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Revista Brasileira de Educação ISSN 14132478 rbeanpedorgbr Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação Brasil Bondía Larrosa Jorge Notas sobre a experiência e o saber de experiência Revista Brasileira de Educação núm 19 janabr 2002 pp 2028 Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação Rio de Janeiro Brasil Disponível em httpwwwredalycorgarticulooaid27501903 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina Caribe Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Notas sobre a experiência e o saber de experiência Jorge Larrosa Bondía Universidade de Barcelona Espanha Tradução de João Wanderley Geraldi Universidade Estadual de Campinas Departamento de Lingüística No combate entre você e o mundo prefira o mundo Franz Kafka Costumase pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou às vezes do ponto de vista da relação entre teoria e prática Se o par ciênciatécnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora o par teoriaprática remete sobretudo a uma perspectiva política e crítica De fato somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra reflexão e expressões como reflexão crítica reflexão sobre prática ou não prática reflexão emancipadora etc Se na primeira alternativa as pessoas que trabalham em educação são concebidas como sujeitos técnicos que aplicam com maior ou menor eficácia as Conferência proferida no I Seminário Internacional de Educação de Campinas traduzida e publicada em julho de 2001 por Leituras SME Textossubsídios ao trabalho pedagógico das unidades da Rede Municipal de Educação de CampinasFUMEC A Comissão Editorial agradece Corinta Grisolia Geraldi responsável por Leituras SME a autorização para sua publicação na Revista Brasileira de Educação diversas tecnologias pedagógicas produzidas pelos cientistas pelos técnicos e pelos especialistas na segunda alternativa estas mesmas pessoas aparecem como sujeitos críticos que armados de distintas estratégias reflexivas se comprometem com maior ou menor êxito com práticas educativas concebidas na maioria das vezes sob uma perspectiva política Tudo isso é suficientemente conhecido posto que nas últimas décadas o campo pedagógico tem estado separado entre os chamados técnicos e os chamados críticos entre os partidários da educação como ciência aplicada e os partidários da educação como práxis política e não vou retomar a discussão O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra possibilidade digamos que mais existencial sem ser existencialista e mais estética sem ser esteticista a saber pensar a educação a partir do par experiênciasentido O que vou fazer em seguida é sugerir certo significado para estas duas palavras em distintos contextos e depois vocês me dirão como isto lhes soa O que vou fazer é simplesmente explorar algumas palavras e tratar de compartilhálas E isto a partir da convicção de que as palavras JanFevMarAbr 2002 Nº 19 Revista Brasileira de Educação 20 JanFevMarAbr 2002 Nº 19 21 produzem sentido criam realidades e às vezes funcionam como potentes mecanismos de subjetivação Eu creio no poder das palavras na força das palavras creio que fazemos coisas com as palavras e também que as palavras fazem coisas conosco As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos mas com palavras não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência mas a partir de nossas palavras E pensar não é somente raciocinar ou calcular ou argumentar como nos tem sido ensinado algumas vezes mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece E isto o sentido ou o semsentido é algo que tem a ver com as palavras E portanto também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos diante dos outros e diante do mundo em que vivemos E o modo como agimos em relação a tudo isso Todo mundo sabe que Aristóteles definiu o homem como zôon lógon échon A tradução desta expressão porém é muito mais vivente dotado de palavra do que animal dotado de razão ou animal racional Se há uma tradução que realmente trai no pior sentido da palavra é justamente essa de traduzir logos por ratio E a transformação de zôon vivente em animal O homem é um vivente com palavra E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa ou uma faculdade ou uma ferramenta mas que o homem é palavra que o homem é enquanto palavra que todo humano tem a ver com a palavra se dá em palavra está tecido de palavras que o modo de viver próprio desse vivente que é o homem se dá na palavra e como palavra Por isso atividades como considerar as palavras criticar as palavras eleger as palavras cuidar das palavras inventar palavras jogar com as palavras impor palavras proibir palavras transformar palavras etc não são atividades ocas ou vazias não são mero palavrório Quando fazemos coisas com as palavras do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece de como correlacionamos as palavras e as coisas de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos Nomear o que fazemos em educação ou em qualquer outro lugar como técnica aplicada como práxis reflexiva ou como experiência dotada de sentido não é somente uma questão terminológica As palavras com que nomeamos o que somos o que fazemos o que pensamos o que percebemos ou o que sentimos são mais do que simplesmente palavras E por isso as lutas pelas palavras pelo significado e pelo controle das palavras pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras palavras são lutas em que se joga algo mais do que simplesmente palavras algo mais que somente palavras 1 Começarei com a palavra experiência Poderíamos dizer de início que a experiência é em espanhol o que nos passa Em português se diria que a experiência é o que nos acontece em francês a experiência seria ce que nous arrive em italiano quello che nos succede ou quello che nos accade em inglês that what is happening to us em alemão was mir passiert A experiência é o que nos passa o que nos acontece o que nos toca Não o que se passa não o que acontece ou o que toca A cada dia se passam muitas coisas porém ao mesmo tempo quase nada nos acontece Dirseia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça1 Walter Benjamin em um texto célebre já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo Nunca se passaram tantas coisas mas a experiência é cada vez mais rara Em primeiro lugar pelo excesso de informação A informação não é experiência E mais a informação não deixa lugar para a experiência ela é quase o contrário da experiência quase uma antiexperiência Por isso a ênfase contemporânea na informação em estar informados e toda a retórica destinada a constituirnos como sujeitos informantes e informados a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possi 1 Em espanhol o autor faz um jogo de palavras impossível no português Se diria que todo lo que pasa está organizado para que nada nos pase exceto se optássemos por uma tradução como Dirseia que tudo que se passa está organizado para que nada se nos passe Nota do tradutor bilidades de experiência O sujeito da informação sabe muitas coisas passa seu tempo buscando informação o que mais o preocupa é não ter bastante informação cada vez sabe mais cada vez está melhor informado porém com essa obsessão pela informação e pelo saber mas saber não no sentido de sabedoria mas no sentido de estar informado o que consegue é que nada lhe aconteça A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separála da informação E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separálo de saber coisas tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas quando se está informado É a língua mesma que nos dá essa possibilidade Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência depois de ter lido um livro ou uma informação depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos que temos mais informação sobre alguma coisa mas ao mesmo tempo podemos dizer também que nada nos aconteceu que nada nos tocou que com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu Além disso seguramente todos já ouvimos que vivemos numa sociedade de informação E já nos demos conta de que esta estranha expressão funciona às vezes como sinônimo de sociedade do conhecimento ou até mesmo de sociedade de aprendizagem Não deixa de ser curiosa a troca a intercambialidade entre os termos informação conhecimento e aprendizagem Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação E não deixa de ser interessante também que as velhas metáforas organicistas do social que tantos jogos permitiram aos totalitarismos do século passado estejam sendo substituídas por metáforas cognitivistas seguramente também totalitárias ainda que revestidas agora de um look liberal democrático Independentemente de que seja urgente problematizar esse discurso que se está instalando sem crítica a cada dia mais profundamente e que pensa a sociedade como um mecanismo de processamento de informação o que eu quero apontar aqui é que uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível Em segundo lugar a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião O sujeito moderno é um sujeito informado que além disso opina É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e às vezes supostamente crítica sobre tudo o que se passa sobre tudo aquilo de que tem informação Para nós a opinião como a informação converteuse em um imperativo Em nossa arrogância passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados E se alguém não tem opinião se não tem uma posição própria sobre o que se passa se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente sentese em falso como se lhe faltasse algo essencial E pensa que tem de ter uma opinião Depois da informação vem a opinião No entanto a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência também faz com que nada nos aconteça Benjamin dizia que o periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência2 O periodismo destrói a experiência sobre isso não há dúvida e o periodismo não é outra coisa que a aliança perversa entre informação e opinião O periodismo é a fabricação da informação e a fabricação da opinião E quando a informação e a opinião se sacralizam quando ocupam todo o espaço do acontecer então o sujeito individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual e o sujeito coletivo esse que teria de fazer a história segundo os velhos marxistas não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública Quer dizer um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião um sujeito incapaz de experiência E o fato de o periodismo destruir a experiência é algo mais profundo e mais geral do que aquilo que derivaria do efeito dos meios de comunicação de massas sobre a conformação de nossas consciências O par informaçãoopinião é muito geral e permeia 2 Benjamin problematiza o periodismo em várias de suas obras ver por exemplo Benjamin 1991 p 111 e ss também por exemplo nossa idéia de aprendizagem inclusive do que os pedagogos e psicopedagogos chamam de aprendizagem significativa Desde pequenos até a universidade ao largo de toda nossa travessia pelos aparatos educacionais estamos submetidos a um dispositivo que funciona da seguinte maneira primeiro é preciso informarse e depois há de opinar há que dar uma opinião obviamente própria crítica e pessoal sobre o que quer que seja A opinião seria como a dimensão significativa da assim chamada aprendizagem significativa A informação seria o objetivo a opinião seria o subjetivo ela seria nossa reação subjetiva ao objetivo Além disso como reação subjetiva é uma reação que se tornou para nós automática quase reflexa informados sobre qualquer coisa nós opinamos Esse opinar se reduz na maioria das ocasiões em estar a favor ou contra Com isso nos convertemos em sujeitos competentes para responder como Deus manda as perguntas dos professores que cada vez mais se assemelham a comprovações de informações e a pesquisas de opinião Digame o que você sabe digame com que informação conta e exponha em continuação a sua opinião esse o dispositivo periodístico do saber e da aprendizagem o dispositivo que torna impossível a experiência Em terceiro lugar a experiência é cada vez mais rara por falta de tempo Tudo o que se passa passa demasiadamente depressa cada vez mais depressa E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera O acontecimento nos é dado na forma de choque do estímulo da sensação pura na forma da vivência instantânea pontual e fragmentada A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade pelo novo que caracteriza o mundo moderno impedem a conexão significativa entre acontecimentos Impedem também a memória já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento mas sem deixar qualquer vestígio O sujeito moderno não só está informado e opina mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias de novidades um curioso impenitente eternamente insatisfeito Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio Ao sujeito do estímulo da vivência pontual tudo o atravessa tudo o excita tudo o agita tudo o choca mas nada lhe acontece Por isso a velocidade e o que ela provoca a falta de silêncio e de memória são também inimigas mortais da experiência Nessa lógica de destruição generalizada da experiência estou cada vez mais convencido de que os aparatos educacionais também funcionam cada vez mais no sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça Não somente como já disse pelo funcionamento perverso e generalizado do par informaçãoopinião mas também pela velocidade Cada vez estamos mais tempo na escola e a universidade e os cursos de formação do professorado são parte da escola mas cada vez temos menos tempo Esse sujeito da formação permanente e acelerada da constante atualização da reciclagem sem fim é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria um sujeito que não pode perder tempo que tem sempre de aproveitar o tempo que não pode protelar qualquer coisa que tem de seguir o passo veloz do que se passa que não pode ficar para trás por isso mesmo por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo este sujeito já não tem tempo E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e cada vez mais curtos Com isso também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece Em quarto lugar a experiência é cada vez mais rara por excesso de trabalho Esse ponto me parece importante porque às vezes se confunde experiência com trabalho Existe um clichê segundo o qual nos livros e nos centros de ensino se aprende a teoria o saber que vem dos livros e das palavras e no trabalho se adquire a experiência o saber que vem do fazer ou da prática como se diz atualmente Quando se redige o currículo distinguese formação acadêmica e experiência de trabalho Tenho ouvido falar de certa tendência aparentemente progressista no campo educacional que depois de criticar o modo como nossa Revista Brasileira de Educação 23 créditos para a experiência e para o saber de experiência adquirido no trabalho Por isso estou muito interessado em distinguir entre experiência e trabalho e além disso em criticar qualquer contagem de créditos para a experiência qualquer conversão da experiência em créditos em mercadoria em valor de troca Minha tese não é somente porque a experiência não tem nada a ver com o trabalho mas ainda mais fortemente que o trabalho essa modalidade de relação com as pessoas com as palavras e com as coisas que chamamos trabalho é também inimiga mortal da experiência O sujeito moderno além de ser um sujeito informado que opina além de estar permanentemente agitado e em movimento é um ser que trabalha quer dizer que pretende conformar o mundo tanto o mundo natural quanto o mundo social e humano tanto a natureza externa quanto a natureza interna segundo seu saber seu poder e sua vontade O trabalho é esta atividade que deriva desta pretensão O sujeito moderno é animado por portentosa mescla de otimismo de progressismo e de agressividade crê que pode fazer tudo o que se propõe e se hoje não pode algum dia poderá e para isso não duvida em destruir todo o que percebe como um obstáculo à sua onipotência O sujeito moderno se relaciona com o acontecimento do ponto de vista da ação Tudo é pretexto para sua atividade Sempre está a se perguntar sobre o que pode fazer Sempre está desejando fazer algo produzir algo regular algo Independentemente de este desejo estar motivado por uma boa vontade ou uma má vontade o sujeito moderno está atravessado por um afã de mudar as coisas E nisso coincidem os engenheiros os políticos os industrialistas os médicos os arquitetos os sindicalistas os jornalistas os cientistas os pedagogos e todos aqueles que põem no fazer coisas a sua existência Nós somos sujeitos ultrainformados transbordantes de opiniões e superestimulados mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos E por isso porque sempre estamos querendo o que não é porque estamos sempre em atividade porque estamos sempre mobilizados não podemos parar E por não podermos parar nada nos acontece A experiência a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque requer um gesto de interrupção um gesto que é quase impossível nos tempos que correm requer parar para pensar parar para olhar parar para escutar pensar mais devagar olhar mais devagar e escutar mais devagar parar para sentir sentir mais devagar demorarse nos detalhes suspender a opinião suspender o juízo suspender a vontade suspender o automatismo da ação cultivar a atenção e a delicadeza abrir os olhos e os ouvidos falar sobre o que nos acontece aprender a lentidão escutar aos outros cultivar a arte do encontro calar muito ter paciência e darse tempo e espaço 2 Até aqui a experiência e a destruição da experiência Vamos agora ao sujeito da experiência Esse sujeito que não é o sujeito da informação da opinião do trabalho que não é o sujeito do saber do julgar do fazer do poder do querer Se escutamos em espanhol nessa língua em que a experiência é o que nos passa o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo produz alguns afetos inscreve algumas marcas deixa alguns vestígios alguns efeitos Se escutamos em francês em que a experiência é ce que nous arrive o sujeito da experiência é um ponto de chegada um lugar a que chegam as coisas como um lugar que recebe o que chega e que ao receber lhe dá lugar E em português em italiano e em inglês em que a experiência soa como aquilo que nos acontece nos sucede ou happen to us o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos Em qualquer caso seja como território de passagem seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer o sujeito da experiência se define não por sua atividade mas por sua passividade por sua receptividade por sua disponibilidade por sua abertura Tratase porém de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo de uma passividade feita de paixão de padecimento de paciência de atenção como uma receptividade primeira como uma disponibilidade fundamental como uma abertura essencial O sujeito da experiência é um sujeito expos Jorge Larrosa Bondía to Do ponto de vista da experiência o importante não é nem a posição nossa maneira de pormos nem a oposição nossa maneira de opormos nem a imposição nossa maneira de impormos nem a proposição nossa maneira de propormos mas a exposição nossa maneira de expormos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe ou se opõe ou se impõe ou se propõe mas não se expõe É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada o toca nada lhe chega nada o afeta a quem nada o ameaça a quem nada ocorre 3 Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência A palavra experiência vem do latim experiri provar experimentar A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta que se prova O radical é periri que se encontra também em periculum perigo A raiz indoeuropéia é per com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia e secundariamente a idéia de prova Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia o percorrido a passagem peirô atravessar pera mais além peraô passar através perainô ir até o fim peras limite Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia a palavra peiratês pirata O sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso pondose nele à prova e buscando nele sua oportunidade sua ocasião A palavra experiência tem o ex de exterior de estrangeiro de exílio de estranho e também o ex de existência A experiência é a passagem da existência a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento mas que simplesmente existe de uma forma sempre singular finita imanente contingente Em alemão experiência é Erfahrung que contém o fahren de viajar E do antigo altoalemão fara também deriva Gefahr perigo e gefährden pôr em perigo Tanto nas línguas germânicas como nas latinas a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo 4 Em Heidegger 1987 encontramos uma definição de experiência em que soam muito bem essa exposição essa receptividade essa abertura assim como essas duas dimensões de travessia e perigo que acabamos de destacar fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece nos alcança que se apodera de nós que nos tomba e nos transforma Quando falamos em fazer uma experiência isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer fazer significa aqui sofrer padecer tomar o que nos alcança receptivamente aceitar à medida que nos submetemos a algo Fazer uma experiência quer dizer portanto deixarnos abordar em nós próprios pelo que nos interpela entrando e submetendonos a isso Podemos ser assim transformados por tais experiências de um dia para o outro ou no transcurso do tempo p 143 O sujeito da experiência se repassarmos pelos verbos que Heidegger usa neste parágrafo é um sujeito alcançado tombado derrubado Não um sujeito que permanece sempre em pé ereto erguido e seguro de si mesmo não um sujeito que alcança aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que quer não um sujeito definido por seus sucessos ou por seus poderes mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera Em contrapartida o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor padecente receptivo aceitante interpelado submetido Seu contrário o sujeito incapaz de experiência seria um sujeito firme forte impávido inatingível erguido anestesiado apático autodeterminado definido por seu saber por seu poder e por sua vontade Nas duas últimas linhas do parágrafo Podemos ser assim transformados por tais experiências de um dia para o outro ou no transcurso do tempo pode lerse outro componente fundamental da experiência sua capacidade de formação ou de transformação É ex Revista Brasileira de Educação 25 Jorge Larrosa Bondía experiência aquilo que nos passa ou que nos toca ou que nos acontece e ao nos passar nos forma e nos transforma Somente o sujeito da experiência está portanto aberto à sua própria transformação 5 Se a experiência é o que nos acontece e se o sujeito da experiência é um território de passagem então a experiência é uma paixão Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação mas a partir de uma lógica da paixão uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional E a palavra paixão pode referirse a várias coisas Primeiro a um sofrimento ou um padecimento No padecer não se é ativo porém tampouco se é simplesmente passivo O sujeito passional não é agente mas paciente mas há na paixão um assumir os padecimentos como um viver ou experimentar ou suportar ou aceitar ou assumir o padecer que não tem nada que ver com a mera passividade como se o sujeito passional fizesse algo ao assumir sua paixão Às vezes inclusive algo público ou político ou social como um testemunho público de algo ou uma prova pública de algo ou um martírio público em nome de algo ainda que esse público se dê na mais estrita solidão no mais completo anonimato Paixão pode referirse também a certa heteronomia ou a certa responsabilidade em relação com o outro que no entanto não é incompatível com a liberdade ou a autonomia Ainda que se trate naturalmente de outra liberdade e de outra autonomia diferente daquela do sujeito que se determina por si mesmo A paixão funda sobretudo uma liberdade dependente determinada vinculada obrigada inclusa fundada não nela mesma mas numa aceitação primeira de algo que está fora de mim de algo que não sou eu e que por isso justamente é capaz de me apaixonar E paixão pode referirse por fim a uma experiência do amor o amorpaixão ocidental cortêsão cavalheiresco cristão pensado como posse e feito de um desejo que permanece desejo e que quer permanecer desejo pura tensão insatisfeita pura orientação para um objeto sempre inatingível Na paixão o sujeito apaixonado não possui o objeto amado mas é possuído por ele Por isso o sujeito apaixonado não está em si próprio na posse de si mesmo no autodomínio mas está fora de si dominado pelo outro cativado pelo alheio alienado alucinado Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão no sentido de que o que quer o sujeito é precisamente permanecer cativo viver seu cativeiro sua dependência daquele por quem está apaixonado Ocorre também uma tensão entre prazer e dor entre felicidade e sofrimento no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade ou ao menos o cumprimento de seu destino no padecimento que sua paixão lhe proporciona O que o sujeito ama é precisamente sua própria paixão Mas ainda o sujeito apaixonado não é outra coisa e não quer ser outra coisa que não a paixão Daí talvez a tensão que a paixão extrema suporta entre vida e morte A paixão tem uma relação intrínseca com a morte ela se desenvolve no horizonte da morte mas de uma morte que é querida e desejada como verdadeira vida como a única coisa que vale a pena viver e às vezes como condição de possibilidade de todo renascimento 6 Até aqui vimos algumas explorações sobre o que poderia ser a experiência e o sujeito da experiência Algo que vimos sob o ponto de vista da travessia e do perigo da abertura e da exposição da receptividade e da transformação e da paixão Vamos agora ao saber da experiência Definir o sujeito da experiência como sujeito passional não significa pensálo como incapaz de conhecimento de compromisso ou ação A experiência funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética O sujeito passional tem também sua própria força e essa força se expressa produtivamente em forma de saber e em forma de práxis O que ocorre é que se trata de um saber distinto do saber científico e do saber da informação e de uma práxis distinta daquela da técnica e do trabalho O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana De fato a experiên JanFevMarAbr 2002 Nº 19 26 cer desejo pura tensão insatisfeita pura orientação para um objeto sempre inatingível Na paixão o sujeito apaixonado não possui o objeto amado mas é possuído por ele Por isso o sujeito apaixonado não está em si próprio na posse de si mesmo no autodomínio mas está fora de si dominado pelo outro cativado pelo alheio alienado alucinado Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão no sentido de que o que quer o sujeito é precisamente permanecer cativo viver seu cativeiro sua dependência daquele por quem está apaixonado Ocorre também uma tensão entre prazer e dor entre felicidade e sofrimento no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade ou ao menos o cumprimento de seu destino no padecimento que sua paixão lhe proporciona O que o sujeito ama é precisamente sua própria paixão Mas ainda o sujeito apaixonado não é outra coisa e não quer ser outra coisa que não a paixão Daí talvez a tensão que a paixão extrema suporta entre vida e morte A paixão tem uma relação intrínseca com a morte ela se desenvolve no horizonte da morte mas de uma morte que é querida e desejada como verdadeira vida como a única coisa que vale a pena viver e às vezes como condição de possibilidade de todo renascimento 6 Até aqui vimos algumas explorações sobre o que poderia ser a experiência e o sujeito da experiência Algo que vimos sob o ponto de vista da travessia e do perigo da abertura e da exposição da receptividade e da transformação e da paixão Vamos agora ao saber da experiência Definir o sujeito da experiência como sujeito passional não significa pensálo como incapaz de conhecimento de compromisso ou ação A experiência funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética O sujeito passional tem também sua própria força e essa força se expressa produtivamente em forma de saber e em forma de práxis O que ocorre é que se trata de um saber distinto do saber científico e do saber da informação e de uma práxis distinta daquela da técnica e do trabalho O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana De fato a experiên Notas sobre a experiência e o saber de experiência cia é uma espécie de mediação entre ambos É importante porém ter presente que do ponto de vista da experiência nem conhecimento nem vida significam o que significam habitualmente Atualmente o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia algo essencialmente infinito que somente pode crescer algo universal e objetivo de alguma forma impessoal algo que está aí fora de nós como algo de que podemos nos apropriar e que podemos utilizar e algo que tem que ver fundamentalmente com o útil no seu sentido mais estreitamente pragmático num sentido estritamente instrumental O conhecimento é basicamente mercadoria e estritamente dinheiro tão neutro e intercambiável tão sujeito à rentabilidade e à circulação acelerada como o dinheiro Recordemse as teorias do capital humano ou essas retóricas contemporâneas sobre a sociedade do conhecimento a sociedade da aprendizagem ou a sociedade da informação Em contrapartida a vida se reduz à sua dimensão biológica à satisfação das necessidades geralmente induzidas sempre incrementadas pela lógica do consumo à sobrevivência dos indivíduos e da sociedade Pensese no que significa para nós qualidade de vida ou nível de vida nada mais que a posse de uma série de cacarecos para uso e desfrute Nestas condições é claro que a mediação entre o conhecimento e a vida não é outra coisa que a apropriação utilitária a utilidade que se nos apresenta como conhecimento para as necessidades que se nos dão como vida e que são completamente indistintas das necessidades do Capital e do Estado Para entender o que seja a experiência é necessário remontar aos tempos anteriores à ciência moderna com sua específica definição do conhecimento objetivo e à sociedade capitalista na qual se constituiu a definição moderna de vida como vida burguesa Durante séculos o saber humano havia sido entendido como um páthei máthos como uma aprendizagem no e pelo padecer no e por aquilo que nos acontece Este é o saber da experiência o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas mas do sentido ou do semsentido do que nos acontece E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem ponto por ponto ao que entendemos como conhecimento Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do semsentido do que nos acontece tratase de um saber finito ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular ou de um modo ainda mais explícito tratase de um saber que revela ao homem concreto e singular entendido individual ou coletivamente o sentido ou o semsentido de sua própria existência de sua própria finitude Por isso o saber da experiência é um saber particular subjetivo relativo contingente pessoal Se a experiência não é o que acontece mas o que nos acontece duas pessoas ainda que enfrentem o mesmo acontecimento não fazem a mesma experiência O acontecimento é comum mas a experiência é para cada qual sua singular e de alguma maneira impossível de ser repetida O saber da experiência é um saber que não pode separarse do indivíduo concreto em quem encarna Não está como o conhecimento científico fora de nós mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade um caráter uma sensibilidade ou em definitivo uma forma humana singular de estar no mundo que é por sua vez uma ética um modo de conduzirse e uma estética um estilo Por isso também o saber da experiência não pode beneficiarse de qualquer alforria quer dizer ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha então sua qualidade existencial isto é sua relação com a existência com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto A experiência e o saber que dela deriva são o nos permite apropriarnos de nossa própria vida Ter uma vida própria pessoal como dizia Rainer Maria Rilke em Los Cuadernos de Malthe é algo cada vez mais raro quase tão raro quanto uma morte própria Se chamamos Revista Brasileira de Educação 27 sentido ao acontecer do que nos acontece No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas mas do sentido ou do semsentido do que nos acontece E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem ponto por ponto ao que entendemos como conhecimento Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do semsentido do que nos acontece tratase de um saber finito ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular ou de um modo ainda mais explícito tratase de um saber que revela ao homem concreto e singular entendido individual ou coletivamente o sentido ou o semsentido de sua própria existência de sua própria finitude Por isso o saber da experiência é um saber particular subjetivo relativo contingente pessoal Se a experiência não é o que acontece mas o que nos acontece duas pessoas ainda que enfrentem o mesmo acontecimento não fazem a mesma experiência O acontecimento é comum mas a experiência é para cada qual sua singular e de alguma maneira impossível de ser repetida O saber da experiência é um saber que não pode separarse do indivíduo concreto em quem encarna Não está como o conhecimento científico fora de nós mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade um caráter uma sensibilidade ou em definitivo uma forma humana singular de estar no mundo que é por sua vez uma ética um modo de conduzirse e uma estética um estilo Por isso também o saber da experiência não pode beneficiarse de qualquer alforria quer dizer ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha então sua qualidade existencial isto é sua relação com a existência com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto A experiência e o saber que dela deriva são o nos permite apropriarnos de nossa própria vida Ter uma vida própria pessoal como dizia Rainer Maria Rilke em Los Cuadernos de Malthe é algo cada vez mais raro quase tão raro quanto uma morte própria Se chamamos Jorge Larrosa Bondía existência a esta vida própria contingente e finita a essa vida que não está determinada por nenhuma essência nem por nenhum destino a essa vida que não tem nenhuma razão nem nenhum fundamento fora dela mesma a essa vida cujo sentido se vai construindo e destruindo no viver mesmo podemos pensar que tudo o que faz impossível a experiência faz também impossível a existência 7 A ciência moderna a que se inicia em Bacon e alcança sua formulação mais elaborada em Descartes desconfia da experiência E trata de convertêla em um elemento do método isto é do caminho seguro da ciência A experiência já não é o meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade mas o método da ciência objetiva da ciência que se dá como tarefa a apropriação e o domínio do mundo Aparece assim a idéia de uma ciência experimental Mas aí a experiência converteuse em experimento isto é em uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência A experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas e dominálas A partir daí o conhecimento já não é um páthei máthos uma aprendizagem na prova e pela prova com toda a incerteza que isso implica mas um mathema uma acumulação progressiva de verdades objetivas que no entanto permanecerão externas ao homem Uma vez vencido e abandonado o saber da experiência e uma vez separado o conhecimento da existência humana temos uma situação paradoxal Uma enorme inflação de conhecimentos objetivos uma enorme abundância de artefatos técnicos e uma enorme pobreza dessas formas de conhecimento que atuavam na vida humana nela inserindose e transformandoa A vida humana se fez pobre e necessitada e o conhecimento moderno já não é o saber ativo que alimentava iluminava e guiava a existência dos homens mas algo que flutua no ar estéril e desligado dessa vida em que já não pode encarnarse A segunda nota sobre o saber da experiência pretende evitar a confusão de experiência com experimento ou se se quiser limpar a palavra experiência de suas contaminações empíricas e experimentais de suas conotações metodológicas e metodologizantes Se o experimento é genérico a experiência é singular Se a lógica do experimento produz acordo consenso ou homogeneidade entre os sujeitos a lógica da experiência produz diferença heterogeneidade e pluralidade Por isso no compartilhar a experiência tratase mais de uma heterologia do que de uma homologia ou melhor tratase mais de uma dialogia que funciona heterologicamente do que uma dialogia que funciona homologicamente Se o experimento é repetível a experiência é irrepetível sempre há algo como a primeira vez Se o experimento é preditível e previsível a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida Além disso posto que não se pode antecipar o resultado a experiência não é o caminho até um objetivo previsto até uma meta que se conhece de antemão mas é uma abertura para o desconhecido para o que não se pode antecipar nem préver nem prédizer JORGE LARROSA BONDÍA é doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona Espanha onde atualmente é professor titular de filosofia da educação Publicou diversos artigos em periódicos brasileiros e tem dois livros traduzidos para o português Imagens do outro Vozes 1998 e Pedagogia profana Autêntica 1999 Referências Bibliográficas HEIDEGGER Martin 1987 La esencia del habla In De camino al habla Barcelona Edicionaes del Serbal BENJAMIN Walter 1991 El narrador In Para uma critica de la violencia y otros ensaios Madrid Taurus p 111 e ss Ou na edição brasileira 1994 Magia e técnica arte e política ensaios sobre literatura e história da cultura In Obras escolhidas 7ª ed São Paulo Brasiliense vol I Recebido em novembro de 2001 Aprovado em janeiro de 2002 JanFevMarAbr 2002 Nº 19 28 RESUMO DO TEXTO O texto aborda diferentes perspectivas sobre a educação incluindo a relação entre ciência e técnica teoria e prática técnicos e críticos O autor propõe uma abordagem mais existencial e estética pensando a educação a partir do par experiênciasentido Ele argumenta que as palavras têm um poder significativo na criação de realidades e subjetivação e que a experiência é algo que nos acontece e nos toca não apenas o que se passa O excesso de informação pode limitar a experiência e é importante considerar cuidadosamente as palavras que usamos para nomear o que fazemos em educação e em outras áreas O autor argumenta que a experiência é cada vez mais rara na sociedade atual devido à obsessão pela informação e pela opinião Ele afirma que a informação e a opinião se tornaram imperativos e que a sociedade atual é uma sociedade na qual a experiência é impossível Além disso o autor aponta que o periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência pois destrói a experiência ao fabricar tanto a informação quanto a opinião Ele afirma que o sujeito individual e coletivo é fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião tornandose incapazes de experiência O sujeito moderno é ultrainformado cheio de opiniões e hiperativo sempre em busca de fazer algo e produzir algo O sujeito da experiência é aquele que se permite parar e pensar olhar e escutar com atenção sentir com delicadeza suspender a opinião e a vontade automatizadas É aquele que valoriza o tempo e o espaço que tem paciência e sabe cultivar a arte do encontro É um sujeito que busca a lentidão e a conexão significativa entre os acontecimentos que não se deixa levar pela velocidade e pela obsessão pela novidade Em contrapartida o autor destaca que a experiência produz diferença heterogeneidade e pluralidade e é uma abertura para o desconhecido A experiência pode ser um caminho para a transformação pessoal e social O autor propõe uma educação que valorize a experiência como forma de resistência à lógica da informação e da opinião e como forma de construir uma sociedade mais justa e solidária

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Revista Brasileira de Educação ISSN 14132478 rbeanpedorgbr Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação Brasil Bondía Larrosa Jorge Notas sobre a experiência e o saber de experiência Revista Brasileira de Educação núm 19 janabr 2002 pp 2028 Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação Rio de Janeiro Brasil Disponível em httpwwwredalycorgarticulooaid27501903 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina Caribe Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Notas sobre a experiência e o saber de experiência Jorge Larrosa Bondía Universidade de Barcelona Espanha Tradução de João Wanderley Geraldi Universidade Estadual de Campinas Departamento de Lingüística No combate entre você e o mundo prefira o mundo Franz Kafka Costumase pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou às vezes do ponto de vista da relação entre teoria e prática Se o par ciênciatécnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora o par teoriaprática remete sobretudo a uma perspectiva política e crítica De fato somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra reflexão e expressões como reflexão crítica reflexão sobre prática ou não prática reflexão emancipadora etc Se na primeira alternativa as pessoas que trabalham em educação são concebidas como sujeitos técnicos que aplicam com maior ou menor eficácia as Conferência proferida no I Seminário Internacional de Educação de Campinas traduzida e publicada em julho de 2001 por Leituras SME Textossubsídios ao trabalho pedagógico das unidades da Rede Municipal de Educação de CampinasFUMEC A Comissão Editorial agradece Corinta Grisolia Geraldi responsável por Leituras SME a autorização para sua publicação na Revista Brasileira de Educação diversas tecnologias pedagógicas produzidas pelos cientistas pelos técnicos e pelos especialistas na segunda alternativa estas mesmas pessoas aparecem como sujeitos críticos que armados de distintas estratégias reflexivas se comprometem com maior ou menor êxito com práticas educativas concebidas na maioria das vezes sob uma perspectiva política Tudo isso é suficientemente conhecido posto que nas últimas décadas o campo pedagógico tem estado separado entre os chamados técnicos e os chamados críticos entre os partidários da educação como ciência aplicada e os partidários da educação como práxis política e não vou retomar a discussão O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra possibilidade digamos que mais existencial sem ser existencialista e mais estética sem ser esteticista a saber pensar a educação a partir do par experiênciasentido O que vou fazer em seguida é sugerir certo significado para estas duas palavras em distintos contextos e depois vocês me dirão como isto lhes soa O que vou fazer é simplesmente explorar algumas palavras e tratar de compartilhálas E isto a partir da convicção de que as palavras JanFevMarAbr 2002 Nº 19 Revista Brasileira de Educação 20 JanFevMarAbr 2002 Nº 19 21 produzem sentido criam realidades e às vezes funcionam como potentes mecanismos de subjetivação Eu creio no poder das palavras na força das palavras creio que fazemos coisas com as palavras e também que as palavras fazem coisas conosco As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos mas com palavras não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência mas a partir de nossas palavras E pensar não é somente raciocinar ou calcular ou argumentar como nos tem sido ensinado algumas vezes mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece E isto o sentido ou o semsentido é algo que tem a ver com as palavras E portanto também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos diante dos outros e diante do mundo em que vivemos E o modo como agimos em relação a tudo isso Todo mundo sabe que Aristóteles definiu o homem como zôon lógon échon A tradução desta expressão porém é muito mais vivente dotado de palavra do que animal dotado de razão ou animal racional Se há uma tradução que realmente trai no pior sentido da palavra é justamente essa de traduzir logos por ratio E a transformação de zôon vivente em animal O homem é um vivente com palavra E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa ou uma faculdade ou uma ferramenta mas que o homem é palavra que o homem é enquanto palavra que todo humano tem a ver com a palavra se dá em palavra está tecido de palavras que o modo de viver próprio desse vivente que é o homem se dá na palavra e como palavra Por isso atividades como considerar as palavras criticar as palavras eleger as palavras cuidar das palavras inventar palavras jogar com as palavras impor palavras proibir palavras transformar palavras etc não são atividades ocas ou vazias não são mero palavrório Quando fazemos coisas com as palavras do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece de como correlacionamos as palavras e as coisas de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos Nomear o que fazemos em educação ou em qualquer outro lugar como técnica aplicada como práxis reflexiva ou como experiência dotada de sentido não é somente uma questão terminológica As palavras com que nomeamos o que somos o que fazemos o que pensamos o que percebemos ou o que sentimos são mais do que simplesmente palavras E por isso as lutas pelas palavras pelo significado e pelo controle das palavras pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras palavras são lutas em que se joga algo mais do que simplesmente palavras algo mais que somente palavras 1 Começarei com a palavra experiência Poderíamos dizer de início que a experiência é em espanhol o que nos passa Em português se diria que a experiência é o que nos acontece em francês a experiência seria ce que nous arrive em italiano quello che nos succede ou quello che nos accade em inglês that what is happening to us em alemão was mir passiert A experiência é o que nos passa o que nos acontece o que nos toca Não o que se passa não o que acontece ou o que toca A cada dia se passam muitas coisas porém ao mesmo tempo quase nada nos acontece Dirseia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça1 Walter Benjamin em um texto célebre já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo Nunca se passaram tantas coisas mas a experiência é cada vez mais rara Em primeiro lugar pelo excesso de informação A informação não é experiência E mais a informação não deixa lugar para a experiência ela é quase o contrário da experiência quase uma antiexperiência Por isso a ênfase contemporânea na informação em estar informados e toda a retórica destinada a constituirnos como sujeitos informantes e informados a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possi 1 Em espanhol o autor faz um jogo de palavras impossível no português Se diria que todo lo que pasa está organizado para que nada nos pase exceto se optássemos por uma tradução como Dirseia que tudo que se passa está organizado para que nada se nos passe Nota do tradutor bilidades de experiência O sujeito da informação sabe muitas coisas passa seu tempo buscando informação o que mais o preocupa é não ter bastante informação cada vez sabe mais cada vez está melhor informado porém com essa obsessão pela informação e pelo saber mas saber não no sentido de sabedoria mas no sentido de estar informado o que consegue é que nada lhe aconteça A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separála da informação E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separálo de saber coisas tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas quando se está informado É a língua mesma que nos dá essa possibilidade Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência depois de ter lido um livro ou uma informação depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos que temos mais informação sobre alguma coisa mas ao mesmo tempo podemos dizer também que nada nos aconteceu que nada nos tocou que com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu Além disso seguramente todos já ouvimos que vivemos numa sociedade de informação E já nos demos conta de que esta estranha expressão funciona às vezes como sinônimo de sociedade do conhecimento ou até mesmo de sociedade de aprendizagem Não deixa de ser curiosa a troca a intercambialidade entre os termos informação conhecimento e aprendizagem Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação E não deixa de ser interessante também que as velhas metáforas organicistas do social que tantos jogos permitiram aos totalitarismos do século passado estejam sendo substituídas por metáforas cognitivistas seguramente também totalitárias ainda que revestidas agora de um look liberal democrático Independentemente de que seja urgente problematizar esse discurso que se está instalando sem crítica a cada dia mais profundamente e que pensa a sociedade como um mecanismo de processamento de informação o que eu quero apontar aqui é que uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível Em segundo lugar a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião O sujeito moderno é um sujeito informado que além disso opina É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e às vezes supostamente crítica sobre tudo o que se passa sobre tudo aquilo de que tem informação Para nós a opinião como a informação converteuse em um imperativo Em nossa arrogância passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados E se alguém não tem opinião se não tem uma posição própria sobre o que se passa se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente sentese em falso como se lhe faltasse algo essencial E pensa que tem de ter uma opinião Depois da informação vem a opinião No entanto a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência também faz com que nada nos aconteça Benjamin dizia que o periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência2 O periodismo destrói a experiência sobre isso não há dúvida e o periodismo não é outra coisa que a aliança perversa entre informação e opinião O periodismo é a fabricação da informação e a fabricação da opinião E quando a informação e a opinião se sacralizam quando ocupam todo o espaço do acontecer então o sujeito individual não é outra coisa que o suporte informado da opinião individual e o sujeito coletivo esse que teria de fazer a história segundo os velhos marxistas não é outra coisa que o suporte informado da opinião pública Quer dizer um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião um sujeito incapaz de experiência E o fato de o periodismo destruir a experiência é algo mais profundo e mais geral do que aquilo que derivaria do efeito dos meios de comunicação de massas sobre a conformação de nossas consciências O par informaçãoopinião é muito geral e permeia 2 Benjamin problematiza o periodismo em várias de suas obras ver por exemplo Benjamin 1991 p 111 e ss também por exemplo nossa idéia de aprendizagem inclusive do que os pedagogos e psicopedagogos chamam de aprendizagem significativa Desde pequenos até a universidade ao largo de toda nossa travessia pelos aparatos educacionais estamos submetidos a um dispositivo que funciona da seguinte maneira primeiro é preciso informarse e depois há de opinar há que dar uma opinião obviamente própria crítica e pessoal sobre o que quer que seja A opinião seria como a dimensão significativa da assim chamada aprendizagem significativa A informação seria o objetivo a opinião seria o subjetivo ela seria nossa reação subjetiva ao objetivo Além disso como reação subjetiva é uma reação que se tornou para nós automática quase reflexa informados sobre qualquer coisa nós opinamos Esse opinar se reduz na maioria das ocasiões em estar a favor ou contra Com isso nos convertemos em sujeitos competentes para responder como Deus manda as perguntas dos professores que cada vez mais se assemelham a comprovações de informações e a pesquisas de opinião Digame o que você sabe digame com que informação conta e exponha em continuação a sua opinião esse o dispositivo periodístico do saber e da aprendizagem o dispositivo que torna impossível a experiência Em terceiro lugar a experiência é cada vez mais rara por falta de tempo Tudo o que se passa passa demasiadamente depressa cada vez mais depressa E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera O acontecimento nos é dado na forma de choque do estímulo da sensação pura na forma da vivência instantânea pontual e fragmentada A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade pelo novo que caracteriza o mundo moderno impedem a conexão significativa entre acontecimentos Impedem também a memória já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento mas sem deixar qualquer vestígio O sujeito moderno não só está informado e opina mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias de novidades um curioso impenitente eternamente insatisfeito Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio Ao sujeito do estímulo da vivência pontual tudo o atravessa tudo o excita tudo o agita tudo o choca mas nada lhe acontece Por isso a velocidade e o que ela provoca a falta de silêncio e de memória são também inimigas mortais da experiência Nessa lógica de destruição generalizada da experiência estou cada vez mais convencido de que os aparatos educacionais também funcionam cada vez mais no sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça Não somente como já disse pelo funcionamento perverso e generalizado do par informaçãoopinião mas também pela velocidade Cada vez estamos mais tempo na escola e a universidade e os cursos de formação do professorado são parte da escola mas cada vez temos menos tempo Esse sujeito da formação permanente e acelerada da constante atualização da reciclagem sem fim é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria um sujeito que não pode perder tempo que tem sempre de aproveitar o tempo que não pode protelar qualquer coisa que tem de seguir o passo veloz do que se passa que não pode ficar para trás por isso mesmo por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo este sujeito já não tem tempo E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos e cada vez mais curtos Com isso também em educação estamos sempre acelerados e nada nos acontece Em quarto lugar a experiência é cada vez mais rara por excesso de trabalho Esse ponto me parece importante porque às vezes se confunde experiência com trabalho Existe um clichê segundo o qual nos livros e nos centros de ensino se aprende a teoria o saber que vem dos livros e das palavras e no trabalho se adquire a experiência o saber que vem do fazer ou da prática como se diz atualmente Quando se redige o currículo distinguese formação acadêmica e experiência de trabalho Tenho ouvido falar de certa tendência aparentemente progressista no campo educacional que depois de criticar o modo como nossa Revista Brasileira de Educação 23 créditos para a experiência e para o saber de experiência adquirido no trabalho Por isso estou muito interessado em distinguir entre experiência e trabalho e além disso em criticar qualquer contagem de créditos para a experiência qualquer conversão da experiência em créditos em mercadoria em valor de troca Minha tese não é somente porque a experiência não tem nada a ver com o trabalho mas ainda mais fortemente que o trabalho essa modalidade de relação com as pessoas com as palavras e com as coisas que chamamos trabalho é também inimiga mortal da experiência O sujeito moderno além de ser um sujeito informado que opina além de estar permanentemente agitado e em movimento é um ser que trabalha quer dizer que pretende conformar o mundo tanto o mundo natural quanto o mundo social e humano tanto a natureza externa quanto a natureza interna segundo seu saber seu poder e sua vontade O trabalho é esta atividade que deriva desta pretensão O sujeito moderno é animado por portentosa mescla de otimismo de progressismo e de agressividade crê que pode fazer tudo o que se propõe e se hoje não pode algum dia poderá e para isso não duvida em destruir todo o que percebe como um obstáculo à sua onipotência O sujeito moderno se relaciona com o acontecimento do ponto de vista da ação Tudo é pretexto para sua atividade Sempre está a se perguntar sobre o que pode fazer Sempre está desejando fazer algo produzir algo regular algo Independentemente de este desejo estar motivado por uma boa vontade ou uma má vontade o sujeito moderno está atravessado por um afã de mudar as coisas E nisso coincidem os engenheiros os políticos os industrialistas os médicos os arquitetos os sindicalistas os jornalistas os cientistas os pedagogos e todos aqueles que põem no fazer coisas a sua existência Nós somos sujeitos ultrainformados transbordantes de opiniões e superestimulados mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos E por isso porque sempre estamos querendo o que não é porque estamos sempre em atividade porque estamos sempre mobilizados não podemos parar E por não podermos parar nada nos acontece A experiência a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque requer um gesto de interrupção um gesto que é quase impossível nos tempos que correm requer parar para pensar parar para olhar parar para escutar pensar mais devagar olhar mais devagar e escutar mais devagar parar para sentir sentir mais devagar demorarse nos detalhes suspender a opinião suspender o juízo suspender a vontade suspender o automatismo da ação cultivar a atenção e a delicadeza abrir os olhos e os ouvidos falar sobre o que nos acontece aprender a lentidão escutar aos outros cultivar a arte do encontro calar muito ter paciência e darse tempo e espaço 2 Até aqui a experiência e a destruição da experiência Vamos agora ao sujeito da experiência Esse sujeito que não é o sujeito da informação da opinião do trabalho que não é o sujeito do saber do julgar do fazer do poder do querer Se escutamos em espanhol nessa língua em que a experiência é o que nos passa o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo produz alguns afetos inscreve algumas marcas deixa alguns vestígios alguns efeitos Se escutamos em francês em que a experiência é ce que nous arrive o sujeito da experiência é um ponto de chegada um lugar a que chegam as coisas como um lugar que recebe o que chega e que ao receber lhe dá lugar E em português em italiano e em inglês em que a experiência soa como aquilo que nos acontece nos sucede ou happen to us o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos Em qualquer caso seja como território de passagem seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer o sujeito da experiência se define não por sua atividade mas por sua passividade por sua receptividade por sua disponibilidade por sua abertura Tratase porém de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo de uma passividade feita de paixão de padecimento de paciência de atenção como uma receptividade primeira como uma disponibilidade fundamental como uma abertura essencial O sujeito da experiência é um sujeito expos Jorge Larrosa Bondía to Do ponto de vista da experiência o importante não é nem a posição nossa maneira de pormos nem a oposição nossa maneira de opormos nem a imposição nossa maneira de impormos nem a proposição nossa maneira de propormos mas a exposição nossa maneira de expormos com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe ou se opõe ou se impõe ou se propõe mas não se expõe É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa a quem nada lhe acontece a quem nada lhe sucede a quem nada o toca nada lhe chega nada o afeta a quem nada o ameaça a quem nada ocorre 3 Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência A palavra experiência vem do latim experiri provar experimentar A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta que se prova O radical é periri que se encontra também em periculum perigo A raiz indoeuropéia é per com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia e secundariamente a idéia de prova Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a travessia o percorrido a passagem peirô atravessar pera mais além peraô passar através perainô ir até o fim peras limite Em nossas línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia a palavra peiratês pirata O sujeito da experiência tem algo desse ser fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e perigoso pondose nele à prova e buscando nele sua oportunidade sua ocasião A palavra experiência tem o ex de exterior de estrangeiro de exílio de estranho e também o ex de existência A experiência é a passagem da existência a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento mas que simplesmente existe de uma forma sempre singular finita imanente contingente Em alemão experiência é Erfahrung que contém o fahren de viajar E do antigo altoalemão fara também deriva Gefahr perigo e gefährden pôr em perigo Tanto nas línguas germânicas como nas latinas a palavra experiência contém inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo 4 Em Heidegger 1987 encontramos uma definição de experiência em que soam muito bem essa exposição essa receptividade essa abertura assim como essas duas dimensões de travessia e perigo que acabamos de destacar fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece nos alcança que se apodera de nós que nos tomba e nos transforma Quando falamos em fazer uma experiência isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer fazer significa aqui sofrer padecer tomar o que nos alcança receptivamente aceitar à medida que nos submetemos a algo Fazer uma experiência quer dizer portanto deixarnos abordar em nós próprios pelo que nos interpela entrando e submetendonos a isso Podemos ser assim transformados por tais experiências de um dia para o outro ou no transcurso do tempo p 143 O sujeito da experiência se repassarmos pelos verbos que Heidegger usa neste parágrafo é um sujeito alcançado tombado derrubado Não um sujeito que permanece sempre em pé ereto erguido e seguro de si mesmo não um sujeito que alcança aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que quer não um sujeito definido por seus sucessos ou por seus poderes mas um sujeito que perde seus poderes precisamente porque aquilo de que faz experiência dele se apodera Em contrapartida o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor padecente receptivo aceitante interpelado submetido Seu contrário o sujeito incapaz de experiência seria um sujeito firme forte impávido inatingível erguido anestesiado apático autodeterminado definido por seu saber por seu poder e por sua vontade Nas duas últimas linhas do parágrafo Podemos ser assim transformados por tais experiências de um dia para o outro ou no transcurso do tempo pode lerse outro componente fundamental da experiência sua capacidade de formação ou de transformação É ex Revista Brasileira de Educação 25 Jorge Larrosa Bondía experiência aquilo que nos passa ou que nos toca ou que nos acontece e ao nos passar nos forma e nos transforma Somente o sujeito da experiência está portanto aberto à sua própria transformação 5 Se a experiência é o que nos acontece e se o sujeito da experiência é um território de passagem então a experiência é uma paixão Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação mas a partir de uma lógica da paixão uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional E a palavra paixão pode referirse a várias coisas Primeiro a um sofrimento ou um padecimento No padecer não se é ativo porém tampouco se é simplesmente passivo O sujeito passional não é agente mas paciente mas há na paixão um assumir os padecimentos como um viver ou experimentar ou suportar ou aceitar ou assumir o padecer que não tem nada que ver com a mera passividade como se o sujeito passional fizesse algo ao assumir sua paixão Às vezes inclusive algo público ou político ou social como um testemunho público de algo ou uma prova pública de algo ou um martírio público em nome de algo ainda que esse público se dê na mais estrita solidão no mais completo anonimato Paixão pode referirse também a certa heteronomia ou a certa responsabilidade em relação com o outro que no entanto não é incompatível com a liberdade ou a autonomia Ainda que se trate naturalmente de outra liberdade e de outra autonomia diferente daquela do sujeito que se determina por si mesmo A paixão funda sobretudo uma liberdade dependente determinada vinculada obrigada inclusa fundada não nela mesma mas numa aceitação primeira de algo que está fora de mim de algo que não sou eu e que por isso justamente é capaz de me apaixonar E paixão pode referirse por fim a uma experiência do amor o amorpaixão ocidental cortêsão cavalheiresco cristão pensado como posse e feito de um desejo que permanece desejo e que quer permanecer desejo pura tensão insatisfeita pura orientação para um objeto sempre inatingível Na paixão o sujeito apaixonado não possui o objeto amado mas é possuído por ele Por isso o sujeito apaixonado não está em si próprio na posse de si mesmo no autodomínio mas está fora de si dominado pelo outro cativado pelo alheio alienado alucinado Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão no sentido de que o que quer o sujeito é precisamente permanecer cativo viver seu cativeiro sua dependência daquele por quem está apaixonado Ocorre também uma tensão entre prazer e dor entre felicidade e sofrimento no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade ou ao menos o cumprimento de seu destino no padecimento que sua paixão lhe proporciona O que o sujeito ama é precisamente sua própria paixão Mas ainda o sujeito apaixonado não é outra coisa e não quer ser outra coisa que não a paixão Daí talvez a tensão que a paixão extrema suporta entre vida e morte A paixão tem uma relação intrínseca com a morte ela se desenvolve no horizonte da morte mas de uma morte que é querida e desejada como verdadeira vida como a única coisa que vale a pena viver e às vezes como condição de possibilidade de todo renascimento 6 Até aqui vimos algumas explorações sobre o que poderia ser a experiência e o sujeito da experiência Algo que vimos sob o ponto de vista da travessia e do perigo da abertura e da exposição da receptividade e da transformação e da paixão Vamos agora ao saber da experiência Definir o sujeito da experiência como sujeito passional não significa pensálo como incapaz de conhecimento de compromisso ou ação A experiência funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética O sujeito passional tem também sua própria força e essa força se expressa produtivamente em forma de saber e em forma de práxis O que ocorre é que se trata de um saber distinto do saber científico e do saber da informação e de uma práxis distinta daquela da técnica e do trabalho O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana De fato a experiên JanFevMarAbr 2002 Nº 19 26 cer desejo pura tensão insatisfeita pura orientação para um objeto sempre inatingível Na paixão o sujeito apaixonado não possui o objeto amado mas é possuído por ele Por isso o sujeito apaixonado não está em si próprio na posse de si mesmo no autodomínio mas está fora de si dominado pelo outro cativado pelo alheio alienado alucinado Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e escravidão no sentido de que o que quer o sujeito é precisamente permanecer cativo viver seu cativeiro sua dependência daquele por quem está apaixonado Ocorre também uma tensão entre prazer e dor entre felicidade e sofrimento no sentido de que o sujeito apaixonado encontra sua felicidade ou ao menos o cumprimento de seu destino no padecimento que sua paixão lhe proporciona O que o sujeito ama é precisamente sua própria paixão Mas ainda o sujeito apaixonado não é outra coisa e não quer ser outra coisa que não a paixão Daí talvez a tensão que a paixão extrema suporta entre vida e morte A paixão tem uma relação intrínseca com a morte ela se desenvolve no horizonte da morte mas de uma morte que é querida e desejada como verdadeira vida como a única coisa que vale a pena viver e às vezes como condição de possibilidade de todo renascimento 6 Até aqui vimos algumas explorações sobre o que poderia ser a experiência e o sujeito da experiência Algo que vimos sob o ponto de vista da travessia e do perigo da abertura e da exposição da receptividade e da transformação e da paixão Vamos agora ao saber da experiência Definir o sujeito da experiência como sujeito passional não significa pensálo como incapaz de conhecimento de compromisso ou ação A experiência funda também uma ordem epistemológica e uma ordem ética O sujeito passional tem também sua própria força e essa força se expressa produtivamente em forma de saber e em forma de práxis O que ocorre é que se trata de um saber distinto do saber científico e do saber da informação e de uma práxis distinta daquela da técnica e do trabalho O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana De fato a experiên Notas sobre a experiência e o saber de experiência cia é uma espécie de mediação entre ambos É importante porém ter presente que do ponto de vista da experiência nem conhecimento nem vida significam o que significam habitualmente Atualmente o conhecimento é essencialmente a ciência e a tecnologia algo essencialmente infinito que somente pode crescer algo universal e objetivo de alguma forma impessoal algo que está aí fora de nós como algo de que podemos nos apropriar e que podemos utilizar e algo que tem que ver fundamentalmente com o útil no seu sentido mais estreitamente pragmático num sentido estritamente instrumental O conhecimento é basicamente mercadoria e estritamente dinheiro tão neutro e intercambiável tão sujeito à rentabilidade e à circulação acelerada como o dinheiro Recordemse as teorias do capital humano ou essas retóricas contemporâneas sobre a sociedade do conhecimento a sociedade da aprendizagem ou a sociedade da informação Em contrapartida a vida se reduz à sua dimensão biológica à satisfação das necessidades geralmente induzidas sempre incrementadas pela lógica do consumo à sobrevivência dos indivíduos e da sociedade Pensese no que significa para nós qualidade de vida ou nível de vida nada mais que a posse de uma série de cacarecos para uso e desfrute Nestas condições é claro que a mediação entre o conhecimento e a vida não é outra coisa que a apropriação utilitária a utilidade que se nos apresenta como conhecimento para as necessidades que se nos dão como vida e que são completamente indistintas das necessidades do Capital e do Estado Para entender o que seja a experiência é necessário remontar aos tempos anteriores à ciência moderna com sua específica definição do conhecimento objetivo e à sociedade capitalista na qual se constituiu a definição moderna de vida como vida burguesa Durante séculos o saber humano havia sido entendido como um páthei máthos como uma aprendizagem no e pelo padecer no e por aquilo que nos acontece Este é o saber da experiência o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas mas do sentido ou do semsentido do que nos acontece E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem ponto por ponto ao que entendemos como conhecimento Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do semsentido do que nos acontece tratase de um saber finito ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular ou de um modo ainda mais explícito tratase de um saber que revela ao homem concreto e singular entendido individual ou coletivamente o sentido ou o semsentido de sua própria existência de sua própria finitude Por isso o saber da experiência é um saber particular subjetivo relativo contingente pessoal Se a experiência não é o que acontece mas o que nos acontece duas pessoas ainda que enfrentem o mesmo acontecimento não fazem a mesma experiência O acontecimento é comum mas a experiência é para cada qual sua singular e de alguma maneira impossível de ser repetida O saber da experiência é um saber que não pode separarse do indivíduo concreto em quem encarna Não está como o conhecimento científico fora de nós mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade um caráter uma sensibilidade ou em definitivo uma forma humana singular de estar no mundo que é por sua vez uma ética um modo de conduzirse e uma estética um estilo Por isso também o saber da experiência não pode beneficiarse de qualquer alforria quer dizer ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha então sua qualidade existencial isto é sua relação com a existência com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto A experiência e o saber que dela deriva são o nos permite apropriarnos de nossa própria vida Ter uma vida própria pessoal como dizia Rainer Maria Rilke em Los Cuadernos de Malthe é algo cada vez mais raro quase tão raro quanto uma morte própria Se chamamos Revista Brasileira de Educação 27 sentido ao acontecer do que nos acontece No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas mas do sentido ou do semsentido do que nos acontece E esse saber da experiência tem algumas características essenciais que o opõem ponto por ponto ao que entendemos como conhecimento Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do semsentido do que nos acontece tratase de um saber finito ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular ou de um modo ainda mais explícito tratase de um saber que revela ao homem concreto e singular entendido individual ou coletivamente o sentido ou o semsentido de sua própria existência de sua própria finitude Por isso o saber da experiência é um saber particular subjetivo relativo contingente pessoal Se a experiência não é o que acontece mas o que nos acontece duas pessoas ainda que enfrentem o mesmo acontecimento não fazem a mesma experiência O acontecimento é comum mas a experiência é para cada qual sua singular e de alguma maneira impossível de ser repetida O saber da experiência é um saber que não pode separarse do indivíduo concreto em quem encarna Não está como o conhecimento científico fora de nós mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade um caráter uma sensibilidade ou em definitivo uma forma humana singular de estar no mundo que é por sua vez uma ética um modo de conduzirse e uma estética um estilo Por isso também o saber da experiência não pode beneficiarse de qualquer alforria quer dizer ninguém pode aprender da experiência de outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria A primeira nota sobre o saber da experiência sublinha então sua qualidade existencial isto é sua relação com a existência com a vida singular e concreta de um existente singular e concreto A experiência e o saber que dela deriva são o nos permite apropriarnos de nossa própria vida Ter uma vida própria pessoal como dizia Rainer Maria Rilke em Los Cuadernos de Malthe é algo cada vez mais raro quase tão raro quanto uma morte própria Se chamamos Jorge Larrosa Bondía existência a esta vida própria contingente e finita a essa vida que não está determinada por nenhuma essência nem por nenhum destino a essa vida que não tem nenhuma razão nem nenhum fundamento fora dela mesma a essa vida cujo sentido se vai construindo e destruindo no viver mesmo podemos pensar que tudo o que faz impossível a experiência faz também impossível a existência 7 A ciência moderna a que se inicia em Bacon e alcança sua formulação mais elaborada em Descartes desconfia da experiência E trata de convertêla em um elemento do método isto é do caminho seguro da ciência A experiência já não é o meio desse saber que forma e transforma a vida dos homens em sua singularidade mas o método da ciência objetiva da ciência que se dá como tarefa a apropriação e o domínio do mundo Aparece assim a idéia de uma ciência experimental Mas aí a experiência converteuse em experimento isto é em uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência A experiência já não é o que nos acontece e o modo como lhe atribuímos ou não um sentido mas o modo como o mundo nos mostra sua cara legível a série de regularidades a partir das quais podemos conhecer a verdade do que são as coisas e dominálas A partir daí o conhecimento já não é um páthei máthos uma aprendizagem na prova e pela prova com toda a incerteza que isso implica mas um mathema uma acumulação progressiva de verdades objetivas que no entanto permanecerão externas ao homem Uma vez vencido e abandonado o saber da experiência e uma vez separado o conhecimento da existência humana temos uma situação paradoxal Uma enorme inflação de conhecimentos objetivos uma enorme abundância de artefatos técnicos e uma enorme pobreza dessas formas de conhecimento que atuavam na vida humana nela inserindose e transformandoa A vida humana se fez pobre e necessitada e o conhecimento moderno já não é o saber ativo que alimentava iluminava e guiava a existência dos homens mas algo que flutua no ar estéril e desligado dessa vida em que já não pode encarnarse A segunda nota sobre o saber da experiência pretende evitar a confusão de experiência com experimento ou se se quiser limpar a palavra experiência de suas contaminações empíricas e experimentais de suas conotações metodológicas e metodologizantes Se o experimento é genérico a experiência é singular Se a lógica do experimento produz acordo consenso ou homogeneidade entre os sujeitos a lógica da experiência produz diferença heterogeneidade e pluralidade Por isso no compartilhar a experiência tratase mais de uma heterologia do que de uma homologia ou melhor tratase mais de uma dialogia que funciona heterologicamente do que uma dialogia que funciona homologicamente Se o experimento é repetível a experiência é irrepetível sempre há algo como a primeira vez Se o experimento é preditível e previsível a experiência tem sempre uma dimensão de incerteza que não pode ser reduzida Além disso posto que não se pode antecipar o resultado a experiência não é o caminho até um objetivo previsto até uma meta que se conhece de antemão mas é uma abertura para o desconhecido para o que não se pode antecipar nem préver nem prédizer JORGE LARROSA BONDÍA é doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona Espanha onde atualmente é professor titular de filosofia da educação Publicou diversos artigos em periódicos brasileiros e tem dois livros traduzidos para o português Imagens do outro Vozes 1998 e Pedagogia profana Autêntica 1999 Referências Bibliográficas HEIDEGGER Martin 1987 La esencia del habla In De camino al habla Barcelona Edicionaes del Serbal BENJAMIN Walter 1991 El narrador In Para uma critica de la violencia y otros ensaios Madrid Taurus p 111 e ss Ou na edição brasileira 1994 Magia e técnica arte e política ensaios sobre literatura e história da cultura In Obras escolhidas 7ª ed São Paulo Brasiliense vol I Recebido em novembro de 2001 Aprovado em janeiro de 2002 JanFevMarAbr 2002 Nº 19 28 RESUMO DO TEXTO O texto aborda diferentes perspectivas sobre a educação incluindo a relação entre ciência e técnica teoria e prática técnicos e críticos O autor propõe uma abordagem mais existencial e estética pensando a educação a partir do par experiênciasentido Ele argumenta que as palavras têm um poder significativo na criação de realidades e subjetivação e que a experiência é algo que nos acontece e nos toca não apenas o que se passa O excesso de informação pode limitar a experiência e é importante considerar cuidadosamente as palavras que usamos para nomear o que fazemos em educação e em outras áreas O autor argumenta que a experiência é cada vez mais rara na sociedade atual devido à obsessão pela informação e pela opinião Ele afirma que a informação e a opinião se tornaram imperativos e que a sociedade atual é uma sociedade na qual a experiência é impossível Além disso o autor aponta que o periodismo é o grande dispositivo moderno para a destruição generalizada da experiência pois destrói a experiência ao fabricar tanto a informação quanto a opinião Ele afirma que o sujeito individual e coletivo é fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião tornandose incapazes de experiência O sujeito moderno é ultrainformado cheio de opiniões e hiperativo sempre em busca de fazer algo e produzir algo O sujeito da experiência é aquele que se permite parar e pensar olhar e escutar com atenção sentir com delicadeza suspender a opinião e a vontade automatizadas É aquele que valoriza o tempo e o espaço que tem paciência e sabe cultivar a arte do encontro É um sujeito que busca a lentidão e a conexão significativa entre os acontecimentos que não se deixa levar pela velocidade e pela obsessão pela novidade Em contrapartida o autor destaca que a experiência produz diferença heterogeneidade e pluralidade e é uma abertura para o desconhecido A experiência pode ser um caminho para a transformação pessoal e social O autor propõe uma educação que valorize a experiência como forma de resistência à lógica da informação e da opinião e como forma de construir uma sociedade mais justa e solidária

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