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Roman Jakobson e a função poética Por Ruy Matos A língua observou o sábio do ano 2222 é a fonte eterna do conhecimento Velimir Khlébnikov Ka 1914 Apesar de ter permanecido fiel às concepções iniciais do grupo formalista Roman Jakobson foi paradoxalmente o primeiro a abandonálo transferindose já em 1920 para a Checoslováquia onde participou da criação do Círculo lingüístico de Praga 19261948 Depois em 1938 irá para a Dinamarca onde manteve contatos significativos com o Círculo lingüístico de Copenhague fundado em 1931 por Louis Hjelmslev e por fim em 1941 vai estabelecerse nos EUA1 Tal como se dera desde sua atuação no grupo formalista as reflexões sobre a literatura de Jakobson a partir de sua mudança para a Tchecoslováquia voltaramse quase exclusivamente para a poesia que continuou balizando seus estudos nos anos 20 e 30 quando consolidou a sua carreira como lingüista tornandose um dos principais animadores do Círculo Lingüístico de Praga2 Além disso dando continuidade à relação com a arte de vanguarda que tanto estimulara os formalistas russos Jakobson assim como outros membros do círculo de Praga mantiveram contatos importantes com escritores checos de gosto parecido como o poeta Vítězslav Nezval um dos fundadores do Poetismo movimento afim do surrealismo ou Vladislav Vančura cujo experimentalismo narrativo pode também ser associado ao surrealismo Segundo Haroldo de Campos Assim como a OPOIAZ tinha dado mão forte ao cubofuturismo a tal ponto que Chklóvski parecia aplicar à crítica o método do cubismo os estruturalistas do Círculo Lingüistico de Praga e em especial Jakobson e Jan Mukařovský seguiram passo a passo o desenvolverse do movimento chamado poetismo Nezval que dedicou a Jakobson um de seus livros demonstra em muitos poemas endereçados a Mukarovský e Jakobson estar perfeitamente informado das teorias estruturalistas Este paralelismo entre poesia e lingüística se repete mais tarde na literatura eslovaca onde os surrealistas não só trabalham em estreita contato com os formalistas locais mas escrevem eles próprios estudos de caráter formalista3 Sendo assim não é de estranhar que Jakobson tenha dado especial atenção à delimitação de uma função poética da linguagem que caracterizaria a expressão literária Podese rastrear a gênese desta concepção nas influências literárias que marcaram as suas teorizações desde a época da OPOIAIZ Como observa Tzvetan Todorov nos escritos de Jakobson percebese uma séria de referências a poetas que compartilham uma visão específica de sua arte Mallarmé vem a seguir a Baudelaire que admira Poe o qual absorve Coleridge cujos escritos teóricos são um resumo da doutrina dos românticos alemães logo de Novalis não é difícil reconhecer na definição jakobskiana de poesia a idéia romântica da intrasitividade exprimida por Novalis e pelos seus amigos tanto no Monólogo como noutros fragmentos Efetivamente foi Novalis e não Jakobson que definiu a poesia como expressão pela expressão E não é grande a distancia que existe entre a selbstsprache autolíngua de Novalis e a smovitaja rech discurso autônomo de Khlebnikov esse outro autor intermédio entre Novalis ou Mallarmé e Jakobson 4 Tal caracterização da poesia também se relaciona com a diferenciação traçada pelos formalistas entre linguagem poética e linguagem normal a partir daí é que se torna mais claro o caráter intrínseco da primeira que é sua intenção metalingüística isto é o privilégio dado à palavra enquanto tal Todavia verdade seja dita esta concepção não permanecerá exatamente a mesma durante a longa trajetória intelectual de Jakobson que vai desde a primeira guerra mundial até a década de 70 Como analisa Tzvetan Todorov Jakobson em seu Nova poesia russa de 1919 sustentou que há em toda a poesia uma recusa de relacionar as palavras com o que elas designam porém passados dez anos em um estudo consagrado a Bóris Pasternak ele já é menos maniqueísta e afirma que a tendência a desprezar os objetos caracteriza apenas certas escolas poéticas como o futurismo russo por fim em outro estudo já em 1960 ele considera que a supremacia da função poética em relação à função referencial não faz desaparecer a referência a denotação mas tornaa ambígua5 Nunca é demais ter em conta que Jakobson desenvolveu suas teorias sobre a literatura e a poesia em paralelo á sua prestigiosa carreira como lingüista a qual constitui uma parcela fundamental na criação e difusão da lingüística estrutural Deste modo a medida que esta consolidou seus pressupostos básicos o que ocorreu entre os anos 30 e 60 é natural que sua aplicação no campo literário resultasse em alguns reparos Foi apenas nos anos 50 que as teorizações estruturalistas alcançaram maior rigor conceitual e sistematização transbordando para diversos outros campos como além da lingüística a antropologia a sociologia ou a comunicação de massa levando Jakobson a definir com maior precisão e embasado no desenvolvimento da lingüística estrutural as diversas funções desempenhadas pela linguagem dentre as quais a função poética Em lugar da diferenciação básica entre a função comunicativa voltada para o significado e a função poética voltada para o próprio signo que figura nas Teses do Círculo lingüístico de Praga de 19296 o modelo mais complexo elaborado por Jakobson no início dos anos 60 parte de um esquema geral do ato de comunicação a mensagem um conteúdo ou contexto ao qual ela se refira um emissor que a envie um destinatário que a receba um canal de contato e um código que permita sua compreensão a partir do qual são discriminadas seis funções inerentes à linguagem que podem até atuar em conjunto mas singularizamse por estar direcionadas para diferentes aspectos do processo comunicativo conforme o esquema abaixo CONTEXTO função referencial EMISSOR MENSAGEM RECEPTOR função emotiva função poética função conativa CONTATO função fática CÓDIGO função metalingüística A função referencial relacionase com o referente isto é com o contexto ou conteúdo referido pela mensagem a função emotiva ligase ao emissor aquele que é o autor da mensagem a função conativa ligase ao destinatário aquele para quem a mensagem se destina a função fática está ligada ao canal de contato estabelecido para a comunicação a função metalingüística diz respeito ao o código utilizado e a função poética está ligada à própria mensagem7 Deste modo as potencialidades poéticas da língua evidenciamse quando o ato comunicativo está direcionado para a estrutura mesma das mensagens para a forma como está é construída e não exatamente para um desvelamento ou aprofundamento do código que utiliza aspectos que passam a ser uma potencialidade mais claramente diferenciada não exatamente de natureza estética denominada de metalingüística A função poética permanece porém como o traço dominante na obra poética e este conceito de dominante desenvolvido de forma mais aprofundada a partir do período praguense de Jakobson mas já antecipado em análises formalistas não apenas suas mas também de Chklóvski Tinianov ou Eikhembaum é definido por ele como centro de enfoque de um trabalho artístico ele regulamenta determina e transforma os seus componentes O dominante garante a integridade da estruturaÉ ele que torna específico o trabalhoO traço típico da linguagem contida é obviamente seu padrão prosódico a escrita em verso Por sua vez verso não é apenas um conceito simples nem uma unidade indivisível Ele é em si um sistema de valores e como em todo sistema de valores ele detém uma hierarquia própria na qual existem valores superiores e inferiores e um valor primeiro entre todos o dominante sem o qual no interior da trama de um dado período literário e uma determinada vertente artística o verso nem pode ser concebido nem avaliado como verso8 Assim o dominante evidencia a função poética podendo coexistir com elementos relacionados às outras funções como os relacionados à função referencial na poesia épica clássica ou aqueles que apontam para a função emotiva na poesia romântica mais tradicional Jakobson ainda amplia o conceito de dominante para as artes em geral assinalando que na arte da Renascença o dominante o cume dos critérios estéticos do tempo estava nas artes visuais Outras artes orientavam seus próprios caminhos na direção das artes visuais e eram valorizadas de acordo com a proximidade que alcançavam em relação ao objetivo que visavam Por outro na arte do Romantismo o valor supremo esteve no terreno da música Assim a poesia romântica também se orientou na direção da música Na estética realista o dominante era a arte verbal e a hierarquia dos valores poéticos modificouse em coerência com isto9 Esta visão inusitada parece suprir um desinteresse de Jakobson compartilhado com os formalistas de modo geral pelos fatores determinantes da evolução dos estilos literários pois de acordo com ela as obras poéticas podem mudar mas a função poética permaneceria Ela também relativiza a ausência de uma atenção maior à questão dos gêneros e portanto à explicação das diferenças fundamentais entre modalidades de obras literárias e o papel deste aspecto na sua comunicabilidade A busca de critérios mais efetivos para compreender a evolução histórica da literatura aspecto que o formalismo não equacionou de forma satisfatória também foi uma preocupação precoce de Jakobson Já em um de seus primeiros trabalhos Nova poesia russa 1919 ele propôs segundo Bóris Schnaiderman uma visão inovadora da periodologia das escolas poéticas apoiada na convicção de que a linguagem da poesia desgastase de tempos em tempos e voltase para o linguajar cotidiano na busca de novas formas e construções o que imporia a necessidade de apreender cada fato da linguagem poética numa comparação inevitável com três momentos a tradição poética a linguagem prática da atualidade e a tendência poética que se manifesta10 De acordo com essa perspectiva a tradição poética seria algo como um repositório de procedimentos que se não forem periodicamente testados e contestados pelo influxo da linguagem da atualidade terminaria por asfixiar as possibilidades de expressão poética autêntica e mesmo a criatividade lingüística de uma forma mais ampla Uma problemática que é sumamente importante para se avaliar a dimensão renovadora de movimentos e experiências poéticas muitas vezes desligados e até francamente contrários ao gosto literário dominante como era o caso das vanguardas Outro postulado de fundamental importância na produção teórica acerca da literatura de Jakobson é a sua concepção da prosa e da poesia como ampliação de determinadas categorias verbais mais precisamente de duas das mais conhecidas figuras de linguagem a metáfora e a metonímia Segundo ele O princípio da similaridade domina a poesia o paralelismo métrico dos versos ou a equivalência fônica das rimas impõem o problema da similitude e do contraste semânticos Pelo contrário a prosa gira essencialmente em torno das relações de contigüidade Portanto a metáfora para a poesia e a metonímia para a prosa constituem a linha de menor resistência11 Sendo assim a poesia tenderia inevitavelmente para a metáfora enquanto a prosa por seu lado aproximarseia da metonímia O esquematismo desta concepção já anuncia a dificuldade de sua aplicação em obras literárias de maior complexidade Existem de fato romances preponderantemente metonímicos que abusam das relações de contigüidade como os dos realistas franceses Stendhal ou Balzac marcados por minuciosas descrições que funcionam como perífrases de estados de espírito assim como existem poesias metafóricas como as dos românticos alemães Holdërlin e Novalis no entanto isto não torna toda a poesia afim da metáfora ou toda a prosa metonímica Analisando exaustivamente a obra romanesca de Marcel Proust um dos mais influentes prosadores do século XX Gerard Genette concluiu que se quisermos como propõe Roman Jakobson caracterizar o percurso metonímico com a dimensão propriamente prosaica do discurso e o percurso metafórico como sua dimensão poética deveremos então considerar a escrita proustiana como a tentativa mais extrema em direção desse estado misto assumindo e ativando plenamente os dois eixos da linguagem12 De modo semelhante David Lodge partindo das considerações de Jakobson sobre a prosa ser essencialmente impelida pela contigüidade e desta forma tender para a metonímia e a poesia para a similaridade e conseqüentemente inclinarse para a metáfora ressalta que na ficção modernista aquela produzida nas primeiras décadas deste século podese identificar ambos os tipos de expressão chegando mesmo a apontar os romances que compõem Em busca do tempo perdido de Proust 19131927 ou Passeio ao Farol de Virgínia Woolf 1927 como essencialmente metafóricos e outros como Ulisses de James Joyce 1922 como equilibrados na exploração da metáfora por exemplo no modo de expressar a consciência do personagem Leopold Bloom e da metonímia na expressão da consciência de Stephen Dedalus13 Se há dificuldades de enquadrar na bipolaridade traçada por Jakobson narrativas de escritores renomados contemporâneos dos seus primeiros estudos formalistas nada indica que com relação à ficção de outras épocas a situação seja diferente Basta pensar no caso da prosa nos romances de Rabelais ou nos contos fantásticos de ETA Hoffmann e Edgar Allan Poe onde a construção metafórica é mais do que evidente ou por outro lado nos diversos tipos de poesia apoiada em acentos ou marcas da dicção prosaica revelando uma expressão baseada na contigüidade e neste caso metonímico como a lírica tardomedieval de François Villon ou a romântica e pitoresca de Robert Browning Apesar do fértil diálogo de Jakobson com a mais avançada poesia do seu tempo determinados aspectos da sua reflexão teórica desembocaram em postulações no mínimo questionáveis Os aspectos mais sujeitos a crítica na sua reflexão teórica são praticamente os mesmos que se pode apontar no formalismo de maneira geral em especial a dificuldade de fundamentar uma verdadeira teoria da narrativa Tendo sempre privilegiado a análise da poesia Jakobson tal como os formalistas em geral buscou caracterizar a prosa quase que por comparação Seja como for a sua noção de poesia metafórica e prosa metonímica mesmo considerando sua produtividade em certos casos dificilmente pode ser aplicada sem ressalvas à prática literária em sentido mais amplo Também a sua idéia de uma cronologia literária como resultado de sucessivos processos de desgaste da linguagem poética e sua revitalização através de empréstimos da linguagem cotidiana não pode ser aceito sem reservas Podese fazer a ela a mesma crítica feita por Bakhtin ao formalismo a de que é excessivamente redutor conceber a obra literária como categoria unicamente lingüística pois isto impossibilita uma verdadeira compreensão da evolução histórica da literatura o que implicaria em um relacionamento também com outras séries cronológicas de fenômenos da vida social14 Além disso relacionar o uso do linguajar popular ou de empréstimos da linguagem cotidiana freqüentes na literatura do século XIX e XX apenas à renovação do discurso literário é um tanto redutor e passa ao largo de outros fatores tão ou mais influentes neste fenômeno Em muitos autores voltados para a denúncia das injustiças sociais como os romancistas Charles Dickens na Inglaterra Émile Zola na França ou Giovanni Verga na Itália havia uma explícita tentativa de aproximarse da realidade popular através do uso de sua linguagem Em outros autores como os poetas Robert Burns na Escócia Carlo Porta e Giuseppe Belli na Itália ou Rosália de Castro na Galiza além deste aspecto havia ainda a busca de identificação com um público regional determinado e a intensificação da comunicação com ele15 A visão de Jakobson da evolução literária como um movimento sucessivo de desgaste da linguagem poética e renovação via empréstimos da linguagem comum ainda que estimulante e produtiva na análise de certas situações específicas não parece ser capaz de apreender e sintetizar de forma satisfatória a diversidade real de fatores que condicionam e caracterizam os períodos literários Em toda a reflexão teórica de Jakobson jamais foi abandonada esta perspectiva acerca da dinâmica da literatura e se por um lado isso contribuiu em muitos casos para esclarecer o papel importante que a manipulação lingüística teve para a consolidação do gosto literário por outro lado dificultou a apreensão de fatores diversos relacionados com a dinâmica da vida cultural e social que convergem na conformação da literatura e mais especificamente na sedimentação da linguagem literária 1 Será justamente em Nova York à época da segunda guerra mundial que Jakobson iniciará um frutífero diálogo teórico com o antropólogo Claude LeviStrauss que como ele ali viera buscar asilo resultando deste encontro uma das vertentes mais importantes senão a principal da abordagem estruturalista no campo das ciências humanas Como diz François Dosse o estruturalismo francês é entre outros fatores o resultado de um encontro particularmente fecundo em 1942 em Nova York entre Claude LéviStrauss e Roman Jakobson Por um lado LéviStrauss adota o modelo fonológico em que Jakobson o iniciou por outro Jakobson abre a lingüística para a antropologia História do estruturalismo v 1 o campo do signo 19451966 São Paulo Ensaio Campinas Universidade Federal de Campinas 1993 p 75 2 Este círculo além de impulsionar o estruturalismo lingüístico especialmente na área da fonologia em que se destacou juntamente com Jakobson o também russo Nikolai Trubetzkói foi importante para a renovação dos estudos literários Jakobson e outros membros do grupo foram pioneiros na utilização da noção de estrutura em substituição à de procedimento usada pelos formalistas Esta noção será particularmente importante na teorização de outro integrante do Círculo de Praga Jan Mukařovský que vai precisar o novo conceito como um sistema de relações imanente à obra literária e não determinado do exterior por causas históricas ou sociais terminando por depreender de sua aplicação nos estudos literários uma teoria semiótica geral do fenômeno artístico exposta já em 1934 A arte como fato semiológico In Dionísio de Oliveira Toledo org Círculo lingüístico de Praga estruturalismo e semiologiaPorto Alegre Globo 1978 A importância das formulações particulares de Mukařovský assim como as de outros integrantes do círculo de Praga para a evolução dos estudos lingüísticos e para a teoria literária é inegável no entanto não se deve esquecer que como diz Jakobson o que se considerou muitas vezes como a contribuição específica de Praga para o desenvolvimento da lingüística moderna constitui em grande parte o denominador comum de várias correntes convergentes da vida científica de diversos países europeus nessa época A cooperação entre eruditos de diversos países constituía o sustentáculo das atividades do Círculo Assim por exemplo em 1928 ano da sua consolidação dentre treze trabalhos lidos no Círculo cinco eram tchecos um era francês e sete russos Os autores de três destes últimos eram visitantes provenientes da União soviética B V Tomachevski J N Tynianov e G Vinokur Recherches des moyens et fins du langage dans la linguistique européenne de Lentredeux guerres In Essais de linguistique générale Paris Minuit 1973 p 312 e 313 Com efeito foi muito significativa a contribuição de estrangeiros ao círculo que teve como membros regulares além de teóricos checos como Vilém Mathesius Bohuslav Havránek Jan Mukařovský René Wellek Felix Vodička e Jirí Veltruský egressos de outros países como os russos Piotr Bogatyriov Evgueni Polivanov Nikolai Trubetzkói e Serguei Kartsevski os franceses Émile Benveniste André Martinet e Lucien Tesnière ou o austríaco Karl Bühler Por outro lado foi em Praga que Jakobson descobriu em 1920 o Curso de lingüística geral de Saussure São Paulo Cultrix 2000 obra fundamental para o desenvolvimento da lingüística estrutural e também reencontrou Nikolai Trubetzkói que conhecera em 191415 ainda na Rússia autor de Princípios de fonologia de 1939 Madrid Cincel 1987 um clássico no seu campo onde o fonema entidade básica da língua é definido como explica François Dosse por seu lugar no sistema fonológico o método consiste em identificar as oposições fônicas levandose em conta quatro traços distintivos que são a nasalidade o ponto de articulação a labialidade e a abertura Reencontrase aí o princípio saussuriano da diferença pertinente da investigação de unidades mínimas de pertinência neste caso o fonema O distanciamento do referente próprio de Saussure é retomado assim como essa investigação das leis internas do código da língua A fonologia mantémse à margem de toda a realidade extralingüísitica História do estruturalismo v 1 o campo do signo 19451966 São Paulo Ensaio Campinas Editora da Universidade Federal de Campinas 1993 p 80 Esta empresa fonológica será mais tarde transformada por Jakobson nos ensaios que integram Fundamentals of language obra conjunta com Morris Halle de 1956 The Hague Mouton em um quadro de doze oposições binárias traço descrição acústica descrição articulatória VocálicoNãovocálico estrutura nitidamente definida passagem livre de ar pelo trato vocal ConsonantalNão consonantal baixa quantidade de energia obstrução no trato vocal Nasal Oral Formações adicionais e menos intensidade nas formações existentes articulação com a cavidade nasal CompactoDifuso energia concentrada na área central do spectrum Alta proporção de ressonância frontal interna DescontínuoContinuo interrupção ou transição abrupta oclusão e abertura rápidas do trato vocal EstridenteDoce alta intensidade de som efeitos ásperos e rascantes no ponto de articulação Controlado Não controlado grande velocidade de descarga de energia glotalização uso da glote Sonoro Surdo baixa freqüência de excitação periódica vibração das cordas vocais Tenso Frouxo longa duração e muita energia distribuída através de todo o spectro deformação excessiva do trato vocal para manter posição Grave Agudo energia concentrada em baixas freqüências periférica deslocada para frente ou fundo do trato vocal RebaixadoSustentado direcionamento descendente e mudanças ou diminuição da freqüência estreitamento da abertura do trato vocal por exemplo arredondando os lábiosIncisivoRasodirecionamento ascendente e mudaças para frequências altasredução da cavidade oral e alargamento da faringe Estes pares de opostos materializam a ambiciosa pretensão de sintetizar todos os traços fonéticos que seriam realmente pertinentes ou seja aqueles traços fonéticos que se supõe capazes de explicar como diz ainda François Dosse todas as oposições em todas as línguas do mundo portanto realizarem o sonho de universalidade que anima a corrente estruturalista Tal como a linguagem formal matemática o código fonemático também é para Jakobson binário desde a mais tenra infância O binarismo está no âmago do sistema fonológico onde se reencontra o pensamento dicotômico de Ferdinand de Saussure Ao dualismo do signo entre significante e significado entre o sensível e o inteligível responde a binaridade do sistema fonológico opcit p80 3Haroldo de poética e cinema Campos Linguística São Paulo Perspectiva 1970 p187 4Tzvetan Todorov Teorias do símbolo Lisboa Edições 70 p 298 5Idem Ibidem p 300 6 As teses de 1929 in Dionísio Toledo org Círculo lingüístico de Praga estruturalismo e semiologia Porto Alegre Globo 1978 p 89 7 Roman Jakobson Lingüística e poética In Lingüística e comunicação São PauloCultrix 1995 8 Idem O dominante In Luiz Costa Lima Teoria da literatura em suas fontes Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 vol L p 513 9 Idem Ibidem p 514 10 Bóris Schnaiderman Uma visão dialética e radical da literatura In Roman Jakobson Lingüisticat poética e cinema São Paulo Perspectiva 1970 p 176 e 177 11 Linguística e comunicação São Paulo Cultrix 1975 p 62 12 Gerard Genette Métonymie chz Proust In Figures III Paris Seuil 1972 p 61 13 David Lodge A linguagem da ficção modernista In Malcolm Bradbury e James McFarlane org Modernismo guia geral 1890 1930 São Paulo Companhia das Letras 1989 p 394 a 398 A argumentação de Lodge deixa poucas dúvidas sobre a natureza dos procedimentos narrativos que analisa e é difícil não concordar com a sua idéia de que no Ulisses de Joyce 1922 os monólogos interiores dos personagens centrais Stephen Dedalus e Leopold Bloom são respectivamente exemplos bem acabados de narrativa metafórica e metonímica Basta atentar para os dois trechos de Ulisses escolhido por ele para ilustrar o caráter metafórico do fluxo de consciência de Stephen que é um momento do episódio intitulado Proteu onde ele avista uma parteira a Sra McCabe e o caráter metonímico do monólogo interior de Bloom no momento em que ele observa a empregada do seu vizinho logo após sua entrada na trama STEPHEN BLOOM Uma da irmandade dela me puxou guinchando para a vida Criação a partir do nadaO que ela tem na valise Um parto malfeito com um cordão umbilical dependurado abafado em lã sangrenta Os cordões de todos se amarram atrás corda tranciretorcida de toda carde Por isso monges místicos Vocês serão como deuses Mirem seus ônfalos Alô Aqui é Kinch Liguemme para Edenville Alef alfa zero umEsposa e companheira de adão Kadman Heva nua Eva Ela não tinha umbigo Mirem Um rim exudava de sangue sobre a bandeja desenhada de salgueiro o último Ele se postou no balcão ao lado da moça da casa vizinha Iria compralo também recitando as compras de um papelzinho na mão Gretada lixívia E uma libra e meia de salsichas Denny Os olhos dele pousavam em suas ancas vigorosas Woods é o nome dele Mulher velhota Sangue novo Namorados não são permitidos Par de braços fortes Batendo um tapete no varal E bate mesmo por São Jorge O jeito que sua saia pensa gira a cada batida O trecho de Stephen deixa bem explícita a sua dimensão metafórica pois avança como o autor ressalta por similaridades e substituiçõesalém de valerse de diversas metáforas que o fazem passar da parteira para o Gênesis e do seu nascimento para a origem da raça humana um tom bem diferente do de Bloom que se desenrola pela associação de itens contíguos revelando um tipo de narração sinedótica p 397398 14 Ver nota 15 15 A dificuldade de relacionar de forma tão íntima como faz Jakobson o interesse pelo linguajar cotidiano e popular e o desejo de renovação da linguagem literária é ainda maior quando se atenta para outros períodos históricos como por exemplo aquele em que predominou o classicismo na literatura européia nos séculos XVII e XVIII Nessa época a intenção dos literatos era depurar a expressão literária através da aproximação com modelos gregos e latinos antigos o que implicava justamente em evitar os gêneros e formas populares Podese é claro pôr em discussão o significado social e ideológico da opção dos classicistas mas é difícil negar que os franceses Corneille Racine Moliére Boileau La Fontaine Mme de Sevigné e Mme de La Fayette os espanhóis Góngora e Quevedo ou os ingleses Milton Dryden e Pope imprimiram o tom dominante nas principais literaturas européias durante o século XVII e até o advento do romantismo no fim do século XVIII orientandose por conceitos e práticas de aprimoramento literário bem diferentes para não dizer opostos à valorização da linguagem cotidiana ou popular Share this Twitter Facebook Deixe um comentário Arquivos Universidades Ufal Ufpe Pesquisar Universidades Ufal Ufpe Grupo de Pesquisa Intermídia Núcleo de Estudos e Pesquisas em Comunicação e Informação NepecCNPq Crie um website ou blog gratuito no WordPresscom Inicial Revista Apontamentos Midiáticos Intermídia Textos Livros e Periódicos Agenda Notícias Comentários Sponsored Content Esse método tem sido a melhor Blog Notícia Agora Moradores de Marau trocam TV a cabo po OctaAir Canais Excl Ver mais Um truque para a potência Disfunção Masculina Carregando Digite seu comentário aqui Digite seu comentário aqui DENUNCIAR ESTE ANÚNCIO Anúncios Fechar e aceitar Privacidade e cookies Esse site utiliza cookies 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como o futurismo russo por fim em outro estudo já em 1960 ele considera que a supremacia da função poética em relação à função referencial não faz desaparecer a referência a denotação mas tornaa ambígua5 Nunca é demais ter em conta que Jakobson desenvolveu suas teorias sobre a literatura e a poesia em paralelo á sua prestigiosa carreira como lingüista a qual constitui uma parcela fundamental na criação e difusão da lingüística estrutural Deste modo a medida que esta consolidou seus pressupostos básicos o que ocorreu entre os anos 30 e 60 é natural que sua aplicação no campo literário resultasse em alguns reparos Foi apenas nos anos 50 que as teorizações estruturalistas alcançaram maior rigor conceitual e sistematização transbordando para diversos outros campos como além da lingüística a antropologia a sociologia ou a comunicação de massa levando Jakobson a definir com maior precisão e embasado no desenvolvimento da lingüística estrutural as diversas funções desempenhadas pela linguagem dentre as quais a função poética Em lugar da diferenciação básica entre a função comunicativa voltada para o significado e a função poética voltada para o próprio signo que figura nas Teses do Círculo lingüístico de Praga de 19296 o modelo mais complexo elaborado por Jakobson no início dos anos 60 parte de um esquema geral do ato de comunicação a mensagem um conteúdo ou contexto ao qual ela se refira um emissor que a envie um destinatário que a receba um canal de contato e um código que permita sua compreensão a partir do qual são discriminadas seis funções inerentes à linguagem que podem até atuar em conjunto mas singularizamse por estar direcionadas para diferentes aspectos do processo comunicativo conforme o esquema abaixo CONTEXTO função referencial EMISSOR MENSAGEM RECEPTOR função emotiva função poética função conativa CONTATO função fática CÓDIGO função metalingüística A função referencial relacionase com o referente isto é com o contexto ou conteúdo referido pela mensagem a função emotiva ligase ao emissor aquele que é o autor da mensagem a função conativa ligase ao destinatário aquele para quem a mensagem se destina a função fática está ligada ao canal de contato estabelecido para a comunicação a função metalingüística diz respeito ao o código utilizado e a função poética está ligada à própria mensagem7 Deste modo as potencialidades poéticas da língua evidenciamse quando o ato comunicativo está direcionado para a estrutura mesma das mensagens para a forma como está é construída e não exatamente para um desvelamento ou aprofundamento do código que utiliza aspectos que passam a ser uma potencialidade mais claramente diferenciada não exatamente de natureza estética denominada de metalingüística A função poética permanece porém como o traço dominante na obra poética e este conceito de dominante desenvolvido de forma mais aprofundada a partir do período praguense de Jakobson mas já antecipado em análises formalistas não apenas suas mas também de Chklóvski Tinianov ou Eikhembaum é definido por ele como centro de enfoque de um trabalho artístico ele regulamenta determina e transforma os seus componentes O dominante garante a integridade da estruturaÉ ele que torna específico o trabalhoO traço típico da linguagem contida é obviamente seu padrão prosódico a escrita em verso Por sua vez verso não é apenas um conceito simples nem uma unidade indivisível Ele é em si um sistema de valores e como em todo sistema de valores ele detém uma hierarquia própria na qual existem valores superiores e inferiores e um valor primeiro entre todos o dominante sem o qual no interior da trama de um dado período literário e uma determinada vertente artística o verso nem pode ser concebido nem avaliado como verso8 Assim o dominante evidencia a função poética podendo coexistir com elementos relacionados às outras funções como os relacionados à função referencial na poesia épica clássica ou aqueles que apontam para a função emotiva na poesia romântica mais tradicional Jakobson ainda amplia o conceito de dominante para as artes em geral assinalando que na arte da Renascença o dominante o cume dos critérios estéticos do tempo estava nas artes visuais Outras artes orientavam seus próprios caminhos na direção das artes visuais e eram valorizadas de acordo com a proximidade que alcançavam em relação ao objetivo que visavam Por outro na arte do Romantismo o valor supremo esteve no terreno da música Assim a poesia romântica também se orientou na direção da música Na estética realista o dominante era a arte verbal e a hierarquia dos valores poéticos modificouse em coerência com isto9 Esta visão inusitada parece suprir um desinteresse de Jakobson compartilhado com os formalistas de modo geral pelos fatores determinantes da evolução dos estilos literários pois de acordo com ela as obras poéticas podem mudar mas a função poética permaneceria Ela também relativiza a ausência de uma atenção maior à questão dos gêneros e portanto à explicação das diferenças fundamentais entre modalidades de obras literárias e o papel deste aspecto na sua comunicabilidade A busca de critérios mais efetivos para compreender a evolução histórica da literatura aspecto que o formalismo não equacionou de forma satisfatória também foi uma preocupação precoce de Jakobson Já em um de seus primeiros trabalhos Nova poesia russa 1919 ele propôs segundo Bóris Schnaiderman uma visão inovadora da periodologia das escolas poéticas apoiada na convicção de que a linguagem da poesia desgastase de tempos em tempos e voltase para o linguajar cotidiano na busca de novas formas e construções o que imporia a necessidade de apreender cada fato da linguagem poética numa comparação inevitável com três momentos a tradição poética a linguagem prática da atualidade e a tendência poética que se manifesta10 De acordo com essa perspectiva a tradição poética seria algo como um repositório de procedimentos que se não forem periodicamente testados e contestados pelo influxo da linguagem da atualidade terminaria por asfixiar as possibilidades de expressão poética autêntica e mesmo a criatividade lingüística de uma forma mais ampla Uma problemática que é sumamente importante para se avaliar a dimensão renovadora de movimentos e experiências poéticas muitas vezes desligados e até francamente contrários ao gosto literário dominante como era o caso das vanguardas Outro postulado de fundamental importância na produção teórica acerca da literatura de Jakobson é a sua concepção da prosa e da poesia como ampliação de determinadas categorias verbais mais precisamente de duas das mais conhecidas figuras de linguagem a metáfora e a metonímia Segundo ele O princípio da similaridade domina a poesia o paralelismo métrico dos versos ou a equivalência fônica das rimas impõem o problema da similitude e do contraste semânticos Pelo contrário a prosa gira essencialmente em torno das relações de contigüidade Portanto a metáfora para a poesia e a metonímia para a prosa constituem a linha de menor resistência11 Sendo assim a poesia tenderia inevitavelmente para a metáfora enquanto a prosa por seu lado aproximarseia da metonímia O esquematismo desta concepção já anuncia a dificuldade de sua aplicação em obras literárias de maior complexidade Existem de fato romances preponderantemente metonímicos que abusam das relações de contigüidade como os dos realistas franceses Stendhal ou Balzac marcados por minuciosas descrições que funcionam como perífrases de estados de espírito assim como existem poesias metafóricas como as dos românticos alemães Holdërlin e Novalis no entanto isto não torna toda a poesia afim da metáfora ou toda a prosa metonímica Analisando exaustivamente a obra romanesca de Marcel Proust um dos mais influentes prosadores do século XX Gerard Genette concluiu que se quisermos como propõe Roman Jakobson caracterizar o percurso metonímico com a dimensão propriamente prosaica do discurso e o percurso metafórico como sua dimensão poética deveremos então considerar a escrita proustiana como a tentativa mais extrema em direção desse estado misto assumindo e ativando plenamente os dois eixos da linguagem12 De modo semelhante David Lodge partindo das considerações de Jakobson sobre a prosa ser essencialmente impelida pela contigüidade e desta forma tender para a metonímia e a poesia para a similaridade e conseqüentemente inclinarse para a metáfora ressalta que na ficção modernista aquela produzida nas primeiras décadas deste século podese identificar ambos os tipos de expressão chegando mesmo a apontar os romances que compõem Em busca do tempo perdido de Proust 19131927 ou Passeio ao Farol de Virgínia Woolf 1927 como essencialmente metafóricos e outros como Ulisses de James Joyce 1922 como equilibrados na exploração da metáfora por exemplo no modo de expressar a consciência do personagem Leopold Bloom e da metonímia na expressão da consciência de Stephen Dedalus13 Se há dificuldades de enquadrar na bipolaridade traçada por Jakobson narrativas de escritores renomados contemporâneos dos seus primeiros estudos formalistas nada indica que com relação à ficção de outras épocas a situação seja diferente Basta pensar no caso da prosa nos romances de Rabelais ou nos contos fantásticos de ETA Hoffmann e Edgar Allan Poe onde a construção metafórica é mais do que evidente ou por outro lado nos diversos tipos de poesia apoiada em acentos ou marcas da dicção prosaica revelando uma expressão baseada na contigüidade e neste caso metonímico como a lírica tardomedieval de François Villon ou a romântica e pitoresca de Robert Browning Apesar do fértil diálogo de Jakobson com a mais avançada poesia do seu tempo determinados aspectos da sua reflexão teórica desembocaram em postulações no mínimo questionáveis Os aspectos mais sujeitos a crítica na sua reflexão teórica são praticamente os mesmos que se pode apontar no formalismo de maneira geral em especial a dificuldade de fundamentar uma verdadeira teoria da narrativa Tendo sempre privilegiado a análise da poesia Jakobson tal como os formalistas em geral buscou caracterizar a prosa quase que por comparação Seja como for a sua noção de poesia metafórica e prosa metonímica mesmo considerando sua produtividade em certos casos dificilmente pode ser aplicada sem ressalvas à prática literária em sentido mais amplo Também a sua idéia de uma cronologia literária como resultado de sucessivos processos de desgaste da linguagem poética e sua revitalização através de empréstimos da linguagem cotidiana não pode ser aceito sem reservas Podese fazer a ela a mesma crítica feita por Bakhtin ao formalismo a de que é excessivamente redutor conceber a obra literária como categoria unicamente lingüística pois isto impossibilita uma verdadeira compreensão da evolução histórica da literatura o que implicaria em um relacionamento também com outras séries cronológicas de fenômenos da vida social14 Além disso relacionar o uso do linguajar popular ou de empréstimos da linguagem cotidiana freqüentes na literatura do século XIX e XX apenas à renovação do discurso literário é um tanto redutor e passa ao largo de outros fatores tão ou mais influentes neste fenômeno Em muitos autores voltados para a denúncia das injustiças sociais como os romancistas Charles Dickens na Inglaterra Émile Zola na França ou Giovanni Verga na Itália havia uma explícita tentativa de aproximarse da realidade popular através do uso de sua linguagem Em outros autores como os poetas Robert Burns na Escócia Carlo Porta e Giuseppe Belli na Itália ou Rosália de Castro na Galiza além deste aspecto havia ainda a busca de identificação com um público regional determinado e a intensificação da comunicação com ele15 A visão de Jakobson da evolução literária como um movimento sucessivo de desgaste da linguagem poética e renovação via empréstimos da linguagem comum ainda que estimulante e produtiva na análise de certas situações específicas não parece ser capaz de apreender e sintetizar de forma satisfatória a diversidade real de fatores que condicionam e caracterizam os períodos literários Em toda a reflexão teórica de Jakobson jamais foi abandonada esta perspectiva acerca da dinâmica da literatura e se por um lado isso contribuiu em muitos casos para esclarecer o papel importante que a manipulação lingüística teve para a consolidação do gosto literário por outro lado dificultou a apreensão de fatores diversos relacionados com a dinâmica da vida cultural e social que convergem na conformação da literatura e mais especificamente na sedimentação da linguagem literária 1 Será justamente em Nova York à época da segunda guerra mundial que Jakobson iniciará um frutífero diálogo teórico com o antropólogo Claude LeviStrauss que como ele ali viera buscar asilo resultando deste encontro uma das vertentes mais importantes senão a principal da abordagem estruturalista no campo das ciências humanas Como diz François Dosse o estruturalismo francês é entre outros fatores o resultado de um encontro particularmente fecundo em 1942 em Nova York entre Claude LéviStrauss e Roman Jakobson Por um lado LéviStrauss adota o modelo fonológico em que Jakobson o iniciou por outro Jakobson abre a lingüística para a antropologia História do estruturalismo v 1 o campo do signo 19451966 São Paulo Ensaio Campinas Universidade Federal de Campinas 1993 p 75 2 Este círculo além de impulsionar o estruturalismo lingüístico especialmente na área da fonologia em que se destacou juntamente com Jakobson o também russo Nikolai Trubetzkói foi importante para a renovação dos estudos literários Jakobson e outros membros do grupo foram pioneiros na utilização da noção de estrutura em substituição à de procedimento usada pelos formalistas Esta noção será particularmente importante na teorização de outro integrante do Círculo de Praga Jan Mukařovský que vai precisar o novo conceito como um sistema de relações imanente à obra literária e não determinado do exterior por causas históricas ou sociais terminando por depreender de sua aplicação nos estudos literários uma teoria semiótica geral do fenômeno artístico exposta já em 1934 A arte como fato semiológico In Dionísio de Oliveira Toledo org Círculo lingüístico de Praga estruturalismo e semiologiaPorto Alegre Globo 1978 A importância das formulações particulares de Mukařovský assim como as de outros integrantes do círculo de Praga para a evolução dos estudos lingüísticos e para a teoria literária é inegável no entanto não se deve esquecer que como diz Jakobson o que se considerou muitas vezes como a contribuição específica de Praga para o desenvolvimento da lingüística moderna constitui em grande parte o denominador comum de várias correntes convergentes da vida científica de diversos países europeus nessa época A cooperação entre eruditos de diversos países constituía o sustentáculo das atividades do Círculo Assim por exemplo em 1928 ano da sua consolidação dentre treze trabalhos lidos no Círculo cinco eram tchecos um era francês e sete russos Os autores de três destes últimos eram visitantes provenientes da União soviética B V Tomachevski J N Tynianov e G Vinokur Recherches des moyens et fins du langage dans la linguistique européenne de Lentredeux guerres In Essais de linguistique générale Paris Minuit 1973 p 312 e 313 Com efeito foi muito significativa a contribuição de estrangeiros ao círculo que teve como membros regulares além de teóricos checos como Vilém Mathesius Bohuslav Havránek Jan Mukařovský René Wellek Felix Vodička e Jirí Veltruský egressos de outros países como os russos Piotr Bogatyriov Evgueni Polivanov Nikolai Trubetzkói e Serguei Kartsevski os franceses Émile Benveniste André Martinet e Lucien Tesnière ou o austríaco Karl Bühler Por outro lado foi em Praga que Jakobson descobriu em 1920 o Curso de lingüística geral de Saussure São Paulo Cultrix 2000 obra fundamental para o desenvolvimento da lingüística estrutural e também reencontrou Nikolai Trubetzkói que conhecera em 191415 ainda na Rússia autor de Princípios de fonologia de 1939 Madrid Cincel 1987 um clássico no seu campo onde o fonema entidade básica da língua é definido como explica François Dosse por seu lugar no sistema fonológico o método consiste em identificar as oposições fônicas levandose em conta quatro traços distintivos que são a nasalidade o ponto de articulação a labialidade e a abertura Reencontrase aí o princípio saussuriano da diferença pertinente da investigação de unidades mínimas de pertinência neste caso o fonema O distanciamento do referente próprio de Saussure é retomado assim como essa investigação das leis internas do código da língua A fonologia mantémse à margem de toda a realidade extralingüísitica História do estruturalismo v 1 o campo do signo 19451966 São Paulo Ensaio Campinas Editora da Universidade Federal de Campinas 1993 p 80 Esta empresa fonológica será mais tarde transformada por Jakobson nos ensaios que integram Fundamentals of language obra conjunta com Morris Halle de 1956 The Hague Mouton em um quadro de doze oposições binárias traço descrição acústica descrição articulatória VocálicoNãovocálico estrutura nitidamente definida passagem livre de ar pelo trato vocal ConsonantalNão consonantal baixa quantidade de energia obstrução no trato vocal Nasal Oral Formações adicionais e menos intensidade nas formações existentes articulação com a cavidade nasal CompactoDifuso energia concentrada na área central do spectrum Alta proporção de ressonância frontal interna DescontínuoContinuo interrupção ou transição abrupta oclusão e abertura rápidas do trato vocal EstridenteDoce alta intensidade de som efeitos ásperos e rascantes no ponto de articulação Controlado Não controlado grande velocidade de descarga de energia glotalização uso da glote Sonoro Surdo baixa freqüência de excitação periódica vibração das cordas vocais Tenso Frouxo longa duração e muita energia distribuída através de todo o spectro deformação excessiva do trato vocal para manter posição Grave Agudo energia concentrada em baixas freqüências periférica deslocada para frente ou fundo do trato vocal RebaixadoSustentado direcionamento descendente e mudanças ou diminuição da freqüência estreitamento da abertura do trato vocal por exemplo arredondando os lábiosIncisivoRasodirecionamento ascendente e mudaças para frequências altasredução da cavidade oral e alargamento da faringe Estes pares de opostos materializam a ambiciosa pretensão de sintetizar todos os traços fonéticos que seriam realmente pertinentes ou seja aqueles traços fonéticos que se supõe capazes de explicar como diz ainda François Dosse todas as oposições em todas as línguas do mundo portanto realizarem o sonho de universalidade que anima a corrente estruturalista Tal como a linguagem formal matemática o código fonemático também é para Jakobson binário desde a mais tenra infância O binarismo está no âmago do sistema fonológico onde se reencontra o pensamento dicotômico de Ferdinand de Saussure Ao dualismo do signo entre significante e significado entre o sensível e o inteligível responde a binaridade do sistema fonológico opcit p80 3Haroldo de poética e cinema Campos Linguística São Paulo Perspectiva 1970 p187 4Tzvetan Todorov Teorias do símbolo Lisboa Edições 70 p 298 5Idem Ibidem p 300 6 As teses de 1929 in Dionísio Toledo org Círculo lingüístico de Praga estruturalismo e semiologia Porto Alegre Globo 1978 p 89 7 Roman Jakobson Lingüística e poética In Lingüística e comunicação São PauloCultrix 1995 8 Idem O dominante In Luiz Costa Lima Teoria da literatura em suas fontes Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 vol L p 513 9 Idem Ibidem p 514 10 Bóris Schnaiderman Uma visão dialética e radical da literatura In Roman Jakobson Lingüisticat poética e cinema São Paulo Perspectiva 1970 p 176 e 177 11 Linguística e comunicação São Paulo Cultrix 1975 p 62 12 Gerard Genette Métonymie chz Proust In Figures III Paris Seuil 1972 p 61 13 David Lodge A linguagem da ficção modernista In Malcolm Bradbury e James McFarlane org Modernismo guia geral 1890 1930 São Paulo Companhia das Letras 1989 p 394 a 398 A argumentação de Lodge deixa poucas dúvidas sobre a natureza dos procedimentos narrativos que analisa e é difícil não concordar com a sua idéia de que no Ulisses de Joyce 1922 os monólogos interiores dos personagens centrais Stephen Dedalus e Leopold Bloom são respectivamente exemplos bem acabados de narrativa metafórica e metonímica Basta atentar para os dois trechos de Ulisses escolhido por ele para ilustrar o caráter metafórico do fluxo de consciência de Stephen que é um momento do episódio intitulado Proteu onde ele avista uma parteira a Sra McCabe e o caráter metonímico do monólogo interior de Bloom no momento em que ele observa a empregada do seu vizinho logo após sua entrada na trama STEPHEN BLOOM Uma da irmandade dela me puxou guinchando para a vida Criação a partir do nadaO que ela tem na valise Um parto malfeito com um cordão umbilical dependurado abafado em lã sangrenta Os cordões de todos se amarram atrás corda tranciretorcida de toda carde Por isso monges místicos Vocês serão como deuses Mirem seus ônfalos Alô Aqui é Kinch Liguemme para Edenville Alef alfa zero umEsposa e companheira de adão Kadman Heva nua Eva Ela não tinha umbigo Mirem Um rim exudava de sangue sobre a bandeja desenhada de salgueiro o último Ele se postou no balcão ao lado da moça da casa vizinha Iria compralo também recitando as compras de um papelzinho na mão Gretada lixívia E uma libra e meia de salsichas Denny Os olhos dele pousavam em suas ancas vigorosas Woods é o nome dele Mulher velhota Sangue novo Namorados não são permitidos Par de braços fortes Batendo um tapete no varal E bate mesmo por São Jorge O jeito que sua saia pensa gira a cada batida O trecho de Stephen deixa bem explícita a sua dimensão metafórica pois avança como o autor ressalta por similaridades e substituiçõesalém de valerse de diversas metáforas que o fazem passar da parteira para o Gênesis e do seu nascimento para a origem da raça humana um tom bem diferente do de Bloom que se desenrola pela associação de itens contíguos revelando um tipo de narração sinedótica p 397398 14 Ver nota 15 15 A dificuldade de relacionar de forma tão íntima como faz Jakobson o interesse pelo linguajar cotidiano e popular e o desejo de renovação da linguagem literária é ainda maior quando se atenta para outros períodos históricos como por exemplo aquele em que predominou o classicismo na literatura européia nos séculos XVII e XVIII Nessa época a intenção dos literatos era depurar a expressão literária através da aproximação com modelos gregos e latinos antigos o que implicava justamente em evitar os gêneros e formas populares Podese é claro pôr em discussão o significado social e ideológico da opção dos classicistas mas é difícil negar que os franceses Corneille Racine Moliére Boileau La Fontaine Mme de Sevigné e Mme de La Fayette os espanhóis Góngora e Quevedo ou os ingleses Milton Dryden e Pope imprimiram o tom dominante nas principais literaturas européias durante o século XVII e até o advento do romantismo no fim do século XVIII orientandose por conceitos e práticas de aprimoramento literário bem diferentes para não dizer opostos à valorização da linguagem cotidiana ou popular Share this Twitter Facebook Deixe um comentário Arquivos Universidades Ufal Ufpe Pesquisar Universidades Ufal Ufpe Grupo de Pesquisa Intermídia Núcleo de Estudos e Pesquisas em Comunicação e Informação NepecCNPq Crie um website ou blog gratuito no WordPresscom Inicial Revista Apontamentos Midiáticos Intermídia Textos Livros e Periódicos Agenda Notícias Comentários Sponsored Content Esse método tem sido a melhor Blog Notícia Agora Moradores de Marau trocam TV a cabo po OctaAir Canais Excl Ver mais Um truque para a potência Disfunção Masculina Carregando Digite seu comentário aqui Digite seu comentário aqui DENUNCIAR ESTE ANÚNCIO Anúncios Fechar e aceitar Privacidade e cookies Esse site utiliza cookies 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