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NOTAS SOBRE O MODELO DE COMUNICAÇÃO VERBAL DE ROMAN JAKOBSON Rodrigo Guimarães Resumo Este artigo busca problematizar o modelo de Roman Jakobson sobre as funções básicas da comunicação verbal elucidadas em seu livro Lingüística e comunicação 1992 sobretudo em sua relação com a função poética Para tanto recorreuse a uma concepção orgânica da cena escritural em que poemacontextocódigoleitor tornase refratário aos processos de segmentação topológica Palavraschave Roman Jakobson Função Poética Poesia Contemporânea Abstract This essay focuses on the basic function of verbal communication as developed in the book Linguistics and communication 1992 by Roman Jakobson It aims to show a dynamic concept that consider poem context code and reader as a whole that can not be split by topologys process Key words Roman Jakobson Poetic Function Contemporary Poetry 1 Introdução Após pontuar neste ensaio breves reflexões sobre os diferentes posicionamentos que a crítica tem assumido diante do texto literário efetuarei em um segundo momento alguns deslocamentos do esquema de Roman Jakobson sobre as funções básicas da comunicação verbal com o intuito de flexibilizar sua topologia e depreender da palavra literária o chão exíguo de sua brevidade1 O que nos interessa mais de perto é a função poética elucidada por Roman Jakobson que confere uso inovador das possibilidades da língua em conformidade com os dois modos básicos de organização dos códigos seleção e combinação A primeira referese à equivalência dos signos respondendo ao critério de semelhançasinonímia ou dessemelhançaantonímia A segunda a combinação diz respeito à construção da seqüência contigüidade De acordo com Jakobson 1992 a função poética projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação p 130 Nessa concepção é justamente a projeção de um eixo no outro da similaridade superposta à contigüidade que confere ao poema sua feição multíplice simbólica e polissêmica A primazia da mensagem voltada para si própria traz como conseqüência a ambigüidade da poesia que atinge não apenas o código mas torna igualmente ambíguos o destinatário e o remetente Ressaltese que a supremacia de uma função em relação a outra nunca chega ao extremo do aniquilamento da função subordinada Quanto à especificidade da função poética ela não oblitera a referência lembra Jakobson mas tornaa ambígua A mensagem de duplo sentido encontra correspondência num remetente cindido num destinatário cindido e além disso numa referência cindida2 O esquema de Jakobson é relativamente simples e bastante funcional No entanto suas variáveis têm sido negligenciadas ou mesmo excluídas em alguns tipos de críticas extremistas O organismo verbal remetente contextocódigodestinatário não pode ser segmentado e trabalhado como um fragmento que exclui os demais Esse procedimento reduz arbitrariamente ou mutila a escritura 2 As Faces da Crítica No caso de uma crítica restrita ao emissor o ponto de ancoragem é situado no escritor na sua vida e no momento histórico no qual sua escrita está inserida Sob esse ângulo o autor escreve para se exprimir e a qualidade da obra está na capacidade de tradução dos extratos mais profundos da alma ou da mente Quando as informações do texto são consideradas insuficientes para uma análise mais aprofundada da intenção do autor os críticos recorrem à sua biografia buscando entender melhor sua personalidade e assim conseguir mais subsídios para analisar sua obra Conseqüentemente uma hermenêutica é construída com a finalidade de restabelecer a verdade significação original da obra ou a estrutura profunda da visão de mundo do autor Na contracorrente desse subjetivismo surgiram escolas importantes como o formalismo russo os New Critics americanos que denunciavam a falácia da intenção do autor e o estruturalismo francês Para essas correntes a tônica é colocada no código no texto em sua imanência na cadeia significante ou no seu sistema lógico No extremo destacase com demasiada facilidade a pureza da forma resquícios de uma ontologia acentuando sua superioridade em decorrência de determinado estilo gênero arranjo de sintaxe ou outra qualidade qualquer Tratase com desapreço a função referencial da linguagem e sua relação com o mundo3 Quando o contexto é privilegiado temos uma crítica que enaltece a escrita que representa mímesis a realidade O texto deve estar em conformidade com referências ideológicas marxismo psicanálise existencialismo etc ou submetido às confrarias culturalistas Depois do desaparecimento do autor acrescido das fissuras abertas no código pela psicanálise dialogismo e intertextualidade dentre outras houve a assunção do leitor e da estética da recepção A unidade do texto e seu sentido são fixados pelo leitor e a crítica volta a sua atenção para a recepção da obra Compagnon divide as teorias da recepção em duas categorias a primeira fenomenológica busca compreender o ato individual de leitura Roman Ingarden e Wolfgang Iser a segunda hermenêutica interessase pela resposta pública ao texto em Gadamer e particularmente Hans Robert Jauss que inclui o conjunto de convenções que constituem a competência de um leitor ou de uma classe de leitores num dado momento4 Em um exame mais acurado fica evidente como essas variáveis estão entrelaçadas de forma inextrincável e ganham sua justa formulação na impossibilidade de dissociar no sentido ontológico poemacontexto códigoleitor Há um apuro na construção da palavra poética que por sua vez só causa impacto em determinado campo social e numa época específica Alguns autores têm uma consagração imediata James Joyce outros como John Donne Sousândrade e Pedro Kilkerry ficaram totalmente esquecidos ou desconhecidos por um longo tempo Alguns escritores são consenso na escolha dos críticos e nunca saíram do cânone tais como Homero Virgílio e Dante outros perderam o lugar nas listagens no decorrer dos séculos5 Indubitavelmente se as interrelações das variáveis do esquema de Jakobson fossem consideradas pela crítica em suas abordagens muitos equívocos seriam evitados 21 Problematização do Esquema de Jakobson Mesmo sem desconsiderar o esquema de Jakobson todavia os lugares e a forma de interação de suas variáveis devem ser problematizados O próprio Jakobson iniciou esse processo ao apontar a ambigüidade na função poética do código do emissor e do receptor Portanto posso avançar minha reflexão em outras direções e mesmo mudar o curso do sentido proposto por Jakobson mediante a reversibilidade de leitura O emissor e o receptor não são instâncias demarcadas por uma externalidade em relação a outra A mensagem que porta o sentido não existe independentemente daquele que lhe confere significado e a decidibilidade do sentido compete tanto ao emissor quanto ao receptor Visto de outro ângulo a mensagem existe e não existe O significado está sempre numa relação dialética com o significante constantemente dado e a formarse Nessa concepção não há cifra que saia do emissor etiquetada pela palavra e se dirija ao receptor que deve decodificála como num processo simples de código Morse Jorge Luis Borges apenas para citar um dentre muitos subverte a questão das fontes e vai mais além ao afirmar que a existência do posterior pode ser condição da existência do anterior cada escritor cria seus precursores ou de forma ainda mais contundente o original é infiel à tradução6 A seqüência emissormensagemreceptor característica da função referencial é sobrepujada pela função poética e a palavra não só se torna ambígua como pontuou Jakobson mas se submete a outra forma de circulação de maior complexidade que Derrida denominou de rastro O rastro não é uma estrutura um existente uma palavra é uma operação que não rompe com sua materialidade gráfica nem se confina a ela A significação é produzida pelo movimento de um rastro retendo o outro e suas diferenças num processo de temporalização A différance que difere e retarda impossibilita a redução do rastro à simplicidade de um presente de uma mensagem dada Derrida 1997 Jakobson também considerou efeitos de descontinuidade na cadeia significante e não aderiu a uma crença no caráter linear da linguagem O lingüista russo acreditava numa sobreposição de som e de sentido que se distribui de forma descontínua na rede de signos em uma relação semântica entre unidades rímicas Sustentava também uma concepção sutil de deslocamentos topológicos em que as demarcações de fronteira não fossem dogmaticamente defendidas tais como prosapoesia formaconteúdo e de forma mais notável as figuras de linguagem Toda metonímia é ligeiramente metafórica e toda metáfora tem um matiz metonímico Jakobson 1992 p 149 Entretanto a forma de teorização que privilegia operadores como rastro e différance como faz Derrida apresenta diferenças significativas da perspectiva de Peirce Saussure Jakobson e Chomsky que consideram o signo em sua presentidade física ou psíquica esse est percipi ser é ser percebido Outros ainda presos a uma visada mimética concebem o signo como representação da realidade Essa concepção impossibilita a apreensão de operações sígnicas que recobrem o campo do inconsciente psicanalítico da presença ausência derridiana ou dos processos de desterritorialização Deleuze 1996 Todavia a posição do crítico não é a mesma do poeta O primeiro tem que pronunciar suas palavras nada casuais e o segundo sustentar o jogo Presumese que o crítico inscreva no corpo do texto certa formalização a fim de que possa responder à ação desagregadora dos elementos de ambigüidade sem no entanto desativálos Para atenuar sua ação desorganizadora e sustentar uma vertebração semântica os processos de estruturação devem ser usados de forma estratégica e com cautela para que não ocorra a ortopedia da cadeia significante pelo acasalamento com a univocidade do significado 3 Considerações Finais Diante do exposto podese considerar certa eficácia no esquema proposto por Roman Jakobson que considera de forma sistêmica diferentes componentes no processo de comunicação verbal tais como remetente destinatário contexto contato código e mensagem sendo que cada uma dessas esferas está relacionada a uma função específica Ao orquestrar esses elementos em um todo orgânico Jakobson ampliou de forma considerável os insuficientes procedimentos adotados pela crítica tradicional que priorizava de maneira excessiva apenas um desses fatores Mais do que considerar a interdependência desses componentes e a forma de interação de suas variáveis o ensaio apontou a ambigüidade entre eles quando se trata da função poética em que o emissor o receptor e o código não são instâncias demarcadas por uma externalidade em relação a outra Pensadores como Jorge Luis Borges e sobretudo Jacques Derrida colocaram em cena de maneira mais evidente que Jakobson os efeitos de descontinuidade na cadeia significante O crítico balizado por novas concepções da escritura ainda que tenha que inscrever certa formalização na dinâmica textual já se encontra minimamente amparado por um referencial teórico que lhe permite abordar a ambigüidade da palavra poética sem desativar sua força desagregadora Notas 1 Para Jakobson no ato de comunicação verbal estão presente seis fatores e a cada um deles está associada uma função I O remetente função emotiva II O destinatário f conativa III O contexto f referencial IV O contato f fática V O código f metalingüística VI A mensagem f poética Vou me valer aqui do resumo esclarecedor elaborado por Haroldo de Campos O destinador envia uma mensagem ao destinatário A mensagem tem um referente um objeto ou situação ao qual ela se refere suscetível de ser verbalizado e que deverá ser apreendido pelo destinatário Para tanto é preciso que destinador e destinatário disponham de um código comum no todo ou em parte e que haja entre ambos um contato um liame uma conexão física ou psicológica Eis aí como operam os seis fatores Cada um deles dá origem a uma função da linguagem Nas mensagens estas funções se combinam O que distingue a natureza de uma dada mensagem é a hierarquia que nela se confere às funções em concorrência A função dominante será a definidora do perfil da mensagem mas as secundárias devem ser também levadas em consideração Campos 1969 p 137 2 Jakobson 1992 apresenta um exemplo extraído dos contos de fada dos contadores de história de Majorca que começa de forma inteiramente inusitada isso era e não era p 150 3 A quebra da nomenclatura da ligação entre a palavra e a coisa do signo ao referente do texto ao mundo teve como expoentes no século XX a princípio Peirce e Saussure Segundo esses autores a significação resulta da relação entre os signos Saussure ou da série interminável dos interpretantes que desloca de signo em signo sem nunca chegar à sua origem Peirce Jakobson no artigo já citado ao afirmar que na poesia a função poética é dominante em relação à função referencial foi recebido de maneira indevida por seus epígonos além de ter sido mal interpretado por seus críticos Nas palavras de Antoine Compagnon 2001 as preocupações de Jakobson não impediram sua função poética de tornarse determinante para a concepção usual desde então da mensagem poética como subtraída à referencialidade ou da mensagem poética como sendo para si mesma sua própria referência os clichês de autotelismo e autoreferencialidade estão assim no horizonte da função poética jakobsoniana p 100 4 Cf Compagnon 2001 p 148156 Em outro momento de sua obra Compagnon faz uma síntese das diferentes maneiras de leitura efetuada pelos críticos A abordagem objetiva ou formal da literatura se interessa pela obra a abordagem expressiva pelo artista a abordagem mimética pelo mundo e a abordagem pragmática enfim pelo público pela audiência pelos leitores p 139 5 Cf PerroneMoisés 1998 Neste estudo quando eu utilizar expressões individualizantes devese considerar sempre o quadrívio textocódigocontextoleitor Mesmo quando abordo cada uma dessas variáveis à parte não há nenhum movimento no sentido de essencializálas 6 Para pôr em relevo o teor subversivo da afirmação de Borges transcrevo o contexto em que aparece sua sentença emblemática Só de três dias e duas noites do inverno de 1782 precisou William Beckford para redigir a trágica história de seu califa Escreveua no idioma francês Henley traduziua para o inglês em 1785 O original é infiel à tradução Saintsbury observa que o francês do século XVIII é menos apto que o inglês para transmitir os indefinidos horrores da singularíssima história Borges 2000 p 121 Em um outro ensaio As versões homéricas Borges critica a superioridade a priori do texto original o conceito de texto definitivo não corresponde senão à religião ou ao cansaço p 255 Referências BORGES Jorge Luís Sobre o Vathek de William Beckford São Paulo Globo 2000 Obras completas v 2 CAMPOS Haroldo de A arte no horizonte do provável São Paulo Perspectiva 1969 COMPAGNON Antoine O demônio da teoria literatura e senso comum Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago Belo Horizonte Ed da UFMG 2001 DELEUZE Gilles GUATTARI Félix O AntiÉdipo Tradução Georges Lamazière Rio de Janeiro Imago 1976 Mil platôs capitalismo e esquizofrenia Tradução Aurélio Guerra Neto et ai Rio de Janeiro Editora 34 1996 v 3 DERRIDA Jacques Gramatologia 2 ed Tradução Miriam Chnaiderman São Paulo Perspectiva 1997 JAKOBSON Roman Lingüística e comunicação Tradução J Blikstein e José Paulo Paes São Paulo Cultrix 1992 PERRONEMOISÉS Leila Altas literaturas São Paulo Companhia das Letras 1998 Dados do autor Rodrigo Guimarães Doutor em Literatura Comparada UFMG e Pesquisador FAPEMIGUNIMONTES Endereço para contato Universidade Estadual de Montes Claros Rua Dr Rui Braga sn Vila Mauricéia 39401089 Montes ClarosMG Brasil Endereço eletrônico rodrigoguimaterracombr Data de recebimento 31 maio 2007 Data de aprovação 11 set 2007