maneira diferente de dizer que os homens são livres e iguais por natureza E como não recordar as primeiras célebres palavras com que se inicia o Contrato social de Rousseau ou seja O homem nasceu livre e por toda a parte encontrase a ferros A Declaração conserva apenas um eco porque os homens de fato não nascem nem livres nem iguais São livres e iguais com relação a um nascimento ou natureza ideais que era precisamente a que tinham em mente os jusnaturalistas quando falavam em estado de natureza A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato mas um ideal a perseguir não são uma existência mas um valor não são um ser mas um dever ser Enquanto teorias filosóficas as primeiras afirmações dos direitos do homem são pura e simplesmente a expressão de um pensamento individual são universais em relação ao conteúdo na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo mas são extrema mente limitadas em relação à sua eficácia na medida em que são na melhor das hipóteses propostas para um futuro legislador No momento em que essas teorias são acolhidas pela primeira vez por um legislador o que ocorre com as Declarações de Direitos dos Estados Norteamericanos e da Revolução Francesa um pouco depois e postas na base de uma nova concepção do Estado que não é mais absoluto e sim limitado que não é mais fim em NORBERTO BOBBIO 19 si mesmo e sim meio para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria existência a afirmação dos direitos do homem não é mais expressão de uma nobre exigência mas o ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos no sentido estrito da pa lavra isto é enquanto direitos positivos ou efetivos O segundo momento da história da Declaração dos Direitos do Homemconsiste portanto na passagem da teoria à prática do direito somente pensado para o direito realizado Nessa passagem a afirmação dos direitos do homem ganha em concreticidade mas perde em universalidade Os direitos são doravante protegidos ou seja são autênticos direitos positivos mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece Embora se mantenha nas fórmulas solenes a distinção entre direitos do homem e direitos do cidadão não são mais direitos do homem e sim apenas do cidadão ou pelo menos são direitos do homem somente enquanto são direitos do cidadão deste ou daquele Estado particular Com a Declaração de 1948 tem inicio uma terceira e última fase na qual a afirmação dos direitos é ao mesmo tempo universal e positiva universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado mas todos os homens positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha vio lado No final desse processo os direitos do cidadão terão se transformado realmente positivamen te em direitos do homem Ou pelo menos serão os direitos do cidadão daquela cidade que não tem fronteiras porque compreende toda a humanidade ou em outras palavras serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo Somos tentados a descrever o processo de desenvolvimento que culmina da Declara ção Universal também de um outro modo servindonos das categorias tradicionais do direito natural e do direito positivo os direitos do homem nascem como direitos naturais universais desenvolvemse como direi tos positivos particulares para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético que começa pela universali dade abstrata dos direitos naturais transfigurase na particularidade concreta dos direitos positivos e termina na universalidade não mais abstrata mas também ela concreta dos direitos positivos universais Quando digo contém em germe quero chamar a atenção para o fato de que a Declaração Universal é apenas o início de um longo processo cuja realização final ainda não somos capazes de ver A Declaração é algo mais do que um sistema doutrinário porém algo menos do que um sistema de normas jurídicas De resto como já várias vezes foi observado a própria Declaração proclama os princípios de que se faz pregoeira não como normas jurídicas mas como ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas as nações Uma remissão às normas jurídicas existe mas está contida num juízo hipotético Com efeito lêse no Preâm bulo que é indispensável que os direitos do homem sejam protegidos por normas jurídicas se se quer evitar que o homem seja obrigado a recorrer como última instância à rebelião contra a tirania e a opressão Essa proposição se limita a estabelecer uma conexão necessária entre determinado meio e determinado fim ou se quisermos apresenta uma opção entre duas alternativas ou a proteção jurídica ou a rebelião Mas não põe em ação o meio Indica qual das duas alternativas foi escolhida mas ainda não é capaz de realizála São coisas diversas mostrar o caminho e percorrêlo até o fim Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais a única defesa possí vel contra a sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural o chamado direito de resistência Mais tarde nas Constituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos o direito natural de resistência transformouse no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado Mas o que podem fazer os cidadãos de um Estado que não tenha reconhecido os direitos do homem como direitos dignos de proteção Mais uma vez só lhes resta aberto o caminho do chamado direito de resistência Somente a extensão dessa proteção de alguns Estados para todos os Estados e ao mesmo tempo a proteção desses mesmos direitos num degrau mais alto do que o Estado ou seja o degrau da comunidade internacional total ou parcial poderá tornar cada vez menos provável a alternativa entre opressão e resistên cia Portanto e claro que com aquele juízo hipotético ou o que é o mesmocom aquela alternativa os autores da Declaração demonstraram estar perfeitamente conscientes do meio que leva ao fim desejado Mas uma coisa é a consciência do meio outra a sua realização Quando se diz que a Declaração Universal representou apenas o momento inicial da fase final de um Processo o da conversão universal em direito positivo dos direitos do homem pensase habitualmente na A E R A D O S D I R E I T O S 20 dificuldade de implementar medidas eficientes para a sua garantia numa comunidade como a inter nacional na qual ainda não ocorreu o processo de monopolização da força que caracterizou o nascimento do Estado moderno Mas há também problemas de desenvolvimento que dizem respeito ao próprio conteúdo da Decla ração Com relação ao conteúdo ou seja à quantidade e à qualidade dos direitos elencados a Declaração não pode apresentar nenhuma pretensão de ser de finitiva Também os direitos do homem são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem A expressão direitos do homem que é certamente enfática ainda que oportunamente enfática pode provocar equívocos já que faz pensar na exis tência de direitos que pertencem a um homem abstrato e como tal subtraídos ao fluxo da história a um homem essencial e eterno de cuja contemplação derivaríamos o conhecimento infalível dos seus direitos e deveres Sabemos hoje que também os direitos ditos humanos são o produto não da natureza mas da civilização humana enquanto direitos históricos eles são mutáveis ou seja suscetíveis de transformação e de ampliação Basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos Hobbes conhecia apenas um deles o direito à vida Como todos sabem o desen volvimento dos direitos do homem passou por três fases num primeiro momento afirmaramse os direitos de liberdade isto é todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo ou para os grupos particulares uma esfera de liberdade em relação ao Estado num segundo momento foram propugnados os direitos políticos os quais concebendo a liberdade não apenas negativamente como nãoimpedimento mas positivamente como autonomia tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla gene ralizada e freqüen te dos membros de uma comunidade no poder político ou liberdade no Estado finalmente foram proclama dos os direitos sociais que expressam o amadurecimento de novas exigências podemos mesmo dizer de novos valores como os do bemestar e da igualdade não apenas formal e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado Se tivessem dito a Locke campeão dos direitos de liberdade que todos os cidadãos deveriam participar do poder político e pior ainda obter um trabalho remunerado ele teria respondido que isso não passava de loucura E não obstante Locke tinha examinado a fundo a natureza humana mas a natureza humana que ele examinara era a do burguês ou do comerciante do século XVIII e não lera nela porque não podia lêlo daquele ângulo as exigências e demandas de quem tinha uma outra natureza ou mais precisamente não tinha nenhuma natureza humana já que a natureza humana se identi ficava como a dos pertencentes a uma classe determinada Ora a Declaração Universal dos Direitos do Homem que é certamente com relação ao processo de prote ção global dos direitos do homem um ponto de partida para uma meta progressiva como dissemos até aqui representa ao contrário com relação ao conteúdo isto é com relação aos direitos proclamados um ponto de parada num processo de modo algum concluído Os direitos elencados na Declaração não são os únicos e possíveis direitos do homem são os direitos do homem histórico tal como este se configurava na mente dos redatores da Declaração após a tragédia da Segunda Guerra Mundial numa época que tivera início com a Revolução Francesa e desembocara na Revolução Soviética Não e preciso muita imaginação para prever que o desenvolvimento da técnica a transformação das condições econômicas e sociais a ampliação dos conheci mentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novos carecimentos e portanto para novas demandas de liberdade e de poderes Para dar apenas alguns exemplos lembro que a crescente quantidade e intensidade das informações a que o homem de hoje está submetido faz surgir com força cada vez maior a necessidade de não se ser enganado excitado ou perturbado por uma propaganda maciça e deformadora começa a se esboçar contra o direito de expressar as próprias opiniões o direito à verdade das informações No campo do direito à participação no poder fazse sentir na medida em que o poder econômico se torna cada vez mais determinante nas decisões políticas e cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de cada homem a exigência de participação no poder econômico ao lado e para além do direito já por toda parte reconhecido ainda que nem sempre aplicado de participação no poder político O campo dos direitos sociais finalmente está em contínuo movimento assim como as demandas de proteção social nasceram com a revolução industrial é provável que o rápido desenvolvimento técnico e econômico traga consigo novas demandas que hoje não somos capazes nem de prever A Declaração Univer sal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda NORBERTO BOBBIO 21 metade do século XX É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre Quero dizer com isso que a comunidade internacional se encontra hoje diante não só do problema de fornecer garantias válidas para aqueles direitos mas também de aperfei çoar continuamente o conteúdo da Declaração articulandoo especificandoo atualizandoo de modo a não deixálo cristalizarse e enrijecer se em fórmulas tanto mais solenes quanto mais vazias Esse problema foi enfrentado pelos organismos interna cionais nos últimos anos mediante uma série de atos que mostram quanto é grande por parte desses organis mos a consciência da historicidade do documento inicial e da necessidade de mantêlo vivo fazendoo cres cer a partir de si mesmo Tratase de um verdadeiro desenvolvimento ou talvez mesmo de um gradual amadurecimento da Declaração Universal que gerou e está para gerar outros documentos interpretativos ou mesmo complementares do documento inicial Limitome a alguns exemplos A Declaração dos Direito da Criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959 referese em seu preâmbulo a Declaração Universal mas logo após essa referência apresenta o problema dos direitos da criança como uma especificação da solução dada ao problema dos direitos do homem Se se diz que a criançapor causa de sua imaturidade física e intelectual necessita uma proteção particular e de cuidados especiais deixase assim claro que os direitos da criança são consideradas como um ius singulare com relação a um ius commune o destaque que se dá a essa especificidade através do novo documen to deriva de um processo de especificação do genérico no qual se realiza o respeito à máxima suum cuique tribuere Recordemos o art 2º da Declaração Universal que condena toda discriminação fundada não só sobre a religião a língua etc mas também sobre o sexo e a raça No que se refere à discriminação fundada na diferença de sexo a Declaração não vai e não pode ir além dessa enunciação genérica já que se deve entender que quando o texto fala de indivíduos referese indiferentemente a homens e mulheres Mas em 20 de dezembro de 1952 a Assembléia Geral aprovou urna Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher que nos primeiros três artigos prevê a não discriminação tanto em relação ao direito de votar e de ser votado quanto à possibilidade de acesso a todos os cargos públicos Quanto à discriminação racial basta recordar que em 20 de novembro de 1963 a Assembléia Geral aprovou uma Declaração seguida dois anos depois por uma Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial que especifica em onze artigos algumas espécies típicas de ação discriminatória e contempla também práticas especificas e bem deli mitadas de discriminação particularmente o apartheid art 5º práticas específicas que não podiam evidente mente estar previstas numa declaração geral Talvez um dos fenômenos mais interessantes e evidentes do crescimento do problema dos direitos do ho mem seja aquele relacionado com o processo de descolonização o qual teve lugar de modo mais decisivo é bom recordar depois da Declaração Universal Pois bem na Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais aprovada em 14 de dezembro de 1960 temos a habitual referência genérica aos direitos do homem globalmente considerados mas temos também algo mais a afirmação desde o primeiro artigo de que a sujeição dos povos ao domínio estrangeiro é uma ne gação dos direitos fundamentais do homem Tratase de uma autêntica complementação cujo caráter explosivo não é difícil de imaginar ao texto da Declaração Universal Com efeito uma coisa é dizer como o faz a Declaração Universal no art 2º 2 que nenhuma distinção será estabelecida com base no estatuto político jurídico ou internacional do país ou do ter ritório a que uma pessoa pertence outra é considerar como contrária aos direitos do homem como o faz a Declaração da Independência a sujeição dos povos ao domínio estrangeiro A primeira afirmação referese à pessoa individual a segunda a todo um povo Uma chega até a nãodiscriminação individual a outra prossegue até a autonomia coletiva E ligase com efeito ao princípio já proclamado desde os tempos da Revolução Francesa e que se tornou depois um dos motivos inspiradores dos movimentos nacionais dos séculos XIX e XX do direito de todo Povo à autodeterminação princípio que faz seu reaparecimento precisamente no art 2º da mesma Declaração de Independência Portanto tornase evidente que ao lado da afirmação dos direitos de cada homem aos quais se refere de modo exclusivo a Declaração Universal tornou se agora madura através do processo de descolonização e da tomada de consciência dos novos valores que ele expressa a exigência de afirmar direitos fundamentais dos povos que não estão necessariamente inclu ídos nos primeiros Chegouse ao ponto de acolher o princípio de autodeterminação dos povos como primeiro princípio ou princípio dos princípios nos úl timos e mais importantes documentos relativos aos direitos do A E R A D O S D I R E I T O S 22 homem aprovados pelas Nações Unidas O Pacto sobre os direitos econômicos sociais e culturais e o Pacto sobre os direitos civis e políticos ambos adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 começam assim Todos os povos têm o direito à autodeterminação e prosseguem Em virtude desse direito eles decidem livremente sobre seu estatuto político e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico sócio cultural O art 3º de ambos os pactos reiterando afirma que os Estados devem promover a realização do direito à autodeterminação dos povos Não tenho a pretensão de elencar todos os casos em que a atividade de promoção dos direitos humanos realizada pelos organismos das Nações Unidas e penso particularmente nas convenções sobre o trabalho e a liberdade sindical adotadas pela Organização Internacional do Trabalho representou um desenvolvi mento e uma determinação mais precisa da Declaração Universal Mas não posso deixar de recordar ainda a Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio aprovada pela Assembléia Geral em 9 de dezembro de 1958 que estende a um grupo humano considerado em seu conjunto os artigos 3 e 5 da Declaração Univer sal os quais atribuem ao indivíduo os direitos à vida à segurança pessoal a não ser escravizado ou tratado de maneira cruel desumana ou degradante Mais uma vez para além dos direitos do homem como indivíduo desenhamse novos direitos de grupos humanos povos e nações Um caso interessante e bastante desconcertante dessa Magna Charta dos povos em processo de elaboração é o art 47 do Pacto sobre os direitos civis e políticos que fala de um direito inerente a todos os povos de desfrutar e de dispor plenamente de suas riquezas e recursos naturais Não é difícil entender as razões dessa afirmação bem mais difícil é prever suas con seqüências caso ela seja aplicada literalmente Afirmei no inicio que o importante não é fundamentar os direitos do homem mas protegêlos Não preciso aduzir aqui que para protegêlos não basta proclamálos Falei até agora somente das várias enunciações mais ou menos articuladas O problema real que temos de enfrentar contudo é o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos E inútil dizer que nos encontramos aqui numa estrada desco nhecida e além do mais numa estrada pela qual trafegam na maioria dos casos dois tipos de cami nhantes os que enxergam com clareza mas têm os pés presos e os que poderiam ter os pés livres mas têm os olhos vendados Pareceme antes de mais nada que é preciso distinguir duas ordens de dificuldades umade natureza mais propriamente jurídicopolítica outra substancial ou seja inerente ao conteúdo dos direitos em pauta A primeira dificuldade depende da própria natureza da comunidade internacional ou mais precisamente do tipo de relações existentes entre os Estados singulares e entre cada um dos Estados singulares e a comuni dade internacional tomada em seu conjunto Para retomar uma velha distinção empregada outrora para descrever as relações entre Estado e Igreja poderseia dizer com o grau de aproximação que é inevitável nas distinções muito nítidas que os organismos internacionais possuem em relação aos Estados que os compõem uma vis directiva e não coactiva Ora quando falamos de proteção jurídica e queremos distinguila de outras formas de controle social pensamos na proteção que tem o cidadão quando a tem no interior do Estado ou seja numa proteção que é fundada na vis directiva e da vis coactiva quanto à eficácia é um problema complexo que não pode ser abordado aqui Limitome à seguinte observação para que a vis directiva alcance seu próprio fim são necessárias em geral uma ou outra destas duas con dições melhor sendo quando as duas ocorrem em conjunto a o que a exerce deve ter muita autoridade ou seja deve incutir se não temor reverencial pelo menos respeito b aquele sobre o qual ela se exerce deve ser muito razoável ou seja deve ter uma disposição genérica a considerar como válidos não só os argumentos da força mas também os da razão Ainda que toda generalização seja indébíta e as relações entre os Estados e os organismos internacionais possam ser de natureza muito diver sa é preciso admitir que existem casos nos quais faltam uma ou outra das duas condi ções quando não faltam ambas E é precisamente nesses casos que se pode verificar mais facilmente a situação de insuficiente e até mesmo de inexistente proteção dos direitos do homem situação que deveria ser remedi ada pela comunidade internacional O desprezo pelos direitos do homem no plano interno e o escasso respeito à autoridade internacional no plano externo marcham juntos Quanto mais um governo for autoritário em relação à liberdade dos seus cidadãos tanto mais será libertário que me seja permitido usar essa expressão em face da autoridade internacional Repetindo a velha distinção ainda que de modo mais preciso a teoria política distingue hoje substancial mente duas formas de controle social a influência e o poder entendendose por influência o modo de NORBERTO BOBBIO 23 controle que determina a ação do outro incidindo sobre sua escolha e por poder o modo de controle que determina o comportamento do outro pondoo na impossibilidade de agir diferentemente Mesmo partindo se dessa distinção resulta claro que existe uma diferença entre a proteção jurídica em sentido estrito e as garantias internacionais a primeira servese da forma de controle social que é o poder as segundas são funda das exclusivamente na influência Tomemos a teoria de Felix Oppenheim que distingue três formas de influ ência a dissuasão o desencorajamento e o con dicionamento e três formas de poder a violência física o impedimento legal e a ameaça de sanções graves O controle dos organismos internacionais corresponde bastante bem às três formas de influência mas estanca diante da primeira forma de poder Contudo é precisa mente com a primeira forma de poder que começa aquele tipo de proteção a que estamos habituados por uma longa tradição a chamar de jurídica Longe de mim a idéia de promover uma inútil questão de palavras trata se de saber substantivamente quais são as possíveis formas de controle social e com base nessa tipologia estabelecer quais são as empregadas e empregáveis atualmente pela comunidade internacional e depois dis tinguindo formas mais ou menos eficazes com relação ao fim que é o de impedir ou reduzir ao mínimo os comportamentos desviantes perguntar qual seria com relação à tutela dos direitos do homem o grau de eficácia das medidas atualmente aplicadas ou aplicáveis no plano internacional As atividades até aqui implementadas pelos organismos internacionais tendo em vista a tutela dos direitos do homem podem ser consideradas sob três aspectos promoção controle e garantia Por promoção entendese o conjunto de ações que são orientadas para este duplo objetivo a induzir os Estados que não têm uma disciplina específica para a tutela dos direitos do homem a introduzila b induzir os que já a têm a aperfeiçoá la seja com relação ao direito substancial número e qualidade dos direitos a tutelar seja com relação aos procedimentos número e qualidade dos controle jurisdicionais Por atividades de controle entendese o conjunto de medidas que os vários organismos internacionais põem em movimento para verificar se e em que grau as recomendações foram acolhidas se e em que grau as convenções foram respeitadas Dois modos típicos para exercer esse controle ambos previstos por exemplo nos dois Pactos de 1966 já mencionados são os relatórios que cada Estado signatário da convenção se compromete a apresentar sobre as medidas adotadas para tutelar os direitos do homem de acordo com o próprio pacto cf art 40 bem como os comunicados com os quais um Estado membro denuncia que um outro Estado membro não cumpriu as obrigações decorrentes do pacto cf art 41 Finalmente por atividades de garantia talvez fosse melhor dizer de garantia em sentido estrito entendese a organização de uma autêntica tutela jurisdicional de nível internacional que substitua a nacional A separação entre as duas primeiras formas de tutela dos direitos do homem e a terceira é bastante nítida enquanto a promoção e o controle se dirigem exclusivamente para as garantias existentes ou a instituir no interior do Estado ou seja tendem a reforçar ou a aperfeiçoar o sistema juris dicional nacional a terceira tem como meta a criação de uma nova e mais alta jurisdição a substituição da garantia nacional pela interna cional quando aquela for insuficiente ou mesmo inexistente Como se sabe esse tipo de garantia foi previsto pela Convenção Européia dos Direitos do Homem firmada em Roma em 4 de novembro de 1950 e que entrou em vigor em 3 de setembro de 1953 através do procedimen to saudado como profundamente inovador das demandas individuais à Comissão Européia dos Direitos do Homem cf art 25 É uma inovação que representa até agora apenas uma ponta avançada no sistema atual da proteção internacional dos di reitos do homem Mas só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma jurisdição internacional conseguir imporse e superporse às jurisdições nacionais e quando se realizar a passagem da garantia dentro do Estado que é ainda a caracte rística predominante da atual fase para a garantia contra o Estado Devese recordar que a luta pela afirmação dos direitos do homem no interior de cada Estado foi acompa nhada pela instauração dos regimes representativos ou seja pela dissolução dos Estados de poder concentra do Embora toda analogia histórica deva ser feita com muita cautela é provável que a luta pela afirmação dos direitos do homem também contra o Estado pressuponha uma mudança que de fato já está em andamento ainda que lento sobre a concepção do poder ex terno do Estado em relação aos outros Estados bem como um aumento do caráter representativo dos organismos inter nacionais O exemplo da Convenção Européia ensi na que as formas de garantia internacional são mais evoluídas hoje nos casos em que são mais evoluídas as garantias nacionais ou seja a rigor nos casos em que são menos necessárias Chamamos de Estados de direi to os Estados onde funciona regularmente um sistema de garantias dos direitos do homem no mundo exis A E R A D O S D I R E I T O S 24 tem Estados de direito e Estados não de direito Não há dúvida de que os cidadãos que têm mais necessidade da proteção internacional são os cidadãos dos Estados não de direito Mas tais Estados são precisamente os menos incli nados a aceitar as transformações da comunidade internacional que deveriam abrir caminho para a instituição e o bom funcionamento de uma plena proteção jurídica dos direitos do homem Dito de modo drástico encontramonos hoje numa fase em que com relação à tutela internacional dos direitos do homem onde essa é possível talvez não seja necessária e onde é necessária é bem menos possível Além das dificuldades jurídicopolíticas a tutela dos direitos do homem vai de encontro a dificuldades inerentes ao próprio conteúdo desses direitos Causa espanto que de modo geral haja pouca preocupação com esse tipo de dificuldade Dado que a maior parte desses direitos são agora aceitos pelo senso moral comum crêse que o seu exercício seja igualmente simples Mas ao contrário é terrivelmente complicado Por um lado o consenso geral quanto a eles induz a crer que tenham um valor absoluto por outro a expressão genérica e única direitos do homem faz pensar numa categoria homogênea Mas ao contrário os direitos do homem em sua maio ria não são absolutos nem constituem de modo algum uma categoria homogênea Entendo por valor absoluto o estatuto que cabe a pouquíssimos direitos do homem válidos em todas as situações e para todos os homens sem distinção Tratase de um estatuto privilegiado que depende de uma situação que se verifica muito raramente é a situação na qual existem direitos fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais É preciso partir da afirmação óbvia de que não se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas O direito a não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos assim como o direito de não ser torturado implica a eliminação do direito de torturar Esses dois direitos podem ser conside rados absolutos já que a ação que é conside rada ilícita em conseqüência de sua instituição e proteção e universalmente condenada Prova disso é que na Convenção Européia dos Direitos do Homem ambos esses direitos são explicitamente excluídos da suspensão da tutela que atinge to dos os demais direitos em caso de guerra ou de outro perigo público cf art 15 2 Na maioria das situações em que está em causa um direito do homem ao contrário ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante Basta pensar para ficarmos num exemplo no direito à liberdade de expressão por um lado e no direito de não ser enganado excitado escandalizado injuriado difamado vilipendiado por outro Nesses casos que são a maioria devese falar de direitos funda mentais não absolutos mas relativos no sentido de que a tutela deles encontra em certo ponto um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental mas concorrente E dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um termina e o outro começa a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas Alguns artigos da Convenção Européia dos Direitos do Homem são como se sabe divididos em dois parágrafos o primeiro dos quais enuncia o direito enquanto o outro enumera as restrições freqüentemente numerosas Além disso há situações em que até mesmo um direito que alguns grupos consideram fundamental não consegue fazerse reconhecer pois continua a predominar o direito fundamental que lhe é con traposto como é o caso da objeção de consciência O que e mais fundamental o direito de não matar ou o direito da coletividade em seu conjunto de ser defendida contra uma agressão externa Com base em que critério de valor uma tal questão pode ser resolvida Minha consciência o sistema de valores do grupo a que pertenço ou a consciência moral da humanidade num dado momento histórico E quem não per cebe que cada um desses critérios é extremamente vago demasiado vago para a concretização daquele princípio de certeza de que parece ter necessidade um sistema jurídico para poder distribuir imparcialmente a razão e a nãorazão Quando digo que os direitos do homem constituem uma categoria heterogênea refirome ao fato de que desde quando passaram a ser considerados como direitos do homem além dos direitos de liberdade também os direitos sociais a categoria em seu conjunto passou a conter direitos entre si incompatíveis ou seja direitos cuja proteção não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a proteção de outros Podese fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo tempo livre e justa na qual são global e simultaneamente realizados os direitos de liberdade e os direitos sociais as sociedades reais que temos diante de nós são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos livres Esclareço dizendo que chamo de liberdades os direitos que são garantidos quan do o Estado não intervém e de poderes os direitos que exigem uma intervenção do Estado para sua efetivação Pois bem liberdades e poderes com freqüência não NORBERTO BOBBIO 25 são como se crê complementares mas incompatíveis Para dar um exemplo banal o aumento do poder de comprar automóveis diminuiu até quase paralisar a liberdade de circulação Outro exemplo um pouco menos banal a extensão do direito social de ir à escola até os catorze anos suprimiu na Itália a liberdade de escolher um tipo de escola e não outro Mas talvez não haja necessidade de dar exemplos a sociedade histó rica em que vivemos caracterizada por uma organização cada vez maior em vista da efi ciência é uma socie dade em que a cada dia adquirimos uma fatia de poder em troca de uma falta de liberdade Essa distinção entre dois tipos de direitos humanos cuja realização total e simultânea é impossível é consagrada de resto pelo fato de que também no plano teórico se encontram frente a frente e se opõem duas concepções diversas dos direitos do homem a liberal e a socialista A diferença entre as suas concepções consiste precisamente na convicção de ambas de que entre os dois tipos de direito é preciso escolher ou pelo menos estabelecer uma ordem de prioridade com a conseqüente diversidade do critério da escolha e da ordem de prioridade Embora cada uma delas tenha pretendido fazer uma síntese a história submeteu a uma dura prova os regimes que as representavam O que podemos esperar do desenvolvimento dos dois tipos de regime não é uma síntese definitiva mas no máximo um compromisso ou seja uma síntese mas provisória Mais uma vez porém colocase a questão quais serão os critérios de avaliação com base nos quais se tentará o compromisso Também a essa questão ninguém é capaz de dar uma resposta que permita à humanidade evitar o perigo de incorrer em erros trágicos Através da proclamação dos direitos do homem fizemos emergir os valores fundamen tais da civilização humana até o presente Isso é verdade Mas os valores últimos são antinômicos e esse é o problema Uma última consideração Falei das dificuldades que surgem no próprio seio da categoria dos direitos do homem considerada em sua complexidade Cabe ainda mencionar uma dificuldade que se refere às condições de realização desses direitos Nem tudo o que é desejável e merecedor de ser perseguido é realizável Para a realização dos direitos do homem são freqüentemente necessárias condições objetivas que não depen dem da boa vontade dos que os proclamam nem das boas disposições dos que possuem os meios para protegêlos Mesmo o mais liberal dos Estados se encontra na necessidade de suspender alguns direitos de liberdade em tempos de guerra do mesmo modo o mais socialista dos Estados não terá condições de garantir o direito a uma retribuição justa em épocas de carestia Sabese que o tremendo problema diante do qual estão hoje os países em desenvolvimento é o de se encontrarem em condições econômicas que apesar dos programas ideais não permitem desenvolver a proteção da maioria dos direitos sociais O direito ao trabalho nasceu com a Revolu ção Industrial e é estreitamente ligado à sua consecução Quanto a esse direito não basta fundamentálo ou proclamálo Nem tampouco basta protegêlo O problema da sua realização não é nem filosófico nem moral Mas tampouco é um problema jurídico É um problema cuja solução depende de um certo desenvolvimento da sociedade e como tal desafia até mesmo a Constituição mais evoluída e põe em crise até mesmo o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica Creio que uma discussão sobre os direitos humanos deve hoje levar em conta para não correr o risco de se tornar acadêmica todas as dificuldades procedimentais e substantivas as quais me referi brevemente A efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana E um problema que não pode ser isolado sob pena não digo de não resolvêlo mas de sequer compreendêlo em sua real dimensão Quem o isola já o perdeu Não se pode pôr o problema dos direitos do homem abstrain do dos dois grandes problemas de nosso tempo que são os problemas da guerra e da miséria do absurdo contraste entre o excesso de potência que criou as condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grandes massas humanas à fome Só nesse contexto é que podemos nos aproximar do problema dos direitos com senso de realismo Não devemos ser pessimistas a ponto de nos abandonarmos ao desespero mas também não devemos ser tão otimistas que nos tornemos presunçosos A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso do desenvolvimento dos direitos humanos depois da Segunda Guerra Mundial aconselharia este salutar exercício ler a Declaração Universal e depois olhar em torno de si Será obrigado a reconhecer que apesar das antecipações iluminadas dos filó sofos das corajosas formulações dos juristas dos esforços dos políticos de boa vontade o caminho a percorrer e ainda longo E ele terá a impressão de que a história humana embora velha de milênios quando comparada às enormes tarefas que está diante de nós talvez tenha apenas começado A E R A D O S D I R E I T O S 26 A ERA DOS DIREITOS N ÃO FAZ MUITO TEMPO um entrevistador após uma longa conversa sobre as característica de nosso tempo que despertam viva preocupação para o futuro da humanidade sobretudo três o aumento cada vez maior e até agora incontrolado da população o aumento cada vez mais rápido e até agora incontrolado da degradação do ambiente o aumento cada vez mais rápido incontrolado e insensato do poder destrutivo dos armamentos perguntoume no final e em meio a tantas previsíveis causas de infelicidade eu via algum sinal positivo Respondi que sim que via pelo menos um desses sinais a crescente importância atribuída nos debates internacionais entre homens de cultura e políticos em seminários de estudo e em conferências gover namentais ao problema do reconhecimento dos direitos do homem O problema bem entendido não nasceu hoje Pelo menos desde o início da era moderna através da difusão das doutrinas jusnaturalistas primeiro e das Declarações dos Direitos do Homem incluídas nas Cons tituições dos Estados liberais depois o problema acompanha o nascimento o desenvolvimento a afirmação numa parte cada vez mais ampla do mundo do Estado de direito Mas é também verdade que somente depois da Segunda Guerra Mundial é que esse problema passou da esfera nacional para a internacional envolvendo pela primeira vez na história todos povos Reforçaramse cada vez mais os três processos de evolução na história dos direitos do homem apresentados e comentados na Introdução geral à antologia de documentos editada por Gregorio Peces Barba Derecho positivo de los derechos humanos conversão em direito positivo generalização internacionalização 1 São várias as perspectivas que se podem assumir para tratar do tema dos direitos do homem Indico algumas delas filosófica histórica ética jurídica política Cada uma dessas perspectivas ligase a todas as outras mas pode também ser assumida separadamente Para o discurso de hoje escolhi uma perspectiva diver sa que reconheço ser arriscada e talvez até pretensiosa na medida em que deveria englobar e superar todas as outras a perspectiva que eu só saberia chamar de filosofia da história Sei que a filosofia da história está hoje desacreditada particularmente no ambiente cultural italiano depois que Benedetto Croce lhe decretou a morte Hoje a filosofia da história é considerada uma forma de saber típica da cultura do século XIX algo já superado Talvez a última grande tentativa de filosofia da história tenha sido a obra de Karl Jaspers Vom Ursprung und Ziel der Geschichte 1949 que apesar do fascínio que emana da representação do curso histórico da humanidade através de grandes épocas foi rapidamente esquecida e não provocou nenhum debate sério Mas diante de um grande tema como o dos direitos do homem é difícil resistir à tentação de ir além da história meramente narrativa De acordo com a opinião comum dos historiadores tanto dos que a acolheram como dos que a recusaram fazer filosofia da história significa diante de um evento ou de uma série de eventos pôr o problema do senti do segundo uma concepção finalística ou teleológica da história e isso vale não apenas para a história humana mas também para a história natural considerando o decurso histórico em seu conjunto desde sua origem até sua consumação como algo orientado para um fim para um télos Para quem se situa desse ponto de vista os eventos deixam de ser dados de fato a descrever a narrar a alinhar no tempo eventualmente a explicar segundo as técnicas e procedimentos de investigação consolidados e habitualmente seguidos pelos historiadores mas se tornam sinais ou indícios reveladores de um processo não necessariamente intencional no sentido de uma direção preestabelecida Apesar da desconfiança ou até mesmo da aversão que o histori ador experimenta diante da filosofia da história será que podemos excluir inteiramente que na narrativa histórica de grandes eventos ocultase uma perspectiva finalista ainda que o historiador não tenha plena consciência disso Como pode um historiador do Ancien Régime não se deixar influenciar quando narra os eventos do seu desenlace final na Grande Revolução Como pode subtrairse à tentação de interpretálos como sinais premonitórios de uma meta preestabelecida e já implícita neles O homem é um animal teleológico que atua geralmente em função de finalidades projetadas no futuro NORBERTO BOBBIO 27 Somente quando se leva em conta a finalidade de uma ação é que se pode compreender o seu sentido A perspectiva da filosofia da história representa a transposição dessa interpretação finalista da ação de cada indivíduo para a humanidade em seu conjunto como se a humanidade fosse um indivíduo ampliado ao qual atribuímos as características do indivíduo reduzido O que torna a filosofia da história problemática é precisa mente essa transposição da qual não podemos fornecer nenhuma prova convincente O importante é que quem crê oportuno operar essa transposição seja ela legítima ou não do ponto de vista do historiador profissi onal deve estar consciente de que passa a se mover num terreno que com Kant podemos chamar de história profética ou seja de uma história cuja função não é cognoscitiva mas aconselhadora exortativa ou apenas sugestiva 2 Num de seus últimos escritos Kant pôs a seguinte questão Se o gênero humano está em constante progresso para o melhor A essa pergunta que ele considerava como pertencendo a uma concepção profética da história julgou ser possível dar uma resposta afirmativa ainda que com alguma hesitação Buscando identificar um evento que pudesse ser considerado como um sinal da disposição do homem a progredirele o indicou no entusiasmo que despertara na opinião pública mundial a Revolução Francesa cuja causa só podia ser uma disposição moral da humanidade O verdadeiro entusiasmo comentava ele referese sempre ao que é ideal ao que é puramente moral e não pode residir no interesse individual A causa desse entusiasmo e portanto o sinal premonitório signum prognosticum da disposição moral da humanidade era segundo Kant o aparecimento no cenário da história do direito que tem um povo de não ser impedido por outras forças de dar a si mesmo uma Constituição civil que julga boa Por Constituição civil Kant entende uma Constituição em harmonia com os direitos naturais dos homens ou seja uma Cons tituição segundo a qual os que obedecem à lei devem também reunidos legislar Definindo o direito natural como o direito que todo homem tem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é legislador Kant dava uma definição da liberdade como autonomia como poder de legislar para si mesmo De resto no início da Metafisica dos costumes escrita na mesma época afirmara solenemente de modo apodítico como se a afirmação não pudesse ser submetida a discussão que uma vez entendido o direito como a faculdade moral de obrigar outros o homem tem direitos inatos e adquiridos e o único direito inato ou seja transmitido ao homem pela natureza e não por uma autoridade constituída é a liberdade isto é a indepen dência em face de qualquer constrangimento imposto pela vontade do outro ou mais uma vez a liberdade como autonomia Inspirandome nessa extraordinária passagem de Kant exponho a minha tese do ponto de vista da filoso fia da história o atual debate sobre os direitos do homem cada vez mais amplo cada vez mais intenso tão amplo que agora envolveu todos os povos da Terra tão intenso que foi posto na ordem do dia pelas mais autorizadas assembléias internacionais pode ser interpretado como um sinal premonitório signum prognosticum do progresso moral da humanidade Não me considero um cego defensor do progresso A idéia do progresso foi uma idéia central da filosofia da história nos séculos passados depois do crepúsculo embora não definitivo da idéia da regressão que Kant chamava de terrorista e dos ciclos predominantes na época clássica e précristã E ao dizer definitivo já sugiro a idéia de que o renascimento contínuo de idéias do passado que em determinada época eram conside radas mortas para sempre é já por si mesmo um argumento contra a idéia do progresso indefinido e irreversível Contudo mesmo não sendo um defensor dogmático do progresso irre sistível tampouco sou um defensor igualmente dogmático da idéia contrária A única afirmação que considero poder fazer com certa segurança é que a história humana é ambígua dando respostas diversas segundo quem a interroga e segundo o ponto de vista adotado por quem a interroga Apesar disso não podemos deixar de nos interrogar sobre o destino do homem assim como não podemos deixar de nos interrogar sobre sua origem o que só podemos fazer repito mais uma vez escrutando os sinais que os eventos nos oferecem tal como Kant o fez quando propôs a questão de saber se o gênero humano estava em constante progresso para o melhor Decerto uma coisa é o progresso científico e técnico outra é o progresso moral Não se trata de retomar a antiga controvérsia sobre a relação entre um e outro Limitome a dizer que enquanto parece indubitável que o progresso técnico e científico é efetivo tendo mostrado até agora as duas características da continuidade e da irreversibilidade bem mais difícil se não mesmo arriscado é enfrentar o problema da efetividade do A E R A D O S D I R E I T O S 28 progresso moral pelo menos por duas razões 1 O próprio conceito de moral é problemático 2 Ainda que todos estivéssemos de acordo sobre o modo de entender a moral ninguém até agora encon trou indicadores para medir o progresso moral de uma nação ou mesmo de toda a humanidade tão claros quanto o são os indicadores que servem para medir o progresso científico e técnico 3 O conceito de moral é problemático Não pretendo certamente propor uma solução Posso simples mente dizer qual é em minha opinião o modo mais útil para nos aproximarmos do problema qual é o modo também pedagogi camente mais eficaz para fazer compreender a natureza doproblema dando assim um sen tido àquele conceito obscuríssimo salvo para uma visão religiosa do mundo mas aqui busco encontrar uma resposta do ponto de vista de uma ética racional que é habitualmente designado com a expressão consciên cia moral Na verdade Kant dizia que juntamente com o céu estrelado a consciência moral era uma das duas coisas que o deixavam maravilhado mas a maravilha não só não é uma explicação mas pode até derivar de uma ilusão e gerar por sua vez outras ilusões O que nós chamamos de consciência moral sobretudo em função da grande para não dizer exclusiva influência que teve a educação cristã na formação do homem europeu é algo relacionado com a formação e o crescimento da consciência do estado de sofrimento de indi gência de penúria de miséria ou mais geralmente de infelicidade em que se encontra o homem no mundo bem como ao sentimento da insuportabilidade de tal estado Como disse antes a história humana é ambígua para quem se põe o problema de atribuirlhe um sentido Nela o bem e o mal se misturam se contrapõem se confundem Mas quem ousaria negar que o mal sempre prevaleceu sobre o bem a dor sobre a alegria a infelicidade sobre a felicidade a morte sobre a vida Sei muito bem que uma coisa é constatar outra é explicar e justificar De minha parte não hesito em afirmar que as explicações ou justificações teológicas não me convencem que as racionais são parciais e que elas estão freqüentemente em tal contradição recíproca que não se pode acolher uma sem excluir a outra mas os crité rios de escolha são frágeis e cada um deles suporta bons argumentos Apesar de minha incapacidade de oferecer uma explicação ou justificação convincente sintome bastante tranqüilo em afirmar que a parte obscura da história do homem e com maior razão da natureza é bem mais ampla do que a parte clara Mas não posso negar que uma face clara apareceu de tempos em tempos ainda que com breve duração Mesmo hoje quando o inteiro decurso histórico da humanidade parece ameaçado de morte há zonas de luz que até o mais convicto dos pessimistas não pode ignorar a abolição da escravidão a supressão em muitos países dos suplícios que outrora acompanhavam a pena de morte e da própria pena de morte É nessa zona de luz que coloco em primeiro lugar juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas o interesse crescen te de movimentos partidos e governos pela afirmação reconhecimento e proteção dos direitos do homem Todos esses esforços para o bem ou pelo menos para a correção limitação e superação do mal que são uma característica essencial do mundo humano em contraste com o mundo animal nascem da consciência da qual há pouco falei do estado de sofrimento e de infelicidade em que o homem vive do que resulta a exigência de sair de tal estado O homem sempre buscou superar a consciência da morte que gera angústia seja através da integração do indivíduo do ser que morre no grupo a que pertence e que é considerado imor tal seja através da crença religiosa na imortalidade ou na reencarnação A esse conjunto de esforços que o homem faz para transformar o mundo que o circunda e tornálo menos hostil pertencem tanto as técnicas produtoras de instrumentos que se voltam para a transformação do mundo material quanto as regras de conduta que se voltam para a modificação das relações interindividuais no sentido de tornar possível uma convivência pacífica e a própria sobrevivência do grupo Ins trumentos e regras de conduta formam o mundo da cultura contraposto ao da natureza Encontrandose num mundo hostil tanto em face da natureza quanto em relação a seus semelhantes segundo a hipótese hobbesiana do homo homini lupus o homem buscou reagir a essa dupla hostilidade inven tando técnicas de sobrevivência com relação à primeira e de defesa com relação à segunda Estas últimas são representadas pelos sistemas de regras que reduzem os impulsos agressivos mediante penas ou estimulam os impulsos de colaboração e de solidariedade através de prêmios No inicio as regras são essencialmente imperativas ne gativas ou positivas e visam a obter comportamen tos desejados ou a evitar os não desejados recorrendo a sanções celestes ou terrenas Logo nos vêm à mente os NORBERTO BOBBIO 29 Dez mandamentos para darmos o exemplo que nos é mais familiar eles foram durante séculos e ainda o são o código moral por excelência do mundocristão a ponto de serem identificados com a lei inscrita no coração dos homens ou com a lei conforme à natureza Mas podemse aduzir outros inúmeros exemplos desde o Código de Hamurabi até a Lei das doze tábuas O mundo moral tal como aqui o entendemos como o remédio ao mal que o homem pode causar ao outro nasce com a formulação a imposição e a aplicação de mandamen tos ou de proibições e portanto do ponto de vista daqueles a quem são dirigidos os mandamentos e as proibições de obrigações Isso quer dizer que a figura deôntica originária é o dever não o direito Ao longo da história da moral entendida como conjunto de regras de conduta sucedemse por séculos códigos de leis sejam estas consuetudinárias propostas por sábios ou impostas pelos detentores do poder ou então de proposições que contêm mandamentos e proibições O herói do mundo clássico é o grande legisla dor Minos Licurgo Sólon Mas a admiração pelo legislador por aquele que assumindo a iniciativa de fundar uma nação deve sentirse capaz de mudar a natureza humana chega até Rousseau As grandes obras de moral são tratados sobre as leis desde os Nómoi As leis de Platão e o De legibus Das leis de Cícero até o Esprit des lois de Montesquieu A obra de Platão começa com as seguintes palavras Quem é que vocês consideram como o autor da instituição das leis um deus ou um homem pergunta o ateniense a Clínias e este responde Um deus hóspede um deus Quando Cícero define a lei natural que características lhe atribui Vetare et jubere proibir e ordenar Para Montesquieu o homem mesmo tendo sido feito para viver em sociedade pode esquecer que existem também os outros Com as leis políticas e civis os legisladores o restituíram aos seus deveres De todas essas citações mas infinitas outras poderiam ser aduzidas resulta que a função primária da lei é a de comprimir não a de liberar a de restringir não a de ampliar os espaços de liberdade a de corrigir a árvore torta não a de deixála crescer selvagemente Com uma metáfora usual podese dizer que direito e dever são como o verso e o reverso de uma mesma moeda Mas qual é o verso e qual é o reverso Depende da posição com que olhamos a moeda Pois bem a moeda da moral foi tradicionalmente olhada mais Pelo lado dos deveres do que pelo lado dos direitos Não é difícil compreender as razões O problema da moral foi originariamente considerado mais do ângulo da sociedade do que daquele do indivíduo E não podia ser de outro modo aos códigos de regras de conduta foi atribuída a função de proteger mais o grupo em seu conjunto do que o indivíduo singular Originariamente a função do preceito não matar não era tanto a de proteger o membro individual do grupo mas a de impedir uma das razões fundamentais da desagregação do próprio grupo A melhor prova disso é o fato de que esse preceito considerado justamente como um dos fundamentos da moral só vale no interior do grupo não vale em relação aos membros dos outros grupos Para que pudesse ocorrer expressandome figurativamente mas de um modo que me parece suficiente mente claro a passagem do código dos deveres para o código dos direitos era necessário inverter a moeda o problema da moral devia ser considerado não mais do ponto de vista apenas da sociedade mas também daquele do indivíduo Era necessária uma verdadeira revolução copernicana se não no modo pelo menos rios efeitos Não é verdade que uma revolução radical só possa ocorrer necesssariamente de modo revolucionário Pode ocorrer também gradativamente Falo aqui de revolução copernicana precisamente no sentido kantiano como inversão do ponto de observação Para tornar compreensível essa inflexão ainda que limi 1 tadamente à esfera política mas a política é um capítulo da moral em geral ocorreume utilizar esta outra contraposição a relação política por excelência é a relação entre governantes e governados entre quem tem o poder de obrigar com suas decisões os membros do grupo e os que estão submetidos a essas decisões Ora essa relação pode ser considerada do ângulo dos governantes ou do ângulo dos governados No curso do pensamento político predominou durante séculos o primeiro ângulo E o primeiro ângulo é o dos governantes O objeto da política foi sempre o governo o bom governo ou o mau governo ou como se conquista o poder e como ele é exercido quais são as funções dos magistrados quais são os poderes atribuídos ao governo e como se distinguem e interagem entre si como se fazem as leis e como se faz para que sejam respei tadas como se declaram as guerras e se pactua a paz como se nomeiam os ministros e os embaixadores Basta pensar nas grandes metáforas mediante as quais ao longo dos séculos buscouse tornar compreensível a natureza da arte política o pastor o timoneiro o condutor o tece lão o médico Todas se referem a atividades típicas do governante a função de guia da qual deve dispor para poder conduzir à sua própria meta os indivíduos que lhe são confiados tem necessidade de meios de comando A E R A D O S D I R E I T O S 30 ou a organização de um universo fracionado necessita de uma mão firme para ser estável ou sólida os cuidados devem por vezes ser enérgicos para terem eficácia sobre um corpo doente O indivíduo singular é essencialmente um objeto do poder ou no máximo um sujeito passivo Mais do que de seus direitos a tratadística política fala dos seus deveres entre os quais ressalta como principal o de obede cer às leis Ao tema do poder de comando corresponde do outro lado da relação o tema da obrigação política que é precisamente a obrigação considerada primária para o cidadão de observar as leis Se se reco nhece um sujeito ativo nessa relação ele não é o indivíduo singular com seus direitos originários válidos também contra o poder de governo mas é o povo em sua totalidade na qual o indivíduo singular desaparece enquanto sujeito de direitos 4 A grande reviravolta teve inicio no Ocidente a partir da concepção cristã da vida segundo a qual todos os homens são irmãos enquanto filhos de Deus Mas na realidade a fraternidade não tem por si mesma um valor moral Tanto a história sagrada quanto a profana mais próxima de nós nascem ambas por um motivo sobre o qual especularam todos os intérpretes de um fratricídio A doutrina filosófica que fez do indivíduo e não mais da sociedade o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito foi o jusnaturalismo que pode ser considerado sob muitos aspectos e o foi certamente nas intenções dos seus criadores a secularização da ética cristã etsi daremus non esse deum No estado de natureza para Lucrécio os homens viviam more ferarum como animais para Cícero in agris bestiarum modo vagabantur vagavam pelos campos como os animais e ainda para Hobbes comportavamse nesse estado natural uns contra os outros como lobos Ao contrário Locke que foi o principal inspirador dos primeiros legisladores dos direitos do homem começa o capítulo sobre o estado de natureza com as seguintes palavras Para entender bem o poder político e deriválo de sua origem devese considerar em que estado se encontram naturalmente todos os homens e esse é um estado da perfeita liberdade de regular as próprias ações e de dispor das próprias posses e das próprias pessoas como se acreditar melhor nos limites da lei de natureza sem pedir permissão ou depen der da vontade de nenhum outro Portanto no princípio segundo Locke não estava o sofrimento a miséria a danação do estado ferino como o diria Vico mas um estado de liberdade ainda que nos limites das leis Precisamente partindo de Locke podese compreender como a doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista da sociedade e portanto do Estado continuamente combatida pela bem mais sólida e antiga concepção organicista segundo a qual a sociedade é um todo e o todo está acima das partes A concepção individualista custou a abrir caminho já que foi geralmente considerada como fomentadora de desunião de discórdia de ruptura da ordem constituída Em Hobbes surpreende o contraste entre o ponto de partida individualista no estado de natureza há somente indivíduos sem ligações recíprocas cada qual fechado em sua própria esfera de interesses e em contradição com os interesses de todos os outros e a persis tente figuração do Estado como um corpo ampliado um homem artificial no qual o soberano é a alma os magistrados são as articulações as penas e os prêmios são os nervos etc A concepção orgânica é tão persisten te que ainda nas vésperas da Revolução Francesa que proclama os direitos do indivíduo diante do Estado Edmund Burke escreve Os indivíduos pas sam como sombras mas o Estado é fixo e estável E depois a Revolução no período da Restauração Lamennais acusa o individualismo de destruir a verdadeira idéia da obediência e do dever destruindo com isso o poder e o direito E depois pergunta E o que resta então senão uma terrível confusão de interesses paixões e opiniões diversas Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo o indivíduo singular devese observar que tem valor em si mesmo e depois vem o Estado e não viceversa já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado ou melhor para citar o famoso artigo 2º da Declaração de 1789 a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o objetivo de toda associação política Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado é invertida também a relação tradicional entre direito e dever Em relação aos indivíduos doravante primeiro vêm os direitos depois os deveres em relação ao Estado primeiro os deveres depois os direitos A mesma inversão ocorre com relação à finalidade do Estado a qual para o organicismo é a concórdia ciceroniana a omónoia dos gregos ou seja a luta contra as facções que dilaceran do o corpo político o matam e para o individualismo é o crescimento do indivíduo tanto quanto possível livre de condicionamentos externos O mesmo ocorre corri relação ao tema da justiça numa concepção orgânica a definição mais apropriada do justo é a platônica para a qual cada uma das partes de que é compos NORBERTO BOBBIO 31 to o corpo social deve desempenhar a função que lhe é própria na concepção individualista ao contrário justo é que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias necessidades e atingir os próprios fins antes de mais nada a felicidade que é um fim individual por excelêncía É hoje dominante nas ciências sociais a orientação de estudos chamada de individualismo metodológico segundo a qual o estudo da sociedade deve partir do estudo das ações do indivíduo Não se trata aqui de discutir quais são os limites dessa orientação mas há duas outras formas de individualismo sem as quais o ponto de vista dos direitos do homem se torna incompreensível o individualismo ontológico que parte do pressuposto que eu não saberia dizer se é mais metafísico ou teológico da autonomia de cada indivíduo com relação a todos os outros e da igual dignidade de cada um deles e o individualismo ético segundo o qual todo indivíduo é uma pessoa moral Todas essas três versões do individualismo contribuem para dar conotação positiva a um termo que foi conotado negativamente quer pelas correntes de pensamento conservador e reacionário quer pelas revolucionárias O individualismo é a base filosófica da democracia uma cabeça um voto Como tal sempre se contrapôs e sempre se contraporá àsconcepções holísticas da sociedade e da história qualquer que seja a proce dência das mesmas concepções que têm em comum o desprezo pela demo cracia entendida como aquela forma de governo na qual todos são livres para tomar as decisões sobre o que lhes diz respeito e têm o poder de fazêlo Liberdade e poder que derivam do reconhecimento de alguns direitos fundamentais inalienáveis e invioláveis como é o caso dos direitos do homem Estou seguro de que me podem objetar que o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos não esperou pela revolução copernicana dos jusnaturalistas O primado do direito ius sobre a obrigação e um traço característico do direito romano tal como este foi elaborado pelos juristas da época clássica Mas tratase como qualquer um pode comprovar por si de direitos que competem ao indivíduo como sujeito econômico como titular de direitos sobre as coisas e como capaz de intercambiar bens com outros sujeitos econômicos dotados da mesma capacidade A inflexão a que me referi e que serve como fundamento para o reconheci mento dos direitos do homem ocorre quando esse reconhecimento se amplia da esfera das relações econômi cas interpessoais para as relações de poder entre príncipe e súditos quando nascem os chamados direitos públicos subjetivos que caracterizam o Estado de di reito É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos No Estado despótico os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos No Estado absoluto os indivíduos Possuem em relação ao soberano direitos privados No Estado de direito o indivíduo tem em face do Estado não só direitos privados mas também direitos públicos O Estado de direito é o Estado dos cidadãos 5 Desde seu primeiro aparecimento no pensamento político dos séculos XVII e XVIII a doutrina dos direitos do homem já evoluiu muito ainda que entre contradições refutações limitações Embora a meta final de uma sociedade de livres e iguais que reproduza na realidade o hipotético estado de natureza precisamente por ser utópica não tenha sido alcançada foram percorridas várias etapas das quais não se poderá facilmente voltar atrás Além de processos de conversão em direito positivo de generalização e de internacionalização aos quais me referi no início manifestouse nestes últimos anos uma nova linha de tendência que se pode chamar de especificação ela consiste na passagem gradual porém cada vez mais acentuada para uma ulterior determina ção dos sujeitos titulares de direitos Ocorreu com relação aos sujeitos o que desde o início ocorrera com relação à idéia abstrata de liberdade que se foi progressivamente determinando em liberdades singulares e concretas de consciência de opinião de imprensa de reunião de associação numa progressão ininterrupta que prossegue até hoje basta pensar na tutela da própria imagem diante da invasão dos meios de reprodução e difusão de coisas do mundo exterior ou na tutela da privacidade diante do aumento da capacidade dos poderes públicos de memorizar nos próprios arquivos os dados privados da vida de cada pessoa Assim com relação ao abstrato sujeito homem que já encontrara uma primeira especificação no cidadão no sentido de que podiam ser atribuídos ao cidadão novos direitos com relação ao homem em geral fezse valer a exigência de responder com nova especificação à seguinte questão que homem que cidadão Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero seja às várias fases da vida seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana Com relação ao gênero foram cada vez mais reconhecidas as diferenças específicas entre a mulher e o homem Com relação às várias fases da vida foram A E R A D O S D I R E I T O S 32 se progressivamente diferenciando os direitos da infância e da velhice por um lado e os do homem adulto por outro Com relação aos estados normais e excepcionais fezse valer a exigência de reconhecer direitos especi ais aos doentes aos deficientes aos doentes mentais etc Basta folhear os documentos aprovados nestes últimos anos pelos organismos internacionais para perceber essa inovação Refirome por exemplo à Declaração dos Direitos da Criança 1959 à Declaração sobre a Eliminação da Discriminação à Mulher 1967 à Declaração dos Direitos do Deficiente Mental 1971 No que se refere aos direitos do velho há vários documentos internacionais que se sucederam após a Assembléia mun dial ocorrida em Viena de 26 de julho a 6 de agosto de 1982 a qual pôs na ordem do dia o tema de novos pro gramas internacionais para garantir segurança econômica e social aos velhos cujo número está em contínuo aumento Olhando para o futuro jà podemos entrever a extensão da esfera do direito à vida das gerações futuras cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas assim como a novos sujeitos como os animais que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos ou no máximo como sujeitos passivos sem direitos Decerto todas essas novas perspectivas fazem parte do que eu chamei inicialmente de história profética da humanidade que a história dos historiadores os quais se permitem apenas uma ou outra previsão puramente conjuntural mas recusam como algo estranho à sua tarefa fazer profecias não aceita tomar em consideração Finalmente descendo do plano ideal ao plano real uma coisa é falar dos direitos do homem direitos sempre novos e cada vez mais extensos e justificálos com argumentos convincentes outra coisa é garantir lhes uma proteção efetiva Sobre isso é oportuna ainda a seguinte consideração à medida que as pretensões aumentam a satisfação delas tornase cada vez mais difícil Os direitos sociais como se sabe são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade Mas sabemos todos igualmente que a proteção internacional é mais difícil do que a proteção no interior de um Estado particularmente no interior de um Estado de direito Poderseiam multiplicar os exemplos de contraste entre as declarações solenes e sua consecução entre a grandiosidade das promessas e amiséria das realizações Já que interpretei a amplitude que assumiu atualmente o debate sobre os direitos do homem como um sinal do progresso moral da humanidade não será inoportuno repetir que esse crescimento moral não se mensura pelas palavras mas pelos fatos De boas intenções o infer no está cheio Concluo disse no início que assumir o ponto de vista da filosofia da história significa levantar o problema do sentido da história Mas a história em si mesma tem um sentido a história enquanto sucessão de eventos tais como são narrados pelos historiadores A história tem apenas o sentido que nós em cada ocasião concre ta de acordo com a oportunidade com nossos desejos e nossas esperanças atribuímos a ela E por tanto não tem um único sentido Refletindo sobre o tema dos direitos do homem pareceume poder dizer que ele indica um sinal do progresso moral da humanidade Mas é esse o único sentido Quando reflito sobre outros aspectos de nosso tempo por exemplo sobre a vertiginosa corrida armamentista que põe em perigo a própria vida na Terra sintome obrigado a dar uma resposta completamente diversa Comecei com Kant Concluo com Kant O progresso para ele não era necessário Era apenas possível Ele criticava os políticos por não terem confiança na virtude e na força da motivação moral bem como por viverem repetindo que o mundo foi sempre assim como o vemos hoje Kant comentava que com essa atitude tais políticos faziam com que o objeto de sua previsão ou seja a imobilidade e a monótona repetitividade da história se realizasse efetivamente Desse modo retardavam propositalmente os meios que poderiam assegurar o progresso para o melhor Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade já estamos demasiadamente atrasados Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade com nossa indolência com nosso ceticismo Não temos muito tempo a perder NORBERTO BOBBIO 33 DIREITOS DO HOMEM E SOCIEDADE N UM DISCURSO GERAL sobre os direitos do homem devese ter a preocupação inicial de manter a distinção entre teoria e prática ou melhor devese ter em mente antes de mais nada que teoria e prática percor rem duas estradas diversas e a velocidades muito desiguais Quero dizer que nestes últimos anos falouse e continua a se falar de direitos do homem entre eruditos filósofos juristas sociólogos e políticos muito mais do que se conseguiu fazer até agora para que eles sejam reconhecidos e protegidos efetivamente ou seja para transformar aspirações nobres mas vagas exigências justas mas débeis em direitos propriamente dites Isto é no sentido em que os juristas falam de direito Tendo sempre presente essa distinção a fim de não confundir dois planos que devem se manter bem distintos podese afirmar em geral que o desenvolvimento da teoria e da prática mais da teoria do que da prática dos direitos do homem ocorreu a partir do final da guerra essencialmente em duas direções na direção de sua universalização e naquela de sua multiplicação Não irei me deter aqui no processo de universalização antes de mais nada porque me parece menos rele vante para a sociologia do direito e depois porque o tema foi amplamente tratado na doutrina do direito internacional que vê corretamentenesse processo o ponto de partida de uma profunda transformação do direito das gentes como foi chamado du rante séculos em direito também dos indivíduos dos in divíduos singulares os quais adquirindo pelo menos potencialmente o direito de questionarem o seu próprio Estado vão se transformando de cidadãos de um Estado par ticular em cidadãos do mundo Irei me deter em particular no segundo processo o da multiplicação pois ele se presta melhor a algumas considerações sobre as relações entre direitos do homem e sociedade sobre a origem social dos direitos do homem sobre a estreita conexão existente entre mudança social e nascimento de novos direitos sobre temas que em minha opinião podem ser mais interessantes para uma reunião de sociólogos do direito de estudiosos cuja tarefa específica é refletir sobre o direito como fenômeno social Também os direitos do homem são indubitavelmente um fenômeno social Ou pelo menos são também um fenô meno social e entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados filosófico jurídico econômico etc há lugar para o sociológico precisamente o da sociologia jurídica Essa multiplicação ia dizendo proliferação ocorreu de três modos a porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela b porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem c porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico ou homem em abstrato mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade como criança velho doente etc Em substância mais bens mais sujeitos mais status do indivíduo É supérfluo notar que entre esses três processos existem relações de interdependência o reconhecimento de novos direitos de onde de indica o sujeito implica quase sempre o aumento de direitos a onde a indica o objeto Ainda mais supérfluo é observar o que importa para nossos fins que todas as três causas dessa multi plicação cada vez mais acelerada dos direitos do homem revelam de modo cada vez mais evidente e explícito a necessidade de fazer referência a um contexto social determinado Com relação ao primeiro processo ocorreu a passagem dos direitos de liberdade das chamadas liberdades negativas de religião de opinião de imprensa etc para os direitos políticos e sociais que requerem uma intervenção direta do Estado Com relação ao segundo ocorreu a passagem da consideração do indivíduo huma no uti singulus que foi o primeiro sujeito ao qual se atribuíram direitos naturais ou morais em outras palavras da pessoa para sujeitos diferentes do indivíduo como a família as minorias étnicas e religiosas toda a humanidade em seu conjunto como no atual debate entre filósofos da moral sobre o direito dos pósteros à sobrevivência e além dos indivíduos humanos con siderados singularmente ou nas diversas comunidades reais ou ideais que os representam até mesmo para sujeitos diferentes dos homens corno os animais Nos movimentos ecológicos está emergindo quase que um direito da natureza a ser res peitada ou não explorada onde as palavras respeito e exploração são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos do homem A E R A D O S D I R E I T O S 34 Com relação ao terceiro processo a passagem ocorreu do homem genérico do homem enquanto homem para o homem específico ou tomado na diversidade de seus diversos status sociais com base em diferentes critérios de diferenciação o sexo a idade as condições físicas cada um dos quais revela diferenças específi cas que não permitem igual tratamento e igual proteção A mulher é diferente do homem a criança do adulto o adulto do velho o sadio do doente o doente temporário do doente crônico o doente mental dos outros doentes os fisicamente normais dos deficientes etc Basta examinar as cartas de direitos que se sucede ram no âmbito internacional nestes últimos quarenta anos para perceber esse fenômeno em 1952 a Con venção sobre os Direitos Políticos da Mulher em 1959 a Declaração da Criança em 1971 a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental em 1975 a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos em 1982 a primei ra Assembléia Mundial em Viena sobre os direitos dos anciãos que propôs um plano de ação aprovado por uma re solução da Assembléia da ONU em 3 de dezembro Bem entendido esse processo de multiplicação por especificação ocorreu principalmente no âmbito dos direitos sociais Os direitos de liberdade negativa os primeiros direitos reconhecidos e protegidos valem para o homem abstrato Não por acaso foram apresentados quando do seu surgimento como direitos do Homem A liberdade religiosa uma vez afirmada foi se estendendo a todos embora no início não tenha sido reconhe cida para certas confissões ou para os ateus mas essas eram exceções que deviam ser justificadas O mesmo vale para a liberdade de opinião Os direitos de liberdade evoluem paralelamente ao principio do tratamento igual Com relação aos direitos de liberdade vale o principio de que os homens são iguais No estado de natureza de Locke que foi o grande inspirador das Declarações de Direitos do Homem os homens são todos iguais onde por igualdade se entende que são iguais no gozo da liberdade no sentido de que ne nhum indivíduo pode ter mais liberdade do que outro Esse tipo de igualdade é o que aparece enunciado por exemplo no art 1º da Declaração Universal na afirmação de que todos os homens nascem iguais em liberdade e direitos afirma ção cujo significado é que todos os homens nascem iguais na liberdade no duplo sentido da expressão os homens têm igual direito à liberdade os homens têm direito a uma igual liberdade São todas formulações do mesmo princípio segundo o qual deve ser excluída toda discriminação fundada em diferenças específicas entre homem e homem entre grupos e grupos como se lê no art 3º da Constituição italiana o qual depois de ter dito que os homens têm igual dignidade social acrescenta especificando e precisando que são iguais diante da lei sem distinção de sexo de raça de língua de religião de opinião política de condições pessoais ou sociais O mesmo princípio é ainda mais explícito no art 2º I da Declaração Universal no qual se diz que cabe a cada indivíduo todos os direitos e todas as liberdades enunciadas na presente Declaração sem nenhu ma distinção por razões de cor sexo língua religião opinião política ou de outro tipo por origem nacional ou social riqueza nascimento ou outra consideração Essa universalidade ou indistinção ou nãodiscriminação na atribuição e no eventual gozo dos direitos de liberdade não vale para os direitos sociais e nem mesmo para os direitos políticos diante dos quais os indivíduos são iguais só genericamente mas não específicamente Com relação aos direitos políticos e aos direitos sociais existem diferenças de indivíduo para indivíduo ou melhor de grupos de indivíduos para gru pos de indivíduos diferenças que são até agora e o são intrinsecamente relevantes Durante séculos somen te os homens do sexo masculino e nem todos tiveram o direito de votar ainda hoje não têm esse direito os menores e não é razoável pensar que o obtenham num futuro próximo Isso quer dizer que na afirmação e no reconhecimento dos direitos políticos não se podem deixar de levar em conta determinadas diferenças que justificam um tratamento não igual Do mesmo modo e com maior evidência isso ocorre no campo dos direitos sociais Só de modo genérico e retórico se pode afirmar que todos são iguais com relação aos três direitos sociais fundamentais ao trabalho à instrução e à saúde ao contrário é possível dizer realisticamen te que todos são iguais no gozo das liberdades negativas E não é possível afirmar aquela primeira igualdade porque na atribuição dos direitos sociais não se podem deixar de levar em conta as diferenças específicas que são relevantes para distinguir um indivíduo de outro ou melhor um grupo de indivíduos de outro grupo O que se lê no art 3º da Constituição italiana antes citado ou seja que todos os cidadãos são iguais sem distinção de condições pessoais ou sociais não é verdade em relação aos direitos sociais já que certas condi ções pessoais ou sociais são relevantes precisamente na atribuição desses direitos Com relação ao trabalho são relevantes as diferenças de idade e de sexo com relação à instrução são relevantes diferenças entre crianças normais e crianças que não são normais com relação à saúde são relevantes diferenças entre adultos e velhos NORBERTO BOBBIO 35 Não pretendo levar esse raciocínio até as extremas conseqüências Pretendo apenas observar que igualdade e diferença têm uma relevância diversa conforme estejam em questão di reitos de liberdade ou direitos sociais Essa entre outras é umadas razões pelas quais no campo dos direitos sociais mais do que naquele dos direitos de liberdade ocorreu a proliferação dos direitos a que antes me referi através do reconhecimento dos direitos sociais surgiram ao lado do homem abstrato ou genérico do cidadão sem outras qualificações novos personagens antes desconhecidos nas Declarações dos direitos de liberdade a mulher e a criança o velho e o muito velho o doente e o demente etc É supérfluo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita além do problema da proliferação dos direitos do homem problemas bem mais difíceis de resolver no que concerne àquela prática de que falei no início é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do Estado que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo uma nova forma de Estado o Estado social Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o super poder do Estado e portanto com o objetivo de limitar o poder os direitos sociais exigem para sua realização prática ou seja para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva precisa mente o contrário isto é a ampliação dos poderes do Estado Também poder como de resto qualquer outro termo da linguagem política a começar por liberdade tem conforme o contexto uma conotação positiva e outra negativa O exercício do poder pode ser consi derado benéfico ou maléfico segundo os con textos históricos e segundo os diversos pontos de vista a partir dos quais esses contextos são considerados Não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem ou o aumento do poder seja sempre um mal Insisti até agora no fenômeno da proliferação dos direitos do homem como característica da atual fase de desenvolvimento da teoria e da prática desses direitos e o fiz porque em minha opinião nada serve para mostrar melhor o nexo entre mudança na teoria e na prática dos direitos do homem por um lado e mudança social por outro e portanto para iluminar o aspecto mais interessante e fecundo a partir do qual pode ser estudado o tema dos direitos do homem pelos sociólogos do direito Parto da distinção introduzida Por Renato Treves entre as duas tarefas essenciais da sociologia do direito a de investigar qual a função do direito e portanto também dos direitos do homem em toda a gama de suas especificações na mudança social tarefa que pode ser sintetizada na fórmula o direito na sociedade e a de analisar a maior ou menor aplicação das normas jurídicas numa determinada sociedade incluindo a maior ou menor aplicação das normas dos Estados particulares ou do sistema internacional em seu conjunto relativas aos direitos do homem tarefa que se resume na fórmula a sociedade no direito Ambas as tarefas têm uma particular e atualíssima aplicação precisamente naquela esfera de todo ordenamento jurídico que compreende o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem Se se pode falar de uma tarefa própria da sociologia do direito em relação ao problema dos direitos do homem ou seja de uma tarefa que distinga a sociologia do direito da filosofia do direito da teoria geral do direito da ciência jurí dica ela deriva precisamente da constatação de que o nascimento e agora também o crescimento dos direitos do homem são estreitamente ligados à transformação da sociedade como a relação entre a proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento social o mostra claramente Portanto a sociologia em geral e a sociologia do direito em particular estão na melhor condição possível para dar uma contribuição espe cífica ao aprofundamento do problema A doutrina dos direitos do homem nasceu da filosofia jusnaturalista a qual para justificar a existência de direitos pertencentes ao homem enquanto tal independentemente do Estado partira da hipótese de um estado de natureza onde os direitos do homem são poucos e essenciais o direito à vida e à sobrevivência que incluí também o direito à propriedade e o direito à liberdade que compreende algumas liberdades essencial mente negativas Para a teoria de Kant que podemos considerar como a conclusão dessa primeira fase da história dos direitos do homem que culmina nas primeiras Declarações dos Direitos não mais enunciadas por filósofos e portanto sine imperio mas por detentores do poder de governo e portanto cum imperio o homem natural tem um único direito o direito de liberdade entendida a liberdade como independência em face de todo constrangimento imposto pela vontade de outro já que todos os demais direitos incluído o direito à igualdade estão compreendidos nele A hipótese do estado de natureza enquanto estado préestatal e em alguns escritores até mesmo pré social era uma tentativa de justificar racionalmente ou de racionalizar determinadas exigências que se iam A E R A D O S D I R E I T O S 36 ampliando cada vez mais num primeiro momento durante as guerras de religião surgiu a exigência da liber dade de consciência contra toda for ma de imposição de uma crença imposição freqüentemente seguida de sanções não só espirituais mas também temporais e num segundo momento na época que vai da Revolução Inglesa à NorteAmericana e à Francesa houve demanda de liberdades civis contra toda forma de despotismo O estado de natureza era uma mera ficção doutrinária que devia servir para justificar como direitos inerentes à própria natureza do homem e como tais invioláveis por parte dos detentores do poder público inalienáveis pelos seus próprios titulares e imprescri tíveis por mais longa que fosse a duração de sua violação ou alienação exigências de liberdade provenientes dos que lutavam contra o dogmatismo das Igrejas e contra o autoritarismo dos Estados A realidade de onde nasceram as exigências desses direitos era constituída pelas lutas e pelos movimentos que lhes deram vida e as alimentaram lutas e movimentos cujas razões se quisermos compreendê las devem ser buscadas não mais na hipótese do estado de natureza mas na realidade social da época nas suas contradições nas mudanças que tais contradições foram produzindo em cada oportunidade concreta Essa exigência de passar da hipótese racional para a análise da sociedade real e de sua história vale com maior razão hoje quando as exigências provenientes de baixo em favor de uma maior proteção de indivíduos e de grupos e se trata de exigências que vão bem além da liberdade em relação a e da liberdade de aumentaram enormemente e continuam a aumentar ora para justificálas a hipótese abstrata de um estado de natureza simples primitivo onde o homem vive com poucos carecimentos essenciais não teria mais nenhuma força de persuasão e portanto nenhuma utilidade teórica ou prática O fato mesmo de que a lista desses direitos esteja em contínua ampliação não só demonstra que o ponto de partida do hipotético estado de natureza perdeu toda plausibilidade mas nos deveria tornar conscientes de que o mundo das relações sociais de onde essas exigências derivam é muito mais complexo e de que para a vida e para a sobrevivência dos homens nessa nova sociedade não bastam os chamados direitos fundamentais como os direitos à vida à liberdade e a propriedade Não existe atualmente nenhuma carta de direitos para darmos um exemplo convincente que não reco nheça o direito à instrução crescente de resto de sociedade para sociedade primeiro elementar depois secundária e pouco a pouco até mesmo universitária Não me consta que nas mais conhe cidas descrições do estado de natureza esse direito fosse mencionado A verdade é que esse direito não fora posto no estado de natureza porque não emergira na sociedade da época em que nasceram as doutrinas jus naturalistas quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades para chegarem aos poderosos da Terra eram princi palmente exigências de li berdade em face das Igrejas e dos Estados e não ainda de outros bens como o da instrução que somente uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente poderia expressar Tratavase de exigências cuja finalidade era principalmente pôr limites aos poderes opressivos e sendo assim a hipótese de um estado préestatal ou de um estado liberto de poderes supraindividuaís como os das Igrejas e dos governos políticos correspondia perfeitamente à finalidade de justificar a redução aos seus mínimos termos do espaço ocupado por tais poderes e de ampliar os espaços de liberdade dos indivíduos Ao contrário a hipótese do homem como animal político que remonta a Aristóteles permitira justificar durante séculos o Estado paternalista e em sua expressão mais crua despótico no qual o indivíduo não possui por natureza nenhum dos direitos de liberdade direitos dos quais como uma criança não estaria em condições de se servir não só para o bem comum masnem mesmo para seu próprio bem Não é casual que o adversário mais direto de Locke tenha sido o mais rígido defensor do Estado patriarcal ou que o defensor do direito de liberdade como direito fundamental de onde todos os outros decorrem tenha sido ao mesmo tempo o mais coerente adversá rio do patriarcalismo ou seja daquela forma de governo na qual os súditos são tratados como eternos menores Enquanto a relação entre mudança social e nascimento dos direitos de liberdade era menos evidente podendo assim dar vida à hipótese de que a exigência de liberdades civis era fundada na existência de direitos naturais pertencentes ao homem enquanto tal independentemente de qualquer conside ração histórica a relação entre o nascimento e crescimento dos direitos sociais por um lado e a transformação da sociedade por outro é inteiramente evidente Prova disso que as exigências de direitos sociais tornaramse tanto mais nume rosas quanto mais rápida e profunda foi a transformação da sociedade Cabe considerar de resto que as exigên cias que se concretizam na demanda de uma intervenção pública e de uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas num determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico e que com relação à própria teoria são precisamente certas transformações sociais e certas inovações técnicas NORBERTO BOBBIO 37 que fazem surgir novas exigências imprevisíveis e ine xequíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido Isso nos traz uma ulterior confirmação da sociabilidade ou da nãonaturalidade desses direitos Para darmos um exemplo de grande atualidade a exigência de uma maior proteção dos velhos jamais teria podido nascer se não tivesse ocorrido o aumento não só do número de velhos mas também de sua longevidade dois efeitos de modificações ocorridas nas relações sociais e resultantes dos progressos da medicina E o que dizer dos movimentos ecológicos e das exigências de uma maior proteção da natureza proteção que implica a proibição do abuso ou do mau uso dos recursos naturais ainda que os homens não possam deixar de usálos De resto também a esfera dos direitos de liberdade foi se modificando e se ampliando em função de inovações técnicas no campo da transmissão e difusão das idéias e das imagens e do possível abuso que se pode fazer dessas inovações algo inconcebível quando o próprio uso não era possível ou era tecnicamente difícil Isso significa que a conexão entre mudança social e mudança na teoria e na prática dos direitos fundamentais sempre existiu o nascimento dos direitos sociais apenas tornou essa conexão mais evidente tão evidente que agora já não pode ser negligenciada Numa sociedade em que so os proprietários tinham cidadania ativa era óbvio que o direito de propriedade fosse levado a direito fundamental do mesmo modo também foi algo óbvio que na sociedade dos países da primeira revolução industrial quando entraram em cena os movimentos operários o direito ao trabalho tivesse sido elevado a direito fundamental A reivindicação do direito ao trabalho como direito fundamental tão fundamental que passou a fazer parte de todas as Declarações de Direitos con temporâneas teve as mesmas boas razões da anterior reivindicação do direito de propriedade como direito natural Eram boas razões que tinham suas raízes na natureza das relações de poder características das sociedades que haviam gerado tais reivindicações e por conseguinte na natureza específica historicamen te determinada daquelas sociedades Ainda mais importante e amplíssima é a tarefa dos sociólogos do direito no que se refere ao outro tema fundamental o da aplicação das normas jurídicas ou do fenômeno que é cada vez mais estudado sob o nome por enquanto intraduzível para o italiano de implementation O campo dos direitos do homem ou mais precisamente das normas que declaram reconhecem definem atribuem direitos ao homem aparece cer tamente como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos so ciais Tanto é assim que na Constitui ção italiana as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de programáticas Será que ia nos perguntarmos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam proíbem ou permitem hic et nunc mas ordenam proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado E sobretudo já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o programa é apenas uma obrigação moral ou no máximo política pode ainda ser chamado corretamente de direito A diferença entre esses autointitulados direitos e os direitos propriamente ditos não será tão grande que torna impróprio ou pelo menos pouco útil o uso da mesma palavra para designar uns e outros E além do mais a esmagadora maioria de normas sobre os direitos do homem tais como as que emanam de órgãos internacionais não são sequer normas programáticas como o são as normas de uma Constituição nacional relativas aos direitos sociais Ou pelo menos não o são enquanto não forem ratificadas por Estados particulares É muito instrutiva a esse respeito a pesquisa realizada pelo professor Evan sobre o número de ratificações das duas Convenções internacionais sobre os direitos do ho mem por parte dos Estadosmembros das Nações Unidas ela indica que somente dois quintos dos Estados as ratificaram e que existem grandes diferenças quanto a isso entre os Estados do Primeiro do Segundo e do Terceiro Mundos As cartas de direitos enquanto permanecerem no âmbito do sistema internacional do qual promanam são mais do que cartas de direitos no sentido próprio da palavra são expressões de boas intenções ou quan do muito diretivas gerais de ação orientadas para um futuro indeterminado e incerto sem nenhuma garantia de realização além da boa vontade dos Estados e sem outra base de sustentação além da pressão da opinião pública internacional ou de agências não estatais como a Amnesty Internaticinal Decerto não é aqui o local adequado para enfrentar o problema dos vários significados do termo direito e das querelas em grande parte verbais a que essa busca de definição deu lugar um problema do qual não se pode fugir quando o tema em discussão é precisamente o dos direitos do homem Não importa que o proble A E R A D O S D I R E I T O S 38 ma seja enfrentado através da distinção clássica entre direitos naturais e direitos positivos ou através da distin ção entre moral rights e legal rights mais comum na linguagem da filosofia anglosaxônica em ambos os casos não se pode deixar imediatamente de perceber que o termo da distinção Se é conveniente ou não o termo direito não só para o segundo mas também para o primeiro termo é uma questão de oportunidade Partilho a preocupação dos que pensam que chamar de direitos exigências na melhor das hipóteses de direitos futuros significa criar expectativas que podem não ser jamais satisfeitas em todos os que usam a palavra direito segundo a linguagem corrente ou seja no significado de expectativas que podem ser satisfeitas por que são protegidas Por prudência sempre usei no transcorrer desta minha comunicação a palavra exigências em vez de direitos sempre que me referi a direitos não constitucionalizados ou seja a meras aspirações ainda que justificadas com argumentos plausíveis no sentido de direitos positivos futuros Poderia também ter usado a palavra pretensão claim que pertence à linguagem jurídica e que é freqüentemente usada nos debates sobre a natureza dos direitos do homem mas em minha opinião esse termo é ainda demasiadamente forte Naturalmente nada tenho contra chamar de direitos também essas exigências de direitos futuros contanto que se evite a confusão entre uma exigência mesmo que bem motivada de proteção futura de um certo bem por um lado e por outro a proteção efetiva desse bem que posso obter recorrendo a uma corte de justiça capaz de reparar o erro e eventualmente de punir o culpado Podese sugerir aos que não querem renunciar ao uso da palavra direito mesmo no caso de exigências naturalmente motivadas de uma proteção futura que distin gam entre um direito em sentido fraco e um direito em sentido forte sempre que não quiserem atribuir a palavra direito somente às exigências ou pretensões efetivamente protegidas Direito é uma figura deôntica e portanto é um termo da linguagem normativa ou seja de uma lingua gem na qual se fala de normas e sobre normas A existência de um direito seja em sentido forte ou fraco implica sempre a existência de um sistema normativo onde por existência deve entenderse tanto o mero fato exterior de um direito histórico ou vigentequanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação Assim como não existe pai sem filho e viceversa também não existe direito sem obrigação e viceversa A velha idéia de que existem obrigações sem direitos correspondentes como as obrigações de beneficência derivava da negação de que o beneficiário fosse titular de um direito Isso não anulava o fato de que a obrigação da beneficência fosse uma obrigação para com Deus ou para com a própria consciência que eram e não o beneficiário os verdadei ros e únicos titulares de um direito em face do benfeitor Podese falar de direitos morais só no âmbito de um sistema normativo moral onde haja obrigações cuja fonte não é a autoridade mu nida de força coativa mas Deus a própria consciência a pressão social a depender das várias teorias da moral Podese falar de direitos naturais pressupondo como o fazem os jusnaturalistas um sistema de leis da natureza que atribuem como todas as leis direitos e deveres esse sistema pode ser derivado da observação da natureza do homem do código da natureza assim como os direitos positivos são deriváveis do estudo de um código de leis positivas validados por uma autoridade capaz de fazer respeitar os próprios mandamentos Obrigações morais obrigações naturais e obrigações positivas bem como os respectivos direitos relativos pertencem a sistemas normativos diversos Para dar sentido a termos como obrigação e direito é preciso inserilos num contexto de normas independen temente de qual seja a natureza desse contexto Mas com relação aos direitos positivos os direitos naturais são apenas exigências motivadas com argumentos históricos e racionais de seu aco lhimento num sistema de direito eficientemente protegido Do ponto de vista de um ordenamento jurídico os chamados direitos natu rais ou morais não são propriamente direitos são apenas exigências que buscam validade a fim de se tornarem eventualmente direitos num novo ordenamento normativo caracterizado por um diferente modo de proteção dos mesmos Também a passagem de um ordenamento para outro é uma passagem que ocorre num determina do contexto social não sendo de nenhum modo predeterminada O jusnaturalista objetará que existem direitos naturais ou morais absolutos direitos que enquanto tais são direitos também em relação a qualquer outro sistema normativo histórico ou positivo Mas uma afirmação desse tipo é contraditada pela variedade dos códigos naturais e morais propostos bem como pelo próprio uso corrente da linguagem que não permite chamar de direitos a maior parte das exigências ou pretensões validadas doutrinariamente ou até mesmo apoiadas por uma forte e autorizada opinião pública enquanto elas não forem acolhidas num ordenamento jurídico positivo Para dar alguns exemplos antes que as mulheres NORBERTO BOBBIO 39 obtivessem nas várias legis lações positivas o direito de votar será que se podia corretamente falar de um direito natural ou moral das mulheres a votar quando as razões pelas quais não se reconhecia esse direito seja naturais as mulheres são muito passionais para poderem expressar sua opinião sobre uma lei que deve ser motivada racionalmente Nas legislações onde ela não é reconhecida que sentido tem afirmar que existe apesar de tudo um direito natural ou moral à objeção de consciência motivada racionalmente Será que se pode dizer que existia um direito à objeção de consciência antes que esta fosse reconhecida Nas legislações onde ela não é reconhecida que sentido afirmar que existe apesar de tudo um direito natural ou moral à objeção de consciência O que se pode dizer apenas é que há boas razões para que essa exigência seja reco nhecida Que sentido tem afirmar que existia um direito à liberdade de abortar antes que essa aspiração das mulheres fosse acolhida e reconhecida por uma legislação civil com razões fundadas de resto em argumentos históricos e sociais e portanto que não têm validade absoluta tais como o crescente número de mulheres que trabalham ou o perigo de um excesso popula cional que ameaça a humanidade Poderíamos prosseguir Esse discurso adquire um interesse particular quando se pensa nos direitos do ho mem que experimentaram historicamente a passagem de um sistema de di reitos em sentido fraco na medida em que estavam inseridos em códigos de normas de direitos em sentido dos Estados nacionais E hoje através das várias cartas de direitos promulgadas em fóruns internacionais ocorreu a passagem ou seja de um sistema mais forte como o nacional não despótico para um sistema mais fraco como o internacional onde os direitos proclamados são sustentados quase que exclusivamente pela pressão social como ocorre habitualmente no caso dos códigos morais e são repetidamente violados sem que as violações sejam na maioria dos casos punidas sofrendo uma outra sanção que não a condenação moral No sistema internacional tal como ele existe atualmente inexistem algumas condições necessárias para que possa ocorrer a passagem dos direitos em sentido fraco para direitos em sentido forte a a de que o reconhecimento e a proteção de pretensões ou exigências contidas nas Declarações provenientes de órgãos e agências do sistema internacional sejam consi derados condi ções necessárias para que um Estado possa pertencer à comunidade internacional b a existên cia no sistema internacional de um poder comum suficientemente forte para prevenir ou reprimir a violação dos direitos declarados Não há melhor ocasião do que este congresso internacional de estudiosos em particular de sociólogos do direito que se ocupam profissionalmente com a observação da interrelação entre sistema jurídico e sistema social para denunciar o abuso ou melhor o uso enganoso que se faz do termo direito nas declarações deste ou daquele direito do homem na sociedade internacional Não sem certa hipocrisia já que aqueles que se sentam à mesa de um fórum internacional sejam políticos diplomatas juristas ou especialistas em geral não podem ignorar que o objeto de suas discussões são pura e simplesmente propostas ou diretivas para uma futura legislação e que as cartas enunciadas ao término desses fóruns não são propriamente cartas de direitos como as que servem de premissa às Constituições nacionais a partir do final do século XVIII ou para usar a primeira expressão com que os direitos do homem fizeram seu aparecimento na cena da história não são Bill of Rights mas são documentos que tratam do que deverão ou deveriam ser direitos num futuro próximo se e quando os Estados particulares os reconhecerem ou se e quando o sistema internacional houver implan tado os órgãos e os poderes necessários para fazêlos valer sempre que forem violados Uma coisa é um direito outra a promessa de um direito futuro Uma coisa é um direito atual outra um direito potencial Uma coisa é ter um direito que é enquanto reconhecido e protegido outra é ter um direito que deve ser mas que para ser ou para que passe do dever ser ao ser precisa transformarse de objeto de discussão de uma assembléia de especialistas em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção Partida constatação da enorme defasagem entre a amplitude do debate teórico sobre os direitos do homem e os limites dentro dos quais se processa a efetiva proteção dos mesmos nos Estados particulares e no sistema internacional Essa defasagem só pode ser superada pelas forças políticas Mas os sociólogos do direito são entre os cultores de disciplinas jurídicas os que estão em melhores condições para documentar essa defasagem explicar suas razões e graças a isso reduzir suas dimensões A E R A D O S D I R E I T O S 40 SEGUNDA PARTE A REVOLUÇÃO FRANCESA E OS DIREITOS DO HOMEM A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO foi aprovada pela Assembléia Nacional em 26 de agosto de 1789 A discussão que levou à aprovação se processou em dois tempos De 1º a 4 de agosto discutiuse se se devia proceder a uma declaração de direitos antes da emanação de uma Constituição Contra os que a consideravam inútil e contra os que a consideravam útil mas devendo ser adiada ou útil somente se acompanhada de uma declaração dos deveres a Assembléia decidiu quase por unanimidade que uma declaração dos direitos a ser considerada segundo as palavras de um membro da Assembléia inspiradas em Rousseau como o ato da constituição de um povo devia ser proclamada imediatamente e portanto prece der a Constituição De 20 a 26 de agosto o texto préselecionado Pela Assembléia foi discutido e aprovado Os testemunhos da época e os historiadores estão de acordo em considerar que esse ato representou um daqueles momentos decisivos pelo menos simbolicamente que assinalam o fim de uma época e o início de outra e portanto indicam uma virada na história do gênero humano Um grande hístoriador da Revolução Georges Lefebvre escreveu Proclamando a liberdade a igualdade e a soberania popular a Declaração foi o atestado de óbito do Antigo Regime destruído pela Revolução Entre os milhares de testemunhos sobre o significado ideal desse texto que nos foram deixados pelos historiadores do século passado escolho o de um escritor político aindaque ele tenha sido o primeiro a pôr em discussão a imagem que a revolução fizera de si mesma Alexis de Tocqueville Referindose à primeira fase do 1789 descrevea como o tempo de juvenil entusiasmo de orgulho de paixões generosas e sinceras tempo do qual apesar de todos os erros os homens iriam conservar eterna memória e que por muito tempo ainda perturbará o sono dos que querem subjugar ou corromper os homens Curiosamente a mesma palavra entusiasmo uma palavra que o racionalista Voltaire detestava fora usada por Kant embora condenando o regicídio como uma abominação Kant escreveu que essa revolução de um povo rico de espiritualidade ainda que esse povo tivesse podido acumular miséria e crueldade encontrara uma participação de aspirações que sabe a entusiasmo só podendo ter como causa uma dispo sição moral da espécie humana Definindo o entusiasmo como a participação no bem com paixão explica va logo após que o verdadeiro entusiasmo se refere só e sempre ao que é ideal ao que é puramente moral e que a causa moral desse entusiasmo era o direito que tem um povo de não ser impedido por outras forças de dar a si mesmo uma Constituição civil que ele crê boa Desse modo Kant ligava diretamente o aspecto que considerava positivo da revolução com o direito de um povo a decidir seu próprio destino Esse direito segun do Kant revelarase pela primeira vez na Revolução Francesa E esse era o direito de liberdade num dos dois sentidos principais do termo ou seja como autodeterminação corno autonomia como capacidade de legislar para si mesmo como a antítese de toda forma de poder paterno ou patriarcal que caracterizara os governos despóticos tradicionais Quando Kant define a liberdade numa passagem da Paz perpétua definea do seguinte modo A liberdade jurídica e a faculdade de só obedecer a leis externas às quais pude dar o meu assentimento Nessa definição era claríssima a inspiração de Rousseau que definira a liberdade como a obediência à lei que nós mesmos nos prescrevemos Não obstante a discordância várias vezes expressa em relação ao idealismo abstrato kantiano bem como a ostentação de uma certa superioridade dos alemães que julgavam não ter necessidade da Revolução porque haviam feito a Reforma Hegel quando se refere em suas lições de filosofia da história à Revolução France sa não pode ocultar sua admiração e fala também mais uma vez do entusiasmo do espírito Enthusiasmos des Geistes pelo qual o mundo foi percorrido e agitado como se então tivesse finalmente ocorrido a verdadei ra conciliação do divino com o mundo Chamandoa de uma esplêndida aurora pelo que todos os seres pensantes cele braram em uníssono essa época expressa com essa metáfora a sua convicção de que com a Revolução iniciarase uma nova época da história com uma explícita referência à Declaração cuja finalidade NORBERTO BOBBIO 41 era a seu ver a meta inteiramente política de firmar os direitos naturais o principal dos quais é a liberdade seguido pela igualdade diante da lei enquanto uma sua ulterior determinação A primeira defesa ampla historicamente documentada e filosoficamente argumentada da Declaração foi a contida nas duas partes de Os direitos do homem de Thomas Paine que foram Publicadas respectivamente em 1791 e em 1792 A obra é em grande parte um panfleto contra Edmund Burke que em defesa da Cons tituição inglesa atacara com acrimônia a Revolução Francesa desde sua primeira fase afirmando o seguinte sobre os direitos do homem Nós não nos deixamos esvaziar de nossos sentimentos para nos encher ar tificialmente como pássaros embalsamados num museu de palha de cinzas e de insípidos fragmentos de papel exaltando os direitos do homem Naturais para Burke são sentimentos como o temor a Deus o respeito ao rei o afeto pelo parlamento não naturais aliás falsos e espúrios são ao contrário os sentimentos que a alusão aos direitos naturais é evidente nos ensinam uma servil licenciosa e degradada insolência uma espécie de liberdade que dura apenas poucos dias de festa e que nos torna justamente dignos de uma eterna e miserável escravidão Especificava que os ingleses são homens ligados aos sentimentos mais naturais embora esses sejam preconceitos Evitamos cuidadosamente que seres humanos vivam e ajam segundo as luzes da própria racionalidade individual porque consideramos que é melhor para cada um valerse do patrimônio de experiência acumulado pe los povos ao longo dos séculos Para fundar os direitos do homem Paine oferece uma justificação e não podia então ser de outro modo religiosa Segundo ele para encontrar o fundamento dos direitos do homem é preciso não permanecer na história como fizera Burke mas transcender a história e chegar ao momento da origem quando o homem surgiu das mãos do Criador A história nada prova salvo os nossos erros dos quais devemos nos libertar O único ponto de partida para escapar dela é reafirmar a unidade do gênero humano que a história dividiu Só assim se descobre que o homem antes de ter direitos civis que são o produto da história tem direitos naturais que os precedem e esses direitos naturais são o fundamento de todos os direitos civis Mais precisamente São direitos naturais os que cabem ao homem em virtude de sua existência A esse gênero pertencem todos os direitos intelectuais ou direitos da mente e também todos os direitos de agir como indivíduo para o próprio bemestar e para a própria felicidade que não sejam lesivos aos direitos naturais dos outros Distinguia três formas de governo o fundado na superstição o fundado na força e um terceiro fundado no interesse comum que ele chamava de governo da razão Paine antes de chegar à França participara ativamente da revolução norteamericana com vários escritos e em particular com o ensaio Common sense 1776 no qual embora fosse súdito britânico criticava asperamente o poder do rei reclamando o direito dos estados americanos à sua independência a partir da tese muito característica do mais genuíno liberalismo segundo a qual chegara a hora de a sociedade civil se eman cipar do poder político já que enquanto a sociedade é uma bênção o governo tal como as roupas que cobrem nossa nudez é o emblema da inocência perdida Com sua ação e com sua obra Paine representou a continuidade entre as duas revoluções Não tinha dúvidas de que uma fosse o desenvolvimento da outra e de que em geral a Revolução Americana abrira a porta para as revoluções da Europa idênticos eram os princípios inspiradores bem como seu fundamento o direito natural idêntico era o desfecho o governo fundado no contrato social a república como governo que rechaça para sempre a lei da hereditariedade a democracia como governo de todos A relação entre as duas revoluções bem mais complexa do que Paine supunha foi continuamente reexaminada e debatida nos últimos dois séculos Os problemas são dois qual foi o influxo e se foi determinante da mais antiga na mais recente qual das duas consideradas em si mesmas é política ou eticamente superior à outra Com relação ao primeiro problema o debate foi particularmente intenso no final do século passado quan do Jellinek numa conhecida obra publicada em 1896 negou através de um exame ponto por ponto a originalidade da Declaração francesa provocando vivas réplicas dos que defendiam que a semelhança se devia à inspiração comum estes além disso alegavam que a inspiração direta era improvável tendo em vista o escasso conhecimento dos vários Bill of Rights americanos pelos constituintes franceses Observandose bem há algumas diferenças de princípio na Declaração de 1789 não aparece entre as metas a alcançar a felicida de a expressão felicidade de todos aparece apenas no preâmbulo e por conseguinte essa não é mais urna palavrachave desse documento como era o caso ao contrário nas cartas americanas a começar pela da A E R A D O S D I R E I T O S 42 Virgínia 1776 conhecida dos constituintes franceses onde alguns direitos inherent traduzido de modo um pouco forçado como inata são protegidos porque permite a busca da felicidade e da segurança O que era felicidade e qual a relação entre a felicidade e o bem público fora um dos temas debatidos pelos philosophes mas à medida que tomou corpo a figura do Estado liberal e de direito foi completamente abandonada a idéia de que fosse tarefa do Estado assegurar a felicidade dos súditos Também nesse caso a palavra mais clara e íluminadora foi dita por Kant o qual em defesa do Estado liberal puro cuja meta é permitir que a liberdade de cada um possa expressarse com base numa lei universal racional rechaçou o Estado eudemonológico um Estado que pretendiaincluir entre suas tarefas a de fazer os súditos felizes já que a verdadeira finalidade do Estado deve ser apenas dar aos súditos tanta liberdade que lhes permita buscar cada um deles a seu modo a sua própria felicidade Em segundo lugar a Declaração francesa como foi várias vezes notado é ainda mais intransigente mente individualista do que a americana Não há necessidade de insistir particularmente ainda mais por que voltaremos ao assunto no fato de que a concepção da sociedade que está na base das duas Declarações é aquela que no século seguinte será chamada quase sempre com uma conotação negativa de individualis ta Para a formação dessa concepção segundo a qual o indivíduo isolado independentemente de todos os outros embora juntamente com todos os outros mas cada um por si é o fundamento da sociedade em oposi ção à idéia que atravessou séculos do homem como animal político e como tal social desde as origens haviam contribuído quer a idéia de um estado de natureza tal como este fora reconstruído por Hobbes e Rousseau ou seja como estado présocial quer a construção artificial do homo oeconomicus realizada pelos primeiros economistas quer a idéia cristã do indivíduo como pessoa moral que tem valor em si mesmo en quanto criatura de Deus Ambas as Declarações partem dos homens consi derados singularmente os direitos que elas proclamam per tencem aos indivíduos considerados um a um que os possuem antes de ingressarem em qualquer sociedade Mas enquanto a utilidade comum é invocada pelo documento francês unicamente para justificar eventuais distinções sociais quase todas as cartas americanas fazem referência direta à finalida de da associação política que é a do common benefit Virgínia do good of whole Maryland ou do common good Massachussets Os constituintes americanos relacionaram os direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade Os constituintes franceses pretendiam afirmar primária e exclusivamente os direitos dos indivíduos Bem diversa será a idéia na qual se inspirará a Constituição jacobina que é encabeçada pelo art 1º no qual se diz Finalidade da sociedade é a felicidade comum essa Constituição põe em primeiro plano o que é de todos em relação ao que pertence aos indivíduos o bem do todo em relação ao direito das partes Quanto ao segundo tema o de saber qual das duas revoluções foi ética e politicamente superior a controvérsia é bem antiga já durante a discussão na Assembléia Nacional um de seus membros Pierre Victor Malouet intendente de finanças candidato da Baixa Auvergne expressara seu próprio parecer contrário à proclamação dos direitos afirmando que o que fora bom para os americanos que haviam tomado o homem no seio da natureza e o tinham apresentado em sua soberania primitiva estando assim preparados para receber a liberdade em toda a sua energia não seria tão bom para os franceses uma imensa multidão dos quais era composta de homens sem propriedade que esperavam do governo mais a segurança do trabalho a qual por outro lado os torna dependentes do que a liberdade Também nesse caso entre os muitos testemunhos dessa controvérsia escolho um que deveria ser particular mente familiar ao público italiano embora eu tenha a impressão de que foi inteiramente esquecido No ensaio sobre A Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Italiana de 1859 Alessandro Manzoni aborda o tema da comparação entre a Revolução Americana e a Revolução Francesa partindo de uma comparação entre a Constituição americana de 1787 e a Declaração de 1789 e não hesita em dar a palma à primeira com argu mentos que lembram aqueles do intendente francês Ele observa que além do fato de a Constituição america na de 1787 não se ter feito preceder por nenhuma declaração as Declarações dos con gressos anteriores referiamse apenas a alguns direitos positivos e especiais das Colônias diante do Governo e do Parlamento da Inglaterra limitavamse portanto a proclamar e a reivindicar direitos que haviam sido violados por aquele Governo e que aquele Parlamento tentara invalidar contra uma posse antiga e pacífica Concluía que a semelhança que se quisera estabelecer entre as duas Declarações era apenas verbal e verbal era sua enunciação tanto que ao passo que as cartas dos ame ricanos tinham produzido os efeitos desejados da solene proclama ção dos constituintes de 1789 podiase dizer apenas que precedera de pouco o tempo em que o desprezo e a NORBERTO BOBBIO 43 violação de todo direito chegaram a um grau que permite duvidar que haja um termo de comparação em toda a história Deixemos aos historiadores a disputa sobre a relação entre as duas declarações Apesar da influência até mesmo imediata que a revolução das treze colônias teve na Europa bem como da rápida formação no Velho Continente do mito americano o fato é que foi a Revolução Francesa que constituiu por cerca de dois séculos o modelo ideal para todos os que combateram pela própria emancipação e pela libertação do próprio povo Foram os princípios de 1789 que constituíram no bem como no mal um ponto de referência obrigató rio para os amigos e para os inimigos da liberdade princípios invocados pelos primeiros e execrados pelos segundos Da subterrânea e imediata força de expansão que a Revolução Francesa teve na Europa permitam me recordar a esplêndida imagem de Heine que comparava o frêmito dos alemães ao ouvirem as notícias do que ocorria na França com o rumor que emerge das grandes conchas que ornamentam as lareiras mesmo quando já estão distantes do mar há muito tempo Quando em Paris no gran de oceano humano as ondas da revolução subiam agitavamse e se enfureciam tempestuosamente para além do Reno os co rações alemães murmuravam e fremiam Quantas vezes ecoou o apelo aos princípios de 1789 nos momentos cruciais de nossa história Limitome a recordar dois deles o Risorgimento e a oposição ao fascismo Embora preconizando uma nova época a que chamou de social Mazzini reconheceu que na Declaração dos Direitos de 1789 haviam sido resumidos os resultados da era cristã pondo acima de qualquer dúvida e elevando a dogma político a liberdade conquistada na esfera da idéia pelo mundo grecoromano a igualdade conquistada pelo mundo cristão e a fraternidade que é conseqüência imediata dos dois termos Carlo Rosselli no livro programático Socialismo liberal escrito no desterro e publicado na França em 1930 disse que o princípio da liberdade estendido à vida cul tural durante os séculos XVII e XVIII atingira seu apogeu com a Enciclopédia terminando por triunfar politica mente com a Revolução de 1789 e sua Declaração de Direitos Disse antes no bem como no mal a condenação dos princípios de 1789 foi um dos motivos habituais de todo movimento reacionário a começar por De Maistre e chegando à Actio Française Mas basta citar uma passagem do príncipe dos escritores reacionários Friedrich Nietzsche com o qual uma nova esquerda sem bússola mantém há algum tempo certo namoro o qual num de seus últimos fragmentos publicados postu mamente escreveu A nossa hostilidade à Révolution não se refere à farsa cruenta à imoralidade com que ela se desenvolveu mas à sua moralidade de rebanho às verdades com que sempre e ainda continua a operar a sua imagem contagiosa de justiça e liberdade a qual se enredam todas as almas medíocres à subversão da autoridade das classes superiores Não muitos anos depois faziamlhe eco alguns dos seus talvez inconscien tes netos italianos que ironizavam a apoteose das retumbantes blagues da Revolução Francesa justiça Fraternidade Igualdade Liberdade O NÚCLEO DOUTRINÁRIO DA DECLARAÇÃO está contido nos três artigos iniciais o primeiro referese à condi ção natural dos indivíduos que precede a formação da sociedade civil o segundo à finalidade da sociedade política que vem depois se não cronologicamente pelo menos axiologicamente do estado de natureza o terceiro ao princípio de legitimidade do poder que cabe à nação A fórmula do primeiro os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos foi retomada quase literalmente pelo art 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Rousseau escrevera no início do Contrato social O homem nasceu livre mas por toda parte se encontra a ferros Tratavase como se disse várias vezes de um nascimen to não natural mas ideal Desde o momento em que a crença numa mítica idade de ouro que remontava aos antigos e fora retomada durante o Renascimento foi suplantada pela teoria que de Lucrécio chegara a Vico da origem ferina do homem e da barbáríe primitiva tornouse doutrina corrente que os homens não nascem nem livres nem iguais Que os homens fossem livres e iguais no estado de natureza tal como descrito por Locke no Segundo tratado do governo era uma hipótese racional não era nem uma constatação empírica nem um dado histórico mas uma exigência da razão única que poderia inverter radicalmente a concepção secular segundo a qual o poder político o poder sobre os homens o imperium procede de cima para baixo e não viceversa Essa hipótese devia servir segundo o próprio Locke para entender bem o poder político e deriválo de sua origem Era precisamente essa a meta a que se haviam proposto os constituintes os quais A E R A D O S D I R E I T O S 44 logo após no art 2º declaravam que o objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem tais como a liberdade a propriedade a segurança e a resistência à opressão No artigo não está presente a expressão contrato social mas a idéia do contrato está implícita na palavra associação Por associação entendese é impossível não entender uma sociedade baseada no contrato A ligação entre os dois artigos é dada pelo fato de que o primeiro fala de igualdade nos direitos enquanto o segundo especifica quais são esses direitos entre os quais não comparece mais a igualdade a qual reaparece porém no art 6º que prevê a igualdade diante da lei bem como no art13 que prevê a igualdade fiscal Dos quatro direitos elencados somente a liberdade é definida art 4º e é definida como o direito de poder fazer tudo o que não prejudique os outros que é uma definição diversa da que se tornou corrente de Hobbes a Montesquieu segundo a qual à liberdade consiste em fazer tudo o que as leis permitam bem como da definição de Kant segundo a qual a minha liberdade se estende até o ponto da compatibilidade com a liberdade dos outros A segurança será definida no art 8º da Constituição de 1793 como a proteção conce dida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa de seus direitos e de suas propriedades Quanto à propriedade que o último artigo da Declaração considera um direito inviolável e sagrado ela se tornará o alvo das críticas dos socialistas e irá caracterizar historicamente a Revolução de 1789 como revolução burguesa Sua inclusão entre os direitos naturais remontava a uma antiga tradição jurídica bem anterior à afirmação das doutrinas jusnaturalistas Era uma consequência da autonomia que no direito roma no clássico era desfrutada pelo direito privadoem relação ao direito público da doutrina dos modos originários de aquisição da propriedade através do contrato e da sucessão modos tanto uns como outros que pertenciam à esfera das relações privadas que se desenvolviam fora da esfera pública Para não remontar a um passado muito distante era bem conhecida a teoria de Locke um dos principais inspiradores da liberdade dos modernos segundo a qual a propriedade deriva do trabalho individual ou seja de uma atividade que se desenvolve antes e fora do Estado Ao contrário do que hoje se poderia pensar depois das históricas reivindi cações dos nãoproprietários contra os proprietários guiados pelos movimentos socialistas do século XIX o direito de propriedade foi durante séculos considerado como um dique o mais forte dos diques contra o poder arbitrário do soberano Foi Thomas Hobbes talvez o mais rigoroso teórico do absolutismo que teve a audácia de considerar como uma teoria sediciosa e portanto merecedora de condenação num Estado funda do nos princípios da razão a que afirma que os cidadãos têm a propriedade absoluta das coisas que estão sob sua posse É ponto pacífico que também por trás da afirmação do direito de resistência estava o pensamento de Locke embora essa afirmação fosse muita antiga Tendo dito que a razão pela qual os homens entram em sociedade é a conservação de suas propriedades bem como de suas liberdades Locke deduzia disso que quan do o governo viola esses direitos põemse em estado de guerra contra seu povo o qual a partir desse momen to está desvinculado de qualquer dever de obediência não lhe restando mais do que o refúgio comum que Deus ofereceu a todos os homens contra a força e a violência isto é o retorno à liberdade originária e a resistência Juridicamente o direito de resistência é um direito secundário do mesmo modo como são normas secundárias as que servem para proteger as normas primárias é um direito secundário que intervém num segundo momento quando são violados os direitos de liberdade de propriedade e de segurança que são direitos primários E também é diverso porque o direito de resistência intervém para tutelar os outros direitos mas não pode por sua vez ser tutelado devendo portanto ser exercido com todos os riscos e perigos Num plano rigorosamente lógico nenhum governo pode garantir o exercício do direito de resistência que se mani festa precisamente quando o cidadão já não reconhece a autoridade do governo e o governo por seu turno não tem mais nenhuma obrigação para com ele Com uma possível alusão a esse artigo Kant dirá que para que um povo seja autorizado à resistência deveria haver uma lei pública que a permitisse mas uma tal disposição seria contraditória já que no momento em que o soberano admitisse a resistência contra si mesmo renunciaria a sua própria soberania e o súdito tornarseia soberano em seu lugar E impossível que os constituintes não tivessem percebido a contradição Mas como explica Georges Lefebvre a inserção do direito de resistência entre os direitos naturais deviase à recordação imediata do 14 de julho e ao temor de um novo assalto aristocrático tratavase portanto de uma justificação póstuma da luta contra o Antigo Regime NORBERTO BOBBIO 45 Na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 não aparece o direito de resistência mas no preâmbulo lêse que os direitos do homem que seriam sucessivamente enumerados devem ser protegidos se se quer evitar que o homem seja obrigado como última instância à rebelião contra a tirania e a opressão É como dizer que a resistência não é um direito mas em determinadas circunstâncias uma necessidade como o indica a palavra obrigado O terceiro artigo segundo o qual o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação reflete fielmente o debate que se travara no mês de junho quando havia sido rechaçada a proposta do conde de Mirabeau no sentido de adotar a palavra povo que assinalava a diferença com relação às duas outras ordens em vez de nação mais abrangente unificadora e compreensiva defendida pelo abade Sieyès de onde nas cera nome de Assembléia Nacional Esse artigo expressa também conceito destinado a tornarse um dos fundamentos de todo governo democrático futuro de que a representação é una e indivisível ou seja não pode ser dividida com base nas ordens ou nos estamentos em que se dividia a sociedade da época e de que sua indivisibilidade e unidade é composta não por corpos separados mas por indivíduos singulares que contam cada um por um de acordo com um principio que a partir de então justifica a desconfiança de todo governo democrático diante da representação dos interesses No conceito da soberania una e indivisível da nação estava também implícito o princípio da proibição do mandato imperativo principio firmemente defendido por Sieyès já anunciado no art 6º segundo o qual a lei e expressão da vontade geral e explicitamente formulado no art 8º do preâmbulo da lei de 22 de dezembro de 1789 que diz Os representantes indicados para a Assembléia Nacional pelos departamentos deverão ser considerados não como repre sentantes de um departamento mas como representantes da totalidade dos departamentos ou seja de toda a nação Repre sentação individual e não por corpos separados bem como proibição de mandato imperativo eis duas institui ções que concorriam para a destruição da sociedade por ordens na qual dado em cada ordem tinha um seu ordenamento jurídico separado os indivíduos não eram iguais nem nos direitos nem diante da lei Desse ponto de vista a Declaração podia corre tamente ser considerada como o fez um grande historiador da Revolução Alphonse Aulard como o atestado de óbito do Antigo Regime ainda que o tiro de misericórdia só viesse a ser dado no preâmbulo da Constituição de 1791 quando foi secamente proclamado que não existe mais nobreza nem pariato nem distinções hereditárias nem distinções de ordem ou de regime feudal não há mais para nenhuma parte da Nação e para nenhum indivíduo nenhum privilégio ou exceção em face do direito comum de todos os franceses A DECLARAÇÃO DESDE ENTÃO ATÉ HOJE foi submetida a duas críticas recorrentes e opostas foi acusada de excessiva abstratividade pelos reacionários e conservadores em geral e de excessiva ligação com os interesses de uma classe particular por Marx e pela esquerda em geral A acusação de abstratividade foi repetida infinitas vezes de resto a abstratívidade do pensamento iluminista é um dos motivos clássicos de todas as correntes antiiluministas Não preciso repetir a célebre afirmação de De Maistre que dizia ver ingleses alemães franceses e graças a Montesquieu saber também que existiam os persas mas o homem o homem em geral esse ele nunca vira e se é que existia ele o ignorava Mas basta citar menos conhecido mas não menos drástico um juízo de Taine segundo o qual a maior parte dos artigos da Declaração não são mais do que dogmas abstratos definições metafísicas axiomas mais ou menos literári os ou seja mais ou menos falsos ora vagos ora contraditórios suscetíveis de mais de um significado e de significados opostos uma espécie de insígnia pomposa inútil e pesada que corre o risco de cair na cabeça dos transeuntes já que todo dia é sacudida por mãos violentas Quem não se contentar com essas deprecações ou talvez sejam mais imprecações e quiser buscar uma crítica filosófica deverá ler o adendo ao 539 da Enciclopédia de Hegel onde além de muitas considerações importantes está dito que liberdade e igualdade são tão pouco algo por natureza que ao contrário são um produto e um resultado da consciên cia histórica a qual de resto se diferencia de nação para nação Mas será mesmo verdade que os constituintes franceses eram assim tão pouco atentos com a cabeça nas nuvens e os pés bem longe do chão A essa pergunta respondeuse com a observação de que aqueles direitos aparentemente abstratos eram realmente na intenção dos constituintes instrumentos de polêmica política cada um deles devendo ser interpretado como a antítese de um abuso do poder que se queria combater ia que os revolucionários como dissera Mirabeau mais que uma Declaração abstrata de direitos tinham querido A E R A D O S D I R E I T O S 46 fazer um ato de guerra contra os tiranos Se esses direitos foram depois proclamados como se estivessem inscri tos numa tábua das leis fora do tempo e da história isso resultara como explicará Tocquevílie do fato de que a Revolução Francesa havia sido uma revolução política que operara como as revoluções religiosas que consideram o homem em si mesmo sem se deterem nos traços peculiares que as leis os costumes e as tradições de um povo podiam ter inserido naquele fundo comum e operara como as revoluções religiosas porque pare cia ter como objetivo mais do que a reforma da França a regeneração de todo o gênero humano De resto foi por essa razão segundo Tocquevílle que a Revolução pôde acender paixões que até então nem mesmo as revoluções políticas mais violentas tinham podido produzir A crítica oposta segundo a qual a Declaração em vez de ser demasiadamente abstrata era tão concreta e historicamente determinada que na verdade não era a defesa do homem em geral que teria existido sem que o autor das Noites de São Petersburgo o soubesse mas do burguês que existia em carne e osso e lutava pela própria emancipação de classe contra a aristocracia sem se preocupar muito com os direitos do que seria chamado de Quarto Estado foi feita pelo jovem Marx no artigo sobre A questão judaica suficientemente conhecido para que não seja preciso nos ocuparmos de novo dele e repetida depois ritualmente por diversas gerações de marxistas De nenhum modo se tratava do homem abstrato universal O homem de que falava a Declaração era na verdade o burguês os direitos tutelados pela Declaração eram os direitos do burguês do homem explicava Marx egoísta do homem separado dos outros homens e da comunidade do homem enquanto mônada isolada e fechada em si mesma Quais tenham sido as conseqüências que considero funestas dessa interpretação que confundia uma questão de fato ou seja a ocasião histórica da qual nascera a reivindicação desses direitos que era certamente a luta do Terceiro Estado contra a aristocracia com uma questão de princípio e via no homem apenas o cidadão e no cidadão apenas o burguês esse é um tema sobre o qual com o discernimento que o passar dos anos nos proporciona talvez tenhamos idéias mais claras do que nossos pais Mas ainda estamos demasiada mente imersos na corrente dessa história para sermos capazes de ver onde ela terminará Pareceme difícil negar que a afirmação dos direitos do homem in primis os de liberdade ou melhor de liberdades individuais é um dos pontos firmes do pensamento político universal do qual não mais se pode voltar atrás A acusação feita por Marx à Declaração era a de ser inspirada numa concepção individualista da sociedade A acusação era justíssima Mas é aceitável Decerto o ponto de vista no qual se situa a Declaração para dar uma solução ao eterno problema das relações entre governantes e governados é o do indivíduo do indivíduo singular considerado como o titular do poder soberano na medida em que no hipotético estado de natureza présocial ainda não existe nenhum poder acima dele O poder político ou o poder dos indivíduos associados vem depois E um poder que nasce de uma convenção é o produto de uma invenção humana como uma máquina mas se trata conforme a definição de Hobbes cuja reconstrução racional do Estado parte com absoluto rigor dos indivíduos conside rados singularmen te da mais engenhosa e também da mais benéfica das máquinas a machina machinarum Esse ponto de vista representa a inversão radical do ponto de vista tradicional do pensamento político seja do pensamento clássico no qual as duas metáforas predominantes para representar o poder são a do pastor e o povo é o rebanho e a do timoneiro do gubernator e o povo é a chusma seja do pensamento medieval omnis potestas nisi a Deo Dessa inversão nasce o Estado moderno primeiro liberal no qual os indivíduos que reivindicam o poder soberano são apenas uma parte da sociedade depois democrático no qual são potencial mente todos a fazer tal reivindicação e finalmente social no qual os indivíduos todos transformados em soberanos sem distinções de classe reivindicam além dos direitos de liberdade também os direitos soci ais que são igualmente direitos do indivíduo o Estado dos cidadãos que não são mais somente os burgueses nem os cidadãos de que fala Aristóteles no inicio do Livro III da Política definidos como aqueles que podem ter acesso aos cargos públicos e que quando excluídos os escravos e estrangeiros mesmo numa democracia são uma minoria O ponto de vista tradicional tinha por efeito a atribuição aos indivíduos não de direitos mas sobretudo de obrigações a começar pela obrigação da obediência às leis isto é às ordens do soberano Os códigos morais e jurídicos foram ao longo dos séculos desde os Dez Mandamentos até as Doze Tábuas conjuntos de regras imperativas que estabelecem obrigações para os indivíduos não direitos Ao contrário observemos mais uma vez os dois primeiros artigos da Declaração Primeiro há a afirmação de que os indivíduos têm direitos depois NORBERTO BOBBIO 47 a de que o governo precisamente em conseqüência desses direitos obrigase a garantilos A relação tradicio nal entre direitos dos governantes e obrigações dos súditos é invertida completamente Até mesmo nas chama das cartas de direitos que precederam as de 1776 na América e a de 1789 na França desde a Magna Charta até o Bill of Rights de 1689 os direitos ou as liberdades não eram reconhecidos como existentes antes do poder do soberano mas eram concedidos ou concertados devendo aparecer mesmo que fossem resultado de um pacto entre súditos e soberano como um ato unilateral deste último O que equivale a dizer que sem a concessão do soberano o súdito jamais teria tido qualquer direito Não é diferente o que ocorrerá no século XIX quando surgem as monarquias constitucionais afirmase que as Constituições foram octroyées pelos sobe ranos O fato de que essas Constituições fossem a conseqüência de um conflito entre rei e súditos concluído com um pacto não devia cancelar a imagem sacralizada do poder para a qual o que os cidadãos obtêm é sempre o resultado de uma graciosa concessão do príncipe As Declarações de Direito estavam destinadas a inverter essa imagem E com efeito pouco a pouco logra ram invertêla Hoje o próprio conceito de democracia é inseparável do con ceito de direitos do homem Se se elimina uma concepção individualista da sociedade não se pode mais justificar a democracia do que aquela segundo a qual na democracia os indivíduos todos os indivíduos detêm uma parte da soberania E como foi possível firmar de modo irreversível esse conceito senão através da inversão da relação entre poder e liberdade fazendose com que a liberdade precedesse o poder Tenho dito freqüentemente que quando nos referimos a uma democracia seria mais correto falar de soberania dos cidadãose não de soberania popular Povo é um conceito ambíguo do qual se serviram também todas as ditaduras modernas É uma abstração por vezes enga nosa não fica claro que parcela dos indivíduos que vivem num território é compreendida pelo termo povo As decisões coletivas não são tomadas pelo povo mas pelos indivíduos muitos ou poucos que o compõem Numa democracia quem toma as decisões coletivas direta ou indiretamente são sempre e apenas indivíduos singulares no momento em que depositam seu voto na urna Isso pode soar mal para quem só consegue pensar a sociedade como um organismo mas quer isso agrade ou não a sociedade democrática não é um corpo orgânico mas uma soma de in divíduos Se não fosse assim não teria nenhuma justificação o princípio da maioria o qual não obstante é a regra fun damental de decisão democrática E a maioria é o resultado de uma simples soma aritmética onde o que se soma são os votos dos indivíduos um por um Concepção individualis ta e concepção orgânica da sociedade estão em irremediável con tradição É absurdo perguntar qual é a mais verdadeira em sentido absoluto Mas não é absurdo e sim absolutamente razoável afirmar que a única verdadeira para compreender e fazer compreender o que é a democracia e a segunda con cepção não a primeira É preciso desconfiar de quem defende uma concepção antiindividualista da sociedade Através do antiindividualismo passaram mais ou menos todas as doutrinas reacionárias Burke dizia Os indivíduos desa parecem como sombras só a comunidade é fixa e estável De Maistre dizia Submeter o governo à discussão individual significa destruílo Lammenais dizia O individualismo destruindo a idéia de obediência e de dever destrói o poder e a lei Não seria muito difícil encontrar citações análogas na esquerda antidemocrática Ao contrário não existe nenhuma Constituição democrática a começar pela Constituição republicana da Itália que não pressuponha a exis tência de indivíduos singulares que têm direitos enquanto tais E como seria possível dizer que eles são invioláveis se não houvesse o pressuposto de que axiologicamente o indivíduo é superior à sociedade de que faz parte A concepção individualista da sociedade já conquistou muito espaço Os direitos do homem que tinham sido e continuam a ser afirmados nas Constituições dos Estados particulares são hoje reconhecidos e solene mente proclamados no âmbito da comunidade internacional com uma conseqüência que abalou literalmente a doutrina e a prática do direito internacional todo indivíduo foi elevado a sujeito potencial da comunidade internacional cujos sujeitos até agora considerados eram eminentemente os Estados soberanos Desse modo o direito das gentes foi transformado em direito das gentes e dos indivíduos e ao lado do direito internacional como direito público externo o ius publicum europaeum está crescendo um novo direito que poderemos chamar com as palavras de Kant de cosmopolita embora Kant o limitasse ao direito de todo homem a ser tratado como amigo e não como inimigo qualquer que fosse o lugar onde estivesse ou seja ao direito como ele dizia de hospitalidade Contudo mesmo com essa limitação Kant via no direito cosmopolita não uma representação fantástica de mentes exaltadas mas uma das condições necessárias para a busca da paz perpé A E R A D O S D I R E I T O S 48 tua numa época da história em que a violação do direito ocorrida num ponto da terra é sentida em todos os outros O mesmo Kant que como disse no inicio vira no entusiasmo com que fora acolhida a Revolução Francesa um sinal da disposição moral da humanidade inseria esse evento extraordinário numa história profética da humanidade ou seja numa história da qual não se tem dados seguros mas da qual só se pode apreender sinais premonitórios Um desses sinais premo nitórios segundo ele era precisamente o nascimento de urna Consti tuição fundada no direito natural que permitia dar uma resposta afirmativa à questão de se o gênero huma no estava em constante progresso para o melhor Dizia também que o evento tivera tal efeito nos espíritos que não mais podia ser esquecido já que revelara na natureza humana uma tal disposição e potencialidade para o melhor que nenhum político poderia doravante cancelar Nós tendo chegado quase ao fim do século que conheceu duas guerras mundiais e a era das tiranias bem como a ameaça de uma guerra de extermínio podemos até sorrir diante do otimismo de um filósofo que viveu numa era em que a crença na irresistibilidade do pro gresso era quase universal Mas podemos sustentar seriamente que a idéia da Constituição fundada no direito natural foi esquecida O tema dos direitos do homem que foi imposto à atenção dos soberanos pela Declaração de 1789 não será hoje mais atual do que nunca Não é um dos grandes temas juntamente com o da paz e o da justiça internacional para os quais são arrastados irresistivelmente queriamno ou não povos e governos Assim como as Declarações nacionais foram o pressuposto necessário para o nascimento das demo cracias modernas a Declaração Universal dos Direitos do Homem não será talvez o pressuposto daquela democratização do sistema internacional da qual dependem o fim do sistema tradicional de equilíbrio no qual a paz é sempre uma trégua entre duas guerras e o inicio de uma era de paz estável que não tenha mais a guerra como alternativa Reconheço que afirmações desse gênero só podem ser fei tas no âmbito da história profética de que falava Kant e portanto de uma história cujas antecipações não têm a certeza das previsões científicas mas será que são possíveis previsões científicas na história humana Reconheço também que des graçadamente os profe tas da desventura na maioria dos casos não foram ouvidos e os eventos por eles anunciados se reali zaram enquanto os profetas dos tempos felizes foram logo ouvidos mas os eventos que anunciaram não se verifica ram Por que não poderia ocorrer um momento propício no qual o profeta da desventura esteja errado e o que prevê tempos felizes tenha razão NORBERTO BOBBIO 49 A HERANÇA DA GRANDE REVOLUÇÃO C OM A REVOLUÇÃO FRANCESA entrou prepotentemente na imaginação dos homens a idéia de um evento político extraordinário que rompendo a continuidade do curso histórico assinala o fim último de uma época e o principio primeiro de outra Duas datas muito próximas entre si podem ser elevadas a símbolos desses dois momentos 4 de agosto de 1789 quando a renúncia dos nobres aos seus privilégios assinala o fim do regime feudal 26 de agosto quando a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem marca o princípio de uma nova era Não vale a pena sublinhar por ser muito evidente o fato de que uma coisa é o símbolo e outra é a realidade dos eventos gradativamente examinados por historiadores cada vez mais exigentes Mas a força do símbolo e refirome em particular ao tema do meu discurso não desapareceu com o passar dos anos Com efeito a declaração de 26 de agosto fora precedida alguns anos antes pelas declarações de direitos pelos Bill of Rights de algumas colônias norteamericanas em luta contra a metrópole A comparação entre as duas revoluções e as respectivas enunciações de direitos é um tema ritual que compreende tanto um juízo de fato sobre a relação entre os dois eventos quanto um juízo de valor sobre a superioridade moral e política de um em relação ao outro No que se refere às duas revoluções a diversidade é de tal ordem que muitas argumen tações sobre as afinidades e diferenças entre elas aparecem freqüentemente como meros exercícios acadêmi cos e pior ainda as disputas sobre a superioridade de uma sobre a outra revelam um condicionamento de masiadamente ideológico para que pos sam ser levadas muito a sério Não se pode comparar com proveito uma guerra de independência uma guerra de libertação como diríamos hoje de um povo que se propõe ter uma Constituição política construída à imagem e semelhança daquela da metrópole a república presidencialista como se sabe tem como exemplo o modelo da monarquia constitucional por um lado e por outro a derru bada de um regime político e de uma ordem social que se queria ver substituída por uma ordem completamente diferente seja no que se refere à relação entre governantes e governados seja no que se refere à dominação de classe Mais sensata ou menos arbitrária é ao contrário a comparação entre as duas declarações contanto que essa comparação não mais seja posta em termos peremptórios como ocorreu no fim do século no confron to entre o grande jurista George Jellinek que afirmava com riqueza de detalhes que a declaração francesa derivava das americanas e Emile Boutmy que de modo igualmente detalhado contestou Jellinek afirmando entre outras coisas que os constituintes franceses tinham um escasso conhecimento dos precedentes de além mar fazendo assim uma afirmação desmentida pelos fatos Que o exemplo americano tenha desempenhado um papel decisivo na elaboração da declaração francesa foi algo recentemente afirmado mais uma vez pelo autor do amplo Verbete sobre os Direitos do homem do Dictionnaire critique de la Révolution française publicado há pouco tempo Mas é necessário preliminarmente distinguir entre o conteúdo da declaração por um lado e a própria idéia de uma declaração como algo que devia preceder a Constituição por outro Quanto ao conteúdo podese discutir quanto à idéia a influência determinante da declaração americana é algo indiscutível O primeiro a apresentar um projeto de declaração foi La Fayette herói da independência americana com um texto elaborado sob o olhar e com os conselhos de Jefferson então embaixador dos Estados Unidos em Paris Os constituintes não só conhecem o modelo americano mas também como observa Gouchet posicionamse em face do projeto de declaração segun do o que pensam das declarações anteriores Um monarchien intendente de finanças da Baixa Auvergne Pierre Victor Malouet justifica o seu parecer contrário dizendo que enquanto um povo novo como o ame ricano estava disposto a receber a liberdade em toda a sua energia um povo como o francês composto por uma multidão imensa de súditos sem propriedade esperava do governo mais a segurança do trabalho que os torna independentes do que a liberdade Com relação ao conteúdo dos dois textos apesar das di ferenças muitas vezes assinaladas a mais evidente das quais é a referência da declaração francesa à vontade geral como titular do poder legislativo art 6º de nítida derivação rousseauísta não se pode deixar de reconhecer que ambos têm sua origem comum na tradição do direito natural a qual em minha opinião é bem mais determinante mesmo na declaração francesa do que a tradição do autor do Contrato social O ponto de partida comum é a afirmação de que o homem tem direitos A E R A D O S D I R E I T O S 50 naturais que enquanto naturais são anteriores à instituição do poder civil e por conseguinte devem ser reconhecidos respeitados e protegidos por esse poder O art 2º os define como imprescritíveis querendo com isso dizer que à diferença dos direitos surgidos historicamente e reconhecidos pelas leis civis não foram perdidos nem mesmo pelos povos que não os exerceram durante um longo período de tempo ab imemorabili O primeiro crítico severo da Revolução Francesa Edmund Burke afirmará tão logo chegam à Inglaterra as notícias da sublevação parisiense a célebre tese da prescrição histórica segundo a qual os direitos dos ingleses recebem sua força não do fato de serem naturais mas de se terem afirmado através de um hábito de liberdade desconhecido pela maior parte dos demais povos Ao contrário da teoria da prescrição histórica a tese da imprescritibilidade tem consciente e intencionalmente um valor revolucionário De modo geral a afirmação de que o homem enquanto tal fora e antes da formação de qualquer grupo social temdireitos originários representa uma verdadeira reviravolta tanto na teoria quanto na prática políti cas reviravolta que merece ser brevemente comentada A relação política ou a relação entre governantes e governados entre dominantes e dominados entre príncipe e povo entre soberano e súditos entre Estado e cidadãos é uma relação de poder que pode assumir três direções conforme seja considerada como relação de poder recíproco como poder do primeiro dos dois sujeitos sobre o segundo ou como poder do segundo sobre o primeiro Tradicionalmente tanto no pensamen to político clássico quanto naquele que predo minou na Idade Média a relação política foi considerada como uma relação desigual na qual um dos dois sujeitos da relação está no alto enquanto o outro está embaixo e na qual o que está no alto é o governante em relação ao governado o dominante em relação ao dominado o príncipe em relação ao povo o soberano em relação aos súditos o Estado em relação aos cidadãos Nos termos da linguagem política a potestas vem antes da libertas no sentido de que a esfera da liberdade reservada aos indivíduos é concedida magnanimamente pelos detentores do poder Em termos hobbesianos a lex enten dida como o mandamento do soberano vem antes do ius no sentido de que o ius ou o direito do indivíduo coincide pura e simplesmente com o silentium legis É doutrina jurídica tradicional a de que o direito público pode regular o direito privado ao passo que o direito privado não pode derrogar o direito público A figuração do poder político ocorreu através de metáforas que iluminam bem esse ponto de vista se o governante e o pastor que se recorde a polêmica entre Sócrates e Trasímaco sobre esse tema os governados são o rebanho a oposição entre a moral dos senhores e a moral do rebanho chega até Nietzsche se o governante é o timoneiro ou gubernator o povo é a chusma que deve obedecer e que quando não obedece e se rebela acreditando poder dispensar a experiente direção do comandante como se lê numa passagem de A república de Platão faz com que a nave vá necessariamente a pique se o governante é o pai a figuração do Estado como uma família ampliada e portanto do soberano como pai do seu povo é urna das mais comuns em toda a literatura política antiga e moderna os súditos são comparados aos filhos que devem obedecer às ordens do pai porque ainda não alcançaram a idade da razão e não podem regular por si mesmos suas ações Das três metáforas a última é a mais difícil de morrer Recordemos a dura crítica de Locke contra o Patriarcha de Filmer para quem o poder de governar deriva diretamente dos antigos patriarcas assim como a critica de longo alcance que Kant dirigiu contra o Estado paternalista o qual considera os súditos como menores que devem ser guiados independentemente de sua vontade para uma vida sadia próspera boa e feliz Mas tanto Locke quanto Kant são Jusnaturalistas ou seja ambos são pensadores que já haviam efetuado aquela inversão de perspectiva para usar uma famosa expressão do próprio Kant ainda que usada por ele num outro contexto aquela revolução copernicana que faz com que a relação política seja considerada não mais ex parte princípis mas sim ex parte civium Para que pudesse ocorrer essa inversão de ponto de vista da qual nasce o pensamento político moderno era necessário que se abandonasse a teoria tradicional que em outro local chamei de modelo aristotélico segundo a qual o homem é um animal político que nasce num grupo social a família e aperfeiçoa sua própria natureza naquele grupo social maior autosuficiente por si mesmo que é a polis e ao mesmo tempo era necessário que se considerasse embora através de uma hi pótese racional que não levava em conta intencio nalmente a origem histórica das sociedades humanas o indivíduo em si mesmo fora de qualquer vínculo social e com maior razão político num estado como o estado de natureza no qual não se constitui ainda nenhum poder superior aos indivíduos e não existem leis positivas que imponham esta ou aquela ação sendo portanto um estado de liberdade e igualdade perfeitas ainda que hipotéticas Era necessário que se tomasse NORBERTO BOBBIO 51 como pressuposto a existência de um estado anterior a toda forma organizada de sociedade um estado originá rio o qual precisamente por esse seu caráter originário devia ser considerado como o lugar de nascimento e o fundamento do estado civil não mais um estado natural como a família ou outro grupo social mas artificial consciente e intencionalmente construído pela união voluntária dos indivíduos naturais Em síntese enquanto os indivíduos eram considerados como sendo originariamente membros de um grupo social natural como a família que era um grupo organizado hierarquicamente não nasciam nem livres já que eram submetidos à autoridade paterna nem iguais já que a relação entre pai e filho é a relação de um superior com um inferior Somente formulando a hipótese de um estado originário sem sociedade nem Estado no qual os homens vivem sem outras leis além das leis naturais que não são impostas por uma autoridade externa mas obedecidas em consciência é que se pode sustentar o corajoso princípio contraintuitivo e claramente antihistórico de que os homens nascem livres e iguais como se lê nas palavras que abrem solene mente a declaração Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos Essas palavras serão repetidas tais e quais literalmente um século e meio depois no art 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos Na realidade os homens não nascem nem livres nem iguais Que os homens nasçam livres e iguais é uma exigência da razão não uma constatação de fato ou um dado histórico É uma hipótese que permite inverter radicalmente a concepção tradicional segundo a qual o poder político o poder sobre os homens chamado de imperium procede de cima para baixo e não viceversa De acordo com o próprio Locke essa hipótese devia servir para entender bem o poder político e deriválo de sua origem E tratavase claramente de uma origem não histórica e sim ideal O modo pelo qual se chegou a essa inversão de perspectiva é algo que pode ser indicado apenas em linhas muito gerais e sobre o qual talvez possamos mais conjeturar do que ilustrar de modo exaustivo Tratarseia de nada menos do que de dar conta do nascimento da concepção individualista da sociedade e da história que é a antítese radical da concepção organicista segundo a qual para repetir uma afirmação de Aristóteles que será retomada por Hegel o todo a sociedade é anterior as suas partes invertendo essa relação entre o todo e as partes a concepção individualista da sociedade e da história afirma que primeiro vem o indivíduo não o indivíduo para a sociedade Também esse princípio se encontra solenemente afirmado na Declaração em seu art 2º onde se enunciam os quatro direitos naturais que o homem possui originariamente e se afirma textu almente que a finalidade de toda associação política é a conservação desses direitos Numa concepção orgâ nica da sociedade a finalidade da organização política é a conser vação do todo Nela não haveria lugar para direitos que não só a precederiam mas que até mesmo pretenderiam manterse fora dela ou melhor submetê la às suas próprias exigências A propria expressão associação política é totalmente estranha à linguagem do organicismo dizse associação de uma formação social voluntária derivada de uma convenção Embora a expressão contratosocial não apareça na Declaração a palavra associação o pressupõe Numa concepção orgânica da sociedade as partes estão em função do todo numa concepção individualista o todo é o resultado da livre vontade das partes Nunca será suficientemente sublinhada a importância his tórita dessa inversão Da concepção individualis ta da sociedade nasce a democracia moderna a democracia no sentido moderno da palavra que deve ser corretamente definida não como o faziam os antigos isto é como o poder do povo e sim como o poder dos indivíduos tomados um a um de todos os individuos que compõem uma sociedade regida por algumas regras essenciais entre as quais uma fundamental a que atribui a cada um do mesmo modo como a todos os outros o direito de participar livremente na tomada das decisões coletivas ou seja das decisões que obrigam toda a coletividade A democracia moderna repousa na soberania não do povo mas dos cidadãos O povo é uma abstração que foi freqüentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas Foi dito que depois do nazismo a pala vra VoIk tornouse impronunciável E quem não se lembra que o órgão oficial do regime fascista se chama Il Popolo dItalia Não gostaria de ser mal entendido mas até mesmo a palavra peuple depois do abuso que dela se fez durante a Revolução Francesa tornouse suspeitao povo de Paris derruba a Bastilha promove os massa cres de setembro julga e executa o rei Mas o que esse povo tem a ver com os cidadãos de uma democracia contemporânea O mesmo equivoco se ocultava no conceito de populus romanus ou de povo das cidades medievais que impunha entre outras coisas a distinção entre povo graúdo e povo miúdo À medida que a A E R A D O S D I R E I T O S 52 democracia real se foi desenvolvendo a palavra povo tornouse cada vez mais vazia e retórica embora também a Constituição italiana enuncie o princípio de que a soberania pertence ao povo Numa democra cia moderna quem toma as decisões coletivas direta ou indiretamente são sempre e somente os cidadãos uti singuli no momento em que depositam o seu voto na urna Não é um corpo coletivo Se não fosse assim não teria nenhuma justificação a regra da maioria que é a regra fundamental do governo democrático A maioria e o resultado da soma aritmética onde o que se somam são os votos de indivíduos singulares precisamente daqueles indivíduos que a ficção de um estado de natureza prépolítico permitiu conceber como dotados de direitos originários entre os quais o de determinar mediante sua livre vontade própria as leis que lhe dizem respeito Se a concepção individualista da sociedade for eliminada não será mais possível justificar a democracia como uma boa forma de governo Todas as doutrinas reacionárias passaram através das várias concepções antiindividualistas Podese ler em Edmundo Burke Os indivíduos desaparecem como sombras somente a comunidade é fixa e estável De Maistre declarou peremptoriamente Submeter o governo à discussão indi vidual significa destruílo O primeiro Lamennais reafirmava O individualismo destruindo a idéia do dever e da obediência destrói o poder e a lei Ao contrário não há nenhuma Constituição democrática que não pressuponha a existência de direitos indi viduais ou seja que não parta da idéia de que primeiro vem a liberdade dos cidadãos singularmente considerados e só depois o poder do governo que os cidadãos constitu em e controlam através de suas liberdades O debate para a elaboração da Declaração na Assembléia nacional durou quinze dias de 11 a 26 de agosto Foram apresentados vários projetos um depois do outro para coordenálos foi nomeada em 12 de agosto uma comissão de cinco membros Depois de três dias Mirabeau em nome da comissão apresen tou uma redação com dezenove artigos a partir de vinte projetos diferentes Em 18 de agosto teve lugar uma forte contestação Esse primeiro texto foi deixado de lado sendo adotado o projeto anônimo elaborado pelo Sexto Grupo da Assembléia Depois de outros incidentes de percurso que tornaram a discussão difícil e caóti ca o debate sobre os artigos singulares travouse entre 20 e 26 de agosto Os 24 artigos foram paulatinamente reduzidos a 17 o último dos quais o que fala da propriedade sagrada e inviolável foi aprovado no dia 26 Os problemas a resolver previamente eram três 1 se era ou não oportuna uma Declaração 2 se reconhe cida sua oportunidade ela devia ser promulgada isoladamente ou como preâmbulo à Constituição caso em que deveria ser adiada 3 se uma vez acolhida a idéia de sua promulgação independente ela deveria ou não ser acompanhada como o próprio Abbé Gregoire exigia por uma declaração dos deveres Predominou a opinião intermediária E foi a escolha justa A Declaração aprovada como texto independente destacado da futura cons tituição terá sua vida autônoma e apesar de tudo é preciso reconhecêlo gloriosa Passará à história com a denominação retumbante no bem como no mal de princípios de 1789 Os constituintes estavam bem conscientes de realizarem um ato historicamente relevante como resulta do preâmbulo que precede a enunciação dos artigos Nele a necessidade da declaração é fundamentada com o argumento de que o esquecimento e o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos O artigo fundamental é o segundo no qual são enunciados os seguin tes direitos à liberdade à propriedade à segurança e à resistência a opressão A Declaração foi repetidamente submetida a críticas formais e substanciais Quanto às primeiras não lhes foi difícil descobrir contradições e lacunas Logo de início podemos ver que dos quatro direitos enunciados somente o primeiro o direito à liberdade é definido mas só no art 3º como o poder de fazer tudo o que não prejudique os outros de onde deriva a regra do artigo seguinte segundo a qual a lei tem o direito de proibir somente as ações nocivas à sociedade No art 5º ao contrário a liberdade é definida implicitamente como o direito de fazer tudo o que não é nem proibido nem ordenado definição bem mais clássica na qual a liberdade é entendida negativa como silentium legis ou seja como o espaço deixado livre pela ausência de leis impe rativas negativas ou positivas Essa segunda definição diferentemente da primeira é implícita já que o texto se limita a dizer de modo tortuoso que tudo o que não é proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que a lei não ordena As duas definições divergem enquanto a primeira define a liberdade de um indivíduo em relação aos outros indivíduos a segunda define a liberdade dos indivíduos em re lação ao poder do Estado A primeira é limitada pelo direito dos outros a não serem prejudicados refletindo o clássico principium iuris do neminem laedere a segunda tem em vista exclusivamente o possível excesso NORBERTO BOBBIO 53 de poder por parte do Estado Na realidade a primeira mais do que uma definição da liberdade é uma definição da violação do direito a segunda é uma definição da liberdade mas somente da liberdade negativa A liberdade positiva ou a liberdade como autonomia é definida implicitamente no art 6º onde se diz que sendo a lei expressão da vontade geral todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou através de seus representantes para a formação da lei A propriedade não precisava ser definida a ela se refere apenas o último artigo que estabelece um princí pio geral de direito absolutamente óbvio o de que a propriedade sendo um direito sagrado e inviolável não pode ser limitada a não ser por razões de utilidade pública A segurança não é definida mas será definida no art 8º da Constituição de 1793 Os temas relativos à segurança são enfrentados nos artigos 7º 8º 9º e 10º que resumem os princípios gerais relativos à liberdade pessoal ou habeas corpus A liberdade pessoal é historica mente o primeiro dos direitos a ser reclamado pelos súditos de um Estado e a obter proteção o que ocorre desde a Magna Charta considerada geralmente como o antepassado dos Bill of Rights Mas é preciso distinguir entre a liberdade pessoal e os outros direitos naturais a primeira é o fundamento do Estado de direito que se baseia no princípio da rule of law ao passo que os segundos são o pressuposto do Estado liberal ou seja do Estado limitado O alvo da primeira é o poder arbitrário o da segunda o poder absoluto O fato de que o poder tenda a ser arbitrário quando se amplia o seu caráter absoluto não significa que um e outro ponham o mesmo problema quando se trata de escolher os meios para combatêlos O reconhecimento gradual das liberdades civis para não falar da liberdade política é uma conquista posterior à proteção da liberdade pessoal Quando muito podese dizer que a proteção da liberdade pessoal veio depois do direito de propriedade A esfera da propriedade foi sempre mais pro tegida do que a esfera da pessoa Não seria necessária uma norma da Declara ção para proclamar a propriedade como di reito sagrado e inviolável Mesmo nos Estados absolutos a seguran ça da propriedade foi sempre maior do que a segurança das pessoas Um dos grandes temas dos philosophes foi a reforma do direito penal ou seja do direito do qual depende a maior ou menor liberdade da pessoa Além da liberdade pessoal a Declaração contempla no art 9º muito contestado a liberdade religiosa e no art 10º a liberdade de opinião e de imprensa Não são previstas nem a liberdade de reunião nem menos ainda a de associação que é a única liberdade a ser conquistada aquela de onde nasceu a sociedade pluralista das modernas democracias Dois artigos se referem aos direitos e deveres fiscais O art 16 proclama o estranho princípio segundo o qual uma sociedade que não assegura a garantia dos direitos e na qual a separação de poderes não é determinada não tem uma Constituição aqui a inspiração do célebre capítulo do Esprit des lois sobre a liberdade dos ingleses é evidente Isso não anula o fato de que a afirmação é teórica e históricamente insensata confunde Constituição com boa Constituição ou melhor com a Constituição considerada boa em determinado contexto histórico Mas tambémAristóteles chamara de politeia ou seja de Constitui ção a melhor forma de governo Cabe ainda dizer algo sobre o direito de resistência que havia sido apresentado em muitos dos projetos de declaração como uma coisa óbvia Mas era tão pouco óbvia de resto que o art 7º afirma que todo cidadão appelé ou saisi com base na lei deve obedecer imediatamente ou se torna culpado de resistência Na realidade o direito de resistência é um direito se é que ainda se pode corretamente chamálo de direito diferente dos demais é um direito não primário mas secundário cujo exercício ocorre apenas quando os direitos primários ou seja os direitos de liberdade de propriedade e de segurança forem violados O indiví duo recorre ao direito de resistência como extrema ratio em última instância para se proteger contra a falta de proteção dos direitos primários portanto ele não pode por sua vez ser tutelado mas deve ser exercido com riscos e perigos para quem o reivindica Falando rigorosamente nenhum governo pode garantir o exercício de um direito que se manifesta precisamente no momento em que a autoridade do governo desaparece e se instaura entre Estado e cidadão não mais uma relação de direito e sim uma relação de fato na qual vigora o direito do mais forte Os constituintes haviam tomado plena consciência da contradição Mas como explica Georges Lerebvre a inserção do direito de resistência entre os direitos naturais deviase ao temor de um novo assalto aristocrático e portanto não era mais do que a justificação póstuma da derrubada do Antigo Regime As críticas substanciais a que foram submetidos os direitos naturais são bem mais graves do que as formais Essas críticas são de dois tipos Umas se referem à insignificância ou vacuidade ou superficialidade desses direitos por causa de sua abstratividade e pretensa universalidade Uma das mais duras sentenças de condena ção veio imediatamente do primeiro adversário da Revolução Edmund Burke Nós não nos deixamos esva A E R A D O S D I R E I T O S 54 ziar de nossos sentimentos para nos encher artificialmente como pássaros embalsamados num museu de palha de cinzas e de insípidos fragmentos de papel exaltando os direitos do homem Taine lhe fará eco um século depois os artigos da Declaração não são mais do que dogmas abstratos definições metafísicas axiomas mais ou menos literários ou seja mais ou menos falsos ora vagos ora contraditórios suscetíveis de vários significados opostos Paradoxalmente a crítica que foi dirigida à Declaração por Marx e por toda a tradição do marxismo teórico foi de característica exatamente inversa os artigos que elevam certas liberdades e não outras a direitos naturais além de exaltar a propriedade como sagrada e inviolável não são excessivamente abstratos e sim excessivamente concretos expressão claramente ideológica não de princípios universais mas dos interesses de uma determinada classe a burguesia que se preparava para substituir a classe feudal no domínio da sociedade e do Estado Ambas as críticas não foram e não podiam ir muito longe Aqueles direitos podem parecer abstratos em sua formulação mas na realidade como desde o início disse Mirabeau deviam ser interpretados cada um deles como um concretíssimo ato de guerra contra antigos e agora não mais toleráveis abusos de poder Suas obser vações ecoaram mais de um século depois em Salvemini Decerto abstrata e metafísica e a primeira das Declarações e é bastante discutível que se possa falar de direitos naturais do homem Mas é preciso observar bem e não perder de vista o espírito da Declaração se se quer evitar uma crítica pedante e limitada à sua letra Cada um daqueles direitos significava naquele momento a abolição de uma serie de abusos intoleráveis correspondendo a uma urgente necessidade da nação Também a crítica marxista não captava o aspecto essencial da proclamação dos direitos eles eram expressão da exigência de limites ao superpoder do Estado uma exigência que se no momento em que foi feita podia beneficiar a classe burguesa conservava um valor universal Basta ler o primeiro dos artigos que se referem à liberdade pessoal Ninguém pode ser acusado preso e detido senão nos casos determinados pela lei etc é o artigo que consagra o princípio do garantismo nulla poena sine lege depois podese meditar sobre o que ocorreu nos países em que são ou ainda são evidentes as funestas consequências do desprezo por tais princípios já que o questionamento de sua universa lidade atinge indiscriminadamente tanto os burgueses quanto os proletários A outra crítica bem mais radical e também mais séria referese ao fundamento filosófico daquele documento que parte da premissa de que existem direitos naturais Mas será que existem esses direitos A afirmação dos mesmos é a direta conseqüência do domínio do pensamento jusnaturalista que durou dois séculos de Grócio a Kant Contudo todas as principais correntes filosóficas do século XIX ainda que a partir de diferentes pontos de vista e com diversas motivações empreenderam um ataque contra o jusnaturalismo elas têm como ponto de partida a refutação do direito natural e como ponto de chegada a busca de um fundamento para o direito diverso daquele que o põe na natureza originária do homem A primeira dura crítica filosófica e não mais apenas política dos direitos naturais tal como brotaram da cabeça dos constituintes franceses foi feita em nome do utilitarismo e pode ser lida nas Anarchical Fallacies de Bentham tratase de uma feroz demolição dessa fantasiosa invenção de direitos que jamais exis tiram já que o direito para Bentham é produto da autoridade do Estado Non veritas sed auctoritas facit legem Mas a autoridade de que fala Bentham não é um poder arbitrário existe um critério objetivo para limitar e portanto controlar a autoridade a saber o princípio da utilidade que já Beccaria a quem Bentham apela expressara na fórmula a felicidade do maior número Não menos contrário a admitir direitos naturais é o historicismo seja na versão mais estritamente jurídica da Escola Histórica do Direito que deriva o direito do Espírito do Povo de cada povo razão por que cada povo teria o seu direito sendo a idéia de um direito universal uma contradição em termos ou seja na versão filosófica de Hegel que era contudo adversário da Escola Histórica no que se referia à necessidade de uma codificação na Alemanha para quem liberdade e igualdade não são algo dado por natureza mas são ao contrário um produto e um resultado da consciência histórica que não devem perma necer sob formas abstratas já que são precisamente essas que não deixam surgir ou destroem a concreticidade ou seja a organização do Estado uma Constituição e um governo em geral A negação do direito natural finalmente encontra sua mais radical expressão no positivismo jurídico que é a doutrina dominante entre os juristas desde a primeira metade do século passado até o fim da Segunda Guerra Mundial concordam com essa doutrina digase de passagem os dois maiores juristas alemães da pri NORBERTO BOBBIO 55 meira metade do século embora eles sejam habitualmente considerados como representantes de duas visões antitéticas do direito e da política Hans Kelsen e Carl Schmitt Para o positivismo jurídico os supostos direitos naturais não são mais do que direitos públicos subjetivos direitos reflexos do poder do Estado que não constituem um limite ao poder do Estado anterior ao nascimento do próprio Estado mas são uma conseqüên cia pelo menos na conhecida e célebre doutrina de Jellinek da limitação que o Estado impõe a si mesmo Não há dúvida de que o antijusnaturalismo prolongado pluriargumentado e repetido deixou marcas Difi cilmente se poderia hoje sustentar sem revisões teóricas ou concessões práticas a doutrina dos direitos naturais tal como foi sustentada nos séculos passados Podese muito bem afirmar que não existe outro direito além do direito positivo sem por isso rechaçar a exigência da qual nasceram as doutrinas dos direitos naturais que expressam de modo variado exigências de correção de complementação e de mudança do direito positivo Essas exigências ganham uma força particular quando são apresentadas como direitos embora não sejam direitos no sentido próprio como da palavra ou seja no sentido em que por direito os juristas entendem uma pretensão garantida pela existência de um poder superior capaz de obrigar pela força os recalcitrantes ou seja daquele poder comum que não existe no estado de natureza que os jusnaturalistas tomam como hipótese Por outro lado apesar da crítica antijusnaturalista as proclamações dos direitos do homem e do cidadão não só não desapareceram mesmo na era do positivismo jurídico como ainda continuaram a se enriquecer com exigências sempre novas até chegarem a englobar os direitos sociais e a fragmentar o homem abstrato em todas as suas possíveis especificações de homem e mulher criança e velho sadio e doente dando lugar a uma proliferação de cartas de direitos que fazem parecer estreita e inteiramente inadequada a afirmação dos quatro direitos da Declaração de 1789 Finalmente as cartas de direito ampliaram o seu campo de validade dos Estados particulares para o sistema internacional No Preâmbulo ao Estatuto das Nações Unidas emanado depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial afirmase que doravante deverão ser protegidos os direitos do homem fora e acima dos Estados particulares se se quer evitar que o homem seja obrigado como última instância a rebelarse contra a tirania e a opressão Três anos depois foi solenemente aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem através da qual todos os homens da Terra tornandose idealmente sujeitos do direito internacional adquiri ram uma nova cidadania a cidadania mundial e enquanto tais tornaramse potencialmente titulares do direito de exigir o respeito aos direitos fundamentais contra o seu próprio Estado Naquele luminoso opúsculo que é A paz perpétua Kant traça as linhas de um direito que vai além do direito público interno e do direito pública externo chamandoo de direito cosmopolita É o direito do futuro que deveria regular não mais o direito entre Estados e súditos não mais aquele entre os Estados particulares mas o direito entre os cidadãos dos diversos Estados entre si um direito que para Kant não é uma representação fantástica de mentes exaltadas mas uma das condições necessárias para a busca da paz perpétua numa época da história em que a violação do direito ocorrida num ponto da Terra é percebida em todos os outros pontos A Revolução Francesa foi exaltada e execrada julgada ora como uma obra divina ora como uma obra diabólica Foi justificada ou não justificada de diferentes modos justificada porque apesar da violência que a acompanhou teria transformado profundamente a sociedade européia não justificada porque um fim mesmo bom não santifica todos os meios ou pior ainda porque o próprio fim não era bom ou finalmente porque o fim teria sido bom mas não foi alcançado Mas qualquer que seja o Juízo sobre aqueles eventos a Declaração dos Direitos continua a ser um marco fundamental O próprio Furet embora tenha contribuído com seus estudos e com sua inter pretação para sugerir a idéia de que a Revolução já se esgotou há muito tempo admite que a manifestação mais espetacular da restituição do contrato social foi a Declaração dos Direitos do Homem já que constitui a base de um novo viver associado Disso de resto tinham consciência os próprios protagonistas e os próprios contemporâneos Em 8 de agosto Dupont de Nemours disse Não se trata de uma Declaração dos Direitos destinada a durar um dia Tratase da lei sobre a qual se fundam as leis de nossa nação e das outras nações de algo que deve durar até o fim dos séculos No final de 1789 Pietro Verri escrevia na Gazzeta di Milano As idéias francesas servem de modelo para os outros homens Enquanto os direitos dos homens estavam estabelecidos entre as montanhas dos Alpes entre os pântanos dos Países Baixos e na ilha da GrãBretanha esses sistemas pouca influência tiveram na maioria dos outros reinos Agora a luz foi colocada no coração da Europa ela não pode deixar de se espraiar sobre os outros governos Dissemos no início que a Declaração de 1789 foi pre cedida pela norteamericana Uma indiscutível A E R A D O S D I R E I T O S 56 foram os princípios de 1789 que constituíram durante um século ou mais a fonte ininterrupta de inspiração ideal para os povos que lutavam por sua liberdade e ao mesmo tempo o principal objeto de irrisão e desprezo por parte dos reacionários de todos os credos e facções que escarneciam a apologia das retumbantes blagues da Revolução Francesa justiça Fraternidade Igualdade Liberdade O significado histórico de 1789 não escapou a Tocquevílle embora ele tenha sido o primeiro grande historiador a refutar a imagem que a Revolu ção tivera de si mesma O tempo em que foi concebida a Declaração foi o tempo de juvenil entusiasmo de orgulho de paixões generosas e sinceras tempo do qual apesar de todos os erros os homens iriam conservar eterna memória e que por muito tempo ainda perturbará o sono dos que querem subjugar ou corromper os homens Num dos muitos documentos contrarevolucionários de Pio VI contemporâneo dos eventos chamase de direito monstruoso o direito de liberdade de pensamento e de imprensa deduzido da igualdade e da liberda de de todos os homens e se comenta Não se pode imaginar nada mais insensato do que estabelecer uma tal igualdade e uma tal liberdade entre nós Cerca de dois séculos depois numa mensagem ao secretário das Nações Unidas por ocasião do trigésimo aniversário da Declaração Universal João Paulo II aproveitava a oportunidade para demonstrar o seu constante interesse e solicitude pelos direitos humanos fundamentais cuja expressão encontramos claramente formulada na mensagem do próprio Evangelho Que melhor prova poderíamos ter do caminho vitorioso realizado por aquele texto em sua secular história No final desse cami nho parece agora ter ocorrido para além dos insensatos e estéreis facciosismos a reconciliação do pensamen to cristão com uma das mais altas expressões do pensamento racionalista e laico NORBERTO BOBBIO 57 KANT E A REVOLUÇÃO FRANCESA N OS TEMPOS DE HOJE quando a cega vontade de poder que dominou a história do mundo tem a seu serviço meios extraordinários para se impor menos do que nunca a honra do douto pode ser separada de um renovado senso de responsabilidade no duplo significado da palavra para o qual ser responsável quer dizer por um lado levar em conta as conseqüências da própria ação e por outro responder pelas próprias ações diante de nosso próximo Em outras palavras tratase de evitar tanto a fuga na pura ética das boas intenções faça o que deve e que ocorra o que tiver de ocorrer quanto o fechamento num esplêndido isolamento desprezo o som de tua harpa que me impede de escutar a voz da justiça À medida que nossos conhecimentos se ampliaram e continuam a se ampliar com velocidade vertiginosa a compreen são de quem somos e para onde vamos tornouse cada vez mais difícil Contudo ao mesmo tempo pela insólita magnitude das ameaças que pesam sobre nós essa compreensão é cada vez mais necessária Esse contraste entre a exigência incontornável de captar em sua globalidade o conjunto dos problemas que devem ser resolvidos para evitar catástrofes sem precedentes por um lado e por outro a crescente dificuldade de dar respostas sensatas a todas as questões que nos permitiriam alcançar aquela visão global única a permitir um pacífico e feliz desenvolvimento da humanidade esse contraste é um dos mui tos paradoxos de nosso tempo e ao mesmo tempo uma das razões das angústias em que se encontra o estudioso ao qual é confiado de modo eminente o exercício da inteligência esclarecedora bem como o empenho em não deixar irrealizada nenhu ma tentativa para acolher o desafio posto à razão pelas paixões incontroladas e pelo mortal conflito dos inte resses No final dos meus últimos discursos acreditei poder expressar esse malestar do homem de razão permi tamme não usar a palavra intelectual agora desgastada pelo longo uso nem sempre correto que lhe atribuiu excessivas vezes a tarefa presunçosa e inexeqüível de encontrar o fio de Ariadne para sair do labirinto referin dome à ambigüidade da história A história foi sempre ambígua apesar das aparências já que deu sempre respostas diversas conforme quem a in terrogava e as circunstâncias em que o fazia Mas hoje depois do esgotamento da idéia de progresso o crepúsculo de um mito como foi dito a ambigüidade é maior do que nunca Duas interpretações opostas dominaram no século pas sado a interpretação triunfal hegeliana segundo a qual a his tória é a realização progressiva da idéia de liberdade hegeliana mas podemos tranqüila mente acrescentar também marxiana a história como passagem do reino da necessidade ao reino da liberda de e a interpretação nietzschiana segundo a qual a humanidade se dirige para a era do niilismo Pois bem ninguém gostaria hoje nem mesmo consideraria de alguma utilidade de se aventurar a prever ou mesmo de ter de apostar em qual das duas está destinada a se verificar O mundo dos homens dirigese para a paz universal como Kant havia previsto ou para a guerra exterminadora para a qual foi cunhada em oposição a pacifismo um dos ideais do século que acre ditava no progresso a palavra exterminismo Dirigese para o reino da liberdade através de um movimento constante e cada vez mais amplo de emancipação dos indivídu os das classes dos povos ou para o reino do Grande Irmão descrito por Orwell De modo mais geral tem ainda algum sentido propor o problema do sentido da história Propor o problema do sentido da história significa considerar que existe uma intencionalidade no movimento da história enten dida precisamente como direção consciente para um objetivo E só é possível dar uma resposta a essa questão do objetivo da história buscando um projeto preestabelecido a ser atribuído a um sujeito coletivo seja ele a Providência a Razão a Natureza o Espírito Universal Mas será que hoje no âmbito de um pensamento fragmentado como o que caracteriza a filosofia contemporânea tão desconfiada diante das idéias gerais tão temerosa a meu ver corretamente de se comprometer com visões excessivamente gerais alguém pode crer ainda num sujeito universal Essa crença por outro lado não passaria de uma das várias formas possíveis de antropomorfização da história ou seja de atribuição de faculdades ou poderes próprios do homem a um sujeito nesse caso a Humanidade a Razão Universal diverso do homem singular através de uma extrapolação de tipo analógico que não oferece nenhuma garantia de vericidade e que permi tiria apenas uma reconstrução puramente conjetural para usarmos uma expressão kantiana do decurso histórico Mas fazer uma história A E R A D O S D I R E I T O S 58 completamente conjetural derivada inteiramente de indícios e não de fatos comprovados equivaleria como adverte o próprio Kant a traçar a trama de um romance ou de um simples jogo da imaginação O que não exclui que se possam fazer conjeturas sobre o curso de uma história contudo é preciso que se tenha plena consciência de que me diante conjeturas podese preencher uma lacuna de nossa documentação entre uma causa longínqua e um efeito próximo mas seria absolutamente ilusório e portanto inútil reconstruir assim toda a história global da humanidade Diversa da história conjetural é para Kant a história profética que tem talvez um fim mais ambicioso o de descobrir a tendência de desenvolvimento da história humana se essa é estacionaria ou se vai do mal ao pior ou do bem ao melhor e para Kant como se sabe a resposta justa é a última mas não tem a menor pretensão de verdade ao contrário do que ocorre com a história conjetural Diferentemente da história empírica que é a história dos historiadores a história profética que é a história dos filósofos não procede por causas de uma causa a seu efeito numa cadeia ininterrupta salvo o caso em que algumas lacunas são preenchidas através de conjeturas mas busca descobrir num evento extraordinário não tanto a causa de um evento sucessivo mas antes um indício um signo signum rememorativum demonstrativum prognostícum de uma ten dência da humanidade considerada em sua totalidade Somente a história profética ou filosófica não a história empirica mesmo que enriquecida pela história conjetural pode desafiar ou mesmo resolver a ambigüidade do movimento histórico dando uma resposta à questão de se a humanidade está ou não em constante progresso para o melhor O que a história profética pode fazer é pressagiar o que poderá ocorrer não prevêlo A previsão é tarefa de uma história hipotética de uma história que enuncia suas proposições na forma do se isto então aquilo numa relação entre condições e conseqüências mas ela não é capaz de estabelecer com certeza se irão ou não se verificar as condições das quais deveriam necessariamente derivar certas conseqüências Ao contrário o evento extraordinário que é o ponto de partida da história profética é algo que ocorreu efetivamente O que torna problemático esse tipo de história é o caráter significativo ou não do evento préselecionado que pode influir sobre a credibilidade da predição A questão de saber se Kant teve ou não razão ao indicar o evento revelador da tendência da humanidade para o melhor é uma questão que podemos deixar sem resposta O que pode hoje no período do bicentenário da Revolução e do grande rumor que foi continuamente crescendo até o aturdimento e estamos apenas no princípio em torno do evento ocorrido há duzentos anos suscitar o nosso interesse de pósteros é o fato de o grande filósofo da época ter captado na Revolução Francesa o evento extraordinário o signum prognosticum de onde extraiu o seu presságio sobre o futuro da humanidade As conhecidíssimas páginas de Kant sobre a Revolução Francesa encontramse numa de suas últimas obras publicada em 1798 quando os anos da tempestade que abalara o mundo e durante os quais rolara a cabeça do rei crime que Kant execrava já estavam distantes O escrito intitulado Se o gênero humano está em constante progresso para o melhor está incluído na obra O conflito das faculdades do qual constitui a segunda parte dedicada ao conflito da faculdade filosófica na qual Kant via representado o espírito crítico apesar disso porém ele constatava estar essa faculdade dominada pela reação e servir de ninho para os com placentes inimigos da Re volução Um autorizado comentador escreveu A fé de Kant no progresso indefini do da humanidade na racionalidade imanente à história no triunfo final da liberdade e da paz com justiça não foi abalada nem mesmo pelas desordens ocor ridas na França pelas contínuas guerras que tiveram lugar naquele tempo pelo pessimismo difundido e alimentado pelos juristas e pelos homens de Estado Pare ceulhe que somente o filósofo fosse capaz de entender as vozes ocultas da história de medir o grau de desenvolvimento a que chegara a humanidade de entrever o curso futuro dos eventos de indicar as diretivas para as reformas civis e políticas O ensaio fora proibido precisamente porque nele se fazia a apologia da revolução E foi publicado somente depois da morte de Frederico Guilherme II ocorrida em 1797 quando foram anuladas algumas restrições à liberdade de imprensa Um dos seus parágrafos intitulase De um evento de nosso tempo que revela a tendência moral da huma nidade O evento é a revolução de um povo rico espiritualmente o qual embora tenha acumulado misérias e crueldades capazes de induzir um homem bempensante a não tentar a experiência uma segunda vez encontrou nos espíritos de todos os espectadores uma participação de aspirações que se aproximava do entusiasmo definido este último como participação no bem com paixão que se refere sempre e apenas ao que é ideal ao que e puramente moral e que não pode ter outra causa senão uma disposição moral da espécie NORBERTO BOBBIO 59 humana O ponto central da tese kantiana para o qual eu gostaria de chamar a atenção é que tal disposição moral se manifesta na afirmação do direito um direito natural que tem um povo a não ser impedido por outras forças de se dar a Constituição civil que creia ser boa Para Kant essa Constituição só pode ser republicana ou seja uma Constituição cuja bondade consiste em ser ela a única capaz de evitar por princípio a guerra Para Kant a força e a moralidade da Revolução re sidem na afirmação desse direito do povo a se dar livremente uma Constituição em harmonia com os direitos naturais dos indivíduos singulares de modo tal que aqueles que obedecem às leis devem também se reunir para legislar O conceito mesmo de honra próprio da antiga nobre za guerreira esvaise diante das armas dos que tinham em vista o direito do povo a que pertenciam Algumas das idéias aqui expressas tinham sido antecipadas e expostas de modo mais amplo em dois escritos anteriores Idéia de uma história universal do ponto de vista cosmopolita e Para a paz perpétua O primeiro redigido em 1784 alguns anos portanto antes da Revolução não despertou interesse entre seus contempo râneos embora esses tenhamconhecido e comentado como o fizeram Fichte e Hegel o segundo mais tarde juntamente com todos os escritos kantianos de filosofia da história foi malquisto no ambiente do historicismo de Dilthey a Meinecke que viram na história teleológica na concepção finalista da história uma herança da filosofia antihistoricista do Iluminismo Só foi finalmente revalorizado no início de nosso século por alguns socialistas de inspiração kan tiaria 6 A crítica por se deter principalmente no problema da legitimidade da filosofia da história nas aporias próprias desta última em Kant e na maior ou menor coerência dela com relação às outras obras do próprio Kant terminou por dar menor importância ao tema central da obra que fora ironizado por Hegel mas que é hoje mais atual do que nunca ou seja o tema da tendência da história humana para uma ordem jurídica mundial Esse tema tão bem resumido no uso do termochave Weltbürgertum e no de ordenamento cosmopolita era de origem estóica mas fora transferido por Kant de uma concepção finalista da história Kant sabia muito bem que a mola do progresso não é a calmaria mas o conflito Todavia compreendera que existe um limite para além do qual o antagonismo se faz demasia damente destrutivo tornandose neces sário um autodisciplinamento do conflito que possa chegar até a constituição de um ordenamento civil uni versal Numa época de guerras incessantes entre Estados soberanos ele observa lucidamente que a liberdade selvagem dos Estados já constituídos por causa do emprego de todas as forças da comunidade nos armamen tos das devastações que decorrem das guerras e mais ainda da necessidade de manterse continuamente em armas impede por um lado o Pleno e progressivo desenvolvimento das disposições naturais e por outro em função dos males que daí derivam obrigará a nossa espécie a buscar uma lei de equilíbrio entre muitos Estados que pela sua própria liberdade são antagonistas bem como a estabelecer um poder comum que dê força a tal lei de modo a fazer surgir um ordenamento cosmopolita de segurança pública Os críticos da filosofia da história kantiana viram ainda menos o fato de que essa idéia da cosmópolis segundo a qual cada homem é potencialmente cidadão não só de um Estado particular mas sim do mundo seria desenvolvida no escrito Para a paz perpétua 1795 Um dos aspectos menos estudados desse escrito é a introdução por parte de Kant ao lado do direito Público interno e do externo de uma terceira espécie de direito que ele chama de ius cosmopolíticum Como se sabe dos três artigos definitivos do tratado imaginário para uma paz perpétua o primeiro que afirma que a Constituição de todo Estado deve ser republicana pertence ao direito público interno o segundo para o qual o direito internacional deve se fundar numa federação de Estados livres pertence ao direito público externo Mas Kant acrescenta um terceiro artigo que diz o seguinte O direito cosmopolita deve ser limitado às condições de uma hospitalidade universal Por que Kant julga dever acrescentar aos dois gêneros de direito público tradicionais o interno e o externo um terceiro gênero Porque além das relações entre o Estado e os seus cidadãos e daquelas entre o Estado e os outros Estados ele considera que devam ser consideradas também as relações entre cada Estado particular e os cidadãos dos outros Estados ou inversamente entre o cidadão de um Estado e um Estado que não é o seu com os outros Estados Disso derivam duas máximas no que se refere à Primeira relação o dever de hospitalidade ou o direito Kant sublinha que se trata de um direito e não penas de um dever meramente filantrópico de um estrangeiro que chega ao território de um outro Estado a não ser tratado com hostilidade no que se refere à segunda relação o direito de visita que cabe a todos os homens ou seja de passar a fazer parte da sociedade universal em virtude do direito comum à posse da superfície da Terra sobre a qual sendo ela esférica os A E R A D O S D I R E I T O S 60 homens não podem se dispersar isolandose ao infinito mas devem finalmente se encontrar e coexistir Desses dois direitos dos cidadãos do mundo derivam dois deveres dos Estados do primeiro o dever de permitir ao cidadão estrangeiro o ingresso no seu próprio território do que resulta a condenação dos habitantes das costas dos Estados bárbaros que se apoderam das naves que nelas aportam escravizam os náufragos do segun do o dever do hóspede de não se aproveitar da hospitalidade para transformar a visita em conquista do que resulta a condenação dos Estados comerciais europeus que sob o pretexto de estabelecerem re lações comerci ais introduzem tropas que oprimem os nativos Não será inútil recordar que Hegel que ironizou as fantasias kantianas da paz perpétua justificou a expansão colonial Nessa relação de reciprocidade entre o direito de visita do cidadão estrangeiro e o dever de hospitalidade do Estado visitado Kant tinha originariamente prefigurado o direito de todo homem a ser cidadão não só do seu próprio Estado mas do mundo inteiro além disso havia representado toda a Terra como uma potencial cidade do mundo precisamente como uma cosmópolis E é somente com esse tipo de relação não entre indivíduos não entre Estado e indivíduos no interior não entre Estado e Estado mas entre Estados e indiví duos dos outros Estados que Kant concluia o sistema geral do direito e representava de modo integral o desenvolvimento histórico do direito no qual o ordenamento jurídico universal a cidade do mundo ou cosmópolis representa a quarta e última fase do sistema jurídico geral depois do estado de natureza onde não há outro direito além do direito privado o direito entre indivíduos depois do estado civil regulado pelo direito público interno depois da ordem internacional regulada pelo direito público externo Concebido como a última fase de um processo o direito cosmopolita não é para Kant uma representação de mentes exaltadas já que num mundo onde se chegou progressivamente no que se refere à associação dos povos da Terra a um tal nível que a violação do direito ocorrida num ponto da Terra é percebida em todos os outros pontos o direito cosmopolita é o necessário coroamento do código não escrito tanto do direito público interno como do direito internacional para a fundação de um direito público geral e portanto para a realiza ção da paz perpétua É fato hoje inquestionável que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de dezembro de 1948 colocou as premissas para transformar também os indivíduos singulares e não mais apenas os Estados em sujeitos jurídicos do direito internacional tendo assim por conseguinte iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes mas o direito de todos os indivíduos Essa nova fase do direito internacional não poderia ser chamada em nome de Kant de direito cosmopolita No escrito sobre a paz perpétua Kant não fez nenhuma referência à Revolução Francesa Somente no seu último escrito de que falei no início onde retoma mais uma vez o tema da Constituição civil fundada no direito de um povo a legislar única Constituição que poderia dar vida a um sistema de Estados que eliminaria para sempre a guerra foi que Kant reconheceu no grande movimento da França o evento que podia ser interpretado numa visão profética da história como o sinal premonitório de uma nova ordem mundial Entre as muitas celebrações desse evento pode encontrar dignamente o seu lugar a interpretação que dele formulou o maior filósofo da época interpretação que de resto é a única capaz de salvar o valor perene desse evento para além de todas as controvérsias dos historiadores os quais olhando para as arvores isoladas freqüentemente deixam de ver a floresta Diante da ambigüidade da história também eu creio que um dos poucos talvez o único sinal de um confiável movimento histórico para o melhor seja o crescente interesse dos eruditos e das próprias instâncias internacionais por um reconhecimento cada vez maior e por uma garantia cada vez mais segura dos direitos do homem Um sinal premonitório não é ainda uma prova E apenas um motivo para que não permaneçamos especta dores passivos e para que não encorajemos com nossa passividade os que dizem que o mundo vai ser sempre como foi até hoje estes últimos e torno a repetir Kant contribuem para fazer com que sua previsão se realize ou seja para que o mundo permaneça assim como sempre foi Que não triunfem os inertes TERCEIRA PARTE NORBERTO BOBBIO 61 A RESISTÊNCIA À OPRESSÃO HOJE 1 O alfa e o ômega da teoria política é o problema do poder como o poder é adquirido como é conservado e perdido como é exercido como é defendido e como é possível defen derse contra ele Mas o mesmo problema pode ser considerado de dois pontos de vista diferentes ou mesmo opostos ex parte principis ou ex parte populi Maquiavel ou Rousseau para indicar dois símbolos A teoria da razão de Estado ou a teoria dos direitos naturais e o constitucionalismo A teoria do Estadopotência de Ranke a Meinecke e ao primeiro Weber ou a teoria da soberania popular A teoria do inevitável domínio de uma restrita classe política minoria organizada ou a teoria da ditadura do proletariado de Marx a Lenin O primeiro ponto de vista é o de quem se posiciona como conselheiro do príncipe presume ou finge ser o portavoz dos interesses nacionais fala em nome do Estado presente o segundo ponto de vista é o de quem se erige em defensor do povo ou da massa seja ela concebida como uma nação oprimida ou como uma classe ex plorada de quem fala em nome do anti Estado ou do Estado que será Toda a história do pensamento político pode ser dis tinguida conforme se tenha posto o acento como os primeiros no dever da obediência ou como os segundos no direito à resistência ou à revolução Essa premissa serve apenas para situar o nosso discurso o ponto de vista no qual colocamos quando abor damos o tema da resistência à opressão não é o primeiro mas o segundo Não há dúvida de que o velho problema da resistência à opressão voltou a se tornar atual graças à imprevista e geral explosão do movimento de contestação Mas ignoro se foi tentada uma análise das diferenças entre os dois fenômenos Num recente artigo Georges Lavau faz um exame muito interessante do fenômeno da contestação buscando apontar seus traços distintivos Particularmente em face da oposição legal e da revolução Mas não toca no problema da diferença entre contestação e resistência Penso contudo que a questão merece estudo quando menos por que tanto a contestação quanto a resistência pertencem às formas de oposição extralegal com relação ao modo como é exercida e deslegitimadora com relação ao objetivo final Creio que também nesse caso como primeiro expediente para destacar a diferença entre os dois fenôme nos vale a referência ao seu respectivo contrário o contrário da resistência é a obediência o contrário da contestação é a aceitação A teoria geral do direito detevese muitas vezes e com prazer ultimamente em Hart pa diferença entre a obediência a uma norma ou ao ordenamento em seu conjunto que é uma atitude passiva e pode ser também mecânica puramente habitual instintiva e a aceitação de uma norma ou do ordenamento em seu con junto que é uma atitude ativa que implica se não um juízo de aprovação pelo menos uma inclinação favorável a se servir da norma ou das normas para guiar a própria conduta e para condenar a conduta de quem não se conforma com ela ou elas Enquanto contrária à obediência a resistência compreende todo comportamento de ruptura contra a ordem constituída que ponha em crise o sistema pelo simples fato de produzirse como ocorre num tumulto num motim numa rebelião numa insurreição até o caso limite da revolução que ponha o sistema em crise mas não necessariamente em questão Enquanto contrária à aceitação a contestação se refere mais do que a um comportamento de ruptura a uma atitude de crítica que põe em questão a ordem constituída sem neces sariamente pôla em crise Lavau observa corretamente que a contestação supera o âmbito do subsistema político para atingir não só sua ordem normativa mas também os modelos culturais gerais o sistema cultural que asseguram a legitimidade profunda do subsistema político E com efeito se a resistência culmina essencialmente num ato prático numa ação ainda que apenas demonstrativa como a do negro que se senta à mesa de um restaurante reserva do aos brancos a contestação por seu turno expressase através de um discurso crítico num protesto verbal na enunciação de um slogan Não por acaso o lugar próprio em que se manifesta a atitude contestadora é a assembléia ou seja um lugar onde não se age mas se fala Decerto na prática a distinção não é assim tão nítida numa situação concreta é difícil estabelecer onde termina a contestação e onde começa a resistência O importante é que se podem verificar os dois casoslimite o de uma resistência sem contestação a ocupação de terras por camponeses famintos e o de uma contestação que não se faz acompanhar por ato subversivo que possa ser chamado de resistência a ocupação de salas de aula na Universidade que é certamente um ato de A E R A D O S D I R E I T O S 62 resistência nem sempre caracterizou necessariamente a contestação do movimento estudantil Enquanto a resistência ainda que não necessariamente violenta pode chegar até o uso da violência e de qualquer modo não é incompatível com o uso da violência a violência do contestador ao contrário é sempre apenas ideoló gica Partindo do renovado interesse pelo problema da resis tência do qual de resto nasceu o atual simpósio pretendo nesta minha comunicação a destacar as razões históricas dessa revivescência itens 2 3 e 4 b indicar alguns elementos distintivos entre o modo como se punha ontem e o modo como se põe hoje o problema da resistência itens 5 e 6 Referindome ao título que dei à comunicação tratase de responder a duas questões a a resistência hoje por quê b a resistência hoje como Concluo a comunicação com algumas observações sobre os vários tipos de resistência item 7 2 Extinta a eficácia da literatura política suscitada pela Revolução Francesa o problema do direito de resistência perdeu ao longo do século XIX grande parte do seu interesse Podemse indicar duas razões para esse declínio uma ideológica outra institucional Uma das características marcantes das ideologias políticas do século XIX que deixou de merecer a devida atenção foi a crença no fenecimento natural do Estado Tendo chegado com Hegel à sua máxima expressão a idéia cara aos grandes filósofos políticos da época moderna a Hobbes a Rousseau a Kant de que o Estado era a realização do domínio da razão na história o racional em si e para si todas as grandes corren tes políticas do século passado inverteram o caminho passando a contrapor a sociedade ao Estado descobrindo na sociedade e não no Estado as forças que se orientam no sentido da libertação e do progresso histórico e vendo no Estado uma forma residual arcaica em via de extinção do poder do homem sobre o homem Dessa desvalorização que foi uma típica expressão da profunda transformação produzida na sociedade e por reflexo na concepção geral da sociedade e do progresso histórico pelo crescimento da sociedade industrial e pela idéia de que os homens deviam agora se deixar guiar mais pelas leis naturais da economia do que pelas leis artificiais da política são conhecidas essencialmente três versões a liberalliberista à Spencer segundo a qual o Estado nascido e fortalecido nas sociedades militares iria perder grande parte de suas funções à medida que fosse crescendo a sociedade industrial a socialista marxengelsiana segundo a qual depois do Estado burguês haveria certamente uma ditadura mas cuja finalidade era suprimir no futuro qualquer forma de Esta do a libertária de Godwin a Proudhon e Bakunin segundo a qual as instituições políticas caracterizadas pelo exercício da força ao contrário do que haviam suposto Hobbes e Hegel os grandes teóricos do Estado moder no não só não eram indispensáveis para salvar o homem da barbárie do estado de natureza ou da insensatez da sociedade civil mas eram inúteis ou melhor danosas podendo tranqüilamente desaparecer sem deixar traço ou saudade A máxima concentração de poder ocorre quando os que detêm o monopólio do poder coercitivo no qual consiste propriamente o poder político detêm ao mesmo tempo o monopólio do poder econômico e do poder ideológico através da aliança com a Igreja única elevada a Igreja de Estado ou modernamente com o partido único em outras palavras ocorre quando o soberano tem como na teoria também aqui paradigmática de Hobbes ao lado do imperium e do dominium também a potestas spiritualis que é de resto o poder de pretender obediência dos próprios súditos por força de sanções não só terrenas mas também ultraterrenas A ilusão oitocentista sobre o fenecimento gradual do Estado derivava da concepção de que através da Reforma e da revolução científica primeiro e através da revolução industrial depois ou seja através de um processo de fragmentação da unidade religiosa e de secularização da cultura por um lado e por outro através da formação de uma camada de empresários independentes fossem ou não os dois fenômenos ligados entre si haviam se iniciado dois processos paralelos de desconcentração do poder com a conseqüente desmonopoliza ção do poder ideológicoreligioso que encontraria sua garantia jurídica na proclamação da liberdade religiosa e em geral da liberdade de pensamento e com a não menos conseqüente desmonopolização do poder econô mico que encontraria sua expressão formal no reconhecimento da liberdade de iniciativa econômica Teria restado ao Estado apenas o monopólio do poder coercitivo a ser usado em defesa mas só em última instância como extrema ratio do antagonismo das idéias e da concorrência dos interesses A desforra da sociedade civil contra o Estado foi uma idéia comum ainda que interpretada e orien tada de diferentes modos tanto aos liberais quanto aos libertários tanto aos socialistas utópicos quanto aos socialistas científicos NORBERTO BOBBIO 63 3 Do ponto de vista institucional o Estado liberal e posteriormente democrático que se instaurou pro gressivamente ao longo de todo o arco do século passado foi caracterizado por um processo de acolhimento e regulamentação das várias exigências provenientes da burguesia em ascensão no sentido de conter e delimitar o poder tradicional Dado que tais exigências tinham sido feitas em nome ou sob a espécie do direito à resistên cia ou à revolução o processo que deu lugar ao Estado liberal e democrático pode ser corretamente chamado de processo de constitucionalização do direito de resistência e de revolução Os institutos através dos quais se obteve esse resultado podem ser diferenciados com base nos dois modos tradicionais mediante os quais se supunha que ocorresse a degeneração do poder o abuso no exercício do poder o tyrannus quoad exercitium e o déficit de legitimação o tyrannus absque titulo Como tive ocasião de esclarecer melhor em outro local essa diferença pode se tornar ainda mais clara se recorrermos à distinção entre dois conceitos que habitualmente não são devidamente distinguidos o de legalidade e o de legitimidade A constitucionalização dos remédios contra o abuso do poder ocorreu através de dois institutos típicos o da separação dos poderes e o da subordinação de todo poder estatal e no limite também do poder dos próprios órgãos legislativos ao direito o chamado constitucionalisrno Por separação dos poderes entendo em sentido lato não apenas a separação vertical das principais funções do Estado entre os órgãos si tuados no vértice da administração estatal mas também a separação horizontal entre órgãos centrais e órgãos periféricos nas várias formas de autogoverno que vão da descentralização políticoadministrativa até o federalismo O segundo processo foi o que deu lugar à figura verdadeiramente dominante em todas as teorias políticas do século passado do Estado de direito ou seja do Estado no qual todo poder é exercido no âmbito de regras jurídicas que delimitam sua competência e orientam ainda que freqüentemente com certa margem de discricionariedade suas decisões Ele corresponde àquele pro cesso de transformação do poder tradicional fundado em relações pessoais e patrimoniais num poder legal e racional essencialmente impessoal processo que foi descrito com muita penetração por Max Weber Penso que não se deu atenção ao fato de que a teorização mais completa desse tipo de Estado é a doutrina kelseniana do ordenamento jurídico por graus Apesar de sua pretensão de ser válida para qualquer época ou lugar a concepção dinâmica do ordenamento jurídico tal como foi exposta por Kelsen e por sua escola é o reflexo daquele processo de legalização dos poderes estatais que Max Weber enquanto historiador descreveu como passagem do poder tradicional para o poder legal Também com relação às exigências que visavam a dar alguma garantia contra as várias formas de usurpação do poder legítimo ou como se diria hoje contra a sua deslegitimação pareceme que a maioria dos remédios pode ser compreendida nos dois principais institutos que caracterizam a concepção democrática do Estado os dois remédios anteriores os relativos ao abuso de poder são mais característicos da concepção liberal O primeiro é a constitucionalização da oposição que permite isto é torna lícita a formação de um poder alternativo ainda que nos limites das chamadas regras do jogo ou seja a formação de um verdadeiro contrapoder que pode ser considerado embora de modo um tanto ou quanto paradoxal como uma forma de usurpação legalizada O segundo é a investidura popular dos governantes e a verificação periódica dessa investidura por parte do povo através da gradual ampliação do sufrágio até o limite não ulteriormente supe rável do sufrágio universal masculino e feminino o instituto do sufrágio universal pode ser con siderado o meio através do qual ocorre a constitucionalização do poder do povo de derrubar os governantes embora também aqui nos limites de regras preestabelecidas um poder que estava anteriormente reservado apenas ao fato revolucionário também aqui tratase de um fato que se torna direito ou segundo o modelo jusnaturalista de um direito natural que se torna direito positivo 4 Nosso renovado interesse pelo problema da resistência depende do fato de que tanto no plano ideológi co quanto no institucional ocorreu uma inversão de tendência com relação à concepção e à práxis política através das quais se foi formando o Estado liberal e democrático do século XIX Agora sabemos com certeza algumas coisas a o desenvolvimento da sociedade industrial não diminuiu as funções do Estado como acreditavam os liberais que juravam sobre a validade absoluta das leis da evolução mas aumentouas desmesuradamente b nos países onde ocorreu a revolução socialista a idéia do desapareci mento do Estado foi por enquanto posta de lado c as idéias libertárias continuam a alimentar pequenos grupos de utopistas sociais não se transformando num real movimento político O enorme interesse suscitado A E R A D O S D I R E I T O S 64 nestes últimos anos pela obra de Max Weber depende também do fato de que ele como bom conservador e como realista desencantado como costumam ser os conservadores com inspiração religiosa viu o avanço ameaçador mas inelutável que se dá conjuntamente com o desenvolvimento da sociedade industrial tivesse essa sido promovida por uma camada empresarial ou por uma classe de funcionários do Estado coletivista da era do domínio dos aparelhos burocráticos ou seja não o enfraquecimento mas o fortalecimento do Estado Do ponto de vista institucional a situação de nosso tempo caracterizase não só como é natural nos países de economia coletivista mas também nos países capitalistas por um processo inverso ao que designa mos como desmonopolização do poder econômico e ideológico ou seja por um processo que se orienta tanto para a remonopolização do poder econômico através da progressiva concentração das empresas e dos bancos quanto para a remonopolização do poder ideológico através da formação de grandes partidos de massa che gando ao limite do partido único que detém o direito em medida maior do que o soberano absoluto de outrora um verdadeiro novo Príncipe de estabelecer o que é bom e o que e mau para a salvação dos próprios súditos bem como através do controle que os detentores do poder econômico exercem nos países capitalistas sobre os meios de formação da opinião pública A ilusão jurídicoinstitucional do século passado consistia em crer que o sistema político fosse ou auto suficiente e portanto gozasse de certa independência em face do sistema social global ou fosse ele mesmo o sistema dominante e portanto que bastasse buscar remédios aptos a controlar o sistema político para contro lar com isso o sistema de poder da sociedade como um todo Hoje ao contrário estamos cada vez mais conscientes de que o sistema político é um subsistema do sistema global e de que o controle do primeiro não implica absolutamente o controle do segundo Dos quatro remédios de que falamos no item anterior o que parecia mais decisivo o quarto ou o controle a partir de baixo o poder de todos a democracia participativa o Estado baseado no consenso a realização no limite do ideal rousseauísta da liberdade como autonomia é também aquele para o qual se orientam com particular intensidade as formas mais recentes e mais insistentes de contestação Quando comparada à democracia de inspiração rousseauísta com efeito a participação popular nos Esta dos democráticos reais está em crise por pelo menos três razões a a participação culmina na melhor das hipóteses na formação da vontade da maioria parlamentar mas o parlamento na sociedade industrial avan çada não é mais o centro do poder real mas apenas freqüentemente uma câmara de ressonância de decisões tomadas em outro lugar b mesmo que o parlamento ainda fosse o órgão do poder real a participação popular limitase a legitimar a intervalos mais ou menos longos uma classe política restrita que tende à própria autoconservação e que é cada vez menos representativa c também no restrito âmbito de uma eleição una tantum sem responsabilidades políticas diretas a participação é distorcida ou manipulada pela propaganda das poderosas organizações religiosas partidárias sindicais etc A participação democrática deveria ser efici ente direta e livre a participação popular mesmo nas democracias mais evoluídas não é nem eficiente nem direta nem livre Da soma desses três déficits de participação popular nasce a razão mais grave de crise ou seja a apatia política o fenômeno tantas vezes observado e lamentado da despolitização das massas nos Estados dominados pelos grandes aparelhos partidários A democracia rousseauista ou é participativa ou não é nada Não é que faltem propostas de remédios para reavivar a participação e tornála mais eficiente Sub a a instituição de órgãos de decisão popular fora dos institutos clássicos do governo parlamentar a chamada democracia dos conselhos sub b a democracia direta ou assembleísta um dos temas mais difundidos pela contestação sub c o controle popular dos meios de informação e de propaganda etc Mas é nesse ponto que reemergem propostas mais radicais que ultrapassam a linha da democracia representativa e repõem em circu lação os temas tradicionais do direito à resistência e à revolução 5 Quando o tipo de Estado que se propôs a absorver o direito à resistência mediante sua constitucionalização entra em crise é natural que se recoloque o velho problema bem como que voltem a ecoar ainda que sob novas vestes as velhas soluções as quais na época iam desde a obediência passiva até o tiranicídio enquanto agora vão da desobediência civil à guerrilha O retorno a velhos temas que pareciam esgotados não é nem uma reexumação nem uma repetição Os problemas nascem quando certas condições históricas os fazem nascer e assumem em cada oportunidade aspec tos diversos adaptados às circunstâncias Entre as velhas teorias sobre o direito de resistência e as novas há NORBERTO BOBBIO 65 diferenças que merecem ser destacadas ainda que por enquanto apenas com algumas anotações que deveriam ser aprofundadas a o problema da resistência é visto hoje mas também isso é conseqüência da sociedade de massas como fenômeno coletivo e não individual em relação tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo do ato ou dos atos de resistência Não quero dizer com isso que não fosse prevista nos velhos escritores também a resistência coletiva Grócio dedicalhe um capítulo o quarto do Livro I do seu célebre tratado mas o caso extremo e mais problemático era sempre o assassinato do tirano Agora as coisas são bem diferen tes por um lado conservouse como fenômeno típico de resistência individual a objeção de consciên cia mas ela é manifestamente um resíduo de atitudes religiosas que remontam em grande parte às seitas nãoconformistas Por outro nem mesmo os anarquistas promovem mais atentados contra os chefes de Estado merece reflexão a constatação de que os atentados individuais são hoje praticados geralmente por forças reacionárias b se é verdade que as situações nas quais nasce o direito de resistência não são diversas hoje das que eram imaginadas pelos velhos escritores dos séculos XVI e XVII ou seja conquista usurpação exercício abusivo do poder na resistência armada italiana de 1943 a 1945 ocorreram todas três a primeira contra os alemães a segunda e a terceira contra os facistas da República de Saló há uma grande diferença com relação ao tipo de opressão contra o qual se declara ser lícito resistir religiosa nos primeiros monarcômacos política em Locke nacional e de classe ou econômica nas lutas de libertação dos povos do Terceiro Mundo e nos vários movimentos revolucionários de inspiração comunista ou castrista etc O que hoje se tende a derrubar não é uma determinada forma de Estado as formas degeneradas de Estado segundo a tradicional classificação aristotélica mas uma determinada forma de sociedade da qual as instituições políticas são apenas um aspecto Ninguém pensa hoje que se possa renovar o mundo abatendo um tirano Seríamos tentados a dizer que ocorreu uma inversão radical da fórmula de Hobbes para Hobbes todos os Estados são bons o Estado é bom pelo simples fato de ser Estado enquanto hoje todos os Estados são maus o Estado é mau essencialmente pelo simples fato de ser Estado c mas a maior diferença reside a meu ver na motivação e nas conseqüentes argumentações derivações com as quais o problema é enfrentado Enquanto as velhas teorias discutiam sobre o caráter lícito ou ilícito da resistência em suas varias formas ou seja colocavam o problema em termos jurídicos quem hoje discute sobre resistência ou revolução o faz em termos essencialmente políticos ou seja coloca o problema da sua oportunidade ou da sua eficácia não se pergunta se é justa e portanto se constitui um direito mas se e adequada à finalidade Tendo predominado a concepção positivista do direito para a qual o direito se identifica com o conjunto de regras que tem sua sustentação na força monopolizada o problema de um direito à resistência expressão na qual direito só pode ter o significado de direito natural não tem mais nenhum sentido Não se trata de ter o direito de abater o jugo colonial ou de classe tratase de ter a força para fazêlo O discurso não versa tanto sobre direitos e deveres mas sobre as técnicas mais adequadas a empregar naquela oportunidade concreta técnicas de guerrilha versus téc nicas da nãoviolência Assim e que ao lado da crise das velhas teorias da guerra justa assistimos à crise das teorias que eram ainda dominantes na época do Iluminismo da revolução justa 6 Quem quiser buscar uma comprovação do que foi dito deveria fazer uma análise mais precisa do que aquela que pode ser feita nesta oportunidade dos dois grandes movimentos de resistência que hoje dividem o mundo o que se expressa nos partidos revolucionários em suas diversas acepções e o que se expressa nos movimentos de desobediência civil Para simplificar e admitidas as articulações internas leninismo e gandhismo A discriminação entre um e outro é o uso da violência e portanto do ponto de vista ideológico a justificação ou não justificação da violência Sob esse aspecto a fenomenologia dos movimentos contemporâneos não difere da antiga também nos velhos tratados sobre as várias formas de resistência a diferença que dividia a resistência ativa da passiva era o uso da violência Hoje a diferença reside principalmente como dissemos no tipo de argumentação com o qual esse uso ou esse nãouso é justificado mais política como dissemos do que jurídica ou ética A coisa é bastante óbvia para o partido revolucionário cuja teorização extrai sua matriz de uma doutrina realista no sentido maquiavélico da palavra como é o caso da doutrina marxiana e mais ainda da leniniana A E R A D O S D I R E I T O S 66 segundo a qual o fim justifica os meios Uma outra diferença entre a teoria da violência revolucionária de hoje e a do passado as teorias jusnaturalistas está no fato de que para as últimas a violência estatal era um caso limite que devia ser determinada em cada oportunidade concreta como se dizia conquista usurpação abuso do poder etc para a primeira ao contrário o Estado enquanto tal anarquismo ou o Estado burguês enquanto tal isto é enquanto fundado na opressão de uma restrita classe de privilegiados sobre uma numerosa classe de explorados comunismo é violento O Estado é violência concentrada e organizada da sociedade segundo a famosa frase de Marx que é um dos temas condutores da teoria revolucionaria que passa através de Lenin para chegar a Mao à guerra popular a guerrilha etc Nova com relação à teoria tradicional é a justificação também daquele excesso de violência em que con siste o terror de Robespierre a Mao Deste último podemos repetir uma tese igualmente famosa foi necessário criar um breve reinado do terror em cada zona rural Para reparar um delito é necessário superar os limites Menos óbvio e portanto mais interessante é o fato de que a própria teoria da desobediência civil desde a obediência passiva de origem exclusivamente religiosa passando por Thoreau que continua a representar um caso individual não pagar os impostos se estes servem para o prosseguimento de uma guerra injusta por Tolstoi até o método satyagraha de Gandhi percorreu um longo caminho na estrada do realismo político ou seja de sua justificação política Antes de mais nada o fato de que se trate agora de comportamento coletivo e não mais individual ou seja de um comportamento cuja violência é sempre mais fácil de justificar implica uma revisão do tradicional contraste entre ética individual na qual a violência é na maioria dos casos ilícita e ética de grupo na qual a violência é considerada lícita Uma das características da ética gandhiana é precisamente a de não admitir nenhuma diferença entre o que é lícito ao indivíduo e o que é licito ao grupo organizado Em segundo lugar com a teoria e a práxis gandhianas foi introduzida no âmbito do que tradicionalmente tem sido chamado de resistência passiva uma ulterior distinção entre nãoviolência negativa e nãoviolência positiva Um dos preceitos fundamentais da pregação gandhiana é o de que as campa nhas nãoviolentas devem ser sempre acompanhadas do chamado trabalho construtivo ou seja de todo aquele conjunto de comportamentos que devem demonstrar ao adversário que não se tem a intenção apenas de abatêlo mas também de construir um modo melhor de convivência com o qual o próprio adversário deverá se beneficiar Finalmente a justificação que hoje se tende a dar da nãoviolência nova encarnação das doutrinas tradicionais da resistência passiva não é mais religiosa ou ética e sim política Pelo menos em duas direções a ao se tomar consciência do fato de que o uso de certos meios prejudica a obtenção do fim o emprego de meios não violentos se torna politicamente mais produtivo pelo fato de que somente uma socie dade que nasce da não violência será por sua vez não violenta enquanto uma sociedade que nasce da violên cia não poderá dispensar a violência se quer se conservar o que em outras palavras significa que a não violência serve melhor à obtenção do fim último ao qual tende também o revolucionário que usa a violên cia isto e uma sociedade mais livre e mais justa sem opressores ou oprimidos do que a violência b diante das dimensões cada vez mais gigantescas da violência institucionalizada e organizada e da sua enorme capaci dade destruidora a prática da nãoviolência é talvez a única forma de pressão que sirva para em última instância modificar as relações de poder Em suma a nãoviolência como única alternativa política observe se bem política à violência do sistema 7 Concluo com algumas observações também essas apenas esboçadas sobre a tipologia das várias formas que pode assumir a desobediência civil E preciso antes de mais nada fazer uma distinção entre a nãoobser vância de uma lei proibitiva que consiste numa ação positiva como o sitin dos negros nos restaurantes ou nos âmbitos que lhes são proibidos ou como a realização de uma passeata quando esta é proibida e apesar da proibição por um lado e por outro a nãoexecução de uma lei imperativa que consiste numa omissão ou numa abstenção exemplos típicos são o nãopagamento dos impostos ou a nãoprestação do serviço militar Há contudo uma diferença entre não fazer o que é ordenado e fazer o contrário do que é ordenado diante da intimação de esvaziar uma praça por exemplo sentar no chão Podese fazer resistência passiva não só dei xando de fazer o que se deve como também fazendo mais fazendo em excesso como é o caso do obstrucionismo parlamentar As várias formas de obediência civil devem ainda ser diferenciadas das técnicas de pressão não violenta que se voltam contra interesses econômicos Também essas por seu turno podem ser diferenciadas conforme NORBERTO BOBBIO 67 consistem em abstenções como a greve ou o boicote ou em ações como a ocupação de terras de uma casa ou de uma fábrica ou a greve ao contrário Umas e outras de resto devem ser distinguidas das chamadas ações exemplares como o jejum prolongado a autoimolação é uma ação exemplar mas não faz parte das técnicas da nãoviolência já que implica uma violência contra si mesmo Mesmo em suas diferenças essas várias técnicas têm em comum a sua finalidade principal que é mais a de paralisar neutralizar por em dificuldade o adversário do que esmagalo ou destruílo que é mais a de tornar difícil ou mesmo impossível a obtenção da finalidade visada pelo outro do que buscar diretamente a finalidade de substituílo Não ofendêlo mas tornálo inofensivo Não contrapor ao poder um outro poder um contrapoder mas tornar o poder impotente Finalmente perguntome se não seria oportuno distinguir entre as várias formas de resistência passiva que repito correspondem à resistência não violenta e o poder negativo se por poder negativo se entende o poder de veto isto é o poder para dizêlo com Rousseau daquele órgão ou daquela pessoa que não podendo fazer nada pode impedir tudo A discussão desse problema assume particular interesse neste simpósio em função dos estudos estimulantes pela novidade da colocação que lhe dedicou Pierangelo Catalano que tende a incluir no poder negativo formas de resistência como a greve que em minha opinião não podem ser reduzidas sic et simpliciter ao poder de veto Compreendo que uma certa confusão pode derivar do fato de que tanto a greve quanto o poder de veto visam à mesma finalidade ou seja a de paralisar o exercício de um poder dominante Mas apesar disso existem diferenças que merecem ser destacadas Para começar se é verdade que tanto uma quanto as outras podem ser consideradas formas de exercício de poder impeditivo devese reconhecer que uma coisa é impedir que uma lei uma ordem um comando ou de qualquer modo uma decisão seja implementada poder de veto e outra é tornála ineficaz depois de já ter sido implementada através do seu nãocumprimento além do mais há formas de resistência passiva como a greve e o boicote que não consistem numa desobediência à lei Por outro lado o poder de veto manifestase geralmente numa declaração de vontade numa proposição performativa como diria JL Austin enquanto a resistência passiva consiste em comportamentos comissivos ou omissivos O poder de veto é geralmente institucionalizado ou seja depende de uma norma secundária autorizativa a não ser que suponhamos o caso extremo da invasão do parlamento pela massa no momento em que aquele está para aprovar uma lei mas será que nesse caso podemos dizer que a massa exerceu o poder de veto as várias formas de resistência passiva ao contrário nascem fora do quadro das instituições vigentes embora algumas delas num segundo momento possam ser institucionalizadas O poder de veto é habitualmente exercido no vértice como no caso em que o chefe de Estado veta uma lei aprovada pelo parlamento ou quando um dos membros do Conselho de Segu rança da ONU veta alguma decisão a resistência passiva é exercida na base O poder de veto é com freqüên cia o resíduo de um poder que resiste à morte a resistência passiva pode ser o primeiro sinal de um poder novo O poder de veto serve habitualmente à conservação do status quo a resistência passiva visa geralmente à mudança Em suma pareceme que poder de veto e resistência passiva são tanto estrutural quanto funcional mente duas coisas diversas Por isso teria dúvidas sobre a oportunidade de forçar a inclusão de ambas numa mesma categoria sob a denominação comum de poderes negativos A E R A D O S D I R E I T O S 68 CONTRA A PENA DE MORTE 1 Se examinarmos o longo curso da história humana mais que milenar teremos de reconhecer quer isso nos agrade ou não que o debate sobre a abolição da pena de morte mal começou Durante séculos o problema de se era ou não licito ou justo condenar um culpado à morte sequer foi colocado Jamais se pôs em dúvida que entre as penas a infligir a quem violou as leis da tribo ou da cidade ou do povo ou do Estado estivesse também a pena de morte ou mesmo que a pena de morte fosse a rainha das penas aquela que satisfazia ao mesmo tempo as necessidades de vingança de justiça e de segurança do corpo coletivo diante de um dos seus membros que se havia corrompido Para começar tomemos um livro clássico o primeiro grande livro sobre as leis e sobre a justiça de nossa civilização ocidental as Leis os Nómoi de Platão No Livro IX Platão dedica algumas páginas ao problema das leis penais Reconhece que a pena deve ter a finalidade de tornar melhor mas aduz que se se demonstrar que o delinqüente é incurável a morte será para ele o menor dos males Não cabe aqui mencionar todas as vezes em que se fala nesse livro sobre a pena de morte em relação a uma série muito ampla de delitos desde os delitos contra as divindades e os cultos até aqueles contra os genitores contra o pai e a mãe ou em geral contra os homicídios voluntários Falando precisamente de homicidas voluntários Platão diz em certo momento que eles devem necessariamente pagar a pena natural ou seja a de padecer o que fizeram 870 e Chamo a atenção para o adjetivo natural e para o princípio do padecer o que se fez Esse princípio que nasce da doutrina da reciprocidade que é dos pitagóricos mais antiga ainda portanto que a de Platão e que será formulada pelos juristas medievais e repetida durante séculos com a famosa expressão segundo a qual o malum passionis deve corresponder ao malum actionis atravessa toda a história do direito penal e chega até nós absolutamente inalterado Como veremos mais adiante é uma das justificações mais comuns para a pena de morte Citei esse célebre texto da Antiguidade apenas para apresentar um testemunho o mais autorizado possí vel de como a pena de morte foi considerada não só perfeitamente legítima mas até mesmo natural desde as origens de nossa civilização bem como do fato de que aceitála como pena jamais constituiu um problema Poderia citar muitos outros textos A imposição da pena de morte constitui tão pouco um problema que até mesmo uma religião da nãoviolência do noli resistere malo uma religião que sobretudo nos primeiros séculos levantava o problema da objeção de consciência ao serviço militar e à obrigação de portar armas uma religião que tem por inspirador divino um condenado à morte jamais se opôs substantivamente à prática da pena capital 2 É preciso chegar ao Iluminismo no coração do século XVIII para encontrar pela primeira vez um sério e amplo debate sobre a licitude ou oportunidade da pena capital o que não quer dizer que o problema não tivesse jamais sido levantado antes A importância histórica que nunca será suficientemente sublimada do famoso livro de Beccaria 1764 reside precisamente nisto tratase da primeira obra que enfrenta seriamen te o problema e oferece alguns argumentos racionais para darlhe uma solução que contrasta com uma tradição secular É preciso dizer desde já que o ponto de partida usado por Beccaria em sua argumentação é a função exclusivamente intimidatória da pena A finalidade da pena não é senão impedir o réu de causar novos danos aos seus concidadãos e demover os demais de fazerem o mesmo Veremos em seguida a importância desse ponto de partida para o desenvolvimento do tema Se esse é o ponto de partida tratase de saber qual é a força intimidatória da pena de morte com relação a outras penas E esse é o tema que se põe ainda hoje e que foi várias vezes posto pela própria Amnesty International A resposta de Beccaria deriva do princípio introdu zido no parágrafo intitulado Doçura das penas O princípio é o seguinte Um dos maiores freios contra os delitos não é a crueldade das penas mas a infalibilidade dessas e por conseguinte a vigilância dos magistra dos e a severidade de um juiz inexorável a qual para ser útil à virtude deve ser acompanhada de uma legislação doce Suavidade das penas Não é necessário que as penas sejam cruéis para serem dissuasórias Basta que sejam certas O que constitui uma razão aliás a razão principal para não se cometer o delito não é NORBERTO BOBBIO 69 tanto a severidade da pena quanto a certeza de que se será de algum modo punido Subsidiariamente Beccaria introduz também um segundo princípio além da certeza da pena a intimidação nasce não da intensidade da pena mas de sua extensão como é o caso por exemplo da prisão perpétua A pena de morte é muito intensa ao passo que a prisão perpétua é muito extensa Portanto a perda perpétua total da própria liberdade tem mais força intimidatória do que a pena de morte Ambos os argumentos de Beccaria são utilitaristas no sentido de que contestam a utilidade da pena de morte nem útil nem necessária como se expressa Beccaria ao iniciar sua argumentação A esses argumen tos Beccaria aduz um outro que provocou a maior perplexidade e que de fato foi hoje em grande parte abandonado Tratase do chamado argumento contratualista que deriva da teoria do contrato social ou da origem convencional da sociedade política Esse argumento pode ser assim enunciado se a sociedade política deriva de um acordo dos indivíduos que renunciam a viver em estado de natureza e criam leis para se proteger reciprocamente é inconcebível que esses indivíduos tenham posto à disposição de seus semelhantes também o direito à vida Sabese que o livro de Beccaria teve estrepitoso sucesso Basta pensar na acolhida que lhe deu Voltaire grande parte da fama do livro de Beccaria se deve sobretudo ao fato de que foi acolhido favoravelmente por Voltaire Beccaria era um ilustre desconhecido ao passo que na pátria das luzes que era a França Voltaire era Voltaire Sabese também que por influência do debate sobre a pena de morte que teve lugar naqueles anos foi emanada a primeira lei penal que aboliu a pena de morte a lei toscana de 1786 que no 51 depois de uma série de considerações entre as quais emerge mais uma vez sobretudo a função intimidatória da pena mas sem negligenciar a sua função também corretora a correção do réu também ele filho da sociedade e do Estado declara abolir para sempre a pena de morte contra qualquer réu seja primário ou contumaz e ainda que confesso e convicto de qualquer delito declarado capital pelas leis até aqui promulgadas todas as quais ficam revogadas e abolidas no que a isso se refere Talvez ainda mais clamoroso tenha sido o eco que obteve na Rússia de Catarina II em cuja célebre Instru ção proposta já em 1765 ou seja imediatamente após a publicação do livro de Beccaria podese ler o seguin te A experiência de todos os séculos prova que a pena de morte jamais tornou uma nação melhor Seguese uma frase que parece extraída do livro de Beccaria Portanto se demonstro que no estado ordinário da sociedade a morte de um cidadão não é nem útil nem necessária terei feito vencer a causa da humanidade 3 Contudo devese acrescentar que apesar do sucesso literário do livro junto ao público culto não só a pena de morte não foi abolida nos países civilizados ou que se consideravam civilizados com relação à época e aos países considerados bárbaros quando não mesmo selvagens mas a causa da abolição tampouco estava destinada a predominar na filosofia penal da época Poderíamos fazer muitas citações Escolho três delas entre os mais ilustres pensadores da época Rousseau no Contrato social que saiu em 1762 dois anos antes do livro de Beccaria o grande Kant e o ainda maior Hegel No capítulo do Contrato social intitulado Do direito de vida e de morte Rousseau refutou antecipadamente o argumento contratualista Não é verdade disse ele que o indivíduo ao se acordar com os outros para constituir o Estado reservese um direito à vida em qualquer caso É para não ser vítima de um assassino que alguém consente em morrer caso venha a ser assassino Portanto a atribuição ao Estado do direito à própria vida serve não para destruíla mas para garantila contra o ataque dos outros Poucos anos depois da publicação de Dos delitos e das penas um outro ilustre escritor político Filarigieri em Scienza della legislazione 1783 a maior obra italiana de filosofia política da segunda metade do século XVIII caracterizou como sofisma o argumento contratualista de Beccaria afirmando que é verdade que no estado de natureza o homem tem direito à vida sendo também verdade que não pode renunciar àquele direito mas pode perdêlo com seus delitos Se pode perdêlo no estado de natureza não se vê por que não possa perdêlo no estado civil que é instituído precisamente com a finalidade não de criar um novo direito mas de tornar seguro o exercício do antigo direito o do ofendido de reagir com força à força de rechaçar com a ofensa à vida do outro a ofensa contra a própria vida Os dois maiores filósofos da época Kant e Hegel um antes outro depois da Revolução Francesa defendem uma rigorosa teoria retributiva da pena e chegam à conclusão de que a pena de morte é até mesmo um dever Kant partindo da concepção retributiva da pena segundo a qual a função da pena não é preve A E R A D O S D I R E I T O S 70 nir os delitos mas simplesmente fazer justiça ou seja fazer com que haja uma perfeita correspondência entre o crime e o castigo tratase da justiça como igualdade daquela espécie de igualdade que os antigos chamavam de igualdade corretiva afirma que o dever da pena de morte cabe ao Estado e é um imperativo categóri co não um imperativo hipotético fundado na relação meiofim Cito diretamente o texto selecionando a frase mais significativa Se ele matou deve morrer Não há nenhum sucedâneo nenhuma comutação de pena que possa satisfazer a justiça Não há nenhuma comparação possível entre uma vida ainda que penosa e a morte e por conseguinte nenhuma outra compensação entre o delito e a punição salvo a morte juridica mente infligida ao criminoso mas despojada de toda maldade que poderia na pessoa de quem a padece revoltar a humanidade Hegel vai além Depois de ter refutado o argumento contratualista de Beccaria negando que o Estado possa nascer de um contrato afirma que o delinqüente não só deve ser punido com uma pena correspondente ao crime cometido mas tem o direito de ser punido com a morte já que somente a punição o resgata e é somente através dela que ele é reconhecido como ser racional aliás ele é honrado diz Hegel Num adendo porém ele tem a lealdade de reconhecer que a obra de Beccaria teve pelo menos o efeito de reduzir o número de condenações à morte 4 O infortúnio quis que enquanto os maiores filósofos da época continuavam a defender a legitimidade da pena de morte um dos maiores defensores de sua abolição tivesse sido como se sabe Robespierre num famoso discurso à Assembléia Constituinte de maio de 1791 ou seja Robespierre o mesmo que iria passar à história na época da Restauração a época em que Hegel escreveu sua obra como o maior responsável pelo terror revolucionário pelo assassinato indiscriminado de que ele próprio foi vítima quase que como para demons trar a inexorabilidade da lei segundo a qual a revolução devora os seus próprios filhos a violência gera violên cia etc Esse discurso de Robespierre deve ser recordado porque contém uma das condenações mais convin centes do ponto de vista da argumentação da pena de morte Ele refuta em primeiro lugar o argumento da intimidação afirmando não ser verdade que a pena de morte seja mais intimidadora do que as demais penas e aduzia o exemplo quase ritual já utilizado por Montesquieu do Japão na época afirmavase que embora as penas aplicadas no Japão fossem atrozes o Japão era um país de criminosos Depois além desse argumento refuta também aquele fundado na justiça Finalmente aduz o argumento que Beccaria não recordara da irreversibilidade dos erros judiciários Todo o discurso se inspira no principio de que a suavidade das penas e aqui a derivação de Beccaria é evidente é prova de civilização enquanto a crueldade delas caracteriza os povos bárbaros mais uma vez o Japão Não nos afastaremos muito da verdade se dissermos que o mais célebre e inteligente continuador quase repetidor de Beccaria foi desgraçadamente Robespierre 5 Apesar da persistência e da predominância das teorias antiabolicionistas não se pode dizer que o debate sobre a pena de morte levantado por Beccaria tenha deixado de produzir efeitos A contraposição entre abolicionistas e antiabolicionistas é demasiadamente simplista e não representa exatamente a realidade O debate sobre a pena de morte não visou somente à sua abolição num primeiro momento dirigiuse para a limitação dessa pena a alguns crimes graves especificamente determinados depois para a eliminação dos suplícios ou crueldades inúteis que via de regra a acompanhavam e num terceiro momento para a supres são de sua execução publica Quando se deplora que a pena de morte ainda exista na maioria dos Estados esquecese que o grande passo à frente realizado pelas legislações de quase todos os países nos dois últimos séculos constitui na diminuição dos crimes puníveis com a pena de morte Na Inglaterra no início do século XVIII ainda eram mais de duzentos os casos entre os quais até mesmo o de crimes hoje punidos com poucos anos de prisão Mesmo nos ordenamentos nos quais a pena de morte sobreviveu e ainda sobrevive ela é aplicada quase exclusivamente no caso de homicídio premeditado Ao lado da diminuição dos delitos capi tais incluise entre as medidas atenuadoras a supressão da obrigação de aplicála nos casos previstos que é substituída pelo poder discricionário do juiz ou dos jurados de aplicála ou não No que se refere à crueldade da execução basta a leitura daquele fascinante livro de Foucault que é Vigiar e punir onde se descrevem no capítulo intitulado A ostentação dos suplícios alguns episódios aterradores de execuções capitais precedi das de longas e ferozes sevícias Um autor inglês do século XVIII citado por Foucault escreve que a morte suplicio é a arte de conservar a vida no sofrimento subdividindoa em mil mortes e obtendose antes que NORBERTO BOBBIO 71 cesse a existência as mais refinadas agonias O suplício é por assim dizer a multiplicação da pena de morte como se a pena de morte não bastasse o suplício mata uma pessoa várias vezes O suplício responde a duas exigências deve ser infamante seja pelas cicatrizes que deixa no corpo seja pela ressonância de que é acom panhado e clamoroso ou seja deve ser constatado por todos Esse elemento nos remete ao tema da publicidade e por tanto à necessidade de que a execução fosse pública publicidade que devese observar não desaparece com a supressão das execuções públicas já que se estende ao desfile em meio à multidão dos deportados encadeados rumo aos trabalhos forçados Hoje a maioria dos Estados que conservaram a pena de morte a executam com a discrição e a reserva com que se executa um doloroso dever Muitos Estados não abolicionistas buscaram não apenas eliminar os suplícios mas tornar a pena de morte o mais possível indolor ou menos cruel Naturalmente isso não quer dizer que o conseguiram basta ler relatórios sobre as três formas de execução mais comuns a guilhotina francesa o enforcamento inglês e a cadeira elétrica norteamericana para compreender que não é inteiramente verda de que tenha sido eliminado também o suplício já que a morte nem sempre é tão instantânea como se deixa crer ou se busca fazer crer por parte dos que defendem a pena capital De qualquer modo a execução não se realiza mais à vista do público ainda que o eco de uma execução capital na imprensa e não se deve esquecer que num regime de liberdade de imprensa tem amplo espaço e difusão a imprensa sensacionalista substitua a antiga presença do público na praça diante do patíbulo Sobre a vergonha da publicidade como argumento contra a pena de morte gostaria de me limitar a recordar as invectivas de Victor Hugo que por toda a vida a combateu apaixonadamente com toda a potência do seu estilo eloqüente ainda que hoje nos possa parecer grandiloqüente Recentemente foi publicado na França um livro que recolhe os escritos de Victor Hugo sobre a pena de morte uma fonte de citações Da leitura dessas paginas resulta que ele batalhou da juventude à velhice contra a pena de morte em todas as ocasiões inclusive como politico mas também através dos escritos das poesias e dos romances As invectivas quase sempre partem da visão ou da descrição de uma execução Em Os miseráveis ele escreveu O patíbulo quando está lá erguido para o céu tem algo de alucinante Alguém pode ser indiferente quanto à pena de morte e não se pronunciar não dizer nem sim nem não mas isso só enquanto não viu uma guilhotina Quando vê uma o abalo é violento ele é obrigado a tomar partido a favor ou contra Hugo recorda que quando tinha dezesseis anos viu uma ladra que um carrasco marcava com ferro em brasa Ainda conservo no ouvido quarenta anos depois e sempre conservarei na alma o espantoso grito da mulher Era uma ladra mas a partir daquele momento tornouse para mim uma mártir Chamei a atenção para essa evolução no interior do instituto da pena de morte para mostrar que embora essa pena não tenha sido abolida a polêmica iluminista não deixou de ter efeitos Gostaria ainda de acrescen tar que freqüentemente mesmo quando a pena de morte é pronunciada por um tribunal nem sempre é executada ou e suspensa e depois comutada ou o condenado é agraciado Nos Estados Unidos o caso de Gary Gilmore que foi justiçado em janeiro de 1977 no estado de Utah provocou grande comoção porque desde 1967 há dez anos ninguém fora justiçado Em 1972 uma famosa sentença da Suprema Corte estabe leceu que muitas das circunstâncias em que se aplicava a pena capital eram anticonstitucionais com base na VIIIª Emenda que proíbe impor penas cruéis e desproporcionais unusual Porém em 1976 uma outra decisão mudou a interpretação afirmando que a pena de morte nem sempre viola a Constituição com o que se abriu caminho para uma nova execução precisamente a de Gilmore O fato de que uma condenação à morte tenha suscitado tantas discussões e reanimado as associações abolicionistas mostra que mesmo nos paises onde ainda existe a pena capital há uma opinião pública vigilante e sensível que obstaculiza sua aplicação 6 Do que disse até aqui resulta já bastante evidente que os argumentos pró e contra dependem quase sempre da concepção que os debatedores têm da função da pena As concepções tradicionais são sobretudo duas a retributiva que repousa na regra da justiça como igualdade já a vimos em Kant e em Hegel ou correspondência entre iguais segundo a máxima de que é justo que quem realizou uma má ação seja atingido pelo mesmo mal que causou a outros a lei de talião do olhoporolho de que é exemplo conhecidíssimo o inferno de Dante e portanto de que é justo assim o quer a justiça que quem mata seja morto não tem direito à vida quem não a respeita perde o direito à vida quem a tirou de outro etc e a preventiva segundo a qual a função da pena é A E R A D O S D I R E I T O S 72 desencorajar com a ameaça de um mal as ações que um determinado ordenamento considera danosas Com base nessa concepção da pena é óbvio que a pena de morte só se justifica se se puder demonstrar que sua força de intimidação é grande e superior à de qualquer outra pena incluindo a prisão perpétua As duas concepções da pena se contrapõem também como concepção ética e concepção utilitarista elas se fundem em duas teorias diversas da ética a primeira numa ética dos princípios ou da justiça a segunda numa ética utilitarista que predominou nos últimos séculos e predomina até hoje no mundo anglosaxônico Podese dizer que em geral os adeptos da pena de morte apelam para a primeira como por exemplo Kant e Hegel enquanto os adversários se valem da segunda como por exemplo Beccaria Permitamme expor um episódio histórico freqüentemente relembrado num debate como o nosso que remonta nada menos do que a 428 aC retirado das Histórias de Tucídides Os atenienses têm de decidir sobre a sorte dos habitantes de Mitilene que se haviam rebelado Falam dois oradores Cléon afirma que os rebeldes devem ser condenados à morte porque lhes deve ser imposta a lei de talião e a punição que merecem além disso ele aduz que os outros aliados saberão assim que quem se rebela é punido com a morte Diódoto ao contrário afirma que a pena de morte não serve para nada já que é impossivel e dá provas de grande ingenuidade quem assim pensa que a natureza humana quando se empenha com paixão na realização de qualquer projeto possa ter um freio na força das leis ou em qualquer outra ameaça de modo que é preciso evitar ter excessiva confiança em que a pena de morte seja uma garantia para impedir o mal Continua sugerindo a observância de um critério de utilidade segundo o qual em vez de matar os habitantes de Mitilene devese buscar transformálos em aliados 7 Na realidade o debate complicase um pouco mais porque as concepções da pena não são somente essas duas embora essas duas sejam de longe as predominantes Recordo pelo menos outras três a pena como expiação como emenda e como defesa social Dessas a primeira parece mais favorável à abolição do que à conservação da pena de morte para expiar preciso continuar a viver Mas podese também afirmar que verda deira expiação é a morte a morte entendida como purificação da culpa como cancelamento da mácula o sangue se lava com sangue A rigor essa concepção da pena é compatível tanto com a tese da manutenção quanto com a da abolição da pena de morte A segunda a da emenda é a única que exclui totalmente a pena de morte Mesmo o mais perverso dos criminosos pode se redimir se ele for morto serlheá vedado o caminho do aperfeiçoamento moral que não pode ser recusado a ninguém Quando os iluministas disseram que a pena de morte deveria ser substituída pelos trabalhos forçados justificaram freqüentemente essa tese afirmando que o trabalho redime No comen tário ao livro de Beccaria Voltaire escreveu o seguinte referindose à política penal de Catarina II favorável à abolição da pena de morte Os delitos não se multiplicaram por causa dessa humanidade e quase sempre ocorreu que os culpados enviados à Sibéria lá se tornaram pessoas de bem e pouco após acrescenta Se os homens forem obrigados a trabalhar tornarseão pessoas honestas Caberia fazer um longo discurso sobre essa ideologia do trabalho cuja extrema macabra demoníaca conseqüência se revelou nas palavras colocadas na entrada dos campos de concentração nazistas Arbeit macht frei ou seja o trabalho liberta A terceira concepção a da defesa social é também ambígua geralmente os defensores da pena como defesa social foram e são abolicionistas mas o fazem por razões humanitárias e também porque recusam o conceito de culpa que está na base da concepção redistributiva a qual só encontra sua própria justificação se admitir a liberdade do querer Todavia a defesa social não exclui a pena de morte poderseia afirmar que o melhor modo para se defender dos criminosos é eliminálos 8 Embora sejam muitas as teorias da pena as duas predominantes são as que chamei de ética e de utilitarista De resto tratase de um contraste que vai além do contraste entre dois modos diversos de conceber a pena já que remete a uma oposição mais profunda entre duas éticas ou morais entre dois critérios diversos de julga mento do bem e do mal ou com base em princípios bons acolhidos como absolutamente válidos ou com base em bons resultados entendendose por bons resultados os que levam à maior utilidade do maior número como afirmavam os utilitaristas Beccaria Bentham etc Uma coisa com efeito é dizer que não se deve fazer o mal porque existe uma norma que o proíbe por exemplo os dez mandamentos outra é dizer que não se deve fazer o mal porque ele tem conseqüências funestas para a convivência humana Dois critérios diversos e NORBERTO BOBBIO 73 que não coincidem porque pode muito bem ocorrer que uma ação considerada má com base em princípios tenha conseqüências utilitaristicamente boas e viceversa A julgar pela disputa a favor ou contra a pena de morte como vimos dirseia que os defensores da pena de morte seguem uma concepção ética da justiça enquanto os abolicionistas são seguidores de uma concepção utilitarista Reduzidos a seus termos mais simples os dois raciocínios opostos poderiam ser resumidos nestas duas afirmações para uns a pena de morte é justa para os outros a pena de morte não é útil Justa para os primeiros independentemente de sua utilidade Desse ponto de vista o raciocínio kantiano e irrepreensível considerar o condenado à morte como um espantalho significaria reduzir a pessoa a meio ou como se diria hoje instrumentalizála Não útil para os segundos independentemente de qualquer consideração de justiça Em outras palavras para os primeiros a pena de morte poderia até não ser útil mas é justa para os segundos poderia até ser justa mas não é útil Portanto enquanto os que partem da teoria da retribuição vêem a pena de morte como um mal necessário e talvez até como um bem como vimos no uso de Hegel já que reconstitui a ordem violada os que partem da teoria intimidatória julgam a pena de morte como um mal não necessário e portanto como algo que de modo algum pode ser considerado um bem 9 Não há dúvida de que a partir de Beccaria o argumento fundamental dos abolicionistas foi o da força de intimidação Mas a afirmação de que a pena de morte teria menos força intimidatória do que a pena a traba lhos forçados era na época uma afirmação fundada em opiniões pessoais derivadas por sua vez de uma avaliação psicológica do estado de espírito do criminoso não sufragada por nenhuma comprovação factual Desde que foi aplicado ao estudo da criminalidade o método da investigação positiva foram feitas pesquisas empíricas sobre o maior ou menor poder dissuasório das penas comparandose os dados da criminalidade em períodos e em lugares com ou sem pena de morte Essas investigações naturalmente foram facilitadas nos Estados Unidos pelo fato de existirem estados em que vigora a pena de morte e outros em que ela foi abolida No Canadá um Moratorium act de 1967 que suspendeu a pena de morte por cinco anos permitiu estudar a incidência dessa pena sobre a criminalidade comparandose o presente com o passado Um exame cuidadoso desses estudos mostra que na realidade nenhuma dessas pesquisas forneceu resultados intei ramente convin centes Basta pensar em todas as variáveis concomitantes que têm de ser levadas em conta além da relação simples entre diminuição das penas e aumento ou diminuição dos delitos Por exemplo a certeza da pena problema já colocado por Beccaria o que dissuade mais a gravidade da pena ou a certeza de que ela será aplicada Somente se a certeza permanecer estável nos dois momentos é que a comparação pode ser feita É o caso do terrorismo na Itália o que contribuiu mais para a derrota do terrorismo o agravamento das penas ou o melhoramento dos meios para descobrir os terroristas Diante dos resultados até agora obtidos por essa análise nem sempre probatórios temse buscado refúgio nas pesquisas de opinião as opiniões dos juízes dos condenados à morte do público Mas é preciso começar dizendo em matéria de bem e de mal o principio da maioria não vale e Beccaria o sabia muito bem tanto que escreveu o seguinte Se me opusessem o exemplo de quase todos os séculos e de quase todas as nações que puniram alguns delitos com pena de morte responderia que esse exemplo se anula em face da verdade contra a qual não há prescrição que a história dos homens nos dá a idéia de um imenso arquipélago de erros entre os quais sobrenadam poucas e confusas e a grandes intervalos de distância algumas verdades Em segundo lugar as pesquisas de opinião provam pouco já que estão sujeitas às mudanças de humor das pessoas que reagem emotivamente diante dos fatos de que são espectadoras É sabido que a atitude do público diante da pena de morte varia de acordo com a situação de menor ou maior tranqüilidade social Se não tivessem ocorrido o terrorismo e o aumento da criminalidade nestes últimos anos é provável que o problema da pena de morte sequer tivesse sido levantado A Itália foi um dos primeiros Estados a abolir a pena de morte em 1889 no código penal Zanardelli quando Croce escreveu a Storia dItalia em 1928 afirmou que a abolição da pena de morte tornarase um dado dos costumes e que a simples idéia da restauração da pena capital era incompatível com o sentimento nacional Apesar disso poucos anos depois o fascismo a restaurou sem gran des abalos na opinião pública com exceção do protesto estéril de alguns antifascistas Entre esses recordo o livro de 1932 escrito por Paolo Rossi que depois se tornou ministro da República e também presidente da Corte Constitucional La pena di morte e la sua critica no qual o autor pronuncia uma nítida condenação da pena de morte contra o projeto de novo código penal então em elaboração recorrendo principalmente ao A E R A D O S D I R E I T O S 74 argumento da emenda O lado débil do argumento que baseia a exigência de abolir a pena de morte na sua menor força de intimi dação reside no fato de que caso fosse possível demonstrar de modo irrefutável que a morte tem pelo menos em determinadas situações um poder de dissuasão maior do que o de outras penas ela deveria ser mantida ou reestabelecida Não se pode ocultar a gravidade da objeção Por isso penso que seria não diria um erro mas um grande limite fundar a tese da abolição apenas num argumento utilitarista É verdade que existem outros argumentos secundários mas que a meu ver não são decisivos Há o argu mento da irreversibilidade da pena de morte e portanto da irreparabilidade do erro judiciário Mas os antiabolicionistas podem sempre retorquir que a pena capital precisamente por sua gravidade e irremediabilidade deve ser aplicada somente em caso de certeza absoluta de culpa Nesse caso tratarseia de introduzir uma nova limitação à aplicação Mas se a pena de morte é justa e dissuasória não importa que seja pouco aplicada mas sim que exista Há além disso um argumento contrário de peso o das recidivas Num opúsculo recente sobre a pena de morte 1980 o último que tive oportunidade de ler publicado na popular coleção francesa Que saisje o autor Marcel Normand defende ferrenhamente a pena de morte e insiste no argumento da recidiva cita alguns casos que reconheço impressionantes de assassinos condenados à morte e depois agraciados os quais quando retornaram à liberdade apesar dos muitos anos de prisão volta ram a cometer homicídios Surge a inquietadora questão se a condenação à morte tivesse sido executada uma ou mais vidas humanas teriam sido poupadas E a conclusão para poupar a vida de um delinqüente a socieda de sacrificou a vida de um inocente O Leitmotiv do autor é o seguinte enquanto os abolicionistas se poem do ângulo do criminoso os antiabolicionistas se situam no das vítimas Quem tem mais razão 10 Ainda mais embaraçosa é a pergunta que me formulei há pouco a respeito da tese utilitarista o limite da tese está numa pura e simples presunção a de que a pena de morte não serve para fazer diminuir os crimes de sangue Mas se se conseguisse demonstrar que ela previne tais crimes Então o abolicionista teria de recorrer a outra instância de caráter moral a um princípio posto como absolutamente indiscutível um autêntico postulado ético E esse argumento só pode ser derivado do imperativo moral não matarás que deve ser acolhido como um princípio de valor absoluto Mas como Poderseia retrucar o indivíduo tem o direito de matar em legítima defesa enquanto a coletividade não o tem Respondese a coletividade não tem esse direito porque a legítima defesa nasce e se justifica somente como resposta imediata numa situação onde seja impossível agir de outro modo a resposta da coletividade é mediatizada através de um processo por vezes até mesmo longo no qual se conflitam argumentos pró e contra Em outras palavras a condenação à morte depois de um processo não é mais um homicídio em legítima defesa mas um homicídio legal legalizado perpetrado a sangue frio premeditado Um homicídio que requer executores ou seja pessoas autorizadas a matar Não é por acaso que o executor da pena de morte embora autorizado a matar tenha sido sempre considerado como um personagem infame leiase o livro de Charles Duff Manual do carrasco recentemente traduzido em itali ano onde o carrasco é apresentado de modo grotesco como o cão o amigo fiel da sociedade Entre outras coisas aduzse para negar a eficácia intimidatória da pena de morte o caso de um carrasco que se torna por sua vez assassino e que deve ser justiçado O Estado não pode colocarse no mesmo plano do indivíduo singular O indivíduo age por raiva por paixão por interesse em defesa própria O Estado responde de modo mediato reflexivo racional Também ele tem o dever de se defender Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e por isso não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se defender O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força Deve sentir toda a responsabilidade desse privilégio e desse beneficio Compreendo mui to bem que é um raciocínio dificil abstrato que pode ser tachado de moralismo ingênuo de pregação inútil Mas busquemos dar uma razão para nossa repugnância frente à pena de morte A razão é uma só o manda mento de não matar Não vejo outra Fora dessa razão última todos os demais argumentos valem pouco ou nada podem ser contraditados por argumentos que têm mais ou menos a mesma força persuasória Dostoievski o disse magnificamente quando pôs na boca do Príncipe Michkin as seguintes palavras Foi dito Não matarás E então se alguém matou por que se tem de matálo também Matar quem matou é um castigo incomparavel mente maior do que o próprio crime O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assas sinato criminoso NORBERTO BOBBIO 75 De resto precisamente porque a razão última da condenação da pena de morte é tão elevada e árdua a grande maioria dos Estados continua a praticála e continuará a fazêlo apesar das declarações internacionais dos apelos das associações abolicionistas da nobilíssima ação da Amnesty International Apesar disso acredi tamos firmemente que o desaparecimento total da pena de morte do teatro da história estará destinada a representar um sinal indiscutível do progresso civil Esse conceito foi muito bem expresso por John Stuart Mill um ator que amo Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costu mes e instituições umas após outras foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas Estou convencido de que esse será também o destino da pena de morte Se me perguntarem quando se cumprirá esse destino direi que não sei Sei apenas que o seu cumprimento será um sinal indiscutível do progresso moral A E R A D O S D I R E I T O S 76 O DEBATE ATUAL SOBRE A PENA DE MORTE 1 Num mundo como o nosso abalado por guerras civis e internacionais cada vez mais cruentas e destrui doras pela difusão de atos terroristas cada vez mais cruéis e impiedosos resignado a viver sob a ameaça do extermínio atômico o debate sobre a pena de morte cujos efeitos não são nem de longe comparáveis aos dos massacres cotidianamente perpretados no mundo pode aparecer como pouco mais do que um ocioso passatempo dos costumeiros sábios que não se dão conta de como vai o mundo Refirome decerto à pena de morte judicial à qual está dedicada em particular esta minha introdução Sobre a pena de morte extrajudicial em todas as suas formas desde as infligidas pelos esquadrões da morte pelos serviços secretos pela própria polícia sob o argumento da legítima defesa por uma mão misteriosa que deve permanecer misteriosa na prisão onde o condenado paga uma pena não capital até aquela indireta perpretada nos campos de concentração ou de trabalho forçado a diferença entre matar e deixar intencional mente morrer não é moralmente relevante não há o que discutir Cabe apenas condenála como uma infâmia e quando muito estudála em todos os seus aspectos buscando compreenderlhe as causas indican do as circunstâncias que a favorecem e explicando sua difusão Não há mais solene condenação da pena de morte extrajudicial do que a que brota das páginas de um livro que os integrantes de minha geração não esqueceram as Cartas dos condenados à morte da Resistência européia O debate já hoje secular sobre a pena de morte referese à questão de saber se é moral eou juridicamente lícito por parte do Estado matar para punir ainda que respeitando todas as garantias processuais próprias do Estado de direito em outras palavras de saber se o direito que tem o Estado de punir o qual em geral não é contestado vai até o direito de infligir uma condenação à morte ainda que nas formas de um processo legal Os problemas levantados pelas execuções extrajudiciais são completamente diversos Ninguém espera que surja um novo Beccaria para denunciar a desumanidade de tais execuções ou para propor com argumentos de caráter humanitário a doçura das penas ou jurídico os limites do contrato social a sua abolição São problemas que se inserem num capítulo diverso da filosofia moral e jurídica no capítulo relativo à justificação da guerra ou do exercício da violência por parte de indivíduos ou grupos em cujas relações vigora apenas um princípio regulador dos conflitos o da autotutela É evidente que uma vez admitida em certos casos a licitude da guerra ou seja de um modo de resolver conflitos mediante o uso de armas mortais disso decorre a licença embora dentro de certos limites que constituem o ius belli de matar Com relação à pena de morte extrajudicial o problema ético eou jurídico a discutir não é saber se é lícito infligir a morte mas se é lícito o recurso a penas extrajudiciais quaisquer que sejam no interior de um Estado constituído e eventualmente dentro de que limites e em quais circunstâncias 2 Considerando os muitos séculos decorridos desde o nascimento do pensamento filosófico ocidental o debate sobre a pena de morte é relativamente recente A obra de Beccaria da qual nasceu a primeira grande discussão pró e contra a pena capital entre os eruditos é de 1764 o primeiro Estado que a aboliu foi o grão ducado de Toscana com uma lei de 1786 Ao longo de todo o curso da história da filosofia a communis opinio dos filósofos foi favorável à pena capital a começar por Platão e indo muito além do livro de Beccaria basta pensar em Kant Hegel e Schopenhauer Se tivéssemos de nos basear no argumento ex auctoritate os abolicionistas seriam derrotados Deixo de considerar a influência ambivalente do cristianismo sobre a solução do problema já que o tema é tratado especificamente em outra das comunicações digo ambivalente porque da própria visão religiosa do mundo e portanto das relações de convivência foram extraídos conforme a época e as circunstâncias argumentos favoráveis e contrários Levando em consideração exclusivamente as grandes concepções filosófi cas da sociedade e do Estado podese afirmar que a concepção orgânica do Estado segundo a qual para retomar o principio aristotélico o todo está acima das partes dominante no mundo antigo e na era medie NORBERTO BOBBIO 77 val ofereceu um dos argumentos mais comuns para a justificação da pena de morte Se o homem como animal político não pode viver fora de um corpo social do qual constitui logicamente um membro a vida ou melhor a sobrevivência do corpo social em sua totalidade é um bem superior à vida ou à sobrevivência de uma de suas partes em particular a vida de um indivíduo deve ser sacrificada à vida do todo quando estando aquele infectado apresenta o risco de contagiar e de pôr em perigo a vida do todo Foi argumento de autorida de durante séculos o seguinte texto de Santo Tomás Cada parte está ordenada ao todo como o imperfeito ao perfeito Por causa disso vemos que se a extirpação de um membro é benéfica à saúde do corpo humano em seu todo é louvável e salutar suprimilo Ora cada pessoa considerada isoladamente colocase em relação à comunidade como a parte em relação ao todo Por conseguinte se um homem constitui um perigo para a comunidade é louvável e salutar matálo para salvar o bem comum Para mostrar como é persis tente esse modo de justificar a condenação à morte limitome a citar a argumentação que em A Montanha Mágica de Thomas Mann Naphta o revolucionário da conservação apresenta contra Setembrini que acabara de concluir sua peroração contra a pena de morte Tão logo entra em jogo algo suprapessoal supraindividual e esse é o único estado digno do homem e portanto em sentido mais elevado o estado normal a vida singular deve não apenas ser sacrificada sem cerimônia ao pensamento mais alto mas deve ser posta em risco espontaneamente pelo próprio indivíduo Não foi por acaso que as primeiras teorias abolicionistas a começar pela de Beccaria se desenvolveram no âmbito da concepção individualista da sociedade e do Estado que inverteu completamente a relação entre o todo e as partes tornado possível a partir de Hobbes a fundamentação contratualista do Estado Na verdade não se pode afirmar que a negação do direito do Estado de punir um culpado com a morte seja uma conclusão lógica e como tal necessária de toda teoria que faça o Estado derivar de um contrato social originário a melhor prova disso é a existência de autores que são ao mesmo tempo contratualistas e defenso res da pena de morte como Rousseau para dar o exemplo mais conhecido ao qual se pode aduzir também o de nosso Filangieri Mas ao contrário da concepção orgânica da qual os autores de modo geral se valeram para aprovar a pena de morte a concepção contratualista tornou a recusa dessa pena se não necessária pelo menos possível No 100 da Filosofia do direito no qual defende a pena de morte Hegel valese da crítica a Beccaria para aduzir um argumento a mais contra as teorias contratualistas das quais é um adversário radical 3 Embora relativamente recentes as teorias abolicionistas tiveram um notável sucesso se não com relação à abolição total já que ainda são muito mais numerosos os Estados que mantêm a pena capital do que os que a aboliram pelo menos com relação à abolição parcial ou mesmo quase total Não me parece supérfluo sublinhar mais uma vez o fato de que o objeto das discussões nos últimos anos é a abolição final da pena de morte que é agora limitada até mesmo nos Estados que a mantiveram a um número cada vez mais restrito de crimes particularmente graves Sobre a necessidade de limitar sua previsão legislativa não há mais discordância a pena de morte deixou há muito de ser como o foi durante séculos a pena por excelência já que era a mais fácil de executar e ao mesmo tempo a de maior poder de intimidação aliás a única que tinha verdadeiramente esse poder Dirseia que a maioria dos legisladores antes da grande batalha iluminista seguiam a linha de Drácon o qual perguntado sobre os motivos de sua severidade respondera que a pena de morte era justa para os pequenos ladrões e que para os outros crimes mais graves ainda não encontrara infelizmente uma pena maior A partir de Beccaria o que se tornou objeto de discussão não foi só saber se a pena de morte é eticamente lícita mas também se é realmente a maior das penas Para constatar o processo gradual de deslegitimação da pena de morte devemse ainda considerar três dados reais a restringese cada vez mais o número dos crimes para os quais a pena de morte é obrigatória ao mesmo tempo em que se amplia o de crimes nos quais a aplicação da pena de morte é deixada à decisão discricional dos juízes e dos jurados b nem em todos os Estados nos quais a pena de morte é ainda admitida ela é efetivamente aplicada tanto que em todos os relatórios sobre a pena de morte no mundo costumase acrescentar ao elenco dos Estados onde ela está abolida de iure aqueles nos quais está abolida de facto c mesmo onde a pena de morte não só está prevista mas a sentença capital foi emanada manifestouse a A E R A D O S D I R E I T O S 78 tendência a sua suspensão sine die bem como ao seu perdão em conseqüência do indulto Embora seja nítida no longo período que vem do Iluminismo até hoje a tendência à diminuição da pena de morte com relação tanto ao número de Estados quanto à natureza dos crimes é preciso aduzir pelo menos duas outras especificações para tornar mais completa essa visão de conjunto primeiro a gradual e contínua conquista dos abolicionistas detevese diante da última fortaleza a da abolição total a qual mantém uma ferrenha resistência ao desmantelamento com a conseqüência de que o debate a favor ou contra a pena de morte não pode de modo algum ser considerado como concluído nem a causa dos abolicionistas dada como vitoriosa segundo a própria tendência à abolição se considerada não a longo prazo mas em períodos breves não se demonstra de modo algum nítida parecendo avançar ao contrário em ziguezagues No que se refere à natureza do debate vale a pena observar também que ele é muito mais intenso nos países onde não se deu ainda a abolição total e o problema se põe de iure condendo ou onde a reforma foi aprovada recentemente Num País como a Itália que após a queda do fascismo retomou ou melhor tornou norma constitucional a proibição da pena de morte as tradicionais doutrinas antiabolicionistas pelo menos até agora reemergiram menos do que nos Estados Unidos e na França Falando de doutrinas refirome ao debate tal como se desenvolve entre filósofos sociólogos psicólogos juristas etc Outra é a situação no que se refere ao chamado sentimento popular ao common sense dos escritores anglosaxônicos E com efeito uma constatação habitual de todos os que se ocuparam da pena de morte é que entre o senso comum e a opinião dos doutos existe geralmente uma grande defasagem As teses abolicionistas começam a predominar entre os que se ocupam profissionalmente do problema nas ligas ou associações em favor dos direitos do homem ou assemelhados nas próprias Igrejas constituídas ao contrário de uma tradição que já parecia consolidada ao passo que se formos julgar por muitas pesquisas de opinião cuja credibilidade de resto pode despertar sérias dúvidas o sentimento popular continua a ser hostil a tais teses quando não chega mesmo a reclamar o retorno à pena de morte onde ela já foi há muito abolida já que falei da Itália é impossível ignorar o fato de que enquanto a república dos doutos não deu até agora sinal de ter sido solicitada a levantar o problema da difusão e da crudelização da violência criminal e política a opinião do público tal como se manifesta nas cartas aos jornais nas conversas cotidianas na resposta aos apelos provenientes de movimentos e partidos de extremadireita demonstrouse sensível a essas solicitações De resto a existência dessa defasagem entre opi nião douta e opinião popular é provada pelo fato de que um dos argumentos ainda que débil ao qual recorrem os antiabolicionistas para defender ou corroborar suas teses nos países onde a discussão é viva e o chamado argumento do common sense Também o ministro Rocco recorreu a ele para justificar a retomada da pena de morte na Itália durante o fascismo Mas o argumento é débil por diversas razões a a invocação popular da pena de morte é preciso encostálos no muro é indiscriminada não fazendo nenhuma distinção entre crimes mais ou menos graves b o sentimento popular é volúvel sendo facilmente influenciável pelas circuns tâncias c as questões de princípio suportam mal uma resolução com base na regra da maioria Quanto à segunda observação relativa à nãolinearidade da tendência abolicionista a principal observa ção a fazer é que a legislação sobre a pena de morte sofre o efeito do estado de maior ou menor tranqüilidade em que se encontra uma determinada sociedade e do muitas vezes conseqüente menor ou maior grau de autoritarismo do regime Assim enquanto a tendência constante no longo prazo é certamente no sentido da restrição do âmbito da pena capital seja ratione loci ou ratione materiae há casos em que por um breve período a pena de morte foi restabelecida em Estados que há muito a tinham abolido é típico o caso da Itália durante o fascismo A relação de dependência entre o debate sobre a pena de morte e o estado da ordem pública pode trazer uma comprovação à constatação de que na Itália durante o império do Código Zanardelli 1889 que abolira tal pena o problema do restabelecimento jamais foi seriamente levantado numa situação de gradual contenção e regulamentação dos conflitos sociais ao contrário quando o restabelecimento ocorreu por obra de um regime autoritário como o fascismo em conseqüência também do aguçamento e da radicalização da luta social no imediato primeiro pósguerra isso ocorreu com o pleno consentimento ou pelo menos com a indiferença do público Se houve alguma resistência essa foi exclusivamente em meio ao conformismo geral de caráter doutrinário devese recordar pelo menos o livro de Paolo Rossi publicado em 1932 4 A particular intensidade do debate atual sobre a pena de morte depende não apenas do interesse sempre NORBERTO BOBBIO 79 vivo pela solução legislativa do problema mas também do fato de que ele se insere num dos debates em que mais intensamente se empenharam os filósofos morais contemporâneos particularmente os anglosaxônicos o debate sobre o direito à vida Para se ter uma idéia ainda que só aproximativa da amplitude e da relevância desse debate podese considerar que ele compreende além do tema do direito à vida em sentido estrito ou seja do direito de não ser morto também o direito de nascer ou de ser deixado à luz o direito de não ser deixado morrer e o direito de ser mantido em vida ou direito à sobrevivência Já que não há direito de um indivíduo sem o correspondente dever de outro e já que todo dever pressupõe uma norma imperativa o debate sobre as quatro formas em que se explicita o direito à vida remete ao debate sobre o fundamento de validade e eventualmente sobre os limites do dever de não matar de não abortar ou de não provocar o aborto de socorrer quem está em perigo de vida de oferecer os meios mínimos de sustento a quem deles é carente Traduzidos em termos normativos esses quatro deveres pressupoem quatro imperativos sendo os dois primeiros negativos ou ordem de não fazer e os dois outros positivos ou ordem de fazer Considerado do ponto de vista do direito à vida o problema da pena de morte inserese no debate geral sobre o direito à vida em sentido estrito e por conseguinte sobre o fundamento de validade e eventualmente sobre os limites da norma não matarás Para quem considera que o não mataras tem validade absoluta e que portanto no sentido kantiano é um imperativo categórico que não permite exceções o problema da pena de morte já está resolvido infligir a pena capital é algo ilícito em qualquer caso Mas existem imperativos categóricos O próprio Kant é defensor da pena de morte Então o não matarás não é um imperativo categórico Felizmente podemos prescindir de dar uma resposta à pergunta já que se o debate sobre a licitude da pena de morte na realidade não tende a se aplacar continuando a alimentar sutis cada vez mais sutis controvérsias entre os filósofos morais isso depende do fato de que nenhum dos contendores parte do pressuposto da validade absoluta do preceito não matarás nem por conseguinte da consideração do direito à vida como direito absoluto que deve valer em todos os casos sem exceção O que caracteriza os chamados direitos fundamentais entre os quais está certamente o direito à vida é o fato de serem universais ou seja de valerem para todo homem independentemente da raça da nacionalidade etc mas não necessariamente de valerem sem exceções Com isso não queremos afirmar que não existam direitos absolutos penso que na consciência contemporânea esse é o caso por exemplo do direito de não ser torturado ou de não ser escravi zado mas simplesmente que o caráter absoluto do direito à vida não é habitualmente usado e de resto seria difícil fazêlo como argumento em favor da abolição da pena de morte Então uma vez admitido que o mandamento não matarás admite exceções o ponto controverso é saber se a pena de morte pode ser consi derada como uma exceção Já que e regra geral de toda controvérsia que quem defende uma exceção ao princípio geral deve justificála cabe então aos defensores da pena de morte o ônus de aduzir argumentos tais que tornem aceitáveis a admissão restando aos que a negam a tarefa de refutálos Do ponto de vista dos procedimentos com efeito o debate sobre a pena de morte desenvolveuse em toda a sua história e ainda se desenvolve atualmente através da apresentação prioritária dos argumentos adotados para justificar esse caso de exceção a proibição de matar e da sucessiva defesa pelo menos no caso específico da validade do preceito 5 Tal como no caso da secular discussão sobre a justificação do recurso ao uso da força que se resolve na busca de uma iusta causa para um comportamento normalmente considerado injusto e do qual o exemplo historicamente mais interessante e ainda hoje rico de ensinamentos foi o da guerra justa os dois argumen tos mais comuns e também mais fáceis adotados para justificar a pena de morte são o estado de necessidade e a legítima defesa Tratase como todos sabem de dois motivos de justificação de um delito cujas conseqüências podem ser a não incriminação ou a nãopunibilidade acolhidos pelo direito penal de todos os países O que vale para o indivíduo assim se argumenta não tem por que não valer também para o Estado Aliás valeria ainda com maior razão para o Estado com base na supremacia do Estado sobre o indivíduo de onde nasceu e prosperou durante séculos a doutrina da razão de Estado fundada no princípio de que na condução do Estado são admitidas derrogações às normas gerais que valem para a conduta dos privados Naturalmente essas duas causas de justificação de um ato gravíssimo como o homicídio praticado pelo Estado podem também ser vistas do ângulo do indivíduo na medida em que este é titular do direito universal à vida derivado da obriga ção igualmente universal de não matar Se se parte do pressuposto de que o direito à vida não é um direito absoluto assim como não é absoluto o preceito de não matar disso resulta que pode ser perdido uma outra A E R A D O S D I R E I T O S 80 questão é saber se eu posso renunciar a ele e se além do direito de viver deva admitirse também o dever de viver As circunstâncias nas quais se pode perder direito à vida são sobretudo duas quando tal direito entra em conflito com um direito fundamental considerado como superior e quando o titular do direito não reco nhece e viola o igual direito dos outros ou quando se choca com um outro direito ou com o direito do outro Olhandose bem vêse que estado de necessidade e legítima defesa podem ser considerados causas de justifi cação da pena de morte também do ponto de vista do direito não absoluto do indivíduo à vida na justifica ção com base no estado de necessidade o direito à vida do indivíduo entra em conflito com o direito à segurança do Estado na justificação com base na legítima defesa o indivíduo perde o direito à vida por ter posto em risco a vida de outros dos quais se torna vingador o poder público Todavia ambos os argumentos são débeis mencioneios porque apesar de sua fragilidade são freqüentemente utilizados ainda que hoje em dia mais por parte do common sense do que da doutrina Sua fragilidade deriva do fato de que o Estado não se encontra diante do dilema de infligir a pena de morte ou de deixar sem punição um ato criminoso A pena de morte ou o assassinato legalizado é uma das possíveis penas de que o Estado dispõe Não se pode pôr em discussão o problema da licitude ou oportunidade da pena de morte sem levar em conta o fato de que não se trata do único remédio para o delito e que existem penas alternativas Tanto o estado de necessidade quanto a legítima defesa operam como causas de justificação no pressuposto de que o indivíduo em certas circunstâncias precisamente nas circunstâncias em que não pode deixar de violar a lei a necessidade não tem lei sem que sua vida fique séria e gravemente ameaçada não tem alternativas O Estado como detentor do monopólio da força e como conjunto de aparelhos que se encarregam de várias manei ras do exercício da força não se encontra habitualmente em tais situações nas quais pode encontrarse o policial enquanto indivíduo o qual como qualquer outro cidadão pode beneficiarse da exceção da legítima defesa o Estado dispõe de penas alternativas e portanto não é obrigado a matar para infligir a pena Quando se levam em conta essas sanções alternativas entre as quais existem penas severas como a prisão perpétua e não se pode deixar de leválas em conta então a disputa sobre a pena de morte deve deslocar se para um outro terreno que e o da comparação entre essa pena e outras sanções possíveis Já não se trata de discutir em torno das causas de justificação da violação do preceito não matarás isoladamente considerado e portanto em sentido absoluto mas de travar a disputa na presença de determinadas alternativas funcionais à pena de morte e portanto em relação a elas em outras palavras o problema já não é apenas o da licitude ou da oportunidade da pena de morte como homicídio com justa causa mas da licitude ou oportunidade do homi cídio legal em concorrência e portanto em comparação com outras sanções O defensor da pena de morte não se pode limitar a aduzir argumentos em favor da derrogação do preceito de não matar como o estado de necessidade e a legítima defesa derrogações que podem valer tanto com relação à ação do indivíduo quanto no caso de guerra no qual o Estado não dispõe em face dos outros Estados de sanções eficazes como a da detenção ele deve aduzir ainda argumentos para justificar o homicídio legal não obstante a possibilidade que tem o Estado de recorrer a outros meios para punir o culpado e para prevenir o delito Quando Beccaria pronunciou a primeira clamorosa condenação da pena de morte um dos argumentos apresentados o que se destinava a ter maior sucesso foi que a prisão perpétua tinha uma forma intimidatória maior do que a morte e que portanto com relação a essa outra pena a pena de morte não era nem útil nem necessária 6 Uma vez que o problema da pena de morte deixa de ser tratado no quadro do debate sobre as eventuais derrogações do preceito não matarás sendo trazido ao contrário para o campo estritamente penalístico da natureza e das funções das várias sanções mediante as quais o Estado cumpre sua função punitiva é preventiva ou seja quando a pena de morte é considerada como sanção e como uma sanção entre outras e enquanto tal como meio para punir o culpado quia peccatur e para impedir que outros cometam no futuro crimes semelhantes ne peccetur então as teorias principais que se chocam e se combatem mediante golpes de boas razões são sobretudo duas a retributiva segundo a qual a função essencial da pena é intercambiar o malum actionis com o malum passionis e a preventiva segundo a qual a função essencial da pena consiste em desencorajar as ações que o ordenamento considera como nocivas sendo portanto intimidatória e dissuasória A distinção entre as duas teorias é nítida ainda que no concreto haja quem extraia argumentos tanto de uma quanto da outra para defender a própria tese Geralmente porém há uma predominância de defensores da pena de morte entre os que sustentam a tese da pena como retribuição enquanto os defensores da abolição NORBERTO BOBBIO 81 se encontram sobretudo entre os que sustentam a tese da pena como prevenção A distinção é nítida porque a diferença entre as duas teorias se baseia numa diversa formulação geral do problema Diante do problema da pena de morte como de resto diante de qualquer outra medida que o Estado deva tomar para cumprir suas tarefas podemse propor duas diferentes questões a se é eticamente lícita b se é politicamente oportuna As duas questões devem ser bem diferenciadas já que podem levar a respostas diversas uma medida eticamen te justa pode ser politicamente inoportuna e viceversa O contraste secular entre ética e política tem sua fonte principal nessa divergência Na realidade como já se observou várias vezes o contraste entre ética e política se resolve no contraste entre duas éticas às quais Max Weber deu os nomes de ética da intenção e ética da responsabilidade ou se se prefere entre dois diferentes critérios de julgamento da bondade ou da maldade das ações humanas ou segundo a conformidade com princípios universais que são pressupostos como mandamentos para a boa ação e como proibições da má ação ou a partir do resultado obtido o qual é habitualmente julgado segundo o princípio utilitarista da máxima felicidade para o maior número disso resul ta que o contraste entre as duas éticas e também representado como contraste entre a moral deontológica e a moral utilitarista Ora o problema que o retributivista se põe é o da licitude moral da pena de morte e ao fazer assim ele se coloca do ponto de vista da ética que julga as ações com base em princípios preestabelecidos Ao contrário o problema que o preventivista que me seja permitido esse neologismo se coloca é o problema da oportunidade política da pena de morte e ao fazer isso ele se situa no ponto de vista de uma ética que julga as ações com base no resultado Quis chamar a atenção para esse contraste na colocação geral do problema porque ele pode servir para explicar as razões pelas quais nos debates sobre a pena de morte o diálogo entre retributivistas e preventivistas aparece freqüentemente como um diálogo de surdos Perguntar se o culpado de um crime grave deva ser condenado à pena de morte porque esta é justa e por um problema de ética dos princípios ou de licitude moral perguntar se a pena de morte deva ser infligida porque é mais intimidatória do que qualquer outra pena é pôr um problema de ética do resultado ou de oportunidade política A melhor prova desse contraste sobre os pressupostos é um dos argumentos fundamentais utilizado por uns e por outros não para defender a própria tese mas para refutar a do adversário Kant defensor da pena de morte por ser retributivista recusa o argumento da intimidação como imoral já que esse argumento viola a máxima que proíbe tratar a pessoa como meio O utilitarista convencido de que a pena de morte é inútil porque menos dissuasória do que outas penas recusa o argumento da retribuição por considerálo efeito de um obtuso e desumano rigorismo moral Resumindo para os que põem o problema da pena de morte como problema de justiça tratase de demons trar que a pena de morte e justa com base nos princípios da justiça retributiva que é uma subespécie da justiça geral tal como a comutativa ou aritmética independentemente de qualquer referência a motivos de utilida de social fiat iustitia pereat mundus para os que se põem o problema da pena de morte de um ponto de vista exclusivamente utilitarista a pena de morte deve ser recusada porque não serve aos fins que devem ser própri os do Estado organismo não ético ou seja os de desencorajar o delito independentemente de qualquer razão de justiça abstrata Dito de outro modo e sinteticamente para os primeiros a pena de morte poderia também ser útil mas o que importa é que seja justa para os segundos poderia também ser justa mas o que importa é que seja útil já que para esses ela não é útil deve ser recusada como um mal não necessário ao passo que para aqueles na medida em que satisfaz uma exigência de justiça deve ser aprovada por ser eticamente boa independentemente do fato de ser ou não útil 7 A diversidade dos pressupostos filosóficos é certamente uma das razões do fato de que o debate jamais se tenha esgotado completamente mas permaneça sempre vivo intenso ferrenho com as partes contrapostas jamais se dando por vencidas Mas não é a única É preciso levar em conta que um debate de filosofia moral não pertence ao campo da lógica demonstrativa mas ao da lógica argumentativa ou da retórica para usar a expressão de Perelman e que por conseguinte os argumentos pró e contra jamais são dirimentes e como tal definitivos E com efeito não há argumento adotado por uma das partes que não seja contraditado pela outra não há uma boa razão em defesa de uma das teses que não seja contraditada por uma boa razão em defesa da tese oposta Observemos a teoria retributiva cuja força consiste no apelo ao princípio da justiça retributiva ou comutativa A E R A D O S D I R E I T O S 82 segundo a qual uma das regras sobre as quais se apóia qualquer convivência humana possível é a correspon dência entre o dar ou o fazer e o receber uma aplicação do principio geral da reciprocidade tem seu ponto fraco na afirmação de que a única correspondência possível ao ato de infligir a morte é receber a morte Quando Kant afirma que quem mata deve morrer e tratase de um dever não hipotético mas categórico comenta Não há nenhum sucedâneo nenhuma comutação de pena que possa satisfazer a justiça Não há nenhuma comparação possível entre uma vida ainda que penosa e a morte e por conseguinte nenhuma outra compensação entre o delito e a punição salvo a morte Ele dá por suposto então que a morte é o pior dos males Mas se não fosse Decerto quando Kant diz que não há comparação possível entre uma vida ainda que penosa e a morte pretende refutar a tese de Beccaria e de todos os que o seguiram Mas essa é uma afirmação peremptória desprovida de qualquer comprovação A esse ponto a teoria retributiva é obrigada a descer do céu dos princípios para a terra dos dados empíricos assumindo o caminho perigoso e incerto do chamado argumento da preferência já adotado por Feuerbach e continuamente retomado posto diante da escolha entre a morte e a prisão perpetua o que o condenado escolheria É indubitável que esse argumento é um caminho obrigatório para o retributivista cuja teoria resiste ou cai conforme consiga ou não demonstrar qual é a pena justa para cada crime e para o crime mais grave que é o homicídio a pena justa deve ser a pena mais grave mas é igualmente indubitável que o argumento da preferência foi várias vezes e em minha opinião com sucesso refutado seja porque um argu mento como esse só pode ser apoiado num imenso número de respostas dos mais diferentes sujeitos o que não é fácil de conseguir nem jamais foi seriamente tentado seja porque os dois lados do dilema ou a morte imedi ata ou a morte adiada após uma detenção provavelmente longa não são emotivamente comparáveis já que o primeiro é certo e exclui qualquer esperança enquanto o segundo deixa lugar à esperança ou à ilusão de que a situação possa alterarse no longo prazo O fato de que o condenado declare preferir a detenção prolongada não é tanto uma prova do caráter mais aterrador da pena de morte mas antes a expressão do estado de espírito do sujeito do qual não se pode extrair nenhuma conclusão acerca da dúvida proposta O ponto fraco da teoria preventivista hoje dominante entre os abolicionistas já que a licitude da pena de morte foi tradicionalmente defendida pelos retributivistas consiste em jogar o jogo apostando tudo numa única carta a da intimidação O seu argumento principal é que a pena de morte não tem a força intimidatória que lhe é atribuída arbitrariamente e que portanto de um ponto de vista utilitarista desaparece sua única razão de ser A debilidade desse argumento reside no fato de que até agora não foi obtida nenhuma compro vação segura da força dissuasória das diversas penas em particular da pena de morte em relação à da prisão prolongada apesar das pesquisas de opinião e investigações empíricas realizadas nos países onde a pena de morte foi abolida ou restaurada entre o antes e o depois Também nesse campo as ciências sociais perma neceram firmemente situadas na universalidade do mais ou menos Bem entendido a culpa não é dos cien tistas sociais mas da quase infinita variedade dos entes os seres humanos que constituem o objeto de suas observações da mutabilidade das condições em que os indivíduos agem pelo que é diácil que a própria obser vação possa ser repetida ceteris paribus bem como das muitas variáveis que têm de ser levadas em consideração entre as quais no caso específico são importantíssimas a extraordinária variedade dos delitos e de suas motiva ções e a maior ou menor certeza de ser descoberto e condenado Tratase de resto do problema já posto por Beccaria é mais dissuasória a gravidade da pena ou a certeza de sua aplicação Somente se a certeza permane cer estável nos dois momentos do antes e do depois é que a comparação se torna possível O problema foi repetidamente colocado quando do debate sobre o terrorismo e sobre o seqüestro de pessoas na Itália o que contribui mais para a derrota do terrorismo e para a diminuição dos seqüestros o agravamento das penas ou uma ação mais eficaz na luta contra a delinqüência Poderosas associações criminosas como a máfia obtêm um extraordinário efeito de obediência às suas leis com a ameaça da pena de morte a única pena que conhe cem porque a probabilidade de escapar dela para os que transgridem tais leis é mínima É tão grande a dúvida sobre a força de intimidação da pena de morte em relação à pena de prisão prolon gada que alguns abolicionistas foram obrigados a recuar para o chamado argumento da aposta no sentido do pari pascaliano na dúvida tanto a manutenção quanto a abolição se baseiam numa aposta no sentido de que os defensores apostam em sua eficácia enquanto os adversários o fazem em sua ineficácia Mas há uma diferença entre a aposta de uns e de outros apostar na eficácia conduz a um resultado do qual não se pode mais recuar se a dúvida for resolvida em sentido contrario enquanto apostas na ineficácia poupando uma vida NORBERTO BOBBIO 83 permitem a mudança de rumo quando a descoberta da verdade mostrar o erro da posição assumida O argu mento da aposta é sempre um argumento interlocutório que vale enquanto permanecer a incerteza sobre a questão o que e mais dissuasório a pena de morte ou a prisão perpetua Enquanto a plausibilidade da aposta pascaliana deriva do fato de que a dúvida sobre a existência do inferno e do paraíso é insolúvel é uma dúvida radical a aposta dos abolicionistas se justifica com base numa dúvida que pode vir a ser resolvida e que uma vez resolvida em certo sentido assinalaria sua irremediável derrota Tudo isso leva a concluir que os que querem implantar a tese da abolição sobre uma sólida base não podem se limitar a recorrer ao argumento da intimidação já que se se conseguisse demonstrar de modo irrefutável e nada exclui essa possibilidade que a pena de morte tem um poder de intimidação maior do que o de outras penas pelo menos em determinadas situações e para certos crimes eles deveriam reconhecer ter perdido a sua batalha 8 A verdade é que uma tese especialmente no campo moral e político jamais é defendida com único argumento Basta pensar no que ocorre numa sessão de um tribunal ao lado do argumento principal há o argumento incidental O gênero literário no qual se inspiram ou do qual se aproximam cada vez mais os escritos de filosofia moral é do diálogo com coadjuvante expõemse as teses do adversário a cada tese se faz corresponder uma objeção prevêemse as contraobjeções às quais se responde com novas objeções e assim por diante É o caso na controvérsia sobre a pena de morte Um relatório redigido com base em dois questionários enviados pelas Nações Unidas nos anos 60 aos governos a organismos não governamentais a personagens representativos arrola quinze motivos adotados pelos Estados abolicionistas o primeiro dos quais consiste precisamente em afirmar que o valor da pena de morte como dissuasória não está provado ou é discutível depois ratificado pela consideração de que a de tenção é suficiente finalmente reforçado pela observação de que em alguns casos a própria pena de morte é criminógena Não é o caso de expor aqui todos os motivos tanto mais que alguns deles têm um caráter limitado ao país que os enunciou Mas não existe nem um contra o qual os antiabolicionistas não tenham contraposto ou não possam facilmente contrapor um motivo contrá rio Dessas contraposições limitome a tomar em consideração as duas que me parecem historicamente e ainda hoje mais importantes a primeira das quais se situa no terreno filosófico enquanto a segunda se põe num terreno mais estritamente jurídico As duas concepções mais gerais da pena sobre as quais me detive são a retributiva e a utilitarista Ambas consideram a pena do ponto de vista das tarefas e dos interesses do Estado Mas o problema da pena pode também ser considerado do ponto de vista do indivíduo que deverá sofrêla Desse ponto de vista as concep ções mais comuns são as da expiação e da emenda Segundo a primeira o fim da pena em relação não ao que fez justiça mas ao que é julgado é contribuir através do sofrimento para o resgate do mal realizado segundo a outra é ajudar o condenado a se corrigir e através da correção a restabelecerse Ora dessas duas concepções a primeira é perfeitamente compatível com a pena de morte já que se pode afirmar que o mais grave dos delitos o assassinato de um semelhante só pode ser expiado com a morte entendida a morte como purificação da culpa como cancelamento da mácula o sangue se lava com sangue ou como diz o poeta se cometi delito a expiálo venho diante de teus olhos com o meu sangue a segunda ao contrário é absolu tamente incompatível pela óbvia razão de que condição necessária para se emendar é sobreviver A corres pondência entre essas duas concepções da pena a parte subiecti por um lado e as duas a parte rei publicae por outro é evidente O argumento fundado sobre a função expiatória pode ser usado para reforçar a tese dos defensores da pena êle morte enquanto o argumento fundado na função emendadora pode ser usado para confirmar a tese dos abolicionistas Mas ambos são reciprocamente irrefutáveis já que se baseiam em pressu postos axiológicos que quando não são fundados apenas emotivamente enraízamse em complexos sistemas de crenças dificilmente comparáveis entre si No terreno jurídico o argumento mais forte dos aboli cionistas é aquele que diz que a execução da pena de morte torna irremediável o erro judiciário Não há tratado sobre a pena de morte que não cite casos exempla res da prova de inocência do suposto culpado descoberta após a morte no patíbulo nem jamais pareceu argumento aceitável o que diz que o custo social da morte de um Inocente é inferior ao beneficio que a sociedade retira da eliminação àsica de tantos terríveis criminosos aliás tratase de um argumento diante do qual a consciência humana de modo geral recua horrorizada Mesmo prescindindo da relativamente fácil A E R A D O S D I R E I T O S 84 resposta dos antiabolicio nistas segundo a qual a pena de morte deve ser infligida com as maiores cautelas e somente quando se tenha a certeza total do delito com base na sábia máxima de que é rnelhor que se salve um criminoso do que deixar morrer um inocente já que se a pena de morte é eficaz como intimidação não importa que seja pouco aplicada mas sim que exista um argumento contra a abolição não menos forte do que o do erro judiciário e oposto a ele pode ser extraído dos casos dos quais os antiabolicionistas dão numerosos exemplos de assassinos contumazes isto é de perigosos criminosos que uma vez de volta à liberdade por cessação da pena anistia ou evasão cometeram outros homicídios Não há dúvida de que o caso docontumaz levanta uma inquietante questão Se tivesse sido condenado à morte não se teria poupado a vida de um inocente Se é aceitável a máxima de que é melhor que se salve um criminoso do que deixar morrer um inocente o que dizer desta outra Não importa que um inocente morra contanto que um crimi noso se salve A questão é embaraçosa mesmo quando a vítima do contumaz não é juridicamente um ino cente como ocorre nos casos de vingança por um agravo real sofrido e portanto a vítima é juridicamente condenável Não há quem não veja quanto essa questão pode efetivamente se colocar diante da dramática freqüência com que em nossas prisões criminosos comuns ou terroristas os quais onde vigora a pena de morte teriam sido provavelmente justiçados continuam a matar Para çoncluir ao lado desse vaivém de argumentos pró e contra a disputa sobre a pena de morte conhece também argumentos reversíveis ou de dois gumes argumentos que prestam a ser utilizados por uma e por outra parte Um desses bastante curioso referese à dureza da pena de morte para os abolicionistas a pena capital deve ser abolida por razões humanitárias precisamente pela sua dureza ao contrario um filósofo como John Stuart Mill que não pode certamente ser acusado de conservador pronunciou no Parlamento inglês um discurso favorável à manutenção da pena capital nos casos mais graves afirmando que a abolição estaria destinada a produzir an enervation an effeminacy in the general mind of the country ou seja a desencorajar o desprezo pela morte com o qual uma sociedade deve contar como uma virtude social necessária Mas o exemplo mais interessante de reversibilidade referese ao diferente uso do mesmo preceito não matarás Os defensores da pena de morte recorrem freqüentemente ao argumento de que a condenação capital do homici da é um solene atestado o mais solene que se possa dar do mandamento de 11 não matarás no sentido de que a vida do outro deve ser respeitada se se quer que a própria o seja para o abolicionista ao contrário uma violação inaceitável da proibição de matar é precisamente a pena capital Esse conceito não pode ser me lhor expresso do que com as palavras que no início do seu romance quase como que para apresentar seu persona gem Dos toievski põe na boca do príncipe Mishkin Matar quem matou é um castigo incomparavelmente maior do que o próprio crime O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assassinato criminoso Por um lado a proibição de matar é adotada para justificar a pena de morte por outro para condenála 9 O debate sobre a pena de morte do qual procurei fornecer uma breve síntese destinase a prosseguir Não se deve crer que a vitória definitiva digo definitiva de quem se opõe a ela esteja próxima Uma das poucas lições certas e constantes que podemos retirar da história é que a violência chama a vio lência não só de fato mas também o que é ainda mais grave com todo o seu séquito de justificações éticas jurídicas sociológicas que a precedem ou a acompanham Não há violência ainda que a mais terrível que não tenha sido justificada como resposta como única resposta possível à violência alheia a violência do rebelde como resposta à violência do Estado a do Estado como resposta à do rebelde numa cadeia sem fim como é sem fim a cadeia das vinganças familiares e privadas No decurso desta comunicação referime essencialmente a violência do delinqüente comum Mas não se deve esquecer que no teatro da história o Papel maior é ocupado pela vio lência política ao qual pertence aquele fenômeno de violência coletiva a guerra diante da qual falar de abolicionismo 11 como legitima mente se pode fazer a propósito da pena de morte pode parecer uma imperdoável ingenuidade Não se pode prescindir da violência política porque dela retiram alimento e continuam a renascer a exigência da pena de morte e o exer cício de fato da violência homicida também pelo Estado ainda que geralmente sob todas aquelas formas extrajudiciais a que me referi no início Somente durante o crescimento do Estado liberal e de direito no século passado é que se manifestou a tendência a considerar a motivação política do ato violento contra as instituições de um Estado particularmente de um Estado despótico e enquanto tal nem liberal nem NORBERTO BOBBIO 85 de direito com indulgência ao contrário durante séculos o delito político sob a espécie de delito de lesa majestade foi julgado com a maior severidade Hoje diante da explosão do terrorismo político vaise manifestando uma tendência contrária também nos Estados liberais de direito cuja expressão mais evidente é a emanação de leis excepcionais Não há por que ter excessivas ilusões Mas tampouco se deve negligenciar o caminho Já percorrido um enorme caminho do qual nem sempre estamos plenamente conscientes Desde as origens das sociedades humanas até um tempo tão próximo de nós que podemos chamálo de ontem a marca do poder foi o direito de vida ou de morte Elias Canetti nas páginas em que expõe suas agudíssimas reflexões sobre a sobrevivência como manifestação de potência minha sobrevivência depende da tua morte mors tua vita mea comenta Ninguém pode aproximarse do poderoso quem lhe leva uma mensagem é revistado para que não porte armas A morte é sistematicamente mantida longe do poderoso ele pode e deve infligila Pode infligila tão freqüentemente quanto o quiser A condenação capital que ele pronuncia é sempre executada É a marca do seu poder o qual só permanece absoluto enquanto seu direito de infligir a morte continua incontestado É na última página A morte como ameaça é a moeda do poder Os exemplos que Canetti oferece em abundân cia da extensão e da freqüência do exercício desse poder nas mais diversas regiões e em todos os tempos são aterrorizantes Sobre um rei africano Deviase obedecer incondicionalmente a todas as suas ordens Qual quer inobservância era punida com a morte A ordem manifestase assim em sua forma mais pura e antiga como a sentença de morte do leão contra todos os animais mais fracos que estão incessantemente sob sua ameaça Da constatação de que violência chama violência numa cadeia sem fim retiro o argumento mais forte contra a pena de morte talvez o único pelo qual valha a pena lutar a salvação da humanidade hoje mais do que nunca depende da interrupção dessa cadeia Se ela não se romper poderia não estar longe o dia de uma catástrofe sem precedentes alguém fala não sem fundamento de uma catástrofe final E então é preciso começar A abolição da pena de morte é apenas um pequeno começo Mas é grande o abalo que ela produz na prática e na própria concepção do poder de Estado figurado tradicionalmente como o poder irresistível A E R A D O S D I R E I T O S 86 AS RAZÕES DA TOLERÂNCIA 1 Inicio com uma consideração sobre o próprio conceito de tolerância e sobre o diferente uso que dele se pode fazer em diferentes contextos Essa premissa é necessária porque a tolerância cujas razões pretendo analisar corresponde a apenas um dos seus significados ainda que seja o historicamente predominante Quan do se fala de tolerância nesse seu significado histórico predominante o que se tem em mente é o problema da convivência de crenças primeiro religiosas depois também políticas diversas Hoje o conceito de tolerância é generalizado para o problema da convivência das minorias étnicas lingüísticas raciais para os que são chamados geralmente de diferentes como por exemplo os homossexuais os loucos ou os deficientes Os problemas a que se referem esses dois modos de entender de praticar e de justificar a tolerância não são os mesmos Uma coisa é o problema da tolerância de crenças e opiniões diversas que implica um discurso sobre a verdade e a compatibilidade teórica ou prática de verdades até mesmo contrapostas outra é o problema da tolerância em face de quem é diverso por motivos fisicos ou sociais um problema que põe em primeiro plano o tema do preconceito e da conseqüente discriminação As razões que se podem aduzir e que foram efetiva mente aduzidas nos séculos em que fervia o debate religioso em defesa da tolerância no primeiro sentido não sãoas mesmas que se aduzem para defender a tolerância no segundo Do mesmo modo são diferentes as razões das duas formas de intolerância A primeira deriva da convicção de pos suir a verdade a segunda deriva de um preconceito entendido como uma opinião ou conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico pas sivo pela tradição pelo costume ou por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão De certo também a convicção de possuir a verdade pode ser falsa e assumir a forma de um preconceito Mas é um preconceito que se combate de modo inteiramente diverso não se podem pôr no mesmo plano os argumentos utilizados para convencer o fiel de uma Igreja ou o seguidor de um partido a admitir a presença de outras confissões e de outros partidos por um lado e por outro os argumentos que se devem aduzir para convencer um branco a conviver pacificamente com um negro um turinês com um sulista a não discriminar social e legalmente um homossexual etc A questão fundamental que foi posta sempre pelos defensores da tolerância religiosa ou política é deste teor como são compatíveis teórica e praticamente duas verdades opostas A questão que deve pôr a si mesmo o defensor da tolerância em face dos diferentes é outra como é possível demonstrar que o malestar diante de uma minoria ou diante do irregular do anormal mais precisamente do diferente deriva de preconceitos inveterados de formas irracionais puramente emotivas de julgar os ho mens e os eventos A melhor prova dessa diferença está no fato de que no segundo caso a expressão habitual com que se designa o que deve ser combatido mesmo nos documentos oficiais internacionais não é a intole rância mas a discriminação seja esta racial sexual étnica etc O motivo pelo qual me ocupo das razões da tolerância no primeiro sentido é que o problema histórico da tolerância tal como foi posto na Europa durante o período das guerras de religião e sucessivamente pelos movimentos de heréticos e depois pelos filósofos como Locke e Voltaire o problema tra tado nas histórias da tolerância como a mais famosa a de Joseph Lecler em dois volumes 1954 é o problema relativo exclusiva mente à possibilidade de convivência de confissões religiosas diversas problema nascido na epoca em que ocorre a ruptura do universo religioso cristão 2 Da acusação que o tolerante faz ao intolerante isto é de ser um fanático o intolerante se defende acusandoo de por sua vez ser um cético ou pelo menos um indiferente alguém que não tem convicções fortes e que considera não existir nenhuma verdade pela qual valha a pena lutar É bem conhecida a contro vérsia que se acendeu no principio do século entre Luigi Luzzatti autor de um livro em que exaltava a tolerân cia La libertà di coscienza e di scienza 1909 como princípio inspirador do Estado liberal Por um lado e por outro Benedetto Croce o qual depois de ter afirmado que a tolerância é fórmula prática e contingente e não principio universal não podendo ser empregada como critério para julgar a história a qual no caso tem critérios que lhe são intrínsecos replicou que entre os tolerantes nem sempre estiveram os espíritos mais nobres e heróicos Com freqüência estiveram entre eles os retóricos e os indiferentes Os espíritos vigorosos NORBERTO BOBBIO 87 matavam e morriam E concluía Assim é a história e ninguém pode mudála A acusação de Croce é muito precisa os tolerantes podem ser além de retóricos mas aqui a expressão é genérica e prova velmente dirigida contra o seu adversário do momento também indiferentes A quem lhe fez notar que dizendo isso demonstrava ser intolerante Croce respondeu seraficamente que ele era tão pouco intolerante que no âmbito da história era tolerante até mesmo com os intolerantes Em suma para o intolerante ou para quem se coloca acima da antítese tolerânciaintolerância julgandoa historicamente e não de modo práticopolítico o tolerante seria freqüentemente tolerante não por boas ra zões mas por más razões Não seria tolerante porque estivesse seriamente empenhado em defender o direito de cada um a professar a própria verdade no caso em que tenha uma mias porque não dá a menor importância à verdade Mas ao lado das más razões existem também boas razões Expondoas gostaria de evitar a tentação de inverter a acusação e afirmar que não se pode ser intolerante sem ser fanáticoConsidero que a antítese indíferençafanatísmo não remete exatamente à antítese tolerânciaintolerância que é essencialmente práti ca 3 Começo pela razão mais vil meramente prática ou de prudência política e que não obstante foi a que terminou por fazer admitir no terreno da prática política o respeito pelas diversas crenças religiosas inclusive por parte dos que em principio deveriam ser intolerantes porque convencidos de possuir a verdade e por considerarem errados todos os que pensam diferentemente a tolerância como mal menor ou como mal necessário Entendida desse modo a tolerância não implica a renúncia à própria convicção firme mas implica pura e simplesmente a opinião a ser eventualmente revista em cada oportunidade concreta de acordo com as circunstâncias e as situações de que a verdade tem tudo a ganhar quando suporta o erro alheio já que a perseguição como a experiência histórica o demonstrou com freqüência em vez de esmagálo reforçao A intolerância não obtém os resultados a que se propõe Mesmo nesse nível elementar captase a diferença entre o tolerante e o cético o cético é aquele para quem não importa que a fé triunfe o tolerante por razões práticas dá muita importância ao triunfo de uma verdade a sua mas considera que através da tolerância o seu fim que é combater o erro ou impedir que ele cause danos é melhor alcançado do que mediante a intolerância Essa razão na medida em que é essencial prática assume diversos aspectos conforme a diferente natureza das correlações de forças entre mim ou minha doutrina ou minha escola detentora da verdade e os outros imersos no erro Se sou o mais forte aceitar o erro alheio pode ser um ato de astúcia a perseguição causa escândalo o escândalo faz crescer a mancha a qual ao contrário deve ser mantida o mais possível oculta O erro poderia propagarse mais na perseguição do que numa benévola indulgente e permissiva tolerância per missiva mas sempre atenta Se sou o mais fraco suportar o erro alheio é um estado de necessidade se me rebelasse seria esmagado e perderia qualquer esperança de que minha pequena semente pudesse germinar no futuro Se somos iguais entra em jogo o princípio da reciprocidade sobre o qual se fundam todas as transações todos os compromissos todos os acordos que estão na base de qualquer convivência pacífica toda convivên cia se baseia ou sobre o compromisso ou sobre a imposição a tolerância nesse caso é o efeito de uma troca de um modus vivendi de um do ut Ães sob a égide do se tu me toleras eu te tolero É bastante evidente que se me atribuo o direito de perseguir os outros atribuo a eles o direito de me perseguirem Hoje é você amanhã sou eu Em todos esses casos a tolerância é evidentemente conscientemente utilitaristicamente o resultado de um cálculo e como tal nada tem a ver com o problema da verdade 4 Subindo um pouco mais na escala das boas razões passamos da razão da mera prudência política para a escolha de um autêntico método universal ou que deveria valer universalmente de convivência civil a tolerância pode significar a escolha do método da persuasão em vez do método da força ou da coerção Por trás da tolerância entendida desse modo não há mais apenas o ato de suportar passiva e resignadamente o erro mas já há uma atitude ativa de confiança na razão ou na razoabilidade do outro uma concepção do homem como capaz de seguir não só os próprios interesses mas também de considerar seu próprio interesse à luz do interesse dos outros bem como a recusa consciente da violência como único meio para obter o triunfo das próprias idéias Enquanto a tolerância como mero ato de suportar o mal e o erro é doutrina teológica a tolerância como A E R A D O S D I R E I T O S 88 algo que implica o método da persuasão foi um dos grandes temas dos sábios mais iluminados que contribuí ram para fazer triunfar na Europa o princípio de tolerância ao término das sangrentas guerras de religião Na ilha da Utopia praticase a tolerância religiosa e Utopo explica as suas razões do seguinte modo Seria temerário e tolo Insolens et ineptum pretender através de violências e ameaças que aquilo que tu crês verdadeiro apareça como tal para todos Além do mais sobretudo se só uma religião fosse verdadeira e todas as outras falsas Utopo prevê que no futuro contanto que se proceda de modo racional1 e moderado a verda de virá finalmente à luz impondose por seus próprios méritos Se ao contrário as contendas se dessem entre armas e brigas dado que precisamente os piores são os mais obstinados a melhor e mais santa das religiões estaria destinada a ser esmagada na luta em meio às mais vãs superstições como trigo em meio ao joio O maior teórico da tolerância John Locke escreveu Seria de desejar que um dia se permitisse a verdade defenderse por si só Muito pouca ajuda lhe conferiu o poder dos grandes que nem sempre a conhecem e nem sempre lhe são favoráveis A verdade não precisa da violência para ser ouvida pelo espirito dos homens e não se pode ensinála pela boca da lei São os erros que reinam graças à ajuda externa tomada emprestada de outros meios Mas a verdade se não é captada pelo intelecto com sua luz não poderá triunfar com a força externa Quis citar extensamente essas duas passagens embora se jam bastante conhecidas porque a idéia nelas expressa generalizada da esfera religiosa à esfera política representa um dos motivos inspirados do governo democrático e um dos traços diferenciadores do regime democrático em relação a qualquer forma de despotis mo Uma das definições possíveis de democracia e a que poe em particular evidência a substituição das técni cas da força pelas técnicas da persuasão como meio de resolver conflitos Não é aqui o local para nos estender mos sobre as características do discurso persuasivo ou sobre a nouvelle rhéthorique Mas sabese bem quan to a escola da nova retórica contribuiu para ilustrar a relação entre argumentação retórica no discurso e método democrático na prática 5 Podemos agora dar outro passo à frente Para além das razões de método podese aduzir em favor da tolerância uma razão moral o respeito à pessoa alheia Também nesse caso a tolerância não se baseia na renúncia à Própria verdade ou na indiferença frente a qualquer forma de verdade Creio firmemente em minha verdade mas penso que devo obedecer a um princípio moral absoluto o respeito à pessoa alheia Aparentemente tratase de um caso de conflito entre razão teórica e razão prática entre aquilo em que devo crer e aquilo que devo fazer Na realidade tratase de um conflito entre dois princípios morais a moral da coerência que me induzi a pôr minha verdade acima de tudo e a moral do respeito ou da benevolência em face do outro Assim como o método da persuasão é estreitamente ligado à forma de governo democrático também o reconhecimento do direito de todo homem a crer de acordo com sua consciência é estreitamente ligado à afirmação dos direitos de liberdade antes de mais nada ao direito à liberdade religiosa e depois à liberdade de opinião aos chamados direitos naturais ou invioláveis que servem como fundamento ao Estado liberal De resto ainda que nem sempre historicamente pelo menos na teoria o Estado liberal e o Estado democrático são interdependentes já que o segundo é o prolongamento necessário do primeiro nos casos em que lograram se impor eles ou se mantêm juntos ou caem juntos Se o outro deve chegar à verdade deve fazêlo por convicção íntima e não por imposição Desse ponto de vista a tolerância não e apenas um mal menor não é apenas a adoção de um método de convivência preferí vel a outro mas é a única resposta possível à imperiosa afirmação de que a liberdade in terior é um bem demasiadamente elevado para que não seja reconhecido ou melhor exigido A tolerância aqui não é de sejada porque socialmente útil ou politicamente eficaz mas sim por ser um dever ético Também nesse caso o tolerante não é cético porque crê em sua verdade Tampouco é indiferente porque inspira sua própria ação num dever absoluto como é o caso do dever de respeitar a liberdade do outro 6 Ao lado dessas três doutrinas que consideram a tole rância do ponto de vista da razão prática há outras que a consideram do ponto de vista teórico ou do ponto de vista da própria natureza da verdade São as NORBERTO BOBBIO 89 doutrinas segundo as quais a verdade só pode ser alcançada através do confronto ou mesmo da síntese de verdades parciais Segundo tais doutrinas a verdade não é una A verdade tem muitas faces Vivemos não num universo mas num multiverso Num multiverso a tolerância não e apenas um método de convivência não é apenas um dever moral mas uma necessidade inerente à própria natureza da verdade São pelo menos três as posições filosóficas representativas dessa exigência o sincretismo de que foi expres são na época das grandes controvérsias teológicas o humanismo cristão e hoje numa época de grandes conflitos ideológicos as várias tentativas de conjugar cristianismo e marxismo o ecletismo ou filosofia do justo meio que teve o seu breve momento de celebridade como filosofia da restauração e portanto também numa perspectiva irênica após período de choque violento entre revolução e reação revivendo hoje nas várias propostas de terceira via entre liberalismo e socialismo entre mundo ocidental e mundo oriental entre capitalismo e coletivismo e o historicismo relativista segundo o qual para retomar a famosa afirmação de Max Weber numa era de politeísmo de valores o único templo aberto deveria ser o Panteão um templo no qual cada um pode adorar seu próprio deus 7 As boas razões da tolerância não nos devem fazer esquecer que também a intolerância pode ter suas boas razões Todos nós já nos vimos cotidianamente explodir em exclamações do tipo é intolerável que como podemos tolerar que tudo bem quanto à tolerância mas ela tem limites etc Nesse ponto cabe esclarecer que o próprio termo tolerância tem dois significados um positivo e outro negativo e que portanto também tem dois significados respectivamente negativo e positivo o termo oposto Em sentido positivo tolerância se opõe a intolerância em sentido negativo e vice versa ao sentido negativo de tolerância se contrapõe o sentido positivo de intolerância Intolerância em sentido positivo é sinônimo de severidade rigor firmeza qualidades todas que se incluem no âmbito das virtudes tolerância em sentido ne gativo ao contrário é sinônimo de indulgência culposa de condescendência com o mal com o erro por falta de princípios por amor da vida tranqüila ou por cegueira diante dos valores É evidente que quando fazemos o elogio da tolerância reconhecendo nela um dos princípios fundamentais da vida livre e pacífica pretende mos falar da tolerância em sentido positivo Mas não devemos jamais esquecer que os defensores da intolerân cia se valem do sentido negativo para denegrila se Deus não existe então tudo é permitido De resto foi precisamente essa a razão pela qual Locke não admitia que se tolerassem os ateus os quais segundo uma doutrina comum naquela época não tinham nenhuma razão para cumprir uma promessa ou observar um juramento e portanto seriam sempre cidadãos em que não se podia confiar Textualmente Para um ateu nem a palavra dada nem os pactos nem os juramentos que são os liames da sociedade humana podem ser estáveis ou sagrados eliminado Deus ainda que só no pensamento todas essas coisas caem por terra Tolerância em sentido positivo se opõe a intolerância re ligiosa política racial ou seja à indevida exclu são do diferente Tolerância em sentido negativo se opõe a firmeza nos princípios ou seja à justa ou devida exclusão de tudo o que pode causar dano ao indivíduo ou à sociedade Se as sociedades despóticas de todos os tempos e de nosso tempo sofrem de falta de tolerância em sentido positivo as nossas sociedades democráticas e permissivas sofrem de excesso de tolerância em sentido negativo de tolerância no sentido de deixar as coisas como estão de não interferir de não se escandalizar nem se indignar com mais nada Nestes dias recebi um questionário onde se pede apoio à exigência do direito à pornografia Mas nem mesmo a tolerância positiva é absoluta A tolerância absoluta e uma pura abstração A tolerância histórica real concreta é sempre relativa Com isso não quero dizer que a diferença entre tolerância e into lerância esteja destinada a desaparecer Mas é um fato que entre conceitos extremos um dos quais é o contrá rio do outro existe um contínuo uma zona cinzenta o nem isto nem aquilo cuja maior ou menor amplitu de é variável e é sobre essa variável que se pode avaliar qual sociedade é mais ou menos tolerante mais ou menos intolerante 8 Não é fácil estabelecer os limites desse contínuo para além dos quais uma sociedade tolerante se transfor ma numa sociedade intolerante Excluo a solução proposta por Marcuse em seu conhecido ensaio sobre a tolerância repressiva que con sidera repressiva a tolerância tal como exercida nos Estados Unidos onde as idéias da esquerda radical não são admitidas enquanto são admitidas e favorecidas as da direita reacionária A expressão tolerância repressiva é uma autêntica contradição em termos A tolerância positiva consiste na A E R A D O S D I R E I T O S 90 remoção de formas tradicionais de repressão a tolerância negativa chega mesmo à exaltação de uma sociedade antirepressiva maximamente permissiva Marcuse pode permitirse essa expressão contraditória porque dis tingue as idéias em boas as progressistas e más as reacionárias afirmando que boa tolerância é a que tolera apenas as idéias boas Assim em vez de distinguir entre tolerância e intolerância distingue a tolerância em face de certas idéias da tolerância em face de outras chamando urna de boa e outra de má Partindo dessa distinção afirma que uma sociedade tolerante na qual a tolerância readquira o sentido originário de uma prática liberadora e não repressiva como ocorre na sociedade burguesa quando de seu surgimento de veria inverter completamente a rota tolerar apenas as idéias progressistas e rechaçar as reacionárias A negação da tolerância em face de movimentos reacionários antes que possam tornarse ativos a intolerância até em face do pensamento das opiniões das palavras e finalmente a intolerância na direção oposta ou seja em face dos conservadores que se pro clamam tais em face da direita política Essas idéias podem ser antidernocráticas mas correspondem ao desenvolvimento atual da sociedade democrática que destruiu as bases para a tolerância universal Uma posição desse tipo é inaceitável Quem distingue entre as boas e as más idéias A tolerância só é tal se forem toleradas também as más idéias Contrapor uma tolerância repressiva que é recusada a uma tolerância emancipadora que é exaltada quer dizer passar de uma forma de intolerância para outra 9 Não é que a tolerância seja ou deva ser ilimitada Nenhuma forma de tolerância é tão ampla que compre enda todas as idéias possíveis A tolerância e sempre tolerância em face de alguma coisa e exclusão de outra coisa O que não convence na teoria marcusiaria é o critério de exclusão já que se trata sob certo aspecto de um critério excessivamente vago e sob outro excessivamente restritivo Vago porque a avaliação do que é progressista e do que é reacionário é relativa a si tuações históricas mutáveis restritivo porque se a tolerância é dirigida somente para o reconhecimento de certas doutrinas e não de outras sua função é completamente desnaturada O núcleo da idéia de tolerância é o reconhecimento do igual direito a conviver que é reconhe cido a doutrinas opostas bem como o reconhecimento por parte de quem se considera de positário da verda de do direito ao erro pelo menos do direito ao erro de boafé A exigência da tolerância nasce no momento em que se toma consciência da irredutibilidade das opiniões e da necessidade de encontrar um modus vívendi uma regra puramente formal uma regra do jogo que permita que todas as opinioes se expressem Ou a tolerância ou a perseguição tertium non datur Se a tolerância que Marcuse condena e chama de repressiva é persecutória não se vê por que não seja persecutória pelas mesmas razões a tolerância que ele aprova Seria o mesmo que dizer que a tolerância nascida num certo contexto histórico deveria ser agora considerada como uma idéia que já cumpriu seu destino e que numa situação de conflito antagônico entre concepções do mundo opostas irredutíveis incompatíveis ela perdeu toda a razão de ser 10 Uma coisa é afirmar que a tolerância jamais é ilimi tada somente a tolerância negativa é ilimitada mas por isso mesmo termina por desacreditar a própria idéia de tolerância outra é considerar que se ela deve ter limites os critérios para fixálos não devem ser os propostos por Marcuse O único critério razoável é o que deriva da idéia mesma de tolerância e pode ser formulado assim a tolerância deve ser estendida a todos salvo àqueles que negam o princípio de tolerância ou mais brevemente todos devem ser tolerados salvo os intolerantes Essa era a razão pela qual Locke considerava que o princípio da tolerância não deveria ser estendido aos católicos sendo também a que justifica hoje na esfera dapolítica a negação do direito de cidadania aos comunistas e aos fascistas Tratase de resto do mesmo princípio pelo qual se afirma que a regra da maioria não vale para as minorias opressoras ou seja para aqueles que se se tornassem maioria suprimiriam o principio da maioria Naturalmente também esse critério de distinção que abstratamente parece claríssimo não é de fácil realização na prática como parece à primeira vista e não pode ser aceito sem reservas A razão pela qual não é tão claro como parece quando enunciado reside no fato de que há várias gradações de intolerância e são vários os âmbitos onde a intolerância pode manifestarse Não pode ser aceito sem reservas por uma razão de modo algum negligenciável quem crê na bondade da to lerância o faz não apenas NORBERTO BOBBIO 91 porque constata a irredutibilidade das crenças e opiniões com a conseqüente necessidade de não empobre cer mediante proibições a variedade de mani festações do pensamento humano mas também porque crê na sua fecundidade e considera que o único modo de fazer com que o intolerante aceite a tolerância não e a perseguição mas o reconhecimento de seu direito de expressarse Responder ao intolerante com a intolerân cia pode ser formalmente irreprochável mas é certamente algo eticamente pobre e talvez também politica mente inoportuno Não estamos afirmando que o intolerante acolhido no recinto da liberdade compreenda necessariamente o valor ético do respeito às idéias alheias Mas é certo que o intolerante perseguido e excluído jamais se tornará um liberal Pode valer a pena pôr em risco a liberdade fazendo com que ela beneficie também o seu ini migo se a única alternativa possível for restringila até o ponto de fazêla sufocar ou pelo menos de não lhe permitir dar todos os seus frutos É melhor uma liberdade sempre em pe rigo mas expansiva do que uma liberdade protegida mas incapaz de se desenvolver Somente uma liberdade em perigo é capaz de se renovar Uma liberdade incapaz de se renovar transformase mais cedo ou mais tarde numa nova escravidão A escolha entre as duas atitudes é uma escolha última e como toda escolha última não é facilmente defensável com argumentos racionais De resto há situações históricas que podem favorecer ora uma das opções ora outra Ninguém pensaria hoje em renovar a proibição dos católicos como queria Locke porque as guerras religiosas terminaram pelo menos na Europa e não é previsível o seu retorno Ao contrário em muitos países europeus há uma proibição do partido comunista porque a divisão entre países democráticos e países submetidos a regimes de ditadura guiados pelo movimento comunista internacional ainda está presente e operante no mundo e na sociedade euro péia dividida entre um Ocidente capitalista e democrático e um Oriente socialista e não democrático Devemos nos contentar em dizer que a escolha de uma ou de outra solução permite distinguir entre uma concepção restritiva da tolerância que é própria do liberalismo conservador e uma concepção extensiva que é própria do liberalismo radical ou progressista ou que outro nome se lhe queira dar Aduzo dois exemplos iluminadores O conservador Gaetano Mosca rechaçava como ingênua e infundada a doutrina segundo a qual a violência nada poderia contra a verdade e a liberdade observando que a história infelizmente dera mais razão aos intolerantes do que aos tolerantes rechaçava também a afirmação de que a verdade termina sempre por triunfar contra a perseguição e de que a liberdade é fim em si mesma como a lança de Aquiles que curava as feridas que ela mesma produzia Dizia que essa doutrina dos liberais avançados faria os pósteros rirem às nossas costas Luigi Einaudi ao contrário numa famosa passagem que já citei em outros lugares escrita em 1945 no momento em que nosso país se preparava para restaurar as instituições da liberda de afirmou Os que crêem na idéia da liberdade afirmam que um partido tem direito de participar plena mente na vida política mesmo quando for declaradamente liberticida Para sobreviverem os homens livres não devem renegar suas próprias razões de vida renegar a própria liberdade de que se professam defensores Como sempre a lição da história é ambígua e por isso é difícil aceitar a tese de que a história é mestra da vida Na história de nosso país se pensarmos no advento do fascismo ficamos tentados a dar razão a Mosca se pensarmos ao contráriono processo de gradual democratização do partido comunista e no fascismo residu al permanentemente minoritário ficamos tentados a dar razão a Einaudi 11 Onde a história destes últimos séculos não parece ambígua é quando mostra a interdependência entre a teoria e a prática da tolerância por um lado e o espírito laico por outro entendido este como a formação daquela mentalidade que confia a sorte do regnum homínis mais as razões da razão que une todos os homens do que aos impulsos da fé Esse espírito deu origem por um lado aos Estados não confessionais ou neutros em matéria religiosa e ao mesmo tempo liberais ou neutros em matéria política e por outro à chamada socieda de aberta na qual a superação dos contrates de fé de crenças de doutrinas de opiniões devese ao império da áurea regra segundo a qual minha liberdade se estende até o ponto em que não invada a liberdade dos outros ou para usar as palavras de Kant a liberdade do arbítrio de um pode subsistir com a liberdade de todos os outros segundo uma lei universal que é a lei da razão A E R A D O S D I R E I T O S 92 QUARTA PARTE OS DIREITOS DO HOMEM HOJE E M UM DOS MEUS ESCRITOS SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM eu havia exumado a idéia da história profética de Kant para indicar com relação à importância que os direitos do homem assumiram no debate atual um sinal dos tempos1 Ao contrário da história dos historiadores que através de depoimentos e conjecturas tenta conhecer o passado e através de hipóteses no formato se então faz cautelosas previsões sobre o futuro quase sempre erradas a história profética não prevê mais prenuncia o futuro extraindo dos acontecimentos do tempo o evento singular único extraordinário que é interpretado como um sinal particularmente demonstra tivo de uma tendência da humanidade para um fim seja ele desejado ou combatido Eu dizia portanto que o debate atual cada vez mais difuso sobre os direitos do homem a ponto de ser colocado na ordem do dia das mais respeitadas assembléias internacionais podia ser interpretado como um sinal premonitório talvez único de uma tendência da humanidade para retomar a expressão kantiana para melhor Quando escrevi essas palavras não conhecia o texto do primeiro documento da Pontifícia Comissão Justitia et Pax com o título A Igreja e os Direitos do Homem que começa assim O dinamismo da fé impele continu amente o povo de Deus à leitura atenta e eficaz dos sinais dos tempos Na era contemporânea entre os vários sinais dos tempos não pode passar para o segundo plano a crescente atenção que em todas as partes do mundo se dá aos direitos do homem seja devido à consciência cada vez mais sensível e profunda que se forma nos indivíduos e na comunidade em torno a tais direitos ou à contínua e dolorosa multiplicação das violações desses direitos2 O sinal dos tempos não é o espírito do tempo de Hegel que se entrelaça de várias maneiras com o espírito do povo convergindo tanto um quanto o outro para formar o espírito do mundo O espírito do tempo serve para interpretar o presente O sinal dos tempos serve por sua vez para um olhar temerário indiscreto incerto mas confiante para o futuro Os sinais dos tempos não são apenas faustos Há também muitos infaustos Aliás nunca se multiplicaram tanto os profetas de desventuras como hoje em dia a morte atômica a segunda morte como foi chamada a destruição progressiva e irrefreável das próprias condições de vida nesta terra o niilismo moral ou a inversão de todos os valores O século que agora chega ao fim já começou com a idéia do declínio da decadência ou para usar uma metáfora célebre do crepúsculo Mas sempre se vai difundindo sobretudo por sugestão de teorias físicas apenas ouvidas o uso de uma palavra muito forte catástrofe Catástrofe atômica catástrofe econômica catástrofe moral Havíamos nos contentado até ontem com a metáfora kantiana do homem como madeira torta Em um dos ensaios mais fascinantes do rigorosíssimo crítico da razão Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita Kant perguntou a si mesmo como de uma madeira torta como a que constitui o homem podia sair algo inteiramente reto Mas o próprio Kant acreditava na lenta aproxima ção do ideal da retificação através de conceitos justos grande experiência e sobretudo boa vontade3 Da divisão da sociedade razão pela qual a humanidade continua a ir em direção ao pior e que ele chamava de terrorista Kant dizia que recair no pior não pode ser um estado constantemente duradouro na espécie huma na porque em um determinado grau de regressão ela destruiria a si mesma4 Mas é exatamente a imagem dessa corrida para a autodestruição que aflora nas visões catastróficas de hoje Segundo um dos mais impávidos e melancólicos defensores da concepção terrorista da história o homem é um animal errado5 não culpado atenção porque essa é uma velha história que conhecemos bem culpado porém redimível e talvez sem que 1 No discurso Kant e a Revolução Francesa que pronunciei por ocasião da laurea ad honorem que me foi conferida pela Universidade de Bolonha agora neste mesmo volume 2 A Igreja e os direitos do homem Documento de trabalho n 1 Cidade do Vaticano Roma 1975 p 1 A frase citada encontrase no início da Apresentação assinada pelo cardeal Maurice Roy presidente da Pontifícia Comissão Justitia et Pax 3 Que cito de E Kant Scritti politici e di filosofia della storia del diritto Utet Turim 1956 p 130 4 I Kant Se il genere umano sai in costante progressi verso il meglio in Scritti politici cit p 215 5 Refirome ao moralisra de origem romena mas de língua francesa do qual foram traduzidas pela editora Adelphi de Milão Squartamento e La tentazione di esistere muitas vezes reeditados E M Cioran NORBERTO BOBBIO 93 ele mesmo saiba já redimido mas errado É possível retificar uma madeira torta Porém parece que o erro do qual fala esse amaríssimo intérprete do nosso tempo é incorrigível Todavia jamais se propagou tão rapidamente quanto hoje em dia no mundo sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial que foi essa sim uma catástrofe a idéia que eu não sei dizer se é ambiciosa ou sublime ou apenas consoladora ou ingenuamente confiante dos direitos do homem que por si só nos convida a apagar a imagem da madeira torta ou do animal errado e a representar esse ser contraditório e ambíguo que é o homem não mais apenas do ponto de vista da sua miséria mas também do ponto de vista da sua grandeza em potencial A princípio a enorme importância do temo dos direitos do homem depende do fato de ele estar extrema mente ligado aos dois problemas fundamentais do nosso tempo a democracia e a paz O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são a base das constituições democráticas e ao mesmo tempo a paz é o pressuposto necessário para a proteção efetiva dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internaci onal Vale sempre o velho ditado e recentemente tivemos uma nova experiência que diz inter arma silent leges Hoje estamos cada vez mais convencidos de que o ideal da paz perpétua só pode ser perseguido através de uma democratização progressiva do sistema internacional e que essa democratização não pode estar separa da da gradual e cada vez mais efetiva proteção dos direitos do homem democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos confli tos que surgem entre os indivíduos entre grupos e entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticas que são os Estados apesar de serem democráticas com os próprios cidadãos Não será inútil lembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem começa afirmando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade da justiça e da paz no mundo e que a essas palavras se associa diretamente a Carta da ONU na qual à declaração de que é necessário salvar as gerações futuras do flagelo da guerra seguese logo depois a reafirmação da fé nos direitos fundamentais do homem Leio em uma obra recente Etica y derechos humanos Não há dúvidas de que os direitos do homem são umas das maiores invenções da nossa civilização6 Se a palavra invenção pode parecer forte demais diga mos inovação e entendamos inovação no sentido em que Hegel dizia que o ditado bíblico nada de novo sob o sol não vale para o sol do Espírito pois o seu curso nunca é uma repetição de si mesmo mas é a mutável manifestação que o Espírito dá de si mesmo em formas sempre diferentes é essencialmente progresso7 É verdade que a idéia da universalidade da natureza humana é antiga apesar de ter surgido na história do Ocidente com o cristianismo Mas a transformação dessa idéia filosófica da universalidade da natureza huma na em instituição política e nesse sentido podemos falar em invenção ou seja em um modo diferente e de certa maneira revolucionário de regular as relações entre governantes e governados acontece somente na Idade Moderna através do jusnaturalismo e encontra sua primeira expressão politicamente relevante nas declarações de direitos do fim do século XVIII Chamemna de invenção ou de inovação mas quando lemos não mais em um texto filosófico como o segundo ensaio sobre o governo civil de Locke mas em um docu mento político como a Declaração dos Direitos da Virgínia 1778 Todos os homens são por natureza igual mente livres e possuem alguns direitos inatos dos quais ao entrar em estado de sociedade não podem por nenhuma convenção privar ou despojar a sua posterioridade temos de admitir que nasceu naquele momen to uma nova e quero dizer aqui literalmente sem precedentes forma de regime político que não é mais apenas o governo das leis contraposto ao dos homens já louvado por Aristóteles mas o governo que ao mesmo tempo é dos homens e das leis dos homens que fazem as leis e das leis que encontram um limite em direitos preexistentes dos indivíduos que as próprias leis não podem ultrapassar em uma palavra o Estado liberal moderno que se desdobra sem solução de continuidade e por desenvolvimento interno no Estado democrático A inovação que me induziu em outras ocasiões a falar com linguagem kantiana de uma verdadeira revolu ção coperniciana no modo de compreender a relação política é dupla Afirmar que o homem possui direitos preexistentes à instituição do Estado ou seja de um poder ao qual é atribuída a tarefa de tomar decisões coletivas que uma vez tomadas devem ser obedecidas por todos aqueles que constituem aquela coletividade 6 C S Nino Etica y derechos humanos Paidos Studio Buenos Aires 1984 p 13 7 Assim nas Lições de filosofia da história no parágrafo O processo do espírito no mundo A E R A D O S D I R E I T O S 94 significa virar de cabeça para baixo a concepção tradicional de política a partir de pelo menos dois pontos de vista diferentes em primeiro lugar contrapondo o homem os homens os indivíduos considerados singular mente à sociedade à cidade em especial àquela cidade plenamente organizada que é a res publica ou o Estado em uma palavra à totalidade que por uma antiga tradição foi considerada superior às suas partes em segundo lugar considerando o direito e não o dever como antecedente na relação moral e na relação jurídica ao contrário do que havia acontecido em uma antiga tradição através de obras clássicas que vão de Dos Deveres de Cícero a Deveres do Homem de Mazzini passando por De officio hominis et civis de Pufendorf Em relação à primeira inversão quando consideramos a relação política não mais do ponto de vista do governante mas do governado não mais de cima para baixo mas de baixo para cima onde baixo não é mais o povo como entidade coletiva mas são os homens os cidadãos que se agregam com outros homens com outros cidadãos para formar uma vontade geral decorre que é abandonada definitivamente a concepção organicista que todavia fora dominante durante séculos deixando traços indeléveis na nossa linguagem política na qual ainda se fala de corpo político e de órgãos do Estado Com relação à segunda inversão a primazia do direito não implica de forma alguma a eliminação do dever pois direito e dever são dois termos correlatos e não se pode afirmar um direito sem afirmar ao mesmo tempo o dever do outro de respeitálo Mas qualquer um que tenha certa familiaridade com a história do pensamento político aprendeu que o estudo da política sempre foi direcionado para dar maior destaque aos deveres do que aos direitos do cidadão basta pensar no tema fundamental da chamada obrigação política aos direitos e poderes do soberano do que aos do cidadão em outras palavras a atribuir a posição do sujeito ativo na relação mais ao soberano do que aos súditos Por mais que eu julgue necessário ter muita cautela ao ver reviravoltas saltos qualitativos revoluções epocais a cada estação não hesito em afirmar que a proclamação dos direitos do homem dividiu em dois o curso histórico no que diz respeito à concepção da relação política E é um sinal dos tempos para retomar a expres são inicial o fato de que para tornar cada vez mais evidente e irreversível essa reviravolta convirjam até se encontrarem sem se contradizerem as três grandes correntes do pensamento político moderno o liberalismo o socialismo e o cristianismo social Elas convergem apesar de cada uma delas conservar a própria identidade na preferência atribuída a certos direitos mais do que a outros originando assim um sistema complexo cada vez mais complexo de direitos fundamentais cuja integração prática é muitas vezes dificultada justamente pela sua fonte de inspiração doutrinária diversa e pelas diferentes finalidades que cada uma delas se propõe a atingir mas que ainda assim representa uma meta a ser conquistada na auspiciada unidade do gênero humano Cronologicamente são anteriores os direitos de liberdades defendidos pelo pensamento liberal no qual a liberdade é entendida em sentido negativo como liberdade dos modernos contraposta tanto à liberdade dos antigos quanto à liberdade dos escritores medievais para os quais a república livre significava independente de um poder superior ao do reino ou do império ou então popular no sentido de uma república governada pelos próprios cidadãos ou por parte deles e não por um príncipe imposto ou legitimado através de uma lei acessória Os direitos sociais sob forma de instituição da instrução pública e de medidas a favor do trabalho para os pobres válidos que não puderam conseguilo fazem a sua primeira aparição no título I da Constituição Francesa de 1791 e são reafirmados solenemente nos artigos 21 e 22 da Declaração dos Direitos de junho de 1793 O direito ao trabalho se tornou um dos temas do debate acalorado apesar de estéril na Assembléia Constituinte francesa de 1848 deixando todavia um fraco vestígio no artigo VIII do Preâmbulo Em sua dimensão mais ampla os direitos sociais entraram na história do constitucionalismo moderno com a Consti tuição de Weimar A mais fundamentada razão da sua aparentemente contradição mas real complementaridade com relação aos direitos de liberdade é a que vê nesses direitos uma integração dos direitos de liberdade no sentido de que eles são a própria condição de seu exercício efetivo Os direitos de liberdade só podem ser assegurados garantindose a cada um o mínimo de bemestar econômico que permite uma vida digna Quanto ao cristianismo social no documento já citado da Pontifícia Comissão Justitia et Pax reconhece se honestamente que nem sempre ao longo dos séculos a afirmação dos direitos fundamentais do homem constante e que especialmente nos últimos dois séculos houve dificuldades reservas e às vezes rea ções por parte dos católicos à difusão das declarações dos direitos do homem proclamados pelo liberalismo e pelo laicismo São feitas referências especialmente aos comportamentos de precaução negativos e por vezes NORBERTO BOBBIO 95 hostis de condenação de Pio VI Pio VII e de Gregório XVI8 Mas ao mesmo tempo percebese que uma mudança de rumo iniciouse com Leão XIII em especial com a encíclica Rerum novarum de 1891 na qual entre os direitos de liberdade da tradição liberal afirmase com força o direito de associação com atenção especial para as associações dos operários um direito que é a base daquele pluralismo dos grupos sobre o qual repousa e do qual se nutre a democracia dos modernos em contraposição à democracia dos antigos que chega até Rousseau e entre os direitos sociais da tradição socialista dáse destaque especial ao direito ao traba lho que para ser protegido em seus vários aspectos o direito a um salário justo o direito devido descanso à proteção das mulheres e das crianças invoca a contribuição do Estado Através de vários documentos encíclicas e mensagens natalinas célebres como os de 1942 e 1944 de Pio XII a Constituição Pastoral Gaudium et spes do Concílio Vaticano II o famoso discurso de Paulo VI dirigido ao Secretário Geral da ONU cem anos mais tarde chegase ao documento recentíssimo datado de primeiro de maio deste ano 1991 a encíclica Centesimus annus que reafirma solenemente a importância que a Igreja atribui ao reconhecimento dos direitos do homem tanto que como já foi observado o parágrafo 47 contém uma iluminadora carta dos direitos humanos precedida das seguintes palavras É necessário que os povos que estão reformando os seus ordenamentos dêem à democracia um fundamento autêntico e sólido mediante o reconhecimento explícito dos direitos humanos O primeiro desses direitos é o direito à vida ao qual se seguem o direito a crescer em uma família unida o direito a amadurecer a própria inteligência e a própria liberdade na busca e no conheci mento da verdade o direito a participar do trabalho o direito a formar livremente uma família e por último mais fonte de todos os direitos precedentes o direito à liberdade religiosa Não há quem não veja que a lista desses direitos é bem diferente da lista dos direitos enumerados nas cartas da Revolução Francesa O direito à vida que aparece aqui como o primeiro direito a ser protegido lá nas cartas francesas nunca aparece Nas cartas americanas aparece sob a forma quase sempre de direito ao gozo e à defesa da vida ao lado dos direitos de liberdade Para não ofuscar a auspiciada convergência para um fim comum da proteção universal dos direitos do homem essa diferença geralmente é pouco destacada Mas a diferença existe e tem sem dúvida um caráter filosófico De um lado prima a proteção do direito de liberdade nas suas diversas manifestações de outro tem primazia a proteção do direito à vida desde o momento em que a vida tem início contra o aborto até o momento em que a vida chega ao fim contra a eutanásia Na tradição jusnaturalista o direito à vida era reconhecido na forma rudimentar enunciada por Hobbes do direito a não ser morto na guerra de todos contra todos do estado de natureza e portanto como direito em última instân cia à paz Na declaração de 89 podemos quando muito encontrar uma referência à proteção da vida nos artigos 7 8 e 9 que contêm os princípios fundamentais do habeas corpus Hoje o direito à vida assume uma importância bem diferente ainda mais se começarmos a tomar consciên cia de que ele está se estendendo cada vez mais como resulta dos mais recentes documentos internacionais e da igreja à qualidade da vida Todavia não devemos nos esquecer de que a conjunção entre o direito à vida e o direito à liberdade já havia acontecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem cujo artigo I reconhece o direito à vida mesmo se o objetivo principal do artigo se limita à defesa do indivíduo contra o homicídio internacional ou seja à proteção da vida na sua plenitude não nos casoslimite da vida que está para começar ou da vida que está para terminar Os direitos do homem apesar de terem sido considerados naturais desde o início não foram dados de uma vez por todas Basta pensar nas vicissitudes da extensão dos direitos políticos Durante séculos não se conside rou de forma alguma natural que as mulheres votassem Agora podemos também dizer que não foram dados todos de uma vez e nem conjuntamente Todavia não há dúvida de que as várias tradições estão se aproxi mando e formando juntas um único grande desenho da defesa do homem que compreende os três bens supremos da vida da liberdade e da segurança social Defesa do quê A resposta que nos provém da observação da história é muito simples e clara do Poder de toda forma de Poder A relação política por excelência é uma relação entre poder e liberdade Há uma estreita correlação entre um e outro Quanto mais se estende o poder de um dos dois sujeitos da relação mais diminui 8 Opúsculo cit p 12 Um número de Concilium Revista Internacional de Teologia XXVI n 2 1990 é inteiramente dedicado ao tema dos direitos humanos Em um artigo de Leonard Swidler Direitos humanos um panorama histórico lemos Apesar de ter sido somente na era moderna que se desenvolveu a nossa idéia de direitos humanos ela tem as suas raízes nos dois pilares da civilização ocidental a religião judaicocristã e a cultura greco romana p 31 No artigo de Knut Walf Evangelho direito canônico e direitos humanos admitese que as igrejas cristãs como um todo tiveram dificuldade em reconhecer os direitos do homem até a metade do século XX p 58 A E R A D O S D I R E I T O S 96 a liberdade do outro e viceversa Pois bem o que distingue o momento atual em relação às épocas precedentes e reforça a demanda por novos direitos é a forma de poder que prevalece sobre todos os outros A luta pelos direitos teve como primeiro adversário o poder religioso depois o poder político e por fim o poder econômico Hoje as ameaças à vida à liberdade e à segurança podem vir do poder sempre maior que as conquistas da ciência e das aplicações dela derivadas dão a quem está em condição de usálas Entramos na era que é chamada de pósmoderna e é caracterizada pelo enorme progresso vertiginoso e irreversível da transformação tecnológica e conseqüente mente também tecnocrática do mundo Desde o dia em que Bacon disse que a ciência é poder o homem percorreu um longo caminho O crescimento do saber só fez aumentar a possibilidade do homem de dominar a natureza e os outros homens Os direitos da nova geração como foram chamados que vieram depois daqueles em que se encontraram as três correntes de idéias do nosso tempo nascem todos dos perigos à vida à liberdade e à segurança provenien tes do aumento do progresso tecnológico Bastam estes três exemplos centrais do debate atual o direito de viver em um ambiente não poluído do qual surgiram os movimentos ecológicos que abalaram a vida política tanto dentro dos próprios Estados quanto no sistema internacional o direito à privacidade que é colocado em sério risco pela possibilidade que os poderes públicos têm de memorizar todos os dados relativos à vida de uma pessoa e com isso controlar os seus comportamentos sem que ela perceba o direito o último da série que está levantando debates nas organizações internacionais e a respeito do qual provavelmente acontecerão os con flitos mais ferrenhos entre duas visões opostas da natureza do homem o direito à integridade do próprio patrimônio genético que vai bem mais além do que o direito à integridade física já afirmado nos artigos 2 e 3 da Convenção Européia dos Direitos do Homem No discurso Le fondement théologique des droits de lhomme O fundamento teológico dos direitos do ho mem pronunciado em novembro de 1988 o bispo de RoltenburgStuttgart Walter Kasper escreveu uma frase que pode constituir a conclusão do meu discurso Os direitos do homem constituem no dia de hoje um novo ethos mundial9 Naturalmente é necessário não esquecer que um ethos representa o mundo do dever ser O mundo real nos oferece infelizmente um espetáculo muito diferente À visionária consciência a respeito da centralidade de uma tendente a uma formulação assim como a uma proteção cada vez melhor dos direitos do homem corresponde a sua sistemática violação em quase todos os países do mundo nas relações entre um país e outro entre uma raça e outra entre poderosos e fracos entre ricos e pobres entre maiorias e minorias entre violentos e conformados O ethos dos direitos do homem resplandece nas declarações solenes que permane cem quase sempre e quase em toda parte letra morta O desejo de potência dominou e continua a dominar o curso da história A única razão para a esperança é que a história conhece os tempos longos e os tempos breves A história dos direitos do homem é melhor não se iludir é a dos tempos longos Afinal sempre aconteceu que enquanto os profetas das desventuras anunciam a desgraça que está prestes a acontecer e convidam à vigilância os profetas dos tempos felizes olham para longe Um ilustre historiador contemporâneo comparou a sensação do encurtamento dos tempos que se difunde nas eras das grandes revoltas reais ou apenas temidas citando uma frase da visão da Sibila Tiburtina E os anos se reduzirão em meses e os meses em semanas e as semanas em dias e os dias em horas10 com a sensação da aceleração dos tempos que por sua vez pertence à geração nascida na era tecnológica para a qual a passagem de uma fase à outra do progresso técnico que antigamente demorava séculos depois décadas agora demora poucos anos Os dois fenômenos são alternativos mas a intencionalidade é a mesma quando se quer chegar mais rapidamente à meta os meios são dois ou encurtar a estrada ou aumentar o passo O tempo vivido não é tempo real algumas vezes pode ser mais rápido algumas vezes mais lento As transformações do mundo que vivenciamos nos últimos anos seja por causa da precipitação da crise de um sistema de poder que parecia muito sólido e aliás ambicionava representar o futuro do planeta seja por causa da rapidez dos progressos técnicos suscitam em nós o dúplice estado de espírito do encurtamento e da acele ração dos tempos Sentimonos por vezes à beira do abismo e a catástrofe impende Nós nos salvaremos Como nos salvaremos Quem nos salvará Estranhamente essa sensação de estar acossados pelos aconteci mentos em relação ao futuro contrasta com a sensação oposta do alongamento e refreamento do tempo passa 9 In Les droits de lhomme et lEglise publicado pelo Conseil Pontifical Justice et Paix Cidade do Vaticano 1990 p 49 10 Reinhart Koselleck Accelerazione e secolarizzazione Istituto Suor Orsola Benicasa Nápoles 1989 p 9 NORBERTO BOBBIO 97 do em relação ao qual a origem do homem remonta cada vez mais para trás Quanto mais a nossa memória afunda em um passado remoto que continua a se alongar mais a nossa imaginação se inflama com a idéia de uma corrida sempre mais rápida em direção ao fim É um pouco o estado de espírito do velho que conheço bem para ele o passado é tudo o futuro nada Teríamos pouco motivo para ficar alegres se não fosse pelo fato de um grande ideal como o dos direitos do homem subverter completamente o sentido do tempo pois se projeta nos tempos longos como todo ideal cujo advento não pode ser objeto de uma revisão como eu dizia no início mas depende de um presságio Hoje podemos apenas apostar em uma visão da história para a qual é possível dizer que a racionalidade não mora mais aqui como está distante o tempo em que Hegel ensinava aos seus discípulos em Berlim que a razão governa tudo Que a história conduza ao reino dos direitos do homem e não ao reino do Grande Irmão pode ser somente o objeto de um compromisso É verdade que apostar é uma coisa e vencer é outra Mas também é verdade que em aposta o faz porque tem confiança na vitória É claro não basta confiança para vencer Mas se não se tem a menor confiança a partida está perdida antes de começar Depois se me perguntassem o que é necessário para ser ter confiança eu voltaria às palavras de Kant citadas no início conceitos justos uma grande experiência e sobretudo muito boa vontade httpdireitoufma2010wordpresscom diagramação JOABE S ARRUDA joabesarruda PageMaker 65 FACULDADE CESMAC DO AGRESTE DISCIPLINA DIREITOS HUMANOS Professora Carla Priscilla Cordeiro Nome do aluno Ana Carolina Alvim Da Silva Turma e período 5º A No livro intitulado A era dos Direitos de Norberto Bobbio é abordado sobre as questões envolvendo a proteção aos direitos humanos de forma a relacionálos com a democracia e a paz sendo esta a responsável direta pela proteção dos Direitos Humanos tanto no âmbito interno quanto no ambiente externo sendo que neste mesmo sentido a democracia é um meio necessário para atingir a paz perpétua1 Neste sentido o autor menciona já na introdução que o livro se debruçará sobre três pilares básicos e importantes para a conjuntura atual quais sejam Os Direitos do homem a paz e a democracia Esses três pilares acabam assumindo uma relação de codependência uma vez que se os direitos do homem não forem protegidos não é possível se falar em Estado Democrático de Direito E se não houver democracia os conflitos jamais poderão ser solucionados de forma pacífica e harmônica E uma vez não sendo possível solucionar os conflitos de forma harmônica a paz não será atingida2 Em outras palavras Bobbio menciona que não há democracia sem direito uma vez que só através deles será possível manter as regras do jogo e regular a atuação da sociedade especialmente quando amparados pelos critérios da razão Já que o Direito surge das relações sociais e da convivência entre as pessoas e assim é aplicado justamente para garantir essa convivência plena e pacífica E a partir desses conceitos o autor divide a obra em quatro grandes partes A primeira parte consta com os seguintes capítulos Sobre fundamentos dos direitos do homem Presente e futuro dos direitos do homem A era dos direitos Direitos do homem e sociedade A segunda parte é subdividida em A revolução francesa e os Direitos do Homem A herança da grande revolução Kant e a Revolução Francesa A terceira parte vai mencionar sobre A resistência à opressão hoje Contra a pena de morte O debate atual sobre a pena de morte e As razões da tolerância 1 BOBBIO Norberto Era dos direitos Elsevier Brasil 2004 p 7 2 BOBBIO Norberto Era dos direitos Elsevier Brasil 2004 p 7 Enquanto que a quarta parte mencionará sobre Os direitos do homem hoje Todas essas divisões e subdivisões no livro com seus respectivos conteúdos serão melhor especificada no decorrer deste resumo Neste sentido ao falar sobre os fundamentos dos direitos dos homens o autor visa responder alguns questionamentos quais sejam Qual o sentido dos fundamentos absoluto dos direitos do homem Um fundamento é possível E qual é desejável Para responder estes questionamentos Bobbio vai mencionar que os direitos humanos devem estar compostos por fundamentos e embora não existam fundamentos absolutos eles devem ser respeitados Pois existe uma pluralidade de pensamentos e enquanto consequência o Estado pode tratar cada pensamento de uma determinada forma Alguns dos direitos fundamentais de alcance amplo não concorrem com outros enquanto outros serão absolutos Desta forma Bobbio compreende que não se pode criar um novo direito se os antigos não forem esquecidos Ao mencionar sobre o presente e futuro dos direitos do homem Bobbio menciona que o grande problema jurídico não é apenas buscar encontrar quantos direitos estão disponíveis de forma fundamentada mas sim de compreender como proteger esses direitos E para garantir a aplicação dos direitos eles devem esta positivados em alguma legislação e para além disso caso não sejam respeitados haverá o direito à resistência jurídica através do judiciário E isso pode se dar de forma nacional ou até mesmo internacional Enquanto futuro dos direito fundamentais o autor ressalta os direitos sociais como por exemplo os tecnológicos e aqueles que irão envolver a participação social Bobbio vai relacionar a revolução americana e a revolução francesa sendo que essa segunda foi mais importante pois conseguiu firmar uma constituição republicana capaz de afirmar os direitos existentes e assim evitar as possíveis guerras Por fim o autor menciona os problemas relacionados à linguagem do Direito que apesar de estabelecer regramentos importantes permanece ambígua e de difícil acessibilidade recaindo na mera retórica Já no livro A invenção dos Direitos Humanos Uma história de Lynn Hunt é abordado sobre os três grandes acontecimentos que foram essenciais para o surgimento e construção dos direitos humanos da forma pela qual se conhece hoje quais sejam A independência dos Estados Unidos A revolução Francesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas ONU Neste sentido será abordado sobre alguns pensadores filósofos e políticos que contribuíram para estes períodos temporais e pelas alterações sociais por elas proporcionadas Dentre os principais períodos aqui recai falar sobre o pensamento iluminista e as respectivas contribuições para a diminuição e até mesmo extermínio de pontos que eram típicos do processo penal como por exemplo a tortura Neste sentido as correntes de pensamento iluministas encabeçada por grandes nomes como Beccaria através do livro dos delitos e das penas foi extremamente importante para estabelecer uma série de garantias para os acusados de crimes e para o término da violação dos direitos através da eliminação dos perigos físicos tortura e pena de morte Neste sentido a autora vai trabalhar com o conceito de empatia3 sendo este considerado determinante para trabalhar com os Direitos Humanos E para além disso é usado também da literatura romântica uma vez que muitas vezes este tipo de leitura facilita uma fácil identificação dos leitores com os personagens possibilitando esta empatia Especialmente se estes personagens estiverem em conformidade com a jornada de herói ou seja 3 Conforme o dicionário online o termo empatia significa Capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa buscando agir ou pensar da forma como ela pensaria ou agiria A ptidão para se identificar com o outro sentindo o que ele sente desejando o que ele deseja aprendendo da maneira como ele aprende Na Psicologia Identificação de um sujeito com outro quando alguém através de suas próprias especulações ou sensações se coloca no lugar de outra pessoa tentando entendêlaSociologia Compreensão do Eu social a partir de três recursos enxergarse de acordo com a opinião de outra pessoa enxergar os outros de acordo com a opinião de outra pessoa enxergar os outros de acordo com a opinião deles próprios Disponível em httpswwwdiciocombrempatia representando uma trajetória interessante e salvadora que leva a um maior senso empático4 Ou seja a autora defende que através da leitura seria possível garantir essa identificação com os personagens e sentir essa empatia tão necessária para fornecer a garantia dos direitos humanos Contudo as obras de romances que possibilitavam este sentimento com a grande influência da igreja católica na época passaram a serem vistas enquanto uma possível forma de degradação diante dos pecados que neles eram apresentados e que portanto contrariavam a virtude e os bons costumes da época5 Contudo apesar dessas crenças ainda assim haviam espaços sociais que acreditavam que a natureza dos direitos humanos era capaz de fornecer bases estruturalistas para a política Neste sentido a autora menciona que Assim o feitiço mágico lançado pelo romance mostrou ter efeitos de longo alcance Embora os adeptos do romance não o dissessem tão explicitamente eles compreendiam que escritores como Richardson e Rousseau estavam efetivamente atraindo os seus leitores para a vida cotidiana como uma espécie de experiência religiosa substituta Os leitores aprendiam a apreciar a intensidade emocional do comum e a capacidade de pessoas como eles de criar por sua própria conta um mundo moral Os direitos humanos cresceram no canteiro semeado por esses sentimentos Os direitos humanos só puderam florescer quando as pessoas aprenderam a pensarmos outros como seus iguais como seus semelhantes em algum modo fundamental Aprenderam essa igualdade ao menos em parte experimentando a identificação com personagens comuns que pareciam dramaticamente presentes e familiares mesmo que em última análise fictícios6 Ou seja podemos perceber que embora tenha havido uma espécie de retaliação e até mesmo uma cruzada contra este tipo de literatura ainda assim era interpretado como um terreno fértil para o crescimento de determinados sentimentos que estimulassem a capacidade humana de se colocar no lugar do outro de forma transpassar as próprias crenças sejam elas religiosas ou políticas a ponto de rechaçar as violações aos direitos humanos e especialmente estimular a proteção 4 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 38 5 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 51 6 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 58 No segundo capítulo a autora vai abordar sobre a abolição da tortura com o título Ossos dos seus ossos onde é mencionado sobre o fato de Rousseau ter utilizado pela primeira vez no ano de 1762 o termo direitos do homem e uma série de torturas que seguiram ocorrendo contra os acusados Essas torturas por sua vez eram utilizadas especificamente para arrancar a confissão dessas pessoas uma vez que esta era considerada a principal fonte de prova sendo o que mais ocorreu contra as bruxas e hereges das mais variadas formas7 Diante dessas mais variadas formas de tortura onde os menos favorecidos estavam nos piores lugares uma vez que eram os que sofriam as consequências mais graves Beccaria buscou a construção de uma justiça democrática pautada em vieses éticos Desta forma a autora ressalta o importante papel por ele representado Beccaria ajudou a valorizar a nova linguagem do sentimento Para ele a pena de morte só podia ser perniciosa para a sociedade pelo exemplo de barbárie que proporciona e ao objetar a tormentos e crueldade inútil na punição ele os ridicularizava como o instrumento de um fanatismo furioso Além disso ao justificar a sua intervenção ele expressava a esperança de que se eu contribuir para salvar da agonia da morte uma vítima infeliz da tirania ou da ignorância igualmente fatal a sua bênção e lágrimas de êxtase serão para mim um consolo suficiente para o desprezo de toda a humanidade Depois de ler Beccaria o jurista inglês William Blackstone estabeleceu a conexão que se tornaria característica após a visão do Iluminismo a lei criminal afirmava Blackstone deve sempre se conforma r aos ditados da verdade e da justiça aos sentimentos humanitários e aos direitos indeléveis da humanidade8 Neste sentido após a imposição de alguns escritores iluministas no que tange à tortura e à punição cruel passaram a abordar também sobre os sentimentos relacionados à empatia mas que se sobressaíam a ela uma vez que se relacionava com a necessidade de justiça Logo alteraramse os corpos nos quais eram detentores deste sentimento empático Pois em um período anterior a este os corpos que eram considerados merecedores deste respeito empático eram apenas aqueles considerados sagrados e posteriormente 7 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 76 8 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009 p 81 tornouse sagrado aquilo que estava relacionado ao direito à inviolabilidade dos indivíduos Essas afirmações levam ao questionamento sobre quais corpos então eram detentores dessa proteção o que ocasionou a uma divisão entre cidadãos detentores de direitos passivos e de direitos ativos Os direitos passivos eram aqueles que se garantiam à toda população como por exemplo o direito a segurança Enquanto que os direitos ativos não se estendiam a todos uma vez que estavam relacionados com a possibilidade de exercício dos atos da vida pública REFERÊNCIAS BOBBIO Norberto Era dos direitos Elsevier Brasil 2004 HUNT Lynn A invenção dos direitos humanos uma história Editora Companhia das Letras 2009