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Psicologia ·
Psicanálise
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TERCEIRA EDIÇÃO PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CLÍNICOS CLÁUDIO LAKS EIZIRIK ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR SIDNEI S SCHESTATSKY P974 Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e Clínicos recurso eletrônico Organizadores Cláudio Laks Eizirik Rogério Wolf de Aguiar Sidnei S Schestatsky 3 ed Porto Alegre Artmed 2015 Editado como livro impresso em 2015 ISBN 9788582711491 1 Psicoterapia 2 Psiquiatria I Eizirik Cláudio Laks II Aguiar Rogério Wolf de III Schestatsky Sidnei S CDU 615851 Catalogação na publicação Poliana Sanchez de Araujo CRB 102094 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CLÍNICOS T E R C E I R A E D I Ç Ã O CLÁUDIO LAKS EIZIRIK ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR SIDNEI S SCHESTATSKY ORGANIZADORES 2015 Versão impressa desta obra 2015 Artmed Editora Ltda 2015 Gerente editorial Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição Coordenadora editorial Cláudia Bittencourt Capa Tatiana Sperhacke Imagem da capa 9peaksiStockThinkstock Preparação do original Alessandra Bittencourt Flach Leitura final Camila Wisnieski Heck Projeto gráfico e editoração Bookabout Roberto Carlos Moreira Vieira Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO SA Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora SÃO PAULO Av Embaixador Macedo Soares 10735 Pavilhão 5 Cond Espace Center Vila Anastácio 05095035 São Paulo SP Fone 11 36651100 Fax 11 36671333 SAC 0800 7033444 wwwgrupoacombr IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL AUTORES Cláudio Laks Eizirik Psiquiatra Psicanalista Doutor em Medicina pela Universidade Fe deral do Rio Grande do Sul UFRGS Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psi canalítica de Porto Alegre SPPA Professor associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Preceptor da Residência em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA Coordenador do Comitê de Psicanálise e Saúde Mental da Asso ciação Psicanalítica Internacional IPA Expresidente da IPA e da Federação Psicanalítica da América Latina Fepal Prêmio Sigourney 2011 Rogério Wolf de Aguiar Psiquiatra Psiquiatra forense Psicoterapeuta Mestre em Psiquia tria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Professor adjunto aposen tado do Departamento de Psiquiatra da Faculdade de Medicina FAMEDUFRGS Super visor de Psicoterapia da Residência em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA e dos cursos de Especialização em Psicoterapia do Centro de Estudos Luís Guedes CELGUFRGS Excoordenador do Programa de Estudos sobre Dor Prodor do Serviço de Psiquiatria do HCPA Sidnei S Schestatsky Psiquiatra Psicanalista Especialista em Psiquiatria pela Universi dade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Mestre em Saúde Pública pela Harvard Uni versity Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Professor associado de Psiquiatria da UFRGS Preceptor da Residência em Psiquiatria no Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA Professor do Instituto de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA Ana Carolina Faedrich dos Santos Psicó loga Especialista em Psicoterapia de Orien tação Psicanalítica pelo CELGUFRGS Mes tre em Psiquiatria pela UFRGS Colabora dora do Programa de Assistência e Pesquisa em Transtornos Alimentares em Adultos do HCPA Ana Margareth Siqueira Bassols Psiquia tra Psicanalista Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Associação Médica BrasileiraAssociação Brasileira de Alexandre Annes Henriques Psiquiatra Es pecialista em Dor e Medicina Paliativa pela UFRGS Contratado do Serviço de Dor e Me dicina Paliativa do HCPA Coordenador do ProdorHCPA Diretor científico da Socieda de Brasileira para o Estudo da Dor SBED Alice Becker Lewkowicz Psiquiatra Psi canalista Formação em Psicanálise da Infân cia e Adolescência Professora colaboradora do Programa de Residência de Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA vi Autores Psiquiatria AMBABP Mestre e Doutora em Psiquiatria pela UFRGS Membro asso ciado da SPPA Professora adjunta do De partamento de Psiquiatria e Medicina Le gal da UFRGS Coordenadora do Curso de Psicoterapia da Infância e Adolescência do CELGUFRGS Preceptora da Residência e do Curso de Especialização em Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA Anette Blaya Luz Psiquiatra Psicanalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Presidente da SPPA Exdiretora Científica da SPPA Exdiretora Científica da Febrapsi Antonio Carlos J Pires Psiquiatra Pro fessor e supervisor convidado do Curso de Especialização em Psiquiatria da UFRGS área de Psicoterapia de Orientação Analíti ca Professor e supervisor do Curso de Es pecialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Membro efetivo e analista didata da SPPA Professor e super visor do Instituto de Psicanálise da SPPA Antonio Carlos Scherer Marques da Rosa Psiquiatra Professor e supervisor convida do dos cursos de Especialização e Extensão em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Carlos Gari Faria Psiquiatra Psicanalista Analista didata da SPPA Membro efetivo da IPA Carmem Emília Keidann Psiquiatra Psica nalista Membro associado da SPPA Pro fessora e supervisora convidada do Cur so de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Carolina Meira Moser Psiquiatra Espe cialista em Psicoterapia de Orientação Analítica pelo CELGUFRGS Mestre em Ciências Médicas Psiquiatria pela UFRGS Psiquiatra do Programa de Transtornos Alimentares em Adultos do HCPA Carolina Silveira Campos Graduanda do décimo semestre do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Caroline Garland Psicóloga clínica Psica nalista Fellow da British Psychoanalytical Society Cátia Olivier Mello Psicóloga Psicanalista Especialista em Psicoterapia da Infância e da Adolescência pelo Centro de Estudos Atendimento e Pesquisa da Infância e Ado lescência CEAPIA Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS Profes sora e supervisora do CEAPIA Claudio Maria da Silva Osorio Psiquiatra Mestre em Psiquiatria pela UFRGS Profes sor adjunto aposentado da UFRGS Cola borador do Serviço de Genética da UFRGS David Simon Bergmann Pediatra Psiquia tra Especialista em Psiquiatria pela ABP e em Psiquiatria da Infância e Adolescên cia pela UFRGS Psiquiatra do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA Professor convidado do CELG UFRGS Membro graduado da SPPA Diego Barreto Rebouças Médico Resi dente em Psiquiatria no HCPA Elias Mallet da Rocha Barros Analista di data da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP Fellow da British Psychoanalytical Association e do British Institute of Psychoanalysis Exeditor do International Journal of Psychoanalysis Prê mio Sigourney 1999 Eneida Iankilevich Psiquiatra Psicanalista da Infância e Adolescência Membro efetivo em funções didáticas da SPPA Professora e supervisora dos cursos de Especializa ção em Psicoterapia e de Atualização em Psicoterapia da Infância e Adolescência do CELGUFRGS Eugenio Horacio Grevet Psiquiatra Pro fessor adjunto do Departamento de Psi quiatria e Medicina Legal da UFRGS Chefe do Serviço de Psiquiatria do HCPA Autores vii Felix Henrique Paim Kessler Psiquiatra Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Vice diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS Chefe da Unidade de Psiquiatria de Adição do HCPA Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Fernando Grilo Gomes Psiquiatra Psica nalista Mestre em Psiquiatria pela UFRGS Professor adjunto de Psiquiatria da FA MEDUFRGS Flavio Pechansky Psiquiatra Mestre e Doutor em Medicina Ciências Médicas pela UFRGS Diretor do Centro de Pesqui sa em Álcool e Drogas do HCPA Diretor do Centro Colaborador em Álcool e Drogas do HCPASecretaria Nacional de Políticas sobre Drogas SENAD Chefe do Serviço de Psi quiatria de Adição do HCPA Professor as sociado IV do Departamento de Psiquiatria da FAMEDUFRGS Germano Vollmer Filho Psiquiatra Psica nalista didata da SPPA Gerson I Berlim Psiquiatra Psicanalista Mem bro efetivo e analista didata da SPPA Professor do Curso de Psicoterapia do CELG UFRGS Gisha Brodacz Psiquiatra Psicanalista Professora e supervisora convidada dos cursos de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica e de Especializa ção em Infância e Adolescência da UFRGS Membro associado da SPPA Glen O Gabbard Psiquiatra Psicanalista Professor de Psiquiatria da Baylor College of Medicine Houston Estados Unidos Prêmio Sigourney 2000 Hamilton Oscar Perdigão da Fontoura Psi quiatra Psicanalista Membro associado da SPPA Professor e supervisor do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orien tação Analítica do CELGUFRGS Coor denador executivo professor e supervisor do Curso de Extensão de Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Supervisor convidado do Programa de Re sidência Médica em Psiquiatria do Hospital Psiquiátrico São Pedro Hector Ferrari Psiquiatra Psicanalista Membro da Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires APdeBA e da IPA Profes sor titular consultor do Departamento de Saúde Mental da Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires Diretor do Mestrado de Cultura e Saúde Mental do Instituto Universitario de Salud Men tal IUSAM da APdeBA Professor titular Freud Teórico e professor titular Freud So cial IUSAM Igor Alcantara Psiquiatra Mestre em Ciên cias Médicas pela UFRGS Membro aspi rante da SPPA Professor e supervisor do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica da UFRGS Isaac Pechansky Psiquiatra Psicanalista Especialista em Psiquiatria pela UFRGS Exprofessor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED UFRGS Membro efetivo e analista didata da SPPA Isacc Sprinz Psiquiatra Psicoterapeuta Es pecialista em Clínica Psiquiatra pela UFR GS Professor titular aposentado da PUCRS Professor e supervisor do Estudos Integra dos de Psicoterapia Psicanalítica ESIPP Ivan Sérgio Cunha Fetter Psiquiatra Psi canalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Jader Piccin Médico Residente em Psi quiatria no HCPA Jair Knijnik Psiquiatra Psicanalista Mem bro associado da SPPA Professor e supervi sor convidado dos Cursos de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Jair Rodrigues Escobar Psiquiatra Psica nalista Membro associado da SPPA Pro viii Autores fessor convidado e supervisor dos Cursos de Especialização em Psiquiatria e em Psi coterapia da UFRGS Joel Araújo Nogueira Psiquiatra Psicanalis ta Membro titular e analista didata da SPPA José Carlos Calich Médico Psicanalista Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Métodos Clínicos Comparados na Améri ca Latina membro do Comité Científico da Fundação Jean Laplanche Institut de France Editor pela América Latina do In ternational Journal of Psychoanalysis Pro fessor convidado do Instituto de Psicanáli se da SPPA Professor convidado do CELG UFRGS Professor convidado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Carlos UFSCarSP Julio J Chachamovich Psiquiatra Profes sor supervisor convidado e excoordena dor executivo dos cursos de Especialização em Psicoterapia de Orientação Psicanalíti ca e de Extensão de Introdução à Psicotera pia de Orientação Psicanalítica do CELG UFRGS Juarez Guedes Cruz Psiquiatra Psicanalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Jussara Schestatsky Dal Zot Psiquiatra Psicanalista Membro associado da SPPA Professora colaboradora e supervisora clí nica do Curso de Especialização em Psico terapia de Orientação Analítica do CELG UFRGS Professora convidada do Curso de Psicoterapia Analítica do ESIPP Professora convidada do Curso de Especialização em Psicoterapia da UFSCarSP Lais Knijnik Psiquiatra Especialista em Psicoterapia pela UFRGS Professora e su pervisora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Lívia Hartmann de Souza Psiquiatra Espe cialista em Psicoterapia de Orientação Ana lítica pelo CELGUFRGS Doutoranda do Programa de Pósgraduação em Psiquiatria da UFRGS Lorena Caleffi Psiquiatra Especialista em Dor pelo Serviço de Dor e Medicina Palia tiva do HCPA Psiquiatra da Clínica de Dor do Hospital Moinhos de Vento HMV Porto Alegre Lucia Helena Freitas Psiquiatra Mestre em Saúde Pública pela Harvard School of Pu blic Health Boston Estados Unidos Douto ra em Clínica Médica pela UFRGS Membro graduado pela SPPA Professora associada do Departamento de Psiquiatria e Medici na Legal da FAMEDUFRGS Supervisora da Residência do Serviço de Psiquiatria do HCPA Cocoordenadora do Núcleo de Estu dos e Tratamento do Trauma Psíquico NET TRAUMA do Serviço de Psiquiatria do HCPA Professora colaboradora do Curso de Pósgraduação em Medicina Psiquiatria da UFRGS Professora do Curso de Especializa ção em Psicoterapia do CELGUFRGS Luiz Carlos Mabilde Psiquiatra Membro efetivo e analista didata da SPPA Super visor convidado do Curso de Especializa ção em Psiquiatria da UFRGS Professor e supervisor convidado dos cursos de Espe cialização em Psicoterapia e Supervisão da UFRGS Professor do Instituto de Psicaná lise da SPPA Manuel J Pires dos Santos Psiquiatra Psicanalista Professor e supervisor do Cur so de Especialização em Psicoterapia Psica nalítica do CELGUFRGS Marcelo Pio de Almeida Fleck Psiquiatra Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRGS Pósdoutorado pela Universidade McGill Montreal Canadá Professor as sociado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Margareth Silveira Campos Psiquiatra Psi canalista de Crianças e Adolescentes Mem bro associado da SPPA Autores ix Maria Cristina Garcia Vasconcellos Psi quiatra Psicanalista Mestre em Antropolo gia Social pela UFRGS Membro associado da SPPA Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Psiquia tra Psicanalista Professora do Departa mento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS e do Serviço de Psiquiatria da In fância e Adolescência do HCPA Coordena dora da Equipe de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Centro de Atenção Psicos social Infantojuvenil do HCPA Mariana Eizirik Psiquiatra Mestre em Psi quiatria pela UFRGS Membro filiado do Instituto de Psicanálise da SBPSP Marilia Aisenstein Psicóloga clínica Psica nalista didata e supervisora Especialista em Psicossomática Expresidente do Instituto de Psicossomática de Paris e da Sociedade Psicanalítica de Paris Representante da Eu ropa no Board da IPA Mark Solms Neuropsicólogo Psicanalis ta PhD Professor de Neuropsicologia da University of Cape Town Cidade do Cabo África do Sul Analista didata e supervisor na South African Psychoanalytical Associa tion Professor honorário em Neurocirur gia na St Bartholomews Royal London School of Medicine Membro honorário da New York Psychoanalytic Society Membro da British Psychoanalytical Society Prêmio Sigourney 2011 Marlene Silveira Araujo Psiquiatra Psica nalista Especialista em Psicoterapia e Psi canálise de Crianças e Adolescentes Mem bro efetivo da SPPA exercendo funções didáticas Mauro Gus Psiquiatra Psicanalista didata da SPPA Miriam G Brunstein Psiquiatra Psicote rapeuta Mestre em Clínica Médica pelo HCPAUFRGS Doutora em Bioquímica pela UFRGS Médica contratada do HCPA Coordenadora do Programa de Transtor nos Alimentares em Adultos do HCPA Neury José Botega Psiquiatra Professor titular do Departamento de Psicologia Mé dica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Cam pinas Unicamp Neusa Lucion Psiquiatra Psicanalista Es pecialista em Psicoterapia pela UFRGS Pro fessora supervisora e coordenadora executiva do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Paulo Henrique Favalli Psiquiatra Psica nalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Pedro Schestatsky Neurologista Profes sor adjunto do Departamento de Medicina Interna da FAMEDUFRGS Coordenador do Departamento Científico de Dor da Academia Brasileira de Neurologia ABN Peter Fonagy Psicólogo Psicanalista PhD pela University College London Diplo mado em Psicologia Clínica pela British Psychological Society Membro efetivo e analista didata da British Psychoanalytical Society Formação em Psicanálise de Crian ças pelo The Anna Freud Centre Professor de Psicanálise da University College Lon don Coordenador executivo do The Anna Freud Centre Pesquisador sênior do Natio nal Institute for Health Research Raul Hartke Psiquiatra Membro efetivo e analista didata da SSPA Supervisor con vidado dos cursos de Especialização em Psi coterapia de Orientação Analítica da UFRGS Professor do Instituto de Psicanálise da SPPA Robert L Tyson Doutor em Medicina Fellow do Royal College of Psychiatrists Psicanalista didata e consultor do Seattle Psychoanalytic Society and Institute Seattle Estados Unidos Robert S Wallerstein Psicanalista Doutor em Medicina Professor emérito e Exchefe x Autores do Departamento de Psiquiatria da Universi ty of California San Francisco School of Me dicine e analista didata emérito e supervisor no San Francisco Center for Psychoanalysis Expresidente da American Psychoanalytic Association e da IPA Prêmio Sigourney 1991 Romualdo Romanowski Psiquiatra Psica nalista didata da SPPA Roosevelt M S Cassorla Membro efetivo e analista didata da SBPSP e do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Campinas GEP Campinas Professor titular colaborador do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp Rudyard Emerson Sordi Psiquiatra Psica nalista Membro associado da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul APRS e do CELGUFRGS Membro associado da SPPA da Febrapsi e da IPA Professor convi dado do Curso de Especialização em Psico terapia Psicanalítica do CELGUFRGS Ruggero Levy Psiquiatra Psicanalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Professor do CELGUFRGS Professor e su pervisor do CEAPIA Representante latino americano no Board da IPA Sergio Carlos Eduardo Pinto Machado Psiquiatra Psicanalista Mestre em Saú de Pública pela Johns Hopkins University Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Profes sor associado VI do Departamento de Psi quiatria e Medicina Legal da UFRGS Sergio Lewkowicz Psiquiatra Psicanalista Analista didata da SPPA Professor e super visor dos cursos de Psicoterapia de Orien tação Analítica do CELGUFRGS Coorde nador científico da Fepal Simone Isabel Jung Psicóloga Espe cialista em Psicoterapia Psicanalítica pelo ESIPP Mestre e Doutora em Psiquiatria pela UFRGS Professora do Curso de Psicolo gia das Faculdades Integradas de Taquara FACCAT Victor Mardini Pediatra Psiquiatra Es pecialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela UFRGS Especialista em Psiquiatria pela ABP com Certificado de Atuação na Área de Psicoterapia Membro graduado da SPPA Psiquiatra contratado do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adoles cência do HCPA Professor convidado do CELGUFRGS Viviane Sprinz Mondrzak Psiquiatra Psi canalista Professora do Curso de Especiali zação em Psicoterapia de Orientação Ana lítica da UFRGS Professora do Instituto de Psicanálise da SPPA SUMÁRIO Introdução 15 Cláudio Laks Eizirik Rogério Wolf de Aguiar Sidnei S Schestatsky PA RT E I TEMA INTRODUTÓRIO 1 Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica raízes históricas e situação atual 19 Robert S Wallerstein PA RT E I I FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA 2 Integração da psicanálise com as neurociências 41 Mark Solms 3 Conceitos psicanalíticos freudianos fundamentais 62 Luiz Carlos Mabilde 4 Conceitos psicanalíticos fundamentais na escola das relações de objeto 77 Elias Mallet da Rocha Barros 5 Conceitos fundamentais na abordagem do ego e suas defesas 98 Isacc Sprinz 6 Teorias da ação terapêutica 115 Viviane Sprinz Mondrzak 7 Campo e intersubjetividade128 Paulo Henrique Favalli 8 Modelos psicanalíticos da mente 150 José Carlos Calich PA RT E I I I FUNDAMENTOS DA TÉCNICA PSICOTERÁPICA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA 9 Avaliação 177 Carmem Emília Keidann Jussara Schestatsky Dal Zot 10 Planejamento em psicoterapia de orientação analítica 194 Eneida Iankilevich 11 O contrato 212 Neusa Lucion Lais Knijnik 12 Setting psicoterápico neutralidade abstinência e anonimato 224 Isaac Pechansky 13 A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta 238 Fernando Grilo Gomes 14 Fases da psicoterapia 249 Anette Blaya Luz 15 Insight e elaboração 267 Ruggero Levy 16 Transferência 293 Robert L Tyson Cláudio Laks Eizirik 17 Contratransferência 310 Cláudio Laks Eizirik Sergio Lewkowicz 18 Violações das fronteiras profissionais 324 Glen O Gabbard 19 Atuações e encenações enactments 340 Mauro Gus 20 Reação terapêutica negativa e impasse349 Antonio Carlos J Pires 21 Sonhos 374 Juarez Guedes Cruz 22 Níveis de mudança e critérios de melhora 393 Romualdo Romanowski Jair Rodrigues Escobar Rudyard Emerson Sordi Margareth Silveira Campos PA RT E I V SITUAÇÕES ESPECIAIS 23 Ética e psicoterapia 403 Germano Vollmer Filho Gerson I Berlim 24 Psicoterapia de apoio de orientação analítica 419 Lucia Helena Freitas Simone Isabel Jung 12 Sumário 25 Psicoterapia de orientação analítica e farmacoterapia 435 Lívia Hartmann de Souza Claudio Maria da Silva Osorio Marcelo Pio de Almeida Fleck 26 Terapia de mentalização 455 Mariana Eizirik Peter Fonagy 27 Gênero e psicoterapia 465 Marlene Silveira Araujo Carolina Silveira Campos PA RT E V FUNDAMENTOS CLÍNICOS DAS ABORDAGENS PSICODINÂMICAS DE SITUAÇÕES ESPECIAIS 28 Abordagem do caráter em psicoterapia 477 Manuel J Pires dos Santos Hamilton Oscar Perdigão da Fontoura Carlos Gari Faria 29 Abordagem psicodinâmica do paciente ansioso transtorno de pânico e transtorno de ansiedade generalizada 493 Roosevelt M S Cassorla 30 Abordagem psicodinâmica do paciente deprimido 513 Sergio Carlos Eduardo Pinto Machado Sidnei S Schestatsky 31 Abordagem psicodinâmica do paciente histérico533 Joel Araújo Nogueira 32 Abordagem do luto 542 Cláudio Laks Eizirik Cátia Olivier Mello Jair Knijnik 33 Abordagem psicodinâmica do paciente obsessivo 555 Julio J Chachamovich Ivan Sérgio Cunha Fetter 34 Abordagem psicodinâmica do paciente fóbico 577 Hector Ferrari 35 Abordagem psicodinâmica do paciente narcisista 600 Sergio Lewkowicz 36 Abordagem psicodinâmica do paciente borderline614 Sidnei S Schestatsky 37 Abordagem das situações perversas na relação terapêutica632 Raul Hartke 38 Abordagem psicodinâmica do paciente psicossomático 659 Marilia Aisenstein 39 Abordagem psicodinâmica dos transtornos alimentares 668 Mirian G Brunstein Carolina Meira Moser Ana Carolina Faedrich dos Santos 40 Abordagem psicodinâmica do paciente com dor crônica689 Alexandre Annes Henriques Lorena Caleffi Pedro Schestatsky Rogério Wolf de Aguiar 41 Abordagem psicodinâmica do paciente traumatizado 704 Caroline Garland Sumário 13 42 Abordagem psicodinâmica na infância 723 Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Ana Margareth Siqueira Bassols David Simon Bergmann Victor Mardini 43 Abordagem psicodinâmica na adolescência 755 Alice Becker Lewkowicz Gisha Brodacz 44 Abordagem psicodinâmica do paciente idoso 772 Antonio Carlos Scherer Marques da Rosa Maria Cristina Garcia Vasconcellos 45 Abordagem psicodinâmica do paciente hospitalizado 790 Igor Alcantara Eugenio Horacio Grevet 46 Abordagem psicodinâmica do paciente dependente químico 808 Felix Henrique Paim Kessler Flavio Pechansky Diego Barreto Rebouças Jader Piccin 47 Psicoterapia no hospital geral 831 Neury José Botega Índice 845 14 Sumário A ampla aceitação das duas edições anteriores desta obra aliada a novos desenvolvimentos da psicoterapia de orientação analítica leva ram os organizadores e a Artmed Editora a conceber e apresentar esta terceira edição Ao longo dos 25 anos que nos separam da primeira edição deste livro constatamos com satisfação que ele tem sido utilizado em todo o Brasil em inúmeros cursos de gra duação especialização e pósgraduação stricto sensu tendo servido de estímulo e companhia para sucessivas gerações de psi coterapeutas tanto em seus estudos formais como para enfrentar situações clínicas que desafiam por sua complexidade e muitas vezes falta de referências específicas Esta edição atualiza os capítulos que permaneceram da edição anterior acres centandolhes bibliografia mais recente e introduz novos capítulos ampliando a abordagem da psicoterapia de orientação psicanalítica O formato dos capítulos tam bém teve modificações com destaques ao longo dos textos e um quadro com pontos chave ao final de cada um deles Com essas modificações pretendese tornar a leitura mais clara e prática Decidimos concentrar esta edição nos fundamentos teóricos essenciais para a teo ria da técnica e nas intervenções psicoterá picas em situações clínicas específicas ou seja nos principais quadros psicopatoló gicos e nas situações mais encontradas em nosso trabalho clínico Se observarmos o amplo campo de ação das diferentes psicoterapias e acom panharmos o desenvolvimento de novas intervenções tanto psicoterápicas quan to medicamentosas das últimas décadas constataremos que a psicanálise e a psico terapia de orientação analítica continuam na linha de frente dos recursos terapêuticos mais efetivos e eficientes para as diversas formas de sofrimento psíquico Confiamos assim que esta nova edição continuará a ser ao mesmo tempo útil e estimulante Dedicamos este livro aos nossos pa cientes e alunos em especial os da Residên cia Médica em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e os dos Cursos de Especialização do Centro de Estudos Luis Guedes associado ao Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Facul dade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Agrade cemos também às nossas famílias que são uma permanente fonte de aprendizado amoroso daquilo que Carlos Drummond de Andrade descreveu como a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo em busca da insuspeitada alegria de con viver INTRODUÇÃO Cláudio Laks Eizirik Rogério Wolf de Aguiar Sidnei S Schestatsky Esta página foi deixada em branco intencionalmente PARTE I Tema introdutório Esta página foi deixada em branco intencionalmente Em 1995 publiquei um livro The Talking Cures the psychoanalyses and the psychothe rapies As curas pela conversa as psicanálises e as psicoterapias1 As diversas ênfases no plural no título refletiam dois temas prin cipais desse livro 1 a evolução da psicanálise como teoria e como terapia a partir da estrutura uni tária criada e proposta incansavelmente por Freud durante toda a sua vida até o mundo metapsicologicamente plura lístico no qual vivemos 2 o desenvolvimento da psicoterapia psi canalítica a partir de sua origem teó rica a psicanálise inicialmente como uma adaptação distinta e coerente dos conceitos psicanalíticos às exigências clínicas de pacientes não considera dos indicados para a psicanálise mas atualmente evoluindo para um campo de relacionamentos multifacetados e problemáticos com seu ancestral psicanalítico Antes disso em 1989 eu havia pu blicado um artigo Psicanálise e psicotera pia uma perspectiva histórica2 no qual ex punha as principais linhas do argumento depois elaboradas com mais detalhes em meu livro de 1995 Aqui de forma altamente conden sada apresentarei as principais teses des sa história evolutiva complexa vista sob uma perspectiva atual e encaminharei o leitor às minhas contribuições anteriores para a completa exposição de meus pontos de vista Inicio com Freud e o nascimento da psicanálise por ele desenvolvida como um produto purificado do amontoado de abordagens terapêuticas em voga naquela época e introduzida experimentalmente com o auxílio de seu primeiro colabora dor Breuer Ela logo se tornou a psicologia científica e a psicoterapia científica Contudo embora Freud tenha devotado um tem po monumental à criação quase sem ajuda da psicanálise como uma teoria da vida mental e uma terapia sistemática de seus transtornos ele próprio nunca se voltou para nenhuma ou tra técnica de psicoterapia além da própria psi canálise Considerava que a psicanálise não ti nha nada a oferecer a pacientes não adequados 1 PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA RAÍZES HISTÓRICAS E SITUAÇÃO ATUAL Robert S Wallerstein 20 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ao método analítico clássico a não ser a mes ma variedade de técnicas sugestivas e hipnó ticas que seus colegas sem formação analíti ca empregavam Esta visão a de que a psicanálise propriamente dita era a única psicoterapia verdadeiramente curativa e científica dis ponível permeou todo o período da vida de Freud Ela marcou a era da préhistória da psicoterapia dentro da psicanálise a primeira sendo agora considerada mais especificamente uma outra psicoterapia além da própria psicanálise Freud fez sua própria diferenciação entre a psicanálise considerada uma terapia etiológica e os demais esforços psicoterapêuticos que via como meras espécies obsoletas de sugestão possivelmente superadas pela psicanálise Sua observação mais aguda a respeito foi a famosa citação de sua conferência de 1918 em Budapeste na qual previa que o desenvolvimento em lar ga escala de nossa terapia nos forçará a amalgamar o ouro puro da análise com o cobre da sugestão direta mas que seus ingredientes mais efetivos e mais importantes certamente con tinuarão sendo aqueles tomados em prestados da psicanálise estrita e não tenden ciosa3 Freud foi vigorosamente apoiado nesse seu ponto de vista por Ernest Jones e Edward Glover sendo que este último le vou essa visão ao extremo A tese de Glover era a de que todas as outras terapias que não a psicanálisepadrão seriam apenas variedades de sugestão porque esta riam baseadas em elementos que podiam até incluir interpretações de conflitos inconscientes que não foram totalmente analisados em suas raízes genéticodinâmicas como consequên cia deviam em última análise estar basea das na forte autoridade transferencial sugesti va do terapeuta Além disso Glover4 declarou ainda em 1954 que caso as interpretações do analista fossem consistentemente incorretas então muito provavelmente ele esta ria praticando uma forma de suges tão seja qual for o nome que desse a ela Daí decorre que quando analistas diferem radicalmente quanto à etiolo gia ou à estrutura de um caso como hoje acontece cada vez com mais fre quência um lado ou o outro deve es tar praticando sugestão Não que Glover já não tivesse tentado atenuar essa afirmação radical a má aná lise pode concebivelmente ser boa suges tão5 É fácil perceber o tipo de raciocínio estreito isto é o de que deve haver apenas uma linha interpretativa correta em cada situação analítica e de que qualquer desvio dela baseado em inexatidão ignorância contratransferência ou qualquer outro as pecto deve portanto ser apenas sugestão que levou Glover baseandose em Freud a essa aguda dicotomização da psicoterapia entre apenas a psicanálise por um lado e simplesmente variações de sugestão por outro Com isso Glover e Freud antes de le prestaram um desserviço involuntário ao futuro desenvolvimento de uma psico terapia dinâmica assentada firmemente na base teórica da psicologia psicanalíti ca ao obscurecerem as complexidades envolvidas nos conceitos e nas práticas da psicoterapia psicanaliticamente informada incluindoa sob a rubrica excessivamente Psicoterapia de orientação analítica 21 abrangente da sugestão a qual é usada para encobrir e desse modo embaçar uma di versidade de princípios e práticas distintas da psicanálise Assim a primeira era no desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica dentro da psicanáli se que eu chamo de sua préhistória foi mar cada pela descrição da psicanálise como uma terapia claramente articulada e com uma sé rie definida de princípios e práticas acordados de modo consensual sendo tudo o mais para todos os grupos de pacientes não adequados à psicanálise arrastado para dentro da cate goria mal definida e abrangente da sugestão Por uma variedade de razões parti culares ao desenvolvimento histórico da psicanálise em relação à psiquiatria nos Estados Unidos o desenvolvimento origi nal da psicoterapia psicodinâmica foi um fenômeno tipicamente americano Ela sur giu da confluência de inúmeras tendências sociais e intelectuais nos Estados Unidos da tentativa consciente da psicanálise de aliarse à psiquiatria e à medicina organi zadas e de cooptar a psiquiatria para as ideias psicanalíticas da ampla aceitação na psiquiatria americana da doutrina psico biológica de Adolf Meyer com sua ênfase nos relatos de caso detalhados para mostrar as várias relações causais das experiências de vida do crescimento do movimento de higiene mental com suas exigências po sitivas por intervenções de saúde mental mais orientadas do impacto da educação americana progressiva sob a liderança do filósofoeducador John Dewey e de outras ideias pragmaticamente otimistas como o movimento de assentamento em lares voltado ao sofrimento dos desfavorecidos social e economicamente lançado por Jane Addams Portanto desde o início os psicana listas na América não entregaram o ainda incipiente campo da psicoterapia aos não analistas nem o rejeitaram considerando o a aplicação benevolente da sugestão se assim fosse não se justificaria qual quer estudo ou treinamento especial para aprendêla Ao contrário a psiquiatria e a psicoterapia psicodinâmica ao se desen volver durante o período do fim da déca da de 1930 até o início da década de 1950 quando a psicanálise norteamericana cresceu de forma significativa em número e se enriqueceu em prestígio pela absorção da onda de psicanalistas europeus refu giados de Hitler conseguiu capturar com êxito a psiquiatria norteamericana tornandose assim a voz dominante em faculdades de medicina hospitaisescola e clínicas psiquiátricas do país Uma conse quência importante dessa conquista bem sucedida da psiquiatria norteamericana pela psicanálise foi a suposição assumida por médicos e educadores psicanalistas da responsabilidade pelo cuidado e pelo tratamento dos pacientes internados e dos pacientes ambulatoriais mais gravemente A psicoterapia psicodinâmica é na verdade a única contribuição caracteristicamente americana para a prá tica psiquiátrica moderna embora uma contribuição gloriosa A psicanálise foi criada por Freud na Áustria a nosologia descritiva dos transtornos mentais maiores foi trabalho de Kraepelin e sua escola na Alemanha ainda que depois desenvolvida incomensuravelmente pelos modernos arquitetos norteamericanos do do DSMIII DSMIV e DSM5 A eletroconvulsoterapia foi inaugurada por Cerletti e Bini na Itália o coma in sulínico por Sakel um polonês trabalhando em Viena a desastrada operação de lobotomia por Egas Moniz em Portugal o conceito da comunidade terapêutica foi desenvolvido por Maxwell Jones na Inglaterra a era moderna das drogas psicoativas foi inaugurada na Suíça com o Largactil mais tarde trazido para a América como Thorazina clorpromazina embora novamente desenvolvida de forma exponencial na América e o lítio foi empregado pela primeira vez com sucesso por Cade na Austrália 22 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs doentes que buscavam os hospitaisescola e as clínicas afiliados às universidades Esses pacientes diferiam bastante dos pacientes ambulatoriais tipicamente neuróticos dos principais centros psicanalíticos europeus em torno dos quais os preceitos técnicos da psicanálise tinham sido criados porque em suas primeiras décadas na Europa a psi canálise tinha sido excluída da universidade e do mundo médico acadêmico e portanto negada aos portadores de transtornos men tais e comportamentais mais graves E foi pela necessidade dessa adaptação nos Estados Unidos às necessidades clínicas dos pacientes mais doentes que os psicanalistas abrigados pela psiquiatria norteamericana ti veram que desenvolver modificações nas inter venções psicanalíticas que fossem mais ade quadas às exigências clínicas desses pacien tes Foi esse desenvolvimento que re sultou na psicoterapia psicanalítica cujo principal pioneiro foi Robert Knight da Fundação Menninger e depois do Centro Austen Riggs Como líder na psicanálise norteamericana as principais preocupa ções de Knight foram exatamente suas re lações com a psiquiatria Knight6 declarou que até o advento da psicanálise a psiquiatria ainda carecia de uma psicologia Ele se dedicou à arti culação do que chamou de uma ciência básica da psicologia dinâmica7 uma ciência básica na qual toda psicoterapia competente deve basear se e para a qual as principais con tribuições foram dadas pela psicaná lise7 Assim Knight formulou pela pri meira vez o que propôs ser a di ferença fundamental dentro do marco referencial psicanalítico entre as abordagens psicote rapêuticas de apoio e as expressivas Das várias possíveis formas de clas sificar as tentativas psicoterapêuti cas dois grandes grupos podem ser identificados aqueles que visam primariamente ao apoio ao pacien te com supressão dos sintomas e da manifestação do material psicológico emergente associado e aqueles que vi sam primariamente à sua expressão7 grifo nosso Ao mesmo tempo o viés explícito em favor da abordagem mais expressiva foi anunciado a psicoterapia de apoio pode ser indicada quando a avaliação clínica do paciente levar à conclusão de que ele é muito frágil psicologica mente para ser mais profundamente abordado ou muito inflexível para ser capaz de uma alteração real da per sonalidade ou muito defensivo para ser capaz de alcançar o insight A decisão de usar medidas supressivas é na verdade tomada devido a con traindicações ao uso de intervenções exploratórias7 Posteriormente Knight8 diferenciou ainda mais os objetivos das abordagens de apoio e expressiva e em relação a esta últi ma os objetivos e as indicações da pró pria psicanálise Pelo termo primariamente de apoio entendo a intenção de apoiar e re construir os mecanismos de defesa e métodos adaptativos que costumam ser utilizados pelo paciente antes de sua descompensação e a implementa ção dessa intenção pelo uso de técni cas de apoio explícitas Psicoterapia de orientação analítica 23 A seguir descrevia uma série de téc nicas de apoio na verdade a primeira lista gem desse tipo em um artigo psicanalítico Entre as formas expressivas a própria psi canálise seria claramente a de mais longo alcance A psicanálise tenta o máximo na investigação com um objetivo do maior autoconhecimento possível e da modifica ção estrutural da personalidade8 E à psicoterapia expressiva derivada da psicanálise é concedido um lugar niti damente diferente O maior campo para a psicotera pia exploratória que não envolve os objetivos ambiciosos da psicanálise reside naquelas condições clínicas que são expressadas como descompensa ções relativamente recentes origina das de experiências de vida perturba doras8 É essa primeira descrição de Knight das dife renças declaradas entre as terapias psicanalí ticas indo da terapia de apoio à terapia expres siva até à própria psicanálise que estruturou os painéis dentro da Associação Psicanalítica Americana durante os primeiros anos da déca da de 1950 todos reunidos em uma dezena de artigos no Journal da Associação em 1954 Co letivamente eles sustentavam as concepções dominantes na época sobre sua natureza que marcaram o que eu chamo de segunda era na relação da psicoterapia com a psicanálise uma era de estabelecida diversidade de objetivo e de técnicas um espectro das terapias psicanalíti cas que ia da mais apoiadora à mais expressi va dentro de uma unidade de teoria a psica nálise Essa era durou cerca de 20 anos con tados a partir das completas descrições desses manifestos de 1954 A confrontação central na época era entre dois pontos de vista principais so bre a natureza da relação entre psicotera pia dinâmica e psicanálise Basicamente o problema existia entre as visões propos tas por Alexander e French9 e Fromm Reichmann10 uma minoria que viam a tendência histórica como obscurecendo e até suprimindo as diferenciações técnicas entre psicoterapia dinâmica e psicanálise e a visão defendida por analistas a maioria dos quais Bibring11 Gill1213 Rangell14 e Stone1516 foram os principais portavozes Estes seguindo Knight entendiam o pro blema como um esclarecimento mais ade quado das distinções conceituais e opera cionais entre as duas Esses pontos de vista opostos foram antiteticamente propostos de maneira muito intensa nos painéis pu blicados em 1954 Aqueles que borravam as diferen ciações entre psicoterapia dinâmica e psi canálise tomaram duas posições um pouco discrepantes Alexander17 exigia a total in tegração da psicanálise na psiquiatria e na medicina A teoria psicanalítica tornouse pro priedade comum da psiquiatria como um todo e por meio dos canais psi cossomáticos da medicina como um todo Com essa unificação da psicanálise com a psiquiatria uma nítida diferença entre o tra tamento psicanalítico e outros méto dos psicoterapêuticos que se baseiam nas observações e na teoria psicanalí ticas está se tornando cada vez mais di fícil Na prática todos os psi quiatras tornamse cada vez mais pare cidos mesmo que um possa praticar a psicanálise pura e o outro uma psi co terapia de orientação psicanalítica17 Assim qualquer distinção entre a própria psicanálise e outros procedimentos expressivos foi declarada apenas quantita tiva17 e de fato 24 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a única solução lógica seria iden tificar como psicanalítico todos es tes procedimentos relacionados que se baseiam essencialmente nos mes mos conceitos científicos observações e princípios técnicos17 grifo nosso No ponto máximo da posição de Ale xander17 a única diferença realística é aquela entre os métodos primariamente de apoio e os primariamente expressivos gri fo nosso Sua proposição seria a de colapsar todas as formas de tratamento expressivo psicoterapia expressiva e a própria psica nálise dentro de uma única categoria de te rapia psicanalítica A partir disso Alexander como Knight prenuncia uma lista de téc nicas diversificadas de apoio No outro la do coloca todas as abordagens expressivas a psicanálise incluída as quais segundo ele variariam apenas em parâmetros quantitati vos e não em parâmetros críticos FrommReichmann18 assumiu uma posição um pouco diferente para tratar psicanaliticamente indivíduos borderline e ou francamente psicóticos seriam neces sárias não apenas modificações importan tes da técnica psicanalítica com as quais naturalmente todos concordariam como também a revisão sistemática da teoria da psicanálise clássica em direção a uma mais moderna teoria da psiquiatria dina micamente orientada tendo como base as concepções interpessoais de Harry Stack Sullivan Isso ela defendia como uma ver são mais atualizada da psicanálise e tratava de sustentar essa reivindicação invocando a famosa máxima definidora de Freud19 de que toda terapia que estivesse baseada nos conceitos de transferência e resistência po deria denominarse psicanálise Apresentada dessa maneira a psico terapia dinâmica de FrommReichmann poderia simplesmente ser redefinida como psicanálise de modo que como com Ale xander psicanálise e psicoterapia analítica tornariamse indistinguivelmente próxi mas em um continuum meramente quan titativo No caso de FrommReichmann a psicanálise se veria assimilada pela nova teoria interpessoal da psiquiatria dinâmica Ao contrário Alexander considerava que a psicoterapia psicanalítica estaria fundida de maneira quase indistinta com a psicaná lise Porém em qualquer direção as dife renças entre as duas ficavam obscurecidas senão totalmente suprimidas Ambos os pontos de vista tiveram na época algum apelo popular embora refletissem uma distinta minoria na psica nálise norteamericana Desde então essas concepções de Alexander foram essencial mente retiradas do discurso psicanalítico Os pontos de vista de FrommReichmann mais propriamente suas técnicas sobrevi veram apenas dentro de um pequeno gru po de colegas trabalhando no campo em que essas noções se enraizaram a princípio ou seja na modificada terapia psicanalí tica de pacientes gravemente psicóticos em geral nos ambientes institucionais Em contraste aqueles que se empe nharam em agudizar as diferenças entre o alcance das diferentes psicoterapias de base psicanalítica objetivavam em seus planos de tratamento selecionar a moda lidade terapêutica mais adequada a partir desse espectro diferenciado para a estrutu ra psicológica de cada paciente Isso natu ralmente era o oposto de borrar as di ferenças transformando toda psicoterapia em psicanálise forçando os limites dessa análise a sua extensão máxima Tratava se de uma preocupação com o método de tratamento mais adequado para cada pa ciente em particular dentro da variedade de métodos terapêuticos psicanalíticos O problema inicial para aqueles que buscavam delinear com mais clareza as Psicoterapia de orientação analítica 25 diferenças entre as várias terapias de base psicanalítica foi naturalmente de defi nição Gill13 Rangell14 e Stone15 procu raram começar com uma definição para psicanálise considerada a matriz de todas as outras e cujas dimensões eram mais cla ramente conceitualizadas Foi a proposi ção de Gill13 a que adquiriu mais ampla aceitação Psicanálise é aquela técnica que em pregada por um analista neutro resul ta no desenvolvimento de uma neu rose de transferência regressiva e na resolução final dessa neurose por téc nicas apenas interpretativas A partir dela Gill se estende por vá rias páginas para explicar cada parte desse conceito em detalhes Tal definição deli mitava a psicanálise de modo mais preciso do que a de Freud19 a qual estabelecia que qualquer terapia que apenas reconhecesse os dois fatos da transferência e da resis tência e os tomasse como seu ponto de partida podia denominarse psicanálise Em contraposição a Freud Gill12 tinha declarado anteriormente que a designação psicanálise seria reservada para a técnica que analisa a transferência e a resistência Já a psi coterapia psicanalítica seria qualquer procedimento que reconhece a trans ferência e a resistência e utiliza racio nalmente esse conhecimento na te rapia embora isso possa ser feito de muitas formas diferentes e parte ou até toda a transferência possa não ser analisada São essas muitas formas diferentes de psicoterapia nas quais parte ou até to da a transferência possa não ser analisada que naturalmente representam as várias distinções entre os métodos expressivos e os de apoio que as psicoterapias psicana líticas que não a psicanálise poderiam utilizar Também nesse primeiro ensaio Gill12 estabeleceu a principal linha de demarcação entre os métodos expressivos e os de apoio A decisão mais importante é se as de fesas do ego devem ser fortalecidas ou ao contrário ultrapassadas como uma condição preliminar em direção à reintegração do ego A decisão de fortalecer as defesas é tomada em casos nos quais isso é tudo o que é ne cessário ou naqueles nos quais isso é tudo o que é possível fazer com segu rança O autor prossegue até aumentar a so fisticação da conceitualização das técnicas de apoio por meio de uma elaboração de talhada das maneiras de se fortalecerem as defesas Stone15 também tentou listar os princípios que operariam diferencialmen te na psicoterapia em oposição à psica nálise mas para isso misturou as abor dagens de apoio e as expressivas apenas diferenciandoas da própria psicanálise Ele elaborou sua listagem de oito diferen tes indicações para psicoterapia em vez de psicanálise a mais elaborada até aque le momento mas não tentou separar que indicações seriam mais adequadas a abor dagens expressivas e quais as abordagens de apoio A lista de Stone entretanto de finiu a base para a afirmação de Gill12 com relação às indicações para psicanálise A análise então é claramente o proce dimento para um grupo intermediá rio de gravidade no qual o ego está suficientemente danificado para que um extensivo reparo seja necessário mas que ainda é suficientemente forte para suportar a pressão 26 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A partir disso o restante segue de modo natural Uma psicoterapia primaria mente de apoio tornase a forma preferida para aqueles pacientes cujo equilíbrio psí quico enfraquecido deve ser restaurado pe lo fortalecimento das defesas por meio de todas aquelas técnicas detalhadas por Knight Alexander Stone Gill entre ou tros Poderíamos considerar esses pacientes como muito doentes para serem tratados pela psicanálise Gill13 inclusive refere os perigos da psicanálise para uma personali dade precariamente equilibrada Uma psi coterapia primariamente expressiva torna se por sua vez a forma preferida aqueles com transtornos reativos agudos ou em estados transicionais de ajustamento cujos egos não estão excessivamente danificados e que podem tolerar o esforço de analisar as defesas na extensão necessária pelos métodos de interpretação e elaboração chegando aos insights e às resoluções reque ridos Estes podem ser considerados os pa cientes que estão bem demais para fazer psicanálise no sentido de não necessitarem ou de não se justificar sua entrada em um tratamento tão ambicioso e extenso Essa forma de conceitualizar a na tureza dos diferentes métodos terapêuti cos e de suas diferentes indicações coloca a psicoterapia expressiva em uma posição intermediária certamente na técnica entre a terapia de apoio de um lado e a psicanálise de outro Gill13 chamavaa de um tipo intermediário de psicoterapia Ele foi adiante Esta é a psicoterapia cujos objeti vos são intermediários entre a resolu ção rápida dos sintomas ie psicote rapia de apoio e a alteração de caráter ie psicanálise na qual as técnicas são de certo modo também interme diárias por exemplo relativa neutra lidade e inatividade manejo da trans ferência embora não uma neurose de transferência regressiva total inter pretação como o veículo principal do comportamento do terapeuta e eu sugiro na qual os resultados são igual mente intermediários13 Diz ainda não quero ser mal interpretado pois não estou sugerindo que a psico terapia possa fazer o que a psicanáli se faz mas estou sugerindo que uma descrição dos resultados da psicotera pia intensiva ele quer dizer expressi va pode ser feita não meramente em termos de mudanças de defesas mas também em termos de outras altera ções intraego13 No geral Gill12 havia afirmado ante riormente Na psicoterapia o objetivo pode ser qualquer coisa que vai do alívio de um sintoma o mais rápido possível com a restauração da capacidade in tegrativa prévia do ego passando por uma ampla variedade de objetivos mais ambiciosos até a psicanálise o mais ambicioso de todos A escolha da terapia pode ser dividida entre aque la que determina o mínimo necessá rio para restaurar o funcionamento do ego e aquela que se empenha pela mudança máxima possível Isso está estreitamente relacionado a outra questão que também não foi de to do resolvida naqueles debates da década de 1950 tratase dos graus de diferenciação real entre essa série de abordagens terapêu ticas psicanalíticas que iria da psicoterapia de apoio até a psicoterapia expressiva a forma intermediária e finalmente até a psicanálise Seriam elas realmente dife rentes qualitativamente ou apenas pontos nodais cristalizados ao longo de um con Psicoterapia de orientação analítica 27 tinuum Ou seriam menos distinguíveis ainda entre si por serem essencialmente apenas um continuum quantitativamente variável Isto é permanecia a discussão entre o obscurecimento das diferenças versus seu aguçamento o que sempre es teve no centro daqueles debates Rangell14 talvez tenha expressado me lhor o grau de consenso alcançado dentro da posição da maioria que rotulei como aquela dos que buscavam aguçar as dife renças Neste ponto de vista as duas discipli nas psicanálise e psicoterapia psica nalítica nos extremos opostos de um espectro são qualitativamente dife rentes entre si embora haja uma fai xa fronteiriça de casos entre elas Uma comparação análoga pode ser feita com o fato de que o consciente é dife rente do inconsciente embora exista um préconsciente e diferentes graus de consciência O dia é diferente da noite embora haja o crepúsculo en tre eles e o preto do branco embora haja o cinza A maior contribuição de Rangell aos debates publicados em 1954 foi seu esforço em estabelecer as principais semelhanças e diferenças entre psicanálise e psicoterapia dinâmica Ele apresentava cada uma sob dois tópicos Em relação às semelhanças afirmava que ambas são tratamentos psi cológicos que influenciam outros seres hu manos por meio do discurso verbal bem como tratamentos racionais construídos sobre uma metapsicologia idêntica Em re lação às diferenças dizia estarem nas técni cas e nos objetivos Quanto à técnica Rangell14 conside rava que o ponto diferencial crucial diz respeito ao papel e à posição do terapeu ta Usando uma analogia afirmou que na psicanálise o terapeuta está na periferia do campo magnético do paciente não re agindo portanto com seu próprio campo magnético ou se comporta como o juiz em uma partida de tênis14 Já na psicoterapia o terapeuta em vez de estar na cadeira do juiz movimentase na quadra junto com o paciente estando os dois campos magnéti cos entrelaçados14 Em relação às diferen ças nos objetivos Rangell evidenciou outra analogia emprestada de Gitelson em que comparou o processo terapêutico a uma reação química complicada que uma vez iniciada poderia ser levada a uma resolu ção final ie o objetivo da psicanálise ou interrompida em algum ponto intermediá rio de estabilidade como no caso da psico terapia dinâmica ver Rangell14 Duas outras contribuições importan tes dos debates de 1954 a de Bibring e a discussão entre Leo Stone e Anna Freud devem ser mencionadas Bibring descreveu cinco princípios terapêuticos básicos os quais pela seleção e pela combinação dife rencial deveriam ser capazes de caracteri zar todas as terapias psicanalíticas da psi canálise à psicoterapia de apoio Os cinco princípios básicos cada um visando a seu objetivo particular foram denominados de 1 sugestão 2 catarse 3 manipulação no sentido de redirecio nar sistemas emocionais existentes no paciente ou expôlo a novas experiên cias 4 insight por meio do esclarecimento 5 insight por meio da interpretação Todas as psicoterapias não apenas aquelas baseadas na teoria psicanalítica poderiam ser classificadas de acordo com Bibring conforme as diferentes seleções e combinações desses cinco princípios tera 28 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pêuticos centrais na condução da terapia A classificação de Bibring continuou sendo usada até quase os dias de hoje A outra contribuição igualmente in fluente daqueles debates foi a discussão de Stone16 sobre o que ele chamou de a cres cente ampliação do campo de indicações para psicanálise para quase toda doença ou problema que tivesse um componente emocional significativo em sua etiologia muito além portanto das clássicas psi coneuroses consideradas por Freud como adequadas à psicanálise Stone aceitava essa tendência com cautela e ceticismo naturalmente retornavase à discus são sobre a estender a aplicabilidade da verdadeira ou melhor psicoterapia exis tente a psicanálise até os limites de suas possíveis indicações em oposição a b adequar abordagens psicoterapêuticas di ferenciadas à natureza e às necessidades de cada paciente A avaliação final de Stone16 foi a de que a abrangência da terapia psicana lítica foi ampliada a partir das psico neuroses transferenciais para incluir praticamente todas as categorias no sológicas psicogênicas As neuroses de transferência e os transtornos de cará ter de grau de psicopatologia equiva lente continuam sendo as indicações gerais ideais para o método clássico Embora as dificuldades aumentem e as expectativas de sucesso diminuam de uma maneira geral à medida que nos aproximamos da periferia nosoló gica não há uma barreira absoluta para o método psicanalítico Em sua discussão do trabalho de Sto ne Anna Freud20 escolheu essa única ques tão para indicar que suas próprias predile ções opunhamse a tais sentimentos Sem desejar subestimar os benefícios resultan tes aos pacientes do que Stone declarara ela não obstante expressava suas objeções Se toda habilidade conhecimento e esforços pioneiros que foram gastos para ampliar a abrangência da psica nálise tivessem sido empregados em vez disso na intensificação e melho ra de nossas técnicas no campo ori ginal os transtornos histéricos fó bicos e compulsivos eu não posso deixar de sentir que neste momento estaríamos achando que o tratamen to das neuroses comuns seria quase uma brincadeira de criança em vez de seguirmos lutando com os proble mas técnicos que encontramos como continuamos fazendo20 Esse era de fato um apelo à limitação das indicações para a psicanálise uma po sição à qual Anna Freud aderiu firmemen te durante toda a sua vida contra todas as tendências mais populares entre os ana listas da época Um último comentário em relação a essa cristalização em 1954 do que cha mei de a segunda era na história da psi coterapia psicanalítica a era do consenso O Projeto de Pesquisa de Psicoterapia da Fundação Menninger criado por alguns de nós no início da década de 1950 foi um estudo dos mais ambiciosos e abrangentes do seguimento dos tratamentos e das vidas subsequentes de uma coorte de 42 pacien tes tratados metade por psicanálise e meta de por psicoterapia psicanalítica O Projeto foi concebido e conceitualizado segundo os marcos referenciais de como eram en tendidas essas modalidades de tratamento na perspectiva da maioria dos psicanalistas daquela era de consenso Uma descrição completa do trabalho e dos resultados e conclusões desse longo estudo de 30 anos realizado à luz daqueles entendimentos foi publicada em meu livro de 1986 Quarenta e duas vidas em tratamento21 Enfatizei o quanto esse desabrochar da psicoterapia dinâmica foi particular mente norteamericano sendo ela con Psicoterapia de orientação analítica 29 cebida como distinta da psicanálise mas inextricavelmente ligada a esta constituin dose como o veículo principal da coop tação da psiquiatria norteamericana pelo ideal psicanalítico Isso não quer dizer no entanto que essas concepções permanece ram restritas ao cenário norteamericano Ideias comparáveis logo criaram raízes em outros lugares a princípio na Inglaterra e no norte da Europa e depois pelo resto da Europa e na América Latina E em 1969 uma década e meia após as publicações de 1954 na América do Norte a Internacio nal Psychoanalytic Association IPA pela primeira vez dedicou um painel importan te em seu Congresso de Roma para A re lação entre psicanálise e psicoterapia Em minha apresentação de abertura como co ordenador daquela mesaredonda22 iniciei declarando que isso marcava a crescente preocupação den tro da família mundial da psicanáli se com o que por muito tempo pare cera uma criação peculiarmente nor teamericana o corpo da teoria e da prática da psicoterapia psicanalítica ou psicodinâmica em toda a sua com plexa relação com sua linhagem psi canalítica Estabeleci a estrutura para o painel de 1969 expondo o que eu acreditava se rem as questões científicas mais impor tantes dentro da relação da psicoterapia com a psicanálise Propus uma sequência de nove perguntas com um breve sumá rio após cada uma delas relacionandoas com as principais posições frequentemen te di cotomizadas que eram assumidas por proponentes ilustres dos vários pontos de vista O que se tornou claro a partir da minha listagem foi que as questões e as controvérsias que tinham caracterizado os relatórios daquela mesaredonda de uma década e meia antes ainda estavam entre nós sem terem sido essencialmente mo dificadas muito menos resolvidas ape sar da experiên cia clínica acumulada e do crescente conhecimento teórico adquirido durante esse período Nem poderíamos dizer que essa avaliação foi de alguma forma modificada pelas considerações daquele painel internacional do ponto de vista mais amplo das várias experiências da psicanálise nos diversos centros nacionais e regionais de trabalho psicanalítico com todos os seus diferentes desenvolvimentos históricos e distintos contextos ecológicos Contudo apenas uma década mais tarde em 1979 quando as Sociedades Psicanalíticas Regionais Meridionais pa trocinaram um Simpósio em Atlanta no qual três dos protagonistas das discussões publicadas em 1954 Gill Rangell e Stone foram convidados a atualizar suas visões sobre Psicanálise e psicoterapia seme lhanças e diferenças uma perspectiva de 25 anos muita coisa tinha realmente mudado Nos anos intermediários novas conceitualizações diagnósticas e terapêuti cas tinham sido amplamente desenvolvidas em relação às categorias dos pacientes bor derline como as abordagens psicanalíticas modificadas de Kernberg23 e dos trans tornos de caráter narcisista introduzidas na órbita da psicanálise por Kohut2425 Essas novas considerações acrescentaram urgência e convicção aos esforços psicanalí ticos de manter uma posição firme sobre as características próprias da psicanálise e das psicoterapias psicanalíticas com suas esfe ras diferenciadas de aplicação em relação à diversidade das formações psicopatológicas Isso é claro se tornou mais importante à medida que os quadros sintomáticos mais clássicos em torno dos quais as concepções psicanalíticas originais foram elaboradas minguavam em nossos consultórios Os três escolhidos para esse Simpósio Gill Rangell e Stone tinham estado essen 30 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cialmente de acordo durante os debates do início da década de 1950 representativos da então posição clássica da maioria que se mantinha associada à concepção de um espectro de psicoterapias com uma cris talização característica de cada modalida de terapêutica diferenciada ao longo dele cada uma com sua aplicação e indicação específicas a determinado segmento de pacientes nosologicamente coerente Es sa seleção de três autores que um quarto de século antes tinham falado com tanta unidade tornou ainda mais impressionan te a divergência de opiniões exatamente sobre as mesmas questões que marcou seus discursos em 1979 Foi essa mudança mais uma vez importante que eu denomi nei de a terceira era no desenvolvimen to da psicoterapia psicanalítica dentro da psicaná lise a era atual do consenso frag mentado O amplo consenso a despeito dos desvios significativos de Alexander e FrommReichmann que tinha caracteri zado a corrente principal do pensamento psicanalítico nessa área por mais de duas décadas está em um estado fragmentado que ainda persiste hoje vinte anos depois Na realidade foram as concepções de Stone as de nuanças mais sutis em 1954 que sobreviveram mais inalteradas no de correr dos anos26 Em suas concepções da maior orientação à realidade por parte do psicoterapeuta psicanalítico das dife renças sutis entre a natureza do processo interpretativo na psicanálise e na psicote rapia psicanalítica e das dificuldades em separar as abordagens mais interpretativas expressivas das menos interpretativas ou não interpretativas de apoio Stone exi biu uma notável consistência de pontos de vista durante todo o intervalo de tempo de seus escritos sobre o tema desde seu pri meiro ensaio de 1951 até o mais recente de 1992 Era uma constância de perspectiva que contrastava nitidamente com as visões significativamente modificadas dos outros dois protagonistas da mesaredonda de 1979 Quem mudou mais radicalmente durante esse intervalo de tempo foi Gill o qual seguindo Knight tinha sido o mais claro no início da década de 1950 em seus distintos delineamentos de psicanálise psicoterapia expressiva e psicoterapia de apoio cada uma com diferentes técnicas e objetivos e indicada para um segmento diverso do espectro psicopatológico A mu dança radical na percepção de Gill foi uma consequência direta de sua preocupação com a crescente diluição da primazia da interpretação transferencial como sendo o principal critério da psicanálise e do que era psicanalítico a a interpretação mais precoce da trans ferência incluindo a busca diligente de todas as possíveis alusões implícitas a ela b o foco no aquieagora em oposição à predominância genética na interpretação da transferência c a elaboração mais completa de todas as implicações do que ele chamava de pers pectiva de duas pessoas em oposição à perspectiva de uma pessoa ou seja das contribuições para a transferência por parte dos dois participantes Aqui quero apenas examinar as im plicações das mudanças de Gill sobre sua concepção de transferência por concepções significativamente modificadas sobre a natureza da psicanálise comparada com a psicoterapia Ele tornou específicas essas implicações no Simpósio de Atlanta em 1979 publicadas em uma versão revisada em 1984 Gill27 começou revendo os critérios intrínsecos pelos quais a análise costuma ser definida a centralidade da análise da transferência um analista neutro a indu Psicoterapia de orientação analítica 31 ção de uma neurose de transferência re gressiva e a resolução dessa neurose por técnicas apenas interpretativas ou pelo menos principalmente por interpretação bem como os critérios extrínsecos comu mente indicados sessões frequentes o divã um paciente relativamente bem in tegrado ou que seja considerado analisável e um psicanalista totalmente treinado A partir disso Gill27 referiu seu ponto de partida A questão da relação entre psicanálise e psicoterapia é ainda mais importan te na prática hoje do que era em 1954 devido às dificuldades práticas em manter os critérios extrínsecos comu mente aceitos da análise A ques tão se torna o quanto o conjunto de critérios extrínsecos pode ser amplia do antes que o analista possa decidir se por psicoterapia em vez de psica nálise Em resposta a essa pergunta Gill27 declarou Eu diria que com a definição da técni ca analítica à qual eu finalmente che garei esta técnica deverá ser ensinada a todos os psicoterapeutas Se ela será empregada com sucesso ou não de penderá do treinamento e do talento natural para o trabalho de cada um E ainda quero dizer que a técnica analíti ca da forma como a definirei deverá ser empregada tanto quanto possível mesmo se o paciente vier com menos frequência do que o usual em psica nálise usar a cadeira em vez do divã não estiver necessariamente compro metido com um tratamento mais lon go for mais doente do que o paciente considerado analisável e mesmo que o terapeuta seja relativamente inexpe riente Em outras palavras recomen darei que limitemos rigorosamente as indicações para psicoterapia psicanalí tica e em vez disso pratiquemos pri mariamente psicanálise como pretendo definila27 grifo nosso O que vemos aqui é uma proposta para assimilar à psicanálise o que Gill em 1954 esforçarase para demarcar como separado isto é a psicoterapia expressiva antes vista como uma área relacionada à psicanálise mas bem distinta dela ou em outras palavras o autor propôs borrar e talvez suprimir completamente todas as diferenças cuja manutenção ele um dia acreditou ser vital De fato isso retomou a posição de Alexander a qual Gill outrora rejeitara Ele evidentemente reconheceu a base para essas posições radicalmente al teradas A reconsideração que estou pro pondo é resultado de minhas visões mo dificadas sobre a transferência e sua análi se27 Além disso a centralidade da análi se da transferência é isoladamente o aspecto mais característico da psica nálise É o que a diferencia da psicote rapia Restame tentar mostrar que ela pode ser mantida mesmo em condi ções ampliadas de critérios externos27 grifo nosso Gill então desenvolveu suas ideias sobre como os critérios externos mencio nados frequência divã duração e in determinação do processo entre outros poderiam ser secundários e dispensados dentro de um trabalho psicanalítico apro priado Declarou que central a todas as visões sobre as dimensões externas da ex periência psicanalítica estava uma suposição implícita sobre o pro cesso psicanalítico que gostaria de questionar O de que a análise seja uma proposição do tipo tudoou 32 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nada gerando seus resultados posi tivos apenas se levada até o fim Essa crença costuma ser uma vã ilu são Freud comparava a interrupção de uma análise com a interrupção de uma cirurgia Eu sugiro ao contrá rio que na forma modificada de con duzila que estou propondo a análi se possa ser um processo com bene fícios progressivamente cumulativos podendo ser interrompida em vários pontos sem a necessária perda do que foi conquistado27 Seguramente estabelecer a psicaná lise como um empreendimento tudoou nada é de certo modo uma postura vazia uma vez que a análise pode ser interrom pida em todos os seus estágios intermediá rios além do que naturalmente em teoria a análise nunca está completa Isso não é entretanto o mesmo que amalgamar toda a psicoterapia expressiva com a psicanálise como Gill agora faz desde que atendida a exigência da completa primazia da inter pretação da transferência no aquieagora A única pergunta restante então era o que para Gill constituiria a psicotera pia que não fosse análise Nesse ponto ele propôs o nome psicoterapia psicanalítica para designar toda aquela abordagem tera pêutica que não interpretasse sistematica mente a transferência isto é o que Knight a princípio e Gill depois dele chamaram nas décadas de 1940 e 1950 de psicotera pia de apoio de orientação psicanalítica Houve contudo uma terceira posi ção no Simpósio de 1979 a de Rangell in termediária entre a opinião essencialmente inalterada de Stone e o retorno radical por parte de Gill às concepções outrora rejeita das de Alexander às quais se sentiu atraí do como uma consequência lógica de suas próprias mudanças na concepção essencial do empreendimento psicanalítico A posi ção modificada de Rangell manteve a clare za conceitual das diferenças entre análise e psicoterapia analítica embora reconhecen do a infiltração da psicanálise pelas téc nicas psicoterapêuticas Rangell28 afirmou Não há análise sem alguns desses me canismos psicoterapêuticos Não há caso analítico tratado apenas por interpretação Se isso fosse um prérequisito nenhum tratamento se qualificaria como analítico Esse é o ponto crucial do argumento de Rangell28 com base segundo ele em sua variada prática clínica de tempo inte gral durante quase quatro décadas Desde as comparações de 1954 a cres cente experiência e a precisão técnica têm levado a uma diminuição das di ferenças entre as duas psicanálise e psicoterapia dinâmica Concluindo declarou Como observação empírica de longo alcance durante esses anos há em nú meros uma grande zona de fronteira na qual os procedimentos terapêuticos são praticados em uma área cinzenta entre psicanálise com parâmetros e psicoterapia intensiva sistemática mas que não é verdadeiramente psicanáli se Minha crença hoje é que ainda é possível traçar uma linha entre as duas embora também seja verdadeiro que em muitos casos essa linha seja difícil de definir28 Esse panorama de posições cristalizadas e bas tante discrepantes sobre a natureza da relação entre a psicanálise e as psicoterapias psicana líticas conforme resumido pelos três protago nistas do Simpósio de 1979 que tinham estado tão unidos em seus pontos de vista durante os debates na década de 1950 reflete o que cha mei de a terceira era na história dessa rela ção a era atual do consenso fragmentado Psicoterapia de orientação analítica 33 Atualmente mais de três décadas de pois do surgimento desse consenso frag mentado a natureza da psicoterapia psica nalítica o que a define e a constitui como se relaciona com ou é diferenciada da pró pria psicanálise agora uma preocupação universal e não mais caracteristicamente norteamericana tornase mais complexa e até mais ambígua e problemática à medi da que é debatida nos vários centros psica nalíticos ao redor do mundo cada um com suas próprias pressões socioeconômicas sua história e ecologia psicanalíticas singu lares suas variadas lealdades teóricas me tapsicológicas e suas convenções linguísti cas e suportes filosóficos epistemológicos característicos Chamo isso agora de um mundo sem consenso Duas tendências principais marcaram essa mudança maciça apro fundada e solidificada nas mais de duas décadas desde o Simpósio de 1979 da luci dez e aparentes certezas da década de 1950 para nosso mar contemporâneo de vozes divergentes frequentemente discordantes sobre essas questões Uma foi a elaboração gradual dentro da própria psicanálise do papel do relacionamento psicanalítico à parte ou além da interpretação como um determinante igual e interativo junto com a interpretação verídica da ocorrência do insight e da efetuação de uma mudança te rapêutica e a outra obviamente relaciona da foi a crescente consciência e aceitação na América do Norte o lar original do empreendimento da psicoterapia psicana lítica da diversidade teórica que passou a caracterizar a psicanálise desde os tempos de Freud O crescente foco no relacionamento psicanalítico como fator principal na mu dança da nossa compreensão sobre a pró pria essência da terapia psicanalítica pode ser considerado na América do Norte sob uma variedade de rubricas 1 o foco na aliança de tratamento a alian ça terapêutica de Zetzel29 ou a aliança de trabalho de Greenson30 como com ponentes principais do relacionamento terapêutico remontando diretamente a Sterba31 2 o foco na natureza do relacionamento terapêutico como incorporando a atitude médica humanizadora32 e no papel da nova experiência integra dora permitida no relacionamento transferencial ao novo objeto33 remontando a Balint34 e ainda mais anteriormente aos muitos ensaios germinais de Ferenczi35 3 os modelos hierárquico e evolucioná rio desenvolvidos diversamente por Gedo e Goldberg36 e por Tähkä37 nos quais os parâmetros da própria psicanálise conforme originalmente conceitualizada para pacientes classi camente neuróticos estenderamse de forma gradual para além da inter pretação38 à medida que pacientes mais doentes e mais desorganizados foram incluídos na esfera de ação psi canalítica sendo bastante obscuro o ponto de cruzamento da fronteira da psicoterapia psicanalítica 4 o desenvolvimento paralelo na Grã Bretanha por Suttie Fairbairn Gun trip Balint Bowlby Winnicott e seus muitos sucessores do Grupo Inter mediário ou Independente do foco internalizado objetorelacional 5 paralelamente a isso tudo a atual vi rada relacional na psicanálise norte americana lançada pelo influente livro de 1983 de Greenberg e Mitchell remontando em suas raízes à psiquia tria interpessoal de Sullivan39 com seu foco desenvolvido sobre a interação de duas subjetividades do analista e do analisando dentro da matriz trans ferênciacontratransferência como 34 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a iniciadora de mudança terapêutica ie a mudança da psicologia de uma pessoa para uma psicologia de duas pessoas 6 a já comentada descrição dos aparente mente novos pacientes paradigmáticos de nosso tempo os transtornos da personalidade narcisista e a psicologia do self2425 bem como a organização de personalidade borderline e a abordagem psicanalítica modificada egoestrutu ral e objetorelacional amalgamadas de Kernberg23 ambas declaradas aplicações da própria psicanálise ou psicanálise modificada ou até pos sivelmente psicoterapia psicanalítica àqueles pacientes com transtornos de ego mais extensos e profundos Todas essas formas de conceituali zar o processo de mudança na psicanálise que estão além da interpretação ou são de outro tipo que não a interpretação tor naram progressivamente mais difícil traçar diferenciações entre a chamada psicanálise e as variedades de psicoterapia psicanalí tica O que ocasionou essas mudanças na conceitualização da teoria e da técnica do trabalho psicanalítico e psicoterapêutico Para simplificar o modelo austero40 da própria psicanálise e a demarcação distinta das psicoterapias psicanalíticas expressivas e de apoio associadas não funcionaram nem refletiram de modo adequado e sufi ciente os eventos do processo terapêutico e as influências transformadoras e inte rativas reconhecidas dentro dele Isso foi claramente articulado por Rangell28 em seu relato no Simpósio de 1979 discutin do essas formulações 25 anos mais tarde e por Wallerstein21 nos escritos detalha dos de experiências e achados de 30 anos do Projeto de Pesquisa de Psicoterapia da Fundação Menninger Essa falta de ajuste convincente entre o modelo e o processo e resultados terapêuticos tornouse cada vez mais evidente não apenas com os pacien tes mais doentes como com transtornos da personalidade narcisista e com organi zações de personalidade borderline como também com os pacientes neuróticos nor mais considerados classicamente os mais acessíveis à psicanálise não modi ficada Outra tendência importante na psicanálise le vando à crescente complexidade e ambiguida de que marcam a fronteira comum psicanáli sepsicoterapia e igualmente responsável pela progressiva fragmentação do consenso de 1954 nas semelhanças e nas diferenças sobre essa relação foi o crescente reconhecimento na psi canálise norteamericana de que o paradig ma metapsicológico da psicologia do ego por muito tempo considerado a verdadeira expres são moderna da psicanálise criada e legada por Freud simplesmente não mais refletia o esta do das coisas na psicanálise mundial Diferen temente passamos a viver em um mundo de crescente diversidade psicanalítica ou plura lismo como viemos a chamar de muitas e ni tidamente diferentes metapsicologias psica nalíticas psicologia do ego dos dias atuais teoria do conflito contemporâneo kleiniana e suas extensões por Bion objetorelacional bri tânica lacaniana e francesa não lacaniana psicologia do self relacional ou intersubjetiva ou socialconstrutivista norteamericana en tre outras que com suas fronteiras delinea das de formas conceitualmente diferentes na turalmente tornam muito mais difícil qualquer distinção global mais precisa entre psicanálise e psicoterapia Minha própria perspectiva sobre o que em face desse pluralismo teórico glo bal dentro da psicanálise ainda nos man tém juntos como partidários comuns de uma ciência e profissão psicanalítica com partilhadas expliquei detalhadamente em outros textos4143 Psicoterapia de orientação analítica 35 Uma implicação significativa desse mar de mudanças para as relações atuais entre as psicanálises e as psicoterapias psi canalíticas é que o conceito familiar de análise selvagem articulado por Freud em 1910 atualmente perdeu seu significa do e deve ser substituído pela oportuna su gestão de Schafer44 de análise compara tiva Nem análise selvagem nem muito menos psicoterapia selvagem nesse sen tido têm qualquer sustentação conceitual no mundo psicanalítico fluido dos dias de hoje É evidente que todos os elementos do desenvolvimento conceitual remontando em herança à ênfase original de Ferenczi sobre o relacionamento analítico estavam consignados antes do desenvolvimento de psicoterapias derivadas explícitas à esfera das psicoterapias analíticas Agora que es sas influências foram reconceitualizadas como centrais ao nosso entendimento do que é psicanálise e de como ela funciona é muito mais difícil traçar linhas conceituais heuristicamente úteis entre a psicanálise a psicanálise modificada e apenas ou mera mente a psicoterapia psicanalítica Depen dendo da lealdade teórica do observador clínico ou do investigadorpesquisador dentro da gama de perspectivas teóricas psicanalíticas essas linhas demarcatórias serão traçadas de modos muito diferentes Isso em resumo representa o estado dessas questões hoje Assim esta é uma descrição bastan te condensada da evolução do relaciona mento das psicoterapias psicanalíticas com sua matriz e origem a psicanálise desde as primeiras elaborações que privilegia vam apenas esta até o momento complexo e fragmentário da problemática e muito contestada natureza do seu relacionamen to atual PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Ao longo das décadas de relacionamento entre psicanálise e psicoterapia analítica o primeiro período considerava tudo o que não fosse psicanálise como apenas sugestão 2 O segundo período foi o da estabelecida diversidade de objetivos e técnicas dentro de uma unidade de teoria 3 Com o aprofundamento e a clarificação da natureza das psicoterapias analíticas e as pesquisas que evidenciavam crescentes áreas de superposição surgiu o período do consenso fragmentado 4 Mais recentemente observase um período de não consenso em que cada vez mais há uma noção da dificuldade em estabelecer limites precisos entre as duas abordagens 5 Percebese que a ação terapêutica as abordagens técnicas e mesmo os resultados das psicoterapias psicanalíticas mostram muito mais complexidade em sua correta avaliação do que se supunha Estu dos clínicos comparados e pesquisas realizados em vários centros do mundo têm promovido discussões teóricas mais abertas e sem a pretensa certeza dos períodos iniciais REFERÊNCIAS 1 Wallerstein RS The talking cures the psy choanalyses and the psychotherapies New Haven Yale University 1995 p 587 2 Wallerstein RS Psychoanalysis and psycho therapy an historical perspective Int J Psychoanal 198970Pt 456391 3 Freud S Lines of advance in psychoanalytic therapy In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig 36 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mund Freud London Hogarth 1955 v 17 p15768 4 Glover E The indications for psycho analysis Journal of Mental Sciences 1954 100419393401 5 Glover E The therapeutic effect of inexact interpretation a contribution to the theory of suggestion Int J Psychoanal 193112397 411 6 Knight RP The relationship of psychoanaly sis to psychiatry In Miller SC editor Clini cian and therapist selected papers of Robert P Knight New York Basic Books c1972 p 12130 7 Knight RP A critique of the present status of the psychotherapies In Miller SC edi tor Clinician and therapist selected papers of Robert P Knight New York Basic Books c1972 p 17792 8 Knight RP An evaluation of psychothe rapeutic techniques In Miller SC editor Clinician and therapist selected papers of Robert P Knight New York Basic Books c1972 p 193207 9 Alexander F French TM Psychoanalytic therapy principles and application New York Ronald c1946 p 353 10 FrommReichmann F Principles of intensi ve psychotherapy Chicago University of Chicago 1950 p 246 11 Bibring E Psychoanalysis and the dynamic psychotherapies J Am Psychoanal Assoc 19542474570 12 Gill MM Ego psychology and psychothera py Psychoanal Q 19512016271 13 Gill MM Psychoanalysis and exploratory psychotherapy J Am Psychoanal Assoc 19542477197 14 Rangell L Similarities and differences be tween psychoanalysis and dynamic psycho therapy J Am Psychoanal Assoc 195424 73444 15 Stone L Psychoanalysis and brief psycho therapy Psychoanal Q 19512021536 16 Stone L The widening scope of indications for psychoanalysis J Am Psychoanal Assoc 1954256794 17 Alexander F Psychoanalysis and psychothe rapy J Am Psychoanal Assoc 1954272233 18 FrommReichmann F Psychoanalytic and general dynamic conceptions of theory and of therapy differences and similarities J Am Psychoanal Assoc 19542471121 19 Freud S On the history of the psycho analytic 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ground of psychoanalysis Northvale J Aronson c1992 p 320 44 Schafer R Wild analysis J Am Psychoanal Assoc 198533227599 LEITURAS SUGERIDAS Freud S Wild psychoanalysis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1957 v 11 p21927 Greenberg JR Mitchell SA Object relations in psychoanalytic theory Cambridge Harvard Uni versity 1983 p 437 Esta página foi deixada em branco intencionalmente P A R T E I I Fundamentos teóricos da psicoterapia de orientação analítica Esta página foi deixada em branco intencionalmente Não é difícil entender por que o relacio namento entre a psicanálise e as neuro ciências deve nos interessar A psicanálise é uma ciência da mente e temos conhe cimento desde tempos remotos de que as atividades da mente estão de alguma forma particular conectadas aos tecidos do cérebro Essa conexão foi estabelecida desde o início em bases clínicas Ao longo dos tempos os médicos reconheceram que doenças do cérebro ao contrário daquelas de qualquer outro órgão tinham efeitos imediatos sobre as funções da mente O célebre caso de Phineas Gage relatado pela primeira vez em 1848 é classicamente ci tado nesse contexto Uma vareta de socar pólvora atravessou os lobos frontais de seu cérebro com os seguintes resultados Sua saúde física é boa e estou inclina do a dizer que ele recuperouse mas sua mente foi radicalmente alterada tão decisivamente que seus amigos e conhecidos disseram que ele não é mais o Gage1 Observações como essas demonstrando que o cérebro e a personalidade são inextricáveis tor nam claro que o objeto de estudo da psicanálise está de algum modo intrinsecamente ligado ao objeto de estudo das neuro ciências O próprio Freud reconheceu esse fato em seus artigos de neurologia e con tinuou a reconhecêlo em todos os seus ar tigos de psicologia Contudo a psicanálise desenvolveuse quase completamente in dependente das neurociências Todos nós sabemos a razão disso apesar de Freud2 reconhecer que o aparelho mental é também conhecido por nós sob a forma de preparação anatômica sempre recomendou que os psicanalistas perma necessem afastados das neurociências À primeira vista parece haver uma contra dição nessa postura mas logo adiante será esclarecida essa posição de Freud O simples fato de que psicanálise e neurociências desenvolveramse em sepa rado por tanto tempo indica a realidade de que não obstante a óbvia ligação entre 2 INTEGRAÇÃO DA PSICANÁLISE COM AS NEUROCIÊNCIAS Mark Solms Solms M Preliminaries for an integration of psy choanalysis and neuroscience In Winer J Annual of psychoanalysis Hillsdale Analytic 2000 v 28 p 179200 42 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs os dois campos há muitos aspectos que os separam Deixando de lado as complexida des filosóficas da relação mentecorpo po demos afirmar que na prática psicanálise e neurociências têm objetos de estudo sepa rados que empregam diferentes métodos de investigação e que o conhecimento que geram é portanto de dois tipos distintos Isso impõe problemas óbvios para aqueles de nós que desejam forjar ligações entre es ses dois corpos de conhecimento como se pode perceber pela literatura que começou a acumularse na fronteira comum entre eles durante as últimas décadas O primeiro pesquisador a explorar essa relação foi naturalmente o próprio Freud Em meados da década de 1890 ele redigiu uma série de rascunhos sobre o as sunto um dos quais sobrevive até hoje na forma de um documento conhecido como Projeto para uma psicologia científica Nesse trabalho Freud tentou traduzir o que era conhecido na época sobre as operações profundas da mente para a linguagem da neurofisiologia e da anatomia O método que empregou para conseguir essa tradu ção foi como ele reconheceu de imagina ções transposições e suposições3 grifo nos so Em outras palavras Freud baseouse na especulação Naquela época era tão grande a lacu na entre o conhecimento que Freud tinha obtido pelo método de investigação psica nalítica sobre as operações internas da men te e o conhecimento que estava disponível a partir de métodos de estudo fisiológicos e anatômicos sobre as operações internas do cérebro que o médico não teve escolha senão recorrer à especulação para tentar transpôla Essa lacuna desempenhou um papel importante no posterior abandono de Freud de seu Projeto e em sua descrição dele como um tipo de aberração3 Por fim concluiu que no final eu posso ter que aprender a satisfazerme com a explicação clínica das neuroses34 grifo nosso Essa observação sobre explicação clínica como se verá em seguida é fértil em implicações para nossa ciência É meu ponto de vista que a causa do fracasso de Freud em integrar seus achados clínicos com a neurociência de sua época não foi apenas a insuficiência de conhecimen to neurocientífico disponível na década de 1890 como também a ausência de um méto do adequado para relacionar os dados neuro lógicos e psicológicos então disponíveis Acredito ainda que a despeito do aumento rá pido e exponencial em nosso conhecimento nos ramos das neurociências toda tentativa subse quente de correlacionar conhecimento psicana lítico e neurocientífico topou com o mesmo pro blema básico que Freud encontrou cem anos atrás ou seja a falha em desenvolver um mé todo válido para relacionar os achados clínicos da psicanálise com o tipo de conhecimento ge rado pelas várias ciências neurológicas Todos os pesquisadores que escreve ram sobre esse assunto desde Freud544 apesar do brilhantismo de algumas de suas intuições basearamse na mesma meto dologia fundamental de Freud com relação à maneira como correlacionaram os dois campos de pesquisa isto é pela especulação Essas são algumas das razões que nos conduziram à atual situação um súbito aumento de publicações nessa área nos úl timos anos e com uma quantidade de mo delos concorrentes em muitos aspectos contraditórios da organização neurológi ca das funções mentais profundas que es tudamos na psicanálise sem que tenhamos qualquer base racional para decidir entre Psicoterapia de orientação analítica 43 eles Como escolher entre pontos de vista rivais Tenho certeza de que concordarão que precisamos ser capazes de decidir es sas questões pois se a mente e o cérebro funcionam ambos de formas regulares e legítimas e se essas funções e regularidades estão relacionadas umas às outras de for mas legítimas semelhantes e temos toda a razão para acreditar que estejam então deveríamos poder decidir essas questões de formas científicas efetivas Meu primeiro objetivo neste capítulo é apresentar um método pelo qual possa mos realizar essa tarefa científica de forma efetiva Pretendo fazêlo primeiramente abordando a origem desse método em segundo lugar demonstrando como ele funciona e em terceiro relatando muito brevemente alguns dos achados que tal método está começando a produzir sobre como as camadas mais profundas da mente são organizadas neurologicamente PERSPECTIVA HISTÓRICA A fim de cumprir esses objetivos vamos recuar na história traçar as origens da psi canálise a partir de um ramo particular da neurociência e mostrar como o méto do psicanalítico originouse desse ramo então delinearemos os desenvolvimentos subsequentes nesse campo a fim de evi denciar que ele ainda continua sendo o ponto de contato natural entre as duas dis ciplinas No processo esperase ficar de monstrado que assim como acontece em nosso trabalho clínico um problema que parece insoluvelmente complexo em sua forma presente e madura com frequência acaba tendo uma estrutura relativamente simples quando investigamos suas origens Freud iniciou sua carreira científica como neuroanatomista antes de voltar sua atenção aos problemas da neurologia clíni ca o que se deu após um breve flerte com a psicofarmacologia Na época em que se dedicou à neurologia clínica esta ainda era uma disciplina jovem baseada quase intei ramente em um único método Este era co nhecido como correlação clínicoanatômica e foi transportado para a nova especialidade da neurologia por alguns dos profissionais mais talentosos e competentes da arte da medicina interna Como seu nome sugere a medicina interna ocupavase do diagnós tico e do tratamento de doenças ocorrendo no interior do corpo que por isso podiam não ser diretamente percebidas no caso clí nico vivo e tinham que ser deduzidas por suas manifestações indiretas na forma de sintomas e sinais externos Tinhase que esperar a morte do paciente e o relatório do patologista para determinar se o diag nóstico estava correto ou não Com o acú mulo de experiências ao longo das gerações acerca de que tipo de apresentação durante a vida tendia a correlacionarse com quais achados patológicoanatômicos na necro psia gradualmente se tornou possível para os médicos internistas reconhecer cons telações patognomônicas de sintomas e sinais Desse modo podiase prever com razoável precisão qual era o processo de doença subjacente e como conduzir seu tratamento Essa foi a origem do conceito de síndromes clínicas com o qual presumo muitos estejam familiarizados A neurologia tornouse uma espe cialidade separada da medicina interna quando ficou cada vez mais evidente que não apenas o cérebro como qualquer ou tro órgão estava sujeito às suas próprias patologias especiais e peculiares a seus teci dos mas também que um dano a diferen tes partes do cérebro produzia uma ampla variedade de manifestações clínicas Quan do Freud estagiava em neurologia clínica no início da década de 1880 esta foi a arte que ele aprendeu diagnóstico e tratamen 44 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs to racionais de doenças neurológicas pelo método da síndrome com base no conhe cimento obtido pelo método de correlação clínicoanatômica De fato sabemos que Freud era um profissional particularmente talentoso nessa arte45 Na época ele publi cou uma série de artigos que provam sua habilidade Visto que as lesões cerebrais causa vam alterações mentais o método clínico anatômico poderia ter outra utilidade isto é a da localização das funções mentais No início da década de 1860 Pierre Paul Bro ca demonstrou que uma doença em uma parte específica do cérebro marcada pela letra A na Figura 21 produzia um sinto ma mental altamente característico isto é a perda da fala Com base nessa correlação clínicoanatômica Broca localizou a facul dade da fala naquela pequena parte do cé rebro Carl Wernicke 10 anos mais tarde demonstrou que o dano a uma parte dife Figura 21 Psicoterapia de orientação analítica 45 rente do cérebro marcada pela letra B na Figura 21 produzia um sintoma mental também diferente isto é perda da capaci dade de entender a linguagem falada e ele também localizou essa função Essas duas descobertas germinais foram seguidas por uma rápida série de correlações clínico anatômicas acerca de uma variedade de outras funções mentais tais como a habi lidade de movimentos o reconhecimento de objetos e até a inteligência Com base nisso uma ampla série de faculdades psi cológicas foi localizada dentro de um mo saico de supostos centros na superfície dos hemisférios do cérebro Essa foi a ori gem de uma subespecialidade das ciências neurológicas conhecida como neurologia comportamental Pelos artigos de Freud4648 daquela época sabemos que ele era inteiramen te versado nos métodos e nas descobertas desse novo ramo excitante da ciência De fato há muitas evidências sugerindo que a localização clínicoanatômica das funções mentais era objeto de especial interesse pa ra ele Então Freud estava ciente antes de conceber a psicanálise de que havia um método bem es tabelecido pelo qual era possível correlacionar funções mentais em uma base clínica com as funções de partes específicas do cérebro Mas se era assim por que Freud não usou esse mé todo para identificar os correlatos neurológicos dos processos psicológicos que descobriu mais tarde E por que nós não o utilizamos hoje Freud era um médico incomumen te talentoso e não levou muito tempo pa ra dominar o método sindrômico em seu trabalho diagnóstico e o método clínico anatômico nas pesquisas que desenvolvia Também não demorou a descobrir os limi tes desse método Logo chegou à conclusão de que era como colocou apenas um jogo estúpido de permutações49 Foi assim que aconteceu Mesmo sendo verdade que o método clínicoanatômico representava a única técnica de pesquisa viável disponível para o neurologista do século XIX interes sado nas funções mentais ele foi na verda de usado de formas sutilmente diferentes dentro de duas escolas de neurologia rivais Na escola austroalemã dentro da qual Freud foi treinado a ênfase estava conser vadoramente no lado anatômico da equa ção clínicoanatômica De acordo com isso o objetivo primário da ciência neu rológica não era simplesmente reconhecer quais síndromes correlacionavamse com quais lesões mas explicar o mecanismo do fenômeno clínico e as funções men tais normais correspondentes em termos anatômicos e fisiológicos Essa abordagem refletia os ideais mais amplos da escola de medicina de Helmholtz Na escola de neurologia francesa por sua vez a ênfase estava mais no lado clíni co da equação De acordo com essa escola que reunia a personalidade de Charcot e as famosas enfermarias do Hospital Sal pêtrière de Paris a tarefa principal da ciên cia neurológica não era tanto explicar os vários quadros clínicos mas identificálos classificálos e descrevêlos A seguinte ci tação ilustra graficamente as diferenças en tre essas duas formas de aplicar o método clínicoanatômico Charcot nunca se cansou de de fender os direitos do trabalho pura mente clínico que consiste em ver e ordenar coisas contra as usurpações da medicina teórica Em certa ocasião éramos um pequeno grupo de estu dantes estrangeiros que educados na fisiologia acadêmica alemã testá vamos sua paciência com nossas dú vidas quanto às suas inovações clíni cas Isso não pode ser verdade um 46 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de nós objetava pois contradiz a teo ria da visão de YoungHelmholtz Ele não retrucou com um tanto pior para a teoria primeiro os fatos clíni cos ou qualquer outra expressão com o mesmo efeito dissenos entretanto alguma coisa que nos marcou muito mais Teoria é bom mas ela não im pede as coisas de existirem50 Essa era uma citação favorita de Freud Fato bem conhecido durante seu período de estudos na Salpêtrière em mea dos da década de 1880 Freud afastouse da influência de algumas das figuras domi nantes da escola de neurologia austroale mã para colocarse sob a influência direta e pessoal de Charcot Essa mudança inter feriu decisivamente em seu pensamento e em particular em sua atitude em relação à localização clínicoanatômica A razão para essa mudança foi simples Ainda que as di ferenças entre as escolas de neurologia ale mã e francesa fossem complementares em relação à maioria dos transtornos neuroló gicos físicos com uma escola enfatizando o lado anatômico e a outra o lado clínico da equação havia um grupo de doenças consideradas como estando na esfera da neurologia da época que derrubava as di ferenças entre as duas abordagens É o caso das neuroses da histeria e da neurastenia em particular nas quais ne nhuma lesão demonstrável do sistema ner voso podia ser encontrada na necropsia pa ra explicar a sintomatologia clínica obser vada durante a vida do paciente Isso não constituiu um problema sério para a escola francesa Charcot simplesmente continuou a descrever as síndromes clínicas patogno mônicas da histeria e da neurastenia como tinha feito com inúmeras outras doen ças nervosas As neuroses eram para Charcot como Freud50 escreveu na época apenas outro tópico na neuropatologia Entretanto para a neurologia alemã o pro blema era quase insolúvel Como explicar em termos anatômicos e fisiológicos o mecanismo de uma síndrome clínica que não tinha qualquer base anatomopatológi ca Como resultado alguns neurologistas alemães entre eles professores de Freud desenvolveram várias teorias especulativas elaboradas enquanto outros apenas de claravam que as neuroses não eram temas adequados para atenção científica séria se não havia lesão anatômica não havia sín drome clínica Durante o período crucial em que Freud estudou com Charcot esse era o as sunto que mais o preocupava Inicialmen te tornouse um discípulo devotado de Charcot no retorno a Viena expunha seus pontos de vista sempre e onde quer que pudesse para grande irritação de seus an tigos professores Entretanto com a cres cente experiência clínica e sob a influên cia do neurologista inglês John Hughlings Jackson Freud começou a afastarse de Charcot e a desenvolver um ponto de vis ta bastante singular para a época Charcot satisfaziase em somente descrever as sín dromes clínicas da histeria e da neuraste nia na suposição de que seus correlatos anatomopato lógicos que acreditava terem uma etiologia hereditária eventualmen te produziriam os avanços necessários em técnicas microanatômicas e em outras téc nicas laboratoriais Freud ao contrário acreditava mais ou menos entre 1887 e 1893 que um entendimento dessas síndromes clínicas nunca seria encontrado na anatomia pa tológica ou pelo menos não pelo método de correlação clínicoanatômica Baseava essa conclusão em duas importantes ob servações que fizera primeiro em relação a outro tema na neurologia o qual lhe ti nha revelado os limites do método clínico anatômico o problema da afasia ou se ja precisamente o tema ao qual o método Psicoterapia de orientação analítica 47 clínicoanatômico tinha sido aplicado pela primeira vez por Broca e Wernicke para a localização de funções mentais há mais de 20 anos As observações críticas de Freud47 fo ram as seguintes primeiro observou que as faculdades psicológicas são complicadas com sua própria organização interna com plexa cuja divisão se dá de acordo com a lógica funcional de sua construção inter na e não de acordo com as leis estruturais da anatomia cerebral As leis dos sistemas funcionais psicológicos portanto não pre cisavam ter nenhuma relação direta com o plano estrutural do sistema nervoso Por essa razão Freud concluiu que as síndro mes psicológicas precisavam ser descritas e explicadas em seus próprios termos psicológi cos A segunda observação estreitamente relacionada à primeira foi a seguinte as funções psicológicas são em sua essência processos dinâmicos elas se originam de uma interação complexa de forças entre funções componentes mais elementares e estão constantemente se reestruturando e se readaptando às variações das circuns tâncias Seus correlatos fisiológicos desse modo podem nunca ser localizados den tro de centros anatômicos distintos elas devem ser cogitadas como processos as dinâmicas resultantes de interações entre os elementos estáticos do sistema nervoso É de importância crucial notar que Freud fez essas observações pela primei ra vez não com referência à histeria ou a qualquer outra neurose mas em um estudo sobre a afasia ou seja uma síndrome que só pode ocorrer no contexto de uma lesão cerebral definida Em outras palavras essas foram conclusões a que Freud chegou en quanto ainda era um neurologista de pres tígio Isso é salientado pelo fato de que ele rapidamente veio a fazer observações se melhantes em relação a funções não psico lógicas mas igualmente complexas do cé rebro Em seus artigos sobre os transtornos do movimento voluntário que ocorrem na paralisia cerebral por exemplo Freud deu se ao trabalho de demonstrar que eles não podiam ser localizados Em uma série de monografias sobre o tema5153 como em seu livro sobre afasia47 ele invocou fatores dinâmicos do desenvolvimento em vez de fatores anatômicos estáticos para explicar os vários transtornos do movimento em termos de rupturas específicas do sistema funcional complexo que os sustentavam Foi apenas mais tarde entre 1893 e 1900 quando a psicanálise nasceu que Freud aplicou esses princípios à psicopa tologia Esse é um fato de grande impor tância porque na próxima seção será demonstrado como esses princípios foram subsequentemente desenvolvidos e ex pandidos dentro do campo da neurologia e como um método neurocientífico para estudar a organização cerebral das funções mentais foi estabelecido precisamente so bre tais princípios Isso é central para nós na busca por um método pelo qual possa mos reunir psicanálise e neurociência Antes de seguir adiante é importante recapitular e resumir o ponto de vista de Freud Ele foi treinado no método clínico anatômico de localização das funções mentais dentro da escola de neurologia austroalemã que enfatizava o objetivo da explicação fisiológica e anatômica Então aderiu à escola francesa que enfatizava o lado clínico da equação a explicação de síndromes clínicas patognomônicas Ele usou essa abordagem clínicodescritiva pa ra dar inúmeras contribuições altamente valiosas à neurologia primeiramente em estudos da afasia depois da paralisia cere 48 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs bral e por último das neuroses No decor rer desse trabalho Freud rejeitou o método clínicoanatômico da localização das fun ções mentais na verdade de localização de quaisquer funções complexas dentro de centros anatômicos circunscritos Freud foi forçado a concluir que o método clínicoanatômico podia ser usa do apenas para localizar as funções mais elementares correspondendo na esfera mental às nossas modalidades sensoriais primárias de visão audição paladar en tre outras mas que era totalmente impos sível localizar a organização neurológica do conjunto das faculdades mentais que têm princípios de organização supraorde nados baseados em sua própria constru ção interna a qual muda constantemente no processo de seu desenvolvimento e em sua adaptação às variações das circunstân cias Para Freud essas funções complexas surgem da interação dinâmica de uma va riedade de funções mais elementares Ele concluiu que deveríamos conceber essa interação como ocorrendo entre as estru turas elementares do cérebro e portanto renunciar à tentação de localizálas dentro daqueles elementos Era óbvio para Freud educado como foi na arte da observação clínica meticulosa que os fato res essenciais na etiologia e os mecanismos das neuroses originavamse de dinâmicas fun cionais complexas desse tipo e que portanto eles podiam nunca ser localizados Isso levou o neurologista Freud a generalizar as conclusões a que tinha che gado em relação à fala à linguagem e ao mo vimento voluntário para todo o campo mental e a escrever as seguintes palavras proféticas em A interpretação dos sonhos2 que marcou a divisão final entre a psicaná lise e o método clínicoanatômico Desprezarei inteiramente o fato de que o mecanismo mental em que es tamos aqui interessados também nos é conhecido sob a forma de prepara ção anatômica e evitarei cuidadosa mente a tentação de determinar a lo calização psíquica por qualquer modo anatômico Permanecerei no campo psicológico e proporei simplesmen te seguir a sugestão de que devemos representar o instrumento que exe cuta nossas funções mentais como semelhante a um microscópio com posto a um aparelho fotográfico ou a algo desse tipo Nessa base a loca lização psíquica corresponderá a um ponto do aparelho em que surge uma das etapas preliminares de uma ima gem No microscópio ou no telescó pio como sabemos isso ocorre em pontos ideais em regiões nas quais não se acha situado nenhum compo nente tangível do aparelho Entretanto o que Freud preservou e transportou para o novo campo da psicaná lise foi quase tudo o que ele tinha aprendido como neurologista Ou seja continuou a se apoiar nos métodos clínicodescritivos da escola da neurologia francesa com ênfase especial no estudo cuidadoso do caso clíni co individual e na identificação de padrões de sintomas e sinais regulares com signifi cado patológico particular a explicar os fenômenos clínicos em termos de forças e energias naturais subjacentes como tinha sido ensinado por seus primeiros mestres na escola de medicina de Helmholtz e a acreditar que essas forças e energias eram de fato algo potencialmente descritível em termos físicos e químicos Tudo o que abandonou foi a noção de que processos psicológicos que têm organizações funcio nais complexas e dinâmicas pudessem ser localizados em áreas anatômicas distintas Daí em diante em vez de tentar explicar uma síndrome clínica correlacionandoa com o dano hipotético a uma ou outra re Psicoterapia de orientação analítica 49 gião anatômica como Charcot fazia Freud investigava a estrutura psicológica interna da síndrome e a explicava em relação a um sistema funcional complexo que presumia estar dinamicamente representado entre os elementos do cérebro Foi por essa razão que Freud continuou a reco nhecer durante toda a sua vida científica que o modelo do aparelho mental que criara para justi ficar suas observações clínicas era um constru to provisório um sistema de relações funcionais que deveria estar representado de algum modo nos tecidos do cérebro e por isso continuou a insistir que nós na psicanálise não deveríamos confundir os andaimes com a construção Tenho certeza de que todos estão fa miliarizados com os muitos comentários de Freud no sentido de que a psicanálise algum dia voltaria a unirse à neurociên cia Quero apenas lembrar que ele sempre insistiu que isso não seria possível até que a neurociência desenvolvesse um método capaz de acomodar a natureza complexa distribuída e dinâmica dos processos men tais humanos Citarei apenas um trecho nesse sentido escrito no ano da morte de Freud54 A topografia psíquica que aqui de senvolvi nada tem a ver com a ana tomia do cérebro e na realidade en tra em contato com ela apenas num ponto Ele está se referindo às moda lidades sensoriais primárias do siste ma perceptual O que é insatisfató rio nesse quadro e estou ciente disso tão claramente quanto qualquer um se deve à nossa completa ignorân cia da natureza dinâmica dos proces sos mentais Freud insistia que até que isso fosse entendido a psicanálise deveria continuar investigando e entendendo a organização funcional do aparelho mental em seus próprios termos usando um método pura mente clínico e desconsiderando sua repre sentação anatômica Isso deixou a psicanáli se em uma relação muito particular com as ciências neurológicas Colocou seus pressu postos fundamentais e seu método básico dentro de uma tradição bem estabelecida na neurologia comportamental tradição que esteve estreitamente associada com a ênfase clínicodescritiva difundida por Charcot o qual seguindo Hughlings Jackson sempre rejeitou a noção de que as faculdades men tais complexas pudessem ser concretamente localizadas no cérebro Refirome à escola de neurologia dinâmica que esteve asso ciada com o passar dos anos a médicos e teóricos destacados como Constantin von Monakow Pierre Marie Henry Head Kurt Goldstein Aleksandr Romanovich Luria e mais recentemente Jason Brown A influência desse ramo da neuro ciência aumentou e diminuiu com o passar dos anos Nos dias atuais está crescendo de forma significativa na medida em que es tudos de imagem funcional e de simulação por computador têm revelado o processa mento distribuído paralelo fundamental mente não localizável e dinâmico que sub jaz a todo funcionamento mental e a todas as funções complexas do cérebro A ênfase clínica desse ramo da neurociência por sua vez está em decadência com os enormes avanços no uso de dispositivos tecnológi cos auxiliares na medicina a arte do julga mento clínico não é mais tão valorizada e o fator humano na medicina está sendo per dido Ironicamente poderíamos dizer que a psicanálise mantémse unida a esse ramo da neurologia como um dos últimos postos avançados das grandes tradições clínicas da medicina interna Entretanto a questão importante pa ra nossos propósitos olhar para a frente e não para trás é que Freud transportou 50 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da neurologia para a psicanálise um méto do básico isto é o clínicodescritivo ou o método de análise da síndrome como mais tarde veio a ser conhecido e uma con ceitualização básica das relações cérebro comportamento isto é o antilocalizacio nismo ou a conceitualização dinâmica que dá um lugar de honra aos métodos psicoló gicos de analisar síndromes mentais inde pendentemente de esses sintomas terem ou não uma base orgânica Esse método e seus princípios básicos determinaram o objeto de estudo da psicanálise a forma como nos ocupamos de estudálo e mais importante de tudo o tipo de conhecimento que a psi canálise gera Agora se desejamos integrar conheci mentos desse tipo com conhecimentos so bre o cérebro então nosso ponto de contato natural é com aquele ramo da neurociência que compartilha nossos pressupostos bási cos e do qual brotou a psicanálise a escola dinâmica da neurologia comportamental ou neuropsicologia como mais tarde veio a ser conhecida Se tentarmos relacionar o conhecimento psicanalítico gerado na clí nica com conhecimentos sobre o cérebro gerados por métodos fundamentalmente incompatíveis ou por métodos que Freud rejeitou de forma explícita então não se remos apenas confrontados pelo proble ma insolúvel de termos que apelar para a especulação mas também precisaremos reconhecer que podemos estar violando as premissas básicas sobre as quais nossa dis ciplina foi construída Tenho certeza de que concordarão e este sem pre foi o ponto de vista mais fundamental de Freud sobre o assunto que há pouco propósi to em reunir psicanálise com neurociências se isso significar que temos que abandonar tudo o que a psicanálise representa no processo NEUROPSICOLOGIA O que pretendo fazer agora é descrever um dos principais desenvolvimentos que ocor reram desde a morte de Freud no ramo das neurociências do qual a psicanálise se originou porque acredito que esse desen volvimento nos fornece um método pelo qual é possível reunir psicanálise e neuro ciências de uma forma compatível com os pressupostos básicos de Freud Durante o início da década de 1920 um jovem psi cólogo russo escreveu a Freud solicitando reconhecimento formal de uma nova so ciedade psicanalítica que ele havia formado na cidade oriental de Kazan Esse homem era Aleksandr Romanovich Luria Freud outorgou seu reconhecimento e seguiuse uma breve correspondência Alguns anos mais tarde Luria mudouse para Moscou e ingressou na Sociedade Psicanalítica Russa Durante um período de cerca de 10 anos ele conduziu uma ampla série de pesquisas psicanalíticas publicou um vasto número de artigos monografias e relatos breves e conduziu um trabalho clínico em um hospital psiquiátrico local incluindo cir culava o boato a análise da neta de Dos toievski Luria foi atraído à psicanálise ele escreveu porque era o único ramo da psi cologia que não só estava solidamente en raizado na ciên cia natural como estudava a experiência de vida de seres humanos reais Entretanto a corrente da opinião política na União Soviética logo se voltou contra a psicanálise no início da década de 1930 temendo por seu futuro acadêmico senão por sua vida Luria retirouse da Sociedade Psicanalítica Russa interrom peu de forma abrupta todas as atividades psicanalíticas e proferiu um discurso pe nitente no qual admitia seus erros ideoló gicos dizendo de acordo com a linha do partido daquela época que a psicanálise biologizava o comportamento humano e Psicoterapia de orientação analítica 51 ignorava suas origens sociais Esse era um comentário surpreendentemente ingênuo vindo de alguém com um entendimento tão complexo dos ensinamentos de Freud mas a questão não era essa Curiosamente há evidências que demonstram que Luria nunca abandonou seu interesse particular pela psicanálise quaisquer que fossem seus pronunciamentos públicos Consideremos por exemplo uma carta que ele escreveu para Oliver Sacks em meados da década de 1970 na qual descreveu os tiques verbais de um paciente com síndrome de Gilles de la Tourette como uma introjeção no supere go da voz punitiva do pai55 É surpreen dente também em vista da acusação de que a psicanálise biologizava o comporta mento humano observar o que Luria fez em seguida após retirarse da Sociedade Psicanalítica ingressou na Faculdade de Medicina especializouse em neurologia e então imediatamente começou a estu dar os sintomas mentais de seus pacientes neurológicos E seu primeiro trabalho de pesquisa nessa área na verdade sua tese de doutorado foi sobre o mesmo assun to que estava preocupando Freud quando abandonou esse campo 40 anos antes ou seja o tema da afasia Quando Luria publicou os resultados de seus esforços em 1947 em uma mono grafia na qual evitava escrupulosamente o nome de Freud propôs uma teoria da re presentação cerebral da linguagem que era bastante semelhante àquela que Freud ha via proposto em 189156 Estou deixando de lado os detalhes mas gostaria de registrar uma breve citação Consideremos a notável semelhança entre a sugestão de Freud de que vemos a mente como um instrumen to óptico complexo no qual a localidade psíquica corresponde a um ponto ideal em que nenhum componente tangível do apa relho está situado e a seguinte declaração de Luria57 Todas as tentativas de postular que ideias poderiam ser encontradas em unidades isoladas do cérebro fo ram tão irrealísticas quanto tentar en contrar uma imagem dentro de um espelho ou atrás dele Entretanto Luria deu um passo além de Freud o que representou o avanço fun damental na neurologia comportamental ou neuropsicologia como preferia chamá la Luria58 descrevia sua abordagem como neurodinâmica usando a seguinte ana logia para ilustrar o princípio A maioria dos pesquisadores que exa minaram o problema da localiza ção cortical entendeu o termo fun ção como significando a função de um tecido particular É perfei tamente natural considerar que a se creção da bile é uma função do fíga do e a secreção de insulina é uma fun ção do pâncreas É igualmente lógico considerar a percepção da luz como uma função dos elementos fotossen síveis da retina e dos neurônios alta mente especializados do córtex visual associados Vocês lembrarão este era o tipo de função que Freud acreditava que podia ser localizada Entretan to essa definição não satisfaz todos os usos do termo função Quando fa lamos da função de respiração isto evidentemente não pode ser entendi do como a função de um tecido par ticular O objetivo final da respiração é fornecer oxigênio para que os alvéo los dos pulmões o transportem para o sangue através de suas paredes Todo o processo é realizado não como uma simples função de um tecido particu lar mas antes como um sistema fun cional completo reunindo muitos componentes pertencentes a diferen tes níveis dos aparelhos secretor mo tor e nervoso Este sistema funcio nal difere não apenas na comple xidade de sua estrutura mas também 52 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs na mobilidade de suas partes compo nentes O mesmo poderia ser referido por exemplo acerca da função da digestão Luria continuou a defender que as funções mentais também podem apenas ser localizadas nesse sentido distribuído dinâmico A fim de identificar as diferentes partes que juntas compõem os sistemas funcionais complexos do aparelho mental humano ele criou um novo método de correlação clínicoanatômica conhecido como localização dinâmica O método funciona assim se se deseja identificar a organização neurológica de uma função psicológica complexa a primeira tarefa é identificar todas as diferentes maneiras pe las quais aquela função falha quando ocor re uma doença neurológica focal em dife rentes partes do cérebro Luria descreveu esse primeiro passo como qualificação dos sintomas Iniciase com cada uma das di ferentes formas pelas quais a função em es tudo falha e então explorase com cuidado a estrutura psicológica de cada um desses sintomas identificando precisamente de que maneira o sistema funcional falhou em cada caso Isso é feito usandose métodos de análise psicológicos em casos clínicos individuais O segundo passo no método de Luria é chamado de análise da síndrome Ou seja examinase que outras funções estão afetadas além da função primária sob in vestigação em cada caso Mais uma vez contase exclusivamente com métodos psicológicos de investigação e buscase es clarecer a estrutura interna desses outros sintomas interligados a fim de descobrir o que eles têm em comum com a função que é o foco de atenção primária Dessa forma identificase um fator único subjacente que pode responder por toda a série de ma nifestações clínicas superficiais Ao identificar o fator subjacente co mum produzindo uma série de sintomas psicológicos não apenas se aprenderá al guma coisa sobre a estrutura psicológica profunda da síndrome em questão mas também se identificará a função compo nente que é responsável pela parte do cére bro que está danificada naquela síndrome Em outras palavras reconhecese a função psicológica elementar de uma parte espe cífica do cérebro Tratase de um avanço importante Uma vez que se tenha estudado por esse método a série completa de diferentes maneiras pelas quais uma faculdade psico lógica complexa falha com um dano a cada parte do cérebro então se terá descoberto sua organização neurológica distribuída mediante a identificação de quais partes do cérebro contribuem e de que maneira pa ra o sistema funcional complexo que serve àquela faculdade como um todo Não se terá localizado tal faculdade em nenhuma parte do cérebro mas identificado os vários elementos componentes entre os quais por interação funcional dinâmica aquela faculdade psicológica está representada Em minha opinião esse método de Luria mar ca um passo importante para o futuro porque nos possibilita identificar a organização neuro lógica de qualquer função mental não importa quão complexa seja sem contradizer os pressu postos fundamentais sobre os quais nossa dis ciplina foi construída Por esse método as funções psicoló gicas complexas ainda são entendidas em seus próprios termos psicológicos Sua na tureza dinâmica é respeitada teoricamente e acomodada metodologicamente elas não são reduzidas à anatomia e à fisiologia em bora sua distribuição neurológica seja reve Psicoterapia de orientação analítica 53 lada e alguma coisa nova é aprendida sobre sua organização funcional interna Por esse método uma ligação viável é estabelecida entre os conceitos de psicologia e os de anatomia de fisiologia e de todos os outros ramos da ciência neurológica Espero não ter feito o método neu ropsicológico de análise da síndrome pare cer muito complicado porque na verdade ele é bastante simples Acredito verdadei ramente que ele representa a ruptura pela qual Freud estava esperando Isto é creio que ele nos permite mapear a organização neurológica de tudo o que em psicanálise conhecemos sobre as estruturas e as fun ções da mente UM EXEMPLO A FUNÇÃO DO SONHO Desejo agora dar um exemplo de como esse método que defendo como o ponto na tural de contato entre psicanálise e neuro ciências funciona na prática Escolhi um estudo de pesquisa que completei recente mente59 sobre a organização neurológica de uma função mental que é de especial interesse à psicanálise Refirome à função do sonho Usando o método de Luria para estu dar os sonhos de 361 pacientes com lesões neurológicas minha pesquisa revelou que o sonho é perturbado por danos a seis par tes diferentes do cérebro Essas regiões es tão marcadas na Figura 21 pelas letras C E F G H e J notese que a letra F corres ponde à mesma parte do cérebro que a le tra E mas no outro hemisfério Iniciamos descrevendo os efeitos primários sobre o sonho causados pelo dano a cada uma des sas partes Se o cérebro está danificado nas regiões marcadas pelas letras C E ou F ou seja na região frontal medial basal ou na região parietal inferior dos dois hemisfé rios a experiência consciente de sonhar para completamente Esse fato clínico nos diz que as funções básicas responsáveis por essas três partes do cérebro são funda mentais para todo o processo de sonhar pois quando qualquer uma delas está danificada o sonho manifesto é inteira mente eliminado Isso é revelado por uma análise da síndrome psicológica na qual a perda do sonhar está embutida Volta rei a essa questão em breve Antes devo descrever as outras maneiras pelas quais o sonhar é desorganizado por uma doença neurológica Se o cérebro está danificado na região marcada pela letra G no diagra ma ou seja na região occipital temporal ventral então a experiência consciente do sonhar persiste mas os sonhos do pa ciente são destituídos de qualquer ima gem visual Por estranho que possa pa recer pacientes com dano a essa parte do cérebro têm sonhos completamente não visuais Também foram descritos casos nos quais apenas aspectos selecionados de imagens visuais estão perturbados como por exemplo a cor das imagens Se no entanto o dano está situado nas proximidades da região marcada pe la letra H no diagrama ou seja na região temporal límbica e se a lesão for acom panhada por um foco de descarga ou se ja por atividade convulsiva então o pa ciente experimenta pesadelos recorrentes e este reotipados Esses pesadelos param se o transtorno convulsivo é controlado Por fim se o dano está situado na região mar cada pela letra J ou seja na região frontal límbica o paciente experimenta um au mento maciço na frequência dos sonhos às vezes experimenta sonhos contínuos e tem grande dificuldade de diferenciar os sonhos de experiências reais Portanto esses sintomas qualificam as diferentes formas pelas quais o sonhar 54 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pode ser desorganizado por danos cere brais Como referido para descobrir a cau sa do colapso do sonhar em cada um desses seis casos é necessário estudar a constela ção de outros sintomas psicológicos que acompanham as alterações no sonhar após um dano a cada uma das áreas Isso permi te que o pesquisador isole o fator subjacen te elementar comum a todos os sintomas e que portanto é responsável pela parte do cérebro em questão para todo o processo do sonhar Assim quais são os seis fatores ele mentares responsáveis por essas partes do cérebro Infelizmente devido a limitações de espaço não será possível descrever a riqueza total das síndromes psicológicas a partir das quais deduzimos os fatores sub jacentes Terei que simplificar um pouco as coisas para fins de exposição vale ressaltar apenas que uma análise das síndromes psi cológicas associadas a lesões às seis áreas do cérebro envolvidas revela os seguintes fato res básicos a região C contribui com um fator de motivação para o funcionamento mental A região E contribui com um fator de síntese quase espacial fundamental pa ra operações mentais simbólicas A região F com um fator de representação espacial concreta A região G com um fator de revi sualização essencial para a imagem mental visual A região H com um fator de alerta emocional E a região J com um fator de seletividade ou de ativação e inibição sele tivas essencial para processos como aten ção teste de realidade e julgamento Assim esses seis fatores juntos cons tituem o sistema funcional do sonhar Ou em outras palavras o processo do sonhar originase de uma interação dinâmica entre esses fatores que são responsáveis por seis partes do cérebro Uma análise das propriedades estruturais e funcionais especiais dessas seis diferentes regiões ce rebrais bem como das relações dinâmicas entre elas fornece o entendimento cien tífico básico da anatomia e fisiologia do sonhar Por fim com o intuito de chegar a um entendimento verdadeiramente abrangen te da organização neurológica do sonhar também é necessário estudar as funções componentes das regiões do cérebro que não parecem envolvidas nesse processo Is so revela ao mesmo tempo quais funções elementares do aparelho mental humano não estão envolvidas na construção psico lógica dos sonhos Para a finalidade deste capítulo marquei apenas duas dessas re giões na Figura 21 que acredito serem de particular interesse A primeira delas é a região central do tronco cerebral marcada pela letra I Mesmo que danos a essa parte desorgani zem gravemente o processo de sono REM a experiência consciente de sonhar persis te Isso sugere uma inesperada dissociação entre o processo fisiológico do sono REM e a experiência consciente de sonhos60 Tal dissociação é confirmada pelo fato de que lesões nas áreas marcadas pelas letras C E e F na figura que levam a uma cessação com pleta da experiência consciente de sonhar não têm efeito sobre o fenômeno fisiológi co do sono REM A outra região de interesse para a qual chamo a atenção na figura marcada pela letra D ou seja a convexidade frontal dorsolateral é imensamente importante para o controle executivo da vida mental de vigília e da atividade motora voluntária Entretanto danos a essa região não têm ne nhum efeito sobre a experiência consciente de sonhar Isso sugere não surpreenden temente que o pensamento do processo secundário e a atividade motora volitiva têm muito pouco a ver com o processo do sonhar Psicoterapia de orientação analítica 55 Agora se retrocedermos um pouco e examinarmos todos esses fatores juntos poderemos chegar a um modelo de como o processo dinâmico de sonhar como um todo é organizado nos tecidos do cérebro Com base em minha pesquisa propus o mode lo seguinte cada detalhe do qual sendo acessí vel à verificação empírica por uma variedade de métodos neurocientíficos Parece que o sonhar é estimulado por um processo de ativação O processo de ativação mais comum que estimula um sonho é o estado de ativação neurofisio lógica que ocorre regularmente a cada 90 minutos durante o sono isto é o estado de REM ativado pelas estruturas profun das do tronco cerebral marcadas pela letra I na figura Entretanto esse é apenas um dos muitos fenômenos de ativação que po dem desencadear o processo de sonhar e de maneira alguma é o fundamental pois os sonhos ocorrem normalmente sem ele Outro processo de ativação que pode esti mular um sonho é uma descarga focal na região temporal límbica que está marca da pela letra H na figura Entretanto esse é um processo de ativação patológico que não pode ser determinado pelo processo do sonhar e que portanto resulta em sonhos de ansiedade ou pesadelos A zona C contribui para o próximo componente importante do processo do sonhar Essa região do cérebro motiva in teresses apetitivos no mundo esta expres são interesse apetitivo é o termo que os neurobiólogos modernos usam para o que chamaríamos de interesse libidinal Essa região canaliza processos de ativação endógenos na direção da atividade motora volitiva Um estímulo ativador apenas de sencadeia o trabalho de sonhar se ele envol ve esse mecanismo cerebral quase libidinal Partes da zona C também inibem impulsos apetitivos e juntamente com as estruturas seletivas da zona J desviam o processo de ativação dos sistemas executivo e motor do cérebro que estão marcados pela letra D no diagrama As regiões marcadas pela letra D são inibidas durante o sono Porém se o cére bro estiver danificado nas zonas C e J pa rece que a inibição desses sistemas motores falha resultando no estabelecimento de atividades motoras dirigidas e impossibi litando com isso um sonhar normal Tal conceitualização do processo é apoiada pe lo fato de que pacientes com dano a essa região do cérebro têm o sono gravemente perturbado Se o cérebro está danificado na região J entretanto o distúrbio de inibição é apenas parcial tendo como resultado um paradoxal aumento no sonhar e no pensa mento onírico Em seguida supondo que haja um grau suficiente de inibição frontal o foco do processo de ativação noturno desvia se para os sistemas posteriores do cére bro que regulam as funções perceptivas e as operações espaciais e simbólicas su periores que estão baseadas na percepção zonas E F e G Isso então se torna a cena de ação primária do sonho mani festo Aqui os três outros fatores men cionados entram em ação simbolização zona E pensamento espacial zona F e imagem mental visual zona G Entre esses três parece que simbolização e o pensamento espacial são os mais impor tantes pois na ausência deles o sonhar tornase impossível e todo o processo falha A imagem mental visual é um fator menos im portante porque todo o proces so mental de sonhar segue seu curso sem ele a única diferença sendo que o produto 56 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs consciente final é destituído de imagem visual Estou portanto inclinado a colo car esse fator de representação visual na extremidade final do processo de geração de sonho descrito Esse quadro global sugere que o so nhar é um processo mental regressivo tan to desencadeado por estados de ativação noturnos quanto dependente deles Esses estados de ativação são canalizados e inibi dos pelos sistemas que controlam os com portamentos dirigidos a objetivos goaldi rected Eles são desviados para longe dos sistemas motores e em direção aos sistemas perceptivos Os sistemas perceptivos supe riores representam o processo de ativação na forma de sínteses simbólicas e espaciais que são projetadas regressivamente para as zonas visuais inferiores Dessa forma o estado de sono é pre servado Se no entanto o processo de ati vação noturno é excessivo como ocorre nas convulsões ou na inibição frontal in completa então esse mecanismo de prote ção do sono falha e o sonhador é perturba do ou por ansiedade ou pela inervação da atividade motora volitiva O que o método de Luria revela so bre a organização neurológica do sonhar portanto é surpreendentemente compa tível com a teoria clássica de Freud Além disso devido à centralidade do sonhar nos modelos da mente de Freud ele nos forne ce a primeira posição segura sobre a repre sentação anatômica e fisiológica de alguns conceitos psicanalíticos cruciais incluindo aspectos da libido da censura simboliza ção regressão topográfica entre outros Além disso embora não possa entrar em todos esses detalhes aqui pela identificação dos tecidos específicos do cérebro que es tão envolvidos nos diferentes componentes psicológicos do sonhar tornase possível estudar os correlatos anatômicos fisioló gicos e químicos mais refinados daquela teoria Por isso insisto que o método de localização di nâmica fornece à psicanálise uma passagem conceitual às neurociências básicas e desse modo aos enormes avanços no conhecimento que inovações tecnológicas nesses campos ge raram nos últimos anos Os benefícios poten ciais à psicanálise são tão óbvios que nem é preciso enumerálos Espero que esse exemplo breve e sim plificado torne claro o suficiente como as Por exemplo a análise mais rigorosa dos dados ana tômicos revela que as estruturas na zona C que são cruciais para a geração de sonhos são as vias de fibras prosencefálicas basais que ligam núcleos dopaminér gicos mesencefálicos com o córtex frontal mediobasal a via dopaminérgica mesocorticalmesolímbica Isso sugere que seja o que for que essa via faça é crítica para a função de sonhar Eram essas fibras o alvo do pro cedimento de leucotomia préfrontal modificada tão popular na década de 1950 Há evidências sugerindo que medicações antipsicóticas modernas atuem sobre esse mesmo caminho61 Uma revisão da literatura psicocirúrgica mais antiga revela que a cessação do sonhar era uma consequência comum da leucotomia préfrontal59 É evidente que independentemente do que livrava os pacientes leucotomizados de seus sinto mas psicóticos também os impedia de gerar sonhos Não tenho conhecimento de nenhuma pesquisa sobre os efeitos de medicamentos antipsicóticos modernos sobre o sonho Entretanto há considerável evidência de que agonistas da dopamina em geral p ex Ldopa estimulam um sonhar excessivo e que antagonistas da dopamina p ex haloperidol o suprimem6264 Se revisarmos a teoria clássica dos sonhos à luz desses achados teremos uma base empírica para ligar o instinto libidinal ou suas manifestações importantes às vias dopaminérgicas mesocorticaismesolímbicas Portanto não é sem interesse que neurocientistas contemporâneos incluam essas vias nos sistemas de comando da curiosidadeinteresseexpectativas do cérebro que incitam comportamentos de busca de objetivos e interações apetitivas do organismo com o mundo65 Psicoterapia de orientação analítica 57 funções mentais humanas são represen tadas nos tecidos do cérebro na forma de sistemas funcionais complexos que se originam de interações dinâmicas entre uma quantidade de partes componentes elementares assim como uma imagem surge do instrumento óptico composto como Freud sugeriu em A interpretação dos sonhos Espero também que esse exemplo demonstre como o método de análise sin drômica torna possível identificar as partes componentes do cérebro entre as quais se distribui uma função mental complexa e qual é a contribuição elementar que cada uma delas propicia ao sistema funcional como um todo Esse é o produto cientí fico do método que desenvolvemos na neu ropsicologia nos últimos 70 anos desde a morte de Freud CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de terminar e de apresentar meu ar gumento em favor de uma integração en tre psicanálise e neurociências com base nesse método é preciso levar em conside ração o fato de que a pesquisa que acabei de descre ver ocupouse apenas do processo do sonho manifesto Em outras palavras estudou diretamente apenas os efeitos que danos a diferentes partes do cérebro têm sobre a experiência consciente do sonhar e precisou deduzir os mecanismos incons cientes subjacentes a partir dos sintomas demonstrados É por essa razão que não podemos desnudar toda a estrutura in consciente de uma síndrome psicológica examinando um paciente neurológico no leito e ainda menos avaliandoo em um laboratório neuropsicológico A fim de obter acesso mais direto a essas camadas mentais mais profundas do paciente tenha ele uma lesão cerebral ou não precisamos conhecêlo como pessoa no contexto de um relacionamento analí tico em um ambiente profissional segu ro dentro do qual possamos ganhar sua confiança com tato e compreensão Ana lisando suas resistências observaremos a forma como os determinantes internos dos sintomas gradualmente se revelam na transferência e testando as hipóteses que nos ocorrem nesse sentido na forma de in terpretações apropriadas observaremos os efeitos que estas têm sobre o material ana lítico subsequente e assim por diante Dito de outro modo só poderemos esclarecer de forma adequada a estrutura dinamicamen te inconsciente de um sintoma mental pelo método psicanalítico Sabemos que esse não é o caminho mais fácil para estudar uma síndrome psi cológica mas também entendemos que é o único método verdadeiro e confiável quan do se trata daquele aspecto mais profundo da vida mental que a neuropsicologia dei xou de estudar mas que sempre foi uma preocupação central para a psicanálise isto é a estrutura dinamicamente inconsciente da personalidade humana De fato as resis tências emocionais que ocultam a estrutura interna da personalidade explicam por que a organização neurológica destas o aspecto mais importante da vida mental humana ainda não foi explorada de modo sistemá tico pelo método de análise sindrômica Acredito que essa é a contribuição científi ca que a psicanálise pode dar às neurociên cias e esse é o próximo passo que devemos dar agora Ironicamente devemos o desenvol vimento de um procedimento clínico para analisar essas camadas mentais mais pro fundas ao fato de Freud ter abandonado os métodos neurocientíficos de investigação quando percebeu que eles eram naquela 58 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs época incapazes de solucionar a natureza dinâmica dos processos mentais humanos Parece que agora chegou o momento de reintroduzirmos os frutos desses trabalhos no campo neurocientífico do qual eles ori ginalmente brotaram Acredito que fazen do isso embora eu não deseje subestimar a enormidade da tarefa que nos aguarda seremos capazes de aos poucos integrar psicanálise e neurociências em uma base clínica sólida de forma que seja benéfica para ambos os campos sem ignorar ne nhuma das valiosas lições que os pioneiros da psicanálise lutaram tanto e por tanto tempo para aprender O que estou recomendando por tanto e o que acredito que irá fornecer o alicerce fundamental para uma integração duradoura da psicanálise e das neurociên cias é uma investigação inteiramente psi canalítica de pacientes com lesões neuroló gicas focais Em outras palavras sugiro que mapeemos a organização neurológica das camadas mais profundas da mente usando uma versão psicanalítica da análise da sín drome e estudando a estrutura profunda das alterações mentais que podem ser reco nhecidas em pacientes neurológicos dentro de uma relação psicanalítica Se houvesse mais espaço gostaria de descrever os resul tados preliminares de um estudo que mi nha esposa e colega Karen KaplanSolms e eu iniciamos 12 anos atrás em 1993 usando precisamente esses métodos66 Até agora estudamos a vida subjetiva de 35 pacientes com lesões cerebrais focais as sistindoos com psicanálise ou terapia psi canalítica Colegas na América na Áustria na Suécia e na Alemanha estão iniciando estudos semelhantes Essa pesquisa começa a revelar a organização neurológica daque les sistemas funcionais mais profundos que apenas o método de investigação psicanalí tica pode revelar Temo que aqui eu tenha conseguido apenas defender a questão de que agora é possível usando os métodos descritos esclarecer a organização neuro lógica das funções mentais mais profun das que temos tradicionalmente estudado em psicanálise usando material puramente psicopatológico Espero ter transmitido esse ponto de vista de modo convincente apesar do fato de que apenas fui capaz de sugerir como minha forma de abordar o problema real mente funciona na prática e descrever um fragmento do tipo de dados que ela gera Contudo espero ter conseguido pelo me nos convencêlos do princípio de que este é um caminho que vale a pena seguir Um enorme esforço científico está diante de nós e portanto é desnecessário dizer que quanto mais nos envolvermos nele me lhor PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Cérebro e personalidade são inextricáveis o que torna claro que o objeto de estudo da psicanálise está de algum modo ligado ao objeto de estudo das neurociências O primeiro pesquisador a explorar essa relação foi o próprio Freud 2 Independentemente dos seus correlatos clínicoanatômicos Freud concluiu que as síndromes psicoló gicas precisavam ser descritas e explicadas em seus próprios termos psicológicos 3 Era óbvio para Freud que os fatores essenciais na etiologia e os mecanismos das neuroses originavam se de dinâmicas funcionais complexas e que portanto nunca poderiam ser localizados anatomica mente Psicoterapia de orientação analítica 59 REFERÊNCIAS 1 Harlow J Recovery from the passage of an iron bar through the head Massachusetts Medical Society 1868232947 2 Freud S The interpretation of dreams In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1900 v 45 3 Freud S The origins of psychoanalysis letters to Wilhelm Fliess drafts and notes 18871902 New York Basic Books 1954 4 Solms M Saling M On psychoanalysis and neuroscience Freuds attitude to the locali zationist tradition Int J Psychoanal 1986 67Pt 4397416 5 Epstein AW The phylogenesis of the ego with remarks on the frontal lobes Am J 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método de Luria marca um passo importante para o futuro porque possibilita identificar a organiza ção neurológica de qualquer função mental não importa quão complexa seja sem contradizer os pres supostos fundamentais sobre os quais a psicanálise foi construída 8 Com base na pesquisa sobre sonhos propomos um modelo da função do sonhar em que cada detalhe é acessível à verificação empírica por uma variedade de métodos neurocientíficos 9 O método de localização dinâmica fornece à psicanálise uma passagem conceitual às neurociências básicas e desse modo aos enormes avanços no conhecimento que inovações tecnológicas nesses campos geraram nos últimos anos 60 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 18 Joseph R The limbic system emotion la terality and unconscious mind Psychoanal Rev 199279340556 19 Kokkou M LeusingerBohleber M Psycho analysis and neurophysiology a look at case material from the two theoretical perspec tives An interdisciplinary understanding of some basic psychoanalytic concepts In 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determinismo psíquico estamos não só acentuando o que é básico em psicanálise como teoria mas sobretudo declarandonos freudianos e deixando claro que ele é o nosso conceito e o nosso fundamento Nada em Freud é secundário menos ainda desprezível Mesmo quando se equi voca ele o faz de uma forma consecutiva e articulada ainda que mal enjambrada Isso significa que toda a sua elaboração é estru tural o que nos remete de novo à dimen são conceitual e fundamental de sua obra como um todo É claro que seria relativamente fácil elaborar um glossário com alguns concei tos freudianos fundamentais selecionados com base em algum critério individual bastando para tanto copiar o que já está escrito sobre os conceitos selecionados Mas isso além de significar zero em termos de contribuição ao tema seria desprezar ou mesmo macular aquilo que a obra de Freud tem de mais importante isto é seus aspec tos evolutivos estruturais conceituais e fundamentais para a compreensão do fun cionamento psíquico normal e patológico O freudismo é quase toda a psicanálise e só vale em sua totalidade em especial por apresentar um desenvolvimento concei tual Em função das premissas consigna das bem como pela disposição e exigência didáticas de atender aos objetivos deste li vro vou rastrear a obra freudiana extrain do dela seus conceitos mais conspícuos de acordo com uma divisão em cinco módulos os quais agrupam textos em torno de um eixo temático comum Assim serão cinco eixos vários textos e determinados con ceitos todos compromissados com essa sistematização orgânica Um ordenamento temporal e cronológico facilitará também o acompanhamento e a compreensão dos textos e dos conceitos Desse modo mais do que destacar e explicar conceitos fundamentais o que pode ser feito em qualquer dicionário o 3 CONCEITOS PSICANALÍTICOS FREUDIANOS FUNDAMENTAIS Luiz Carlos Mabilde Psicoterapia de orientação analítica 63 principal objetivo deste capítulo é contex tualizálos em relação à obra freudiana De forma complementar sempre que neces sário aqui e ali será apresentada uma de finição do conceito a título de comen tário Os conceitos considerados funda mentais estarão em negrito Os cinco módulos são I Como era Freud no início 18951905 II Metapsicologia freudiana 19091917 III As três grandes revoluções 19201926 IV Trabalhos metapsicológicos comple mentares e trabalhos culturais 1930 1939 V Trabalhos sobre técnica 19111915 MÓDULO I COMO ERA FREUD NO INÍCIO Impõemse aqui certas subdivisões a fim de podermos desde já evoluir em direção aos conceitos fundamentais desse período como eles surgem e de que forma podemos caracterizálos A Período prépsicanalítico 1 Projeto para uma psicologia cientí fica1 2 Estudos sobre a histeria2 Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos3 Relatos de casos Emmy Von N e Elizabeth Von R 3 As neuropsicoses de defesa45 B Início do período psicanalítico 1 A interpretação dos sonhos6 2 Três ensaios sobre a teoria da se xualidade7 3 Fragmentos da análise de um caso de histeria Caso Dora8 Período prépsicanalítico Cabe destacar desse período três traba lhos apresentados na sequência Projeto para uma psicologia científica O Projeto é uma descrição préid da mente mas já representa a tentativa de Freud1 de estabelecer em termos neurofisiológicos um modelo abrangente dos fatos clínicos extraídos das histerias Sua concepção tem por base a quantidade de energia circulante entre as cadeias de neurônios transposta para observações de fatos clínicos psíqui cos Muitas das ideias contidas no Projeto persisti ram e se transformaram em conceitos funda mentais da teoria freudiana tais como asso ciação livre interpretação transferência e sobretudo sonhos conforme veremos adiante Estudos sobre a histeria Esses estudos já representam na realidade o primeiro tratado psicanalítico de Freud2 tal a quantidade de ideias contidas nessa monografia Quatro conceitos importantes surgem aqui repressão associação livre abreação e catarse No trabalho Sobre o mecanismo psí quico dos fenômenos histéricos Freud3 ele gem o trauma psíquico como causa da histeria substituindo assim a ideia da de generação constitucional de Janet No en tanto diferentemente de Breuer que con siderava que o trauma levava a um estado 64 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs hipnoide e daí à histeria Freud entendia a histeria em termos bem mais dinâmicos isto é em função da repressão termo que empregou nesse trabalho pela primeira vez mas já com o mesmo sentido que tem hoje um mecanismo de defesa que exclui da consciência impulsos inadmissíveis o que significa portanto uma operação inconsciente que retira completamente da consciência uma ideia representação ou um afeto inaceitável É também nesse texto que aparecem pela primeira vez os conceitos de abreação e catarse o que significou um afastamento em relação à abordagem hipnótica de Charcot A ab reação e o método catártico constituíam uma reação ao trauma o qual era posto em palavras e assim descarregado de saparecendo os sintomas Freud nunca desprezou completamente essa operação dentro da técnica analítica Em A psicoterapia da histeria Freud9 descreve sua notável descoberta da associa ção livre graças ao tratamento com Emmy Von N e principalmente com Elizabeth Von R A importância da associação livre para o método psicanalítico foi tão gran de que o próprio Freud a intitulou a regra fundamental da psicanálise Ela consiste em solicitar estimular e interpretar cer tas oposições a falar sem censuras tudo o que ocorre na mente do paciente Por sem censuras devese entender a aboli ção da censura entre o consciente e o pré consciente a assim denominada primeira censura Como as associações levam ao reprimido a associação livre é uma das vias de acesso ao inconsciente mediante momentâneas exclusões da censura entre préconsciente e inconsciente a segunda censura Com os Estudos sobre a histeria Freud2 apresenta seu primeiro modelo psicológico com um referencial psicodinâmico pa ra a compreensão e o tratamento das histe rias Antes como vimos também trabalha ra com modelos mas se tratava de modelos neurofisiológicos1 As neuropsicoses de defesa Freud em A história do movimento psica nalítico10 declara que a teoria da defesa repressão é a pedra angular sobre a qual se apoia toda a estrutura da psicanálise Em dois trabalhos sobre o tema anteriormente mencionados Freud45 faz aparecer pe la primeira vez o termo defesa discute amplamente sua teoria e em função disso demarca o campo das psiconeuroses his teria e obsessões Aliás é a partir dessas considerações que Freud abandona a teoria da sedução trauma e dá mais importância para o papel das fantasias abrindo as por tas para a descoberta da sexualidade infan til e para o complexo de Édipo Fantasias são estruturas mentais resultantes de dese jos inconscientes sexuais entre outros al terados em sua forma original pela ação das defesas psíquicas As fantasias podem se apresentar como sonhos diurnos ou deva neios nesse caso são conscientes e obede cem a desdobramentos do préconsciente É também nesse último artigo que ocorre a convergência de novos mecanis mos psíquicos tais como os mecanismos obsessivos e a projeção que viriam a de sempenhar um papel muito importante na teoria É ainda nele que aparece pe la primeira vez e é definido o retorno do reprimido entendido como um fracasso da defesa contra a lembrança excluída da consciência que então reaparece As defesas que depois se ampliaram em número ficaram mais conhecidas por mecanismos de defesa que podem ser concebidos como operações desenvolvi das pelo ego intrapsíquicas e inconscien tes com a finalidade de diminuir a tensão Psicoterapia de orientação analítica 65 interna sobretudo a ansiedade Depois de Freud outros autores tais como Anna Freud M Klein e Lacan contribuíram pa ra a expansão desse conceito Início do período psicanalítico Desse período classicamente iniciado em 1900 cabe destacar dois trabalhos A in terpretação dos sonhos6 e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade7 que juntos per fazem quase toda a inovação psicanalítica A interpretação dos sonhos Esse trabalho era considerado por Freud6 o seu estudo mais importante Em especial o capítulo VII apresenta a primeira con cepção propriamente analítica do aparelho psíquico ou seja a hipótese topográfica inconsciente préconsciente e conscien te Além disso apresenta conceitos funda mentais como o de inconsciente e de re gressão bem como o de processo primário e secundário Aliás como é sabido o sonho foi o caminho por excelência para a desco berta do inconsciente Como descoberta o inconsciente pode concentrar toda a im portância da obra freudiana dentro do co nhecimento humano Voltarei a esse ponto no tópico reservado à metapsicologia O inconsciente como sistema funciona de acordo com leis especiais que estão desprovi das da lógica da noção de tempo espaço e cau salidade formando o que se denomina proces so primário do funcionamento psíquico É claro que o processo que leva em consideração a lógica e as demais leis racio nais chamase processo secundário Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Nesse trabalho Freud7 explicita um dos seus fundamentais conceitos o qual apa recera pela primeira vez em Estudos sobre a histeria2 e fora desenvolvido há anos série complementar que expressa em termos explicativos a sinergia existente entre constituição hereditária e vivências infantis Com esse conceito Freud apre senta a etiologia das neuroses e ultrapassa a obrigatoriedade de escolher entre fatores endógenos e exógenos Tais fatores são na verdade complementares e a etiologia nesse sentido multifatorial11 Quanto à sexualidade infantil igual mente básica nos Três ensaios Freud7 con sideravaa um dos seus conceitos mais im portantes e controvertidos Hoje verifica se que ele se tornou menos controvertido a cultura vigente o aceita melhor mas continua muito importante Outros con ceitos diretamente implicados na sexu alidade infantil como amnésia infantil zonas erógenas auto e aloerotismo prazer oral anal e fálico complexo de castração e complexo de Édipo estão no centro dos conflitos infantis Embora a expressão complexo de Édipo só apareça mais tarde 191012 o conceito já era do conhecimento e práti ca de Freud1 tanto junto a seus pacien tes sobretudo ao abandonar a teoria da sedução quanto em sua autoanálise O complexo de Édipo é o ponto culminante da sexualidade infantil e no qual termina de se desenvolver a pulsão sexual objetal esta toma uma característica e uma dire ção incestuosa razão pela qual se intensi fica a ansiedade de castração inaugurada quando da descoberta da diferença entre os sexos pela criança o que põe fim ao próprio complexo de Édipo 66 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs MÓDULO II METAPSICOLOGIA FREUDIANA Por metapsicologia podese entender um con junto de modelos conceituais mais ou menos distantes da experiência tais como a ficção de um aparelho psíquico dividido em instâncias a teoria das pulsões o processo da repressão entre outros Isso significa ser a metapsicologia freu diana o que realmente caracteriza a ma neira peculiar do pensar psicanalítico tanto que o termo foi criado pelo próprio Freud 18871902 para designar a psico logia fundada por ele também conhecida por psicologia profunda13 Quer dizer é uma forma totalmente di ferente de descre ver um processo psíquico parafraseando Freud14 é descrevêlo nas suas relações di nâmicas tópicas e econômicas Esses são os três únicos pontos de vista metapsicológi cos que Freud descreveu e utilizou em suas principais construções Mais tarde foram acrescentados os pontos de vista genético Hartmann Kris e Loewenstein e adapta tivo Rappaport Em 1915 Freud lançou quatro dos seus mais importantes trabalhos metapsi cológicos de uma vez só os quais trazem em seu íntimo conceitos fundamentais Sobre o narcisismo uma introdução Em termos metapsicológicos estritos nar cisismo significa libido investida no ego ou seja amor ao ego Freud15 nesse trabalho introduz em definitivo o conceito de narcisismo na teo ria psicanalítica inclusive como um dos mais importantes dadas as diversas impli cações que contém Antes disso121619 ele já havia observado e estudado o conceito de outras formas isto é em um paciente seu muito parecido com Leonardo da Vin ci mas sem o seu gênio no trabalho sobre o próprio Leonardo em que aparece pela primeira vez o conceito que então indi cava um tipo especial de relação de objeto homossexual e no caso Schreber em que o narcisismo era descrito como uma etapa do desenvolvimento psicossexual situada entre o autoerotismo e o amor objetal Em Formulações sobre os dois princípios do fun cionamento mental20 e em Totem e tabu19 exprime os mesmos pontos de vista Cabe destacar que é possível encontrar outros e diferentes enfoques ou aplicações para o termo narcisismo além dos citados tais como perversão estrutura ponto de fixa ção defesa Digno de nota o masoquismo seria a antítese do narcisismo na medida em que se apresentaria como ódio ao ego De início o conceito de masoquismo che gou a confundir Freud que considerando o como perversão sexual prazer em sentir dor classificouo dentro das pulsões sexu ais Depois a verdadeira natureza pulsional do masoquismo foi corrigida para agressiva o que é o correto Algo similar ocorreu com o narcisismo inicialmente visto como pul são autoconservadora e não como sexual O conceito de narcisismo é central para o de senvolvimento da série metapsicológica inter ligada de 1915 e sobretudo para a evolução dos conceitos de ideal do ego identificação e agente crítico que desembocam no conceito de superego Psicoterapia de orientação analítica 67 Os instintos e suas vicissitudes Freud21 desdobra nesse trabalho duas teo rias uma geral e outra especializada pa ra explicar o processo de desenvolvimento do indivíduo em termos pulsionais Pulsão aliás é o termo mais apropriado para a tra dução do alemão trieb Mas é clássico men cionar o título do trabalho em questão com o termo instinto o que vem a ser portan to uma má tradução do vocábulo alemão Pulsão deve ser entendida como um produto da própria experiência do sujeito isto é das vivên cias de satisfação ficam resíduos das represen tações de desejo que estão sempre dispostas a recuperar a vivência de gratificação Quando essas representações incons cientes são investidas elas se esforçam pa ra obter satisfação originandose então a pulsão que é um conceito situado entre o biológico e o psíquico Ao contrário da pul são ontogenética o instinto é filogenético e se traduz por uma ação que se realiza sem prévia aprendizagem É também nesse trabalho que Freud faz a exposição definitiva de seus pontos de vista sobre a pulsão Antes disso715172223 ele percorreu um longo e penoso caminho para estabelecer suas teorias instintivas que são didaticamente divididas em qua tro passos Nesse trabalho21 ele apresen ta o terceiro e o quarto passos sendo este último o que resulta nas clássicas pulsões amorosas e agressivas Uma teoria instin tiva agregada a esta última surge em 1920 com os instintos de vida e de morte Em 1905 nos Três ensaios7 ao apre sentar o primeiro passo de sua teoria ins tintiva instinto do ego e instinto sexual Freud traz pela primeira vez o conceito de conflito psíquico como expressão de duas tendências de sentidos opostos que se chocam no caso são os dois instintos Mais tarde com a adoção da teoria es trutural o conflito psíquico neurótico é expresso pela clássica fórmula ego su perego X id Freud examina também em Instintos e suas vicissitudes21 as quatro característi cas de uma pulsão que dão absoluta pri mazia à pulsão sobre os demais constituin tes da vida mental São elas pressão força meta fim objeto e fonte Da mesma for ma ele postula as vicissitudes das pulsões Por vicissitudes entendese a sujeição das pulsões a determinadas condições Freud menciona quatro dessas transformações reversão de conteúdo volta contra o self repressão e sublimação Por sublimação se tem o único me canismo de defesa exitoso do ego execu tado por meio da dessexualização da meta pulsional que assim se torna aceita pela cultura e pelo seu representante dentro do aparelho psíquico o superego O inconsciente O inconsciente é uma das descobertas cru ciais de Freud talvez a principal Como vimos por ocasião de A inter pretação dos sonhos6 na hipótese topográ fica o inconsciente toma a forma substan tivada para indicar um lugar no aparelho psíquico Já na segunda tópica hipótese estrutural ele parece ser uma qualidade um adjetivo o ego inconsciente o id in consciente o superego inconsciente Mais do que suplantar a primeira tópica a se gunda a complementa agregando novos níveis 68 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs aos anteriores Estes não desaparecem mas são enriquecidos alcançando explicações que não se incluíam na primeira tópica tais como o ego a consciência moral do superego e o sentimento de culpa As primeiras aproximações de Freud16 ao conceito de inconsciente ocorrem a partir de grupos psíquicos separados da consciência origem dos sintomas neuró ticos e da ideia de que se podia trazêlos à consciência mediante a hipnose Depois as representações inconscientes constituem o segundo esboço conceitual do que chegaria a ser o inconsciente reprimido No trabalho que dá título a esta seção Freud14 caracteriza o inconsciente dinâ mico ao estudar a sugestão póshipnótica as parapraxias os sintomas os sonhos e os esquecimentos O inconsciente dinâmico é assim denominado por não se extinguir psiquicamente e por apresentar efeitos sobre o comportamento ao contrário do inconsciente descritivo e topográfico O próprio método psicanalítico se utiliza do inconsciente dinâmico e procura explorá lo desvendandoo por meio de sua per manente e derivada existência o que in clui sua influência no comportamento do indivíduo Ao inconsciente dinâmico corresponde o reprimido o que nos leva a concluir que do ponto de vista dinâmico distribuição de forças psíquicas só existe um inconsciente Porém do ponto de vis ta descritivo existem dois o inconsciente propriamente dito reprimido e o pré consciente já que este último também se encontra fora da consciência em dado momento E do ponto de vista sistemáti co conjunto de funções existem três as partes inconscientes do ego e do superego e o id Como se percebe descritivamente é fácil definir inconsciente é tudo que está fora do campo atual da consciência Já na visão dinâmica fica mais complicado de signa um dos sistemas da segunda tópica de Freud constituído por conteúdos aos quais foi recusado o acesso ao préconsciente pe la ação da repressão Luto e melancolia Freud24 considerava esse trabalho uma ex tensão do estudo sobre narcisismo o qual escrevera um ano antes Em Luto e melan colia ele desenvolve duas linhas básicas Por um lado retoma o tema da instância crítica que no trabalho anterior era res ponsável pela paranoia a fim de ex plicar a melancolia o que mais adiante levou à hi pótese do superego e a uma nova avaliação do sentimento de culpa Por outro lado faz um exame dos problemas envolvidos com a natureza da identificação do qual resulta uma evolução desde a ideia de vêla como associada à fase oral passando pela concepção que a considera uma fase preli minar da escolha objetal identificação pri mária para finalmente descrever sua ca racterística mais importante e que é a mais destacada no trabalho um investimento libidinal em um objeto é substituído por uma identificação p ex após uma perda de objeto como na melancolia Identificação é um processo incons ciente não uma simples imitação expresso em uma apropriação parcial ou total de as pectos de outra pessoa Assim em termos conceituais a identificação se faz só com objetos Como já referido a identificação foi adquirindo progressiva importância na obra de Freud de início relacionada aos sintomas histéricos depois em termos de Psicoterapia de orientação analítica 69 incorporação oral como exemplificado nas fantasias canibalísticas de Totem e tabu19 Todavia é sobretudo no papel desempe nhado por ela na formação do objeto in terno tanto na constituição da melancolia quanto e principalmente na formação do superego que a identificação assume gran de magnitude MÓDULO III AS TRÊS GRANDES REVOLUÇÕES Freud2527 procedeu em três trabalhos clássicos o que se poderia de nominar de grandes revoluções exatamente pela pro priedade que tais trabalhos tiveram de mudar de forma extraordinária a teoria freudiana Até hoje a psicanálise reconhe ce e utiliza seus achados na aplicação do método analítico e em desenvolvimentos teóricos Quer dizer se Freud já havia feito muito até aqui pelo conhecimento da vida mental acabou fazendo ainda muito mais Além do princípio do prazer Freud25 apresenta nessa obra aquele que seria o seu conceito mais revolucionário o instinto de morte e que pelo seu caráter especulativo suscitou a maior divisão en tre os psicanalistas Essa elaboração teórica constitui um agregado ao quarto passo da teoria instintiva de Freud Como o título sugere o que levou Freud a essa elaboração teórica foram fa tos observados por ele que contradiziam o princípio regulador do aparelho mental o princípio do prazer Este na realidade vem a ser o resultado da evolução concei tual em torno da intrigante questão dos princípios reguladores da atividade psíqui ca tema das preferências de Freud Come ça com o princípio da inércia analisado no Projeto1 para significar a tendência de retornar ao estado inerte Seguese o prin cípio da constância presente nos Estudos sobre a histeria2 de características homeos táticas isto é a busca por manter um nível baixo e constante de energia no psiquismo Em Formulações sobre os dois princípios da vida mental20 é enunciado o princípio do prazer em contraposição ao princípio da realidade Nesse trabalho de acordo com a própria ação do instinto de morte apa rece o princípio de nirvana tomado por empréstimo do budismo que buscaria o estado ideal de energia zero Foram quatro situações básicas princípio da realidade retorno do reprimi do traumas e compulsão à repetição que levaram Freud à conclusão de que nem tudo na vida psíquica correspondia ao ob jetivo de evitar o desprazer e proporcionar prazer Como se constata embora a noção do princípio do prazer se mantivesse por toda a obra ficou difícil articulála com outras referências teóricas o que deu lugar a este trabalho De acordo com o instinto de mor te todos os seres vivos tendem a retornar ao estado inanimado alterando assim o próprio entendimento do papel do instinto de vida este não visa a preservar a vida o que aliás não ocorre mas possibilitar que a morte seja alcançada de forma natural Além do princípio do prazer é o re sultado de trabalhos anteriores nos quais Freud11015182829 percorreu um longo caminho estudando os fenômenos de repe tição e os princípios reguladores da ativida de psíquica Nesse trabalho de 1920 a com pulsão à repetição é vista como expressão do instinto de morte 70 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O ego e o id Com esse trabalho Freud26 formula uma nova e mais completa descrição da mente e de seu funcionamento teoria estrutural São apresentadas as três macroestruturas quais sejam o ego tanto como self quanto como estrutura com atribuições e funções executivas o superego primeiro apare cimento do termo como equivalente do ideal do ego e o id como depositário das pulsões Para chegar a esse resultado Freud1612141517182325 realizou várias análises detalhadas a respeito da estrutura e do funcionamento do ego lato sensu começou no Projeto1 mas já no capítulo VII de A interpretação dos sonhos6 apare cem sinais de mudança com a hipótese topográfica substituindo a do Projeto1 A hipótese do narcisismo por sua vez inclui considerar o ego como tendo funções por outro caminho os estudos sobre os sonhos levam aos trabalhos metapsicológicos de 1915 os quais em seu conjunto tratam do funcionamento mental e da estrutura Assim em O inconsciente14 o ego passa a fazer parte do sistema inconsciente o que na realidade vem a ser o progenitor do ego estrutural Já em Luto e melancolia24 apa rece a ação do ideal do ego o progenitor do superego Inibições sintomas e ansiedade Foi por meio desse trabalho que Freud27 substituiu a primeira teoria da ansiedade teoria traumática pela segunda a teoria da ansiedadesinal Tal mudança implica inverter imediatamente a formulação da primeira teoria a repressão leva à ansie dade para a que encontramos na segunda é a ansiedade que leva à repressão e aos demais mecanismos de defesa A ansiedade é o afeto desprazeroso por excelência e o mais comum os outros são a dor física a dor psíquica luto e o masoquismo moral O ego não quer senti la defendese dela e daí surgem as neuro ses Notase que o conceito de ansiedade é central em Freud seja quando teoriza so bre o funcionamento psíquico normal seja ao se deter no conflito e nas neuroses A ansiedadesinal constitui o uso que o ego faz de uma catexia quantidade de energia que pe netra no aparelho psíquico e é percebida pelo polo percepçãoconsciência experimental a qual aciona o automatismo desprazerprazer princípio do prazer a fim de testar a realidade e evitar o desprazer Assim a consideração básica de Freud em relação à ansiedade tanto na primeira quanto na segunda teoria referese à no ção de perigo seja interna seja externa Na primeira teoria o perigo externo levava à ansiedade realística e o interno à neuróti ca Na segunda o perigo causa a ansiedade automática se externo e a ansiedadesinal se interno MÓDULO IV TRABALHOS METAPSICOLÓGICOS COMPLEMENTARES E TRABALHOS CULTURAIS Psicologia de grupo e a análise do ego O destaque a ser feito nesse trabalho recai sobre a explicação dada por Freud30 sobre Psicoterapia de orientação analítica 71 a gradual diferenciação que vai ocorrendo no ego dando lugar ao ideal do ego Este mais tarde dá lugar ao superego mas não perde sua importância dentro da teoria além é claro de fazer parte do próprio su perego O ideal do ego constitui a evolução do conceito de agente crítico o qual se faz pre sente em o caso Schreber31 Sobre o narcisis mo uma introdução15 e Luto e melancolia24 em que Freud examina sua característica e principalmente as implicações de sua ação sobre o ego do que resultam a paranoia e a melancolia Como se vê até esse trabalho Freud30 explica o ideal do ego de uma for ma isolada e separada de outros conceitos tendo mais uma função do que um lugar em uma tópica Depois em O ego o id26 conceitualizao como sinônimo de supe rego e finalmente em Esboço de psicanáli se32 considerao uma subestrutura dentro do superego com seus componentes eou funções junto à consciência moral e à auto observação O ideal do ego gera uma das máximas do superego Assim você deve ser Ele é o herdeiro das perfeições do narcisismo original e da sexualidade infantil que é predominantemente autoerótica e portan to reconhecida como narcisista pelo ego Assim podese dizer que o ideal do ego é o herdeiro do narcisismo original e das identificações com os pais idealizados da infância Sobre essas identificações primá rias se edificarão as secundárias que terão matizes hostis ambivalentes e constituirão o supere go definitivo33 De qualquer modo uma vez forma do o ideal do ego o narcisismo sofrerá mudanças pois o ego buscará com seus atos assemelharse ao ideal ou seja irá se sentir estimado por ele ou com sentimento de culpa conforme consiga gratificálo ou não Mediante a autoobservação o supe rego exigirá do ego que seja como o ideal castigandoo pela consciência moral quan do ele se situar longe desse objetivo Após a instalação do superego vão se incorporando a ele novas características ao ideal do ego ao se incluir neste o ideal de uma comunidade de um grupo e assim por diante Os grupos humanos se formam por meio de vínculos identificatórios entre os egos dos indivíduos que os integram Assim um deles será eleito como ideal do ego e líder do grupo à semelhança do pai infantil A diferença entre identificação do ego com um objeto e substituição do ide al do ego por um objeto é exemplificada nesse trabalho por dois grupos artificiais o Exército e a Igreja facilitando a com preensão do papel do ideal do ego nos fe nômenos grupais Como se nota Freud30 dá sequên cia aqui aos trabalhos que examinam as questões culturais além dos problemas metapsicológicos Dentro da temática da cultura e suas implicações antes Freud tratou disso em Totem e tabu19 e depois em Futuro de uma ilusão34 O malestar na civilização35 Por que a guerra36 e Moisés e o monoteísmo37 O malestar na civilização Esse trabalho ultrapassa bastante a sociolo gia que seu título sugere Na realidade ele discute dois temas da maior importância para a psicanálise a o antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as restrições da civilização b a agressão ou destruição Quanto ao primeiro item muito ce do Freud em 1897 afirmou que o inces 72 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs to como exemplo de exigência pulsional é antissocial e a civilização consiste em uma progressiva renúncia a ele além de confe rirlhe a responsabilidade pela dissemina ção das neuroses Porém uma avaliação clara do papel desempenhado pelos fatores externos e internos nessas restrições só foi possível nesse trabalho35 portanto depois que as investigações sobre a psicologia do ego o levaram às hipóteses do superego e do sentimento de culpa É com base em tais conclusões que Freud declara ser o senti mento inconsciente de culpa o mais impor tante fator do malestar da civilização Por agressão entendese a tendência de levar a cabo a ação de danificar o obje to destruílo humilhálo Freud começou a estudála por meio do sadismo vendoo por exemplo nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade7 como um instinto compo nente ou parcial do instinto sexual Só mais tarde depois de muita relutância e compli cações conforme se constata no desenvol vimento da teoria instintiva é que Freud25 admitiu a agressão como independente ainda que derivada do instinto de morte Quer dizer a agressão não só é indepen dente como também se opõe aos esforços civilizatórios A busca de aniquilação pode se estender a todo o mundo exterior inclu sive o inanimado Somada à renúncia ao prazer sexual descober to como meio para a felicidade a inclinação para a agressão é o fator que mais perturba nossa relação com o próximo e obriga a civiliza ção a um grande dispêndio de energia Em síntese o homem civilizado tro cou uma parcela de felicidade por uma par cela de segurança MÓDULO V TRABALHOS SOBRE TÉCNICA Chamase técnica psicanalítica um conjun to de procedimentos e recursos utilizados por Freud com seus pacientes a fim de que eles33 a conheçam o seu inconsciente ou os seus desejos inconscientes preenchendo as lacunas mnêmicas ocorridas durante o desenvolvimento da sexualidade pela ação da repressão b obtenham um maior conhecimento do ego principalmente dos mecanismos de defesas inconscientes e das resistências que deles provêm c tenham maior conhecimento do id e de suas pulsões bem como do superego em especial de sua parte inconsciente pois do contrário ele atua como resistência à cura para satisfazer a necessidade de castigo d percebam as distintas partes inconscien tes correspondentes ao id ao ego e ao superego por meio da análise do signifi cado dos sintomas dos sonhos dos atos falhos das memórias encobridoras Essa tarefa vai conduzindo a uma construção de verdades históricas que fo ram determinando a forma de estruturação das pulsões e do aparelho psíquico Quer dizer as construções e interpretações vão tornando mais próximo o passado primi tivo infantil a préhistória do complexo de Édipo inclusive pelas repetições na trans ferência Esse é o caminho da cura analíti ca pela qual o sujeito se sentirá mais unido a seus afetos e desejos aceitandoos como próprios porém diferenciandoos da ação elegendo quando e como conduzilos li gandoos e dominandoos por meio de um Psicoterapia de orientação analítica 73 ego mais préconsciente e mais livre das imposições superegoicas Do ponto de vista evolutivo como vimos Freud2 em Estudos sobre a histeria forneceu uma boa descrição sobre sua téc nica da época baseada na sugestão e pres são Disso rapidamente ele evolui para o que passou a chamar de método analítico técnica usada na análise do Homem dos ratos em 190916 Por fim entre 1912 e 1915 ele escreveu seis artigos sobre a técni ca os quais abrangem um grande número de temas importantes e que até pela escas sez se tornaram clássicos Desses artigos vou me ater a três para destacar três outros conceitos fundamentais O manejo da interpretação dos sonhos na psicanálise É exatamente nesse trabalho que Freud17 define e integra a interpretação na dinâ mica do tratamento isto é como um pro cedimento do analista submetido a certas regras técnicas nível tipo ordem for mulação oportunidade Antes disso em Estudos sobre a histeria2 por exemplo ela era vista apenas como uma forma de fazer ressurgir as recordações patogênicas Assim considerada a interpretação caracteriza a psicanálise isto é evidencia o sentido latente de um material E foi a atitude freudiana para com o sonho que constituiu o primeiro modelo de interpre tação sendo seu objetivo final desvendar o desejo inconsciente e a fantasia que o en volve tornandoo consciente Contudo a interpretação não é reservada apenas aos sonhos aplicandose também a quaisquer produções inconscientes e mais comu mente a tudo aquilo que traz a marca do conflito psíquico A interpretação é o principal instrumento téc nico do analista fruto do trabalho associati vo prévio do paciente dos símbolos universais dos seus sintomas como representações ou dos conhecimentos anteriores de sua história A dinâmica da transferência A transferência é um fenômeno obser vável na clínica psicanalítica e que apre senta uma explicação fenomenológica e uma metapsicológica A fenomenológica resulta do translado do afeto de vivências do passado para o presente no caso para o psicanalista Sob o vértice da metapsico logia o que ocorre é um deslocamento de um quantum de energia libidinal de uma representação objetal inconsciente para uma representaçãopalavra préconscien te com a qual mantém um tipo de rela ção associativa contiguidade analogia ou oposição De início Freud16716 tratou da transferência como um simples desloca mento não a incluindo na essência da re lação terapêutica No trabalho de 1912 ele faz sua primeira exposição de conjunto do fenômeno o qual adquire um caráter ver dadeiramente psicanalítico por um lado ao assumir a função de repetir na análise protótipos e imagos de modo especial pais e irmãos na pessoa do analista o qual se insere em uma das séries psíqui cas do paciente por outro lado pelo fato de que esse tipo de transferência favorece a resistência Freud102527 ocupouse outras vezes do conceito em especial para acentuar as interrelações com a compulsão à repetição pelo seu caráter repetitivo e com a resis tência pelo seu caráter de oposição à cura 74 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Recordar repetir elaborar Por resistência entendese a expressão clí nica da defesa inconsciente realizada auto maticamente pelo ego ante a pulsão ou a ansiedadesinal Esse acontecimento é fre quente no tratamento analítico e dá lugar a períodos negativos no processo analítico em que o conhecimento do inconscien te do paciente não progride pois seu ego está mais dedicado a defenderse do que a se conhecer Uma das formas de instalarse essa resistência do ego é pela transferência que passa a ter então uma característica negativa e a converterse em um obstácu lo para o desenvolvimento do tratamento Porém assim como é um sério obstáculo a transferência tornase um dos principais recursos técnicos da análise pois por meio dela revivese no vínculo com o analista os conflitos reprimidos da infância Freud27 com base na observação clí nica e na teoria estrutural descreveu cinco tipos de resistência a do ego repressão e demais mecanismos de defesa transferência e ganho secun dário b do superego reação terapêutica negativa c do id compulsão à repetição Na verdade o conceito de resistência colaborou de forma decisiva para o sur gimento da psicanálise uma vez que foi o reconhecimento da sua natureza obs trutiva ao processo analítico que levou Freud1252738 a desenvolver novas técni cas as quais configuraram novas e impor tantes teorias PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Para compreender a teoria psicanalítica e seu método terapêutico é preciso conhecer a fundo o freu dismo pois este segue sendo o paradigma unificador de tudo o que se escreveu e se escreve sobre psicanálise 2 A obra de Freud é extensa complexa e por estar baseada em conceitos fundamentais constitui uma estrutura teórica de difícil apreensão A razão para tanto é a forma dispersa evolutiva e de distintas magnitudes pelas quais seus conceitos aparecem e ganham verdadeiro estatuto conceitual 3 O capítulo divide a obra de Freud em cinco módulos os quais agrupam textos em torno de um eixo temático comum Assim serão cinco eixos vários artigos e determinados conceitos apresentados den tro dessa sistematização orgânica Um ordenamento temporal e cronológico dos artigos estudados é também utilizado a fim de facilitar o acompanhamento e a compreensão da obra freudiana 4 Mais do que destacar conceitos fundamentais e por vezes definilos o principal objetivo deste capítulo é contextualizálos dentro da obra de Freud Dito de outra forma conhecer a história de cada conceito REFERÊNCIAS 1 Freud S Projeto para uma psicologia cientí fica In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 1 2 Freud S Estudos sobre a histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 2 3 Freud S Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud Psicoterapia de orientação analítica 75 edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 2 4 Freud S As neuropsicoses de defesa In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 3 5 Freud S Novos comentários sobre as neu ropsicoses de defesa In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 3 6 Freud S A interpretação dos sonhos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 4 7 Freud S Três ensaios sobre a teoria da sexua lidade In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 7 8 Freud S Fragmentos da análise um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 7 9 Freud S A psicoterapia da histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 2 10 Freud S A história do movimento psicanalí tico In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 11 Giovacchini PL Roteiro à leitura de Freud Porto Alegre Artes Médicas 1985 12 Freud S Um tipo especial de escolha de ob jeto feita pelos homens In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 11 13 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise São Paulo Martins Fontes 1986 14 Freud S O inconsciente In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 15 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 16 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 10 17 Freud S O manejo da interpretação dos so nhos na psicanálise In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 12 18 Freud S Notas psicanalíticas sobre um rela to autobiográfico de um caso de paranóia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 19 Freud S Totem e tabu In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 13 20 Freud S Formulações sobre os dois princí pios do funcionamento mental In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 12 21 Freud S Os instintos e suas vicissitudes In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 22 Freud S Atos obsessivos e práticas religiosas In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 9 23 Freud S A concepção psicanalítica da per turbação psicogênica da visão In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 11 24 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 14 25 Freud S Além do princípio do prazer In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 18 26 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 18 27 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 20 76 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 28 Freud S Repressão In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 14 29 Freud S O estranho In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 17 30 Freud S Psicologia de grupo e análise do ego In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 18 31 Freud S O caso Schreber In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 10 32 Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 23 33 Valls JC Diccionario freudiano Buenos Ai res Julian Yebenes 1995 34 Freud S Futuro de uma ilusão In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 21 35 Freud S O malestar na civilização In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 21 36 Freud S Por que a guerra In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 22 37 Freud S Moisés e o monoteísmo In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 23 38 Freud S Construções em análise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 23 LEITURAS SUGERIDAS Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 Freud S Análise de uma fobia de um menino de 5 anos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 10 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sig mund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 17 Freud S Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasilei ra Rio de Janeiro Imago 1972 v 11 Freud S Parapraxias In Freud S Obras psicológi cas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 15 Freud S Recordar repetir elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 Zimernan DE Vocabulário contemporâneo de Psicanálise Porto Alegre Artes Médicas 2001 Ao me propor a escolher alguns concei tos psicanalíticos fundamentais da teoria das relações de objeto para a psicoterapia psicanalítica cheguei à conclusão de que deveriam ser os de transferência e contra transferência da maneira como são en tendidos contemporaneamente isto é di retamente associados à interação analítica e a seu impacto sobre a subjetividade do analista Nessa perspectiva podem ser con siderados conceitos fundadores ou seja aqueles dos quais os outros decorrem Ao comentar que uma nova metapsicologia es tá se constituindo a partir de nossa prática clínica André Green1 ressalta o conceito de transferência não é mais um dos conceitos da psicanálise a ser pensado como os ou tros ela é a condição a partir da qual os outros podem ser pensados E da mesma maneira a contratransferên cia não se limita mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos ou não ana lisados do analista capazes de fal sear sua escuta tornase o correlato da transferência caminhando a seu lado induzindoa às vezes e para al guns precedendoa Não entrarei na discussão sobre o que diferencia psicanálise de psicoterapia analítica e por conseguinte também pro positalmente não debaterei a questão do número de sessões Penso que desde que estejamos trabalhan do bem com a transferência e a contratrans ferência estamos mantendo a base analítica de nosso trabalho Isso será mais fácil acre dito a partir da experiência clínica à medida que atendermos nossos pacientes com maior frequência Entretanto os fenômenos transfe renciais e contratransferenciais estão presen tes em toda situação terapêutica e seu desen volvimento dependerá de quanto e quão profun damente nós os interpretarmos Procurarei mostrar neste capítulo que a tarefa do analista ou do psicotera peuta diante da fala do paciente do ponto de vista do enfoque transferencial asseme lhase mais ao trabalho do criptolinguista diante de uma língua desconhecida a ser decifrada do que ao do intérprete diante de uma língua estrangeira O intérprete tem a chave que permite a tradução da língua 4 CONCEITOS PSICANALÍTICOS FUNDAMENTAIS NA ESCOLA DAS RELAÇÕES DE OBJETO Elias Mallet da Rocha Barros 78 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estrangeira enquanto o criptolinguista não a tem e sua tarefa consiste em encontrá la Este na sua tentativa de decifrar a língua desconhecida procura identificar padrões que lhe permitam descobrir o que Chomsky denominou gramática gerativa A busca de correspondência palavra a pa lavra entre uma língua conhecida e outra desconhecida seria fadada ao fracasso pois o significado delas depende na maioria dos casos de sua função no contexto sintático ou seja gramatical em que se situam Não estou afirmando que o incons ciente se organiza como linguagem como o faz Lacan O conteúdo do inconsciente é constituído por significantes não verbais as representaçõescoisa mencionadas por Freud dissociados de seus significados Assim não existe relação fixa entre signi ficante e significado e portanto inexiste um código linguístico para constituir uma linguagem Não havendo código não há intenção comunicativa que possa ser atri buída ao inconsciente Este só se abre à comunicação e a um contexto referencial ao integrar a situação analítica No incons ciente seus conteúdos estão fechados em si mesmos É por meio dos relacionamentos e das vivências emocionais indissoluvelmen te associadas que se estabelece um processo de comunicação seja qual for a vontade do sujeito A transferência nesse contexto diz respeito não ao enunciado o conteúdo do que está sendo dito ou atuado mas ao processo de enunciação presente ou seja a quem está sendo dito Na relação com o analista em um ambiente criado para minimizar ao máximo as interferên cias de tudo aquilo que não seja o subjetivo o que se expressa na transferência é o mundo dos objetos internos existentes no sujeito Esse mundo encontra sua expressão em fantasias inconscientes Melanie Klein2 ao responder à obje ção feita por Anna Freud de que a criança não poderia transferir nada para a figura do analista pois uma nova edição não seria possível enquanto a primeira edição ainda estivesse em curso aponta A análise de crianças pequenas mos troume que uma criança de 3 anos já atravessou a parte mais importante do desenvolvimento de seu comple xo de Édipo Por conseguinte a re pressão e a culpabilidade já a distan ciaram consideravelmente dos ob jetos que ela desejou originalmente Suas relações com esses objetos já so freram modificações e deformações de tal ordem que os objetos de amor atuais são imagos dos objetos origi nais Klein está nesse trecho fazendo afir mações que revolucionaram a psicanálise nos anos seguintes e constituíram os ele mentos mais originais de seu sistema Ela afirma portanto que a própria relação com os pais reais comporta já um certo grau de transferência A questão essencial envolvida na transferência não é a relação passadopresente mas aquela existente en tre mundo interno no qual os significados são gerados e mundo externo Decorre dessa concepção a ideia de que o repetido na transferência são as relações de objeto vigentes no mundo interno e não compor tamentos específicos simples hábitos Qual é a natureza desse mundo inter no como é constituído e como é povoa do Não se trata de um mundo subjetivo mas de um mundo no interior do sujeito como enfatiza Laplanche3 Esse mundo de objetos internalizados é constituído desde o nascimento por meio de uma sucessão de projeções e introjeções As projeções são desencadeadas pela pressão da ansiedade de aniquilamento Desse ponto de vista a Psicoterapia de orientação analítica 79 introjeção e a projeção têm um papel estru turante da vida mental Gostaria de enfatizar que esse mundo inter no não é um decalque uma cópia subjetiva do mundo externo Os objetos internos que o cons tituem têm certa autonomia Esse mundo no in terior do sujeito contém as fantasias incons cientes que expressam as relações objetais as quais lhe conferem uma identidade contém também suas estruturas defensivas e é o espa ço no qual as vivências emocionais são pensa das e adquirem sentido Sobre a existência de um mundo in terno com tais características Laplanche3 para enfatizar sua originalidade assim se expressa É neste ponto que falo de escânda lo pois esses objetos são verdadeiros objetos para M Klein objetos que a partir desse tempo de introjeção le vam uma vida própria no interior do sujeito provocando nele efeitos reais quase mecânicos de agressão e de ex citação em particular O par realfic tício é então substituído pelo par in trojetadoprojetado ou este par se de fasa em relação àquele outro O que é introjetado não é ilusório particular mente no sentido de não ser manipu lável ao infinito Sugiro que as fantasias inconscientes expres samse pela relação do paciente com o ana lista a qual se constitui em discurso verbal e não verbal segundo os princípios que regem os processos metafóricos e metonímicos A me táfora referese ao processo de transporte ou transferência de um sentido próprio para um sentido figurado operando por meio de compa rações implícitas A metonímia referese a co nexões que se dão por semelhança de função ou significação Ao se relacionar de forma metafó rica ou metonímica com a consciência o inconsciente está constantemente criando novos significados É nesse sentido que a transferência assume o caráter de uma poiesis tal como definida na cultura grega clássica O paciente nos diz coisas com pa lavras e além delas usa uma comunicação não verbal com gestos e atuações Nesse contexto as próprias palavras podem tor narse atuações da forma de operar das re lações de objeto prevalentes no mundo in terno Podemos tomar essas manifestações como discursivas que incluem também o não verbal presente na situação analítica dirigidas ao analista como tentativas per manentes de recriação das conexões perdi das entre os significantes não verbais do in consciente e os significados da experiência emocional que dão sentido a nossa vida psí quica Esse discurso que permeia a relação do inconsciente com o consciente estrutu rase sob a forma de um código linguístico desconhecido regido por certos princípios articuladores de significado o equivalente a sua gramática gerativa Diante dele como analistas nossa função se assemelha à do criptolinguista que deseja decifrar o códi go que rege a língua desconhecida a qual se constitui em transferência Penso que Fédida4 expressou clara mente essas ideias em um seminário em São Paulo ao dizer Mas na situação do tratamento pen so que é por uma palavra ou por um gesto que tem a função de metáfo ra a função poética da metáfora que o outro pode se reconhecer Por isso é preciso que as palavras os gestos emanem do próprio paciente É as sim que a palavra metáfora toma seu verdadeiro sentido não a poesia mas a poética no sentido de poiesis grega quer dizer a dimensão poética da re criação constante do sentido a recria 80 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ção constante da língua na palavra O poeta é aquele que cada vez inventa a língua Ao descobrirmos a chave que permite decifrar a língua desconhecida corremos o risco de nos transformarmos em simples intérpretes de uma língua estrangeira risco a ser evitado a todo custo para preservar mos nossa condição analítica Gostaria de definir também o cam po que nos permite delimitar e atribuir um valor heurístico à noção de transferência em psicanálise Seriam todas as manifesta ções do paciente em uma sessão resultado de transferências Se a resposta for positi va o que haveria de singular nessa relação propiciada pela situação analítica para o psicanalista moderno que nos permitiria definir o campo da transferência Em que essa relação transferencial difere de outras relações do cotidiano Para os psicanalistas que consideram os processos transferen ciais como presentes em todas as relações humanas entre os quais me incluo dizer que tudo que ocorre em um encontro com o psicanalista tem um caráter transferencial não é suficiente por não facilitar qualquer discriminação Seria preciso do meu ponto de vis ta acrescentar que a situação analítica não existe per se mas é criada pela interpreta ção sistemática da transferência na relação Essa resposta exige uma explanação do sen tido dado ao conceito de transferência A relação mantida por um paciente com seus pais reais ou amigos e com o analista é de mes ma natureza Ele estabelece em ambos os ca sos uma relação dupla respondendo à natu reza tanto real quanto fantasiosa do objeto O que varia e vai caracterizar e construir a rela ção analítica é a natureza da resposta do ana lista que se diferencia da resposta de pais ou amigos Estes vão responder como figuras reais O analista ficará neutro não aprovará ou desaprovará nenhum comportamento ou atitu de apenas interpretará Assim fazendo o ana lista cria condições para a criançapaciente manifestar em estado puro toda a sua capaci dade de transferir suas imagos internalizadas isto é as relações de objeto que caracterizam seu mundo interno para a figura do analista e é esse movimento que estabelece no sentido estrito a situação analítica Nessa perspectiva é a natureza da res posta do analista que cria o campo transfe rencial específico à situação analítica e que nos permite atribuir um valor heurístico ao conceito na teoria psicanalítica Desse modo a neutralidade do analista que não deve ser confundida nem com passividade nem com a frieza do cirurgião não é ape nas condição de manifestação de um cam po transferencial na situação analítica ela é a própria criadora desse campo Seria a transferência um fenômeno espontâneo Os autores de inspiração kleiniana usam com frequência o termo inglês urge para se referir ao processo pelo qual as manifestações trans ferenciais emergem O termo é de difícil tradu ção em outras línguas e referese a um ímpe to a uma ânsia a algo que está sendo impelido ou instigado a se manifestar Tratase portan to de um processo que se manifesta de forma imperiosa Uma característica inegável da psi canálise contemporânea é a preocupação com seu aspecto relacional consubstan ciada em seu interesse pela interação do par Essa é seguramente uma preocupa ção pósfreudiana Laplanche3 nos indica que a definição de psicanálise para Freud Psicoterapia de orientação analítica 81 concentravase em primeiro lugar em sua caracterização como método interpretativo fundado nas associações livres para depois ser entendida como tratamento e por fim como teoria Na contemporaneidade enfatizamos a situação clínica e o encontro analítico passa a ser observado e estudado como uma relação entre duas pessoas que ocor re independentemente de suas vontades e produz um impacto emocional mútuo um encontro no qual ocorrem trocas de informações isto é comunicações em nível verbal e não verbal intencionais ou não Refletir sobre a transferência hoje significa preocuparse com o que é trans mitido sobre o funcionamento intrapsíqui co do paciente e eventualmente do ana lista ou seja a contratransferência com o que ocorre na relação pacienteanalista durante o encontro Passamos a enfatizar a interação entre paciente e analista em um nível intrapsíquico5 Recentemente passouse a acentuar além do aspecto relacional a dimensão in tersubjetiva do encontro analítico como uma nova dimensão da interação paciente analista Ogden6 afirma Creio que uma importante faceta do presente momento da psicanálise é o desenvolvimento de uma conceitua ção da natureza do interjogo da sub jetividade e intersubjetividade no set ting analítico e a consequente explo ração das implicações para a técnica que esse desenvolvimento concei tual traz Assim como o sonho era visto por Freud como a via régia de acesso ao inconsciente e por ex tensão ao sintoma a transferência também passa a ocupar de modo progressivo na psi canálise contemporânea esse espaço ao lado dos sonhos André Green1 considera tão revolu cionária essa mudança de polos teóricos que sugere estarmos diante de uma nova metapsicologia uma espécie de terceira tópica que se instala subrepticiamente no pensamento psicanalítico Green sugere que isso se deu como consequência da prá tica clínica psicanalítica que fez os analis tas buscarem desenvolver uma concepção teórica enraizada de forma mais profunda na clínica Essa nova concepção passou a constituir uma teoria da clínica uma abor dagem diferente da de Freud e que supe rou a dicotomia entre teoria e prática exis tente até então Em 1905 no pósescrito de seu tra balho Fragmentos da análise de um caso de histeria caso Dora Freud7 define trans ferências da seguinte maneira Que são transferências São novas edições ou facsímiles dos impulsos e fantasias que são despertados e torna dos conscientes durante o andamento da análise Possuem no entanto uma peculiaridade característica de sua es pécie substituem uma pessoa ante rior pela pessoa do médico Em ou tras palavras toda uma série de expe riências psicológicas é revivida não como algo que pertence ao passado mas que se aplica ao médico no pre sente momento Nesse trabalho Freud também defen de que o tratamento analítico não cria as transferências apenas as traz à luz Em 1914 em seu trabalho Relembrar repetir e elaborar Freud8 introduz o conceito de neurose de transferência com o sentido de uma neurose artificial que repete a tota lidade dos comportamentos patológicos do paciente na relação com a figura do analis ta Essa neurose artificial é uma reedição da neurose clínica que reorganiza as reações de transferência em torno da patologia An 82 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs teriormente no mesmo ano9 ele já havia usado o termo neurose de transferência em seu trabalho sobre o narcisismo para designar uma entidade nosológica Nele as neuroses de transferência opunhamse às neuroses narcísicas O que nos interessa aqui é o emprego do termo no primeiro sentido mencionado Em 1920 no trabalho Para além do princípio do prazer Freud10 associa as ma nifestações transferenciais ao princípio de compulsão à repetição A partir daí a en fâse na questão da transferência passa para o caráter repetitivo das manifestações con flitivas As principais divergências quanto ao conceito de transferência referemse à questão de como se concebe o que é repeti do na situação transferencial 1 Repetimos comportamentos singulares dirigidos a uma figura específica do passado 2 Ou repetimos padrões emocionais de comportamentos ou ainda tipos de relações de objeto 3 Qual a relação do passado histórico com a situação presente Em que pontos fundamentais Mela nie Klein e seus continuadores os analistas de inspiração kleiniana diferem de Freud em relação à noção e à utilização do con ceito de transferência Antes de responder diretamente a essa questão o que farei a partir de uma discussão aprofundada do debate entre Anna Freud e Melanie Klein realizado em 1927 o debate inaugural na expressão de Laplanche11 gostaria de tratar de outro ponto de divergência que se revelará muito importante ao consi derarmos as concepções de Anna Freud e Klein e que precisa ser esclarecido para que as outras questões possam ser respondidas Tratase da questão do status da emoção na estrutura da vida psíquica Klein desde o início de sua obra não concebe a existência da pulsão desligada de um objeto O representante mental da pulsão associada ao objeto é a fantasia inconsciente Como resulta do impulsos defesas e emoções são represen tados e vivenciados de modo inconsciente sob a forma de fantasias A afirmação da existência de emoções no inconsciente é uma consequên cia natural da posição central que ocupa em seu pensamento a noção de relações objetais O impacto da pulsão sobre o objeto gera a expe riência emocional Assim se as pulsões só têm existência inconsciente e não podem ser disso ciadas de seu objeto as emoções também es tão presentes no inconsciente Klein faz da existência da emoção no inconsciente o centro da vida mental aqui lo que a organiza e lhe confere sentido Para os póskleinianos como Meltzer e Bion as emoções constituem o núcleo significativo da experiência e requerem uma transfor mação em forma simbólica para poderem ser pensadas e comunicadas Abordaremos agora o debate inau gural que opôs estas duas grandes figu ras da psicanálise Anna Freud e Melanie Klein Nesse simpósio Klein responde às críticas de Anna Freud e é por meio dessas respostas que podemos depreender certas originalidades de sua concepção Tais res postas precisam ser examinadas com cui dado pois muitas vezes Klein responde a críticas que nunca foram formuladas con tra ela É somente examinando em detalhes as afirmações de Klein que se pode notar algumas das sutilezas e singularidades que marcam a visão dessa autora e passam a constituir aspectos centrais de sua teoria e da de seus sucessores Antes de iniciar nossa análise é pre ciso notar que o artigo de Klein sobre es sa discussão a respeito das condições en volvidas na psicanálise de crianças assu me uma postura de resposta às críticas de Psicoterapia de orientação analítica 83 Anna Freud Klein começa por acentuar a importância de se analisar a transferên cia negativa Muitos pensam que aí está a originalidade de sua técnica de análise Tratase entretanto de um engano H von HugHellmuth começou a analisar a trans ferência negativa antes de Melanie Klein e até mesmo afirmou que essa análise era mais fácil do que a da transferência posi tiva O que confunde os leitores é o cará ter enfático da defesa da necessidade de se analisar a transferência negativa por parte de Klein Ela não podia dizer isso de ou tra forma naquela época pois se tratava de uma necessidade interna decorrente de seu sistema Em 1927 ela acreditava que só os objetos maus eram internalizados A se guir ela afirma que a criança desenvolve tal como o adulto uma neurose de trans ferência ao contrário de Anna Freud que insistia na impossibilidade de a criança de senvolver uma transferência completa e sobretudo uma neurose de transferência Anna Freud12 escreveu A criança não está pronta como o adulto para empreender uma nova edição de suas relações amorosas porquanto como se poderia dizer a antiga edição não se encontra ainda esgotada Os primeiros objetos de sua afeição os pais existem ainda para ela como objetos de amor na realidade e não como é o caso dos neuróticos so mente na imaginação É preciso notar que ao responder a Anna Freud Klein utiliza o termo neu rose de transferência pela primeira e últi ma vez em toda a sua obra Em qualquer outra ocasião ela se referirá à situação de transferência ou simplesmente à trans ferência Petot13 sugere que se não fosse pela polêmica a concepção de neurose de transferência seria totalmente estranha ao sistema kleiniano Mais adiante constata remos o que o termo pode significar para Klein Petot13 esclarece Mas é claro que para Melanie Klein o debate não se dá entre por um lado o reconhecimento da transferência e a nãoexistência da neurose de transfe rência e por outro o reconhecimento da transferência e da neurose de trans ferência Para ela o debate é o seguin te subestimação Anna Freud ou avaliação correta ela própria da ca pacidade de transferência da criança Klein responde a Anna Freud afir mando que a transferência da qual ela fala referese à externalização de imagos incons cientes nas relações atuais Ela introduz sua concepção do duplo caráter da relação man tida com os pais e com o analista na sessão A criança relacionase de forma concomi tante com os pais reais ou com o analista e com a imago internalizada desses pais ou do analista modificada por sucessivos mo vimentos de projeção e introjeção De onde se origina a transferência A essa questão Klein responde que os pro cessos contínuos de projeção e introjeção intimamente ligados às emoções do bebê dão início às relações objetais e daí decorre a teoria kleiniana sobre a origem da trans ferência Sustento que a transferência origina se dos mesmos processos que nos es tágios mais arcaicos determinam as relações de objeto Dessa forma na análise temos de voltar repetidamen te às flutuações entre objetos amados e odiados externos e internos que dominam o início da infância14 O mecanismo de projeção adquire aos poucos um novo significado e uma importância crescente nos trabalhos de Klein à medida que sua experiência clínica se aprofunda A princípio em sua obra a projeção é referida como desenvolvendo 84 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs se sobre a superfície do objeto on ou onto the object Com a introdução em 1946 do conceito de identificação projetiva a pre posição que acompanha a palavra proje ção muda Tornase into quer dizer passa a indicar que a projeção se dá para dentro do objeto indicando a existência de um espaço interno neste Ao introduzir o conceito de identificação projetiva em 1946 Klein mo difica e amplia a concepção de transferência até então vigente entre os psicanalistas Com a definição do mecanismo de identifica ção projetiva é descrito um processo por meio do qual a projeção de partes cindidas do self que contêm sentimentos eou até mesmo fun ções mentais para dentro do objeto modifica sua identidade do ponto de vista da percepção de quem projetou Ao projetar para dentro o paciente está ativamente fazendo algo com a mente do analista e ao fazêlo comunica alguma coisa a respeito de sua própria mente de como se desenvolve seu processo mental Podemos pensar essa utilização da projeção em duas linhas A primeira refere se a como a identificação projetiva pode ser usada para promover uma atuação na transferência por parte do analista A se gunda complementar acentua a função comunicativa da identificação projetiva Betty Joseph15 tem chamado a atenção para o fato de que muito da nossa compreensão da transferência advém do entendimento de como os pacientes atuam sobre nós pa ra que sintamos determinadas coisas pelos mais variados motivos A autora ressalta a importância de considerarmos a transfe rência como uma situação total tal como Klein enfatizou em seu artigo de 1952 Que significa essa noção de totalidade Ela com porta a meu ver diversas dimensões Klein enfatiza a importância de considerarmos a totalidade do material comunicado pelo pa ciente como parte da transferência e não ape nas as referências diretas à figura do analista tendo em vista sua ideia de que a transferên cia está enraizada nos estágios mais arcaicos do desenvolvimento e nas camadas mais pro fundas do inconsciente Segundo a autora toda a estrutura defensiva é mobilizada na sessão analítica para lidar com a ansiedade São em pregadas nessa situação todas as defesas que foram utilizadas no passado para lidar com tais ansiedades Pelo exame detalhado do sis tema defensivo posto em movimento aprende mos muito sobre a maneira como os objetos in ternos foram construídos Ainda nesse artigo Klein14 escreve Com isto quero dizer que nosso cam po de investigação cobre tudo aquilo que se situa entre a situação presen te e as primeiras experiências Na rea lidade é impossível encontrar aces so às emoções e às relações de objeto mais antigas a menos que examine mos suas vicissitudes à luz de desen volvimentos posteriores Está claro que o desmonte da organi zação defensiva passa pelo conhecimento de como ela foi construída e que a recons trução das relações objetais em especial das primeiras as fundadoras é realizada a partir de um exame minucioso de sua ope ração no presente Na época em que esse artigo foi es crito em 1952 os analistas que não per tenciam à escola kleiniana davam atenção sobretudo ao que era comunicado e reme morado verbalmente na sessão tratando o material segundo o modelo freudiano do conflito A introdução dos conceitos de cisão e identificação projetiva permitiu dispensar a lembrança verbal pois eles nos Psicoterapia de orientação analítica 85 facilitam um acesso a fenômenos mentais muito arcaicos alguns dos quais inclusive ocorreram em épocas anteriores ao desen volvimento da comunicação verbal Essas vivências são comunicadas ao analista por meio de identificações projetivas e cabe a este colocálas em palavras As vivências permanecem na vida mental dos indiví duos sob a forma de memórias em senti mentos memory in feelings conforme a expressão de Klein A situação total inclui portanto também os elementos da vida mental do paciente que são comunicados de forma não verbal e que se referem a vi vências ocorridas antes do desenvolvimen to da fala ou que permaneceram vivas sob a forma de memórias em sentimentos sem nunca terem sido articuladas de forma verbal Há outro aspecto da transferência como situação total a ser mencionado Ele diz respeito a fenômenos mentais que só podem ser entendidos se considerarmos a repetição de determinados padrões ao longo de um conjunto de sessões A fan tasia que subjaz a esse padrão só nos é re velada depois de um cuidadoso exame dos movimentos mínimos que ocorrem nas co municações e reações do paciente na ses são cotejados com os movimentos intras sessões Elizabeth Rocha Barros16 referese a esse método de exame do material como utilizandose ora de uma lente com zoom que nos permite o exame dos detalhes dos movimentos nas sessões ora de uma lente grande angular que nos permite uma visão do todo Betty Joseph15 ilustra a situação total na transferência com o caso de um paciente que lhe dava muita satisfação quando ses sões isoladas eram consideradas O pacien te parecia ouvila e aparentemente pensa va sobre o que era dito a analista esperava a hora desse paciente com certa excitação Aos poucos a percepção de que as coisas não mudavam na vida interna e externa do paciente foi causando um malestar na ana lista Ao examinar o conjunto das sessões e tomando por base um sonho a analista pôde perceber e interpretar o que estava sendo atuado na transferência Tratavase da atuação de uma situação em que o pa ciente tinha por assegurado ser o paciente filho preferido pela analistamãe e referia se a um sentimento que o paciente tinha de que a analistamãe se excitava com ele A análise detalhada da transferência como situação total permite que além da natureza das defesas usadas seja avalia do o nível da organização psíquica dentro da qual o paciente está operando Betty Joseph15 mostra que os acontecimentos da sessão são produtos da interação entre a realidade e a percepção dessa realidade por parte do paciente resultado das fantasias inconscientes enraizadas em sua história É pelo exame detalhado das pressões do paciente para fazer o analista viver e atuar aspectos de seu mundo interno na trans ferência que conhecemos o paciente suas defesas e sua história A interpretação contínua e minuciosa desse processo de transferência como si tuação total nos permite identificar como os objetos internos e o sistema defensivo foram construídos Esse conhecimento é essencial para que se opere a mudança psí quica Acabamos de constatar ainda que de modo sucinto como o conceito de trans ferência ampliouse resultando na noção de transferência como situação total e tor nandose indissoluvelmente ligado à noção de contratransferência Passemos então à discussão sobre o que é interpretado no aqui e agora com o passado do paciente Dito de outra forma abordaremos qual a relação da criança analítica com a criança 86 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs histórica Convém lembrar que não inter pretamos apenas a criança analítica mas também o adulto analítico Essa afirmação é igualmente verdadeira para o caso de aná lise de crianças quando devemos buscar interpretar suas partes mais adultas Em outro texto escrito em colabora ção com Elizabeth Rocha Barros afirma mos17 Os analistas kleinianos consideram que não existe uma linearidade entre o passado histórico e o passado revi vido no presente da transferência A criança psicanalítica repete alguns as pectos do seu passado histórico mas sua evolução durante o processo ana lítico é diferente A transferência com porta várias dimensões temporais e inclui também uma dimensão ahis tórica pensam estes analistas Acon tecimentos do passado não explicam por si só o presente atual Ao identi ficarmos a origem de uma determina da maneira de ser em nosso paciente ainda ficamos com uma questão tal vez a mais essencial para ser respon dida psicanaliticamente qual seja o que mantém esta maneira de ser pas sada no presente Melanie Klein menciona diversas vezes as ida des cronológicas em que certas estruturas mentais estariam presentes Penso entretanto que ao introduzir o conceito de posições es quizoparanoide e depressiva ela rompe em seu sistema com a necessidade de referência a um tempo cronológico adotando uma pers pectiva temporal genealógica Os kleinianos e os póskleinianos estão mais interessados em saber que estrutura veio antes de qual outra do que quando isso ocorreu Essa questão aparece com frequência sob a forma de uma preocupa ção com o nível mental em que o paciente está operando se se trata de um funcionamento ca racterístico da posição esquizoparanoide ou da depressiva O presente interpretado é visto como função do passado não como o passado Ruth RiesenbergMalcolm1819 escreve so bre esse tema e aponta para o fato de que ao interpretarmos estamos interpretando o passado no presente Ela defende que re construir em análise tratase de um cons tante entrelaçar de eventos lembrados da história com eventos vivenciados na aná lise Por que reconstruir A resposta mais imediata de um kleiniano seria antes de mais nada constitui um trabalho realizado na cabeça do analista que lhe permite re construir momentos da história da relação do paciente com seus objetos internos suas ansiedades e as maneiras como suas defe sas foram formadas Quanto ao momento de comunicar esse conhecimento ao pa ciente as respostas variam Alguns analis tas acreditam que o próprio paciente fará as reconstruções necessárias por meio de sua experiência de análise da transferência Outros pensam que devem comunicar suas interpretações reconstrutivas sempre que o paciente tiver um conhecimento grande o suficiente de si mesmo adquirido no aqui e agora da interpretação transferencial que lhe permita a utilização desse conhecimen to de forma não defensiva Os kleinianos insistem sobre a importância e a necessidade do contato emocional vivo e ime diato entre o paciente e o analista na situação analítica para que a interpretação gere convic ção e propicie a mudança psíquica Daí a cau tela com que se fazem interpretações que visem ao passado e permitam que o paciente escape defensivamente do que está acontecendo De tudo o que foi dito a respeito da transferência decorre que para trabalhar com ela necessitamos do conceito com Psicoterapia de orientação analítica 87 plementar de contratransferência Os fe nômenos da contratransferência têm sido discutidos com tanta frequência na litera tura psicanalítica que dizer algo novo a res peito tornase muito difícil Paradoxalmen te contudo discutese tanto esse tema por que ainda existem importantes lacunas a serem preenchidas na compreensão do processo e de seu significado na teoria psi canalítica Ao me propor a voltar ao assunto guiome por uma questão posta por Laplan che3 quando ele pergunta Como pro gride o pensamento analítico E responde Por repetição e ruptura por banaliza ção e reafirmação por circularidade e aprofundamento Os momentos ino vadores são também retorno à fonte O aprofundamento é a reafirmação de uma exigência originária grifo nos so A constatação forçada pelas circuns tâncias da prática analítica de que não é possível estar com outro ser humano de maneira íntima sem passar por uma expe riência emocional perturbadora a meu ver constituiu a exigência originária que levou Freud a buscar meios de limitar o alcance dessa turbulência com o objetivo de pro teger o paciente das possíveis atuações do analista Para mim aprofundar esse tema hoje consiste em reafirmar a exigência do exame da experiência pela qual passa o analista do ponto de vista da natureza do impacto perturbador do paciente sobre ele e do trabalho mental necessário para supe rar a perturbação e para transformála em interpretações verbalmente comunicadas Esse é o aspecto que pretendo examinar Compreendo a transferência e a contratransfe rência como processos dialéticos que não podem ser dissociados Não considero a contratransfe rência apenas como a resposta do analista ao paciente a qual poderia ser estudada isolada mente da transferência Minha perspectiva su gere a existência de um complexo processo de elaboração e de transformação dos sentimentos do analista na sessão antes que uma interpre tação possa ser construída Penso que se tornou consenso entre um grupo importante de analistas a ideia de que a contratransferência se origina nos processos de identificação projetiva Por meio da identificação projetiva o pa ciente projeta aspectos ou a totalidade de seu self para dentro do analista Este receptor das identificações projetivas se torna por momentos os aspectos nega dos do paciente ao projetar Ele se trans forma no eu com o qual o paciente tem conflitos em ser e assim não pode ser Dessa forma o analista vivencia pelo pa ciente aquilo com o que ele tem conflitos ou que não tolera vivenciar O receptor da projeção o analista tornase participan te na autonegação do paciente e passa a existir na fantasia deste como um sujeito separado Ele é ao mesmo tempo o eu e o nãoeu do paciente Desse modo a parte projetada do paciente é objetivada na sub jetividade do analista Ogden6 refere que o desfecho de negação mútua é a criação de um terceiro sujeito o sujeito de iden tificação projetiva que ao mesmo tem po é e não é o projetor e receptor Nesse processo o receptor analista negase a si próprio ao renderse ao criar espaço pa ra o aspecto negado da subjetividade do projetor paciente A investigação dos aspectos que cons tituem o sujeito da identificação projeti va permitirá o aprofundamento da com preen são do fenômeno da contratransfe rência 88 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Glen Gabbard20 comenta que a contratrans ferência hoje representa o campo comum do conhecimento psicanalítico Isso basicamen te significa que os analistas contemporâne os aceitam que a subjetividade do analista tem um papel na construção da interpreta ção mas ao mesmo tempo não existe acordo quanto aos processos que permeiam a trans formação dos sentimentos do analista em uma interpretação Para Canestri21 o que melhor carac teriza a psicanálise contemporânea é uma forma de interpretar que incorpora o pro cesso de escuta e o processo subsequente que ocorreu em nossas mentes como fun ção desse tipo particular de escuta Irma Brenman Pick 1985 escreveu Na verda de é impossível acolher a expe riência do paciente sem também passar por uma ex periência Essa frase sumariza a natureza da problemática envolvida na questão da contratransferência desde sua introdução quando Freud22 expressou preocupação com a natureza perturbadora do impacto do paciente sobre o analista o qual pode ria deslocálo da posição objetiva análoga à postura do cirurgião preconizada por ele Freud nessa altura não associou essa perturbação à natureza da escuta psicana lítica ou seja à natureza do acolhimento proporcionado pelo analista no contexto transferencial Provavelmente por não dar ênfase ao caráter relacional da sessão ana lítica Freud tomou a contratransferência como uma interferência uma espécie de ruído perturbador expressão de conflitos inconscientes não resolvidos do analista Na perspectiva de sua teoria todo confli to estava relacionado com a sexualidade e redundaria inevitavelmente no conflito nuclear o edipiano que só poderia ser tratado em análise Acolher nesse caso consistia em eli minar da sessão toda e qualquer interfe rência que perturbasse a objetividade do analista e que pudesse se constituir em um convite para uma atuação Freud não deixava de estar correto mas o desenvol vimento conceitual da época não lhe per mitiu alterar sua noção de acolhimento na medida em que não concebia o tratamento sobretudo como uma relação intersubjeti va A psicanálise contemporânea enfatiza a natureza intersubjetiva e dialógica do tra balho interpretativo H Racker23 e Paula Heimann24 pro põem a transformação dos sentimentos contratransferenciais em instrumentos de pesquisa da personalidade do paciente Essa sugestão surge da incorporação à psicanálise do conceito de identificação projetiva e da teoria das relações objetais Acolher nesse caso consiste em tomar os sentimentos contratransferenciais como aspectos do pa ciente projetados para dentro da mente do analista expressivos da arquitetura de sua vida psíquica A formulação da interpreta ção depende do exame desses sentimentos como projeção que modifica a própria per cepção que o paciente tem do analista MoneyKyrle25 amplia o escopo da pesquisa propiciada pela contratransferên cia apontando para o fato de que as proje ções do paciente podem estar intimamen te ligadas às reações internas do analista a essas projeções Dessa forma MoneyKyrle introduz a ideia de que os sentimentos des pertados no analista pela escuta psicanalí tica interagem com seu mundo de objetos internos e dessa maneira o fenômeno a ser estudado tornase muito mais comple xo Acolher aqui significa estabelecer as sociações entre os sentimentos do paciente projetados no mundo interno do analista e identificar as funções que essas projeções exercem no espaço mental daquele Psicoterapia de orientação analítica 89 Bion2629 em lugar do termo contratransfe rência preferia falar no impacto das identifi cações projetivas no analista Com base no me canismo de identificação projetiva acreditava que existia um fluxo contínuo de fantasias in conscientes ocorrendo tanto na vigília quan to no sonho e que na sessão resultavam em continuados convites para o analista assumir papéis atuan do aspectos do mundo interno do paciente Esse fluxo contínuo implica a existên cia de um comércio entre os mundos in ternos do paciente e do analista da mesma forma que ocorre entre o bebê e sua mãe Essa relação entre mundos internos define um espaço no qual significados são gerados O analista no lugar da mãe passa a exercer a função de transformar as experiências emocionais do pacientebebê pela capta ção dos sentimentos projetados por meio de sua rêverie isso caracteriza na visão de Bion uma função continente a ser exerci da pelo analista O modelo de transforma ções operadas no psiquismo conforme esse ponto de vista segue uma analogia com o sistema digestivo e os processos metabóli cos Nessa perspectiva acolher consiste em transformar os sentimentos intoleráveis do bebêpaciente projetados exercendo uma espécie de função de diálise mental Bion hipotetiza uma série de funções que comentaremos adiante exercidas sobre as projeções que tornam possível a digestão desses sentimentos intoleráveis Acolher o paciente por meio da ex periência contratransferencial para Bion consiste em operar uma transformação nos sentimentos deste pela mente do analista seja lhe dando uma primeira representação mental para estados não mentais função alfa sintética30 seja alterando sua repre sentação mental de estados anímicos in suportáveis tornando a experiência nessa nova representação mais assimilável pelo aparelho mental função alfa analítica30 Em uma de suas conferências no Rio de Janeiro quando perguntado sobre como utilizar a contratransferência na sessão Bion31 respondeu criticando o termo e di zendo que só havia uma coisa a fazer com a contratransferência analisála O conceito de transferência como si tuação total inicialmente mencionado por Klein14 e na sequência desenvolvido por Betty Joseph15 chama a atenção para a im portância da escuta minuciosa do paciente não só do ponto de vista do conteúdo da narrativa mas sobretudo da perspectiva de como ele nos está usando na relação es tabelecida no quadro analítico transferen cial O paciente nos convida a sentir certas emoções para atuar determinados papéis e dessa forma nos atrai para dentro de seu sistema defensivo Betty Joseph15 sugere que o paciente por meio de suas descri ções de experiências emocionais não es tá apenas falando sobre a maneira como estas são vividas mas criando no espaço analítico a própria arquitetura que subjaz à organização de sua vida psíquica em ca da momento Esta se torna disponível pa ra o analista pelo exame minucioso de sua contratransferência O analista incons cientemente é instado a participar dessa construção constituindo dessa maneira um espaço intersubjetivo Acolher nessa perspectiva consiste em uma atitude ativa de exame analítico da contratransferência e na construção de uma interpretação que coloque em palavras o significado defensi vo dos convites para além destas expressi vos da estrutura das fantasias inconscien tes que nos são feitos pelo paciente Pierre Fédida32 preocupado com a possibilidade de transformação da psica nálise em uma psicologia da comunicação 90 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ou das relações interpessoais adverte para a necessidade de se construir uma metap sicologia da contratransferência No caso esta teria como modelo de elaboração a metapsicologia do sonho Seu alvo ao fa zer essa crítica eram as descrições dos fe nômenos contratransferenciais em termos limitados aos processos de comunicação em curso deixando para um segundo pla no a problemática de cenários inconscien tes que estavam sendo atuados na relação com o analista O artista Giacometti citado por Fédi da33 comenta que o desenho de um rosto tem menos a ver com a aptidão de um traço para representar o que a vista recebeu do que com o poder das palavras de engendrar esse rosto guiando o lápis a seu encontro O que está sendo acen tuado da perspectiva psicanalítica é que a imagem que temos do rosto tornase evocação e constitui fonte de inspiração mais profunda com raízes no inconsciente do que a visão de qualquer rosto O desenho inspirase em uma repre sentação evocada que já operou uma sele ção dos traços que a estruturam a partir da ressonância que a contemplação produziu em nós e que forma uma espécie de dese nho interior A menção que Fédida faz a Giacomet ti e a outros pintores levame a acentuar o papel da evocação como forma de apreen são de complexas redes de relação na cons tituição das representações mentais A evo cação estabelece uma concepção não dis cursiva dessa rede de relações e se expressa em uma captação imagética vivencial dos sentimentos envolvidos As palavras do paciente seu compor tamento na sessão e seus convites implíci tos para o analista atuar papéis que exercem determinadas funções em seu sistema de fensivo constituem o plano evocativo que resulta na contratransferência Da mesma forma que na arte a riqueza do conceito de contratransferência não se reduz à produ ção do análogo aos sentimentos do pacien te na mente do analista mas ao seu aspecto evocativo de metáforas expressivas de es truturas inconscientes A evocação é uma forma de expres são não discursiva ainda que seja permea da pelo discurso verbalizado do paciente permitindo dessa forma que apareçam conexões outras que não as próprias da lógica discursiva mediada por palavras ampliando assim as formas de representa ções de relações afetivas Nessa perspectiva a evocação opera uma desconstrução uma desorganização que permite a manifesta ção dos elos inconscientes que interferem na elaboração do significado da experiência emocional Laplanche311 discutindo a lingua gem aponta para uma dupla função por ela exercida De um lado uma função de aber tura à comunicação enquanto o incons ciente por definição é fechamento e de outro uma função de simbolização defini da como sua possibilidade de fazer entrar em conjuntos relacionais mais amplos mais flexíveis e mais abertos o que estava encerrado nos ciclos rígidos das fantasias inconscientes A função da evocação nesse contex to é garantir uma nova corporificação das emoções constituidoras das fantasias in conscientes em um plano qualitativo que combina elementos discursivos e não dis cursivos Dessa maneira a imagem interior evocada é análoga mas não idêntica aos sentimentos do paciente Essa presentifica ção das redes de afeto torna visível algo que não estava evidenciado em seu discurso Os sentimentos do analista evocados pelo pa ciente durante a sessão por meio da iden tificação projetiva necessitam sofrer um complexo trabalho de transformação para tornar visível algo que não estava previa mente lá e que não se esgota na mera des Psicoterapia de orientação analítica 91 crição analógica do sentimento projetado na subjetividade do analista Fédida33 ao mencionar a condição de trabalho do analista e a função da lin guagem recorre a um neologismo bastante expressivo Ele diz que a linguagem dá ré son às coisas A palavra é um neologismo composto das palavras ressonância rés sonance e razão raison e sugere que a linguagem do analista é resultado de uma ressonância isto é de um som que retor na e dá razão Razão aqui não é utilizada no sentido de intelectualização mas refere se à capacidade do indivíduo de dar sen tido encontrar uma significação para suas vivências emocionais A linguagem nesse contexto não é cópia de uma vivência mas aquilo que lhe dá sentido a partir de uma ressonância Fédida33 afirma Quando a coisa retorna à fonte das palavras nomeála equivale a tomar o visual como desejo de linguagem da imagem E a receptividade é esta capa cidade da linguagem de permitir que a turbulência do nome surja em seu tom próprio Desse tom engendrase pelo nome o desenho interno da coi sa a lógica de seu sentido Gostaria de continuar ainda por um momento a construção proposta por Fé dida Ele avança em sua ideia inspirando se em Cézanne que escreve a propósito de sua atividade de pintar Diz o pintor É co mo se eu fosse a consciência subjetiva des sa paisagem da mesma forma que minha tela é sua consciência objetiva33 Nessa afirma ção podemos perceber com clareza que a tela é uma analogia não discursiva mas de forma alguma idêntica à repre sentação da paisagem na mente do pintor A imagem da tela é uma apreensão de ou tras conexões por uma forma que articula significados em um plano não mediado por palavras O impacto emocional da fala do paciente no analista é também um modo de ação sobre sua mente evoca sentimentos ou pressões para a ação nos moldes descritos por Betty Joseph que o convidam a sentir determinadas emoções eou a atuar de certas maneiras na transferên cia Esse impacto constitutivo de uma evocação traz consigo segundo Fédida um desejo de lin guagem isto é uma possibilidade de fala que lhe dá uma significação em seu tom próprio O indizível pela linguagem falada expressase dessa forma pela própria indizibilidade da pa lavra manifestandose por evocações Penso que a interpretação contém um lado subjetivo referente à experiência do analista sua consciência subjetiva o qual se expressa primeiramente em um plano evocativo que mistura elementos discur sivos e não discursivos e um lado objeti vo resultado de uma reflexão do analista sua consciência objetiva traduzido em discurso que inclui as conexões expressas no plano evocativo não verbal Esse discur so favorece redes relacionais mais amplas e menos rígidas estruturas enquadrantes atribuidoras de significado às experiências emocionais existentes no inconsciente Tal perspectiva abre espaço para uma pesquisa da intersubjetividade na medida em que se enfatiza que na sessão analítica é construído um espaço comum a partir de algo que não é só o paciente nem só o analista mas o produto da interação entre ambos naquele momento O analista não é concebido nessa função como expectador dos processos mentais do paciente uma vez que seu mundo interno tornase o campo de experiências por excelência den tro do qual traços do dinamismo mental do paciente são vivenciados e articulados Penso que a noção de que o intrapsí quico pode ser mais bem observado pela relação estabelecida com o analista isto é pelo intersubjetivo tem sua origem no 92 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs artigo de Heimann24 inspirado pela teo ria da identificação projetiva exposta por Klein em 1946 A contratransferência se alimenta de todos os sentimentos vividos na sessão pelo analista mas constituise como tal isto é como contratransferência somente quando apreendida como a parte do processo transferencial vivida pelo ana lista Portanto ela é concomitantemente uma forma de escuta aberta também para os aspectos não discursivos e um modo de ação transferencial A contratransferência transmitida via identifi cação projetiva é um campo de articulação não discursiva da vida mental do paciente da forma como está operando no aqui e agora da transfe rência Para que a contratransferência se trans forme em uma interpretação ela necessita per correr um longo caminho que inclui autoanáli se reflexão familiaridade relação com a teoria analítica entre outros aspectos Ao interpretar o analista parte de um campo não discursivo das vivências e das imagens evocadas para o campo da interpretação formulada em linguagem dis cursiva descritiva de significados A psicanálise coloca em paralelo co mo regras necessárias para criar a situação analítica e que constituem um todo me todológico de um lado a associação livre a ser seguida pelo paciente e de outro a atenção igualmente flutuante como méto do de escuta analítica Associar livremente consiste em uma atitude de renúncia cons ciente a buscar articular de forma lógica as conexões discursivas e não discursivas a partir daquilo que surge de modo espontâ neo estimulado pela presença e pela escuta do analista Assim a sensibilidade abrese para conexões que não aquelas da ordem lógica consciente A atenção igualmente flutuante glei chschwebende Aufmerksamkeit tem por objetivo restabelecer igual equilíbrio en tre os aspectos discursivos e não discursi vos não verbais da fala do paciente Ela é a forma sugerida para permitir o acesso às articulações emocionais que envolvem ao mesmo tempo elementos discursivos e não discursivos que são expressivos da or ganização interna do paciente Se o sentir humano é uma concepção emocional não discursiva que permeia o discurso articula do consciente e heterogêneo necessitamos de uma forma de escuta especial Esta é im portante para termos acesso à significação e ao sen tido do discurso do paciente na me dida em que a própria descrição dos senti mentos é heterogênea em relação ao sentir Penso que nessa perspectiva a con tratransferência que opera como uma for ma de rêverie do analista e os sonhos do paciente adquirem um papel preponderan te na compreensão de como este articula o significado de suas emoções e o sentido portanto de sua vida psíquica Creio que é essa semelhança entre os processos de rêve rie e do sonho que leva Fédida a propor que qualquer metapsicologia da contratransfe rência será baseada na metapsicologia da vida onírica Por meio da rêverie do analista e do sonho do paciente temos acesso aos cen tros de atração do inconsciente ou dito de outra maneira aos objetos internos em torno dos quais gravitam as relações emo cionais ou ainda ao que Meltzer chama de núcleos significativos da vida emocio nal A escuta analítica envolve algo mais do que ser capaz de se colocar na pele do outro pois a natureza da relação que mantemos com nos so paciente é diferente da que ele mantém co nosco Temos por função precípua na situação analítica a apreensão de significados Eu diria Psicoterapia de orientação analítica 93 no entanto que é de um tipo particular de em patia que necessitamos Eu arriscaria chamá la de empatia metaforizante É um sentir como o outro que ao mesmo tempo transforma esse sentir em outra coisa por meio de um ato de apreensão de seu significado via comparação de estados emocionais análogos sem contu do serem isomórficos Não procuramos identi dades entre significados de experiências emo cionais nossas como analistas e do paciente Não se trata nunca de dizer se é as sim em mim é assim no paciente Envol ve um exame das experiências emocionais evocadas em nós pelo impacto da relação com o paciente as quais produzem me diante uma apreensão da função exercida por esse estado emocional em nós metáfo ras expressivas do significado inconsciente de suas formas de relação O inconsciente não é idêntico nem análogo ao conteúdo latente da mesma forma que o psicodinamismo inconsciente do paciente não está explícito nos sentimen tos contratransferenciais evocados em nós O inconsciente pode ser apreendido por meio do trabalho psíquico que opera a re lação entre conteúdo manifesto e conteúdo latente do sonho bem como pela relação en tre a contratransferência e a natureza da re lação transferencial A contratransferência diretamente não nos dá acesso ao incons ciente É preciso haver um trabalho analítico sobre a relação transferênciacontratransfe rência para a construção da interpretação A função de rêverie nessa perspectiva é um componente essencial do processo de elabo ração da contratransferência na medida em que constitui o processo pelo qual são cria das metáforas que dão forma à experiência do analista das dimensões inconscientes da relação com o paciente34 Sugiro que ao formularmos uma in terpretação a partir da elaboração da con tratransferência operemos o que os linguis tas denominam de transmutação da base simbólica Na sessão o paciente conta um sonho elicia sentimentos em nós ou nos convida a atuar um papel Essa narrativa e suas expressões atuadas evocam metáforas que combinam articulações discursivas e não discursivas que dão forma aos senti mentos que estão sendo projetados em nós na transferência Ao interpretarmos colo camos essas experiências evocadas em ou tra base simbólica ou seja transmutamos a linguagem evocativa dos símbolos visuais do sonho das metáforas ou das vivências expressivas da contratransferência em lin guagem verbal descritiva de significados e assim ampliamos a capacidade de pensar as experiências ao atribuirmos significado aos sentimentos envolvidos É nesse sen tido que arrisquei a terminologia empatia metaforizante para descrever o tipo de em patia necessária para a operação de nossa função analítica Esse consenso que está se formando sobre a importância da subje tividade do analista no processo analítico amplia de um lado nossos instrumentos de trabalho mas por outro nos defronta com certos perigos que a meu ver podem alimentar a descrença pela qual passa atual mente o conhecimento psicanalítico por favorecer possibilidades de banalizálo A contratransferência como estado mental do analista utilizado a serviço da investigação da personalidade do paciente da forma como foi introduzida por Paula Heimann24 e H Racker23 representou um grande avanço nas fronteiras das expecta tivas de desenvolvimento propiciadas pelo conhecimento analítico Não se limitou a ser um instrumento técnico pois modifi cou a própria concepção do tipo de conhe cimento obtido por meio da psicanálise A relação emocional estabelecida na sessão entre analista e analisando permea da pelos processos de identificação projetiva 94 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs e investigada pela análise da contratransfe rência permitiunos compreender melhor a maneira como nossos pacientes moldam e moldaram no passado suas vidas Ao mesmo tempo defrontamonos paradoxal mente com a complexidade da vida emo cional humana e com os perigos de adotar mos posturas simplistas que a banalizem A partir da teoria das relações objetais e de um conhecimento mais aprofundado dos mecanismos de identificação projeti va a psicanálise teve um melhor acesso à maneira como o passado atua no presente permitindonos hipotetizar sobre o futuro da organização mental que domina o pa ciente A ênfase da tarefa analítica movese do explicar para o compreender o significa do da experiência em curso A psicanálise amplia seus objetivos para além da compreensão da natureza das experiências traumáticas que afetaram aquela personalidade e da reconstrução das vivências marcantes que a estruturaram A contratransferência nos dá acesso à ma neira como a identificação projetiva mol da a subjetividade pela interpenetração de processos emocionais que ocorrem nas re lações interpessoais Ferro35 descreve um modelo que ca racteriza como bioniano mas que a meu ver já estava presente no trabalho klei niano no qual os personagens criados na história narrada na sessão são nós de uma rede narrativa interpessoal que nascem co mo holografias da interrelação emocional atual estabelecida entre analista e paciente Uma utilização superficial desse modelo contém o risco de reduzir a psicanálise a uma psicologia das relações interpessoais traduzida em interpretações que se limitam a revelar uma fenomenologia das emoções O analista limita sua fala por exemplo à menção da raiva que o paciente colocou dentro dele por não poder sentila para ci tar um caso clínico recentemente relatado Nada é dito nessa interpretação que apro funde nosso entendimento sobre o psico dinamismo inconsciente do paciente que dê conta da função exercida por essa raiva como organizadora de um padrão mental que poderia estar a serviço do sadismo ou do masoquismo também não faz menção à função exercida pela não expressão da raiva como seria de se esperar no contexto de uma abordagem psicanalítica que levas se em consideração os aspectos dinâmi cos intrapsíquicos presentes na interação O conceito de contratransferência nessa perspectiva simplificadora tornase prati camente sinônimo daquilo que o analista sente quando está com seu paciente e que com frequência utiliza de maneira bruta na sessão sob a forma de interpretações in diretamente confessionais O perigo implícito de tratarmos repe tidas vezes de um tema tão discutido como a contratransferência decorre de um senti mento de banalização do conceito que gera uma sensação de que não há mais nada de novo a ser investigado Widlöcher36 nos adverte para o efeito devastador que tem tido para a psicanálise o sentimento de ex cesso de familiaridade com seus conceitos Esse sentimento cria a impressão de que com meia dúzia de conceitos podemos explicar a mente humana Widlöcher36 ainda comenta que nas universidades os estudantes não são contra a psicanálise até pelo contrário simpatizam com ela mas simplesmente não acreditam que valha a pena pagar o preço para ter a experiência psicanalítica pois não têm o menor con tato com aquilo que lhe é essencial como situação analítica e com seu caráter de ex periência única Ogden6 defende que o processo ana lítico se bemsucedido envolve a reapro priação das subjetividades individuais de analista e analisando que foram transfor madas por meio de sua experiência no Psicoterapia de orientação analítica 95 terceiro analítico recémcriado o sujeito da identificação projetiva Esse processo de resgate envolve a apropriação de si mes mo como sujeito a transformação de um meness em Iness por meio de processos simbólicos de captação e transformação da experiência emocional como venho suge rindo Nesse processo novas individualida des estão sendo construídas pois o paciente com as interpretações desenvolve uma sub jetividade caracterizada especialmente pela existência de um euintérprete que passa a acompanhálo em suas expe riências Quais seriam então as condições necessárias para o analista desenvolver ou manter sua subjetividade sua capacidade de ter vivências observálas e interpretá las dandolhes significado do ponto de vista emocional Sugiro que o processo de construção de interpretações depende em essência da maneira como a situação edi piana foi e é elaborada dentro do analista em cada sessão O analista confrontase no vamente com a questão edipiana na situa ção analítica pelo constante chamamento a ser ao mesmo tempo o observador e o participante de uma relação As qualidades emocionais metabolizadas na re solução do complexo de Édipo são capacida de para desenvolver uma subjetividade própria sentido de historicidade amor pelo objeto ca pacidade de pensar adotando diferentes pon tos de vista e sobretudo de ser concomitan temente o participante e o observador de uma relação Podemos dizer que é pela situação edi piana que o self negocia o desenvolvimento de uma capacidade crítica ao formar um espaço interno que permite a observação de suas rela ções no mundo e cria dessa maneira um eu intérprete ou seja um eu que é capaz de ob servarse e atribuir significados aos sentimen tos e condutas O resgate da objetividade em uma situação na qual o analista tem um duplo papel de observador e de participante da interação repete de certa forma a triangu lação edipiana A objetividade depende do resgate da subjetividade capaz de observar e interpretar descolandose do fato em si ou seja do senso comum Segundo Ogden37 o processamento metaboliza ção de uma identificação projeti va por um terapeuta pode enten derse como o intento de restabele cer um processo dialético psicológico no qual é possível vivenciar os senti mentos induzidos pensar sobre eles e entendêlos mediante um sujeito intérprete Esse processo dialético tem dimensões tanto intrapsíquicas como interpessoais o que quer dizer que dele participam subjetividade e intersubjetividade Penso que essa concepção sintetiza o plano no qual o conceito de contratransfe rência se insere na psicanálise atual PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Os conceitos de transferência e contratransferência são centrais nos desenvolvimentos kleinianos e póskleinianos 96 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Green A Narcisismo de vida narcisismo de mor te São Paulo Escuta 1988 2 Klein M The psychoanalysis of children In Klein M The psychoanalysis of chil dren London Hogarth 1975 3 Laplanche J Le barquet la transcendence du trans fert Paris Presses Universitaire de France c1987 4 Fédida P Clínica psicanalítica São Paulo Es cuta 1988 5 OShaughnessy E Words and working throu gh Int J Psychoanal 198364Pt 32819 6 Ogden TH The analytic thirdworking with intersub jective clinical facts Int J Psychoa nal 199475Pt 1319 7 Freud S Fragments of an analysis of a case of hys teria In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1905 v 7 p 3112 8 Freud S Remembering repeating and wor king through In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1914 v 12 9 Freud S On narcissism an introduction In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1914 v 12 10 Freud S Beyond the pleasure principle In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1920 v 18 11 Laplanche J Faut il bruler Melanie Klein Psychanalyse à lUniversité 19871 12 Freud A Le traitement psychanalyti que des enfants Paris PUF 1975 13 Petot JM Melanie Klein premières dé couverts et premier système 19191932 Pa ris Dunod 1979 14 Klein M Los orígenes de la transferencia In Klein M Envidia y gratitud y otros ensayos Buenos Aires Paidós 1952 Obras comple tas v 3 15 Joseph B Transference the total situation Int J Psychoanal 19856644754 16 Barros ELR A transformação das ex pe riências emocionais através dos sonhos Bo letim da SBPSP 1990 Boletim interno 2 Para Melanie Klein podese observar a presença da transferência desde a infância pois para ela o elemento essencial é considerar a transferência como situação total e como expressão do mundo interno do paciente 3 Desde que formulou o conceito de identificação projetiva Klein e seus seguidores em especial Bion foram capazes de descrever a microscopia da relação analítica e psicoterápica como uma sucessão de identificações projetivas e introjetivas 4 A contratransferência ao contrário do que antes era considerado passa a ser um instrumento essen cial na relação terapêutica e cada vez mais se observa e se estuda o funcionamento da mente do terapeuta em contínua interação com a do paciente 5 As relações de objeto base da formação do psiquismo estão presentes desde o início da vida e sua observação e análise vão constituir parte essencial do trabalho terapêutico 6 Com a progressiva resolução do complexo de Edipo várias qualidades emocionais são desenvolvidas capacidade para estabelecer uma subjetividade própria capacidade de pensar adotando diferentes pontos de vista sentido de historicidade amor pelo objeto e a noção de ser um observador e o partici pante de uma relação ao mesmo tempo 7 Tanto a mente do paciente como a do terapeuta oscilam entre as posições esquizoparanoide e depres siva assim como entre momentos de compreensão e não compreensão sendo um dos principais obje tivos do tratamento de orientação analítica a integração das partes cindidas da personalidade e a possibilidade de a pessoa tornarse progressivamente mais que ela de fato é como sugeriu Bion Psicoterapia de orientação analítica 97 17 Barros EMR organizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 18 RiesenbergMalcolm R Interpretation the past in the present Int Rev Psychoanal 1986 1343343 19 RiesenbergMalcolm R Constructions as reliving history European Psychoanalytical Federation Bul letin 198831312 20 Gabbard GO Countertransference the emer ging common ground Int J Psychoanal 199576Pt 347585 21 Canestri J Transformations Int J Psychoa nal 199475107992 22 Freud S The future propspects of psycho analytic therapy In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1910 v 11 23 Racker H Transference and countertransfe rence New York International Universities 1968 24 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 25 MoneyKyrle RE Normal countertransfe rence and some of its deviations Int J Psy choanal 195637453606 26 Bion WR Group dynamics a review Int J Psychoanal 19523323547 27 Bion WR On hallucination Int J Psychoa nal 1958393419 28 Bion WR A psychoanalytic study of thin king Int J Psychoanal 19624330610 29 Bion WR Learning from experience London William Heinemann Medical Books 1962 30 Caper R Uma teoria sobre o continente In França MO organizador Bion em São Pau lo ressonâncias São Paulo Casa do Psicólo go 1997 31 Bion WR Brazilian lectures I Rio de Janei ro Imago 1973 32 Fédida P Communication et représentation nouvelles sémiologies en psychopathologie Paris PUF 1986 33 Fédida P Nome figura e memória a lingua gem na situação psicanalítica São Paulo Escu ta 1991 34 Ogden T Reverie and metaphor Some thoughts on how I work as a psychoanalyst Int J Psychoanal 199778Pt 471932 35 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 36 Widlöcher D Psychoanalysis challenge in university and research In IPA Meeting 1997 Buenos Aires 37 Ogden TH The matrix of the mind object relations and the psychoanalytic dialogue London Karnak 1992 LEITURAS SUGERIDAS MoneyKyrle RE Joseph B OShaughnessy E Se gal H editors The writings of Melanie Klein Lon don Hogarth 1975 v 1 p 13969 Laplanche J Nouveaux fondements pour la psychanaly se la séduction originaire Paris PUF c1987 Pick IB Working through in the countertrans ference Int J Psychoanal 198566215766 As noções de ego e de defesa estão presen tes desde os primeiros escritos de Freud1 ainda que ele tenha utilizado o termo ego de modo diverso em vários momentos da sua obra o que gerou margem para dú vidas e discussões sobre seu significado Não se pretende neste capítulo discorrer sobre essas controvérsias e sim sobre a definição e a evolução desses conceitos No primeiro período da obra de Freud o ego foi descrito como uma organização de neurônios que permitia ao indivíduo dis tinguir seus processos internos da realida de externa e estava presente nas primeiras elaborações propostas do conflito psíquico representando o polo defensivo da perso nalidade Para Hartmann2 duas razões levaram Freud a partir de 1900 a colocar o ego no limbo primeiro seu interesse pelo inconsciente e pelas pulsões segundo não querer misturar suas ideias com as dos filósofos pois para estes o termo ego estava sobrecarregado de significados me tafísicos Poderiam ser acrescentadas mais duas razões seu desencanto pela teoria da sedução e pelo fato de não conseguir pen sar sobre o ego a não ser em termos neuro lógicos como expôs no Projeto O período de 1900 a 1915 pode ser caracterizado como de hesitações quanto à noção de ego3 Questões como narcisismo identificações dissociação do ego melan colia e outras conduziram a viragem para a teoria estrutural Nesta o ego ressurge em importância como mediador entre exi gências contraditórias advindas da reali dade externa do id e do superego Passa a englobar partes que antes não estavam bem definidas tanto a consciência como o pré consciente tendo sua maior parte incons ciente e envolvendo funções defensivas O conceito de defesa foi definido por Freud como a pedra angular da teoria psi canalítica Freud também utilizou o termo resistência para diferentes fenômenos p ex a interrupção da livre associação do paciente de modo que a diferença entre defesa e resistência podia ser simplesmente a forma como eram observadas 5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA ABORDAGEM DO EGO E SUAS DEFESAS Isacc Sprinz Toda a bibliografia consultada para a realização deste capítulo é de autoria de analistas e dirigida a analistas Por isso ao incorporarmos as ideias tomamos a liber dade de alterar o termo analista por psicoterapeuta e análise por psicoterapia psicanalítica Remetemos o leitor aos textos de Laplanche e Pontalis3 Vocabulário da psicanálise Hartmann2 El desarollo del concepto del yo en la obra de Freud cap 14 em Ensayos sobre la psicologia del yo e Gill e Rapa port4 Um exame histórico da psicologia psicanalítica do ego capII em Aportaciones a la teoria y técnica psicoanalitica Psicoterapia de orientação analítica 99 Uma breve pesquisa sobre a evolu ção do conceito de defesa pode servir tanto para clarificar seu significado quanto para explicar algumas das controvérsias com seu uso Freud introduziu o termo pela pri meira vez em As neuropsicoses de defesa1 Nesse trabalho escreveu que para manter fora da consciência ideias ou sentimentos inaceitáveis capazes de causar afetos peno sos a pessoa recorria inconscientemente a processos mentais que se opunham àqueles conteúdos A esses processos mentais que aconteciam fora da consciência chamou de defesas Esta foi das primeiras colocações de Freud sobre o conflito na mente uma parte da qual tem desejos ou sentimen tos que outra parte considera objetáveis opondose à continuidade da sua presença na consciência Para oporse a eles a parte da mente conhecida como ego estabelece defesas contra a consciência dos conteúdos inaceitáveis Em 1896 nos Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa5 Freud propôs a hipótese de que a escolha da neurose estava associada à defesa predominante na situa ção de conflito Continuou a escrever sobre esses tipos de defesas particulares e definiu outros como formação reativa anulação e isolamento e seu interesse passou da defesa ao recalque que veio a ocupar lugar cen tral na gênese das neuroses Ele se valia do termo recalque em lugar de defesa En tendia o recalque como o mais importante processo defensivo que mantinha fora da consciência ideias inaceitáveis mediante considerável gasto de energia que deno minou contracatexias Essa energia prove niente do ego era necessária pensava para oporse à pressão das ideias e aos impulsos inconscientes que pressionavam por des carga A introdução da teoria estrutural em O ego e o id6 e a revisão da teoria da an gústia em Inibições sintomas e ansiedade7 constituíram um grande avanço Antes a angústia era considerada como resulta do do recalque Agora entendiase que o recalque era causado pela angústia e não sua causa Ficou claro que as defesas con sistiam em processos inconscientes e que o recalque era apenas uma defesa entre mui tas O conceito de defesa ganhava um lugar mais adequado no novo modelo estrutural As ideias inaceitáveis que Freud mencio nara desde o início tornavamse represen tantes mentais de uma das duas pulsões bá sicas libido e agressão Essas pulsões que pressionavam constantemente para a des carga na conduta e no pensamento cons tituíam a estrutura da mente que denomi nou id As diversas defesas por sua parte mantinham afastados os derivados pulsio nais pensamentos e ideias por meio dos quais as pulsões se expressavam As defe sas foram definidas como funções do ego estrutura da mente que mediava entre as pulsões e o mundo exterior8 Às vezes o egoself Freud utilizou esses termos como sinônimos permitia que os impulsos do id e suas representações mentais encon trassem formas de expressão e satisfação outras vezes quando julgava sua aparição perigosa se opunha a eles processo em sua maior parte inconsciente Os perigos que faziam emergir as operações defensivas do ego foram enu merados por Freud a perda do objeto a perda do amor do objeto o temor à castra ção e a condenação pela própria consciên cia Freud estabeleceu uma sequência com ansiedades específicas para cada uma das fases do desenvolvimento Defesa passa a ser um termo geral para descrever a forma como o ego se protegia contra os perigos enumerados Também descreveu o sinal de angústia pequenas quantidades de ansie dade que ativavam inconscientemente as 100 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs operações defensivas ao anteciparem uma temida situação de perigo As defesas são processos mentais inconscien tes instituídos pelo ego para se proteger de afe tos dolorosos como a angústia e a depressão Es tão presentes no conflito psíquico mas também fazem parte da adaptação normal e do desen volvimento do caráter As defesas são utiliza das desde muito cedo na vida de forma normal e adapta tiva porém se persistirem sem se mo dificar à medida que o desenvolvimento prosse gue poderão tornarse parte de uma formação de compromisso A formação de compromisso foi descrita por Freud7 como o modelo psicanalítico do sintoma neurótico na neurose está presente um conflito que produz ansiedade essa ansie dade aciona mecanismos de defesa que levam a um compromisso entre duas instâncias o id e o ego Assim surge uma formação de compromis so que tanto defende o indivíduo contra o dese jo que emerge do id como gratifica parcialmente esse mesmo desejo Por ser tão básico e fundamental o conceito de defesa vem sendo alterado re visado e refinado à medida que a experiên cia clínica vai moldando a compreensão das complexidades do desenvolvimento psicológico e do conflito psíquico A ma neira de lidar com as estruturas defensivas é alvo de discussões acaloradas entre psi coterapeutas psicanalíticos Isso se dá em parte pela diversidade de visões teóricas e sobretudo pela relevância das defesas pa ra o campo da psicanálise Logo as apli cações clínicas sobrepujam os desacordos teóricos pois no fim o que mais importa é o efeito que elas têm no encontro entre terapeuta e paciente Tal debate foi inau gurado por duas formidáveis senhoras ambas sucessoras de Freud e pioneiras da psicanálise infantil Anna Freud e Mela nie Klein CONTRIBUIÇÃO DE ANNA FREUD No ano de 1936 nos 80 anos de seu pai An na o presenteou com uma cópia do livro O ego e os mecanismos de defesa9 um dos mais influentes da psicanálise Ela aprofundou e clarificou o conceito de defesa em relação não só à teoria do conflito psíquico como também à técnica da psicoterapia Enfatizou que as defesas eram processos inconscientes que deviam ser entendidos e analisados Na terapia não era apenas mostrar ao paciente quais as suas defesas ali onde os desejos in conscientes emergiam devia realizarse um esforço para que o paciente ficasse conscien te das defesas utilizadas Além disso tera peuta e paciente deveriam pesquisar a histó ria evolutiva dessas defesas Mencionou que os sintomas eram formações de compromis so nas quais o ego tinha o papel de usar in variavelmente um método especial de defe sa quando confrontado com uma demanda pulsional específica9 Anna Freud9 elaborou uma lista de métodos es peciais de defesa os quais a partir daí foram chamados de mecanismos de defesa recal que regressão formação reativa deslocamen to projeção isolamento anulação negação inversão contra o eu e reversão Acrescentou ainda os mecanismos de identificação com o agressor e entrega altruísta observando que também havia defesas contra os afetos e con tra as percepções da realidade que produziam afetos dolorosos Por último descreveu as de fesas de negação em fantasia em palavras ou em atos Quanto mais o terapeuta for bemsu cedido em trazer as defesas à consciência mais impotentes estas se tornam e assim e mais progride sua compreensão em rela ção ao id do paciente Estudando situações Psicoterapia de orientação analítica 101 que instigam reações defensivas conside rou as defesas em termos dos três tipos de ansiedade esboçados por Freud em Inibi ções sintomas e ansiedade7 ansiedade ob jetiva ansiedade pulsional e ansiedade do superego Em termos de prognóstico defe sas que resultam da ansiedade do superego são propensas a ter um resultado favorável Defesas contra a ansiedade objetiva tam bém teriam boa probabilidade de suces so Os únicos estados que mais fracassam em responder à psicoterapia são as defesas contra as forças dos instintos Anna Freud apresentou também três novas ideias 1 o psicoterapeuta pode observar na superfície da consciência os conflitos intrapsíquicos no instante em que o ego se opõe a eles e os reprime 2 vinhetas clínicas exercem um grande efeito no aprimoramento do processo técnico do psicoterapeuta pois este de modo gradual desbravará por intermédio da transcrição do que fez e da leitura de casos o reino misterioso dos elementos inconscientes 3 a transferência como defesa quando se analisam os conflitos descobrese que um impulso emergiu até a superfície e que o paciente regrediu assumindo antigos meios de se defender Tais momentos concedem oportu nidades para que se estude a transferência defensiva que confronta o terapeuta com um desafio técnico maior porque a forma em que emerge na consciência do paciente é egossintônica Mesmo que Anna Freud tenha pa rado de escrever sobre técnica isso não a impediu de acreditar na existência de uma janela para o inconsciente Tornouse mais convicta e veemente em relação à presença dos conflitos na superfície da consciência enquanto na Hampstead Clinic discutia e revisitava o livro O ego e os mecanismos de defesa9 ao lado do colega Joseph San dler1011 Foi nas discussões com Sandler e colaboradores10 que Anna Freud deixou claro o uso de conceitos topográficos para detectar os conflitos Ela cresceu acompa nhando o desenvolvimento da teoria topo gráfica e aos poucos passou a incorporar os paradigmas estruturais Em suas pala vras Eu pertenço definitivamente ao gru po dos que se sentem à vontade em ir e voltar aos aspectos topográficos quando as circunstâncias são conve nientes A propósito esse meu péssi mo hábito de viver entre os dois mo delos de referência o topográfico e o estrutural é muito recomendado pois clareia os pensamentos e quando ne cessário simplifica os relatos e as des crições clínicas11 Na medida em que aprendeu a se sentir confortável com a teoria estrutural passou a usar os dois aportes teóricos como ferramentas de trabalho Pensar o inconsciente o précons ciente e o consciente em termos de qualidades em vez de lugares ou áreas não os relega ao segundo plano pelo contrário os fatores qualitativos pare cem ser a única explicação real para a luta travada entre as partes da mente12 O ego se importa apenas com os im pulsos ameaçadores no momento em que se tornam conscientes e o id e o ego não são apenas antípodas ambos são dotados de lin guagens peculiares têm intenções distintas e agem por meios diferentes um do outro Entretanto é claro que quando o acordo é cumprido e o conflito não é de todo eviden te o ego arranja um meio de garantir um destino seguro aos impulsos vindos do id 102 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O ego fornece um auxílio enorme aos instintos Ao se manifestar no mundo externo o ego pode guiar os instintos a terem uma gratificação adequada à demanda O ego leva em considera ção a realidade e não se governa a par tir do princípio do prazer No entan to por insistir na realização do desejo de uma forma segura conivente com a realidade e com o bom senso ten de a inibir com os processos de pensa mento a gratificação total do instinto Então por um lado o ego é em algum grau parceiro do id e por outro mos trase como adversário10 As primeiras sugestões de Anna Freud são a de reconhecer o derivado da pulsão e logo interpretar a resistência A próxima tarefa é a de desfazer o que foi feito em rela ção à defesa sendo imperativo reconstruir a sequência da manifestação do impulso de acordo com o contexto Depois investigar a resistência inerente ao impulso e identifi car o elo entre o derivado do id e a defesa específica utilizada complementando Nós preenchemos os hiatos presen tes na memória instintual do pa ciente Enquanto interpretamos o primeiro e o mais comum tipo de transferência a do id adquirimos informações que completam as lacu nas referentes ao desenvolvimento do ego ou colocado de outro jeito temos um histórico das transformações so fridas pelos instintos9 Anna Freud apontou que quando os derivados da pulsão vêm à superfície eles só o fazem porque há um observador de prontidão Ela assiste de perto às reações expressas pelo ego e suas técnicas priori zam o impulso e a defesa Uma das suposi ções básicas é a de que o conflito só existe no ego e por conseguinte na consciência embora surja do inconsciente No id sabe se os elementos contraditórios coexistem sem conflito entre si13 Apesar de Sandler e colaboradores10 insistirem na formação de compromisso Anna Freud vê o ego como uma instância que inicialmente permite a expressão dos derivados da pulsão e depois tenta refrear qualquer manifestação pulsional Centra lizou todas as luzes no ego para então vol tarse para o id Contestando Sandler e co laboradores10 diz se você quiser pode persistir na sustentação do modelo de conflito in consciente e de formação de compro missos mas desse jeito você não será capaz de ver o ego e o id como instân cias separadas As diferenças essenciais envolvidas entre uma abordagem que analisa as de fesas versus a análise da formação de com promissos são entre outras 1 o uso de reconstruções breves versus a interpretação dos componentes da formação de compromisso 2 a suposição de que a psicoterapia cura a partir do insight versus a crença fundamental na estimulação de novos meios de formação de compromissos muitas vezes sem que o insight seja um dos fatores vigorantes As possibilidades heurísticas presen tes em sua obra só se destacaram em 1973 quando Gray decidiu revisitar os conceitos de Anna Freud CONTRIBUIÇÃO DE OTTO FENICHEL É sabido que as formulações estruturais de Freud67 ofereceram novas possibilidades de identificar e de representar a gama de con flitos mentais Seu modelo estrutural favore ceu a compreensão dos conflitos dos pacien Psicoterapia de orientação analítica 103 tes e os teóricos reverdeceram as esperanças na evolução da técnica do atendimento clí nico A década de 1930 deflagrou a hegemo nia do ego sobre o id e em paralelo a im portância das defesas e dos traços de caráter na constelação neurótica W Reich14 come çou a mudança da análise de sintomas para a análise da personalidade enfatizou que as operações defensivas se fixavam à persona lidade ou caráter e que os traços de caráter deviam ser analisados junto com o conteú do de associações recordações sentimentos e sonhos Escreveu que os traços se tornavam tão fixos e rígidos que funcionavam como uma blindagem caracterológica difícil de modificar ou analisar Reich também indi cou que os traços de caráter funcionavam como poderosas resistências à mudança e ao tratamento psicoterápico R Sterba15 expli cou a necessidade de uma aliança do ego entre o ego autoobservador do paciente e o ego do analista H Nunberg16 demonstrou como a função sintética do ego podia re solver conflitos interiores Fenichel17 realizou uma reformu lação geral da teoria clássica e da técnica com a qual a psicologia do ego foi reinte grada à corrente principal da psicanálise Sua abordagem sistemática foi construída a partir dos cânones clássicos da técnica e da tradicional análise das defesas que vigoram até os dias de hoje como se percebe nos es critos de Brenner Preconizou que a abor dagem clássica para analisar a defesa segue o modelo da superfície à profundidade18 visualizando a organização mental em ca madas Cada camada protegeria conteúdos aninhados em camadas mais profundas e assim sucessivamente Fenichel empenhouse em livrar o trabalho analítico da influência da suges tão que enfraquecia o ego ao deixálo pas sivo e vulnerável a uma figura autoritária investida de poderes mágicos O problema da sugestão tem inquietado os analistas desde o início Há os que afirmam ser es se elemento o que impede a psicanálise de ser científica Em contrapartida existem os que consideram difícil de imaginar a con dução do tratamento sem a presença da sugestão Na atualidade reconhecese que a sugestão não pode ser eliminada totalmente da si tuação clínica Fenichel considera que a fala do paciente acaba por disfarçar ou enco brir os conflitos inconscientes acrescentan do que a psicanálise é a psicologia que des vela disfarces O psicoterapeuta deduz o que o paciente quer exprimir e transmite o que lhe foi confiado por meio da interpretação Para descobrir o que as palavras do pacien te significam é importante que se instaure uma intensa empatia para com ele e para tanto o psicoterapeuta se vale de sua princi pal ferramenta o próprio inconsciente Fenichel deu ênfase ao interesse do psicoterapeuta pelas formas em que o in consciente influencia e se traduz nas ati tudes defensivas do ego Supôs que o te rapeuta deveria surpreender a pulsão e desmascarar o disfarce em conluio com o ego defensivo pois o inconsciente seria sua única ferramenta de trabalho CONTRIBUIÇÃO DE PAUL GRAY Em 1973 Gray retomou algumas das pre missas de Anna Freud com o que chamou de processo de análise das defesas vistas de perto Gray19 detalha as tendências em vo ga entre os analistas para explicar o por quê de o modelo estrutural de Freud e da segunda teoria da angústia não terem sido operacionalizados na prática clínica Alude à fascinação que o id atrai e delata a prefe rência dos terapeutas na compreensão dos instintos e de seus derivados e não na pro cura dos mecanismos defensivos que ini bem sua expressão Os psicólogos do ego falavam que a análise das defesas era a es 104 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sência do tratamento mas não haviam de senvolvido nenhum método para efetuála O que Gray demonstrou foi que em vez de ana lisar sistematicamente as defesas se preferiu confiar na transferência baseada na autoridade do analista que influenciava o acesso ao ma terial inconsciente do id A despeito de ter ade rido à teoria estrutural a técnica psicoterápica psicanalítica continuava atada ao modelo to pográfico cujo objetivo é o de contornar as de fesas do paciente para tornar consciente o in consciente Gray20 acreditava que a sugestão não pode ser evitada No entanto apostava em sua minimização e no fato de que os resulta dos poderiam ser alcançados de forma efetiva a partir da análise das defesas Defende que muitas das técnicas in terpretativas consideradas infalíveis não conseguiram acompanhar os avanços da teoria estrutural de Freud e nem as contri buições sobre os mecanismos de defesa fei tos por Anna Freud Tudo o que se mani festa durante a consulta diz respeito ao fun cionamento da mente do paciente ou seja tudo o que acontece em ato alude à quali dade do vínculo e dos objetos que povoam o mundo interno do paciente O principal objetivo da abordagem clínica de Gray é ampliar a capacidade de autoobservação do paciente em especial quando se trata da eclosão das defesas ante os conflitos in trapsíquicos21 Explora o papel da realida de externa usada como um meio defensivo propondo que se enfoquem o discurso e as atividades mentais emergentes do pacien te É importante ressaltar que o objetivo de Gray é o de focar a emergência in loco do processo defensivo no paciente sendo ne cessário ficar atento ao que se produz e ao que é omitido no diálogo do aquieagora da psicoterapia Ao examinar o superego Gray uti liza o método e a perspectiva que Anna Freud usou para lidar com a transferência de defesa A análise do superego se tornou proeminente no pensamento de Gray por que aí descortinou o significado da influên cia do superego sobre a origem das defesas que o ego usa contra as pulsões agressivas Em seus escritos chamou a atenção para aspectos fundamentais da técnica que ali viavam ou reforçavam as defesas contra a agressão defesas que ao serem trabalha das permitiam ao paciente apoderarse plenamente de seus impulsos agressivos para usálos de forma salutar e produtiva Segundo Gray22 os psicoterapeutas tinham a propensão de reduzir a intensi dade do impulso agressivo com interpre tações precoces de teor genético e assim desarmavam e desviavam de si toda a carga sádicodestrutiva da agressão Era como se os psicoterapeutas se esquivassem dos pró prios impulsos agressivos ou não quises sem se sujeitar à transferência negativa que poderia ou não contrastar com o potencial destrutivo que cada um carrega dentro de si A ênfase de Gray22 na análise do superego concentrase nas atividades do superego que inibem os derivados da agressão A começar por Freud a metodologia empregada pela maioria dos analistas consistia no uso da for ça autoritária derivada das transferências do su perego para sobrepujar em vez de analisar as re sistências que barravam o acesso aos conteúdos reprimidos do id Gray compreendeu que a transfe rência derivada da autoridade poderia despistar as defesas e trazer à consciência o conteúdo reprimi do e que para muitos pacientes isso representava a ação terapêutica no tratamento Todavia sentiu que para outros os que conseguiam ter uma par ticipação plena no processo psicoterápico analítico essa modalidade de tratamento deixava a desejar Psicoterapia de orientação analítica 105 Com tais pacientes era preferível apostar no insight pois demosntravam uma maturidade do ego que favorecia o gerenciamento da vida instintiva e logo não se beneficiariam com a incorporação da autoridade vinda do terapeuta a qual incrementaria ainda mais o poder do su perego limitando a possibilidade de o paciente se sentir mais autônomo Assim recomendou que os terapeutas não explo rassem as transferências do superego por mais tentadoras que fossem pois investigá las seria um meio por si só de acionálas no paciente Para tanto o analista deveria assumir uma postura o mais neutra possí vel a fim de evitar ser alvo das projeções das transferências do superego Gray vê a confirmação dos materiais genéticos como secundária e encoraja o processo de au toobservação para que a necessidade de erigir defesas diminua no decurso do tratamento23 A persistência na interpretação das defesas e na investigação dos elementos sugestivos está en tre as principais contribuições de Gray E é por esse motivo que suas ideias embasam a práti ca de muitos analistas e de psicoterapeutas de orientação psicanalítica Em relação ao ponto mais geral na teoria da técnica que é o de se dirigir à função observadora do ego Gray enfatiza ser necessário encontrar vias plausíveis de comprometer o ego com o tratamento A crença de que o paciente tem maturidade e algum grau de autonomia em uma das partes do ego é a pedra basilar de todos os seus postulados teóricos e técnicos A partir desse pressuposto Gray desenvolveu uma metodologia que ajuda o paciente a exer citar suas funções autônomas do ego com o objetivo de aprender e observar a regres são e as mudanças psíquicas em resposta a sentimentos irracionais de perigo oriun dos da infância É por isso que o cabedal de técnicas de Gray é considerado por ele mesmo inapropriado ou ineficaz para certos pacientes mais limitados Acredita que esses procedimentos têm um lugar importante no campo de conhecimento da psicoterapia e que podem dependen do da necessidade passar por ajustes ou alterações em vista de prover benefícios terapêuticos aos pacientes São pontos centrais das hipóteses de Gray 1 a análise da defesa é a melhor forma de se chegar ao núcleo do conflito que está em jogo 2 ajudar os pacientes a expandir a consci ência em relação aos conteúdos incons cientes proporciona que seu modo de viver seja menos neurótico 3 é necessário analisar qualquer espécie de modificação feita pelo paciente em se tratando do processo terapêutico O esforço empreendido por Gray foi o de reformular a técnica analítica e con vertêla em um método eficaz para a in vestigação das defesas e de suas respectivas manifestações Conforme Gray citado por Levy23 para perscrutar o inconsciente o terapeu ta deve aprimorar a escuta como se fos se dotado de um terceiro ouvido capaz de apreender os derivados do id e buscar fontes de conhecimento que tenham res sonância com o conflito Em vez de com parar a escuta à arte e elevála à categoria da intuição e da criatividade Gray prefe riu pensar o ofício do terapeuta como algo mais artesanal uma inclinação para ouvir 106 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de perto e com redobrada atenção às on das do conflito e da defesa No instante em que os derivados da pulsão vêm à tona o perigo caudatário do conflito instalase no ego e tende a acionar medidas defensi vas automáticas para remover da superfí cie da consciência o que se deflagrou Em A narrativa de um sonho e a memória como resistência24 Gray subverteu as noções mais apreciadas sobre o papel da memória e dos so nhos no tratamento Por exemplo o ato de re cobrar as memórias e de contar os sonhos se ria uma espécie de desvio espaçotemporal e tangenciaria as metas do tratamento Quando o paciente relata um sonho na sessão ele eclipsa a realidade e se transporta para outras tempo ralidades Conforme o autor o foco nas memó rias e nas associações poderia se caracterizar como um deslocamento defensivo pois levaria o paciente para fora do espaço e do tempo da sessão A restituição das memórias fora de uma estratégia defensiva demonstra o progresso da psicoterapia pois alude à aquisição da capacidade de reviver de modo consciente e em outro papel os de rivados da pulsão e a conquista de maior tolerância aos impulsos agressivos Na vi são de Gray o conteúdo genético é rele vante para a ação terapêutica porque apre senta o histórico das medidas defensivas que o paciente usou para lidar com certos derivados da pulsão O psicoterapeuta de ve ter em mente o que transmitir ao pa ciente sem enfatizar o que sente durante a intervenção A contratransferência pode ser uma espécie de contrarresistência Na verdade Gray atribuiu grande parte do atraso na técnica psicoterápica psicanalí tica à contrarresistência A concepção de Gray sobre a análise do confli to intrapsíquico deixa o ego em um plano privi legiado A problemática principal não culmina nas pulsões mas na parte irracional do ego o qual ao não avaliar bem a noção de perigo e as ameaças vindas das pulsões possibilita o sur gimento de defesas inconscientes ultrapassa das e desnecessárias caso a parte madura do ego não consiga administrar conscientemen te as pulsões Estas têm uma tendência natu ral de vir à superfície da consciência à medida que os mecanismos inibitórios do ego são ana lisados de forma progressiva O terapeuta não necessita fazer inter pretações do conteúdo inconsciente em vez disso pode trabalhar nas fronteiras da superfície confiante de que com a análise das defesas as pulsões encontrariam me nos obstáculos para adentrarem nos um brais da consciência Quando as pulsões migram para a consciência o paciente tem a chance de pôr à prova suas capacidades de ego para assimilar de forma cognitiva e experimental as pulsões CONTRIBUIÇÃO DE CHARLES BRENNER Em oposição a Anna Freud e ao interes se pelo conflito em seu estado nascente descrito por Gray Brenner25 enfatizou o conflito inconsciente infantil Diznos que o terapeuta interpreta as forças do inconsciente e realiza inferências sobre as tendências do id do ego e do superego A tarefa envolve uma dissecação interpreta tiva das possíveis formações de compro misso Brenner realiza uma abordagem funcional das defesas tomandoas como posturas mentais que barram e ameaçam Psicoterapia de orientação analítica 107 o acesso do material inconsciente à cons ciência podendo ser entendida como uma extensão das ideias de Hartmann e Kris enquanto Anna Freud observa o processo de instauração do conflito manifesto na superfície A teoria dos mecanismos de defesa de Brenner enfatiza mais as funções do que as motivações ou os conteúdos abordados nos estudos sobre as defesas Brenner26 argumenta que a defe sa é um aspecto do funcionamento mental de finido apenas por suas consequências a redu ção da ansiedade eou dos afetos depressivos associados aos derivados da pulsão ou às fun ções do superego Sem essa visão não há nada de especial nos mecanismos de defesa Considera ainda que as defesas são as responsáveis pela diminuição ou pelo desaparecimento da ansiedade e dos afetos depressivos na vida mental e supõe que as funções do ego são o eixo principal de tu do Elas servem para reforçar as proibições do superego assim como para mediar pre venir ou até mesmo oporse às gratifica ções A despeito disso Brenner percebe que nenhum aspecto do funcionamento do ego é exclusivamente voltado aos propósitos da defesa Em concordância com Fenichel as sume que qualquer defesa pode ao mesmo tempo facilitar gratificações vindas dos derivados da pulsão Os esforços do indi víduo de a um só tempo evitar o desprazer ou reduzir o efeito das ameaças culminam no prazer Sua principal postulação é o fato de que a defesa nunca se torna uma fun ção especializada ou exclusiva do ego De modo concomitante as mesmas funções do ego podem servir aos derivados da pul são às defesas às demandas do superego e às exigências de adaptação Assinala ser um erro definir ou identificar a defesa pelo mo do como se defende pois cada função do ego tem múltiplas maneiras de atender aos variados propósitos em questão Ressalta que ao definir a defesa estritamente pela função exercida na economia psíquica co mo um componente de conflito é possível dispensar a consequente ambiguidade que acompanha as definições de defesa as quais incluem as formações de compromisso as fantasias e os sintomas Apesar da parcimônia teórica aventa da por Brenner26 sua análise do que o ego dispõe como defesa é bastante ampla tão ampla que pode até mesmo superar o que os estudiosos das relações de objeto con sideram como fenômenos defensivos Por exemplo segundo ele as defesas podem ser vistas como atitudes do ego que repercu tem nas percepções na produção de fanta sias e nas identificações O ego converte as identificações e as fantasias em maneiras de se defender O objetivo de Brenner é enfa tizar a plasticidade do ego em se tratando do uso das defesas Em meio a isso traça quais as funções específicas constituem as defesas as chamadas funções psíquicas de oposição ou de estancamento dos impul sos que tendem a acionar a ansiedade ou os afetos depressivos Ante o paciente o terapeuta é capaz de investigar a mente assim como de identifi car e explicar as formações de compromisso elementos instintivos influências do supe rego recrutamento das defesas considera ções da realidade e de como é percebida A defesa é um aspecto do funciona mento mental que se define apenas por suas consequências a redução da ansiedade eou do componente depressivo que se associa à dinâmi 108 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ca do superego ou aos instintos de rivados da pulsão26 Não há funções especí ficas do ego res ponsáveis pelas defesas por si só e não exis te nenhum mecanismo perito na habilida de de implantar ou de promover defesas26 A atenção a percepção o pensamen to a memória o afeto e as demais funções são pura e simplesmente arsenais defen sivos próprios das funções do ego Para Brenner o ego tem a aptidão de evocar qualquer conteúdo situado na mente To das as defesas apresentam em comum o fato de se oporem aos impulsos A defesa é um elemento pertencente à esfera da ne gação ou da contradição Toda defesa vol tada contra os impulsos e seus respectivos derivados gera ansiedade eou depressão e impõe uma proibição aos aspectos do id26 Quando há o deslocamento do pre sente para o passado ou viceversa o pa ciente tende a restituir o equilíbrio Mudan ças nos objetivos ou nos focos que iman tam a atenção indicam perigo Mo dulações sutis do tom de voz ênfases impressas em determinados assuntos e atribuições dadas a eles entre outros fenômenos são dignos de atenção e demonstram o tipo de sen sações desconfortáveis desencadeadas na consciência e que de algum modo ajudam a resgatar o senso de segurança no processo psicoterápico psicanalítico As simples va riações no discurso do paciente ocorridas de momento a momento quando perce bidas pelo terapeuta podem ser utilizadas para reduzir a ansiedade gerada pelo con flito São esses os alvos do trabalho psico terápico psicanalítico no entender de Bren ner Em um caso clínico mostra que para se defender da raiva provocada por uma pessoa que o ofendeu o paciente acabava por se culpar para evitar a cons ciência do episódio que o frustrou Enquanto a ênfa se das interpretações se centrava no fato de que o paciente estava se culpando e criti cando a si mesmo o foco de atenção se di vidia visto que a indignação e a raiva eram destinadas a outra pessoa O fato é que cada interpretação continha referências aos pro pósitos da defesa e aos derivados da pulsão Brenner entende a defesa como um processo que regula a economia psíquica e que as de fesas são acionadas para atenuar ou reduzir a ansiedade ou afetos depressivos resultantes da excitação pulsional Ele caracteriza a fun ção das defesas como eventos exclusivamente intrapsíquicos identificados por suas funções e não por suas motivações Na verdade argu menta que não há mecanismos de defesa par ticulares apenas funções do ego que podem ou não ter finalidades defensivas Em resumo descreve as intervenções que nomeiam os componentes da forma ção de compromisso e que são responsá veis por pensamentos planos atitudes fantasias e emoções Coleta minuciosa mente as atitudes que vê diante de si Os elementos que nomeia ao paciente não pertenciam à consciência e de certa for ma essa ideia conserva afinidade com as reconstruções e com alguns dos preceitos de Anna Freud Porém nomear conteúdos que estão alojados nas profundezas do in consciente é o que Brenner enxerga por de trás da defesa presente nos compromissos e isso se opõe à técnica de Anna Freud que visa a flagrar a defesa no ato As duas técni cas têm objetivos distintos As intervenções de Brenner têm como alvo desestabilizar o equilíbrio das forças em conflito na mente Psicoterapia de orientação analítica 109 do paciente Seu propósito é o de provocar uma reestabilização mais saudável25 Um resultado desejável nesse processo incluiria o registro de novas possibilidades de reso lução dos conflitos evidenciados nas for mações de compromisso OUTRAS CONTRIBUIÇÕES IMPORTANTES Melanie Klein pensava diferente de Anna Freud supondo que as defesas não se configuravam como entidades distintas e separadas mas como partes integrantes da constelação psíqui ca Logo as ansiedades e as defesas teriam de ser interpretadas em conjunto Descreveu defe sas primitivas como clivagem do objeto cli vagem do ego idealização negação da realida de interna e externa projeção introjeção oni potência e identificação projetiva Também destacou que algumas des sas defesas tais como a projeção e a identi ficação eram ao mesmo tempo processos mentais fundantes mediante os quais a es trutura do ego se desenvolvia Os seguidores de Klein consideram as defesas não tanto como processos psicológicos transitórios acionados quando necessários mas como configurações psicológicas que se conden sam para formar um sistema rígido e inflexí vel descritos como organizações narcisistas por Hebert Rosenfeld ou organizações pato lógicas por John Steiner Essa noção de siste mas de defesa da personalidade associados a poderosos controles dos objetos internos foi igualmente aplicada à dinâmica de gru pos e sistemas sociais por Elliot Jacques Wilfred Bion Robert Hinshelwood e outros Klein pontuava a transferência como o principal agente das mudanças terapêu ticas A transferência seja negativa seja hostil condensa as defesas e as ansiedades e deve ser interpretada no início do trata mento Isso por si só aliviaria o paciente e favoreceria o trabalho psicoterápico Se gundo ela o psicoterapeuta tinha o com promisso de mostrar ao paciente que ha via entendido suas angústias recônditas e suas defesas e que não o abandonaria nes sa jornada em direção ao que o amedron tava Os críticos de Klein argumentam que havia algo de hostil no ato de interpretar defesas no início do tratamento Para eles as intervenções assumiriam conotações perturbadoras ou até mesmo traumáticas no momento em que desmantelariam de forma abrupta o equilíbrio das estruturas defensivas responsáveis pela manutenção psíquica do paciente Dito de um modo menos dramático interpretações feitas no início da psicoterapia poderiam causar um fortalecimento das estruturas defen sivas em vez de minálas aos poucos visto que o paciente as encararia como ataques ou as registraria como algo fora de seu alcance mental Entretanto Klein consi derava uma inaptidão não interpretar as ansiedades profundas e as defesas contra elas logo de início Na visão da autora não se deve comprometer o potencial da psicoterapia com o prolongamento desne cessário do sofrimento apresentado pelo paciente Desde os debates e as confrontações aqui citados muitas formulações em re lação às defesas ganharam forma Winni cott27 colheu dessas divergências a maté ria para fomentar sua abordagem Ele se valeu de aspectos teóricos e técnicos tanto de Anna Freud quanto de Melanie Klein 110 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Criticou algumas posturas e adotou ou tras Em seu construto sobre o falso self Winnicott argumentou a respeito da necessidade de se trabalhar nem que seja por um tempo com as estruturas defensivas pois foi o próprio falso self que levou o paciente ao tratamento Con tudo alertou que essa prática não deve se es tender e que ela só existe para que a alian ça com o verdadeiro self se processe depois Uma das críticas de Winnicott a Anna Freud é a seguinte se o analista se concentrar mui to nos elementos presos às superfícies do ego talvez negligencie as camadas mais profun das do self Ademais o excesso de interven ções suaves tende a incrementar um conluio do analista para com o falso self do paciente A terapia poderá se tornar interminável por que o verdadeiro self estará sempre à mar gem dela A pluralidade das visões e das opi niões sobre a análise das defesas tem como emblema os psicanalistas norteamerica nos Primeiramente influenciados pelos estudos de Anna Freud e Otto Fenichel sobre o ego e as defesas realizaram abun dantes publicações em torno das defesas no contexto da psicologia do ego Insistia se que a análise da defesa fosse conduzida de acordo com os moldes paradigmáticos indicados por Anna Freud Porém con tribuições subsequentes influenciaram os pensamentos dos psicanalistas norteame ricanos em relação à análise das defesas O que ilustra essa mudança de rumo é a visão contrastante entre Heinz Kohut28 e Otto Kernberg29 Na psicologia do self de Kohut é dada importância à análise das defesas narcisistas o progresso do paciente depen derá entre outros fatores da tolerância e do bom convívio do terapeuta com tais tra ços de caráter e com as defesas e aí residem inúmeras controvérsias sobre a idealização do psicoterapeuta Para Kohut as defesas narcisistas não se configuram como resis tências e por conseguinte não precisam ser interpretadas Elas vão se dissolver sozi nhas sem interpretações Em contraparti da Kernberg inspirado em Klein entende a posição de Kohut como uma receita para o fracasso insistindo que para pacientes borderline e narcisistas seja essencial um confronto interpretativo direto das defesas em jogo CONSIDERAÇÕES FINAIS Freud tinha uma compreensão pluralista da técnica e aplicava um espectro amplo de meios terapêuticos Foi o primeiro a modi ficar sua técnica de acordo com o tipo de paciente e de patologia O Freud dos escri tos técnicos não é o mesmo de sua própria prática nem os terapeutas deixam de fazer intervenções diferentes das que oficialmen te admitem Existe uma dissociação entre a prática idealizada e a prática real que deve ser considerada a sério pela influência que pode ter sobre a teoria e a teoria da técnica É preciso ter ciência da variedade e da multi plicidade das formas defensivas e das formas indiretas que o paciente usa para disfarçá las respeitando as defesas que estruturam e sustentam as referências dos pacientes Não se pode assegurar que tipo de intervenção o paciente aceitaria melhor Em determinado caso é mais produtivo ir da superfície à pro fundidade noutro seria mais efetivo uma intervenção direta no conflito Ataques frontais às defesas podem deixar os pacientes com duas opções Psicoterapia de orientação analítica 111 1 a abdicação das defesas sem que te nham sido desenvolvidos mecanismos vicários para preencher os hiatos e gerar uma sobrecarga de ansiedade e culpa ou 2 o impulso de deixar um tratamento que ameaça seu estabelecido método de levar a vida A técnica psicoterápica psicanalítica não pode ignorar a intuição nem descartar o manancial de sentimentos irracionais que promovem a empatia para com os pacien tes a realidade psíquica não pode ser subs tituída por uma imagem conceitual Ado tar uma única teoria da técnica não implica nenhuma garantia de acertos O conceito de ego oferece estratégias para distinguir as defesas bem adaptadas e as sublimações dos colapsos e suas implica ções Dispor de um conceito de ego orienta a intervenção e fornece múltiplas formas de reconhecer quando o paciente está pre parado para receber a interpretação Seu papel principal e mais conhecido é o de criar no processo analítico um esquema de entendimento das defesas intrapsíqui cas e das resistências A multiplicidade de si tuações inerentes ao processo psicoterá pico não permite que se formulem regras ou diretrizes capazes de serem aplicadas em todos os contextos O que está em questão não é a interpretação da defesa antes do impulso e nem os meios cria tivos de lidar com as falhas do ego30 Não é a interpretação da transferência Não é a recons trução Não são as reações da contratransferên cia nem mesmo as interpretações dos enact ments presentes na transferência e na con tratransferência O foco não está no vínculo do aquieagora de duas pessoas em interação Também não é a atual realidade psíquica ou subjetiva do paciente que está em xeque Na verdade é tudo isso dependendo do paciente e de suas particularidades A interpretação da defesa é fundamental para o trabalho analíti co mas vale lembrar que nada mais é do que uma parte do todo O conceito de defesa foi designado inicialmente como recurso para evitar a manifestação dos derivados das pulsões tais como as fantasias e os desejos De pois foi modificado por Anna Freud9 ampliando as perspectivas quando somou à definição já existente a hipótese de que a defesa se opunha aos afetos Mais tarde Arnold Modell31 remodelou as dimensões das ideias anteriores e incluiu o aspecto de que as defesas se voltam para as relações de objeto Talvez a contribuição mais forte e uni ficadora entre as formulações tenha sido plasmada por Jacob Jacobson32 que suge riu que os afetos dolorosos fazem todas as teorias psicanalíticas convergirem Diante dessa perspectiva a psicanálise se sustenta a partir da fundamentação de que a mente está sujeita a afetos dolorosos que devem ser combatidos pelas defesas As teorias psi canalíticas se diferenciam pela compreensão da natureza e da fonte de origem do sofri mento psíquico assim como pela maneira segundo a qual o indivíduo lida com afetos dolorosos mas no fim o trabalho é essen cialmente o mesmo em todos os modelos psicanalíticos a defesa contra os afetos Não se veem mais as defesas como simples sinais de resistência que se inter põem à realidade A defesa é vista agora como reflexo das relações dinâmicas com o mundo interno seu grau de significân 112 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cia é equivalente ao de outros elementos da vida mental e deve ser analisada com rigor e seriedade Os conceitos de resis tência e de defesa seguem em paralelo ao desenvolvimento da teoria da técnica No início eram vistos como obstáculos de se chegar ao cerne das fantasias e dos dese jos inconscientes emanados das pulsões sexuais Hoje com a maioria das psicote rapias enfocando o caráter a defesa e sua manifestação em modos de resistência são os fatores que levam o paciente a lançar um olhar panorâmico a todas as funções e dimensões que compõem sua existên cia tanto conquistas quanto fracassos No entanto há sempre mais de uma maneira de entender o que se oculta no conteúdo associativo do paciente A interpretação à luz da defesa e o manejo dos afetos desa gradáveis são modos de levar o tratamento adiante mas ainda assim são apenas uma parte do processo Vale a pena relembrar Melanie Klein citada por Spillius33 A partir do que disse agora espero que fique claro que não quero afir mar que o processo terapêutico seja levado a cabo só por meio de inter pretações nem que o terapeuta deva interpretar todo o tempo Primeiro deve dar ao paciente a oportunida de suficiente de expressar seus pen samentos e sentimentos ao mesmo tempo em que coleta o material que irá interpretar Em condições nor mais não deve interromper o pa ciente mas deixálo ir adiante du rante certo tempo Muitos psicoterapeutas continuam a seguir as orientações técnicas da escola que elegeram Entretanto as diferenciações en tre os referenciais teóricos e técnicos já não são tão tumultuadas quanto antes Cada escola conquistou sua identidade ou seja desenvolveu métodos específicos para tra tar os pacientes e isso só se concretizou pelas críticas existentes tal foi seu modo de aprimoramento Todos esses aspectos provocaram grande impacto na análise das defesas Hoje os psicoterapeutas estão menos inclina dos a aderir a uma abordagem clínica tradicio nal ou ortodoxa Há uma tendência à flexibilida de e à integração das diferenças Os terapeutas estão mais abertos a viver a atmosfera singular criada pelas vicissitudes da transferência e da contratransferência Sentemse mais autoriza dos a experimentar novas situações Não exis tem privilégios de uma só escola ou de um úni co pensador todos acabam se unindo em prol do bemestar do paciente Nenhum paciente é igual a outro Qualquer psicoterapeuta respon sável e apto a escutar as flutuações psíquicas compreenderá que é preciso contemplar as par ticularidades de seus pacientes As distinções entre as correntes psi coterápicas não desapareceram mas a im pressão é a de que se encontram mais flexí veis e versáteis pois a psicanálise está mais generosa e aberta às novidades No fim há mais recompensas e ganhos para os psico terapeutas e para seus pacientes do que em outros tempos É preciso ter o cuidado de não fazer do trabalho psicoterápico uma linha de montagem O excesso de teoria pode levar os pensadores a se perderem em especulações infrutíferas Nem o paciente nem o terapeuta podem ser escravos da teoria mas a teoria deve estar a serviço de ambos Entender o modo como a pessoa se defende do sofrimento é fundamental para decifrar a conflitiva íntima dos pacientes que nos chegam não importando a teoria Aprender como transmitir tal compreen são sem que as defesas se recrudesçam ou distorçam a realidade é essencial à arte da psicoterapia Psicoterapia de orientação analítica 113 REFERÊNCIAS 1 Freud S As neuropsicoses de defesa In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 3 p 4161 2 Hartmann H El desarollo del cocepto del yo en la obra de Freud In Ensayos sobre la psicología del yo México Fondo de Cultura Económica 1969 cap 14 3 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise 2 ed Santos Martins Fontes 1970 4 Gill MM Rapaport D Aportaciones a la te oría y técnica psicoanalítica México Pax México 1962 5 Freud S Novos comentários sobre as neu ropsicoses de defesa In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 3 6 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 17 p 1380 7 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 20 p 95201 8 Blum HP Defense and resistance histori cal perspectives and current concepts New York International Universities c1985 9 Freud A O ego e os mecanismos de defesa Rio de Janeiro Biblioteca Universal Popular 1968 10 Sandler J Kennedy H Tyson RL The tech nique of child psychoanalysis discussions with Anna Freud London Hogarth 1980 11 Sandler J Freud A The analysis of defense the ego and mechanisms of defense revis ited New York International Universities c1985 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A noção de ego e de defesa está presente desde os primeiros trabalhos de Freud evoluindo ao longo de sua obra 2 Anna Freud aprofundou o conceito de defesa enfatizando a importância de que o paciente ficasse consciente das defesas utilizadas e da história destas 3 Fenichel preconizou que a abordagem clássica para analisar a defesa seguia o modelo da superfície à profundidade 4 Paul Gray formulou que a análise da defesa é a forma mais adequada de se chegar ao núcleo do conflito e que ajudar os pacientes a expandir a consciência em relação aos conteúdos inconscientes propor ciona um modo de viver menos neurótico 5 Brenner propôs analisar os conteúdos inconscientes que subjazem às defesas presentes nas formações de compromissos suas intervenções têm como alvo desestabilizar o equilíbrio das forças em conflito na mente do paciente e provocar uma reestabilização mais saudável 6 É fundamental entender como a pessoa se defende do sofrimento para decifrar a conflitiva íntima dos pacientes não importando a teoria 7 Aprender como transmitir tal compreensão sem que as defesas se recrudesçam e distorçam a reali dade é essencial à arte da psicoterapia 8 O conceito de defesa vem sendo alterado revisado e refinado à medida que a experiência clínica tem moldado a compreensão psicanalítica das complexidades do desenvolvimento psicológico e do conflito psíquico 9 As aplicações clínicas da compreensão do ego e dos mecanismos de defesa sobrepujam os desacordos teóricos pois o que mais importa é o efeito que eles têm no encontro entre terapeuta e paciente 114 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 12 YoungBruehl E Anna Freud uma biografia Rio de Janeiro Imago 1992 13 Murray J Anna Freud a beacon at the cen tre of psychonalysis In Ekins R Freeman R editors Centres and peripheries of psycho analysis London Karnac 1994 14 Reich W Análise del caráter In Fliess R Es critos psicoanalíticos fundamentales Bue nos Aires Paidós 1981 p 10623 15 Sterba R The fate of the ego in analytic the rapy Int J Psychoanal 19341511726 16 Nunberg H The synthetic function of the ego Int J Psychoanal 19311212340 17 Fenichel O The study of defense mechanis ms and its importance for psychoanalytic technique In Fenichel H Rapaport D The collected papers of Otto Fenichel New York WW Norton 1954 p 18397 18 Fenichel O Problems of psychoanalytic te chnique Albany Psychoanalytic quarterly 1969 19 Gray P Psychoanalytic technique and the egos capacity for viewing intrapsychic con flict J Am Psychoanal Assoc 197321474 94 20 Gray P The ego and analysis of defense Northvale J Aronson c1994 21 Levenson LN Paul Grays innovations in psychoanalytic technique Psychoanal Q 200776125773 22 Gray P On the technique of analysis of the superegoan introduction Psychoanal Q 198756113054 23 Levy S Book review the ego and analysis of defense By Paul Gray Northvale NJ Janson Aronson 1994 pp 254 xxvi Int J Psychoa nal 1995766468 24 Gray P Memory as resistance and the telling of a dream J Am Psychoanal Assoc 199240230726 25 Brenner C Psychoanalytic technique and psychic conflict New York International Universities c1976 26 Brenner C The mind in conflict New York International Universities c1982 27 Winnicott DW El processo de maduración el el niño estudios para una teoría del de sarrollo emocional Barcelona Laia 1975 28 Kohut H The analysis of the self a systemat ic approach to the psychoanalytic treatment of narcissistic personality disorders New York International Universities 1971 29 Kernberg OF Desórdenes fronterizos y nar cisismo patológico Barcelona Paidós 1975 30 Pine F Diversity and direction in psychoan alytic technique New Haven Yale Universi ty c1998 31 Modell A Psychoanalysis in a new context New York International Universities 1984 32 Jacobson JG Signal affects and our psycho analytic confusion of tongues J Am Psycho anal Assoc 19944211542 33 Spillius EB Uma visão da evolução clínica kleiniana da antropologia à psicanálise Rio de Janeiro Imago 2007 LEITURAS SUGERIDAS Gray P Developmental lag in the evolution of technique for psychoanalysis of neurotic conflict J Am Psychoanal Assoc 198230362155 Hartman H The genetic approach in psychoanal ysis Psychoanal Study Child 194511130 Rangell L Defense and resistance in psychoanaly sis and life J Am Psychoanal Assoc 198331Sup pl14774 Rapaport D The scientific methodology of psy choanalysis In Merton MG editor Collected pa pers of David Rapaport New York Basic Books c1967 Reik T Ochs E Ecouter avec le troisième oreille lexpérience intérieure dun psychanalyste Paris C Tchou pour la Bibliothèque des introuvables 2004 Como funciona a psicoterapia de orienta ção analítica Por meio de quais mecanis mos atua sobre o paciente Onde no psi quismo do paciente seus efeitos se fazem presentes Estas e muitas outras questões a respeito da ação terapêutica da psicotera pia de orientação analítica são levantadas com frequência quando se estuda o tema e têm importância fundamental para a compreensão do que fazemos com nossos pacientes do alcance dessa tarefa e de suas limitações Como a teoria da técnica em psi coterapia de orientação psicanalítica assim como seu corpo teórico parte dos conceitos psicanalíticos as teorias sobre sua ação tera pêutica terão que partir das ideias sobre os mecanismos de ação da psicanálise antes de se deter em suas especificidades e é essa li nha que procuraremos traçar neste capítulo Assim como outros temas este é controverso e a maneira como a ação te rapêutica vai ser pensada depende do mo delo de funcionamento da mente utilizado das noções sobre mudança psíquica e dos objetivos da psicoterapia Neste capítulo a linha teórica enfatizada corresponde aos principais referenciais que caracterizam a psicoterapia de orientação psicanalítica em nosso meio que segue o eixo FreudKlein Bion UM BREVE HISTÓRICO Em seu trabalho Uma breve descrição da psicanálise Freud1 faz uma espécie de re visão das ideias sobre a ação da psicanálise até aquele momento Refere que no início a psicanálise pretendia apenas entender al guma coisa da natureza das doenças nervo sas procurando superar a impotência que caracterizava seu tratamento Os médicos não sabiam o que fazer com o fator psíqui co e o deixavam aos filósofos aos místicos e aos charlatões A partir do hipnotismo verificouse que notáveis mudanças so máticas podiam ocorrer por influências mentais colocadas em ação pelo próprio hipnotizador abrindo espaço para a maior percepção da existência de processos in conscientes sujeitos à experimentação O próximo passo viria com Breuer em 1881 ao perceber como os sintomas surgiam no lugar de alguma ação não efe tuada e da qual não havia memória Por meio da hipnose era possível recuperar essa memória com intensa liberação de afe tos levando ao desaparecimento do sinto ma Dessa maneira um só e mesmo proce dimento servia ao propósito de investigar o mal e livrarse dele e esse método recebeu o nome de catarse que é a precursora da 6 TEORIAS DA AÇÃO TERAPÊUTICA Viviane Sprinz Mondrzak 116 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs psicanálise e que segundo Freud conti nuou em seu núcleo Após algum tempo verificouse que nem todos os pacientes eram suscetíveis à hipnose e que os sintomas desaparecidos sob seu efeito retornavam o que levou ao abandono de tal método Era necessário algo que substituísse o efeito da hipnose de recuperar memórias esquecidas o que acabou levando à associação livre até ho je um dos pontos mais importantes para a compreensão do mundo psíquico Freud percebeu que o discurso do paciente não seguia uma associação casual ao contrário era determinado por material inconsciente trazendo sempre pistas do que fora esque cido e que com alguma interpretação do médico poderia ser reconstruído Assim a associação livre e a interpretação substituí ram a hipnose formando a base do método psicanalítico de acesso aos conteúdos in conscientes sempre com ênfase no preen chimento de lacunas de memória conside rado até então o mecanismo de ação por excelência da psicanálise No trabalho de revelar o que havia sido esquecido tornouse evidente que se lutava contra uma resistência incons ciente muito intensa por parte do paciente che gando à teoria da repressão as mesmas forças que agora lutavam contra tornar determinadas lembranças conscientes de veriam ter atuado anteriormente causan do sua repressão a saída da consciência Porém o fato de serem inconscientes não eliminava sua força apenas fazia com que atuassem de outra forma disfarçada me diante sintomas Assim o conceito de resistências passa a ocupar uma posição central no mecanismo de ação da psicaná lise e a ênfase é colocada no trabalho de superação das resistências que levaram à repressão Um passo importante acompanha os avanços de Freud na compreensão da transferência Percebe então que ela é a principal resistência à recordação porque com ela o paciente procurava repetir as situações passadas em vez de lembrálas A transferência seria assim um fragmento de repetição fazendo serem experimenta dos como atuais sentimentos que têm ori gem no passado Ao mesmo tempo perce be que é por meio dela que se dá a maior possibilidade de superar as resistências Essa dupla visão da transferência como principal obstáculo e como principal ins trumento de ação terapêutica acompanha todo o pensamento de Freud De qualquer forma a centralidade da transferência está claramente estabelecida Na visão de Freud2 não se pode pre ver quais os resultados que serão obtidos pelo analista Este coloca em andamento um processo de solução de repressões exis tentes procurando afastar os obstáculos em seu caminho mas em geral uma vez desencadeado esse processo segue o pró prio rumo O analista deve estar prepara do para uma luta perpétua com o paciente para tentar manter na esfera psíquica todos os impulsos que este gostaria de dirigir pa ra a esfera motora A transferência é con siderada uma área intermediária entre a doença e a vida real por meio da qual a transição de uma para outra é feita já que assume todas as características da doença e é acessível a nossa intervenção A partir das reações repetitivas exibidas na transfe rência somos levados até o despertar das lembranças que aparecem sem dificuldade após a resistência ter sido superada En tretanto não basta nomear as resistências elas precisam ser elaboradas processo que efetua as maiores mudanças no paciente e distingue o tratamento psicanalítico de outros tratamentos Dito de outra forma a tarefa terapêutica consiste em recolocar as forças libidinais centradas nos sintomas a serviço do ego Para resolver o sintoma Psicoterapia de orientação analítica 117 seria necessário remontar ao conflito que lhe deu origem renovandoo e tornando o acessível mediante a transferência para então leválo a outro desenlace Assim o trabalho terapêutico desen volvese em duas fases Na primeira pro curase concentrar toda a libido na trans ferência na segunda travase uma batalha em torno desse novo objeto e outra vez se liberta a libido deste pelo trabalho de in terpretação que transforma em conscien te o que era inconsciente Mais tarde ao introduzir a segunda tópica Freud3 diria que o objetivo seria trazer o id para a esfe ra do ego e em 1940 descreve o trabalho psicanalítico como traduzir processos in conscientes em conscientes preenchendo lacunas da percepção consciente Assim nessa trajetória esboçada brevemen te apesar da ênfase na recuperação de memó rias podemse localizar outros elementos bá sicos com relação aos mecanismos de ação da psicanálise aumentar a capacidade perceptiva da consciência acessar os conflitos por meio da transferência que confere a eles atualidade e intensidade afetiva para procurar novas so luções a associação livre como método funda mental de acesso ao inconsciente e sua contra partida no terapeuta a atenção flutuante a re lação com o terapeuta como essencial para a mudança psíquica A respeito desse último fator notase que Freud já haviase dado conta de que apenas o tornar consciente não bastava e de que a força que impulsionava o trata mento não era o desejo de melhora do pa ciente mas o elemento de sugestão o que deixa clara a importância do papel desem penhado pelo relacionamento interpessoal Ferenczi foi um dos autores a enfatizar a necessidade de uma experiência afetiva na análise expressa via transferência para que se tornassem possíveis novas configurações intrapsíquicas4 Seguindo nessa linha de tempo a pró xima contribuição fundamental a ser con siderada é a de Melanie Klein57 Para ela a análise age no equilíbrio entre as pulsões de vida e de morte determinadas constitucio nalmente buscando um abrandamento da inveja considerada a principal represen tante da pulsão de morte A partir de seus estudos sobre mecanismos primitivos de funcio namento da mente e de seu modelo de desenvolvimento posições esquizopa ranoide e depressiva Melanie Klein defen de o trabalho psicanalítico como auxiliar do paciente na passagem de uma posição a outra buscando a integração no ego dos aspectos cindidos e projetados Dessa for ma mudase a ênfase da resolução de con flitos para o processo de integração do ego A interpretação das fantasias inconscientes primitivas permite que os mecanismos de dissociação projeção característicos da posição esquizoparanoide deem lugar a mecanismos da posição depressiva ou seja a integração dos componentes agressivos possibilita a experiência de dor e luto As sim há uma ênfase nos mecanismos de in trojeção e projeção como veículos da ação terapêutica O instrumento é a interpreta ção das fantasias inconscientes percebidas mediante a transferência que com Klein se torna um conceito mais abrangente de transferência como situação total em que são transferidos fantasias afetos defesas8 Nesse processo é importante o paciente perceber que o analista aceita tais senti mentos agressivos principalmente a inve ja não se assustando com eles o que faz perderem seu caráter onipotente O analista funcionaria como um su perego mais tolerante abrindo caminho para que o paciente aceite esses sentimen tos como seus possibilitando o caminho da reparação Em 1934 Strachey desenvolveu 118 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs essa ideia em seu clássico trabalho sobre a ação terapêutica da psicanálise introduzin do o conceito de interpretação mutativa aquela que seria responsável pela mudança psíquica A interpretação mutativa rela ciona o que é percebido na transferência com a situação infantil que lhe teria dado origem O primeiro passo seria o analista ajudar o paciente a perceber a discrepân cia entre o objeto da fantasia e o analista real pela análise e interpretação dos meca nismos de projeção e introjeção que deram origem a essa percepção distorcida Em um segundo momento haveria então a in terpretação genética relacionando com o significado infantil9 Como se pode notar ainda é considerado básico na interpreta ção o remeter ao passado mas já se perce bem alguns sinais de que a recuperação de memórias passadas não seria tão essencial Talvez uma das maiores contribui ções de Klein ao tema do mecanismo de ação da psicanálise tenha sido seu conceito de identificação projetiva um mecanismo defensivo intrapsíquico mediante o qual o paciente projeta no objeto aspectos cin didos que não pode tolerar como seus pas sando a se identificar com esse objetoalvo da projeção Bion desenvolveu o aspecto comuni cativo da identificação projetiva mostran do como o mecanismo não existe apenas na fantasia mas tem o potencial de produzir no objeto o sentimento que se está experi mentando Como se verá adiante a identi ficação projetiva é considerada o principal instrumento para se ter acesso ao mundo psíquico do paciente No início da década de 1950 Ra cker10 e Heimann11 dedicaramse a estu dar a contratransferência destacando sua importância dentro do processo psicana lítico e a forma como os sentimentos do analista participam ativamente desse pro cesso Transferência e contratransferência vão sendo cada vez mais consideradas fenômenos indissociáveis levando à noção de campo12 em que o relacionamento ana listapaciente passa a delimitar uma nova estrutura Percebese portanto que a tendência dentro do pensamento psicanalítico é cada vez mais considerar a importância dos vários aspectos envolvidos na relação entre duas pessoas de modo que o psiquismo de uma influi na outra e é justamente esse trânsito via identificação projetiva que vai possibilitar o entendimento do que está se passando e a possibilidade de mudança psíquica Nessa trajetória outras contribuições de Bion1317 tiveram influência na forma de se entender o mecanismo de ação da psi canálise Para ele as experiências emocionais são a base para a formação de um aparelho mental capaz de pensar Na infância pela capacidade de rêverie da mãe fornecendo um continente capaz de conter a emoção e darlhe um significado esse aparelho vai se estruturando e formando elementos alfa utilizáveis para sonhar e pensar em vez de apenas evacuar a emoção Ao analista cabe proporcionar esse continente dentro do qual o paciente se sinta mais seguro para enfrentar a dor psíquica que acompanha o contato com a realidade tanto interna quanto externa As resistências não são apenas contra o afeto reprimido mas con tra a dor psíquica e o trabalho psicanalíti co não busca apenas evidenciar repressões mas expandir a capacidade da mente de transformar suas emoções em elementos pensáveis Destacamse os requisitos es senciais ao estado mental do analista para promover esse processo sem memória e Psicoterapia de orientação analítica 119 sem desejo próximo da atenção flutuante de Freud e com capacidade negativa tole rância à falta de significado Há portanto uma mudança de ênfase no obje tivo da psicanálise que passa a ser possibilitar uma transformação por meio da qual o analista coloca em palavras a emoção surgida na expe riência da sessão possibilitando que se expan da a capacidade do paciente de pensar sobre suas emoções A análise configuraria então um processo afetivocognitivo em que emoção e pensamento não estariam em oposição ao contrário um seria a matériaprima do outro A contratransferência é o meio pe lo qual o analista trabalha e transforma a identificação projetiva do paciente e o que esta ativa em si próprio como resposta emocional18 Assim os processos mentais do analista e a capacidade de ler suas res postas emocionais se apresentam como o principal instrumento de ação terapêutica Essa centralidade das emoções tem sido corroborada pelos estudos das neu rociências que mostram como elas têm papel fundamental em todo processo de determinação de quais vias sinápticas serão mais estimuladas coordenando mente e corpo organizando percepções pensamen to memória fisiologia e interação social sendo capazes de desencadear um processo de ativação de vias neuronais19 Novos conhecimentos oriundos da observação das relações mãebebê tam bém têm contribuído com as teorias sobre a ação terapêutica da psicanálise Stern20 traça um paralelo entre o processo terapêu tico e o processo diádico mãebebê o par desenvolve um conjunto de padrões mi crointerativos em que os passos incluem erros perturbações e reparos formando determinada relação implícita comparti lhada20 No processo terapêutico destaca dois momentos mutativos a interpretação que faz um reordenamento consciente dos dados e como pano de fundo um movi mento de perceber compartilhar e promo ver mudanças nessa relação estabelecendo uma nova forma de estar com20 Avanços no estudo da memória des tacamse na discussão dos mecanismos de ação da psicanálise principalmente as des cobertas sobre a existência de dois sistemas de memória uma declarativa explícita que corresponde à memória consciente e outra chamada procedural implícita to talmente inconsciente e que se evidencia somente pelo desempenho e não pelas recordações conscientes Fonagy2122 a esse respeito considera que a re moção de repressões não pode mais ser considerada a chave da ação terapêutica A mudança psíquica ocorre por uma nova ênfase entre diferentes modelos de relações de objeto Muitas das alterações ocorridas no proces so terapêutico não estariam no campo da compreensão consciente e sim no campo dos comportamentos e conhecimentos não verbais do inconsciente procedural e momentos de significação que ocorrem na interação pacienteterapeuta permitem o alcance de um novo grupo de memórias implícitas ocasionando um progresso que se reflete na maneira como o paciente passa a interagir com outros Tais estudos deixam claro o interes se em aprofundar os conhecimentos sobre os modos de ação terapêutica utilizando inclusive subsídios de outras ciências De qualquer forma o assunto continua susci tando polêmicas principalmente no tocan te ao papel do levantamento de repressões e na recuperação de memórias passadas co mo mecanismo de ação23 120 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Assim vemos como a evolução no corpo teórico da psicanálise trouxe mu danças na forma de se pensar os mecanis mos de ação da psicanálise em especial os estudos do desenvolvimento infantil do papel das experiências préedípicas e da re lação interpessoal analistapaciente A ideia defendida é a de que se deve aceitar um modelo de multicausalidade em que a orienta ção teórica de cada um e as particularidades de cada paciente darão mais destaque a um ou outro elemento24 Gabbard e Westen25 considera que em linhas gerais há uma tendência a se pensar no mecanismo de ação de uma for ma mais humilde optando por falar de mecanismos de ação no plural Essa maior tolerância com as incertezas tanto nas formulações teóricas quanto nas sessões também teria um potencial mutativo ao considerar um psicoterapeuta que aceita as limitações de seu método adotando uma postura não onipotente O que parece ser inquestionável é a importância da nova relação estabeleci da com o terapeuta não como experiên cia corretiva mas pela possibilidade do pacien te de desenvolver outro repertório de respostas diante de um objeto que mos tra novas atitudes em relação a ele e o con vida a pensar antes de repetir os padrões até então utilizados Somase a isso a experiên cia de ser escutado e compreendido por um outro de uma forma única em um modelo de escuta com um referencial implícito que busca o que está mais além da narrativa formal26 Nessa linha evolutiva que certamente prosseguirá agregando novos conhecimen tos é importante que se possa perceber ca da elemento estudado nos mecanismos de ação da psicanálise como um degrau para o passo seguinte sem no entanto ser neces sariamente descartado E A PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA As semelhanças e diferenças entre psica nálise e psicoterapia de orientação psica nalítica constituem matéria de constante discussão Para os propósitos deste capítu lo consideramos que ambas as formas de tratamento partem de um mesmo corpo de conhecimentos e utilizam o insight e a inter pretação como ferramentas básicas de tra balho Cada uma no entanto dá origem a processos particulares que se desenvolvem em settings diferentes resultando princi palmente em graus diferentes de profundi dade de emergência da transferência27 Há diferenças relacionadas à formação de um psicoterapeuta e de um analista e aos ob jetivos propostos na psicoterapia há um foco central enquanto na análise não há o comprometimento com algum aspecto em particular da vida do paciente Assim considerase que a psicanálise se caracteriza por um método que torna possível a observação ordenada do mun do psíquico e que serve também de base para o método psicoterápico Na psicote rapia de orientação psicanalítica faz parte do método a delimitação de determinadas áreas preferenciais focos de atenção do trabalho interpretativo Quais seriam as ca racterísticas desse método Antes de tudo a criação de um campo em que essa obser vação do mundo psíquico possa se proces sar e no qual a comunicação entre ambas as partes terapeuta e paciente possa ocorrer o que se refere à criação de um setting espe cífico de trabalho Psicoterapia de orientação analítica 121 Para nos aproximarmos do que se passa no relacionamento pacientetera peuta em uma sessão é importante consi derarmos que a comunicação humana se dá em diferentes níveis um nível metalin guístico em que a comunicação é feita por meio da linguagem e um nível metacomu nicativo segundo o qual se comunicam as emoções dos participantes acerca da rela ção o que é feito mediante elementos não verbais Assim na comunicação paciente terapeuta as mensagens transmitidas e captadas pelos participantes da dupla vão muito mais além do que é dito em palavras Além disso as próprias palavras vão ser en tendidas de acordo com o clima emocional do momento e assim as interpretações terão seu valor determinado pelo marco psicológico no qual são oferecidas28 Dessa forma a questão do setting ganha destaque como determinante da ação terapêutica Setting entendido não apenas em seus as pectos formais mas principalmente em relação ao que é determinado pela atitude do psicoterapeuta em que se destacam a neutralidade e a postura receptiva reflexiva e não crítica que formam um continente capaz de conter as angústias do paciente considerado o mecanismo de base de ação da psicoterapia Nesse contexto a regra da abstinência não é uma simples lei técnica a ser seguida Ela provém de uma compreensão do tera peuta acerca dos limites de sua tarefa recu sando uma posição onipotente de ser capaz de curar o paciente não compartilhando da fantasia de que trabalhar elaborativamente significa desfazerse de partes indesejáveis de sua personalidade Caper29 salienta que uma das dificuldades em manter a regra da abstinência é que a atividade peculiar do analistaterapeuta parece artificial não podendo oferecer conselhos ou consolos causando certa dose de sofrimento real pa ra poder alcançar o objetivo principal que é a integração psicológica De forma para doxal aquilo que leva o paciente a sentir a relação como artificial é justamente a insis tência do analista em ser real não corres pondendo às fantasias e mantendose nos limites de sua função não podemos deci dir pelo paciente nem privilegiar um ou outro ponto de vista que nos pareça mais saudável só podemos ajudálo a perceber melhor Assim aquilo que transmitimos mui to além das palavras em nossos gestos na entonação da voz na atitude de compreen der e não julgar ou aconselhar é que for mará o contexto dentro do qual o paciente possa se sentir encorajado a pensar sobre seus sentimentos Os aspectos formais do setting funcionam como uma organização do espaço de trabalho lembrando que há uma realidade externa à qual ambos os par ticipantes devem se sujeitar Assim podemos considerar que a primeira ação terapêutica provém da atitude do terapeuta ao propor uma aproximação reflexiva ordenadora que em vez de julgar procura um sentido para o que o paciente sente O elemento verbal do método psi canalítico é a interpretação que procura mostrar para o paciente outros vértices de aproximação de seus conflitos Na psi canálise a interpretação transferencial é o principal instrumento Na psicoterapia as interpretações que privilegiam o foco es colhido são prioritárias mas somente um acompanhamento dos movimentos trans ferenciaiscontratransferenciais pode for necer elementos para que o terapeuta com preenda o que se passa estabelecendo uma constante tensão entre transferência e foco Interpretações que não sejam baseadas na percepção do clima emocional da sessão 122 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs serão intelectualizadas e distantes Assim o trabalho interpretativo seria o segundo responsável pela ação terapêutica Mas com que intenção interpreta mos que efeito procuramos Desde observações muito simples que apenas procuram dar nome a determinadas sensações confusas a interpretação procura novas formas de aproximação novos sentidos para as expe riências emocionais do paciente Paula Heimann30 defende que busca mos aumentar a capacidade perceptiva do ego do paciente e que é para ele que inter pretamos a fim de que possa perceber com mais clareza seus processos intrapsíquicos e interpessoais Apesar de muitos proces sos primitivos só poderem ser expressos em palavras de forma aproximada a for mulação em palavras é importante porque estas promovem pensamento crítico e são o veículo de comunicação clara e explícita entre paciente e terapeuta A interpretação atrai para a região da palavra aquilo que se dá na dimensão do ato da fantasia do sentimento Ela não é apenas a tradução de algum significado mas instrumento de modificação da relação entre forças psíqui cas por meio da comunicação ao paciente na circunstância apropriada da compreen são alcançada pelo terapeuta quanto a essa relação31 Entretanto interpretar por si só não produz efeito terapêutico como Freud32 já destacava ao falar do trabalho de elabora ção que de alguma forma pode ser aproxi mado ao trabalho do luto33 Ambos os tra balhos acontecem aos poucos e envolvem a capacidade de tolerar dor Na psicoterapia tratase da dor que acompanha a percep ção de determinadas realidades externas e internas Nesse processo é fundamental o papel do terapeuta como representante de figuras de importância na vida do pacien te O que poderíamos chamar de poder da sugestão deve ser usado pelo terapeuta de outra forma não para influenciar opiniões mas para ajudar a vencer resistências à dor e às mudanças Assim podemos imaginar que o pa ciente chega à psicoterapia com algumas teorias acerca de si mesmo e do que está lhe acontecendo Como está buscando ajuda sabemos mas o paciente às vezes não tem consciência que as formas usadas até en tão para enfrentar as várias situações de sua vida não estão mais funcionando de modo adequado Nosso paciente chega com dois objetivos um manifesto de mudança outro latente de evitar mudanças já que estas sempre se acompanham de medo e insegurança Ambos os objetivos são ver dadeiros e a existência de um não exclui o outro Em psicoterapia escolhemos algum foco que nos pareça corresponder à área de maior sofrimento para o paciente e com cuja importância ele concorde Esse foco pode ir dando lugar a outros ir se desmem brando O foco não significa que todas as interpretações serão centradas aí mas de limita uma zona de trabalho para a qual estabeleceremos estratégias de aproxima ção de acordo com as resistências que vão surgindo tendo como guia o que se per cebe na relação que o paciente estabelece conosco Esta ainda é a melhor referência para identificarmos os padrões de resposta do pa ciente a transferênciacontratransfe rên cia mesmo que as interpretações sejam pre dominantemente extratransferenciais A partir da identificação gradual desses padrões sempre procurando relacio nálos com o foco formulamse interpretações uma espécie de descrição dos fatos psíqui cos Todavia essa descrição tem algumas Psicoterapia de orientação analítica 123 características particulares já que procura apresentar uma outra forma de perceber o mesmo fenômeno apontando contradi ções distorções e principalmente estabe lecendo as diferenças entre mundo externo e realidade psíquica o que cria portanto um paradoxo entre modos de sentir e pen sar e o que pode ser percebido É a possibi lidade de perceber as contradições e tolerar esses paradoxos que abre caminho para o insight uma mudança de nível lógico do pensamento em direção a uma maior abs tração2834 A atitude do terapeuta de compreen são não crítica de aproximação imparcial de qualquer conteúdo apresentado cria a atmosfera necessária para que o paciente se sinta acompanhado na tarefa de submeter suas teorias a uma reavaliação Mediante a neutralidade essas teorias podem ser ques tionadas contrastadas e inclusive redefi nidas34 Supomos que as teorias do paciente e os padrões de resposta baseados em suas premissas foram formados na infância e passaram a vigorar como verdades inques tionáveis mesmo com o desenvolvimento e a aquisição de novas capacidades Assim detectamos modos de funcionamento que continuam se guiando por mecanismos pri mitivos regidos pela onipotência do pensa mento por uma postura superegoica severa característica do superego mais primitivo por ideais de ego distanciados da realidade impondo expectativas inatingíveis Seja qual for o foco escolhido boa parte do trabalho e dos efeitos obtidos acontecerá em torno destas questões abrandamento das críti cas do superego por meio da aceitação das próprias limitações e da percepção de que as exigências correspondem a uma onipo tência infantil busca por resolver conflitos por meio de modos mágicos que envolvem a negação da realidade interna ou externa Em psicoterapia além do trabalho sobre o foco escolhido esperamos que o paciente possa identificar e introjetar algo da atitude reflexiva do psicoterapeuta de busca de compreensão e que possa utili zar esse modelo em outras situações de sua vida Dessa forma o terapeuta deve trans mitir em sua atitude geral a aceitação im plícita de seus limites e dos limites de seu método abrindo mão de uma postura oni potente de quem teria as respostas certas e definitivas as interpretações são hipóteses e é importante poder mostrar de onde elas partiram ILUSTRAÇÃO CLÍNICA A paciente de 32 anos procura atendimento por problemas conjugais uma queixa frequente em adultos já que é no trabalho e nas relações afetivas que mais se manifestam as consequências de conflitos mal resolvidos Apresentase com uma profusão de queixas repetidas exaustivamente que procuram mostrar como o marido não a valoriza não faz planos conjuntos trata apenas de seus próprios interesses vive para o trabalho escuta mais os colegas do que ela mesma e assim por diante Mesmo que seu relato apresente o marido como alguém que não a trata bem o terapeuta sente certa irritação já que parece não ter outra saída além de se aliar a ela na constatação de que o marido a maltrata O terapeuta sentese pressionado Continua 124 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua a tomar um partido e é possível que essa seja a intenção inconsciente inicial da paciente Apesar de seu sofrimento com a situação e do desejo de que possa haver uma melhora evidenciase que a única saída que procura é o apoio do terapeuta em relação a sua teoria de que o problema é o marido que a desvaloriza e a possibilidade de que ambos possam mudálo e fazêlo adaptarse às suas expectativas Não há ain da a possibilidade real de que possa pensar de forma mais ampla sobre detalhes de sua situação conju gal e muito menos de sua participação nas dificuldades que enfrentam já que não tem a menor crítica so bre suas atitudes em relação a ele claramente despóticas e controladoras É claro que a paciente não tem consciência de todo esse processo Manifestamente está procurando alguém que a ajude nos problemas com o marido o que corresponde a determinado nível de seu desejo Em outro nível o desejo é não pensar Um dos guias importantes para o terapeuta é a irritação que suas queixas provocam apesar de o conteú do parecer plausível O terapeuta precisa realizar a tarefa inicial de conter não atuar esse sentimento para poder pensar sobre ele ou corre o risco de maltratar a paciente Qualquer tentativa de fazer com que pense sobre si mesma é de início rechaçada com a queixa de que o terapeuta está do lado do marido e duvidando do que ela conta É necessária uma outra via que jus tamente mostre como está assustada com a possibilidade de pensar no que está ocorrendo procurando portanto um aliado nas queixas alguém para lhe dar razão É importante que a paciente saiba que aco lhemos seu sofrimento mas que talvez ele não provenha da fonte que lhe parece mais provável A solução procurada não existe pois não poderemos mudar o marido e induzilo a corresponder às suas expectativas Muito tempo de trabalho foi necessário para que percebesse seu desejo de poder controlar de modo onipo tente a realidade e as pessoas como uma forma de se sentir protegida já que parecia não se sentir capaz de enfrentar o mundo sem tal recurso O foco inicial da psicoterapia foi amplo suas dificuldades conjugais Dentro desse foco foram neces sários níveis de abordagem diferentes começando pelo que parecia a resistência mais presente a dificul dade em aceitar que não poderia modificar tudo e todos que lhe causassem sofrimento Assim pôdese co nhecer aos poucos os anos que passou tentando das formas mais variadas e descabidas evitar que o pai psicótico tivesse surtos e a dor de reconhecer que não tinha esse poder Podia ajudar o pai não transfor málo em outra pessoa Da mesma forma foi ficando mais perceptível sua intensa desvalia e a fantasia de que o casamento com um homem de um nível socioeconômico mais alto que o seu a resgatasse dessa família profundamente desvalorizada por ela bem como a queixa de que ele como era de se esperar não cumpriu a missão e era apenas uma pessoa como qualquer outra com defeitos e qualidades Assim aos poucos foi se delineando um esboço de uma teoria que não era consciente para ela mas estava atuante sou uma pessoa sem valor e incapaz porque não consegui transformar meu pai e minha mãe em outras pessoas evitando toda a minha dor e decepção minha saída é que este homem o marido resolva essa angústia bastando para isso que eu consiga que ele me valorize de forma total irrestrita todo o tempo Essa formulação funciona como uma hipótese de trabalho que não pretende compreender integralmente o mundo psíquico da paciente Podemos perceber como o terapeuta de início correspondia a uma figura superegoica que lhe negaria o direito a essa solução a única que parecia possível O clima das sessões era preponderantemente para noide tenso e queixoso tendo como único assunto suas queixas do marido e do psicoterapeuta o qual su postamente não a apoiava A percepção via identificação projetiva dos sentimentos provocados pela pa ciente se contidos e compreendidos é essencial para que se estabeleça uma outra atmosfera e um outro modelo de aproximação de suas angústias Podemos considerar este o primeiro mecanismo de ação da psi Psicoterapia de orientação analítica 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS Se na psicoterapia assim como na análi se só conhecemos a abertura e o final na conhecida analogia de Freud com o jogo de xadrez podemos pensar que o méto do utilizado coloca em ação um processo cujo curso não pode ser determinado com precisão dependendo tanto de fatores in dividuais de paciente e terapeuta como das características da dupla que formarão Há sempre o desejo de que se possa encontrar uma teoria de ação geral mas é importan te que tenhamos em mente para futuros estudos que as particularidades de cada grupo de pacientes devem ser levadas em consideração De maneira geral percebese uma tendência de colocar mais peso nos fatores afetivos do que nos cognitivos apesar de essa ser uma contradição apenas aparen te O afetivo fornece a base para conhecer o que se passa com o paciente e conosco além do que podemos acessar pelos órgãos sensoriais ou pela razão além disso é o ti po especial de relacionamento que o setting psicoterápico procura criar com seu clima emocional específico tornando possível que o trabalho interpretativo o elemento cognitivo possa ter sentido não se limitan do ao fornecimento de alguma informação intelectualizada ao paciente A interpreta ção correspondendo a determinada orga nização de dados que o terapeuta formula veicula mensagens verbais e não verbais ambas essenciais já que os elementos não verbais formam a moldura dentro da qual as mensagens verbais podem ou não ser compreendidas Parte importante da ação terapêutica da psicoterapia de orientação psicanalítica se dá por meio do modelo de funcionamento mental que o terapeuta oferece um modelo de contenção das an gústias de abordagem reflexiva não críti Continuação coterapia a constituição de um setting neutro no qual a paciente pudesse neste caso muito lentamente sentirse menos assustada para examinar outros aspectos antes negados As interpretações se limitavam a mostrar como era difícil admitir que não tinha superpoderes como isso a fazia sentirse frágil procurando colocar em palavras o que estava latente em sua postura belicosa Ao conversarmos sobre as circunstâncias de sua vida o que foi se tornando possível após um longo pe ríodo a ideia não era recuperar memórias passadas mas aumentar sua capacidade de percepção de suas angústias atuais mostrandolhe como continuava tentando resolvêlas de forma mágica para evitar o so frimento Por exemplo era necessário conversar longamente sobre sua revolta caso chovesse nos dias em que ia para a praia a incapacidade de aceitar que não controlava o clima e passo seguinte mostrarlhe o pânico ao se imaginar no mundo sem esses poderes a clara fragilidade subjacente ao desejo onipotente de poder ter o controle absoluto sobre tudo Assim dentro do foco mais amplo foram se sucedendo focos par ciais visando a abordar a resistência mais presente no momento sempre procurando com as interpreta ções apontar outras formas de pensar sobre o que sentia O guia para determinar a pertinência de uma li nha interpretativa é dado pela percepção do clima que predomina no momento interpretações com conteú dos que podem ser considerados corretos mas feitas em um clima emocional inadequado não poderão ser assimiladas No início da psicoterapia seria inoperante mostrar por exemplo sua própria desvalorização projetada no marido apesar de esse mecanismo já estar perceptível desde o começo 126 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ca e não onipotente É sob essa influência que o passo seguinte se torna possível a expansão na capacidade do paciente de perceber sua realidade interna e externa revisando antigas teorias admitindo no vas formas de pensar suas experiências e abandonando em alguma medida modos de funcionamento mais primitivos mais onipotentes e portanto menos adequa dos PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de orientação psicanalítica coloca em ação um método de conhecimento do mundo psíquico do paciente 2 A relação estabelecida entre paciente e terapeuta é a base sobre a qual o trabalho psicoterápico se desenvolve e a possibilidade de mudança psíquica se apoia 3 A modalidade de relação pacienteterapeuta é definida pelo setting que tem como um de seus princi pais constituintes a atitude do terapeuta de neutralidade e continência das emoções além dos aspec tos formais 4 Na comunicação pacienteterapeuta atuam aspectos verbais e não verbais 5 A interpretação relacionada ao foco escolhido é o instrumento preferencial e apesar de ser uma verba lização também comunica aspectos não verbais 6 O acompanhamento dos fenômenos transferenciais é essencial mesmo quando as interpretações transferenciais não são priorizadas porque é o que determina o tipo de relacionamento que está se estabelecendo 7 A identificação projetiva é a via principal para a percepção do clima emocional da sessão captada pelos sentimentos contratransferenciais do terapeuta é o guia para a escolha da melhor forma de interpretar 8 O mais provável é que vários elementos entrem em cena na determinação dos modos de ação da psico terapia localizados dentro do espectro entre a ênfase no relacionamento e a ênfase no insight a for mação de cada terapeuta fará um ou outro fator ser priorizado As características de cada paciente também o fazem mais suscetível a um ou outro fator33 REFERÊNCIAS 1 Freud S Uma breve descrição da psicanáli se In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasilei ra Rio de Janeiro Imago 1976 v 19 2 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 3 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 4 Ferenczi S Transferência e introjeção In Ferenczi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1991 Obras completas 5 Klein M Una contribución a la psicogénesis de los estados maníacodepresivos In Klein M Contribuciones al psicoanálisis Buenos Aires PaidósHormé 1975 6 Klein M Amor cupla y reparación In Klein M Amor culpa y reparación Buenos Aires Paidós 1975 Obras completas v 1 p 135 72 7 Klein M Envidia y gratitud In Klein M En vidia y gratitud y otros ensayos Buenos Ai res Paidós 1975 Obras completas v 3 p 9100 Psicoterapia de orientação analítica 127 8 Klein M Las orígenes de la transferencia In Klein M Envidia y gratitud y otros ensayos Buenos Aires Paidós 1975 Obras comple tas v 3 p 26172 9 Strachey J The nature of therapeutic action of psychoanalysis Int J Psychoanal 1934 1512759 10 Racker H A contribution to the problem of countertransference Int J Psychoanal 195334431324 11 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 12 Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargie man 1969 13 Bion WR O aprender com a experiência Rio de Janeiro Imago 1991 14 Bion WR Elementos de psicanálise Rio de Janeiro Imago 1991 15 Bion WR Transformações Rio de Janeiro Imago 1991 16 Bion WR Atenção e interpretação o acesso científico a intuição em psicanálise e grupos Rio de Janeiro Imago 1991 17 Bion WR Bion em Nova Iorque e em São Paulo In Bion WR Conversando com Bion quatro discussões com W R Bion Bion em Nova Iorque e em São Paulo Rio de Janeiro Imago 1992 18 Ferro A Na sala de análise emoções relatos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 19 Pally R Emotional processing the mindbo dy connection Int J Psychoanal 199879Pt 234962 20 Stern D Mecanismos não interpretativos na terapia psicanalítica Algo mais além da in terpretação In Livro anual de psicanálise São Paulo Escuta 2000 v 14 p 197214 21 Fonagy P Memory and therapeutic action Int J Psychoanal 199980Pt 221523 22 Fonagy P Rejointer to Harold Blum Int J Psychoanal 20038435039 23 Blum HP Repression transference and re construction Int J Psychoanal 200384Pt 3497503discussion 50313 24 Cooper AM Concepts of therapeutic effecti veness in psychoanalysis a historical review Psychoanalytic Inquiry 198991425 25 Gabbard GO Westen D Repensando a ação terapêutica Rev Psiquiatr RS 2003252 25773 26 Eizirik C On the therapeutic action of psy choanalysis Psychoanal Q 200776 Suppl 146378 27 Ornstein P Multiple curative factors and processes in the psychoanalytic psychothe rapies In Rothstein A How does treatment help on the modes of therapeutic action of psychoanalytic psychoterapy Madison In ternational Universities c1988 p 10526 28 Bateson G Las categorías lógicas del apren dizaje y la comunicación In Bateson G Pa sos hacia una ecología de la mente Buenos Aires LohléLúmen 1998 p 30938 29 Caper R El psicoanálisis cura Una contri bución a la teoria da técnica psicoanalítica In Libro anual de psicoanálisis Sl sn 1992 v 8 p 6980 30 Heimann P Dynamics of transference inter pretations Int J Psychoanal 19563745 30310 31 Mezan R Interfaces da psicanálise São Pau lo Companhia das Letras 2002 32 Freud S Recordar repetir e elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 33 Modell A On the protection and safety of the therapeutic setting In Rothstein A How does treatment help on the modes of the rapeutic action of psychoanalytic psychote rapy Madison International Universities c1988 p 95104 34 Ahumada JL Descobertas e refutações a ló gica do método psicanalítico Rio de Janeiro Imago 1999 LEITURA SUGERIDA Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1975 v 23 A clínica psicanalítica e psicoterápica es truturouse desde suas origens sobre ba ses essencialmente empíricas A situação de tratamento constituiuse assim em um campo de observação e produção de conhe cimentos sobre a vida psíquica do paciente A suposição de um terapeuta isento capaz de observar de forma objetiva os proces sos mentais que ocorrem na mente de seu paciente consagrou o modelo positivista clássico23 adotado pela maioria dos que se dedicaram à prática da psicoterapia Nesse modelo a influência do clínico restringese ao uso da interpretação como forma de re velação de conteúdos até então inacessíveis à consciência do paciente No entanto a própria experiência clínica temse encarre gado de questionar essa proposta na medi da em que constata serem a neutralidade ou a receptividade passiva do terapeuta condições teóricas distantes das ocorrên cias reais vividas no consultório A proliferação de trabalhos sobre os fenômenos contratransferenciais dá teste munho desse fato O mais isento e sagaz dos terapeutas não poderia estar imune à reciprocidade dialética que se estabelece entre o sujeito e o objeto do conhecimento a qual tem merecido dedicada atenção dos teóricos que se ocupam desse tema4 Nos dias atuais há consenso quanto à impos sibilidade de uma observação de cunho psica nalítico caucionada pela soberana objetividade do terapeuta observador Sua inerente subjeti vidade impõese no ato de observação estrutu randose um campo intersubjetivo dinâmico no qual ambos os participantes não podem mais ser compreendidos separadamente O que quer que aconteça a um dos participantes necessa riamente produz efeito sobre o outro Barros e Barros3 reconhecem a im possibilidade de acolher a experiência do paciente sem que o terapeuta passe por uma experiência Essa experiência pessoal decorre também do acervo das vivên cias emocionais que vieram a compor seu mundo interno e que de alguma maneira se mobilizam no momento específico da quele encontro com o paciente Os autores citados indagam o que fazer com essas ex periências Ignorálas Considerálas fruto de idiossincrasias pessoais Considerá las fruto de manifestações neuróticas e assim descartálas Buscar enten dêlas como formas de comunicação que nos contam algo sobre o paciente e parte do contexto relacional vivido Como processálas Deveríamos nos 7 CAMPO E INTERSUBJETIVIDADE Paulo Henrique Favalli Psicoterapia de orientação analítica 129 tornar atentos observadores do que se passa em nosso mundo interno e ten tar colocar em palavras os sentimen tos despertados em nós pela presença do paciente3 Isso implica uma mudança de para digma visto que os referenciais técnicos construídos sob as bases de uma psicologia unipessoal cedem lugar ao pressuposto da ocorrência de um contexto bipessoal no qual o funcionamento mental do terapeuta é estruturado também pelo paciente e ao mesmo tempo estruturador deste último5 Essas constatações no entanto não surgiram de súbito à percepção dos clíni cos É necessário destacar que as transfor mações que a teoria do método psicanalíti co e psicoterápico por consequência têm suportado encontram correspondência com as evoluções do pensamento filosófi co sobre o conhecimento e a constituição do sujeito Uma revisão sobre esse tema foi recentemente apresentada por Schwartz2 Mesmo que se preservem as invariantes bá sicas na estrutura do método notase uma linha evolutiva nas diferentes abordagens sobre a situação terapêutica O que se pre tende neste capítulo é expor algumas ten dências dessa evolução as quais passaram a delinear os conceitos de campo e intersub jetividade Como não são ainda conceitos consagrados dentro do corpo teórico da psi canálise deparamonos com várias outras formas de nomear a mesma gama de fenô menos Abstenhome então de buscar uma definição fechada que apenas restringiria as diversas alternativas de reflexão sobre ocor rências que brotam diretamente do trabalho diário com pacientes Cumpre ressaltar mais uma vez que os pressupostos aqui referidos decorrem da experiência clínica da psicanálise Esta tem fornecido o lastro teórico sobre o qual se desenvolvem as técnicas psicoterápicas de orientação dinâmica Como nos situamos no âmbito dos fundamentos teóricos da psicoterapia é impossível ao longo do tex to estabelecer distinções do que se aplica a essa técnica ou à psicanálise stricto sensu Sou da opinião de que é o conhecimento amplo e profundo dos conceitos psicana líticos fundamentais que melhor habilita o clínico a fazer as adaptações exigidas para cada caso em tratamento AS ORIGENS Nos artigos de técnica em sua maioria es critos entre 1910 e 1915 Freud é explícito quanto à atitude do analista como obser vador neutro e distante de seu objeto de estudo a mente do analisando São reco mendações coerentes com os propósitos proferidos para a terapia e expressos na consagrada formulação tornar consciente o inconsciente preenchendo as lacunas de memória O descobrimento arqueológico dos conteúdos reprimidos da mente vi sando à reconstrução de uma suposta ver dade histórica exige uma postura livre de quaisquer interferências externas e princi palmente daquelas originadas na própria mente do pesquisador Assim colocada a tarefa analítica seria consumada com sim plicidade se não fossem as resistências in terpostas pelo paciente Foi na batalha contra os baluartes re sistenciais que Freud pôde reconhecer pela primeira vez que a atitude do paciente em relação a ele dentro da sessão não decor ria de qualquer elemento da realidade pois se enlaçava com o processo associativo obstruindoo no intuito de proteger ardua mente a lembrança retida no inconsciente Ele observou que as associações não eram tão livres como supunha pois tendiam a ser desviadas para a própria relação com o 130 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs analista buscando atuar com este o então chamado complexo patogênico reprimido Porém se a atuação implica resistência ao método pois o paciente repete para não lembrar ela também é reveladora já que situa o terapeuta como verdadeiro prota gonista da cena inconsciente que ele tenta descobrir Configuramse aí alguns para doxos pois a resistência mais poderosa ao tratamento é também um poderoso instrumento do método já que não se po de vencer um inimigo ausente ou fora do alcance Sob outro enfoque ao revelar o in consciente a transferência induz a novas resistências pois é particularmente difícil admitir um impulso reprimido se ele tem que ser revelado diante da própria pessoa com quem se relaciona Essas observações de Freud definem a fragilidade de sua pro posta inicial de um analistaobservador neutro visto que sua simples presença in terfere no campo observado Surge mais uma vez a problemática da sugestão e foi para contraporse a ela que Freud agregou a seu método as conhecidas recomenda ções técnicas No entanto a tentativa de criar um analista isento purificado em seu funcionamento mental revelase in viável Assim a análise até então ocupa da com o campo intrapsíquico voltase forçosamente para o estudo do contexto relacional como via possível de acesso ao mundo interno Penso que o momento no qual Freud melhor apreende aquilo que mais tarde viria a consti tuir o conceito de campo está na proposição de que a comunicação entre o paciente e seu te rapeuta possa ocorrer de inconsciente para in consciente Essa parece ser uma noção aceita com facilidade por qualquer um que tenha fei to a experiência de atender pacientes no âmbito psicoterápico O que não encontramos em Freud é a definição dos mecanismos psíquicos que re gem essa comunicação Tal definição será um marco decisivo no entendimento da situação de tratamento e originase da expansão ocorrida na psicanálise com o advento da teoria das re lações de objeto OS DESENVOLVIMENTOS A tentativa de expor uma história natural do tema que estou abordando passa neces sariamente pelas contribuições de Melanie Klein Se para Freud a transferência surge na análise como poderosa resistência mas convertese em um valioso instrumento da cura para Klein esse status ampliase de forma radical Da condição de simples auxiliar no processo analítico a abordagem da transferência passa a confundirse com a essência desse processo A ideia básica é a de que a relação permeia a totalidade da vida mental do paciente atraindo sobre si o foco do trabalho da análise Isso significa que devemos buscar compreender o que a análise está representando inconsciente mente para o analisando a cada momento específico67 Essa posição baseouse em um mo delo teórico divergente daquele exposto por Freud visto que parte da ideia de que o conteúdo transferido não se restringe apenas a eventos ou personagens pretéritos que são reeditados na relação atual com o terapeuta O modelo kleiniano decorre de uma noção de mundo interno como um espaço ou cenário onde se relacionam personagens objetos construídos e coloridos pelos contínuos processos de introjeção e projeção presentes desde o início da vida Transferência portanto é a reprodução na situação de tratamento das relações mantidas entre os objetos consti tuintes do mundo interno Psicoterapia de orientação analítica 131 Do ponto de vista metapsicológico podese dizer que o destaque dado até então ao mecanismo de repressão cede es paço aos processos projetivos O conceito de identificação projetiva introduzido em 1946 amplia a percepção sobre os proces sos mentais que agem na relação terapêu tica Isso no entanto não foi intuído dire tamente por Klein e sim por aqueles que seguiram seu pensamento Ao perceber a ação da identificação projetiva no material de algum paciente ela interpretava sem pre como uma ocorrência restrita à mente deste nenhuma menção era feita aos sen timentos despertados no próprio terapeu ta8 Paradoxalmente a conceitualização da identificação projetiva revela os fenôme nos intersubjetivos à psicanálise como um novo e vasto campo de sua investigação Ocorre assim uma importante transfor mação no entendimento da cena analítica voltandose as atenções para o estudo da contratransferência É consenso que o marco dessa trans formação foi o trabalho publicado por Paula Heimann em 1950 sob o título On Countertransference9 A partir daí a mente do analista passa a compor junto com a do paciente os objetos da observação Essa au tora desfaz a ideia de um analista impassível e emocionalmente imune às manifestações do paciente Ela considera que sob o termo contratransferência reúnemse todos os sentimentos que o analista vivencia em relação a seu paciente os quais devem ser vistos como uma criação deste último uma parte de sua personalidade Heimann fun da a chamada concepção totalística da con tratransferência Sua posição é coerente pois ela se mantém fiel ao postulado freu diano de neutralidade visto que o analista mesmo reconhecendo os sentimentos que lhe são provocados deve subordinálos à tarefa analítica na qual será sempre o reflexo do paciente em um espelho9 Simultâneos ao trabalho de Heimann e igualmente inovadores foram os estudos desenvolvidos por Heinrich Racker sobre a contratransferência1011 Ele unifica em definitivo o binômio transferênciacontra transferência pois define a função ativa da mente do analista na criação do contexto relacional Este fora sempre pensado in clusive por Heimann como uma ação cen trífuga isto é o paciente é quem transfere é quem projeta mesmo que sua projeção desencadeie um movimento contra den tro do analista é ainda o paciente o sujeito dessa reação Racker por sua vez é inequí voco ao afirmar que apesar de sua própria experiência de tratamento o analista não está livre de seus conflitos inconscientes parte de sua libido ficou ligada na fanta sia aos objetos introjetados e portan to continua disposta a ser transferida10 Assim postula que a transferência pode ser encarada como uma função das trans ferências do enfermo e das contratransfe rências do analista10 Defende que com frequência se mis turam no paciente projeção e verdadeira percepção Esta última detecta seja no tom de voz seja na formulação da interpreta ção o estado emocional do analista o que sem dúvida interfere na expressão trans ferencial Constituise dessa forma uma verdadeira neurose interpessoal la névrose à deux que costuma surgir na situação analítica embora em geral com dife rente intensidade em um e outro dos dois participantes11 Portanto ao reconhecer que determi nada expressão transferencial incita uma reação contratransferencial específica Ra cker não deixa de referir que esse é sempre um movimento de dois sentidos ou seja uma situação transferencial também cor responde a determinado contexto contra 132 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs transferencial Dessa forma lança as bases do que mais tarde viria a se conceituar co mo o campo psicanalítico ainda que não o tenha nomeado de forma explícita Outros autores também se ocuparam das possíveis alterações surgidas no campo por interferência da patologia contratran ferencial Entre eles despertam especial interesse os trabalhos de MoneyKyrle e Grinberg principalmente por sua tentativa de elucidar ocorrências perturbadoras da situação de tratamento observando o fun cionamento interpessoal à luz de conceitos que até então se restringiam ao âmbito in trapsíquico ou de forma mais específica o conceito de identificação projetiva MoneyKyrle12 toma como ponto de partida o que os recíprocos processos de identificação projetiva e introjetiva po dem causar no funcionamento mental de cada um dos componentes da dupla Esses processos até aí abordados apenas em sua expressão patológica agem igualmente sobre o que o autor chama de contratrans ferência normal A capacidade do terapeuta de estar identificado introjetivamente com o paciente permite sentilo e compreendê lo dentro de si e por consequência repro jetálo sob forma de interpretação O pro cesso se perturba quando o self do paciente ou seus objetos internos correspondem de forma demasiado próxima a algum aspec to do terapeuta que este ainda não alcan çou compreender envolvendoos em um contexto de não entendimento e confusão propício a gerar desvios no andamento da terapia León Grinberg em uma série de tra balhos correlatos1316 ocupase com uma reação específica provocada no analista quando este se situa como receptor passi vo da projeção maciça que o paciente faz de seus próprios objetos internos Nessa ocorrência que ele denomina contraiden tificação projetiva o analista se vê leva do a desempenhar o papel que de forma ativa ainda que inconscientemente o analisando forçou para dentro dele A pro posição de Grinberg e a própria concep ção totalística de contratransferência tem recebido críticas de alguns autores como Etchegoyen17 quando afirma que por mais forte que seja a proje ção do paciente o analista não tem que sucumbir necessariamente a ela se sucumbe é porque há algo nele que não lhe permite receber o processo e desenvolvêlo O mesmo pondera Stefania T Man fredi18 quando argumenta que tais ideias sugerem ser apenas o paciente ativo en quanto o analista é apenas um alvo Diz ela que embora a contratransferência tenhase tornado um instrumento não deixou de ser um inconveniente e como tal deve ser estudado em seu continente natural que é a mente do analista antes de passar à inter pretação De qualquer forma os desenvolvimentos sobre a contratransferência revelamse de muita uti lidade na prática clínica pois advertem sobre a necessidade de o terapeuta manterse aler ta àquilo que pode por algum momento lhe soar como estranho Unheimliche em sua rea ção afetiva ou conduta Esse estranho pode es tar indicando um contexto acionado pela força das intensas fantasias do paciente mas que em última instância remetem o terapeuta ao estranho dentro de si seu próprio inconsciente Um aporte decisivo para a compreen são dos eventos da situação terapêutica foi determinado pelo pensamento criativo de Wilfred Bion Ainda que não se tenha ocu pado especificamente com trabalhos sobre a técnica ele propõe uma ruptura com o modelo clássico de observação psicanalíti Psicoterapia de orientação analítica 133 ca O analista entra em cena não mais co mo um mero observador e tradutor da vida mental do paciente mas contribui com sua própria vida mental para as ocorrências dentro da sessão sendo um dos fatores constituintes das transformações que ali se operam A intersubjetividade não é perce bida apenas como inevitável impõese co mo única via possível de aproximação com a realidade psíquica esta última perde a condição de factualidade tangível saturada de nexos de causalidade para configurarse como uma construção possível que só tem significado na relação emocional única entre analista e analisando A meu ver a ruptura trazida pelo modelo bioniano tem como fundamento central a ideia condensada na afirmação de Bertolone retirada do texto de Gaburri e Ferro19 A mente é alguma coisa que se estende além dos limites do sujeito A experiência de análise de psicóticos permitiu a Bion realizar uma reviravolta no modo de entender a identificação projetiva valorizando sua função comunicativa Isso nos é apresentado de maneira arguta no artigo Sobre a arrogância20 por meio de um relato clínico em que a percepção do contexto de campo bipessoal permite ao analista a compreensão do impasse em que estava envolvido juntamente com seu paciente Ele descreve uma experiência de incomunicabilidade e não entendimento O estabelecimento de um forte rela cionamento analítico por meio da co municação verbal parecia assim im praticável Analista e paciente forma vam um par frustrado20 A capacidade do paciente de associar se com o analista assentavase na opor tunidade de cindir e afastar partes de sua psique projetandoas dentro deste A in tolerância do analista em ser receptáculo de tais projeções era vivida pelo enfermo como ataques deferidos contra essa espé cie extremamente primitiva de elo entre paciente e analista Bion conclui sobre a possibilidade de um uso normal de iden tificação projetiva o qual será o alicerce de toda a sua teoria sobre o processo de pensar e por consequência sobre as ocorrências dentro da situação analítica No artigo seguinte Ataques ao elo de ligação21 essas propostas surgem mais ex plícitas e sistematizadas enfocando a im portância da mãe real e portando da ati tude objetiva do analista como promotora de equilíbrio ou de catástrofe psíquica Fi xase aí a necessidade de uma relação com outra mente como base da formação do pensamento como produto da união entre partes da mente ou entre dois objetos Tendo concebido uma dimensão funcional da identificação projetiva como meio para a comu nicação de determinado estado mental Bion parte para a elaboração do arcabouço de sua teoria do processo de pensar ou seja o apare lho para pensar os pensamentos2224 Este se constrói sobre o modelo de uma relação dinâmi ca entre algo que é projetado contido e um receptáculo que o contém continente Essa relação é representada pelo símbolo e nela se sustentam os fundamentos de uma clí nica bioniana Como já referido essa dimensão clínica do pensamento de Bion significou uma considerá vel mudança na maneira de entender a função do analista na sessão ele participa vivencia e descreve a experiência emocional mas não pode mais pretender ser o tradutor isento fiel e literal do inconsciente do paciente Autores mais atuais desenvolveram tais ideias ocupandose sobretudo dos fenômenos presentes na estrutura forma da pelo par analítico como abordaremos mais adiante Antes porém se impõe uma breve explanação sobre o momento em que o conceito de campo passa a tomar forma 134 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs entre as abordagens teóricas que tratam da relação analítica CAMPO PSICANALÍTICO UMA EXPOSIÇÃO DO CONCEITO Coube ao casal Madeleine e Willy Baran ger em 1961 traçar as linhas mestras de um fenômeno que nomearam como cam po psicanalítico Partem dos pressupos tos desenvolvidos por Heimann e Racker sobre a contratransferência mas não se restringem à sua função de indicador das ocorrências transferenciais Referindose a um fenômeno que transcende as manifes tações específicas da mente do paciente ou do analista esses autores descrevem uma situação de duas pessoas indefec tivelmente ligadas e complementa res enquanto está durando a situação e envolucradas num mesmo proces so dinâmico Nenhum membro dessa dupla é inteligível dentro da situação sem o outro25 Esse conceito pode ser mais bem apre endido se o enfocamos a partir de suas ca racterísticas estruturais pois assim ele é des crito O campo é uma estrutura diferente da soma de seus componentes como uma melodia é diferente da soma das notas26 Assim o campo se estrutura primeiramen te dentro de um enquadre funcional As dimensões de espaço e tempo delimitam esse enquadre relativizando e sendo relati vizadas pelos demais elementos que o cons tituem Dentro dessa moldura de espaço e tempo desenhase o diálogo analítico como outro elemento estrutural básico Englo bamse aí as diferentes expectativas de um par assimétrico os papéis e as tarefas de cada um as experiências subjetivas individuais e as manifestações dessa subjetividade no di álogo As características específicas desse diálogo associação livre e atenção flutuan te bem como as condições em que se de senvolve setting abstinência interpretação entre outras induzem à regressão em am bos os participantes Para o analisando ela é permitida e necessária ainda que sujeita aos limites da expressão verbal Para o ana lista pode significar uma tentativa de sentir o mais próximo possível o nível de funciona mento do analisando desde que deixe intacto o aspecto observador de seu ego mantendo inalterada sua postura interpretativa Des crevendo dessa forma a situação analítica os Baranger consideramna radicalmente nova e distinta de qualquer outro campo bipessoal Essa posição nos leva a retomar a questão da transferência entendida como reedição de um protótipo infantil passível de manifestarse dentro ou fora da análise Mais uma vez revelamse os limites dessa concepção já que a transferência na análise é específica na medida em que se produz a partir dos diversos elementos participan tes do campo Se as dimensões de espaço e tempo e ainda as próprias características do diálogo vão talhar o caráter da reação transferencial o que dizer então da in terferência da própria pessoa do analista e principalmente de sua subjetividade Isso nos remete ao elemento central na constituição do campo que é a estrutura di nâmica que subjaz ao diálogo analítico em outras palavras a fantasia inconsciente do par Utilizando ainda a analogia proposta para representar a situação analítica como um quadro com sua moldura definida pelas condições de espaço e tempo e seu desenho delineado pelas características do diálogo analítico temos que pensálo como em um constante movimento em terceira dimensão O que importa com a utilização desse modelo é avançar além das descrições pla nas de transferência e contratransferência como fenômenos próprios às mentes de cada um dos participantes e ir em busca de Psicoterapia de orientação analítica 135 seu ponto de confluência onde passam a formar uma nova estrutura distinta dessas descrições isoladas O que propõem os Baranger ao introduzir o conceito de campo é formar uma compreensão mais ampla e profunda da proposição deixa da em aberto por Freud de uma comunicação de inconsciente para inconsciente A condição necessária a essa comunicação é a existência de uma fantasia inconsciente do par que nes se caso adquire um sentido diferente do que se atribui correntemente quando proposto em ter mos unipessoais Tal fantasia não pode ser considerada como determinada pelos impulsos instinti vos do analisando ou do analista ainda que os impulsos de ambos intervenham em sua estruturação Tampouco e isso é o mais importan te pode ser considerada como a soma das duas situações internas É algo que se cria entre ambos dentro da unidade que constituem no momento da ses são algo radicalmente distinto do que são separadamente cada um deles25 Tudo o que foi exposto até agora per maneceria em um plano meramente des critivo se os autores referidos não se propu sessem a entender a natureza dessa fantasia de par ou a responder à questão que eles mesmos formulam quais processos inter vêm em sua produção Para isso baseiam se no conceito de identificação projetiva reconhecendo sua ação centrífuga e centrí peta isto é como um movimento não ape nas da mente do analisando mas também da mente do analista Explicam a fantasia inconsciente do campo bipessoal como o interjogo de identificações projetivas e in trojetivas com seu necessário corolário de contraidentificações Como é sugerido que ambos os prota gonistas concorrem na ativação desses me canismos é necessário retomar a questão da simetriaassimetria da situação analítica ou em outras palavras determinar quais as características específicas do engajamento de cada um dos protagonistas nessa situa ção Nos trabalhos de 1961 e 19642527 os Baranger não se estendem nesse ponto Re ferem apenas que a análise se diferencia de qualquer outra situação de par pois aqui a identificação projetiva deve ser limitada e controlada no analista preconizam ainda que ele a utilize em pequenas doses como uma sondagem experimental Restabele cem assim a assimetria no interjogo de identificações projetivas pois mencionam sua utilização limitada pelo analista Essa formulação no entanto nos leva a indagar como um processo que em sua essência é inconsciente pode ser dosado ou con trolado Caso fosse possível utilizar a identificação projetiva dessa maneira isso seria somente um procedimento intelectual distante da genuína experiência emocional que qualifica a situação de campo analítico Com a concepção de um campo bi pessoal mudam também as perspectivas de avaliação do andamento do processo terapêutico Sugerese que essa avaliação se volte para o plano situacional ou rela cional buscando identificar momentos de mobilidade ou de cristalização do campo O contínuo interjogo das identificações projetivas pode produzir estereotipias e pa ralisações do processo envolvendo ambos os participantes Tais circunstâncias deno minadas por esses autores como baluar tes só poderão ser superadas se o analista for capaz de observarse junto com seu analisando como participante da fantasia imobilizadora e a partir dessa segunda mirada formular sua interpretação Ainda que posteriormente tenham reformulado sua teoria sobre o papel das 136 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs identificações projetivas recíprocas e cru zadas na constituição do campo analíti co28 penso que essa contribuição do casal Baranger retém sua validade em especial se agregada à sugestão de Bion sobre a ocor rência de um grau normal de identificação projetiva como mediadora de uma comu nicação primitiva ALGUMAS VERSÕES CONTEMPORÂNEAS Sustentado em um modelo de trabalho que nasce de um encontro fecundo entre as conceitualizações de Bion e dos Baranger Antonino Ferro desponta com uma série de trabalhos que nos convidam a uma re flexão profunda sobre aquilo que ocorre na sala de análise Em todos os escritos revisa dos para este capítulo52938 o autor deixa clara sua filiação a um conceito de campo bipessoal no qual somente é pos sível co nhecer a fantasia inconsciente da dupla es truturada por contribuições da vida mental de paciente e analista mediatizada pelas recíprocas identificações projetivas A premissa de que a identificação projetiva não é apenas a fantasia onipotente de um indiví duo mas algo que se dá entre duas pessoas é levada por Ferro às suas últimas consequên cias sustentando que analista e paciente com partilham com toda a intensidade as emoções e os temores surgidos na sessão É central a ideia de que o encontro analítico deva consti tuirse em um espaço gerador de uma experi ência emocional da dupla privativa e irrepetí vel que ao adquirir um significado mútuo se transforma em uma nova história cuja narrati va é sempre composta a quatro mãos O trabalho da análise e do analista será de integrar essas áreas do tecido comunica tivo do par para que possam paciente e analista alcançar uma visão comum sobre o que sucede na profundidade de seu fun cionamento interpessoal Somente neste momento é possível a discriminação e redistribuição do que haviase confundido pelo cruzamen to das identificações projetivas e cada membro da dupla pode individualizar melhor seus aspectos interiores ativa dos na relação com o outro37 Ferro segue adiante buscando dar uma forma mais definida a seu modelo de campo Para isso lança mão de referenciais da narratologia dispondo o material sur gido na sessão como personagens Estes não precisam ser necessariamente antro pomórficos podendo além de pessoas constituirse por objetos ou situações que formam os nós de uma rede narrativa in terpessoal Os personagens são escritos na sessão por diversas vias comunicativas as associações de ideias as lembranças in fantis o desenho o jogo as fantasias os sonhos e assim por diante Ainda que de acordo com um referencial kleiniano possam estar representando os objetos do mundo interno do paciente ou com Freud significar uma rede de relações his tóricas pelo vértice proposto por Ferro tais personagens dramatizam as inúmeras possibilidades de histórias que expressam sempre o que no momento atual se passa entre as duas mentes da relação analítica Há também a já referida imagem visual de holografia afetiva ilusão ótica que permite uma sucessiva reconstrução tridimensional de um mesmo objeto como forma de representar os inúmeros mun dos possíveis pensáveis pela dupla33 Mas se os personagens da sessão fa lam sempre do presente que lugar ocupa a história na qualidade de ordenação no tempo dos eventos psíquicos A resposta Psicoterapia de orientação analítica 137 de Ferro a essa questão distingueo radi calmente do que ele chama de psicanálise monopessoal isto é aquela feita de re construções que se montam a partir de um processo de investigação e desvendamento de um enigma Entende que os desloca mentos temporais veiculados pela evo cação de lembranças buscam datar os fatos mentais e emocionais assim como as cisões atendem às necessidades de situálos no espaço São sistemas de proteção que devem ser respeitados como testemunhos do universo afetivo individual do paciente Porém afirma seguindo Bion que existem somente sentimentos do presente e que só estes é possível conhecer529 Há portanto uma outra história a ser conhecida que é aquela que está sendo construída em con junto e que se forma por lembranças de experiências nunca antes acontecidas experiências essas compostas por novos personagens que se estruturam no aqui e agora e que depois se tornam novos ha bitantes do mundo interno ou da histó ria33 Esses personagens transcendem a referência temporal e são entendidos como modalidades expressivas do que acontece no campo o qual necessita de nós narrati vos para tornarse narrável39 A ênfase de Ferro sobre a especifici dade da experiência atual levao a sugerir que o funcionamento mental da dupla analítica se desenvolve com base em dois diferentes regimes fundamentais alter nativos2937 O primeiro é o que tradicio nalmente denominamos transferência e a contratransferência como seu comple mento seja ela entendida como repetição do passado seja como externalização do mundo interno O outro desses regimes denominado relação é o que se consti tui pela experiência intersubjetiva inédita cuja representação simbólica será sempre construída de forma consensual A trans ferência ou as transferências do paciente e do analista tendem a utilizar vias subter râneas para integraremse à atualidade do funcionamento do par e o que de fato se observa é um constante movimento oscila tório entre esses dois regimes representado pelos símbolos TR por analogia à osci lação descrita por Bion PSD Assim disposta essa tese suscita al guns questionamentos pois pressupõe um nível de interação entre analista e analisan do regido exclusivamente pelo menos em termos de abstração teórica pela atualida de da experiência emocional gerada no en contro analítico A transferência atua como uma intrusa que provoca repetição estereo tipada e a estagnação do campo obstruin do a fertilidade criativa do par ou a possibi lidade de novas experiências afetivas que tornam transitáveis e pensáveis no encon tro com outra mente emoções nunca antes convividas38 É claro que ele próprio se antecipa a essa crítica afirmando que o ângulo de autorreferencialidade do campo não pode ser visto o tempo todo como único pois nesse caso te ríamos uma situação que se enrosca ria esterilmente sobre si mesma29 Entretanto afirma mais adiante no mesmo texto que quando observado do ângulo que considera entre todos o mais significativo o par analítico fala apenas e sempre de si mesmo e do funcionamento recíproco A evidência de um modelo de trabalho que privilegia o polo R da oscila ção sugerida TR transparece na leitura de seus textos geralmente ricos em vinhe tas clínicas Isso se manifesta sobretudo em dois fundamentos básicos de seu pen samento o paciente como melhor colega e as interpretações narrativas A ideia de que o paciente sabe mais sobre como é sentirse igual a ele do que qualquer analista pode saber foi exposta por Bion nas Discussões realizadas em Nova 138 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs York no ano de 197740 A sugestão de que este será sempre o melhor colega com quem poderemos contar para entendermos os acontecimentos de dentro da sala da análise é adotada por Ferro como um dos carroschefes de seu sistema Ele propõe que se mantenha uma constante função de monitoramento das transformações por que passam as figuras trazidas pelo pacien te à sessão Essa abordagem dá condições ao ana lista de verse a si próprio bem como ao paciente a partir do ponto onde ele está situado O paciente nos rela ta constantemente como somos para ele a partir de ângulos totalmente des conhecidos para nós ao mesmo tem po porém é preciso que reconheça mos que ele nos coloca na posição de permitir que seu problema entre em campo exatamente por meio de nós29 Essa aproximação mostrase de extre ma utilidade clínica pois conduz o analista a uma sistemática avaliação de si mesmo e de seu trabalho evitando assim a tendên cia a atribuir sempre à fantasia inconscien te do analisando ou às suas identificações projetivas as ocorrências surgidas no cam po de análise No entanto alguns relatos de Ferro parecem negligenciar aquilo que é próprio ao paciente a sua realidade psí quica Há o risco de darmos a esse melhor colega o lugar do observador neutro ca paz de captar e descrever com precisão a realidade do que sucede ao par analíti co É preciso não esquecer que ainda que as manifestações do paciente sejam o guia que deve nos orientar na busca do entendi mento daquilo que acontece na sessão es sa realidade que ele descreve surgenos inevitavelmente transformada pelo filtro de sua própria mente Assim o melhor colega é também aquele que resiste ardua mente ao trabalho da análise utilizando meios defensivos sutis para evitar a dor de confrontarse com a realidade interna e ex terna e sobretudo tenta sempre pela repe tição transferencial alterar o caráter desta última Se não funcionasse assim não seria paciente e o processo analítico se tornaria inviável As ideias de Ferro sobre o campo analítico levam a uma original consequên cia quanto à técnica interpretativa É nes se âmbito que mais se evidenciam as pe culiaridades desse autor pois ele propõe um rompimento com a forma tradicional de interpretar ou com o que ele costuma chamar de interpretações fortes Nestas o analista colocase em um papel de intér pretedecodificador que enuncia de ma neira assertiva o conteúdo das fantasias inconscientes subjacentes às expressões do paciente buscando principalmente nelas o seu significado transferencial A elas con trapõe um tipo de interpretação que não menciona necessariamente a transferên cia ainda que encerre o mesmo conteúdo A ideia é vestir as interpretações com as palavras e as personificações derivadas do discurso do paciente sem referências explí citas ao hic et nunc da sessão tendo o cuida do de moldálas em uma textura narrativa compartilhada Estas são chamadas de in terpretações fracas por seu conteúdo in saturado isto é que permite configurações de sentido ainda muito incipientes abertas para ulteriores contribuições do paciente Tratase mais de construir um significado junto com o analisando do que de traduzir um significado já existente Além de considerar as premissas de Bion sobre a saturação dos enunciados é útil para se entenderem as propostas de Ferro sobre a interpretação ter conheci mento da teoria narratológica em que ele as sustenta34 Dos vários autores citados o que mais diretamente fixa as bases desse sistema hermenêutico é Umberto Eco em Psicoterapia de orientação analítica 139 sua Obra aberta Esse autor analisa a obra de arte seja literária seja plástica ou mu sical como um sistema de signos infinita mente traduzíveis Toda obra de arte mes mo quando é forma acabada e fechada na sua perfeição de organismo calibrado com exatidão é aberta pelo menos quanto a po der ser interpretada de diferentes modos sem que sua irredutível singularidade seja por isso alterada41 Há textos com uma inesgotável possibilidade interpretativa em cuja construção irá contribuir o leitor executante A transposição desses princípios para a situação analítica expande o campo de vi são do analista livrandoo dos limites que a couraça de um referencial teórico fechado possa representar No entanto há sempre o conhecido risco de tomarmos o paciente co mo um texto literário abstraindoo de sua condição de ser singular cujo sofrimento se vincula a experiências específicas intransfe ríveis e que necessariamente se inserem no contexto histórico próprio daquela pessoa Sob outro enfoque indagome se o uso sis temático de interpretações não saturadas não favorece o incremento de ansiedades confusionais visto que evitam as necessárias cisões normais que permitem diferenciar e situar os objetos ou aspectos destes para que possam depois ser integrados42 Apesar de sua originalidade propi ciadora de novos desenvolvimentos o con ceito de campo não foi subscrito por mui tos dos autores que tratam do tema da in tersubjetividade O estudo dos fenômenos referentes à situação terapêutica deu ensejo a outras abordagens teóricas igualmente fecundas Entre elas destaco as proposi ções de Thomas Ogden Sua originalidade e independência não escondem a marca da influên cia de Klein Bion e Winnicott Somase a isso uma forma de pensar siste maticamente moldada pelos princípios da dialética hegeliana como se denota em seus inúmeros escritos4357 A dialética como o próprio Ogden45 sintetiza é um processo em que elemen tos opostos se criam preservam e ne gam um ao outro cada um em rela ção dinâmica e sempre mutativa com o outro O movimento dialético ten de para integrações que nunca se rea lizam por completo Cada integra ção potencial cria uma nova forma de oposição caracterizada por sua pró pria forma distinta de tensão dialéti ca Aquilo que é gerado dialeticamen te está continuamente em movimen to perpetuamente em processo de ser criado e negado de ser descentrado da autoevidência estática O sujeito da psicanálise constituise integra se em uma síntese ou se descentra polari zando os opostos de modo contínuo seja em termos de sua abordagem metapsicológica conscienteinconsciente posição esquizopara noideposição depressiva realidadefantasia unicidadeseparação seja como sujeito parti cipante de um encontro específico com o outro compondo o que conhecemos por situação ana lítica Os sujeitos da situação analítica man têm uma relação dialética entre si de maneira que analista e analisando não podem ser pen sados como entidades separadas que tomam um ao outro como objetos Ogden não se refere a um campo onde se processam os fenômenos bipessoais mas à geração de um terceiro sujei to que passa a interagir dialeticamente com os participantes da dupla A concepção de intersubjetividade analítica apresentada por esse autor funda mentase a princípio nas ideias de Win nicott Foi Donald Winnicott5859 quem apontou para o fato de o desenvolvimento emocional do indivíduo não se processar em um ambiente neutro Apesar da renún cia de Freud60 à teoria da sedução é neces sário reconhecer que o bom ou o mau am 140 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs biente de um bebê em formação não pode ser considerado apenas como projeção Cabe lembrar a conhecida afirmação de Winnicott de que um bebê é algo que não existe separado dos cuidados maternos Mãebebê constitui uma unidade que con tém em si uma contínua tensão dinâmica entre as entidades mãe e bebê efetivamente possuidores de existência física e psicologi camente separados Outro conceito de Winnicott que contribui para essa abordagem da inter subjetividade é o de espaço potencial43 Tal expressão referese à área intermediária da experiência que se situa entre a realida de e a fantasia um espaço hipotético que ao mesmo tempo reúne e separa a criança sujeito e a mãe objeto É nesse espaço que surge a atividade imaginativa e se for mam os símbolos Formas mais específicas do espaço potencial incluem o espaço do brincar a área dos objetos e fenômenos transicionais a área da criatividade e da experiência cultural e ainda o espaço ana lítico Neste último os polos opostos que compõem a experiência são as respectivas subjetividades de paciente e analista po tencialmente geradoras de um terceiro su jeito o terceiroanalítico intersubjetivo Ogden parafraseia Winnicott afirmando que em um contexto analítico um analisando é algo que não existe separado da relação com o analista e um analista é algo que não existe separado da relação com o analisando47 Como criadores do terceiro analítico analista e analisando destroemse e recriam se mutuamente mantendo uma constante tensão dialética entre esse terceiro elemento e as individualidades de cada um dos com ponentes da dupla A oscilação entre subje tividades e intersubjetividade possibilita ao terceiro analítico embora criado conjunta mente não ser vivenciado da mesma for ma por ambos os participantes mas que se constitua na assimetria do setting analítico que é fortemente definido pela relação entre os papéis de analista e analisando O analista deve portanto observar o desmantelamen to de seus limites individuais de maneira que possa pensar a partir da experiência in consciente do terceiro intersubjetivo e ao mesmo tempo pensar sobre ele desde uma posição de analista fora dele A experiência do analista no e do ter ceiro analítico é primariamente uti lizada como veículo para a compreen são das experiências conscientes e in conscientes do analisando analista e analisando não estão envolvidos em um processo democrático de análise mútua47 A tarefa analítica pois será descre ver da maneira mais completa possível a natureza da experiência vivenciada na re lação entre a subjetividade individual e o terceiro analítico Para que essa descrição seja possível deve valerse daqueles objetos construídos no interjogo de comunicações da dupla e que dão significado à experiên cia Ogden nomeiaos objetos analíticos conforme a exposição feita por Green61 o real objeto analítico não está nem do lado do paciente nem do ana lista mas no encontro dessas duas co municações no es paço potencial que situase entre eles Assim como fazem os Baranger e Fer ro Ogden também aborda os eventos do campo interpessoal sob o prisma da iden tificação projetiva Adota esse conceito na acepção que lhe é dada a partir de Bion e Rosenfeld e o considera como uma dimen são de toda intersubjetividade às vezes como qualidade predominante da expe Psicoterapia de orientação analítica 141 riência às vezes como um sutil pano de fundo49 Entretanto cria certo paradoxo quanto a esse caráter universal da iden tificação projetiva pois também a entende como uma forma específica de terceiridade analítica50 Essa especificidade está no fato de que tanto o sujeito que projeta quanto o que recebe a identificação projetiva se trans formam negando mutuamente suas sub jetividades individuais permitindo desse modo serem subjugados por um terceiro sujeito o sujeito da identificação projetiva O resultado disso pode ser um colapso par cial do movimento dialético da subjetivida de e da intersubjetividade O autor sugere que para ocorrer crescimento psicológi co deve haver uma superação do terceiro subju gador e o estabelecimento de uma dialética nova e mais geradora de unicida de e dualidade similaridade e diferença subje tividade individual e intersubjetivida de Um processo analítico bemsucedido pressupõe essa superação e uma reapro priação das subjetividades do analista e do analisando como indivíduos separados ainda que interdependentes4950 A maneira peculiar como Ogden en foca o processo analítico que tentei expor em linhas gerais também traz consigo implicações quanto à forma de perceber a questão da história passada do paciente na sessão analítica As associações que bro tam no diálogo não são escutadas como uma via de recuperação de uma memória recalcada mas como a criação de uma ex periência que até então não existira sob tal forma49 Segundo ele o analista não vivencia o passa do do analisando vivencia sua pró pria criação do passado do analisan do gerada na sua vivência do tercei ro analítico50 O passado portanto surge como uma construção inédita daquele par analí tico em particular Esse enfoque aproxima se das ideias de Ferro sobre o mesmo te ma quando refere que há uma história que está sendo construída em conjunto e que se forma por lembranças de experiências nunca antes acontecidas33 Por fim cabe destacar a importân cia dada por Ogden ao funcionamento da mente do analista durante a sessão Ele su gere que o sentido da experiência incons ciente do terceiro analítico só pode ser captado de forma indireta mediante uma condição análoga ao estado de rêverie des crito por Bion Essa condição requer uma valorização de todas as nuanças e detalhes dos eventos da hora analítica incluindo aí os pensamentos mais mundanos do analis ta fantasias sentimentos ruminações de vaneios sensações corporais os quais pare cem totalmente desconectados daquilo que o paciente está dizendo ou fazendo naquele momento Os pensamentos e os sentimen tos envolvidos na rêverie são geradores de metáforas que dão forma à dimensão in consciente da relação analítica A influência das ideias de Bion na atividade clínica de Ogden tem sido enfati zada em seus últimos artigos5657 Sugere o autor que a arte da psicanálise consiste em gerar condições para que o paciente com a participação do analista seja capaz de sonhar seus sonhos não sonhados e inter rompidos Baseiase no enfoque que Bion dá ao trabalho do sonho considerandoo como expressão de um processo contínuo que se desenvolve tanto quando estamos dormindo quanto quando estamos acorda dos processo esse que dá forma à experiên cia tornandoa pensável Se por um lado pode parecer que o analista empresta sua mente e portanto aquilo que compõe seu mundo interno para sonhar a experiên cia ainda não processada pela mente do pa ciente por outro esse novo sonho não pertence nem a um nem a outro e sim a 142 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs um terceiro sujeito que tanto é quanto não é o paciente ou o analista A leitura dos trabalhos de Ogden tor nase bastante viva pelos inúmeros exem plos clínicos que apresenta Aí podemos observálo trabalhando com seus próprios conteúdos mentais e com o contexto in tersubjetivo Todavia ainda que proponha uma mudança na forma de interpretar por meio do que denomina ação interpretativa não se observa uma alteração substancial na forma do diálogo analítico como é o caso de Antonino Ferro e as interpretações nar rativas Em sua maioria as intervenções de Ogden constroemse sobre o caráter sim bólico da comunicação verbal e dirigemse à expressão mais imediata da transferência do paciente no modo como se apresenta no aqui e agora da sessão As abordagens referidas até aqui to mam o conceito kleiniano de identificação projetiva como o pressuposto metapsico lógico básico que alicerça o entendimen to dos fenômenos relacionais da situação terapêutica Há no entanto autores que mesmo preservando uma postura clínica intersubjetivista dispensam o uso daquele conceito quando argumentam a favor de seu posicionamento clínico Uma abran gente exposição crítica dessas teses foi feita por Dunn1 em um texto que se estrutura como um frutífero debate entre as propos tas intersubjetivistas e o modelo clássico de observação psicanalítica A ideia central do enfoque intersubjetivo sustentase so bretudo na impossibilidade de uma des coberta da psicologia do paciente feita por um observador externo não viesado As percepções do clínico estão sempre molda das por sua irredutível subjetividade Para Dunn1 a posição intersubjetivista é de que o fenômeno mental não pode ser suficientemente compreendido se abordado como uma entidade que existe dentro da mente do paciente conceitualmente isolado da matriz so cial da qual emerge Essa posição afastase da concepção de um funcionamento mental mobilizado em essência pela busca de descarga de pulsões endogâmicas Criticando o caráter meca nicista desse último modelo os intersubje tivistas entendem a mente como predomi nantemente relacional e comunicativa Nessa linha de pensamento destaca se Owen Renik que propõe uma contun dente revisão de alguns fundamentos técni cos da terapia psicanalítica Ele reconhece que o interesse pela contratransferência passou a ocupar um lugar de destaque para a compreensão do processo psicanalítico O consenso é o de que a tomada de cons ciência do próprio envolvimento emocio nal habilita o terapeuta a evitar a indesejada atuação contratransferencial transforman doa em fonte de conhecimento Renik no entanto questiona esse postulado afir mando que toda percepção da contratrans ferência é necessariamente precedida por uma atuação da parte do analista Sustenta essa ideia com base na afirmação de que toda forma de pensamento envolve algum tipo de atividade motora mesmo que mui to atenuada Assim o terapeuta atua nas mais tênues nuanças de sua forma de escu tar o paciente de decidir se fala ou perma nece calado nas palavras que escolhe no tom com que as pronuncia Esses gestos são percebidos pelo paciente e agem sobre ele mesmo antes que o terapeuta possa darse conta dessa atuação62 Para esse autor o conceito de neutralidade analítica nutrese de uma ilusão ainda que proposto apenas como uma meta a ser perseguida mas difí cil de ser alcançada Em vez de dizer que é difícil para um analista manter uma posição na qual sua atividade analítica esteja objeti Psicoterapia de orientação analítica 143 vamente focada na realidade interna do paciente eu diria que é impossível para um analista estar nessa posição mesmo que seja por um instante Visto que estamos constantemente atuan do dentro da situação analítica na base de motivações pessoais das quais só po demos ter conhecimento após o fato nossa técnica incluindo a escuta é inescapavelmente subjetiva62 grifo do autor Mas Renik não se detém aí pois su gere que tentar buscar a neutralidade como um ideal técnico pode ser até mesmo con traproducente63 Argumenta que um tera peuta ao pretenderse neutro e objetivo desmente a influência que seus julgamen tos pessoais possam ter sobre suas formula ções e intervenções Agindo dessa maneira favorece uma idealização transferencial atribuindose um papel de autoridade que compromete o respeito pela autonomia do paciente A partir desses princípios Renik de senvolve sua teoria sobre a ação terapêuti ca do método analítico Em sua opinião o que o paciente espera do terapeuta é que ele ofereça uma perspectiva diferente da sua Supostamente deveria ser uma perspectiva mais sensata mas pode não ser assim A competência do analista não se sus tenta na premissa de que seu ponto de vista é mais válido do que o do pa ciente mas sim no fato de que o ana lista pode prover uma perspectiva al ternativa uma nova maneira de cons truir a realidade que pode ou não ser utilizada pelo paciente dependendo do mérito que ele atribui a ela63 O processo terapêutico é portanto um processo de interação dialética no qual analista e paciente descobrirão seu cami nho nos encontros cruciais entre teses e an títeses por meio de um processo de nego ciação Nesse sentido Renik enfatiza que a neutralidade de parte do analista de forma alguma favorece esse processo dialético de aprendizagem As críticas de Renik ao conceito clás sico de neutralidade mostramse pertinen tes quando advogam que é inviável para o terapeuta despojarse de suas motivações inconscientes ao ingressar na cena psico terápica ou analítica Afinal é exatamente sobre a importância dessas motivações na composição do campo de tratamento que discorre este capítulo No entanto sua tese sobre o processo dialético de ação terapêu tica e por consequência sobre a inconve niência da busca de uma atitude neutra pressupõe uma simetria na relação de tra tamento contrária aos fundamentos téc nicos de uma clínica com base no método psicanalítico Ainda que o termo neutralidade tenha sofrido um desgaste e se mostre ina propriado para definir a posição do tera peuta dentro do campo há toda uma es trutura que denominamos setting a qual dá à relação de tratamento uma singularidade que a diferencia de qualquer outro tipo de relação interpessoal Nessa estrutura os lugares são assimetricamente definidos pela escuta e pela associação livre A meu ver o paciente não vem ao tratamento pa ra encontrar uma posição alternativa com a qual possa se confrontar dialeticamente para isso poderia contar com qualquer pessoa bemintencionada de suas relações pes soais Também não creio que ele esteja in teressado nas opiniões pessoais do seu te rapeuta mesmo que por vezes de forma explícita manifeste esse interesse O que ele busca é um ambiente ou continente onde possa atualizar os conflitos penosos que o atormentam sem que sofra as repetitivas consequências que esses conflitos promo vem É essa nova experiência emocional que transformada em algo pensável pode 144 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs rá constituir um verdadeiro aprendizado capaz de promover mudança psíquica Ao expor sua visão sobre a dinâmica do processo terapêutico Renik não se volta para uma explicação dos aspectos metapsi cológicos que fundamentam a possível mu dança psíquica Enfatiza que o terapeuta só pode tornarse objetivo no momento em que toma consciência da condição abso luta de sua subjetividade Afirma que na análise como em tudo na vida as obser vações da realidade são construtos forma dos em relação a interesses subjetivos es pecíficos64 Objetividade portanto é um conceito pragmático pois se refere tanto a objetivos quanto a objetos e a validade da compreensão surgida no tratamento estará totalmente baseada em sua eficácia tera pêutica Conclui que tanto na psicanálise quanto no resto da ciência verdadeiro é aquilo que funciona O contraponto a essa tese é que uma visão tão pragmática carente de um subs trato metapsicológico que especifique a ação terapêutica das técnicas de base psi canalítica pode ser igualmente válida para outras técnicas de tratamento capazes tam bém de apresentar bons resultados sobre tudo se mantivermos a suposição de que a avaliação desses resultados só pode ser feita em bases essencialmente subjetivas CONSIDERAÇÕES FINAIS O seguimento diacrônico de um concei to busca delinear os acréscimos que cada versão renovada propõe ao conhecimento do fenômeno observado Aqui temos co mo objeto a situação analítica e diferentes formas de compreendêla Todavia se a abertura de novos ângulos de percepção significou um avanço no processo ela também trouxe consigo os limites de seu alcance Freud certamente não escapou desse imperativo Ao abandonar a ideia da transferência como um fenômeno pontual um mero desvio ou falsa ligação no flu xo associativo do paciente ele a coloca no centro dos acontecimentos definin doa não apenas como poderoso auxiliar do tra tamento mas como elemento essencial de convicção pois nada poderia ser atingido in absentia ou in effigie Assim fazendo Freud vêse mais uma vez diante da pro blemática da sugestão se a transferência está sempre presente como delimitar a ver dadeira ação terapêutica do efeito sugesti vo que ela comporta Para contraporse a esse incômodo questionamento ele elabora as conhecidas recomendações técnicas que disciplinam mas não resolvem o proble ma Não sendo possível evitar a disposição do paciente à sugestão nutrida pela própria transferência impunhase que se tentasse neutralizála do lado do analista Como vi mos essa imagem de um terapeuta isento idealmente purificado por sua análise pes soal revelouse ilusória na prática clínica A impossibilidade de banir a contra transferência da cena analítica a faz ser in tegrada ao método mas com a função res trita de balizador da transferência Falase então no uso que o terapeuta pode ou não fazer de sua contratransferência para melhor entender seu paciente Reconhe cendo a possibilidade no âmbito terapêu tico de uma comunicação de inconsciente para inconsciente não há dúvida de que a percepção sobre as próprias reações emo cionais mune o terapeuta com um instru mento mais agudo e profundo para a com preensão de seu paciente Entretanto não pode ser omitido que esse instrumento é também o mais poluído com o que procede de sua própria história pessoal18 Como destacou MoneyKyrle12 o al cance da percepção de um analista não Psicoterapia de orientação analítica 145 ultrapassa os limites daquilo que ele com preendeu de si mesmo Portanto a pro posta de um uso opcional da contra transferência tornase inexequível como fazer uso de algo que se situa em essência no âmbito da experiência inconsciente se esse uso é um atributo do sujeito mesmo da experiên cia Sendo a contratransferên cia espontânea e inevitável cabe antes de tudo tentar detectála em todos os deriva dos que estejam assinalando sua ocorrência e sujeitála à constante autoanálise que se impõe ao terapeuta no curso de sua tarefa Mesmo assim resta sempre a questão on de situar a fronteira entre aquilo que é uma reação emocional induzida pelo paciente e as manifestações oriundas estritamente da constelação psíquica do analista O modelo parece se esgotar em sua origem na medi da em que transferência e contratransfe rência são conceituadas como fenômenos individuais ocorrendo no paciente e no analista respectiva e separadamente Sua ação recíproca será mais bem apreendida com os ajustes ao modelo trazidos pela no ção de campo ou de forma mais genérica de intersubjetividade Com a concepção de um campo relacional es truturado pelo jogo dialético das interferências recíprocas entre observador e observado não há mais como pensar as ocorrências da vida mental de paciente e analista de modo isolado A ideia de uma tensão oscilatória constante en tre as individualidades de cada um e a absor ção destas para dentro da intersubjetividade relaxam a premência analítica de distinguir o que é de um ou do outro Ampliase o ângulo de observação possibilitando ao terapeuta re conhecer os fatos clínicos psicanalíticos65 que estão sendo construídos simulta neamente por ele e por seu paciente É por meio desse reconhe cimento que cada um poderá discriminar melhor sua participação no campo recuperando seus aspectos projetados agora certamente modi ficados pela análise da experiência bipessoal Convém lembrar que apesar de o modelo do campo relacional exposto ao longo deste capítulo ter sido construído a partir da clínica psicanalítica seus funda mentos teóricos nos permitem concluir que podemos utilizálo para a compreen são dos fenômenos interpessoais presentes em qualquer outro tipo de técnica psicote rápica Os princípios de funcionamento são os mesmos e portanto seu conhecimento tornase indispensável mesmo para quem atua no âmbito restrito da psicoterapia Cabe ainda mencionar que as diferentes abor dagens desse modelo são inequívocas em pre servar a necessária assimetria de funções na si tuação analítica pois afinal como assevera Og den não se trata de um processo democrático de análise mútua A manutenção da estabilidade do setting dá à relação bipessoal a condição restrita de um tratamento Ainda que ambos os partici pantes estejam comprometidos no processo com o lastro de suas vidas emocionais cabe apenas a um deles associar livremente enquanto ao ou tro compete escutar tentar integrar os elementos vivenciados na sessão e quando possível trans formálos em interpretação Mesmo não sendo o detentor de uma verdade irrefutável é papel do terapeuta presidir o processo o qual será sempre dirigido à realidade psíquica do paciente A vivência intersubjetiva proporcio na condições de crescimento mental ao próprio analista mas acima de tudo habi li tao a um contato emocional mais genuí no que se refletido em uma lingua gem exitosa poderá promover a mudança psíquica em seu paciente 146 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Questionase a possibilidade de uma observação de cunho psicanalítico caucionada pela soberana objetividade do terapeutaobservador Sua inerente subjetividade impõese no ato de observação estruturandose um campo intersubjetivo dinâmico em que ambos os participantes não podem mais ser compreendidos separadamente O que quer que aconteça a um deles necessariamente produz efeito sobre o outro 2 As raízes desse entendimento encontramse nas ideias de Freud sobre transferência e contratransfe rência Esse autor sugere que além das comunicações verbais manifestas entre o paciente e seu terapeuta pode ocorrer uma comunicação de inconsciente para inconsciente 3 A introdução por Melanie Klein do conceito de identificação projetiva abre um novo e vasto campo de investigação da cena analítica voltandose as atenções para o estudo da contratransferência 4 Os trabalhos de Heimann e Racker apontam para o reconhecimento de que a situação de tratamento é sempre um movimento de dois sentidos ou seja uma situação transferencial também corresponde a determinado contexto contratransferencial Portanto é essencial que o terapeuta mantenhase alerta àquilo que pode por algum momento soarlhe como estranho em sua reação afetiva ou conduta Esse estranho pode estar indicando um contexto acionado pela força das intensas fantasias do paciente mas que em última instância remete o terapeuta ao estranho dentro de si seu próprio inconsciente 5 A contribuição de Bion significou uma considerável mudança na maneira de entender a função do analista dentro da sessão pois concebe uma dimensão funcional da identificação projetiva como meio para a comunicação de determinado estado mental 6 Coube ao casal Madeleine e Willy Baranger em 1961 formalizar o conceito de campo psicodinâmico descrevendoo como situa ção de duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares enquanto está durando a situação e envolucradas em um mesmo processo dinâmico Nenhum membro dessa dupla é inteligível dentro da situação sem o outro 7 Sugerem eles que o elemento central na constituição do campo é a estrutura dinâmica que subjaz ao diálogo analítico em outras palavras a fantasia inconsciente do par Esta se constrói sobre o interjogo de identificações projetivas e introjetivas com seu necessário corolário de contraidentificações 8 Autores contemporâneos têm abordado os fenômenos de campo e intersubjetividade sob diferentes vértices Destacamse pela originalidade de suas contribuições Antonino Ferro Thomas Ogden e Owen Renik a Ferro lança mão de referenciais da narratologia dispondo o material surgido na sessão como per sonagens b Ogden valese dos princípios da dialética hegeliana e sugere que as respectivas subjetividades de paciente e analista são potencialmente geradoras de um terceiro sujeito o terceiroanalítico inter subjetivo c Renik questiona o conceito de neutralidade analítica e entende a situação terapêutica como um processo de interação dialética no qual analista e paciente descobrirão seu caminho nos encontros cruciais entre teses e antíteses mediante um processo de negociação 9 Concluise que a concepção de um campo relacional estruturado pelo jogo dialético das interferências recíprocas entre observador e observado amplia o ângulo de observação possibilitando ao terapeuta reconhecer os fatos clínicos que estão sendo construídos de forma simultânea por ele e por seu paciente 10 Por fim cabe destacar que as diferentes abordagens desse modelo são inequívocas em preservar a necessária assimetria de funções dentro da situação de tratamento Psicoterapia de orientação analítica 147 REFERÊNCIAS 1 Dunn J Intersubjetividade em psicanálise uma revisão crítica In Livro anual de psicaná lise São Paulo Escuta 1997 v 11 p 20116 2 Schwartz HP Interbubjectivity and dialeti cism Int J Psychoanal 201293240125 3 Barros EMR Barros ELR Reflexões críticas sobre os processos intersubjetivos contra transferência Rev Bras Psicanál 2012461 13549 4 Hessen J Teoria do conhecimento 7 ed São Paulo Martins Fontes 1999 5 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 6 Klein M Transferência In Barros EMR or ganizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 p 4753 7 Klein M As origens da transferência In Klein M Inveja e gratidão e outros trabalhos 1946 1963 Rio de Janeiro Imago 1991 Obras completas de Melanie Klein v 3 p 709 8 Spillius EB Introdução ao capítulo desen volvimentos da técnica In Spillius EB edi tor Melanie Klein hoje desenvolvimentos da teoria e da técnica Rio de Janeiro Imago 1990 p 1729 9 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 10 Racker H A neurose de contratransferência In Racker H Estudos sobre técnica psicana lítica Porto Alegre Artes Médicas 1982 p 10019 11 Racker H Os significados e usos da con tratransferência In Racker H Estudos so bre técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1982 p 12057 12 MoneyKyrle R Contratransferência nor mal e alguns de seus desvios In Spillius EB editor Melanie Klein hoje desenvolvimen tos da teoria e da técnica Rio de Janeiro Imago 1990 p 3546 13 Grinberg L Sobre algunos problemas de téc nica psicoanalítica determinados por la iden tificación y contraindentificación proyectiva Revista de Psicoanálisis 195613450711 14 Grinberg L Perturbaciones en la interpreta ción por la contraidentificación proyectiva Revista de Psicoanálisis 195714122330 15 Grinberg L Aspectos mágicos en la transfe rencia y en la contratransferência sus im plicaciones técnicas Revista de Psicoanálisis 195815434768 16 Grinberg L Psicopatología de la identificaci ón y contraidentificación proyectivas y de la contratransferencia Revista de Psicoanálisis 196320211323 17 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psi canalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 18 Manfredi ST As certezas perdidas da psica nálise clínica Rio de Janeiro Imago 1998 19 Gaburri E Ferro A Gli sviluppi kleiniani e Bion In Semi AA Trattato di psicoanalisi Milano Rafaello Cortina 1988 p 289393 20 Bion WR Sobre a arrogância In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados São Paulo Imago 1988 21 Bion WR Ataques ao elo de ligação In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados São Paulo Imago 1988 22 Bion WR Uma teoria sobre o processo de pensar In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados São Paulo Imago 1988 p 1019 23 Bion WR Aprendiendo de la experiencia Buenos Aires Paidós 1975 24 Bion WR Os elementos da psicanálise in clui o aprender com a experiência Rio de Ja neiro Zahar 1963 25 Baranger W Baranger M La situación analí tica como campo dinámico In Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoa nalítico Buenos Aires Kargieman 1969 p 12964 26 Baranger M A mente do analista da escu ta à interpretação Rev Bras Psicanál 1992 26457386 27 Baranger W Baranger M El insight en la situación analítica In Baranger W Baran ger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargieman 1969 p 16577 28 Baranger W Baranger M Mom J Publica ciones previas al Congreso de Madrid Pro ceso y no proceso en el trabajo analítico Re vista de Psicoanálisis 198239452650 29 Ferro A Dois autores em busca de persona gens a relação o campo a história Revista de Psicanálise da SPPA 199521928 30 Ferro A From raging bull to Theseus the long path of a transformation Int J Psychoa nal 199172Pt 341725 148 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 31 Ferro A La mente del analista en su traba jo problemas riesgos necesidades Revista de Psicoanálisis 19914856115977 32 Ferro A El impase en una teoría del cam po analítico In Libro anual de psicoanálisis sl sn 1993 v 9 p 5365 33 Ferro A O diálogo analítico constituição e transformação de mundos possíveis Revista de Psicanálise da SPPA 1996314763 34 Ferro A A psicanálise como literatura e tera pia Rio de Janeiro Imago 2000 35 Ferro A Evitar as emoções viver as emoções Porto Alegre Artmed 2011 36 Ferro A Basile R O universo do campo e seus habitantes In Ferro A Basile R O cam po analítico um conceito clínico Porto Ale gre Artmed 2013 p 1334 37 Bezoari M Ferro A Elementos de un mo delo del campo analítico los agregados fun cionales Revista de Psicoanálisis 1990475 684761 38 Bezoari M Ferro A A oscilação significa dos afetos no trabalho da parelha analítica Rev Bras Psicanál 199226336574 39 Ferro A Na sala de análise emoções rela tos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 40 Bion WR Bion em Nova Iorque e em São Paulo In Bion WR Conversando com Bion quatro discussões com W R Bion Bion em Nova Iorque e em São Paulo Rio de Janeiro Imago 1992 41 Tadie JY A crítica literária no século XX Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1992 42 Rosenfeld H Nota a respeito da psicopato logia dos estados confusionais nas esquizo frenias crônicas In Rosenfeld HA Os esta dos psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 p 6274 43 Ogden TH On potential space Int J Psycho anal 198566Pt 212941 44 Ogden TH Analysing the matrix of transfe rence Int J Psychoanal 199172Pt 4593 605 45 Ogden TH El sujeto dialécticamente consti tuído descentrado del psicoanálisis I el su jeto freudiano In Libro anual de psicoaná lisis São Paulo Escuta 1992 v 8 p 99108 46 Ogden TH El sujeto dialécticamente cons tituído descentrado del psicoanálisis II las contribuiciones de Klein y Winnicott In Li bro anual de psicoanálisis São Paulo Escu ta 1992 v 8 p 10922 47 Ogden TH The analytic third working with intersubjective clinical facts Int J Psychoa nal 199475Pt 1319 48 Ogden TH O Conceito de ato interpretativo In Ogden TH Os sujeitos da psicanálise São Paulo Casa do Psicólogo 1996 p 10332 49 Ogden TH Identificação projetiva e o ter ceiro subjugador Revista de Psicanálise da SPPA 19941215362 50 Ogden TH Os sujeitos da psicanálise São Paulo Casa do Psicólogo 1996 51 Ogden TH Analysing forms of aliveness and deadness of transferencecountertransfe rence Int J Psychoanal 199576Pt 4695 709 52 Ogden TH Reconsidering three aspects of psychoanalytic technique Int J Psychoanal 199677Pt 588399 53 Ogden TH O sujeito perverso da análise Revista de Psicanálise da SPPA 199743 487509 54 Ogden T Reverie and metaphor Some thoughts on how I work as a psychoanalyst Int J Psychoanal 199778Pt 471932 55 Ogden TH Reverie and interpretation sen sing something human Northvale J Aron son 1997 56 Ogden TH This art of psychoanalysis Dre aming undreamt dreams and interrupted cries Int J Psychoanal 200485Pt 4857 77 57 Ogden TH An introduction to the reading of Bion Int J Psychoanal 200485Pt 2 285300 58 Winnicott DW Desenvolvimento emocional primitivo In Winnicott DW Bogomoletz D Da pediatria à psicanálise obras escolhidas Rio de Janeiro Imago 2000 p 21832 59 Winnicott DW Teoria do relacionamento paternoinfantil In Winnicott DW O am biente e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocio nal 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1990 p 3854 60 Freud S Extrato dos documentos dirigidos a Fliess Carta 69 In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 1 p 3502 Psicoterapia de orientação analítica 149 61 Green A The analyst symbolization and ab sence in the analytic setting on changes in analytic practice and analytic exprience In memory of D W Winnicott Int J Psychoa nal 1975561122 62 Renik O Analytic interaction conceptuali zing techinique in light of the analysts ir reducible subjectivity Psychoanal Q 1993 62455371 63 Renik O The perils of neutrality Psychoanal Q 1996653495517 64 Renik O A subjetividade e a objetividade do analista In Livro anual de psicanálise São Paulo Escuta 2000 v 14 p 99109 65 Vollmer Filho G Conceptualisation of the clinical psychoanalitycal fact Int J Psycho anal 199475Pt 5610419 LEITURAS SUGERIDAS Bion WR Atenção e interpretação o acesso cien tífico a intuição em psicanálise e grupos Rio de Janeiro Imago 1991 Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 13143 Freud S Observações sobre o amor transferen cial In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 20721 Freud S Recomendações aos médicos que exer cem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 147 59 Freud S Recordar repetir elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 191203 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 16387 Klein M Notas sobre alguns mecanismos esqui zóides In Klein M Inveja e gratidão e outros tra balhos 19461963 Rio de Janeiro Imago 1991 Obras completas de Melanie Klein v 3 p 1743 A psicoterapia de orientação psicanalítica baseiase nos conhecimentos da psicaná lise e dela deriva seu corpo teórico Este contudo não é único e integrado não ha vendo uma só visão ou posição da psica nálise Sua aplicação à teoria da psicote rapia de orientação psicanalítica tornase principalmente para o iniciante complexa e por vezes desconexa O contato com a realidade teórica põe em evidência uma di versidade de abordagens algumas aparen temente antagônicas outras de integração difícil com diferentes níveis de abstração conceituações conflitantes linguagens dis tintas e uma tendência a haver defensores e detratores de cada uma das vertentes com a mesma paixão A origem dessa multiplicidade de teorias e difi culdades em sua integração está ligada prin cipalmente aos problemas de teorização sobre seu objeto de estudo o inconsciente devido às suas características de complexidade imate rialidade e subjetividade Questões institucionais de mercado de trabalho e pressões culturais concorrem para o problema Seu estudo abrangente envolve questões epistemológicas relações com outras áreas do conhecimento e sua contextualização na própria história da teo ria psicanalítica O objetivo deste capítulo é introduzir o tema dos modelos teóricos sua origem seu significado no contexto psicanalítico e os principais modelos da mente no mo mento atual do conhecimento em uma tentativa de auxiliar o leitor a situarse no complexo universo teórico da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica As definições aqui utilizadas e as questões abordadas além de serem resultado de uma síntese pessoal foram simplificadas com o objetivo de clareza e espaço e com fins didáticos Não é objetivo do capítulo o estudo das chamadas escolas de pensa mento psicanalítico sendo estas apresenta das apenas com a finalidade de exemplifi cação de sua estrutura Ao leitor interessa do no aprofundamento e desdobramento das questões tangenciadas recomendase a consulta às referências bibliográficas 8 MODELOS PSICANALÍTICOS DA MENTE José Carlos Calich Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos Freud 1930 Psicoterapia de orientação analítica 151 O QUE É UM MODELO Uma ciência em última instância permanece ou sucumbe enquanto é uma técnica válida para a descoberta e não em virtude do conhecimento ganho O conhecimento sempre está sujeito a ser substituído de fato o cri tério pelo qual se julga a vitalidade de um assunto é a substituição de desco bertas por novas descobertas1 Modelo pode ser definido para as finalidades deste capítulo como um esquema que o ser hu mano constrói inicialmente de modo involuntá rio em sua mente e em seguida compartilha do com os demais para tentar compreender a si próprio e o mundo a sua volta Por meio desses esquemas imagina a estrutura ou o comporta mento dos fenômenos que observa e que lhe são desconhecidos14 A construção de um modelo parte da intuição e é baseada em premissas Estas úl timas são elementos básicos que podem ter origens culturais mitológicas da observa ção de fenômenos repetitivos ou de outras fontes internas e que são aceitas mesmo inconscientemente como verdadeiras Todo modelo tem um princípio orga nizador interno que une e articula esses ele mentos básicos Sua construção depende de curiosidade uma característica desenvolvida pelo ser humano ao longo de sua evolução56 O ser humano olha o mundo e a si próprio com a curiosidade necessária para imaginar para que cada elemento serve o que tem dentro como é feito o que se pode fazer com isso Para exercer essa capacidade deve suportar saber que não conhece Se não su porta diz de várias formas não me interes sa para que saber isso ou isso é igual ao que já conheço jogando fora a curiosidade Quando suporta a incerteza pode imaginar ar ticular usar sua intuição começando o conta to com o desconhecido Constrói então um es quema mental concebendo imaginariamente aquilo que está observando suas propriedades e relações com algum tipo de experimentação do teste da realidade ao método científico avalia a adequação e a utilidade de seu mode lo ampliandoo ou substituindoo Quanto maior o número de situações imaginadas que podem ser explicadas elu cidadas interpretadas ou previstas possi bilidades de generalização valores explica tivos e preditivos pelo modelo construído mais ele persiste como referência àquelas situações e a novos modelos dizse que tem maior valor heurístico A articulação coerente de modelos de elevado valor heurístico constitui uma teoria sobre um domínio específico do conhecimento Essa é de forma sintética a hipótese predominante nos dias atuais para a construção do conhecimento tanto individual como na área das ciências em programas de investigação científica com a utilização do método científico2379 principalmente de experimentos controla dos de validação e de falsea bilidade ou do saber em geral validado ou refutado por meio de métodos próprios a sua área de abrangência e conhecimento1011 Em síntese é possível afirmar que o processo de aquisição do conhecimento iniciase pela in tuição a respeito de um fenômeno observado na realidade a nossa volta ou em nossa realidade interior passa pelo estabelecimento de concei tos evoluindo para o levantamento de hipóte ses ou conjeturas sobre as relações entre esses conceitos e formando um modelo O conjunto de modelos articulados constitui uma teoria 152 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Com base nessa definição o modelo é intermediário entre uma intuição e uma teoria e necessariamente provisório Isso decorre do fato de que as intuições iniciais nem sempre são as mais adequadas e mes mo quando consolidadas pela experimen tação podem não ser as mais abrangentes ainda que satisfaçam condições parciais momentâneas ou circunstanciais A passagem de um modelo para outro depen de da disponibilidade de premissas novas variá veis conhecimento acumulado mitos ou visibilidade cultural e de uma mente capaz de rearranjar os dados em novas combinações e articulações de ter uma nova intuição O co nhecimento portanto não evolui de forma acu mulativa linear mas aos saltos3 Alguns modelos conhecidos sobre o sistema solar podem ser ilustrativos Em tempos milenares os egípcios imagina vam que a Terra fosse plana apoiada sobre imensos pilares Os hindus acreditavam também em um plano porém apoiado em enormes elefantes que por sua vez fica riam sobre o casco de uma tartaruga gi gantesca a qual estaria sobre uma serpente descomunal Qualquer movimento desses animais provocaria terremotos e quem chegasse ao fim do plano cairia Enquanto os barcos não iam longe e não havia como perceber as inúmeras implicações dessas teorias imaginavase o desconhecido ar ticulandose algo conhecido premissas elementos básicos e conjeturando relações intuição De forma provisória esses esquemas ou modelos tiveram sua utilidade No mo mento em que os barcos foram mais longe desaparecendo e voltando do horizonte ao mesmo tempo em que se fizeram novas observações sobre vulcões terremotos e so bre a relação da Terra com o Sol e outros planetas novas variáveispremissas expe rimentação verificação os esquemas não tiveram mais a mesma serventia Alguém percebeu que deveriam existir curvaturas e imaginouse nova intuição que o Sol e os planetas giravam em torno da Terra salto teórico novo modelo Conhecimento após conhecimento esquema após esquema modelo após mo delo chegamos a uma esfera achatada nos polos parte de um sistema solar que por sua vez é parte de uma galáxia teoria Persistem contudo inúmeras indagações incertezas e verdades provisórias Ain da que como modelo a noção de plano pudesse ser útil para distâncias mui to pequenas como explicação do campo gravitacional dos abalos sísmicos ou dos sistemas solares os pilares os elefantes as tartarugas e as serpentes tiveram seu poder preditivo e explicativo muitíssimo redu zido o modelo foi se revelando de baixo valor heurístico A persistência das questões de como a Terra se sustenta no ar como mantém a re lação fixa com o Sol com outros planetas e estrelas levou a novas investigações imagi nações novos saltos teóricos novos mo delos Conhecimentos foram se somando No momento em que a humanidade estava culturalmente preparada visibilidade cultural surgiram as hipóteses sobre a for ça da gravidade e a órbita da Terra em tor no do Sol extremamente úteis para nossos avanços tecnológicos A primeira hipótese foi considerada incompleta no momento em que novas especulações e variáveis leva ram à concepção da teoria da relatividade a qual também começa a ser considerada incompleta e assim seguimos A conclusão é no sentido de que temporariamente úteis nossos modelos Psicoterapia de orientação analítica 153 em todas as áreas do conhecimento estão sempre em avaliação sendo aprimorados completados ou substituídos Para com preender determinado modelo e sua ar ticulação é necessário entender qual seu princípio organizador sua abrangência os limites de sua proposição e especificidades de sua utilização O QUE SÃO MODELOS PSICANALÍTICOS DA MENTE De acordo com as definições anteriores um modelo da mente é a forma como se imagi na que existe se constitui se organiza e exer ce suas funções aquilo que é específico e es sencialmente humano a mente Em função de seus princípios organizadores existem diversos modelos da mente psicológicos filosóficos so ciológicos antropológicos entre outros Quan do um conjunto de formulações inclui a consi deração de que a atividade mental é baseada no papel central de um inconsciente dinâmico estamos diante de um modelo psicanalítico da mente1314 Ainda que modelos psicanalíticos possam ser confundidos com escolas não estão no contexto aqui referido co locados como sinônimos Modelo psica nalítico da mente referese à estrutura do pensamento a seus princípios organizado res Escola por estar ligada à afiliação pode representar um conjunto de técnicas um agrupamento geográfico político ou até histórico Escolas diferentes podem ter princípios organizadores muito próxi mos p ex Winnicott e Kohut Alguns pensadores sem promover uma ruptura definitiva com os conceitos fundamentais da escola em que estão inseridos modi ficam seu modelo de modo substancial a evolução de Klein para Bion por exemplo Outros por sua vez oriundos de uma fon te comum criam modelos que rompem de forma radical com aqueles que lhes deram origem psicologia do self em relação à psi cologia do ego e Winnicott em relação a Melanie Klein Eventualmente um mesmo pensador utiliza di ferentes modelos para tentar compreender os fenômenos mentais Diversos estudiosos iden tificam por exemplo pelo menos três modelos da mente no pensamento freudiano1516 e pelo menos dois em Melanie Klein17 Cada modelo portanto tem seu próprio princípio organizador sua própria episteme É oriundo de saltos teóricos rupturas maiores ou menores em relação aos modelos dos quais se originou Utilizase de modo velado ou explíci to de pensamentos não psicanalíticos que in fluenciaram a cultura na qual seus fundadores estavam imersos zeitgeist É em geral fru to de necessidades geradas na própria clínica decorrentes da insuficiência dos modelos ante riores em dar conta de determinados fenôme nos psíquicos patológicos ou não com conse quências na técnica psicanalítica e psicoterá pica1819 Em geral depois de lançado um novo elemento organizador sua inevitável con frontação e a discussão com os modelos de pensamento psicanalítico já existentes fazem as duas teorias antiga e nova se de senvolverem e se aprimorarem Encontram seguidores comunicadores proselitistas e detratores contribuindo para o crescimen to do pensamento psicanalítico em geral Trazem contudo fragmentação teórica e institucional esta última não somente por esses motivos18 154 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O MODELO FREUDIANO O progresso no trabalho científico é o mesmo que se dá numa análise Tra zemos para o trabalho as nossas es peranças mas estas necessariamente devem ser contidas Mediante a ob servação ora num ponto ora nou tro encontramos alguma coisa nova mas no início as peças não se com pletam Fazemos conjeturas formu lamos hipóteses as quais retiramos quando não se confirmam necessita mos de muita paciência e vivacidade em qualquer eventualidade renuncia mos às convicções precoces de modo a não sermos levados a negligenciar fatores inesperados e no final todo o nosso dispêndio de esforços é recom pensado os achados dispersos se en caixam mutuamente obtemos uma compreensão interna insight de toda uma parte dos eventos mentais temos completado o nosso trabalho e então estamos livres para o próximo traba lho20 É comum a afirmação de que todos os modelos psicanalíticos da mente partem de Freud e com ele dialogam A autoridade conferida pela consistência de seu método de investigação sua condição de fundador e guardião dos limites da disciplina aliadas a sua permanente tentativa de ampliar e melhor adequar seus modelos a sua capa cidade de ir em busca do novo e aos mais de 45 anos de escritos freudianos funda mentam a premissa É necessário destacar porém que a tentativa de integração entre os vários modelos psicanalíticos existentes só é possível mediante um diálogo entre as teorias somente com a teoria freudiana mas com todos os modelos de elevado valor heurístico Dependendo das bases em que se dá esse diálogo as teorias se aprimoram e se fortalecem Quando o diálogo é autori tário há uma tendência à confrontação e à ruptura quando excessivamente tolerante os conceitos perdem sua especificidade e a teoria enfraquece Freud concebeu o inconsciente dinâmico partin do de uma intuição ante uma necessidade clí nica Apoiouse em premissas que tinha a seu dispor o contexto cultural e científico do fim do século XIX conhecimentos sobre a mente não linearmente acumulados e que tinham visibili dade cultural naquele momento da história da humanidade e sobre sua pessoa por meio da autoanálise O conjunto foi reorganizado em um modelo teórico coerente consistente de eleva do valor heurístico e tornado público por sua obra2122 A necessidade clínica referida era de forma bem específica o atendimento de pacientes histéricos por Freud inicial mente junto a Charcot na Salpetriêre em Paris e depois com Meynert e Breuer em Viena O ambiente cultural da Áustria o contexto ilu minista pósRevolução Industrial e a Revolu ção Francesa aliados aos conhecimentos psi quiátricos neurofisiológicos filosóficos literá rios sociológicos antropológicos e artísticos contribuíram para que Freud identificasse fe nômenos mentais que iam além dos perceptí veis pela consciência Ele criou um modelo de funcionamento para a mente humana baseado nesses novos conhecimentos bem como a pos sibilidade de um método que permitisse suas mudanças As ideias abordadas sobre o modelo freudiano da mente nesta seção e sobre os modelos de Klein e Bion a seguir correspondem a uma versão adap tada daquelas já expostas na Revista de Psiquiatria do RS21 baseadas principalmente nas contribuições de D Meltzer2224 E Spillius2526 H Segal2728 R Steiner2931 J M Petot1732 E Bianchedi33 e Elias Rocha Barros34 Psicoterapia de orientação analítica 155 Nesse momento as explanações fi siológicas começavam a tomar vulto em vários campos da ciência em geral e da medicina em particular incluindo a neu rofisiologia Nesse cenário influencia do por métodos empíricodedutivos que iriam no início do século XX culminar no positivismo lógico Freud procurou cons truir uma ciência explanatória que pudes se provar seus achados encontrando seus fatores e agentes causais organizados em forma de leis e princípios gerais Olhava o cérebro e a mente como fenomenologica mente idênticos e estava preocupado com o modelo neurofisiológico a hidrostase a termodinâmica e o conceito darwiniano de evolução da mente Esse conjunto determinou o modelo de incons ciente construído por Freud estabelecendo a centralidade dos conceitos de pulsão formu lação teórica para tentar expressar a transfor mação de estímulos em elementos psíquicos e repressão Decorrem dessa formulação noções como investimento representação resistência defesas fases do desenvolvimento da libido a teoria inicial sobre a ansiedade a transferên cia como revivência de uma memória passada a realidade psíquica entre outras A concepção de realidade psíquica foi fundamental à investigação freudiana possibilitando encontrar um significado e um lugar na história de vida do sujeito para a etiologia dos sintomas e a formação do caráter Chamo a atenção para o fato de que esse modelo não é aplicável a todas as ideias de Freud mas é o que predomina em seu pensamento é a ele que Freud retorna após novas formulações que se afastam desse modelo como sobre luto e melancolia sobre o problema econômico do maso quismo ou sobre o narcisismo procurando manter sua genial e abrangente teoria com um eixo principal Ao mesmo tempo em que esse referencial lhe deu uma enorme quantidade de instrumentos úteis propi ciando inúmeras descobertas e formula ções também impôs limitações Os concei tos básicos estão expostos no Projeto para uma psicologia científica35 e mantiveramse como espinha dorsal do modelo freudiano da mente Freud entendia a vida mental como ligada ao corpo e às suas necessida des e dessa forma ocupada em encontrar meios de gratificar essas necessidades sem confrontarse diretamente com o ambiente este visto como externo ou interno A enfermidade mental em um primeiro momen to era concebida como resultante de inibições especificamente da vida sexual depois por ou tra visão mais estrutural era entendida no sen tido de um conflito entre pulsão e defesa Em um terceiro momento também pôde ser vista como um conflito de índole ética e moral entre ego e superego amor e ódio Apesar da concepção de um supere go e da descrição dos mecanismos de in ternalização principalmente o de identifi cação Freud não chegou a uma concepção de mundo interno embora nomeado em sua obra este não toma corpo como uma realidade não encontrando um local den tro do modelo básico No modelo freudiano os sonhos são atividades mentais de descarga que garantem o processo neurofisiológico do dormir e a emocionalidade não são o centro da vida mental mas assumem um papel indicador de um funcionamento men tal como poderiam fazer a fala ou os movimen tos musculares voluntários 156 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O narcisismo é visto sob vários ângulos mas destacase como uma teoria sobre a na tureza da libido e sua vinculação com o corpo Desse modo a transferência devido ao modelo hidrostático neurofisiológico é vista como uma repetição do passado e o pensamento neu rótico como aquele que sofre com suas lem branças em outras palavras é atormentado por experiências dolorosas não assimiladas Como compara Meltzer22 esse é um modelo cirúrgico no qual a ansiedade e o conflito são como corpos estranhos na mente causando constante irritação O processo analítico é visto como uma recu peração de lembranças passadas que são mais bem revividas no calor da transfe rência ou seja na repetição com o médi co daqueles conflitos do passado causado res de angústia Portanto o interesse inicial de Freud pelos casos de histeria delineou seu modelo psicanalítico partindo dos fenômenos de repressão dos afetos das vivências trau máticas e das manifestações somáticas E nesse contexto foi satisfatório tendo ele vada capacidade de responder a questões relativas às neuroses em geral e a diversos aspectos do funcionamento mental e do comportamento humano individual e em grupos Como já abordado e semelhante ao que ocorre em outras disciplinas e na ciên cia em geral a evolução do conhecimento psicanalítico não se deu de forma homogê nea contínua ou linearmente acumulativa Ela foi resultado de necessidades clínicas diversas eventualmente circunstanciais vinculadas à evolução também não homo gênea do conhecimento em outras áreas do saber e aos contextos culturais em que sofreu transformações Desse modo à me dida que surgiam novas necessidades clíni cas e novos movimentos culturais Freud foi alterando seu modelo inicial da mente ampliando sua abrangência ESQUEMA DOS MODELOS E ESTRUTURA DAS TEORIAS PSICANALÍTICAS DE FREUD Primeiro modelo Referese ao modelo do trauma afeto trauma Sem início preciso dura até 1897 Freud centra esse modelo na memó ria do trauma real principalmente aquele resultante de experiências de abuso sedu ção sexual na infância utilizando um re ferencial neurodinâmico As forças inconscientes inibidas de saprovadas pelo ambiente que levavam ao sintoma eram compreendidas como afetos ou emoções que haviam sido estimulados por experiências traumáticas reais O sin toma surgia quando uma quantidade de energia afetiva era grande demais trauma real para ser assimilada pela consciência igualada ao ego Era então forçada para fora dela reprimida e tinha que encontrar um meio de expressão indireta As memó rias associadas a essas emoções tornavam se nos pacientes neuróticos inaceitáveis para seus padrões normais de moralidade e condutas e não podiam ser descarrega das de forma normal adequação social e autoes tima O tratamento baseavase na ideia de que tais emoções podiam ser liberadas pe la recuperação da emoção com a memória associada à consciência sendo o afeto libe rado por meio da abreação catarse com a consequente assimilação do conteúdo men Esse esquema é baseado nos estudos de Sandler e Wallerstein16 Greenberg e Mitchell15 e Meltzer23 Psicoterapia de orientação analítica 157 tal rejeitado pela consciência Freud desta cou a importância do desenvolvimento se xual na etiologia das neuroses e do trauma Segundo modelo O modelo contém a noção de sistemas psi cológicos relacionados espacialmente o modelo topográfico consciente précons ciente e inconsciente Iniciase em 1897 prosseguindo até 1923 Freud centra esse modelo no conflito entre pulsão e censura utilizando como referencial a dinâmica in trapsíquica uma luta interna Esse conflito se torna o fator causal da neurose e de toda a dinâmica psíquica Fatores determinan tes na mudança do modelo envolveram a autoanálise de Freud que conduziu à teo ria da interpretação dos sonhos em 1990 a experiência clínica e a improbabilidade de que todos os casos de histeria estives sem ligados a um abuso real O abandono da ideia do trauma real como causa colo cou em destaque a existência de fantasias oriundas das experiências de satisfação da pulsão e de suas vicissitudes A pulsão buscando sua descarga por meio da consciência tornase uma ameaça à integridade do eu ego A atitude pro tetora defensiva da repressão ao agir so bre a pulsão ameaçadora leva a uma nova expressão retorno do material reprimido em uma época posterior sob a forma de sintoma parapraxia atos falhos sonho identificado como resultado de fantasias de realização de desejos que buscam a su perfície ou atividade artística criativa Conceitos centrais à teoria psicanalí tica como repressão conflito compulsão à repetição projeção complexo de Édipo ansiedade de castração vida sexual infan til e seu desenvolvimento são partes desse modelo As implicações técnicas do mo delo levam a fazer consciente o incons ciente por meio da análise da resistência transferência da interpretação dos sonhos dos atos sintomáticos e da associação livre Terceiro modelo O modelo estrutural id ego e superego iniciase em 1923 Freud centra esse mo delo no conflito entre as estruturas o qual compreende três níveis conflito biológico intrapsíquico e real No entanto todos são tratados em termos de suas representações psíquicas Fatores determinantes na mudança do modelo são a introdução dos conceitos de narcisismo com as noções de ideal de ego e superego e o interesse de Freud pelos problemas ligados à agressão estimulados pela violência da Primeira Guerra Mun dial masoquismo e depressão melancóli ca Esses conceitos conduzem a uma nova relação do indivíduo sujeito com outros indivíduos objetos e sua articulação não encontra lugar no modelo topográfico O modelo estrutural criado então por Freud para substituir o topográfico leva a uma nova teoria da ansiedade Ini bições sintomas e ansiedade36 e a um apro fundamento no entendimento das defesas do ego com o surgimento da psicologia do ego As implicações técnicas do mode lo incluem preocupações sobre como o ego se adapta aos diferentes níveis de conflito e a análise dos mecanismos de defesa Qua dro 81 ALGUMAS EVOLUÇÕES PÓSFREUDIANAS O que ocorreu com Freud também se pas sou com outros pensadores psicanalíticos que pressionados por realidades clínicas 158 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs QUADRO 81 MODELOS E ESTRUTURA DAS TEORIAS PSICANALÍTICAS DE FREUD Primeiro modelo Segundo modelo Terceiro modelo Período na obra de Freud Denominação Organizadores Conflito Sintoma Modelo de tratamento Impreciso 1897 Teoria do trauma afetotrauma Memória de um abuso sexual na infância Memória com afeto excedente era inaceitável para os padrões morais e as condutas do paciente Energia afetiva era grande demais trauma real para ser assimilada pela consciência igualada ao ego Era então forçada para fora dela reprimida e tinha que encontrar um meio de expressão indireta Recuperação da emoção com a memória associada à consciência sendo o afeto liberado por meio da abreação catarse com a consequente assimila ção do conteúdo mental rejeitado pela consciência 18971923 Modelo topográfico Inconsciente précons ciente consciente Conflito interno entre a expressão da pulsão e a instância de censura A atitude protetora defensiva da repressão ao agir sobre a pulsão ameaçadora leva a uma nova expressão retorno do material reprimido em uma época posterior sob a forma de sintoma parapraxia atos falhos sonho identificado como resultado de fantasias de realização de desejos que buscam a superfície ou atividade artística criativa Fazer consciente o inconsciente por meio da análise da resistên ciatransferência da interpretação dos sonhos dos atos sintomáticos e da associação livre 19231939 Modelo estrutural Id ego e superego isso eu supereu Conflito entre as estruturas entendidas por meio de suas representações psíquicas A angústia sentida pelo ego é o sinal de desprazer que leva o ego a se colocar em posição de defesa desenca deando a repressão e a formação de sintomas O sintoma é simultaneamente representante do reprimido diante do ego e território estrangeiro para o ego37 produz também por via indireta de satisfação pulsional uma satisfação substitutiva deformada e irreconhecível sentida paradoxalmente como sofrimento e geradora de desprazer e nova angústia Como o ego se adapta aos diferentes níveis de conflito e a análise dos mecanismos de defesa Psicoterapia de orientação analítica 159 diversas e estando envolvidos em outros contextos culturais e científicos identifica ram novas nuanças nos fenômenos obser vados transformando o modelo freudiano de mente A identificação nos consultórios de pacientes deprimidos psicóticos frontei riços portadores de transtornos de caráter ou de falhas profundas na organização do narcisismo deu origem ao questionamento do modelo pulsional Diante da dificulda de em trabalhar com as novas organizações patológicas os psicanalistas dividiramse houve os que procuraram aperfeiçoar o modelo vigente e os que propuseram ino vações teóricas que equivaliam a um novo modelo38 Alguns romperam com os con ceitos nucleares afastandose da própria psicanálise Por partirem de contextos bastante diversos e de intuições diferentes os modelos de mente criados ainda que mantendo os conceitos centrais passaram a lidar com fenômenos a partir de diferen tes olhares e linguagens promovendo o que tem sido chamado com fre quência na lite ratura de babel psicanalítica181939 Tomando como base os ângulos en focados por Freud em suas descobertas de senvolveramse modelos teóricos e a partir deles as chamadas escolas psicanalíticas Assim para citar alguns exemplos a ênfase no modelo estrutural e na análise do ego e de suas defesas pressionada pela cultu ra pragmática anglosaxã principalmente americana foi a base da chamada escola da psicologia do ego de cujas insuficiên cias teóricas originouse um novo modelo o da psicologia do self H Kohut Des te por sua vez influenciadas também por estudos recentes sobre teoria da comunica ção teoria dos sistemas sociais cibernética teoria determinista do caos e da complexi dade4041 derivaram as escolas intersubje tivistas interrelacional interpessoal inte racional construtivista social e uma nova escola de relações de objeto ver adiante Partindo do estudo da paranoia e do atendimento de psicóticos e também como uma reação às mudanças de mode lo propostas pela psicologia do ego surge o modelo de Lacan que se propõe a uma releitura do modelo freudiano influen ciado entre outros pelo pensamento es truturalista de LéviStrauss pelos estudos linguísticos de Saussure e pelo enfoque fi losófico de Hegel e Heidegger38 A partir dos estudos freudianos sobre a ansiedade e sobre os processos de luto e identificação e das necessidades clínicas ge radas pelo atendimento de crianças tendo sido influenciada pela dialética hegeliana42 Melanie Klein desenvolveu seu trabalho ver a seguir Das insuficiên cias teóricas de seu modelo surgiram os estudos de D Winnicott influenciado pelo pensamento de Heidegger MerleauPonty e Husserl43 e de W R Bion ver a seguir UM EXEMPLO DETALHADO DE MUDANÇAS DE MODELO A PASSAGEM DE FREUD PARA MELANIE KLEIN E DESTA PARA BION Klein modificou a forma freudiana de pen sar a mente humana de um modelo expla natório causal para um modelo descritivo fenomenológico Isso equivale a dizer que ao observar os fenômenos da imaginação infinitos em suas possibilidades distan ciouse de um modelo finito de distribui ção de energias mentais Em função dessa abordagem ampliou a descrição feita por Freud sobre a divisão da mente dando 160 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lhe um papel central Concluiu que não vivemos em um mundo mas em dois o da realidade externa dos objetos externos e de suas relações e um mundo interno tão real quanto o primeiro com seus objetos internos e suas vívidas interações Nas pa lavras de Meltzer22 isso deu um significado inteiramente novo ao conceito de fantasia de modo que a fantasia inconsciente pas sa a ser vista como uma transação uma trama realmente ocorrendo no mundo interno e aos sonhos que começam a ser vistos como quadros pictóricos dessa vida paralela a vida onírica que ocorre per manentemente durante o sono ou a vigília Assim o conceito freudiano de su perego pôde ser expandido e transforma do no conceito de objetos internos a rea lidade psíquica pôde ser tratada de uma forma concreta como um lugar onde ocorrem transações e onde estão sendo dados ou gerados os significados que se rão atribuí dos ao mundo externo22 Em outras palavras o mundo externo passa a ser vivenciado a partir dos significados que lhe são atribuídos pelo mundo interno O narcisismo apesar de não explicitado na obra de Klein evolui para um conceito mais interacional ligado a configurações emocionais em que a mente oscila entre as relações objetais e o retraimento narcísico Essas configurações emocionais descritas por ela como posições representam uma outra consequência da alteração do modelo de mente privilegiado por essa autora Nesse modelo as emoções ocupam um papel central e a mente é entendida como lidando com significados e valores A transferência passa a ser considerada não mais uma lembrança do passado mas a externalização do presente imediato do mundo interno como tal é vista como rea lidade psíquica As interpretações deixam de ter o sentido do como se para se trans formarem no é e os pacientes não são mais vistos como se estivessem sofrendo de lembranças mas vivendo no passado ou em um outro plano de funcionamento mental O processo analítico centrase na localização e na interpretação da ansiedade emergente em cada sessão em uma tenta tiva de tornar conhecido o mundo interno reduzindo as dissociações e projeções de modo a poder alcançar e ultrapassar a posi ção depressiva com o luto pelos objetos e a consequente integração destes Ao fim de sua teorização Klein cunhou o concei to de identificação projetiva que alterou parte de seu modelo mental e foi ponto de partida de seus colaboradores e seguidores tendose di fundido a praticamente todos os demais mode los psicanalíticos A partir dessa noção a men te não fica mais restrita a dois mundos mas a tantos quantos os processos de divisão e iden tificação projetiva gerarem cada qual com seu funcionamento independente A compreensão desse fenômeno pro duziu novas possibilidades de interação com o mundo externo e a participação do outro na vida mental com inúmeros desdobramentos posteriores tais como a influência da contratransferência no pro cesso analítico Este último conceito e suas implicações técnicas foram desenvolvidos por contribuições posteriores às de Klein Wilfred Bion partindo de uma for mação kleiniana foi influenciado pela cul tura indiana em que nasceu por sua vivên cia no exército pelo pensamento de Hume Wittgenstein Mach e Kant pelos mate máticos Poincaré e Frege pelos escritores Milton e Keats pelos físicos Heisenberg e Einstein44 Suas necessidades clínicas pro vieram do atendimento de grupos e de pa cientes psicóticos Ele elaborou um novo modelo de desenvolvimento baseado em outra concepção da mente Psicoterapia de orientação analítica 161 Descreveu o desenvolvimento da mente como um processo complexo estruturado passo a passo que não pode ser comparado com as for mas biológicas de crescimento De acordo com ele a mente se desenvolve autonomamente ela se constrói aproveitando experiências Isso altera a concepção kleiniana da relação do bebê com o seio alvo de divisões idealiza ções e projeções e considera a relação do bebê com a mãe o grande modulador da dor psíqui ca que permite ao bebê prosseguir em seu de senvolvimento Bion assumiu a visão de que a mãe deve realizar funções mentais para o bebê que este pode apreender por um processo de internali zação e principalmente por a mãe estar dis ponível para servir como um modelo pensante organizador a ser introjetado O centro desse modelo é a ideia de que a mãe realiza a fun ção de pensar pelo bebê devolvendo a este o que ele lhe jogou como ansiedade incompre ensível sob forma de partes perturbadas proje tadas isso permite que o bebê desenvolva a di ferença entre consciente e inconsciente entre pensar e sonhar45 A tolerância à frustração e a conse quente possibilidade de desenvolver o pri meiro pensamento com a experiência da ausência da mãe são também elementos cruciais na compreensão desse modelo O estudo dessas funções levou à descrição de um modelo da mente que privilegia a ex periência emocional e a coloca como o cen tro do significado para que a mente cresça e se desenvolva a experiência emocional das relações íntimas deve ser pensada compreendida e transformada em signifi cado4246 Assim as emoções passam a ser os elos bá sicos que permitem a integração do self Essa ênfase em uma teoria do pensamento baseada em uma teoria das relações de objeto permitiu a Bion agrupar as emoções básicas amor L ódio H e desejo de conhecer K e seus opos tos L H K Essa formulação fornece a base para que posteriormente haja um desloca mento do conflito básico considerado por Freud entre o amor e o ódio para a emoção e a opo sição à emoção Tal ideia converge para um conceito central na perspectiva dos chamados klei nianos atuais que é o de ataque ao víncu lo emocional ataque ao pensamento e ao conhecimento As ideias de Bion ampliam o conhecimento sobre o narcisismo a divi são e a identificação projetiva a existência de partes psicóticas da personalidade e central para a técnica psicanalítica atual a participação ativa da contratransferência na construção do processo analítico O desenvolvimento dos conceitos contidos em cada um dos modelos traz al terações à teoria da técnica e portanto à prática da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica No modelo bio niano utilizado como exemplo grande parte da compreensão da transferência e portanto do mundo interno do analisando passa a ser resultado da percepção e do en tendimento de como o paciente mobiliza o mundo interno do terapeuta nas sessões e de como este age sobre aquele permitindo um acesso a formas mais sutis de manifes tação dos complexos mecanismos primiti vos de funcionamento da vida mental Deixouse de acreditar que uma in terpretação por mais correta que seja produza em si mesma uma mudança imediata assim como se tornou parte essencial de nossa técnica a busca de contato emocional com o paciente o que só é possível ser identificado se le varmos em conta o funcionamento do psiquismo como um todo Na sessão isso implica termos nossa atenção vol 162 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tada para as mudanças mínimas que ocorrem na transferência e na contra transferência antes e após interpretar mos47 A função da interpretação passa a ser a de integrar por meio do movimento de significação da experiência emocional as pectos dissociados excindidos da perso nalidade por identificação projetiva per mitindo um fortalecimento do ego e uma maior capacidade de construir novos sig nificados o que possibilita a expansão da mente A noção de um movimento contí nuo de rupturas em partes fragmentação e construções do todo integração expres so por PSD movimento contínuo entre as posições esquizoparanoide e depressiva leva conforme o modelo bioniano à con sideração técnica de um analista paciente mente aguardando mentalmente não sem atividade em um estado semifragmenta do até que a realidade emocional da sessão assuma seu lugar e produza significado TRÊS EXEMPLOS DE TENSÃO ENTRE MODELOS Conforme já destacado novas necessida des clínicas e intuições promoveram for mas originais de pensar a mente humana Sua natureza imaterial complexa e subje tiva torna muito difícil o estabelecimento de critérios objetivos de refutabilidade e de especificidade dos modelos a possibilida de de verificação de que um modelo é mais útil ou mais específico para determinada situação clínica Novas e antigas teorias convivem portanto e permanecem em tensão Se por um lado isso conduz ao diálo go e ao crescimento do conhecimento por outro pode provocar rupturas principal mente pela identificação pessoal ou grupal com certas características das teorias Isso leva a um investimento em algumas ma neiras de pensar e trabalhar independen temente das capacidades explicativas ou da abrangência de determinados modelos Estão sintetizadas a seguir apenas à guisa de exemplificação três das principais tensões contemporâneas entre diferentes modelos psicanalíticos da mente Pulsão versus relações com o objeto O seio bom que amamenta e inicia a relação amorosa com a mãe é o re presentante do instinto de vida sendo também sentido como a primeira ma nifestação da criatividade48 A libido não busca o prazer busca seu objeto49 Há duas maneiras principais no pen samento psicanalítico de compreender a natureza da experiência humana A primei ra define as pulsões e suas interações como estando na origem dessa experiência e a se gunda coloca os outros seres humanos os objetos por contraposição a si mesmo ao sujeito como sua fonte originária Al guns autores15385051 consideram que essa diferença corresponde aos dois paradigmas princípios organizadores fundamentais da psicanálise e sua principal fonte de ten são teórica As demais tensões e os diferen tes modelos criados seriam por essa visão desdobramentos dessa primeira Eventualmente o modelo pulsional é chamado de modelo da pulsãoestrutura15 pelo tipo de organização estrutural que a pulsão promove A expressão é contraposta a relaçãoestrutura correspondendo ao ti po de organização estrutural promovida pelas relações de objeto Segundo Green berg e Mitchell15 Psicoterapia de orientação analítica 163 a investigação de Freud colocouo frente ao que considerou as profun dezas da experiência humana locali zando tanto a motivação para o mo vimento psíquico como a energia que possibilitava toda atividade mental na figura da pulsão O conceito de pulsão foi concebido como já mencionado conforme uma for mulação teórica uma abstração para pro curar expressar a transformação de estí mulos biológicos em elementos psíquicos Freud buscou construir toda a teoria psi canalítica em torno desse conceito Portan to as motivações últimas nesse modelo seriam oriundas das necessidades geradas pelo corpo Como decorrência da teoria pulsional a repres são como mecanismo básico de regulagem da pulsão assume um papel nuclear na pró pria constituição do inconsciente Noções con sequentes como investimento representação resistência defesa transferência como memó ria passada a teoria inicial sobre a ansiedade e as fases do desenvolvimento da libido foram concebidas com base nesse princípio organiza dor para dar conta das várias nuanças do de senvolvimento humano de sua patologia e de seu método de tratamento A inequívoca importância dos outros seres humanos na constituição da mente do indivíduo fez o próprio Freud duran te seus estudos sobre o narcisismo o luto e a psicologia de grupo complementar seu conceito de objeto A noção de objeto havia sido introdu zida muitos anos antes inicialmente como objeto da percepção e depois como objeto da pulsão por meio do qual é possível que a pulsão atinja sua finalidade o prazer35 Uma característica importante desse objeto é a de não ser organicamente predetermi nado ao contrário do objeto de um ins tinto que é fixo e herdado O da pulsão é variável e substituível52 De certo modo ele é constituído construído por meio das ex periências de satisfação e não satisfação da pulsão vividas pela criança nos primeiros anos de vida35 Os mencionados estudos sobre o nar cisismo sobre os processos de luto e sobre a psicologia de grupo promoveram uma evolução do conceito em direção ao obje to da identificação identificação primária constituição do sujeito ou da introjeção objeto interno formador do ideal de ego e posteriormente do superego53 Essas novas constatações levaram Freud a modi ficar seu modelo topográfico procurando manter a centralidade da pulsão no novo modelo estrutural como referido As já aludidas novas necessidades clínicas vi vidas em novos contextos culturais e científi cos permitiram intuições que deslocaram a pulsão de sua centralidade Inverteram o centro da motivação colocando na relação com o ob jeto a origem dos espaços mentais da emocio nalidade da subjetividade do pensamento en fim de todas as transformações necessárias à experiência humana A noção de objeto em psicanálise é imprecisa Além de proposta em um ele vado nível de abstração como em objeto interno há em razão de sua natureza e função em cada modelo uma penum bra em seu significado que evolui de um objeto da percepção a uma estrutura en dopsíquica com vitalidade e status de uma quase pessoa51 Há excelentes revisões a respeito por exemplo em Baranger51 San dler e Sandler54 e Hinshelwood55 Os pioneiros dessas modificações fo ram R Fairbairn Melanie Klein e JO Wis dom de modo independente na Inglaterra 164 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs HS Sullivan nos Estados Unidos e J La can na França Cada um com modelos de dimensões abrangências e princípios orga nizadores distintos com implicações para a teoria da técnica WR Bion D Winni cott D Meltzer E Jakobson H Kohut M Mahler O Kernberg RD Storrolow S Mitchell J Laplanche A Green JB Pon talis P CastoriadisAulagnier D Anzieu e R Kaës são alguns dos principais seguido res desses pioneiros cada um com proposi ções de novos modelos ou com importan tes evoluções dos anteriores também com implicações para a teoria da técnica Mais recentemente na América do Sul Berens tein e Puget56 partindo da experiência com famílias casais instituições e grupos e fun damentados na centralidade das relações de objeto propuseram um novo modelo a teoria vincular Modelos intrapsíquicos e intersubjetivos Outra importante fonte de tensão teórica é o confronto entre os modelos intrapsíqui cos e os intersubjetivos também expresso como tensões entre a oneperson psycholo gy e a twoperson psychology5759 ou ain da tensões contidas nas discussões sobre o predomínio do sujeito ou do grupocultura no estabelecimento de estados mentais e do mundo interno propriamente dito Ainda que cada uma dessas formulações englobe diferentes nuanças e contextos da teoria e da técnica estarão aqui reunidas em torno de seu modelo comum por questões de es quematização e espaço Colocadas como um desdobramento da relação do indivíduo com os outros a questão não é so mente a da origem da mente e sua motivação mas a do comportamento da mente como siste ma De um lado a mente é vista como unitária individual influenciada somente de modo se cundário por outras mentes um sistema fecha do De outro é considerada parte de um conjun to em permanente troca com as outras men tes com espaços compartilhados um sistema aberto Os termos aberto e fechado servem fa cilmente a preconceitos havendo a ten dência a associar aberto a progressista e fechado a conservador retrógrado adqui rindo uma apreciação moral alheia ao espí rito necessário à compreensão dos modelos Os estudos iniciais de Freud já abor dados conceberam a mente humana como uma unidade individual como um sistema fechado que se constituía a partir de fon tes biológicas internas e que se relacionava com outros sistemas outros indivíduos os quais tinham apenas um papel secundá rio em sua constituição e manutenção No extremo intrapsíquico do espectro formado por esses modelos o foco de atenção é o que ocorre com a mente de uma pessoa considera da isoladamente Os processos são originados de modo integral dentro de sua própria men te e em última instância voltados a ela mes ma Nesse modelo a transferência parte exclu sivamente do paciente de seu passado e é vi vida no presente com a figura do psicanalista psicoterapeuta apenas como seu representan te Este último dentro desse modelo constrói o setting na abstinência e na neutralidade e formula interpretações a partir de sua própria mente também isolada Nesse polo a contra transferência é vista como um obstáculo à ob jetividade da escuta psicanalítica A partir dos novos modelos que defi niram o objeto como central à experiência Psicoterapia de orientação analítica 165 diferentes relações e influências do objeto foram conjeturadas No cenário clínico uma das decorrências iniciais dessa evolu ção foram os estudos sobre a identificação projetiva e a contratransferência e sua in trodução como instrumento de auxílio à escuta e à interpretação Em outras áreas do conhecimento as considerações sobre o papel do observador como modificador daquilo que é observado passaram a influir no cenário das ciências e das próprias teo rias sobre o conhecimento Essa conjunção de movimentos promoveu o deslocamento do eixo para uma visão voltada para a in tersubjetividade Formulada de forma sintética a evolução des sas investigações levou à concepção de que com os limites do corpo e da biologia a cons tituição da mente depende da interação com o mundo exterior e com as qualidades reais do objeto principalmente as qualidades incons cientes O sujeito individual se constitui e se define no espaço individual e também no cole tivo no contato com os outros Ao se autoorga nizar a mente está em processo de constan te intercâmbio com o meio tornando a reali dade psíquica uma função da interação entre seus componentes nos contextos social cultu ral familiar e interpessoal sendo mais do que a soma de partes Nesse modelo a existência de espaços psíquicos comuns e partilhados com outros deve ser considerada e o indivíduo pensado como um sistema aberto de indivídu os interrelacionados em constante mutação e reorganização A tensão entre o indivíduo e o grupo o narcisismo e o socialismo1 é permanen te O modelo é influenciado pelas teorias deterministas do caos e da complexidade pela teoria da comunicação pela teoria dos sistemas sociais e pela cibernética Passam a ser considerados os fenômenos de campo e intersubjetividade6063 O papel das iden tificações projetivas adesivas transgeracio nais do falso self e da alienação do sujeito toma vulto Na técnica a fantasia do campo uni dade entre a autorreferência e a referência externa forma uma nova unidade exi gindo do terapeuta um novo olhar um olhar de segunda ordem de um segundo tempo por estar na condição de observa dor inserido em um sistema Essas novas condições do modelo levam a uma nova dimensão da observação que deve incluir a incerteza em suas implicações teóricas A visão intersubjetivista radical con sidera que o sujeito individual se constitui e se define no espaço coletivo intersubjetivo e que os aspectos individuais são existentes porém incognoscíveis tendo visibilidadde apenas no campo intersubjetivo O valor dessa alteração de perspectiva para a teoria da técnica psicanalítica e psicoterápi ca é muito significativo dando à pessoa real do terapeuta importância definitiva Algumas alterações técnicas nela apoiadas envolvem a revelação da contratransferência ou nes sas condições da transferência do analista e de situações pessoais do terapeuta na tenta tiva de construção da interpretação conjunta cointerpretação de significados produzidos pela nova unidade interacional pacientetera peuta cocriação à medida que a relação te rapêutica acontece6367 Pelo fato de a mudança ser relati vamente recente de o espectro das novas possibilidades ser amplo e de o momento institucional assim favorecer ocorreram agrupamentos variados com distintas de nominações bem como diferenças de in terpretação da nova teoria principalmen te nos Estados Unidos correspondendo à psicanálise intersubjetivista à interre lacional à interpessoal à interacional à 166 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs construtivista social e à nova escola ameri cana de relações de objeto não confundir com a escola inglesa de relações de objeto cujos precursores são Fairbairn e Melanie Klein Algumas críticas a essa tese irre mediavelmente intersubjetiva ou à subje tividade irremediável do analista65 são no sentido de que se perderia a especificidade dos conceitos de personalidade caráter e inconsciente além de questões epistemoló gicas e de coerência conceitual6869 Conflito versus déficit Vemos a mente humana por sua pró pria natureza compelida a manobrar constantemente entre duas forças ba sicamente opostas das quais se deri vam todas as emoções sensações de sejos e atividades A mente jamais poderá escapar ao conflito e jamais poderá ser estática deve evoluir sem pre estar sempre em marcha de um modo ou de outro e empregar sem pre seus dispositivos mediadores para estabelecer um equilíbrio entre os seus impulsos antitéticos É o resulta do bemsucedido de tais dispositivos e recursos que gera os estados de har monia e unicidade estados esses que são ameaçados por fatores endógenos e exógenos E como os instintos são inatos temos de concluir que existe uma certa forma de conflito desde o princípio da vida70 A noção de conflito psíquico foi in troduzida por Freud71 desde seus primei ros escritos psicanalíticos em 1894 na bus ca de uma explicação causal uma etiologia psíquica para os sintomas histéricos O de senvolvimento do pensamento freudiano colocou o conflito psíquico na origem dos sintomas neuróticos em geral da formação do caráter e finalmente de toda a ativida de psíquica A atividade mental o psiquis mo e a própria mente passam a ser vistos como uma formação de compromisso um resultado da interação de necessidades exigências internas pressões ou forças an tagônicas Em função daquilo que é considerado originário do modelo vários são os níveis de antagonismo que podem constituir o conflito prazer e desprazer desejo e sua repressão instintos sexuais e de sobrevi vência pulsão e defesa pulsão de vida e pulsão de morte conflito intersistêmico entre as instâncias ego e id ego e supere go pensamentos ideias e partes do self emoção e oposição à emoção significação e retirada da significação tradução e não tradução Pelo que já foi exposto é possível concluir que os modelos de Freud Mela nie Klein e Bion e seus desenvolvimentos posteriores os assim chamados grupo de kleinianos atuais neofreudianos fran ceses pensamentos de Green Laplanche Botella bem como a teoria da psicologia do ego para citar alguns exemplos são ba seados em algum tipo de conflito psíquico que dá origem ao aparelho mental e às suas disfunções Como princípio organizador o conflito pressu põe um certo grau de diferenciação estrutural entre self e objeto72 Para haver um conflito é necessário que mesmo no funcionamento ini cial mais primitivo haja atividade mental para constituirse a oposição Nesse modelo o déficit poderia ser uma sensação uma ilusão resulta do de uma defesa identificação projetiva ma ciça cisão ou forclusão por exemplo ou de um ataque ao próprio self aos vínculos que consti tuem a própria mente para livrarse da angús tia como na teoria de Bion73 Fairbairn é citado por muitos estudiosos dessas novas tendências como precursor do pensamento intersubjetivista e interrelacional Psicoterapia de orientação analítica 167 O modelo do déficit parte do princípio or ganizador de que não havendo estímulo exter no adequado uma cadeia de desenvolvimento deixa de existir em que partes ou toda a men te podem parar de se desenvolver Em concor dância com esse princípio há maior passivida de do indivíduo menor diferenciação entre as estruturas e entre self e objeto podendo mes mo permanecerem em indiferenciação Por exemplo na criança a manutenção da ideali zação do selfobjeto7475 por falta de empatia do cuidador com seu processo maturacional o que impede o desenvolvimento do self O autor compara isso à falta de oxigênio para a crian ça respirar O modelo do déficit implica uma falta real A deficiência de algo essencial resulta em uma incapacidade de desenvolver toda uma cadeia de funções da personalidade em seu lugar estabelecese um vazio um déficit Este somente será preenchido por outros aspectos da personalidade que não deveriam estar naquela cadeia de desenvol vimento Tratase de uma sobreadaptação um falsoself É o modelo predominante em Winnicott e Kohut e de certo modo em Lacan A diferenciação entre esses dois cami nhos do psiquismo tem como consequên cia uma distinta compreensão do material do paciente nas sessões e uma diferente teoria da técnica para atingir mudança ou desenvolvimento psíquico A técnica que se origina da compreensão da mente baseada no conflito será a da interpretação do con flito A técnica derivada do reconhecimen to de uma falha de um déficit de desenvol vimento será a de reconstituição do de senvolvimento interrompido por meio de uma ação do analista p ex manutenção da idealização do analista que por uma adequada proporção de frustrações e grati ficações permite o desenvolvimento de um self independente OS MODELOS NA PRÁTICA CLÍNICA NA SESSÃO Ao nos propormos a utilizar uma técnica de orientação psicanalítica oferecemos ao paciente um modelo de escuta particular no qual independentemente da eventual escola de afiliação aquilo que é trazido de forma verbal ou não verbal para a sessão será recebido pelo psicanalistapsicotera peuta e transformado em sua mente à luz de seu próprio modelo psicanalítico inter nalizado sua teoria implícita privada76 Esse modelo internalizado dependerá da interação entre a formação do psicanalis tapsicoterapeuta seus supervisores profes sores leituras e o contato com seu próprio mundo interno ligado portanto direta mente a sua personalidade às suas vivências e ao seu próprio tratamento psicanalítico Quando surgem eventuais deficiências des se modelo pessoal do psicanalistapsicotera peuta por falha na formação na internaliza ção ou porque o modelo teórico é insuficiente para aquele específico aspecto da compreensão do mundo interno do paciente a lacuna tenderá a ser preenchida pelo modelo de funcionamen to mental não necessariamente psicanalítico que ocorrerá de forma espontânea ao psicana listapsicoterapeuta59 É importante sublinhar que mesmo sem percebermos todos construímos de forma espontânea modelos do funciona mento mental e dependendo de nossas vivências ou de nossas possibilidades emo cionais que geram nossa maneira de ver a mente e do grau de contato com nosso próprio inconsciente tangenciamos mode los psicanalíticos Essa teoria implícita poderá dar ori gem a uma intervenção do psicanalistapsi 168 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs coterapeuta que estará ou não adequada ao modelo de mudança psíquica objeti vado Tal movimento repete a história da criação de modelos em psicanálise abor dada anteriormente Depende de uma série de fatores o destino dessa teoria implíci ta Alguns deles são o grau de investimen to narcísico na nova teoria pelo psicana listapsicoterapeuta sua disponibilidade em recorrer a supervisão ou ir em busca do que já foi descrito sobre aquele aspecto Em contraponto dependendo da tolerância ao novo da capacidade para intuição do alcan ce da nova abstração do talento para integrar essas intuições e da disponibilidade de tornar pública suas conjeturas existirá a possibili dade de elas serem discutidas e avaliadas por outros vindo a contribuir ou não com o corpo teó rico geral CONSIDERAÇÕES FINAIS Se de fato o objeto se constrói com o método conforme o princípio episte mológico de Bachelard a construção do saber do inconsciente não pode ser dissociada das condições de sua ela boração Por aí o campo do conhe cimento psicanalítico se mostra con gruente com as características de seu objeto próprio ele é infinitamente aberto mas acessível na proporção do rigor da sua metodologia77 Diante do exposto é possível afirmar que a teoria psicanalítica é viva dinâmica está em permanente avaliação e atualiza ção Seu contato com a cultura e com a ciência é expresso na abundância de novas teorias consistentes provenientes de reali dades clínicas atuais e da disponibilidade de novos elementos e paradigmas do co nhecimento maior Seu objeto de estudo pelas carac terísticas já expostas tem dimensões não conhecidas sendo infinitamente aberto mas acessível na proporção do rigor da sua metodologia Seu campo de verificação seu laboratório reside no atendimento de milhares de pacientes por profissionais com treinamento adequado podendo sua teoria ser confirmada ou refutada pe las duplas pacienteterapeuta o que a faz se desenvolver ou ser substituída10 Seus modelos são sempre parciais corres pondendo a reducionismos de uma totalida de inapreensível Por terem essas característi cas tendem a não estar em complementarida de uma vez que seus princípios organizadores promovem dimensões diferentes de observação e não apenas vértices diferentes de uma mes ma dimensão Os fenômenos clínicos observa dos por um podem não ter nenhuma correspon dência no modelo de outro Por exemplo fundamental ao pensa mento winnicottiano e à sua compreensão da experiência emocional e da patologia o espaço transicional não encontra lugar na teoria freudiana ou kleiniana Por essa pluridimensionalidade é provável que nunca haja uma teoria inte grada ou única ainda que os modelos pos sam ser progressivamente mais abrangen tes e com valores heurísticos maiores Alguns modelos provavelmente são mais ade quados a determinados fenômenos clínicos Psicoterapia de orientação analítica 169 porém é improvável que possamos transitar por mais do que um ou dois deles sem cairmos na intelectualização na superficialidade ou na incongruência Como já assinalado identificamonos com o modelo Para evoluirmos teremos que mudar um paradigma interno Po de ser que não consigamos fazer isso com muita frequência E em relação à psicoterapia de orien tação psicanalítica seria possível identifi carmos um ou vários modelos psicanalíti cos da mente que refletem a ação psicote rápica Essa pergunta se inspira nas ideias expostas nas seções anteriores de que todos os modelos abarcam uma versão reduzida de um fenômeno de dimensões maiores e de que cada modelo em função de sua visibilidade do psiquismo e de sua dinâmica própria implica um tipo de mudança psíquica e uma teoria da técnica para atingila Qual o movimento psíquico esperado ao longo de uma psicoterapia de orientação psicanalítica Não haverá um modelo psi canalítico da mente implícito na busca des se movimento Não se trata de um retorno à ideia do ouro da psicanálise versus o cobre da psicoterapia de orientação psicanalítica Assim como nos modelos psicanalíticos apresentados não se trata de um modelo de ouro e outro de cobre Ao contrá rio valorizar a psicoterapia de orientação psicanalítica poderá significar a utiliza ção do rigor metodológico para explicitar a abrangência e os limites de seu modelo suas incongruências e insuficiências coe rentes com os movimentos esperados Utilizando uma comparação teme rária não é preciso usar a teoria da rela tividade ou suas sucessoras para calcular o tempo que um automóvel levará para percorrer 10 km a 60 kmh Os conceitos derivados do modelo da física newtoniana são suficientes Não poderíamos pensar o mesmo em relação à psicoterapia Essa investigação não poderia auxiliar no de senvolvimento de instrumentos técnicos específicos necessários E também no ti po de formação e treinamento que deverá ter o profissional qualificado a exercêla É possível que por esse meio estejamos qualificando nosso instrumento man tendo nosso contato com o inconsciente e com o humano com suas qualidades e limitações em vez de nos limitarmos à busca de regras e de outros argumentos de autoridade tão distantes do conhecimen to frutífero e da real necessidade daqueles que nos procuram Nos últimos anos o grupo de Peter Fonagy em Londres e o The Boston Chan ge Process Study Group BCPSG propuse ram modelos de compreensão de alguns fe nômenos psíquicos e modelos promotores de possível mudança psíquica com grande aceitação na comunidade psicoterápica e psicanalítica Entendo que de forma mais ou menos explícita propõem modelos que se enquadram nessa possibilidade de construção de um modelo de base psicana lítica da mente para o trabalho psicoterá pico Seria imprudente e inadequado em um espaço tão restrito quanto o fim deste capítulo tentar comentar avaliar ou criti car suas abrangências resultados ou limi tações Entretanto creio que por motivos a meu ver complexos e equivocados têm sido considerados modelos psicanalíticos abrangentes da mente e suficientes para substituir os modelos expostos neste capí tulo de elevada coerência complexidade e valor heurístico 170 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O ser humano compreende a si próprio e o mundo por meio da construção de esquemas ou modelos inicialmente involuntários e individuais Depois é possível terem sua complexidade aumentada e podem ou não ser compartilhados com os demais 2 Para se construir um modelo são necessárias curiosidade e capacidade de suportar a angústia vincu lada à incerteza podendo assim aproximarse do desconhecido Constróise então um esquema mental um modelo concebendose imaginariamente aquilo que está observando suas propriedades e relações com algum tipo de experimentação do teste da realidade ao método científico avaliase a adequação e a utilidade do modelo ampliandoo ou substituindoo 3 Um modelo é intermediário entre uma intuição e uma teoria e necessariamente provisório 4 Essa é a hipótese predominante nos dias atuais para a construção do conhecimento tanto individual como na área das ciências em programas de investigação científica com a utilização do método científico principalmente de experimentos controlados de validação e de falseabilidade ou do saber em geral validado ou refutado por meio de métodos próprios a sua área de abrangência e conhecimento 5 Um modelo da mente é a forma como se imagina que existe se constitui se organiza e exerce suas funções aquilo que é específico e essencialmente humano a mente Em função de seus princípios organizadores existem diversos modelos da mente psicológicos filosóficos sociológicos antropológi cos entre outros Quando um conjunto de formulações inclui a consideração de que a atividade mental é baseada no papel central de um inconsciente dinâmico estamos diante de um modelo psicanalítico da mente 6 Cada modelo da mente tem seu próprio princípio organizador sua própria episteme É oriundo de saltos teóricos rupturas maiores ou menores em relação aos modelos dos quais se originou Utilizase de modo velado ou explícito de pensamentos não psicanalíticos que influenciaram a cultura na qual seus fundadores estavam imersos zeitgeist É em geral fruto de necessidades geradas na própria clínica decorrentes da insuficiência dos modelos anteriores em dar conta de determinados fenômenos psíqui cos patológicos ou não com consequências na técnica psicanalítica e psicoterápica1819 7 Freud procurou construir uma ciência explanatória que pudesse provar seus achados encontrando seus fatores e agentes causais organizados em forma de leis e princípios gerais Percebia o cérebro e a mente como fenomenologicamente idênticos e estava preocupado com o modelo neurofisiológico a hidrostase a termodinâmica e o conceito darwiniano de evolução da mente 8 Esse conjunto determinou o modelo de inconsciente construído por Freud estabelecendo a centralidade dos conceitos de pulsão formulação teórica para tentar expressar a transformação de estímulos em elementos psíquicos e repressão Decorrem dessa formulação noções como investimento representa ção resistência defesas fases do desenvolvimento da libido a teoria inicial sobre a ansiedade a transferência como revivência de uma memória passada e a realidade psíquica 9 A enfermidade mental em um primeiro momento era concebida como resultante de inibições especifi camente da vida sexual depois por outra visão mais estrutural era entendida no sentido de um con flito entre pulsão e defesa Em um terceiro momento também pôde ser vista como um conflito de índole ética e moral entre ego e superego amor e ódio 10 No modelo freudiano os sonhos são atividades mentais de descarga que garantem o processo neurofi siológico do dormir e a emocionalidade não são o centro da vida mental mas assumem um papel indicador de um funcionamento mental como poderiam fazer a fala ou os movimentos musculares voluntários O narcisismo é visto sob vários ângulos mas destacase como uma teoria sobre a natureza da libido e sua vinculação com o corpo Desse modo a transferência devido ao modelo hidrostático neurofisiológico é vista como uma repetição do passado e o pensamento neurótico como aquele que Psicoterapia de orientação analítica 171 sofre com suas lembranças em outras palavras é atormentado por experiências dolorosas não assi miladas 11 A identificação nos consultórios de pacientes deprimidos psicóticos borderline portadores de trans tornos de caráter ou de falhas profundas na organização do narcisismo deu origem ao questionamento do modelo pulsional por vários psicanalistas pósfreudianos Estes diante da dificuldade em trabalhar com as novas organizações patológicas se dividiram houve os que procuraram aperfeiçoar o modelo vigente e os que propuseram inovações teóricas que equivaliam a um novo modelo Alguns romperam com os conceitos nucleares afastandose da própria psicanálise 12 Por partirem de contextos bastante diversos e de intuições diferentes os modelos de mente criados ainda que mantendo os conceitos centrais passaram a lidar com fenômenos a partir de diferentes olhares e linguagens promovendo o que tem sido chamado com frequência na literatura de babel psicanalítica 13 Tomando como base os ângulos enfocados por Freud em suas descobertas desenvolveramse modelos teóricos e a partir deles as chamadas escolas psicanalíticas Assim para citar alguns exemplos a ênfase no modelo estrutural e na análise do ego e de suas defesas pressionada pela cultura pragmá tica anglosaxã principalmente americana foi a base da chamada escola da psicologia do ego de cujas insuficiências teóricas originouse um novo modelo o da psicologia do self H Kohut Deste por sua vez influenciadas também por estudos recentes sobre teoria da comunicação teoria dos siste mas sociais cibernética teoria determinista do caos e da complexidade4041 derivaram as escolas intersubjetivistas interrelacional interpessoal interacional construtivista social e uma nova escola de relações de objeto 14 Partindo do estudo da paranoia e do atendimento de psicóticos e também como uma reação às mudan ças de modelo propostas pela psicologia do ego surge o modelo de Lacan que se propõe a uma relei tura do modelo freudiano influenciado entre outros pelo pensamento estruturalista de LéviStrauss pelos estudos linguísticos de Saussure e pelo enfoque filosófico de Hegel e Heidegger 15 A partir dos estudos freudianos sobre a ansiedade e sobre os processos de luto e identificação e das necessidades clínicas geradas pelo atendimento de crianças tendo sido influenciada pela dialética hegeliana Melanie Klein desenvolve seu trabalho Das insuficiências teóricas de seu modelo surgiram os de D Winnicott influenciado pelo pensamento de Heidegger MerleauPonty e Husserl e de WR Bion 16 No modelo de Melanie Klein as emoções ocupam um papel central e a mente é entendida como lidando com significados e valores A transferência passa a ser considerada não mais uma lembrança do pas sado mas a externalização do presente imediato do mundo interno como tal é vista como realidade psíquica As interpretações deixam de ter o sentido do como se para se transformarem no é e os pacientes não são mais vistos como se estivessem sofrendo de lembranças mas vivendo no pas sado ou em um outro plano de funcionamento mental 17 Ao final de sua teorização Klein cunhou o conceito de identificação projetiva que alterou parte de seu modelo mental e foi ponto de partida de seus colaboradores e seguidores tendose difundido a prati camente todos os demais modelos psicanalíticos A partir dessa noção a mente não fica mais restrita a dois mundos mas a tantos quantos os processos de divisão e identificação projetiva gerarem cada qual com seu funcionamento independente 18 W Bion descreve o desenvolvimento da mente como um processo complexo estruturado passo a passo que não pode ser comparado com as formas biológicas de crescimento De acordo com ele a mente se desenvolve autonomamente ela se constrói aproveitando experiências Isso altera a concepção klei niana da relação do bebê com o seio alvo de divisões idealizações e projeções e considera a relação do bebê com a mãe o grande modulador da dor psíquica que permite ao bebê prosseguir em seu desenvolvimento 172 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Bion WR Cogitações Rio de Janeiro Imago 2000 2 Chalmers AF O que é ciência afinal São Paulo Brasiliense 1993 3 Kuhn T A estrutura das revoluções científi cas São Paulo Perspectiva 1987 4 Bion WR Atenção e interpretação Rio de Janeiro Imago 1973 5 Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 23 6 Moreno J Ser humano la inconsistencia los vínculos la crianza 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Imago 2003 15 Greenberg JR Mitchell SA Object relations in psychoanalytic theory Cambridge Har vard University 1983 16 Sandler J Wallerstein RS Freuds model of the mind na introduction Madison Iner national Universities 1997 17 Petot JM Melanie Klein São Paulo Perspec tiva 1987 Coleção estudos série psicanáli se 1 18 Calich JC O inconsciente e suas tensões atuais Revista de Psicanálise da SPPA 2003103 19 Calich JC Prologue In Calich JC Hinz H The unconscious further reflections Lon don International Psychoanalytic 2007 20 Freud S A questão de uma weltanschauung In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 22 p 211 21 Calich JC Contribuições atuais da psicaná lise para a prática psiquiátrica desenvolvi mentos atuais da teoria psicanalítica O gru po kleiniano atual Rev Psiquiatr RS 1996 18Supl837 22 Meltzer D Vida onírica una revisión de la teoría y de la técnica psicoanalítica Madrid Tecnipublicaciones 1987 23 Meltzer D O desenvolvimento kleiniano parte I o desenvolvimento clínico de Mela nie Klein São Paulo Escuta 1989 24 Meltzer D Desarollo kleiniano parte 3 el significado clínico de la obra de Bion Bue nos Aires Patla 1990 19 Nesse modelo as emoções passam a ser os elos básicos que permitem a integração do self Essa ênfase em uma teoria do pensamento baseada em uma teoria das relações de objeto permitiu a Bion agrupar as emoções básicas amor L ódio H e desejo de conhecer K e seus opostos L H K Essa formulação fornece a base para que posteriormente haja um deslocamento do conflito básico conside rado por Freud entre o amor e o ódio para a emoção e a oposição à emoção 20 São exemplificadas três tensões comuns entre os modelos a pulsão versus relações com o objeto b modelos intrapsíquicos e intersubjetivos c conflito versus déficit Psicoterapia de orientação analítica 173 25 Spillius EB Developments in the work of Melanie Klein Int J Psychoanal 198364Pt 332132 26 Spillius EB Melanie Klein today 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the unconscious mother ton gue and foreign languages in the psychoa nalytic dimension Madison International Universities 1993 40 Spruiell V Deterministic chaos and the sciences of complexity psychoanalysis in the midst of general scientific revolution J Am Psychoanal Assoc 1993411344 41 Levenson E The interpersonal sullivanian model In Rothstein A Models of the mind and their relationship to clinical work New York International Universities 1985 p 49 67 42 Mills J Hegel on projective identification implications for Klein Bion and beyond Psychoanal Rev 200087684174 43 Loparic Z Winnicott e o pensamento pós metafísico Psicologia USP 1995623961 44 Bléandonu G Wilfred R Bion a vida e a obra 18971979 Rio de Janeiro Imago 1993 45 Bion WR Diferenciação entre a persona lidade psicótica e a não psicótica In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 46 Bion WR Learning from experience Lon don Karnac 1989 47 Barros EMR A interpretação da destrutivi dade Sl sn 1994 Mimeografado 48 Klein M Inveja e gratidão um estudo das fontes inconscientes Rio de Janeiro Imago 1974 49 Fairbairn WRD Psychoanalytical studies of the personality London Routledge Kegan Paul 1976 50 Mezan R Existem paradigmas em psicaná lise In Mezan R A sombra de Don Juan e outros ensaios São Paulo Brasiliense 1993 51 Baranger W compilador Aportaciones al concepto de objeto en psicoanálisis Buenos Aires Amorrortu 2001 52 Freud S Os instintos e suas vicissitudes In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 14 53 Merea EC Los conceptos de objeto en la obra de Freud In Baranger W compilador 174 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Aportaciones al concepto de objeto en psi coanálisis Buenos Aires Amorrortu 2001 54 Sandler J Sandler AM Internal objects revi sited London Karnac 1998 55 Hinshelwood RD The elusive concept of in ternal objects 193443 its role in the for mation of the Klein group Int J Psychoanal 19977887798 56 Berenstein I Puget J Lo vincular clínica y técnica psicoanalítica Buenos Aires Paidós 1997 57 Aron L One person and two person psy chologies and method of psychoanalysis Psychoanalytic Psychology 19907447586 58 Gill M Discussion interaction III Psychoa nalytic Inquiry 199616111834 59 Grotstein JS Integrating oneperson and two person psychologies autochthony and alterity in counterpoint Psychoanal Q 199766340330 60 Baranger W Baranger M La situación analí tica como campo dinámico In Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoa nalítico Buenos Aires Kargieman 1969 61 Ogden TH O terceiro analítico trabalhan do com fatos clínicos intersubjetivos In Og den TH Os sujeitos da psicanálise São Pau lo Casa do Psicólogo 1996 62 Ferro A Dois autores em busca de persona gens a relação o campo a história Revista de Psicanálise da SPPA 199521928 63 Ferro A O diálogo analítico constituição e transformação de mundos possíveis Revista de Psicanálise da SPPA 1996314763 64 Gerson S Neutrality resistance and selfdis closure in an intersubjective psychoanalysis Psychoanalytic Dialogues 19966562345 65 Levenson E Feiner AH The purloined self interpersonal perspectives in psychoanaly sis New York William Alanson White Insti tute 1991 66 Renik O Analytic interaction conceptuali zing techinique in light of the analysts ir reducible subjectivity Psychoanal Q 1993 62455371 67 Renik O The ideal of the anonymous analyst and the problem of selfdisclosure Psychoa nal Q 199564346695 68 Hanly C O inconsciente e as relações de objeto Revista de Psicanálise da SPPA 2003103 69 Hanly C The unconscious and relational psychoanalysis In Calich JC Hinz H The unconscious further reflections London International Psychoanalytic 2007 p 3146 70 Heimann P Notas sobre a teoria dos instin tos de vida e de morte In Klein M Os pro gressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1982 p 359 71 Freud S As neuropsicoses de defesa In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 1 72 Killingmmo B Conflito y deficit implican cias para la técnica In Libro Anual de Psi coanálisis Londres The British Psycho Analytical Society 1989 v 5 p 11126 73 Bion WR Uma teoria sobre o processo do pensar In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 74 Kohut H Self e narcisismo Rio de Janeiro Imago 1984 75 Kohut H Análise do self Rio de Janeiro Imago 1988 76 Sandler J Reflections on some relations be tween psychoanalytic concepts and psychoa nalytic practice Int J Psychoanal 198364Pt 13545 77 Kaës R O grupo e o sujeito do grupo São Paulo Casa do Psicólogo 1997 p 20 P A R T E I I I Fundamentos da técnica psicoterápica de orientação analítica Esta página foi deixada em branco intencionalmente O processo de avaliação de um paciente com o objetivo de instaurar uma psicote rapia de orientação analítica POA cons tituise do que chamamos de entrevista inicial definição do diagnóstico psicodi nâmico indicação ou não de psicoterapia e efetivação do contrato psicoterapêutico que será abordado no Capítulo 11 Zimerman1 já destacava a vigência do mito de que todos os pacientes podem ser tratados e curados pela psicoterapia e psicanálise Os progressos da ciência da psico farmacologia e da pesquisa de resultados terapêuticos2 cada vez mais exigem refi namento nas avaliações e indicações tera pêuticas Sandell e colaboradores3 reitera que a seleção é parte integrante da psicote rapia e da psicanálise não só para o início do tratamento mas também para sua con tinuação O declínio atual da busca pela psicoterapia analítica e pela psicanálise no entendimento de Kandel4 devese à não evidência objetiva de que sejam mais eficazes do que terapias não analíticas ou placebo Fonagy5 contudo apon ta que essa carência por si só não significa que a psicoterapia ou a psicanálise sejam ine fetivas o que falta em nossa disciplina é o in vestimento em pesquisas empíricas e a inter relação com as diferentes áreas da ciên cia que trabalham em busca da elucidação dos resul tados Assim é responsabilidade nossa indi car a técnica mais apropriada e a que mais benefícios traz para aliviar o sofrimento da pessoa que nos procura A avaliação indi vidualizada portanto fazse mais do que nunca necessária e é condição decisiva para o melhor aproveitamento da psicoterapia que nos propomos a realizar Em um colóquio no Centro de Es tudos Luís Guedes sobre contrato e inter rupções em psicoterapia6 assinalouse que muitas interrupções precoces de tratamen to decorrem de uma inadequada avaliação inicial Freud7 a propósito afirmava o se guinte No que concerne ao psicanalista contudo se o caso é desfavorável ele co meteu um erro prático foi responsável por despesas desnecessárias e desacreditou seu método de tratamento Assim compreen 9 AVALIAÇÃO Carmem Emília Keidann Jussara Schestatsky Dal Zot 178 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dese que vários autores estudiosos das psicoterapias assinalem que as entrevistas de avaliação representam um momento crítico tanto na vida do paciente como na do profissional a quem ele recorre810 Este capítulo se propõe a abordar os seguintes temas referentes ao processo de avaliação e às indicações de psicoterapia de orientação analítica a entrevista inicial o diagnóstico psicodinâmico e as indicações e contraindicações e as considerações ENTREVISTA INICIAL Conceito Quando nos referimos à entrevista inicial buscamos conceituar um tipo específico de encontro com objetivos definidos e for mato próprio diverso dos demais que hão de ocorrer caso seja indicada a psicote rapia Ferreira11 em seu dicionário define entrevista como vista e conferência entre duas ou mais pessoas em local predeter minado encontro combinado comentário ou opinião fornecido a entrevistadores pa ra ser divulgado em jornal revista etc Em nosso caso tratase de um encontro com binado entre duas pessoas com a específica finalidade de decidir se quem consulta de ve ou não realizar uma psicoterapia com quem e de que tipo É importante que se esclareça desde o princípio que a entrevista inicial embora na forma singular não exclui a realização de outras duas ou mesmo três compõem o processo de avaliação dado que dificil mente um único contato será suficiente para conhecer o entrevistado Muitas variá veis influenciam esse processo o tipo de encaminhamento a experiência prévia do paciente o motivo da procura sua motiva ção entre outros aspectos Quanto à técnica Uma norma básica é facilitar ao entrevis tado a livre expressão de seus processos mentais o que em geral não se consegue com um enquadre formal de perguntas e respostas Bleger12 salienta que nesse pri meiro encontro nosso propósito é ver co mo funciona o indivíduo e não como ele diz que funciona assim devemos deixálo tanto quanto possível à vontade para mos trar seu modo de ser e de interagir A escuta atenta com um mínimo de interrupções permitirá observar como a pessoa se expressa desenvolve seu pensa mento expõe ou não sentimentos relacio nase com o entrevistador o que fala ou sobre o que cala1314 A atitude de escuta porém não im plica mutismo tampouco distância ou frieza Devese agir com cordialidade discrição e sensibilidade pois certamente quem nos procura traz seu sofrimento e vem em busca de ajuda Podese pois de início solicitar os dados de identificação do entrevistado e esclarecer o quanto durará a entrevista e a possibilidade de que não se ja a única A seguir ele é convidado a falar sobre as razões de sua vinda e solicitado a contar tudo o que puder a fim de formar mos uma ideia do que o aflige A maioria dos autores salienta repe timos que a técnica da entrevista é exclu siva e distinta de uma sessão de psicaná lise ou psicoterapia Não só os objetivos afirma Etchegoyen15 de uma e outra são diferentes mas também os instrumentos já que a associação livre não é proposta e a interpretação é reservada para situações especiais Psicoterapia de orientação analítica 179 Tratase de uma técnica não diretiva deixan do ao entrevistado a iniciativa mas ajudando o em momentos difíceis um aceno de cabeça um comentário neutro ou uma pergunta em ge ral bastam para restabelecer uma comunica ção interrompida Cruz6 e outros autores como Liber man16 consideram que o terapeuta de ve absterse de qualquer intervenção de cunho interpretativo nessa circunstância visto que ainda não se estabeleceu o setting o entrevistado ainda não é o paciente e não estamos portanto autorizados a utili zar a interpretação Porém há aqueles1517 que julgam válido o uso da interpretação para remover algum obstáculo ou promover o vínculo entre elementos que estão sendo apresen tados e cuja conexão o paciente não perce be Quinodoz17 inclusive afirma que o pa ciente desconhece seu mundo fantasmático inconsciente e que nas entrevistas prelimi nares o psicoterapeuta tem a oportunidade de fazêlo vivenciar uma escuta analítica e tomar contato com seu mundo interno É importante assinalar também que a entrevista inicial deve necessariamente provocar ansiedade como toda situação nova e desconhecida em que dois indivídu os se encontram e um deles vai ser avalia do na verdade ambos o são O terapeuta apesar de em geral já ter feito muitas en trevistas desse tipo sabe que cada situação nova é um desafio e que ninguém tem a certeza de se sair a contento Além disso agregamse fatores relacionados aos signifi cados inconscientes que cada um dos parti cipantes atribui a esse primeiro encontro6 Por isso depende em grande medida da habilidade do entrevistador manter a an siedade em um limite aceitável Que não seja muito baixa pois é um estímulo eficaz para o paciente expressar seus problemas nem muito alta de forma que impeça a comunicação e desorganize o objetivo do encontro Campo da entrevista A entrevista configura um campo no qual de acordo com Baranger e Baranger18 há duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares enquanto permanece a situação envolvidas no mesmo processo dinâmico Esse conceito de campo dinâmi co de forças que se cruzam e que se cons troem a partir da participação de ambos modifica a compreensão e a utilização de vários instrumentos da técnica no enten dimento de Iankilevich e Dal Zot19 Aqui deparamonos com um ponto que vem despertando a atenção dos teóri cos da psicanálise e da psicoterapia a inte ração da dupla pacienteterapeuta Segundo Ferro20 hoje trabalhamos cada vez mais com a ideia de que o foco de nossas pre ocupações se deslocou das características do paciente para as da dupla e da interação en tre aquele determinado paciente e aquele determinado terapeuta Não temos uma bitola universal Não é qualquer tipo de paciente que podemos tratar Conhecer os limites e os alcan ces próprios de cada terapeuta é essencial para o sucesso da psicoterapia Os instrumentos de avaliação de que dispõe o terapeuta são o reconhecimen to do estado de sua mente10 suas teorias seus conhecimentos sua intuição e empa tia e sobretudo sua própria angústia O entrevistador participa do fenômeno que 180 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs observa e se condiciona a ele como bem salienta Etchegoyen15 a máxima objeti vidade que podemos obter só é alcançada quando se incorpora o sujeito observador como uma das variáveis do campo Co mo às vezes há o risco de que o terapeuta defina sua avaliação por uma única impres são dominante na primeira entrevista su gerese um intervalo entre esta e as demais de uma semana em média o que permite apreciar como o paciente reagiu a esse pri meiro encontro O segundo encontro pode esclarecer muitos aspectos ou nos surpre ender com algo que não havíamos pensado ou percebido seja por nossa angústia seja pelo desejo do paciente de causar uma im pressão diferente de seu verdadeiro modo de ser Isso oferece um indicativo da maior flexibilidade ou rigidez do paciente no uso das suas defesas Caligor e colaboradores21 sugerem duas sessões de acompanhamen to após a consulta inicial para esclarecer problemas mais complexos ou incertezas quanto ao diagnóstico Motivação Há consenso entre os autores de que a motivação é um pressuposto básico para que se indique psicoterapia de orientação analítica Porém o que conceituamos co mo motivação De acordo com Houaiss22 é um conjunto de processos que dão ao comportamento uma intensidade uma direção determinada e uma forma de de senvolvimento próprias da atividade indi vidual Assim começamos constatando que é um tema de âmbito exclusivo do pa ciente das características do seu caráter e dos objetivos dessa procura de atendimen to Algumas questões podem nos orientar na definição da motivação nas entrevistas iniciais 1 O paciente busca o tratamento de forma espontânea 2 Mostra capacidade de reconhecer que seus sintomas são de natureza psicoló gica Denota sofrimento 3 Há tendência à introspecção e a relatar os problemas de modo honesto e ver dadeiro 4 Tem vontade de participar ativamente do processo de tratamento 5 Expressa curiosidade e desejo de se entender 6 Assume a responsabilidade de modifi car as dificuldades que enfrenta em vez de externálas e projetálas nos outros 7 Apresenta expectativas realistas em relação à psicoterapia 8 Há disposição de investir tempo e di nheiro nessa busca Provavelmente não responderemos nas primeiras entrevistas a todas essas questões baseadas em Sifneos23 mas tê las em mente nos ajudará a apreciar as condições de cada entrevistado Freud7 já ressaltava nos primeiros escritos que o so frimento é a força motivadora primária do tratamento Um aspecto que deve ser observado diz respeito à manifestação consciente des sa motivação expressa em geral no desejo verbal do paciente de se livrar apenas dos sintomas ou do sofrimento colocado em uma situação externa imediata Esta quan do isolada não indica uma boa motiva ção Uma motivação genuína implica um desejo de modificação interna por meio do insight o paciente se dispõe a explorar pensamentos emoções e conflitos de sua vida diária buscando vinculações com as circunstâncias do passado sendo capaz de reviver situações dolorosas ou difíceis preo cupado em ser honesto consigo para alcan çar a verdade sobre si mesmo81424 Psicoterapia de orientação analítica 181 Thomä e Kächele9 advertem quanto a não se poder esperar que cada paciente nos procure com uma boa motivação pa ra o tratamento ciente das conexões entre suas moléstias seus problemas e conflitos de vida trazendo consigo certo insight Se esses pacientes existem a prática mostra que não são maioria Contudo é possível esperar que a experiência da psicoterapia desenvolva nele uma motivação o que mu dará o rumo das expectativas iniciais25 Em revisão feita por Dal Zot26 citam se várias pesquisas que estudaram a moti vação Brill e Storrow em 1963 em um es tudo com 111 pacientes ambulatoriais em Los Angeles observaram que 92 daqueles que estavam motivados melhoraram Ma lan em um estudo experimental sobre os resultados da psicoterapia breve realizado em 1976 relata que entre 10 critérios de seleção estudados apenas um a motiva ção apresentou correlação positiva com o resultado Sifneos em 1968 estudando uma amostra de 55 pacientes que realiza ram tratamento breve concluiu que dos 35 que melhoraram 88 apresentaram motivação de boa a excelente Straker em 1968 revisando as causas e os índices de abandono em uma clínica psiquiátrica em Montreal encontrou os menores índices de abandono entre os pacientes que procu ravam o tratamento por iniciativa própria e entre os que apresentaram alta motivação desde o início do tratamento Hollender citador por Dal Zot26 refere que o aban dono seria praticamente eliminado se nas primeiras entrevistas a ênfase se centrasse em avaliar a motivação do paciente para tratarse A pesquisa desenvolvida em 1979 por Dal Zot26 em um ambulatório de psicoterapia em Porto Alegre constatou que dos 71 pacientes estudados 51 ob tiveram melhoras Destes 911 foram conside rados motivados para POA verifi candose uma associação significativa entre motivação e resultado de psicoterapia p 005 Transferência e contratransferência na avaliação Desde Freud27 sabemos que muitas de nossas ações e reações estão condiciona das por experiências passadas que tendem a se repetir no presente tornando a per cepção da realidade atual um misto de presente e passado Ora em uma situação de avaliação vão reproduzirse conflitos e pautas do passado do entrevistado que as sumem uma vigência atual uma realidade imediata e concreta em que o entrevis tador é investido de um papel que estri tamente não corresponde a ele Por meio dessas transferências é possível obter preciosas informações sobre a estrutura mental do sujeito e o tipo de sua relação com as outras pessoas15 Porém com a ênfase atual no concei to de campo dinâmico28 não se pode mais pensar em transferência isoladamente sem levar em consideração sua contrapartida que é a contratransferência não se pode pensar em identificação projetiva ocor rendo apenas da parte do paciente sem as identificações projetivas e introjetivas do terapeuta também em ação formando a fantasia inconsciente do par que vai estar também presente desde a avaliação ini cial19 A situação psicoterápica modifica se então o objeto de observação passa a englobar tanto o paciente quanto o psicote rapeuta em sua dimensão intersubjetiva29 Gabbard30 e Thomä e Kächele9 des tacam que os elementos transferenciais 182 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs existem desde o primeiro encontro entre paciente e terapeuta mesmo antes por ve zes Assim a própria marcação da primeira consulta revelará aspectos do paciente que podem traduzir experiências prévias com outros terapeutas ou desconfianças e ati tudes com figuras de autoridade ou seja muitas de suas características pessoais Os fatores relativos à figura real do terapeuta idade sexo aspecto físico apresentação pessoal e do consultório frequentemente se convertem em ponto de partida para a transferência inicial31 A transferência também pode apre sentarse como uma resistência e um dos sinais disso segundo Malan32 é observa do toda vez que um paciente parece não estar expondo comunicações espontâneas dificultando a coleta da história Já que a transferência é um aspecto vital da avalia ção pois afeta diretamente a cooperação do paciente com o terapeuta abordar os sentimentos nela evocados poderia remo ver obstáculos à coleta efetiva de sua his tória O entrevistador por sua parte con forme Etchegoyen15 não reage a todos esses fenômenos de forma absolutamente lógica e racional mas também de maneira irracional e inconsciente o que constitui sua contratransferência Para o psicotera peuta tais sentimentos são informações diagnósticas vitais pois o orientam tanto acerca das reações que o paciente produz nos outros como também da necessidade de discriminar suas próprias reações diante deste Uma particularidade da circunstância de avaliação é a de provocar angústia pela experiência nova desconhecida a que se expõem paciente e terapeuta A forma de o primeiro descarregar essa angústia se dá em geral por comunicações não verbais via identificação projetiva O terapeuta por seu turno está mais sensível e indefeso ante as identificações projetivas de seu cliente e ainda sem o recurso da interpretação pa ra manejálas A experiência o estudo e a supervisão hão de auxiliálo tais reações contratransferenciais com certeza muito úteis exigem controle constante para sua compreensão O reconhecimento do uso da iden tificação projetiva pelo paciente muitas vezes se faz quando o terapeuta percebe em si sentimentos ou comportamentos es tranhos ou atípicos ao seu modo ha bitual de agir com os demais pacientes Mesmo que a consciência de tais senti mentos pos si bilite ao terapeuta ampliar o entendimento do mundo objetal interno do paciente e dos problemas peculiares de suas relações interpessoais30 repetimos devese permanecer atento a avaliação envolve duas pessoas em funções diferen tes assimétricas ambas com sua equação pessoal passado representações de self e objeto necessidades projetivas que pode interferir na observação objetiva dos fatos DIAGNÓSTICO PSICODINÂMICO O que avaliar Identificação Ao pensarmos nesse aspecto por vezes nos ocorrem apenas dados objetivos numéri cos como idade sexo endereço estado civil Todavia subjacente a uma aparente objetividade encontraremos valiosas in formações que logo nos orientam na avalia ção em curso Assim caso se trate de uma mulher de cerca de 65 anos casada com Psicoterapia de orientação analítica 183 filhos independentes profissional prestes a se aposentar o que podemos pensar Que se encontra em uma etapa do ciclo vital lidando com as consequências do enve lhecimento e com inevitáveis perdas bem como precisando talvez encontrar outras situações de satisfação Certamente nossa investigação deverá percorrer essas áreas próprias da etapa de crise vivida pela pa ciente são com certeza hipóteses a serem testadas Da mesma forma um jovem de 25 anos recémformado solteiro apenas por esses aspectos evocará em nós outras pos sibilidades Assim em especial em relação às crises vitais e ao grau de adaptação al cançado os dados de identificação dos pa cientes contêm latentes elementos indica tivos importantes Também incluímos aqui o encaminhamento isto é como o paciente chegou até nós Por iniciativa própria so licitação de familiar ou por especialista de outra área todos são dados que fornecem pistas sobre sua motivação Fatores desencadeantes crises vitais ou acidentais O avaliador deve buscar a relação temporal entre a eclosão dos sintomas e a ocorrência de algum evento ou circunstância na vida do paciente relação frequentemente igno rada por ele devido a mecanismos de defesa protetores como negação racionalização isolamento Uma crise vital por exemplo nascimento de filhos adolescência clima tério aposentadoria ou crises acidentais como perda por morte ou separação de um familiar doença física própria ou de familiar perda de emprego casamento vestibular podem indicar em que direção buscar o conflito Conforme Cordioli8 na avaliação psicodinâmica é importante que se investigue a presença ou não de fatores desencadeantes por serem os responsáveis em geral pela ruptura do equilíbrio ante rior A ausência de fatores desencadeantes ou de crises vitais ou acidentais sugere a presença de patologia de caráter Conflito atual Considerando a psicoterapia de orientação analítica como tendo sua base teórica na psicanálise as seguintes formulações con forme Wallerstein citado por Cruz33 são fundamentais para orientar o pensamento do entrevistador A doença mental deriva de conflitos intrapsíquicos Tais conflitos são predominantemente inconscientes São partes constituintes do conflito um impulso instintivo que gera ansiedade e em consequência uma defesa Antes do início das manifestações clíni cas os conflitos psíquicos são manejados por padrões peculiares de defesa os traços de caráter Pela influência de um fator desencade ante métodos previamente utilizados para manter o equilíbrio falham e os sintomas aparecem Tais sintomas revelam importantes elementos dos conflitos e dos meios com que o ego tenta lidar com eles e se manifestam nas relações atuais da vida do paciente na sua interação com o terapeuta repetindo padrões do passado Mas como avaliar nas entrevistas iniciais a existência desses conflitos Fren ch citado por Schestatsky34 introduziu os conceitos de conflito focal e nuclear 184 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Lembrando que essas formulações provêm do conceito freudiano de conflito psíqui co acrescentamos de acordo com Sches tatsky34 que os conflitos focais se definem como derivativos de conflitos nucleares profundos primitivos adormecidos que seriam ativados e continuamente expressos de vários modos Estariam mais próximos da superfície préconscientes explicando a maior parte do material clínico de uma sessão Seriam uma adaptação dos conflitos nucleares e passíveis de aproximação por meio da psicoterapia de orientação analíti ca e não só pela psicanálise Na avaliação quando identificamos pelo menos um conflito focal do paciente que se expresse por meio de um ou mais sintomas ou padrões de comportamento nos relacionamentos interpessoais e cause sofrimento estamos em condições de indi car POA Um exemplo seria o caso da pa ciente A de 40 anos solteira e professora universitária que procurou um terapeuta em função de uma crise por não conseguir trabalhar em sua dissertação de mestrado tendo já se tratado com um psiquiatra que a medicara com ansiolíticos antidepres sivos e hipnóticos devido a sintomas de ansiedade depressão e insônia A paciente melhorara desses sintomas mas nada evo luíra em sua dissertação além de sentirse confusa desanimada e com uma espécie de paralisia mental sic Como até o momen to não tivera maiores problemas em sua vida inclusive profissional configuravase uma situação atual e circunscrita razão pe la qual o terapeuta indicou POA35 Todavia para pacientes com pato logia de caráter na qual estão implicados os conflitos nucleares infantis que resul tam em um modo habitual de ser pensar sentir fantasiar e relacionarse com os ou tros seria indicada a psicanálise Esta vai se propor a modificar além do conflito atual os conflitos infantis isto é retomar toda a história do paciente para proporcionar lhe melhores instrumentos visando a mu danças mais estáveis em sua vida36 Como exemplo citamos a paciente B de 36 anos casada e com filhos que procura atendi mento por indicação de sua exterapeuta Na primeira entrevista sem que o terapeu ta dissesse nada chora copiosamente a to do momento mencionando nas pequenas pausas não saber o que há com ela apenas que se sente mal perdida e só Não refere crise conjugal financeira ou com os filhos embora sinta certa insatisfação com o tra balho não revela nada consistente sobre ele em termos de problemas No entanto afirma já terse sentido assim em outras ocasiões em sua vida aliás desde muito pe quena É a última de vários irmãos apesar disso conclui venho vindo dando um jeito conseguindo um certo espaço Mas agora não está dando para continuar O terapeuta percebendo que o conflito in fantil tomou nova feição repetindose na vida atual indicoulhe psicanálise35 Acentuamos que essa distinção de in dicação nem sempre é clara como sublinha Etchegoyen36 Cabe ao paciente decidirse mas o autor lembra que é um erro indicar análise a alguém com problemas ligados à situação de vida atual ou presente Além disso se o que o paciente apresenta é ape nas uma nova versão de conflitos anterio res a psicoterapia não será suficiente e po derá inclusive fracassar36 Adaptação prévia força do ego vínculos e relações objetais A história laboral de um paciente e seus padrões de relacionamento são indicado Psicoterapia de orientação analítica 185 res da força global do ego É provável que aqueles que foram capazes de manter seus empregos ou vida acadêmica e estabelecer relações de compromisso por períodos re lativamente longos têm egos mais flexíveis e integrados Ter um ego forte significa ter certo nível de inteligência habilidade para tolerar emoções dolorosas capacidade pa ra sublimação e um teste de realidade bem estabelecido8 Uma pessoa que também ul trapassou diferentes fases do seu ciclo vital com sucesso na definição de uma identida de própria e no desenvolvimento psicosse xual adequado é considerada como tendo um bom nível de adaptação prévia A literatura em geral e algumas pes quisas locais2637 apontam a adaptação pré via do paciente como um bom fator prog nóstico Um bom vínculo com o terapeuta vai depender da qualidade das relações de objeto do passado assim como de suas re lações posteriores Investigar na entrevista inicial a relação do paciente com seus pais irmãos colegas e amigos pode fornecer in dicativos de como vai se desenvolver a rela ção terapêutica Outro aspecto importante a ser inves tigado é a existência de traumas eou negli gências na infância pois acarretam prejuí zos na capacidade de mentalização do pa ciente bem como por estarem relacionados a patologias graves na vida adulta conforme vários estudos atuais têm demonstrado3038 Exame mental e presença de sintomas O exame do estado mental será feito ao longo das entrevistas de avaliação sem que seja necessário um interrogatório formal a respeito A orientação do paciente quanto a tempo espaço e pessoa esclarecese em geral no decorrer da coleta da história Permanecermos atentos às distorções e às alterações da sensopercepção bem como à presença ou não de alucinações visuais ou auditivas será importante na avaliação diagnóstica A linguagem e a comunicação do pa ciente revelarão aspectos do inconsciente por meio da presença de lapsos e atos fa lhos Os traços de personalidade também se evidenciam na forma como o paciente se expressa e responde às questões Por exem plo um paciente com características obses sivas vai dar atenção excessiva a todos os detalhes de seu relato O paciente histérico pode fornecer respostas coloridas e vagas frustrantes o paranoide pode constante mente distorcer a intenção das questões posicionandose defensivamente em rela ção ao entrevistador As observações sobre os estados afeti vos do paciente ganham proeminência na avaliação sendo talvez o manejo do afe to uma das mais importantes funções das defesas30 Assim pacientes que descrevem eventos dolorosos em suas vidas sem qual quer tonalidade afetiva estão fazendo uso do isolamento e da intelectualização os hipomaníacos geralmente divertidos ou de bom humor podem estar recorrendo à ne gação para defenderse contra sentimentos de desgosto e raiva Os pacientes borderli ne podem expressar desprezo e hostilidade em relação às figuras significativas de suas vidas usando a dissociação para evitar a integração entre sentimentos bons e maus para com os outros Também quando se detectar humor depressivo é importante investigar a presença de ideação ou planos suicidas bem como esclarecer o significado do suicídio pretendido Uma grande quantidade de informa ções é comunicada por comportamento 186 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs não verbal Que assuntos provocam an siedade silêncios ou desvios no olhar do entrevistado Outro aspecto a ser avaliado é como o paciente controla seus impulsos É capaz de adiar sua descarga ou tende a entregarse a eles colocando em risco a si e aos outros Prevê adequadamente a con sequência de suas ações Há um predomí nio da ação em detrimento da reflexão e do pensar São características que podem dar pistas para uma aproximação diagnóstica de quadros de funcionamento borderline nos quais o controle dos impulsos é precá rio há tendência a sexualidade promíscua e a conflitos quanto à dependência De acordo com Kernberg39 dois outros aspec tos devem ser avaliados a difusão da identida de e a capacidade de teste de realidade pois é patognomônica do funcionamento borderline a falta de integração do self com uma experiên cia subjetiva de vazio crônico autopercepções e comportamentos contraditórios que dificul tam uma visão integrada de si mesmo como al guém discriminado dos demais entes significa tivos Já no teste de realidade avaliase a ca pacidade do paciente de distinguir sentimentos e emoções como provenientes de estímulos do mundo interno ou externo Essa capacidade se mostra prejudicada quando há um nível psicó tico de funcionamento O nível de operações defensivas ma nifesta a organização da personalidade Os pacientes borderline e psicóticos por exem plo apresentam defesas mais primitivas centradas no mecanismo de dissociação e em outros mecanismos associados como identificação projetiva negação e controle onipotente Capacidade para estabelecer uma aliança terapêutica As pesquisas mais recentes sugerem que a aliança terapêutica é a variável mais crucial para o sucesso das psicoterapias8 A força da aliança terapêutica como fator domi nante no resultado de uma ampla varie dade de terapias tem sido enfatizada pelas investigações de inúmeros autores30 Esses estudos também sugerem que a natureza da aliança terapêutica na fase inicial da psi coterapia talvez seja o melhor preditor do resultado desta A expressão aliança terapêutica de signa a capacidade do paciente de estabele cer uma relação de trabalho com o terapeu ta em oposição às reações transferenciais regressivas e à resistência40 Esse termo foi cunhado por E Zetzel em 1956 aparecen do na literatura psicanalítica desde então recebendo também outras denominações como aliança de trabalho por R Green son em 1965 Essa aliança implica que o pacien te independentemente de seus aspectos doentios demonstre uma parte racional preservada que se alie ao terapeuta para levar adiante as tarefas psicoterápicas co mo um colaborador ativo8 Um indício da capacidade de se vincular ao terapeuta é o critério salientado por Sifneos23 de que o paciente tenha estabelecido no passado pelo menos uma relação emocionalmente significativa Psicoterapia de orientação analítica 187 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Uma mulher que chamaremos de Maria telefona dizendose encaminhada por uma amiga Marcamos uma entrevista em que fala com relativo desembaraço mas também com ansiedade vergonha e temores Diz estar vivendo uma fase com vários problemas clínicos Beira os 50 anos é a filha caçula entre seis irmãos Sempre viveu com os pais agora ela e o companheiro residem com a mãe viúva É profissional liberal liga da a uma grande empresa e com escassa atividade particular Não tem filhos mas muita ligação com os vários sobrinhos e afilhados Descreve sintomas relacionados ao sistema cardiovascular taquicardia tremores hipertensão Já fez avaliação com seu cardiologista de confiança nada tendo sido encontrado Cogitouse a hipótese de trans torno de pânico mas sem confirmação explícita Foilhe prescrito propanolol que utilizou por algum tempo tendo então procurado outro clínico que lhe sugeriu não tomar nenhum medicamento em vista da avalia ção psicoterápica que iria realizar Apresenta ainda sintomas relacionados à entrada da menopausa ten do iniciado reposição hormonal Sentese muito angustiada tem insônia medo de dirigir automóvel e temor de ficar só Tais sintomas psicológicos a motivaram a procurar a psicoterapia Sobre a relação com o companheiro comenta ser uma pessoa bastante presente que garante apoio e segurança tanto a si como à mãe mas com uma série de limitações Quanto aos aspectos socioeconômico e cultural tratase de um profissional de nível médio mal remunerado com três filhos de casamentos an teriores fontes de despesas constantes para ele isso requer empréstimos de Maria o que gera desconfian ças competições e dúvidas sobre o futuro da relação Maria sempre teve laços muito próximos com a família de origem Contudo há prenúncios de compli cações algumas já desencadeadas relativas à administração e à herança de bens Há cinco anos perdeu seu pai por infarto Era muito ligada a ele e justifica que nunca morou só nem com o companheiro por insistência dele O pai sempre foi considerado uma pessoa muito afetiva presente coerente em suas atitudes e ideias trabalhador incansável e com sucesso na profissão Sentiu muito não estar presente quando de sua morte ocorrida em um fim de semana no interior do Estado Ela seguidamen te viajava para estar junto aos seus pais mas naquela ocasião precisara ficar na cidade Sua mãe há mais ou menos três anos sofreu um episódio de angina e foi prontamente atendida por Maria que a levou a especialistas tendose recuperado Maria sempre faz comparações com o que ocorreu ao pai sentese culpada ruminando acusações por não ter estado ao seu lado Traz o assunto da relação com ambos os genitores percebendo o temor atual de vir a perder a mãe ainda facilmente negado pela vitalidade força e atividade dessa senhora Ressalta predominantemen te as qualidades de cada um sem perceber o aspecto ambivalente cuja revelação contudo já se esboça Comentários Algumas reflexões nos ocorrem Percebemos que desde a chamada telefônica já se estabeleceu uma rela ção positiva entre paciente e terapeuta Havia expectativas de Maria em função do conhecimento das me lhoras obtidas com a amiga que a encaminhara e que realizara tratamento psicoterápico Continua 188 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs INDICAÇÕES DE PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA É nas indicações que vamos encontrar a maior dificuldade de estabelecer os limites claros e precisos entre as várias formas de psicoterapia dirigidas ao insight psicaná lise psicoterapia psicanalítica e psicotera pia de apoio e os pacientes mais adequa dos a cada uma Há uma tendência atual30 a referirse às modalidades de tratamento como ocorrendo dentro de um continuum que vai de um polo mais expressivo a um polo de apoio de acordo com a prática vi gente e as pesquisas empíricas Na conclusão do estudo clássico leva do a efeito por Wallerstein2 na Menninger Foundation Psychotherapy Research Pro ject consta que todas as formas de psicote rapia contêm uma combinação de elemen tos expressivos e de apoio A psicoterapia psicanalítica pensada por nós aproximase do polo mais expressivo utiliza a interpre tação como instrumento principal mas não único Valendose frequentemente de confrontações e clarificações não tem co mo meta central a interpretação da trans ferência mantém a neutralidade possível voltase mais aos acontecimentos da vida externa do paciente não descuidando po rém dos conflitos psíquicos inconscientes subjacentes A recomendação quanto à frequência ao tratamento é de duas sessões semanais podendo no entanto reduzirse a uma ses são em situações especiais impossibilidade financeira dificuldades de tempo e de aces so à consulta períodos iniciais quando a motivação é baixa Inclusive Orenland citado por Wallerstein2 ressalta que uma sessão por semana Continuação No decorrer da avaliação foi possível identificar a presença de sintomas próprios da menopausa bem como queixas relacionadas ao sistema cardiovascular Ficou evidente a existência de uma crise vital a me nopausa associada à morte do pai por doença cardíaca Somase a isso o reconhecimento de um relaciona mento afetivo insatisfatório As queixas foram entendidas como manifestações corporais provocadas pela emergência da angústia proveniente da percepção da passagem do tempo e das perdas correspondentes A ameaça da morte da mãe também por problema cardíaco trouxe a necessidade de se confrontar com to dos os seus lutos não elaborados a impossibilidade de ter filhos a profissão não plenamente realizada a morte do pai No relato de sua história pessoal observamos que tinha até então alcançado um equilíbrio razoável que nesse momento se rompera havendo o reconhecimento da impossibilidade de resolver so zinha seus problemas Havia sofrimento e limitações decorrentes de seus sintomas o que nos fez pensar na hipótese de tratamento psicofarmacológico concomitante Entretanto estavam presentes certa percep ção da origem psicológica dos problemas e a motivação da paciente para ir além do alívio dos sintomas Não nos passou despercebido que a provável origem dessas dificuldades atuais estaria situada em um passado mais remoto A realização profissional o estabelecimento de uma relação afetiva estável e as questões da maternidade são próprias de fases anteriores do ciclo vital indicando certamente problemas de estrutura da personalidade Nesse momento da procura do terapeuta porém a motivação da paciente vinculavase ao conflito atual e o foco foi circunscrito sendolhe indicada a psicoterapia de orientação analítica não se excluiu a possibilidade de no futuro de acordo com sua evolução cogitarse um tratamento analítico Psicoterapia de orientação analítica 189 é apenas uma requisição sema nal para testemunhar ou corrigir os eventos da vida de uma pessoa inde pendentemente da orientação do psi coterapeuta e da natureza das suas in tervenções A posição do paciente é face a face com o terapeuta o que permite a comuni cação mais direta entre ambos não estimu lando a regressão nem enfatizando a trans ferência o que ocorre com a utilização do divã psicanalítico e a frequência maior Indicações Um dos pontos mais polêmicos na literatu ra psicanalítica e psicoterápica atual24142 é a delimitação das diferenças entre psica nálise e psicoterapia psicanalítica o que ge ra um campo por sua vez também pouco claro quanto a suas indicações Partilhando da ideia da existência de um continuum desde a psicoterapia de apoio até a psicanálise no polo mais ex pressivo optamos por considerar a psico terapia de orientação analítica indicada nas seguintes situações um conflito atual com uma situação ou circunstância da vida presente que desequilibrou o paciente a tal ponto que se sente incapaz de resolvêlo com seus recursos habituais um conflito neurótico derivado e rela tivamente independente dos conflitos básicos infantis presença de uma crise vital ou acidental em um transtorno da personalidade moderado transtornos da personalidade de graves a moderados sem comportamento des trutivo ou antissocial atrasos ou déficits de desenvolvimento em processos evolutivos definidos aqui sição da autonomia estabelecimento da identidade pessoal da autoimagem entre outros Porém em todas essas situações se ja qual for a gravidade do quadro clínico devem estar presentes no paciente como condição sine qua non reconhecimento da origem psicológica dos seus sintomas presença de sofrimento significativo tolerância à frustração controle suficiente dos impulsos teste de realidade preservado capacidade de regressão a serviço do ego capacidade de estabelecer uma aliança terapêutica razoável força do ego e nível de inteli gência no mínimo médio Por fim precisam ser levadas em con ta as condições reais do paciente no mo mento de sua avaliação disponibilidade de tempo recursos financeiros suficientes para custear a psicoterapia limitações geo gráficas residência em cidades distantes do local da psicoterapia Outro aspecto importante que requer atenção é a avaliação clínica e neurológica pois muitas vezes doenças físicas provo cam sintomas semelhantes aos de origem emocional como por exemplo depressão associada a câncer ao uso de determinadas substâncias como antihipertensivos hor mônios tireóideos pílula anticoncepcional inibidores do apetite problemas circulató rios cerebrais8 Contraindicações Enumeramos as seguintes contraindica ções como fundamentais quadros psicóticos agudos 190 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs quadros depressivos graves com sérias tentativas de suicídio alcoolismo crônico ou adição a drogas quadros fóbicos causadores de incapaci tação crônica quadros obsessivocompulsivos causa dores de incapacitação crônica quadros de personalidade borderline com actings fortemente agressivos ou autodestrutivos síndrome cerebral orgânica e deficiência mental transtornos alimentares graves ausência de motivação para uma psico terapia que visa ao insight ou de interesse em um trabalho introspectivo Esses quadros provavelmente obte rão benefícios de outras psicoterapias com características suportivas comportamen tais bem como do uso de psicofármacos e de ambiente hospitalar quando necessá rio83032 Não se exclui a possibilidade de psicoterapia psicanalítica em alguns desses quadros desde que combinada com outras abordagens A noção de campo analítico28 parece exigir no entanto uma relativização das indicações e das contraindicações tradicio nais centradas em critérios específicos diz recentemente Gastaud43 pois mesmo pacientes carentes de tais capacidades podem ao encon trar determinado terapeuta se bene ficiar de um tratamento de orienta ção analítica baseado na criação de uma estrutura emocional inédita que se desenvolva de acordo com suas ca pacidades e necessidades CONSIDERAÇÕES FINAIS Certamente tal abordagem sobre o pro cesso de avaliação para POA não esgota as possibilidades de sua abrangência Nosso objetivo foi compartilhar com os terapeu tas nossa experiência de mais de 20 anos de POA na clínica privada além da atividade profissional inicialmente em ambulatórios de psicoterapia públicos ou semiprivados e atualmente ligada ao ensino e à supervisão de psicoterapia Lembramos que este capítulo ilustra nossa maneira de trabalhar fundamenta da nas teorias psicanalíticas e que o mais decisivo é nos mantermos fiéis aos princí pios técnicos visto que cada terapeuta há de imprimir seu estilo pessoal à prática em questão como nos sugere Etchegoyen15 Por fim destacamos alguns aspectos que consideramos novos e enfatizados neste novo século a relação entre terapeuta e paciente como central a responsabilidade cabendo a ambos desde a avaliação a ênfase no estabelecimento de um cam po psicoterápico além da valorização do binômio transferênciacontratransferên cia a maior preocupação com a especificida de das indicações com vistas a melhores resultados da POA a consideração de que é fundamental que terapeuta e paciente constituam uma aliança ou vínculo de trabalho adequado o reconhecimento da necessidade de mais pesquisas na área da psicoterapia a crescente responsabilidade ética em aprofundar conhecimentos que pos sibilitem avaliações e indicações mais precisas a permanência da valorização da hipó tese psicodinâmica da busca do conflito psíquico e da motivação genuína a valorização também de uma adequa da formação e de preferência de uma experiência de tratamento analítico ou psicoterápico do terapeuta Psicoterapia de orientação analítica 191 REFERÊNCIAS 1 Zimerman DE Planejamento em psicoterapia dinâmica Rev Psiquiatr RS 19824325263 2 Wallerstein RS Psicoanálisis y psicoterapia una perspectiva histórica In Libro anual de psicoanálisis 1989 Lima Ediciones Psicoa nalíticas Imago 1990 3 Sandell R Blomberg J Lazar A Carlsson J Broberg J Schubert J Diferença de resulta dos a longo prazo entre pacientes de psica nálise e psicoterapia In Livro anual de psi canálise XVI São Paulo Escuta 2002 4 Kandel ER A biologia e o futuro da psica nálise um novo referencial intelectual para a psiquiatria revisitado R Psiquiatr RS 200325113965 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Processo de avaliação inclui entrevista inicial hipótese do diagnóstico psicodinâmico indicação ou não da psicoterapia de orientação analítica e efetivação do contrato 2 A entrevista inicial embora na forma singular não exclui a realização de duas ou mais entrevistas de modo a conhecer o entrevistado e a interação entre este e o terapeuta 3 Técnica da entrevista não diretiva utilizase a escuta analítica com o propósito de ver como o indiví duo funciona Associação livre não é proposta e a interpretação é reservada para situações especiais 4 Motivação é um pressuposto básico para a indicação da psicoterapia de orientação analítica O sofri mento é a força motivadora primária do tratamento 5 Pesquisas confirmam a correlação da motivação com o resultado das psicoterapias 6 A entrevista configura um campo com duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares e envolvidas no mesmo processo dinâmico A utilização da transferência leva em consideração sua con trapartida que é a contratransferência A identificação projetiva inclui as identificações projetivas de terapeuta e paciente formando a fantasia inconsciente do par que vai estar presente desde a avaliação inicial 7 Diagnóstico psicodinâmico a identificação do paciente b presença de fatores desencadeantes crises vitais ou acidentais c presença de conflito atual d adaptação prévia força do ego vínculos e relações objetais e exame mental e presença de sintomas f capacidade para estabelecer uma relação terapêutica 8 Indicações da psicoterapia de orientação analítica forte motivação para compreenderse reconheci mento da origem psicológica dos sintomas presença de sofrimento significativo tolerância à frustra ção controle suficiente dos impulsos teste de realidade preservado capacidade de regressão a serviço do ego capacidade de estabelecer uma aliança terapêutica razoável força do ego e nível médio mínimo de inteligência disponibilidade de tempo e recursos financeiros suficientes 9 Contraindicações para psicoterapia de orientação analítica quadros psicóticos agudos depressões graves com tentativa séria de suicídio alcoolismo crônico e outros transtornos causadores de incapa citação crônica 10 Requerse responsabilidade ética de aprofundar conhecimentos que possibilitem a avaliação e indica ção mais precisa 11 Recomendase tratamento analítico ou psicoterápico de parte dos psicoterapeutas 192 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 5 Fonagy P Psychoanalysis today World Psy chiatry 2003227380 6 Zaslavsky J Keidann CE Dal Zot JS Cruz JG O contrato e as interrupções em psicotera pia de orientação analítica compreensão e manejo Rev Bras Psicoter 20002222138 7 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 8 Cordioli AV Psicoterapias abordagens atu ais 3 ed Porto Alegre Artmed 2008 9 Thomä H Kächele H A entrevista inicial e os terceiros na aliança In Thomä H Käche le H Teoria e prática da psicanálise Porto Alegre Artes Médicas 1992 v 1 p 185230 10 Zimerman DE Fundamentos psicanalíticos teoria técnica e clínica uma abordagem di dática Porto Alegre Artmed 1999 11 Ferreira ABH Novo dicionário da língua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 12 Bleger J Temas de psicología entrevista y grupos Buenos Aires Nueva Visión 1971 13 Hollender MH Ford CF Dynamic psycho therapy an introductory approach Wa shington American Psychiatric cl990 14 Coderch J La fase de inicio del tratamien to In Coderch J Teoría y técnica de la psi coterapia psicoanalítica Barcelona Herder 1990 p 14579 15 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 16 Liberman D Evaluación de las entrevistas diagnósticas previas a la iniciación de los tratamientos analíticos criterios diagnósti cos y esquemas referenciales Rev Psicoanál 1972293461509 17 Quinodoz D As entrevistas preliminares ou como despertar o desejo de fazer uma análise em uma paciente que não sabe em que isso consiste Revista Brasileira de Psica nálise de Porto Alegre 20024241335 18 Baranger M Baranger W A situação analí tica como um campo dinâmico In British PsychoAnalytical Society Livro anual de psicanálise XXIV 2010 São Paulo Escuta 2010 19 Iankilevich E Dal Zot JS Psicoterapia de orientação analítica hoje refletindo a par tir de nossa experiência Rev Bras Psicoter 2009112196206 20 Ferro A Na sala de análise emoções rela tos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 21 Caligor E Kernberg OF Clarkin JF Psicote rapia dinâmica das patologias leves de per sonalidade Porto Alegre Artmed 2008 22 Houaiss A Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 23 Sifneos PE Shortterm psychotherapy and emotional crisis 3rd ed Cambridge Har vard University 1976 24 Boff AA Abreu JRP Motivação inicial e técnica psicoterápica adequando a técni ca à necessidade do paciente In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 6270 25 Dewald P Indicações para psicoterapia e avaliação do paciente In Dewald P Psicote rapia uma abordagem dinâmica 4 ed Por to Alegre Artmed l988 p 13361 26 Dal Zot JS Uma contribuição ao estudo dos critérios de seleção para psicoterapia breve R Psiquiatr RS 198461713 27 Freud S Fragmento da análise de um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 7 28 Baranger M Baranger W La situación ana lítica como campo dinámico Revista Uru guaya de Psicoanálisis 196119624Pt 13 54 29 Baranger M La teoria do campo In Lewko wicz S Flechner S editores Verdad realida de y el psicoanalista contribuiciones latino americanas al psicoanálisis Montevideo In ternational Psychoanalysis Library 2005 30 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica 4 ed Porto Alegre Artmed 2006 31 Mackinnon RA Michels R Buckley PJ A en trevista psiquiátrica na prática clínica 2 ed Porto Alegre Artmed 2008 32 Malan DH Psicoterapia individual e a ciên cia da psicodinâmica Porto Alegre Artes Médicas 1983 33 Cruz JG Planejamento em psicoterapia de orientação analítica In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orienta Psicoterapia de orientação analítica 193 ção analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 7983 34 Schestatsky SS Introdução ao planejamento em psicoterapia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Ar tes Médicas 1989 p 718 35 Mabilde LC Convergências e divergências entre psicoterapia de orientação analítica e psicanálise a questão das divergências Rev Bras Psicoter 2001322016 36 Etchegoyen RH Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica semelhanças e diferen ças R Psiquiatr RS 199012320913 37 Cordioli AV A relação pacienteterapeuta e os resultados em psicoterapia breve aspec tos quantitativos J Bras Psiquiatr 1986354 22530 38 Schestatsky SS Fatores ambientais e vulne rabilidade ao transtorno de personalidade bordeline um estudo casocontrole de trau mas psicológicos precoces e vínculos paren tais percebidos em uma amostra brasileira de pacientes mulheres tese Porto Alegre UFRGS 2005 39 Kernberg OF Psicoterapia psicodinâmica de pacientes borderline Porto Alegre Artes Médicas 1991 40 Eizirik CL Libermann Z Costa F A relação terapêutica transferência contratransfe rência e aliança terapêutica In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais 3 ed Por to Alegre Artmed 2008 p 7484 41 Kernberg OF Psicanálise psicoterapia psi canalítica e psicoterapia de apoio contro vérsias contemporâneas Rev Bras Psicoter 200021930 42 Wallerstein RS A cura pela fala as psicanáli ses e as psicoterapias Porto Alegre Artmed 1998 43 Gastaud MB Indicação concordância em iniciar tratamento e melhora inicial na psi coterapia psicanalítica tese Porto Alegre UFRGS 2013 LEITURAS SUGERIDAS Keidann CE A relação entre o diagnóstico e indi cação de psicoterapia de orientação analítica In Jornada SulRiograndense de Psiquiatria Dinâmi ca 19 1998 nov 1214 Gramado Sullivan HS La entrevista psiquiátrica Buenos Ai res Psique 1977 10 PLANEJAMENTO EM PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA Eneida Iankilevich O início da psicoterapia é um momento de fortes emoções Se na alta predominam emoções e ansiedades depressivas em fun ção da separação que se aproxima a fase inicial é colorida por emoções e ansiedades paranoides Paciente e terapeuta guardadas as diferen ças de função propõemse a iniciar um proces so que envolve invariavelmente investimentos e custos diferentes para cada um é verdade mas igualmente importantes O paciente bus ca auxílio para o sofrimento e para limitações de sua vida enquanto o terapeuta disponibili za sua pessoa especialmente em sua formação profissional na tentativa de auxiliálo Sofrem ambos portanto grandes exigências narcisis tas O paciente precisa reconhecer seus proble mas e sua incapacidade para resolvêlos sem ajuda enquanto o terapeuta irá se deparar com questionamentos não só sobre limites e alcan ces do método de tratamento a que dedica sua vida profissional como também a cada novo encontro psicoterápico sobre sua própria capa cidade e competência Evidenciase assim o que Freud1 de nomina jogo de forças colocado em ação pelo tratamento aqui entendido como a complexidade do campo que se cria que precisará conter as esperanças e os receios as aproximações e os recuos na construção do trabalho psicoterápico Esse quadro complexo principal mente pelas já descritas implicações narci sistas pela incerteza quanto aos resultados permite compreender o predomínio de ansiedades paranoides no início da psico terapia em que a dupla ainda não se co nhece bem ainda não adquiriu confiança em sua capacidade de ligação e de trabalho São múltiplas as configurações possíveis dependendo em especial das necessidades neuróticas do paciente e das possibilidades e limitações técnicas e pessoais do terapeu ta Não se deve esquecer do ensinamento de Freud1 de que a confiança ou descon fiança inicial do paciente é quase desprezí vel comparada às resistências internas que mantêm a neurose firmemente no lugar Um longo caminho será percorrido até ser atingido o objetivo inicial de ajudar o paciente a viver melhor não permanecer aprisionado ao problema que o fez buscar ajuda Muito ocorrerá nesse processo sem pre perturbado por forças inconscientes que tendem a manter o equilíbrio já exis tente como enfatiza Freud Nesse cami Psicoterapia de orientação analítica 195 nho um planejamento inicial cuidadoso serve como marco orientando a mente do terapeuta ao longo dos movimentos inevi táveis do processo O planejamento pode ser necessário para dar um exemplo nos momentos em que a regressão do pacien te no campo tenda a acionar os aspectos narcisistas do terapeuta que se beneficia riam da necessidade que o paciente tem dele correndo o risco de criar um conluio inconsciente para a manutenção da doen ça e da relação Não se pode esquecer de que uma psicoterapia de bons resultados leva à alta à separação inevitáveis mas nem por isso aspectos menos difíceis do crescimento Este capítulo tem por objetivo es tudar o planejamento em psicoterapia de orientação analítica entendido como a aproximação que adquire importância por sua relação com o plano geral do processo conforme o que defende Freud1 acerca das regras iniciais do tratamento Planejamento portanto não é estático mas um esboço que serve como ponto de referência e que deve ser repensado ao longo de todo o processo O processo psicoterápico busca aju dar o paciente não só a resolver o problema que designa como causador de seu sofri mento como lhe possibilitar a ampliação dos recursos mentais de que dispõe para viver as experiências emocionais de sua vida Sendo a psicoterapia de orientação analítica um método terapêutico que com partilha a concepção de mente da psicaná lise atémse ao entendimento do conflito inconsciente que se manifesta no problema designado Nas palavras de Dewald2 o ob jetivo dessa psicoterapia é a resolução do conflito o desenvol vimento de novas formas de adapta ção e a reintegração e o amadureci mento da personalidade em qualquer grau possível para o paciente Assim um planejamento fazse necessário para pensar de que forma atingir esses obje tivos evitando a vagueidade e a aleatoriedade que segundo Schestatsky3 predominam em muitos tratamentos Malan4 ressalta a importância do pla nejamento destacando que planejamento significa uma intenção de conduzir um tra tamento de determinada maneira o que remete à questão da técnica sugerindo se rem assuntos a considerar em conjunto PLANEJAMENTO POR QUÊ Uma procura atualizada 20072013 de trabalhos sobre o tema obteve poucas refe rências especialmente em psicoterapia de orientação analítica Trabalhos na área de infância e adolescência56 remetem à ques tão da importância do planejamento Dos poucos resultados encontrados um inte ressante trabalho de pesquisa comparando a formulação do diagnóstico clínico entre psicoterapeutas mais e menos experientes7 assinala a capacidade diagnóstica como fator do processo psicoterápico Mesmo considerando as inevitáveis falhas nessa busca a precariedade de respostas chama a atenção mas penso que deve ser também contextualizada encontrase muita litera tura sobre outras abordagens psicoterápi cas assinalando talvez uma modificação nas possibilidades técnicas disponíveis8 Cabe assinalar que esse fato não deve ser considerado prejudicial ao contrário po 196 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de incentivar nossos estudos e nossa busca pela qualificação constante do instrumento psicoterapêutico que utilizamos a psicote rapia de orientação analítica Essa técnica apresenta indicações contraindicações al cances e limites mas com bons resultados quando corretamente indicada e trabalha da E para um bom aproveitamento da téc nica o planejamento é essencial Zimmermann9 em trabalho apresentado no Terceiro Simpósio de Psicoterapia Dinâmica do Centro de Estudos Luis Guedes realizado em Atlântida em 1979 afirma serem necessários muitos anos de trabalho estudo e treinamen to para saber o que se passa com a pessoa que busca ajuda psicoterápica o que pretende con seguir com a intenção de se tratar e quais os meios a serem empregados Quantos anos Toda a vida do psiquiatra Ao longo do trabalho esse autor en fatiza o risco de aceitar pacientes em trata mento psicoterápico sem conhecer com alguma exatidão seus problemas princi pais e conflitos básicos Há risco de uma psicoterapia sem fim distante das necessi dades do paciente algo assim como duas pessoas caminhando no escuro e na deso rientação ou talvez mais ainda um cego conduzindo outro9 Cruz10 referese a um colega que re comendava de forma descuidada que em psicoterapia bastava questionarse antes de qualquer procedimento e por que não algo que esse autor defende como um aceno a um procedimento que se afasta do científi co Mabilde e Araújo11 defendem que o planejamento é composto de diagnóstico objetivos e manejo ele mentos que estão em contínua intera ção E que o melhor ou pior resultado do tratamento está na dependência da maior ou menor adequação com que o terapeuta organiza e executa tais ele mentos no estabelecimento e cumpri mento do planejamento psicoterápico O planejamento de uma psicotera pia pode ser considerado o coroamento da avaliação ou também formar um todo com esta Cruz12 afirma que o planejamento significa uma in tenção de efetivar a psicoterapia de determinada maneira em função dos achados da etapa diagnóstica e a in tenção não é um esquema rígido mas um esboço das linhas de trabalho a se guir Uma avaliação cuidadosa deve permi tir ao terapeuta alguma noção prognóstica a ser levada em consideração no plano de trabalho para evitar ser pego de surpre sa por um abandono por exemplo final sempre doloroso especialmente para nós Lewkowicz13 estudando pacientes repeti dores de consulta em psicoterapia breve conclui ser fundamental a avaliação inicial adequada do paciente delineando o mais claramente possível seus objetivos e limita ções ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Um adulto jovem no início de sua vida profissional procurou um terapeuta por apresentar segundo ele pró prio muita dificuldade de relacionamento um sentimento constante de estar errado que o impedia de fa Continua Psicoterapia de orientação analítica 197 Dal Zot4 questiona por que alguém procura um médico um psiquiatra um psicoterapeuta e responde porque tem algum sofrimento uma necessidade deseja um alívio uma ajuda O terapeuta por tanto recebe uma pessoa em busca de aju da Cabe a ele indicar a ajuda que será mais eficaz Aguiar8 aponta que não se pode mais prescindir de um acurado estudo diagnóstico uma vez que os recursos terapêuticos au mentaram e estão se tornando mais específicos O desenvolvimento da psiquiatria biológica e de outros métodos psicoterápicos o contexto a que se convencionou chamar pósmodernida de com sua busca por resultados rápidos com pouco custo além das exigências da ciência atual por evidências ampliaram o debate e a necessidade de que nós terapeutas de orienta ção analítica procuremos prestar atenção a es sas questões estudar encontrar respostas que favoreçam o reconhecimento dos resultados de nosso trabalho Nesse sentido o planejamento da psicoterapia tornase ainda mais essencial como medida de avaliação dos resultados po dendo contribuir para a pesquisa como já assi nalava Zimmermann9 Essas considerações ainda que ne cessárias dizem respeito a condições ex ternas ao exercício da psicoterapia mes mo que inegavelmente possam interferir em alguma medida O que deve ser enfati zado é nossa responsabilidade ao atender um paciente que nos procura por estar so frendo responsabilidade que diz respeito Continuação zer uso dos conhecimentos que sabia ter Com as mulheres esse era um problema muito grave pois aca bava desistindo das relações ante a menor contrariedade Precisava estar sempre com a razão o que pen sava ser um absurdo mas sentiase ofendido e sem valor se não fosse assim Preferia então isolarse mesmo que isso lhe trouxesse grande sofrimento Essa refere era a razão da busca do tratamento mesmo não tendo certeza de poder ser ajudado efetivamente Um padrão de funcionamento desse paciente coe rente com a história de vida que contou foi sendo reconhecido Um esboço de planejamento voltado para esse padrão persistente e não de todo egodistônico foi se esboçando na mente do terapeuta O paciente en tão disse que estava com uma viagem de estudos marcada para dali a três meses Lutara muito por essa possibilidade sendo classificado entre os primeiros lugares mas estava achando que não lhe seria possí vel ir por inúmeras razões nenhuma que pudesse apresentar com convicção mesmo sabendo que ia até já recebeu a bolsa para isso O diagnóstico estabelecido clínico e psicodinâmico continuou valendo mas fezse necessário traçar um plano de trabalho que considerasse a viagem o significado que ela tinha para ele naquele momento e a relação com o quadro geral descrito O planejamento deveria viabilizar o exame de sua atual dificuldade em levar adiante o ambicionado programa de estudos e aproveitálo que possibilitasse ao paciente se dar conta do padrão comum de sua conduta procurando motiválo a seguir seu tratamento futuramente Pode se pensar que essa psicoterapia se não levasse em conta em seu planejamento a circunstância das di ficuldades com a viagem que o paciente estava tão relutante em admitir talvez fosse vivida por ele como estéril confirmando sua noção de não poder ser ajudado e justificando de seu ponto de vista mais um re cuo em direção ao isolamento 198 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs também a indicarlhe o tratamento mais efetivo Ao ser indicada a psicoterapia de orientação analítica precisamos saber identificar o pro blema do paciente sua etiologia e suas re percussões e traçar uma estratégia de abor dagem que possibilite alívio de seu sofrimen to e se possível ampliação de sua capacidade de questionar estranhar sua forma habitual de funcionamento permitindolhe uma vida mais rica e criativa Como ensina Valério15 uma psi coterapia não aborda apenas os problemas de uma pessoa mas também sua dificuldade de resolvêlos Nas palavras de Lucion16 permane ce a necessidade de que se entenda o que os sintomas significam para aquela pessoa que está ali conosco Levy17 considera a psicoterapia de orientação analítica assim como a psicanálise de que deriva métodos de atribuição de significado que procuram ampliar a mente com a criação de mode los mentais que permitam pensar melhor determinada situação PLANEJAMENTO O QUÊ Rui um rapaz de 21 anos procedente do interior do Rio Grande do Sul morando sozinho em Porto Alegre para concluir os estudos na faculdade que cursa procurou atendimento psicoterápico encaminhado pela namorada Sua ansiedade e seu so frimento eram evidentes Queixavase de não conseguir evoluir na faculdade ou nos estágios Contou ser aquela a quarta tentativa de tratamento que fazia As tentativas an teriores não deram certo então abando nou os tratamentos após algum tempo ou por não concordar com o diagnóstico ou com o jeito do terapeuta de falar com ele O primeiro psiquiatra diagnosticou transtorno de déficit de atençãohiperati vidade medicouo mas Rui não percebeu nenhum efeito O segundo diagnosti cou fobia social com o que não conseguia concordar por ser bem disposto gostar de sair ter amigos só às vezes estando mais quieto Mesmo assim ficou dois meses com ele tentando Da terceira vez sentiuse mais auxiliado O terapeuta diagnosticou ser ele um filho mimado e ficava mos trandolhe isso Apesar de considerar ter sido o que mais o ajudou acabou achando que não estava adiantando Disse ser uma pessoa que não se esforça prova disso era já estar na segunda faculdade Também não tenho opinião própria o que me dizem concordo e sou um zero nessa coisa de entender sentimentos Quando o terapeuta assinalou a dis crepância entre esse julgamento de si mes mo e os fatos que contara não se esforçar e ter entrado em duas faculdades estar indo ao quarto psiquiatra e ser alguém que con corda com tudo riu e disse Os vestibulares eram muito fáceis Não concordei mesmo com os ou tros psiquiatras mas é ver os estágios não consigo fazer Acho muita boba gem como vou me sustentar manter o nível com que estou acostumado provar que posso ter valor Eu sinto que meu pai nunca me aprova nun ca me aprovou Ele era de uma família muito pobre conseguiu subir na vida me dá o que nunca teve sinto que não correspondo Agora ele quer que eu volte para casa diz que eu não vou para a frente então que vá trabalhar com ele que ganho mais trabalho com ele desde meus 12 anos não que ro mais acho E tenho minha namo rada aqui gosto de Porto Alegre mas como dizer que eu não quero voltar Psicoterapia de orientação analítica 199 depois de todo o sacrifício que ele fez E também não tenho certeza de nada começo um estágio acabo achando que sei mais que meus chefes e em geral sei mesmo afinal aprendi muito lá trabalhando com o pai Essa entrevista inicial ilustra o que os autores referem sobre nossa responsabi lidade ao receber um paciente Rui já foi segundo disse diagnosticado de várias maneiras o que faz pensar no alerta dos autores citados anteriormente talvez esses diagnósticos estivessem adequados mas não tenha sido levada em consideração a necessidade do paciente de manter a situa ção de sua vida inalterada provavelmente pelo ganho secundário envolvido Mesmo reconhecendo ser essa a versão que ele apresenta de nosso ponto de vista já está mostrando muito do que precisamos saber Em sua história aparecem dificuldades de manterse não só em tratamento mas tam bém em relações de namoro ou amizade Em pouco tempo sentese insatisfeito afastandose por não estar recebendo o que esperava Alice Lewkowicz18 ao estudar in terrupções em psicoterapia breve afirmou que o abandono pode ser enfocado como uma compulsão à repetição É importante assumir que apesar do apelo a nosso narcisismo a interrupção constitui o mais provável desfecho de mais essa tentativa de atendimento desse rapaz Tendo isso em mente haveria possibili dade de planejar uma psicoterapia de orientação analítica com alguma chance de bons re sultados para Rui Por que psicoterapia de orientação analítica Cordioli19 refere que os resultados da psicoterapia dependem do paciente do terapeuta e da técnica nesta incluída a re lação entre terapeuta e paciente Rui segue procurando ajuda Já foi atendido sob di ferentes enfoques Independentemente de os diagnósticos que diz ter recebido terem sido acurados ou não algo não foi atendido de sua busca Nossa avaliação faz pensar no encaminhamento para um tratamento de orientação analítica devido ao padrão re petitivo de sua conduta e à evidência de um conflito inconsciente na raiz desta Vollmer Filho20 salienta que o conflito inconscien te configura a realidade psíquica Como atender esse paciente sem re conhecer a importância de seu conflito inconsciente com o pai e com a posição infantil que se faz tão evidente sob nosso ponto de vista A motivação aspecto de terminante dos resultados de tratamento21 não favorece o encaminhamento para psi canálise Em uma psicoterapia de orienta ção analítica seria possível levar em con sideração esses aspectos busca repetida de atendimento padrão repetitivo de aban dono e insatisfação pouca motivação e estabelecer um foco compreendido como o que é central do conflito do paciente que possa tornarse o ponto de convergência das atenções do terapeuta22 Tal foco ine vitavelmente aplicaria o que Etchegoyen23 afirma ser o fundamental em psicoterapia de orientação analítica o conflito atual uma conjuntura da vida que desequili brou o paciente e lhe provoca um conflito que não é capaz de resolver com seus ins trumentos comuns23 O estabelecimen to desse foco é o passo inicial do planeja mento imediatamente associado a todo trabalho tático de exploração das defesas e ansiedades que previnam o paciente dessa percepção alerta Schestatsky3 O estabelecimento de um foco por parte do terapeuta deve encontrar con cordância no paciente para que seja efeti vo Essa concordância foi a variável que se mostrou estatisticamente significativa em relação aos resultados de psicoterapia no trabalho feito por Mondrzak22 em 1983 achado que está de acordo com outros da literatura22124 de uma época em que se 200 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estudava e trabalhava muito com psicote rapias breves e focais psicodinamicamente orientadas como atesta a breve revisão da literatura realizada para este capítulo Formada nesse período ainda hoje esses conceitos auxiliam minha prática psi coterápica Não poderia pensar em atender Rui por exemplo sem delimitar um foco a partir do qual tentar fazer o paciente reco nhecer o padrão repetitivo de seu funcio namento e se interessar por isso Para tan to acredito teria que buscar como sugere Cruz10 a ansiedade emergente na sessão Com Rui talvez se pudesse esboçar uma aproximação por meio da situação que descreve do pai querendo que retorne a sua cidade de origem e ele sem saber se o quer mas criando uma condição de fracassos repetidos que parecem justificar tal exigên cia Seria possível então mostrar o que in conscientemente provoca ao criar situações repetidas de fracasso apesar das condições que também demonstra ter ao ser aprovado nas posições a que concorre Com essa abor dagem de um possível conflito atual ainda não percebido como tal em que seu papel ativo na determinação das circunstâncias pode aparecer também se objetiva aumen tar sua motivação e seu interesse pelos pro cessos internos que o mantêm na condição de vida de que tanto se queixa Mabilde e Araújo11 em trabalho que enfatiza a importância do planejamento em um caso de transtorno da personalida de afirmam que o planejamento tendo em vista o jeito de ser de uma paciente tra balhado dentro do foco proposto no caso a relação com o noivo permitiu que seus constantes actings não a levassem a inter romper o tratamento O estabelecimento de um foco com o qual Rui concordasse e que atendesse a essa concepção possibilita ria que o paciente levasse adiante a psicote rapia e se beneficiasse dela De acordo com Mondrzak22 a concordância do paciente com o foco mostrouse mais determinante dos resultados do que a própria motiva ção Com Rui seria possível pensar que sua ansiedade difusa e a onipotência defensi va que contribuem para o que ele mesmo descreve como ser um zero em matéria de sentimentos protegemno de entrar em contato com a dimensão real de sua limi tação e com a necessidade de responsabili zarse pelo que é seu Sua atitude distante e crítica em relação aos terapeutas e às tera pias anteriores pode ser compreendida co mo mais uma forma de repetir seu conflito triunfando sobre os chefes para não pre cisar viver a dor de entrar em contato com o significado do que repete A delimitação de um foco que conseguisse despertar seu interesse poderia desencadear um processo de reflexão que o paciente evita por meio da ação repetitiva e compulsiva está sem pre iniciando um estágio uma psicotera pia lembrando os ensinamentos de Freud em Recordar repetir e elaborar25 Para isso o foco precisaria ser formulado com clareza e especificidade captando e dando sentido à ansiedade manifesta Mondrzak22 estudando a concor dância do paciente com o foco descreve ser possível que este mostre sinais de con cordância desde o início do tratamento após um período inicial de discordância ou não mostre sinais de concordância du rante todo o tratamento Rui mostrouse entusiasticamente de acordo desde o início maravilhouse como dizia com a possibilidade de entender o acúmulo e a repetição de situações em que se sentia de cepcionado com o que recebia ou realizava passando a inundar as sessões com raciocí nios aparentemente profundos tornando as paralisadas do ponto de vista da tera peuta Foi possível examinar esse mecanis mo dentro do foco proposto criava outra situação de fracasso apesar da aparência de total cooperação e entusiasmo que o pro Psicoterapia de orientação analítica 201 tegia de decidir o futuro de sua própria vida atribuído então ao pai tão bemsucedido que o chamava para casa e à terapeuta bri lhante que o chamava para Porto Alegre com alguma possibilidade de progresso ain da que evidenciados a força das resistências e a estrutura de caráter subjacente Convém lembrar o quão fascinante é o estudo da mente correndose o risco de ficar encon trando significados cada vez mais elaborados à custa de uma psicoterapia de bons resulta dos Isso implica pensar o que são considera dos bons resultados em psicoterapia de orien tação analítica ou em outras palavras com que objetivos se trabalha Zimmermann26 considera objetivos da psicoterapia dinâmica não apenas a re dução significativa de sintomas inibições e angústias dos pacientes como também a resolução ou a diminuição da intensida de dos problemas nas relações de objeto a melhora no padrão de vida o aumento da produtividade no trabalho e a melhora na capacidade de obter satisfações Esses objetivos afirma sempre serão limitados em relação aos da psicanálise por dizerem respeito a uma situação crítica ou a um ou mais focos de perturbação ou imaturidade e não à estrutura básica da pessoa Para Malan4 o aproveitamento de um paciente deveria ser formulado em termos da resolução de seus conflitos objeti vo de todas as formas de psicoterapia No entanto este é um conceito difícil de definir quanto mais medir sendo por isso necessário recorrer a uma de finição operacional baseada em senti mentos que possam ser observados ou descritos De acordo com esta defini ção presumimos ter havido resolução quando respostas inadequadas que incluem especialmente a reação ina dequada a estresses específicos não apenas desaparecem mas são subs tituídas pelas respostas adequadas correspondentes Nas palavras de Eizirik e colaborado res27 na psicoterapia de orientação analítica os objetivos de máximo be nefício terapêutico vêm em primeiro lugar acima da prioridade psicanalí tica do máximo conhecimento de si mesmo Cruz10 refere que na psicoterapia abordamse os con flitos derivados e sua resolução cria pontos intermediários de estabi lidade intermediários no sentido de que não se chega a uma resolução via neurose de transferência dos conflitos primitivos Essas questões das distinções entre psicoterapia de orientação analítica e psi canálise são complexas e continuam sendo estudadas mas os autores coincidem quan to a ser objeto de ambas o trabalho com o inconsciente Encantarse com as des cobertas realizadas pode levar a psicotera pias vagas intermináveis A regressão inevitável do paciente pode acio nar aspectos narcisistas do terapeuta que per mitam a manutenção de pseudopsicoterapias de orientação analítica que em última instân cia atendam a necessidades infantis ou me nos nobres do par Um planejamento preten de evitar esse risco ainda que não o exclua Freud citado por Eizirik28 defendia que a psicoterapia se não pode causar mal al gum também não pode fazer qualquer bem Em outras palavras nosso instrumento tem 202 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs alcances e limitações E riscos O planeja mento de uma psicoterapia deve obriga toriamente levar isso em consideração Se na avaliação é imprescindível o estabeleci mento de uma hipótese diagnóstica clínica e psicodinâmica que norteará a indicação no planejamento da psicoterapia de orien tação analítica direcionada à motivação os objetivos conscientes e inconscientes se possível e os recursos do paciente devem ser considerados sob pena de estabelecerse um plano distanciado de suas necessidades Malan4 descreve a impossibilidade de encontrar um foco adequado como motivo de recusa de pacientes Segundo ele isso pode significar tanto a incapaci dade para ver qualquer foco ou tema unificador para interpretações quan to enfatizando a palavra adequado poderíamos ter a situa ção em que se podia ver um tema unificador mas este parecia envolver certos perigos específicos se fosse feita uma tentati va de utilizálo em psicoterapia breve Apesar de esse autor referirse a psico terapias breves com um número de sessões reduzido os perigos de que fala também existem para psicoterapias sistemáticas e devem ser considerados no delineamento do planejamento e do foco Malan4 refere o perigo de não se poder iniciar efetiva mente ou concluir o processo psicoterá pico além do risco de surtos depressivos ou psicóticos em pacientes com estruturas mais frágeis Evidenciase não só ser o pla nejamento um todo com a avaliação como também nossa grande responsabilidade ao receber um paciente em especial diante de múltiplas possibilidades de tratamento hoje disponíveis cada uma com sua especifici dade de ação É preciso conhecimento dos procedimentos disponíveis para fazer a me lhor indicação para o paciente naquele mo mento específico de sua vida No planejamento de uma psicoterapia tendo sido essa a indicação convém reconhecer que lidamos com processos complexos e que a bus ca de significado mesmo que não seja o único recurso disponível tem provado ser essencial e determinante da possibilidade de mudança de nossos pacientes29 Rui por exemplo talvez pudesse terse beneficiado das técnicas de atendi mento que lhe foram propostas anterior mente Podemos pensar que a avaliação e o planejamento realizados tenham deixado de considerar as forças psicodinâmicas em ação tornando então inócuas as possibi lidades oferecidas por essas abordagens Kandell30 estudioso da memória premiado com o Nobel em 2000 afirma ser mente cérebro um único e complexo sistema ain da pouco conhecido por nós Cruz31 dá ênfase ao fato de que a hipótese diagnóstica inicial está sujeita a alterações tanto no que se refere aos aspec tos clínicos quanto no que diz respeito aos aspectos dinâmicos conforme o terapeuta vai conhecendo mais e melhor o paciente Em função disso é necessário que o terapeuta tenha a flexibilidade de rea valiar a hipótese inicial no mesmo rit mo em que vai co lhendo novos dados e que inclusive possa alterar seu pla no à medida que as hipóteses iniciais vão sendo complementadas O planejamento deve ser pois um processo di nâmico e constante ao longo da psicoterapia para não corrermos o risco de lidar com nos sos pacientes como se fossem sempre o mes mo ser negligenciando até mesmo as modifi cações ocorridas como resultado do próprio tra balho psicoterápico ou desejando que tenha condições que ainda não tem e que talvez nem venha a ter Psicoterapia de orientação analítica 203 Eizirik28 descreve uma paciente fóbi ca que começava a apresentar progressos quando recebeu um convite para uma via gem profissional que lhe seria muito bené fica mas que não queria aceitar O terapeuta mantendose no foco interpreta o castigo que a paciente se impõe como resultado de suas fanta sias agressivas de triunfo sobre a mãe O terapeuta intervém mais do que costuma fazer procurando mostrar as vantagens da viagem até que a paciente protesta Mas como Se eu não consigo nem ir ao cinema sozinha como é que vou entrar num avião e me afastar de minha família28 Além das implicações pesso ais do terapeuta que declara interesse em fazer uma viagem como aquela mas que não tinha condições para tanto aparece o risco de deixar de avaliar constantemente o estado mental do paciente e a terapia afas tandose do planejamento realista A grande e definitiva limitação da psicoterapia de orientação analítica pres supondo ser conduzida por profissional capacitado reside na pessoa do paciente em sua motivação no reconhecimento de sofrimento em seus recursos de ego que se insuficientes podem inviabilizar a téc nica Nas palavras de Schestatsky3 não seria ocioso repetir a impor tância de sempre se visualizar o sis tema defensivo operando mais ativa mente no paciente assim como seus recursos de ego disponíveis capaci dade de estudar trabalhar ter vida se xual ativa e principalmente sua mo tivação para se submeter a um trata mento tão árduo e oneroso de tantos pontos de vista especialmente o emo cional Em nossos dias esforços vêm sendo feitos para atender os pacientes mais gra ves mais regressivos que nos procuram São tentativas válidas que atestam a com plexidade dos fenômenos mentais pois medidas medicamentosas e cognitivo comportamentais para citar algumas não têm podido sozinhas alcançar os resulta dos desejados com esses pacientes o mes mo fenômeno observado em nossa área Na IX Jornada de Psiquiatria da Região Sul e VI Jornada Gaúcha de Psiquiatria realizada em julho de 2003 um convidado americano Andrew Nierenberg eminente psiquiatra biológico terminou sua pa lestra sobre o tratamento de pacientes com transtornos bipolares dizendo que precisa mos urgentemente de novas terapêuticas Talvez uma boa possibilidade fosse o que então sugeriu Cláudio Eizirik um dos edi tores deste livro a integração com métodos psicoterápicos Fonagy32 pensa na mesma direção ao afirmar que os terapeutas que trabalham com métodos psicodinâmicos devem tentar uma aproximação maior com outras áreas do trabalho com a mente para aprender e mostrar o valor da contribuição que têm a dar E aproveitar as contribuições de outras abordagens eu acrescentaria PLANEJAMENTO COMO Schestatsky3 afirma que a dificuldade de planejar uma psi coterapia é diretamente proporcional à dificuldade de conceitualizar tanto a natureza dos processos mentais quan to a natureza dos seus processos cura tivos Acredito nas palavras desse autor quando defende que na psicoterapia de orientação analítica estamos discutindo basicamente o modelo intrapsíquico psi codinâmico e reforço sua declaração de que 204 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ainda que adotássemos outro mode lo referencial não mudaria a exigên cia de que seu domínio eficaz perma necesse sendo de crucial relevância3 O modelo psicodinâmico implica um modelo de conflito psíquico Tal modelo implica conhecimento ar ticulado e dinâmico de basicamente três processos o de impulsos neces sidades e desejos o de ansiedades as sociadas a eles e o de mecanismos de defesa mobilizados todos em nível inconsciente e gerando sintomas cuja função é ao mesmo tempo defensiva e expressiva Confusões e imprecisões maiores sobre os principais elementos deste modelo e de sua interação e orga nização implicarão na prática planos terapêuticos igualmente confusos e es tereotipados resultando na execução de tratamentos viciosos intermináveis que se esgotam em um grande número de impasses3 Os autores concordam com a necessidade de indicada uma psicoterapia de orientação analí tica delimitarse um foco de trabalho que evite a dispersão possibilitada pelo atrativo da com plexidade de fenômenos que se produzem nes sa relação Indicada a psicanálise tal risco é evi tado pela centralização do trabalho na rela ção transferênciacontratransferência Cruz12 resume as concepções de Wal lerstein a respeito da psicopatologia no modelo psicodinâmico segundo o qual a doença mental deriva de conflitos in trapsíquicos que são predominantemente inconscientes constituídos de impulsos instintivos que geram ansiedade e como consequência defesas Esses conflitos es tão relacionados a experiências infantis que originaram conflitos básicos resolvidos de modo inadequado Antes do início das ma nifestações clínicas os conflitos intrapsí quicos são manejados por padrões peculia res de defesa os traços de caráter mas pela interferência de um fator desencadeante os métodos previamente utilizados para man ter o equilíbrio falham e os sintomas apa recem Tais sintomas revelam importantes elementos dos conflitos e dos meios pelos quais o ego tenta lidar com eles e se manifes tam nas relações atuais da vida do paciente e na sua relação com o terapeuta com repeti ção de relações do passado12 Tal concepção permitiu que autores considerados radicais quanto aos efei tos da psicoterapia breve afirmassem que trabalhando o conflito atual estaríamos de alguma forma lidando também com o conflito nuclear Mesmo não sendo radi cais ao recebermos um paciente vemos uma pessoa que sofre ora apresentando sua situação como ligada a um fato espe cífico ora a apresentando de maneira vaga A noção de foco como ponto de urgên cia12 possibilita que examinemos o que está determinando de forma mais aguda o sofrimento do paciente procurando com isso não só o alívio de seu sofrimento co mo também sua vinculação ao tratamento A experiência com Vera exemplifica esse ponto Cruz12 refere que a psicoterapia de orientação analítica utiliza como técnicas a interpre tação transferencial e extratransfe rencial juntamente com intervenções não diretivas confrontações assinala mentos esclarecimentos e até inter venções de apoio partindo das asso ciações do paciente Psicoterapia de orientação analítica 205 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Vera é uma mulher jovem casada há cinco anos com um homem que diz amar Há seis meses nasceulhes uma filha saudável que lhes traz muita satisfação apesar da trabalheira Há cerca de três meses Vera começou a sentirse triste lamentando que ainda que tenha uma vida tão boa nunca tenha se sentido sexualmente satisfeita A psicoterapia concebida para examinar esse problema transcorria sem ameaças de abandono ou ou tras queixas por parte da paciente mas em um clima de monotonia e falta de perspectivas A terapeuta pensou que a urgência que parecia ausente talvez resultasse de um foco defensivo ainda que a queixa fosse razoável Com isso em mente pôde perceber que a paciente sempre vivera isso que chamava sua vida sexual morna sem sentir que precisava buscar atendimento À medida que questionamentos come çaram a ser trazidos foi possível perceber que o desencadeante da procura estava ligado predominante mente à condição de mãe de Vera O foco mudado para esse tema permitiu um engajamento muito maior da paciente e possibilitou uma noção mais clara de suas dificuldades inclusive sexuais ligadas à relação com a mãe até então idealizada O foco é concebido como o tema principal em torno do qual convergem as interpretações do terapeuta Tema principal que é consequência direta do entendimento do conflito cen tral do paciente Malan4 conta ter ouvido muitas vezes a pergunta Como é possível manter as interpretações no foco Res ponde sempre ter achado essa uma questão difícil pois acredita que a melhor forma de manter as in terpretações dentro do foco é em pri meiro lugar selecionar pacientes com um foco definido e depois formular um plano terapêutico correto4 Schestatsky33 insiste na associação de pelo menos dois elementos sofrimento psíquico com seus sintomas e um confli to identificável Dal Zot21 descreve como os autores que se dedicaram à psicotera pia breve e focal enfatizam a necessidade de selecionar para essas técnicas pacientes com motivação definida como sofrimento egodistonia e com quem se pudesse esta belecer um foco nas primeiras entrevistas Em nossos dias quando recebemos pacientes por vezes tão comprometidos a busca de um foco é importante na tentativa de ajudálos não só a se vincular ao tratamento como a apren der a pensar psicologicamente mesmo quando a combinação com outras técnicas se faz ne cessária Valério15 destaca a necessidade de uma aproximação afetiva com o foco por parte da dupla e para isso acredita ser ne cessário o entendimento dos traços de ca ráter do paciente Vollmer Filho20 afirma que não basta o esclarecimento racio nal para que se possa obter a remissão dos sintomas Os autores consultados concor 206 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dam com essa recomendação na medida em que o padrão de relacionamento deter minará a vivência do paciente daquilo que acontece na psicoterapia Desse ponto de vista as interpretações transferenciais se rão instrumento importante Vollmer Filho34 esclarece duas pos sibilidades que podem evoluir a partir da interpretação transferencial A primeira é a correção da identificação projetiva emer gente no aqui e agora o que uma vez atin gido permite a continuação do exame do conflito atual A segunda alternativa de seu ponto de vista é possibilitar o trabalho sobre o traço de caráter do paciente34 As possibilidades de operacionaliza ção do foco estabelecido são múltiplas e dependem das condições do paciente do terapeuta e do campo de trabalho que se estabelece Cruz12 sugere que o plano a seguir em um dado mo mento chamase plano estratégico e o conjunto de princípios que seguimos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 João um senhor de meiaidade procurou psicoterapia de orientação analítica depois de inúmeras tentati vas de atendimento que abandonava por dizer incapazes de ajudálo O quadro depressivo grave melancó lico impossibilitava sua vida profissional e de relações Era muito difícil identificar um fator desencadean te Dizia ter sido sempre assim apesar de ter trabalhado e mantido alguma vida social até há alguns anos Nas sessões mostravase interessado mas criava um clima desvitalizado que não conseguia reconhecer Parecia querer mudar mas estar impedido por sua grave patologia Apesar dos sentimentos contratransfe renciais de desânimo impotência e desespero a terapeuta sentiase mobilizada pela vida vazia pela dor do paciente pelo sentimento que transmitia de precisar de ajuda Os terapeutas anteriores haviam indicado uso de medicação com o que a terapeuta atual concorda va devido especialmente aos riscos que apresentava inclusive de suicídio A recusa de João em seguir de forma adequada as orientações quanto à medicação tornouse o foco do tratamento Lenta e dolorosamen te esse trabalho foi permitindo entender melhor os sentimentos persecutórios as queixas do paciente com aqueles que deveriam cuidálo e sua reação vingativa de impedimento ante a ameaça de alguma ajuda mesmo aquela decorrente do efeito da medicação ao tirarlhe a justificativa para seguir provando a in capacidade dos cuidadores Sua história passada começou a ser trazida sob outro vértice Maustratos repetidos por parte de uma mãe deprimida puderam fazer sentido para ele que já contara isso muitas vezes ouvindo interpretações parecidas sem que lhe parecesse fazer sentido Em uma das sessões algo comovente ocorreu quando ex clamou que nunca pensara no que sentia quando apanhava sem saber a razão ou ficava esquecido na es cola O fato de o reconhecimento de sua conduta ocupar o lugar do enfrentamento com seus sentimentos foi muito difícil Ao longo desse árduo processo em que já usava corretamente a medicação trouxe a morte da mãe ocorrida há alguns anos como possível desencadeante do quadro atual algo já levantado em outras psicoterapias mas que agora parecia fazer sentido já não tinha a mãe para castigar esse fora o último abandono O tratamento seguiu difícil a melhora foi obtida de forma lenta e restrita como o prognóstico do paciente mas um caminho para o pensamento começou a se esboçar Acredito que sem o estabelecimento do foco inicial em sua dificuldade de usar de modo correto a medicação não teria sido possível obter esse resultado Tal foco era trabalhado basicamente na relação de João com a terapeuta e suas orientações entendidas como atributos desta Psicoterapia de orientação analítica 207 para leválo a bom termo se conhece por estratégia O conjunto de medidas utilizado para executar o plano estra tégico se chama tática Utilizando noções inicialmente vinculadas aos afazeres da guerra mas logo aproveitadas para qualquer empreendimento humano que exigis se um planejamento para conseguir determina do objetivo como descreve Cruz12 enfatiza a necessidade de avaliar as forças em ação na determinação e na manutenção do problema do paciente para estudar de que forma e utili zando que recursos interpretações transferen ciais extratransferenciais confrontações in tervenções mais diretas ou questionamentos por exemplo trabalhar com ele Esse autor considera ser a arte do psicoterapeuta reunir os dados obtidos ao longo da avaliação para um planejamento que permita um trabalho com uma dose de sensibilidade e bom senso que permita utilizar esses prin cípios nos momentos e modos ade quados saber distinguir o que desta car no material do paciente o que dei xar de lado por uns tempos e o que definitivamente não abordar na psi coterapia12 A experiência psicoterápica me en sinou que ao levantar uma hipótese de trabalho como Etchegoyen35 considera a interpretação devemos ter alguma ideia do que pretendemos Ao formular uma in terpretação transferencial em psicoterapia talvez a intervenção mais suscetível de re sultar inócua seja por banalização desen cadeamento de ansiedade intolerável seja pelo uso defensivo do paciente para citar algumas possibilidades há que se ter claro para quê Com João quando a terapeuta mostrava sua recusa em usar a medicação de forma efetiva como tentativa de não melhorar mostrando como ela lhe falha va o objetivo era o reconhecimento de sua necessidade de manter a convicção de não precisar cuidar da própria vida pois não recebia o que lhe era devido Já com Rui era possível observar sua busca de gratifica ção oral com o encantamento que procu rava impor no campo gratificação sádica na medida em que assim fantasiava triun far sobre a terapeuta Interpretar isso nesse momento corria o risco de servir para mais uma manobra defensiva O foco escolhido visava a perturbar o equilíbrio mantido pe lo paciente favorecendo o reconhecimento de sua participação ativa nos acontecimen tos com vistas a que pudesse mudar Outra questão importante diz respei to ao tom usado Alguns pacientes reagem mal a formulações com humor enquanto para outros elas podem ser de ajuda Da mesma maneira os termos utilizados na formulação das interpretações devem ser coerentes com os utilizados pelo paciente Cabe ressaltar que o paciente e a relação tera pêutica sofrem modificações ao longo do pro cesso podendo haver mudança nesses pa drões Um planejamento deve conter algu ma noção do que deve ser atingido para poder pensar em alta Tendo sempre em mente que o planejamento não é estático evolui com a psicoterapia objetivos a se rem alcançados devem ser traçados Assim com Vera o objetivo não foi que atingisse uma vida sexual mais satisfatória pois di zia não ter sentido essa necessidade até o nascimento da filha mas que retomasse sua condição de cuidála sem se sentir despo jada de sua condição feminina Atingidos esses objetivos a paciente poderia sentirse 208 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pronta para levar sua vida ou desejosa de ir adiante na conquista de satisfação espe cialmente sexual Motivação para seguir buscando compreender seus processos mentais deve ser sempre consi derada um bom resultado A responsabilidade de assumir um tratamento exige muito do terapeuta O trabalho de definição de um foco e de es tabelecimento de um planejamento nos moldes descritos talvez nos proteja de me recer o que Freud1 chama vaidade e falta de reflexão daquele que com o mais bre ve conhecimento opina sobre um estra nho completamente ignorante de todos os princípios da análise Fazse necessário que em respeito às pessoas que nos procuram para tratamento à teoria e à técnica a que dedicamos tanto de nossas vidas possamos admitir o quanto precisamos apren der com nossos pacientes para poder ajudálos e como esse aprendizado será determinante de nossa capacidade CONSIDERAÇÕES FINAIS Keidann14 lembrando que mesmo uma avaliação cuidadosa não pode prever o que vai ocorrer ao longo da psicoterapia sus tenta ser essencial apreciar as condições da dupla da pessoa do terapeuta e do pacien te pois ambos já estão envolvidos numa interação dinâmica da qual os temores à mudança fazem parte Segundo Eizirik28 o elemento central da psicotera pia o veículo por meio do qual ela causará benefício dano ou nada fará resultar situase precisamente na re lação que se estabelece entre o médico e o paciente O trabalho em psicoterapia de orientação ana lítica exige do terapeuta constante estudo ex periência de supervisão e tratamento pessoal pois o instrumento de que dispomos somos nós mesmos e a responsabilidade de ajudar outro a se aproximar de si mesmo é muito grande A complexidade disso pode ser capta da na observação de Cruz31 quando afirma que o paciente afinal está nos procurando para que o ajudemos na vida dele e não para que organizemos a sua vida de acordo com nossas concepções Intervir nos processos mentais de outro que nos procura para isso é entrar em uma relação subjetiva que também nos envolve exigindo que estejamos atentos à neutralidade possível36 que mantenha mos o foco nas necessidades e nos valores do paciente Acredito ser essencial o que Melt zer37 ensina quando defende ser meta do tratamento psicodinâmico ajudar o paciente a responsabilizarse pelo que é seu por meio do insight Não para culparse eu diria mas para abrir possibilidades de mudar ao rom per com um padrão estereotipado exclu sivo portanto limitante e poder usar com mais flexibilidade os múltiplos recursos dis poníveis à mente para lidar com a complexi dade da vida em seus prazeres e frustrações sem perder a capacidade de se encantar de pensar de imaginar e de se relacionar Nosso instrumento permite múltiplos conluios inconscientes sendo responsabili Psicoterapia de orientação analítica 209 dade do terapeuta evitar isso A avaliação cuidadosa com o estabelecimento de um foco e de um planejamento em constante reavaliação que atendam às necessidades do paciente dentro dos critérios descritos pode como já referido servir como orien tação nesse nosso fascinante e difícil traba lho Isso é imperativo para não corrermos o risco de atender ao que exclamou uma paciente ante a perspectiva de alta de um processo psicoterápico de bons resultados como se o mundo vai continuar cheio de problemas PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de orientação analítica quando indicada exige uma avaliação o mais precisa possível das condições do paciente tanto as que motivaram a procura do tratamento quanto os fatores de saúde para que um processo efetivo seja estabelecido e o paciente possa obter benefícios 2 Paciente e terapeuta guardadas as diferenças de função propõemse a iniciar um processo que envolve invariavelmente investimentos e custos diferentes para cada um é verdade mas igualmente importantes 3 Uma psicoterapia de orientação analítica impõe uma cuidadosa formulação psicodinâmica para que um adequado planejamento seja estabelecido Considerase que o problema atual do paciente seja causado predominantemente por fatores inconscientes conflito atual possivelmente com raízes na infância conflito nuclear Precisamos saber identificar o problema do paciente sua etiologia e reper cussões e traçar uma estratégia de abordagem que lhe possibilite alívio do sofrimento e se possível ampliação de sua capacidade mental permitindolhe viver sua especificidade dando sentido próprio às suas experiências e assim contribuindo para uma vida mais rica e criativa 4 No planejamento de uma psicoterapia tendo sido essa a indicação convém reconhecer que lidamos com processos complexos e que a busca de significado mesmo que não seja o único recurso disponível tem provado ser essencial e determinante da possibilidade de mudança de nossos pacientes Convém lembrar o quão fascinante é o estudo da mente correndose o risco de ficar encontrando significados cada vez mais elaborados à custa de uma psicoterapia de bons resultados Isso impõe pensar o que são considerados bons resultados em psicoterapia de orientação analítica em outras palavras com que objetivos se trabalha e delimitar um foco compreendido como o que é central do conflito do paciente que possa tornarse o ponto de convergência das atenções do terapeuta22 5 Intervir nos processos mentais de outro que nos procura para isso é entrar em uma relação subjetiva que também nos envolve exigindo que estejamos atentos a manter o foco nas necessidades e nos valores do paciente 6 O planejamento é uma tarefa constante do processo psicoterápico na medida em que compreendemos que as mudanças ocorrem ao longo do processo REFERÊNCIAS 1 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 16287 2 Dewald PA Psicoterapia un enfoque diná mico Barcelona Toray 1972 3 Schestatsky SS Introdução ao planejamento em psicoterapia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Ar tes Médicas 1989 p 718 210 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 4 Malan D As fronteiras da psicote rapia breve um exemplo da convergência entre pesquisa e prática médica Porto Alegre Artes Médi cas 1981 5 Bassols AM Falceto O Bergmann DS Mardi ni V Waldemar JO Palma RB et al O ensino de técnicas psico terápicas aplicadas à infância e adolescência Re v Bras Psicoter 20121411333 6 Havighurst SS Downey L Clinical reason ing for child and adolescent mental health practitioners the mindful formulation Clin Child Psychol Psychiatry 2009142251 71 7 Eells TD Lombart KG Salsman N Kendjel ic EM Schneiderman CT Lucas CP Expert reaso ning in psychotherapy case formula tion Psychother Res 201121438599 8 Aguiar RW Psicoterapias desafios atuais e perspectivas futuras Rev Bras Psicote r 1999 1193105 9 Zimmermann D Planejamento em psico tera pia dinâmica Rev Bras Psiquiatr 1982 4325163 10 Cruz JG O processo de focalização em psico terapia de orientação analítica In Ei zirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psico terapia de orientação analítica teoria e prá tica Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 848 11 Mabilde LC Araújo ANB Psicoterapia dinâ mica importância do planejamento em um caso de transtorno de personalidade Rev Psiquiatr RS 199012299104 12 Cruz JG Planejamento em psicoterapia de orientação analítica In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orienta ção analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 7983 13 Lewkowicz S Pacientes repetidores de psi coterapia breve alguns aspectos psicodinâ micos Rev Psiquiatr RS 19835316778 14 Zaslavsky J Keidann CE Dal Zot JS Cruz JG O contrato e as interrupções em psicote rapia de orientação analítica compreensão e manejo Rev Bras Psicoter 20002222138 15 Valerio MH G O que tratamos em psicote rapia Rev Psiquiatr RS 1985721336 16 Lucion N Psicoterapia psicanalítica na atuali dade Rev Psiquiatr RS 1996183 3015 17 Levy R Psicoterapia de orientação analíti ca na atualidade avanços e vicissitudes Ver Psi quiatr RS 199618330610 18 Lewkowicz A Uma contribuição ao estu do do abandono em psicoterapia breve am bulatorial Re v Psiquiatr RS 198463198 206 19 Cordioli AV Psicoterapia de orientação ana lítica avaliação de pacientes Rev Psiquiatr RS 19835299101 20 Vollmer Filho G Conceito e diagnóstico de neurose em psicanálise Rev Psiquiátr RS 198572957 21 Dal Zot JS Uma contribuição ao estudo dos critérios de seleção para psicoterapia breve R Psiquiatr RS 198461713 22 Mondrzak V O foco em psicoterapia bre ve estudo de 60 casos Rev Psiquiatr RS 19835211729 23 Etchegoyen RH Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica semelhanças e diferen ças Rev Psiquiatr RS 199012320913 24 Malan DH Psicoterapia individual e a ciên cia da psicodinâmica Porto Alegre Artes Médicas 1983 25 Freud S Recordar repetir e elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 191 203 26 Zimmermann D Terminação de psicotera pia dinâmica Rev Psiquiatr RS 198021 519 27 Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS In trodução In Eizirik CL Aguiar RW Sches tatsky SS Psicoterapia de orientação analíti ca teoria e prática Porto Alegre Artes Mé dicas 1989 p 1321 28 Eizirik CL Riscos e limitações da psicote rapia de orientação analítica alguns aspec tos da pessoa do terapeuta Rev Psiquiatr RS 1983521146 29 Iankilevich E Metas em psicoterapia Rev Bras Psicoter 2001332917 30 Kandel ER Biology and the future of psychoa nalysis a new intellectual frame work for psychiatry revisited Am J Psychia try 1999156450524 31 Cruz J Planejamento em psicoterapia de orien tação analítica Rev Psiquiatr RS 1983 521068 Psicoterapia de orientação analítica 211 32 Fonagy P Psychoanalysis today World Psy chiatry 2003227380 33 Schestatsky SS Introdução ao planejamen to em psicoterapia Rev Psiquiatr RS 1983 521025 34 Vollmer Filho G Fórum de debate psica nálise e psicoterapia de orientação analítica semelhanças e diferenças Rev Psiquiatr RS 19901232123 35 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 36 Eizirik CL Entre a escuta e a interpretação um estudo evolutivo da neutralidade psi canalítica Revista de Psicanálise da SPPA 1993111942 37 Meltzer D O processo psicanalítico da crian ça ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 Este capítulo aborda o contrato e suas vi cissitudes entendendoos como parte do processo psicoterápico O contrato será examinado muito além das combinações formais sobre horários das sessões fre quência pagamentos férias e responsabili dades que são feitas no início do tratamen to psicoterápico A palavra contrato é definida por Houaiss¹ como um pacto entre duas ou mais pessoas que se obrigam a cumprir o que foi entre elas combinado sob deter minadas condições É palavra de origem latina contractus significando convenção ajuste pacto Zimerman² acrescenta que a palavra contrato pode ser decomposta em com trato significando que além do indispen sável acordo manifesto de algumas com binações práticas básicas há também um acordo latente que se refere ao modo como analista e paciente irão tratarse reciproca mente As funções e os papéis da dupla es tão definidos de um lado há um paciente que busca alívio de seu sofrimento psíquico e de outro um terapeuta que de forma sis temática dispõese a utilizar todos os seus recursos teóricos técnicos e emocionais para que juntos possam mitigar esse so frimento As bases teóricas do contrato foram apresentadas por Freud em dois trabalhos Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise³ de 1912 e Sobre o início do tra tamento Novas recomendações aos médicos que exercem a psicanálise I4 de 1913 Ne les formula e estabelece as normas funda mentais que compõem o contrato Freud4 compara o tratamento analíti co a um jogo de xadrez no qual as aberturas e os finais por serem limitados podem ser descritos de forma sistemática enquanto a infinita variedade de jogadas que se desen volvem após a abertura desafiam qualquer descrição desse tipo Ao tratar das regras para o início do tratamento afirma Penso estar sendo prudente contu do em chamar estas regras de reco mendações e não reivindicar qualquer aceitação incondicional para elas A extraordinária diversidade das cons telações psíquicas envolvidas a plasti cidade de todos os processos mentais e a riqueza dos fatores determinantes opõemse a qualquer mecanização da técnica O contrato é entendido desde sua conceituação original como parte do processo psicoterápico 11 O CONTRATO Neusa Lucion Lais Knijnik Psicoterapia de orientação analítica 213 Ele representa o princípio da realida de e a ele se opõem as forças das fan tasias e do princípio do prazer sempre prontos a rompêlo O modo como o contrato é sentido e estabelecido ou como são tentadas suas rupturas ex pressa ao vivo dados preciosos para a compreensão do paciente5 O contrato tem uma função estruturante no es tabelecimento do setting psicoterápico na me dida em que cria um arcabouço um ambien te que permite observar manifestações in conscientes fantasias resistências reações transferenciais e contratransferenciais assim como manifestações do caráter Meltzer6 ao discutir o processo analí tico afirma que embora a interpretação possa ser importante para a cura e para a compreensão interna insight não constitui a tarefa principal do analis ta com relação ao estabelecimento e à manutenção do processo analítico Isto é feito através da criação do set ting no qual os processos transferen ciais da mente do paciente podem en contrar expressão Para Winnicott7 o setting é a soma de todos os procedimentos que organizam a análise e engloba todas as atividades extra analíticas do processo analítico os marcos temporal e espacial da relação analítica o estabelecimento de horários férias ho norários entre outras variáveis O setting cria as condições para que seja mantida a marcha ordenada do processo analítico mas não constitui o jogo analítico a inte ração associaçãointerpretação ele pro porciona as regras do jogo6 Tais regras que são os elementos formais da relação terapêutica constituem o contrato e suas modificações precisam estar baseadas na teoria da técnica uma vez que necessaria mente influenciam o pro cesso8 ELEMENTOS CONSTITUINTES DO CONTRATO As combinações do contrato estabeleci das após a avaliação e a indicação de psico terapia podem ser feitas de maneira deta lhada ou simplificada Há psicoterapeutas que preferem esmiuçar todas as possíveis situações que surgirão no decorrer do tra balho psicoterápico A tendência atual é fazer combinações amplas e simplificadas com os pacientes restringindo se a elementos como a frequência da psicote rapia os horários das sessões os honorários e as férias Freud4 cita o tempo e o dinheiro co mo os pontos de importância no estabele cimento do contrato As demais situações serão tratadas à medida que forem surgin do no curso do tratamento uma vez que constituem uma via de expressão de con flitos e do caráter do paciente assim como do momento transferencialcontratransfe rencial que a dupla está vivendo Frequência Por vezes o paciente tem a fantasia de que o tempo de duração da psicoterapia está diretamente relacionado à frequência das sessões Essa é uma situação em que dois não é o dobro de um nem um é a metade de dois A maior frequência das sessões permite uma diferença qualitativa e não quantitativa 214 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A frequência de duas sessões semanais é o veículo adequado para que a psicoterapia de orientação analítica dirigida ao insight possa promover mudanças psíquicas significativas O intervalo de poucos dias entre as sessões permite que haja continuidade no que vem sendo tratado maior encadea mento entre as sessões bem como um período no qual o paciente pode pensar sobre o que está ocorrendo tendo uma ses são próxima para seguir examinando sua conflitiva A proximidade entre as sessões também impede que o esquema defensivo se reorganize por completo Para algumas pessoas a psicoterapia é indicada em uma frequência maior Pa cientes motivados com egos bem estrutu rados com capacidade de postergar satis fações e de ter insight fantasiar simbolizar e estabelecer relações podem se beneficiar de uma psicoterapia com três sessões se manais ou de psicanálise se exequível ou disponível Aqueles com aparelho psíquico menos estruturado que se expressam pre ferencialmente mediante o agir o somati zar que apresentam momentos de maior desorganização beneficiamse mais de uma frequência maior Entretanto há situações nas quais o paciente não pode realizar o tratamento na frequência recomendada quer por motivos econômicos quer por indisponibilidade de horário quer por outras dificuldades ex ternas as quais muitas vezes encobrem resistências internas Há casos em que os pacientes alegam falta de condições finan ceiras e no decorrer do tratamento fica evidente que isso é uma expressão da re sistência ao trabalho psicoterápico O tera peuta também pode apresentar resistência a indicar psicoterapia em uma frequência maior Ele pode propor uma frequência menor do que a indicada motivado in conscientemente pelo temor de defrontar se com seu mundo interno uma vez que a proximidade entre as sessões favorece a ex pressão de fenômenos transferenciaiscon tratransferenciais O interjogo da trans ferênciacontratransferência está sempre presente seja qual for a frequência da psi coterapia porém seu acesso é facilitado pe la proximidade entre as sessões Cabe ressaltar que para se manter como o lo cal privilegiado para a observação do incons ciente uma psicoterapia de orientação psica nalítica necessita de uma frequência mínima que acreditamos ser de uma sessão semanal Frequências menores dificultam a aplicação dessa técnica comprometendo assim os resultados Há psicoterapeutas que mesmo que o paciente não possa no momento do con trato realizar a psicoterapia na frequência recomendada optam por esclarecer sua in dicação Argumentam que a pessoa deve ter acesso à indicação como uma perspectiva a ser buscada Outros psicoterapeutas ques tionam tal conduta por acreditarem que isso pode levar o paciente a desvalorizar o tratamento que faz e idealizar o tratamento que não pode fazer ficando a frequência a serviço da resistência Responsabilidade sobre as sessões Um elemento importante que deve ser ex plicitamente estabelecido na constituição do contrato é a responsabilidade pelo ho rário das sessões Há no entanto psico terapeutas que optam por examinar essa questão somente quando ela surge Psicoterapia de orientação analítica 215 Ao combinarem um horário paciente e terapeu ta assumem um compromisso mútuo Ambos se comprometem a encontrarse no consultório em determinada hora para juntos realizarem o tratamento proposto No horário combinado o terapeuta estará disponível para atender exclu sivamente aquela pessoa Os pacientes precisam sentir que os analistas podem realmente estar lá e que ao estar sempre lá possibilitarão o início do tratamento e daí o desen volvimento do processo analítico9 Meltzer6 comenta que a atividade psi canalítica pode ser comparada com a do virtuose e com a do atleta Aponta a impor tância para a mente do analista da regula ridade das sessões com a manutenção de horários em ordem Quando um paciente falta a sua sessão mesmo que avise anteci padamente deixa uma lacuna nas ativida des do dia e a qualidade do trabalho pos terior naquele dia é adversamente afetada Ainda que a oportunidade de relaxar seja bem acolhida ou mesmo que esse tempo seja aproveitado para outras atividades is so promove uma quebra no andamento do trabalho6 A descontinuidade pode impedir o aprofundamento da transferência Melt zer6 lembra a necessidade da repetição para que o processo psicoterápico exista Se o paciente falta há uma ruptura Uma condição necessária para que a psicotera pia ocorra é o comparecimento do paciente às sessões A quebra também se dá para a mente do paciente que perde o exercício de pensar sobre si mesmo comprometen do o virtuosismo dessa habilidade Temos de considerar a possibilidade de o paciente ou o terapeuta não poderem comparecer à sessão Há divergências sobre a conduta a adotar Para Langs10 o tera peuta não deve trocar o horário do pacien te nem oferecer um horário alternativo no caso de feriados ou de algum impedimento seu Outros autores como Zaslavsky e cola boradores11 tentam na medida da sua dis ponibilidade oferecer outro horário para pacientes em psicoterapia tendo em vista que a distância criada entre as sessões pre judica o andamento do processo Quando é o paciente quem solicita a troca do horá rio da sessão é preciso examinar a situação com cuidado Foi o que ocorreu com Pe dro um paciente que tinha even tualmente compromissos de trabalho agendados por outras pessoas sem que tivesse ingerência sobre o horário estabelecido Em determi nada ocasião pediu com antecedência uma troca de horário alegando que assim o terapeuta teria tempo para remanejar al guém Ele tinha uma reunião marcada que ocuparia todo o dia inclusive seu horário de sessão O tema da sessão era sobre co mo ele não se sentia querido pelas pessoas o que associava à preferência da mãe pela irmã mais velha Dizia sempre precisar fa zer tudo para os outros a fim de ser ama do Ao examinarmos a situação e sua real necessidade vimos que ele poderia chegar mais tarde à reunião e que a troca estava sendo pedida como uma prova de que o terapeuta gostava dele tendo que desalo jar outros pacientes remanejar alguém representando a irmã para atendêlo Seria uma prova de que o terapeutamãe o preferia em detrimento da irmã Para Pe dro como para outros pacientes a troca de horário era uma prova de ser querido pelo terapeuta Se este atende seu pedido gosta dele se não atende não gosta No entanto o terapeuta nem sempre estará disponível para atender em outros horários Como Romanowski e Vollmer Filho12 assinalam a relação transferencial tem sua matriz genética na relação primitiva 216 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs seiobebê e uma das fantasias mais constantes é a de igualar o analista a um seio inesgotável mantida pela dis sociação da imagem deste e pela pró pria negação da realidade da análise que oferece reiteradas privações Eizirik13 lembra que nessas questões de troca de horários como nas demais uma atitude fle xível mas não condescendente firme mas não rígida é o recomendável Examinar as motiva ções conscientes e inconscientes antes de to mar qualquer atitude é a conduta mais produ tiva Durante a psicoterapia poderão ocor rer situações nas quais o terapeuta será obri gado a romper ou a modificar o contrato como no caso de atrasos faltas doença viagens compromissos profissionais e que poderão colocar o paciente diante de situações reais que precisarão ser exami nadas de forma adequada De acordo com Ferro14 rupturas do setting por parte do analista devem ser absolutamente evitadas mas são igualmente inevitáveis ao longo da análise Essas situações costumam ativar o aparecimento e possibilitar o acesso a as pectos muito primitivos como o sistema de angústia e as defesas do paciente Po dem surgir fantasias diversas como a de ser abandonado de o terapeuta morrer de ser trocado por outro paciente Conforme as sinalam Romanowski e Vollmer Filho12 a compreensão e a interpretação dessas fan tasias ativas vistas na psicoterapia permi tirão a diminuição das ansiedades e pro gressivamente maior integração do ego Ao longo do tratamento podem ocorrer doenças físicas de ampla duração assim como pacientes que saem em viagens de estudos ou trabalho por alguns meses Freud4 costumava interromper o trata mento e quando o paciente se restabelecia voltava a atendêlo se tivesse disponibili dade de horário O compromisso anterior fica desfeito e na medida da disponibili dade de horário de ambos o tratamento pode ser retomado ou não Outras duplas encontram soluções alternativas como por exemplo a situação de Betina Tendo sido aprovada em concurso público foi trabalhar em outra cidade e mantinha um horário regular com o terapeuta Nesse seu horário ligava para o terapeuta realizan do a sessão por telefone Quando estava na cidade original fazia sua sessão de forma presencial A manutenção do vínculo auxi liou Betina naquele momento de sua vida Questões como essa precisam ser discuti das pela dupla Honorários Outro elemento do contrato que mobiliza tanto paciente como terapeuta é o estabe lecimento de honorários À realidade exter na somamse conflitos da dupla expressos no interjogo transferênciacontratransfe rência com possibilidades ilimitadas Blan ck e Blanck15 enfatizam que os honorários são a única parte da terapia que legitima mente se destina ao terapeuta podendo então ser uma via direta de expressão de seus conflitos Freud4 assinala que as questões de dinheiro são tra tadas pelas pessoas civilizadas da mesma maneira que as questões se xuais com a mesma incoerência pu dor e hipocrisia O analista portanto está determinado desde o princípio a não concordar com esta atitude mas em seus negócios com os pacientes a tratar de assuntos de dinheiro com a mesma franqueza natural com que deseja educálos nas questões relati vas à vida sexual Demonstralhes que ele próprio rejeitou uma falsa vergo Psicoterapia de orientação analítica 217 nha sobre esses assuntos ao dizerlhes voluntariamente o preço em que ava lia seu tempo Os honorários devem refletir o nível de formação e de experiência do terapeuta e estar de acor do com os padrões da comunidade com a qual trabalha como expresso no Código de Ética Mé dica É recomendável que o terapeuta estabele ça o valor com o qual se sente adequadamente remunerado assim como o valor mínimo com o qual se sente confortável em trabalhar O estabelecimento de honorários mais baixos o que é frequente entre os iniciantes pode estar motivado por senti mentos de culpa por não se sentir capaz por um desejo de agradar pela vontade de manter o paciente ou pelo desejo de com pensálo por supostas ineficiências Para o paciente valores mais baixos podem signi ficar levar vantagem ter a voracidade solta e incontrolável sentirse o preferido em relação aos outros pacientes Como afirma Eizirik13 isso pode conduzir a culpa ina tividade desvalorização do terapeuta e do tratamento e ao frequente surgimento de impasses e interrupções Já a determinação de honorários altos pelos terapeutas iniciantes demonstra sua necessidade de negar essa condição co mo se não houvesse diferença em relação aos colegas mais experientes aquilo que é referido por ChasseguetSmirgel16 como a diferença entre as gerações Demonstra também aspectos vorazes e o desejo de se impor como um objeto caro e valorizado O paciente pode aceitar essa situação por identificarse com esse objeto perseguidor encobrindo seus sentimentos de desvalia Nesses casos a idealização por mais que dure acaba sendo substituída por senti mentos paranoides A aceitação também pode evidenciar aspectos de submissão do paciente O terapeuta pode ter em mente um valor menor de honorários para oferecer ao paciente seja porque este enfrenta dificul dades financeiras temporárias seja por tra tarse de pessoa com menos recursos mas altamente motivada seja porque ele pró prio tem horários vagos que deseja preen cher seja porque o caso será supervisiona do havendo o benefício da aprendizagem Ao indicar o valor aceitável é importante propiciar a exploração da realidade das fi nanças do paciente assegurandose de que o valor acordado é realístico para ele sem ser indulgente ou objeto de engano Melt zer17 considera honorários mais baixos um subsídio que o terapeuta oferece ao pacien te É fundamental explorar as fantasias que um valor inferior provoca assim como estar alerta para quaisquer indicações de recursos não declarados Se isso não for analisado e resolvido o tratamento pode ser totalmente depreciado e boicotado Is so não significa suspeitar cronicamente dos pacientes mas cuidar para não subsidiar a imoralidade de seu paciente17 Por ve zes o terapeuta aceita honorários menores aliandose inconscientemente a aspectos empobrecidos do paciente em um conluio que necessita ser identificado para poder ser tratado No caso de haver um acordo por um valor me nor este deve ser trabalhado em seus diferen tes níveis o da realidade externa e o dos signi ficados no mundo interno do paciente e suas re percussões para a relação terapêutica A redução dos honorários pode pro vocar nos pacientes sentimentos de dívida para com o terapeuta o que os impediria de expressar toda a gama de sentimentos 218 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs hostis em relação ao profissional Em pa cientes com traços de caráter oral pode estimular a passividade e uma dependên cia indevida Quando as condições econô micas do paciente se modificarem o valor dos honorários será rediscutido podendo ser atualizado dentro ou fora do período de reajuste Outra questão referese à responsa bilidade monetária pelo horário das ses sões Tendo em vista que a psicoterapia de orientação analítica é um tratamento que tende a durar anos o terapeuta assume compromissos com os pacientes que o li mitam para outros atendimentos Se o pa ciente não puder comparecer por motivos diversos como trabalho viagem ou enfer midade precisa manter o acordo mútuo responsabilizandose pelo pagamento do horário reservado uma vez que o terapeuta não poderá assumir outro paciente em seu horário Isso está de acordo com o expresso por Freud4 A cada paciente é atribuída uma hora específica de meu dia de trabalho dis ponível pertence a ele que é respon sável por ela mesmo que não faça uso da mesma Sob regime menos estrito as faltas ocasionais aumentam de tal forma que o médico percebe sua existência material ameaçada ao passo que quando o acordo é seguido impedimentos acidentais não ocorrem de modo algum e moléstias inter venientes apenas de modo muito raro Hoje os tratamentos têm duração maior do que os realizados por Freud e impedimentos acidentais tendem a ocor rer Podese dizer que não há tratamento psicoterápico que não se defronte com tais situações O que Freud4 assinala nesse tra balho de técnica é que seguindo o princí pio estrito da hora marcada vemos como é intenso o significado psicogenético da vida cotidiana dos homens com que fre quência simulam doenças e como o acaso é inexistente O acaso existe mas no exame das suas motivações inconscientes perce bemos o quanto ele fica menos frequente Uma justificativa realista para o não com parecimento às sessões pode ser usada para encobrir uma resistência ao tratamento ou ao que vem sendo tratado no momento Como em outros aspectos do contrato é fundamental o entendimento de que forças estão atuando no campo Nos dias atuais muitos pacientes têm planos de saúde que cobrem o pagamen to de algumas sessões ou que ressarcem parte de seu valor Isso estará presente no tratamento como um pano de fundo si lencioso ou ruidoso sendo um veículo para fantasias que podem se aliar a resis tências amea çando a relação terapêutica e a própria psicoterapia Calich8 salienta que paciente e terapeuta ao incluírem ar tifícios para ganhar mais dinheiro como por exemplo declarando um número de sessões diferente do realizado introduzem um elemento de quebra da verdade que se opõe à própria essência da psicoterapia A data do pagamento é outro item que precisa ser explicitado no contrato A psicoterapia é um tratamento de frequên cia regular e para comodidade de ambas as partes conveniouse que o pagamento seja feito uma vez por mês Ele deve ser efe tuado de preferência na última sessão do mês pois o paciente efetua o pagamento pelo serviço realizado naquele período Às vezes por necessidade do paciente a dupla combina que o pagamento será feito em outra data por exemplo na primeira ses são após o fim do mês É importante que uma data seja estabelecida para que um possível não cumprimento do acordo seja entendido e tratado Há pacientes que não pagam na data combinada mesmo tendo o dinheiro para Psicoterapia de orientação analítica 219 isso Expressam assim sua voracidade pri vando o terapeuta de algo que é dele eou manifestando um desejo de retêlo dentro de si Pode ser também uma comunicação de um momento de desagrado em relação ao terapeuta É possível ainda uma com binação desses aspectos uma fixação na fa se oralsádica do desenvolvimento com o paciente só querendo receber do terapeuta tirar dele como também um aspecto anal de aferrarse à propriedade para reter algo valioso dentro de si O momento do pagamento também evidencia que esta é uma relação profissional e assimé trica além da necessidade e da dependência do outro provocando muitas vezes sentimen tos hostis no paciente O terapeuta por temer seus aspectos orais vorazes pode não abordar essa questão com a franqueza natural necessária ex pressando seus próprios conflitos Ele pode se sentir submetido explorado pelo pacien te e atuar em uma atitude antiterapêutica Um terapeuta mais livre de conflitos em re lação à oralidade ao dinheiro sentese mais à vontade para lidar com essas questões É importante que o terapeuta tenha trânsito em seu mundo interno para poder entender melhor os aspectos do paciente que muitas vezes são projetados em si O terapeuta identificado com os ob jetos internos do paciente no que Racker18 denominou de contratransferência com plementar não conseguirá entender e tra tar os aspectos orais e anais deste Há pacientes que querem determinar quando e como vão pagar expressando um aspecto anal de seu caráter Abraham19 as sinala que a entrega do excremento é a for ma mais primitiva pela qual uma criança dá ou presenteia alguma coisa Para ele o importante é preservar seu direito de deci são podendo recusar um pedido ou uma solicitação mas dar a alguém o belo pre sente quando assim decidir O paciente impor quando e como pagar constitui uma tentativa de controlar o terapeuta e o tra tamento Uma situação interessante ocorreu com Patrícia que ao marcar a primeira consulta por telefone e sem saber os ho norários do terapeuta solicitou que ele co brasse um valor inferior Há pacientes que como Abraham19 descreve estão sempre solicitando algo sob a forma de um pedido modesto ou de uma exigência agressiva A maneira como apresentam suas exigências tem em si algo da natureza da sucção per sistente não aceitam argumentos razoáveis e continuam a pleitear e a insistir Outras pessoas como refere Abra ham19 são dominadas pela crença de que sempre existirá uma pessoa bondosa um representante da mãe para naturalmen te tomar conta delas e darlhes tudo de que necessitam Essa crença otimista con denaas à inatividade Esperam que o seio materno flua eternamente para elas não precisando fazer esforço algum para ga nhar o pão de cada dia O caso de Rosa é ilustrativo Ela é uma jovem em início de tratamento sem dificuldades financeiras Já no primeiro mês precisa ser lembrada pelo terapeuta sobre o pagamento No mês seguinte também atrasa Relata que sua mãe reclama de seu jeito de esperar que os outros façam tudo por ela Nesse momen to o terapeuta pôde mostrar como esse seu aspecto oral estava presente na sessão por meio do atraso no pagamento tendo colocado a responsabilidade pelo lapso no terapeuta Caberia a ele lembrarlhe do dia 220 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs do pagamento As situações de pagamen to propiciam que traços de caráter e inú meros conflitos se expressem fornecendo mais uma importante oportunidade de acesso ao mundo interno do paciente e aos movimentos transferenciaiscontratrans ferenciais da dupla naquele momento do tratamento Férias A combinação sobre as férias é parte cons tituinte do contrato Anteriormente psica nalistas e psicoterapeutas costumavam ter um mês oficial de férias e isso era comuni cado ao paciente já no início do tratamen to Os pacientes ficavam com o compro misso de ter suas férias no mesmo período evitando assim outras interrupções que prejudicassem o processo e também para não precisarem se responsabilizar financei ramente pelas sessões perdidas Hoje há maior flexibilidade exigindo a discussão desse tema Muitas vezes por questões de trabalho ou familiares o pa ciente decide gozar suas férias em período diferente do terapeuta Este por sua vez pode decidir dividir suas férias em mais de um período atendendo durante aquele que originalmente seria parte do combina do como férias O terapeuta pode oferecer ao paciente a possibilidade de vir ou não às sessões independentemente de o paciente estar na cidade Mesmo assim é impor tante analisar as motivações para a atitude tomada pelo paciente É possível que este venha às sessões como uma expressão de submissão com a fantasia de que assim se rá amado pelo terapeuta Ao não compa recer pode estar comunicando a presença de transferência negativa O entendimento das motivações é particular daquela dupla naquele momento Cabe ressaltar que o exame dessa situação inclui o cuidado de não forçar no paciente algo alheio a ele e que esteja sendo introduzido como parte dos interesses do terapeuta Nesse contex to cabe ao terapeuta não apenas examinar as motivações inconscientes do paciente como também olhar por si mesmo e discri minar seus próprios sentimentos Quando o paciente tem suas férias em um período diferente daquele do terapeu ta a cobrança das sessões não compare cidas suscita diferentes condutas em dife rentes terapeutas Estamos diante de uma situação em que não há um consenso Faltas A responsabilidade monetária pelas faltas inserese no compromisso com o proces so terapêutico O paciente muitas vezes apegase ao prejuízo econômico que terá com sua ausência às sessões deixando de lado a perda pela descontinuidade do pro cesso psicoterápico As situações precisam ser tratadas com a particularidade de cada caso sendo sua compreensão essencial à psicoterapia Mais do que nos aferrarmos a combinações precisamos trabalhar seu sig nificado naquele momento Como afirma Etchegoyen20 Há sempre um ponto de toda relação humana em que é necessário saber es cutar o outro e saber o que é que de seja e espera de nós sem que isto nos obrigue a satisfazêlo Aceitar a opi nião do paciente nem sempre significa gratificálo do mesmo modo que não aceitála não tem por que ser sempre um menosprezo ou uma frustração Por vezes o terapeuta para não se in comodar faz concessões no contrato sem avaliar adequadamente as repercussões de sua atitude no processo Não se trata da questão flexibilidade versus autoritaris Psicoterapia de orientação analítica 221 mo e sim se aquela proposta de ruptura vai ser analiticamente entendida ou não e a serviço de que instância está Pode ser por exemplo a expressão de um desejo do paciente de ter sempre um seio bom que o gratifique e ao aceitarmos essa proposta estaremos fazendo uma aliança com sua parte oral voraz reforçando aspectos re gressivos ou a serviço de desinvestimen to no tratamento representando aspectos destrutivos Reajuste Outro aspecto do contrato referese a rea justes dos honorários no decorrer do tra tamento Há pacientes que reagem ao au mento dos honorários não importando sua justificativa realista Não reajustar o valor quando há aumento do custo de vida é negar a realidade externa e atacar a per cepção do paciente A proposta de reajuste deve ser feita com tempo suficiente para permitir ao paciente uma ampla discussão de seus sentimentos antes do dia do pagamento Com frequência o reajuste produz reações de raiva e ameaças de abandono Sua discussão também evidencia as resis tências e o movimento transferencialcon tratransferencial predominantes naquele momento do tratamento Um exemplo ilustrativo ocorreu com Joana uma moça de 28 anos Já por ocasião do contrato quis estabelecer o pagamento de somente oito sessões por mês alegando que essa era sua programação financeira apesar de ter boa situação econômica O pagamento de nove sessões em um mês era alvo de frequentes reclamações e de pro postas de alteração do contrato Envolveu se com um professor 40 anos mais velho do que ela e manteve o relacionamento por alguns meses expondoo a situações constrangedoras Meses depois envolveu se com um familiar próximo também muito mais velho e casado Tanto o profes sor como o familiar aceitaram sua proposta de ruptura do contrato social a proibição do incesto Por ocasião de um reajuste que concorda ser realista tenta impor à tera peuta a realização de sete sessões mensais ameaçando interromper se não for aten dida Há uma proposta de perversão na transferência por meio de uma ruptura do contrato assim como ela rompia fora do setting os contratos sociais Os sentimen tos contratransferenciais foram de violento ataque sinalizando perversão na transfe rência Ao não aceitar a proposta de rompi mento do contrato a terapeuta manteve o setting e a paciente tranquilizouse poden do tratar de sua necessidade de perverter as relações As tentativas de ruptura do contra to são valiosas comunicações que podem ajudar a encontrar e reencontrar a sinto nia com o paciente bem como a obter o vértice interpretativo14 por vezes consti tuem sinalizadores muito precoces do que está ocorrendo na psicoterapia No inter jogo que se estabelece entre paciente e te rapeuta temos por um lado um paciente com suas partes psicóticas perversas des trutivas da personalidade que de modo inconsciente tenta subverter o contrato provocando desafiando testando o tera peuta ao mesmo tempo a parte mais adul ta e madura de sua personalidade espera e deseja que o terapeuta não se submeta não se deixe envolver em um conluio com seus aspectos menos integrados De outra parte há um terapeuta que como objeto trans ferencial precisa ser suficientemente capaz de não permitir que seus próprios conflitos 222 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sejam atuados destruindo sua função psi coterápica É a atitude mental do terapeuta que constitui a garantia da manutenção do contrato permitindo a preservação da in tegridade do setting e assim a ocorrência do processo psicoterápico O contrato é o guardião do setting e o terapeuta o guar dião do contrato PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O contrato é considerado uma parte do processo psicoterápico e abrange muito mais do que combina ções formais 2 No início do tratamento são estabelecidas as regras referentes a frequência horários valores férias e responsabilidade pelas sessões 3 A frequência de duas sessões por semana é a mais adequada para uma psicoterapia psicanalítica sendo que uma sessão semanal é o mínimo para que o processo se realize 4 Paciente e terapeuta assumem um compromisso mútuo pelo horário das sessões Faltas e férias em período diferente do combinado exigem um olhar que contemple aspectos objetivos e seus equivalentes subjetivos 5 Os honorários devem refletir o nível de formação e a experiência do terapeuta Muitas vezes acertos entre a dupla tornamse necessários desde que o valor combinado seja adequado para ambos 6 Ao longo do tratamento as regras acertadas por ocasião do contrato inevitavelmente serão rompidas e precisam ser tratadas como valiosas comunicações do que está acontecendo com a dupla naquele momento 7 É a atitude mental do terapeuta que constitui a garantia da manutenção do contrato permitindo a preservação da integridade do setting e assim a efetivação do processo psicoterápico REFERÊNCIAS 1 Houaiss A Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 2 Zimerman DE Fundamentos psicanalíticos teoria técnica e clínica uma abordagem di dática Porto Alegre Artmed 2008 3 Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 14959 4 Freud S Sobre o início do tratamento no vas recomendações aos médicos que exer cem a psicanálise I In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 16487 5 Valério M O contrato psicoterápico sua re lação com traços de caráter a transferência e a contratransferência In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orienta ção analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 10720 6 Meltzer D O processo psicanalítico da criança ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 7 Winnicott DW Variedades clínicas da trans ferência In Winnicott DW Textos selecio nados da pediatria à psicanálise 4 ed Rio de Janeiro Francisco Alves 1993 p 4839 8 Calich JC O contrato psicoterápico e suas alterações frente à relação atual Revista Brasileira de Psicoterapia 200023313 21 9 Zac de Filc S Reflexões a respeito do setting no tratamento de adolescentes Livro Anual de Psicanálise 20082215168 10 Langs R The technique of psychoanalytic psychotherapy 3rd ed New York J Aron son 1976 v 1 Psicoterapia de orientação analítica 223 11 Zaslavsky J Keidann CE Dal Zot JS Cruz JG O contrato e as interrupções em psicote rapia de orientação analítica compreensão e manejo Rev Bras Psicoter 20002222138 12 Romanowski R Vollmer Filho G A regres são no processo analítico regressão e angús tia de separação In Annes SP Estudos psi canalíticos Porto Alegre S P Annes c1974 p 6974 13 Eizirik CL O contrato psicoterápico os as pectos formais e sua relação com a transfe rência e a contratransferência In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 1002 14 Ferro A Na sala de análise emoções relatos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 15 Blanck G Blanck R Psicologia do ego Porto Alegre Artes Médicas 1983 16 ChasseguetSmirgel J As duas árvores do jardim Porto Alegre Artes Médicas 1988 17 Meltzer D Sinceridad y otros trabajos obras escogidas de Donald Meltzer Buenos Aires Spatia 1997 18 Racker H Estudos sobre técnica psicanalíti ca Porto Alegre Artes Médicas 1982 19 Abraham K Teoria psicanalítica da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 16768 181 20 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 20 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 p 46 12 SETTING PSICOTERÁPICO NEUTRALIDADE ABSTINÊNCIA E ANONIMATO Isaac Pechansky A abordagem de um tema que pretende discutir aspectos técnicos da relação tera pêutica aponta desde logo para uma dis cussão de conceitos diferenciados mas in timamente relacionados em suas funções e objetivos Inicialmente é preciso entender a im portância do setting terapêutico na medida em que é considerado um espaço dinâmico a serviço do bom andamento de toda tera pia na qual se envolvem paciente e tera peuta É o ambiente que se estabelece a fim de propiciar as melhores condições para a instalação de um bom clima de trabalho Greenson1 ao mencionar o que a psi canálise exige do ambiente setting analíti co afirma que o termo se refere à estrutura física e aos procedimentos de rotina da prá tica psicanalítica que constituem par te integrante do processo de ser ana lisado e que realmente facilitam e aumentam bastante o aparecimen to de todas as diferentes reações trans ferenciais Mesmo sendo considerações referen tes à prática psicanalítica podese deduzir que também é válido pensar que muito do que se depreende daí é passível de ser apli cado ao ambiente psicoterápico É preciso levar em consideração que sob o ponto de vista tanto da técnica como dos objetivos a serem atingidos existem diferenças que de marcam os limites entre ambas as terapias Para a maioria dos autores a diferença fun damental está no trabalho de desenvolver a neurose de transferência e por isso um setting específico exerce papel funda mental É o que propõe Greenson ao estu dar o ambiente analítico do ponto de vista dos elementos que favorecem a neurose de transferência e daqueles que facilitam a aliança de trabalho Meu objetivo não é propor uma discussão em torno de dife renças entre as duas terapias mas dentro do possível delimitar os espaços aplicáveis ao setting psicoterápico a partir do setting analítico Qualquer proposta de um trabalho sobre neutra lidade abstinência e anonimato em um setting psicoterápico de orientação analítica terá sem pre como ponto de partida fontes bibliográficas Psicoterapia de orientação analítica 225 da área psicanalítica para somente a partir daí buscar sua aplicação em outras formas de psi coterapia O que se pretende é uma discussão sobre a controvertida atitude neutra do tera peuta bem como sobre sua relação com a abs tinência e o anonimato condições intimamente vinculadas à neutralidade NEUTRALIDADE O assunto embora objeto de preocu pações por parte dos precursores da psi canálise desde Freud ainda não perdeu sua atualidade Estudos contemporâneos vêm destacando cada vez mais a impor tância do clima que se cria no campo terapêutico gerado pela dupla paciente terapeuta Não se trata de algo novo pois o surgimento do clima referido é um fenô meno natural e espontâneo que emerge no transcurso de toda relação terapêutica em nível e intensidade variáveis sempre como resultado das múltiplas e constan tes interrelações da transferência com a contratransferência A questão primordial está no fato de o terapeuta poder identifi car e acompanhar os movimentos que se instalam de forma gradativa no processo produto de todas as manifestações que partem tanto do paciente quanto dele pró prio É preciso levar em consideração que boa parte dessas manifestações provém de fontes inconscientes e por isso nem sem pre fáceis de perceber A dupla assim for mada um no empenho de encontrar alívio para suas angústias e o outro na tarefa de aliviálas inicia uma trajetória marcada pela mobilização de propósitos definidos desejos sentimentos e fantasias e que pode conduzir para caminhos nem sempre pre visíveis Se isso é válido para o tratamento psicanalítico não é menos verdade que tais considerações também se aplicam à terapia de orientação analítica Tratandose de uma discussão que tem por objetivo central a figura do tera peuta é preciso considerar os inúmeros fa tores capazes de perturbar seu bom desem penho técnico Partese sempre do pres suposto de que o terapeuta tem em sua bagagem uma boa formação profissional e está perfeitamente identificado e com prometido com atividades tão envolventes como são as terapias que lidam com pro blemas emocionais Esperase que ele possa estar suficientemente liberado dos entraves que afetam e prejudicam qualquer tipo de relacionamento humano Nunca será demais afirmar que aquilo que pro move mudança eficaz e atitudes técnicas ade quadas no terapeuta não resulta apenas do co nhecimento intelectual adquirido em cursos e seminários e sim da estruturação de sua perso nalidade prévia com traços caracterológicos pre dominantes ou das alterações profundas ocorri das no transcurso de sua análise pessoal Freud ao propor a análise pessoal pa ra todo aquele que pretendesse praticar a psicanálise partia de uma expectativa oti mista acreditando que assim o terapeu ta ficaria liberado de qualquer influência negativa que pudesse exercer no curso do processo terapêutico Afora isso é bom lembrar que não se pode propor um mo delo único para a formação de um terapeu ta sem considerar as características pes soais de cada um Sabese que determinados ti pos de pacientes não se encaixam bem com certos tipos de terapeutas adaptando se melhor a outros É preciso reconhecer que a recíproca é verdadeira Fatores cons cientes e muitos outros inconscientes de terminam ligações favoráveis e produtivas em um verdadeiro processo de empatia 226 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Vamos lembrar o que disse Freud em seu trabalho de 1912 intitulado Recomenda ções aos médicos que exercem a psicanálise2 As regras técnicas que estou apre sentando aqui alcanceias por mi nha própria experiência no decurso de muitos anos após resultados pou co afortunados me haverem levado a abandonar outros métodos Com isso queria afirmar que a técni ca recomendada era a que melhor se adap tava a sua personalidade individual Mais adiante defende não me arrisco a negar que um mé dico constituído de modo inteiramen te diferente possa verse levado a ado tar atitude diferente em relação a seu paciente e à tarefa que se lhe apresenta Freud como se sabe ocupouse mui to com esse problema em vários de seus trabalhos embora jamais tenha utilizado o termo neutralidade expressão que a tra dução inglesa usou em lugar de indifferenz Neutralidade que vem de raiz latina signi ficando nem um nem outro não impli ca necessariamente conduta indiferente de frieza ou de ausência de sentimentos por parte do terapeuta O que Freud2 preten dia na comparação que fez com a atividade médica do cirurgião era mostrar que este põe de lado todos os sentimentos até mes mo de solidariedade humana e concen tra suas forças mentais no objetivo único de realizar a operação tão completamente quanto possível Apesar de não insistir em recomendar que se tome o cirurgião como modelo du rante o tratamento psicanalítico ele mes mo afirma em outro momento a justificativa para exigir esta frie za indifferenz emocional do analista é que se criam condições mais vanta josas para ambas as partes para o mé dico uma proteção desejável para sua própria vida emocional e para o pa ciente maior auxílio que lhe podemos dar2 Ao longo dos anos os textos sobre técnica ou sobre teoria da técnica refe remse ao tema da neutralidade com regu lar frequência mas nem sempre utilizam a expressão de forma explícita Afora isso o que se constata às vezes é uma discordân cia entre os autores com opiniões que osci lam entre os que consideram sua presença indispensável a todo processo terapêutico e os que veem a neutralidade como algo ina tingível com o que não concordo a não ser que queiram pensar em uma neutralidade absoluta esta sim inatingível É preciso considerar que neutralidade absoluta não passa de mera abstração algo como um ideal a ser desejado mas jamais atingido O problema é que em algumas situações ocorrem manifestações espon tâneas aparentemente inexpressivas por parte do terapeuta como um movimento na poltrona um suspiro uma expressão facial um tom de voz um sorriso as quais podem revelar um estado de ânimo uma desaprovação um ajuizamento crítico uma demonstração de afeto porque afinal neutralidade não significa rigidez de com portamento Gill3 faz nesse sentido uma contribuição importante Neutralidade não significa que o ana lista seja um pedaço de madeira sem espontaneidade Não significa que ele não possa rir de uma piada ou fazer uma ou mostrar irritação ou ter lá grimas nos olhos quando o paciente relata uma situação comovente Essa neutralidade não está em contradição com um sentimento de benevolência Psicoterapia de orientação analítica 227 amistosa do analista em relação ao seu paciente Entretanto o cuidado excessivo em evitar essas formas espontâneas e revela doras dos sentimentos do terapeuta para muitos consideradas respostas contratrans ferenciais pode leválo a tomar uma ati tude defensiva com um comportamento controlado de aparente frieza por se sentir ameaçado em sua neutralidade Na verda de estamos diante de uma neutralidade forçada e reativa como que a policiar pos síveis expressões afetivas do terapeuta te meroso de que com isso revele um envol vimento emocional mais comprometedor com seu paciente Da constatação de toda a comple xidade que envolve a questão da neutra lidade resulta que nem sempre é fácil en contrar uma definição que contemple toda a diversidade de situações que ocorrem no transcurso do processo terapêutico Entre os muitos autores que se propuseram a conceituar ou descrever o que é ser neutro Laplanche e Pontalis4 buscaram uma defi nição que pretende ser abrangente no sen tido de uma recomen dação técnica como uma função do analista mas deixaram em aberto algumas questões que serão discu tidas adiante Referem eles no verbete do Vocabulário da psicanálise4 Uma das qualidades que definem a ati tude do analista no tratamento O ana lista deve ser neutro quanto aos valo res religiosos morais e sociais isto é não dirigir o tratamento em função de um ideal qualquer e absterse de qual quer conselho neutro quanto às ma nifestações transferenciais o que se exprime habitualmente pela fórmu la não entrar no jogo do paciente por fim neutro quanto ao discurso do analisando isto é não privilegiar a priori em função de preconceitos teó ricos um determinado fragmento ou um determinado tipo de significações Acrescentam eles mais adiante que a exigência de neutralidade é es tritamente relativa ao tratamento constitui uma recomendação técnica a neutralidade não qualifica a pes soa real do analista mas a sua função Entendida a neutralidade como uma função do terapeuta na condução do tra tamento é de se prever que possa haver diferenças em suas atitudes mas que estas serão ditadas pelas peculiaridades de cada terapia ou seja pelos objetivos a serem atingidos pela forma de envolvimento que pode surgir no trato da transferência pela individualidade do próprio terapeuta pelo tipo de paciente que se apresenta a partir do diagnóstico de seus distúrbios enfim por um semnúmero de variantes que mo delam o formato do próprio tratamento Considero que a neutralidade é acima de tudo uma postura do terapeuta uma forma de con duta que inclui um comportamento amistoso ético tolerante e benevolente e a capacidade de suportar frustrações Muitas vezes na tentativa de melhor compreender as manifestações de seu pa ciente ele pode ser levado a tomar atitudes que ultrapassam certos limites como res postas emocionais de agrado ou desagrado elogios referências a interesses particula res gosto estético e até mesmo confissões de certas intimidades como uma espécie de darse a conhecer Considerando que no trabalho co tidiano estamos a todo momento sendo postos à prova pelas variadas formas de manifestações transferenciais a manuten 228 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ção da neutralidade nem sempre se torna tarefa fácil Destaco aqui um possível con fronto que pode surgir e que diz respeito aos valores do paciente nem sempre coinciden tes com os do terapeuta O bom prossegui mento da terapia depende e muito de um adequado manejo e sem comprometimento com formulações preconceituosas pois a ameaça de cairmos na tentação de projetar algumas das peculiaridades de nossa própria personalidade está sempre nos rondando Como assinalei em um trabalho an terior o terapeuta como qualquer indi víduo assume posições diante da vida emitindo opiniões expressando sen timentos mostrandose por meio de conceitos de toda ordem no terreno da ética da moral da política da religião e de tudo o mais que diz respeito aos seus interesses particulares Sua histó ria pessoal revela qualidades defeitos gostos preferências e aversões Assim sendo não pode ser considerado neu tro na sua essência como se isso fos se um atributo de sua personalidade5 Em contrapartida Freud no impor tante trabalho de 19156 Observações sobre o amor transferencial afirma A experiência de se deixar levar por sentimentos ternos em relação ao pa ciente não é inteiramente sem perigo nosso controle sobre nós mes mos não é tão completo que não pos samos subitamente um dia ir mais além do que havíamos pretendido Continua Freud6 Em minha opinião não devemos abandonar a neutralidade para com o paciente que adquirimos por manter controlada a contratransferência Sob essa perspectiva partindo se do pressuposto de que todo terapeu ta está sempre atento às suas respostas emo cionais ficaria assim assegurada a manutenção do setting e da neutralidade sendo ele em princípio seu verdadeiro guardião É sabido que em alguns casos os pacientes se empenham movidos por defesas inconscientes nem sempre con troladas em obstaculizar o andamento da terapia até mesmo com tendência a per verter a relação E aqui podemos chegar a um dos pontos mais críticos de qualquer terapia psicológica as ne cessidades narcísicas do terapeuta Essas ne cessidades podem ser mobilizadas na busca de outras formas de gratificações que atendam inclusive ao próprio paciente A experiência tem mostrado que con flitos de toda ordem podem ser revividos na relação com o terapeuta criando formas transferenciais as mais diversas Se estas não forem devidamente entendidas po dem levar o terapeuta a confundir amor de transferência com amor de verdade fazendo ressonância com seus próprios conflitos mal resolvidos No momento em que ele transfere para o campo terapêuti co seus próprios problemas não fica difí cil prever os rumos muitas vezes bastante constrangedores a que a dupla é levada envolvida em um verdadeiro conluio É de se esperar então que o terapeuta perceba o que está ocorrendo inclusive a partir da contratransferência para poder manejar tais situações de forma adequada e no de vido tempo pois ninguém está totalmente imune às manifestações que elevam a au toestima O importante é ele poder discri minar bem entre sentimentos contratrans ferenciais e conflitos mal resolvidos capa zes de gerar pontos cegos Eizirik7 faz uma ampla revisão sobre o tema da neutralidade com base na con Psicoterapia de orientação analítica 229 tribuição de muitos autores desde Freud levando sempre em consideração a evolu ção dos conceitos analíticos ao longo do tempo bem como as alterações que sofrem determinados termos conforme o autor e seu referencial teórico A partir daí busca em uma tentativa de síntese uma descrição abrangente da complexidade do conceito de neutralidade afirmando que A neutralidade analítica é a posição tanto comportamental quanto emo cional a partir da qual o analista em sua relação com o paciente obser va sem perder a necessária empatia mantendo uma certa distância possí vel em relação 1 ao material do paciente e à sua transferência 2 à contratransferência e à sua pró pria personalidade 3 aos seus próprios valores 4 às expectativas e pressões do meio externo 5 às teorias psicanalíticas Faz considerações sobre cada um dos cinco itens não antes de afirmar que uma certa distância possível é uma expressão propositalmente ambígua pois a distância é necessária mas também é relativa com o possível pretende enfatizar que estamos tratando de uma posição constantemente ameaçada por influências internas e ex ternas e que tentamos manter dentro das possibilidades7 Nessas considerações Eizirik nos aler ta para a multiplicidade de variantes que entram na configuração da neutralidade verdadeira equação composta de fatores a todo instante mutáveis provenientes ora do paciente ora do próprio terapeuta Cabe ainda uma palavra sobre con tratransferência essa reação inquietante e imprevisível que nos acompanha como verdadeiro cão de guarda a mostrar co mo e por onde andamos nessa árdua ta refa de curar Considerando todas as circuns tâncias anteriormente mencionadas co mo entender os sentimentos que emergem no interior do terapeuta como um ins trumento a favor de um melhor entendi mento do material que surge ou como um impedimento para essa compreensão Ou ainda o que é mais preocupante trata se mesmo de contratransferência A esse respeito Paula Heimann citada por RD Hinshelwood8 chamou atenção para o aspecto da contratransferência que cons titui uma reação específica ao paciente distinguindoa da intrusão da neurose e da transferência neurótica do próprio analista no trabalho analítico Nem sempre é fácil obter uma resposta para essas perguntas mas quaisquer que elas sejam o terapeuta deve tomar consciência do que está se pas sando Se essa tarefa se torna difícil e ele não consegue resolver o enigma o melhor que tem a fazer é procurar ajuda Se o terapeuta não se propõe a uma revisão adequada está menosprezando aspectos im portantes da técnica e com isso corre o ris co de se comprometer com atitudes que podem ferir princípios éticos básicos Perde assim a possibilidade de resgatar os reais objetivos te rapêuticos assumidos com seu paciente ati rando no esquecimento recomendações feitas já a partir de Freud SOBRE A ABSTINÊNCIA Em contraposição à ideia defendida por alguns autores de que não se pode frustrar em demasia os pacientes que buscam tra tamento psicológico e sim de certa for ma gratificálos creio que aqui estamos entrando em um terreno escorregadio pois agora teremos de nos defrontar com a 230 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs controvertida regra de abstinência Se não encontramos aquele espaço interme diá rio neutro nem tanto além nem tanto aquém podemos correr o risco de cair na falsa concepção de que assim proce dendo ou seja não frustrando mas gra tificando estamos favorecendo a descon tração de nosso paciente na tentativa de afrouxar suas resistências É possível den tro de certos limites atingir esse objetivo mas há sempre a possibilidade de estar mos reforçando defesas em consequência de excessiva liberalidade com duvidosas concessões Laplanche e Pontalis4 assim concei tuam a abstinência Princípio segundo o qual o tratamen to analítico deve ser conduzido de tal modo que o paciente encontre o me nos possível de satisfações substitu tivas para os seus sintomas Implica para o analista a regra de se recusar a satisfazer os pedidos do paciente e a desempenhar efetivamente os papéis que este tende a imporlhe O prin cípio de abstinência pode em certos casos e em certos momentos do tra tamento especificarse em indicações relativas a comportamentos repeti tivos do indivíduo que dificultam o trabalho de rememoração e de elabo ração Entendo ser essa uma definição de abstinência que privilegia basicamente a conduta do terapeuta na manutenção do setting inserindoo na condição abran gente de neutralidade e dessa forma con siderandoo responsável pela condução do processo terapêutico Para os autores4 a noção de abstinência está implicitamen te ligada ao próprio princípio do método analítico enquanto este faz da interpre tação o seu ato fundamental em lugar de satisfazer as exigências libidinais do pa ciente Ao considerar o problema da abstinência é pre ciso levar em consideração que não se pode exi gir que todo terapeuta siga um mesmo mode lo de comportamento independentemente de suas características pessoais obedecendo de forma rígida àquilo que se preconizaria como uma boa técnica Boa técnica é aquela que se adapta melhor à individualidade de cada um sem que com isso transgrida princípios elemen tares da neutralidade como a interferência dos valores próprios do terapeuta atuan do no campo terapêutico como assinalado anteriormente Em contrapartida não se pode padronizar para todos os pacientes a aplicação da regra da abstinência assunto já discutido por Freud e Ferenczi que no entanto nem sempre concordam em seus enunciados A discussão sobre se a regra se aplica ao paciente ou ao terapeuta requer alguma reflexão No que se refere ao pacien te seria prudente sua aplicação em circuns tâncias muito especiais por exemplo em atuações repetitivas que podem colocar em risco a própria vida do paciente como uso abusivo de drogas e comportamento sexual promíscuo Obviamente não se pode exigir que o paciente se abstenha de certas gratifi cações com a finalidade de criar um clima de frustrações que venham a favorecer na transferência a análise de seus conflitos Era o que preconizava Ferenczi ao aplicar a re gra da abstinência para certos casos com o intuito de afastar as satisfações substitutivas encontradas pelo paciente no tratamento e fora dele Freud se deteve mais em discutir a abstinência aplicada ao terapeuta embora aprovasse em seus princípios as medidas propostas por Ferenczi Em seu trabalho de 1919 Linhas de progresso na terapia psi canalítica9 justificava o emprego da absti nência afirmando Psicoterapia de orientação analítica 231 Por muito cruel que isso possa pare cer devemos fazer o possível para que o sofrimento do doente não desapa reça prematuramente de modo acen tuado Quando esse sofrimento se ate nua porque os sintomas se desagre garam e perderam o seu valor somos obrigados a recriálo noutro ponto sob a forma de uma privação penosa contudo não é bom deixar que as privações se tornem excessivas Podese depreender então que exis te na realidade um interesse em distinguir por um lado a abstinência como uma regra que se impõe ao terapeuta como conse quência de sua neutralidade e por outro medidas impostas ao paciente para que se mantenha em certo grau de abstinência Para Greenson1 a regra de abstinên cia foi mal interpretada e malentendida e acabou significando que o paciente estava proibido de usufruir qualquer gratificação instintual durante a análise O autor faz al gumas considerações a propósito da condu ta do terapeuta Refere os analistas que se comportam com uma calorosidade constante e di reta e com compreensividade emocio nal vão descobrir que seus pacientes tendem a reagir com uma prolonga da transferência submissa e positiva E ainda as gratificações transferenciais re cebidas de seus analistas bondosos prolongam sua dependência destes es toques de satisfação e fazem com que os pacientes reprimam a transferência negativa E afirma adiante Por outro lado analistas que tendem a ser distantes e ásperos vão muitas ve zes descobrir que seus pacientes rá pida e firmemente criam uma reação transferencial hostil e negativa Tudo isso nos leva a considerar mais uma vez a multiplicidade de situações às quais o terapeuta fica exposto na condução do processo terapêutico e na constante for ma de agir buscando a dosagem adequada na aplicação da regra da abstinência Novamente defrontamonos com o problema tantas vezes discutido e sempre controverso aquilo que se aplica ao tratamento psicanalí tico é também válido para a terapia de orienta ção analítica Teoricamente sim mas na prá tica nem sempre Tendo em vista os limites da rela ção que se estabelece na psicoterapia sem aquele aprofundamento proposto pela te rapia psicanalítica que prioriza o estabe lecimento da neurose de transferência o bom senso recomenda mais liberalidade na primeira e menos concessões na segunda Tratandose de assunto polêmico é bom referir que em qualquer das circunstâncias recomendase a adoção de comportamento que permita flexibilidade com a modulação de atitudes levandose em consideração as múltiplas situações imprevistas que podem ocorrer em ambas as terapias Essa flexibi lidade é sempre possível desde que o tera peuta não se violente comprometendo os princípios básicos daquilo que se espera de uma conduta neutra SOBRE O ANONIMATO Outro aspecto que se insere inquestiona velmente no problema da manutenção da neutralidade dentro do setting psicote rapêutico e que é considerado um de seus 232 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs importantes componentes referese ao anonimato tantas vezes preconizado mas impossível de ser mantido O contato qua se diário em um ambiente todo pertencen te ao terapeuta sua maneira de vestirse o gosto por determinado tipo de decoração inclusive sua maneira de falar já podem servir de indícios que revelam alguns as pectos de sua personalidade Além disso o eventual contato que o paciente pode vir a ter com ele no convívio social profissional cultural ou mesmo institucional passa a ser uma fonte indicadora de sua vida pessoal Não é possível mantêlo no anonimato mesmo porque muitas dessas informações são involuntariamente fornecidas por ter ceiros Porém tratase de circunstâncias alheias à vontade do terapeuta e com as quais ele como qualquer indivíduo tem de conviver Isso em nada depõe contra sua condição de psicoterapeuta muitas vezes visto com aquela imagem caricata de pes soa estranha de quem ninguém pode se acercar pela ameaça de ser interpretado Na busca de soluções para seus pro blemas via de regra o paciente espera ver na figura do terapeuta alguém que lhe sir va de modelo na expectativa de encontrar novos rumos para sua vida À medida que o tratamento avança em função dessa ex pectativa o paciente começa a manifestar curiosidades de toda natureza para poder se espelhar nessa imagem necessariamen te idealizada O mais importante acima de tudo é a maneira como o terapeuta se comporta mantendo sua vida pessoal den tro do sigilo possível sem compartilhar com o paciente problemas particulares não obs tante o assédio ansioso a que se vê exposto em determinadas circunstâncias É preciso entender que essa curiosidade pode estar a serviço da necessidade de manter certo controle no setting na tentativa de dimi nuir diferenças reforçando com isso as próprias defesas Se por um lado o terapeuta não pode se escon der por detrás de uma máscara na ilusão de se manter oculto à curiosidade do paciente por outro a manutenção do adequado anonimato só trará benefícios ao prosseguimento do pro cesso porque assim o paciente terá a oportuni dade de manifestar fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus conflitos Nos dizeres de Greenson1 quanto menos o paciente sabe re almente sobre o analista tanto mais fácil lhe será preencher os espaços va zios com suas próprias fantasias Além disso quanto menos o paciente sou ber realmente sobre o analista tanto mais fácil será para o analista conven cer o paciente de que suas reações são deslocamentos e projeções Em se tratando de psicoterapia de orientação analítica a perda do anonimato na medida em que pode interferir na neces sária neutralidade transforma o setting em um ambiente que dificulta a utilização de interpretações transferenciais quando isso se fizer necessário Para de la Torre10 o anonimato deve ser considerado sob duas perspectivas a do paciente e a do terapeuta Entendo que em qualquer das situações o terapeuta precisa ter sempre presente o fato de que se dar a conhecer sob qualquer uma das perspec tivas deve ser aproveitado para explorar a origem e a função das fantasias do paciente Não se trata de informar para que ele venha a ter conhecimento sobre a pessoa do te rapeuta mas de tirar disso algum proveito no confronto que se estabelece entre reali Psicoterapia de orientação analítica 233 dade e fantasia A resposta imediata a uma pergunta pode obliterar sentimentos e fan tasias que subjazem à pergunta penetrar nesse espaço oculto é muito mais vantajoso do que simplesmente responder Nas considerações que Dal Zot11 faz sobre a questão do anonimato ao destacar a variedade de indícios reveladores da iden tidade do terapeuta resultante do contato cotidiano com seu paciente ela está de acor do com Langs12 quando este afirma que o anonimato total é tanto impossível quanto absurdo Entretanto continua Langs a percepção de que o anonima to total não pode ser conseguido tem levado muitos terapeutas a ignorar o anonimato relativo e desenvolver jus tificativas fracas para seu envolvimen to em autorrevelações deliberadas que vão além do mínimo inevitável Para esse autor em qualquer psicote rapia vamos encontrar em uma extremidade autorreve lações que são inevitáveis humana mente necessárias e que não interfe rem na relação e na experiência tera pêutica e na outra extremidade uma multiplicidade de autorrevelações de liberadas que perturbam claramente o ambiente terapêutico ideal e a relação entre o paciente e o terapeuta É perfeitamente admissível que o pa ciente queira ter algum tipo de conheci mento a respeito do seu terapeuta em rela ção à vida profissional social ou cultural A relação bipessoal continuada desperta essa necessidade como foi destacado a qual vai muito além do conhecimento formal de um nome que foi indicado O problema se cria quando essa curiosidade até certo ponto natural pretende invadir a vida ínti ma do terapeuta na tentativa de aliviar an gústias geradas com frequência por senti mentos de exclusão e abandono A forma de intervir do terapeuta serve de indicador do quanto ele compreende o que está se passando podendo assim levar adiante o tratamento mas com a atenção sempre voltada para os riscos que podem compro meter sua relação com o paciente Se é importante compreender os mo tivos dessa curiosidade não é menos im portante pesquisar os motivos que levam muitos pacientes a manifestar total indife rença pela vida do terapeuta São frequen tes manifestações do tipo vim aqui para me tratar e não para falar da sua pessoa ou não sei por que tenho de falar sobre o que senti ao vêlo com a família no res taurante nada tenho a ver com sua vida particular A persistência muitas vezes excessiva em inquirir sobre essa atitude de negação pode ser gerada por inquietações narcísicas do próprio terapeuta ao não se sentir suficientemente valorizado pelo pa ciente Nem sempre é fácil atingir a medida adequada da manutenção do anonimato Não é recomendável por exemplo aquela postura rígida de nada informar na preten são de manter o setting em uma falsa assep sia e assim evitar contaminações Porém é preciso ficar atento para o outro extremo ou seja para aquela ilusória liberalidade de muito informar com o objetivo de tornar a relação terapêutica descontraída amigá vel social comprometendo assim o míni mo que se espera de uma conduta neutra Ambas as posturas parecem tratarse de comportamentos defensivos por parte do terapeuta na medida em que ele se defron ta com dificuldades para suportar as fre quentes tensões emergentes no ambiente terapêutico 234 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs SOBRE A MUDANÇA DO SETTING Na caracterização do setting sempre se considerou a neutralidade a abstinência e o anonimato como integrantes essenciais para sua manutenção e fundamentais na preservação e na continuidade do processo terapêutico Ao mesmo tempo é necessá rio que se faça uma abordagem sobre os limites e os critérios a serem adotados para que o terapeuta possa se situar no espaço psicoterápico ou psicanalítico Nem sem pre tem sido fácil estabelecer as fronteiras que separam um do outro São tantas as circunstâncias e os imprevistos que ocor rem no transcurso de ambas as terapias ora dependentes do paciente ora do tera peuta ou mesmo da dupla que às vezes se torna necessária a transposição de um set ting estabelecido para outro ambiente Um bom exemplo surge na eventualidade de um atendimento hospitalar resultado de uma intercorrência qualquer O terapeuta nessa situação abandona seu hábitat natu ral para exercer sua tarefa em um local em nada semelhante ao que ambos estão acos tumados É possível imaginar outras possi bilidades de alteração do setting o que nos leva de imediato à pergunta modificam se também os critérios de neutralidade Os critérios que caracterizam a neu tralidade não se alteram o que se requer é uma adequação precisa no comportamen to do terapeuta toda vez que mudanças dessa natureza ou de outras se fazem ne cessárias A experiência clínica tem mostra do que toda e qualquer mudança de setting é prontamente acusada pelo paciente que se vê de repente às voltas com um ritmo ou com situações para as quais não está preparado O percurso de toda terapia con diciona o paciente a determinados hábitos ajudandoo inclusive a manterse em um ambiente que facilita a organização de suas defesas São naturais as reações de angús tia algumas vezes com matizes paranoi des capazes de mobilizar fantasias inquie tantes Em quaisquer das circunstâncias o terapeuta deve tentar criar o ambiente mais favorável para a continuidade do bom ritmo do tra tamento e cabe a ele a manutenção desse ritmos a partir de re cursos que resultam é preciso reafirmar de sua formação pessoal Até agora sempre se privilegiou o terapeuta na condução do tratamento em determinado setting E fora do ambiente te rapêutico na condição de cidadão comum como se conduzir em relação a seus pacien tes Segundo quais regras e princípios Sa bidamente o cidadão comum não é neutro por natureza portanto está comprometi do com as injunções da vida nas múltiplas formas de relacionamento que mantém em seu cotidiano deixando descoberto traços de seu caráter com todas as configura ções de sua personalidade Não creio que existam regras e regulamentos definitivos capazes de determinar o comportamento de um terapeuta fora do tratamento São tantos os encontros fortuitos muitas vezes inevitáveis que pretender formalizar uma conduta poderia tornar constrangedores e artificiais tais encontros Não se envolver com seu paciente é uma recomendação elementar e nesse sentido o terapeuta sabe ou deveria saber a quem pode e a quem não pode tratar Va le lembrar o alerta de Freud quando dizia que para não se perder um amigo não se deve tratar sua mulher Manterse neutro portanto sem se envolver com um pa ciente não implica ignorar sua existência o que levaria nesse caso a situações que poderiam até ser entendidas como falta de cortesia Mais uma vez estaríamos diante de uma atitude defensiva por parte do tera peuta preocupado com a possibilidade de Psicoterapia de orientação analítica 235 revelar alguma peculiariedade que viesse a comprometer seu ofício Se é defensável a ideia de não transportar para dentro do ambiente terapêutico a vida pessoal do terapeuta além daqueles limites referidos na questão do anonimato por outra parte não é recomendável transportar para fora o clima que emerge da relação transferênciacontra transferência Em ambas as situações have rá sempre prejuízo em consequência da con fusão de papéis que pode se instalar na rela ção terapêutica CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de não ter sido feita uma revisão bibliográfica exaustiva sobre o assunto sempre foi possível constatar nos autores consultados um questionamento e muitas dúvidas quanto à caracterização da neutra lidade Estão todos de acordo ao afirmar que se trata de uma função a ser exercida pelo terapeuta e não de uma qualidade inerente a sua personalidade E mais ainda defendem uma flexibilidade dessa função adequandoa a cada situação específica a cada caso em particular e à individuali dade de cada terapeuta como já preconizava Freud Somente a continuidade do traba lho psicoterápico com a experiência que vai sendo adquirida é que dará informa ções esclarecedoras sobre se estamos exer cendo adequadamente a função neutra Quando nos referimos a setting te rapêutico somos sempre levados a consi derar as funções que devem ser atribuídas ao terapeuta comprometido com a tarefa de investigar e tratar para somente então podermos compreender realmente a fun ção primordial da neutralidade O esforço revelado no sentido de melhor caracteri zar a condição de ser neutro por meio de seus diversos componentes mostra o quanto nos defrontamos com sua inquie tante imprecisão toda vez que buscamos sua aplicação na prática clínica São tantas as variantes tantos os acidentes de traba lho que isso exige de todo terapeuta uma vigilância constante para não cair nas ar madilhas da transferência bem como nos percalços da contratransferência Quero ressaltar mais uma vez a im portância da personalidade do terapeuta na condução de qualquer processo psico terapêutico Os mais diversos autores não pouparam palavras para colocar em relevo o quanto é necessário o terapeuta conhecer bem seu modo de funcionamento mental a fim de não permitir interferências dano sas no relacionamento com seu paciente Sobre isso retiro do trabalho de Green son1 algumas afirmações embora sejam considerações que se referem expli citamente à psicanálise As aptidões que a situação psicanalíti ca exige do psicanalista resultam não só da sua formação analítica como também da sua personalidade e cará ter ie temperamento sensibilidade atitudes hábitos valores e inteligên cia Ninguém nasce psicanalista e nin guém pode virar psicanalista de re pente por mais talento e dotes que te nha a pessoa A situação analítica faz exigências emocionais tão fortes so bre o psicanalista que a menos que o talento seja escorado por uma estru tura de caráter analisado esse talento não vai poder durar O distanciamen to o autoritarismo a frieza a extrava gância a complacência e a rigidez não pertencem à situação analítica Mesmo que Greenson se refira de modo específico à personalidade e ao cará ter do psicanalista eu estenderia essas con siderações para qualquer terapeuta Tra 236 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tandose de expectativas criadas em relação à personalidade e ao caráter não há por que distinguir um do outro psicanalista ou psicoterapeuta Seria absurdo afirmar que um paciente submetido a tratamento psi canalítico merece mais que um outro que busca resolver seus problemas com psico terapia mesmo sabendose que neste últi mo caso os objetivos terapêuticos propos tos são mais modestos Em meu entender essa falsa conceitualização de valores leva muitos psicanalistas a assumir uma posição de superioridade narcísica enquanto bons psicoterapeutas não se sentem valorizados o suficiente É portanto perfeitamente lícito pensar nas implicações éticas e morais que decorrem de toda a complexidade que en volve a personalidade de um terapeuta e em suas repercussões sobre qualquer paciente Uma consideração ainda sobre o poder que se atribui ao terapeuta em de corrência da situação de desigualdade e de pendência na qual se encontra o paciente colocado em um ambiente que não é o seu na espera ansiosa de ver resolvidos seus problemas submetese às regras impostas pelo tratamento sentindose muitas vezes humilhado ao ter de revelar segredos até então inconfessáveis Freud6 em um dos últimos artigos sobre técnica transmite em meu entender de forma contundente um legado aos fu turos terapeutas Recusamonos da maneira mais enfá tica a transformar um paciente que se coloca em nossas mãos em busca de auxílio em nossa propriedade priva da a decidir por ele o seu destino a imporlhe os nossos próprios ideais e com orgulho de um Criador a formá lo à nossa própria imagem e verificar que isso é bom E assim na tentativa constante de compreender tudo o que é dito e muitas vezes o que deixa de ser dito o dia a dia da atividade psicoterápica é sempre repleto de aparentes contradições Nesse cenário de acontecimentos eloquentes e silencio sos frequentado por dois personagens que se multiplicam no desempenho de funções enriquecidas por fantasias e expectativas que se deslocam no tempo e no espaço transita um terapeuta que precisa ser neu tro caso contrário as contradições deixam de ser apenas aparentes A partir daí o ru mo que pode tomar o tratamento é incerto e duvidoso comprometendo a ambos pa ciente e terapeuta PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Setting terapêutico é o espaço dinâmico a serviço do bom andamento de toda terapia no qual se envol vem paciente e terapeuta 2 É o ambiente espaço físico que se estabelece a fim de proporcionar condições que favoreçam a insta lação de um bom clima de trabalho 3 O clima referido é um fenômeno natural e espontâneo que emerge no transcurso de toda relação tera pêutica como resultado das múltiplas e constantes interrelações da transferência com a contratrans ferência 4 Tratandose de uma discussão que tem por objetivo central a figura do terapeuta é preciso considerar os inúmeros fatores que podem interferir em seu bom desempenho técnico 5 O que se espera é que o setting possa estar suficientemente liberado dos entraves que prejudicam e afetam qualquer tipo de relacionamento humano Psicoterapia de orientação analítica 237 REFERÊNCIAS 1 Greenson RR A técnica e a prática da psica nálise Rio de Janeiro Imago 1984 2 Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 3 Gill MM Psychoanalysis and explorato ry psychotherapy J Am Psychoanal Assoc 19542477197 4 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise 2 ed Santos Martins Fontes 1970 5 Pechansky I Sobre neutralidade Rev Psi quiatr RS 1996182 6 Freud S Observações sobre o amor transfe rencial In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 7 Eizirik C A neutralidade psicanalítica uma contribuição ao seu estudo Porto Alegre SPPA 1992 8 Hinshelwood RD Dicionário do pensamen to kleiniano Porto Alegre Artes Médicas 1992 9 Freud S Linhas de progresso na terapia psi canalítica In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 17 10 de la Torre J Psychoanalytic neutrality an overview Bull Menninger Clin 1977414 36684 11 Dal Zot JS A neutralidade do psicanalista conceito e problemas técnicos Porto Alegre SPPA 1988 12 Langs R As bases da psicoterapia Porto Ale gre Artes Médicas 1984 LEITURA SUGERIDA Pechansky I Neutralidade na relação terapêuti ca acertos e distorções Rev Bras Psicoter 2002 41538 6 Para tanto a neutralidade é uma condição básica para o bom desempenho de sua função terapêutica 7 A exigência de neutralidade é estritamente relativa ao tratamento constitui uma recomendação téc nica a neutralidade não qualifica a pessoa real do terapeuta mas a sua função 8 A ideia defendida por alguns autores de que não se pode frustrar em demasia os paciente que buscam tratamento psicológico mas de certa forma gratificálos confrontanos com a controvertida regra da abstinência 9 Se não encontrarmos aquele espaço intermediário neutro nem tanto além nem tanto aquém pode mos correr o risco de cair na falsa concepção de que assim procedendo não frustrando e sim gratifi cando estaremos favorecendo a descontração de nosso paciente na tentativa de afrouxar suas resis tências 10 Boa técnica é aquela que se adapta melhor à individualidade tanto do paciente quanto do terapeuta sem que com isso transgrida princípios elementares da neutralidade 11 Sobre a questão do anonimato impossível de ser mantido o terapeuta não pode se esconder atrás de uma máscara na ilusão de se manter oculto à curiosidade do paciente Em contrapartida a manuten ção do adequado anonimato só trará benefícios ao prosseguimento do processo terapêutico porque assim o paciente terá a oportunidade de manifestar fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus conflitos Tornase cada vez mais frequente o uso da expressão aliança terapêutica para carac terizar a relação positiva e necessária entre terapeuta e paciente no processo a ser de senvolvido entre ambos É compreendida como uma relação dual uma verdadei ra formação de compromisso entre duas pessoas Para expressar a associação com bons resultados é cada vez mais usada em qualquer situação terapêutica a frase e é necessária uma boa aliança terapêutica De uma maneira objetiva e racional é aparentemente fácil entender o que que remos referir com essa afirmativa deter minada situação em que um necessita do outro e na qual existe uma intenção de co laboração recíproca Esperase que quanto melhor a qualidade dessa aliança melhores sejam os resultados Ela pode ser entendida como uma união de forças em direção à busca da cura Ficamos com a impressão inicial de que para tanto bastaria a boa intenção dos envolvidos ou seja o reconhecimento de sua necessidade por parte do paciente e a sabedoria e o bom senso por parte do tera peuta Porém ao nos determos com mais atenção nesse assunto começamos a nos deparar não só com sua grande importân cia nos resultados terapêuticos como tam bém com sua complexidade e dinamismo constante Atualmente diversos autores se refe rem à aliança terapêutica como um fenô meno com existência comprovada e com papel relevante nos resultados terapêuti cos como Bordin1 Luborsky2 Luborsky e colaboradores3 Piper e colaboradores4 entre outros com metodologia de pesquisa científica validada internacionalmente Um estudo brasileiro realizado por Marcolino e Iacoponi5 avaliou o impacto da aliança terapêutica em um programa de psicoterapia individual psicodinâmica bre ve considerando a aliança terapêutica um conceito central do processo psicoterápico Os resultados demonstraram maior redu ção da sintomatologia nos pacientes que ti veram uma pontuação maior na habilidade de perceber o terapeuta como capaz de en tender seu ponto de vista e seu sofrimento Os pacientes com maior capacidade para aliança de trabalho atingiram os melhores resultados em psicoterapia 13 A ALIANÇA TERAPÊUTICA E A RELAÇÃO REAL COM O TERAPEUTA Fernando Grilo Gomes Psicoterapia de orientação analítica 239 Gomes 2003 demonstra uma assi metria entre a qualidade da aliança tera pêutica do terapeuta e a do paciente Mos tra também que a qualidade da aliança in depende do uso de mecanismos de defesa mais ou menos regressivos por parte do paciente A psicoterapia de orientação analítica é um tipo de tratamento psicológico basea do na teoria e na técnica da psicanálise po rém difere da psicanálise clássica Ambas utilizam o conceito de inconsciente postu lado por Freud6 assim como a associação livre a compreensão dos sonhos o humor e os atos falhos para entender e dar signifi cado aos conflitos inconscientes Entretan to a psicanálise caracterizase pelo uso do divã por uma maior frequência de sessões e pela sistemática interpretação transferen cial estimulando a neurose de transferên cia A diferença é que na psicoterapia de orientação analítica embora a interpreta ção também esteja baseada em uma com preensão transferencial ela é expressa a priori extratransferencialmente é habitual a realização de um menor número de ses sões semanais e ausência do uso do divã Isso exposto ao abordarmos basica mente a literatura psicanalítica referimo nos tanto à psicanálise em si quanto à psi coterapia de orientação analítica O CONCEITO DE ALIANÇA TERAPÊUTICA AT É fácil entender intuitivamente a ideia de aliança terapêutica mas é difícil colocála em conceitos A aliança terapêutica é es tabelecida com base em uma experiência prévia na qual foi possível interagir com outra pessoa por exemplo a relação do bebê com a mãe para nos remetermos às suas origens Autores atuais seguem enfatizando o que propôs Freud quando destacou que a AT que se estabelece durante o tratamen to é influenciada pelas imagens das pes soas por quem foi acostumado a ser tratado com afeição7 e certamente irá repercu tir nos resultados de uma psicoterapia de orientação analítica Etchegoyen8 não considera esse fe nômeno como transferência pois se trata de uma experiência do passado que serve para o indivíduo se situar no presente e não algo do passado que se repete irracio nalmente em sua apresentação no presente Dessa forma Greenson e Wexler9 e Etche goyen9 separam a aliança terapêutica da transferência porém estão de acordo com Melanie Klein10 para quem a AT tem sua origem nas relações precoces de objeto e na relação da criança com o seio a autora che ga às mesmas conclusões de Zetzel11 Já em 1893 Freud12 dizia que em aná lise transformamos o paciente num cola borador afirmando que é necessário ter como primeiro objetivo a ligação do pa ciente com o tratamento a fim de que em seguida possamos tratálo analiticamente Desde que Freud13 discorreu sobre a transferência positiva inobjetável referin dose a esta como uma parte consciente e racional do paciente que colabora com o analista para a efetivação do processo tera pêutico para diferenciála da transferência excessivamente positiva ou erótica e da negativa vários autores têm tentado esta belecer um conceito sobre o que de fato acontece na relação transferencial entre analista e paciente Freud entretanto re feriase a uma transferência diferente do conceito anterior ou seja da transferência como resistência inconsciente Etchegoyen8 destaca que haveria uma dissociação terapêutica do ego o conceito de que além das resistências há colabo 240 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ração do paciente com o analista é tipica mente freudiano e o vemos atravessar to da a sua obra Em 1932 no Congresso de Wiesbaden e em 1934 no International Journal of Psichoanalysis The fate of the ego in analytic therapy O destino do ego na terapia analítica Sterba14 menciona concretamente a aliança terapêutica e a explica com base em uma dissociação tera pêutica do ego em que se destacam duas partes a que colabora com o analista e a que se opõe a ele aquela está voltada para a realidade e esta compreende os impul sos do id as defesas do ego e as ordens do superego A dissociação terapêutica do ego se deve a uma identificação com o analista cujo protótipo é o superego Vale a pena observar as coincidên cias entre os ensaios de Sterba e de Stra chey publicados no mesmo número do International Journal de 1934 Enquanto para Sterba o decisivo no processo ana lítico é a dissociação terapêutica do ego para Strachey a chave é a assunção pelo psicanalista do papel de superego auxi liar Os dois começam a destacar a impor tância da intervenção na resistência de transferência De acordo com o modelo freudiano de 1912 do qual parte Sterba a transferência se estabelece como resistên cia ao trabalho de investigação da análise já que o paciente atua para não se lembrar das fantasias e experiências infantis Isso promove uma defesa do ego em relação ao analista transformandoo em repre sentante das mesmas tendências às quais o ego do analisado precisa se opor O analis ta colocase em uma difícil situação por que se transforma no destinatário da repe tição emocional que se opera no paciente para obstruir justamente as lembranças que o analista procura Durante uma discussão sobre pro blemas de transferência no 19o Congresso Internacional de Genebra em 1955 Zetzel referiu que ela é entendida como a união da neurose de transferência com a aliança terapêutica Segundo Sterba14 e Birbring e colaboradores15 o ego sofre um splitting o que leva Zetzel a distinguir teoricamente a transferência ainda que ela dependa da existência de um ego suficientemente ma duro o que não existiria nos pacientes gra vemente perturbados e nas crianças peque nas A exposição de Zetzel no Congresso de Genebra é o ponto de partida para uma investigação penetrante sobre o papel que a AT cumpre no processo psicanalítico A aliança terapêutica continua a ser entendi da como assentada nas funções do ego e con cretamente na autonomia secundária mas é além disso remetida às primeiras relações de objeto da criança com os pais em especial com a mãe Mantémse íntegro o conceito de que a aliança terapêutica é indispensável ao tra tamento baseado na teoria psicanalítica e ela volta a ser definida como uma relação positiva e estável entre terapeuta e paciente o que per mite levar a cabo a psicoterapia É consenso na literatura atual que a aliança terapêutica relacionase com fre quência à transferência positiva e até à negativa quando fatores de rivalidade le vam o paciente a colaborar apesar de ser legítima a tentativa de separar conceitual mente os dois fenômenos Para Gutheil e Havens16 e Etchegoyen8 a aliança terapêu tica ou de trabalho é um aspecto da trans ferência que não se separou claramente de outras formas de relação transferencial A aliança de trabalho é um fenômeno de transferência relativamente racional desse xualizado e desagressivado A aliança terapêutica depende do paciente do terapeuta e do enquadre O paciente colabora enquanto lhe é possível estabelecer um vínculo relativamente ra Psicoterapia de orientação analítica 241 cional a partir de seus componentes ins tintivos neutralizados vínculos do pas sado que agora surgem na relação com o terapeuta Este contribui por seu constante empenho em tentar entender e superar a resistência com sua empatia e atitude de aceitar o paciente sem julgálo ou dominá lo Podemos deduzir então que a aliança terapêutica contém sempre uma mescla de elementos racionais e irracionais Greenson e Wexler no Congresso de Roma de 19768 apresentaram suas ideias de que a relação analítica é dividida em transferencial e não transferencial A alian ça terapêutica fica definida como uma inte ração real às vezes entre aspas e outras sem elas para mostrar a dúvida dos autores que pode requerer por parte do terapeuta intervenções diferentes da interpretação Seria a relação racional não neurótica com o analista Meltzer17 afirma que sempre existe em cada enfermo ainda que inacessível um nível mais maduro da mente que deriva da identificação introjetiva com objetos in ternos adultos e que pode ser chamado com razão de parte adulta Com essa parte se ria constituída a aliança terapêutica embora o autor não utilize tal con ceito Heimann18 no mesmo Congresso de Roma em 1976 preferiu denominar alian ça básica o que Greenson e Wexler defini ram como aliança de trabalho Heimann reconheceu que a transferência positiva sublimada é um fator indispensável ao tra tamento aspecto que se liga à confiança básica e à simpatia as quais fazem parte da condição humana Mackie19 entende que o paciente de senvolve um vínculo e uma dependência não transferencial com o terapeuta o que seria parte da AT Dickes20 se refere a uma distinção entre aliança de trabalho e alian ça terapêutica sendo esta uma relação mais ampla envolvendo tanto aspectos racio nais quanto irracionais Entre os racionais referese às expectativas realísticas acerca do tratamento e do desejo de aliviarse dos sofrimentos entre os irracionais menciona as expectativas não realísticas infantis má gicas entre outras a transferência positiva bem como o desejo de livrarse do sofri mento sem seu próprio esforço Etchegoyen8 ainda menciona o con ceito de pseudoaliança terapêutica de Ra bih considerando uma expressão do que Bion chama de personalidade psicótica ou parte psicótica da personalidade Esta assu me às vezes a forma de reversão da pers pectiva como a aparente colaboração do paciente Kaplan e colaboradores21 sugerem que nenhu ma análise pode avançar sem a formação de uma aliança terapêutica racional e confiável e que seu estabelecimento é a primeira tarefa antes que a neurose de transferência mais pro funda possa ser facilitada A inevitável irrupção de elementos transferenciais exige que o tera peuta restaure repetidamente a aliança tera pêutica de modo a evitar que a irracionalidade e a regressão desorganizem o paciente e amea cem o tratamento Seria importante para o estabele cimento de uma boa aliança terapêutica que o paciente tivesse a capacidade de en tender que enquanto uma parte de sua mente de modo inconsciente repete os conflitos psíquicos outra parte é capaz de manterse livre de conflitos e racional mente distanciarse a fim de reconhecer a natureza irracional de suas respostas Para ilustrar melhor o que estamos referindo a seguir como exemplo apresentamos o caso de uma paciente em psicoterapia de orientação analítica em que os aspectos transferenciais e o estabelecimento da AT são destacados 242 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Regina 35 anos casada autônoma em terapia há cerca de um ano e meio procurounos por dificul dades de relacionamento com os colegas de trabalho o que a leva a frequentes trocas de emprego Ten tou outros dois terapeutas mas no primeiro ou segundo mês interrompeu as terapias por considerálos múmias paralíticas Vêse como uma pessoa extremamente exigente consigo e com os demais o que leva seus familiares a acharemna uma chata Reconhece como verdadeira essa crítica mas não con segue mudar e frequentemente provoca situações constrangedoras com seus comentários e brincadeiras de mau gosto Provém de uma família com mais dois irmãos sendo que o relacionamento entre eles e com sua mãe viúva é considerado formal a mãe é vista como fria raramente manifesta o que pensa Regina sente se pisando em ovos quando tem que falar algum assunto mais delicado com ela pois nunca faz ideia de qual será sua reação Considerase afetiva embora não demonstre o que a leva a ser criticada e percebida como uma pessoa fria e racional Seu pai faleceu quando ela tinha 13 anos tendo deixado a família em uma situação de di ficuldades econômicas o que a levou a trabalhar para ajudar no sustento da casa Nunca teve a vida tran quila que gostaria pois seu pai era um homem com altos e baixos profissionais o que provocava um sen timento de insegurança Não confiava no pai pelo contrário criticavao por esse seu jeito Acha que o prin cipal para relacionarse é a segurança econômica Tudo o que ganha é depositado no banco não compra nada além do necessário sendo considerada por sua família uma pessoa avarenta Não quer passar pelo que passou durante toda a infância de não saber o que aconteceria no dia seguinte Não tem amigas embora muitas conhecidas pois acha que as pessoas só se aproximam dela por in teresse Pensa que tudo na vida é um grande negócio em que as pessoas se aproximam umas das outras para levar alguma vantagem Exemplifica com nossa situação ela vem em busca de melhora de sua capa cidade nos relacionamentos e está pagando por esse trabalho Percebemos no entendimento de sua história e nos sentimentos despertados que o problema mais urgente dessa paciente era sua dificuldade de estabelecer vínculos afetivos e confiáveis e que isso seria também o nosso obstáculo mais importante Ao combinarmos o contrato de trabalho abordamos essa com preensão bem como a tendência a tais dificuldades se repetirem em nosso relacionamento Regina reagiu imediatamente dizendo que não concordava comigo pois tinha excelentes recomendações a meu respeito e que nosso trabalho seria puramente profissional E assim começamos Terceira sessão R Quando estava chegando aqui vi você entrando na garagem do prédio Bonito carro parabéns Silêncio É engraçado termo que utiliza frequentemente quando não consegue definir o senti mento mas achei que você me viu mas não quis me cumprimentar Faz parte da técnica T Parece que esse fato gerou em você um sentimento de insegurança em relação a mim R Não claro que não mas é evidente que seu interesse por mim é como por qualquer outra pacien te você me atende eu lhe pago e pronto ou vai me dizer que não é assim T Talvez seja este o seu desejo que tenhamos uma relação puramente formal em que não surjam sentimentos que possam atrapalhar R Que mania vocês têm de dizer que não tenho sentimentos mas aqui a nossa relação é profissional E assim seguimos até o fim da sessão a paciente sentindose acusada por mim de que não teria sen timentos e dizendo que afinal aqui não era o lugar para falarmos dessas coisas a nosso respeito e sim de seus problemas lá fora Continua Psicoterapia de orientação analítica 243 O que tentei exemplificar nessa breve vinheta é que a AT começa a se estabele cer desde o início principalmente após a terceira sessão de acordo com as pesquisas de Luborsky2 A tendência é a de tornarse ainda mais intensa à medida que o tempo de duração da terapia aumenta Podemos observar nesse exemplo al guns fatores que ocorrem desde o início da terapia como as identificações projetivas transferenciais em que o paciente reviven cia seu mundo interno no presente e a for mação da AT quando consegue identificar esses fatos e separálos da relação com seu terapeuta Mesmo sentindo na relação pre sente diferencia esse sentimento da relação real com o terapeuta As pesquisas demonstraram que os resultados positivos nas psicoterapias e aqui se incluem todas as formas de terapias dependem dire tamente do estabelecimento de uma AT de boa qualidade Hausner22 examinou as diferenças entre aliança terapêutica e aliança de tra balho Desde sua introdução esses con ceitos vêm provocando polêmica quanto à natureza e às funções das alianças assim como em relação a sua aplicabilidade e validade O autor delineia aspectos desses conceitos tais como colocados original mente por Zetzel11 e Greenson23 com ênfase nas distinções significativas entre elas A relação desses conceitos com o grau de psicopatologia é examinada em especial no que diz respeito ao que pode ser enten dido como os aspectos mais silenciosos da aliança terapêutica identificação mútua empatia e responsividade à função são en fatizadas como aspectos constituintes da AT A aliança de trabalho só é vista como possível teórica e clinicamente após uma aliança terapêutica terse estabelecido em certo grau Ambas as alianças são entendi das como estruturas intrínsecas ao proces so analítico Continuação Após três semanas R Engraçado nosso encontro lá no cafezinho fiquei meio sem graça não entendo o porquê nos en contramos na cafeteria perto do consultório antes da sessão É como se você fosse duas pes soas uma lá e outra aqui T O que você nota de diferente R Não sei o que falamos aqui fica entre nós dois vai ficar guardado aqui dentro e lá fora é como se você pudesse me expor fiquei ansiosa T Então é como se eu fosse duas pessoas uma em quem você pode confiar e outra não R Pior é que é isso embora reconheça as recomendações que tive a seu respeito sua formação etc tem momentos como agora em que não confio O pior que este é o meu problema parece que não confio em ninguém Mas é por isso que estou aqui como falamos no início da terapia não sei se um dia irei confiar totalmente em alguém Até acho que foi em função da desconfian ça que interrompi as outras terapias T Se você está conseguindo me falar da sua desconfiança inclusive em relação a mim é porque de alguma maneira está apostando na nossa relação 244 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Meissner em seu livro The Therapeutic Allian ce24 aborda de modo enfático o tema quanto à natureza e às diferenças entre a transferên cia a contratransferência a aliança de traba lho a relação real entre terapeuta e pacien te a empatia e as qualidades e fatores pes soais em uma das mais completas revisões sobre o tema Muitas de suas referências são as já ci tadas neste capítulo Quando discorre sobre a natureza da AT Meissner referindose à definição do termo destaca que ainda existe uma con siderável confusão uns falam que se trata só da colaboração do paciente outros afir mam que é a transferência ou um aspecto desta Lacan se refere a uma ligação entre o ego do paciente e o ego do terapeuta refe rindo uma aliança de trabalho Para Meissner contudo a AT é algo específico dinâmico que evolui com o de senvolvimento da terapia O autor baseia seus conceitos em Zetzel11 e Greenson23 Referese ainda a Winnicott na compa ração com o conceito de holding e a Anna Freud quando esta se refere a determina das crianças que se relacionam com seus analistas como pessoas reais24 Seu conceito no entanto é baseado em dois aspectos o primeiro é que a AT se implementa no processo terapêutico com o envolvimento dos aspectos transfe renciais e contratransferenciais assim co mo de histórias do paciente e do analista e evolui durante o tratamento mais no paciente do que no terapeuta O segundo aspecto é que a AT se relaciona com o set ting na manutenção das regras da terapia no desenvolvimento de uma ressonância empática do entendimento das desco bertas das formulações das explicações e das interpretações sendo responsável pelo desenvolvimento de um papel crítico em todos os níveis do processo terapêutico é extremamente dinâmica e desenvolvese e modificase de acordo com o caráter e o significado do progresso terapêutico Podemos perceber dessa maneira que a maioria dos autores considera que a AT embora tenha características próprias de estar mais localizada no ego consciente recebe influências de todo o nosso mundo inconsciente Poderíamos dizer que por ser extremamente dinâmica a AT pode predominar em determinados momentos da terapia ou de uma sessão com maior ou menor intensidade confundindose às vezes com a transferência e dependendo igualmente de fatores contratransferen ciais Também é possível constatar que ela independe da patologia apresentada pelo paciente desde que o terapeuta tenha con dições pessoais e conhecimento para con ciliar a técnica a sua expectativa em cada situação terapêutica Muitas vezes o desejo de ajuda de um paciente não é necessariamente trans ferencial e sim racional quando a realidade é que serve de motivação A razão impõese contra as resistências por exemplo as nar cisísticas da negação de sua patologia Será com esse seu aspecto racional que seguida mente iniciaremos uma AT para conduzir a terapia e tentar superar as resistências Entretanto em outras situações será preciso ficarmos atentos a uma pseudo AT uma aliança aparente que está a ser viço da resistência Um exemplo típico é aquele paciente que necessita do amor de seu terapeuta e assume em função desse fato uma atitude sedutora e de submissão dando a impressão de estar colaborativo e aliado Em geral são situações nas quais a terapia não evolui fica estacionada infini tamente em um faz de conta que estou me tratando levando a sentimentos contra Psicoterapia de orientação analítica 245 transferenciais frequentes de desânimo e impotência A ALIANÇA TERAPÊUTICA E A REALIDADE Conforme Meissner24 a presença e a influên cia da realidade no processo terapêutico são ubíquas e não podem ser desprezadas Existi riam basicamente dois tipos de situações in trínsecas ou extrínsecas ao processo No pri meiro grupo estariam incluídas a neutralidade a abstinência e a realidade a serviço da re sistência no outro figurariam situações como doen ças gravidez fatores econômicos e liga dos ao trabalho entre outros Todos esses as pectos podem influenciar a transferência as sim como a AT Outro fator é a confiança a disposi ção do paciente em confiar distinguese da confiança que se estabelece na capacidade de seu terapeuta de compreendêlo e aju dálo Meissner24 refere que o paciente pode confiar no tera peuta relatando as suas mais perver sas fantasias seus mais íntimos segre dos mas não o chamaria para entre gar a chave de seu cofre É com essa confiança na capacidade terapêutica que o paciente se alia ao seu te rapeuta na construção de uma AT Baudry citado por Meissner24 refe rindose às características pessoais do ana lista divideas em três possibilidades que poderão influenciar a AT 1 sentimentos e atitudes egossintônicas que permeiam os aspectos do funcio namento tanto pessoal quanto profis sional como pessimismootimismo graus de permissividade atividade passividade calor humano distância rigidezflexibilidade tendências auto ritárias entre outros 2 aspectos no estilo de ser do terapeuta como habilidade verbosidade uso do humor ou ironia 3 reações características do terapeuta às variações do afeto do paciente ou a pro blemas no tratamento como situações de casamento Todas essas situações não dependem de aspectos transferenciais ou contratransfe renciais pois preexistem nas características pessoais do terapeuta e de alguma maneira podem influenciar o estabelecimento da AT A relação terapêutica e a aliança tera pêutica e tudo que influi nelas incluindo intensamente os fatores do terapeuta têm também papel decisivo na mudança psí quica no alívio de ansiedade e na redução de sintomas O processo não se dá exclu sivamente no paciente mas ocorre uma dinâmica de avanços e retrocessos da dupla em fazer desfazer refazer e sobrefazer Em suma recordar repetircontratransfe rir simbolizarreelaborar A importância de observar as vicis situdes do terapeuta é cada vez mais con siderada por que é de suas características particulares que se constrói um cenário propício às mudanças principalmente por meio de uma aliança terapêutica positiva Até hoje as contribuições do terapeuta na AT foram menos estudadas do que os fato res dos pacientes Há uma ênfase contem porânea em examinar tais aspectos dessa importante variável no entendimento do processo psicoterápico Alguns dos estudos revisados a seguir comprovam que atribu tos pessoais específicos do terapeuta são significativamente relacionados à formação e à manutenção da aliança terapêutica25 246 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em psicoterapia nos aproximamos da mente do paciente espécie de emprés timo mútuo do aparelho mental o que inclui tanto as partes conscientes como as inconscientes A participação de uma série de fatores inespecíficos se dá nessa aproxi mação Ao simplesmente ouvir nosso pa ciente adotamos uma postura receptiva e reflexiva que automaticamente o faz adotar o mesmo procedimento Este pode ser con siderado o primeiro passo para que tenha contato com seus sentimentos e emoções proporcionando insight assim como as interpretações Além disso sem nos dar mos conta muitas vezes nesses momentos estamos compartilhando com o pacien te as suas e as nossas emoções valores sen timentos angústias e transparecendo aceitação afeto compaixão dúvidas As sim essa postura de escuta pode além de estimular o paciente a pensar e como consequência elaborar os seus conflitos proporcionar a introjeção de partesvalo res do terapeuta É ouvindo nosso paciente que lhe mostramos da forma mais genuína possível que suas questões são suportáveis e que é possível lidar com elas Há sem dúvida outra parte igualmente importan te da terapia que são as intervenções pro priamente ditas Constituem a parte mais próxima da consciência mas nem por isso são mais determinantes do sucesso do tra tamento26 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como referido anteriormente com base em di versos autores o estabelecimento de uma AT depende de fatores ligados à realidade externa às características pessoais à transferência e à contratransferência A AT é bastante dinâmica variando sua intensidade de acordo com o momento da terapia ou da sessão porém a tendên cia é de que cresça proporcionalmente ao tempo de terapia A presença de uma AT de boa qualidade poderá ser independente dos conflitos e da gravidade dos sintomas do paciente desde que o terapeuta tenha condições pessoais e conhecimento sufi cientes para adaptarse às expectativas dos pacientes assim como para limitar as suas próprias Um maior entendimento das contri buições do terapeuta para a aliança que incluem qualidades pessoais e técnicas te rapêuticas pode equipar melhor os médi cos para desenhar e implementar métodos específicos de cultivar alianças mais satis fatórias com seus pacientes Enquanto os achados desta revisão não fornecerem uma perspectiva manualizada de desenvolver uma aliança sólida eles fornecem um en tendimento sintetizado da relação entre o terapeuta e a aliança Ter um maior enten dimento dessa relação implica tera peutas mais bem treinados e possivelmente maio res sucessos terapêuticos Pesquisas futuras podem levar esse entendimento ainda mais longe e explorar como integrar esses acha dos em princípios de treinamento Como um exemplo dessas pesquisas em recente artigo ainda não publicado Versaevel e colaboradores27 desenvolvem uma pesquisa para identificar precocemen te o tipo de paciente que desenvolverá uma AT de boa qualidade e aqueles que não apresentam essas características ini ciais Para tanto classificaram os pacientes em três características os turistas que são aqueles que não têm nada e não sa bem por que estão ali os queixosos que reconhecem que têm alguma coisa errada mas que atribuem a fatores externos a si e os clientes verdadeiros que reconhe cem que existe algo errado e que depende Psicoterapia de orientação analítica 247 deles uma solução mas que não conse guem A finalidade da pesquisa baseiase na importância que os autores detectam na AT e no fato de que os dois primeiros tipos de pacientes não têm capacidade de desen volvêla e que para eles o objetivo inicial é tentar que se aproximem da condição de cliente verdadeiro PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Destacase a importância de uma aliança terapêutica de qualidade para o bom andamento de uma psicoterapia de orientação analítica 2 Há aspectos inconscientes atuantes no processo de estabelecimento de uma aliança terapêutica sólida 3 Evidenciamse alguns marcos históricos no desenvolvimento do conceito de aliança terapêutica 4 Ao longo dos anos o conceito de aliança terapêutica mantém o entendimento de ser um processo egoico fundamentado em relações de objeto precoces nas quais uma relação positiva com cuidadores serve de modelo para o paciente motivarse para estabelecer o grau necessário de confiança na relação atual com o terapeuta 5 Destacase a tendência cada vez maior de os autores enfocarem o processo terapêutico como um fenô meno a dois no tratamento individual em que devem ser compreendidos os aspectos transferenciais e contratransferenciais além de todos os elementos que compõem a pessoa do paciente e a do terapeuta 6 Há significativas diferenças entre aliança terapêutica e aliança de trabalho 7 A aliança terapêutica é um processo dinâmico que ao longo de uma psicoterapia pode variar de intensidade mas que quando as expectativas estão sendo preenchidas vai se fortalecendo de modo progressivo REFERÊNCIAS 1 Bordin E Research strategies in psychotera py New York Wiley 1974 2 Luborsky L Helping alliances in psychote rapy In Luborsky L Psychoterapy research and clinical research Washington American Psychological Association 1976 3 Luborsky L Diguer L Luborsky E McLellan AT Woody G Alexander L Psychological health sickness PHS as a predictor of ou tcomes in dynamic and other psychotera pies J Consult Clin Psychol 1993614 5428 4 Piper WE Azim HF Joyce AS McCallum M Nixon GW Segal PS Quality of object relations versus interpersonal functioning as predictors of therapeutic alliance and psychoterapy outcome J Nerv Ment Dis 199117974328 5 Marcolino JA Iacoponi E O impacto ini cial da aliança terapêutica em psicoterapia psicodinâmica breve Rev Bras Psiquiatr 20032527886 6 Freud S O inconsciente In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 14 7 Hovath AO Gaston L Luborsky L The the rapeutic alliance and its measures In Mil ler N Luborsky L Barber JP Docherty JP Psychodinamic treatment research a han dbook for clinical practice New York Basic Books 1993 p 24773 8 Etchegoyen RH Aliança terapêutica In Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psi canalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 9 Greenson RR Wexler M A relação não transferencial na situação psicanalítica In Greenson RR Investigações em psicanálise Rio de Janeiro Imago 1969 248 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 10 Klein M Fundamentos psicológicos da análise infantil In Klein M Psicanálise da criança São Paulo Mestre Jou 1981 11 Zetzel ER Current concepts of transference Int J Psychoanal 1956374536976 12 Freud S A psicoterapia da histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 2 13 Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 14 Sterba RF The fate of the ego in analytic the rapy Int J Psychoanal 193411511726 15 Bibring GL Dwyer TF Huntington DS Va lenstein AF A study of the psychological processes in pregnancy and of the earliest motherchild relationship Psychoanal Stu dy Child196116972 16 Gutheil TG Havens LL The therapeutic alliance contemporary meanings and con fusions Int Rev Psychoanal 1979646781 17 Meltzer D O processo psicanalítico da criança ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 18 Heimann P Int J PsychoAnal 195431 Par tes I e II 19 Mackie AJ Attachment theory its relevance to the therapeutic alliance Br J Med Psychol 198154Pt 320312 20 Dickes R Tecnical considerations of the the rapeutic and working alliance Int J Psycho anal Psychother 19754124 21 Kaplan HI Sadock BJ Grebb JA Psicotera pias In Kaplan HI Sadock BJ Grebb JA Compêndio de psiquiatria ciências do com portamento e psiquiatria clínica 7 ed Porto Alegre Artes Médicas 1997 cap 32 p 773 22 Hausner RS The therapeutic and working alliances J Am Psychoanal Assoc 2000481 15587 23 Greenson RR A técnica e a prática da psica nálise Rio de Janeiro Imago 1981 24 Meissner WW The therapeutic alliance New Haven Yale University 1997 25 Ackerman SJ Hilsenroth MJ A review of the therapist characteristics and techniques po sitively impacting the therapeutic alliance Clin Psychol Rev 2003231133 26 Greenberg J Teorias da ação terapêutica e suas técnicas In Person ES Cooper AM Ga bbard GO Compêndio de psicanálise Porto Alegre Artmed 2007 p 22636 27 Versaevel C Samama D Jeanson R Lajugie C Dufeutrel L Defromont L et al Determi ne the patients position towards psychiatric care a simple tool to estimate the alliance and the motivation Encephale 2013394 28491 LEITURAS SUGERIDAS Gomes FG Ceitlin LH Hauck S Terra L A relação entre os mecanismos de defesa e a qualidade da aliança terapêutica em psicoterapia de orientação analítica Rev Psiquiatr RS 2008302109114 Sandler J Dare C Holder A O paciente e o analis ta fundamentos do processo psicanalítico Rio de Janeiro Imago 1976 Strachey J The nature of therapeutic action of psy choanalysis Int J Psychoanal 1983511729 A psicoterapia de orientação analítica a exemplo da psicanálise pode ser estudada de acordo com suas três fases início etapa intermediária do processo e término Estas não são determinadas exclusivamente por sua duração Muito das características de cada fase é definido pelas características da interação terapeutapaciente Neste capítulo vamos nos deter ao exame das peculiaridades de cada uma des sas três fases Podemos sintetizar o que vai ser abordado por meio de palavras que pos sam qualificar sucintamente cada uma das fases da psicoterapia de orientação analítica Assim propomos que nas estruturas neuróti cas as questões relativas à dicotomia confian çadesconfiança podem ser o enfoque principal da etapa de abertura de uma psicoterapia de orientação analítica Da mesma forma a reso lução de conflitos pode caracterizar a etapa in termediária e o luto pela separação representa a etapa final ou o término Dito de outra maneira podemse considerar as ansiedades paranói des o alvo do início da psicoterapia analítica assim como as ansiedades depressivas o enfo que da etapa final As oscilações entre as duas posições propostas por Melanie Klein1 a esqui zoparanoide e a depressiva são a matériapri ma do processo psicoterápico que se desenrola dentro do campo criado pela interação pacien teterapeuta Quando o paciente não apresenta a estrutura neurótica e sim se trata de um casolimite também denominado paciente fronteiriço ou borderline é preciso acres centar que as ansiedades de aniquilamento do self podem irromper em qualquer fase da psicoterapia pois são pacientes mais primitivos sem a estrutura defensiva do neurótico e que se desorganizam com mui ta facilidade Nas páginas a seguir buscamos fazer uma apresentação de características difi culdades riscos e soluções que o terapeuta 14 FASES DA PSICOTERAPIA Anette Blaya Luz 250 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 precisa enfrentar e buscar resolver junto com seu paciente em cada uma das três fa ses que compõem uma terapia dirigida ao insight Atendendo aos fins didáticos deste livro e tomando os escritos de Langs2 como ponto de partida apresentamos na intro dução da descrição de cada fase um breve esquema com alguns dos conteúdos práti cos de cada etapa da psicoterapia FASE INICIAL Definição é a etapa que se estende do primeiro contato do paciente com o terapeuta até o es tabelecimento de uma aliança terapêutica sóli da entre eles Pode ocupar algumas sessões ou perdurar por meses dependendo das caracte rísticas da personalidade do paciente e da ha bilidade do terapeuta em conduzir as questões relativas a essa etapa Riscos o grande risco dessa etapa do trata mento é o de abandono precoce Intervenção nesse momento a intervenção mais utilizada pelo terapeuta é a interpretação cuidadosa das resistências e das angústias pa ranoides tão comuns nessa etapa das psico terapias Objetivos estabelecer uma aliança terapêutica sólida e identificar as razões da busca de trata mento e a conflitiva inconsciente que produz o sofrimento bem como fazer o contrato terapêu tico Ver Capítulo 11 A etapa inicial da psicoterapia analítica começa com o primeiro contato do paciente com o terapeuta Pode ser ao telefone quan do o paciente liga solicitando um horário ou mesmo antes disso quando ele começa a procurar um terapeuta com quem possa se consultar As características dessa busca variam de acordo com a personalidade do paciente e emprestam um colorido próprio à etapa inicial daquele caso em particular Um exemplo é apresentado na vinhe ta a seguir A passagem do tempo por si só não caracteriza o começo e o fim da etapa ini cial Há uma tarefa a ser executada nessa etapa que pode durar de uma semana até vários meses A tarefa principal dessa eta pa é o estabelecimento de um vínculo for O senhor Antônio solicita a sua esposa que consiga o nome de um terapeuta com quem possa se tratar Uma vez de posse do nome de sua futura terapeuta ele demora cinco meses para fazer o primeiro contato telefô nico Durante esse período Antônio perde algumas vezes os dados da pessoa indicada precisando soli citar o nome e o telefone da terapeuta repetidas vezes Nesse caso em particular a etapa inicial só se estabeleceu formalmente quando a terapeuta foi de fato procurada mas do ponto de vista dinâmico estendeuse por um período bem mais longo pois as ca racterísticas de dúvida ambivalência e desconfiança da personalidade obsessiva de Antônio já se mani festaram quando da solicitação do nome da terapeuta sem que esta pudesse fazer qualquer intervenção que facilitasse o acesso do paciente ao tratamento Quando finalmente ele chegou ao tratamento essas características de desejo e receio de se submeter à terapia puderam ser abordadas e o paciente conseguiu muito lentamente entregarse ao processo terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 251 te de confiança uma aliança terapêutica sólida enquanto são examinadas com o paciente suas dificuldades emocionais e a necessidade de tratamento Questões como motivação recursos egoicos e metas tera pêuticas são preocupações que o terapeuta deve ter também nessa etapa mas concor damos com Langs2 quando ele aponta que a preocupação primordial do terapeuta na etapa de abertura deve ser a conquista da confiança do paciente e o estabelecimento de uma forte e positiva aliança terapêutica Segundo esse autor não se pode considerar a etapa inicial como concluída enquanto está sendo cogitada a possibilidade de rea lização de uma psicoterapia analiticamente orientada Enquanto o paciente o terapeu ta ou ambos têm dúvidas sobre a necessida de ou a possibilidade ou não de ser empre endida tal psicoterapia a etapa inicial não pode ser considerada conclusa e assim as intervenções devem ser principalmente dirigidas a essas dúvidas O grande risco na etapa inicial é a interrupção abrupta do tratamento justamente no momen to em que o terapeuta sabe menos a respeito de seu paciente e portanto tem menos recur sos para trabalhar ambivalências desconfian ças e resistências O exame das motivações que levam o paciente ao tratamento é fundamental pa ra que se possa estabelecer uma boa alian ça terapêutica e assim quem sabe evitar um término abrupto e precoce Alguns pacientes não buscam a terapia por um desejo genuíno de examinar seus conflitos e processar mudanças Muitas vezes pro curamna por razões não terapêuticas e se o terapeuta conseguir identificar esses problemas poderá ajudar o paciente a in gressar em um tratamento por razões mais verdadeiras e desse modo salvaguardar a própria existência da psicoterapia Razões comuns e não terapêuticas inconscientes ou não para a busca manipulativa de trata mento incluem as necessidades de receber aconselhamentos e suporte para momen tos difíceis satisfazer um cônjuge ou ou tra pessoa que insiste que o paciente deve se tratar muito comum com adolescentes que vão à terapia por insistência dos pais criar com o terapeuta uma relação simbió tica de dependência passiva ou sadomaso quista satisfazer necessidades profissionais muito comuns em pessoas da área psi entre outras Cabe ao terapeuta nessa etapa inicial discutir com o paciente tais moti vações e auxiliálo a descobrir e identificar motivações mais apropriadas e construti vas pois sempre que uma pessoa chega a um consultório dessa natureza é porque tem em algum lugar dentro de si o desejo de se tratar Algumas vezes no entanto as falsas motivações se mostram irredutíveis e o paciente abandona o tratamento apesar de todos os esforços do terapeuta para tra balhar essas resistências e angústias O abandono precoce do tratamento é o problema crucial dessa etapa e a busca de uma aliança terapêutica é a forma de evitar tal desfecho Para isso é importante que o terapeuta esteja atento a algumas questões contratransferenciais que as defesas do pa ciente podem suscitar em si Como regra podese pensar que sentimentos e afetos exagerados seja irritação inquietude an siedade pesar seja compaixões atração sexual falta ou excesso de empatia pelos problemas que o paciente traz significam com frequência reações contratransferen ciais que se bem identificadas e compre endidas podem ser muito úteis no traba lho com o paciente e no estabelecimento da aliança terapêutica Se não identificadas e não trabalhadas podem levar rapidamente à interrupção do tratamento 252 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Outras causas de abandono precoce e portanto de especial atenção do tera peuta nessa etapa inicial do tratamento quando o vínculo terapêutico é ainda frá gil dizem respeito aos inúmeros medos e fantasias que o paciente tem ao iniciar sua terapia Langs2 referese ao medo da transferência que tem suas origens nas relações primitivas do paciente com seus primeiros objetos de amor Esses medos são parti cularmente significativos quando o paciente não apresenta uma estrutura neurótica de personalidade Os pacientes borderline tendem a defenderse desses medos com apegos e idealizações muito intensas porém frágeis que se rompem rapidamente ameaçando a continuidade da psicoterapia Além do medo de ingressar em uma relação importante com o terapeuta ou com os próprios conflitos há outros medos que também podem contribuir para que não se estabeleça a aliança terapêutica Medo de perder o controle e de enlouquecer de se deprimir em função de recordações tristes que certamente aflorariam ao longo da tera pia de fantasias eróticas principalmente de cunho homossexual de reproduzir relações desastrosas já ocorridas no passado ou em terapias anteriores de mudanças que impli cariam abandono de antigas defesas Uma das referências de receio mais comuns por parte dos pacientes nesses momentos ini ciais diz respeito a um medo que traz oculto o desejo de criar um vínculo de dependên cia máximo eterno passivo e escravizante diante do qual tanto paciente como tera peuta podem recuar assustados Todos esses temores podem e devem ser identificados sempre que possível pois isso ajuda a des fazer um pouco das ansiedades paranoides dessa etapa da psicoterapia ao mesmo tem po que oferece ao terapeuta informações preciosas a respeito da vida emocional do paciente e de como ele tende a reagir ante as intervenções do terapeuta A atitude do terapeuta é fundamental para que se dissipem um pouco esses me dos e o paciente possa ingressar na etapa seguinte Prestar atenção à contratrans ferência criar um ambiente acolhedor de aceitação das dificuldades do paciente no qual a dor e o sofrimento expostos por este são recebidos e respeitados é condição sine qua non para que o processo evolua Conquistar a confiança do paciente é a tare fa primordial mas é importante não confun dir isso com seduzir o paciente com promessas inadequadas de cura ou de gratificações de ne cessidades e expectativas neuróticas Conquis tar a confiança do paciente significa respeitar a forma deste de se apresentar aceitando sem críticas o modo de aproximação possível da quele indivíduo em particular Langs2 resume de forma bastante cla ra os objetivos da etapa inicial da psicotera pia analiticamente orientada 1 Desenvolver uma sólida firme e po sitiva aliança terapêutica enquanto é criada uma atmosfera terapêutica adequada para o exame dos problemas e dos conflitos emocionais do paciente 2 Definir quais são os problemas emo cionais do paciente explorando junto deste os motivos que o levam à terapia enquanto se tenta acessar as estratégias defensivas utilizadas pelo paciente e seus modos de comunicar isso tudo ao terapeuta 3 Buscar esclarecer as origens do sofri mento do paciente identificando seus principais conflitos intrapsíquicos suas Psicoterapia de orientação analítica 253 relações de objeto primitivas e seus traumas em especial detectar e analisar as resistências mais precoces e as tenta tivas de criar alianças antiterapêuticas que podem levar ao abandono O grande risco dessa etapa inicial da psicoterapia é o abandono Por isso acredi tase que dos três objetivos propostos por Langs2 embora todos tenham relevância atenção especial deve ser dada ao primei ro a necessidade de se estabelecer uma só lida aliança terapêutica Isso se consegue com uma postura atenta às resistências e com o exame das motivações que levaram o paciente ao tratamento a fim de identi ficar e trabalhar motivações inadequadas enquanto se busca criar um ambiente aco lhedor para que o paciente possa expor suas dificuldades Uma postura demasia do silenciosa por parte do terapeuta pode criar um clima desnecessariamente hostil Em contrapartida uma postura tão amis tosa que se confunda com uma visita social prejudica o estabelecimento da aliança te rapêutica Eu acrescentaria que é função do te rapeuta no início do tratamento buscar identificar dentro de si que tipo de emoção aquele paciente lhe desperta pois estar aten to à contratransferência é o caminho para conquistar os itens descritos por Langs É importante que o terapeuta en sine o paciente a se tratar auxiliandoo a despertar seu interesse pelos conflitos e pelas formas de funcionamento de sua personalidade Muitos pacientes procu ram terapia pensando que o terapeuta vai dar conselhos ou determinar o rumo dos assuntos em sua vida Essas pessoas neces sitam aprender a se tratar e compreender o que significa o tratamento e o que podem ou não esperar da terapia e do terapeuta Cabe ainda referir algo sobre a ques tão de responder ou não às perguntas de um paciente É importante que algumas delas sejam esclarecidas principalmente nessa etapa do tratamento Perguntas de cunho pessoal a respeito da vida privada do tera peuta devem ser exploradas mais do que respondidas mas perguntas sobre o trata mento nesse momento precisam ser escla recidas Com alguns pacientes muito frágeis fazse necessário que o terapeuta use e abu se de sua sensibilidade para poder definir quais perguntas responderá e quando Há alguns pacientes muito paranoides e regres sivos que não toleram uma interpretação em lugar de uma resposta Pode custar um pouco mais de tempo até que eles estejam em condições de suportar não serem gra tificados com respostas às suas perguntas Há ocasiões em que vale a pena responder a uma pergunta do paciente desde que não seja sobre a vida privada do terapeuta para logo a seguir tentar junto com ele entender o significado inconsciente da pergunta À medida que o tratamento evolui percebese que o paciente vai suportando cada vez mais não ter suas perguntas respondidas Com relação ao conteúdo das inter venções do terapeuta é preciso examinar brevemente dois pontos de vista distintos Algumas escolas principalmente a kleinia na defendem a ideia de que se deve inter pretar o material relativo aos impulsos do id desde o início pois isso diminuiria as re sistências e a ansiedade Concordamos com Langs2 e com Dewald3 no sentido de que somente as intervenções que enfoquem as resistências ao tratamento devem ser usa das nessa etapa inicial Interpretações mais profundas conforme nossa experiên cia trazem um incremento de ansiedades persecutórias desnecessário e nefasto à so brevivência da terapia Assuntos que po 254 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dem conduzir o terapeuta a interpretações consideradas profundas dizem respeito a material cujo conteúdo apresenta fantasias experiências e relações de caráter incestu oso homossexual traumas precoces ainda não elaborados e interpretações que visam a questões edípicas expressas na relação te rapeutapaciente Pensamos que de modo geral são temáticas que demandam maior confiança na relação terapeutapaciente e melhor conhecimento da problemática do paciente para que possam ser abordadas de maneira a fazer crescer a compreensão deste a respeito de si próprio Quando exa minadas antes do timing adequado podem causar muito desconforto e levar o paciente a fugir do tratamento Quando as ansiedades em relação à busca da terapia são muito intensas e não enfocadas na etapa inicial do tratamento o paciente pode procurar soluções mais fá ceis que precisam ser abordadas Algumas vezes há a solicitação de medicação que pode ou não estar indicada mas que pre cisa ser analisada Pacientes mais frágeis mais regressivos com maior dificuldade de enfrentar frustrações e ansiedades tendem a acting outs como reatar um namoro fran camente destrutivo marcar casamento decidir morar junto com oa parceiroa Outros actings a que o terapeuta precisa es tar atento para interpretar incluem a bus ca de terapias alternativas florais tarôs biodança cartomantes terapia de cores e cristais além daqueles costumeiros aciona mentos produzidos pelo paciente em seus familiares para que estes se posicionem contrários ao tratamento Sempre que uma tendência dessa natureza for identificada o terapeuta deverá assinalar pois poderá dessa forma auxiliar o paciente a entender o significado inconsciente oculto por trás do acting FASE INTERMEDIÁRIA Definição é o período que se estende do mo mento no qual o terapeuta identifica uma ra zoável aliança terapêutica estabelecida até a ocasião em que uma séria proposta de térmi no passa a ser discutida entre paciente e te rapeuta É em geral a etapa mais longa dos tratamentos Riscos inúmeros são os riscos dessa etapa do tratamento todos eles levando a uma parada no desenvolvimento do progresso terapêutico devido a diferentes causas Podem ocorrer con luios narcísicos impasses interrupções inte lectualizações não acompanhadas de insights genuínos para citar alguns Intervenção além das interpretações a respei to das resistências que já vinham sendo usa das na etapa inicial agora o terapeuta lança mão de interpretações a respeito da conflitiva inconsciente do paciente São preferencialmen te interpretações extratransferenciais mas sempre que necessário o terapeuta deve usar também as transferenciais Estas se fazem ne cessárias quando surgem angústias desperta das no paciente em consequência de sua rela ção com o terapeuta que ameaçam a evolução do processo terapêutico Objetivos o objetivo dessa etapa é o da tera pia analiticamente orientada qual seja exami nar analisar explorar e resolver os sintomas e as dificuldades emocionais do paciente Cons titui a essência do tratamento Cabe ressaltar no entanto que a resolução de conflitos psíqui cos inconscientes traduz o objetivo principal do paciente neurótico enquanto para o paciente mais regressivo o borderline o objetivo prin cipal seria a construção de um self coeso com capacidades simbólicas mais eficazes e espa ço mental para pensar as angústias inerentes à vida Escrever sobre a etapa intermediária de uma psicoterapia analiticamente orienta Psicoterapia de orientação analítica 255 da é como escrever a respeito de quase tudo em psicoterapia pois é quando as mudanças e transformações ocorrem A etapa inicial é uma preparação para que essa segunda eta pa transcorra da maneira mais eficiente pos sível e a etapa final é assim chamada pelo fato de os objetivos da etapa intermediária terem sido atingidos de forma parcial ou total e só resta elaborar a perda pelo fim da relação terapêutica A etapa intermediária é pois a razão de ser da psicoterapia analiti camente orientada seu cerne e corpo prin cipal Assim tornase impossível detalhar tudo o que ocorre nesse período Freud4 já salientava esse aspecto em um de seus tra balhos a respeito de técnica traçando uma comparação com o jogo de xadrez Nessa comparação ele destacava que é possível estudar modos de abertura e de fechamento das peças no tabuleiro de xadrez mas que o miolo do jogo apresenta tantas variações que não é possível abordálas todas para um exame detalhado O que se pode fazer é examinar em linhas gerais algumas ocor rências comuns das fases intermediárias das psicoterapias para que o leitor tenha uma visão das vicissitudes e dificuldades que po dem acontecer no trabalho com pacientes nesse tipo de tratamento Muito do que transcorre na etapa in termediária de um atendimento dessa na tureza é secundário ao tipo de patologia e conflitiva que o paciente busca tratar Pa cientes muito regressivos tendem a apresen tar mais perturbações em todas as fases da psicoterapia na etapa intermediária inclu sive Isso porque a ansiedade que permeia todo o processo é principalmente o medo da desintegração psicótica a ansiedade de aniquilamento enquanto o paciente mais integrado teme a castração que é mais to lerável Quanto mais bem conduzida foi a etapa anterior tanto mais progresso vai ser possível atingir nessa segunda etapa Mesmo assim é importante salientar que o encon tro das personalidades pacienteterapeuta é determinante para a evolução do processo terapêutico Bion5 já salientava a turbulên cia emocional que acontece no encontro de quaisquer duas personalidades No encon tro terapêutico isso é particularmente ver dade Favalli6 salienta as questões relativas ao campo criado pelo interjogo das forças transferenciaiscontratransferenciais como fundamentais para a compreensão do que se passa no processo terapêutico Assinala esse autor a importância das contribuições de cada participante para o andamento do tratamento Cabe ao terapeuta estar atento ao que se passa nesse encontro pois forças poderosas estão em jogo e muitas delas são inconscientes para ambos os participantes O trabalho dessa etapa centrase nas questões que o paciente apresenta para se rem discutidas nas sessões De modo geral os temas centrais atêmse a questões do coti diano do paciente referindose aos contex tos da realidade externa ou de seus sintomas São temas comuns as questões relativas aos conflitos com familiares cônjuges ou cole gas de trabalho Outras temáticas abordadas com frequência dizem respeito aos anseios e às frustrações do paciente com relação a sua pessoa às pessoas à sua volta e principal mente aos objetivos e às metas que ele não consegue alcançar Os sofrimentos que os sintomas impõem ao paciente em seu dia a dia também são temas frequentes Por meio dessas temáticas chegase aos conflitos in trapsíquicos às fantasias inconscientes às memórias perdidas no tempo A postura atenta e respeitosa do terapeuta diante das temáticas trazidas pelo paciente 256 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs permite que cada vez mais este se sinta enco rajado a relatar seus sofrimentos e preocupa ções À medida que o paciente vai se sentindo mais e mais à vontade seus relatos passam a ser mais espontâneos e o terapeuta identifica os momentos em que pode intervir para interpre tar o conflito inconsciente subjacente àqueles re latos Quando esses conflitos são bem abor dados e bem elaborados novas soluções mais bem adaptadas à realidade e menos custosas para a economia psíquica passam a fazer par te do arsenal defensivo do paciente que come ça a dispor de mais vigor para a realização de suas tarefas do dia a dia A vinheta a seguir ilustra bem essa questão ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 A paciente Brenda veio a tratamento com inúmeras queixas somáticas e de depressão Estava com 44 anos na ocasião da busca do atendimento Aparentava bem menos idade e vestiase de maneira bastante jovial embo ra não inadequada Não relacionava seu estado emocional com algumas alterações que estava enfrentando de vido aos sintomas do climatério que haviam surgido alguns meses antes da busca de tratamento Apesar de seu sofrimento achava que não teria o que tratar em uma psicoterapia pois não tinha problemas graves Era uma mulher bonita bem articulada agradável um pouco acima do peso Casada há 20 anos não tinha filhos porque nunca quis ser mãe embora não tivesse discutido esse assunto em profundidade com o marido ou con sigo mesma Fora demitida de seu trabalho há quatro anos pois a firma em que trabalhava enfrentava dificul dades financeiras e sendo ela uma funcionária antiga e de salário alto foi uma das eleitas para demissão na política de contenção de despesas Ganhou uma boa indenização e com esse dinheiro montou seu próprio ne gócio estava indo bastante bem O marido não era uma pessoa muito ambiciosa e contribuía pouco em casa tanto financeira como afetivamente Ele próprio sempre fora um homem bastante deprimido Brenda que du rante toda a vida havia sido ativa e dinâmica dizia que se sentia muito doente sem forças Não entendia por que tinha esses pensamentos já que o susto maior havia passado quando se viu sem emprego pensou que não conseguiria fazer mais nada profissionalmente Seus receios em relação ao desemprego mostraramse exa gerados pois era uma mulher inteligente e trabalhadora e havia conseguido reerguerse conquistando um ga nho atual de quase o dobro do que ganhava em seu antigo emprego Assim não sabia por que se sentia doente e fraca Aos poucos foi ficando evidente o quanto Brenda negava seus sentimentos com relação à menopausa e ao luto ante o processo natural de envelhecimento Parece que ela havia negado a passagem do tempo Sentiase jovem e bem disposta vestiase de maneira jovial e parece que secretamente alimentava a esperança de algum dia ter coragem de engravidar e ter um filho Os conflitos inconscientes que afloraram com relação à história com sua própria mãe e com a maternidade que não se sentia capaz de enfrentar estavam na base de seus sofrimen tos Uma vez identificada e verbalizada a dor pela impossibilidade de ser mãe por não terse sentido capaz de en frentar tal tarefa e porque agora já não seria mais possível Brenda pôde começar a trazer para o tratamento toda uma história de desamparo e abandono que até então ela havia reprimido na tentativa de conseguir levar a vida adiante Brenda não teve tempo de ter filhos mas pôde dividir com alguém e elaborar essa perda enquanto res gatava junto à terapeutamãe sua história de desamparo devido ao abandono paterno e à depressão materna A vinheta ilustra o quanto as conflitivas inconscientes sustentam os sintomas Também podemos identi ficar a negação da paciente como uma arma defensiva tão custosa que quase não lhe sobrava energia para suas tarefas cotidianas apesar de ser uma mulher com bom potencial para uma vida ativa Uma vez desfeita a negação e a repressão o luto pôde ser vivido justamente por terse entristecido a respeito das perdas físicas e emocionais que enfrentava Brenda pôde liberar boa parte de suas energias para retomar sua vida de manei ra mais vigorosa embora não fosse possível fazer o tempo voltar atrás a fim de que ela pudesse engravidar e ter filhos o que era um sonho alimentado secretamente no inconsciente ao longo de tantos anos Psicoterapia de orientação analítica 257 Esse exemplo se refere a uma psicote rapia que evoluiu bem Há outras ocasiões em que a evolução não é assim tão bemsu cedida quando é não ocorre linearmente Quando tudo corre bem no processo tera pêutico podemos esperar a alternância de fases de muito trabalho psicoterápico que dá origem a insights importantes quando florescem memórias e fantasias até então ocultas seguidas de períodos de maior re sistência em que o trabalho parece estag nar até que outro reduto repressivo possa ser liberado e assim sucessivamente For tes resistências quando identificadas e bem trabalhadas conduzem a novo material que enquanto reprimido permanece pato gênico e uma vez verbalizado e compreen dido permite o surgimento de mais deriva tivos da conflitiva central do paciente Es tes ao serem trabalhados levam ao uso de defesas mais bem adaptadas diminuindo dessa forma a disfunção do ego que passa a usufruir de mais liberdade para enfren tar as tarefas do dia a dia A ampliação da capacidade de insight e a aplicação de defe sas mais maduras são a marca registrada de uma psicoterapia que está evoluindo bem Isso não significa que o paciente vai sofrer menos mas que vai sofrer pelo motivo ade quado e de forma adequada A paciente da vinheta anterior não sofreu menos Pelo contrário precisou encarar um doloroso luto mas saiu com seu ego mais enrique cido porque menos desgastado por defesas muito custosas como repressão negação e somatizações A longo prazo quando a psicoterapia evolui bem podese esperar que o pacien te alcance insights cada vez mais genuínos e significativos com consequente alívio dos sintomas Há no entanto algumas ocasiões não tão raras quanto desejado em que o trabalho analítico não evolui assim Pelo contrário estanca Nem sem pre o terapeuta consegue identificar esses momentos Porém sempre que a evolução terapêutica fica estagnada por um período longo é sinal de problema e perturbação Usando Langs2 como referência apre sentamos alguns indicadores de perturba ção na etapa intermediária 1 Resistências que não se resolvem não se modificam e se repetem nessas ocasiões é possível notar que em um período de muitas semanas ou até meses as sessões se tornam repetitivas e ruminativas a sonolência do tera peuta durante essas sessões é um sinal importante provavelmente uma mu dança de vértice de abordagem se faz necessária57 A discussão do material com um colega ou supervisor auxilia bastante 2 Alteração na aliança terapêutica o terapeuta percebe sinais de mais des confiança distanciamento do paciente actings in fantasias eou reações des trutivas com relação ao terapeuta é fundamental que este revise as sessões mentalmente ou com supervisão para identificar o problema 3 Episódios agressivos e destrutivos agu dos a ocorrência de episódios agres sivos não significa obrigatoriamente problemas nessa fase Pelo contrário pode ser consequência de um período mais ansiogênico fruto de um bom trabalho terapêutico Tais episódios se tornam sinais de dificuldades nessa etapa da psicoterapia quando parecem motivados por um descompasso entre o material do paciente e a compreensão do terapeuta Erros do terapeuta podem desesperar um paciente mais impul sivo 4 Falta de progresso terapêutico há al guns pacientes que apresentam peque na ou nenhuma evolução ao longo de um bom tempo de trabalho analítico 258 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Na aparência o processo está evoluin do normalmente mas um olhar mais atento identifica falta de progresso O paciente verbaliza suas preocupações o terapeuta interpreta e assim o tempo vai passando mas a sintomatologia do paciente muda muito pouco ou não muda Esse quadro é um forte indica dor de impasse na etapa intermediária da psicoterapia Conluios inconscien tes são causa frequente desse tipo de problema quando o tratamento se prolonga de forma indefinida 5 Regressões repetitivas acting out ou acting in a repetição continuada e inal terada de actings in ou out acompanha dos ou não de sintomatologia regressi va e o surgimento de novos sintomas podem significar problemas nessa fase Alguns pacientes precisam de mais tempo para conseguir conviver com os insights alcançados A capacidade de suportar a dor mental que pode ser provocada ao se trabalharem assuntos muito penosos para o paciente pode estar aquém do desejado e produzir esse tipo de problema Isso deve servir de alerta para que o terapeuta revise sua postura nas sessões e quem sabe evolua um pouco mais lentamente a fim de que o paciente possa suportar o sofrimento advindo dos insights enquanto amplia sua capacidade de tolerar a dor emocional Situações desse tipo acontecem muitas vezes devido a erros diagnósticos abordar um pa ciente borderline como se ele tivesse a estrutura neurótica bem constituída é fonte importante de impasses estagna ções e abandonos 6 Qualquer tentativa séria de abandonar a terapia ferirse ou ferir alguém sempre que algo assim acontece é fundamen tal uma reavaliação da terapia Com frequência o problema está na relação terapeutapaciente Pode ser uma difi culdade com a avaliação da indicação Há pacientes que não suportam os rigores de um processo terapêutico dessa natureza pois são por demais frágeis e impulsivos Em outros casos a contratransferência é o ponto central do problema 7 Qualquer sentimento ou feeling do tera peuta de que a terapia não está evoluin do Langs2 caracteriza isso da seguinte forma O terapeuta deve desenvolver um conjunto bastante seguro e confiável de impressões subjetivas sentimentos e julgamentos com relação ao desen rolar da terapia e aprender a confiar nesse conjunto Sempre que algo não estiver de acordo com o esperado ou que o terapeuta sentir a falta de alguma coisa é porque ele precisa parar e pensar Quaisquer desses sinais enumerados podem representar problemas na etapa intermediária Alguns em geral com pa cientes borderline podem ser indicativos de maior gravidade como o risco de sui cídio ou de ferimento em alguém Outros podem indicar que algo não está evoluindo e quem sabe o terapeuta está perdendo algum ponto em relação ao material do pa ciente É uma norma útil que o terapeuta de tempos em tempos faça uma reflexão a respeito do paciente Isso tanto pode ser feito sozinho na quietude de seu próprio consultório como com a ajuda de um cole ga mais experiente De modo geral depois de algum tempo de prática todos os tera peutas desenvolvem esse hábito pois ele não só é útil como também muito necessá rio Muitas vezes um paciente parece estar evoluindo bem mas quando o terapeuta faz uma reflexão acurada percebe que não Psicoterapia de orientação analítica 259 é bem verdade Aquele tratamento embo ra agradável e de boa aparência não es tá trazendo melhoras para o paciente Sob outro enfoque um paciente mais difícil e agressivo que luta muito com o terapeuta para manter suas defesas quando conse gue abrir mão delas o faz de forma lenta e progressiva mas de maneira definitiva e bastante curativa O importante é que o terapeuta sempre encontre tempo para al guma reflexão que deve ser feita em outro momento não durante a sessão Transcre ver o material é bastante útil para examinar aquele relato com mais distância e objeti vidade Terapias muito calmas e tranquilas podem ser tão improdutivas e destrutivas quanto terapias barulhentas e briguentas As causas mais frequentes relaciona das ao estancamento do progresso tera pêutico ou à interrupção prematura deste incluem fatores do terapeuta do paciente e também da realidade exterior O terapeuta pode estar tendo problemas contratrans ferenciais que o impedem de confrontar e interpretar com adequação o material que o paciente traz Para autores como Langs2 Dewald3 e Etchegoyen8 entre outros são as questões contratransferenciais as princi pais responsáveis pelos desenvolvimentos inadequados dessa etapa das psicoterapias analíticas Podem ser pontos cegos con luios narcisistas necessidade de ser mal tratado ou de maltratar o paciente proble mas financeiros equívocos diagnósticos entre outros fatores Os vínculos sadoma soquistas podem levar a dupla a vivenciar as sessões como guerras que precisam ser vencidas e assim os batebocas entre terapeuta e paciente tornamse a regra do relacionamento Questões de ordem finan ceira também contribuem pois muitas ve zes o terapeuta pode saber o que é preciso interpretar mas consciente ou inconscien temente não o faz quem sabe receoso da reação do paciente e também da ameaça de perder aquele indivíduo Outras vezes há o estabelecimento de conluios narcisis tas entre paciente e terapeuta cada um se sente mais gratificado com a idealização que o outro faz de si mesmo e da relação O processo estanca mas a relação pode perdurar de forma indefinida pois as grati ficações narcisistas impedem que os envol vidos se apercebam do problema no qual estão mergulhados Esses estan camentos são intermináveis e a passagem do tempo em nada altera a evolução do processo Tais evoluções são uma das causas de impasse terapêutico Esses pontos cegos no terapeu ta levam com bastante frequência a pro blemas nessa etapa do tratamento pois o material que precisa ser interpretado passa despercebido pelo terapeuta Nesses casos é comum a superficialização do processo levando a interrupções prematuras ou à evolução para o impasse terapêutico quan do o tratamento não termina nunca A solução para as questões enumera das reside na possibilidade de o terapeuta voltar a se tratar eou fazer mais supervi sões pois como constituem situações de contratransferência perturbada são por definição inconscientes Assim o tera peuta não poderá fazer frente a elas sem ajuda Mesmo que os problemas na aliança terapêutica sejam oriundos da persona lidade do paciente ainda assim podese considerar o terapeuta como corresponsá vel uma vez que compete a ele o manejo dessas situações Portanto a monitoração da evolução da aliança terapêutica é fun damental para que o processo evolua bem Fantasias impulsos e situações da realida de externa que não sejam adequadamente compreen didos e trabalhados comprome tem a solidez da aliança de trabalho Qual quer perturbação nessa aliança deve ser prontamente interpretada e compreendida em relação ao aqui e agora da relação trans 260 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ferencial Nesses momentos o uso de inter pretações transferenciais é bastante eficaz Falhas nessa abordagem representam riscos sérios para a boa evolução da terapia O medo das mudanças o receio do sofrimento que elas podem trazer e a an gústia que as memórias geram no dia a dia dos pacientes quando escapam da repres são constituem frequentes causas de alte ração no processo terapêutico nessa etapa intermediária Necessidades doentias co mo a vontade de não melhorar e de sofrer eternamente e os ganhos secundários que a doença proporciona também podem produzir perturbação Além disso a neces sidade de derrotar o terapeuta e competir eternamente com ele pode trazer dificulda des O uso indevido da terapia para grati ficar outras necessidades ou atingir outros fins que não o de examinar seus conflitos e problemas emocionais também está na lista de situações que ameaçam a boa evo lução do processo na etapa intermediária da psicoterapia Nos tratamentos de pacientes borderline a in tolerância à frustração aliada ao medo terrorí fico do abandono constituem fontes importan tes de perturbações do processo terapêutico na fase intermediária Ao mesmo tempo é preciso lembrar que essas questões são a matériapri ma dos tratamentos psicodinâmicos desse tipo de patologia A solução para esses problemas de pende da capacidade do terapeuta de iden tificar e interpretar adequadamente as mo tivações subjacentes inconscientes ou não que estão interferindo na relação transfe rencial e na aliança terapêutica e ameaçan do o bom desenvolvimento da psicoterapia A sobrevivência da função analítica dentro da mente do terapeuta como chama Win nicott9 é o que determinará a boa evolução desses momentos tão difíceis Situações da realidade externa com frequência provocam perturbações que o terapeuta precisa identificar junto a seu paciente para que este possa enfrentálas Langs2 referese principalmente ao papel desempenhado por cônjuges e pais Muitas vezes a folie à deux vivida entre o paciente e seu familiar pode sofrer a amea ça de não mais existir O familiar de modo incons ciente depende para sua economia psí quica daquele específico papel doentio de sempenhado por seu cônjuge ou filhoa À medida que o paciente melhora o familiar pode sentirse ameaçado e tentar sabotar o tratamento Há ocasiões nas quais esses ataques ao terapeuta e à terapia são cons cientes e ferozes Cabe a este auxiliar o pa ciente a entender as dinâmicas familiares e assim poder escolher de forma consciente se quer ou não tomar parte nesses relacio namentos tão confusos Quando tudo cor re bem o paciente consegue livrarse de seu papel e o convívio familiar passa a ser muito mais prazeroso para todos os envol vidos Outras situações que cabe ainda citar e que também podem constituir amea ças ao tratamento dizem respeito a morte ou doença de algum familiar separações ma trimoniais desemprego tanto de um fami liar importante quanto do próprio paciente e do terapeuta Cada uma dessas situações pode ser usada pelas resistências e ser mo tivo de interrupção Ao mesmo tempo quando bem analisadas e elaboradas criam possibilidades de vínculos ainda mais pro dutivos do paciente com seu terapeuta O exame individual de cada uma dessas vi cissitudes da vida cotidiana é fundamental para que se possa de fato evoluir no trata mento e atingir ganhos psicoterápicos cada vez mais gratificantes tanto para pacientes como para terapeutas Psicoterapia de orientação analítica 261 FASE FINAL Definição é o período que se estende da primeira menção séria de término do tratamento até o mi nuto final da última sessão combinada para que o tratamento de fato termine Objetivos poder ajudar o paciente a examinar suas condições reais para um término assim como trabalhar com ele as questões relativas ao luto pelo fim do relacionamento com o terapeu ta identificar os ganhos conquistados e as situ ações que ainda podem merecer alguma atenção psicoterápica no futuro Intervenção é um período em que se mesclam trocas transferenciaiscontratransferenciais com diálogos referentes às questões da realidade ex terna ante o fato de brevemente não existir mais o vínculo pacienteterapeuta nos moldes em que até então aconteceu Interpretações transferen ciais relativas à perda e ao luto pelo término são muito úteis para auxiliar o paciente a se despedir de seu terapeuta Há com frequência uma ne cessidade de rever etapas e examinar ganhos al cançados ao longo de todo o processo bem como de analisar objetivos que não puderam ser atin gidos no todo ou em parte É uma etapa de ba lanços e de elaboração da separação Riscos os riscos mais significativos referem se a términos fora dos timings adequados seja prematuros seja postergados consequentes às atuações tanto do paciente como do terapeuta Outro risco deveras importante é a possibilidade de ocorrer um impasse Antes de examinarmos com mais de talhes os temas referentes à etapa final de um tratamento psicoterápico cabem algu mas palavras sobre a terminologia comu mente utilizada término alta interrupção Ferenczi10 em 1928 defendeu a ideia de que um tratamento pode e deve chegar a um término e que isso acontece de forma espontânea por esgotamento sem que terapeuta ou paciente ponham um fim ar tificial a ele Já Freud11 em 1937 em seu famoso trabalho Análise terminável e inter minável preocupavase com as questões referentes às possibilidades de cura e por tanto de alta de um tratamento Se não há cura possível então não se deve falar em alta mas em término Há um e só um tipo de término de acordo com Etchegoyen8 o que é decorrente de uma decisão mútua de paciente e terapeuta Sugere Etchegoyen que quando a decisão é unilateral ou resul tante de fatores externos alheios à vontade de ambos devese falar em interrupção Estabelecida a terminologia proposta podese examinar a etapa final com mais detalhes Quando começa então essa fase Segundo Gilda De Simone no livro inti tulado Ending analysis de 199712 a etapa final inicia quando o paciente refere seu desejo de conduzir o tratamento a um tér mino e o terapeuta sente tal desejo como algo que não deve ser interpretado e sim respondido Tratase de uma situação dife rente de outros tantos momentos em que o paciente referiu seu desejo de concluir o tratamento e o terapeuta sentiu que deve ria interpretar esse desejo quem sabe como resistência em vez de entendêlo como al go possível e adequado A próxima questão que se impõe é quando e quem estabelece a data para o últi mo encontro Como tantas outras questões relativas a esse tema há também controvér sias sobre quem deve ter a responsabilidade da data do término Sendo o término uma situação de comum acordo entre paciente e terapeuta propõese que a data da última sessão seja acordada entre ambos Partindo da ideia de que o paciente foi quem decidiu quando procurar o terapeuta também po deria ser dele a iniciativa a respeito da últi ma data da sessão final Seguindo o mesmo raciocínio proposto quando o paciente so licita um horário para a primeira entrevista essa data é combinada tanto com sua con tribuição quanto com a do terapeuta Da 262 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mesma forma a data da última sessão pode e deve ser estabelecida com aportes de opi niões de ambos os membros desse processo De Simone12 junto com um número signi ficativo de profissionais sugere que salvo em circunstâncias muito especiais a data estabelecida não deve ser alterada nem an tecipada nem postergada A última sessão deve acontecer conforme estabelecido pre viamente por paciente e terapeuta Essa data não deve ser escolhida logo que se inicia a etapa de término Pelo contrário o assun to precisa voltar à discussão inúmeras vezes antes que os dois parceiros estejam aptos para firmar uma data Em geral os pacien tes ao longo das sessões de forma lenta e gradual expõem suas preocupações quanto à data de término e assim vai ficando cada vez mais claro se esse é de fato o momento apropriado e como e quando será o desfe cho do tratamento É bastante comum que pacientes tendam a apresentar os sintomas do início do tratamento como uma forma de regredirem no tempo e assim evitarem o momento da separação Pela mesma razão alguns deles se sentem impacientes demais para aguardar o dia da despedida e pressio nam o terapeuta para que antecipe a data da alta dessa forma evitam sentir e vivenciar a dor das ansiedades depressivas diante da se paração Por essas razões é importante que se avalie bem antes de fazer qualquer altera ção na data preestabelecida como a última sessão Freud11 em Análise terminável e in terminável escreveu que uma análise che ga ao seu fim quando o paciente não vem mais Etchegoyen8 salienta a esse respeito que Freud está correto quanto ao ponto de vista descritivo se terapeuta e paciente não se encontram mais então o tratamento acabou Todavia do ponto de vista dinâ mico é bem diferente O tratamento pode e deve se estender muito além da data do último encontro pois apesar de não haver um encontro formal muitas questões se guem em processo de elaboração na men te do paciente Etchegoyen salienta ainda com algum sarcasmo que a terapia não pode acabar antes do último dia de sessão Apesar de parecer óbvia essa colocação é muito pertinente e revela um dos riscos da etapa de término qual seja o de que tera peuta e paciente sigam se encontrando no setting terapêutico sem no entanto haver mais um processo psicoterápico em anda mento Dificuldades no enfrentamento das ansiedades depressivas consequentes ao luto pela separação constituem causa fre quente desse tipo de problema É importante que se examine algo a respeito da clínica dos processos psicoterá picos ante a etapa final Que indícios o te rapeuta pode ter para saber que a etapa de término se aproxima Etchegoyen define esses indícios de indicadores Quais então os indicadores de término O mais óbvio deles diz respeito aos sintomas que levaram o paciente a tratamento Apesar de não ser o melhor critério para um término podese afirmar que é um critério inevitável pois se o que trouxe aquela pessoa a tratamento ainda não se modificou não cabe ir adiante na busca de outros critérios mais adequa dos Para se pensar em término é necessá rio que tenha havido alguma mudança nos sintomas que determinaram o tratamento ou que podem ter surgido ao longo deste Não se propõe que tais sintomas tenham desaparecido de todo Sabese que em situ ações angustiantes decorrentes das vicissitu des da própria vida esses sintomas podem reaparecer mas apesar de ser desejável a supressão destes uma modificação no grau de sofrimento que causam ao paciente já se constitui em indicador de melhora A in tensidade e a frequência dos sintomas assim como a atitude que alguém adota frente a eles será então o que nos guiará nesse pon to diz Etchegoyen8 a esse respeito Psicoterapia de orientação analítica 263 Além da alteração sintomática Etche goyen nomeia outros indicadores que po dem ser identificados no paciente em combinações e graus distintos Vida sexual que o paciente possa usu fruir no fim de seu tratamento de uma vida sexual mais regular e satisfatória e menos conflitante Relações familiares ao fim do tratamen to deve ter havido alguma modificação em suas relações familiares permitindo trocas afetivas mais harmônicas com cônjuges filhos eou pais Relações sociais como consequência de um tratamento bemsucedido é possível que o paciente tenha processado algumas modificações em seu círculo social dei xando de lado certas amizades que antes eram imprescindíveis e aproximandose de pessoas anteriormente consideradas muito diferentes do paciente Isso é particularmente verdadeiro com adoles centes drogaditos casos em que a recu peração só é possível se o círculo de ami gos da droga é abandonado A melhora do paciente provoca distanciamento de outros drogados e aproximação com jovens antes considerados nerds ou caretas Relações profissionais é também um bom indicador de alta o fato de o pa ciente conseguir mudar suas relações de trabalho obtendo mais gratificação de seu dia a dia profissional sem tanta rivalidade ou sem temer tanto as com petições inerentes àquela atividade Quantidade de angústia e culpa a dimi nuição da angústia e da culpa a níveis manejáveis e não tão desconfortáveis para o paciente é um indicador impor tante Contato com a realidade suportar a realidade seja ela de que natureza for constitui importante indício de término Tais indicadores são tanto mais signi ficativos quanto menos propagandeados pelo paciente quanto mais o terapeuta pu der deduzir dos relatos essas modificações mais verdadeiras e fidedignas como indi cadores serão Por trás desses indicadores clínicos há teorias que sustentam sua importância A psicoterapia de orientação psicanalítica como o próprio nome indica tem suas ra ízes na psicanálise e nas teorias analíticas Portanto muitos dos embasamentos teó ricos que os psicoterapeutas utilizam para estabelecer critérios de término são deri vados das diferentes teorias psicanalíticas a respeito de término de psicanálise Diver sos autores conforme suas teorias susten tam distintos objetivos para os tratamentos dinâmicos assim também os critérios para o término serão estabelecidos de manei ras diferentes obedecendo aos objetivos previamente estipulados Para Freud13 a teoria de base que determina a ocorrência ou não de um término enfatiza o tornar consciente o inconsciente Outra máxima defendida por ele era Onde estava o id ali estará o ego14 Há autores como Win nicott15 por exemplo que propõem que o término em si é um dos objetivos do trata mento para que o paciente possa reexperi mentar uma separação e ter a oportunida de de equacionar as angústias relacionadas de maneira diferente do que fez na sua in fância Melanie Klein16 compara a separa ção do terapeuta com um novo desmame e propõe que as ansiedades paranoides e depressivas sejam trabalhadas antes que se pondere sobre uma separação Tanto isso é verdade que Meltzer17 chama de desma me a última etapa do processo psicanalí tico Já Hartman18 elege como critério de término a expansão da área livre de confli to no ego Lacan citado por Etchegoyen8 defende a ideia de abandono da ordem do imaginário e acesso à ordem do simbólico 264 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs como condição básica para que o processo terapêutico chegue a um término O que se pode concluir a respeito de todas essas questões teóricas e práticas so bre os indicadores é que seja qual for a es cola seguida pelo terapeuta o fundamental é que seu paciente esteja mais capacitado a lidar com a realidade a despeito daquele conflito eou sintoma que o levou a trata mento É sabido que nas práticas dos con sultórios há um acordo bastante amplo o que não deixa de ser surpreendente em relação à avaliação dos progressos do pa ciente8 Isso significa que apesar de com preensões teóricas distintas muitos dos indicadores clínicos de término são com partilhados entre os seguidores das diferen tes escolas Se utilizada a perspectiva laca niana diremos que abandonar a ordem do imaginário pela ordem do simbólico signi fica estar mais de acordo com a realidade e menos propenso a fantasiar ou imaginar realizações Se usarmos uma nomenclatura kleiniana afirmaremos que o paciente es tá mais inserido na posição depressiva do que na esquizoparanoide o que quer dizer que aceita mais suas limitações e as de seus objetos Se preferirmos utilizar um lingua jar freudiano diremos que o paciente está mais ciente de seus conflitos do que antes do tratamento quando a conflitiva era mais inconsciente Da mesma forma para os terapeutas vinculados à psicologia do ego o término estaria condicionado a uma ampliação da área livre de conflito o que na prática significa um contato maior do paciente com a sua realidade e a do outro Até agora referimonos principal mente aos términos de terapias que foram conduzidas com sucesso Há no entanto um número importante de tratamentos que não evoluem para um término bemsucedi do Nesse grupo incluemse os abandonos por causas diversas que são designados co mo interrupções e os impasses em outro grupo estão as psicoterapias que evoluem para tratamentos analíticos propriamente ditos Aguiar19 chega a afirmar textualmen te Podemos dizer que as psicoterapias em geral terminam numa espécie de impasse o caráter Apesar de empregada a palavra impasse propõese atualmente o uso ex clusivo desse termo para uma situação clí nica particular quando o processo analítico estanca devido a um conluio inconsciente entre terapeuta e paciente não há avan ço nem progresso da situação terapêutica nada de modificação significativa acontece durante longo tempo embora as sessões si gam acontecendo do ponto de vista formal É uma situação perigosa e traiçoeira justa mente por haver a participação inconsciente dos dois membros do processo As reações terapêuticas negativas tam bém são causa frequente de interrupção Segundo a escola kleiniana estes são pa cientes que melhoram mas que não su portam dar crédito algum ao tratamento pela melhora conquistada e preferem in terromper a prosseguir e tratar sua depen dência e sua inveja das boas capacidades do terapeuta Abordagens mais distantes dos kleinianos como a proposta por Winni cott defendem a ideia de que o impasse só acontece se o terapeuta não alcançar uma comunicação e uma compreensão eficaz com aquele dado paciente Por fim é im portante que sejam mencionadas ainda aquelas interrupções que podem acontecer devido a causas da realidade externa como dificuldades financeiras mudança de cida de entre outras Nesses casos é essencial que o terapeuta se disponibilize a proces sar uma interrupção o menos traumática possível Há situações em que a frequência das sessões é alterada enquanto vai se pro cessando o desmame possível Em outros casos as dificuldades financeiras são oca sionadas de forma inconsciente pelo pró prio paciente como forma de se livrar do Psicoterapia de orientação analítica 265 encargo emocional que a terapia lhe impõe sem que precise se defrontar com as culpas que tal decisão provocaria Nesse exem plo cabe ao terapeuta interpretar o ataque agressivo inconsciente que o paciente fez à possibilidade de se tratar e se possível res gatar o tratamento Para finalizar é importante salientar que essas descrições e sugestões devem ser usadas como referências mas nunca como normas rígidas Cada terapeuta no calor da sessão com seu paciente precisa ter essas referências bem estabelecidas e ao mesmo tempo deve poder colocálas de lado para vivenciar de maneira mais genuína e espon tânea as inúmeras vicissitudes do processo psicoterápico com aquele paciente em parti cular naquele determinado momento Quanto mais autêntico e genuíno for o diálogo pacienteterapeuta dentro das restrições que o setting impõe tanto mais o paciente vai sen tir como verdadeiro todo o processo e suas con quistas Assim como esses indicadores preci sam ser compreendidos utilizados como referências e não como regras absolutas as fases das psicoterapias também são cons truções não absolutas Não existe fronteira rígida entre essas fases justamente porque elas são evolutivas fazem parte de um pro cesso que vai se desenvolvendo gradual mente Dessa forma as etapas também se sucedem e se transformam aos poucos PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de orientação analítica a exemplo da psicanálise pode ser estudada de acordo com suas três fases início etapa intermediária do processo e término 2 Nas estruturas neuróticas as questões relativas à dicotomia confiançadesconfiança podem ser o enfo que principal da etapa de abertura cujos objetivos podem ser assim descritos a desenvolver a aliança terapêutica e criar uma atmosfera terapêutica adequada para o exame dos conflitos emocionais do paciente b definir os problemas emocionais explorando junto ao paciente os motivos que o trazem à terapia enquanto se tenta acessar as estratégias defensivas utilizadas por ele c buscar esclarecer as origens do sofrimento do paciente identificando seus principais conflitos intrapsíquicos suas relações de objeto primitivas e seus traumas 3 A resolução de conflitos pode caracterizar a etapa intermediária particularmente no caso da terapia de um paciente com estrutura neurótica Com o paciente mais regressivo o borderline o objetivo principal seria a construção de um self coeso com capacidades simbólicas mais eficazes e espaço mental para pensar as angústias inerentes à vida 4 O luto pela separação representa a etapa final ou o término 5 As ansiedades paranoides são o alvo do início da psicoterapia analítica assim como as ansiedades depressivas o enfoque da etapa final 6 Quando o paciente não apresenta a estrutura neurótica e sim se trata de um casolimite também denominado paciente fronteiriço ou borderline é preciso acrescentar que as ansiedades de aniquila mento do self podem irromper em qualquer fase da psicoterapia pois são pacientes mais primitivos sem a estrutura defensiva do neurótico e que se desorganizam com facilidade 7 Não existe fronteira rígida entre essas fases justamente porque elas são evolutivas fazem parte de um processo que vai se desenvolvendo gradualmente Dessa forma as etapas também se sucedem e se transformam aos poucos 266 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Klein M Uma contribuição à psicogênese dos estados maníacodepressivos In Klein M Contribuições à psicanálise 2 ed São Paulo Mestre Jou 1981 p 35589 2 Langs R The technique of psychoanalytic psychotherapy New York J Aronson 1974 v 2 3 Dewald PA Psicoterapia uma abordagem dinâmica 2 ed Porto Alegre Artes Médi cas 1984 4 Freud S Sobre o início do tratamento No vas recomendações sobre a técnica da psica nálise In Freud S Edição standard brasilei ra das obras psicológicas completas de Sig mund Freud Rio de Janeiro Im ago c1969 v 12 p 16492 5 Bion WR Two papers the grid and caesura Rio de Janeiro Imago 1977 6 Favalli PH O campo psicanalítico consi derações sobre a evolução do conceito Re vista LatinoAmericana de Psicanálise 1999312346 7 Chuster A W R Bion novas leituras dos moldes científicos aos princípios éticoesté ticos Rio de Janeiro Companhia de Freud 1999 v 1 8 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 p 369 374 9 Winnicott DW The use of an object and re lating through identifications In Winnicott DW Psychoanalytic explorations Cam bridge Harvard University 1989 10 Ferenczi S O problema do fim da análise In Ferenczi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 Obras completas v 4 11 Freud S Análise terminável e interminável In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago c1969 v 23 p 24790 12 De Simone G Ending analysis theory and thechnique London Karnac 1997 13 Freud S Conferência XXVII transferência In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago c1969 v 16 p 50321 14 Freud S Conferência XXXI a dissecção da personalidade psíquica In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janei ro Imago c1969 v 22 p 75102 15 Winnicott DW The aims of psychoanalyti cal treatment In Winnicott DW The matu rational processes and the facilitating envi ronment studies in the theory of emotional development London Karnac 1990 16 Klein M On the criteria for the termina tion of a psychoanalysis Int J Psychoanal 1950317880 17 Meltzer D O processo psicanalítico da crian ça ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 18 Hartmann H Technical implication of ego psychology Psychoanal Q 195120130 43 19 Aguiar RW Indicadores da terminação em psicoterapia de orientação analítica In Ei zirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psico terapia de orientação analítica teoria e prá tica Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 394400 LEITURA SUGERIDA Bion WR Turbulência emocional e sobre uma citação de Freud Rev Bras Psicanál 198721121 Na sua singeleza poética Mário o cartei ro do filme O carteiro e o poeta1 ao ouvir uma poesia recitada por Neruda comen ta é engraçado sentime como um bar co sendo sacudido pelas palavras da poe sia Curioso sentime até um pouco nauseado Neruda dizlhe que ele acabou de fazer uma poesia pois expressou sua emoção por meio de uma metáfora Má rio surpreen dese e diz com sua pureza ingênua que não não vale pois foi sem querer Além de ter feito uma poesia o personagem define algo que me pareceu importante destacar para a finalidade deste capítulo ele descobriu o poder da palavra para não só expressar os estados emocio nais que vivenciamos como também para nos provocar intensas emoções e até sen sações somáticas Ele evi dencia o enlace entre o simbólico e o somático Aliás em todo o filme a palavra é enaltecida como aquilo que é capaz de arrebatar modificar e transformar o sujeito A relação de Má rio o carteiro e Neruda o poeta pode ser entendida entre vários outros enfoques possíveis como uma relação de nature za psicoterápica Mário aplastado em um ambiente que não sente como motivador vislumbra em Neruda a possibilidade de transformar sua vida conquistar mulhe res ter uma identidade curiosamente pela aquisição do dom da palavra ele quer ser poeta também Aprende a dar nome às su as emoções a compreender e a nomear os sentimentos dos outros bem como dos ob jetos do mundo e transformase2 Este capítulo tratará justamente disso como por meio da palavra do insight que dela resul ta será possível ao paciente atingir melhoras sintomáticas e mudanças psíquicas Baranger e Baranger3 auxiliam no es clarecimento da importância da palavra no trabalho psicoterápico A palavra que veicula a interpretação diz Ba ranger tem de fato um papel e funções es senciais ela conecta emoções e partes do self até então clivadas e discrimina paciente e te rapeuta interno e externo passado e presente A palavra ordena as diversas confusões presen tes na mente do paciente e na dupla terapêu tica mediante a discriminação do que esteve fusionado e da conexão do que esteve clivado Em recente trabalho publicado na Revue Française de Psychanalyse4 foi estu dada a função materna e a paterna da inter 15 INSIGHT E ELABORAÇÃO Ruggero Levy 268 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pretação tema que será desenvolvido mais adiante Os tópicos de que trataremos neste capítulo o insight e a elaboração são da maior importância na psicanálise e nas psi coterapias de orientação psicanalítica Tais psicoterapias estão justamente dirigidas ao insight mas veremos o quanto apenas este não é suficiente para atingiremse os objeti vos visados no tratamento Será necessário um processo de elaboração que conduza às modificações desejadas O insight é obtido por meio da inter pretação realizada pelo psicanalista ou pelo psicoterapeuta de orientação psicanalítica Tentaremos compreender de que modo a pala vra é capaz de atingir camadas profundas do psiquismo e provocar em seu âmago mudan ças estáveis nos estados afetivos e em sua ex teriorização por meio da conduta Sabemos que existem outras formas de obteremse modificações sintomáticas no paciente que não pelo insight tal como a sugestão Nos tratamentos psicanalíticos e nas psicoterapias de orientação psicana lítica embora possam ocorrer intervenções de cunho sugestivo elas são ferramentas mais utilizadas em outros tipos de psicote rapias Como já trataram Duarte5 e Lewko wicz6 de modo geral entendese o insight e a elaboração como dois processos inte grados O insight é uma compreensão pro funda a respeito da vida psíquica podendo ser mais intelectual ou mais carregado de emoção Ele ocorre em um dado momen to da psicoterapia ou da análise e inicia em um longo processo de elaboração que con siste na superação de diversas formas de re sistências e culmina nas almejadas mu danças psíquicas Ao longo deste capítulo teremos oportunidade de detalhar esses conceitos Veremos o quanto no desenvolvi mento da teoria psicanalítica dependendo do modelo teórico em questão de como o funcionamento mental é entendido va riam os objetivos da interpretação o con texto em que ela ocorre e os tipos de mu dança esperados ASPECTOS HISTÓRICOS No início a técnica concebida por Freud era basicamente sugestiva7 A própria hipnose consistia em uma forma de suges tão Ocorria nessa técnica que o analista ocupava o lugar do superego do paciente sugerindo o que ele deveria ou não deve ria fazer Depois percebeuse que isso não alterava em nada o conflito inconsciente pois este em seguida voltava a produzir novos sintomas Breuer em 1880 renunciou ao méto do sugestivo para tratamento das neuroses e passou a aplicar o método hipnótico de uma forma diferenciada Passou a utilizá lo não para promover condutas sãs em sua histórica paciente Ana O mas para fazêla falar sobre seus pensamentos e suas experiências Este foi um passo decisivo na história das psicoterapias pois a hipnose não foi empregada para remover sintomas mas para acessar memórias inconscientes8 Freud em seus Estudos sobre a histe ria9 avançou ainda mais situandose em uma etapa intermediária pois abandonou a hipnose e passou a usar um método que pressionava o paciente a falar sobre seus pensamentos Esse método anterior à psi Psicoterapia de orientação analítica 269 canálise propriamente dita foi chamado de método de coerção associativa8 O criador da psicanálise compreen dia na épo ca que a função do sintoma neurótico era du pla de um lado defender a personalidade do paciente contra uma tendência inconsciente de pensamentos que lhe resultavam inaceitáveis e de outro ao mesmo tempo gratificava dita tendência O objetivo do insight era levar o pa ciente a ter consciência dela fazer consciente o inconsciente acreditandose que assim cessa ria a razão de ser do sintoma Ele deveria desaparecer automatica mente Surgiram no entanto dificuldades o paciente passava a colocar obstáculos ao bom andamento do tratamento surgia a resistência e mesmo depois de conscien tizado o pensamento inconsciente subja cente ao sintoma ele persistia inamovível no dizer de Strachey7 Como sempre ocor re na psicanálise particularmente ao longo do trabalho investigativo de Freud esses obstáculos deram lugar a avanços teóricos Freud descobriu que era possível ter cons ciência de uma tendência inconsciente em dois sentidos poderia ter consciência dela mediante a interpretação do analista sem ter realmente consciência dela Criou uma metáfora visual para tentar explicar o fenômeno deveríamos imaginar a mente como um mapa em que em uma deter minada região estava a tendência incons ciente como pulsão ou como uma moção pulsional e em outra região a informação provida pelo terapeuta O verdadeiro insi ght ocorreria apenas quando se poderia co nectar essas duas impressões a tendência pulsional e a informação Posteriormente essa compreensão deu origem aos concei tos de insight descritivo e ostensivo que logo adiante abordaremos Entretanto Freud logo percebeu que o paciente se opõe a recordar pois há uma resistência a entrar em contato com memó rias dolorosas Descobre haver um jogo de forças intrapsíquicas em que se confron tam o desejo de lembrar e o de esquecer simultaneamente Propõe então a técnica da livre associação em que o paciente deve ria falar livremente e a partir do momento no qual esbarrava em alguma resistência esta deveria ser compreendida e ativamen te superada Freud entendeu que antes de o paciente po der ter um insight acerca de seus desejos repri midos teria de compreender a resistência que estava colocando ao progresso do tratamento e uma vez feito isso o inconsciente reprimido brotaria com facilidade Deuse conta também de que algo uma força interna ao paciente impedia que se realizasse essa conexão Seria algo como a descoberta de uma outra forma de ação da resistência Desse modo a fim de obter o verdadeiro insight seria preciso interpretar tornar consciente também a resistência Foi a partir disso que surgiu outro grande avanço na teoria da técnica o objetivo do analista não era tanto tornar conscientes as tendências pulsionais censuradas mas libertar o paciente de suas resistências a elas Removendo as resistências elas aflorariam naturalmente e sem maiores sobressaltos Nesse aspecto Reich10 deu sua grande con tribuição à teoria da técnica psicanalítica Preconizava e isso é válido até hoje na teoria da técnica mais contemporânea que não é possível visarse a um insight de 270 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs conteúdo p ex um desejo infantil qual quer enquanto não for compreendida uma resistência ativa no momento como por exemplo uma transferência negativa que se expressa na forma como o paciente fala ou se conduz no setting A importância desse histórico para o nosso tema consiste em compreendermos que para que o insight seja obtido necessitase percor rer um caminho que pressupõe a superação de resistências Primeiramente as resistências à aqui sição do insight em seguida aquelas à efetividade dele por fim as resistências à elaboração ou seja ao abandono das gra tificações e dos padrões aos quais o sujeito está neuroticamente apegado CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DO INSIGHT O termo insight provém do inglês e foi cunhado pelos analistas da Europa e da América Foi criado no entanto para ex pressar ideias que pertencem integral mente a Freud8 Consi derando que a psicanálise e a psicoterapia de orientação psicanalítica visam a aumentar o conhe cimento que o sujeito tem de si mesmo o insight seria o momento da tomada de consciência de algo significativo a respeito da vida psíquica no tratamento Em inglês a palavra significa visão in terna em função da conjunção do prefixo in dentro e o acréscimo de sight vista Tratase então da visão da compreensão que o sujeito tem a respeito de seu mundo interno de sua vida psíquica De acordo com Etchegoyen8 é um tipo especial de conhecimento novo e in transferível em que o sujeito capta uma relação entre dois elementos que até aquele momento não havia percebido Essa nova relação entre determinada atitude e um novo sentido que lhe é atribuído muda o significado de sua experiência Um pacien te por exemplo bate o carro Diz que vi nha dirigindo seu carro novo chovia e ele pensava que era um bom dia para bater o carro Faz então uma manobra arrisca da não olha o retrovisor da direita e colide Assume logo a culpa e responsabilizase pelos danos materiais Na sessão relata o acidente e imediatamente após o relato conta que no fim de semana cometeu uma transgressão com a namorada e ficou de primido de encontrar a mãe que vive no interior sem condições mínimas de vida Entendemos que o acidente ocorreu em função de seu sentimento de culpa e que foi uma forma de punição Esse evento que poderia ser percebido simplesmente como obra do acaso passa a ter um novo signi ficado O insight serve para apreender um significado a que não se podia ter acesso até aquele momento A relação mais clássica existente é entre o insight intelectual e o emocional sendo que alguns consideram verdadeiro apenas o segundo Porém na medida em que se trata de uma aquisição de conheci mento e de estabelecer novas relações entre dois termos há um componente intelec tual intrínseco ao insight Considerase que a emoção deva estar presente ou vinculada a esse ganho de conhecimento Segundo Etchegoyen8 a emoção pode estar presente de duas formas na primeira o insight se re fere a uma emoção seu conteúdo é a emo ção e o significado novo que será a ela atri buído A segunda forma é que um determi Psicoterapia de orientação analítica 271 nado insight libere determinadas emoções imperceptíveis até aquele momento Existe no entanto outra classificação já mencionada por Duarte5 mas que mere ce ser relembrada Haveria o insight descritivo obtido pela descri ção verbal restringindose ao domínio do ver bal e o ostensivo que inclui no momento do insight uma vivência emocional que coloca a pessoa em contato direto com determinada experiência psicológica sendo por isso cha mado de ostensivo São situações em que ostensivamen te aparece no consultório ao vivo uma vivência emocional e é possível apontar é disso que estávamos falando Na verdade esses dois tipos de insights não se excluem mas se complementam pois a vivência emocional experimentada em determina do momento como consequência de um conhecimento obtido no tratamento é im portante do mesmo modo que é necessário que ela própria seja outra vez traduzida em palavras para ser ampliado o conhecimen to a respeito dela8 Baranger e Baranger11 descrevem o insight como um fenômeno do campo bi pessoal Sempre inevitavelmente ele é obra de duas pessoas em qualquer dos modelos teóricos que se tome como referência Cla ro que naqueles que privilegiam a identifi cação projetiva tal aspecto será mais bem entendido e enfatizado O autor destaca o caráter de descobrimento do insight acom panhado do sentimento de surpresa Essa vivência é de descobrimento de afeto não erotizado e sem a negação de tensões agres sivas que podem ter ocorrido É a sensação de trabalho cumprido e de que valeu a pena ser empreendido Descreve como a gratifi cação autêntica que o analista pode aufe rir de seu trabalho além de outras menos fundamentais É a possibilidade de acesso ampliado a distintas regiões do psiquismo Não uma invasão ou confusão mas uma união discriminada Talvez o maior clássico da história da psicanálise sobre insight e mudança psí quica seja o trabalho de James Strachey de 1934 O que mais impressiona em seu genial artigo é que ele foi escrito em plena efervescência das criações clássicas da psi canálise e consegue obter mesmo assim a lucidez por vezes alcançada apenas com o distanciamento histórico Strachey dividiu em duas fases a interpretação mutativa ou seja aquela com a propriedade de produzir um insight capaz de efetuar mudanças profundas no psiquismo Ressalta que as duas fases costumam ser sucessivas mas que para efeitos de compreensão podem ser divididas Na primeira fase descreveu vários passos Ocorreria antes de tudo a toma da de consciência de que está havendo uma tensão no ego depois a consciência de que está em ação um processo repressivo e que o sentimento de ansiedade provém do de samparo do ego diante das ameaças seve ras do superego e terceiro finalmente a tomada de consciência do impulso do id que vinha sendo reprimido O insight vis to dessa forma dirigese a vários pontos do aparelho mental a vários setores da estru tura da personalidade preparando o sujei to para conscientizarse e absorver algum impulso do id Esses processos poderiam ocorrer de forma sucessiva ou em uma su cessão irregular Ou seja em determinado 272 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs momento o paciente poderia compreen der a crueldade de seu superego em outro o quanto se sente angustiado pelas censuras que se faz e posteriormente as tentativas que faz para reparar o que acredita ter da nificado com sua hostilidade7 É interessante notar que ao descrever a pri meira fase da interpretação Strachey utilizou um referencial classicamente freudiano men cionou apenas tornar consciente uma pulsão inconsciente a partir da compreensão da di nâmica entre as três instâncias o id o ego e o superego Na segunda fase da interpreta ção considerada mutativa por Strachey é dig no de nota enfatizar que integra um ponto de vista kleiniano sendo que fazer isso em 1933 é real mente notável conhecendose as rivali dades da época Diz ele que estimulado pelo processo de transferência o paciente dirigiu sua pul são reprimida ao analista ou ao terapeu ta porque projetou nele seu objeto inter no arcaico O terapeuta então ao manter a atitude analítica de apenas compreender e não atuar juntamente com o paciente aquela pulsão ajudao a discriminar entre o objeto arcaico projetado e o objeto real o terapeuta Ao tomar consciência dessa distinção o paciente poderá entender me lhor a natureza de seu objeto interno de seus sentimentos e desejos em relação a ele e desenvolver seu sentido de realidade por diferenciar o que é real do que é seu mun do interno O insight nesse sentido passa do plano puramente intrapsíquico com preender suas pulsões as repressões do ego e as censuras do superego para um plano relacional e bipessoal Nesse trabalho7 destacase que pa ra ocorrer a segunda fase da interpretação mutativa a discriminação entre o objeto primitivo projetado sobre o terapeuta e sua atitude real é essencial à manutenção da neutralidade Se o analista ou o terapeuta comportaremse realmente como um bom objeto que gratifica ou como um mau ob jeto que frustra ou ataca essa discrimina ção não será possível pois o terapeuta terá se comportado com um objeto interno do paciente Então o procedimento técnico de apoiar o paciente embora possa ser muito útil em algumas psicoterapias dirigidas a essa finalidade nas psicoterapias psicana líticas pode constituir um problema pois nesses casos o terapeuta estará atuando como um objeto do mundo interno do pa ciente gratificandoo ou frustrandoo di retamente Strachey12 salientou que essa segunda fase da interpretação chamada por ele de mutativa seria mais possível de ser atingida por meio das interpretações transferenciais em especial nos tratamentos psicanalíticos em que a transferência é mais intensa Se gundo ele para a interpretação ser mais efetiva produzir um insight mais intenso é preciso que seja interpretado um desejo que esteja ativo naquele momento a fim de ser sentido como real presente Assim as in terpretações transferenciais potencialmen te poderiam produzir insights mais inten sos As interpretações extratransferenciais mais utilizadas em psicoterapias correm maior risco de conduzirem apenas a insi ghts intelectuais levando à compreensão de que desejo temor ou fantasia esteve em atividade naquele outro momento naquele outro lugar em uma linguagem racional destituída de afeto podendo transformar se em uma atividade tipo dicionário em que isto quer dizer aquilo Uma deco dificação pura e simples sem presença do afeto Mais adiante abordaremos o porquê da importância da presença do afeto no in sight Para evitar essa situação talvez seja importante destacar que o terapeuta de Psicoterapia de orientação analítica 273 verá sempre buscar o ponto de urgência para efetuar a interpretação ou seja onde está o afeto e de que afeto se trata Mesmo que o afeto esteja ligado a uma experiência extratransferencial identificálo e tornálo objeto da interpretação permitirá que não se caia em um intercâmbio estéril com o paciente Tendo estudado alguns aspectos ge rais passaremos a ver no item seguinte co mo o insight e a sua dinâmica são entendidos nos vários modelos teóricos da psicanálise O INSIGHT NO MODELO FREUDIANO CLÁSSICO O insight segundo o modelo freudiano como já referido consiste basicamente em tornar consciente o inconsciente En tretanto essa assertiva é mais complexa do que aparenta Para Freud do ponto de vista dinâmico há diversos inconscientes há o inconsciente reprimido que são todas as pulsões e as fantasias correspondentes que sofreram esse destino há todas as funções do ego que mantêm a repressão e a resis tência ao tratamento e por fim o supere go e suas várias funções Nesse sentido o paciente poderá tomar conhecimento ter um insight a respeito de um desejo seu re primido de uma censura inconsciente que faz a si mesmo e lhe causa um sentimento de culpa ou de uma resistência que o domi na e cria obstáculos ao andamento do tra tamento Em Inibições sintomas e ansieda de Freud13 deixa claro seu ponto de vista É difícil para o ego dirigir sua aten ção para percepções e ideias que ele então estabeleceu como norma evi tar ou reconhecer como pertencendo a si próprio impulsos que são o opos to completo daqueles que ele conhece como seus próprios Nossa luta contra a resistência na análise baseiase nesse ponto de vista dos fatos Se a resistên cia for ela mesma inconsciente como tão amiúde acontece devido à sua li gação com o material reprimido nós a tornamos consciente Para entendermos melhor como acontecem do ponto de vista freudiano a conscientização do inconsciente o pró prio insight e as mudanças psíquicas será preciso aprofundar sua concepção de re pressão Para Freud quando uma pulsão é reprimida as representações pensamen tos imagens recordações ligadas a ela são repelidas ou mantidas no inconsciente mediante vários movimentos de catexias e anticatexias que aqui não nos interessa detalhar14 Entretanto o afeto ligado a essa pulsão alvo da repressão é liberado sob for ma de ansiedade livre Assim o afeto que estava ligado às representações reprimidas quando opera a repressão é desligado de sua representação original Simplificando então existem dois destinos para esse afeto permanece livre sob forma de ansiedade e o sujeito fica ansioso e não sabe por quê ou se liga a outra representação substitutiva Desde cedo Freud descobriu que o afeto é flutuante circulando entre uma re presentação e outra Essa é a energia livre A energia ligada é a que se uniu de uma maneira fixa a uma representação sendo as fobias o exemplo clássico o medo de Hans ligase à representação do cavalo O afeto é transposto deslocado de uma represen tação inconsciente para uma consciente logo temos uma simbolização15 As funções da simbolização em Freud são pois a substituição de uma re presentação por outra o pai pelo cavalo no caso do Pequeno Hans16 e também a ligação do afeto que ficou liberado pela repressão da representação à qual ele es tava ligado a uma outra representação a fim de evitar a angústia Utilizandonos do modelo freudiano poderíamos imaginar 274 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a seguinte situação um menino teme ser castrado pelo pai em função de seus dese jos incestuosos Todas essas representações são reprimidas o menino simplesmente fica ansioso sem ninguém saber o moti vo e depois passa a apresentar medos de cachorros por exemplo Houve uma sim bolização que permitiu uma nova organi zação psíquica na medida em que surgiu como tentativa de ligar dominar uma energia livre e indiferenciada gerada de pois da autonomia adquirida em relação a sua representação original que foi reprimi da O afeto surge sempre do desmanche de uma rede simbólica anterior Como ve remos esse ponto de vista está em perfeita harmonia com posicionamentos posterio res como o de Bion por exemplo segundo o qual a impossibilidade de representação simbólica das experiências emocionais im plica uma descarga bruta dos afetos seja como ansiedade segundo Freud seja como somatizações ou atuações para Bion17 A palavra que veicula a interpretação tem o po der de restabelecer a coerência perdida e criar uma nova ordem simbólica Haveria simboliza ção nesse modelo quando um afeto desligado de sua representação original pelo processo de repressão fosse ligado a uma nova representa ção Simbolizar seria ligar reter e evidente mente controlar o afeto puro para impedir que surja de forma não especificada não liga da isto é sob forma de angústia14 Tal simbolização segue tendo relevân cia teóricoclínica hoje por várias razões Primeiro por ser um modelo teórico que permanece verdadeiro e útil do ponto de vista clínico Muitas vezes operamos den tro desse modelo mesmo que utilizemos outros Segundo porque hoje nos depara mos com muita frequência com pacientes com dificuldades na simbolização que se apresentam com marcantes quadros de an siedade livre chegando às vezes a configu rar ataques de pânico Ligar essa ansiedade livre a alguma representação dar um nome ou um sentido a essa ansiedade promovem um benefício econômico considerável Sa bemos que na metapsicologia freudiana o ponto de vista econômico é fundamental Por economia psíquica entendemos toda variação de energias que ocorre no psiquis mo Quando um afeto é desligado de sua representação em função da repressão há um aumento de energia livre ocasionan do ansiedade Ligar esse afeto a uma re presentação provoca alívio pois a energia ligada significa uma redução nos níveis de ansiedade Mas retomando o foco deste capítu lo para que nos interessa tudo isso Interessanos pois no modelo freudiano ter um insight significará perceber a qual repre sentação estava ligado originalmente o afe to em foco No caso do menino imaginário ci tado anteriormente de forma simplificada se ria ele descobrir ah então eu tenho medo de cachorros em vez de temer meu pai por desejos proibidos que tive O insight seria desman char o deslocamento do afeto à nova represen tação substitutiva e remetêla a sua represen tação original Seria um insight pelo restabelecimen to da coerência perdida em função da re pressão O INSIGHT NO MODELO KLEINIANO No modelo kleiniano as defesas levadas em consideração de modo predominante são a dissociação provocando clivagens e a Psicoterapia de orientação analítica 275 identificação projetiva causando perdas de conteúdos mentais ou partes do self dife rentemente do modelo freudiano em que a repressão é a defesa por excelência Isso fará o entendimento do funcionamento mental e da psicopatologia e por extensão os objetivos das interpretações serem dife rentes A seguir apresentase uma breve re visão de alguns conceitos básicos de Mela nie Klein Ela acreditava que confrontado com as primeiras ansiedades decorrentes da ação da pulsão de morte o bebê disso cia essa parte do self vinculada à pulsão de morte e projeta o temor ao aniquilamento para dentro de um objeto sentindoo como perseguidor A posição esquizoparanoide será entendida a partir desses processos de clivagem e projeção que produzem uma visão parcial de si e dos objetos criando na fantasia da criança a vivência de estar cercada de objetos parciais bons e maus A predominância dos processos projetivos levará a uma visão distorcida dos objetos e da realidade uma vez que estes serão vistos à luz daquilo que foi projetado De modo gradual na medida em que predominam as boas experiências vai se fortalecendo o objeto bom tornandose o núcleo do ego diminuindo as ansiedades persecutórias a ação dos processos projetivos e permitin do que pouco a pouco o sujeito sinta a si e aos seus objetos como mais integrados conduzindo às experiências da posição de pressiva Klein1820 descreve na posição de pressiva uma ampliação dos interesses da criança um fortalecimento e um desenvol vimento do ego uma organização libidinal maior e como consequência uma amplia ção do âmbito das fantasias uma maior elaboração e diferenciação destas bem como uma modificação em sua natureza Os processos de síntese nas relações obje tais ganham a primazia e a ambivalência passa a existir Criase a noção de objeto total e o temor de perdêlo pelos ataques sádicos anteriores Os processos de síntese e integração do ego permitem uma maior apreensão tanto da realidade psíquica quanto da realidade exterior A noção de objeto total e a culpa pelo dano possível ao objeto amado fazem as tendências re paratórias se fortalecerem Criase uma urgência superlativa de fazer a reparação e de preservar ou reanimar o objeto amado e danificado19 Como as tendências repa radoras provêm do instinto de vida trazem consigo fan tasias e desejos libidinais A ten dência reparadora passará a fazer parte das sublimações e será o grande meio pelo qual a depressão será elaborada e mantida sob controle O desenvolvimento adequado da posição depressiva depende de como se rea lizou o desenvolvimento anterior ou seja se estabeleceu uma incorporação adequada do bom objeto como núcleo in tegrador do ego e portanto os processos de divisão do ego não foram excessivos Na posição depressiva por meio da reparação do objeto amado e atacado este se reinsta la no mundo interno recuperado e restau rado Evidentemente aqui há a referência a uma reconstrução mental do objeto na fantasia supondo já um grau considerável de simbolização21 Então Melanie Klein entende o fun cionamento mental a partir de seus concei tos de posição esquizoparanoide e posição depressiva e das relações de objeto que o sujeito internaliza em seu desenvolvimen to primitivo Nesse sentido compreen derá a ação terapêutica vinculada a esses conceitos confrontado com ansiedades o indivíduo poderá recorrer a mecanis mos esquizoparanoides cindindo seu self e projetando partes dele em algum objeto A ênfase atribuída às relações objetais fará a transferência ser considerada um instru mento privilegiado para produzir mudan 276 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ças O paciente projetará partes de si no terapeuta que terá a missão de acolhêlas compreendêlas e interpretálas O insight será diri gido à compreensão dessas cisões e projeções de partes do self e visará à recu peração do que foi projetado e à integração do self A reinternalização daquilo que foi projetado e a superação das cisões a partir do insight permi tirão uma maior integração do self e uma visão mais acurada da realidade Estes são justamente fenômenos da posição depressiva Eles permitirão a aqui sição de uma visão mais realística e com pleta de si do objeto e da realidade Assim aquilo que Klein compreende como sen do próprio do desenvolvimento infantil a passagem da posição esquizoparanoide para a depressiva é o que ocorre em um tra tamento de orientação psicanalítica A pas sagem de posição esquizoparanoide PE para posição depressiva PD implicará múltiplas alterações no funcionamento mental e na visão de si e do mundo Acar retará diminuição dos processos projetivos e aumento dos processos introjetivos di minuição das cisões e reforço na integra ção do self e dos objetos uma visão mais clara de si dos objetos e do mundo maior responsabilidade por seus desejos e pelo cuidado com os objetos amados Tal é o crescimento mental almejado no modelo kleiniano A mudança psíquica desejada obtida por meio de sucessivos insights será o indivíduo poder responsabilizarse por suas pulsões por seus desejos e pela conquista do respeito e da consi deração pelo outro A grande oposição a esse crescimento nesse modelo é a inveja primária22 A responsabilização por suas pulsões e a consideração pelo objeto conduzem à vivência da culpa pelos ataques ao objeto amado e ao desejo de reparálo Afirma Pe tot23 A ansiedade depressiva só é verdadei ramente completa quando os senti mentos de culpa são plenamente ex perimentados e as condutas reparado ras simbólicas são bemsucedidas Corroborando o que estamos estudando Ba ranger11 comenta que o insight seria a supe ração de uma clivagem uma integração de algo dissociado e nesse sentido um fenô meno da posição depressiva Além da asso ciação de algo que esteve dissociado o insi ght envolve uma reintegração do que esteve projetado pois ao emergir do estado de fu são com o paciente promovido pelas identifi cações projetivas deste por meio da interpre tação o terapeuta devolve ao paciente de modo já transformado modificado o que ha via sido projetado por ele No campo analítico ou psicoterápi co em um primeiro momento temos a fusão de paciente e terapeuta pela troca de identificações projetivas fazendo com que fique misturado o que é do pacien te e o que é do terapeuta Ao interpretar há a passagem de um estado de simbiose a outro em que analista e paciente se indi vidualizam novamente e se reposicionam em seus lugares No momento do insight ambos compartilham a mesma vivência de descobrimento e a sensação de trabalho cumprido11 Esse é um dos motivos pelos quais se atribui à interpretação uma fun ção paterna4 Tal como o pai no desenvol vimento infantil a interpretação desfaz Psicoterapia de orientação analítica 277 a fusão pacienteanalista ocorrida em um primeiro tempo Bollas24 defende a ideia de que os três personagens do Édipo a crian ça a mãe e o pai estão sempre presentes na situação analítica e psicoterápica A crian ça no devaneio no sonho no brincar na sessão A mãe ao acolher essa vivência e na capacidade de estar junto e sonhar com a criança E o pai no estabelecimento dos limites e da discriminação Claro que essas funções poderão transitar entre a dupla te rapêutica a cada momento da experiência O INSIGHT NO MODELO BIONIANO E NAS TEORIAS DO CAMPO Veremos a seguir como as contribuições de au tores como Bion Baranger Ferro e Ogden ele vam a importância da relação terapêutica ao seu apogeu entendendo que é por meio dela e da experiência emocional compartida no cam po terapêutico pela dupla pacienteterapeu ta que ocorrerá a possibilidade de crescimen to mental Nesses referenciais o crescimento mental é entendido como a ampliação da ca pacidade de simbolizar representar as expe riências emocionais transformando as expe riências emocionais sensoriais e pulsionais brutas que pressionam à ação em elemen tos simbólicos pensamentos capazes de serem sonhados e pensados e metabolizados na es fera psíquica Bion em Dreamworka25 apresenta uma série de funções mentais que afirma já serem bem conhecidas da psicanálise Des creve o que posteriormente chamará de função a 1 é contínua dia e noite 2 opera sobre estímulos recebidos de dentro e de fora da mente e sobre a contraparte ideativa dos fatos externos Tal função transforma as impressões sensoriais brutas de modo que possam ser armazenadas e relembradas A impressão sensorial é transformada em ideograma ou ideogramatizada Por exemplo se a experiência é de dor o psiquismo poderá receber uma imagem de uma face com lá grimas ou de um cotovelo arranhado Posteriormente ordenando e am pliando suas ideias Bion26 criou o seguinte modelo a função a opera sobre as impres sões sensoriais e sobre as emoções chama das por ele de elementos b transformando as em elementos a Os elementos a são as imagens vi suais os modelos auditivos olfati vos adequados para serem emprega dos nos pensamentos oníricos o pen sar inconsciente de vigília os sonhos a barreira de contato a memória E acrescenta Os elementos a se asse melham e na realidade podem ser idênticos às imagens visuais a que estamos familiari zados nos sonhos Tratase de formas mentais capazes de serem pensadas ou armazenadas enquanto os elementos b equiparamse às coisas em si pertencendo ao campo dos fenômenos e não das ideias ou seja não passíveis de serem pensados Os elementos a perten cem ao domínio do pensar e os elementos b ao domínio do sentir A função a é ne cessária para o pensar consciente e para que determinado pensamento seja armazenado no inconsciente Se só existem elementos b que não podem ser inconscientes não po de haver repressão Aquela permite então a formação da barreira inconscientecons ciente barreira de contato Assim na vigí 278 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lia o sujeito pode ficar adormecido para percepções e experiências emocionais por ela armazenadas no inconsciente A função a possibilita o sonhar por formar elemen tos a que originarão os pensamentos oníri cos Garante ainda o desenvolvimento do sentido de realidade tão importante para a mente quanto a comida a bebida o ar e a eliminação de fezes e urina o são para o cor po no modelo teórico bioniano A barreira de contato como veremos resulta da ade rência entre os elementos a21 Segundo Bion17 para se aprender com a experiência é preciso que a função a opere sobre a experiência emocional seja na vida diurna seja na noturna transfor madoa em conhecimentos e memórias ca pazes de serem armazenados Os elementos a podem ser pensados porque podem in tegrarse estabelecer ligações entre si Ca per27 em artigo interessante sobre a fun ção a comenta que no sentido bioniano a qualidade de ter significado está ligada à possibilidade de estabelecer conexões Ou seja uma ideia é significativa se pode ser conectada a outra ideia A tela de elementos b que não podem articularse entre si prestase mais à ex pulsão e visa a provocar reações no analista O uso das palavras é mais uma ação para liberar o psiquismo de um acréscimo de estímulos do que uma linguagem propriamente dita Um dos grandes diferenciais de Bion em rela ção a Klein é que além de criar um modelo teó rico a propósito do que se passaria intrapsiqui camente ele concebe a relação mãebebê de tal modo que o que se passa dentro da mente do lactante se torna inseparável do vínculo esta belecido com a mãe e do que se passa na men te dela21 No início da vida o bebê confronta do com as frustrações inevitáveis necessita livrarse dos elementos b e por identifi cação projetiva colocaos para dentro da mãe Bion1726 dá um novo passo teó rico considera que a mãe tem um papel modulador essencial manejando a per sonalidade do bebê para que este possa desenvolver sua mente Ou seja não de pende apenas das características constitu cionais do bebê quantidade de pulsão de mortevida e tolerância à frustração mas também da capacidade mental da mãe de metabolizar e transformar as projeções iniciais do bebê Considerando que a fun ção a não opera desde o início da vida o bebê depende da função a da mãe e de sua capacidade de rêverie para alfabetizar28 suas experiências emocionais A rêverie da mãe é entendida por Bion26 como o órgão receptor da colheita de sensações do be bê que foram projetadas para dentro dela É isso que satisfaz a necessidade de amor e compreensão do lactante Se a mãe que alimenta não tem capacidade de rêverie ou se a rêverie ocorre sem amor ao bebê ou ao seu pai esse fato será comunicado ao bebê mesmo que lhe seja incompreen sível A rêverie é fator da função a da mãe26 Bion1726 acrescenta assim uma nova forma de operar a identificação projetiva normal qual seja com finalidades comunicativas O bebê desperta na mãe sensações desagradáveis das quais deseja livrarse a mãe as acolhe e reage terapeuticamen te26 modificando o projetado de modo que o bebê sente depois de reintrojetar o que foi projetado que está recebendo de volta sua personalidade de forma tolerá vel Essa seria uma relação continente contido que levaria ao desenvolvimento do Psicoterapia de orientação analítica 279 aparelho de pensar Se ao contrário a mãe reagindo com ansiedade e incompreen são não acolhe as projeções ou acolhe mas não atenua e as devolve incrementa das por sua própria ansiedade o bebê sente que está em relação com um objeto mau espoliador invejoso e é invadido por um terror sem nome Esse estado emocional conduz por sua vez a um novo incremen to da identificação projetiva contribuindo não para o desenvolvimento do aparelho de pensar mas para um aparelho que serve mais para a evacuação Tal modelo teórico que coloca o vínculo no cen tro do crescimento mental irá conferir à relação terapêutica um novo status será a partir das experiências emocionais da dupla terapêuti ca da capacidade de rêverie do terapeuta que ocorrerá o crescimento mental É certo que a aplicabilidade desse modelo será mais intensa e mais viável no âmbito de um tratamento psicanalítico do que na psicoterapia em que a intensida de a densidade da experiência emocional é menor e o psicoterapeuta na maioria das vezes não tem formação analítica En tretanto no tópico destinado à discussão do insight na psicoterapia de orientação psicanalítica esse aspecto será debatido percebendose que mesmo no setting psi coterápico em alguma medida isso será possível Assim assistimos à passagem de um modelo unipessoal clássico a um mode lo basicamente bipessoal embora Freud Recomendações já mencionasse a comu nicação de inconsciente para inconscien te Entretanto suas teorizações sobre a passagem de elementos do inconsciente para a consciência em seu modelo era uni pessoal No modelo clássico o insight era compreendido em sua operação na mente do paciente a partir da interpretação do analista era superada uma resistência e tornavase consciente um elemento repri mido provocando a sensação de alívio da tensão proveniente da repressão daquele material No modelo bipessoal possível a partir das contribuições de Melanie Klein e posteriormente de Bion e Winnicott o insight será compreendido também a partir do intercâmbio de identificações projetivas entre a dupla no campo de trabalho e da posição do terapeuta em relação ao mundo interno do paciente Criamse as condições para entender o fenômeno psicoterápico como um campo de trabalho em que os in tercâmbios projetivos da dupla conduzem e esclarecem o clima afetivo que se cria e o mundo interno do paciente Em La situación analítica como campo dinámico Baranger3 introduz o conceito de Winnicott de espaço transicional para pre cisar de que maneira e desde que posição o terapeuta participa do processo de insight Refere que o paciente reconhece no analista uma posição privilegiada como seu objeto transicional situado entre seu mundo in terno e a realidade No tratamento então o analista ou o terapeuta se torna uma te la de dupla projeção pertence ao mesmo tempo ao mundo interno do paciente por suas identificações projetivas e à realida de Desse modo encontramse na pessoa do terapeuta esses dois mundos e ele de fora do paciente descreve tal encontro de modo menos angustiante ao paciente Ou seja a partir do encontro entre o mundo interno do paciente e a realidade na mente do terapeuta é que este pode descrevêlo ao paciente Na verdade e Baranger tem nítida esta noção é o campo terapêutico que se torna um espaço 280 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs transicional ao mesmo tempo é mundo inter no e realidade passado e presente apresenta uma ambiguidade essencial3 que a mente do analista com suas ferramentas é capaz de apreen der Posteriormente Ogden29 descreveu bem esse terceiro intersubjetivo uma expe riência emocional compartida que se cria entre paciente e terapeuta e que se torna o objeto da compreensão do terapeuta da in terpretação e do insight Antes de finalizar este tópico é impor tante retomar as contribuições de Thomas Ogden29 De forma sintética em sua visão o sujeito psicanalítico criase a partir de di versas tensões dialéticas Sua compreensão depende da possibilidade de articularem se óticas de diferentes sistemas teóricos o sujeito freudiano constituise na síntese da tensão dialética entre o inconsciente e o consciente o sujeito kleiniano constitui se na resultante da tensão dialética entre a posição esquizoparanoide e depressiva desintegraçãointegração e entre a osci lação introjeçãoidentificação projetiva e o sujeito winnicottiano entre o existir e o não existir o eu e o tu o sujeito e o objeto O que me agrada em Ogden é que ele apreende toda a complexidade e riqueza da psicanálise atual Coloca em destaque a visão sincrônica pressuposta na teoria kleiniana bioniana e winnicottiana ou seja de que persistem na mente simulta neamente o infantil e o adulto o psicóti co e o neurótico o processo primário e o secundário a integração e a desintegração em uma oscilação permanente e em um conflito constante O sujeito organizase em torno dos dois eixos o sincrônico e o diacrônico A importância dessa visão para o tema do insight é que o aquieagora da sessão analítica passa a ser entendido sob uma visão muito mais plástica e dinâmica O encontro analítico será o encontro de duas subjetividades que geram uma tercei ra intersubjetiva no espaço potencial entre o paciente e o analista ou seja é a terceira área da experiência que se encontra entre o eu e o não eu en tre realidade e fantasia É no espa ço criado entre esses polos que os sím bolos são criados e a atividade imagi nativa se dá29 E é isso que seria o objeto do insight O primeiro momento do encontro analítico é marcado pelas identificações projetivas cruzadas pela confusão eunão eu e pelo predomínio de PE As experiências são vividas concretamente e muitas vezes a única forma de lidar com elas é por meio do acting out A interpretação e o insight consequente passa a ser enten dida como uma transformação simbólica a partir da capacidade de rêverie do analista principal mente mas do paciente também da ex periência emocional intersubjetiva criada e vivida no espaço entre ambos A possi bilidade de compreendêla e representála simbolicamente e portanto pensála per mite a recuperação das individualidades e a discriminação eunão eu2930 O insight promove crescimento mental pois enriquece a mente do paciente acrescentando significado e novas simbolizações sendo estru turante enquanto provoca uma reação catastró fica forçando um reordenamento de todo o co nhecimento anterior Claro que uma vez adquirido o insi ght será preciso ver o que o paciente fará com ele se será acolhido em uma relação continentecontido comensal propician Psicoterapia de orientação analítica 281 do o nascimento de mais uma nova ideia e assim infinitamente ou se será invejosa ou destrutivamente despojado de sentido atacado levando a um esvaziamento Mas isso pertence a outro estudo o do ataque à capacidade de pensar que aqui não será possível abordar Nesse sentido é que foi desenvolvida a ideia de que o processo interpretativo na verdade é uma conjugação de funções materna e paterna4 sendo necessária uma cena primária entre paciente e analista ou terapeuta A relação continente femini no n contido masculino que expande a mente descrita por Bion26 implica isso Ou seja para nascer um novo pensamen to é necessário que haja a união criativa de dois masculino e feminino para gerar um terceiro o novo pensamento O novo pensamento enunciado por uma interpre tação transformase imediatamente em contido mas culino que deverá ser assi milado pelo continente mental do pacien te feminino gerando um novo pensa mento no paciente e assim sucessivamen te Claro que aqui se abre um universo de possibilidades de compreensão quanto à técnica interpre tativa Terá o paciente mente continente para conter determi nada interpretação contido formulada pelo analista Terá sido a interpretação demasiada para a capacidade continente do paciente naquele momento Bianchedi22 tem um ponto de vis ta estritamente bioniano quando defende que qualquer intervenção que não diga respeito à experiência emocional da du pla terapêutica como por exemplo uma interpretação explicativa sobre o que o paciente relatou é para ela psicanálise aplicada Aumentará o conhecimento teó rico do paciente podendo até ajudálo a tomar decisões em sua vida mas não lhe proporcionará elementos para seu cresci mento mental propriamente dito Stricto sensu está certo o crescimento mental do ponto de vista bioniano ocorre quando há transformações progressivas conduzindo a graus crescentes de abstração b g a ou experiências emocionais g representação simbólica Porém es pecialmente em psi coterapias insights intelectuais que condu zam ao incremento das funções sintéticas do ego a uma maior integração egoica e até ao reforço de algumas defesas podem ser muito importantes E diferentemente de Bianchedi acredito que é possível que interpretações extratransferenciais provo quem insights que propiciem ao paciente contato com experiências emocionais que deem origem a um crescimento mental co mo o mencionado Uma das maiores contribuições da abordagem bioniana é que as intervenções e os insights não pretendem ser verda des definitivas de tipo dogmático ou dou trinário Bion alertava contra as interpreta ções repetitivas de tipo propagandístico com a finalidade de doutrinar e convencer o paciente Para essa escola podese avaliar a qualidade de uma interpretação pela sua capacidade indagatória Ou seja um insi ght não deverá ser fechado em si mesmo mas capaz de despertar o desejo de conhe cer mais de ir em busca de outro insight Ferro28 denominará essas interpretações de insaturadas em contraposição com as satu radas As últimas fechamse em si mesmas as primeiras estão abertas para ampliarem se a exemplo de um cone que se abre em direção ao infinito Ao encerrar este tópico asseverase que embora academicamente seja impor tante conceituar e entender como ocorre o insight em cada um dos modelos teóricos da psicanálise na prática clínica podemos nos servir de vários deles dependendo de nossa formação do paciente que estamos 282 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tratando e do modelo inspiracional que nos ocorre a cada momento Com isso reforço a ideia de Ferro31 de que mesmo que em nossa mente prevaleça um dos modelos em nossa clínica transitaremos por todos eles A ELABORAÇÃO Se consultarmos o Vocabulário de psicaná lise de Laplanche e Pontalis32 veremos que em português consagrouse o uso do ter mo elaboração para descrever na verda de dois fenômenos abordados por Freud Do ponto de vista freudiano elaboração é em determinado sentido Auserbeitung working in em inglês todo trabalho psí quico realizado espontaneamente pelo aparelho psíquico com o fim de dominar as excitações que chegam até ele e cuja acumulação corre o risco de ser patogênica O trabalho psíquico resultante da atividade analítica com a finalidade de integrar um novo insight e superar as resistências que ele suscita que em português também denominamos de elaboração foi chama do por Freud de Durcharbeiten e em inglês foi traduzido como working through Ainda que na versão portuguesa do dicionário de Laplanche e Pontalis haja a sugestão de usarse o termo perlaboração para a segunda acepção neste capítulo usaremos o termo elaboração working through pois é o que se consagrou em nosso meio Freud costumava considerar que a elaboração seja ela realizada de forma es pontânea seja como resultado da análise era de fato um trabalho psíquico tanto que se referia por exemplo ao trabalho do sonho e ao trabalho do luto O traba lho consiste em transformar e transmitir as energias recebidas pelo aparelho psíquico Nessa perspectiva uma pulsão pressionan do o aparelho psíquico é definida como uma quantidade de trabalho exigida do psi quismo A forma de dominar a energia pa ra Freud era ligandoa a representações como referido anteriormente Atendonos à teoria freudiana a elaboração se ria uma forma de transformar a quantidade fí sica a energia em qualidade psíquica Ou seja por meio da ligação de um afeto a uma representação é permitido que ele entre no psiquismo e possa associarse a outras representações adquirindo novos sentidos Assim a elaboração permitiria a transição entre o registro econômico e o registro simbólico A elaboração no tratamento seria a forma como as interpretações e os insights dela decorrentes são integrados Representa o processo de aceitar ele mentos reprimidos e libertarse da influên cia dos mecanismos repetitivos É curioso notar que o termo em alemão Durchar beiten inclui uma nuança linguística que quer dizer dar forma Veremos o quanto o dar forma especialmente formas visu ais que consiste no trabalho de figurabi lidade é essencial no processo de elabo ração A elaboração no tratamento é o pro cesso capaz de cessar a insistência repetitiva própria das formações inconscientes rela cionandoas com o conjunto da persona lidade do paciente A insistência repetitiva das formações inconscientes seria devida à adesividade do id descrita por Freud em 1926 à qual retornaremos a seguir Freud33 julgava imprescindível o processo de elaboração a ponto de afirmar em 1914 Esta elaboração das resistências pode na prática revelarse uma tarefa árdua para o sujeito da análise e uma prova de paciência para o analista Todavia tratase da parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão Freud considerava existir vários tipos de resistência ao tratamento e à evolução do paciente as resistências do ego as do id e as do superego As resistências do ego são as mais conhecidas São aquelas oriundas da repressão e que se opõem à conscientização do que foi reprimido sendo trabalhadas por meio da interpretação desde o início do tratamento e ao longo de todo ele Precisam ser superadas para que possa ocorrer o insight As resistências que tornam o processo de elaboração mais necessário e que são mais difíceis de serem superadas são as do id e as do superego Freud13 referiu haver uma adesividade das pulsões do id às formas de gratificação obtidas ao longo da vida impedindo que sejam abandonadas com facilidade Serão necessários inúmeros insights para que determinada fantasia inconsciente oriunda de uma dessas formas de gratificação pulsional seja elaborada integralmente Enquanto isso o sujeito adere fortemente a tais formas de gratificação e de funcionamento mental já conhecidas As resistências do superego são também difíceis de serem superadas e têm uma função psíquica diferente O sofrimento psíquico causado pela doença e pelo sintoma neurótico é necessário para que o superego rígido cumpra sua função de punir o paciente pelos crimes cometidos em fantasia contra seus objetos primários É como se o paciente sentisse que após tudo o que fez ou fantasiau fazer não merecesse melhorar ser mais feliz e viver sem sofrimento Seria um apego ao sofrimento por necessidades superegoicas Então muitas vezes veremos o paciente melhorar sentir prazer e felicidade em abandonar um comportamento neurótico e adotar outro diferente darse conta disso e depois de um tempo retornar a ele com toda a culpa e sofrimento que isso acarreta denotando necessitar desse sofrimento como exigência do superego O trabalho de elaboração consistirá em acompanhar o paciente nesses progressos e nas regressões eventuais subsequentes proporcionandolhe insight e compreensão desses movimentos psíquicos e de suas funções Quinodoz34 a partir da análise de um transexual comentou que fantasias inconscientes não elaboradas clamam por uma realização concreta por meio da ação A solução é criar um espaço mental em que elas possam ser contidas pensadas e transformadas 284 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Fantasias inconscientes não transfor madas oriundas de pulsões reprimidas são sentidas como elementos concretos que re querem uma gratificação da ação E como elementos b não servem para pensar ape nas para serem expulsos por meio da ação A ampliação do espaço mental mediante transformações simbólicas das pulsões que clamam por satisfações concretas permi te um trabalho psíquico de elaboração de tricotagem35 junto ao restante da trama de representações e sua absorção no psi quismo A elaboração é permitir que essas fantasias inconscientes se integrem à trama de representações inconscientes e adquiram novo significado Isso fica bem ilustrado na seguinte passagem de Freud em Recordar repetir e elaborar33 Ele o analista está preparado para uma luta perpétua com o paciente para manter na esfera psíquica todos os impulsos que este último gostaria de dirigir para a esfera motora e co memora como um triunfo para o tra tamento o fato de que algo que o pa ciente deseja descarregar em ação seja utilizado por meio do trabalho de re cordar Mais contemporaneamente em especial a par tir das contribuições de Bion compreendeuse que o processo de transformação simbólica de elementos mentais brutos em outros mais abs tratos ocorre a partir de um processo de figu rabilidade descrito com muita originalidade no artigo de Elias M da Rocha Barros36 Este con ceitua a elaboração como compreendendo as operações mentais consequentes à interpreta ção do psicanalista do insight obtido levando o aparelho psíquico a transformar significados e dessa forma afetos e memórias de forma que permitem ao paciente libertarse das gar ras dos mecanismos de repetição Seu trabalho é uma microscopia do processo de elaboração A função elaboradora dos sonhos e me parece de todas as transformações em µ consiste em um processo de progres são em qualidades formais das representa ções como resultado das interpretações na análise ou na psicoterapia Essa progressão é verificável nos sonhos na forma do que Barros37 denominou de pictogramas afe tivos Tratase de representações analó gicas por meio de imagens segundo Kris teva citado por Barros36 que não são nem a experiência pura nem abstrações puras mas algo entre elas Metaforicamente seria o modo como a vida emocional é meta bo lizada Essa metabolização ocorre por uma migração do significado por vários níveis do processo mental Barros apro ximase de Meltzer quando defende que as emoções são sementes de significado A atração entre essas sementes é exercida por similaridade de significados e funções emocionais Quando o analista ou o psicoterapeu ta mediante a interpretação e o insight re sultante confere um significado específico a cenários da vida emocional ele rearticula significados de vários níveis simbólicos e então abre novas possibilidades para que o paciente experimente seus afetos Criamse novos significados que expandem a men te e as possibilidades de desenvolvimento emocional A psicanálise na atualidade temse preocupado em entender também a apreensão de formas não simbólicas ins critas em registros de outra natureza3840 Entretanto ultrapassaria os objetivos deste capítulo entrar nessa questão do que se riam as estruturas não simbólicas e sua ex pressão no campo analítico A elaboração propriamente dita se riam as experiências de insight emocional obtidas com as interpretações do terapeuta que adquirem uma representação conecta da às fantasias inconscientes Consideran do que o inconsciente opera por imagens Psicoterapia de orientação analítica 285 podese acompanhar o processo de elabo ração por meio das representações pictóri cas O pictograma é a forma de representa ção primitiva das experiências emocionais fruto da função a descrita por Bion Elias Mallet traça uma linha de evo lução em que são descritas as transforma ções que ocorrem ao longo do processo de elaboração tomando a produção onírica como base o sonho transcorre em uma atmosfera afetiva que lhe dá uma forma e evoca pictogramas afetivos iniciais estes são então afetados pela interpretação do analista pelo novo insight alcançado que cria um novo sistema simbólico capaz de capturar e transformar significados Es ses novos significados produzidos pela expe riência de insight e representados nos sonhos pelo processo de figurabilidade transformarão os arquivos de memória removendo repressões e promovendo uma melhor integração do self Penso que as sim chegamos a um detalhamento quase microscópico dos processos mentais en volvidos nas transformações próprias do processo de elaboração Ilustro a seguir uma sequência de sessões que acredito explicitar parte do processo de elaboração que estamos des crevendo Tratase de uma paciente Gilda com uma relação extremamente ambiva lente com sua mãe Desde a infância tinha a sensação de que esta não era confiável que era imprevisível e que ela a paciente tinha de cuidar dela pois se não a mãe morreria Sentia também que não podiam separarse pois se isso ocorresse uma das duas morreria Gilda teve muitas dificul dades em engravidar e assumir sua mater nidade primeiro fantasiava que uma mãe interna louca mataria seus bebês ainda no útero depois que ela própria identificada com a mãe deixaria o bebê morrer e final mente que uma vez nascido não conse guiria cuidar dele e que a criança seria rou bada ou morta Na sequência que descrevo estávamos analisando sua dificuldade em desmamar o bebê de 11 meses A paciente vinha descrevendo ao longo desse período sua sensação de que ao desmamálo iria perdêlo Em uma sessão que chamaremos de sessão 1 havia trazido um sonho em que ela e o marido tinham viajado e deixado o filho com sua mãe e ao chegarem para buscálo ele não estava Ela tenta telefonar para sua mãe que havia ficado responsável por ele e não consegue fazer contato Finalmente fica sabendo que o bebê está aos cuidados de sua avó já falecida Ela dizia Eu disse que a gente não podia viajar olha o que acon teceu Após esse sonho entendo e inter preto que o aleitamento nesse momento serve mais para prender o filho junto a ela do que para nutrilo e ajudálo a crescer e que sente o desmame como um afastamen to que redundará na morte de seu filho ele está com a avó morta Ela associa que ti nha esse sentimento com sua mãe que não podia afastarse dela pois a mãe morreria e por consequência ela paciente não so breviveria Na sessão 2 contame que iniciou o desmame foi relativamente bem mas se queixou de uma antiga babá que deveria ajudála mas que na hora h deixaa so zinha Interpreto essa queixa destacando que ela não gostaria que eu apenas a ana lisasse mas que pudesse estar junto a ela para que não se sentisse só ao se separar de seu filho Na sessão 3 relata Sonhei que eu ia na casa da minha tia buscar a minha mãe mas não era mesmo a casa dela Quando eu chega va lá via uma sangueira Era horrí vel Eu procurava de onde elas esta vam sangrando e via que elas estavam cortadas nas pernas Acho que eram cortes a tesoura Eu dizia que devía 286 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mos ir ao HPS que eu levaria elas Quando eu via eu também estava sangrando na mão A gente ia no meu carro era uma sangueira e quando eu chegava no HPS eu via que eu ti nha parado de sangrar e já tinha ci catrizado o meu ferimento Não sei por que fui sonhar com isso A única coisa que me ocorre é que ontem fa lei com uma amiga minha que o nenê dela da idade do meu se operou e ela me disse que ele ainda não podia se mexer muito pois tinha sido cortado Eu perguntei a ela como era o corte se era grande e ela me disse que não Ela retoma o assunto do sonho intri gada com o motivo de ter sonhado aquilo Digo que me ocorre que ela esteja sentin do como um corte inclusive promovido por mim e pelas interpretações que tenho realizado o desmame de seu filho e que novamente parece que sente as separações os cortes como situações de alto risco emergenciais É possível que sua mãe esteja incluída no sonho pois o sentimento que está tendo com seu bebê é parecido com o que sempre teve com a mãe no momento em que se separassem a mãe morreria e ela junto Sente a análise como um pronto socorro ao qual quer vir correndo quando sente a si e aos seus objetos tão ameaçados Nesse material podemos acompa nhar como os insights obtidos são elabora dos e ajudam a elaborar fantasias incons cientes atribuindolhes novos significados e assim criando novos sistemas de signifi cados que vão transformando e expandin do a mente do paciente Então a interpretação de padrões inconscien tes de atitudes liberta o paciente da compul são à repetição e o capacita a ser sujeito de sua história em vez de repetir padrões de compor tamentos primitivos automaticamente que no caso descrito seria prolongar de modo indefinido o aleitamento do filho e a relação simbiótica e ambivalente com ele como repetição do padrão infantil que tinha com a mãe Nisto consiste o efeito libertador da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica libertar o paciente de seus mecanismos repetitivos INSIGHT E ELABORAÇÃO NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA Antes de encerrar este capítulo não pode ríamos deixar de tecer alguns comentários específicos sobre a psicoterapia de orienta ção psicanalítica Mesmo tendo sido esclare cido ao longo do texto que o insight e a ela boração ocorrem nos dois processos de trata mento existem algumas especificidades No tratamento psicanalítico em função da na tureza do setting maior número de sessões uso do divã a intensidade da transferência é maior assim como o grau de regressão do paciente Isso garante que com frequência seja atingida uma maior densidade emocio nal de afetos vividos no campo analítico pela dupla A consequência será que mais expe riências afetivas serão conhecidas pela dupla e boa parte delas poderá conduzir a interpre tações e insights do que é vivido no próprio campo promovendo insights mais ostensi vos mais carregados de afeto e utilizando o referencial de Strachey7 correções entre mundo interno e realidade mais precisas Nas psicoterapias como a intensi dade da transferência costuma ser menor boa parte do material trabalhado dirá respeito a experiências afetivas extratransferenciais Ocorrerá o risco de haver mais insights ape nas intelectuais caso o terapeuta não con Psicoterapia de orientação analítica 287 siga captar e ligar a experiência afetiva ao conteúdo da interpretação Do mesmo mo do como os objetos reais referidos no ma terial do paciente estão ausentes do campo a correção fantasiarealidade tornase mais difícil Entretanto caso o terapeuta consiga entender os objetos referidos pelo paciente como personagens trazidos à sessão28 e per tencentes ao seu mundo interno será pos sível captar e interpretar o significado dos afetos que eles carregam e assim promover insights de alta intensidade afetiva Contudo é inegável que pela pró pria natureza do setting psicoterápico a quantidade a qualidade e a profundidade das transformações possíveis em princí pio serão menores do que no tratamento psicanalítico Dizse em princípio pois às vezes observamos psicoterapias em que ocorrem grandes transformações na mente do paciente e análises em que muito pouco ocorre Na verdade além da natureza do setting o grau das transformações ocorridas dependerá das condições do paciente do terapeuta e da sin tonia possível daquela dupla Todavia quero repetir embora sejam possíveis insights importantes em psicote rapias que acarretem mudanças psíquicas transformações profundas e alterações nos traços caraterológicos serão mais viáveis em tratamentos psicanalíticos A seguir relato uma pequena vinheta clínica a fim de ilustrar o quanto é possível na psicoterapia de orientação psicanalítica o paciente atingir um insight profundo de alta densidade emocional capaz de acar retar mudanças significativas em sua vida Tratase de um caso de supervisão que fiz questão de relatar pois a terapeuta não tem formação analítica Quero agradecer à Dra Fernanda Crestana por sua gentileza e pronta disponibilidade ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Alberto é um homem de 44 anos e está em atendimento psicoterápico há quase dois anos por apresentar crises de ansiedade de repetição quando fica com taquicardia rubor facial sudorese tonturas dispneia e por vezes sensação de morte Nos últimos anos antes de iniciar o atendimento psicoterápico as crises ocorriam de forma mais branda em situações sociais nas quais ele precisava se expor de alguma manei ra Tornaramse muito frequentes e mais intensas após o atentado de 11 de setembro em Nova York que da das Torres Gêmeas o que motivou a buscar atendimento psiquiátrico por orientação de seu cardiolo gista O paciente sentia que a vida não era segura e que qualquer coisa poderia acontecer sem que ele ti vesse controle Desenvolveu sintomas fóbicos e passou a ter uma conduta evitativa não ouvia rádio ou TV não lia jornais não atendia telefonemas e não saía de casa em horários nos quais pudesse encontrar pes soas ou situações que desencadeassem os sintomas Saía somente junto da mulher que funcionava como acompanhante contrafóbica Alberto apresenta fortes sentimentos de desvalia de inferioridade como consequência de ansiedades de castração Tem necessitado manter relações sexuais extramatrimoniais como forma de afirmação de sua potência sexual Além disso vinha utilizando seu filho ainda criança para depositar nele por identificação Continua 288 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação projetiva aspectos infantis seus e seus sentimentos de impotência e castração Um exemplo disso foi uma situação que será aludida na sessão transcrita em que expôs o menino a presenciar suas relações sexuais com a esposa Estavam em uma viagem Ele e a esposa foram ter relações sexuais deixaram a porta aber ta mas não só isso ao perceber que seu filho olhava a cena em vez de parar seguiu em uma atitude exi bicionista Esse mesmo tipo de postura tem sido assumido ante a terapeuta procurando às vezes de for ma pueril exibirse para ela medir forças jogar sério desafiandoa e procurando evitar uma atitude de dependência por achar que isso o colocaria em uma situação de inferioridade No momento atual do tratamento quando houve a sessão transcrita a seguir o paciente vinha funcio nando mais próximo da posição depressiva podendo expor seus sentimentos de desamparo e solidão sain do da atitude competitiva e exibicionista com a terapeuta mas despertandolhe sentimentos contratransfe renciais de impotência e de não estar sendo uma boa terapeuta Queixavase muito da tristeza que vinha sentindo em especial no último mês e de que isso o deixava fragilizado e ao mesmo tempo irritado com a terapeuta A sessão transcorreu na semana do Dia dos Pais época em que seu filho de 10 anos precisava escrever algo importante que tinha vivido com o pai O paciente entra senta e fica olhando sério para a terapeuta transmitindolhe a sensação de que vai chorar mas não o faz Diz que tem um branco Relata então que no dia anterior estava em casa com o filho e este tinha que fazer uma redação para a escola sobre a situação mais emocionante que já teria vivi do com o pai e de que se lembrasse Escreveu então sobre uma viagem que haviam feito a uma bela praia brasileira ocasião em que presenciou a relação sexual dos pais O paciente começa a lacrimejar Diz cho rando que ouvia de longe o menino ler a redação para a mãe e relatar uma ocorrência daquela viagem e que quando se lembra dela fica muito culpado Estavam passeando por umas rochas em que se formam piscinas naturais e ele estava na frente com um grupo de homens talvez procurando impressionálos e deixou o filho para trás O nível da água começou a subir e depois de um tempo lembrouse assustado de que o filho havia ficado para trás e que corria o risco de afogarse Voltou correndo e de fato a água quase já cobria o menino alcançando seus ombros Até hoje penso se eu não tivesse me lembrado dele Cho ra muito Que belo pai eu sou Ele contou bem direitinho Eu tento esquecer tento fazer que não aconte ceu A terapeuta perguntalhe por quê E ele responde Porque daí eu vejo que ele realmente existe e que se algo lhe acontecer eu vou me culpar muito Chora muito Esta semana começou a me dar uma sensação de perda muito grande e começou quando falamos sobre a importância que tem a terapia para mim e que um dia vai acabar Quando pensei em casa me deu uma melancolia enorme Comecei a pensar que posso perder meu filho meus pais O paciente segue chorando muito Mas também me deu um alívio depois pois vi que tenho ainda essas pessoas todas Relata então que outro dia sentiu saudades da esposa du rante o dia e telefonoulhe para irem tomar um café e que nunca havia a visto dessa maneira Nunca sen ti tanta necessidade das pessoas antes Isso faz eu me sentir meio bobão meio frouxo Não sei qual é a vantagem de me sentir assim e por que a história do meu filho mexeu tanto comigo A terapeuta então interpreta Quem sabe você também andava com água nos ombros e não se dava conta Você parecia não precisar de ninguém pelo menos queria acreditar nisso e a água subindo até os ombros você cheio de ansiedades e medos mas fingindo que não ia subir mais E por mais difícil que seja você resolveu su bir no barco da terapia para te salvar e não morrer afogado sozinho O paciente então desaba no choro Creio que a interpretação da tera peuta foi muito adequada pois sem dizer explicitamente toma a história do menino como uma metáfora do que se passava com Psicoterapia de orientação analítica 289 Alberto no tocante às suas ansiedades à re cusa de aceitar a dependência da terapeuta e ao uso que faz do filho para projetar nele seus sentimentos de desamparo e peque nez Menciona isso sem dizer que o filho é sua parte infantil O paciente percebe o uso que faz de seus objetos e o quanto os abandona e maltrata Em seguida na supervisão entende mos que essa situação traumática lembrada pelo menino provavelmente é uma lem brança encobridora da cena primária a que foi exposto durante aquela viagem Talvez o filho tenha quase se afogado de angús tia ao ver os pais copulando e ser mantido diante daquela cena É possível afirmar que Alberto po de ter um insight quanto ao uso narcisista que faz de seus objetos como os ataca e os abandona Pode penar por isso e procurou reparálos saiu com a esposa de modo amoroso Do ponto de vista freudiano li gar o afeto tristeza e culpa à representação a ideia de ter atacado os objetos amados e ter desprezado a terapeuta valorizada pro vocoulhe alívio Do ponto de vista kleinia no o alívio provém também da esperança de poder reparar os objetos e de reintegrar no ego o que estava projetado no filho E do ponto de vista bioniano poder conter e transformar em conhecimento aquele mar de emoções provoca a sensação de verdade e de crescimento mental Haveria muito a desenvolver a partir desse material clínico mas para os objetivos deste capítulo penso ser suficiente CONSIDERAÇÕES FINAIS Cassirer41 afirma que em vez de defi nir o homem como animal rationale de veríamos definilo como animal symbo licum Esse importantíssimo filósofo faz tal afirmação porque vivemos envolvidos em uma trama simbólica que se inicia com os pensamentos evolui para a linguagem e depois para as artes a ciência e o conhe cimento em geral O homem vive em um universo simbólico A linguagem o mito a arte a religião são partes desse univer so São os variados fios que tecem a rede simbólica o emaranhado da experiência humana O homem não pode mais con frontarse com a realidade imediata mente não pode vêla por assim di zer frente a frente mas apenas por meio da interposição dessa rede cria da por ele mesmo41 A psicanálise na medida em que se propõe a compreender e modificar a mente humana tem como matériaprima de sua ação algo que é o mais específico e inerente ao homem seu sis tema simbólico21 Nossa mente organizase em torno das re presentações simbólicas que fazemos de nos sas experiências sensoriais e emocionais e é por isso que nos tratamentos psicanalíticos e psicoterápicos ao atuarmos no e pelo siste ma simbólico dos pacientes podemos auxiliar a produzir mudanças e crescimentos mentais Esta foi a genialidade de Freud desco brir a existência do inconsciente procurar entender como se organiza e funciona pa ra então propor formas de agir sobre ele Espero ter deixado claro ao longo deste capítulo o que é o insight e a elabo ração como eles ocorrem em sua dimensão microscópica bem como o efeito trans formador da palavra a que aludimos no iní cio desse trabalho Em tempos de alta tec nologia de desumanização e de idealização de medidas objetivas entendermos e valori zarmos a palavra e a relação humana como ferramentas para acessar e modificar a sub jetividade humana é da maior relevância 290 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Radford M O carteiro e o poeta Itália Cec chi Gori Group Tiger Cinematográfica 1994 2 Levy R Psicoterapia psicanalítica na atuali dade avanços e vicissitudes Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 199618330610 3 Baranger W Baranger M La situación analí tica como campo dinâmico In Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoa nalítico Buenos Aires Kargieman 1969 4 Ithier B Levy R La fonction paternelle dans la scène primitive interprétative Revue Fran çaise de Psychanalyse 20137751571 76 5 Duarte A Elaboração considerações sobre o conceito In Eizirik CL Aguiar RW Sches tatsky SS Psicoterapia de orientação analí tica teoria e prática São Paulo Artes Médi cas 1989 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Como é possível por meio da palavra e do insight que dela resulta o paciente atingir melhoras sinto máticas e mudanças psíquicas 2 A palavra que veicula a interpretação tem papel e funções essenciais ela conecta emoções e partes do self até então clivadas e discrimina paciente e terapeuta interno e externo passado e presente 3 A palavra ordena as diversas confusões presentes na mente do paciente e na dupla terapêutica mediante discriminação do que esteve fusionado e da conexão do que esteve clivado 4 No modelo freudiano clássico o insight implica desmanchar o deslocamento do afeto à nova represen tação substitutiva e remetêla à sua representação original 5 No modelo kleiniano a reinternalização daquilo que foi projetado e a superação das cisões a partir do insight permitirão uma maior integração do self e uma visão mais acurada da realidade 6 A mudança psíquica desejada obtida com sucessivos insights será o indivíduo poder responsabilizar se por suas pulsões pelos seus desejos e pela conquista do respeito e da consideração pelo outro 7 Autores como Bion Baranger Ferro e Ogden elevam a importância da relação terapêutica ao seu apo geu entendendo que é por meio dela e da experiência emocional compartida no campo terapêutico pela dupla pacienteterapeuta que haverá a possibilidade de crescimento mental 8 No modelo bioniano o insight promove crescimento mental pois enriquece a mente do paciente acres centando significado e novas simbolizações e é estruturante ao provocar uma reação catastrófica for çando um reordenamento de todo o conhecimento anterior 9 Mesmo que em nossa mente prevaleça um dos modelos na clínica transitaremos por todos eles 10 A elaboração no tratamento seria a forma como as interpretações e os insights dela decorrentes são integrados 11 As resistências que tornam o processo de elaboração mais necessário e que são mais difíceis de serem superadas são as do id e do superego 12 A elaboração compreende as operações mentais consequentes à interpretação do psicanalista do insight obtido e levam o aparelho psíquico a transformar significados e dessa forma afetos e memó rias de modo que permitam ao paciente libertarse das garras dos mecanismos de repetição 13 A interpretação de padrões inconscientes de atitudes liberta o paciente da compulsão à repetição e o capacita a ser sujeito de sua história em vez de repetir padrões de comportamentos primitivos automa ticamente Psicoterapia de orientação analítica 291 6 Lewkowicz S Algumas considerações sobre o processo de elaboração na psicoterapia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psi coterapia de orientação analítica teoria e prática São Paulo Artes Médicas 1989 7 Strachey J Natureza de la acción terapêuti ca del psicoanálisis Revista de Psicoanálisis 19485495183 8 Etchegoyen RH Das vicissitudes do proces so In Etchegoyen RH Fundamentos da téc nica psicanalítica São Paulo Artes Médicas 1987 9 Freud S Estudos sobre histeria 18931895 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 19701988 v 2 10 Reich W Análise do caráter 4 ed São Paulo Martins Fontes 2001 11 Baranger W Baranger M El insight en la situación analítica In Baranger W Baran ger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargieman 1969 12 Strachey J The nature of the therapeutic ac tion of psychoanalysis Int J Psychoanal 19341512759 13 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 19701988 v 20 14 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise São Paulo Martins Fontes 1982 15 Laplanche J Problemáticas II castração simbolizações São Paulo Editora Martins Fontes São Paulo 1988 16 Freud S Análise de uma fobia em um me nino de cinco anos In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1980 v 10 p 13154 17 Bion WR Aprendiendo de la experiencia MéxicoEditorial Paidós México 1991 18 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizóides In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar Editores Rio de Janeiro 1978 19 Klein M Algumas conclusões teóricas so bre a vida emocional dos bebês In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar Edito res Rio de Janeiro1978 20 Klein M Sobre a observação do comporta mento dos bebês In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os progressos da psicaná lise Rio de Janeiro Zahar 1978 21 Levy R Do símbolo à simbolização uma re visão da evolução teoria e as repercussões sobre a técnica psicanalítica Porto Alegre SPPA 2000 22 Bianchedi ET Mudança psíquica o de vir de uma indagação Rev Bras Psicanál 199024336175 23 Petot JM Melanie Klein II o ego e o bom objeto 19321960 São Paulo Perspectiva 1992 24 Bollas C Les forces de la destinée Paris Cal manLévy 1996 25 Bion WR Dreamwork In Bion W Cogi tations London Karnac1994 26 Bion WR Uma teoria sobre o processo de pensar In Bion W Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 27 Caper R Sobre a função alfa In Simpósio Bion em São Paulo Ressonâncias 1996 nov 1415 São Paulo 28 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 29 Ogden T Os sujeitos da psicanálise São Pau lo Casa do Psicólogo 1996 30 Baranger M Baranger W La situación analí tica como campo dinámico Rev Uru Psicoa nál 19614Pt 1154 31 Ferro A Evitar as emoções viver as emoções Porto Alegre Artmed 2011 32 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário de psi canálise 2 ed São Paulo Martins Fontes 1992 33 Freud S Recordar repetir elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 19701988 v 12 34 Quinodoz D Termination of a female transsexual patients analysis an example of general validity Int J Psychoanal 200283Pt 478398 35 Alvarez A Companhia viva psicoterapia psicanalitica com crianças autistas borderli 292 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ne carentes e maltratadas Porto Alegre Ar tes Médicas 1994 36 Barros EMR An essay on dreaming psychi cal working out and working trough Int J Psychoanal 2002835108393 37 Barros EMR Affect and pictographic image the constitution of meaning in mental life Int J Psychoanal 200081Pt 6108799 38 Bion W Transformações do aprendizado ao crescimento Rio de Janeiro Imago 2004 39 Green A O trabalho do negativo Porto Ale gre Artmed 2010 40 Levy R From symbolizing to nonsymboli zing within the scope of a link from the dre ams to shouts of terror caused by an absent presence Int J Psychoanal 201293483762 41 Cassirer E Ensaio sobre o homem introdu ção a uma filosofia da cultura humana São Paulo Martins Fontes1997 LEITURAS SUGERIDAS Ferro A Gaburri E Gli sviluppi kleiniani e Bion In Semi AA organizador Trattato di psicanalisi Milano Rafaelo Cortina 1988 v 1 Isaacs S A natureza e a função da fantasia In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os pro gressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1978 Ungar V Transferência e modelo estético Comu nicação pessoal A transferência uma das mais importantes descobertas de Freud constitui um ingre diente central de qualquer forma de psi coterapia O emprego ou a interpretação adequada da transferência é um veículo importante e decisivo por meio do qual mudanças psíquicas permanentes podem ser feitas no curso da psicoterapia de orien tação psicanalítica Há no entanto menos concordância sobre como reconhecer a transferência como diferenciar formas di versas de transferência e como quando e por que interpretála Neste capítulo apresentamos uma es trutura segundo a qual o psicoterapeuta de orientação psicanalítica pode organizar sua experiência com o paciente à medida que o tratamento e a transferência se desenvol vem Também sugerimos algumas formas construtivas de trabalho com a transferên cia em benefício do paciente Um pressu posto básico dessa discussão é que estamos nos referindo àquela forma de psicotera pia geralmente denominada de orientação psicanalítica e que leva em consideração a existência e a importância da transferência no curso do tratamento Todavia reconhe cese que há muitas variedades de psicote rapia nas quais a transferência pode desem penhar um papel importante mas em que não é vista como central ao processo tera pêutico e à forma de trabalho do terapeuta Muita coisa foi escrita em diversas línguas sobre transferência Talvez em um dos artigos mais proveitosos Brian Bird1 revisa as ideias originais desenvolvidas por Freud sobre transferência e referese a ela como um fenômeno universal e a parte mais difícil do tratamento Concordamos com Bird e muitos outros auto res que veem a transferência em um significa do mais amplo como ubíqua no sentido de que experiências de relacionamentos passados afe tam nossas relações presentes embora de ma neiras complexas das quais não temos cons ciência Entretanto a transferência pode ser convenientemente definida em um sentido mais restrito nesta visão a transferência do paciente aparece no tratamento quan do a relação pacienteterapeuta é afetada de modo inconsciente por experiências revistas e remodeladas de relacionamentos passados e desenvolvese além dos mode los costumeiros de relação e sentimento interpessoal Por essa definição tanto pa 16 TRANSFERÊNCIA Robert L Tyson Cláudio Laks Eizirik 294 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ciente quanto terapeuta evidenciam ma nifestações de transferência Para fins de discussão e esclarecimento limitaremos o termo transferência a certos aspectos dos sentimentos do paciente sobre o terapeuta e consideraremos a transferência do tera peuta para o paciente sob a denominação geral de contratransferência Uma abor dagem mais abrangente do conceito de contratransferência pode ser encontrada no Capítulo 17 A maioria dos terapeutas parece concordar que um atributo especial da situação de tratamen to é facilitar a geração ou o surgimento de fe nômenos transferenciais Outro atributo espe cial é fornecer um setting relativamente estável para a observação desses fenômenos Entretanto tal observação não é uma questão simples Em nossa experiência o terapeuta em geral não tem consciência imediata de quando a transferência no sen tido mais estrito surge pela primeira vez Aparecendo de uma forma que vai além do relacionamento inicial mais superficial ela afeta a maneira de o paciente relacionar se ie tipos de sentimentos e compor tamentos com o terapeuta agora nova e diferente na situação de tratamento No momento em que o terapeuta reconhece a presença das manifestações de transferência desse tipo elas já estavam ativas por algum período Portanto o terapeuta tem uma vi são mais clara da transferência retrospecti vamente podese dizer que a transferência nasce primeiro no escuro Isso aumenta as dificuldades em diferenciar as várias formas de manifestações de transferência Freud usava a expressão neurose de transferência de duas formas Uma era pa ra referirse a uma categoria diagnóstica de transtornos que ele acreditava serem sen síveis ao tratamento psicanalítico a outra para descrever um tipo de relacionamento intenso com o analista no qual alguns ele mentos do passado eram revividos em uma nova edição transferência e neurose de transferência eram basicamente sinôni mos Ainda que nos anos posteriores ele tendesse a referirse apenas à transferên cia de uma maneira geral podemos supor que não parou de usar os conceitos que pas saram a ser incluídos na noção de neurose de transferência Estes envolvem questões importantes como a ideia de que a transfe rência surge desenvolvese ou progride no decorrer de um tratamento Em nossa visão contemporânea neu rose de transferência consiste em uma de várias manifestações de transferência que tipicamente aparecem à medida que o tra tamento progride Hoje não há razão a não ser o uso comum para manter neu rose como parte da expressão neurose de transferência uma vez que a neurose está envolvida em todas as manifestações de transferência2 Desse ponto de vista a expressão pode tornarse redundante Po rém o termo está difundido e sua popu laridade pode portanto ser um indicativo da importante necessidade clínica de con ceitualizar e discriminar diferentes tipos ou formas de elaboração de transferência como os aqui propostos Certamente con cordamos com Cooper3 segundo o qual o esclarecimento é necessário mas em vez de eliminar o termo neurose de transfe rência ou complicar as coisas inventando um outro termo preferimos incluíla co mo uma das formas de transferência Nesta discussão usaremos neurose de transferência para nos referirmos à na tureza do relacionamento do paciente com o terapeuta após certo grau de evolução e elaboração da interação transferência Psicoterapia de orientação analítica 295 contratransferência uma progressão afe tada pelas intervenções e pelo comporta mento do terapeuta Quando esse ponto é alcançado o terapeuta observa no re lacionamento do paciente para com ele a progressiva proe minência e persistência de relativamente poucos temas estes derivam de interações anteriores de significado patogênico na vida do paciente Eles são revividos em uma versão que agora tende a se focalizar ainda que não de modo ex clusivo na pessoa do terapeuta e nas cir cunstâncias atuais O novo relacionamento passa a dominar o trabalho psicoterapêu tico de um modo que tende a tornarse mais persistente do que episódico embora uma preocupação exclusiva com ele pos sa representar um beco sem saída4 Além disso com frequência é acompanhado por uma relativa diminuição de manifestações de conflito na vida de relação do paciente Tornase um tema importante para o tra balho interpretativo com o objetivo global de alcançar uma resolução nova e mais sa tisfatória de conflitos preexistentes Assim a neurose de transferência re presenta um conceito operacional5 no qual uma configuração particular do re lacionamento é vista sob a perspectiva do terapeuta Considerando uma criança com desenvolvimento estrutural suficiente para permitir regressão e portanto um passado psíquico com um ego e um superego fun cionando suficientemente bem para parti cipar no trabalho do tratamento uma neu rose de transferência pode aparecer já na fase edípica dentro de uma perspectiva da psicologia do ego Do ponto de vista klei niano ou póskleiniano naturalmente esse fenômeno pode ser observado bem antes Se uma neurose de transferência no sentido a ser elaborado aparecerá ou não ou será reconhecida ou não no curso de uma psicoterapia depende de muitas va riáveis Entretanto ela não é vista como uma medida de sucesso do tratamento e de acordo com Reed6 nem como medida para determinar se o tratamento é ou não psicanálise Ela é empregada como parte de uma hipótese a partir da qual os dados clí nicos podem ser ordenados7 A dissecação a partir da experiência clínica de caracte rísticas de forma e conteúdo pode bem ter mais do que um valor heurístico com uma conceitualização mais clara as interpreta ções do terapeuta ganham em especificida de e esperase em eficácia terapêutica FORMA Há várias maneiras de descrever a forma da transferência a escolha pode ser feita com base na utilidade teórica ou clínica Ao analisar crianças e adolescentes existe uma necessidade clínica premente de distinguir entre transferência e fatores do desenvol vimento entre uso do terapeuta como ob jeto de transferência ou como objeto real e entre o impacto sobre a transferência da intrusão ambiental ou sobre a revivência de experiências passadas Portanto mais aten ção tem sido dada às formas de manifes tações de transferência em pacientes mais jovens do que no tratamento de adultos Por essa experiência foi criada uma clas sificação útil embora um pouco arbitrária e esquemática das formas de transferência Essa classificação fornece uma estrutura dentro da qual o terapeuta pode começar a fazer tais distinções e monitorar o desen volvimento da transferência à medida que o tratamento progride810 Tratase de uma maneira de ordenar os dados clínicos e que apresenta conforme descobrimos uma aplicação útil também no tratamento de adultos Visto que nenhuma situação ou vi nheta pode ser inteiramente pura qual 296 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs quer ilustração dos cinco tipos de transfe rência a serem descritos deveria ser consi derada simplesmente um demonstrativo da preponderância da forma em questão Elas são formas habituais de relacionamen to transferência predominantemente de rela cionamentos presentes transferência predomi nantemente de experiências passadas revivi das neurose de transferência e representação de fantasias inconscientes Formas habituais de relacionamento Formas particulares de estabelecer víncu los interpessoais ligações ou padrões de interação tornamse aparentes no início da situação de tratamento Em geral são con sideradas parte do caráter da pessoa São entendidas como transferência apenas no sentido mais amplo não como modifica ções no relacionamento pacienteterapeuta que aparecem como parte e consequência do trabalho terapêutico É importante ter em mente essa distinção O paciente pode usar diferentes for mas de relacionamento para diferentes si tuações dependendo de como o terapeuta é percebido pela primeira vez Como exemplo comum um paciente inicialmente reage ao terapeuta com reser va respeito e submissão Essa postura po de de forma gradual transformarse após algumas semanas em uma atitude agressi va desafiadora não cooperativa e desagra dável sem que outras alterações tenham ocorrido Não que o paciente idealize o te rapeuta como uma pessoa especial na fase inicial mas o papel do terapeuta não a sua pessoa pode ser idealizado A forma inicial de relacionamento com uma figura de autoridade representada pelo terapeu ta pode ser a que o paciente habitualmente usa nesse tipo de situação A constelação se guinte pode ser simplesmente outra forma comum que se segue à primeira por exem plo o resíduo caracterológico de ressenti mento por uma desidealização precoce e dolorosa Naturalmente é possível que ela seja capaz de revelar atributos de evolução de transferência e o terapeuta deve estar alerta para tal possibilidade Apesar da na tureza estereotipada dessas formas iniciais é possível haver elementos particulares que se tornam mais destacados e transformam se aos poucos em outras formas à medi da que surgem no tratamento Presteza de transferência1112 fo me de transferência e transferência flu tuante são termos que se aplicam às ati tudes conscientes e préconscientes de um paciente em relação a um tipo particular de relacionamento as quais são descobertas no primeiro encontro com ele Tais atitudes e desejos refletem formas habi tuais de relacionamento e podem vir à tona quando o paciente procura certas qualidades em um tera peuta antes de decidir iniciar o tratamento Por exemplo um advogado iniciou tratamento após algumas sessões de ava liação mútua Suas primeiras palavras fo ram sobre o quanto ele estava aliviado por começar o tratamento com um terapeuta que ele sentia que poderia convidar para um drinque em sua casa e ele esperava po der fazer isso brevemente O paciente não abandonou esses desejos à medida que o tratamento progredia eles voltaram de vá rias formas e tornaramse ligados a diversas fantasias reprimidas Influenciaram a for Psicoterapia de orientação analítica 297 ma de transferência desenvolvida e mais tarde chegaram a um estado mais acessível à interpretação Transferência préformada referese à situação em que o paciente foi afetado por algum conhecimento do terapeuta como sua reputação ou por contato extratra tamento anterior de algum tipo Nos dias atuais muitos pacientes procuram infor mações no Google ou em redes sociais fa zendo assim uma préseleção de seu futu ro terapeuta Aqui as fantasias e expectativas do paciente em relação ao terapeuta e ao tratamento pre cisam ser entendidas como tais em vez de se rem vistas como manifestações de transferên cia referindose especificamente à pessoa do terapeuta e surgindo conforme o tratamento progride De fato essas formas habituais de rela cionamento podem transmitir uma grande quantidade de informação sobre o paciente embora não em uma forma acessível à inter venção terapêutica efetiva na ocasião Como exemplo mais complexo um paciente escolheu o terapeuta porque seu nome tinha sido sugerido por fontes que ele respeitava porque quando ele fez uma entrevista de avaliação com seu futuro tera peuta achou que este se aproximava de sua ideia de como um terapeuta deveria ser e porque quando examinou os antecedentes do terapeuta concluiu que eram de quali dade suficiente para que tivesse confiança em sua capacidade de tratálo todas indi cações claras do estado narcisístico do pa ciente Este estava buscando ajuda devido a sua incapacidade de encontrar uma mu lher adequada Após um início promissor todos os seus relacionamentos com mu lheres pareciam desmoronar quando elas não conseguiam corresponder às suas ex pectativas Ele tinha grandes esperanças no tratamento e ao mesmo tempo estava ter minando dolorosamente sua mais recente relação Já havia iniciado diversas outras formas de terapia sob circunstâncias se melhantes Após alguns meses encontrou outra mulher que lhe pareceu ideal e estava em êxtase em relação ao futuro Como se poderia esperar passou a descrever frustra ções com seu terapeuta e com o tratamen to que ele sentia não serem responsáveis de modo algum por seu sucesso atual com es sa namorada O terapeuta sobreviveu a isso e a diversos outros ciclos com dificuldade Entretanto devemos enfatizar que nesse ponto ele estava simplesmente sendo usa do em um ciclo repetitivo das formas ha bituais de relacionamento do paciente não limitadas a mulheres e que estas não eram manifestações de transferência positiva ou negativa Elas também eram usadas a servi ço da resistência tanto ao desenvolvimento de transferência quanto a sua consciência dela O progresso do tratamento só foi pos sível porque o terapeuta interpretou essa resistência sempre que possível Transferência predominantemente de relacionamentos presentes O paciente pode estar bastante envolvido em algum conflito presente sentir intensa mente um desejo ou ser apanhado em uma reação presente a uma pessoa importante Parte disso pode respingar ou ser de modo defensivo e inconsciente deslocada externalizada ou projetada na situação de tratamento Essa manifestação deve ser di ferenciada de formas habituais repetitivas 298 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de relacionamento que podem aparecer em ciclos Na transferência de relacionamentos presentes o terapeuta é usado não porque se tornou a pes soa mais importante para o paciente naquele momento mas pelo motivo oposto ele não é a mais importante Sua importância para o pa ciente está no fato de que na percepção deste o terapeuta é uma pessoa segura para ele usar dessa forma Por exemplo após vários dias agra dáveis junto com seu marido e sem o co nhecimento de seu terapeuta uma paciente teve uma discussão intensamente inflama da com o primeiro no decorrer da qual ele disse que estava decepcionado com ela A paciente terminou a discussão responden do que não queria ouvir mais nada sobre isso e saiu da sala Quando chegou para sua sessão no dia seguinte repreendeu com se veridade o terapeuta por não apreciar o es forço que ela estava fazendo no tratamento e declarou se sentir decepcionada pelo que considerava ser indiferença e expectativas excessivas da parte dele Após vários dias ficou evidente para o terapeuta que o que ela descrevia de seu relacionamento con jugal parecia muito feliz se comparado com as tempestuosas sessões de tratamen to Por fim o terapeuta ficou sabendo da discussão com o marido Então tornouse possível começar a reconhecer sua identifi cação com o agressor a cisão defensiva de sua ambivalência e o deslocamento de seus sentimentos negativos para o tratamento usando o terapeuta como um objeto para o qual ela podia transferir sua raiva com segurança enquanto preservava o relacio namento prazeroso com o marido Esse tipo de conflito atual muitas vezes ativa um antigo Elementos sutis mas importantes do passado podem es tar escondidos naquelas situações que são transferidas ou deslocadas para relaciona mentos presentes dando ao terapeuta um sinal de alerta precoce sobre o desenvolvi mento da transferência De modo gradu al aparecem mais evidências da revivência de experiências passadas e a transferência de relacionamentos presentes dá lugar à categoria seguinte transferência predo minantemente de experiências passadas revividas Transferência predominantemente de experiências passadas revividas Esse tipo de transferência referese à forma na qual experi ências desejos fantasias conflitos e defesas passados são revividos no de correr do tratamento como uma con sequência do trabalho terapêutico e que agora dizem respeito à pessoa do terapeuta no conteúdo préconsciente manifesto ou latente8 Os sentimentos do paciente em rela ção ao terapeuta e suas atitudes para com ele passam agora por uma mudança sig nificativa com respeito a um evento espe cífico ou fragmento de material de trata mento Nessas ocasiões há uma nova vivência repre sentação ou reencenação de experiências pas sadas e de fantasias associadas em um arran jo novo e diferente É uma nova configuração que contém temas particulares do passado e na qual o terapeuta desempenha um papel espe cial para o paciente Psicoterapia de orientação analítica 299 A menos que o paciente tenha uma capacidade incomum de autoobservação ele não percebe a princípio que alguma coisa está inadequada ou mesmo diferen te em relação às suas respostas ou que há algum determinante primitivo de seus sen timentos presentes sobre o terapeuta Em geral as autoobservações aos poucos vão se tornando acessíveis com a interpretação e a elaboração de inúmeros episódios de transferência de conflitos presentes e de ex periências passadas Como exemplo dessa forma de trans ferência temse o caso de uma mulher ca sada de 35 anos que buscou tratamento em uma tentativa de dar fim a sua infidelidade compulsiva Sempre que seu marido viaja va o que a profissão dele frequentemente exigia ela escolhia para seu amante um ho mem que fosse tímido deprimido e impo tente Então se deliciava com sua capacida de para seduzilo a tornarse audaz feliz e potente Em geral ela realizava seu triun fo terapêutico pouco antes do retorno do marido quando rompia o relacionamento extraconjugal Naturalmente o casamento tinha suas dificuldades mas era apesar dis so estável O terapeuta apenas de forma gradual ficou sabendo de alguns de seus aspectos perturbados à medida que a própria pa ciente tornouse mais capaz de tolerar o co nhecimento do terapeuta sobre eles Após cerca de um ano e meio de tratamento e quase um ano em que não teve casos ela passou a se posicionar com mais clareza por exemplo insistindo com o marido que seu filho de 8 anos era muito jovem para ter o rifle que ele lhe havia dado depois de o menino ter atirado na própria mão com a arma Um dia ela relatou ter ido ao ba nheiro onde sua filha de 3 anos estava to mando banho com o marido uma prática costumeira que ela não havia contado a seu terapeuta A paciente nunca antes havia ido ver o que acontecia no banheiro mas agora relatava que ficara atônita e paralisada ao ver que sua filha estava brincando com o pênis ereto de seu marido enquanto ele fi cava sentado calmamente lendo o jornal na banheira Ela saiu sem dizer uma palavra Nesse ponto a sessão de sextafeira chegou ao fim Na segundafeira a paciente esta va bastante deprimida sentindose desa nimada e abandonada por seu terapeuta Desesperada para sentirse melhor ela co meçara a imaginar como poderia arrumar um caso e com quem O terapeuta disse lhe que seus sentimentos pareciam ligados ao momento em que ele terminara a sessão na sextafeira comentário que resultou em um acesso de depreciação sarcástica por parte da paciente em um tom que ele nun ca havia ouvido dela antes Apenas após vários dias sua fúria diminuiu o suficien te para ela considerar o que havia ocorri do Ela e o terapeuta foram percebendo paulatinamente o que havia sido de fato uma revivência de sentimentos da infância e uma representação na qual o terapeuta um homem tinha desempenhado o papel de sua mãe que muitas vezes a deixava brincando com um ou outro dos pensio nistas da sua casa muitos dos quais tinham abusado sexualmente dela Nesse exemplo o tratamento progre diu a um ponto em que as lembranças re primidas de experiências sexuais da infân cia foram revividas o que a paciente então expressou em uma representação comple xa Esta envolveu o uso de uma resposta es perada do terapeuta para expressar a expe riência de estar desprotegida e abandona da O fato de ele ter terminado a sessão no momento em que ela descrevia o incesto do pai com a filha reacendeu seus sentimentos de abandono e portanto teve um signifi cado de transferência não reconhecido por nenhum deles no momento Apenas após essa ocorrência transferencial foi possível 300 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs entender o significado dos envolvimentos sexuais durante a ausência do marido Tendo conhecimento suficiente sobre o pacien te o terapeuta pode conscientizarse de que ele está tentando evocar uma resposta que repete uma experiência do passado13 e que pode en volver uma variedade de mecanismos de de fesa Essa percepção da contratransferên cia do terapeuta ou de sua forma de res ponder a um papel entretanto deve ser di ferenciada de seu modo habitual de reagir a traços de caráter particulares uma vez que usar esses traços como base para entender o paciente provavelmente será improdutivo As transferências de relacionamentos presentes e de experiências passadas revi vidas ocorrem como episódios no fluir do trabalho terapêutico Na situação de trata mento suficientemente boa essas formas de transferência originamse a partir do estabelecimento inicial do relacionamento do paciente com o terapeuta começando com as formas habituais de relação Em al guns pacientes estas se ampliarão e serão ainda mais elaboradas dentro da neurose de transferência Neurose de transferência Greenacre14 descreveu a neurose de trans ferência como um processamento panorâmico constante de imagens de transferên cia fundindose umas com as outras ou momentaneamente separandose com especial clareza de uma forma frequentemente menos constante do que os sintomas e outras manifesta ções da própria neurose O que Greenacre classifica como imagens de transferência inclui as duas categorias de transferência de conflito pre sente e de experiências passadas revividas O que ele denomina processamento pa norâmico no qual essas imagens se fun dem umas com as outras para formar uma estrutura transferencial é outra forma de descrever a neurose de transferência no sentido aqui proposto Ou seja há uma fu são de manifestações de transferência epi sódicas em uma estrutura complexa de ma nifestações relacionadas entrelaçadas e so brepostas A fusão e a clareza especial conforme percebidas pelo terapeuta não têm durabilidade inerente e podem ir e vir Uma questão semelhante é levantada por outros autores como Glover15 que defende a neurose de transferência deve ser revela da ela não aparece espon taneamente na regra do tratamento e Bird1 a neurose de transferência nem sempre está disponível para ser tra balhada Sendo uma coisa intermiten te como acredito que seja pode ha ver longos períodos em que ela não é perceptível A duração dos períodos em que a es trutura da neurose de transferência é explí cita varia em nossa experiência de pacien te para paciente e de tempos em tempos para o mesmo paciente Ela pode estar pre sente durante alguns dias a alguns meses ou mais tempo Na medida em que a estrutura transferencial persiste muito mais esforço terapêutico é ne cessário com os sentimentos e as reações do paciente em relação ao terapeuta e às suas in tervenções Além disso mais aspectos da vida e preocupações do paciente estão envolvidos com o tratamento e com o terapeuta Psicoterapia de orientação analítica 301 Ao mesmo tempo observase que menos aspectos dos conflitos do paciente aparecem em outras partes de sua vida e o terapeuta pode ouvir relatos sobre o quan to ele está melhor agora mesmo que como dizem alguns pacientes seu único proble ma seja com o terapeuta Quer dizer o tér mino da psicoterapia seria a cura óbvia A chamada cura transferencial baseiase nesse mecanismo visto que as manifesta ções externas do conflito neurótico estão diminuídas na medida em que elas reapa recem de várias formas na transferência O aparecimento de um novo sintoma na transferência é tomado como indicação da presença de uma neurose de transferên cia e há exemplos para documentar esse argumento1618 o que pode ser considera do um critério qualitativo Entretanto com o maior reconhecimento de que a psicopa tologia não se limita à formação de sinto mas e com a consciência de que um sin toma pode significar diferentes coisas em diferentes momentos muitos terapeutas utilizam o conceito de neurose de transfe rência sem exigir a formação de novo sin toma como uma condição necessária519 Um aspecto qualitativo mais importante e sempre presente é a revisão da experiência anterior que ocorre com a revivência Co mo Harley20 salienta Esta revisão previsivelmente resulta da acumulação de experiências gené ticas e transformações do desenvolvi mento que ocorreram no decorrer do tempo geralmente com uma correla ção entre a extensão do intervalo de tempo e a complexidade das revisões De acordo com Loewald5 a revisão significa essencialmente que um significado é criado pelas interações entre paciente e terapeu ta que têm novas tensões dinâmicas e produzem motivações novas mais saudáveis próprias ou seja após os novos significados serem adequadamente analisados Representação de fantasias inconscientes A transferência como uma representação de fantasias inconscientes é outro signifi cado possível que passou a ser observado como resultado das contribuições de Me lanie Klein e de seus seguidores Talvez um dos fatores importantes em sua revisão do conceito de transferência tenha sido o fato de que ela trabalhava com crianças algu mas de apenas 2 anos e em uma época na qual os eventos traumáticos supostamente estavam ocorrendo Assim as manifesta ções transferenciais de crianças não são do passado distante mas de suas experiências imediatas Os jogos infantis incluem uma série de representações de todos os tipos de acontecimentos e relacionamentos O que elas representam em seu brinquedo Klein supunha que isso estava relacionado às suas vidas de fantasia O brinquedo seria a for ma de a criança relacionarse consigo mes ma com seus piores medos e ansiedades Os relacionamentos representados na sala de análise constituiriam então as expres sões das tentativas da criança de incluir a vivência traumática como ela experimenta em sua vida cotidiana Aplicando essa ideia à prática da análise e da psicoterapia de adultos ela pode ser conside rada uma representação de experiências de fantasias presentes da mesma maneira que o brinquedo da criança é uma representação da elaboração de seus traumas em fantasia 302 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Tal visão da transferência como se originando das dificuldades presentes no aqui e agora da sessão foi estimulada pelo desenvolvimento e pela ênfase da noção de fantasia inconsciente Todavia essa ideia condiz com a noção de que a transferência é moldada nos mecanismos infantis com os quais o paciente lidava com sua experiência há muito tempo De acordo com Klein21 o paciente certamente lidará com seus conflitos e ansiedades experi mentados agora em relação ao analis ta pelos mesmos métodos que usava no passado Isso quer dizer que ele se afasta do analista como ele tentava se afastar de seus objetos primitivos Ainda que Klein também tenha intro duzido o conceito de identificação projeti va ela não parece ter considerado seu uso na análise da transferência da forma que logo se desenvolveu entre seus colegas Bion sugeriu que a interpretação da transferên cia poderia ser feita a partir da maneira como seus pacientes estavam tentando despertar nele sentimentos que não podiam tolerar em si mesmos mas que inconscientemente dese javam expressar e que podiam ser entendidos pelo analista como uma comunicação Outro passo importante nesse desen volvimento foi a ideia formulada por Jo seph da transferência como situação total no curso de um tratamento Essa autora sa lientou a importância de entender a trans ferência como um relacionamento vivo no qual há constante movimento e mudança Além disso tudo o que o analista é ou diz provavelmente terá uma resposta mais de acordo com a própria constituição psíqui ca do paciente do que com as intenções do analista e o significado que ele dá a sua in terpretação E isso pode ser observado pelo que acontece na relação terapêutica não só pelo que o paciente diz mas também pe la maneira como fala e pelos sentimentos que desperta no terapeuta2225 Uma revi são mais abrangente dos desenvolvimentos kleinianos e póskleinianos do conceito de transferência pode ser encontrada no Ca pítulo 4 NEUROSE INFANTIL E NEUROSE DE TRANSFERÊNCIA A neurose infantil costuma ser mencionada como central ao processo de tratamento e como estando no coração da transferência uma vez que em última análise os confli tos da neurose infantil é que são revividos e experimentados novamente Seja qual for a maneira como se conceitue a neurose in fantil ela não é simplesmente reproduzida por sua revivência modificada na forma de eventos de transferência2627 mas pode ser reconstruída pelo processo de interpreta ção da transferência Mais uma vez reme tese aos comentários sucintos de Greena cre28 O termo neurose infantil pode ser usado em dois sentidos um pouco di ferentes um significando a eclosão de sintomas neuróticos manifestos no período da infância ie aproximada mente antes dos 6 anos de idade o se gundo significando a estrutura inte rior de desenvolvimento infantil com ou sem sintomas manifestos que for ma entretanto a base de uma neuro se posterior O primeiro sentido é o significado clínico historicamente original referindo se a um grupo de conflitos específicos cen Psicoterapia de orientação analítica 303 trados em questões edípicas Com base no segundo significado mais metapsicológico então a presença de sintomas manifestos na infância ou na idade adulta não é uma condição sine qua non para a existência de complexo edípico ou de conflito neurótico na infância ou mais tarde Se além disso o conceito for reformulado para referirse à estrutura interior do desenvolvimento psíquico ele fornece uma base valiosa para entender o que se transforma a fim de apa recer em uma nova edição nas revivências transferenciais de experiências passadas e da neurose de transferência Mesmo reconhecendo o impacto organizador sobre o desenvolvimento do complexo de Édipo aquela fase particular não é vista como com ponente obrigatório da transferência nessa for mulação da neurose infanti29 Tal formulação permite incluir elementos préedípicos e pré verbais nas manifestações de transferência Ela também possibilita a inclusão de dificulda des pósedípicas que surgem quando a elabo ração necessária e apropriada de soluções pri mitivas falha em níveis posteriores do desen volvimento Mas o que determina os conteúdos de qualquer forma particular de manifes tação transferencial e a sequência na qual esses conteúdos aparecem Ou nesse sen tido o que determina a forma tomada por uma manifestação transferencial particular e decide se as complexidades da neurose de transferência se tornarão manifestas ou não E quais são as consequências para a si tuação clínica Ainda não temos res postas muito conclusivas mas uma primeira abor dagem desses problemas foi fornecida por Freud conforme relatado por Ferenczi30 que afirma Podemos tratar um paciente do jeito que preferirmos mas ele sempre tra tará a si mesmo psicoterapicamente quer dizer com a transferência gri fo omitido Portanto embora ubíquas as formas particulares como as influências transfe renciais aparecem na vida de uma pessoa dependem do que se considera necessário ser tratado A repetição a representação ou a re vivência de determinado prazer uma certa frustração o esforço para dominar uma ansiedade específica são exemplos de expe riências na interação com os outros desde o início da vida que com frequência são encontradas ao examinaremse relaciona mentos interpessoais presentes e que ilus tram o comentário de Freud Em termos mais gerais podese perceber nesses exem plos a tendência a estabelecer uma identi dade de percepções por meio da repetição de experiências passadas A situação terapêutica fornece a oportunidade de focalizar outras partes de articular as fan tasias associadas de lembrar as memórias re lacionadas e de evocar a participação de ou tras camadas da personalidade no trabalho terapêutico de tal modo que dificuldades an teriormente repelidas podem ser trazidas para a transferência Conforme Freud31 na psicanálise todas as tendências do paciente in cluindo as hostis são provocadas Assim o conteúdo dos temas transferenciais pode variar mas em geral fixase em algumas questões de importância central para esta belecer determinada dificuldade no desen volvimento na adaptação e nos relaciona mentos do paciente 304 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REGRESSÃO Em relação ao esquema há pouco descri to a forma tomada pela transferência de tempos em tempos no curso do tratamento reflete o grau em que a regressão ocorre Com a forma habitual de relacionamen to não ocorre nova regressão na relação com o terapeuta Por exemplo um pacien te que queria convidar seu terapeuta para drinques no primeiro encontro não estava envolvido naquele momento em uma re gressão transferencial Essa forma habitual de relacionarse como qualquer traço de caráter tinha uma história genética asso ciada a seu relacionamento com o pai en tretanto teria sido uma falácia genética32 ignorar a autonomia secundária conquis tada por esse comportamento e supor que um desejo originalmente envolvido em sua gênese ainda estivesse ativo consciente préconsciente ou inconscientemente Na transferência de relacionamentos presentes dois elementos podem ser reco nhecidos no trabalho com a paciente que um dia estava irritada com o terapeuta em vez de com seu marido Um era conside rar seu terapeuta uma pessoa segura com quem desabafar sua raiva repetindo um relacionamento da infância com uma avó amorosa e tolerante a paciente dispunha de vários desses refúgios de segurança Um segundo elemento tornouse mais evidente na sequência em termos de regressão a um período de relações sadomasoquistas com sua mãe conforme isso se tornava mais evidente no relacionamento terapêutico também se manifestavam os episódios de transferência da revivência de experiências passadas Tal concordância ilustra como essas formas conforme descrevemos não estão de fato nitidamente separadas umas das outras Descobrimos que as regressões envolvidas na transferência de relaciona mentos presentes não são particularmente profundas duradouras ou elaboradas mas sob outra perspectiva se não for permitida a regressão então nenhuma transferência poderá ocorrer Com a paciente que era compulsiva mente infiel a seu marido a vívida revivên cia da experiência passada acarretou uma regressão em seu relacionamento com o terapeuta a uma dimensão semelhante à do relacionamento com sua mãe na infância em uma época em que ainda tinha cons ciência de sua raiva por ela embora tivesse reprimido a razão disso Essa experiência transferencial relativamente elaborada e duradoura foi seguida por outras que vie ram a fundirse ou sobreporse da forma descrita por Greenacre14 formando a es trutura transferencial de uma neurose de transferência As regressões envolvidas são essencialmente as mesmas na transferência de experiências passadas e na neurose de transferência e constituem parte das expe riências sobrepostas nesta última Outras maneiras de descrever a forma da transferência por exemplo uma trans ferência idealizada uma transferência ma terna entre outras referemse às qualida des da relação objetal que podem ou não ser aquelas revividas no processo terapêu tico representando ou não uma regressão no relacionamento com o terapeuta Por tanto são consideradas auxiliares para as cinco categorias descritas CONTRATRANSFERÊNCIA Bird1 enfatizou um aspecto ainda pouco avaliado da experiência do terapeuta com a neurose de transferência quando diferen ciada de outras reações transferenciais Ele salientou que o que é específico em rela ção à neurose de transferência é o envol Psicoterapia de orientação analítica 305 vimento ativo do terapeuta na constituição central deste conflito que o paciente deve ser autorizado a incluir o terapeuta em sua neurose ou por assim dizer compartilhar sua neurose com o terapeuta1 e que uma neurose de transferência é me ramente uma nova edição da neurose ori ginal do paciente mas comigo nela1 As extraordinárias dificuldades que tornam o tratamento da neurose de transferência a parte mais complexa do trabalho do tera peuta estão relacionadas ao desgaste des ta experiência abrasiva de estar no centro dessa dolorosa inclusão1 Para o terapeuta assim envolvido com a neurose do pacien te o processo interpretativo não é apenas um instrumento terapêutico mas também o meio de elaborála e tentar solucionála junto com o paciente Por fim embora reconhecendo que reações de contratransferência podem re pelir o aparecimento da neurose de trans ferência e limitar o tratamento a uma arte explanatória embora útil Bird1 também era da opinião de que o envolvimento da própria transferência do terapeuta é neces sário sentimento que encontrou eco em Loewald33 A contratransferência é o meio indispensável para entender a transferência do paciente Essa visão contemporânea da contratransferência surgiu mais recen temente no curso da evolução desse con ceito34 Entretanto é importante ter em mente que a interação entre as resistências do paciente e as contrarresistências do te rapeuta pode conspirar para prejudicar ou impedir a evolução de manifestações da transferência Por exemplo o terapeuta po de deixar de interpretar tudo o que poderia sentir e entender por meio da contratrans ferência normal e perdido em sua própria neurose posicionarse mais em relação a esta do que em função das necessidades do paciente Ou pode reagir inconsciente mente a determinada pessoa que manifeste conflitos semelhantes aos seus o que talvez o impeça de identificar e compreender os conflitos do paciente pelo receio de reco nhecer também os significados inconscien tes dos seus25 COMENTÁRIOS SOBRE TÉCNICA Ao compararse a psicanálise com a psi coterapia de orientação psicanalítica é habitual reconhecer inúmeras diferenças importantes Entre elas está o fato de que a intensidade associada à alta frequência de sessões e outros aspectos da situação psicanalítica predispõem à maior elabora ção de manifestações de transferência nas formas que descrevemos Mas também é importante reconhecer que a frequência maior fornece mais oportunidades para o analista trabalhar com o paciente as ques tões de transferência Portanto o trabalho psicoterápico por comparação tem uma limitação específica porque não propicia a mesma liberdade e oportunidade de traba lhar sistematicamente as manifestações da transferência Na psicoterapia esse trabalho pode ocorrer de tempos em tempos e ser mais vulnerável às intromissões da realidade ex terna mas mesmo assim pode ser bastante efetivo e benéfico Uma psicoterapia analí tica pode ser limitada com mais frequên cia também de outras maneiras como por exemplo na duração do tratamento De maneira ideal não há estabelecimento de limite de tempo para uma psicanálise e isso corresponde aos seus objetivos mais ambiciosos que podem mudar e evoluir no decorrer do tempo Os objetivos na psico terapia de orientação psicanalítica tendem 306 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a ser menos ambiciosos em termos de alte ração da personalidade e mais focalizados no alívio do sintoma ou na abordagem de conflitos específicos ou problemas da vida do paciente A experiência mostra que se o terapeuta tem objetivos mais ambiciosos que o paciente o tratamento tende a ser interrompido35 Tanto a psicanálise como a psicoterapia estão sujeitas a um excesso de investimento por parte do terapeuta tal como a noção de que tudo deve ser ime diatamente interpretado como dizendo respeito a sua pessoa esquecendo a impor tância da interpretação não transferencial ou extratransferencial36 Outro excesso de investimento ou mito é o de que a transferência deve ser completamente resolvida para o trata mento ser efetivo Hoje em geral se sabe que expressões positivas de transferência ou seja sentimentos positivos em relação ao terapeuta podem servir como defesas contra sentimentos negativos e vicever sa Também pode haver defesas contra a transferência e contra sua conscientização Uma preocupação exclusiva com a transferência na psicanálise ou na psicoterapia pode levar à distorção do processo de tratamento como uma consequência de escutar apenas o conteúdo isto é como um todo a transferência em vez de es cutar o material e o contexto no qual ele surge Portanto as funções defensivas da transferência podem ser esquecidas se ela for considerada apenas uma recapitulação da história do indivíduo37 Como orientação pensamos que interpreta ções da transferência no decorrer da psicotera pia analítica devem ser feitas necessariamente em pelo menos três circunstâncias no início do tratamento sobre as ansiedades paranoides despertadas pelo novo relacionamento para entender resistências e acting outs durante o curso da psicoterapia e para elaborar os está gios finais desta Também pode ser necessário exami nar e interpretar expressões transferenciais em outros momentos e situações quando o paciente deseja comunicar ideias e senti mentos que apenas podem ser entendidos nesses termos ou quando ele expressa sen timentos e fantasias diretos em relação ao terapeuta Sem exagerar na utilização das interpretações transferenciais nem evitar a necessidade de estar atento às expressões da transferência descritas neste capítulo e sua oportuna comu nicação a experiência clínica permite ao tera peuta sentirse progressivamente mais à von tade com esse instrumento Trabalhar com a transferência e en tendêla é uma questão complexa que pode ser aprendida com o tempo tornandose um dos principais recursos para estabele cer uma relação produtiva com aqueles que buscam psicoterapia de orientação analí tica CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese descrevemos e diferenciamos cinco formas ou categorias de relaciona mento pacienteterapeuta que podem ser usadas para monitorar o desenvolvimento da transferência no curso do tratamento formas habituais de relação transferên cia de relacionamentos presentes transfe Psicoterapia de orientação analítica 307 rência de experiências passadas revividas neurose de transferência e representação de fantasias inconscientes Nesse esquema a neurose de transferência é vista como uma de várias manifestações transferen ciais que se desenvolvem no tratamento Ela não é considerada um requisito para a validade ou a adequação do processo tera pêutico Essa classificação é proposta como um meio de ordenar dados clínicos e não como medida de analisabilidade tratabili dade ou diferenciação do tratamento como psicanálise ou psicoterapia O desenvolvimento da transferência é descrito como dependente da interação pa cienteterapeuta Ela reflete mais a estrutu ra interior do desenvolvimento psíquico à medida que a regressão do paciente e o en volvimento do terapeuta nos conflitos do paciente aumentam Quando ela aparece a estrutura complexa de temas relacionados que constituem a neurose de transferência emerge de revivências transferenciais mais episódicas de experiências passadas a par tir das quais o terapeuta pode reconstruir os contornos do desenvolvimento psíquico primitivo É possível que fatores de resis tência do paciente e de contratransferência do terapeuta impeçam o desenvolvimento o aparecimento e o reconhecimento de ma nifestações da transferência O clássico trabalho de Freud sobre a dinâmica da transferência completou há pouco seu centenário Além dele trabalhos recentes sobre esse conceito fundamental da técnica psicanalítica e da psicoterapia analítica3839 destacam sua centralidade no trabalho clínico em todas as escolas de pensamento psicanalítico Evidenciamse assim o fato de que se trata de uma repe tição mas não só de uma repetição sua íntima relação com a contratransferência a necessidade de desenvolver uma escuta cada vez mais fina para captar sua presen ça ostensiva ou latente o potencial criativo ou destrutivo de intensas expressões trans ferenciais e a necessidade de estar atento à transferência e a sua contrapartida para que se possa evoluir à procura de uma co municação cada vez mais próxima com a emoção presente e viva no campo analí tico PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A transferência é um fenômeno que está presente em todas as formas de psicoterapia 2 Em psicanálise e em psicoterapia de orientação analítica a transferência e sua interpretação ade quada constituem um veículo decisivo para que ocorram mudanças psíquicas 3 Podem ser descritas cinco formas de transferência formas habituais de relacionamento transferência predominantemente de relacionamentos presentes transferência predominantemente de experiências passadas revividas neurose de transferência representação de fantasias inconscientes 4 Há uma relação sempre presente entre transferência e contratransferência e muitas vezes é apenas a partir do que o terapeuta percebe em si que pode chegar a perceber e a abordar a transferência 5 A interpretação da transferência é recomendável diante das ansiedades de um início de psicoterapia sempre que surgem atuações e resistências nas etapas finais do tratamento e quando suas expressões diretas ou aludidas são úteis para entender e analisar sentimentos ideias ou fantasias que possam ampliar a compreensão sobre o mundo interno do paciente 308 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Bird B Notes on transference universal phe nomenon and hardest part of analysis J Am Psychoanal Assoc 1972202267301 2 Brenner C The mind in conflict New York International Universities c1982 3 Cooper AM Changes in psychoanalytic ide as transference interpretation J Am Psycho anal Assoc 19873517798 4 Wallerstein RS Fortytwo lives in treatment a study of psychoanalysis and psychothera py New York Guilford c1986 5 Loewald HW The transference neurosis comments on the concept and the pheno menon J Am Psychoanal Assoc 1971191 5466 6 Reed GS Rules of clinical understanding in classical psychoanalysis and in self psycho logy a comparison J Am Psychoanal Assoc 198735242146 7 Reed GS Scientific and polemical aspects of the term transference neurosis in psychoanaly sis 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poderá favorecer o entendimento do caminho per corrido por esse controvertido conceito e assim facilitar sua compreensão e uso Esse tema foi pouco estudado por Freud e só começou a ganhar espaço na li teratura psicanalítica nos últimos 50 anos como destacam alguns autores que revisa ram esse assunto Blum1 Tyson2 Thomä e Kächele3 Manfredi4 e De Bernardi5 entre vários outros Tal conceito continua geran do muitos debates no campo da psicanálise e da psicoterapia e isso se deve em parte ao fato de incluir a própria pessoa do terapeuta no processo de tratamento o que dificulta seu estudo Fenômeno semelhante ocorreu em várias áreas da ciência quando se passou a destacar a influência da participação do observador nas experiências científicas O termo contratransferência ainda é considerado mal definido e não existe plena concordância em relação a ele6 Per siste também na literatura psicanalítica certa confusão entre os conceitos de con tratransferência atenção flutuante empa tia regressão do analista rapport atitude analítica escuta analítica e inclusive cam po analítico127 O próprio International Journal of Psychoanalysis procurando selecionar os principais trabalhos de seus 80 anos de história dedicou um livro a esse tema in titulado Trabalhoschave em contratransfe rência Key Papers on Countertransference Foi editado por Michels e colaboradores8 e procurou mostrar o cenário da contra transferência nas diferentes regiões Jacobs aborda a América do Norte Hinshelwood a Inglaterra particularmente a escola klei niana Duparc a França e De Bernardi a América Latina A evolução do conceito pode ser divi dida em quatro fases a a formulação inicial de Freud que data de 1910 b os trabalhos de Paula Heimann e Hein rich Racker que provocaram uma am pliação c as décadas de 1970 e 1980 com a utiliza ção maciça do conceito totalístico de contratransferência e 17 CONTRATRANSFERÊNCIA Cláudio Laks Eizirik Sergio Lewkowicz Psicoterapia de orientação analítica 311 d a situação atual de revisão e cautela com a utilização da contratransferência e a proposta de um conceito específico Este capítulo objetiva descrever cri ticamente essas diferentes fases e sua re levância para a psicoterapia de orientação analítica O CONCEITO DE CONTRA TRANSFERÊNCIA DE FREUD Freud publicou muito pouco sobre o tema da contratransferência e destacou princi palmente sua influência negativa sobre o processo de tratamento O conceito foi in troduzido por ele em 1910 em seu trabalho As perspectivas futuras da terapêutica psica nalítica9 no qual refere As outras inovações na técnica rela cionamse com o próprio médico Tornamonos cientes da contratrans ferência que nele surge como resul tado da influência do paciente sobre seus sentimentos inconscientes Considera também que a contra transferência decorre de complexos e re sistências internas do médico salientando a necessidade da autoanálise e alguns anos depois da análise didática e das reanálises periódicas para reconhecêla e superála Assim para Freud a contratransferência é um obstáculo à análise que deve ser supe rado pelo analista Nesse mesmo ano volta a utilizar o termo contratransferência em uma carta para Ferenczi datada de 6 de outubro de 1910 na qual aparece com uma conotação positiva paterna em relação a seu discípu lo610 Observase assim como Freud es tá levando em consideração a equação pessoal do terapeuta em seu conceito de contratransferência embora a considere a resposta do analista à transferência do pa ciente como salienta em sua carta a Jung ao dizer que os analistas não podem per mitir que os pacientes neuróticos os en louqueçam4 Tyson2 assinala que há razão para imaginar que Freud e seus colegas pensa vam e falavam sobre a contratransferência bem mais do que publicaram sobre o as sunto pois o tema aparecia em algumas cartas Um exemplo disso é a carta de Freud para Jung em 1911 na qual refere que o artigo que julga necessário sobre a contra transferência não deveria ser impresso mas circular como cópia4 Blum1 chama a aten ção para o fato de que Freud apresentou o conceito de contratransferência essencial mente na mesma época em que soube do caso amoroso de Sabina Spielrein com seu analista Jung e talvez estivesse procurando alertar para os riscos desse tipo de envolvi mento A evolução que Freud obteve no conceito de transferência que foi se mo dificando de um obstáculo para um ins trumento terapêutico não foi a mesma em relação à contratransferência Isso possivelmente se deve à dificuldade que ele teve de sistematizar seus sentimentos contratransferenciais procurando mui tas vezes manter oculta sua existência ou destacando em trabalhos sucessivos esse perigoso inconveniente responsável pe los pontos cegos dos terapeutas47 Isso também pode decorrer do fato de ele nun ca se ter analisado o que não lhe permitiu experimentar o mútuo aspecto do relacio namento analítico111 312 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Ainda que durante toda a sua obra Freud con sidere a contratransferência um obstáculo para o tratamento em 1912 ao referirse à atenção flutuante descreve como o inconsciente do mé dico pode ser utilizado como instrumento da análise antecipandose assim aos achados posteriores Segundo suas palavras ele o médi co deve voltar seu próprio inconsciente como um órgão receptor na direção do in consciente transmissor do paciente12 Epstein e Feiner13 correlacionam es ses dois aspectos do pensamento freudia no por um lado a contratransferência co mo obstáculo ao tratamento e por outro o inconsciente do médico como instrumento da análise com as duas correntes principais que irão dominar o cenário analítico em relação à contratransferência e que foram denominadas por Kernberg14 de clássica e de totalística respectivamente A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE CONTRATRANSFERÊNCIA Após as formulações iniciais de Freud sobre a contratransferência esse tema apareceu de forma escassa na literatura psicanalítica durante cerca de 40 anos A contratrans ferência era considerada principalmente como um obstáculo uma impureza do tratamento e uma falta de objetividade do analista nesse período3 É provável que isso tenha decorrido da resistência dos analistas em relação aos seus próprios sentimentos e à repressão da contratransferência115 Também pode ter tido importância uma espécie de necessidade de fidelidade ao conceito freudiano de contratransferência como obstáculo No entanto como assinalam vários autores houve estudos precursores dos desenvolvimentos posteriores34 Um dos pioneiros nessa linha foi Ferenczi ao des crever a oscilação necessária da atenção do analista entre o inconsciente e o conscien te para melhor captar a realidade psíqui ca1617 Cabe mencionar também as ideias inovadoras sobre o papel do analista e de suas respostas de Balint Deutsch Fenichel Sullivan e Winnicott Reik em especial esboçou uma teoria da contratransferên cia a partir da intuição mas não chegou a formulála3410 O trabalho considerado pela maioria dos autores como o ponto de virada tur ning point no conceito de contratransfe rência é o de Paula Heimann On counter transference18 Racker já havia apresenta do ideias similares alguns anos antes mas como Heimann publicou primeiro na li teratura internacional aparentemente foi a pioneira dessa nova visão Na realidade ambos os autores merecem crédito seme lhante embora os estudos de Racker sobre a contratransferência tenham sido mais amplos e profundos como agora é reco nhecido na literatura recente19 A partir do final da década de 1940 e começo da de 1950 surgiram inúmeros trabalhos que levaram a um novo conceito de contratransferência bem mais abran gente e que foi denominado de totalísti co15182025 Essa ampliação possivelmente decorreu dos novos estudos com análise de crianças e da visão da relação mãebebê como uma unidade única dos tratamentos com pacientes mais perturbados os quais mobilizavam reações contratransferenciais mais graves e das mudanças nas premis sas da técnica com a maior compreensão da profundidade e complexidade do fenô meno transferencial os alcances e as limi tações da interpretação e a importância do Psicoterapia de orientação analítica 313 enquadre Também foi importante uma influência de fora da área da psicanálise uma cultura mais democrática no mun do depois da II Guerra Mundial em que a autoridade passou a ser mais questionada além das descobertas sobre o papel do ob servador nas experiências científicas410 Com esses desenvolvimentos a com preensão da contratransferência tomou ru mos diferentes Por um lado nos Estados Unidos com a orientação da chamada psi cologia do ego predominou a visão deno minada clássica e por outro na Inglaterra e na América Latina com a influência da teoria das relações de objeto ou teoria klei niana prevaleceu o conceito considerado como totalístico em relação à contratrans ferência1426 O CONCEITO CLÁSSICO DE CONTRATRANSFERÊNCIA De acordo com essa visão a contratrans ferência é considerada algo alheio quali tativamente estranho à posição emocional normal do analista algo capaz de parasitar de modo nocivo o processo analítico Não é considerada um elemento normal da si tuação analítica mas algo exclusivamente perturbador26 Na compreensão clássica a contratransferên cia se restringe à reação inconsciente do ana lista à transferência do paciente Ela é conside rada decorrente dos conflitos neuróticos do te rapeuta concordando com a descrição clássica de Freud de 1910 daí o seu nome Somente é tratada como contratransferência aquela par te do relacionamento que se refere aos conflitos infantis e reprimidos do analista142126 Para outros autores no entanto pode incluir também elementos não neuróticos do terapeuta bem como corresponder a uma resistência inconsciente do analista à transferência do paciente13 Segundo Kern berg14 são considerados representantes do conceito clássico os seguintes analistas Reich Glover Fliess Gitelson e Rangell Annie Reich em seu estudo de 1951 rejeita a ideia de que a contratransferência possa ser usada como instrumento tera pêutico ressaltando que o analista não de ve ter reações emocionais intensas com seu paciente procurando reforçar o conceito de empatia De acordo com a ideia corren te de empatia seriam considerados apenas os aspectos positivos da relação do analista com seu paciente Na realidade o termo empatia é decorrente de uma tradução para o inglês da palavra Einfühlung usada por Freud para identificação mas Ribeiro e Zimmermann26 destacam que o termo se ria mais bem traduzido para contratransfe rência pois implica dois tempos projetivo e introjetivo funcionando como uma rela ção objetal como qualquer outra e no caso correspondendo à posição emocional do terapeuta Mesmo que Gitelson23 conside rasse o termo contratransferência como reação à transferência contratransferên cia acreditava que ela poderia ser usada para compreender melhor o paciente Os seguidores da perspectiva clássica de contratransferência defendem o ponto de vista de que a ampliação do conceito torna o termo contratransferência con fuso e faz com que perca sua especificidade além de aumentar a importância da reação emocional do terapeuta tirandoo de sua posição ideal de neutralidade Além disso discordam das críticas dos totalísticos de que seu posicionamento em relação à con tratransferência os deixa mais frios e indi ferentes 314 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O CONCEITO TOTALÍSTICO DE CONTRATRANSFERÊNCIA Esse conceito considera a contratransferên cia um fenômeno normal no processo tera pêutico Nesse sentido ela contém elemen tos da realidade da relação e pode incluir aspectos neuróticos do analista abrangen do suas reações conscientes e inconscientes e podendo ser utilizada como instrumento de compreensão do paciente1426 De acordo com essa visão todos os sentimentos e atitudes do analista em re lação ao paciente são considerados con tratransferência13151820242527 Alguns re presentantes mais radicais desse gru po chegam a sugerir que os sentimentos contratransferenciais sejam revelados aos pacientes142021 Winnicott em seu artigo O ódio na contratransferência Hate in the counter transference20 chamava a atenção para os sentimentos despertados no analista e no psiquiatra por pacientes psicóticos descre vendo uma contratransferência objetiva ou seja medo e ódio conscientes na con tratransferência O trabalho considerado o marco histórico da mudança para uma vi são totalística como já mencionado é o de Paula Heimann On countertransference18 Nesse estudo a autora utiliza o termo con tratransferência para englobar todas as rea ções que o analista experimenta diante de seu paciente A contratransferência é consi derada uma criação do paciente por identifi cação projetiva e portanto pode ser utiliza da como um instrumento terapêutico Heinrich Racker152425 foi o autor mais origi nal e provavelmente com a contribuição mais abrangente e profunda sobre o tema da contra transferência Parece ter sido um dos primeiros a preocuparse com ela pois a estudava desde 1948 na Argentina no entanto só iniciou a pu blicação de seus achados em 1953 Apresenta va uma visão totalística da contratransferên cia incluindo seus aspectos conscientes e in conscientes Considerava que a contratransferên cia opera de três formas a como um obstáculo como no modelo clássico b como importante instrumento para a compreensão das relações de objeto básicas do paciente e c como um campo em que o paciente pode adquirir uma experiência diferente da que teve originalmente Descreveu também a contratransfe rência direta com o paciente e uma forma indireta com familiares do paciente ou até mesmo com colegas Referiu ainda dois tipos de identificação da contratransferên cia a concordante quando o ego do analista se identifica com o do paciente e existe uma sensação de sintonia entre eles b complementar quando o analista se identifica com um objeto interno ou parte não desejada do paciente por exemplo com seu superego com uma correspondente sensação de dissintonia Alertando que mesmo os terapeutas experientes não conseguem evitar identi ficações complementares relacionaas com a parte neurótica da contratransferência Denominou inclusive de neurose de con Psicoterapia de orientação analítica 315 tratransferência sua expressão patológi ca correlacionandoa desse modo com a neurose de transferência MoneyKyrle27 considerava a con tratransferência instrumento terapêutico mas também obstáculo Em seu trabalho A contratransferência normal e alguns de seus desvios salientou que a contratransferência normal está relacionada com a capacidade do analista de exercer funções parentais A empatia e o insight seriam resultantes de uma espécie de identificação do analista com o paciente a qual depende de uma combinação dos impulsos reparadores e destrutivos do próprio terapeuta Grinberg28 também se dedicou a es tudar a contratransferência normal e pa tológica e descreveu um tipo específico de perturbação desta a contraidentificação projetiva Essa situação ocorre quando o paciente utiliza maciçamente a identifica ção projetiva fator não destacado por Ra cker e o analista é de forma inconsciente e passiva levado a adotar o papel em que o paciente está tentando colocálo Poste riormente Grinberg salienta o valor comu nicativo da contraidentificação projetiva para o analista poder perceber mensagens especialmente não verbais Kernberg14 afir ma que um conceito totalístico da contra transferência faz justiça à concepção da situação analítica como um pro cesso de interação no qual passado e presente de ambos os participantes bem como suas mútuas reações ao seu passado e presente fundemse numa única posição emocional envolven doos mutuamente Tal posicionamento antecipase aos estudos posteriores sobre campo analíti co Além disso Kernberg descreve que se o terapeuta utiliza suas reações emocionais para compreender o paciente acaba tendo mais liberdade para observar seus senti mentos Além disso com pacientes grave mente perturbados podem surgir inten sas reações contratransferenciais as quais podem ser utilizadas para a compreensão do paciente Nesse sentido a contratrans ferência constitui importante instrumento diagnóstico fornecendo informação sobre o grau de regressão do paciente o que tam bém é descrito por Vollmer Filho29 Assim quanto mais prematura e intensa a reação emocional do terapeuta com oscilações rá pidas e caóticas mais se pode pensar que o analista está na presença de grave regressão do paciente Ao contrário nos casos de ní vel predominantemente neurótico a inten sidade dessas reações é menor1429 São também considerados seguidores do conceito totalístico de contratransferên cia nos Estados Unidos FromReichman Sullivan e Fromm enfatizando a contra transferência como um fenômeno normal e natural no processo terapêutico13 Em nosso meio Ribeiro e Zimmermann26 po sicionaramse a favor de uma visão totalís tica da contratransferência considerando a como dinâmica e consequência de uma relação objetal inicialmente inconsciente mas logo consciente Somente por meio de uma identificação com o paciente é que o analista poderá entender e ampliar cons cientemente suas percepções Etchegoyen10 também ressalta a utili dade de um conceito mais totalístico para a contratransferência mas alerta para o que chama de contra acting out o acting out do analista mais resultante da sua transfe rência com o paciente do que de sua con tratransferência Tratase assim de confli tos neuróticos do analista que interferem na tarefa terapêutica 316 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs AS REPERCUSSÕES DA VISÃO TOTALÍSTICA DA CONTRATRANSFERÊNCIA A partir da década de 1970 a visão totalís tica da contratransferência passou a ganhar cada vez mais expressão e a influenciar os autores do modelo chamado clássico de contratransferência inclusive nos Esta dos Unidos onde era tratada de maneira muito restrita Essa modificação parece ser decorrente dos achados da importância da contratransferência nos estudos de psica nálise com crianças e pacientes gravemente perturbados psicóticos e borderline entre os quais se destacam os de Kernberg Além disso passouse a evidenciar cada vez mais na situação analítica o aspecto interativo da relação entre analista e paciente com a consequente constatação da importância do envolvimento da pessoa e da mente do te rapeuta no processo de tratamento571114 Um exemplo dessa ampliação é o li vro organizado por Epstein e Feiner de 1979 no qual diferentes autores procuram ressaltar o uso da contratransferência co mo instrumento terapêutico no processo de tratamento Tauber30 defendendo a po sição totalística considera a contratrans ferência como uma situação que oferece a oportunidade de evocar material novo sobre o paciente o analista e a relação dos dois e afirma que isso tudo pode ser utiliza do terapeuticamente No Encontro Anual da Associação Psicanalítica Americana em San Diego em 4 de dezembro de 1984 os palestrantes foram unânimes ao ressaltar a utilidade da contratransferência no tratamento psica nalítico121131 Tyson2 referiu as seguintes áreas de expansão do conceito de contratransferên cia a a contratransferência que era somente vista como inconsciente passou a incluir aspectos conscientes e inconscientes b de apenas uma reação à transferência do paciente passou a englobar todos os sentimentos que o analista apresenta em relação ao paciente c a busca de uma maior compreensão dos mecanismos envolvidos em sua dinâ mica d o reconhecimento das reações contra transferenciais e o uso terapêutico destas e de um obstáculo ao tratamento passou a ser considerada uma ajuda ao terapeuta em seu trabalho O autor concluiu que ainda seguia em aberto a discussão sobre se o paciente de via ser informado dos sentimentos contra transferenciais ou não debate que se pro longa até os dias de hoje e ressaltou o uso da contratransferência como instrumento diagnóstico e de pesquisa Loewald11 considerou impossível se parar a transferência da contratransferên cia afirmando que seriam as duas faces de uma mesma dinâmica Descreveu o uso da segunda no tratamento analítico como fundamental e indispensável Jacobs31 além de adotar uma visão totalística da contratransferência descre veu vários indicadores de reações contra transferenciais pontos cegos atos falhos em relação a honorários horários duração das sessões entre outros frequentes pen samentos sobre o paciente comumente acompanhados de depressão ou outras mudanças de humor uma necessidade re petitiva de falar sobre as sessões com esse paciente bem como sua presença no con teúdo manifesto dos sonhos do analista Além disso chamou também a atenção para as reações contratransferenciais que podem estar presentes Psicoterapia de orientação analítica 317 a nos silêncios do terapeuta b nas modificações de sua neutralidade c em reações de seu sistema autônomo d na indicação de término do tratamento Blum1 limitou a contratransferência aos seus aspectos patológicos mas aceita va que ela poderia ser utilizada para maior compreensão do paciente Procurou tam bém classificála em a positiva ou negativa como a transferên cia b transitória ou persistente c localizada ou difusa d explícita ou sutil e em relação a um paciente ou a todos f em relação a um diagnóstico particular ou a mais diagnósticos Por sua vez os autores kleinianos que já adotavam um conceito mais amplo de contratransferência aprofundaram seu estudo e compreensão particularmente in fluenciados pelas ideias de Bion32 sobre o aspecto comunicativo da identificação pro jetiva da função rêverie materna e da fun ção continente do analista Assim Joseph33 descreveu o uso da contratransferência co mo instrumento positivo na compreensão do paciente em especial pelo impacto da identificação projetiva deste nas reações do analista Pick34 estudou a elaboração que o analista precisa fazer com sua con tratransferência antes de utilizála Assim o terapeuta a princípio tem de tolerar e elaborar dentro de si mesmo os próprios impulsos conscientes e inconscientes bem como seus sentimentos em relação ao pa ciente sujeitandoos ao seu processo de pensamento antes de utilizálos na formu lação da interpretação Considerandose a evolução do con ceito de contratransferência nas décadas de 1970 e 1980 observase que ele foi percor rendo um caminho semelhante ao do con ceito de transferência ou seja de obstáculo para tratamento passou a ser um instru mento fundamental e indispensável para sua realização Constatouse também que as divergências entre os dois conceitos to talístico e clássico foram diminuindo e a visão totalística foi recebendo mais apoio e concordância Surgiram inúmeros traba lhos sobre o tema que passou a ser mo da como costuma ocorrer na psicanálise e também em outras ciências Thomä e Kächele3 chegaram a chamála de a Cin derela da psicanálise Passouse então por um período de exagero na utilização da contratransferên cia em que os sentimentos dos terapeutas seriam provocados predominantemente por seus pacientes A contratransferência era utilizada de uma maneira estereotipada automática e caricatural dando surgimen to a um novo conceito como destacaremos a seguir Ao mesmo tempo essa ampliação do conceito abriu as portas para desenvol vimentos posteriores em relação às teorias do campo analítico e ao uso do conceito de intersubjetividade em psicanálise que en contram crescente interesse desde a década de 1990 até os dias de hoje Essa nova visão da contratransferência permitiu uma reto mada e a ampliação do conceito de atenção flutuante de Freud17 O CONCEITO ESPECÍFICO DE CONTRATRANSFERÊNCIA O conceito totalístico apesar do progres so que trouxe recebeu críticas como as de Thomä e Kächele3 e de Sandler e colabora dores35 no sentido de que não discrimina o que vem do paciente e o que vem do ana 318 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lista Sandler e colaboradores35 sugeriram que se denominasse contratransferência apenas as reações específicas do analista às qualidades específicas do paciente Esses e outros autores alertam para o risco de que o conceito totalístico se transforme em uma espécie de saco de gatos que se con funde com a realidade psíquica do terapeu ta Tansey e Burke36 sugeriram vários cri térios para tentar discriminar na mente do terapeuta qual a fonte de seus sentimentos em cada momento da sessão Assim o tera peuta deveria formular e responder ques tões sobre o que está sentindo e pensando antes e durante a sessão tentando identifi car dentro do possível a fonte de suas res postas emocionais ao paciente Esses alertas nos levam a considerar que no curso de uma sessão pode haver duas fontes que produzem as manifestações emocionais do terapeuta sua transferência em relação ao pa ciente e sua contratransferência No primeiro caso estariam incluídos sentimentos ideias e comportamentos dirigidos ao paciente a par tir da história pessoal do terapeuta ou de situa ções de sua vida atual transferidos sobre ou para dentro do paciente A mas também do pa ciente B e não provocados por estes A contra transferência se manifesta quando é possível identificar que parte do self do paciente ou de suas fantasias está sendo colocada dentro da mente do terapeuta e provocando uma reação ideia ou comportamento37 Em uma pesquisa recente sobre o en sino da contratransferência na supervisão analítica observouse que entre analistas didatas e candidatos de um instituto psica nalítico de Porto Alegre embora predomi nasse a visão totalística o ponto de vista es pecífico foi destacado e adotado por vários entrevistados38 Além de sua inegável centralidade no campo analítico a contratransferência tem sido pesquisada em várias situações da prá tica psicoterápica de orientação analítica dando origem a um instrumento para sua avaliação e a vários estudos realizados em nosso meio3942 AS CONTROVÉRSIAS ATUAIS SOBRE A CONTRATRANSFERÊNCIA A visão totalística da contratransferência se expandiu com o passar do tempo e mui tos autores acreditam hoje que todas as reações do terapeuta suas ideias fantasias sentimentos ações reações e mesmo inter pretações são consideradas contratrans ferência4 Outros autores como referido questionam essa visão De qualquer forma já não há mais dúvidas sobre a centralida de da contratransferência para a prática psicanalítica e psicoterápica Como refere Green43 a contratransferência não se limi ta mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos ou não analisados do analista capazes de falsear sua escuta tornase o correlato da transferência caminhando a seu lado induzindoa às vezes e para alguns precedendoa Também parece não haver muitas dúvidas quanto à possibilidade de a con tratransferência ser utilizada como instru mento de compreensão e diagnóstico do paciente As controvérsias atuais se refe rem predominantemente à melhor ma neira de utilizar a contratransferência bem como aos cuidados necessários para sua inclusão no processo de entender os acon tecimentos do campo analítico Psicoterapia de orientação analítica 319 Uma discussão recente e significativa referese à ideia de que a contratransferên cia não é apenas uma criação do paciente devendose considerar também a parte do terapeuta ou seja sua transferência em re lação ao paciente e a sua neurose Essa pers pectiva implica uma revisão dos trabalhos de Heimann e Racker considerando que o analista não é um continente vazio que vai ser apenas preenchido com as projeções do paciente Com essa visão a importância da autoanálise e da análise do terapeuta vai sendo cada vez maior4 Como decorrência dessa mudança surge um novo desafio o reconhecimento da dificuldade de separar na contratransferência a parte relacionada a uma resposta ao paciente da parte que é vinculada à neurose do terapeuta ou a sua personalidade como destacamos no item anterior A contribuição de Pick34 tornase fun damental pois somente após uma maior elaboração da contratransferência den tro de nós mesmos poderemos entender o papel que o paciente desempenhou na mo bilização de nossas reações Manfredi4 refere que podemos perceber a contra transferência por meio de um malestar emocional e o primeiro passo deve ser o de tentar compreender qual o papel que o paciente tem em sua gênese O autor alerta que devemos tomar cuidado nesses mo mentos para não fazer uma interpretação expulsiva apenas para nos livrarmos desse malestar Alguns autores atuais consideram que a maior dificuldade do trabalho terapêutico reside na tolerância da contratransferência por parte do terapeuta caso ele tenha condições isso po derá servir de ajuda para o paciente inclusive produzindo mudança psíquica Tratase de poder tolerar melhor as reações contratransferenciais como diz Manfredi4 ter uma relação diferente mais amigável com suas respostas con tratransferenciais internas não as consi derando algo indesejável mas uma parte do processo de compreensão do paciente passando pela empatia pela intuição e pe lo trabalho de elaboração da contratrans ferência O paciente observa atentamente como o analista lida com suas próprias rea ções internas e se este consegue conter a contratransferência atuandoa o mínimo possível isso poderia levar a uma melhora do paciente por meio da reintrojeção de aspectos de si próprio decorrente mais de uma interação não verbal do que de uma interpretação334 De maneira semelhante às descrições de Bion e de outros autores kleinianos sobre a função de continência e a utilização da mente do analista no pro cesso terapêutico acreditamos que esse tipo de cuidado com a contratransferência seja particularmente significativo com pa cientes que apresentam problemas com a simbolização e por extensão muitas difi culdades na verbalização Outra tendência atual se refere a bus car a compreensão da contratransferência não no terapeuta mas ao contrário nas reações do paciente São autores dessa cor rente Schwaber Gill e Hoffman A ideia central é a de tentar observar no paciente a nossa contratransferência ou seja como ele está reagindo a nós e ao que dizemos Seria algo próximo a nos buscar no pacien te o que permite corrigir nossas interven ções e até aprender sobre nós mesmos4 Pensamos que essas ideias se aproximam das afirmações de Bion de que o paciente é nosso melhor colega as quais foram pro fundamente ampliadas pelos trabalhos de Ferro44 na Itália 320 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Outros aspectos recentes da contratransferên cia dizem respeito a suas relações com o gê nero e ao momento do ciclo vital de paciente e terapeuta Distintos momentos do ciclo vital e o gênero da dupla configuram diferentes día des e permitem o estabelecimento de variadas configurações transferenciaiscontratransfe renciais Assim é importante considerar não só as características da personalidade do te rapeuta como também aquelas específicas da etapa do ciclo vital em que se encontra e a for ma como esse emaranhado de expressões in conscientes e conscientes se enlaça com as respectivas expressões do que está acontecen do com o paciente3745 Solo comum da clínica psicanalítica atual como propõe Gabbard46 a contra transferência é um instrumento igualmen te essencial para a prática da psicoterapia psicanalítica embora guardando algumas diferenças que não podem ser negligen ciadas Pela menor frequência de sessões e pela circunstância de paciente e terapeuta estarem face a face a observação a identifi cação e a utilização da contratransferência encontram maiores dificuldades na práti ca psicoterápica Devese considerar que é uma situação em que existe um balanço entre elementos inconscientes e as pessoas reais de terapeuta e paciente o que torna mais difícil e demanda mais atenção para perceber os derivados da transferência e da contratransferência nas manifestações emocionais e comportamentais da dupla Em relação à confissão ou à comuni cação da contratransferência para o pacien te observase muita discussão na literatura atual A maioria dos autores continua pen sando que isso pode trazer problemas para a neutralidade do terapeuta47 além de não contribuir para o processo psicoterápico ou até sobrecarregar o paciente Entretanto o terapeuta não deve se esconder ou estimu lar com seu silêncio um possível ataque à percepção do paciente Não negando a ocorrência de alguma atitude inadequada movida por derivados contratransferen ciais o terapeuta pode estimular o paciente a associar o que tal situação lhe provocou e assim dar sequência ao exame do ma terial que constitui as diversas expressões do campo psicoterápico Manfredi4 de fende que o debate sobre a possibilidade eventual e oportuna de comunicar a con tratransferência deve ficar em aberto apro fundandose seus estudos Gostaríamos de estender esse alerta para todo conceito de contratransferência procurando deixálo aberto e flexível favorecendo desse modo cada vez mais estudos e aprofundamentos para um tema de tanta complexidade Autores contemporâneos defendem que a encenação enactment é um processo contínuo onipresente e que o terapeuta es tá sempre revelando sua contratransferên cia Assim esta e a encenação não podem ser diferenciadas de forma significativa48 Além disso é por meio das suas encenações que o terapeuta vai tomar consciência de sua contratransferência49 Sob outro enfo que Steiner50 procura fazer uma distinção nas reações do terapeuta entre conter e agir Conter estaria relacionado a sentir e pensar e definiria a contratransferência A ação do analista seria a encenação Se gundo essa visão a encenação constitui um obstáculo à conscientização da contra transferência e decorre de uma resistência de sua parte Assim deveríamos sentir es pontaneamente mas agir reflexivamente No entanto observamos que a capacidade de agir reflexivamente é com alguma fre quência perdida e recuperada no processo terapêutico Um terceiro grupo de autores re presentado por Carpy51 considera que as encenações contratransferenciais parciais são tão inevitáveis quanto necessárias para o paciente reintrojetar seus aspectos cindi Psicoterapia de orientação analítica 321 dos A contratransferência é assim expres sa e tolerada Em suma a impulsividade as excitações e as ações irracionais e impen sadas do terapeuta devem ser submetidas a um processo de conscientização Devemos poder passar de nossas encenações para uma elaboração de nossa contratrasferência Como destacou Hinshelwood52 to das as ideias atuais da contratransferência destacam que a identidade do analista in clui uma pessoa que sente ou seja há uma identidade profissional que convive com a pessoal e dessa mescla dependerão os su cessos e fracassos no trabalho clínico Tal vez esse tenha sido um dos progressos mais importantes de nossa disciplina nas últimas décadas e o desafio que enfrentamos con siste em continuar desenvolvendo e apro fundando a compreensão sobre a complexa trama que é produzida por duas mentes e sensibilidades que compartilham o encon tro analítico e psicoterápico PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A contratransferência foi inicialmente percebida por Freud e seus contemporâneos como um obstáculo para o tratamento 2 A partir dos trabalhos de Racker e Heimann surgiu o conceito totalístico considerando que a contra transferência constitui a totalidade das reações do terapeuta e é um instrumento essencial para ter acesso ao mundo interno do paciente 3 Nas últimas décadas tem sido proposto o conceito específico procurando identificar o que provém do terapeuta e o que provém do paciente em cada situação da relação terapêutica 4 Com o crescente estudo da mente do analista cada vez mais se procura levar em consideração como funciona sua mente em contato com a do paciente e identificar as encenações produzidas nessa rela ção mutuamente provocadora de emoções e estados psíquicos complexos 5 A contratransferência também pode ser influenciada por questões como o gênero e o momento do ciclo vital de paciente e terapeuta e constitui uma área de crescentes pesquisas em psicanálise e psicotera pia analítica REFERÊNCIAS 1 Blum HP Countertransference and the theo ry of technique discussion J Am Psychoanal Assoc 198634230928 2 Tyson RL Countertransference evolution in theory and practice J Am Psychoanal Assoc 198634225174 3 Thomä H Kächele H Countertransferen ce In Thomä H Kächele H Psychoanalytic practice Berlin SpringerVerlag c1987 p 8197 4 Manfredi ST As certezas perdidas da psica nálise clínica Rio de Janeiro Imago 1998 5 De Bernardi BL Contratransferência uma perspectiva a partir da América Latina In Livro Anual de Psicanálise São Paulo Escu ta 2002 v 16 p 217237 6 Spitz RA Countertransference comments on its varying role in the analytic situation In Blum HP editor Psychoanalytic explora tions of technique New York International Universities c1980 p 44151 7 Lewkowicz S Diferentes conceitos de con tratransferência Porto Alegre Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre 1986 8 Michels R Abensour L Eizirik CL Rusbrid ger R Key papers on countertransference IJP education section London Karnac 2002 322 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 9 Freud S As perspectivas futuras da terapêu tica psicanalítica In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v 11 10 Etchegoyen RH Contratransferência In Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 p 14365 11 Loewald HW Transferencecountertransfe rence J Am Psychoanal Assoc 1986342 27587 12 Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 13 Epstein L Feiner AH Introduction In Eps tein L Feiner AH editors Countertransfe rence New York J Aronson 1979 p 123 14 Kernberg OP Notes on countertransference J Am Psychoanal Assoc 19651313856 15 Racker H Os significados e usos da con tratransferência In Racker H Estudos so bre técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1982 p 12057 16 Ferenczi S A técnica psicanalítica In Feren czi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 Obras completas v 4 p 35767 17 Lewkowicz S A atenção flutuante a regres são e a mente do analista Revista de Psica nálise da SPPA 200212341747 18 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 19 Jacobs TJ Countertransference past and present In Michels R Abensour L Eizirik CL Rusbridger R Key papers on counter transference IJP education section London Karnac 2002 p 740 20 Winnicott DW Hate in the countertransfe rence Int J Psychoanal 19493026974 21 Little M Countertransference and the pa tients response to it Int J Psychoanal 1951 3213240 22 Reich A On countertransference Int J Psychoanal 19513212531 23 Gitelson M The emotional position of the analyst in the psychoanalytic situation Int J Psychoanal 1952331110 24 Racker H A neurose da contratransferência In Racker H Estudos sobre técnica psica nalítica São Paulo Artes Médicas 1982 p 10019 25 Racker H Sobre técnica clássica e técnicas atuais da psicanálise In Racker H Estudos sobre técnica psicanalítica São Paulo Artes Médicas 1982 p 5563 26 Ribeiro RP Zimmermann D Notas sobre la contratransferencia Revista de Psicoanálisis 1968253484762 27 MoneyKyrle RE Normal countertrans ference and some of its deviations Int J Psychoanal 195637453606 28 Grinberg L On a specific aspect of con tratranference due to the patients pro jective identification Int J Psychoanal 196243643640 29 Vollmer Filho G Conceito e diagnóstico de neurose em Psicanálise Rev Psiquiátr RS 198572957 30 Tauber ES Countertransference reexami ned In Epstein L Feiner AH editors Coun tertransference New York J Aronson 1979 p 5969 31 Jacobs TJ On countertransference enact ments J Am Psychoanal Assoc 1986342 289307 32 Bion WR O aprender com a experiência Rio de Janeiro Imago 1991 33 Joseph B On understanding and not un derstanding some technical issues Int J Psy choanal 198364Pt 32918 34 Pick IB Working through in the counter transference Int J Psychoanal 1985662 15766 35 Sandler J Holder A Dare C Basic psycho analytic concepts IV Countertransference Br J Psychiatry 1970117536838 36 Tansey MJ Burke VF Understanding coun tertransference from projective identifica tion to empathy Hillsdale Analytic 1989 37 Eizirik CL Masculinidad feminidad y rela ción analítica cuestiones contratransferen ciales In Alcorta de Gonzáles A editor Psi coanálisis en América Latina teoría y técni ca Monterrey FEPAL 1996 p 12138 38 Zaslavsky J Nunes MLT Eizirik CL A su pervisão psicanalítica uma revisão e uma Psicoterapia de orientação analítica 323 proposta de sistematização R Psiquiatr RS 2003252297309 39 Eizirik CL Costa F Kapczinski F Piltcher R Gauer R Libermann Z Observing counter transference in brief dynamic psychothera py Psychother Psychosom 1991563174 81 40 Eizirik CL Rede social estado mental e con tratransferência estudo de uma amostra de velhos da região urbana de Porto Alegre tese Porto Alegre UFRGS 1997 41 Eizirik M Schetatsky S Kruel L Ceitlin LHF Contratransferência no atendimento inicial de mulheres vítimas de violência sexual Rev Bras Psiquiatr 20113311622 42 Silveira Júnior EM Polanczyk GV Eizirik M Hauck S Eizirik CL Ceitlin LHF Trau ma and coutertransference development and validity of the Assessment of Counter transference Scale ACS Rev Bras Psiquiatr 20123422016 43 Green A Narcisismo de vida narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 44 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 45 Lester EP Aspectos relativos al género e identidad en el proceso analítico In Libro anual de psicoanálisis Londres The British PsychoAnalytical Society 1990 v 6 p 203 14 46 Gabbard GO Countertransference the emerging common ground Int J Psychoa nal 199576Pt 347585 47 Eizirik CL Entre a escuta e a interpretação um estudo evolutivo da neutralidade psi canalítica Revista de Psicanálise da SPPA 19931994111942 48 Levenson EA Response do John Steiner Int J Psychoanal 20068723214 49 Renik O The analysts subjectivity and the analysts objectivity Int J Psychoanal 1998 79Pt 348797 50 Steiner J Transference to the analyst as an excluded observer Int J Psychoanal 2008 8913954 51 Carpy DV Tolerating the countertransfe rence a mutative process Int J Psychoanal 198970Pt 228794 52 Hinshelwood RD Countertransference In Michels R Abensour L Eizirik CL Rusbrid ger R Key papers on countertransference IJP education section London Karnac 2002 LEITURA SUGERIDA Ivey G Controversias sobre la actuación enact ment una revisión crítica de los debates actuales In Libro anual de psicoanálisis São Paulo Escuta 2009 v 24 p 2742 Fronteiras profissionais são componentes que constituem a estrutura terapêutica Elas podem ser consideradas a representa ção de uma margem ou limite do com portamento adequado do psicoterapeuta psicanalítico na situação clínica1 A noção fundamental inerente ao conceito de fronteiras profissionais é a de que a atenção aos aspectos básicos da natureza profissio nal do relacionamento terapêutico servirá para criar uma atmosfera de segurança e previsibi lidade que facilita a capacidade do paciente de usar o tratamento Terapeutas são profissionais que es tão sendo pagos para um serviço e portan to devem reconhecer que um poder dife rencial sempre existe na psicoterapia psica nalítica de um paciente Mesmo quando os terapeutas asseguram fidelidade a modelos teóricos relacionais e intersubjetivos que enfatizam mutualidade o fato de serem pagos por seus serviços estabelece um rela cionamento fiduciário Muito da recente atenção às viola ções das fronteiras profissionais derivou de um crescente conhecimento dos casos de relações sexuais entre terapeutas e pa cientes e dos danos relacionados a essas transgressões26 Assim como o incesto foi escondido do cenário por muitas dé cadas até que as mulheres tiveram cora gem suficiente para falar com franqueza as violações da fronteira sexual vieram à tona apenas nos últimos anos quando elas sentiram ter poder para queixarse a órgãos competentes e comitês de ética Outras fronteiras significativas que não envolvem contato físico são elementos como a hora e o lugar de uma entrevista sua duração a confidência a evitação de relacionamento social ou financeiro com um paciente que poderia afetar a relação a excessiva autorrevelação pelo terapeuta e a recusa delicada de presentes generosos do paciente Mesmo que esses parâmetros constumem ser considerados a arquitetu ra da estrutura terapêutica137 um con junto de qualidades humanas que definem a interação também está incluso nessa es trutura Os psicoterapeutas psicanalíticos tentam ser úteis e imparciais entender em vez de criticar e estar dispostos a privarse de sua própria gratificação no interesse de 18 VIOLAÇÕES DAS FRONTEIRAS PROFISSIONAIS Glen O Gabbard Psicoterapia de orientação analítica 325 ajudar seus pacientes naquilo que os trou xe ao tratamento HISTÓRIA Apesar de as violações da fronteira profis sional apenas recentemente terem recebido a atenção que merecem Freud estava bas tante preocupado com as transgressões de seus discípulos desde os primórdios da psi canálise8 Sandor Ferenczi analisava Elma Palos filha de sua amante Gizella Palos e apaixonouse por ela Se Ferenczi teve ou não relações sexuais com ela não se sabe mas certamente confessou seu amor e era fisicamente afetuoso com Elma9 Carl Jung esteve envolvido com Sabina Spielrein Wi lhelm Stekel era bem conhecido como um sedutor de mulheres Ernest Jones indicou em uma carta a Freud que a mulher com quem vivia Loë Kann também tinha sido sua paciente Freud estava tão preocupado com o impacto de vastador da transferência e da contratransfe rência em seus discípulos que seus primeiros ensaios sobre técnica soavam como uma ver são dos Dez Mandamentos designados a ad vertir seus alunos sobre possíveis transgres sões das fronteiras profissionais Um bom exemplo pode ser encontra do na seguinte passagem do ensaio de 1912 de Freud Recomendações aos médicos que praticam psicanálise10 Não posso aconselhar insistentemen te demais a meus colegas para espelha remse durante o tratamento psica nalítico no cirurgião que põe de lado todos seus sentimentos mesmo a sim patia humana e concentra suas forças mentais no único objetivo de realizar a operação o mais habilmente pos sível Essa rigorosa proibição pode ter leva do seus supervisionados e muitos analistas em gerações subsequentes a sentir que de viam ocultar os sentimentos que estivessem desenvolvendo em vez de discutilos ativa mente com supervisores ou consultores O próprio Freud era bem mais do que uma figura anônima ou neutra De acordo com alguns de seus pacientes que relataram suas experiências11 sua presença estava bastan te em evidência para os pacientes Ele não fazia nenhum esforço para disfarçar seus julgamentos pessoais sobre questões que surgiam Muitas vezes era bastante dog mático e expressava sentimentos fortes em relação aos pacientes Todavia apesar de seu próprio comportamento ele estava pre ocupado com o fato de que representações contratransferenciais irrefletidas pudessem afundar sua nova profissão antes que ela es tabelecesse credibilidade Nas três últimas décadas cada vez mais os comitês de ética e conselhos de classe têm visto exemplos claros do dano infligido a pacientes por vários tipos de violações de fronteira Como resultado as profissões estão agora muito mais alertas para o problema e o véu do sigilo foi le vantado Há uma quantidade modesta de literatura sobre o assunto de violações de fronteira mas inúmeros exemplos de casos sugerem alguns dos temas psicodinâmicos envolvidos nessas transgressões VIOLAÇÕES DE FRONTEIRA E CRUZAMENTO DE FRONTEIRA Como resultado da ênfase recente no da no provocado por violações de frontei 326 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ras alguns terapeutas iniciantes assumem uma postura de rigidez e distanciamento em seus relacionamentos com os pacien tes para assegurar que as fronteiras per maneçam intactas Essa abordagem é um equívoco grave do papel das fronteiras na prática A estrutura deve sempre ser flexível o suficiente para acomodar diferenças individuais entre pa cientes e terapeutas Fronteiras de forma algu ma sugerem frieza ou indiferença Elas são ca racterísticas estruturais do relacionamento que permitem ao terapeuta interagir com cordia lidade empatia e espontaneidade sob certas condições que criam um clima de segurança As fronteiras externas do tratamento são esta belecidas de modo que as fronteiras psicológi cas entre paciente e terapeuta possam ser cru zadas por inúmeros meios como empatia pro jeção introjeção e identificação projetiva3 Cada díade terapeutapaciente cria sua forma particular de interagir por meio de um processo de negociação Com al guns pacientes o terapeuta usará humor para favorecer a aliança terapêutica Com outros que acham que o humor é às suas custas ele se absterá de comentários bem humorados De maneira similar alguns pacientes podem necessitar de um terapeu ta um pouco mais autorrevelador Outros ainda conseguem tolerar frustração apenas se alguma gratificação for oferecida Os te rapeutas estão constantemente ajustando a estrutura a fim de que ela seja um pouco diferente para cada paciente Da mesma forma alguns terapeutas são por natureza reservados enquanto outros são mais aber tos de modo que certos componentes da estrutura como a autorrevelação podem ser influenciados também pela subjetivida de inerente ao terapeuta31213 A necessidade de flexibilidade na conceitualiza ção e implementação de fronteiras profissionais leva a uma diferenciação útil entre violações de fronteira e cruzamento de fronteira1314 Violações de fronteira envolvem trans gressões que são potencialmente prejudi ciais para o ou exploradoras do paciente Elas podem ser sexuais ou não Costumam ser repetitivas e o terapeuta tende a de sencorajar qualquer exploração delas Ao contrário os cruzamentos de fronteira são rupturas benignas e até úteis na estrutura Em geral são atenuados de modo que não têm natureza evidente costumam ocorrer de forma isolada sendo discutíveis na tera pia ver Quadro 181 QUADRO 181 CRUZAMENTOS DE FRONTEIRA VERSUS VIOLAÇÕES DE FRONTEIRA Cruzamentos de fronteira Violações de fronteira Geralmente benignos Geralmente prejudiciais Ocorrem de forma isolada Tendem a ser repetitivas Atenuados Evidentes Tendem a ser examinados Terapeuta desencoraja qualquer discussão Psicoterapia de orientação analítica 327 A ênfase na diferenciação entre cru zamentos e violações deriva em parte da inevitabilidade das respostas humanas em situações incomuns no decorrer da terapia Após a morte de um membro próximo da família o paciente pode chegar ao terapeu ta soluçando e esperando um abraço Se o terapeuta deixa de dar o abraço o paciente pode ficar desolado e não voltar para outra consulta A falha em ser humano em situa ções extraordinárias pode ser um erro mais grave do que ver a fronteira em questão co mo inflexível Todavia se o terapeuta toma a iniciativa e em várias ocasiões abraça o paciente isso pode ser um prenúncio de transgressões de fronteira progressivamen te prejudiciais Nem todas as violações de fronteira não se xuais levam a conduta sexual imprópria mas há um fenômeno bem conhecido denominado terreno escorregadio que envolve a pro gressão gradual de violações de fronteira damais su til e não sexual ao franco envolvimento se xual1315 Mesmo sendo grande o alarde sobre a progressão de pequenas rupturas na es trutura até relações sexuais entre terapeuta e paciente há também tipos prejudiciais de violações de fronteira que refreiam qual quer contato físico A vinheta apresentada a seguir ilustra como a autorrevelação pode destruir a terapia Nessa vinheta o terapeuta tirou van tagem da vulnerabilidade da paciente usan do o tempo para discutir suas próprias questões da vida pessoal Ele perdeu de vista o aspecto fundamental de que o foco são os problemas do paciente e não os do terapeuta Propositalmente o relaciona mento terapêutico é assimétrico Mesmo que a ruptura inicial na estrutura não te ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Um terapeuta de 41 anos estava atendendo a uma paciente de 36 anos em psicoterapia de orientação ana lítica duas vezes por semana A paciente notou que ele parecia distraído e perguntoulhe se alguma coisa o estava incomodando Ele respondeu que seu filho tinha sido diagnosticado com uma forma de leucemia e que estava muito preocupado com o resultado A paciente foi simpática e disse que admirava sua disposi ção em ser honesto com ela e em compartilhar detalhes de sua vida pessoal Ela até se sentiu mais próxima por causa de tal revelação Entretanto a cada sessão subsequente a terapia desviava seu foco Toda vez que a paciente chegava perguntava ao terapeuta como estava seu filho O terapeuta parecia aliviado por ter uma paciente que se preocupava com sua situação e lhe contava detalhadamente sobre a quimiotera pia que o filho estava recebendo e sua resposta ao tratamento Também compartilhava seus próprios sen timentos de culpa e impotência Depois de um período de várias semanas a paciente percebeu que passa va mais tempo escutando o relato da doença e do tratamento do filho do terapeuta Por fim ela sentiu que não podia mais consultar com o terapeuta porque estava lhe pagando honorários para ouvir os problemas dele Profundamente ressentida decidiu sair da terapia sem explicar a razão pois não queria ferir os sen timentos do terapeuta 328 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nha progredido para má conduta sexual o mau uso da terapia pela revelação de seus problemas pessoais foi em si uma violação de fronteira que teve efeitos nocivos sobre a paciente e a terapia Violações não sexuais de fronteira O fato de que as violações não sexuais de fronteira podem ser altamente prejudi ciais para o paciente exige monitoração cuidadosa da contratransferência como uma maneira de perceber os primeiros passos nesse terreno escorregadio Ence nações enactment contratransferenciais hoje são consideradas uma forma de cria ção conjunta envolvendo conflitos do próprio terapeuta bem como a evocação de certas respostas neste que refletem o mundo objetal interno do paciente16 Co mo consequência quando há um engate específico entre o mundo objetal interno do paciente e o do terapeuta este pode ser propenso a reencenar alguma coisa preju dicial ao paciente como resultado da iden tificação projetiva Por exemplo pacientes com traumas da primeira infância inter nalizaram um cenário de relações objetais envolvendo uma vítima e um abusador O terapeuta pode identificarse com o objeto interno abusado e de forma in voluntária vitimizar o paciente Mesmo que algumas violações de fronteira não sexuais envol vam terapeutas inescrupulosos e explora dores a maioria representa a confluência de erro clínico e má conduta ética basea da em encenações contratransferenciais Ainda que a flexibilidade seja necessária ao manejo das fronteiras profissionais algumas diretrizes podem ser úteis em relação a inúmeras questões de fronteira específicas Tempo Quando os terapeutas descobremse prolon gando regularmente a sessão bem além do fi nal da hora devem perguntarse sobre os mo tivos disso No início da terapia é necessário explicar aos pacientes a estrutura de tempo em ter mos de hora bem como as razões para ter minar a sessão mais ou menos na hora esta belecida mesmo quando o paciente estiver perturbado Outra área a monitorar envol ve a marcação de sessões à noite Pacientes que têm transferências eróticas ou que são extraordinariamente exigentes devem ser atendidos de preferência durante o horá rio regular de trabalho quando funcioná rios e colegas estão trabalhando no prédio Os comitês de investigação de ética levan tam algumas questões quando pacientes são recebidos tarde da noite após todos terem ido para casa Os terapeutas devem pensar com cuidado sobre que mensagem estão enviando aos pacientes se os atendem às 8 ou às 9 horas da noite Local de contato A psicoterapia de orientação analítica cos tuma ser conduzida em uma instituição hospitalar ou no consultório do profissio nal Marcar uma sessão em outro lugar que não estes pode levantar dúvidas na mente do paciente sobre o propósito do encontro Pode haver circunstâncias raras em que lo cais de encontro diferentes são necessários Um paciente que está morrendo de câncer pode ser visitado em casa por exemplo Encontros fora do consultório por razões obscuras devem alertar o terapeuta para o risco de graves violações de fronteira Psicoterapia de orientação analítica 329 Como princípio geral qualquer encontro em lo cal incomum diferente do consultório habitual deve ser parte de um plano de tratamento cui dadosamente planejado e que tenha sido de senvolvido com a assistência de um consultor ou supervisor Dinheiro e presentes Os pacientes pagam aos terapeutas por seu tratamento porque a psicoterapia é um tra balho árduo Terapeutas que permitem o acúmulo de grandes contas sem perguntar pelo pagamento ou que param de cobrar honorários podem passar uma mensagem problemática Se um paciente não paga pelo tratamento ele pode imaginar que o terapeuta espera receber alguma coisa em troca Pacientes que recebem tratamento gratuito também podem sentir que não têm o direito de expressar raiva ou decep ção com o terapeuta porque não estão pa gando pelo tratamento Assim a falha em cobrar pagamento ou estabelecer honorá rios deve servir como sinal de alerta a pos síveis problemas de fronteiras Uma grande doação de dinheiro ou um presen te extremamente caro para o terapeuta tam bém pode prenunciar uma possível violação de fronteira Terapeutas que aceitam esse tipo de presente talvez estejam sendo coniventes com o desejo do paciente de suprimir rai va ou agressividade Pequenos presentes especialmente aqueles feitos pelo paciente ou que custam muito pouco podem ser aceitos de forma cortês sob algumas cir cunstâncias Entretanto mesmo pequenos presentes devem ser discutidos em termos de seu significado para o paciente Pacien tes abastados que tentam dar ao terapeuta alguma coisa de grande valor podem pen sar então que o tratamento está sob seu controle Essa vinheta ilustra como os terapeu tas podem às vezes ficar inseguros sobre se aceitar o presente é melhor para o paciente ou não Como no caso descrito eles sem pre podem sentirse livres para adiar uma decisão até que tenham buscado aconse lhamento de um consultor ou supervisor ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Uma terapeuta em treinamento recebeu um colar de diamantes de uma paciente próximo do final de uma psicoterapia psicanalítica de longo prazo A paciente disse à terapeuta Eu quero que você aceite este pre sente como expressão de minha gratidão Sei que não vai rejeitálo porque mais do que qualquer pessoa sabe o quanto me doía quando minha mãe não aceitava meus presentes A terapeuta ficou em um dile ma achou que o colar de diamantes era muito caro para aceitar mas também sabia que poderia arrasar sua paciente como a mãe já o fizera se o rejeitasse Após refletir um pouco disse à paciente que estava em conflito em relação a aceitar o presente e que gostaria de conversar com seu supervisor sobre isso antes de tomar uma decisão Afirmou que manteria o presente na gaveta de sua mesa até a sessão seguinte de modo que teria tempo para conversar sobre o assunto A paciente aceitou essa explicação e ficou prepara da para a possibilidade de a terapeuta ter que rejeitar o presente Após falar com o supervisor a terapeu ta percebeu que não poderia justificar a aceitação de um presente tão caro e explicou à paciente as razões para rejeitálo Esta ficou magoada mas foi capaz de aceitar a explicação da terapeuta 330 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Autorrevelação A autorrevelação pode ser prejudicial pa ra o paciente sempre que a assimetria do relacionamento terapêutico for alterada por causa dela Diretrizes rígidas são di fíceis nesse sentido porque todos os te rapeutas revelam coisas sobre si mesmos todo o tempo Expõem informações sobre si em seus consultórios graças à forma como decoram as paredes às fotografias que estão nas estantes e às obras de arte que escolhem Também fazem autorre velações quando decidem comentar so bre certos temas e não sobre outros em relação àqueles que o paciente traz para a sessão Muitas revelações contratrans ferenciais sobre a situação aquieagora com o paciente podem e devem ser pro veitosamente exploradas Se um paciente borderline por exemplo pergunta a um terapeuta obviamente irritado se ele es tá aborrecido o terapeuta pode desejar validar a observação do paciente e tentar explorála com ele para imaginar que ti po de interação o irritou Porém outros sentimentos contratransferenciais como desejos sexuais pelo paciente devem ser contidos dentro da mente do terapeuta e aí elaborados Como consideração geral os terapeutas devem absterse de partilhar materiais sobre suas vi das privadas que possam sobrecarregar o pa ciente Alguma informação superficial po de ser útil Por exemplo um terapeuta tratando um adolescente pode conversar sobre eventos esportivos a que ambos as sistiram ou sobre um filme que tenham visto Material sobre a família ou os filhos do terapeuta de preferência não deve ser compartilhado Além disso os terapeutas devem evitar conversar com o paciente so bre problemas pessoais Contato físico não sexual Na psicoterapia rotineira de consultório o ideal é que a extensão do contato físico limitese a apertos de mão Entretanto é difícil generalizar e dizer que um abraço nunca é aceitável Conforme observado anteriormente quando tragédias ocorrem na vida do paciente uma resposta humana pode ser devolver um abraço iniciado por ele Esses cruzamentos de fronteira podem ser discutidos mais tarde em termos de seu significado para o paciente O problema contudo é que quando o terapeu ta toma a iniciativa de um abraço ou beijo no paciente não se pode saber antecipadamente como este experimentará a abertura O impacto sobre o paciente pode ser bastante diferente da intenção do terapeu ta17 Pacientes que têm história de trauma sexual por exemplo talvez experimentem um abraço ou mesmo um toque como agressivos Além disso os terapeutas não podem ter certeza de seus desejos incons cientes quando iniciam um abraço mesmo que conscientemente acreditem que não haja conotação sexual Como consequên cia qualquer forma de contato físico além de um aperto de mão deve ser um evento extraordinário no curso de um processo de psicoterapia Ele deve ser iniciado na maioria dos casos pelo paciente discutido em termos de seu significado e não repe tido Psicoterapia de orientação analítica 331 PERFIS DE TERAPEUTAS QUE COMETEM VIOLAÇÕES DE FRONTEIRA Ainda que a maioria dos casos de má con duta sexual ocorra em uma díade caracte rizada por terapeuta do sexo masculino e uma paciente do sexo feminino aproxi madamente 20 dos casos acontece com terapeuta mulher que se envolve em rela ções sexuais com um paciente do sexo fe minino ou masculino6 Outros 20 dos casos ocorrem em díades do mesmo sexo Em minha experiência clínica acompanhei mais de 150 terapeutas que se envolveram em violações de fronteira graves com seus pacientes tanto sexuais quanto não se xuais Cumpri o papel de avaliador con sultor e terapeuta para esses colegas e iden tifiquei quatro categorias de base psicana lítica que considerei úteis em meu próprio trabalho318 Transtornos psicóticos Este grupo é uma categoria extremamen te pequena que envolve terapeutas cujo comportamento sexual com pacientes bro tou de pensamento delirante secundário a mania esquizofrenia ou outro transtorno psicótico Menciono aqui apenas de passa gem para fins de complementação porque ele figura de forma infrequente nas origens de violações de fronteira graves cometidas por terapeutas Psicopatia predatória e parafilias Esta categoria de terapeutas não é tão rara quanto o grupo psicótico Mesmo que al guns terapeutas que se enquadram neste grupo sofram de transtorno da persona lidade antissocial conforme critérios do Manual diagnóstico e estatístico de trans tornos mentais DSM5 outros têm transtorno da personalidade narcisista grave e apresentam comportamento psi copático pelo qual não sentem remorso ou culpa As parafilias são incluídas nes ta categoria não porque todos os médicos com perversões sexuais sejam psicopatas predatórios mas porque aqueles que en cenam suas perversões com pacientes que estão tratando tendem a ter a mesma pa tologia de caráter e déficits de ego subja centes que tipificam o grupo de psicopa tia predatória Os terapeutas nesta categoria em geral ho mens às vezes ocupam posições de liderança dentro das organizações profissionais e come çam a pensar que os códigos de ética de suas profissões não mais se aplicam a eles Tiram vantagem de sua posição como objeto transferencial e de forma sádica e exploratória abusam de seu poder Podem ter histórias de comportamento corrupto ou antiético também em outras áreas Em geral têm muitas vítimas e carecem da ca pacidade de empatizar com os pacientes que exploraram de modo a negar que qual quer dano foi causado a estes Podem ar gumentar que um relacionamento sexual por exemplo foi inteiramente consensual entre o terapeuta e o paciente e que este na verdade se beneficiou dele Terapeutas que se ajustam a essa categoria provavelmente não respondem a tentativas de reabilitação e com frequência têm suas licenças profis sionais revogadas porque são vistos como um perigo persistente ao público 332 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Paixão Este grupo inclui uma ampla gama de ca tegorias diagnósticas Alguns terapeutas podem ser neuroticamente organizados muitos têm distúrbios narcisistas leves e outros estão em um estado de crise pessoal eou profissional Podem não ter história de comportamento antiético em nenhu ma outra área e tendem a estar envolvidos com apenas um paciente Podem admitir estar apaixonados pelo paciente e racio nalizar seu comportamento nessas bases Ainda que presença ou ausência de amor seja irrelevante para considerações éticas terapeutas que estão enamorados de seus pacientes podem argumentar que eles são almas gêmeas e que teriam se casado se tivessem se encontrado sob qualquer outra circunstância de modo que nenhum dano está sendo causado Esta categoria é mais comumente formada por terapeutas do sexo feminino embora terapeutas homens também se ajustem a ela Os temas psicodinâmicos encontrados neste grupo incluem uma necessidade desesperada de ser validado idealizado e amado pelos pa cientes como uma forma de regular a autoesti ma Os terapeutas têm dificuldades em anteci par as consequências de suas ações e expõem certa perda da qualidade como se da expe riência comum da contratransferência Podem por conta disso ser incapazes de perceber que algo do passado do pacien te eou do seu está sendo repetido no pre sente e que tal entendimento é necessário Muitos dos relacionamentos de natureza apaixonada entre terapeuta e paciente en volvem representações de desejos inces tuosos ou de relacionamentos incestuosos reais do passado de um deles Além disso os terapeutas que ficam apaixonados con fundem suas próprias necessidades com as do paciente Sentem que estão dando amor para o paciente embora na verdade este jam tentando obter amor para si mesmos Entretanto a agressão aparece proemi nente nas dinâmicas de muitos terapeutas apaixonados31920 Muitos estão profun damente conflituados por sua agressivida de e cada vez mais negam ódio e raiva em relação ao paciente por terem seus esfor ços terapêuticos frustrados Podem tentar amar o paciente como uma forma de reação a sua agressividade e de forma in consciente retraumatizam o paciente por meio de violações de fronteiras sexuais sob o pretexto de amor No caso de terapeuta mulher é comum dese jar transformar um paciente com transtorno da personalidade pensando nele como um bebê que necessita de amor Pode pensar que o pa ciente sossegará se tratálo como uma mãe amorosa mas o envolvimento tornase cada vez mais sexualizado na progressão desse tipo de interação Rendição masoquista Terapeutas que se ajustam a esta categoria em geral foram altamente éticos durante toda a sua carreira Eles podem ser considerados especialistas em tratar pacientes difíceis ou impossí veis e talvez tenham especial orgulho em atender casos que nenhum outro trataria O que frequentemente descobrem é que estão repetindo um relacionamento obje tal do passado no qual se permitiram ser intimidados e controlados por um objeto exigente e torturador como um pai sádico Psicoterapia de orientação analítica 333 Também acreditam que ao se sacrificarem estarão de algum modo salvando o pacien te do suicídio Incapazes de impor limites ao paciente ou de confrontar a agressão descobremse cedendo às exigências do paciente e racionalizando sua rendição Em um cenário típico o terapeuta primei ro para de cobrar honorários do paciente porque este reclama que a terapia não é mais viável financeiramente Telefonemas são aceitos no meio da noite quando o tera peuta tenta dissuadir o paciente de suicídio Em certas ocasiões responde às exigências de sustentação do paciente holding abra çandoo durante as sessões Se nenhuma dessas medidas extraordinárias parecer fun cionar o terapeuta pode começar a prosse guir nesse terreno escorregadio até chegar a um contato francamente sexual Diversos temas recorrentes são en contrados nos terapeutas que se ajustam a esta categoria Com frequência estão de sesperados tentando negar qualquer asso ciação com um objeto perverso interno que atormenta o paciente20 Podem ter grande empatia pelo sofrimento que o paciente ex perimentou nas mãos de um pai abusivo e desejam convencêlo de que não seguirão o mesmo caminho sádico do pai Podem ficar frenéticos em relação ao potencial sui cida do paciente e profundamente preocu pados com a vulnerabilidade narcisista de perdêlo Como resultado esforços onipo tentes para curar podem ser ativados a pon to de não mais reconhecerem as fronteiras profissionais comuns É possível que haja também uma falha de mentalização pela qual perdem a capacidade de diferenciar o que está acontecendo dentro do paciente do que está ocorrendo em sua própria mente20 A terapia psicodinâmica ou a psicanálise com esses terapeutas revelam fantasias secretas de que poderiam ser amados por objetos parentais internos torturadores se simplesmente se sub metessem a eles e se permitissem ser contro lados Alguns podem até ter identificações com Cristo e supor que se sacrificando salvarão seus pacientes A ÉTICA DOS RELACIONAMENTOS APÓS O TÉRMINO DA PSICOTERAPIA Relacionamentos não sexuais entre tera peuta e paciente que ocorrem após o térmi no da psicoterapia são difíceis de classificar em termos de considerações éticas Os tera peutas devem ter em mente que o paciente pode retornar para um novo tratamento se estiverem envolvidos em um negócio ou relacionamento social com um expa ciente eles o privam dessa oportunidade Além disso os terapeutas também devem lembrarse da possibilidade de explorar a vulnerabilidade do paciente em relaciona mentos póstérmino Contato sexual com expacientes tende a ser considerado antiético embora diferentes orga nizações profissionais tenham políticas diver sas em relação a isso Enquanto a Associação Psicanalítica Americana considera o contato sexual com um expaciente antiético a Associação Psi canalítica Internacional não chegou à mes ma conclusão Alguns defendem que após certo período de tempo o desenvolvimen to de um relacionamento sexual pode não ser contrário à ética Os proponentes da proibição de re lacionamentos sexuais póstérmino argu 334 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mentam que todos os estudos da transfe rência após o término mostram que ela é instantaneamente restabelecida mesmo anos depois do fim do tratamento se o terapeuta e o paciente se encontrarem no vamente21 Outro argumento convincente é que se há a possibilidade de um futuro relacionamento romântico ou sexual a própria terapia esteve previamente conta minada Nenhuma das partes pode falar livre mente sobre suas observações se desejam preservar uma imagem positiva aos olhos da outra É apenas em virtude do fato de que o relacionamento terapeutapaciente nunca será algo além de profissional que o paciente pode falar livremente sobre to dos os seus problemas Mesmo que alguns argumentem que o casamento certifi que o relacionamento como não explo rador isso de forma alguma afasta a pos sibilidade de abuso de poder por parte do terapeutacônjuge A história mostra que o casamento tem sido usado como des culpa para estupro agressão e uma série de outros atos imorais Mesmo que casa mentos entre terapeutas e expacientes sejam razoa velmente felizes os códigos de ética comumente desenvolvem restrições basea das no potencial de prejuízo mesmo que este seja difícil de documentar em ca da caso isolado No mínimo terapeutas que desejam iniciar um relacionamento sexual com um paciente após o término do tratamento devem consultar um colega e com cuidado pesar os prós e os con tras da decisão Além disso precisam demons trar que de algum modo transferência e con tratransferência não são mais aplicáveis ao re lacionamento atual AVALIAÇÃO E REABILITAÇÃO DE TERAPEUTAS ACUSADOS A maioria dos terapeutas que estiveram envolvidos em violações de fronteira gra ves chega à apreciação de conselhos disci plinares comitês de ética ou organizações profissionais quando uma queixa é apre sentada pelo paciente ou por outra parte interessada Os relatos feitos a esses grupos motivam uma investigação das alegações que determina se o terapeuta deve receber alguma advertência ou punição Também é útil que o terapeuta seja avaliado em re lação à possibilidade de reabilitação As avaliações são mais bem conduzidas por partes desinteressadas que estejam fora da mesma cidade do terapeuta Avaliadores locais muitas vezes não têm a objetividade necessária para uma avaliação psiquiátrica válida As avaliações de terapeutas transgres sores devem obter informações colaterais sobre o acusado de modo que o avaliador não tenha que se basear exclusivamente no relato do próprio terapeuta Em geral estão disponíveis relatos investigativos bem co mo a narrativa da transgressão pelo pacien te O avaliador deve considerar as causas da violação de fronteira o caráter do terapeu ta acusado e seus conflitos psicodinâmicos básicos A testagem psicológica também pode ser de ajuda Se o terapeuta negar a violação de fronteira há pouco valor em realizar tal avaliação Terapeutas que estão negando sua culpa apresentamse como não tendo razão para estar lá Conduzir uma avaliação nessas circunstâncias é uma perda de tem po dinheiro e esforço Quando se está avaliando um tera peuta que reconheceu a transgressão a Psicoterapia de orientação analítica 335 adequação para reabilitação depende mais da atitude do terapeuta do que de fatos ob jetivos fornecidos ao avaliador20 Se o terapeuta está genuinamente arrependido e profundamente comprometido a evitar futu ras transgressões essa atitude é um bom si nal prognóstico Da mesma forma terapeutas que são capazes de assumir total responsabi lidade pelo que aconteceu e empatizam com a expe riência do paciente de ter sido prejudicado também são bons candidatos a reabilitação O fato de um paciente estar envolvido é mais um elemento prognóstico positivo Remorso contudo deve ser rigoro samente diferenciado de mortificação nar cisista20 Alguns terapeutas podem falar de vergonha mas estar se referindo apenas ao dano a sua própria reputação e respeito próprio Como princípio geral terapeutas que se enquadram nas categorias de pai xão e rendição masoquista são os melho res candidatos a reabilitação Os tipos pre datórios que são transgressores repetidos não devem receber permissão para retor nar à prática da profissão Uma advertência é apropriada entretanto Alguns terapeutas não se ajustam a nenhuma das categorias apresentadas ou há aqueles que estão apai xonados pelo paciente e não são sensíveis à reabilitação porque não veem nada de errado no que fizeram invocam o amor verdadeiro como racionalização para seu comportamento e não veem razão para se rem reabilitados Quando a reabilitação é indicada por que o terapeuta está profundamente moti vado a mudar e a evitar futuros problemas vários componentes de um plano de reabi litação são úteis Psicoterapia pessoal Na maioria dos casos de violações de fron teira graves o terapeuta transgressor ne cessitará de um processo de psicoterapia psicanalítica de longo prazo para entender as razões da violação e os conflitos relevan tes associados O terapeuta que conduzirá o tratamento não deve porém ser escolhido por ele É necessária uma habilidade espe cial nesse tipo de terapia devido às consi deráveis dificuldades contratransferenciais encontradas Comitês de ética e conselhos disciplinares podem estar em uma posição mais favorável para identificar terapeutas com tal habilidade e experiência e encami nhar o terapeuta acusado a um desses mé dicos Escolha de um coordenador de reabilitação Além de um psicoterapeuta também se deve indicar um coordenador de reabi litação encarregado de todo o plano de reabilitação Esse profissional pode tra balhar com um conselho disciplinar ou outro órgão mas não deve ser o próprio psi coterapeuta Assim a confidencialidade dentro da psicoterapia pode ser preserva da O coordenador de reabilitação sim plesmente pede informações ao terapeuta sobre o comparecimento do transgressor às sessões e também pode manter contato com o supervisor ou outros indivíduos en volvidos no processo Em geral um coor denador de reabilitação encontrase com o terapeuta transgressor a cada 15 dias para ficar a par de como o programa está avan çando 336 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Limitações da prática Vários tipos de combinações costumam ser vinculados ao programa de reabilita ção do terapeuta transgressor Alguns são desencorajados a voltar a trabalhar com psicoterapia psicanalítica de longo prazo e aconselhados a outras formas de trabalho Em outros casos certos tipos de pacientes como aqueles com antecedentes de trauma sexual são considerados fora dos limites para a prática de terapia O coordenador de reabilitação pode auxiliar no estabele cimento dessas limitações com o próprio terapeuta acusado Supervisão Uma supervisão semanal deve ser incluída no programa do terapeuta O supervisor deve ser escolhido pelo órgão responsável pela investigação e queixa de modo que o terapeuta não escolha um amigo O su pervisor precisa ser informado sobre a na tureza das violações de fronteira e o tera peuta supervisionado deve estar aberto em relação a tentações contratransferenciais que surgem no curso do trabalho clínico Eventualmente o supervisor reportase ao coordenador de reabilitação Educação continuada Visto que muitos terapeutas analíticos têm trei namento limitado em violações de fronteira e no manejo de transferência e contratransferên cia erótica a educação pode ser uma parte va liosa dos planos de reabilitação Seminários e leituras sobre assuntos relevantes mostramse bastante úteis Além do plano de reabilitação apre sentado a mediação entre o terapeuta e o paciente com o qual as violações de frontei ra foram cometidas também pode ser be néfica3622 Uma terceira parte geralmente outro terapeuta com conhecimento sobre violações de fronteira reúnese com o te rapeuta e o paciente para que este expresse seus sentimentos sobre os danos causa dos Para terapeutas que têm dificuldades em reconhecer os danos ouvir o paciente nesse cenário pode derrubar a negação O profissional que conduz a mediação tam bém pode facilitar um pedido de desculpas por parte do terapeuta o que muitas ve zes é altamente significativo para a vítima Em alguns casos o mediador também pro videnciará que uma indenização seja paga pelo terapeuta ao paciente como forma de restituição Em geral esse processo de me diação dura apenas duas ou três sessões Planos de reabilitação como o apre sentado podem durar de 3 a 5 anos com avaliações anuais do progresso do terapeu ta transgressor Às vezes outras medidas se tornam importantes no decorrer de um plano e o programa global pode ser revis to Se houver dúvida sobre se o terapeuta está pronto para retornar à prática clínica sem mais esforços de reabilitação outra avaliação pode ser conduzida para deter minar sua aptidão Na maioria dos casos o terapeuta no regresso à clínica é acon selhado a continuar algum tempo com su pervisão mesmo que a reabilitação tenha sido bemsucedida ESTRATÉGIAS PREVENTIVAS Inúmeras medidas podem ser tomadas pa ra prevenir violações de fronteira Entre tanto visto que a psicoterapia psicanalítica requer uma forma radical de privacidade Psicoterapia de orientação analítica 337 devemos reconhecer que será impossível erradicar completamente as violações de fronteira O que pode ser feito é preparar psiquiatras psicólogos e outros profissio nais da saúde mental em seus programas de treinamento oferecendo cursos sobre ética fronteiras e manejo de transferência e contratransferência eróticas Essa bagagem educacional pelo menos fornece uma es trutura conceitual a fim de que o terapeuta possa pensar sobre os riscos das transgres sões de fronteira e monitorar com cuidado sua contratransferência quando perceber desvios em sua formapadrão de compor tamento profissional A educação não deterá indivíduos inescrupulosos com tendências antisso ciais mas os programas de treinamento podem identificálos de forma mais apura da bem como perceber comportamentos desonestos ou corruptos durante o período de treinamento Psicoterapeutas psicanalí ticos devem sempre ter uma experiência de tratamento pessoal para ajudálos a enten der seu próprio mundo interno e vulnera bilidades contratransferenciais específicas Entretanto algumas violações de fronteira graves ocorrem mesmo quando o terapeu ta teve anos de análise adequada portan to não podemos esperar que o tratamento pessoal seja uma garantia total contra esses fenômenos Talvez um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de violações de fronteira seja o isolamento de nossa profissão Consultoria regular sobre pacientes difíceis deveria ser in corporada à prática de todo psicoterapeuta psi canalítico O sentimento de onipotência de que podemos manejar todas as situações difí ceis sozinhos é um passo para o enactment de pontos cegos contratransferenciais Grupos de supervisão são outra forma de conseguir ajuda para vulnerabilidades contratransferenciais grupos de colegas encontramse uma vez por semana para ajudarse mutuamente em casos complica dos A vantagem do grupo naturalmente é que os indivíduos começam a conhecerse bem o suficiente para perceber desvios pre coces da prática habitual Alguns psicoterapeutas trabalham em instituições As unidades psiquiátricas de veriam poder avaliar um candidato a um cargo verificando a possibilidade de uma história prévia de comportamento crimi noso ou violações éticas em seu último em prego Todo hospital psiquiátrico deve ter políticas claramente descritas que proíbam qualquer contato sexual entre funcionários e pacientes Clínicas ambulatoriais podem desenvolver políticas semelhantes Outras violações de fronteira potencialmente pro blemáticas também podem ser descritas nessas políticas institucionais Encontros educativos sobre fronteiras e violações de fronteira também deveriam ser rotina em instituições de saúde mental É importante que colegas assumam a responsabilidade por sua profissão moni torando o comportamento uns dos outros Se há evidência de que a prática de um te rapeuta é questionável dois colegas podem reunirse com esse terapeuta e partilhar suas preocupações No mínimo o terapeu ta é informado de que outras pessoas têm conhecimento do que está acontecendo Além disso se os rumores que circulam são falsos pelo menos ele tem a oportunidade de oferecer uma defesa ou explicação Com muita frequência os rumores são ignora dos até que seja tarde demais A medida preventiva final é a que deve ria ser óbvia mas não é Os psicoterapeutas 338 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nem sempre estão atentos ao seu autocuida do Eles precisam assegurarse de que suas vidas pessoais estão razoavelmente satisfató rias e equilibradas a fim de não procurarem gratificação emocional nos pacientes PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A manutenção das fronteiras básicas da natureza profissional do relacionamento terapêutico é o que cria a atmosfera de segurança e previsibilidade que facilita ao paciente usar o tratamento 2 O setting deve ser flexível o suficiente para acomodar diferenças individuais entre pacientes e terapeu tas Fronteiras de forma alguma sugerem frieza ou indiferença 3 Violações de fronteira de ordem sexual ou não sexual envolvem transgressões potencialmente prejudi ciais para o paciente tendem a ser continuadas repetitivas e secretas 4 Cruzamentos de fronteira são rupturas benignas do setting às vezes úteis têm natureza evidente costumam ocorrer de forma isolada e tendem a ser examináveis e discutidos na terapia 5 Fronteiras significativas que não envolvem contato físico são elementos como hora e lugar da entrevista duração confidencialidade evitação de relacionamento social ou financeiro com o paciente excessiva autorrevelação por parte do terapeuta e aceitação de presentes de alto valor por parte do paciente 6 O terapeuta deve se preocupar com o fato quando constata que vem prolongando regularmente as sessões com determinado paciente para bem além do final da sua hora 7 Qualquer encontro em local incomum diferente do consultório habitual deve ser cuidadosamente ava liado e discutido com um colega ou supervisor antes de ser aceito 8 Grande doação de dinheiro ou um presente extremamente caro em geral prenunciam uma provável violação de fronteira 9 Terapeutas devem absterse de partilhar materiais sobre suas vidas privadas que possam sobrecarre gar o paciente 10 Terapeutas que transgridem fronteiras profissionais podem ser divididos em quatro grandes grupos os psicóticos os psicopatas predatórios os que se apaixonam e os que se submetem masoquistamente 11 A reabilitação desses terapeutas depende da sua capacidade em aceitar sua responsabilidade no que ocorreu e empatizar com os sofrimentos a que expuseram seus pacientes o que exclui os psico patas predatórios que deveriam ser dispensados da profissão 12 Contato sexual com expacientes tende a ser considerado antiético embora diferentes organizações profissionais tenham políticas diversas em relação a isso 13 As eventuais rupturas de fronteira do setting inerentes aos complexos processos transferenciais e contratransferenciais que podem se desenvolver são uma das razões maiores para se exigir uma ade quada psicoterapia pessoal dos próprios terapeutas 14 Um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de violações de fronteira é o isolamento da profissão Consultoria regular sobre pacientes difíceis deveria ser incorporada à prática de todo psico terapeuta psicanalítico 15 Terapeutas analíticos têm treinamento limitado se não ausente sobre violações de fronteira e manejo das transferências e contratransferências eróticas e erotizadas seminários e leituras sobre esses assuntos seriam extremamente úteis nos programas de educação desses terapeutas 16 A maior medida preventiva contra transgressões graves além da confiável estrutura de caráter do terapeuta é assegurarse de que suas vidas pessoais estejam razoavelmente satisfatórias e equilibra das a fim de não precisarem buscar gratificações emocionais inadequadas com seus pacientes Um salvavidas não pode salvar uma vítima de afogamento se ele próprio estiver se afo gando Psicoterapia de orientação analítica 339 REFERÊNCIAS 1 Gutheil TG Gabbard GO The concept of boundaries in clinical practice theoreti cal and riskmanagement dimensions Am J Psychiatry 1993150218896 2 Gabbard GO Sexual misconduct In Ol dham JM Riba MB editor Review of psychiatry Washington American Psychia tric 1994 v 13 p 43356 3 Gabbard GO Lester EP Boundaries and boun dary violations in psychoanalysis Washington American Psychiatric Publishing 2002 4 Gartrell N Herman J Olarte S Feldstein M Localio R Psychiatristpatient sexual con tact results of a national survey I prevalen ce Am J Psychiatry 19861439112631 5 Epstein RS Keeping boundaries maintai ning safety and integrity in the psychothera peutic process Washington American Psy chiatric c1994 6 Schoener GR Milgrom JH Gonsiorek JC Luepker ET Conroe RM Psychotherapists sexual involvement with clients interven tion and prevention Minneapolis WalkIn Counseling Center 1989 7 Langs R The therapeutic interaction New York J Aronson c1976 v 2 8 Gabbard GO The early history of boundary violations in psychoanalysis J Am Psychoa nal Assoc 1995434111536 9 Dupont J The story of a transgression J Am Psychoanal Assoc 199543382334 10 Freud S Recommendations to physicians practising psychoanalysis In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Ho garth 1958 v 12 p 10920 11 Lohser B Newton PM Unorthodox Freud the view from the couch New York Guil ford c1996 12 Greenberg J Psychoanalytic technique and the interactive matrix Psychoanal Q 1995 641122 13 Mitchell SA Hope and dread in psychoa nalysis New York Basic Books c1993 14 Gutheil TG Gabbard GO Misuses and mi sunderstandings of boundary theory in cli nical and regulatory settings Am J Psychia try 1998155340914 15 Strasburger LH Jorgenson L Sutherland P The prevention of psychotherapist sexual misconduct avoiding the slippery slope Am J Psychother 199246454455 16 Gabbard GO Countertransference the emer ging common ground Int J Psychoanal 199576Pt 347585 17 Gabbard GO Love and hate in the analytic setting Northvale J Aronson 1996 18 Gabbard GO Boundary violations In Blo ch S Chodoff P Green SA Psychiatric ethics 3rd ed Oxford Oxford University 1999 p 14160 19 Celenza A Precursors to sexual miscon duct preliminary findings Psychoanalytic Psychology 199815337895 20 Celenza A Gabbard GO Analysts who com mit sexual boundary violations a lost cause J Am Psychoanal Assoc 200351261736 21 Gabbard GO Reconsidering the American Psychological Associations policy on sex with former patients is it justifiable Prof Psychol Res Pr 199425432935 22 Margolis M Analystpatient sexual invol vement clinical experiences and institutio nal responses Psychoanalytic Inquiry 1997 17334970 DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL É unânime na literatura psicanalítica a no ção de que ambos os fenômenos atua ções e encenações reproduzem sensações e sentimentos préverbais anteriores à aqui sição da palavra remetendose ao desen volvimento primitivo Freud1 referindose ao fenômeno do acting definiuo como Agieren em língua alemã consagrando o citado fenômeno clínico como passagem ao ato Conceitualmente enactment está relacionado à interface entre o que é expresso e o que não é expresso entre o que é esquecido e aquilo que pressiona o campo para ser revivido entre rea lidade e fantasia e entre o psiquismo de uma pessoa e o psiquismo de duas da dupla tera peutapaciente26 Destaco a relação existente entre os dois conceitos acting e enactment Boesky2 referese a fenômenos clínicos que facili tam a integração dos conceitos de fantasia inconsciente identificação projetiva e con tratransferência e colocam em cena vivên cias emocionais primitivas comunicando afetos perigosos e repudiados presentes na dupla pacienteterapeuta Nas etapas precoces do desenvolvimento psí quico não existe ainda uma linguagem verbal articulada muitas vezes não vamos encontrar palavras que deem conta de forma plena das sensações e dos sentimentos para compor uma interpretação transferencial A palavra mos trase pois insuficiente sendo o ato a única maneira de expressão possível ao paciente em determinado momento do processo em que se encontra a dupla ou a interação dos dois psi quismos Assim o acting fica definido como uma ação realizada no lugar da tarefa a ser cumprida ou seja alcançar o insight Se gundo os autores o acting é um movimen to regressivo que vai do pensamento ao ato Agieren do verbo ao não pensamento sendo de natureza onipotente e inconscien te e servindo ao narcisismo e não à relação de objeto ou seja dá volta para trás em vez de buscar o crescimento ou o desenvolvi mento É uma expressão da transferência 19 ATUAÇÕES E ENCENAÇÕES ENACTMENTS Mauro Gus Psicoterapia de orientação analítica 341 confunde o passado com o presente e opera de acordo com o processo primário3468 Segundo Etchegoyen8 três áreas pode riam obstruir o processo analítico o acting out a reação terapêutica negativa RTN e a reversão da perspectiva Apesar das con trovérsias sobre o conceito e da sobrecarga de preconceitos e conotações ideológicas o termo acting segue presente na linguagem de todos os psicoterapeutas Tratase de um conceito básico da teoria psicanalítica e que deve ser mantido Para tanto o que é necessário redefinilo em termos metapsi cológicos e não simplesmen te de conduta completa o autor Tal como entendo tanto o acting quanto o enactment são integrantes fundamentais e ine vitáveis do processo psicoterapêutico e podem auxiliar de modo positivo o andamento do tra tamento apesar de muitas vezes serem de di fícil compreensão e aparentemente negativos para o processo Portanto fenômenos que poderiam ser entendidos como prejudiciais ao trata mento dependendo do encaminhamento podem ser úteis para o desenvolvimen to das terapias de referencial psicanalíti co5912 A seguir por entender constituir se tema relevante para nossa prática e pela estreita relação com os conceitos de acting e enactment são apresentadas algumas no ções de realidade psíquica e suas repercus sões na técnica e na prática clínica Segundo Laplanche e Pontalis13 rea lidade psíquica contém a ideia que vem ligada à hipótese freudiana referente a pro cessos inconscientes que não somente le vam em consideração a realidade exterior como também a substituem por uma rea lidade interna1 Moore e Fine14 afirmam que a rea lidade psíquica designa um mundo expe riencial subjetivo total do indivíduo in cluindo pensamentos sentimentos e fan tasias assim como percepções do mundo externo independentemente se elas refle tem ou não com exatidão esse mundo ex terno tal como visto por outro observador Assim definida a realidade psíquica é sinô nimo de realidade interna e realidade sub jetiva Esses termos segundo os autores expressam a importante visão psicanalítica de que a experiência subjetiva é outro tipo de realidade que ocorre paralela ao mundo dos objetos físicos A realidade psíquica é vista como uma das versões da realidade em geral construída a partir da interação das percepções que se ori ginam do mundo externo e das fantasias que se originam do mundo interno A integração resultante constitui o mundo experiencial sub jetivo do indivíduo ou seja sua realidade psí quica Arlow15 e Wallerstein16 trazem o exem plo de dois projetores rodando um filme concomitantemente sobre uma pantalha um de dentro e outro de fora A resultante de tais projeções seria a realidade psíquica No tratamento a realidade psíquica se de bruça sobre a relação com o terapeuta via verbalização ou passa à ação Agieren conforme conceituado por Freud1 Os autores concordam que no acting o sujeito passa de uma representação de uma tendência ao ato propriamente dito ou à dramatização e encenação de conflitos primitivos dos quais não lembra para não lembrar atua ou encena as questões primi tivas dolorosas estando elas sempre referi das à transferência 342 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Realidade psíquica acting enactment trans ferência e contratransferência estão portan to intimamente relacionados em uma tessitu ra que é inconsciente e especialmente ainda indizível por ser de natureza préverbal Assim pelo fato de a palavra mostrarse insuficiente e não conseguir conter sensações e percepções dolorosas estas precisam ser expressas por meio dos citados fenômenos clínicos Tais expressões são veiculadas forte mente pela identificação projetiva em pa cientes cuja capacidade ainda está limitada por ansiedades persecutórias primitivas ou de modo mais grave naqueles instala dos no que John Steiner5 conceitua como organizações patológicas em estruturas li mítrofes Em sua acepção mais estrita a expres são realidade psíquica designaria o dese jo inconsciente e a fantasia que está ligada a ele constitui uma forma particular de exis tência que é norteada e determinada pela fantasia inconsciente ou pelas chamadas protofantasias sensações e representações ainda anteriores à simbolização As manifestações dessa realidade psíquica são percebidas pela transferência e pela contra transferência ao incluirmos a realidade psíqui ca do terapeuta criase um fenômeno decor rente das duas realidades internas Aprofunda se assim sua conceituação como produto da interação pacienteterapeuta uma área com posta por reedições dos conflitos originais da dupla à medida que se forma a história do tra tamento Nesse cenário préverbal e verbal recriamse as questões primitivas e as do res psíquicas para que ocorra o tratamen to elas deverão ser revividas e sentidas pela dupla São as fantasias inconscientes segundo tradicional conceito de Susan Isaacs17 os elementos nucleares da reali dade psíquica que constituem o cerne das noções de acting e mais recentemente de enactment A partir dos anos de 1980 surge o conceito de enactment entendido como um suceder de vivências não suficiente mente contidas pela palavra confusionais ou ainda inconscientes da dupla paciente terapeuta26 Anteriormente Bion18 já afirmava que o afastamento da realidade é uma ilu são não um fato e emerge da identificação projetiva é de tal maneira predominante no funcionamento psíquico dos pacientes que parece não ser fantasia mas um fato de modo que o paciente age passa ao ato como se seu aparelho perceptor pudesse ser fragmentado em diminutas partículas e projetado nos objetos externos sendo cada partícula sentida como constituindo um objeto real A natureza dessa partícu la vai depender também do objeto real o psicoterapeuta e de como este reage ao que é projetado pelo paciente bem como do caráter particular dessa partícula o que é conferido pela intensidade do sadismo original ainda não transformado pelo in divíduo em outras palavras da intensida de do instinto de morte Ressalto aqui a polêmica em torno desse tema bem como a importância da sistematização teórica e metapsicológica realizada por Melanie Klein e seguidores Alguns autores de fonte kleiniana aprofun daram os questionamentos colaborando com aportes indispensáveis para a técnica demandada pela clínica atual ou seja mais constatáveis em pacientes de difícil acesso embora também presentes em pacientes neuróticos partindo do princípio de que toda dupla é complexa e difícil Psicoterapia de orientação analítica 343 Penso que cada terapeuta compõe uma síntese teórica implícita a sua prática clínica para a qual as teorias implícitas subjacentes à compreensão do material acrescentam importantes recursos técnicos No entanto nem sempre colaboram para a necessidade específica daquele paciente em um dado momento do processo podendo ser responsáveis por linguagens paralelas do psicoterapeuta e de seu paciente Entre os autores de minha síntese pes soal destaco ainda André Green1920 que sublinha a conexão direta do afeto com a dimensão histórica do sujeito uma vez que o que permanece irredutivelmente infantil no psiquismo é o afeto Sugiro então que o acting e o enactment se devem à encenação pela dupla da represen tação das partículas de afetos mais primiti vos e projetados no setting Tais afetos proje tados permaneceriam sem ligação com os ob jetos internalizados ou com uma falsa ligação cabendo ao terapeuta como intérprete a tare fa de detecção e de busca por meio de recur sos técnicos do significado afetivo da fanta sia inconsciente no contexto do enquadre psi coterapêutico As fantasias carregadas de afetos pri mitivos que incidem com maior ou menor intensidade sobre os sentimentos trans ferenciais e contratransferenciais vigentes na sessão permitem ao psicoterapeuta dar figurabilidade aos afetos e representação às construções de sensações préverbais que ainda se encontram na mente do indiví duo em um estado denominado irrepre sentável por Botella e Botella21 Assim a compreensão do acting e do enactment possibilita o andamento de te rapias em que predominam o préverbal e a desorganização psíquica expressos por sensações de caos vazio e confusão mental especialmente presentes em casos de difícil acesso mas também observáveis em pa tologias menos regressivas Tais situações em sua maior parte inconscientes ou pré conscientes determinam variados níveis de desorganização do ego decorrentes da falência dos mecanismos de defesa em con ter a invasão pulsional Refirome à intensidade dos aspectos des trutivos do investimento libidinal sobre as relações objetais mais primitivas decorren tes de um aumento quantitativo da pulsão o que provoca uma transformação qualitativa e ameaça o frágil equilíbrio já que os meca nismos de defesa fracassam em conter a refe rida invasão pulsional1924 De acordo com Cassorla34 fantasias inconscientes muito destrutivas e situações traumáticas arcaicas inibem a percepção do psicoterapeuta de forma mais específica em situações agudas de enactment A com preensão permite dissolver o conluio refe re o autor bem como fortalece os mecanis mos mentais do paciente e sua confiança no trabalho terapêutico Tais enactments deverão fazer parte da história natural do processo analítico e sua função é a experi mentação das experiências arcaicas no set ting por ambos os componentes da dupla Estamos pois diante de um campo que vai além do somatório de duas mentes Constitui uma área de trabalho permeada por mecanismos e sentimentos préverbais ou seja que colocam em cena dores psí quicas arcaicas por meio da interação das mentes da dupla Por mais que incida de modo inconsciente e negativo pela inten sidade das pulsões destrutivas precisa ser compreendido no mais das vezes como 344 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs positivo para o processo Não havendo a transformação do negativo em positividade não ocorreria processo psicoterapêutico20 A não compreensão da realidade psíquica colo cada em cena pela dupla4 levaria a desvios do tratamento tais como conluios inconscientes de natureza narcísica os denominados pon tos cegos conduzindo as terapias inevita velmente para iatrogenias falsos resultados pioras do quadro clínico interrupções eou im passes O acting e o enactment serão portan to inevitáveis cada vez que a realidade psí quica da dupla o novo campo criado pela interação não for suficientemente vivida tratada e tolerada por ela pelo fato de evo car situações conflitivas inconscientes dos dois ou de cada um reeditadas por sensa ções préverbais ainda não representadas pela palavra Nesse ponto do desenvolvimento do tema impõese uma pergunta por serem interações inconscientes como abordálas e colocálas em palavras em especial nas psi coterapias Por se tratar do préverbal e as palavras serem muitas vezes insuficientes para expressar como perceber e mostrar Uma das respostas possíveis seria como exposto até o momento pela análise do acting e pelas percepções do enactment A ação evidencia a realidade psíquica aqui lo que a palavra ainda não conseguiu no mear O ato ainda para não lembrar en cena para a dupla e dispara a percepção e a palavra Com base no fenômeno da com pulsão à repetição o paciente ou a dupla repete ou age para não sentir ou não lem brar Insuficiente por vezes Volta sempre sob a mesma ou outra feição É sempre bom ter em mente que a questão da atemporalidade do inconscien te está fortemente ativa nos fenômenos que estamos enfocando Atualizase no campo psicoterapêutico o que ainda não pode ser lembrado ou sentido em um esforço maior para evitar a dor psíquica vivida como de sintegração e loucura Reforço novamente que o acting e o enactment são atos neuróticos e como tal precisam ocorrer e ser passíveis de análise Dentro ou fora do setting dizem respeito ao terapeuta e devem ser sentidos e enten didos dessa forma sem necessariamente explicitar de forma ritualística que alu dem à dupla Durante o tratamento tudo o que ocorre com a realidade psíquica deve ser abordado de maneira técnica como in tegrante do processo Com esse enfoque o acting e o enact ment colocados em cena pela dupla são abordados pela técnica e por vezes acio nados pela interpretação transferencial dependendo do momento pelo qual está pas sando o paciente eou o psicoterapeuta Quando o setting não é continente e os enact ments não são percebidos estes servem como disparos do acting Não são conceitos entre tanto superpostos Entendoos como comple mentares e expressões de uma análise eou psicoterapia de orientação analítica em anda mento Uma visão diferente sob meu ponto de vista induz rechaço e rejeição de tais fenôme nos tornando a técnica empobrecida e com in suficiente instrumental para a abordagem das vivências mais primitivas A eficácia técnica com essa paciente a meu ver estaria na dependência de tor nar interno o que é externo ou seja inserir no setting e na relação com o terapeuta na transferência e na contratransferência sua dor psíquica pouco falada e muito atuada Mesmo com riscos os actings reiterada mente analisados e aparentemente negati Psicoterapia de orientação analítica 345 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Clara 27 anos sexo feminino profissional da área da saúde procura tratamento por sentirse confusa sem critérios para escolha de companhias masculinas e isolada da família relata extrema intolerância com a presença da mãe labilidade afetiva e choro fácil Expõese à noite pelas ruas sem se cuidar frequentan do bares em zonas de meretrício com riscos à segurança pessoal Descreve malestar e desconforto por ter que relatar seu sofrimento e necessitar de tratamento Gostaria de não precisar de ninguém muito menos de um psicoterapeuta detesta combinar horários e ter limites Diz estar decidida a não abrir mão de uma relação com um homem alcoolista que a expõe a riscos acordandoa durante as noites para que o busque em bares Aprecia demais situações atípicas sendo esse traço conhecido por todos que com ela convi vem segundo costuma ouvir dos familiares é sempre e a princípio do contra Suas sessões são extremamente difíceis e trabalhosas Têm longos silêncios presença pesada e negati vista Desafiadora falta atrasase argumenta que tinha anunciado ser do contra mantendo os actings au todestrutivos e mesmo assim comparecendo às sessões Ataca os vínculos todo o tempo reeditando com o terapeuta sua relação mais primitiva com os objetos internos sadicamente atacados A capacidade de tolerar tais ataques sem ocupar o papel de objeto atacado mas entendendo e interpretando representa a essência da ação terapêutica tal como entendo proceder neste caso A paciente vive em estado de acting tendo tanto no acting como no enactment o caminho de melhor compreensão e análise do seu sofrimento vos são positivos para o processo e expli cam pela identificação projetiva e intro jetiva a relação sadomasoquista com seus objetos internalizados e colocados em cena pela dupla Sur preendome com alguma frequência recomendando cuidados e aler tando para os riscos ocupando assim o papel do objeto interno enactment Em muitos momentos do tratamento sinto me mobilizado pela paciente em função de precisar atendêla tal como se atende um bebê efetivamente na função paterna materna explicitando o quanto ela busca preocuparme levandome a ocupar por enactment os papéis das figuras primitivas internalizadas Nesse caso o enactment coloca em cena os sentimentos contratransferenciais a identificação projetiva e as fantasias ex pressos pelos temores e receios do terapeu ta e pelos impulsos destrutivos da paciente que busca ser alvo de brutalidades e riscos do patrimônio físico e moral Tratase de um caso em que o acting e o enactment fo ram de fundamental importância para a abordagem das ansiedades mais primitivas ainda sem representação na mente da pa ciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Esportista compulsivo sexo masculino Josué tem 30 anos competente em sua atividade profissional faz uso de drogas tem distúrbios do sono e intensa excitação psicomotora Dirige em alta velocidade correndo perigo de acidentarse aponta ao terapeuta acting de risco moderado para alto Continua 346 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs CONSIDERAÇÕES FINAIS Desejo sublinhar nesses casos o uso ma ciço da identificação projetiva como meca nismo fundamental na relação terapeuta paciente e eixo essencial do trabalho ana lítico com a transferência negativa Sobre esse mecanismo os autores já citados são unânimes em afirmar que em vez de fa lar sobre os impulsos o paciente age com as pessoas que o rodeiam ou em atitudes autodestrutivas dirigidas a seu próprio self psíquico e corporal dentro da sessão ele age ou fala de modo a provocar no analista tais afetos via identificação projetiva Esse estado produzido pelos dois in conscientes via identificação projetiva cria o enactment O psicoterapeuta portanto é sensível ao funcionamento assim descrito de acordo com uma ou outra área de sua personalidade Se é receptivo e sensível se rá capaz de experimentar os impulsos e as emoções dissociados do paciente e a partir de sua contratransferência conter meta bolizar e formular as interpretações de uma maneira tal que o paciente possa suportá las25 Eu complementaria dizendo em uma linguagem simples e própria a cada paciente e de acordo com a história da dupla específica em um processo terapêutico em particular Portanto a comunicação préverbal ocupa um papel de destaque no processo terapêutico Expressa em seu dinamismo inconsciente as fantasias que se modificam a cada sessão e que podem variar em uma mesma sessão dependendo do interjogo das identificações projetivas e introjeti vas vigentes Tal comunicação evidencia a essência do que não é dito e que no mais das vezes é o conteúdo mais expressivo e efetivo da ação terapêutica e das psicotera pias nela inspiradas Nos quadros mais graves com inten sas fixações orais e anais e funcionamento Continuação Descreve acentuada confusão mental não percebendo o que sente autoacusandose de ser um mer da um viciado desgraçado Profundamente infeliz ameaçado de ter seu noivado rompido procura terapia por não aguentar mais viver assim Vem piorando progressivamente há 10 anos Combinado o tratamento falta atrasase desaparece por dias sem avisar as pessoas do trabalho a família ou a mim Volta depri mido com aspecto quase maltrapilho chorando muito e sentindose o último dos homens O tratamento evolui por anos No terceiro ano de análise os actings diminuem de intensidade o pa ciente abandona as drogas e de modo progressivo traz para a relação com o terapeuta a confusão mental e a percepção insight de estar repetindo no setting a relação intrusiva que sempre tivera com a mãe bem como a dificuldade de dar representação aos actings confundindose com os objetos internalizados ao carregar um luto dos pais por uma irmã que morrera antes do seu nascimento sua realidade psíquica Nascera com o encargo de ser dois e de curar a mãe pela perda de uma irmã que nem sequer conhecera Poderíamos dizer que sua vida se constituía em um permanente estado de acting O paciente entendia que viver era assim Procuravame nos fins de semana chamavame por telefone e sob o efeito das drogas buscava um contato comigo e o recebia momentos em que eu ocupava o papel para o qual me solicitava enactment Davalhe limites e mostrava o sentido de seus actings Entendia o produto dessa interação em inúmeras ocasiões e o uso de meus sentimentos e temores como enactment fenômeno clínico de fun damental importância para o trabalho com esse paciente Psicoterapia de orientação analítica 347 limítrofe a pulsão se liga a representações de objeto de escassa eficácia simbólica A defusão instintual que se manifesta pelo te mor de aniquilamento que ameaça o ego sob o peso dos maus objetos introjetados conduz ao acting e coloca a realidade psíqui ca em cena ou seja o enactment O setting psicoterapêutico precisa conter o temor de uma irrupção fragmentada uma sensoria lidade bruta que necessita ser integrada por meio de uma nova visão pelo terapeuta que confere figurabilidade e representação a tais sensações tão primitivas2022 Ao conter interpretar e transformar estados emocionais carregados de tal sen sorialidade irrupções que representam um modo de defesa arcaico diante de senti mentos de profundo desamparo causado pela severidade das identificações projeti vas o analista configura sua escuta como a possibilidade de dar novos significados aos fragmentos psíquicos mais primitivos de natureza oral26 Assim construímos como terapeu tas o não construído Daí decorre pelo exposto até o momento a importância da compreensão da realidade psíquica co locada em cena pela dupla por meio do acting e do enactment fenômenos clínicos inevitáveis e inerentes aos processos men tais vigentes nas sessões ou mesmo fora delas Exigese portanto do terapeuta a capacidade de buscar referenciais comple mentares e introduzir novos parâmetros integrando teorias e autores em uma sín tese pessoal ampliando assim os recursos técnicos e tornando nossas respostas como psicanalistas e psicoterapeutas mais ade quadas às necessidades reais dos pacientes da clínica atual PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Acting e enactment reproduzem sensações e sentimentos préverbais 2 Há presença maciça dos mecanismos de identificação projetiva 3 O paciente age com as pessoas que o rodeiam por meio de atitudes autodestrutivas dirigidas ao pró prio self psíquico e corporal mas provocando emoções correspondentes sentidas pelo terapeuta via contraidentificação projetiva 4 Tal situação transferencialcontratransferencial gerada pelos dois insconscientes o do terapeuta e o do paciente gera o fenômeno do enactment 5 A formulação das percepções deverá ser em linguagem simples e própria a cada paciente e de acordo com a história da dupla específica em um processo terapêutico em particular 6 Essas percepções expressam em seu dinamismo inconsciente as fantasias que se modificam a cada sessão e que podem variar em uma mesma sessão dependendo do interjogo das identificações proje tivas e introjetivas vigentes 7 Tal comunicação evidencia a essência do que não é dito e que no mais das vezes é o conteúdo mais expressivo e efetivo da ação terapêutica e das psicoterapias inspiradas na psicanálise 8 Nos quadros mais graves com intensas fixações orais e anais e funcionamento limítrofe a pulsão se liga a representações de objeto de escassa eficácia simbólica 9 A defusão instintual que se manifesta pelo temor de aniquilamento que ameaça o ego sob o peso dos maus objetos introjetados conduz ao acting e coloca a realidade psíquica em cena ou seja o enact ment 10 Construímos como terapeutas o não construído decorrendo daí a importância da compreensão da realidade psíquica colocada em cena pela dupla 348 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1980 v 12 p 13043 2 Boesky D Affect language and communica tion 41st IPA Congress plenary session Int J Psychoanal 200081Pt 225762 3 Cassorla RMS Acute enactment as a re source in disclosing a collusion between the analytical dyad Int J Psychoanal 200182Pt 6115570 4 Cassorla RMS Estudo sobre a cena analítica e o conceito colocação em cena da dupla enactment Rev Bras Psicanál 2003372 336591 5 Steiner J Containment enactment and com munication Int J Psychoanal 200081Pt 224555 6 Tuckett D La actuación mutua en la situaci ón psicoanalítica In Ahumada JL Olagaray J Richards AK Richards AD editores Las tareas del psicoanálisis ensayos en honor de R Horacio Etchegoyen Buenos Aires Pole mos 2000 p 24457 7 ChasseguetSmirgel J Acerca de la actuaci ón In Libro anual de psicoanálisis Londres The British PsychoAnalytical Society 1990 v 6 p 4958 8 Etchegoyen RH Das vicissitudes do proces so In Etchegoyen RH Fundamentos da téc nica psicanalítica São Paulo Artes Médicas 1987 p 41034 9 Sandler AM Understanding and interpreta tion of the negative transference European Psychoanalytical Federation Bulletin 1987 28716 10 Limentani A Una reevaluación del acting out en relación con la elaboración Revista de Psicoanálisis 196926484160 11 Limentani A On some positive aspects of the negative therapeutic reaction Int J Psychoanal 198162437990 12 Britton R Getting in on the act the hysterical solution Int J Psychoanal 199980Pt 1114 13 Laplanche J Pontalis JB Diccionario de psi coanálisis 2 ed Barcelona Labor 1974 14 Moore BE Fine BD Termos e conceitos psi canalíticos São Paulo Artes Médicas 1992 15 Arlow J The concept of psychic reality and re lated problems J Am Psychoanal Assoc 19853 3352135 16 Wallerstein R The concept of psychic reali ty its meaning and value J Am Psychoanal Assoc 198533355569 17 Isaacs S Naturaleza y función de la fantasía Revista de Psicoanálisis 195074555609 18 Bion WR Attacks on linking Int J Psychoa nal 1959405630815 19 Green A O discurso vivo uma teoria psica nalítica do afeto Rio de Janeiro Francisco Alves 1982 20 Green A El trabajo de lo negativo Buenos Aires Amorrortu 1995 21 Botella C Botella S Más allá de la represen tación Valencia Promolibro 1997 22 Botella C Botella S Conferencia dictada en APA Buenos Aires sn 1999 23 Levin de Said AD Referencias a lo originario en psicoanálisis el trabajo de la figurabilidad Revista de Psicoanálisis 20015823319 24 Gus M Resistências paradoxais em proces sos analíticos uma contribuição à aproxi mação de modelos In Simposium Anual da AP de BA 24 2002 Buenos Aires 25 Folch P Folch TE Negative transference from splitting towards integration Euro pean Psychoanalytical Federation Bulletin 1987285774 26 Gus I Os afetos e a situação analítica a pro pósito de um caso Porto Alegre sn 2000 LEITURAS SUGERIDAS Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Edição standard brasilei ra das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1980 v 12 p 14959 Klein M Los orígenes de la transferência el sen timiento de soledad y otros ensayos In Klein M Envidia y gratitud y otros ensayos Buenos Aires Paidós 1976 Obras completas v 6 p 26171 Klein M Sobre la identificação In Klein M Nue vas direcciones en psicoanálisis Buenos Aires Pai dós 1976 Obras completas v 4 p 30134 O processo psicoterápico tem seu desen volvimento marcado por avanços recuos e até mesmo por alguns momentos de estag nação Os progressos decorrem dos suces sivos insights que o paciente vai alcançando ao longo do tratamento e que lhe permitem a elaboração dos seus conflitos internos As obstaculizações do processo podem ser expressão do surgimento de resistências in coercíveis resistências intensas de apare cimento súbito e de difícil abordagem de um acting out ação impulsiva de caráter bastante complexo que visa a impedir o in sight de uma reação terapêutica negativa estratégia do ego que impede a consoli dação do insight ou da vigência de uma reversão da perspectiva tentativa incons ciente de impor ao terapeuta uma ideia distinta daquela que deveria ser a premis sa do tratamento buscar ajuda O acting out a reação terapêutica negativa RTN e a reversão da perspectiva quando não adequadamente trabalhados pelo tera peuta podem levar a um tipo de detenção mais duradoura do processo denominado impasse As resistências incoercíveis não são potencialmente geradoras de impasse porque pertencem apenas ao paciente e como será visto adiante o impasse requer uma participação ativa também do tera peuta Por essas razões tornase impor tante o estudo dessas vicissitudes do pro cesso psicoterápico Neste capítulo serão abordadas duas delas a RTN e o impasse A REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA A primeira alusão ao quadro que mais tarde viria a ser designado RTN ocorreu quando Freud1 ao descrever o caso do Homem dos Lobos comentou que seu paciente de senvolvia reações negativas passageiras que se expressavam sob a forma de uma piora sintomática sempre que um sucesso no tra tamento era alcançado Abraham2 também se re portou indiretamente a essa questão quando descreveu um tipo especial de resis tência crônica ao tratamento típica de pa cientes com pronunciado narcisismo que pode impedir consideravelmente o progres so e inclusive evitar um bom resultado do tratamento Esse tipo de pessoa segundo o autor tem a tendência de tentar transformar o tratamento em uma oportunidade de al cançar um estado de prazer puro 20 REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA E IMPASSE Antonio Carlos J Pires 350 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A descrição clínica mais completa de uma RTN foi feita por Freud3 quando afir mou que algumas pes soas reagem inversamente ao progres so do tratamento Toda solução par cial que deveria resultar numa melhoria ou suspensão temporária dos sintomas produz nelas por al gum tempo uma exacerbação de suas moléstias ficam piores durante o tra tamento em vez de ficarem melhores Exibem o que é conhecido como rea ção terapêutica negativa Com essa assertiva Freud pôs à mos tra aquilo que é por assim dizer a marca re gistrada da RTN a piora paradoxal Assim não é tão difícil observar em uma psico terapia que venha evoluindo de forma sa tisfatória após uma ou mais sessões em que a dupla terapeutapaciente trabalhou de maneira eficaz superando resistências e oportunizando ao paciente ter um insight o surgimento de uma piora repentina e aparentemente desprovida de sentido O paciente mostrase regredido as resistên cias ficam acirradas há uma forte oposição ao trabalho psicoterápico e às vezes surge até mesmo uma aberta hostilidade com o terapeuta a compreensão que havia sido al cançada na sessão anterior desaparece como fumaça no ar Ou seja como assinala Etche goyen4 na RTN a tarefa se realiza e o insight se consuma mas sobrevém uma resposta que obscurece os êxitos obtidos De início tal situação pode deixar o terapeuta surpreso e se perguntando o que estaria ocasionando esse retrocesso tão abrupto e inesperado A RTN é consequência de múltiplas causas Freud3 relacionou essa situação com a culpa decorrente de um superego muito severo Criase em decorrência dessa severi dade uma atmosfera pesada de culpa que fica rondando constantemente o paciente Seria como se este ouvisse dentro de si o tempo todo uma voz dizendo que ele não tem o direito de melhorar Pouco tempo depois Freud sugeriu que a RTN também é decorrente de aspectos masoquistas que se expressam por uma necessidade intensa de castigo Para Freud o sadismo do supe rego e o masoquismo do ego não são exclu dentes mas complementares Como bem lembra Etchegoyen4 a necessidade de castigo é jus tamente uma forma de defenderse do sentimento de culpa é para não ter o sentimento de culpa para não assumilo que a pessoa prefere casti garse Ao publicar Análise terminável e inter minável Freud5 comenta que fenômenos psíquicos como o masoquismo o senti mento de culpa e a RTN também são ex pressões de uma força inerente a todo ser vivo designada pulsão agressiva derivada da pulsão de morte O conceito de pulsão de morte desenvolveuse a partir da teoria da compulsão à repetição segundo a qual o indivíduo tende a criar repetitivamente situações dolorosas para si mesmo Karen Horney6 enfatizou a ideia de que a RTN só pode ocorrer na vigência de um trabalho interpretativo adequado que tenha produzido insight e que a isso se siga um retrocesso ou seja uma piora genui namente paradoxal A ênfase no caráter contraditório da piora após um insight é importante se levarmos em consideração que toda psicoterapia se desenvolve a par tir de avanços e recuos e que nem todo re trocesso é paradoxal ou sinônimo de RTN Assim por exemplo há situações em que o paciente piora simplesmente porque o te rapeuta não está podendo compreendêlo Nesses casos observase um recuo só que Psicoterapia de orientação analítica 351 ele não terá sido precedido de insight e a piora daí decorrente não será nada dispa ratada Além disso Karen Horney afirma que a piora paradoxal própria da RTN também pode se apresentar de uma maneira disfar çada Nesses casos após uma sessão produ tiva observase apenas a irrupção de sinto mas físicos no paciente como episódios de diarreia por exemplo Assim a piora física aguda encobre a piora psicoterápica de ca ráter paradoxal Joan Rivière7 inspirada em um traba lho apresentado por Melanie Klein8 pos tulou que em pessoas narcisistas a possi bilidade de ingressar na posição depressiva é vivenciada como algo aterrorizante uma ameaça de esfacelamento do self Vista a partir desse ângulo a RTN também po deria ser compreendida como uma forma de controle do qual o indivíduo lança mão em um plano inconsciente para evitar uma catástrofe Desse modo a oposição arrogan te em relação ao terapeuta e a negação da melhora psicoterápica insight alcançada em uma sessão anterior podem ser consi deradas instrumentos de defesa contra o surgimento de ansiedades depressivas que o paciente entende como insuportáveis Um passo decisivo na compreensão da RTN veio ao se compreender que esse fenômeno poderia estar relacionado à inveja do paciente9 Em função disso este desvalorizaria a ajuda recebida e atacaria o terapeuta di zendo por exemplo que a interpretação que promoveu insight deveria ter sido feita antes ou que ela foi muito extensa ou que foi muito curta e assim por diante Para Etchegoyen4 as críticas que o paciente faz ao terapeuta durante uma RTN não têm nada de construtivo pois visam a desva lorizar um trabalho que foi bem feito Na mesma linha Rosenfeld10 propôs que a RTN não teria apenas um cunho defen sivo de evitação da catástrofe depressi va como postulara Joan Rivière7 Para ele a RTN seria também uma forma de ata que à capacidade de pensar do terapeuta o que explicaria a intensa culpa que toma conta do paciente após essas inves tidas A RTN pode conter um importante aspecto co municativo11 Reações catastróficas como essa po dem ser compreendidas como uma forma de o paciente expressar de maneira co dificada como vivenciou o insight obtido na sessão que deu origem à RTN esse in sight não seria percebido como um pro gresso mas como algo que provoca uma separação abrupta e dolorosa como se o paciente fosse um bebê que estivesse sen do arrancado violentamente do convívio com a mãeterapeuta Seria como se o in sight revelasse ao paciente que ele não se encontrava em um estado de fusão narcí sica com seu terapeuta fantasiava desfru tar essa condição até o momento em que o terapeuta formulou a interpretação ge rando o insight que desvaneceu tal fantasia Nessas condições a melhora é percebida como uma ameaça à desejada fusão com a mãeterapeuta e o paciente passa então ao ataque Parece oportuno assinalar a existência de alguns elementos que podem facilitar o diagnóstico diferencial entre esse quadro e 352 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs outras vicissitudes do processo como a re sistência incoercível e o acting out A resistência incoercível é uma ma nifestação resistencial intensa do paciente cujo aparecimento súbito pode pegar o terapeuta desprevenido exatamente co mo ocorre na RTN Entretanto ela não possibilita o insight e tampouco pode ser descrita como uma reação paradoxal Pelo contrário a emergência desse tipo de resis tência no início do tratamento de alguns pacientes mais regressivos tornase até mesmo previsível Desse modo enquanto a resistência incoercível impede a obtenção do insight a RTN obstrui a consolidação do insight já alcançado pelo paciente O acting out um tipo de ação impulsiva de caráter mais complexo que uma resistência que visa a impedir o insight também pode se confundir com a RTN Isso porque algumas atua ções que se expressam por ações cuja fi nalidade é a de evitar o insight e o contato com ansiedades depressivas intoleráveis podem até ser acompanhadas do fator surpresa para o terapeuta No entanto essa manifestação não apresenta nada de paradoxal pois não é prece dida de nenhuma melhora O que se observa é que durante a atuação o paciente está apenas agindo no intuito de evitar um insight em relação a algum conteúdo interno extremamen te doloroso de enfrentar Nunca é demais lembrar que para que a RTN se instale o terapeuta precisa estar trabalhando bem e aí reside o caráter paradoxal da reação ele deve ter podido interpretar de modo ade quado o material inconsciente fornecido pelo paciente de maneira a propiciar o surgimento de um insight Não existe uma fórmula preesta belecida para a abordagem de qualquer ocorrência ao longo de uma psicoterapia e com a RTN não é diferente As soluções para as inúmeras dificuldades durante um tratamento só podem ser alcançadas quando a fantasia que está gerando deter minado fato clínico tornase passível de compreensão por parte da dupla pacien teterapeuta No entanto algumas medi das de ordem mais geral podem ser úteis principalmente para os psicoterapeutas que estão se defrontando pela primeira vez com uma RTN Em primeiro lugar é bom ter em mente que a RTN é expressão da injúria narcisista que o tra balho psicoterápico bemsucedido despertou no paciente Ferido no seu narcisismo ao perce ber que precisa da ajuda do terapeuta para progredir ele reage depreciando de manei ra invejosa o trabalho efetuado pela dupla E aqui se insere uma importante questão de ordem técnica ao se interpretar a inve ja que subjaz a essa reação é fundamental deixar claro que aquilo que o paciente está invejando naquele momento é a capaci dade da dupla pacienteterapeuta de traba lhar de maneira criativa que fica expressa pelo insight alcançado Portanto quando equivocadamente mostramos que a in veja vivenciada pelo paciente se relaciona somente às capacidades do terapeuta esta mos incrementando a sensação de inferio ridade do paciente e fomentando a idealiza ção do terapeuta Gerase assim tamanha desesperança na mente do paciente que ele pode até decidir pela interrupção do trata mento Seria como se o paciente dissesse para si mesmo se nem meu terapeuta pode acreditar nas minhas capacidades por que continuar Psicoterapia de orientação analítica 353 A RTN é uma sofisticada defesa contra ansie dades depressivas que a mente do paciente jul ga não poder enfrentar e a conduta hostil que adota nessas condições não é como pode pa recer à primeira vista um ataque à pessoa do terapeuta Quando o paciente durante uma RTN faz pouco caso das interpretações está apenas tentando se defender da emer gência de ansiedades depressivas que o tra tamento traz à tona e as quais ele acredita que culminarão com o esfacelamento do próprio self Se o terapeuta não tiver con dições de compreender esse fato será fácil para ele mobilizado pelo próprio narcisis mo cair na armadilha de com arrogância interpretar a hostilidade do paciente como uma agressão pessoal aumentando de mo do significativo seu sentimento de culpa Ademais o paciente poderá fazer uso desse interpretaço como uma forma de castigo para aliviar a culpa decorrente da fantasia de ter atacado o terapeuta É fácil imaginar as repercussões daí advindas um intermi nável ciclo de ataquesculpacastigo Nada parece ser mais nocivo à evolução do tra tamento do que o terapeuta supor que sabe tudo sobre si mesmo e a respeito da pessoa que está sentada à sua frente Também é de vital importância que diante da RTN se resgate o aspecto co municativo contido nessa reação11 As sim à medida que se tem acesso aos te mores profundos dos quais a pessoa está se defendendo por meio da RTN p ex o medo de perceberse separado do terapeu ta é adequado dizer algo do tipo Você espera que eu compreenda que sua atitude de oposição ao tratamento tem por objeti vo evitar neste momento o contato com a tristeza que você experimenta ao se ima ginar separado de mim Com isso tenta se dar um significado à resistência do pa ciente em vez de simplesmente acusálo de não querer melhorar É importante en fatizar que a resolução da RTN só poderá ser alcançada por meio de adequado tra balho interpretativo da transferência se o psicoterapeuta não interpretar a situação transferencial que está gerando aquele acontecimento a psicoterapia irá se en caminhar para uma interrupção ou para uma situação sem fim Uma vinheta clínica tentará ilustrar alguns dos aspectos teóricos citados até aqui ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 O paciente Kevin está atravessando com certo êxito um período difícil de sua vida Em função do progres sivo acesso que vem tendo ao seu mundo interno tem podido resolver de maneira satisfatória algumas di ficuldades de relacionamento interpessoal De repente após uma sessão em que consegue darse conta de que pela primeira vez está se permitindo receber ajuda de alguém desencadeiase uma inesperada pio ra Diz não conseguir pensar em nada durante a sessão mostrandose arredio e irritado com o terapeuta que aos seus olhos é o responsável por essa piora Além disso passa a apresentar um quadro de diarreia intensa sem base orgânica De início o psicoterapeuta fica perplexo com a situação e no intuito de inves tigála melhor acolhe a queixa do paciente e lhe pergunta por que estava pensando daquela maneira O Continua 354 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O IMPASSE Apesar de sua relevância clínica o impasse tem sido pouco estudado tanto em psica nálise quanto em psicoterapia Em especial nesta última área os trabalhos que abordam tal questão são praticamente inexistentes Em função disso os conhecimentos rela cionados ao impasse psicoterápico tanto do ponto de vista teórico quanto técnico precisam ser necessariamente importados da psicanálise pelo menos até que se estude melhor sua ocorrência na psicoterapia A expressão impasse tem sido muitas vezes utilizada de maneira equivocada para designar diferentes situações clínicas Assim por exemplo é comum ou virse de colegas que um tratamento che gou a um impasse Ao examinarmos o pretenso impasse acabamos percebendo que se trata de por exemplo uma resis tência incoercível uma RTN uma série de acting outs excessivos ou até mesmo de uma reversão da perspectiva Ocorrên cias como essas por representarem uma amea ça ao andamento do tratamento e provocarem a sensação de um beco sem saída podem ser diagnosticadas de for ma equivocada como impasses É que às vezes utilizamos esse vocábulo no seu sentido popular como se tivesse a mesma conotação do termo técnico Em função disso é importante que se conceitue ade quadamente o fenômeno Pires12 define impasse como Continuação paciente diz não ter nenhuma ideia a respeito e fica em silêncio Ato contínuo comenta que quando crian ça ficava irritado sempre que alguém o auxiliava em alguma tarefa Um sentimento de humilhação toma va conta dele nessas ocasiões O terapeuta então intervém O fato de perceber que formamos uma dupla criativa e que em alguns momentos podemos ter boas ideias que lhe possibilitam compreender melhor o que se passa com você faz com que também se sinta humilhado Seguese um longo silêncio após o qual o paciente relata um sonho Sonhei que um bebê estava nascendo e que eu e um desconhecido éramos os obstetras Que sensação legal esta de ajudar alguém a nascer Eu estava muito contente com tudo aquilo Só que o parto era delicado e em função disso a criança corria risco de vida Era muito perigoso a ruptu ra do cordão umbilical poderia provocar uma hemorragia na criança levandoa à morte Acordei suando e apavorado Tive que ir ao banheiro porque estava com diarreia Não pude entender nada desse sonho O terapeuta pôde perceber que ao relatar seu sonho o paciente estava dizendo que sua evolução no trata mento trazia alegria Viase como um bebê bem cuidado pela dupla pacienteterapeuta o que dava espe rança de poder levar uma vida mais criativa e mais prazerosa Todavia também sentia essa transformação como uma ameaça ficava borrado de medo e imaginando que se continuasse progredindo o cordão um bilical que nos unia a psicoterapia seria cortado e o que viria a seguir seriam apenas morte e destrui ção Na tentativa de não pensar nessa catástrofe sem que pudesse se dar conta tentava criar uma situa ção de litígio com o terapeuta fantasiando que este estaria promovendo sua piora Assim a ideia de que o cordão umbilical pudesse um dia ser cortado ficava afastada de sua mente Levando em consideração tal entendimento o trabalho realizado pela dupla pacienteterapeuta permitiu a resolução da RTN em vigên cia e propiciou o surgimento de ansiedades depressivas intensas que até então o paciente não se sentia em condições de enfrentar Psicoterapia de orientação analítica 355 um fenômeno que comporta uma detenção insidiosa e duradoura do processo que implica um cessamento da elaboração sem que o setting apa rente alterações visíveis e que se ma nifesta sob distintas formas clínicas com indicadores típicos e cujas ori gens remontam ao binômio transfe rênciacontratransferência O impasse não tem uma apresentação única Cada autor a partir do seu ângulo próprio de observação parece descrever um quadro clínico singular nem sempre muito claro mas que em geral guarda alguma semelhança com as descrições dos demais autores Uma das primeiras descrições clíni cas do impasse psicanalítico foi feita por Meltzer13 ao abordar uma fase particu larmente turbulenta do tratamento que denominou de umbral da posição de pressiva Aproximandose da fase final do tratamento o paciente é vitimado por um terror paralisante dando margem ao surgimento de poderosas resistências que impedem a elaboração de ansiedades de pressivas próprias do término Meltzer14 afirma que ao atingir o limiar da posição depressiva o paciente já mostra sinais de ter progredido até um ponto de sofri mento mental mínimo de modo a poder adaptarse socialmente desenvolver sua capacidade de trabalho e relacionarse sexualmente No entanto ainda não es taria apto a desfrutar com plenitude de sua potência e criatividade Seria capaz de assumir comportamento mais adulto mais livre de entraves mas persistindo ainda marcado egocentrismo mesmo que a organização narcisista infantil tenha so frido importante debilitamento ao longo do tratamento Com os resultados parciais descritos o paciente se daria por satisfeito e se inclinaria a encaminhar o término do tratamento Então uma campanha de excepcional vigor se põe em marcha durante o perío do de impasse para terminar a análise em uma atmosfera de idealiza ção mútua14 Meltzer14 refere que nunca detectou uma situação de impasse no umbral da posição depressiva antes do quarto ano de tratamento Observou ocorrências mais precoces do fenômeno apenas em casos de reanálise nos quais o impasse poderia até se apresentar no início do novo tratamen to mas como expressão de algo que não havia sido resolvido no anterior O quadro clínico do impasse põe à mostra um tratamento que não está progredindo mas nem o terapeuta nem o paciente percebem o fato15 O paciente segue associando e o te rapeuta interpretando porém o primeiro embora aceitando as interpretações des pojaas de qualquer significado restando somente palavras sem sentido Assim o pa ciente pode até obter certo conhecimento a respeito de si mesmo mas sem alcançar algum insight genuíno Nessas condições permanece arraigado ao seu narcisismo mobilizando no terapeuta uma contra transferência perturbadora expressão do narcisismo do próprio terapeuta que po deria se manifestar por exemplo sob a forma de irritação com o paciente Dessa maneira o terapeuta ficaria cego e o tra tamento tenderia a perpetuarse Maldonado16 narra uma situação de impasse originada a partir de uma atitu de defensiva do paciente a qual designou como máfé Tal máfé seria expressa em primeiro lugar pela ocultação intencional de fatos ou por relatos feitos de uma ma neira distorcida de modo a induzir o te rapeuta a interpretar de forma equivocada 356 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em segundo pela deturpação deliberada e sistemática das interpretações Como a má fé só pode ser reconhecida pelo menos de início a partir de vivências contratransfe renciais sempre acompanhadas de algum grau de incerteza o terapeuta fica com a sensação de que o processo está indo adian te quando na verdade permanece oculta a necessidade de estabelecer um processo pseudoevolutivo O tratamento perderia seu sentido de descoberta para adquirir a finalidade de iludir o terapeuta e assim o processo estagnaria Tal estagnação se ex pressa por meio de associações do paciente com situações que representam um padrão repetitivo circular de algo que parece estar em movimento mas que retorna sempre para o mesmo lugar como um carrossel Cumpre salientar que a máfé do pacien te tem uma conotação apenas defensiva tratase de uma tentativa de evitar o apa recimento de ansiedades depressivas viven ciadas como algo aterrorizante Assim a máfé está desvinculada da intenção pura e simples de enganar da qual toda mentira está impregnada A vivência contratrans ferencial nessa situação é de frustração sobrecarga e paralisia O quadro descrito por Maldonado16 lembra certa estratégia de xadrez em que um dos competidores por sentirse em desvantagem em relação ao oponente encaminha suas jogadas de maneira a chegar a um impasse e assim obter um empate por afogamento De acordo com Etchegoyen17 o melhor indica dor de impasse é o fator temporal Segundo ele a evidência de que as fases se re petem idênticas a si mesmas sem que se possa confiar mais que o tempo as modifique elaboração é o que a meu ver melhor denuncia o impas se Vi reiteradamente que no curso de determinado ciclo temporal a sessão a semana inclusive o ano coloca se um problema que se resolve con vincentemente por via interpretativa para ressurgir intacto ao final do pe ríodo e isso permite um diagnóstico bastante seguro às vezes até presunti vo de impasse O impasse se manifesta de forma in sidiosa até que se torna possível detectar a presença de um pseudoprocesso18 Esse pseudoprocesso se revela por um trata mento estancado ainda que o paciente siga trazendo material verbal para as sessões Ocorrem elaborações apenas parciais de alguns conflitos enquanto outras situações conflitivas mantêmse inalteradas protegi das por uma bem estruturada organização defensiva Em função da melhora apenas parcial de alguns dos setores comprometi dos da personalidade o paciente apresenta um crescimento psíquico desigual mostra uma melhora sintomática com diminui ção significativa da ansiedade mas des provida de insight Diante de tal situação o terapeuta fica com a sensação de que a melhora não é verdadeira e de que algo não está indo bem A própria melhora sinto mática funciona como algo que encobre o pseudoprocesso dificultando a detecção do impasse Segundo Maldonado18 no estado de impasse a repetição é seguida sem mediação de insight por outra repetição que muda de for ma mas mantém um conteúdo idên tico ou semelhante ao primeiro Isso conferiria um caráter meramente formal à mudança típico de um pseudo processo Psicoterapia de orientação analítica 357 Maldonado18 propõe quatro tipos de indicadores do impasse a contratransfe renciais b clínicos c processuais e d re presentacionais a Os indicadores contratransferenciais in cluem vivências de fadiga impaciência fastio e desesperança que surgem frente à distribuição estática de papéis e funções na situa ção analítica que resulta por sua vez do fracasso da função interpretativa18 b Indicadores clínicos podem prenunciar o surgimento de um impasse por exemplo pessoas com episódios de melancolia no passado apresentam tendência a criar si tuações de impasse durante o tratamento c Quanto aos indicadores processuais to do o tratamento tem uma configuração própria com uma qualidade específica que varia de acordo com suas diferentes etapas Nas situações de impasse essas diferenças tendem a desaparecer todas as fases ficariam iguais como se fossem uma só Assim a uma modificação do enquadre não corresponderiam altera ções transitórias do processo como seria de se esperar d Em relação aos indicadores represen tacionais as perturbações do processo seriam detectadas pelas modificações que se estabelecem no nível da produção de imagens Nos casos de impasse haveria uma diminuição quantitativa de imagens visuais mediadas pela verbalização suge rindo que a capacidade de simbolização do paciente está comprometida Poderia haver também alterações qualitativas na produção de imagens expressas pela representação de objetos carentes de mo bilidade ou providos de um movimento circular que anula a si mesmo Em fun ção desse tipo de alteração um paciente poderia por exemplo contar um sonho sobre uma imagem completamente es tática como em uma fotografia narrar uma cena em que um carrossel estivesse dando voltas em torno de si mesmo ou falar sobre máquinas velhas e instrumen tos inoperantes que servissem para medir o tempo Em certos casos seria possível observar imagens de objetos em movi mento executando um deslocamento pendular ou um movimento vertiginoso representação pelo oposto O autor alerta que com frequência os pacientes atuam essa situação conduzindo um carro em alta velocidade na busca de sesperada por uma saída da inércia Apesar de o impasse apresentarse sob diferentes formas parecem existir al gumas condições gerais comuns a todos os tipos Partindo da classificação proposta por Maldonado18 com algumas modifi cações será feita a seguir uma síntese dos principais indicadores de um impasse Do ponto de vista do paciente há oposi ção intensa inconsciente em relação ao objetivo do tratamento que pode chegar até ao uso de máfé com a finalidade de levar o processo à estagnação Ainda que haja melhora sintomática fica à mos tra a parte não tratada da organização narcisista infantil que se expressa pela persistência de marcado egocentrismo Na história pregressa do paciente podem ser encontrados sinais de um padrão de funcionamento mental que tende à estagnação No material das sessões é possível detectar diminuição quantita tiva das imagens visuais diminuição da capacidade de simbolização e alteração na qualidade dessas imagens O processo terapêutico se estagna de maneira insidiosa sem que o paciente 358 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs e o terapeuta o percebam Tal estagna ção dificilmente surgirá no começo do tratamento ocorrendo mais em etapas intermediárias Durante o impasse o setting se mantém parece que o paciente está associando e que o terapeuta está interpretando de modo eficaz porém as associações revelam um padrão circular repetitivo com o paciente desvalori zando as interpretações e tornandoas ineficazes Não há insight ainda que haja melhoras sintomáticas Cada repetição é seguida sem a mediação de insight de uma nova repetição sugerindo a presen ça de um pseudoprocesso no qual não há elaboração e as fases do tratamento tendem a ficar isomórficas A percepção do impasse por parte do terapeuta ocorre no início de forma apenas indireta por meio de vivências contratransferenciais de enfado frus tração sobrecarga paralisia irritação e desesperança em relação ao futuro do tratamento Existem inúmeros fatores envolvidos na gênese de um impasse Reich19 parece ter sido o primeiro a assinalar a participa ção ativa do terapeuta em situações de não compreensão como acontece no impasse relacionando essas ocorrências ao narcisis mo do terapeuta Quando se produz o insight e o pa ciente se movimenta no sentido da integra ção criase ao mesmo tempo um campo fértil para o surgimento da inveja9 O pa ciente tende então a adotar uma atitude de rivalidade com o terapeuta e o processo se paralisa Na fantasia por inveja o pa ciente se apossa vorazmente das boas qua lidades do terapeuta e passa a recusar sua ajuda Em função disso começa a sentirse ameaçado internamente por um terapeuta ressentido desejoso de vingança A possi bilidade de contatar essa parte invejosa da personalidade incrementa no paciente a desconfiança em relação a sua capacidade amorosa aumentando a inveja do tera peuta e estabelecendo um círculo vicioso Ainda que nesse trabalho Melanie Klein estivesse se referindo à reação terapêutica negativa e não ao impasse propriamente dito sua contribuição é importante uma vez que destaca a participação da inveja nos casos de obstaculização do processo O impasse é um acontecimento que engloba a dupla pacienteterapeuta Com isso na busca do entendimento desse quadro é fundamental levarse em consideração tanto a transferência quanto a contratransferência Por razões de ordem didática alguns autores chegam a estudar em separado a participação do paciente e a do terapeuta no impasse mas sempre reco nhecendo que se trata de uma situação que envolve a díade Assim por exemplo Mos tardeiro e colaboradores15 entre os fatores do paciente destacam a fragilidade de um ego com identificações po bres relacionandose predominante mente com objetos parciais e utilizan do identificações projetivas maciças e onipotentes dissociação e splitting A percepção da realidade é pobre e a ca pacidade de síntese do ego está grave mente lesada Além disso nesse tipo de paciente detectase também um superego rígido com um padrão de funcionamento predo minantemente sádico O principal elemento responsável pelo estabe lecimento de um impasse está relacionado ao narcisismo Psicoterapia de orientação analítica 359 Esse tipo de paciente em função do seu marcado narcisismo desenvolve uma intensa resistência originada na inveja e em uma atitude superior onipotente em que são negadas a necessidade de depender e as ansiedades a ela relacionadas15 São indiví duos que almejariam do tratamento grati ficações narcisistas sustentadas em bases ilusórias por não apresentarem um de sejo genuíno de autoconhecimento Com esse self ilusório promovendo gratificações narcisistas consideráveis o indivíduo fica apegado a sua doença na luta pela manu tenção do status quo enganoso mas gratifi cante É em função disso que durante um impasse as interpretações despertam no paciente intensa oposição a ponto de ele por meio de distorções grosseiras desqua lificar a ajuda recebida Quanto à participação do terapeuta nas situações de impasse Mostardeiro e colaboradores15 comentam que entre as situações que mais mobilizam uma respos ta negativa do terapeuta destacase a falta de sinceridade do paciente porque repre senta um ataque violento ao narcisismo do te rapeuta a ponto de este ficar sem poder compreender o que está se passando na ses são Outra situação capaz de potencializar um impasse é o terapeuta se deixar envol ver pela idealização do paciente O trata mento passaria a ter conotação de uma intensa disputa a dois matizada pelo uso maciço de identificações projetivas de am bas as partes Um posicionamento teórico radical do terapeuta diante das situações trazidas pelo paciente como por exemplo reconhecer e interpretar apenas a agressão no material das sessões também pode re presentar um forte estímulo ao surgimento do impasse Em uma situação como essa é bem provável que esteja em ação o narcisis mo do terapeuta expresso por uma atitude defensiva onipotente Ao discorrerem sobre o papel da con tratransferência no impasse Giovacchini e Boyer20 lembram que quando o terapeuta passa a agir em consonância com o que o paciente projetou dentro dele um papel que corresponde a uma necessidade pri mitiva do paciente fica impossibilitado de compreender o que está ocorrendo Se guindo linha semelhante Vollmer Filho21 sugere Quando o analista não se sen te capaz de receber e tolerar a angús tia isto é a dor contida nas identifi cações projetivas do paciente sua rea ção pode ser de rechaço ao projetado vivenciando por contraidentificação a comunicação do paciente de forma persecutória Além disso ao rechaçar a comunicação do paciente também bloqueia sua própria capacidade de pensar sobre o que está lhe transmi tindo fazendo prevalecer sobre o en tendimento da dor o desejo de livrar se dela Uma vez invadido pela angústia a capacidade do terapeuta de pensar torna se comprometida podendo inclusive induzilo a ações impulsivas Assim o pa ciente fica impedido de obter insight não há elaboração e o processo tende à estag nação Meltzer14 enfatiza que no impasse no umbral da posição depressiva há inten so uso da identificação projetiva por parte do paciente o que tem por objetivo evitar o contato com ansiedades depressivas e como consequência o empobrecimento do self A propósito Rosenfeld22 entende ser fundamental a compreensão do uso inten so da identificação projetiva para manter o funcionamento terapêutico e desse modo evitar dificuldades na transferência e na contratransferência potencialmente gera doras de um impasse No impasse a identificação projeti va tem uma característica predominante 360 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mente expulsiva e não comunicativa Seu objetivo é o de livrarse de pensamentos e sentimentos insuportáveis Permeada pela onipotência do pensamento a identifica ção projetiva maciça confere um caráter de concretude ao processo mental a ca pacidade de simbolização fica danificada e borramse os limites entre realidade e fantasia O pensamento verbal e o abstrato ficam comprometidos prejudicando a co municação entre paciente e terapeuta Via identificação projetiva o paciente imagina se vivendo dentro da mente do terapeuta e passa a atribuir a si mesmo qualquer aqui sição de novos conhecimentos e a atacar as interpretações recebidas Tal situação decorre da inveja do paciente à capacida de criativa do terapeuta deixando à mostra a base narcisista que permeia as situações de impasse Ainda de acordo com Rosen feld22 Muitos pacientes e na contratrans ferência também o analista consi deram insana e ilógica a violenta in veja dirigida contra os aspectos bons do analista A parte sadia do pacien te e talvez a do analista considera in toleráveis e inaceitáveis essas reações invejosas São criadas então defesas contra essa inveja primitiva Uma de las relacionase à cisão e à projeção da parte invejosa do self para dentro de um objeto externo que se torna então a parte invejosa do paciente Caso o terapeuta acompanhe sem se dar conta esse movimento projetivo do paciente no intuito de livrarse dos incô modos aspectos nele projetados a agressão invejosa por exemplo o trabalho da du pla ficará gravemente comprometido Da parte do paciente a identificação projetiva maciça incrementa as ansiedades persecu tórias e a culpa pelos ataques perpetrados na fantasia Culpado ele passa a temer que suas projeções tenham danificado a capa cidade de pensar do terapeuta sentindose responsável pela estagnação do tratamento O terapeuta tem sua capacidade de pensar prejudicada podendo inclusive acusarse masoquistamente pelo possível fracasso do tratamento Estabelecese um círculo vicioso no qual cada um dos componentes da díade realimenta ati tudes defensivas no outro Paciente e terapeu ta ficam impedidos de detectar o que está ocor rendo não há insight nem elaboração ainda que o setting aparentemente esteja preser vado Maldonado23 ao examinar a parti cipação do terapeuta no impasse descre ve um compromisso contratransferencial Diferentemente da vivência contratrans ferencial como fadiga impaciência de sesperança o compromisso contratrans ferencial fruto da distribuição estática dos papéis no impasse implica uma iden tificação duradoura do terapeuta com o padrão defensivo do paciente com vistas à manutenção de um estado narcisista da du pla Assim o terapeuta sem perceber pode aceitar material desprovido de significado simbólico estimulando o estabelecimento de um diálogo vazio de função meramente resistencial que se presta à manutenção do impasse Kantrowitz24 alerta sobre a impor tân cia do entendimento dinâmico do impasse durante o tratamento Comenta a au tora Quando o impasse não é superado e o tratamento é interrompido podere mos revisar retrospectivamente nosso trabalho e tentar aprender com isso mas nossas conclusões permanecerão especulativas Mesmo que nossas teo rias sejam plausíveis precisamos da confirmação do paciente e do levan Psicoterapia de orientação analítica 361 tamento do impasse para estabelecer a sua validade Essa recomendação parece oportuna pois uma compreensão posterior de um impasse não resolvido pode estar contami nada por aspectos do terapeuta aos quais ele não teve acesso nem durante nem após o impasse o que confere ao seu entendi mento um cunho especulativo e defensivo De acordo com Etchegoyen4 os me canismos de defesa são técnicas do ego enquanto as estratégias do ego são for mas mais complexas e globais das quais o paciente lança mão para impedir o desen volvimento do tratamento As estratégias do ego são o acting out a reação terapêu tica negativa e a reversão da perspectiva que têm como objetivo comum impedir o desenvolvimento do processo Nos casos em que as estratégias defensivas do ego não são adequadamente tratadas pode surgir um impasse O fato de essas estratégias levarem o tratamento a um impasse possibilita con fundir as causas determinantes do impasse com o impasse propriamente Daí a neces sidade de se estabelecer o diagnóstico dife rencial entre impasse e tais estratégias O acting out é uma estratégia do ego fundada no desejo inconsciente do pacien te de atacar a tarefa a que se destina a dupla e que se expressa por ações com a finalidade de evitar o insight e o contato com angús tias depressivas tidas como intoleráveis O acting out isoladamente não con duz ao impasse a não ser nos casos de ac ting outs crônicos17 É apenas quando se mobiliza insidio samente contra angústias depressivas e se torna menos violento e mais per tinaz e astuto que o acting out conduz ao impasse O acting out crônico tende a evoluir para a interrupção brusca do tratamen to Da mesma forma casos de acting outs intensos nas fases iniciais do tratamento tendem à interrupção e não ao impasse O acting out impede o insight podendo fa zer cessar temporariamente a elaboração à semelhança do impasse A partir daí os dois fenômenos podem ser confundidos No entanto o acting out é em geral epi sódico não levando obrigatoriamente à estagnação do processo além de poder ser detectado com alguma facilidade pelo tera peuta ao contrário do que se observa em um impasse De mais a mais as origens do acting out não remontam necessariamen te ao binômio transferênciacontratrans ferência como ocorre no impasse exceção feita aos casos em que o acting out é esti mulado pelo terapeuta em função de um distúrbio da contratransferência A RTN pode ser confundida com o impasse com maior frequência do que com o acting out Na RTN não chega a haver um im pedimento imediato ao surgimento de in sight como ocorre no impasse No entanto uma vez havendo o insight este acaba não se consolidando o que pode dar a impres são de nunca ter acontecido Por desco nhecimento teóricotécnico essa não con solidação do insight típica da RTN pode ser confundida com a impossibilidade de aquisição de insight própria do impasse Ao não se diagnosticar e tratar uma RTN em curso o terapeuta acaba colaborando para a cronificação da situação tornando a propensa a um impasse A pioneira pu blicação a apontar a diferença entre RTN e 362 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs impasse foi feita por Mostardeiro e colabo radores15 ao afirmarem O elemento que caracteriza a RTN além da gravidade da resistên cia é a resposta paradoxal Isto a dis tingue do impasse psicanalítico Etchegoyen17 alerta que uma das ra zões pelas quais a RTN pode ser confun dida com o impasse é o fato de despertar no terapeuta um sentimento peculiar de aborrecimento decepção e fatalismo que Cesio em 1960 definiu como letargo No entanto na RTN não há diminuição quantitativa das imagens visuais e nem se observa alteração na qualidade delas o set ting mostrase visivelmente alterado pois o paciente reluta em cumprir sua parte no tratamento enquanto no impasse essa al teração é quase imperceptível O uso impreciso de conceitos é mais frequente do que o desejável o que se re pete quanto ao impasse potencializando a confusão entre situações clínicas distintas como impasse e RTN O termo acting out também já foi usado com diferentes cono tações para designar um ato sintomático como expressão da compulsão à repetição como forma especial de transferência e co mo um ataque à tarefa terapêutica A reversão da perspectiva é um con ceito introduzido por Bion25 que postu la a existência de um padrão psicótico de funcionamento mental no qual o paciente reverte a perspectiva do tratamento ten tando tornálo uma situação estática De acordo com Etchegoyen4 A reversão da perspectiva consiste por definição em que o sujeito ve nha a se analisar não para conhecer a si mesmo se curar crescer ou re solver seus problemas mas com uma ideia distinta que até pode ser a de de monstrar ao analista que não necessi ta de análise Quer impor suas pre missas e desconhecer as do outro em um des dobramento descomunal do narcisismo Nessa situação no plano manifesto o paciente mostrase aliado ao terapeuta de sejando se tratar No plano latente expres sa franca oposição à finalidade do trata mento Em função do desacordo latente as interpretações são distorcidas pelo pacien te de maneira a comprovar suas velhas e imutáveis teorias Por serem inconscientes o paciente não tem acesso a essas teorias e assim não pode explicitálas Tal padrão mental é incompatível com o insight por que como refere Etchegoyen4 A reversão da perspectiva é um mecanismo psicótico que me impede de trocar e reverter meu ponto de vis ta para o dos outros Há uma expectativa do paciente de manter uma imagem idealizada de si mes mo que se choca com a perspectiva mais realista que o tratamento pode propiciar É nesse contexto que se instala a reversão da perspectiva Quando o terapeuta com partilha do ideal narcisista do paciente a reversão da perspectiva tende a se cronifi car e o campo tornase propício ao desen volvimento de um impasse O quadro clínico da reversão da pers pectiva lembra o impasse decorrente de máfé16 Em ambos não há insight e como consequência não há elaboração o proces so parece estagnado e o setting aparente mente se mantém No entanto na reversão da perspectiva distinto do que ocorre no impasse por máfé não chega a haver uma verdadeira estagnação do processo uma vez que desde o início o paciente procu ra o terapeuta com uma perspectiva que imediatamente se choca com o objetivo de se tratar O princípio básico que norteia a Psicoterapia de orientação analítica 363 reversão da perspectiva é o de tornar está tico o tratamento desde o seu começo no intuito de evitar o sofrimento De qualquer modo os indicadores representacionais de impasse não estão presentes na reversão da perspectiva Os quadros clínicos descritos podem ser diferenciados das situações de impasse desde que o terapeuta tenha uma noção mais clara das peculiaridades de cada um deles A confusão entre os distintos fenô menos está relacionada ao fato de que to dos cada um à sua maneira interferem nos processos de insight e de elaboração à semelhança do que ocorre no impasse E o fato de esses quadros poderem desembocar em um impasse serve para aumentar essa confusão Como são inúmeros os fatores impli cados na gênese do impasse existem mui tas formas de abordálo cada uma delas ligada a uma compreensão dinâmica espe cífica à dupla pacienteterapeuta Assim a afirmação de Heráclito citada por García Bacca26 de que não há maneira de banhar se duas vezes na mesma corrente de um rio pode ser aplicada ao impasse Cada situação de impasse é única para cada dupla pacienteterapeuta jamais sendo repro duzida em sua totalidade por outros pares Diante de um impasse algumas reco mendações de ordem geral podem ser úteis Mostardeiro e colaboradores15 propõem que o terapeuta concentre seus esforços no exame dos traços caracterológicos nar cisistas do paciente Moura Ferrão27 pre coniza uma postura neutra do terapeuta não impregnada do desejo de curar Gio vacchini e Boyer20 sugerem atenção espe cial ao significado das reações conscientes e inconscientes do terapeuta ao paciente Etchegoyen17 alerta sobre um correto diag nóstico clínico de impasse Entende que is so pode ser feito com maior tranquilidade após as sessões uma vez que durante elas é muito difícil alcançar uma visão mais crí tica do que está ocorrendo Kantrowitz24 afirma que somente depois da superação do impasse é que o terapeuta terá melhores condições de entender os fatores dinâmicos envolvidos Destacase assim a necessidade de o terapeuta ter algum distanciamento crí tico em relação ao que está ocorrendo na relação da dupla para que viabilize uma compreensão mais abrangente do impasse Aliás esse é um motivo razoável para que o terapeuta nessas situações procure su pervisão Como o supervisor não está dire tamente envolvido no impasse ele poderá ter melhores condições de auxiliar a alcan çar a necessária visão crítica do que está ocorrendo no tratamento Levy28 comenta que com a ajuda do supervisor que utiliza a sua própria vivência contra transferencial a situação de supervi são pode tornarse uma experiência de aprendizado importante no que se refere à contratransferência e a suas conse quências Para Meltzer14 todos os casos de impasse mereceriam ser supervisionados objetivando a prevenção de atitudes desas trosas por parte do terapeuta que podem causar danos ao paciente Na vigência de um impasse há quem recomen de marcar uma data para interromper o trata mento14 Essa controversa recomendação esti mula questionamentos Será que tal pro 364 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cedimento não estaria mais relacionado à mobilização do narcisismo do terapeuta necessitado de mostrar ao paciente quem é que detém o poder Adiantaria explicar ao paciente assustado momentos após o tera peuta ter combinado a interrupção do tra tamento que ele terapeuta continua mo tivado a seguir adiante com o tratamento Seria aconselhável impor ao paciente me didas que objetivam conter seu sofrimento mental Fosse ele capaz de fazer isso já não seria o momento de começar a trabalhar sua alta sem ameaças de interrupção Até que ponto o terapeuta poderia ter certeza de que o tratamento não iria adiante caso optasse por manter o setting original A su pervisão do caso não poderia ser útil para a preservação do setting Em defesa de pelo menos parte dessa ideia é preciso lembrar que uma interrupção é sempre mais ética do que a manutenção de um tratamento interminável pois esta última configura uma espoliação emocional e econômica do paciente por parte do terapeuta Maldonado18 destaca a necessidade de se fazer a abordagem do impasse sempre do ponto de vista da dupla pacientetera peuta Para ele Quando a detenção do processo ocor re e não é percebida e a patolo gia da contratransferência invadiu a situa ção analítica as identidades in dividuais se perdem Assim as mani festações do conflito deverão ser bus cadas em ambos os integrantes posto que a melhora de um de seus mem bros o paciente tem lugar em fun ção do efeito deletério que recai sobre o outro o terapeuta Kantrowitz24 enfatiza a necessidade de se ficar atento às ocorrências na trans ferênciacontratransferência durante o im passe o que requer do terapeuta um exame cuidadoso da maneira como ele está inter vindo com o fim de detectar similaridades de conflitos entre paciente e terapeuta Ferro29 recomenda uma atitude flexível que permita ao terapeuta ser capturado pela fan tasia que está em ação no campo A capacidade do terapeuta de modu lar a interpretação é fundamental para a superação do impasse Um dos problemas técnicos do impasse é o diálogo aparente mente produtivo estabelecido pela dupla mas desprovido de uma verdadeira vivên cia emocional do que está sendo falado A retomada da capacidade de pensar essas ansiedades que estariam cindidas fora do campo propiciaria à dupla a saída do impasse29 É fundamental a maneira como o te rapeuta escuta o paciente principalmente no que se refere às nuanças tanto da for ma quanto do conteúdo das suas comuni cações São essas delicadas diferenças nas manifestações do paciente que fornecem pistas para o entendimento do impasse e o consequente restabelecimento do proces so30 Como os conteúdos não verbais mui tas vezes predominam no impasse valori zar as formas de comunicação não verbal do paciente é uma medida útil para facilitar o surgimento de novas associações31 Pacientes narcisistas dotados de se vera autocrítica e cujo tratamento evoluiu para um impasse tendem a ouvir o que lhes é dito como acusação inibindo a participa ção do terapeuta Só se pode resolver esse dilema se em vez de enfocar as interven ções no aspecto defensivo do compor tamento do paciente o analista desviar Psicoterapia de orientação analítica 365 sua atenção para a função adaptati va desse comportamento só assim o paciente sentirseá com preendido e não criticado32 Diante de medidas empáticas o paciente pode atenuar a sensação de humilhação decorrente das interpretaçõescríticas do terapeuta e aos poucos se permitir examinar aspectos de sua personalidade até então defendidos Todavia nem sempre a medida é bemsucedida Às vezes a despeito de um prolongado perío do de resposta empática por parte do terapeuta o paciente não assume como sendo realmente seus afetos pensamentos fantasias e ações que lhe pertencem32 Um dos riscos dessa abordagem é a dupla deixarse seduzir pelo alívio da pres são transferencialcontratransferencial que tal medida gera e de forma defensiva pas sar a adotála em caráter permanente As sim o diálogo apenas empático substitui o diálogo realmente produtivo mantendo o tratamento em um clima superficial e con fortável para ambos Ainda que um impasse mobilize sofrimento também no terapeuta a dor psíquica que viti ma o paciente é incomparável Assim em uma situação desse tipo cabe sempre ao terapeuta a responsabilidade de buscar estratégias ade quadas no intuito de aliviar essa dor O material clínico que se segue ilustra alguns aspectos teóricos relacionados ao impasse ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Mário um homem com cerca de 40 anos procurou atendimento por um quadro de sofrimento difuso Era uma pessoa solitária em função da maneira desconfiada e agressiva com que se relacionava Abusava dos sarcasmos e pautava sua conduta por um desprezo ostensivo com quem convivia Obtinha poucas gratifi cações no exercício da profissão e raramente se permitia gozar um momento de folga Bastante exigente ressentiase por nunca ter estabelecido uma relação afetiva mais duradoura com uma mulher Tinha uma relação idealizada com o pai que falecera quando o paciente tinha 5 anos Com a mãe mantinha um pa drão de relacionamento estigmatizado por intenso ódio Porque a mãe tivera uma prole numerosa Mário só se referia a ela como a porca pois só uma porca poderia ter tantos filhos assim De acordo com o rela to do paciente a mãe tivera um episódio depressivo grave após a morte do esposo O tratamento de Mário seguiu um curso difícil desde o início Aos poucos começou a estabelecerse um clima transferencialcontratransferencial pesado O paciente repelia qualquer possibilidade de aproxima ção mais efetiva projetando maciçamente qualquer aspecto seu com o qual temesse tomar contato Fazia pouco caso das interpretações e dizia não tolerar o fato de alguém ajudálo Afirmava que a postura do te rapeuta era cínica e interesseira Para ele o psicoterapeuta não passava de uma porca pois este deveria ter muitos outros pacientesfilhos a quem dedicaria mais genuína atenção Sem perceber Mário convidava o terapeuta a repetir com ele uma relação do tipo sadomasoquista nos mesmos moldes que mantinha com Continua 366 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua a mãe e com suas namoradas Após insistentes ataques ao terapeuta durante as sessões sentiase culpa do e dizia não entender como é que este não lhe respondia na mesma moeda Ao lhe ser mostrada a onipo tência que conferia a tais investidas aliviavase por perceber o terapeuta inteiro e ativo Algum tempo de pois novas tentativas eram feitas no sentido de retomar o antigo padrão de relacionamento A esse quadro subjazia uma visível dificuldade do paciente de tomar contato com ansiedades depres sivas Um exemplo disso era o fato de qualquer situação que lembrasse a perda do pai ser vigorosamente rechaçada em um clima francamente persecutório A certa altura do tratamento começou a brotar na mente do terapeuta uma sensação de estranheza Parecia haver alguma coisa que não estava compreendendo sem que soubesse o quê Chamava a atenção que o paciente não falava sobre sua infância e que apenas raramente contava um sonho Por algumas ve zes a situação chegou a ser discutida com um colega Mas pelo menos aparentemente o tratamento es tava indo razoavelmente bem o paciente parecia associar livremente dava alguns sinais de estar come çando a questionar sua participação ativa nas situações de litígio que criava inclusive com o terapeuta na transferência mostrava algumas melhoras no relacionamento pessoal a ponto de poder fazer alguns ami gos parecia estar desenvolvendo a capacidade de certo acesso ainda que incipiente ao seu padrão emi nentemente projetivo de pensar e se permitia breves momentos de lazer O terapeuta concluiu então que o que cabia naquele momento era ser continente àquela sensação de estranheza até que algum fato novo surgisse e desse significado ao que era percebido como estranho Aos poucos o terapeuta passou a sentirse fatigado sobrecarregado com enfado e com certo grau de impaciência Algumas vezes chegou a se surpreender interpretando em um tom áspero o que lhe mobiliza va culpa e dificuldade de pensar Em outras oportunidades percebiase aliviado quando por alguma razão Mário dizia que não poderia comparecer à sessão O paciente começava a mostrarse repetitivo fazendo longos silêncios quando falava as palavras soa vam como desprovidas de valor simbólico O terapeuta também estava sendo pouco criativo em suas in tervenções Às vezes parecia até que podia antecipar o que seria dito de ambas as partes durante as ses sões Apesar do esforço para compreender o que estava se passando uma desesperança em relação ao fu turo do tratamento começou a fustigar o terapeuta Em alguns momentos chegava a duvidar se teria capa cidade para prosseguir com a tarefa Voltou a discutir essa situação com seu colega e a possibilidade de estar diante de um impasse passou então a ser cogitada Foi nessa época que o paciente ao fim de uma sessão relatou o seguinte sonho Eu estava em um enorme silo para armazenagem de grãos Era uma cena sem movimento como se fosse uma fotografia O silo estava repleto de merda e mijo e eu estava completamente parado no meio daquilo só com a cabeça do lado de fora Você também estava parado lá em uma borda no alto do silo bem na frente de uma porta que dava entrada para ele Você me olhava atônito preocupado triste e apesar de estar com muito medo eu me divertia com a expressão do teu rosto Enquanto Mário falava em um estado de exaltação o terapeuta detectou em si mesmo um misto de tristeza desalento e repulsa pelo que ouvia Mais tarde fora da sessão ao refletir sobre o sonho de Mário algumas ideias começaram a se organi zar na mente do terapeuta Os indicadores de um impasse já eram evidentes há algum tempo mas agora podia percebêlos de uma maneira mais integrada Ele já havia constatado a estagnação do processo e re lacionava esse estancamento ao surgimento de resistências decorrentes da abordagem dos aspectos nar cisistas do paciente o que por sua vez nele mobilizavam o anseio narcísico de curálo perturbando so Psicoterapia de orientação analítica 367 Continuação Continua bremaneira a contratransferência Pudera perceber o rígido padrão projetivo de funcionamento do paciente assim como a inveja que tomava conta quando percebia a disponibilidade do terapeuta em ajudálo Tudo isso exigia do terapeuta um trabalho desgastante e ao mesmo tempo contribuía de forma decisiva para o estancamento do processo O tratamento insidiosamente tornarase repetitivo e cada sessão era quase uma cópia da anterior pondo à mostra a ausência de insights e o cessamento da elaboração O terapeuta não havia ainda se dado conta a não ser por certo desconforto contratransferencial de que apenas as for malidades do tratamento estavam sendo cumpridas o paciente associava mas seguindo um padrão circu lar e o terapeuta interpretava só que de uma maneira pouco criativa Assim o setting parecia estar pre servado O comprometimento contratransferencial residia no fato de o terapeuta aceitar o discurso vazio de Mário e validar suas comunicações por meio de pseudointerpretações Para complicar esse quadro o pa ciente apresentava melhoras sintomáticas que mascaravam o pseudoprocesso que se instalara Aos pou cos o terapeuta pôde perceber que a oposição intensa e sistemática do paciente não era apenas uma es tratégia defensiva mas uma manifestação clínica já sugestiva de impasse Foi o sonho de Mário que possibilitou a síntese necessária para o estabelecimento do diagnóstico clí nico de impasse A alteração qualitativa das imagens visuais presentes no referido sonho a cena estática com os protagonistas imóveis como em uma fotografia fez o terapeuta poder integrar os sinais já existen tes de impasse que permaneciam dissociados tanto na sua mente quanto na do paciente Na sessão seguinte o paciente em um tom de triunfo perguntou se o terapeuta havia pensado a res peito do sonho que lhe contara Em resposta o terapeuta disse que ao fazer essa indagação o paciente es tava também assinalando sua preocupação em poder compreender o conteúdo desse sonho e que por isso voltara a mencionálo no início da sessão Lentamente foise esclarecendo a situação de estagnação do tratamento denunciada no sonho Em um primeiro momento o terapeuta ocupouse em examinar apenas a faceta do conteúdo onírico relativa à denúncia de um impasse que soterrava o trabalho da dupla enten dendo a expressão só minha cabeça ficava de fora do monte de fezes e urina como um apelo dramáti co do paciente para que o auxiliasse a pensar aquela situação No intuito de resgatar o desejo do paciente de compreender o que se passava em seu mundo interno o terapeuta não se ateve aos aspectos agressivos contidos no sonho os ataques anais e uretrais representados pelas fezes e urina que inundavam o silo setting assim como o gozo sádico que obtinha com a paralisação do processo simbolizado pelo prazer em ver o terapeuta atônito preocupado e triste com o que acontecia Na vigência do impasse o desejo de com preender de parte do paciente ficava projetado no terapeuta enquanto este se debatia com a necessidade de entender o que estava ocorrendo Mário divertiase com essa preocupação Mais adiante à medida que o paciente foi sinalizando crescente disposição para compreender seu mundo interno permitindose sentir curiosidade em relação a si mesmo tornouse possível examinar al guns aspectos agressivos contidos no sonho De início Mário parecia estar vivenciando as interpretações como se o terapeuta estivesse se queixando de sua agressividade Um clima persecutório dominava as ses sões O paciente se questionava se o terapeuta sobreviveria a tantos e tão onipotentes ataques e de sua parte o terapeuta se indagava se teria ou não a habilidade necessária para sair do impasse Enquanto tra balhavam foram se tranquilizando paulatinamente em relação às suas capacidades reparatórias O tra tamento parecia dar alguns sinais de movimento No entanto a sensação de estranheza do terapeuta de que havia algo que não estava compreendendo voltou a se manifestar Sem impedir que sua atenção per manecesse flutuante o terapeuta decidiu apenas aguardar o surgimento de algum fato que desse signifi cado ao que sentia 368 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A situação ocorrida no tratamento de Mário lembra o impasse por máfé16 Re força essa hipótese a ocultação por parte do paciente de um fato relevante de sua Continuação Em uma sessão não muito depois o paciente mostravase irritadiço e repelia qualquer tentativa de aproximação por parte do terapeuta Este manteve uma postura expectante Mário disse então bastan te ansioso Preciso contar uma coisa sobre a qual nunca falei Seguiuse um longo silêncio interrom pido pelo terapeuta que disse a Mário que pela maneira como falava parecia que algo assustador tinha lhe vindo à mente naquele momento O paciente irrompeu em um choro convulsivo entrecortado apenas por algumas palavras incompreensíveis Aos poucos começou a recuperarse da explosão afetiva e con tou que após a morte do pai a mãe por sentirse muito sozinha havia posto o filho a dormir com ela em sua cama Em um clima no qual se misturavam profunda tristeza e rancor relatou que quando iam para a cama dormir a mãe sob o pretexto de aquecêlo enlaçava suas pernas nas do menino e masturbava se até atingir um orgasmo Essa condição de abuso perdurou por quase um ano quando Mário conseguiu dar um fim à situação Até então o paciente jamais haviase permitido falar sobre esse assunto com alguém Contou que sempre que essas lembranças lhe vinham à mente tratava de apagálas o mais rápido que pudesse Ao não falar sobre esse acontecimento ficava com a sensação de que nada havia ocorrido O terapeuta disse então que Mário estava podendo percebêlo como alguém mais confiável a ponto de poder relatarlhe sua dolorosa experiência Disse ainda que achava que o fato de ter acolhido o alerta dado pelo paciente de que o tratamento estagnara havia permitido a Mário renovar a confiança no terapeuta O paciente apenas as sentiu a isso com um movimento da cabeça A partir daí foi possível compreender retrospectivamente que Mário vinha se conduzindo de maneira a estagnar o tratamento para testar o terapeuta Em função do abuso na infância havia perdido a confian ça em seus objetos internos e externos e precisava desesperadamente testar a confiabilidade do terapeu ta Caso este se acomodasse ao estancamento e mantivesse o tratamento em um clima burocrático os te mores do paciente de estar diante de um terapeutamãe pouco confiável ficariam confirmados Em oposi ção se o terapeuta se recusasse a aceitar passivamente o impasse acolhendo a denúncia da estagnação do processo e se dispondo a discutir abertamente o assunto talvez pudesse ser visto como um terapeuta mãe digno de confiança A dolorosa revelação de Mário acabou por dissipar no terapeuta a sensação de estranheza Voltando no tempo era possível agora entender melhor por que Mário precisava ver a mãe como uma porca e por que na transferência o terapeuta também era percebido como tal À medida que o tratamento se aprofundava e se estreitava o contato afetivo da dupla o paciente passava a vivenciar as intervenções como uma in trusão indevida do terapeuta em seu mundo interno em um clima francamente persecutório Para ele era como se estivesse sendo de novo abusado pela mãe Assim o terapeuta era tido como um cínico que sob o pretexto de ajudaraquecer o paciente estava apenas se aproveitando dele espoliandoo e se gratifican do perversamente com seu sofrimento Uma vez examinada exaustivamente a situação o tratamento pôde seguir adiante ainda que tal processo tenha sido difícil para a dupla e em especial para Mário Assim por exemplo sempre que uma ansiedade depressiva emergia a negação onipotente da realidade a dissociação e as identificações projetivas maciças também se faziam presentes No entanto uma vez compreendido o impasse a dupla estava mais bem equipada para enfrentar as vicissitudes do tratamento Psicoterapia de orientação analítica 369 história assim como a tendência a distor cer as interpretações gerando um clima confusional Há também o fato de que o impasse só pôde ser compreendido após o relato do sonho do silo que pôs à mostra o padrão circular do tratamento imagens es táticas A vivência contratransferencial de frustração sobrecarga e paralisia e a detec ção de um processo pseudoevolutivo tam bém apontavam nessa direção No entanto o paciente não se apresentava como se fosse distintos personagens como descreveram Baranger e Baranger33 ao discorrer sobre a máfé Além disso diferentemente do que ocorre no impasse sugerido por Maldona do16 Mário não estava induzindo o tera peuta a interpretálo de maneira equivoca da Com sua omissão defensiva apenas não per mitia o acesso a uma vivência extrema mente dolorosa do passado Se proporcio nasse tal acesso ao terapeuta teria de tomar contato com a terrível lembrança Não ha via portanto máfé ainda que o objetivo fosse a detenção do processo No intuito de não tomar contato com a dor decorren te do abuso na infância o paciente parece ter criado a ilusão narcisista de prescindir de qualquer objeto interno e externo Na transferência tentava inconscientemente ter o terapeuta como um aliado na susten tação dessa ilusão e tudo indicava que o instrumento para alcançar esse conluio era o narcisismo do próprio terapeuta CONSIDERAÇÕES FINAIS Lago34 sugere que haveria menor tendência a ocorrerem impasses em psicoterapia do que em análise isso porque em psicotera pia a frequência das sessões é menor o tra balho é mais focal predominam as abor dagens de situações extratransferenciais e o impacto sobre o narcisismo da dupla pacienteterapeuta seria menos intenso Na psicanálise porém a maior frequência das sessões o trabalho efetuado em maior abrangência a utilização de uma aborda gem predominantemente transferencial a maior regressão do paciente e a intensa mo bilização do narcisismo da díade tenderiam a aumentar as chances de gerar um impas se Tais considerações são relevantes mas convém lembrar que o que se observa na prática clínica diária é que conluios narci sistas entre pacientes e terapeutas insistem em se manifestar superando as barreiras erigidas pelo setting psicoterápico Isso po de ser observado por exemplo em certos casos de psicoterapia que nunca alcançam o término ou em intempestivas interrup ções de tratamento decorrentes de litígio entre os componentes da dupla Por igno rarem as regras que organizam o setting as interações inconscientes entre aspectos narcisistas do paciente e do terapeuta aca bam incrementando as chances de gerar um impasse seja no setting psico terápico seja no psicanalítico Assim a possibili dade de ocorrência desse fenômeno ao longo de uma psicoterapia parece não estar tão vinculada à organização do setting propria mente dito mas às condições de ordem in consciente que regem a interação da dupla pacienteterapeuta Nesse sentido um psi coterapeuta que tenha recebido uma sólida formação teórica complementada por su pervisão e tratamento pessoal adequados estará mais preparado para enfrentar um impasse do que um outro que não demons tre tais qualificações Schestatsky35 também tece algumas considerações instigantes sobre o impasse em psicoterapia A primeira delas sugere que o conceito descritivo de impasse seria de pouca utilidade e a segunda postula que 370 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs numa psicoterapia de orientação analítica em que o paciente pareces se estabilizado há longo tempo com grande parte da sua vida indo bem e sem que houvesse nenhum fracasso visível no seu funcionamento men tal apenas se deixando entrever su tis sentimentos contratransferenciais de que algo ainda faltaria tratar a psicoterapia tenderia em princípio a ser considerada como tendo cumpri do seus objetivos com o paciente re cebendo alta35 Em relação à primeira afirmação cabe dizer que o conceito descritivo tan to em psicoterapia quanto em psicanálise cumpre uma importante função possibili tar um diálogo fecundo entre aqueles que se dedicam ao estudo de determinado as sunto Assim em um debate científico se o fenômeno sobre o qual se pretende trocar ideias não puder ser conceituado com ra zoável clareza a interlocução tenderá a ser confusa infrutífera dando aos seus partici pantes a sensação de estarem falando uma linguagem babélica Exemplo disso são aqueles trabalhos de técnica psicoterápi ca que exploram determinado fato clínico sem que seus autores se preocupem em conceituar minimamente o evento sobre o qual pretendem discorrer Conceituações vagas imprecisas geram confusão difi cultando a interação entre o leitor e a obra Dessa forma a finalidade última de toda publicação científica a troca produtiva de ideias fica impossibilitada de aconte cer Aliás esta é uma das razões pela qual a psicanálise e a psicoterapia de orienta ção analítica têm sido às vezes criticadas a vagueidade de alguns de seus conceitos O que de fato parece tornar pouco útil um conceito não é o fato de ele ser descri tivo mas a maneira como é formulado e a finalidade com que é utilizado Assim por exemplo conceituar descritivamente um fenômeno de forma rígida fechada com o objetivo de acabar com qualquer ques tionamento elimina a possibilidade do diálogo criativo tornando sem proveito o conceito em questão Toda ideia que não se permita ser renovada e enriquecida pelo debate tende a ser algo inerte e desprovido de utilidade A segunda assertiva de Schestatsky35 parte de um conceito descritivo o pacien te parece estabilizado há longo tempo grande parte da sua vida está indo bem não há nenhum fracasso visível no seu fun cionamento mental e se deixam entrever sutis sentimentos contratransferenciais de que algo ainda faltaria tratar para chegar a uma conclusão um tanto discutível de que essa situação pode ser entendida em psicoterapia como se os objetivos do tra tamento tivessem sido alcançados Parece que a situação descrita não caracteriza um genuíno impasse na medida em que não contempla nenhum dos seus indicadores clínicos específicos Sob outra perspectiva esse enunciado mostrase valioso enquan to põe à mostra a necessidade de certo rigor científico na formulação dos conceitos que instrumentam nossos pontos de vista Para finalizar é importante referir que tanto a RTN quanto o impasse bem como as demais vicissitudes do processo psicoterápico merecem especial atenção por parte do psicoterapeuta visto que tais situações podem provocar danos às vezes irreversíveis àquelas pessoas que procu ram tratamento em busca de alívio para seu sofrimento psíquico Em função disso são sempre bemvindos os novos estudos nessa área Psicoterapia de orientação analítica 371 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A marca registrada da RTN é a piora paradoxal 2 A RTN tem múltiplas causas podendo se relacionar à culpa decorrente de um superego severo ao temor de enfrentamento de uma catástrofe interna ou à inveja 3 A piora paradoxal típica da RTN pode se apresentar sob a forma disfarçada de sintomas físicos 4 A RTN também pode ser compreendida como uma forma inconsciente de o paciente expressar como vivenciou o insight obtido na sessão que deu origem a essa manifestação regressiva 5 Diferentemente da RTN a resistência incoercível não possibilita o insight e tampouco pode ser des crita como uma reação paradoxal 6 Alguns acting outs mais exuberantes podem surpreender o terapeuta por sua intensidade No entanto não têm nada de paradoxal uma vez que não são precedidos de nenhuma melhora clínica 7 A RTN é expressão da injúria narcisista que o trabalho psicoterápico bemsucedido despertou no paciente 8 Convém ficar atento ao fato de que a RTN é uma sofisticada defesa contra ansiedades depressivas que a mente do paciente julga não poder enfrentar 9 É importante que se considere sempre o aspecto comunicativo da RTN 10 O impasse é um fenômeno que comporta uma detenção insidiosa e duradoura do processo que implica um cessamento da elaboração sem que o setting aparente alterações visíveis e que se manifesta sob distintas formas clínicas 11 Essa estagnação silenciosa do processo não é imediatamente percebida nem pelo terapeuta nem pelo paciente 12 O setting parece normal o paciente está associando e o terapeuta está interpretando mas as associa ções revelam um padrão circular repetitivo e o paciente menospreza as intervenções do terapeuta 13 Durante um processo sob impasse embora não haja insight mesmo assim podem ocorrer melhoras sintomáticas 14 A percepção do impasse acontece de forma indireta por meio de vivências contratransferenciais de enfado frustração sobrecarga paralisia irritação e desesperança do terapeuta em relação ao futuro do tratamento 15 O impasse tem múltiplas causas mas sempre relacionadas a fatores da dupla pacienteterapeuta a o paciente tende a ter um ego frágil com identificações pobres e um superego rígido predominam inveja narcisismo e uso abusivo da identificação projetiva do tipo predominantemente expulsivo e não comunicativo b o terapeuta pode apresentar um distúrbio contratransferencial não passível de elaboração devido a masoquismo intenso transtorno narcisista eou uso excessivo do mesmo mecanismo de identifi cação projetiva 16 A possibilidade de se fazer um adequado diagnóstico diferencial entre impasse acting out RTN e reversão da perspectiva permite que se tentem diferentes abordagens terapêuticas em busca de uma solução satisfatória do processo 17 A abordagem do impasse exige que se compreenda o que está se passando no binômio transferência contratransferência ambos paciente e terapeuta estão sofrendo de grave injúria narcisista e o enten dimento e a solução de um impasse passam sempre pela compreensão do conluio narcisista estrutu rado pela dupla 18 Uma vez percebido seria desejável que todo impasse pudesse ser supervisionado em função do com prometimento contratransferencial existente 372 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 17 p 13151 2 Abraham K Una forma particular de resis tencia neurótica contra el método psicoana lítico In Abraham K Psicoanálisis clínico Buenos Aires Honoré 1959 p 2317 3 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 p 1383 4 Etchegoyen RH Das vicissitudes do proces so In Etchegoyen RH Fundamentos da téc nica psicanalítica Porto Alegre Artes Médi cas 1987 p 43551 5 Freud S Análise terminável e interminável In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 23 p 23987 6 Horney K The problem of the negative the rapeutic reaction Psychoanal Q 193651 42744 7 Rivière J Contribución al análisis de la reac ción terapéutica negativa Revista de Psicoa nálisis 19497112142 8 Klein M Contribución de la psicogénesis de los estados maníacos depresivos In Klein M Amor culpa y reparación Buenos Aires Paidós 1979 Obras completas v 1 9 Klein M Envidia y gratitud In Klein M En vidia y gratitud y otros ensayos Buenos Ai res Paidós 1979 Obras completas v 3 10 Rosenfeld H Negative therapeutic reaction In Giovacchini PL editor Tactics and te chniques in psychoanalytic therapy New York Science House 1975 v 2 p 21728 11 Limentani A On some positive aspects of the negative therapeutic reaction Int J Psychoanal 198162Pt 437990 12 Pires ACJ Impasse em psicoterapia Rev Bras Psicoter 2000214754 13 Meltzer D The threshold of depressive po sition In Meltzer D The psychoanalyti cal process London Heinemann Medical 1967 p 4452 14 Meltzer D Una ténica de interrupción en la impasse analítica In Grinberg L Prácticas psicoanalíticas comparadas en las neurosis Buenos Aires Paidós 1977 p 16576 15 Mostardeiro ALB Pechansky I Ribeiro RP S Raya I O impasse psicoanalítico mesa re donda Revista Latinoamericana de Psicoa nálisis 1974111352 16 Maldonado JL Impasse y mala fe en el análisis de un paciente Revista de Psicoaná lisis 197532111541 17 Etchegoyen RH El impasse psicoanalitico y las estrategias del yo Revista de Psicoanali sis 197633461336 18 Maldonado JL Impasse y pseudoproceso psicoanalítico Psicoanálisis 197912569 602 19 Reich W Para a técnica da interpretação e da análise da resistência In Reich W Análise do caráter São Paulo Martins Fontes 1972 p 5170 20 Giovacchini PL Boyer LB El impas se psicoanalítico como un hecho terapéu tico inevitable Revista de Psicoanálisis 197532114376 21 Vollmer Filho G Contratransferência e an gústia Revista de Psicanálise da SPPA 1993114352 22 Rosenfeld H Identificação projetiva na prá tica clínica In Rosenfeld H Impasse e inter pretção Rio de Janeiro Imago 1988 p 191 224 23 Maldonado JL Copromiso del analista en el impasse psicoanalítico Revista de Psicoaná lisis 198340120518 24 Kantrowitz JL Impasses in psychoa nalysis overcoming resistances in situa tions of stalemate J Am Psychoanal Assoc 1993414102150 25 Bion W Os elementos da psicanálise o aprender com a experiência Rio de Janeiro Zahar 1966 26 García Bacca GO compilador Los presocrá ticos 2 ed Tlalpan Fundo de Cultura Eco nômica 1996 27 Moura Ferrão L O impasse psicanalítico Revista Latinoamericana de Psicoanálisis 1974115585 28 Levy J Analytic stalemate and supervision Psychoanalytic Inquiry 199515216989 29 Ferro A The impasse within a theory of the analytic field possible vertices of observa tion Int J Psychoanal 199374Pt 591729 Psicoterapia de orientação analítica 373 30 Schwaber EA A particular perspective on impasses in the clinical situation further re flections on psychoanalytic listening Int J Psychoanal 199576Pt 471122 31 Kern JW On focused association and the analytic surface clinical opportunities in re solving analytic stalemate J Am Psychoanal Assoc 1995432393422 32 Kantrowitz JL The analysts stile and its im pact on the analytic process overcoming a patientanalyst stalemate J Am Psychoanal Assoc 199240116994 33 Baranger M Baranger W La situación analíti ca como campo dinámico In Baranger W Ba ranger M Problemas del campo psicoanalíti co Buenos Aires Kargieman 1969 p 129164 34 Lago PF Impasse em psicoterapia de orien tação analítica Rev Bras Psicoter 200021 3545 35 Schestatsky SS Considerações sobre o im passe psicoterapêutico Rev Bras Psicoter 2000215565 LEITURA SUGERIDA Freud S O problema econômico do masoquismo In Freud S Obras psicológicas completas de Sig mund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 19 p 197212 No prefácio à terceira edição inglesa de A interpretação dos sonhos1 Sigmund Freud comentou que seu livro continha a des coberta mais valiosa que a boa sorte per mitiulhe fazer E concluiu Revelação como esta o destino nos concede apenas uma vez no curso de uma existência1 Ho je podemos compreender seu apreço por essa obra Ao longo dos anos ela deixou de ser apenas um texto de análise dos sonhos e adquiriu o estatuto de um livro que ao descrever os mecanismos da elaboração onírica formulou as leis gerais que regem o psiquismo e de certa maneira fundou a psicanálise Seu estudo representa a siste matização do pensamento científico com relação aos sonhos permitindo o uso des tes como dado clínico Modernamente é difícil imaginar um processo psicoterápi co que não tenha como um de seus guias principais o exame dos sonhos e de seu significado Neste capítulo partindo da premis sa de que a trama onírica é um informe proporcionado pelo paciente a respeito do que está acontecendo em seu mundo in terno e no campo psicanalítico ou psicote rápico pretendo revisar alguns aspectos da origem da estrutura da função e da utilização clínica dos sonhos O objetivo é enfatizar o quanto o sonho sempre tem um significado não acontece por acaso e não é absurdo por mais estranho que pos sa nos parecer Para facilitar a exposição do tema apresentarei uma vinheta clínica na qual consta um sonho Este será retomado di versas vezes sempre como exemplo nos comentários teóricos e práticos a serem rea lizados no capítulo SONHOMODELO Quando iniciou sua análise Jorge contava 30 anos e passava por séria crise na relação amorosa com Mariana moça de quem gos tava bastante Mostravase assustado com a possibilidade de término do relacionamen to reconhecendo ser ele que com atitudes de desprezo maustratos e propositada frieza estava praticamente botando a na morada fora Na avaliação que fizemos ficou clara a repetição crônica de episódios desse tipo Na oportunidade confirmei a indicação de análise que havia sido fei ta por seu psicoterapeuta tendo em vista o fato de que a atitude reiterada de Jorge em seus relacionamentos visava a masca rar com uma postura de superioridade e indiferença seu sentimento de insegurança com relação às mulheres Entendi a busca de análise como resultado da percepção por parte dele da falência dos mecanismos 21 SONHOS Juarez Guedes Cruz Psicoterapia de orientação analítica 375 maníacos que vinha utilizando para negar o fato de sentirse um menino frágil e as sustado despreparado para enfrentar as exigências de uma vida adulta Além disso tinha um difícil convívio com os pais e sua atitude na relação com eles era um mis to de inveja ciúme e admiração Sentiase desvalorizado pelo pai e com frequência armava brigas em casa utilizando os mais diversos pretextos Tais aspectos logo se manifestaram em sua relação comigo fazia ameaças de interromper o tratamento e mostravase irritado quando eu não respondia dire tamente a uma pergunta sua ou não me posicionava sobre alguma de suas decisões Tinha que se mostrar atento para não ser conversado sic por mim e submetido às regras da análise Inclusive já que eu não informava como é um processo psica nalítico estava disposto a comprar livros de Freud para ver se eu estava conduzindo adequadamente o tratamento Predomi nava sempre na sua relação comigo a ne cessidade de esconder a dependência e os sentimentos de ciúmes e inveja Por volta do período em que teve o sonho que será relatado a seguir surgira material relacionado a sua competição co migo Tal atitude estava vinculada à neces sidade de negar a sensação de ser um guri de merda que não sabia nem pensar dian te de alguém que no seu entender detinha o conhecimento da psicanálise Citava bibliografias falava em Lacan e no proces so psicanalítico apresentava suas dúvidas quanto à existência do inconsciente tal co mo entende a psicanálise Queixavase de que eu não lhe dava informações a respeito dos meus conhecimentos e deixavao per dido Por vezes chegava a uma sessão com a pergunta Como funciona a mente hu mana Depois ele mesmo passava a res ponder utilizando termos de neurofisiolo gia Uma frase sua dessa época Eu gosta ria de poder me analisar sem a análise Sua transferência manifestamente competitiva tentava encobrir o temor de jamais adquirir autonomia suficiente para poder um dia dispensar a mim e a análise de sua vida Foi nesse contexto que iniciou uma sessão contando o seguinte sonho Eu chegava em casa não sei se na atual ou na que eu morei na minha infância e encontrava os meus pais jantando sobre o mapa do Rio Gran de do Sul que comprei para fazer um trabalho de localização dos Centros de Saúde que eu preciso visitar Eles usavam o mapa como toalha de mesa e a empregada derramava comida em cima Eu ficava furioso com ela e ati rava todos os pratos no chão Os meus pais ficavam me olhando Por ora não será feito nenhum co mentário sobre o sonho de Jorge Ao lon go do capítulo entretanto ele será utiliza do para ilustrar os mecanismos da gênese dos sonhos e a maneira como podem ser em uma psicoterapia abordados de modo compreensivo AS CONTRIBUIÇÕES DE SIGMUND FREUD À TEORIA PSICANALÍTICA DOS SONHOS De maneira sintética podemos expor as teo rias de Freud nos seguintes tópicos 1 Existe no aparelho mental uma incli nação constante de evitar o desprazer princípio de prazerdesprazer e em função disso uma tendência a manter fora do conhecimento consciente os impulsos e os pensamentos capazes de produzir qualquer tipo de dor psíquica Esse processo é denominado de modo genérico repressão 376 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 2 Os impulsos e os pensamentos que foram reprimidos continuam existin do de modo ativo no inconsciente e mesmo durante o sono buscam ser sa tisfeitos de alguma forma Tal urgência de gratificação dos desejos reprimidos ameaça acordar o indivíduo 3 Os sonhos nossa forma de pensar du rante o sono têm a função de satisfazer alucinatoriamente tais necessidades reprimidas Na medida em que um de sejo é realizado no sonho a urgência de satisfazêlo não vai acordar o sonhador É por essa razão que Freud descrevia o sonho como guardião do sono 4 Vistos desse ângulo os sonhos podem ser considerados uma das formas de expressão dos desejos Daí se infere que sua interpretação deverá proporcionar o conhecimento e a compreensão dos impulsos que deram origem a tais de sejos 5 O trabalho de interpretação no en tanto é dificultado pelo fato de que o sonho em virtude da censura exercida contra a livre expressão de um impulso instintivo apresenta a realização dos desejos de uma forma disfarçada 6 Tal disfarce se dá por meio de um processo que é denominado em psi canálise elaboração do sonho ou seja a transformação do conteúdo latente pensamentos e desejos que deram ori gem ao sonho em conteúdo manifesto o sonho que o sujeito teve 7 Conhecemos quatro mecanismos prin cipais de elaboração do sonho a Disposição pictórica ou meios de representação ou ainda condições de representabilidade mecanismo em função do qual impulsos e pensamentos afetos e fantasias do conteúdo latente são expressos no conteúdo manifesto não por pala vras mas de modo predominante por imagens São utilizados na geração dessas imagens meios de representação tais como analogias metáforas e símbolos Esse primeiro mecanismo de elaboração é ilustra do no sonhomodelo exposto no início deste capítulo pelo elemento mapa do Rio Grande do Sul Em uma das linhas de associação do pa ciente o mapa era a representação pictórica de um pensamento oníri co que foi expresso pela expressão o rumo que tomarei na vida Dito de outra forma os conceitos mapear a vida e mapear meus passos longe da casa dos pais foram alguns dos pensamentos latentes que deram origem à imagem do mapa no manifesto b O segundo mecanismo é denomi nado condensação Como resultado deste vários pensamentos oníricos latentes podem ser representados no conteúdo manifesto por um único elemento Em função disso se pensarmos em termos de um texto um sonho pode ser escrito em poucas linhas e os pensamentos que lhe deram origem cobrir várias páginas Esse trabalho de condensação de vários pen samentos em umas poucas imagens é feito por meio de uma série de artifícios de representa bilidade tais como omissão fusão ou criação de um neologismo que engloba duas ou mais palavras Em nosso sonho exemplar o elemento mapa como toalha de mesa do conteúdo manifesto de acordo com as associações do paciente está representando por fusão uma série de pensamentos Psicoterapia de orientação analítica 377 contraditórios 1 na verdade meus pais não me valorizam e estão pouco se importando com meus projetos de vida utilizam meu mapa como toalha 2 o que eu gostaria mesmo como plano de vida é ficar em casa comendo junto com meus pais sem precisar sair para ficar batalhando pela vida lá fora desisto do mapa e usoo ao modo de toalha 3 não consigo pensar em um plano de vida sem que imediatamente o coloque em evidência para que todo mundo fique sabendo ponho o mapa na mesa me exibo com ele não sei ficar quieto c O terceiro mecanismo é designado deslocamento ou transposição dos valores psíquicos Em função dele a intensidade psíquica de um pensa mento onírico latente é transferida para outro não necessariamente o mais nítido ou importante do conteúdo manifesto de tal modo que o que é mais evidente neste úl timo não precisa ser o principal no conteúdo reprimido No conteúdo manifesto do sonho que escolhe mos como exemplo um elemento que passava quase despercebido meus pais ficavam me olhando representa de modo pictórico o sentimento de indiferença do pró prio paciente com relação à grave situação que vive Nesse momento da análise ele está se dando conta da maneira como tem simplesmen te olhado a existência que leva sem tomar providências no sentido de modificála d O quarto mecanismo é designado elaboração secundária ou conside rações de inteligibilidade Referese ao processo pelo qual o sonhador ao contar o sonho ordena de maneira lógica e mais próxima da realidade os elementos do conteú do manifesto Podemos supor que o sonho não aconteceu na ordem em que foi contado pelo paciente Sabemos também o quanto os elementos do sonho muitas vezes atropelamse em uma ordem con fusa entrecortada repleta de lapsos Só a necessidade de transformálo em palavras é que nos leva a colocar os elementos em uma sequência racional É evidente que assim pro cedendo estamos introduzindo ao narrar o sonho uma modificação naquilo que foi a realidade quando sonhado No sonhomodelo por exemplo con tamos com um texto manifesto Eu chegava em casa e encontrava os meus pais jantando sobre o mapa do Rio Grande do Sul Eles usavam o mapa como toalha de mesa e a empregada derramava comida em cima Eu ficava furioso com ela e atirava to dos os pratos no chão Os meus pais ficavam me olhando mas não temos como saber que imagens ocorreram de fato na mente de Jorge e em que ordem se dispuseram A IMPORTÂNCIA DO CONTEÚDO MANIFESTO DO SONHO O que foi dito até agora pode dar a impres são de que o conteúdo manifesto do sonho aparece apenas para ser interpretado e des cartado em favor de um conteúdo latente este sim valorizado Entretanto a própria conduta interpretativa de Freud sugere muitas vezes que o manifesto tem um va lor intrínseco que é independente da inter pretação De fato vários autores demons traram o quanto a partir do sonho mani 378 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs festo podemos inferir além das fantasias relacionadas aos impulsos inconscientes não satisfeitos várias funções egoicas grau de integração mecanismos de defesa pre ferenciais modos de lidar com os afetos qualidade do teste de realidade capacidade de autoavaliação e atitudes características na relação interpessoal Um autor importante na compreen são dessa dimensão do conteúdo manifesto foi Erik Erikson que em 1954 no trabalho O sonho exemplar da psicanálise2 chama a atenção para que se observem os aspectos formais dos sonhos e mostra que por meio dessa observação poderemos colher vários dados a respeito do psiquismo do sonhador Começa com uma importante advertência2 Tantos confundem atenção à su perfície com superficialidade e inte resse pela forma com falta de profun didade que o psicanalista ao observar a superfície de um fenômeno mental tem que superar certa vacilação Mas o fato de que tenhamos seguido Freud em profundidades às quais nos sa visão se acostumou não nos auto riza a fechar os olhos quando ve mos as coisas em plena luz do dia Comenta como na prática clínica diária qualquer elemento da conduta humana apresenta um continuum de significado dinâmico que vai desde a superfície através de muitas camadas até chegar ao âmago2 Ou seja latente e manifesto são apenas dois polos de uma continuidade psicológica e ambos são fonte de conhe cimentos a respeito do mundo interno do sonhador Postula ainda a existência de um estilo de representação próprio de cada so nhador que é expresso no manifesto A partir dessas reflexões discorre a respeito de vários aspectos do ego que podem ser inferidos mediante uma consideração mais atenta do sonho considerado como texto É claro que tais concepções podem levar se exageradas a uma postura técnica de minimizar o latente fazendo a interpre tação funcionar muito mais como um teste projetivo no qual cada intérprete põe mui to de si próprio Porém o que está sendo ventilado é que observando a necessária cautela podemos advogar uma maior va lorização do papel do ego na formulação do sonho e como suas defesas e estratégias preferenciais em que pese a distorção ocasionada pela censura se evidenciam no manifesto Dessa forma poderemos en riquecer a interpretação sem que por isso nos tenhamos afastado da técnica de ouvir o sonhador O conteúdo manifesto também evi dencia o conflito em suas camadas super ficiais e assim ajuda o terapeuta a formu lar a interpretação em uma linguagem que esteja mais ao alcance da compreensão do paciente Um dos trabalhos mais completos no que se refere ao tópico que está sendo estu dado aqui foi publicado por Sidney Pulver em 1987 O sonho manifesto em psicanáli se3 Esse autor comenta que vários analis tas apesar de insistirem na tese de que o manifesto é fachada e disfarce muitas vezes interpretam os sonhos baseandose no to do ou em parte em seu conteúdo explícito Salienta que ainda assim há certo precon ceito com relação a esse conteúdo precon ceito esse que tem origem nas advertências de Freud quanto às interpretações selva gens A tese central de Pulver é a de que podemos inferir a partir do manifesto considerado como o texto em si a ma neira como o paciente conta o sonho as principais características do mundo inter no tais como traços específicos de caráter defesas estilo cognitivo áreas primárias de conflito e memórias infantis Psicoterapia de orientação analítica 379 O SONHO COMO BALIZADOR DO PROCESSO PSICOTERÁPICO Vejamos agora uma vertente da com preensão dos sonhos que de certa forma contrasta com a que foi estudada no vér tice anterior se naquele item o sonho era considerado isoladamente e em sua forma aqui ele é indissociável de suas relações com a história do paciente e com o momento es pecífico do processo Tal postura está em sintonia com o que realmente acontece na prática clínica em que o analista não mais trata de induzir associações específicas no tocante ao sonho que foi relatado mas considera o sonho por si só uma associa ção livre Essa postura teórica e técnica foi ilus trada no 29o Congresso da International Psychoanalytical Association IPA em 1975 que dedicou um painel às mudanças na utilização clínica dos sonhos Blum em sua apresentação referiuse ao progresso que a ênfase na análise da transferência re presentou para a maneira como se conside ra a produção onírica em um tratamento À medida que a análise da transferência passa a ser a via real de acesso ao inconsciente o so nho tornase parte de um todo muito mais am plo que é o processo analítico Isso ajuda a compreender a diminui ção da ênfase na necessidade de associações específicas alusivas ao sonho ele está dentro do material e tudo é associação ou melhor o sonho passa a ser uma associação a mais com relação ao que está se passando naquele momento do processo Nesse sentido é que podemos entender a ideia de Blum4 a exaustiva interpretação de um sonho irá distorcer o processo analítico e a associação livre A su peravaliação dos sonhos tornase uma fonte de resistência na medida em que outros dados analíticos sejam desva lorizados A associação livre tam bém é rompida se o analista tem um estilo de solicitar associações para cada aspecto do sonho Assim passase a prestar mais aten ção na forma no estilo e na maneira co mo os sonhos são relatados pelo paciente Além disso é considerado o momento da sessão em que acontece o relato bem como o contexto do processo transferencialcon tratransferencial Um exemplo dessa concepção é en contrado no trabalho Dependência no cuida do do lactente no cuidado da criança e na si tuação psicanalítica de Donald Winnicott5 No referido texto ele estuda a relação entre a natural dependência do início da vida com aquela dependência que ao longo do pro cesso psicanalítico vai surgindo na relação transferencial Discorre sobre os cuidados que o analista precisa ter em avaliar a for ça ou a vulnerabilidade do ego do paciente que na vigência dessa situação dependente inevitável no processo enfrentará períodos de afastamento regular ou eventual do ana lista Apresenta então material clínico de uma paciente que muito cedo na análise passa a ter sonhos nos quais era representa da por criaturas frágeis ou por uma pequena tartaruga de carapaça mole Para Winni cott5 esses sonhos anunciavam a regressão que estava por se instalar Considera ele A razão pela qual os sonhos regressi vos e de dependência apareceram ti nha a ver principalmente com o fato de ela verificar que eu não usava cada porção do material para interpreta ção mas que guardava tudo para em pregar no momento oportuno pre parando a chegada da dependência que estava a caminho 380 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Mais adiante comenta que essa pa ciente para defenderse da ameaça da dependência regressiva passou a adotar uma atitude que se repetia com frequên cia ficava a maior parte do tempo em si lêncio para nos últimos cinco minutos da sessão contar um sonho bastante claro e com preensível Winnicott5 interpretava o conteúdo do sonho considerando que o que era sonhado relembrado e apresenta do estava dentro dos limites da capacidade da estrutura e da força do ego da paciente naquele período da análise e que a resistên cia estava situada e expressa nos 45 minu tos de silenciosa sessão que precediam o relato do sonho Experiências clínicas semelhantes a essa levaram Sydney E Pulver3 a afirmar não existe tal coisa como o sonho manifesto o grau no qual o sonho manifesto pode ser entendido sempre depende de nosso conhecimento do contexto no qual ele foi relatado Relembra que os sonhos não são con tados no vácuo e que além disso o pacien te acrescenta comentários ao relato Essas manifestações espontâneas permitem ao analista entender o material onírico sem precisar de associações formais Assim o relato verbal como um todo pode ser enca rado como uma associação ou ainda o conteúdo inteiro da sessão pode ser visto como associação com respeito ao sonho3 Assim só podemos responder de mo do afirmativo à questão de se é possível in terpretar um sonho mesmo que o paciente não faça associações específicas pertinentes a ele Basta para isso recordar que o pa ciente sempre fornecerá de modo volun tário ou involuntário associações ao sonho e que o analista sempre conhece algo da história do paciente do atual contexto de sua vida e a respeito dos prováveis restos diurnos relacionados ao sonho Se no sonho que nos tem servido de exemplo enfocarmos a dimensão transfe rencial podemos entender a narrativa oní rica de Jorge como uma tentativa de atribuir ao analista representado no sonho pelos pais e pela empregada a responsabilidade por suas dificuldades de crescimento O ana lista é sentido como alguém que confunde as coisas e atrapalha a visão sujando o mapa com comida não dando informações a res peito do processo analítico Também é per cebido de modo semelhante a pais passivos que se limitam a ficar olhando depois de te rem atrapalhado seu crescimento Sentese menosprezado pelo analista que ignorando seu esforço para crescer em vez de ajudá lo a utilizar o mapa da análise propõe uma relação oral dependente Por isso quer ler mais sobre psicanálise ou seja traçar se uti lizarmos a linguagem do sonho seu próprio mapa da análise São hipóteses plausíveis que o conteúdo manifesto ajuntado aos da dos da história do paciente e de sua evolução na análise autorizanos a construir O material onírico tornase um ele mento a mais para compreender e inter pretar o que está se passando no processo e de forma mais específica na transferência Propicia ao sonhador e ao analista uma visão da vida mental como algo contínuo A interpretação do sonho tornase cada vez mais completa no momento em que passa a referirse não ao sonho isolado mas às suas re lações com o restante do material da sessão e com a história do paciente e seus objetos in cluindo o analista AS FUNÇÕES DOS SONHOS Outro aspecto importante no estudo dos sonhos referese ao entendimento de sua função Como referido anteriormente a Psicoterapia de orientação analítica 381 principal meta do sonho para Freud era a de guardião do sono mediante a realiza ção alucinatória e disfarçada dos desejos que durante o sono continuam exercen do pressão sobre o psiquismo Vejamos o quanto evoluiu a compreensão psicanalíti ca nessa área O progresso realizouse no sentido de conceber os sonhos como tentativas do sonhador de resolver problemas da vida de vigília Assim por exemplo Sandor Feren czi em 1934 fez uma série de reflexões a respeito da comoção psíquica que segue um evento traumático e da função dos so nhos em tal situação Ferenczi concorda com as ideias de Freud a respeito da reali zação de desejos mas acrescenta que para ele o retorno nos sonhos dos restos diurnos já representa por si mesmo uma das funções do so nho Pois aquilo a que chamamos os restos diurnos são de fato repetição de traumas6 Lembrando a função terapêutica que na neurose traumática possui a recorda ção reiterada do trauma Ferenczi entende tal ressurgimento dos restos diurnos como manifestação de uma tendência do psiquis mo continuada durante o sono no sentido de alcançar uma nova e melhor resolução dos conflitos desencadeados pela situação traumática Descreve essa tendência como a função traumatolítica dos sonhos Nesse sentido o sonho tem uma continuidade com o pensamento da vigília na medida em que o sonhador durante o sono permane ce tentando resolver problemas e conflitos O importante da contribuição de Ferenczi é sugerir outras funções para os sonhos além da simples realização disfarçada de desejos Assim embora as modernas teorias a respei to da função dos sonhos continuem destacando os aspectos mais importantes das hipóteses de Freud houve um reconhecimento da função adaptativa do sonhar ou seja a consideração do enredo onírico como expressão de uma ativi dade ininterrupta da mente na busca da reso lução de conflitos Em 1983 James Fosshage publicou o trabalho A função psicológica dos sonhos7 Ele comenta como sob o ponto de vista es trutural os sonhos têm uma função orga nizadora e sintetizadora Argumenta que mesmo depois da concepção do ponto de vista estrutural e do reconhecimento das funções do ego continuou difícil admitir as funções integradoras dos sonhos em virtude da ênfase na regressão que ocorre durante o sonhar Porém destaca que to dos os modernos modelos da formação de sonhos têm enfatizado os objetivos de in tegração síntese e manejo de impulsos e conflitos Expõe sua tese de que a principal função dos sonhos é o desenvolvimento a manutenção regulação e quando ne cessário a restauração dos processos psí quicos sua estrutura e organização7 Ao discorrer a respeito das implicações clíni cas de suas ideias Fosshage7 afirma que a visão clássica dos sonhos como estrada real aos desejos latentes e meio de expressão de conflitos negligenciou o papel dos sonhos em suas funções primariamente desen volvimentais reguladoras de resolução de conflitos e reorganizadoras Fosshage conceitua o sonho não como guardião do sono mas como guardião da estrutura psí quica Um trabalho que coincide com uma concepção do sonho como guardião da estrutura do aparelho mental foi escrito por Ramon Greenberg e colaboradores8 em 1992 Nele os autores comentam que modernamente existem duas versões contrastantes a respeito da natureza dos 382 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sonhos a primeira que tem origem neu rofisiológica e que considera o sonho co mo reação à atividade aleatória do sistema nervoso durante o sono REM e a segunda de inspiração psicanalítica que atribui aos sonhos um significado emocional e os con sidera uma representação disfarçada de um desejo infantil Buscando uma visão unificadora das duas versões dedicam uma seção do tra balho a mostrar como o sono REM é im portante para os mamíferos em geral e para o homem em particular Comentam que animais submetidos a experiências de pri vação do sono REM passam a apresentar um déficit no aprendizado e a partir dessa observação lançam a hipótese de que no homem o sono REM é necessário para a integração de informações novas e compli cadas nos sistemas de memória8 A ideia central é a de que na vigília temos proble mas a resolver e que isso continua durante o sono Para esses autores a integração de informações está a serviço dessa solução de problemas Demonstram por meio de vários exemplos que o sonho é uma óbvia continuação dos problemas da vida de vigília8 e que o conteúdo manifesto do sonho pode evidenciar representações de problemas que na vigília estiveram mo nopolizando a atenção do sonhador Con cluem o trabalho afirmando que o sonho é uma expressão direta do que é perturbador e dos esforços para lidar com essas situações pertur badoras Esta é uma abordagem psico dinâmica que coloca o sonho numa posição central como participante em nossos constantes esforços de dar um sentido ao mundo e aos eventos que nos impactam8 Fica evidente com essa revisão que o objetivo dos sonhos foi estendido para campos que ultrapassam a satisfação de desejos e a descarga de impulsos Desta camse entre as funções indicadas as de elaboração de situações traumáticas on de mais uma vez pontifica o papel do ego e as funções adaptativas de integra ção do aparelho psíquico e de resolução de problemas Vejamos no sonhomodelo relatado no início do capítulo algumas ilustrações a respeito da função dos sonhos O inten so conflito de dependência de Jorge e a dor psíquica oriunda da percepção de que luta no momento atual de sua vida entre um desejo de independizarse dos pais e ao mesmo tempo permanecer junto a eles sendo protegido e alimentado não o deixa riam dormir Criar uma narrativa onírica na qual são seus pais e a empregada que se opõem aos seus planos de crescimento en quanto ele é o portador exclusivo dos dese jos de liberdade representados pelo mapa do Rio Grande do Sul acalmao É como se dissesse Não sou eu que tenho dificulda des de crescer e me independizar são eles meus pais e a empregada que atrapalham a minha vida Não sou o menino da casa da infância sou o homem da casa atual e os outros querem impedir meu crescimento ficam usando meu mapadesejo de me si tuar e sair de casa como toalha espúria para comer em cima e sujar Por isso estou in dignado e furioso com eles No tocante a essa função ampliada dos sonhos com objetivos de organização integração síntese e manejo de impulsos e conflitos psíquicos podemos pensar o quanto esse conflito entre dependência e independência do paciente permaneceria inominado sem forma desintegrado em seu mundo interno não fosse a capacida de onírica de construir uma narrativa e dar forma a esses sentimentos pensamentos e impulsos Psicoterapia de orientação analítica 383 SONHO E REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA A DIMENSÃO ESTÉTICA DOS SONHOS Esse último comentário nos conduz a uma quarta vertente que se refere à relação que Freud vislumbrou entre os processos oníri cos a linguagem metafórica e simbólica e o discurso poético Parece às vezes que o reconhecimento teórico não tem acompa nhado a utilidade e o aproveitamento clíni co dessa vertente Isso em virtude talvez do preconceito com relação ao conhecimento intuitivo e à percepção estética como fontes válidas de informação De todo modo essa ideias têm sido elaboradas por diversos au tores e é a esse desenvolvimento que será dedicada a parte final do capítulo Em textos de 1921 e 1926 Melanie Klein910 comenta como as histórias con tadas por crianças de pouca idade muitas vezes assemelhamse a sonhos em que não está presente a elaboração secundária Tais narrativas construídas com prazer e imagi nação continuam os sonhos que a criança teve durante a noite e ela não separa o que é sonho do que é realidade Assim pode mos conceber a existência de um mundo onírico que é fonte dessas primeiras ma nifestações artísticas e criativas da criança seus sonhos seus contos suas atividades lúdicas Melanie Klein utiliza indistin tamente a compreensão psicanalítica de todas essas produções para formular seu entendimento do material e sustenta que a abordagem do brinquedo infantil deve ser feita nos mesmos moldes que Freud utiliza va para interpretar os sonhos O material que a criança produz du rante a hora analítica a maneira como ela faz isto a razão pela qual ela muda de um jogo ao outro os meios que ela escolhe para suas represen tações toda essa mistura de fatores tornase plena de significados se nós os interpretamos justamente como nos sonhos10 A partir dessa época Melanie Klein desenvolve uma utilização cada vez mais completa da linguagem simbólica no brin quedo infantil que ela reconhece como parte essencial do modo arcaico de ex pressão da criança Assim contribui para a compreensão da existência de um mundo onírico onipresente no psiquismo que será fonte tanto dos sonhos quanto das mani festações lúdicas e artísticas do adulto Essa mesma correlação foi destacada por Ronald Fairbairn quando afirma que todas as figuras que aparecem nos sonhos são representações de partes da personali dade do sonhador Desenvolve o conceito de que os sonhos não são apenas reali zações de desejos mas essencialmen te instantâneos ou shorts no sentido cinematográfico de situações exis tentes na realidade interior11 A partir dessas concepções Fairbairn aborda as produções oníricas consideran do os personagens dos sonhos como per tencentes ao elenco das várias instâncias da estrutura psíquica do paciente Chama de personificações a essas representa ções tanto nos sonhos quanto nas fantasias diurnas e afirma que tais personagens es tão sempre envolvidos em dramatizações de conflitos e fantasias inconscientes Ain da que não se refira explicitamente aos sonhos como manifestações artísticas dos pacientes o paralelo é inevitável Abordagem semelhante faz Donald Winnicott que em Desenvolvimento emo cional primitivo12 de 1945 descreve a vi da de vigília como condição que vai sendo conquistada a partir de uma situação ini 384 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cial do ser humano na qual o sono predo minava E esse espaço antes ocupado pelo sono e pelos sonhos vai sendo preenchido ou suplementado pela criatividade sendo o sonho concebido como uma criação ar tística particular Ao examinar a experiên cia dos indivíduos com o ambiente que os cerca Winnicott comenta que quando a rotina do mundo cansa e o contato com a realidade é tedioso podemos retornar ao subjetivo por meio dos sonhos e da lem brança deles Escreve ele Enquanto dormimos sonhamos o tempo todo e quando acordamos sentimos a necessidade de levar algu ma coisa do mundo dos sonhos para a vida real da mesma forma que pre cisamos reconhecer os interesses co tidianos que surgem e se entrelaçam ao sonho Além disso não é em gran de parte por meio da criação artística e da experiência artística que mante mos as pontes necessárias entre o sub jetivo e o objetivo É por essa razão que valorizamos tremendamente o esforço solitário do criador de qual quer tipo de arte13 Winnicott desenvolve assim um valioso insi ght ao perceber que da mesma maneira que o resto diurno é importante para os sonhos como ponte entre os problemas da vida cotidiana e sua elaboração no mundo interno as imagens oníricas são fundamentais para a vida ao es tabelecerem nessa mesma ponte o sentido que vai da fantasia do mundo interno para a realidade externa colorindoa de afetos Assim o sonho é também o guardião do contato permanente com o subjetivo Winnicott desenvolve algumas con sequências técnicas dessa postura em um trabalho de 1968 no qual comenta que um sonho muitas vezes não precisa ser in terpretado pois o trabalho já está feito no momento em que o paciente construiu o sonho A ponte com o mundo interno já está sendo construída É sugerido por ele que nessas situações ao analista só cabe aguardar o surgimento de novo material No sonho exemplar do início do ca pítulo ao sonhar com o mapa servindo de toalha Jorge lança os fundamentos dessa ponte de suas fantasias e conflitos entre de pendência e independência até a expressão disso em palavras na sessão analítica lugar onde poderá compreender o alcance do en redo onírico por ele imaginado Outro autor que desenvolveu algu mas ideias originais sobre o tema foi Wil fred Bion Ele concebe os sonhos como ten do uma função de converter o material psí quico em uma forma predominantemente visual e compacta que pode ser memoriza da e depois evocada Essa concepção tem alguma semelhança com as ideias de Win nicott inclusive no que se refere ao fato de que o importante do sonho não é que ele seja interpretado mas que ele seja sonhado Referindo de outra maneira o paciente po de adquirir na análise a capacidade de dar significado a uma corrente psíquica até en tão desconectada e inominada contribuin do assim para sua integração ao psiquismo Bion exemplifica a elaboração de um sonho comparandoa com a formação de um mito contemporâneo a imagem da maçã caindo na cabeça de Newton levan doo a formular a lei da gravitação univer sal Os acontecimentos não se passaram obrigatoriamente assim e na realidade não temos acesso ao que de fato houve Todavia essa imagem criada pela tradição dá forma aos fatos pode ser guardada na memória e evocada ao longo das gerações O mesmo acontece com a poesia e as de mais artes que de modo inspirdor dão forma aos sentimentos permitindo que Psicoterapia de orientação analítica 385 sejam compartilhados Também é assim o sonho com relação à vida das pessoas per mite a evocação de algo que sem ele seria uma vivência emocional irrecuperável Pa ra Bion14 é a simbolização nos sonhos e o trabalho do sonho que tornam a memória possível Em uma anotação de 1960 Bion faz um interessante comentário a respeito da formação dos sonhos e do que para ele significam os termos manifesto e la tente Afirma que a origem de um sonho é uma experiência emocional e que essa expe riência é trabalhada para produzir o conteúdo manifesto tal como o conhecemos e que é o analista que fornece a interpretação para produzir o assim chamado conteúdo latente14 Tal formulação nos aproxima da ideia da psicanálise como uma hermenêutica na medida em que o analista confere um signi ficado ao sonho cria um conteúdo latente para dar forma a essa experiência emocional original que é em si inatingível Chego neste ponto do capítulo às contribuições fundamentais de Donald Meltzer em seu livro Vida onírica15 de 1984 obra que pode ser considerada como a síntese e o desenvolvimento mais refinado dessa vertente teórica e técnica que enfati za o valor estético dos sonhos No início de sua obra Meltzer tece algumas considera ções no tocante às relações entre conteúdo manifesto e conteúdo latente Ao examinar as ideias de Freud sobre o assunto comenta que o propósito de demonstrar que os sonhos não eram incoerentes parece ter levado Freud ao erro lógico de confundir obscuridade de significado com signi ficado críptico ou oculto15 e que Freud sempre que busca os pensa mentos latentes representados no conteú do manifesto consegue importantes aquisições na elucidação do trabalho do sonho exceto quando insiste em seu propó sito criptográfico compreender e resolver como um quebracabe ças ou mesmo como um crime são marcadamente opostos15 Constatamos que já de início Melt zer posiciona a psicanálise como uma ciên cia com seus próprios métodos distintos daqueles baseados nas relações de causa e efeito característicos do determinismo das ciências da natureza Ainda que não se pre cise separar de maneira absoluta esses dois aspectos compreender e resolver pois ao longo do processo psicanalítico eles são convergentes na prática convém desvincu lar a compreensão da necessidade de reso lução para não nos sentirmos pressionados e não pressionarmos o paciente a uma arti ficial decifração do sonho Meltzer entende que com relação aos símbolos Freud come teu o mesmo engano que já havia cometido no tocante aos afetos no sonho os símbolos são considerados meros substitutos A é substituido por B como um recurso pic tográfico para escapar da censura15 Esten dendo essa argumentação Meltzer valoriza a hipótese de Ella Sharpe ao mostrar que os sonhos utilizam em sua construção to dos aqueles outros artifícios que foram identificados como recursos estéticos nos distintos ramos da arte15 As imagens do sonho são uma outra forma de expressar e não uma estratégia para esconder Depois das considerações aqui resu midas Meltzer expõe seu projeto formular uma teoria estética dos sonhos partindo do fundamento de que estes constituem a função 386 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da mente que se ocupa de nossa expe riência estética do mundo15 O trabalho de Meltzer tem o valor de resgatar a percepção estética como forma de chegar ao conhecimento do mundo interno a partir do so nho considerado como uma produção artísti ca do indivíduo Sua tarefa é expor a teoria de que a forma simbólica plástica e a forma simbóli ca linguística se potencializam entre si na apreensão do significado15 Nesse seu projeto Meltzer reconhece o valor das ideias de Melanie Klein e de Wil fred Bion Ressalta que foi Melanie Klein quem proporcionou a maior consideração psicanalítica do sonho ao descobrir que não vivemos em um mundo mas em dois que também vivemos num mundo interno que é uma esfe ra vital tão real quanto o mundo exte rior isto proporcionou um novo significado aos sonhos Já não se po dia sustentar que o sonho fosse ape nas um processo de alívio das tensões com o objetivo de preservar o sono os sonhos tinham que ser concebidos como imagens de uma vida onírica que acontecia incessantemente tanto durante o estado de vigília como en quanto se dorme15 Já Bion no entender de Meltzer15 tem uma contribuição fundamental na medida em que enfatiza como a experiên cia emocional é anterior à razão e que é a poesia do sonho que capta e dá uma representação formal às paixões que são o significado de nossa expe riência para que possam ser utiliza dos pela razão Depois de expor essas noções teóri cas Meltzer desenvolve algumas de suas ideias a respeito da técnica de interpretação delas derivada Desaconselha que os analis tas tentem traduzir o sonho do paciente de maneira semelhante à tradução de uma língua estrangeira Recomendalhes a lem brança do aforisma de Bion aproximando se dos sonhos sem memória e sem desejo escutando o paciente e observando que ima gem surge em sua própria mente O analista deixa que o paciente evoque nele um sonho Este sonho claro será seu do analista e estará formado pelas vicis situdes de sua própria personalidade Mas depois de tudo é de supor que os anos de experiência no divã e da sub sequente autoanálise tenhamlhe pro porcionado certo virtuosismo na lin guagem de seus próprios sonhos Des de esse ponto de vista poderíamos imaginar que toda tentativa de formu lar uma interpretação de um sonho de um paciente implicaria um preâmbu lo tácito Enquanto ouvia seu sonho tive um sonho que em minha vida emocional significaria o seguinte que gostaria de compartilhar com você com a esperança de que proporciona rá alguma luz sobre o significado que seu sonho tem para você15 Como aceitar essa postura de Meltzer como outra coisa que não a postura ideal diante de uma obra de arte Contemplar a obra de arte e ficar permeável aos senti mentos que ela evoca A preocupação com a relação causaefeito é deixada de lado o analista voltase não para a interpretação mas para os possíveis sentidos do material Está atrás de vértices de observação do dra ma que se desenrola no sonho De signifi cados não de causas Continuando com seus comentá rios a respeito da técnica de interpretação Meltzer declara que quando um sonho lhe é relatado tende cada vez mais a prolongar a fase de investigação associações do pa Psicoterapia de orientação analítica 387 ciente suas próprias conjeturas e perguntas a respeito do sonho e a protelar a interpre tação propriamente dita Acrescenta que talvez isso se deva a uma inclinação cada vez maior a espe rar que surja algo na captação intuiti va do sonho e que contenha uma car ga emocional de excitação comen ta que isso é essencialmente estético algo que tem a ver com os aspectos formais e de composição do sonho considerado como um acontecimen to de dimensões teatrais15 Utiliza uma expressão muito feliz para referirse à maneira como uma in terpretação vai se formando na mente do analista noções interpretativas Justifica tal expressão comentando que quer referirse à vaguidade com que começa a esboçarse a formulação de um sonho15 Nesse sen tido Meltzer indica não gostar do termo interpretação do sonho já que em sua opinião este sugeriria um acréscimo por parte do analista ao significado do sonho Provavelmente formulação seja o mais indicado já que se trata de um processo de transformação de uma forma simbólica para outra de uma liguagem predominantemente visual para uma linguagem verbal Longe de incrementar o significado o proces so supõe seguramente um empobre cimento do mesmo a dicção poética do sonho fica reduzida à prosa da psi canálise15 Segundo ele só em alguns momentos líricos da sessão e em raras sessões conse guimos elevar essa prosa a um nível poéti co Comenta que em alguns momentos se sente impressionado pela beleza de uma formulação e não é raro que o paciente tenha tam bém essa vivência é uma vivên cia tão impressionante que estou con vencido de que esse elemento estético é essencial para o desenvolvimento da convicção acerca do acerto da formu lação Não quero dizer a formula ção correta senão somente uma for mulação correta15 Suponho que esse tipo de percepção é muito mais presente na prática clínica do que é sugerido pelo material ao qual temos acesso na leitura de trabalhos de psicaná lise Na maioria das vezes a compreensão empática antecede o raciocínio formula do em palavras É como acontece na feliz imagem de Etchegoyen16 quando comenta que o insight ostensivo em si uma vivência necessita ser recoberto por palavras que conferindolhe forma permitem sua inte gração ao ego A compreensão do sonho parte de uma experiên cia emocional e só depois o analista recobre tal experiência com palavras e lhe dá uma for ma lógica e racional O sonho do paciente evoca sentimentos relacionados à própria vida onírica do analista e são esses sentimentos as fontes da interpretação Vejamos como isso pode ser ilustrado no sonhomodelo A partir dele podemos imaginar um quadro um casal janta indife rentemente sobre um mapa do Rio Grande do Sul que serve de toalha enquanto é ob servado por um menino furioso Ou tam bém podemos concebêlo como um conto no qual encontramos os seguintes persona gens homem que chega em casa pais indi ferentes empregada descuidada Tais per sonagens protagonizam uma pequena his tória um homem chega em casa e encontra os pais jantando de modo irresponsável sobre o mapa que comprara para realizar um trabalho A empregada com desleixo derrama comida em cima do mapa que a essa altura está reduzido a reles toalha por 388 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pais que não valorizam o filho O homem furioso quebra os pratos Nesse conto cada um dos persona gens representa objetos do variado elenco que compõe o mundo interno de nosso so nhadormodelo a quem nesse momento presto homenagem por nos ter presentea do anonimamente com tão rico e ilustra tivo sonho Utilizando na compreen são do exemplo o que nos lembra Bion podemos imaginar que uma sensação de dependên cia quase física transformouse na mente de Jorge na imagem do menino furioso com os pais que não olham para ele Essa imagem pode assim ser armazenada na memória e utilizada para comunicar o ino minado afeto Tal qual uma obra de arte transmite essa emoção ao analista que a devolve ao paciente sob a forma de inter pretação É evidente que isso não quer dizer que se exerça a psicanálise ou a psicoterapia de orientação analítica como arte ou como algo que depende de inspiração ou intui ção O que está sendo destacado aqui é po der olhar para o sonho como uma imagem do inconsciente que é feita da mesma subs tância que constrói os mitos as poesias os quadros as esculturas os textos literários A ABORDAGEM COMPREENSIVA DOS SONHOS NA CLÍNICA Ainda que o material clínico que ilustra este texto provenha de um processo psica nalítico e que vários dos trabalhos revisa dos tenham origem nessa mesma fonte os ensinamentos colhidos aplicamse tanto à psicanálise quanto à psicoterapia Não vejo diferença na utilização dos sonhos como fonte de compreensão em uma e outra situ ação O que vai ser distinto referese ape nas a dois aspectos O primeiro é que co mo na análise contamos com uma maior frequência nas sessões mais oportunidade teremos de ouvir compreender e utilizar os sonhos como material privi legiado no aprofundamento do processo O segundo aspecto prendese ao fato de que depen dendo dos objetivos mais focais da psico terapia poderemos de modo estratégico negligenciar seletivamente um ou outro aspecto do sonho cuja abordagem não in teressa ao processo psicoterápico Na psi canálise é mais comum que não nos preo cupemos com evitar a abordagem de tal ou qual faceta de um sonho As concepções expostas neste capítu lo seguem uma linha na qual os sonhos são considerados transformações predomi nantemente pictóricas de algo conhecido pelo sonhador mas reprimido por ele ou seja inacessível à consciência Daí decorre quase como um corolário que o proces so de abordagem compreensiva do sonho constituise na tentativa de retranscrição desse tecido pictórico de volta aos senti mentos que o originaram Considerando tal premissa passaremos a examinar alguns princípios técnicos úteis na abordagem clí nica dos sonhos O primeiro deles é que não convém ao terapeuta preocuparse com a estrutura formal do conteúdo manifesto seja lógico ou ilógico claro ou confuso coerente ou contraditório Nesse sentido nada é casual ou indiferente em um sonho podemos ob ter valiosas informações a partir do exame de detalhes aparentemente triviais e des propositados Em nosso sonho exemplar o pormenor meus pais ficavam me olhan do representa a alarmante indiferença do paciente com relação a sua vida Nesse mo mento da análise ele está se dando conta da maneira como tem simplesmente olhado a existência que leva sem tomar providên cias no sentido de modificála Também não é recomendável que o terapeuta se dedique a refletir de forma Psicoterapia de orientação analítica 389 imediata e ativa sobre a maior ou menor relevância de um ou outro elemento do conteúdo manifesto É importante aguar dar que o significado surja com naturalida de a partir dos comentários que o paciente faz a respeito do sonho É importante de senvolver certo treino em entregarse a um estado mental de vaguidade e incerteza pa ra que o sentido possa então emergir Também não deve nos importar o fa to de muita ou pouca coisa do sonho ser lembrada ou se a lembrança é precisa ou imprecisa Não esqueçamos que o sonho recordado não é o material original e sim sua representação a manchete por assim dizer Contamos portanto com fragmen tos os quais complementados pelas asso ciações do paciente podem auxiliarnos na aproximação aí sim do material original É atributo do delicado trabalho de formu lação interpretativa do sonho reunir esses fragmentos para completar um todo Conforme já referido neste capítulo tem sido cada vez mais evidente a presença no psiquismo de um mundo onírico que é fonte tanto dos sonhos quanto das mani festações lúdicas e artísticas da pessoa sen do clara na construção das imagens oníri cas a utilização de uma linguagem poética de natureza simbólica É de extrema importância portanto que o tera peuta deixe sua atenção ser capturada por essa rica linguagem assumindo de certa forma uma posição de receptividade estética seme lhante àquela que adotamos na leitura de um texto literário ou na contemplação de um filme ou de um quadro É igualmente útil lembrar que a fina lidade principal do sonho que correspon de a sua função integradora já está feita no momento em que o paciente teve o sonho lembrouse dele e o contou Já foi dito que o essencial do sonho não é que ele seja in terpretado mas que ele seja sonhado Mui tas vezes não entendemos um sonho mas a lembrança surge de modo espontâneo dias ou meses mais tarde plena de significados Não há portanto urgência em interpretar Dizendo de outra maneira um dos objeti vos do tratamento é capacitar o paciente a poder sonhar e dar forma a uma corrente até então desconectada e inominada de vi vências emocionais contribuindo assim para a integração mais efetiva destas ao psi quismo consciente Para encerrar este tópico um alerta sobre um dos riscos na interpretação dos sonhos o de que com base em sua con cepção prévia a respeito do que está acon tecendo em dado momento do processo o terapeuta utilize o sonho não como um fator de orientação mas encaixeo em seu próprio esquema de entendimento Ou se ja que o analista ao interpretar um sonho construa um raciocínio circular em que o material é usado apenas para ratificar o que ele já pensava anteriormente A situação tornase ainda mais grave quando as próxi mas associações do paciente são percebidas como confirmatórias da interpretação feita Assim a abordagem do sonho na clínica é valiosa desde que ele seja olhado sob o pon to de vista de quem o enxerga pela primeira vez e não como algo que só se destina a de modo propício corroborar o já pensado CONSIDERAÇÕES FINAIS Os sonhos foram considerados por Freud1 a via real que leva ao conhecimento das atividades inconscientes Nos tempos ini ciais da ciência psicanalítica a análise de um sonho chegava a tomar várias sessões e a atividade do analista era voltada para o minucioso escrutínio de cada fragmen to do conteúdo manifesto Apesar de os 390 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sonhos conservarem essa posição de des taque alguma coisa mudou com relação a sua abordagem continuam a ocupar uma posição excepcional mas não mais como algo que polariza o material as associações e a sessão psicoterápica São centrais os so nhos mas no sentido de associação privi legiada menos distorcida e menos distante das camadas mais profundas da mente Co mo nos indica Kernberg17 o sonho deixou de ser a via real e passou a constituir uma das múltiplas maneiras de obter acesso ao inconsciente Poderíamos acrescentar que na verdade não existe via real e que essa imagem apenas corresponde a um desejo de que algo nos livre da incerteza na abor dagem dos conflitos de nossos pacientes Do mesmo modo tornouse impor tante valorizar o conteúdo manifesto Ele não é um disfarce nós é que muitas vezes não conseguimos entendêlo Greenberg e Pearlman18 de maneira bastante irônica comparam o analista que considera o ma nifesto um disfarce com o inglês que visi tou Paris e achava que os franceses falavam aquela linguagem ininteligível o francês apenas para confundilo Defendem então a linguagem do sonho em vez de enganadora realmente fornece uma descrição gráfica a respeito dos senti mentos do paciente pode então ser descrita como metafórica e às vezes sofisticada e diferente da linguagem da vigília mas não inferior a ela18 A consequência prática dessas concep ções resulta evidente uma postura menos preocupada com a decifração por parte do terapeuta que em vez de lançarse de ime diato em busca do oculto poderá aprovei tar mais da riqueza de dados que o sonho tal como é relatado fornece Com relação à função dos sonhos estes são concebidos como tendo um pa pel integrador do psiquismo no momen to em que cumprem o objetivo de elaborar situações traumáticas ou conflitivas Os autores da psicologia do ego ao referirem a função elaborativa de resolução de pro blemas ou ainda a função adaptativa dos sonhos bem como os autores da escola inglesa ao correlacionarem o sonho com a função simbólica concordam nesse as pecto Uma crítica por vezes levantada aos textos que estudam a função dos sonhos é a de que estes não teriam funções intrínse cas já que tais funções pertencem ao ego Os sonhos apenas retratariam o que está acontecendo no mundo interno Seja qual for a maneira de conceber o fenômeno o fato é que a importância clínica do sonho continua vigente Quanto ao simbolismo e aos aspec tos estéticos da vida onírica estes parecem ser um dos guias mais úteis na abordagem dos sonhos durante a sessão psicanalítica A consideração do sonho como associa ção privilegiada aliviounos da exagerada preocupação com associações específicas Além disso a consideração dos aspectos estéticos e da dicção poética da elaboração onírica diminuiu o empenho em definir se as associações do paciente são anteriores ou posteriores à produção do sonho Nun ca saberemos e isso na interpretação não mais importa o quanto uma associação é posterior ou seja surgida por estímulo do sonho manifesto ou anterior à elabora ção dele ou seja já fazia parte dos pensa mentos oníricos latentes Assim podese considerar que um elemento do conteúdo manifesto vai despertar várias associações Muitas delas são novas e inspiradas pelas imagens manifestas assim como um texto literário inspira reflexões e associações do leitor com relação a sua própria vida in dependentemente das intenções do autor Como dizem Bezoari e Ferro19 não se tratam de livres associa ções que permitem explicar o texto Psicoterapia de orientação analítica 391 manifesto senão associações que voltam a contar de forma diferente o problema do instante relacional que já se havia expressado no sonho e se recontam com dialetos e enredos di ferentes O latente o manifesto e as diversas associações são variações de um mesmo te ma estimuladas por uma vida onírica que está presente e ativa no momento em que a sessão se realiza Considero que uma das importantes aquisi ções clínicas feitas a partir desse vértice foi a evolução desde uma ideia de interpretardeci frar como se os sonhos tivessem um significa do oculto até uma posição em que os sonhos são considerados estímulos para uma visão do mundo interno por meio das associações por eles despertadas Os sonhos são pictogramas retratos quadros poemas elaborados pelo paciente e que dão conta de algo de sua intimida de Assim a interpretação vai depender de inúmeros fatores reconhecidos ou não a começar pela equação pessoal do analista Isso nos aproxima de uma visão herme nêutica na abordagem dos sonhos as vi vências e as teorias prévias do analista dão conteúdo a uma imagem que poderia ser percebida de maneira diferente por outro profissional O latente atribuído no exem plo apresentado no início é um homem menino dependente busca estabelecer uma trajetória longe da casa dos pais trajetó ria que ao mesmo tempo deseja e teme Podemos pensar que aqui como nas con cepções hermenêuticas foi a interpretação que conferiu um conteúdo e um significa do latente à imagem manifesta dando um sentido ao passado Neste capítulo foram balizadas al gumas das concepções que ajudam a nos situarmos nesse mundo arcaico de vastas emoções e sentimentos imperfeitos1 Mas são apenas hipóteses O principal é que cheguemos aos sonhos com o sentimento de deslumbramento e surpresa que cerca nossa aproximação com o objeto do qual podemos apenas perceber a beleza exter na mas nunca abarcar o total de sua inti midade Ou seja é preciso ter como pre missa uma relativa humildade admitindo que o sonho a rigor não é interpretável ele nos interpreta Ele é muito mais expres sivo e tem uma linguagem bem mais rica do que nossas precárias palavras Se não con siderarmos esse limite corremos o risco de empobrecer o sonho se nos aventuramos a decifrálo como se fôssemos senhores de seus mistérios Penso que partindo dessa postura poderemos aproveitar melhor as vertentes teóricas e técnicas examinadas ao longo do capítulo e utilizálas em diferen tes momentos de nossa tarefa PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Freud demonstrou que os sonhos têm significado não ocorrem por acaso e apresentam uma relação com a vida psíquica de quem sonhou por mais absurdos ou incompreensíveis que pareçam à primeira vista 2 Em um primeiro momento os sonhos eram considerados a via real para o inconsciente e podiam ser interpretados em busca de um significado oculto sua origem sua estrutura sua constituição e os mecanismos psíquicos utilizados para levar do conteúdo latente ao manifesto foram estabelecidos e descritos minuciosamente 392 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S A interpretação de sonhos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 4 v 5 2 Erikson E The dream specimen of psychoa nalysis In Lansky MR editor Essential pa pers on dreams New York New York Uni versity 1992 3 Pulver S The manifest dream in psychoa nalysis a clarification J Am Psychoanal As soc 198735199118 4 Blum H The changing use of dreams in psychoanalytic practice Dreams and free as sociation Int J Psychoanal 1976573315 24 5 Winnicott DW Dependência no cuidado do lactente no cuidado da criança e na situação psicanalítica In Winnicott DW O ambien te e os processos de maturação estudos so bre a teoria do desenvolvimento emocional 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1990 6 Ferenczi S Reflexões sobre o trauma In Ferenczi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 Obras completas v 4 7 Fosshage J The psychological function of dre ams a revised psychoanalytic perspective In Lansky MR editor Essential papers on drea ms New York New York University 1992 8 Greenberg R Katz H Schwartz W Pearlman C A researchbased reconsideration of the psychoanalytic theory of dreaming J Am Psychoanal Assoc 199240253150 9 Klein M The development of a child In Klein M Love guilt and reparation and other works 19211945 London Hogarth 1975 10 Klein M Psychological principles of early analysis In Klein M Love guilt and repa ration and other works 19211945 Lon don Hogarth 1975 11 Fairbairn WRD Las estructuras endopsíqui cas consideradas em términos de relaciones de objeto In Fairbairn WRD Estudio psi coanalítico de la personalidad 2 ed Buenos Aires Hormé 1966 12 Winnicott DW Desenvolvimento emocional primitivo In Winnicott DW Textos selecio nados da pediatria à psicanálise Rio de Ja neiro Francisco Alves 1988 13 Winnicott DW Pediatria e psiquiatria In Winnicott DW Textos selecionados da pe diatria à psicanálise Rio de Janeiro Francis co Alves 1988 14 Bion WR Bion F Cogitations London Kar nac 1992 15 Meltzer D Vida onírica una revisión de la teoría y de la técnica psicoanalítica Madrid Tecnipublicaciones 1987 16 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 17 Kernberg OF Convergences and divergences in contemporary psychoanalytic technique Int J Psychoanal 199374Pt 465973 18 Greenberg R Pearlman C A psychoanalytic dream continuum the source and function of dreams Int Rev Psychoanal 197524418 19 Bezoari M Ferro A El sueño dentro de una teoría del campo agregados funcionales y narraciones Rev Psicoanálisis 1992495 695777 LEITURA SUGERIDA Sharpe E Análise dos sonhos Rio de Janeiro Ima go 1971 3 De forma progressiva em especial em decorrência das contribuições de Bion e Meltzer os sonhos passa ram a ser vistos como estímulos para uma visão do mundo interno a partir das associações do paciente 4 Em uma visão contemporânea os sonhos são percebidos como pictogramas quadros poemas elabo rados pelo paciente para descrever sua intimidade e sua interpretação vai depender da equação pes soal do analista em um trabalho conjunto de duas mentes atuando na sessão 5 Assim como na psicanálise os sonhos constituem um elemento central e de grande relevância para o trabalho clínico em psicoterapia de orientação analítica A psicoterapia dinâmica encontra na teo ria psicanalítica seu embasamento teórico mas apresenta distinções quanto aos seus objetivos e à técnica terapêutica Tem co mo meta principal a abordagem do conflito atual com as devidas modificações desejá veis e possíveis do comportamento e da es trutura do caráter mas não ambiciona tan to alcançar o objetivo mais amplo de resol ver a patologia caracterológica por meio da análise do conflito genético reeditado na relação transferênciacontratransferência Diferentemente da psicanálise que se ocupa sobretudo da interpretação transfe rencial a psicoterapia de orientação ana lítica usando os mesmos conhecimentos tem como principais instrumentos o escla recimento a confrontação e a interpreta ção extratransferencial Aspectos parciais da transferência são interpretados de for ma selecionada circunscrita e com objeti vos bem específicos por exemplo quando resistências se apresentam estagnando o processo psicoterápico A neutralidade técnica relativa é man tida na maior parte do tempo Mesmo ha vendo uma tendência a incrementar aspec tos transferenciais decididamente não se busca uma análise sistemática da neurose de transferência somente pela interpreta ção Parecenos importante relembrar que os objetivos da psicoterapia de orientação analítica são mais circunscritos e como consequência menos ambiciosos do que aqueles de um tratamento por psicanáli se Dessa forma devemos ficar atentos a anseios ligados ao postulado médico que recomenda que se deva ter animus curandi em vez do furor curandi Assim podemos evitar expectativas de cura ou melhora que vão muito além dos desejos ou das capaci dades do paciente Para tanto é necessário separar o que se aceita intelectualmente da quilo que de fato se sente como significa tivo para o paciente Não nos parece demasiado insistir sobre esse ponto porque como é de co nhecimento geral uma posição intelectual 22 NÍVEIS DE MUDANÇA E CRITÉRIOS DE MELHORA Romualdo Romanowski Jair Rodrigues Escobar Rudyard Emerson Sordi Margareth Silveira Campos Este capítulo resume também alguns trechos e adaptações do trabalho An applicacion of bilogical theory to the study of psychic change and mourning1 dos mesmos autores 394 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de aceitação de limites nem sempre corres ponde a uma profunda convicção de que tais limites existem Podese dizer que o terapeuta desejável é aquele que consegue funcionar admitindo que seus limites exis tem e que o próprio método psicoterápi co não lhe exige metas que ambicionem atingir uma hipotética perfeição Digase de passagem o mesmo problema se aplica à psicanálise Devemse conceber os níveis de mudança bem como os critérios de melhora em psicoterapia dentro de parâ metros aceitáveis e possíveis Isso implica necessariamente abdicar de objetivos ir realizáveis ou seja de crenças a respeito de poderes mágicos onipotentes tanto do método como do terapeuta MUDANÇA PSÍQUICA REVISÃO TEÓRICA E CONCEITO A revisão de alguns autores Freud M Klein Etchegoyen B Joseph Bion Stei ner Meltzer MBlanco reafirmou uma ideia que tínhamos previamente de que as compreensões da mudança psíquica não são idênticas e mostramse até bastante diferentes Essas diferenças não impedem que sejam enfatizados certos elementos pe la maioria dos autores Alguns aspectos sobre mudança psíquica pa recem ser constantes nos trabalhos revisados tais como a necessidade de que o inconsciente se faça consciente de que o id se faça ego de que haja predomínio da criação sobre a estag nação e por fim de que o princípio da realidade predomine sobre o princípio do prazer Podese mencionar ainda o movi mento que ocorre desde uma posição pre dominantemente esquizoparanoide de ob jetos cindidos para outra de relação com objetos mais reais e totais próxima da po sição depressiva O aumento da tolerância à frustração e a busca do conhecimento não freada por angústias intoleráveis são ou tros aspectos da mudança psíquica Tam bém há a necessidade de a pessoa passar a responsabilizarse por sua vida e que em uma vida psíquica na qual predominava a simetria prepondere a assimetria e a alte ridade nas relações interpessoais Por parte do terapeuta este precisará viver a decep ção narcísica decorrente da possível iden tificação com a teoria idealizada De modo compensatório sofrer tal frustração freia a exigência de perfeição também dirigida ao paciente com uma menor cobrança de que ele tenha que satisfazer às ambições do te rapeuta e só então desfrutar dos objetivos pessoais alcançados Todas as ideias convergem para a busca da ampliação do conhecimento da realidade psíquica bem como da realidade externa possibilitando uma discriminação e um melhor intercâmbio entre ambas No entanto quando se fala em mudan ça psíquica em termos da psicoterapia de orientação analítica estabelecemse algu mas controvérsias Temse como exemplo a questão de as mudanças acontecerem em decorrência das interpretações ou do pró prio relacionamento terapêutico bem co mo qual nível de mudanças pode ser obtido na psicoterapia Sabendose que o tratamento psicote rápico é um processo interacional de movi mentos transferenciais e contratransferen ciais a relação terapêutica tem um papel significativo em que a internalização da própria relação com o terapeuta funciona como mecanismo importante de mudança A função de ego auxiliar desempenhada pe lo terapeuta é internalizada e assumida pe lo paciente Segundo SpezialeBagliacca2 o paciente para mudar necessita internali Psicoterapia de orientação analítica 395 zar um terapeuta não onisciente e com sua função continente preservada O paciente perceberá que para ser consciente para deixar de reprimir de projetar de rene gar é necessário colocarse em condições de observar compreender e pensar os pró prios sofrimentos antes de tentar resolvê los Assim o uso do instrumento da in terpretação tanto transferencial como extratransferencial possibilita que tome conhecimento de aspectos do seu funcio namento psíquico até então inacessíveis Permite não apenas o reconhecimento dos impulsos indesejáveis mas também a aqui sição da responsabilidade por eles Com is so oferecemos alternativas mais elaboradas de resolução do conflito O uso de meca nismos defensivos mais regressivos como cisão e identificação projetiva cede espaço a mecanismos mais elaborados Desenvol vese a capacidade sublimatória dos impul sos com finalidades criativas e construtivas mais presentes e constantes Pensamos portanto que se deve re servar a expressão mudança psíquica para aquilo que inclua no mínimo os se guintes elementos Direção a mudança psíquica deve ex pressar um aumento na organização das funções mentais no rumo de se desenvolver a capacidade de pensar Isso pressupõe crescimento das capacidades de representação mental das percepções internas e externas e ampliação das re lações entre essas representações Como decorrência o pensamento se antecipa à ação observandose uma maior capaci dade adaptativa Tempo a aquisição interna da noção de tempo possibilita que a repetição compulsiva seja superada e que novas atitudes e posicionamentos surjam A mudança psíquica deve considerar a per sistência das modificações conseguidas assim como a sinalização da possibili dade de novas modificações evolutivas ou adaptativas Ela deverá ter um tempo de duração suficiente para que possa ser considerada consolidada mas não estática o que implica supor que houve mudança estrutural Conduta a partir da aquisição da no ção de tempo e do desenvolvimento da capacidade de pensar a conduta passa a obedecer predominantemente ao princípio da realidade vendose maior grau de adaptação à realidade externa MUDANÇA PSÍQUICA PARTICULARIDADES A mudança psíquica compreende uma sé rie de fenômenos psicológicos em um pro cesso evolutivo que ocorre na relação pacienteterapeuta de forma que tanto as motivações para a mudança como as re sistências ao processo aparecem em am bos Supomos que um paciente ao buscar auxílio o faça a partir da obtenção de um insight prévio ao tratamento que lhe sinali za que algo não está bem em seu funciona mento e o alerta a buscar ajuda Esse insight e a busca de tratamento não impedem en tretanto que no início do processo psico terápico volte a predominar no paciente a necessidade de defender e utilizar suas antigas teorias sobre sua vida Desse modo passa a atribuir ao terapeuta o interesse de modificálas isto é o desejo pela mudança psíquica fica a cargo do terapeuta Bion3 com referência a pacientes muito regressi vos alerta para essa reversão da perspec tiva quando o fenômeno pode atingir di mensões de difícil abordagem Para a pessoa questionar a sua teo ria de vida implica uma ameaça de luto não apenas por uma condição interna mas também porque esse questionamento pro 396 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs põe uma reavaliação da forma como viveu até então isso inclui uma apreciação e reconhecimento de suas limitações capa cidades e alcances bem como a inevitável dor pelo que não pode ser e a conscien tização do que não poderá ser imposta pela realidade física de espaço e tempo que não pode mais ser negada Por teorias de vida entendemos o sistema de sentimentos ideias e condutas que o terapeuta e o pa ciente têm usado cada um da sua maneira como tentativa de resolver seus problemas ou seja para manter seu equilíbrio psíquico Os possíveis ganhos que advêm com a mudança não têm ainda a força e o poder de convencimento podendo predominar um sentimento de perda antes que de ga nho A situação é vivida na transferência sendo o terapeuta sentido como o respon sável por essa dor A luta contra a mudança se transforma em uma luta contra o terapeuta Em outras pala vras abandonar uma fantasia onipotente pela constatação de uma realidade obviamente limi tada não é algo que se viva sem um sentimen to de perda e luto pela convicção defraudada Para Alvim Frank4 as mudanças in cluem a renúncia às soluções patológicas limitadas e forçadas do passado que foi o melhor que a criança pôde então fazer Vemos que isso se aproxima do que en tendemos por teorias de vida Essa é a oportunidade para um reexame realista e amadurecido e para a escolha entre as opções agora disponíveis Esse processo é inerente à mudança psíquica Considere se também que existe já historicamen te sedimentada uma noção de identidade própria que confere ao paciente a seguran ça de se autorreconhecer A mudança de sejada é igualmente temida ao representar uma ameaça de autodesconhecimento tal vez mesmo de despersonalização que gera uma dificuldade adicional para a mudança ser atingida e aceita Salientamos que um processo similar tende a acontecer no terapeuta Confiase que a formação do terapeuta já o tenha capacitado a ser mais permeável às modi ficações de crenças e expectativas e que já tenha um insight mais utilizável para essa tarefa Desejase portanto que esteja evo luído o suficiente não só para suportar as decepções pela fantasia onipotente abalada como também para poder elaborar os lutos com os quais se defronta a cada nova etapa vencida Alguns riscos sempre estão presentes B Joseph5 relembra o que Freud escreveu em 1912 alertando para a possibilidade de inconscientemente exercermos pressão so bre os pacientes para que reajam de forma a confirmar nossas teorias e expectativas embora tentemos focar no que nossos pacientes trazem e em seu modo individual e próprio de fun cionar nós de fato mantemos como pano de fundo em nossas mentes nossa própria perspectiva teórica al guma ideia do tipo de mudança psí quica que almejamos a longo prazo Poderíamos acrescentar que para manter o processo de mudança psíquica é necessário que o paciente introjete a função terapêutica e se identifique com ela Isso já constitui mudan ça psíquica CRITÉRIOS INDICATIVOS DE MELHORA Quando se fala a respeito de critérios de melhora em psicoterapia é importante que Psicoterapia de orientação analítica 397 se considerem os objetivos do tratamento propostos quando do seu início É preciso ao mesmo tempo levar em consideração se esses objetivos foram atingidos plenamente ou de forma parcial aceitandose as limi tações inerentes ao processo psicoterápico dependentes tanto do método como do te rapeuta e do próprio paciente Nesse sentido Wallerstein6 cita con siderações definidoras conceituais meto dológicas e práticas interrelacionadas que estão entrelaçadas em qualquer discussão sobre a eficácia da psicoterapia psicanalí tica como modalidade de tratamento As sim as seguintes variáveis devem ser con sideradas a o objetivo do tratamento b a tratabilidade do paciente c indicações e contraindicações da psico terapia d a teoria da técnica isto é como o tra tamento funciona e por meio de quais procedimentos alcança suas metas e o papel do diagnóstico inicial e do pla nejamento do tratamento f a avaliação de resultados envolvendo o benefício terapêutico em comparação com a psicanálisepadrão em termos da resolução do conflito intrapsíquico e mudanças estruturais no ego g o que constitui teoricamente o estado ideal de saúde mental e as inevitáveis influências para avaliálo de modo em pírico h os julgamentos de valor e a perspectiva de interesses de quem julga i os critérios de término satisfatório de tratamento Seguindo critérios bem mais amplos e detalhados Dewald7 elaborou 14 itens sig nificativos de mudanças psíquicas 1 mudanças no id grau em que as ener gias pulsionais são mobilizadas na extensão em que a primazia genital é estabelecida no grau de fusão das pul sões libidinais e agressivas e no destino dos anseios prégenitais 2 mudanças no superego no grau em que os introjetos primitivos e de processo primário são substituídos por sistemas de valores morais de processo secun dário orientados para a realidade e pessoalmente desenvolvidos 3 mudanças no ego a progressiva modi ficação de algumas das microestruturas componentes específicas funções individuais que incluem o grau em que o princípio de realidade substitui o princípio do prazer a liberação de funções do ego previamente prejudi cadas pelo conflito psíquico a estabili dade do senso de self e de identidade a flexibilidade a adequação e o grau de consciência dos sistemas de defesa a estabilidade das sublimações que são desenvolvidas a adequação à idade e a constância das escolhas objetais e a ex tensão em que os processos adaptativos do ego assumem a direção e o controle do comportamento e das reações do paciente 4 adequação psicológica global e as rea ções que incluem a capacidade de lidar com situações novas ou estressantes 5 redução da importância organizadora central das fantasias nucleares 6 progressiva aceitação consciente das pulsões e de seus derivados como parte do self sem culpa ou ansiedades neuró ticas indevidas 7 manifestações derivadas mudando espontaneamente sem escrutínio es pecífico ou esforço consciente depois que os conflitos nucleares estão resol vidos 8 reação alterada a material previamente traumático ou ansiogênico de modo que o paciente é agora capaz de recor 398 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dar aceitar e compreender as experiên cias traumáticas que antes despertavam afetos intensos 9 crescente liberdade e franqueza com que pensamentos e desejos oníricos subjacentes podem ser expressos assim como crescente capacidade do paciente de interpretar seus sonhos 10 natureza modificada dos relacionamen tos do paciente com outras pessoas fora da análise 11 progressiva insatisfação com objetos ou relacionamentos infantis antes gra tificantes e sua substituição por objetos apropriados à idade e realisticamente satisfatórios 12 aprofundamento da vida afetiva com a superação de inibições e restrições 13 capacidade de permanecer livre de sintomas sem outras substituições neuróticas ao enfrentar conflitos ou situações que previamente despertavam os sintomas 14 desinvestimento do analista livre das distorções que significam a neurose de transferência Ressaltamos que a experiência ensina ser este um rol idealizado Na prática atin gimos apenas alguns desses itens em maior ou menor grau Roberto Pinto Ribeiro8 faz uma rela ção de objetivos de resultados da análise dos quais podemos adaptar alguns para a psicoterapia como os seguintes eliminação da sintomatologia neurótica psicótica ou psicossomática obtenção de um insight intelectual e emo cional dos aspectos conflituosos mais im portantes do passado e do presente com o concomitante estabelecimento de um senso de responsabilidade duradouro da capacidade de sentir culpa autêntica e de tendências reparadoras desenvolvimento de uma tolerância para com a vida instintiva com um mínimo de angústia desenvolvimento da capacidade de acei tar a si próprio com avaliação objetiva das qualidades e das fraquezas que lhe são inerentes liberação das energias agressivas neces sárias à autoconservação às realizações às competições e à proteção dos direitos próprios relações interpessoais mais consistentes e fidedignas com objetos bem escolhidos e afastamento dos mal selecionados ou quando isso não é possível uma melhor adaptação a estes últimos liberação das capacidades para o trabalho produtivo possibilidade de conseguir sublimação também por meio de distrações sociais e derivativos de ordem cultural Assim podese considerar que a ava liação dos elementos mencionados é feita a partir de três pontos de referência o pa ciente o terapeuta e o meio O paciente au menta o intercâmbio entre realidade inter na e externa e percebe de modo progressi vo a figura real do terapeuta além da figura transferencial relatando maior capacidade de usufruir a vida O terapeuta registra modificações mais maduras e estáveis na relação transferênciacontratransferência e na maneira como são descritas as vivências extratransferenciais Por fim também têm valor as manifestações do meio que apon tam modificações de conduta e melhores relações interpessoais A convergência des ses três indicadores registraria a presença efetiva de uma mudança psíquica como resultado terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 399 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Esperamse obter níveis de mudança psíquica aceitáveis e possíveis o que implica abdicar de objeti vos irrealizáveis ou de crenças a respeito de poderes mágicos tanto do método como do terapeuta 2 O aumento da tolerância à frustração e a busca do conhecimento não bloqueada por angústias intole ráveis são outros aspectos da mudança psíquica 3 O paciente perceberá que para ser consciente para diminuir a intensidade de suas defesas como repressão projeção ou renegação é necessário colocarse em condições de observar compreender e pensar os próprios sofrimentos antes de tentar resolvêlos 4 A mudança psíquica deve expressar um aumento na organização das funções mentais no rumo de se desenvolver a capacidade de pensar 5 Havendo mudança o comportamento do paciente passa a obedecer predominantemente ao princípio da realidade com maior grau de adaptação à realidade externa 6 O questionamento das teorias de vida que ocorre na psicoterapia implica uma permanente ameaça de luto que pode ser um obstáculo poderoso à mudança psíquica 7 Para manter o processo de mudança é necessário que o paciente introjete a função terapêutica e que se identifique com ela o que em si já constitui uma mudança psíquica 8 Entre os critérios mais observáveis de uma mudança psíquica consolidada encontramse a diminuição ou eliminação de sintomas de sofrimento psíquico o estabelecimento de um senso de responsabilidade duradouro a capacidade de sentir culpa autêntica e com tendências reparadoras a aceitação de si próprio com a apreciação objetiva das próprias qualidades e fraquezas e o estabelecimento de rela ções interpessoais consistentes com objetos bem escolhidos REFERÊNCIAS 1 Romanowski R Escobar JR Sordi RE An application of bilogical theory to the study of psychic change and mourning Int J Psy choanal 200384Pt 353345 2 SpezialeBagliacca R A capacidade de con ter anotações sobre seu funcionamento na mudança psíquica Rev Bras Psicanál 1990 243 3 Bion WR Elements of psychoanalysis New York Basic Books 1963 4 Frank A O analista como biógrafo transfe rência e reconstrução na mudança psíquica Rev Bras Psicanál 1990243 5 Joseph B Mudança psíquica algumas pers pectivas Rev Bras Psicanál 1990241345 53 6 Wallertsein RS Os resultados da psicanáli se e da psicoterapia no término e no segui mento In Wallerstein RS A cura pela fala as psicanálises e as psicoterapias Porto Ale gre Artmed 1998 7 Dewald PA Proceso terapéutico termina ción In Dewald PA Psicoterapia un enfo que dinámico Barcelona Toray 1972 8 Ribeiro RP Resultados da terapêutica psica nalítica In Meneghini LC Ribeiro RP Ro manowski R Vollmer Filho G Annes SP Es tudos psicanalíticos Porto Alegre Edição dos Autores 1974 LEITURAS SUGERIDAS Etchegoyen RH Un ensayo sobre la interpretación psicoanalítica Buenos Aires Polemos 1999 Freud S Estudos sobre a histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 2 400 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Freud S Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 Freud S O inconsciente In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 Freud S Recomendações aos médicos que exer cem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 Joseph B Mudança psíquica e processo psicanalí tico In Joseph B Equilíbrio psíquico e mudança psíquica artigos selecionados de Betty Joseph Rio de Janeiro Imago 1992 Klein M El duelo y su relación com los estados maníacodepresivos In Klein M Amor culpa y reparación Buenos Aires Paidós 1976 Obras completas v 1 MatteBlanco I The unconscious as infinite sets an essay in bilogic London Duckworth 1975 Meltzer D The psychoanalytical process Lon don Heinemann Medical 1967 Steiner J The aim of psychoanalysis in theory and practice Int J Psychoanal 199677Pt 6107383 PARTE IV Situações especiais Esta página foi deixada em branco intencionalmente Ao completar os primeiros 100 anos de sua existência a psicanálise notabilizouse por questionar paradigmas estabelecidos co mo verdades em todas as áreas da cultura Qualquer que seja o ponto de vista sobre uma atividade humana não pode ser des cartada a atenção a motivações inconscien tes a mecanismos de defesa às primitivas experiências emocionais da criança e à quantidade de descobertas sobre o funcio namento psíquico que a psicanálise pro porcionou ao longo do século XX Assim foi e continua sendo o questionamento à psiquiatria Além das hipotéticas curas por meios biológicos ou químicos sempre ha verá espaço para a abordagem psicológica por ser esta a única via possível de acesso aos conflitos psicológicos Reforçase as sim que subjacentes ao sintoma psíquico e a todo estado de sofrimento psíquico se encontram um conflito ético e determi nante deste um conflito psíquico Descritivamente podese afirmar que a expressão do sofrimento psíquico e a for ma como o analista ou o psicoterapeuta deve lidar com ela derivam de um conflito ético que o paciente não foi capaz de resol ver conscientemente É necessário enfatizar que a ética isto é os princípios que regem a conduta do indivíduo governa as relações não só consigo mesmo mas também com os outros em um mundo definido como humano O problema e a grande discussão re sidem na determinação do que é ético e do que é moralmente desejável A confronta ção entre o que é bom e o que é mau se ar rasta por séculos e depende das estruturas de poder vigentes ainda que permaneçam como definitivos determinados valores que podem ser incluídos no processo de huma nização do homem como a proibição do incesto e do parricídio Qualquer tentativa de solucionar a questão do que é ético do ponto de vista ra cional corre o risco de se converter em uma ideologia que procura ordenar o mundo com a finalidade de apaziguar as terríveis angústias que a vida propicia Ideologias religiosas políticas e até científicas se pres tam a conter e apoiar o indivíduo caso ele obedeça aos requisitos que a ordem impõe Nesse particular aspecto a mais im portante contribuição da psicanálise é oferecerse tanto como interpretação a obra fundadora da psicanálise Interpre tação dos sonhos1 é precisamente como indica o título interpretação e não ciência Dentung e não Wissenschaft quanto como teoria geral Também pode ser um método para compreender casos particulares por meio de uma série de hipóteses e teorias 23 ÉTICA E PSICOTERAPIA Germano Vollmer Filho Gerson I Berlim 404 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ainda que o diferencial essencial da psica nálise na interpretação seja seu método e sua técnica A psicanálise além de ser um méto do de investigação e tratamento é também um método de estudo de aplicação geral a análise aplicada O estudo das instituições culturais e de seus componentes a ética em particular está presente na psicanálise desde seu início tendo contribuído para a formulação de seus principais conceitos e hipóteses Nas cartas a Fliess Freud2 fala do mito de Édipo e do significado psico lógico de Hamlet quando está elaborando um dos conceitos centrais da psicanálise que viria a ser o complexo de Édipo De passagem poderíamos dizer ser este um dos elementos internos do estabelecimen to de princípios éticos e de humanização da pessoa A busca na literatura e nos fenômenos culturais não é em Freud uma exceção Nos testemunhos da cultura ele procura vestígios das teorias que está tratando de formular Em A interpretação dos sonhos1 estabelece a presença de uma ética interna por meio da censura mais amplamente ela borada na segunda tópica como superego ao referir que essa instância corresponde à função social de interdição ou de exigência do cumprimento dos ideais que a cultura estabelece A instância psíquica e a institui ção cultural se superpõem de tal maneira que as neuroses como Freud assinala em O interesse científico da psicanálise3 mostram se como tentativas de resolver individual mente aqueles problemas de compensação dos desejos que deveriam ter sido resolvi dos socialmente pelas instituições Ao se falar em ética e psicanálise é ne cessário abordar a análise da cultura pelo mesmo modelo e método da psicopatolo gia Neurose obsessiva neurose histérica e delírio paranoico são as grandes analogias os referenciais que Freud utiliza para com preender alguns fenômenos básicos da cul tura Em Totem e tabu4 ele afirma Poderíamos quase dizer que uma his teria é uma caricatura de uma obra de arte que uma neurose obsessiva é uma caricatura de uma religião e a paranoia a caricatura de um sistema filosófico deformado As deformações se explicam pelo fato de que as neuroses são formações associais que tentam realizar com meios particula res o que a sociedade realiza por meio do esforço coletivo As instituições culturais e a ética devem ser compreendidas sempre vinculadas aos desejos que as determinam Assim se o sonho é a realização disfarça da de um desejo reprimido tam bém as instituições culturais devem ser consideradas do ponto de vista psicanalítico como manifestações en cobertas de desejos reprimidos4 A cultura os princípios éticos e a re ligião de forma intensa e destaca da como ilusão representam as for mas pelas quais os desejos são conti dos para fins racionais de moralidade progresso e convívio social4 A RELIGIÃO Chama a atenção na obra de Freud a im portância que o fenômeno religioso ocupa Seu artigo de 1907 Os atos obsessivos e as práticas religiosas5 aborda o tema ao rela cionar os rituais e as práticas religiosas com os atos obsessivos e cerimoniais neuróticos Ao demonstrar que os atos obsessivos têm significado inconsciente Freud conclui que em sua origem se encontra sempre a repressão imperfeitamente alcançada de uma pressão pulsional A expectativa ansiosa de que algum tipo de desgraça ou Psicoterapia de orientação analítica 405 castigo vai ocorrer denuncia a presença de um poderoso sentimento de culpa O cerimonial obsessivo atua como objetivos deslocados com a finalidade defensiva de proteção Desde que a psicanálise verifica o sen tido dos sintomas e sua gênese desaparece a diferença entre cerimoniais religiosos e sintomas neuróticos ainda mais quando se verifica que na base da religião está a ne cessidade da renúncia a determinados dese jos É preciso salientar que tais desejos não são exclusivamente de natureza sexual mas também agressivos egoístas os quais em sua satisfação seriam antissociais Tratase da ética individual no caso da neurose e da ética coletiva no caso das religiões que seriam uma neurose obsessiva universal Freud avança ao procurar as origens filogenéticas da religião e dos princípios éticos no processo de humanização do ho mem indo encontrálas em um Édipo pri mordial no seu trabalho Totem e tabu4 Dos quatro capítulos desse livro os dois primeiros estão dedicados à análise do tabu querendo Freud vinculála à ambi valência afetiva A propósito tabu é um termo de origem polinésia que não signi fica simplesmente mau como entendi do de maneira quivocada mas algo como cuidado As realidades e as relações ta bu caracterizamse pela ambivalência por serem fascinantes amadas e aterradoras odiadas É interessante notar que a origem da ética en globa portanto não só a proibição o temor mas também o cuidado que Melanie Klein mais tarde veio a esclarecer como considera ção pelo objeto As realidades e as relações tabu são caracterizadas pela ambivalência e é justa mente esta que Freud enfatiza quando con sidera que o rechaçado também é desejado como no caso do incesto É assim na neu rose obsessiva e nas normas morais éticas É importante distinguir entre as proi bições tabu que não demonstram ne nhuma razão lógica apesar da força com que atuam e as normas morais e éticas que procuram sempre a justificação racional Entre as duas formas de interdição Freud4 estabelece uma relação ao afirmar que a consciência tabu constitui provavelmente a forma mais antiga de consciência moral No Capítulo IV de Totem e tabu4 Freud amplia a compreensão da moral in do além do marco psicológico da ambiva lência para explicar a filogênese a gênese social da moral e da religião Esse capítulo está mais dedicado à compreensão de to tem do que de tabu ainda que ambos se encontrem relacionados sobretudo por meio do tabu de matar o animal totêmico Baseandose em algumas hipóteses de Dar win e Atkynson Freud formulou para as origens da humanidade um complexo de Édipo primordial e um parricídio original como um processo repetido durante muito tempo O pai da horda primitiva senhor de todas as mulheres violento ciumento e egoísta não só impede a união sexual dos jovens como expulsa da horda aqueles que o contrariam e desafiam Os irmãos os jo vens expulsos unemse matam o pai e de voram seu corpo terminando o sistema da horda paterna Como a relação dos irmãos com o pai era ambivalente depois de terem resolvido a ambivalência pelo predomínio do ódio ressurgiram os sentimentos amo rosos Dois fatores contribuíram de acor do com Freud para a mudança do afeto no grupo parricida Em primeiro lugar o fato de que o parricídio não propiciou a nenhum dos irmãos a plena satisfação dos desejos pois nenhum deles podia ocupar 406 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs o lugar do pai morto Nesse aspecto parti cular o parricídio foi totalmente inútil e o fracasso favoreceu mais a reação moral do que o êxito Em segundo lugar por meio da obediência retrospectiva dos irmãos em relação ao pai juntouse à culpa e ao re morso o sentimento de exaltação da figura paterna que passou a ter maior valor e po der do que tinha em vida É preciso destacar que nesse contexto nas ori gens da humanização no surgimento das ba ses da moral e da ética estão o sentimento de culpa e a exaltação maníaca ou seja uma fal sa reparação Os irmãos proibiram a si mesmos o que anteriormente o pai lhes havia proibido Em lugar da horda primitiva surge o clã com proibições e interdições das quais emerge a fi gura do totem que supera a do pai morto e que dá origem às diversas religiões Com a experiência vivenciada renuncia ram ao incesto e trataramse entre si como ha viam tratado o pai do que se originou o contra to social que nada mais é do que o estabeleci mento de normas éticas A proibição do incesto que com plementa a proibição de se matarem como tinham feito com o pai da horda primitiva constitui o ponto de partida das normas éticas que caracterizam as organizações so ciais as restrições morais e a religião que são heranças do complexo de Édipo Com a interdição desaparece um elemento exis tente como realizador do comportamento primitivo a competência do pensamento à qual os homens parecem não querer re nunciar É importante fazer algumas conside rações sobre a relação entre o pensamento que leva ao surgimento de sentimentos de culpa e os comportamentos supostamente capazes de evitar a culpa Em Totem e tabu Freud distingue três formas de conceber o mundo a animista a religiosa e a científica que de certa forma se superpõem à histó ria do desejo A evolução histórica do desejo de corre inicialmente do progressivo movi mento da onipotência do pensamento no começo atribuída ao próprio desejo mais tarde aos deuses representantes dos pais por fim essa eleição se realiza conforme o princípio da realidade o que correspon deria à fase científica na qual o in divíduo renuncia ao princípio do prazer e subordinandose à realidade busca seu objeto no mundo exterior4 Como se pode perceber tratase da diminuição da onipo tência e do narcisismo em favor da realida de e da presença do objeto promovido pela imposição da realidade e da frustração A expressão onipotência das ideias foi sugerida a Freud por seu paciente ho mem dos ratos6 para quem a simples ideia de matar o pai equivalia a uma maneira de realizála No fim do referido artigo ao constatar o que chama de predileção dos neuróticos obsessivos pela utilização dessa forma de pensamento como defesa da rea lidade Freud conclui que a origem dessa maneira de pensar está na primitiva mania infantil de grandeza sendo que nesse es tado mental não haveria diferença entre mundo interno e externo Todo pensamen to seria suscetível a se realizar simplesmen te por ser pensamento A religião segundo Freud utiliza essa crença infantil da onipo tência do pensamento e conta com a ajuda do mecanismo da projeção Esse processo visa a expulsar percepções e desejos do in divíduo atribuindoos à realidade exterior aliviando a dor psíquica e contornando um conflito interno Assim a finalidade da projeção é conciliar tendências opostas que o indivíduo não integrou dentro de si O mesmo acontece com a religião afastase Psicoterapia de orientação analítica 407 a frustrante e dura realidade da vida e ao mesmo tempo satisfazemse a saudade e a nostalgia da onipotência infantil O papel da religião no estabelecimen to de uma ética universal está em coibir a repetição do crime primitivo A religião propõe que a culpa seja resolvida por meio do arrependimento para assim obter o amor do pai onipotente Onipotência e cul pa são os temas arcaicos que se entrelaçam com desejos perigosos e constituem os ele mentos ilusórios que tentam conter a natu reza do homem Esse é o tema de O futuro de uma ilusão7 1927 uma abordagem científica do problema moral e ético do homem Antes Freud deixa assentada sua ideia de que a condição humana o estabe lecimento de uma ética em sua conduta fundamentase na renúncia ao incesto e na aceitação da lei do pai Como consequên cia quando os irmãos se dão conta de que nenhum deles pode ocupar o lugar do pai iniciam o desenvolvimento social É im portante assinalar que a partir de então a lei do pai não é mais uma pressão exterior de acordo com o mito mas uma proibição interiorizada Essa proibição vai ocupar o lugar anteriormente preenchido pela renúncia à onipotência São necessários a castração simbólica e os lutos por perder um poder imaginário e a fantasia de ter tudo A partir daí a aceitação das limitações da realidade permite a evolução do que é definido como humanização do homem Quanto à compreensão do papel da religião para a cultura Freud estuda o tema em dois trabalhos O futuro de uma ilusão7 de 1927 e em O malestar na civilização8 de 1929 As duas obras ainda que breves são de amplitude e profundidade marcan tes Enfocase o papel da religião e avalia se a função global da cultura humana na transformação do homem em um ser ético Deixando de lado os aspectos idea listas da sociedade denominados cultura e os utilitários denominados civilização Freud estuda o objetivo da cultura em sentido amplo que engloba tanto as cria ções materiais como as instituições sociais e as formas de pensamento Esse objetivo é duplo dominar a natureza e regular as relações humanas estabelecendo o que se constitui nos chamados princípios éticos Quando Freud publicou em 1908 A moral sexual cultural e a nervosidade moder na a cultura era equivalente à repressão e vi nha imposta por duas razões uma pela falta de amor dos indivíduos ao trabalho outra pela necessidade de dominar as tendências libidinosas que tanto podem servir para unir os grupos humanos como para atuar como forças desagregadoras A questão pa ra ele era saber se era possível abrandar o grau de sacrifício imposto aos indivíduos e a forma de encontrarem uma compensação que gratificasse o trabalho e a limitação Essas compensações consistem na obtenção de gratificações originárias da identificação narcísica com o grupo social que aprova e estimula ideais a serem obti dos e no orgulho de atingir rendimentos produções e status As gratificações podem ainda ser proporcionadas por criações artísticas que são inacessíveis às massas e mas de maneira decisiva a gratificação compensatória é efetuada ao proporcionar ao indivíduo proteção ante a supremacia da natureza Diz Freud8 como para a humanidade também para o indivíduo a vida é difícil de suportar assim o que se trata mesmo é de propiciar paliativos para a dureza da vida O tema da servidão humana foi um ponto sobre o qual Freud8 sempre insistiu o homem gravemente ameaçado so licita consolo pede que o mundo e a vida fiquem livres de espantos 408 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs De fato a religião procura afastar o terror da dura realidade do homem diante da natureza utilizando os elementos desta e transformandoos em seres poderosos com características paternais protetoras e ameaçadoras O verdadeiro sentido desse sistema é moral o estabelecimento de nor mas e preceitos culturais O objetivo final é proporcionar um manto protetor em face da falta de sentido e do caos tornando su portável a crueldade do destino e da morte A religião não é somente moralidade e proteção mas também consolo e espe rança É um desejo menos que um temor o que sustenta a religião e por isso se trata de um sistema ilusório ilusão da realização de um desejo infantil que se prolonga na vida adulta tentando mitigar os dolorosos sentimentos de desamparo desvalia e nos talgia do pai protetor A religião tem prestado como diz Freud8 grandes serviços à civilização humana e tem contribuído ainda que in suficientemente para dominar os instintos antissociais Ela constitui a neurose ob sessiva da humanidade e da mesma forma que a da criança se origina no complexo de Édipo na relação com o pai Independentemente da veracidade das crenças religiosas o que se depreende de sua análise é a constatação da verdade histórica que o divino e as idealizações es tão nas fundações da moral da ética e da cultura No que diz respeito à ética médi ca do ponto de vista religioso a postura de Maimonides filósofo médico de Saladino e maior autoridade rabínica de seu tempo expressa de forma esclarecedora a posição éticoreligiosa Maimonides antes de vi sitar seus pacientes fazia uma oração em que considerava ser bom cuidar da vida e da saúde das criações de Deus e implorava que Ele o ajudasse a ser movido por uma só ideia o desejo de proteger e prolongar a vida Ainda que O futuro de uma ilusão tenha sido um tanto decepcionante para Freud é preciso valorizar a abordagem que o autor faz das relações entre religião e mo ral e o projeto que propõe Mesmo que a moral e portanto as prescrições éticas es tejam em função de uma visão cósmica e religiosa da qual estaríamos nos desvincu lando é preciso encontrar uma reposição para a religião que justifique novos funda mentos sociais o que para Freud em 1929 era a ciência Segundo ele a única via possível para o progresso do homem e isso implica tor narse mais evoluído mentalmente e me nos neurótico é pelo caminho do conhe cimento e da lógica capaz de proporcionar esclarecimentos para enfrentar o que Freud denomina de dia a dia a dura vida inimi ga o que ele considera educação para a realidade Ainda que a ciência não ofereça a poderosa e amorosa proteção ela permite ampliar nosso poder de conter a natureza a dura realidade da vida e dar sentido e equilíbrio à nossa vida O tema do sentido da vida e portan to das implicações éticas é retomado em O malestar na civilização8 em que o objetivo religioso da vida é substituído pela aspira ção da felicidade a cuja investigação Freud dedicará o resto de sua obra O estudo da moral na obra de Freud é o que preten demos abordar a seguir em continuação e contraste com a religiosidade A MORAL Da análise da religião passamos ao en tendimento da moral individual Muda o enfoque mas não o método que é o da interpretação Da mesma forma que Freud em relação à religião podemos estabelecer uma analogia entre consciência moral e consciência neurótica e verificar que a gê Psicoterapia de orientação analítica 409 nese da moral está profundamente vincu lada à da religião Nesta o centro da estru tura localizase em uma entidade superior protetora e primitiva Em nível individual o centro está em alguns conceitos como no de superego e de ideal do ego que às vezes são utilizados como sinônimos Em outros momentos como nas Novas lições de 1932 o ideal do ego aparece apenas como uma das funções do superego junto com as de autoobservação e consciência moral Sem a intenção de aprofundar uma discussão a respeito das diferenças dos conceitos refe ridos atemonos à explicação econômico funcional da moral As origens da compreensão da moral individual na obra de Freud encontram se em Introdução ao narcisismo9 e em Luto e melancolia10 trabalhos que preparam a mudança para a teoria estrutural em O ego e o id11 e ainda em outros trabalhos que abordam a moral e a ética A dissolução do complexo de Édipo O problema econômi co do masoquismo e O malestar na civili zação Nesses trabalhos o que se observa é o desenvolvimento de noções que fun damentam o superego tais como ideali zação sublimação e identificação às quais temos que agregar novos pontos de vista que surgem após a formulação do instinto de morte INTRODUÇÃO AO NARCISISMO A diferença que Freud9 estabeleceu entre narcisismo primário e secundário modifi cou o dualismo de impulsos do ego versus impulsos sexuais para uma nova oposição entre libido do ego e libido objetal Essa oposição estabelece uma importância fun damental para a ética O nar cisismo passa a ser entendido como o grande reservatório libidinal que pode se dirigir aos objetos e passar a ter consideração por estes mas que também pode retornar ao sujeito Freud utilizou o conceito para explicar a eleição de objeto dos homossexuais que buscam jovens do mesmo sexo para poder amálos como sua mãe os amou Sobre a diferença entre narcisismo primário e secundário surgem os concei tos de idealização e sublimação No adulto normal a megalomania que representa o narcisismo infantil não renunciado revela que nem todo narcisismo está investido no interesse pelos objetos mas que as exigên cias culturais e éticas do indivíduo e sua autoestima canalizam o narcisismo para um ideal que passa a regular os valores do mundo interno Esse ideal por distante que pareça es tar das raízes infantis funciona como uma fantasia de satisfação do desejo de perfei ção narcísica que a realidade e a educação se encarregaram de frustrar a onipotên cia infantil que pode ser recuperada pelo ego ideal sendo este pleno de perfeições A idea lização é o mecanismo pelo qual o amor narcísico por si mesmo na infância transformase na vida adulta no ego ideal No que diz respeito à ética médica essa com preensão das relações humanas esclarece que a conduta é antiética quando as tendências narcísicas egoístas predominam sobre aque las que priorizam o interesse a importância e a consideração pelo outro especialmente pelo sofrimento do outro Nessa mesma linha de compreensão podese conceber a hipótese da formação de um ideal do ego médico que presidiria a conduta médica A idealização é apenas um dos pro cessos de formação do superego ao qual acrescentamse outros Freud utiliza o con ceito de sublimação para completar a com 410 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs preensão da formação do superego Em seu artigo de 1908 A moral sexual cultural e a nervosidade moderna12 define a sublima ção como aquele processo que muda o fim sexual primitivo por outro não mais sexual mas psiquica mente afim do primeiro pondo à dis posição do trabalho cultural grandes quantidades de energia A sublimação muda o fim da pulsão e aponta para objetos socialmente valoriza dos A idealização ao contrário não muda de objeto apenas o engrandece e o proble ma reside no fato de que esse engrandeci mento pode ocorrer com o próprio ego como acontece em relação aos objetos Dessa forma vai sendo construído um ob jetivo ético nas escolhas e aspirações em complementação ao aspecto proibitivo do superego Conclui Freud12 A produção de um ideal eleva as exigências do ego e favorece mais que nada a repressão Em troca a sublimação representa um meio de cumprir tais exigências sem recorrer à repres são De outra parte na medida em que a idealização pode atingir objetos que não o ego basicamente as figuras parentais com as quais este vai se identificar ela deter minará uma tensão uma ansiedade entre o ego e seus ideais cobranças dos obje tos idealizados e os ideais que o ego deve atingir A consciência moral é a instância en carregada de vigiar o nunca atingido ajuste entre o ideal cobranças dos objetos idea lizados e o ego Um dos fundamentos que baseiam o funcionamento do mundo interno é pois a transformação de aspira ções narcísicas em ideais modificados pela sublimação e mais o fato de a idealização proporcionar a base da identificação ex plicando que as qualidades adquiridas do outro se convertem nas do próprio sujeito Esse funcionamento da mente pro porcionou a Freud a distinção entre ego ideal e ideal do ego termos que podem parecer sinônimos No que diz respeito à ética essa distinção é importante Laplanche e Pontalis13 são quem es clarecem com maior adequação a impor tância dessa distinção para a ética e para a lei Como os termos indicam o ego ideal é colocado mais ao lado de uma ide alização da onipotência do ego é um ego idealizado um ego levado ao má ximo de sua onipotência Ao contrá rio o ideal do ego aparece como algo que se situaria frente ao ego como seu ideal certamente mais ligado aos pro blemas da lei e da ética Os sentimentos de inferioridade deveriam ser si tuados melhor ao lado do ego ideal enquan to os sentimentos de culpa ou de insu ficiência moral do lado do ideal do ego O conflito ético sob o qual se en contra o conflito psíquico e ao qual este se considera irremediavelmente vinculado verificase no melancólico em que não há correlação entre a intensidade da autocrí tica e a justificativa real Sentimentos de culpa e de inferioridade encontramse no melancólico e no indivíduo enlutado sen do que Freud reconhece a amplitude do processo de identificação na origem desses sentimentos a formação do superego Em Três ensaios para uma teoria se xual14 Freud aborda o papel da identifica ção com a organização da fase prégenital oralcanibal quando afirma o fim sexual consiste na assimilação do objeto meca nismo este que depois desempenhará im portante papel psíquico no processo de identificação Psicoterapia de orientação analítica 411 Freud referese novamente a esse tipo de identificação em Totem e tabu4 ao assi nalar que devorando o pai da horda pri mitiva os filhos se identificavam com ele e se apoderavam de sua força Retorna ao tema em Psicologia das massas e análise do ego15 e em Luto e melancolia10 de maneira brilhante ao descobrir que na exagerada autocrítica do melancólico encontramse acusações ao objeto perdido Ambos os fe nômenos o luto e a melancolia apresen tam profundas afinidades e apontam para a formação dos princípios éticos a partir da identificação com o objeto perdido no ego É importante assinalar que apesar de acatar a realidade ao reconhecer a perda a relação afetiva com o objeto não se perde e o conflito com a pessoa amada e perdida transferese para o interior do ego Freud remete ainda à identificação narcísica com o objeto substituto do inves timento erótico como uma forma de reter o objeto perdido O autor havia distinguido dois tipos fundamentais de eleição de obje to o narcisista no qual o objeto é eleito de acordo com o modelo da própria pessoa e o anaclítico ou de apoio em que é eleito conforme o modelo da pessoa que cuidou do sujeito Ambos têm origem no narcisis mo primário Essa condição como aponta Freud é fundamental na compreensão da melancolia ou seja na crueldade do supere go com o próprio indivíduo Aí reside a di ferença do trabalho do luto que é realizado com um objeto externo enquanto o confli to do melancólico é consigo mesmo Detivemonos em Luto e melancolia10 e em especial nos fenômenos de identi ficação porque são fundamentais para a problemática da moral e da ética De fato o processo a partir do qual Freud descreve o estabelecimento do superego em O ego e o id11 seria incompreensível de forma mais específica na parte em que situa que o superego se estrutura como reação à per da dos objetos sexuais abandonados os pais por meio da identificação com eles É importante salientar que o modelo básico dessa identificação é a identificação com o seio materno A concepção da teoria estrutural com id ego e superego efetua a compreensão do mundo interno em que os impulsos do id necessitam ser ordenados para fins de equilíbrio interno e adaptação à realidade externa por meio do ego e da modificação deste pela identificação com os pais Mais especificamente obrigado a renunciar aos pais como objetos de amor o ego resiste a fazêlo e não encontra outra solução para dominar os impulsos do id a não ser fazer se a si mesmo como os objetos perdidos Desse modo o ego consegue dominar o id mas ao renunciar a seus objetos torna se ao mesmo tempo um perdedor e um vencedor até que o superego estrutura psíquica herdeira dessas lutas estabeleça uma primeira proibição a do incesto Há uma profunda conexão entre o superego e o id o primeiro se encontra mais próximo do id que do ego consciente e inclui a história das relações de objeto Is so explica o caráter inconsciente dos ideais e dos sentimentos de culpa Freud11 quali fica o superego como advogado do mundo interno O ideal do ego é portanto o herdeiro do complexo de Édipo e com isso a expressão dos impulsos mais podero sos do id e dos mais importantes des tinos de sua libido Por meio de sua criação se apoderou o ego do com plexo de Édipo e se submeteu simul tanea mente ao id O superego advo gado do mundo interior ou seja do id se opõe ao ego verdadeiro repre sentante do mundo exterior ou da rea lidade Para explicar a dupla presença da mãe e do pai na identificação Freud recorre a 412 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs uma compreensão mais complexa do Édi po ao vinculálo à bissexualidade infan til A identificação com o pai e com a mãe seria por sua vez positiva e negativa No caso do menino a identificação com o pai conserva o objeto materno como escolha enquanto na menina a identificação com a mãe manterá o pai como objeto de esco lha É o complexo de Édipo direto Mesmo Freud11 reconhece que são complicadas essas relações pois em um momento afirma que a primeira identifi cação é com a mãe para depois dizer que a mais importante é a com o pai e a seguir retificar afirmando talvez fosse mais pru dente dizer com os pais Na realidade a identificação primária continua sendo uma espécie de enigma pa ra a psicanálise O texto mais esclarecedor a respeito do processo e das consequências da identificação encontrase em Psicologia das massas e análise do ego15 A referência no texto revela as limitações da teoria mas é clinicamente esclarecedora não é difícil expressar numa fór mula esta diferença entre a identifi cação com o pai e a eleição do mes mo como objeto sexual No primeiro caso o pai é o que se quer ser no se gundo o que se quer ter A diferença está pois em que o fator interessado seja o sujeito ou o objeto do ego Por esse motivo a identificação é sempre possível antes de toda eleição do ob jeto O que resulta muito mais difícil é construir uma representação metap sicológica concreta dessa diferença15 O importante é que não se pode con cluir por uma explicação puramente mecâ nica ou simplesmente biológica de acordo com a qual o indivíduo escolhe a identifi cação com o pai ou com a mãe conforme as disposições masculinas ou femininas de ca da um pois isso faria supor que a sexuali dade fosse apenas um instinto deixando de lado tudo que é adquirido pela experiência Apesar das contradições e dificulda des a respeito da origem do Édipo firmase o entendimento de que no mundo interno surgem as regras normativas que estabele cem a ética do sujeito Vale referir as com plexas leis que passam a reger a conduta a partir de ideais e interdições Dos textos de Freud é importante deduzir que identida de sexual a escolha na identificação é da competência da instância ideal como afirmam Laplanche e Pontalis13 A iden tidade sexual é do domínio da norma ou mais exatamente a posição quanto ao sexo depende da mesma instância à qual se vin cula a norma a regra Resultado inesperado para Laplan che e Pontalis13 o principal problema éti co que se coloca ao nível desse superego e desse ideal do ego é o da posição sexual Da leitura dos textos de Freud entendese que no mundo interno a instância assume as normas a ética que vão determinar a con duta moral na vida O CARÁTER NORMATIVO OU ÉTICO DO SUPEREGO De uma forma resumida e levando em consideração as dificuldades e as comple xidades na estruturação da instância no mundo interno é possível estabelecer al guns princípios vigentes no superego os quais caracterizam sua atividade não só no estabelecimento de normas que se manifes tam na vida moral comum como também em patologias como a neurose obsessiva e a melancolia Os princípios ou o caráter do superego evidenciamse primeiramente por sua característica primitiva e efetuam se por meio de sua atividade reativa ou formação reativa Em segundo lugar pela instauração da angústia de castração a dis Psicoterapia de orientação analítica 413 solução do complexo de Édipo Em tercei ro pela ligação da severidade do superego com o malestar A lei cultural exogamia e outras coloca o homem em um conflito insolúvel O caráter perversopolimorfo infantil da sexualidade determina uma separação uma descontinuidade entre a ordem bioló gica e a ordem humana A sexualidade é per versa No início é a anarquia dos impulsos parciais Desde o começo instaurase o que é permitido e o que é proibido Os objetos desejados a mãe introjetados reativamen te pela perda tornamse proibidores Toda prática psicanalítica instaurase neste conflito a mãe é a mulher absolu tamente proibida Quem desobedece à lei perde o desejo Assim o conflito psíquico descoberto por Freud é um conflito ético como também são éticos os problemas que encontramos nos pacientes e nos terapeu tas Os sentimentos de culpa conscientes ou inconscientes a necessidade e os atos de autopunição são condutas éticas É necessário fazer uma distinção en tre a conduta ética no campo da medicina e em particular na área das psicoterapias Em relação à medicina a ética é regida pela deontologia desta também participam os psicoterapeutas mas ela não alcança a na tureza íntima do processo que vivem estes últimos no contato com os pacientes A atividade do psicoterapeuta consiste em en tender e aliviar o sofrimento que está associa do a conflitos éticos O espectro de situações é amplo como são amplas e profundas as situa ções humanas Para fins práticos duas condições são sempre relevantes no trato com os pacientes a neutralidade e a regra da abstinência ideoló gica A análise assim como a psicoterapia de orientação analítica não deve ser uma doutri nação Apesar das recomendações e dos avi sos que o terapeuta recebe em sua forma ção no trabalho com o paciente sua neu tralidade tem limites É evidente que ele sempre vai preferir a vida à morte o amor ao ódio a paciência à pressa e assim por diante A regra da abstinência deve ser sem pre considerada seja no campo ideológico seja no religioso político ou pessoal Por isso a ética do terapeuta é tão importan te mesmo recomendadas a neutralidade e a regra de abstinência são inseguras O analista e o psicoterapeuta participam com mais do que seus conhecimentos na relação transferencialcontratransferencial A psicanálise é uma ideologia que concebe a natureza do homem de uma forma psicobiológica a cultura como uma produção criativa e o sofrimento psíquico como originário do conflito Esse conjun to configura um complexo ético que de alguma forma está presente no encontro terapêutico As regras de abstinência e neutrali dade dependem da parte do terapeuta de uma condição pessoal de autoconhecimen to inclusive de suas limitações Por meio desse processo ele deve saber conter seus desejos deixando ao outro a liberdade de organizar seus próprios desejos sempre em consonância com a realidadeverdade A evolução do funcionamento nar císico para o funcionamento das relações de objeto no qual predominasse a consi deração pelo objeto seria uma forma sim plificada de equacionar um princípio com plexo e difícil capaz de orientar a conduta ética e que deveria sempre predominar no trato do terapeuta com seu paciente PSICOTERAPIA E ÉTICA Ao longo de nossa história os mitos as re ligiões a literatura e a arte vêm explorando 414 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs os crimes do homem para mostrarlhe o peso de sua culpa Freud conferiu à noção de culpa uma importância central e é ela a expressão mais rigorosa dos crimes do incesto e do parricídio Em Totem e tabu4 descreve que esses crimes estão na origem das leis que os reprimem e se expressam na organização do superego A lei que condena o incesto e o par ricídio transformouos em crimes simbó licos que se evidenciam nas fantasias in conscientes do sujeito O efeito do supere go consiste em tornar o crime irrealizável ajudando o sujeito a manterse ético Ainda quanto ao sentimento de cul pa devese destacar que ele faz parte das garantias da civilização O custo do pro gresso cultural deve ser pago por uma per da de felicidade decorrente do reforço des se sentimento de culpa A força da culpa corresponde ao dese jo de transgressão e a renúncia à satisfação de tal desejo é que condena o sujeito a res peitar o equilíbrio que tanto sobrecarrega os sentimentos de culpa Tais sentimentos assim como encaminham os transtornos mentais também cimentam os valores mais autênticos da civilização Por meio da cultu ra e aqui se insere a psicanálise as exigên cias podem se manter em níveis razoáveis permitindo que se superem as leis morais primitivas e que se abra espaço para a ética o que conduz a sublimações criadoras Como já exposto Freud em Totem e tabu4 discorreu sobre as origens da moral da religião e da sociedade bem como so bre seu vínculo com as interdições edípicas que levam à exogamia e ao respeito ao pai internalizado que é o portador da lei Esse entendimento leva a configurar a ética co mo a maneira de o indivíduo se inserir na sociedade estando esta baseada na proibi ção e na renúncia da satisfação direta das pulsões A renúncia da satisfação está associa da à repressão e esta é necessária uma vez que a pulsão segue buscando sua satisfação Para permanecer na sociedade onde a cul tura existe e continua se desenvolvendo o sujeito deve renunciar à satisfação proi bida o que o leva a se manter em conflito permanente O homem tornase ético a partir de um processo de desenvolvimento cultural que implica encaminhar bem suas pulsões sendo capaz de se responsabilizar por seus atos promovendo e regulando o relacio namento com seus semelhantes A ética se instala no ego do indivíduo capacitando o a manejar com as pulsões advindas do id as ordens do superego e as exigências da rea lidade exterior Em uma relação terapêutica ins talamse vínculos afetivos que levam ao estabelecimento de um campo no qual a transferência por parte do paciente e a contratransferência por parte do terapeu ta determinam as tendências pulsionais mobilizadoras da dupla Podese dizer que a ética e a técnica são fa ces da mesma moeda pois existe uma relação de continuidade indissolúvel entre elas na prá tica terapêutica sendo que o terapeuta é ético enquanto preserva a boa técnica A ética extrín seca da terapia se deteriora quando acontecem falhas nos procedimentos técnicos psicoterá picos Cabe destacar que na relação tera pêutica devem ser nítidos os limites e as metas da dupla a qual é formada por um sujeito mais desenvolvido terapeuta e por outro por se desenvolver paciente A ta refa visa a assegurar ao paciente sua plena capacidade permitindo assim que tome decisões por si próprio O terapeuta tem o Psicoterapia de orientação analítica 415 dever ético de ajudálo a se desprender da relação de dependência permitindo a ins talação e o desenvolvimento da capacidade de autonomia plena Erros técnicos muitas vezes configu ram falhas éticas que ocorrem sob a racio nalização do terapeuta de estar protegendo o paciente de possíveis males Caracteri zamse no entanto como uma atitude pa ternalista que se opõe ao objetivo essencial e ético do tratamento a busca da autono mia do livrearbítrio por parte do paciente O paternalismo pode ser identificado sem pre que por qualquer medida terapêutica é cerceada a livre escolha do paciente além do indispensável para a preservação de sua sobrevivência A questão ética reside portanto em uma visão ampla na oposição entre auto nomia e autoritarismo este ataca perma nentemente o objetivo da autonomia que é a razão da terapêutica Freud preocupase com a questão éti ca desde as considerações iniciais sobre su gestão até a mais elaborada teoria da trans ferência quando fica então salientada a meta da técnica psicanalítica de respeitar e desenvolver a autonomia do paciente Dois comentários chamam a atenção o primei ro está em Observação sobre o amor trans ferencial16 Para o médico motivos éticos unem se aos técnicos para impedilo de dar à paciente o seu amor O objeti vo que tem de manter em vista é que essa mulher cuja capacidade de amar encontrase prejudicada por fixações infantis possa adquirir pleno controle de uma função que lhe é de tão inesti mável importância O segundo está em Esboço da psica nálise17 e salienta mais uma vez a íntima relação da ética com a técnica Por mais que o analista possa ficar tentado a transformarse em profes sor modelo e ideal para outras pes soas e criar homens à sua própria imagem não se deve esquecer que essa não é a sua tarefa no relaciona mento analítico e que na verdade será desleal a essa tarefa se permitir se ser levado por suas inclinações Se o fizer estará apenas repetindo um equívoco dos pais que esmagaram a independência do filho por meio de sua in fluência A norma ética preconiza que se deve buscar a verdade do paciente o que implica uma determinação na metodologia do tra balho terapêutico Em relação a esse aspec to o terapeuta deve desenvolver condições mentais pessoais que possibilitem a míni ma influência de seus conflitos e ideais no desenvolvimento particular do paciente Há que se ter em mente que para a terapia ser eficaz são necessários requisi tos éticos que ultrapassam o conhecimento da técnica em si tais como o empenho em querer ajudar o paciente a capacidade de suportar a relação com este e a confiança na capacidade de poder ajudálo A tarefa terapêutica deve realizarse sem perder de vista a necessidade de respeitar os valores e as características pessoais do paciente não podendo o terapeuta justificar qualquer im pulso ou comportamento que interfiram de forma autoritária nessa autonomia O terapeuta deve regerse pela res ponsabilidade pela independência e pelo respeito à pessoa do outro Em decorrên cia deve suscitar a autonomia a liberdade e a responsabilidade do paciente para que este possa sair da condição de dependência e falta de governabilidade em que vive em função de seus conflitos psíquicos É inevitável que o modelo cultural do terapeuta interfira no campo terapêuti co sendo por isso essencial que ele tenha 416 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs consciência desse fato buscando evitar a intrusão do modelo ideológico e respei tando sempre a identidade e a realidade psíquicas do paciente A diferença entre a ideologia e o respeito pela pessoa do pa ciente é fundamental o respeito abriga o caráter ético e a ideologia um esquema de ideias que se quer impor ao outro visando ao domínio e à manipulação em oposição à autocompreensão que em geral leva à autonomia do indivíduo O terapeuta deve tratar seu paciente somente por meio da teoria e da técnica psicoterápicas Ele é responsável por sua própria conduta ética não só no que diz respeito aos seus standards profissionais mas também no relacionamento com pa cientes colegas sociedade profissional ou tras instituições e público em geral Terapeuta é aquele que utiliza méto do e técnica psicoterápica reconhecidos ou seja a investigação do inconsciente por meio da associação livre da interpretação dos sonhos do entendimento da condu ta e da compreensão dessa investigação bem como o estabelecimento da relação transferencialcontratransferencial para o entendimento da causalidade do funcio namento da mente do paciente a partir das primitivas vivências sexuais infantis A função clínica do terapeuta também de ve objetivar o tratamento em que a consi deração em relação ao paciente é a de um parceiro a ser ouvido e respeitado com a finalidade de promover mudanças psíqui cas que resultem em alívio do sofrimento psíquico Quanto à técnica entendese que a interpretação complementada por ou tros procedimentos como confrontação e esclarecimentos constitui o instrumento básico para a investigação e a promoção de mudanças psíquicas O terapeuta ético res peita o método psicoterápico promove sua manutenção e seu desenvolvimento O setting e o campo terapêutico cons tituem o espaço no qual a relação transfe rencialcontratransferencial se desenvolve e se resolve da melhor maneira possível Nesse aspecto particular a técnica vincula se diretamente à ética que portanto se integra à teoria científica da psicoterapia A raiz ética dá coerência e sentido às normas técnicas psicoterápicas tornandose essen cial na prática terapêutica O terapeuta ético busca a verdade da realidade psíquica de seu paciente em oposição aos im pulsos que procuram obter poderes científicos políticos ou econômicos As falhas éticas sem pre levam a falhas técnicas porque alteram o enquadre ou seja o campo terapêutico Considerase essencial para a existên cia do processo psicoterápico que a relação terapeutapaciente transcorra em priva ção em frustração em abstinência Freud confirma isso quando refere que o analista não pode dar ao paciente satisfações dire tas porque se este as obtém rompese o campo a análise se desvia e se perverte Por entender que a gratificação direta bloqueia o processo de simbolização considerase a abstinência um recurso técnico da terapia e um preceito ético do terapeuta A sedução é uma das situações que com frequência alteram e desviam o pro cesso psicoterápico podendo tornálo perverso com a finalidade última de esta belecer a satisfação de demandas tanto por parte do paciente esperadas como por parte do terapeuta não esperadas relati vas a exigências narcísicas Um código de ética deve ser instituí do com base em princípios psicoterápicos definindo as funções do terapeuta delimi tando sua atuação Tais princípios antes Psicoterapia de orientação analítica 417 de tudo regemse pela máxima do respeito aos direitos da pessoa O terapeuta mais do que ninguém deve ter clareza do que seja o conceito de respeito pelo outro Essa no ção como se sabe está vinculada ao respei to por si mesmo por seus próprios valores Esse código de ética deve primaria mente ser formativo Os valores éticos defendidos pelos terapeutas constituem dados que fazem parte de sua formação psicoterápica Um código de ética enfoca do por esse ângulo só não é desnecessário porque os terapeutas estão sujeitos de for ma mais permanente ou apenas transitória a falhas éticas relacionadas à irrupção das constelações perversas inconscientes que podem abrigar dentro de si Um código de ética é então um alerta um chamamento à realidade que pode ajudar os terapeutas a não ficarem submetidos a essas constela ções perversas A ética do terapeuta não reside em essência no fato de seguir submisso a nor mas e códigos institucionais mas princi palmente em desenvolver a capacidade de uma consciência reflexiva sobre os valores que caracterizam sua tarefa Ser ético é algo a ser alcançado pelo indivíduo em seu de senvolvimento sendo que qualquer código de ética deve ter o sentido de formar e não o de deformar pelo excesso de normas ou por seu caráter punitivo PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Na introdução encontramse aspectos da descoberta psicanalítica acerca da compreensão da condi ção humana indicando os caminhos para a instalação dos princípios éticos 2 Em relação ao tópico religião desenvolvemse a partir do ato civilizatório discutido em Totem e tabu de Freud os princípios reguladores da ética nas relações pessoais e sociais 3 A partir do entendimento do narcisismo inicial discutese o desenvolvimento do indivíduo para a con dição de consideração para com o objeto e a relação com a estruturação do superego 4 A questão técnica salienta as firmes recomendações de se ater aos preceitos técnicos como forma de se manter dentro dos princípios éticos REFERÊNCIAS 1 Freud S The interpretation of dreams In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 4 2 Freud S Extracts from the Fliess papers In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 1 3 Freud S The claims of psychoanalysis to scientific interest In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 13 4 Freud S Totem and taboo In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Ho garth 1966 v 13 5 Freud S Obsessives actions and religious practice In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v 9 6 Freud S Notes upon a case of obsessional neurosis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v 10 7 Freud S The future of an illusion In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 21 418 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 8 Freud S Civilization and its discontents In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 21 9 Freud S On narcissism an introduction In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 14 10 Freud S Mourning and melancholia In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 14 11 Freud S The ego and the id In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Ho garth 1966 v l9 12 Freud S civilized sexual morality and modern nervous illness In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 9 13 Laplanche J Pontialis JB Vocabulário da psicanálise Lisboa Moraes 1970 14 Freud S Three essays on the theory of sexu ality In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 7 15 Freud S Group psychology and the analysis of the ego In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v l8 16 Freud S Observations on transferencelo ve In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 12 17 Freud S An outline of psychoanalysis In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 23 LEITURAS SUGERIDAS Freud S Beyond the pleasure principle In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 18 Freud S Formulations on the two principles of mental functioning In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v 12 Freud S Inhibitionssymptoms and anxiety In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 20 Freud S Instincts and their vicissitudes In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 14 Freud S Introductory lectures on psychoanalysis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 16 Freud S New introductory lectures on psychoa nalysis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 22 Freud S On beginning the treatment In Freud S The standard edition of the complete psychologi cal works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 12 Freud S Recommendations for physicians on the psychoanalytic method of treatment In Freud S The standard edition of the complete psychologi cal works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 12 Freud S The dissolution of the Oedipus complex In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 19 Freud S The economic problem of the maso chism In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 19 Freud S The psychopathology of everyday life In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 6 Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 Os mecanismos de apoio ou o suporte em pático permeiam as relações humanas des de os seus primórdios Formas de organiza ção de apoio aos doentes e tentativas de alí vio do sofrimento físico e psíquico podem ser observadas ao longo da história como o uso da magia a figura de xamãs pajés ou sacerdotes e assim por diante dependendo das diversas culturas Na Grécia Antiga já se pensava que o aconse lhamento e o apoio aliviavam as doenças men tais principalmente em situações de crise A importância do apoio na relação médicopaciente sempre foi estimada mesmo que de modo intuitivo e sem o co nhecimento teóricotécnico da atualidade Freud reconheceu que os médicos sempre realizavam algum tipo de psicoterapia de apoio em seus enfermos Dessa forma co nhecer a pessoa que está doente seja clíni ca seja mentalmente serve de base para as intervenções de apoio para suportar a dor seja qual for sua natureza sendo intrínseca à função terapêutica Daí que uma postura facilitadora para o paciente se ligar ao te rapeuta é imprescindível para o êxito dos tratamentos Os diálogos entre profissionais da saúde e seus pacientes contendo interven ções de apoio são bastante comuns em di ferentes tipos e locais de atendimento In tervenções de apoio estão sempre presentes na relação médicopaciente na clínica mé dica e nas diversas formas de psicoterapia as quais incluem também a psicanálise padrão A psicoterapia de apoio é uma modalidade psi coterápica que utiliza de forma predominan te intervenções suportivas para auxiliar o pa ciente Todavia há uma variedade de questio namentos e posições a respeito não existindo consenso quanto a uma teoria ou técnica uni versalmente aceitas O objetivo deste capítulo é apresentar uma maneira específica de terapia dentro do amplo espectro que constitui a psicote rapia de orientação analítica POA abor 24 PSICOTERAPIA DE APOIO DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA Lucia Helena Freitas Simone Isabel Jung Dême um ponto de apoio e eu moverei o mundo Arquimedes 420 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dando seu conceito objetivos indicações intervenções mecanismos de mudança e evidências de eficácia DEFINIÇÕES E OBJETIVOS A psicoterapia de apoio pode ser definida sob diferentes perspectivas como um tipo de psicoterapia psicodinâmica localizada na extremidade de um espectro variando de intervenções compreensivas a interven ções essencialmente de apoio1 como uma modalidade distinta de psicoterapia2 ou como uma técnica utilizada em todos os tipos de psicoterapia35 inclusive na psica nálise Para muitos autores a psicoterapia de apoio foi desenvolvida a partir da teoria psicanalítica mas tem sido cada vez mais considerada como um método de tratamento independente e com corpo teórico e prático específicos6 abarcan do diversas abordagens psicoterápicas como a cognitivocomportamental a humanista a de gestão de estresse e a de orientação analítica entre outras A psicoterapia de apoio de orienta ção analítica PAOA busca a melhora ou a manutenção do nível de funcionamento do paciente por meio do estabelecimen to de uma relação de suporte confiança e segurança entre psicoterapeuta e paciente Amparada na compreensão psicodinâmica a PAOA utiliza o apoio como principal in tervenção para restabelecer as capacidades de defesa do paciente e para reforçar ou melhorar suas funções egoicas Tem como objetivos o aumento na apreensão e no julgamento da realidade na capacidade de enfrentamento em situações de crises vitais ou acidentais ou de situações de reagudização de um transtorno psiquiá trico prévio e a possibilidade de afastamen to do paciente de estressores ambientais graves A melhora sintomática é atribuída aos esforços que visam a fortalecer aspec tos saudáveis do indivíduo e a aumentar a adaptação via equilíbrio entre os impulsos instintivos e seus derivados e das defesas acionadas em busca do reforço daquelas mais adaptativas7 Mais recentemente a fi nalidade da PAOA foi ampliada para além de apenas auxiliar um paciente psicótico a permanecer fora da internação hospitalar8 adaptado à vida na comunidade Sugerese agora que a psicoterapia de apoio de orien tação analítica possa também evitar maio res rupturas na mente do paciente manter ou melhorar seu funcionamento como um todo até obter em alguns casos mudanças estruturais de sua personalidade29 CLASSIFICAÇÃO A PAOA oferecida individualmente ou em grupo é classificada em duas mo dalidades em termos de sua duração A de longa duração é recomendada para enfrentar situações crônicas de incapa citação para pacientes com transtornos psiquiátricos maiores deficiência mental leve transtornos da personalidade e para aqueles cuja adesão ao tratamento far macológico seja inabordável por outros tipos de intervenções A de curta duração destinase ao atendimento imediato do controle de crises Nas crises em pacientes previamente saudáveis a PAOA busca o rápido retorno ao funcionamento prévio e a prevenção do desenvolvimento de sin tomas duradouros bem como evita maior deterioração psicológica e relacional Um exemplo disso é o enfrentamento de trau mas psíquicos agudos graves Psicoterapia de orientação analítica 421 INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES A indicação clássica para psicoterapias de apoio é o caso de pacientes com psicopatolo gias graves e crônicas indivíduos regressivos com limitações caracterológicas graves rela ções de objeto prejudicadas de forma signifi cativa e que utilizam predominantemente de fesas primitivas Esses indivíduos apresentam ainda dificuldade nos relacionamentos interpes soais e prejuízos no teste de realidade e muitas vezes dificuldades com o funcio namento simbólico Por exemplo a PAOA é amplamente utilizada no tratamento de pacientes com transtornos da personalida de graves como o narcisista o borderline e transtornos psiquiátricos maiores1011 Pacientes com episódios psicóticos recor rentes depressões graves descontrole de impulsos atuações importantes ideação paranoide fóbicos com fantasias e resis tências profundas em situações de pro ximidade com o mundo interno com bai xa capacidade de pensar psicologicamente e dificuldades de verbalização têm maior probabilidade de benefícios com essa abor dagem do que com a psicoterapia de orien tação analítica dirigida para o insight Entretanto ainda que tradicional mente eleita como primeira escolha para casos mais graves a psicoterapia de apoio tem sido indicada também com benefí cios para pacientes com alto grau de fun cionamento psicológico prévio1213 cujas queixas ou dificuldades sejam de origem recente atravessando uma crise vital che gada do primeiro filho menopausa apo sentadoria ou acidental perdas por morte ou separações de familiares ou indivíduos da rede social que serviam de referência e suporte É indicada também quando a situa ção financeira ou de tempo não permite a necessária frequência de uma psicoterapia mais intensiva ou para pacientes cujo in teresse principal seja a mudança sintomáti ca e que não mostram maior interesse no momento sobre seu funcionamento psico lógico Uma indicação não menos impor tante é para aqueles com necessidade de trabalhar questões de confiança nos outros antes de empreenderem uma psicoterapia de orientação analítica dirigida para o in sight ou a psicanálise A PAOA é recomendada inclusive para pacien tes que vivem sob o impacto emocional de con dições médicas crôni cas ou irreversíveis e que apresentam graves limitações como câncer diabetes doenças coronárias leucemia coli te lúpus HIV transplantes insuficiência renal amputações doenças terminais e reações dian te da morte Nesse sentido tal modalidade de psicoterapia é indicada com frequência nas interconsultas psiquiátricas em clínica médica sendo um importante coadjuvan te na adesão a tratamentos e no alívio da dor psíquica em inúmeras situações dessa natureza Suas contraindicações são a incapa cidade do indivíduo para estabelecer uma aliança terapêutica que implique honesti dade e confiança ausência de um mínimo pensar psicológico e casos de pacientes so matizadores graves ou que tenham déficits significativos e incapacitantes na cognição e na memória Aqueles sem motivação para mudar com incapacidade para abrir mão de ganho secundário sem qualquer compromisso com a psicoterapia e carac 422 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs terísticas antissociais graves também são pacientes para os quais a PAOA é contrain dicada7 A avaliação do paciente sabidamente crucial norteia a indicação da modalidade de psicoterapia com maior chance de eficá cia As indicações mais precisas de formas de psicoterapia de eleição serão aquelas que compatibilizem o tipo de psicoterapia com as capacidades e limitações do paciente pa ra realizálas614 SOBRE A TÉCNICA O referencial teóricoclínico psicanalítico é a base da compreensão do paciente na PAOA sendo indispensável buscar conhe cer seu funcionamento acerca dos fe nô menos transferenciaiscontratransfe renciais presentes a cada momento na psicotera pia Po rém alguns procedimentos técni cos constituem diferenças maiores entre a psicoterapia de apoio nessa abordagem e a psicoterapia de orientação analítica POA mais voltada para o insight Na primeira a transferência embora alvo de compreensão não é estimulada e só é abordada quando constituir resistência à continuidade do tratamento Na POA por sua vez o terapeuta favorece e facilita o surgimento de associações livres e a trans ferência é interpretada com mais frequên cia Assim enquanto o principal atributo da POA é a transferência e sua interpreta ção a atribuição de excelência da PAOA são intervenções de apoio ou suporte Alguns autores26 estabelecem uma diferencia ção entre atitude de suporte intervenções de suporte e técnicas suportivas Atitude de suporte significa o acolhi mento do paciente pela presença respeitosa e séria do psicoterapeuta na análise de seus conflitos Sob outro enfoque intervenções de suporte pressupõem ações mais diretas como a observação reconfortante dos aspec tos positivos do paciente A técnica inclui a predominância de intervenções suportivas Todavia mesmo na POA e na psicanálise padrão as intervenções de suporte podem ocorrer durante o processo de tratamento Por exemplo Lecours15 destaca a importân cia das intervenções de apoio na psicanáli se como meio facilitador na transformação dos episódios de pensamento não simbólico em simbólico em pacientes mais frágeis em tratamento Para o autor as intervenções de apoio estão para o funcionamento não sim bólico assim como as interpretações estão para o simbólico Nesse caso as interven ções de apoio são temporárias e abandona das tão logo o funcionamento simbólico do paciente seja restaurado Entretanto as in tervenções de apoio são predominantes na PAOA e seu uso é sistemático como técnica de tratamento nessa modalidade As intervenções de suporte são por tanto o agente terapêutico mais relevante na PAOA Significam um comportamento acolhedor empático sem julgamento um esforço genuíno por parte do psicoterapeu ta em ajudar o paciente O psicoterapeuta auxilia o paciente a perceber com maior clareza seus problemas e potencialidades e a encontrar maneiras de enfrentamento mais eficazes que não sobrecarreguem seu ego que reforcem ou promovam o surgi mento de defesas mais adaptativas A relação terapêutica é um fator significativo para predizer o resultado em todas as psico terapias1617 Na PAOA ela é imprescindível Psicoterapia de orientação analítica 423 também para a manutenção e o uso de outras intervenções no decorrer do tratamento A uti lização do terapeuta como um objeto bom e sua internalização por meio de uma relação te rapêutica positiva são fundamentais para al cançar benefícios nessa modalidade de trata mento6 O psicoterapeuta funciona em mui tos momentos como ego auxiliar ou subs tituto do paciente oferecendo um relacio namento interpessoal seguro que estimule o crescimento Muitas vezes o terapeuta desempenha funções que o paciente não consegue exercer ou tenta fazêlo de for ma precária e inadequada com o intuito de ampliar a capacidade de julgamento e teste de realidade do paciente Este na psicoterapia de apoio é temporariamente provido daquilo que lhe falta18 e utiliza o terapeuta como um espelho que possibili te a construção de um self mais integrado e estável14 Na PAOA a identificação com o psicoterapeuta é ativamente encorajada na medida em que este apresenta uma maior probabilidade de ser um modelo mais ma duro e estável para o paciente do que os indivíduos que foram objetos de identifi cação no passado8 O uso da identificação permite ao paciente desenvolver interesse em seu próprio mundo interno e amplia as opções deste para manejar situações que envolvam sua realidade19 Ainda que a transferência não seja estimulada na PAOA o terapeuta mantém um olhar aten to sobre o clima predominante na relação de tratamento20 certo grau de transferência posi tiva em geral será de ajuda no tratamento e pode ser simplesmente aceito e não interpre tado A transferência servirá para que o te rapeuta compreenda a patologia do pacien te mediante a repetição de condutas com pessoas significativas Dessa forma será mais de consumo interno do psicotera peuta ou seja apesar de não ser ignorada também não é ativamente interpretada No entanto se a transferência negativa estiver se desenvolvendo de forma acentuada o terapeuta poderá precisar fazer uso da inter pretação para restaurar a sensação de reali dade das percepções do paciente A transfe rência na PAOA portanto é mais interpre tada quando houver sinais de significativa resistência à terapia O desenvolvimento de uma neurose de transferência não é aqui prioridade A PAOA enfatiza o relacionamento real com o tera peuta tendo como base o interesse e a recep tividade empática do profissional A neutrali dade clássica é abandonada e o anonimato a reserva e o silêncio dão lugar a uma postura mais ativa e afetiva Na PAOA a neutralidade consiste em uma atitude de não julgamento em relação ao paciente O terapeuta é mais participativo assume posições responde questões e se necessário pode incentivar a tomada de decisões pelo paciente21 A atenção do terapeuta também está voltada para seus aspectos contratransfe renciais principalmente em função de sua postura mais ativa na PAOA que o deixa menos protegido pela estrutura mais fle xível do tratamento Há menor clareza nas diretrizes das intervenções na PAOA e maior número de opções de intervenção quando comparada à POA Na PAOA oferecese um espaço in terpessoal em que o paciente poderá ex pressar seus sentimentos O foco está nos aspectos conscientes e précons cientes do paciente concentrase no presente 424 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs no aqui e agora dos estressores ambientais e re lacionais sendo desencorajada a regressão Dewald22 recomenda que o terapeuta aceite e escute as comunicações das vivên cias reprimidas que surjam na consciência do paciente mas centre a atenção nas vi vências mais atuais e mais direcionadas à realidade Podese dizer que a PAOA se caracteriza pelo exame dos problemas emocionais conscientes e préconscientes promovendo maior integração e conheci mento desses processos e maior aproxima ção possível aos processos inconscientes6 Enquanto na POA as defesas são identificadas e analisadas de maneira sis temática na PAOA ao identificar defesas mais inadequadas o terapeuta sugere ou aponta novas formas de manejo para a si tuação conflitiva8 Já as defesas considera das como adequadas ou aceitáveis são reco nhecidas e fortalecidas23 O insight também é almejado mas de modo diferente6 Aqui o insight é obtido por intervenções como esclarecimento con frontação e educação Nessa modalidade de psicoterapia o insight consiste princi palmente na compreensão dos aspectos já conscientes do paciente que se organizam por meio de seu processo secundário de pensamento racional8 As intervenções mais utilizadas na PAOA são a tranquilização reasseguramento a validação empática a educação sobre os sintomas e a doença a sugestão a persuasão o aconselha mento a abreação o esclarecimento clarifi cação e a confrontação as quais serão descri tas e exemplificadas a seguir Tranquilização reasseguramento O te rapeuta expressa aprovação acerca de ati tudes e ideias do paciente que denotem adequação à realidade por meio de elogios encorajamento e reforço positivo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Paciente fóbica chega à sessão relatando que no dia anterior conseguiu sair de casa sozinha pela primeira vez depois de três meses O psi coterapeuta elogia a conquista da paciente e aponta o quanto ela está sendo capaz de ven cer seus medos Validação empática Objetiva a compreen são dos afetos e dos comportamentos do paciente a partir de seus pontos de vista Significa colocarse no lugar do paciente e tentar entrar em contato com seu mundo interno ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Paciente que vinha tentando uma vaga para cursar Medicina na universidade chega à ses são entristecido por não ter conseguido suces so O psicoterapeuta de forma empática diz que entende seu sentimento pois sabe o quan to ele se esforçou e se dedicou aos estudos no último ano Educação informações sobre sintomas e doença São oferecidas explicações sobre questões objetivas quanto ao tratamento à natureza e à etiologia dos sintomas Tem como meta auxiliar o paciente a tomar co nhecimento dos elementos essenciais de sua patologia propiciando condições para que possa identificar os eventos que o per Psicoterapia de orientação analítica 425 turbam refletir sobre eles e evitar ou supri mir a sintomatologia6824 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Paciente assiste à morte de familiar próxi mo durante um assalto sendo a única sobre vivente Comparece à consulta acompanha da de uma amiga apresentando sintomas de transtorno de estresse póstraumático Mostra se assustada ao relatar o que aconteceu com dificuldade de olhar para o terapeuta e pare cendo envergonhada O terapeuta fornece in formações sobre seu presumível diagnóstico e tratamento tornando a ela mais compreensí vel os sintomas que experimenta e aborda seus sentimentos de culpa como habituais nessas situa ções Também reforça a importância do apoio da sua rede social chamando e orientan do acompanhantes ou familiares Sugestão O terapeuta empresta sua capa cidade de examinar a realidade e preenche temporariamente a incapacidade do pa ciente em exercer essa função Assim in dica novas estratégias e alternativas de en frentamento para o manejo dos conflitos É utilizada em pacientes que se sentem para lisados para examinar alternativas e avaliar saídas mais adequadas para situações de crise que estejam atravessando ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Paciente com transtorno da personalidade bor derline e tentativas de suicídio anteriores diz que ficará o dia sozinha em casa Apesar de estar em um momento mais estável é a primeira vez que ficará tanto tempo sem ninguém ao lado O terapeuta sugere que ambos juntos possam organizar o dia da paciente listando o que ela poderá fazer como ir à locadora e pegar filmes conversar com as amigas pelo Skype ou convi dálas para uma visita de forma a se sentir menos só e isolada naquele período Persuasão Intervenção mais direta que a sugestão tentando influenciar desejos vontades e decisões do paciente O objeti vo é induzir ideias sentimentos ou atitudes que forneçam suporte e auxílio ao paciente para superar comportamentos mais desa daptativos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 5 Paciente chega à psicoterapia após internação de desintoxicação por abuso de álcool e refe re ter recebido um convite para uma balada no sábado Diz que está inclinado a aceitar O te rapeuta auxilia o paciente a pensar sobre o que poderá ocorrer se aceitar o convite interferindo diretamente em sua decisão por compreender que este ainda não é o momento para ele en frentar esse tipo de situação Aconselhamento Com o objetivo de re forçar aspectos saudáveis da personalidade do paciente evitar estresse ou crise maior o terapeuta sugere atitudes ou decisões pa ra o manejo de situações conflitantes O aconselhamento deve ser baseado nas ne cessidades afetivas nas capacidades e na realidade do paciente e não em valores e aspirações pessoais do psicoterapeuta6 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 6 Paciente vítima de agressão doméstica por parte do marido separase dele A seguir o 426 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs excompanheiro passa a assediar a casa da paciente ameaçando os filhos e a ela de morte O terapeuta ativamente informa à paciente os recursos de proteção disponíveis como boletim de ocorrência policial medida judicial restriti va ou até mesmo a saída de sua moradia Nos casos em que um fato da realidade se impõe o psicoterapeuta deve interferir na tentativa de proteger o paciente Abreação É a facilitação da expressão pe lo paciente de emoções e sentimentos re primidos O paciente supera a repressão e revive de forma emocionalmente intensa aspectos mais traumáticos de seus confli tos São momentos de significativa carga emocional sendo importante que o tera peuta se mantenha estável e acolhedor ou vindo e preservando suas funções de tera peuta e garantindo a integridade do setting como um espaço seguro e protegido Esclarecimento clarificação É apresen tada ao paciente uma nova explicação ou perspectiva sobre seus conflitos e sinto mas permitindo que altere pensamentos e crenças equivocadas Revelamse também padrões e aspectos aparentemente desco nhecidos dos problemas do paciente mas que se restringem a sua natureza manifes ta em detrimento da latente625 Significa ainda reformular o discurso do paciente de modo que as relações de seu conteúdo obtenham maior relevo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 7 Paciente por várias sessões vinha falando a respeito do pai do chefe e do namorado O psi coterapeuta refere que a fala da paciente ex pressa os mesmos sentimentos Está furiosa com todos eles Confrontação Significa auxiliar o pacien te a direcionar a atenção para aspectos de sua vivência e comportamento que se en contram dissociados e cujas contradições passam despercebidas A intervenção obje tiva aumentar a compreensão do paciente sobre tais dissociações sem necessaria mente aludir a seus significados incons cientes ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 8 Paciente obsessivo que recentemente perdeu o filho em acidente automobilístico evita falar no assunto e não demonstra esperados sentimen tos de pesar em relação ao ocorrido Chega à sessão e diz não entender o que vem aconte cendo pois temse emocionado de forma inten sa com cenas na TV como assaltos com vítimas nos noticiários ou de encontro entre familiares em filmes e novelas O terapeuta assinala a ex pressão limitada de seus sentimentos em rela ção à perda do filho e a sensibilidade exacerba da por acontecimentos na TV Assim demons tra ao paciente a dissociação e o deslocamento ocorridos depositando nas cenas assistidas na TV as emoções referentes à morte do filho É relevante ressaltar que as intervenções de apoio muitas vezes sobrepõemse como em um continuum Alguns autores entendem que o esclarecimento e a confrontação são comple mentares Outros as consideram como idênti cas26 da mesma forma como a sugestão e o aconselhamento A psicoterapia de apoio diferente mente do que se acreditava e em qual quer das suas modalidades exige anos de treinamento e experiência27 assim como condições pessoais de empatia por parte Psicoterapia de orientação analítica 427 do terapeuta14 A PAOA requer atenção re dobrada aos aspectos contratransferenciais do terapeuta que podem se intensificar em função da sua maior atividade e regras me nos definidas da técnica As duas modalidades de PAOA de curto e longo prazo oferecidas individual mente ou em grupo são realizadas em ses sões face a face que podem variar de 30 a 50 minutos com frequência semanal quinze nal ou mensal dependendo da necessidade de maior ou menor apoio do paciente As sessões podem ser breves ou interrompidas em função da sensação do paciente de ter acabado por hoje8 Sua duração é variá vel podendo ser de dias semanas meses ou anos Assim na PAOA a flexibilidade serve para minimizar a tensão e os conflitos do paciente em contraste com a postura adotada na POA focada mais nas resistên cias e nos conflitos inconscientes MECANISMOS DE MUDANÇA A maior parte dos estudiosos compreende que os mecanismos de mudanças que ocor rem na psicoterapia de apoio estão basea dos nas vivências da relação mãe e filho e em sua influência direta na construção do psiquismo do indivíduo Assim como a mãe suficientemente boa de Winnicott28 exerce a função de suporte holding e de manuseio handling ou a mãe com ca pacidade de rêverie descrita por Bion29 é continente das angústias do bebê e trans forma afetos brutos em elementos simbó licos o terapeuta na PAOA se apresenta empático disponível firme afetivo ca paz de sustentar e orientar o paciente nos momentos em que ele necessita Portanto a relação empática a identificação e a in trojeção das atitudes do psicoterapeuta são apontadas como mecanismos de mudança importantes na psicoterapia de apoio30 De acordo com Rosenthal e colabo radores31 o conceito de mudança em psicoterapia de apoio consiste no esforço colaborativo que acontece entre paciente e terapeuta para compreender padrões repe titivos e desadaptados que ocorrem na vida do paciente no intuito de identificar o que pode ser alterado Para esses autores a au tocompreensão não é fundamental na PA OA sendo perseguida somente na medida em que apoia a realização das metas e dos objetivos de tratamento EVIDÊNCIAS DE EFICÁCIA A psicoterapia de apoio já foi considera da uma psicoterapia menor que exigia pouca capacidade técnica e alcançava re sultados limitados Esse panorama vem se modificando e apesar das controvérsias destacados analistas e pes quisadores compreendem que as técnicas de apoio podem levar a alterações profundas e du radouras da personalidade anteriormente pen sadas somente serem alcançadas pela resolu ção de conflitos inconscientes por meio da téc nica analítica clássica303234 Incremento significativo para a evi dência de eficácia da PAOA foi a publica ção dos resultados da pesquisa do Projeto Menninger que acompanhou pacientes em psicoterapia psicanalítica e psicanálise3233 Nesse estudo constatouse que as interven ções de apoio foram responsáveis por uma substancial mudança na personalidade de vários pacientes Além disso intervenções de apoio foram mais frequentes do que o esperado para psicoterapias de abordagem psicanalítica Recentemente uma pesquisa 428 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs que envolveu 89 psicanalistas da American Psychoanalytic Association e da Internatio nal Psychoanalytical Association sobre suas próprias experiências em análise ratifica ram esses achados34 Os resultados revelaram que na opinião dos participantes além de outros fatores as análi ses de melhores resultados foram associadas a analistas empáticos emocionalmente engaja dos e que utilizaram técnicas de apoio em adi ção às clássicas ao longo do tratamento Pesquisas sobre a eficácia da psicote rapia de apoio ainda são incipientes Sur preende o fato de que embora essa abor dagem psicoterápica seja hoje muito prati cada por diversos profissionais da área da saúde35 ela é estudada por poucos pesqui sadores A psicoterapia de apoio em geral aparece como alternativa de grupocontro le em investigações que analisam a eficácia de outras modalidades de psicoterapia Isso significa que não é estudada pelo próprio mérito em trazer benefícios terapêuticos34 Essas considerações são válidas também quando tratamos exclusivamente da PA OA23637 Entretanto apesar de ainda em número reduzido alguns estudos especí ficos sobre PAOA têm sido realizados em especial com pacientes com diagnóstico de transtorno da personalidade esquizofrenia e doenças orgânicas Nesses estudos a PA OA é mencionada por diferentes termos apenas como psicoterapia de apoio terapia dinâmica de apoio psicoterapia psicodinâ mica de apoio ou psicoterapia de suporte expressivo Hellerstein e colaboradores12 publi caram os resultados de um estudo con trolado comparando terapia de apoio e terapia dinâmica de curto prazo para pa cientes com transtorno da personalidade Houve melhora nos pacientes em ambos os tipos de psicoterapia Os dados também revelaram que a PAOA é eficaz para muitos pacientes levandoos a modificações signi ficativas e duradouras Em pesquisa reali zada por Barber e colaboradores38 a PAOA se mostrou promissora no tratamento de pacientes com transtorno da personalida de obsessivocompulsiva e evitativa Outra investigação relevante foi desenvolvida por Clarkin e colaboradores39 com pacientes com transtorno da personalidade border line em que três tipos de tratamento fo ram comparados terapia comportamental dialética terapia focada na transferência e terapia de apoio Os resultados sugeriram que as três psi coterapias eram equivalen tes em relação à mudança positiva ampla dos pacientes E ainda a psicoterapia de apoio e a focada na transferência foram as sociadas a melhora na impulsividade Um estudo re cente comparando psicoterapia baseada na mentalização e PAOA para pa cientes com transtorno da personalidade borderline indicou que as duas psicotera pias são similarmente eficazes40 Nas pesquisas com pacientes com esquizofrenia a PAOA também tem de monstrado eficácia4142 Rosenbaum e co laboradores43 comparando psicoterapia psicodinâmica de apoio individual além do tratamento convencional com tra tamento unicamente convencional para pacientes com esquizofrenia em primeiro episódio psicótico evidenciaram melhora significativa no funcionamento global e grandes tamanhos de efeito em dois anos no grupo de pacientes que recebeu PAOA além do tratamento convencional A PAOA revelase eficaz no auxílio ao tratamento de pacientes com doenças orgânicas como diabetes44 câncer4547 HIV48 e úlcera crônica Em relação a esta Psicoterapia de orientação analítica 429 última uma investigação que analisou 103 pacientes ambulatoriais com a doença de signados para duas condições de tratamen to médico N 53 e tratamento médico associado a psicoterapia de apoio N 50 encontrou que após os primeiros três me ses ambos os grupos melhoraram de forma semelhante em sintomas mentais e somáti cos Entretanto no seguimento de 15 me ses foram encontradas diferenças significa tivas em favor do grupo de psicoterapia de apoio49 Kangas e colaboradores50 publicaram um estudo de metanálise sobre tratamento não medicamentoso para a fadiga relacio nada ao câncer FRC em pacientes adul tos Foram analisados 119 estudos Inter venções psicossociais de suporte expressivo um tipo de PAOA e cognitivocomporta mental apresentaram potencial promissor para amenizar a FRC A eficácia da PAOA é demonstrada ainda em pesquisas de pacientes com transtorno dis ruptivo5152 abuso de substâncias5356 trans torno de adaptação54 transtorno depressivo maior5457 transtornos de ansiedade54 e de forma mais específica no transtorno de ansie dade social58 no transtorno de pânico59 an siedade generalizada60 e em casos de pais com filhos com transtorno de ansiedade de separa ção27 Dekker e colaboradores61 analisaram a eficácia e a rapidez da ação da psicotera pia psicodinâmica de apoio de curto pra zo em comparação com a farmacoterapia para o tratamento agudo da depressão Constataram que em ambas as condições de tratamento os pacientes melhoraram de forma significativa durante as primeiras oi to semanas A farmacoterapia como era de se esperar obteve ligeira vantagem sobre a psicoterapia nas primeiras quatro semanas Outro estudo importante com pacientes deprimidos foi conduzido por Maat e co laboradores62 comparando três modalida des de tratamento psicoterapia de apoio de curta duração farmacoterapia e a combi nação da psicoterapia de apoio com medi cação Os dados revelaram que a psicotera pia de apoio e a farmacoterapia são eficazes para o tratamento da depressão Entretanto medidas de desfecho secundárias mostram que tanto clínicos quanto pacientes apontam a superioridade da psicoterapia de apoio à farmacoterapia com relação à redução dos sintomas depressivos Pacientes terapeutas e observadores independentes avaliaram a terapia combi nada como mais eficaz do que a farmaco terapia sozinha tanto em relação à redução dos sintomas como na melhora da quali dade de vida Driessen e colaboradores63 também mostraram a eficácia da PAOA e da terapia cognitivocomportamental para pacientes deprimidos Evidências de resultados relevantes também têm sido encontradas para a PA OA com pacientes portadores de transtor nos tradicionalmente contraindicados para as psicoterapias de orientação analítica co mo a alexitimia64 CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicoterapia de apoio faz parte do conjunto das modalidades psicoterápicas efi cazes para o tratamento de indivíduos com sofrimento psíquico É portanto essencial na formação de psicoterapeutas Seu estudo em teoria e técnica é de extre 430 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ma relevância considerando serem suas inter venções das mais praticadas entre os profissionais da área da saúde Apesar da ampliação do número de publicações de pesquisas em psicoterapia de apoio seu crescimento tem ocorrido de modo mais lento do que se esperava principalmen te se comparada à produção científica de outras modali dades de psicoterapia Esse talvez seja um dos motivos que a torna controversa e sem delimitações teórico técnicas de consenso O alívio no sofrimento psíquico de pacientes por meio da PAOA é fato reconhecido embora o al cance das mudanças ocorridas siga em discus são Para alguns autores os terapeutas dessa abordagem na atualidade estão mais ambicio sos quanto a seus resultados do que anterior mente uma vez que consideram também pro mover mudanças estruturais em seus pacien tes2 Entendem já haver evidências de que a PAOA possa levar a mudanças profundas e duradouras3234 Outros acreditam que a alta em psicoterapia de apoio deva ser con siderada apenas como uma interrupção e não como um término14 ou seja com re sultados mais limitados Tais considerações comprovam a polêmica ainda existente so bre as psicoterapias de apoio e a necessi dade de mais pesquisas para ratificação dos resultados Controvérsias à parte a psicoterapia de apoio já não é mais considerada uma téc nica menor de simples aplicação que exija pouca formação do psicoterapeuta Por sua vez a PAOA como qualquer modalidade de psicoterapia apresenta elementos que podem facilitar ou dificultar o processo de tratamento Assim é uma abordagem complexa que exige conhecimento e trei namento isto é formação teóricotécnica cuidadosa Cada pessoa é um ser único seja qual for sua psicopatologia As necessidades do ser humano variam em cada momento da vida Portanto a escolha de que tipo de psi coterapia é mais adequada dependerá das circunstâncias envolvidas e exige avaliação detalhada do paciente e de sua rede social O ponto de partida para o alcance de bons resultados em PAOA é a indicação precisa dessa modalidade Na PAOA o psicoterapeuta muitas vezes deparase com pacientes que apre sentam patologias graves situações de ex tremo estresse ou limitações sérias o que por si só tende a mobilizar o profissional Assim atuações contratransferenciais po dem se apresentar como um obstáculo considerável a ser elaborado nesse tipo de psicoterapia Somadas a isso a flexibilidade da técnica sua definição ainda imprecisa e a postura mais ati va do terapeuta exigem atenção redobrada O ponto ideal entre o holding necessário e a in fantilização do paciente ou seja entre o dis tanciamentoaproximação da dupla paciente psicoterapeuta no processo de tratamento é um desafio constante Para finalizar destacase que nos dias atuais pacientes com funcionamento mais primitivo estão cada vez mais presentes na prática psicoterápica e psicanalítica Por tanto o conhecimento a aplicabilidade e a pesquisa das intervenções de apoio como técnica sistemática ou como intervenção temporária continuam sendo de extrema relevância não só hoje mas provavelmen te no futuro das psicoterapias Psicoterapia de orientação analítica 431 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de apoio foi desenvolvida a partir da teoria psicanalítica mas tem sido considerada como um método de tratamento independente e com corpo teórico e prático específicos 2 A PAOA busca a melhora ou a manutenção do nível de funcionamento do paciente mediante o estabe lecimento de uma relação de suporte de confiança e de segurança entre psicoterapeuta e paciente 3 Tem como objetivos o aumento na apreensão e no julgamento da realidade na capacidade para enfren tamento em situações de crises vitais ou acidentais ou de situações de reagudização de um transtorno psiquiátrico prévio e a possibilidade de afastamento do paciente de estressores ambientais graves 4 A indicação clássica para as psicoterapias de apoio é a de pacientes com psicopatologias graves e crônicas indivíduos regressivos com limitações caracterológicas graves relações de objeto significa tivamente prejudicadas e com uso predominante de defesas primitivas 5 Também é recomendada para pacientes que vivem sob o impacto emocional de condições médicas crônicas ou irreversíveis e que geram graves limitações 6 Atitude de apoio seja qual for o método ou a teoria associados significa um acolhimento do paciente por meio da presença respeitosa e séria do psicoterapeuta na compreensão de seus problemas 7 O uso do terapeuta como um objeto bom e sua internalização por meio de uma relação terapêutica positiva é fundamental para alcançar benefícios nessa modalidade de tratamento 8 As intervenções mais utilizadas na PAOA são a tranquilização a validação empática a educação a sugestão a persuasão o aconselhamento a abreação o esclarecimento e a confrontação 9 O estabelecimento de uma relação empática de identificação e de introjeção das atitudes do terapeuta é apontado como o mecanismo de mudança mais importante na psicoterapia de apoio 10 O alívio no sofrimento psíquico de pacientes com a PAOA é fato reconhecido embora o alcance das mudanças ocorridas siga em discussão REFERÊNCIAS 1 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica 4 ed Porto Alegre Artmed 2006 2 De Jonghe F Rijnierse P Janssen R Psycho analytic supportive psychotherapy J Am Psychoanal Assoc 199442242146 3 Winston A Pinsker H McCullough L A re view of supportive psychotherapy Hosp Community Psychiatry 198637111105 14 4 Pinkser H Rosenthal R McCullough L Dy namic supportive psychotherapy In Crits Cristoph P Barber JP editors Handbook of shortterm dynamic psychotherapy New York Basic Books 1991 p 22047 5 Barber JP Stratt R Halperin G Connolly MB 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Wittenberg JV Supportive expressive therapy Parent child version an exploratory study Psychotherapy Chic 200845214864 53 Woody GE McLellan AT Luborsky L OBrien CP Sociopathy and psychotherapy outcome Arch Gen Psychiatry 19854211 10816 54 Piper WE Joyce AS McCallum M Azim HF Interpretive and supportive forms of psycho therapy and patient personality variables J Consult Clin Psychol 199866355867 55 Herbeck DM Hser YI Teruya C Empiri cally supported substance abuse treatment approaches a survey of treatment providers perspectives and practices Addict Behav 2008335699712 56 CritsChristoph P Gibbons MBC Gallop R RingKurtz S Barber JP Worley M et al Supportiveexpressive psychodynamic the rapy for cocaine dependence a closer look Psychoanal Psychol 200825348398 57 Gibbons MB Thompson SM Scott K Schauble LA Mooney T Thompson D et al Supportiveexpressive dynamic psychothe rapy in the community mental health sys tem a pilot effectiveness trial for the treat ment of depression Psychotherapy Chic 201249330316 434 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 58 Lipsitz JD Gur M Vermes D Petkova E Cheng J Miller N et al A randomized trial of interpersonal therapy versus supportive therapy for social anxiety disorder Depress Anxiety 200825654253 59 Di Riso D Colli A Chessa D Marogna C Condino V Lis A et al A supportive approa ch in psychodynamicoriented psychothera py An empirically supported single case stu dy Research in Psychotherapy 2011141 4989 60 CritsChristoph P Connolly MB Azarian K CritsChristoph K Shappell S An open trial of brief supportiveexpressive psychothera py in the treatment of generalized anxiety disorder Psychotherapy Chic 1996333 41830 61 Dekker JJ Koelen JA Van HL Schoevers RA Peen J Hendriksen M et al Speed of action the relative efficacy of short psychodynamic supportive psychotherapy and pharmaco therapy in the first 8 weeks of a treatment algorithm for depression J Affect Disord 2008109121838 62 Maat S Dekker J Schoevers R van Aalst G Gijsbersvan Wijk C Hendriksen M et al Short psychodynamic supportive psycho therapy antidepressants and their combi nation in the treatment of major depres sion a megaanalysis based on three ran domized clinical trials Depress Anxiety 200825756574 63 Driessen E Van HL Don FJ Peen J Kool S Westra D et al The efficacy of cogniti vebehavioral therapy and psychodynamic therapy in the outpatient treatment of ma jor depression a randomized clinical trial Am J Psychiatry 2013170104150 64 Ogrodniczuk JS Joyce AS Piper WE Chan ge in alexithymia in two dynamically infor med individual psychotherapies Psychother Psychosom 2013821613 LEITURAS SUGERIDAS Holmes J Supportive psychotherapy The sear ch for positive meanings Br J Psychiatry 1995 167443945 discussion 4467 Luborsky L Principles of psychoanalytic psycho therapy a manual for supportiveexpressive treat ment New York Basic Books c1984 As dificuldades para compreender reco mendar manter e avaliar tratamentos em que se associam psicoterapias e psicofár macos continuam a desafiar clínicos e pes quisadores As últimas décadas marcaram importantes mudanças no campo específi co da psiquiatria mas também em um ce nário mais amplo Com o desenvolvimento da psiquiatria baseada em evidências cres ceu muito o número de trabalhos testan do novas e velhas alternativas terapêuticas bem como a preocupação com a demons tração de sua eficácia A psiquiatria tor nouse mais pluralista e menos polarizada ideologicamente do que já foi em décadas anteriores Há que considerar também im portantes mudanças incluindo a globaliza ção o multiculturalismo e o acesso à infor mação aliadas a uma crescente valorização da autonomia e da liberdade individuais nas escolhas No campo da psiquiatria tais modi ficações mais amplas dos costumes reper cutiram diretamente nas preferências dos pacientes na tomada de decisão terapêu tica Estas últimas mereceram uma meta nálise conduzida por McHugh e colabora dores1 que indicou uma preferência pelos tratamentos psicológicos em relação aos farmacológicos Esses autores destacaram a importância desse achado tendo em vis ta as evidências para melhores desfechos quando os pacientes recebem o tratamento preferido As responsabilidades dos psiquiatras não diminuíram pelo contrário aumen taram e hoje há cada vez menos espaço para indicações de tratamento autoritárias ou dogmáticas Nos dias atuais causaria espanto no paciente e na família se um psi quiatra de orientação predominantemente biológica vetasse a procura por um psicote rapeuta assim como se restringisse as op ções de tratamento do transtorno bipolar por exemplo a uma única medicação Do mesmo modo é cada vez mais frequente um paciente em psicoterapia decidir buscar um psiquiatra ou até mesmo seu médico clínico para examinar a possibilidade ou a necessidade de acréscimo substituição ou diminuição de doses ou retirada de um psi cofármaco Nesse contexto o objetivo deste capí tulo é o de dar subsídios aos profissionais que utilizam a psicoterapia e a farmacote rapia no sentido de facilitar sua prescrição 25 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA E FARMACOTERAPIA Lívia Hartmann de Souza Claudio Maria da Silva Osorio Marcelo Pio de Almeida Fleck 436 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs conjunta Para isso será feita uma breve re visão histórica seguida da apresentação de alguns modelos teóricos capazes de susten tar a prescrição concorrente das duas for mas de tratamento e por fim propõemse algumas recomendações práticas BREVE HISTÓRICO No início da utilização de psicofármacos o uso de medicação associada a tratamentos psicanalíticos era visto com muita resistên cia pela comunidade psicanalítica2 Acre ditavase que a medicação seria incapaz de melhorar definitivamente os sintomas pois não atuava no conflito psíquico conside rado a verdadeira etiologia dos sintomas mentais Além disso havia o receio de que a medicação ao aliviar temporariamente a ansiedade que levou o paciente à procura de tratamento pudesse reduzir sua moti vação para a mudança e obstruir o acesso ao conflito inconsciente3 Segundo Roose e Johannet consideravase que a medica ção poderia ser necessária em casos graves como um inimigo necessário mas que o processo analítico deveria ser mantido sem perturbações sempre que possível3 Freud4 ao abordar os aspectos cons titucionais biológicos e emocionais na etiologia dos sintomas psíquicos descritos em sua equação etiológica afirmou que a psicanálise já falou muito so bre os fatores acidentais na etiologia e pouco nos constitucionais mas isso se deveu apenas ao fato de ter podido contribuir com algo novo para os pri meiros enquanto inicialmente não sabia mais do que era comumente co nhecido sobre os últimos Recusamo nos a postular qualquer contraste em princípio entre os dois conjuntos de fa tores etiológicos pelo contrário presu mimos que os dois atuem regularmente em conjunto para ocasionar o resulta do observado Talento e sorte determi nam o destino de um homem rara mente ou nunca só um desses pode res Só se pode calcular a quantidade de eficácia etiológica a ser atribuída a cada um deles separadamente em cada caso individual Avaliaremos a cota fornecida pela constituição ou pela experiência de modo diferente nos casos individuais de acordo com o estádio alcançado por nosso conhe cimento e conservaremos o direito de modificar nosso julgamento de acor do com as alterações de nossa com preensão Em 1938 Freud5 abordou o tema das limitações da abordagem psicológica sinali zando a perspectiva de que no futuro sur gissem substâncias que permitissem um tra tamento biológico das enfermidades Hart mann6 em 1939 acreditava que a mente tinha áreas de funcionamento regulação de afeto controle de impulsos e atenção que eram autônomas ou seja livres de conflito Essa visão permite supor um dos papéis da psicofarmacologia em combinação com a psicanálise a medicação melhoraria as fun ções autônomas do ego o que por sua vez permitiria o processo psicanalítico Com o surgimento das evidências científicas demonstrando que as medica ções poderiam ser mais eficazes do que a própria psicoterapia para alguns sintomas essa visão foi se tornando progressivamen te mais flexível Roose e Stern7 realizaram um estudo entre os candidatos do Insti tuto de Psicanálise da Columbia Univer sity e demonstraram já nos anos de 1990 que 46 dos 24 candidatos entrevistados tinham pelo menos um paciente usando medicação e que todos esses pacientes com exceção de um tinham sido medica dos pelo próprio analista Dos 56 pacientes Psicoterapia de orientação analítica 437 em atendimento 43 tinham algum diag nóstico de transtorno do humor ou de an siedade e 29 estavam usando algum tipo de medicação Nos 16 casos medicados em 11 deles os analistas consideraram positiva a introdução da medicação e apenas dois profissionais consideraram que não houve benefício sintomático e que houve interfe rência negativa no processo analítico De modo progressivo o uso de me dicação foi crescendo em especial a partir dos anos de 1980 Segundo Busch e Sand berg2 os fatores que levaram ao aumento do uso de medicação foram a a progressiva evidência de eficácia em diferentes transtornos mentais b o surgimento de drogas mais seguras e de melhor tolerabilidade c as pressões da indústria dos planos de saúde e dos pacientes hoje com mais acesso a informação do que no passado Além disso os autores reportam que com o avanço da neurociência os limites entre as bases biológicas e psicológicas dos transtornos ficaram progressivamente me nos nítidos O efeito necessariamente nocivo da medicação ao processo psicanalítico de fendido do ponto de vista teórico passou a ser pelo menos em parte questionado por dados empíricos O uso da medicação mostrou que esta pode levar a um alívio mais rápido de sintomas em especial nos pacientes mais graves Reduzindo a ansie dade a um nível tolerável observouse que os pacientes mantinhamse motivados pa ra a psicoterapia ao contrário do que antes se temia Além disso poderiam prevenir recaí das eou recidivas de maneira mais eficiente do que a psicoterapia utilizada de forma isolada nas crises de pânico e nos episódios depressivos Nesse sentido Roo se e Johannet3 afirmam que o uso da medi cação pode tornar o tratamento psicanalí tico possível para pacientes que não teriam condições de fazêlo quer pela gravidade de sintomas quer pelo risco de recorrência À medida que mais pacientes pas saram a usar medicação associada ao seu tratamento psicoterápico foi possível ob servar que a forma como o analista enfoca o uso da medicação pode em muito modi ficar sua interferência Assim o significado que o paciente atribui à medicação pode ser um material muito rico para acessar sua vida intrapsíquica Todavia em função da necessidade da abordagem direta dos sin tomas e dos efeitos colaterais a introdução da medicação pode ser percebida como algo que quebra o processo psicoterápico e de modo mais significativo o processo psicanalítico As fantasias geradas pela in dicação da medicação podem se não tra balhadas tornarse um ponto de resistên cia ao tratamento Alguns autores como Purcell8 também alertam para o risco de o uso da medicação estar a serviço de uma resistência inconsciente da dupla paciente terapeuta BASE TEÓRICA PARA O TRATAMENTO COMBINADO A prescrição simultânea de medicação e psicoterapia e a constatação de sua eficácia geraram a necessidade de desenvolver mo delos teóricos que pudessem justificar seu uso Segundo Busch e Sandberg2 existem dois grandes modelos que embasam o tra tamento combinado a o modelo de duas doenças twoillness model proposto por Kantor9 e b o modelo interacional defendido por vários autores entre eles Gabbard10 438 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs No modelo de duas doenças o paciente teria uma doença de base psicológica p ex um transtorno da personalidade cujo tratamen to seria psicanalítico e uma doença de base biológica p ex depressão cujo tratamento seria somático como a medicação Essa visão simples e didática ajuda a considerar diferen tes modalidades de tratamento para um mes mo paciente O modelo interacional parte de uma visão mais integrada em que mente e cére bro são citando Damasio11 reflexo da mesma coisa funda mental O mental e o biológico são di ferentes pontos de vista ou diferentes níveis de análise do sistema mentecé rebro Significa não considerar mais o mental ou funcional como sendo fundamentalmente diferente do bio lógico ou orgânico Em vez disso o mental e o biológico se tornam di ferentes pontos de vista ou diferentes níveis de análise do sistema mentecé rebro Dessa forma entendese que os tra tamentos psicológicos afetam o cérebro portanto podem ser considerados trata mentos biológicos também Além disso os tratamentos biológicos afetam a dimensão psicológica Haveria uma causalidade bidi recional Em vez da ideia de comorbidades tratar duas doenças temse no modelo interacional a ideia de tratar um problema por duas vias Para melhor compreender o modelo interacional Busch e Sandberg2 ilustramno por meio de uma série de me táforas propostas por outros autores Uma delas de Gabbard10 associa a atração entre metais e ímã à relação entre causas bioló gicas e psicológicas para os transtornos mentais Ora a diátese biológica pode fun cionar como ímã para atrair ou provo car conflitos psicológicos ora conflitos psicológicos funcionam como ímã para revelar a vulnerabilidade biológica subja cente deflagrando o transtorno mental Ora o conflito psicológico vai deflagrar ou piorar a doença mental ora a doença men tal vai piorar o conflito psicológico Para Gabbard citado por Press12 os confli tos psicodinâmicos frequentemente usam forças biológicas para sua expressão Por exemplo um paciente com características narcisistas pode ter sua grandiosidade es timulada pelos episódios hipomaníacos ou maníacos de um transtorno bipolar Outro também narcísico pode ter seu distancia mento emocional e social acentuado pela fobia social Outra interessante metáfora para explicar o modelo interacional é a de que os sintomas são um rio os conflitos psicológicos o ambiente e a biologia do paciente seus afluentes podendo haver co municações entre estes Um exemplo do modelo de duas doenças é ofe recido por Roose e Johannet3 quando afirmam que para associar medicação e psicoterapia é necessário que o psicoterapeuta adote dois mo delos o descritivofenomenológico e o psicodi nâmico para avaliar e tratar o paciente Para eles esses dois modelos não podem ser inte grados pois são linguagens diferentes usam dados diferentes e são dirigidos a diferentes objetivos Devem ser usados em paralelo sen do pontos de vista igualmente válidos Cabaniss13 faz uma interessante revi são sobre modelos teóricos de associação de tratamentos farmacológicos e psicodi nâmicos Segundo a autora existem três possíveis formas de fazer essa associação Na primeira delas a medicação seria vista como forma de aliviar sintomas en Psicoterapia de orientação analítica 439 quanto a teoria psicodinâmica explicaria a etiologia dos transtornos As primeiras ten tativas de associação apenas superpunham a medicação à psicoterapia sem no entanto desafiar as teorias psicodinâmicas de etio logia Dessa forma a medicação era aceita mas ficava claramente relegada um segundo plano e criavase uma hierarquia que colo cava o modelo psicodinâmico como princi pal Este seria um modelo de duas doenças com preponderância de um plano psicodi nâmico sobre outro psicofarmacológico O segundo e o terceiro modelos pro postos por Cabaniss seriam variações do modelo interacional proposto por Busch e Sandberg2 No segundo modelo todos os processos mentais inclusive os psico dinâmicos seriam vistos como tendo um substrato cerebral As experiências psico lógicas contêm um substrato biológico e esse substrato biológico sofre influência de experiências psicológicas e viceversa No terceiro modelo a dimensão psi codinâmica e a farmacológica estariam la do a lado cada uma percebida como apta a explicar alguns aspectos das dificuldades dos pacientes É a alternativa ao modelo totalmente integrado que permite usar múltiplos modelos simultaneamente sem entretanto fundilos Ao ouvir um pacien te queixandose de ansiedade por exem plo o terapeuta permitese transitar de um modelo psicodinâmico para um modelo biológico na tentativa de melhor entender a psicopatologia e orientar o tratamento daquele caso Dentro da classificação entre os modelos de duas doenças e interacional em que cada um deles seria um extremo de um gradiente este seria um modelo inter mediário A questão fundamental reside em como os terapeutas podem usar esses construtos para orientar seu trabalho clínico negociando os múltiplos modelos de mente13 A AVALIAÇÃO E A INDICAÇÃO DE TRATAMENTO COMBINADO SEGUNDO OS MODELOS PROPOSTOS A partir da história clínica pessoal e fami liar da caracterização dos sintomas e da avaliação do binômio transferênciacon tratransferência o terapeuta será capaz de chegar a uma formulação compreensiva da vida mental do paciente Para poder indi car as diferentes modalidades terapêuticas o terapeuta deverá ser apto a utilizar os res pectivos modelos de mente em sua avalia ção Cabannis13 a partir do princípio do câmbio de marcha nos automóveis propôs o termo shifting gears mudança de mar cha para caracterizar a atitude do terapeu ta Para ela durante o processo terapêuti co é essencial que o psicoterapeuta esteja livre para usar ora um modelo de mente ora outro na tentativa de melhor avaliar o paciente e conduzir seu tratamento Segun do a autora essa habilidade requer que não só o terapeuta seja versado em diferentes modelos como seja flexível o suficiente pa ra transitar entre eles durante a avaliação a formulação do caso e a indicação de tra tamento isso com o objetivo de dar ao pa ciente o cuidado mais adequado possível A capacidade de transitar entre dois modelos é essencial ao indicar tratamentos combi nados de psicoterapia de orientação ana lítica e medicação O psicoterapeuta deve ouvir o paciente buscando pistas que o le vem a uma ou outra etiologia e guiado pe lo material clínico permitirse mudar de marcha quando não também de direção ou seja mudar o modelo de mente que es tá guiando sua entrevista eou intervenção naquele momento Entretanto cada um dos tratamentos deve ser indicado usando 440 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs parâmetros próprios caso contrário corre se o risco de promover uma confusão de modelos em vez de uma integração Vol tando à metáfora da autora existem flexi bilidades e limites nas articulações e nos movimentos de uma caixa de câmbio e de um veículo em movimento Busch e Sandberg2 sugerem que os modelos devam estar sempre em comuni cação Ou seja ao se avaliarem sintomas sob o ponto de vista descritivofenome nológico é importante manter na mente as informações do modelo psicodinâmico inclusive as reações transferenciais e con tratransferenciais para que o entendimen to seja completo e o manejo correto Por exemplo um paciente em psicoterapia po de experimentar incrementos transitórios de ansiedades persecutórias ou depressivas sem que isso configure um diagnóstico des critivofenomenológico que mereça trata mento medicamentoso Um paciente com transtorno bipolar em psicoterapia diante de alterações na medicação e de impor tantes mudanças pessoais positivas ficou ansioso quase em pânico julgando estar diante de uma recaída Uma consulta com um psiquiatra de orientação neurobiológi ca confirmou esta impressão clínica an siedade fóbica diante da mudança e do no vo assegurando ao paciente que não havia sinais de recaídarecidiva e recomendou uma retomada da psicoterapia no regime de duas sessões semanais para auxiliar essa pessoa em seu processo de readaptação a uma nova situação de vida Para trabalhar com tratamentos com binados Cabaniss13 acredita que é essencial não hierarquizar os modelos mantendose equidistante deles adotando portanto uma postura de neutralidade ou imparcia lidade científicas Além disso é importante tolerar um certo grau de incerteza ao escu tar um paciente e compreendêlo são os momentos de incerteza e de ambiguidade que podem levar um profissional a mudar de marcha a buscar outras alternativas para entender o paciente Roose e Johannet3 sugerem seguindo um modelo de duas doenças que um psica nalista sempre deve fazer além da avaliação psicodinâmica uma avaliação descritivo fenomenológica nos pacientes para avaliar a presença de sintomas ou transtornos que podem ser tratados com o uso de medica ção Ressaltam o risco de teorias psicanalí ticas cegarem os terapeutas quanto a outros tratamentos para os quais já existe evidên cia científica de eficácia Lembram ainda que as evidências cien tíficas disponíveis acerca da eficácia das medicações no mane jo dos transtornos mentais vêm de ensaios clínicos que incluíram pacientes diagnosti cados por meio do sistema descritivofeno menológico Portanto ao pensar em medi car um paciente deveria ser considerado o sistema diagnóstico adotado pelos ensaios clínicos Os autores reconhecem que os es tados afetivos bem como a medicação têm significado para o paciente e despertam fantasias mas que esse significado e essas fantasias não devem embasar a decisão de prescrever Roose e Johannet3 salientam a importância de reconhecer que existe uma diferença entre esta do afetivo e transtorno afetivo Isso para lem brar que nem todo estado afetivo vai levar à con sideração do tratamento medicamen toso como opção o que só vai ocorrer caso seja acompa nhado de outros sintomas que compõem o diag nóstico de algum transtorno mental O uso do modelo descritivofeno menológico para orientar a prescrição da medicação em paralelo com o psicodi nâmico para orientar a psicoterapia po de de forma inadvertida segundo Roose e Johannet3 favorecer a dicotomização Psicoterapia de orientação analítica 441 mentecérebro O sistema de estratificação em eixos adotado até a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtor nos mentais DSMIV poderia fazer supor que transtornos do Eixo I devessem ser tratados com medicação enquanto aque les do Eixo II devessem ser tratados com psicoterapia modelo de duas doenças Em concordância com o modelo interacional mais complexo e abrangente da mente anteriormente exposto Roose e Johannet3 acreditam que os fatores biológicos e psico lógicos influenciamse mutuamente Pode se avançar ao notar que transtornos da personalidade se beneficiam do tratamento com medicação14 assim como transtornos do Eixo I podem ser tratados somente com psicoterapia E exatamente para não favo recer a dicotomização mentecérebro é que os autores acreditam que ambos os modelos devem estar na mente do psicoterapeuta ou do farmacoterapeuta posicionados em para lelo não em justaposição ou em hierarqui zação e menos ainda misturadosfundidos Como contraponto Gabbard e Freed man15 em 2006 alertaram para o risco e as limitações da adoção da medicina baseada em evidências na prática psicoterápica Os autores ressaltam que existem relativamen te poucos estudos com psicoterapia psico dinâmica e que a necessidade de manuali zação das psicoterapias para a realização de ensaios clínicos as faz diferir daquilo que se realiza na prática Além disso os tempos de seguimento dos ensaios são curtos o que não se aplica à realidade de pacientes com transtornos crônicos Gabbard16 sugere es tudos com desenho naturalístico como for ma de lidar com essas limitações Ao explicar ao paciente a lógica da indicação do tratamento combinado o terapeuta pode adotar o modelo das duas doenças ou o modelo interacional Busch e Sandberg2 recomendam as seguintes abor dagens Você tem conflitos psicológicos mas também tem sintomas consisten tes com o diagnóstico de depressão maior A terapia será útil para seus conflitos mas a medicação será im portante para a depressão O trata mento da depressão com medicação vai ajudálo a explorar seus conflitos quando o modelo adotado é o de duas doenças E Você tem conflitos psicológicos e sin tomas de depressão maior É provável que seus conflitos psicológicos exa cerbem sua depressão e que sua de pressão adicionese aos seus conflitos Portanto ambos os tratamentos se riam valiosos2 quando o modelo adotado é o interacional Os autores acreditam que o modelo inte racional proporciona ao paciente um en tendimento maior dos tratamentos com binados Além disso podese explicar ao paciente que a medicação vai ajudálo a ter mais energia e concentração para trabalhar na terapia ou que a ansiedade vai ser redu zida a um nível tolerável que permita ao paciente explorar seus conflitos Uma vez iniciada a medicação e tendo obtido alívio dos sintomas pode acontecer de o paciente ficar em dúvida se realmente precisa de psicoterapia Nesse ponto cabe ao terapeuta ajudar a explorar as questões psicológicas passíveis de serem abordadas e que podem ter relação com a sintomato logia apresentada Em algumas situações o paciente pode apesar do alívio sintomáti co estar motivado para seguir adiante na psicoterapia buscando compreenderse melhor abordando aspectos não resolvi dos com a medicação Em outros casos pode estar satisfeito com o nível de alívio obtido e não se sentir motivado para seguir adiante reconhecendo ou não a presença de conflitos psicológicos Nessa situação 442 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs é importante acolher considerar e respei tar a escolha do paciente deixando a porta aberta para um retorno futuro caso sinta necessidade O momento de introduzir a medi cação seja no início seja com a terapia já em curso é um fator importante segundo Busch e Sandberg2 No início a relação transferencial costuma não ser tão intensa e o paciente pode reagir de forma positiva ou negativa dependendo de suas fantasias prévias acerca da medicação A introdu ção da medicação ao longo da psicotera pia pode ser um pouco mais complexa Certamente surgirão fantasias acerca da medicação e da indicação que deverão ser elucidadas e compreendidas O paciente pode sentir que ele mesmo ou o terapeu ta não estão tolerando o contato com o material trazido que o terapeuta não está mais podendo escutálo Pode além disso entender que é um caso grave demais para seguir só em psicoterapia ou que a dupla falhou O paciente pode ainda sentirse ofendido com a indicação por ser em princípio contra remédios Pode sentir se punido ou humilhado pelo terapeuta uma paciente assim se referiu ao acrésci mo da medicação Agora com dois anos de psicoterapia que eu estava começando a digerir a ne cessidade de me tratar o se nhor me vem com mais essa remédios Ou ainda o paciente pode sentirse com preendido até agraciado pela prescrição Considerando pessoas e tratamentos em movimento não é raro que depois de uma verdadeira lua de mel com os psi cofármacos e com o prescritor apareçam queixas e ressentimentos Esse foi o caso de um paciente que depois de um fracas so em duas tentativas de tratamento psica nalítico ficou muito aliviado ao saber que era portador de um trans torno bipolar e que se beneficiaria com carbonato de lítio Passada a idealização da farmacoterapia manifestouse ressentido com o diagnós tico biológico recebido e buscou outro psiquiatra ocorrendo sérios problemas transferenciais mal conduzidos As reações possíveis são infinitas considerada a variabilidade das pessoas e dos seus movimentos e é muito impor tante que sejam bem trabalhadas Todavia Busch e Sandberg2 ressaltam que nenhuma reação transferencialcontratransferencial deve mudar o desfecho ou seja indicar ou contraindicar medicação Tal decisão deve na medida do possível ser tomada com base em um diagnóstico descritivo fenomenológico Os autores alertam que o desejo pouco realístico de conduzir um tratamento psicanalítico puro pode impedir o uso apropriado de medicação Uma das dificuldades encontradas no tratamento combinado decorre justa mente das diferenças técnicas e teóricas dos dois tratamentos Enquanto o psicofar macologista avalia de modo sistemático a presença de sintomas e efeitos colaterais de forma direta e prescritiva o psicoterapeuta de orientação analítica busca a livre asso ciação do paciente com perguntas abertas não diretivas e eventualmente interpre tando o material trazido pelo paciente O TRATAMENTO PROPRIAMENTE DITO Para a realização de um tratamento combinado é importante considerar alguns aspectos gerais e outros específicos de sua execução que envol vem especialmente se o tratamento será con duzido por um único profissional ou se será par tilhado e quais as vantagens e desvantagens dessas duas estratégias Aspectos gerais Como já referido o tratamento medicamentoso é indicado e reavaliado segundo critérios descritivofenomenológicos Isso não impede que uma vez que tenha sido iniciada a medicação as fantasias do paciente acerca dela sejam compreendidas à luz do modelo psicodinâmico Essa compreensão pode além de melhorar a adesão do paciente ao tratamento contribuir para o processo psicoterápico trazendo à tona fantasias inconscientes relacionadas ao mundo interno do paciente O entendimento dessas fantasias não deve em princípio guiar a decisão quanto à prescrição à manutenção ou à alteração do tratamento medicamentoso como por exemplo em um caso discutido em supervisão deixar de prescrever medicações que necessitem de exames de sangue periódicos por receio de que o paciente vivencie a solicitação como vampirismo por parte do profissional Alguns pacientes preocupamse com a possibilidade de a medicação criar uma versão não verdadeira ou artificial deles próprios Busch e Sandberg2 opinam que a medicação não cria um self verdadeiro ou falso Ela pode alterar a sensação de self do indivíduo e sem dúvida reflete um estado relacionado à mudança quer dizer um self em uso de medicação Se o indivíduo vê ou não essa mudança como uma aproximação do seu self genuíno é uma questão de interpretação frequentemente colorida pela fantasia inconsciente O terapeuta pode se sentir desvalorizado por ter necessitado da ajuda da medicação no tratamento de um dado paciente como se tivesse falhado sentindo que o processo psicoterápico ou psicanalítico foi contaminado e portanto menos valorizado como tratamento Pode se sentir também culpado pelos eventuais efeitos colaterais que surgirem o que por vezes impede uma avaliação realística das verdadeiras causas desses efeitos Um ponto interessante diz respeito à parcela de efeito placebo na eficácia das medicações Esperase que o psicofarmacologista estimule o efeito placebo ao mostrarse otimista e confiante em relação à medicação Em contrapartida ao psicoterapeuta ou psicanalista é recomendada atitude neutra o que poderia minimizar o efeito placebo Problemas adicionais surgem quando de alguma forma o psicoterapeuta deixa transparecer manifestamente ou de forma latente que é contrário ao uso de medicação seja de modo geral seja naquele caso específico Busch e Sandberg2 argumentam que houve uma mudança progressiva na psicanálise ao reconhecer o inevitável impacto da pessoa no analista psicoterapeuta no campo analítico Diante disso os autores recomendam que caso a medicação seja de fato adequadamente indicada o psicoterapeuta sintase livre para expressar otimismo realista acerca da resposta ao tratamento indicado Reações muito fortes para qualquer um dos lados seja a favor seja contra a medicação podem sinalizar um problema contratransferencial a ser compreendido O trabalho do efeito placebo vai depender entre outras coisas do ponto entre os extremos analíticocompreensivo e suptivo em que aquele tratamento se encontra Em tratamentos mais suptivos provavelmente o efeito placebo vai ser mais estimulado e menos interpretado Já tratamentos mais compreensivos sobremaneira em uma análise o significado da medicação e seus impactos transferenciais e contratransferenciais serão examinados de forma extensiva Assim como o efeito placebo o efeito nocebo quando o paciente reage mal à medicação também deve ser compreendido2 O quadro típico do paciente que ex 444 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs perimenta o efeito nocebo é a recusa à me dicação apesar de sua indicação adequada ou de várias tentativas medicamentosas prévias interrompidas precocemente antes mesmo que pudessem fazer o efeito tera pêutico devido a paraefeitos intoleráveis O efeito nocebo é um exemplo de situação em que a psicoterapia pode levar à adesão à medi cação por meio da com preensão das fantasias que impedem a aceitação do psicofármaco Esse foi o caso de uma mulher de 65 anos com depressão desencadeada pela viuvez mas que tinha dois episódios ante riores de diminuição do humor O psicote rapeuta escolheu o fármaco A e a paciente teve efeitos colaterais Trocou pelo anti depressivo B novos efeitos colaterais Na terceira tentativa frustrada sempre com fármacos de grupos diferentes o caso foi levado à supervisão com um psicanalista que identificou questões transferenciais não compreendidas pelo psiquiatra Uma vez trabalhadas cessaram os efeitos cola terais A medicação mesmo quando bem indicada pode servir a propósitos defen sivos ameaçando a relação transferencial Purcell8 faz interessante contraponto à fle xibilização do uso da medicação em com binação com tratamentos analíticos Ainda que o autor concorde com a abordagem de modelos paralelos destaca o risco de mini mização do uso inapropriado e não cien tífico de medicações na tentativa de tratar sintomas para os quais não há evidência de que a medicação funcione bem Além dis so o autor considera ser um desserviço à psicanálise tomar decisões acerca do uso de medicação com base no modelo psicana lítico uma vez que este não tem relevân cia para o terreno da neurofarmacologia Apesar de concordar com o modelo teórico mais aceito atualmente para associação das duas terapias Purcell8 lembra que a medi cação não é inócua ao tratamento psicote rápico e especialmente psicanalítico Esses tratamentos objetivam não só a remissão dos sintomas como também a mudança na estrutura psíquica com tentativa de inte gração de aspectos cindidos da personali dade Nesse cenário a medicação poderia promover a cisão em vez da integração do self O paciente poderia por exemplo concluir que seu sofrimento é biológico e resistir a sua exploração psíquica Busch e Sandberg2 creem que a saída nesse caso seria reconhecer a contribuição biológica no sofrimento do paciente mas explorar o porquê de ficar somente com essa explicação Purcell8 vai mais adiante lembrando as resistências inconscientes da dupla mediada por reações transferenciais e contratranferenciais que podem edificar em torno da medicação um conluio com o objetivo de não entrar em contato com o sofrimento psíquico Com isso o autor si naliza a possibilidade de que a combinação de tratamentos entre em antagonismo não sendo favorável Purcell8 destaca a questão não é definir se o sin toma deve ser analisado ou medicado ou se a medicação torna a análise mais difícil O que é potencialmente mais poderoso em moldar o curso de uma análise após a introdução da medica ção é se as posições psíquicas tomadas por cada uma das partes implicita mente suportarão o enactment de re sistências a um entendimento analíti co integrativo da personalidade total O autor sugere ainda que se entenda a medicação como um aspecto técnico da análise não só como um tratamento que corre em paralelo considerado a priori si nérgico Lembra também que o desejo de Psicoterapia de orientação analítica 445 cura do analista e os fatores culturais que facilitam o uso de medicação tornam mais difícil a percepção desse conluio Para ele ainda que a clareza clínica ilusó ria oferecida pela aparente objetivida de da fenomenologia possa ser muito atraente a atitude do analista deve ser dirigida à realidade psíquica refletin do a verdadeira complexidade de in cluir medicação na análise8 O autor argumenta que os critérios descritivofenomenológicos identificam os pacientes que têm transtornos capazes de serem tratados com medicação mas não identificam por exemplo para quais pacientes a análise é indicada ou em quais deles a adição da medicação pode atrapa lhar o curso da análise Gabbard contesta a visão de Purcell de que a medicação in terfere negativamente na integração do self Pelo contrário Gabbard acredita que em pacientes graves o alívio dos sintomas pro movido pela medicação ajuda no processo analítico12 Uma infinidade de cenários e signi ficados são possíveis no contexto de asso ciação desses dois tratamentos Para que o psicoterapeuta ou analista consiga vêlos e discernilos é essencial que se mantenha neutro e imparcial analisando as situações caso a caso evitando ideias préconcebidas como por exemplo a de que a medicação sempre funciona e sempre tem seu espaço ou a medicação sempre atrapalha e sem pre servirá ao propósito defensivo A execução do tratamento combinado Fundamentalmente existem duas formas possíveis de realização do tratamento com binado Na primeira delas o mesmo pro fissional o psiquiatra realiza as duas fun ções e na segunda a prescrição é realizada por um médico psiquiatra ou não e a psi coterapia por outro profissional psiquia tra ou psicólogo na maioria das vezes O terapeuta prescritor O psiquiatra que medica e é também psico terapeuta pode transmitir ao seu paciente um conceito integrado de mente e cérebro Ao demonstrar que leva em consideração diversos modelos psicodinâmico neuro biológico e descritivofenomenológico de compreender os transtornos mentais ou as condições que recomendam atenção pro fissional como algumas crises evolutivas eou acidentais a tendência é que os pa cientes se sintam seguros e satisfeitos com a possibilidade de o tratamento combinado ser conduzido por um único profissional Alguns que consideram bastante a privaci dade se sentem também mais protegidos caso não exclusivo de profissionais da área da saúde mental em tratamento Em tais situações por vezes uma solução é o psi coterapeuta ou psicanalista valerse de um médico clínico para as decisões e avaliações psicofarmacológicas Outros pacientes per cebem o tratamento dividido como uma dissociação com assuntos psicológicos que serão resolvidos pelo psicoterapeuta e questões ligadas a sintomas que serão re solvidas com o psiquiatra ficando de al guma forma sozinhos na tarefa de integrar esses dois aspectos de sua vida mental Um benefício possível é o de conse guir compreender com bastante clareza e proximidade o significado da medicação para o paciente uma vez que a prescrição e a compreensão vão ser conduzidas pelo mesmo psicoterapeuta Todavia segundo Busch e Sandberg2 contratranferencial mente pode haver uma idealização do papel duplo de psicoterapeuta e psicofar 446 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs macologista com o consequente desejo de abarcar todo o tratamento do pacien te Nesse sentido o psicoterapeuta pode relutar em pedir auxílio para outro colega em casos em que isso pode ser necessário por sentirse diminuído por não conseguir conduzir ambos os tratamentos O psico terapeuta pode sentirse narcisicamente injuriado pela necessidade do paciente de medicação como se não fosse bom o sufi ciente para que apenas a psicoterapia resol vesse todos os problemas Isso pode levar o psicoterapeuta a prescrever mas deixar a medicação em segundo plano por vezes até esquecendo de revisar sintomas e doses por acreditar que a psicoterapia é o trata mento de que o paciente realmente precisa Nesse cenário em que o paciente sente que o psicoterapeuta considera a psicoterapia o tratamento superior aquele pode sub meterse à psicoterapia mesmo não tendo motivação genuína para tal mas apenas pa ra agradar o psicoterapeuta De novo aqui se mostra a importância da neutralidade e da imparcialidade científicas pois só as sim o psicoterapeuta vai conseguir avaliar com lucidez a motivação real de um dado paciente tentando não se deixar conduzir exclusivamente pelas próprias preferências A tarefa de prescrever e realizar a psicoterapia exige que o psicoterapeuta psicofarmacologista de forma periódica reavalie a presença de sintomas e efeitos colaterais adotando para isso os modelos médico e descritivofenomenológico A ta refa é um pouco mais complexa do que no tratamento dividido em que um psicote rapeuta realiza a psicoterapia e um psiquia tra prescreve a medicação pois embora no segundo caso o psicoterapeuta atente para o significado da medicação não recai rá sobre ele a responsabilidade da tomada de decisão quanto a ela É importante que de tempo em tempo seja reservado um momento da sessão para avaliar a medica ção Talvez a maior dificuldade resida em discernir se aquela queixa do paciente po de ser mais bem manejada com alteração na medicação ou sob o vértice psicodinâ mico O movimento se dá de uma relação médicopaciente para psicoterapeutapa ciente Busch e Sandberg2 lembram que é importante atentar a cada movimento se existe alguma reação transferencialcontra transferencial determinando o movimento para afastarse de ansiedade depressiva Outras vezes pode haver uma real necessi dade de conversar sobre a medicação Tal vez o mais importante seja compreender os movimentos e avaliar se existe algum enact ment em vigor no momento ainda que o psicoterapeuta eou o paciente mudem o foco da sessão para a medicação O papel de psicofarmacologista pode ser facilitado quando também ele é o psi coterapeuta Os encontros mais frequen tes com o paciente permitemlhe observar a resposta à medicação mais de perto e o acesso a reações transferenciais e contra transferenciais pode ajudálo a compreen der de forma mais adequada um dado sintoma Entretanto também pode ser di ficultado quando o conhecimento do mun do interno do paciente e dos conflitos psi cológicos que o afligem dia a dia semana a semana tornar mais difícil discernir o que pode ser mais bem manejado por um mo delo ou por outro As decisões são tomadas sessão a sessão sob a influência de elemen tos inconscientes tanto do paciente quanto do terapeuta Talvez a maior dificuldade do psicoterapeuta que medica seja a de ter que tomar decisões terapêuticas relativas a ambos os modelos Isso é bem diferente de compreender o caso usando os dois mas encaminhar para que um colega realize o outro tratamento seja psicoterápico seja psicofarmacológico Nas situações em que o psicoterapeuta só faz psicoterapia e o psi cofarmacologista só medica cada um dos Psicoterapia de orientação analítica 447 dois pode ter ambos os modelos na mente e utilizálos para a compressão do caso e é até recomendado que os tenham mas a tomada de decisão ao fim da árvore de cisória vai ser feita dentro de um só mo delo Nesses casos se o profissional consi derar que o caso pode ser mais bem mane jado por outro modelo vai encaminhálo a um colega que se responsabilizará pela avaliação e pela conduta dentro daquele modelo Para o psicoterapeuta prescritor a medicação pode tornarse uma via facili tadora para enactments a atuação na du pla de conflitos inconscientes do paciente É consenso que o enactment é inevitável e quiçá constante no processo psicoterápico e analítico A medicação tornase via fácil para a ocorrência de enactment pois é um parâmetro externo ao funcionamento psi coterapêuticoanalítico habitual O psicote rapeuta pode lembram Busch e Sandberg2 medicar demais ou de menos mobilizado por enactments O psicofarmacologista vai estar mais protegido de incorrer em tais er ros uma vez que se baseia em critérios ob jetivos e está menos envolvido na relação transferencialcontratransferencial Como exposto anteriormente as informações do campo psicoterápico podem enriquecer mas também tornam mais complexas as decisões de um manejo duplo Uma das maiores dificuldades do psicoterapeuta prescritor é a necessidade da avaliação continuada dos sintomas que motivaram a prescrição da medicação e de seus efeitos colaterais bem como a solici tação de exames laboratoriais pertinentes a cada medicação Essa dificuldade talvez se deva ao fato de que essa avaliação deva ser feita de forma ativa em que o psiquiatra colhe objetivamente os dados de que pre cisa para o manejo medicamentoso fugin do à associação livre Olesker17 argumenta não haver necessidade de adotar outro mo delo de mente quando medicações estão envolvidas pois segundo ele do ponto de vista da psicanálise desenvolvimental as perspectivas física cognitiva emocional e social são levadas em consideração durante o tratamento analítico e que portanto sob esse ponto de vista a medicação entraria como mais um ponto a ser analisado O que o autor não refere talvez por ser um analista não médico é que a tomada de de cisão em relação à medicação é diferente de compreender o significado da medica ção sob o ponto de vista psicanalítico Para compreender o significado da medicação é possível que não seja necessária a adoção de outro modelo apenas para prescrever É importante diferenciar o que é sin toma residual de humor ou de ansiedade e o que é resultado da patologia de caráter ou de transtorno da personalidade O psi coterapeuta pode começar somente com a psicoterapia e mais adiante considerar o uso da medicação pela identificação por exemplo de sintomas que até então não tinham sido percebidos como tratáveis por medicação e que poderiam estar obs truindo o processo psicoterápico Em con trapartida considerar o uso de medicação durante uma psicoterapia pode também ser consequência de uma reação contra transferencial do terapeuta que está can sado da ausência de melhora do paciente por exemplo Mais uma vez enfatizase aqui a importância de o profissional tra balhar com um espaço mental que lhe dê liberdade para considerar diferentes possi bilidades Para Kantor18 a pergunta não é se um analista deve prescrever e sim que aspectos surgirão e deverão ser trabalhados quan do o analista prescrever ou quando uma terceira pessoa prescrever Busch e Sand berg2 sugerem três pontos importantes a serem considerados pelo psicoterapeuta ou psicanalista que medica seus pacientes 448 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs monitorar a contratransferência com atenção para os enactments via medica ção avaliar os sintomas e os efeitos colaterais reservando periodicamente um tempo da sessão e conduzir a entrevista dei xando de lado o método da livre associação em casos de manejo medicamentoso muito complexo por refratariedade controle difícil de efeitos colaterais comorbidades clínicas entre outros ce nários pode ser necessário o encaminha mento do paciente a outro colega para condução do tratamento psicofarma cológico A condução dos tratamentos combinados com um só profissional deve ser sinérgica e beneficiar o paciente se algum dos dois tratamentos estiver tendo prejuízos é preciso considerar o encaminhamento a um colega Tratamento dividido O tratamento dividido ocorre com mais frequência quando um psicólogo ou psi quiatra conduz a psicoterapia e requerse a presença de um psiquiatra para o diagnós tico clínico e para avaliar a necessidade de medicar Existem outros cenários possíveis como os casos complexos citados anterior mente que precisam de dois profissionais mesmo que ambos sejam psiquiatras ou quando o psiquiatra não trabalha mais com psicofarmacologia O tratamento dividido gera um triân gulo com seus potenciais problemas trans ferenciais e contratransferenciais e entre os profissionais Esses problemas segundo Busch e Sandberg2 passam por competi ção frustração com os procedimentos do colega formações teóricas e clínicas dife rentes e lamentavelmente sentimentos de propriedade em relação ao paciente A resposta positiva à medicação pode gerar idealização desta e do psicofarmacologista sendo um ponto de resistência na psicoterapia Nesse cenário é importante que o psicofarma cologista apoie a realização da psicoterapia e até oriente o paciente quanto às diferenças dos tratamentos Ambos os profissionais devem es tar atentos para não entrar em conluio com o paciente fazendo coro com este nas críticas ao colega Essas críticas podem ocorrer em qual quer um dos membros da dupla e servem ao objetivo inconsciente do paciente de resistir à evolução do tratamento Discordâncias na con duta técnica devem a princípio ser discutidas entre os profissionais com o objetivo de propor cionar ao paciente o tratamento mais harmôni co possível Busch e Sandberg2 alertam para o risco de difusão de papéis em que o psi coterapeuta interfere e faz sugestões via paciente sobre o manejo psicofarmacoló gico Do mesmo modo quando o psicofar macologista interfere na psicoterapia por mais benignos e bemintencionados que sejam esses comentários eles podem carre gar em si um desejo de diminuir o outro colega e hierarquizar os tratamentos Caso os colegas discordem acerca de algum pon to do caso é importante que na medida do possível e com o devido consentimento do paciente eles se comuniquem e não usem o paciente como veículo ou mensageiro dessa comunicação A dupla de profissionais que se mostra dividida favorece dissociações e atuações do paciente Deve ficar claro pa ra o paciente que o psicofarmacologista e o psicoterapeuta podem se comunicar ao longo do tratamento e que isso será neces sário para o bom andamento do caso A comunicação deve ser clara para que não surjam malentendidos futuros acerca da confidencialidade Psicoterapia de orientação analítica 449 REVISÃO SISTEMÁTICA Comparandose com medicação ou outras modalidades de psicoterapia existem rela tivamente poucos ensaios clínicos estudan do a psicoterapia de orientação analítica Ao fazer uma pesquisa na base de dados PubMed com a expressão psychodynamic psychotherapy com o filtro de busca clinical trials obtêmse 188 artigos como resulta do Em comparação cognitive behaviou ral therapy com o mesmo filtro de busca resulta em 10998 artigos Essa di ferença provavelmente se deve ao fato de ser mais difícil fazer pesquisa em psicoterapia de orientação analítica dada a necessida de de manualização e de um tempo pre determinado requeridos pela pesquisa parâmetros estes que vão de encontro às características da psicoterapia da prática clínica Com o objetivo de buscar quais são as evidências de eficácia da psicoterapia de orientação analítica associada à psico farmacoterapia na literatura foi realizada uma revisão sistemática O critério de in clusão era ensaio clínico randomizado que avaliasse tratamento combinado de psico terapia de orientação analítica com medi cação Desses 188 artigos 98 foram sele cionados pelo título Desses 98 29 foram selecionados para leitura na íntegra Desses 29 11 contemplavam o critério de inclusão e serão aqui resumidamente apresentados Em 2002 Burnand e colaboradores19 publicaram um ensaio clínico randomiza do ECR que avaliou clomipramina em monoterapia ou associada a psicoterapia psicodinâmica em 95 pacientes em episó dio depressivo maior A medicação poderia ser modificada para citalopram em caso de recusa do paciente ou intolerância Ambos os tratamentos duraram 10 semanas Dos 95 pacientes randomizados 21 foram ex cluídos das análises por não terem iniciado o tratamento ou por terem sido detectados critérios de exclusão não percebidos no momento da randomização Os desfechos avaliados foram Escala Hamilton para De pressão Escala Global de Funcionamento GAF necessidade de hospitalização e dias perdidos no trabalho Os pacientes que receberam o tratamento com binado tiveram significativamente menor taxa de falha de tratamento presença de episódio depressivo ao término do estudo menor taxa de hospitalização e menos dias perdidos no tra balho Além disso foram realizadas aná lises de custo de ambos os tratamentos Tais análises mostraram que o tratamento combinado foi mais custoefetivo do que a medicação sozinha nesses pacientes Os au tores investigaram a aliança terapêutica em uma análise posterior nessa mesma amos tra Constataram que em ambos os grupos a aliança terapêutica aumentou com o tem po mas que a força de associação entre o desfecho e a aliança terapêutica foi maior no grupo da monoterapia com clomipra mina20 Outro estudo realizado por Knijnik e colaboradores21 comparou o tratamento com clonazepam em monoterapia versus clonazepam associado a psicoterapia psi codinâmica de grupo em pacientes com transtorno de ansiedade social ao longo de 12 semanas O objetivo do estudo era ava liar a modificação no estilo defensivo em ambas as terapias O grupo que recebeu a psicoterapia mostrou redução das defesas neuróticas em comparação com o aumen to das defesas neuróticas encontrado no 450 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs grupo que foi tratado em monoterapia com clonazepam21 Quilty e colaboradores22 em 2008 publicaram um estudo que avaliou três formas de psicoterapia associada a medi cação Foram randomizados 649 pacientes em episódio depressivo para receber fluo xetina ou tianeptina A seguir de forma não randômica foram encaminhados para realizar uma das três psicoterapias do estu do suportiva psicodinâmica ou cognitivo comportamental O objetivo do estudo era avaliar a correlação entre a melhora dos sintomas depressivos medida pela escala de MontgomeryÅsberg e as característi cas de personalidade dos pacientes avalia das usando o modelo de traços de persona lidade dos cinco fatores O estudo mostrou que pacientes que responderam à psicote rapia e à medicação tinham menores níveis de neuroticismo e maiores níveis de extro versão e abertura à experiência O estudo apresenta algumas limitações como a não randomização para psicoterapia e a não discriminação da resposta entre pacientes que receberam tratamento combinado e não combinado Um estudo conduzido por Dekker e colaboradores23 avaliou qual a melhor se quência de tratamento se iniciada com psi coterapia ou com medicação Os pacientes eram adultos com diagnóstico de depressão moderada a grave Foram randomizados 103 pacientes para uma de duas estratégias de tratamento psicoterapia psicodinâmica suportiva ou medicação Em oito sema nas era oferecida a opção de tratamento combinado àqueles que tivessem melhora inferior a 30 na Escala Hamilton para Depressão Na semana 8 os pacientes que receberam inicialmente medicação obtive ram melhor resposta Na semana 16 houve inversão desse resultado com os pacientes que receberam inicialmente psicoterapia apresentando melhores escores de qualida de de vida e sintomatologia geral com uma tendência de melhora na Escala Hamilton para Depressão Em torno de 40 dos pa cientes que não obtiveram pelo menos 30 de resposta não quiseram realizar trata mento combinado Ao término do estudo pacientes com depressão leve a moderada que iniciaram com psicoterapia tiveram melhor resposta de acordo com a escala de sintomas e a qualidade de vida Além dis so o tratamento combinado após resposta parcial a qualquer uma das estratégias se mostrou útil em pacientes que aceitaram recebêlo Rosenbaum e colaboradores24 publi caram em 2012 um estudo conduzido na Dinamarca que comparou o tratamento convencional versus tratamento convencio nal associado a psicoterapia psicodinâmica suportiva manualizada em 269 pacientes com primeiro surto de esquizofrenia Ao fim de dois anos de tratamento tendo ob tido 80 de retenção de pacientes aqueles que receberam a intervenção psicoterápica tiveram melhores escores em escalas de sin tomas PANSS e de funcionamento global GAF com maior tamanho de efeito na avaliação de dois anos Outro ECR envolvendo a combina ção de psicoterapia com medicação foi pu blicado por De Jonghe e colaboradores25 Nesse estudo 208 pacientes em episódio depressivo leve a moderado foram rando mizados para uma de duas estratégias psi coterapia psicodinâmica manualizada de curto prazo em monoterapia ou associada a medicação A medicação era prescrita de acordo com um protocolo de quatro pas sos sucessivos em caso de intolerância eou ineficácia Os desfechos avaliados foram a Escala Hamilton para Depressão a Escala de Impressão Clínica Global CGI e uma escala de sintomas psiquiátricos gerais au toaplicável SCL90 O estudo mostrou que ambos os tratamentos foram eficazes Psicoterapia de orientação analítica 451 e que não houve diferença entre eles ex ceto pela SCL90 que mostrou diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos com melhores escores encontrados entre pacientes que receberam tratamento combinado quando comparados aos que receberam somente psicoterapia Esse re sultado foi obtido na análise que incluiu os pacientes que começaram o tratamento mas não foi encontrado na análise inten tiontotreat Em 2001 De Jonghe e colaboradores26 haviam publicado outro ECR que avaliava medicação versus tratamento combinado em pacientes com depressão Foram ran domizados 167 pacientes com depressão pontuando pelo menos 14 na Escala Ha milton para receber antidepressivos fluo xetina amitriptilina e moclobemida em passos sucessivos em caso de não eficácia ou intolerância versus antidepressivos as sociados a 16 sessões de psicoterapia psico dinâmica suportiva Os desfechos avaliados foram Escala Hamilton para Depressão SCL90 CGI e uma escala de qualidade de vida em depressão QLDS Dos pacientes ran domizados 38 recusaram o tratamen to 27 no grupo da farmacoterapia e 11 no grupo da psicoterapia de modo que 129 pacientes de fato começaram o estudo Aqueles em tratamento combinado tive ram signifi cativamente menos abandono da medicação do que os em monoterapia O tratamento combinado foi superior à monoterapia com medicação nas taxas de remissão e melhora dos sintomas depressi vos e obteve melhor aceitação por parte dos pacientes Em artigo posteriormente publicado utilizando a mesma amostra de De Jonghe e colaboradores26 Kool e colaboradores27 compararam a resposta dos pacientes em episódio depressivo com ou sem transtor no da personalidade O resultado encon trado foi que o tratamento combinado foi mais efetivo naqueles com transtorno da personalidade e depressão Pacientes sem transtorno da personalidade não tiveram benefício adicional da adição da psicotera pia Em 2003 o mesmo grupo publicou um estudo mostrando que pacientes que rece beram o tratamento combinado melho raram sob o ponto de vista do transtorno da personalidade independentemente da melhora da depressão Já aqueles inclusos no grupo de monoterapia com medicação melhoraram sob o ponto de vista do trans torno da personalidade só se tivessem me lhorado da depressão28 Molenaar e colaboradores29 condu ziram interessante ECR avaliando a dose de psicoterapia de orientação analítica su portiva 103 pacientes ambulatoriais com episódio depressivo maior foram rando mizados para receber psicoterapia por 8 ou 16 semanas ambas associadas a medicação protocolo que envolvia sequencialmente a prescrição de fluoxetina nortriptilina e mirtazapina conforme resposta e tolerân cia ao longo de seis meses Os pacientes eram avaliados pela Escala Hamilton para Depressão pela CGI pela SCL90 por uma escala de qualidade de vida e uma escala de funcionamento social Groningen Social Disabilities Schedule GSDS Ambos os tratamentos levaram à melhora da depres são e do funcionamento social e não houve diferença estatisticamente significativa en tre eles Segundo os resultados desse estu do 8 ou 16 sessões são igualmente efetivas como tratamento de depressão CONSIDERAÇÕES FINAIS O avanço em áreas específicas do conheci mento médico conduz inevitavelmente à necessidade da criação de modelos teóricos que permitam testar o efeito de juntar as estratégias que se mostraram individual 452 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mente eficazes para o tratamento dos pa cientes O princípio ético da beneficência estimula o médico a sempre buscar aquilo que é melhor para seu paciente Muitas ve zes o que é o melhor para um paciente não é aquilo que o médico sabe fazer ou o que gostaria de fazer em determinada circuns tância Mesmo assim isso não o isenta da busca desse princípio A complexidade dos determinantes do comportamento humano bem como de seus desvios sintomas e nosso conse quente desconhecimento fazem todos os modelos gerados serem parciais imperfei tos e transitórios No entanto nortearse pelo modelo mais adequado possível ain da parece ser a melhor alternativa do que a utilização de nenhum modelo ou o que seria pior do que privar o paciente de al guma alternativa comprovadamente eficaz pelo simples fato de ela não estar prevista no modelo teórico no qual o profissional foi formado Todos os modelos propostos são im perfeitos e têm seus desafios específicos Possivelmente devam ser utilizados de for ma individualizada e contextualizados em cada momento particular de tratamento Utilizar os modelos teóricos hoje disponí veis e testálos por meio de estudos longi tudinais bem conduzidos do ponto de vista metodológico embora não seja o caminho mais curto certamente é o caminho mais seguro para oferecer o melhor tratamento possível para os pacientes o fim último de todo esforço terapêutico PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Apresentouse uma revisão sobre os aspectos teóricos e técnicos do tratamento combinado de psicote rapia de orientação analítica e medicação 2 Foram descritos e discutidos dois modelos principais o de duas doenças e o interacional como base teórica para tratamentos combinados 3 Ao longo do capítulo foram apresentadas vinhetas clínicas curtas ilustrando a questão discutida Ao final encontrase uma breve revisão dos estudos empíricos que abordaram o tema 4 Revisaramse os principais modelos teóricos utilizados atualmente no sentido de permitir que medica ção e psicoterapia de orientação analítica possam ser utilizadas de forma associada 5 Foram apresentados e discutidos os tipos de tratamento combinado que derivam dos fundamentos teóricos 6 Discutiramse as questões transferenciais e contratransferenciais que envolvem pacientes e terapeu tas em cada tipo de abordagem 7 Ressaltase a importância de os terapeutas manterem uma posição aberta aos novos conhecimentos em benefício dos pacientes REFERÊNCIAS 1 McHugh RK Whitton SW Peckham AD Welge JA Otto MW Patient preference for psychological vs pharmacologic treatment of psychiatric disorders a metaanalytic review J Clin Psychiatry 2013746595 602 2 Busch F Sandberg LS Psychotherapy and medication the challenge of integration New York Analytic c2007 Psicoterapia de orientação analítica 453 3 Roose SP Johannet CM Medication and psychoanalysis treatments in conflict Psy choanalytic Inquiry 199818560620 4 Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 2006 v 12 5 Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Edição standard brasileira das obras psico lógicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 2006 v 23 6 Hartmann H Ego psychology and the pro blem of adaptation New York International Universities 1958 7 Roose SP Stern RH Medication use in trai ning cases a survey J Am Psychoanal Assoc 199543116370 8 Purcell SD The analysts attitude toward pharmacotherapy J Am Psychoanal Assoc 200856391334 9 Kantor SJ Depression when is psychothe rapy not enough Psychiatr Clin North Am 199013224154 10 Gabbard GO Psychodynamic psychiatry in the decade of the brain Am J Psychiatry 199214989918 11 Damasio AR Decartes error New York G P Putnams Sons 1994 12 Press M The uses of medications in psycho 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Harder S Knudsen P Køs ter A Lindhardt A Lajer M et al Supportive psychodynamic psychotherapy versus tre atment as usual for firstepisode psychosis Twoyear outcome Psychiatry 2012754 33141 25 De Jonghe F Hendricksen M van Aalst G Kool S Peen V Van R et al Psychotherapy alone and combined with pharmacotherapy in the treatment of depression Br J Psychia try 20041853745 26 De Jonghe F Kool S van Aalst G Dekker J Peen J Combining psychotherapy and anti depressants in the treatment of depression J Affect Disord 2001642321729 27 Kool S Schoevers R Duijsens IJ Peen J van Aalst G De Jonghe F et al Treatment of depressive disorder and comorbid perso nality pathology combined therapy versus 454 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pharmacotherapy Tijdschr Psychiatr 2007 49636172 28 Kool S Dekker J Duijsens IJ De Jonghe F Puite B Changes in personality pathology after pharmacotherapy and combined the rapy for depressed patients J Pers Disord 20031716072 29 Molenaar PJ Boom Y Peen J Schoevers RA Van R Dekker JJ Is there a doseeffect re lationship between the number of psycho therapy sessions and improvement of so cial functioning Br J Clin Psychol 2011 50326882 Mentalização é a capacidade de compreen der a si mesmo e aos outros em termos de processos mentais como desejos sentimen tos e crenças Caracterizase principalmen te pela habilidade de perceber e interpretar comportamentos influenciados por estados mentais Uma capacidade de mentalização reduzida ou instável é um fatorchave em pacientes com transtorno da personalidade borderline TPB12 O TPB é uma condição crônica e in capacitante caracterizada por dificuldades na regulação de emoções e no controle de impulsos além de instabilidade em rela cionamentos interpessoais e na autoima gem3 Afeta 1 a 2 da população e 10 a 20 dos pacientes internados em hospitais psi quiátricos46 Comportamento suicida recorrente é encontrado em 69 a 80 dos casos sendo as taxas de suicídio estimadas em 107 A necessidade de um tratamento efi caz rápido e facilmente aplicável para os pacientes com TPB tornouse evidente a partir da alta prevalência e das graves con sequências do transtorno como suicídio e automutilação A terapia de mentalização TM foi desenvolvida a partir dessa de manda É uma psicoterapia manualizada orientada a partir de conceitos psicanalíti cos com eficácia comprovada em ensaios clínicos randomizados Na atualidade vem sendo aplicada e testada em pacientes com outros transtornos mentais8 CONCEITO DE MENTALIZAÇÃO Mentalização é o processo pelo qual com preendemos a nós mesmos e aos outros de forma implícita e explícita em termos de estados subjetivos É uma atividade mental predominantemente préconsciente uma reação emocional intuitiva19 A percepção de que o comportamen to é comandado por estados mentais leva à sensação de controle e continuidade aspecto central à experiência subjetiva de sentirse emocionalmente ativo Tal expe riência é fundamental para a formação da identidade do sujeito A experiência e a interpretação simultâneas da emoção que são cruciais para sua regulação podem ser descritas como afetividade mentaliza da110 Mentalização segundo Allen indi ca um senso de conexão com o self temos a sensação de nós mesmos como um agente emocional ativo11 A capacidade de compreender o com portamento dos outros em termos dos seus possíveis pensamentos e sentimentos é uma importante aquisição do desenvolvimento 26 TERAPIA DE MENTALIZAÇÃO Mariana Eizirik Peter Fonagy 456 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs facilitada por relações de apego seguras A compreensão dos outros depende de co mo quando crianças os próprios estados mentais foram adequadamente entendidos pelos pais ou cuidadores12 Por extensão o processo de desenvolvimento pode ser perturbado por adversidades sociais em especial negligência precoce13 Pessoas que sofreram tais experiências provavelmente em associação a uma predisposição genéti ca são mais vulneráveis a perder a capaci dade de mentalizar em situações de sobre carga emocional A falha da mentalização inicia o retorno de mo dos de representar a realidade interna que a antecedem no desenvolvimento os quais po dem ser chamados de não mentalizantes Dois desses estados são a equivalência psíqui ca e o modo teleológico A equivalência psíquica comum em crianças entre 2 e 3 anos caracterizase pela ausência de diferenciação entre reali dade interna e externa e por intolerância a perspectivas diferentes É conhecida como concretude do pensamento não existe a experiência do se tudo é sentido como real O exagero das reações dos pacientes ocorre pela seriedade com que interpretam sua visão de si mesmos e dos outros No modo teleológico a aceitação de um estado mental ocorre apenas se este for evidencia do de forma concreta e explícita Há uma predominância do que é físico Afeição por exemplo só é considerada verdadeira quando demonstrada fisicamente Essas estruturas mentais precoces manifestamse como impulsividade desregulação do afeto e propensão ao acting out1914 Uma capacidade de mentalização re duzida ou instável existe em certa propor ção na maioria dos transtornos mentais É possível compreender muitos transtornos como a interpretação equivocada que a mente faz acerca da experiência A teoria da mentalização vem sendo aplicada em muitos transtornos mentais transtorno de estresse póstraumático quando as memó rias são experienciadas como equivalência psíquica15 transtornos alimentares domi nados geralmente pelo modo teleológico16 transtorno da personalidade antissocial por definição caracterizado pelo modo te leológico17 em diferentes contextos pa cientes hospitalizados em hospitalização parcial ambulatoriais1820 e em diferentes grupos de pacientes famílias adolescen tes2124 Contudo o método de tratamen to baseado nessa teoria é mais claramente organizado como uma terapia para pacien tes com TPB Apenas nessa condição é que existem evidências empíricas diponíveis em ensaios clínicos randomizados FALHA DA MENTALIZAÇÃO EM PACIENTES COM TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE A teoria da mentalização baseiase na teo ria do apego de Bowlby25 sendo sua elabo ração atual centrada nas vulnerabilidades constitucionais dos indivíduos Existem evidências de que pacientes com TPB apre sentam história de apego desorganizado o que leva a problemas na regulação do afe to na atenção e no autocontrole Sugerese que tais dificuldades sejam mediadas pela falha no desenvolvimento da capacidade de mentalização8 Em uma interação saudável a crian ça encontra uma versão modulada de seus estados mentais refletida pelo cuidador Essas respostas são necessárias para que de senvolva a representação dos seus estados Psicoterapia de orientação analítica 457 mentais utilizados para regular afetos pró prios e compreendêlos nos outros Quando esse espelhamento é incongruente a criança internaliza representações dos estados mentais do cuidador em vez de suas próprias experiências Isso cria uma sensação de alien self ou seja a criança internaliza os estados mentais do cuidador como parte de sua repre sentação21026 Uma resposta com pobre mentaliza ção do cuidador pode prejudicar o desen volvimento saudável de capacidades cog nitivas e sociais da criança em especial a regulação do afeto e o funcionamento da atenção focada27 Muitos fatores se rela cionam ao prejuízo do desenvolvimento normal da mentalização O mais signifi cativo é o trauma psicológico na infância principalmente se provocado por figuras de apego A ocorrência de um trauma gera medo fazendo ser o sistema de apego ati vado o que leva a criança a buscar proteção no cuidador Quando o próprio cuidador é quem maltrata a criança é retraumatizada criandose um círculo vicioso com uma ativação crônica do sistema de apego Isso inibe mais ainda a capacidade de mentali zação1228 Fig 261 Existem pelo menos três caminhos pelos quais a mentalização pode ser preju dicada contribuindo para a psicopatologia de pacientes com TPB Primeiro defesas psicológicas podem ser ativadas cons tantemente para proteger o indivíduo de pensamentos acerca dos estados mentais do cuidador inibindo o desenvolvimento da mentalização Segundo mudanças na atividade cerebral desenvolvemse como consequência de um trauma o que neu traliza mais facilmente a mentalização em indivíduos traumatizados Terceiro um trauma relacionado ao apego pode levar à hipersensibilidade desse sistema resultan do em um ritmo acelerado da necessidade de intimidade com o aumento da excita ção levando à inibição da capacidade de mentalizar229 A fenomenologia do TPB pode ser compreendida como consequência de três fatores 1 Inibição da mentalização relacionada ao apego A falha da mentalização ocorre em relações de apego fora des te contexto os indivíduos com TPB mentalizam normalmente A menta lização gera a sensação de ser agente do próprio self Em situações de afetos negativos o paciente tem dificuldade de ver a si mesmo como responsável por seus atos levando a difusão de identidade incoerência e sensação de vazio A consequência é a dificuldade de compreender seus estados mentais e os dos demais 2 Reemergência de representações dos estados mentais anteriores à mentali zação como a equivalência psíquica e o modo teleológico 3 Pressão constante para utilização de identificação projetiva por meio de reexternalização do alien self destruti vo com base na internalização de uma figura parental não reflexiva e poten cialmente agressiva Figura 261 Ativação crônica do sistema de apego em pacientes vítimas de trauma Trauma Retraumatização Medo Ativação do sistema de apego 458 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A experiência de incongruência com o self é reduzida pela externalização com o mecanismo de identificação projetiva frequentemente utilizado por pacientes com TPB O alien self terrificado fica projetado no outro que se torna veículo do que é emocio nalmente intolerável A externalização desses estados mentais é reconhecida nos sentimentos contratransferenciais dos terapeutas que atendem pacientes com esse transtorno Uma alternativa à identificação projetiva é obter alívio das emoções intoleráveis com autoagressão e suicídio1914 TERAPIA DE MENTALIZAÇÃO Objetivos O mecanismo de muitos tratamentos para TPB é a recuperação da capacidade de mentalizar no contexto de uma relação de apego O obje tivo principal da TM é desenvolver um processo terapêutico em que a percepção do paciente so bre sua própria mente e a dos outros seja o foco do tratamento O paciente deve descobrir como sente e pensa em relação aos outros e como isso influencia suas respostas Além disso deve perceber como erros em tal compreensão levam a ações que são tentativas de retomar a estabilidade e fazer sentido de sentimen tos incompreensíveis Ou seja agir é a ma neira conhecida de compreender de sentir a maneira com a qual o paciente se sente mais seguro1230 A função inicial da TM é estabilizar a expressão emocional já que sem melhora no controle do afeto não pode haver uma apreciação consistente das representações internas A identificação e a expressão do afeto são trabalhadas no primeiro momen to pois representam uma ameaça à tera pia e à vida do paciente Apenas quando a impulsividade e a regulação do afeto esti verem controladas é que se pode focar nas representações internas e na percepção do paciente de seu próprio self8 A meta das intervenções é reinstaurar a mentalização perdida ou tentar mantêla em situações nas quais há risco de perdê la Os terapeutas devem utilizar no iní cio técnicas gerais como empatia suporte e clarificação para engajar o paciente no processo de mentalização Depois devem moverse para intervenções designadas especificamante para estimular a relação de apego em situações controladas o que inclui o foco na relação terapeutapaciente por meio da mentalização da transferên cia8 Variantes e fases do tratamento Duas variantes da TM foram testadas de forma empírica A primeira é um programa de hospitaldia frequentado cinco vezes por semana com duração máxima de 18 a 24 meses A segunda é um programa in tensivo de tratamento extrahopitalar que consiste em uma sessão individual de 50 minutos e uma sessão de terapia em grupo semanais Nas duas variantes o terapeu ta individual e o da terapia em grupo são diferentes Para ser decidido o programa para o qual o paciente será encaminhado consideramse principalmente o risco e a estabilidade da situação social em questão1 O tratamento dividese em três fases A fase inicial começa com uma avaliação da Psicoterapia de orientação analítica 459 capacidade de mentalização do paciente a partir de seus relacionamentos interpes soais mais relevantes Isso gera um panora ma de tais relacionamentos e suas conexões com problemas de comportamento Essa fase se encerra com o diagnóstico de TPB uma explicação sobre as possíveis causas do transtorno os objetivos do tratamen to e seu funcionamento Estabelecese um contrato as medicações são avaliadas e de senvolvese um plano de ação em situação de crise12 A fase intermediária caracterizase pelo fortalecimento da aliança terapêutica e pela manutenção da capacidade de men talização A fase final iniciase aos 12 meses do tratamento Enfatizamse os aspectos in terpessoais e sociais do funcionamento do paciente juntamente com a consolidação do trabalho inicial As respostas associadas a separação e perda são trabalhadas e um plano de seguimento é elaborado de forma conjunta com o paciente12 Atitude do terapeuta O foco constante do terapeuta é no estado mental atual do paciente ao mesmo tem po que verbaliza a própria perspectiva em relação ao estado mental deste A preo cupação principal é estado mental não comportamento O terapeuta deve se per guntar O que está acontecendo na men te do paciente agora O que se passava na mente do paciente que gerou a situação atual Constrói e reconstrói a imagem do paciente em sua mente para ajudálo a compreen der seus sentimentos O paciente deve se encontrar na mente do terapeuta e viceversa Os dois precisam experimentar o processo de uma mente sendo modifica da por outra12 O terapeuta adota uma atitude de não saber inquisitiva curiosa enfatizando que os estados mentais são opacos e que não pode saber mais do que o paciente sobre seus pensamentos Pergunta ativamente sobre a experiência do paciente solicitan do descrições detalhadas Que questões em vez de Que explicações Por que tais questões É importante que fale da necessidade de compreender o que não faz sentido para ele dizendo quando algo não está claro Deve monitorar e compreender os relacionamentos interpessoais e sua li gação com os estados mentais do paciente Exemplos de perguntas dentro desse enfo que são Por que você acha que ele disse isso Como você lidou com o que acon teceu ontem128 Quando o terapeuta enxerga uma perspectiva diferente daquela do paciente isso é verbalizado e explorado evitando discussões acerca de qual ponto de vista é mais válido A tarefa é identificar os proces sos mentais que levaram às diferentes alter nativas e considerar cada uma em relação à outra Isso gera a ideia de que diferentes visões podem ser aceitas214 O terapeuta deve refletir sobre seus próprios erros relacionados à não menta lização dentro da relação terapêutica e dis cutir sobre eles Tratase de uma oportu nidade para aprender mais sobre sentimen tos e experiências Deve falar sobre o que aconteceu para demonstrar que está con tinuamente refletindo sobre o que se passa em sua mente e em suas ações relacionadas ao paciente Tal postura ajuda o paciente a descobrir um meio de perceber a si mesmo e aos outros pela experiência gerada com a terapia de uma mente considerando ou tra mente Um terapeuta seguro com suas falhas e dúvidas ajuda o paciente a expor o que pensa e a questionar seus esquemas rígidos O paciente vendo como o tera 460 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs peuta maneja seus erros e dúvidas pode se sentir mais seguro em fazer o mesmo a partir desse modelo vendo que isso é pos sível214 As intervenções são simples e curtas focadas no afeto no que está ocorrendo entre paciente e terapeuta naquele momento São centradas na mente não no com portamento Pacientes com TPB têm ten dência a agir em vez de pensar e sentir daí o cuidado para não focar somente no comportamento que é a maneira como se expressam Uma possibilidade é discutir inicialmente o impacto que a ação teve no paciente para depois avaliar o estado men tal que precedeu o comportamento1 As in tervenções devem ser relacionadas a even tos atuais ou à relação interpessoal pre sente já que a experiência é sentida como real enquanto tratada Não se recomenda enfatizar preocupações in conscientes pois esses pacientes têm uma fraca noção de sua subjetividade É difícil que comparem a validade de suas percepções em relação ao seu funcionamento mental com a manei ra apresentada pelo terapeuta Assim po dem aceitar intervenções mais complexas sem críticas com admi ração ou inveja ou rejeitar sem tolerar alternativas Isso leva a mais desintegração Por exemplo dizer que o paciente está com raiva e relacionar tal aspecto a um evento ou estado mental específico não deve trazer integração e sim mais confusão porque o paciente não con segue ter essa percepção identificar esse sentimento e essa relação12 Mentalização da transferência O objetivo não é fornecer insight sob os motivos do paciente perceber o terapeuta de certa maneira mas estimular sua curio sidade a respeito desses motivos e poder considerar alternativas além da versão es pecífica que está tendo do terapeuta28 A vinheta clínica apresentada a seguir ilustra esse aspecto do tratamento ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Paciente Você não se preocupa comigo Para você eu sou só trabalho e mesmo como trabalho sou chato e desinteressante Terapeuta Eu não estou bem certo do que eu fiz mas devo ter feito algo talvez nos últimos minutos ou antes que deixou você convencido disso Você tem alguma ideia do que pode ter sido va lidação do sentimento transferencial Paciente Eu vi você bocejando e antes você olhou para o relógio Terapeuta Não me dei conta de ter bocejado mas me lembro de ter olhado para meu relógio Talvez da maneira que você esteja se sentindo no momento seja inconcebível que possa existir outra razão para que eu tenha olhado o meu relógio a não ser achar você chato Paciente É claro que você estava entediado É óbvio Terapeuta Fico surpreso de como isso é óbvio para você Por que você acha que é tão difícil pensar em outras possibilidades mesmo que se o que você estiver pensando for verdade Continua Psicoterapia de orientação analítica 461 Evidências da efetividade da terapia de mentalização Comparouse a efetividade da TM realizada em pacientes com TPB em um esquema de hospitalização parcial com tratamentopa drão por meio de um ensaio clínico rando mizado Foram randomizados 44 pacien tes e 19 foram avaliados em cada grupo O tratamento do grupo em hospitalização parcial consistia de TM indivi dual semanal e TM em grupo três vezes por semana O tratamentopadrão oferecia avaliação psi quiátrica internação psiquiátrica se neces sário e seguimento ambulatorial após a al ta O tratamento teve duração de 18 meses Os desfechos avaliados foram atos suicidas e de automutilação número e duração mé dia de hospitalizações uso de psicofárma cos medidas autorrespondidas de depres são ansiedade funcionamento interpes soal e ajustamento social Os pacientes com TM apresentaram melhora significativa em relação aos do grupocontrole em todos os desfechos que ficaram evidentes a partir de seis meses de tratamento18 Os 44 pacientes que participaram do estudo original continuaram sendo avalia dos a cada três meses após o término do estudo com as mesmas medidas de desfe cho Um estudo de seguimento realizado após 18 meses do fim do tratamento com TM demonstrou que aqueles que comple taram o programa não apenas mantiveram os ganhos obtidos como mostraram uma melhora significativa continuada na maio ria das medidas de desfecho ao contrá rio dos pacientes do grupocontrole Esse achado sugere que mudanças a longo prazo foram estimuladas pelo programa de hos pitalização parcial com TM19 Além disso outro estudo demonstrou que não houve diferenças em relação aos custos entre os tratamentos sendo que os custos da TM tenderam a diminuir no seguimento o que não ocorreu com o tratamentopadrão31 Todos os pacientes que participaram do estudo inicial foram avaliados oito anos após a randomização Os que receberam TM seguiram apresentando melhores des fechos em medidas de risco de suicídio sintomatologia psiquiátrica utilização de Continuação Paciente Eu sou tão chato Eu sempre sinto que você não quer estar comigo e que preferiria estar em outro lugar Terapeuta Entendo Então quando você me viu olhando para o relógio deve ter pensado que eu gosta ria de estar fazendo outra coisa Paciente Eu pensei que tinha perdido você Pensei que você tinha ido embora me abandonado Terapeuta Agora eu entendo por que você ficou tão brabo Como temos visto é muito difícil para você quando esses sentimentos de abandono começam Você sente que tem que fazer alguma coisa Paciente Às vezes eu só tenho que acusar ou atacar alguém e agora acusei você mas na maioria das vezes só funciona quando eu me ataco Eu termino sendo quem mais sofre Terapeuta Eu imagino que quando você fica brabo com as pessoas elas podem muitas vezes sair de perto de você antes que as ataque Paciente Tenho certeza de que isso acontece mas eu não consigo evitar Esse sentimento de que fui deixado é tão forte Fico aterrorizado com a ideia de que algum dia você irá me deixar12 462 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs serviços de saúde uso de medicação fun cionamento global e medidas de estado vo cacional Todavia apesar de terem mantido os ganhos iniciais suas funções sociais permaneceram prejudicadas Ainda assim mais pacientes do grupo com TM estavam empregados ou estudando sendo que 14 permaneciam com critérios para TPB com parados a 87 do grupocontrole32 Comparouse a efetividade de TM em 134 pacientes com TPB em um contexto extrahospitalar a um manejo clínico es truturado padrão com um componente de psicoterapia de apoio Os desfechos primá rios foram a ocorrência de comportamento suicida e de autoagressão grave e internação psiquiátrica Houve melhora importante nos dois grupos mas os pacientes que rece beram TM apresentaram melhora pronun ciada em todos os desfechos primários20 Concluiuse que tratamentos estruturados trou xeram benefícios significativos para pacien tes com TPB já que a taxa de melhora nos dois grupos foi maior do que a remissão espontânea dos sintomas do transtorno A TM foi superior ao tratamentocontrole por focar em funções psi cológicas relevantes aos sintomas de TPB CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento de intervenções psi codinâmicas que tenham como objetivo identificar e tratar os prejuízos específicos envolvidos na psicopatologia de um trans torno é fundamental para a tarefa de au mentar a efetividade desses tratamentos33 O prejuízo na capacidade de mentalização característico de inúmeros transtornos é um fator central do transtorno da persona lidade borderline A terapia de mentalização comprovou ser eficaz em ensaios clínicos randomizados e representa a combinação dos seguintes processos desenvolvimentais o estabelecimento de uma intensa relação de apego baseada na tentativa de engajar o paciente em um processo de compreensão de seus estados mentais e a representação coerente dos pensamentos e sentimentos do paciente para que este possa reconhecer a si mesmo como capaz de pensar e sentir em um contexto de reposta emocional in tensa A retomada da capacidade de men talizar ajuda o paciente a regular de forma positiva seus pensamentos e sentimentos o que pode transformar de forma positiva as relações interpessoais e a autorregulação do afeto8 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Mentalização é a capacidade de compreender a si mesmo e aos outros em termos de processos mentais como desejos sentimentos e crenças 2 A capacidade de compreender o comportamento dos outros em termos de seus possíveis pensamentos e sentimentos é uma importante aquisição do desenvolvimento facilitada por relações de apego segu ras 3 A teoria da mentalização é baseada na teoria do apego de Bowlby e sua elaboração atual é centrada nas vulnerabilidades constitucionais dos indivíduos 4 Uma capacidade de mentalização reduzida ou instável existe em certa medida na maioria dos transtor nos mentais que podem ser entendidos como a mente interpretando de forma equivocada as suas próprias experiências Psicoterapia de orientação analítica 463 REFERÊNCIAS 1 Bateman A Fonagy P MentalizationBa sed Treatment for Borderline Personality Di sorder A Practical Guide New York Oxford University Press 2006 2 Eizirik M Fonagy P Mentalizationbased treatment for patients with borderline per sonality disorder an overview Rev Bras Psi quiatr 20093117275 3 Skodol AE Gunderson JG Pfohl B Widi ger TA Livesley WJ Siever LJ The borderli ne diagnosis I psychopathology comorbidi ty and personality structure Biol Psychiatry 20025112936950 4 Gross R Olfson M Gameroff M Shea S Fe der A Fuentes M Lantigua R Weissman MM Borderline personality disorder in primary care Arch Intern Med 200216215360 5 Lenzenweger MF Loranger AW Korfine L Neff C Detecting personality disorders in a nonclinical population Application of a 2stage procedure for case identification Arch Gen Psychiatry 1997544345351 6 Torgersen S Kringlen E Cramer V The prevalence of personality disorders in a community sample Arch Gen Psychiatry 2001586590596 7 Schneider B Schnabel A Wetterling T Bar tusch B Weber B Georgi K How do perso nality disorders modify suicide risk J Pers Disord 2008223233245 8 Bateman A Fonagy P Mentalization based treatment for borderline personality disor der World Psychiatry911115 9 Bateman A Fonagy P Psychotherapy for Bor derline Personality Disorder A Mentaliza tionBased Treatment Oxford Oxford Uni versity Press 2004 10 Fonagy P Gergely G Jurist E Target M Affect Regulation Mentalization and the De velopment of the Self New York Other Press 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da terapia de mentalização é desenvolver um processo terapêutico em que a per cepção do paciente sobre a sua própria mente e a dos outros seja o foco do tratamento O paciente deve ser ajudado a descobrir como sente e pensa em relação aos outros e como isso influencia suas respos tas 7 O foco constante do terapeuta é o estado mental atual do paciente ao mesmo tempo que verbaliza a sua própria perspectiva em relação ao estado mental deste A atenção predominante é no estado men tal não no comportamento 8 O terapeuta adota uma atitude de não saber inquisitiva curiosa destacando que os estados mentais são opacos e que não pode saber mais do que o paciente sobre os seus pensamentos 9 O terapeuta verbaliza e explora o que está ocorrendo quando enxerga uma perspectiva diferente daquela do paciente procurando identificar os processos mentais que levaram às diferentes alternativas gerando a ideia de que diferentes visões podem ser aceitas 464 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 15 Allen JG Traumatic relationships and se rious mental disorders Wiley ed Chiches ter 2001 16 Skarderud F Eating ones words Part III Mentalisationbased psychotherapy for ano rexia nervosa an outline for a treatment and training manual Eur Eat Disord Rev 2007155323339 17 Bateman A Bolton R Fonagy P Antisocial Personality Disorder A Mentalizing Fra mework FOCUSJ Lifelong Learning Psy chiatry 2013112178186 18 Bateman A Fonagy P Effectiveness of par tial hospitalization in the treatment of bor derline personality disorder a randomi zed controlled trial Am J Psychiatry 1999 1561015631569 19 Bateman A Fonagy P Treatment of bor derline personality disorder with psychoa nalytically oriented partial hospitalization an 18month followup Am J Psychiatry 200115813642 20 Bateman A Fonagy P Randomized control led trial of outpatient mentalizationbased treatment versus structured clinical mana gement for borderline personality disorder Am J Psychiatry 20091661213551364 21 Sharp C Williams LL Ha C Baumgardner J Michonski J Seals R Patel AB Bleiberg E Fonagy P The development of a mentaliza tionbased outcomes and research protocol for an adolescent inpatient unit Bull Men ninger Clin 2009734311338 22 Rossouw TI Fonagy P Mentalizationba sed treatment for selfharm in adolescents a randomized controlled trial J Am Acad Child Adolesc Psychiatry511213041313 e1303 23 Asen E Fonagy P Mentalizationbased The rapeutic Interventions for Families J Family Therapy 201234347370 24 Vrouva I Fonagy P Development of the Mentalizing Stories for Adolescents MSA J Am Psychoanal Assoc 20095711741179 25 Bowlby J Attachment and Loss Vol 1Atta chment London Hogarth PressInstitute of Psychoanalysis 1969 26 Gergely G Watson JS The social biofeedback theory of parental affectmirroring the de velopment of emotional selfawareness and selfcontrol in infancy Int J Psychoanal 199677 Pt 611811212 27 Fonagy P Target M Early intervention and the development of selfregulation Psycho anal Inq 2002223307335 28 Bartels A Zeki S The neural 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alguns conceitos como gênero identidade de gênero e identidade sexual Ilustra com material clínico situações nas quais é possível observar a influência do gênero do terapeuta no processo de trata mento Procuramos destacar como o gênero pode influenciar o processo terapêutico em seu desenvolvimento tendo em vista o bi nômio transferênciacontratransferência e o campo intersubjetivo A subjetividade e a identidade de gênero se mo delam em cada caso segundo a maneira pela qual o psiquismo individual se estrutura de acordo com o trabalho de determinação e sig nificação pautado pela sociedade doadora de sentido e mediado pela família A diferença entre os modos de repre sentar significar e praticar as condições masculina e feminina nas diversas socieda des e culturas se radicaliza quando já não se trata só de representar a masculinidade e a feminilidade senão de instituílas de fazêlas ser o que são A sexualidade é uma construção social e cultural que varia con forme a época e as disciplinas científicas que racionalizam a relação de poderes e de dominação de um sexo sobre o outro1 Os conceitos psicanalíticos de mas culinidade e feminilidade referemse a um sistema complexo de crenças que cada pes soa desenvolve em relação à anatomia e às diferenças anatômicas A elas se adicionam fantasias incons cientes que levam cada indivíduo a formar um sentido pessoal de masculinidade e feminilidade que pode concordar ou não com seu sexo biológico Há além disso um reconhecimento geral de que as influências culturais contribuem de forma poderosa Masculino e feminino não são modelos ab solutos Variam de uma cultura para outra tanto quanto de uma época para outra26 Tem havido um crescente interes se entre profissionais de diversas áreas do conhecimento a respeito do gênero intro duzindose novas variáveis além da inter relação entre o masculino e o feminino conferindolhe um caráter transdisciplinar Se por um lado esse movimento da comu nidade científica nos conduz a vi sualizar 27 GÊNERO E PSICOTERAPIA Marlene Silveira Araujo Carolina Silveira Campos 466 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs novas perspectivas de entendimento e abrir novos paradigmas que nos permitem avan çar no conhecimento por outro podemos incorrer em um reducionismo teórico e em uma simplificação conceitual que prejudi cam o avanço científico GÊNERO IDENTIDADE DE GÊNERO IDENTIDADE SEXUAL Mesmo que não nos proponhamos a fazer uma revisão teórica sobre o desenvolvi mento do gênero destacamse aqui alguns conceitos que se prestam a confusões ou superposições para que possamos com preender o que será desenvolvido neste ca pítulo Em 1955 John Money propõe o ter mo gênero para descrever o conjunto de condutas atribuídas a homens e mulheres Mas foi Robert Stoller37 quem estabeleceu claramente a diferença entre sexo e gênero a partir do estudo de crianças malformadas que receberam a denominação do seu sexo ao nascer e foram educadas de acordo com um sexo que não era o seu O sexo portanto constitui um fato biológico enquanto o gênero tem relação com os signi ficados que cada sociedade atribui a tal fato Desde muito cedo são observados comportamentos diferentes entre crianças do sexo masculino e do sexo feminino Mo ney citado por Person8 demonstrou que o primeiro passo e o mais crucial no desen volvimento do gênero é a autodesignação da criança ou seja o rótulo dado pelos pais como homem ou mulher Tal designa ção identidade externa de gênero surge em concordância com o sexo atribuído o gênero interno é o sentimento resultante consciente ou inconsciente de pertencer a um ou outro sexo A diferenciação de gêne ro é observada a partir do primeiro ano de vida e em circuns tâncias normais é imutá vel até o terceiro ano A identidade de gênero é mais abran gente do que o gênero interno Referese não só à distinção entre homem e mulher como também entre masculinidade e femi nilidade abarcando atributos culturalmen te determinados Além dos fatores externos a polari zação masculinofeminino organiza a au toimagem e é uma parte importante da autoidentidade O gênero é um conceito polêmico e em construção Como tal é re sultado de um entrecruzamento de aspec tos da vida das pessoas como a história fa miliar as oportunidades educativas o nível socioeconômico entre outros Para Dio Bleichmar9 sempre que nos referimos aos fenômenos humanos em termos de feminilidade e masculinidade estamos nos referindo ao gênero de uma pessoa Segundo a autora Freud não tinha ferramentas conceituais suficientes para conceber o gênero ao contrário dos ana listas dos anos de 1990 em diante a par tir dos quais este passou a ser um conceito corrente que circula nos meios científicos e psicológicos9 EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS SOBRE GÊNERO Meyers10 defende que existem inúmeras variáveis do paciente e do analista que in fluenciam o processo analítico sendo o gênero uma delas Assim em cada caso a dinâmica o caráter e o contexto são dife Psicoterapia de orientação analítica 467 rentes Em relação ao terapeuta as variá veis diferem dependendo do seu caráter de antecedentes pessoais da formação prévia e do estilo A autora propõe que o gênero do terapeuta afeta o curso do tratamento conforme a sequência a intensidade e a inescapabilidade de certos pa radigmas transferenciais A literatura está repleta de relatos de casos clínicos de pacientes dos sexos mas culino e feminino tratados por terapeutas homens e mulheres sem haver maior preo cupação com o impacto causado pelo gê nero do terapeuta como tal Não obstante Freud11 diziase em desvantagem na aná lise de suas pacientes em relação às suas colegas mulheres Intuía assim que alguns mistérios femininos seriam somente des vendados por analistas mulheres Muito interessantes são as questões levantadas por Meyers10 sobre o impacto causado pelo gênero do terapeuta sobre o paciente considerando que o gênero com pleto do terapeuta ou a fantasia incons ciente relacionada a este é uma variante que merece ser investigada Concordamos quando refere que em uma análise bem conduzida em geral o gênero do analista e outros aspectos da realidade têm pouca influência pois todos os paradigmas trans ferenciais chegam a ser estabelecidos e ela borados Merece destaque sua observação de que o gênero deve influenciar mais nas psicoterapias de orientação psicanalítica por estarem elas mais ligadas à realidade apresentarem menos regressão e não che garem a abordar todas as transferências ChasseguetSmirgel12 sugere que o efeito do gênero é maior nos pacientes mais regressivos que têm uma noção pouco cla ra de sua identidade e necessitam apegarse ao sexo real do terapeuta como um elemen to organizador Os autores que estudam esse tema são unânimes em indicar que a preocupação excessiva quanto ao gênero pode ocasionar pontos cegos O refe rencial teórico do terapeuta também pode influen ciar o processo Portanto o ideal deve ser uma atitude livre do terapeuta descom promissada com a teoria mas atenta à es cuta do paciente e disposta à investigação Breen13 descreveu o que denominou o enigma dos gêneros O autor contri buiu notavelmente para a compreensão da complexidade do tema e a revolução cau sada pelo avanço dos estudos em relação aos homens às mulheres à sexualidade fe minina e à mudança cultural e social com a crescente participação das mulheres na sociedade Autores como Kernberg14 Ei zirik15 Tubert16 e Flax17 têm destacado a influência do gênero no processo analítico como decorrência dos estudos desenvol vidos nessa área bem como nas discipli nas afins paralelos às mudanças sociais e cul turais na sociedade As mudanças de ordem geral na psicanálise abriram novas con siderações em torno da pessoa do ana lista e de sua participação no processo te rapêutico Sobre a pessoa do analista Alizade18 aponta que ele tem sexo identidade de gê nero função analítica e eleição de objeto Além disso tem crenças e ideologias A partir do inconsciente do paciente o funda mental tornase saber quem é o analista para ele paciente interpretado pelo analista em dis tintos momentos do tratamento A resposta do analista está limitada pelo quantum de mobili dade psíquica no que concerne a assumir uma bissexualidade lúdica sem que isso altere sua identidade de gênero 468 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ESTUDOS ATUAIS SOBRE GÊNERO Nos últimos anos tem havido um aumen to considerável de contribuições e revisões sobre as questões de gênero e sua influên cia no processo terapêutico as diferenças de participação de homens e mulheres na so ciedade sua criatividade seu trabalho en tre outras questões Apesar das revelações obtidas por meio de pesquisas qualitativas e quantitativas os resultados são passíveis de critérios muitas vezes bastante rigoro sos Predomina entre os terapeutas a ideia de que seu gênero não tem influência no processo e de que a transferência por de finição tem pouca relação com a realidade dos atributos do analista19 No processo psicanalítico a identi dade de gênero e seu reconhecimento tanto da parte do analista para com seu paciente quanto do analista para consigo mesmo no setting terapêutico têm sido ob jeto de estudo e preocupação de muitos au tores102027 Isso pode ser decorrência de algumas questões ainda não respondidas pelos analistas que são para Kernberg14 as relações entre gênero e sexualidade e entre desejo erótico e amor Além disso existem os desafios nos limites da relação analítica como facilitadora ou continente para a ex ploração de conflitos edípicos e por fim as tentações as proibições e os derivativos da tensão erótica que ocorrem de forma transferencial e contratransferencial Entre as pesquisas que exploram a relação identidade de gênero analistaana lisando destacase o estudo de Langs e co laboradores25 que apresentaram dados comparativos de uma paciente do sexo feminino vista por três analistas do sexo masculino em sessões gravadas em vídeo Os resultados demonstraram que a fre quência de alusões à questão do gênero e a análise gramatical relativa à diferença de gênero revelaram diferenças significativas em cada uma das três díades no que diz res peito ao sistema criado pelo sujeito e os três analistas ao material apresentado pelo su jeito e aos temas abordados pelos analistas No entanto mesmo que esse estudo tenha demonstrado a importância do conceito de identidade de gênero pela diferença dos temas de gênero dessa paciente com cada um dos analistas fica a questão de como tal paciente responderia a três analistas do sexo feminino Em um dos estudos pioneiros no Bra sil sobre a questão do gênero e de suas in fluências na díade terapêutica Araujo e co laboradores19 apresentaram uma vinheta clínica de uma paciente a quatro membros didatas da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA sendo três do sexo masculi no e um do sexo feminino todos com mais de 10 anos de prática clínica Os resultados demonstraram que houve homogeneidade quanto ao entendimento do conflito cen tral da paciente e quanto aos aspectos cen trais transferenciais e contratransferenciais da díade embora este último elemento tenha sido apontado como pouco explora do No entanto houve discordância entre os pesquisados em relação à influência da identidade de gênero no processo analítico Dos quatro analistas dois mostraramse convencidos de sua importância Os outros dois apontaram as peculiaridades da díade como mais importantes de serem avaliadas do que propriamente a identidade de gê nero Outro estudo brasileiro sobre a ques tão do gênero e da prática psicana lítica coor denado por Haudenschild28 procurou in vestigar a diferença de escuta analítica con forme o gênero dos analistas e dos pacien tes por meio das formulações das inter Psicoterapia de orientação analítica 469 pretações Esse grupo pensa que há fatores tanto sexuais biológicos inatos como ge néricos relativos a comportamento cultu ra e sociedade na formação da identidade de gênero Assim homem e mulher seja paciente seja analista serão influen ciados por esses fatores Estudando as relações da mulher com o trabalho Berlin de Polito29 alerta que a teoria de gênero considera as experiên cias da mulher e do homem distintas Isso acontece não só por diferenças biológicas como também por significações social e cultural que se sobrepõem assim como pe la tendência de interpretar essas diferenças como se um sexo fosse superior ao outro Para essa autora os analistas têm desdenhado a visão do gênero por consi de rálo uma questão de cunho sociológico A in clusão ou não do gênero como variável importante no processo pode ser resultado da restrição por parte dos analistas de tra duzir aspectos da realidade nos tratamen tos Berlin de Polito29 ressalta que o gênero do ana lista é indiferente porém é importante a posi ção que elea toma diante das peculiaridades relativas ao gênero Amendoeira30 apresenta uma pesqui sa realizada na Sociedade Brasileira de Psi canálise do Rio de Janeiro na forma de uma pergunta O gênero faz diferença na escuta e no trabalho psicanalíticos As respostas centraramse basicamente na opinião de que o gênero é um dos elementos da subje tividade tanto dos pacientes quanto dos te rapeutas Os participantes da pesquisa con sideraram que a constituição da identidade de cada um por meio de identificações as diferentes respostas em função do gênero e as fantasias inconscientes seriam diferen tes para homens e mulheres O gênero do analista favoreceria ou não a emergência e a predominância de determinadas fantasias e projeções Outra interessante pesquisa procu rou confirmar uma maior probabilidade de analistas do sexo feminino serem pro curadas por seus pacientes inclusive para dar notícias sobre sua vida após o término da análise em comparação com seus co legas do sexo masculino31 A configura ção perceptiva que se desenvolve a partir da identidade de gênero terá seus efeitos sobre o esquema corporal sobre as estru turas simbólicas incluídas as linguísticas e sobre a realidade psíquica da vida coti diana32 Como resultado da desigualdade de gênero na expectativa de vida existe tam bém uma maior proporção de mulheres do que de homens com idade avançada33 Os problemas e as mudanças que acom panham essa fase da vida são predomi nantemente femininos As mulheres são discriminadas por serem mulheres e ve lhas Amendoeira30 em uma pesquisa qua litativa sobre a diferença de aceitação da aposentadoria entre homens e mulheres demonstra mais uma vez os aspectos pe culiares ao gênero que interferem na forma de lidar com situações de perdas REFLEXÕES A PARTIR DA CLÍNICA Sobre as questões do gênero Meyers10 re flete a partir de três áreas a serem explora das A primeira é a expectativa do paciente em relação ao terapeuta desde o início com o estabelecimento da relação transfe rênciacontratransferência prove niente de 470 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs fantasias inconscientes projetadas pelos componentes do par pacienteterapeuta A segunda diz respeito aos aspectos reais da transferênciacontratransferência du rante o tratamento e que têm relação com o gênero do terapeuta e do paciente A ter ceira área se refere a assuntos específicos como gravidez da paciente ou da terapeuta Todos dispomos de exemplos clínicos em nossa prática que nos conduzem a re fletir sobre o tema e a contribuir para novas teorias Seguem alguns exemplos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Paulo 21 anos refere ficar com o perfume da te rapeuta impregnado em suas mãos e reconhece que isso o perturba em uma postura crítica e de fensiva diz que o perfume contrasta com a atitu de distante e incógnita da terapeuta ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Léo 7 anos percebe mudanças no visual da te rapeuta fazendo comentários sobre corte e mu dança da sua cor do cabelo revelando seu gosto e expressando sua opinião Os pacientes obtêm dados do tera peuta a partir de estímulos externos Con sideramos que esses estímulos mobilizam fantasias e desejos os quais se expressam na transferência e são ligados ao gênero do terapeuta Sob outro enfoque podemos pensar que Paulo não se perturbaria com o perfu me de um terapeuta homem ou que teria uma perturbação de outro tipo Léo apre ciaria os cabelos e as roupas de um tera peuta homem Faria comentários como faz com a terapeuta mulher A nosso ver e de acordo com a maioria dos au tores o gênero do terapeuta desencadeia as pectos transferenciais a partir de vivências primitivas que estavam dentro do paciente O quanto isso vai afetar o curso do tratamento não se sabe O peso da contratransferência no lidar com essas projeções vai depender da capacidade do analista de contêlas e metabolizálas Esses paradigmas transfe renciaiscontratransferenciais constituem problemas complexos Pensamos como outros autores que as reações transferenciais mais primitivas tendem a aparecer em primeiro lugar e são influenciadas pelo gênero do analista Sabese que pacientes homens frequen temente desenvolvem transferência ma terna ero tizada com terapeutas mulheres enquanto em tratamento com terapeutas homens a transferência materna demora mais a aparecer e predomina a transferên cia paterna Com maior frequência pacientes de ambos os sexos desenvolvem com mais fa cilidade transferência materna préedípica com terapeutas mulheres e transferência edípica com terapeutas homens10 Karme citado por Meyers10 sugere que transferências préedípicas maternas podem ser experimentadas com analistas de qualquer gênero porém as edípicas maternas ou paternas se estabelecem de acordo com a pessoa real do analista De qualquer maneira seja qual for o impacto do gênero do terapeuta no paciente deve haver também uma correspondência con tratransferencial relativa ao gênero Psicoterapia de orientação analítica 471 Viederman34 comenta que a relação real com o analista é vista como comple mentar e como um ingrediente importante para a mudança no processo analítico Para ele a psicologia psicanalítica do desenvolvi mento contribui para a nossa compreensão de como a pessoa real do analista sua dis ponibilidade emocional sua responsivida de em momentos particulares e sua atitude em direção à ação e à mudança progressiva no paciente afetam o processo terapêutico e conduzem às modificações Considera ainda que a pessoa real do analista se re fere não apenas aos traços externos como também às suas características únicas como pessoa e a seu comportamento na situação analítica Lester32 enfatiza que o gênero ine vitavelmente qualifica as realidades parti culares do analista e do paciente durante a sessão e influi na transferência e na contra transferência No que diz respeito a esses aspectos transferenciais e contratransfe renciais Bernstein e Warner35 destacam que pacientes mulheres podem utilizar os traços de passividade e dependência para impressionar as analistas mulheres que algumas vezes os entendem como charme Em relação aos analistas homens dizem que estes caem na sedução traídos por seus pró prios conflitos edípicos não resolvidos Se guindo nessa linha as autoras atribuem a al guns analistas homens falhas em empatizar com as necessidades corporais das pacientes confundindo nesses casos os impulsos pré edípicos com impulsos edípicos Em outros momentos analistas ho mens atribuem fragilidade e necessidade de proteção às pacientes mulheres em função de seus conflitos com a mãe pré edípica Desse modo narcisisticamente sentemse como protetores dessas mu lheres e ameaçados por mulheres ativas e independentes As autoras chamam a atenção para um erro contratransferencial clássico que é a dificuldade de o analista homem acei tar e analisar a transferência materna por falhas na resolução da ansiedade de castra ção Destacam também uma linha sig nificativamente perigosa que diz respeito ao abuso sexual de analistas homens com pacientes mulheres assinalando sua rari dade entre analistas mulheres e pacientes homens Para as autoras esses analistas são considerados em geral psiquiatricamente doentes com fantasias grandiosas e onipo tentes Segundo elas esse tipo de fantasia é mais aceito em analistas homens do que em analistas mulheres e em função disso tal problema não é percebido em suas forma ções e análises pessoais Tanto os homens como as mulheres analistas são suscetíveis a problemas contratransferenciais As au toras ainda chamam a atenção para o fato de que algumas analistas mulheres apre sentam dificuldades em serem vistas como pai ou mãe fálica em função da inveja do pênis Outro ponto de resistência em ana listas mulheres com pacientes do mesmo sexo referese à transferência na forma de uma rivalidade edípica levando a analista a competir com a paciente Além disso destacam como erro con tratransferencial mais comum o fato de as analistas tenderem a ser muito maternais e superprotetoras com pacientes regressivas podendo ocorrer uma infantilização destas Reagem como uma mãe em vez de reco nhecer e analisar a regressão como uma de fesa contra a rivalidade edípica19 A gravidez por exemplo é um acon tecimento peculiar às terapeutas mulheres e pode ter muitos desdobramentos con siderandose as duplas pacienteterapeuta com transferência e contratransferência cruzadas com padrões culturais e mudan ças sociais Apesar de ser uma experiência 472 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs única para as mulheres pouco se escreveu sobre o assunto Em um dos poucos trabalhos publica dos Lax36 observou que os homens notam a gravidez da terapeuta mais tarde do que as pacientes mulheres Concordamos com Lax quanto ao tempo de conhecimento da gravidez além de observar maior percep ção da gravidez pelas crianças do que pe los pacientes adultos de ambos os sexos As crianças notavam logo a gravidez e apre sentavam abundante material lúdico relati vo a ataques ao interior da mãe destruição de bebês ciúme fantasias persecutórias dificuldade para entrar na sala resistências em comparecer à sessão O material clínico seguinte ilustrará tais comentários finais tendo como base a experiência de terapeuta grávida de uma das autoras deste capítulo Marlene Silveira Araujo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Pedro 57 anos procuroume após se mudar para Porto Alegre encaminhado por sua tera peuta mulher com quem disse ter tido uma re lação singular jamais vivida com os dois tera peutas homens que tivera Idealiza os atributos femininos em detrimento das características masculinas Em função dessa experiência com terapeuta mulher aceita minha indicação fi cando mais entusias mado ainda por saber que trato de crianças e adolescentes Idealiza mi nha capacidade de entendêlo mais profunda mente Percebo que sua terapeuta preocupada com a adesão do paciente ao tratamento dá in formações a meu respeito o que pouco a pouco vai oferecendo subsídios ao paciente para que comece a me atacar mulher nordestina tera peuta de criança lida com sujeira Esse jogo de sentimentos transferen ciais e contratransferenciais invade o setting provocando sentimentos e trazendo à tona fantasias que precisam ser examinadas e tra tadas Nesse material clínico com apenas um começo de tratamento percebemos a mobilização de mecanismos utilizados tanto pelo paciente como pelo terapeuta que se não forem percebidos alteram a relação mé dicopaciente pois correspondem a fanta sias infantis primitivas Assim percebemos a idealização do paciente a perseguição o desejo de proteger do terapeuta o receio pe lo ataque ou o entusiasmo pela idealização Em Influência da identidade de gênero no processo analítico uma reflexão Araujo e colaboradores19 apresentam uma ampla revisão de autores que trabalham o tema Eles levantam questões que originaram um projeto de pesquisa que vem sendo realiza do há alguns anos na SPPA A influência do gênero do terapeuta no processo terapêutico parece portanto inegá vel e revela sua aparição por meio de fantasias inconscientes A relação real é complemen tar mas um ingrediente importante Como Meyers10 chamamos a atenção para a maior influência do gênero no caso das psico terapias Terapeutas homens e mulheres vão se deparar com conflitos tanto homo quanto hete rossexuais Acreditamos que um tratamento bem sucedido depende da habilidade do tera peuta em tratar as transferências e admi nistrar sua contratransferência Manterse atento à interação transferênciacontra transferência é a possibilidade de que dis pomos como terapeutas para encaminhar o processo terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 473 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A subjetividade e a identidade de gênero se modelam em cada caso segundo a maneira pela qual o psiquismo individual se estrutura Os conceitos psicanalíticos de masculinidade e feminilidade refe remse a um sistema complexo de crenças que cada pessoa desenvolve em relação à anatomia e às diferenças anatômicas 2 A identidade de gênero é mais abrangente do que o gênero interno Referese não só à distinção entre homem e mulher como também entre masculinidade e feminilidade abarcando atributos culturalmente determinados 3 O gênero deve influenciar mais nas psicoterapias de orientação psicanalítica por estarem elas mais ligadas à realidade apresentarem menos regressão e não chegarem a abordar todas as transferências Houve no entanto discordância entre os pesquisados em relação à influência da identidade de gênero no processo analítico Autores referem inclusive que os analistas têm desdenhado a visão do gênero por considerálo uma questão de cunho sociológico 4 A nosso ver e de acordo com a maioria dos autores o gênero do terapeuta desencadeia aspectos transfe renciais a partir de vivências primitivas que estavam no paciente O quanto isso vai afetar o curso do tra tamento não se sabe Considerase que a pessoa real do analista se refere não apenas aos traços externos como também às suas características únicas como pessoa e a seu comportamento na situação analítica A influência do gênero do terapeuta no processo terapêutico parece portanto inegável e revela sua aparição por meio de fantasias inconscientes A relação real é complementar mas um ingrediente importante REFERÊNCIAS 1 Lewkowicz I El género en perspectiva histó rica Psicoanálisis 199719340927 2 Moore BE Fine BD Termos e conceitos psica nalíticos Porto Alegre Artes Médicas 1992 3 Stoller RJ Sex and gender on the develo pment of masculinity and femininity New York Science House 1968 4 Stoller RJ A experiência transexual Rio de Janeiro Imago 1982 5 McDougall J Las mil y una caras de Eros la sexualidad humana em busca de soluciones Buenos Aires Paidós 1998 6 Tyson P Tyson RL Teorias psicanalíticas do desenvolvimento uma integração Porto Alegre Artes Médicas 1993 7 Stoller RJ Primary femininity J Am Psycho anal Assoc 1976245 Suppl5978 8 Person ES O poder da fantasia como cons truímos nossas vidas Rio de Janeiro Rocco 1997 9 Dio Bleichmar E Feminidadmasculinidad resistencias en el psicoanálisis al concepto de género In Burin M Dio Bleichmar E com piladores Género psicoanálisis subjetividad Buenos Aires Paidós 1996 p 10039 10 Meyers HC El trabajo analítico por y con mujeres complejidad y reto In Lemlij M editor Mujeres por mujeres Lima Biblio teca Peruana de Psicoanálisis 1994 p 4561 11 Freud S Sexualidade feminina In Freud S Edição standard brasileira das obras psico lógicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1974 v 21 p 22543 12 ChasseguetSmirgel J As duas árvores do jardim Porto Alegre Artes Médicas 1988 13 Breen D editor The gender conundrum contemporary psychoanalytic perspectives on femininity and masculinity London Rou tledge 1993 14 Kernberg O A influência do gênero do ana lista e paciente no processo analítico In Conferência na Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre 1998 ago 22 Porto Alegre 474 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 15 Eizirik CL Masculinity femininity and ana lytic relationship countertransferential is sues In Alcorta de Gonzáles A editor Psycho analysis in Latin America Monterrey FEPAL 1995 16 Tubert S Psicoanálisis feminismo posmo dernismo In Burin M Dio Bleichmar E compiladores Buenos Aires Paidós 1996 p 289313 17 Flax J Thinking fragments psychoanalysis feminism and posmodernism in the con temporary west Berkeley University of Ca lifornia 1990 18 Alizade AM Analista quien es la interpela ción sexual y de género In Diálogo Latino Americano Intergeracional entre Homens e Mulheres 3 2002 maio 34 Porto Alegre 19 Araujo MS Bassols AMS Carriconde IIM Escobar JR Dal Zot JS Influência da iden tidade de gênero no processo analítico uma reflexão Revista de Psicanálise da SPPA 19963225567 20 Grey A On being a male analyst the reluc tant discovery of a troublesome goldmi ne International Forum of Psychoanalysis 199211208 21 Guignard F A interpretação do sexual Rev Bras Psicanál 199933467185 22 Horner AJ From idealization to ideal from attachment to identification the female analyst and the female patient J Am Acad Psychoanal 199018222332 23 Kaplan DM Some theoretical and technical aspects of gender and social reality in clini cal psychoanalysis Psychoanal Study Child 199045324 24 Lachmann FM The importance of gen der in the psychoanalytic relation discus sion International Forum of Psychoanaly sis 199211326 25 Langs R Rapp PE Pinto A Cramer G Bada lamenti A Three quantitative studies of gen der 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percebido por outros é a maneira ha bitual de pensar sentir e agir da pes soa Psicodinamicamente compreen dido o caráter é o modo habitual que a pessoa tem de reconciliar conflitos psíquicos O caráter de uma pes soa é constituído de uma constelação de traços de caráter sendo cada um deles uma mistura complexa de deri vados pulsionais defesas e compo nentes do superego Em outra definição caráter é visto co mo o amplo grupo de atitudes e traços es táveis e típicos pelo qual uma pessoa pode ser reconhecida2 Buscando evitar a multiplicidade de definições conceituais característica da teo ria psicanalítica podese dizer que de forma geral o caráter se refere ao modo como cronicamente o ego lida com o id com o superego e com o mundo externo Visto como um conceito que estabelece uma ponte entre o que é observado no pa ciente e uma estrutura que resulta de uma teorização mais profunda o caráter desde cedo tornouse uma noção importante no âmbito da teoria e da prática psicanalíticas e por extensão da psicoterapia de orienta ção analítica Diferentemente dos sintomas que se apresentam com menor estabilidade e com frequência surgem mais tarde na vida dos indivíduos o caráter e seus traços é mais discreto em suas manifestações e ao mesmo tempo mais resistente às investidas terapêuticas como será abordado adiante Podese afirmar que os sintomas são ego distônicos enquanto o caráter até certo ponto tende a ser egossintônico O termo caráter é usado com frequência como sinônimo de personalidade referindose portanto também a aspectos normais do funcionamento do indivíduo Podese esta belecer que o termo personalidade é uti lizado de forma mais descritiva enquanto o caráter destaca aspectos mais compreen sivos ou dinâmicos2 Svrakic e colaboradores3 em uma clas sificação atual apresentam a personalidade como uma composição de dois elementos o temperamento de base hereditária e composto por quatro fatores busca do 28 ABORDAGEM DO CARÁTER EM PSICOTERAPIA Manuel J Pires dos Santos Hamilton Oscar Perdigão da Fontoura Carlos Gari Faria 478 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs novo evitação da dor dependência de re compensa e persistência e o caráter com posto por três fatores autodirecionamen to cooperatividade autotranscendência4 Os autores consideram o caráter como menos herdado sendo influenciado pe la aprendizagem social pela cultura e por eventos aleatórios da vida únicos para o indivíduo O chamado modelo de sete fa tores de Cloninger concebe o desenvolvi mento da personalidade como um proces so epigenético interativo no qual os fatores hereditários temperamento motivam o desenvolvimento dos fatores interacionais caráter que por seu lado modificam o significado e a importância dos estímulos percebidos aos quais a pessoa responde Assim o temperamento colabora no de senvolvimento do caráter e viceversa O caráter determina a boa ou a má adaptação dos traços hereditários às con tingências ambientais nas quais vive o in divíduo5 Uma consequência lógica dessa compreensão é que o caráter por seu desen volvimento interacional ie resultante do aprendizado e das influências ambientais é responsivo às psicoterapias ao contrário do temperamento de base hereditária67 Dois aspectos merecem ser conside rados no que tange ao conceito de caráter os traços de caráter e o caráter propriamen te Para Baudry8 traços de caráter referem se a atitudes e padrões estáveis inferidos da observação de um indivíduo situandose portanto em um nível clínico e servindo como elemento para se reconhecer e ob servar identificações e relações de objeto estabelecidas ao longo da história daquele indivíduo No contexto do tratamento o traço de caráter pode servir como um sinalizador não só de pon tos de resistência como também de mudança ou seja progresso terapêutico À medida que os traços são grupados e correlacionados temse o caráter propriamente dito Baudry9 ainda aponta o que chama de organização de caráter um nível mais abstrato e teórico que se refere à origem à existência e à estrutura do caráter como um todo a partir do qual podemos recor rendo à teoria estabelecer uma origem um desenvolvimento normal ou não e mes mo um prognóstico quando se considera o tratamento A importância do estudo do caráter e de seus traços no que se refere à psico terapia de orientação analítica pode ser avaliada a partir da afirmação tanto de um autor clássico como Fenichel10 quanto de autores mais atuais como Liberman11 Bergeret12 e Baudry89 Fenichel10 em 1934 defendeu que o estudo do caráter pela psi canálise constituíase no seu ramo mais re cente tendo surgido primeiro pela neces sidade de estudo da resistência e segundo pela mudança no quadro clínico das neu roses que surgiam então com tal compro metimento da personalidade que desapare cia toda linha de demarcação entre perso nalidade e sintoma acrescentando em lugar de enfrentarmonos com casos de neuroses claramente delinea dos estamos vendo cada vez mais e mais pessoas afetadas por transtornos menos definidos mais incômodos às vezes para as pessoas que rodeiam o paciente do que para ela mesma Após 50 anos Baudry8 expõe pratica mente o mesmo a maioria dos pacientes que vem à consulta hoje dificilmente se queixa de sintomas O quadro é geralmente uma vaga insatisfação em suas vidas Psicoterapia de orientação analítica 479 pessoal ou profissional inibições va riadas ou ainda uma inabilidade para encontrarem a si mesmos Todas es sas são manifestações de patologia do caráter Ainda que ambos os autores falem de psicanálise pensamos que o mesmo vale para a psicoterapia de orientação analíti ca1314 Baudry8 aponta também o que con sidera uma ambiguidade no conceito de caráter o que é observável no indivíduo não é o traço mas o comportamento o traço é inferido do comportamento ob servado Além disso podese duvidar ou questionar os dados que servem de base à observação Alguns autores referemse pa ra inferir o caráter a comportamento no sentido de atividade outros a atitude ou tros ainda a estilo15 e assim por diante Contudo determinado comportamento pode ex pressar diferentes traços de caráter uma pessoa que parece sempre dizer o que é certo pode ser diplomática sincera hi pócrita entre outras classificações Assim o espectro dos dados possíveis a partir dos quais se pode inferir o caráter é bastante amplo linguagem corporal maneirismos da fala tota lidade dos movimentos expres sivos pos tura modo de andar de vestir A lista pode ser infindável e sua valorização varia de autor para autor Outro aspecto ambíguo do conceito é sua relação com o afeto dizer que fulano é uma pessoa ansio sa enfatiza tanto a hipótese de um sintoma quanto de um traço de caráter tornando se difícil às vezes a distinção entre um e outro o que revela uma superposição de termos para um mesmo aspecto do com portamento8 Faria16 considera o caráter como aqui lo que transparece da estrutura de base e emerge na relação transferencial Partindo da contribuição de Bergeret e Liberman entende que esta emanação da estrutura que opera na relação objetal imprimindo lhe jeitos ritmos tons afetivos ou es tilos próprios pode ser também com parada à transpiração de relações objetais internas e às identificações no ego e no superego O caráter expres saria assim a em termos dinâmicos modos de funcionamento do ego no plano defensivo e adaptativo b em termos econômicos a direção o sentido ou as transformações dadas às pulsões do id e c em termos topográficos e estrutu rais os diferentes níveis do confli to básico com as ansiedades cor respondentes Para sintetizar podemos afirmar que os traços de caráter são formações de compromisso que representam o pro duto final de várias funções do ego de síntese de defesa e de adaptação O ca ráter nesse sentido não é uma síntese mas o resultado de uma síntese8 Neste capítulo não nos deteremos em tipos es pecíficos de caráter que são abordados em outros capítulos mas nos aspectos relevantes dessa organização no que tan ge a sua origem e desenvolvimento no in divíduo bem como às suas manifestações no tratamento COMPREENSÃO DINÂMICA DO CARÁTER Faria17 aponta que o caráter é visualizado por meio de duas vertentes complementa res e nunca excludentes Em uma enfoca da pelo ângulo econômico o caráter pode ser visto como expressão do destino das pulsões Em outra em termos estruturais emerge como resultante da história das re lações objetais 480 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O caráter como destino das pulsões Em um estudo sobre o caráter Faria16 fez um levantamento sobre o conceito enfa tizando sua evolução na teoria psicanalí tica notadamente na obra freudiana Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud18 aponta O que descrevemos como caráter de uma pessoa é constituído em gran de parte com o material das excita ções sexuais e se compõe de instintos que foram fixados desde a infância de construções alcançadas por meio da sublimação e de outras construções empregadas para de maneira eficaz conter os impulsos perversos que fo ram reconhecidos como não utilizá veis A disposição sexual perversa multiforme pode assim ser conside rada a fonte de várias de nossas virtu des na medida em que por meio da formação reativa estimula o desen volvimento delas Freud19 em um artigo dedicado es pecificamente ao tema define O caráter em sua configuração geral formase a partir dos instintos cons tituintes os traços de caráter perma nentes são prolongamentos inaltera dos dos instintos originais ou a subli mação desses instintos ou formações reativas contra eles Faria16 destaca que nessa definição estão as origens do caráter perver so prolongamentos inalterados dos instintos do caráter neurótico por meio da formação reativa represen tando também outros mecanismos de defesa até então não identificados e do caráter mais adaptativo ou me nos limitante por meio do destino da sublimação Em 1915 Freud sistematiza em ter mos metapsicológicos as vicissitudes dos instintos reversão ao seu oposto retor no em direção ao próprio self repressão e sublimação capazes de explicar por esse ângulo a organização do caráter expressa em 19081520 A classificação feita por Feni chel10 em dois grandes grupos o caráter reativo e o sublimatório segue a enuncia da por Freud A correlação entre impulsos zonas erógenas correspondentes e tipos de caráter é mantida por Abraham em seus trabalhos sobre o caráter e o desenvolvimento da libi do Contribuições à teoria do caráter anal21 A influência do erotismo oral na formação do caráter22 e A formação do caráter no nível genital do desenvolvimento da libido23 Para Abraham no caráter normal encontramos aspectos infantis pertencentes às três eta pas que conjugadas dão as possibilidades de absorver oral produzir anal e criar genital Para Reich24 o caráter genital ten do atingido a satisfação instintiva princi palmente nesse nível contém uma maior capacidade de sublimação enquanto o caráter neurótico ancorado na repressão estruturase principalmente por meio de formações reativas Beland25 destacando o aspecto de estabilidade da organização caracterológica assinala que em Freud já havia a noção de caráter como estrutura Segundo Faria16 O oposto à estrutura é a falta de co nexão a mobilidade de energia livre a mudança súbita a impossibilidade de predizer o que é entendido como falha na estrutura ou desestruturação do caráter Visto pelo ângulo econô Psicoterapia de orientação analítica 481 mico o investimento de energia livre móvel em energia ligada catexia é o que dá origem às estruturas que con somem em parte o impulso e tam bém lhe dão um destino Assim o im pulso se converte em força investida em direção a uma estabilidade maior ou menor como um processo Nessa estabilidade transparece a qualidade egossintônica típica na qual se concentra o perfil da chamada resistência caracterológi ca a couraça conforme a clássica descrição de Reich24 couraça esta criada para a pro teção do ego tanto dos perigos internos como externos Bergeret12 seguindo Freud acrescen ta que no nível da estrutura não se pode passar do modo de estruturação psicótico para o neurótico ou viceversa uma vez que um ego específico é organizado em um sentido ou em outro Defende que a mais neurótica das psicoses e a mais psicótica das neuroses nunca se encontrarão em uma linhagem comum do ego O caráter portanto inclui uma for mação de compromisso estável em uma tentativa terapêutica isto é uma ten tativa de resolução em torno do conflito básico e de suas versões posteriores daí uma razão além das fundamentais e clás sicas para intensificar suas resistências em determinados momentos do processo te rapêutico É frequente ouvir de pacientes a fantasia de que precisam se desmanchar se desfazer para poder começar tudo de novo Essa ideia a de se desfazer além de expressar uma vontade de mudar in clui também o medo da desestruturação e pode funcionar como desencadeante da intensificação da resistência caracteroló gica Nas Novas conferências Freud26 se re fere ao caráter em um novo contexto Aquilo que se conhece como caráter coisa tão difícil de definir deve ser atribuído inteiramente ao ego Pri meiramente e acima de tudo existe a incorporação sob a forma de supere go da instância parental anterior que é sua parte mais importante e decisiva e ademais identificação com am bos os pais do período subsequente e identificações semelhantes formadas como remanescentes de relações obje tais a que se renunciou O autor acrescenta a isso as forma ções reativas e a sublimação O caráter como resultado das relações objetais A compreensão atual do papel das relações de objeto no desenvolvimento normal e patológico do indivíduo bem como na téc nica analítica e psicoterápica originase naturalmente em Freud Faria1617 aponta que já em O ego e o id Freud27 amplia os fundamentos sobre a formação do caráter em outra dimensão centrada nas identi ficações e relações objetais Partindo das formulações alcançadas em Luto e melan colia Freud28 chega à teoria estrutural e em algumas passagens referese direta ou indiretamente ao caráter A princípio na fase oral primitiva do indivíduo a catexia objetal e a identificação são sem dúvida indistinguíveis É possível supor que o caráter seja um precipitado de catexias ob jetais abandonadas e que ele contém a his tória dessas escolhas de objeto28 Ao admitir que existem graus de ca pacidade de resistência que decidem até que ponto o caráter desvia ou aceita a his tória de suas escolhas objetais Freud deixa 482 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs aberta uma referência aos mecanismos de defesa por meio dos quais se configuram e se expressam os diferentes tipos eou traços de caráter O caráter expressa uma estrutura utilizada para dar suporte às relações ob jetais internas as mesmas que se repetem na transferência sustentadas defendidas ou aprisionadas nos traços do caráter Por tanto dentro da marca do caráter existe defendida uma história de relação objetal história que tende a se repetir pela fanta sia inconsciente reavivandose na relação transferencialcontratransferencial a via específica para a abordagem da análise do caráter Convém destacar que as teorias psicanalíticas atuais têm em comum jus tamente a ênfase nas chamadas relações de objeto Isso quer dizer que não só é acen tuada a importância das relações de objeto vivenciadas interna e externamente no passado do paciente mas também as rela ções que estabelece no presente aí incluída a relação com o terapeuta Para Greenberg e Mitchell29 o que há de comum nas teorias psicanalíticas atuais consiste no foco cada vez maior na intera ção das pessoas umas com as outras isto é no problema das relações objetais Entre outras coisas isso quer dizer que a relação que o paciente estabelece conosco vai trazer à luz relações que teve ao longo de seu de senvolvimento e que continua tendo tanto no aspecto sadio quanto no patológico O encontro psicoterapêutico passou a ser observado e estuda do como uma relação entre duas pes soas que ocorre independentemente de suas vontades e produz um impac to emocional mútuo um encontro dentro do qual ocorrem trocas de in formações isto é comunicações em nível verbal e não verbal intencionais ou não30 Essa ênfase no aspecto relacional do encontro concretizada pelo interesse teórico e clínico no que acontece ao par terapêutico e não mais só ao paciente é inegavelmente uma caracterís tica da psicanálise pósfreudiana A teoria passa a ser construída a par tir da relação sujeitoobjeto Dito de outro modo os polos teóricos passam a ser self e objeto impensáveis separadamente A con sequência é que noções como transferência e contratransferência adquirem enorme re levância para o trabalho clínico Em relação à compreensão do cará ter podese afirmar que seus traços têm origem em primitivas relações objetais o que já estava em Freud É também assim que Kernberg31 entende o caráter ou seja o resultado de processos identificatórios que conduzem a relações de objeto inter nalizadas que se estabilizam Caráter e tra ços de caráter expressam e informam sobre relações de objeto internalizadas Sandler32 tem ponto de vista semelhante Os traços de caráter têm a função es pecífica de efetivar uma fantasia de realização de desejo ligada ao obje to pela evocação de respostas apro priadas nas pessoas que cercam o pa ciente As relações de objeto objetivam pro porcionar a satisfação de desejos aqui sig nificando não somente necessidades instin tivas pulsões amorosas e agressivas mas também não instintivas desejos de afir mação tranquilização bemestar seguran ça Ao longo de sua interação com o obje to durante o período inicial do desenvolvi mento e mesmo depois a criança aprende a acionar o objeto para ver realizados seus desejos Ela aprende a fazer o objeto agir Psicoterapia de orientação analítica 483 de acordo com suas necessidades Sandler não se refere propriamente à identifica ção projetiva mas é evidente a semelhança do que descreve com o que outros autores como Bion e Rosenfeld expressam sobre esse conceito Sandler33 afirma que essas formas de provocar uma resposta desejada no objeto vão tornarse o que chamamos de traço de caráter Podese dizer que muitas das técnicas usadas pela criança no diálogo com seus objetos podem ser vistas como traços de caráter ou seus precursores os quais não são apenas derivados ins tintivos ou defesas mas são estratage mas elaborados de forma a evocar res postas específicas nos outros O que queremos destacar é o aspecto evocativo relacional portanto que Sandler aponta no tra ço de caráter sua capacidade de provocar no objeto um determinado comportamento O tra ço de caráter se manifesta em uma ação pela qual o sujeito leva o objeto a agir de determi nada maneira resultando daí uma gratificação inconsciente É patente a importância clínica de tal entendimento se o paciente nas suas mais diversas e variadas relações tem compor tamentos evocativos se busca sempre e de forma inconsciente provocar determi nadas reações nas pessoas isso se repetirá inevitavelmente na relação terapêutica Caberá ao terapeuta identificar esses as pectos evocativos que surgirão assim per ceberá alguns dos traços de caráter e por meio deles as primitivas relações de objeto do paciente Convém assinalar algumas consequên cias desse tipo de compreensão descrito por Sandler Em primeiro lugar essa é uma visão do caráter que está além da visão clás sica Ainda que Freud mais adiante em sua teoria aponte a presença da relação de objeto na origem do caráter não enfatiza o que as posteriores teorias das relações de objeto vão enfatizar o aspecto evocativo relacional interpessoal do traço de caráter Em segundo uma consequência importan te é que a noção de transferência tem seu significado ampliado deixa de ser apenas uma percepção distorcida e ilusória que o paciente tem do terapeuta e passa a in cluir além da percepção uma ação sobre a outra pessoa um fazer algo com o outro ou com a mente do outro na tentativa de criar situa ções definidas que são a repeti ção de ex periências iniciais com os objetos Betty Joseph34 também descreve a situação em que o paciente tenta forçar o terapeu ta a uma forma sutil de atuação Joseph dá como motivo do paciente a necessidade de evitar ansiedades ligadas ao conflito e à cul pa ou seja oferece uma explicação clínica baseada em Bion e não desenvolvimental como Sandler A autora fala das pressões do paciente para que o terapeuta vivencie e atue aspectos de seu mundo interno na transferência e é reconhecendo essas pres sões sutilmente exercidas que conhecere mos o paciente suas defesas e sua história Tais aspectos transferidos não ocor rem apenas durante o tratamento Desde 1912 sabemos por Freud que o tratamen to não cria a transferência apenas a revela Ou como muito bem diz Caper citado por Barros30 a análise atua como microscópio que permite ao analista ver formas de vida que estão presentes em todos os lugares mas que são impossíveis de serem vistas em condições comuns Percebemos portanto que o caráter não é apenas o que o indivíduo mostra no 484 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs seu comportamento objetivo ou o que é diretamente fenomenologicamente ob servado nele O caráter também se revela pelo que o indivíduo faz o outro sentir de forma evidente ou sutil35 É natural por tanto que cresça a importância do terapeu ta nessa situação Entretanto se nos sentimentos do te rapeuta podem estar aspectos do caráter do paciente como saber o que é de um e o que é do outro Nem sempre há como saber e talvez não seja tão importante estabelecer essa distinção Para Sandler33 ocorre sem pre uma formação de compromisso entre as tendências do terapeuta e sua aceitação dos papéis em que o paciente tenta colocá lo Alguns terapeutas serão mais suscetí veis do que outros para determinados pa péis Também é possível que a contribuição de cada um varie em sua intensidade de momento a momento Mas há mais a ser considerado pelo lado do terapeuta San dler33 destaca que todo terapeuta deve ter além de uma atenção flutuante e dentro de certos limites uma responsividade com portamental flutuante isto é uma capaci dade de assumir em seus sentimentos e às vezes em sua conduta o papel proposto pelo paciente para que possa darse conta dele E isso só será possível pela observação de seu próprio comportamento de suas res postas e atitudes em geral depois de ter assu mido pelo menos em alguma medida o pa pel que o paciente impôs OShaughnessy36 concorda com Sandler e destaca como Betty Joseph o papel da identificação projetiva Dadas as funções comunicativas e controladoras das identificações pro jetivas dos pacientes algum grau de atuação do analista em minha expe riência é inevitável É vital que a atua ção parcial do analista seja reco nhecida contida e analisada para que a análise não degenere Nos últimos anos têm surgido com frequência na literatura psicanalítica refe rências à chamada memória implícita con ceito retirado da neurociência cognitiva Segundo ela há dois tipos de memória a explícita ou declarativa que abrange tanto a memória autobiográfica do in divíduo os fatos e os acontecimentos individuais como a memória semântica que se refere ao conhecimento factual e conceitual do mundo externo com acesso à consciência b implícita ou procedural que permite a realização de tarefas e habilidades de ações como dirigir um carro andar de bicicleta tocar um instrumento é tam bém a memória emocional que armazena as experiências emocionais que influen ciam o pensamento e o comportamento no contexto das relações do indivíduo sem que ele tenha consciência prévia das experiên cias pelas quais passou37 O que é significativo quanto a esse se gundo tipo de memória é a noção de pro cessos inconscientes que nunca atingiram a consciência já que estão armazenados em estruturas cerebrais que não permitem es se acesso ao consciente O inconsciente procedural é claro não é superponível ao inconsciente dinâmico freudiano que armazena o reprimido isto é o que já foi consciente em algum momento Ou seja a repressão ocorre na memória explícita o que permite a volta à consciência ou o retorno do reprimido como descreveu Freud Em contrapartida a memória im plícita armazena vivências repetidas e ha bituais da percepção e da ação com seus Psicoterapia de orientação analítica 485 conteúdos emocionais específicos Memórias implícitas de natureza traumática ou não são retidas ou estão disponíveis por meio de vivências que se expressam na conduta ou por emoções cuja origem é desconheci da para o indivíduo Padrões inconscientes de relação com os outros estabelecidos no passado são repetidos no presente e não lembrados em sua origem O conceito de memória procedural é importante para a teoria psicanalítica porque lança uma nova luz sobre conceitos psicanalíticos que implicam repetição co mo transferência contratransferência de fesa traço de caráter sonho e outros pos sivelmente por apresentar um fundamento neural a esses fenômenos3839 Em especial quanto aos traços de caráter ex pressos na conduta do indivíduo ou na ação in consciente exercida sobre o outro podese infe rir que tendo origem nas relações primitivas de objeto sejam vivências inconscientes guarda das na memória procedural não podendo por tanto ser conscientizadas No tratamento tais traços surgem no âmbito da transferênciacontratransferên cia sendo possível a partir daí sua com preensão e mudança Foge ao escopo deste capítulo a discussão mais detalhada dessa aproximação da teoria e da técnica psicana líticas com a neurociência cognitiva O CARÁTER NA PSICOTERAPIA O início do tratamento Além de revelarem o que o indivíduo real mente é no sentido de comportamento estável os aspectos caracterológicos darão também informações importantes para um bom desenvolvimento do proces so psicoterápico Em termos genéricos a motivação para o tratamento envolve obrigatoriamente algumas características de funcionamento de cada um Além dis so a identificação dos traços componen tes do caráter vai fornecer informações ao terapeuta sobre os padrões específicos de defesa do paciente e em alguma medida uma hipótese sobre o prognóstico40 As sim a curiosidade a capacidade de supor tar frustração e a tolerância são aspectos que compõem a motivação total para o tratamento e que se expressam por traços de caráter Em sentido amplo o esforço que implica um tratamento está ancora do em uma vivência de sofrimento e ne cessidade de ajuda41 Pessoas com poucas condições de suportar sentimentos de ver gonha embaraço ou crítica demonstram menos possibilidades de se beneficiarem com o tratamento Pacientes com traços paranoides ou narcísicos tendem a se sen tir criticados pessoas com traços depres sivos podem se sentir desvalorizadas e assim por diante o que vai exigir da parte do terapeuta não só compreensão mas também tolerância e paciência É necessária uma avaliação adequada do funcionamento do paciente a partir de uma anamnese genéticodinâmica pes quisandose a presença ou não de relações de objeto confiáveis e estáveis bem como a quantidade e a qualidade das vivências traumáticas do passado42 A forma como o paciente estabelece o contrato terapêutico bem como as tentativas de rompê lo expressam seus traços de caráter814 486 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Assim os traços de caráter tanto po dem facilitar como dificultar o engajamen to do paciente no tratamento e devem ser identificados dentro do possível na avalia ção inicial Abordagem do caráter ao longo da psicoterapia O trabalho psicoterápico costuma desen volverse em torno de um foco ou mais de um definido pelo terapeuta por meio do material fornecido pelo paciente Um con flito em particular é identificado e passa a ser trabalhado de acordo com o material que vai surgindo nas sessões Todavia para que esse conflito possa ser adequadamente trabalhado tornase necessária e inevitável a abordagem dos traços de caráter sem o que o tratamento corre o risco de tornarse um jogo de racionalizações com o conluio inconsciente do terapeuta O exemplo mais citado na bibliografia é o caso do paciente com traços obsessivos sua predisposição ao uso de cavilações iso lamento afetivo dificuldade de expressar sentimentos racionalização e formalismo pode envolver o terapeuta e esterilizar o tratamento levandoo para longe do foco proposto a menos que sejam assinalados ao paciente esses aspectos caracterológi cos que surgem no aqui e agora da relação transferencial O mesmo pode ser obser vado no paciente com traços fóbicos que funciona de forma evitativa diante de seus conflitos ou naquele com traços paranoi des entre outros Isso é ainda mais signi ficativo se o conflito a ser tratado tem sua origem nos próprios traços de caráter do paciente quando então o tratamento deve incidir inevitavelmente sobre eles O papel da contratransferência na identificação dos traços de caráter O papel da transferência nas psicoterapias analíticas é considerado óbvio não neces sitando de muitas discussões Seguindo a evolução da teoria psicanalítica a psico terapia de orientação analítica tem incor porado conceitos mais recentes como o da importância da contratransferência no entendimento do paciente e no seu mane jo Essa valorização da contratransferência decorre da importância que a identificação projetiva adquiriu na teoria e na técnica A contratransferência aqui entendida como Paula Heimann43 a definiu a totalidade dos sentimentos despertados no terapeuta pelo paciente é usada como um instru mento de compreensão dos conflitos in ternos do paciente bem como de padrões de comportamento que não estão à vista de forma mais imediata Como apontou Vollmer Filho35 o caráter ou os traços de caráter não são identificáveis apenas pelo que é objetivamente percebido no pacien te mas também pelos sentimentos que ele provoca no terapeuta Em outras palavras o paciente tenta de forma defensiva levar o terapeuta a assumir determinados papéis que representam seus objetos internos32 Assim os traços de caráter são o re sultado de relações objetais internalizadas que são externalizadas na transferência e percebidas na contratransferência Sandler dá o exemplo do paciente que costumava atrasarse em seus compromissos a partir do atraso no pagamento dos honorários do terapeuta que se sentiu mobilizado por is so e do consequente receio pelo paciente de que o terapeuta ficasse furioso pôdese Psicoterapia de orientação analítica 487 entender que os atrasos do paciente eram na fantasia uma forma de despertar o in teresse da mãe na infância por meio da irritação provocada O paciente buscava colocar o terapeuta no papel da mãe fu riosainteressada nele33 Constatase nesse exemplo como um traço de caráter a pro crastinação era o resultado de uma relação objetal infantil revivida na transferência contratransferência Fatores do terapeuta Um dos elementos constitutivos da psico terapia é o tipo de relação que se estabele ce entre paciente e terapeuta relação que está em boa parte condicionada a fatores ligados ao terapeuta Entre esses fatores como nível de formação técnica aspec tos pes soais está o que pode ser chamado de acesso ao próprio mundo interno Tal fator é mais bem compreendido quando relacionado ao papel da contratransferên cia e à permeabilidade do terapeuta à sua com preensão14 Um terapeuta não só mais capacitado tecnicamente mas também menos preso a conflitos com seus objetos internos terá melhores condições de aco lher as projeções que lhe são impostas e entendêlas sem atuálas Também se deve lembrar que o paciente sem pre conhece inconscientemente os pontos fracos do terapeuta e irá utilizarse de tal co nhecimento na relação a serviço da resistên cia fato para o qual o terapeuta deve estar pre parado3214 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Paula é uma mulher bonita de 28 anos Procurou tratamento por acharse bastante deprimida porque o na morado a deixara por outra Após um período inicial de desabafo e queixas pela situação injusta de que se sentira vítima ela se defrontou com a pergunta que a fizera procurar tratamento Por que aconteceu isso comigo Paula esforçavase para entender o que se passara mas embora aceitasse a hipótese de que devia haver uma contribuição sua para o que acontecera acabava sutilmente voltando às queixas sobre o comportamento do companheiro de como ele agia como fora injusto e assim por diante Tal atitude levava o terapeuta a mostrarlhe a dificuldade em centrar a atenção em si mesma em in vestigar a si própria Isso estava relacionado com a imagem de uma mãe interna autoritária e crítica trans ferida para o terapeuta se Paula mostrasse o que considerava suas fraquezas e defeitos ele como a mãe iria criticála Defendiase assim colocando o problema fora de si localizandoo no namorado e tentando desviar a atenção do terapeuta e a sua também para longe de si mesma Esse era resumidamente o tra balho que vinha sendo feito no primeiro ano de tratamento uma vez por semana Paula iniciou então um novo relacionamento com um homem que julgava mais adequado Após al guns meses começaram as discussões e ela passou a queixarse do novo namorado À medida que inten sificava suas queixas o terapeuta tentava mostrarlhe como mais uma vez ela não conseguia falar de si mesma como o assunto sempre escorregava para a responsabilidade dele no desequilíbrio da situação O Continua 488 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Algumas considerações são possíveis a partir do que foi mostrado sobre Paula a a paciente tinha uma forma estereotipada de relacionarse com seus objetos b tal forma por ser repetitiva e inflexível constituía um traço de caráter c esse traço evocava nos objetos determi nada reação ou comportamento d estabeleciase então um tipo de relação de objeto que repetia uma relação do passado da paciente a mãe que não a ouvia e a percepção de tal funcionamento só foi possível pela reação suscitada no tera peuta que ao sentirse acionado pensou sobre o que estava sentindo f sua compreensão foi comunicada à pa ciente que por sua vez pôde pensar so bre o assunto passando a ter uma crítica sobre tal conduta e podendo evitar sua repetição automática e inconsciente CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância da atenção dirigida para o reconhecimento dos traços caracteroló gicos deve ser ressaltada desde o primeiro contato com quem busca psicoterapia Continuação terapeuta percebeu que começava a irritarse com a atitude reiterada da paciente de evitar abordar o as sunto a partir de si mesma Via como ela sofria por não conseguir entenderse com o namorado e sentia in cômodo por não conseguir ajudála Em determinada sessão Paula queixouse de que o namorado não a escutava O terapeuta pensou então que a paciente estava dizendo que ele terapeuta não a escutava e isso o fez sentirse injusto com ela e impotente para ajudála Mas também percebeu que Paula não o escu tava quando lhe dizia que deveriam examinar o assunto a partir dela e não do namorado que o que ele te rapeuta estava sentindo naquele momento era o mesmo que o namorado sentia talvez irritação e impotên cia por não ser escutado ou entendido o que o levava muito provavelmente a reagir irritado com Paula Era isso que o terapeuta já estava quase fazendo Disse a Paula então que a queixa era com o namorado mas também com ele terapeuta E que nesse sentido a questão já não era tanto o que havia entre ela e o na morado mas entre os dois ali na sessão Talvez ele como o namorado não a estivesse ouvindo mas Paula também não o ouvia quando lhe dizia que era necessário pensar sobre o funcionamento dela e não do na morado Ou seja o que se passava entre eles lá fora estava se passando agora ali entre ela e o terapeuta Paula ficou muda por alguns segundos mostrandose surpresa Depois disse entender o que estava acontecendo e que não havia como discordar Achava que às vezes se prendia ao que estava dizendo e não ouvia os outros Esse era um aspecto que criticava em sua mãe O terapeuta então acrescentou que ela se colocara no papel da mãe e tentava colocálo no papel que era dela diante da mãe Podia assim aliviar se do sentimento de impotência raivosa deixandoo com o terapeuta e lá fora com o namorado A partir daí o exame da situação adquiriu uma nova tonalidade Paula ainda se referia ao papel do namorado nas brigas mas agora entendendo isso como algo que complementava o seu papel ou seja conseguiu passar a examinar mais a sua responsabilidade e menos a dele Evidentemente em alguns momentos voltava a funcionar de modo projetivo não só na sessão como lá fora mas agora se dava conta desse funcionamen to podendo exercer uma crítica sobre ele e aceitando melhor o que o terapeuta lhe dizia Psicoterapia de orientação analítica 489 Na avaliação inicial podese observar a forma como o paciente se apresenta ou se comunica a maneira como estabelece o contrato as ten tativas de sua ruptura e ainda as primeiras manifestações transferenciais e contratransfe renciais São elementos que já podem orientar o terapeuta para um entendimento e um diagnóstico dinâmico do tipo caracteroló gico de cada paciente37 41 Levandose em consideração a mo tivação como uma das condições básicas para o início da psicoterapia já se pode ob servar a importância da presença de alguns traços de caráter tais como curiosidade tolerância à frustração disposição para es perar entre outros que são de extremo va lor para o estabelecimento de um trabalho dirigido ao insight Uma vez compreendidos os traços de caráter devem ser abordados na psicotera pia por meio de intervenções relacionadas ao foco sem perder de vista o fato de que muitas vezes o confronto do paciente com aspectos caracterológicos até então egos sintônicos pode despertar as mais diversas reações raiva frustração sensação de não estar sendo compreendido entre outras que deverão ser manejadas no decorrer do processo41 Machado41 lembra que a focalização em uma psicoterapia não pode deixar de abordar o caráter ou seus traços conside randoos elemento essencial na compreen são constitui objetivo e instrumento do processo psicoterápico Mesmo em se tratando de psicoterapia breve Malan44 defende que se deve sempre considerar o caráter argumentando que até nesse caso é possível promover alterações duradouras na estrutura caracterológica Outro aspec to a ser considerado quanto ao reconheci mento dos traços caracterológicos para o planejamento de um tratamento psicoterá pico é o fato de que além de demonstrar como a pessoa funciona ou seu modo de ser eles nos mostram de forma significa tiva os mecanismos defensivos existentes e que provavelmente serão acionados no decorrer do processo Reich24 cunhou a expressão blinda gem de caráter para explicar a formação de uma couraça defensiva em volta do ego resultado do choque entre as exigências instintivas e o mundo exterior Um meca nismo de defesa largamente usado pelo ego para protegerse dos impulsos proibidos é a repressão e para que seja mantida é necessário que haja uma transformação no ego Para cumprir sua finalidade as repres sões vão se estruturando e se endurecem a fim de adquirir características cronica mente eficazes e automáticas passando a fazer parte do modo de viver do indivíduo Tais compreensões sobre o paciente não podem ser negligenciadas devendo ser detectadas o mais breve possível em uma psicoterapia para que o processo tenha condições de evoluir A compreensão dos mecanismos de fensivos caracterológicos relacionando com o foco ou com o conflito principal é de valor inquestionável na tentativa de atingir o objetivo a que se propõe a psicoterapia dirigida ao insight Os resultados terapêuticos em psi coterapia de orientação analítica quanto a mudanças dos traços de caráter não são específicos para estes embora pacientes borderline e narcisistas apresentem uma bibliografia mais significativa quanto a re 490 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sultados favoráveis43 Baudry8 afirma ter um otimismo cauteloso não tem dúvidas de que o núcleo básico de organização de uma pessoa permanece inalterado e de que não muda com o tratamento Exem plifica dizendo que um obsessivo jamais se transformará em um histérico não im porta quanto tempo se trate No entanto poderá se tornar menos obsessivo em um tratamento bemsucedido adquirindo po demos acrescentar maior flexibilidade no uso de defesas não mais tão estereotipadas Aqui se penetra no campo incerto das ava liações das psicoterapias com tantas variá veis que se torna impossível isolar apenas um fator e verificar os resultados De mais objetivo temos as afirmações de alguns au tores quanto à indicação e aos resultados da abordagem dos traços de caráter nas psicoterapias Estudos diversos1345 sugerem bons resultados embora não fique bem defini do o que sejam bons resultados quanto a alterações de traços de caráter mesmo em psicoterapia breve Wallerstein46 assinala que apesar de a psicoterapia de orientação analítica não ser um tratamento do cará ter termina por modificar alguns dos seus traços Em contrapartida outros autores lembram que o tratamento de aspectos do caráter é uma indicação formal para psico terapia de orientação analítica13 Acreditamos que a compreensão e o conheci mento do funcionamento caracterológico do in divíduo é de importância significativa para o bom desenvolvimento de uma psicoterapia de orientação analítica PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Podese afirmar que o caráter se refere ao modo como cronicamente o ego lida com o id com o supe rego e com o mundo externo Os traços de caráter são formações de compromisso que representam o produto de várias funções egoicas de síntese de defesa e de adaptação 2 Sintomas são egodistônicos enquanto traços de caráter até certo ponto tendem a ser egossintônicos 3 O termo caráter é muitas vezes usado como sinônimo de personalidade referindose também a aspectos normais do padrão de funcionamento do indivíduo O termo personalidade é utilizado de forma mais descritiva enquanto caráter destaca aspectos compreensivos ou psicodinâmicos 4 Traços de caráter são inferidos da observação da pessoa e servem ainda para reconhecer e observar identificações e relações de objeto estabelecidas ao longo da vida No contexto do tratamento o traço de caráter pode servir como um sinalizador não só de pontos de resistência como também de mudança progresso terapêutico 5 O caráter não é apenas o que o indivíduo mostra em seu comportamento objetivo ou o que é direta mente observado nele O caráter também se revela pelo que o indivíduo faz o outro sentir de forma evidente ou sutil 6 O terapeuta deve ter além de uma atenção flutuante também uma responsividade flutuante isto é uma capacidade de responder em seus sentimentos e às vezes na própria conduta ao papel pro posto pelo paciente para darse conta do que este está propondo E isso só será possível pela auto observação do terapeuta isto é de suas respostas sentimentos e atitudes em geral depois de ter assumido pelo menos em alguma medida o que o paciente lhe impôs 7 Os traços de caráter são vistos como o resultado de relações objetais internalizadas que são externali zadas na transferência e percebidas na contratransferência Psicoterapia de orientação analítica 491 REFERÊNCIAS 1 Moore BE Fine BD Termos e conceitos psica nalíticos Porto Alegre Artes Médicas 1992 2 Pires AC Psicoterapia de orientação ana lítica em paciente com transtorno de cará ter alcance e limitações Rev Psiquiatr RS 19941632336 3 Svrakic DM Whitehead C Przybeck TR Cloninger CR Differen tial diagnosis of per sonality disorders by se venfactor model of temperament and cha racter Arch Gen Psychiatry 199350129919 4 Cloninger CR Svrakic DM Perso nality di sorders In Sadock BJ Sadock VA Kaplan HI Kaplan Sadocks comprehensive text book of psychia try 7th ed Philadelphia Li ppincott Williams Williams c2000 v 2 cap 24 p 172364 5 Fuentes D Inventário de tempera mento e caráter de Cloninger validação da versão em português In Gorenstein C Andrade LHSG Zuardi AW Escalas de avaliação clí nica em psiquia tria e psicofarmacologia São Paulo Lemos 2000 cap 38 p 3639 6 Chachamovich J Comentário Rev Bras Psi coter 20002332834 7 Zaslavsky J Manifestações do cará ter e difi culdades no processo psicoterápico Rev Psi quiatr RS 199921 8 Baudry F Character a concept in search of an identity J Am Psychoanal Assoc 1984 32345577 9 Baudry F Character character type and character organization J Am Psychoanal As soc 198937365586 10 Fenichel O Teoria psicanalítica das neuro ses São Paulo Athe neu 1981 11 Liberman D Lingüística interacción co municativa y proceso psicoanalítico Buenos Aires Nueva Visión 19701972 12 Bergeret J La personnalité nórmale e pa thologique les estructures mentales le ca ractere les symptômes Paris Bordas 1974 13 Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais Porto Alegre Artes Médicas 1993 14 Santos MJP Caráter e psicoterapia Rev Psi quiatr RS 19961833114 15 Shapiro D Los estilos neuróticos Madrid Alianza 1968 16 Faria CG Caráter Considerações Revista de Psicanálise da SPPA 199522 17 Faria CG Introdução à discussão sobre o ca ráter Arquivos da SPPA 199022 18 Freud S Três ensaios sobre a teoria da sexua lidade In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 7 19 Freud S Caráter e erotismo anal In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 9 20 Freud S Observações sobre o amor de trans ferência In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 21 Abraham K Contribuições à te oria do cará ter anal In Abraham K Teoria psicanalítica da libido sobre o caráter e desenvolvimen to da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 17495 22 Abraham K A influência do ero tismo oral na formação do caráter In Abraham K Teo ria psi canalítica da libido sobre o caráter e desenvolvimento da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 16173 23 Abraham K A formação do cará ter no ní vel genital do desenvolvimento da libido In Abraham K Teoria psi canalítica da libido sobre o caráter e desenvolvimento da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 195205 24 Reich W Análisis del carácter 4 ed Buenos Aires Paidós 1974 25 Beland H Alteración del yo debida a pro cesos defensivos Revista de Psicoanálisis 1987444797820 26 Freud S Conferência XXXII an siedade e vi da instintual In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 22 27 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 28 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 14 29 Greenberg J Mitchell S Re lações objetais na teoria psicanalítica Porto Alegre Artes Mé dicas 1994 492 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 30 Barros EMR O conceito de transferência uma síntese do ponto de vis ta kleiniano In Slavutsky A Transferências São Paulo Es cuta 1991 31 Kernberg OF Object relations theory and clinical psychoanalysis New York J Aron son c1976 32 Sandler J Character traits and object rela tionships Psychoanal Q 1981504694708 33 Sandler J Countertransference and role responsiveness Int Rev Psychoanal 19763 437 34 Joseph B Equilíbrio psíquico e mudança psíquica Rio de Janeiro Imago 1989 35 Vollmer Filho G Vicissitudes of identifica tion as observed in character pathology Int J Psychoanal 198667Pt 21939 36 OShaughnessy E Enclaves y ex cursiones In Libro anual de psicoanálisis São Paulo Escuta 1993 37 Renn P The silent past and the invisible pre sent memory trauma and the representa tion in psychoterapy London Routledge c2012 38 Clyman RB The procedural organization of of emotions a contribution from cogni tive science to the psychoanalytic theory of therapeutic action J Am Psychoanal Assoc 199139Suppl34882 39 Cortina M Liotti G New approaches to un derstanding unconscious processes implicit and explicit memory systems International Forum Psychoanalysis 200716420412 40 Fontoura HOP Zaslavsky J A importância do caráter na avaliação e planejamen to das psicoterapias Rev Psiquiatr RS 198682 3958 41 Machado SP O caráter e sua importân cia na avaliação de pacientes em psicotera pia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psi coterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 42 Shetatsky SS O problema do caráter e as psi coterapias In Eizirik CL Aguiar RW Sches tatsky SS Psicoterapia de orientação analíti ca teoria e prática Porto Alegre Artes Mé dicas 1989 43 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 44 Malan D As fronteiras da psicote rapia breve um exemplo da convergência entre pesquisa e prática médica Porto Alegre Artes Médi cas 1981 45 Mabilde LC Keidann CE Poziomczyk R Considerações sobre a abordagem das defe sas de caráter em um caso de psicoterapia Rev Psiquiatr RS 1987921057 46 Wallerstein RS A cura pela fala as psicanáli ses e as psicoterapias Porto Ale gre Artmed 1998 LEITURAS SUGERIDAS Kauffmann AL Hofmeister C Mirandola LA Santos MJP Leite MB Kelbert P Abordagem dos tra ços de caráter em psicoterapia de orientação analítica alcance e limitações Rev Psiquiatr RS 199618Supl14651 Valério M O que tratamos em psicotera pia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicotera pia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 A ansiedade é um afeto normal e com im portante função homeostática Ela alerta o organismo em caso de situações que po dem ameaçar a sobrevivência bem como o estimula a encontrar elementos para sua subsistência Basicamente a ansiedade es timula a ação a luta ou a fuga quando há ameaças ou frustrações Em organismos mais evoluídos ela também participa do acionamento de funções cerebrais superio res que pensam formas para transformar a realidade de forma produtiva para o indiví duo e para a sociedade A diferença entre a condição normal e a patológica é tênue Em relação ao se gundo tipo com frequência o organismo manifesta a ansiedade com maior intensi dade do que a necessária para a tarefa em questão ou a situação é tão traumática que a ansiedade não é contida pelo self Quando ultrapassa certo limiar em vez de auxiliar o organismo passa a atrapalhálo O esta do de alerta é exagerado o sistema neuro hormonal se descontrola e manifestamse receios expectativas e preocupações em grau intenso juntamente com sintomas de ordem neurovegetativa e agitação psi comotora Por vezes verificase que não existe qualquer fato real a ser enfrentado a ameaça sendo imaginária e decorrente do funcionamento inconsciente Quando a ansiedade aumenta e irrompe de forma abrupta engolfa o indivíduo tornandoo aterrorizado e impotente bloqueando sua capacidade de pensar O conhecimento psicanalítico desen volveuse em grande parte a partir do es tudo das vicissitudes da ansiedade ao cons tatarse que conflitos internos inconscien tes relacionavamse estreitamente com sua manifestação Todos os modelos psicanalí ticos de ansiedade patológica consideram na uma revivescência de situações arcai cas as quais por motivos variados são rea tualizadas em algum momento ou fase da vida A situação original teria relação com o desamparo inicial do recémnascido que seria repetido ante outras ameaças As clás sicas situações ansiógenas modelares des critas por Freud1 são a perda do objeto a 29 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE ANSIOSO TRANSTORNO DE PÂNICO E TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA Roosevelt M S Cassorla 494 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs perda de amor do objeto a ameaça de cas tração e a punição pelo superego As primeiras ideias psicanalíticas so bre neuroses levaram Freud2 a situar a neu rose de angústia e a neurastenia no grupo das neuroses atuais Aktualneurose Nelas a ansiedade seria fruto de uma descarga somática sem determinação psicológi ca decorrente da não satisfação adequada dos impulsos sexuais Às neuroses atuais se opunham as psiconeuroses estas resul tantes de um conflito psíquico Entre as psiconeuroses se encontravam o que ho je denominamos histeria neurose fóbica e neurose obsessivocompulsiva mas em algum momento também estavam incluí das as neuroses narcísicas que posterior mente foram consideradas quadros psi cóticos Freud1 em 1926 mudou sua concep ção ao considerar a ansiedade não mais co mo uma descarga de libido mas como um sinal de perigo Esse sinal alerta o ego em situações de ameaça por impulsos incons cientes indesejáveis A ansiedadesinal ativa a utilização de mecanismos de defesa por parte do ego com o intuito de refrear esses impulsos e seus derivados O recalque ou a repressão nesse momento é o mecanismo de defesa básico Entretanto nem sempre essas de fesas são suficientes e a ansiedadesinal pode tornarse patológica Diante dela o ego tentará se defender de outras formas como por exemplo constituindo com promissos entre impulsos e defesas que se manifestarão como sintomas fóbicos his téricos obsessivocompulsivos Raramente a ansiedade permanece controlada de todo Quando as defesas falham na impossibili dade de evitar o objeto fobígeno ou de efe tuar o ritual obsessivo a ansiedade liberada ameaça engolfar o self As classificações internacionais de doenças CID103 da OMS DSM54 da APA críticas de teorias em especial da psicanálise abandonaram a nomenclatu ra aqui referida e passaram a descrever os quadros mentais levando em consideração apenas seus sintomas Nesses compên dios encontramos o grupo dos chamados transtornos de ansiedade que foram divi didos em cinco categorias transtorno de pânico TP fobias transtorno obsessivo compulsivo TOC transtorno de estres se póstraumático TEPT e transtorno de ansiedade generalizada TAG O termo histeria foi extinto sendo essa condição incluída em parte nos transtornos soma toformes p ex transtorno conversivo e nos transtornos dissociativos Com frequência a clínica não mostra essa estruturação e o psicanalista então adjetiva os mecanismos identificados como defesas fóbicas histéricas obsessivas entre outras cuja dinâmica descobrirá durante o processo terapêutico não incluindo o pa ciente em nenhuma das categorias descritas há pouco Ainda que o modelo freudiano cons titua a base de nossa compreensão acerca dos transtornos de ansiedade ocorreram desenvolvimentos de grande valia como os da escola kleiniana5 que enfatiza a identifi cação do conteúdo da fantasia inconsciente implicada na ansiedade e propõe que ela é produto de um conflito entre pulsões de morte e de vida A pessoa já nasce com an siedade de aniquilamento fruto da pulsão de morte que ameaça a destruição do self efetuada por ele mesmo O ego rudimen tar se defende dessa ansiedade por meio de defesas arcaicas como negação cisão pro jeção identificação projetiva idealização e o conjunto de ansiedades defesas relações objetais e impulsos é configurado como a Abordagens detalhadas da ansiedade são encontradas em outros capítulos deste livro Psicoterapia de orientação analítica 495 posição esquizoparanoide A ansiedade é então chamada de persecutória e envolve ameaças ao self Quando o indivíduo se desenvolve a ponto de poder verse como separado do objeto surge um outro tipo de ansiedade a depressiva que envolve os cuidados e a preocupação com o outro visto como ob jeto total É essa ansiedade que condiciona os mecanismos de reparação Quando essa reparação é vivenciada como impossível há necessidade de ativar defesas contra a ansiedade depressiva Entre elas encon tramse o retorno de fantasias persecutó rias e as defesas maníacas negação triun fo desprezo por vezes associadas a repa rações maníacas e obsessivas Em algumas situações não ocorre dissociação adequada entre pulsões de vida e de morte e seus de rivados com confusão entre objeto bom e mau redundando em ansiedades confu sionais e identificações projetivas massivas como defesa No modelo freudiano a ansiedade e suas defesas decorrem de um conflito libi dinal No referencial kleiniano as ansieda des e defesas arcaicas decorrem da pulsão de morte em conflito com a libido So mente depois que o indivíduo conseguiu li dar de modo apropriado com as configura ções da posição depressiva é que as defesas descritas classicamente como a repressão tornamse possíveis Bion6 dá seguimento às ideias de Klein em sua teoria da ansiedade de ani quilamento e cunha a expressão terror ou pavor sem nome para ela fruto da não continência por uma mãe incapaz de desin toxicar os terrores do bebê que os devolve sem qualquer significação Postulase uma função alfa na mãe que fará a transforma ção dessa ansiedade inominável elemen tos beta em elementos propícios para a formação do pensamento elementos alfa Essa função alfa deverá ser introjetada pelo bebê e será a base para o desenvolvimento de sua capacidade de simbolização A maior diferença entre o modelo freudiano e os subsequentes é a descri ção por estes dos mecanismos de defesa arcaicos próprios de um ego rudimentar e a consideração da ansiedade como deri vada da pulsão de morte Os mecanismos de defesa utilizados arcaicos cisão ideali zação identificação projetiva negação en tre outros são chamados psicóticos e as ansiedades aniquilamento persecutória depressiva confusional também recebem o adjetivo psicótico devido a sua intensi dade à ameaça de desestruturação do self e ao fato de serem encontradas com intensi dade em pacientes fenomenologicamente psicóticos Para o psicanalista o funciona mento psicótico implica dificuldade de dis criminação selfobjeto e mundo interno mundo externo predominância de fanta sias destrutivas ódio à realidade interna e externa ataques ao aparelho de percepção e pensamento falhas na formação de sím bolos cisões patológicas e identificações projetivas massivas ameaças de aniquila mento e de desintegração e funcionamen to esquizoparanoide Esse funcionamento ocorre na parte psicótica da personalida de que Bion7 descreveu como fazendo parte de todos os seres humanos Segundo tal visão as defesas neuróti cas aparecerão posteriormente no desen volvimento à medida que o self se estru tura Essas defesas mais evoluídas serão a repressão a regressão o deslocamento a anulação o isolamento a formação reativa Não se deve confundir a visão psicanalítica de fun cionamento psicótico ou de parte psicótica da per sonalidade com a psicose descrição fenomenológica efetuada pela psiquiatria Na esquizofrenia e em outros quadros psicóticos predominará o funcionamento da parte psicótica da personalidade mas esse funcio namento existe em qualquer ser humano e subjaz aos chamados mecanismos não psicóticos ou neuróticos 496 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a racionalização entre outras Seu funcio namento mais ou menos adequado depen derá de como ocorreu o desenvolvimento arcaico Por exemplo a repressão se desen volverá tomando por base as cisões e proje ções primitivas o isolamento a negação e a anulação tomarão por base as defesas ma níacas as projeções neuróticas e a empatia estarão ligadas à identificação projetiva O fato de sabermos que mesmo em um quadro neurótico existe subjacente uma estrutura arcaica um funcionamen to dito psicótico gera uma grande vanta gem técnica Assim mesmo que estejamos tratando um paciente dito neurótico a análise somente será considerada adequada quando atingirmos o funcionamento psi cótico isto é as ansiedades e as defesas ar caicas da parte psicótica da personalidade Winnicott8 ainda que descarte a ne cessidade de propor uma pulsão de morte utiliza também a denominação ansiedade de aniquilação para aquilo que emerge quando se dá um fracasso do ambiente mãe ao se preencher a fantasia de onipo tência infantil Ocorre um rompimento no senso de continuidade de ser obrigando a criação de um falso self Como se percebe ainda que nenhuma teoria sobre ansiedade negue a importância de fatores genéticoconstitucionais todas elas enfatizam o fator ambiental basicamen te a capacidade da mãeambiente de propor cionar ao recémnato condições para lidar com o desamparo com que vem ao mundo Será utilizando o auxílio dessa outra pessoa objeto primário que o bebê desenvolverá sua mente seu self e esse desenvolvimento se inicia com a contenção e a transformação desses afetos desesperantes6 As várias teorias sobre o desenvolvimento mental e emocio nal sobre a capacidade de simbolizar e pen sar partem desse pressuposto e consideram que suas falhas são fatores para os vários tipos de sofrimento mental patológicos Dé ficits ou transtornos nas funções de acolhi mento e simbolização podem tanto impedir o desenvolvimento normal como constituir pontos mais vulneráveis Nestas últimas si tuações ocorre desenvolvimento mas per sistem áreas com funcionamento pouco ade quado que podem predominar caso evolu ções posteriores sejam perturbadas À medida que o processo analítico se desenvolve temse acesso às mais variadas configurações e tipos de ansiedade que po dem coexistir mesclarse e principalmen te modificarse durante o tratamento Isso torna evidente que o paciente convivia com vicissitudes dinâmicas e potencialmente mutáveis de seu funcionamento mental que produziam variados graus de sofri mento e não com uma doença similar àquelas que atingem o corpo biológico Por tradição quando abordamos o paciente ansioso ou aquele classificável nos transtornos de ansiedade excluímos os in divíduos em que a ansiedade predominan te é do tipo psicótico que são estudados entre os borderline e os psicóticos Nestes também encontraremos déficits na capaci dade de simbolizar Estudaremos neste capítulo pacien tes classificados nas categorias de transtor no de pânico e transtorno de ansiedade ge neralizada Os quadros fóbicos obsessivo compulsivos e outros são abordados em capítulos subsequentes TRANSTORNO DE PÂNICO O conceito de Freud2 de neurose de angús tia apresenta bastante semelhança com o que a psiquiatria tem chamado de transtor no de pânico Ele descreve os sintomas co mo irritabilidade aumentada expectativa ansiosa ataques de ansiedade e equivalentes somáticos do ataque de ansiedade taqui cardia distúrbios respiratórios sudorese Psicoterapia de orientação analítica 497 tremores e calafrios distúrbios digestivos parestesias pavor noturno tonturas e ver tigens Relata também o comportamento de esquiva como a agorafobia em que o paciente evita situações que relembram as crises Freud2 insiste que o afeto das fobias consequente a crises de angústia não se origina de uma ideia repri mida mas mostra não ser posterior mente redutível pela análise psicológi ca nem equacionável pela psicoterapia A neurose de angústia em conjun to com a neurastenia e a hipocondria era colocada na categoria das neuroses atuais A angústia não se ligaria a nenhuma repre sentação mental e decorreria de uma esta se da libido A falta de fatores psicológicos é similar à postulada pelos psiquiatras no transtorno de pânico Os ataques de pânico descritos pela psiquiatria podem ocorrer em variados quadros psiquiátricos surtos psicóticos uso e abstinência de substâncias psicoati vas transtornos do humor fobias TOC transtorno de estresse agudo e póstrau mático entre outros O psiquiatra diag nosticará transtorno de pânico sem ago rafobia caso os quadros anteriores sejam descartados Os ataques ocorrem de forma recorrente e inesperada seguidos de receio de que se repitam com medo de consequên cias terríveis infarto loucura morte le vando a mudanças no comportamento Quando também se desenvolve evita ção de locais ou de situações de onde não se pode fugir ou que dificultam a busca de au xílio o diagnóstico será de transtorno de pânico com agorafobia4 Quadro 291 É importante lembrar que nesse modelo QUADRO 291 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE PÂNICO DSMIV 30021 Transtorno de pânico com agorafobia Critérios diagnósticos A Tanto 1 como 2 1 Ataques de pânico recorrentes e inesperados 2 Pelo menos um dos ataques foi seguido pelo período mínimo de um mês com uma ou mais das seguintes características a preocupação persistente acerca de ter ataques adicionais b preocupação acerca das implicações do ataque ou de suas consequências p ex perder o controle ter um ataque cardíaco enlouquecer c uma alteração comportamental significativa relacionada aos ataques B Presença de agorafobia C Os ataques de pânico não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância p ex droga de abuso medicamento ou de uma condição médica geral p ex hipertireoidismo D Os ataques de pânico não são mais bem explicados por outro transtorno mental como fobia social p ex ocorrendo quando da exposição a situações sociais temidas fobia específica p ex quando da exposição a uma situação fóbica específica transtorno obsessivocompulsivo quando da exposição a sujeira em alguém com uma obsessão de contaminação transtorno de estresse póstraumático p ex em resposta a estímulos associados a um estressor grave ou transtorno de ansiedade de separação p ex em resposta a estar afastado do lar ou de entes queridos Fonte Adaptado de American Psychiatric Association4 498 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a agorafobia não implica fobia de lugares abertos mas medo de ter um ataque de pâ nico e não encontrar rota de fuga ou au xílio O TP foi criado como categoria diag nóstica em função de responder a medica mentos como imipramina indicando um fator neuroquímico importante Sua com preensão psicodinâmica remete a transtor nos de simbolização isto é dificuldades na capacidade de transformar experiências emocionais em fatos mentais No TP parecem confirmarse as teo rias freudianas sobre as neuroses atuais e não se encontram evidências de fatores ou conflitos psicológicos Os déficits na capacidade de simbolização tornam esses pacientes mais vulneráveis a situações am bientais e viceversa Este deve ser o fator preponderante que explica certas associa ções encontradas em estudos de casos tais como traumas infantis eventos estressan tes antecedentes de ansiedade de separação e comportamentos familiares evitativos e desvalorizantes911 Em tais pacientes então o modelo do confli to psíquico deve ser substituído pelo do déficit na simbolização O psicoterapeuta é estimula do a lidar com a constituição e o funcionamen to da mente e com a incapacidade de pensar e sonhar experiências emocionais Os ataques de pânico revelam a presença de descargas e an siedade livre fruto de experiências que não pu deram ser sonhadas e portanto simbolizadas e pensadas1213 Nessa área de funcionamento primitivo a ansiedade é referida como desintegração transbordamento esfacelamento dissolução desmantelamento colapso terror sem nome agonia primitiva palavras que designam os problemas na formação e na manutenção do self Ainda que lidemos com a mente e suas di ficuldades de continência é possível encontrar partes dela que percebem essa destruição sem as quais a vida seria impossível e buscam al gum sentido A função transformadora do ana lista função alfa permitirá a articulação des ses elementos manifestações de terror sem nome com representações e símbolos O profis sional se deixa invadir pelas descargas do pa ciente e busca dentro de si imagens e ideias que deem sentido àquilo que não faz sentido para o paciente Esse significado produto da mente do analista resulta do contato intuitivo prolongado com o sofrimento do paciente1314 Entrevistas iniciais O paciente com diagnóstico de TP chega ao psicoterapeuta mostrandose preocupado e perplexo com o que está ocorrendo con sigo É possível que alguma crise já o tenha levado a um prontosocorro Ali pode ter sido alvo de desprezo por parte da equipe assistencial pode ter sido rotulado de his térico e recebido conselhos de bom senso para combater um suposto estresse como trabalhar menos e ficar mais calmo Em seguida passou por médicos es pecialistas e foi submetido a baterias de exames subsidiários nada sendo encontra do Possivelmente ouviu de alguém que não tem nada Se nesses exames encon trouse alguma alteração recebeu tratamen tos variados sem que o sofrimento emocio nal fosse alterado Os achados laboratoriais mais comuns que confundem o profissio nal médico referemse a foco temporal ar ritmia cardíaca por vezes associada a pro lapso de válvula mitral alteração nos testes de equilíbrio e hipoglicemias funcionais O paciente em geral vem medicado por clínico ou psiquiatra o que resulta em Neste capítulo não se diferencia psicoterapia psica nalítica de psicanálise tema de outros capítulos deste livro Psicoterapeuta e psicanalista serão termos usados com o mesmo significado Psicoterapia de orientação analítica 499 abolição ou diminuição das crises mas o medo de que elas ocorram persiste Pode já ter tentado outras terapias psicológicas tratamentos alternativos e buscas místicas mas não ficou satisfeito com os resultados A descrição das crises é difícil e o paciente não encontra palavras apropria das para nomear a sensação Termos co mo perder a cabeça descontrolarse enlouquecer morrer são pobres para a descrição O paciente percebe durante a crise que algo terrível está acontecendo que se está totalmente à mercê desse algo e que nada pode ser feito Se tiver maior sensibilidade corporal efetuará a descrição dos sintomas somáticos falta de ar taqui cardia dor no peito sudorese sufocamen to tonturas zumbidos tremores acompa nhados de despersonalização e desrealiza ção Com a divulgação do termo pânico alguns pacientes o estão usando e apesar de a palavra não ser suficiente para descre ver todos os sentimentos envolvidos ela se generalizou antes que se encontrassem ou tras mais adequadas As crises atingem seu auge em 5 a 10 minutos e em seguida os sintomas diminuem mas o paciente per manece aterrorizado com a possibilidade de que se repitam Crises de tonturas zum bidos e cefaleias podem constituirse em equivalentes dos ataques de pânico e envol vem desesperantes buscas de diagnósticos somáticos Como consequência dos ataques os pacientes passam a apresentar uma ansie dade basal exagerada uma expectativa de que uma nova crise possa ocorrer redun dando em uma autoobservação intensa e desgastante Ao mesmo tempo muitos se afastam de situações em que supõem que não poderão ser socorridos ou de onde é difícil escapar Por isso apresentam esqui va a multidões lugares fechados ou muito amplos pontes túneis estradas barcos aviões Muitas vezes o comportamento de esquiva se apresenta em situações nas quais ocorreu alguma crise geralmente a primeira o que leva à evitação da situação ou do local O paciente pode ter que mudar seu percurso habitual evitar determinadas atividades meios de transporte causando problemas nas áreas social e profissional Evitará também exercícios físicos e álcool que parecem diminuir seu limiar de ansie dade Comumente sentese protegido por um acompanhante ainda que saiba que em caso de crise este nada poderá fazer Em situações extremas o paciente se sente ameaçado em qualquer situação e perma nece refugiado em sua casa Por tudo isso o paciente se apresen ta com baixa autoestima desmoralizado desvalorizado e com sintomas depressivos Como será visto adiante muitas vezes es sas características já faziam parte do modo de ser do paciente mas tornamse mais acentuadas e não podem ser mascaradas Nas entrevistas ainda que o paciente esteja muito assustado e solicitando ajuda sentese desconfortável diante do psicote rapeuta porque não consegue aceitar que suas crises tenham componente emocio nal Com frequência são pessoas com di fícil acesso a seu mundo interno que uti lizam em boa medida mecanismos como racionalizações e intelectualizações e que terão dificuldades em compreender abor dagens psicodinâmicas Entretanto seu desespero é tamanho que tendem a aceitar qualquer coisa que lhes seja oferecida mas essa aceitação não é totalmente genuína Ainda que o sofrimento seja o responsável pelo início do processo psicoterápico este somente será mantido se o terapeuta me diante seu trabalho tornar convincente sua capacidade Ao mesmo tempo que o analista con firma o diagnóstico fenomenológico ele realiza a avaliação psicodinâmica Qual quer que seja sua abordagem teórica cos 500 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tuma observar o grau de acessibilidade do paciente ao conhecimento de seu mundo mental e de seus próprios derivados con tratransferenciais Com isso também ava lia sua capacidade e desejo de efetuar uma viagem analítica com o paciente Tanto o desejo positivo como o negativo deverão em um segundo momento ser cuidado samente observados O profissional deve tentar diferenciar fantasias próprias de algo que o paciente lhe introduz por meio de identificações projetivas ou outro tipo de comunicação inconsciente Em certas ocasiões o paciente apre sentará pensamento concreto com disso ciação corpomente similar ao que ocorre nas doenças psicossomáticas Estas não raro precedem ou acompanham o quadro Existem no entanto outros pacientes que nos procuram para análise que vêm com vontade de colaborar e parecem acreditar no tratamento Suas crises cessaram ou di minuíram graças à medicação mas não se sentem satisfeitos Alguns continuam com crises Outros se queixam dos efeitos co laterais da medicação ou não conseguem utilizála Todavia mesmo aqueles que se adaptaram bem aos remédios afirmam que se sentem constrangidos em suas emoções como se não pudessem dispor delas viven do em uma espécie de camisa de força emocional Todos se queixam de terem perdido algo como a espontaneidade a es perança e a vida lhes parece muito super ficial Sentemse sem entusiasmo A sensa ção de vazio costuma ser a maior queixa e parece que após o início das crises sua vi da passou a parecerlhes sem graça e agora questionam seu trabalho suas relações sua forma de viver Nesses casos a procura por análise tem menos relação com as crises e mais com uma busca de compreensão desse va zio Os ataques de pânico constituem um marco vital que os leva ao tratamento vi vido como a oportunidade de reavaliar sua vida o que nunca fora sequer pensado Não poucos pacientes no fim do processo analítico agradecem os ataques pelas ra dicais mudanças de vida obtidas Indicações O tratamento deve atingir também aspec tos biológicos medicação e psicossociais De preferência deve envolver outros mem bros da equipe de saúde mental no intui to de evitar gratificações substitutivas que interferem na análise Ao mesmo tempo o psicoterapeuta trabalhará fatores psico dinâmicos envolvidos nesses outros trata mentos Como será evidenciado esses pacientes po dem necessitar de objetos sensuais continen tes Dessa forma o olhar pode ser importante impondo uma terapia face a face o telefone po derá ser utilizado em situações de desespero e o analista deverá estar disponível para even tuais contatos extrassessão principalmente no início do processo O profissional deverá deixarse invadir pe las projeções do paciente tentando processá las e transformálas em sonhopensamento Para isso terá que tolerar a não compreensão e tomar consciência dos próprios sentimen tos e de sua mudança de momento a momen to Grande parte da análise é empregada na ta refa de auxiliar o paciente a aprender estraté gias como contenção autocontrole e reflexão15 Esse aprendizado é efetuado por meio da iden tificação que o paciente faz com o analista com sua capacidade de lidar com a desconhecida sensação de desesperarse Essa identificação é mais importante do que eventuais conselhos ou gratificações Os pacientes com transtorno de pâ nico se apresentam de forma não muito diferente de outros pacientes com déficit Psicoterapia de orientação analítica 501 de simbolização demandando que o pro fissional dê significado às suas experiências emocionais O vínculo analítico Logo que se inicia o processo psicoterápico percebese que o paciente tende a colarse grudarse ao analista Parece que seu de sespero e fragilidade estimulam que o vín culo se torne muito intenso e o paciente se coloca em uma situação de dependência em relação ao terapeuta Este é sentido com uma figura forte idealizada que o prote gerá Tal configuração vincular parece em um primeiro momento decorrer do terror manifestado pelas crises mas logo se verifi cará que o fato tem raízes mais profundas No entanto outras vezes o paciente se defende dessa necessidade de dependên cia tomando uma distância protetora em geral bastante grande Porém com certa rapidez se o processo analítico é vigoroso essas defesas são compreendidas e tende a preponderar a necessidade de um objeto analista ideal mesmo que se resista a ele Essa ambiguidade em relação ao analista mais ou menos clara levanos a perceber fatos relacionados à formação da identidade do paciente A pessoa que nos é apresentada no processo analítico tende com algumas exceções a desdobrarse em dois aspectos 1 Alguém que parece ter aproveitado bem seus recursos pessoais tendo consegui do razoável sucesso e reconhecimento social e profissional e às vezes também afetivo A impressão inicial é que existe uma coesão criativa do self Mesmo pes soas de baixo estrato social se orgulham de sua competência e respeito pessoal 2 Ao mesmo tempo encontramos uma pessoa insegura frágil muito preocu pada com a avaliação dos outros e que vem utilizando mecanismos adaptati vos em relação a expectativas reais ou fantasiadas Esses dois aspectos logo se manifes tam na situação transferencial O pacien te nos mostra seus recursos e qualidades tanto fora com dentro do tratamento Será colaborador e pode tornarse um pacien te interessante Logo se nota que ele está tentando agradar o analista desejando ser aprovado e amado Por vezes o trabalho analítico parece uma valsa o paciente concorda com tudo o que o analista diz contribui com novos fatos e lembranças e o processo parece agradável para ambos Teorias edípicas são facilmente aplicáveis ao material e se o terapeuta não se cuidar estratos mais primitivos ficarão de fora É evidente que o problema dos ata ques de pânico continua presente e o pa ciente também demonstra sua frustração com a análise e ataca o terapeuta quando eles ameaçam ou se manifestam Todavia chama a atenção o esforço do paciente em tornarse valioso para o terapeuta mais do que em compreender sua ansiedade Em algum momento o analista per cebe que está sendo recrutado a deixar de lado a investigação aprofundada do sofri mento emocional vendose compelido a suprir as necessidades do paciente de co larse indiscriminarse na relação O ana lista passa a supor que esse mimetis mo que lembra o filme Zelig de Woody Allen ocorre também com os objetos ex ternos Aos poucos percebese que parte do sucesso e da realização pessoal do pa Os fenômenos envolvem imitação16 e podem ser nomeados como identificação adesiva segunda pele superficialidade1718 falso self19 Alguns pacientes se dedicam a atividades físicas ou similares para sentirem sua pele20 502 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ciente teria sido consequência de sua ca pacidade de adaptação Quando o analista mostra esses me canismos ao paciente ele fica muito assus tado por perceber que sua força encobria uma fragilidade que não conhecia Em sua fantasia se não puder mais utilizar as de fesas que pareciam tornálo invulnerável ficará perdido sem recursos com risco de morte ou algo similar em um reflexo do que ocorre durante suas crises De fato nem todos os pacientes se apresentam da forma descrita inicialmente Alguns colocam suas descargas em atos e outros apresentam negações e defesas ma níacas ou obsessivas que os protegem de envolverse com o processo analítico Quando graças ao processo terapêutico o pa ciente percebe que o analista tem vida pró pria e não está colado com o paciente este se sente frustrado e aparecem o ódio e a in veja Esses afetos decorrem da constatação de que depende de outros para viver As configura ções antigas dependência fusão simbiose e seu oposto autossuficiência retraimento não são mais possíveis Grande parte do processo terapêutico acabará tornandose uma forma de facilitar que o paciente entre em contato com esses aspectos primitivos sem que isso faça sentirse aniquilado do mesmo modo que o analista tampouco o será Para isso o analista deverá procurar não se identificar com aspectos destrutivos superego patológico do paciente Uma vez que o paciente se assusta com a possibilidade de perda de seus re cursos emocionais defensivos que utili zou durante toda a sua vida ele tentará refazêlos ou recorrerá a outros Nesse momento irá se lembrar de situações an tigas em que perdeu a cabeça tidas co mo ataques de ódio e destrutividade reais ou fantasiados A tentativa de grudarse de novo ao analista é recorrente As defe sas retornam e o processo analítico se faz em uma dialética entre esses mecanismos de fusão sufocante e afastamento apavo rante Um elemento privilegiado do setting que facilita a manifestação desses aspectos referese ao vínculo protetor e às separa ções reais ou imaginárias Diante delas a ansiedade se manifesta rapidamente pura sutil ou mascarada Por vezes o paciente chega à sessão muito tempo antes de seu início sentindose protegido pela proxi midade com o terapeuta pode andar horas por ruas próximas ao consultório imagi nando que se se sentir mal o terapeuta está acessível ou precisa localizálo por telefo ne acalmandose apenas em ouvilo ou em saber onde está Quando o analista consegue captar essa ansiedade desencadeada pela separação e as defesas contra ela e possibilita que o paciente perceba as fantasias inconscientes subjacentes o processo analítico se torna bastante potente O paciente não está mais tão assustado com os ataques que não con seguia vincular a nenhuma ideia mais clara Agora ele já pode perceber ligações entre sintomas de ansiedade mesmo que sutis e fatos e ideias Estas se manifestam com cla reza em sonhos e outras formações do in consciente mas principalmente na relação transferencial mesmo que em forma masca rada a ser decifrada Até então predominavam na análise descar gas de elementos não apropriados para o pen samento sintomas detalhamento de crises queixas fusão e indiscriminação com o analis ta entre outros Essas descargas funcionavam como meio de expelir os terrores do paciente ao mesmo tempo que serviam de teste na ve rificação das condições do terapeuta de não se deixar contaminar por elas A comunicação por Psicoterapia de orientação analítica 503 pensamentos fica mais viável depois que o te rapeuta demonstra que pode conter aqueles elementos sem ficar destruído enquanto sua mente se constitui em uma prótese provisória para ajudar a pensar Essa prótese ou fun ção de pensar é introjetada pelo paciente pou co a pouco Tudo isso costuma levar um tempo razoável Em algum momento pela percepção de seu funcionamento mental manifesta do no vínculo com o terapeuta o paciente se apavora e ameaça deixar o tratamento Nessas ocasiões reativamse mecanismos antigos O paciente afirma que a psicote rapia o tem ajudado muito mas agora não tem mais tempo não tem dinheiro ou vai tentar algum tratamento alternativo mas logo voltará Esses episódios costumam ser bastante favoráveis para um aprofun damento do processo O terapeuta pode mostrar com clareza um dos maiores pro blemas do paciente sua destrutividade que pode ser sentida como onipotente Es sa destrutividade é consequência tanto da externalizção do terror de aniquilamento como do pavor de sentirse sufocado den tro do objeto O MODELO DO NASCIMENTO PSICOLÓGICO DISTÓCICO Durante o processo analítico quando o te rapeuta constata a ansiedade de separação e as defesas contra ela podem virlhe à men te alguns modelos Um deles é o do nasci mento Parece que o paciente se comporta como um bebezinho aterrorizado certo de que não foi bemvindo e de que será aban donado a qualquer momento perecendo A sensação é a de que o bebezinhopa ciente se gruda ao corpo da mãeanalista ao qual se agarra com todas as forças Uma das táticas para não perdêla é transformar se em um bebê bonzinho que agrada que não incomoda O que o analista eviden temente capta é a intensidade do terror e em seguida do ódio e de tudo aquilo que poderia incitálo Esse modelo logo se im põe Quando a capacidade de simbolização aumenta o paciente passa a trazer material por meio de associações livres e de sonhos que se referem a vicissitudes ligadas aos processos de desprendimento Os terrores e as defesas contra estes vão aparecendo também na relação transferencial ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Stela em férias telefona de Natal várias ve zes sempre à noite quando o analista já está na cama Estou mal estou desesperada tive uma crise eu sei que você está longe mas pre ciso ouvir sua voz Já tomei dois calmantes Tomo mais um O que você acha E antes que ouvisse a resposta Me desculpe acho que vou tomar Vou tentar não te telefonar mais Em seguida relata que teve uma crise terrível quando andava nas dunas e tem medo de que ela se repita O analista vivencia contratransferen cialmente a angústia que vem pelo fio cor dão umbilical do telefone e sente que essa menina bebê não pode sofrer cortes brus cos que seu parto seu desprendimento tem que ser lento senão ocorrerá desastre Stelabebê desesperado pede desculpas e enfiase na cama entre os membros do ca sal parental analista e esposa Atendida pode dormir mais tranquila O casal sente que tem de se cuidar para aceitar e conter o terceiro sem disrupção permitindo que se constitua como indivíduo20 504 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Como já referido no início do pro cesso o analista se sente estimulado a in terpretar mostrando vicissitudes de triân gulos edípicos O paciente se sente aliviado ao ouvilas e concorda O analista também se sente satisfeito e por algum tempo a análise transcorre visualizandose situações triangulares de exclusão amor e ódio Entretanto logo o analista constata que os aspectos vistos ainda que corretos estão encobrindo algo mais primitivo que corresponde ao modelo de desprendimento da dupla mãebebê É nesse momento que se tornam manifestas fantasias destrutivas violentas e violentadoras Esses estados de espírito objetos são terroríficos e nos fazem pensar em um objeto interno que chamaremos em nosso modelo de mãe caracterizado como sádico a que se deve obedecer por exemplo sendo bonzinho do contrário correse o risco de morrer O modelo se amplia para o de um nascimento psicológico precoce distóci co mal conduzido vivenciado e não con creto com introjeção de uma mãe que foi sentida como incapaz de metabolizar os terrores arcaicos do bebê Agora isso se manifesta na relação transferencial e o analista terá que substituir esse objeto mau terrorífico dando sentido às vivências ino mináveis do paciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Chegamos na hora do almoço e depois fui dor mir um pouquinho Sonhei que estava no 10o andar eu e não sei quem mais a gente ia comer um peixe era um lagarto Aí o lagarto engraça do falo lagarto mas era peixe cai do 10o an dar na calçada Aí nós estamos na calçada ven do ele cair que estranho isso Aí o lagarto bate com a barriga no chão e ela se abre e depois vão aparecendo a cabeça e as patinhas e ele sai bravo agressivo atacando todo mundo To dos fogem dele Aí eu acordei e me senti mal tris te Veio uma tristeza imensa uma solidão esta va sozinha e comecei a chorar Isso é horrível é a pior coisa e eu não sei quando vem quando vai Aí liguei para minha mãe chorando Durante as associações ao sonho a pa ciente diz Nós jogamos o lagarto era um pe daço de carne Não ele caiu Não sei No contexto da sessão foi possível ve rificar que a imagem correspondia a uma espécie de nascimento traumático em que o analista era sentido como uma calçada dura e o lagartopeixe representava aspec tos arcaicos talvez repetindo a filogênese que denunciavam violência e ódio imensos ante uma mãeanalista não continente Parte do sonho foi conectada ao fato de a paciente terse sentido apressada a nas cer a entrar em contato consigo mesma devido à solicitação do analista de aumen tar o número de sessões o que foi sentido por ela como impositivo O analista havia feito a proposta vigorosamente em decor rência da percepção de suas dificuldades em metabolizar a quantidade e a qualidade dos elementos colocados em cena20 Catástrofe a perda no espaço infinito Como evidenciado o paciente costuma apresentarse em sua vida corrente de uma forma normal ou até bem demais com exceções Os ataques de pânico cons tituíam o único ou principal problema Se eles não atrapalhassem muito ou fossem controlados de alguma maneira o pacien te aparentemente continuaria sua vida produtiva e atarefada O fato de ter sido dominado pelas crises foi sentido pelo paciente como uma Psicoterapia de orientação analítica 505 ferida narcísica terrível já que até então ele vivia em uma fantasia de ter controle sobre tudo Fazer análise mexeu com es sa onipotência Fundindose ao analista continuou ainda que de forma provisó ria todopoderoso Porém à medida que a análise se desenvolve o paciente passa a ter novos problemas Agora terá que lidar com sua fragilidade com seu ódio com sua destrutividade com o abalo de suas defesas narcísicas Será obrigado a reconhecer a ne cessidade de objetos que não se submetem a ele A análise passa a ser responsabilizada pelo surgimento desses novos problemas disso decorrem conflitos com o analista vontade de deixálo e tentativas de tornálo impotente Como referido a ansiedade é viven ciada em grau limitado nas situações reais ou fantasiadas de separação ou abandono por parte do analista o que inclui a fanta sia ou realidade de não ser compreendido Os ataques de pânico são descritos de uma forma que lembra o que ocorre nessas situ ações mas elas são muito mais intensas e parece não existir vinculação com qualquer ideia ou fantasia O modelo do as tronauta me foi fornecido por um paciente O pa cienteastronauta sai da nave e fica preso a ela por um cordão Este se rompe e o astronauta é jogado no espaço sideral in finito sem referencial espacial e temporal sem qualquer possibilidade de socorro ru mo a uma morte ou algo similar solitária e aterrorizante No modelo que estou uti lizando parece que é isso que ocorre com um bebezinho quando do seu nascimento psicológico em que não encontra um con tinente protetor para suas ansiedades de morte Fica mais claro nesse momento que os pacientes se grudam ao analista pa ra evitar a sensação terrível de perderse no espaço Os termos já citados aniqui lamento liquefação esparramarse frag mentarse desintegrarse desmantelarse são pobres para descrever o que se sente quando as defesas falham e nos remetem a situações de ansiedade arcaicas Diante de las é necessário ativar defesas Uma defesa primitiva envolve a busca de um objeto sensual que sirva à sensação de ponto de apoio para contenção dessa desagregação Durante a crise ou quando ela ameaça o pacientebebezinho fixa o olhar a audição ou a pele a um objeto Pode ser a voz do analista na sessão ou ao telefone seu olhar a superfície do divã ou da cadeira as paredes da sala de espera Pode ser o som do rádio ou a placa do carro da frente se está em uma estrada Ou uma casa uma pessoa se está em um lugar deserto Investigando percebemos fantasias sobre contenção física o paciente antes ou durante a crise comprimese entre superfí cies solicita ser abraçado amarrado con tido como se o self pudesse derramarse desintegrarse liquefazerse É nesses momentos de terrores primitivos que as capacidades de contenção e continên cia do analista são postas à prova Como a capacidade de simbolizar está deterioriada o que mais importa para que o paciente não de sabe é sua percepção da receptividade emocio nal interessada e continente por parte do tera peuta bem como sua capacidade de manter se vivo e criativo como objeto que suportará os terrores e os desintoxicará E isso nem sempre é fácil porque o terror indizível pode ser superior a qualquer continente Ao mesmo tempo o ana lista efetuará intervenções que serão captadas pela parte da mente que não está desabando Será por meio dela parte não psicótica que se atingirá o funcionamento primitivo Aqui estamos no terreno da unidimensionalida de18 buscandose objetos sensuais como manobra autística21 506 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Às vezes o paciente escolhe um ob jeto que serve como instrumento sensual de contenção Pode ser uma medalha um talismã uma oração um amuleto Pode ser associado ou substituído pela cápsula da medicação Sua presença impede a crise e a consciência de sua ausência a desen cadeia O mesmo ocorre com a presença de outras pessoas acompanhantes Talvez por isso os ataques são menos comuns ou intensos durante o processo analítico Um ponto importante a ser salientado é que esses pacientes se sentem humilhados se a crise ameaça acontecer perto de outras pes soas ainda mais se forem estranhas Isso os diferencia daqueles com traços histéricos As considerações ora expostas nos le vam a descrever como os pacientes consti tuíram as imagos dos pais A mãe é sentida como uma pessoa assustada que impede as tentativas de desprendimento dos filhos incutindolhes insegurança e principal mente culpa Ela é internalizada como um objeto ao mesmo tempo frágil e sádico ca rente e terrorífico A tentativa de despren dimento dessa mãe interna é sentida como que a violentando Nesse momento surge o aspecto violentador do objeto Dessa forma em qualquer tentativa de desprendimento real ou em fantasia o paciente sentirá culpa insuportável eou terror de punição terrível Nas ameaças de separação abandono ou não compreen são por parte do analista situações que per meiam todo processo terapêutico o pa ciente ataca com ódio destrutivo ou se de fende dele aplacando o terapeuta Esse ódio e o medo de retaliação por parte do tera peuta a quem se atribui o papel de mãe mortífera e carente manifestamse de uma maneira que permite um aprofundamento do processo analítico as ansiedades ligam se a representações e desenvolvese o pro cesso de simbolização Com o self mais coe so agora podem ser abordadas as fantasias ligadas a situações mais evoluídas ainda que isso não seja fácil porque o paciente pode defenderse com uma carapaça obs trutiva que terá que ser desfeita com muita paciência Pensando o modelo proposto pode parecer curioso que o mesmo objeto que não deu continência aos terrores do bebe zinho impedindo um nascimento psicoló gico adequado seja aquele que inviabiliza o desprendimento No entanto isso não é difícil de compreender se observamos du rante o trabalho analítico que esse objeto foi introjetado como carente e mau O de sejo de livrarse dele é imenso mas levará a terrores mais intensos ainda é melhor ter um objeto ainda que mau que pode ser cuidado e seduzido se formos bonzinhos do que não ter nenhum e morrer no espa ço sideral Observaremos esse jogo dialéti co na relação transferencial o analisando bonzinho tornandose possuído pelo ódio e pela inveja do analista mas aterro rizado por destruílo e sentirse também destruído Observase que os pacientes em geral na juventude procuram abandonar o obje to externo tentando viver a própria vida e para isso muitas vezes mudamse de casa ou de cidade Raramente isso é consciente Mas o objeto interno sádico e culpógeno continua ativo internamente Esse fato ajuda a compreender o desencadeamento dos ataques de pânico a partir de separa ções mudanças e mortes É mais fácil su por que o desamparo que leva ao ataque se deva à perda do objeto concreto mas a investigação psicanalítica sugere a hipóte se aqui exposta abandono e retaliação em relação ao objeto interno que poderemos chamar de objeto sabotadorfilicida Gaddini22 descreve o objeto fetiche derivado do objeto autista com essas funções de tamponamento Psicoterapia de orientação analítica 507 Hipóteses teóricas Caso a descrição proposta esteja correta deveríamos perguntarnos por que o prazer e a satisfação funcionariam como gatilhos para o ataque de pânico Aqui novamente utilizando modelos lançase a hipótese de que o paciente está descobrindo e usando recursos próprios produto de Eros em parte não psicótica da personalidade Po rém essa utilização leva a ter que abando nar trair esse objetomãe culpógeno e terrorista internalizado Nesse momento esse objeto representante de Tânatos acio na a ameaça de aniquilamento do self cau sando pânico A questão que fica é por que esse ob jeto tanático permitiu que Eros se mani festasse antes por vezes com intensidade Somos obrigados a supor que esse objeto permanece como que encistado liberando a mente para usar as pulsões de vida Já ve rificamos que mascarados pelos aspectos de vida existem também outros tanáticos tais como masoquismo destrutividade terrores de desintegração que em geral ficam mais ou menos controlados pois o cisto não é totalmente impermeável Quando as pulsões de vida se mani festam de forma intensa o cisto se rom pe como que invejando o restante do self e o invade com derivados da pulsão de morte A sensação é de terror indizível o mesmo terror de desprendimento no espa ço sideral A analogia seria com o astro nautamãe cortando o cordão que pren de o astronautafilho à nave sideral por despeito e inveja do prazer que este sente ao explorar o cosmos Dessa forma o cisto seria o próprio objeto sabotadorfilicida quiescente Tal modelo ajuda a compreen der por que muitas vezes o primeiro ata que de pânico ocorre em sequência a situa ções em que o paciente está usufruindo de seus recursos14 O referido modelo não nos afasta da possibilidade mais compreensível do pon to de vista teórico de que aspectos indis criminados do self caóticos turbulentos destrutivos e dolorosos23 antes rigidamen te encapsulados tenham sido liberados Esses aspectos primitivos de mente que se supõem existirem no nascimento ou até antes na época prénatal persistem quase inativos mas emergem de forma catastró fica em situações como essa A junção dos dois modelos pode ser efetuada propondo se que o suposto objeto internalizado co mo sabotadorfilicida não permitiu a con tenção desses aspectos primitivos em uma fase muito precoce da vida e isso retorna agora O termo sabotadorfilicida serve pa ra alertar o psicanalista sobre a necessidade de não se deixar dominar por esses aspec tos mortíferos e sobre o risco de ele ser re crutado a atuar os componentes filicidas e sabotadores estimuladores de inveja com seu analisando O termo cisto indica a dureza e a inflexibilidade das defesas o que será percebido na situação transferencial Tustin212425 usa a expressão catás trofe psicológica como o resultado de um nascimento psicológico prematuro ou mal conduzido Para ela ocorre uma calamida de que interrompe um nascimento psicoló gico normal e distorce o desenvolvimento A realização pela criança de que a parte de sua mãe que ela dava como certo ser parte de seu próprio corpo não o é determina o trauma por excelência Somente a relação com um objeto mãeambiente continente capaz de ser introjetado de maneira ade quada permitirá ao self se constituir de for ma suficientemente coesa O nascimento psicológico precoce ou mal conduzido denominado distócico e a compreensão de mecanismos de fun cionamento mais primitivo tais como an siedades de transbordamento dissolução 508 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs defesas sensuais mecanismos autísticos identificações primitivas objetos interme diários foram estudados por Tustin e ou tros autores Bick17 Meltzer182627 e An zieu28 nos mostram a importância de um envoltóriopele para conter o self amea çado por essas ansiedades Meltzer1827 foi dos primeiros que descreveu defesas autís ticas e a regressão a estados bidimensionais identificação adesiva e unidimensionais Winnicott29 lembra que a ameaça de ani quilamento que o paciente vivencia agora na verdade ocorreu no passado distante durante uma falha ambiental com as ago nias primitivas sendo retomadas As defesas autísticas constituem me canismos utilizados para preencher o oco espaço sideral entre mãe e bebê fruto do desgarramento precoce São defesas sen soriais efetuadas às custas do próprio self e que substituem a relação com o objeto Tustin24 descreveu em detalhes os objetos e as formas autistas e Gaddini22 abordou o objeto fetiche São esses elementos que tamponam o buraco Assim combatese o sofrimento do desprendimento catastró fico mas se impede a relação com a mãe a relação recíproca pelo menos na área comprometida Os objetos autísticos quase nada têm de mental e não permitem novos desenvolvimentos rumo à simbolização Paralisase o desenvolvimento psicológico Outras áreas podem desenvolverse inclu sive tamponando a área que se deteve de tal modo que ela não se revele A retirada dessa defesa provoca o pânico o terror sem nome Ogden30 de modo criativo efetuou uma convergência de parte dos fenômenos abordados aqui descrevendo a posição autistacontígua Tratase de uma forma de gerar significado que funciona dialetica mente com os modos esquizoparanoide e depressivo conforme descritos pela escola kleiniana Muitos outros autores têm ca minhado por estradas parecidas e a citação de todos eles mesmo incompleta iria além dos objetivos deste capítulo As considerações ora efetuadas não se opõem à descrição que consideramos a mais aprofundada sobre o complexo fobia pânico efetuada por Trinca3132 que estu da minuciosamente a personalidade fóbica percebendo a fobia e o pânico como um continuum de manifestações da insuficiên cia de um continente primário de um cen tro de sustentação do self com angústias de dissipação em que o ser interior desaba e é engolfado pelo nada rumo à não existên cia No pânico o indivíduo observa iner me seu autodesfazimento Antes de concluir o leitor poderia perguntarse por que esses pacientes não se tornaram autis tas psicóticos ou borderline manifestos O pro cesso analítico com pacientes assim descri tos tem bastante em comum com aqueles com transtorno de pânico Propõese que os pacien tes de pânico puderam por motivos constitu cionais e ambientais utilizar defesas que lhes permitiram uma melhor adaptação Isto é par tes de sua mente ficaram como que livres das defesas patológicas ainda que paguem o pre ço de certa inautenticidade falso self No en tanto uma parte persite funcionando de forma primitiva como cultura de pulsão de morte en cistada associada ao que chamei de objeto sa botadorfilicida e quando ela invade brusca mente a parte mais desenvolvida ocorrem os ataques de pânico No entanto as defesas logo A suposta maior incidência das patologias atuais com dificuldades na simbolização pode ser relacio nada a um circuito retroalimentador em que a cultura do narcisismo da sociedade pósmoderna se conecta com mimetismo superficialidade desconsideração não pensamento e buscas sensuais aspectos de fun cionamento primitivo Psicoterapia de orientação analítica 509 se refazem sendo possível retomar uma vida normal após a crise mesmo que componen tes destrutivos fiquem evidentes no processo analítico Isso não ocorre desse modo com ou tros tipos de pacientes em que os mecanismos primitivos se manifestam continuamente e em formas variadas TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA Certos pacientes sofrem de ansiedade di fusa Vivem constantemente preocupados com expectativas negativas exageradas e apreensivos em relação a variados aspectos de sua vida Essa preocupação redunda em dificuldades sociais profissionais e afeti vas Às vezes a ansiedade se manifesta por irritação e esses indivíduos se descrevem com os nervos à flor da pele vivendo em tensão permanente hipervigilantes e assus tados No entanto não há definição clara sobre o que os deixa ansiosos ao contrá rio dos fóbicos que conhecem a situação ansiógena dos pacientes de pânico cujo terror é o de ser tomado por um ataque de ansiedade e dos pacientes obsessivoscom pulsivos que relacionam sua ansiedade a pensamentos e medos definidos Essas sensações e sentimentos cos tumam vir acompanhados de outros sin tomas alguns de ordem neurovegetativa tais como tonturas zumbidos sudorese taquicardia dificuldades de concentração insegurança Por vezes os sintomas so máticos dominam o quadro Quando esse quadro dura mais de seis meses o DSMIV o classifica como transtorno de ansiedade generalizada Quadro 292 O TAG é uma categoria residual dos transtornos de ansie dade Com frequência os pacientes tam bém apresentam desânimo tristeza apatia e o psiquiatra tem dificuldades em saber se esses sintomas são consequência das restri ções impostas pela ansiedade ou já se fazem parte do quadro inicial Uma parte desses pacientes convive com seus sintomas sem tratamento os quais parecem quase carac terológicos por vezes se automedicando ou recorrendo a livros de autoajuda outra parte procura médicos de várias especiali dades que acabam por tratálos com an siolíticos e antidepressivos usados de for ma intermitente Um terceiro grupo com capacidade de perceber a influência do psiquismo em seu sofrimento acaba pro curando tratamentos psicológicos O tratamento psicoterápico não dife rirá de qualquer outro e o terapeuta deverá procurar na relação transferencialcontra transferencial elementos que lhe permitam nomear e compreender os afetos Aspectos primitivos frutos de déficit de simboliza ção e traumas arcaicos deverão ser conti dos e nomeados Alguns pacientes abandonam o tra tamento e não raro identificamse com ponentes relacionados a culpa e destruição que funcionam como que para manter o sofrimento Esses indivíduos necessitam ainda mais entrar em contato com a parte psicótica da personalidade em que defesas primitivas cisão idealização identificação adesiva identificação projetiva entre ou tras encobrem ansiedades arcaicas e défi cits nos processos de simbolização Por fim muitos pacientes procuram o terapeuta sem uma queixa definida Sen temse descontentes não veem objetivo em sua vida têm dificuldades nas relações interpessoais preocupamse com fatos ir relevantes ou não têm ânimo sequer para preocuparse Há uma insatisfação vaga Seu diagnóstico não é fácil por meio das classifi cações categoriais e o profissional em geral 510 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs opta por transtorno de ansiedade depressi vo ansiosodepressivo ou um caso leve de transtorno da personalidade Comumente esses pacientes durante o processo analíti co se revelarão como narcisistas e borderli ne assunto de outros capítulos deste livro QUADRO 292 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA DSM5 30002 Transtorno de ansiedade generalizada A Ansiedade e preocupação excessivas expectativa apreensiva ocorrendo na maioria dos dias pelo período mínimo de seis meses com diversos eventos ou atividades tais como desempenho escolar ou profissional B O indivíduo considera difícil controlar a preocupação C A ansiedade e a preocupação estão associadas a três ou mais dos seguintes seis sintomas com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses 1 inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele 2 fatigabilidade 3 dificuldade em concentrarse ou sensações de branco na mente 4 irritabilidade 5 tensão muscular 6 perturbação do sono dificuldades em conciliar ou manter o sono ou sono insatisfatório e inquieto D A ansiedade a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo E A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância droga de abuso medicamento ou de uma condição médica geral p ex hipertireoidismo F A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental p ex ansiedade ou a preocupa ção quanto a ter um ataque de pânico como no transtorno de pânico avaliação negativa no transtorno de ansiedade social fobia social contaminações ou outras obsessões no transtorno obsessivocompulsivo separação de figuras de apego no transtorno de ansiedade de separação lembrança de eventos traumáticos no transtorno de estresse póstraumático ganhar peso na anorexia múltiplas queixas físicas no transtorno de somatização percepção de problemas na aparência no transtorno dismórfico corporal ter uma doença grave no transtorno de ansiedade com doenças ou o conteúdo de crenças delirantes na esquizofrenia ou transtorno delirante Fonte Adaptado de American Psychiatric Association33 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Nos ataques de pânico a ansiedade engolfa o indivíduo tornandoo aterrorizado e impotente blo quean do sua capacidade de pensar 2 Os ataques de pânico ocorrem de forma inesperada seguidos do receio de que se repitam com medo de consequências terríveis loucura morte etc Psicoterapia de orientação analítica 511 REFERÊNCIAS 1 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 22 p 95201 2 Freud S Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular in titulada neurose de angústia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1967 v 3 p 10735 3 Organização Mundial da Saúde Classifica ção de transtornos mentais e de comporta mento da CID10 descrições clínicas e di retrizes diagnósticas Porto Alegre Artes Médicas 1993 4 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSMIV 4th ed Washington Ameri can Psychiatric Association c1994 5 Segal H Introdução à obra de Melanie Klein Rio de Janeiro Imago 1975 6 Bion WR Learning from experience Lon don Heinemann 1962 7 Bion WR Diferenciação entre a personali dade psicótica e a personalidade não psicó tica In Bion WR Estudos psicanalíticos re visados Rio de Janeiro Imago 1988 p 45 62 8 Winnicott DW A teoria do relacionamento paternoinfantil In Winnicott DW O am biente e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocio nal Porto Alegre Artemed 1983 p 3854 9 Shear MK Cooper AM Klerman GL Busch FN Shapiro T A psychodynamic model of panic disorder Am J Psychiatry 1993150685966 10 Craske MG Fear and anxiety in children and adolescents Bull Menninger Clin 1997612 Suppl AA436 11 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica ba seado do DSMIV 2 ed Porto Alegre Art med 1998 12 Cassorla RMS Considerações sobre o so nho a dois e o nãosonho a dois no teatro da análise Revista de Psicanálise da SPPA 200512352752 13 Cassorla RMS In search of symbolization the analysts task of dreaming In Levine HB Reed GS Scarface D Unrepresent ed states and the construction of meaning clinical and theoretical contributions Lon don Karnac c2013 p 20219 14 Cassorla RMS Transferindo aspectos ino mináveis no campo analítico uma aproxi 3 Pode ocorrer evitação de situações e lugares onde ocorreram os ataques ou que dificultem em fanta sia o pedido de auxílio A vida do paciente se torna limitada 4 A teorização psicanalítica dos ataques utiliza termos como desintegração transbordamento dissolu ção colapso terror sem nome palavras que designam problemas na formação e manutenção do self Outras partes da mente observam desesperadamente o que está acontecendo 5 A compreensão psicodinâmica do pânico remete a distúrbios da simbolização isto é dificuldades na capacidade de transformar experiências emocionais em fatos mentais 6 Os déficits na capacidade de simbolização tornam esses pacientes mais vulneráveis a situações ambientais e viceversa Outra parte da mente é capaz de simbolizar adequadamente mas em geral se identificam defesas tipo falsoself 7 A função principal do analista será conter as situações desesperantes e tentar darlhes significado Para tal o analista deverá sonhar aquilo que o paciente não consegue simbolizar À medida que a capacidade de pensar do paciente se desenvolve as descargas são transformadas em pensamentos 8 Parte do processo terapêutico visa a auxiliar o paciente a aprender autocontrole e reflexão Esse apren dizado é efetuado a partir da identificação que o paciente faz com a capacidade do terapeuta de lidar com o desconhecido sem se desesperar 512 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mação didática Revista de Psicanálise da SPPA 2012916182 15 Alvarez A Companhia viva psicoterapia psicanalitica com crianças autistas borderli ne carentes e maltratadas Porto Alegre Ar tes Médicas 1994 16 Gaddini E On imitation Int J Psychoanal 19695047584 17 Bick E A experiência da pele em relações objetais arcaicas Jornal de Psicanálise de São Paulo 198720412731 18 Meltzer D La dimensionalidad como un pa rametro para el funcionamento mental su relación com la organización narcisista In Meltzer D Bremner J Hoxter S Weddell D Wittenberg I Exploración del autismo um estudio psicoanalítico Buenos Aires Paidós 1975 p 197210 19 Winnicott DW Distorção do ego em termos de falso e verdadeiro self In Winnicott DW O ambiente e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional Porto Alegre Artemed 1983 p 12839 20 Cassorla RMS Transtorno de pânico e as pectos primitivos de mente In França MTB Haundenschild TRL organizadores Consti tuição da vida psíquica São Paulo Hiron del 2009 p 169202 21 Tustin F Estados autísticos em crianças Rio de Janeiro Imago 1984 22 Gaddini R The precursors of transitional ob jects and phenomena Winnicott Studies the Journal Squiggle Foundation 198514957 23 Houzel D Identification introjective répa ration formation du symbole Journal de la Psychanalyse de LEnfant1991104672 24 Tustin F Barreiras autísticas em pacien tes neuróticos Porto Alegre Artes Médicas 1990 25 Tustin F The protective shell in children and adults London Karnac 1990 26 Meltzer D Identificação adesiva Jornal de Psicanálise de São Paulo 198619384052 27 Meltzer D Metapsicología ampliada aplica ciones clínicas de las ideas de Bion Buenos Aires Spatia 1990 28 Anzieu D O eupele São Paulo Casa do Psi cólogo 1995 29 Winnicott DW Fear of breakdown Int Rev Psychoanal 197411037 30 Ogden TH Sobre o conceito de uma po sição autistacontígua Rev Bras Psicanál 19963034164 31 Trinca W A personalidade fóbica uma aproximação psicanalítica Campinas Papi rus 1992 32 Trinca W Pânico e fobia em psicanálise São Paulo Vetor 1997 33 American Psychiatric Association Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM5 5 ed Porto Alegre Artmed 2013 LEITURA SUGERIDA Winnicott DW Objetos transicionais e fenôme nos transicionais In Winnicott DW Textos sele cionados da pediatria à psicanálise Rio de Janei ro Francisco Alves 1978 Alterações dos estados de humor foram identificadas desde a Antiguidade e apa recem em diversos registros mitológicos de diferentes culturas incluindo os relatos bíblicos Hipócrates 460370 aC usan do já o termo melancolia foi o primei ro a tentar diferenciar a depressão como doença do misticismo religioso que a via como um destino traçado pelos deuses Na Idade Média a visão mística dos transtor nos mentais volta a predominar sendo es tes inseridos na demonologia do período É na Idade Moderna que a doença mental passa a ser visualizada a partir de perspec tivas mais biológicas Do Renascimento em diante a melancolia designa uma espécie de loucura parcial diferente dos trans tornos da inteligência mas não implican do ainda necessariamente a presença de emoções como a tristeza Na primeira me tade do século XIX Esquirol citado por Ey e colaboradores1 distinguiu duas formas clínicas dentro do grupo das loucuras parciais ou monomanias uma com sinto mas expansivos e outra com tristeza Mais adiante os estados melancólicos passaram a ser integrados em uma psicose caracteri zada por sua evolução típica a loucura de dupla forma segundo Baillarger loucura circular segundo Falret e por fim a psicose maníacodepressiva segundo Kraepelin1 Em 1905 Adolph Meyer sugeriu a eli minação do termo melancolia propon do que se adotasse em definitivo o termo depressão A evolução do pensamento descritivo de Emil Kraepelin e a abordagem compreensiva de Sigmund Freud consoli daram a transição da psiquiatria do século XIX para a psiquiatria moderna no início do século XX Dessas vertentes e por ca minhos separados chegouse à divisão nas práticas psiquiátricas atuais a psiquiatria dinâmica alicerçada em fundamentos psi canalíticos e privilegiando intervenções psi cológicas e a psiquiatria biológica com base na neurobiologia reduzindo o entendimen to e a terapêutica das doenças mentais aos fármacos e a outras intervenções biológicas O termo genérico depressão com porta ainda hoje diferentes significados pode ser um sintoma uma síndrome ou um transtorno psiquiátrico Como doença não é mais considerada uma condição re lativamente benigna a comorbidade com outras patologias de Eixo I e II é a regra sendo comum que cause um impacto nega tivo em seu prognóstico e tratamento Nos anos de 1980 conforme assinalam Luyten 30 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE DEPRIMIDO Sergio Carlos Eduardo Pinto Machado Sidnei S Schestatsky 514 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Blatt e Corveleyn2 pesquisadores e clínicos acreditavam que a depressão pudesse ser tratada de modo efetivo e definitivo com psicofármacos antidepressivos associados ou não a psicoterapias estandardizadas e de curta duração Tal otimismo no entanto ficou abalado com a crescente refratarie dade de um número significativo de casos Os desafios terapêuticos das depressões se guem portanto em pauta nos atuais am bientes de pesquisa e assistência e nesse contexto a psicoterapia de orientação ana lítica permanece em lugar de destaque co mo um valioso recurso terapêutico EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONCEITOS As origens dos conceitos da etiologia e da patogenia da depressão do ponto de vista psicodinâmico situamse em Freud e em suas teorias sobre a personalidade sexua lidade infantil e conflito intrapsíquico Seu trabalho clássico sobre depressão é Luto e melancolia3 embora antes disso Freud já tivesse abordado de várias formas questões relativas ao tema Na discussão do caso clínico de Eli zabeth von R publicado nos Estudos sobre a histeria Freud4 ao se referir ao trabalho de rememoração antecipou o conceito de trabalho de luto e da mesma forma lan çou as bases do que hoje se chama reações de aniversário Em 1895 no Rascunho G envia a Fliess uma explicação da melanco lia No Rascunho N de 31 de maio de 1897 faz tanto a primeira menção ao complexo de Édipo como relaciona o luto com a melan colia Nas Cinco lições de psicanálise5 des creve o luto como um processo emocional normal e em Notas sobre um caso de neuro se obsessiva6 afirma que o período normal de luto se estende por 1 a 2 anos Em Totem e tabu7 ele escreve O luto tem uma missão psíquica mui to específica a efetuar a de des ligar dos mortos as lembranças e as esperanças dos sobreviventes Quan do isso é conseguido o sofrimento di minui e com ele o remorso e as au tocensuras Ele assinala que coexistem afeição e hostilidade em relação ao morto A hos tilidade é reprimida e permanece incons ciente quando projetada sobre o morto dá origem aos variados temores em relação a ele Em Luto e melancolia3 busca a expli cação clínica do mecanismo de luto e sua resolução comparandoo com a melanco lia entendida como uma condição patoló gica do luto Nessa altura já dispunha dos conceitos de narcisismo e de ideal do ego podendose considerar essa obra como um prolongamento do trabalho Sobre o narci sismo uma introdução8 de 1914 As consequências teóricas e clínicas de Luto e melancolia3 viriam a transcender a pretensão original Freud de estudar o luto normal e seu estado patológico O material examinado levouo à formulação de um agente crítico9 conduzindoo à hipótese do superego em O ego e o id10 e à reavalia ção dos sentimentos de culpa Esse traba lho também levou ao exame da natureza da identificação e da formação do caráter Freud defende que o luto é a reação à perda da representação abstrata de um objeto significativo por exemplo de um ideal de uma posição social ou de uma Chamase de reações de aniversário aquelas si tuações frequentemente encontradas na clínica em que estados depressivos se instalam às vezes subita mente em torno das datas de aniversário de morte ou separação de uma pessoa querida Psicoterapia de orientação analítica 515 pessoa valorizada Não o considera como patológico e refere ser inútil ou danosa qualquer interferência no desenvolvimento do processo de luto normal O luto é acom panhado por perda de interesse no mun do externo uma parada momentânea na capacidade de investir afetos em um novo objeto ou ideal e por uma fuga de qualquer atividade não conectada com a perda Ape sar de a realidade indicar que o objeto ama do já não mais existe o indivíduo enlutado é no início incapaz de se desvincular do que foi perdido Normalmente a realidade vence e acaba se impondo Assim Freud3 escreveu em 1915 às expensas de tempo e catexias a existência do objeto perdido é pro longada Cada lembrança e expectati va na qual a libido está conectada com o objeto é hipercatexizada Quando o trabalho de luto é completado o ego se torna livre e novamente desinibido O trabalho interno para restaurar o equilíbrio psíquico culminaria na vincula ção por deslocamento da libido com outro objeto Freud3 reconhece contudo que não é fácil indicar por que essa lenta e paulatina realização da realidade há de ser tão dolorosa assim como é singular que o do loroso desprazer que vem junto nos pareça natural e lógico A explicação que Freud3 encontra é que a realidade impõe às lem branças e às esperanças que são pon tos de enlace da libido com o objeto perdido o veredicto de que o objeto não mais existe e o ego diante da in terrogação de querer ou não compar tilhar do destino do objeto morto de cide sob a influência das satisfações narcisistas de vida abandonar sua li gação com ele Podemos pois su por que esse abandono se realiza tão lenta e paulatinamente que ao chegar ao fim dissipouse o esforço necessá rio para tal trabalho Com relação à melancolia Freud pensa diferente Em contraste com a perda consciente da pessoa que experimenta um luto normal no melancólico existe além disso a perda de um objeto inconsciente A libido permanece orientada para o ego onde se produz a identificação com o ob jeto perdido No luto normal o mundo fica pobre e vazio enquanto na situação patológica é o próprio melancólico que se sente empobrecido e depreciado A perda tem efeitos sobre seu ego que se dissocia entre uma parte que dirige críticas a outra como se a tomasse por objeto A essa ins tância crítica que se separou do ego Freud chamou de consciência moral sendo os la mentos do melancólico na realidade acu sações contra o objeto perdido Devido ao ódio se ataca a parte do ego identificada com o objeto humi lhandoa e encontrando nesse sofri mento uma satisfação sádica Freud nota pois uma diferença qua litativa entre aspectos normais e patológi cos vinculados ao luto Abraham11 amplia o trabalho de Freud em relação ao luto e Freud nunca usou a palavra catexia termo criado por seu tradutor para o inglês James Strachey O termo alemão besetzung tem um sentido mais coloquial o de investir um afeto ou um interesse em algo Mantémse no texto a expressão catexia por ser um termo consa grado embora deva ser entendido como investimento afetivo Da mesma forma hipercatexia como hi perinvestimento e descatexizar como desinvestir 516 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs aos estados maníacodepressivos influindo decisivamente nas concepções posteriores de Melanie Klein Enquanto Freud percebe o trabalho de luto como uma descatexiza ção um desligamento do objeto perdido Abraham descreve o oposto o luto exitoso resulta também na introjeção do objeto como Freud descrevera na melancolia Abraham postula serem idênticos os processos do luto e da melancolia e que as diferenças se devem à natureza das relações de objeto com a pessoa perdida Quando a relação foi intensamente ambivalente quando os impulsos de ódio se aproxima ram muito ou suplantaram os amorosos o resultado seria a melancolia No luto nor mal os impulsos amorosos superariam os agressivos e a introjeção se opera sem o desenvolvimento melancólico Abraham conclui que embora o luto e a depressão tenham similaridades clínicas são resulta dos diferentes de um processo psicológico único Radó12 introduziu extensões na teo ria clássica da depressão Seu primeiro enfoque segue de perto Abraham quanto à predisposição à depressão como uma in tensa carência de gratificações narcísicas isto é uma grande necessidade de se sentir aprovado e amado pelos objetos Seu foco se guinte é sobre as emoções com a raiva em primeiro plano e uma consideração maior pela importância dos sentimentos de culpa Explica as autoagressões como resultado das agressões do superego contra o ego que se submete por causa de sentimentos de culpa pela perda ocorrida As autopuni ções são vistas como uma forma de obter amor do superego um ato expiatório um pedido de perdão pelos ataques raivosos contra o objeto Para Radó14 a crise depressiva tem um significado oculto e constitui um de sesperado grito por amor precipitado por uma perda real ou fantasiada que o pacien te vivenciou como ameaçando sua segu rança emocional e material Melanie Klein1516 também pensava que a diferença entre o luto normal e o pa tológico fosse uma questão de grau Em ambas as situações existiria uma estreita conexão com processos mentais primiti vos da infância Entende o luto como um período de desorganização e subsequente reorganização tanto do mundo externo como do mundo interno do indivíduo enlutado O modo de reorganização das relações com os objetos será determinado pela forma utilizada pela criança em suas primeiras experiências quando atraves sou estados mentais comparáveis ao luto do adulto São esses primeiros lutos os mobilizados na vida adulta ao se experi mentar algo penoso com a reativação de ansiedades primitivas que foram bem ou mal elaboradas Klein diferentemente de Freud insiste na reativação dos conflitos da posição depressiva e não tanto na exis tência de uma ferida narcisista precoce17 A melancolia é tida como resultado de uma falha do processo de reparação do objeto atacado na posição depressiva A capacidade de reparação pode es tar perturbada por diversos motivos um deles é a gratificação sádica de vencer e hu milhar o objeto de superálo de triunfar sobre ele alterando o processo de elabo ração de sua perda gerando desconfiança e perseguição18 Mario Martins19 citando É importante lembrar que esse artigo em questão foi escrito depois que Freud10 já havia estabelecido o modelo estrutural e portanto o superego já estava no seu devido lugar Não havia mais a necessidade pois como em Luto e melancolia3 de que houvesse a introjeção do objeto perdido para que a sombra do objeto recaísse sobre o ego Nos estados depressivos é agora a sombra do superego que pesa sobre o ego13 Psicoterapia de orientação analítica 517 Grinberg enfatiza que não há apenas um luto pelo objeto mas também um luto pe lo ego Para Klein a dor experimentada no lento pro cesso de restabelecimento do juízo de reali dade durante o trabalho de luto devese não só à necessidade de renovar os vínculos com o mundo externo como também à de reconstruir o mundo interno Klein considera que o sentimento de perda deve sua força ao processo de repa ração A pessoa recupera o que já conse guira na infância reinstalar a representa ção mental dos pais dentro do ego Foi a compreensão do processo de introjeção na melancolia que levou Freud a reconhe cer a existência do superego Para Melanie Klein o que Freud entendia como vozes e influência dos pais reais estabelecidos no ego seria um mundo complexo de objetos mundo interno o qual desorganizado pela perda é na sequência reorganizado no trabalho de luto20 No luto normal o indivíduo reintro jeta e reinstala tanto a pessoa real per dida como seus pais amados que sen tiu como objetos internos bons Em sua fantasia este mundo interno que construiu desde os primeiros dias de vida foi destruído quando se produ ziu a perda atual A reconstrução do mundo interno dá a pauta do êxito do trabalho de luto15 Foi Fenichel21 o primeiro a sublinhar a importância da autoestima na depressão esta seria precipitada pela perda da autoes tima ou pela perda das provisões afetivas e ambientais que a sustentariam ou aumen tariam Aqui se percebe a primeira grande modificação teórica na literatura psicanalítica sobre a de pressão com o deslocamento da ênfase básica da perda do objeto para a perda da autoestima Outra forma de expressar esse fato é considerar que a perda do objeto só é signi ficativa no desencadeamento da depressão se ele tiver sido investido com a própria autoestima do paciente isto é se a perda for sentida como uma perda narcísica no ego Portanto a perda de um objeto amado ou de seu símbolo só causaria depressão em pessoas extremamente dependentes que percebem o objeto como essencial pa ra a própria sobrevivência Assim Fenichel pode afirmar que o processo depressivo é também uma tentativa de reparar o ego danificado por uma ferida narcísica pre coce Bibring22 é o primeiro autor psica nalítico a abordar a depressão em termos exclusivos da psicologia do ego e da perda da autoestima Para ele a depressão é um fenômeno do ego um estado do ego um estado afetivo que se re fere a todas as formas de depressão normaisou neuróticas22 Depois acrescenta que a depressão pode ser definida como a expressão emocional indica dora do estado de desamparo e impo tência do ego independentemente do que possa ter causado o colapso dos mecanismos que estabeleceram sua autoestima22 Bibring parte do princípio de que o ego tem normalmente aspirações narcísi cas ideal de ego entre as quais as de sen 518 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tirse valorizado e amado forte e superior bom e amoroso A percepção da incapaci dade de alcançar tais objetivos precipitaria um estado depressivo Uma das conclusões é a de que a depressão não é causada por um conflito entre o id e o ego ou do id com o superego mas por um conflito intrapsí quico dentro do próprio ego Desse modo a experiência primária de desam paro é o principal fator de suscetibilidade à de pressão Tal desamparo pode ser consequência da frustração continuada das necessidades de dependência da criança levandoa a uma sensação de fracasso e baixa autoes tima Em vez de raiva em relação aos ou tros gerando culpa e depressão o desam paro leva diretamente a raiva contra si mesmo Jacobson23 também considerou a per da da autoestima como o problema central da depressão sendo a dependência exage rada do objeto uma fraqueza específica do ego Os determinantes intrapsíquicos da frágil autoestima compreenderiam um su perego rígido um ideal do ego comprome tido e um desenvolvimento patológico das autorrepresentações A falta de aceitação e compreensão parentais diminui a autoes tima da criança aumentando sua ambiva lência e seus sentimentos agressivos contra os pais e incrementado a culpa a agres são voltariase contra si mesmo para evitar atacar aos pais ou outros objetos externos importantes As teorias de Kohut24 colocaram em relevo a necessidade do self em dispor de objetos empáticos no desenvolvimento da autoestima normal destacando questões do apego nos problemas posteriores de separaçãoindividuação Para Kohut afetos depressivos em indivíduos narcisicamente vulneráveis estão relaciona dos a sentimentos crônicos de vazio em respos ta a pais traumaticamente não empáticos Quando as experiências afetivas da criança não encontram uma resposta sensí vel e sintônica por parte dos pais não sendo adequadamente refletidas ou espelhadas pela reação parental ela se sente sozinha com suas experiências emocionalmente es vaziada e lutando para preencher os vazios com outros objetos selfobjects aos quais possa idealizar e com os quais se identifica Brenner25 deixa de focar as perdas como o desencadeante da depressão e vê os pacientes imaginandose destituídos de poder ou simbolicamente castrados pelos outros como punição a desejos competiti vos sexuais e agressivos Acontecimentos reais ou fantasiados podem desencadear depressão pela necessidade de punição podendo ser a depressão o modo mais efe tivo de diminuir as atitudes competitivas A agressão mobilizada contra a pessoa acu sada de ter provocado a perda de poder é no entanto autodirigida adotando o pa ciente uma atitude agradável ou concilia tória ainda que temerosa em relação ao acusado Cabe ao terapeuta tentar discernir quais dos desejos infantis estão sendo gra tificados nessas complexas formações de compromisso Bowlby2627 ao criar e desenvolver sua teoria do apego attachment funda da em uma perspectiva desenvolvimental e adaptativa teve uma influência signifi cativa embora nem sempre reconhecida dos modelos psicanalíticos da depressão Kohut define vulnerabilidade narcisística como a tendência a reagir a pequenas frustrações e desaponta mentos com significativa perda de autoestima Psicoterapia de orientação analítica 519 Considerou o apego como um sistema comportamental essencial para a sobrevi vência do bebê e suas rupturas como as perdas parentais precoces sendo crucial na etiologia dos transtornos de ansiedade e depressão Bowlby descreveu a partir da observação de crianças que as perdas desencadeavam uma série de respostas emocionais características choque e negação protesto desespero desor ganização e reorganização Argumentou que a forma como o in divíduo responde às perdas encontrase fortemente associada ao modo como seu sistema de apego se organizou ao longo de seu desenvolvimento De acordo com a teoria do apego as formas atípicas do luto podem surgir ao longo de um continuum que vai desde o luto crônico até a ausên cia prolongada de luto consciente Senti mentos de apego inseguro devido a rela ções parentais instáveis ou imprevisíveis ou comportamentos parentais de rejeição e crítica levam ao desenvolvimento de modelos internos do self como indigno de amor inadequado indiferente e punitivo Tal indivíduo se torna vulnerável à depres são no contexto de experiências de perda ou adversidade considerando tais fatos como sinais de falha e pouco suporte dos outros Stone28 destacou a agressão reativa que se teria desenvolvido em profundas frustrações nas relações parentais primiti vas da pessoa deprimida A agressão se ex pressaria toda vez que falhassem as tentati vas de coagir os pais a responder às necessi dades da criança Um superego severo seria desenvolvido alimentado pela raiva e pela falta de ajuda por parte dos cuidadores Mais recentemente Blatt e colabo radores2933 partindo de perspectivas da psicologia do ego das relações de objeto e de modelos cognitivodesenvolvimentais diferenciaram dois tipos básicos de confi gurações psicopatológicas as anaclíticas e as introjetivas incluindo nelas as respecti vas formas de depressão As psicopatologias anaclíticas implicam uma preocupação primária com temas e fatos interpessoais como confiança cuidado intimidade e sexualidade Os pacientes expressam in tensa preocupação com questões relacio nadas a vínculos e conexões afetivas em diferentes níveis desenvolvimentais desde dificuldades de diferenciação entre o eu e os outros apegos muito dependentes infantis até tipos mais maduros de problemas interpessoais Entre os diver sos quadros anaclíticos incluemse os transtornos da personalidade borderline dependente e histérica assim como uma forma específica de depressão a anaclíti ca dependente A depressão anaclítica se caracteriza por sen timentos de solidão desamparo e fragilidade Os pacientes experimentam medos intensos e crônicos de abandono ou de ficarem desprote gidos expressando profundas necessidades de serem amados nutridos e cuidados Devido à pobre internalização de ex periências precoces de gratificação ou da precária identificação com as qualidades nutridoras dos cuidadores os outros são valorizados basicamente pelos cuidados pelo conforto e pela gratificação imedia tos que são capazes de prover Há evidên cias de que essas formas de depressão são as que respondem melhor às intervenções psi codinâmicas breves de apoio ou inter pessoal Um segundo grupo de transtornos o das psicopatologias introjetivas é ca 520 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs racterizado pela preocupação com o esta belecimento de um self poderoso partindo do anseio de individuação e preocupações sobre autonomia e controle até questões internalizadas mais complexas de autoesti ma Tais pacientes estão mais interessados em estabelecer proteger e manter seu pró prio autoconceito percebido como estan do acima das preocupações habituais com a qualidade das relações interpessoais e acima de valorizarem sentimentos como confiabilidade calor humano e afeição Entre outros transtornos incluem a depres são introjetiva e o narcisismo fálico Rai va e agressão dirigidas ao self e aos outros tendem a ser centrais em suas dificulda des sendo os transtornos introjetivos mais idea cionais do que afetivos A depressão introjetiva ou autocrítica se apre senta com sentimentos de desvalia inferiorida de fracasso e culpa Os pacientes se engajam em permanente autoescrutínio e autoavaliação com medo crônico de serem criticados ou de saprovados Lutam por constante sucesso e per feição são competitivos trabalham exa geradamente e se defrontam sempre com autoexigências excessivas São capazes até de conseguir muitos de seus objetivos mas não conseguem desfrutálos de forma mais duradoura Devido à competitividade exa gerada também são críticos e depreciativos em relação aos outros Seja nos indivíduos ansiosos por con tato afetivo e excessivamente dependentes seja naqueles excessivamente autônomos e evitativos de relações de proximidade e in timidade em ambas as situações é possível criarse uma vulnerabilidade para a depres são Uma vez estabelecida esse tipo de de pressão tende a ser de manejo mais difícil demandando psicoterapias psicanalíticas de longa duração NÚCLEOS PSICODINÂMICOS DAS DEPRESSÕES Entre as contribuições teóricas mais recor rentes à compreensão dinâmica da depres são a quase totalidade dos autores enfatiza a vulnerabilidade narcísica como o princi pal gatilho dessa condição Busch e colaboradores34 sintetizam os núcleos dinâmicos das depressões da se guinte forma Vulnerabilidade narcísica experiências ou percepções primitivas de perda rejeição e inadequação Possível vul nerabilidade bioquímica sensitividade aumentada para perdas percebidas ou reais A consequência é a diminuição re corrente da autoestima desencadeando afetos depressivos e raiva em resposta a experiências danosas Raiva conflitiva resposta a dano narcísi co raiva pela falta de responsividade dos outros a desejos e necessidades próprios acusações aos outros pela própria vul nerabilidade ou profunda inveja deles quando percebidos como menos vulne ráveis raiva dos outros experimentados como lesivos ameaçadores e inaceitáveis As consequências são rupturas nas rela ções interpessoais raiva dirigida ao self desencadeamento de afetos depressivos e diminuição da autoestima Superego severo experiência de culpa e vergonha raiva voltada contra o self e causada por duras autocríticas interna lização de atitudes parentais percebidas Psicoterapia de orientação analítica 521 como rígidas e punitivas Raiva inveja e sexualidade acompanhadas de dese jos percebidos como errados ou maus Como resultado há autopercepção negativa graves autocríticas diminui ção da autoestima e geração de afetos depressivos Expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros esforços para mi tigar a baixa autoestima reativa Elevada autoexpectativa ideal do ego e expecta tivas de outras pessoas idealizadas para alcançarem necessidades individuais sendo os outros desvalorizados para sustentar a própria autoestima As con sequências envolvem desapontamentos significativos raiva de si e dos outros e diminuição da autoes tima Meios característicos de defesa contra afe tos dolorosos negação projeção agressão passiva e formação reativa O resultado é a raiva não efetivamente trabalhada e o crescimento da depressão pela raiva dirigida ao self ou via mundo externo visto como hostil e ameaçador Vários modelos sobre a natureza e a abordagem da depressão embora às vezes partindo de referências diferentes acabam coincidindo em muitas concepções Ruden e colaboradores35 tentaram integrar esses núcleos em uma formulação única Nela a vulnerabilidade narcísica é percebida como fundamental à suscetibilidade à depressão Tal vulnerabilidade resulta de acentuada sensibilidade a frustrações e rejeições o que desencadeia raiva que conduz a sen timentos de culpa e desvalia A raiva auto dirigida compõe o dano à autoestima do indivíduo aumentando a vulnerabilidade narcísica em um círculo vicioso Defesas incluindo negação projeção agressão pas siva identificação com o agressor e forma ção reativa são acionadas na tentativa de diminuir os sentimentos dolorosos mas resultam na intensificação da depressão Os precipitantes da depressão nesse mo delo integrativo incluem perdas imagi nadas ou reais rejeição ou incapacidade de atender ao perfeccionismo do ideal do ego assim como punição do superego por fantasias sexuais e agressivas Karasu36 afirmou que a teoria psicodinâmica moderna sobre a depressão combina concep ções psicanalíticas como desapontamento e perdas na infância precoce que predispõem à depressão autoestima danificada resultante de uma discrepância entre o self real e o ego ideal persistência de raiva narcísica desejos onipotentes abandono desesperança e dificul dades na autonomia Essa ampla matriz inconsciente cria os fundamentos dos episódios depressi vos por meio da repetição de experiên cias infantis e a reiteração desses padrões se manifesta na ruptura dos processos intrapsí quicos que mantêm a autoestima Tais concepções teóricas mantêmse rela tivamente intactas e continuam a funda mentar as abordagens psicodinâmicas das depressões apesar das eventuais diferenças técnicas entre as modalidades de psicotera pia breve e de longo prazo Luborsky e colaboradores37 faz o se guinte resumo dos elementos psicodinami camente significativos na depressão e dos objetivos a serem tratados a sentimentos de desamparo b vulnerabilidade para desapontamentos e perdas c estados de raiva dirigidos contra si mes mo com pobreza de expressão externa 522 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs d autoestima vulnerável e ideação e intenção suicidas f estilo pessimista para explicar os aconte cimentos g pobre capacidade de reconhecer estados depressivos em si mesmo h pobre capacidade de identificar eventos desencadeantes da depressão i inclinação a esperar respostas negativas de si mesmo e dos outros FORMAS DE PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA Psicoterapia psicodinâmica breve Nessa forma de psicoterapia a qualificação breve referese tanto à duração do trata mento como à delimitação de objetivos terapêuticos mais definidos Tentativas de formulações técnicas visando a formas bre ves e eficazes de tratamento remontam aos trabalhos de Ferenczi38 Franza e French39 e posteriormente a Balint e colaborado res40 Malan41 Mann42 e Sifneos43 entre outros Da mesma forma que a psicanálise e a psicoterapia de orientação analítica a psicoterapia psicodinâmica breve concebe a depressão como decorrente de conflitos intrapsíquicos Em vez de se dirigir ao sin toma depressivo em si tem como objetivo usar a relação terapêutica para investigar e esclarecer conflitos neuróticos principal mente problemas de proximidade e intimi dade afetivas44 Psicoterapia psicodinâmica suportiva breve O enfoque de apoio não é novo no campo da psicanálise Tem seu lugar em um dos polos do continuum suportivoexpressivo enquanto a psicoterapia psicodinâmica breve situase na direção do polo expressi vo A psicoterapia psicodinâmica suportiva breve consiste em média de 16 sessões de 45 minutos A programação é combinada antes do início do tratamento e o tera peuta deve lembrála frequentemente ao paciente É parte de um contrato do qual o terapeuta só se afastará em situação ex cepcional A ênfase é relacional e o marco referencial psicanalítico é entendido como essencialmente uma teoria sobre relações humanas tanto externas como internas Supõese que o terapeuta seja explicitamente suportivo em suas atitudes empático recep tivo afirmativo ativo flexível claro concreto paciente e persistente Deve utilizar intervenções de apoio para reduzir a ansiedade do paciente tran quilizar reforçar sua autoestima por meio de clarificações confrontações orientações validações ou elogios tentando reen quadrar os sintomas como tentativas de lidar com o sofrimento emocional presente As defesas em geral são respeitadas e a interpreta ção é usada com cuidado A transferência é manejada e não necessariamente inter pretada Psicoterapia interpessoal Tratase de um tipo de psicoterapia de tempo limitado de base psicodinâmica Todas as principais intervenções utilizadas na psi coterapia interpessoal são aquelas catalogadas no es pectro compreensivosuportivo psicodinâmico como interpretações clarificações confrontações validação empática aconselhamento entre outras O que muda são os objetivos terapêuticos com a ênfase na resolução de problemas interpessoais atuais Psicoterapia de orientação analítica 523 que tem mostrado eficácia no tratamento de transtornos depressivos Parte do pres suposto de que seja qual for sua etiologia a depressão ocorre sempre dentro de con textos interpessoais45 Sua base conceitu al envolve elementos tanto da psicanálise tradicional quanto de revisões posteriores que enfatizaram a importância do aspecto relacional no campo terapêutico a partir das teorias interpessoais de Sullivan46 e da teoria do apego de Bowlby26 A teoria do apego de Bowlby já re ferida salienta a tendência inata do bebê a estabelecer vínculos de proximidade que contribuem tanto para a satisfação do indivíduo como para a sobrevivência da espécie Com base nas observações de crianças e suas reações de ansiedade e tristeza ante ameaças de perda de figuras significativas Bowlby sugeriu que a psico terapia psicodinâmica ajudasse as pesso as a examinar suas relações interpessoais atuais e a investigar como evoluíram ao longo do tempo tendo como base os pa drões de apego construídos na infância e desenvolvidos desde a adolescência até a idade adulta De acordo com a teoria do apego a psicoterapia ideal combinaria uma experiência emocional de cuidado e segurança no vínculo com o paciente com a abordagem e a explicação cognitivas das distorções dos relacionamentos interpes soais no passado e no presente Na psicoterapia interpessoal o obje tivo mais imediato de alívio sintomático da depressão é buscado com sua vinculação a problemas interpessoais atuais As sessões são oportunidades de exame dessas rela ções conectandoas com as mudanças de humor e discutindose possíveis alterna tivas de funcionamento nesses relaciona mentos Em termos operacionais a psico terapia procura se concentrar em quatro áreasproblema associadas ao desenca deamento e à manutenção do sofrimento depressivo 1 luto perda por morte 2 disputas interpessoais com parceiro filhos outros membros da família amigos companheiros de trabalho 3 mudança de papéis emprego novo saída de casa término dos estudos mudança de casa divórcio mudanças econômicas ou outras mudanças fami liares 4 déficits interpessoais solidão isolamen to social Essas áreas podem se combinar mas uma ou no máximo duas são eleitas como foco em especial as diretamente relaciona das com a instalação do episódio depressi vo atual A terapia interpessoal está estru turada para em geral ser realizada em 16 sessões com frequência semanal No luto anormal uma reação emo cional negada ou adiada após a morte de alguém amado a função do terapeuta é facilitar a expressão dos sentimentos asso ciados à perda e auxiliar o paciente a en contrar gradualmente novas atividades e relacionamentos Nas disputas de papéis ajudase o paciente a examinar as carac terísticas da relação afetiva em crise e a natureza da disputa Tentase verificar a possibilidade da resolução dos conflitos presentes ou da aceitação de que a relação tenha chegado a um impasse e atingido um estágio de irreversibilidade com um rom pimento inevitável e a necessidade de busca de alternativas Transição de papéis inclui mudanças importantes de estilos de vida como início ou fim de carreira profissional aposenta doria promoção no emprego diagnóstico 524 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de doença grave A psicoterapia pretende auxiliar a lidar com a mudança reconhe cendo de forma mais realista os aspectos negativos e positivos do novo e do velho papel Déficits interpessoais ocorrem em pacientes com dificuldades nas habilidades sociais e afetivas de iniciar e manter rela ções interpessoais Como esses pacientes raramente construíram relações importan tes sendo esse exatamente seu problema o foco inicial do tratamento recai sobre a relação com o terapeuta Aspectos relevantes na terapia psicodinâmica da depressão de longo prazo Na psicoterapia psicodinâmica para depres são de longo prazo o terapeuta deve manter um continuado foco no entendimento dos sin tomas depressivos ligandoos às dinâmicas já mencionadas como vulnerabilidade narcísica raiva conflitiva superego severo experiência de culpa e vergonha expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros e os me canismos característicos de defesa contra afe tos dolorosos Com o progresso do tratamento o paciente amplia o insight sobre os caminhos pelos quais tais dinâmicas se estruturaram a ponto de condicionar as autopercepções e a percepção que tem dos outros Duran te as fases intermediárias e de terminação têmse em geral oportunidades de explo rar a manifestação dos conflitos em múl tiplos e variados contextos incluindo as relações com o terapeuta possibilitando ao paciente reconhecer as situações que acio nam sua depressão Tal percepção também ajuda no entendimento do que acontece internamente e com isso pode permitir ao paciente sentirse mais no controle dos sentimentos depressivos Fase um formando a aliança terapêutica e o enquadre do tratamento O terapeuta examina com o paciente os sintomas depressivos e seus contextos pa ra descobrir determinantes do seu desen volvimento identificar áreas de conflito intrapsí quico e interpessoal e iniciar a compreensão do significado dos sintomas Com essa colaboração terapeuta e pacien te formam uma aliança sendo o terapeuta percebido de forma ideal como um cola borador com autoridade conhecimento e experiência em tratar a depressão Nessa fase as explorações iniciais dos sintomas do paciente são vinculadas a uma formu lação dinâmica que especificamente integre as percepções do paciente com o entendi mento do terapeuta Assim as respostas esperadas nessa fase seriam a redução dos sintomas depressivos b possibilidade de se oferecer ao paciente formulações tentativas de temas centrais e dinamismos psíquicos envolvidos c estabelecimento de uma boa relação de trabalho Fase dois tratamento da vulnerabilidade à depressão Na fase intermediária do tratamento o foco é ajudar o paciente a entender sua vulnerabili dade a sintomas depressivos A versão indivi dual do paciente sobre sua dinâmica central depressiva deve ser explorada e entendida de tantas perspectivas quanto possível em relação a como o paciente as experimentou Psicoterapia de orientação analítica 525 Examinamse vivências internas e fantasias em relação a objetos significativos no presente e no passado e na emergente relação com o terapeuta Quanto maior o conhecimento que resulte dessa colabo ração continuada permitese ao paciente identificar com mais facilidade a constela ção depressiva quando emerge e experi mentar melhor controle em manejála As respostas esperadas nessa etapa são a redução da vulnerabilidade da autoesti ma a perdas decepções e críticas b aumento da tolerância à raiva acom panhada do reconhecimento desse afeto e da tendência de dirigilo contra si mesmo c redução dos comportamentos de culpa e autopunição d melhora das relações interpessoais me nor contaminação por sentimentos de vergonha e pela idealizaçãodesvalori zação Fase três terminação Na fase final que pode se prolongar por meses não é incomum o recrudescimento de sentimentos depressivos ligados ao revi ver de perdas e separações precoces bem como manifestações de raiva pelo término sentido como abandono e pelas limitações da terapia e do terapeuta nos resultados al cançados em geral abaixo das expectativas idealizadas do paciente Tais experiências carregadas de emoções e tensões transfe renciais permitem um novo aprofunda mento e exame das dinâmicas depressivas com as quais o paciente vem tendo que lidar ao longo da vida Os sentimentos de perda e hostilidade podem estimular bre ves turbulências para o trabalho terapêuti co e provocar a recorrência dos sintomas depressivos entendidos agora como afeti vamente carregados de significados em re lação ao terapeuta Das respostas esperadas além dos sentimen tos com a terminação e a separação aparece também a capacidade aumentada de lidar com a perda e a ferida narcísica associada Além disso podese esperar um uso mais efetivo da raiva com menor autodirecionamento e redu ção de sentimentos de culpa e da necessidade de autopunições ILUSTRAÇÃO CLÍNICA O material clínico a seguir ilustra alguns aspectos da psicoterapia de uma paciente com depressão refratá ria do tipo introjetivo e uma estrutura caracterológica complicada que comprometia a eficácia de abor dagens anteriores farmacológicas e psicoterápicas Tratase de Joana 42 anos dona de casa divorciada aposentada e com um filho de 8 anos Apresentava um diagnóstico de fobia social grave de longa data com pouca resposta à psicoterapia cognitivocomportamental de grupo e individual realizada em ambulatório especializado A fobia social se associava a depressão estando a paciente medicada com doses diá rias de tranilcipromina 30 mg lítio 900 mg sulpirida 50 mg e diazepam 5 mg e acompanhada no Programa de Transtornos do Humor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Com melhoras parciais foi encaminha da para psicoterapia de orientação analítica no ambulatório do mesmo hospital onde foi atendida por uma médica residente durante um ano Continua 526 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Além da depressão a paciente era portadora de uma malformação congênita de membros inferiores osteonecrose da cabeça do fêmur direito e otopelve bilateral que a fazia mancar quando caminhava Com a depressão atual havia um histórico de violência doméstica e de traição por parte do exmarido pai de seu único filho Morava no momento com os pais O pai alcoolista era pouco mencionado sendo refe rido como ausente e passivo a mãe era obesa cardiopata grave com quem a paciente mais se ligava e a quem ajudava nos problemas de saúde Joana trabalhou vários anos em uma grande loja de departamen tos de Porto Alegre chegando ao cargo de gerente Por problemas financeiros a loja foi desativada Tentou trabalhar em uma loja de moda feminina mas não conseguiu em decorrência dos sintomas depressivos e ansiosos exacerbados pela perda do emprego e da vida conjugal atribulada Há oito anos foi aposentada por depressão Na mesma época grávida ocorreu sua separação conju gal Após isso passou a frequentar igrejas evangélicas e a reprimir totalmente sua sexualidade Trocou al gumas vezes de igreja procurando instituições cada vez mais radicais e repressoras Optou por uma seita na qual para ser batizada não podia ter qualquer vaidade Passou a usar apenas saias longas cabelo preso sem brincos nem maquiagem Mantém ainda um quase imperceptível lápis de olhos e um batom cla ro mas isso a impede de ser batizada Sofre com tais restrições porque sempre se considerou vaidosa mas empenhase em tentar impor também ao filho de 8 anos os mesmos preceitos repressivos de sua religião Uma hipótese de abordagem inicial considerou que sua predisposição a baixa autoestima e sentimen tos depressivos pudesse terse organizado desde a infância em torno de suas malformações e deforma ções congênitas de membros inferiores Sintomas posteriores como fobia social grave vergonha dos outros e constrangimento com sua sexualidade talvez tivessem aí também seus pontos de referência Em contra partida a paciente teve suficientes recursos de ego para avançar em seu desenvolvimento e defenderse com algum sucesso dessas vulnerabilidades narcísicas precoces estudou casouse teve um filho e che gou a alcançar uma autonomia profissional relativamente bemsucedida Porém uma série de eventos ad versos pareceu minar de forma catastrófica sua organização defensiva maustratos e traição do marido separação enquanto grávida perda do emprego valorizado de gerente volta para a casa dos pais e criação solitária do filho recémnascido desencadearam um grave quadro fóbico e depressivo que só se agravou com a aposentadoria por incapacidade psiquiátrica Todos esses estressores reativaram sua raiva inconsciente contra o destino os pais da infância que a geraram deformada surgindo intensos sentimentos de culpa autoacusações e autocríticas vagas que a fi zeram regredir em suas aquisições de autonomia sexual pessoal e profissional e a demandar rituais expiató rios e necessidades masoquísticas de privações renúncias e submissão a um superego sádico projetado nas instituições religiosas Compreendeuse que com a saída do exmarido violento de cena e a volta ao convívio com um pai enfraquecido e uma mãe cardiopata grave a paciente precisou deslocar seus conflitos com a pró pria raiva e culpa para uma instituição religiosa forte capaz de controlar e limitar seus impulsos agressivos A outra parte da agressão conforme hipotetizado psicanaliticamente voltouse contra si própria Este é um trecho de sessão em que exibe com clareza suas necessidades de autoexpiação sem ne nhum insight a respeito Estou esgotada Ontem fiquei limpando a casa várias horas até de madruga da Fui à igreja e depois continuei limpando Doemme as pernas porque além da faxina a igreja é longe e minhas pernas não me ajudam À pergunta da terapeuta de por que não se permitira algum descanso responde Vou descansar para que doutora Vou ganhar o que com isso Um trofeuzinho por ter me senta do um pouco A terapeuta assinala a ironia de Joana em relação a sua tentativa de ajudála e como essa ironia depois se volta contra a própria paciente que se deprecia ainda mais Continua Psicoterapia de orientação analítica 527 Continuação Continua Mas como posso mudar Sou um problema sem solução Algumas coisas que conversamos eu consegui fazer Solicitei a pensão ao meu exmarido consegui e não voltei atrás como sempre fa zia por pena dele Mas sigo fugindo das pessoas Tenho certeza de que se alguém me olhar vai dizer nossa olha o jeito que ela está Na semana passada tentei fazer roupinhas diferentes na costureira ficaram ridículas no corpo que tenho hoje Além disso não são roupas que se adap tem à igreja A paciente apesar das dificuldades começa a estabelecer uma aliança terapêutica e se esforça para modificar seu funcionamento masoquista exigindo a pensão alimentar do exmarido Ao mesmo tempo po rém após o pequeno avanço recrudescemse as resistências em especial as autoacusações e críticas con tra si mesma desencadeadas por ter buscado algum alívio financeiro com a pensão O padrão autoexpia tório é repetitivo e continuado despertando sentimentos de impotência e irritação na terapeuta Continuo sem tempo para meu filho Não o levei na pracinha não vejo seus cadernos e percebo que ele está ficando mais revoltado estou assustada com isso Na semana passada fomos à igre ja e sentamos na primeira fila Ele levantou e foi lá para o último banco Perguntei por que e ele respondeu eu não queria estar lá você nem perguntou se eu queria ir à igreja Fiquei surpresa com a reação dele Nunca questionava as coisas Agora quer que o matricule na escolinha de fu tebol Acho que vou concordar mas estou torcendo para que ele fracasse para que jogue pior do que os outros que fique chateado e não queira mais a escolinha Resolvia o meu problema fica ria aliviada A igreja não aceita jogos isso não é permitido O que as pessoas vão pensar e falar se souberem Vai contra a igreja penso no que as pessoas vão falar de mim ficaria com muita vergonha de ir à igreja Aqui se evidencia um problema que dificilmente seria abordado por técnicas breves ou meramente cog nitivas a de um eventual impasse terapêutico ou reação terapêutica negativa A paciente expressa por meio do filho que uma parte de sua mente ligada à terapeuta começa a se revoltar contra a submissão masoquista e a questionar suas atitudes autoexpiatórias Mas isso lhe cria um problema que acha que seria resolvido se conseguisse sabotar suas melhoras e fizesse a psicoterapia fracassar e ela continuaria a se punir com a repressão superegoica da igreja Também há uma expectativa inconsciente de conseguir chatear a terapeuta e de fazêla desistir de seguila tratando vivenciada contratransferencialmente por sentimentos de irritação e impotência na terapeuta Percebese que seus conflitos e ambivalências são extensos profundos e arraigados A cada pequeno alívio sentese dividida entre ser abandonada por um objeto amoroso atacado o filho a terapeuta os pais da infância ou perder a aprovação do superego sádico igreja vivida como a contrapartida persecutória da imagem parental idealizada que pune tanto suas agressões quanto sua sexualidade Tenho pensado muito em nossas conversas elas têm me ajudado Estou conseguindo deixar meu filho brincar com outras crianças o que antes me angustiava Mas outras coisas eu não deixo por que a igreja não permite e eu concordo com o pastor por exemplo meu filho só pode usar cami seta de manga curta não pode regata nem camisa sem manga Ele não sabe que tenho vergonha do que os outros na igreja irão pensar de mim se eu deixar Tenho que me dar conta de que não posso decidir tudo por ele Mas meu maior medo é que ele venha a ter vergonha de mim que se afaste não goste mais de mim e temo que isso possa acontecer em algum momento 528 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a diminuição do entusiasmo a res peito das expectativas de que a década do cérebro como foram chamados os 10 últimos anos do século XX fosse resolver em definitivo vários problemas que afe tam a população mundial entre eles e em primeiro lugar as depressões viuse que a realidade do início do século XXI era outra Na verdade esforços gigantescos da in dústria farmacêutica nos últimos 50 anos Continuação Em outro período mais adiantado da psicoterapia a paciente refere ter economizado dinheiro e ido fa zer roupas novas em uma costureira o que não se permitia há anos Porém o resultado lhe provoca uma intensa reação negativa acha que nada saiu como queria e que a costureira não seguira os moldes que lhe dera As saias ficaram sobrando a blusa ficou larga ridícula ela disse que fazia as roupas exatamente como pediam e que nenhum cliente reclamava Saí mal chorei muito nada dá certo pra mim tanto tempo que eu não conseguia ter algo novo Surpresa com a resposta emocional intensa e desproporcional da pa ciente à costureira a terapeuta lhe assinala isso e comenta não notar que a saia que ela estava usando estivesse franzida demais como dizia A paciente responde nitidamente furiosa É doutora então sou eu a louca não é isso que a senhora quer dizer Eu não posso ter nada que preste Para mim tem que ser vir qualquer coisa mal feita Eu sou a louca A terapeuta sugere que a paciente estava experimentando agora com ela a mesma raiva que sentira pela costureira e que talvez houvesse algo em comum entre ambas mas que se perguntava e à paciente o que poderia ser A paciente associa que está sempre se sentindo frustrada que nada dá certo diz que a terapeuta não reparara em nenhum defeito na sua roupa mas que ela sempre repara em tudo especialmente nos outros e acrescenta que a terapeuta está sempre com uma roupa diferente Diz não conseguir ver o lado bom das coisas e que tem uma exigência muito grande para tudo Se não está perfeito para mim não presta Era assim quando eu era bonita se não fosse para mostrar o perfeito não mostrava nada Sintome infe rior queria que as coisas fossem diferentes não posso ter nada do que queria Esclarece o que gostaria de ter mas não pode aquelas coisas de vaidade de mulher o lápis no olho o batom nos lábios Dou tora queria pedir desculpas por ter sido agressiva Não é culpa da senhora sei que o que a doutora fala é verdade acho que essa raiva é comigo mesma Não é fácil entender por que a paciente se sente tão fortemente dividida em relação às suas identifica ções femininas o que a deixa ao mesmo tempo tão atormentada pelo desejo de assumilas e tão vazia e invejosa ao abrir mão delas e imaginar que a terapeuta possa desfrutar da feminilidade e da sexualidade adultas que ela não pode Além do tipo caracteristicamente introjetivo da sua depressão percebese nes se caso todas as dinâmicas teoricamente associadas à depressão vulnerabilidade narcísica raiva confli tiva superego severo experiência de culpa e vergonha expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros e defesas contra afetos dolorosos como a negação a projeção a agressão passiva e a forma ção rea tiva O trabalho terapêutico de esclarecer à paciente que em vez de não poder ela temse esforçado ativamente para renunciar a seus atributos e qualidades de mulher adulta porque entre outras coisas lida com um ideal de ego narcisicamente investido de exigências de perfeição e onipotência e que a massa cra continuamente com autocríticas e autoacusações será longo e difícil Entretanto terá que ser trilha do por ambas terapeuta e paciente se houver alguma esperança de alívio no futuro Psicoterapia de orientação analítica 529 não resultaram na descoberta de nenhum novo antidepressivo mais eficaz do que os introduzidos na década de 1960 como os tricíclicos e os inibidores da monoamino xidase MAO A produção de novos psi cofármacos antidepressivos em todos esses anos teve como objetivo apenas emular a eficácia dos antigos sem muito sucesso mas com menos efeitos colaterais parcial mente conseguido Porém a taxa de re sultados de re missão da depressão com to dos os fár macos que existem no mercado se mantém teimosamente em torno dos 60 muitos com melhoras apenas par ciais E a melhora da depressão associada a transtornos da personalidade é ainda menos significativa Dado esse estado atual da arte não deixa de surpreender como a literatura científica atual tem minimizado a impor tância da compreensão e de abordagens psicodinâmicas da depressão isolada mente ou associadas à psicofarmacologia quando indicada A pobreza de publicações nessa área nos últimos 10 anos pode ser aferida na consulta a bases de dados tanto psiquiátricos PubMed como psicanalíti cos Psychoanalytic Eletronic Publishing Mesmo assim é estimulante se reaproxi mar da riqueza de insights alcançados por autores clássicos comprometidos com a compreensão e o alívio dos sofrimentos depressivos em suas multiformes apresen tações e que tentamos de forma parcial e limitada revisitar neste capítulo Ainda assim há um crescente con senso da necessidade de aproximações va riadas a esse complexo fenômeno afetivo que ultrapassam em muito o reducionismo biológico atualmente em vigor na maior parte das instituições acadêmicas Nesse sentido é importante manter a atenção a alguns esforços atuais de convergência entre modelos psicanalíticos e cognitivo comportamentais na conceitualização da depressão representados pelas contribui ções psicodinâmicas de Blatt e colaborado res na Universidade de Yale e de Beck e seu grupo na Universidade da Pensilvânia Ambos propuseram que duas dimen sões da personalidade a dependência inter pessoal Blatt ou sociotropia Beck e o perfeccionismo autocrítico Blatt ou auto nomia Beck sejam fatores de vulnerabi lidade para formas clínicas e não clínicas da depressão Segundo eles essas dimen sões da personalidade estão associadas a diferentes estruturas de personalidade a diferentes estilos de apego a vulnerabili dades específicas para determinados even tos a apresentações clínicas diferentes e a uma diferente resposta à psicoterapia e à farmacoterapia O suporte para essas for mulações veio de décadas de pesquisa em pírica4749 infelizmente ainda pouco co nhecida por muitos pesquisadores na área da depressão Wallerstein50 prefaciando o The Theory and Treatment of Depression afirmou Uma visão da depressão em um in teracionismo dinâmico e etiologi camente baseado enfatizando inte rações entre genética adversidades precoces estresses da vida atual e es quemas afetivocognitivos relativa mente estáveis ou dimensões da per sonalidade emerge como um modelo que pode facilitar a integração de vá rias aproximações teóricas metodoló gicas e clínicas da depressão Simulta neamente no entanto muito trabalho ainda precisará ser feito Ainda que os nomes sejam diferentes porque ambos os autores partem de marcos referenciais também distintos essas dimensões descrevem os mesmos fenômenos dependência interpessoal sociotropia perfeccionismo autocrítico autonomia 530 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Ey H Bernard P Brisset CH Manuel de Psychiatrie Paris Masson 1965 2 Corveleyn J Luyten P Blatt SJ The theory and treatment of depression towards a dy namic interactionism model Leuven Leu ven University 2005 3 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1974 v 14 p 27591 4 Freud S Estudos sobre histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud 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centrais da depressão incluem raiva conflitiva superego severo experiências de culpa e vergonha expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros assim como mecanis mos característicos de defesa contra afetos dolorosos negação projeção agressão passiva e formação reativa 5 A depressão é uma condição de alta prevalência complexa podendo ser recorrente e para um conside rável número de pacientes uma doença crônica 6 Há diversos modelos para explicar a etiologia e a persistência das síndromes depressivas que consi deraram a integração de vários fatores vulnerabilidades biológicas e de temperamento qualidade das relações primitivas de attachment e experiências significativas de infância acompanhadas por frustra ção perda vergonha solidão ou culpa 7 Uma forma empiricamente baseada de categorizar as depressões é sua divisão em dois grupos as anaclíticas e as introjetivas 8 A depressão anaclítica ou dependente caracterizase por sentimentos de solidão desamparo e fragi lidade Os pacientes experimentam medos intensos e crônicos de abandono ou de ficarem desprotegi dos expressando profundas necessidades de serem amados nutridos e cuidados 9 A depressão introjetiva ou autocrítica apresentase com sentimentos de desvalia inferioridade fra casso e culpa Os pacientes se engajam em permanente autoescrutínio e autoavaliação com medo crônico de serem criticados ou desaprovados pelos outros 10 Entre as indicações de psicoterapias de orientação analíticas há evidências de que as formas anaclí ticas respondem bem às formas breves e de apoio enquanto as introjetivas demandam abordagens de longa duração Psicoterapia de orientação analítica 531 8 Freud S Sobre narcisismo uma introdução In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 p 89119 9 Freud S Psicologia de grupo e análise do ego In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 18 p 91179 10 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 p 2383 11 Abraham K Objectloss and introjection in normal mourning and in abnormal states of mind In Abraham K Jones E Selected papers on of Karl Abraham M D London Hogarth 1949 12 Radó S The problem of melancholia Int J Psychoanal 1928942038 13 Gaylin W Psychodynamic understanding of depression the meaning of despair Nor thvale J Aronson 1994 14 Radó S Psychodynamics of depression from the etiologic point of view In Gaylin W Psychodynamic understanding of depres sion the meaning of despair Northvale J Aronson 1994 p 96107 15 Klein M Una contribuicion a la psicogenesis de los estados maniacodepressivos In Klein M Contribuciones al psicoanálisis Buenos Aires Hormé 1964 p 25378 16 Klein M El duelo y su relación con los esta dos maniacodepressivos In Klein M Con tribuciones al psicoanálisis Buenos Aires Hormé 1964 p 279301 17 Wisdom JO Comparison 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Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica In In Cor dioli AV Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 7797 Schetastsky S Psicoterapia interpessoal para a fase aguda da depressão In Cordioli AV Psicotera pias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 24355 Schestatsky S Shiba AS Schestatsky G A psicote rapia nos transtornos bipolares In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Ale gre Artes Médicas 1998 p 25768 Strupp HH Psychodynamic therapy theory and research In Rush AJ editor Shortterm psycho therapies for depression behavioral interperso nal cognitive and psychodynamic approaches New York Guilford c1982 UM BREVE HISTÓRICO A palavra histeria deriva do grego histe ron útero e desde Hipócrates tal doença vinculavase às migrações uterinas e ao re presamento de substâncias humorais que como consequência da abstinência sexual produziam efeitos tóxicos a distância tais como paralisias variadas tremores ceguei ras amnésias lacunares dores vômitos e desmaios apenas para citar alguns sinais e sintomas dentro de um número quase in terminável de configurações possíveis Na versão hipocrática que eu ousaria chamar de préhistórica podemos em um breve exercício inicial de revisão crítica sobre o tema identificar a proposição da histeria uterina como uma enfermidade que ana tômica e conceitualmente afetaria apenas as mulheres O estudo do fenômeno histérico na antiga Roma teve em Galeno um inova dor pois ele estabeleceu uma teoria sexual ou seminal para a histeria que não seria mais resultante apenas da migração uteri na e tampouco de uma retenção das regras menstruais Os homens também seriam afetados por meio da retenção do esper ma o que provocaria um efeito patológico em moldes semelhantes à versão freudia na para as neuroses atuais Tal retenção causaria distúrbios depressivos anorexia digestão difícil e mais uma variada gama de distúrbios funcionais a partir da frustração decorrente do livre curso do esperma le vando o indivíduo a um estado tóxico Posteriormente no fim do século XIX com Charcot e a neuropsiquiatria france sa tratamentos como o mesmerismo a hidroterapia e a eletroterapia tenderam a um plano secundário em benefício da hipnose técnica sugestiva cujos benefí cios também sugestivos e temporários eram evidentes com pacientes histéricos Na época a nova técnica consagrouse nas apresentações dramáticas tanto de Charcot quanto de seus pacientes que cercados por uma se leta plateia da qual Freud fez parte compunham o grande teatro que sempre cercou a doença histérica Nesse período histórico vemos por meio do trabalho dos neuro logistas Breuer Charcot Bërheim e Liébault que empregavam a então moder na técnica do método hipnótico no trata mento dos pacientes histéricos abriremse as portas para o nascimento do gênio Freud e para o advento de uma nova ciência a psicanálise que enriqueceu a psiquiatria clássica ao darlhe uma ampliação psicodi nâmica 31 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE HISTÉRICO Joel Araújo Nogueira 534 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Nos Estudos sobre a histeria1 prati camente todo o texto está baseado no tra tamento de Ana O efetuado por Breuer entre 1880 e 1882 Freud e Breuer enfatizaram não ser a histeria uma doença degenerativa ou consequência de uma debilidade constitucional como era en tão proposto por Charcot e Janet Com Breuer e Ana O temos os pródromos do tratamen to pela palavra sendo tal método denomina do pela famosa paciente como cura pela fala talking cure Conforme o relato sobre o atendi mento de Bertha Pappenheim Ana O poderíamos depreender que esta teria ho je o diagnóstico de uma reação depressiva grave com colorido caracterológico his térico diante da doença e morte de seu pai Ela apenas se alimentava quando na presença de Breuer sendo que após uns tantos movimentos regressivos e muito dramáticos convenceuo a vêla duas vezes ao dia Por fim quando disse que esperava um filho seu fantasia de gravidez Breuer assustado interrompeu o tratamento ac ting out contratransferencial promoven do com sua esposa uma segunda lua de mel que segundo algumas fontes resultou na geração de uma filha Dora Breuer O CASO DORA Com a publicação do famoso caso Dora por Freud2 em 1905 temos as várias dispo sições triangulares bem descritas na histó ria clínica Como objeto de estudos o caso Dora tem sido motivo dos mais variados enfoques além de citação obrigatória em qualquer trabalho cujo tema seja histeria Édipo transferência ou contratransferên cia apenas para ressaltar esses quatro tópi cos dentro do vasto campo da psicanálise que no seu início se confundia com os estudos sobre a histeria e com a pessoa do seu criador Freud A paciente Ida Bauer ou Dora era uma adolescente que no período com preendido entre 14 de outubro e 31 de dezembro de 1900 viera para tratamento ao que parece mais pela vontade de seu pai em função de um pretenso risco de suicí dio Não é minha intenção dar conta das várias manifestações clínicas de Dora e muito menos tecer críticas quanto à in dicação de tratamento analítico para uma adolescente desmotivada para tanto que atendia mais às necessidades de seu pai e de um grupo familiar com várias ligações extraconjugais e com características endo gâmicas angustiantes para ela A jovem Ida Bauer passou com sua emocionalidade in tensa sua labilidade de humor e suas ações tempestuosas a criar problemas para seus componentes dentro de uma acomodação familiar neurótica com a qual rompeu e da qual foi portavoz Ao retomar esse caso clássico da lite ratura psicanalítica quero apenas ilustrar uma das perspectivas importantes a partir da qual entendo o funcionamento da estru tura histérica em seu colorido histriônico e com suas interrupções temporárias ou definitivas frequentes nos tratamentos psi quiátricos psicoterápicos e psicanalíticos Em tais pacientes com transtornos histriônicos de caráter verificase a supremacia da neces sidade da representação sobre o sentimento de incapacidade para viver e lidar com uma reali dade que precisa ser evitada eou maquiada a qualquer preço São pacientes ávidos pela atenção de seu psiquiatra médico ou psicoterapeuta Psicoterapia de orientação analítica 535 os quais muitas vezes somente conseguem realizar os tratamentos indicados em diver sos capítulos com interrupções e retor nos o que gera frustrações e rechaços por parte dos profissionais envolvidos Nesse sentido Dora frustrou Freud ao aban donálo e Ana O levou Breuer a fugir e a interromper assustado o tratamento abandonando a própria psicanálise CARÁTER HISTÉRICO TRANSTORNO DA PERSONALIDADE HISTRIÔNICA Conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais3 a característica es sencial do transtorno da personalidade his triônica consiste em um padrão global de excessiva emotividade e comportamento pautado pela busca de atenção Tal descri ção por ser fenomenológica nos propor ciona apenas uma visão parcial manifesta daquilo que ocorre no fenômeno histérico eou histriônico que é bem mais amplo e complexo em sua configuração psicodinâ mica É importante salientar que na antiga Roma o termo histrião era atribuído a atores ou atrizes que interpretavam situa ções do cotidiano da vida das pessoas que não podiam ou não deviam ser mostradas às claras Tais situações eram dramatizadas por meio de farsas bufonas cômicas ou trá gicas que tinham como objetivo principal comunicar e causar impacto nos especta dores Com base nessa ilustração assinala mos como a conduta histriônica manifesta dos indivíduos com personalidades histéri cas pode provocar uma rotulação com um tom muitas vezes pejorativo de que são tea trais simuladores enganadores e por tanto não autênticos Porém segundo a compreensão psicanalítica lembramos que tais pessoas somente podem se comunicar por meio do gesto do exibicionismo e da conduta sedutora impactando seu am biente imediato com um apelo dramático do qual não são conscientes O paciente em seu histrionismo não opta por essa comunicação ele apenas faz o que pode É uma vítima do seu jeito de ser não um ator ou atriz mas um doente Fenichel4 chama a atenção para o fato de que no caráter histérico em sua fuga da realidade para a fantasia está sempre pre sente a tentativa de dominar a ansiedade mediante uma representação dirigida a um auditório É uma tentativa de induzir os circunstantes a participarem de suas fanta sias para obter uma tranquilização contra a ansiedade a fim de lograr também uma satisfação instintiva mediante a participa ção de outras pessoas A comunicação his triônica não verbal predominantemente gestual pode gerar grande sofrimento pelo impacto causado na mente do psiquiatra ou psicanalista o que com frequência leva o profissional a incluir regras e parâmetros no tratamento supostamente para a pre servação de um setting idealmente neutro e justificados como medidas de proteção para o paciente Tal sofrimento psíquico quando muito intenso pode configurar uma reação contratransferencial patológi ca capaz de levar a enganos diagnósticos prognósticos e terapêuticos Nesse sentido indivíduos enfermos com traços marcados de personalidade histérica são tratados como portadores de patologias variadas como transtornos do humor transtornos de ansiedade trans torno de pânico transtornos alimentares transtornos dissociativos transtornos con versivos e outros tantos que fazem parte 536 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da nosologia psiquiátrica e psicanalítica consagradas na clínica Segundo Noguei ra5 tais reverberações diagnósticas são algumas vezes concomitantes com a doen ça histérica da personalidade e em outras oportunidades constituem ou expressam aspectos parciais dessa condição e das suas bases psicodinâmicas e que dizem respeito aos seus componentes orais mais primiti vos O referido autor conclui que em razão do exposto os enganos terapêuticos tor namse frequentes na clínica psiquiátrica e psicanalítica levando muitas vezes ao uso desnecessário de drogas variadas na con sagração da dependência oral que limita as funções egoicas e favorece ganhos secundá rios evidentes em um processo patológico que apenas incrementa regressão depen dência e infantilização do paciente Na mesma linha de entendimento e abordagem que salienta a comunicação mais primitiva por meio do corpo e da oralidade McDougall6 afir ma que nas criações histéricas o soma empres ta suas funções à psique a fim de traduzir sim bolicamente conflitos e fantasias primitivos Easser e Lesser7 em um trabalho clás sico de reavaliação da personalidade his térica ressaltaram uma série de aspectos entre os quais dois são mais importantes O primeiro diz respeito ao fato de o psi quiatra psicoterapeuta ou psicanalista na contratransferência ser levado a contagiar se pelo afeto exagerado do paciente em uma clara alusão à comunicação não ver bal e ao risco inferido de atuação contra transferencial O segundo aspecto referese à clas sificação proposta pelos autores de caráter histérico e estados histeroides Entre os pacientes classificados no gru po histeroide incluemse aqueles com características oraisdependentes muitas vezes diagnos ticados como limítrofes ou psicóticos ChasseguetSmirgel8 também aventa a hipótese de regressões importantes ao nível oral e a possibilidade da existência de uma psicose histérica em que ficaria di fícil delimitar o que pertence à histeria e o que pertence à esquizofrenia Outro autor importante e atual Brenman9 também en foca a histeria como uma estrutura defen siva contra uma suposta catástrofe mental psicose Afirma que pacientes com cará ter histérico criam e mantêm vínculos idea lizados com pessoas significativas em suas vidas na tentativa de prevenir potenciais depressões graves Ao encerrar este tópico convém sa lientar o fato de que a histeria tem sido des crita do ponto de vista psicodinâmico em duas perspectivas importantes com flu tuações frequentes entre elas como mostra a Figura 311 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Lúcia é uma mulher jovem profissional liberal que exerce sua atividade tutelada ora pelo pai ora pelo ir mão Tem nível intelectual elevado o que contrasta com a dificuldade para a resolução de problemas prá ticos do seu dia a dia É uma mulher bonita e sedutora tanto na aparência quanto no gesto promovendo Continua Psicoterapia de orientação analítica 537 Continuação uma continuada erotização das relações sociais com a correspondente evitação da vida sexual genital com seus companheiros eventuais Tem uma ânsia desmedida por ser vista olhada e admirada a bem da ma nutenção de sua autoestima pois não reconhece sua beleza física devido a uma autoimagem distorcida o que provoca uma preocupação permanente com seu corpo que considera feio e imperfeito Desde os 12 anos alterna períodos de bulimia e anorexia Dependendo do momento em que se encontra no tratamen to sua comunicação por meio da mímica do olhar e da expressão corporal ora traduz uma menina tímida dependente totalmente incapaz ora uma mulher sedutora dona de si mesma desinibida Nos episódios de anorexia tenta atingir retornar um peso ideal de 38 quilos que corresponde ao seu status ponderal dos 12 anos de idade Fez cirurgia plástica castração mutilação com aval dos pais e dos médicos que a atendiam na época induzidos pela ideia e argumentação da paciente de reduzir o tamanho dos seios Sua peregrinação por consultórios teve início em torno dos 14 anos de idade Os impasses e as interrupções consequentes sempre ocorreram naqueles momentos em que predominavam sintomas depressivos quan do então o uso de medicação era privilegiado Foi diagnosticada como portadora de depressão endógena transtorno de pânico psicose maníacodepressiva caráter narcisista anorexia nervosa e transtorno com pulsivo Leu muito a respeito de suas possíveis patologias psiquiátricas e psicanalíticas Podese dizer que o tratamento de orientação analítica de Lúcia que teve a duração de aproximada mente seis anos transcorreu em capítulos Ela o interrompeu em três momentos sempre retornando após intervalos que variaram entre 15 e 180 dias Na primeira interrupção estava deprimida devido à natureza do processo psicoterapêutico tendo tal situação sido potencializada por força de desencadeantes externos perdas separações Nesses momentos promovia ataques verbais a mim ao vínculo à psicoterapia e ao setting bem como comunicações não verbais aos familiares de que devido ao tratamento estava afundan do em uma depressão cuja gravidade não estaria sendo percebida por seu psicoterapeuta o que a esta va fazendo marchar para uma possível autodestruição suicídio Tal comunicação era expressa pelo choro frequente pelo comer ou não comer por microacidentes sempre marcada por seu jeito histriônico a suge rir aos circunstantes a hipótese da consumação suicida iminente Psicossexualidade Ansiedade Funcionamento Configuração padrão mental relacional 1a Triangular Fálica Ansiedade Neurose edípica genitalanal de castração 2a Dualfusional Ansiedade de Psicose préedípica Perversão oral desintegração mental pânico estados confusionais Figura 311 Perspectivas descritivas da histeria 538 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em razão de sua comunicação primitiva não verbal via ação acting out Lúcia deixou a mim familiares e amigos inundados por seu temor suicida Os telefonemas frequentes e os vários recados lacônicos quando não falava diretamente comigo causavamme grande an gústia com sentimentos predominantes de im potência para tratála e insegurança quanto ao método empregado a psicoterapia de orienta ção analítica A crise instalouse após a ruptu ra com o companheiro com o qual vinha conseguindo pela primeira vez manter uma relação estável A situação descrita coincidiu com uma interrupção da psico terapia devido a uma viagem minha da qual a paciente fora avisada com grande antecedência Falei com os pais de Lúcia com os irmãos e com outros médicos fa miliares inadvertidamente coparticipando dessa ver dadeira inundação do setting psi coterápico em uma ampliação e distorção do campo psicoterápico dentro do qual a paciente de forma dissociada também fa lava por meio de prepostos isto é por identificações projetivas acionados pelas ansiedades que contagiavam a todos Por momentos sentiame em dúvida quanto à capacidade da paciente e também quanto à minha de ajudála por meio de uma psico terapia analiticamente orientada predomi nando um sentimento geral de impossibi lidade de contenção da paciente a não ser por medicaçãorepressão Posteriormente Lúcia foi medicada por outros dois colegas com antidepressivos antipsicóticos e lítio Após o retorno das férias e com o passar do tempo quatro meses como a paciente não apresentou melhoras o mo vimento passou a tomar um sentido opos to ou seja as dúvidas dissociação eram agora colocadas sobre os tratamentos vigentes e recomeçava a tentativa de retorno à situação anterior qual seja a psicoterapia comigo O tratamento me dicamentoso e de apoio estava denegrido e a psicoterapia novamente idealizada Os pais bem como os demais circunstan tes já mencionados foram induzidos por Lúcia a tentar junto a mim compondo uma verdadeira comissão diplomática com pedidos de desculpas representando a paciente pela identificação projetiva seu retorno à psicoterapia pois havia um consenso médicofamiliar de que fora com ela o seu período de maior progresso pes soal A própria paciente havia desenvolvi do uma razoável capacidade de autoanálise função analítica estabelecida em algum grau em sua mente no sentido de perce ber que sua intolerância às perdas e à dor psíquica levaraa a colocar em risco todas as conquistas anteriores representadas por passos importantes que havia dado em sua vida pessoal nível razoável de autonomia psicológica independência econômica crescimento profissional controle da buli miaanorexia e uma vida sexual com razoá vel capacidade de obter prazer dentro de um vínculo estável com seu companheiro da época Por meio dessa breve ilustração clíni ca é possível perceber todo um movimento de uma paciente com transtorno da per sonalidade histriônica caráter histérico seu movimento regressivo dentro do tra tamento as comunicações primitivas dra máticas seus rompantes histriônicos em que a ação substitui a palavra e aciona seus circunstantes médicos e familiares produ zindo momentos confusionais em todos e promovendo tratamentos que avançam de forma não linear mas em capítulos in terrompidos e retomados Psicoterapia de orientação analítica 539 OS TRATAMENTOS EM CAPÍTULOS O PREDOMÍNIO DO REPETIR SOBRE O RECORDAR Os pacientes que vemos hoje não são em li nhas gerais os mesmos descritos por Char cot Freud ou Breuer A diferença clínica maior ocorre em razão de que os transtornos de caráter ou de personalidade são muito mais frequentes nos indivíduos que buscam tratamentos psicoterápicos ao contrário das condições sintomáticas bem mais raras Freud10 em um de seus raros tra balhos sobre a técnica psicanalítica alerta para o fato de que em muitos momentos de um tratamento o paciente não conse gue recordar e pôr em palavras o que es queceu e reprimiu podendo apenas se ex pressar pela ação pelo gesto pela conduta acting out A reprodução da vida anímica inconsciente não se dá como lembrança mas como ação Com o paciente histérico conforme a ilustra ção da vinheta clínica é frequente a quebra do setting originalmente combinado por meio das mais variadas formas de atuação A partir do exemplo clínico podemos identificar várias modalidades de acting out tais como a introdução de familiares no campo psicoterápico em razão da conduta perturbada e perturbadora da paciente gerando preocupações importantes em toda a família b indução à necessidade de tratamentos paralelos c como decorrência direta dos itens a e b criamse situações especiais de exceção contaminando o setting ou ampliandoo e exigindo a compreensão psicodinâmica necessária para reverter a situação tera pêutica em favor da continuidade do processo psicoterápico Todas essas variações possíveis são características daqueles tratamentos ditos combinados Em tais circunstâncias as interações com outros colegas e com familiares resultam no incremento dos mecanismos de dissociação funcionamen to esquizoparanoide que se expressam pe la idealização de um e pela desvalorização concomitante do outro em um processo que se alterna com grande frequência Po de ocorrer também com frequência uma pressão para substituir a terapia pela tera pêutica medicamentosa A possibili dade de lançar mão de acompanhantes qualificados como egoauxiliares e a dramática hipóte se de internamentos breves eventuais são procedimentos gerados pela angústia do paciente como consequência direta da con taminação do meio circundante e em espe cial da pessoa do psiquiatrapsicoterapeuta As hipóteses resumidamente descri tas e potencialmente geradoras de impasses são então provocadas pela conjugação de variados fatores pertinentes tanto ao ca ráter histérico do paciente quanto aos im pactos produzidos na mente do profissio nal assistente Elas resultam em respostas interativas do par terapeutapaciente que nos remetem às interrogações de como e quando passaram a acontecer com maior intensidade Em essência ocorrem quando os ní veis de tensão transferencial e contratrans ferencial elevados promovem ou expres sam um sofrimento emocional intenso 540 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tanto no paciente por força da sua pato logia quanto no psiquiatrapsicoterapeuta que nos momentos críticos confusionais tem suas capacidades de entendimento e de contenção bloqueadas sentindo dúvi das sobre sua competência e sobre o méto do em prática a psicoterapia de orientação analítica ou a psicanálise Muitas dessas situações de impasse podem configurar apenas rupturas temporárias dos tratamentos representando verdadeiras toma das de fôlego e de tempo fraudando a expec tativa de um tratamento com um curso linear ideal Os tratamentos em capítulos com frequência são as formulações possíveis e necessárias com tais pacientes pois nos momentos críticos destacados desenvol vemse estados transitórios semelhantes às psicoses Nesses períodos a comunicação é préverbal e fazse de maneira mais primi tiva pelo gesto pela ação nem o paciente e às vezes nem o psiquiatrapsicoterapeu ta conseguem respeitar as normas conven cionais da comunicação verbal terapêutica que se daria idealmente regida pelo predo mínio do processo secundário do pensa mento Tais reações explosivas dramáticas de cunho depressivoparanoide produzem uma ruptura delimitada com a realidade ficando a função analítica do par borrada ou bloqueada por um tempo variável em cada situação que vai de minutos até algu mas horas ou mesmo dias CONSIDERAÇÕES FINAIS Devido à amplitude do tema uma série de questões naturalmente se impõe no sentido do que vem a ser o essencial na configuração da patologia histérica eou histriô nica Na literatura psicodinâmica cada autor partindo de perspectivas teóri cas diferentes enfatiza um ou outro aspec to parcial referente à fenomenologia histé rica o que pode muitas vezes levar a uma falsa impressão de patologias diferentes Poderão ser ressaltados a fixação fálica sua estruturação triangular a repressão como defesa predominante as amnésias lacunares as conversõessomatizações dos afetos a ansiedade de castração e o nível edípico clássico razoavelmente delineado Sob outro enfoque será salientada a con duta sedutora teatral na qual a migração entre a inibição e o exibicionismo privilegia a comunicação por meio do corpo do ges to da ação configurando uma estrutura ção caracterológica defensiva ante aquelas ansiedades mais primitivas de cunho de pressivo e paranoide cujas bases orais tam bém são evidentes na clínica psicanalítica Com base no material clínico des crito é importante salientar que nos tra tamentos psiquiátricos ou nas abordagens psicoterápicas com ou sem orientação psicanalítica pacientes com transtorno da personalidade histérica nos seus mo mentos mais ansiogênicos comunicamse de forma mais primitiva prevalecendo a magia gestual quando o repetir predo mina sobre o recordar Tal predomínio da comunicação gestual e da ação acting out e acting in sobre a comunicação pela palavra traz repercussões importantes no campo de tratamento que é representado em sua essência pelo psicoterapeuta e seu paciente a partir da prevalência do meca nismo da identificação projetiva maciça A capacidade de contençãotolerância e de entendimentotradução por parte do tera peuta é colocada à prova e delimitada por seu sofrimento emocional Assim na dependência da acuidade clínica e da capacidade de tolerância do Psicoterapia de orientação analítica 541 psicoterapeuta para com a formulação prognóstica possível com seu paciente este poderá ter seu tratamento apenas efetivado em capítulos caracterizados pela alter nância de interrupções e retornos e não da forma idealmente linear desejada por todos PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Em pacientes com transtornos histriônicos de caráter verificase a supremacia da necessidade da representação sobre o sentimento de incapacidade para viver e lidar com uma realidade que precisa ser evitada eou maquiada a qualquer preço 2 O paciente em seu histrionismo não opta por essa forma de comunicação melodramática e infantili zada ele apenas faz o que pode 3 No caráter histérico na fuga da realidade para a fantasia está sempre presente a tentativa de dominar a ansiedade mediante uma representação dirigida a um auditório 4 O sofrimento psíquico intensificado pela teatralidade pode desencadear reações contratransferenciais perturbadas que podem induzir enganos diagnósticos prognósticos e terapêuticos 5 O uso desnecessário de variados psicofármacos pode reforçar com esses pacientes a dependência oral que limita as funções egoicas e favorece ganhos secundários 6 Com o paciente histérico é frequente a quebra do setting originalmente combinado por meio das mais variadas formas de atua ção 7 As psicoterapias podem configurar muitas situações de impasses que se expressam por rupturas tem porárias dos tratamentos representando tomadas de fôlego e de tempo do par terapeutapaciente e fraudando expectativas de um tratamento com um curso linear normal 8 Frequentes reações explosivas dramáticas de cunho depressivoparanoide por parte do paciente podem produzir rupturas delimitadas com a realidade ficando a função analítica do par bloqueada por um tempo variável que vai de minutos até algumas horas ou mesmo dias REFERÊNCIAS 1 Freud S Estudos sobre a histeria 1893 1895 In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 2 2 Freud S Fragmentos da análise de um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 7 3 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Arlington American Psychiatric Association 2013 4 Fenichel O Teoría psicoanalítica de las neu rosis Buenos Aires Paidós 1973 5 Nogueira JA As bases orais da histeria Revis ta de Psicanálise da SPPA 20007225166 6 McDougall J O psicossoma e a psicanáli se In McDougall J Em defesa de uma certa anormalidade teoria clínica e psicoanalítica 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1989 7 Easser BR Lesser SR Hysterical personality a reevaluation Psychoanal Q 196534390412 8 ChasseguetSmirgel J É a histeria o negativo da perversão In Conferência na Socieda de Psicanalítica de Porto Alegre 1978 Porto Alegre 9 Brenman E Hysteria Int J Psychoanal 1985 66442332 10 Freud S Recordar repetir e elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 A morte é a única situação da vida huma na que não dispensa um ritual1 tendo sido estudada tanto do ponto de vista do desen volvimento normal como de expressão da cultura23 Isso possivelmente se deve ao fato de que nos é impossível representar a própria morte Para Kóvacs4 a morte de outra pessoa se traduz na possibilidade de experiência da morte em vida Nas palavras de Green5 O homem não consegue saber o que é a morte nem consciente nem incons cientemente Do mesmo modo que não concebe o infinito no espaço ou no tempo o afeto não compreende aqui lo que a razão acredita saber Sei que a morte existe e que é o fim inelutável de toda vida mas não acredito nisso O sentimento de pesar e falta de alguém que morreu entretanto pode ter um lugar no imaginário humano a partir da realização de um processo interno que se desenvolve após a morte de uma pessoa significativa DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO DO LUTO NORMAL Para Freud6 o luto é a reação normal e es perada nos humanos que ocorre quando da morte ou perda de alguém amado ou im portante emocionalmente ou da perda de uma situação ocupação ou abstração ou lembrança igualmente relevantes como por exemplo a perda da liberdade ou de um ideal de vida O mundo parece empo brecido aos olhos do enlutado É um pro cesso que tem como objetivo incorporar à mente a perda ocorrida na realidade As sim podese esperar manifestações de lu to sempre que algo for sentido pelo sujeito como morte em grande ou pequena es cala como em separações conjugais ou de amigos próximos Mudanças são também vividas muitas vezes como separações e portanto desencadeiam o mesmo tipo de processo ainda que atenuado Desse mo do é comum encontrarmos pessoas que mudaram de país de cidade ou mesmo de casa e que apesar de estarem contentes pe la mudança enfrentam ao mesmo tempo sentimentos semelhantes aos encontrados quando da perda de uma pessoa querida A parte perceptível desse processo se caracteriza inicialmente pela repetida re memoração da perda sempre acompanha da do sentimento de tristeza e de choro após o que a pessoa acaba se consolando Com a evolução do processo passam a ser rememoradas outras cenas agradáveis 32 ABORDAGEM DO LUTO Cláudio Laks Eizirik Cátia Olivier Mello Jair Knijnik Psicoterapia de orientação analítica 543 e desagradáveis nem sempre seguidas de tristeza e choro mas sempre com a conso lação final A duração desse fenômeno é va riável embora se constate que sua elabora ção é sempre lenta e acompanhada de graus variáveis de falta de interesse pelo mundo exterior de tristeza e de seus corolários que vão diminuindo conforme o processo avança É comum também que à medida que a pessoa vai retomando sua vida e o in teresse por suas atividades habituais se sin ta em algumas ocasiões culpada por estar fazendo isso com prazer sem a pessoa que morreu ou foi perdida de outra forma Isso ocorre porque a cada nova data que pre cisa ser vivida sem a pessoa perdida ani versários primeira semana no trabalho primeiras férias primeiro Natal entre ou tras é necessário constatar sob o aspecto cognitivo e emocional que a vida segue a despeito da pessoa que não mais participa dela Evidentemente tal percepção precisa ser acompanhada de um equivalente emo cional de uma quantidade de emoção que localize a pessoa sobrevivente pois muitas vezes é assim que se sente o enlutado em um mundo para ela tão diferente em que lhe falta algo fundamental O processo vai se extinguindo de modo gradual com a di minuição da tristeza e do choro e a volta do interesse pelo mundo exterior Ao final a pessoa perdida passa a ser locali zada no mundo interno do enlutado como uma lembrança o sentimento de tristeza desapa rece e a vida afetiva retoma seu curso sen do agora viável a possibilidade da existência de novas ligações afetivas Em função do enorme dispêndio de energia e esforço requerido para dar con ta das representações dos afetos investi dos e da autoimagem que deve se modi ficar agora que o mundo não abriga mais aquela pessoa dáse o nome de trabalho de luto ao processo de elaboração do luto normal É um processo normal segundo o qual lentamente a pessoa vai vivendo e colhendo informações das realidades ex terna e interna acerca de como viver sem o ser amado em todas as situações em que estava acostumada a viver com ele Ao fi nal do trabalho de luto à custa de tempo e investimento nas lembranças relacionadas com o morto a realidade costuma vencer o ego se sente livre para reinvestir em outro objeto A duração varia conforme a relação prévia entre o morto e a pessoa enlutada Em Notas sobre um caso de neurose obsessi va Freud7 estimou de 1 a 2 anos o tempo que em geral o ego precisa para realizar o trabalho de luto As razões para que o trabalho de luto dure tem po devemse também à natureza ambivalente de todas as relações humanas natureza esta que leva muitas vezes o sobrevivente a se sen tir culpado por não ter sido ele quem morreu e sim a pessoa da qual gostava Isso ocorre em função dos momentos nos quais não gostou de estar na presença do agora morto Uma das maneiras de acompanhar a evolução da elaboração do luto é além da retomada das atividades co tidianas acompanhar os sonhos Neles o sobrevivente vai aos poucos representan do como sente a vida e o mundo sem o en te perdido e a realidade externa de forma gradual vai se tornando mais parecida com a realidade externa havendo a assimilação da morte Assim no início os sonhos são so nhados realizando o desejo de que a pes soa não tenha morrido Ela é tão viva no 544 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sonho como qualquer outra personagem Gradativamente ela pode passar a figurar como observadora ou estar presente mas não interagir como os outros até que não figure mais ou que no sonho se saiba que o morto não está ali porque morreu Este é um processo lento mas que possibilita a ocorrência de modificações internas dan do notícia para o sobrevivente de que o fato da morte é irreversível DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO DO LUTO PATOLÓGICO O luto patológico é o estado mental decor rente da não instalação ou da interrupção do processo normal do trabalho de luto Resulta na cronificação dos processos nor mais que se seguem a tais perdas não per mitindo à pessoa enlutada retomar sua vida normal como era antes da perda O fator tempo deve ser considerado segundo Eizi rik e colaboradores8 Segundo os autores quando predominam resultados negativos por um tempo excessivo ou quando as proporções destes se tor nam exageradamente grandes com plicadas distorcidas ou atípicas é evi dente que um processo patológico está se estabelecendo exigindo algum tipo de intervenção terapêutica8 Tal como no luto normal qualquer situa ção que signifique a morte de algo pode desencadear um processo de luto patológi co e cronificarse não apenas a morte de uma pessoa Por incapacidade de integrar a perda e suas consequências transformadoras ao mundo mental o processo normal do luto é interrompido pela identificação do enlutado com a pessoa morta Existem várias formas e gradações de apresentação clínica dessa situação todas relacionadas à depressão e tendo na melancolia sua forma extrema Se no luto normal era o mundo que se empobrecia no luto patológico é o ego que está mais pobre segundo observa Freud em Luto e melancolia6 a sombra do objeto cai sobre o ego que pode então ser julgado por uma instância especial como se fosse um objeto o objeto abandonado COMPREENSÃO PSICANALÍTICA Freud atribuiu à hostilidade para com a pessoa perdida um papel central na transformação do luto normal em patológico Cabe lembrar que Abraham9 foi pionei ro nesse tema ao atribuir à repressão das fantasias sádicas e ao componente sádico da libido um papel central na gênese da melancolia O melancólico sentese in conscientemente incapaz de amar e de ser amado O objeto amado é odiado por sua cruel deserção e o ego ao se perceber cheio de ódio sentese indigno de amor Em To tem e tabu Freud10 ressalta que o luto tem uma missão psíquica muito específica sua função é desligar dos mortos as lembranças e as esperanças dos sobreviventes Quando isso é conseguido o sofrimento diminui e com ele o remorso e as autoacusações per mitindo que um novo ciclo se inicie inclu sive porque parte do material componente da nova etapa da vida será composta pelas lembranças e identificações conseguidas mediante o convívio com a pessoa perdida Tais identificações devese sublinhar têm função estruturante e não alienante como ocorre na melancolia Freud afirma ainda que quando ocorre uma morte a pessoa ligada ao morto experimenta sen Psicoterapia de orientação analítica 545 timentos ambivalentes em relação a ele sentindo portanto amor e ódio afeição e hostilidade A hostilidade no entanto permanece inconsciente razão pela qual o sobrevivente experimenta tantos sentimen tos de medo com relação a quem morreu Como exemplo disso podemos observar que quando morre alguém ouvimos mui to mais de seus feitos e qualidades do que de seus defeitos e más ações os quais co mo qualquer pessoa certamente realizou Como bem diz o ditado popular Quem morre vira santo ou como costumava citar Freud De mortuis nihil nise bonum Dos mortos só se falam coisas boas Além de ambivalente a natureza da ligação com o objeto no luto patológico é narcísica como aponta Freud em Luto e melancolia6 Sendo esta a sua natureza em vez de poder enfrentar a perda e separarse do objeto realizando o verdadeiro trabalho de luto o enlutado instalao dentro de si por intermédio de uma identificação narcí sica agora eu sou o objeto Quinodoz11 inclusive realça que a identificação narcí sica implica ser um com o objeto e que amar o objeto é ser o objeto Desse modo onipotente não há separação nem perda Tudo estaria bem se esse objeto agora ins talado no ego não continuasse extraindo energia e investimento por parte do sujei to É isso que Freud quis transmitir quando disse que a sombra do objeto recai sobre o ego Seguindo essa linha de raciocínio perguntamonos em que medida a maior ambivalência da relação pode prognosticar o trabalho de luto A resposta é que em ge ral quanto maior a ambivalência mais di fícil o trabalho de luto O que está em jogo é a hostilidade dirigida ao objeto perdido por ele ter desertado por ter deixado o self abandonado e desamparado É uma injúria insuportável ao narcisismo de quem so breviveu Há uma verdadeira clivagem na personalidade na qual uma parte cheia de ódio superego ataca outra que está iden tificada com um desertor A impossibilidade de deixar esse desertor ir embora ocasiona uma relação infinita de ódio agora contra si Muitas pessoas com estrutura narcisis ta reagem a uma perda com a expressão Como ele pôde fazer isso comigo Não predomina o sentimento de pena de quem morreu ou de falta por sua ausência mas de uma injúria narcísica LUTO VERMELHO E LUTO NEGRO Para autores contemporâneos como Og den12 e Sodré13 no melancólico o ego é alterado não pelo calor do objeto mas por sua sombra Para Sodré13 dois sentimen tos derivam da presença da ausência do objeto por assim dizer Isso equivaleria a dizer que há sempre na melancolia duas dimensões que convivem simultaneamente no ego Uma delas pode ser representada pela cor vermelha significando a raiva a fúria o desespero assassino a que o indi víduo submete seu egoidentificadocom oobjeto A segunda dimensão negra está mais ligada ao afeto de desolação e trans mite um sentimento que é a ausência co mo presença de infinita escuridão O ego se sente abandonado pelo objeto que morreu ou melhor se sente abandonado pelo supe rego que haviase identificado com quem morreu como sendo algo protetor O su perego pelo qual se sente abandonado fo ra anteriormente o sucessor dos pais e do destino Nesses momentos não parece res tar nada mais ao ego do que se deixar mor rer abandonado pelas forças protetoras do superego São momentos de extremo so frimento aos quais o terapeuta deve estar atento para identificar quando um ou ou 546 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tro estão presentes na sessão A expressão comportamental dessas duas dimensões pode ser rastreada pela contratransferência do terapeuta por identificar como se sente o paciente se homicida ódio vermelho em relação ao objeto com o qual está iden tificado ou se indigno do amor e de viver desolação sombria A fidelidade do indivíduo ao morto a não aceitação da realidade da perda im plica que qualquer movimento em direção à vida seja atacado o que se manifesta por sentimentos de culpa e desinteresse por qualquer assunto que não esteja ligado ou relacionado ao morto agora mortovivo ou objeto moribundo Os sonhos em vez de gradualmente irem incorporando a realidade da perda teimam em apresentar uma realidade onipotente em que o morto está vivo ESTÁGIOS INICIAIS DE PERDA NO DESENVOLVIMENTO Melanie Klein1415 foi a primeira a estabele cer ligação entre os processos de luto ocorri dos na primeira infância com o luto patológi co em adultos Seu trabalho metapsicológico trouxe elementos para que pensássemos a men te como algo não unitário descrevendo o mundo interno como composto por partes separadas e independentes possibilitando relações de objeto parciais Tais relações po dem ser amistosas ou hostis Acentuan do o papel das relações objetais no primei ro ano de vida e sempre sob a ótica da hos tilidade presente nelas atribuiu às experiên cias de perdas ocorridas nessa época e aos pro cessos psicológicos que elas desencadeiam culpa e perseguição um importante papel etiológico no luto patológico O processo de luto e suas reações sejam elas normais sejam elas patológicas não se iniciam no momento em que o sujeito perde alguém importante em sua vida No desenvolvimento com efeito é possível traçar as raízes de por que alguém reage de forma mais ou menos saudável diante de perdas Para Klein15 o bebê vi ve sentimentos de perda desde muito cedo Para crescer e se tornar uma pessoa ele precisa perceberse diferente da mãe ou dos cuidadores iniciais por exemplo ten do que renunciar à ideia de que ele próprio seria suficientemente capaz de alimentar se cuidarse protegerse compreender o mundo Da mescla de sentimentos adquiri dos nesses primeiros meses de vida advém a capacidade de além de renunciar simbo licamente a todos esses cuidados também ser capaz de renunciar concretamente a alguém John Bowlby16 deu continuidade ao estudo iniciado por Melanie Klein em rela ção à ligação entre experiências infantis de luto e o desencadeamento de luto patoló gico em adultos e suas expressões psiquiá tricas Todavia por não ter encontrado evidências de que a agressão seja expressão de uma pulsão de morte e de que o período de vulnerabilidade às experiências de per da esteja restrito ao primeiro ano de vida a partir de sua observação clínica Bowlby constatou que a perda de uma pessoa ama da sempre desencadeia um forte desejo de reunião um sentimento de hostilidade de intensidade variável pela partida e no fim certo grau de desapego Todos os autores entendem que quando o trabalho de luto não é efetivo existe o que se chama de melancolia esta do no qual a pessoa sente que o que per deu não foi o morto mas uma parte sua Se no luto o mundo estava empobrecido Psicoterapia de orientação analítica 547 na melancolia é o ego que se esvazia como já mencionado O objeto perdido é incons ciente e a pessoa não sabe exatamente o que perdeu com a morte de um ente que rido Esse processo ocorre com algum cus to para o ego que se divide para dar conta da emoção que se lhe é exigida Uma parte do ego se identifica com a hostilidade ex perimentada com relação ao morto e passa a criticar a outra parte que teima em viver livremente sem ressentimentos ou culpa por ter sobrevivido à morte17 Assim para que se instale um pro cesso melancólico e não normal de luto é necessário que tenha havido em vida uma relação patológica de objeto entre as pessoas envolvidas de tal forma que a es colha de objeto foi mais narcisista do que objetal Ogden12 inclusive enfatiza o pa pel da onipotência no luto patológico na medida em se trava uma batalha entre o desejo de viver no mundo dos vivos e o desejo de ficar para sempre em uníssono com o objeto morto habitando o mundo dos mortos O PROCESSO PSICOTERÁPICO NO LUTO Ainda que normal muitas vezes os tera peutas são chamados a acompanhar pes soas que passam por trabalho de luto Nesses casos a presença viva interessada e compreensiva do terapeuta indicará como é possível tolerar momentos em que o pa ciente não se sente bem talvez nem mesmo se sinta vivo porém segue realizando suas atividades habituais Em outros momentos a pessoa enlutada terá prazer em viver no vamente mas sentirá culpa por fazêlo ou ainda não se sentirá culpada e poderá usu fruir a vida O objetivo do trabalho psico terápico nesses casos será o de acompanhar o caminho normal de falar relembrar la mentar o que não foi possível realizar com a pessoa morta bem como alegrarse pelos bons momentos passados em sua compa nhia Identificar o que o morto representou em sua vida é também importante a fim de que o paciente possa realizar sozinho a partir de então aquela tarefa psíquica ou na impossibilidade de isso ocorrer locali zar outra pessoa que possa acompanhálo durante tal período O enlutado em princípio aceita o terapeuta como substituto parcial e temporário do vazio deixado pela perda diferentemente do melan cólico que é intransigente quanto a isso pois não aceita a realidade da perda É importante lembrar que a concep ção contemporânea do que seja a relação terapêutica considera necessariamente a interação entre as duas personalidades no campo analítico18 entre os dois momen tos do ciclo vital Como consequência a possibilidade de suportar e elaborar uma situação de luto seja este normal seja pa tológico não pode ser desvinculada dessas variáveis Assim podemos imaginar uma situação de luto patológico tendo dois en caminhamentos diferentes dependendo do tipo de campo analítico que se estabele ce com um ou outro terapeuta mais trófi co ou mais resistencial Os sentimentos contratransferenciais do terapeuta devem ser igualmente mo nitorados por ele mesmo quando estiver atendendo situações de luto normal ou patológico uma vez que eliciarão nele seus momentos de perdas anteriores e sua ca pacidade de elaboração diante de perdas será solicitada O terapeuta pode sentir so no irritação pena ou tristeza ao ouvir rela tos detalhados dos pacientes enlutados ou 548 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs narrativas desesperançadas e raivosas dos melancólicos Em qualquer situação é útil tentar identificar o que se perdeu na vida do pa ciente que procura auxílio por ocasião da morte de alguém foi alguém da realidade externa ou algo do seu mundo interno Nos casos de melancolia uma especifici dade deve ser levada em consideração no que tange à capacidade cognitiva da pes soa enlutada Sabese que na depressão19 as chamadas teorias da mente20 ou seja a capacidade de inferir os estados mentais do outro ou identificar seus próprios es tão provisoriamente diminuídas já que a libido está investida no ego a fim de res gatar os aspectos narcísicos empregados na pessoa ausente Como se sabe essa habili dade a qual assim como o brincar existe na escala evolutiva a partir dos primatas está inativa nas crianças pequenas e é de senvolvida no contato interpessoal com os cuidadores iniciais Todavia fica muito prejudicada no trabalho de luto e na me lancolia São períodos de maior distratibili dade maior irritação e menor tolerância do que o paciente costumava ter os quais podem durar meses Em geral ao fim do trabalho de luto essa capacidade é recobra da pois o mundo que parecia empobrecido volta a interessar e para tanto é requerido do sujeito novamente tentar compreendê lo razão para que mais uma vez se tente colocar no lugar do outro empatizando com as variadas situações novas que a vida apresenta Nesses contextos é importante que o terapeuta tenha em mente quando traba lhar com esses pacientes que há uma di minuição da atenção e da capacidade cog nitiva de empatizar com o outro Pequenos atrasos e confusões de horário talvez falem mais sobre esse retraimento narcísico do que propriamente sobre um não envolvi mento com a terapia Suportar sentirse em parte abandonado pelo paciente faz parte da habilidade técnica e pessoal requerida para atendimento desses casos Além disso é fundamental examinar o que o terapeuta representa na transferên cia haverá casos em que o próprio pacien te se verá no terapeuta transferindo para ele todos os seus sentimentos e sentindo se esvaziado portanto Em outras situa ções será o objeto perdido que estará sen do transferido fazendo o paciente poder reviver sua relação anterior com o morto por intermédio da análise da transferência com o terapeuta Pode ocorrer também que identifiquemos esses dois aspectos em momentos diferentes do trabalho com o paciente conforme avança o tratamento e as etapas do luto sejam vivenciadas O su perego mais brando ou mais severo tam bém poderá ser identificado pelo colorido transferencial e pelo quanto o trabalho terapêutico conseguir servir como alívio e elaboração para o paciente Assim como se deve procurar rastrear o que está sendo transferido do paciente para o te rapeuta igual empenho deve ser empregado no sentido de identificar o que o contato com um paciente enlutado ou melancólico aciona na mente do terapeuta Este último também viveu situações de luto em sua vida tenham sido elas de senvolvimentais com relação ao seu pró prio corpo e autoimagem ou relativas ao seu ciclo vital no que tange a pessoas im portantes em sua vida que já tenham mor rido Isso é necessário na medida em que o campo analítico será forjado a partir da subjetividade dessas duas pessoas e a aná lise da fantasia inconsciente compartilhada necessitará abordar todos esses aspectos Psicoterapia de orientação analítica 549 Ambivalência ódio narcísico culpa do sobrevivente identificações com o morto sua sombra sobre o ego tudo isso provoca rá sentimentos na mente do terapeuta que inevitavelmente precisará entrar em con tato com tais questões para poder auxiliar o paciente Muitas vezes no curso de uma psicotera pia analítica ou análise encontrase um luto não elaborado que não foi a causa da procu ra do tratamento mas que se revela como um elemento patogênico que pode ser o fator que mantém e alimenta uma situação de sofrimen to psíquico que o paciente e às vezes terapeu tas anteriores não percebe ter um alto signifi cado patogênico Nesses casos processase uma espécie de exumação de um luto soterrado por ca madas de outras manifestações ou variadas defesas e de forma progressiva passase a trabalhar com ele nos termos descritos anteriormente Tanto nesses casos como nos de luto mais recente e identificável há sempre um campo analítico em que os diferentes papéis e estados mentais serão repassados e vividos de modo sucessivo ou alternado dentro das especificidades do caráter de cada paciente e das circunstân cias de sua perda e da quantidade de am bivalência com a pessoa perdida A análise dos sonhos será um indicador para moni torar a evolução desse processo e as modi ficações das relações com o objeto perdi do É importante saber que tal objeto está na mente do paciente e em pouco tem po estará também no campo analítico e na mente do terapeuta constituindo uma personagem que está ausente no mundo externo mas que mantém sua vitalidade nas sessões sob diferentes roupagens e apresentações ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Quando o luto revive aspectos evolutivos Um homem de 40 anos buscou tratamento por ocasião da morte da esposa Havia demorado para encontrar alguém com quem quisesse compartilhar a vida e a relação do casal era boa Veio para terapia porque os amigos insistiram pois apesar de ser um profissional já estabelecido não estava conseguindo trabalhar bem e não tinha vontade de se relacionar socialmente Nunca teve vontade de se tratar mas naquele mo mento sabia que necessitava Por isso paciente e terapeuta combinaram um foco de trabalho o qual se ria a morte da esposa e os sentimentos daí decorrentes Inicialmente estava muito deprimido e as sessões foram diárias na primeira semana Nesse início o terapeuta identificavase e preocupavase muito com o sofrimento do paciente podendo sentir a intensidade da dor psíquica e do vazio vividos naquele momento e refletir sobre tal questão À medida que tanto terapeuta quanto paciente puderam se sentir mais seguros de que o trabalho daria conta do imenso continente de tristeza os encontros passaram a ser menos frequen tes até se reduzirem a duas vezes por semana A possibilidade de medicação antidepressiva foi discutida mas evidenciouse desnecessária nesse caso O acompanhamento do trabalho de luto relembrou a perda de sua mãe cuja morte não havia podido chorar O trabalho psicoterápico concentrouse em indicar como as duas mortes estavam ligadas em sua Continua 550 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação mente Aos poucos o paciente pôde chorar a morte da mãe a qual ocorrera na infância Como se pode per ceber uma situação de luto será vivida a exemplo das outras já experimentadas tanto evolutivas quanto acidentais tal como descreveu Klein As primeiras experiências de perda servem de modelo para as seguin tes sejam os lutos por fatos reais sejam eles imaginados ou de fases do desenvolvimento O terapeuta sentia a essa altura do trabalho que precisava ter paciência e acompanhar lado a lado o processo de luto com o paciente e que aos poucos as coisas voltariam ao normal Muitas vezes identi ficandose com o assunto da traição por estar recobrando o gosto pela vida que surgia identificou em si uma sensação de culpa por estar sendo a pessoa que trazia sentimentos agradáveis à mente do paciente para em seguida pensar que não o acompanharia em sua vida fora das sessões Conforme isso foi sendo compreendido pôde também ser devolvido ao paciente como sendo algo seu a fim de que aos poucos re tomasse sua vida com menos culpa Nessa altura do trabalho o paciente sonhou que encontrara um velho amigo de adolescência e ambos caminhavam juntos em um fim de tarde na beira da praia O sonho foi entendido naquele momento pela dupla como um início de retomada da sua caminhada de compreensão da situação de morte fim de tarde mas da retomada de sua vida amigo adolescente reencontrada representando aspectos seus que pare ciam perdidos agora acompanhados pela experiência terapêutica Retomou lentamente a vida profissional e as relações de amizade Não quis seguir em tratamento naquele momento dizendo precisar seguir sozi nho um tempo Voltaria mais tarde para concluir o tratamento ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Quando o luto inclui aspectos transgeracionais A mãe de um menino de 4 anos procurou tratamento devido à dificuldade de lidar com seu filho cujo pai ha via morrido logo após ele nascer Todos diziam que ele era fisicamente igual ao pai o que a fazia lembrarse do exmarido todo dia a cada vez que olhava para o filho Os sintomas do menino incluíam alimentarse ex clusivamente de leite acessos de birra e não conseguir se adaptar à escola A mãeesposa não conseguira retomar sua atividade profissional desde a morte do marido A indicação foi o atendimento da dupla já que as dificuldades eram compartilhadas e mesmo forjadas em dupla Após meses trouxeram uma fotografia do pai e para surpresa da terapeuta pai e filho não se pareciam fisicamente Trabalhouse a dificuldade da mãeesposa em fazer o luto pelo que ela considerava a última parte de seu marido em vida o filho O prejuí zo para o menino poderia encaminharse para dificuldade ou mesmo confusão acerca de sua própria iden tidade A psicoterapia consistiu em fazêlos se discriminarem emocionalmente perceberem que eram duas pessoas e não três em duas como ambos queriam acreditar Ao término puderam visitar o túmulo do pai o que não ocorrera ainda desde a morte Isso criou na mente do menino uma representação para o espaço neste mundo destinado ao pai liberandoo de abrigálo dentro de si Continua Psicoterapia de orientação analítica 551 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao atender uma pessoa que sofreu uma perda devastadora como a perda de um filho do côn juge ou um jovem que perdeu seus pais em um primeiro momento as palavras parecem insufi cientes para dar conta dessa experiência hu mana tão dolorosa Aqui o primeiro princípio técnico é justamente não se defender nas teorias que muitas vezes evitam o contato emocional com a dor O desafio é manterse vivo em contato com alguém que em geral não se sente tão vivo assim Uma atitude atenciosa e disponível não onipotente Não é fácil deixar alguém que ama mos ir embora não é fácil deixar algo que fomos ou achávamos que éramos ir embo ra Mas é somente por meio desse processo de luto que nos daremos a oportunidade de ser algo novo Quanto mais narcisismo maior a dificuldade de perder pois perder implica aceitar a autonomia do outro acei tar a alteridade Em lutos complicados ou patológicos é importante como Freud já nos alertava identificar além de quem se perdeu o que se perdeu naquela pessoa Nesse sentido uma área da onipotência do paciente precisará ser reexaminada mas com tempo pois o tempo é um fator fun damental no trabalho de luto Se nos é difícil aceitar as perdas e a morte imaginese como seria um mundo sem ela não haveria lugar para os filhos A morte ou uma perda equivalente obriga cada pessoa a se defrontar com a realidade da finitude da vida a própria e a das pes soas amadas No trabalho psicoterápico com situações de luto cada terapeuta inevitavelmente terá que entrar em contato com seus próprios lutos e de certa forma revivêlos se de fato conseguir estabelecer um contato emocional genuíno com o paciente Para tanto é muito importante ha ver espaço na psicoterapia analítica para a presença dos elementos culturais espe cíficos a cada paciente a cada família e a cada tradição em que se insere Os rituais como mencionados desempenham um importante papel na elaboração do luto e devem ser observados como indicadores da evolução das relações com o objeto perdi Continuação Esse exemplo realça o aspecto transgeracional que pode estar presente em uma situa ção de luto pa tológico Nesse caso duas pessoas compartilhavam o processo de luto sendo que uma delas tinha a mis são de se identificar com alguém a quem não havia conhecido praticamente restituindolhe a vida A pos sibilidade de deixar o pai morrer tanto pela mãe quanto pelo filho viabilizou a retomada do desenvolvi mento de ambos 552 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs do Quando um luto consegue ser razoa velmente elaborado haverá o momento em que o luto pelo próprio tratamento se instala e este também será útil para a reto mada da vida e das demais relações Quando o objeto perdido pode ser instalado no self com menor hostilidade e ambivalência muitas ve zes observase o surgimento de expressões da criatividade sob suas diversas formas como uma maneira de continuar vivendo relacionan dose com o mundo desfrutando de suas imen sas possibilidades aceitando as inevitáveis frustrações e limitações e mais do que tudo contando dentro de si com a presença de fi guras predominantemente protetoras com as quais durante um tempo foi experimentado o mesmo amor que agora pode ser vivido nas re lações com as demais pessoas PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O luto é a reação normal e esperada em humanos que ocorre quando da morte ou perda de alguém amado ou importante emocionalmente ou da perda de uma situa ção ocupação abstração ou lem brança igualmente relevantes como por exemplo a perda da liberdade ou de um ideal de vida 2 O processo de luto e suas reações sejam elas normais sejam elas patológicas não se iniciam no momento em que o sujeito perde alguém importante em sua vida No desenvolvimento é possível tra çar com efeito a raiz que leva alguém a reagir de forma mais ou menos saudável diante de perdas 3 A parte perceptível desse processo se caracteriza inicialmente pela repetida rememoração da perda sempre acompanhada do sentimento de tristeza e de choro após o que a pessoa acaba se consolando Ao término a pessoa perdida passa a ser localizada no mundo interno do enlutado como uma lem brança o sentimento de tristeza desaparece e a vida afetiva retoma seu curso sendo agora viável a existência de novas ligações afetivas 4 As razões para que o trabalho de luto leve tempo devemse também à natureza ambivalente de todas as relações humanas 5 O luto patológico é o estado mental decorrente da não instalação ou da interrupção do processo normal do trabalho de luto Resulta na cronificação dos processos normais que se seguem a tais perdas não permitindo à pessoa enlutada retomar sua vida normal como era antes da perda 6 Dois sentimentos derivam da presença da ausência do objeto Um deles pode ser representado pela cor vermelha significando a raiva a fúria e o desespero assassino a que o indivíduo submete o seu ego identificadocomoobjeto A segunda dimensão negra está mais ligada ao afeto de desolação Nes ses momentos não parece restar nada mais ao ego do que se deixar morrer A expressão comportamen tal dessas duas dimensões pode ser rastreada pela contratransferência do terapeuta por identificar como se sente o paciente se homicida ódio vermelho em relação ao objeto com o qual está identifi cado ou se indigno do amor e de viver desolação sombria 7 O objetivo do trabalho psicoterápico é acompanhar o caminho normal de falar relembrar e lamentar o que não foi possível realizar com a pessoa morta bem como alegrarse pelos bons momentos passados em sua companhia Identificar o que o morto representou em sua vida é também importante a fim de que o paciente possa realizar sozinho a partir de então aquela tarefa psíquica ou na impossibilidade de isso ocorrer localizar outra pessoa capaz de acompanhálo nesse processo 8 O enlutado em princípio aceita o terapeuta como substituto parcial e temporário do vazio deixado pela perda diferentemente do melancólico que é intransigente quanto a isso pois não aceita a realidade Psicoterapia de orientação analítica 553 REFERÊNCIAS 1 Frazer JG O ramo de ouro Rio de Janeiro Guanabara Koogan 1978 Versão ilustrada 2 Mabilde LC Caracterização do luto pato lógico e diagnóstico diferencial com o luto normal Rev Psiquiatr RS 19879318593 3 Mello CO Inibição sintoma e luto a lenda da mulher esqueleto Rev Psiquiatr RS 2002 24215762 4 Kovács MJ coordenador Morte e desenvol vimento humano São Paulo Casa do Psicó logo 1992 5 Green A Postface In Green A Narcisissme de vie narcissisme de mort Paris Minuit 2007 6 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1970 v 14 p 27191 7 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v10 p 159258 8 Eizirik CL Michels AMMP Gazal CH Psi coterapia do luto normal e patológico In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atu ais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 2939 9 Abraham K Notas sobre la investigacion y tratamiento psicoanalíticos de la locura ma niacodepressiva y otras condiciones aso ciadas In Abraham K Psicoanálisis clínico Buenos Aires Paidós 1959 cap 6 p 10418 10 Freud S Totem e tabu In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v 13 p 20191 11 Quinodoz JM Teaching Freuds mouning and melancholia In Fiorini LG Bokano wski T Lewkowicz S International Psycho Analytical Association On Freuds mour ning and melancholia London Interna tional Psychoanalytical Assiciation 2007 p 17992 da perda É útil tentar identificar o que se perdeu na vida do paciente que procura auxílio por ocasião da morte de alguém foi alguém da realidade externa ou algo do seu mundo interno 9 É importante lembrar que a concepção contemporânea do que seja a relação terapêutica leva neces sariamente em consideração a interação entre as duas personalidades no campo analítico entre os dois momentos do ciclo vital Como consequência a possibilidade de suportar e elaborar uma situação de luto seja este normal seja patológico não pode ser desvinculada dessas variáveis 10 Os sentimentos contratransferenciais do terapeuta devem ser igualmente monitorados por ele mesmo quando estiver atendendo situações de luto normal ou patológico uma vez que eliciarão nele seus momen tos de perdas anteriores e sua capacidade de elaboração diante de perdas será solicitada O terapeuta pode sentir sono irritação pena e tristeza ao ouvir os relatos detalhados dos pacientes enlutados ou as narrativas desesperançadas e raivosas dos pacientes melancólicos 11 O terapeuta deve considerar ao trabalhar com esses pacientes que há uma diminuição da atenção e da capacidade cognitiva de empatizar com o outro Pequenos atrasos e confusões de horário talvez falem mais sobre esse retraimento narcísico do que propriamente sobre um não envolvimento com a terapia Suportar sentirse em parte abandonado pelo seu paciente faz parte da habilidade técnica e pessoal requerida para o atendimento desses casos 12 A análise dos sonhos é um indicador para monitorar a evolução desse processo e as modificações das relações com o objeto perdido 13 Um princípio técnico fundamental é não se defender nas teorias que muitas vezes evitam o contato emocional com a dor O desafio é manterse vivo em contato com alguém que em geral não se sente tão vivo assim Uma atitude atenciosa e disponível não onipotente 554 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 12 Ogden TH A new reading of the origins of object relations theory In Fiorini LG Bokanowski T Lewkowicz S International PsychoAnalytical Association On Freuds mourning and melancholia London In ternational Psychoanalytical Assiciation 2007 p 12345 13 Sodré I A ferida o arco e a sombra do obje to notas sobre luto e melancolia de Freud In Perelbeg RJ Veronese MAV Freud uma leitura atual Porto Alegre Artmed 2012 p 12642 14 Klein M Uma contribuição à psicogênese dos estados maníacodepressivos In Klein M Amor culpa e reparação e outros tra balhos 19211945 Rio de Janeiro Imago 1996 Obras completas de Melanie Klein v 1 p 30132 15 Klein M O luto e suas relações com os esta dos maníacodepressivos In Klein M Amor culpa e reparação e outros trabalhos 1921 1945 Rio de Janeiro Imago 1996 Obras completas de Melanie Klein v 1 p 385412 16 Bowlby J Apego e perda São Paulo Martins Fontes 1985 17 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1970 v 19 p 2383 18 Baranger M Baranger W La situación analí tica como campo dinámico Rev Uru Psicoa nál 19614Pt 1154 19 Wang YG Wang YQ Chen SL Zhu CY Wang K Theory of mind disability in major depression with or without psychotic symp toms a componential view Psychiatry Res 2008161215361 20 Premack D Woodruff G Does the chimpan zee have a theory of mind Behav Brain Sci 19781451526 LEITURA SUGERIDA Machado SCE Schestatsky SS Abordagem psico dinâmica do paciente deprimido In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky S Psicoterapia de orien tação analítica fundamentos teóricos e clínicos 2 ed Porto Alegre Artmed 2005 p 54152 O objetivo deste capítulo é desenvolver o te ma da abordagem psicodinâmica do pa ciente de personalidade obsessiva Inicial mente chamanos a atenção a ausência em nosso meio de trabalhos sobre o assun to tanto nas revistas de psicanálise como nas de psiquiatria e psi co terapia em com paração ao volume de publica ções sobre outros transtornos da personalidade como histéricos evitativos border line O que se observa é a facilidade para identificar os traços e os sintomas do agru pamento obsessivo devido a sua caracterís tica singular No entanto defron tamonos com dificuldades importantes para tratar esse tipo de paciente tanto pela intensida de das resistências mobilizadas como pelos desafios técnicos Os tratamentos tendem a limitarse ao nível do entendimento in telectual com melhoras aparentes o que leva à questão como sabermos quando estamos de fato promovendo mudança psíquica Com a evolução das teorias psicanalí ticas base da psicoterapia psicanalítica ocorreram mudanças na maneira de o tera peuta trabalhar o que gera outro problema a ser considerado Podemos pensar em es pecificidade da técnica ou seja é possível diferenciar a maneira de intervir conforme o tipo de transtorno da personalidade ou existe uma abordagempadrão Essas ques tões já pertencem à área da pesquisa em psicoterapia DIAGNÓSTICO DO PACIENTE OBSESSIVO Critérios clínicos Existe uma confusão histórica entre neurose obsessivocompulsiva e transtorno da persona lidade obsessivocompulsiva 33 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE OBSESSIVO Julio J Chachamovich Ivan Sérgio Cunha Fetter eis que o pacífico o dócil o submisso de repente desaparecem da cena e em seu lugar desconcertante e incompreensível para os que da alma humana já supunham saber tudo surge o ímpeto cego e arrasador da ira dos mansos O mais normal é que dure pouco mas dá medo quando se manifesta José Saramago em O Homem duplicado1 556 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O que se chamava neurose obsessivo compulsiva foi substituído por transtorno obsessivocompulsivo TOC O TOC é caracterizado pela necessidade egodistô nica de realizar rituais de forma compul siva com o objetivo de aliviar a ansiedade provocada por pensamentos obsessivos O transtorno da personalidade obsessivo compulsiva caracterizase por traços que são egossintônicos e que pertencem mais ao escopo do pensamento Ainda que a incidência do transtorno da personalidade seja maior em pacientes com TOC tais pa tologias podem não estar associadas Tem sido mais comum que sejamos procurados por pacientes com problemas de personalidade do que por aqueles com TOC Por isso ao nos referirmos a paciente obsessivo estaremos nos atendo ao trans torno da personalidade Entretanto é im portante mencionarmos os aspectos emo cionais também presentes no TOC Gabbard em Enfoques de orientação analítica para o tratamento do transtorno obsessivocompulsivo2 ressalta que os sin tomas determinados biologicamente têm significados inconscientes e que os fatores psi co di nâmicos podem estar envolvidos ao provocar o desencadeamento dos sintomas e mesmo exacerbálos Os traços de caráter dos indivíduos com TOC tendem a debili tar os esforços terapêuticos A compreensão psicodinâmica do significado des ses sinto mas pode ser de grande ajuda para melhorar os programas de tratamento com fár macos aumentaria a adesão ao tratamento O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais3 da American Psychia tric Association APA propõe critérios objetivos para o diagnós tico de transtorno da personalidade obsessiva São eles 1 preocupação tão extensa com detalhes regras listas ordem organização ou horários que o ponto principal da ati vidade é perdido 2 perfeccionismo que interfere na con clusão de tarefas 3 devoção excessiva ao trabalho e à pro dutividade em detrimento de ativida des de lazer e amizades 4 excessiva conscienciosidade escrúpulos e inflexibilidade em assuntos de mora lidade ética ou valores 5 incapacidade de desfazerse de objetos usados ou inúteis mesmo quando não têm valor sentimental 6 relutância em delegar tarefas ou traba lhar em conjunto com outras pessoas a menos que estas se submetam a seu modo exato de fazer as coisas 7 adoção de um estilo miserável quanto a gastos pessoais e com outras pessoas 8 rigidez e teimosia Para fazermos o diagnóstico pelo menos quatro desses oito critérios deverão ser encontrados É importante mencionar que tal classificação é puramente descriti va e não considera os aspectos dinâmicos envolvidos Critérios psicodinâmicos Para entender a psicodinâmica do pa ciente obsessivo é necessário fazer um breve his tórico de sua evolução teórica no contexto psicanalítico De acordo com Meltzer4 a trajetória da compreensão do paciente ob sessivo vem desde o relato clínico de O Homem dos Ratos de Freud até nossos dias salientando que o marco histórico mais significativo do trabalho de Freud consiste no estabelecimento do conceito de ambiva lência Em seu notável trabalho Freud pela primeira vez reconheceu o conflito entre amor e ódio como uma possível base para a Psicoterapia de orientação analítica 557 neurose dando um grande passo no sentido de constatar o conflito interno em sua ori gem e não apenas em seu desenvolvimento O segundo marco para Meltzer é o reco nhecimento da onipotência Freud a percebe como onipotência dos desejos Em 1913 Freud5 descreveu uma pri mitiva organização prégenital da libido carac terizada pela preponderância dos componentes instintivos anais e sádicos e considerou que os sintomas do paciente obsessivo eram o resultado da regressão da libido a esse estágio anal como tentativa de evitar a ansiedade de castração Em sua descrição do que denominou caráter anal Freud6 destacou três traços importantes amor à ordem leva ao formalismo parcimônia leva à avareza e obstinação pode tornarse uma irada rebeldia Reich7 denominou essa primitiva or ganização prégenital descrita por Freud co mo rigidez ou couraça desenvol vida como resultado crônico do conflito entre as demandas instintivas e o mundo externo frustrante Abraham8 partiu da ideia de Freud da regressão aos níveis pré genitais da libido e do uso do mecanismo de introjeção constatando haver uma ín tima relação entre a melancolia e os qua dros obsessivos Destacou porém que na melancolia é a perda do objeto que desen cadeia os sintomas enquanto os obsessivos apresentam uma atitude ambivalente em relação ao objeto Têm medo de perdêlo mas o mantêm Com base no motivo da relação entre impulsos sádicos e erotismo anal encon trados na primitiva fase para a qual regri de o paciente obsessivo Abraham defende que tanto o erotismo anal como os impul sos sádicos contêm duas fontes de prazer opostas Na fase anal o indivíduo trata seu objeto como trata o conteúdo de seu corpo fezes Nessa visão o objeto pode ser retido ou expulso A perda do objeto é perce bida como um processo de destruição componente sádico ou como um proces so anal de expulsão prazer libidinal Esse grupo de instintos que visa à destruição e à expulsão do objeto é mais primitivo Como tendência oposta em um nível pos terior predominam impulsos conservadores de reter prazer libidinal e de controlar o ob jeto componente sádico Entre esses dois níveis Abraham sugere uma linha divisória em que pelo predomínio da tendência de preservar o objeto surge o amor por ele Ao descrever o caráter anal Abraham9 enfatiza que o treinamento esfincte riano precoce da criança expõe seu narcisismo primitivo tão necessário para o desen volvimento a um primeiro e severo teste Quando a crian ça não consegue elaborar esse teste formase o cenário básico do ca ráter obsessivo Fenichel10 acrescenta que o erotismo anal é sempre de natureza bissexual por que o ânus é ao mesmo tempo um órgão excretor ativo e um orifício que pode ser estimulado por um objeto que o penetra Para o autor o conflito típico do obsessivo é a vacilação entre a atitude ativa masculina e a atitude passiva feminina O objetivo dos desejos femininos no homem não seria o de ser castrado mas o de ter algo introdu zido e retido dentro do seu corpo situação geradora de angústias e defesas Analisanda de Abraham com aguda sensibi lidade clínica Melanie Klein destacou o papel das primeiras ansiedades na gênese das neuro ses das psicoses e dos transtornos de caráter 558 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em seu clássico livro de 1930 Psica nálise da criança no tópico As relações entre a neurose obsessiva e os primeiros estágios do superego Klein11 descreve na criança a passagem do sadismo oral para o sadis mo anal tomando como referência os dois períodos do estágio anal descritos por Abraham como linha demarcatória entre neurose e psicose Klein apresenta os mecanismos fóbi cos referindo que na fobia ocorre o medo do su perego havendo uma modificação da angústia relacionada aos estágios mais precoces do desenvolvimento Sugere que a neurose obsessiva está relacionada a mo dificações que ocorrem com a fobia sen do que nesta elas atuam no estágio anal primário enquanto naquela começam a atuar no estágio anal secundário Salienta que a neurose obsessiva é uma tentativa de curar o estado psicótico que ela encobre Segundo Klein11 Em minha opinião o verdadeiro pon to de partida para a neurose obsessi va ou seja o ponto em que a criança desenvolve sintomas obsessivos e me canismos obsessivos situase no pe ríodo da vida governado pelo estágio anal secundário A dúvida decorrente da incerteza so bre o destino dos objetos atacados contri bui para a formação do caráter Klein des taca que o controle do obsessivo sobre as pessoas é o resultado de uma projeção múl tipla Em primeiro lugar procura desfazer se da intolerável compulsão que o acome te tratando seu objeto como se fosse seu id ou superego colocando sobre ele a coerção exercida pelas duas instâncias Dessa for ma atormentando seu objeto exerce seu sadismo primário Em segundo lugar projeta sobre os objetos externos o medo de ser destruído pelos objetos introjetados Esse medo sus cita a necessidade compulsiva de tentar controlar suas imagos o que não sendo possível cria a tirania sobre os objetos ex ternos Essa descrição de Melanie Klein é fundamental para entender a pressão que o paciente pode exercer sobre o terapeuta podendo mobilizálo a atuar uma vez que este possivelmente representa um papel em seu mundo interno Sob esse ponto de vista Klein afirma que as fantasias masturbatórias que acom panham o começo do conflito edípico são completamente dominadas pelos instintos sádicos centralizandose na cópula dos pais e dizem respeito a ataques sádicos dirigidos contra estes convertendose em uma das fontes mais profundas de culpa da criança Nesse sentido a culpa estaria ligada aos instintos destrutivos e não aos libidinais e incestuosos Abraham destacou o aparecimento do objeto de amor no segundo nível da fase anal pela tendência de preserválo Klein ao descrever a passagem da posição esqui zoparanoide para a depressiva mostra em nos so entender a íntima relação com essas ideias pois na chamada posição depressiva existe a preocupação com o destino do objeto que é visto como total surgindo sentimentos de culpa Se o objeto é considerado total ten do vida própria criase a possibilidade da presença de um terceiro Como consequên cia entramos na esfera do Édipo havendo uma interrelação entre complexo de Édipo e posição depressiva No caso do paciente Psicoterapia de orientação analítica 559 obsessivo seus impulsos sádicoanais com toda a constelação de defesas protegemno da percepção da cena primária Édipo e das ansiedades conco mitantes de castração CONTRIBUIÇÕES DE OUTROS AUTORES Liberman12 descreve o que chama de es tilos modos de interação e estuda sua relação com as estruturas psicopatológicas No paciente obsessivo descreve a chama da pessoa lógica ou paciente narrativo Segundo ele o estudo da comunicação hu mana pode ser feito por três pontos de vis ta o sintático o semântico e o pragmático O que o terapeuta busca com o paciente é entender sua linguagem para poder se co municar melhor O primeiro ponto de vis ta relacionase com os problemas acerca da transmissão da informação O significado é a preocupação central da semântica e a comunicação afeta o comportamento vi sualizando o aspecto pragmático Liberman12 enfatiza as mutações no vínculo transferencial usando critérios de estilo O modelo estilístico se torna per ceptível no pa ciente por determinadas for mas de sintaxizar semantizar e interatuar no vínculo transfe rencial Nenhum pa ciente usa um estilo único mas apresenta um estilo de fachada que corresponde ao mecanismo de defesa predominante com elementos de dois ou três subcomponentes estilísticos nos quais estão contidos os con flitos motivacionais patogê nicos Quando procuramos descobrir significados incons cientes estamos exercendo uma atividade semântica A pragmática é a relação exis tente entre o emissor e o receptor Ao inter pretar um paciente obsessivo dizendolhe que tenta controlar nossos pensamentos porque teme ser objeto de castigo do tera peuta estamos fazendo uma intervenção que tende a modificar a área pragmática pois fazemos o paciente entender o que existe por trás do que está dizendo emissor da mensagem e o que ele teme Por exem plo o paciente pode sentir o silêncio do te rapeuta como uma mensagem atemo rizante que deve controlar A estrutura sintática da frase pode nos dar a chave de tudo isso Zimerman13 além de relembrar os problemas básicos do obsessivo tais co mo a conflitiva edípica com a ansiedade de castração a homossexualidade latente e o masoquismo erógeno também descreve a multifatoriedade etiológica fatores ex ternos pais que impuseram um superego rígido e punitivo constitucionais exage rada carga de agressão que o ego não con segue processar e intrapsíquicos conflitos estruturais com o ego submetido a um superego cruel e pres sionado pelas deman das do id ou conflitos nas representações objetais Segundo o autor os mecanismos de defesa são bem conhecidos anulação isolamento formações reativas raciona lização e intelectualização e o obses sivo utiliza um sistema de pensamento cavila tório ruminativo pelo emprego do ou disjuntivo no lugar do e integrativo Nacht14 aponta que o vínculo entre fobia e neurose obsessiva está próximo mas que as manifestações diferem em al gumas formas Os mecanismos de defesa do obsessivo são controlados por um ego cujas funções estão mais evoluídas do que no paciente fóbico O obsessivo se defende fundamentalmente por meio do pensamento expresso nas obsessões 560 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A proteção para o medo é as segurada por dúvi das obsessivas Tanto no obsessivo como no fó bico o fator que ativa essas reações é sempre o mesmo o medo tanto dos impulsos libidinais como dos impulsos agressivos Schimel15 em Análise do diálogo do obsessivo divide o diálogo que ocorre na relação terapêutica em quatro itens a Separação das próprias afirmações O paciente tende a responder à aspereza das interpretações e a tarefa analítica é sensibilizálo para esse estilo defensivo Pelo mecanismo de isolamento o obses sivo usa o afeto para separálo de suas próprias comunicações Isso é particu larmente verdadeiro com sentimentos como escárnio zombaria depreciação sarcasmo e desvalia dirigida contra si Os aspectos transferenciais incluem a per cepção consciente ou inconsciente das possíveis tendências do terapeuta e das tentativas para iden tificálas O pacien te percebe o terapeuta como um agres sor e o rejeita Essas operações podem ser experienciadas como evidenciando culpa ou vergonha b Adjetivos advérbios e outras modifi cações O obsessivo vive em um mundo de esforços para ser uma pessoa correta Não tolera erros e tem uma predileção por adjetivos o que contrasta com o his térico que sofre a doença dos advérbios está horrivelmente doente abismal mente deprimido completamente exausto fantasticamente interessado e come em divinamente requintados restaurantes As preocupações do obses sivo com a acurácia dos fatos são parte de sua meta para encobrir o afeto não para gozálo perseguindo a não existência de ansiedade e a manutenção de uma frágil autoestima via expressão de poder so bre a realidade A linguagem e o humor estão presentes sem inflexão golpeando o interlocutor com um entorpecido monótono e repetitivo discurso exceto quando está raivoso c Contradições inconsistências e outras questões Em vista da necessidade de ser correto tem uma preocupação com as con tradições Esse é seu calca nhar de Aquiles bem como o do tera peuta O paciente monitora sua própria verbali zação editando ou corrigindo enquanto fala uma frase ou palavra que possa ser entendida como errada A preo cupação do obsessivo com as contradições não aparece somente enquanto está pensando ou falando mas também quando está ouvindo As interpretações do terapeuta ou não estão completamente certas ou não vão dire tamente ao ponto o paciente res ponde Sim mas O termo am bivalência denota a existência simul tânea de sentimentos opostos atitudes e tendências dirigidas a outra pessoa coisa ou situação A agonia do obsessivo sobre a tomada de decisões parece estar relacionada a essa ambivalência d Uma nota sobre despersonalização O fenômeno pode aparecer regularmente nos pacientes que estão progredindo no tratamento É crucial atentar para os as pectos transferen ciais de medo vergonha e desânimo que surgem nas comunica ções do sentimento de despersonalização e que fazem parte dos medos dos pacien tes de serem vistos como doentes ou mais doentes do que de fato são Isso deve ser considerado como um aspecto animador do processo de mudança de um estágio para outro Kainer16 alerta para o risco de que muitas vezes as dúvidas os labirintos ló gicos e a aparente falta de movimento do Psicoterapia de orientação analítica 561 obsessivo podem ficar agravados pela ina bilidade do terapeuta que acredita que esse distanciamento faça parte unicamente de algo induzido pelo paciente Além disso o autor encontrou uma situa ção comum en tre seus pacientes que chamou de o estilo parental Guardadas as particularidades de cada caso os pacientes tiveram pelo menos um dos pais extremamente crítico Tratase de uma crítica que começa cedo e da qual a criança não pode escapar Os comentários dos pais em geral iniciamse com a aparência física per sistem com o desempenho escolar mes mo que vá bem e estendemse a todos os aspectos do ser da criança Ao mesmo tempo esta tem o sentimento de que fez algo errado mas nunca tem a clara ideia de qual o procedimento certo Não sur preendentemente os pais são ansiosos obses si vos e muitas vezes afetivamente distantes O autor acredita que essa cons telação é mais importante como base na gênese do obsessivo do que o complexo de Édipo Considera a voz crítica como o conceito que pode ajudar a compreender e tratar o paciente obsessivo Gostaríamos de destacar o papel do superego na estrutura obsessiva Weissman em seu artigo Ego e superego no caráter e na neurose obsessiva17 descreve o gran de poder do superego sobre o ego o que causa uma reação interna de dependência e rebeldia semelhante à atitude da criança dian te de seus educadores No caso do ob sessivo a regressão ao sadismo anal modi fica o superego que se torna mais sádico apresentando traços arcaicos automáticos operando de acordo com a lei de Talião e obedecendo a regras mágicas Na situação clínica percebemos que o temor mágico está ligado a sentimentos de ser invadido por um objeto que o controlará manipu lará e comandará o qual por identificação projetiva corresponde a seus impulsos in vasivos e controladores O autor descreve um superego arcai co cuja função seria a de assemelharse ao poder parental na proteção contra suas de mandas instintivas préfálicas Esse supere go difere do que chama de superego geni tal que ajudaria na resolução do complexo de Édipo O superego arcaico préedípico for mase pela introjeção no ego de imagens e proibições parentais Quando este não dá lugar aos objetos que podem estrutu rar o superego maduro tal predominância tornase de suma importância na gênese da neurose obsessiva Referindose à contratransferência Eizirik18 destaca seis sentimentos comuns em relação ao paciente obsessivo 1 Sentimento de irritação manifestação defensiva do terapeuta diante da an gústia que lhe provoca sua dificuldade de penetrar na rigidez do controle do isolamento afetivo e da formação rea tiva 2 Sentimentos de desânimo desin teresse sonolência e de estar em uma rotina monótona expressam um terapeuta controlado por seu pa ciente 3 Sentimento de desafio e provocação a onipotência do pensamento obsessivo pode provocar reações igualmente oni potentes o que possivelmente leva a uma luta por controle e poder dentro da sessão 4 Sentimento de vitória sucesso e domínio da situação muitas vezes o pensamento obsessivo pode ser confundido com insight e a cavilação com um progresso do ego O pacien te aciona a negação e 562 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estimula a vaidade do terapeuta como uma forma de manter o controle 5 Sentimento de compaixão e solidarie dade desejo de fazer algo pelo paciente defendêlo ou protegêlo e de indig nação contra terceiros De repente o terapeuta sentese tomado por uma intensa reação emocional podendo chegar a manifestála dando razão ao paciente e até encorajandoo a reagir e a se defender terapeuta acionado por iden tificação projetiva 6 Sentimentos de satisfação e identifi cação com o paciente quando após o trabalho árduo com o paciente consegue chegar a uma maior com preensão de seus conflitos mesmo que de forma passageira O surgi mento de sentimentos amorosos pelo paciente quando vinculados ao real progresso no tratamento é um indicador de que as capacidades reparadoras estão sendo mobilizadas no paciente e de que o foco está sendo adequado A ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE OBSESSIVO Discutiremos algumas sugestões técnicas preconizadas por autores que trabalham com psicanálise e psicoterapia e daremos exemplos da prática clínica para comple mentar o que pensamos seja o mais indi cado no manejo desses pacientes Em geral a sessão começa com a tática de ten tar controlar os pensamentos do terapeuta por meio de um longo silêncio inicial cuja finali dade é induzilo a introduzir um tema Assim o obsessivo tenta livrarse da responsabilidade de expor o que está presente em sua mente Facilmente o terapeuta pode entrar nessa armadilha por angústia de não tole rar o silêncio ou por achar que o paciente deve ser estimulado a falar De modo in consciente assume o papel da pessoa de sejante na sessão o que serve como defesa para o paciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 A aberturapadrão de sessão José tem 35 anos e sente enorme violência por dentro o que o leva a envolverse em brigas na rua quando se sente agredido ou injustiçado Começa a sessão dizendo E aí doutor O te rapeuta permanece em silêncio até que o pa ciente sorri constrangido e pergunta Você vai me judiar Esse tipo de pressão pode levar o tera peuta a perguntar como ocorreu nessa ses são Como foi a sua semana Essa manobra defensiva é comum pelo medo que o paciente tem de entrar em contato com seus desejos amorosos ou agressivos Estimula o interesse do tera peuta por ele como forma de controlar a situação tornando este último responsável pelos desejos do paciente Uma forma de tentar mudar esse pa drão é mostrar ao paciente que essa atitude deixa o terapeuta sem saída se falar tira o espaço do paciente de ser espontâneo e trazer o que realmente o incomoda se não falar o paciente se sente judiado como se estivesse sendo colocado em uma posi ção de humilhação na história havia uma mãe que o colocava de joelhos sobre grãos de milho O obsessivo com frequência vê o tera peuta como um desafiador constante contra sua onisciência e onipotência e re Psicoterapia de orientação analítica 563 jeita toda nova consciência que o faça ad mitir para si e para os outros inclusive o terapeu ta que existem questões sobre as quais não tem conhecimento contro le obsessivo Por esse motivo o proces so é longo até que a confiança necessária na relação terapêutica possa ser atingida e não seja preciso evitar tanto os medos Essa característica confere ao tratamento o que podemos denominar de movimento pendular em que se alternam momentos sessões ou parte delas de aproximação e afastamento A dependência é ativamente evitada porque expõe a falência da oni potência oca sionando sentimentos de fra casso e fraqueza Como o obsessivo está sempre procurando fazer a coisa certa expõe suas dúvidas am bivalência contra pontos e outras manobras tentando induzir o terapeuta a encorajálo a tomar esta ou aquela decisão Este é um cuidado que o terapeuta deve ter em mente o paciente é quem deve to mar suas pró prias decisões e as intervenções do terapeuta não devem conter racionalizações ao examinar as dúvidas obsessivas Em outras palavras o terapeuta não deve tomar partido ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Construindo alternativas Paulo tem planos de fazer um curso importan te para sua atividade profissional e precisaria de uma licença e ajuda de custo da sua empre sa Fica temeroso de falar com o chefe pois a possibilidade de receber um não propiciará um afastamento raivoso Nesse momento o terapeuta pode mostrarlhe que está sempre limitado en tre esses dois caminhos sim e não e que não arrisca outra possibilidade por exem plo questionar por que não ou por que sim Essa abertura o deixa aliviado esti mulandoo a pensar em outras possibili dades se ouvir um não Durante a sessão ocorrem argumentos respostas e a discus são imaginária com o chefe que representa a figura paterna surgindo pontos obscuros a serem esclarecidos em sua história pes soal O obsessivo tende a ter duas respostas para suas indagações sim ou não Ao escu tar um sim sentese autorizado valorizado e pode se aproximar Escutando um não afastase imediatamente com o sentimen to de fracasso Desse modo fica caracteri zado o movimento pendular que precisa ser desfeito MacKinnon e Michels19 descrevem o indivíduo obsessivo como aquele que se encontra envolto em um conflito entre obediência e desafio O medo que provém do desafio conduz à obe diência e a ira que provém da obediência con duz novamente ao desafio fechando um círcu lo vicioso Segundo eles a maior parte dos traços de caráter que definem classicamente a personalidade obsessiva pode derivar desse conflito central19 Essas ideias são importantes na prática clínica pois observamos o quanto o pacien te obsessivo tem dificuldade de arriscar já que vivencia qualquer atitude sua como um de safio Quando é obrigado a escutar um não isso acaba gerando um tipo de submissão ao outro que desencadeia reações de ódio in terno estimulando mais desafios 564 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 O círculo vicioso Pedro está em psicoterapia com duas sessões semanais e demonstra visível chateação por ter solicitado passar para uma sessão por sema na e o terapeuta não ter aceito sugerindo que o assunto fosse mais bem examinado Ele não expressou seu descontentamento mas faltou à sessão seguinte sem avisar Pedro Não sei o que houve comigo acabei dormindo e não vim Queria saber se podería mos recuperar a sessão e aproveitando o ense jo quero dizer que vou seguir fazendo duas ses sões desde que sejam em outro ho rário Aqui aparece claramente a vivência de que está desafiando o terapeuta ao que rer mudar a frequência das sessões Quan do o terapeuta propõe examinar o assunto o sentimento é o de ter recebido um não isso gera a atitude de submissão ao conti nuar com as duas sessões mas também de raiva provocando uma falta além de que rer submeter o terapeuta ao seu horário mantendo esse círculo vicioso indefinida mente A necessidade do obsessivo de ser perfeito torna sua comunicação plena de qualificações o que dificulta o processo porque em vez de clarificar obscurece as questões Mesmo que isso possa parecer uma tentativa de confundir e bloquear o pensamento do terapeuta devese levar em consideração que o paciente está tentando ser mais preciso e evitar cometer erros e não simplesmente sabotar o tratamen to Essa atitude acaba conferindo uma ca racterística ruminativa cavilatória às comunicações do paciente e na verdade constitui uma falsa associação livre Nesse aspecto o terapeuta deve ser mais ativo interrompendo o detalhamento e enfo cando os aspectos mais relevantes ainda que o pa ciente não os veja assim Pensando que a associação livre faz parte da técnica preconizada em qualquer tratamento de orientação analítica pode mos observar que na medida em que o terapeuta é sentido como o pai ou pais que sobrecarrega a criança com exigências prematuras o paciente tem como único recurso cumprir formalmente com a re gra fundamental Esta porém conspira com as técnicas obsessivas uma vez que as emoções ingrediente necessário em todo tipo de interação são equiparadas a excre mentos que têm de ser retidos Em alguns momentos essas defesas obsessivas podem fracassar e o paciente consegue evacuar conteúdos emocionais desenvolvendo es tados catárticos na sessão revelando ver dades secretas O obsessivo tem grande habilidade para escapar de qualquer envolvimento com o terapeuta apesar de falar intensa mente sobre o assunto pois o faz com uma sucessão de palavras sublinhadas por uma compreensão intelectual e afastadas de qualquer resposta emocional Dessa manei ra nossas intervenções devem considerar a extraordinária capacidade do obsessivo de evadirse desviarse ofuscar e deslocar a fim de evitar que qualquer intervenção re force ou encoraje essas defesas Estão sempre presentes mecanismos de onisciência e onipotência Devido a eles o obsessivo desenvolve atitudes que se ex pressam como beligerância ou condescen dência em relação ao terapeuta Secreta mente sentese superior grandiosidade e despreza o terapeuta Sentese acima de Psicoterapia de orientação analítica 565 tudo o que está acontecendo Procura listar todas as deficiências da técnica e do con sultório do terapeuta para utilizálas pos teriormente como forma de hostilidade É necessário muito tempo para que o pacien te expresse suas dúvidas sobre o tratamen to Sua onisciência não permite reconhecer dificuldades e resiste às interpretações que o confrontam com isso A grandio sidade o faz esperar saltos mágicos e avanços maci ços no tratamento É impaciente com pequenos ganhos e espe ra interpretações magistrais que serão segui das por grandes avanços ou pela cura ficando desapontado quando lhe são mostradas repe tições de antigos padrões Critica intensamen te a psicoterapia e a si próprio por essa falha nada mudou é uma perda de tempo e de di nheiro ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Ego a serviço de um superego sádico Carlos é um profissional bemsucedido que está retornando das férias e vem mantendo al gumas sessões em atraso nunca consegue pa gar em dia Relata que deixou para a última hora a entrega de um trabalho para um cliente pondo em risco essa relação profis sional Diz Carlos Acabei passando um bom fim de ano na praia sentime motivado para traba lhar mas foi só voltar que ficou tudo como era antes sem motivação tenho pensado nisso porque me dei conta de que existe algo que im pede a execução mas não é dificuldade de fa zer consigo planejar tudo e até poderia execu tar não consigo entender o que me bloqueia o que me deixa sem iniciativa e me impede de terminar os trabalhos Esse início de sessão deixa o terapeu ta desanimado com um sentimento de impotência Aparecem aqui o controle e a dificuldade de colaborar com o trata mento Essa agressão sutil é percebida pelo terapeuta contratransferencialmente ao sentirse esvaziado e desmotivado O terapeuta interpreta O que temos visto é que isso acontece porque também existe um objetivo indireto de manifestar sua raiva para com outras pessoas como ocorreu com o trabalho para o cliente que quase não conseguiu fazer O paciente adota uma posição visivel mente defensiva explica que deixou para entregar o trabalho na última hora e diz Consigo entender que existe uma dificul dade minha que acaba atingindo os outros mas não consigo sentir isso No decorrer da sessão fala que seu laptop foi roubado na praia e que isso o impediu de trabalhar Nesse fragmento de sessão aparecem claramente a dissociação ideoafetiva e o grande temor do obsessivo que é o da cas tração ter seu laptop roubado A agressão do paciente aparece nas relações sociais e familiares e na transferência criando situa ções nas quais ele provoca sofrimento aos outros Uma interpretação que poderia ser usada para não deixar o paciente em po sição tão defensiva seria a centrada no te rapeuta por exemplo mostrar como o paciente o deixa imobilizado como forma de não demonstrar suas fragilidades e seus temores Como afirma Liberman12 ao des crever a sessão de um paciente obsessivo uma vez que o paciente atribui ao terapeuta o papel do pai exigente que inspira temor e a partir de sua percepção considera o alguém que impõe que conte tudo a verbalização tem as características de uma narração cen trada em sequências tempo 566 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs rais ou espaciais A hostilidade despertada por esse tipo de interação comunicativa deve ser separada e controlada deixandoa fora do vínculo transferencial O paciente organiza um discurso tal que nos impres siona como se o estivesse ditando À me dida que por um lado a hostilidade e o medo e por outro o desejo de agradar e acalmar forem se separando ainda mais o discurso irá gradualmente se ordenando e a tensão muscular crescendo descrição da formação reativa O paciente se concentra nos elemen tos verbais da comunicação e sente uma grande atração pelos aspectos sintáticos e semânticos Por causa disso desprivilegia a finalidade pragmática da comunicação O paciente se caracteriza pe la habilidade de desarticular por meio da análise crítica o sig nificado coerente das interpretações A lógica formal se constitui assim em um instrumento que tende a contra atacar a lógica das emoções ou seja a tra dução verbal dos processos primários que o terapeuta percebeu e verbalizou por meio da interpre tação Quanto à abordagem podemos no tar que a capa defensiva na qual o paciente obsessivo se refugia está solidamente cons truída e parece impenetrável a um ataque frontal Sobressai muitas vezes a teimosia com a qual obtém satisfação nas discussões com o terapeuta pela erotização do próprio pensamento É fundamental que o terapeuta não entre no jogo proposto e tente construir uma relação em que o importante seja uma conduta verdadeira e espontânea sempre buscando a emoção escondida Pensando pelo modelo clássico o fo co estará na agressividade latente e mesmo os sentimentos amorosos podem ser vistos como defesa contra a hostilidade forma ção reativa O conteúdo dos rituais as dú vidas as indecisões e os impulsos perfeccio nistas devem ser observados e interpretados como evidência de intenções e desejos rela cionados a pessoas significativas de sua vida Dessa forma o processo terapêutico deve apontar interpretar e rever tais atitudes en fatizando a agressivi dade e relacionandoa a sua origem libidinal e ao período anal sádico do desenvolvimento psicossexual da personalidade Esse tipo de abordagem valo riza a historicidade do paciente Tecnicamente devese evitar responsa bilizar o paciente pelo andamento lento do processo ou por cooperar pouco Quando o progresso é len to ou ausente não se deve atribuir isso à resis tência do paciente ou a uma resposta negativa ao tratamento Devese ter em mente que muitos im passes terapêuticos podem ser o resultado de manejos inadequados por parte do te rapeuta das defesas obsessivas Fenichel10 descrevendo os mecanis mos de defesa refere que a formação reativa provoca uma satisfação narcisista à qual o paciente não quer renunciar O isolamento é responsável pela dificuldade em associar livremente para não entrar em contato com o que já esteve unido a anulação apa rece na repetição que ocorre ao longo do tratamento O autor descreve situações que po dem impedir a evolução do tratamento a a contínua atenção censora que impede a associação livre o paciente não consegue expressar suas experiências subjetivas valorizando o relato objetivo b o mecanismo de isolamento no qual o ego está dividido e tem uma parte in Psicoterapia de orientação analítica 567 consciente mágica que não é atingida pelas interpretações c a necessidade de a terapia atingir cama das mais profundas d relações objetais regidas por tendências sádicoanais e a dissociação ideoafetiva f o pensamento sexua lizado que é o ins trumento de cura curar pelas funções que se encontram afetadas g ganhos secundários com o narcisismo das formações reativas h o surgimento de sintomas físicos durante o tratamento os quais o paciente não su porta Tudo isso demanda um trabalho que pode durar muito tempo Segundo Nacht14 uma aproximação terapêutica com o paciente obsessivo requer técnicas especiais principalmente ao se con siderar a ambivalência O ritual obsessivo tem o propósito de impedir qualquer ex pressão concreta de manifestações dos dois impulsos opostos A angústia surge a partir da confusão inconsciente que faz o paciente ex ternar amor e ódio ao mesmo tempo pro vocando sentimentos de dar e recusar Assim o terapeuta tem de ajustar com preci são a distância a ser estabelecida na relação com o paciente Se a relação for estreita e o pacien te for incapaz de tolerála isso será senti do como um ataque ao seu isolamento e o medo consequente será intenso Se for muito distante o pa ciente se sentirá frus trado e incom preendido O terapeuta deve operar em dois ní veis ao mesmo tempo o nível do caráter e o nível mais primitivo das primeiras relações objetais O autor sugere que se evite a aná lise da fixação no estágio analsádico ca racterística clássica do paciente obsessivo pois ao incentivar a atenção nesse estágio de sua evolução o paciente estará evitando o confronto crucial da conflitiva edípica da qual se originou seu temor inconsciente de castração O uso excessivo dos mecanismos de defesa que impedem manifestações espon tâneas sentidas como perigosas gera o sen timento de uma falsa identidade Durante um longo tempo o paciente necessita de reasseguramento para ser capaz de exterio rizar pensamentos e afetos Precisa confiar amar sem ser rejeitado sentirse entendido sem ser julgado para aos poucos perceber e revelar sua verdadeira identidade ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 5 O problema da identidade Tratase de um médico que na sessão descreve sua conduta diante de um paciente com doença grave assumindo o papel de professor dizendo tudo que um professor diria Dessa maneira pa rece livrarse dos sentimentos angustiantes susci tados pela proximidade da morte Depois passa a falar na dificuldade em tolerar frustrações ter de esperar em filas encontrar pessoas desorganiza das não conseguir vaga no estacionamento Diz ele É o desperdício de tempo que me incomoda e acho que não vou mudar nun ca perco muito tempo quando vou fazer algu ma coisa como por exemplo viajar reviso o carro troco o óleo encho os pneus reservo ho tel e então posso ir não consigo fazer coisas sem programar mas perco muito tempo fazen do isso Uma vez fui a um congresso cheguei ao hotel e não tinha reserva no meu nome Os funcionários estavam de má vontade e não aju daram Minha sorte foi que encontrei um cole ga de outro país que achou as reservas em ou tro nome e então deu tudo certo mas e se eu não tivesse encontrado o colega 568 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Aqui aparecem o prejuízo com a es trutura defensiva e o sentimento de uma falsa identidade Existe uma alusão trans ferencial ao referirse à ajuda do colega para tentar encontrar a verdadeira identi dade No entanto tratase de uma pessoa que está sempre impondo a si um grau importante de sofrimento e sua história revela um pai alcoolista a quem desvalo rizava um personagem histórico que de pois irá aparecer sob a forma persecutória e idealizada no professor e na relação com o terapeuta Outro aspecto que provoca ansiedade quando o paciente e o terapeuta são homens é a chama da angústia homossexual decorrente da natu reza bissexual do erotismo anal São situações nas quais o terapeuta pode ficar perturbado e defensivamen te interpretar o material em termos da agressi vidade não compreendendo o con teúdo se xual infantil amoroso que está im plícito Existe também a possibilidade de o terapeuta bloquear o nível de comunicação do paciente quando faz uma interpretação incompleta colhendo a agressividade e não os sentimentos amorosos o que pode levar o paciente a expelila ou usála no jogo sa domasoquista sentindose maltratado ou estimulado a uma atitude de revide por exemplo De qualquer forma quando as defe sas obsessivas começam a ficar atenuadas passa a revelarse outro tipo de ansiedade ligado a uma fase mais evoluída da sexua lidade genital as angústias em torno da percepção da cena primária Édipo e a ameaça de castração ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 6 O controle da cena primária Maria é uma moça do interior que veio morar na capital para cursar a universidade Ficou em uma pensão gerenciada por religiosas compar tilhando o quarto com outras colegas Recente mente mudouse para um apartamento próprio e iniciou relacionamento sexual com o namora do o que provocou uma crise de angústia e a busca do tratamento Desde o início ficou ca racterizada uma estrutura obsessiva de persona lidade pelo grau excessivo de exigências quanto ao desempenho na faculdade os medos de puni ção as preocupações com detalhes e com o tem po além das culpas por sentir sua sexualidade como proibida Chama a atenção o grau de con trole sobre os pais especialmente sobre a mãe para quem liga todos os dias para conversar sem motivo aparente Existe a valorização exces siva dos aspectos intelectuais e o intenso contro le interno e externo a paciente já manifesta na transferência a relação com esse objeto exigen te e perseguidor Tratase de uma pessoa com in tenso sofrimento e limitações em sua vida Durante alguns meses de psicoterapia costumava deixar o telefone celular ligado justificando que os pais podem precisar falar comigo e tenho de estar disponível Aparecem o controle que exerce sobre os pais e a necessidade de ser controlada por eles não podendo ficar a sós com o terapeuta Esse pa drão marca o processo cujo foco está no contro le da cena primária Durante uma sessão ocorre o seguin te diálogo Psicoterapia de orientação analítica 569 Maria Não sei o que vou dizer hoje não aconteceu nada de novo Quando acontece algo já ve nho com um assunto Terapeuta Fica mais fácil quando você tem algo preparado Maria rindo É esses dias fiz provas que não foram difíceis e foi tudo bem Às vezes acho que mudou alguma coisa no meu modo de pensar Nessa sextafeira fiquei aqui resolvi não ir para a casa dos meus pais O meu namora do também ficou Na verdade fiquei porque quis Antes eu só ficava por obrigação Terapeuta Também está tolerando ficar mais tempo aqui Maria O meu namorado tem me ajudado nisso Fico me com parando com a F que era a minha companheira de viagem e vejo como a situação está di ferente Eu sempre viajava com ela para o interior e comprava a passagem para o horário mais próximo do término das aulas eu não parava para pensar Eu ainda tenho vontade de ir lá mas não é como antes Mas continuo ligando para a minha mãe mesmo sem necessidade Tem vezes que fico contando os minutos para chegar a noite quando o horário é mais ba rato Terapeuta Ao mesmo tempo que está conseguindo ficar mais tempo aqui tem uma parte sua que ainda quer manter o controle dos seus pais Maria Eu não entendo bem eu não determino o que eles fazem Controlar só se é porque quero sempre saber o que eles estão fazendo Terapeuta O que estariam fazendo à noite sozinhos Maria rindo Confesso que quando ligo para casa e eles não estão fico triste parece que eles sem pre têm que estar lá Mas não preciso falar com os dois às vezes só falo com minha mãe Terapeuta Sim falar só com um é uma garantia de que não estão jun tos Maria Você acha que é isso que fico controlando os momentos ín timos deles Nunca tinha pensado nisso penso mais na dificuldade de me distanciar deles Maria tem aspectos fóbicos mas pre domina a estrutura obsessiva que aos pou cos vai sendo atenuada fazendo o entendi mento dos seus conflitos permitir melhor rendimento nos estudos e aproveitamento da vida afetiva Fiorini20 em seus trabalhos de pes quisa em psicoterapia tenta discriminar a técnica adequada para as estruturas ob sessivas defendendo que as dissociações ideiaafeto mentecorpo representação impulso constituem os problemas funda mentais a serem traba lhados Descreve sete movimentos básicos a Inverter a perspectiva do ego obses sivo O paciente parte do pressuposto de que seu problema é a falta de perfeição e não a aspiração a essa perfeição O ego ideal narcisista próprio da estrutura obsessiva espera encontrar essa perfeição por meio do tratamento e o papel do terapeuta é 570 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mostrar que esse ideal é seu verdadeiro inimigo A tentativa de alcançar esse ideal é frustrada e o paciente se deprime se desilude e não sabe para onde dirigir sua raiva Parte dela é dirigida a si próprio tomando a forma de uma exigência im placável tem de dar tudo de si b Criar noções e experiências de sujeito e de subjetividade Na estrutura obsessiva o ego ideal tiraniza o sujeito e estabelece um implacável sistema de exigências O terapeuta tem de pôr em evidência o temor do paciente de expressar um sujeito que possa escolher caminhos sempre expondo suas necessidades em confronto com o que pensa ser a vontade dos outros Diz Fiorini20 A busca incessante de um objeto dese jante para o sujeito desejado encobriu a existência de um sujeito também de sejante este ficou rigidamente encer rado no sistema de desejar ser o obje to de desejo do outro Esse parece ser um ponto crucial na abor dagem do obsessivo pois no meio do seu relato é importante que o terapeuta saiba quais os seus desejos e necessidades c Mobilizar comportamentos expressivos e desejantes O terapeuta pode confron tar o paciente no sentido de aumentar sua capacidade de reconhecer as próprias emoções além de expressálas Fiorini sugere que além do reconhecimento e da expressão das emoções o paciente deve ser estimulado a vivenciálas sendo essa vivência um fator de crescimento emocional Quando o paciente percebe a possibilidade e a necessidade de expres sar estados emocionais que aprendeu a reconhecer revelamse melhor as angús tias e as defesas estruturadas provocando elaborações d Dar ensejo ao surgimento do tera peu ta no lugar do terceiro A tendência do pa ciente é a de colocar o terapeuta no papel do outro que faz exigências formando uma díade especular pressiona o terapeu ta a falar no que deseja preocupase se o está agradando e assim por diante Essa é a marca da transferência do paciente obsessivo Do ponto de vista técnico somente a interpretação das projeções de uma figura superegoica não altera esses au tomatismos transfe ren ciais O tera peuta deve colocarse em uma posição não desejante e até onde for possível exercer esse papel Se essa posição for sustentada poderá ocupar o efetivo lugar do terceiro o que introduzirá no psiquismo do paciente uma novidade em matéria de organiza ção de vínculos algo que não é regido pelas pressões de uma exigência de es pelho e Desenvolver relações de integração entre diferentes níveis e tipos de pensamento e linguagem O obsessivo usa o processo secundário de pensamento como defesa apresentando um mundo objetivo e es tados de coisas mais do que significados O terapeuta ao empregar noções concei tuais irá apenas ampliar a defesa de racio nalizações O objetivo é introduzir uma linguagem capaz de aproximar o pacien te do processo primário de pensamento Em vez de recorrer a uma linguagem de ideias é preciso recorrer a uma linguagem plástica poética dramática O terapeuta deve evocar com a palavra o mundo da ação f Desenvolver condições para a recons trução da história pessoal Quando o Psicoterapia de orientação analítica 571 processo avança o paciente pode revisar seu lugar em sua história desejos riva lidades posições no triângulo edípico fantasias de triunfo e agressão bem co mo o jogo de identificações familiares aos quais se sujeitou A elaboração de tudo isso o levará a revisar a história oficial surgindo o observador crítico g Produzir abertura a experiências pro fundas de castração assumindo seu caráter liberador Há uma perda da imagem de si passagem necessária para a libertação do sujeito Ocorre mudança de papéis podendo o paciente mudar de uma atitude passiva para uma ativa deixar de ser bemcomportado adquirir tolerância a contrair dívidas aceitar a dependência Muda a postura de estar sempre posando para a posteridade No processo de tratamento a inces sante busca dos eventos do passado fica facilitada quando o paciente pode ver as distorções e as atitudes defensivas em cir cunstâncias nas quais fica difícil colocar dúvidas Para tanto sugere Fiorini é mais efetivo examinar os acontecimentos recen tes no aqui e agora que em geral con têm menos distorções Enfocando os eventos recentes temos a possi bilidade maior de explorar as emoções evitadas Algumas considerações ainda que su márias nos parecem importantes ao tema São as que se referem aos modelos teóricos que têm relevância em relação às mudanças na técnica da psicoterapia Recomendase a leitura de alguns autores como Bion2122 pelos seus conceitos de capacidade de rêve rie e elementos alfa e beta MoneyKyrle23 com as ideias sobre os estágios da aborda gem da doença mental e Ferro2425 pelos modelos de escuta pelo uso do termo nar rações e pelas ideias sobre interpretações saturadas e não saturadas questiona o va lor de uma interpretação que sature o sig nificado em determinado momento Pensando no obsessivo a saturação pode ser uma situação esperada na medida em que o terapeuta busca atingir o superego ou o ideal de ego No entanto Ferro salienta que essa operação de decodificação de uma verdade verdadeira lembra as interpreta ções dos críticos que têm a pretensão de des vendar o verdadeiro significado de uma obra de arte e pode tolher a criatividade da dupla A transformação conarrativa e a conarração transformativa que acontecem como uma verdadeira cooperação entre pa ciente e ana lista são filhas da mente de ambos e geram significados novos e abertos Isso tem importância na clínica pois o modelo de Bion associa as patologias a uma carência ou ausência de função alfa e a uma hiperpresença de elementos beta que não encontrando possibilidade de trans formação são constantemente evacuados segundo várias modalidades O ponto focal é portanto não tanto o acúmulo de ele mentos beta mas a carência de função alfa um dano derivado da falência muito preco ce nas relações sociais que não permitiu uma introjeção da função alfa primeiro constituinte de qualquer forma de menta lidade No caso das estruturas obsessivas haveria acúmulo de fatos não digeridos elementos beta que ameaçam transbordar provocando um reforço dos pilares dos diques defesas para controlar a ameaça de inundação Utilizando o modelo de Bion inte grado às contribuições de MoneyKyrle e Ferro poderíamos considerar a importân 572 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cia de se avaliar o quanto de função alfa está íntegra no paciente para ver a melhor estratégia a seguir Por exemplo com um paciente em início de tratamento seria importante não usar tanto interpretações saturadas e permitir que elementos beta do campo se tornem menos tóxicos Ferro25 alerta ser importante que o terapeuta não assuma o papel de intérprete do que está acontecendo com o paciente pois reflete narcisismo Isso é muito diferente de o te rapeuta com seu segundo olhar ser o intér prete do que está acontecendo com a dupla ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 7 O paciente assinalando o que acontece na relação Roberto é um homem com típica estrutura ob sessiva que se caracteriza por intenso temor de expressar os sentimentos agressivos e ser espontâneo associado a um desejo de gran diosidade em sua atividade profissional Inicia a sessão dizendo que conseguiu falar do seu descontentamento com a esposa e que isso os aproximou muito No entanto precisa enfren tar uma pessoa no ambiente de trabalho e não sabe se vai conseguir falar coisas que a pes soa pode não gostar Lembra mais adiante a história de duas amigas história que escutou em sua infância que deixaram de se encontrar porque uma delas ao visitar a outra atropelou seu gato A amiga do gato atropelado assistiu à cena mas não falou nada Deixaram de se visitar por um tempo até que uma delas tomou a iniciativa e resolveu falar sobre o acidente criando condições para o rea tamento da amizade O sentimento gerado entre elas foi o causador do afastamento Essa seria uma maneira de o paciente assinalar que na relação entre ele e o tera peuta existe um acidente ou uma violência que fica encoberta pelo distanciamento na sessão Uma interpretação baseada no mode lo intrapsíquico consistiria em mostrar na transferência o medo que o paciente tem de seus sentimentos agressivos de fazer al guma crítica ao terapeuta por exemplo Outra abordagem baseada em um modelo in teracional e procurando não ser saturada seria assinalar o quanto é desagradável ter coisas a dizer para alguém e ter medo de que a pessoa fique magoada o que abarcaria as duas possi bilidades da história Quando duas pessoas ficam receando falar dos sentimentos ou da realidade que percebem ocorre um afas tamento Quan do podem manifestar seus sentimentos abertamente ocorre uma aproximação No caso o terapeuta considera que o pacien te já está podendo exercer a função alfa de maneira mais efetiva quando diz que con seguiu aproximarse da esposa ao falar do seu descontentamento para com ela Voltando ao tema da função conti nente de Bion podemos afirmar que to do terapeuta que acolhe os sentimentos e as angústias dolorosas de seus pacientes a está exercendo plenamente É perceptível que isso ocorreu desde o início da psicaná lise com Freud e com todos os analistas e tera peutas que tiveram a sensibilidade de tentar entender o mundo interno que es tava a sua frente É evidente que acontece ram mudanças técnicas e que outras ainda ocorrerão mas a base sempre será uma re lação pessoal fundamentada na verdade e na curiosidade de entender o que se passa nas duas mentes em interação Um exemplo disso pode ser encon trado no trabalho de Freud26 referido no início do capítulo quando O Homem dos Psicoterapia de orientação analítica 573 Ratos não entende como podia sentirse um criminoso em relação ao pai sendo que na rea lidade jamais cometera crime algum contra ele Durante a sessão o paciente dá se conta do que chama de desintegração da personalidade Freud responde que esta va de acordo com essa noção de uma divisão splitting da sua personalidade Sugere que o paciente deveria assimilar esse novo con traste entre um eu moral e um eu mau como o já mencionado entre o consciente e o incons ciente O paciente afirma então que embora se considerasse uma pessoa moral podia lembrarse não obstante com bastante determinação de haver feito coisas em sua infância que provinham do seu ou tro eu Relata Freud26 Observei que aqui incidental mente ele havia atingido uma das princi pais características do inconsciente ou seja a relação deste com o infan til O inconsciente expliquei era o in fantil era aquela parte do eu self que ficara apartada dele na infância que não participara dos estádios posterio res do seu desenvolvimento e que em consequência se tornara reprimida Os derivados desse inconscien te re primido eram os responsáveis pelos pensamentos involuntários que cons tituíram a sua doença Nessa intervenção Freud vincula os temores de seu paciente ao infantil propor cionandolhe um grande alívio Poderíamos dizer que se estabeleceu uma função rêverie Isso é corroborado por Kan zer27 que salienta que a atitude tranquili zadora de Freud para com O Homem dos Ratos não foi em absoluto uma exceção CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo terapêutico requer um cuida doso exame dos padrões defensivos que o paciente mantém de forma compulsiva e dos quais reluta em abrir mão Também exige por parte do te rapeuta tolerância e habilidade em se manter interessado ao en frentar aborrecimento e o comportamento repetitivo que parece contínuo apesar das clarificações das interpretações e das con cordâncias do paciente sobre suas dúvidas destrutividade e negativismo Essa é preci samente a natureza do sintoma obsessivo que é repetido sem nenhuma alteração ape sar do conhecimento de sua inadequação As estruturas obsessivas obrigam nos a uma profunda busca clínica para encontrar eficácia técnica pela articulação de recursos que resultam da convergência de contribuições e de experiências de várias correntes psicoterapêuticas A estrutura da sessão segue o padrão geral isto é com o terapeuta verificando a transferência a an siedade predominante as defesas acionadas e o que elas estão protegendo e também exige alguns cuidados especiais por exem plo a necessidade de discriminar o que é relevante ou irrelevante na comunicação do paciente Considerando que tudo é re levante estaremos reforçando as defesas Não podemos perder de vista que é o te rapeuta quem gerencia o processo e o que selecionamos depende de muitos fatores como o referencial teórico e a natureza do foco principal que está sendo examinado e das lembranças reativadas Pensamos ser de extrema importância dar uma atenção especial ao contrato terapêutico Com o paciente obsessivo no momento do contra to temos uma situação ímpar para observar as manifestações de seu caráter É comum o paciente criticar em ge ral de forma velada todo o contexto da psicoterapia percebendo o terapeuta como 574 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs um ditador de regras ao qual deve se sub meter Devemos estar atentos a esses mo vimentos para não assumirmos um papel passivo deixando o paciente no comando do processo ou para não nos colocarmos em uma atitude autoritária querendo que o contrato seja cumprido rigidamente O mais importante é mostrar ao paciente que esse padrão de relacionamento já está presente nos sentimentos transferenciais Outro problema importante é como observamos as mudanças Para Salzman28 isso ocorre quando o obsessivo se torna ca paz de compreender sua estrutura neuró tica como defesa contra o reconhecimento de suas fraquezas podendo começar a construção de um novo sistema de segu rança em um nível mais produtivo Tentando integrar as várias correntes psicanalíticas citadas é possível afirmar que ocorre uma mudança psíquica no paciente obsessivo quando este consegue na teoria freudiana se estabelecer com mais como didade na etapa fálica não precisando usar defensivamente a regressão à etapa anal pa ra se proteger da ansiedade de castração Na teoria klei niana o paciente deverá restrin gir o uso dos mecanismos de cisão o que propiciará a inte gração do objeto interno aterrorizador que é o superego acionando mecanismos reparadores típicos da posi ção depressiva Pensando em Bion a mu dança ocorreria com o uso da função alfa desenvolvida na relação terapêutica criando condições para o paciente ser continente dos próprios sentimentos e desenvolver sua ca pacidade para pensar Todas essas possibi lidades podem evitar como bem descreveu Saramago o surgi mento do ímpeto cego e arrasador da ira dos mansos Mesmo sem a pretensão de esgotar o tema tentamos oferecer ao leitor algumas sugestões de intervenções que podem ser vir de guia tanto para a sessão como para o processo psicoterápico nessa difícil tarefa que é tratar o paciente obsessivo PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Ainda que a incidência do transtorno da personalidade obsessivocompulsiva seja maior em pacientes com transtorno obsessivocompulsivo essas patologias podem não estar associadas 2 Na descrição do que denominou caráter anal ou o atual transtorno da personalidade obsessivocom pulsiva Freud6 destacou três traços importantes amor à ordem que leva ao formalismo parcimônia induz à avareza e obstinação rebeldia 3 O obsessivo se defende fundamentalmente por meio da atividade do pensamento expresso nas obses sões a proteção para o medo dos próprios impulsos é as segurada pelas dúvidas obsessivas 4 O obsessivo vive em um mundo de esforços para ser uma pessoa correta e que não tolera erros 5 A linguagem e o humor estão presentes mas sem inflexão afetiva transmitindo ao interlocutor um entorpecido monótono e repetitivo discurso exceto quando está raivoso 6 O paciente monitora com cuidado o próprio discurso editando ou corrigindo uma frase ou palavra que possa ser entendida como errada 7 O paciente teve pelo menos um dos pais extremamente crítico tratase de uma crítica que começa cedo e da qual a criança não consegue escapar 8 Com o paciente obsessivo no momento do contrato temos uma situação ímpar para observar as mani festações de seu caráter 9 As características obsessivas do paciente costumam provocar no terapeuta sentimentos de irritação desânimo desafio e provocação Em fases mais adiantadas da psicoterapia e diante das melhoras do Psicoterapia de orientação analítica 575 REFERÊNCIAS 1 Saramago J O homem duplicado São Paulo Companhia das Letras 2002 2 Gabbard GO Psychoanalytically informed approa ches to the treatment of obsessive compulsive disorder Psychoanalytic Inqui ry 200121220821 3 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Washington American Psychiatric Association 2013 4 Meltzer D O homem dos ratos neurose ob sessiva In Meltzer D O desenvolvimen to kleiniano desenvolvimento clínico de Freud São Paulo Escuta 1989 v 1 5 Freud S A disposição à neurose obsessiva uma contribuição ao problema da escolha da neurose In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 393409 6 Freud S Caráter e erotismo anal In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1969 v 9 p 17381 7 Reich W Analisis del carácter Barcelona Paidós 1980 8 Abraham K Breve estudo do desenvolvi mento da libido visto à luz das perturba ções mentais In Abraham K Teoria psi canalítica da libido Rio de Janeiro Imago 1970 9 Abraham K Contribuições à teoria do cará ter anal In Abraham K Teoria psicanalítica da libido Rio de Janeiro Imago 1970 10 Fenichel O Teoría psicoanalítica de las neu rosis Buenos Aires Paidós 1966 11 Klein M As relações entre a neurose obses siva e os primeiros estágios do superego In Klein M Psicanálise da criança São Paulo Mestre Jou 1969 12 Liberman D Psicopatologia Rio de Janeiro Campus 1982 13 Zimerman DE Neuroses In Zimerman DE Fundamentos psicanalíticos teoria técni ca e clínica uma abordagem didática Porto Alegre Artmed 1999 cap 17 14 Nacht S The interrelationship of phobia and obses sional neurosis Int J Psychoanal 19664721368 15 Schimel JL Dialogic analysis of the obses sional Com temporary Psychoanalysis 1974 10187101 16 Kainer R The critical voice in the treatment of the obsessional Contemporary Psychoa nalysis 197915227687 paciente podem surgir sentimentos de compaixão solidariedade satisfação e identificação com o paciente 10 Na psicoterapia o paciente é quem deve to mar as próprias decisões e as intervenções do terapeuta não devem conter racionalizações ao examinar as dúvidas obsessivas 11 Quando o paciente se estende em seu discurso ruminativo o terapeuta deve ser mais ativo interrom pendo o detalhamento e enfo cando os aspectos mais relevantes do material 12 Devido aos sempre presentes mecanismos de onisciência e onipotência o obsessivo desenvolve atitu des que expressam beligerância ou condescendência em relação ao terapeuta que devem ser assina ladas 13 Devese evitar responsa bilizar o paciente pelo andamento lento do processo ou por ele não estar coope rando entendendose isso como parte de suas resistências caracterológicas 14 O processo terapêutico requer um cuidadoso exame dos padrões defensivos que o paciente compulsi vamente mantém e dos quais reluta em abrir mão 15 Exige do te rapeuta tolerância e habilidade em se manter interessado ao enfrentar o aborrecimento e o comportamento repetitivo apesar das clarificações das interpretações e das concordâncias do paciente sobre suas dúvidas destrutividade e negativismo 576 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 17 Weissman P Ego and superego in obsessio nal character and neurosis Psychoanal Q 195423452943 18 Eizirik CL A contratransferência e sua utili zação no tratamento de pacientes obsessivos In Eizirick CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 19 Mackinnon RA Michels R El paciente obse sivo In MacKinnon RA Michels R Psiquia tría clínica aplicada México Interamerica na 1973 20 Fiorini HJ Marcos e linhas diretrizes no processo terapêutico das estruturas obsessi vas In Fiorini HJ Estruturas e abordagens em psicoterapia Rio de janeiro Francisco Alves 1986 21 Bion WR Uma teoria sobre o processo de pensar In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados second thoughts Rio de Janeiro Imago 1994 p 1019 22 Bion WR O aprender com a experiência In Bion WR Os elementos da psicanálise o aprender com a experiência Rio de Janeiro Zahar 1966 p 7113 23 MoneyKyrle R Desenvolvimento cogni tivo In MoneyKyrle R Obra selecionada São Paulo Casa do Psicólogo 1996 24 Ferro A Um rápido zoom sobre os modelos teóricos In Ferro A A técnica na psicanáli se infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 25 Ferro A Narrações e interpretações In Fer ro A A psicanálise como literatura e terapia Rio de Janeiro Imago 2000 26 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 10 p 157317 27 Kanzer M La neurosis de transferencia del hombre de las ratas In Massota O Jinkis J editores Los casos de Sigmund Freud Bue nos Aires Nueva Visión 1979 p 1719 28 Salzman L Psychotherapy with the obssessi ve personalities In Karasu T Bellak L Spe cialized techniques in individual psychothe rapy New York Brunner Mazel 1980 O ser humano nasce e se desenvolve em um mundo cheio de perigos para os quais não está preparado adequadamente O medo é um sentimento que acompanha essa si tuação e de forma habitual indica a pro cedência externa do perigo Entretanto durante o desenvolvimento emocional o sujeito deve inevitavelmente atravessar e elaborar zonas de conflito e situações inter nas que percebe como perigosas e às quais responde com angústia Designase uma pessoa como fóbica se sofre de medos muito intensos em relação a objetos ou a situações externas que em princípio não deve riam ser considerados perigosos Antecipase a eles evita enfrentálos ou os repele Reconhece o inapropriado de seu sentimento e a irraciona lidade de sua conduta mas sentese obrigada a comportarse assim porque do contrário se ria exposta a uma angústia incontrolável Na fobia o medo e a angústia se ali mentam com reciprocidade Freud se deu conta de que o objeto externo temido é um pretexto equivocadamente interpretado como o que causa angústia e compreen deu que a razão desta são conflitos deriva dos da vida sexual infantil e não aconte cimentos acidentais externos Estes podem provocar medo mas o medo que gera o objeto fóbico oculta a angústia serve para encobrila Mesmo havendo uma vivência inicial externa que gerou o medo é a per manente intensidade da angústia mais do que o primeiro sobressalto o que caracte riza a fobia O tratamento psicanalítico é o recur so terapêutico fundamental para as fobias Todavia nem sempre existem as condi ções para sua plena utilização Nesse caso a abordagem pode consistir em uma psi coterapia de orientação psicanalítica so bretudo quando em situações agudas ou de emergência A psicoterapia psicanalíti ca deve ser realizada por um profissional bastante familiarizado com os mecanis mos psicodinâmicos e a clínica da fobia Por essa razão tais componentes são des critos em detalhes a seguir 34 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE FÓBICO Hector Ferrari O conteúdo de uma fobia tem para com ela mais ou menos a mesma importância que possui para o sonho sua fachada manifesta Freud 1916 578 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs DEFINIÇÃO SINTOMA OU PSICONEUROSE O termo fobia deriva do grego phobos que significa medo terror ou pânico De nominase psiconeurose fóbica quando o sintoma se estabiliza se reitera e abarca de modo progressivo outros temores es truturando um estado emocional caracte rístico de alerta tenso em uma exploração permanente de situações imaginadas pela pessoa como potencialmente perigosas A psicanálise descobriu que a fobia assim como outras estruturas psiconeuró ticas funciona como uma defesa que trata de evitar que a pessoa seja vítima do desen volvimento da angústia ou de ata ques de pâ nico em geral acompanhados de sintomas psicofisiológicos O medo fóbico conduz à angústia e esta à cena inconsciente que a gera A fobia leva por um lado a diferen ciar medo angústia e pânico e por outro coloca a angústia antiga preocupação hu mana no centro das considerações clínicas e metapsicológicas A fobia exige que o terapeuta se ocu pe necessariamente da angústia do pacien te a qual não se justifica pelo estímulo que a provoca e é desproporcional em relação à situação temida Por outra parte a pessoa tem consciência da irracionalidade de sua reação mesmo que tenda a justificála com racionalizações Por isso pode ser difícil decidir se a resposta à situação temida é de fato compreensível ou irracional Tal condição se relaciona com as de mais psiconeuroses Com a histeria divide a utilização do mecanismo da repressão como defesa contra o conflito Porém o retorno do reprimido na histeria é a con versão ao corpo enquanto na fobia é o des locamento e a projeção em um objeto externo que se teme A neurose obsessiva se afasta de ambas diante do conflito predominam as formações reativas e ficam comprome tidas atividades do pensamento ideias ob sessivas Às vezes os sintomas fóbicos po dem adquirir um caráter obsessivo assim a fobia de sujeira ou de contaminação se associa à compulsão de se lavar a fobia so cial ao desenvolvimento de rituais sociais e assim por diante Além da neurose clinicamente esta belecida sintomas fóbicos isolados podem aparecer em todas as outras psiconeuroses inclusive em algumas psicoses Nestas últi mas reconhecese a presença de conflitos préedípicos NOTA HISTÓRICA Freud descobriu os mecanismos clássicos das fobias Um breve olhar sobre seu pen samento a respeito do tema mostra vários aspectos Nos primeiros tempos da psicaná lise ele se ocupou intensamente das fobias Nessa etapa reconheceu na variedade de medos de todo tipo a máscara multiplicada da angústia Esclareceu a clínica do sintoma fóbico diferenciou as fobias e as obsessões sobre a base dos diferentes mecanismos2 si tuou as fobias próximo da histeria e junto às obsessões agrupouas como psiconeuroses de defesa3 utilizou na clínica sua primeira teoria da angústia4 e considerou as fobias parte das psiconeuroses um grupo diferen te daquele das chamadas neuroses atuais mesmo tendo esclarecido que estas tam bém podiam apresentar sintomas fóbicos5 Fobos era um deus reconhecido e temido Era filho de Ares o deus da guerra por excelência e Afrodite Também é o Pânico o medo que faz o guerreiro bater em retirada Irmão de Deimo o Temor é o medo que paralisa Os dois são companheiros inseparáveis e às vezes conduzem o carro do deus Ares até a batalha Fobia se opõe a filia1 Psicoterapia de orientação analítica 579 Após um intervalo de alguns anos voltou ao tema dedicando à fobia um de seus relatos clínicos mais famosos o caso do pequeno Hans6 Com ele aparece o sujeito da fobia e não apenas seus mecanis mos Freud formalizou o estreito vínculo que une a fo bia à angústia e à histeria renomeando a fobia como histeria de angústia Nesse relato com a famosa história do pequeno Hans temati zou a angústia da castração o lugar do pai e da mãe e os principais mecanismos defensivos presentes na fobia repressão deslocamento projeção evitação identificação entre outros Além disso relacionou as fobias com o totemis mo a magia e o animismo Em seguida no relato do Homem dos Lobos7 ofereceu a mais completa elu cidação sobre a fobia e sua estreita relação com a infância Mais tarde e em outro gru po de trabalhos tratou da problemática da angústia diante da fobia Nos artigos sobre a metapsicologia8 em Inibição sintoma e angústia9 e em Novas conferências introdu tórias à psicanálise10 reelaborou as fobias a partir de sua nova teoria da an gústia VARIEDADE E CARACTERÍSTICAS DO OBJETO FÓBICO Todos os objetos do mundo podem se prestar à fobia mas essa diversidade infini ta oculta sua secreta monotonia O fóbico tem um objeto de aversão preferido que o intimida e o ameaça com todo tipo de pe rigos Com ele sofre um pavor que começa com um ataque de pânico e logo se ma nifesta por uma atitude de fuga e evitação desse objeto de horror Freud11 distinguiu três grupos de situações ou objetos considerados perigosos pelo paciente fóbico No primeiro agrupou algumas fobias que têm algo de assustador para a maioria das pessoas e por isso não parecem incon cebíveis em si mesmas e sim pela intensida de exagerada do temor Por exemplo a fobia de cobras ou de aranhas No segundo grupo in cluiu casos em que há certa sensação de peri go em que se pode minimizar mas não ante cipar o perigo entre eles encontramse as fo bias situacionais como viajar de avião sentir solidão cruzar uma ponte presenciar tempo rais Não causa tanto assombro seu conteú do como sua intensidade Por fim considerou as fobias incompreensíveis animais inofensi vos espaços abertos ou fechados altura en tre outras O fóbico se sente ameaçado pelo ob jeto esse fragmento do mundo externo com um sentimento sinistro umheim lich O paciente tem certeza de que tal obje to quer lhe fazer mal mesmo que não pos sa dizer que tipo de mal Sendo o produto de deslizamentos substitutivos do objeto reprimido que não substituiu de todo o objeto fóbico tem uma espécie de elemento concreto direto real Como os objetos proibidos da fobia não estão de todo repri midos o sujeito chega a se vincular ape sar do deslocamento a esse reprimido que conserva uma relação direta com o impos sível o incestuoso Em relação ao falo ima ginário o objeto fóbico tem características de hiperpresença real No caso do pequeno Hans por exemplo a boca do cavalo o per segue porque é a própria boca investida pela pulsão oral Dessa maneira o fóbico vi ve uma experiência de angústia e impossibi lidade de qualquer prazer o desejado objeto que retorna da repressão é pavoroso não pode estar perto dele porque o horror segue tornandoo impossível A única coisa que o fóbico pode fazer é afastálo controlálo 580 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs com o olhar ou estabelecer regras de dis tanciamento O sujeito fóbico se sente olhado pelo objeto e olha aquilo que o olha Não pode ver nem deixar de ver o obje to temido sem que isso desperte angústia Tratase de uma aversão polarizada sobre um objeto que o sujeito não quer e não to lera mais ver declara que deve estar fora de sua vista Se vejo isso se isso me olha sou um homem morto alguma coisa vai me acontecer e se algo acontece tal como vejo ou pressinto estou perdido Porém de forma paradoxal e simultânea o pacien te procura esse objeto o tempo todo com o olhar O pequeno Hans dizia Tenho que olhar para o cavalo e então tenho me do Com um simples olhar reconhecese o objeto do qual não se pode tirar os olhos e a partir do qual se prevê o perigo Por is so Lacan refere que a fobia está na ordem do desejo prévisto O fóbico não duvida de seu objeto como o ob sessivo tem certeza de sua existência Man tém com ele uma distância e uma espacialida de calculadas Se não o vê procurao mas uma proximidade maior desencadeia uma passagem ao ato ou um ataque de angústia No tratamen to psicanalítico observase a distância como uma dificuldade associativa em relação ao ob jeto da fobia e à possibilidade de revelar plena mente seu conteúdo manifesto O objeto fóbico é ordenado segundo certo controle visual do mundo organi zar o campo visual calcular distâncias afastarse fugir atravessar um caminho estreito e com certas qualidades orais relacionadas ao materno e ao primário O paciente procura uma distância útil do objeto fóbico e necessita disso nin guém desenvolverá uma fobia de alturas se não houver alturas Como no objeto fetiche o fálico está presente no objeto tangível real de algum modo alcançável Mas ao contrário do re chaço ou da evitação que gera a fobia ao objeto na perversão fetichista sob o signo da atração vivenciase extrema excitação e gozo com o objeto que afugenta a ameaça de castração A psiquiatria se ocupou de dar nomes específicos aos incontáveis obje tos da perversão e das fobias e em ambos os casos Freud foi em busca do significado que subjaz à multiplicidade desses nomes ALGUMAS DEFINIÇÕES DE ANGÚSTIA Muitas vezes antes da instalação de uma fobia constatase um período prévio ca racterizado por forte disposição à angús tia que pode chegar ao pleno desenvolvi mento de uma neurose de angústia ou se manifestar como ataques de pânico Em seguida algo mobiliza ou intensifica o con flito inconsciente a defesa tenta resistir mas falha desencadeandose um ataque de angústia que rapidamente se liga a um objeto ou situação para se transformar na histeria de angústia ou fobia Desse modo a angústia difusa generalizada ou episódica pode se atenuar e se limitar a uma situação específica Assim que essa situação puder ser evitada aliviase a angústia Se o pa ciente é forçado a enfrentála sobrevém o desenvolvimento da angústia que culmina novamente no ataque de pânico Dessa for ma dada a estreita relação entre angústia e fobia e entre angústia temor e pânico con vêm algumas definições A angústia Angst termo usado com frequência por Freud em alemão signifi Psicoterapia de orientação analítica 581 ca literalmente medo sentirse apertado pressionado sufocado Descreve um sen timento de grande inquietude ante uma ameaça de dano real ou imaginário espe cífico ou inespecífico que varia de re ceio ou temor até pânico e terror Como estado afetivo é uma vivência desprazerosa um malestar inquietante a sensação de um perigo ameaçador desconhecido como uma fatalidade iminente acompanhado de tensão motora e hiperatividade vegeta tiva A angústia está vinculada a opressão e constrição sensação de aperto no peito por sua vez relacionadas à angina e aos co nhecidos sintomas cardíacos A angústia é assim de maneira encoberta ou manifesta um dos principais motivos de consultas na medicina Convém diferenciála da ansie dade que é uma espécie de incômodo ne cessidade ou aspiração tensa de cumprir o desejo e que em geral não é englobada na psicopatologia A atual teoria da angústia em psica nálise data de 1926 A angústia se apresenta na perspectiva da reação do ego ao perigo ou da preparação para este O ego é tratado não apenas como o lugar da angústia como também como sua possível causa a No curso de seu desenvolvimento quan do era fraco e indefeso o ego estava exposto a sensações de angústia ante situações típicas separação do objeto perda de seu amor mutilação ou cas tração e perda do amor de sua própria consciência ou superego Nessas situa ções sentiase inundado passiva e au tomaticamente pelo desenvolvimento da angústia A angústia automática se reitera cada vez que o sujeito se encontra em uma situação traumática submetido à influência de excitações de origem interna ou externa que é incapaz de dominar b A favor de uma maior capacidade de integração o ego aprende de forma ativa a repetir a angústia por sua pró pria conta como sinal de situações pre sentes ligadas àquelas que no passado viveu como perigosas A angústiasinal deve ser vista como outra experiência angustiante que repete uma anterior ao mesmo tempo que luta contra seu retorno Reproduz de forma atenuada a reação de angústia experimentada pri mitivamente na situação traumática o que permite deflagrar operações defen sivas Pode funcionar como símbolo mnemônico de uma situação vivida de modo passivo no passado e que agora se quer evitar ativamente Segundo Freud a angústia seja automática seja sinal de alarme deve ser considerada produto do estado de desamparo psíquico da lactante que evidentemente constitui a contrapartida de seu estado de des valimento biológico A angústia como sinal permite ao ego iniciar operações defensivas para não ficar exposto a uma situação traumática Sob a perspectiva clássica considerase que a fobia utiliza a princípio um mecanismo de defesa como a repressão que impede que os desejos proibidos provenientes do com plexo de Édipo cheguem à consciência ou alcancem a ação específica Em um primeiro momento a repressão se vito riosa pode conter o conflito O normal é que o conflito se renove e a repressão não baste nesse caso uma angústia mais pronunciada que um mero sinal pode ser a primeira manifestação de seu fracasso revelandose como angústia livremente flutuante sem estar ligada a nenhuma representação em particular ou a algum mecanismo adicional de defesa Quando adquire proporções clínicas importantes configurase o 582 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estado de neurose de angústia O fra casso da repressão pode significar o retorno do reprimido no caso da fobia com mecanismos defensivos adicionais que culminam na instalação do objeto fóbico Se o ego não contiver a situação temida com suas defesas habituais ou não estiver preparado em um estado de expectativa ansiosa pode acabar inun dado pelo desenvolvimento de angústia que pela magnitude é conhecida como pânico ou espanto O pânico inclui a falta de preparação o fator surpresa e a ideia de transbordamento para o ego é voltar a suportar uma situação traumática Freud considerou também a angústia como desenvolvimento O desen volvimento de angústia ainda se verifica quando o paciente é forçado a romper suas defesas e a enfrentar o objeto fóbico à força c O temor a um acontecimento real real angst se desenvolve ante um perigo exterior que constitui para o sujeito uma verdadeira ameaça A experiência demonstra que as coisas nem sempre terminam aí depois do medo do real pode aparecer o desenvolvimento de angústia o medo desemboca em algo indomável incontrolável cuja pre sença excede os objetivos adaptativos e assinala a existência de componentes irracionais fantasmagóricos Em geral atrás de cada medo do real está uma angústia mais arcaica ligada a fantasias inconscientes Por exemplo um pacien te pode temer razoavelmente uma grande cirurgia mas nunca deixarão de estar presentes fantasias primitivas de ameaça a sua integridade corporal mutilação castração entre outras To do temor ante o real aparentemente com motivos teria na verdade um fundo de angústia a ameaça de seu desenvolvimento CLÍNICA DAS FOBIAS O cenário inicial da fobia clínica aguda é o de um terror intenso enlouquecedor ligado a uma situa çãolimite em que o sujeito sente perder drasticamente o domínio de seu ser É como se de repente passasse a outra cena e entrasse no centro da solidão mais intensa O objeto causa dor do pânico é algo inesperado mas pressentido desde sempre que se acerca do sujeito de forma instantânea e gera um medo monstruoso A angústia toma corpo no medo re ferido a um objeto externo e se atenua se este é evitado É a coalizão brutal entre a angústia e o real ver o caso clínico descrito no fim do capítulo O ataque inicial de angústia acom panhado de um temporal de reações cor porais gera sensação de morte iminen te No núcleo o paciente vive um estado de desamparo é um sujeito desprotegido indefeso sozinho sem ajuda Depois de ocorrido o ataque ameaça repetirse Uma vez instalado o temor o paciente recorre a uma variedade de medidas defensivas para não enfrentar a situação temida mas faz parte da dinâmica fóbica não se afastar to talmente Há que evitar o perigo mas ele nunca deve estar longe demais Por exem plo um paciente com fobia de cachorros sentia o impulso de provocálos sempre que passava perto de um que estivesse tranquilo Assim ganhava a atenção do ca chorro e sentia um medo tremendo com repercussões corporais neurofisiológicas se o cão respondesse à provocação Com frequência atrás da fobia se esconde um cenário que implica conteúdos referentes aos desejos reprimidos da sexualidade infantil e ao perigo ou ameaça de castigo Psicoterapia de orientação analítica 583 A seguir mencionamos alguns exem plos Às vezes o que uma pessoa mais teme é o que deseja de modo inconsciente A si tuação temida pode representar claramen te uma tentação ou um castigo espe rado se ela se realiza Uma pessoa talvez sinta medo em situações em que poderia sentir excita ção sexual Ou em situações sociais que supõem tentação sexual pode se sentir ate morizada ou inibida Em cada fobia o pa ciente se previne se antecipa se adianta ao perigo ou ao possível castigo cuja origem desconhece mas que está ligada a desejos sexuais reprimidos Em outros casos como na fobia de facas te souras brigas não é medo da tentação mas do castigo representado como perda de amor ou castração em resposta aos seus impulsos agressivos A pessoa com fobia de alturas se de fende de um impulso irrefreável de se lan çar no vazio o que representa a realização de desejos passivos masoquistas e o medo da castração Às vezes o medo de lugares altos se transforma em sintoma conversivo sensação de vertigem ao olhar para baixo O medo do pequeno Hans de ser mordi do por um cavalo supunha a ameaça de ser castrado por seus desejos incestuosos No caso do Homem dos Lobos conjugamse o temor à tentação pela satisfação de seus desejos femininos passivos diante do pai e à castração produzida pelo castigo O fóbico parece estar sempre se mo vendo em um espaço de tentações peri gosas e convenientes reasseguramentos Qualquer função ou sensação corporal po de ser erotizada sinalizada com angústia passando a ser temida Freud12 destaca A análise de casos de perturbação neuró tica da marcha e de agorafobia não deixa dúvidas sobre a natureza sexual do movi mento Há fobias relativas a comida ou a certos alimentos que podem passar des percebidas e se misturar a dietas vegetaria nas macrobióticas ou outras O temor ao ambiente pode ser o resultado de impulsos exibicionistas reprimidos A eritrofobia é o temor a expor vergonhosamente a intimi dade corporal e o enrubescimento o de nuncia Na fobia de exames mobilizamse temores diante da autoridade e necessida des narcisistas de ser aceito ou rechaçado No temor de infecções ou bacilos mani festase o medo da castração e de desejos passivos femininos ligados a fantasias de impregnação ou mais profundamente a temores à introjeção de objetos com um caráter destrutivo Às vezes as fobias se mascaram com atitudes contrafóbicas em que o sujeito com frequên cia de forma obsessiva procura situações de perigo para enfrentálas em vez de evitálas A distância que a fobia impunha diminui e o ob jeto temido agora é desafiado A angústia fóbi ca pode estar oculta em atitudes ou pautas que representem uma negação da situação temida Quando um sujeito nessas condi ções por exemplo um amante de espor tes pe rigosos descobre tal situação em um processo analítico pode começar a se aci dentar Em outros casos o paciente fóbico recorre a um objeto que o acompanhe para enfrentar seus temores Muitas vezes um genitor ou o próprio cônjuge é usado para controlar de maneira tirânica as angústias fóbicas na medida em que a companhia oferece uma sensação ilusória de proteção Dessa forma o paciente fóbico pode chegar a se comportar como uma criança assusta 584 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da que precisa ser custodiada pela mãe para superar seus medos O acompanhante que protege o agorafóbico das situações peri gosas e também das tentações muitas vezes é maridomulher ou um parente Porém a ambivalência com o objeto acompanhante que pode representar não só o genitor ama do como também o odiado é muito inten sa Na clínica manifestase um trato des pótico e opressivo com o acompanhante Conseguir que o paciente agorafóbico se desligue do acompanhante e vá sozinho ao consultório é um problema técnico im portante durante o tratamento analítico e psicoterápico Depois de sua instalação a fobia ten de a se estruturar utilizando os múltiplos mecanismos defensivos anteriormente des critos Como toda neurose representa um equilíbrio instável com um sério empobre cimento do funcionamento da personali dade e perigo constante de ressurgimento da angústia Constituída a fobia os medos tendem a se estender de forma progressiva a uma crescente quantidade de objetos si tuações lugares ou pessoas em uma paula tina e dramática limitação das possibilida des vitais do sujeito A couraça fóbica vai se expandindo progressivamente Diante dessa situação o paciente pode reagir com perda de sua autoestima realçandose um elemento de depressão As manobras de evitação com que o paciente tenta controlar seus medos podem se ritualizar ou tornarse obsessivas Costu mam surgir ideias compulsivas ou atos mo tores que se impõem como uma tentativa secundária de controlar suas fobias Repre sentam modos de passagem à neurose ob sessiva Hoje as fobias se distin guem com clareza das obsessões Todavia há uma sé rie de sintomas que se confundem A fobia de sujeira pode ser acompanhada de rituais obsessivos de limpeza É mais um exem plo de que a neurose apela a mecanismos de defesa diversos e necessários para tentar sua estabilização O paciente fóbico tem consciência do caráter ir racional dos medos de que sofre compreende seu significado mórbido e luta contra eles mas não pode evitálos Isso permite a discrimina ção em relação a alguns delírios em que o pa ciente psicótico tem medos terríveis que consi dera provenientes de perigos reais sem possi bilidade de crítica ou retificação imediata Podem aparecer fobias como elemen tos que chamam a atenção mas secundá rios em outros quadros como o começo de uma esquizofrenia melancolia involutiva arteriosclerose ou outra condição Tam bém é necessário diferenciála da denomi nada personalidade evitativa Nem sempre o começo de uma fo bia é dramático Às vezes toda a vida do pa ciente esteve vinculada a situações que considera perigosas e a procedimentos para evitálas Os medos são tão generalizados e universais que abarcam praticamente qual quer tipo de objeto ou situação Os temo res irracionais e as fobias são conhecidos há muito diversas vezes acentuados na infân cia pelos próprios pais Conforme Emilce Dio Bleichmar13 alguns pais atemorizam repetidamente a criança Não se aproxime de desconhecidos fique do meu lado isso não apenas é uma ordem mas indica que as pes soas podem ser perigosas que a crian ça é irremediavelmente indefesa e que quem avisa é o único protetor Na linha da participação familiar nas fobias Glen Gabbard14 des taca Esses pacientes têm figuras interna lizadas de pais guardiães ou irmãos Psicoterapia de orientação analítica 585 que os ridicularizam criticam humi lham abandonam Esses objetos in trojetados são estabelecidos cedo e re petidamente projetados em pessoas próximas que são logo evitadas VARIEDADES CLÍNICAS A AGORAFOBIA A FOBIA SOCIAL AS FOBIAS ESPECÍFICAS O ATAQUE DE PÂNICO A seguir mencionamos as fobias clinica mente mais difundidas Agorafobia Constitui a forma mais comum e grave começando no fim da adolescência ou na idade adulta O traço central é um medo irracional de abandonar um lugar fami liar por exemplo a casa dando lugar a uma sensação de desamparo antecipatório na rua ou em outros espaços abertos Por isso leva a uma crescente limitação das atividades até os medos chegarem a domi nar a vida inteira Muitas vezes o paciente requer um acompanhante para sair à rua estabelecendose uma relação ambivalente de extrema dependência Ao mesmo tem po podem estar presentes componentes claustrofóbicos como temores referentes a estar longe de casa preso na multidão no elevador viajando de trem ou avião sem poder sair Com frequência a agorafobia é acompanhada de ataques de pânico ou co meçou com um Na agorafobia o medo toma corpo no próprio indivíduo dominao subjeti vamente e assim provoca a desorganiza ção ou o temor aos espaços O agorafóbico limita seus deslocamentos a locomoção é acompanhada de vertigens Portas e jane las causam problemas porque na fanta sia inconsciente representam o trânsito aper tado e forçado entre o dentro e o fora Se o caminho é muito aberto a sensação é ago rafóbica se é muito fechado claustrofó bica A ideia de estar confinado é mais to lerável se houver uma via de escape aberta O paciente é torturado pela impossibilidade de sair quando deseja e pelo temor de ficar preso pela própria excitação de não poder escapar Uma paciente cada vez que entrava no consultório do terapeuta pedia para es te abrir um pouquinho a janela porque do contrário faltavalhe o ar Somente assim a sessão podia se realizar Durante a psicoterapia por uma possível enfermidade somática grave teve que realizar uma série de exames entre os quais uma ressonância magnética No hospital ao se colocar den tro do aparelho teve um ataque de pânico porque ia ficar presa não podia suportar a imobilidade nem os ruídos do equipa mento Teve que sair praticamente fugir impossibilitando um procedimento indis pensável para o diagnóstico Mais tarde com o acompanhamento de seu terapeuta pôde reingressar na máquina mas este teve que acompanhar todo o procedimento Ela somente suportava permanecer na cápsula se pudesse localizarse espacialmente con seguindo enxergar o que descrevia como a saída o fim do túnel Como na agorafobia a angústia é associada a um acesso de vertigem a lo comoção é negada em situações como so lidão ruas estreitas entre outras A fo bia de transportes se agrava se o veículo para ou há engarrafamento Ou seja mes mo que tema o deslocamento o agorafó bico neces sita que o veículo se ponha em movimento O agorafóbico sofre na presença de muita gente de muita luz de muito ruído A contrapartida é uma fobia de situação a fobia de solidão Freud15 assinalou que as 586 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs primeiras fobias de situação das crianças são a fobia a escuridão e a fobia a solidão Perguntase de onde nasce a inquietante estranheza do silêncio da solidão da escu ridão Este parece ser o lugar de origem do fóbico desolado preso no silêncio e de vorado pela escuridão Solidão em que tem a si mesmo como outro é o temido encon tro do sujeito consigo mesmo que abre o caminho ao desamparo Paradoxalmente a solidão em seu aspecto mais doloroso é a experiência aguda da aglomeração sozi nho entre os outros inconsistente perdi do na multidão intercambiável Na crise agorafóbica o paciente está submerso na multidão e totalmente solitário Para esca par dessa solidão insuportável tenta fugir para algum lugar em que possa estar só e se reencontrar O agorafóbico está em companhia de muita gente mas soberanamente sozinho sentimento que remete ao desamparo O malestar da soli dão provém não da diminuição das relações de objeto mas do fato de que no espaço deser to vem ao seu encontro a figura do duplo des se ele mesmo do qual pode se distrair cada vez menos Na solidão que tanto teme o sujeito termina por compartilhar a intimidade e o leito com seu próprio duplo Do silêncio da solidão e da escuri dão podemos tão somente dizer que são realmente elementos que partici pam da formação da ansiedade infan til elementos dos quais a maioria dos seres humanos jamais se libertou in teiramente16 Pela perspectiva do autoerotismo estar sozinho no escuro e em silêncio é vivido como uma tentação ao onanismo solitário A masturbação choca o fantasma edípico com a ameaça de castração A so lidão expõe a um perigo tão anônimo como impreciso Mas também há um cha mado à pessoa amada originariamente a angústia das crianças não é outra coisa que a expressão de que lhes falta a pessoa amada Fobia social É característica do adolescente ou do adulto jovem é um medo persistente e irracional às vezes exposto à observação dos demais de maneira humilhante ou embaraçosa A pessoa sente que sua con duta por exemplo falar em público ou suas funções corporais como comer ou urinar serão foco de atenção de quem a rodeia Relacionaas com tremer fazer papel de ridículo falhar enganarse ser criticado ridicularizado observado ava liado A pessoa reconhece que seu temor é excessivo ou irracional A situação temida é evitada o que interfere em seu rendi mento profissional acadêmico de traba lho ou em suas relações sociais A angústia não melhora com o começo da atividade ou os preparativos para ela Ao contrário pode piorar Às vezes coexiste com os ata ques de pânico Uma mulher solteira inteligente e atraente tem sérios problemas para se re lacionar com alguém Uma amiga íntima mais jovem lhe conta que vai casar espe rando que ela tenha papel primordial na organização da festa Ao começar os pre parativos nota que está muito ansiosa as mãos com um suor frio que teme ser detectado por quem a cumprimente Por fim precisa evitar estar na festa Uma bre ve abordagem psicoterapêutica posterior revelou um grande conflito com a amiga repetição da relação com uma irmã mais Psicoterapia de orientação analítica 587 nova sentida como muito bemsucedida e preferida pelo pai Um exemplo do pânico ante o audi tório é o pânico de entrar em cena Um empresário vitorioso passou a se sentir angustiado quando tinha que falar em pú blico A situação começou quando o filho ingressou na empresa familiar e iniciou uma carreira meteórica O pacien te temia que sua voz faltasse devido à emoção que perdesse o controle de si mesmo que sua fraqueza fosse percebida que os de mais ficassem com pena dele Ele que era muito bom orador e improvisava seus dis cursos agora os preparava e os lia Porém essa atitude falhou quando começou a te mer que não pudesse ler que não conse guiria distinguir as letras até que por fim deixou de falar em público Com algumas sessões manifestou desejos exibicionistas e impulsos desafiantes muito controlados vinculados em sua origem a um irmão menor e revividos com seu filho Fobia específica Denominase fobia específica a que ma nifesta um medo marcado e persistente excessivo e sem razão desencadeado pela presença ou pela antecipação de um objeto específico ou situação a altura o vazio os animais voar tomar injeção ver sangue entre outras Conhecida anteriormente como fobia simples é um temor irracional a um objeto específico como aranhas ou serpentes ou a situações como escuridão A de animais ocorre com frequência na in fância e reaparece na idade adulta É comum entre os estudantes de me dicina o desenvolvimento de fobia a ali mentação especialmente carnes depois das habituais visitas ao necrotério Nessa situação mobilizamse defesas ante impul sos orais canibalísticos que se manifestam como rechaço a comida e às vezes anore xias profundas Ataque de pânico Os ataques de pânico podem constituir uma entidade própria sem relação com as fobias Entretanto como já menciona do é possível que as fobias comecem com um primeiro ataque de pânico ou que este seja a culminação de uma descompensa ção defensiva de uma fobia em especial a agorafobia Portanto ele merece algumas referências por seu valor clínico Um pa ciente com ataque de pânico pode acreditar que sofre de um sério problema médico e consultar o clínico ou até uma emergência com sensação de morte iminente O médico até pode realizar complexos procedimen tos diagnósticos os quais invariavelmente chegarão a resultados negativos O papel do clínico é importante e crucial para orientar o paciente nesses primeiros momentos Os sintomas do ataque são palpita ções taquicardia transpiração tremores e calafrios falta de ar dor no peito náusea tontura sensação de estar no ar e de des personalização medo de perder o controle de enlouquecer de morrer Mui tas vezes o ataque começa durante o sono Uma vez produzido o paciente tornase temeroso das situações associadas ao ataque como ficar preso de maneira claustrofóbica não poder escapar ficar sem ajuda ou exposto diante dos demais Algumas pessoas já tiveram sintomas fóbicos prévios em outras a fobia segue o primeiro ataque de pânico É comum te rem constante preocupação sobre quando e onde ocorrerá o próximo ataque O ata que de pânico pode parecer se desencadear sem conteúdo psicológico manifesto como 588 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sur gindo do nada sem motivos internos ou externos O próprio paciente pode contri buir para essa impressão Contudo ele se deve a fatores psicodinâmicos e se benefi cia de uma intervenção psicoterapêutica A recomendação é que o clínico faça uma pesquisa minuciosa em sua busca para de terminar os fatores psicológicos relevantes OS PSICODINAMISMOS NA FOBIA É útil ilustrar o processo clássico de for mação de sintomas nas fobias recorrendo ao pequeno Hans um garoto de 5 anos tratado por seu pai com a supervisão de Freud O caso revela uma criança que se re cusava a sair às ruas com medo de ser mor dida por cavalos Na análise de sua fobia por meio de entrevistas com o pai Freud encontrou um conflito entre seus desejos e as defesas do ego Os desejos eróticos pela mãe e a forte hostilidade em relação ao pai davam lugar a intensos temores de ser castigado interpretados como angústia de castração o que transformava tudo em sintomas medo de ser mordido por cava lo de que o cavalo caísse sobre ele e assim por diante Em outras palavras o cavalo substituiu o pai como ameaça e um pe rigo proveniente do interior foi trocado por um perigo externo Freud destacou a vantagem do sintoma fóbico é melhor defenderse de um perigo externo oriundo de um objeto específico do que da angústia procedente de uma fonte interior pulsional desconhecida No caso do pequeno Hans os dese jos de morte do pai e o temor por esses de sejos foram reprimidos porque por coin cidência eram inaceitáveis e incompatíveis com os intensos desejos amorosos que ao mesmo tempo sentia por ele Tais desejos ressurgiram na forma de um temor de que os cavalos caíssem sobre ele e o mordes sem Como em toda fobia o deslocamen to trouxe dupla vantagem ele pôde seguir amando o pai enquanto a angústia original se transformava em medo de um objeto que podia ser evitado no mundo externo A escolha do cavalo como objeto fó bico não foi acidental nem proveio de um incidente prévio Estava multideterminada antes da fobia o pequeno Hans mostrava intenso interesse pelos cavalos observava seus genitais comparavaos com o do pai e o seu próprio e pensava também na mãe e na irmã De maneira similar seus desejos sexuais pela mãe estavam presentes na fo bia como temor à castração e castigo por esses sentimentos Um paciente fóbico clássico como o pequeno Hans alcançou o nível fálico Diante dos impulsos eróticos e hostis in conscientes reprimidos derivados do com plexo de Édipo que lutam para atingir a consciência é alertado a fortalecer suas de fesas A angústia componente central da fo bia é uma reação do ego a um perigo inter no de natureza pulsional percebido como inaceitável e ameaçador Tem como função indicar ao ego o fato de que uma moção pul sional inconsciente proibida tenta se tornar consciente e chegar à ação específica A an gústia alerta o ego para renovar a repres são mas fracassando diante da ameaça do retorno dos desejos reprimidos o ego busca defesas auxiliares repressões secundárias deslocamento identificação regressão en tre outras Por meio do mecanismo de desloca mento o conflito libidinoso é mudado do objeto incestuoso primitivo a uma situa ção ou a um objeto externo o que a partir desse momento tem o poder de provocar a constelação completa de emoções incluin do a angústia como sinal Mediante a análi se podese chegar a determinar como uma situação foi substituída por outra a que está Psicoterapia de orientação analítica 589 associativamente conectada O grau de des locamento depende da fobia há algumas muito próximas ao desejo proibido p ex fobia de briga de alimentação de sexuali dade e outras tão distantes que requerem muito trabalho analítico para seu esclare cimento Nas fobias o mecanismo de deslocamento mostra que a defesa não se limita ao desenvol vimento de angústia ou à evitação das situa ções temidas mas também utiliza substitutos para seu reforço A realidade sinistra do ob jeto fóbico provém em parte do efeito do desli zamento metonímico o metafórico supõe subs tituições mais distantes do objeto incestuoso reprimido O objeto fóbico segue sendo parte daquele objeto que ele não substituiu de todo No caso do pequeno Hans a boca do cavalo ameaçador não é apenas uma metáfora proveniente de seus desejos orais É uma boca projetada no cavalo em que se sente a intensidade pulsional Não é um como se mas está aí de maneira concre ta sem valor alegórico Também se produzem repressões se cundárias que fazem a fobia apresentar um conteúdo nebuloso indefinido comparável ao conteúdo manifesto de um sonho Dá muito trabalho analítico estabelecer do que o paciente tem medo O trabalho defensivo do ego se concentra agora secundariamen te no sintoma Por isso na análise e na psi coterapia analítica há necessidade de tra balhar com base nas circunstâncias em que apareceu a fobia pela primeira vez De forma simultânea com o deslocamento pro duzse a projeção da situação temida interna em uma externa que a substitui simbolicamente O pequeno Hans projetava seus impulsos agressivos contra seu pai e estes eram logo transferidos ao animal que lhe provocava an gústia A defesa fóbica contra a angústia cria um mundo externo à imagem do ameaçador mundo interno A projeção na fobia é diferente da do paranoico em que não há deslocamento a ou tros objetos ou coisas A identificação pode ser um mecanis mo adicional nas fobias Certos casos de fobia de animais revelaram no trabalho analítico ser precedidos por um período de identificação primitiva com eles O pe queno Hans queria ter um pênis tão gran de como o dos cavalos que temia A identificação pode tomar uma forma mais primitiva a ideia de ser devorado por animais se deve à regressão à etapa oral de devorar como no caso clássico de Freud de ser devorado pelo lobo As fantasias de devorar intervêm em certas fobias segun do as quais o paciente teme ser tragado por um animal ou pelos espaços abertos A regressão leva a pessoa a uma situação in fantil e gera a possibilidade de ela necessitar de um acompanhante Traços regressivos fazem parte do simbolismo nas fobias os impulsos edípicos do pequeno Hans re fletem o período fálico mas o temor de ser devorado pelo cavalo aponta para compo nentes orais sádicos característicos da etapa oral mais prematura O simbolismo do sintoma fóbico es tá multideterminado e expressa diferentes significados condensados de forma sim bólica A fobia do pequeno Hans resul tava da combinação de vários elementos Ele não temia simplesmente qualquer ca valo mas os cavalos que via na frente de casa incluindo os de carga temia que o mordessem ou que caíssem A angústia se transportou em um segundo momento para os outros cavalos e se fixou naqueles 590 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs elementos que se mostravam passíveis de certas transferências O temor aos cavalos caídos expressava o desejo pela morte do pai O medo de ser mordido pelo cavalo era o castigo por tal desejo Os carros carrega dos representavam gravidez e a queda do cavalo sua mãe tendo um bebê O conteúdo da fobia é como o conte údo manifesto do sonho Lewin17 destaca que o sintoma fóbico como o sonho so fre os efeitos dos mecanismos do processo primário como a condensação e o deslo camento Em resumo contra os desejos edípi cos incestuosos e a angústia de castração o ego utiliza a repressão em primeiro lu gar quando esta falha há um retorno do re primido substituindo um perigo inte rior por um exterior que precisa ser evi tado Em geral esses mecanismos não são sufi cientes e requeremse novos deslo camentos o círculo dos temores segue se amplian do A luta passa a ser contra o sin toma O temor fóbico pode ter um matiz persecutório que denuncia sua vincula ção com mecanismos mais primitivos co mo a dissociação esquizoide apontada por Melanie Klein DESENVOLVIMENTOS PSICANALÍTICOS POSTERIORES SOBRE AS FOBIAS Melanie Klein aprofundou a compreen são da angústia nas fobias relacionandoa às suas fontes primitivas e ao seu conteú do fantasmagórico Em especial descreveu cruamente o efeito dos ataques infantis ao corpo da mãe e o temor à retaliação A teo ria das posições permitiu distinguir as ansiedades paranoides ligadas à ameaça de desintegração do ego das ansiedades depressivas associadas à perda do objeto interno O sadismo e o instinto de morte são parte essencial dessas questões Sobre as fobias referiu Melanie Klein18 as angústias persecutórias e de pressivas favorecem as fobias primi tivas que incluem dificuldades com a alimentação pavor noturno angústia ante a ausência da mãe medo de es tranhos perturbação da relação com os pais e das relações de objeto em ge ral A necessidade de externalizar os objetos persecutórios é um elemento intrínseco no mecanismo das fobias Klein tratou das fobias primitivas que têm uma função essencialmente defen siva contra as angústias de desintegração do ego Os mecanismos que intervêm são a dissociação e a projeção o conteúdo do projetado é um superego terrorífico e a ação é representada por meio de fantasias oralcanibalísticas Hanna Segal19 representa a mais mo derna concepção kleiniana sobre as fobias Introduziu o mecanismo da identificação projetiva e ilustrou o parentesco entre as fobias os mecanismos paranoides e os pro cessos psicóticos Acredita que sendo essas fobias neuróticas para tratálas é necessá rio analisar os medos psicóticos subjacen tes A partir de uma posição totalmente diferente Lacan20 tratou das fobias e por seu próprio esquema referencial fez inte ressantes observações em especial sobre o caso do pequeno Hans No Seminário VIII20 destacou que A fobia representa a forma mais radical de neurose no senti do de que é uma resposta ao problema do estabelecimento da metáfora paterna que presente na fobia tem um estatuto precá rio O pequeno Hans toma o significante cavalo como uma espécie de substituto paterno a fim de apoiar o pai Psicoterapia de orientação analítica 591 Diferentemente de outras neuroses que aplacam a angústia com a formação dos sintomas como a histeria de conver são ou a obsessivocompulsiva a fobia tem uma relação contínua e firme com a an gús tia apesar da criação do sintoma A an gústia é um ponto traumático inquietante sobre o qual se constitui a fobia O objeto fóbico conserva uma relação com o que o causou é algo que para o sujeito dá con ta do real O objeto da fobia ao carecer de dispositivo fantasmagórico mantémse co mo um modo particular de contato com a realidade A fobia está próxima da histeria e tem certa afinidade com a perversão Fobia e perversão dividem a metonímia do falo materno no lugar da metáfora paterna Na perversão em que a mãe rechaça o pai o fetiche é o resultado do resto metoními co do falo materno na fobia em que pelo contrário ela respeita o pai o resto meto nímico é o objeto fóbico Para Lacan no caso do pequeno Hans o cavalo não é escolhido por ser um bom símbolo do pai mas porque ao estar engatado passa por metonímia do car ro Freud6 destacara que a homofonia en tre Wägen carro e vegen por causa de se mistura com o circuito dos veículos e logo provoca a metonímia de veículo por cava lo O resultado é a fobia o pequeno Hans tem medo por causa do cavalo Lacan privilegia a concatenação estritamente sig nificante e não tanto simbólica do sintoma Com o desenvolvimento da fobia a angústia no pequeno Hans se liga ao sig nificante cavalo como um substituto do pai de seu nome ou do não e se atenua Dessa maneira a fobia tem como propósito frisar o nome do pai O objeto fóbico passa a ser o falo que toma o valor de todos os sig nificantes o do pai se necessário O cavalo é um intento sintomático de colocar outra coisa entre o pequeno Hans e a mãe já que o pai não serve e dessa maneira redu zir a angústia de ser ele apenas o objeto do afeto materno Todavia não é uma solução perma nente O pequeno Hans encontra outra que não é metafórica que a mãe possa re ferir algo que lhe falta mas metonímica dar à mãe um bebê outro pequeno Hans que se interponha entre ele e a mãe O pe queno Hans fantasia que se casa com sua mãe e o pai com a dele criando uma nova genealogia Para se separar da mãe e livrar se dela quer lhe dar outra criança Mas ele ainda é o pequeno homenzinho de sua mãe O pequeno Hans nunca pode con frontar o desejo materno porque não tem nome apenas enfrenta sua demanda por um objeto específico ele mesmo O fra casso do pai de oferecerlhe um princípio explicativo que considere também seu próprio desejo e o papel do pai no desejo da mãe de transformálo em um desejo materno enigmático deixam o pequeno Hans em uma posição perversa Lacan21 conclui que ele se torna perverso não neu rótico ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS DAS NEUROSES DE TRANSFERÊNCIA AO DSM5 Em sentido nosográfico Freud incluiu co mo psiconeuroses de transferência a fobia ou histeria de angústia a histeria de con versão e a neurose obsessiva porque nelas a libido se refere a objetos reais ou ima ginários em vez de estar distante do eu O resultado é que diferentemente das psi coses elas são mais acessíveis ao tratamen to psicanalítico já que se prestam à consti tuição durante a análise de uma neurose de transferência 592 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Freud22 referiu ainda que Parece seguro que as fobias devem ser consideradas síndromes que po dem formar parte de várias neuro ses e que não necessitamos classificá las como processos patológicos in dependentes A chamada neurose de angústia é na nomenclatura freudiana uma neurose atual caracterizada pelo acúmulo de exci tação sexual que se transforma diretamente em sintoma sem mediação psíquica não há conflito Quando Freud separoua da neurastenia foi para centrála em torno do sintoma da angústia Mesmo quando hoje se fazem reparos sobre o mecanismo freu diano atual ele conserva seu valor noso gráfico na clínica é uma neurose em que predominam uma angústia massiva sem objeto claramente manifesto e o papel dos fatores atuais mais do que o dos históricos Diferenciase claramente da fobia ligada a um objeto substitutivo No DSMIV e agora no DSM5 as psiconeuroses de transferência foram la mentavelmente sacrificadas e recolocadas em outras categorias uma das quais deno minada transtornos de ansiedade Esse gru po engloba pânico sem agorafobia pânico com agorafobia agorafobia sem história de transtorno de pânico fobia específica e fobia social Todos foram abordados neste capítulo A denominação de transtorno de ansiedade gera um equívoco leva a pensar que a angústia é uma doença em lugar de um sintoma determinado por um conflito inconsciente como considera a psicanáli se O grupo de transtornos de ansiedade inclui o transtorno obsessivocompulsivo o transtorno de estresse póstraumático e o transtorno de ansiedade generalizada tratados em outros capítulos deste livro A histeria foi dividida entre transtornos somatoformes e dissociativos Dado que a angústia é um compo nente fundamental nas fobias vale a pena recordar para o diagnóstico diferencial que ela está presente na maioria dos quadros psicopatológicos em maior ou menor grau depressões reativas melancolia ansiosa co meço da melancolia involutiva psicose pós parto estados de delírio e arteriosclerose cerebral período inicial de esquizofrenia ante a vivência de desintegração do mundo e mudanças profundas na personalidade que o paciente vive com uma ansiedade extrema e catastrófica acompanhada de sentimentos de perplexidade estranheza e mudança É importante que o psiquiatra e o clí nico se familiarizem com os componentes corporais da angústia que podem compli car certos diagnósticos como o de infarto do miocárdio São 25 os pa cientes que vão ao clínico com problemas emocionais e que sofrem de angústia e esse mesmo gru po constitui 10 das consultas aos cardio logistas Cabe recordar que a dor precordial da crise de angústia pode ser acompanhada de alterações no eletrocardiograma ECG e que o infarto incipiente de miocárdio também é acompanhado de imensa ansie dade Outros diagnósticos diferenciais com sofrimentos somáticos com importante componente de angústia são feocromocito ma hipertireoidismo síndrome de Meniè re doença de Addison doença de Cushing porfiria aguda intermitente OUTROS RECURSOS TERAPÊUTICOS As fobias têm na angústia um sintoma central muitas vezes incapacitante para o Psicoterapia de orientação analítica 593 paciente Os psicofármacos constituem nos dias atuais uma ferramenta adicional na abordagem desses estados contribuin do para aliviálos Quando são indicados devem ser administrados somente como complemento da abordagem psicotera pêutica e nunca como recurso exclusivo O drástico controle da crise de ansiedade às vezes basta para permitir que os pacien tes retomem suas atividades e melhorem a sintomatologia Isso pode facilitar a abor dagem inicial da psicoterapia que deve se mover na direção de uma psicoterapia psicanalítica profunda enquanto os psi cofármacos são abandonados Os detalhes sobre sua utilização são desenvolvidos no Capítulo 25 Nos últimos anos ampliouse o uso das chamadas terapias cognitivocomporta mentais em especial para os transtornos de ansiedade entre os quais as fobias A expres são com frequência referese a pacotes ou protocolos de tratamento que introdu zem um número de técnicas que preten dem modificar a conduta sintomática do paciente por procedimentos de conduta como exposição relaxamento biofeedback e treinamento social ou por meio de técni cas cognitivas dirigidas a mudar as expec tativas corrigir e reduzir as crenças irracio nais e as percepções errôneas modificar in terpretações obter autoeficácia identificar distorções de pensamentos interromper pensamentos preocupantes e substituílos por outros A teoria que sustenta esses mé todos é a da aprendizagem o desenvolvi mento da personalidade normal ou pato lógico e das experiências da aprendizagem no meio familiar Com essas técnicas procurase gerar a aprendizagem de novas condutas Uma é expor o paciente fóbico aos estímulos que lhe causam terror O procedimento reside em estabelecer um protocolo de situações das menos temidas até as mais temidas A exposição pode ser tentada de forma gra dual ao vivo ou fazendo o paciente imagi nar a situação temida Ou de maneira mais drástica e selvagem expondoo de forma brusca inundação ao vivo ou por estímulo imaginário A ideia é que vá se acostuman do gradualmente ao estímulo que o atemo riza dessensibilizandose Foram utiliza das a exposição gradual na fobia simples e na social e a exposição ao vivo na agorafo bia e no ataque de pânico23 Nessas teorias a conduta manifesta do paciente é o foco de atenção Ela não é vista como determinada por processos in trapsíquicos muito menos inconscientes mas como efeito de aprendizagens pato lógicas reforços inapropriados contin gências correntes Considera fatores am bientais como antecedente e consequen te estímulo e resposta Dessa maneira a abordagem de conduta enfatiza os aspectos atuais mais do que os históricos É um tra tamento que procura ser objetivo com base no método empírico Foi formulado e pesquisado de modo experimental A esses métodos podem ser feitas as seguintes críticas que são reducionistas e simplificam a complexa conduta humana minimizando o valor dos processos psi cológicos internos que os resultados são superficiais sugestivos e muitas vezes os sintomas são substituídos por outros que não consideram a singularidade do pa ciente que suas técnicas são mecanizadas e de aplicação universal que não procuram promover a compreensão do sintoma e da pessoa que o sofre buscando apenas uma mudança de comportamento não a subje tividade do paciente Ao contrário o modelo psicanalíti co se propõe a entender as causas latentes 594 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ou inconscientes da conduta manifesta o sintoma neurótico a fobia neste caso é a expressão simbólica de um conflito in consciente As experiências infantis histó ricas são significativas para compreender os mecanismos do sintoma O tratamento baseiase nesses princípios e no valor da re lação de transferência com o analista e a interpretação tem um efeito crucial É possível que alguns resultados fa voráveis de técnicas de conduta remetam à equação pessoal todas elas são administra das por um terapeuta o valor de sua pre sença e seu acompanhamento podem ser decisivos para entender alguns dos resul tados favoráveis Esse elemento se poten cializa quando tais técnicas se combinam em sessões grupais Também é possível que se trate com êxito os sintomas fóbicos que Freud observou como derivados de uma neurose de angústia atual PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA DA FOBIA A psicanálise e a psicoterapia analítica constituem o tratamento de escolha para as fobias Permitem o esclarecimento dos conflitos e dos dispositivos básicos utiliza dos pela fobia em especial o mecanismo de deslocamento a objetos e situações ex ternas O estabelecimento pleno do disposi tivo analítico clássico supõe alta frequência de sessões associação livre atenção flu tuante uso do divã emprego predominan te da interpretação de transferência análise das resistências entre outros elementos Quando por diversas circunstâncias in ternas ou externas não se pode instalálo completamente ou quando é necessário um alívio sintomático relativamente rápi do podese recorrer à psicoterapia psicana lítica Mais do que retomar o lendário e in terminável debate sobre as semelhanças e diferenças entre a psicanálise clássica e a psicoterapia psicanalítica o autor deste ca pítulo propõe seu ponto de vista sobre o te ma A psicoterapia psicanalítica das fobias fundamentase nos postulados da teoria psicanalítica e é implementada tecnica mente sobre a base das condições possíveis a determinada situação Assim como a psica nálise clássica tende ao esclarecimento ou à descoberta das cenas inconscientes ocul tas nos sintomas manifestos e desdobrase em um vínculo poderoso com o analista que oferece ao paciente uma forte conten ção emocional para a angústia Portanto a psicoterapia psicanalítica busca o insight ao usar a interpretação como ferramenta fundamental para obtêlo para trabalhar na transferência positiva ou negativa e para superar as resistências Também para manter a regra de abstinência evitar esta belecer metas ou focos o próprio paciente o fará e não introduzir certezas verbais ba seadas na sugestão É possível que as sessões sejam menos frequentes do que o desejável que tenham um ritmo assistemático que não seja possí vel usar o divã que o tempo de tratamento esteja delimitado que não existam as con dições para o estabelecimento de um pro cesso analítico clássico ou que o analista te nha que ter mais presença ou atividade Contudo a psicoterapia analítica tem com a análise clássica mais semelhanças do que diferenças Entretanto a psicoterapia psi canalítica diferenciase drasticamente da psicoterapia de apoio baseada somente na sugestão Psicoterapia de orientação analítica 595 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Um jovem estudante de medicina que começara recentemente sua residência em um hospital universitá rio foi mandado ao Serviço de Psicopatologia para uma consulta de urgência Já há alguns meses tinha dificuldades para participar das situações de aprendizagem médicas ou cirúrgicas em especial das expe riências que envolviam pacientes em situações de dano corporal hemorragias cortes Foi ficando cada vez mais claro que evitava tais situações e seu acesso a alguns serviços do hospital era cada dia mais difícil O hospital suas diferentes partes começou a representar o corpo ferido Durante um tempo encobriu es sas dificuldades mas davase conta de que evitava ir às aulas fugia da atenção a certos pacientes não participava da aprendizagem de procedimentos cirúrgicos que implicavam dano corporal e evitava facas bisturis ou qualquer instrumento cortante Tendo sido aluno exemplar sua carreira estava seriamente afe tada o que levou seus orientadores a exigir a consulta Nas entrevistas iniciais contou que meses antes enquanto presenciava na sala de cirurgia um pro cedimento delicado começou a ter uma sensação de estranheza instabilidade suor abundante tontura palpitações falta de ar malestar precordial vertigem fraqueza nas pernas Aos poucos foi sentindo medo de perder o controle de enlouquecer morrer há um traço associativo entre o pânico e a sensação de mor te iminente Queria fugir escapar desaparecer Teve esse sentimento de dilaceramento interior profundo e penetrante que se apoderava de seu corpo e se refletia em uma tempestade psicofisiológica de sintomas corporais Quase desmaiando presa do pânico foi parar na emergência do próprio hospital Apesar de o diagnóstico de ataque de pânico ser mais do que evidente os clínicos preferiram descartar patologias orgâ nicas Como os exames de laboratório foram negativos os médicos receitaram psicofármacos que o aliviaram rapidamente Mesmo assim sugeriram uma consulta com um psicanalista a qual adiou até o limite Como as condutas fóbicas prosseguiram teve que procurar ajuda para não enfrentar de novo aquela angústia terrível Para atender seu desejo de continuar com uma vida normal na medida do possível foram propostas três sessões semanais em horários livres Apesar das resistências iniciais a estabelecer qualquer contato terapêutico aderiu imediatamente ao tratamento O fóbico mais do que qualquer outro paciente neuróti co pode ser um rápido aliado do terapeuta porque este é capaz de lhe oferecer um pronto alívio sintomá tico mantendo uma firme atitude analítica com a qual contém e alivia a angústia A necessidade do pa ciente de dependência e proteção contra a sensação de desamparo que a angústia provocava tornou possí vel que se vinculasse estreitamente ao analista quase como a um objeto acompanhante Dessa maneira o paciente se instalava rapidamente na terapia enquanto se estabelecia um plano para suprir gradualmen te os remédios Alguns pacientes podem necessitar de medicação para controlar seus sintomas mas não se aventuram a sair e enfrentar o mundo sem ajuda psicológica Com outros devese trabalhar para que aceitem a medicação que rejeitam Esta pode ser parte do objeto fóbico a que se teme de forma irracional Como é normal levou certo tempo para esclarecer o conteúdo manifesto de alguns sintomas Quando o analista considerou que a relação com o paciente estava estabelecida com solidez pôde leválo a trabalhar verbalmente detalhes das situações temidas Em contato com a angústia do paciente o analista deve poder modular com sua palavra uma distância adequada para que o paciente consiga ter contato verbal com o objeto temido sem que a angústia o impeça Antes de iniciar a psicoterapia o paciente revelou de maneira casual que ia às sessões com um colega Depois confessou que não poderia ir sem ele Relatou que pouco antes do início dos sintomas começara a sair com uma colega que lhe interessava bastante mas com quem teve certas dificuldades sexuais Uma vez enquanto tinham relações percebeu Continua 596 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação que ela estava menstruando e não conseguiu continuar Durante um tempo as relações sexuais com ela não se completavam por falhas na ereção Começou a se dar conta na análise de que o sangue o horro rizava de que o relacionava com ferida perda mutilação morte e o mais surpreendente com sexuali dade Lesões corporais sempre o haviam atemorizado e ele sabia que a medicina iria colocálo em contato com esse tipo de situação Começou a lembrarse do conflito da adolescência diante da escolha da carrei ra Pensava que estava superado mas agora via que não De fato nos últimos tempos questionavase se tinha condições de ser médico Ao passar pelo necrotério começou a rejeitar os alimentos em especial car ne o que superou com dieta vegetariana Foi ficando evidente que as fantasias que tinha sobre o interior do corpo secreções orifícios geravam todo tipo de angústias relacionadas ao sadismo O paciente tem duas irmãs mais velhas casadas com filhos mas diz ser o favorito da mãe O pai era médico e faleceu quando ele tinha 6 anos o paciente não se recordava de nada sobre a morte nem sobre a relação com ele salvo que tinha o pressentimento de que o pai o castigava Sabia pelo relato da mãe que a morte fora causada por um acidente de automóvel que o pai fora levado destroçado a um hospi tal onde morreu horas depois sem que o paciente chegasse a vêlo Mas lembrava que depois disso não podia se separar da mãe e até dormia com ela Logo em seguida apareceu uma fobia da escola superada com o tempo Lembrava também de manuseios sexuais por parte das irmãs até o começo da adolescên cia os quais incluíram masturbação mútua Essas lembranças apareciam em sua memória com uma mis tura de prazer e medo de castigo Relatou ter sonhado várias vezes na adolescência que era perseguido por um homem que queria matálo Foi ficando evidente que desde pequeno tinha não apenas desejos incestuosos mas também intensos impulsos agressivos provavelmente derivados do sofrimento pela prematura morte do pai Por algumas as sociações detectavamse desejos de morte do pai sentimentos de culpa e autocastigo como base de sua atitude masoquista O trabalho terapêutico foi dirigido a familiarizálo com os impulsos incestuosos e sá dicos e com a tendência ao castigo Mostrouse a ele que a ameaça de castração sem ser dita nesses ter mos derivada desses impulsos era deslocada ao corpo e vivida como presença ou possibilidade de dano ferimento ou mutilação Um sonho desse período Estava em um lugar lúgubre asséptico escuro estendi do sobre uma cama ou maca via como me operavam abriam meu tórax tiravam tudo mas eu não sentia nada e acordei muito angustiado Pelo meio do segundo mês de tratamento os sintomas começaram a ceder o paciente pôde reviver al gumas experiências relacionadas com a aprendizagem e as manifestações de angústia melhoraram o que lhe permitiu parar de tomar remédios Quase de volta à vida normal as sessões diminuíram para duas por semana De vez em quando o paciente procurava o terapeuta fora da sessão para consultas que não pa reciam justificadas mas eram toleradas porque no caso de pacientes fóbicos com sensibilidade à sepa ração e à angústia a voz do terapeuta pelo telefone pode abortar uma crise ou ataque de pânico A voz do terapeuta pode ter mais efeito do que um remédio mesmo que apenas ouvida na secretária eletrônica Um detalhe permitiu revelar o outro aspecto hostil sádico dos chamados Certa vez tocou o telefone e o terapeuta demorou a responder ao entrar o paciente pediu que a janela fosse aberta para que o ar cor resse porque ele se afogava Era um microssintoma claustrofóbico Esperando no corredor imaginou que o analista não respondia porque estava morto A chamada telefônica revelava que o fazia porque necessi tava ao mesmo tempo que procurava se assegurar de que seus fortes desejos de morte do terapeuta como objeto de transferência não se haviam concretizado Foi possível analisar sua necessidade de dependência assim como sua hostilidade e os desejos de morte do analista Dessa maneira manifestava a característi Continua Psicoterapia de orientação analítica 597 Esse caso demonstra algumas das vantagens que a psicoterapia psicanalítica pode oferecer no tratamento das fobias A sintomatologia da fobia permite ao terapeu ta instalarse inicialmente como o objeto de que o paciente necessita para aliviarse do tortu rante efeito da angústia Sua figura provê um in grediente de estabilidade e contenção para o paciente sem necessidade de recorrer a apoios verbais adicionais Sua presença basta para rein troduzir a esperança componente alta mente necessário para uma pessoa com vivên cia próxima ao desamparo Com isso o paciente se vincula com intensidade ao analista Inevitavelmente os componentes adicionais da fobia vão aparecendo na relação com o analista mas podem ser interpretados no âmbito dessa Continuação ca ambivalência com figuras de identificação O trabalho tocou somente na parte do sofrimento pela morte do pai sua falta de lembranças e sua relação ambivalente com ele Nas semanas seguintes o paciente começou a faltar porque aparentemente não podia ser acompa nhado ao tratamento Nesse momento foilhe sugerido que prescindisse do acompanhante e marcasse ses sões em horários e dias fixos A decisão do terapeuta gerou uma crise de angústia ameaças de abandono e ódio manifesto a ele Porém ele se manteve firme e o trabalho prosseguiu É necessário que em determi nado momento o analista intervenha de modo mais ativo e insista que o paciente enfrente a situação te mida Segundo Freud16 dificilmente dominará uma fobia quem aguarde até que o doente se deixe mover pela análise a aceitála Ele nunca trará à análise o material indispensável para a solução conveniente da fobia A atitude firme e decidida do analista tem um valor de vigência excepcional para o paciente fóbico Re cordemos que a mãe do pequeno Hans intervinha com sedução e ameaças mas que Freud trabalhava com o pai ou por meio do pai pois o paterno deve obter plena eficiência terapêutica Superada a crise pôdese trabalhar no tratamento com maior intensidade algumas das situações te midas e as provenientes de sua sexualidade infantil enquanto os sintomas cediam No período prévio o paciente esteve fortemente ligado ao analista pelos motivos já explicados Mas em algum momento o te rapeuta passou a ser visto como o objeto temido causador da angústia e essa situação teve que ser enfren tada como em qualquer análise Dada a relação prévia a situação de transferência fortemente ambiva lente pôde ser elaborada ao menos de forma parcial O ódio e o temor retaliativo foram cedendo Um sonho desse período Era garoto mas me via como agora estava na cama com alguma doença infantil vinha o médico da família e me examinava com cuidado Chamava claramente a minha atenção a forma como ele pendurava o estetoscópio O fálico já não resultava tão ameaçador a escuta o estetoscópio do analista era o cuidado de que o paciente necessitava e que tolerava Semanas depois interrompeu o tratamento tinha que trabalhar em um Centro de Saúde longe da sede do hospital A intervenção terapêutica durara pouco mais de quatro meses Ficava para trás mesmo que não totalmente a presença ameaçadora da angústia Ele estava melhor um pouco mais seguro em sua crescente identidade médica Despediuse com a promessa de retomar a análise algum dia Mas o momen to da crise estava superado 598 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs forte relação emocional Às vezes a brevi dade do tempo disponível em uma psico terapia analítica contribui para o esclare cimento e a resolução dos mecanismos da fobia referentes a aspectos de transferência mais problemáticos e conflitivos como os que são gerados em processos analíticos mais prolongados A experiência demons tra que as mudanças alcançadas podem ser estáveis e duradou ras PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Existem várias apresentações clínicas de fobias conforme o objeto ou a situação temidos 2 Os principais mecanismos de defesa que permitem entender o significado de cada fobia são o desloca mento a repressão a projeção e a identificação projetiva 3 É necessário sempre ter em mente que há no objeto ou na situação temida algum significado simbó lico e que aspectos sexuais ou agressivos inconscientes são representados pela estrutura manifesta de cada fobia 4 Na psicoterapia analítica com pacientes fóbicos uma estrutura de setting estável e uma atitude aco lhedora flexível e quando necessário firme do terapeuta permitem reviver na relação terapêutica as condições infantis e os conflitos inconscientes que produziram a fobia REFERÊNCIAS 1 Falcón Martínez C Fernández Galiano E López Melero R Diccionario de la mitología clásica Madrid Alianza 1980 2 Freud S Obsesiones y fobias Su mecanismo psíquico y su etiología In Freud S Primeras publicaciones psicoanalíticas 18931899 Buenos Aires Amorrortu 1895 Obras completas v 3 3 Freud S Las neuropsicosis de defensa en sayo de una teoría psicológica de la histeria adquirida de muchas fobias y representa ciones obsesivas y de ciertas psicosis aluci natorias In Freud S Primeras publicacio nes psicoanalíticas 18931899 Buenos Ai res Amorrortu 1894 Obras completas v 3 4 Freud S A propósito de las críticas a las neurosis de angustia In Freud S Primeras publicaciones psicoanalíticas 18931899 Buenos Aires Amorrortu 1895 Obras completas v 3 5 Freud S La sexualidad en la etiología de las neurosis In Freud S Primeras publicaciones psicoanalíticas 18931899 Buenos Aires Amorrortu 1898 Obras completas v 3 6 Freud S Análisis de la fobia de un niño de cinco años In Freud S Análisis de la fobia de un niño de cinco años caso del pequeño Hans A propósito de un caso de neuro sis obsesiva caso del Hombre de las Ra tas 1909 Buenos Aires Amorrortu 1909 Obras completas v 10 7 Freud S De la historia de una neurosis in fantil In Freud S De la historia de una neurosis infantil caso del hombre de los lobos y otras obras 19171919 Buenos Aires Amorrortu 1918 Obras completas v 17 8 Freud S Lo inconciente In Freud S Con tribución a la historia del movimiento psi coanalítico trabajos sobre metapsicología y otras obras 19141916 Buenos Aires Amorrortu 1915 Obras completas v 14 9 Freud S Inhibición síntoma y angustia In Freud S Presentación autobiográfica Inhi Psicoterapia de orientação analítica 599 bición síntoma y angustia pueden los le gos ejercer el análisis y otras obras 1925 1926 Buenos Aires Amorrortu 1926 Obras completas v 20 10 Freud S Nuevas conferencias de introduc ción al psicoanálisis In Freud S Nuevas conferencias de introducción al psicoanáli sis y otras obras 19321936 Buenos Aires Amorrortu 1933 Obras completas v 22 11 Freud S Conferencias de introducción al psicoanálisis In Freud S Conferencias de introducción al psicoanálisis partes I y II 19151916 Buenos Aires Amorrortu 1916 Obras completas v 15 12 Freud S Tres ensayos de teoría sexual In Freud S Fragmento de análisis de un caso de histeria caso Dora tres ensayos de teo ría sexual y otras obras 19011905 Buenos Aires Amorrortu 1905 Obras completas v 7 13 Dio Bleichmar E Temores y fobias con diciones de génesis em la infancia Buenos Aires Acta Fondo para la Salud Mental 1981 14 Gabbard GO Psychodynamic psychiatry in clinical practice 2nd ed Washington Ame rican Psychiatric 1994 15 Freud S Lecciones introductorias al psico análisis In Freud S Conferencias de intro ducción al psicoanálisis parte III 1916 1917 Buenos Aires Amorrortu 1916 Obras completas v 16 16 Freud S Lo ominoso In Freud S De la his toria de una neurosis infantil caso del hombre de los lobos y otras obras 1917 1919 Buenos Aires Amorrortu 1919 Obras completas v 17 17 Lewin BD Phobic symptoms and dream in terpretation Psychoanal Q 1952213295 322 18 Klein M Some theoretical conclusions re garding the emotional life of the infant In Klein M Envy and gratitude other works 19461963 New York Dell 1977 19 Segal HM Sobre los mecanismos esquizói des que subyacem em la formación de la fo bia Imago Revista de Psicoanálisis psiquia tría y psicologia 19786614 20 Lacan J Seminário VIII In Lacan J Obras completas snsl 19601961 21 Lacan J Seminário IV In Lacan J Obras completas snsl 19601961 22 Freud S Nuevos caminos de la terapia psico analítica In Freud S De la historia de una neurosis infantil caso del hombre de los lobos y otras obras 19171919 Buenos Aires Amorrortu 1919 Obras completas v 17 23 Turner SM Calhoun KS Adams HE Hand book of clinical behavior therapy New York Wiley c1992 LEITURA SUGERIDA Freud S La represión In Freud S Contribución a la historia del movimiento psicoanalítico tra bajos sobre metapsicología y otras obras 1914 1916 Buenos Aires Amorrortu 1915 Obras completas v 14 A busca de tratamento por parte de pacien tes com transtornos graves da personalida de fazse cada vez mais frequente tanto nos consultórios particulares como nos ambu latórios da rede pública o que representa um grande desafio para psicoterapeutas e psicanalistas Entre esses casos de difícil resolução destacamse os pacientes nar cisistas Isso se deve em parte ao fato de estarmos vivendo em uma cultura com ca racterísticas crescentemente narcisistas em que sobressaem a diluição das diferenças culturais de gênero e de gerações o pre domínio do uso da imagem e da ação em vez da reflexão para lidar com a ansiedade e um incentivo exagerado ao consumismo e ao culto ao corpo entre outros aspectos da chamada pósmodernidade Além dis so como salienta Kristeva em seu livro As novas doenças da alma1 também ocorreu uma mudança na escuta dos analistas que passaram a contar com novos instrumen tos para lidar com situações clínicas antes negligenciadas ou não percebidas Se a presença crescente de pacientes narcisistas em análise ou em psicoterapia de orientação analítica2 tem acarretado di ficuldades técnicas peculiares em especial no desenvolvimento da relação terapêutica suas crônicas manifestações de resistência ao tratamento sem dúvida constituem foco de permanente destaque na literatura psica nalítica desde o fim da década de 1960 por autores como Green3 Kernberg4 Meltzer56 e Rosenfeld79 Mais recentemente têm sido estudadas certas formas sutis desse funcio namento narcisista como por exemplo o distanciamento afetivo do paciente masca rado por uma pseudocooperação1013 Em sintonia com esse interesse tão atual procurarse destacar neste capítulo algumas contribuições consideradas fun damentais para uma melhor compreensão de tais casos bem como dos avanços em sua abordagem psicodinâmica e das limi tações que esses pacientes impõem aos seus tratamentos O MITO DE NARCISO Uma das melhores maneiras de iniciar é relembrando o próprio mito de Narciso Segundo a versão mais conhecida14 quan do Narciso nasceu seus pais consultaram Tirésias o adivinho cego sobre o futuro da criança e este lhes respondeu que o meni no viveria longos anos desde que não se 35 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE NARCISISTA Sergio Lewkowicz Psicoterapia de orientação analítica 601 conhecesse Narciso cresceu e tornouse um rapaz muito belo admirado e cortejado por inúmeras ninfas e mortais No entanto rejeitava a todas e permanecia insensível ao amor Certo dia a ninfa Eco enamorou se dele e o seguiu apaixonadamente mas sem lhe falar condenada que estava por castigo de Hera a somente repetir palavras alheias Narciso a desprezou como já fize ra com outras Retire estas mãos que me enlaçam Antes morrer do que me entregar a você E a pobre Eco secou de tristeza e acabou morrendo Outra ninfa porém igualmente rejeitada pediu ajuda a Nême sis a deusa da Justiça para punir a frieza de Narciso amaldiçoandoo de modo que ele também amasse e não obtivesse o objeto de seu amor Em um dia de muito calor Nar ciso aproximouse de uma fonte para saciar a sede e ao debruçarse viu sua imagem e dela se enamorou Seduzido pela própria beleza esqueceuse de comer e dormir e logo passou a definhar Ao darse conta de que estava apaixonado por si próprio de sejou morrer indiferente ao mundo Mes mo no rio dos Infernos ainda procurava na água pelo reflexo dos traços amados Seu corpo desapareceu e no local foi encon trada uma flor amarelada rodeada de péta las brancas o narciso ASPECTOS CLÍNICOS A partir da transcrição do mito de Narciso podese observar que as características ne le relatadas estão presentes em todos nós por vezes elas até se tornam predominan tes por exemplo quando adoecemos fisi camente e passamos a solicitar atenção e cuidados especiais Em alguns casos a vida emocional da pessoa centralizase em tor no de uma exagerada relação que apresenta consigo própria e de uma distante e pobre interação com os outros configurando o quadro do paciente narcisista cujas carac terísticas clínicas principais descreveremos a seguir Entretanto observase também que todos os pacientes em psicoterapia ou aná lise apresentam reações desse tipo particu larmente nos momentos de separação ou de melhora durante o processo terapêutico Tornase assim indispensável ao psicotera peuta reconhecer e tentar interpretar essas ma nifestações narcísicas o mais rápido possível pois elas levam facilmente a importantes fon tes de resistência ao tratamento O transtorno da personalidade nar cisista apresenta como manifestações prin cipais um padrão global e persistente de grandio sidade necessidade de admiração falta de empatia e inveja crônica e intensa15 São considerados critérios importantes no seu diagnóstico de acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM5 os seguintes16 1 atribuirse um grau excessivo de au toimportância exagera suas realizações e talentos espera ser reconhecido como superior mesmo sem conquistas co mensuráveis 2 preocuparse com fantasias de sucesso poder brilho beleza e amor ideal ilimi tados 3 acreditar ser especial e único e so mente poder ser compreendido por ou associarse a pessoas ou instituições destacadas 4 necessitar de admiração excessiva 5 esperar receber tratamento especial e obediência automática às suas expec tativas 602 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 6 tirar vantagem dos outros para atingir seus próprios objetivos 7 apresentar carência de empatia sendo incapaz de se identificar com os senti mentos ou as necessidades alheias 8 sentir inveja frequentemente ou crer que é invejado pelas outras pessoas 9 manifestar comportamentos arrogantes e insolentes Destacase nesses pacientes uma exagerada preocupação com a aparência a qual é cons tantemente monitorada e observada pequenos defeitos sinais ou marcas acabam sendo in tensamente valorizados muitas vezes levando a procedimentos médicos inclusive correções cirúrgicas Apresentam uma necessidade exage rada de serem amados e admirados bus cam sempre aprovação e elogios e se sen tem muito lisonjeados quando isso ocor re Ao contrário sentemse terrivelmente infelizes e inferiores quando criticados ou rejeitados17 o que nos alerta para a con tradição que manifestam já que oscilam de um conceito hipertrofiado de si mesmos para sentimentos de acentuada inferiori dade18 Têm uma vida emocional bastante superficial com pouca capacidade para perceber os outros assim sob uma superfí cie charmosa e envolvente podem revelar se frios e insensíveis18 Acabam também por estabelecer pre ferencialmente relações que lhes propor cionem algum benefício idealizam as pes soas capazes de lhes dar algo e depreciam as demais particularmente seus ídolos an teriores o que leva Kernberg18 a conside rá los exploradores e parasitários Além disso não conseguem aproveitar o que recebem em função da grande inveja que isso lhes desperta permanecendo constantemente insatisfeitos e queixosos com os mais pró ximos Ainda que sejam totalmente depen dentes dos elogios e da admiração dos ou tros na realidade não conseguem formar uma verdadeira dependência o que acaba por trazer dificuldades no estabelecimento da relação terapêutica1819 De acordo com a contradição já men cionada sua sensação de engrandecimen to da autoestima não se deve a conquistas pessoais ao contrário é decorrente de uma intensa desvalorização rejeição e abando no dos objetos lembrando mais uma vez o mito de Narciso Maldonado20 assinala como o paciente com funcionamento narcisista precisa da presen ça de um objeto para poder rechaçálo e de monstrar que não necessita dele e é sobre a base dessa rejeição que o narcisismo se estru tura No entanto ao rechaçar o objeto o pacien te também rechaça suas representações tendo assim sua capacidade simbólica prejudicada o que leva a profundas alterações na própria personalidade Kernberg18 descreve como o quadro da personalidade narcisista é amplo en globando um conjunto que inclui os casos mais leves nos quais o paciente se encontra aparentemente bem apenas com sintomas de uma sensação de vazio ou de depressão os intermediários nos quais a sintomato logia narcisista é mais evidente e os mais graves em que sintomas da linha borderline se mesclam com os da linha narcísica em especial na impulsividade culminando na situação clínica que o autor denominou de narcisismo maligno Nesses casos ocorre o triunfo sobre a dor e o sofrimento pessoal Psicoterapia de orientação analítica 603 quando o paciente inflige essa mesma dor e sofrimento aos outros com um prazer sádi co na agressão situação que também ocorre quando sintomas antis sociais se combinam com os narcisistas ASPECTOS PSICODINÂMICOS Os aspectos psicodinâmicos do paciente narcisista são os mesmos presentes nas ma nifestações narcísicas dos outros pacientes variando apenas sua intensidade e persis tência Tornase assim indispensável com preender o funcionamento desse transtor no da personalidade para entendermos as características narcisistas que aparecem em todos os tratamentos Freud21 descreveu os aspectos relacio nados com o narcisismo normal presente no desenvolvimento do indivíduo Deta lhou um período de narcisismo primário no qual o investimento da libido se faz para o ego e só posteriormente para os objetos Quando ocorre alguma frustração ou difi culdade nessas relações a libido é retirada dos objetos e retorna ao ego configurando o que Freud chamou de narcisismo secun dário Ele considerou também um tipo de escolha objetal narcísica envolvida na elei ção de um objeto homossexual por razões narcisistas amarse a si mesmo em um ob jeto do mesmo sexo dinâmica esta que parece predominante em alguns pacientes homossexuais atuais Mesmo que Freud não tenha abordado diretamente quadros clínicos narcisistas na realidade trabalhou com esse tipo de manifestação clínica por exemplo no caso do Homem dos Lobos Klein22 ao introduzir o conceito de identificação projetiva ampliou a com preensão do narcisismo considerando o sob duas formas a primeira seguindo Freud como uma relação de objeto nar cisista como na escolha objetal homosse xual a segunda que chama de estado narcisista como a retirada da libido para um objeto interno do paciente que pode estar dentro do indivíduo projetado em outro objeto ou em ambos por identifica ção projetiva23 Para essa autora é inaceitá vel a presença de um período de narcisismo primário anobjetal segundo descrito por Freud Ela considera que existem relações de objeto desde o início da vida mental por tanto só pode haver narcisismo secundário Klein também não abordou diretamente esses quadros clínicos mas favoreceu sua compreensão e os desenvolvimentos que se seguiram de forma mais específica com seus estudos de 1957 sobre a inveja Há várias abordagens psicanalíticas para a compreensão e o tratamento do narcisismo destacandose a escola kleiniana a psicologia do self a psicologia do ego e a escola lacania na todas baseadas nos achados de Freud Contudo as contribuições mais origi nais abrangentes e frutíferas para o enten dimento do narcisismo bem como de sua abordagem técnica tanto em psicoterapia de orientação analítica como em análise derivam dos desenvolvimentos da escola kleiniana em especial dos trabalhos de Ro senfeld7924 complementados por Melt zer5 e Steiner11 Além deles destacamse Green25 e Kernberg18 Outros autores que também estudaram esse tema são Grum berger Kohut e Lacan mas suas ideias não serão desenvolvidas aqui por limitações de espaço A partir de suas experiências de aná lise com pacientes psicóticos Rosenfeld foi percebendo os estados de confusão que eles apresentavam Isso o levou ao estudo 604 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs das várias maneiras com as quais tentavam lidar com essa confusão primária particu larmente a defesa narcisista12 A primeira aproximação de Rosen feld à psicopatologia do narcisismo data de 1964 quando afirma que para ele o que Freud considerava narcisismo primá rio tratavase de relações de objeto pri mitivas ampliandose assim as ideias de Klein Atribui também um papel proemi nente para a onipotência nesses pacientes em especial por meio de fantasias de união ou fusão completa com o objeto Desse modo explica de que modo as relações de objeto narcisistas funcionam como uma defesa para o reconhecimento da separa ção A percepção da separação é evitada pois implica sentimentos de dependência e valorização do objeto levando a intensas sensações de frustração e inveja O autor assinala ainda o quanto nesses pacientes é característica a projeção de seus aspectos indesejáveis no objeto No tratamento o terapeuta é desvalorizado utilizado como latrina A realidade psíquica não pode ser percebida pois qualquer sentimento ou sensação desagradável é imediatamente evacuado para dentro do objeto e sentido como pertencente a ele levando a intensas ansiedades paranoi des7 Isso pode explicar a formação de um verdadeiro círculo vi cioso no tratamento desses pacientes pois quando começam a melhorar e a perceber sua realidade psíquica esse fato serve de estímulo para reiniciar todo o processo de fensivo e desencadear reações terapêuticas negativas26 Meltzer5 concomitantemente com Rosenfeld expõe como pode ocorrer uma dominação organizada da mente pela parte destrutiva da personalidade em situações de ansiedade muito intensa de caos e con fusão compondo uma verdadeira estrutu ra a que denomina organização narcisista Essa parte destrutiva apresentase para as partes boas do self que estão sofrendo como uma proteção contra a dor como um esti mulante para sua sensualidade e vaidade e quando há resistência como torturador e tirano com toda a violência Na realidade essa organização narcisista é montada com o fim de evitar o surgimento do sentimento de terror uma ansiedade persecutória pa ralisante de grande intensidade relaciona da com a fantasia de que a própria agressão fora tão violenta que destruiu totalmente os objetos não havendo portanto qual quer possibilidade de reparação Rosenfeld no trabalho mais expres sivo e profundo para a compreensão de suas ideias sobre o narcisismo Uma abor dagem clínica à teoria psicanalítica das pul sões de vida e de morte uma investigação dos aspectos agressivos do narcisismo8 inicia lembrando a descrição da pulsão de morte introduzida por Freud em 1920 Descre ve também os graus variáveis de fusão e desfusão das pulsões de vida e de morte e comenta que Freud não elaborou a relação entre narcisismo e destrutividade ao con trário de Abraham27 que conectou o nar cisismo com a inveja e descreveu as reações de resistência e transferência negativa des ses pacientes Rosenfeld lembra que Mela nie Klein28 por sua vez observou o papel desempenhado pela inveja na transferência negativa e nas reações terapêuticas negati vas mostrando a que ponto esses aspectos apareciam desfundidos da pulsão de vida Assim um dos objetivos da análise é favo recer a fusão das pulsões de vida e morte Rosenfeld a seguir introduz seu conceito de fusão patológica das pulsões quando ocorre um reforço do poder dos impulsos destrutivos Também considera essencial diferenciar os aspectos libidinais e destrutivos do narcisismo no que é critica do por Steiner12 pois o libidinal facilmente Psicoterapia de orientação analítica 605 se converte em destrutivo assim que a idea lização é atacada Rosenfeld explica que os aspectos libidinais se manifestam por uma idealização do self conduzindo a uma sen sação de engrandecimento deste Isso se baseia em identificações projetivas e intro jetivas onipotentes com objetos externos bons e suas qualidades O paciente sente então que tudo que é valioso faz parte de si pertence a ele ou é por ele controlado Em relação aos aspectos destrutivos do narci sismo também ocorre uma idealização do self só que agora das partes destrutivas onipoten tes deste Elas atacam tanto as relações de ob jeto positivas quanto as partes libidinais do próprio self que têm necessidade de um objeto e que desejam depender dele Com frequência essas partes destrutivas perma necem disfarçadas silenciosas e excluídas o que obscurece sua existência mas conti nuam impedindo as relações de dependên cia do paciente com os outros mantendo os objetos externos constantemente des valorizados o que faz o narcisista parecer indiferente às pessoas e ao mundo Em geral nos pacientes narcisistas coexistem aspectos libidinais e destrutivos Quando o paciente percebe o objeto como separado do self por exemplo no trata mento quando o terapeuta é vivenciado como independente e fonte de vida e de coisas boas podem ocorrer dois tipos de reação a quando predominam os aspectos libidi nais a destrutividade se manifesta logo que a idealização do self é ameaçada pela constatação de que o objeto externo contém as qualidades valorizadas que o paciente atribuía a si próprio o que o leva a sentirse muito humilhado e com consciência de seus intensos sentimentos de inveja b quando predominam os aspectos destru tivos a inveja é mais violenta e o objetivo do paciente é destruir seu terapeuta Assim o paciente tenta acreditar que ele deu a vida a si mesmo e é autossuficien te Ao se defrontar com o fato de depender do terapeuta representante dos pais prefe re morrer não existir negar seu nascimen to e destruir o progresso e a compreensão adquiridos no tratamento Nesses momen tos é comum querer interromper a psi coterapia ou a análise e começar a agir de maneira autodestrutiva perturbando o de sempenho profissional e os relacionamen tos pessoais Alguns pacientes se tornam suicidas e a morte é idealizada como solu ção para todos os problemas Isso se deve à ação das partes destrutivas e invejosas do self que se tornam cindidas e desfundidas do self libidinal o qual parece ter desapa recido Assim todo o self fica temporaria mente identificado com o self destrutivo que triunfa sobre a vida e a criatividade Em determinados pacientes após certo desenvolvimento terapêutico a parte libidinal aparece mostrando particular mente preocupação com a relação com o analista Em outros no entanto esses im pulsos destrutivos parecem estar constan temente ativos e dominar toda a persona lidade do paciente manifestandose por meio de ataques explícitos ou implícitos ao trabalho terapêutico Os pacientes acabam se sentindo indiferentes e triunfantes em relação aos outros inclusive a seus tera peu tas Funcionam como se tivessem matado sua parte libidinal infantil dependente e amorosa identificandose com a parte narcísica e destrutiva do self a qual lhes 606 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs fornece uma sensação de superioridade e autoadmiração O narcisismo destrutivo mostrase bastante or ganizado como uma quadrilha ou gangue mui to poderosa comandada por um líder que con trola todos os seus membros com o objetivo de manter no poder a parte destrutiva Tratase de uma organização narcisista que busca conser var a qualquer custo o poder e a idealização do narcisismo destrutivo Quando os impulsos destrutivos se ligam a perversões ocorre um grande au mento do poder e da violência das pulsões destrutivas devido a sua erotização Stei ner12 acredita que justamente as relações sadomasoquistas em forma de seduções e ameaças constituem o mecanismo pelo qual os membros da organização se man têm unidos Quando esses impulsos narcí sicos se ligam a uma organização psicótica criase uma estrutura delirante que com crueldade ou sedução aprisiona as partes mais saudáveis da personalidade Nesses casos são comuns reações terapêuticas ne gativas na ocorrência de algum progresso que conduzem o paciente a se afastar do contato com seu terapeuta e o atraem para um estado onírico onipotente e psicótico Rosenfeld alerta que de fato existe o risco de reações psicóticas agudas se a parte sau dável e dependente do paciente for conven cida a se afastar da realidade e a entregarse totalmente ao domínio da estrutura narci sista delirante8 Rosenfeld9 na introdução à discussão sobre a teoria psicanalítica das pulsões de vida e de morte na Sociedade Britânica de Psicanálise descreve que nos casos em que ocorriam sintomas como desejo de morrer ou de fugir para o nada sempre se poderia encontrar alguma destrutividade ativa que não se dirige apenas contra os objetos mas também contra partes do self situação que passou a chamar de narcisismo destrutivo Se Freud assinala que a libido orien tada para o self é um componente funda mental do narcisismo Rosenfeld9 destaca que a agressão orientada contra partes do self também constitui um aspecto central dessa condição A seguir defende a ideia de um impulso agressivo primário não criado pela frustração mas muitas vezes estimulado ou reforçado por ela relacio nandoo com a pulsão de morte descrita por Freud Relata também como esses pa cientes vivem se sentindo desamparados e desesperançados com um constante medo da morte pois acreditam firmemente que perderam seu desejo de amar e cuidar de seus objetos Esse narcisismo destrutivo tenta controlar a análise escondendo as partes do paciente que querem cooperar com o analista circunstância com frequência mascarada por uma falsa coo peração Na verdade ocorre uma idealização da destrutividade inconsciente que no fundo se dirige contra a própria vida re presentada pela mãe pelo analista e pelas partes libidinais do self que estão relacio nadas com objetos e querem viver Esse aspecto mortífero precisa ser disfarçado assim o narcisismo destrutivo mostrase muito superior e poderoso ameaçando de morte as partes do self que querem se re lacionar com os objetos e idealizando seus produtos corporais com fantasias de autos suficiência Green25 procura ampliar o conceito de narcisismo primário de Freud relacio nandoo com o estado de vazio e de silên Psicoterapia de orientação analítica 607 cio Esse estado de vacuidade é provavel mente o mais temido por esses pacientes mobilizando manobras defensivas de nível fronteiriço ou psicótico Green descreve de forma mais específica a necessidade de manterem uma relação com um objeto mau interno a qualquer custo É preferível ter uma relação com o objeto mau do que se confrontar com os horrores do vazio pois o paciente não consegue substituílo por um objeto bom mesmo quando disponível Essa situação fazse evidente no tratamen to quando após um marcado progresso o paciente apresenta recidivas irrupções de agressividade e colapsos perió dicos Co mo refere Green25 O objeto é mau mas é bom que exista O abandono desse ob jeto nesse momento não implicará cresci mento pessoal ao contrário poderá levar o paciente a um estado de nulidade um buraco negro passível de desembocar em alucinações negativas configurando o nú cleo daquilo que em trabalhos anteriores Green denominou de psicose em branco psychose blanche na qual a simbolização não pode ocorrer Steiner11 procura mostrar que na organização narcisista as relações intrap síquicas entre as partes da personalidade produzidas pela cisão podem conter ele mentos perversos Revisando autores co mo Abraham Reich Deutsch Winnicott Meltzer Joseph e principalmente Rosen feld conclui que por trás de uma pseudo cooperação é possível ocorrer uma situa ção em que partes essenciais do paciente vão se tornando excluídas e inacessíveis ao tratamento provocando sentimentos de aridez e vazio nos terapeutas Quando a inveja é predominante os objetos bons são atacados e desvalorizados confundindose a distinção entre bom e mau A gangue narcísica descrita por Ro senfeld8 apresentase como a única es trutura capaz de organizar o caos interno por vezes pode conceder uma razoável liberdade a suas partes permitindo um ajustamento que aparenta ser bastante sadio tanto no trabalho como nos rela cionamentos desde que o poder da parte destrutiva narcisista não seja ameaçado Steiner salienta que o aprisionamento da parte libidinal saudável do self não ocor re de uma maneira inocente Essa parte saudável pode ser conivente e deixarse dominar intencionalmente pela gangue narcisista dando uma qualidade perver sa a essa interação isso configura o que o autor denominou de interação perversa entre partes do self levando fundamen talmente a uma distorção ou perversão da verdade Ele destaca ainda como essas relações internas se externalizam na trans ferência e pressionam o analista a agir em conivência perversa com o paciente Expõe um exemplo no qual o paciente apresenta va uma razoável compreensão de que esta va dominado por uma organização sádica destrutiva mas apesar desse conhecimen to pactuava de maneira perversa com ela Steiner mostra também apoiandose em Klein e Rosenfeld que a estrutura narcísi ca serve de defesa contra estados confusio nais11 Rosenfeld24 procura aprofundar a compreensão do narcisismo destrutivo caracterizando dois grupos distintos de nominados de narcisistas de pele fina e de pele grossa Nos casos em que pre domina a inveja a estrutura narcisista favorece o desenvolvimento de uma pe le grossa deixando os pacientes prati camente insensíveis a sentimentos mais profundos a destrutividade é proemi nente em es pecial pela desvalorização do terapeuta e da ajuda que este oferece Ao contrário os pacientes narcisistas de pe le fina são hipersensíveis e facilmente se 608 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sentem feridos e humilhados Vários deles foram traumatizados durante sua infância e sentiramse inferiores envergonhados e vulneráveis A estrutura narcisista fun ciona de maneira a compensar esses sen timentos de inferioridade e a manter a es tabilidade embora de forma precária da personalidade desses pacientes que são em geral bemsucedidos tanto afetiva co mo profissionalmente Outro aspecto a considerar é a trans missão intergeracional do narcisismo quan do um funcionamento narcisista é forçado dentro do paciente pela geração anterior Tratase de uma situação totalmente in consciente e que se processa via identifica ções que vão alienando o indivíduo29 Concluindo podese tentar conceituar o fun cionamento narcisista como aquele no qual diante do sofrimento psíquico vivenciado como desamparo e sentimento de fragmenta ção e devido à idealização das partes más do self a parte destrutiva da personalidade sen tida como a única capaz de organizar o caos interno assume o comando da personalidade com o conluio da parte libidinal do self esta belecendose uma estrutura relativamente es tável Tratase de uma organização defensi va que opera de maneira muito organizada e que necessita de uma estratégia interpre tativa própria Quando esses aspectos fi cam permanentemente estruturados con figurase a personalidade narcisista quan do ocorrem de forma transitória em graus variáveis de intensidade caracterizam os estados narcisistas ou momentos narcísi cos presentes em todos os tratamentos em especial nas situações de melhora ou sepa ração do terapeuta5891113173031 ASPECTOS TÉCNICOS O tratamento de escolha para a persona lidade narcisista é a psicanálise devido à intensidade e à profundidade das mudan ças que é capaz de propiciar Quando não há possibilidade de utilização da análise a psicoterapia de orientação analítica é a melhor alternativa também apresentando bons resultados Kernberg18 sugere como a indicação de tratamento mais adequada para os pacientes narcisistas nos quais se infiltram sintomas fronteiriços borderline a psicoterapia expressiva uma técnica psi coterápica derivada da psicanálise e desen volvida por ele Para compreender os estados nar cisistas e com eles trabalhar o terapeuta deverá estar atento ao interjogo estabele cido entre as partes libidinais e destrutivas da personalidade à maneira como essas partes estão se relacionando na mente do paciente à forma como se externalizam na sessão por meio da relação transferência contratransferência e a um equilíbrio nas interpretações desses aspectos para o pa ciente1317 Cabe lembrar que tais pacientes im põem muitas dificuldades a seus tera peutas sendo um verdadeiro desafio aten dêlos devido às intensas reações contra transferenciais que despertam Nunca é demais salientar que o paciente narcisista tem muita dificuldade para estabelecer um contato emocional próximo e íntimo com o terapeuta o que dificulta bastante o pro cesso terapêutico sendo o principal fator de um necessário prolongamento desses tratamentos Uma das maiores dificuldades técni cas surge quando tais pacientes funcionam excluindo desprezando e desvalorizando seus terapeutas Por exemplo falam como se o analista não estivesse ali não parecem Psicoterapia de orientação analítica 609 interessados em suas opiniões ou inter pretações referem sem parar apenas suas insatisfações ou queixas alegando que nin guém é capaz de ajudálos As reações contratransferenciais podem variar desde um afastamento emocional do analista que se desliga e se desinteressa do que o pa ciente comunica de intensas reações de irrita ção com risco de atuação contratransferencial até sentimentos depressivos de frustração in capacidade desânimo e desesperança para com o paciente Tais reações tornamse ainda mais intensas quando o paciente se apropria das interpretações do terapeuta repetindoas para despojálas de vida e devolvendoas como se fossem agora de sua proprieda de considerandoas bem melhores do que eram anteriormente ou ainda quando pro duz teorias em sua opinião superiores às do analista7813 Em outros casos o pacien te parece ansioso por receber uma interpre tação mas logo após esta ser formulada ele volta a se sentir estranhamente vazio e insatisfeito como se não tivesse recebido qualquer ajuda18 Visto que em geral são pacientes graves em meio às dificuldades transfe renciais podese destacar sua tendência à atuação dentro e fora das sessões em função de seus problemas com a simbo lização e a verbalização Isso se manifesta por meio de atrasos faltas problemas com o pagamento dos honorários entre outros aspectos São comuns também ou atitu des francamente hostis e agressivas com o terapeuta ou ataques mais sutis quando os pacientes se mantêm silenciosos e pouco colaboradores em seus tratamentos Além disso eles podem apresentar conduta auto destrutiva com acidentes abuso de álcool e drogas e envolvimento em relacionamen tos perigosos Outro fator de dificuldade é que necessitam utilizar temporariamente a mente do analista para poderem pensar o que provoca um desgaste importante no terapeuta25 Esses pacientes percebem de forma imediata e com acurácia as caracte rísticas e os sentimentos de seu terapeuta muitas vezes além do que este o desejaria provocando desconforto e ansiedade Também com frequência procuram enquadrar o terapeuta em um papel em geral grandioso manifestando reações de irritação quando esse papel não é aceito porque o terapeuta se mostrou mais ou menos brilhante do que a expectativa que o paciente lhe havia atribuído18 Quando o terapeuta apresenta por sua vez traços narcisistas importantes há o risco de se estabelecer uma espécie de conluio narcísi co no qual ocorre uma mútua idealização entre o paciente e o analista o que não é raro de se observar As reações contratransferenciais despertadas pelo contato com a parte destrutiva do pacien te são muito intensas devido à onipotência e ao poder com que essa organização é mantida São frequentes os temores tanto das fantasias destrutivas do paciente quanto das fantasias do próprio terapeuta Podem também ser despertados no analista senti mentos de impotência desinteresse recha ço e afastamento emocional em relação ao paciente13 Alguns pacientes procuram estabelecer um clima de idealização em seus tratamen tos logo descobrindo como fazer para ten tar agradar passando a comportarse como o paciente ideal na busca do reconhecimen to e dos elogios do analista Essa situação 610 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs deve ser interpretada caso contrário pode levar a uma dissociação como a concentra ção de todo o bem na situação terapêutica e de todo o mal na realidade externa Um fator técnico fundamental nesse atendimento é a procura de um equilíbrio nas interpretações dos aspectos destrutivos e dos aspectos libidinais buscando que o paciente de forma progressiva tome cons ciência de que está sendo dominado por seus aspectos destrutivos que não apenas o empurram para a morte mas ainda o in fantilizam o impedem de crescer e o man têm afastado dos objetos que poderiam auxiliálo a se desenvolver8 Esse equilíbrio nas interpretações tam bém é destacado por Green25 ao chamar a atenção para o risco de uma técnica muito intrusiva por um lado ou de uma ausência ou silêncio do analista por outro Uma predominância das interpreta ções da destrutividade do paciente pode le var à instalação de uma relação com carac terísticas sadomasoquistas ou ao seu opos to quando ficam reforçados os aspectos pseudoamorosos e positivos e excluídos os aspectos destrutivos projetados para fora da relação terapêutica13 Rosenfeld824 e Green24 alertam que nos casos em que ocorre um exagero na interpretação da des trutividade o paciente pode ter seu estado emocional piorado em relação ao início do tratamento Rosenfeld7 destaca que em todos os casos mesmo nos mais graves existe uma parte menos narcísica e mais normal da personalidade do paciente que deseja estabelecer contato com o analista É jus tamente com essa parte que o terapeuta deve tentar formar seu vínculo para pro curar resgatála de dentro da organização narcisista e favorecer seu crescimento e desenvolvimento sempre levando em consideração que esse aspecto em vez de ser vítima inocente se encontra em con luio com a parte destrutiva11 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Como ilustração apresentamse alguns aspectos do paciente André um jovem de 19 anos que procurou tratamento a pedido dos pais bastante preocupados com ele pois vivia isolado era agressivo e saía rara mente de casa já que quase não tinha amigos Mostrava também uma acentuada preocupação com sua aparência dizendo oscilar entre a situação mais frequente que era a de se achar muito feio com o rosto torto e deformado e os momentos mais raros em que se via extremamente bonito quando era elogiado por alguém isso o levava a sentirse bem nas festas e na companhia das pessoas Na realidade o lugar no qual se sentia melhor era em um terreno baldio ao lado de sua casa onde passava várias horas por dia às vezes dormindo às vezes só deitado ali ficava sem ninguém reclamar nem lhe cobrar nada Sua dificuldade para conviver com os pais acentuarase tanto que não fazia mais as refeições com eles e com o resto da família passando a comer sozinho e parcamente na cozinha em um horário diferente dos demais Descreveu um clima familiar tenso e com pouco contato afetivo entre as pessoas ou seja de re lações familiares muito formais Apresentou problemas emocionais quase ininterruptos desde a infância Quando pequeno tinha muita dificuldade em se separar dos pais ia com eles a tudo tanto que foi mui to difícil a adaptação escolar Os colegas davamlhe numerosos apelidos principalmente devido ao fato de se olhar muito no espelho e de se isolar com frequência Nunca teve namorada até o começo do tratamento mas já havia ficado umas poucas vezes e vivido esporádicas relações sexuais com prostitutas Continua Psicoterapia de orientação analítica 611 Continuação Durante o período inicial da análise era visível o esforço para evitar o contato emocional maior com o analista embora o paciente raramente faltasse Chegava às sessões com algum atraso e iniciava na se quência um relato que parecia dirigido a si mesmo excluindo totalmente o terapeuta e parecendo ter in clusive prazer nessa atividade Várias vezes se referiu a um sonho em que se via só em um castelo cer cado por um fosso com águas muito profundas intransponíveis cuja única passagem era a de uma ponte levadiça que ele controlava e que mantinha sempre fechada não permitindo a entrada de ninguém Ora esta era a sensação contratransferencial do terapeuta excluído não autorizado a entrar no mundo inter no do paciente Aos poucos foi sendo possível detectar a parte destrutiva por meio das associações e dos sonhos Pa ciente e analista passaram a nomeála de a parte nazista pois André manifestava uma intensa admira ção por nazistas bem como fantasias de que eles encontram proteção em qualquer lugar do mundo Após cerca de três anos de análise o paciente teve férias mais longas de cerca de seis semanas pela primeira vez foi viajar para o exterior sem os pais para um curso relacionado com sua área profissional Na volta relatou que se surpreendera pelo fato de várias vezes durante a viagem terse lembrado de seu te rapeuta o que lhe despertava um sentimento desagradável e o levava a logo procurar pensar em outra coi sa Na segunda semana após as férias veio à sessão de segundafeira com uma atadura na mão direita explicando que se lesionara praticando esporte e não poderia dar a mão a cumprimentar Contou um sonho em que se viu acordando às 7 horas da manhã para ir trabalhar só que o que mais o surpreendeu era es tar entusiasmado com isso Encontrou então um amigo que lhe disse que ele era um trouxa um verdadeiro babaca que é coisa de otário acordar tão cedo logo para trabalhar Podese observar como o amigo no sonho corresponde a uma parte destrutiva que luta contra o envolvimento que o paciente estava sentin do em relação ao trabalho terapêutico parte libidinal Isso já havia ficado claro no seu relato das férias quando sua parte narcisista procurava eliminar os pensamentos sobre o analista Na sessão seguinte terçafeira o paciente relatou ter algo a confessar sua lesão já havia melhorado no fim de semana e ele não precisaria mais utilizar a atadura com que viera na sessão anterior mas ha via decidido mantêla para não ter que dar a mão ao analista Observase assim como a parte nazista assumiu o controle da sua personalidade e no comando levouo a agir ativamente contra o analista men tindo e atacando o vínculo pois não queria lhe dar a mão Notase de que modo à medida que o paciente se sente mais próximo do terapeuta nas férias e no recomeço do tratamento ele vai ficando cada vez mais assustado precisando produzir barreiras a atadura como o fosso de seus sonhos anteriores E passa também a falar de sua desconfiança para com o analista questionando se este não estaria apenas inte ressado em seu dinheiro Observese assim como a parte destrutivanazista foi se manifestando nesse caso a princípio apa recendo nos relatos e nos sonhos até surgir de forma concreta no vínculo com o terapeuta pela atadura fal samente colocada A parte libidinal do paciente apareceu em seu envolvimento cada vez maior com o ana lista na lembrança constante do analista em sua viagem e no fato de trazer para o tratamento imediata mente sua atuação com a atadura permitindo que ela fosse utilizada como uma comunicação Os avanços que podemos obter com a análise ou a psicoterapia de orientação ana lítica diante das manifestações narci sistas estão determinados pela relação emocional a ser desenvolvida com esses pacientes Isso vai depender é claro das possibilidades de 612 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cada par terapêutico Entretanto cabe res saltar que as melhoras no tratamento dos pacientes narcisistas são lentas limitadas e como consequência bastante gratificantes pois muitas vezes o mínimo avanço é o máximo naquele momento Para finalizar gostaria de mencionar um trecho de The Wall O Muro do grupo Pink Floyd32 uma das canções que André escutava du rante as sessões tanto para se afastar do contato com o terapeuta sua parte destru tiva quanto para tentar uma comunicação mais efetiva com ele sua parte libidinal Sozinhos ou em pares Aqueles que realmente o amam Sobem e descem o muro Uns de mãos dadas Outros reunidos em bandos Os mais sensíveis e os artistas Tomam sua posição E ao lhe darem tudo o que têm Alguns tropeçam e caem Afinal não é fácil Bater seu coração contra o muro de um louco PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O número de pacientes com diagnóstico de transtorno da personalidade narcisista tem aumentado tanto devido à cultura atual que o favorece como à melhora de nossa compreensão e capacidade diag nóstica 2 A principal característica do funcionamento narcisista é um exagerado envolvimento consigo mesmo e uma distante e pobre interação com os demais 3 É importante diferenciar reações narcisistas que são comuns a todos os pacientes por exemplo em momentos de separação dos pacientes narcisistas propriamente ditos aqueles com transtorno da personalidade narcisista 4 É fundamental reconhecer tanto os aspectos libidinais como os destrutivos na configuração do paciente narcisista 5 É muito importante diferenciar os quadros de narcisismo pele fina e pele grossa 6 O tratamento de escolha para o transtorno da personalidade narcisista é a psicanálise e quando esta não é possível a psicoterapia de orientação psicanalítica 7 O principal desafio técnico é lidar com as intensas reações contratransferenciais que esses pacientes mobilizam tais como afastamento emocional irritação sedução e assim por diante 8 É necessário um equilíbrio nas interpretações da parte destrutiva e da parte libidinal do paciente REFERÊNCIAS 1 Kristeva J A alma e a imagem In Kristeva J As novas doenças da alma Rio de Janeiro Rocco 2002 2 Wallerstein RS Psychoanalysis and psycho therapy an historical perspective Int J Psychoanal 198970Pt 456391 3 Green A Narcisismo de vida e narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 4 Kernberg OF Desórdenes fronterizos y narci sismo patológico Buenos Aires Paidós 1979 5 Meltzer D Terror perseguição e temor In Meltzer D Estados sexuais da mente Rio de Janeiro Imago 1979 6 Meltzer D Seminários de Novara In Har ris M Meltzer D Quaderni di psicoterapia infantil Roma Borla 1978 Título da parte traduzido pelo autor 7 Rosenfeld HA Da psicologia do narcisismo uma aproximação clínica In Rosenfeld HA Psicoterapia de orientação analítica 613 Os estados psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 8 Rosenfeld HA Uma abordagem clínica à te oria psicanalítica das pulsões de vida e de morte uma investigação dos aspectos agres sivos do narcisismo In Barros EMR orga nizador Melanie Klein evoluções São Pau lo Escuta 1989 9 Rosenfeld HA Introdução à discussão so bre uma abordagem clínica à teoria psica nalítica das pulsões de vida e de morte uma investigação dos aspectos agressivos do nar cisismo In Barros EMR organizador Me lanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 10 Joseph B Addiction to neardeath Int J Psychoanal 198263Pt 444956 11 Steiner J Relações perversas entre partes do self um exemplo clínico In Barros EMR organizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 12 Steiner J La contribución de Herbert Ro senfeld al psicoanálisis In Libro anual de psicoanálisis Londres The British Psycho Analytical Society 1989 v 5 p 1723 13 Calich JC Hartke R Levy R Lewcowicz S Organizações narcisistas alguns aspectos técnicos Rev Bras Psicanál 1993273405 22 14 Brunel P Narciso In Brunel P Dicioná rio de mitos literários Rio de Janeiro José Olympio 1998 15 Cloninger CR Svrakic DM Personality di sorders In Sadock BJ Sadock VA editors Kaplan Sadocks comprehensive textbook of psychiatry 7th ed Philadelphia Lippin cott Williams Wilkins 2000 p 172364 16 American Psychiatric Association Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM5 5 ed Porto Alegre Artmed 2013 17 Lewkowocz S Alguns aspectos da análise de um paciente com funcionamento narcisista Porto Alegre SPPA 1993 Trabalho apresen tado em reunião científica 18 Kernberg OF Transtornos graves de perso nalidade estratégias terapêuticas Porto Ale gre Artes Médicas 1995 19 Dorfman S Gus M Cataldo Neto A Brust MC Transtorno de personalidade narcisis ta In Cataldo Neto A Gauer GJC Furta do NR organizadores Psiquiatria para es tudantes de medicina Porto Alegre EDIPU CRS 2003 20 Maldonado JL Sobre las agorafobias y su re lación com la patología narcisista In Mal donado JL Volviendo a pensar com Willy y Madeleine Baranger nuevos desarrollos Buenos Aires Lúmen 1999 p 25779 21 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 22 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizóides In Klein M Inveja e gratidão Rio de Janeiro Imago 1991 23 Favalli PH O Narcisismo uma revisão Rev Psiquiatr RS 199618Supl10813 24 Rosenfeld HA Reflexão posterior reformu lando teorias e técnicas em psicanálise In Rosenfeld HA Impasse e interpretação Rio de Janeiro Imago 1988 25 Green A O analista a simbolização e a au sência no contexto analítico In Green A Sobre a loucura pessoal Rio de Janeiro Ima go 1988 26 Tuckett DA Una breve revisión de la contri bución de Herbert Rosenfeld a la teoría psi coanalítica In Libro anual de psicoanálisis Londres The British PsychoAnalytical So ciety 1989 v 5 p 2531 27 Abraham K Uma forma particular de resis tência neurótica contra o método psicanalí tico 1919 Revista de Psicanálise da SPPA 1996323217 28 Klein M Inveja e gratidão In Klein M Inve ja e gratidão Rio de Janeiro Imago 1991 29 Faimberg H Gerações malentendidos e verdades históricas Porto Alegre Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 2001 30 Barros EMR A situação analítica algu mas reflexões sobre sua especificidade Ide 1992221827 31 Lewkowicz S A atenção flutuante a re gressão e a mente do analista Porto Alegre SPPA 2003 Trabalho apresentado em reu nião científica 32 Berti E Pink Floyd cronologia completa Buenos Aires AC 1991 O transtorno da personalidade borderli ne é um construto psicanalítico que com frequên cia tem despertado resistências e controvérsias nas comunidades psiquiátrica e psicanalítica Em primeiro lugar porque não se enquadra nos limites genéticodinâmicos que de acordo com a teoria estrutural dife renciariam as categorias das neuroses e das psicoses1 Em segundo e mais perturbador seu tratamento pode exigir tal reestrutura ção do setting habitual como aumento da atividade do terapeuta estabelecimento de limites intervenções de apoio uso de fár macos hospitalizações entrevistas com côn juges e familiares entre outras ações que o enquadre terapêutico parece se transformar em qualquer coisa que não o normalmente conhecido pela tradição psicanalítica ou pelo atendimento psiquiátrico convencional Apesar das polêmicas no entanto a cres cente presença de pacientes borderline em consultórios psicanalíticos acabou por estimular em 1938 a publicação de um artigo clássico em que o psicanalista nova iorquino Alfred Stern2 iniciava com a se guinte descrição É bem conhecido que um grande nú mero de pacientes não se enquadra nem no grupo psicótico nem no gru po neurótico e que este grupo de pa cientes limítrofes this border line group of patients é extremamente di fícil de lidar por qualquer método te rapêutico conhecido Ao tentar tratálos com a técnica analítica usual interrompera o tra tamento da maioria deles após longos e difíceis períodos de análise por haver ob tido pouco benefício2 Nessa introdução resumese o princi pal significado que o conceito borderline ad quiriu na literatura psicanalítica referese ao status psicodinâmico de pacientes tanto na fronteira entre a neurose e a psicose quanto do ponto de vista terapêutico na fronteira da analisabilidade com a não analisabilidade Ao longo dos anos esses pacientes rea firmaram sua presença em diversos contex tos Mesmo sendo minoria seus sintomas e sofrimentos se expressavam de modo impactante para os meios familiar e social demandando cuidado e atenção progressi vamente maiores e passaram a constituir 11 de todos os pacientes psiquiátricos ambulatoriais e 20 dos internados3 Ou 36 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE BORDERLINE Sidnei S Schestatsky Considerada a prevalência estimada de 10 a 13 de transtornos da personalidade na comunidade o transtorno da personalidade borderline contribui com apenas cerca de 210 Psicoterapia de orientação analítica 615 tros dados acentuaram a importância e a urgência de se estabelecerem abordagens terapêuticas adequadas 10 cometiam suicídio4 80 se engajavam em graves condutas automutilantes e de 70 a 80 apresentavam diversos transtornos do hu mor associados5 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO CONCEITO O termo limítrofe apareceu no fim do século XIX com o objetivo de diferenciar casos mais leves de psicose de prognóstico melhor de formas mais graves como a es quizofrenia6 A fronteira com a esquizofre nia foi portanto o viés dominante do diagnós tico tanto psiquiátrico como psicanalítico na maior parte das décadas seguintes Wilhelm Reich em 1925 descreveu os borderline como formes frustres da es quizofrenia em associação a um caráter impulsivo havendo neles um envolvimento simultâneo com dois ou mais estados afeti vos distintamente contraditórios que assim se mantinham sem desconforto consciente devido ao mecanismo da dissociação ideia contemporânea às formulações mais atuais de diversos autores7 Trabalhos psiquiátri cos e psicanalíticos posteriores continua ram a conceber a fronteira entre borderline e esquizofrenia classificando os pacientes borderline como esquizofrênicos ambulato riais ou neuróticos pseudoesquizofrênicos8 Deutsch9 os definiu como personali dades como se com dissociações egossintô nicas porém com manutenção do teste de realidade empobrecimento das relações de objeto e sentimentos de vazio Ela foi a primeira a enfatizar a presença de interna lizações de relações de objeto patológicas o que fundamentou importantes contribui ções posteriores10 Knight11 por sua vez constatou a existência de mecanismos pri mitivos de defesa associados a debilidades nas funções do ego quanto à estabilidade do processo secundário do pensamento à capacidade de planejamento realístico e à presença de elementos psicóticos no pensa mento quando associavam livremente Na década de 1960 apareceram con tribuições de Modell12 Frosh13 e Kern berg10 Modell12 rejeitou a existência de uma fronteira com a esquizofrenia os epi sódios psicóticos borderline eram circuns critos e transitórios e encontravase nos pacientes uma forma primitiva e con sistente de relações de objeto na transfe rência Ele também descreveu uma trans ferência transicional na qual ainda que percebido como um objeto externo o tera peuta seguia vivenciado como uma exten são do self do paciente Antes de Kernberg Modell foi o primeiro a definir borderline a partir de um diagnóstico psicodinâmico e não apenas sintomático Frosh13 encon trou nos pacientes um caráter psicótico e vulnerável a desenvolver episódios regres sivos quando em situações não estrutura das Além disso sublinhou o fato de estes perderem de forma temporária a função do teste de realidade mas de a recuperarem ao saírem dos períodos de crise Em 1967 Kernberg introduziu o conceito de organi zação border line de personalidade que será discutido adiante10 Grinker14 em 1968 definiu empirica mente a síndrome borderline Ele concluiu que os pacientes não constituíam um gru po único e homogêneo e identificou tipos diferentes de acordo com seus sintomas e níveis de gravidade Também estudou 50 pacientes internados e delimitou quatro subgrupos14 1 limítrofes com as psicoses hostis e com problemas graves com o teste de reali dade e com a própria identidade 616 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 2 limítrofes com a neurose com sintomas de depressão anaclítica Entre ambos 3 um subgrupo de pacientes como se com sentido precário de identidade e necessidade de agradar e se submeter aos objetos como defesa contra sepa ração e abandono 4 o subgrupo chamado de borderline nuclear com características impulsivas depressivas agressivas e relações inter pessoais tumultuadas A partir de 1975 Gunderson e Singer15 começaram a trabalhar com os critérios diagnósticos da personalidade borderline e sua delimitação em relação a outras sín dromes Ao incorporar insights de Grinker e Kernberg esses critérios acabaram por cons tituir o diagnóstico do transtorno da perso nalidade borderline TPB da terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de trans tornos mentais DSMIII16 os quais com pequenas alterações continuaram vigentes no DSM517 CARACTERÍSTICAS DIAGNÓSTICAS DESCRITIVAS O conceito atual de personalidade compreen de o resultado da interação de variáveis neu robiológicas inatas ou temperamento com experiências psicossociais precoces família da infância traumas ou outros estressores ambientais as quais contribuem para a construção do caráter da pessoa A estrutura do caráter envolve uma constelação própria de relações de objeto internas ligadas a estados afetivos específicos e externalizadas nos relacionamentos interpessoais e um conjunto característico de mecanismos de defesa associado a um estilo cognitivo pró prio18 A combinação única de fatores bioló gicos e ambientais constitui a personalidade da pessoa seu jeito característico de ser expe rimentar e reagir ante si e o mundo de forma relativamente estável e duradoura Traços de personalidade se referem ao estilo peculiar que cada pessoa evidencia em seu relacionamento interpessoal como timidez sedução desconfiança ou manipu lação Somente quando tais traços são exa gerados e se tornam rígidos e desadaptados causando sofrimento ou disfunção social pessoal e profissional significativos é que se considera que passaram a constituir um transtorno da personalidade As características básicas do transtor no da personalidade borderline são um padrão geral de instabilidade nos relacionamentos interpessoais nas manifestações afetivas e na própria autoimagem associado a acentuada impulsividade cujo início pode estar presente desde a infância e a adoles cência mas que costuma ser mais ma nifesto no início da vida adulta17 Para o diagnóstico de TPB o DSM 517 exige que pelo menos cinco sintomas referidos nos critérios diagnósticos estejam presentes Quadro 361 DIAGNÓSTICO PSICODINÂMICO Os critérios descritivos do DSM517 con tribuíram para a maior confiabilidade do diagnóstico de transtorno da personalida de borderline mas tiveram pouca utilida de para a compreensão da psicopatologia borderline ou para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para abordála Kernberg101921 contudo procurou adi cionar profundidade psicológica às descri ções diagnósticas propondo a existência de uma estrutura mental estável subjacente Psicoterapia de orientação analítica 617 que daria origem aos sintomas e aos com portamentos borderline a que chamou de organização borderline da personalidade Essa estrutura estaria presente além de no TPB em todos os demais transtornos da personalidade Assim a organização bor derline se caracteriza por 1 uma síndrome de difusão da identi dade 2 predomínio do uso de mecanismos de defesa primitivos 3 manutenção do teste de realidade De modo diferente a organização neurótica da personalidade ao lado do teste de rea lidade estável tem um senso de iden tidade mais integrado e nela predominam mecanismos de defesa mais maduros Já na organização psicótica encontramse exten sas alterações na identidade com domínio de mecanismos primitivos intensos e grave comprometimento do teste de realidade Kernberg considera a difusão da identidade uma estrutura psicológica constituí da pela fragmentação das repre sentações do eu e dos outros internaliza das ao longo do desenvolvimento A pes soa vivencia falta de coerência e consistên cia nos próprios valores nas motivações e nas interações pes soais ou na capacidade de se dar conta das motivações e dos estados mentais dos outros Como resultado de senvolve relações caóticas dificuldades in terpessoais crônicas e falta de empatia para com os demais19 Mecanismos primitivos de defesa ne gação idealização identificação projetiva controle onipotente relacionamse com extensos processos de cisão splitting2223 ao contrário das defesas neuróticas isola mento anulação racionalização formação reativa que são organizados em torno da repressão Em vez de protegerem o ego por meio da repressão de derivados instintivos inaceitáveis tentam manter separadas ou cindidas experiências contraditórias de si mesmos e dos outros enquanto esses esta dos mentais antagônicos estiverem disso ciados uns dos outros o ego se vê poupado de conflitos diretos entre eles A descrição desses mecanismos em pessoas borderline encontra bons exemplos na obra de Kern QUADRO 361 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE DE ACORDO COM O DSM5 1 Esforços frenéticos para evitar abandonos reais ou imaginários 2 Padrão instável e intenso de relacionamentos interpessoais alternando extremos de idealização e desva lorização 3 Distúrbio de identidade autoimagem e percepção de si mesmo persistentemente instáveis 4 Impulsividade em pelo menos duas áreas da vida potencialmente autodestrutivas gastos exagerados sexua lidade promíscua abusos de substâncias anorexiabulimia 5 Comportamentos suicidas ou automutilações recorrentes 6 Instabilidade afetiva decorrente de acentuada reatividade do humor intensos episódios de irritabilidade ou ansiedade em geral durando horas raramente mais que alguns dias 7 Sentimentos crônicos de vazio 8 Raiva intensa e inapropriada ou dificuldades em controlar a raiva frequentes manifestações de irritabili dade raiva constante brigas físicas recorrentes 9 Ideação paranoide ou graves sintomas dissociativos transitórios associados a estresses Fonte Adaptado American Psychiatric Association17 618 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs berg101921 e foi a partir daí que os resu mimos A mais clara manifestação clínica da cisão dos objetos internos no borderline é a divisão dos objetos externos em totalmen te bons e totalmente maus com mudanças súbitas de uma das categorias para a outra Em decorrência disso há alternâncias rápi das e imprevistas de reversão de todos os sentimentos e conceitos em relação a de terminada pessoa de um momento para o outro A idealização e a desvalorização primitivas acentuam a cisão aumentando patologicamente a qualidade de bonda de ou maldade dos objetos São criadas imagens de objetos totalmente bons e po derosos que se revertem para imagens des prezadas e desvalorizadas se expectativas mágicas em relação a eles forem frustradas A identificação projetiva é uma for ma de projeção complexa Nela o paciente continua a vivenciar as relações de objeto projetadas teme a pessoa sobre a qual as projetou e sente necessidade de controlála Essas operações inconscientes têm além da origem intrapsíquica um importante com ponente interpessoal pelo qual o paciente tenta induzir a outra pessoa a funcionar de acordo com as partes projetadas A presença generalizada das identificações projetivas nos pacientes borderline torna essencial aos terapeutas manteremse atentos à contra transferência a fim de captarem parte dos aspectos dissociados negados e projetados do mundo interno do paciente A negação no borderline se expressa pela recu sa do impacto de experimentar ao mesmo tem po duas áreas da consciência emocionalmen te independentes e que expressam os dois la dos da cisão interna24 O paciente se dá conta da existência de pensamentos emoções e per cepções simultaneamente antagônicos sem que isso no entanto perturbe seus sentimen tos presentes Mostrase indiferente às contra dições ainda que cognitivamente ciente delas É a negação afetiva de um desses estados em re lação ao outro que ao que parece permite a ele tolerar essa coexistência sem maior ansiedade A onipotência e a desvalorização são subpro dutos das operações de cisão das representações do eu e dos objetos Elas se expressam pela ativação de estados do ego de um eu grandioso relacionado a imagens emocionalmente degradadas e despreza das dos outros São bastante proeminentes na personalidade narcisista de modo que se tornam manifestas na descrição que o paciente faz dos outros e pela atitude que adota em relação ao terapeuta O teste de realidade se define pela ca pacidade de distinguir o eu do não eu a origem de estímulos e percepções internas das externas e de avaliar os próprios afetos comportamentos e pensamentos nos termos das normas sociais comuns Clinicamente expressase pela ausência de delírios e aluci nações e de ideias ou condutas bizarras Tratamento do transtorno da personalidade borderline Estratégias psicoterapêuticas A definição das estratégias de tratamento de pende da compreensão desses quadros A prin cipal controvérsia dividese entre a etiologia basicamente conflitual e intrapsíquica da pato logia borderline cujo principal defensor é Otto Kernberg101920 e a etiologia essencialmen te deficitária resultante do fracasso precoce e real das provisões ambientais da criança no desenvolvimento do futuro borderline esta ad vogada primeiramente por Kohut25 e Adler26 Psicoterapia de orientação analítica 619 O objetivo da psicoterapia do mode lo intrapsíquico é desenvolver mediante interpretação maior integração das repre sentações cindidas do próprio eu e dos ob jetos esperando mudanças integrativas na personalidade do paciente No caso de défi cits interpessoais o objetivo é permitir pela provisão de um adequado holding e valida ção empática das carências do paciente que se introjetem objetos bons e tranquilizado res inexistentes devido a sua ausência real na infância Como decorrência da polari zação entre conflito e déficit produziuse também uma polarização entre as aborda gens técnicas divididas entre predominan temente expressivas de um lado e de apoio empático do outro A predominância do conflito as técnicas expressivointerpretati vas e a importância do conteúdo das intervenções Kernberg19 sugere que o principal con flito psíquico do indivíduo borderline seja sua dificuldade no manejo da agressão de ori gem inata exacerbada pela predominância de experiências adversas no ambiente pre coce Em decorrência da abundância de impulsos agressivos pobremente modula dos criase uma incapacidade primária de sintetizar introjetos negativos e positivos pelo perigo de os bons serem destruídos pelos maus em representações mentais coe rentes do próprio eu e dos objetos Co mo a ansiedade resultante da síntese seria intolerável a criança ativa mecanismos primitivos de splitting para evitar uma ca tástrofe interna e preservar a sobrevivência da mãe boa internalizada A manutenção separada desses estados mentais cindidos demanda grande atividade e gasto de ener gia por parte do ego contribuindo para seu enfraquecimento sua vulnerabilidade no teste de realidade e para a tendência a recair na forma primária de pensamento Para Kernberg20 o terapeuta precisa ficar atento ao surgimento da transferência negativa inevitável pelo excesso inato da agressão e interpretála de forma vigorosa assim que for identificada bem como con frontar os estados mentais contraditórios com os quais o paciente se apresenta Ele admite que isso só é possível quando duas condições forem estabelecidas a que haja um setting bem estruturado por um contrato capaz de preserválo das atuações do pa ciente b que as percepções distorcidas das inter pretações sejam examinadas e esclare cidas no momento em que ocorrerem para que possam ser integradas imedia tamente Kernberg20 parte da pressuposição de um mundo interno precocemente po voado de introjetos primitivos de modo que essa fragilidade não impede o ego de suportar o trabalho interpretativo ao contrário é a partir da correção cognitivo afetiva das fantasias inconscientes e dos mecanismos primitivos associados que o ego poderá se integrar e utilizar defesas mais evoluídas Sob esse ponto de vista os objetivos da psicoterapia psicodinâmica seriam a tornar padrões inconscientes de funcio namento mais acessíveis É importante ressaltar que no modelo conflitual há autores que propõem uma abordagem que inclui o apoio psicodinamicamente informado junto a in tervenções expressivas cuidadosas com base na ideia de que as fragilidades do ego não suportariam no início intervenções confrontativas e interpretativas ver Zetzel27 620 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs b aumentar a tolerância com seus afetos c construir a capacidade para adiar ações impulsivas d aumentar o insight nas interações inter pessoais e desenvolver a função reflexiva da mente permitindo que identifique melhor seus próprios estados mentais e os dos outros A predominância do déficit o holding e a importância do processo Ao conceitualizar a psicopatologia border line com base no fracasso do paciente em desenvolver a introjeção de objetos inter nos com funções tranquilizadoras e supor tivas25 o objetivo do terapeuta não é cor rigir introjeções precoces distorcidas mas ajudar a criar introjeções positivas que não puderam ser feitas e que portanto nunca existiram devido ao fracasso do ambien te materno em provêlas Em contraste com as teorias conflituais o principal fa tor curativo nesse processo é a experiência interpessoal com um terapeuta capaz de exercer funções de holding e de tranquili zação compensatórias da função parental deficiente na infância Assim a ênfase está em demonstrar aos pacientes diversos aspectos de sua rea lidade e a permanente existência do tera peuta como objeto preocupado com seu bemestar diferenciandoo das introjeções hostis que o paciente continuamente pro jeta e reintrojeta Mesmo aceitando a ne cessidade da integração de representações mentais dissociadas seria preciso aguardar até que um introjeto tranquilizador e está vel estivesse internalizado Em vez de um ataque primário na transferência acredita se que as reações de raiva do paciente se jam secundárias ao fracasso empático do terapeuta e que este lide amplamente com frustrações e falências parentais passadas a serem reconhecidas e toleradas O conteúdo das interpretações é menos impor tante a mudança psíquica do paciente é alcan çada por meio da sua interação com a presença constante consistente cuidadosa e não puniti va do terapeuta o qual ao sobreviver emocio nalmente aos ataques hostis e destrutivos do paciente continua desempenhando suas fun ções de holding 28 e de introdutor de uma es tabilidade reflexiva em meio ao caos emocional presente A ênfase em prover experiências emocionais corretivas ao paciente fez ser introduzida no tratamento a importância do processo de validação dos estados men tais29 O modo como o paciente desenvolve sua autoestima conhece e se reconcilia con sigo mesmo é sentindose compreendido e valorizado na presença de outra pessoa sig nificativa Isso se dá pela validação das suas vivências com a reação receptiva do tera peuta às qualidades do paciente por meio de expressões sutis e apropriadas de estima e manifestação de aceitação das experiên cias do paciente como realidades A partir dessa interação o paciente por introjeção e identificação com a atitude terapêutica é capaz de desenvolver maior capacidade de autovalidação e autonomia na autoestima A função de holding não é contrária à técnica psica nalítica tradicional exercida tanto pela estabilidade do setting e pela constância do terapeuta quanto pela compreensão cuidadosa e reflexiva proporcionada pelas próprias interpretações O que extrapolaria a técnica tradicional seria a provisão concreta desse holding oferecendo consultas extras frequentes longos atendimentos por telefone ou em horários não conven cionais fornecimento do endereço do terapeuta nas férias ou o envio de cartões postais nesses períodos29 Psicoterapia de orientação analítica 621 Assim nesse polo suportivo estão agrupa dos os objetivos da psicoterapia em a fortalecimento das defesas b ajustamento da autoestima c validação dos sentimentos d internalização da relação terapêutica e capacitação para lidar com sentimentos perturbadores Convergência das controvérsias Parte das controvérsias mencionadas é redu zida atentandose para alguns fatos Em pri meiro lugar pacientes borderline não são uma população homogênea nem em relação aos seus quadros sintomáticos gravidade e co morbidade nem quanto à importância rela tiva dos fatores etiológicos presentes Em se gundo sua etiologia é multifatorial envolven do diferentes processos genéticos bioquímicos interpessoais e ambientais Por fim não há evi dências de que uma psicoterapia efetiva pos sa se desenvolver sem que ela se distribua em diferentes momentos e circunstâncias ao lon go de todo o espectro que vai das técnicas ex pressivointerpretativas aos processos de hol ding e de apoio As próprias delimitações do trans torno da personalidade borderline hoje são variadas transtornos do humor transtor nos de controle de impulsos transtorno de estresse póstraumático complexo o que limita a ambição de se prescreverem trata mentos únicos para todos Em vez disso a preocupação atual é descobrir a abordagem mais adequada para cada tipo de paciente borderline30 Quanto à especificidade dos focos interpretativos ou de apoio estes além de estarem muito mais articulados do que ri gidamente separados têm utilidades dife rentes com pacientes diferentes Os mais regressivos demandam mais técnicas de apoio e os que têm funcionamento mais integrado se beneficiam de abordagens ex ploratórias dirigidas ao insight sem que exista incompatibilidade intrínseca entre uma técnica e outra Além disso ambas as abordagens podem ser utilizadas com os mesmos pacientes em diferentes momen tos dependendo do contexto e do foco pre sente do material psicológico que estiver sendo trabalhado As táticas psicoterapêuticas Gunderson31 registrou que desde 1968 foram publicados 53 livros apenas sobre psicoterapias psicanalíticas de pacientes borderline cada um com diferentes ênfa ses em diversos elementos técnicos e todos com o objetivo de mudanças estruturais na personalidade dos pacientes Quanto à efe tividade dos modelos propostos no entan to todos tinham mais semelhanças do que diferenças entre si mesmo no que diz res peito às psicoterapias não psicodinâmicas como a dialéticocomportamental32 Waldinger33 identificou as seguintes similaridades entre psicoterapias efetivas com o paciente borderline a construção de um setting estável e estru turado b atividade maior do terapeuta c tolerância das transferências negativas d transformação dos comportamentos autodestrutivos em não gratificantes e limites para as atuações f estabelecimento de conexões entre as ações e os sentimentos do paciente com a situação presente g foco das intervenções no aqui e agora h monitoramento cuidadoso da contra transferência 622 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Essas características podem ser agru padas seja qual for o modelo teórico em relação ao que seriam os dois únicos pro blemas realmente distintivos na abordagem do paciente borderline 1 taticamente a viabilidade de se estabe lecer limites para o descontrole de seus impulsos e atuações autodestrutivas 2 tecnicamente a capacidade de se tolerar e trabalhar terapeuticamente com as perturbadoras reações contratransfe renciais despertadas O estabelecimento de limites cons titui parte das recomendações restantes terapeuta mais ativo e interativo setting estruturado e manejo firme das atuações em especial das que põem em risco o tra tamento Além disso capacidade de tolerar a contratransferência inclui suportar trans ferências negativas sobreviver às tempes tades emocionais trabalhar nas manifesta ções transferenciais momento a momento e permanecer atento aos significados das próprias emoções durante a interação com o paciente O contrato terapêutico São características as peculiaridades do contrato terapêutico com o paciente bor derline assim como o manejo das suas violações p ex abuso de drogas compor tamentos promíscuos tentativas de suicí dio automutilações Além disso Yeomans e colaboradores34 definem junto com o contrato a importância de enfocar temas prioritários no material do paciente a co meçar pelas infrações do próprio contrato Quadro 362 Dáse mais atenção aos procedimentos do contrato com o borderline p ex núme ro de sessões sessões extras telefonemas entre as sessões assiduidade pontualidade nos pagamentos honestidade nas comuni cações ausências férias do que em psico terapias com outros pacientes A razão é que parte importante da necessária estruturação do setting terapêutico se ancora em acordos contratuais que definam os objetivos em comum da dupla terapeutapaciente bem como em métodos para alcançálos e para estabelecer enquadramentos que preservem a integridade do processo Dificilmente há discordância sobre a necessidade desses ar ranjos O que se discute porém é a forma de introduzilos e o modo de lidar com as inevitáveis infrações que ocorrerem Com as mudanças radicais da cultura psiquiátricoterapêutica a partir dos anos de 1970 entre elas o desaparecimento das extensas e onerosas hospitalizações dos pa cientes borderline Kernberg foi um dos primeiros a perceber que a estrutura e os limites do setting antes assegurados pelo ambiente hospitalar teriam que ser substi tuídos por algo estruturado a nível ambula torial Daí se originou o cuidadoso e estrito conjunto de regras do contrato terapêutico da psicoterapia que Yeomans e colaborado res34 chamam de centrada na transferência Nesse contrato com base na avaliação ini cial do paciente alertam para a presença de comportamentos potencialmente disrupti vos à continuidade do tratamento p ex tentativas de suicídio crises anoréticas abuso de drogas automutilações mentiras omissão de informações que devem ter sua emergência evitada por parâmetros es Todos os demais problemas desses tratamentos cos tumam ser mais simples de equacionar a capacitação necessária para se atender a pacientes com TPB b vantagens e desvantagens de atendêlos por meio de um único profissional ou de mais de um c utilização de um único paradigma teórico e técnico ou a aplicação de modelos multidimensionais d envolvimento da família e uso de medicações associadas atendimentos nas emergências hospitalizações Psicoterapia de orientação analítica 623 pecíficos mutuamente acordados antes de a psicoterapia ter início Discutese com o paciente de forma objetiva as condições mínimas para que a psicoterapia se desenvolva sem o que ela nem começará Por exemplo acordase que o paciente e não o terapeuta deve assumir a responsabilidade pela própria segurança desse modo tentativas de suicídio concreti zadas serão atendidas por serviço de emer gência chamado pelo paciente ou por um familiar No caso de fortes crises de angús tia o paciente pode telefonar para o tera peuta mas crises de ansiedade normais co mo as causadas por breves separações de verão aguardar os dias de sessão para serem tratadas Esperase que durante as sessões o paciente não faça silêncios longos nem fale de assuntos irrelevantes Também se reco menda que o paciente desenvolva alguma atividade produtiva como estudo ou traba lho desde o início do tratamento sem ficar à espera de que a psicoterapia resolva essas questões para evitar que a psicoterapia seja usada como forma de perpetuar ganhos se cundários e estilos de vida parasitários Assim tornase prioritário em rela ção a qualquer outro tema o exame ime diato de quebras do contrato estabelecido Uma típica intervenção nesse sentido é a que segue Podemos falar sobre as fantasias que desenvolveu enquanto fez sexo on tem com seu marido mas antes preci samos conversar o que você também disse que antes bebeu um pouco para relaxar Parte do nosso contrato foi que você não mais beberia e que iria às reuniões dos AA três vezes por semana Se não está aderindo à com binação precisamos conversar Voltar a beber vai sabotar sua capacidade de trabalhar na psicoterapia como acon teceu no seu último tratamento E deve significar algo importante que nesse momento em especial do tratamento você tenha recomeçado a beber Preci samos entender o que está se passan do antes de irmos adiante35 Por sua vez autores como Gabbard36 e Gunderson31 recomendam uma ati tude mais flexível e empática no contrato pa ra que o tratamento não se inicie em cli ma de enfrentamento Eles reconhecem a necessidade da construção de limites mas preferem fazêla depois de desencadeado o processo psicoterápico e à medida que as situações forem surgindo Combinações prévias porém menos restritivas sempre serão necessárias como por exemplo em relação ao que se espera que a terapia ve nha a ser e o que se espera que ela não seja a necessidade de as sessões terminarem na QUADRO 362 PRIORIDADES A SEREM ABORDADAS NA PSICOTERAPIA COM PACIENTES BORDERLINE EM ORDEM DECRESCENTE DE IMPORTÂNCIA Ameaças de suicídio ou homicídio Ameaças à continuidade do tratamento Desonestidade ou omissão deliberada de informações nas sessões Quebras contratuais Atuações dentro das sessões gritar jogar objetos recusarse a sair no fim da sessão Atuações não letais entre as sessões Preenchimento das sessões com temas triviais e despidos de afeto 624 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs hora aprazada a pontualidade nos paga mentos a política das sessões faltadas e a expectativa de que o paciente seja um co laborador ativo do processo Também no manejo da suicidalidade propõemse alter nativas mais maleáveis quanto à acessibili dade do terapeuta Gabbard36 solicita que o paciente sempre telefone quando sentir que o impulso suicida possa sair de controle a fim de que decidam as providências ne cessárias tais como antecipação da sessão sessões extras ajuste de medicação convo cação de familiar hospitalização Outras vezes contatos telefônicos breves em perío dos de afastamento mais prolongado co mo férias feriados fins de semana podem ser tranquilizadores e não serão vetados a pacientes cujas ansiedades de separação se jam proeminentes Mais do que no risco agudo de suicídio a sui cidalidade crônica talvez seja a situação con tratransferencial mais difícil de ser elaborada dados os sentimentos continuados de incerteza e impotência que são gerados no terapeuta Em casos mais graves e com história prévia de vá rias e sérias tentativas de suicídio esse even to pode vir a ser um dos desenlaces do trata mento assim como um infarto fulminante pode ocorrer em uma cardiopatia grave ainda que adequadamente tratada apesar dos melho res esforços que se faça para prevenilo e de vese assinalar isso para o paciente e sua fa mília desde o início do contrato Em relação a esse aspecto ficase na total dependência do paciente e de sua vontade e capacidade de ajudar a si e ao psicoterapeuta no tratamento Ainda que se reconheça que a própria patologia borderline torna os pacientes in capazes de manterem as regras é impor tante que algum contrato seja estabelecido e mutuamente acordado e que suas cláu sulas ou regras de relacionamento sejam examinadas quando atacadas e reinstituí das logo que possível Sabese que o pacien te inevitavelmente irá violar combinações e caberá ao terapeuta a responsabilidade de assegurar os limites profissionais Isso de mandará firmeza em relação aos acordos exame dos significados inconscientes de controle manipulação ou sedução imbri cados nas atuações ou a adoção de atitudes que modifiquem ou interrompam o trata mento caso as violações se tornem excessi vas ou perigosas para ambos Aspectos técnicos das psicoterapias A contratransferência Desenvolver respostas terapêuticas adequa das às emoções intensas caóticas e dolorosas desper tadas pela interação com pacientes borderline constituise no principal desafio técnico das psi coterapias No que depender das intrincadas re lações objetais reproduzidas no campo terapêu tico o terapeuta se verá exposto a contrastantes sentimentos de ódio excitação inveja desejo pena horror desespero impotência desampa ro incerteza insegurança pânico desesperan ça abandono ou rejeição Além disso sentirá permanente pressão para agir de acordo com es ses estados afetivos o que pode ser motivo dos frequentes impasses interrupções insucessos e das atuações entre paciente e terapeuta enact ments que ocorrem durante os tratamentos Por exemplo a uma paciente que insistia em expressar seu desejo pelo terapeuta ficando deitada no chão do consultório diante dele em posição ginecológica foi dito que nada seria examinado e o tratamento inter rompido se não pudesse sentarse normalmente e estabelecer um diálogo verbal em condições mínimas de respeito mútuo Psicoterapia de orientação analítica 625 Gunderson31 chama a atenção para padrões contratransferenciais repetidos que se desenvolvem sob dois paradigmas o da boa mãe e o do pai forte No primeiro há uma negação da agressão e um conluio pa ra atribuir aos outros ou ao ambiente ex terno a fonte dos problemas do paciente De forma supostamente empática o tera peuta aceita sem crítica a percepção que o paciente tem da realidade incrementando inadvertidamente transferências fusionais e idealizadas Com isso o terapeuta ao gratificar uma necessidade narcísica pró pria de ser idealizado acaba aceitando si tuações insolúveis e ignora a agressividade do paciente Já no paradigma do pai forte ocorre negação da gravidade da doença do paciente e um otimismo inadequado sobre possibilidades de mudança A atmosfera terapêutica fica marcada por confronta ções e limites que o paciente pode expe rimentar como rejeição As necessidades narcísicas são aqui preenchidas pela não aceitação por parte do terapeuta de senti mentos de impotência e fracasso terapêu tico à custa de um fracasso empático com o sofrimento causado pelas dificuldades de mudança e pelas limitações crônicas dos pacientes31 Ainda que se identifiquem alguns pa drões em geral as reações contratransfe renciais não são uniformes aparecem em diferentes níveis e dependem de momentos pessoais mais ou menos difíceis que cada terapeuta esteja atravessando Gabbard e Wilkinson37 oferecem um resumo das rea ções mais comuns encontradas na prática clínica com pacientes borderline a culpa por odiar o paciente e desejar que vá embora b responsabilidade por suas pioras c fantasias de salvar e resgatar o paciente percebido como vítima desamparada d pressão para fazer concretamente algo para aliviar suas carências e raiva e ressentimento por se sentir usado ou manipulado f impotência autodepreciação e fracasso porque o paciente não melhora ou aban dona o tratamento g ansiedade de que se suicide h transgressões das fronteiras profissionais Em vez de pelo paciente as frontei ras profissionais podem ser cruzadas pelo terapeuta Dependendo da transgressão tais como confidenciar dados pessoais ao paciente marcar consultas em horá rios incomuns atender por mais tempo do que o habitual não cobrar honorários fazer negócios aceitar presentes valiosos os limites profissionais podem ser restau rados desde que o terapeuta reconheça e examine o que o levou a se comportar de modo diferente da sua rotina e como isso se entrecruza com a psicopatologia do paciente A busca de supervisão ou a discussão do caso com outro colega pode ser necessária para recolocar o tratamento no rumo Às vezes quando uma paciente experimen tou graves negligências e abusos na infância 60 dos casos ela pode desejar que o tera peuta lhe dê o amor que esteve ausente Alguns terapeutas podem entrar em sintonia incons ciente com esses desejos e engajarse em fan tasias próprias de resgate e recuperação das perdas afetivas precoces relatadas Tal conluio inconsciente leva a contatos físicos crescentes até mesmo a interações sexuais a mais catas trófica de todas as transgressões do contrato terapêutico O terapeuta que trabalha com pa cientes borderline tem de estar portanto aten to ao surgimento dessa dinâmica transferen cialcontratransferencial e buscar orientação 626 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs supervisão ou tratamento psicoterápico próprio sempre que se configurar um risco sério de rup tura das normas éticas e profissionais do tra tamento Porém sendo mantido o setting situa ções contratransferenciais podem ser importantes para compreender melhor o sofrimento dos pacientes A seguir é ilus trado como uma manifestação grave de despersonalização de uma paciente border line despertou sentimentos intensos no te rapeuta os quais no entanto contribuíram para facilitar o desenvolvimento do proces so psicoterápico Intervenções do terapeuta Gabbard38 sugere que as intervenções psi coterapêuticas se distribuam ao longo de um espectro No extremo expressivo esta riam a interpretação a confrontação e o esclarecimento No que se refere ao polo de apoio incluiríamse o encorajamento a va lidação empática os conselhos os elogios e as rea firmações Entre todas essas interven ções apenas as interpretações são específi cas das psicoterapias psicodinâmicas tendo um foco transferencial ou extratransferen cial Na psicoterapia com pacientes bor derline mesmo que todas as intervenções acabem sendo usadas serão comentadas apenas as interpretações as confrontações e a validação empática As relações de objeto de acordo com Kern berg e colaboradores39 se constituem por uma representação do eu self e por uma representação do objeto ligadas entre si por um afeto dominante p ex ódio amor inveja preocupação que Kernberg chama de díades de relações de objeto No caso dos pacientes borderline descrevemse várias díades comuns invariavelmente reencena das na transferência p ex criança vítima pais sádicos criança rejeitadapais negli gentes criança carentepais egoístas crian ça raivosapais impotentes entre outras39 Presumindose que a mente do paciente esteja cindida entre partes dissociadas e de sintegradas de representações de díades do euobjeto as interpretações transferenciais seriam a ferramenta principal para a esclarecer como as atuações do paciente servem para defendêlo dessas percep ções internas b detalhar qual díade de relações de objetos está em atividade c evidenciar qual relação de objetos sub jacente está sendo defendida34 Quanto à eficácia das interpretações transfe renciais um estudo de Gabbard e colabora dores40 sugere que elas sejam de alto ganho e alto risco isto é são as que têm potencialmen te o maior impacto no paciente tanto do pon to de vista negativo provocando acentuada de terioração na relação com o terapeuta quanto positivo com substancial melhora dessa rela ção O fator mais relacionado com um ou ou tro dos efeitos parece ser a presença prévia ou não de uma aliança terapêutica consistente e a existência de um adequado processo de vali dação empática das experiências do paciente As confrontações não significam um enfrentamento agudo com o paciente Elas servem para evidenciar a ele que suas co municações envolvem material psíquico dissociado e não integrado Isto é o obje tivo da confrontação é trazer à percepção do paciente as incongruências do que ele Psicoterapia de orientação analítica 627 relata de juntar vivências que experimenta sepa radamente ou nem sequer experimen ta atuando ou somatizando Desse mo do tentase trazer à atenção do paciente as contradições que ele percebe e que não considera importantes mesmo que intei ramente discrepantes em relação a outras ideias sentimentos ou ações do próprio paciente34 São exemplos de confrontações a Você diz que aguenta maustratos do companheiro por não ter condições fi nanceiras de se separar Porém relata ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Rosa é uma dona de casa de 47 anos com traços histéricos comportamentos conflituosos com a família e ideação suicida crônica Há quatro anos apresenta sintomas compatíveis com transtorno da personalidade bipolar tipo II e é medicada com estabilizadores do humor sem maiores melhoras no relacionamento caótico com a família bem como na sensação de infelicidade e na vontade de morrer Filha de pai branco que se suicidou e de mãe negra foi encaminhada para adoção quando ainda era pequena e teve uma infância tumultuada Mulata clara foi adotada por uma mulher branca que a registrou como filha Desde pequena desprezou as próprias origens e evitou qualquer contato com a mãe biológica Ao entrar na puberdade seu cabelo começou a encarapinhar A mãe branca repudiou o fato e desde os 11 anos de idade obrigoua a usar uma peruca loira de cabelos lisos que a paciente nunca mais tirou a não ser para trocar por uma nova Casouse aos 18 anos e teve dois filhos porém nem o marido nem os filhos jamais a vi ram sem a peruca usava a justificativa de que tinha uma doença congênita que a deixara calva Durante a internação a paciente começou a apresentar sintomas dissociativos inesperados em que outra personalidade sua se comportava de forma arrogante agressiva e ameaçadora diferente do seu eu normal cooperativo e dócil Essas súbitas mudanças de personalidade passaram a provocar ansieda de crescente na equipe que a atendia Durante uma entrevista de avaliação a paciente que até então fa lava calmamente deu um soco no braço de sua cadeira e com voz grossa e alta passou a vociferar con tra os presentes gritando que iria matálos que eram desprezíveis e que mereciam ser eliminados junto com aquela negrinha fedida O impacto das ameaças sublinhado pelo soco na cadeira e a voz raivosa deixou a todos imobilizados e assustados A partir do que sentiu no entanto o supervisor imaginou que esses podiam ser sentimentos de uma parte cindida da mente da paciente uma parte assustada frágil carente e confusa quanto à pró pria identidade simbolicamente a parte carapinha não aceita e que precisava ser eliminada manti da cronicamente submetida e imobilizada pela parte onipotente sádica e controladora que usava peruca que não permitia que a outra se manifestasse e se integrasse ao ego da paciente Assegurandose de que a entrevista poderia prosseguir foi perguntando à paciente se havia condi ções de o diálogo continuar ou se preferia interrompêlo e sair do consultório o supervisor assinalou que no fundo ela esperava que a equipe não se assustasse com seus gritos que talvez ela estivesse solicitan do ajuda para também não se atemorizar com essas ameaças internas e conseguir retirar sua peruca a fim de tentar viver uma vida menos dividida A agitação da paciente foi se extinguindo e a entrevista pros seguiu fluente com sua parte normal reassumindo o controle e relembrando a angústia que foi passar a vida toda se escondendo de si mesma da família e dos outros 628 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs despreocupada que lhe foi oferecido um bom emprego e que o recusou porque não queria acordar cedo O que você acha disso b Você diz que não sente nada a meu res peito nem acha importante o tratamen to Porém quando lhe avisei que não po deria atender na semana que vem você me acusou de negligente e irresponsável Que lhe parece essa contradição A validação empática evidencia a sin tonia do terapeuta com estados internos do paciente e deriva fundamentalmente da importância que lhe confere a psicolo gia do self Essa intervenção envolve refor çar de forma ativa a realidade das percep ções do paciente e identificar as funções adaptativas de seus comportamentos e de fesas tentando ao mesmo tempo manter o equilíbrio entre escutar com simpatia os relatos de maustratos na infância reco nhecendo as experiências injustas e trau máticas a que foi submetido e não assu mir sem adequado exame crítico a inteira responsabilidade do ambiente acusado na situação atual31 Intervenções desse ti po são as que começam por admitir que não deve ter sido fácil passar pelo que você passou ou entendo que você se deprima quando relembra seu desamparo quando sua mãe foi embora Também são comen tários empáticos aqueles que assinalam ao paciente que o terapeuta entende o quanto não é fácil ouvir o que ele lhe tem dito ou vai dizer por exemplo talvez você vá se sentir criticado mas mesmo assim preci so assinalar que É importante validar as observações corretas que o paciente faz em relação a sentimentos do terapeuta co mo irritação aborrecimento sono ou de equívocos que ocorrerem como atrasos repetidos bocejos frequentes olhar conti nuamente para o relógio término adianta do das sessões comentários irônicos CONSIDERAÇÕES FINAIS Elementos permanentes no manejo dos pa cientes borderline incluem a disponibilida de para responder às frequentes situações de crise que costumam ocorrer monitorar os comportamentos de risco e a segurança do paciente resistir às constantes infrações do contrato terapêutico participar de equi pes multiprofissionais que às vezes têm que ser mobilizadas além de estar atento a fenômenos característicos desses pacientes como a dissociação splitting e a violação de fronteiras profissionais Por se tratar de pacientes difíceis um terapeuta que decida atendêlos deve ter suficiente experiência clínica treinamento adequado e traços de personalidade com patíveis com tal função terapêutica3133 Con siderase uma boa experiência clíni ca a que envolva pelo menos dois anos de contato intensivo com pacientes borderline se possível em diversos contextos terapêu ticos Já treinamento adequado implica a supervisão de vários casos por igual pe ríodo de tempo Dada a intensidade das emoções contratransferenciais mobilizadas e a volatilidade como se alternam durante as sessões é desejável que junto com a su pervisão dos casos os terapeutas também estejam em tratamento psicoterápico psi codinâmico pessoal A respeito das qualidades pessoais de cada terapeuta estas envolvem firmeza e confiança para estabelecer limites sentir se relativamente à vontade com a própria agressividade mostrarse consistente nas combinações e decisões ter mais atividade e maior participação nas sessões poder con viver com a incerteza gerada por pacientes manipuladores incluindo os cronicamente suicidas ser capaz de trabalhar em equipe e de fazer supervisões e sobretudo acredi tar que os pacientes possam melhorar com essa ajuda31 Psicoterapia de orientação analítica 629 REFERÊNCIAS 1 Freud S Neurose e psicose In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 19 p 18493 2 Stern A Psychoanalytic investigation and therapy in borderline group of neuroses Psychoanal Q 1938746789 3 Skodol AE Oldham JM Assessment and diagnosis of borderline personality disor der Hosp Community Psychiatry 1991 421010218 4 Paris J Management of acute and chronic suicidality in patients with borderline per sonality disorder In Paris J editor Border line personality disorder etiology and tre atment Washington American Psychiatric 1993 p 37383 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O TPB é uma patologia complexa que abrange um grupo heterogêneo de pacientes o que inviabiliza a prescrição de um modelo único de tratamento 2 As características básicas do TPB incluem déficits importantes no relacionamento interpessoal instabi lidade afetiva impulsividade e um sentimento fragmentado da própria identidade 3 No modelo da mente que prioriza na patologia borderline a existência de conflitos intrapsíquicos preco ces em torno de um excesso inato de agressão e de relações patológicas de objeto internalizadas as técnicas terapêuticas se baseiam na confrontação das dissociações e nas interpretações transferen ciais no aqui e agora do conteúdo das fantasias inconscientes e das ansiedades associadas 4 Na concepção que enfatiza déficits reais de cuidadores na infância a importância terapêutica recai sobre o próprio processo interpessoal que é desenvolvido na relação terapêutica e na capacidade de a partir dele o paciente construir ou reparar estruturas mentais estabilizadoras e criativas previamente inexistentes ou precárias 5 Os elementos em comum entre as psicoterapias efetivas dos TPBs são a setting estável e estruturado b maior atividade do terapeuta c tolerância das transferências negativas d ligação dos comportamentos autodestrutivos às frustrações do paciente e limites para as atuações f estabelecimento de conexões entre as ações e os sentimentos do paciente com a situação presente g foco nas confrontações e interpretações do presente h monitoramento da contratransferência para compreender o paciente 6 Desenvolver respostas terapêuticas adequadas às emoções intensas e caóticas despertadas pelos pacientes constitui o principal desafio técnico dessas psicoterapias 7 Elementos básicos no manejo dos pacientes incluem a ter disponibilidade para responder às situações de crises b monitorar comportamentos de risco e a segurança do paciente c resistir a constantes infrações do contrato terapêutico d participar quando necessário de equipes multiprofissionais e ter um treinamento adequado e uma supervisão mínima de dois anos no atendimento desses casos f estar em tratamento psicoterápico pessoal 630 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 5 Zanarini MC Frankenburg FR Dubo ED Sickel AE Trikha A Levin A et al Axis I co morbidity of personality disorders Am J Psychiatry 19981551217339 6 Stone MH The borderline syndrome evolu tion of the term genetic aspects and prog nosis In Stone MH editor Essential papers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York Universi ty 1986 p 47597 7 Stone MH editor Essential papers on bor derline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 8 Hoch P Polatin P Pseudoneurotics forms of schizophrenia In Stone MH editor Es sential papers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 11947 9 Deutsch H Some forms of emotional dis turbance and their relationship to schizo phrenia In Stone MH editor Essential pa pers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 7491 10 Kernberg OF Borderline personality orga nization In Stone MH editor Essential pa pers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 279319 11 Knight RP Estados fronterizos In Knight RP Psiquiatria psicoanalítica Buenos Aires Paidós 1962 p 11348 12 Modell AH Primitive object relationship and the predisposition to schizophrenia Int J Psychoanal 196344328292 13 Frosh J The psychotic character clinical psychiatric considerations In Stone MH editor Essential papers on borderline disor ders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 26378 14 Grinker R Werble B Drye RC The grinker study In Stone MH editor Essential papers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York Universi ty 1986 p 32056 15 Gunderson JG Singer MT Defining border line patients an overview Am J Psychiatry 19751321110 16 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSMIII 3rd ed Washington Ameri can Psychiatric Association 1980 17 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Washington American Psychiatric Association 2013 18 Gabbard GO Combining medication with psychotherapy in the treatment of persona lity disorders In Gunderson JG Gabbard GO editors Psychotherapy for personality disorders Washington American Psychia tric 2000 p 6594 19 Kernberg OF Borderline conditions and pa thological narcissism New York J Aronson 1975 20 Kernberg OF Object relations theory and clinical psychoanalysis New York J Aron son c1976 21 Kernberg OF Severe personality disorders New Haven Yale University c1984 22 Klein M Notas sobre algunos mecanismos esquizoides In Klein M Desarrollos en Psi coanálisis Buenos Aires Hormé 1962 p 25276 23 Klein M The psychoanalysis of children London Karnak 1998 24 Clarkin JF Kernberg OF Developmental factors in borderline personality disorder and borderline personality organization In Paris J editor Borderline personality disor der etiology and treatment Washington American Psychiatric 1993 25 Kohut H The restoration of the self New York International University c1977 26 Adler G The myth of the alliance with bor derline patients Am J Psychiatry 1979 13656425 27 Zetzel ER A developmental approach to the borderline patient Am J Psychiatry 1971 127786771 28 Winnicott DW The theory of the parentin fant relationship Int J Psychoanal 196243 2389 29 Buie DH Adler G Definitive treatment of the borderline personality Int J Psychoanal Psychother 1982198395187 30 Horwitz L Gabbard GO Allen JG Frieswyk SH Colson DB Newsom GE Borderline personality disorder tailoring the psycho therapy to the patient Washington Ameri can Psychiatric c1996 Psicoterapia de orientação analítica 631 31 Gunderson JG Psychodynamic psychothe rapy for borderline personality disorder In Gunderson JG Gabbard GO editors Psychotherapy for personality disorders Washington American Psychiatric 2000 p 3364 32 Lineham MM Skills training manual for treating borderline personality disorder New York Guilford 1993 33 Waldinger RJ Intensive psychodynamic the rapy with borderline patients an overview Am J Psychiatry 1987144326774 34 Yeomans FE Clarkin JF Kernberg OF A pri mer of transferencefocused psychothera py for the borderline patient Northvale J Aronson c2002 35 Koenigsberg HW Kernberg OF Stone MH Appelbaum AH Yeomans FE Borderline patients extending the limits of treatability New York Basic Books 2000 36 Gabbard GO Psychodynamic psychothera py of borderline personality disorder a con temporary approach Bull Menninger Clin 20016514157 37 Gabbard GO Wilkinson SM Management of countertransference with borderline pa tients Washington American Psychiatric c1994 38 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica ba seado do DSMIV 2 ed Porto Alegre Art med 1998 39 Kernberg OF Selzer MA Koenigsberg HW Psicoterapia psicodinâmica de pacientes bor derline Porto Alegre Artes Médicas 1991 40 Gabbard GO Horwitz L Allen JG Frieswyk S Newsom G Colson DB et al Transfe rence interpretation in the psychothera py of borderline patients a high risk high gain phenomenon Harv Rev Psychiatry 1994225969 O objetivo deste capítulo é conceitualizar e a partir de exemplos clínicos examinar aspectos teóricos e técnicos da perversão como um fenômeno que pode manifes tarse na relação terapêutica desviandoa de forma momentânea ou permanente de seu objetivo básico ou seja como uma situação problemática transferencialcon tratransferencial A justificativa mais ime diata para tal enfoque é que seja em um tratamento psicanalítico standard seja em uma psicoterapia de orientação analítica independentemente da posição teórica e técnica do terapeuta acerca das interpre tações transferenciais quando tal situação perversa se instala na relação ela necessita converterse no foco central das tentativas de compreensão interpretação e elabo ração Caso contrário o tratamento não apenas se torna inútil e ineficaz como é transformado em uma relação basicamen te patológica A justificativa mais ampla é que to dos os conceitos psicanalíticos utilizados pela psicoterapia inspirada na psicanálise nasceram e são aplicados na única situação disponível para a observação e intervenção do terapeuta isto é na relação terapêutica Nesse sentido conforme aponta Green1 a transferência não é mais um dos concei tos da psicanálise a ser pensado como os outros ela é a condição a partir da qual os outros podem ser pensados E da mesma maneira a contra transferência não se limita mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos ou não ana lisados do analista capazes de falsear sua escuta tornase o correlato da transferên 37 ABORDAGEM DAS SITUAÇÕES PERVERSAS NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA Raul Hartke Nunca é demais repetir que a descoberta psicanalítica é a do inconsciente e da sexualidade no sentido que Freud dá a ela Laplanche 1987 É preciso insistir na prioridade atribuída à interpretação conjectural do intrapsíquico em sua articulação com o intersubjetivo em vez da referência à interação interpessoal pois o psíquico não pode ser reconduzido à ação e o sujeito à pessoa Green 1991 Psicoterapia de orientação analítica 633 cia caminhando ao seu lado induzindoa às vezes e para alguns precedendoa A relação do fenômeno transferen cialcontratransferencial perverso a ser examinado com as perversões sexuais clí nicas é complexa não linear nem obriga tória Pode evidenciarse durante o pro cesso terapêutico com pacientes que não apresentam clinicamente uma perversão mas não constitui o padrão característico destes Entretanto representa um desafio permanente no trabalho terapêutico com pa cientes perversos sem todavia consti tuir a única forma de relação presente nes ses casos Em virtude disso a melhor maneira de enca minhar essa questão é manter uma distinção como o fazem vários autores entre parte per versa2 ou dimensão perversa3 da mente hu mana de um lado e de outro a perversão clí nica Isso exige o exame dos fatores que levam tal parte perversa ao domínio com pleto da mente em alguns casos enquanto em outros permanece apenas como uma potencialidade mas esse aspecto foge dos objetivos e das possibilidades do capítulo De qualquer modo postulandose a exis tência dessa dimensão perversa em todos os seres humanos devese levar em con sideração sua presença também na mente do terapeuta durante as sessões gerando o risco permanente de conluios com a par te correspondente do paciente e assim da perversão de toda a psicoterapia Nesse sentido partindo de uma perspectiva psi canalítica intersubjetiva Ogden4 enfati za a importância de se considerar sempre a contribuição conjunta do paciente e do terapeuta na criação e na manutenção da relação perversa isto é na constituição do que chama de o sujeito perverso da aná lise É preciso observar que nesse caso sujeito significa para Ogden um ter ceiro intersubjetivo formado a partir das subjetividades de cada um dos dois partici pantes e com elas relacionandose de forma dialética Na medida em que será examina da uma situação desviadora dos objetivos normais da relação terapêutica é preciso expor a concepção acerca do que seria a essência desta última Assim podese con siderar que o objetivo da psicanálise e por extensão de uma psicoterapia de inspira ção analítica é o de possibilitar a criação e a manutenção de uma experiência emocio nal na relação entre paciente e terapeuta que não deverá ser nem desconsiderada nem convertida em ação mas compreendi da quanto a suas motivações inconscien tes verbalizada interpretada e elaborada com o fito de ampliar a capacidade mental Essa ampliação da capacidade mental em última instância da capacidade de sim bolização possibilitará que as emoções sejam processadas de forma mais ampla psiquicamente em vez de transformadas em sintomas inibições ou padrões pro blemáticos de comportamento Ao mesmo tempo essa relação adoecerá justamente da enfermidade do paciente5 e isso não é ape nas inevitável mas necessário porque caso não ocorra o problema em si não poderá ser tratado Tanto o nível de profundidade da experiência emocional na relação como o grau de alcance extensão e detalhamento de sua compreensão interpretação e elabo ração são diferentes na análise em compa ração com a psicoterapia de base analítica mas a essência da situação permanece a mesma 634 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Durante o tratamento de pacientes com perversões sexuais o terapeuta de frontase reiteradamente com uma situa ção relacional que abstraída e articulada quanto a seus elementos fundamentais revela a seguinte conjunção constante6 1 Uma pressão sutil ou explícita no sentido de que existe só uma mente para os dois participantes da relação os quais dessa forma sentiriam e pen sariam sempre e exatamente da mesma maneira ou então o que resultaria idêntico de que esteja presente apenas uma mente independente sendo a ou tra somente um apêndice da primeira existindo para acolhêla referendála e admirála incondicionalmente Tudo e todos que interferem nesse desejo despertam angústia e ódio Este últi mo é dirigido ao terapeuta ou com maior frequência a algo ou alguém vivenciado como um terceiro interveniente a ser des valorizado e suprimido O setting em si na medida em que constitui um contrato acordado entre os dois participantes que ambos devem respeitar assim como a ca pacidade do terapeuta de compreender e inter pretar o que ocorre na relação revela dora de uma mente própria são vivencia dos como interventores desse tipo e como tais atacados com o objetivo de serem eli minados 2 Uma tentativa constante de tornar im produtiva estéril a potencialidade cria tiva e terapêutica da relação mediante sua substituição por outra em última análise sadomasoquista intensamente erotizada e idealizada a ponto de ser vivenciada como melhor que a anterior a qual passa a ser desdenhada com ar rogância Nessa circunstância a troca receptiva e fecunda entre duas mentes é convertida em uma relação na qual um dos participantes deve ser apenas o objeto passivo e submisso dos desejos e das imposições do outro Mais uma vez essa tentativa pode ser explícita mas em outras ocasiões fazse presente de modo sutil sob uma aparência de trabalho colaborador e produtivo Há casos em que pode ser identificada apenas por meio de sonhos relatados pelo paciente ou sonhados pelo terapeuta A presença da transformação sadomasoquista idealizada é imprescindível para a caracteriza ção do fenômeno em questão não sendo sufi ciente a evidência apenas do primeiro elemen to ou mesmo deste acompanhado da esteriliza ção da relação Segundo o ponto de vista teórico aqui adotado esses dois elementos constituem nessa situação específica dois polos in terdependentes de uma mesma estrutura cada qual originando sustentando e ao mesmo tempo sendo criado e mantido pe lo outro Ademais essa estrutura reflete o funcionamento de uma parte da mente or ganizada de uma forma patológica no que diz respeito às relações básicas da criança com sua mãe e com o casal parental con forme será discutido na parte teórica Após ilustrarmos aspectos clínicos e técnicos de tal fenômeno revisaremos os principais modelos psicanalíticos que procuram explicar a origem e o desen volvimento das perversões lembrando que todos surgiram a partir do que po de ser inferido na relação transferencial contratransferencial extrapolada para a construção de hipóteses sobre o surgi Psicoterapia de orientação analítica 635 mento e o estabelecimento das perversões clínicas Essa revisão será concluída com a apresentação de um modelo teórico que tenta articular alguns dos elementos de maior significado clínico entre os modelos apresentados a partir de uma perspectiva específica Serão relatadas situações clínicas de tratamentos de três pacientes nos quais esse tipo de relação perversa ocorria com parti cular intensidade Para tornar a descrição a mais clara possível foram selecionadas situações em que um ou outro dos com ponentes enumerados está bem evidente e detalhado É mister salientar a proposição de que a nível profundo eles estão cons tantemente conjugados bem como enfati zar que podem manifestarse também em pacientes que não apresentam uma perver são clínica Nos casos de perversão clini camente estruturada a questão do tipo de tratamento de escolha é controversa Para alguns apenas a psicanálise standard esta ria recomendada Para outros7 a indicação seria uma forma especial de psicoterapia de orientação analítica Como quer que seja os intensos desafios técni cos e contratransferenciais suscitados por tais situações recomendam que o psicoterapeu ta tenha uma vivência de tratamento psicote rápico ou analítico pessoal e que quando me nos experiente ou nos casos mais graves pos sa contar com o auxílio de um supervisor No primeiro caso ficam mais des tacadas as motivações angústias e defesas vinculadas ao primeiro dos elementos da conjunção constante em exame embora também sejam frequentes as situações de esterilização e transformação sadomaso quista da relação TRÊS RELATOS DE SITUAÇÕES PERVERSAS NA RELAÇÃO TRANSFERENCIAL CONTRATRANSFERENCIAL O paciente A tinha 25 anos namorava uma jovem de sua idade mas periodica mente procurava saunas e cinemas para homossexuais observando homens nus masturbandoos ou se deixando mastur bar aceitando que lhe praticassem felação ou eventualmente praticando coito anal como parceiro ativo Quando pequeno a mãe por vezes o vestia com trajes femini nos mais tarde ainda na infância A usava vestidos dela às escondidas Há indícios de a mãe ter sofrido depressão pósparto Ele a descrevia como uma pessoa sensível com dotes artísticos e ao mesmo tempo segura e forte o verdadeiro sustentáculo da casa mesmo sendo mantida pelo marido pai de A que no seu modo de ver fazia ape nas o que ela desejava A lembravase de que quando pequeno ficava sentado junto a ela na sala de televisão até altas horas da noite enquanto o pai já estava dormindo no quarto pois costumava deitar cedo Sentia como se ele e a mãe nem precisassem falar um com o outro para saberem o que cada um estava vivenciando e pensando O pai era referido como alguém que sempre chegava atrasado nas situações emocionais em que era esperado ou necessitado Tentarei descrever um tipo de situa ção transferencialcontratransferencial bas tante frequente e característico em especial no início da análise A situação começava com o paciente relatando algum material significativo com ressonância emocional e que despertava em mim um sentimento de que um trabalho produtivo estaria come çando Ele prosseguia falando e durante certo tempo eu considerava estar diante 636 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de associações ricas que possibilitariam à medida que eu deixasse minha mente solta uma compreensão da situação emocional em curso O relato do paciente continuava novas vertentes apareciam outros detalhes eram referidos surgiam imagens interes santes mas após algum tempo eu passava a sentir a desagradável sensação de estar envolto em um complexo emaranhado de sentimentos imagens e ideias sem ter por onde sair Ocorriame um sentimento de confusão de estar amarrado uma sensação de impotência Não raramente sentia então a ne cessidade de forçar minha mente a compor um pensamento e de agarrarme a qual quer ponto do material a fim de juntar e dar algum sentido a todo aquele discurso que continuava se expandindo e ficava cada vez mais enigmático Isso me levava algu mas vezes movido por ansiedade confor me logo passei a compreender a efetuar alguma interpretação que tentava aparen temente dar um significado ao material mas que na realidade visava a tirarme do sentimento de confusão e impotência E com frequência a resposta de A quando eu fazia uma interpretação dessa índole era algo no estilo é mas também não é exa tamente assim isso criava um clima de incerteza com um sentimento de que eu estava no rumo não deveria desistir mas de que o ponto ainda não era aquele e pre cisaria portanto entrar ainda mais fundo naquele mundo enigmático Outras vezes ocorriame a vontade de insistir em deter minada interpretação com uma decisão e ênfase que na verdade continham uma ir ritação subjacente Passei então a considerar que essa si tuação transferencialcontratransferencial estava refletindo algo importante do mun do interno de A e de sua relação comigo Entretanto embora me ocorressem algu mas hipóteses julguei necessário aguardar até que algo no material verbal do paciente fornecesse uma indicação mais clara e se gura do que vinha acontecendo a fim de que não houvesse o risco de a compreensão surgir unicamente da minha mente e para que eu também tivesse um ponto de apoio para uma interpretação que conseguisse de fato alcançálo naquele momento Pouco depois A relatou um sonho que preencheu essas condições nele A estava caminhando sobre uma formação rochosa onde se encontravam homens ad mirados por ele pela sua masculinidade Enxergou então ao lado uma espécie de tobogã natural na rocha um longo liso e agradável declive que terminava muitos metros abaixo em um poço cheio de uma água extremamente límpida A sentiu vontade de deixarse escorregar até cair no poço mas começou a temer que depois de mergulhar não conseguisse mais voltar à superfície morrendo afogado Isso se devia ao fato de que imaginava existir no fundo do poço um labirinto de túneis sem saída no qual ficaria trancado O detalhe mais in sólito do sonho era para A a presença de uma sereia sentada à beira do poço Suas associações giraram em torno da tentação que lhe despertavam o tobogã e a água límpida e ao mesmo tempo do pavor que lhe suscitava a ideia de morrer preso e afogado em um labirinto de túneis sub mersos Passou a falar sobre o sentimento de acabar sufocado pelas pessoas com as quais se relacionava de forma mais estreita como a namorada por exemplo Acrescen tou que em certos momentos experimen tava a sensação de estar entrando em um brete quando atravessava a sala de espera do meu consultório passava pelo espaço intermediário e chegava à sala de atendi mento Depois muito hesitante relatou outro temor tendo observado que eu pos suía algumas obras de arte no consultório estava com medo de que eu por gostar de Psicoterapia de orientação analítica 637 arte tivesse também alguma tendência ho mossexual o que o deixaria perdido pois assim não poderia contar comigo para ajudálo a tornarse de fato um homem Disselhe a essa altura que ele estava eviden temente manifestando o temor de ser seduzi do por mim no sentido de entregarse ao tra tamento e acabar sendo aprisionado e anulado como pessoa da forma como sentira na sua re lação com a mãe mas que esse temor derivava da sua própria atração por uma relação desse tipo evidenciada na tentação que o tobogã e o poço lhe despertavam no sonho A confirmou o temor de acabar fi cando conforme expressou totalmente dependente de mim perdendo sua indi vidualidade e autonomia Em seu modo de sentir muitas vezes na infância fizera mais o que julgava ser o desejo de sua mãe e não seu próprio interesse Voltei a mencionar a atração que ele sentira pelo tobogã procu rando mostrarlhe sua parte nesse tipo de relacionamento A começou a discorrer em detalhes sobre suas impressões e senti mentos em relação ao tobogã e ao poço de águas límpidas do sonho Assim falou lon ga e vividamente sobre como deveria ser de fato agradável escorregar em um tobogã natural daquele tipo e como seria delicioso cair em uma água límpida e fresca como a do sonho em um dia de verão A essa altu ra também comecei a imaginar uma situa ção desse tipo e já havia deixado para um segundo plano na minha mente a questão da sereia e dos túneis perigosos aos quais A não mais fazia menção Logo me dei conta de que estivera despercebidamente deslizando para dentro das imagens relata das por A e percebi então que o labirinto de túneis perigosos e a sereia não estavam mais sendo referidos porque haviam deixa do a esfera do relato e começado a acon tecer dentro da sessão Ou seja naquele momento A conseguira criar um tobogã de imagens sedutoras como um canto de sereia e eu por um momento deixara me enlear por isso Lembreime da situa ção transferencialcontratransferencial há pouco relatada e a compreendi como outra manifestação desse mesmo canto de sereia capaz de destruir minha função analítica caso me deixasse levar por ele Interpretei portanto que naque le momento com sua longa descrição do prazer relacionado a tobogãs e águas fres cas em dias de verão A estava tentando fazer com que ficássemos ali envolvidos na imaginação agradável de cenas desse tipo Assim procedendo conseguiria evitar que continuássemos examinando aspectos seus que não gostaria de encarar essa descrição começara logo após eu ter voltado a men cionar sua própria atração por relaciona mentos nos quais ficaria completamente dependente Em outras palavras a sereia apareceu como uma parte dele mesmo tentando com um canto sedutor enlear nos em situações aparentemente agradá veis mas na verdade anuladoras do tra balho que precisávamos fazer ali ou seja ajudálo a conhecerse a si próprio a reco nhecer desejos que eram seus e que tendia a atribuir a mim e a lidar com isso Depois relacionei isso com a ma neira como muitas vezes desenvolvia seu discurso nas sessões nos moldes expostos na situação transferencialcontratransfe rencial referida que lhe descrevi de modo claro e simples Ele disse que por vezes percebia em si uma tendência a deixar ocorrer o que chamou de uma trincagem ou embaralhamento do assunto sobre o qual estava falando sem sentir vontade de procurar esclarecêlo Afirmou que na verdade se divertia com isso Logo de pois contou que certa vez ouvira sua mãe 638 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs queixandose para o marido de que A era uma criança enigmática e de que tinha dificuldades para conhecêlo realmente Acrescentou que na ocasião isso lhe des pertou um secreto prazer Vimos então como procurava reproduzir essa situação na relação comigo A prosseguiu dizendo que ao mesmo tempo tinha medo de que eu não conseguisse lidar com isso e temia perceber alguma hesitação de minha parte necessitandome segundo suas palavras como uma pessoa de princípios defini dos Disselhe que sua atração pelos ho mens másculos no sonho representava um desejo de aproximarse e ter para si uma figura masculina que o protegesse da tenta ção pelo canto da sereia e que ele esperava isso de mim naquele momento relacionei essa situação com o desejo manifestado à colega que o encaminhou a mim de que seu analista fosse do sexo masculino Após a análise desse sonho passei a ter a sensação de compreender de dentro para fora por meio de meus próprios sen timentos e reações contratransferenciais o drama emocional de Ulisses no episódio das sereias Entendi que precisava manter meus ouvidos abertos para o que A me dizia a fim de poder compreendêlo mas também necessitava estar protegido de al guma forma para não ser dragado para dentro do seu mundo enigmático e ter assim minha capacidade mental e fun ção analítica destroçadas Fiquei também imaginando que o mastro ao qual Ulisses foi amarrado representaria a identificação com o pai com o pênis paterno com o princípio da realidade que o protegeria da sedução mortífera das sereias Pensei que A precisava exatamente conseguir estabe lecer dentro de si essa identificação com o pai que o protegeria do objeto materno sentido como sedutoramente engolfante e destruidor constituído em grande pro porção por uma parte dele mesmo que deseja atacar o pai e suas funções para per manecer dentro de um universo materno sem o princípio de realidade conforme se evidenciou durante a análise do sonho re ferido Considerei além disso que minha reação du rante a situação transferencialcontratransfe rencial relatada ao forçar em minha mente alguma espécie de compreensão e derivar dali qualquer interpretação poderia além de aler tarme para esse risco contratransferencial auxiliarme a compreender algo importante do mundo interno de A Conforme referi aquelas compreen sões e eventuais interpretações eram na realidade pensamentos que não visavam a uma verdadeira aproximação esclare cimento e representação mental da expe riência emocional em curso mas serviam de barreiras contra a angústia de engolfa mento e a impotência Tais barreiras eram construídas com pensamentos forjados e portanto falsos embora também repre sentassem tentativas de manterme men talmente vivo naqueles momentos A partir disso considerei que A tam bém poderia seguidamente tentar construir dentro de si pensamentos e ao seu redor situações de vida que seriam equivalentes quanto à origem e à função àquelas minhas pseudocompreensões e interpretações Nesse sentido pensei que poderia evi denciarse em A uma tendência a utilizar minhas interpretações como objetos men tais idealizados como falsos mastros para servirem de barreiras contra suas an gústias e não como instrumentos visando ao insight O insight e as interpretações que pudessem produzilo seriam então viven ciados como uma interferência em relação ao desejo de viver em um mundo sem prin Psicoterapia de orientação analítica 639 cípio da realidade como o outro perturba dor o pai e seu pênis odiado e atacado A tentativa de levar esse processo adiante no sentido de não apenas usar minhas interpretações como barreiras ao verdadeiro insight mas além disso de transformar nossa relação terapêutica em um conluio sadomasoquista estéril ficou mais evidente em outro momento A certa altura comecei a perceber que com fre quência depois que eu lhe oferecia uma in terpretação A parecia aceitála começan do a pensar sobre o que lhe havia mostrado e agregando outras situações de vida que a confirmavam Porém à medida que o tem po passava eu notava que ele começava a dar um tom autoacusatório ao que perce bera sobre sua pessoa passando então de forma sutil mas constante a criticarse e a depreciarse restandome a posição de quem lhe fizera não uma interpretação mas uma acusação Certo dia relatou o se guinte sonho estava em uma sala rodeada de espelhos De repente por alguma ação sua todos os espelhos eram quebrados e os fragmentos pontiagudos voavam em sua direção mas A sabia no sonho que não seria ferido já que a situação fora criada por ele e estava sob seu controle Disselhe que o sonho evidenciava o que vinha fazendo com minhas interpretações isto é com os espelhos que eu lhe propiciava para que pu desse enxergar a si próprio Ele os destruía e os transformava em fragmentos pontiagudos que passava então a jogar contra si mesmo cri ticandose e desvalorizandose mas tudo isso estava sob seu controle como algo feito orien tado e manipulado por ele e portanto já sem o poder de realmente atingilo Assim em seu mundo interno procurava anular meu papel analítico e transformarme em acusador em uma pessoa que o atacava ou seja atribuía a mim seus próprios desejos agressivos A reiterada análise de situações como essa deixou evidente que em níveis mais profundos A fantasiava entrar na mente e na vida de sua mãe na infância intro duziase concretamente em seus vestidos e transformarse na imagem que dela fazia sereia a fim de negar suas existências se paradas Nesse mesmo movimento psíqui co procurava também desfazer o que seria o triângulo edípico normal constituído por pai mãe e filho com as necessárias di ferenças de sexos e gerações assumindo o papel da mãe junto ao pai e puxandoo en tão para uma relação mortífera conforme desejava fazer comigo na situação transfe rencialcontratransferencial relatada Em outros momentos evidenciavase uma variante dessa cena sexual destrutiva na qual após mais uma vez identificarse com a mãe expunha ambos a um terrível ataque por parte do pai Isso pôde ser infe rido a partir do seguinte sonho Vejo uma mulher ruiva como sua mãe e ele dentro de uma banheira com bichinhos de borracha flutuando na água Eu a estou olhando da posi ção em que você me vê quando estou deitado aqui Aos meus pés está sen tado um homem Ele a imobiliza está com um facão na mão e percebo que vai cortar o braço direito dela e no coto restante enfiar um arpão Mas acordo antes de ver essa cena O significado transferencial do so nho é evidente pela posição a partir da qual descreve estar observando a mulhermãe com seus bichinhosbebês Nesse sentido podese constatar um complexo jogo de identificações projetivas Assim A ocupa meu lugar enquanto ao mesmo tempo se iden tifica com a mãe ela tinha cabelos rui vos como os dele e no sonho estava dei tada na posição em que ele fica em relação a mim outra parte sua identificada com 640 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs um pai sádico castrao corta o braço e na ferida resultante penetrao com um pênis destruidor representado pelo arpão O sonho possibilitou a análise de vários as pectos ligados a suas fantasias e atuações sadomasoquistas destacandose para os propósitos do momento suas frequentes tentativas de induzirme a fazer interven ções que o anulassem e ferissem equivalen tes a uma castração seguida de penetração sádica No próximo caso evidenciamse a in sistência e as motivações inconscientes do paciente no sentido de estabelecer e man ter com o terapeuta uma relação fusional idealizada isenta de frustrações contrarie dades agressividade e em última instância de quaisquer indícios que significassem a existência de um terceiro perturbador des sa situação por ele mesmo denominada de a ilha da fantasia B um paciente do sexo masculino procurava repetidamente homens que o humilhassem e o maltratassem inclusive fisicamente Com fre quência induziaos a exploraremno financei ramente Por ocasião do primeiro pagamento na análise incluiu o valor de uma sessão a mais mostrandose surpreso quando isso lhe foi as sinalado e afirmando que não percebera Logo após o início do tratamento ins tituiuse uma situação em que funcionava nas sessões como um bom menino um filho paciente absolutamente dependen te confiante em mim esperando que in clusive o orientasse em sua vida Desejava conhecer mais detalhes sobre minha vida pessoal para saber como eu lidava com minha mulher filhos e amigos a fim de aprender comigo a ser um homem já que ele se sentia um saco vazio isto é sem nada dentro de si Mostravase preocupado com minha saúde e segurança exatamente como sempre agira com sua falecida mãe e desejava nunca me incomodar Tudo isso era exposto de maneira que não me desper tava rechaço mas sim o risco perceptível para mim de adotálo como um filho pequeno O paciente B que praticava ri tuais homossexuais sadomasoquistas que se irritava e se magoava com as pessoas era uma parte sua que aparecia exclusivamente fora da nossa relação Quando eu apontava essa dissociação B dizia temer que eu vies se a repudiálo que me perdesse Entre ou tras coisas apontavalhe seu temor de que nossa relação não resistisse a eventuais pro vocações e ressentimentos manifestos por ele em relação a mim sentiame no fundo como alguém ao mesmo tempo frágil e exi gente a ponto de não suportar nem tole rar algo que não estivesse de acordo com o que supunha fossem meus desejos o que na verdade era uma reação que eventual mente percebia em si mesmo Mostreilhe que trazia apenas o bom filho para dentro de sua relação comigo Por um lado sentiase mais seguro mas por outro perdia a possibilidade de deixar aparecer no tratamento seus aspectos que mais o angustiavam isto é não podia ter me como seu analista assim como jamais conseguira abrirse realmente com sua mãe também por temer contrariála ou incomodála B disse que certa vez quando a mãe fazia alguma comida diferente ele sem pre afirmava que estava excelente mesmo quando não havia gostado Relacionei isso com um risco que teríamos na análise de ele sempre acatar as minhas interpretações concordasse ou não com elas ademais e frisei esse ponto impedindo o aparecimen to de seus aspectos problemáticos na rela ção analítica na qual poderiam ser trata dos Além disso pagandome sessões que não haviam ocorrido transformavame em Psicoterapia de orientação analítica 641 um mero explorador da mesma forma co mo fazia com outros homens De forma gradativa à medida que examinávamos essas situações princi palmente a dissociação na transferência outro conjunto de fantasias foi se eviden ciando Depois de algum tempo B revelou agarrarse à ideia de que existiriam dois Raul Assim o tu como em geral me chamava seria aque le que em sua fantasia estabelecia com ele a mesma relação que imaginou ter tido com a mãe e que a certa altura chamou de ilha da fantasia O Raul aparecia sempre que eu por qualquer razão fazendo alguma interpre tação por exemplo não correspondia ou des fazia essa ilha da fantasia onde deveríamos viver eternamente Eu passava então a ser visto como outra pessoa que em geral por razões alheias à nossa relação estaria irritada in comodada agressiva e por isso desejaria magoálo Certa vez enquanto relatava uma de suas visitas ao túmulo da mãe per maneceu longo tempo detalhando tudo o que lhe havia falado Fiquei ouvindo por algum tempo e a certa altura percebi que estava escutando quase como se fosse uma conversa entre duas pessoas reais como se sua mãe estivesse viva Então lhe disse sem pensar sobre isso de um modo espontâ neo como alguém que de repente percebe o outro falando sobre algo impossível de ocorrer Mas como é que ela vai te ouvir B Fez um longo silêncio emocionado pesado começou a chorar silenciosamente assim permanecendo até o fim da consul ta Na sessão seguinte relatou que ao sair sentira por alguns momentos uma inten sa raiva de mim mas que imediatamente dissera para si mesmo Não há razão para me irritar Quem falou aquilo foi o outro Raul E provavelmente falou assim por que se incomodou em casa com a mulher e estava irritado Isso segundo B logo o deixou aliviado e mais uma vez de bem comigo Na realidade até onde pude perce ber eu não estava irritado quando lhe disse aquilo mas desejoso de chamálo para a realidade por vêlo e até certo ponto a mim tão profundamente mergulhado em sua fantasia de que a mãe estava viva e em seu desejo de tornarme cúmplice da mes ma fantasia como muitas vezes fazia com seus familiares Foi possível compreender e interpre tar o fato de que ele insistia em levarme a renunciar meu papel de terapeuta e ingres sar junto com ele na ilha da fantasia permanecendo como analista quando eu era o Raul e deixando de ser o tu eu re presentava a mãe o tu que em vez de permanecer fundido com ele fora da rea lidade se aliava ao pai o Raul e o excluía deixandoo abandonado e com raiva Após iniciar a análise B modificou o trajeto que fazia de carro quando se dirigia para casa de modo todo dia a passar dian te do meu edifício procurando sempre al gum indício de minha presença ou ausên cia Disse necessitar manter a ideia de que eu estaria lá inclusive nos fins de semana porque temia ter uma crise de angústia precisar de mim e eu não estar disponível De fato em apenas uma ocasião em uma segundafeira telefonou chorando e muito angustiado pedindo para ter uma sessão o mais breve possível pois receava perder o controle Naquele fim de semana havia procurado homens compulsivamente um deles o mandou embora dizendolhe que não era seu pai tinha estado muito angus tiado e temia não conseguir mais respirar Isso ocorreu após eu terlhe avisado que não o atenderia durante duas semanas no mês seguinte Atendi seu pedido e ofereci lhe uma sessão extra naquele mesmo dia à 642 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tarde porque não me sentia seguro quanto a sua capacidade de suportar tal angústia Na sessão examinamos seu sentimento de abandono e desamparo pelo meu aviso da futura interrupção do tratamento Observamos também sua necessidade de tes tarme para ver se poderia realmente contar co migo em um momento de desespero Ao mesmo tempo porém aponteilhe como com tudo isso ele conseguira alterar nosso acordo de horários o que talvez lhe propiciasse certo prazer íntimo B resistiu a essa intervenção recu sandoa com polidez mais adiante no tra tamento porém a situação criada pôde ser proveitosamente relacionada às ocasiões em que na infância conseguia tirar sua mãe da companhia do pai à noite e forçá la a ficar com ele até que adormecesse ar gumentando estar com muito medo e falta de ar Em outra ocasião combinamos que me telefonaria para vermos uma mudança de horário de sessão Quando fez essa liga ção à noite e foi informado de que eu não estava devendo retornar apenas mais tarde ficou bastante desapontado e ansio so Ao examinarmos tal situação eviden ciouse que ela havia desfeito outra fanta sia mantida em um canto de sua mente a respeito de minha vida fora do consultório Imaginavame sentado na sala em uma poltrona do papai lendo algum livro sobre psicanálise enquanto minha mulher ficava na cozinha ou no quarto e meus fi lhos brincando em outra sala Ou seja não haveria qualquer interação entre mim e mi nha família e eu estaria em casa ocupado com assuntos relacionados ao meu traba lho em última instância a ele B acrescen tou que logo após o telefonema imaginou que minha mulher é que me forçara a sair contrariando meu suposto desejo de per manecer em casa Com preendemos então que em sua ilha da fantasia eu existia só para ele e que quando esse desejo era contrariado se protegia e a nós dois agar randose à ideia de que uma terceira pes soa no caso minha mulher é que fora a causadora disso Relacionei isso a algo que B já havia relatado em outra ocasião a res peito dos pais sempre imaginou que a mãe detestava a vida sexual e que só a mantinha por exigência do marido Ao apegarse a tal ideia evitava a frustração o ciúme a raiva e o sentimento de abandono em relação à mãe quando os pais fechavam a porta do quarto e o deixavam de fora atribuindo ao pai toda a responsabilidade da situação Além disso o comportamento agressivo de seu pai na vida real permitia que B repas sasse para a figura dele todos os seus senti mentos de raiva e desejos agressivos refor çando assim a convicção de que em casa e na vida existiria apenas uma pessoa com tais características ou seja o pai No próximo relato serão destacadas a tendên cia à esterilização da relação terapêutica e sua substituição por uma situação sadomasoquis ta com suas motivações e angústias corre latas C era solteiro e homossexual passivo Há muitos anos procurava parceiros se xuais que apresentassem conforme perce beu no transcorrer da análise o que descre veu como um brilho assassino no olhar Era o terceiro entre seis irmãos com me nos de dois anos de diferença daquele que o precedia imediatamente Morava com a mãe sentindoa como uma pessoa do minadora e agressiva que desvalorizara muito o marido Julgavase filho de uma gravidez indesejada achando que desde o Psicoterapia de orientação analítica 643 início constituíra um estorvo para toda a família e que a mãe teria nítida preferên cia pelos dois filhos mais velhos O pai era sempre descrito como um homem fraco e emocionalmente ausente do lar Durante as sessões com frequência C permanecia tecendo interpretações sobre suas situações de vida utilizando termos psicanalíticos Demonstrava irritação quando nesses mo mentos eu fazia qualquer tipo de interven ção Afirmava estar sendo criticado e desva lorizado enquanto apenas cumpria a regra de falar tudo o que lhe vinha à mente Era entretanto evidente sua tentativa de assim funcionando negar o quanto precisava de ajuda colocandose pelo contrário como se fosse um analista expondo algumas teo rias para uma plateia que deveria permane cer silenciosa e admirandoo Minha intenção nesse caso é exem plificar a questão da transformação sado masoquista da relação C tinha sessões de segundas a quintasfeiras e em uma segun dafeira relatou o seguinte sonho Sonhei que uma hipopótama enor me estava sendo comida analmente por um pequeno cachorro dachshund Estava sentado olhando com a mãe sentada à minha esquerda Estávamos glacialmente olhando essa cena absur da e impossível Prosseguiu descrevendo detalhes das imagens presentes no sonho de um modo que nada parecia acrescentar em termos de aprofundamento expansão ou modifi cação do material Repetiase também em analogias e exemplos que pareciam apenas avolumar o material A certa altura per cebime construindo uma imagem de que o assunto estava inchando cada vez mais como se fosse uma bola de neve ao mesmo tempo que me sentia impotente para fazer algo com tudo aquilo Em meu sentimen to qualquer interpretação seria totalmente inútil diante daquela profusão de imagens De repente ocorreume a ideia de que a situação representada no sonho começava a presentificarse no aqui e agora da rela ção analítica no sentido de que o paciente estava funcionando de modo a terminar como uma enorme hipopótama dian te de mim enquanto eu me sentia qual um pequeno dachshund que no máximo conseguiria estabelecer uma relação esté ril com ele Assinalei então essa maneira como estava funcionando no momento algo que não nos era totalmente novo e estranho e estabeleci a analogia com o sonho O paciente pareceu no início nem registrar minha intervenção prosseguin do no funcionamento anterior Ao mesmo tempo sentiame novamente e cada vez mais um pequeno cachorro fazendo inter venções estéreis mas agora também com um crescente sentimento de irritação e vontade de dizerlhe algo agressivo Perce bi entretanto que isso constituiria na lin guagem proposta pelo sonho uma forma de penetrálo analmente A essa altura da sessão ele fez uma pausa dizendo depois que lhe passara rapidamente pela cabeça o pensamento de que talvez eu de fato não conseguisse fazer nada com tudo aqui lo que ele estava falando sentindo certo prazer com isso mas temendo ao mesmo tempo que eu acabasse me irritando Disselhe que nesse caso a imagem presen te no sonho se completaria porque uma parte dele ficaria ao lado da mãe isto é com carac terísticas que atribuía a ela olhandonos esta belecer um relacionamento estéril proposto por ele mesmo Eu ficaria como um cachorro peque no demais para lidar com o tamanho do que ele estava falando e ele como uma hipopótama prestes a ser agredido por trás por meio de al guma intervenção irritada de minha parte 644 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuou dizendo que havia passa do todo o fim de semana dentro de casa as sistindo à televisão angustiado e solitário pulando de um canal para outro por não conseguir encontrar nenhum programa que o agradasse À medida que discorria sobre isso constatamos que procurava por algo na televisão que não conseguia definir para si mesmo mas que certamente não estava encontrando Sugeri então que no seu sentimento eu o havia abandonado no fim de semana deixandoo sozinho com suas angústias e trocandoo por minha mulher Isso o deixara com uma necessida de muito grande de tentar descobrir o que estávamos fazendo juntos necessidade essa deslocada de forma infrutífera para a tele visão Depois a dor do abandono e a raiva levaramno no sonho a transformarme em um pequeno cachorro alemão copulan do ridícula e esterilmente com minha mu lher convertida em uma hipopótama enquanto ele ficava em casa ao lado da mãe C ficou em silêncio por longo tempo mas senti que era um silêncio fértil e que naquele momento havíamos estabelecido uma relação produtiva Por fim contou que o formato da hipopótama o fazia re cordar a figura da mãe que era uma mu lher gorda e com ancas grandes Observei então que talvez fosse difícil para ele acei tar a ideia de que seus pais assim como eu e minha mulher podiam ter relações se xuais das quais resultaram inclusive dois irmãos mais velhos e três mais jovens do que ele o que o fazia sentirse conforme dizia o estorvo do meio Efetivamente de uma relação sexual como a que repre sentara no sonho não nasceriam irmãos de qualquer tipo C fez novo silêncio longo e depois no último momento da sessão e em um movimento psíquico bastante seu dis se Estou pouco cagando para tudo isso pois nada disso muda a merda de vida que estou tendo deixandome com a desagra dável imagem de que ele havia transforma do nosso trabalho em fezes e as evacuado para dentro de mim como se eu fosse um sanitário Algumas sessões depois novamente em uma segundafeira trouxe outro sonho em que a transformação da cena sexual parental era ain da maior levando ao aparecimento daquilo que Melanie Klein8 chamou de figura dos pais com binados marcantemente ameaçadora Sonhei que abria a porta de um apo sento onde esperava encontrar o meu gato mas em vez dele vi inúmeros pequenos cachorros parecidos com chacais latindo e mostrando feroz mente os dentes de uma forma assus tadora Acho que tinham devorado o gato Fechei a porta rapidamente e fui embora dali Associou que dias antes do sonho seu gato aparecera em casa com várias le sões pelo corpo com a perna quebrada e já cheirando a gangrena sem perspectivas de sobreviver segundo o veterinário o que o entristeceu bastante C permaneceu toda a sessão angus tiado desconfiado com o uso que eu po deria fazer de tudo que me contava Em vários momentos referiu vontade de vol tarse para trás a fim de observar como eu estava reagindo Essa tensão só amainou parcialmente quando lhe disse que pare cia estar temendo que eu recolhesse tudo o que me dizia guardasse como quem junta munição e a usasse depois para agredilo como os cachorros do sonho ameaçavam fazer A meu ver acrescentei que estava subjacente a isso a falta que sentia de mim quando nos separávamos Nessas ocasiões uma parte sua experimentava algo equiva lente ao que sentira com a morte do gato de Psicoterapia de orientação analítica 645 estimação e outra ficava por isso mesmo com muita raiva de mim desejando agre dirme como fizeram os bichos que feriram seu gato Na forma como compreendi des sa vez a impossibilidade de suportar o sen timento de abandono o ciúme e a inveja despertados por nossa separação no fim de semana levouo a conceber minha relação com minha mulher como uma cena em que um de nós devorava o outro de modo violento Assim quando ele ansiosamente mais uma vez procurava por mim como no caso da televisão encontrava múltiplos de outro cachorro não um dachshund mas um chacal com dentespênis terrivelmente ameaçadores voltados contra ele No sonho anterior os personagens da cena primária mantêmse como entidades distintas mas são atacados tanto individualmente quan to na relação que estabelecem em um nível basicamente anal Neste último predomi na uma transformação oral sádica e o casal é confundido em uma única figura perse cutória As frequentes transformações anais de minhas interpretações e do nosso trabalho analítico bem como suas consequências persecutórias imediatas estão representadas também neste sonho posterior Eu estava sentado em um banco da praça diante do MARGS absoluta mente sozinho nem de frente nem de costas para o museu era madru gada escuro Aproximavase um mu lato de mau aspecto com jeito de as sassino potencial O insólito é que ele estava recolhendo lixo sobre os ban cos constituído por formas de pê nis eretos feitos de merda ressequida Ele o recolhia com um equipamen to daqueles usados para caçar borbo letas Suas associações giraram em torno de um funcionário do museu homosse xual que há alguns anos fora assassinado permanecendo o criminoso impune Falou também sobre a praça do Museu de Arte do Rio Grande do Sul MARGS que à noite se transformava de acordo com suas palavras em um deprimente reduto de homossexuais Com o objetivo de tratar exatamente a situação transferencial esterilizadora e sadomasoquista interpretei a forma como no sonho e nas ses sões C transformava algo potencialmente fe cundador isto é o pênis assim como as inter pretações em estéreis desvalorizados e re pugnantes bastões fecais ressequidos Depois em virtude disso passava a temerme como um assassino potencial embora outra parte de si percebesse o tra tamento apenas de soslaio naquele mo mento como um espaço criativo simbo lizado no sonho pelo MARGS Mais adiante pudemos compreender que o equipamento de caçar borboletas re presentava o desejo de que seus relatos nas sessões incluindo os sonhos fossem con siderados por mim algo tão atraente e cati vante como borboletas coloridas voando a ponto de capturar toda a minha atenção e tornarme dessa forma desatento para as transformações anais que ocorriam na relação BREVE REVISÃO DE ALGUNS MODELOS PSICANALÍTICOS DAS PERVERSÕES Conforme já referido a análise de pacientes perversos possibilitou a construção de dife rentes modelos psicanalíticos acerca da es 646 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs trutura básica e do processo de desenvolvi mento das perversões sexuais Para alguns esses distintos modelos denotam diferentes teorias eventualmente incompatíveis entre si Para outros abrangem níveis ou tipos diversos de perversões Ademais de modo gradativo obser vouse que as mesmas situações transferen ciaiscontratransferenciais mobilizadas de forma constante e intensa no atendimento desses pacientes ocorriam também em bora de modo menos contínuo e marcan te durante o tratamento psicanalítico e psicoterápico de pacientes sem perversões sexuais clínicas Surge assim o conceito de perversão da transferência derivada de um aspecto perverso da personalidade mesmo quando o diagnóstico é o de um quadro neurótico borderline ou psicótico2913 e mais adiante de perversão da transferência contratransferência4 A delimitação e a conceituação do que constitui a essência dessa situação transferencialcontratransferencial depen dem da teoria geral e específica de cada autor e o que foi exposto no início deste capítulo não foge a tal regra Em vista dis so serão revisados os principais modelos teóricos psicanalíticos das perversões com o intui to de situar o leitor e deixar eviden tes as influências básicas do que está sendo proposto aqui A compreensão de todos esses mode los exige como ponto de partida o adequa do entendimento do conceito psicanalítico de sexualidade apresentado por Freud em 1905 Para tanto é preciso diferenciar pulsão de instinto1415 e considerar a con cepção ampliada da sexualidade defendida pelo criador da psicanálise O instinto cos tuma ser conceituado como um padrão de comportamento inato com uma finalidade biológica adaptativa e invariante tanto no indivíduo quanto dentro de uma mesma espécie15 Entretanto com base na descri ção de perversões mas também de fanta sias neuróticas e de sexualidade infantil Freud16 procurou deixar evidente a pecu liar e marcante contingencialidade daquilo que conceituou como o objeto a pessoa ou coisa a quem se dirige a atração e a meta o ato a que a atração conduz da sexuali dade humana A busca de uma parceria do sexo oposto com fins de união dos órgãos genitais complementares constitui apenas o resultado final de um longo e complexo processo psicológico sujeito a inúmeros desvios temporários ou permanentes em cada uma de suas etapas Tal contingencialidade de objeto e meta dife rencia a sexualidade humana de um simples instinto e por essa razão Freud a caracteri za como uma pulsão trieb em alemão cuja essência é mais o aspecto irreprimível de uma pressão por prazer do que a fixidez da meta e do objeto No caso da pulsão sexual a escolha fi nal do objeto é determinada por representações psíquicas e identificações que refletem toda a história das relações emocionais do sujeito so bretudo sua história infantil e não por um pa drão inato invariável A concepção ampliada da sexualida de afirma seu início desde o nascimento e requer a distinção entre sexual e genital pois inclui atividades que nada têm a ver com os genitais Diferentes zonas e funções corporais proporcionam prazeres sexuais que só mais tarde no desenvolvimento são colocados sob a primazia dos genitais Na medida em que o desenvolvimen to sexual humano não é mais predetermi nado como um instinto surge a questão acerca do que então constitui seu organi zador nuclear já que termina orientando se na maioria dos casos em torno da di Psicoterapia de orientação analítica 647 ferença entre os sexos e as gerações com o primado da genitalidade Para Freud1718 esse organizador central é o complexo de Édipo e seu correlato complexo de castração O acesso à genitalidade e a escolha do objeto sexual na vida adulta dependem fun damentalmente da adequada superação des se complexo Em sua forma positiva referese ao desejo sexual pelo genitor do sexo oposto e à rivalidade assassina pelo do mesmo sexo Na negativa isto é no Édipo invertido en volve o desejo erótico pelo genitor do mes mo sexo e o ódio ao rival do outro sexo Seu apogeu ocorre entre os 3 e os 5 anos de idade em uma fase do desenvolvimento sexual na qual para Freud ambos os sexos reconhecem apenas um órgão sexual isto é o pênis Nos meninos o temor à castra ção por parte do pai leva a sua dissolução deixando como resultado um período de latência sexual bem como a formação do superego devido à introjeção da autorida de paterna As meninas ao constatarem a distinção anatômica entre os sexos passam a invejar o pênis culpam a mãe por não lhes haver dado um e passam a desprezá la por ser também castrada Abandonam então o desejo de ter um pênis e o subs tituem pelo desejo de um filho Com esse objetivo procuram o pai como objeto de amor passando a sentir ciúmes em relação à mãe e iniciando assim o complexo de Édipo positivo Mesmo reconhecendo a importância do período anterior à instalação do com plexo de Édipo Freud mantém este como o complexo nuclear o eixo de referência14 es trutural do desenvolvimento psicossexual A denominação de préedípico desse perío do antecedente evidencia sua referência ao eixo central edípico No caso das perversões e no que diz respei to aos meninos o conflito entre o desejo sexu al pela mãe de um lado e o temor à castra ção por parte do pai de outro é resolvido pa tologicamente mediante certos mecanismos de defesa que possibilitam atender de forma si multânea a ambos os lados evitando assim a renúncia à satisfação Para Freud1920 o fe tichismo constitui o protótipo de todas as per versões ilustrando exemplarmente os mecanis mos referidos Assim o fetichista cria um substituto do pênis que falta na mulher deslocando seu significado para outra parte do corpo ou para algum pertence dela Com isso realiza uma desmentida Verleugnung da ausência do pênis na mulher e assim evita seu temor à castração pois a constatação de um ser humano sem falo representa a confirmação de que este pode ser perdi do Ao mesmo tempo e em contradição com essa gratificação sexual deslocada o fetichista confirma seu medo à castração mediante intenso e permanente temor de alguma forma de castigo substituto da an gústia de castração Considerando que nas meninas o temor à castração introduz o complexo de Édipo em vez de dissolvêlo ao contrário do caso dos meninos muito seguidores do modelo freudiano para as perversões questionam a existência de ver dadeiras perversões nas mulheres Partindo de uma perspectiva apoiada no estruturalismo de LéviStrauss e na lin guística de Saussure Lacan21 propôs uma releitura de Freud que o conduziu a uma redefinição do complexo de Édipo descrito em termos de tempos lógicos Para ele esse complexo é uma estrutura intersubjetiva 648 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs que preexiste à criança pois ela é criada por pais que já o vivenciaram No primei ro tempo do Édipo a criança identificase com ou seja é tudo o que falta à mãe para que esta se considere absolutamente com pleta A mãe por sua vez sente que tendo a criança tem tudo o que lhe faltava Ten do em vista que segundo Lacan o falo não o pênis real é aquilo que aparece no lugar de uma falta podese dizer que nesse pri meiro tempo do Édipo a criança é o falo a mãe tem o falo e as duas se vivenciam como uma unidade narcísica completa na qual a mãe é a origem e portadora de todas as leis O complexo de Édipo em Lacan vai dessa for ma articularse menos em termos de satisfa ções instintivas como é o caso em Freud e mais a partir do jogo dialético do sentimen to narcísico de ser algo versus apenas ter algo temporariamente22 No segundo tempo do Édipo a crian ça enfrenta o que Lacan chama de castra ção simbólica devido à intervenção da di mensão paterna Isso quer dizer que o pai ou mais corretamente a função paterna promove um corte uma castração nesse sentido ao intervir na relação narcísica mãebebê e evidenciar para a criança que ela não é tudo o que faltava à mãe e à mãe que ela não tem na criança tudo o que lhe faltava Ou seja o pai aparece nesse mo mento como um interditor que frustra a criança de sua identidade fálica imaginá ria e priva a mãe do falo É preciso porém salientar que essa função mediadora não está assentada primariamente no pai real e sim na importância que a mãe atribui a sua autoridade Após essa castração o menino pensa a princípio que o pai é uma completude absoluta da qual emana toda norma isto é que ele é o falo Ou seja ele ainda acredita existir alguém a quem nada falta Por fim naquele que constitui o terceiro tempo do complexo de Édipo correspondente ao seu declínio o menino compreende que o pai tam bém não é completo nem a origem de todas as leis mas que ele apenas as exerce circunstan cialmente em nome de algo que pertence à cul tura na forma de leis em cuja base está a proi bição de praticar o incesto e às quais o próprio pai também está sujeito Essa Lei de todas as leis impõe a di ferença entre os sexos e as gerações regu lando assim todas as trocas sexuais entre os seres humanos e marcando a distinção entre natureza e cultura Em outras pala vras nesse terceiro tempo do Édipo o me nino percebe que a mãe não tem o falo que ele próprio não o é nem o tem que o pai o tem mas não o é e que o falo está esta belecido na cultura como uma instituição a partir da qual todos estão castrados sim bolicamente Para que esse processo ocorra em sua totalidade entretanto é preciso que a mãe já tenha reconhecido sua castração simbólica e que o pai real também a tenha assumido percebendo assim que não é a Lei mas apenas a exerce de modo circuns tancial A essa altura o menino começa a ver o pai como o objeto de desejo da mãe pelo fato de ele ter o falo e passa a cobiçar este último na pessoa em que ele efetivamen te está ou seja no pai Essa cobiça o leva a uma identificação com o pai de acordo com sua natureza anatômica Devido ao reconhecimento de que ninguém é o falo Psicoterapia de orientação analítica 649 essa identificação não se dá com um ego ideal uma imagem de perfeição e com pletude narcísicas mas com um ideal de ego Nesse caso a identificação não é com a pessoa do pai em si mas com sua posição contingente como suporte de determinada função Com isso o menino assume sua identidade como sujeito sexuado dotado de um só sexo isto é incompleto e por tanto desejante Com base nessas proposições Lan der23 defende que o sujeito humano se constitui mediante experiências préedí picas eixo narcisista e edípicas eixo edí pico que deixam suas marcas gravadas a fogo segundo palavras de Lacan no seu inconsciente As primeiras são uma relação imaginária narcisista dual fusional com a imagem da mãe resultando em uma es trutura inconsciente indelével responsável pela organização do tipo de relação objetal da angústia e das defesas predominantes bem como do posicionamento diante da castração A outra relação com a figura do pai edípica e simbólica possibilita a ruptu ra da primeira e introduz a proibição do in cesto ordenando assim as trocas se xuais humanas O ponto de ancoragem da identificação perver sa24 estaria justamente na passagem do pri meiro para o segundo tempo do Édipo quan do o menino já perceberia a inevitabilidade da castração simbólica mas ao mesmo tempo a recusaria permanecendo fixado em torno da questão de ser ou não ser o falo21 A instalação dessa identificação per versa base de uma eventual posterior estrutura perversa propriamente dita depende também25 de um fator indutor agindo naquele período crucial do desen volvimento edípico uma ambiguidade parental cuja essência é uma cumplicida de libidinal da mãe em sinergia com uma complacência silenciosa do pai Utilizando esses conceitos Lander23 distingue os seguintes passos na constitui ção de uma verdadeira estrutura perversa a desmentida da castração da mulher mãe ainda na fase fálica do desenvol vimento b clivagem do ego mantida a fim de possi bilitar a aceitação e a recusa simultâneas da castração c fixação em ser ou não ser o falo para o outro como forma de encaminhar a situação gerada pelas defesas anteriores Com isso o perverso não se reconhe ce incompleto considerando que o outro o é e que por isso o deseja Por essa razão o gozo fálico é situado pelo perverso nes se outro que se torna assim um simples suporte e não seu semelhante Essa mon tagem perversa é para Lander23 rígida ou seja seu código erótico é petrificado Ao mesmo tempo a clivagem do ego permite uma vida social em grande parte normal isolada da vida sexual perversa As teses do complexo de Édipo como organiza dor nuclear do desenvolvimento psíquico bem como de seu correlato complexo de castração ligado por sua vez à ideia do monismo fálico são centrais na teoria freudiana e amplamen te adotadas na releitura lacaniana Em con trapartida ChasseguetSmirgel32627 postula uma matriz arcaica do complexo de Édipo26 e questiona profundamente a teoria freudiana do monismo fálico 650 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Para ela existe um desejo primário fundamental arcaico de retorno exclusi vo e total ao útero materno isto é de fu são primária com a mãe Nesse sentido o interior da mãe representaria o princípio do prazer Esse desejo primário constitui a mola central da matriz arcaica do com plexo de Édipo originando o desejo de destruir todos os obstáculos que a ele se oponham representados em sua origem pelo pênis do pai pelos excrementos e pe los bebês no interior do corpo materno conforme descrito por Klein28 Em termos de pensamento a fantasia é a de retornar a um nível de funcionamento mental em que tudo flua livremente sem entraves isto é um processo primário dominado pelo princípio do prazer com eliminação total do princípio da realidade A base da realidade é segundo ChasseguetSmirgel3 a diferença incontornável entre os sexos e as gerações que constituem as duas faces de uma mesma moeda A diferença entre os sexos implica não que a mãe seja castrada como quer Freud mas que tem uma vagina e que somente o pênis maior e fértil do pai consegue satisfa zêla impondo imediatamente o reconhe cimento da diferença das gerações O meni no inveja o pai na situação edípica porque já tem um conhecimento da vagina deseja penetrála e percebe que suas carícias va gas não são suficientes para isso Nesse caso portanto o temor à castração é an tecedido e inclusive pode servir como defesa à humilhante percepção da insuficiência do pe queno pênis infantil infértil A teoria de Freud do monismo sexual fálico de que haveria toda uma fase inicial do desenvolvimento na qual as crianças de ambos os sexos reconheceriam apenas a existência do órgão sexual masculino re presentaria para essa autora francesa uma forma de apagar uma parte da ferida nar císica comum à humanidade resultante da prematuração do filho do homem3 sendo exa tamente a teoria adotada defensiva mente pelos perversos A prematuração humana cria uma discrepância entre o de sejo edípico e a capacidade de realizálo fa zendo de forma defensiva a criança negar seu saber inato animal3 sobre a existência do pênis e da vagina Dentro de um desenvolvimento se xual normal o menino reconhece a exis tência da vagina e acaba aceitando a di mensão paterna e genital procurando alcançála mediante a identificação com o pai que tem como seu núcleo a introjeção do pênis genital Isso implica a capacidade de tolerar a postergação da gratificação bem como de aceitar objetos e satisfações simbólicas Tal aceitação envolve também o reconhe cimento de que a realidade como um todo é feita de diferenças implicando a passagem da homogeneidade para a hete rogeneidade O aspecto central da perversão é constituído segundo ChasseguetSmirgel por uma forma específica de tentar abolir justamente a dife rença entre os sexos e as gerações com o ob jetivo de evitar a renúncia da gratificação ime diata do desejo primário de fusão com a mãe e contornar o reconhecimento da insuficiência do pequeno pênis infértil Essa busca de uma via curta envolve o emprego básico de dois mecanismos a Regressão à fase sádicoanal com o ob jetivo de usar seus componentes como Psicoterapia de orientação analítica 651 uma espécie de rascunho e de paródia da genitalidade26 o que possibilitaria igualarse imediatamente ao pai e a seus atributos sem necessitar reconhecer e introjetar seu pênis para evoluir até a genitalidade Com isso o bastão fecal a separação das fezes e a produção destas substituem respectivamente o pênis genital a castração fálica e a procriação O excremento no reto por sua vez mi metiza o coito parental Essa é a forma de desmentida à genitalidade e a origem do pênis fecal na visão da autora b Idealização de pulsões zonas erógenas e objetos da fase sádicoanal permitindo que eles não sejam reprimidos e tornan do a regressão egossintônica A desmentida psicótica é efetivada por meio de uma regressão narcísica que simplesmente elimina o reconhecimento da realidade e a substitui pela alucinação e pelo delírio A desmentida perversa por sua vez ocorre mediante a regressão e a idealização de elementos que não deixam de ter certa realidade na medida em que fazem parte de uma fase real do desenvolvi mento sádicoanal embora usados aqui com fins defensivos como paródias da ge nitalidade Meltzer229 e Meltzer e Harris30 de senvolveu seu modelo para as perversões procurando integrar a contribuições de Klein31 principalmente no que tange ao complexo de Édipo prégenital à cena pri mária arcaica centrada na figura dos pais combinados e ao papel da agressão no desencadeamento da angústia b Freud32 quanto à sexualidade infantil perverso polimorfa ao complexo de Édipo e à cena primária fálica e c Bion6 no que se refere à função continente materna e ao desejo de conhecer como um vínculo básico ao lado do amor e do ódio É importante frisar que seguindo Klein quan to ao complexo de Édipo precoce Meltzer refe rese sempre a um período edípico prégeni tal recusando a existência de um período pré edípico como propõe Freud Para ele a cena primária isto é a fantasia da criança relativa às relações sexuais entre os pais enquanto ela está sozinha é a fantasia central de todo o de senvolvimento sexual envolvendo desde muito cedo uma préconcepção6 da cópula como um ato essencialmente criativo Em seu centro se encontra o objeto combinado ou seja em um nível de obje tos totais o pai e a mãe mas em um plano de objetos parciais o seio e o mamilo por exemplo na medida em que este último é vivenciado exercendo funções de regulação e limite ao desejado fluir irrestrito do leite É evidente que todas as defesas da criança procuram evitar que se instale tal combina ção provocadora de intensos sentimentos de frustração inveja ciúme exclusão en tre outros A criança deseja participar dessa cena com sua parte infantil tanto masculina como feminina ambas presentes em todos os seres humanos como afirma Freud e ao mesmo tempo desenvolve fantasias que a deixam muito insegura e ansiosa quanto à bondade ou à maldade da relação sexual entre seus pais O aspecto essencial da sexualidade vi venciada como boa vinculase com a con cepção de que tal cena tem relação com fa zer bebês Envolve uma identificação com pais bons cuja função é gerar e cuidar de bebês Na sexualidade adulta predomina o desejo de identificação introjetiva com esses pais e suas funções transformando os em um ideal de superego inspiracional No estado sexual infantil polimorfo que Meltzer de forma diferente de Freud di ferencia do estado perverso o ciúme e a 652 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs rivalidade edípicos geram o desejo de in trometerse nessa cena prazerosa e criativa mediante uma identificação projetiva para evitar a renúncia aos objetos e às gratifica ções que a constituem Nas perversões o desejo da criança é partici par daquilo que para ela é a sexualidade má na qual o amor e a criatividade são substituí dos pelo sadomasoquismo O aspecto essencial da cena primária é nesse caso a concepção de que ela serve para matar bebês função essa realizada na fantasia por um pênis equacio nado a fezes más e carregado de intenso sa dismo oral A formação das perversões depen de porém de outros dois fatores que se gundo Meltzer e Harris30 não foram ade quadamente apreendidos nem portanto conceitualizados por Freud e Klein a dis tinção entre receptividade e passividade e o negativismo A passividade consiste na substituição do desejo de receber algo de alguém isto é da receptividade pelo an seio de ser apenas o objeto submisso dos impulsos de um outro Com isso as conse quências e as responsabilidades de determi nado ato são atribuídas ao outro embora na verdade a pessoa nele envolvida esteja sempre implicada em ambas as partes ou seja na sádica e na masoquista No papel passivo ela estará inevitavelmente tanto no lugar da mãe participando de uma cena sexual destrutiva quanto no da criança a ser morta O negativismo por sua vez é um de rivado complexo da inveja e compreende tanto a desvalorização o rechaço e a des truição do coito parental amoroso e cria tivo como sua substituição e a idealização de algo que constitui o inverso de tudo o que ele significa Segundo as palavras de Meltzer2 o negativismo não se satisfaz em re cusar precisa fazer o oposto Mal seja o meu Bem é o seu lema e sob essa égide quer criar um mundo que é negativo em relação a tudo na nature za no reino dos bons objetos Todo o processo perverso é consequên cia para esse autor de uma inadequação entre a cisão e a idealização primárias dos aspectos bons e maus do objeto e do self o que Klein postula como um prérequisito para o desenvolvimento psíqui co normal Tal defeito estrutural impossibilita a distinção entre a dor infligida por um objeto com más intenções e aquela que não pode ser evitada por outro com uma motivação boa estabelecen do por exemplo limites ao desejo Além disso os aspectos bons e maus do objeto e do self nunca ficam a uma dis tância suficiente para permitir que partes boas se conjuguem entre si sem interferên cias Pelo contrário existe sempre a sensa ção de que uma terceira parte interna ou externa com más intenções está inter ferindo e atacando qualquer tentativa de união entre aspectos bons do self e do obje to O ataque dessa terceira parte formada por uma fusão dos aspectos maus do self e do objeto é realizado de três formas sedu ção com propostas de prazer ameaças de violência e propaganda contra os objetos bons É crucial destacar que para Meltzer e Harris30 essa inadequada cisão e idealiza ção primária derivam de uma insuficiência na capacidade materna de continência6 das partes rechaçadas do self da criança McDougall3334 também examina de tidamente o papel da cena primária nas es truturas perversas e da mesma forma que Meltzer deriva essa importância de moti vações mais profundas anteriores ao com plexo de Édipo embora a partir de uma perspectiva teórica distinta Psicoterapia de orientação analítica 653 Para McDougall os perversos reinventam e idealizam uma nova cena sexual a partir de elementos da sexualidade infantil encenan doa de modo incessante e compulsivo como defesa maníaca contra o medo mais funda mental de serem absorvidos e destruídos por uma figura materna primitiva e mortífera própria das fases oral e anal Nesse sentido tais neossexualidades conforme as denomi na constituem técnicas de sobrevivência psí quica preservando o sentimento de identida de psíquica e sexual McDougall34 tem dado crescente ên fase a essa tentativa autocurativa dos des vios sexuais dentro do que considera um ponto de vista mais construtivo acerca da significação e do propósito subjacentes aos sintomas O ciúme edípico e a angústia de castração fálica constituem apenas a super fície visível dessa angústia mais profunda na medida em que estão vinculados ao uso defensivo que está sendo feito da sexualida de Segundo essa autora34 os fatores decisivos que mobili zam e determinam o estatuto de um desvio sexual ulterior ocorrem na fase edípica a infraestrutura deste resulta do começa a organizarse a partir da primeira relação com o seio Por fim a partir de uma perspectiva da psicologia do ego Stoller3536 enfatiza especificamente a importância etiológica do fator externo em seu modelo da per versão Segundo ele35 o que caracteriza essa forma erótica de ódio é uma fanta sia consciente ou inconsciente de ferir o objeto para vingarse e triunfar sobre uma experiência traumática real da infância vivenciada como uma humilhação Essa fantasia é atuada com mais frequência mas pode também permanecer apenas como imaginação e sempre contém tanto a his tória da experiência traumática real quanto a reação do indivíduo a ela A necessidade de realizar o ato per verso sob condições de risco que Stoller considera um componente essencial desses quadros psicopatológicos deriva para ele do fato de a pessoa precisar reaproximarse da temida situação infantil enquanto ao mesmo tempo a mantém sob controle já que dessa feita é fruto de sua própria ini ciativa e fantasia Assim para Stoller os três elementos essen ciais desse modelo da perversão são a hostili dade no sentido de desejar ferir o objeto o ris co e a transformação de um trauma infantil em um triunfo adulto Stoller denomina aberrações to das as formas de comportamento sexual diferentes daquelas consideradas nor mais dentro da cultura em que ocorrem Quando porém tais aberrações não são determinadas pela fantasia hostil especí fica referida anteriormente ele as classi fica como variantes sexuais e não como perversões Para finalizar apresentaremos o modelo teórico subjacente à situação transferen cialcontratransferencial perversa delimi tada e conceituada no início deste capítulo derivada principalmente das contribui ções teóricas de Meltzer Bion Chasseguet Smirgel e McDougall A PERVERSÃO COMO UMA ESTRUTURA CONSTRUÍDA EM DOIS TEMPOS O modelo a ser proposto supõe a partici pação complementar e transignificante de 654 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dois núcleos gravitacionais ou registros or ganizadores do desenvolvimento psíquico de igual importância mas com implicações distintas constituídos sucessivamente pe la relação mãebebê com o pai na mente da mãe e pelo complexo de Édipo genital envolvendo o pai a mãe e a criança como objetos diferenciados Esses dois núcleos funcionam de modo permanente em inte ração mútua Além disso diversamente de Freud ou Klein considero que nenhum deles tem a priori uma importância organizadora maior do que o outro no desenvolvimento psíquico O predomínio de um em relação ao outro depende de fatores ina tos e ambientais individuais Como consequência da mesma for ma que Meltzer e McDougall sugiro para a perversão uma origem em dois tempos No primeiro registro eixo narcí sico encontramos como elemento nu clear a deficiência de um objeto interno continente nos moldes conceituados por Bion6 No segundo eixo sadomasoquista temos o confronto com a relação sexual parental prazerosa e fértil e sua represen tação distorcida conforme as descrições de Meltzer2 e principalmente de Chasse guetSmirgel2627 denominada por mim de simulacro negativo Simulacro significa disfarce falsificação arremedo e eventual mente idolatria mas também exercício ou experimentação para tentar resolver algum problema37 A qualificação de nega tivo referese à transformação da cena se xual prazerosa e fértil em sadomasoquista estéril Esses dois fatores agiriam em série complementar de modo que a maior in tensidade de um exigiria menor presença do outro embora ambos estejam sempre presentes Nos dois registros haveria a partici pação de fatores constitucionais e ambien tais mais uma vez funcionando em série complementar Assim em relação à defi ciência de um objeto interno capaz de con ter angústias mais intensas esses fatores seriam constituídos respectivamente pela inveja primária38 na criança e pela incapa cidade de rêverie materna6 O confronto com a relação sexual parental por sua vez também pode ser complicado por fatores constitucionais como por exemplo exces siva agressividade inata ocasionando por projeção versões muito distorcidas da cena primária cujo exemplo mais acentuado é a figura dos pais combinados descrita por Klein8 O componente externo pode ser re presentado por um tipo de comportamen to sexual parental que contribui para trans formar a privacidade do quarto conjugal naquilo que Meltzer e Harris30 descreve como uma fortaleza escondendo de forma sádica e onipotente o segredo do poder ou então o exibindo abertamente para humi lhar aqueles que dele não partilham O processo perverso em si poderia então ser descrito esquematicamente deste modo a inevitável constatação da cópula parental prazerosa e criativa provoca o apa recimento de angústia devido ao conflito entre a excitação a admiração e o desejo de conhecer6 por um lado e a frustração o sentimento de abandono e exclusão o ciú me a inveja e a curiosidade intrusiva29 por outro Evidenciase uma incapacidade de suportar e elaborar essa angústia em vir tude de um déficit de continência mental resultante de dificuldades na relação ini cial com a mãe Tais dificuldades iniciais impediram a introjeção e a identificação adequadas com um objeto continente gerando uma tendência compensatória e defensiva à projeção maciça para dentro do objeto materno como se a carência de Psicoterapia de orientação analítica 655 um endoesqueleto levasse à necessidade de protegerse com um exoesqueleto39 Esse fator associado ao ódio desencadeia uma transformação da cena sexual em algo estéril e destrutivo objetivando abolir a frustração o sentimento de abandono o ciúme e a inve ja Esse a meu ver é o ponto de viragem para o simulacro negativo construído essencialmente a partir de elementos anais examinados em de talhes por ChasseguetSmirgel26 Constitui o âmago da fantasia per versa e no caso de qualquer forma de perversão estruturada representa a base inegociá vel a cláusula pétrea de sua cons tituição sexual Pode ser encontrado tam bém em indivíduos não perversos mas nesses casos não apresenta as característi cas rígidas e compulsivas apontadas em re lação às perversões estruturadas Sublinho mais uma vez que tal transformação sado masoquista necessita sempre ser pensada em relação a sua outra parte complemen tar constituída pela deficiência de um ob jeto interno continente É sob esse vértice que compreendo a observação de McDou gall3334 quanto às neossexualidades como verdadeiras técnicas de sobrevivência psí quica e a meu ver isso nos auxilia a não considerarmos as perversões apenas como uma agressão em si como um dado últi mo sem qualquer motivação subjacente o que facilmente pode degenerar para uma atitude negativa ou moralista em relação ao paciente Revelase aqui o componen te defensivo de tais estruturas abrindose ao mesmo tempo possibilidades para uma compreensão mais ampla não só da forma como também dos motivos para tal defesa O processo em exposição tem ainda outros movimentos que complementam os anteriores A transformação sadoma soquista esterilizante do coito parental e a identificação projetiva com um dos com ponentes da cena reinventada geram por sua vez novas angústias principalmente paranoides temor à retaliação vingativa claustrofóbicas apontadas por Meltzer29 e depressivas relacionadas aos ataques ao coito parental fértil e seus produtos Estas últimas se tornam particularmente agudas nos momentos em que o perverso tenta sair de dentro do simulacro anal pois isso o leva a defrontarse com as consequências muitas vezes reais de tais ataques29 Sur gem então novas defesas secundárias em termos de localização ao longo do proces so mas nem por isso menos importantes e necessárias Assim há maior ou menor dissociação do núcleo perverso em rela ção à personalidade total permitindo que junto com a vida sexual perversa exista um funcionamento pessoal familiar e social mais ou menos integrado e bem adapta do Ademais como assinala Chasseguet Smirgel2627 ocorre uma crucial ideali zação dos elementos anais constitutivos do simulacro negativo da cópula parental para que possam não só superar a barreira da repressão como ser valorizados e dese jados Em uma sessão terapêutica a cópula parental criativa é representada pela união fecunda de pensamentos do paciente e do terapeuta gera dora de insights e de interpretações pelo vín culo fértil entre a parte do paciente que dese ja e reconhece a necessidade de ajuda com a parte do terapeuta que se dispõe a tratar ou pela fidelidade deste último ao setting psico terápico vivenciado como representante da or dem paterna40 Todos esses vínculos criativos ten dem a gerar as angústias os ataques e as defesas perversas expostos anteriormente 656 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs responsáveis pela situação transferencial contratransferencial descrita e ilustrada clinicamente neste capítulo Para finalizar o grande desafio no tratamento desses pacientes é ajudálos a resgatar a criança perdida dentro do simu lacro negativo do mundo constituído pelo universo anal auxiliandoos a lentamente ampliar a capacidade mental de encarar e suportar a realidade das diferenças entre o self e o outro entre os sexos e entre as gerações Em outras palavras a suportar a inevitável incompletude e finitude de todos os seres humanos que nos leva a ansiar por outro ser humano complementar e a buscar algum sentimento de continuidade gerando filhos ideias instituições obras de arte tra balhos científicos e assim por diante PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 É importante manter uma distinção entre a parte perversa ou dimensão perversa da mente humana e a perversão clínica propriamente dita 2 Na perversão existe uma pressão constante para que haja só uma mente para os dois participantes da relação terapêutica isto é de que uma das mentes seja independente e a outra seja um mero apêndice da primeira existindo para acolhêla referendála e admirála incondicionalmente 3 Na perversão há uma tentativa contínua de tornar improdutiva e estéril a potencialidade criativa da relação terapêutica por meio de sua substituição por uma relação sadomasoquista erotizada e ideali zada A presença da transformação sadomasoquista idealizada é imprescindível para a caracterização do fenômeno da perversão 4 Nas perversões masculinas as que predominam há um conflito entre o desejo sexual pela mãe e o temor à castração por parte do pai que se tenta resolver de forma patológica por defesas que possibili tem atender ao mesmo tempo a ambos os lados evitando a renúncia à satisfação Para Freud o feti chismo constitui o protótipo de todas as perversões ilustrando esses mecanismos 5 O aspecto central da perversão envolve uma forma específica de tentar abolir a diferença entre os sexos e as gerações a fim de evitar a renúncia da gratificação imediata do desejo primário de fusão com a mãe e contornar o reconhecimento da insuficiência do pequeno pênis infértil 6 A cena primária a fantasia da criança quanto às relações sexuais parentais enquanto excluída delas é a fantasia central de todo o desenvolvimento sexual envolvendo desde muito cedo uma préconcep ção da cópula como um ato essencialmente criativo 7 Os perversos reinventam e idealizam uma nova cena sexual a partir de elementos da sexualidade infan til encenandoa compulsivamente como defesa contra o medo de serem absorvidos e destruídos por uma figura materna primitiva e mortífera própria das fases oral e anal 8 As neossexualidades como as perversões são às vezes denominadas constituem técnicas de sobrevi vência psíquica preservando o sentimento de identidade psíquica e sexual da pessoa afetada 9 Há três elementos essenciais na perversão a hostilidade no sentido de desejar ferir o objeto o risco e a transformação do trauma infantil em um triunfo adulto 10 Na perversão desencadeiase uma transformação da cena sexual em algo estéril e destrutivo objeti vando abolir a frustração o sentimento de abandono o ciúme e a inveja o que é ponto de viragem para um simulacro negativo construído essencialmente a partir de elementos anais Psicoterapia de orientação analítica 657 REFERÊNCIAS 1 Green A Narcisismo de vida narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 2 Meltzer D Estados sexuais da mente Rio de Janeiro Imago 1979 3 ChasseguetSmirgel J Ética e estética da per versão Porto Alegre Artes Médicas 1991 4 Ogden TH O sujeito perverso da análise Revista de Psicanálise da SPPA 199743 487509 5 Ferro A A psicanálise como literatura e tera pia Rio de Janeiro Imago 2000 6 Bion WR Os elementos da psicanálise o aprender com a experiência Rio de Janeiro Zahar 1966 7 Kernberg OF Agressão nos transtornos de personalidade e nas perversões Porto Ale gre Artes Médicas 1995 8 Klein M Situações de ansiedade infantil re fletidas em uma obra de arte e no impulso criador In Klein M Amor culpa e repara ção e outros trabalhos 19211945 Rio de Janeiro Imago 1996 9 Joseph B O paciente de difícil acesso In Jo seph B Equilíbrio psíquico e mudança psí quica artigos selecionados de Betty Joseph Rio de Janeiro Imago 1992 p 8596 10 Joseph B O vício pela quase morte In Joseph B Equilíbrio psíquico e mudança psíquica artigos selecionados de Betty Jose ph Rio de Janeiro Imago 1992 p 13343 11 Etchegoyen RH Perversión de transferencia aspectos teóricos y técnicas In Grinberg L Prácticas psicoanalíticas comparadas en las psicosis Buenos Aires Paidós 1977 p 5883 12 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 13 Steiner J Relações perversas entre partes do self um exemplo clínico In Barros EMR organizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 14 Laplanche J Pontialis JB Vocabulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 15 Laplanche J Freud e a sexualidade o desvio biologizante Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 16 Freud S Três ensaios sobre a teoria da sexua lidade In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1905 v 7 17 Freud S Um tipo especial de escolha de ob jeto feito pelos homens In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1910 v 11 18 Freud S A organização genital infantil uma interpolação na teoria da sexualidade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1923 v 19 19 Freud S Fetichismo In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1927 v 21 20 Freud S A divisão do ego no processo de de fesa In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1940 v 23 21 Lacan J Os três tempos do Édipo I e II In Lacan J O seminário livro 5 as formações do inconsciente Rio de Janeiro Jorge Zahar 1999 p 185220 22 Bleichmar H Introdução ao estudo das per versões teoria do Édipo em Freud e Lacan Porto Alegre Artes Médicas 1991 23 Lander R ABC de Lacan In Congresso Lati noAmericano de Psicanálise 22 1998 Car tagena das Índias Material de apoio para o curso 24 Dor J Introdução à leitura de Lacan o in consciente estruturado como linguagem 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1992 25 Dor J Estrutura e perversões Porto Alegre Artes Médicas 1991 26 ChasseguetSmirgel J As duas árvores do jardim Porto Alegre Artes Médicas 1988 27 ChasseguetSmirgel J Sadomasochism in the perversions some thoughts on the des truction of reality J Am Psychoanal Assoc 1991392399415 28 Klein M A psicanálise de crianças Rio de Ja neiro Imago 1997 29 Meltzer D Claustrum una investigación so bre los fenómenos claustrofóbicos Buenos Aires Spatia 1994 658 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 30 Meltzer D Harris M Adolescentes Buenos Aires Spatia 1998 31 Klein M O complexo de Édipo à luz das an siedades arcaicas In Klein M Amor culpa e reparação e outros trabalhos 19211945 Rio de Janeiro Imago 1996 32 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1918 v 17 33 McDougall J Em defesa de uma certa anor malidade Porto Alegre Artes Médicas 1983 34 McDougall J As múltiplas faces de Eros São Paulo Martins Fontes 1997 35 Stoller RJ Perversion the erotic form of ha tred New York Pantheon Books c1975 36 Stoller RJ The term perversion In Fogel GI Myers WA editors Perversions and the nearperversions in clinical practice new psychoanalytic perspective New Haven Yale University 1991 p 3656 37 Ferreira ABH Novo dicionário da língua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira c1986 38 Klein M Inveja e gratidão In Klein M Inve ja e gratidão e outros trabalhos 19461963 Rio de Janeiro Imago 1991 39 Bion WR Atenção e interpretação Rio de Janeiro Imago 1973 40 Green A Conferências brasileiras de André Green metapsicologia dos limites Rio de Ja neiro Imago 1990 LEITURAS SUGERIDAS Green A Hoory LL O complexo de castração Rio de Janeiro Imago 1991 Laplanche J Novos fundamentos para a psicanáli se São Paulo Martins Fontes 1992 Dependendo de como psiquesoma é visto como singular ou dual podemse construir diferentes sistemas explicando o homem e o mundo a vida e a morte De um ponto de vista estritamente freudiano o surgimento do pensamento deuse pela visão de um ca dáver que era ao mesmo tempo amado e odiado provocando o pensamento duplo ele pode partir e quero mantêlo como está Traços desse conflito inicial permi tem que o pensamento tenha algo de imor tal abrindo caminho para a especulação sobre morte e vida vida que dura mais do que uma geração As descobertas da psicanálise ofere cem em meu ponto de vista uma solução perfeitamente convincente e única ao fa moso problema mentecorpo o dualismo psiquesoma Ao transferir a dualidade psiquesoma para a dualidade das pulsões a psicanálise estabele ce a origem do processo de pensamento no con flito inicial A própria definição de pulsões um processamento físico de uma excitação somáti ca sexual confirma nas duas teorias das pul sões um paralelo psicofísico para o qual Freud chamava a atenção já em 1891 Os seres humanos são psicossomáti cos se todo pensamento é como escreveu Tertuliano 150 aD a 220 aD um ato da carne toda dor e todo prazer também são atos psíquicos A descrição freudiana da alucinação do prazer como uma expectativa e uma dis tância necessárias para o desejo é um sinal disso O campo que poderíamos chamar hoje de prática psicossomática a aborda gem psicanalítica de pacientes que sofrem de transtornos somáticos não foi discu tido por Freud embora ele tenha lançado seus fundamentos Em Além do princípio do prazer1 um ensaio que inaugurou o segundo dualismo pulsional desse modo instituindo a segun da tópica Freud após diferenciar traumas puros de orgânicolesionais observou que a existência de uma lesão circunscrita parecia proteger o indivíduo do surgimen to de uma neurose traumática Nesse tex to Freud discute o efeito drástico de uma doença somática dolorosa sobre a distri buição e as modalidades da libido A violência do trauma mecânico li bera uma fração de excitação que é ainda mais desorganizadora na medida em que não houve preparação para ela por ansie dade Entretanto a ocorrência de uma le 38 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE PSICOSSOMÁTICO Marilia Aisenstein 660 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs são física pode permitir uma incorporação do excesso de excitação por meio de uma hipercatexia narcisista do órgão afetado Com base nessas observações Freud consi dera que sintomas mentais patognomôni cos como melancolia ou mesmo demência precoce crônica podem desaparecer tem porariamente durante um transtorno orgâ nico intercorrente Essa discussão fornece um ponto de partida para nossa atual abordagem psicos somática UM DESENVOLVIMENTO LÓGICO DA PSICANÁLISE A ESCOLA PSICOSSOMÁTICA DE PARIS Ainda que a percepção de saúde em termos de um equilíbrio psicossomático tenha sua origem na medicina hipocrática a corrente de pensa mento subjacente à Escola Psicossomática de Paris originase da descoberta do método psi canalítico Este não é o lugar para entrarmos na história de sucessivas teorias psicossomá ticas mas gostaria de salientar que nossa perspectiva psicossomática é fundamental mente um resultado lógico da psicanálise até afirmaria que de alguma forma ela é sua culminação Ao enigma psiquesoma Freud propôs uma res posta notável que eu resumiria da seguinte ma neira a confrontação não é entre o corpo e seus impulsos por um lado e a psique e seus dese jos por outro antes forças contraditórias po dem entrar em conflito em um único local so mático Em seu ensaio de 1910 A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão Freud2 propôs a ideia de um órgão forçado a servir de modo simultâneo a dois senhores é esse conflito que dá signi ficado a um sintoma orgânico Vale men cionar que esse texto tem uma condição especial visto que o modelo de pesquisa do período era o da neurose Freud escreveu pouco sobre psicogênese A conversão his térica transforma o corpo em linguagem os sintomas contam uma história incons ciente e toda atividade mental encontra sua fonte na libido erótica A questão de psicogênese versus organogênese portanto não é uma questão verdadeiramente psica nalítica Além disso uma abordagem estri tamente etiológica acredito seria sempre reducionista Quando confrontado com o quadro clínico de histeria Freud preferiu desconsiderar o tabu em torno do com ponente psíquico de certos transtornos e o fez de uma forma que ilustra a importância vital do sexual e consequentemente do corpo na constituição do psíquico Os sonhos o caminho real para a ciên cia analítica podem apenas ser entendidos com referência ao sono de deter minado indivíduo Os sonhos integram estimula ções somáticas exógenas e endógenas na elaboração de um processo psíquico vi sando primariamente ao sucesso de uma função fisiológica ou seja a busca do so no O interesse da psicanálise nos sonhos mostra a importância da dimensão somá tica em todo trabalho psíquico Ainda que a psicanálise tenha iniciado em oposição ao pensamento médico e neurológico do sé culo XIX ela está todavia intrinsecamente ligada à fisiologia O tratamento psicana lítico de pacientes sofrendo de transtornos somáticos é desse modo um retorno às próprias fontes da busca psicanalítica Psicoterapia de orientação analítica 661 Nesse ponto farei referência ao mo delo teórico elaborado pela Escola Psicos somática de Paris Pierre Marty Michel de MUzan Michel Fain Christian David3 iniciado na década de 1950 Após estabelecer a unidade psicossomática do ser humano e o princípio da economia essa abordagem permite que fenômenos físicos e so máticos sejam entendidos como o somatório de interações dinâmicas que são o objeto de movi mentos de organização e desorganização Mes mo não tendo qualquer significado simbólico o transtorno somático pode ser parte de uma eco nomia geral na qual a psique é tanto testemu nha quanto reguladora Nesse modelo impulsos instintuais têm sua fonte em excitações corporais O papel destas é lidar com as tensões assim criadas Se a soma de excitações continua sendo excessiva os sistemas funcionais tor namse desorganizados e o aparato men tal sobrecarregado deixando o caminho aberto para a somatização As noções de desorganização fixação e regressão são por extensão centrais nessa concepção ex tremamente coerente complexa e difícil de resumir Iniciarei salientando que Pierre Mar ty e colaboradores de várias disciplinas neurocirurgia gastrenterologia medicina interna e psicanálise ficaram perplexos com a ausência de qualquer sintomato logia mental no curso de uma doença so mática Essa observação tem ligação com um comentário de Freud1 que em 1920 referiuse a uma cura psíquica durante uma doen ça física intercorrente A distri buição de libido deve estar envolvida ele observa Por essa observação podese de duzir o papel protetor que os sistemas de defesa mental sejam eles neuróticos sejam eles psicóticos ou perversos podem desem penhar Sua insuficiência ou ausência abre caminho para uma excitação somática que não pode ser elaborada pela psique Em psicoses organizadas bem como em estru turas neuróticas bem estabelecidas do tipo que nós todos temos a doença física perturba o sis tema habitual defensivo como resultado do re traimento da libido e de sua necessária trans formação em uma libido narcisista Em contrapartida há uma série com pleta de organizações psíquicas mal estru turadas causadas por deficiências ou trau ma precoce Nesses casos traços de caráter ou adesão a valores narcisistas substituem defesas estritamente mentais O refúgio em uma solução somática é frequente isso causa curtoscircuitos em qualquer elabo ração psíquica como nos acting outs de pa cientes borderline Esse fenômeno é o que foi descrito como alexitimia por Sifneos e Namias nos Estados Unidos e como pensamen to operatório ou funcionamento mecâ nico por P Marty e M de MUzan na França Em contextos diferentes os dois ter mos referemse à mesma entidade clínica isto é uma ausência de sintomas mentais uma falta de afeto e de ansiedade e um pen samento que é mais objetivo do que meta fórico como se suprimido de um sistema de representações Estamos falando aqui de um novo campo que dá à psicanálise maior âmbito de ação mas ao mesmo tempo impõe o uso de diferentes parâmetros técnicos Seguindo o pensamento de Winni cott eu diria em relação às implicações 662 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs técnicas que a prática da psicanálise tam bém inclui psicoterapia bem como as mo dificações necessárias para lidar com a or ganização psíquica dos pacientes A atual expansão do método psica nalítico a pacientes não neuróticos bor derline e psicóticos bem como àqueles fisi camente doentes mostra que o modelo de tratamentopadrão costuma ser inaplicável como tal em nossa prática diária Mudanças no setting e nas técnicas interpretativas não significam nenhum afastamento da prática psicanalítica rigorosa planejada para lidar com a transferência Eu acrescentaria a propósito que o manejo dessas terapias di fíceis requer uma longa experiência de psi canálise clássica Se desejamos ser flexíveis diante de determinado modelo devemos primeiro têlo assimilado de todo Há muitas considerações técnicas que precisam ser ponderadas quando tratamos desses casos em uma estrutura psicanalíti ca Sessões face a face com frequência são indicadas visto que facilitam a adaptação ao estado afetivo dos pacientes Devese lembrar que os pacientes nem sempre vêm por sua própria iniciativa em geral são en caminhados por especialistas que prescre vem uma psicoterapia psicanalítica Eles têm que ser vistos em seu próprio terreno Acima de tudo nos primeiros estágios pre cisam de apoio do analista que deve estar constantemente alerta para possíveis altera ções qualitativas no funcionamento mental A ineficácia do narcisismo secundário e a falta de comprometimento dos pacien tes com o tratamento dificultam a tarefa de interpretação O uso de técnicas associa tivas pode sob outro enfoque servir para abordar vários temas e iniciar uma con versação Uso o termo conversação de modo ponderado pois acredito que em toda psi coterapia psicanalítica desse tipo há uma abordagem que eu chamaria de arte da conversação Para atrair um paciente ao processo de pensamento devese pensar com ele e envolvêlo no processo Eu iria até mais longe para tratar de um tipo de sedução que tenta fazer o paciente per ceber que todo mundo tem algo a dizer to da vida tem sua história e toda história tem suas palavras sua riqueza e suas tristezas Temas que são aparentemente não confli tantes como literatura cinema e aconteci mentos atuais embora fornecendo apenas uma abordagem indireta permitem locali zar movimentos regressivos tolerância de excitação e efeitos desorganizadores Recorrer a interpretações psicodramáticas do tipo se eu fosse você tanto respeita o narcisismo do paciente como abre possibilida des de identificação Tudo deve ser feito para apoiar e estimular o trabalho préconsciente e assim ajudar o paciente a descobrir e partilhar o prazer do funcionamento mental Apresentarei a seguir um breve exem plo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Claire era uma química farmacêutica pesquisadora de destaque trabalhando no serviço público francês Magra e graciosa com feições agradáveis e cachos loiros essa mulher de 32 anos poderia ser mais atraen Continua Psicoterapia de orientação analítica 663 Continuação te não fosse por um toque de simplicidade Vestida de forma modesta ela não era exatamente triste mas faltavalhe vivacidade Havia alguma coisa obscura e sombria em si lembravame uma pintura antiga de Odilon Redon Ela tinha sido encaminhada a mim por seu cardiologista que como muitos de seus anteces sores parecia ter sido desencorajado pela falta de sucesso em controlar a hipertensão instável de Claire Quando ela chegou equilibrada mas um pouco tímida percebi que essa paciente devia terse esforçado para mostrar um lado seu particularmente desagradável para ter produzido reações tão desfavoráveis da parte de seus médicos Essas reações não podiam ser explicadas apenas pelo fracasso do tratamento No que ela me relatou não havia nenhuma truculência patológica Falava sem nenhuma manifestação de tris teza ou humor Havia muita coisa que ela não entendia e eu tive um profundo sentimento de dor Ela tinha vindo para a psicoterapia não por uma grande crença no tratamento mas porque queria engravidar pela terceira vez e isso tinha sido desaconselhado pelos médicos Ela achava que sua vida era vazia No âmbito profissional estava indo bem ainda que não tivesse nenhum senso de orgulho por sua carreira Formarase em farmácia por conselho de seus pais e prosseguira com uma licenciatura em química Cursara as facul dades sem dificuldade mas também sem paixão Claire relatava uma existência exemplar Filha única de um casal de cidadãos proeminentes que ti nham desejado um filho ela estudara em escolas religiosas Seu pai era professor e conferencista univer sitário na Alemanha enquanto sua mãe cuidava da educação da filha Houve poucas saídas e nenhum ami go em sua infância provinciana Seus pais a faziam ler tocar piano e visitar museus Suas férias e tempo livre eram gastos em atividades culturais mas estas pareciam ter pouco impacto sobre Claire que não era grande leitora e não mostrava interesse pelas artes Seu marido também era cientista de uma das mais prestigiadas universidades da França Eles se casaram jovens e logo tiveram dois filhos que estavam indo bem Sua mãe e seu pai tinham morrido sete e cinco anos atrás respectivamente A hipertensão de Claire foi detectada pela primeira vez aos 13 anos graças a um médico da escola Claire lembrava pouco desse tempo triste e monótono a única coisa que lembrava era de terse preocupado com dores e inchaços em seus seios Sua mãe a levara ao médico da família um coronel aposentado que ficou espantado por ter que explicar a eles que Claire estava entrando na puberdade Claire relatou isso sem qualquer divertimento ou crítica a sua mãe mas o que a impressionara fora a expressão perplexa do médi co Mais tarde pude observar a frequência de seu espanto com as expressões que ela provocava nos outros que ela não podia decodificar mas às quais reagia com ansiedade Em meu ponto de vista ela tinha uma alarmante incapacidade de identificarse com os outros e isso me ajudou a entender melhor suas dificul dades de relacionamento O nível sócioprofissional de Claire e a qualidade de seu vocabulário contrasta vam tão marcantemente com as deficiências em seu sistema préconsciente que com frequência ela era objeto de mecanismos projetivos Sua incapacidade de perceber ambiguidades em determinada palavra ou situação tornava impossível que entendesse as piadas mais óbvias Isso era visto pelos outros como rigidez Essa alexitimia para usar o termo cunhado por Sifneos tanto em relação a si mesma como aos ou tros está estreitamente associada a um estado permanente de alarme e dor que embora não seja expresso pode ser sentido com frequência A falta de espaço para jogo de identificação junto com um narcisismo se cundário incompleto e portanto a ausência de autoestima e de qualquer sistema de defesa mental pro duzem dificuldades técnicas importantes para efetuar uma cura Uma análise face a face que obriga o pa ciente a confrontar o não eu na pessoa do analista é fundamental aqui para promover o trabalho de re animação e a modulação de estados emocionais por meio de cenários sugeridos ou explicações Em vez de serem impostos aos pacientes de forma direta interpretativa estes podem simplesmente ser propostos e Continua 664 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua dependendo das emoções provocadas modificados quando necessário Uma análise face a face com ela boração préconsciente pelo terapeuta fornece o apoio necessário mas pode confrontar os pacientes com o que eles sentem ser suas imperfeições Uma frase como Mais uma vez eu não entendi pode ser corrigi da pelo analista com uma proposição identificatória técnica psicodramática do tipo Não se preocupe se você achar difícil seguir meu raciocínio Você pode imaginar o quanto eu ficaria perdido tentando entender as suas equações químicas Essas modalidades ou peculiaridades técnicas visam a dar apoio constante ao trabalho psíquico da nificado ou congelado ao mesmo tempo encorajam o desenvolvimento de material psíquico no curso da análise Dessa forma é tramada uma história que eventualmente irá se tornar transferência Ao ritmo de uma sessão por semana e à medida que os anos passavam a história da psicoterapia de Claire foi sendo construída entre nós O amadurecimento do relacionamento permitiu interpretações ocasionais na trans ferência quando ela estava me contando sobre um filme eu sugeria Hoje é você quem está dizendo es sas palavras para mim Três anos se passaram Houve uma ligeira melhora em seus sintomas os surtos de hipertensão tinham se tornado menos frequentes e Claire passou a apreciar as sessões e estava tentando associar seus pen samentos presentes e passados Um dia quando ela estava me contando sobre sua infância fiquei perturbada pela pobreza das ima gens que estava evocando em mim elas eram frias e seus detalhes curiosamente repetitivos Decidi con tarlhe meus sentimentos e disse Tenho a impressão de que você está manuseando um velho álbum de fo tografias Claire ficou subitamente perplexa e me disse que quando criança ela se tinha perguntado por que não havia fotografias em casa Logo em seguida outras questões esquecidas voltaram a sua mente sua mãe dizia que era do sul da França mas nunca tinha dito de que cidade No exame oral de seu bacha relado ela tinha sido chamada por dois nomes o seu e outro com o qual não estava familiarizada Eu men cionei que esse nome tinha um som judaico e lembrei que Claire tinha nascido durante a guerra Resumirei a seguir os quatro anos seguintes dedicados à busca de sua identidade e à descoberta de sua origem judaica No curso de uma longa viagem para encontrar um parente sobre o qual sabia apenas da existência Claire descobriu que seu pai verdadeiro que tinha morrido nos campos de concentração era irmão do suposto pai Sob a Lei de Moisés este havia casado com sua mãe e reconhecido a filha como sua O nome francês tinha sido escolhido antes de a família sob a pressão dos acontecimentos terse converti do Claire ficou bastante excitada com essa descoberta de um passado que tinha sido escondido dela e lia o máximo que podia para preencher as lacunas A análise tornouse mais atrativa mais associações foram feitas e o processo tornouse mais clássico Claire decidiuse por uma terceira gravidez e teve uma filha a quem chamou de Esther A vida conjugal entretanto deterioravase Seu marido tornouse um estranho com quem ela tinha pouco em comum Alguns meses mais tarde iniciamos a terceira fase dessa psicoterapia que duraria ao todo 11 anos Após um tempo de felicidade Claire tornouse seriamente deprimida A elaboração de seu luto triplo e suas incertezas inerentes representaram o aspecto positivo dessa depressão que contudo persistiu a ponto de eu me tornar alarmada o suficiente para encaminhála a um colega psiquiatra Este prescreveu uma dose baixa de antidepressivos e Claire ficou tão satisfeita que decidiu continuar com esse tratamento Ao mes mo tempo anunciou que sua pressão arterial tinhase tornado perfeitamente normal sem medicação Eu me perguntava sobre a ligação entre os dois fenômenos quando seu cardiologista me telefonou para fa Psicoterapia de orientação analítica 665 PARA CONCLUIR COM UMA CONSIDERAÇÃO TEÓRICA MAIS PESSOAL Convido agora o leitor a juntarse a mim na visão da psicanálise como uma resposta nova e original à velha questão de psique soma a outra face da questão primordial como pode a inteligência ou a alma ser imortal e sobreviver a um corpo que é mor tal por definição Eu diria que a verdadeira subversão de Freud em sua concepção da condição humana é que ele ancora o pensamento em uma finitude sexual vinculando aquilo que é mais finito àquilo que é sexualizado isto é cortado ou dividido do latim secare di vidir Pensamento é definido aqui não co mo linguagem ou discurso no sentido filo sófico mas como um recipiente de espaço metafórico e visual O pensamento está en carnado enraizado no corpo A psicanálise envolve a elaboração do pensa mento ela modifica todo pensamento sobre o pensamento Em meu ponto de vista a ver dadeira revolução na essência da psicanálise data de 1920 com Além do princípio do prazer1 A primeira oposição instintual já co loca o conflito no centro da psique des viandoo da polaridade corpomente Es sa teoria dos instintos trata da questão de destruição e morte separando sexualidade e autopreservação em forças antagonistas O impasse conceitual e filosófico desse debate assim como as hesitações éticas de Freud após a Grande Guerra e a introdução da noção de narcisismo levaramno a re formular sua metapsicologia anterior que de qualquer maneira era inadequada para responder por fracassos clínicos Confrontado por um lado com um problema epistemológico e por outro com as dificuldades que ele experimentava Continuação lar de sua perplexidade com a remissão dos sintomas de Claire ao tomar antidepressivos Eu a questionei sobre sua experiência psíquica e corporal em relação à medicação Foi então e com muita reticência que ela admitiu que sempre tinha se sentido profundamente desconfortável quando não estava em um estado hipertenso O sentimento de flacidez e letargia interior a aterrorizava A passividade em geral a horroriza va De fato ela tinha tomado seus betabloqueadores apenas em doses mínimas que ela própria havia ad ministrado Durante a depressão embora sua pressão arterial tivesse diminuído os antidepressivos lhe davam uma vaga sensação de excitação ela chamava isso de tônus da qual ela gostava Essa confissão que surgiu durante nosso décimo ano de psicanálise veio a ser o ponto de partida da fase final O exame de sua intolerância a todas as formas de satisfação passiva lançou uma luz nova e final sobre sua organi zação edípica específica Relatei aqui uma longa aventura que incluiu súbitas efusões passionais mas também momentos de desespero Questionome se estes últimos teriam sido tolerados sem o auxílio constante de uma teoria que empresta apoio à criatividade técnica do analista 666 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs em lidar com a compulsão à repetição e a reação terapêutica negativa e em analisar psicoses e trauma Freud foi obrigado a pôr em dúvida seu conceito dos instintos em favor do narcisismo e de um instinto des trutivo cuja força ele talvez tivesse deixado de avaliar A segunda teoria dos instintos era agora inevitável Esse segundo conflito instintual entre a libido que une sexualida de e autopreservação e o instinto de morte é para mim de particular interesse pois representa uma nova formulação dos prin cípios fundamentais O debate não é mais sobre se a sexua lidade está do lado da vida ou da morte mas sobre colocar essa oposição dentro dos próprios processos de pensamento Em meu ponto de vista é crucial recentralizar a questão da morte e colocála no cerne do pensamento uma vez que a oposição pri mária é o fato de a condição humana por definição mortal ser única em sua capa cidade de pensar o que é eterno O ato de pensar portanto carregaria em si a negação da mortalidade e da finitude O ins tinto de morte como o vejo não é apenas des fazer conexões em oposição a eros conforme definido por Freud no Esboço4 de 1939 publi cado em 1940 mas aquele que de dentro da psique constantemente ameaça todo trabalho de pensamento Esse instinto de morte não tem nada a ver com morte orgânica inevitável mas deve ser percebido como um princí pio de morte psíquica que na forma de um movimento ou mesmo de uma força desencarnadora ataca e mata o pensa mento na essência do seu processo Como a larva na fruta ou mesmo a pérola na ostra uma metáfora que Freud empregava para ilustrar que em toda psiconeurose de defesa há um germe da neurose real a psique carrega em si sua própria tendência a destruir o trabalho de pensamento Se pensamos na posição depressiva e na elaboração do luto co mo mensageiros de elaboração psíquica somos levados a imaginar se não há em todo movimento depressivo um risco po tencial de ataque contra a psique O pen samento ou o funcionamento operatório descrito pelos partidários da Escola Psi cossomática de Paris seria um caso extre mo e exemplar dessa forma de destruição em outras palavras um sistema de discur so antissonho Concluo essa discussão lembrando mais uma vez que por trás da simplici dade de fenômenos comuns pode haver causas bastante complexas e nossas te orias não devem ser consideradas como verdades mas como construções que nos ajudam a pensar e a auxiliar nossos pa cientes PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Forças psíquicas contraditórias podem entrar em conflito em um único local somático 2 Um transtorno somático pode ser parte de uma economia geral na qual a psique é tanto testemunha quanto reguladora 3 A pulsão de morte não apenas desfaz conexões mas funciona dentro da mente ameaçando constan temente todo o trabalho de pensamento Psicoterapia de orientação analítica 667 REFERÊNCIAS 1 Freud S Beyond the pleasure principle group psychology and other works 1920 1922 In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1953 1974 v 18 2 Freud S Five lectures on psychoanalysis Leonardo and other works 1910 In Freud S The standard edition of the comple te psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 19531974 v 11 3 Marty P Lordre psychosomatique Paris Payot 1990 4 Freud S Moses and Monotheism and ou tline of psychoanalysis and other works 19371939 In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1953 1974 v 23 LEITURAS SUGERIDAS Dejour C Le corps entre biologie et psychanalyse essai dinterprétation comparée Paris Payot 1986 Freud S New introductory lectures and other works 19321936 In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 19531974 v 22 Green A La causalité psychique entre nature et culture Paris O Jacob c1995 Green A La folie priveé psychanalyse des casli mites Paris Gallimard 1990 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 1 1992 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 3 1992 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 14 1998 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 15 1999 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 18 2000 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 21 2002 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 22 2002 4 O pensamento operatório dos pacientes psicossomáticos é um caso extremo dessa forma de destruição do pensamento um sistema de discurso antissonho 5 No trabalho clínico com esses pacientes é preciso estimular a arte da conversação mediante aborda gens indiretas interpretações psicodramáticas com o objetivo de apoiar e estimular a descoberta do prazer do funcionamento mental Os transtornos alimentares TAs são al terações do comportamento alimentar derivadas primariamente de um desejo exacerbado de perda de peso que resulta em prejuízos físicos psicológicos e sociais Esses transtornos representam estratégias disfuncionais emocionais cognitivas e comportamentais para lidar com questões do desenvolvimento alterações do humor relações interpessoais e conflitos intrapsí quicos que se tornam doenças autossus tentadas em um contexto de internalização de crenças socioculturais acerca da pro messa de benefícios relacionados à magreza e à alteração da forma do corpo1 A psicopatologia específica dos transtornos ali mentares reside em uma perturbação na vivên cia da forma e do peso corporais que leva pa cientes com anorexia nervosa AN bulimia ner vosa BN e outros transtornos alimentares não especificados TANEs a praticar comportamen tos extremos para o controle do peso como res trição da ingestão de alimentos exercício físi co em excesso e vários métodos de purgação23 Episódios de compulsão alimentar perda do controle sobre a alimentação podem ser causa ou consequência desses comportamentos e contribuem para a per petuação dos sintomas Da mesma forma distorções na percepção e na avaliação da forma do corpo constituemse elementos chave no desenvolvimento na manuten ção e na recaída dos transtornos alimenta res4 A anorexia nervosa caracterizase pela manutenção de peso abaixo do normal em decorrência da restrição alimentar por in tenso medo de ganhar peso ou de ficar gor do por comportamentos que interferem na recuperação de peso mesmo estando desnutrido por distúrbio na imagem cor poral ou por persistente negação da gravi dade do baixo peso5 A bulimia nervosa en volve episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos compensatórios inapropriados para evitar o ganho de peso e autoavaliação excessi vamente influenciada pelo peso e pelas for mas corporais O transtorno da compulsão alimentar TCA evidenciase por períodos de compulsão sem comportamentos com pensatórios que ocorrem frequentemente em pessoas com sobrepeso ou obesidade5 Os primeiros indícios da AN BN e síndromes parciais costumam surgir du 39 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES Mirian G Brunstein Carolina Meira Moser Ana Carolina Faedrich dos Santos Psicoterapia de orientação analítica 669 rante a adolescência e o início da vida adul ta o que coincide com uma fase de muitas mudanças desafios sociais e biológicos in cluindo alterações corporais e que é crítica para o desenvolvimento pessoal Os TAs podem ser um caminho para lidar com me dos existenciais e da maturidade uma esca patória para angústias ligadas à sexualidade emergente ou um modo de enfrentar a feri da narcísica do fim da infância Ou ainda podem representar a busca de refúgio por meio da desnutrição e da negação do corpo contra abuso e maustratos com um desli gamento do mundo material1 Na verdade as pacientes não apresentam falta de apeti te exceto em fases mais avançadas devido à cetose mas estão obstinadamente preo cupadas com a comida Há um sentimento profundo de ineficácia sendo os sintomas capacidade de controlar a comida por exemplo uma forma de avaliação do valor pessoal6 Entretanto cabe salientar que sin tomas transitórios de TA são comuns e po de ser difícil distinguir entre a preocupação com a forma corporal da grande maioria de mulheres e homens e as formas clínicas dos transtornos do comportamento alimentar Em uma sociedade que oferece alimentos calóricos em abundância e que valoriza a magreza e músculos delineados a preva lência do problema aumenta devido à ex posição ao fator desencadeante dietas que viraram ritos de passagem social1 No entanto em alguns casos o sintoma passa a fazer parte da estrutura da personalidade e se transforma em modo de vida7 Os TAs afetam principalmente mulhe res adolescentes e jovens entre 15 e 35 anos No entanto também têm sido relatados em homens mulheres mais velhas e crianças prépúberes de ambos os sexos A clínica em homens e mulheres mais velhas é muito semelhante àquela de adolescentes e mu lheres jovens8 Para o desenvolvimento da AN é necessária uma predisposição a ca racterísticas como perseverança perfeccio nismo e baixa impulsividade De fato são esses os fatores relacionados ao sucesso em realizar uma restrição alimentar sustenta da que mantém o estado de desnutrição e que é impossível para a maior parte das pessoas a quem é dada a opção de comer Personalidades extrovertidas e impulsivas aumentam a probabilidade de ciclos de compulsãopurgação1 Ainda que muitos estudos de inci dência em AN tenham sido conduzidos diferentes metodologias têm sido usadas e portanto os resultados encontrados apre sentam variação significativa A taxa de in cidência da AN é estimada em 5 a 8 por 100 mil pessoasano e a da BN em 11 a 135 por 100 mil pessoasano No entanto cabe ressaltar que a incidência de TAs entre ado lescentes de 15 a 19 anos é maior podendo variar de 109 a 270 por 100 mil pessoas ano9 A prevalência ao longo da vida de AN é de 09 a 22 em mulheres de países ocidentais enquanto a taxa de prevalência para a síndrome parcial de AN casos que não apresentam todos os critérios diag nósticos é de 24 e 43 A prevalência da BN varia entre 03 e 94 em mulheres Estudos sugerem que TCA e quadros par ciais de AN e BN são de fato muito mais comuns do que AN e BN8 Com exceção de quadros parciais e de TCA a prevalência de transtornos alimentares ao longo da vida em mulheres é 3 a 8 vezes superior à en contrada entre os homens9 Em metanálise recente sobre a mortalidade em TAs foram encontradas taxas de 51 por mil pessoas ano para AN 17 por mil pessoasano para BN e 33 por mil pessoasano para TANE10 Uma visão dos TAs como síndromes de um espectro e não como diagnósticos categoriais levou a uma proposta de com preensão transdiagnóstica desses transtor nos que destaca haver mais semelhanças do que diferenças entre os quadros e assi 670 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nala o fenômeno da migração diagnóstica ao longo do tempo De fato cerca de 50 dos casos de AN evoluem para BN ou qua dros parciais Já a migração de BN para AN é menos comum Esse entendimento se re flete em múltiplos aspectos da compreen são emocional e da abordagem terapêutica O TCA tem um curso diferente dos demais TAs e a maioria não tem história prévia de AN ou BN11 No Manual diagnóstico e es tatístico de transtornos mentais DSM55 o TCAP saiu da categoria diagnóstica de TANEs para tornarse uma condição espe cífica Tendo em vista a maior prevalência dos TAs entre mulheres os textos sobre o tema costumam se referir aos portadores desses transtornos usando a concordância no feminino como faremos a seguir HISTÓRICO Os transtornos alimentares têm sido reco nhecidos como entidades nosológicas des de a metade do século XIX quando a ano rexia nervosa foi identificada pela primeira vez quase simultaneamente por Gull em Londres e por Lasègue em Paris Gull em 1874 nomeou de anorexia nervosa a des crição de casos caracterizados pelo defi nhamento físico e pela perda de energia das pacientes Ele atribuiu a causa da AN a uma morbidade do estado mental e por tanto deu ênfase ao papel dos fatores psi cogênicos no desenvolvimento do quadro Por essa mesma época Lasègue fez nume rosas observações não somente sobre o es tado psicológico da paciente com anorexia mas também sobre as interações sociais em especial com a própria família12 No entanto acreditase que padrões semelhantes aos TAs existam desde mui to antes do seu descobrimento Muitas mulheres santificadas pela Igreja Católica durante o período medieval exibiam com portamentos idênticos aos evidenciados em transtornos alimentares atuais Tem sido sugerido que a diferença crucial en tre as santas jejuadoras e as anoréxicas modernas seja a forma da manifestação psicopatológica ou patoplastia pois a mo tivação básica é comum a busca da per feição que no contexto cultural da Idade Média correspondia à valorização do asce tismo e na atualidade ao culto do corpo magro idealizado12 Um marco na perspectiva moderna da AN veio das publicações de Hilde Bruch a partir de 1960 e culminaram em 1973 no livro Eating Disorders obesity anorexia and person with13 A autora enfatizou a interação entre o indivíduo e o ambiente familiar e assinalou as distorções como resultado da percepção do próprio corpo e de estados emocionais No centro da psicopa tologia anoréxica para Bruch havia a busca implacável pela magreza bem como um im pregnante senso de ineficácia12 A bulimia nervosa foi descrita pe la primeira vez por BoskindLodahl em 1976 mas foi definida em termos clínicos formais por Russel em 1979 Russel uti lizou a expressão bulimia nervosa para se referir a um subgrupo de pacientes com TAs nas quais a preocupação com o peso e a forma corporais era semelhante à de pacientes com AN mas que apresentavam compulsões alimentares vômitos abuso de laxantes e outros comportamentos com pensatórios para a sensação de perda do controle sobre a alimentação Essas pacien tes não estavam necessariamente abaixo do peso Russel se referia a sintomas bulí micos dentro da anorexia nervosa hoje descrita como anorexia purgativa e tam bém como uma síndrome distinta buli mia nervosa12 Psicoterapia de orientação analítica 671 ENTENDIMENTO PSICODINÂMICO O estudo da etiologia dos transtornos ali mentares fez alternadas passagens de uma visão psicológica para uma visão biológica e viceversa coincidindo com os avanços da psiquiatria da psicanálise das ciências biológicas e sociais14 No entanto mais re centemente maior ênfase parece estar sen do dada ao estudo dos aspectos cognitivos familiares e ambientais não como fatores excludentes mas como elementos de um entendimento psicodinâmico mais amplo dos TAs prevalecendo uma compreensão de etiologia multifatorial a qual determina uma terapêutica integradora15 Da perspectiva psicanalítica não há um modelo de compreensão único acerca dos conflitos inconscientes dos TAs mas um conjunto de ideias permanece consis tente entre as teorias que tentam explicar a psicodinâmica desses transtornos As pri meiras contribuições tiveram como foco o entendimento do significado inconsciente e simbólico dos TAs e as publicações psi canalíticas foram baseadas em estudos de caso particularmente de quadros de ano rexia nervosa15 Os teóricos clássicos atri buem a psicopatologia a conflitos edípicos não resolvidos e à ambivalência acerca da sexualidade genital Seguidores kleinianos e bionianos destacaram a importância de tendências constitucionais sádicoorais e agressivas A maior parte das teorias das últimas décadas tem compreendido os TAs como uma patologia do self como uma batalha simbólica pela se paraçãoindividuação e como uma falha em de senvolver um senso de identidade ou capaci dade de autorregulação16 Autores como Freud Breuer Abraham Sandler e Fenichel compreenderam a AN como um quadro associado à melancolia caracterizada por uma fixação ao estágio sádicooral que se manifesta por uma resis tência ao crescimento A evitação defensiva da sexualidade genital seria uma solução inconsciente dos conflitos derivados das fantasias da gravidez oral sugerida como um dos fatores envolvidos no desenvolvi mento dos TAs Além disso assinalaram a relevância do conceito de ambivalência na psicopatologia15 Klein17 descreveu que o início da vi da do bebê é caracterizado pela presença de ansiedades psicóticas Nesse período as primeiras relações objetais do ego primiti vo são com o seio materno que é dividido em bom gratificador e mau frustrador por meio do mecanismo de cisão O pe queno ser em desenvolvimento relaciona se com o objeto e o mundo externo pela contínua interação entre introjeção e proje ção A função desses mecanismos de defesa consiste em dominar a ansiedade que para a autora se origina do medo de aniquila mento morte e transformase em medo de perseguição pelo impulso destrutivo Essa transformação ocorre quando as ne cessidades corporais são frustradas e senti das como causadas pelo objeto seio que foi introjetado Ao mencionar a negação do objeto Klein traz a ideia de triunfo sobre ele O controle e o desprezo tomam o lugar dos sentimentos depressivos em uma orga nização maníaca que conduz à dissociação à negação à idealização e à projeção Basi camente tratase de mecanismos esquizoi des que estão organizados para defender e proteger o ego da ansiedade depressiva que promove o crescimento17 As dificuldades de alimentação em crianças pequenas esta riam associadas ao medo dos objetos inter nos à semelhança do que se apresenta no inconsciente anoréxicobulímico 672 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O funcionamento psicótico encon trado nos TAs principalmente a distorção da imagem corporal as dissociações e os conteúdos alucinatórios têm ressonância na teoria kleiniana Nas pacientes estão presentes medos persecutórios intensos e uso excessivo de mecanismos de cisão que desequilibram as defesas egoicas enfraque cem os desejos orais e afetam as relações objetais deixando o ego vulnerável às ci sões Para Klein em 1946 quanto maior o sadismo no processo de incorporação do objeto mais este é sentido como em pedaços e maior é o risco de o ego cindir se em correspondência aos fragmentos do objeto internalizado O medo persecutório dirigese inicialmente à relação bocaseio Conforme o desenvolvimento segue sua trajetória Klein destaca que há uma con fluência de desejos orais uretrais e anais de teor tanto libidinal quanto agressivo ambivalência Os ataques em fantasia di rigidos ao seio estendemse para o corpo materno e fazem uso da descarga de im pulsos orais anais e uretrais a evacua ção de substâncias venenosas excrementos que são expelidos do eu e introduzidos na mãe17 Vemos isso concretizadoatuado nos sintomas bulímicos A identificação projetiva é considera da também como um meio de comuni cação do bebê com a mãe Bion18 explica que por não conseguir expressar o que sente o bebê busca fazêlo mediante sen sações suas projetadas na mãe para que ela possa traduzilas e entender o que se pas sa com ele Dessa forma o terapeutamãe deve realizar a rêverie para a pacientebebê Esta é possibilitada pela capacidade da mãe em transformar os elementos sem nome do bebê definidos por Bion18 como elemen tos beta em elementos com significado por meio da função alfa materna Assim a mãe acolhe as identificações projetivas do filho boas ou más e as transforma em símbolosrepresentações Bion18 define a capacidade de rêverie da mãe como uma disponibilidade dela em acolher as sensa ções do bebê como se ambos sonhassem o mesmo sonho como se houvesse uma res sonância afetiva entre a dupla por meio da intuição da cuidadora Para Bion quando mãe e bebê estão em sintonia a identifi cação projetiva tem um papel importante para o desenvolvimento psíquico do pe queno ser frágil e indefeso que com esse mecanismo busca despertar na mãe sen sações que tenta evacuar No desenvolvi mento normal a mãe permite que o bebê projete nela a sensação de estar morrendo e após assimilar e transformar essa sensa ção a devolve de maneira suportável para que o bebê reintrojete o medo da morte como algo tolerável para sua psique Quan do a mãe não aceita a projeção o bebê não pode reintrojetar a sensação de morte de forma assimilável portanto o que sente é um terror sem nome Entretanto se a mãe não for capaz de aceitar as projeções o filho passará a utilizar excessivamente a identificação projetiva na tentativa de lidar com seus temores internos18 Dificuldades significativas nesse processo emocional são observadas com frequência nas relações fa miliares de pacientes com TAs A equação simbólica como descrita por Hanna Segal pode ser útil para explicar o pensamento concreto que caracteriza os TAs Os símbolos não são usados por es sas pacientes para representar o objeto eles são como o próprio objeto Dessa forma a paciente com AN pode ser vista como símbolo concreto da resistência a sua mãe internalizada pela recusa da ingestão ali mentar Alimentação que é determinada cul turalmente e transmitida de geração a outra deve ser adequada ao bebê e quando estereotipada perturbará o ajuste afetivo7 Psicoterapia de orientação analítica 673 A paciente com BN atua intensamen te o conflito da separaçãoindividuação por meio das compulsões e purgações da sua mãe e do alimento16 A fusão da menina com a mãe pode ser entendida como consequência da falha psíquica em internalizar o casal parental A intensidade das fantasias de que algo pe rigoso e ameaçador se instalou dentro do corpo da paciente é diretamente propor cional às fantasias de ataque ao corpo da mãe Quanto mais a menina nega a relação entre os pais maior será a intrusividade do objeto A menina usa a mãe como escudo protetor dessas fantasias em vez de senti la como continente e capaz de metabolizar seus medos e fantasias agressivas Identifi cada com as partes faltantes da mãe fragili zada a menina desenvolverá um vazio que tentará a todo custo preencher em busca da completude e carecerá de um desenvol vimento simbólico adequado A falha em integrar as vivências prégenitais resulta na falha na internalização do triângulo edípico o que dificulta a separação da identidade da menina e da mãe19 Os investimentos nar císicos da mãe e da filha impedem o reco nhecimento do outro como um ser distinto e dificultam a troca afetiva A tradicional frase eu não sinto fome demonstra a fan tasia inconsciente de se situar além das ne cessidades básicas de sobrevivência e reflete intensos impulsos autoagressivos e suicidas O grau de homicidade em direção ao self e ao corpo reflete a extensão do propósito assassino com relação aos pais internos e suas relações Mulhe res que desenvolveram um transtorno alimentar podem ter sido receptácu los de invasões abusos ou violências físicas e psíquicas quando crianças19 Pode parecer paradoxal que as mulhe res que tendem a ser mais conectadas com a experiência emocional do que os homens sejam mais suscetíveis a distúrbios no pro cessamento da experiência emocional As meninas tendem a perceber de forma mais precoce e com mais clareza o mundo emo cional do outro Devido a essa capacidade aumenta a tendência de que sejam elas as re crutadas para validar ou responder às neces sidades emocionais de seus pais Isso pode ocorrer ao custo de não terem suas próprias expe riências emocionais respondidas e vali dadas Os meninos estariam mais protegi dos por terem uma maior distância emo cional dos pais e menos sintonia com pistas sociais e experiências emocionais20 De acordo com Selvini Palazzoli21 o papel da interação mãefilha é de extrema importância na compreensão da psico dinâmica dos TAs Pacientes com AN ex perimentam seu corpo como algo assus tador em sua própria natureza uma vez que ele é percebido como a incorporação oral de um poderoso objeto materno mau Dessa forma o self da anoréxica fica aban donado enquanto incorpora e controla o objeto mau dentro de si Como conse quência a paciente iguala seu corpo a um aspecto parcial mau de sua mãe Selvini Pa lazzoli21 acrescenta que a interação entre a mãe e a filha com TA é caracterizada pela superproteção e pela inabilidade de dife renciar a criança como uma entidade se parada o que mantém uma relação engol fadora Durante a puberdade ocorre uma separação entre o ego incorporado e o ego identificado com a consequente repressão do objeto materno mau O comportamen to anoréxico consiste então nas repre sentações mentais distorcidas do corpo do self e do objeto A restrição alimentar é entendida como um ataque à sexualidade feminina e uma tentativa de resolver e re duzir essa identificação confusa com a mãe Bruch13 considera o senso de inefi cácia incluindo seu prejudicado senso de autonomia e as distorções da imagem 674 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs corporal como os fatores mais importan tes dos transtornos do desenvolvimento do ego A autora reforça a ideia da falha da mãe em se comunicar com seu bebê O prejuízo na construção do self da criança tem suas origens nas reações inapropriadas da mãe que seriam baseadas mais nas suas necessidades do que nas do bebê Dessa forma há uma erosão no senso de autono mia tornando a criança incapaz de se per ceber como uma entidade separada da mãe O vínculo de dependência precoce com a mãe impede a menina de identificar suas necessidades mais profundas e de tomar as próprias decisões o que gera o sentimento de ineficácia A intensa negação da doença egossintonia pode ser entendida como um mecanismo de defesa contra um senso de ineficácia generalizado A restrição alimentar parece uma pseudossolução para sua autonomia e a anorexia uma forma de existência por meio do exercício de controle sobre seu peso O distúrbio da imagem corporal é o equivalente ao objeto mau e à falha em re conhecer as necessidades corporais Dependentes da imagem ideal proje tada o espelho que representa o olhar materno sempre devolve imagem dis torcida que nunca será bela Nessa busca alienamse do próprio corpo como se não fosse real Há um desgos to por aspectos parciais do corpo co xas barriga nádegas7 Isso acaba sendo reforçado por uma atitude em que o olhar sobre o corpo é ora obsessivo e escrutinador ora evitado Nessa relação a desvalorização da imagem corporal está associada à fal ta de sintonia entre mãe e a menina que careceu de uma cuidadora que re fletisse uma imagem positiva de si e possibilitasse o desenvolvimento de um narcisismo trófico e um adequa do ajuste na autoestima7 As pacientes têm dificuldade em se perceberem além do aspecto físico em di ferenciarem experiências físicas de emocio nais e em experimentarem um sentimento de eficácia A preocupação com a comi da com a forma do corpo ou com o peso proporciona um sentido de organização desesperadamente necessário e uma iden tidade para indivíduos com um self frágil A mentalidade de dieta funciona como um organizador psíquico nessas pessoas com distúrbio no sentido de self20 Muitas pacientes com AN sentem não conseguir encontrar palavras para descre ver seus sentimentos para se expressar e dar nome às suas experiências Esse fenômeno alexitimia de não ser capaz de perceber sensações e sen timentos é decorrente do desinvesti mento do ego corporal uma cisão en tre mente e corpo7 Relatos constantes de vazio interior ou vivências de balão estufado mostram tentativas de representações simbólicas que se confundem com a concretude que impe ra no modo de funcionar anoréxico e bu límico possíveis sequelas de um processo identificatório com falhas19 Steiner22 vincula os TAs ao uso pa tológico do corpo como objeto de maus tratos e de automutilação carregada de ansiedades primitivas Aponta a presença de um narcisismo sinistro em que há um empobrecimento de pensamentos um va zio mental determinado por mecanismos defensivos com desinvestidura do mundo representacional e dos afetos7 tornando o corpo e a comida os temas principais Elas recorrem ao uso do corpo por meio do seu desaparecimento para expressar emoções que não conseguem mentalizar o que revela um déficit de autorregulação central a um senso problemático do self23 e fruto de danos vinculares precoces7 Psicoterapia de orientação analítica 675 Segundo Gabbard e Gabbard24 uma compreensão psicanalíti ca multideterminada dos transtor nos alimentares inclui uma tentativa desesperada de ser especial um ata que ao falso self alimentado pelas ex pectativas parentais uma asserção do verdadeiro self um ataque a introjetos maternos vistos como equivalentes do corpo uma defesa contra o luto e o desejo um esforço para fazer com que outros se sintam abandonados e vora zes uma tentativa de evitar a entrada de projeções não metabolizadas dos pais e um choro por ajuda que tire os pais de seu estado de autoabsorção e reconheçam o sofrimento da criança ABORDAGEM TERAPÊUTICA O tratamento de pacientes com transtor nos alimentares deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar e inclui o uso de várias intervenções psicoterápicas Porém as evidências científicas acerca da eficácia das abordagens psicoterápicas para a ano rexia nervosa seguem limitadas e baseadas em consenso de especialistas2526 Para a bulimia nervosa os guidelines de tra tamento recomendam a terapia cognitivocom portamental TCC como a intervenção mais bem estudada e efetiva sugerindo a terapia in terpessoal TIP para aqueles que não respon derem à TCC27 Ainda que a psicoterapia psi codinâmica permaneça sendo um importan te componente do tratamento é indicada tanto para casos mais leves de TAs como para situa ções nas quais as demais terapias falharam27 Há poucos ensaios clínicos contro lados e randomizados e entre os estudos existentes permanecem limitações rela cionadas ao pequeno tamanho das amos tras à curta duração dos seguimentos e a problemas metodológicos Em geral há dificuldades no recrutamento de pacientes e altas taxas de abandono Os estudos rea lizados apresentam mais enfoque na me lhora sintomática do que na recuperação28 Diretrizes clínicas recomendam fortemente terapia familiar para crianças e adolescen tes com TA e sugerem que a avaliação e o envolvimento da família também são úteis para pacientes adultas29 Os TAs têm sido particularmente difíceis de tratar devido a sua natureza egossintônica Para muitas pacientes o TA faz parte do núcleo de seu self e as barrei ras às intervenções terapêuticas incluem a negação da existência de um problema a ambivalência em engajarse no tratamento e em abrir mão de comportamentos es pecíficos do TA e o medo de aumentar o peso e de separarse das funções protetoras relacionadas ao controle do peso da forma e da alimentação3031 Em função disso a integração de abordagens motivacionais à abordagem psicoterápica tem sido reco mendada em especial nos casos de AN De fato a anorexia nervosa é reconhecida co mo um dos transtornos psiquiátricos mais resistentes ao tratamento3233 É de fundamental importância assi nalar a necessidade de avaliação de riscos pois os TAs estão associados a várias com plicações clínicas graves muitas delas po tencialmente fatais como arritmias cardía cas distúrbios hidreletrolíticos osteoporo se prejuízo na motilidade gastrintestinal e problemas de fertilidade34 A AN apresenta a maior taxa de mortalidade en tre todas as condições psiquiátricas seja por suicídio seja por complicações clínicas secun dárias ao estado de desnutrição34 676 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Além disso pacientes desnutridas de forma aguda ou crônica costumam apre sentar algum grau de disfunção cognitiva o que pode comprometer a eficácia das abor dagens psicoterápicas A abordagem inicial deve conside rar a necessidade de restauração do pe so normal psicoeducação sobre as raízes biológicas e culturais da patologia e uso de intervenções cognitivocomportamentais para enfrentar padrões maladaptativos de lidar com os conflitos35 Mesmo que não se possa falar em melhora do TA sem recuperação de peso e cessação dos ciclos de compulsãopurgação as mudanças de comportamento não são suficientes para uma melhora duradoura Para isso é fun damental abordar os estigmas psicológicos associados ao transtorno que estão atrapa lhados pelos sintomas senso de self em seus vários aspectos autoestima autoconceito autocontrole tarefas desenvolvimentais e dificuldades interpessoais6 Nessa etapa do tratamento a aborda gem com terapia cognitivocomportamen tal para os TAs36 utiliza diversas técnicas que visam a auxiliar as pacientes a com preender seus sintomas e a desenvolver es tratégias mais sadias para enfrentarem suas dificuldades A TCC foi adaptada especifi camente para a abordagem da psicopatolo gia dos TAs e costuma ser uma etapa inicial no tratamento psicoterápico enfocando a melhora sintomática Algumas estratégias utilizadas incluem uma formulação ela borada por paciente e terapeuta com as dificuldades a serem tratadas registro de automonitoramento pesagem colaborati va e regularização da alimentação O au tomonitoramento fornece dados relativos à qualidade e à quantidade de alimentos e líquidos ingeridos ao local onde a refeição foi realizada às situações aos pensamentos e aos sentimentos associados e ao grau de controle percebido pela paciente Nesses registros a paciente pode relatar se houve algum comportamento purgativo e se te ve a sensação de perda de controle sobre a alimentação Assim a dupla terapêutica identifica situações pensamentos e senti mentos críticos para o desencadeamento do comportamento alimentar inadequa do e dessa forma pode buscar estratégias alternativas para lidar com tais situações ao mesmo tempo que a paciente tornase mais consciente do seu TA para desenvol ver o autocontrole A pesagem colaborativa visa a auxiliar a paciente a entender e en frentar melhor as flutuações cotidianas do peso conhecer a faixa de peso considerada saudável para ela e avaliar a quantidade de alimento que pode ingerir sem perder o controle A regularidade das refeições tem por objetivo principal ajudar a estruturar uma rotina alimentar sem restrições e com isso reduzir os episódios de compulsão37 Diversas outras estratégias podem ser in cluídas no processo psicoterápico de acor do com o foco acordado entre paciente e terapeuta a partir da análise da formulação de seu transtorno alimentar como a abor dagem das distorções da imagem corporal e a hipervalorização da dieta e do corpo na avaliação da autoestima Outro recurso terapêutico recomen dado é a terapia interpessoal uma psico terapia de base psicodinâmica que con ceitualiza os problemas psicológicos como dificuldades nas relações com as pessoas importantes da vida da paciente ideia de rivada da teoria das relações objetais Além disso é não diretiva e não trabalha com te mas de casa6 A TIP passou por adaptações para essa população considerando que ca racterísticas como a cronicidade e tarefas como escolha profissional estilo de vida e independência podem estar prejudicadas pelo TA assim como o funcionamento global dessas pacientes Na TIP a melho ra das dificuldades interpessoais representa Psicoterapia de orientação analítica 677 um impacto positivo na autoestima o que provoca melhora dos sintomas alimentares de forma indireta38 Estudos recentes apontam para uma necessidade de abordar questões de trans ferência simbolismo do sintoma confli toschave vulnerabilidades narcísicas e dinâmicas dos relacionamentos para tratar as dificuldades nucleares associadas aos sintomas e aos traços de personalidade Assim muito embora haja poucas evidên cias de pesquisa sobre a eficácia da psico terapia psicodinâmica nos TAs2739 o pa radigma psicodinâmico proporciona uma compreen são da dimensão psicológica das pacientes auxiliando os terapeutas envol vidos no atendimento a conter sentimen tos transferenciais e contratransferenciais e facilitando o desenvolvimento da aliança terapêutica mesmo que não utilizem téc nicas específicas de psicoterapia psicana lítica no tratamento Também em muitas situações sintomas subclínicos ou carac terísticas psicológicas que predispõem ao baixo peso e preocupação excessiva com forma ou imagem corporal como perfec cionismo obsessividade superficialidade preocupação com controle ansiedade tipo ansiedade generalizada pânico ou ansieda de social são passíveis de abordagem psi codinâmica mais direta Segundo estudo de Tobin40 a imensa maioria dos especialistas em TA indicou o uso de intervenções que integram abordagens comportamentais e psicodinâmicas Psicoterapia psicodinâmica para mu lheres com TA costuma ser iniciada para abordar vulnerabilidades individuais que estão associadas a alterações nos hábitos ali mentares que persistem mesmo depois de melhorarem os comportamentos alimenta res É complementar a uma abordagem que foca de modo mais específico a redução de sintomas ou para combater pressões cultu rais que afetam as jovens em nossa cultura20 Fatores que determinam o tratamento psico dinâmico são foco na experiência subjeti va da paciente atenção às defesas utilizadas para evitar afetos e emoções dolorosas utiliza ção das interações entre paciente e terapeuta como fonte de informações clínicas transferên cia contratransferência foco no inconsciente e no significado psicodinâmico dos sintomas apreen são dos padrões anteriores de relaciona mentos e conflitos nas relações atuais6 Assim a psicoterapia dessas pacientes centrase em ajudálas a entender o signi ficado dos sintomas e a buscar formas de controlar os modos desadaptados de li dar com conflitos e situações Do mesmo modo pretende explorar os antecedentes desenvolvimentais da patologia incluin do traumas infantis perdas que não fo ram elaboradas o impacto de pais que não conseguiram sintonizar com o bebê falhas nas tentativas de completar as eta pas de separaçãoindividuação apropria das para cada idade e falta de afirmação do self em pe ríodos cruciais do desenvol vimento35 A longo prazo os objetivos psicológicos buscam resolver as vulnerabi lidades subjacentes como autoestima frá gil autoimagem negativa e deficiências na autoconfiança e desenvolver a habilidade de regular os afetos sem lançar mão dos comportamentos de TA ou outros auto destrutivos6 Contraindicações relativas a abordagens psi codinâmicas estão relacio nadas a gravidade dos sintomas alimenta res impulsividade risco de suicídio e co morbidades como depressão grave abuso de substâncias e personalidade borderline Mulheres com AN ou BN graves e aquelas que não responderam a tratamentos menos intensivos com frequência necessitam de contextos terapêuticos estruturados como hospitaldia ou internação para aliviar os sintomas20 678 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A relutância em participar do trata mento pode ser explicada por uma baixa confiança em relacionamentos de maneira geral Em relações anteriores as pacientes com TA sentiramse inferiorizadas ou re jeitadas e podem transpor tais sentimen tos para o psicoterapeuta A qualidade da relação terapêutica é determinante para o sucesso do tratamento Para tanto é ne cessário que a paciente entenda que o psi coterapeuta tem um interesse genuíno em ajudála e não vai enganála e que os sin tomas podem ser manejados A motivação para o tratamento pode ser despertada pe la avaliação dos aspectos insatisfatórios de sua vida Mostrar entendimento e empatia pelos sentimentos da paciente especial mente em relação ao terror de vir a perder o controle sobre o peso bem como aceitar suas crenças como genuínas para ela faci lita a relação Um papel terapêutico cen tral é o esforço do terapeuta em entender a perspectiva única da paciente e expressar o reconhecimento disso transmitindo a mensagem de que ela merece desfrutar da interação com outros sendo um ser inte gral restaurando a esperança nas pessoas41 As pacientes defendem ferozmente seu padrão alimentar como quem defen de a existência de seu próprio self Abrir mão dos sintomas e dos rituais alimenta res precocemente sem uma figura de self substituta pode ser sentido como uma ameaça à coesão do próprio self As pa cientes relatam ter muito medo de ficarem gordas e ganhar peso e é curioso e intri gante como esse medo intenso não diminui com a perda progressiva do peso A perda de peso vista como autocontrole e disci plina não pode ser abandonada enquanto engordar é visto como um sinal de fracas so e fraqueza42 Como a dor emocional da paciente tende a ser difícil de ser tolerada mecanismos de defesa de negação split ting dissociação identificação projetiva e repressão são usados de forma adaptativa pela mente para colocar de lado a angústia interna35 A habilidade limitada em aces sar e tolerar a experiência emocional pode tornarse aparente no início da terapia psi codinâmica pelo restrito repertório de ex periências afetivas em sua sensibilidade à sobrecarga emocional e em sua tendência a aceitar prontamente as opiniões as crenças e as interpretações do terapeuta Em geral o foco unicamente no peso e na forma corporal está associado ao es treito leque de interesses e à limitada capa cidade para reflexão sobre si As preocupa ções com peso e comida deslocam a expe riência emocional que é desconfortável ou ameaçadora20 O primeiro passo do tratamento en tão é a criação de um contexto de seguran ça no qual a paciente possa gradualmente sentirse mais confortável em compartilhar aspectos do self que obstruíram o cresci mento pessoal e encontraram expressão nos sintomas de TA35 Assim essa abor dagem é bastante diversa da confrontação da psicanálise clássica No mesmo sentido as defesas são entendidas como tendo uma função protetora de um self vulnerável à depleção e à fragmentação e não como obstáculos que devem ser removidos em camadas Mesmo os comportamentos au todestrutivos e derrotistas são vistos com respeito como tentativas de manutenção da coesão do self e os padrões arcaicos e seus comportamentos devem ser descritos e explicados em vez de confrontados41 Em um primeiro momento o psico terapeuta deve ter um papel mais ativo13 sendo desejável uma atmosfera colabora tiva entre paciente e terapeuta6 São indi cadas algumas mudanças na técnica ana lítica clássica como evitação de silêncios aumentam a sensação de abandono e as atuações de interpretações profundas e de neutralidade austera O terapeuta deve Psicoterapia de orientação analítica 679 tolerar as manifestações transferenciais pri mitivas67 Responsividade empática pode ser mais importante para essas pacientes do que interpretações voltadas ao insight Assim o papel da interpretação deve ser repensado A atividade interpretativa é di recionada para em colaboração com a pa ciente ajudála a compreender e organizar sua experiência e não para revelar material inconsciente reprimido A abordagem ini cial examina os momentos de experiência emocional vivenciados na sessão e levam em consideração a influência mútua entre paciente e terapeuta Explanações do tera peuta sobre os verdadeiros significados dos sintomas da paciente são substituídas por uma construção colaborativa do signi ficado do vivenciado na sessão20 Bion18 em 1962 referiuse ao caráter arcaico do funcionamento mental nos transtornos alimentares apontando para o fato de que uma paciente com TA ao chegar para tra tamento é como se fosse um bebê prema turo ou um feto que ainda não nasceu e ao mesmo tempo uma mulher em sua idade cronológica À medida que os sintomas alimen tares se tornam menos proeminentes e os riscos diminuem ampliase o espaço para uma abordagem psicodinâmica Nessa eta pa o enfoque terapêutico se volta para o entendimento simbólico do sintoma como uma comunicação da natureza e extensão do conflito subjacente buscando alternati vas mais adaptativas para lidar com o so frimento14 A terapia psicodinâmica deve facilitar o mundo subjetivo da paciente a emergir Isso ocorre de forma lenta porém progressiva quando o terapeuta mantém uma atitude de curiosidade e questiona mento empático tendo a experiência sub jetiva da paciente como o foco da atenção No início do tratamento as comunicações não verbais podem ser os guias mais con fiáveis para a experiência autêntica da pa ciente e essa estratégia pode fornecer um ambiente em que a experiência da paciente é validada e a reflexão criativa facilitada O foco não é na experiência inconsciente mas em momentos da experiência viven ciada que era evitada negada ou excluída previamente Pode ser particularmente útil na sessão observar expressões afetivas visíveis ou contradições entre as comuni cações verbais e não verbais pois eviden ciam a experiência vivida em oposição a construções intelectualizadas20 Nomear sentimentos auxilia as pacientes a terem a sensação de domínio de si mesmas e a de senvolverem um repertório mais efetivo de comportamentos adaptativos para usar quando encontrarem os desafios da vida Tornar consciente o inconsciente amplia as capacidades reflexivas possibilitando o uso da mente de forma construtiva35 O psicoterapeuta deve lançar um olhar e uma escuta especial ao conteúdo não verbal da paciente expresso por meio da transferência da atuação de suas rela ções objetais Esta pode ser caracterizada por pressões internas no terapeuta de agir ou interpretar de forma equivocada o material verbal da paciente distanciando se daquilo que deve ser compreendido O distanciamento é como uma atuação do psicoterapeuta por sua própria dificuldade de compreender o que é vivenciado na transferência Pacientes muito regressivos despertam intensos sentimentos no tera peuta e muitas vezes fica difícil manejá los Emoções intensas de amor ódio e desesperança podem impedir a capacidade de pensar e provocam no psicoterapeuta a vontade de agir um acting out Entretanto a principal tarefa do terapeuta nesse mo mento é tolerar os sentimentos projetados sem realizar um acting out43 Ele deve se sentir confortável por estabelecer limites quando a paciente expressa sentimentos como raiva Limites precisos e firmes são a 680 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs base do tratamento pois constituem uma forma de auxiliar a paciente a encontrar seus próprios li mites Interpretações sobre a raiva podem ser úteis mas apenas quando a paciente tiver condições de ouvir timing é essencial44 A experiência subjetiva deve ser o material analítico primário e o self que é a estrutura ou organizador da experiência subjetiva é a estrutura psicológica central A ênfase em subjetividade empatia e res ponsividade é importante para essas pa cientes assim como uma transferência que focalize a necessidade de uma experiência que reforce seu self Terapeuta e paciente não apenas se influenciam mutuamente como constroem de forma conjunta os significados da experiência subjetiva20 Os transtornos alimentares podem ser vistos como um exemplo de funcionamento esquizo paranoide no qual o mundo da paciente é di cotomizado entre bommagro e maugordo Os sentimentos experienciados como ruins e peri gosos são projetados na comida e na gordura Pacientes que vomitam e abusam de laxantes frequentemente são conscientes de que estão tentando livrarse de sentimentos e que os vô mitos e as fezes podem representar simbolica mente emoções más e perigosas O desenvolvimento de intervenções que visem a verbalizar estados internos quebrando a ansiedade em pequenas enti dades aumentando a capacidade de pensar com clareza separando realidade e fantasia e postergando a gratificação envolve téc nicas analíticas clássicas que auxiliam na liberação de inibições no funcionamento mental permitindo o acesso ao mundo in terno mental A capacidade e a disponi bilidade do terapeuta para assumir o papel de objeto mau é desafiadora e auxilia as pa cientes a lidar de modo mais efetivo com o mundo externo diminuindo os sintomas pois a agressão é mobilizada e canalizada de forma mais adaptada trabalhada no trata mento44 Dessa perspectiva a psicoterapia busca integrar os sentimentos maus colo cados para fora e ajuda a paciente a sair da posição esquizoparanoide para entrar na posição depressiva Terapeutas usam a transferência para assinalar reações baseadas em experiências antigas de relacionamentos com sentimen tos de vazio e profunda solidão735 O tra balho no aqui e agora da sessão implica estar atento às reações da paciente às in terpretações e à forma como se apresenta Para tanto a interpretação deve traduzir o cenário da experiência real nomean do e integrando o conteúdo não verbal43 Substituemse condutas por processo de mentalização como em organizações limí trofes de personalidade que muitas vezes é o caso7 No entanto o terapeuta deve estar atento pois devido à dificuldade de simbolização a paciente ao escutar uma interpretação não ouve só palavras mas também a musicalidademelodia do que é dito o que pode ter um efeito maior do que o conteúdo da interpretação O terapeuta ao auxiliar a paciente a manejar sentimentos dolorosos sendo continente tornaos menos aterroriza dores Quando esse processo ocorre ade quadamente as pacientes internalizam de seus terapeutas novas formas de trabalhar sentimentos memórias frustrações e su cessos Quando a continência falha as pa cientes perdem uma chance de aprender métodos mais adaptativos de se acalmar consolar e discernir seus sentimentos35 Uma postura relativamente ativa e enga jadora ajuda a manter certa proximidade Prover estrutura interação verbal dire cionamento e mesmo intervenções com portamentais pode ser necessário para que certas pacientes sintam o terapeuta como Psicoterapia de orientação analítica 681 realmente envolvido Atitudes específicas podem ser ne cessárias para certas pacien tes para vi venciarem experiência de autori dade cuidado e sentimentos positivos dos terapeutas É apenas por tentativa e erro que terapeuta e paciente poderão encon trar significados na interação que sejam significativos e aceitáveis para ambos e que promovam crescimento para a paciente20 Nos TAs a relação com o corpo é central no tratamento psicoterápico Essas pacientes tentam controlar o corpo para controlar as próprias emoções sensações necessidades e desejos Falam com orgulho de seu controle sobre comida vômitos e ex cesso de exercícios uma noção de autono mia pessoal enganadora e destrutiva Elas usam a mente para render o próprio corpo valendose da intelectualização de suas di ficuldades e enfatizando no tratamento o pensamento para não entrarem em contato com os sentimentos usam o mecanismo de cisão para apresentarem na sessão somente a parte madura da personalidade aquela que aparentemente colabora com o trata mento Entretanto deixam fora da sessão os núcleos regressivos que necessitam ser compreendidos e tratados43 Ampliando a consciência das motivações internas em si e nos outros durante os momentos de inte ração é possível melhorar antecedentes de comportamentos patológicos de controle intrusão contenção senso de identidade sexualidade emoções reprimidas bem co mo padrões antigos de negligência abuso dificuldades temperamentais e psicopato logia parental44 A anorexia e a bulimia são consideradas trans tornos da era contemporânea pela concretude de suas expressões pelo vazio de significados pe los sucessivos actings pelos constantes split tings pela impulsividade das ações violentas em detrimento da ponderação elaborada do pensamento18 Intervenções psicodinâmicas po dem promover um espaço para as funções refle xivas primárias se desenvolverem e expandirem dando a chance às pacientes de fazerem uma revisão dramática dos modelos internalizados de relações Auxiliam lentamente no processo de fazer conexões e vivificar um senso de conti nuidade A partir da continência as pacientes ganham respeito por si próprias suas vidas e seus esforços e podem descobrir a coragem e a curiosidade necessárias para se compromete rem no enfrentamento da vida35 Preocupações com o corpo são persis tentes no entanto questões interpessoais e psicológicas passam a ocupar uma propor ção muito maior da experiência subjetiva da paciente Essa redução das preocupa ções somáticas e o aumento de interesse em outros aspectos do mundo emocional ocorrem devido a uma ampliação das ca pacidades e dos interesses não devem ser confundidos com o desvio da atenção dos sintomas somáticos de forma prematura Mais provavelmente refletem o desenvol vimento de um sentido psicológico de self e um aumento da capacidade de percep ção emocional mais do que uma submis são aos desejos que percebe no terapeuta Com a continuidade da terapia a relação terapêutica auxilia na habilidade de tolerar e integrar uma ampla gama de sentimen tos evocados pelas vivências possibilitando uma vida mais plena20 A prática contemporânea da aborda gem psicodinâmica dos TAs busca integrar diversas teorias entre elas das relações ob jetais psicologia do ego e psicologia do self em uma compreensão dos antecedentes dos sintomas de TA Assim devese buscar uma integração com outras intervenções e abordagens realizadas quando o cuida do é prestado por equipe multidisciplinar 682 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs idealmente composta por especialistas em transtorno alimentar A psicoterapia psico dinâmica objetiva clarificar os conflitos in ternos desenvolver conexões que possam ser satisfatórias e prazerosas e proporcio nar à paciente uma experiência maturacio nal corretiva sendo a relação terapêutica um modelo Na contratransferência o psicotera peuta irá experimentar os mesmos senti mentos de desesperança raiva ou até mes mo fome que a paciente reprime sendo fundamental que seja capaz de conter essas projeções e experimentálas sem atuar Is so permite que a paciente se sinta segura o suficiente para começar a pensar sobre seus sentimentos Uma das experiências de maior valor na psicoterapia é quando a paciente descobre que pode permitir a si mesma tanto ser má quanto ser boa e que tanto ela quanto o psicoterapeuta so brevivem aos seus sentimentos maus Isso assegura que seus sentimentos não são tão destrutivos como ela temia Essa relação permite que a paciente processe os afetos mais proeminentes reexperimente marcos desenvolvimentais de uma maneira saudá vel e adulta e por uma identificação posi tiva com seu terapeuta preencha déficits psicológicos que inibiram seu desenvolvi mento emocional45 para que possa desco brir um mundo além do TA ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Mariana chegou para atendimento encaminhada por um neurologista procurado pela paciente por dificul dades de conciliar o sono A paciente ficava três dias sem dormir ou dormia 16 horas seguidas Além dis so Mariana referia que estava comendo compulsivamente em alguns momentos e depois induzia o vômito Conforme o relato da família ela também evitava alimentos considerados proibidos mais calóricos não fazia as refeições com a família e apresentava rituais para comer No início do tratamento estava com ín dice de massa corporal IMC de 19 A paciente recebeu o diagnóstico de bulimia nervosa e iniciou o trata mento para transtorno alimentar No contrato de trabalho foi esclarecido que o tratamento seria realizado por equipe multidisciplinar especializada em tratamento de TA com consultas semanais de psicoterapia e consultas periódicas com nutricionista clínico geral e psiquiatra Mariana recebeu indicação de uso de me dicação porque apresentava além dos sintomas do TA sintomas depressivos impulsividade sintomas de ansiedade e pensamentos obsessivos Na primeira consulta com a psicoterapeuta Mariana demonstrou sua fragilidade por meio do corpo era pequena muito magra desnutrida aparentava menos idade do que seus 23 anos usava roupas lar gas que disfarçavam a falta de formas corporais femininas parecia que quase não conseguiria ficar em pé Informou que vomitava após todas as refeições Tinha cabelos loiros secos e quebradiços pele muito branca olhos fundos e caídos como se faltasse vida em seu corpo consequências da desnutrição Já as unhas das mãos eram muito bem pintadas com esmaltes de cores fortes Isso parecia representar o con traste da sua vida a ambiguidade entre a vida e a morte A paciente com olhar de súplica explicou so bre seus sintomas queixandose de que não conseguia parar de vomitar chegando a machucar a gargan ta com o uso de escovas de dentes para forçar o vômito Mariana apresentava muitos sintomas depressivos também devido à desnutrição como dificuldade em sair da cama falta de ânimo para realizar suas tare fas cotidianas e sensação de pouca perspectiva de futuro Informou que sua vida estava muito ruim e che Continua Psicoterapia de orientação analítica 683 Continuação gava a pensar em se matar mas não tinha coragem de tomar tal atitude pelo menos não concretamente negando a possibilidade da morte devido aos sintomas do TA O pensamento obsessivo permeava sua vida em vários aspectos não apenas na alimentação mas também na limpeza e na arrumação da casa provo cando rituais compulsivos A paciente contava todos os alimentos que compunham suas refeições Ao co mer um tomate por exemplo pensava que nele havia frutose que se transforma em muitas calorias no seu corpo e essa ideia a deixava aterrorizada e a levava a vomitar No início do tratamento foram utilizadas técnicas cognitivocomportamentais e assim criouse em conjunto com a paciente uma formulação sobre o que ela considerava que disparava e mantinha seus com portamentos alimentares disfuncionais Foram feitas combinações sobre a regularidade das refeições e dos lanches e instituído o uso de registro de automonitoramento Além disso foi iniciada a pesagem colaborati va nas consultas com a construção de um gráfico de peso para acompanhar as modificações que estavam de fato ocorrendo e diminuir o medo de engordar descontroladamente A paciente foi incentivada a não se pesar fora da sessão Nos primeiros atendimentos foi necessário tentar conter as angústias da paciente para vincularse a ela Apesar de alguma ambivalência Mariana mostravase motivada para o tratamento e sentia alguns de seus sintomas especialmente os vômitos e os rituais como egodistônicos A família foi vista para colaborar na avaliação e também para receber orientações sobre o TA e o tratamento no entan to no caso não foi realizada terapia familiar como parte do tratamento Após alguns percalços iniciais como a relutância em realizar o automonitoramento Mariana foi con seguindo compreender melhor o círculo vicioso de seus sintomas e adquirir mais controle sobre seus epi sódios de compulsãopurgação que seguiam ocorrendo com menor frequência Em determinada sessão a paciente reclamou que os pais não entendiam o porquê de ela não conseguir parar de vomitar Aos poucos conseguiu explicitar a raiva que sentia por eles a deixarem de lado A paciente demonstrava grande ambi valência com relação aos vômitos embora referisse querer parar de vomitar não conseguia Eles eram seus acompanhantes e alívio de angústias enquanto vomitava não precisava pensar que embora já tivesse mais de 23 anos não havia construído nada para si somente terminado a escola A paciente conta que a mãe engravidou dela aos 17 anos e seu pai não assumiu a paternidade Desapareceu durante 22 anos Há um ano somente ele havia reaparecido em sua vida devido a um contato de Mariana Durante a infân cia morou na casa dos avós maternos até que por volta dos seus 7 anos sua mãe casou com o padrasto a quem Mariana chamava de pai Após dois anos a mãe engravidou de outra menina A paciente informou ter um péssimo relacionamento com a irmã porque as duas discutiam e brigavam pela atenção do casal Após algumas semanas de tratamento Mariana parou de vomitar mas também parou de comer Os vômitos cessaram porque a mãe não deixava a filha sozinha parecia que estava começando a olhar para ela Assim durante quase dois meses de tratamento fazendo sérias restrições foi perdendo peso e o IMC ficou próximo a 17 O diagnóstico migrou para anorexia nervosa do tipo purgativa Mariana relatava que era impossível seguir com o alimento dentro de seu corpo e a distorção da imagem corporal tornouse pro gressivamente mais evidente Ela acreditava que se comesse e não vomitasse todo o alimento iria trans formarse em gordura Seu sofrimento era intenso pois percebia pelas roupas que estava perdendo peso mas ao ver sua imagem refletida no espelho enxergavase gorda cheia de gordura e banha na barriga Foi trabalhada sua alteração na percepção do próprio corpo por meio de monitoração da checagem corpo ral orientações e educação sobre o uso de espelhos e comparações com os outros Com o auxílio da psico terapia a paciente começou a melhorar o relacionamento com seu corpo e com suas imperfeições Isso Continua 684 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua permitiu à Mariana tornarse consciente de pensamentos sobre sua aparência e da importância desta na avaliação de seu valor pessoal Nas consultas com a nutricionista da equipe a paciente recebia orientações psicoeducativas planeja va como experimentar os alimentos proibidos não pular refeições e melhorar seu padrão alimentar Ma riana trazia o registro de automonitoramento às consultas com a psicoterapeuta para entenderem como se sentia no momento das refeições bem como antes e depois delas A paciente relatava grande ansiedade nessas situações com medo constante do alimento como se fosse um terror sem nome Para a paciente era difícil fazer associações de como se sentia e de onde vinha o medo da comida A necessidade do padrão regular da alimentação foi enfatizada com três refeições e três lanches diá rios Após ingerir mesmo uma pequena refeição a paciente registrava a crença de ter comido demais e es tar com o estômago cheio o que permitia identificar que a interpretação dos sinais fisiológicos de fome e saciedade estava perturbada devido às consequências fisiológicas do estado de inanição e de suas dificul dades em discriminar estados internos de modo geral Além disso era uma reação com forte componente cognitivo resultante da atenção demasiada dirigida às sensações abdominais que ficavam amplificadas Ao mesmo tempo a sensação de estar entupida era entendida pela psicoterapeuta como a dificuldade de conter os elementos que não podiam ser simbolizados pela paciente Como não estava mais vomitando Mariana não conseguia seguir o esquema alimentar sem fazer res trições tinha muito medo de comer e perder o controle sobre a comida No entanto aos poucos foi se apro ximando da comida e dos seus medos internos e passou a questionar se poderia realizar alguma atividade profissional para não ficar ociosa em casa Dessa forma combinouse que quando atingisse o IMC de 19 poderia buscar um trabalho Essa sessão marcou o início de uma mudança do comportamento alimentar e o modo de se perceber como pessoa A paciente sentiuse encorajada e fortalecida com a confiança deposi tada nela pela psicoterapeuta reforçando o vínculo e a capacidade de ser da paciente Após essa sessão passou a seguir as orientações alimentares e consequentemente iniciou a recuperação do peso Mesmo que a paciente ainda estivesse muito assustada com o aumento do peso aos poucos foi fazendo aproxi mações com a comida Por vezes assustavase e tinha muito medo de engordar sem parar mas conse guia não provocar os vômitos Ao longo desse tempo Mariana teve algumas compulsões que começavam a ganhar significados Ela já percebia que ao ficar com raiva de alguém em casa em vez de demonstrar o que sentia ou comia em excesso ou fazia restrições alimentares A destrutividade da paciente aparecia também na transferência com a raiva por ter que se alimentar e pelo tratamento a estar engordando Ainda que a paciente com anorexia se sinta nas mãos dos outros e viva em função do desejo do outro ela se mostra dócil obediente e controladora Há uma alternância entre dominar e ser dominada destruir e ser destruída42 A abordagem dessa destrutividade na transferência é fundamental para tratar tais patologias Assim com a continência da psicoterapeuta que mesmo atacada estava sempre disponível para atendêla no seu horário a pacien te percebeu que seus ataques não destruíam nem a terapeuta nem o vínculo terapêutico Suas ansiedades persecutórias diminuíram e houve um aprofundamento de confiança e colaboração Conforme a modificação do padrão alimentar acontecia a paciente conseguia na psicoterapia recons truir e dar significados a sua história de vida Nesse momento do tratamento as técnicas cognitivocom portamentais já não faziam parte das intervenções da psicoterapeuta Os recursos utilizados para anali sar o material trazido por Mariana eram todos considerados ferramentas de psicoterapia de orientação psicanalítica Psicoterapia de orientação analítica 685 Continuação A paciente passou a lembrar que com a separação dos pais ela e sua mãe foram morar com os avós maternos e do quanto se percebia como um estorvo e um peso na vida mãe que tinha pouco tempo para a filha Mariana tinha a sensação de nunca ter sido amada pela mãe como gostaria Ela lembrava do quan to haviase esforçado para ser uma boa filha boa aluna e uma excelente dona de casa já que a mãe tinha aversão aos cuidados domésticos Contudo ela sentia que por mais que fizesse esforços sua mãe nunca estaria satisfeita com seu desempenho Ela associava sua perda de peso e a busca pelo corpo perfeito com a busca do olhar da mãe e quem sabe também do pai sobre ela olhar esse que sentia não ter sido lançado quando ainda era muito pequena Viase só com suas angústias sem ninguém para acolhêlas e devolvê las de forma a serem assimiladas como afetos Certo dia Mariana veio muito assustada para a sessão pois tinha feito muitas restrições na semana Contou que tomou um café da manhã saboreandoo e logo após veio a ideia de que todos aqueles alimen tos iriam engordála Sentiuse tomada pelo medo vulnerável Havia uma dificuldade na paciente em dis tinguir a necessidade do desejo Saborear um alimento era sentir seu gosto e alimentarse por necessida de era satisfazer uma falta fisiológica exatamente como um bebê22 A interpretação dos significados in conscientes dos pensamentos íntimos da paciente representava na transferência a repetição da relação de dependência com seus pais Assim uma interpretação sobre as dificuldades da paciente por vezes era sentida como algo acusatório que reforçava seu senso de inadequação e ineficácia Bruch13 sugere como método terapêutico o uso construtivo da ignorância que busca estimular o surgimento das capacidades da paciente de pensar por si mesma sendo ativa em seu processo terapêutico e desenvolvendo autonomia iniciativa e senso de responsabilidade na exploração de seu mundo interno Mariana nessa etapa do tratamento já não apresentava sintomas do transtorno alimentar Ela come çou a construir seu desejo de voltar para a faculdade que havia largado porque se considerava incompeten te A paciente estava trabalhando Falava com carinho da irmã que não era mais vista como uma rival mas como uma aliada Ela havia percebido que não precisava ficar doente para receber o olhar e a compreen são da mãe Ela se sentia amada mesmo sem ser a filha perfeita o que era um reflexo da melhora de sua au toestima Além disso estava mantendo contato com o pai O tratamento dos transtornos ali mentares requer uma abordagem comple xa que necessita integrar profissionais de diversas áreas Portanto costuma ter me lhores resultados quando instituído por uma equipe que fale a mesma linguagem entre si e com a paciente e que possa fun cionar de forma coesa evitando dissocia ções A paciente deve ser constantemente avaliada quanto aos riscos decorrentes dos padrões alimentares disfuncionais e às os cilações emocionais sendo a segurança uma prioridade A abordagem psicoterápica deve le var em consideração as peculiaridades dos sintomas e as características psicológicas da paciente e raramente apresenta resultados positivos em casos extremos de desnutri ção Em pacientes que apresentam indica ção a abordagem psicodinâmica pode con tribuir de forma significativa no processo terapêutico em especial quando utilizada de forma complementar ou integrada a abordagens mais específicas ao controle dos sintomas como a terapia cognitivo comportamental 686 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A supervalorização da forma e do peso corporais bem como do controle sobre o corpo e a alimentação consiste na psicopatologia específica da anorexia nervosa da bulimia nervosa e de síndromes parciais 2 A compreensão transdiagnóstica desses transtornos que destaca as semelhanças entre os quadros e assinala o fenômeno da migração diagnóstica ao longo do tempo refletese em múltiplos aspectos da compreensão emocional e da abordagem terapêutica 3 Da perspectiva psicanalítica não há um modelo de compreensão único acerca dos conflitos inconscien tes dos TAs 4 Os TAs têm sido particularmente difíceis de tratar devido a sua natureza egossintônica Em função disso a integração de abordagens motivacionais à abordagem psicoterápica é recomendada 5 Especialistas em TAs indicaram usar intervenções que integram abordagens comportamentais e psico dinâmicas 6 É de fundamental importância assinalar a necessidade de avaliação de riscos pois os TAs estão asso ciados a várias complicações clínicas graves muitas delas potencialmente fatais como arritmias cardíacas 7 O paradigma psicodinâmico proporciona uma compreensão da dimensão psicológica das pacientes auxiliando os terapeutas envolvidos no atendimento a conter sentimentos transferenciais e contra transferenciais e facilitando o desenvolvimento da aliança terapêutica 8 As preocupações com peso e comida deslocam a experiência emocional que é desconfortável ou amea çadora a partir daí a intelec tualização das próprias dificuldades e os mecanismos de defesa de cisão são os mais utilizados para que as pacientes não entrem em contato com os próprios sentimentos 9 A psicoterapia deve ajudar essas pacientes a entender o significado dos sintomas e a buscar formas de controlar os modos desadaptados de lidar com os conflitos 10 Objetivos psicológicos de longo prazo buscam resolver as vulnerabilidades subjacen tes como autoes tima frágil autoimagem negativa deficiências na autoconfiança e desenvolver a habilidade de regular os afetos sem lançar mão dos comportamentos do TA 11 A psicoterapia psicodinâmica objetiva clarificar os conflitos internos desenvolver conexões que possam ser satisfatórias e prazerosas e proporcionar à paciente uma experiência maturacional corretiva sendo a relação terapêutica um modelo 12 Em um primeiro momento o psicoterapeuta deve ter um papel mais ativo sendo desejável uma atmos fera colaborativa entre paciente e terapeuta com evitação de silêncios de interpretações profundas e de neutralidade austera 13 Observar expressões afetivas visíveis ou contradições entre as comunicações verbais e não verbais permite focar na experiência vivida em oposição a construções intelectualizadas 14 Na contratransferência o psicoterapeuta irá experimentar os mesmos sentimentos de desesperança raiva ou até mesmo fome que a paciente reprime sendo fundamental que seja capaz de conter essas projeções e experimentálas sem atuar 15 Preocupações com o corpo são persistentes no entanto questões interpessoais e psicológicas passam a ocupar uma proporção muito maior da experiência subjetiva da paciente Essa redução das preocu pações somáticas e o aumento de interesse em outros aspectos do mundo emocional ocorrem devido a uma ampliação das capacidades e dos interesses Psicoterapia de orientação analítica 687 REFERÊNCIAS 1 Sadock BJ Sadock VA Ruiz P Kaplan Sadocks comprehensive textbook of psychiatry 9th ed Philadelphia Lippincott Williams Wilkins c2009 2 Fairburn CG Harrison PJ Eating disorders Lancet 2003361935540716 3 Treasure J Claudino AM Zucker N Eating disorders Lancet 2010375971458393 4 Van den Eynde F Treasure J Neuroimaging in eating disorders and obesity implications for research 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JRE Goss K Eating and its disorders Chichester WileyBlackwell 2012 Wiley series in clinical psychology p 524 Dor é um dos principais sinais de alarme para proteção da vida e da integridade do organismo humano É portanto um me canismo adaptativo Sua percepção leva o indivíduo ao conhecimento de que algo es tá ameaçando sua saúde despertando a ne cessidade de se proteger A dor aguda DA cumpre bem essa finalidade Entretanto quando a situação básica se prolonga a persistência da dor pode se tornar ela pró pria um problema a mais já que é capaz de desencadear um grau de sofrimento li mitante e modificador do comportamen to A dor crônica DC com frequência tornase uma situação que exige uma abordagem terapêutica específica e com plexa É a causa mais comum de consulta médica afetando cerca de 20 a 30 da po pulação em geral13 Clínicos de muitas es pecialidades encontram seguidamente pa cientes que descrevem a dor intermitente p ex cefaleia crônica ou persistente p ex dor lombar como a condição primá ria pela qual buscam tratamento ou como uma complicação de um transtorno clínico subjacente p ex doenças reumatológicas neurológicas câncer A abordagem do paciente com DC re quer habilidades específicas incluindo sua avaliação abrangente e o desenvolvimento de um tratamento multidisciplinar pro gramado para enfrentar a dor bem como os aspectos físicos socioambientais espiri tuais e comportamentais associados4 Para melhor compreensão da abordagem psico dinâmica indicada para esses pacientes des creveremos alguns conceitos básicos sobre o estímulo doloroso e sua percepção os tipos de dor mais frequentes os aspectos psiquiá tricos e psicodinâmicos envolvidos e a im plementação da psicoterapia de orientação analítica focada no paciente com DC NOCICEPÇÃO E DOR A dor pode ser considerada pelo clínico co mo apropriada ou desproporcional para a extensão do dano tecidual Isso se clarifica pela distinção entre nocicepção e dor 40 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE COM DOR CRÔNICA Alexandre Annes Henriques Lorena Caleffi Pedro Schestatsky Rogério Wolf de Aguiar 690 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Nocicepção é a atividade produzida no sistema nervoso por um estímulo potencialmente lesi vo que pode ser mecânico químico eou térmi co Dor é a percepção dessa nocicepção mas como outras percepções é modulada por fato res culturais circunstanciais de gênero afeti vos entre muitos outros4 Em outras palavras a dor pode ser considerada uma emoção não apenas uma sensação tal como o tato e a pro priocepção As síndromes dolorosas podem ser no ciceptivas ou musculoesqueléticas neu ro páticas mistas ou funcionais dor sine ma teria As nociceptivas tendem a ser con gruentes com o grau de lesão tecidual ao passo que as neuropáticas costumam ser aberrantes induzidas por lesões no próprio sistema nervoso seja em nível periférico p ex diabetes seja em nível central p ex esclerose múltipla DOR REAL VERSUS DOR EMOCIONAL Com frequência psiquiatras e psicólogos são chamados para fazer o diagnóstico dife rencial entre dor real e emocional Na verdade este é um falso dilema se o pacien te se queixa de dor há dor real A única exceção são os pacientes simuladores que mentem de forma voluntária e consciente sobre suas sensações Eles inventam uma falsa informação em geral com o objetivo de obter algum ganho secundário seja fi nanceiro seja emocional p ex a atenção da família Nos demais casos a pessoa que se queixa de dor está de fato vivenciando uma sensação desagradável que identifica como dor seja conversiva hipocondríaca alucinatória dores funcionais seja por uma lesão tecidual em sua origem dor or gânica O que varia é o percentual de fato res psicológicos e orgânicos na gênese e na manutenção da dor5 ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS E NEUROPLASTICIDADE Mecanismos centrais e periféricos de per cepção da dor são dinâmicos e mutuamen te interativos O estímulo nociceptivo per sistente promove mudanças morfológicas e funcionais nas estruturas neurais as quais reforçam a própria nocicepção fazendo com o decorrer do tempo aumentar a sen sibilidade ao estímulo doloroso sensibili zação Essa mudança é sustentada por pep tídeos e neurotransmissores A sensibiliza ção resulta em hiperalgesia e também ocor re em nível central não somente periférico tendo sido encontrada reorganização do córtex primário somatossensorial em es tudos de percepção de membro fantasma sugerindo que a plasticidade neuronal po de se estender ao cérebro após um quadro doloroso persistente Mudanças neuro plásticas que resultam na experiência de dor aumentada alteram a função primária da dor que é a de sinalizar ao organismo uma ameaça em potencial ou real a sua integridade biológica Ou seja a dor carac terística da DC passa a ser uma percepção desestabilizadora sem valor protetor ao in divíduo Da mesma forma processos psicoló gicos de estresse e afeto são governados por centros cerebrais ligados às vias da dor que informam estruturas cerebrais suprasseg mentares sobre a presença dessa dor Tais estruturas são responsáveis pela aversão e pelo desprazer associados ao estímulo no ciceptivo Quando essa percepção de des prazer da dor se confunde com o desprazer Psicoterapia de orientação analítica 691 ocasionado por uma situação de estresse o indivíduo pode decodificar a presença de uma dor física em vez de uma dor psíquica Assim a divisão cartesiana entre psi que e soma é em geral imprecisa Esse contrassenso anatômicoconceitual irá po tencializar intervenções terapêuticas inade quadas e por vezes iatrogênicas6 O exem plo mais comum é visto naqueles pacientes com múltiplas intervenções cirúrgicas da coluna vertebral por lombalgia DOR A partir de alguns conceitos básicos de no cicepção e percepção dolorosa fica mais compreensível a definição atual universal mente aceita e empregada de dor Dor é uma experiência sensória e emocional desagradável associada a um dano tecidual real ou potencial ou descrita em termos de tal dano Desde 1979 essa definição sugerida pelo Comitê de Taxonomia da Associa ção Internacional de Estudos sobre a Dor IASP inclui os aspectos nociceptivos e emocionais ligados à percepção da dor além do aspecto descritivo e da linguagem usada para expressála57 A incapacidade de comunicar verbalmente a sensação dolorosa não exclui sua ocorrência já que dor é sempre subjetiva não havendo exames complementares capazes de men surála DOR CRÔNICA A definição de dor crônica na literatura implica uma duração que varia de um8 a seis meses9 Em algumas doenças como enxaqueca e osteoartrite por apresenta rem peculiaridades temporais ocorrência durante anos com agudizações tais crité rios temporais podem não se aplicar Para alguns pesquisadores a duração de três ou mais meses seria suficiente para o diagnós tico de DC10 O reconhecimento da contribuição dos diversos fatores nociceptivos e não nociceptivos impulsionou esforços para formular modelos capazes de explicar a heterogeneidade da dor crônica O mode lo biomédico que tem dominado o pen samento sobre dor aguda caracteriza dor simplesmente em termos de estímulo noci vo e das vias neurais aferentes que servem à nocicepção Sob uma perspectiva terapêu tica esse modelo sugere que a erradicação ou a diminuição da nocicepção per se é suficiente para aliviar a dor e restaurar a função Esse modelo embora atraente por sua simplicidade várias vezes é inadequa do para explicar os comemorativos clínicos associados à DC O apego ao modelo bio médico pode conduzir a tratamento inade quado e ineficaz4 De modo mais abrangente Melzack e Wall11 propuseram um modelo mul tidimensional para a experiência de dor uma dimensão sensóriodiscriminativa uma motivacionalafetiva e uma terceira cognitivoavaliativa A primeira dimen são sensóriodiscriminativa referese aos aspectos informativos e adaptativos que podem caracterizar alguns aspectos da dor particularmente dor aguda decorrente de lesão tecidual os quais podem fornecer informação espacial temporal e quantita tiva acerca do estímulo nociceptivo Essa informação provavelmente é transmitida por vias sensitivas aferentes rápidas A di mensão motivacionalafetiva que reflete o componente reativo à dor pode ser media da por vias aferentes polissinápticas em co nexão com neurônios reticulares do tronco cerebral e com o sistema límbico Presume 692 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs se que impulsos para o córtex modulariam a dimensão cognitivoavaliativa mas esse processo é menos conhecido Mais recentemente o modelo biopsi cossocial vem sendo empregado pelos pro fissionais que se dedicam ao manejo da dor tanto em termos de compreensão dos casos como emprego de intervenções tera pêuticas Tal modelo foi teorizado e inves tigado pelo médico internista e psiquiatra com formação psicodinâmica George L Engel12 Como os fatores biológicos e psi cossociais associados à dor modificamse com o tempo bem como as suas interrela ções esse modelo tem explicado a nature za dinâmica das síndromes dolorosas e da heterogeneidade das evoluções funcionais Nesse contexto devemos considerar todos esses aspectos ao programar um plano te rapêutico para o paciente Além de a DC ser um sintoma e não fornecer sinais físi cos óbvios ela é também uma experiência solitária que não pode ser compartilhada com terceiros Essa situação tem um pro fundo impacto na vida laboral social e fa miliar do indivíduo Isolamento e conflitos são comuns com essas mudanças influen ciando de modo negativo na capacidade da construção de relacionamentos e de envol vimento em situações gratificantes Tais fa tores são cruciais na perda de qualidade de vida dos pacientes Tipos clínicos de pacientes com dor crônica Agrupar os pacientes em categorias clinica mente distintas é útil uma vez que a melhor abordagem terapêutica pode ser bastante di ferente em cada uma delas Uma classifica ção possível é a que apresentamos a seguir a Uma primeira grande demarcação entre os tipos clínicos de dor é a diferenciação entre dor aguda e dor crônica A dor aguda em geral é acompanhada de ma nifestações predominantes de ansiedade e de comportamentos mais específicos em busca de alívio da dor enquanto a dor crônica costuma estar associada a manifestações depressivas e a comporta mentos muito mais complexos às vezes até ambíguos A dor aguda portanto está cumprindo uma função adaptativa sendo um poderoso sinal de alarme de que algo não está bem no organismo Por sua vez a dor crônica seguidamente se torna um problema em si e costuma estar associada a sentimentos e comportamen tos maladaptativos As alterações com portamentais que podem se desenvolver em quadros de doença crônica inclusive a síndrome dolorosa dependem muito dos aspectos psicodinâmicos de cada pessoa b Dor aguda recorrente ou dor crônica recorrente p ex cefaleia algumas ar trites dismenorreia quando o paciente apresenta características comportamen tais do tipo doloroso crônico o manejo é semelhante ao das demais dores crônicas c Dor crônica associada a câncer muitas vezes é uma mistura de dor aguda as sociada a procedimentos médicos even tuais dor aguda recorrente e dor crônica tanto nociceptiva quanto neuropática Nesse caso os opioides representam a principal opção medicamentosa d Dor crônica devida a doença progressiva não maligna p ex hemofilia doenças do colágeno fibromialgia nesses pa cientes a extensão o curso e as impli cações psicológicas da doença de base devem ser abordados como elementos essenciais da terapia da dor que deve ter como objetivo conforto e reabilitação e Dor crônica associada a lesão orgânica não progressiva p ex neuralgia pós herpética distrofia simpaticorreflexa dores associadas a lesões orgânicas que Psicoterapia de orientação analítica 693 não são ameaçadoras de vida nem ra pidamente progressivas Estão inclusas nesta categoria síndromes dolorosas musculoesqueléticas e neuropáticas Após a avaliação inicial que identifica a contribuição orgânica para a dor a melhor abordagem terapêutica deverá enfocar o alívio sintomático e a reabili tação f Transtornos psiquiátricos que podem apresentar sintomas dolorosos como parte do quadro clínico p ex transtor nos do humor transtornos de ansiedade transtornos somatoformes se ainda não houver cronificação dos sintomas dolorosos associados o foco terapêutico é no transtorno psiquiátrico primário g Pacientes que apresentam mecanismos psicológicos de somatização mais exa cerbados e não apresentam quadros orgânicos de dor nem transtornos psi quiátricos maiores o foco terapêutico é na estrutura de personalidade Predisposição a dor crônica Nos anos de 1960 seguindo o ponto de vis ta psicossomático da época Engel13 postu lou o conceito de paciente predisposto a dor pain prone patient definindoo co mo tendo uma estrutura de personalidade com tendências compulsivas e masoquis tas por sentimentos de culpa relaciona dos a impulsos agressivos inibidos para os quais a dor serve como uma expiação Na história da infância desses pacientes pode se constatar um acúmulo de abuso ou re chaço emocional brigas crônicas entre os pais ou separaçãodivórcio doença crônica ou morte de um dos pais início precoce de responsabilidades excessivas para a idade e grande exigência de conquistas Mais tarde Sulivan propôs a existência de um perfil ca tastrófico de resposta aos estímulos doloro sos aferido mediante escores recentemente validados para o português brasileiro14 Es se tipo de funcionamento costuma ser visto nos pacientes com fibromialgia caracte rizados por amplificar suas sensações em especial a dolorosa Alguns desses achados retrospecti vos puderam ser confirmados em estudos prospectivos nos quais uma predisposição a dor pôde ser realmente verificada O fa to de que traumas na infância podem ser fatores contributivos essenciais para um quadro posterior de dor crônica não é mais questionado Dor contínua após cirurgia lombar sem complicações foi um achado em pacientes com experiências traumati zantes na infância comparados com pa cientes sem esses traumas15 Assim pode se inferir que o desenvolvimento da per sonalidade na infância também influi na ocorrência posterior de dor crônica inclu sive por hiperativação e hipersensilização de vias dolorosas periféricas e centrais Há uma associação significativa entre abuso sexual na infância e dor pélvica crônica16 Porém é necessário enfatizar que a dicotomia entre dor puramente psicogê nica e puramente física como foi tenta do nos anos de 1970 é meramente didática e inviável na prática clínica Dor crônica é sempre um resultado da interação de nu merosos fatores físicos psicológicos so ciais culturais e não menos importantes iatrogênicos17 AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO A avaliação do paciente com dor é multidi mensional Muitos indivíduos não acredi tam nem aceitam que seja necessária uma avaliação psicodinâmica para sua condição dolorosa A ideia de que a condição seja 694 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs predominantemente de etiologia psico gênica pode contribuir para o estresse do paciente18 A presença de dificuldades psi cológicas não invalida a queixa do paciente nem elimina a possibilidade de uma con dição clínica não psiquiátrica ser a causa principal da dor10 Um encaminhamento para um psiquiatra não significa obrigato riamente que a causa da dor crônica seja psicogênica mas que pode haver fatores psíquicos que interagem de forma negativa com a dor Os pacientes com dor crônica apre sentam associação significativa com abuso de substâncias psicoativas como álcool benzodiazepínicos e opioides aqueles com doenças progressivas apresentam maior risco de suicídio19 A associação mais frequente de DC é com sintomas depressivos A prevalência de transtorno depressivo varia de 18 a 60 dos pacientes com dor crônica18 Outros diagnósticos associados com frequência são transtornos de ansiedade da persona lidade e de somatização A maioria dos estudos sugere que a dor crôni ca costuma preceder a depressão18 e suceder a dependência química e os transtornos de an siedade19 Quando a dor crônica precede a de pressão sugerese que o maior fator de sencadeante seja o estresse de viver com a dor Esse modelo de resposta depressiva aplicase especialmente às mulheres20 O momento de entrevista requer ha bilidade para poder se comunicar de forma mais profunda com o paciente identificar traços de personalidade e mecanismos de defesa bem como fazer um diagnóstico descritivo de um transtorno psiquiátrico Em geral esses pacientes mostram um po bre julgamento em relação a procedimen tos médicos de risco negam sentimentos agressivos e rapidamente se alternam entre a idealização e a desvalorização da equipe assistencial As flutuações tanto do humor como da cooperação podem ser sintomáti cas de uma ferida narcísica ou de um dano na autoestima bem como decorrentes de frustrações repetidas com abalo na con fiabilidade a terceiros Estimular a falar de sentimentos como a raiva é tão importante quanto estimular a falar da insônia ou da hérnia de disco assim como identificar as interrelações entre esses fatores p ex dorraivainsônia Também é crucial avaliar o grau de catastrofização do exame do estado mental do paciente A catastrofizacão é a distorção cognitiva mais estudada na literatura relacionada à percepção e ao ajuste psicológico à dor21 Vários pacientes desenvolvem ao longo do tempo mecanismos de defesa que aumentam sua capacidade de convi ver com a dor e perante o clínico podem contar uma longa história de dor intensa sem as manifestações de sofrimento que se veriam em um paciente com dor aguda22 A capacidade de adaptação ao sofrimen to ironicamente conduz esses pacientes a uma situação desfavorável diante do exa minador que pode duvidar de sua veraci dade Outros ao contrário aumentam de modo inconsciente a intensidade de suas queixas Comportamentos ritualizados para lidar com a dor podem ter certo grau ob sessivo e os pacientes desenvolvem teorias sobre os mecanismos da dor que refletem Psicoterapia de orientação analítica 695 uma maneira de raciocinar compatível com o processo primário de pensamen to Entretanto a psicose não é frequente Muitas vezes o paciente com dor crônica apresenta necessidades infantis de depen dência e passividade acentuada Verbali zam pobremente emoções e afetos tendem a permanecer preocupados com experiên cias somáticas em detrimento dos conflitos psíquicos e têm grande dificuldade para li dar com o luto A presença de uma condição física bem esta belecida não descarta a importância de fato res emocionais associados e viceversa Uma lesão tecidual ou uma doença física podem ser utilizadas de maneira inconsciente para obter satisfação de necessidades neuróticas como por exemplo livrarse das responsabilidades com exigências do trabalho ou afetivas Entre tanto a presença de conflitos psíquicos identi ficados não afasta necessariamente a presen ça de fatores orgânicos responsáveis pela dor por seu agravamento ou por sua manutenção A arte e o desafio de tratar o paciente com DC se constitui na capacidade de discernir a impor tância de cada um desses componentes AVALIAÇÃO PSICODINÂMICA O terapeuta psicodinamicamente informa do necessitará de paciência e flexibilidade ao lidar com pacientes com dor crônica15 As entrevistas iniciais de avaliação costu mam durar uma hora cada e são semidi rigidas Pedese ao paciente que fale dele mesmo com grande liberdade à sua ma neira Idealmente se intervém pouco É necessário buscar sob esse discurso oficial a verdadeira história a que ele conhece mas negligencia e sobretudo a de que ele não tem consciência reprimida23 Ao tomar conhecimento da longa his tória médica dos pacientes com DC per cebese em geral a quantidade de profis sionais que lhes dedicaram bastante tem po Entretanto eles têm a impressão de que não foram escutados e investem em convencer seus médicos da fisicalidade da dor24 É necessário privilegiar a escuta de uma forma diferente ou seja conside rando que quem escuta sabe menos sobre aquele que diz não se conhecer Essa escuta é uma forma de aprendizagem aprender a conhecer É importante não infantilizar o pa ciente assumindo uma atitude superprote tora com manifestações afetivas excessivas A aliança terapêutica deve ser o mais realis ta possível com esclarecimento e correção de expectativas e fantasias irreais O terapeuta deve desenvolver uma atenção especial à linguagem da somatiza ção Procuramse pistas por meio da des crição detalhada das características da dor e das consequências geradas na vida do paciente descobrindo ganhos e perdas Há ganho secundário Os sintomas encobrem dificuldades conjugais ou sexuais Existe algum conflito psíquico simbolizado pela dor Há tensão muscular crônica Há acha dos clínicos compatíveis com a dor É im portante que o paciente conte sua história evitandose o uso excessivo de perguntas dirigidas Caso o paciente comece a descre ver uma sucessão de tratamentos prévios procurase explorar o modo de enfrenta mento e os sentimentos associados a tais experiências dandolhe a oportunidade de expressar e refletir a respeito de seus afe tos25 Colhese uma história detalhada da vida atual e passada tentando identificar conexões entre eventos da vida e o início dos sintomas ou sua modificação Como é comum que o paciente refute qualquer re 696 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lação entre a dor e sua vida emocional as associações conscientes ou inconscientes são instrumentos úteis para validar os indí cios de conexões que possam existir Em al guns casos há referência a um histórico de pais emocionalmente distantes que com pensavam esse funcionamento somente quando a criança estava doente tornando se mais afetivos e disponíveis26 Dansak27 introduziu o conceito de ganho terciário que se refere a vantagens obtidas inconscientes ou não por terceiros familiares cuidadores ou outros em rela ção a uma pessoa com dor crônica Esses aspectos devem ser investigados De acordo com Joyce McDougall28 há dois gran des conceitos oriundos da pesquisa psicanalí tica sobre as afecções psicossomáticas o de raciocínio operatório criado pelos psicanalis tas da Sociedade Psicanalítica de Paris e o de alexitimia cunhado por Peter Sifneos nos Es tados Unidos O raciocínio operatório referese não apenas a um modo de relação com o outro como também a uma determinada maneira de pensar implica uma forma de relação objetal marcada pela pobreza de investimentos libidinais e ausência de reação afetiva diante de perdas ou outros acontecimentos traumatizantes O concei to de alexitimia referese à incapacidade de o sujeito nomear seus estados afetivos ou de descrever sua vida emocional Sifneos a princípio atribuiu essa carência a um distúrbio precoce de simbolização linguís tica Depois junto com Nemiah sugeriu a possibilidade de um defeito fisiológico es trutural Em ambas as hipóteses há uma falta de percepção de emoções em nível psíquico As emoções e os afetos ligados a sensações físicas sendo rejeitados pelo psi quismo do sujeito criam uma espécie de espaço psíquico vazio favorecendo somati zações Nessa linha a dor seria uma distra ção de sentimentos e pensamentos amea çadores prevenindo a expressão consciente deles Uma terceira possibilidade explorada pela Escola Psicanalítica de Paris é uma es pécie de histerização arcaica na qual já há um sentido simbólico em sintomas psicos somáticos à semelhança da conversão En tre os pacientes com DC é comum encon tramos os que sofrem a angústia de castra ção devido à má elaboração do complexo de Édipo gerando dores histéricas ou en tão psicossomáticos nos quais a angústia de perda do objeto é a principal Nesses ca sos a dor que é localizada em algum pon to corporal reassegura que ele não perdeu partes do seu corpo último investimento afetivo que faz ao retirálo do objeto idílico ideal a mãe23 Tanto o vazio da vida afetiva em ní vel psíquico quanto a falta de identidade do eu são supridos pelo sintoma psicos somático e pela dor Ainda que à custa de sofrimento dessa maneira o psiquismo do sujeito se percebe como corpo e portan to como identidade Os sintomas psicosso máticos mesmo que regressivos e às vezes perigosos para a integridade vital do sujei to ainda assim teriam um compromisso com a manutenção da integridade psíquica e da vida No transtorno doloroso tudo co meça a girar em torno da lesão e da dor o indivíduo pode até ter a impressão de que tudo está programado ao redor da dor per sistente O fato de esse processo poder ser observado com frequência levou ao surgi mento da expressão função psicoproté tica da dor pois o indivíduo fica com a impressão de que a dor o mantém com o senso de si mesmo e paradoxalmente lhe dá estabilidade17 Psicoterapia de orientação analítica 697 MECANISMOS DE DEFESA E DOR CRÔNICA Podemse identificar vários mecanismos de defesa em pacientes com comportamento doloroso crônico Entre eles destacamse os seguintes a Conversão há um caráter simbólico pre dominante na gênese e na manutenção da dor é um mecanismo característico do tipo psicogênico de dor b Narcisismo alguns pacientes tentam se proteger em um mundo imaginário de invulnerabilidade e poder de forma a evitar sentimentos quase insuportáveis de desamparo Muitas vezes essas pes soas são extremamente preocupadas com o sucesso Ser bemsucedido é um campo no qual alguém pode construir suas próprias habilidades objetivando um sentimento de autonomia estabi lidade força e autoconfiança Porém a construção prova ser frágil se a eficiência da pessoa for subitamente diminuída por uma lesão física ou uma doença e o indi víduo se torna dependente da ajuda de outro Isso pode levar a uma reativação dos sentimentos infantis de desamparo e a uma consequente crise psicossocial17 c Estados de tensão psicovegetativos em geral sensações físicas acontecem junto com emoções sendo chamadas de cor relatos emocionais Porém quando o desenvolvimento e a diferenciação das emoções inatas em sentimentos psiqui camente percebidos não transcorrem com sucesso durante os primeiros anos de formação da personalidade é possível que os sintomas físicos apareçam dis sociados da experiência emocional e o indivíduo então não consegue conectá los com os processos mentais d Negação Fernandez e Turk29 con cluíram que as pesquisas tradicionalmente têm enfocado mais a ansiedade e a depres são associadas à DC pois a maioria dos pacientes encobre sentimentos especial mente a raiva por meio do mecanismo de defesa inconsciente da negação Com a negação a comunicação dos impulsos agressivos fica mascarada e de mais difícil percepção por parte do examinador e Dissociação é mais comum de ocorrer em pessoas que sofreram abuso ou trauma na infância A dissociação difi culta ainda mais o senso de integração do paciente acarretando respostas não adaptativas no contexto da DC f A dor também pode funcionar como mecanismo de defesa contra uma dor psíquica considerada inconsciente mente insuportável pelo paciente Tal situação é mais comum quando há uma correlação cronológica com algum evento importante de vida e o início ou a alteração de um quadro de dor Situações de vida por exemplo podem ser a perda de uma pessoa afetivamente importante perdas financeiras ou ainda perda da própria saúde física Incluemse nesse grupo ainda casamento nascimento de filhos promoções formatura mudança para casa própria os quais representam ganhos objetivos mas podem ser vi venciados com aumento de ansiedade medo aumento de responsabilidade g Outros mecanismos de defesa que podem ser identificados são cisão projeção das partes dolorosas do self formação reativa e regressão de leve a grave A equipe terapêutica pode ser então raivosamente rejeitada quando percebida como persecutória Desper sonalização embora rara pode ser um recurso defensivo empregado para lidar com a dor intensa persistente Distorções graves da imagem corporal acontecem devido à sobrecarga das funções integra tiva e sintética do ego 698 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Laura mulher com cerca de 45 anos de idade solteira vive sozinha sem filhos procurou atendimento no Serviço de Dor por reagudização há oito meses de um quadro de enxaqueca cefaleia tensional crônica e cervicobraquialgia diagnosticadas com radiografias e exame neurológico e tratadas anteriormente So mente após várias sessões pôde relacionar a piora da dor com a perda de um relacionamento amoroso im portante A princípio Laura apenas se preocupava em relatar seus sintomas físicos e queixarse de que não percebia alívio da dor negando qualquer sentimento importante quanto à interrupção de sua relação amo rosa Quando ficou claro que a paciente não tomava as medidas terapêuticas necessárias para o alívio da dor que ela conhecia uso de analgésicos e fisioterapia percebeuse que estava mantendo a dor física a fim de não se defrontar com a dor da perda Ao compreender essa correlação a paciente conseguiu mudar o foco de suas sessões centrandose em sua decepção e na raiva do excompanheiro Essa mudança de foco permitiu que ela expressasse e elaborasse seus sentimentos em relação à dor da perda e tomasse as medi das adequadas para um alívio efetivo de suas dores físicas Tratase aqui de um nítido uso defensivo da dor física para evitar os sentimentos e os significados mais dolorosos em um nível psíquico TRATAMENTO É preciso ter em mente que ao tratar em psicoterapia um paciente portador de DC será necessário manter contato com profissionais de outras áreas médicos en fermeiros fisioterapeutas e abordar aspectos relacionados a uso de medicação p ex expectativas fantasiosas de solu ções completas por parte dos medicamen tos frustração com efeitos colaterais e sin tomas persistentes Os múltiplos fatores envolvidos na DC determinam variados tratamentos Dessa forma quase sempre o paciente está realizando múltiplos trata mentos medicamentoso fisioterapia ci rurgias exercícios físicos e posturais acu puntura relaxamento entre outros que fazem parte do tratamento multidiscipli nar e multimodal em DC Invariavelmen te isso implica contatos entre os profissio nais para melhor coordenar o tratamento e evitar dissociações por parte do paciente o que não é raro Em muitos casos a pre sença do psicoterapeuta na equipe exerce um papel aliviador da pressão transferen cial que o paciente exerce sobre todos os que o tratam Ele pode auxiliar os demais membros da equipe a manejar de maneira mais satisfatória as demandas do paciente Nesses casos o psicoterapeuta terá de usar suas habilidades para participar de um tratamento dessa ordem e tentar manter o enquadre da psicoterapia de orientação analítica Psicoterapia psicodinâmica Os pacientes com sintomas psicossomá ticos em geral estão no limite do alcan ce das psicoterapias psicodinamicamente orientadas Pelo pensamento operatório pela alexitimia e pela expressão corporal de seus sentimentos criase uma dificul dade particular à abordagem pela palavra e pela busca de significados simbólicos em seus sintomas Uma revisão sistemática de 200130 sobre o tratamento psicodinâmico em dor crônica indicou algumas adapta ções técnicas necessárias nesse contexto Psicoterapia de orientação analítica 699 a realizar uma abordagem um pouco mais estruturada e suportiva pelo menos no início do tratamento b o terapeuta deverá ter uma função de holding mais desenvolvida Lakoff31 entretanto defende ser pos sível trabalhar psicodinamicamente com esses pacientes Lembra Freud32 É de conhecimento universal que a pessoa atormentada por dor orgânica e desconforto perde seu interesse pelas coisas do mundo externo na medida em que elas não se referem ao seu sofri mento Uma observação mais de perto nos ensina que ela também retira seu interesse do seu objeto de amor tan to quanto ele sofre ele cessa de amar Contudo a abordagem de Freud foi mais focada em pacientes cuja dor era con siderada totalmente psicogênica Depreendese que o paciente com DC perde seu interesse na família nos amigos e na equipe terapêutica A compreensão da dinâmica das relações familiares é de gran de importância pois muitas vezes a famí lia está ambivalente ora superprotegendo o paciente estimulando a sensação de inca pacidade e dependência ora rechaçandoo privandoo dos cuidados necessários por se sentir usada por ele A pedra angular da psicoterapia dirigida ao in sight é um profundo conhecimento da história do desenvolvimento do paciente sobre a qual se possa formular um modelo psicogênico que explique pelo menos em parte seu comportamen to doloroso31 e sua situação atual Um objetivo essencial no tratamen to é auxiliar o paciente na compreensão e na aceitação de que a dor é potencializada e perpetrada pelo estresse Nesse ponto o paciente começa a reconhecer a relevância dos aspectos psíquicos envolvidos A abor dagem psicodinâmica não foca somente as pectos de vida atuais estressantes mas tam bém a exploração de fontes inconscientes de estresse como traços de personalidade e eventos traumáticos relevantes33 Nesse sentido a psicoterapia psicodinâmica faz o caminho inverso da nocicepção auxilian do o paciente a desfazer a sobreposição entre estímulo nociceptivo e estímulo psíquico dolo roso Ao mesmo tempo o espaço psíquico dei xado vazio descrito aqui passa a ser preen chido por novos significados desta vez emo cionais com uma nova nomenclatura para os afetos A relação terapêutica é essencial Os pacientes ao perceberem que sua DC e eles próprios são levados a sério sem o temor de se tornarem psicologicamente rotula dos tornamse preparados para colaborar em seu autoconhecimento Uma aliança terapêutica estável e uma relação de con fiança precisam ser mencionadas como os fatores principais nesse contexto Do ponto de vista psicodinâmico o tratamento foca especialmente as experiên cias que o paciente teve em seus relaciona mentos precoces que são representados na relação terapêutica Em geral a psico terapia psicanalítica aborda os significados simbólicos das experiências Porém no caso da abordagem do paciente com DC nem sempre é tão importante dar ao sin toma exceto na conversão um significado simbólico mas perceber a dor como um registro de experiências interativas que o paciente teve em seus primeiros anos de vi da No aqui e agora da relação terapêutica também ocorrem experiências de relacio namento que corrigem seu modelo interno 700 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs do mundo Acima de tudo as referências emocionais e portanto físicas são regula das para uma forma nova e mais adaptati va Desse modo tais processos nem sempre são muito ligados ao insight mas à vivência da relação propriamente dita Alguns aspectos de uma relação tera pêutica não são primariamente acessíveis ao insight Precisam ser oferecidos dentro da relação terapêutica e talvez possam ser experimentados em um nível simbólico O objetivo principal dessa abordagem que pode ser atribuída à psicanálise é a reinte gração das emoções aos processos mentais simbólicos disponíveis e como resultado a obtenção de um nível mais alto de ajusta mento As conversações têm um significa do de fundo e o modo como as relações são experimentadas fisicamente muitas vezes é a parte mais importante do pro cesso terapêutico Portanto também não é coincidência que elementos de terapia pela dança musicoterapia e diferentes tera pias orientadas para experiências corporais sejam integrados com sucesso à abordagem psicoterapêutica psicodinâmica17 Ninguém se habitua à dor intensa É possível porém desenvolver adapta ções do ego a fim de conviver com a DC A contrapartida é que a dor crônica pode acentuar traços neuróticos tendo como consequência distorções de ego e restrições da personalidade Existe um número significativo de tentativas de entender a dor como um as pecto da psicologia do ego Freud34 cha mou a atenção para a semelhança da dor física com a experiência da perda de um objeto Schilder em 1957 notou que a dor precisa ser localizada e então trazida em conexão com a organização da imagem corporal um conceito que é fundamental para entender como o corpo integra estí mulo doloroso e lida com ele Percebida do ponto de vista das fun ções do ego a dor não deve ser tão indepen dente da solução de compromisso A psico terapia interpretativa conecta a dor com a experiência afetiva e reforça o ego promo vendo insight A DC pode então ser considerada uma crise acidental contínua na qual o funcionamento do ego é prejudicado de diversas formas Freud32 descreveu a hi percatexia da parte dolorosa acompanha da de regressão ao narcisismo Distorções da percepção da imagem corporal rela ções de objeto instáveis prejuízo laboral inca pacidade de concentração disfunção sexual e depressão com ideação suicida as sociados à dor também são característicos Bastiaans citado por Lakoff31 descreveu pacientes psicossomáticos como neuróti cos que pretendiam ser mentalmente sau dáveis e bemadaptados Ele afirmou que como resultado de seus intensos e crônicos esforços para manter essa pretensão eles precisam pagar um alto preço na forma de sintomas cor porais Isso é particularmente verdade em pacientes com dor cujo foco na qualidade sensorial da experiência dolorosa serve co mo defesa contra conflitos profundos No passado medidas cirúrgicas co mo cordotomia anterolateral tractotomia do tronco cerebral e ressecção talâmica eram realizadas em pacientes cuja dor ti nha sido rotulada como intratável antes de se considerar qualquer investigação e tratamento psicológico Nos dias atuais a participação de um psiquiatra ou psicólogo na avaliação de indicação desses procedi mentos é obrigatória O acidente ou a doença que iniciou a carreira dolorosa pode ser visto pelo te rapeuta como um núcleo ao redor do qual Psicoterapia de orientação analítica 701 muitos conflitos são engendrados Tais con flitos se originam em fixações precoces do desenvolvimento que foram antes do aci dente sendo compensadas por adaptações rígidas e distorções de caráter31 Também é fundamental a compreen são dos mecanismos inconscientes de defe sa utilizados pelo paciente que pode negar seus sentimentos tiranizar a família e obter ganhos primários e secundários com seus sintomas e ainda transferir essa maneira de se relacionar para a equipe assistencial Se a equipe não perceber o que está acon tecendo pode se envolver com as necessi dades mais regressivas do seu paciente re forçando a doença e não sua recuperação Recentemente grupoterapia de orien tação analítica tem sido indicada e empre gada em pacientes com transtorno dolo roso35 Outras modalidades psicoterapêuticas como a terapia cognitivocomportamental têm de monstrado algumas evidências no tratamento conjunto da DC36 Via de regra o psicoterapeu ta além de abordar as questões mais específi cas de como o paciente lida com a dor será re crutado para manejar psicoterapicamente ou tros transtornos como transtornos depressivos de ansiedade e também avaliará a necessida de de manejo farmacológico de tais condições Contratransferência É preciso destacar a importância dos sen timentos contratransferenciais os senti mentos suscitados no cuidador pelo in divíduo com dor crônica Eles são fortes e contraditórios No início uma grande sim patia pela vítima de um destino desgas tante acompanhada de uma necessidade de reparação eventualmente associada a um entusiasmo onipotente Mas por ve zes conjuntamente exasperação e rejeição diante do sentimento de impotência e de fracasso ganham espaço É preciso estar atento para que eles não contaminem mui to a formulação diagnóstica e as perspecti vas terapêuticas Se os sentimentos de frustração e im potência parecerem intoleráveis há o risco de se desenvolver uma relação de conluio Em alguns casos o terapeuta também pre cisa estar atento para o tipo de relação que se estabelece entre outros profissionais e o paciente a fim de prevenir que consequên cias iatrogênicas apareçam em função de uma relação de conluio CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância da abordagem psíquica ao paciente com dor crônica é cada vez mais reconhecida A própria IASP sustenta que a equipe assistencial para tratar pacientes com dor crônica deve ser composta por pelo menos um profissional da saúde mental médico psiquiatra ou psicólogo entre as quatro profissões essenciais A psicoterapia de orientação analítica é uma alternativa terapêutica interessante na composição do plano terapêutico do paciente com DC Ela pode ser empregada em um grupo maior de pacientes com dor e com certeza não somente como últi ma etapa para pacientes resistentes aos tratamentos habituais Além disso o mo delo psicanalítico tem muito a oferecer ao próprio funcionamento efetivo da equipe assistencial Contudo é difícil engajar o paciente com dor crônica em modalida des terapêuticas psicanalíticas tradicionais É provável que hoje esse seja o maior de safio ao psicoterapeuta psicanalítico nesse contexto 702 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Devese compreender a dor como uma experiência sensórioperceptiva que é modulada por um com plexo de fatores nociceptivos emocionais culturais circunstanciais e sociais 2 Reconhecer as características diferenciais dos tipos de dor principiando pela dor aguda e a dor crô nica é de fundamental importância 3 Há aspectos da personalidade do paciente que interferem na expressão dolorosa inclusive na predis posição para a cronificação da dor 4 É preciso conhecer os fenômenos neurofisiológicos e emocionais que interagem no quadro doloroso crônico 5 São descritos no capítulo alguns dos mecanismos de defesa inconscientes mais frequentes nos pacientes com dor crônica 6 Enfatizase a importância de uma anamnese cuidadosa que permita ao paciente explorar sua história pessoal associada aos sintomas dolorosos 7 Alertase para a necessidade de o terapeuta permanecer atento aos fenômenos contratransferenciais para manejar melhor o paciente 8 É preciso estar consciente de que a complexidade dos fatores em jogo nos pacientes com dor crônica indica um tratamento multidisciplinar o que por sua vez exige capacidade de trabalhar em equipe REFERÊNCIAS 1 Elzahaf RA Tashani OA Unsworth BA Jo hnson MI The prevalence of chronic pain with an analysis of countries with a Human Development Index less than 09 a systema tic review without metaanalysis Curr Med Res Opin 201228712219 2 Reid KJ Harker J Bala MM Truyers C Kel len E Bekkering GE et al Epidemiology of chronic noncancer pain in Europe narra tive review of prevalence pain treatments and pain impact Curr Med Res Opin 2011 27244962 3 van Hecke O Torrance N Smith BH Chro nic pain epidemiology and its clinical rele vance Br J Anaesth 20131111138 4 Portenoy RK Cheville AL Chronic pain ma nagement In Stoudemire A Fogel BS Gre enberg DB Psychiatric care of the medical patient 2nd ed Oxford Oxford University c2000 p 199225 5 Aguiar RW Caleffi L Dor crônica In Frá guas Jr R Figueiró JAB coordenadores De pressões em medicina interna e em outras condições médicas depressões secundárias São Paulo Atheneu 2001 p 40718 6 Roth R Psychogenic models of chronic pain a selective review and critique In Massie MJ editor Pain what psychiatrists need to know Washington American Psychiatric 2000 Review of Psychiatry v 19 n 2 cap 3 p 89131 7 Bonica JJ Definitions and taxonomy of pain In Bonica JJ editor The management of pain 2nd ed Philadelphia Lea Febiger 1990 cap 2 p 1827 8 Massie MJ editor Pain what psychia trists need to know Washington American Psychiatric 2000 9 Merskey H Bogduk N Classification of chronic pain descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms 2nd ed Seattle IASP c1994 10 Henriques AA Dor crônica e transtornos psiquiátricos In Gomes FA organizador Comorbidades clínicas em psiquiatria São Paulo Atheneu 2012 p 12344 11 Melzack R Wall PD Pain mechanisms a new theory Science 196515036999719 12 Engel GL The need for a new medical mo del a challenge for biomedicine Science 1977196428612936 13 Engel G Psychogenic pain and the pain prone patient In Gresziak RC Ciccone DS editors Psyhcological vulnerability to chro nic pain New York Springer c1994 14 Sehn F Chachamovich E Vidor LP DallAg nol L de Souza IC Torres IL et al Crosscul Psicoterapia de orientação analítica 703 tural adaptation and validation of the Brazi lian Portuguese version of the pain catastro phizing scale Pain Med 20121311142535 15 Taylor GJ The challenge of chronic pain a psychoanalytic approach J Am Acad Psycho anal Dyn Psychiatry 20083614968 16 Latthe P Mignini L Gray R Hills R Khan K predisposing women to chronic pelvic pain systematic review BMJ 20063327544 74955 17 Frischenschlager O Pucher I Psychological management of pain Disabil Rehabil 2002 24841622 18 Leo RJ Clinical manual of pain manage ment in psychiatry Washinghton American Psychiatric c2007 19 Gatchel RJ Dersh J Psychological disor ders and chronic pain are there causeand effect relationships In Turk DC Gatchel RJ Psychological approaches to pain mana gement a practitioners handbook 2nd ed New York Guilford c2002 p 3051 20 Tunks ER Crook J Weir R Epidemiology of chronic pain with psychological comorbidi ty prevalence risk course and prognosis Can J Psychiatry 200853422434 21 Turner JA Aaron LA Painrelated catastrophi zing what is it Clin J Pain 20011716571 22 Catchlove RFH Cohen KR Braha RED DemersDesrosiers LA Incidence and im plications of alexithymia in chronic pain patients Journal of Nervous and Mental Disea se 198517342468 23 de Lantsheere B A psychoanalytic appro ach to chronic pain Rev Med Brux 2000 214A2148 24 Kenny DT Constructions of chronic pain in doctorpatient relationships bridging the communication chasm Patient Educ Couns 2004523297305 25 Aguiar RW Branchtein LC Avaliação psi quiátrica do paciente com dor crônica rela to e discussão de um caso clínico Cadernos do IPUB 1997615561 26 Basler SB Grzesiak RC Dworkin RH Inte grating relational psychodynamic and ac tionoriented psychotherapies treating pain and suffering In Turk D Gatchel RJ edi tors Psychological approaches to pain ma nagement a practitioners handbook 2nd ed New York Guilford c2002 p 94127 27 Dansak DD On the tertiary gain of illness Compr Psychiatry 197314652334 28 McDougall J Em defesa de uma certa anor malidade 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1989 29 Fernandez E Turk DC The scope and signi ficance of anger in the experience of chronic pain Pain 199561216575 30 Söllner W Schüssler G Psychodynamic therapy in chronic pain patients a systema tic review Z Psychosom Med Psychother 200147211539 31 Lakoff R Interpretive psychotherapy with chronic pain patients Can J Psychiatry 19832886503 32 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção 1914 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 p 89119 33 Hsu MC Schubiner H Recovery from chro nic musculoskeletal pain with psychodyna mic consultation and brief intervention a report of three illustrative cases Pain Med 201011697780 34 Freud S Inibição sintomas e ansiedade 1926 In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 20 35 Nickel R Ademmer K Egle UT Manualized psychodynamicinteractional group therapy for the treatment of somatoform pain disor ders Bull Menninger Clin 201074321937 36 Williams AC Eccleston C Morley S Psycho logical therapies for the management of chronic pain excluding headache in adults Cochrane Database Syst Rev 201211 CD007407 LEITURAS SUGERIDAS Bibring GL The mechanism of depression In Greenacre P editor Affective disorders psycho analytic contribution to their study New York International Universities 1953 Cassem NH Bernstein JG Depressed patients In Cassem NH editor Massachusetts General Hos pital handbook of general hospital psychiatry 4th ed Saint Louis Mosby c1997 p 3568 Apresentamos aqui inicialmente três ca sos clínicos de indivíduos que procuraram ajuda médica e psicológica após eventos traumáticos em suas vidas No momento da busca de atendimento muitos meses ou mesmo anos depois dos eventos pre cipitantes nenhum deles se sentia capaz de continuar com suas atividades da vida cotidiana A vida parecia ter sido interrom pida O BOMBEIRO Um bombeiro sênior de 40 anos havia sido distinguido com as mais altas honra rias pelo trabalho ao resgatar uma família em um incêndio quase fatal Entretanto após mais de 20 anos de trabalho bem sucedido ele tinha sido aposentado por doença seu casamento terminara e vivia sozinho em um estado de quase colapso alcoólico Descreveu como seus sonhos eram cheios de imagens de corpos quei mados enegrecidos e retorcidos Começa ra a beber a fim de entorpecerse para tirar essas imagens de sua cabeça Antidepressi vos não tinham surtido efeito sobre essas ocorrências e ele estava se deteriorando rapidamente A MULHER QUE FOI ASSALTADA Uma mulher jovem em excelente forma física que trabalhava em uma agência de publicidade costumava sair para correr to das as manhãs bem cedo antes do trabalho Um dia foi subitamente atacada por trás e derrubada roubaramlhe uma pequena quantidade de dinheiro Seus ferimentos físicos não foram muito sérios e ela espera va ser capaz de voltar ao trabalho dentro de poucos dias Entretanto foi ficando cada vez mais ansiosa e relutava em sair de casa Não conseguia mais ir ao trabalho utilizando transporte público e em poucos meses per deu seu emprego Aos 28 anos de idade vol tou para casa a fim de viver com seus pais O ACIDENTE DE MOTOCICLETA Um homem jovem excepcionalmente bemcomportado mecânico de motores em uma fábrica de carros de prestígio ha via levado uma vida irrepreensível Quan do criança cantava no coro da igreja e na adolescência continuou a comportarse de maneira civilizada com seus pais Tinha um relacionamento responsável com uma garota encantadora com quem acredita 41 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE TRAUMATIZADO Caroline Garland Psicoterapia de orientação analítica 705 va que se casaria um dia Então de forma inesperada ele destruiu sua motocicleta em uma colisão com um automóvel Seu joelho foi danificado e após diversas operações o cirurgião lhe disse que não havia mais nada a fazer Ele teria sempre uma claudicação e continuaria a sentir algum grau de dor Tornouse malhumorado e retraído Seus amigos tentaram animálo levandoo a um bar local Um dia perdeu a calma e em um ato de violência totalmente sem preceden tes arrastou seu amigo mais chegado para o banheiro e repetidamente bateu a cabeça dele contra a parede Se não tivesse sido con tido por outros poderia ter matado o ami go Esse ato foi seguido por uma profunda depressão que culminou em uma tentativa de suicídio Ele teve de ser hospitalizado por alguns meses Passou a viver a vida de um semiinválido em casa com seus pais Como podemos entender o impacto de longo prazo desses acontecimentos so bre os três indivíduos Por que o bombei ro entrou em colapso depois de 20 anos de serviço bemsucedido O que transformou essa jovem mulher ativa e saudável em uma pessoa regredida e agorafóbica incapaz de continuar sua carreira O que fez um jo vem bemcomportado tornarse violento não apenas com os outros mas consigo mesmo uma vez que uma depressão dessa gravidade deve gerar violência voltada para dentro para o próprio self Neste capítulo mostraremos a im portância e o valor de um entendimento psicoterapêutico do impacto do trauma sobre o funcionamento mental e mais a longo prazo sobre a personalidade Propor uma abordagem psicodinâmica do trauma não é defender que todos que foram traumatizados requerem tratamento psicanalí tico ou mesmo psicoterápico Muitos indivíduos são capazes de se recuperar de modo satisfatório de eventos e situações como os descritos há pouco Entretanto para aqueles que não o con seguem uma abordagem psicodinâmica é valiosa Eventos traumáticos no presente tendem a ligarse com eventos traumáti cos do passado e a desenterrálos Mesmo quando foram relativamente menores ou mesmo já tratados em algum grau even tos do passado ganham vida nova com o acontecimento presente Esse vem a ser o caso de muitos sobreviventes que não fo ram capazes de ter nem uma recuperação espontânea parcial Uma vez que a liga ção embora inconsciente entre passado e presente seja estabelecida na mente do sobrevivente o presente tende a ser en tendido e respondido mais em termos do passado Então eventos passados têm que ser reelabo rados fisicamente em conjunto com o que quer que esteja acontecendo no presente antes que o indivíduo seja capaz de recuperar seu equilí brio funcional O INCÊNDIO NO METRÔ Um homem ficou preso em um incêndio no sistema de metrô da cidade Ele lem brava ter sentido à medida que o calor e a fumaça aumentavam que estava prestes Melanie Klein1 mostra como o luto por uma perda ou o pesar no presente inevitavelmente reevocam e demandam a reelaboração da posição depressiva infantil primitiva na qual a criança está elaborando seus próprios impulsos destrutivos em relação a uma figura a quem ela também ama e de quem necessita 706 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a perder a vida Seu primeiro pensamento foi de que não tinha tomado providências suficientes para garantir o futuro da esposa e dos filhos caso morresse Ainda que te nha sofrido queimaduras e danos pulmo nares por ter inalado fumaça quente esca pou com vida Alguns meses mais tarde achandose incapaz de continuar com seu trabalho e vida familiar e cada vez mais impossibilitado de viajar por transporte público procurou ajuda No tratamento com sessões semanais foi capaz de recor dar incidentes de sua vida passada quan do experimentou dor e perigo Sofreu frequentes episódios de febre alta quan do criança o que o fazia sentir como se estivesse pegando fogo Uma vez quase foi atropelado por um imenso caminhão Nessas ocasiões sentiase abandonado por sua mãe ficando entregue ao perigo e à angústia Ela não o protegera contra essas coisas ruins que lhe aconteceram Tais sentimentos vieram à tona no trata mento e puderam ser associados com suas experiências no incêndio Sentirse com preendido e amparado contido no trata mento permitiulhe elaborar sua raiva em relação aos objetos por terem falhado em protegêlo das coisas ruins que acontece ram em sua vida Ele colocou o dinheiro da indenização que recebeu em um fundo de seguro de vida para sua esposa e filhos e começou a sentir que sua vida mais uma vez tinha um significado Como e por que o sobrevivente faz essa associação inconsciente entre passado e presente Ela acontece de forma automá tica como parte do processo humano nor mal de atribuir significado a acontecimen tos Freud2 entendia que a fim de limitar a quantidade de ansiedade flu tuante livre na mente em qualquer tempo o indivíduo tenta vincular o significado de eventos no presente a estruturas mentais e expecta tivas preexistentes Paradoxalmente essa tentativa normal de dar significado a um evento a priori sem sentido um terremoto um desastre de avião é que tor na o trauma difícil de tratar O evento traumático é entendido co mo confirmação de uma suspeita prévia de que o mundo é um lugar hostil e perigoso Tentativas de persuadir o paciente do con trário apenas o fazem fortalecer suas de fesas e fortificarse em uma visão do mundo que pode ter um colorido paranoide É muito difícil para o ser humano entender a noção de acidente acaso ou aleatoriedade Portanto eventos assustadores no presente tendem a ser ligados a eventos assustadores do passado dando a estes um vigor reno vado Esse tipo de abordagem significa que nunca estamos tratando o trauma como uma entidade em si mesmo Tratamos um ser humano com uma história uma personalidade e uma vida que foi interrompida de modo violento pelos eventos que suportou Nosso trabalho é ajudar o paciente a retomar sua vida por mais gravemente que tenha sido afetado pelo que aconteceu Nesse tipo de tratamento um enten dimento psicanalítico do desenvolvimento psíquico social e sexual é particularmente útil uma vez que a psicanálise adota uma O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM53 considera crenças ou expectativas nega tivas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo dos outros e do mundo como um dos critérios para o transtorno de estresse póstraumático Isso pode ser entendido também como perda de esperança e de um senso de propósito na vida O tratamento de orientação psicanalítica visa a ajudar a restaurar esse sentimento de perda de sentido de um futuro pessoal e produtivo Psicoterapia de orientação analítica 707 visão de vida longitudinal Esse ponto de vista considera que o que aconteceu nos primeiros dias e meses de vida afetará o de senvolvimento da personalidade inteira a estabilidade do indivíduo ou a falta dela suas vulnerabilidades ou forças e mais funda mentalmente sua capacidade de envolver se em relações significativas com os outros Além disso uma postura psicotera pêutica em relação ao paciente nos permite um envolvimento com ele de uma forma que possibilita uma ligação emocional real e nos protege de pensar que temos que lutar por uma cura instantânea por uma solução rápida para seu problema Um ser humano traumatizado é aquele que foi es magado por intenso desamparo durante um longo período de tempo4 Suas defesas contra a ansiedade falharam ele é incapaz de funcionar e está em um estado de sofri mento agudo Com frequência a sensação de desamparo do paciente é transmitida a nós de uma forma in consciente mas poderosa Isso é perceptível em funcionários e médicos da emergência a curto prazo em psicólogos e terapeutas a mais longo pra zo de modo que ficamos preocupados com soluções com ação com fazer alguma coisa a fim de evitarmos ter que experi mentar esse estado de desamparo em nós mesmos Não é fácil sentar com outro ser humano que se encontra em um estado de grande sofrimento e suportar não apenas o seu tumulto emocional mas também uma agitação dentro de nós em resposta Contudo isso é o que precisamos fazer se quisermos ajudar o paciente a se recuperar Se em vez disso nos precipitamos à ação a técnicas a mensagem que fica explícita é a de que o ocorrido não pode ser tolerado que ninguém suportará escutar Então o paciente é deixado em seu estado de isola mento sentindo que ninguém pode supor tar saber o que ele teve que experimentar CONTINÊNCIA A capacidade de escutar de compreender e de experimentar o estado do paciente sem ser impelido a agir sobre ele é o que enten demos por continência Ela está no centro de qualquer tentativa de ajudar alguém a recuperar seu equilíbrio emocional seja uma criança assustada um adulto violento seja alguém que se desintegrou como resul tado de um trauma sofrido O paciente que ameaçou matar Um analista estava atendendo um homem muito perturbado que trouxera uma faca para a sessão ameaçando matálo O pro fissional naturalmente ficou com medo mas não se moveu de sua cadeira Disse com tranquilidade ao paciente Bem se você está tentando me apavorar certamen te conseguiu O paciente percebendo que todo seu medo em relação à invasividade do tratamento estava agora depositado no ana lista se acalmou e a sessão pôde continuar Como esse episódio demonstra conti nência O analista mostrou ao paciente que a projeção do seu terror havia obtido suces so na medida em que o analista era agora quem estava com medo Entretanto ele não estava tão apavorado que não pudes se pensar ou acessar e fazer uso de seu co nhecimento dos processos psíquicos Não perdeu a cabeça apavorandose Ao contrá rio não cedeu à ansiedade mas a conteve dentro de si em vez de tentar controlar ou ameaçar o paciente o que teria empurrado a ansiedade de volta para este mais uma vez 708 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O paciente pôde perceber que estava com um terapeuta que tinha uma com preensão emocional dos perigos inerentes à situação externa e do que estava acontecendo dentro do paciente seu estado de ânimo O terapeuta tinha simplesmente contido a an siedade e conseguido transformála em pala vras de modo que ela foi contida tanto verbal quanto emocionalmente A teoria psicanalítica oferece uma estrutura para compreender alguma coisa que está acontecendo no paciente e que po de parecer sem sentido para ele um terre moto um incêndio terrível um acidente de avião atos de terrorismo ou de brutalidade sancionados pelo Estado Nossas teorias são continentes para nós como terapeutas pois se quisermos fornecer continência pa ra o paciente deveremos ser capazes de con ter nossos próprios sentimentos Por mais desconcertados ou perturbados que possa mos ficar pelo que ouvimos não é de ajuda para o paciente chorar por ele abraçálo ou dizerlhe que sabemos exatamente como ele se sente Isso é o que famílias e amigos fazem A razão de o paciente ter buscado um profissional é que a ajuda a simpatia e o apoio da família e dos amigos não foram suficientes O paciente sentese preso a um estado mental particularmente opressivo e quer ajuda de um tipo diferente O QUE É UM TRAUMA PSÍQUICO Um trauma é um acontecimento ou uma si tuação que causa dano a longo prazo ao apa relho psíquico Freud2 usava a palavra grega trauma significando uma ferida metaforicamen te para descrever como acontecimentos que são grandes violentos ou inesperados podem romper o escudo protetor do aparelho psíquico Esses eventos têm po tencial para causar uma ruptura naquela tela protetora ou seja suprimir a capa cidade normal da mente de filtrar eventos que ameaçam ser esmagadores Quando uma criança pequena espia por entre seus dedos ao olhar figuras de monstros ela está fazendo o mesmo tipo de coisa titulando a dose para algo que seja controlável Al guns eventos não podem ser controlados dessa maneira ou na verdade de maneira nenhuma e então o funcionamento mental não pode continuar de uma forma ordena da ou coerente O resultado é uma ruptura de todas as defesas contra a ansiedade e o indivíduo tornase incapaz de funcionar normalmente A ansiedade vem de fontes internas mesmo que tenha sido liberada pela for ma como os eventos externos aniquilaram as defesas normais que empregamos con tra sentimentos intensos de horror medo e pavor Freud4 descreveu cinco fontes principais de ansiedade das quais a mais es magadora é a de morte ou ansiedade de aniquilação Um evento externo amea çador da vida libera um fluxo ingoverná vel de medos e fantasias interiores mesmo quando a morte não é iminente As ou tras quatro fontes principais de ansiedade dizem respeito a perda do objeto figura ou figuras centrais na vida do indivíduo perda do amor do objeto abandono di vórcio traição infidelidade ansiedade de castração hoje consideraríamos isso como análogo ao desamparo extremo a ausência total de potência em face do pe rigo e a ansiedade que Freud considerava como sendo provocada pelo próprio nas cimento Psicoterapia de orientação analítica 709 Percebese que essas cinco fontes de ansieda de têm um aspecto importante em comum To das dizem respeito à separação de algo consi derado essencial à vida incluindo a própria vida Nem todo evento traumático é sem pre tão devastador Às vezes podese per ceber a mente tratando de se proteger da ruptura das defesas contra ansiedade ao defenderse vigorosamente do contato com a realidade Uma mulher que teve uma queda séria ao galopar um cavalo ou viu com clareza o radiologista dizer que ti nha quebrado três costelas mas insistia que sabia que o radiologista estava enganado Ela sabia que tinha sido apenas uma es coriação e que poderia continuar com as cavalgadas Duas horas mais tarde quando o choque do acontecimento diminuiu ela foi capaz de encarar o fato de suas costelas estarem quebradas e de só poder cavalgar novamente após muitas semanas Essa mu lher estava negando a extensão do dano a fim de poder absorver a notícia de forma mais gradual em um ritmo que conseguia manejar sem se sentir esmagada pela ansie dade Às vezes o mecanismo de negação é mais extremo quando a parte da realidade que tem que ser encarada é insuportável Para esses casos Freud descreveu a forma de como um remendo ilusório pode ser usado para cobrir o corte feito no escudo protetor por um evento intolerável Negação extrema um remendo ilusório sobre a fenda no ego Dois irmãos pequenos estavam brincando no porão do bloco de apartamentos no qual viviam uma atividade proibida por que a caldeira para os apartamentos estava lá localizada A caldeira apresentou um de feito e explodiu e o irmão mais novo mor reu Durante um ano o menino mais velho que não apenas tinha perdido seu irmão mas também se sentia dolorosamente cul pado pela morte dele continuou insistin do que seu irmãozinho estava vivo e que o via e brincava com ele todos os dias Ele po dia ser visto tendo conversas com o irmão invisível Foram necessários dois anos de terapia antes que a convicção delirante de que o irmão ainda estava vivo fosse aban donada e o menino pudesse ser ajudado a reconhecer a dolorosa realidade da perda sua e de seus pais O trauma na visão de Freud A história da psicanálise e a história do nos so entendimento de trauma estão estreitamen te ligadas Na década de 1880 durante seus pri meiros trabalhos sobre trauma Freud acre ditava que muitos sintomas histéricos eram um tipo de formação de compromisso pro duzida pela necessidade de o indivíduo esquecer separarse e dissociarse de eventos traumáticos do passado que eram perturbadores demais para serem tolerados na consciência Ele considerava que o sin toma que frequentemente carregava uma ligação simbólica com o trauma original podia ser curado trazendo de volta à cons ciência o evento esquecido seguido por elaboração no tratamento de todo senti mento original que o tinha acompanhado Muito raramente mesmo hoje os médicos se deparam com um paciente que se apre senta dessa maneira 710 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O anestesista Após um acidente de automóvel um jo vem médico viuse incapaz de retomar seu trabalho como anestesista Três meses mais tarde foi encaminhado pelo segurosaúde para tratamento psicológico A princípio estava cético em relação a uma abordagem psicológica das suas dificuldades O psico terapeuta ajudouo a lembrarse de alguns dos eventos ocorridos imediatamente após o acidente Ele sentira muita dor enquanto estava no setor de emergência do hospital local Tinha pedido ajuda à enfermeira e ela lhe respondera para aguardar sua vez dizendo Vocês médicos sempre são os piores pacientes Ele se sentiu violenta mente irritado com ela pensando que po deria matála no mínimo a deixaria so frer muitas dores se viesse a se tornar sua paciente Esse naturalmente é um pensa mento perigoso para um anestesista uma vez que ele é mesmo capaz de manter a vida e a morte em uma balança Depois desse momento ele reprimiu o pensamento violento mas de forma in consciente não ousou permitirse voltar ao trabalho que passou a ser visto como muito arriscado O psicoterapeuta ajudou o a perceber como seu impulso violento em relação à enfermeira ligavase ao pas sado com sua raiva em relação à mãe por mandálo para a escola mesmo quando ti nha dores de estômago Esse tipo de lem brança pôde ser tratado no decorrer de três sessões e ele começou a sentirse aliviado Seus sintomas passaram a fazer sentido pa ra ele o que lhe permitiu sentirse nova mente no comando de sua vida em vez de permanecer agarrado a algum processo de doença terrível e misterioso Ele foi capaz de rir aliviado ao perceber como uma ex pansão da consciência tinha no seu caso reduzido a dor mental ao passo que em sua profissão ele trabalhava para reduzir a dor por meio da eliminação da consciência Conseguiu voltar ao trabalho e mais tarde tornouse um consultor O modelo original de Freud para o evento traumático reprimido foi o da se dução sexual de uma criança por parte de um adulto Continuou pensando assim até reconhecer o fato de que embora fantasias de sedução sexual pelo pai possam ser uni versais a sedução real não o é Isso o levou à descoberta significativa da reali dade psíquica a forma como o indivíduo perce be e se sente em relação ao que o rodeia que é assumida como a própria realidade Tal descoberta revolucionou nosso en tendimento de vida mental Daquela época em diante pôdese constatar que a realidade psíquica com frequência desempenha um papel ainda maior do que a realidade ex terna na determinação das suposições e do comportamento de um indivíduo Entretanto na época da Primeira Guer ra Mundial 19141918 o terrível im pacto psicológico desse evento sobre os soldados levou Freud a revisar suas primeiras teorias de trauma e a reconsiderar o significado real da realidade externa Nesse período Freud estava usando um modelo diferente de funcionamento psíquico o de um apa rato mental o ego cujo funcionamento bemsucedido depende da filtragem da distribuição e do manejo efetivo do fluxo Mais recentemente tornouse evidente que a sedução ou o abuso sexual de crianças por adultos é muito mais comum do que era suposto após a retratação original de Freud de suas primeiras constatações Isso tem consideráveis implicações para o tratamento de adultos que foram sexualmente molestados quando crianças Psicoterapia de orientação analítica 711 contínuo de estimulação que recebe de fon tes internas e externas Foi nesse momento que desenvolveu o conceito do escudo protetor Ainda que Freud entendesse isso em termos primariamente neurológicos o pensamento psicanalítico moderno prefere considerálo como o resultado da interna lização de relações primitivas boas com a mãe ou cuidador primário Portanto a noção de um escudo protetor foi mantida embora a visão do mecanismo que o produz tenha mudado da neurofisiologia para a internalização de aspectos úteis dos primeiros relacionamentos Freud havia dado particular atenção ao fenômeno do luto em oposição a um estado melancólico prolongado referin doo como necessário para a recuperação de uma perda Tais perdas incluem não apenas a morte de pessoas queridas como também a perda da identidade e da exis tência prétrauma do sobrevivente Em seu ensaio original Reflexões para os tempos de guerra e morte5 Freud decifra não ape nas o impacto da batalha sobre o soldado como também o impacto da sobrevivência quando alguma outra pessoa morreu Por mais próxima que a morte estivesse dos sobreviventes não poderia deixar de haver um senso de triunfo pela sobrevivência Por sua vez isso poderia levar à culpa que agiria como um impedimento grave à re cuperação Culpa do sobrevivente um caso de melancolia Um jovem estava tendo uma discussão vio lenta com sua namorada enquanto diri gia o carro Devido a um terrível acidente que não foi sua culpa o carro foi atingido por um caminhão que surgiu de forma imprudente de uma estrada secundária a garota morreu e ele ficou muito ferido Recuperado de seus ferimentos físicos o jovem entrou em um estado de profun da melancolia que os antidepressivos não puderam debelar Apenas dois anos mais tarde quando procurou ajuda psicológica pôde começar a entender a dinâmica de sua recusa em prantear a perda da namorada Em vez de encarar a culpa pela briga e o psicoterapeuta foi a primeira pessoa para quem ele admitiu a briga tinha preferi do permanecer em um tipo de morteem vida por meio do apego a uma identifi cação com a namorada morta Preferiu a dor da melancolia à dor da culpa que teria que suportar caso se permitisse continuar com sua própria vida Foi ajudado duran te a terapia a entregarse a uma tristeza e a um luto reais e com o tempo foi aos poucos capaz de permitirse voltar à vida novamente DIFERENÇAS INDIVIDUAIS Tanto quanto entender o impacto de cer tos tipos de eventos sobre a mente preci samos também saber sobre as diferenças indivi duais por que algumas pessoas re cuperamse melhor ou mais rapidamente do que outras e algumas não se recuperam nunca Recuperação não significa voltar à condição prétraumática mas alcançar um estado mental no qual o evento não seja considerado a única ou a mais significati va experiência na vida do indivíduo Entre as diferenças individuais estão a diferenças constitucionais no poder de recuperação resiliência 712 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs b a fase da vida na qual o trauma aconteceu c a história prévia Eventos traumáticos podem aconte cer em qualquer estágio de vida O mundo interno da criança está profunda e irrevo gavelmente formado por suas primitivas relações com seus objetos primários que associadas às fantasias do bebê determi nam a natureza de seu entrosamento com o mundo Quando o trauma é grave e prolongado na in fância ele pode afetar de modo adverso todo o desenvolvimento e a personalidade do adulto Às vezes um trauma da infância é esquecido separado da consciência e negado Em outras situações também o significado dos eventos da infância não é reconhecido e sentido quer dizer enten dido até muitos anos mais tarde quando a criança talvez agora um adulto encon trase em um ambiente seguro o suficien te para permitir que esses estados mentais primitivos se revelem Entretanto preci samos reconhecer que também pode ser complicado diferenciar entre fato e fantasia quando se trata de memórias da infância Quanto mais precoces e extremas as agres sões ao ego mais difícil se torna separar o que pode realmente ter acontecido A validade de memórias recupera das tem sido objeto de dolorosos debates entre público e profissionais No tratamen to psicoterapêutico que se baseia em um entendimento analítico da personalidade a ênfase estará na natureza dos derivati vos daqueles primeiros relacionamentos quaisquer que tenham sido à medida que eles surgem na sessão entre paciente e ana lista Isso significa que constatar os duros acontecimentos do passado o que de qualquer maneira pode até não ser possí vel é sentido como menos crucial do que constatar os acontecimentos reais do pre sente vivenciados pelo paciente Essa é a área na qual o envolvimento psicoterapêu tico pode ser mais poderoso para efetuar uma mudança para melhor O indicador mais efetivo da capacidade do pa ciente de se recuperar ainda que parcialmen te de um evento traumático ocorrido na idade adulta está relacionado à natureza e à qualida de dos seus primeiros relacionamentos Os bons relacionamentos na infância são internalizados para estruturar um nú cleo estável e seguro da personalidade do indivíduo Más experiências abalarão esse núcleo e por um momento o indivíduo se sentirá perdido abandonado por seus ob jetos internos bons e extremamente vulne rável no mundo como um todo Entretan to a força do mundo interior os primeiros relacionamentos internalizados é crucial para tornar possível a eventual recupera ção de um equilíbrio estável e a confiança cautelosa na previsibilidade do ambiente ou seja do próprio mundo Elementos dos primeiros relacionamentos são refundidos e processados mais uma vez pelo vínculo do relacionamento com a pessoa do tera peuta O paciente é capaz de ligarse nova mente tanto ao objeto bom que é sentido como lhe tendo dado a vida como ao ob jeto mau que o abandonou aos perigos do mundo assim começa a reintegrar essas duas versões divididas de seu objeto um inteiramente bom o outro inteiramente mau de modo que fantasias sentimentos e impulsos associados possam ser tratados na terapia Psicoterapia de orientação analítica 713 OS EFEITOS SECUNDÁRIOS DE LONGO PRAZO IDENTIFICAÇÃO VERSUS PENSAMENTO Em resumo quando um indivíduo é trau matizado por um evento violento inespe rado o impacto sobre o funcionamento mental é imenso Há um período imediato de choque e negação o acontecimento é muito grande e muito horrível para ser ab sorvido de uma só vez e a mente protege se tentando suprimilo Essa supressão pode alternarse com momentos em que o evento consegue atravessar as barreiras mentais criando um senso esmagador de intrusão Em nenhum dos estados mentais há a possibilidade de conceitualizar o even to ou pensar sobre ele As coisas podem ser ainda piores Às vezes a repressão falha e todas as defesas comuns contra a ansiedade são removidas Tanto interna quanto externamente isso é próximo de um colapso Durante períodos nos quais o evento trauma tizante esmaga o indivíduo ou até mesmo um grupo de pessoas qualquer capacida de que possa ter havido de confiar na bonda de na segurança e na previsibilidade do mun do e daqueles que o habitam fica bastante re duzida Alguém ou alguma coisa fez isso ou não impediu que isso acontecesse Há um sentimento preponderante de perseguição e desconfiança Todos são suspeitos Medo e ódio juntamente com um impulso de re verter o dano o trauma podem dominar o funcionamento mental Já estamos fami liarizados com isso em nossos pacientes na forma da posição esquizoparanoide6 na qual o mundo parece ser dividido em preto e branco Há muitos efeitos de mais longo pra zo que são igualmente marcantes mas um em particular tem implicações próprias pa ra o tratamento psicoterapêutico do sobre vivente Tratase da dificuldade para pen sar que permanece e na área do próprio trauma que pode até mesmo se deteriorar Por pensar nesse contexto referimonos à ca pacidade de representar eventos mentalmente de modo que eles possam ser examinados sem a adoção de uma relação esquizoparanoide com o mundo ou sem mergulhar outra vez na sensação de que está acontecendo tudo de novo Esse segundo estado mental às vezes é chamado de flashback Em um flashback o ego é esmagado pelos elementos senso riais brutos não processados do evento traumático coisas vistas ruídos cheiros emoções Trabalhos recentes realizados por neurofisiologistas associam isso ao envolvimento da amígdala na qual os cen tros corticais superiores necessários para o que chamamos de pensamento são igno rados Ainda que com os tipos certos de experiência posterior e talvez com ajuda terapêutica isso possa melhorar o proces so quase nunca é inteiramente completado Resta uma área na mente uma área blo queada ocupada por memórias do trauma na qual a verdadeira simbolização nunca é recuperada e aquilo que Hanna Segal7 cha mava de equação simbólica domina Se você não está conosco está contra nós Nesse estado mental é evidente que o pensamento a ideia de considerar outras possibilidades outras formas de relação está excluído 714 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Os estímulos sensoriais que pode riam até mesmo incluir certas palavras di tas em voz alta não mais representam o evento do passado De forma instantânea eles se tornam o evento do presente evo cando as respostas emocionais e fisiológi cas experimentadas no momento do trau ma Em seu estado menos tóxico isso se mostra de uma maneira tal que a parte ob servadora sensata da mente ego racional é sobrepujada e uma ação de emergência é acionada ainda que ao mesmo tempo uma pequena voz interna esteja dizendo São fogos de artifício não fogos de arti lharia ou Aquele avião não está visando este edifício O flashback é mais um exemplo da dificuldade de pensar após um trauma uma memória invo luntária de um fato do passado que parece es tar acontecendo no presente O bombeiro Durante a primeira consulta com o bom beiro descrito no início do capítulo per gunteilhe como ele se conduziria após um incêndio no qual as coisas não tivessem ido bem Ele disse que quando tinha um dia ruim não sentia vontade de ir para casa Ficava pela estação ou ia a um bar tomar alguns drinques com a turma esperando que tudo se acalmasse dentro de si Ele es tava relativamente calmo na hora em que ia para casa lugar que considerava um oásis de mansidão Nunca falava sobre seu trabalho porque não podia suportar que a esposa e filhos soubessem o que estava acontecendo dentro de sua cabeça por ções de corpos queimados enegrecidos e retorcidos Gostava de cozinhar em casa porque aprendera a fazêlo para a turma toda quando era apenas um recruta do cor po de bombeiros e isso o agradava Porém logo veio à tona que aquilo era apenas uma desculpa Quando sua esposa cozinhava às vezes deixava algo que fora cortado por fo ra da panela ficando um cheiro de queima do isso provocava nele súbitas explosões de violência o que apavorava a esposa e o deixava confuso Descrevia a esposa lhe di zendo Mas é apenas um pedaço de bacon olha vou fazer um pouco mais mas era tarde demais Ele já estava preso no flash back aterrorizado e furioso a raiva repre sentando a tentativa de mantêlo inteiro sem cair em pedaços Havia uma sequela ainda mais per turbadora nessa desintegração da capaci dade de pensar ou dito de outro modo de colocar o que aconteceu em termos simbó licos em palavras Para qualquer grau de incapacidade de pensar sobre um evento doloroso há quase sempre o recurso de uma identificação O homem jovem melancólico é um exemplo O bombeiro também é apanhado em uma combinação complexa de identifi cações Ele se identifica tanto com o morto que não conseguiu resgatar quanto com o fogo aterrorizante sua agressão verbal à es posa que o fez sentirse desamparado A experiência clínica8 tende a mos trar que a escolha do objeto para a iden tificação depende da concepção do sobre vivente sobre o evento original Quando parece que alguma coisa dolorosa e desa gradável foi feita a si mesmo ocorre um movimento em direção à identificação com o objeto que pareceu ter ocasionado aquele estado de coisas profundamente desagradável Isso inverte a direção do evento traumático dando à vítima do trauma a sensação de estar controlando ativamente a situação em oposição à si tuação de desamparo e talvez permita a gratificação por meio da vingança quan Psicoterapia de orientação analítica 715 do como às vezes acontece a vítima tor nase o executor A descrição de Freud2 do jogo do menininho com o carretel é um exemplo maravilhosamente observado e entendido desse processo Incomodado pelas idas e vindas da mãe essa criança de menos de 2 anos de idade repetidamente lança um carretel amarrado a um cordão Foi e então puxao novamente Dá aqui está A criança não liga como as crianças modernas também tendem a fazer seu ato diretamente à figura da mãe mas joga fora e depois pega de volta um objeto inanima do que entendemos como representando ou simbolizando a mãe Quando alguém sobreviveu a um acontecimento no qual outros morreram o sobrevivente pode ficar com uma consi derável carga de culpa Fazer uma identifi cação com o morto ou com a pessoa dani ficada e cessar de ter uma vida intensa ou prazerosa podem parecer formas de evitar a culpa e também ansiedades em relação a fantasmas vingativos Os fantasmas como Freud5 salienta em seu ensaio são representações daqueles sobre os quais o sobrevivente triunfou permanecendo vivo quando eles morreram Esse é o caso quando o sobrevivente perdeu outros sentidos como fundamen tais a seu bemestar ou quando se sentiu de alguma forma responsável pela perda deles Para resumir as identificações pós trauma são basicamente de dois tipos Às vezes são feitas com o morto ou com o indivíduo lesado para que a pessoa não tenha que se separar destes reconhecer a perda e principalmente tomar contato com a culpa de ter sobrevivido ao outro que morreu Com mais frequência porém as identificações são feitas com o agente ou o objeto sentido como o causador do trau ma por uma mistura complexa de necessi dades narcisistas e defensivas Em ambos os casos as identificações tomam o lugar do pensamento Elas são uma forma de resol ver os problemas que o pensamento pode ria tornar visíveis Uma identificação com o agente cau sador do trauma pode ser desencadeada pelo que parece ser à vítima consciente ou inconscientemente uma vingança justa Entretanto de igual forma e certamente do ponto de vista do observador é possível pensar nela como alguma coisa que chama ríamos de um imperativo projetivo Neste tão importante quanto noções de justiça há o impulso de reverter uma ferida nar cisista A vítima pode sentirse diminuída irritada e humilhada por seu absoluto desamparo e por seus sofridos sentimentos Para sentirse grande e poderosa no vamente parece essencial que empurre aqueles terríveis sentimentos de humilha ção de volta violentamente para o agen te causador do evento traumático Então os sentimentos que acompanharam a ex plosão são revertidos e a vítima tornase o executor Dentro de uma organização psíquica primitiva a que qualquer um de nós pode retroceder nas primeiras horas após um evento traumático uma reversão bemsucedida do trauma olho por olho pode ser seguida de triunfo e grandiosida de ambos estimulados por um senso de justiça Mais uma vez esse estado inflado da mente limita a capacidade para o pen samento realístico Podemos ver esses pro cessos ocorrendo tanto no micronível no indivíduo como no macronível em gru 716 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pos políticos e religiosos ou até mesmo em nações O jogo do carretel é ao mesmo tempo inocente e fascinante Na maioria das vezes a tentativa de uma re versão do trauma leva a um ciclo progressiva mente crescente de vingança destruição e de sespero Você matou meu irmão por isso de vo matálo Guerras tribais ou religiosas desse tipo são difíceis de interromper uma vez que a manutenção de um estado de má goa justificada é uma poderosa defesa contra a culpa da responsabilidade e a dor da perda A situação na Irlanda do Norte em Israel e na Palestina bem como em muitos outros países representa estados mentais nos quais a tentativa de reter na mente de pensar so bre as dificuldades continua mente sucum be em favor da ação E a ação nessas situa ções é uma defesa contra o pensamento e a dor mental que o acompanha A capacidade de pensar sobre um evento traumático pode ser gravemente limitada Em certo sentido é essa incapa cidade de pensar sobre alguma coisa que queremos destacar quando afirmamos que uma pessoa foi traumatizada essa é a na tureza real do dano crônico ao aparelho mental Quando a capacidade de simbolizar foi perdi da tornase impossível identificar a diferença entre alguma coisa que representa um perigo potencial um símbolo e outra que realmente é um perigo potencial Portanto qualquer estímulo evo cativo do trauma original produzirá não lembranças pensamentos ou elaboração mas um flashback A ansiedadesinal4 na área do trauma é invariavelmente substi tuída por ansiedade automática ou flash back O flashback é uma evidência da área em geral delimitada de dano permanente do funcionamento mental criado por um trauma grave O trabalho de Hanna Segal7 sobre simbolismo é central a essa forma de en tendimento do resultado de longo prazo do trauma Ela faz uma distinção crucial entre um símbolo genuíno e uma equação simbólica Na segunda algo que o indiví duo sabe ser diferente da coisa simbolizada é não obstante sentido e respondido co mo se fosse a própria coisa O bombeiro sabia que o bacon queimando não era um ser humano queimando mas sentiu assim e respondeu a isso de forma emocional e fisiógica como se fosse De uma forma im potente seu ego traumatizado recusavase a reconhecer uma diferença entre os dois para fins de sua própria sobrevivência Segal7 e Bion9 concordam em suas descrições de como a perda do continente interno a forma mais moderna de descre ver as consequências psíquicas da ruptura do escudo protetor resulta na perda do espaço no qual a atividade mental ou sim bolização pode ocorrer A recuperação é então impossível sem uma nova reelabo ração da experiência de continência Esse é o objetivo de um entendimento psicana lítico das consequências de trauma grave O processo de continência fornecido pelo cenário analíticoterapêutico é a base para o tratamento do traumatizado tendo em vista a reparação ou a restauração do objeto bom interno que por sua vez leva a uma renovação da confiança embora cautelosa e provisória no mundo externo Curiosa mente pessoas traumatizadas por atos de Deus mesmo terremotos e furacões na visão do universo de relações objetais são Psicoterapia de orientação analítica 717 atribuídos a algum tipo de ação pessoal podem sofrer com relação a isso não me nos que aqueles que viveram uma agressão pessoal direta como estupro assalto ou tortura TRATAMENTO Durante anos determinada sequência de intervenções psicoterapêuticas revelouse efetiva para ajudar aqueles que buscam tra tamento em estado traumático Sessões individuais A princípio é oferecida ao sobrevivente uma série de sessões individuais em geral quatro nas quais os acontecimentos que o trouxeram para tratamento podem ser ex plorados A primeira consulta pode durar de 1h30min a 2 horas As sessões subsequentes são limitadas a 1 hora Preferimos atender os pacientes em uma primeira consulta apenas alguns meses após os eventos traumatizan tes a menos que seja evidente que uma in tervenção rápida seja importante Há uma tentação por parte do te rapeuta de oferecerse ao paciente como um objeto bom em especial após eventos envolvendo maustratos tortura quase assassinato ou rapto Contudo embora o desejo seja compreensível essa é uma ma neira inútil de proceder pelo menos a lon go prazo O paciente está cheio de raiva e sofrimento em relação ao que aconteceu e isso não pode ser expresso a um terapeuta que começa se apresentando como bom e útil Os terapeutas podem ser bons e úteis mas ape nas quando se oferecem como sendo nem bons nem maus mas apenas abertos envolvidos e comprometidos a escutar e a tentar entender o significado dos eventos para o paciente O sobrevivente pode começar com o relato direto do que aconteceu ou com al guma coisa aparentemente não relacionada ao problema básico Em qualquer caso a tarefa do terapeuta é estar aberto escutar com extrema atenção compreender o es tado do paciente absterse de fazer suges tões úteis e reconhecer que tudo o que o paciente diz tem significado no contexto da terapia Portanto se ele começa com o trau ma talvez sinta que não pode pedir uma hora do terapeuta a menos que se apresente com uma situação ou problema suficiente mente dramático para atrair o interesse do outro Se o paciente começa com eventos aparentemente não relacionados pode es tar temendo esmagar o terapeuta com seu próprio sofrimento e confusão em relação ao evento traumático Assim todo e qual quer comportamento tem tanto um signi ficado real como um possível significado defensivo A tarefa das primeiras sessões é ajudar o pa ciente a começar a ver o evento traumático e suas respostas dentro de sua vida como um todo É comum após um acontecimento traumático os horizontes do sobrevivente diminuírem a ponto de sua mente conter apenas o trauma e sua resposta a ele Por tanto a área de interesse do terapeuta no início do encontro costuma ser mais am pla do que a do paciente Muitas vezes é Um exemplo característico seria a presteza em atender uma pessoa jovem cujo pai ou mãe foi assassinado pelo cônjuge Quando isso acontece a pessoa efetivamente perde ambos os pais por morte e por prisão 718 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs surpreendente o quanto pode gerar alívio para o paciente ajudálo a falar sobre seus primeiros relacionamentos de vida e fami liares Isso pode lembrálo de que o trauma não é tudo o que ele tem ou pode ser É importante deixar o paciente saber no início dessa série de encontros que após um máximo de quatro sessões terapeuta e paciente revisarão juntos a situação e con siderarão o que pode ser necessário em seguida Alguns pacientes julgarão quatro sessões suficientes para desfazer o bloqueio mental e emocional que existe dentro deles Outros precisarão continuar sendo atendi dos em tratamento individual Entretanto a maioria dos pacientes traumatizados ob terá grande progresso também dentro de uma terapia de grupo analítica Terapia de grupo Por tratamento de grupo não nos referi mos a grupos especializados para traumati zados Estes são arranjos de curto prazo apenas raramente reunidos e somente quando um número de indivíduos sofreu o mesmo trauma um acidente de transpor te ou um incêndio de hotel Após quatro ou cinco sessões todos esses grupos espe cializados correm o risco de se tornar gru pos de terapia de propósito geral nos quais problemas individuais com a vida e com relacionamentos começam a ter priorida de Portanto quer após sessões individuais quer após algumas sessões de tratamento focalizado no evento para os sobreviventes de traumas grupais os pacientes se sairão melhor em um grupo de terapia analítica ambulatorial dirigido a sintomas e proble mas mistos O grupo é o tratamento de escolha para muitos pacientes em particular para aqueles que tam bém foram traumatizados Isso por mais de uma razão Eventos traumáticos tendem a ocupar uma posição central na mente do sobrevivente e como consequência servir como organizado res não apenas de experiências póstrau máticas mas em retrospecto também da vida prétrauma Do mesmo modo o in divíduo traumatizado tende a retrairse de ligações emocionais com o mundo a sua volta e a reforçar suas próprias fronteiras contra a penetração do exterior Esses dois fatores tomados em conjunto indicam uma tendência a tornarse mais centrado no próprio self O tratamento de grupo age contra o fortalecimento dessas tendências e a redefinição de uma personalidade pós traumática em torno da posição central de Eu sou um sobrevivente de tal e tal coisa Os grupos oferecem ao paciente a oportu nidade de envolverse na vida e nas dificul dades dos outros dentro de um ambiente seguro Isso mantém abertas as fronteiras pessoais e promove um senso de atuação psicológica crucial para aqueles nos quais um senso prolongado de impotência supri miu a iniciativa e incentivou uma depen dência inútil A outra razão diz respeito à forma co mo o mundo interno do indivíduo torna se visível no grupo como relações externas com outros A natureza explícita das nego ciações do grupo sobre as relações de uns As pessoas jovens que sofreram o assassinato de um dos pais particularmente o pai do mesmo sexo podem precisar de mais trabalho individual para ajudálas a lidar com a forma terrível como fantasias normais da infância de substituir o pai ou livrarse dele de alguma forma subitamente se tornaram reais Pessoas nessa situação são particularmente propensas a apegarse a uma identificação com o pai assassinado8 Psicoterapia de orientação analítica 719 com os outros forma parte do trabalho psicológico que é a base da modificação das projeções e introjeções que ocorrem em todos os agrupamentos e nas relações intergrupo De certo modo o grupo de te rapia permite a mudança de uma posição na qual o narcisismo domina o funciona mento quer ele derive de trauma recente aparecendo como centralização no próprio self póstraumático quer de psicopatolo gia anterior para uma posição na qual re lações objetais ou ligações emocionais com outros são mais possíveis e mais baseadas na realidade Haverá portanto maior ca pacidade para funcionar de maneira a reco nhecer as necessidades as vulnerabilidades e as dificuldades dos outros o indivíduo é auxiliado a lutar contra a ambivalência sentida em relação a esses outros os quais de competidores podem passar a ser vistos como recursos terapêuticos valiosos Esse movimento que também é um afastamento de uma visão paranoide do mundo na qual os outros são sentidos co mo indignos de confiança pode ser lento e bastante doloroso quando envolve como no caso do traumatizado particularmente quando o trauma implicou dano físico per manente o reconhecimento da realidade de sua vida após o evento que o trouxe para tratamento A natureza e o grau das perdas que têm de ser encaradas envolvem um luto real Essa é pro vavelmente a mais profunda das tarefas psi cológicas que o paciente traumatizado precisa enfrentar O luto é sempre um trabalho inten samente difícil mesmo para o indivíduo mais intacto do ponto de vista psicológico O luto pode parecer uma tarefa impossível quando a personalidade está danificada e incapacitada por eventos traumáticos e os recursos pessoais estão em seu ponto mais baixo10 Quando o luto falha ou é impos sível elaborálo a personalidade pode tor narse dominada pela melancolia11 pela negação maníaca1 ou pela mágoa12 Nesses casos o indivíduo permanece preso a uma posição na qual o potencial para reencon trar e revincularse a agrupamentos ou a instituições sociais preexistentes p ex o ambiente de trabalho está limitado ou ab solutamente ausente A natureza particular do trabalho psicológico que cada indivíduo dentro de um grupo de terapia tem que fazer a fim de alcançar o funcionamento normal também é útil na recuperação do trauma A tarefa de tornarse membro de um gru po de terapia reflete em um microcosmo o trabalho que enfrenta qualquer indivíduo dissociado ou deslocado na macrocultura No grupo de terapia a tarefa é largamente emocional e psicológica Esse é o objetivo de uma experiência intensiva em um grupo pequeno Os problemas e os danos inter nos são identificados e tratados dentro de uma estrutura que seja controlável para o indivíduo A sociabilidade inata da criatura humana é mobilizada e a capacidade para crescimento emocional e psicológico e para integração dentro do grupo pequeno pode no seu devido tempo ser exportada para a sociedade mais ampla Em um grupo de terapia o que é terapêuti co vem de outros membros pacientes tanto quanto do terapeuta Portanto em termos psicanalíticos o tratamento de grupo age para reduzir a inveja do seio que é sentido como deten tor de todos os recursos necessários para a própria vida Quando cada membro do 720 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs grupo pode não apenas sentirse faminto e desamparado o bebê como também uma parte dos recursos o seio para outros en tão a inveja que impede o crescimento e o desenvolvimento interior é abrandada Os limites da recuperação Infelizmente nem todos podem ser ajuda dos a recuperarse de trauma O bombeiro recusou tratamento a longo prazo Para ele aquele derradeiro incêndio tinha sido de mais Cumulativamente incrementos diá rios de experiências traumáticas tinham súbita e finalmente derrubado suas defesas e o esmagado com seus significados Preso entre duas identificações com o morto e com a violência do próprio incêndio sen tiu que não podia se arriscar a melhorar Ele poderia causar mais dano a seus objetos amados com sua irritabilidade explosiva e sofrer culpa demais em relação àqueles que não conseguira salvar no passado O curio so é que isso se ligava a sua culpa pelo aci dente vascular cerebral sofrido pelo pai a quem fora incapaz de ajudar O bombeiro escolheu no fim permanecer isolado e em um estado de quase colapso amparado pe lo serviço social Porém tanto a jovem que foi assalta da quanto o rapaz que se tornou violento mudaram de algumas sessões individuais para tratamento de grupo A jovem na me dida em que se descobriu capaz de ser útil a seus companheiros de grupo com o passar do tempo pôde sair da posição de extrema dependência que adotara como defesa con tra novas agressões correndo para a casa dos pais por exemplo Sua agorafobia di minuiu quando conseguiu reconhecer seu próprio potencial para ação destrutiva pa rando de projetála totalmente no ambien te que se transformara então em muito perigoso para ela Suas fronteiras pessoais alargaramse mais uma vez quando se viu envolvida com as vidas de seus companhei ros de grupo e perdeu seu foco exclusivo sobre o assalto traumático que tinha sofri do Em resumo começou a melhorar Da mesma maneira o jovem preju dicado no acidente de motocicleta foi aju dado a enfrentar diversas suposições que vinham orientando sua vida Uma delas era a de que os seres humanos podiam ser reparados exatamente da mesma forma prática que costumava consertar veículos motores danificados Outra era a de que se a pessoa for boa amar seus pais obede cer a Deus e ser gentil com a namorada a vida será boa em troca O ardente senti mento de injustiça do paciente em relação à iniquidade do que tinha acontecido a ele observe sua incapacidade de conceber o evento como um acidente deu lugar ao reconhecimento mais triste porém mais sensato de que a vida não é justa mas que também não é injusta Ela simplesmente é o que é e devese tirar o melhor proveito dela Igualmente sua bondade quando jovem o obrigara a reprimir uma grande quantidade de agressividade e autoafirma ção normais No grupo finalmente encon trou formas simbólicas de ser agressivo p ex por meio de palavras mais do que de ações e descobriu que podia discutir com seus companheiros sem ninguém ser per manentemente prejudicado como resul tado CONSIDERAÇÕES FINAIS Toda experiência contribui para a mu dança e para o crescimento da personali dade É isso que significa aprender com a expe riência13 Entretanto a expe riência traumática difere quantitativamente senão qua litativamente da experiência cotidiana hu mana Psicoterapia de orientação analítica 721 A diferença está na subitaneidade na intensi dade e na toxicidade do acontecimento que es maga defesas e procedimentos mentais esta belecidos e causa algo próximo de um colap so mental É importante lembrar que embora o indivíduo possa ser ajudado a retomar sua vida de novo esta não será mais a mesma que a vida prétrauma Em alguns aspectos será mais difícil e mais dolorosa Em ou tros pode até melhorar na medida em que o indivíduo adquire maior compreensão da realidade e maior reconhecimento do valor de boas relações com os outros A tarefa da psicoterapia psicanalítica é ajudar o paciente a fazer essa transição Ela oferece a possibilidade de uma mudança do estágio no qual o sobrevivente está preso ao trauma como aspecto dominante da vida mental para um estágio subsequente em que o trauma se torna uma parte do todo ainda presente ainda doloroso mas capaz de ser contemplado sem flashback sem a sensação de ser lançado ao fogo mais uma vez Quando o evento traumático pode tor narse parte do funcionamento emocional global do sobrevivente em vez de conti nuar sendo uma área separada e evitada um corpo estranho na mente então pen samento concreto e identificações não pre cisam mais tomar o lugar do pensamento flexível e criativo do sentimento e da ima ginação Em outras palavras há novamente a possibilidade de um futuro pessoal PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A abordagem psicodinâmica do trauma não significa que todos os pacientes requeiram tratamento de orientação analítica mas que muitos talvez necessitem desse enfoque para elaborarem melhor a situação traumática 2 Muitas vezes eventos passados têm que ser reelaborados juntamente com o fato traumático do pre sente antes que o indivíduo possa recuperar seu equilíbrio funcional Paradoxalmente a tentativa normal de sozinho buscar o significado de um evento que é essencialmente sem sentido um terre moto um desastre de avião um estupro por um cuidador é o que torna o trauma tão difícil de tratar 3 Um trauma é um acontecimento ou uma situação que causa dano a longo prazo ao aparelho psíquico Caracterizase pela subitaneidade pela intensidade e pela toxicidade do acontecimento que esmaga as defesas e os procedimentos mentais estabelecidos e causa algo próximo de um colapso mental 4 A hipótese freudiana da existência de um escudo protetor contra estímulos pode ser entendida nos dias atuais separada da neurofisiologia como uma função dependente da internalização de aspectos úteis dos primeiros relacionamentos do bebê com sua mãe 5 O indicador mais efetivo da capacidade do paciente de se recuperar de um evento traumático ocorrido na idade adulta está relacionado à natureza e à qualidade dos seus primeiros relacionamentos 6 Pensar no contexto do trauma referese à capacidade de representar os eventos mentalmente de modo que possam ser examinados sem a adoção de uma relação esquizoparanoide com o mundo ou sem mergulhar na sensação de que tudo está acontecendo de novo 7 Quando a capacidade de simbolizar foi perdida tornase impossível diferenciar entre algo que repre senta um perigo potencial um símbolo e algo que de fato pode ser um perigo 722 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Klein M Mourning and its relation to manic depressive states In Klein M The writings of Melanie Klein London Hogarth 1975 v 1 2 Freud S Beyond the pleasure principle In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1920 v 18 p 164 3 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Washington American Psychiatric Association 2013 4 Freud S Inhibitions symptoms and anxie ty In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1926 v 20 5 Freud S Thoughts for the times on war and death In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1915 v 14 p 273301 6 Klein M Notes on some schizoid mecha nisms In Klein M The writings of Melanie Klein London Hogarth 1975 v 3 7 Segal H Notes on symbol formation Int J Psychoanal 19573863917 8 Garland C Action identification and thou ght in posttraumatic states In Garland C Understanding trauma a psychoanalytical approach London Karnac 2002 Tavisto ck clinic series cap 13 9 Bion W Attacks on linking Int J Psychoanal 1959405630815 10 Garland From troubled families to corrupt care sexual abuse in institutions In Wel don EV Van Velsen C editors A pratical gui de to forensic psychoterapy London Jessica Kingsley 1997 p 6271 11 Freud S Mourning and melancholia In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1915 v 14 p 23958 12 Young L Gibb E Trauma and grievan ce In Garland C Understanding trauma a psychoanalytical approach London Kar nac 2002 Tavistock clinic series cap 5 13 Bion W Learning from experience London Karnac Books 1984 LEITURA SUGERIDA Bion W A theory of thinking In Bion Second thoughts selected papers on psychoanalysis New York J Aronson 1984 8 Os terapeutas podem ser bons e úteis mas apenas quando se oferecem como sendo nem bons nem maus mas apenas abertos envolvidos e comprometidos a escutar e a tentar entender o significado dos eventos para o paciente 9 A tarefa das primeiras sessões é ajudar o paciente a começar a ver o evento traumático e suas respos tas dentro de sua vida como um todo 10 O grupo é o tratamento de escolha para pacientes que foram traumatizados No grupo o que é terapêu tico vem de seus outros membros pacientes tanto quanto do terapeuta 11 A natureza e o grau das perdas que têm que ser encaradas envolvem um luto real Essa é provavel mente a mais profunda das tarefas psicológicas que o paciente traumatizado precisa enfrentar 12 Quando o evento traumático consegue fazer parte do funcionamento emocional global do sobrevivente em vez de ser uma área separada e evitada um corpo estranho na mente então pensamento concreto e identificações não precisam mais tomar o lugar do pensamento flexível e criativo dos sentimentos e da imaginação e o processo de cura pode começar a se desenvolver A psicoterapia de orientação psicanalítica para crianças é uma modalidade de trata mento que privilegia a relação entre o te rapeuta e o pequeno paciente utilizando a linguagem falada o brinquedo a dramati zação e outras manifestações plásticas co mo os principais veículos de comunicação Essa psicoterapia se distingue de outras por proporcionar condições de estímulo ao processo evolutivo pertinente à idade da criança adequando as condições de co municação às referidas idades cronológicas e emocionais para as quais está destinada A psicanálise e a psicoterapia psico dinâmica encontramse em um momento de grande entusiasmo tendo em vista as modernas descobertas da neurogênese e da plasticidade cerebral ao longo da vida Essas descobertas identificaram o desen volvimento de novas conexões neurais e modulações de antigas sinapses relacio nadas ao aprendizado e à memória en fatizando a importância do ambiente na determinação de expressões fenotípicas de patologias predisponentes no genótipo dos indivíduos Além disso informam sobre a possibilidade de a psicanálise e a psicotera pia de orientação analítica literalmente al terarem a estrutura cerebral ao modificarem essas funções1 A abordagem psicodinâmica na in fância encontra suas bases teóricas na psicanálise sobretudo em Freud seu fun dador e em seus seguidores Freud2 em 1909 com o tratamento do pequeno Hans lançou elementos fundadores para a psica nálise de crianças bem como para a psi coterapia de orientação psicanalítica Na ocasião ele admitiu que a intervenção fora útil para o menino porque o pai homem esclarecido havia colaborado sobremanei ra para a obtenção dos bons resultados Posteriormente reconheceu a partir das experiências terapêuticas de sua filha Anna3 que a teoria psicanalíti ca não só poderia ser comprovada por meio da observação direta como tam bém poderia consubstanciar o corpo teórico do tratamento de crianças4 HISTÓRIA Os atendimentos psicológicos a crianças até o século XX eram realizados a partir do aconselhamento dos pais ou do mane 42 ABORDAGEM PSICODINÂMICA NA INFÂNCIA Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Ana Margareth Siqueira Bassols David Simon Bergmann Victor Mardini 724 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs jo ambiental quando ocorriam Se consi derarmos as crianças até a época da Idade Média e mesmo até a Renascença observa remos que raramente eram ouvidas e muito menos lhes era dada a palavra A psicote rapia de orientação psicanalítica dedicase de forma precípua a oferecerlhes ouvido e olhar e sobretudo conhecimento de seus padrões de relacionamento atentando e respeitando cada etapa de seu desenvolvi mento A primeira criança a ser atendida pelo referen cial psicanalítico de que se tem conhecimen to foi o pequeno Hans descrito por Sigmund Freud2 Freud na ocasião não se apercebeu do enorme campo de trabalho que iria descorti narse Devese também a Freud a descoberta de que o brinquedo da criança tem um sen tido inconsciente Essa descoberta foi rea lizada a partir da observação de um bebê de 18 meses que brincava com um carretel expressando sua ansiedade de separação em relação à mãe5 Após o atendimento do pequeno Hans houve o desenvolvimento de terapêuticas que aplicaram largamente os conceitos psicanalíticos no tratamento de crianças em distintas situações em ambientes te rapêuticos residenciais na reeducação de delinquentes e sobretudo na educa ção de forma global A década de 1920 foi frutífera no crescimento da especialidade formandose na Inglaterra três grupos no panorama psicanalítico de crianças6 Um deles liderado por Anna Freud dava gran de ênfase aos aspectos desenvolvimentais apreciando as competências alcançadas em cada estágio do desenvolvimento da crian ça Ela realizou estudos acerca dos perfis diagnósticos levando em consideração o desenvolvimento que ocorria paralelo ao aprofundamento da análise Ressaltou que o complexo de Édipo que antes era visto deslocado na vida dos adultos podia ser identificado imediatamente3 No outro extremo Melanie Klein es tava convencida de que a análise de crianças era semelhante à de adultos Desenvolveu e estabeleceu as regras básicas da técnica do brinquedo no setting analítico ampliando o espectro de tratamento às muito peque nas uma vez que postulava a existência de um ego rudimentar no bebê capacitando o a reagir às ansiedades provenientes tanto de fontes internas quanto externas Exem plificou seu pensamento teórico por meio do relato da análise de Rita uma menina de 2 anos e 9 meses7 Klein refere que as di ferenças entre a mente do adulto e a mente infantil levaramna a entender as associa ções da menina por meio do brinquedo A criança expressa suas fantasias seus desejos e suas experiências de um modo simbólico por meio dos brin quedos e dos jogos Ao fazêlo utiliza os mesmos meios de expressão arcai cos filogenéticos a mesma linguagem que nos é familiar a partir dos sonhos7 Em uma posição intermediária en contravase Von HugHellmuth8 Ela foi a primeira analista de crianças a utilizar a técnica do brinquedo como instrumento do tratamento sugerindo que o brincar espontâneo pode servir de complemento e até mesmo substituir a comunicação ver bal Ela porém não se dispunha a atender crianças muito pequenas Também nesse grupo estava Donald Winnicott9 experien te pediatra e psicanalista que a partir das inovadoras teorias de Klein aplicadas a sua extensa prática clínica com crianças cons truiu novos conceitos sobre o desenvolvi mento psíquico humano Entre suas ideias inovadoras encontramse a importância Psicoterapia de orientação analítica 725 do ambiente sobre o desenvolvimento do indivíduo a teoria sobre a mãe suficiente mente boa a teoria da sustentação ou hol ding e o conceito de objeto transicional10 As divergências técnicas entre Anna Freud e Melanie Klein suscitaram inúme ros debates Klein considerava que o perío do preparatório preconizado por Anna Freud impedia o desenvolvimento de um genuíno setting analítico Segundo ela se a transferência fosse trabalhada com lógica a neurose de transferência apareceria e a criança estaria apta ao processo analítico Klein costumava envolver a própria crian ça na situação analítica mantendo os pais fora do tratamento Acreditava que devido à transferência o analista poderia ser ob jeto de ciúmes e hostilidade Admitia que os pais pudessem representar considerável dificuldade em análise de crianças Seu mé todo dava especial atenção às fantasias in conscientes à dramatização utilizandose de uns poucos brinquedos Até hoje seus seguidores usam essa técnica valendose de bonecos miniaturas de automóveis animais selvagens e domésticos papel lá pis tesouras barbante bolas cubos água entre outros recursos Anna Freud por sua vez criticava Melanie Klein em sua afoiteza no uso de sucessivas interpretações simbólicas Não concordava com o fato de ela equacionar o brinquedo com a livre associação do adul to Para ela Klein não respeitava o ego da criança ultrapassando as defesas desta em vez de analisálas lentamente Criticavaa por levar adiante uma análise do id com indivíduos que estavam lutando para al cançar e manter um adequado status de ego A posição de Anna Freud era a de que o trabalho deveria ser feito de modo gra dual Primeiro pela verbalização das per cepções externas e depois das internas Preferia analisar com cuidado as defesas e as resistências Preconizava ainda que o analista estivesse atento a possíveis fugas da criança ao confrontarse com o material in consciente ou com a transferência negativa3 Anna pensava que a criança preferia soluções ambientais a intrapsíquicas Em diversas circunstâncias o analista teria que se conformar em trabalhar por bastante tempo sem a aliança terapêutica Enfatiza va a dupla relação do analista com seu pa ciente ora visto como um novo objeto ora como um objeto transferencial Às vezes segundo ela o analista funciona como um ego auxiliar ou como um superego externo Monitorando ambas as situações internas e externas o analista de crianças é muito mais um ambientalista do que um analista de adultos O psicanalista de crianças por tanto deveria estar atento para essa dupla relação com seu paciente dirigida para dentro e para fora O doutor James Anthony11 profun do conhecedor de psicanálise e da psiquia tria e quem construiu a história destas nos Estados Unidos no que se refere ao traba lho com crianças nos EUA mencionando as polêmicas que marcaram a história da psicanálise infantil afirma que ambos os sistemas de trabalho trouxeram significati vas mudanças para o campo da psicanálise originando em última instância uma inte gração entre eles O conflito é o estímulo do pensamen to Instiganos a apurar nossa obser vação e memória Demovenos da passividade de rebanho e impelenos à criatividade11 A teoria psicanalítica do desenvolvimento ex pandiuse e continua confrontandose com de safios clínicos que podem ser resumidos em dois tópicos segundo estudos de Tyson como explicar a saúde e como explicar a formação dos quadros psicopatológicos 726 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O autor ressalta que a complexa e pri mitiva relação mamãebebê bem como a identificação do papel do pai no desenvol vimento do indivíduo trarão à luz muitos elementos capazes de auxiliar no esclareci mento de tais questões Considerou que to dos os fenômenos psicológicos que advêm dessa complexa interação estão assentados em bases biológicas12 Essa preocupação já fora levantada por Freud em sua equação etiológica13 O tempo de teorias simples sobre o desenvolvimento já passou e a visão redu cionista dos não analistas acerca da teoria psicanalítica é extremamente exígua eles caricaturizam o desenvolvimento huma no em fase oral anal e fálica explicando a origem dos fenômenos neuróticos como simples pontos de fixação porque o des mame ou o controle esfincteriano foi pre coce ou tardio ou porque a masturbação foi estimulada ou permitida12 É evidente que a proposta de Freud mesmo em seus primórdios era muito mais complexa do que essa As recentes evidências científicas de que a mente é a manifestação virtual da atividade cerebral revigora a ideia original de Freud14 Ainda que a psicanálise e as neurociências tenham métodos e objetivos distintos os achados da neurociência esti mulam a retomada do projeto da equação etiológica13 A boa notícia do ponto de vista das neurociências é a de que o cérebro sendo um sistema vivo desenvolvese ao longo de toda a vida15 Para nós que trabalhamos com paradas retrocessos e desvios do de senvolvimento e que temos o objetivo de auxiliar nossas crianças e adolescentes a retornar ao curso normal dele por meio de diferentes abordagens terapêuticas entre elas a psicoterapia de orientação psica nalítica tratase de uma notícia alvissa reira Se observarmos que existem períodos de exuberante crescimento cerebral deno minados perío dos sensíveis e que seu cres cimento e organização dependem das pri mitivas relações interpessoais sobretudo as muito primitivas identificaremos o quão visionária foi a afirmativa de Freud16 em 1938 ao descrever a relação do bebê com sua mãe única sem paralelo que se esta belece de forma inalterada por toda a vida como o primeiro e mais for te amor objetal e como o protótipo de todas as demais relações amorosas Seguindo essa premissa a maioria das dinâmicas está de acordo com o importan te papel que as primeiras relações têm no desenvolvimento humano Essa primitiva relação pode reeditarse no contexto da psicoterapia com a emergência da trans ferência havendo uma nova oportunidade para a restauração desses laços A ênfase na continuidade e na mutua lidade das transações entre o indivíduo e o ambiente tem tido grande relevância no momento atual O reconhecimento das complexidades interativas multidetermi nadas do desenvolvimento e da patologia requer uma construção teórica que vai além do pensamento reducionista17 As pesquisas acerca do desenvolvi mento do bebê levaram a um segundo im portante tema que segundo Zeanah17 su plantaria o modelo teórico de fixação re gressão em favor de um modelo teórico de construção contínua Tradicionalmente as teorias psicodinâmicas consideravam que as relações experienciais eram organi zadas pelos estágios libidinais oral anal e fálico A psi copatologia é compreendida co mo derivada da regressão a pontos de fixa ção resultantes de vulnerabilidades consti Psicoterapia de orientação analítica 727 tucionais e de traumas infantis situados em certos períodos críticos ou sensitivos Esse modelo de fixação e regressão da psico patologia também pode guiar o tratamento A psicanálise e a psicoterapia psicodinâmica procuram de forma gradual evidenciar o trauma original ou o ponto de fixação de maneira que possa ser elaborado working through Nessa conceitualização a origem ontogênica da psicopatologia reside em um particular estágio libidinal do desenvolvi mento sobre o qual incidiu um trauma OBJETIVO O objetivo deste capítulo é apresentar os principais fundamentos da teoria e da téc nica da psicoterapia de orientação analítica POA aplicada a crianças1820 Os autores entendem que esse é um procedimento derivado da psicanálise com a qual com partilha os mesmos fundamentos teóricos e possibilidades de aliviar o sofrimento emo cional FUNDAMENTOS TEÓRICOS Os fundamentos psicanalíticos não for mam atualmente um bloco monolítico de ideias Há várias escolas com diferen tes orientações e discordâncias quanto à natureza da mente seu desenvolvimento psicopatologias e tratamento No entanto os terapeutas de orientação psicanalítica concordam de acordo com Kaye21 com as seguintes premissas 1 O principal foco da POA é a subje tividade do indivíduo a experiência interna do self sendo o objetivo prin cipal do tratamento a autoaceitação e o autoentendimento por meio do relacionamento terapêutico A ferra menta primordial da POA é o vínculo que se estabelece entre o terapeuta e seu paciente Tal premissa se adapta também às necessidades das crianças pois mesmo as pequenas têm um con ceito ainda que restrito acerca de si próprias 2 O conhecimento do inconsciente é es sencial para o entendimento das expe riências subjetivas do paciente e de seus padrões de relacionamento Os afetos as motivações e os processos incons cientes incluindo os mecanismos de defesa são aceitos como determinantes do comportamento normal e anor mal do ser humano Mesmo crianças pequenas podem se beneficiar desses conceitos 3 Os padrões emocionais compor tamentais e relacionais podem ser compreen didos pelo determinismo psíquico O comportamento humano tem uma lógica acontece por razões psicológicas compreensíveis a partir da ligação que mantém com múlti plos impulsos afetos e experiências a elas relacionadas As crianças mesmo as bem pequenas compreendem a linguagem dos sentimentos e as mani festações préverbais da comunicação 4 A criança é o pai do homem As expe riências primitivas da criança fundam importantes e consistentes padrões na percepção no pensamento no senti mento e no comportamento do indiví duo os quais são carreados por toda a vida por meio de crenças expectativas e atitudes internalizadas A esse padrão de relacionamento que se reedita no âmbito da POA se dá o nome de transferência 5 O tratamento se baseia primordial mente na transferência O enfoque no aqui e agora das relações transferenciais 728 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs promove a evolução do processo psico terápico 6 O objetivo do tratamento não se res tringe à melhora dos sintomas mas a um amplo crescimento do paciente Assim na POA para crianças e ado lescentes incluise o retorno ao curso normal de seu desenvolvimento 7 Ao longo do tratamento podem ocorrer barreiras emocionais ou resis tência ao desenvolvimento psicoló gico EVIDÊNCIAS DE EFETIVIDADE A maior pesquisa sobre os resultados em psi canálise e POA foi efetivada na Inglaterra com um estudo retrospectivo de 700 prontuá rios2225 Os autores observaram que o trata mento de orientação psicanalítica apresentou excelentes resultados sobretudo para crianças pequenas Crianças portadoras de transtornos globais do desenvolvimento ou com dé ficits intelectuais responderam pobremen te ao tratamento Em menor escala alguns estudos evidenciaram além da melhora sintomática uma melhor performance escolar em followup realizado após um ano2627 Pesquisadores da Universidade de Pi sa28 observaram a efetividade de um trata mento psicoterápico breve focal de orien tação psicanalítica de 11 sessões para 58 crianças com transtorno distímico ou de ansiedade com história de grave privação O tratamento incluiu terapia individual e familiar O grupocontrole foi encaminha do a tratamento na comunidade As medi das foram tomadas antes do tratamento aos seis meses e aos dois anos Os resulta dos revelaram significativas diferenças en tre ambos os grupos Outros estudos como os de Kolvin e colaboradores29 e Lochman e colaborado res30 também evidenciaram consideráveis melhoras com a psicoterapia de orienta ção psicanalítica Um estudo que investi gou o resultado da psicoterapia baseada na mentalização em crianças que sofreram maustratos e que apresentaram vínculos emocionais com tipo de apego inseguro e limitada capacidade de mentalização antes da psicoterapia relatou alterações na men talização após as 20 primeiras sessões31 A AVALIAÇÃO Entrevista com os pais A avaliação iniciase desde o primeiro con tato realizado com os pais O terapeuta co meçará então a conhecer o funcionamen to da família Algumas vezes são os profes sores os primeiros a perceber a dificuldade da criança podendo indicar negação ou pouca sensibilidade dos pais É fundamental lembrar que os pais podem estar com ansiedade e culpa por sentirem estar falhando na tarefa de bons pais O terapeuta deve cuidar para não pa recer um juiz devendo esclarecer que está ali para ajudálos a tratar seu filho Além disso muitas vezes a família pode estar vindo de uma longa trajetória de avalia ções e o psicoterapeuta pode representar a última esperança desses pais Não é demais afirmar que o terapeu ta deve ter sempre presente o desenvolvi mento psicomotor normal o momento evolutivo em que se encontra a criança e o contexto no qual está inserida32 Apenas assim poderá avaliar de forma acurada as condições em que se encontra seu pequeno paciente Psicoterapia de orientação analítica 729 O terapeuta deve manter uma postura de neu tralidade não assumindo a função de paterni dade de seu jovem paciente uma vez que al guns pais por se sentirem incompetentes can sados ou angustiados podem desejar transferir essa função para ele A atenção aos sentimentos contra transfereciais poderá ser de grande ajuda na avaliação assim como durante todo o processo psicoterapêutico É possível que nos primeiros encon tros alguns dados da história não sejam contados principalmente situações cer cadas de culpa ou ansiedade Informações dolorosas para os pais podem ser omitidas de propósito Somente poderá vir à tona com a melhora da criança e com a culpa então atenuada Uma boa relação terapeu tapais favorece em muito esse processo A técnica adequada de avaliação se realiza ao deixar bastante livre uma parte da pri meira entrevista pois os pais por meio da associação livre poderão trazer questões íntimas que em perguntas diretas talvez não aparecessem Porém quando informa ções consideradas importantes não forem apontadas pode ser necessária uma argui ção direta Um checklist auxilia na investi gação diagnóstica Uma boa análise da situação demanda algumas entrevistas Para tanto será apre sentado um roteiro de modelo para a ava liação Não é necessário que seja seguido do modo como é descrito O fundamental é que ao final o avaliador disponha de in formações necessárias para uma adequada indicação terapêutica É importante averiguar o motivo pe lo qual os pais buscaram o atendimento e por que neste momento além de questões do tipo quando se iniciaram os sintomas Quais os elementos desencadeantes É rele vante perguntar a respeito de fatores agra vantes ou atenuantes Como pais cuidado res ou escola lidam com a situação Qual a evolução e a repercussão do problema nos meios familiar escolar e social É impor tante saber qual a intensidade do sofrimen to da criança e as limitações que acarreta Arminda Aberastury33 recomenda que se pesquise a rotina diária da criança des de o acordar até recolherse à noite Como são os fins de semana Como transcorre ou se comemora o aniversário Quais as brin cadeiras e os brinquedos prediletos Brin ca sozinha ou acompanhada Demonstra prazer no que faz Qual o tempo que passa assistindo à TV jogando videogame ou no computador É muito importante pergun tar se os pais conhecem a qualidade dos programas a que o filho assiste Devese in vestigar o grau de dependência da criança com seus cuidados básicos como hábitos de higiene vestimentas alimentação sua curiosidade iniciativa capacidade de se defrontar com circunstâncias adversas Quando o filho desobedece ou desafia pais ou adultos como estes se conduzem Quais são os castigos ou as punições aplica dos Como a criança se comporta diante de limites ou castigos Quanto ao sono é importante saber os hábitos que antecedem o adormecer Se há uma rotina horário se ocorre de uma maneira tranquila e se adormece na pró pria cama ou na de seus pais Se a criança tem um quarto próprio se dorme sozinha ou acompanhada e se usa rotineiramente esse quarto É importante obter informações a respeito do planejamento dessa gravidez Qual a reação de cada um dos pais quando souberam da gravidez Pensouse na possi bilidade de realizar um abortamento Que lugar esse filho ocupa na família Quantos filhos o casal tem Desejaram ou ainda pre tendem ter mais filhos É necessário per guntar sobre uso ou abuso de álcool outras 730 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs drogas ou medicamentos durante a gravi dez Foi realizado prénatal Essas questões vão fornecer ao psicoterapeuta informa ções de como a família se organizou para receber o bebê Durante as entrevistas investiga se a idade gestacional se o parto foi va ginal ou cesárea Foi usada analgesia ou anestesia Houve alguma intercorrência antes durante ou após o parto Qual a par ticipação do pai durante todo o processo A mãe sentiuse amparada e segura pelo companheiro e teve uma maior disponi bilidade afetiva para servir de continente para seu bebê Perguntase a respeito do bebê ima ginário da preferência do sexo e da reação dos pais ante o filho real Mãe e bebê se viram em seguida ao nascimento O filho chorou logo Qual seu peso e comprimen to Apgar Foi possibilitada uma interação entre a mãe e seu bebê Ficaram em aloja mento conjunto ou o filho ficou no ber çário Existiu alguma intercorrência que dificultasse a interação paisbebê O primeiro ano é decisivo para a vida do bebê Nesse ínterim são lançadas as bases para o futuro desenvolvimento emocional da criança assim como para as futuras relações de objeto Qual a relação do bebê com a ali mentação e como demonstrava estar com fome Como exercia a força de sucção Perguntase a respeito da amamentação ao seio e sobre as emoções que despertavam na mãe Se o aleitamento materno não foi possível como foi realizado Foi prazeroso para mãe e filho Questionase sobre marcos do desen volvimento psicomotor não apenas quan to ao momento mas também à maneira como começaram e como repercutiram nos pais e na criança sorriso sociabilidade firmou a cabeça sentou sem e com apoio engatinhou deu os primeiros passos e fa lou as primeiras palavras A introdução de novos alimentos di ferentes do leite materno quando e como ocorreu e como o bebê reagiu Segundo Aberastury33 o modo como a criança acei ta essa perda mostrará como ela enfrentará as perdas futuras Perguntase a respeito da dentição se foi acompanhada ou não de desconforto se coincidiu com o desmame e se causou transtorno do sono Pesquisase sobre o controle esfincteriano qual a idade for ma como se realizou e a atitude diante das questões de limpeza e sujeira Ainda como os pais relatam e reagem a respeito da se xualidade do filho e como lidam com a sua própria Privacidade quanto ao banho da criança e dos pais troca de roupa relações íntimas uso do toalete coabitação ou co leito Verificamse os antecedentes mór bidos doenças cirurgias hospitalizações situações traumáticas e reações da criança e dos pais ante situações adversas O psico terapeuta deve estar atento à possibilidade de existir negligência abuso e maustratos independentemente de nível cultural ou socioeconômico mesmo que não exista uma queixa formal quanto a essas questões Investigase ainda a existência de trauma tismos ou acidentes repetidos que possam mascarar uma tentativa de suicídio Perguntas de como e quando iniciou na préescola e na escola também devem ser feitas Como foi e quanto tempo durou o período de adaptação Há problemas de aprendizado Há dificuldade maior em leitura ou matemática A criança tem di ficuldade em prestar a atenção É inquie ta dispersa ou causa transtorno na sala de aula Como se relaciona com colegas e professores Quais as expectativas dos pais Psicoterapia de orientação analítica 731 quanto à escolaridade do filho Como é a disponibilidade afetiva para o aprendizado e quais os sentimentos da criança em rela ção ao estudo aos temas e à leitura Como se posiciona e como brinca no recreio Fica sozinha ou em grupo Pratica e aprecia ati vidades esportivas O conhecimento dos antepassados da criança da história de seus hábitos de tra dições e de tabus pode oferecer modelos de identificação para o paciente É importante informarse a respeito de gerações anterio res não apenas quanto aos aspectos gené ticos estritamente biológicos mas também quanto aos padrões genéticodinâmicos das relações predominantes Elaborar em detalhes um heredograma auxiliará na vi sualização das famílias de origem e da fa mília nuclear Pesquisar a existência de transtornos mentais de forma minuciosa a natureza e o número de familiares com prometidos por exemplo com transtornos do humor transtorno obsessivocompulsi vo do espectro autista e transtornos psicó ticos Prego e Silva34 orientam que ao terminar uma avalição o psicoterapeuta terá a possibili dade de vir a conhecer três crianças a inventada pe los pais a construída por ele terapeuta e a criança real que irá atender Entrevista com a criança A entrevista com a criança deve se reali zar em uma sala preparada que permita o brinquedo livre incluindo o uso de água tintas argila cola por exemplo Convém que tenha piso e paredes laváveis e que dis ponha de uma pia com água corrente para que a criança possa também se valer des se meio para o trabalho psicoterápico Os móveis devem se adequar ao tamanho das crianças É interessante ter um quadro para desenhar um espelho que permita verse de corpo inteiro um armário com gavetas individualizadas que possam ser identifi cadas pela cor por exemplo e chaveadas com a chave colocada em local que possa ser manipulada somente pela criança eou pelo terapeuta O material usado deve ser simples e resistente Os brinquedos não devem ser sofisticados per mitindo um livre curso às fantasias do pequeno ou jovem paciente Todo material deve ser indi vidual para cada criança e guardado em sua gaveta Assim por meio dessa atitude concre ta ela terá a compreensão de que todo traba lho desenhos e brincadeiras realizados são si gilosos O material lúdico da criança representa seu mundo interno e só será usado pela dupla criançaterapeuta durante o trabalho não sen do violado por nenhuma outra pessoa35 A gaveta ou caixa individual deverá conter família terapêutica bonecos de pa no plástico ou madeira carrinhos bom beiros polícia corrida ambulância Po derá ter também avião navio panelinhas pratinhos xícaras revólveres espadas blocos de encaixar ou cubos de madeira massa de modelar ou argila tintas pincéis cola fita adesiva cordão tesoura linha e agulha retalhos de pano O terapeuta de acordo com a situa ção utilizará outros materiais ou brinque dos caso considere necessário Assim com uma menina em avaliação por uma reação traumática à perda de um familiar em aci dente de ônibus com a finalidade de facili tar a projeção de fantasias o terapeuta pode rá colocar um ônibus entre os brinquedos Nas consultas de avaliação o material deve ficar à disposição para a criança Sua reposição ao longo do tratamento não de 732 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ve ser realizada sem um exame detalhado a respeito de seu significado Brinquedos mesmo que muito utilizados ou danifica dos não devem ser trocados sem o devido entendimento da destruição e do signifi cado da troca pois esse fato pode ser por exemplo expressivo de fantasias e confli tos A simples reposição poderá configurar uma troca maníaca uma busca de reparar um ataque na relação transferencial e que está reeditando conflitos que não foram compreendidos É fundamental que o pequeno pa ciente se confronte com suas ações mesmo que destrutivas É mais apropriado que a criança venha a se defrontar com seus as pectos destrutivos no brinquedo do que em sua performance escolar ou social ou em seu próprio corpo Essa é a finalidade do set ting justamente para que ali a criança de forma livre expresse seus conflitos As entrevistas iniciais representam o começo do estabelecimento de uma alian ça terapêutica Nas consultas diagnósticas segundo Angold36 o avaliador necessita ser habilidoso para conseguir harmonizar ade quada coleta de informações olhar obser vador empenho e preocupação a respeito das dificuldades da criança o que considera uma verdadeira arte A entrevista psicodi nâmica procura encontrar quais conflitos inconscientes colaboram para a constitui ção dos sintomas do paciente O terapeuta ficará atento a padrões de assuntos confli tuosos e defesas habituais A avaliação com a criança possibilita uma exploração direta da sua percepção so bre a dificuldade apresentada e uma avalia ção do nível de desenvolvimento além do exame do estado mental O uso de sessões não estruturadas na avaliação possibilita estabelecer inferências a respeito da vida psíquica da criança englobando seus de sejos impulsos medos defesas conflitos afetos e relações objetais A criança deve ser orientada e prepa rada pelos pais assim como devem ser dis cutidos com ela os objetivos a natureza e a proposta da avaliação Tudo o que ocorre no setting da pri meira consulta servirá de subsídio para a avalição Tudo o que ocorrer durante o processo terapêutico servirá para a busca de compreensão do psiquismo da criança e dos afetos correspondentes que serão inter pretados à luz do entendimento dinâmico tendo como fio condutor a relação transfe rencial e contratransferencial estabelecida O primeiro contato com a criança se dá na sala de espera quando o terapeuta se apresenta e a convida para entrar O com portamento dos pais é fundamental nesse momento pois a criança está atenta aos gestos mais sutis deles que possam expres sar ansiedade ou ambivalência Se for bem preparada e informada a respeito dos mo tivos daquele encontro facilitará bastante sua entrada É de se esperar mesmo assim que apresente um pouco de angústia nesse momento O terapeuta necessita estar atento a esse co meço uma vez que a atitude da criança e dos pais assim como o modo como a criança in terage com o avaliador indicarão aspectos do funcionamento da família Logo após a entrada devese esperar um pouco até que ela se manifeste Busca se decodificar e compreender as atitudes iniciais Habitualmente o início é recheado de ansiedades paranoides que devem ser entendidas e interpretadas É importante tranquilizar a criança comunicando a ela que o terapeuta está ali para auxiliála a en tender seus problemas falar quais e que para isso é necessário conhecêla Portan to irá brincar e observála Psicoterapia de orientação analítica 733 Ao fim da consulta o terapeuta deve ter um conhecimento pelo menos parcial do estado mental da criança dos conflitos dos mecanismos de defesa e dos recursos sadios de ego de que dispõe para enfrentar situações do desenvolvimento de forma adequada ou desfavorável Simmons37 des creve um esboço para o exame do estado mental aparência temperamento afeto orientação e percepção mecanismos de defesa integração neuromuscular proces sos de pensamento e verbalizações fanta sias sonhos desenhos desejos e brinca deiras superego ideais e valores do ego integração da personalidade autoconceito relações com o objeto identificação ca pacidade de insight e estimativa do coefi ciente de inteligência Pode se fazer necessária a solicitação de exames complementares eou a avalia ção de outros especialistas Alguns exames laboratoriais devem ser solicitados quando houver suspeita de organicidade O tera peuta deve solicitar uma avaliação o mais abrangente possível tendo em vista os cus tos e o tempo despendidos que podem ser limitados pelas condições socioeconômicas da família Solicitamse hemograma EQU EPF VDRL sorologia antiHIV entre ou tros exames A testagem psicológica constitui um valioso instrumento diagnóstico além da utilidade para verificar o andamento e auxiliar na decisão do término de tra tamento Para Chabert citado por Vas concellos38 aspectos que escapam à vista do avaliador podem ser evidenciados pela sensibilidade dos testes projetivos como Rorschach e Teste de Apercepção Temá tica TAT por exemplo Os escores dos testes dão informações importantes mas devem ser interpretados no contexto total da avaliação levandose em consideração sua consistência com as informações dos pais da escola e do próprio terapeuta39 Uma avaliação da criança pelo neuro pediatra pode se fazer necessária por meio de exame neurológico exame neurológico evolutivo ENE e exame das funções corti cais com a finalidade de garantir que fato res orgânicos não diagnosticados antes ou surgidos recentemente sejam descartados Também o neurologista ajuda a compreen der e detectar sinais neurológicos leves que possam estar relacionados com o status do desenvolvimento da criança Alterações do exame neurológico podem estar associadas a alguns transtornos psiquiátricos específi cos como transtorno de Tourette e trans tornos do espectro autista entre outros A avaliação psicopedagógica deve ser solicitada quando se suspeitar de algum transtorno do aprendizado eou de mo tricidade Harway40 refere que esse estudo identificará as áreas de maior vulnerabili dade e de maior potencial para planejar um programa específico no qual a criança consiga desenvolver seu potencial cogni tivo Todas essas informações devem ser integradas com os dados fornecidos pelos pais Ao final o terapeuta deve ser capaz de ter um estudo de caso completo com a finalidade de levan tar uma hipótese diagnóstica tanto do ponto de vista descritivo CID1041 eou DSM542 quan to da perspectiva dinâmica e fazer uma indica ção terapêutica RESULTADOS DA AVALIAÇÃO Os resultados da avaliação serão apresen tados aos pais após cuidadosa formulação diagnóstica que deve reunir a observação feita sobre a criança os resultados dos exa mes complementares e as informações de outros profissionais A entrevista com os 734 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pais visa a informálos quanto ao diagnós tico e permitir que o avaliador os auxilie na elaboração de sentimentos e percepções relacionados aos problemas do filho Além disso oferece suporte quanto a procura de tratamento e recomendações e plano de tratamento caso seja indicado O clima dessa consulta pode ser ten so pois é frequente que os pais sintam se culpados pelas dificuldades do filho É necessário confortálos ressaltando as competências da criança e os esforços des pendidos em sua educação sem negar os problemas Para facilitar a compreensão a comunicação com os pais dispensa o uso de termos técnicos apresentando a situa ção de forma realista Durante essa entre vista avaliase a existência de uma aliança terapêutica inicial com os pais peça funda mental para o estabelecimento da relação terapêutica e a manutenção do tratamento da criança As impressões iniciais do terapeuta também devem ser explicadas ao paciente respeitando seu nível de compreensão e de senvolvimento O terapeuta deve informar que comunicará aos pais esses resultados bem como sua indicação terapêutica INDICAÇÕES Paulina Kernberg43 arrolou como indi cações de POA três situações básicas sin tomas específicos conflitos interpessoais persistentes atraso parada ou regressão no desenvolvimento adaptativo ou emo cional Em 1995 Kernberg44 especificou um pouco mais as indicações neurose crô nica grave neurose sintomática histérica depressiva fóbica e obsessivocompulsiva transtornos psicossomáticos que interfi ram no desenvolvimento transtornos de identidade de gênero da personalidade anorexia nervosa personalidade narcisista transtornos borderline com bons recursos de ego e superego e motivação para o tra tamento Para a American Academy of Child and Adoles cent Psychiatry AACAP45 não existe especifi cidade diagnóstica para o uso da psicoterapia dinâmica Ela tem sido usada de forma efetiva para transtornos internalizantes p ex trans tornos depressivos e de ansiedade transtornos externalizantes por exemplo transtorno do dé ficit de atençãohiperatividade de severidade leve a moderada dificuldades maladaptativas da personalidade e reações emocionais inter nas disfuncionais a eventos de vida No Practice parameter for psychody namic psychotherapy with children45 su geremse diferentes indicações conforme a duração do tratamento A psicoterapia individual breve de tempo limitado é in dicada para crianças que se encontram em estresse situacional agudo como luto an siedade de separação problemas de sono ou ansiedade aguda Existe um foco de tra tamento definido bem como um momen to de término que impulsiona o processo ao passo que a psicoterapia de longo prazo sem definição de tempo para seu encerra mento é indicada quando os fatores bioló gicos e sociais desestabilizam cronicamente a adaptação e o desenvolvimento da crian ça quando há dificuldades psicológicas de vido à complexidade das comorbidades ou quando estão presentes conflitos e interfe rências desenvolvimentais solidamente ar raigados na criança Na indicação da POA devese considerar a capacidade da criança em reconhecer seus comportamentos seus efeitos nos outros e suas condições de re latar seus problemas ou refletir sobre eles Psicoterapia de orientação analítica 735 CONTRAINDICAÇÕES A psicoterapia psicodinâmica é contrain dicada a crianças com patologias graves psicose quadro severo de transtorno glo bal do desenvolvimento e transtornos se veros da conduta sem culpa ou remorso ou déficits cognitivos devido às limitações da capacidade de insight Famílias muito deterioradas com funcionamento psicóti co ou oposição franca de um dos pais ao tratamento podem dificultar e até impedir o andamento da psicoterapia4 Mesmo havendo indicações para uma psicoterapia dirigida ao insight esse tipo de tratamento fica contraindicado quando a família apresenta um funcionamento caó tico ou quando a criança não tem motiva ção para o tratamento4 Na situação em que os pais discordam em relação à indicação continuidade do tratamento recomenda se trabalhar essas resistências que se não tratadas podem levar a não efetivação do tratamento ou a sua interrupção precoce USO DE MEDICAÇÃO Psicofármacos podem ser usados junto do tra tamento psicoterápico para aliviar sintomas e facilitar a capacidade do paciente para o tra balho terapêutico Entretanto o terapeuta deve levar em consideração os possíveis significados que a criança ou a família podem atribuir à medicação Não há drogas curativas pa ra os transtornos psiquiátricos na infância Por vezes o alívio dos sintomas pelo uso de medicação induz alguns pais a propor a descontinuidade do tratamento antes que questões subjacentes sejam resolvidas na psicoterapia OBJETIVOS DA PSICOTERAPIA A psicoterapia infantil psicodinâmica é um meio psicológico de ajudar a criança por meio do relacionamento com seu terapeu ta a tornarse mais livre mais conhecedora de si e dos outros encontrando uma forma de expressar suas emoções A compreensão psicanalítica do sintoma incluso na for mulação diagnóstica dinâmica permitirá a estruturação dos dados clínicos sendo uti lizada como um guia do tratamento46 Recentemente a AACAP no Practice parameter for psychodynamic psychotherapy with children45 descreveu como objetivos da psicoterapia aumentar comportamentos adaptativos melhorar a sintomatologia melhorar a adaptação à família à escola e aos colegas reparar traços de personalidade mal adaptativos reelaborar conflitos para flexibilizar padrões defensivos e relacionais rígidos aliviar inibições desnecessárias desenvolver na criança um pensamento flexível ter acesso à vida de fantasia estabilizar o funcionamento psicológico ampliando a liberdade de expressão por meio do jogo e das palavras em vez de por ações impulsivas promover uso flexível das defesas bem como habilitar a criança a uma avaliação de sua vida compatível com sua idade aumentar as capacidades para atividades prósociais estimular o funcionamento autônomo na escola adequado à idade cronológica 736 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs desenvolver senso de identidade incluin do identidade sexual apropriado para a idade promover autoestima positiva O tratamento tem como meta aliviar o sofri mento psíquico da criança permitindo que ela retome o curso normal do seu desenvolvimen to apresentando um funcionamento esperado para a idade em casa na escola e na comu nidade Nos casos de patologia familiar grave com suspeitas ou confirmação de negligên cia abuso ou maustratos um dos objeti vos da POA será garantir um ambiente de proteção para a criança privilegiando um espaço saudável para seu desenvolvimen to emocional Em situações mais simples muitas vezes a orientação da família é su ficiente Outras vezes será encaminhado um dos pais ou ambos ou um irmão para tratamento ou até mesmo uma abordagem familiar paralelamente ao tratamento indi vidual da criança Outra possibilidade se necessário é contar com a ajuda de insti tuições de proteção à criança como o Con selho Tutelar e o Ministério Público O PROCESSO PSICOTERÁPICO Concluída a avaliação é possível que o tera peuta tenha identificado que a situação que precipitou a busca de avaliação e que cau sou preocupação à família representa um bre ve percalço no curso do processo de maturação da criança não tendo ocorrido parada regres são ou atraso no desenvolvimento Nesses ca sos podese entender que uma eficiente orien tação e apoio aos pais sejam suficientes Nossa posição é por ações que respeitem a situação peculiar de cada paciente e de sua família par tindo de medidas menos intrusivas até a indi cação de POA que irá necessitar de grande en volvimento por parte da criança e de seus pais O primeiro passo após a avaliação e a indicação psicoterápica é fazer um con trato claro com o paciente e com os pais Nele constará a combinação de horários e frequência das sessões buscando contem plar as conveniências da criança e dos pais Procurase combinar claramente honorá rios feriados férias e a responsabilidade com eventuais ausências O fato de que as crianças estão pas sando por um processo de desenvolvi mento ao mesmo tempo em que parti cipam de um processo analítico é uma diferença fundamental da análise e da POA entre crianças e adultos47 Outro as pecto a se considerar é que a psicoterapia não se desenrola só a partir das comuni cações verbais mas das préverbais e das extraverbais expandindo os recursos da comuni cação entre paciente e terapeu ta O propósito básico da psicoterapia é trabalhar com a vida afetiva do pacien te Dessa forma o brinquedo tornase o meio privilegiado de comunicação por ser a forma principal de expressão da vida emocional utilizada pela criança O brin car é utilizado pelas crianças para pensar imaginar e construir significados da mes ma forma que a linguagem é usada pelos adultos sendo muito efetivo para acessar e comunicar afetos47 O setting terapêutico deve ter condições para funcionar como um palco aberto e livre no qual a imaginação da criança e o faz de conta possam Psicoterapia de orientação analítica 737 expressarse sem restrições permitindolhe re velar seus mais íntimos pensamentos e senti mentos O terapeuta necessita da capacidade de compartilhar os interesses e o brinquedo da criança o que moldará os principais laços entre ambos e permitirá o desenvolvimento da alian ça terapêutica Além do brinquedo e do desenho outros elementos entrarão na composição do setting como música filmes um diário fenômenos da natureza e até um animal de estimação Porém as ferramentas funda mentais serão os pensamentos e os afetos de ambos os participantes que por meio da transferência da resistência e da contra transferência formarão a base sobre a qual se desenvolverá o tratamento Etapa inicial do tratamento Anna Freud3 preconizava uma fase intro dutória na qual se prepararia a criança pa ra o tratamento buscando motivála uma vez que ela só estaria ali devido ao desejo dos pais Já os seguidores de Melanie Klein consideram que desde a primeira hora de jogo a criança não só desenvolve a trans ferência como também apresenta uma percepção inconsciente sobre sua doença e também uma fantasia de cura33 Apesar das controvérsias históricas na prática diária do tratamento de crianças observase a presença de ansiedades perse cutórias desde o início Elas se manifestam por desconfiança sentimentos de ameaça e tentativas de transformar a situação nova em algo já conhecido Caron e Seewald48 recomendam como regra no atendimen to de crianças que as interpretações sejam claras simples e verdadeiras Alertam pa ra o fato de que embora a criança não seja capaz de expressarse verbalmente pode muito bem compreender o que está ocor rendo e desejar ser ajudada No período inicial é importante que o terapeuta obser ve bem as características de seu paciente e favoreça seu entendimento a respeito das regras do processo terapêutico O desempenho do terapeuta durante as ses sões será pautado pela própria criança Esse engajamento no brinquedo não surge facilmen te para alguns terapeutas É necessária algu ma regressão a serviço do ego e muita cria tividade para vencer as inibições naturais do adulto49 O terapeuta necessita estar em con tato com seus próprios aspectos infantis sem perder a consciência de seu papel ana lítico diante do material que a criança apre senta50 Há também controvérsias quanto à participação direta do terapeuta no brin quedo do paciente Para os autores deste capítulo a participação do terapeuta obe dece às diferentes necessidades e situações Pode estar limitada ao desempenho de papéis determinados pelo paciente como diretor de cena ou mostrarse mais ativo para facilitar a comunicação entre ambos À medida que a terapia evolui menor vai se tornando o trabalho dramático ou plás tico e mais comunicações verbais poderão ocorrer Atualmente muitos analistas pro põem que ajudar a criança a brincar promove o desenvolvimento não por des velar o significado mas por ajudar a crian ça a produzir significados5153 É impor tante assinalar que o valor terapêutico da comunicação verbal repousa menos no conteúdo e mais na liberdade para verba lizar seus estados internos pensamentos e sentimentos54 Outro aspecto importante é o manejo do contato físico direto Ocor 738 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs re com frequên cia com crianças pequenas que buscam esse contato e até necessitam dele Ao fim da primeira fase do tratamen to a criança possivelmente terá alcançado os seguintes objetivos apresentar certo bemestar que lhe per mite produtividade nas sessões comunicarse bem formar uma aliança de trabalho com o terapeuta darse conta de que algumas de suas atividades mentais são geradas interna mente em vez de procederem somente do mundo externo compartilhar com o terapeuta uma ma neira própria de representar estados in ternos com palavras imagens e símbolos A predominância de comunicações verbais poderá ser tomada como indício de evolução do trabalho terapêutico e melho ra do paciente55 Etapa intermediária do tratamento Nessa fase paciente e terapeuta terão de despender muito esforço emocional para atingirem seus objetivos Estarão juntos cada um com suas experiências prévias em uma nova experiência afetivoemocional como considera Ferro A história que se desenrolará será absolutamente nova56 O objetivo da terapia é utilizar o re lacionamento e o conhecimento a respeito da situação individual da criança para re mover os obstáculos internos ou externos que estejam inibindo seu crescimento psi cológico normal e recolocála no melhor patamar de desenvolvimento Esperase que o processo psicoterá pico facilite a capacidade do paciente para intimidade consideração e gra tidão44 Cada psicoterapia se desenvolve de acordo com as características particulares de paciente e terapeuta bem como dos ob jetos do mundo interno de cada um deles A literatura é farta em termos de estudos que contemplam essa fase intermediária e que identificam as principais tarefas dessa etapa Há um constante interjogo de senti mentos transferenciais e contratransferen ciais O terapeuta é alvo das projeções e dos sentimentos de seu paciente e deve estar atento às suas próprias respostas afetivas ao paciente aos seus objetos internos e a sua família real Por seu lado o paciente já mais aliviado de sentimentos persecutó rios e mais familiarizado com o processo disporá de maior liberdade de partes de seu ego observador que se aliarão ao terapeuta na tarefa de identificar conflitos e buscar elaborálos mostrandose mais maduro para receber interpretações Para Coppolillo55 a interpretação não se resu me a um ato ou evento sendo um processo que se inicia com atos preparatórios Clarificações e elucidações vão identificando as atitudes ou as particularidades da história do paciente Tais atitudes adquirem determinado significado e se repetem na transferência com o terapeuta e com outros persona gens da vida do paciente Para esse autor o termo interpretação deve ser reservado para o resumo verbal de um processo que permitiu ao paciente experienciar e enten der as defesas ou resistências que foram levantadas contra a ansiedade gerada por um impulso desejo convicção aspiração ou fantasia55 O terapeuta deve estar alerta para o fato de o processo estar constantemente Psicoterapia de orientação analítica 739 sob a ameaça de estancamento visto que as resistências seguem vigentes e até recrudes cidas cabendo ao tratamento o trabalho de demovêlas Não só o paciente poderá ficar aprisionado na armadilha da formação de compromisso mas também o terapeuta por identificação projetiva Devese aten tar para a história genéticodinâmica do paciente e sobretudo para os fenômenos transferenciais e contratransferenciais que operam no campo terapêutico pois é no aqui e agora que ocorrerão os fenômenos emocionais e racionais que reconstruirão a história do paciente propiciando a repara ção dos objetos atacados Fase final da terapia O término da psicoterapia envolve a crian ça os pais e o terapeuta A fase final depen derá muito da orientação do terapeuta e das metas alcançadas Em geral a maioria das discussões sobre o tema examina crité rios para o término indicando como pon tos centrais o esbatimento dos sintomas e a retomada do processo de desenvolvimento normal O fato de a criança ainda estar em de senvolvimento dificulta a avaliação do mo mento mais oportuno para a alta Términos prematuros estão relacionados a múltiplas causas os pais por motivos competitivos com o terapeuta ou com a própria crian ça podem não tolerar as melhoras e retirar prematuramente o paciente racionalizan do que o objetivo já foi alcançado Outras vezes não tolerar a melhora do filho diz respeito a não aprovarem as mudanças que o filho vem promovendo que podem ir contra suas expectativas por exemplo crianças submis sas que se tornam mais ativas ou desafiadoras crianças deprimidas que passam a existir em sala de aula e exigir alguma atenção dos pro fessores e assim por diante Mudança de domicílio dificuldades financeiras ou de transporte e separações podem influir de forma importante Ocor rem ainda situações relacionadas com avaliação errônea por parte do terapeuta ou no caso das instituições mudança de estágio dos residentes Em estudo recente Gastaud e Nunes57 pesquisaram 2106 prontuários de crianças que estavam em atendimento psicoterápico em duas instituições de ensino de POA em Porto Alegre Destas 200 receberam altas e 793 abandonaram seus atendimentos Os grupos foram comparados e os resultados indicaram que meninos apresentaram mais risco de abandonar o tratamento crianças en caminhadas por neurologistas ou por psi cólogos demonstraram menor risco de aban dono Após o sexto mês de atendimento o risco de abandono decaiu de forma conside rável Os autores levantaram hipóteses para as associações encontradas e concluíram que conhecer preditores de abando no em psicoterapia possibilita aos te rapeutas identificar precocemente pa cientes pertencentes ao grupo de risco para abandono oportunizandolhes trabalhar preventivamente e mais di retamente aspectos de resistência e transferência negativa desses pacientes e seus familiares principalmente nos primeiros seis meses de tratamento57 Sugerem a possibilidade de se cria rem técnicas de intervenção precoce com os pais e realizar tratamentos transdiscipli nares combinados como saídas possíveis para evitar o abandono que chegou a um valor em torno de 60 dos casos seme lhante a estudos internacionais 740 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs É lamentável que em situações de muita instabilidade com pacientes de con dições socioeconômicas e emocionais pre cárias a alta prematura seja a mais frequen te A própria criança pode ser causadora da alta prematura quando não tolera a intro missão em seu mundo interno conflitua do e recorre a acting outs que precipitam a mudança de abordagem para a internação psiquiátrica por exemplo As altas terapêuticas ocorrem quando o paciente apresenta sinais de remissão do quadro que o trouxe a tratamento Entre inúmeras listagens de critérios de alta pri vilegiamos a de Paulina Kernberg44 O paciente apresenta ideia mais realista do terapeuta e de suas funções demons trando bom relacionamento com ele utilizando humor e apresentando maior tolerância às separações alicerçados em maior confiança O terapeuta utiliza de forma crescente intervenções dirigidas ao mundo inter no do paciente tais como clarificação confrontação interpretações da trans ferência reconstruções genéticas Passa a trazer mais material referente à vida cotidiana dandose conta da perspectiva de tempo e apresentando planos futuros A qualidade das comunicações mostra mudança a criança consegue revisar os conflitos e buscar resolução Há aumento de verbalizações O brinquedo desenrolase de forma agradável sendo utilizado para elaborar e resolver conflitos Sonhos podem antecipar ou representar ansiedades acerca do término Há maior modulação afetiva quanto ao espectro à intensidade e ao conteúdo do material Demonstra sentimentos ambivalentes com relação à alta porém acompanha dos de alívio Ocorrem comportamentos sublimató rios compartilhando novos interesses As defesas tornamse mais flexíveis e evoluídas Com mais frequência observase in sight acompanhado de críticas acerca de si próprio O paciente tornase mais reflexivo e busca entendimento sobre as causas dos fenômenos que observa em si relativos tanto ao mundo interno quanto ao mundo externo Diminuem os sintomas e os acting outs muda a postura a vestimenta passa a apresentarse de forma adequada à ida de Em resumo a criança ingressa no cur so normal do desenvolvimento PECULIARIDADES DA TERAPIA NAS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS Intervenções psicoterápicas paisbebês IPPBs As IPPBs são indicadas para bebês de 0 a 3 anos que se apresentam ou que estão em risco de desenvolver algum distúrbio que comprometa sua saúde mental O de senvolvimento favorável do ego do bebê necessita de um ambiente mãepai que proporcione condições que atendam às suas necessidades básicas É na harmonia da interação entre o bebê e pais eou cui dador que as potencialidades inatas dis No capítulo quando houver referência à relação mãe bebê também estão inclusos aí todos os cuidadores que participam de maneira presente na interação com o bebê sejam eles pai avós sejam eles tios entre outros Psicoterapia de orientação analítica 741 criminação de impressões sensoriais me mória inteligência busca por interação e afetos entre outras serão estimuladas e expressas Do ponto de vista neurobioló gico Stern58 destaca os neurôniosespelho e os osciladores adaptativos como meca nismos fundamentais na estruturação da matriz intersubjetiva entre o bebê e a mãe Situações que perturbem persistentemente a sintonia na intersubjetividade entre o be bê e os pais irão desencadear sintomas no bebê comportamentos autodestrutivos e heteroagressivos ansiedades somatizações e isolamento emocional crises de choro inconsoláveis comportamentos de birra comportamento opositor Fatores como doença mental dos pais condutas parentais inadequadas excessivo controle punição reações de rejeição estilos de tempera mento discordantes entre pais e bebê e si tuações de vida que desencadeiam estresse têm papel importante na origem desses dis túrbios59 O objetivo do tratamento nessa faixa etária é estimular e aumentar a habilidade dos pais para propiciar um ambiente seguro no qual a criança tenha acesso às suas necessidades in dividuais promovendo seu desenvolvimento59 As IPPBs baseiamse na premissa de que cuidados proteção aprendizado e re ciprocidade com as figuras de apego são fundamentais para a saúde mental na in fância e criam padrões de interação inter nalizados pela criança como estruturas psi cológicas estáveis ao longo da vida59 Em uma aproximação entre a psica nálise e as neurociências Allan Schore60 refere que traumas relacionais precoces levam a uma alteração evolutiva identifi cada como falta de maturação afetiva do cérebro direito A consequência maior do trauma relacional precoce é a incapacida de da criança de desenvolver a autorregu lação conforme a intensidade e a duração do estresse emocional O autor destaca que o trauma relacional precoce medeia a transmissão transgeracional inconsciente dos déficits da regulação afetiva das psico patologias de formação no início da infân cia As intervenções precoces seriam mais efetivas em um período de crescimento cerebral acelerado e contribuiriam para a prevenção de futuros transtornos psiquiá tricos60 A história das abordagens terapêu ticas da relação paisbebê é ainda recente mas tem sua origem alicerçada na psica nálise e no conceito da origem precoce dos transtornos psicológicos Foi a partir da década de 1940 que a psiquiatria infan til adquiriu autonomia e que tratamentos psicoterápicos foram propostos para crian ças pequenas que apresentavam distúrbios com expressão somática como transtornos do sono da alimentação do crescimento das funções esfincterianas entre outras condições4 Selma Fraiberg61 foi pioneira ao pro por intervenções terapêuticas para uma va riedade de sintomas e transtornos psicoló gicos no contexto da relação dos bebês com seus pais ou cuidadores Iniciou o que veio a ser conhecido como Modelo Fraiberg de Intervenção em 1973 com a criação de um centro universitário de psiquiatria do bebê Essa modalidade tem como foco o desen volvimento do bebê e como referencial teó rico a psicanálise4 São casos em que o bebê está ameaçado por terse tornado o repre sentante de figuras do passado dos pais ou de aspectos repudiados ou negados destes Em alguns casos o bebê já mostra sinais de distúrbio emocional No tratamento são examinados o passado e o presente visando a libertar o bebê das projeções dos pais por meio de 742 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs interpretações dirigidas ao insight A tera pia movimentase entre o passado e o pre sente mas retorna sempre ao bebê4 O objetivo é trabalhar conflitos que surgem do passado dos pais e interferem na relação com o bebê Por meio da me táfora dos fantasmas no quarto do bebê a autora salientou a transmissão transgera cional de padrões patológicos de relacio namentos por meio da reencenação com seus bebês de conflitos não resolvidos da infância dos pais4 A presença do bebê na sessão com ao menos um dos pais é a marca registrada das in tervenções paisbebê O bebê funciona como enzima catalisadora das mudanças que vão sendo trabalhadas psicoterapicamente com os adultoscuidadores62 Johan Norman62 em seu artigo O psicanalista e o bebê uma nova visão do tra balho com bebês justifica assim a pre sença do bebê em sessões conjuntas com os pais 1 O bebê tem condições de desenvolver um modelo de relacionamento com o terapeuta seja qual for o modelo com seus vínculos mais importantes 2 O bebê tem uma subjetividade e um self primários como base para a intersubje tividade 3 O bebê apresenta uma permeabilidade única para modificar representações de si mesmo e dos outros que diminui à medida que o ego se desenvolve 4 O bebê é capaz de compreender certos aspectos da linguagem Muito antes de poder falar tem uma compreen são da linguagem afetiva não léxica Entendese por linguagem não léxica a linguagem afetiva expressa em gestos expressões faciais musicalidade da voz e expressão corporal Além da presença do bebê na sessão o terapeuta faz uma opção consciente de dar atenção a essa presença no consultório para ter o maior número de impressões do mundo interno do bebê Ao mesmo tempo o terapeuta é estimulado pela comunicação dos pais e pela sua própria realidade psí quica Ao relacionarse diretamente com o bebê olhandoo tentando entender suas comunicações dirigindo a ele a palavra falando pelo bebê o terapeuta evidencia aos pais a condição da jovem criança como uma pessoa separada dos pais com uma subjetividade própria e com capacidades de comunicação de seu estado mental O tera peuta deve estar atento a pequenos sinais sutis de comunicação como afastamento do olhar sonolência mudanças de humor interrupção do brinquedo Ao longo do processo de tratamento esperase que esse modelo de interação seja introjetado pelos pais e pelo bebê59 No Ambulatório de Interação Pais Bebê do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA utilizamos a filmagem da interação mãebebê em um momento de brinquedo livre Depois procedemos a uma análise detalhada para a identificação de aspectos sutis de desencontros entre os parceiros da interação63 Muitos dos problemas envolvem a fal ta de compreensão adequada e as distorções no significado que os pais e as crianças dão ao comportamento um do outro As IPPBs auxiliam os pais a esclarecer o significado das atitudes do bebê buscando descrever e compreender suas motivações e funções O terapeuta destaca os comportamentos do bebê como resultantes de um esforço para lidar com ansiedades desenvolvimentais da infância Essa compreensão ampliada é si nônimo da rêverie e da função alfa e por Psicoterapia de orientação analítica 743 meio da continência pode se dar a repa ração da dupla mãecuidador e bebê5964 O psicoterapeuta necessita conhecer as formas de comunicaçãoexpressão do estado mental nos diferentes momentos de desenvolvimento de bebêscrianças pequenas Será parte das intervenções psicote rápicas auxiliar os pais a conhecer os com portamentos e as reações às situações de estresse adequados aos recursos cognitivos e emocionais das crianças correspondentes a sua idade59 A intervenção estimula os pais a um entendimento mais empático e à utilização de atitudes mais apropriadas em resposta ao comportamento da criança Lieberman e Van Horn59 elaboraram um guia com 12 itens para ampliar o entendi mento e a empatia dos pais com relação às experiências com seus bebês eou crianças pequenas Quadro 421 O terapeuta deve estar atento aos próprios sentimentos Mediante um esta do mental permeável e receptivo o tera peuta elabora as impressões causadas pelas comunicações do bebê e da mãepai que surgem no encontro da sessão Ao nomear a realidade psíquica do bebê o terapeuta por meio do tom de voz dos gestos da ex pressão facial e do significado das palavras traz sentido para o bebê e para os pais Para Stern sentimentos pensamentos e repre sentações do terapeutaobservador são em si mesmos a grande porta para o entendi mento da relação mãebebê64 QUADRO 421 GUIA DESENVOLVIMENTAL DE REFERÊNCIA PARA AS INTERVENÇÕES PSICOTERÁPICAS PAISBEBÊS IPPBs ELABORADO POR LIEBERMAN E VAN HORN 1 Crianças pequenas choram e se apegam para comunicar uma necessidade imediata de cuidado e proximidade com os pais 2 Sofrimento com separações expressa medo da perda dos pais 3 Desejam agradar aos pais e receiam sua desaprovação 4 Têm medo de sofrer ferimentos e de perder partes de seu corpo 5 Imitam o comportamento dos pais pois desejam ser iguais a eles e presumem que o comportamento deles é um modelo a ser imitado 6 Sentemse responsáveis e se culpam quando os pais estão com raiva ou tristes por qualquer razão 7 Nutrem a convicção de que os pais sabem tudo e sempre estão certos 8 Necessitam de limites claros e consistentes para seus comportamentos de risco e comportamentos socialmente inadequados para se sentirem seguras e protegidas 9 Utilizam a palavra não para estabelecer e praticar sua autonomia 10 A memória iniciase no nascimento bebês e crianças jovens lembram experiências antes que possam falar sobre elas 11 Necessitam da ajuda e do apoio dos pais para aprender a expressar fortes emoções sem magoar a si mesmas ou aos outros 12 Conflitos envolvendo pais e crianças pequenas são inevitáveis devido às necessidades de desenvolvi mento diferentes de cada um dos participantes mas podem ser resolvidos de modo a promover apoio e confiança para o desenvolvimento Fonte Adaptado de Lieberman e Van Horn59 744 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A falta de sintonia dos cuidadores gera frus trações e afetos muito negativos no bebê A ela boração não pode ser feita pela mãe já que ela é parte do distúrbio que frustrou permanen temente a criança em suas necessidades bá sicas O bebê tenta aproximarse da mãe ao mesmo tempo que tenta evitála inquieta se evita o olhar chora morde ou solta frequentemente o seio O terapeuta por não estar envolvido no distúrbio oferece de forma provisória no aqui e agora da ses são a rêverie e a continência para o bebê e a mãe enquanto a constante evitação mútua não for elaborada Com a evolução do pro cesso a criança inicia um retorno à mãe com todas as suas demandas e emoções confiando que agora ela pode estar mais receptiva e podendo tolerar suas angústias as quais poderão assim ser metabolizadas e desintoxicadas pela mãe6264 Circunstâncias adversas da vida eventos traumáticos e problemas de saúde mental são obstáculos recorrentes ao exer cício da parentalidade Além de prejudi car diretamente a experiência momento a momento da interação paisbebêcriança também estimulam distorções na capaci dade dos pais de interpretar e responder às necessidades das crianças Isso pode ser alcançado dividindo a atenção entre as ne cessidades dos pais e as da criança duran te a sessão em atendimentos individuais paralelos ou em outras situações enca minhando os pais para tratamento indivi dualizado59 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Descrevemos a seguir o atendimento de um bebê que ingressou no Ambulatório de Interação PaisBebê do HCPA com 1 ano e 2 meses de idade Maria de 56 anos avó de Amanda procurou atendimento por indicação do pediatra para estimula ção do vínculo do bebê Amanda com a mãe Cláudia A avó referia desde o início que Cláudia não que ria vir ao tratamento Ao longo da avaliação inicial a avó relatou dificuldades de relacionamento com sua única filha Cláu dia 31 anos e entre esta e a neta Cláudia é usuária de crack desde que conheceu o pai de Amanda há dois anos e meio descobriu a gestação quando estava internada quarta internação para tratamento de abuso de crack e usou a droga durante as 12 primeiras semanas dessa gestação Durante a internação Cláudia foi diagnosticada com transtorno do humor bipolar e passou a fazer uso de psicofármacos mas de forma irregular Amanda é a terceira filha de Cláudia Conforme relata Maria Cláudia não faz questão de cuidar dos filhos 14 e 5 anos e cada um é fi lho de um pai diferente A avó relata que cuidou sozinha do neto mais velho e que o segundo filho de Cláu dia é cuidado pela família do pai do menino Desde que nasceu Amanda é cuidada pela avó e a partir dos 4 meses passou a frequentar creche em turno integral A filha rejeitou os três filhos e diz que os odeia assim não os amamentou nem realizou cuidados básicos como trocar fraldas e dar banho Briga com as crianças agride verbal e fisicamente principalmente quando as vê cuidadas pela mãe a avó O pai de Amanda é dependente químico de múltiplas drogas e não tem contato com Cláudia desde a gestação Não visita a filha e não fornece apoio financeiro Maria tem muito medo de que Cláudia tenha uma recaída caso se aproxime do excompanheiro Continua Psicoterapia de orientação analítica 745 Continuação Continua Maria foi a filha mais velha de oito irmãos e desde muito jovem coube a ela a função de cuidar deles pois os pais precisavam trabalhar É viúva perdeu o marido quando Cláudia estava com 6 anos Ele era al coolista violento ameaçava pôr fogo na casa e agredia Maria na frente de Cláudia acabou se suicidando Maria e Cláudia o encontraram enforcado dentro de casa Maria trabalhava 12 horas por dia com faxinas e Cláudia cresceu cuidada em creches Refere que trabalhava muito e frequentava a igreja para lidar com sua tristeza Nunca procurou tratamento Ao longo da avaliação Amanda mostrouse um bebê alegre ativo com um desenvolvimento neuropsi comotor adequado à idade A interação com a avó na maior parte do tempo mostravase adequada ape sar de em alguns momentos Amanda expressar agressividade quando contrariada A terapeuta pôde ofe recer um espaço que Maria nunca teve de falar e ser ouvida com relação às dores de sua vida Pôde ago ra ser cuidada pela terapeuta Durante as consultas a avó queixavase muito da filha A Cláudia não ajuda em nada só pensa em usar crack não sei mais o que fazer não aceita nem chegar perto da Amanda Qualquer tentativa por parte da terapeuta de incluir Cláudia no tratamento recebia a mesma resposta ela não quer vir A tera peuta trabalhou a interação de Amanda com a avó ao mesmo tempo que ofereceu escuta aos sofrimen tos de vida de Maria como a perda do marido as dificuldades com a doença da única filha e o trabalho de cuidar dos netos Também foi abordada sua necessidade de seguir no papel de cuidadora Depois de cui dar do marido doente Maria transferiu sua função cuidadora à filha o que nos pareceu ter levado Cláudia a um comportamento infantilizado e deficiente Agora somente Maria sabe e pode cuidar dos netos A terapeuta preocupavase também com Cláudia e sentindo que havia desenvolvido uma aliança de trabalho com a avó decidiu convidar ativamente Cláudia para o tratamento Ligou para ela convidandoa a vir à consulta ainda que somente uma vez junto com sua mãe e a bebê Ela veio Na consulta com a mãe e Amanda Cláudia evidencia algum prejuízo cognitivo e mantémse distante da mãe e da filha Ao ser estimulada pela terapeuta a chegar perto da filha Amanda não permite que Cláu dia se aproxime grita e chora Maria pontua que Amanda nunca vai ao colo da mãe não fica sozinha com a Cláudia pois entra em desespero A sessão segue com Amanda e a avó brincando alegremente no chão A avó mostrase carinhosa e con tinente com a neta segue o ritmo da criança brinca de boneca Cláudia permanece sentada na cadeira olhar perdido por vezes observa Maria e Amanda brincando no chão parece profundamente triste A terapeuta se angustia com a cena sente tristeza e desejo de dar colo a Cláudia Sente como se ambas não existissem para a dupla que brinca no chão A terapeuta tem uma sensação de que Cláudia gostaria de ter a mesma atenção que Maria dispensa a Amanda Utilizando seus sentimentos contratransferenciais trabalha com Cláudia seus sentimentos de ciúme raiva e desejo de estar no lugar de Amanda que são evidentes durante o atendimento Maria hostiliza e desqualifica muito a filha Ela morre de ciúmes da Amandinha doutora Quer que eu dê tudo na mão Diz que só faço para a Amanda Claro se eu não faço a guria fica suja passa fome Em outro momento a avó diz Ela não sabe doutora Não tem nenhuma paciência a Amandinha chora se ela chega perto Ela dá mais trabalho que a Amandinha não ajuda em nada As falas da mãe despertam sentimentos negativos em Cláudia que descreve sua raiva e a sensação de rejeição de Maria com ela A mãe nunca me cuidou Ao longo da sessão a terapeuta estimula que Maria ajude Amanda a tolerar que Cláudia troque sua fralda As duas resistem à proposta A terapeuta conduz a avó a auxiliar a filha e estimula Cláudia confian 746 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua do que ela tem condições para a tarefa Vó acho que se pegares na mão da Cláudia e for mostrando como faz a Amandinha começa a se acostumar com a mãe A terapeuta vai maternando três gerações de mulheres nomeando para os integrantes da sessão in clusive para Amanda os sentimentos que estão inundando a sala de atendimento Cláudia você pode con seguir sua filha está chorando porque não está acostumada com você Pede ajuda à avó para falar direta mente com a neta que ela vai estar por perto Vem vó ajuda eu explicar para a Amanda que a mãe ainda está aprendendo não tem jeito ainda que a senhora vai ficar o tempo todo junto São falados dos medos de Cláudia de não conseguir realizar a tarefa do ciúme da relação da filha com a avó É pontuado para Amanda o medo de que a mãe se comporte como normalmente faz de maneira dis tante e agressiva E também é falado da dificuldade de a avó permitir que Cláudia entre na relação especial de Maria e da neta e de reconhecer qualidades na filha para poder ser mãe de Amanda Mesmo que Cláu dia realize a tarefa com muita dificuldade a terapeuta elogia na sessão suas capacidades o que a faz se emocionar toda vez que se sente valorizada Cláudia ao ser convidada diretamente pela terapeuta para continuar vindo às sessões confirma seu desejo de poder cuidar da filha Vou vir Mas Maria rebate Duvido que venha Vai nada doutora Ela não quer cuidar dos filhos Ao longo das sessões a terapeuta foi trabalhando as mudanças nas representações internas de cada integrante da família por meio do exame das distorções e atribuições negativas que faziam uma da outra A continência e a capacidade de rêverie da terapeuta permitiram a elaboração do conflito entre elas possi bilitando uma relação menos conflituosa entre Maria e Cláudia ao mesmo tempo que Amanda pôde aceitar mais a proximidade da mãe como um objeto menos persecutório Houve momentos em que Cláudia reclamava de dor no abdome na cabeça e na perna Mais de uma vez sentiuse mal na sala de espera falta de ar sensação de desmaio Não era incomum nesses momen tos a terapeuta observar a avó calma entrando com Amanda no colo como se nada estivesse acontecendo com Cláudia Em uma dessas ocasiões disse Isso é frescura doutora Ela quer chamar a atenção Por duas vezes a terapeuta abriu a porta observando a equipe de enfermagem à volta de Cláudia oferecendo atendimento Nessas situações a terapeuta buscava a mãe para a sessão confirmando que acreditava nas suas capacidades e entendia a comunicação de Cláudia como um pedido de cuidado Maria seguia desvalorizando e não entendendo a filha Sempre foi assim adora um médico tá sempre pedindo para ir à emergência Já fez tudo que é exame e dá tudo bom os médicos sempre a liberam e dizem que não tem nada Eu tenho um monte de coisa para fazer ela me faz perder tempo sou obrigada a ir jun to porque se não ela some e usa droga Puxou o pai Cláudia queixase de não ser entendida por Maria A mãe acha que minto que tenho dor A terapeuta segue traduzindo as ansiedades da sessão Mas acho que a Cláudia está querendo comunicar que quer a senhora perto dela Em outra sessão a terapeuta percebe uma comunicação de Amanda traduzindo o estado mental da menina para ambas mãe e avó Após Cláudia referir que gostaria que a mãe conversasse com ela e lhe des se mais atenção Maria se irrita e responde rispidamente Eu que cuido dos teus filhos cuido sozinha da casa cozinho não tenho ajuda Que mais tu quer Cláudia enche os olhos de lágrimas Durante o diá logo Amanda permanece brincando quieta e sozinha no chão Sempre traz uma bonequinha de casa às consul tas e na caixa de brinquedos do HCPA há outra boneca semelhante Quando Maria questiona Cláudia ris pidamente Amanda se levanta com uma bonequinha embaixo de cada braço para na frente da avó e fica embalando as duas bonecas A terapeuta diz Está vendo vó Acho que a Amandinha entendeu antes de Psicoterapia de orientação analítica 747 Continuação todo mundo Está nos dizendo que a senhora tem que dar colo para as duas bem como ela está fazendo com as bonequinhas Cláudia sorri para a filha que por sua vez corresponde Pela primeira vez a tera peuta observou tal interação Maria se emociona A avó a mãe e a bebê seguiram vindo às sessões O tom afetivo das consultas foi se modificando a mãe mais interessada na filha e a avó estimulando tarefas para serem realizadas por Cláudia Após cinco meses de acompanhamento o vínculo entre Cláudia e a bebê segue melhorando bem como a relação entre Maria e Cláudia Amanda já veio a uma consulta somente com a mãe ambas brincam e in teragem melhor Agora Cláudia dá banho sozinha em Amanda troca fralda faz dormir está abstinente de drogas há cinco meses Se Amandinha está resfriada Cláudia vem sozinha à consulta fala emocionada que Amanda a chamou de mãe pela primeira vez A avó começa a reconciliarse com a filha e a reconhe cer suas capacidades A Amandinha agora quer que a mãe dê mamadeira quis dormir com a mãe eu deixo elas sozinhas em casa ela fica tranquila Antes eu não tinha sossego para nada Acho que pegou gosto de cuidar da filha Mais adiante diz a avó Mas ela tem que saber que eu quem cuidei dela até agora A terapeuta trabalha o ciúme da avó e sua dificuldade de abrir mão da função de cuidadora exclusi va Fala por Amanda Não fica assim vó tu que ajudou a mãe a cuidar de mim tu que leu história deu atenção para ela por isso ela melhorou comigo Tu além de me cuidar me ajudou a ter a mãe de volta Em outra sessão evidenciase o trabalho da terapeuta buscando ajudar nas novas representações das três gerações Enquanto Amanda brinca com um kit de médico coloca o estetoscópio no ouvido e aus culta o coração da mãe e viceversa A terapeuta destaca como todas estão mais próximas e afetivamen te bem A partir de então Amanda pega o estetoscópio brinca de auscultar o coração da mãe e da avó e em dado momento coloca o estetoscópio na avó e a campânula no coração da mãe A terapeuta interpreta o comportamento de Amanda Vó acho que a Amanda está dizendo que você ouviu o coração da mãe deu atenção para Cláudia e ela aprendeu a cuidar da Amanda Isso leva a uma resposta emocional positiva da mãe e da avó na sessão Com certeza os fantasmas de uma infância subtraída e as exigências de adulto de Maria assolaram o quarto de Cláudia de Amanda e de seus irmãos Com uma maternagem continente e suficientemente boa exercida pela terapeuta em relação a Maria a Cláudia e a Amanda de forma gradual outra história mais saudável poderá ser construída para essa família Idade préescolar peculiaridades A criança préescolar está em uma faixa que vai dos 3 aos 6 anos Ainda é chamada préescolar embora a maioria das crianças dessa idade já esteja envolvida em cenários escolares devido às mudanças sociocultu rais que afetaram o papel da mulher desde o final do século XX65 A criança deixa de ser um bebê suas capacidades se desenvolvem rapidamente adquire autonomia crescente mas ainda mantém dependência dos pais ou dos cuidadores É um momento em que o desabrochar das múltiplas e complexas aquisições das fases anteriores torna a crian ça muito rica em expressar sua personalida de cada vez mais peculiar e única66 Yanof47 considera que as crianças préescolares estão na melhor época de seu desenvolvimento para usufruir de brin cadeiras imaginativas 748 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em relação à POA a riqueza do mundo de fan tasia que a criança vive favorece a riqueza de sua expressão no setting por meio do brincar ou das dramatizações nas quais desempenha papéis que representam identificações com os pais com heróis princesas e monstros que ha bitam seu mundo interno A observação da evolução do brin quedo de autocentrado e paralelo para uma forma mais regrada e cooperativa que irá prevalecer na latência vai se tornan do possível na terapia permitindo que se identifique como a criança evolui O mesmo ocorre com os padrões de relacionamento partindo do diádico pré edípico à triangulação edípica quando a criança tem de lidar com sentimentos de ciúmes competição e culpa e oscila entre sentimentos e fantasias amorosos e des trutivos O pensamento predominante mente mágico e onipotente aliado a um superego incipiente contribui para a trans parência com que mostra seus conflitos Seus afetos se expressam mais pela conduta e pelo brincar47 do que pela verbalização ainda não totalmente desenvolvida A intensa imaginação do préescolar aliada a uma ansiedade aguda possibilita importante acesso ao seu inconsciente re sultando em um grande impulso no pro cesso psicoterápico Apesar da confronta ção com a problemática edípica é comum que persistam ansiedades relacionadas a um cunho diádico havendo também ele mentos libidinosos e agressivos de carac terísticas orais e anais A criança utiliza defesas mais primitivas em momentos de regressão Outro aspecto é a qualidade fó bica dos mecanismos de defesa predomi nantemente utilizados e responsáveis pelo surgimento de medos tão comuns nesse período Se tais manifestações não são in tensas e constantes podem ser compreen didas como decorrentes dos conflitos pró prios da idade A POA baseiase no trabalho com o paciente no relacionamento transferen cial à luz de sua história passada e de seus relacionamentos externos67 Seu mun do interno povoado por conflitos com os objetos primários será reeditado nas ses sões de terapia É necessário o conhecimen to do desenvolvimento normal e patoló gico esperado na criança préescolar A visão da normalidade portanto representa um norte que capacita e auxilia o terapeuta a refinar sua técnica68 O nível de desenvolvi mento da criança será a baliza que orientará o terapeuta quanto à forma de comunicação e entendimento de seus conflitos Ainda que o brincar possa ter um significado claro para o terapeuta é im portante não tratar esse material como um comunicado direto dos pensamentos da criança pois para ela o fundamental do brincar é o faz de conta Mesmo na latência a criança precisa usar a brincadeira sem a intromissão do terapeuta Assim é essencial perceber o momento oportu no das intervenções para a evolução do proces so psicoterápico47 É necessário que a criança entenda e esteja afetivamente receptiva para o que está sendo comunicado Não se deve es perar uma resposta verbal embora possa ocorrer As peculiaridades inerentes ao estágio de evolução da criança sobressaem nessa situação com predomínio de dra matizações que simbolizam a resposta à inter pretação Pode ser significativa uma mudança brusca de brincadeira é impor tante atentar para o conteúdo latente ou uma reação física agitação ou quietude e introspecção Tais manifestações equiva Psicoterapia de orientação analítica 749 lem à associação livre do adulto É possível também se observar uma resposta mais re gressiva como tentar sair da sala para re ver a mãe que estaria sendo atacada na fantasia O uso da linguagem apropriada e o timing da interpretação aliados a uma ati tude de empatia neutralidade e respeito pelo paciente possibilitam a continuidade e a evolução do processo terapêutico Em contrapartida a confrontação súbita com algum aspecto mais defendido só incre menta as defesas68 contrariamente ao que se quer ou seja demovêlas O trabalho com crianças nessa faixa etária é bastante prazeroso Porém o tera peuta deve estar atento aos sentimentos contratransferenciais que podem leválo a oferecer gratificações excessivas ao pa ciente Idade escolar peculiaridades O período escolar vai dos 6 aos 12 anos ou ao início da puberdade Caracterizase por uma aparente parada da sexua lidade substituição dos sentimentos sexuais pelos de ternura onde havia sentimentos eróticos aparecem então aspirações morais e estéticas69 A latência surge como resultante do declínio das ativi dades prégenitais e do complexo de Édipo A repressão a formação reativa e a sublimação seriam os mecanismos predominantes desta etapa do desen volvimento69 Para Winnicott70 o escolar se caracteriza por uma silenciosa vida imaginativa devido à for te tendência à repressão e à mobilização de im portantes defesas contra seus impulsos se xuais agressivos Urribarri71 considera a latência como um momentochave na organização psí quica muito ativa rica e com uma dinâmi ca especial no qual ocorre um verdadeiro trabalho psíquico Entre várias caracterís ticas descreve a crescente capacidade do ego no controle das tendências regressivas e o aumento da capacidade simbólica do pensamento e da linguagem verbal gráfica ou corporal No entanto também assinala redução no uso da linguagem corporal em favor de expressões verbais Em seu funcio namento passa a predominar o princípio da realidade Um tipo de reação contratransferen cial frequente às defesas da linha obsessiva se manifesta nos sentimentos de tédio can saço e até mesmo sonolência do terapeuta pois os desenhos ou as brincadeiras podem ser tão bem elaborados e esmerados que demandam quase todo o tempo da sessão O tipo de brincadeira escolhido pela crian ça dará pistas sobre sua maneira de ser agir e pensar em suma sobre o funcionamento do mundo interno dos conflitos das fan tasias e dos sentimentos Brincar com os bonecos de uma família por exemplo po de representar a maneira como o paciente se relaciona com pais e amigos havendo a possibilidade de verbalizações conco mitantes Ao longo dos jogos a criança pode burlar regras no intuito de enganar ou irritar o terapeuta a fim de obter uma resposta agressiva por parte dele Tal pro vocação pode estar relacionada à competi ção edípica e à busca de punição devido a fantasias de caráter incestuoso É comum a criança considerar as brincadeiras imagi nativas como infantis ou temer sua força regressiva o que reforça a busca por jogos estruturados para evitar a expressão de sentimentos mais conflitantes e inaceitá veis47 Em poucos momentos há um abran damento dessas defesas tão bem organiza 750 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs das possibilitando ao psicoterapeuta maior acesso ao inconsciente de seu jovem pa ciente Winnicott70 afirma que a associação livre é vivenciada pelo escolar como amea ça à organização de seu ego e é disso que se defende arduamente Quanto menor for a criança mais tempo se ocupará com jogos e desenhos Não deve haver a exigência de que o paciente se manifeste verbalmente pois em diversas situações a criança em idade escolar opta pelo brinquedo ou pe lo jogo como resposta às interpretações A intransigência do terapeuta pode levar a um aumento das defesas e das resistências retardando o processo terapêutico O esco lar se expressa melhor quando não se sente pressionado Assim como na fase anterior a POA com uma criança na idade escolar ainda se vale de jogos desenhos e brincadeiras Todavia agora a capacidade crescente de verbalização contribui para que a criança descreva momentos vivenciados na escola e em suas atividades diárias assim como seus problemas e preocupações Também o interesse pela literatura infantojuvenil ser ve como fonte externa de material da fan tasia infantil e contribui para a expressão dos conflitos da criança pois a literatura infantil possibilita uma fonte de fantasias que podem ser compartilhadas sem culpa auxiliando na elaboração da conflitiva edí pica individual69 Preocupações a respeito da sexuali dade podem aparecer Não é incomum a interrupção da psicoterapia nessa etapa da vida da criança por não se conseguir uma cooperação consciente Como sempre é fundamental a aliança terapêutica não só com o paciente mas sobretudo com os pais A entrada na escola para a crian ça significa iniciar um mundo novo que possibilitará a aquisição de novos conheci mentos indispensáveis a seu crescimento A separação que ocorre no início do pe ríodo escolar constitui uma difícil tarefa Não ocorre apenas a separação do grupo fa miliar mas também a exigência de de sempenhar novas tarefas até então inexis tentes A adaptação escolar dependerá da integração da criança junto a seus pares Nessa faixa etária a criança que não gosta de aprender que não brinca e que não procura ou não é procurada pelos colegas e amigos chama a atenção para a necessidade de uma avalia ção emocional Com frequência são as escolas que levantam a necessidade de atendimento mesmo naquelas crianças que demonstram um bom rendimento curricular mas que podem apresentar dificuldades na esfera social ou problemas de conduta CONSIDERAÇÕES FINAIS Mesmo que por muitos anos a teoria psi canalítica e a psicoterapia psicodinâmica tenham exercido um papel fundamental na teoria e na prática da psiquiatria da infância e da adolescência nas últimas três décadas houve a necessidade de compartilhar es paço com outras abordagens terapêuticas A ascensão dos modelos de tratamento neu robiológicos juntamente com a demanda para tratamentos de maior brevidade e me nores custos estimularam a busca de alter nativas ao tratamento dirigido ao insight72 Nos dias atuais os terapeutas de orientação psicanalítica trabalham de for ma pragmática e flexível em conjunto com outras abordagens incluindo a terapia de família a terapia comportamental a psi cofarmacologia intervenções na escola e assim por diante Psicoterapia de orientação analítica 751 Com base em revisão sistemática de estudos de POA com crianças e adolescen tes73 Kaye72 descreve conclusões que não só são compartilhadas pelos autores deste capítulo como também podem resumir seus pontoschave indicados a seguir AGRADECIMENTOS Às colegas psiquiatras Marta Knijnik Lu cion e Cíntia Vasquez Cruz Heidemann residentes do Serviço de Psiquiatria da In fância e da Adolescência em 2012 e 2013 que gentilmente disponibilizaram infor mações sobre o caso clínico atendido no Ambulatório PaisBebês do HCPA À psicanalista Maristela Priotto Wen zel supervisora voluntária do Ambulatório PaisBebês pela dedicação e competente supervisão do caso clínico E à professora Regina Bassols pela re visão gentil e atenciosa do português PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Há evidências que apoiam a efetividade da POA em crianças e adolescentes 2 Crianças com transtornos internalizantes tendem a responder melhor à POA enquanto os transtornos externalizantes requerem maior intensidade de tratamento para que este seja efetivo 3 Crianças mais jovens respondem de modo mais favorável do que crianças mais velhas e adolescentes e frequências suficientes de sessões devem ser estabelecidas para produzir resultados positivos 4 Crianças com transtornos da conduta transtornos psicóticos transtornos de receptividade de lingua gem com comprometimento intelectual atraso mental e transtorno autista apresentam respostas limitadas ao tratamento 5 O típico bom paciente neurótico alto funcionamento ou crianças menos comprometidas responde bem tanto ao tratamento de menor frequência quanto ao tratamento psicanalítico de quatro sessões por semana 6 Pacientes mais comprometidos borderline com prejuízo multidimensional podem necessitar de uma frequência maior de sessões semanais para alcançarem resultados positivos 7 Alguns estudos sugerem que padrões de melhora podem revelar um efeito adormecido latente pelo qual os efeitos positivos contínuos advêm após o tratamento ter sido encerrado 8 Seja qual for a abordagem a compreensão e a formulação psicodinâmica dos sintomas do paciente se mantêm fundamentais na orientação ao tratamento REFERÊNCIAS 1 Eisenberg L The past 50 years of child of and adolescent psychiatry a personal me moir J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 20014077438 2 Freud S A análise de uma fobia de um me nino de cinco anos In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 10 p 13154 3 Freud A Introdução à técnica da análise de crianças In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1971 v 1 p 1986 4 Zavaschi MLS Bassols AMS Bergmann DS Costa FMC Abordagem psicodinâmica na infância In Eizirik CL Aguiar RW Sches 752 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tatsky S Psicoterapia de orientação analí tica fundamentos teóricos e clínicos 2 ed Porto Alegre Artmed 2005 p 71737 5 Freud S Além do princípio de prazer In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 18 p 1385 6 Zavaschi MLS A psicanálise e a psiquiatria infantil e de adolescentes Rev Psiquiatr RS 199618335160 7 Klein M Fundamentos psicológicos del aná lisis del niño In Klein M El psicoanálisis de niños Buenos Aires Paidós 1974 Obras completas v 2 p 13546 8 Von HugHellmuth H On the technique of childanalysis Int J Psychoanal 19212287 305 9 Winnicott DW Teoria do relacionamento pa ternoinfantil In Winnicott DW O ambien te e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional Por to Alegre Artes Médicas 1983 p 3854 10 Winnicott DW Objetos transicionales y fe nômenos transicionales In Winnicott DW Realidad y juego Buenos Aires Granica 1972 p 1745 11 Anthony EJ A brief history of child psycho analysis introduction J Am Acad Child Psychiatry 1986 251811 12 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a tendência na geração dos adultos desfazer diferenças A dificuldade na aceitação da passagem do tempo e das perdas inerentes com diluição de valores e reconhecimento da identidade de cada um e consequente confusão de papéis por parte dos adultos é uma marca de nosso tempo A idealização da condição adolescente e a privação das diferenças entre as gerações como modelo de organização psíquica são a consequência O desprestígio que vêm sofrendo os modelos reflexivos que privilegiam a progressão lenta e dolorosa rumo às aqui sições com a necessidade de espera para gratificações em contraste com os modelos de gratificação instantânea e descartável é objeto de preocupação da psicanálise e de várias ciências humanas A busca de iden tificações imediatas por meio de adições e perversões e megalomaníacas pelo uso da moda com siglas marcas e tatuagens con figura o que Cabanne1 descreveu como a dinâmica do instante Os interlocutores do adolescente de nossos dias compreendem parceiros tele visivos e internáuticos que veiculam va lores e noções de sexualidade banalizados e distorcidos oferecendoos como mode los reais de estruturação de relações São modelos representativos da mudança de uma concepção de sexualidade vinculada à repressão para outra ligada à liberaliza ção em que noções de limites privacidade e intimidade são desprestigiadas Valores 43 ABORDAGEM PSICODINÂMICA NA ADOLESCÊNCIA Alice Becker Lewkowicz Gisha Brodacz 756 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs como capacidade de espera postergação de prazeres e afetos paciência e tolerância ce dem terreno para modelos de gratificações imediatas dos desejos descargas instantâ neas dos desprazeres e trocas imediatas do desagradável pelo agradável do difícil pelo fácil A tolerância para a frustração vem se hipotrofiando e a onipotência se hipertro fiando A capacidade para a depressão cede espaço para funcionamentos maníacos e ilusórios2 É nesse contexto sociocultural que o adolescente atual terá de se incumbir da delicada tarefa de elaboração das duas principais questões dessa fase evolutiva a a reatualização edípica por meio da ressig nificação do Édipo infantil à luz do erotis mo genital gerado pelo amadurecimento físico e o estabelecimento da identidade se xual e adulta autônoma dos objetos origi nais b muito especialmente desenvolver sua capacidade simbólica3 Ao descrever a adolescência como o segundo processo de individuação Blos4 enfatiza esse período como um marco tão crucial quanto o que Mahler5 apontou no desenvolvimento infantil A gama de even tos e fenômenos envolvidos nesse processo abrange indissociavelmente adolescente e família Fatores relacionados a transgene racionalidade foram estudados por vários autores69 e considerados centrais na for mação da identidade incluindo a sexual Kancyper10 ao estudála na psicanálise de crianças e adolescentes acentua o fato de a história do adolescente nascer antes do seu nascimento Existe uma ordem simbólica ordem lógica que precede seu nascimento cronológico Esta ordem é o lugar que ocupa o filho na fantasmática indivi dual em cada um dos progenitores e no casal lugar que estará determina do em relação com o sistema narcisis ta da mãe e do pai e que se plasmará em uma representação será o repre sentante narcisista primário do desejo inconsciente da mãe e do pai e assim se manterá a homeostasia narcisista da situação do meio familiar MUDANÇAS CORPORAIS INAUGURAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA E REATUALIZAÇÃO EDÍPICA A adolescência constitui uma nova etapa libidinal na qual se alcança pela primei ra vez a identidade genital como fenô meno psicológico e social11 A puberdade tem início com o incremento da atividade hormonal e costuma ocorrer entre 9 e 14 anos Compreende a fase do desenvolvi mento em que a relação físicopsíquica fica mais evidente correspondendo ao início da adolescência A puberdade torna o cor po apto para a realização de fantasias As grandes e súbitas transformações corporais produzem profundas mudanças na natu reza das relações objetais na intensidade dos impulsos e no equilíbrio narcísico do self12 A imagem corporal previamente for mada sofre intenso desequilíbrio ao surgi rem impulsos e fantasias reprimidos sendo comuns como consequência ansiedades de estranheza ou fragmentação O levanta mento da repressão torna onipotente a fan tasia o que gera um efeito potencialmente traumático para a psique1314 Com as mudanças hormonais que promovem a primazia genital reatualizam se desejos préedípicos e edípicos aos quais o adolescente tem de renunciar voltandose para a conquista do objeto exogâmico e mo nogâmico substituindo as fantasias inces tuosas e de bissexualidade O adolescente defrontase com a realidade de suas limi tações seu desamparo incompletude dife Psicoterapia de orientação analítica 757 renças o que constitui uma batalha narci sista que afeta todas as instâncias psíquicas ego superego ideal de ego e ego ideal as quais necessitam ser reestruturadas15 Assim a reestruturação do superego terá grande significado nesse momento já que o tabu do incesto deve ser restabelecido ao mesmo tempo que a se xualidade exogâmica necessita ser permitida Enquanto na infân cia a responsabilidade por conduta regras e proibições ficava ao encargo dos pais nesse momento é o adolescente quem precisa as sumir tal função As alterações no nível do ego são tam bém significativas Quando Freud16 des creveu o ego como sendo antes de tudo corporal não simplesmente uma entidade de superfície mas a projeção de uma su perfície definiu o corporal não como cor po anatômico mas como a imagem corpo ral configurada por permanente tarefa de construção11 Harmonizar a imagem que integra a contra dição entre um corpo biológico que de repen te amadurece e uma mente ainda infantil em meio a angústias ante o desconhecido e fre quentes sentimentos de despersonalização passa a ser tarefa essencial da adolescência O impacto gerado pela perda do cor po infantil associado à incompatibilidade das novas imagens é fonte importante de angústia e de árdua elaboração nessa fase como bem descreve Adriana que viven ciou sua menarca de forma catastrófica quando tinha 13 anos Não sabia que merda era aquilo não sabia de onde vinha aquele sangue achei que ia morrer Eu me enchia de papel higiênico roupas largas e apa vorada ia para o colégio Depois de três dias a mãe me perguntou se eu estava menstruada Não sabia o que queria dizer com aquilo Respondi apenas que estava sangrando Nesse sentido o conceito de Freud17 sobre o a posteriori après coup descreve essa tarefa com propriedade101118 ao con siderar os novos fenômenos psíquicos den tro do processo de ressignificação retroati va Na adolescência em virtude das novas condições processase uma reorganização ou reinscrição da história pessoal de cada um quando novos tipos de significados são buscados por meio da reelaboração de experiências anteriores O princípio do a posteriori pressupõe um tempo em con tínua reelaboração compreendendo uma concepção psicanalítica em que a história de cada um não é vista como destino imu tável préfixado e linear mas passível de ser reorganizada e ressignificada conside rando o indivíduo como agente ativo dessa transformação1119 Assim podese ampliar a constata ção de que mudanças corporais nessa eta pa constituam com frequência fatores or ganizadores da vida psíquica do adoles cente em vez de desorganizadores Ainda que as rupturas e as perdas dessa fase sejam dramáticas para muitos adolescentes con figuram uma oportunidade de ressignificar um corpo infantil vivido como desvalido ou capacidades pessoais tidas como incer tas O novo contexto descortina um mun do de descobertas de novas habilidades no âmbito intelectual cultural e esportivo e de novos e diversos modos de relações e gratificações Como acentua Urribarri18 as modificações corporais são substituídas por maturação e crescimento puberal que também são desejados e vividos como ga nhos O adolescente é visto dentro de um processo evolutivo de mudança ele dese ja o novo tentando obtêlo e exercitálo ainda que isso lhe custe abandonar o in fantil 758 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE ADULTA Na adolescência a questão das relações ob jetais passa para o primeiro plano e suas variações influenciam o desenvolvimen to psicológico das diferentes fases dessa etapa15 A tarefa central de estabelecer uma identidade adulta autônoma e inde pendente dos pais constitui um processo complexo e paradoxal O objeto ao mesmo tempo que é necessitado é também recusa do justamente porque existe a necessidade dele Jeammet1314 enfatiza a necessidade do adolescente a partir do amadurecimen to físico de conjugar a vida pulsional ligada aos pais com a autonomia que até então podiam andar separadas Ressalta o efeito que tal conjugação tem de exacerbar e con flituar a apetência objetal já que agora está voltada para a satisfação de necessidades pulsionais Estabelecemse dessa forma necessidades de tipo narcisista que bus cam assegurar a completude do indivíduo reforçar sua identidade e preencher suas faltas O autor acentua o quanto as carên cias narcisistas precoces reforçam a neces sidade objetal conferindolhe um poder antinarcisista aumentando seu papel ex citante e sua sexualização Assim quanto mais sólidas forem as interiorizações an teriores menos intenso será esse efeito de conjugação A sexualização puberal dos vínculos poderá então efetuarse sem compromisso narcísico maior e sem con flito excessivo Para que o processo de separação do objeto seja possível não sendo sentido co mo perda excessiva ou destruição é neces sário ter suficiente reserva objetal internali zada e portanto sentila como constituinte de si mesmo Se as aquisições interiorizadas não forem sólidas tenderão a ser ameaça das diante de novas relações dificultando não só o intercâmbio de introjeções e pro jeções frutíferas como também a autoriza ção de um espaço de liberdade para ambos os lados A tendência do adolescente será a de compensar o que falta em seu mun do interno por relações de adesividade ou de indiferenciação com objetos do mundo exterior fenômeno frequentemente pre senciado nessa etapa A gravidez comum entre adolescentes constitui expressão viva dessa expectativa fantasiosa de reencontrar a condição idealizada da mãe com um be bê indissociados e inseparáveis promessa de felicidade nirvânica e preenchedora do sentimento de vazio e depressão Diante do excesso de presença ou de ausência do objeto a criança vêse obriga da a viver sua impotência para a aquisição da diferenciação buscando soluções para isso Stoller78 Blum9 e McDougall2021 es tudaram os efeitos dessa questão na forma ção da identidade sexual revelando a inti midade do interjogo dos relacionamentos adesivos ou ausentes na relação em espe cial mãefilho na formação de neossexua lidades ou sexualidades aditivas Lembra McDougall21 que para se ter um sexo e um sentimento de identidade sexual é ne cessário antes de tudo ter um corpo e uma existência individual A adolescência concentra ao mesmo tempo a oportunidade e a finalidade de adquirir um cor po e uma identidade separada constituindose um revelador de pontos de fratura potenciais em si e nos pais Um novo corpo em cena A busca de sensações e emoções costuma ser promovida por ações de risco ou des trutivas que resultam da precariedade e da Psicoterapia de orientação analítica 759 ambivalência com os objetos da infância Nesse caso as sensações são buscadas com o objetivo de evitar sentimentos catastrófi cos de vazio ou desintegração constituin do fonte interna de uma excitação faltante garantindo a equivalência de uma presença e de um sentido de ser alguém13 Essa di nâmica está muitas vezes na origem dos comportamentos violentos que buscam restabelecer fronteiras e diferenças neces sárias para a manutenção de uma coesão interna diferenças entre dentro e fora eu e outro e a tentativa de encontrar um senti do de si mesmo3 Desidentificação A adolescência compreende a etapa em que as antigas vertentes identificatórias vão se plasmar oportunizando uma derradeira chance para sua ressignificação por meio do a posteriori O processo de desidentifi cação portanto adquire grande significado na formação da identidade À medida que o adolescente revisa padrões estabelecidos para formar as próprias opiniões ideias e ideais renuncia ao que até então consti tuiu sua fonte de segurança suas identifi cações parentais e a internalização de um ideal de ego que estava ainda ligado ao ob jeto incestuoso101119 O processo implica a busca de delicado equilíbrio entre o que necessita ser deixado e o que precisa ser mantido Essa dinâmica está claramente evi denciada por Olenca 16 anos quando traz escrito em uma folha o seguinte material pedindo ajuda à terapeuta para conectar as ideias ali contidas Quarto tão bagunçado cheio de coi sas não consigo organizálo caixa vermelha com objetos não consigo colocálos fora apego ao passado vou esquecer se colocar as coisas fora os pertences mandam em mim Revistas velhas relidas diversas vezes como se não conseguisse aprender o que elas ensinam presa às coisas velhas não dou espaço para as novas cosméticos alívio quando termina o estoque an siedade para que termine e possa com prar novo ao mesmo tempo pena por perder aquele sempre guardar e não usar perfumes papéis de carta figuri nhas para que ter se NÃO usa Vonta de e ao mesmo tempo medo de se li vrar dessa tralha toda e poder voltar a ter um quarto aconchegante e agradá vel com espaço para o novo dar mais espaço para eu mesma e menos para as revistas velhas e suas dicas medo de rejeição namorado a outra dando em cima sentime inferiorizada me iso lei fiquei com ciúmes mas não rea gi acheime feia e chata mas não sa bia COMO mudar Ao mesmo tempo quando era criança pensava que iria lembrar da adolescência como uma fase de festas namorados amigas e não como uma fase de dúvida medo tristeza brigas com a mãe e o irmão quarto bagunçado A FAMÍLIA E O GRUPO DE IGUAIS A desidealização do self e das figuras parentais na busca de ideais novos em si mesmo e em novas figuras é no entender de Blos22 a tarefa mais penosa da adolescência Contudo ainda que seja fonte de dor psíquica e desequilíbrio é também o que possibilita o confronto de gerações con dição necessariamente presente no estabe lecimento da identidade individualizada Esse é um processo vivido ao mesmo tem po pelo adolescente e por seus pais que a partir desse momento perdem seu status 760 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs idealizado perante o adolescente neces sitando também confrontarse e desfazer se de ideais e fantasias com o próprio filho Em certa medida o filho sempre representa para cada um dos pais uma projeção e exten são de uma parte de si próprios olhamno de acordo com o que são o que foram o que dese jariam ter sido ou o que não gostariam de ser Em maior ou menor grau esta belecem sua relação de acordo com es ses ideais fantasias e conflitos pessoais Quando as necessidades narcísicas dos pais estão associadas a questões com a própria identidade o filho passa a ser solicitado para cumprir diferentes pa péis marido mulher mãe pai irmão Corresponde na fantasia dos pais a um objeto reassegurador para seus medos e angústias e preenchedor de suas lacunas e carências Nesses casos com frequência deparamonos com a impossibilidade dos pais de suportar e permitir o processo de individuação do filho Quando questões ligadas à própria adolescência indepen dência conflito edípico ansiedades com o próprio corpo e fenômenos puberais emergência da sexualidade não foram devidamente elaboradas a seu tempo a adolescência do filho funcionará como uma bombarelógio com poder de fazer eclodir processos e conflitos latentes na vi da psíquica de cada um dos genitores O contraste entre o aumento da força e da sexualidade do adolescente e o declí nio dos pais gera nestes sentimentos de perda e depressão Mobilizados tanto pela tentativa de abortar nos filhos adolescen tes um processo que promove sentimen tos dolorosos e não raro catastróficos de abandono e perda como pela expectativa de reviver uma adolescência não vivida e ainda idealizada os pais têm reações que compreendem uma extensa gama de ma nifestações desde inveja competição ciú mes até estímulo precoce e inadequado da independência sexualidade e anulação de limites Assim as feridas narcísicas dos pais reabertas no a posteriori10 podem im pedir o reconhecimento das reais necessi dades do filho adolescente E este mais do que nunca precisa do entorno para enco rajarse e adquirir confiança na capacidade de formar novas relações objetais Sem essa ajuda os adolescentes têm dificuldade de ultrapassar a dependência regressiva liga da ao apego aos objetos originais23 e com frequência buscam saídas por meio de al terações de conduta perdas de limite ou acentuação do oposicionismo Tais condutas configuram tentativas de solucionar os impasses gerados pelo embate entre as contradições no mundo interno do adolescente e o dos pais com respeito à individuação A exacerbação do oposicionismo manifestação esperada no sujeito que trata de se individuar da nificao como qualidade de recurso egoico essencial ao processo de crescimento tanto para a criança pequena lenfant térrible dos 2 anos como para o adolescente Am bos com o antagonismo apoiamse nos adultos aos quais se opõem sem ter que to mar consciência desse apoio preservando seu narcisismo e sua autonomia pela afir mação de suas diferenças1314 Kaplan23 destaca como o adolescente se distancia e define a si próprio em opo sição aos pais tende a negar a contínua necessidade de limites e apoio da matriz familiar podendo obscurecer o reconheci mento do seu papel essencial Lembra que o crescimento psicológico é resultado de crença inata no desenvolvimento matura cional interagindo com estruturas psíqui cas menos desenvolvidas e integradas em contato com a psique mais desenvolvida Psicoterapia de orientação analítica 761 dos adultos sendo tal integração portanto essencial para os adolescentes Winnicott24 ao referirse à necessidade de os pais sobreviverem à adolescência dos filhos enfatizou a fundamental tarefa de tolerância e suporte ao seu turbilhão emocional além do desafio contido no enfrentamento de uma con dição crítica oposicionista e que tenta burlar limites com vigor Ritvo citado por Kaplan23 ao afirmar ser função da geração mais velha prover con tinuidade e manutenção de pa drões de valor e moralidade reafirma a con dição de sobre vivência e força o que não deve ser confun dido com inflexibilidade onipotente que os pais necessitam manter As relações com grupos de iguais configuram fator estruturante na vida psí quica do adolescente A complexidade ad vinda da irrupção da puberdade que gera isolamento e recusa da busca de conforto nos pais além do surgimento de impulsos inaceitáveis e assustadores preparam se gundo Kaplan23 o caminho para a passa gem para o grupo de iguais Isso configura condição central na procura de equilíbrio e segurança diante das mudanças desorgani zadoras bem como na busca de autonomia e conquista de identidade O surgimento de características sexuais secundárias cons titui interesse comum passando a ser sub metido à aprovação grupal que substitui a dos pais Ser aceito por eles ser um deles e ser popular entre eles são expectativas de grande significado12 A opinião do gru po sobre as características sexuais tornase desse modo base para a reação do ado lescente a elas favorecendo a melhora na baixa autoestima Nesse sentido a adesão a modas siglas e marcas adolescentes corres ponde a uma condição também esperada e desejável no processo de aquisição de uma identidade separada e oposta à geração dos pais Estes se estão em conformidade com seu período evolutivo se comportam de acordo com sua faixa etária propor cionando as diferenças necessárias para o confronto de gerações Do contrário cola boram para a instalação de confusão e di ficuldades para o estabelecimento de uma identidade autônoma A identificação com o grupo de iguais repre senta também a possibilidade de proje tar aspectos não tolerados em si frustra ções inseguranças depressão instabilidade e inconstância bem como um substituto do vínculo libidinal objetal regressivo propician do a transferência para o grupo da idealiza ção e da fidelidade aos objetos parentais com suas características onipotentes oniscientes e grandiosas Ao representar um padrão identifi catório em que inquietações e ansiedades semelhantes são compartilhadas o grupo adquire o poder de proporcionar um sen timento de unidade interna que contraba lança os sentimentos de divisão e confusão característicos dessa etapa Meltzer25 ao considerar a necessidade do adolescente de elaborar confusões e ansiedades resultantes das novas pulsões advindas das mudanças corporais e da dicotomia entre dependên cia versus autonomia geradora de senti mentos de solidão e desamparo descreve a existência de quatro comunidades pelas quais o adolescente transita a família o mundo adulto os adolescentes e o isola mento Levy26 sintetizou da seguinte forma o pensamento desse autor O adolescente na família segue o pa drão da latência aceitando o mode lo dos pais como seu modelo de vida 762 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs com experiências sexuais mínimas reproduzindo o esquema familiar que os pais lhe apresentaram O adoles cente no mundo adulto correspon deria às incursões pseudomaduras em que o jovem age como se fosse um adulto sendo que a força motivadora não seria o amadurecimento e a defi nição de objetivos mas a entrada rá pida e forçada na adultez para mos trar aos pais como se é um adulto A comunidade adolescente inicialmen te com o grupo homossexual de pú beres e posteriormente com o grupo de casais será o continente adequado para as ansiedades depressivas para noides e confusionais do adolescente O isolamento refúgio habitualmen te utilizado pelos adolescentes como forma de realizar o trabalho reflexivo e elaborativo da adolescência quan do se fixa como modo predominan te de funcionamento constitui o tipo psicopatológico mais grave São si tuações em que a desidealização dos pais foi intensa e abrupta sem con dições de transferir essa idealização a outro sistema política comuni dade de adolescentes levandoo a refu giarse em uma organização narcisis ta na qual se imagina autossuficien te capaz de construirse como se fos se pai e mãe de si mesmo Desenvolve uma megalomania tranquila e o sen timento de ter uma missão a cumprir no mundo Meltzer25 ao estabelecer limites entre normalidade e psicopatologia acentua que na primeira observamos um adolescente que transita de modo flexível entre essas quatro comunidades enquanto na se gunda se observa a fixação rígida em uma destas Kaplan23 destaca o quanto é co mum se observarse em adolescentes com psicopatologias mais graves incapacidade de buscar envolvimento com os iguais ou afastamento rápido destes Tais jovens são os propensos também a ligarse a grupos nos quais predominam rituais masoquis tas práticas transgressivas condutas de risco adições e atos automutilatórios que lhe conferem um sentido de pertencer e de ser alguém Meltzer25 refere que à medida que o adolescente começa a sentirse mais seguro com seu corpo e com seus impulsos as relações com os grupos tendem a arrefe cer e ser substituídas por relacionamentos diádicos com mais intimidade Só gradual mente os iguais são percebidos de modo mais real como separados e distintos e como indivíduos imperfeitos Também sa lienta ser comum que os adolescentes com maior comprometimento psicopatológico não tolerem a transição gradual dos mem bros do grupo homossexual para o grupo heterossexual SETTING AVALIAÇÃO E CONTRATO Ao discutirmos avaliação setting e contrato terapêutico de modo simultâneo preten demos destacar a interrelação dinâmica desses fatores desde o início da psicoterapia de orientação psicanalítica A psicoterapia na adolescência implica questões específi cas que se apresentarão desde os primeiros passos cuja compreensão é essencial para a qualidade do processo que se pretende iniciar Com quem realizar a primeira entrevista Com os pais Com o adolescente Com a família Qual o significado dos problemas apresentados configuram um quadro psicopatológico ou são manifestações esperadas nesse período do de senvolvimento Quando não há motivação para o tratamento indicado como proceder Como preservar o sigilo indispensável para o víncu lo terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 763 Antes de responder a essas pergun tas é necessário definir o setting na psico terapia com adolescentes Concordamos com Kancyper10 que sugere a ampliação do conceito de campo analítico27 no tra tamento de crianças e adolescentes nessas circunstâncias devemos incluir os efei tos que as fantasias inconscientes dos pais exercem na determinação da fantasia in consciente básica do campo que se cria na relação do adolescente com seu terapeuta Assim também no contrato conjunto de combinações que regem a relação terapêu tica os pais estarão envolvidos e inseridos no setting que se estabelecerá2829 A atenção ao estabelecimento do set ting deve estar presente desde o primeiro contato seja com o adolescente seja com sua família pois há qualidades da relação terapêutica que se não forem preserva das colocam em risco o acesso adequado e esperado até mesmo da própria avaliação Por isso destacamos a importância de esta belecer critérios adequados quanto ao sigi lo das informações recebidas Resguardar a privacidade do adolescente é nosso dever sem no entanto negligenciar a dependência que ainda tem da família a qual em condições de risco deve compartilhar os cuidados necessários Com exceção desse tipo de situação não revelamos aos pais assuntos veiculados pelo adolescente mas deixamos claro que o que for falado sobre o filho será compar tilhado com ele Amparamos essa conduta na necessidade de as famílias serem auxi liadas na luta pela autonomia do adoles cente que está sendo travada dentro do contexto familiar Com o estabelecimen to dessa regra do jogo já nos primeiros contatos poderemos observar aspectos es pecíficos do funcionamento da família e do adolescente quanto à restrição que o sigilo impõe e assim compreender a psicodinâ mica familiar ligada ao processo de indivi duação em andamento Essa proposta nos coloca como um personagem ativo já que nos dispomos a abrir um espaço reflexivo porém com delimitações que pretendem ser preservadas ao longo do processo Com isso temos que estar atentos para o risco tentador de estabelecer um conluio tanto com o adolescente quanto com os pais o que nos recolocaria em uma condição idea lizada onipotente e onisciente sem limites inclusive em nossas capacidades terapêu ticas O primeiro contato em geral é feito pelos pais do adolescente implicando a de cisão de quem virá primeiro A partir dos 16 anos costumamos receber primeiro o adolescente sozinho Quando são menores preferimos ver de início os pais Contu do a escolha quanto a quem virá primeiro pode variar segundo a preferência da famí lia do adolescente ou do terapeuta Alguns preferem pelo menos uma entrevista com toda a família para observar a interação Essa decisão está calcada no reconhecimen to dos diferentes níveis de independização que supostamente estaria relacionada com a idade No entanto o critério etário nem sempre é tão objetivo já que existem variáveis subjetivas que não correspondem ao esperado30 Até aqui estamos nos ocupando de situações em que os possíveis interessa dos estão desejando nosso auxílio Mas há também pais que nos procuram sem a aquiescência do filho ou adolescentes desesperados que se mobilizam sem que os pais tenham percebido seu sofrimento Nessas circunstâncias há particularidades que deverão ser abordadas em suas espe cificidades mas sem perder de vista que a recusa em se dispor a pensar sobre o so 764 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs frimento percebido está relacionada a um funcionamento calcado em dissociações que dessa forma serão mantidas Por isso nossa intervenção não pode perder de vis ta o restabelecimento da comunicação no âmbito familiar Restabelecida a interação com a famí lia dentro da regra do jogo proposta como avaliar os problemas apresentados É decisivo o conhecimento da psicodi nâmica da etapa da adolescência que está sendo enfrentada pelo paciente em ava liação Contudo devemos estar cientes de que mesmo conhecendo as vicissitudes da etapa o contato emocional com diferentes apresentações ou desfiguramentos do que esperamos gera com frequência desorien tação na mente do terapeuta que necessita ser tolerada Quando nos percebemos desejosos de defini ções diagnósticas imediatas pressionados tanto por razões internas quanto externas devese ter cautela já que podemos nos sentir atraídos por falsas soluções24 que não pas sam de atalhos iatrogênicos no longo caminho de construção de identidade que nosso pacien te está buscando Assim brigas intensas podem reve lar apenas uma momentânea exacerbação de conflitos de uma adolescência que vem cumprindo sua trajetória na psicodinâmi ca do desenvolvimento do adolescente e de sua família Em contrapartida entrosa mentos aparentemente harmônicos podem encobrir a consolidação de pseudomaturi dades que representam o colapso da real tarefa adolescente denunciando as dificul dades diagnósticas nessa fase Por exemplo os pais de Martha 16 anos procuraram avaliação porque per ceberam que há seis meses a filha vinha preocupada demais com sua dieta e peso Temiam que pudesse estar com anorexia Estavam surpresos pois a filha nunca apre sentara problemas ao longo do desenvolvi mento nem mesmo nos últimos anos na adolescência período em que os filhos costumam dar muito trabalho Faziam questão de enfatizar o quanto a paciente era apegada à família Nas entrevistas com Martha ficou evidente que a sintomatolo gia correspondia a um quadro de anorexia em andamento E como costuma aconte cer nessas situações a paciente descreviase como alguém sem dificuldades que justi ficassem se submeter a psicoterapia con siderando que suas possíveis inquietações seriam superadas quando atingisse o peso ideal Levy26 em um trabalho sobre refú gios narcisistas na adolescência partindo dos conceitos de refúgios psíquicos de Steiner31 e de claustro de Meltzer32 pro põe uma abordagem que pode contribuir para a compreensão de situações psicopa tológicas que em maior ou menor grau se encontram presentes nos adolescentes que procuram atendimento Descreve o autor A psicopatologia então se instala quando o indivíduo se fixa em solu ções narcísicas em que a comunida de adolescente enquanto continente ocupa um lugar secundário ou ine xistente o sujeito refugiase no iso lamento ou em outros refúgios psí quicos nos quais a onipotência e a idea lização muitas vezes da própria destruição ocupam o papel central drogas perversões sexuais distúr bios alimentares destrutividade em geral A partir daí teremos uma série de quadros nosográficos cujo pano de fundo são organizações narcisistas complexas Criase uma continência espúria da ansiedade o refúgio trans formase em prisão e a onipotência deixa de ser uma forma transitória de lidar com os sentimentos de impotên Psicoterapia de orientação analítica 765 cia tornandose um modo de negar permanentemente a realidade26 No caso de adolescentes menos per turbados prossegue o autor a utilização desses refúgios psíquicos serve como um espaço mental protetor ao qual o indiví duo pode recorrer quando sua ansiedade estiver além de sua capacidade de tolerân cia Definidas as prioridades terapêuticas como seguir em frente na promoção do es tabelecimento do setting adequado Talvez o aspecto específico do contrato nessa fase seja a responsabilidade compartilhada entre paciente pais e terapeuta Na infância a responsabilidade pelas condições formais para a criação do encon tro terapêutico é dividida entre os pais e o terapeuta Essa é a verdadeira condição da criança e quando não há tal possibilidade estamos diante de vínculos inerentemente desviados do esperado para satisfazer às necessidades da infância Nas psicotera pias com os adultos se essa responsabili dade não pode ser assumida pelo paciente manifestamse perturbações evidentes Na adolescência o comprometimento com as condições exigidas pelo contrato será dividido entre os pais e o paciente Assim há aspectos a serem decididos em comum acordodesacordo tais como decisão de iniciar o tratamento responsabilidade pe los honorários e reajustes férias responsa bilidade por horários e frequência decisão de término ou interrupção Para que o setting possibilite abarcar esses desafios preferimos a frequência de duas sessões semanais em que podemos dispor de um espaço que promova e asse gure intimidade e tempo para reflexão o que poderá proporcionar a contenção ne cessária ao processo Nas situações em que o risco destrutivo é maior poderão ser ne cessárias mais do que duas sessões por se mana Porém devemos considerar a possi bilidade de iniciar com apenas uma sessão quando o temor de dependência do ado lescente o impede de tolerar contato mais intenso Sempre estaremos envolvidos em um movimento que incluirá a motivação do adolescente dos pais e do próprio tera peuta na relação estabelecida Iniciar a psicoterapia deve ser uma decisão do adolescente Em nossa experiên cia tolerar que seu tempo seja diferente do nosso eou do de sua família tem demons trado ser mais terapêutico do que impor nossas impressões Não queremos negli genciar situações em que o adolescente está tão dissociado do seu sofrimento e destru tividade que a alternativa possível seja a de que o mundo adulto reassuma as funções temporariamente perdidas por ele até que aos poucos recupere capacidades mentais que lhe propiciam proteção incluímos aqui tentativas de suicídio abuso de drogas ou sintomas francamente psicóticos Nes sas condições nossa preocupação deverá ser em primeiro lugar a sobrevivência do paciente Há controvérsias nessas questões pois como destacamos estamos lidando com uma desestruturação versus reestru turação do psiquismo Isso envolve varia ções intensas dramáticas e decididamente surpreendentes que exigem dos terapeutas tolerância e paciência para observar ao longo do tempo os significados dessas de cisões303334 Estabelecer um espaço entre o que pensamos ser o momento e a ajuda adequada e o que o pa ciente considera ser o melhor para ele possibilita 766 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs o alívio de uma das grandes angústias desse período ser novamente aprisionado em uma re lação sem que haja o reconhecimento de sua individualidade Dessa forma queremos enfatizar a importância de o terapeuta conhecendo os desafios psicodinâmicos característicos to lerálos no campo terapêutico Estaremos então nos dispondo a assumir os desafios propostos no processo de desidentificação que inclui um confronto intenso profundo e ameaçador com algo decisivamente signi ficativo para nós a noção de quem de fato somos eou pretendemos ser inclusive co mo terapeutas35 OS DESAFIOS DO PROCESSO PSICOTERÁPICO NA ADOLESCÊNCIA É sabido que a maioria dos adoles centes são pacientes que atuam ac ting out Aqui também o fenômeno é adequado à idade já que nesse es tágio recordar o passado está no seu ponto mínimo e reviver a experiência passada está no ponto máximo Que o adolescente seja capaz de atuar act out violentamente na transferên cia está de acordo com sua tendência acentuada ao reenactment Que esteja sempre a ponto de interromper o tratamento corresponde a sua ma neira legítima de reviver a necessidade urgente de romper vínculos familia res Se a forma dramatizada de acting out do adolescente poderá ser trans formada em material analítico útil de pende sobretudo de duas condições por parte do analista sua capacidade de diferenciar passado e presente no material do paciente e discriminar os elementos adequados ao desenvolvi mento daqueles elementos patológi cos36 Essa tendência ao acting out no fun cionamento dos adolescentes em trata mento foi percebida desde os primórdios da psicanálise Apesar de Freud terse re ferido ao acting out agieren pela primeira vez em A psicopatologia da vida cotidia na37 foi no relato da primeira análise de uma adolescente na história da psicanálise o Caso Dora38 que introduziu de forma mais significativa o termo atribuindo a in terrupção do tratamento pela paciente ao acting out de suas fantasias infantis Consideramos essencial a noção de que é pelo acting out que se estabelecerá preferencial mente a comunicação terapeutapaciente As sim como no tratamento de crianças privilegia mos o brinquedo como via de acesso ao psi quismo e nos adultos a verbalização o acting out constituirá um veículo importante de aces so à vida mental do adolescente Sob esse ponto de vista fica evidente que assim como no processo psicoterápi co exitoso na infância não se exige que o brinquedo seja substituído pela verbaliza ção também na adolescência a tendência à atuação dos conflitos não só não poderá ser abolida como deverá estar necessariamen te integrada ao trabalho psicoterápico Na Figura 431 propomos um es quema gráfico que nos auxilia a visualizar a interação de alguns dos conceitos psica nalíticos que podemos utilizar para desen volver a instrumentalização técnica mais adequada para lidar com essas peculiari dades Na adolescência o processo de desi dentificação protagoniza a mobilização de todo o psiquismo que busca lidar com a dor psíquica por meio de mecanismos de defesa complexos os quais podem tanto Psicoterapia de orientação analítica 767 promover o desenvolvimento quanto im pedilo Antes de descrever os fenômenos psí quicos propostos desejamos destacar seu aspecto dinâmico já que sem essa perspec tiva se corre o risco de simplificações em pobrecedoras dessa relação que pretende justamente ampliar a capacidade do ado lescente de tolerar contato com a comple xidade de sua realidade emocional Segun do Etchegoyen39 o acting out só pode ser conceituado em função do seu significado na relação terapêutica ou seja não há uma fenomenologia do acting out Ele só adqui re sentido ligado ao processo psicoterápi co ou ao setting correspondendo àquelas condutas que tendem a ignorar o objeto e afastarse dele e que têm a intenção de ata car a tarefa terapêutica Barugel e Mantykow de Sola40 pro põem a diferenciação entre acting out e ação comunicativa nos tratamentos de adolescentes conceituação que nos parece útil na compreensão e no manejo dessas situações Diferenciam acting out de ação comunicativa descrevendo que esta última busca favorecer a tarefa e tenta co municar pela ação algo que está a ca minho da simbolização à procura de um objeto que se suponha disponível para este tipo de comunicação Mes mo que essas condutas provoquem fenomenologicamente certo grau de distanciamento hostil do objeto e possam produzir alterações no setting a fantasia inconsciente mostra que es ses comportamentos são uma manei ra de associar que favorece o encontro e a comunicação com o objeto Dian te delas o analista pode identificarse com seu paciente e sentirse convida do a pensar no processo junto com ele Essas ações comunicativas não ocorrem no lugar da tarefa mas ao contrário são a única maneira de ga rantir que se realize40 Enfatizamos a importância do meca nismo de identificação projetiva já que é a via predominante de interação dos ado lescentes Descrito por Melanie Klein41 em 1946 esse conceito tem sido estudado e am pliado quanto a sua função primordial de comunicação entre o bebê e sua mãe4243 em condições normais do desenvolvimen to Utilizaremos a descrição de Ogden44 que nos parece acessível e elucidativa o conceito diz respeito ao modo como as fantasias inconscientes de uma pessoa são processadas por ou tra ou seja a maneira pela qual uma pessoa usa a outra para viver e conter um aspecto de si própria Caberá ao terapeuta por meio de sua capacida de negativa continência e rêverie transformar Figura 431 Esquema gráfico representativo dos conceitos psicanalíticos utilizados na técnica destinada a ado lescentes Dor psíquica Processo de desidentificação Identificação Acting out Capacidade negativa do terapeuta Projetiva Ação comunicativa 768 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a experiência transmitida pela ação comunica tiva em simbolização4243 O terapeuta terá que desenvolver sua tolerância com incertezas mo mentos de incompreensão ambiguidades e pa radoxos45 Dessa forma os processos internos do analista poderão ser utilizados para compreender e com isso tentar comple tar o que ainda falta no aparelho mental do adolescente Sabemos que os aspectos desta cados estão presentes em qualquer processo psicoterápico de orientação ana lítica O que desejamos enfatizar não é sua presença mas sua intensidade nas psicote rapias com adolescentes Em consonância com a proposta de Barugel e Mantykow de Sola40 acredita mos que na psicoterapia com adolescentes as ações comunicativas predominam sobre os acting outs A discriminação entre am bos no entanto depende da capacidade do terapeuta de tolerar a inquietação provoca da por mecanismos primitivos que geram dúvidas constantes quanto a estarmos en volvidos em um conluio com o paciente provocadas pela mobilização de nossos próprios estados mentais adolescentes As autoras destacam que só fora da sessão a posteriori será possível estabelecer com cla reza essas diferenças É o desenvolvimento progressivo do processo que dará subsídios para avaliar se estamos lidando com um conluio ou com a gradual possível e tole rada compreensão desejada O adolescente recorre à ação comu nicativa quando percebe que o pensar pro voca dor e que é necessário um trabalho psíquico que crie um continente capaz de contêlatolerála Para isso um estilo pró prio que pressuponha firmeza paciência e contenção é particularmente importante no terapeuta A receptividade com a pos sibilidade de a linguagem verbal ser tem porariamente substituída por outra mais primitiva tornase decisiva como se a ação comunicativa fosse o idioma possível As autoras consideram prudente não ou torgar significados prematuros aos acting outs mas assinalar elementos do setting que foram modificados para que se possa continuar pensando sobre o que se passa na relação Por exemplo se o paciente não vem à sessão caberia perguntar de forma direta por que não veio nem telefonou As autoras concluem que assim como o brin car na criança a ação no adolescente ao desenrolarse na situação transferencial e no mundo externo possibilita que o mun do interno tornese menos caótico e mais tolerável para o próprio paciente Enfatizamos assim o interjogo dinâ mico entre essas diferentes possibilidades de comunicação acting D ação comunica tiva D linguagem verbal simbólica A quali dade da interação entre terapeuta e pacien te poderá promover a transformação das ações comunicativas em conflitos acessíveis à compreensão ou ao contrário desenca deará processos mais primitivos que pode rão acentuar os acting outs TÉRMINO O término do tratamento tem sido menos estudado do que os meios para manter os adolescentes em psicoterapia já que é co mum decidirem unilateralmente pela in terrupção4647 Contudo a separação em si por decisão unilateral ou conjunta é de grande significado no destino do trabalho psicoterápico realizado pois reatualiza na relação terapêutica um dos aspectos deci sivos do conflito adolescente a possibili dade de separação com a sobrevivência de ambos24 Psicoterapia de orientação analítica 769 Quando a interrupção corresponder a um acting a relação terapêutica deverá procurar transformálo em uma ação co municativa que permita a compreensão do que motiva o paciente naquele mo mento a provocar a ruptura Ao mesmo tempo quanto mais pudermos tolerar as interrupções mais abriremos o caminho para o retorno quando o paciente consi derar necessário2548 Devemos ter o cui dado de não esperar de uma psicoterapia com adolescentes aquilo que se poderia almejar com adultos relações afetivas mais estáveis definição profissional relaciona mento sem maiores intercorrências com os pais Assim Meltzer25 julga típico de um tratamento bemsucedido na adolescência o fato de que ao estabelecer uma relação amorosa e sexual íntima o paciente quei ra protegêla de interferências externas inclusive a do terapeuta decidindo ter alta Além disso com adolescentes entre 15 e 16 anos poder tolerar melhor sua condição de dependência dos pais pode ser decisi vo para que o sentimento de autonomia desenvolvase internamente o que muitas vezes os faz não necessitarem mais de nos sa ajuda Como principal critério para alta consideramos o desenvolvimento da ca pacidade emocional do adolescente de lidar com suas ansiedades com possibi lidade de refletir mais sobre sentimentos ideias e condutas a fim de obter melhor compreensão do que se passa consigo e em suas relações com o mundo externo Como consequência a sintomatologia que trouxe o adolescente ao tratamento deverá estar mais atenuada possibilitan do que utilize seus recursos para inserirse em um processo de desenvolvimento mais criativo PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A compreensão dos processos psicodinâmicos próprios de cada etapa da adolescência é fundamental na avaliação na indicação e no desenvolvimento do processo psicoterápico com adolescentes 2 A importância do reconhecimento paulatino e progressivo da interação da condição adolescente com as vivências ligadas à história pessoal possibilitando o estabelecimento de uma identidade própria é essencial ao processo psicanalítico 3 Requerse da parte do terapeuta a capacidade de tolerar no campo os paradoxos e as vicissitudes impostos pelo processo de desidentificação do adolescente capacidade negativa 4 A presença do acting out constitui via comum de expressão dos conflitos intrapsíquicos na adolescên cia sendo importante sua diferenciação como função comunicativa ou destrutiva 5 O grupo de iguais comunidade adolescente tem papel de destaque ao proporcionar um espaço fora do âmbito familiar para a elaboração das ansiedades inerentes a essa etapa do desenvolvimento 6 Reconhecese a importância da receptividade e da utilização de diferentes recursos música livros filmes personagensídolos trazidos pelo adolescente às sessões na comunicação de seu estado emo cional 7 É preciso a considerar a restrição por parte do adolescente na abordagem direta de sua sexualidade bem como a consequente necessidade de cautela por parte do terapeuta no contato com esse tema 8 O desenvolvimento dos processos simbólicos é importante consequência do trabalho psicoterápico nessa fase do desenvolvimento 770 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Cabanne J Paradise now Rev Psicanálise SPPA 19963338996 2 Levisky DL Os vazios da contemporaneida de a compulsão como um processo defensi vo precoce na adolescência Revista de Psica nálise da SPPA 200916234352 3 Levy R Adolescência o reordenamento simbólico o olhar e o equilíbrio narcísico Revista de Psicanálise da SPPA 2006132 23345 4 Blos P The second individuation 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The contribution of psychoanalysis to the psychotherapy of adolescents Psycho anal Study Child 198338577600 23 Kaplan E Adolescents age fifteen to eighteen a psychoanalytic development view In Gre enspan SI Pollock GH editors The course of life Madison International Universities 1991 v 4 24 Winnicott DW Conceitos contemporâneos de desenvolvimento adolescente e suas im plicações para educação superior In Winni cott DW O brincar e a realidade Rio de Ja neiro Imago 1975 p 187202 25 Meltzer D Seminários de Novara In Har ris M Meltzer D Quaderni di psicoterapia infantil Roma Borla 1978 Título da parte traduzida pelo autor 26 Levy R Refúgios narcisistas na adolescência da busca de proteção ao risco de destruição dilemas na contratransferência Rev Bras Psicanál 199630122340 27 Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargie man 1969 28 Ferro A Na sala de análise emoções rela tos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 p 181207 29 Ferro A A unicidade da análise entre ana logias e diferenças na análise de crianças e adolescentes In Ferro A A psicanálise como literatura e terapia Rio de Janeiro Imago 2000 p 13751 30 Brafman A Working with adolescents a pragmatic view In Wise I editor Adoles Psicoterapia de orientação analítica 771 cence London Institute of Psychoanalysis 2000 p 3655 31 Steiner J Psychic retreats pathological orga nisations in psychotic neurotic and border line patients London Routledge 1993 32 Meltzer D Claustrum una investigación so bre los fenómenos claustrofóbicos Buenos Aires Spatia 1994 33 Meeks JE The fragile alliance Baltimore Williams and Wilkins 1971 34 Zavaschi ML Bassols AM Salle E Maltz FF Santis MB Psicoterapia na adolescência In Cordioli AV organizador Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 40019 35 Cassorla RMS O analista seu paciente ado lescente e a psicanálise atual sete refle xões Revista de Psicanálise da SPPA 2009 16226178 36 Freud A Acting out Int J Psychoanal 19684916570 37 Freud S A psicopatologia da vida cotidiana In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 6 38 Freud S Fragmento da análise de um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 7 39 Etchegoyen H Das vicissitudes do proces so 6 Acting out 3 In Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Por to Alegre Artes Médicas 1987 p 42434 40 Barugel N Mantykow de Sola B La acción comunicativa en el tratamiento de adoles centes Psicoanálisis 200123231328 41 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizóides In Klein M Inveja e gratidão Rio de Janeiro Imago 1991 p 2043 42 Bion WR Ataques ao elo de ligação In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 p 1019 43 Bion WR Identificação projetiva e capaci dade para pensar In Bion WR O aprender com a experiência Rio de Janeiro Imago 1991 p 5463 44 Ogden TH Projective identification and psychotherapeutic technique New York J Aronson c1982 45 Meltzer D Os grilhões da memória e do de sejo In Meltzer D O desenvolvimento klei niano III o significado clínico da obra de Bion São Paulo Escuta 1998 p 12940 46 Novick J Termination of treatment in ado lescence Psychoanalytic Study Child 1976 31389414 47 Burgner M Analytic work with adolescents terminable and interminable Int J Psychoa nal 198869Pt 217987 48 Blos P The life cycle as indicated by the natu re of the transference in the psychoanalysis of adolescents Int J Psychoanal 198061Pt 214551 No alvorecer de nossa existência como es pécie sobreviver aos predadores naturais às tribos competidoras por espaço e ali mentos às doenças e às intempéries con feria àqueles poucos que atingiam a velhice um valor intrínseco de dignidade e sabedo ria a despeito do declínio da força física da produtividade e da fertilidade Nos dias atuais constatase um fenômeno oposto ainda que todos desejem ter uma longa existência tornarse velho e em especial parecer velho é algo inadmissível para mui tos1 Esse sentimento aversivo não parece ser atenuado pelo fato de que do ângulo de visão do idoso contemplar a própria existência como um todo seja agora e so mente agora possível No dizer de Danielle Quinodoz2 a psicoterapia do idoso pode ser uma experiência apaixonante para o te rapeuta por proporcionar a oportunidade de situar o fim da vida dentro do contex to de sua trajetória completa Pouco antes de sua morte em 1971 Winnicott citado por Goldman3 registrara como mote em seu caderno de memórias a epígrafe que ora usamos como ponto de partida deste capítulo Entre as múltiplas interpretações possíveis que ela suscita acreditamos que Winnicott citado por Goldman3 expressa isto o desejo de presenciar o ato final da própria existência e sentir a completude de ser o autor e espectador da obra acabada inteira e sentir toda a jornada incluindo a morte como uma unidade Se entendermos a vida de cada indi víduo como um processo de desenvolvi mento que se inicia no período da con cepção e que se insere em um contexto anterior a ela necessariamente incluímos a velhice como parte dessa trajetória Não como período independente à parte da vida mas como resultante das várias inte rações bio psicossociais ocorridas ao longo do caminho e que se fazem sentir na forma como cada um experimentará sua velhice Nesse sentido podemos pensar que a ma turidade é uma condição que se completa pela aceitação da tríade alteridade finitu de e dúvida entendendo a velhice bem sucedida como o encontro do ser humano com sua maturidade A fila está andan do diz com serenidade a paciente de 71 anos referindose ao casamento do último neto solteiro Assim aspectos importantes 44 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE IDOSO Antonio Carlos Scherer Marques da Rosa Maria Cristina Garcia Vasconcellos Meus Deus que eu possa estar vivo quando morrer Winnicott 1971 Psicoterapia de orientação analítica 773 no processo de envelhecimento tais como a questão da finitude o acolhimento da passagem do tempo a aceitação do outro e a tolerância ante o desconhecido serão vividos por cada um de acordo com capa cidades adquiridas ao longo do seu desen volvimento O CONCEITO DE VELHICE Em países desenvolvidos a Organização Mundial da Saúde OMS4 considera idoso o indivíduo a partir dos 65 anos Para que a população da França com 65 anos ou mais dobrasse de 7 para 14 demorou mais de cem anos O Brasil em contraste alcançará o mesmo crescimento em apenas 25 anos o que dá uma ideia do impacto do aumento da população idosa em nosso país Na atualidade não há um critério etário pa drão mas as Nações Unidas estão de acordo com um ponto de corte de 60 anos ou mais para a população idosa4 Essa conceituação impre cisa revestese de maior incerteza no caso do Brasil país com realidades socioeconômicas tão heterogêneas que permite a relativização de critérios etários para a velhice dependendo da população que se contemple Tornase necessário portanto um olhar mais atento sobre o conceito de velhi ce concebendoa não como uma categoria uniforme definida em termos etários mas buscando uma apreensão que inclua suas várias dimensões É relativamente recente a presença do idoso como cidadão ou seja como um indivíduo valorizado em nossa sociedade em 1994 com uma lei federal esse sujei to ganha status diferenciado Até então ele tinha o mesmo status legal das crianças e dos deficientes quanto às necessidades as sistenciais em consonância com a visão cultural do velho como um ser destituído de capacidades muitas vezes infantilizado à margem do mundo adulto5 Esse conceito aplástico da velhice é perceptível em Freud6 quando em seu ar tigo Sobre a psicoterapia desaconselha aná lise para pessoas acima dos 50 anos A idade dos pacientes tem assim essa grande importância ao determinar sua adequação ao tratamento psica nalítico posto que por um lado per to ou acima dos cinquenta a elastici dade dos processos mentais dos quais depende o tratamento via de regra se acha ausente pessoas idosas não são mais educáveis e por outro o vo lume de material com o qual se tem de lidar prolongaria indefinidamente a duração do tratamento Paradoxalmente o autor de Moisés e o monoteísmo era um Freud de 81 anos quando em 1938 concluiu este que é con siderado um de seus mais brilhantes es critos Atualmente entretanto encontra mos visões diferentes a respeito da velhice em nossa sociedade que estão na fonte das mudanças legais referidas há pouco Cada vez mais temos o idoso presente na cena social Há estudos sobre a velhice especia listas na área da saúde e das ciências sociais preocupados com essa etapa da vida e nas ceu um mercado especificamente voltado para a população idosa Tais mudanças vêm seguindo os rumos das mo dificações sociais em um nível mais amplo À me dida que se percebe maior elasticidade de comportamentos permitidos a todas as faixas etárias os papéis esperados já não estão mais definidos em termos de grades de idade e sim em termos de projetos de vida individuais que vão produzindo traje 774 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tórias de vida específicas a cada um5 Além de tais possibilidades características da pós modernidade temos um maior número de idosos ao lado de uma maior expecta tiva de vida o que cria um contingente de indivíduos que têmse recusado a abando nar sua inserção na sociedade forçando sua presença como cidadão Desse vértice podemos observar idosos participando de atividades impensáveis há alguns anos o astronauta John Glenn retornou ao espaço em 1998 aos 76 anos e tornouse notícia internacional o arquiteto Oscar Niemeyer falecido em 2012 aos 104 anos seguiu projetando mesmo depois de ultrapassada a marca dos cem anos para ficarmos em dois exemplos conhecidos O fato de tais situações se tornarem notícia internacional e causarem admira ção evidencia que a situação do idoso co mo indivíduo viável com potencialidade de preservação da vida não está sedimen tada Sabese que menos de 5 das pessoas com mais de 65 anos necessitam de cui dados por terem perdido a capacidade de gerirem suas próprias vidas7 É comum o comentário de idosos saudáveis a respeito da própria expectativa quanto à chegada da velhice remetendoa ao momento em que não terão mais capacidades Ou seja persiste ainda a concepção cultural mente estabelecida de que aqueles indivíduos que conseguem preservar suas capacidades não são velhos sendo muitas vezes chamados de idosos juventude tardia ou terceira idade reservando o termo velho para o indivíduo à margem da sociedade que necessita de cuida dos e que constitui ameaça para quem envelhe ce visto que há um valor negativo associado5 Consideramos relevante salientar esses aspec tos do ponto de vista de quem se propõe a tra tar o paciente velho pois a indicação de trata mento o estabelecimento de objetivos e a pos sibilidade de escutar o sofrimento daquele que envelhece podem estar sob a influência desses valores quando presentes no terapeuta A AVALIAÇÃO O processo de avaliação e as indicações para psicoterapia de orientação analítica com um paciente idoso ocorrem da mes ma forma que em outras etapas da vida De maneira análoga ao que preconiza o aforis mo médico de que devemos nos preocupar mais com o doente do que com a doença na psicoterapia do idoso mais importante que a própria velhice é a pessoa Avaliase antes de tudo o indivíduo e suas possibili ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Um homem na passagem da idade madura para a velhice procura tratamento para um quadro depressivo de início recente Após poucas semanas de tratamento farmacológico com o esbatimento dos sintomas de pressivos o paciente revela algo que trazia guardado em absoluto sigilo e com enorme sofrimento por dé cadas seu conflito homossexual Com a abertura dessa nova janela a terapia que antes parecia que seria concluída como um atendimento clínico psicofarmacológico bemsucedido ganha nova dimensão e novos objetivos e transformase em uma psicoterapia de orientação analítica O paciente muito motivado mer gulha com avidez na psicoterapia e consegue correlacionar a conduta homossexual atual com sentimentos de submissão e humilhação impostos por um irmão mais velho cinco décadas atrás e experimenta uma mistura de alívio rancor e satisfação pela descoberta Psicoterapia de orientação analítica 775 dades mediante o levantamento de sua tra jetória de vida de suas vivências marcantes ao longo do desenvolvimento para com preender do ponto de vista psicodinâmico o momento em que o sujeito se encontra8 Apresentamos essa vinheta para ilus trar que não devemos tomar a manifesta ção inicial pelo seu valor de face e que na avaliação se requer atenção aos aspectos psicodinâmicos qualquer que seja a queixa inicial e a idade do paciente A partir dessa perspectiva procura se avaliar o indivíduo que está buscando auxílio porque sofre compreendendo sua singularidade em oposição à ideia de que o idoso é incapaz de mudanças psíquicas para uma melhor condição de vida e para a preservação da capacidade criativa Ana listas contemporâneos912 têm relatado cada vez mais casos bemsucedidos de tratamentos de pacientes idosos O pio neiro desses analistas é Karl Abraham que em 1919 escreveu um trabalho intitulado A aplicabilidade do tratamento psicanalítico a pacientes de idade avançada Nele afir mou para sua surpresa que um número considerável de pacientes acima dos 50 anos teve resultado muito favorável com o tratamento Concluiu com a tese de que a idade da neurose é mais importante do que a idade do paciente13 Podese dizer seguindo Abraham que mais do que a idade a rigidez de ca ráter vinculase à estrutura da personalida de que vem acompanhando esse indivíduo em todo o seu desenvolvimento7 Muitos idosos que buscam tratamento têm em sua trajetória evidências da capacidade pa ra obter satisfações e para aquisições por outro enfoque podese perceber a pre sença de conflitos neuróticos assim como variados graus de alterações de caráter Inúmeras vezes tais pacientes alcançaram um razoável equilíbrio interno ao longo de suas existências na medida em que as exi gências de vida do adulto jovem em nossa cultura podem servir para mascarar dificul dades de lidar com aspectos depressivos14 Tal equilíbrio todavia pode modificarse a partir das pressões que surgem com o en velhecimento promovendo dificuldades em alcançar uma nova adaptação como anteriormente o fizeram1215 É essencial portanto perceber a possibilidade de o indivíduo idoso ter uma existência criati va no atual contexto de maior expectativa de vida Uma vez que muitos dos pacientes que procuram atendimento terão ainda uma longa jornada pela frente percebese a importância que pode ter em suas vidas a psicoterapia e a possibilidade de entendimento das dificulda des prévias Cabe lembrar que a maioria desses in divíduos poderá viver a velhice sem maio res obstáculos preservando suas capacida des internas na medida em que reconhe cem o que há de bom dentro de si bem como avaliam de forma realista suas limi tações e mantêm ainda a capacidade para amar e serem amados7 O estabelecimento de uma noção clara por parte do terapeuta do problema que traz o paciente à psicote rapia é fundamental para seu início e para seu bom andamento constituindo um dos aspectos a serem considerados quando da avaliação Sabese que há um conjunto de situações que ocorrem com mais frequên cia na velhice entre elas as alterações não apenas corporais mas na vida de relação do indivíduo que demandam nova adaptação e que podem funcionar como elementos estressores perturbando o equilíbrio ante riormente alcançado Segundo Chessick12 o psicoterapeuta que não reconhece a im portância desses aspectos realísticos do en velhecimento priva o paciente da possibi 776 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lidade de dar um sentido a sua existência desenvolver estruturas compensatórias e encontrar um sentido para a própria vida Para uma compreensão mais judiciosa a esse respeito julgamos que é importante priorizar sempre o envelhecimento do ponto de vista do indivíduo isto é entender com clareza o que é um problema para ele não para quem o avalia ou para seus familiares Em um estudo etnográfico sobre o tema Cremin16 encontrou diferenças en tre idosos e seus filhos adultos bem como nos profissionais que os atendem quanto à noção do que constituem problemas no envelhecimento Os idosos estudados assi nalaram uma diferença entre o sentirse velho e o ser velho sendo o primeiro compreendido como um fenômeno tem porário e esporádico vinculado a proble mas específicos únicos para cada indivíduo e que coincidem com uma ameaça aos va lores ligados à constituição de sua identida de Essa é a percepção dos idosos a respeito de sua situação com o envelhecimento Já para os filhos desses indivíduos o processo que está ocorrendo com seus pais remete à noção de ser velho Tal conceito deriva da percepção dos pais como pessoas diferentes do que foram outrora sendo a diferença compreendida como resultante de um processo irreversível Mesmo quan do o déficit das capacidades que entram em pauta na avaliação de pais e filhos coincide o significado das mudanças que estão ocor rendo tem um impacto diverso para cada geração Para os idosos tornase necessário utilizar estratégias alternativas para lidar com as perdas específicas não carecendo forçosamente de auxílio adicional ou mes mo de tratamento Para os filhos no en tanto a percepção dessas modificações ra dicais na identidade dos pais impõe a busca de tratamento e de aconselhamento quanto ao manejo daquilo que é entendido como errado A consequência direta dessa assi metria conceitual refletese no profissional que atende o paciente idoso no sentido da sua percepção do que constitui um pro blema e de como manejálo uma vez que sua concepção particular a respeito do en velhecimento também influi na indicação terapêutica SITUAÇÕES ESTRESSORAS ESPECÍFICAS DA VELHICE Quando um paciente idoso busca ajuda ao avaliarmos a indicação de tratamento psicoterápico é preciso ter em mente que estamos diante de um indivíduo no qual sobreveio um desequilíbrio muitas vezes decorrente da falha ao lidar com uma ta refa surgida nesse momento de sua vida e que é inerente ao desenvolvimento Isso não difere de situações semelhantes em outros momentos do ciclo vital quando os pacientes não conseguem lidar com situa ções específicas que se apresentam Apon tamos a seguir alguns dos problemas que ocorrem com mais frequência na velhice e que exigem adaptação As perdas É comum encontrarmos os fatores sociais mais do que biológicos individuais alte rando a situação dos pacientes no sentido da desadaptação17 Os vários autores que tratam da velhice destacam as perdas co mo os principais estressores nesse período da vida sendo a possibilidade de reparação dessas perdas uma das tarefas evolutivas essenciais nesse momento Tal elaboração pode ser dificultada pelo efeito cumulativo Psicoterapia de orientação analítica 777 das perdas ou também por estarem centra das no próprio indivíduo18 Outro aspecto relevante e que determinará a forma como cada um realizará essa adaptação é a quan tidade de investimento narcisístico no que está sendo perdido Quanto maior o inves timento no objeto ou na função perdida mais difícil lidar com a perda7 Certo pa ciente que obtinha grande prazer em jogar tênis e que aos 70 anos de idade foi desa conselhado a prosseguir por razões médi cas embora liberado para outras atividades físicas enfrentou um período de intensa de pressão visto que a prática desse esporte es tava revestida de grande significado para ele A crescente solidão a partir da mor te de amigos do cônjuge ou da saída dos filhos da casa paterna também pode se constituir em um problema nessa etapa da existência A saída dos filhos de casa em especial modifica as relações familiares uma vez que eles não estarão mais dispo níveis como veículos das projeções dos pais ou ainda para mascarar dificuldades no re lacionamento do casal Também se mo difica o papel do trabalho na vida do indi víduo assim como sua identidade profis sional O rito de passagem da idade adulta para a velhice em nossa cultura inclui a destituição da utilidade social muitas ve zes agravada pelo afastamento do trabalho pela aposentadoria As ameaças de perder o lugar para pessoas mais jovens a perda de poder associado à função exercida ou ainda a amea ça decorrente da aposenta doria podem promover diminuição da au toestima bem como privações no âmbito socioeconô mico915 Aquelas perdas que desafiam o ciclo natural da vida como a morte de filhos e netos são as mais devastadoras para os ido sos Estou suportando muito mal essa perda creio que nunca experimentei nada mais duro Fundamentalmente tudo perdeu o seu valor Ele signifi cava o futuro para mim e assim levou o futuro consigo Esse lamento amargurado é de um homem de 68 anos que perdeu um neto aos 4 anos de idade Sigmund Freud19 Ele já perdera a filha Sophie três anos antes e ago ra era o filho mais novo de Sophie que se ia A perda da descendência tem um caráter sombrio na velhice pois priva o idoso do sentimento de continuidade nas próximas gerações Por meio da identificação proje tiva ele projeta na prole sua imortalidade e assim com a fantasia de que existe algo dele alojado no filho ou em suas obras de vida cria dentro de si um espaço de ma ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Esta é a situação de um homem de 74 anos que teve muita dificuldade em lidar com a aposentadoria Não apenas houve uma redução em seu poder aquisitivo como sobreveio um sentimento de desvalia o que o impedia de exercer qualquer outro tipo de atividade Ocorria uma intensa inveja dos genros homens bem sucedidos de quem não aceitava qualquer tipo de auxílio mesmo que fosse a possibilidade de receber destes alguma oferta de trabalho Rechaçava a aproximação das filhas e da esposa justificando que esta vam com pena dele devido a sua situação Mesmo que mais patente a partir da aposentadoria esse con flito já estava presente em sua vida prévia evidenciado pela absorvedora necessidade de dinheiro e poder dentro da fa mília O relativo sucesso nos negócios permitiu que chegasse até essa etapa da vida sem evi denciar o conflito 778 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nobra para conceber o futuro articulado à mortalidade Referindo de outra maneira pequenos refúgios da fantasia de imortali dade são necessários e por isso a morte de filhos se afigura tão dolorosa e difícil de elaborar20 O número e a frequência de laços so ciais são inversamente proporcionais à sin tomatologia depressiva bem como a falta de suporte social está associada a maior risco de mortalidade e a maior período de tempo necessário para a recuperação de doen ças A presença de relacionamentos próximos é um fator igualmente impor tante para que o idoso receba o suporte de que necessita18 O abuso do idoso Uma consequência da falta de suporte ao idoso é a possibilidade de verse submeti do a algum tipo de abuso como demonstra com frequência a mídia Este é um tema surgido em meados da década de 1970 e que no início se referia exclusivamente ao dano físico intencional infligido a pessoas com mais de 65 anos de idade Posteriormente a caracterização de abuso passou a incluir outras ações que podem gerar danos psicológicos sociais e financeiros A omissão ca racterizada por situações de negligên cia também passou a ser considerada como abuso21 Ainda que a prevalência seja baixa quando comparada ao abuso de crianças 24 é um número significativo 32 nos Estados Unidos e 4 no Canadá e que pode estar subestimado devido à desinfor mação21 Aqui se insere o que Norberto Bobbio22 chama de a eutanásia de aban dono que consiste em lançar o velho ao desamparo até a morte em uma espécie de genocídio por descaso AS PERDAS CENTRADAS NO PRÓPRIO CORPO Paralelamente a essas pressões externas surgem ansiedades envolvendo a consciên cia do próprio envelhecimento o temor às doenças e à perda das capacidades mental e física com a consequente dependência dos outros915 Se a velhice é compreendida como algo que torna o indivíduo inevita velmente inválido em mente e corpo essa ameaça passa a ser um importante motivo de sofrimento psíquico Mike Featherstone23 propõe que a partir da sociedade moderna a aquisição e a manutenção de controles corporais são essenciais para o indivíduo sentirse um cidadão de valor que participa de modo independente na sociedade Essas capaci dades devem ser adquiridas por meio do processo de desenvolvimento com o auxí lio daqueles indivíduos que nos são signi ficativos Dessa forma são capacidades culturais que dependem de um conjunto de précondições biológicas que se de sen volveram como parte de um longo proces so de evolução a partir de outros primatas Podem ser identificados três tipos principais de competências 1 habilidades cognitivas uso da lin guagem e das capacidades de comuni cação 2 controles do corpo dos movimentos das capacidades motoras e de conter os fluidos corporais 3 controles emocionais controle da expressão das emoções para utilizálas somente em momentos e locais social mente sancionados Psicoterapia de orientação analítica 779 Considerando tais aspectos uma questão cru cial no processo de envelhecimento é que após uma fase inicial de crescente poder e contro le sobre o corpo existe a perspectiva de fa lência pessoal dos três níveis de competência mencionados É a perda desses controles do corpo tanto quanto da capacidade de atingir uma conduta e um procedimento mais jovem o que leva à estigmatização das pessoas ido sas e à efetiva perda do seu direito de serem valori zadas Assim a perda do controle urinário e fecal pode ter um efeito devastador no psiquismo do idoso Ela pode estar conec tada à repressão inconsciente da infância relacionada à educação esfincteriana O ga nho narcisista proveniente da vitória ao demonstrar aos genitores seu controle es fincteriano é enorme Isso é perdido quan do se instala a incontinência urinária ou fe cal que em algumas pessoas pode causar uma reação quase catastrófica não ser mais o senhor de si mesmo equivale a se sentir reduzido à criança pequena controlada pe la mãe11 Das ansiedades resultantes da perda de capacidades merecem especial atenção aquelas referentes à perda da potência se xual e ao impacto que possa causar nos re lacionamentos Tais temores vinculamse a outras alterações corporais decorrentes do envelhecimento que poderão interferir no intercurso sexual bem como à presença de doenças físicas causadoras de limitações Acrescentase a isso a ideia culturalmente aceita do idoso como indivíduo assexuado e a baixa autoestima decorrente das modi ficações corporais que se afastam do ideal de beleza da juventude que é a estética va lorizada em nossa sociedade24 Somamse ainda os conflitos relativos à reativação de fantasias edípicas bem como a inveja em relação às capacidades sexuais dos filhos que nesse período estão no auge de suas vidas sexuais15 Cabe salientar entretanto que embora ocor ram mudanças na fisiologia sexual com o avan ço da idade que se traduzem em uma redução do desejo da excitação e das atividades se xuais mantémse a capacidade para o prazer e a satisfação A possibilidade de preservar uma vida sexual prazerosa na velhice está vincula da à história de vida sexual prévia daquele in divíduo24 É possível que as mudanças nos va lores culturais a respeito da sexualidade nas últimas décadas possam se traduzir em uma sexualidade mais tranquila na velhice na medida em que os indivíduos que vive ram a revolução sexual estão envelhecendo O reconhecimento disso por parte do tera peuta permite que esse seja um tema abor dado no tratamento Uma senhora de 82 anos que apresenta sérias limitações físicas refere em alguns momentos da terapia de sejo sexual Lembra com saudade da época em que tinha vida sexual ativa e lamenta que na atualidade ela e o marido não mais tenham relações sexuais O casal haviase afastado ao longo do tempo devido a uma sequência de perdas com prejuízo da in timidade Se ele não fosse tão rabugento quem sabe A perda da aparência jovial e vigo rosa é outro desafio a enfrentar com o en velhecimento É necessário desenvolver a capacidade de fazer o luto pelo self jovem amado o self do passado para lidar com o declínio funcional e orgânico imposto pelo envelhecer Uma parte do self se foi e não voltará A elaboração dessa perda passa pe la separação psíquica da autoimagem que era libidinalmente investida e que era fonte 780 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de gratificação Tratase de uma tarefa que nem todos conseguem realizar É preciso resignarse com as mudanças trazidas pe lo tempo e esse é um processo demorado Quando a tristeza enfim se dissipar a re signação cederá lugar a uma reconciliação com o self Novas gratificações restaurarão o senso de autoestima e levarão à formação de uma nova autoimagem a de um idoso ainda funcional11 A proximidade da morte A proximidade da própria morte marca presença na mente dos idosos de forma mais frequente que em outros momentos da vida2 Elliot Jaques14 assinala que a mor te surge na meiaidade de forma conscien te não mais sendo experimentada como a perda de outra pessoa mas da própria mortalidade real e concreta Freud25 ensina que a escola psicanalítica pode aven turarse a afirmar que no fundo ninguém crê em sua própria morte ou dizendo a mesma coisa de outra maneira que no inconsciente cada um de nós está convencido da pró pria imortalidade Entretanto ao longo do desenvolvi mento deparamonos com vivências que antecipam a situação de destruição do ego do medo da morte como o temor da per da não da mãe ou de pessoas importantes para a criança mas da perda do amor do objeto as angústias de castração ou a an gústia ante o superego É fundamental que tais vivências sejam negadas de modo ade quado ou mascaradas a fim de permitir o desenvolvimento do indivíduo Em outras palavras desde a infância a presença da morte desperta fantasias inconscientes que exigem defesas para lidar com elas26 Essa relação infantil inconsciente com a mor te influenciará posteriormente na meia idade a forma como o indivíduo irá lidar com a realidade da própria morte Uma relação tranquila com a própria mortalida de depende da natureza da elaboração da posição depressiva infantil no sentido da noção de integridade dos aspectos bons de si próprio assim como de seus objetos14 A ausência dos objetos queridos no mun do externo é diferente da perda destes no mundo interno e esse é um diferencial en tre o normal e o patológico Poder discri minar entre self e objeto perdido no mundo exterior porém reparado e em segurança no mundo interno fortalece a noção do ei xo passadopresentefuturo20 Comum nessa etapa da vida a perda de pessoas significativas pode ensejar desde esforços reparatórios até o luto patológico No extremo pode chegar à descatexização de seu próprio cônjuge e filhos em um luto antecipatório27 A busca por psicoterapia após doença grave ou morte de familiares ou amigos significativos é um fenômeno comum Esse luto pela pessoa querida per dida transporta em seu âmago o luto pela própria morte que se avizinha De forma paradoxal a busca por psicoterapia pode ocultar a evitação desse luto há uma ilu são camuflada de que no setting estarão seguros de que a morte não os alcançará Esse papel de guardiões da passagem do tempo pode nos ser atribuído via identi ficação projetiva e como consequência participamos da ilusão do paciente de que dentro da terapia o tempo congelado não os alcança Nosso anseio inconsciente por proteção de que também pudéssemos congelar o nosso tempo e o de nossos fami liares transformanos em presas fáceis des se tipo de idealização por parte do paciente idoso28 Psicoterapia de orientação analítica 781 Alguns pacientes mostram a necessi dade de falar a respeito da própria morte dos preparativos que julgam necessários para sua partida de maneira tranquila Nessas situações tanto os familiares quan to os terapeutas poderão enfrentar dificul dades em si mesmos para abordar o tema Talvez infiram que possa ser nefasto para o indivíduo falar sobre essa realidade que se aproxima negandolhe a possibilidade de expressar livremente suas preocupações e sentimentos A necessidade do paciente idoso de falar a res peito da própria morte quando no sentido de elaborála não deve ser entendida como um tema de desesperança ou que denote depres são e sofrimento Poder lidar com a morte de forma rea lista tendo plena consciência de que ela existe não quer dizer que o indivíduo es teja constantemente desesperançado inun dado de destruição mas pode representar uma forma de lidar com a vida assumindo também a morte como uma de suas mani festações26 ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES NO PSIQUISMO DO IDOSO Quando diz Si vis vitam para mortem Se queres suportar a vida preparate para a morte Freud25 atualiza o que Cícero29 propunha séculos antes em seu tratado De senectute Da velhice Tornate velho ce do se quiseres ser velho por muito tempo A propósito Cícero tinha 62 anos quando escreveu seu célebre trabalho o que em 44 aC era uma idade muito avançada Se considerarmos o desenvolvimen to psicológico como um processo contí nuo segundo o qual o indivíduo tem que se adaptar constantemente às demandas internas e externas teremos maior possi bilidade de compreender o funcionamento psíquico na velhice Um aspecto importante nesse processo é a estru turação atemporal do inconsciente que assim como a fantasia da imortalidade contrasta com a concretude da passagem do tempo im posta pela realidade externa Ainda que os físi cos sustentem que o tempo não flui o envelhe cimento é vivido apenas sob o signo do tempo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Uma mulher de 90 anos angustiase por acreditar que não está sendo ouvida pelos filhos quanto ao seu de sejo de não ser enterrada no mesmo túmulo da sogra com quem tivera sérias desavenças ao longo da vida Os filhos entretanto insistem em que pare de pensar nisso entendendo a solicitação da mãe como sinto ma depressivo Asseguramlhe que ela não está doente e que não morrerá tão cedo Na verdade a paciente não apresenta um quadro depressivo como imaginam os familiares O que ocorre isto sim é a percepção interna da necessidade de prepararse para a morte mais especificamente de sentir que tem alguma for ma de controle sobre a situação 782 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O quanto e o quando se revestem de maior significado e o curso do tempo im põe a necessidade de uma nova atitude se ja ela a negação o controle maníaco seja a depressão o desespero ou a aceitação Na tentativa de lidar com esse fenômeno im placável e irreversível dividimos o tempo em passado presente e futuro A própria estrutura gramatical reflete essa divisão com seus tempos verbais A idade adulta é construída sobre essa base ideal da fantasia inconsciente que nega a mortalidade a passagem do tempo bem como a existência do ódio e de impulsos destrutivos em cada pessoa Com a chegada da velhice é fundamental que o indivíduo possa lidar com essas fantasias no sentido de superálas adquirindo assim a possibi lidade de uma vida madura menos baseada na idealização e que considere a realidade de forma menos persecutória Tratase de uma nova elaboração da posição depressiva14 Nem sempre isso é realizado de for ma tranquila A necessidade de elaboração do envelhecer tem proporcionado fértil expressão artística com abundância de mecanismos de defesa A literatura está re pleta de reflexões as mais variadas sobre a velhice desde Cícero e seu tratado sobre o tema a Oscar Wilde com O retrato de Do rian Gray30 e Machado de Assis e seu Dom Casmurro31 O soneto Velhas árvores de Bilac32 é um exemplo das defesas maníacas ante o envelhecimento Olha estas velhas árvores mais belas Do que as árvores moças mais amigas Tanto mais belas quanto mais antigas Vencedoras da idade e das procelas O homem a fera e o inseto à sombra delas Vivem livres da fome e de fadigas E em seus galhos abrigamse as cantigas E os amores das aves tagarelas Não choremos amigo a mocidade Envelheçamos rindo Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem Na glória da alegria e da bondade Agasalhando os pássaros nos ramos Dando sombra e consolo aos que padecem Os versos mostram a negação do luto pela mocidade que passou e uma idealiza ção da velhice em oposição à juventude que é percebida ora com desprezo ora com triunfo Outros modos de evitação do processo de luto nessa fase da vida têmse apresentado como formas de idealização de uma maneira de viver a velhice em nossa so ciedade que evita o contato emocional com as marcas do processo de envelhecimento Muitas vezes há uma ânsia compulsiva em permanecer jovem uma preocupação exa gerada com a saúde e a aparência o sur gimento de atitudes que evidenciam pro miscuidade sexual no sentido de sentirse jovem e provar a manutenção da potência São posturas que buscam negar a passagem do tempo e muitas vezes evidenciam um empobrecimento da vida emocional Tais situações denotam que a concepção de vi da para aquele indivíduo em um contexto no qual a perspectiva da morte pessoal se faz mais presente está sendo vivenciada de forma persecutória e a dor decorrente evi tada por meio do uso de defesas maníacas Ocorre assim um afastamento temporário da depressão mas não se evita o acúmulo de ansiedade persecutória que em algum momento precisará ser enfrentada quan do então não será possível adiar o reco nhecimento da inevitabilidade do envelhe cimento e da morte14 Em contraste com o soneto de Bilac a Canção na plenitude de Lya Luft33 lan ça um olhar sereno e integrado sobre a ve lhice que pode ser rica e criativa sem ser maníaca Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente e a pele Psicoterapia de orientação analítica 783 translúcida há muito se manchou Há rugas onde havia sedas sou uma estrutura agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia O que te posso dar é mais que tudo o que perdi doute os meus ganhos A maturidade que consegue rir quando em outros tempos choraria busca te agradar quando antigamente quereria apenas ser amada Posso darte muito mais do que beleza e juventude agora esses dourados anos me ensinaram a amar melhor com mais paciência e não menos ardor a entenderte se precisas a aguardarte quando vais a darte regaço de amante e colo de amiga e sobretudo força que vem do aprendizado Isso posso te dar um mar antigo e confiável cujas marés mesmo se fogem retornam cujas correntes ocultas não levam destroços mas o sonho interminável das sereias Nesse caso há no psiquismo uma fusão pulsional na qual o ódio é mitigado pelo amor As vivências de morte e destrui ção podem ser suavizadas pela reparação permitindo a convivência com a morte co mo parte da vida sem um sentimento es magador de perseguição A juventude que passou pode continuar valorizada como nutriente da velhice que agora é vivida Co mo afirma Elliot Jaques14 A posição depressiva infantil pode ser mais extensamente elaborada incons cientemente amparada pela força maior do teste de realidade disponível ao indivíduo quase maduro Nesta re elaboração da posição depressiva po demos inconscientemente readqui rir a sensação primitiva de integri dade das nossas próprias coisas boas e dos bons atributos de nossos obje tos bons atributos que são suficientes mas não idealizados e que não estão sujeitos a uma perfeição vazia O TRABALHO PSICOTERÁPICO COM O IDOSO As indicações para psicoterapia de orienta ção analítica não se modificam quando se trata de um paciente idoso Observamse a motivação a disponibilidade para com parecer às sessões pelo menos em médio prazo a capacidade para experimentar e também observar em si próprio estados de afeto intensos a possibilidade de tole rar algum grau de depressão decorrente do tratamento e a capacidade para estabelecer um relacionamento estável34 Como é ne cessária a capacidade de insight avaliase a presença ou não de déficit cognitivo não estando indicada essa modalidade terapêu tica para pacientes com quadros demen ciais Também não está indicado esse tipo de tratamento para aqueles em situação de risco ou emergência O tipo de patologia segue os mesmos padrões das outras faixas etárias quanto à indicação de psicoterapia de orientação analítica tais como déficits adaptativos devidos à reativação de con flitos transtornos reativos não psicóticos crises vitais e acidentais em pacientes com dificuldades decorrentes de padrões carac terológicos não muito incapacitantes34 O tempo disponível para realizar e aproveitar a psicoterapia Um aspecto entretanto deve ser levado em consideração de forma mais cautelosa no caso de pacientes idosos a questão do 784 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tempo de que o indivíduo dispõe para vi venciar o que é percebido no tratamento Por um lado como refere Coltart10 o pacien te pode ter uma sensação de agora ou nunca que promove uma intensa dedicação ao traba lho terapêutico uma diminuição da vergonha não tenho tempo para isso e uma habilida de para reconhecer oportunidades ocultas Por outro lado existe o risco con tratransferencial de o terapeuta sentirse compelido a produzir resultados rápidos premido pelo sentimento de carência de tempo que a dupla pacienteterapeuta com partilha28 Esse sentimento de que essa é a últi ma chance também é relatado por King9 na análise bemsucedida de uma mulher de 63 anos de idade As pressões exercidas pe las mudanças dessa etapa do ciclo da vida além de ser o que leva o paciente ao tra tamento também introduzem uma nova dinâmica e um senso de urgência à terapia facilitando uma aliança terapêutica mais produtiva do que aquela que se estabele ce com pacientes mais jovens9 Todavia como lembram Eizirik e colaboradores7 pode ser doloroso para o paciente idoso perceber as limitações que teve em sua vida em função de suas dificuldades Sugerem os autores que a integração das experiências pas sadas deve ser feita respeitando a ma neira como foram vividas e não den tro de uma perspectiva de como deve riam ter sido vividas Um dos objetivos é ajudar o paciente a reconciliarse consigo mesmo isto é aceitar a vida vivida e as realizações conseguidas su cessos fracassos como as que foram possíveis sem aumentar sua culpa pelo que não pôde realizar ou pelos ideais de ego que não conseguiu atingir Observadas as indicações é possível que o pa ciente obtenha sucesso com um tratamento de objetivos ambiciosos como é o caso da psico terapia de orientação analítica Mesmo que os fatores desencadeantes de crise nesse período da vida sejam situações concretas de perda ou em última instância a proximidade da própria morte ainda será a reativação de fantasias e conflitos infantis desencadeada por esses es tressores o terreno fértil onde se desenvolve o tratamento Isso não significa desconhecimento da realidade concreta do paciente mas a busca da compreensão do quanto sua rea lidade interna está interferindo de forma negativa na adaptação a novas situações de vida objetivando o estabelecimento de no vo equilíbrio A transferência do paciente idoso Se tivermos em conta que nessa modali dade de tratamento lidamos com aspectos inconscientes é fácil entender que a even tual diferença de idades entre terapeuta e paciente idoso não se constitui problema pois o que de fato importa é a idade no mundo interno Como assinala Pearl King9 durante o proces so de tratamento lidaremos com as escalas cronológica psicológica e biológica que esta rão funcionando de forma concomitante embo ra com o predomínio de alguma e ao mesmo tempo com a atemporalidade dos processos in conscientes Dessa forma saímos da concretude da velhice do paciente para compreender Psicoterapia de orientação analítica 785 suas manifestações transferenciais O pa ciente pode ver o terapeuta na transfe rência como uma figura significativa do passado de maneira que se comporta em relação a este considerando a experiência vivida anteriormente9 Os traumas relativos à puberdade e à adolescência são os que aparecem com mais frequência na transferência do idoso O terapeuta independentemente de sua idade real é sentido como aqueles adultos que foram significativos nessas fases do ci clo de vida do paciente Isso se deve às se melhanças embora no sentido inverso das tarefas de desenvolvimento da adolescência e da meiaidade e velhice9 1 ajustarse às mudanças sexuais e bioló gicas 2 darse conta de que esses ajustes causam ansiedade por ameaçar fontes básicas de segurança 3 a possível queda de rendimentos decor rente da aposentadoria conduz a um conflito de dependênciaindependên cia também sentido na adolescência 4 uma eventual mudança de casa com a necessidade de fazer novas amizades 5 as diversas mudanças sociais biológicas e psicológicas implicam queda de anti gas defesas e uma crise de identidade acompanhada de uma ferida narcisista e danos à autoestima A mesma autora refere que das par ticularidades que a realidade externa traz à terapia do idoso uma que a dupla terapeu tapaciente precisa enfrentar é a limitação no tempo de tratamento Isso pode influir nas respostas emocionais do terapeuta e significar tanto uma restrição quanto um incentivo Alguns pacientes podem negar a fase em que se encontram no ciclo de vida e dificultar o processo de alta Podem por exemplo fazer uma reversão da perspecti va ligada à fantasia de que se não melhora rem estarão alheios ao tempo e portanto alheios ao envelhecimento e à morte Os afetos por vezes erotizados ou psicóticos ou mesmo positivos que acom panham a transferência podem ser muito intensos em pacientes idosos9 Também é possível ocorrer uma quantidade de catexia residual em relação ao terapeuta que ab sorve mais espaço e emoção do que ocorre com pacientes mais jovens Esse fenôme no pode estar relacionado à possibilidade maior destes últimos de encontrar novos objetos10 A contratransferência na psicoterapia do idoso As características da transferência do pa ciente idoso associadas às peculiaridades da etapa do ciclo vital em que se encontra poderão promover reações contratransfe renciais que se não examinadas produ zirão dificuldades no tratamento desses pacientes Coltart10 sugere que como muitas vezes o terapeuta será mais jovem do que seu paciente idoso não terá vivenciado uma série de situações relativas ao processo de envelhecimento experiência que se tor na mais marcada e mais complexa quanto mais longe se avança Assim assinala a im portância da empatia nesse tipo de relação entendendoa como uma combinação de identificação imaginação e intuição O trabalho com idosos pode desper tar temores no terapeuta não só quanto ao próprio envelhecimento e à morte mas também quanto ao envelhecimento e à morte dos próprios pais Esses sentimen tos se não adequadamente elaborados provocam um desejo de distanciamento na relação terapêutica para evitar a dor que evocam Da mesma forma podem ser rea 786 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tivados sentimentos inaceitáveis da relação com os próprios pais Pode ser difícil para o terapeuta por exemplo a abordagem da sexualidade do paciente idoso na medida em que reativa a conflitiva edípica Tam bém a percepção das aspirações frustradas na vida do paciente pode gerar ansiedade quanto às aspirações do próprio terapeuta agregando dificuldades ao trabalho A pro ximidade da morte do paciente pode gerar um obstáculo no investimento afetivo nele pelo temor da perda7 Assim é imprescindível para o terapeuta a re solução dos conflitos infantis com seus próprios pais e uma elaboração satisfatória do estágio do ciclo de vida em que se encontra9 A impos sibilidade de transitar livremente em situações no tratamento com pacientes idosos devido a pontos cegos do próprio terapeuta levao a de fenderse do contato com o paciente por meio de condutas que infantilizam o idoso menos prezam suas capacidades e dificultam a ela boração de conflitos que se tratados poderiam melhorar sua qualidade de vida Isso se faz particularmente importante com o idoso pois devido à percepção cultu ralmente aceita de que ele é incapaz maior atenção é necessária por parte de quem o trata no sentido de verificar o quanto há de real incapacidade ou se a inaptidão provém de dificuldades do terapeuta CONSIDERAÇÕES FINAIS A possibilidade de um indivíduo idoso buscar tratamento em nosso consultório vem naturalmente crescendo na medida em que aumenta a expectativa de vida da população Não é novidade o tratamento para pacientes nessa faixa etária O que se pode caracterizar como inovação é a pos sibilidade de os terapeutas considerarem a abordagem psicoterápica de orientação analítica além das demais modalidades de tratamento que já vêm sendo utilizadas A despeito das dificuldades específi cas do paciente idoso cada um deles traz também alguma coisa a transmitir ao seu terapeuta a partir do que acumulou em sua trajetória de vida possivelmente mais do que pacientes mais jovens uma estratégia pessoal para encarar os dissabores uma habilidade de rir de si mesmo de valorizar as pequenas coisas do cotidiano estrata gemas e artifícios pequenos truques de vida aperfeiçoados ao longo das décadas Fragmentos de vivências que nos ajudam a elaborar o próprio envelhecimento e a pró pria morte Chamamos a essa coleção de ferramentas amealhadas ao longo da vida de sabedoria28 A literatura psicanalítica é rica em descrições das dificuldades do envelhecer e dos efeitos positivos das psicoterapias psi canalíticas que quando bemsucedidas possibilitam que o idoso aceite seu novo self velho e desenvolva novos interesses narcisisticamente gratificantes o que aca ba por restaurar a autoestima ferida1112 Entretanto quando busca ajuda o pacien te não tem ideia do que lhe será oferecido nem compete a ele a indicação da modali dade de tratamento Esta é função do tera peuta Eis por que julgamos oportuno salientar a im portância de que o terapeuta que se dispõe a tratar o paciente idoso considere a psicoterapia de orientação analítica como método de trata mento viável não o alijando do imenso poten cial da abordagem psicodinâmica com base em preconceitos pessoais e valores culturais negativos Ao contrário temos o compromisso de contribuir para que esta seja uma sociedade para todas as idades Psicoterapia de orientação analítica 787 REFERÊNCIAS 1 Leavy SA Book review growing old a jour ney of selfdiscovery By Danielle Quinodoz Translated by David Alcorn New York Rou tledge 2009 xiv 218 pp J Am Psychoanal Assoc 2010584797804 2 Quinodoz D Growing old a psychoanalysts point of view Int J Psychoanal 2009904 77393 3 Goldman D Vital sparks and the form of things unknown Psychoanalytic Inquiry 2013331320 4 World Health Organization Internet Ageing and life course interesting facts about ageing PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia do idoso pode ser uma experiência apaixonante para o terapeuta por proporcionar ao paciente a oportunidade de situar o fim de sua vida dentro do contexto de sua trajetória completa 2 Na atualidade não há um critério etário padrão para o conceito de velhice mas as Nações Unidas estão de acordo com um ponto de corte de 60 anos ou mais para a população idosa Essa conceituação impre cisa revestese de maior incerteza no caso do Brasil país com realidades socioeconômicas tão heterogê neas que permite a relativização de critérios para a velhice dependendo da população que se contemple 3 Menos de 5 das pessoas com mais de 65 anos necessitam de cuidados por terem perdido a capaci dade de gerirem as próprias vidas 4 A avaliação e as indicações para psicoterapia psicodinâmica do idoso ocorrem da mesma forma que em outras etapas da vida De maneira análoga ao que preconiza o aforismo médico de que devemos nos preocupar mais com o doente do que com a doença mais importante que a própria velhice é a pessoa Avaliase antes de tudo o indivíduo e suas possibilidades mediante o levantamento de sua trajetória de vida para compreender do ponto de vista psicodinâmico o momento em que o sujeito se encontra 5 As perdas são os principais estressores nesse período da vida e a possibilidade de reparação dessas perdas uma das principais tarefas evolutivas nesse momento Isso pode ser dificultado pelo efeito cumulativo das perdas ou por estarem centradas no próprio indivíduo Também é relevante a quanti dade de investimento narcisístico no que está sendo perdido Quanto maior o investimento no objeto ou na função perdida mais difícil lidar com sua perda 6 A morte surge nessa fase de forma consciente não mais sendo experimentada como a perda de outra pessoa mas da sua mortalidade real e concreta Uma relação tranquila com a própria mortalidade depende da natureza da elaboração da posição depressiva infantil no sentido da noção de integridade dos aspectos bons de si próprio e de seus objetos 7 A diferença de idades entre terapeuta e paciente idoso não é obstáculo pois o que realmente importa é a idade no mundo interno Traumas relativos à puberdade e à adolescência são os que mais aparecem na transferência do idoso O terapeuta independentemente de sua idade real é sentido como aqueles adultos que foram significativos nessas fases do ciclo vital 8 O trabalho com idosos pode despertar temores no terapeuta não só quanto ao próprio envelhecimento e à morte como também quanto à dos próprios pais Esses sentimentos se não elaborados podem provocar distanciamento na relação terapêutica para evitar a dor que evocam Também podem ser reativados sentimentos inaceitáveis da relação com os próprios pais por exemplo a abordagem da sexualidade do paciente idoso na medida em que reativa a conflitiva edípica Ademais a percepção das aspirações frustradas na vida do paciente pode gerar ansiedade quanto às aspirações do próprio terapeuta 9 É importante que o terapeuta considere a psicoterapia de orientação analítica como método viável não alijando o idoso do imenso potencial da abordagem psicodinâmica com base em preconceitos pessoais e valores culturais negativos 788 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Geneva WHO c2013 capturado em 23 jul 2013 Disponível em httpwwwwhoint ageingaboutfactsenindexhtml 5 Vasconcellos MCG A velhice na socieda de moderna imagens e práticas ideológicas dissertação Porto Alegre UFRGS 1996 6 Freud S Sobre a psicoterapia 1905 1904 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 7 p 274 7 Eizirik CL Kapczinsky F Knijnik J Vascon cellos MCG Psicoterapia na velhice In Cor dioli AV organizador Psicoterapias aborda gens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médi cas 1998 p 48593 8 Pechansky I Psicoterapia do velho conside rações gerais Rev Psiquiatr RS 19801217 19 9 King P The life cycle as indicated by the nature of the transference in the psychoa nalysis of the middleaged and elderly Int J Psychoanal 198061Pt 215360 10 Coltart NEC The analysis of an elderly pa tient Int J Psychoanal 199172220919 11 Lax RF Becoming really old the indignities Psychoanal Q 200877383557 12 Chessick RD The interaction of existen tial concerns and psychoanalytic insights in the treatment of contemporary patients J Am Acad Psychoanal Dyn Psychiatry 200937350118 13 Abraham K La aplicabilidad del tratamien to psicoanalítico a los pacientes de edad avanzada In Abraham K Psicoanálisis clí nico Buenos Aires Hormé 1959 p 23842 14 Jaques E Morte e crise da meiaidade In Spillius EB editor Melanie Klein hoje de senvolvimentos da teoria e da técnica Rio de Janeiro Imago 1990 p 24870 15 Sandler AM Problems of development and adaptation in an elderly patient Psychoanal Study Child 19843947189 16 Cremin MC Feeling old versus being old views of troubled aging Soc Sci Med 19923412130515 17 Ba G Group therapy with elderly patients Psychother Psychosom 199156315761 18 Eizirik CL Candiago RH Knijnik DZ A ve lhice In Eizirik CL Kapczinski FP Bassols AMS organizadores O ciclo da vida huma na uma perspectiva psicodinâmica Porto Alegre Artmed 2001 p 16989 19 Gay P Freud uma vida para nosso tempo São Paulo Companhia das Letras 1989 p 386 20 Bornholdt I Construções da temporalida de no desenvolvimento normal Revista La tinoamericana de Psicoanálisis 20046221 38 21 Goldim JR Internet Abuso em velhos Porto Alegre Bioética UFRGS 2000 captu rado em 23 jul 2013 Disponível em http wwwbioeticaufrgsbrgerabuhtm 22 Bobbio N O tempo da memória de senec tute e outros escritos autobiográficos Rio de Janeiro Campus 1997 23 Featherstone M O curso da vida corpo cul tura e o imaginário no processo de enve lhecimento In Debert GG organizador An tropologia e velhice Campinas UNICAMP 1994 Textos didáticos v 13 p 4971 24 Eizirik CL Vasconcellos MCG Whilhelms FM Knijnik J Souza N Padilha RTL et al Psicoterapia de grupo e sexualidade na ve lhice Rev Bras Psicoter 20013216775 25 Freud S Reflexões para os tempos de guer ra e morte 1915 In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 14 p 327 26 Eizirk CL Polanczyk GV Eizirk M A mor te última etapa do ciclo vital In Eizirik CL Bassols AMS organizadores O ciclo da vida humana uma perspectiva psicodinâmica 2ed Porto Alegre Artmed 2013 27 Cath SH Miller N Scientific proceedin gs panel reports the psychoanalysis of the older patient J Am Psychoanal Assoc 198634116377 28 Chachamovich JJ Rosa AC Contratransfe rência no atendimento ao paciente idoso In Zaslavsky J Santos MJP organizadores Contratransferência teoria e prática Porto Alegre Artmed 2006 p 193208 29 Cícero MT Catãoovelho ou da Velhice Lisboa Cotovia 1998 30 Wilde O O retrato de Dorian Gray Rio de Janeiro Ediouro 1998 Psicoterapia de orientação analítica 789 31 Assis M Dom Casmurro texto integral 29 ed São Paulo Ática 1995 32 Bilac O Obra reunida Rio de Janeiro Nova Aguilar 1996 p 336 33 Luft L Secreta mirada 6 ed São Paulo Man darim 2001 p 151 34 Machado SCEP Vasconcellos MCG Psica nálise e psicoterapia de orientação analítica In Cordioli AV organizador Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 13743 O momento de uma hospitalização psiquiá trica reflete a falência ainda que temporá ria do aparelho psíquico em dar conta de todas as suas necessidades e demandas Pe lo período em que estiver hospitalizado o paciente irá utilizar mais do que nunca a mente do terapeuta como seu ego auxiliar seu continente e sua fonte de contato com a realidade externa Além disso ainda con tará com a equipe de enfermagem com os demais pacientes com o serviço social e de terapia ocupacional e mesmo com a pró pria estrutura física hospitalar para ajudá lo a conter e transformar sua condição de funcionamento mental primitivo e poten cialmente destrutivo Neste capítulo será abordada a dinâ mica do paciente hospitalizado utilizando como protótipo o paciente psicótico Em termos psicodinâmicos reconhecemos co mo psicóticos aqueles indivíduos nos quais a relação com a realidade está severamente prejudicada Freud1 considerava que nas neuroses o conflito se dava entre o ego e o id e nas psicoses entre o ego e a realidade Tratase portanto da abordagem não ape nas daqueles pacientes considerados psicó ticos pela psiquiatria clássica mas de todos aqueles com teste de realidade severamente prejudicado Nossos pontos de interesse e pesqui sa são 1 As teorias de Freud com ênfase na teo ria da libido e das pulsões de vida e de morte e os desenvolvimentos de André Green sobre o tema O narcisismo e a dificuldade em estabelecer um trabalho cooperativo com pacientes graves 2 O estudo das relações de objeto do pa ciente psicótico em especial o intenso uso da identificação projetiva carac terístico desses pacientes o trabalho de Wilfred Bion e Herbert Rosenfeld com pacientes psicóticos os efeitos da identificação projetiva sobre a mente do terapeuta 3 As possibilidades de abordagem e tratamento de pacientes graves reco nhecendo inicialmente as limitações do paciente e a necessária tolerância do terapeuta para a constituição de uma dupla 4 A unidade hospitalar e as vicissitudes de concentrar em um ambiente diver sos pacientes acometidos por doença mental severa Os efeitos da doença mental sobre a equipe de atendimento e seu manejo Algumas características do funcionamento dos grupos 45 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE HOSPITALIZADO Igor Alcantara Eugenio Horacio Grevet Psicoterapia de orientação analítica 791 A DIFICULDADE EM ACESSAR O PACIENTE PSICÓTICO O paciente psicótico sempre representou um desafio para a abordagem psicodinâmi ca Ainda que seja exatamente nesses casos graves que se obtém uma visão profunda e bem ilustrada dos mecanismos envolvidos na psicopatologia ao mesmo tempo esses pacientes se mostram via de regra menos acessíveis ao tratamento dinamicamente orientado Freud1 considerava que as neuroses narcísicas o que hoje classificamos como as psicoses em geral sem base orgânica definida2 não seriam influenciadas pelo método analítico e o motivo para essa di ficuldade está na incapacidade do psicótico em estabelecer neurose de transferência Freud1 inclusive opunha os dois tipos de neurose de acordo com a capacidade de transferir libido ao objeto ou mantêla re presada no ego Mais tarde reservou a ex pressão neurose narcísica para os estados melancólicos nos quais do mesmo modo a libido é retirada do mundo externo e reti da no ego e nos objetos internos O pessimismo descrito por Freud3 pode ser entendido à luz da teoria da libido e das pulsões e do fenômeno do narcisismo patológico A libido considerada por ele o substrato da pulsão sexual distribuise pelo órgãos determinando as diferentes fa ses do desenvolvimento Assim há as fases oral anal sádica e fálica seguidas pelo pe ríodo de latência e depois a união dessas tendências sob o primado da genitalidade próprio da fase genital e a puberdade Es sas diferentes fases ilustram a distribuição da libido no organismo e a elas os pacien tes graves regridem de forma intensa nos estados psicóticos Concomitantemente a essa libidini zação do organismo ocorre a inauguração do mundo psíquico As variações na in tensidade dessa distribuição determinam os pontos de fixação e contribuem para a formação do caráter Ainda de forma con comitante e complementar essa libido se distribui em direção aos objetos Freud3 comparou o movimento da libido em di reção ao objeto ao comportamento de pro tozoários em relação a partículas em seu entorno Eles emitem protusões conhecidas como pseudópodos para dentro dos quais eles fazem fluir as substâncias de seu corpo São capazes no entanto de retrair essas protusões novamente e de se transformar de novo em um glóbulo3 Assim a libido se dirige ao objeto ex terno estabelecese uma ligação mais ou menos significativa entre ego e objeto e es se objeto externo é agora incorporado sob a forma de um objeto interno Ao mesmo tempo existe a possibilidade de retração da libido no ego característica básica da fase autoerótica do desenvolvimento Na capacidade do ego de investir a libido nos objetos e estabelecer relacionamentos está a chave para a eficiência da técnica psicoterá pica de orientação analítica Quanto maior for a capacidade do paciente de ligarse aos objetos e como consequência ao terapeu ta maior a influência do tratamento Por esse motivo a psicanálise obteve seus pri meiros êxitos terapêuticos no atendimento das pacientes histéricas em geral com um funcionamento borderline com especial habilidade de realizar intensa transferência No caso de pacientes gravemente enfermos utilizando como protótipo os psicóticos mas incluindose no grupo também os melancólicos os maníacos os adictos e aqueles com transtornos alimen tares em termos libidinais o que ocorre é a retenção da libido no ego e uma extre 792 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ma resistência em dirigir essa libido aos objetos Ou ainda a ligação ao objeto de forma perversa em que o reconhecimento do objeto não importa ele está ali apenas para satisfazer a meta da pulsão e propor cionar descarga A retenção excessiva de li bido no ego é o que constitui o narcisismo patológico daí a expressão neuroses narcí sicas usada por Freud para denominar os pacientes psicóticos A interação com esses pacientes costuma mobilizar uma contra transferência de impotência sentimos que o paciente está indiferente ao que oferece mos e que nossos esforços terapêuticos não irão atingilo O desenvolvimento da teoria das pulsões de Freud3 explica o fenômeno do narcisismo normal e patológico Neste capítulo iremos nos deter na patologia se vera De acordo com as direções tomadas pela libido energia as pulsões foram a princípio agrupadas por Freud em pulsões de autoconservação e sexuais Já existe aqui um ensaio do desenvolvimento seguinte a dicotomia entre pulsões do ego e de objeto Entretanto em 1920 Freud4 reformulou a teoria das pulsões agrupando todas essas tendências em Eros ou pulsões de vida Essa pulsão de vida opõese a Tânatos ou pulsão de morte A pulsão de vida contém todas as ten dências à ligação à busca do objeto e a es tabelecer ainda o relacionamento entre as estruturas id ego e superego e os objetos internos A pulsão de vida é o que dinami za e une as estruturas do mundo interno e enseja a busca desse mundo interno pelos objetos externos que por sua vez serão introjetados e irão enriquecer o mundo in terno em um processo contínuo de busca e transformação O efeito da pulsão de morte se faz reconhecer por meio de uma oposição a esses movimentos de vida Para Freud4 a pulsão de morte representa uma tendência de todo o organismo de buscar um retorno ao inanimado considerando que a matéria viva teve origem na matéria morta a pul são de morte opera na busca do inorgânico do inanimado Livrando o organismo de qualquer busca ele fica liberado de qual quer tensão ou necessidade Essa tendência ao desligamento a desestrutu ração das re lações com o mundo externo e interno e a busca do inorgânico podem ser verificadas em diversos estados mentais dos pacientes que encontramos hospitalizados Assim pacientes com esquizofrenia desinvestem o mundo externo vivendo em isolamento narcísico e sem condições de travar relacionamentos amorosos ou de prover os meios para sua subsistência Desinvestem também o mundo interno enfraquecendo o ego que passa a apresen tar um funcionamento carente de simbo lização e incapaz de buscar realizações ao longo da vida Os adictos atacam essa re alidade externa com intoxicações com as quais experimentam a ilusão de não terem nenhuma necessidade ou frustração Os melancólicos desinvestem os objetos ex ternos e os atacam mediante o ataque aos objetos internos culminando nas tendên cias suicidas uma forma de eliminar ao mesmo tempo o ego e os objetos introje tados O suicídio representa a única forma de se livrarem das exigências da vida e das tensões inerentes ao estado orgânico Nos transtornos alimentares verificamos igual tendência a retirar a libido do mundo ex terno e mantêla retida de forma concreta no próprio corpo ficando ainda o ego enfraquecido incapaz de ter autoconsciên cia desse próprio corpo não permitindo a avaliação dos cuidados necessários a sua sobrevivência Os pacientes maníacos apa rentemente interessados em todas as possi bilidades que a vida pode oferecer atacam Psicoterapia de orientação analítica 793 a própria capacidade de manter saudável a vinculação com os objetos externos que ali estão apenas para satisfazêlo sem a neces sidade de consideração e respeito ou seja destruindo os vínculos objetais Pacientes borderline apesar de sua intensa capacida de para vinculação aos objetos desinves tem seu mundo interno atacando os limi tes de suas estruturas de forma que não há mais diferenciação entre id ego e superego O próprio aparato mental e suas funções estão desinvestidos O resultado é o carac terístico funcionamento caótico desses pa cientes nos quais uma demanda do id se sobrepõe sob a forma da impulsividade e como sequência imediata uma intensa cul pa advém do superego estando o ego sem condições de administrar o primitivismo dessas demandas André Green5 enriqueceu as teo rias de Freud sobre o dualismo pulsional pulsão de vida e pulsão de morte em seus trabalhos sobre a pulsão de morte e o narcisismo maligno Reforçou que a prin cipal função da pulsão de vida é garantir uma função objetalizante ou seja garantir ao ego a capacidade de estabelecer víncu los verdadeiros e estáveis com os objetos Em oposição a principal característica da pulsão de morte seria o estabelecimento da função desobjetalizante Nas situações de doença grave dos pa cientes hospitalizados deparamonos com casos em que a pulsão de morte e sua cor respondente função desobjetalizante estão predominando no funcionamento do apa relho mental A capacidade de ligarse aos objetos externos está atacada o paciente não se interessa em interagir com a equipe ou seguir as recomendações para seu res tabelecimento Além dos objetos externos os objetos internos também perdem sig nificância na mente do doente Podemos constatar o vazio representacional em que o paciente parece ser constituído de nada ou quase nada além de seus delírios e alu cinações ou seu comportamento desorga nizado e destrutivo Quando na sequência entrevistarmos um paciente só temos a relatar sua conduta não houve a transmis são de sentimentos que pudessem indicar o que se passa no mundo interno daquela pessoa O único sentimento presente é a desesperança e o vazio Além de desinvestir o mundo e os objetos externos a pulsão de morte desin veste as próprias estruturas internas e a or ganização do aparelho mental6 A ligação e o relacionamento entre id ego e superego estão atacados e o resultado é um estado metal caótico com a predominância do funcionamento do id que é própria das psicoses em geral Além de atacar as estruturas internas a pulsão de morte toma o investimento co mo objeto e o enfraquece É o desinvesti mento da própria capacidade de investir tomada agora como objeto O desinvesti mento do investimento A ação da pulsão de morte instala então um funcionamento narcísico patológico e severo no aparelho mental o investimento libidinal não foi apenas retido no ego em detrimento das re lações objetais mas também o ego e suas fun ções foram desinvestidos resultando em uma alienação não apenas do mundo mas também de si mesmo O paciente não contempla mais sua realidade externa nem sua realidade inter na fica apartado de si mesmo e de sua identi dade Nesse estado mental o psicótico é capaz de permanecer por horas ou dias isolado em seu quarto sem buscar relacionamentos e sem de monstrar necessidades Ao terapeuta compete ajudar esse pa ciente a reconstituir seu aparelho mental 794 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs danificado para que então possa utilizálo para restabelecer o contato função objeta lizante consigo mesmo e com o mundo Para tanto o terapeuta oferecese como um objeto constante interessado que irá em busca do paciente dentro da unidade hospitalar e não apenas esperar que o pa ciente o procure como nos atendimentos ambulatoriais Ao considerar as possibilidades do tratamento analítico para pacientes com es quizofrenia Freud1 demonstrou pessi mismo em mais de um trabalho deixando clara a oposição entre neuroses narcísi cas psicoses e neuroses de transferência considerando aqueles como incapazes de estabelecer transferência É necessário sa lientar que Freud se preocupava com a inserção da psicanálise como método te rapêutico válido para diversos transtornos mentais e era evidente que os psicóticos não seriam os principais beneficiados com a técnica Isso não significa que uma com preensão psicodinâmica e o uso de uma técnica adaptada a cada paciente não sejam de extrema utilidade ao abordar pacientes graves hospitalizados tanto para a com preensão destes como para identificar as repercussões da doença sobre a equipe de trabalho Ainda pensando no futuro da psico dinâmica com pacientes psicóticos Freud3 afirmou Os distúrbios narcísicos e as psico ses relacionadas a eles só podem ser decifrados por observadores forma dos no estudo analítico das neuroses de transferência Nossos psiquiatras porém não são candidatos a forma ção analítica e nós psicanalistas ve mos muito poucos casos psiquiátri cos Primeiro será necessário que se forme uma geração de psiquiatras que tenha passado pela escola da psicaná lise como ciência preparatória AS RELAÇÕES OBJETAIS NOS PACIENTES PSICÓTICOS E A INTENSIDADE DO USO DA IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA Os motivos que costumam demandar uma hospitalização psiquiátrica incluem risco à própria integridade ou à de terceiros evi denciando o universo mental de intenso sadismo no qual pacientes graves estão vi vendo O conceito de identificação projetiva IP7 fun damental para a teoria das relações objetais é de extrema importância na compreensão dos motivos que levam o paciente a necessitar de hospitalização e principalmente na compreen são da dinâmica do paciente dentro da unidade de internação Ao mesmo tempo a intensidade do fenômeno IP será o veículo para a compreen são da mente do paciente e aquilo que não for compreendido poderá dificultar sobremaneira a abordagem do doente e o aproveitamento do tratamento hospitalar Assim como a transferência foi des crita inicialmente por Freud como um obs táculo ao tratamento para depois assumir papel central como ferramenta terapêutica também a IP tanto poderá ser bem utiliza da como comunicação de estados mentais como invadir a mente de toda a equipe causando dificuldades que poderão em última instância até mesmo inviabilizar o tratamento Quando as primeiras pacientes histé ricas foram atendidas por Freud e Breuer a intensidade dos sentimentos eróticos representou no início um obstáculo à in fluên cia terapêutica A observação de Freud de que os enamoramentos representavam a transferência de relações anteriores dessas Psicoterapia de orientação analítica 795 pacientes para a pessoa do terapeuta além de uma forma de resistir ao tratamento trouxe dois efeitos em primeiro lugar o te rapeuta percebeu que lidava com um senti mento artificial no sentido de não ser ori ginalmente dirigido a sua pessoa Ele estava com a mente livre então para seguir tra balhando Em segundo lugar a transferên cia trazia consigo comunicações a respeito do mundo psíquico das pacientes objetivo primordial dos tratamentos dinamicamen te orientados conhecer o mundo interno tornando conscientes aqueles conteúdos que habitam o sistema inconsciente Um fenômeno semelhante ocorre no caso das identificações projetivas Ao serem compreendidas funcionam como comuni cação e informação se não compreen didas como obstáculo Aqui vale lembrar o conceito apre sentado por Klein nas palavras de Bion8 Por meio desse mecanismo o pacien te escinde uma parte de sua persona lidade e a projeta para dentro do ob jeto onde se instala por vezes como um perseguidor deixando a psique da qual foi escisada correspondente mente empobrecida Ou seja o aparelho mental do pacien te psicótico fica bastante empobrecido pois suas funções são projetadas e depo sitadas no interior dos objetos Estes são percebi dos como objetos bizarros pelo paciente assumindo características persecutórias Predominando a parte neurótica da personalidade8 a IP representa uma forma primitiva de comunicação oriunda das re lações do bebê com a mãe quando a lin guagem ainda não está desenvolvida e que consiste em o bebê inocular no interior da mãe elementos que não pode tolerar den tro de si para que essa mãe possa decodifi car e devolver ao bebê algo mais tolerável Na linguagem de Bion8 o bebê está sobre carregado de elementos beta evacua esses elementos no corpo da mãe e esta os con tém função continente e os transforma em elementos alfa rêverie materna para depois devolver ao bebê A IP é o veículo de comunicação do bebê com a mãe A mãe se estiver saudável devolve essa comuni cação ao bebê por meio de todas as capa cidades e da sofisticação de um aparelho mental maduro por meio da palavra do tom de voz do afago físico do olhar e de formas já características de funcionamento da dupla mãebebê Nos pacientes hospitalizados a equi pe irá desempenhar o papel materno con tendo as intensas projeções decorrentes da fragmentação do ego dos pacientes e devol ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 O paciente foi amparado pelo técnico de enfermagem que colocou a mão em seu braço para ajudálo a sen tarse para almoçar Imediatamente o paciente agrediu o enfermeiro Ao ser inquerido o paciente declarou que se o técnico lhe tocou o braço era evidente que desejava uma aproximação sexual pois ele não ajuda va a todos a se sentarem para almoçar O paciente mostrase incapaz de reconhecer as fronteiras do self sua excitação sexual não pode ser contida como fantasia não é reprimida ou sublimada é identificada no outro O enfermeiro é reconhecido como um objeto bizarro que faz uma proposta sexual explícita diante de todos os demais o paciente se sente acusado de ser homossexual Ao mesmo tempo o ego enfraquecido não consegue conter o impulso ou gerar um pensamento a percepção é automaticamente convertida em ação 796 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs vendo mediante disponibilidade afetiva esclarecimentos e quando possível inter pretações Predominando a parte psicótica da personalidade a IP ocorre de maneira mui to mais intensa não apenas algumas partes da personalidade são projetadas todo o ego está sofrendo um processo de fragmen tação e projeção sobre os objetos os quais sentem o peso dessa invasão e perdem a ca pacidade de pensar e decodificar o que está ocorrendo Essa confusão entre ego e obje to prejudica ainda a capacidade de simbo lização O psicótico não entende o símbolo como algo que representa o objeto mas co mo sendo o próprio objeto caracterizando o pensamento concreto9 Ao mesmo tem po o ego do paciente fica intensamente en fraquecido considerando que foi fragmen tado e projetado para fora perdendo suas funções Temse então um paciente com o ego enfraquecido pelas excisões e rodeado por objetos que receberam a projeção des sas partes cindidas sendo vivenciados pelo paciente como perseguidores A fragilidade do paciente com o ego fragmentado sentindose cercado por ob jetos bizarros percebidos como persegui dores começa a desenhar o quadro que irá resultar na necessidade de hospitalização psiquiátrica Nos momentos em que predomi nar a parte neurótica da personalidade na equipe de forma progressiva a IP será com preendida servirá como veículo para a compreensão do mundo interno do pa ciente será metabolizada e devolvida ao indivíduo de forma mais compreensiva respeitando suas capacidades e seu tempo As partes cindidas serão reintrojetadas no ego e o paciente se sentirá mais integrado reavendo a posse de seu aparelho mental A equipe estará aliviada e manterá sua ca pacidade de pensar ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Paciente com esquizofrenia sentindo que o medicamento que sua mãe lhe alcançara continha algum vene no recusouse a ingerilo Com a insistência da mãe sentiase progressivamente mais perseguido e aca bou por agredila trancavase no quarto tentando escapar da perseguição ou deixava de alimentarse pe los mesmos medos A partir do momento em que foi hospitalizado todo esse complexo nível de relacionamento transferiuse para a equipe de atendimento Agora a equipe e toda a estrutura hospitalar irão representar a mãe primiti va o continente capaz ou não de conter e transformar as ansiedades arcaicas do paciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Durante o atendimento o terapeuta se viu impelido a concordar com o paciente sobre a possibilidade de um passeio no fim de semana Ao sair da sala de atendimento esse terapeuta foi acometido de um mal estar físico uma sensação de perigo e em seguida liberado do efeito das identificações projetivas maci Continua Psicoterapia de orientação analítica 797 Quando predominar a parte psicótica da personalidade nos membros da equipe estes se sentirão sobrecarregados pelas pro jeções dos pacientes repletas de agressão O mesmo fenômeno que ocorre na mente do paciente ocorrerá na equipe e esta irá se tornar dissociada Não haverá ego suficien te para manter os pensamentos e sentimen tos integrados e eles se dividirão Segundo Bion8 as principais caracte rísticas do funcionamento psicótico ou da parte psicótica da personalidade derivadas do atendimento de pacientes com esquizo frenia são a Predominância da agressividade e da destrutividade nas relações fenômeno já descrito por Melanie Klein ao atender crianças psicóticas A tendência ao amor é também impregnada pela agressivida de convertendose em sadismo forma de exercer o amor e o ódio em relação ao mesmo objeto b Ódio à realidade externa e interna e utilização de todos os mecanismos para atacar essa realidade sentida como penosa Existe uma fantasia onipotente de destruir a realidade Ocorre o ataque aos elos dos conteúdos mentais O pensamento e a simbolização são atacados resultando no pensamento concreto as palavras não sim bolizam mais as coisas igualamse às coisas que representam Assim o psicótico não pode falar que sentiu raiva do terapeuta porque expressar sua raiva é sentido como uma agressão concreta ao terapeuta c Pavor de ser aniquilado essa ideia é cen tral no entendimento da posição es quizoparanoide e das experiências arcai cas segundo Melanie Klein O terror de aniquilamento corresponde à percepção da pulsão de morte no interior do psi quismo Tratase de um processo ativo do ego sobre si mesmo que resulta em fragmentação e no consequente empo brecimento da personalidade d As relações de objeto são caracterizadas pelo contraste entre prematuridade e intensidade com a fragilidade dessas relações O psicótico não consegue per ceber o objeto com suas caraterísticas próprias Ele o percebe como deformado pelas partes cindidas e projetadas do próprio self É impossível manter um objeto constante ou mesmo saber quem é o objeto A extrema ambivalência para com o objeto remonta ao conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte Continuação ças que permearam o encontro Percebeu que o paciente apresentava riscos importantes e ainda não es tava em condições de sair Sua capacidade de pensar com a mente livre somente foi retomada na ausên cia do paciente Muitas vezes a retomada da capacidade de pensar é propiciada pelo diálogo com algum colega ou durante uma reunião de equipe Nesse caso estamos ainda diante de um evento relativamente benigno a mente do terapeuta logo se liberou da intrusão psicótica ainda havendo tempo de evitar maiores danos Entretanto a incapacidade de pensar pode permanecer operando sem que o terapeuta perceba o que está ocorrendo posicionandose contra a opinião da equipe e da família e sintonizandose com a parte psicótica da personalidade do paciente Nesse caso a intensidade da identificação projetiva característica dos es tados psicóticos atingiu sua meta de controlar o objeto 798 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Sentindose cercado por objetos bi zarros carregados de hostilidade esperase que o paciente sinta ódio por essa realidade percebida e novamente a realidade tende a ser atacada assim como é atacado o ego aparelho responsável pela percepção de tal realidade Em um movimento contínuo a tendência é o isolamento e o rechaço aos relacionamentos Herbert Rosenfeld ao lado de Hanna Segall e Bion foi um dos teóricos das re lações objetais que mais contribuiu para o entendimento dos pacientes psicóticos Esses três autores deram continuidade às proposições de Melanie Klein e mediante a descrição do atendimento de pacientes psicóticos consubstanciaram as teorias de Klein das posições depressiva e esquizopa ranoide da identificação projetiva e da ca pacidade de simbolização10 Rosenfeld11 sustentou que pacien tes psicóticos eram capazes de estabelecer transferência o que ele classificou como uma transferência psicótica ou psicose de transferência O ceticismo psicanalítico quanto a essa possibilidade evoluiu para a percepção desse tipo especial de transferên cia12 Uma qualidade do terapeuta funda mental para o atendimento psicodinâmico desses pacientes é poder tolerar tal trans ferência caracterizada pelo sadismo e pelo intenso uso de identificação projetiva11 Além de propor o estabelecimento dessa forma de transferência Rosenfeld traba lhava interpretando a transferência positi va e negativa com seu pacientes por meio da técnica analítica clássica e verificando as diferentes respostas dos indivíduos A transferência psicótica não repre senta apenas uma reedição de conflitos do passado no sentido freudiano de transfe rência mas a emergência de uma contami nação da relação e da pessoa do terapeuta por meio de um processo onipotente de pensamento próprio da psicose Esse pen samento delirante visa a impedir o contato com a realidade o paciente se relaciona ape nas com uma criação de seu próprio apare lho mental A criação constante de uma no va realidade interna projetada no exterior e nos objetos aproxima o funcionamento psi cótico das características atribuídas a Deus que teria criado o mundo do nada e de acor do com sua própria imaginação13 O terapeuta experimenta a sensação de desamparo pela indiferença e mesmo a ameaça de perda da própria identidade devido à intensidade das projeções do pa ciente Este percebe o terapeuta como um objeto bizarro e perseguidor e como defe sa projeta mais partes fragmentadas sobre o terapeuta no intuito de exercer controle sobre ele A intensidade do fenômeno re sulta no sentimento de indiferenciação e o terapeuta é levado a atuar Rosenfeld11 ressalta a intensa confu são entre self e objetos que caracteriza esses pacientes e direciona seu trabalho clínico a uma diferenciação entre mundo exter no e mundo interno de forma semelhante ao atendimento de pacientes neuróticos A pro gressiva capacidade de reestabelecer as fronteiras do self separando o eu do não eu restitui força ao ego e torna a rea lidade externa menos persecutória Por sua vez os teóricos da psicologia do ego representados especialmente por Paul Federn14 e Heinz Hartmann15 apre sentam um trabalho voltado ao fortaleci mento do ego de pacientes graves evitando interpretar a transferência de forma mais específica a transferência negativa e utili zando a positiva para influenciar o pacien te Resistências também não são interpreta das Hartmann15 propõe o conceito de es fera de ego livre de conflito ou seja a ideia de que mesmo pacientes psicóticos preser vam uma porção do ego relativamente livre da psicose a qual estará apta a abrigar as intervenções terapêuticas Psicoterapia de orientação analítica 799 CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO Considerandose o estado de indiferencia ção em que se encontram os pacientes psi cóticos e sua incapacidade de discriminar o mundo externo do interno o objetivo pri mordial do atendimento consiste em aju dálos a diferenciar o que é seu self e o que é o mundo externo para depois integrar esse self com suas relações dessa vez com as fronteiras mais bem delimitadas16 Para tanto algumas técnicas são recomendadas a A atitude do terapeuta deve basearse nas condições do paciente devendo utilizar todas as técnicas adequadas para garantir ao paciente que ele não precisa temer a aproximação de alguém no caso o pró prio terapeuta Deve estar claro para este que suas palavras prescrições e atitudes irão representar uma ameaça ao pacien te havendo necessidade de tolerância com o surgimento de hostilidade por parte do paciente b O terapeuta irá funcionar como uma ponte que fará a ligação entre o paciente isolado em sua psicose e o mundo exter no A necessidade de isolamento deve ser respeitada e de forma progressiva deve se instalar uma estimulação para que o paciente saia de seu refúgio narcísico em direção a uma relação com o terapeuta primeiro e logo depois com o mundo externo ampliado c A aproximação com o paciente deve respeitar estágios a serem vencidos No primeiro momento os sentimentos e os pensamentos do paciente não estão disponíveis nem para ele mesmo e ele não sabe o que é seu e o que é dos outros O terapeuta não se sente sequer perce bido pelo paciente Devese evitar uma investigação ativa ou mesmo permanecer muito tempo com o paciente No mo mento seguinte o terapeuta estará em condições de observar as alternâncias de emoções do paciente entrará em contato com a fragmentação de ego do psicótico e experimentará a ambivalência em seus próprios sentimentos Aos poucos o terapeuta vai aceitando em si os papéis atribuídos pelo paciente e a alternância destes O paciente por sua vez vai per cebendo o terapeuta como diferenciado de si e menos persecutório e onipotente Thomas Ogden17 também descreve um trabalho em estágios ao atender pa cientes com esquizofrenia a Estágio de não experiência todas as experiências são emocionalmente equi valentes embora sejam percebidas de formas diferentes Nada é extraordinário Predomina o ódio à realidade o desejo de não ter experiências O terapeuta deve atentar para não atacar o paciente em atuações e zelar pelo setting Se foram acertadas visitas diárias elas devem ser mantidas se foi combinado que a pró xima entrevista será pela manhã ou que serão liberadas as visitas dos familiares isso precisa ser garantido Pequenas fa lhas podem representar a confirmação de que o mundo é hostil e não confiável b Estágio da identificação projetiva o paciente sente o terapeuta como alguém para o qual as sensações podem ser trans feridas e recolhidas de volta O terapeuta nunca sabe se o que diz o paciente é acolhido ou rechaçado Devese acolher os sentimentos oriundos do paciente e tentar darlhes algum significado com preensível O terapeuta é apenas um dos objetos bizarros que integram o mundo psicótico não está diferenciado e não é reconhecido como separado do próprio self do paciente 800 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs c Estágio da experiência psicótica o pa ciente agora sente que seus pensamentos agressivos bizarros e psicóticos perten cem a si mesmo Essa experiência é tão desagradável e penosa que sobrevém o desejo de novamente se livrar desses conteúdos por meio da fragmentação do ego e da expulsão dos conteúdos da mente O terapeuta sente o sintoma psi cótico como um possível acesso à mente do paciente tenta prover significado ao conteúdo dos pensamentos e fazer uma reparação além de evitar que tais con teúdos psicóticos ocupem a totalidade da mente do paciente d Estágio do pensamento simbólico neste estágio o paciente encontrase apto a escolher a brincar e a pensar de forma coerente Emerge uma nova forma de pensamento bem como a capacidade de usufruir das relações objetais de modo mais completo O paciente percorre um caminho ca racterizado a princípio pela incapacidade de pensar Em seguida existem pensamen tos mas que não podem ser percebidos ou articulados e por fim adquire a capaci dade de pensar Nessa etapa estará em con dições de aproveitar a relação terapêutica em sua amplitude Uma vez que pacientes muito regres sivos em especial nas etapas iniciais da relação terapêutica irão apresentar muita dificuldade em perceber o terapeuta co mo um objeto bom o ideal seria de for ma progressiva poder interpretar a hos tilidade e ao mesmo tempo oferecer um fortalecimento ao ego contrastando com a abordagem psicanalítica tradicional que envolve permitir ao paciente experimentar a angústia Se verificamos inicialmente que o paciente psicótico tende a menosprezar as relações objetais pode soar paradoxal su ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Em certa ocasião o terapeuta se atrasa Os pacientes neurótico e psicótico reagem de modos diferentes Paciente A nível de funcionamento predominantemente neurótico Estou pensando em dispensar minha faxineira ela não aparece quando mais precisamos dela Terapeuta Se eu me atraso você sente que eu não consigo entender suas necessidades Paciente B nível de funcionamento predominantemente psicótico Hoje não quero conversar Terapeuta Vejo que eu me atrasei e isso pode leválo a pensar que eu não me interesso pelo nosso traba lho Talvez até sinta raiva de mim Porém acredito que ao mesmo tempo você já sabe que pode contar co migo e que eu entendo a importância de mantermos nossos combinados Mas hoje eu tive algumas dificul dades para chegar aqui na hora combinada me desculpe Na segunda abordagem o terapeuta oferece um reforço às capacidades egoicas do paciente infor ma que acredita em sua capacidade de se organizar Ao mesmo tempo não deixa de mencionar a agressi vidade mostrando ao paciente que esses sentimentos hostis podem ser tolerados em uma relação de con fiança Ao pedir desculpas pelo atraso demonstra ainda a capacidade de situarse no mesmo nível do paciente Psicoterapia de orientação analítica 801 gerir tanta cautela ao se aproximar dele No entanto apesar de todo o desinvesti mento verificado a busca terapêutica deve se centrar na recuperação da capacidade de estabelecer vínculos O paciente parte da premissa de que a aproximação é perigosa Ao terapeuta cabe em primeiro lugar não confirmar esse temor Em seguida aguar dar que o paciente fortaleça seu ego utilize menos identificação projetiva reconheça o terapeuta como pessoa separada e então que se trave uma verdadeira relação de ob jeto No início o terapeuta deve estar apto a ser cauteloso e receber pouca ou nenhu ma gratificação proveniente do paciente O PACIENTE E A EQUIPE DE ATENDIMENTO O paciente em intenso sofrimento psíqui co precisa dividir18 conteúdos intoleráveis de seu aparelho mental para lidar com as ansiedades que o sobrecarregam O fun cionamento esquizoparanoide se impõe e não há possibilidade de unificar os objetos O paciente vivencia um mundo interno cin dido e a intensidade da identificação projeti va povoa o mundo externo de objetos bizar ros Essa intensa e primitiva forma de comu nicação irá invadir o espaço do hospital e os diversos membros da equipe sentirão a so brecarga em seu próprio aparelho psíquico Nesse ponto as terapias dinamica mente orientadas se diferenciam das de mais formas de terapêutica ou seja o psicoterapeuta de orientação analítica não é apenas um técnico um consultor que sugere métodos para a cura ou a recupe ração Ele e os demais membros da equipe têm o próprio aparelho mental sendo uti lizado pelo paciente Funcionando como ego auxiliar os membros da equipe devem ajudar o paciente com o teste de realidade o controle de impulsos e a antecipação das consequências de seus atos19 Todo o pes soal envolvido no atendimento pode ser orientado a compreender melhor o tipo de relação transferencial que está ocorrendo e habilitarse a uma abordagem mais pro dutiva com o paciente2021 Assim como a mente do paciente está dividida também a equipe costuma atravessar momentos de dissociação fenômeno comum nas hos pitalizações psiquiátricas e que mais uma vez assim como a transferência e a identi ficação projetiva pode ter duas consequên cias opostas Ao ser compreendida a dis sociação fornece importante material sobre o funcionamento do paciente podendo ser devolvida e compreendida por ele de acor do com sua tolerância Ao não ser com preendida pode levar a interrupções de tratamento e até mesmo a atritos na equipe e demissões de seus membros Para que a dissociação seja compreendida e não atua da é fundamental que existam reuniões sistemáticas de equipe e que nessas reu niões predomine o clima de continência e o desejo de compreen der os fenômenos que irão ocorrer entre os diversos mem bros Quando a dissociação é compreendi da equipe e paciente se tranquilizam Do contrário a equipe não consegue trabalhar em grupo e o paciente sente que seus pro cessos mentais não podem ser integrados ao contrário a realidade externa a cisão na equipe confirma a necessidade de manter os objetos cindidos O processo se asseme lha ao de um bebê aterrorizado por uma dor e uma mãe incapaz de pensar e para lisada pelo medo de que seu filho morra A estrutura hospitalar e a equipe deverão prover ao paciente um ambiente no qual ele sinta que suas manifestações ainda que intensas e agressivas serão acolhidas sem que ele seja rejeitado ou hostilizado22 A transferência que ocorre em relação ao terapeuta individual no atendimento 802 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de ambulatório agora ocorre em relação a todos os membros da equipe e a toda a estrutura do hospital É uma oportunidade de obter informação valiosa sobre o fun cionamento do paciente Mesmo detalhes do dia a dia como hábitos de higiene e ali mentação cuidado com os equipamentos e relacionamentos com os demais pacien tes poderão indicar ao terapeuta atento as oscilações no nível de funcionamento e integração de ego de seu paciente O hos pital oferece também a oportunidade de um destino para as pulsões agressivas por meio de grupos terapêuticos terapia ocu pacional e atividades lúdicas Entretanto uma mente cindida em estado psicótico representa uma ameaça ao funcionamento dos objetos que a cer cam O paciente não contém sua ambiva lência e essa cisão é projetada na equipe determinando o aparecimento das disso ciações Quando a dissociação não é compreen dida e manejada existe o risco de o grupo de trabalho colapsar e tornarse um gru po de supostos básicos conforme Bion23 Com o trabalho desenvolvido na Tavistock Clinic em Londres e depois aplicado no Menninger Hospital em Topeka Estados Unidos Bion concluiu que o adulto ante a complexidade e as exigências das relações em um grupo regride a fases primitivas de funcionamento mental Esse funciona mento primitivo corresponde a fantasias experimentadas pela criança no contato com o seio e estendidas ao contato com o grupo familiar O tipo de relação que a criança fantasia supõe ter com o seio e o grupo familiar dá origem ao que o autor chamou de suposto básico Bion23 denominou de grupo de trabalho aquele agrupamento de pessoas que funciona de acordo com o processo secundário com objetivos de finidos e trabalhando em conjunto para atingi los Esse grupo de trabalho apresenta funcio namento semelhante ao funcionamento do ego Todavia por efeito de uma regressão massiva concomitantemente a esse grupo maduro emer gem outros níveis de funcionamento grupal em um nível de processo primário que Bion definiu como grupos de supostos básicos e dividiu em três categorias Os três grupos são denominados de dependência pareamento ou acasalamen to e lutafuga No funcionamento de grupo de depen dência predomina o suposto de que um lí der será o responsável por prover alimento e proteção a todos os membros do grupo Esse líder será o grande provedor do tra tamento mas não em sentido metafórico e sim literal Aos demais membros do gru po cabe apenas trazer dificuldades e quei xas a responsabilidade de encontrar solu ções está depositada no líder Outro ponto fundamental é o suposto de que esse líder encontrará soluções sem precisar recorrer ao trabalho psíquico ou seja sem viven ciar frustrações O líder eleito pelo grupo é alvo de intensas identificações projetivas partindo de todos os membros do grupo e necessita reconhecer essas partes depo sitadas dentro de si como estranhas para poder trabalhar com seus pares no sentido de retomarem as capacidades característi cas do grupo de trabalho Quando o líder eleito aceita o papel de provedor o grupo se identifica com ele e permanece funcio nando por meio do suposto básico de dependência Esse papel de liderança pode ser atribuído a um profissional mais antigo e experiente a um professor a um enfer meirochefe Vale lembrar que a identifi cação projetiva não se dá no vazio existe um receptor que por suas características Psicoterapia de orientação analítica 803 individuais estará mais ou menos apto a acolher e desempenhar o papel de líder Naturalmente no pequeno grupo que in clui o terapeuta o paciente hospitalizado e a família deste o terapeuta será escolhi do como líder aos familiares e ao paciente cabe receber os efeitos benéficos do trata mento Qualquer necessidade de trabalho por parte dos demais membros do grupo é imediatamente remetida ao líder do qual se espera que encontre a solução ideal Es se tipo de fantasia tranquiliza os membros do grupo durante a hospitalização mas no momento da alta sobrevém o terror do desamparo Identificando esse suposto básico o terapeuta estará apto a ajudar os demais membros a localizar e a utilizar suas próprias capacidades de cuidados No grupo de pareamento ou acasa lamento existe a fantasia compartilhada de que a união de uma parelha dentro do grupo uma representação da cena primá ria irá gerar um messias capaz de com seu aparecimento conquistar o fim de todos os sofrimentos O grupo funciona com base na esperança de que algo virá a acontecer a esperança deve ser mantida portanto Se algo acontece a esperança se desloca para a expectativa de um novo acontecimento e assim sucessivamente O fundamental é que o líder do grupo de pareamento ainda não nasceu diferentemente do que ocorre nos demais grupos de supostos dependên cia e lutafuga Bion23 ressalta que a espe rança somente persiste quando permanece como esperança Na medida em que a ex pectativa é alcançada ela perde seu efeito pois deixa de ser uma expectativa Assim muitas vezes a própria hospitalização ob ter o leito hospitalar pode ser vivenciada como o acontecimento que chegará para solucionar todos os problemas A mãe do paciente e o terapeuta atencioso serão a parelha responsável por obter esse ingresso no hospital que irá então resolver tudo Em seguida essa esperança se desloca para o novo medicamento depois para a avalia ção da equipe de consultoria que irá refor mular o diagnóstico e assim por diante No suposto básico de lutafuga pre domina a projeção da hostilidade para um representante do qual é necessário fugir ou contra o qual se deve lutar O líder é aquele que cria ou aproveita as oportunidades pa ra escapar ou agredir Evitase fazer conta to com as dificuldades com a necessidade de aprender com a experiência em última instância com a realidade Um inimigo é eleito e contra ele todo o grupo se mobi liza Muitas vezes um paciente de difícil manejo é eleito como inimigo um paciente que tenha agredido um membro da equipe tornase adequado ao papel A fantasia é a de que somente após a alta desse paciente a unidade irá se tranquilizar ou o grupo se mobiliza inconscientemente e aciona al gum paciente mais regressivo para revidar as agressões do primeiro O mesmo pode ocorrer com algum terapeuta ou membro da enfermagem que em determinado mo mento tenha manifestado desacordo com o grande grupo A necessidade de pensar no novo e reavaliar as próprias convicções é evitada por meio do ataque ao mensagei ro da nova ideia Um supervisor pode ser eleito como líder e os residentes deixam de pensar e esperam que todas as soluções partam dele dependência Uma equipe de consultoria pode ser eleita como inimigo externo e dis pensada ou hostilizada lutafuga como responsável pela não solução de um caso difícil Até mesmo a transferência da uni dade para outro setor do hospital pode ser vivenciada como uma solução mágica para as dificuldades acasalamento ou parea mento Em todas essas situações o pro blema original a incapacidade de integrar o aparelho mental da equipe e do paciente permanece e o grupo de trabalho fica en 804 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs fraquecido enquanto predominar o funcio namento de suposto básico A dissociação é um fenômeno fre quente e pode ocorrer de diferentes modos entre subgrupos que vão se formando den tro da equipe e enfraquecendo a coesão e os objetivos do grupo como um conjunto centrado nos mesmos objetivos Pode ocor rer entre médicos e enfermeiros dentro do grupo de enfermagem entre terapeutas de diferentes orientações teóricas entre fami liares e a administração do hospital dentro do próprio grupo de pacientes A origem é sempre a mesma a fragilidade egoica do paciente sua dificuldade em administrar conflitos no mundo interno e sua necessi dade de cindir a mente e projetar diferentes partes desses conflitos no mundo externo O mundo externo passa a ser representado pelo hospital e pela equipe de atendimento Gabbard1920 acentua que não é pos sível evitar a emergência da dissociação na equipe O que se faz necessário é um pre paro da equipe para lidar com o fenômeno e utilizálo para compreender o mundo in terno do paciente Provavelmente a forma mais comum de dis sociação ocorra entre o terapeuta individual do paciente e o restante da equipe Enquanto a equipe se identifica mais com as necessida des do grupo de pacientes e o funcionamento da unidade o terapeuta se alinha com as ne cessidades de seu paciente e reluta em acei tar as limitações impostas pela equipe Para lidar com todas essas variáveis o terapeuta necessita manter uma curiosidade e uma ca pacidade crítica em relação aos seu próprios sentimentos e dificuldades esforçandose sempre para entender o que está sentindo e pensando em relação ao atendimento daque la situação ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 5 O paciente dependente químico alegou ter sido desrespeitado e desconsiderado pela enfermeira quando esta lhe chamou para a dinâmica de grupo Um colega enfermeiro declarou em um pequeno subgrupo no intervalo do café que a tal enfermeira realmente não tinha bom manejo com os pacientes Os pacientes se dividem em dois grupos os que pensam que a enfermeira é firme e lhes transmite seriedade o que os ajuda a manter o controle e os que concordam que ela não respeita as individualidades Fica marcada uma reu nião para discutir o assunto entre equipe e pacientes O grupo de trabalho é boicotado por uma parte dos pacientes e sutilmente também por um grupo de enfermeiros que se atrasam e se agrupam em conversas paralelas durante a reunião O foco de discussão deixa de ser o funcionamento dos pacientes e a equipe começa a trocar acusações mútuas Nesse ínterim o grupo de manifestantes que boicotou a reunião se amotina para forçar uma alta a pedido ou para organizar uma fuga Aquilo que teve origem na parte psicótica da personalidade do paciente foi inoculado na equipe que não conseguiu fazer uma leitura integrada da situação Não foi possível para os pacientes nem para a equipe ob ter uma integração da imagem da enfermeira como alguém com qualidades e limitações características da posição depressiva A enfermeira foi vivenciada como totalmente boa por uns e totalmente má por outros o ego de todos e a consequente função de pensar enfraqueceuse e a necessidade de agir se impôs O grupo de tra balho entrou em colapso dando lugar a um grupo de lutafuga Os membros da equipe atuaram desrespeitan do a reunião os pacientes atuaram de acordo com seus impulsos abandonando o tratamento Psicoterapia de orientação analítica 805 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas últimas décadas assistimos aos avan ços da psicofarmacologia Hoje o número de pacientes hospitalizados bem como o tempo médio de internação apresentam um importante declínio o que é bastante favorável para evitar hospitalismo e croni ficação De modo paralelo aos avanços na psi quiatria biologicamente orientada é pos sível também oferecer aos pacientes em sofrimento mental agudo os aportes da psi coterapia psicodinâmica A compreensão do mundo interno e o desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre si mesmo são importantes aliados na recuperação dos pacientes As psicoses representam o grau mais avançado de transtorno mental e ofere cem um grande obstáculo à aproximação terapêutica os refúgios narcísicos com o consequente desinvestimento no interesse pelo mundo e pelo conhecimento Porém essa não precisa ser uma barreira intrans ponível O atendimento continuado de pa cientes graves evidencia a possibilidade da aliança terapêutica e da criação de relacio namentos autênticos com aquisições para pacientes e terapeutas Os psicóticos desen volvem um tipo especial de transferência que pode ser analisada de acordo com sua tolerância Além das vicissitudes do narcisismo maligno com sua tendência à morte e à desunião o uso maciço da identificação projetiva aparece como traço fundamen tal do funcionamento de pacientes gra ves A fragmentação do ego seu enfraque cimento e a consequente criação de um mundo bizarro em torno de uma mente desorganizada podem tornar a aproxima ção com o paciente psicótico uma tarefa assustadora e desestimulante Todavia acompanhar um paciente emergir de seu estado regressivo e reaver alguma capaci dade de relacionamento saudável reabas tece terapeuta e equipe de estímulo para manter o trabalho A desorganização do funcionamento mental representa uma ameaça tão pode rosa ao grupo que toda a equipe de atendi mento pode se ver identificada com níveis mais regressivos de funcionamento A dis sociação na equipe terapêutica reflexo da cisão do ego do paciente grave representa a desunião característica da ação da pulsão de morte A identificação desse processo na equipe e a possibilidade de seus membros de retomar o diálogo e as características do grupo de trabalho refletemse na recupera ção dos pacientes PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Durante a hospitalização o paciente utiliza a mente do terapeuta como seu ego auxiliar seu continente e sua fonte de contato com a realidade externa 2 Reconhecemos como psicóticos aqueles pa cientes nos quais a relação com a realidade está grave mente prejudicada 3 Na situações de doença grave a pulsão de morte e sua correspondente função desobjetalizante estão predominando no funcionamento do aparelho mental 4 A identificação projetiva maciça será o veículo para a compreensão e não sendo compreendida cons titui um grande obstáculo para o tratamento 806 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S Neurose e psicose In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1996 v 19 p 18493 2 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise 4 ed São Paulo Martins Fontes 2001 3 Freud S A teoria da libido e o narcisis mo 1916 Conferência XXVI In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1996 v 16 4 Freud S Além do princípio do prazer 1920 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1996 v 18 5 Green A Pulsão de morte narcisismo ne gativo função desobjetalizante In Green A A pulsão de morte São Paulo Escuta 1988 6 Green A Conferências brasileiras de André Green metapsicologia dos limites Rio de Ja neiro Imago 1990 7 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizoides 1946 In Klein M Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1978 p 31343 8 Bion WR Estudos psicanalíticos revisados second thoughts Rio de Janeiro Imago 1994 9 Segal H Notas a respeito da formação de símbolos 1950 In Segal H A obra de Hanna Segal uma abordagem kleiniana a pratica clínica Rio de Janeiro Imago 1992 10 Aguayo J On understanding projective iden tification in the treatment os psychotic states of mind the publishing cohort of H Rosen feld H Segall and W Bion 19461957 Int J Psychoanal 20099016992 5 As características do funcionamento psicótico são a predominância da agressividade e da destrutividade nas relações b ódio à realidade externa e interna c pavor de ser aniquilado ideia central no entendimento da posição esquizoparanoide d relações objetais prematuras intensas e frágeis 6 A relação terapêutica é caracterizada pelo estabelecimento de uma transferência psicótica caracteri zada pelo sadismo e pela intensidade da identificação projetiva 7 Pacientes psicóticos preservam uma porção do ego relativamente livre da psicose a qual estará apta a abrigar as intervenções terapêuticas 8 Para atingir essa discriminação algumas técnicas são recomendadas a a atitude do terapeuta deve basearse nas condições do paciente b o terapeuta fará a ligação entre o paciente e o mundo externo c a aproximação com o paciente deve respeitar estágios 9 O paciente parte da premissa de que a aproximação é perigosa Ele está vivenciando um mundo interno cindido e a intensidade da identificação projetiva povoa o mundo externo de objetos bizarros 10 Assim como a mente do paciente está dividida também a equipe costuma atravessar momentos de dissociação 11 Para que a dissociação seja compreendida é fundamental que existam reuniões sistemáticas de equipe Quando a dissociação não é compreendida o grupo de trabalho dá lugar aos grupos de supos tos básicos 12 Provavelmente a forma mais comum de dissociação ocorre entre o terapeuta do paciente e o restante da equipe Psicoterapia de orientação analítica 807 11 Rosenfeld HA Os estados psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 12 de MijollaMellor S The evolution of psy choanalytic practice with psychotic patients Psychoanalysis and History 2002413143 13 De Masi F On the nature of intuitive and de lusional thought its implications in clinical work with psychotic patients Int J Psychoa nal 200384Pt 5114969 14 Federn P Ego psychology and the psychoses New York Basic Books c1952 15 Hartmann H A Psicologia do ego e o pro blema de adaptação Rio de Janeiro Biblio teca Universal Popular 1968 16 Rosenbaum B Harder S Psychosis and the dynamics of the psychotherapy process Int Rev Psychiatry 20071911323 17 Ogden TH On nature of schizophrenic con flict Int J Psychoanal 198061Pt 451333 18 Freud S A divisão do ego no processo de de fesa In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1996 v 23 19 Gabbard GO Tratamentos em psiquiatria dinâmica III tratamento hospitalar dinami camente informado In Gabbard GO Psi quiatria psicodinâmica na prática clínica Porto Alegre Artes Médicas 1992 20 Gabbard GO The treatment of the special patient in a psychoanalytic hospital Int Rev Psychoanal 19861333347 21 Penot B El equipo psicoanalítico en el hos pital de dia revisión de algunas condi ciones para que los pacientes se adueñen de su propria subjetividad Psicoanálisis 200729367995 22 Kernberg O Transtornos graves de persona lidade estratégias psicoterapêuticas Porto Alegre Artes Médicas 1995 23 Bion WR Experiências com grupos os fun damentos da psicoterapia de grupos Rio de Janeiro Imago 1970 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM PSICOTERÁPICA DE DEPENDENTES QUÍMICOS Talvez a citação inicial deste capítulo que se apresenta na primeira página do compêndio The principles and practice of addictions in psychiatry1 ilustre o estilo de abordagem psicoterápica adequado para um dependente químico Ao longo da his tória pacientes com abuso ou dependên cia de substâncias sempre foram estigma tizados ou no mínimo considerados de forma diferente no rol de procedimentos terapêuticos existentes Washton e Zwe ben2 recomendam que a abordagem e a criação da relação terapêutica com esses pacientes seja não dogmática encorajando os profis sionais a exercer a flexibilidade a criatividade e a racionalidade no tratamen to da adição salientando a necessidade da combinação de técnicas muitas vezes dis crepantes e concorrentes Em paralelo ao exercício de uma abordagem pragmática e não preconceituosa é vital que o tera peuta conheça profundamente os efeitos positivos e negativos que as substâncias psicoativas exercem no cérebro em geral e no de seu paciente em particular Nes se sentido é bastante eficaz investigar com o paciente a percepção subjetiva do efeito das drogas uma vez que há grande variação entre efeito percebido e efeito psicoativo como descrito em livrostexto De forma sumária o exercício de com preender com o paciente o efeito esperado percebido do seu uso de drogas irá levar a uma maior compreensão da capacidade de simbolizar ou não em geral afetada pelo uso sistemático de substâncias o impacto das drogas na relação entre o indivíduo e o meio externo e da percepção que o pacien te tem sobre as eventuais limitações que o uso sistemático de drogas impõe a sua vida mental 46 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE DEPENDENTE QUÍMICO Felix Henrique Paim Kessler Flavio Pechansky Diego Barreto Rebouças Jader Piccin A todos aqueles que desejam tratar dependentes químicos sem a ameaça do preconceito ou medo do estigma Miller 1997 Psicoterapia de orientação analítica 809 A vinheta ilustra uma situação co mum no atendimento psicoterápico de um dependente de substâncias e é sem dúvida um bom ponto de partida para este capítulo Pacientes jovens como o do caso descrito apresentamse no consultório ambivalentes sobre o grau de dano que seu uso de drogas lhes estaria causando Desafiam o terapeuta a entender seu momento evolutivo presen te e sua potencial comorbidade com outras patologias psiquiátricas frequentes na ava liação de casos dessa natureza e obrigam o especialista a tomar decisões no que com pete à adesão do paciente e a sua motivação para tratamento Dessa forma é obrigatório para o terapeuta avaliar o que deve ser ofe recido para o paciente naquele momento de seu uso de substâncias dentro dos limites viáveis da relação terapêutica que se apre senta É nesse contexto que este capítulo é oferecido ao leitor como uma reflexão sobre os modelos de psicoterapia existentes para a abordagem de dependentes químicos bem como suas limitações e contraindicações Esta versão não é apenas uma atualização do capítulo da edição anterior pois incorpora outras técnicas psicoterápicas além da psico terapia dinâmica dando ênfase significativa à avaliação crítica do papel dessa técnica no tratamento da dependência química Abordagem inicial e escolha da técnica apropriada O conceito de uma abordagem integrada é compatível tanto com os elementos clí nicos conforme descrito anteriormente como de pesquisa Há cerca de 30 anos a avaliação multifatorial da dependência química norteia toda uma linha de pesqui sa e atuação nessa área Um dos instrumentos mais utilizados para esse fim é o Addiction Severity Index ASI3 que mede essencialmente a necessidade de trata mento adicional nas principais áreas da vida social legal médica familiar psiquiátrica e auxilia no delineamento e na organização de estratégias terapêuticas por meio de escores que traduzem a gravidade da problemática do ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Douglas 20 anos apresenta abuso de inalantes e maconha e uso episódico excessivo de álcool já ten do sido atendido por diversos psicoterapeutas anteriormente Vem a tratamento dizendo que quer parar de usar drogas para contentar os pais mas não sabe o que isso vai produzir de benefício em sua vida Após a avaliação inicial foi combinado com o paciente que o processo de tratamento iria incluir a princípio pla nos para a aquisição de um equilíbrio em abstinência revisão de uma potencial comorbidade com défi cit de atençãohiperatividade e um planejamento de mudanças sistemáticas em sua perspectiva de vida a longo prazo Cada etapa somente seria desenvolvida após a aquisição da etapa anterior Após meses de al ternância entre completa abstinência e episódios de recaída em que o paciente tentava negociar mudan ças previstas para o futuro e sem a anuência do terapeuta ele se encontra em abstinência Porém ainda apresenta dificuldades sistemáticas com organização e grande dificuldade para se expressar em consulta Descreve que foi a primeira vez em que ELE teve de mudar pois o terapeuta manteve o combinado não ce dendo às suas pressões como nos atendimentos anteriores 810 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs paciente Partese do pressuposto de que as pectos disfuncionais nessas áreas podem atuar como um estressores e perpetuadores do com portamento de busca por substâncias e como em outras doenças crônicas é necessário abor dar o indivíduo na totalidade de seus proble mas e não centralizando o tratamento apenas no consumo Para o desenvolvimento de um trata mento individualizado baseado na aborda gem integrada é fundamental a coleta de in formações em um período de avaliação que poderia ser compreendido como prétrata mento Durante esse primeiro momento todos os esforços devem ser engendrados para obter uma avaliação diagnóstica com pleta do paciente e de sua família É impor tante observar que os critérios descritivos do Manual diagnóstico e estatístico de transtor nos mentais DSMIVTR4 Quadro 461 definem o diagnóstico de dependência de substâncias porém não abordam caracterís ticas psicopatológicas e psicodinâmicas dos pacientes Além disso essa etapa proporcio na uma oportunidade única para a aborda gem motivacional com vistas à mudança e à QUADRO 461 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS 1 Tolerância definida por qualquer um dos seguintes aspectos a uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxi cação ou o efeito desejado b acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância 2 Abstinência manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos a síndrome de abstinência característica para a substância consultar os Critérios A e B dos conjun tos de critérios para abstinência das substâncias específicas b a mesma substância ou uma substância estreitamente relacionada é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência 3 A substância costuma ser consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido 4 Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância 5 Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância p ex consultas a múltiplos médicos ou longas viagens de automóvel na utilização da substância p ex fumar em grupo ou na recuperação de seus efeitos 6 Importantes atividades sociais ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância 7 O uso da substância continua apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persis tente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância p ex uso atual de cocaí na embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela ou consumo continuado de bebidas alcoólicas embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo de álcool Fonte Adaptado de American Psychiatric Association4 Psicoterapia de orientação analítica 811 adesão ao processo terapêutico É necessária uma abordagem de suporte não confronta dora e mais direta por parte do terapeuta Podemse utilizar de acordo com a gravida de do caso também nessa fase técnicas de grupo e de aconselhamento25 No momento inicial do tratamento objetivase buscar três funções distintas 1 desenvolver rapport com o paciente e iniciar uma relação terapêutica 2 determinar a natureza e a extensão do uso de substâncias do paciente e suas consequências identificando fatores que iniciam e mantêminibem o uso 3 oferecer feedback objetivo com base nos resultados da avaliação e determinar o estágio de prontidão para a mudança visando a desenvolver um plano de tratamento inicial Quais fatores determinam o sucesso no tratamento de dependentes químicos Antes da compreensão dos elementos for madores de rapport Luborsky e colabora dores6 citam parâmetros específicos e im portantes para um melhor resultado em psicoterapias de dependentes químicos Requerse muito tempo e energia por parte do terapeuta para introduzir o paciente no tratamento e comprometêlo com sua manutenção Como consequência terapeutas que se sintam muito ata cados em seus aspectos pessoais em especial elementos narcisistas quando mobilizados por ansiedades recaídas e atuações dos pacientes no início de seu atendimento terão mais dificuldade em desenvolver uma plataforma eficaz de relacionamento quando comparados a profissionais mais continentes Os objetivos do tratamento devem ser formulados antecipadamente e mantidos em foco Dependentes de substância de forma mais específica no início de seu tratamento irão se apresentar ao tera peuta com um mundo interno bastante caótico com baixíssima autoestima talvez como resultado dos danos cere brais e da desorganização neurobiológica decorrente do uso das drogas tendendo a melhorar com períodos de abstinên cia Portanto mesmo em uma proposta psicodinâmica os terapeutas não podem ser totalmente neutros e devem ser mais diretivos Nesse sentido ao mesmo tem po que necessitam apresentar vitalidade para ordenar o mundo psíquico do pa ciente terão mais sucesso se propuserem para si mesmos e para o dependente uma agenda mínima um rol de metas ou tarefas a serem atingidas de modo progressivo Não se trata de uma longa lista mas de uma tradução das dificul dades e das limitações apresentadas pelo paciente sob um formato objetivo claro e factível A vantagem é que se poderá retornar a essa lista de objetivos quando eventualmente o foco se dispersar Deve ser dada muita atenção por parte do terapeuta para desenvolver uma relação positiva e assim auxiliar o paciente Tam bém em função do que já foi mencionado é comum os pacientes se apresentarem para tratamento com uma visão despro porcional de suas capacidades potenciais e sua realidade tendendo sistematica mente a desvalorizarse Não se trata aqui de valorizar apenas os aspectos positivos do paciente mas tentar estabelecer um contato com os elementos mais saudáveis de seu funcionamento mental Terapeutas que entendem que devem se aliar a esses aspectos do paciente terão mais facilida de de construir elementos saudáveis nos quais ancorar o tratamento 812 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A vinheta a seguir ilustra como a re lação terapêutica positiva pode auxiliar um paciente a superar obstáculos típicos da de pendência química ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Bruna 21 anos passou por nove internações por abuso de substâncias e episódios de agitação e altera ção de conduta em particular com relação aos pais Apresenta um diagnóstico associado de transtorno da personalidade borderline Veio a tratamento por orientação de sua antiga psicoterapeuta a quem descrevia como tendo desistido dela e se interessado pouco por seu caso Após 16 meses e três internações duran te esse período Bruna se encontra em completa abstinência de drogas fazendo uso de topiramato e execu tando atividade laboral de forma sistemática Foi necessário um esforço constante do terapeuta para não se deixar ser excessivamente invadido pela massa de telefonemas de urgência e atitudes de ataque ao setting durante esse período o que a paciente atualmente reconhece como uma atitude de consideração às suas necessidades mais primitivas de apoio e limite Com frequência descreve que sua melhora se deu porque desta vez o terapeuta não desistiu dela Nilo 16 anos vem a sua consulta com os pais que o acham diferente de como temse comportado nos úl timos três dias Apesar de negar o uso de maconha motivo pelo qual iniciou o tratamento há três meses é solicitado que colete urina para análise pois isso foi combinado no início do tratamento O terapeuta reite ra que confia no seu relato mas que o exame serve para confirmar a veracidade de sua informação O resul tado do teste para cocaína maconha e anfetaminas é negativo para os últimos dias o que alivia os pais e permite ao paciente tratar de sua irritabilidade por ter que aprender a lidar com aulas provas e dificulda des com garotas agora sem se drogar O terapeuta deve estar a par da manu tenção e do comprometimento do paciente com todo o seu programa de tratamento o que inclui a anuência às normas como por exemplo a evitação da ingestão de drogas não prescritas no tratamento Tal informação deve proceder do próprio relato do paciente e eventualmente da análise toxicológica da urina mas esta última de preferência deve ser contro lada e solicitada pela família por amigos ou por outra equipe de tratamento Seja qual for a fase em que o paciente se encontre mas de modo mais enfático nas primeiras a atitude de um guia gentil que avalia com o paciente seus progressos e retoma combinações irá favorecer o setting em todos os sentidos A vinheta seguinte descreve a utilização dessa técnica Psicoterapia de orientação analítica 813 Estabelecimento de metas e etapas Após a avaliação multidimensional o ob jetivo é estabelecer metas individualizadas e desenvolver de forma colaborativa um plano de seguimento destas É fundamental combinar as intervenções do tratamento com o nível de motivação e o grau de pron tidão para a mudança do paciente O mo delo de estágios de mudança informa e di reciona o processo de encontrar a melhor combinação entre onde o paciente está e o que o terapeuta deve fazer para produzir mudança positiva a cada estágio do proces so7 A vinheta a seguir ilustra o processo Os indivíduos com problemas com abuso ou dependência de drogas não cons tituem uma categoria homogênea uma vez que diferem em suas características pessoais de escolha da droga padrões de consumo motivações para uso realidade psíquica perfil socioeconômico e cultural e predisposição genética8 É importante tornar a abstinência uma meta pre ferencial de tratamento em especial para aque les cujo padrão de uso de substâncias oferece evidências claras de controle comprometido e impõe um risco significativo de sérios danos se o uso continuar2 Todavia a abstinência não se torna uma condição imposta para os pacientes receberem ajuda Nesse contexto encontrase a ne cessidade de implementar diferentes tipos de abordagens psicoterapêuticas que con templem as especificidades do paciente a fim de forjar uma aliança de trabalho pa ra favorecer a adesão Independentemen te da escolha final de terapeuta e paciente se abstinência total ou não uma série de pesquisadores sugere que uma meta a ser buscada pelo paciente é o controle de seu uso de substâncias Diversos autores desenvolveram técnicas específicas para a obtenção desse controle entre eles Spivak e colaboradores9 SanchezCraig e colabora dores10 e Miller e SanchezCraig11 Mesmo em programas nos quais o objetivo final era o uso moderado de substâncias esses au tores sempre preconizaram que algum tipo de controle inicial frequentemente obti do por meio de abstinência favoreceria o atingimento de metas futuras Considerando o aqui exposto pro põese um tratamento sequencial no qual ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Fábio 57 anos é um profissional liberal com um grave alcoolismo associado a episódios fóbicos Já reali zou diversas tentativas de tratamento ao longo da vida sempre as interrompendo ao se sentir pressionado a modificar seu comportamento alcoólico que é francamente associado ao transtorno evitativo já descri to Há cerca de seis meses faz consultas intermitentes nas quais se nega a fazer exames que confirmem seu estado físico e reluta em ingressar em psicoterapia sistemática Ao mesmo tempo não abandona os contatos com o terapeuta de forma mais ou menos mensal consultase para dizer que agora vai come çar a se tratar o que implica telefonemas de manutenção por parte do terapeuta até que o processo de tratamento sistemático se desencadeie Nesse período de seis meses tem passado mais de 90 do tem po em abstinência e nas vezes em que tem bebido não tem apresentado os mesmos problemas anteriores 814 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs o primeiro objetivo é alcançar a estabiliza ção Figura 461412 É válido salientar que mesmo após ter sido iniciado um processo psicoterápico psicodinâmico muitos pacientes estão su jeitos a necessitar de hospitalização quando em situação de risco Outros poderão in gressar imediatamente em uma modalida de terapêutica ambulatorial12 Dodes13 aponta que a preocupação solidária do terapeuta nesse momento pode ser interna lizada de forma imediata ou gradual pelo pa ciente permitindo assim um núcleo de au torregulação interna que permitirá o controle do uso ou a abstinência de substâncias Assim a neutralidade analítica e as interpretações são abandonadas pois tendem a ser geradoras de ansiedade desencadeando recaídas Na verdade a neutralidade necessá ria ao processo psicodinâmico clássico ou convencional é mal recebida pelo pacien te nas fases agudas Há demasiadas ações a serem tomadas pela dupla terapeuta paciente em geral envolvendo familiares uso concomitante de medicação hospita lização ou limitações para o paciente as quais não são compatíveis com a neutra lidade que será necessária nas fases mais posteriores de tratamento Pacientes e te rapeutas devem sempre ficar alertas para a possibilidade de o enfoque dessas questões reacender o desejo da pessoa de medicar o desconforto emocional com álcool e dro gas Assim durante uma abordagem psi codinâmica para usuários de substâncias nunca se deve perder de vista o potencial para a recaída bem como a manutenção do esforço combinado com outras modalida des terapêuticas de preferência com uma equipe multidisciplinar14 Na prática o conceito que determina a utiliza ção ou não do método psicodinâmico com os pacientes é o do timing Com frequência como já bem documentado em qualquer psicoterapia de orientação analítica ou não uma interven ção correta pode ter seu efeito descaracterizado por ter sido executada em um momento emocio nal inapropriado para o paciente Figura 461 O tratamento sequencial da dependência química TCC terapia cognitivocomportamental Terapia de família Alta Intensidade da atividade prática do terapeuta Psicofármacos Apoio TCC Psicoterapia psicodinâmica Psicanálise Diferentes modelos de atendimento Psicoterapia de orientação analítica 815 Para sumarizar essa introdução do ponto de vista exclusivamente clínico al guns autores como Gabbard e Wilkin son15 afirmam que o tratamento siste mático em psicoterapia de longa duração de um dependente químico utilizando todos ou parte dos conceitos psicodinâmi cos clássicos e suas eventuais adaptações à técnica não é muito diferente do processo terapêutico com um paciente com outros transtornos mentais crônicos que envol vem riscos decorrentes de sua conduta co mo por exemplo a psicoterapia analítica de um paciente com um transtorno da per sonalidade Os elementos transferenciais e contratransferenciais estão presentes a manutenção do setting e a revisão siste mática do contrato terapêutico são parte integral do atendimento e as recaídas são compreen didas como componentes do processo de recuperação à custa de resis tências em função de planos de defesa ou de organização mais regressivos MODELOS DE PSICOTERAPIA PARA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA HÁ ESPAÇO PARA A PSICOTERAPIA DINÂMICA DADAS AS EVIDÊNCIAS ATUAIS Há diversos estudos comparando as mais diversas técnicas psicossociais incluindo as psicodinâmicas para a manutenção da abs tinência na dependência química Entre tanto quando comparamos a efetivi dade de diferentes técnicas não são encontrados resultados significativos que indiquem su perioridade de uma modalidade específica Em relação aos tratamentos psicossociais para dependentes químicos a Cochrane realizou recentemente duas revisões sis temáticas que incluíam técnicas com ca racterísticas psicodinâmicas comparando intervenções psicossociais para uso de co caína e psicoestimulantes16 assim como para uso de substâncias psicoativas SPAs com outros transtornos psiquiátricos17 No primeiro desses estudos evidenciouse que em geral as intervenções realizadas levaram a pequenas mudanças comporta mentais significativas demonstrando não haver evidência que suporte uma aborda gem única que englobe as múltiplas faces da dependência química Entretanto sa lientouse que os resultados favorecem tra tamentos com alguma forma de manejo de contingência levando à diminuição do uso de cocaína e a maior adesão ao tratamento Outros estudos mais recentes corro boram tais achados destacando os benefí cios do manejo de contingência na depen dência de cocaína18 Em contrapartida a revisão também cita um ensaio clínico rea lizado pelo National Institute of Drug Abu se NIDA em 199919 comparando quatro abordagens psicossociais aconselhamento individual associado a aconselhamento de grupo terapia cognitivocomportamental com aconselhamento de grupo terapia psicodinâmica suportivaexpressiva SE com aconselhamento de grupo e aconse lhamento de grupo sozinho O grupo das psicoterapias teve baixa adesão apesar da grande intensidade com que foram aplica das 36 consultas individuais e 24 consultas de grupo em 24 semanas A revisão sugere duas hipóteses para os achados a primeira seria a de que tais resultados se deram não pela falta de eficácia dos tratamentos ofere cidos mas pela excessiva dose de tratamen to proporcionada a pacientes com baixa gravidade de doença sugerindo que ver sões mais breves e menos intensivas teriam sido suficientes A segunda seria a de que a psicoterapia necessita de maior tempo pa ra produzir benefícios evidenciáveis sobre 816 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs os sintomas demandando ensaios clínicos randomizados de maior duração Dois es tudos recentes colaboram com a segunda hipótese CritsChristoph e colaboradores20 realizaram em 2008 uma análise pormenorizada dos acha dos do estudo do NIDA Evidenciouse que ape sar de os achados terem sugerido aconselha mento individual associado a aconselhamento de grupo como superior a terapia psicodinâmica SE a curto prazo a longo prazo seguimento de 12 meses esta última seria superior a aconse lhamento em relação a problemas sociaisfami liares Além disso os autores evidenciaram que os pacientes que atingiram abstinência inicial diminuíram o uso de cocaína de 101 dias por mês para 13 dia no décimo segundo mês Steffen e colaboradores21 mos traram benefícios da terapia psicodinâmica em um seguimento de 12 meses em pacientes am bulatoriais Após 12 meses de tratamento 575 deles estavam abstinentes Eviden ciaramse também melhoras no desem penho geral e nos resultados das testagens neuropsicológicas Outra consideração que costuma ser destacada em relação aos resultados dos ensaios clínicos é a de que as intervenções terapêuticas precisam se adequar à fase de recuperação em que o paciente se encontra ou seja o tratamento tem de ser flexível para atender às demandas do paciente o que se contrapõe a uma tendência de pa dronização da intervenção para a pesquisa Uma das grandes metas no tratamento na maioria dos estudos é a redução no uso de substâncias porém reduções a curto prazo têm valor limitado no sentido de avaliar a repercussão global ocasionada na vida do paciente Klein22 discute que seria preciso acompanhar as mudanças verdadeiras na vida do indivíduo incluindo abstinência prolongada habilidade de trabalhar e ma nutenção de relações interpessoais satisfa tórias traduzindo melhor o que seria a real recuperação dos pacientes Apesar de não se ter evidência con sistente para apoiar uma única abordagem de tratamento na dependência química em geral os estudos citados indicam mudan ças comportamentais significativas após uma intervenção psicossocial variando de paciente para paciente Por conseguinte é provável que tratamentos psicossociais con tinuem sendo a base do tratamento de abu sodependência de substâncias Entretanto como os estudos com técnicas psicodinâ micas ou suportivaexpressiva não geraram resultados significativos em relação a outras técnicas é provável que pouco investimento seja feito para comprovar esses achados PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA NO CONTEXTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES No contexto de abuso de substâncias e de pendência química os aspectos avaliados para indicações de psicoterapia de orienta ção analítica vão além daqueles explorados neste capítulo ver Capítulo 9 sobre avalia ção psicoterápica A técnica psicanalítica clássica já foi indicada há algumas déca das como tratamento de escolha para esses pacientes mas isoladamente demonstrou resultados desanimadores Tal aspecto tem sido atribuído à falta de ênfase no controle dos sintomas relacionados ao uso da droga e ao foco mais dirigido aos aspectos psi codinâmicos em detrimento dos aspectos biológicos e sociais no contexto da aborda gem integrada4 Psicoterapia de orientação analítica 817 Por isso nos dias atuais as evidências apontam que a efetividade da psicoterapia de orientação analítica depende sobretu do do estabelecimento de critérios de indi cação e de contraindicação precisos23 Ao considerar essas indicações alguns autores sugerem que a técnica psicanalítica é con traindicada para pacientes adictos a drogas ou dependentes de álcool2425 Entretanto a indicação de psicoterapia de orientação analítica por diagnóstico é uma proposta didática sem consenso na literatura23 Para um mesmo diagnóstico critérios diferentes de indicações e contraindicações podem ser aplicados23 Em relação aos transtornos relacionados ao uso de substâncias esse processo é ainda mais complexo conside randose os vários tipos de substâncias as comorbidades associadas e o estágio do pa ciente na abordagem integrada Dessa forma um dependente químico pode es tar contraindicado para psicoterapia de orien tação analítica em determinado momento em que outras técnicas são empregadas porém pode ser candidato e beneficiarse dela em es tágios de manutenção Cabe ressaltar contudo que a abor dagem psicodinâmica não deve competir com outras abordagens mas ser somada ao tratamento quando indicada26 Conforme a Figura 462 na maioria das vezes as técnicas psicodinâmicas devem ser evitadas em um momento inicial de pro cura por tratamento por exemplo por par te de um paciente dependente químico que temse intoxicado com frequência e precisa de internação hospitalar Outras técnicas como apoio e terapia cognitvocomporta mental adaptamse melhor e alcançam re sultados mais satisfatórios nessa etapa Muitos especialistas em adição afir mam que a abordagem psicodinâmica não será benéfica enquanto o paciente continu ar a usar substâncias intoxicantes em qual quer nível mesmo não intoxicado durante as sessões de terapia e enquanto não tiver passado por um período de pelo menos 6 meses a 1 ano de abstinência ininterrup ta24 Durante esse período é recomendá vel focar na tarefa de mudança do compor tamento relacionado ao uso da substância Assim podese implementar e associar téc nicas baseadas no modelo cognitivocom portamental para a manutenção da absti nência e a prevenção de recaída as quais Figura 462 Modelo simplificado das fases de psicoterapia para dependentes químicos A figura sumariza de forma esquemática as fases de tratamento para um dependente químico buscando demonstrar uma sequência de ações terapêuticas associadas a diferentes momentos clínicos TCC terapia cognitivocomportamental Detox desintoxicação Medicação Ambiente TCC Terapia motivacional Psicoterapia para dependência de drogas Psicanálise Abstinência Reorganização Estruturação Maturação Alta Detox Detox Estabilização Detox Hospital Ambulatório Modelo simplificado das fases de psicoterapia para dependentes químicos 818 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs já estão bem descritas na literatura2728 Ainda se diagnosticada comorbidade esta deve ser tratada da forma mais convenien te associandose farmacoterapia ou outras terapias adjuntas O objetivo é criar um re ferencial terapêutico que reúna condições de estabilidade para avaliar a indicação de um trabalho orientado dinamicamente no futuro4 A necessidade de psicoterapia de orientação analítica na abordagem inte grada do usuário de substâncias se estende além das mudanças iniciais no comporta mento de adição Ela tem como principais características o apoio e o fortalecimento de recursos por parte do paciente e mostra se indicada em um estágio motivacional de manutenção14 Por isso um dos primei ros aspectos a serem avaliados em depen dentes químicos candidatos a psicoterapia de orientação analítica são os objetivos de longo prazo Segundo Washton e Zweben2 mui tos indivíduos alcançam um ponto no tra tamento da dependência química em que ficam desapontados por perceber que a abstinência não resolveu dificuldades emo cionais referindo que estas ficaram ainda mais claras na ausência das substâncias psi coativas Alguns percebem a necessidade de psicoterapia contínua depois de passar por sucessivas recaídas apesar da intenção de permanecer em abstinência Outros ainda chegam a um ponto na recuperação em que sentem a necessidade de descobrir por que eles desenvolveram um sério problema de adição enxergando a identificação e a re solução dessas questões como importantes para sustentar a recuperação por um longo período Em todos esses casos a aborda gem psicodinâmica pode ser considerada Em relação ao tipo de substância não parece haver uma distinção clara na lite ratura Gabbard26 destaca que abordagens psicodinâmicas são mais amplamente acei tas e valorizadas no tratamento de abusa dores de drogas do que no tratamento de alcoolistas Conforme Vaillant29 os abu sadores de múltiplas drogas apresentam maior probabilidade de terem vivenciado infâncias instáveis de uso de drogas como automedicação para sintomas psiquiátri cos e de se beneficiarem de esforços psico terapêuticos que abordem sua sintomato logia subjacente e patologia de caráter Na avaliação do paciente dependente químico candidato a psicoterapia de orientação analíti ca é também importante avaliar a integridade das funções egoicas como percepção memó ria atenção e concentração raciocínio lógico síntese e uma condição intelectual preserva da Estas se tornam importantes já que para a eficácia das interpretações é requerida capa cidade de abstração e simbolização14 Segundo Mercer e Woody30 a pre sença de comorbidades e de psicopatolo gias sérias também constitui fator impor tante a ser considerado na indicação de psicoterapia A maior parte dos estudiosos concorda que a presença de outros trans tornos psiquiátricos no contexto do abuso de drogas demanda indicação de psicotera pia como parte do programa de tratamen to Pacientes em abstinência com transtor nos da personalidade comórbidos podem promover o crescimento e a mudança da estrutura da personalidade por meio de psicoterapia de orientação analítica por exemplo Cabe ressaltar contudo que o transtorno da personalidade antissocial é uma contraindicação para essa psicotera pia Outra questão importante em relação às comorbidades é que pacientes com fobia social evitação geral e aversão às terapias grupais podem optar pela psicoterapia psi codinâmica individual26 Psicoterapia de orientação analítica 819 De maneira geral Gabbard26 resume as indicações de psicoterapia expressiva de apoio como segue 1 psicopatologia significativa além de abuso de drogas 2 engajamento em um programa de tratamento que inclui narcóticos anô nimos NA ou outro grupo de apoio abstinência forçada possivelmente um substituto da droga como a metadona e medicação psicotrópica adequada 3 ausência de diagnóstico de transtorno da personalidade antissocial a não ser que depressão também esteja presente 4 motivação suficiente para comparecer às sessões marcadas e envolverse no processo MODELOS PSICODINÂMICOS PARA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA No passado várias teorias psicodinâmicas sobre a gênese da dependência químico fo ram desenvolvidas teoria das gratificações narcísicas teoria da oralidade teoria das relações maníacas e teoria das perversões Por meio de uma perspectiva freudiana clássica León Wurmser31 concebeu a de pendência como resultado de um conflito entre o id o ego e o superego Segundo ele o dependente chegou a uma crise narcisís tica na qual um superego arcaico e cruel passa a questionar o valor do self Como consequência a pessoa apresenta ansie dade sentimentos depressivos vergonha e culpa e ao mesmo tempo um especial sentimento de estar desprotegido Para li dar com esse estado com o consumo o ego do dependente se alia a importantes partes do id com fantasias de fusão Segundo essa teoria experiências infantis como grave e real exposição a violência sedução sexual abandono brutal falta de confiança ou real invasão ou segredo da parte dos pais desde muito cedo na vida dirigiram sua agressão contra estruturas externas particularmente a qualquer tipo de autoridade adquirindo a forma de uma rebeldia destrutiva de de safio ou provocação Na escola da psicologia do self Heinz Kohut32 elaborou uma teoria conside rando o self como uma estrutura com sua própria linha de desenvolvimento Esse autor afirmava que os dependentes têm uma falha em sua capacidade psíquica pa ra manter um equilíbrio mental e como conse quência utilizam defesas narcísicas Segundo ele o trauma que eles sofrem é quase sempre uma grave desilusão frente a uma mãe que devido a sua pouca em patia com as necessidades da criança não cumpriu adequadamente as fun ções que o aparelho psíquico madu ro posteriormente deveria ser capaz de realizar pelos seus próprios meios funções de continência para estímu los de prover os estímulos necessá rios ou de oferecer a gratificação de um alívio para a tensão Assim de acordo com Kohut33 o que o depen dente sofre é uma falha no self a qual tenta re mediar por meio do consumo de substâncias Para ele a personalidade encontrase privada de coesão como se faltasse a imagem ideali zada do pai e a empatia da mãe Nesse contex to as drogas transformariam a realidade an siogênica em neutra reforçando nos usuários sua onipotência É o triunfo da negação Ainda segundo o mesmo autor a função da terapia seria proporcionar uma gradual identificação e introjeção de ele mentos bons pelo paciente com o estabe lecimento de uma forte aliança terapêutica Entretanto o vínculo inicial com os depen dentes químicos é bastante frágil e devido 820 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a essa negação e onipotência é importante cativálo evitando confrontações ou pos turas que possam ser interpretadas como autoritárias ou preconceituosas Já a teoria das relações objetais situa a natureza dos problemas mentais no con flito psíquico mais que nos déficits Joyce McDougall34 afirma que os dependentes sofrem a ausência de representação mental de um objeto bom Eles escolhem utilizar um elemento concreto a droga um objeto inanimado bom com o fim de com pensar essa falta Henry Krystal35 refere que a realidade psíquica do dependente encon trase dominada por uma intensa experiên cia de ambivalência inicialmente dirigida a uma imagem materna mas em seguida es tendida a outros objetos tais como as pesso as que o cercam ou a própria droga Afirma que o dependente em sua relação com as substâncias atua tanto as fantasias de fusão como as de separação a respeito de sua mãe Contudo para McDougall34 a incapacidade desses pacientes em sentir alexitimia36 é uma forma de evitar adquirir consciência de ansie dades psicóticas tentando deslocálas para a ação Dessa forma a conduta aditiva permite que o dependente evite a dor psíquica ao mes mo tempo que cria uma adaptação à realidade que reconhece como um falso self37 Ela observa que esses pacientes como requisito para sentiremse vivos são ex tremamente dependentes de seus objetos de amor ou droga ao mesmo tempo que tendem a ficar doentes quando são aban donados abstinência Por fim durante várias décadas im portantes mudanças ocorreram no pen samento psicodinâmico sobre o uso de substâncias As teorias mais recentes con sideram o uso de substâncias como um es forço adaptativo para a sobrevivência men tal ou seja uma resposta progressiva a um sofrimento psicológico Tais deficiências incluem prejuízos no autocuidado vulne rabilidades no desenvolvimento e na auto estima problemas nas relações de objetos e déficits de afetos38 Apesar da riqueza e da profundidade com que as teorias psica nalíticas tratam adições é necessário con siderar que a maioria delas baseiase nas observações clínicas e em reconstruções retrospectivas do passado dos pacientes O modelo da automedicação uma forma prática de trabalho psicodinâmico com dependentes químicos Em função de ser um dos mais estudados e utilizados na atualidade esse modelo teóri co será aprofundado neste capítulo e des crito separadamente A relação entre sintomas psiquiátricos e uso de droga tem sido definida como a hipótese da au tomedicação39 Segundo Murphy e Khantzian40 essa teoria se refere às tentativas do indiví duo de lidar cope no original com o ambiente externo e interno sendo o uso de substâncias uma expressão dessas tentativas bemsuce didas ou não de balancear funções desorga nizadas do ego mediante a vivência do efeito psicoativo da droga A estrutura dessa teoria centra o problema da adição no self vulnerável e desregulado e voltase para modificações na estrutura do self para seu respectivo tratamento A tentativa desorganizada de utilizar substâncias para gerar homeostase Psicoterapia de orientação analítica 821 entre o meio interno mundo intrapsíqui co e o ambiente externo o mundo real percebido pelo paciente levaria a um uso equilibrado ou não dessas substâncias e ao aproveitamento de seus efeitos para manter o equilíbrio Um ponto interessante sobre esse conceito é o de que o indivíduo que se apresenta para tratamento é aquele no qual tal balanço se desorganizou e por isso se faz necessário um novo equilíbrio aí sim com a tentativa de exercitar um novo balanceamento sem o uso de substâncias psicoativas O curioso dessa teoria é que os indivíduos que conseguissem algum grau de equilíbrio por meio do efeito percebido pelo uso de substâncias psicoativas não ne cessitariam de tratamento Na prática tal fenômeno tem expressão clínica uma vez que a prevalência de uso de substâncias é evidentemente maior do que a prevalência de abuso ou dependência sugerindo que de fato exista uma fração de indivíduos que tenha conseguido estabelecer tal equi líbrio mediado pelo uso de substâncias ao menos por um período limitado de tempo A hipótese da automedicação postula que o uso de drogas pode começar conti nuar ou ser fomentado como uma forma de autorregulação para contrabalançar an siedade depressão sentimentos de raiva ou desconforto subjetivo3941 Essa rela ção aparente entre sintomas psicológicos e abuso de substâncias proporciona a ba se lógica para a utilização de psicoterapia no tratamento da dependência se o des conforto psicológico pode ser reduzido o paciente tem uma melhor oportunidade de diminuir ou parar a autoadministração da droga Além disso serve para explicar o iní cio do uso de substâncias e sua manutenção Segundo Murphy e Khantzian40 na tentativa de se adaptar às suas próprias emoções e ao ambiente a ação da substância e a imersão em uma subcultura de droga poderia ser usada para emudecer extinguir ou evitar um gama de sentimentos e emoções Dessa forma a teoria sugere que a droga seria utilizada não para gerar bem estar mas para equilibrar desconfortos O bemestar advém da evitação do desconforto gerado tanto pelo desequi líbrio interno do indivíduo como pos teriormente pela própria abstinência da substância o que não é diferente de mecanismos de defesa adaptativos utili zados para regulação entre o ambiente e o mundo interno como por exemplo sublimação e humor Porém estes são muito mais sofisticados do que os meca nismos primitivos de associação com re compensa e prazer imediatos fornecidos pelo uso sistemático de drogas Segundo Khantzian42 Em vez de buscar mecanismos de de fesa neuróticos caracterológicos ou outras formas adaptativas como meio de lidar com o desconforto os usuá rios de substâncias adotam uma solu ção extraordinária ao utilizarem uma droga poderosa Murphy e Khantzian40 sugerem que o uso de substâncias estaria então a serviço da defesa de impulsos e afetos e defendem que áreas específicas de regulação do self estariam afetadas como por exemplo au tocuidado e regulação de afetos Outra leitura para o fenômeno da utilização da droga como um regulador dos afetos é a visão de que a ela é utilizada como um poro de regula ção da expressão desses afetos sendo descrita 822 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pelo paciente como um facilitador É comum a comunicação por parte do paciente em am biente clínico de que eu só consegui fazer tal coisa sob efeito de droga ou precisei beber para dizer o que eu pensava ilustrando que a repressão de afetos é mediada pelo uso de dro gas como uma instalação hidráulica desenvol vida pelo paciente para regular sua comunica ção com o meio externo Pacientes em abstinência se ressentem desse mecanismo e de modo sistemático relatam dificuldade em sentir ou expres sar seus sentimentos de uma forma mais intensa e genuína sem a facilitação perce bida pela utilização de drogas Tal sinto ma lembra referências feitas por diferentes autores em outros contextos com mais de uma terminologia sendo os termos mais comumente empregados a alexitimia36 ou a expressão disaffected patient43 Na prá tica o que se observa clinicamente é uma pobreza de expressões mais profundas de afeto com uma tendência a respostas la cônicas superficiais e sem consistência A despeito de se esse fenômeno ser causa ou consequência do abuso de substâncias sua coocorrência é frequente o suficiente para requerer atenção por parte do terapeuta44 Outro ponto citado por Murphy e Khantzian40 é a percepção de que usuários de drogas buscam controle em vez de er radicação de seus sentimentos por meio do uso de substâncias O alívio dessa for ma seria conseguido por reconhecer uma condição controlável mesmo que par cialmente de expressão de sentimentos que mesmo desconfortáveis são identi ficáveis pela repetição sistemática do uso ao contrário de sentimentos avassaladores abruptos e não mediáveis típicos do rela cionamento maduro com o meio externo Pacientes descrevem a dificuldade de lidar com sentimentos novos na fase de recupe ração em abstinência mesmo que sejam prazerosos A questão não é tanto se os sentimentos são bons ou ruins mas se eles já pertencem a um catálogo de sensações previamente reconhecidas e identificadas ou se são elementos novos portanto ame açadores a serem incluídos no arsenal É típica a percepção de que pacientes em abstinência não conseguem melhorar quando na verdade o que pode estar se passando é uma dificuldade de adminis trar sentimentos intensos não cataloga dos e desse modo fora de seu contro le mesmo que de caráter positivo É fácil compreender o quanto a má administra ção desses sentimentos gera recaídas POSTURA DO TERAPEUTA E ADAPTAÇÕES DA TÉCNICA E DO SETTING ELEMENTOS DETERMINANTES NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS O leitor atento percebeu que nas vinhetas descritas neste capítulo a postura do tera peuta teve relevantes implicações na rela ção dinâmica com seu paciente afetando sobremaneira o atendimento No caso do profissional liberal de 57 anos a exclusiva interpretação de que seu comportamen to é fruto de resistência à mudança seria inadequada nessa fase do atendimento o aumento da ansiedade causado pela inter pretação da resistência poderia leválo a comportamentos sistemáticos de recaída e consequente aumento das resistências ao tratamento A atitude de monitoramento constante associada a uma postura de su porte e compreensão do terapeuta acerca das dificuldades com o contato mais pró ximo com o tratamento podem poten Psicoterapia de orientação analítica 823 cializar um aumento do vínculo necessá rio às etapas posteriores da psicoterapia Entretanto tal postura somente pode ser utilizada em pacientes cuja intensidade de problemas com o uso de substâncias esteja razoavelmente sob controle No que compete ao paciente Dou glas a postura homogênea ao longo do processo de mudança define para ele um formato em geral falho na estrutura de personalidade desses pacientes segundo o qual pode testar e apoiar as mudanças que foram devidamente contratadas no início do tratamento Por poder experimentar um processo de identifi cação com elementos percebidos como saudá veis do terapeuta o paciente se permite exerci tar aspectos menos estruturados porém pre sentes de sua personalidade em busca de um equilíbrio baseado em um funcionamento mais amadurecido abstinência e exame das dificuldades sem retorno ao uso de drogas O caso de Bruna é ilustrativo da po tencial frustração existente no tratamento de dependentes graves com inúmeras in tercorrências no processo de recuperação O desgaste causado no tratamento e por que não dizer no terapeuta deve ser foco de atenção preventiva com a busca siste mática de elementos positivos e saudáveis na relação pacienteterapeuta para que o tratamento não se desfaça em circunstân cias de crise ou imediatamente posteriores a estas No caso de Nilo o elemento principal é a organização do paciente em torno dos elementos previamente contratados no iní cio do tratamento Dessa forma paciente e terapeuta sabem o que irão fazer quando do surgimento de intercorrências e podem se valer dos elementos já determinados pa ra tomadas de atitude e correções de rota ao longo do tratamento Outro ponto fundamental no atendimento de dependentes químicos é a manutenção dinâmi ca e a revisão sistemática do contrato terapêu tico que está intimamente relacionado à for mação e à continuada revisão da aliança te rapêutica ADAPTAÇÕES DO SETTING E DA TÉCNICA Do ponto de vista da logística do tratamento com dependentes químicos são necessários al guns pontos de adaptação da técnica tradicio nal de psicoterapia Estes são gerados basi camente pela necessidade de definir limites com o objetivo precípuo de aumentar o controle do paciente sobre seu comportamento aditivo e são feitos mediante um contrato com regras bem definidas e que se encontra em constante mutação e adaptação É evidente que os temas aqui descri tos são válidos para uma psicoterapia sis temática com dependentes químicos ini ciada após os processos clínicos de desin toxicação que não são foco deste capítulo Alguns pontos merecem destaque Combinações referentes a horários faltas e recaídas Segundo Levin45 a sobriedade depende da constru ção de uma estrutura psíquica de for ma que o dependente possa executar 824 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tarefas previamente executadas pelas drogas É de se esperar portanto que ao ser proposta a retirada da droga da vida do paciente ele regri da a estágios mais primitivos de funcionamen to mental demonstrando a necessidade de rea daptação de sua vida sem a utilização de uma muleta química Como consequência a es trutura do tratamento deverá servir como mol de e suporte para o funcionamento mental e também da vida prática do paciente Isso implica o estabelecimento de re gras mais firmes para o desenvolvimento do contrato terapêutico do que normal mente se esperaria em uma psicoterapia convencional A forma da sessão por exemplo no que compete a horários atrasos faltas ou outras questões tem de fato uma tarefa modeladora para o pa ciente Pela característica específica do com portamento aditivo o dependente via de regra acostumouse a funcionar sob um formato desorganizado com pouco ou ne nhum compromisso e com todo um sis tema protetor e autojustificado baseado principalmente em identificação projetiva para retroalimentar seu abuso de subs tâncias Essa estrutura primitiva estará mais desorganizada no início do tratamento em função da retirada da droga e da imposição de novas regras de funcionamento É tare fa do terapeuta identificar para o paciente essa organização mais primitiva e ao con firmar elementos de contrato referentes a horários atrasos faltas pagamentos e ma nejo de recaídas definir a proposição de es truturar a vida do paciente É útil expressar que por meio de ações aparentemente pe quenas como por exemplo acostumar se a chegar um pouco mais cedo à sessão e aguardar sua hora na sala de espera o paciente experimentará de forma contro lada um mecanismo adaptativo necessário para sua vida de relação que é o controle sistemático de seus impulsos mediante a negociação com o tempo a qual costuma ser falha em dependentes químicos Como todas as drogas de abuso apresentam efeito psicoativo bastante rápido o dependente se acostumou a gratificarse imediatamente com as substâncias e tenderá a repetir esse comportamento na relação de tratamento o que permite o exame de seu significado Esperase que o paciente reaja a esse forma to e não se organize no início o que deve ser tolerado pelo terapeuta mas reforçado como uma das metas iniciais associadas à abstinência No que compete à abstinência outra regra deve ser contratada a de não realizar a sessão de psicoterapia sob o efeito de drogas seja agu do seja pósuso imediato Há dois motivos para que essa regra seja seguida à risca o primeiro é obvia mente de característica cognitiva pois um usuário de drogas intoxicado terá uma resposta prejudicada e alterada à interação social e ao ambiente gerando elementos artificiais à relação de tratamento e preju dicando sua compreensão sobre os temas abordados na sessão O segundo é de na tureza simbólica a sessão deve servir como elemento original na vida de um depen dente químico que se acostumou a nego ciar a seu favor a utilização de drogas em diversos pontos de sua vida cotidiana tra balhar dirigir conversar interagir social mente são exemplos de circunstâncias que Psicoterapia de orientação analítica 825 o dependente descreveria como possíveis de serem realizadas sob o efeito de drogas negando o impacto delas na qualidade de sua performance É dever do terapeuta produzir crítica e contras te a essas justificativas por meio da observa ção junto com o paciente das diferenças exis tentes entre realizar tarefas e interagir com ou tros indivíduos em particular na qualidade e na intensidade das expressões de afeto com e sem o uso de drogas E para tal a sessão ser ve de ponto de partida para essa tentativa que somente pode ser feita em abstinência de no mínimo 24 horas Isso deve ser combinado no contrato inicial e reforçado quando necessário Mesmo que tal elemento produza circunstâncias desconfortáveis para o pa ciente como por exemplo a suspensão da sessão caso seja identificado que o pa ciente está intoxicado ou com sinais de uso recente de droga ele deve ser mantido Podese encorajar o paciente a comunicar ao terapeuta quando não puder compare cer à sessão por quebra de contrato o que é uma expressão de amadurecimento na relação Pode ser adequado se possível re manejar o horário da sessão para um novo dia de preferência o dia seguinte à sessão originalmente prevista Com isso ao mes mo tempo encorajase o paciente a reali zar a consulta em um novo dia e com uma nova tentativa de abstinência mas também se demarca que o setting ficou protegido da intervenção externa provocada pela droga É claro que se esse comportamento se re pete tal sistema não irá funcionar Porém é provável que caso o comportamento se repita outras alterações do setting se tor nem necessárias como por exemplo a desintoxicação do paciente em regime am bulatorial ou hospitalar Esse sistema é útil para lapsos esporádicos slips ou escorre gões como define Marlatt28 e não para uma recaída de grande porte Para adolescentes outras adaptações do set ting são necessárias como a confirmação de abstinência por exames de urina ou presença ou contato sistemático com pais ou responsá veis durante o tratamento Ambos os mecanis mos têm efeito extremamente terapêutico ou deletério na relação médicopaciente depen dendo em grande parte de como isso foi con tratado e de seu uso parcimonioso A utilização de testes de urina para confirmar abstinência na verdade tem como utilidade a revisão do grau de fide lidade existente entre paciente e terapeuta Utilizála como rotina ou mesmo sem o consentimento do paciente não apenas não produz efeito terapêutico como tam bém pode ter efeitos nocivos ao setting em função da perda de autonomia e responsa bilidade por parte do paciente que aloca à checagem de sua urina e não a si mesmo o compromisso com a abstinência Como a motivação para o tratamento em especial com o uso de drogas menos pe sadas como a maconha costuma ser baixa o teste de urina é imprescindível para con firmar a veracidade da informação dada pelo paciente em sessão Caso o paciente se negue a realizar o teste isso será um indica dor de provável consumo de drogas O exa me da atitude de negação deve ser realizado imediatamente pois compromete um dos pilares principais de qualquer psicoterapia que é a confiabilidade das informações en tre paciente e terapeuta Quanto à presença de pais ou res ponsáveis no consultório em especial para 826 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs adolescentes com ou sem a presença do pa ciente esta se faz necessária de forma mais frequente no início do tratamento quando são definidas regras de funcionamento da psicoterapia ou quando há quebra impor tante de contrato psicoterápico faltas repe tidas incongruências entre informações É importante comunicar ao paciente que os pais serão chamados à consulta e con forme a postura de privilegiar a relação de tratamento convidálo a participar desta na tentativa de evitar dissociações Muitas vezes a presença dos pais no consultório é resultado de uma circunstância aguda re caída sem controle por exemplo signifi cando uma modificação no setting original Aconselhase que para adolescentes a pos sibilidade dessa intervenção seja discutida no início do tratamento Interpretar ou não Os elementos transferenciais de uma psicote rapia de dependência química não são parti cularmente diferentes dos de uma psicoterapia convencional o dependente projeta no terapeu ta elementos idealizados e conflituados de suas relações primitivas e este pode compreender o significado de tais manifestações à custa de sua vivência dos elementos contratransferen ciais A diferença se encontra na forma de manejar esses elementos no uso de inter venções e em especial na maior parci mônia em relação à utilização de inter pretações particularmente as relaciona das a transferênciacontratransferência Na psicoterapia dinâmica convencional os elementos trazidos pelas reações transfe renciais do paciente são atuados no campo terapêutico A interpretação sistemática do significado das atuações gera compreen são progressiva do mundo interno para o pa ciente facilitando seu crescimento O mo tivo principal da não utilização da inter pretação transferencial na psicoterapia de dependentes químicos de forma mais es pecífica nos estágios iniciais de tratamento e com pacientes com transtornos da perso nalidade está no fato de que o paciente irá atuar suas reações transferenciais primor dialmente à custa de elementos comporta mentais recaídas o que não é desejado no processo terapêutico A transferência do paciente previa mente relacionada à droga é substituída de forma gradativa pela transferência a uma pessoa terapeuta e ao contrário do que se passa com a droga é utilizada para a compreensão do funcionamento do mun do interno do paciente e então promover crescimento Ou seja a utilização de inter pretações de cunho transferencial deve ser mínima nos estágios iniciais da psicotera pia tendo maior efeito nos estágios mais tardios quando o paciente conseguiu subs tituir as atuações do tipo recaída por outros mecanismos adaptativos e que não põem a continuidade do tratamento ou sua integri dade pessoal sob risco tão intenso Na maior parte das vezes o terapeuta pode e deve servir como um parâmetro role model para o paciente De forma di ferente de outras psicoterapias aqui o que está em questão não é a figura idealizada do terapeuta a ser analisada em função do exame de aspectos projetados na transfe rência sendo aos poucos descatexizada e liberada de aspectos superegoicos para uma posterior construção de uma figu ra real não idealizada No tratamento do dependente químico a figura real do tera peuta pode fazer a diferença em função da desorganização maciça do mundo interno do paciente e de sua necessidade de refor Psicoterapia de orientação analítica 827 ço e organização por meio dos elementos maduros e saudáveis transmitidos pelo te rapeuta A dificuldade de terapeutas inexperientes ou menos treinados para lidar com ataques trans ferenciais intensos reside em não identificar ou mesmo não aceitar a carga emocional advin da dessa situação e desavisadamente contra atuar Pacientes dependentes de drogas irão experimentar em seu processo de abster se de substâncias um progressivo cair no vazio que na maioria das vezes é muito desorganizador Em função de característi cas previamente mencionadas neste capítu lo como a incapacidade de frustrarse de forma produtiva ou lidar com adversidades de um modo relativamente organizado es ses pacientes terão no terapeuta e muitas vezes somente nele um ponto de conta to com uma realidade mais saudável Em seu sentido mais dramático seria possível identificar fenômenos no processo trans ferênciacontratransferência que por não serem acted in processados elaborados e transformados em formato mais amadu recido são atuados na relação ou na vida real gerando recaídas secas comporta mentos aditivos relacionados à droga mas sem necessariamente a recaída em si ou recaídas reais O processo de supervisão sistemática de terapeutas menos experientes tende a minimizar tal ocorrência mas mesmo te rapeutas mais treinados podem de forma consciente ou não utilizarse da interpre tação transferencial sem a compreensão do potencial dano que podem causar ao paciente As intervenções mais úteis na psicoterapia sis temática de dependentes químicos são do tipo assinalamento confrontação construção e re forço sendo as interpretações transferenciais utilizadas ao término do tratamento quando a droga praticamente não é mais o tema em questão ou mesmo depois quando o paciente estiver indicado para uma forma de tratamen to de maior aprofundamento como por exem plo a psicanálise Para finalizar é útil relembrar os ele mentos de tratamento psicodinâmico de um dependente químico Uma vez que os objeti vos traçados inicialmente tenham sido atin gidos ao longo do atendimento abstinência constante com aumento da com preensão sobre uso e recaída de drogas podese em alguns casos específicos considerar a indi cação do paciente para um tratamento psi canalítico Esta é a expressão final de um au mento global de compreensão interna por parte do paciente O tema central droga agora é no máximo um aspecto secundário do atendimento encontrandose substan cialmente fora do setting Nesse momento do ponto de vista da técnica psicoterápica começa a haver uma superposição entre os dois formatos e uma indicação para atendi mento posterior dos processos depressivos e ansiosos que fizeram parte da vida psíquica do paciente os quais até então haviam sido manejados por meio do uso de substâncias e que necessitam ser elaborados sob um for mato mais maduro e duradouro Os aspectos depressivos e ansiosos permanecem como um resquício de com portamentos e situações passados e já sufi cientemente elaborados pelo processo su cessivo de exame do mundo intrapsíquico decorrente da psicoterapia Para essas con dições sugerese uma avaliação para psica nálise posterior 828 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Uma abordagem não dogmática flexível criativa não hierárquica empática podendose utilizar da combinação de técnicas muitas vezes discrepantes e concorrentes é importante para melhores resul tados no tratamento 2 Exigese muito tempo e energia por parte do terapeuta para introduzir o paciente ao tratamento e comprometêlo com sua manutenção Elementos narcisistas do terapeuta dificultam a formação de um vínculo terapêutico eficaz 3 Os objetivos do tratamento devem ser formulados antecipadamente e mantidos em foco Dependentes de substâncias irão se apresentar no início com o mundo interno bastante caótico e desorganizado 4 O método psicodinâmico deve ser utilizado em um momento emocional adequado para o paciente timing apropriado para o paciente 5 A necessidade de psicoterapia de orientação analítica do usuário de substâncias depende principal mente do desejo da prontidão e da necessidade sentida do paciente para esse tipo de tratamento A motivação é essencial para o sucesso terapêutico nesse tipo de abordagem 6 A hipótese da automedicação postula o uso de substâncias como tentativa de gerar homeostase entre o meio interno e o ambiente externo e balancear funções desorganizadas do ego 7 Usuários de substâncias procuram controle em vez de erradicação de seus sentimentos com o uso de drogas Os pacientes têm dificuldade de lidar com sentimentos novos mesmo que positivos 8 Constituem nuanças do tratamento psicoterápico a interpretações transferenciais ou mais impactantes devem ser realizadas posteriormente no trata mento devido ao risco de acting out por meio de recaídas no uso de drogas b postura empática inicial e um pouco mais ativa ou diretiva a neutralidade do terapeuta e o silêncio podem ser percebidos como ameaçadores e favorecedores de recaídas no início do tratamento c o terapeuta deve resistir aos ataques transferenciais e evitar contraatuações além disso nem toda recaída deve ser interpretada como um ataque d uso prévio de substâncias não é uma contraindicação para análise contanto que o paciente se mantenha abstinente por um longo tempo antes de ir para o divã e transferese a dependência prévia da droga para a dependência de uma pessoa terapeuta no sentido de buscar reestruturação do mundo interno 9 São dificuldades no tratamento do dependente químico a recaídas frequentes b alexitimia c narcisismo do terapeuta impossibilidade de falhas no tratamento d falta de motivação do paciente e danos no lobo préfrontal que levam a atitudes impulsivas e inconsequentes muitas vezes impos sibilitando contratos terapêuticos 10 Os objetivos da psicoterapia em paciente dependentes químicos são a formação de aliança terapêutica rapport b identificação com elementos saudáveis na relação terapeutapaciente e reestruturação de vínculos c identificação de sentimentos e emoções d diminuição de comportamentos de riscoabstinência constante e manutenção do setting apesar de tentativas do paciente para quebrálo f revisão sistemática do contrato terapêutico necessidade de definir limites g manutenção da abstinência como prioridade do tratamento para se avançar em outros pontos Psicoterapia de orientação analítica 829 REFERÊNCIAS 1 Miller NS editor The principles and practi ce of addictions in psychiatry Philadelphia W B Saunders c1997 2 Washton AM Zweben JE Prática psicoterá pica eficaz dos problemas com álcool e dro gas Porto Alegre Artmed 2009 3 McLellan AT Luborsky L Woody GE OBrien CP An improved diagnostic ins trument for substance abuse patients The Addiction Severity Index J Nerv Ment Dis 198016812633 4 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders text revision DSMIVTR 4th ed Wa shington American Psychiatric Association c2000 5 Kessler F von Diemen L Seganfredo AC Brandão I de Saibro P Scheidt B et al Psi codinâmica do adolescente envolvido com drogas Rev Psiquiatr RS 200325Supl 1 3341 6 Luborsky L CritsChristoph P McLellan AT Woody G Piper W Liberman B et al Do therapists vary much in their success Fin dings from four outcome studies Am J Or thopsychiatry 198656450112 7 Prochaska JO 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Teoría psicoanalítica de las neu roses Buenos Aires Paidós Ibérica 1996 26 Gabbard GO Transtornos relacionados a substâncias e transtornos de alimentação In Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica 4 ed Porto Alegre Art med 2006 27 Gorski TT Miller M Staying sober a guide for relapse prevention Independence Inde pendence c1986 28 Marlatt GA Gordon JR editors Relapse prevention maintenance strategies in the treatment of addictive behaviors New York Guilford c1985 29 Vaillant GE The alcoholdependent and drugdependent person In Nicholi Jr AM editor The new Harvard guide to psychia try Cambridge Harvard University 1988 p 70013 30 Mercer D Woody GE Individual psychothe rapy and counseling for addiction In Ga bbard G Beck JS Holmes J editors The Oxford textbook of psychotherapy Oxford Oxford University 2005 31 Wurmser L The role of the superego con flicts in substance abuse and their treat ment Int J Psychoanal Psychother 1984 19851022758 32 Kohut H The analysis of the self a syste matic approach to the psychoanalytic treat ment of nacisistic personality disorders Chicago University of Chicago c1971 33 Kohut H Preface In Blaine JD Julius DA editor Psychodynamic of drug dependence Rockville National Institute on Drug Abuse 1977 NIDA research monographs series v 12 34 McDougall J The psychosoma and the psychoanalytic process Int Rev of Psychoa nal 19741443759 35 Krystal H Self representation and the capa city for selfcare Annual of Psychoanalysis 1978620946 36 Sifneos PE The prevalence of alexithymic characteristics in psychosomatic patients Psychother Psychosom 197322225562 37 Winnicott DW The maturational processes and the facilitating environment studies in the theory of emotional development New York International Universities c1965 38 Khantzian EJ Dodes L Brehm N Psycho dynamics In Lowinson J Ruiz P Millman RB Langrod JG editors Substance abu se a comprehensive textbook 4th ed Phila delphia Lippincott Williams Wilkins 2004 39 Khantzian EJ The selfmedication hypothe sis of addictive disorders focus on heroin and cocaine dependence Am J Psychiatry 198514211125964 40 Murphy SL Khanztian EJ Addiction as a selfmedication disorder application of ego psychology to the treatment of substan ce abuse In Washton AM Psychotherapy and substance abuse a practitioners hand book Nova York Guilford c1995 p 16175 41 Khantzian EJ Khantzian NJ Cocaine addic tion is there a psychological predisposition Psychiatric Annals 1984147539 42 Khantzian EJ Opiate addiction a critique of theory and some implications for treatment Am J Psychother 19742815970 43 McDougall J The disaffected patient re flection on affect pathology Psychoanal Q 1984533386409 44 Luborsky L Principles of psychoanalytic psychotherapy a manual for supportiveex pressive treatment New York Basic Books c1984 45 Levin JD Psychotherapy in laterstage reco very In Washton AM Psychotherapy and substance abuse a practitioners handbook Nova York Guilford c1995 p 26484 A internação em um hospital geral po de ocasionar sofrimento psíquico e alte rações comportamentais que excedem o que a equipe assistencial considera como reação normal ao adoecimento Isso cos tuma desencadear a solicitação para que um profissional da saúde avalie o estado mental do paciente e auxilie em seu mane jo A esse respeito esclarecemos que neste capítulo não abordamos os transtornos psiquiátricos mais prevalentes no âmbi to do hospital geral Focalizamos em vez disso circunstâncias que nesse ambien te costumam condicionar a intervenção psicoterapêutica De modo geral quem melhor po de cuidar da saúde mental do paciente é seu próprio médico por meio de atitudes psicoterapêuticas O profissional de saúde mental o auxilia nessa tarefa ao discutir a dinâmica psicológica do paciente Isso po de ser feito de uma maneira simples ouvir atentamente permitir desabafos reconhe cer a dificuldade enfrentada pelo colega apontar formas alternativas de compreen der a situação fazer sugestões de manejo Em situações nas quais se percebe a dificuldade do médico ou de membros da equipe em lidar com um paciente ou uma situação clínica o ideal é que o profissional de saúde mental aja como um catalisador deixando a ação a cargo da equipe Nesse caso a consultoria será mais eficaz quanto menos sua pessoa aparecer quanto mais for invisível1 Se a condição emocional do paciente estiver mais afetada aí sim po derá ser necessária a psicoterapia provida por um profissional treinado para tanto Hospital geral oportunidade para a ação O profissional de saúde mental pode tomar a iniciativa das ações de saúde em vez de aguar dar pela solicitação de seus trabalhos Em ge ral o início dessa forma de trabalhar dáse por meio de um screening capaz de detectar os pa cientes que necessitem da intervenção que se oferece como por exemplo tratamento de ta bagismo alcoolismo depressão Valese de uma oportunidade em que muitos pacientes costumam estar mais motivados ou pressio nados a parar de fumar ou de beber A inter venção é breve com entrevista motivacional e estratégia psicoeducacional Em algumas ini ciativas a assistência prolongase após a alta hospitalar24 O ADOECER O impacto de uma doença grave com hos pitalização imobiliza e congela a existência e em consequência nossa relação com o mundo Há quebra de uma linha de con 47 PSICOTERAPIA NO HOSPITAL GERAL Neury José Botega 832 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tinuidade da vida das funções desempe nhadas no dia a dia de certa previsibilida de que guardamos sobre o dia de amanhã Ocorre uma interrupção da continuidade existencial e da referência temporal É um tempo de suspensão e as preocupações mais imediatas passam a girar em torno do estado corporal e da passagem das horas Essa con dição foi enfatizada por Freud5 em 19145 É do conhecimento de todos e eu o aceito como normal que uma pessoa atormentada por dor e malestar or gânico deixa de se interessar pelas coi sas do mundo externo na medida em que não dizem respeito a seu sofri mento Uma observação mais detida também nos ensina que ela também retira o interesse libidinal de seus ob jetos amorosos enquanto sofre deixa de amar Devemos então dizer o homem enfermo retira suas cate xias libidinais de volta para seu pró prio ego e as põe para fora novamente quando se recupera5 Strain6 postula oito categorias de es tresse psicológico a que está submetido o paciente hospitalizado por uma doença aguda tendo por base as fases psicodinâ micas do desenvolvimento 1 Ameaça básica à integridade narcísica São atingidas as fantasias onipotentes de imortalidade de controle sobre o próprio destino e de um corpo in destrutível Podem emergir fantasias catastróficas com sensação de pânico aniquilamento e impotência 2 Ansiedade de separação não só de pessoas significativas mas de objetos ambiente e estilo de vida 3 Medo de estranhos Ao entrar no hos pital o paciente coloca sua vida e seu corpo em mãos de pessoas desconhe cidas cuja competência e intenção desconhece 4 Culpa e medo de retaliação Ideias de que a doença veio como um castigo por pecados e omissões Pode haver fantasias de ser destruído pelo próprio corpo ou por procedimentos e terapêu tica adotados 5 Medo da perda do controle de funções adquiridas durante o desenvolvimento como a fala o controle dos esfincteres a marcha 6 Perda de amor e de aprovação com sen timentos de autodesvalorização gerados pela dependência pela sobrecarga financeira ou por outros fatores 7 Medo de dano a partes do corpo 8 Medo da dor e da morte A vivência de quem se descobre gravemente en fermo internado em um hospital é a de a par tir de seu próprio corpo deixar de ser dono de si Com as limitações da doença passa a su jeitarse ao corpo e a ele tem que perguntar Posso A vivência é de tornarse escravo do corpo e do tempo ter de se adaptar às regras e ao ritmo da instituição A enfermidade trans forma o homem de sujeito de intenções em su jeito de atenção As pessoas reagem de modos diferen tes às doenças e à internação hospitalar Os fatores que determinam respostas distintas a essas condições não são conhecidos em sua totalidade Entretanto o significado pessoal e subjetivo que a doença física des perta parece ser o fator fundamental Este é modulado por características de persona lidade pela história de vida pelas circuns tâncias sociais e pela própria natureza da patologia e de seu tratamento As ameaças e frustrações que acom panham o adoecer podem ser intensas a doença passa a ser a marca da impotência transformase em uma ferida psíquica que não cicatriza ainda que de fato as coisas Psicoterapia de orientação analítica 833 estejam dando sinais de melhora Algumas pessoas têm seu sofrimento prolongado pois não conseguem elaborar a situação de perda luto patológico Indivíduos acostumados a manter ri gidamente o controle de diversos aspectos de suas vidas poderão relacionarse de for ma exasperada com seus cuidadores Não abrem mão de uma posição de comando exigindo a todo momento que se aten dam suas inúmeras solicitações Outros com traços de instabilidade e incontinência emocionais terão reações exacerbadas de mandarão mais atenção do que o normal Não raramente tais pacientes despertam raiva e esgotamento O profissional da saú de poderá nesses casos sentirse explora do controlado e responderá com hostili dade Nesse caso ele se enredou na trama emocional do paciente e perdeu a capaci dade de discriminação7 Mecanismos de defesa Os mecanismos psicológicos de adaptação à doença e à hospitalização podem ser es tudados sob as vertentes psicodinâmica mecanismos de defesa modalidades de apego personalidade fisiológica estres se e cognitiva locus de controle coping A ideia de mecanismos de defesa ocorreu a Freud quando ele se deu conta da resistên cia que seus pacientes manifestavam contra representações inconciliáveis conteúdos penosos que chegavam à consciência Inicialmente descritos como defensivos mecanismos psicológicos de defesa são es senciais na própria constituição do sujeito de sua personalidade capazes de propor cionar uma espécie de viabilidade mental na relação do indivíduo com a realidade incluindose sua realidade mais íntima e pessoal às vezes apenas sentida e despro vida de representações mentais8 Aqui abordamos três mecanismos de defesa observados com frequência em situa ções de adoecimento negação regres são e deslocamento Negação O paciente age como se não estivesse sob ameaça É um recurso para evitar sofrimen to medo e desespero Pode postergar ou abandonar o tratamento desacreditar nos resultados de exames agir como se nada de grave estivesse acontecendo ou tentar fazer crer que seu problema clínico é de natureza mais branda do que todos estão pensando Outras vezes observase uma pessoa que embora submetida a procedimentos inva sivos e dolorosos não faz perguntas sobre a razão de sua internação ou dos remédios que está tomando De certa forma a racionalização ou tro mecanismo de defesa bastante obser vado na clínica apoiase na negação e no isolamento de sentimentos penosos O pa ciente poderá querer conversar às vezes até de forma animada sobre os aspectos técni cos de seu diagnóstico e tratamento Outra forma de negar conflitos e sentimentos é a banalização Dáse a um problema sério apenas alguma importância o assunto logo é mudado ou se segue uma brincadeira Características como as descritas po dem constituir traços de caráter mais ou menos integrados à personalidade Essas posturas de defesa precisam ser respeita das Significam afinal a impossibilidade de suportar a carga emocional advinda da situação de doença Para muitos pacientes certo grau de negação é um mecanismo útil para enfrentar a ansiedade despertada por doença e cirurgia iminente Quando im pedem o bom curso do tratamento aí sim precisam ser abordadas em uma tentativa de enfraquecêlas 834 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs É preciso respeitar o tempo interno do pa ciente e não forçálo a enfrentar verdades Arrombarlhe portas e janelas do ego impon do a realidade dos fatos é uma violência Tal conduta responde mais à angústia e ao despre paro do médico Não se refere à necessidade de franqueza e de eficiência na tarefa médica As clássicas perguntas Revelar ou não o diagnós tico Quando e Como falar devem ser respondidas após parar para ouvir um pouco mais o paciente com atenção à linguagem ver bal e não verbal até que se possa intuir o que ele deseja e suporta saber São comuns situações nas quais a ne gação de um diagnóstico foi compactuada entre médico e familiares que decidiram não comunicar algo penoso mesmo quan do o paciente se encontra em plenas condi ções mentais de lidar com os sentimentos que tal revelação provocaria A observação no paciente de instabilidade afetiva com crises de choro irritabilidade insônia bem como demanda exagerada e desnecessária de atenção pode indicar a falência do meca nismo de negação um sinal de que a pessoa já pode e necessita abrirse com alguém Regressão O impacto psicológico da doença aliado às próprias condições de uma internação na qual o paciente recebe cuidados básicos de higiene alimentação e medicação favorece o mecanismo de regressão A atualização de um modo de funcionamento ligado a etapas mais precoces do desenvolvimento permite satisfações de necessidades afeti vas primitivas Além disso o paciente po de adotar uma posição muito passiva não demonstrar força para reagir regredindo em seu comportamento e suas necessida des chegando às vezes a fases não verbais e não motoras A regressão nada tem de anormal em uma situação grave e aguda na qual o paciente precisa se colocar nas mãos da equipe médica e deixarse cuidar Aliás a incapacidade de entregarse a certo grau de regressão forçandose a uma perfeita adaptação à doença pode com o tempo ser prejudicial Quando se prolonga no de correr do tratamento a regressão aumenta desnecessariamente a permanência no leito incentiva a dependência e retarda a conva lescença podendo chegar ao hospitalismo Tal comportamento impede o paciente de usar recursos pessoais mais maduros para enfrentar as dificuldades presentes impri mindo a ideia de que participação mais ativa no tratamento implicará maior sofrimento A regressão é favorecida pela situação real de dependência na qual a pessoa se encontra e pela atitude dos familiares e da equipe as sistencial se passam a tratar o paciente como criança Essa modalidade de relação se pre ponderante poderá reforçar o comportamento regredido passando para o paciente a impres são de que o julgam de fato incapaz impres são de que não adianta se esforçar por si pois não conseguirá A atitude oposta Vamos lá Só de pende de você é igualmente inadequada É preciso imaginar como se sente uma pes soa acamada e deprimida sem motivação ao ouvir alguém dizer que só depende dela É provável que se sinta mais incapaz mais só sem apoio e sem compreensão Devese tratar a pessoa adoentada com de licadeza mas sem infantilizála O paciente necessita de gotas de otimismo não de uma convocação para a saúde dada de for ma eufórica ou condenatória Durante meses você é inserido em lu gares aparentemente protetores com Psicoterapia de orientação analítica 835 hierarquias histeria e acessos de raiva que não são seus num vórtice de dias que não são seus Você é tratado como um jogador de futebol Vamos lá não desista Você tem que conseguir Onde está sua coragem Você precisa coope rar vamos lá Ou então como se fos se um bebê Agora eu quero que você venha e pegue este lápis com sua mão esquerda E você não consegue nem sequer fazer isso Você é mergu lhado num ambiente infantil de ber çário Agora vamos lavar nosso ros to Será que queremos um pouco de queijo em nossa sopinha Agora va mos tomar nosso comprimido nosso comprimido para dormir nosso tran quilizante Mas o único eu nesse nós o único que é obrigado a lutar e sofrer é você mesmo A doença tor na você dependente Essa dependên cia faz você regredir à infância9 Deslocamento Em algum momento no curso do trata mento o paciente poderá deslocar sua raiva contra um familiar ou contra a equi pe médica culpálos pela doença ou por algum acontecimento tentando aplacar a angústia e a revolta que não consegue conter Em geral essa reação é passagei ra correspondendo a uma fase na qual o paciente ainda se encontra sob o impacto de um diagnóstico ou de alguma notícia adversa A atitude do paciente enraivecido por sua condição de doença e de depen dência poderá ser de arrogância e desprezo ou exigirá tal nível de dedicação que afas tará as pessoas dele Podem ser ativados outros mecanismos de defesa psicológica considerados mais primitivos surgidos de forma mais precoce no desenvolvimento psíquico como é o caso da identificação projetiva da idealização e da negação psi cótica A equipe assistencial passará a colocá lo no gelo ou mesmo de alguma manei ra agredilo de forma sádica ainda que passivamente Devese lembrar que em casos como esse costuma haver um pro cesso de contaminação no qual os sen timentos do paciente em especial suas ne cessidades mais primitivas podem influen ciar e modificar o modo como as pessoas agem em relação a ele O PSICOTERAPEUTA NO HOSPITAL GERAL Antes de examinar as adaptações técnicas requeridas nas intervenções psicoterapêu ticas que se dão à beira do leito devemos reafirmar a máxima de que a précondição mais importante nessa situação é o vín culo que se estabelece entre o terapeuta e o paciente Sem aprofundar o estudo da natureza do que se entende por vínculo aqui vamos abordar alguns aspectos que no âmbito do hospital geral costumam influenciálo Os estudos de Michael Balint10 tor naram a personalidade do paciente bem como a do médico objeto de investigação a partir de uma compreensão da intera ção entre médico e paciente no contexto clínico Segundo Balint10 o paciente traz ofertas sintomas doenças ao médico que as avalia aceitaas ou não Essa avalia ção passa pela abertura e pela capacidade do profissional para ouvir e examinar com atenção o que é trazido à consulta As ofer tas são apresentadas de modo desorgani zado em termos de afetos e de emoções O paciente pode se mostrar angustiado e confuso quanto à compreensão do que se passa A medida inicial de um profissional dedicado é procurar dar ordem a tais rea ções e sentimentos compreendendoos e 836 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs procurando ajudar o paciente a ressignifi cálos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Paciente do sexo masculino 60 anos ainda em atividade profissional hospitalizado em uma unidade coronária com infarto agudo do mio cárdio Após haver sido comunicado sobre a ne cessidade de realização de um cateterismo car díaco reagiu com mutismo ensimesmamento e negação dos medicamentos e da alimentação A avaliação psiquiátrica foi então solicitada Apurouse que o paciente havia sido informa do sumariamente que seria submetido ao re ferido exame sem que lhe fossem explicadas as razões Também não sabia como era o pro cedimento Isso havia sido suficiente para ele fantasiar que seria operado com grandes chances de morrer no ato cirúrgico A angús tia o medo o desconhecido a perda do con trole sobre seu destino e sobre sua vontade ge raram sua reação Esta pode ser interpretada como uma tentativa de retomar o controle so bre si mesmo atitude que forçaria a alta hos pitalar e a preservação de sua vida Em traba lho gradativo foi feito o redimensionamento da informação recebida A elaboração psíquica de terminou o desaparecimento dos sintomas e a mudança de comportamento10 Acostumados a lidar com manisfe tações da mente muito do que os profis sionais de saúde mental estudam e veem não é claramente derivável de um espaço corporal Os fenômenos psicopatológicos observados em geral não se delimitam no corpo físico mas em um espaço de repre sentações Ao entrar em uma enfermaria de hospital geral o psicoterapeuta é assaltado pela corporalidade tangível das doenças or gânicas Acostumados às dores da alma nossos olhos assustados voltamse para corpos que sentem dor para uma morte concreta escreveu um residente de psi quiatria ao fim de seu estágio no serviço de interconsulta11 Saí daquele quarto com enjoos que rendo pôr para fora uma sensação de medo e dor como há muito tempo não sentia MH e seu sofrimento me acompanharam naquela noite e ao acordar pude perceber claramente que as dores que eu trazia para casa eram minhas próprias dores diante do ine xorável que é a perspectiva do morrer Foi entre assustado e triste que obser vei o cesto do lixo quando voltei para visitar minha paciente O esboço de sorriso da primeira entrevista desa parecera junto aos cabelos que agora repousavam no lixo Ao seu lado ha viam instalado um monitor cardíaco No braço inchado e repleto de hema tomas muitas cânulas chegavam tra zendo remédios e soro Já me acostumara com o rosto triste e sem sorriso com a falta de cabelos e de palavras Nossos encontros eram longos momentos de silêncio inter rompidos algumas vezes por pergun tas e pedidos de ajuda A segunda quimioterapia não teve os resultados esperados A médica que acompanhava o caso veio me procu rar Estava aflita disse que por essa não esperava Combinei uma reunião com algumas pessoas da equipe assis tencial dois médicos e dois alunos do internato que estão estagiando na He matologia Não me deixe morrer diz MH numa sextafeira às vesperas de um feriado Mas eu não sou seu médico hematologista tampouco Deus pen sei depois com raiva e tristeza Naquela noite casualmente me en contrei com a médica que cuidava da paciente no refeitório do hospi Psicoterapia de orientação analítica 837 tal Ela me perguntou o que eu havia feito pois a paciente havia chorado toda a tarde Pude perceber que em muitos momentos eu falava de al guém que precisava de ajuda no ca minho de morrer e os colegas médi cos falavam de uma possibilidade de aumentar seus meses de vida Nessas oca siões percebia que eu representava o lado da morte e os médicos mostra vam o desejo de dar à paciente a vida Após a terceira quimioterapia MH teve uma remissão do quadro que lhe dava uma sobrevida de aproximada mente um ano segundo seus médi cos Ela diz ter esperança queria poder viver mais sobreviver O contato com pacientes da cirurgia e da clínica médica muitas vezes reacen de ansiedades hipocondríacas frequentes entre médicos tão notáveis no tempo da graduação Em situações como a vivida por esse médico residente o profissional de saúde mental pode ter uma sensação de estranheza sentirse sem referencial como alguém obrigado a sair de seu campo de atuação Precisará ser flexível A adoção de um referencial rigidamente polarizado para o biológico ou para a psicanálise por exemplo pode encobrir os conflitos des pertados pela novas demandas que chegam ao terapeuta12 No âmbito de um hospital geral lidase não so mente com reações aos fatos da vida e da morte de pacientes em particular mas também com a totalidade das transações interpessoais que se dão em um microuniverso ele próprio sujeito a tantas regras explícitas e implícitas Os senti mentos vivenciados se não forem discrimina dos e compreendidos poderão interferir de for ma prejudicial no desenrolar das intervenções psicoterapêuticas Em um texto seminal Mendelson e Meyer13 chamam a atenção para o que de nominam de reações contratransferenciais do interconsultor psiquiátrico Estas acre ditamos também se aplicam ao psicotera peuta no hospital geral Quatro situações são destacadas pelos autores as quais com frequência provocam sensação de impo tência raiva negação evitação esqueci mentos ou identificação excessiva com os pacientes 1 Inconveniências físicas e psicológicas do trabalho em ambiente médico As instalações físicas de uma enfermaria em nada se parecem com as de um consultório especialmente montado para atender às necessidades do psico terapeuta A entrevista realizase com sacrifício da privacidade em geral com interrupções A comunicação pode ser dificultada pelas limitações impostas pe la doença ou pelos recursos empregados em seu tratamento O paciente pode não se encontrar disponível exames curati vos ou outros procedimentos ou estar muito fatigado dificultando a avaliação 2 Presença de doenças graves e risco de morte Cada um de nós tem seus con flitos e preocupações em relação ao adoe cimento a doenças crônicas a situações de desamparo e de morte O psicoterapeuta pela própria natureza de seu trabalho expõese mais e apro ximase emocionalmente dos pacientes com interesse pelo seu sofrimento e desespero Precisa em certa medida identificarse com esses pacientes a fim de melhor compreendêlos É quando pode sentirse desmotivado pessimista com a sensação de que no lugar do paciente estaria emocionalmente do mesmo jeito Essa reação pode levar à falha diagnóstica e ao imobilismo terapêutico 838 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 3 Dilemas e frustrações relacionados a pacientes de difícil manejo Pacientes de difícil manejo acometidos por patolo gias orgânicas trazem muitas dificul dades para a equipe assistencial e para o psicoterapeuta Esses indivíduos não se adaptam à internação manifestam pouco interesse pelo tratamento costu mam desprezar os esforços terapêuticos a eles dirigidos Tendem a provocar na equipe assistencial muita frustração raiva e desestímulo Também podem deixar o psicoterapeuta incerto quanto aos objetivos e aos limites de sua atua ção 4 Condições de miséria e de desagregação familiar No hospital geral é comum avaliarmos pacientes que não terão para onde ir após a alta hospitalar ou cuja família encontrase totalmente de sagregada enfrentando o desemprego às vezes abalada por brigas e dissensões ou intensamente ameaçada pelo com portamento desajustado de um de seus membros O médico assistente pode perceber essa situação como algo fora de sua esfera de responsabilidade esperan do que o psiquiatra ou psicoterapeuta de alguma forma possam ajudar Cabe lembrar que o profissional de saúde mental chamado à enfermaria po de ser aguardado com muita expectativa e idealização dele se espera uma solução rápida às vezes mágica por meio de po deres de penetrar na mente e de persuadir Entretanto a entrada desse profissional na relação médicopaciente pode acentuar fantasias paranoides de cerceamento de um poder reparatório que ansiosamente o médico gostaria de reter para si14 Assim o profissional de saúde mental pode ser mui to idealizado em um momento e a seguir ter de enfrentar hostilidade ciúme e des confiança O interconsultor não deve se esquecer das características especiais do am biente em que se move no qual exis te sempre o perigo latente de verse arrastado para situações de conflito identificandose com aspectos ou par tes destes aliandose ao médico con tra o paciente ou ao paciente contra o médico perdendo de vista o marco habitual que deve presidir seu traba lho Portanto é imperioso que o inter consultor preserve seu setting de tra balho Este setting não tem os aspec tos formais estáveis que medeiam o intercâmbio como o espaço geográ fico determinado o estabelecimento de horários entre outros Em conse quência o interconsultor necessita respaldarse em seu próprio setting in terno isto é na possibilidade de man ter uma distância emocional mínima e adequada para operar com seu pró prio esquema referencial15 ADAPTAÇÕES DA TÉCNICA No hospital geral indicase a psicoterapia para pessoas que reagem à doença aguda com insegurança desproporcional fan tasias devastadoras medo angústia sin tomas depressivos ou ansiosos Também o paciente com doença crônica tende a necessitar de psicoterapia de apoio a fim de suportar a convivência com limitações ou em outras ocasiões superálas e man ter uma qualidade de vida aceitável apesar da doença Nesse ambiente é fundamental distinguir nas reações do paciente trans tornos mentais comórbidos como por exemplo depressão delirium e abstinência de drogas psicoativas16 Podese afirmar seguramente que técnicas psicanalítica cognitiva e compor tamental mesclamse com frequência na construção da prática de psicoterapia no hospital geral A complexidade dos pro Psicoterapia de orientação analítica 839 blemas clínicos impõe a necessidade de alto nível de competência e de maleabili dade para as adaptações da técnica psico terápica Há necessidade também de conheci mentos básicos sobre a doença sofrida pelo paciente bem como sobre as investigações e tratamento a que ele está submetido Isso pode ser obtido se o profissional de saúde mental mantiverse próximo da equipe as sistencial e se participar sempre que possí vel das discussões clínicas No âmbito do hospital geral as inter venções psicoterapêuticas a objetivam resultados mais imediatos práticos e de acesso mais fácil b têm referencial teórico eclético c são mais orientadas para o mundo cons ciente do paciente d adotam metas mais limitadas e objetivas Devese identificar quais situações existenciais dominam as preocupações do paciente e então focalizar a intervenção em torno desses temas Ainda que nossa compreensão seja baseada no referencial psicodinâmico as estratégias de interven ção são ecléticas e mais condizentes com o que se entende por psicoterapia de apoio17 É aconselhável livrarse da obsessão de encontrar explicações psicológicas para os sintomas De modo geral devem ser consideradas as fontes de estresse mais imediatas às quais o paciente está reagindo e suas preocupações conscientes em rela ção a elas Os eventuais insights psicodinâ micos devem auxiliar o raciocínio do pro fissional orientar o manejo do caso e nun ca se transformar em interpretações dadas ao paciente ou em formulações rebuscadas oferecidas à equipe assistencial1 O lugar da consulta em geral não oferece a necessária privacidade mas isso não deve ser um impedimento É preciso ser criativo se o quarto for coletivo diri girse com o paciente se possível até um lugar que ofereça mais privacidade às ve zes basta um canto de corredor com duas cadeiras se o paciente não puder deam bular sentarse à cabeceira da cama falar mais baixo Às vezes o colega de quarto se solicitado com delicadeza pode não se im portar em se afastar e assim proporcionar a desejada privacidade O tempo de cada sessão varia de 15 a 30 minutos sempre adaptado a duas circunstâncias a condição do paciente e a rotina dos cuidados hospitalares É preciso ser flexível Desse modo a entrada e a saída de outros profissionais as interrupções os adiamentos e cancelamentos decorrentes das ações médicas antes de serem conside rados quebra de setting devem ser encara dos como parte deste cuja principal carac terística é a flexibilidade adaptativa1820 Outro aspecto a ser considerado é o tempo médio de permanência do paciente no hospital o que determinará o programa do tratamento psicológico A lógica desse tempo orientará o psicoterapeuta no sen tido de otimizar seu trabalho fazendo um percurso curto intenso e eficaz Se neces sário o acompanhamento psicoterapêu tico deve ser diário com planejamento de seguimento após a alta Por vezes é impe rativo envolver familiares e cuidadores in cluindo membros da equipe assistencial no processo psicoterapêutico Algumas limitações em relação à psi coterapia de apoio precisam ser lembradas por ser limitada no tempo de duração e nos objetivos é mais indicada em situações de crise A personalidade do paciente deve ser relativamente bem estruturada espera se capacidade de abstração e de vínculo aliança terapêutica e notadamente deve haver motivação As resistências em rela ção a submeterse a uma psicoterapia não devem ser fortes como nos casos em que 840 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs há mecanismos de evitação e de negação Nesse sentido convém lembrar que nos casos de transtornos de somatização a ex pressão de um conflito no espaço corporal já é uma maneira de expelir a dor do es paço mental o que dificulta o engajamento na psicoterapia PSICOTERAPIA NA CRISE SUICIDA Aqui tratamos como exemplo dos aspec tos relacionados à intervenção psicológica em situações de crise tomando por base nossa experiência em atender pessoas em risco de suicídio21 Em situações de crise o significado de um acontecimento de uma situação ines perada precisa ser encontrado e integrado à história do sujeito incorporandose a uma nova perspectiva de vida Nesse pro cesso entre outros fatores há a influência de como o indivíduo percebe os fatos bem como de sua capacidade ou incapacidade de enfrentar situações adversas Transposta para o campo da saúde mental a crise pode levar a um colapso existencial com vivências de angústia e desamparo de incapacidade e esgotamen to de falta de perspectiva de solução um não encontrar saída Se ultrapassar a capa cidade pessoal de reação e de adaptação pode aumentar a vulnerabilidade para o suicídio que pode ser visto como solu ção única para uma situação insuportável configurandose o que chamamos de crise suicida22 A intervenção terapêutica terá por objetivo dar apoio emocional e ativar no indivíduo sua ca pacidade psíquica assim como seus recursos sociais a fim de enfrentar de maneira adap tativa os efeitos da crise Se uma pessoa sen tir que estamos a seu lado poderá se acalmar e por extensão pensar em vez de agir fa lar sobre sua vontade de morrer é diferente de concretamente colocar a vida em risco A partir de então a própria pessoa poderá nos ajudar a continuar a ajudála A princípio é importante tomar co mo foco o conteúdo frustração conflito necessidade expresso pela pessoa O aten dimento de crise exige isso Entretanto também é importante atentar para o con teúdo latente do que se ouve aos sentimen tos indiscriminados e conflituosos às falsas crenças aos pensamentos automáticos que impedem uma visão mais ampla ou alter nativa para como se dão os relacionamen tos mais importantes Tudo isso se for o caso poderá ser abordado mais tarde com calma quando houver maior capacidade para a reflexão O tema suicídio é em si mobilizador porque contraria a lógica de um instinto de sobrevivência e porque não se encontra uma explicação simples sobre o que leva uma pessoa a tirar a própria vida Como consequência há em quem lida com pa cientes suicidas uma compreensível ten dência a se proteger uma vez que não se pode ignorar o nível de agressividade en volvido no suicídio Os sentimentos que invadem o profissional constituem matériaprima para o entendimen to do que o paciente procura comunicar e que muitas vezes não consegue transmitir em pa lavras Da mesma forma o profissional deve to lerar seus próprios sentimentos difíceis e con fusos até que possam tornarse pensamentos e posteriormente palavras a serem discutidas Psicoterapia de orientação analítica 841 É inegável que diante da urgência e da angústia que a tentativa ou a ideação suicida nos impõem possamos ser levados a tentar conduzir o paciente para algo em que realmente acreditamos uma ideo logia uma fé No entanto separar as coisas crenças sentimentos desejos sem as negar faz parte do treinamento muitas vezes sofrido dos profissionais da saúde A contratransferência não é uma percepção em sentido estrito mas um in dício de grande significado semiológico não só para o analista como também para os profissionais da área da saúde em ge ral2325 O medo de que o paciente irá se matar tende a bloquear nossa capacidade de lidar com esse perigo Uma reação possível diante do medo é se afastar protegendose O afastamento aversivo impede a sintonia empática instalase uma dissonância afe tiva e terapeuta e paciente acabam desco nectados Sem conexão perdese uma das forças capazes de manter o paciente vivo este se sente abandonado e isso aumenta o risco de suicídio Sob outra perspectiva a proximida de afetiva exagerada leva a pensar que no lugar dele eu também me sentiria assim Essa reação pode ser paralisante e conduzir a erros Diante das difíceis condições en frentadas por muitos de nossos pacientes temos que estar atentos para não nos im pregnar por um sentimento de impotência e desesperança Muitas vezes o profissional sente que o paciente avança na relação além de um limite desejável Sente que de uma forma regressão com demanda de proximidade ou de outra desconfiança hostil com re jeição de ajuda o paciente controla o tra tamento Em resposta pode não responder às necessidades do paciente ou minimizá las Podese chegar em um limite poten cialmente desastroso à passividade sádica e punitiva Em geral a frieza do profissional é logo percebida pelo paciente que a tra duz como rejeição e abandono A reação contrária também pode ocorrer diante da incerteza e da impotência e reagindo de forma inconsciente a seus próprios impulsos de raiva o profissional passa a superproteger o paciente dedica se às suas demandas Toma para si com onipotência a responsabilidade pela vida daquele que está sob seu cuidado profissio nal Muitas vezes nessa situação a atitude do profissional esconde o temor de que o paciente se mate com isso abandonando o e ferindolhe íntima e narcisicamente Antes referimonos à importância do ouvir sem julgar discriminando e validan do os sentimentos Todavia sabemos que em certas situações a adoção de uma pos tura do tipo solução de problemas que investiga mais sugere traça um plano con junto para enfrentar um problema defini do pode ser mais efetiva na prevenção de suicídio26 Quadro 471 Há vantagens e desvantagens em cada uma dessas posturas O profissional experiente intui o momento de ser flexível Cada um de nós suporta ansiedade ambiguidade e risco e lida com isso de uma maneira característica Diante de uma si tuação que envolve risco de suicídio do pa ciente alguns terapeutas procuram man ter ao máximo o controle da situação minimizando o grau de incerteza Tendem então a ser mais diretivos a tomar mais providências de resguardo da vida Outros terapeutas na mesma situação clínica su portam mais a ansiedade e assumem maior risco Fazem isso na esperança de promo ver a autonomia do paciente contando que este não tentaria pôr cabo à vida É preciso reconhecer que ambas as tendências são adotadas alternativamen te por todos nós de acordo com o mo mento de vida pelo qual passamos Por is so é importante nos perguntar diante de 842 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cada paciente que atendemos com risco de suicídio onde nos encontramos ao longo desse continuum que vai da necessidade de ter o máximo controle à postura de ter um mínimo controle da situação clíni ca Isso significa alcançar maior consciên cia dos próprios vieses tanto os que são constitutivos da personalidade quanto os da fase da vida ou os momentaneamente precipitados pelo contato com determina do paciente Pessoas sob risco de suicídio exigem bastante de nossa vitalidade e de nossa esperança Se não estivermos bem emo cionalmente o contato com pacientes em sofrimento profundo pode ser muito di fícil Além da psicoterapia pessoal o pro fissional de saúde mental deve contar com QUADRO 471 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE DOIS ESTILOS DE ENTREVISTAS NO ATENDIMENTO DE PESSOAS COM RISCO DE SUICÍDIO Escuta ativa Solução de problemas Aliança terapêutica O vínculo que se estabelece entre as duas pessoas assegura a comunicação e possibilita o processo de ajuda Avaliação do risco de suicídio Tarefa obrigatória há perguntas imprescidíveis cujas respostas orientam de modos diferentes o entrevistador Escuta ativa o profissional escuta com calma e respeito não conduz a conversa Sentirse com preendido perceber que alguém se importa con sigo isso acalma o paciente e ajudao a compreen der a situação Descoberta de soluções ao compreender melhor a situação o paciente pode mudar seu ponto de vista e por si encontrar soluções Mantém postura acolhedora Faz perguntas gerais e raras Resume compreensivelmente o relato Sugere reformulações de ponto de vista Explora sentimentos e emoções Ajuda a refletir sobre sentimentos ambivalentes Incentiva a busca por soluções Investigação o profissional investiga os princi pais problemas enfrentados pelo paciente per gunta mais e é mais diretivo Junto com o interlo cutor elege um problema principal e focalizase nele Busca por recursos o profissional identifica novas possibilidades de enfrentamento e inicia com o paciente a busca de recursos para a solu ção do problema Mantém postura investigativa Faz perguntas diretas sobre os problemas Explora fatores precipitantes Aconselha e sugere Pergunta sobre recursos externos de ajuda Propõe contrato de não autoagressão Combina um plano de ação Fonte Adaptado de Mishara e colaboradores26 Principais intervenções do terapeuta Psicoterapia de orientação analítica 843 espaços de reflexão como costuma ocorrer em uma boa reunião clínica ou em uma supervisão É importante reconhecer e res peitar os próprios limites Intuir a hora de pedir ajuda e pedir é imprescindível para quem lida com crises humanas PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Na doença aguda com hospitalização as preocupações mais imediatas envolvem o estado corporal e a passagem das horas 2 É fundamental distinguir nas reações do paciente a presença de transtornos mentais como por exem plo depressão delirium e estados de abstinência de drogas psicoativas 3 Certas posturas de defesa psíquica como por exemplo negação regressão deslocamento precisam ser respeitadas Significam afinal a impossibilidade de suportar a carga emocional advinda da situa ção de doença Quando elas impedem o bom curso do tratamento aí sim precisam ser abordadas 4 Ao entrar em uma enfermaria de hospital geral o psicoterapeuta sai de seu campo de atuação é assaltado pela corporalidade tangível das doenças orgânicas tem controle apenas relativo sobre o setting movese entre regras explícitas e implícitas locais Essa situação provoca angústia e exige flexibilidade do profissional 5 As intervenções psicoterapêuticas objetivam resultados mais imediatos práticos e de acesso mais fácil têm referencial teórico eclético são mais orientadas para o mundo consciente do paciente ado tam metas mais limitadas e objetivas 6 Devese evitar a busca por explicações psicológicas É preciso considerar as preocupações do paciente e as fontes de estresse mais imediatas às quais o paciente está reagindo e suas preocupações conscientes em relação a elas Os eventuais insights psicodinâmicos devem auxiliar no manejo e não se transformar em interpretações 7 Limitações ao setting devem ser aceitas e quando possível contornadas uma conversa estritamente privada nem sempre é possível as sessões devem ser mais curtas precisa haver flexibilidade em relação a cancelamentos e interrupções devese considerar o curto tempo de permanência no hospital bem como as dificuldades para a continuidade após a alta hospitalar REFERÊNCIAS 1 Furlanetto LM Estratégias psicoterapêu ticas em interconsulta Rev Bras Psicoter 2006818798 2 Botega NJ Mitsuushi GN Azevedo RC Lima DD Fanger PC Mauro ML et al De pression alcohol use disorders and nicoti ne dependence among patients at a general hospital Rev Bras Psiquiatr 2010323250 6 3 Azevedo RC Mauro ML Lima DD Gaspar KC da Silva VF Botega NJ General hospital admission as an opportunity for smoking cessation strategies a clinical trial in Brazil Gen Hosp Psychiatry 2010326599606 4 Gaspar KC Santos Jr A Azevedo RC Mau ro ML Botega NJ Depression in general hospital inpatients challenges for consulta tionliaison psychiatry Rev Bras Psiquiatr 20113333057 5 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção 1914 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 p 98 6 Strain JJ Psychological interventions in me dical practice New York AppletonCen turyCrofts c1978 844 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 7 Botega NJ Pacientesproblema In Botega NJ Prática psiquiátrica no hospital geral in terconsulta e emergência 3 ed Porto Ale gre Artmed 2011 p 6274 8 Laplanche J Pontali JB Vocabulário de psi canálise 8 ed São Paulo Martins Fontes 1985 9 Tournabuoni L O misticismo do sofrimen to ainda me irrita Folha de São Paulo 1993 nov 1 10 Balint M O médico seu paciente e a doença Rio de Janeiro Atheneu 1975 11 Jacintho ACA A interconsulta psiquiátrica dificuldades de um interconsultor mono grafia Campinas UNICAMP 1988 12 Botega NJ Relação médicomédico In Bo tega NJ Prática psiquiátrica no hospital ge ral interconsulta e emergência 3 ed Porto Alegre Artmed 2011 p 8897 13 Mendelson M Meyer E Countertransfe rence problems of the liaison psychiatrist Psychosom Med 19612311522 14 Knobel M La relación entre el médico y el psicoterapeuta em el tratamiento de la enfer medad somática Acta Psiquiátrica y Psicoló gica de América Latina 19863213140 15 Luchina IL Luchina NE Ferrari HF La in terconsulta médicopsicológica en el mar co hospitalario Buenos Aires Nueva Visión 1971 p 130 16 Griffith JL Gaby L Brief psychothera py at the bedside countering demoraliza tion from medical illness Psychosomatics 200546210916 17 Leichsenring F Hiller W Weissberg M Lei bing E Cognitivebehavioral therapy and psychodynamic psychotherapy techniques efficacy and indications Am J Psychother 200660323359 18 Figueiredo JHC Abreu MDS Psicoterapia em hospital geral técnicas e eficácia Inform Psiq 1997162536 19 Penna TLM Psicoterapias em instituições médicas In Mello Filho J Burd M Psicos somática hoje 2 ed Porto Alegre Artmed 2010 p 4916 20 Cassorla RMS O psiquiatra na equipe médi ca retratos e caricaturas Cadernos do IPUB 199764558 21 Botega NJ Silveira IU Mauro MLF Telefo nemas na crise percursos desafios na pre venção do suicídio Porto Alegre Artmed 2010 22 Hendin H Recognizing a suicide crisis in psychiatric patients In Wasserman D Wa sserman C Oxford textbook of suicidology and suicide prevention a global perspective Oxford Oxford University 2009 p 32731 23 Maltsberger JT Buie DH Countertransfe rence hate in the treatment of suicidal pa tients Arch Gen Psychiatry 1974305625 33 24 Gabbard GO A contemporary psychoa nalytic model of countertransference J Clin Psychol 200157898391 25 Guthrie E Psychotherapy In James Leven son editor The American Psychiatric Pu blishing textbook of psychosomatic medici ne psychiatric care of the medically ill Wa shington American Psychiatric c2011 p 102142 26 Mishara BL Chagnon F Daigle M Balan B Raymond S Marcoux I et al Comparing models of helper behavior to actual practice in telephone crisis intervention a silent mo nitoring study of calls to the US 1800SUI CIDE Network Suicide Life Threat Behav 2007373291307 A Abordagens psicodinâmicas de situações específicas caráter 477 dependente químico 808 na adolescência 542 na infância 723 paciente ansioso 493 paciente borderline 614 paciente com dor 689 paciente deprimido 513 paciente fóbico 577 paciente idoso 772 paciente histérico 533 paciente hospitalizado 790 paciente narcisista 600 paciente obsessivo 555 paciente psicossomático 659 paciente traumatizado 704 situações perversas na relação psicoterapêutica 632 transtornos alimentares 668 Ação terapêutica 115 teorias 115 histórico 115 ilustração clínica 123 psicoterapia de orientação analítica 120 Adolescência abordagem psicodinâmica na 755 avaliação 762 contrato 762 desafios do processo psicoterápico 766 conceitos psicanalíticos utilizados na técnica 767 família e grupo de iguais 759 inauguração da adolescência 756 mudanças corporais 756 processo de formação da identidade adulta 758 desidentificação 759 novo corpo em cena 758 reatualização edípica 756 setting 762 término 768 Aliança terapêutica 238 conceito 239 ilustração clínica 242 realidade 245 relação real com o terapeuta 238 Atuações e encenações enactments 340 desenvolvimento conceitual 340 ilustração clínica 345 Avaliação 177 diagnóstico psicodinâmico 182 aliança terapêutica 186 o que avaliar 182 adaptação prévia 184 conceito atual 183 exame mental 185 fatores desencadeantes 183 força do ego 184 identificação 182 presença de sintomas 185 relações objetais 184 vínculos 184 entrevista inicial 178 campo da entrevista 179 conceito 178 motivação 180 ÍNDICE 846 Índice técnica 178 transferência e contratransferência 181 ilustração clínica 187 indicações de psicoterapia de orientação analítica 188 contraindicações 189 alcoolismo crônico ou adição a drogas 190 ausência de motivação 190 deficiência mental 190 quadros fóbicos 190 quadros de personalidade borderline 190 quadros depressivos graves 190 quadros obsessivocompulsivos 190 quadros psicóticos agudos 189 síndrome cerebral orgânica 190 transtornos alimentares graves 190 indicações 189 atrasos ou déficits de desenvolvimento 189 conflito atual 189 conflito neurótico 189 crise vital ou acidental em um transtorno de personalidade moderado 189 C Campo e intersubjetividade 128 campo psicanalítico 134 exposição do conceito 134 desenvolvimentos 130 origens 129 Caráter em psicoterapia abordagem do 477 caráter na psicoterapia 485 abordagem do caráter 486 contratransferência na identificação dos traços de caráter 486 fatores do terapeuta 487 ilustração clínica 487 início do tratamento 485 compreensão dinâmica do caráter 479 caráter como destino das pulsões 480 caráter como resultado das relações objetais 481 memória explícita ou declarativa 484 memória implícita ou procedural 484 Conceitos psicanalíticos 77 escola das relações de objeto 77 freudianos fundamentais 62 como era Freud no início 63 início do período psicanalítico 63 65 interpretação dos sonhos 65 três ensaios sobre a teoria da sexualidade 65 período prépsicanalítico 63 estudo sobre a histeria 63 neuropsicoses de defesa 64 projeto para uma psicologia científica 63 metapsicologia freudiana 66 inconsciente 67 instintos e suas vicissitudes 67 luto e melancolia 68 narcisismo introdução 66 trabalhos metapsicológicos complementares e trabalhos culturais 70 malestar na civilização 71 agressão ou destruição 71 antagonismo entre as exigências pulsionais e restrições da civilização 71 psicologia de grupo e análise do ego 70 trabalhos sobre técnica 72 dinâmica da transferência 73 manejo da interpretação dos sonhos na psicanálise 73 recordar repetir elaborar 74 três grandes revoluções 69 além do princípio do prazer 69 ego e id 70 inibições sintomas e ansiedade 70 Contrato 212 elementos constituintes 213 faltas 220 férias 220 frequência 213 honorários 216 reajuste 221 responsabilidade sobre as sessões 214 Contratransferência 310 ampliação do conceito 312 conceito clássico 313 conceito de Freud 311 conceito específico 317 conceito totalístico 314 controvérsias atuais 318 evolução dos conceitos 310 conceito totalístico de contratransferência 310 formulação inicial de Freud 310 proposta de um conceito específico 311 trabalhos de Paula Heimann e Heinrich Racker 310 formas 314 como campo para o paciente adquirir experiência diferente 314 como instrumento para a compreensão das relações de objeto 314 como um obstáculo 314 tipos de identificação 314 complementar 314 concordante 314 repercussões da visão totalística 316 E Ego e suas defesas 98 conceitos fundamentais 98 contribuição de Anna Freud 100 contribuição de Charles Brenner 106 contribuição de Otto Fenichel 102 contribuição de Paul Gray 103 outras contribuições 109 Ética e psicoterapia 403 caráter normativo ou ético do superego 412 introdução ao narcisismo 409 moral 408 psicoterapia e ética 413 religião 404 F Farmacoterapia psicoterapia de orientação analítica 435 avaliação e indicação de tratamento 439 aumento do uso de medicação 437 progressiva evidência de eficácia em diferentes transtornos 437 surgimento de drogas mais seguras 437 pressões da indústria 437 base teórica para tratamento combinado 437 breve histórico 436 considerações sobre indicações de medicamentos 447 avaliar sintomas e efeitos colaterais 448 manejo medicamentoso 448 monitorar a contratransferência 448 revisão sistemática 449 tratamento 442 aspectos gerais 443 combinado 437 modelo de duas doenças 437 modelo internacional 437 execução do tratamento combinado 445 terapeuta prescritor 445 tratamento dividido 448 Fronteiras profissionais violações das 324 326 avaliação e reabilitação de terapeutas acusados 334 educação continuada 336 escolha de um coordenador de reabilitação 335 limitações da prática 336 psicoterapia pessoal 335 supervisão 336 cruzamento de fronteira 325 326 violações não sexuais 328 autorrevelação 330 contato físico não sexual 330 dinheiro e presentes 329 ilustração clínica 329 local de contato 328 tempo 328 estratégias preventivas 336 ética após término da psicoterapia 333 história 325 ilustração clínica 327 perfis de terapeutas que cometem violações 331 paixão 332 psicopatia predatória e parafilias 331 rendição masoquista 332 transtornos psicóticos 331 Fundamentos da técnica psicoterápica de orientação analítica 175 aliança terapêutica 238 atuações e encenações enactments 340 avaliação 177 contrato 212 848 Índice contratransferência 310 fases da psicoterapia 249 insight e elaboração 267 níveis de mudança e critérios de melhora 393 planejamento em psicoterapia de orientação analítica 194 reação terapêutica negativa e impasse 349 setting psicoterápico 224 sonhos 374 transferência 293 violações das fronteiras profissionais 324 Fundamentos teóricos da psicoterapia de orientação analítica 39 campo e intersubjetividade 128 conceitos fundamentais na abordagem do ego e suas defesas 98 conceitos psicanalíticos freudianos fundamentais 62 conceitos psicanalíticos fundamentais na escola das relações de objeto 77 integração da psicanálise com as neurociências 41 modelos psicanalíticos da mente 150 teorias da ação terapêutica 115 G Gênero e psicoterapia 465 estudos atuais 468 evolução dos estudos 466 identidade de gênero e sexual 466 ilustração clínica 470 472 reflexões a partir da clínica 469 H Hospital geral psicoterapia no 831 adaptações da técnica 838 adoecer 831 mecanismos de defesa 833 deslocamento 835 negação 833 regressão 834 estresse psicológico 832 ameaça básica à integridade narcísica 832 ansiedade de separação 832 culpa e medo de retaliação 832 medo da dor e da morte 832 medo da perda do controle 832 medo de dano a partes do corpo 832 medo de estranhos 832 perda de amor e de aprovação 832 ilustração clínica 836 psicoterapeuta no 835 psicoterapia na crise suicida 840 características de dois estilos de entrevista no atendimento 842 escuta ativa 842 solução de problemas 842 I Infância abordagem psicodinâmica na 723 avaliação 728 entrevista com a criança 731 entrevista com os pais 728 contraindicações 735 evidências de efetividade 728 fundamentos teóricos 727 premissas 727 barreiras emocionais ou resistência 728 conhecimento do inconsciente 727 crescimento do paciente 728 criança é o pai do homem 727 padrões emocionais comportamentais e relacionais 727 subjetividade do indivíduo 727 transferências 727 história 723 ilustração clínica 744 indicações 734 objetivo 727 objetivos da psicoterapia 735 peculiaridades da terapia nas diferentes faixas etárias 740 idade escolar 749 idade préescolar 747 intervenções psicoterápicas paisbebês IPPBs 740 guia desenvolvimental de referência 743 processo psicoterápico 736 etapa inicial do tratamento 737 etapa intermediária do tratamento 738 Índice 849 fase final da terapia 739 resultados da avaliação 733 uso de medicação 735 Insight e elaboração 267 aspectos históricos 268 considerações gerais 270 elaboração 282 elaboração na psicoterapia de orientação psicanalítica 286 ilustração clínica 287 modelo bioniano 277 modelo freudiano clássico 273 modelo kleiniano 274 teorias do campo 277 L Luto abordagem do 542 compreensão psicanalítica 544 definição e descrição do luto normal 542 definição e descrição do luto patológico 544 estágios iniciais de perda no desenvolvimento 546 ilustração clínica 549 550 luto vermelho e luto negro 545 processo psicoterápico no luto 547 M Modelos psicanalíticos da mente 150 evoluções pósfreudianas 157 modelo freudiano 154 o que é um modelo 151 teorias psicanalíticas de Freud 156 modelos e estruturas 156 158 primeiro modelo 156 158 teoria trauma 156 158 segundo modelo 157 158 consciente 157 158 inconsciente 157 158 préinconsciente 157 158 terceiro modelo 157 158 ego 157 158 id 157 158 superego 157 modelos na prática clínica 167 mudanças de modelo exemplo 159 passagem de Freud para Melanie Klein e desta para Bion 159 pulsão versus relações com o objeto 162 tensão entre modelos três exemplos 162 conflito versus déficit 166 modelos intrapsíquicos e intersubjetivos 164 N Neurociências 41 integração da psicanálise 41 função do sonho 53 neuropsicologia 50 perspectiva histórica 43 Níveis de mudança e critérios de melhora 393 critérios indicativos de melhora 396 mudança psíquica 394 395 conduta 395 direção 395 itens significativos 397 aceitação consciente das pulsões 397 adequação psicológica global 397 aprofundamento da vida afetiva 398 desinvestimento do analista 398 insatisfação com objetos ou relacionamentos infantis 398 liberdade e franqueza 398 manifestações derivadas 397 mudanças no ego 397 mudanças no id 397 mudanças no superego 397 natureza modificada dos relacionamentos 398 reação alterada 397 redução da importância organizadora das fantasias nucleares 397 particularidades 395 revisão teórica e conceito 394 tempo 395 variáveis 397 avaliação dos resultados 397 critérios de término satisfatório de tratamento 397 estado ideal de saúde mental 397 indicações e contraindicações 397 julgamento de valor 397 850 Índice objetivo do tratamento 397 papel do diagnóstico inicial 397 papel do planejamento 397 teoria da técnica 397 tratabilidade do paciente 397 O Orientação analítica 19 fundamentos da técnica psicoterápica 175 fundamentos teóricos 39 psicanálise e psicoterapia 19 raízes históricas 19 situação atual 19 psicoterapia de apoio 419 classificação 420 definições e objetivos 420 evidências de eficácia 427 indicações e contraindicações 421 mecanismos de mudança 427 sobre a técnica 422 abreação 426 aconselhamento 425 confrontação 426 educação 424 esclarecimento 426 persuasão 425 sugestão 425 tranquilização 424 validação empática 424 ilustração clínica 424 425 426 P Paciente ansioso Abordagem psicodinâmica do 493 modelo do nascimento psicológico distócico 503 catástrofe a perda no espaço infinito 504 hipóteses teóricas 507 ilustração clínica 503 504 transtorno de ansiedade generalizada 493 509 critérios diagnósticos 510 transtorno de pânico 493 496 critérios diagnósticos 497 transtorno de pânico com agorafobia 497 entrevistas iniciais 498 indicações 500 vínculo analítico 501 Paciente borderline abordagem psicodinâmica do 614 características diagnósticas descritivas 616 critérios diagnósticos de acordo com o DSM5 617 definição empírica 615 borderline nuclear 616 limítrofes com a neurose 616 limítrofes com as psicoses 615 diagnóstico psicodinâmico 616 aspectos técnicos das psicoterapias 624 contratransferência 624 intervenções do terapeuta 626 táticas psicoterapêuticas 621 contrato terapêutico 622 tratamento do transtorno de personalidade borderline 618 convergência das controvérsias 621 estratégias psicoterapêuticas 618 holding 620 importância do conteúdo das intervenções 619 importância do processo 620 predominância do conflito 619 predominância do déficit 620 técnicas expressivointerpretativas 619 histórico e evolução do conceito 615 ilustração clínica 627 objetivos da psicoterapia 621 ajustamento da autoestima 621 capacitação para lidar com sentimentos perturbadores 621 fortalecimento das defesas 621 internalização da relação terapêutica 621 validação dos sentimentos 621 organização borderline 617 manutenção do teste de realidade 617 síndrome de difusão da identidade 617 uso de mecanismos de defesa primitivos 617 prioridades na abordagem 623 reações comuns na prática clínica 625 ansiedade de que se suicide 625 culpa por odiar o paciente 625 fantasia de salvar e resgatar o paciente 625 impotência autodepreciação e fracasso 625 pressão para aliviar suas carências 625 Índice 851 raiva e ressentimento 625 responsabilidade pela piora 625 transgressões das fronteiras profissionais 625 Paciente com dor crônica abordagem psicodinâmica 689 aspectos fisiopatológicos e neuroplasticidade 690 avaliação e diagnóstico psiquiátrico 693 avaliação psicodinâmica 695 dor 691 dor crônica 691 predisposição 693 tipos clínicos de pacientes 692 dor real versus dor emocional 690 ilustração clínica 698 mecanismos de defesa e dor crônica 697 conversão 697 dissociação 697 estados de tensão psicovegetativas 697 narcisismo 697 negação 697 nocicepção e dor 689 tratamento 698 contratransferência 701 psicoterapia psicodinâmica 698 Paciente dependente químico abordagem psicodinâmica do 808 adaptação da técnica e do setting 822 823 combinações de horários faltas e recaídas 823 interpretar ou não 826 considerações 808 abordagem inicial 809 diferentes modelos de atendimento 814 escolha da técnica apropriada 809 estabelecimento de metas e etapas 813 fatores para o sucesso do tratamento 811 desenvolver relação positiva 811 manter foco nos objetivos do tratamento 811 manutenção e comprometimento do paciente 812 tempo e energia do terapeuta 811 critérios diagnósticos para dependência de substâncias 810 ilustração clínica 809 812 813 modelos de psicoterapia 815 modelo simplificado 817 modelos psicodinâmicos 819 modelo da automedicação 820 postura do terapeuta 822 psicoterapia de orientação analítica 816 contraindicações 816 indicações 816 tratamento início 811 desenvolver rapport 811 determinar a natureza e extensão do uso de substâncias 811 oferecer feedback objetivo 811 Paciente deprimido abordagem psicodinâmica do 513 elementos psicodinâmicos a serem tratados 521 autoestima vulnerável 522 estados de raiva contra si mesmo 521 estilo pessimista 522 ideação e intenção suicidas 522 inclinação a esperar respostas negativas de si mesmo e dos outros 522 pobre capacidade de reconhecer estados depressivos em si mesmo 522 pobre capacidade de identificar eventos desencadeantes 522 sentimentos de desamparo 521 vulnerabilidade para desapontamentos e perdas 521 evolução histórica dos conceitos 514 formas de psicoterapia de orientação analítica 522 aspectos relevantes na terapia psicodinâmica da depressão de longo prazo 524 fase dois tratamento da vulnerabilidade à depressão 524 fase três terminação 525 fase um aliança terapêutica e enquadre do tratamento 524 ilustração clínica 525 psicoterapia interpessoal 522 psicoterapia psicodinâmica breve 522 psicoterapia psicodinâmica suportiva breve 522 manutenção do sofrimento depressivo 523 déficits interpessoais 523 disputas interpessoais 523 luto 523 mudança de papéis 523 852 Índice núcleos psicodinâmicos das depressões 520 expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros 521 meios característicos de defesa contra afetos dolorosos 621 raiva conflitiva 520 superego severo experiência de culpa e vergonha 520 vulnerabilidade narcísica 520 Paciente fóbico abordagem psicodinâmica do 577 algumas considerações diagnósticas 591 das neuroses de transferência ao DSM5 591 algumas definições de angústia 580 clínica das fobias 582 definição 578 sintoma ou psiconeurose 578 desenvolvimentos psicanalíticos posteriores sobre as fobias 590 ilustração clínica 595 nota histórica 578 outros recursos terapêuticos 592 psicoterapia psicanalítica da fobia 594 variedades clínicas 585 ataque de pânico 585 587 agorafobia 585 fobia social 585 586 fobias específicas 585 587 psicodinamismos na fobia 588 variedade e características do objeto fóbico 579 Paciente histérico abordagem psicodinâmica do 533 breve histórico 533 caráter histérico transtorno da personalidade histriônica 535 ilustração clínica 536 perspectivas descritivas da histeria 537 ansiedade mental 537 configuração 537 funcionamento relacional 537 psicossexualidadepadrão 537 caso Dora 534 modalidades de acting out 539 introdução à necessidade de tratamentos paralelos 539 introdução de familiares no campo psicoterápico 539 tratamentos em capítulos predomínio do repetir sobre o recordar 539 Paciente hospitalizado abordagem psicodinâmica do 790 características do atendimento 799 800 equipe de atendimento 801 ilustração clínica 795 796 804 paciente com esquizofrenia 797 características do atendimento 797 contraste entre prematuridade e intensidade 797 ódio à realidade externa e interna 797 pavor de ser aniquilado 797 predominância da agressividade 797 paciente psicótico 791 dificuldade em acessar 791 intensidade do uso da identificação projetiva 794 relações objetais 794 Paciente idoso abordagem psicodinâmica do 772 alguns aspectos relevantes no psiquismo 781 avaliação 774 conceito de velhice 773 ilustração clínica 774 777 781 perdas centradas no próprio corpo 778 proximidade da morte 780 situações estressoras específicas da velhice 776 abuso do idoso 778 perdas 776 trabalho psicoterápico 783 contratransferência 785 tempo disponível para realizar e aproveitar a psicoterapia 783 transferência do paciente 784 Paciente narcisista abordagem psicodinâmica do 600 aspectos clínicos 601 aspectos psicodinâmicos 603 aspectos técnicos 608 critérios diagnósticos de acordo com o DSM5 601 acreditar se especial e único 601 apresentar carência de empatia 602 Índice 853 atribuirse grau excessivo de autoimportância 601 esperar receber tratamento especial 601 manifestar comportamentos arrogantes e insolentes 602 necessitar de admiração excessiva 601 preocuparse com fantasias de sucesso poder beleza e amor ideal ilimitados 601 sentir inveja frequentemente 602 tirar vantagem dos outros 602 ilustração clínica 610 mito de Narciso 600 Paciente obsessivo abordagem psicodinâmica do 555 562 contratransferência 561 sentimento de compaixão e solidariedade 562 sentimento de desânimo 561 sentimento de desafio e provocação 561 sentimento de irritação 561 sentimento de satisfação e identificação com o paciente 562 sentimento de vitória 561 contribuições de outros autores 559 critérios diagnósticos de transtorno da personalidade obsessiva 556 adoção de um estilo miserável 556 devoção excessiva ao trabalho e à produtividade 556 excessiva conscienciosidade escrúpulos e inflexibilidade 556 incapacidade de desfazerse de objetos 556 perfeccionismo 556 preocupação com detalhes listas ordens organização ou horários 556 relutância em delegar tarefas 556 rigidez e teimosia 556 diagnóstico 555 critérios clínicos 555 critérios psicodinâmicos 556 estruturas obsessivas movimentos básicos 569 criar noções e experiências de sujeito e de subjetividade 570 dar ensejo ao surgimento do terapeuta no lugar do terceiro 570 desenvolver condições para a reconstrução da história pessoal 570 desenvolver relações de integração 570 inverter a perspectiva do ego obsessivo 569 mobilizar comportamentos expressivos e desejantes 570 produzir abertura a experiências profundas de castração 571 evolução do tratamento situações que podem impedir a 566 contínua atenção censora 566 dissociação ideoafetiva 567 ganhos secundários 567 mecanismo de isolamento 566 necessidade da terapia atingir camadas mais profundas 567 pensamento sexualizado 567 sintomas físicos 567 ilustração clínica 562 563 564 565 567 568 572 aberturapadrão de sessão 562 círculo vicioso 564 controle da cena primária 568 construindo alternativas 563 ego a serviço de um superego sádico 565 paciente assinalando o que acontece na relação 572 problema da identidade 567 relação terapêutica diálogo 560 adjetivos advérbios e outras modificações 560 contradições inconsistências e outras questões 560 nota sobre despersonalização 560 separação das próprias afirmações 560 Paciente psicossomático abordagem psicodinâmica do 659 considerações teórica pessoal 665 desenvolvimento lógico da psicanálise 660 escola psicossomática de Paris 660 ilustração clínica 662 Paciente traumatizado abordagem psicodinâmica do 704 acidente de motocicleta 704 bombeiro 704 continência 707 854 Índice paciente que ameaçou matar 707 diferenças individuais 711 efeitos secundários de longo prazo 713 identificação versus pensamento 713 o bombeiro 714 incêndio no metrô 705 mulher que foi assaltada 704 tratamento 717 limites da recuperação 720 sessões individuais 717 terapia de grupo 718 trauma psíquico o que é 708 culpa do sobrevivente 711 na visão de Freud 709 negação extrema 709 o anestesista 710 Planejamento 194 como 203 ilustração clínica 196 205 206 por quê 195 Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica 19 Psicoterapia 249 fases 249 final 261 contato com a realidade 263 quantidade de angústia e culpa 263 relações familiares 263 relações profissionais 263 relações sociais 263 vida sexual 263 inicial 250 definir os problemas emocionais do paciente 252 desenvolver sólida aliança terapêutica 252 esclarecer as origens do sofrimento 252 ilustração clínica 250 intermediária 254 alteração na aliança terapêutica 257 episódios agressivos e destrutivos agudos 257 falta de progresso terapêutico 257 ilustração clínica 256 regressões repetitivas 258 resistências que não se resolvem e se repetem 257 sentimento do terapeuta que a terapia não evolui 258 tentativa de abandonar a terapia ferirse ou ferir alguém 258 R Reação terapêutica negativa e impasse 349 impasse 354 indicadores 357 clínicos 357 contratransferenciais 357 processuais 357 representacionais 357 ilustração clínica 365 reação terapêutica negativa 349 ilustração clínica 353 S Setting psicoterápico 224 abstinência 224 229 anonimato 224 231 mudança 234 neutralidade 224 225 em relação à contratransferência e a personalidade 229 em relação ao material do paciente e à sua transferência 229 em relação aos próprios valores 229 em relação às expectativas e pressões do meio 229 em relação às teorias psicanalíticas 229 Situações especiais 401 ética e psicoterapia 403 fundamentos clínicos das abordagens psicodinâmicas 475 gênero e psicoterapia 465 psicoterapia de apoio de orientação analítica 419 psicoterapia de orientação analítica e famacoterapia 435 terapia de mentalização 455 Situações perversas na relação terapêutica abordagem das 632 breve revisão de alguns modelos psicanalíticos das perversões 645 estrutura perversa 649 clivagem do ego 649 desmentida da castração da mulher 649 fixação em ser ou não ser o falo para o outro 649 Índice 855 perversão como uma estrutura construída em dois tempos 653 relatos situações perversas 635 relação transferencialcontratransferencial 635 Sonhos 374 abordagem compreensiva na clínica 388 balizador do processo psicoterápico 379 contribuições de Sigmund Freud 375 conteúdo latente 376 conteúdo manifesto 376 elaboração do sonho 376 impulsos e pensamentos 376 interpretação 376 princípio de prazerdesprazer 375 sonhos 376 dimensão estética 383 funções 380 importância do conteúdo manifesto 377 representação simbólica 383 sonhomodelo 374 T Terapia de mentalização 455 458 atitude do terapeuta 459 conceito 455 evidências da efetividade 461 falha em pacientes borderline 456 fenomenologia 457 inibição da mentalização relacionada ao apego 457 pressão constante para utilização de identificação projetiva 457 reemergência de representações dos estados mentais 457 ilustração clínica 460 mentalização da transferência 460 objetivos 458 variantes e fases do tratamento 458 Transferência 293 comentários sobre técnica 305 contratransferência 304 forma 295 formas habituais de relacionamento 296 neurose infantil 302 neurose de transferência 300 302 predominantemente de experiências passadas revividas 298 predominantemente de relacionamentos presentes 297 regressão 304 representação de fantasias inconscientes 301 Transtornos alimentares abordagem psicodinâmica dos 668 abordagem terapêutica 675 entendimento psicodinâmico 671 histórico 670 ilustração clínica 682
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TERCEIRA EDIÇÃO PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CLÍNICOS CLÁUDIO LAKS EIZIRIK ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR SIDNEI S SCHESTATSKY P974 Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e Clínicos recurso eletrônico Organizadores Cláudio Laks Eizirik Rogério Wolf de Aguiar Sidnei S Schestatsky 3 ed Porto Alegre Artmed 2015 Editado como livro impresso em 2015 ISBN 9788582711491 1 Psicoterapia 2 Psiquiatria I Eizirik Cláudio Laks II Aguiar Rogério Wolf de III Schestatsky Sidnei S CDU 615851 Catalogação na publicação Poliana Sanchez de Araujo CRB 102094 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CLÍNICOS T E R C E I R A E D I Ç Ã O CLÁUDIO LAKS EIZIRIK ROGÉRIO WOLF DE AGUIAR SIDNEI S SCHESTATSKY ORGANIZADORES 2015 Versão impressa desta obra 2015 Artmed Editora Ltda 2015 Gerente editorial Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição Coordenadora editorial Cláudia Bittencourt Capa Tatiana Sperhacke Imagem da capa 9peaksiStockThinkstock Preparação do original Alessandra Bittencourt Flach Leitura final Camila Wisnieski Heck Projeto gráfico e editoração Bookabout Roberto Carlos Moreira Vieira Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO SA Av Jerônimo de Ornelas 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora SÃO PAULO Av Embaixador Macedo Soares 10735 Pavilhão 5 Cond Espace Center Vila Anastácio 05095035 São Paulo SP Fone 11 36651100 Fax 11 36671333 SAC 0800 7033444 wwwgrupoacombr IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL AUTORES Cláudio Laks Eizirik Psiquiatra Psicanalista Doutor em Medicina pela Universidade Fe deral do Rio Grande do Sul UFRGS Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psi canalítica de Porto Alegre SPPA Professor associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Preceptor da Residência em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA Coordenador do Comitê de Psicanálise e Saúde Mental da Asso ciação Psicanalítica Internacional IPA Expresidente da IPA e da Federação Psicanalítica da América Latina Fepal Prêmio Sigourney 2011 Rogério Wolf de Aguiar Psiquiatra Psiquiatra forense Psicoterapeuta Mestre em Psiquia tria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Professor adjunto aposen tado do Departamento de Psiquiatra da Faculdade de Medicina FAMEDUFRGS Super visor de Psicoterapia da Residência em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA e dos cursos de Especialização em Psicoterapia do Centro de Estudos Luís Guedes CELGUFRGS Excoordenador do Programa de Estudos sobre Dor Prodor do Serviço de Psiquiatria do HCPA Sidnei S Schestatsky Psiquiatra Psicanalista Especialista em Psiquiatria pela Universi dade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Mestre em Saúde Pública pela Harvard Uni versity Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Professor associado de Psiquiatria da UFRGS Preceptor da Residência em Psiquiatria no Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA Professor do Instituto de Psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA Ana Carolina Faedrich dos Santos Psicó loga Especialista em Psicoterapia de Orien tação Psicanalítica pelo CELGUFRGS Mes tre em Psiquiatria pela UFRGS Colabora dora do Programa de Assistência e Pesquisa em Transtornos Alimentares em Adultos do HCPA Ana Margareth Siqueira Bassols Psiquia tra Psicanalista Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Associação Médica BrasileiraAssociação Brasileira de Alexandre Annes Henriques Psiquiatra Es pecialista em Dor e Medicina Paliativa pela UFRGS Contratado do Serviço de Dor e Me dicina Paliativa do HCPA Coordenador do ProdorHCPA Diretor científico da Socieda de Brasileira para o Estudo da Dor SBED Alice Becker Lewkowicz Psiquiatra Psi canalista Formação em Psicanálise da Infân cia e Adolescência Professora colaboradora do Programa de Residência de Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA vi Autores Psiquiatria AMBABP Mestre e Doutora em Psiquiatria pela UFRGS Membro asso ciado da SPPA Professora adjunta do De partamento de Psiquiatria e Medicina Le gal da UFRGS Coordenadora do Curso de Psicoterapia da Infância e Adolescência do CELGUFRGS Preceptora da Residência e do Curso de Especialização em Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA Anette Blaya Luz Psiquiatra Psicanalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Presidente da SPPA Exdiretora Científica da SPPA Exdiretora Científica da Febrapsi Antonio Carlos J Pires Psiquiatra Pro fessor e supervisor convidado do Curso de Especialização em Psiquiatria da UFRGS área de Psicoterapia de Orientação Analíti ca Professor e supervisor do Curso de Es pecialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Membro efetivo e analista didata da SPPA Professor e super visor do Instituto de Psicanálise da SPPA Antonio Carlos Scherer Marques da Rosa Psiquiatra Professor e supervisor convida do dos cursos de Especialização e Extensão em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Carlos Gari Faria Psiquiatra Psicanalista Analista didata da SPPA Membro efetivo da IPA Carmem Emília Keidann Psiquiatra Psica nalista Membro associado da SPPA Pro fessora e supervisora convidada do Cur so de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Carolina Meira Moser Psiquiatra Espe cialista em Psicoterapia de Orientação Analítica pelo CELGUFRGS Mestre em Ciências Médicas Psiquiatria pela UFRGS Psiquiatra do Programa de Transtornos Alimentares em Adultos do HCPA Carolina Silveira Campos Graduanda do décimo semestre do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS Caroline Garland Psicóloga clínica Psica nalista Fellow da British Psychoanalytical Society Cátia Olivier Mello Psicóloga Psicanalista Especialista em Psicoterapia da Infância e da Adolescência pelo Centro de Estudos Atendimento e Pesquisa da Infância e Ado lescência CEAPIA Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS Profes sora e supervisora do CEAPIA Claudio Maria da Silva Osorio Psiquiatra Mestre em Psiquiatria pela UFRGS Profes sor adjunto aposentado da UFRGS Cola borador do Serviço de Genética da UFRGS David Simon Bergmann Pediatra Psiquia tra Especialista em Psiquiatria pela ABP e em Psiquiatria da Infância e Adolescên cia pela UFRGS Psiquiatra do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do HCPA Professor convidado do CELG UFRGS Membro graduado da SPPA Diego Barreto Rebouças Médico Resi dente em Psiquiatria no HCPA Elias Mallet da Rocha Barros Analista di data da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP Fellow da British Psychoanalytical Association e do British Institute of Psychoanalysis Exeditor do International Journal of Psychoanalysis Prê mio Sigourney 1999 Eneida Iankilevich Psiquiatra Psicanalista da Infância e Adolescência Membro efetivo em funções didáticas da SPPA Professora e supervisora dos cursos de Especializa ção em Psicoterapia e de Atualização em Psicoterapia da Infância e Adolescência do CELGUFRGS Eugenio Horacio Grevet Psiquiatra Pro fessor adjunto do Departamento de Psi quiatria e Medicina Legal da UFRGS Chefe do Serviço de Psiquiatria do HCPA Autores vii Felix Henrique Paim Kessler Psiquiatra Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Vice diretor do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS Chefe da Unidade de Psiquiatria de Adição do HCPA Professor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Fernando Grilo Gomes Psiquiatra Psica nalista Mestre em Psiquiatria pela UFRGS Professor adjunto de Psiquiatria da FA MEDUFRGS Flavio Pechansky Psiquiatra Mestre e Doutor em Medicina Ciências Médicas pela UFRGS Diretor do Centro de Pesqui sa em Álcool e Drogas do HCPA Diretor do Centro Colaborador em Álcool e Drogas do HCPASecretaria Nacional de Políticas sobre Drogas SENAD Chefe do Serviço de Psi quiatria de Adição do HCPA Professor as sociado IV do Departamento de Psiquiatria da FAMEDUFRGS Germano Vollmer Filho Psiquiatra Psica nalista didata da SPPA Gerson I Berlim Psiquiatra Psicanalista Mem bro efetivo e analista didata da SPPA Professor do Curso de Psicoterapia do CELG UFRGS Gisha Brodacz Psiquiatra Psicanalista Professora e supervisora convidada dos cursos de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica e de Especializa ção em Infância e Adolescência da UFRGS Membro associado da SPPA Glen O Gabbard Psiquiatra Psicanalista Professor de Psiquiatria da Baylor College of Medicine Houston Estados Unidos Prêmio Sigourney 2000 Hamilton Oscar Perdigão da Fontoura Psi quiatra Psicanalista Membro associado da SPPA Professor e supervisor do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orien tação Analítica do CELGUFRGS Coor denador executivo professor e supervisor do Curso de Extensão de Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Supervisor convidado do Programa de Re sidência Médica em Psiquiatria do Hospital Psiquiátrico São Pedro Hector Ferrari Psiquiatra Psicanalista Membro da Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires APdeBA e da IPA Profes sor titular consultor do Departamento de Saúde Mental da Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires Diretor do Mestrado de Cultura e Saúde Mental do Instituto Universitario de Salud Men tal IUSAM da APdeBA Professor titular Freud Teórico e professor titular Freud So cial IUSAM Igor Alcantara Psiquiatra Mestre em Ciên cias Médicas pela UFRGS Membro aspi rante da SPPA Professor e supervisor do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica da UFRGS Isaac Pechansky Psiquiatra Psicanalista Especialista em Psiquiatria pela UFRGS Exprofessor adjunto do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da FAMED UFRGS Membro efetivo e analista didata da SPPA Isacc Sprinz Psiquiatra Psicoterapeuta Es pecialista em Clínica Psiquiatra pela UFR GS Professor titular aposentado da PUCRS Professor e supervisor do Estudos Integra dos de Psicoterapia Psicanalítica ESIPP Ivan Sérgio Cunha Fetter Psiquiatra Psi canalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Jader Piccin Médico Residente em Psi quiatria no HCPA Jair Knijnik Psiquiatra Psicanalista Mem bro associado da SPPA Professor e supervi sor convidado dos Cursos de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Jair Rodrigues Escobar Psiquiatra Psica nalista Membro associado da SPPA Pro viii Autores fessor convidado e supervisor dos Cursos de Especialização em Psiquiatria e em Psi coterapia da UFRGS Joel Araújo Nogueira Psiquiatra Psicanalis ta Membro titular e analista didata da SPPA José Carlos Calich Médico Psicanalista Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Métodos Clínicos Comparados na Améri ca Latina membro do Comité Científico da Fundação Jean Laplanche Institut de France Editor pela América Latina do In ternational Journal of Psychoanalysis Pro fessor convidado do Instituto de Psicanáli se da SPPA Professor convidado do CELG UFRGS Professor convidado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Carlos UFSCarSP Julio J Chachamovich Psiquiatra Profes sor supervisor convidado e excoordena dor executivo dos cursos de Especialização em Psicoterapia de Orientação Psicanalíti ca e de Extensão de Introdução à Psicotera pia de Orientação Psicanalítica do CELG UFRGS Juarez Guedes Cruz Psiquiatra Psicanalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Jussara Schestatsky Dal Zot Psiquiatra Psicanalista Membro associado da SPPA Professora colaboradora e supervisora clí nica do Curso de Especialização em Psico terapia de Orientação Analítica do CELG UFRGS Professora convidada do Curso de Psicoterapia Analítica do ESIPP Professora convidada do Curso de Especialização em Psicoterapia da UFSCarSP Lais Knijnik Psiquiatra Especialista em Psicoterapia pela UFRGS Professora e su pervisora do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Lívia Hartmann de Souza Psiquiatra Espe cialista em Psicoterapia de Orientação Ana lítica pelo CELGUFRGS Doutoranda do Programa de Pósgraduação em Psiquiatria da UFRGS Lorena Caleffi Psiquiatra Especialista em Dor pelo Serviço de Dor e Medicina Palia tiva do HCPA Psiquiatra da Clínica de Dor do Hospital Moinhos de Vento HMV Porto Alegre Lucia Helena Freitas Psiquiatra Mestre em Saúde Pública pela Harvard School of Pu blic Health Boston Estados Unidos Douto ra em Clínica Médica pela UFRGS Membro graduado pela SPPA Professora associada do Departamento de Psiquiatria e Medici na Legal da FAMEDUFRGS Supervisora da Residência do Serviço de Psiquiatria do HCPA Cocoordenadora do Núcleo de Estu dos e Tratamento do Trauma Psíquico NET TRAUMA do Serviço de Psiquiatria do HCPA Professora colaboradora do Curso de Pósgraduação em Medicina Psiquiatria da UFRGS Professora do Curso de Especializa ção em Psicoterapia do CELGUFRGS Luiz Carlos Mabilde Psiquiatra Membro efetivo e analista didata da SPPA Super visor convidado do Curso de Especializa ção em Psiquiatria da UFRGS Professor e supervisor convidado dos cursos de Espe cialização em Psicoterapia e Supervisão da UFRGS Professor do Instituto de Psicaná lise da SPPA Manuel J Pires dos Santos Psiquiatra Psicanalista Professor e supervisor do Cur so de Especialização em Psicoterapia Psica nalítica do CELGUFRGS Marcelo Pio de Almeida Fleck Psiquiatra Mestre e Doutor em Clínica Médica pela UFRGS Pósdoutorado pela Universidade McGill Montreal Canadá Professor as sociado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS Margareth Silveira Campos Psiquiatra Psi canalista de Crianças e Adolescentes Mem bro associado da SPPA Autores ix Maria Cristina Garcia Vasconcellos Psi quiatra Psicanalista Mestre em Antropolo gia Social pela UFRGS Membro associado da SPPA Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Psiquia tra Psicanalista Professora do Departa mento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS e do Serviço de Psiquiatria da In fância e Adolescência do HCPA Coordena dora da Equipe de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Centro de Atenção Psicos social Infantojuvenil do HCPA Mariana Eizirik Psiquiatra Mestre em Psi quiatria pela UFRGS Membro filiado do Instituto de Psicanálise da SBPSP Marilia Aisenstein Psicóloga clínica Psica nalista didata e supervisora Especialista em Psicossomática Expresidente do Instituto de Psicossomática de Paris e da Sociedade Psicanalítica de Paris Representante da Eu ropa no Board da IPA Mark Solms Neuropsicólogo Psicanalis ta PhD Professor de Neuropsicologia da University of Cape Town Cidade do Cabo África do Sul Analista didata e supervisor na South African Psychoanalytical Associa tion Professor honorário em Neurocirur gia na St Bartholomews Royal London School of Medicine Membro honorário da New York Psychoanalytic Society Membro da British Psychoanalytical Society Prêmio Sigourney 2011 Marlene Silveira Araujo Psiquiatra Psica nalista Especialista em Psicoterapia e Psi canálise de Crianças e Adolescentes Mem bro efetivo da SPPA exercendo funções didáticas Mauro Gus Psiquiatra Psicanalista didata da SPPA Miriam G Brunstein Psiquiatra Psicote rapeuta Mestre em Clínica Médica pelo HCPAUFRGS Doutora em Bioquímica pela UFRGS Médica contratada do HCPA Coordenadora do Programa de Transtor nos Alimentares em Adultos do HCPA Neury José Botega Psiquiatra Professor titular do Departamento de Psicologia Mé dica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Cam pinas Unicamp Neusa Lucion Psiquiatra Psicanalista Es pecialista em Psicoterapia pela UFRGS Pro fessora supervisora e coordenadora executiva do Curso de Especialização em Psicoterapia de Orientação Analítica do CELGUFRGS Paulo Henrique Favalli Psiquiatra Psica nalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Pedro Schestatsky Neurologista Profes sor adjunto do Departamento de Medicina Interna da FAMEDUFRGS Coordenador do Departamento Científico de Dor da Academia Brasileira de Neurologia ABN Peter Fonagy Psicólogo Psicanalista PhD pela University College London Diplo mado em Psicologia Clínica pela British Psychological Society Membro efetivo e analista didata da British Psychoanalytical Society Formação em Psicanálise de Crian ças pelo The Anna Freud Centre Professor de Psicanálise da University College Lon don Coordenador executivo do The Anna Freud Centre Pesquisador sênior do Natio nal Institute for Health Research Raul Hartke Psiquiatra Membro efetivo e analista didata da SSPA Supervisor con vidado dos cursos de Especialização em Psi coterapia de Orientação Analítica da UFRGS Professor do Instituto de Psicanálise da SPPA Robert L Tyson Doutor em Medicina Fellow do Royal College of Psychiatrists Psicanalista didata e consultor do Seattle Psychoanalytic Society and Institute Seattle Estados Unidos Robert S Wallerstein Psicanalista Doutor em Medicina Professor emérito e Exchefe x Autores do Departamento de Psiquiatria da Universi ty of California San Francisco School of Me dicine e analista didata emérito e supervisor no San Francisco Center for Psychoanalysis Expresidente da American Psychoanalytic Association e da IPA Prêmio Sigourney 1991 Romualdo Romanowski Psiquiatra Psica nalista didata da SPPA Roosevelt M S Cassorla Membro efetivo e analista didata da SBPSP e do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Campinas GEP Campinas Professor titular colaborador do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp Rudyard Emerson Sordi Psiquiatra Psica nalista Membro associado da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul APRS e do CELGUFRGS Membro associado da SPPA da Febrapsi e da IPA Professor convi dado do Curso de Especialização em Psico terapia Psicanalítica do CELGUFRGS Ruggero Levy Psiquiatra Psicanalista Membro efetivo e analista didata da SPPA Professor do CELGUFRGS Professor e su pervisor do CEAPIA Representante latino americano no Board da IPA Sergio Carlos Eduardo Pinto Machado Psiquiatra Psicanalista Mestre em Saú de Pública pela Johns Hopkins University Doutor em Psiquiatria pela UFRGS Profes sor associado VI do Departamento de Psi quiatria e Medicina Legal da UFRGS Sergio Lewkowicz Psiquiatra Psicanalista Analista didata da SPPA Professor e super visor dos cursos de Psicoterapia de Orien tação Analítica do CELGUFRGS Coorde nador científico da Fepal Simone Isabel Jung Psicóloga Espe cialista em Psicoterapia Psicanalítica pelo ESIPP Mestre e Doutora em Psiquiatria pela UFRGS Professora do Curso de Psicolo gia das Faculdades Integradas de Taquara FACCAT Victor Mardini Pediatra Psiquiatra Es pecialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pela UFRGS Especialista em Psiquiatria pela ABP com Certificado de Atuação na Área de Psicoterapia Membro graduado da SPPA Psiquiatra contratado do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adoles cência do HCPA Professor convidado do CELGUFRGS Viviane Sprinz Mondrzak Psiquiatra Psi canalista Professora do Curso de Especiali zação em Psicoterapia de Orientação Ana lítica da UFRGS Professora do Instituto de Psicanálise da SPPA SUMÁRIO Introdução 15 Cláudio Laks Eizirik Rogério Wolf de Aguiar Sidnei S Schestatsky PA RT E I TEMA INTRODUTÓRIO 1 Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica raízes históricas e situação atual 19 Robert S Wallerstein PA RT E I I FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA 2 Integração da psicanálise com as neurociências 41 Mark Solms 3 Conceitos psicanalíticos freudianos fundamentais 62 Luiz Carlos Mabilde 4 Conceitos psicanalíticos fundamentais na escola das relações de objeto 77 Elias Mallet da Rocha Barros 5 Conceitos fundamentais na abordagem do ego e suas defesas 98 Isacc Sprinz 6 Teorias da ação terapêutica 115 Viviane Sprinz Mondrzak 7 Campo e intersubjetividade128 Paulo Henrique Favalli 8 Modelos psicanalíticos da mente 150 José Carlos Calich PA RT E I I I FUNDAMENTOS DA TÉCNICA PSICOTERÁPICA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA 9 Avaliação 177 Carmem Emília Keidann Jussara Schestatsky Dal Zot 10 Planejamento em psicoterapia de orientação analítica 194 Eneida Iankilevich 11 O contrato 212 Neusa Lucion Lais Knijnik 12 Setting psicoterápico neutralidade abstinência e anonimato 224 Isaac Pechansky 13 A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta 238 Fernando Grilo Gomes 14 Fases da psicoterapia 249 Anette Blaya Luz 15 Insight e elaboração 267 Ruggero Levy 16 Transferência 293 Robert L Tyson Cláudio Laks Eizirik 17 Contratransferência 310 Cláudio Laks Eizirik Sergio Lewkowicz 18 Violações das fronteiras profissionais 324 Glen O Gabbard 19 Atuações e encenações enactments 340 Mauro Gus 20 Reação terapêutica negativa e impasse349 Antonio Carlos J Pires 21 Sonhos 374 Juarez Guedes Cruz 22 Níveis de mudança e critérios de melhora 393 Romualdo Romanowski Jair Rodrigues Escobar Rudyard Emerson Sordi Margareth Silveira Campos PA RT E I V SITUAÇÕES ESPECIAIS 23 Ética e psicoterapia 403 Germano Vollmer Filho Gerson I Berlim 24 Psicoterapia de apoio de orientação analítica 419 Lucia Helena Freitas Simone Isabel Jung 12 Sumário 25 Psicoterapia de orientação analítica e farmacoterapia 435 Lívia Hartmann de Souza Claudio Maria da Silva Osorio Marcelo Pio de Almeida Fleck 26 Terapia de mentalização 455 Mariana Eizirik Peter Fonagy 27 Gênero e psicoterapia 465 Marlene Silveira Araujo Carolina Silveira Campos PA RT E V FUNDAMENTOS CLÍNICOS DAS ABORDAGENS PSICODINÂMICAS DE SITUAÇÕES ESPECIAIS 28 Abordagem do caráter em psicoterapia 477 Manuel J Pires dos Santos Hamilton Oscar Perdigão da Fontoura Carlos Gari Faria 29 Abordagem psicodinâmica do paciente ansioso transtorno de pânico e transtorno de ansiedade generalizada 493 Roosevelt M S Cassorla 30 Abordagem psicodinâmica do paciente deprimido 513 Sergio Carlos Eduardo Pinto Machado Sidnei S Schestatsky 31 Abordagem psicodinâmica do paciente histérico533 Joel Araújo Nogueira 32 Abordagem do luto 542 Cláudio Laks Eizirik Cátia Olivier Mello Jair Knijnik 33 Abordagem psicodinâmica do paciente obsessivo 555 Julio J Chachamovich Ivan Sérgio Cunha Fetter 34 Abordagem psicodinâmica do paciente fóbico 577 Hector Ferrari 35 Abordagem psicodinâmica do paciente narcisista 600 Sergio Lewkowicz 36 Abordagem psicodinâmica do paciente borderline614 Sidnei S Schestatsky 37 Abordagem das situações perversas na relação terapêutica632 Raul Hartke 38 Abordagem psicodinâmica do paciente psicossomático 659 Marilia Aisenstein 39 Abordagem psicodinâmica dos transtornos alimentares 668 Mirian G Brunstein Carolina Meira Moser Ana Carolina Faedrich dos Santos 40 Abordagem psicodinâmica do paciente com dor crônica689 Alexandre Annes Henriques Lorena Caleffi Pedro Schestatsky Rogério Wolf de Aguiar 41 Abordagem psicodinâmica do paciente traumatizado 704 Caroline Garland Sumário 13 42 Abordagem psicodinâmica na infância 723 Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Ana Margareth Siqueira Bassols David Simon Bergmann Victor Mardini 43 Abordagem psicodinâmica na adolescência 755 Alice Becker Lewkowicz Gisha Brodacz 44 Abordagem psicodinâmica do paciente idoso 772 Antonio Carlos Scherer Marques da Rosa Maria Cristina Garcia Vasconcellos 45 Abordagem psicodinâmica do paciente hospitalizado 790 Igor Alcantara Eugenio Horacio Grevet 46 Abordagem psicodinâmica do paciente dependente químico 808 Felix Henrique Paim Kessler Flavio Pechansky Diego Barreto Rebouças Jader Piccin 47 Psicoterapia no hospital geral 831 Neury José Botega Índice 845 14 Sumário A ampla aceitação das duas edições anteriores desta obra aliada a novos desenvolvimentos da psicoterapia de orientação analítica leva ram os organizadores e a Artmed Editora a conceber e apresentar esta terceira edição Ao longo dos 25 anos que nos separam da primeira edição deste livro constatamos com satisfação que ele tem sido utilizado em todo o Brasil em inúmeros cursos de gra duação especialização e pósgraduação stricto sensu tendo servido de estímulo e companhia para sucessivas gerações de psi coterapeutas tanto em seus estudos formais como para enfrentar situações clínicas que desafiam por sua complexidade e muitas vezes falta de referências específicas Esta edição atualiza os capítulos que permaneceram da edição anterior acres centandolhes bibliografia mais recente e introduz novos capítulos ampliando a abordagem da psicoterapia de orientação psicanalítica O formato dos capítulos tam bém teve modificações com destaques ao longo dos textos e um quadro com pontos chave ao final de cada um deles Com essas modificações pretendese tornar a leitura mais clara e prática Decidimos concentrar esta edição nos fundamentos teóricos essenciais para a teo ria da técnica e nas intervenções psicoterá picas em situações clínicas específicas ou seja nos principais quadros psicopatoló gicos e nas situações mais encontradas em nosso trabalho clínico Se observarmos o amplo campo de ação das diferentes psicoterapias e acom panharmos o desenvolvimento de novas intervenções tanto psicoterápicas quan to medicamentosas das últimas décadas constataremos que a psicanálise e a psico terapia de orientação analítica continuam na linha de frente dos recursos terapêuticos mais efetivos e eficientes para as diversas formas de sofrimento psíquico Confiamos assim que esta nova edição continuará a ser ao mesmo tempo útil e estimulante Dedicamos este livro aos nossos pa cientes e alunos em especial os da Residên cia Médica em Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e os dos Cursos de Especialização do Centro de Estudos Luis Guedes associado ao Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Facul dade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Agrade cemos também às nossas famílias que são uma permanente fonte de aprendizado amoroso daquilo que Carlos Drummond de Andrade descreveu como a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo em busca da insuspeitada alegria de con viver INTRODUÇÃO Cláudio Laks Eizirik Rogério Wolf de Aguiar Sidnei S Schestatsky Esta página foi deixada em branco intencionalmente PARTE I Tema introdutório Esta página foi deixada em branco intencionalmente Em 1995 publiquei um livro The Talking Cures the psychoanalyses and the psychothe rapies As curas pela conversa as psicanálises e as psicoterapias1 As diversas ênfases no plural no título refletiam dois temas prin cipais desse livro 1 a evolução da psicanálise como teoria e como terapia a partir da estrutura uni tária criada e proposta incansavelmente por Freud durante toda a sua vida até o mundo metapsicologicamente plura lístico no qual vivemos 2 o desenvolvimento da psicoterapia psi canalítica a partir de sua origem teó rica a psicanálise inicialmente como uma adaptação distinta e coerente dos conceitos psicanalíticos às exigências clínicas de pacientes não considera dos indicados para a psicanálise mas atualmente evoluindo para um campo de relacionamentos multifacetados e problemáticos com seu ancestral psicanalítico Antes disso em 1989 eu havia pu blicado um artigo Psicanálise e psicotera pia uma perspectiva histórica2 no qual ex punha as principais linhas do argumento depois elaboradas com mais detalhes em meu livro de 1995 Aqui de forma altamente conden sada apresentarei as principais teses des sa história evolutiva complexa vista sob uma perspectiva atual e encaminharei o leitor às minhas contribuições anteriores para a completa exposição de meus pontos de vista Inicio com Freud e o nascimento da psicanálise por ele desenvolvida como um produto purificado do amontoado de abordagens terapêuticas em voga naquela época e introduzida experimentalmente com o auxílio de seu primeiro colabora dor Breuer Ela logo se tornou a psicologia científica e a psicoterapia científica Contudo embora Freud tenha devotado um tem po monumental à criação quase sem ajuda da psicanálise como uma teoria da vida mental e uma terapia sistemática de seus transtornos ele próprio nunca se voltou para nenhuma ou tra técnica de psicoterapia além da própria psi canálise Considerava que a psicanálise não ti nha nada a oferecer a pacientes não adequados 1 PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA RAÍZES HISTÓRICAS E SITUAÇÃO ATUAL Robert S Wallerstein 20 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ao método analítico clássico a não ser a mes ma variedade de técnicas sugestivas e hipnó ticas que seus colegas sem formação analíti ca empregavam Esta visão a de que a psicanálise propriamente dita era a única psicoterapia verdadeiramente curativa e científica dis ponível permeou todo o período da vida de Freud Ela marcou a era da préhistória da psicoterapia dentro da psicanálise a primeira sendo agora considerada mais especificamente uma outra psicoterapia além da própria psicanálise Freud fez sua própria diferenciação entre a psicanálise considerada uma terapia etiológica e os demais esforços psicoterapêuticos que via como meras espécies obsoletas de sugestão possivelmente superadas pela psicanálise Sua observação mais aguda a respeito foi a famosa citação de sua conferência de 1918 em Budapeste na qual previa que o desenvolvimento em lar ga escala de nossa terapia nos forçará a amalgamar o ouro puro da análise com o cobre da sugestão direta mas que seus ingredientes mais efetivos e mais importantes certamente con tinuarão sendo aqueles tomados em prestados da psicanálise estrita e não tenden ciosa3 Freud foi vigorosamente apoiado nesse seu ponto de vista por Ernest Jones e Edward Glover sendo que este último le vou essa visão ao extremo A tese de Glover era a de que todas as outras terapias que não a psicanálisepadrão seriam apenas variedades de sugestão porque esta riam baseadas em elementos que podiam até incluir interpretações de conflitos inconscientes que não foram totalmente analisados em suas raízes genéticodinâmicas como consequên cia deviam em última análise estar basea das na forte autoridade transferencial sugesti va do terapeuta Além disso Glover4 declarou ainda em 1954 que caso as interpretações do analista fossem consistentemente incorretas então muito provavelmente ele esta ria praticando uma forma de suges tão seja qual for o nome que desse a ela Daí decorre que quando analistas diferem radicalmente quanto à etiolo gia ou à estrutura de um caso como hoje acontece cada vez com mais fre quência um lado ou o outro deve es tar praticando sugestão Não que Glover já não tivesse tentado atenuar essa afirmação radical a má aná lise pode concebivelmente ser boa suges tão5 É fácil perceber o tipo de raciocínio estreito isto é o de que deve haver apenas uma linha interpretativa correta em cada situação analítica e de que qualquer desvio dela baseado em inexatidão ignorância contratransferência ou qualquer outro as pecto deve portanto ser apenas sugestão que levou Glover baseandose em Freud a essa aguda dicotomização da psicoterapia entre apenas a psicanálise por um lado e simplesmente variações de sugestão por outro Com isso Glover e Freud antes de le prestaram um desserviço involuntário ao futuro desenvolvimento de uma psico terapia dinâmica assentada firmemente na base teórica da psicologia psicanalíti ca ao obscurecerem as complexidades envolvidas nos conceitos e nas práticas da psicoterapia psicanaliticamente informada incluindoa sob a rubrica excessivamente Psicoterapia de orientação analítica 21 abrangente da sugestão a qual é usada para encobrir e desse modo embaçar uma di versidade de princípios e práticas distintas da psicanálise Assim a primeira era no desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica dentro da psicanáli se que eu chamo de sua préhistória foi mar cada pela descrição da psicanálise como uma terapia claramente articulada e com uma sé rie definida de princípios e práticas acordados de modo consensual sendo tudo o mais para todos os grupos de pacientes não adequados à psicanálise arrastado para dentro da cate goria mal definida e abrangente da sugestão Por uma variedade de razões parti culares ao desenvolvimento histórico da psicanálise em relação à psiquiatria nos Estados Unidos o desenvolvimento origi nal da psicoterapia psicodinâmica foi um fenômeno tipicamente americano Ela sur giu da confluência de inúmeras tendências sociais e intelectuais nos Estados Unidos da tentativa consciente da psicanálise de aliarse à psiquiatria e à medicina organi zadas e de cooptar a psiquiatria para as ideias psicanalíticas da ampla aceitação na psiquiatria americana da doutrina psico biológica de Adolf Meyer com sua ênfase nos relatos de caso detalhados para mostrar as várias relações causais das experiências de vida do crescimento do movimento de higiene mental com suas exigências po sitivas por intervenções de saúde mental mais orientadas do impacto da educação americana progressiva sob a liderança do filósofoeducador John Dewey e de outras ideias pragmaticamente otimistas como o movimento de assentamento em lares voltado ao sofrimento dos desfavorecidos social e economicamente lançado por Jane Addams Portanto desde o início os psicana listas na América não entregaram o ainda incipiente campo da psicoterapia aos não analistas nem o rejeitaram considerando o a aplicação benevolente da sugestão se assim fosse não se justificaria qual quer estudo ou treinamento especial para aprendêla Ao contrário a psiquiatria e a psicoterapia psicodinâmica ao se desen volver durante o período do fim da déca da de 1930 até o início da década de 1950 quando a psicanálise norteamericana cresceu de forma significativa em número e se enriqueceu em prestígio pela absorção da onda de psicanalistas europeus refu giados de Hitler conseguiu capturar com êxito a psiquiatria norteamericana tornandose assim a voz dominante em faculdades de medicina hospitaisescola e clínicas psiquiátricas do país Uma conse quência importante dessa conquista bem sucedida da psiquiatria norteamericana pela psicanálise foi a suposição assumida por médicos e educadores psicanalistas da responsabilidade pelo cuidado e pelo tratamento dos pacientes internados e dos pacientes ambulatoriais mais gravemente A psicoterapia psicodinâmica é na verdade a única contribuição caracteristicamente americana para a prá tica psiquiátrica moderna embora uma contribuição gloriosa A psicanálise foi criada por Freud na Áustria a nosologia descritiva dos transtornos mentais maiores foi trabalho de Kraepelin e sua escola na Alemanha ainda que depois desenvolvida incomensuravelmente pelos modernos arquitetos norteamericanos do do DSMIII DSMIV e DSM5 A eletroconvulsoterapia foi inaugurada por Cerletti e Bini na Itália o coma in sulínico por Sakel um polonês trabalhando em Viena a desastrada operação de lobotomia por Egas Moniz em Portugal o conceito da comunidade terapêutica foi desenvolvido por Maxwell Jones na Inglaterra a era moderna das drogas psicoativas foi inaugurada na Suíça com o Largactil mais tarde trazido para a América como Thorazina clorpromazina embora novamente desenvolvida de forma exponencial na América e o lítio foi empregado pela primeira vez com sucesso por Cade na Austrália 22 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs doentes que buscavam os hospitaisescola e as clínicas afiliados às universidades Esses pacientes diferiam bastante dos pacientes ambulatoriais tipicamente neuróticos dos principais centros psicanalíticos europeus em torno dos quais os preceitos técnicos da psicanálise tinham sido criados porque em suas primeiras décadas na Europa a psi canálise tinha sido excluída da universidade e do mundo médico acadêmico e portanto negada aos portadores de transtornos men tais e comportamentais mais graves E foi pela necessidade dessa adaptação nos Estados Unidos às necessidades clínicas dos pacientes mais doentes que os psicanalistas abrigados pela psiquiatria norteamericana ti veram que desenvolver modificações nas inter venções psicanalíticas que fossem mais ade quadas às exigências clínicas desses pacien tes Foi esse desenvolvimento que re sultou na psicoterapia psicanalítica cujo principal pioneiro foi Robert Knight da Fundação Menninger e depois do Centro Austen Riggs Como líder na psicanálise norteamericana as principais preocupa ções de Knight foram exatamente suas re lações com a psiquiatria Knight6 declarou que até o advento da psicanálise a psiquiatria ainda carecia de uma psicologia Ele se dedicou à arti culação do que chamou de uma ciência básica da psicologia dinâmica7 uma ciência básica na qual toda psicoterapia competente deve basear se e para a qual as principais con tribuições foram dadas pela psicaná lise7 Assim Knight formulou pela pri meira vez o que propôs ser a di ferença fundamental dentro do marco referencial psicanalítico entre as abordagens psicote rapêuticas de apoio e as expressivas Das várias possíveis formas de clas sificar as tentativas psicoterapêuti cas dois grandes grupos podem ser identificados aqueles que visam primariamente ao apoio ao pacien te com supressão dos sintomas e da manifestação do material psicológico emergente associado e aqueles que vi sam primariamente à sua expressão7 grifo nosso Ao mesmo tempo o viés explícito em favor da abordagem mais expressiva foi anunciado a psicoterapia de apoio pode ser indicada quando a avaliação clínica do paciente levar à conclusão de que ele é muito frágil psicologica mente para ser mais profundamente abordado ou muito inflexível para ser capaz de uma alteração real da per sonalidade ou muito defensivo para ser capaz de alcançar o insight A decisão de usar medidas supressivas é na verdade tomada devido a con traindicações ao uso de intervenções exploratórias7 Posteriormente Knight8 diferenciou ainda mais os objetivos das abordagens de apoio e expressiva e em relação a esta últi ma os objetivos e as indicações da pró pria psicanálise Pelo termo primariamente de apoio entendo a intenção de apoiar e re construir os mecanismos de defesa e métodos adaptativos que costumam ser utilizados pelo paciente antes de sua descompensação e a implementa ção dessa intenção pelo uso de técni cas de apoio explícitas Psicoterapia de orientação analítica 23 A seguir descrevia uma série de téc nicas de apoio na verdade a primeira lista gem desse tipo em um artigo psicanalítico Entre as formas expressivas a própria psi canálise seria claramente a de mais longo alcance A psicanálise tenta o máximo na investigação com um objetivo do maior autoconhecimento possível e da modifica ção estrutural da personalidade8 E à psicoterapia expressiva derivada da psicanálise é concedido um lugar niti damente diferente O maior campo para a psicotera pia exploratória que não envolve os objetivos ambiciosos da psicanálise reside naquelas condições clínicas que são expressadas como descompensa ções relativamente recentes origina das de experiências de vida perturba doras8 É essa primeira descrição de Knight das dife renças declaradas entre as terapias psicanalí ticas indo da terapia de apoio à terapia expres siva até à própria psicanálise que estruturou os painéis dentro da Associação Psicanalítica Americana durante os primeiros anos da déca da de 1950 todos reunidos em uma dezena de artigos no Journal da Associação em 1954 Co letivamente eles sustentavam as concepções dominantes na época sobre sua natureza que marcaram o que eu chamo de segunda era na relação da psicoterapia com a psicanálise uma era de estabelecida diversidade de objetivo e de técnicas um espectro das terapias psicanalíti cas que ia da mais apoiadora à mais expressi va dentro de uma unidade de teoria a psica nálise Essa era durou cerca de 20 anos con tados a partir das completas descrições desses manifestos de 1954 A confrontação central na época era entre dois pontos de vista principais so bre a natureza da relação entre psicotera pia dinâmica e psicanálise Basicamente o problema existia entre as visões propos tas por Alexander e French9 e Fromm Reichmann10 uma minoria que viam a tendência histórica como obscurecendo e até suprimindo as diferenciações técnicas entre psicoterapia dinâmica e psicanálise e a visão defendida por analistas a maioria dos quais Bibring11 Gill1213 Rangell14 e Stone1516 foram os principais portavozes Estes seguindo Knight entendiam o pro blema como um esclarecimento mais ade quado das distinções conceituais e opera cionais entre as duas Esses pontos de vista opostos foram antiteticamente propostos de maneira muito intensa nos painéis pu blicados em 1954 Aqueles que borravam as diferen ciações entre psicoterapia dinâmica e psi canálise tomaram duas posições um pouco discrepantes Alexander17 exigia a total in tegração da psicanálise na psiquiatria e na medicina A teoria psicanalítica tornouse pro priedade comum da psiquiatria como um todo e por meio dos canais psi cossomáticos da medicina como um todo Com essa unificação da psicanálise com a psiquiatria uma nítida diferença entre o tra tamento psicanalítico e outros méto dos psicoterapêuticos que se baseiam nas observações e na teoria psicanalí ticas está se tornando cada vez mais di fícil Na prática todos os psi quiatras tornamse cada vez mais pare cidos mesmo que um possa praticar a psicanálise pura e o outro uma psi co terapia de orientação psicanalítica17 Assim qualquer distinção entre a própria psicanálise e outros procedimentos expressivos foi declarada apenas quantita tiva17 e de fato 24 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a única solução lógica seria iden tificar como psicanalítico todos es tes procedimentos relacionados que se baseiam essencialmente nos mes mos conceitos científicos observações e princípios técnicos17 grifo nosso No ponto máximo da posição de Ale xander17 a única diferença realística é aquela entre os métodos primariamente de apoio e os primariamente expressivos gri fo nosso Sua proposição seria a de colapsar todas as formas de tratamento expressivo psicoterapia expressiva e a própria psica nálise dentro de uma única categoria de te rapia psicanalítica A partir disso Alexander como Knight prenuncia uma lista de téc nicas diversificadas de apoio No outro la do coloca todas as abordagens expressivas a psicanálise incluída as quais segundo ele variariam apenas em parâmetros quantitati vos e não em parâmetros críticos FrommReichmann18 assumiu uma posição um pouco diferente para tratar psicanaliticamente indivíduos borderline e ou francamente psicóticos seriam neces sárias não apenas modificações importan tes da técnica psicanalítica com as quais naturalmente todos concordariam como também a revisão sistemática da teoria da psicanálise clássica em direção a uma mais moderna teoria da psiquiatria dina micamente orientada tendo como base as concepções interpessoais de Harry Stack Sullivan Isso ela defendia como uma ver são mais atualizada da psicanálise e tratava de sustentar essa reivindicação invocando a famosa máxima definidora de Freud19 de que toda terapia que estivesse baseada nos conceitos de transferência e resistência po deria denominarse psicanálise Apresentada dessa maneira a psico terapia dinâmica de FrommReichmann poderia simplesmente ser redefinida como psicanálise de modo que como com Ale xander psicanálise e psicoterapia analítica tornariamse indistinguivelmente próxi mas em um continuum meramente quan titativo No caso de FrommReichmann a psicanálise se veria assimilada pela nova teoria interpessoal da psiquiatria dinâmica Ao contrário Alexander considerava que a psicoterapia psicanalítica estaria fundida de maneira quase indistinta com a psicaná lise Porém em qualquer direção as dife renças entre as duas ficavam obscurecidas senão totalmente suprimidas Ambos os pontos de vista tiveram na época algum apelo popular embora refletissem uma distinta minoria na psica nálise norteamericana Desde então essas concepções de Alexander foram essencial mente retiradas do discurso psicanalítico Os pontos de vista de FrommReichmann mais propriamente suas técnicas sobrevi veram apenas dentro de um pequeno gru po de colegas trabalhando no campo em que essas noções se enraizaram a princípio ou seja na modificada terapia psicanalí tica de pacientes gravemente psicóticos em geral nos ambientes institucionais Em contraste aqueles que se empe nharam em agudizar as diferenças entre o alcance das diferentes psicoterapias de base psicanalítica objetivavam em seus planos de tratamento selecionar a moda lidade terapêutica mais adequada a partir desse espectro diferenciado para a estrutu ra psicológica de cada paciente Isso natu ralmente era o oposto de borrar as di ferenças transformando toda psicoterapia em psicanálise forçando os limites dessa análise a sua extensão máxima Tratava se de uma preocupação com o método de tratamento mais adequado para cada pa ciente em particular dentro da variedade de métodos terapêuticos psicanalíticos O problema inicial para aqueles que buscavam delinear com mais clareza as Psicoterapia de orientação analítica 25 diferenças entre as várias terapias de base psicanalítica foi naturalmente de defi nição Gill13 Rangell14 e Stone15 procu raram começar com uma definição para psicanálise considerada a matriz de todas as outras e cujas dimensões eram mais cla ramente conceitualizadas Foi a proposi ção de Gill13 a que adquiriu mais ampla aceitação Psicanálise é aquela técnica que em pregada por um analista neutro resul ta no desenvolvimento de uma neu rose de transferência regressiva e na resolução final dessa neurose por téc nicas apenas interpretativas A partir dela Gill se estende por vá rias páginas para explicar cada parte desse conceito em detalhes Tal definição deli mitava a psicanálise de modo mais preciso do que a de Freud19 a qual estabelecia que qualquer terapia que apenas reconhecesse os dois fatos da transferência e da resis tência e os tomasse como seu ponto de partida podia denominarse psicanálise Em contraposição a Freud Gill12 tinha declarado anteriormente que a designação psicanálise seria reservada para a técnica que analisa a transferência e a resistência Já a psi coterapia psicanalítica seria qualquer procedimento que reconhece a trans ferência e a resistência e utiliza racio nalmente esse conhecimento na te rapia embora isso possa ser feito de muitas formas diferentes e parte ou até toda a transferência possa não ser analisada São essas muitas formas diferentes de psicoterapia nas quais parte ou até to da a transferência possa não ser analisada que naturalmente representam as várias distinções entre os métodos expressivos e os de apoio que as psicoterapias psicana líticas que não a psicanálise poderiam utilizar Também nesse primeiro ensaio Gill12 estabeleceu a principal linha de demarcação entre os métodos expressivos e os de apoio A decisão mais importante é se as de fesas do ego devem ser fortalecidas ou ao contrário ultrapassadas como uma condição preliminar em direção à reintegração do ego A decisão de fortalecer as defesas é tomada em casos nos quais isso é tudo o que é ne cessário ou naqueles nos quais isso é tudo o que é possível fazer com segu rança O autor prossegue até aumentar a so fisticação da conceitualização das técnicas de apoio por meio de uma elaboração de talhada das maneiras de se fortalecerem as defesas Stone15 também tentou listar os princípios que operariam diferencialmen te na psicoterapia em oposição à psica nálise mas para isso misturou as abor dagens de apoio e as expressivas apenas diferenciandoas da própria psicanálise Ele elaborou sua listagem de oito diferen tes indicações para psicoterapia em vez de psicanálise a mais elaborada até aque le momento mas não tentou separar que indicações seriam mais adequadas a abor dagens expressivas e quais as abordagens de apoio A lista de Stone entretanto de finiu a base para a afirmação de Gill12 com relação às indicações para psicanálise A análise então é claramente o proce dimento para um grupo intermediá rio de gravidade no qual o ego está suficientemente danificado para que um extensivo reparo seja necessário mas que ainda é suficientemente forte para suportar a pressão 26 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A partir disso o restante segue de modo natural Uma psicoterapia primaria mente de apoio tornase a forma preferida para aqueles pacientes cujo equilíbrio psí quico enfraquecido deve ser restaurado pe lo fortalecimento das defesas por meio de todas aquelas técnicas detalhadas por Knight Alexander Stone Gill entre ou tros Poderíamos considerar esses pacientes como muito doentes para serem tratados pela psicanálise Gill13 inclusive refere os perigos da psicanálise para uma personali dade precariamente equilibrada Uma psi coterapia primariamente expressiva torna se por sua vez a forma preferida aqueles com transtornos reativos agudos ou em estados transicionais de ajustamento cujos egos não estão excessivamente danificados e que podem tolerar o esforço de analisar as defesas na extensão necessária pelos métodos de interpretação e elaboração chegando aos insights e às resoluções reque ridos Estes podem ser considerados os pa cientes que estão bem demais para fazer psicanálise no sentido de não necessitarem ou de não se justificar sua entrada em um tratamento tão ambicioso e extenso Essa forma de conceitualizar a na tureza dos diferentes métodos terapêuti cos e de suas diferentes indicações coloca a psicoterapia expressiva em uma posição intermediária certamente na técnica entre a terapia de apoio de um lado e a psicanálise de outro Gill13 chamavaa de um tipo intermediário de psicoterapia Ele foi adiante Esta é a psicoterapia cujos objeti vos são intermediários entre a resolu ção rápida dos sintomas ie psicote rapia de apoio e a alteração de caráter ie psicanálise na qual as técnicas são de certo modo também interme diárias por exemplo relativa neutra lidade e inatividade manejo da trans ferência embora não uma neurose de transferência regressiva total inter pretação como o veículo principal do comportamento do terapeuta e eu sugiro na qual os resultados são igual mente intermediários13 Diz ainda não quero ser mal interpretado pois não estou sugerindo que a psico terapia possa fazer o que a psicanáli se faz mas estou sugerindo que uma descrição dos resultados da psicotera pia intensiva ele quer dizer expressi va pode ser feita não meramente em termos de mudanças de defesas mas também em termos de outras altera ções intraego13 No geral Gill12 havia afirmado ante riormente Na psicoterapia o objetivo pode ser qualquer coisa que vai do alívio de um sintoma o mais rápido possível com a restauração da capacidade in tegrativa prévia do ego passando por uma ampla variedade de objetivos mais ambiciosos até a psicanálise o mais ambicioso de todos A escolha da terapia pode ser dividida entre aque la que determina o mínimo necessá rio para restaurar o funcionamento do ego e aquela que se empenha pela mudança máxima possível Isso está estreitamente relacionado a outra questão que também não foi de to do resolvida naqueles debates da década de 1950 tratase dos graus de diferenciação real entre essa série de abordagens terapêu ticas psicanalíticas que iria da psicoterapia de apoio até a psicoterapia expressiva a forma intermediária e finalmente até a psicanálise Seriam elas realmente dife rentes qualitativamente ou apenas pontos nodais cristalizados ao longo de um con Psicoterapia de orientação analítica 27 tinuum Ou seriam menos distinguíveis ainda entre si por serem essencialmente apenas um continuum quantitativamente variável Isto é permanecia a discussão entre o obscurecimento das diferenças versus seu aguçamento o que sempre es teve no centro daqueles debates Rangell14 talvez tenha expressado me lhor o grau de consenso alcançado dentro da posição da maioria que rotulei como aquela dos que buscavam aguçar as dife renças Neste ponto de vista as duas discipli nas psicanálise e psicoterapia psica nalítica nos extremos opostos de um espectro são qualitativamente dife rentes entre si embora haja uma fai xa fronteiriça de casos entre elas Uma comparação análoga pode ser feita com o fato de que o consciente é dife rente do inconsciente embora exista um préconsciente e diferentes graus de consciência O dia é diferente da noite embora haja o crepúsculo en tre eles e o preto do branco embora haja o cinza A maior contribuição de Rangell aos debates publicados em 1954 foi seu esforço em estabelecer as principais semelhanças e diferenças entre psicanálise e psicoterapia dinâmica Ele apresentava cada uma sob dois tópicos Em relação às semelhanças afirmava que ambas são tratamentos psi cológicos que influenciam outros seres hu manos por meio do discurso verbal bem como tratamentos racionais construídos sobre uma metapsicologia idêntica Em re lação às diferenças dizia estarem nas técni cas e nos objetivos Quanto à técnica Rangell14 conside rava que o ponto diferencial crucial diz respeito ao papel e à posição do terapeu ta Usando uma analogia afirmou que na psicanálise o terapeuta está na periferia do campo magnético do paciente não re agindo portanto com seu próprio campo magnético ou se comporta como o juiz em uma partida de tênis14 Já na psicoterapia o terapeuta em vez de estar na cadeira do juiz movimentase na quadra junto com o paciente estando os dois campos magnéti cos entrelaçados14 Em relação às diferen ças nos objetivos Rangell evidenciou outra analogia emprestada de Gitelson em que comparou o processo terapêutico a uma reação química complicada que uma vez iniciada poderia ser levada a uma resolu ção final ie o objetivo da psicanálise ou interrompida em algum ponto intermediá rio de estabilidade como no caso da psico terapia dinâmica ver Rangell14 Duas outras contribuições importan tes dos debates de 1954 a de Bibring e a discussão entre Leo Stone e Anna Freud devem ser mencionadas Bibring descreveu cinco princípios terapêuticos básicos os quais pela seleção e pela combinação dife rencial deveriam ser capazes de caracteri zar todas as terapias psicanalíticas da psi canálise à psicoterapia de apoio Os cinco princípios básicos cada um visando a seu objetivo particular foram denominados de 1 sugestão 2 catarse 3 manipulação no sentido de redirecio nar sistemas emocionais existentes no paciente ou expôlo a novas experiên cias 4 insight por meio do esclarecimento 5 insight por meio da interpretação Todas as psicoterapias não apenas aquelas baseadas na teoria psicanalítica poderiam ser classificadas de acordo com Bibring conforme as diferentes seleções e combinações desses cinco princípios tera 28 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pêuticos centrais na condução da terapia A classificação de Bibring continuou sendo usada até quase os dias de hoje A outra contribuição igualmente in fluente daqueles debates foi a discussão de Stone16 sobre o que ele chamou de a cres cente ampliação do campo de indicações para psicanálise para quase toda doença ou problema que tivesse um componente emocional significativo em sua etiologia muito além portanto das clássicas psi coneuroses consideradas por Freud como adequadas à psicanálise Stone aceitava essa tendência com cautela e ceticismo naturalmente retornavase à discus são sobre a estender a aplicabilidade da verdadeira ou melhor psicoterapia exis tente a psicanálise até os limites de suas possíveis indicações em oposição a b adequar abordagens psicoterapêuticas di ferenciadas à natureza e às necessidades de cada paciente A avaliação final de Stone16 foi a de que a abrangência da terapia psicana lítica foi ampliada a partir das psico neuroses transferenciais para incluir praticamente todas as categorias no sológicas psicogênicas As neuroses de transferência e os transtornos de cará ter de grau de psicopatologia equiva lente continuam sendo as indicações gerais ideais para o método clássico Embora as dificuldades aumentem e as expectativas de sucesso diminuam de uma maneira geral à medida que nos aproximamos da periferia nosoló gica não há uma barreira absoluta para o método psicanalítico Em sua discussão do trabalho de Sto ne Anna Freud20 escolheu essa única ques tão para indicar que suas próprias predile ções opunhamse a tais sentimentos Sem desejar subestimar os benefícios resultan tes aos pacientes do que Stone declarara ela não obstante expressava suas objeções Se toda habilidade conhecimento e esforços pioneiros que foram gastos para ampliar a abrangência da psica nálise tivessem sido empregados em vez disso na intensificação e melho ra de nossas técnicas no campo ori ginal os transtornos histéricos fó bicos e compulsivos eu não posso deixar de sentir que neste momento estaríamos achando que o tratamen to das neuroses comuns seria quase uma brincadeira de criança em vez de seguirmos lutando com os proble mas técnicos que encontramos como continuamos fazendo20 Esse era de fato um apelo à limitação das indicações para a psicanálise uma po sição à qual Anna Freud aderiu firmemen te durante toda a sua vida contra todas as tendências mais populares entre os ana listas da época Um último comentário em relação a essa cristalização em 1954 do que cha mei de a segunda era na história da psi coterapia psicanalítica a era do consenso O Projeto de Pesquisa de Psicoterapia da Fundação Menninger criado por alguns de nós no início da década de 1950 foi um estudo dos mais ambiciosos e abrangentes do seguimento dos tratamentos e das vidas subsequentes de uma coorte de 42 pacien tes tratados metade por psicanálise e meta de por psicoterapia psicanalítica O Projeto foi concebido e conceitualizado segundo os marcos referenciais de como eram en tendidas essas modalidades de tratamento na perspectiva da maioria dos psicanalistas daquela era de consenso Uma descrição completa do trabalho e dos resultados e conclusões desse longo estudo de 30 anos realizado à luz daqueles entendimentos foi publicada em meu livro de 1986 Quarenta e duas vidas em tratamento21 Enfatizei o quanto esse desabrochar da psicoterapia dinâmica foi particular mente norteamericano sendo ela con Psicoterapia de orientação analítica 29 cebida como distinta da psicanálise mas inextricavelmente ligada a esta constituin dose como o veículo principal da coop tação da psiquiatria norteamericana pelo ideal psicanalítico Isso não quer dizer no entanto que essas concepções permanece ram restritas ao cenário norteamericano Ideias comparáveis logo criaram raízes em outros lugares a princípio na Inglaterra e no norte da Europa e depois pelo resto da Europa e na América Latina E em 1969 uma década e meia após as publicações de 1954 na América do Norte a Internacio nal Psychoanalytic Association IPA pela primeira vez dedicou um painel importan te em seu Congresso de Roma para A re lação entre psicanálise e psicoterapia Em minha apresentação de abertura como co ordenador daquela mesaredonda22 iniciei declarando que isso marcava a crescente preocupação den tro da família mundial da psicanáli se com o que por muito tempo pare cera uma criação peculiarmente nor teamericana o corpo da teoria e da prática da psicoterapia psicanalítica ou psicodinâmica em toda a sua com plexa relação com sua linhagem psi canalítica Estabeleci a estrutura para o painel de 1969 expondo o que eu acreditava se rem as questões científicas mais impor tantes dentro da relação da psicoterapia com a psicanálise Propus uma sequência de nove perguntas com um breve sumá rio após cada uma delas relacionandoas com as principais posições frequentemen te di cotomizadas que eram assumidas por proponentes ilustres dos vários pontos de vista O que se tornou claro a partir da minha listagem foi que as questões e as controvérsias que tinham caracterizado os relatórios daquela mesaredonda de uma década e meia antes ainda estavam entre nós sem terem sido essencialmente mo dificadas muito menos resolvidas ape sar da experiên cia clínica acumulada e do crescente conhecimento teórico adquirido durante esse período Nem poderíamos dizer que essa avaliação foi de alguma forma modificada pelas considerações daquele painel internacional do ponto de vista mais amplo das várias experiências da psicanálise nos diversos centros nacionais e regionais de trabalho psicanalítico com todos os seus diferentes desenvolvimentos históricos e distintos contextos ecológicos Contudo apenas uma década mais tarde em 1979 quando as Sociedades Psicanalíticas Regionais Meridionais pa trocinaram um Simpósio em Atlanta no qual três dos protagonistas das discussões publicadas em 1954 Gill Rangell e Stone foram convidados a atualizar suas visões sobre Psicanálise e psicoterapia seme lhanças e diferenças uma perspectiva de 25 anos muita coisa tinha realmente mudado Nos anos intermediários novas conceitualizações diagnósticas e terapêuti cas tinham sido amplamente desenvolvidas em relação às categorias dos pacientes bor derline como as abordagens psicanalíticas modificadas de Kernberg23 e dos trans tornos de caráter narcisista introduzidas na órbita da psicanálise por Kohut2425 Essas novas considerações acrescentaram urgência e convicção aos esforços psicanalí ticos de manter uma posição firme sobre as características próprias da psicanálise e das psicoterapias psicanalíticas com suas esfe ras diferenciadas de aplicação em relação à diversidade das formações psicopatológicas Isso é claro se tornou mais importante à medida que os quadros sintomáticos mais clássicos em torno dos quais as concepções psicanalíticas originais foram elaboradas minguavam em nossos consultórios Os três escolhidos para esse Simpósio Gill Rangell e Stone tinham estado essen 30 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cialmente de acordo durante os debates do início da década de 1950 representativos da então posição clássica da maioria que se mantinha associada à concepção de um espectro de psicoterapias com uma cris talização característica de cada modalida de terapêutica diferenciada ao longo dele cada uma com sua aplicação e indicação específicas a determinado segmento de pacientes nosologicamente coerente Es sa seleção de três autores que um quarto de século antes tinham falado com tanta unidade tornou ainda mais impressionan te a divergência de opiniões exatamente sobre as mesmas questões que marcou seus discursos em 1979 Foi essa mudança mais uma vez importante que eu denomi nei de a terceira era no desenvolvimen to da psicoterapia psicanalítica dentro da psicaná lise a era atual do consenso frag mentado O amplo consenso a despeito dos desvios significativos de Alexander e FrommReichmann que tinha caracteri zado a corrente principal do pensamento psicanalítico nessa área por mais de duas décadas está em um estado fragmentado que ainda persiste hoje vinte anos depois Na realidade foram as concepções de Stone as de nuanças mais sutis em 1954 que sobreviveram mais inalteradas no de correr dos anos26 Em suas concepções da maior orientação à realidade por parte do psicoterapeuta psicanalítico das dife renças sutis entre a natureza do processo interpretativo na psicanálise e na psicote rapia psicanalítica e das dificuldades em separar as abordagens mais interpretativas expressivas das menos interpretativas ou não interpretativas de apoio Stone exi biu uma notável consistência de pontos de vista durante todo o intervalo de tempo de seus escritos sobre o tema desde seu pri meiro ensaio de 1951 até o mais recente de 1992 Era uma constância de perspectiva que contrastava nitidamente com as visões significativamente modificadas dos outros dois protagonistas da mesaredonda de 1979 Quem mudou mais radicalmente durante esse intervalo de tempo foi Gill o qual seguindo Knight tinha sido o mais claro no início da década de 1950 em seus distintos delineamentos de psicanálise psicoterapia expressiva e psicoterapia de apoio cada uma com diferentes técnicas e objetivos e indicada para um segmento diverso do espectro psicopatológico A mu dança radical na percepção de Gill foi uma consequência direta de sua preocupação com a crescente diluição da primazia da interpretação transferencial como sendo o principal critério da psicanálise e do que era psicanalítico a a interpretação mais precoce da trans ferência incluindo a busca diligente de todas as possíveis alusões implícitas a ela b o foco no aquieagora em oposição à predominância genética na interpretação da transferência c a elaboração mais completa de todas as implicações do que ele chamava de pers pectiva de duas pessoas em oposição à perspectiva de uma pessoa ou seja das contribuições para a transferência por parte dos dois participantes Aqui quero apenas examinar as im plicações das mudanças de Gill sobre sua concepção de transferência por concepções significativamente modificadas sobre a natureza da psicanálise comparada com a psicoterapia Ele tornou específicas essas implicações no Simpósio de Atlanta em 1979 publicadas em uma versão revisada em 1984 Gill27 começou revendo os critérios intrínsecos pelos quais a análise costuma ser definida a centralidade da análise da transferência um analista neutro a indu Psicoterapia de orientação analítica 31 ção de uma neurose de transferência re gressiva e a resolução dessa neurose por técnicas apenas interpretativas ou pelo menos principalmente por interpretação bem como os critérios extrínsecos comu mente indicados sessões frequentes o divã um paciente relativamente bem in tegrado ou que seja considerado analisável e um psicanalista totalmente treinado A partir disso Gill27 referiu seu ponto de partida A questão da relação entre psicanálise e psicoterapia é ainda mais importan te na prática hoje do que era em 1954 devido às dificuldades práticas em manter os critérios extrínsecos comu mente aceitos da análise A ques tão se torna o quanto o conjunto de critérios extrínsecos pode ser amplia do antes que o analista possa decidir se por psicoterapia em vez de psica nálise Em resposta a essa pergunta Gill27 declarou Eu diria que com a definição da técni ca analítica à qual eu finalmente che garei esta técnica deverá ser ensinada a todos os psicoterapeutas Se ela será empregada com sucesso ou não de penderá do treinamento e do talento natural para o trabalho de cada um E ainda quero dizer que a técnica analíti ca da forma como a definirei deverá ser empregada tanto quanto possível mesmo se o paciente vier com menos frequência do que o usual em psica nálise usar a cadeira em vez do divã não estiver necessariamente compro metido com um tratamento mais lon go for mais doente do que o paciente considerado analisável e mesmo que o terapeuta seja relativamente inexpe riente Em outras palavras recomen darei que limitemos rigorosamente as indicações para psicoterapia psicanalí tica e em vez disso pratiquemos pri mariamente psicanálise como pretendo definila27 grifo nosso O que vemos aqui é uma proposta para assimilar à psicanálise o que Gill em 1954 esforçarase para demarcar como separado isto é a psicoterapia expressiva antes vista como uma área relacionada à psicanálise mas bem distinta dela ou em outras palavras o autor propôs borrar e talvez suprimir completamente todas as diferenças cuja manutenção ele um dia acreditou ser vital De fato isso retomou a posição de Alexander a qual Gill outrora rejeitara Ele evidentemente reconheceu a base para essas posições radicalmente al teradas A reconsideração que estou pro pondo é resultado de minhas visões mo dificadas sobre a transferência e sua análi se27 Além disso a centralidade da análi se da transferência é isoladamente o aspecto mais característico da psica nálise É o que a diferencia da psicote rapia Restame tentar mostrar que ela pode ser mantida mesmo em condi ções ampliadas de critérios externos27 grifo nosso Gill então desenvolveu suas ideias sobre como os critérios externos mencio nados frequência divã duração e in determinação do processo entre outros poderiam ser secundários e dispensados dentro de um trabalho psicanalítico apro priado Declarou que central a todas as visões sobre as dimensões externas da ex periência psicanalítica estava uma suposição implícita sobre o pro cesso psicanalítico que gostaria de questionar O de que a análise seja uma proposição do tipo tudoou 32 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nada gerando seus resultados posi tivos apenas se levada até o fim Essa crença costuma ser uma vã ilu são Freud comparava a interrupção de uma análise com a interrupção de uma cirurgia Eu sugiro ao contrá rio que na forma modificada de con duzila que estou propondo a análi se possa ser um processo com bene fícios progressivamente cumulativos podendo ser interrompida em vários pontos sem a necessária perda do que foi conquistado27 Seguramente estabelecer a psicaná lise como um empreendimento tudoou nada é de certo modo uma postura vazia uma vez que a análise pode ser interrom pida em todos os seus estágios intermediá rios além do que naturalmente em teoria a análise nunca está completa Isso não é entretanto o mesmo que amalgamar toda a psicoterapia expressiva com a psicanálise como Gill agora faz desde que atendida a exigência da completa primazia da inter pretação da transferência no aquieagora A única pergunta restante então era o que para Gill constituiria a psicotera pia que não fosse análise Nesse ponto ele propôs o nome psicoterapia psicanalítica para designar toda aquela abordagem tera pêutica que não interpretasse sistematica mente a transferência isto é o que Knight a princípio e Gill depois dele chamaram nas décadas de 1940 e 1950 de psicotera pia de apoio de orientação psicanalítica Houve contudo uma terceira posi ção no Simpósio de 1979 a de Rangell in termediária entre a opinião essencialmente inalterada de Stone e o retorno radical por parte de Gill às concepções outrora rejeita das de Alexander às quais se sentiu atraí do como uma consequência lógica de suas próprias mudanças na concepção essencial do empreendimento psicanalítico A posi ção modificada de Rangell manteve a clare za conceitual das diferenças entre análise e psicoterapia analítica embora reconhecen do a infiltração da psicanálise pelas téc nicas psicoterapêuticas Rangell28 afirmou Não há análise sem alguns desses me canismos psicoterapêuticos Não há caso analítico tratado apenas por interpretação Se isso fosse um prérequisito nenhum tratamento se qualificaria como analítico Esse é o ponto crucial do argumento de Rangell28 com base segundo ele em sua variada prática clínica de tempo inte gral durante quase quatro décadas Desde as comparações de 1954 a cres cente experiência e a precisão técnica têm levado a uma diminuição das di ferenças entre as duas psicanálise e psicoterapia dinâmica Concluindo declarou Como observação empírica de longo alcance durante esses anos há em nú meros uma grande zona de fronteira na qual os procedimentos terapêuticos são praticados em uma área cinzenta entre psicanálise com parâmetros e psicoterapia intensiva sistemática mas que não é verdadeiramente psicanáli se Minha crença hoje é que ainda é possível traçar uma linha entre as duas embora também seja verdadeiro que em muitos casos essa linha seja difícil de definir28 Esse panorama de posições cristalizadas e bas tante discrepantes sobre a natureza da relação entre a psicanálise e as psicoterapias psicana líticas conforme resumido pelos três protago nistas do Simpósio de 1979 que tinham estado tão unidos em seus pontos de vista durante os debates na década de 1950 reflete o que cha mei de a terceira era na história dessa rela ção a era atual do consenso fragmentado Psicoterapia de orientação analítica 33 Atualmente mais de três décadas de pois do surgimento desse consenso frag mentado a natureza da psicoterapia psica nalítica o que a define e a constitui como se relaciona com ou é diferenciada da pró pria psicanálise agora uma preocupação universal e não mais caracteristicamente norteamericana tornase mais complexa e até mais ambígua e problemática à medi da que é debatida nos vários centros psica nalíticos ao redor do mundo cada um com suas próprias pressões socioeconômicas sua história e ecologia psicanalíticas singu lares suas variadas lealdades teóricas me tapsicológicas e suas convenções linguísti cas e suportes filosóficos epistemológicos característicos Chamo isso agora de um mundo sem consenso Duas tendências principais marcaram essa mudança maciça apro fundada e solidificada nas mais de duas décadas desde o Simpósio de 1979 da luci dez e aparentes certezas da década de 1950 para nosso mar contemporâneo de vozes divergentes frequentemente discordantes sobre essas questões Uma foi a elaboração gradual dentro da própria psicanálise do papel do relacionamento psicanalítico à parte ou além da interpretação como um determinante igual e interativo junto com a interpretação verídica da ocorrência do insight e da efetuação de uma mudança te rapêutica e a outra obviamente relaciona da foi a crescente consciência e aceitação na América do Norte o lar original do empreendimento da psicoterapia psicana lítica da diversidade teórica que passou a caracterizar a psicanálise desde os tempos de Freud O crescente foco no relacionamento psicanalítico como fator principal na mu dança da nossa compreensão sobre a pró pria essência da terapia psicanalítica pode ser considerado na América do Norte sob uma variedade de rubricas 1 o foco na aliança de tratamento a alian ça terapêutica de Zetzel29 ou a aliança de trabalho de Greenson30 como com ponentes principais do relacionamento terapêutico remontando diretamente a Sterba31 2 o foco na natureza do relacionamento terapêutico como incorporando a atitude médica humanizadora32 e no papel da nova experiência integra dora permitida no relacionamento transferencial ao novo objeto33 remontando a Balint34 e ainda mais anteriormente aos muitos ensaios germinais de Ferenczi35 3 os modelos hierárquico e evolucioná rio desenvolvidos diversamente por Gedo e Goldberg36 e por Tähkä37 nos quais os parâmetros da própria psicanálise conforme originalmente conceitualizada para pacientes classi camente neuróticos estenderamse de forma gradual para além da inter pretação38 à medida que pacientes mais doentes e mais desorganizados foram incluídos na esfera de ação psi canalítica sendo bastante obscuro o ponto de cruzamento da fronteira da psicoterapia psicanalítica 4 o desenvolvimento paralelo na Grã Bretanha por Suttie Fairbairn Gun trip Balint Bowlby Winnicott e seus muitos sucessores do Grupo Inter mediário ou Independente do foco internalizado objetorelacional 5 paralelamente a isso tudo a atual vi rada relacional na psicanálise norte americana lançada pelo influente livro de 1983 de Greenberg e Mitchell remontando em suas raízes à psiquia tria interpessoal de Sullivan39 com seu foco desenvolvido sobre a interação de duas subjetividades do analista e do analisando dentro da matriz trans ferênciacontratransferência como 34 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a iniciadora de mudança terapêutica ie a mudança da psicologia de uma pessoa para uma psicologia de duas pessoas 6 a já comentada descrição dos aparente mente novos pacientes paradigmáticos de nosso tempo os transtornos da personalidade narcisista e a psicologia do self2425 bem como a organização de personalidade borderline e a abordagem psicanalítica modificada egoestrutu ral e objetorelacional amalgamadas de Kernberg23 ambas declaradas aplicações da própria psicanálise ou psicanálise modificada ou até pos sivelmente psicoterapia psicanalítica àqueles pacientes com transtornos de ego mais extensos e profundos Todas essas formas de conceituali zar o processo de mudança na psicanálise que estão além da interpretação ou são de outro tipo que não a interpretação tor naram progressivamente mais difícil traçar diferenciações entre a chamada psicanálise e as variedades de psicoterapia psicanalí tica O que ocasionou essas mudanças na conceitualização da teoria e da técnica do trabalho psicanalítico e psicoterapêutico Para simplificar o modelo austero40 da própria psicanálise e a demarcação distinta das psicoterapias psicanalíticas expressivas e de apoio associadas não funcionaram nem refletiram de modo adequado e sufi ciente os eventos do processo terapêutico e as influências transformadoras e inte rativas reconhecidas dentro dele Isso foi claramente articulado por Rangell28 em seu relato no Simpósio de 1979 discutin do essas formulações 25 anos mais tarde e por Wallerstein21 nos escritos detalha dos de experiências e achados de 30 anos do Projeto de Pesquisa de Psicoterapia da Fundação Menninger Essa falta de ajuste convincente entre o modelo e o processo e resultados terapêuticos tornouse cada vez mais evidente não apenas com os pacien tes mais doentes como com transtornos da personalidade narcisista e com organi zações de personalidade borderline como também com os pacientes neuróticos nor mais considerados classicamente os mais acessíveis à psicanálise não modi ficada Outra tendência importante na psicanálise le vando à crescente complexidade e ambiguida de que marcam a fronteira comum psicanáli sepsicoterapia e igualmente responsável pela progressiva fragmentação do consenso de 1954 nas semelhanças e nas diferenças sobre essa relação foi o crescente reconhecimento na psi canálise norteamericana de que o paradig ma metapsicológico da psicologia do ego por muito tempo considerado a verdadeira expres são moderna da psicanálise criada e legada por Freud simplesmente não mais refletia o esta do das coisas na psicanálise mundial Diferen temente passamos a viver em um mundo de crescente diversidade psicanalítica ou plura lismo como viemos a chamar de muitas e ni tidamente diferentes metapsicologias psica nalíticas psicologia do ego dos dias atuais teoria do conflito contemporâneo kleiniana e suas extensões por Bion objetorelacional bri tânica lacaniana e francesa não lacaniana psicologia do self relacional ou intersubjetiva ou socialconstrutivista norteamericana en tre outras que com suas fronteiras delinea das de formas conceitualmente diferentes na turalmente tornam muito mais difícil qualquer distinção global mais precisa entre psicanálise e psicoterapia Minha própria perspectiva sobre o que em face desse pluralismo teórico glo bal dentro da psicanálise ainda nos man tém juntos como partidários comuns de uma ciência e profissão psicanalítica com partilhadas expliquei detalhadamente em outros textos4143 Psicoterapia de orientação analítica 35 Uma implicação significativa desse mar de mudanças para as relações atuais entre as psicanálises e as psicoterapias psi canalíticas é que o conceito familiar de análise selvagem articulado por Freud em 1910 atualmente perdeu seu significa do e deve ser substituído pela oportuna su gestão de Schafer44 de análise compara tiva Nem análise selvagem nem muito menos psicoterapia selvagem nesse sen tido têm qualquer sustentação conceitual no mundo psicanalítico fluido dos dias de hoje É evidente que todos os elementos do desenvolvimento conceitual remontando em herança à ênfase original de Ferenczi sobre o relacionamento analítico estavam consignados antes do desenvolvimento de psicoterapias derivadas explícitas à esfera das psicoterapias analíticas Agora que es sas influências foram reconceitualizadas como centrais ao nosso entendimento do que é psicanálise e de como ela funciona é muito mais difícil traçar linhas conceituais heuristicamente úteis entre a psicanálise a psicanálise modificada e apenas ou mera mente a psicoterapia psicanalítica Depen dendo da lealdade teórica do observador clínico ou do investigadorpesquisador dentro da gama de perspectivas teóricas psicanalíticas essas linhas demarcatórias serão traçadas de modos muito diferentes Isso em resumo representa o estado dessas questões hoje Assim esta é uma descrição bastan te condensada da evolução do relaciona mento das psicoterapias psicanalíticas com sua matriz e origem a psicanálise desde as primeiras elaborações que privilegia vam apenas esta até o momento complexo e fragmentário da problemática e muito contestada natureza do seu relacionamen to atual PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Ao longo das décadas de relacionamento entre psicanálise e psicoterapia analítica o primeiro período considerava tudo o que não fosse psicanálise como apenas sugestão 2 O segundo período foi o da estabelecida diversidade de objetivos e técnicas dentro de uma unidade de teoria 3 Com o aprofundamento e a clarificação da natureza das psicoterapias analíticas e as pesquisas que evidenciavam crescentes áreas de superposição surgiu o período do consenso fragmentado 4 Mais recentemente observase um período de não consenso em que cada vez mais há uma noção da dificuldade em estabelecer limites precisos entre as duas abordagens 5 Percebese que a ação terapêutica as abordagens técnicas e mesmo os resultados das psicoterapias psicanalíticas mostram muito mais complexidade em sua correta avaliação do que se supunha Estu dos clínicos comparados e pesquisas realizados em vários centros do mundo têm promovido discussões teóricas mais abertas e sem a pretensa certeza dos períodos iniciais REFERÊNCIAS 1 Wallerstein RS The talking cures the psy choanalyses and the psychotherapies New Haven Yale University 1995 p 587 2 Wallerstein RS Psychoanalysis and psycho therapy an historical perspective Int J Psychoanal 198970Pt 456391 3 Freud S Lines of 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ground of psychoanalysis Northvale J Aronson c1992 p 320 44 Schafer R Wild analysis J Am Psychoanal Assoc 198533227599 LEITURAS SUGERIDAS Freud S Wild psychoanalysis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1957 v 11 p21927 Greenberg JR Mitchell SA Object relations in psychoanalytic theory Cambridge Harvard Uni versity 1983 p 437 Esta página foi deixada em branco intencionalmente P A R T E I I Fundamentos teóricos da psicoterapia de orientação analítica Esta página foi deixada em branco intencionalmente Não é difícil entender por que o relacio namento entre a psicanálise e as neuro ciências deve nos interessar A psicanálise é uma ciência da mente e temos conhe cimento desde tempos remotos de que as atividades da mente estão de alguma forma particular conectadas aos tecidos do cérebro Essa conexão foi estabelecida desde o início em bases clínicas Ao longo dos tempos os médicos reconheceram que doenças do cérebro ao contrário daquelas de qualquer outro órgão tinham efeitos imediatos sobre as funções da mente O célebre caso de Phineas Gage relatado pela primeira vez em 1848 é classicamente ci tado nesse contexto Uma vareta de socar pólvora atravessou os lobos frontais de seu cérebro com os seguintes resultados Sua saúde física é boa e estou inclina do a dizer que ele recuperouse mas sua mente foi radicalmente alterada tão decisivamente que seus amigos e conhecidos disseram que ele não é mais o Gage1 Observações como essas demonstrando que o cérebro e a personalidade são inextricáveis tor nam claro que o objeto de estudo da psicanálise está de algum modo intrinsecamente ligado ao objeto de estudo das neuro ciências O próprio Freud reconheceu esse fato em seus artigos de neurologia e con tinuou a reconhecêlo em todos os seus ar tigos de psicologia Contudo a psicanálise desenvolveuse quase completamente in dependente das neurociências Todos nós sabemos a razão disso apesar de Freud2 reconhecer que o aparelho mental é também conhecido por nós sob a forma de preparação anatômica sempre recomendou que os psicanalistas perma necessem afastados das neurociências À primeira vista parece haver uma contra dição nessa postura mas logo adiante será esclarecida essa posição de Freud O simples fato de que psicanálise e neurociências desenvolveramse em sepa rado por tanto tempo indica a realidade de que não obstante a óbvia ligação entre 2 INTEGRAÇÃO DA PSICANÁLISE COM AS NEUROCIÊNCIAS Mark Solms Solms M Preliminaries for an integration of psy choanalysis and neuroscience In Winer J Annual of psychoanalysis Hillsdale Analytic 2000 v 28 p 179200 42 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs os dois campos há muitos aspectos que os separam Deixando de lado as complexida des filosóficas da relação mentecorpo po demos afirmar que na prática psicanálise e neurociências têm objetos de estudo sepa rados que empregam diferentes métodos de investigação e que o conhecimento que geram é portanto de dois tipos distintos Isso impõe problemas óbvios para aqueles de nós que desejam forjar ligações entre es ses dois corpos de conhecimento como se pode perceber pela literatura que começou a acumularse na fronteira comum entre eles durante as últimas décadas O primeiro pesquisador a explorar essa relação foi naturalmente o próprio Freud Em meados da década de 1890 ele redigiu uma série de rascunhos sobre o as sunto um dos quais sobrevive até hoje na forma de um documento conhecido como Projeto para uma psicologia científica Nesse trabalho Freud tentou traduzir o que era conhecido na época sobre as operações profundas da mente para a linguagem da neurofisiologia e da anatomia O método que empregou para conseguir essa tradu ção foi como ele reconheceu de imagina ções transposições e suposições3 grifo nos so Em outras palavras Freud baseouse na especulação Naquela época era tão grande a lacu na entre o conhecimento que Freud tinha obtido pelo método de investigação psica nalítica sobre as operações internas da men te e o conhecimento que estava disponível a partir de métodos de estudo fisiológicos e anatômicos sobre as operações internas do cérebro que o médico não teve escolha senão recorrer à especulação para tentar transpôla Essa lacuna desempenhou um papel importante no posterior abandono de Freud de seu Projeto e em sua descrição dele como um tipo de aberração3 Por fim concluiu que no final eu posso ter que aprender a satisfazerme com a explicação clínica das neuroses34 grifo nosso Essa observação sobre explicação clínica como se verá em seguida é fértil em implicações para nossa ciência É meu ponto de vista que a causa do fracasso de Freud em integrar seus achados clínicos com a neurociência de sua época não foi apenas a insuficiência de conhecimen to neurocientífico disponível na década de 1890 como também a ausência de um méto do adequado para relacionar os dados neuro lógicos e psicológicos então disponíveis Acredito ainda que a despeito do aumento rá pido e exponencial em nosso conhecimento nos ramos das neurociências toda tentativa subse quente de correlacionar conhecimento psicana lítico e neurocientífico topou com o mesmo pro blema básico que Freud encontrou cem anos atrás ou seja a falha em desenvolver um mé todo válido para relacionar os achados clínicos da psicanálise com o tipo de conhecimento ge rado pelas várias ciências neurológicas Todos os pesquisadores que escreve ram sobre esse assunto desde Freud544 apesar do brilhantismo de algumas de suas intuições basearamse na mesma meto dologia fundamental de Freud com relação à maneira como correlacionaram os dois campos de pesquisa isto é pela especulação Essas são algumas das razões que nos conduziram à atual situação um súbito aumento de publicações nessa área nos úl timos anos e com uma quantidade de mo delos concorrentes em muitos aspectos contraditórios da organização neurológi ca das funções mentais profundas que es tudamos na psicanálise sem que tenhamos qualquer base racional para decidir entre Psicoterapia de orientação analítica 43 eles Como escolher entre pontos de vista rivais Tenho certeza de que concordarão que precisamos ser capazes de decidir es sas questões pois se a mente e o cérebro funcionam ambos de formas regulares e legítimas e se essas funções e regularidades estão relacionadas umas às outras de for mas legítimas semelhantes e temos toda a razão para acreditar que estejam então deveríamos poder decidir essas questões de formas científicas efetivas Meu primeiro objetivo neste capítulo é apresentar um método pelo qual possa mos realizar essa tarefa científica de forma efetiva Pretendo fazêlo primeiramente abordando a origem desse método em segundo lugar demonstrando como ele funciona e em terceiro relatando muito brevemente alguns dos achados que tal método está começando a produzir sobre como as camadas mais profundas da mente são organizadas neurologicamente PERSPECTIVA HISTÓRICA A fim de cumprir esses objetivos vamos recuar na história traçar as origens da psi canálise a partir de um ramo particular da neurociência e mostrar como o méto do psicanalítico originouse desse ramo então delinearemos os desenvolvimentos subsequentes nesse campo a fim de evi denciar que ele ainda continua sendo o ponto de contato natural entre as duas dis ciplinas No processo esperase ficar de monstrado que assim como acontece em nosso trabalho clínico um problema que parece insoluvelmente complexo em sua forma presente e madura com frequência acaba tendo uma estrutura relativamente simples quando investigamos suas origens Freud iniciou sua carreira científica como neuroanatomista antes de voltar sua atenção aos problemas da neurologia clíni ca o que se deu após um breve flerte com a psicofarmacologia Na época em que se dedicou à neurologia clínica esta ainda era uma disciplina jovem baseada quase intei ramente em um único método Este era co nhecido como correlação clínicoanatômica e foi transportado para a nova especialidade da neurologia por alguns dos profissionais mais talentosos e competentes da arte da medicina interna Como seu nome sugere a medicina interna ocupavase do diagnós tico e do tratamento de doenças ocorrendo no interior do corpo que por isso podiam não ser diretamente percebidas no caso clí nico vivo e tinham que ser deduzidas por suas manifestações indiretas na forma de sintomas e sinais externos Tinhase que esperar a morte do paciente e o relatório do patologista para determinar se o diag nóstico estava correto ou não Com o acú mulo de experiências ao longo das gerações acerca de que tipo de apresentação durante a vida tendia a correlacionarse com quais achados patológicoanatômicos na necro psia gradualmente se tornou possível para os médicos internistas reconhecer cons telações patognomônicas de sintomas e sinais Desse modo podiase prever com razoável precisão qual era o processo de doença subjacente e como conduzir seu tratamento Essa foi a origem do conceito de síndromes clínicas com o qual presumo muitos estejam familiarizados A neurologia tornouse uma espe cialidade separada da medicina interna quando ficou cada vez mais evidente que não apenas o cérebro como qualquer ou tro órgão estava sujeito às suas próprias patologias especiais e peculiares a seus teci dos mas também que um dano a diferen tes partes do cérebro produzia uma ampla variedade de manifestações clínicas Quan do Freud estagiava em neurologia clínica no início da década de 1880 esta foi a arte que ele aprendeu diagnóstico e tratamen 44 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs to racionais de doenças neurológicas pelo método da síndrome com base no conhe cimento obtido pelo método de correlação clínicoanatômica De fato sabemos que Freud era um profissional particularmente talentoso nessa arte45 Na época ele publi cou uma série de artigos que provam sua habilidade Visto que as lesões cerebrais causa vam alterações mentais o método clínico anatômico poderia ter outra utilidade isto é a da localização das funções mentais No início da década de 1860 Pierre Paul Bro ca demonstrou que uma doença em uma parte específica do cérebro marcada pela letra A na Figura 21 produzia um sinto ma mental altamente característico isto é a perda da fala Com base nessa correlação clínicoanatômica Broca localizou a facul dade da fala naquela pequena parte do cé rebro Carl Wernicke 10 anos mais tarde demonstrou que o dano a uma parte dife Figura 21 Psicoterapia de orientação analítica 45 rente do cérebro marcada pela letra B na Figura 21 produzia um sintoma mental também diferente isto é perda da capaci dade de entender a linguagem falada e ele também localizou essa função Essas duas descobertas germinais foram seguidas por uma rápida série de correlações clínico anatômicas acerca de uma variedade de outras funções mentais tais como a habi lidade de movimentos o reconhecimento de objetos e até a inteligência Com base nisso uma ampla série de faculdades psi cológicas foi localizada dentro de um mo saico de supostos centros na superfície dos hemisférios do cérebro Essa foi a ori gem de uma subespecialidade das ciências neurológicas conhecida como neurologia comportamental Pelos artigos de Freud4648 daquela época sabemos que ele era inteiramen te versado nos métodos e nas descobertas desse novo ramo excitante da ciência De fato há muitas evidências sugerindo que a localização clínicoanatômica das funções mentais era objeto de especial interesse pa ra ele Então Freud estava ciente antes de conceber a psicanálise de que havia um método bem es tabelecido pelo qual era possível correlacionar funções mentais em uma base clínica com as funções de partes específicas do cérebro Mas se era assim por que Freud não usou esse mé todo para identificar os correlatos neurológicos dos processos psicológicos que descobriu mais tarde E por que nós não o utilizamos hoje Freud era um médico incomumen te talentoso e não levou muito tempo pa ra dominar o método sindrômico em seu trabalho diagnóstico e o método clínico anatômico nas pesquisas que desenvolvia Também não demorou a descobrir os limi tes desse método Logo chegou à conclusão de que era como colocou apenas um jogo estúpido de permutações49 Foi assim que aconteceu Mesmo sendo verdade que o método clínicoanatômico representava a única técnica de pesquisa viável disponível para o neurologista do século XIX interes sado nas funções mentais ele foi na verda de usado de formas sutilmente diferentes dentro de duas escolas de neurologia rivais Na escola austroalemã dentro da qual Freud foi treinado a ênfase estava conser vadoramente no lado anatômico da equa ção clínicoanatômica De acordo com isso o objetivo primário da ciência neu rológica não era simplesmente reconhecer quais síndromes correlacionavamse com quais lesões mas explicar o mecanismo do fenômeno clínico e as funções men tais normais correspondentes em termos anatômicos e fisiológicos Essa abordagem refletia os ideais mais amplos da escola de medicina de Helmholtz Na escola de neurologia francesa por sua vez a ênfase estava mais no lado clíni co da equação De acordo com essa escola que reunia a personalidade de Charcot e as famosas enfermarias do Hospital Sal pêtrière de Paris a tarefa principal da ciên cia neurológica não era tanto explicar os vários quadros clínicos mas identificálos classificálos e descrevêlos A seguinte ci tação ilustra graficamente as diferenças en tre essas duas formas de aplicar o método clínicoanatômico Charcot nunca se cansou de de fender os direitos do trabalho pura mente clínico que consiste em ver e ordenar coisas contra as usurpações da medicina teórica Em certa ocasião éramos um pequeno grupo de estu dantes estrangeiros que educados na fisiologia acadêmica alemã testá vamos sua paciência com nossas dú vidas quanto às suas inovações clíni cas Isso não pode ser verdade um 46 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de nós objetava pois contradiz a teo ria da visão de YoungHelmholtz Ele não retrucou com um tanto pior para a teoria primeiro os fatos clíni cos ou qualquer outra expressão com o mesmo efeito dissenos entretanto alguma coisa que nos marcou muito mais Teoria é bom mas ela não im pede as coisas de existirem50 Essa era uma citação favorita de Freud Fato bem conhecido durante seu período de estudos na Salpêtrière em mea dos da década de 1880 Freud afastouse da influência de algumas das figuras domi nantes da escola de neurologia austroale mã para colocarse sob a influência direta e pessoal de Charcot Essa mudança inter feriu decisivamente em seu pensamento e em particular em sua atitude em relação à localização clínicoanatômica A razão para essa mudança foi simples Ainda que as di ferenças entre as escolas de neurologia ale mã e francesa fossem complementares em relação à maioria dos transtornos neuroló gicos físicos com uma escola enfatizando o lado anatômico e a outra o lado clínico da equação havia um grupo de doenças consideradas como estando na esfera da neurologia da época que derrubava as di ferenças entre as duas abordagens É o caso das neuroses da histeria e da neurastenia em particular nas quais ne nhuma lesão demonstrável do sistema ner voso podia ser encontrada na necropsia pa ra explicar a sintomatologia clínica obser vada durante a vida do paciente Isso não constituiu um problema sério para a escola francesa Charcot simplesmente continuou a descrever as síndromes clínicas patogno mônicas da histeria e da neurastenia como tinha feito com inúmeras outras doen ças nervosas As neuroses eram para Charcot como Freud50 escreveu na época apenas outro tópico na neuropatologia Entretanto para a neurologia alemã o pro blema era quase insolúvel Como explicar em termos anatômicos e fisiológicos o mecanismo de uma síndrome clínica que não tinha qualquer base anatomopatológi ca Como resultado alguns neurologistas alemães entre eles professores de Freud desenvolveram várias teorias especulativas elaboradas enquanto outros apenas de claravam que as neuroses não eram temas adequados para atenção científica séria se não havia lesão anatômica não havia sín drome clínica Durante o período crucial em que Freud estudou com Charcot esse era o as sunto que mais o preocupava Inicialmen te tornouse um discípulo devotado de Charcot no retorno a Viena expunha seus pontos de vista sempre e onde quer que pudesse para grande irritação de seus an tigos professores Entretanto com a cres cente experiência clínica e sob a influên cia do neurologista inglês John Hughlings Jackson Freud começou a afastarse de Charcot e a desenvolver um ponto de vis ta bastante singular para a época Charcot satisfaziase em somente descrever as sín dromes clínicas da histeria e da neuraste nia na suposição de que seus correlatos anatomopato lógicos que acreditava terem uma etiologia hereditária eventualmen te produziriam os avanços necessários em técnicas microanatômicas e em outras téc nicas laboratoriais Freud ao contrário acreditava mais ou menos entre 1887 e 1893 que um entendimento dessas síndromes clínicas nunca seria encontrado na anatomia pa tológica ou pelo menos não pelo método de correlação clínicoanatômica Baseava essa conclusão em duas importantes ob servações que fizera primeiro em relação a outro tema na neurologia o qual lhe ti nha revelado os limites do método clínico anatômico o problema da afasia ou se ja precisamente o tema ao qual o método Psicoterapia de orientação analítica 47 clínicoanatômico tinha sido aplicado pela primeira vez por Broca e Wernicke para a localização de funções mentais há mais de 20 anos As observações críticas de Freud47 fo ram as seguintes primeiro observou que as faculdades psicológicas são complicadas com sua própria organização interna com plexa cuja divisão se dá de acordo com a lógica funcional de sua construção inter na e não de acordo com as leis estruturais da anatomia cerebral As leis dos sistemas funcionais psicológicos portanto não pre cisavam ter nenhuma relação direta com o plano estrutural do sistema nervoso Por essa razão Freud concluiu que as síndro mes psicológicas precisavam ser descritas e explicadas em seus próprios termos psicológi cos A segunda observação estreitamente relacionada à primeira foi a seguinte as funções psicológicas são em sua essência processos dinâmicos elas se originam de uma interação complexa de forças entre funções componentes mais elementares e estão constantemente se reestruturando e se readaptando às variações das circuns tâncias Seus correlatos fisiológicos desse modo podem nunca ser localizados den tro de centros anatômicos distintos elas devem ser cogitadas como processos as dinâmicas resultantes de interações entre os elementos estáticos do sistema nervoso É de importância crucial notar que Freud fez essas observações pela primei ra vez não com referência à histeria ou a qualquer outra neurose mas em um estudo sobre a afasia ou seja uma síndrome que só pode ocorrer no contexto de uma lesão cerebral definida Em outras palavras essas foram conclusões a que Freud chegou en quanto ainda era um neurologista de pres tígio Isso é salientado pelo fato de que ele rapidamente veio a fazer observações se melhantes em relação a funções não psico lógicas mas igualmente complexas do cé rebro Em seus artigos sobre os transtornos do movimento voluntário que ocorrem na paralisia cerebral por exemplo Freud deu se ao trabalho de demonstrar que eles não podiam ser localizados Em uma série de monografias sobre o tema5153 como em seu livro sobre afasia47 ele invocou fatores dinâmicos do desenvolvimento em vez de fatores anatômicos estáticos para explicar os vários transtornos do movimento em termos de rupturas específicas do sistema funcional complexo que os sustentavam Foi apenas mais tarde entre 1893 e 1900 quando a psicanálise nasceu que Freud aplicou esses princípios à psicopa tologia Esse é um fato de grande impor tância porque na próxima seção será demonstrado como esses princípios foram subsequentemente desenvolvidos e ex pandidos dentro do campo da neurologia e como um método neurocientífico para estudar a organização cerebral das funções mentais foi estabelecido precisamente so bre tais princípios Isso é central para nós na busca por um método pelo qual possa mos reunir psicanálise e neurociência Antes de seguir adiante é importante recapitular e resumir o ponto de vista de Freud Ele foi treinado no método clínico anatômico de localização das funções mentais dentro da escola de neurologia austroalemã que enfatizava o objetivo da explicação fisiológica e anatômica Então aderiu à escola francesa que enfatizava o lado clínico da equação a explicação de síndromes clínicas patognomônicas Ele usou essa abordagem clínicodescritiva pa ra dar inúmeras contribuições altamente valiosas à neurologia primeiramente em estudos da afasia depois da paralisia cere 48 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs bral e por último das neuroses No decor rer desse trabalho Freud rejeitou o método clínicoanatômico da localização das fun ções mentais na verdade de localização de quaisquer funções complexas dentro de centros anatômicos circunscritos Freud foi forçado a concluir que o método clínicoanatômico podia ser usa do apenas para localizar as funções mais elementares correspondendo na esfera mental às nossas modalidades sensoriais primárias de visão audição paladar en tre outras mas que era totalmente impos sível localizar a organização neurológica do conjunto das faculdades mentais que têm princípios de organização supraorde nados baseados em sua própria constru ção interna a qual muda constantemente no processo de seu desenvolvimento e em sua adaptação às variações das circunstân cias Para Freud essas funções complexas surgem da interação dinâmica de uma va riedade de funções mais elementares Ele concluiu que deveríamos conceber essa interação como ocorrendo entre as estru turas elementares do cérebro e portanto renunciar à tentação de localizálas dentro daqueles elementos Era óbvio para Freud educado como foi na arte da observação clínica meticulosa que os fato res essenciais na etiologia e os mecanismos das neuroses originavamse de dinâmicas fun cionais complexas desse tipo e que portanto eles podiam nunca ser localizados Isso levou o neurologista Freud a generalizar as conclusões a que tinha che gado em relação à fala à linguagem e ao mo vimento voluntário para todo o campo mental e a escrever as seguintes palavras proféticas em A interpretação dos sonhos2 que marcou a divisão final entre a psicaná lise e o método clínicoanatômico Desprezarei inteiramente o fato de que o mecanismo mental em que es tamos aqui interessados também nos é conhecido sob a forma de prepara ção anatômica e evitarei cuidadosa mente a tentação de determinar a lo calização psíquica por qualquer modo anatômico Permanecerei no campo psicológico e proporei simplesmen te seguir a sugestão de que devemos representar o instrumento que exe cuta nossas funções mentais como semelhante a um microscópio com posto a um aparelho fotográfico ou a algo desse tipo Nessa base a loca lização psíquica corresponderá a um ponto do aparelho em que surge uma das etapas preliminares de uma ima gem No microscópio ou no telescó pio como sabemos isso ocorre em pontos ideais em regiões nas quais não se acha situado nenhum compo nente tangível do aparelho Entretanto o que Freud preservou e transportou para o novo campo da psicaná lise foi quase tudo o que ele tinha aprendido como neurologista Ou seja continuou a se apoiar nos métodos clínicodescritivos da escola da neurologia francesa com ênfase especial no estudo cuidadoso do caso clíni co individual e na identificação de padrões de sintomas e sinais regulares com signifi cado patológico particular a explicar os fenômenos clínicos em termos de forças e energias naturais subjacentes como tinha sido ensinado por seus primeiros mestres na escola de medicina de Helmholtz e a acreditar que essas forças e energias eram de fato algo potencialmente descritível em termos físicos e químicos Tudo o que abandonou foi a noção de que processos psicológicos que têm organizações funcio nais complexas e dinâmicas pudessem ser localizados em áreas anatômicas distintas Daí em diante em vez de tentar explicar uma síndrome clínica correlacionandoa com o dano hipotético a uma ou outra re Psicoterapia de orientação analítica 49 gião anatômica como Charcot fazia Freud investigava a estrutura psicológica interna da síndrome e a explicava em relação a um sistema funcional complexo que presumia estar dinamicamente representado entre os elementos do cérebro Foi por essa razão que Freud continuou a reco nhecer durante toda a sua vida científica que o modelo do aparelho mental que criara para justi ficar suas observações clínicas era um constru to provisório um sistema de relações funcionais que deveria estar representado de algum modo nos tecidos do cérebro e por isso continuou a insistir que nós na psicanálise não deveríamos confundir os andaimes com a construção Tenho certeza de que todos estão fa miliarizados com os muitos comentários de Freud no sentido de que a psicanálise algum dia voltaria a unirse à neurociên cia Quero apenas lembrar que ele sempre insistiu que isso não seria possível até que a neurociência desenvolvesse um método capaz de acomodar a natureza complexa distribuída e dinâmica dos processos men tais humanos Citarei apenas um trecho nesse sentido escrito no ano da morte de Freud54 A topografia psíquica que aqui de senvolvi nada tem a ver com a ana tomia do cérebro e na realidade en tra em contato com ela apenas num ponto Ele está se referindo às moda lidades sensoriais primárias do siste ma perceptual O que é insatisfató rio nesse quadro e estou ciente disso tão claramente quanto qualquer um se deve à nossa completa ignorân cia da natureza dinâmica dos proces sos mentais Freud insistia que até que isso fosse entendido a psicanálise deveria continuar investigando e entendendo a organização funcional do aparelho mental em seus próprios termos usando um método pura mente clínico e desconsiderando sua repre sentação anatômica Isso deixou a psicanáli se em uma relação muito particular com as ciências neurológicas Colocou seus pressu postos fundamentais e seu método básico dentro de uma tradição bem estabelecida na neurologia comportamental tradição que esteve estreitamente associada com a ênfase clínicodescritiva difundida por Charcot o qual seguindo Hughlings Jackson sempre rejeitou a noção de que as faculdades men tais complexas pudessem ser concretamente localizadas no cérebro Refirome à escola de neurologia dinâmica que esteve asso ciada com o passar dos anos a médicos e teóricos destacados como Constantin von Monakow Pierre Marie Henry Head Kurt Goldstein Aleksandr Romanovich Luria e mais recentemente Jason Brown A influência desse ramo da neuro ciência aumentou e diminuiu com o passar dos anos Nos dias atuais está crescendo de forma significativa na medida em que es tudos de imagem funcional e de simulação por computador têm revelado o processa mento distribuído paralelo fundamental mente não localizável e dinâmico que sub jaz a todo funcionamento mental e a todas as funções complexas do cérebro A ênfase clínica desse ramo da neurociência por sua vez está em decadência com os enormes avanços no uso de dispositivos tecnológi cos auxiliares na medicina a arte do julga mento clínico não é mais tão valorizada e o fator humano na medicina está sendo per dido Ironicamente poderíamos dizer que a psicanálise mantémse unida a esse ramo da neurologia como um dos últimos postos avançados das grandes tradições clínicas da medicina interna Entretanto a questão importante pa ra nossos propósitos olhar para a frente e não para trás é que Freud transportou 50 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da neurologia para a psicanálise um méto do básico isto é o clínicodescritivo ou o método de análise da síndrome como mais tarde veio a ser conhecido e uma con ceitualização básica das relações cérebro comportamento isto é o antilocalizacio nismo ou a conceitualização dinâmica que dá um lugar de honra aos métodos psicoló gicos de analisar síndromes mentais inde pendentemente de esses sintomas terem ou não uma base orgânica Esse método e seus princípios básicos determinaram o objeto de estudo da psicanálise a forma como nos ocupamos de estudálo e mais importante de tudo o tipo de conhecimento que a psi canálise gera Agora se desejamos integrar conheci mentos desse tipo com conhecimentos so bre o cérebro então nosso ponto de contato natural é com aquele ramo da neurociência que compartilha nossos pressupostos bási cos e do qual brotou a psicanálise a escola dinâmica da neurologia comportamental ou neuropsicologia como mais tarde veio a ser conhecida Se tentarmos relacionar o conhecimento psicanalítico gerado na clí nica com conhecimentos sobre o cérebro gerados por métodos fundamentalmente incompatíveis ou por métodos que Freud rejeitou de forma explícita então não se remos apenas confrontados pelo proble ma insolúvel de termos que apelar para a especulação mas também precisaremos reconhecer que podemos estar violando as premissas básicas sobre as quais nossa dis ciplina foi construída Tenho certeza de que concordarão e este sem pre foi o ponto de vista mais fundamental de Freud sobre o assunto que há pouco propósi to em reunir psicanálise com neurociências se isso significar que temos que abandonar tudo o que a psicanálise representa no processo NEUROPSICOLOGIA O que pretendo fazer agora é descrever um dos principais desenvolvimentos que ocor reram desde a morte de Freud no ramo das neurociências do qual a psicanálise se originou porque acredito que esse desen volvimento nos fornece um método pelo qual é possível reunir psicanálise e neuro ciências de uma forma compatível com os pressupostos básicos de Freud Durante o início da década de 1920 um jovem psi cólogo russo escreveu a Freud solicitando reconhecimento formal de uma nova so ciedade psicanalítica que ele havia formado na cidade oriental de Kazan Esse homem era Aleksandr Romanovich Luria Freud outorgou seu reconhecimento e seguiuse uma breve correspondência Alguns anos mais tarde Luria mudouse para Moscou e ingressou na Sociedade Psicanalítica Russa Durante um período de cerca de 10 anos ele conduziu uma ampla série de pesquisas psicanalíticas publicou um vasto número de artigos monografias e relatos breves e conduziu um trabalho clínico em um hospital psiquiátrico local incluindo cir culava o boato a análise da neta de Dos toievski Luria foi atraído à psicanálise ele escreveu porque era o único ramo da psi cologia que não só estava solidamente en raizado na ciên cia natural como estudava a experiência de vida de seres humanos reais Entretanto a corrente da opinião política na União Soviética logo se voltou contra a psicanálise no início da década de 1930 temendo por seu futuro acadêmico senão por sua vida Luria retirouse da Sociedade Psicanalítica Russa interrom peu de forma abrupta todas as atividades psicanalíticas e proferiu um discurso pe nitente no qual admitia seus erros ideoló gicos dizendo de acordo com a linha do partido daquela época que a psicanálise biologizava o comportamento humano e Psicoterapia de orientação analítica 51 ignorava suas origens sociais Esse era um comentário surpreendentemente ingênuo vindo de alguém com um entendimento tão complexo dos ensinamentos de Freud mas a questão não era essa Curiosamente há evidências que demonstram que Luria nunca abandonou seu interesse particular pela psicanálise quaisquer que fossem seus pronunciamentos públicos Consideremos por exemplo uma carta que ele escreveu para Oliver Sacks em meados da década de 1970 na qual descreveu os tiques verbais de um paciente com síndrome de Gilles de la Tourette como uma introjeção no supere go da voz punitiva do pai55 É surpreen dente também em vista da acusação de que a psicanálise biologizava o comporta mento humano observar o que Luria fez em seguida após retirarse da Sociedade Psicanalítica ingressou na Faculdade de Medicina especializouse em neurologia e então imediatamente começou a estu dar os sintomas mentais de seus pacientes neurológicos E seu primeiro trabalho de pesquisa nessa área na verdade sua tese de doutorado foi sobre o mesmo assun to que estava preocupando Freud quando abandonou esse campo 40 anos antes ou seja o tema da afasia Quando Luria publicou os resultados de seus esforços em 1947 em uma mono grafia na qual evitava escrupulosamente o nome de Freud propôs uma teoria da re presentação cerebral da linguagem que era bastante semelhante àquela que Freud ha via proposto em 189156 Estou deixando de lado os detalhes mas gostaria de registrar uma breve citação Consideremos a notável semelhança entre a sugestão de Freud de que vemos a mente como um instrumen to óptico complexo no qual a localidade psíquica corresponde a um ponto ideal em que nenhum componente tangível do apa relho está situado e a seguinte declaração de Luria57 Todas as tentativas de postular que ideias poderiam ser encontradas em unidades isoladas do cérebro fo ram tão irrealísticas quanto tentar en contrar uma imagem dentro de um espelho ou atrás dele Entretanto Luria deu um passo além de Freud o que representou o avanço fun damental na neurologia comportamental ou neuropsicologia como preferia chamá la Luria58 descrevia sua abordagem como neurodinâmica usando a seguinte ana logia para ilustrar o princípio A maioria dos pesquisadores que exa minaram o problema da localiza ção cortical entendeu o termo fun ção como significando a função de um tecido particular É perfei tamente natural considerar que a se creção da bile é uma função do fíga do e a secreção de insulina é uma fun ção do pâncreas É igualmente lógico considerar a percepção da luz como uma função dos elementos fotossen síveis da retina e dos neurônios alta mente especializados do córtex visual associados Vocês lembrarão este era o tipo de função que Freud acreditava que podia ser localizada Entretan to essa definição não satisfaz todos os usos do termo função Quando fa lamos da função de respiração isto evidentemente não pode ser entendi do como a função de um tecido par ticular O objetivo final da respiração é fornecer oxigênio para que os alvéo los dos pulmões o transportem para o sangue através de suas paredes Todo o processo é realizado não como uma simples função de um tecido particu lar mas antes como um sistema fun cional completo reunindo muitos componentes pertencentes a diferen tes níveis dos aparelhos secretor mo tor e nervoso Este sistema funcio nal difere não apenas na comple xidade de sua estrutura mas também 52 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs na mobilidade de suas partes compo nentes O mesmo poderia ser referido por exemplo acerca da função da digestão Luria continuou a defender que as funções mentais também podem apenas ser localizadas nesse sentido distribuído dinâmico A fim de identificar as diferentes partes que juntas compõem os sistemas funcionais complexos do aparelho mental humano ele criou um novo método de correlação clínicoanatômica conhecido como localização dinâmica O método funciona assim se se deseja identificar a organização neurológica de uma função psicológica complexa a primeira tarefa é identificar todas as diferentes maneiras pe las quais aquela função falha quando ocor re uma doença neurológica focal em dife rentes partes do cérebro Luria descreveu esse primeiro passo como qualificação dos sintomas Iniciase com cada uma das di ferentes formas pelas quais a função em es tudo falha e então explorase com cuidado a estrutura psicológica de cada um desses sintomas identificando precisamente de que maneira o sistema funcional falhou em cada caso Isso é feito usandose métodos de análise psicológicos em casos clínicos individuais O segundo passo no método de Luria é chamado de análise da síndrome Ou seja examinase que outras funções estão afetadas além da função primária sob in vestigação em cada caso Mais uma vez contase exclusivamente com métodos psicológicos de investigação e buscase es clarecer a estrutura interna desses outros sintomas interligados a fim de descobrir o que eles têm em comum com a função que é o foco de atenção primária Dessa forma identificase um fator único subjacente que pode responder por toda a série de ma nifestações clínicas superficiais Ao identificar o fator subjacente co mum produzindo uma série de sintomas psicológicos não apenas se aprenderá al guma coisa sobre a estrutura psicológica profunda da síndrome em questão mas também se identificará a função compo nente que é responsável pela parte do cére bro que está danificada naquela síndrome Em outras palavras reconhecese a função psicológica elementar de uma parte espe cífica do cérebro Tratase de um avanço importante Uma vez que se tenha estudado por esse método a série completa de diferentes maneiras pelas quais uma faculdade psico lógica complexa falha com um dano a cada parte do cérebro então se terá descoberto sua organização neurológica distribuída mediante a identificação de quais partes do cérebro contribuem e de que maneira pa ra o sistema funcional complexo que serve àquela faculdade como um todo Não se terá localizado tal faculdade em nenhuma parte do cérebro mas identificado os vários elementos componentes entre os quais por interação funcional dinâmica aquela faculdade psicológica está representada Em minha opinião esse método de Luria mar ca um passo importante para o futuro porque nos possibilita identificar a organização neuro lógica de qualquer função mental não importa quão complexa seja sem contradizer os pressu postos fundamentais sobre os quais nossa dis ciplina foi construída Por esse método as funções psicoló gicas complexas ainda são entendidas em seus próprios termos psicológicos Sua na tureza dinâmica é respeitada teoricamente e acomodada metodologicamente elas não são reduzidas à anatomia e à fisiologia em bora sua distribuição neurológica seja reve Psicoterapia de orientação analítica 53 lada e alguma coisa nova é aprendida sobre sua organização funcional interna Por esse método uma ligação viável é estabelecida entre os conceitos de psicologia e os de anatomia de fisiologia e de todos os outros ramos da ciência neurológica Espero não ter feito o método neu ropsicológico de análise da síndrome pare cer muito complicado porque na verdade ele é bastante simples Acredito verdadei ramente que ele representa a ruptura pela qual Freud estava esperando Isto é creio que ele nos permite mapear a organização neurológica de tudo o que em psicanálise conhecemos sobre as estruturas e as fun ções da mente UM EXEMPLO A FUNÇÃO DO SONHO Desejo agora dar um exemplo de como esse método que defendo como o ponto na tural de contato entre psicanálise e neuro ciências funciona na prática Escolhi um estudo de pesquisa que completei recente mente59 sobre a organização neurológica de uma função mental que é de especial interesse à psicanálise Refirome à função do sonho Usando o método de Luria para estu dar os sonhos de 361 pacientes com lesões neurológicas minha pesquisa revelou que o sonho é perturbado por danos a seis par tes diferentes do cérebro Essas regiões es tão marcadas na Figura 21 pelas letras C E F G H e J notese que a letra F corres ponde à mesma parte do cérebro que a le tra E mas no outro hemisfério Iniciamos descrevendo os efeitos primários sobre o sonho causados pelo dano a cada uma des sas partes Se o cérebro está danificado nas regiões marcadas pelas letras C E ou F ou seja na região frontal medial basal ou na região parietal inferior dos dois hemisfé rios a experiência consciente de sonhar para completamente Esse fato clínico nos diz que as funções básicas responsáveis por essas três partes do cérebro são funda mentais para todo o processo de sonhar pois quando qualquer uma delas está danificada o sonho manifesto é inteira mente eliminado Isso é revelado por uma análise da síndrome psicológica na qual a perda do sonhar está embutida Volta rei a essa questão em breve Antes devo descrever as outras maneiras pelas quais o sonhar é desorganizado por uma doença neurológica Se o cérebro está danificado na região marcada pela letra G no diagra ma ou seja na região occipital temporal ventral então a experiência consciente do sonhar persiste mas os sonhos do pa ciente são destituídos de qualquer ima gem visual Por estranho que possa pa recer pacientes com dano a essa parte do cérebro têm sonhos completamente não visuais Também foram descritos casos nos quais apenas aspectos selecionados de imagens visuais estão perturbados como por exemplo a cor das imagens Se no entanto o dano está situado nas proximidades da região marcada pe la letra H no diagrama ou seja na região temporal límbica e se a lesão for acom panhada por um foco de descarga ou se ja por atividade convulsiva então o pa ciente experimenta pesadelos recorrentes e este reotipados Esses pesadelos param se o transtorno convulsivo é controlado Por fim se o dano está situado na região mar cada pela letra J ou seja na região frontal límbica o paciente experimenta um au mento maciço na frequência dos sonhos às vezes experimenta sonhos contínuos e tem grande dificuldade de diferenciar os sonhos de experiências reais Portanto esses sintomas qualificam as diferentes formas pelas quais o sonhar 54 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pode ser desorganizado por danos cere brais Como referido para descobrir a cau sa do colapso do sonhar em cada um desses seis casos é necessário estudar a constela ção de outros sintomas psicológicos que acompanham as alterações no sonhar após um dano a cada uma das áreas Isso permi te que o pesquisador isole o fator subjacen te elementar comum a todos os sintomas e que portanto é responsável pela parte do cérebro em questão para todo o processo do sonhar Assim quais são os seis fatores ele mentares responsáveis por essas partes do cérebro Infelizmente devido a limitações de espaço não será possível descrever a riqueza total das síndromes psicológicas a partir das quais deduzimos os fatores sub jacentes Terei que simplificar um pouco as coisas para fins de exposição vale ressaltar apenas que uma análise das síndromes psi cológicas associadas a lesões às seis áreas do cérebro envolvidas revela os seguintes fato res básicos a região C contribui com um fator de motivação para o funcionamento mental A região E contribui com um fator de síntese quase espacial fundamental pa ra operações mentais simbólicas A região F com um fator de representação espacial concreta A região G com um fator de revi sualização essencial para a imagem mental visual A região H com um fator de alerta emocional E a região J com um fator de seletividade ou de ativação e inibição sele tivas essencial para processos como aten ção teste de realidade e julgamento Assim esses seis fatores juntos cons tituem o sistema funcional do sonhar Ou em outras palavras o processo do sonhar originase de uma interação dinâmica entre esses fatores que são responsáveis por seis partes do cérebro Uma análise das propriedades estruturais e funcionais especiais dessas seis diferentes regiões ce rebrais bem como das relações dinâmicas entre elas fornece o entendimento cien tífico básico da anatomia e fisiologia do sonhar Por fim com o intuito de chegar a um entendimento verdadeiramente abrangen te da organização neurológica do sonhar também é necessário estudar as funções componentes das regiões do cérebro que não parecem envolvidas nesse processo Is so revela ao mesmo tempo quais funções elementares do aparelho mental humano não estão envolvidas na construção psico lógica dos sonhos Para a finalidade deste capítulo marquei apenas duas dessas re giões na Figura 21 que acredito serem de particular interesse A primeira delas é a região central do tronco cerebral marcada pela letra I Mesmo que danos a essa parte desorgani zem gravemente o processo de sono REM a experiência consciente de sonhar persis te Isso sugere uma inesperada dissociação entre o processo fisiológico do sono REM e a experiência consciente de sonhos60 Tal dissociação é confirmada pelo fato de que lesões nas áreas marcadas pelas letras C E e F na figura que levam a uma cessação com pleta da experiência consciente de sonhar não têm efeito sobre o fenômeno fisiológi co do sono REM A outra região de interesse para a qual chamo a atenção na figura marcada pela letra D ou seja a convexidade frontal dorsolateral é imensamente importante para o controle executivo da vida mental de vigília e da atividade motora voluntária Entretanto danos a essa região não têm ne nhum efeito sobre a experiência consciente de sonhar Isso sugere não surpreenden temente que o pensamento do processo secundário e a atividade motora volitiva têm muito pouco a ver com o processo do sonhar Psicoterapia de orientação analítica 55 Agora se retrocedermos um pouco e examinarmos todos esses fatores juntos poderemos chegar a um modelo de como o processo dinâmico de sonhar como um todo é organizado nos tecidos do cérebro Com base em minha pesquisa propus o mode lo seguinte cada detalhe do qual sendo acessí vel à verificação empírica por uma variedade de métodos neurocientíficos Parece que o sonhar é estimulado por um processo de ativação O processo de ativação mais comum que estimula um sonho é o estado de ativação neurofisio lógica que ocorre regularmente a cada 90 minutos durante o sono isto é o estado de REM ativado pelas estruturas profun das do tronco cerebral marcadas pela letra I na figura Entretanto esse é apenas um dos muitos fenômenos de ativação que po dem desencadear o processo de sonhar e de maneira alguma é o fundamental pois os sonhos ocorrem normalmente sem ele Outro processo de ativação que pode esti mular um sonho é uma descarga focal na região temporal límbica que está marca da pela letra H na figura Entretanto esse é um processo de ativação patológico que não pode ser determinado pelo processo do sonhar e que portanto resulta em sonhos de ansiedade ou pesadelos A zona C contribui para o próximo componente importante do processo do sonhar Essa região do cérebro motiva in teresses apetitivos no mundo esta expres são interesse apetitivo é o termo que os neurobiólogos modernos usam para o que chamaríamos de interesse libidinal Essa região canaliza processos de ativação endógenos na direção da atividade motora volitiva Um estímulo ativador apenas de sencadeia o trabalho de sonhar se ele envol ve esse mecanismo cerebral quase libidinal Partes da zona C também inibem impulsos apetitivos e juntamente com as estruturas seletivas da zona J desviam o processo de ativação dos sistemas executivo e motor do cérebro que estão marcados pela letra D no diagrama As regiões marcadas pela letra D são inibidas durante o sono Porém se o cére bro estiver danificado nas zonas C e J pa rece que a inibição desses sistemas motores falha resultando no estabelecimento de atividades motoras dirigidas e impossibi litando com isso um sonhar normal Tal conceitualização do processo é apoiada pe lo fato de que pacientes com dano a essa região do cérebro têm o sono gravemente perturbado Se o cérebro está danificado na região J entretanto o distúrbio de inibição é apenas parcial tendo como resultado um paradoxal aumento no sonhar e no pensa mento onírico Em seguida supondo que haja um grau suficiente de inibição frontal o foco do processo de ativação noturno desvia se para os sistemas posteriores do cére bro que regulam as funções perceptivas e as operações espaciais e simbólicas su periores que estão baseadas na percepção zonas E F e G Isso então se torna a cena de ação primária do sonho mani festo Aqui os três outros fatores men cionados entram em ação simbolização zona E pensamento espacial zona F e imagem mental visual zona G Entre esses três parece que simbolização e o pensamento espacial são os mais impor tantes pois na ausência deles o sonhar tornase impossível e todo o processo falha A imagem mental visual é um fator menos im portante porque todo o proces so mental de sonhar segue seu curso sem ele a única diferença sendo que o produto 56 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs consciente final é destituído de imagem visual Estou portanto inclinado a colo car esse fator de representação visual na extremidade final do processo de geração de sonho descrito Esse quadro global sugere que o so nhar é um processo mental regressivo tan to desencadeado por estados de ativação noturnos quanto dependente deles Esses estados de ativação são canalizados e inibi dos pelos sistemas que controlam os com portamentos dirigidos a objetivos goaldi rected Eles são desviados para longe dos sistemas motores e em direção aos sistemas perceptivos Os sistemas perceptivos supe riores representam o processo de ativação na forma de sínteses simbólicas e espaciais que são projetadas regressivamente para as zonas visuais inferiores Dessa forma o estado de sono é pre servado Se no entanto o processo de ati vação noturno é excessivo como ocorre nas convulsões ou na inibição frontal in completa então esse mecanismo de prote ção do sono falha e o sonhador é perturba do ou por ansiedade ou pela inervação da atividade motora volitiva O que o método de Luria revela so bre a organização neurológica do sonhar portanto é surpreendentemente compa tível com a teoria clássica de Freud Além disso devido à centralidade do sonhar nos modelos da mente de Freud ele nos forne ce a primeira posição segura sobre a repre sentação anatômica e fisiológica de alguns conceitos psicanalíticos cruciais incluindo aspectos da libido da censura simboliza ção regressão topográfica entre outros Além disso embora não possa entrar em todos esses detalhes aqui pela identificação dos tecidos específicos do cérebro que es tão envolvidos nos diferentes componentes psicológicos do sonhar tornase possível estudar os correlatos anatômicos fisioló gicos e químicos mais refinados daquela teoria Por isso insisto que o método de localização di nâmica fornece à psicanálise uma passagem conceitual às neurociências básicas e desse modo aos enormes avanços no conhecimento que inovações tecnológicas nesses campos ge raram nos últimos anos Os benefícios poten ciais à psicanálise são tão óbvios que nem é preciso enumerálos Espero que esse exemplo breve e sim plificado torne claro o suficiente como as Por exemplo a análise mais rigorosa dos dados ana tômicos revela que as estruturas na zona C que são cruciais para a geração de sonhos são as vias de fibras prosencefálicas basais que ligam núcleos dopaminér gicos mesencefálicos com o córtex frontal mediobasal a via dopaminérgica mesocorticalmesolímbica Isso sugere que seja o que for que essa via faça é crítica para a função de sonhar Eram essas fibras o alvo do pro cedimento de leucotomia préfrontal modificada tão popular na década de 1950 Há evidências sugerindo que medicações antipsicóticas modernas atuem sobre esse mesmo caminho61 Uma revisão da literatura psicocirúrgica mais antiga revela que a cessação do sonhar era uma consequência comum da leucotomia préfrontal59 É evidente que independentemente do que livrava os pacientes leucotomizados de seus sinto mas psicóticos também os impedia de gerar sonhos Não tenho conhecimento de nenhuma pesquisa sobre os efeitos de medicamentos antipsicóticos modernos sobre o sonho Entretanto há considerável evidência de que agonistas da dopamina em geral p ex Ldopa estimulam um sonhar excessivo e que antagonistas da dopamina p ex haloperidol o suprimem6264 Se revisarmos a teoria clássica dos sonhos à luz desses achados teremos uma base empírica para ligar o instinto libidinal ou suas manifestações importantes às vias dopaminérgicas mesocorticaismesolímbicas Portanto não é sem interesse que neurocientistas contemporâneos incluam essas vias nos sistemas de comando da curiosidadeinteresseexpectativas do cérebro que incitam comportamentos de busca de objetivos e interações apetitivas do organismo com o mundo65 Psicoterapia de orientação analítica 57 funções mentais humanas são represen tadas nos tecidos do cérebro na forma de sistemas funcionais complexos que se originam de interações dinâmicas entre uma quantidade de partes componentes elementares assim como uma imagem surge do instrumento óptico composto como Freud sugeriu em A interpretação dos sonhos Espero também que esse exemplo demonstre como o método de análise sin drômica torna possível identificar as partes componentes do cérebro entre as quais se distribui uma função mental complexa e qual é a contribuição elementar que cada uma delas propicia ao sistema funcional como um todo Esse é o produto cientí fico do método que desenvolvemos na neu ropsicologia nos últimos 70 anos desde a morte de Freud CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de terminar e de apresentar meu ar gumento em favor de uma integração en tre psicanálise e neurociências com base nesse método é preciso levar em conside ração o fato de que a pesquisa que acabei de descre ver ocupouse apenas do processo do sonho manifesto Em outras palavras estudou diretamente apenas os efeitos que danos a diferentes partes do cérebro têm sobre a experiência consciente do sonhar e precisou deduzir os mecanismos incons cientes subjacentes a partir dos sintomas demonstrados É por essa razão que não podemos desnudar toda a estrutura in consciente de uma síndrome psicológica examinando um paciente neurológico no leito e ainda menos avaliandoo em um laboratório neuropsicológico A fim de obter acesso mais direto a essas camadas mentais mais profundas do paciente tenha ele uma lesão cerebral ou não precisamos conhecêlo como pessoa no contexto de um relacionamento analí tico em um ambiente profissional segu ro dentro do qual possamos ganhar sua confiança com tato e compreensão Ana lisando suas resistências observaremos a forma como os determinantes internos dos sintomas gradualmente se revelam na transferência e testando as hipóteses que nos ocorrem nesse sentido na forma de in terpretações apropriadas observaremos os efeitos que estas têm sobre o material ana lítico subsequente e assim por diante Dito de outro modo só poderemos esclarecer de forma adequada a estrutura dinamicamen te inconsciente de um sintoma mental pelo método psicanalítico Sabemos que esse não é o caminho mais fácil para estudar uma síndrome psi cológica mas também entendemos que é o único método verdadeiro e confiável quan do se trata daquele aspecto mais profundo da vida mental que a neuropsicologia dei xou de estudar mas que sempre foi uma preocupação central para a psicanálise isto é a estrutura dinamicamente inconsciente da personalidade humana De fato as resis tências emocionais que ocultam a estrutura interna da personalidade explicam por que a organização neurológica destas o aspecto mais importante da vida mental humana ainda não foi explorada de modo sistemá tico pelo método de análise sindrômica Acredito que essa é a contribuição científi ca que a psicanálise pode dar às neurociên cias e esse é o próximo passo que devemos dar agora Ironicamente devemos o desenvol vimento de um procedimento clínico para analisar essas camadas mentais mais pro fundas ao fato de Freud ter abandonado os métodos neurocientíficos de investigação quando percebeu que eles eram naquela 58 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs época incapazes de solucionar a natureza dinâmica dos processos mentais humanos Parece que agora chegou o momento de reintroduzirmos os frutos desses trabalhos no campo neurocientífico do qual eles ori ginalmente brotaram Acredito que fazen do isso embora eu não deseje subestimar a enormidade da tarefa que nos aguarda seremos capazes de aos poucos integrar psicanálise e neurociências em uma base clínica sólida de forma que seja benéfica para ambos os campos sem ignorar ne nhuma das valiosas lições que os pioneiros da psicanálise lutaram tanto e por tanto tempo para aprender O que estou recomendando por tanto e o que acredito que irá fornecer o alicerce fundamental para uma integração duradoura da psicanálise e das neurociên cias é uma investigação inteiramente psi canalítica de pacientes com lesões neuroló gicas focais Em outras palavras sugiro que mapeemos a organização neurológica das camadas mais profundas da mente usando uma versão psicanalítica da análise da sín drome e estudando a estrutura profunda das alterações mentais que podem ser reco nhecidas em pacientes neurológicos dentro de uma relação psicanalítica Se houvesse mais espaço gostaria de descrever os resul tados preliminares de um estudo que mi nha esposa e colega Karen KaplanSolms e eu iniciamos 12 anos atrás em 1993 usando precisamente esses métodos66 Até agora estudamos a vida subjetiva de 35 pacientes com lesões cerebrais focais as sistindoos com psicanálise ou terapia psi canalítica Colegas na América na Áustria na Suécia e na Alemanha estão iniciando estudos semelhantes Essa pesquisa começa a revelar a organização neurológica daque les sistemas funcionais mais profundos que apenas o método de investigação psicanalí tica pode revelar Temo que aqui eu tenha conseguido apenas defender a questão de que agora é possível usando os métodos descritos esclarecer a organização neuro lógica das funções mentais mais profun das que temos tradicionalmente estudado em psicanálise usando material puramente psicopatológico Espero ter transmitido esse ponto de vista de modo convincente apesar do fato de que apenas fui capaz de sugerir como minha forma de abordar o problema real mente funciona na prática e descrever um fragmento do tipo de dados que ela gera Contudo espero ter conseguido pelo me nos convencêlos do princípio de que este é um caminho que vale a pena seguir Um enorme esforço científico está diante de nós e portanto é desnecessário dizer que quanto mais nos envolvermos nele me lhor PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Cérebro e personalidade são inextricáveis o que torna claro que o objeto de estudo da psicanálise está de algum modo ligado ao objeto de estudo das neurociências O primeiro pesquisador a explorar essa relação foi o próprio Freud 2 Independentemente dos seus correlatos clínicoanatômicos Freud concluiu que as síndromes psicoló gicas precisavam ser descritas e explicadas em seus próprios termos psicológicos 3 Era óbvio para Freud que os fatores essenciais na etiologia e os mecanismos das neuroses originavam se de dinâmicas funcionais complexas e que portanto nunca poderiam ser localizados anatomica mente Psicoterapia de orientação analítica 59 REFERÊNCIAS 1 Harlow J Recovery from the passage of an iron bar through the head Massachusetts Medical Society 1868232947 2 Freud S The interpretation of dreams In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1900 v 45 3 Freud S The origins of psychoanalysis letters to Wilhelm Fliess drafts and notes 18871902 New York Basic Books 1954 4 Solms M Saling M On psychoanalysis and neuroscience Freuds attitude to the locali zationist tradition Int J Psychoanal 1986 67Pt 4397416 5 Epstein AW The phylogenesis of the ego with remarks on the frontal lobes Am J 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método de Luria marca um passo importante para o futuro porque possibilita identificar a organiza ção neurológica de qualquer função mental não importa quão complexa seja sem contradizer os pres supostos fundamentais sobre os quais a psicanálise foi construída 8 Com base na pesquisa sobre sonhos propomos um modelo da função do sonhar em que cada detalhe é acessível à verificação empírica por uma variedade de métodos neurocientíficos 9 O método de localização dinâmica fornece à psicanálise uma passagem conceitual às neurociências básicas e desse modo aos enormes avanços no conhecimento que inovações tecnológicas nesses campos geraram nos últimos anos 60 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 18 Joseph R The limbic system emotion la terality and unconscious mind Psychoanal Rev 199279340556 19 Kokkou M LeusingerBohleber M Psycho analysis and neurophysiology a look at case material from the two theoretical perspec tives An interdisciplinary understanding of some basic psychoanalytic concepts In 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Freeman c1980 62 Sacks O The man who mistook his wife for a hat London Duckworth 1985 63 Sacks O Awakenings New York Harper Pe rennial 1990 64 Sacks O Neurological dreams MD 1991 3522932 65 Panksepp J Mood changes In Vinken PJ Bruyn G Klawans H Handbook of clini cal neurology Amsterdam NorthHolland 1985 p 27185 66 KaplanSolms K Solms M Clinical studies in neuropsychoanalysis introducyion to a depth neuropsychology Madison Interna tional Universities 2000 LEITURA SUGERIDA Harlow J Passage of an iron rod through the head Boston Med Surg J1848392038993 Para efeito de compreensão da teoria psi canalítica e de aplicação do método tera pêutico psicanalítico todo o freudismo é conceitual e fundamental uma vez que permanece sendo o paradigma unificador de tudo o que pode ser dito ou escrito sobre psicanálise até quando se pretende contra pôla Quando afirmamos por exemplo que os dois pilares fundamentais do edifí cio teórico psicanalítico são os conceitos de inconsciente dinâmico e de determinismo psíquico estamos não só acentuando o que é básico em psicanálise como teoria mas sobretudo declarandonos freudianos e deixando claro que ele é o nosso conceito e o nosso fundamento Nada em Freud é secundário menos ainda desprezível Mesmo quando se equi voca ele o faz de uma forma consecutiva e articulada ainda que mal enjambrada Isso significa que toda a sua elaboração é estru tural o que nos remete de novo à dimen são conceitual e fundamental de sua obra como um todo É claro que seria relativamente fácil elaborar um glossário com alguns concei tos freudianos fundamentais selecionados com base em algum critério individual bastando para tanto copiar o que já está escrito sobre os conceitos selecionados Mas isso além de significar zero em termos de contribuição ao tema seria desprezar ou mesmo macular aquilo que a obra de Freud tem de mais importante isto é seus aspec tos evolutivos estruturais conceituais e fundamentais para a compreensão do fun cionamento psíquico normal e patológico O freudismo é quase toda a psicanálise e só vale em sua totalidade em especial por apresentar um desenvolvimento concei tual Em função das premissas consigna das bem como pela disposição e exigência didáticas de atender aos objetivos deste li vro vou rastrear a obra freudiana extrain do dela seus conceitos mais conspícuos de acordo com uma divisão em cinco módulos os quais agrupam textos em torno de um eixo temático comum Assim serão cinco eixos vários textos e determinados con ceitos todos compromissados com essa sistematização orgânica Um ordenamento temporal e cronológico facilitará também o acompanhamento e a compreensão dos textos e dos conceitos Desse modo mais do que destacar e explicar conceitos fundamentais o que pode ser feito em qualquer dicionário o 3 CONCEITOS PSICANALÍTICOS FREUDIANOS FUNDAMENTAIS Luiz Carlos Mabilde Psicoterapia de orientação analítica 63 principal objetivo deste capítulo é contex tualizálos em relação à obra freudiana De forma complementar sempre que neces sário aqui e ali será apresentada uma de finição do conceito a título de comen tário Os conceitos considerados funda mentais estarão em negrito Os cinco módulos são I Como era Freud no início 18951905 II Metapsicologia freudiana 19091917 III As três grandes revoluções 19201926 IV Trabalhos metapsicológicos comple mentares e trabalhos culturais 1930 1939 V Trabalhos sobre técnica 19111915 MÓDULO I COMO ERA FREUD NO INÍCIO Impõemse aqui certas subdivisões a fim de podermos desde já evoluir em direção aos conceitos fundamentais desse período como eles surgem e de que forma podemos caracterizálos A Período prépsicanalítico 1 Projeto para uma psicologia cientí fica1 2 Estudos sobre a histeria2 Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos3 Relatos de casos Emmy Von N e Elizabeth Von R 3 As neuropsicoses de defesa45 B Início do período psicanalítico 1 A interpretação dos sonhos6 2 Três ensaios sobre a teoria da se xualidade7 3 Fragmentos da análise de um caso de histeria Caso Dora8 Período prépsicanalítico Cabe destacar desse período três traba lhos apresentados na sequência Projeto para uma psicologia científica O Projeto é uma descrição préid da mente mas já representa a tentativa de Freud1 de estabelecer em termos neurofisiológicos um modelo abrangente dos fatos clínicos extraídos das histerias Sua concepção tem por base a quantidade de energia circulante entre as cadeias de neurônios transposta para observações de fatos clínicos psíqui cos Muitas das ideias contidas no Projeto persisti ram e se transformaram em conceitos funda mentais da teoria freudiana tais como asso ciação livre interpretação transferência e sobretudo sonhos conforme veremos adiante Estudos sobre a histeria Esses estudos já representam na realidade o primeiro tratado psicanalítico de Freud2 tal a quantidade de ideias contidas nessa monografia Quatro conceitos importantes surgem aqui repressão associação livre abreação e catarse No trabalho Sobre o mecanismo psí quico dos fenômenos histéricos Freud3 ele gem o trauma psíquico como causa da histeria substituindo assim a ideia da de generação constitucional de Janet No en tanto diferentemente de Breuer que con siderava que o trauma levava a um estado 64 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs hipnoide e daí à histeria Freud entendia a histeria em termos bem mais dinâmicos isto é em função da repressão termo que empregou nesse trabalho pela primeira vez mas já com o mesmo sentido que tem hoje um mecanismo de defesa que exclui da consciência impulsos inadmissíveis o que significa portanto uma operação inconsciente que retira completamente da consciência uma ideia representação ou um afeto inaceitável É também nesse texto que aparecem pela primeira vez os conceitos de abreação e catarse o que significou um afastamento em relação à abordagem hipnótica de Charcot A ab reação e o método catártico constituíam uma reação ao trauma o qual era posto em palavras e assim descarregado de saparecendo os sintomas Freud nunca desprezou completamente essa operação dentro da técnica analítica Em A psicoterapia da histeria Freud9 descreve sua notável descoberta da associa ção livre graças ao tratamento com Emmy Von N e principalmente com Elizabeth Von R A importância da associação livre para o método psicanalítico foi tão gran de que o próprio Freud a intitulou a regra fundamental da psicanálise Ela consiste em solicitar estimular e interpretar cer tas oposições a falar sem censuras tudo o que ocorre na mente do paciente Por sem censuras devese entender a aboli ção da censura entre o consciente e o pré consciente a assim denominada primeira censura Como as associações levam ao reprimido a associação livre é uma das vias de acesso ao inconsciente mediante momentâneas exclusões da censura entre préconsciente e inconsciente a segunda censura Com os Estudos sobre a histeria Freud2 apresenta seu primeiro modelo psicológico com um referencial psicodinâmico pa ra a compreensão e o tratamento das histe rias Antes como vimos também trabalha ra com modelos mas se tratava de modelos neurofisiológicos1 As neuropsicoses de defesa Freud em A história do movimento psica nalítico10 declara que a teoria da defesa repressão é a pedra angular sobre a qual se apoia toda a estrutura da psicanálise Em dois trabalhos sobre o tema anteriormente mencionados Freud45 faz aparecer pe la primeira vez o termo defesa discute amplamente sua teoria e em função disso demarca o campo das psiconeuroses his teria e obsessões Aliás é a partir dessas considerações que Freud abandona a teoria da sedução trauma e dá mais importância para o papel das fantasias abrindo as por tas para a descoberta da sexualidade infan til e para o complexo de Édipo Fantasias são estruturas mentais resultantes de dese jos inconscientes sexuais entre outros al terados em sua forma original pela ação das defesas psíquicas As fantasias podem se apresentar como sonhos diurnos ou deva neios nesse caso são conscientes e obede cem a desdobramentos do préconsciente É também nesse último artigo que ocorre a convergência de novos mecanis mos psíquicos tais como os mecanismos obsessivos e a projeção que viriam a de sempenhar um papel muito importante na teoria É ainda nele que aparece pe la primeira vez e é definido o retorno do reprimido entendido como um fracasso da defesa contra a lembrança excluída da consciência que então reaparece As defesas que depois se ampliaram em número ficaram mais conhecidas por mecanismos de defesa que podem ser concebidos como operações desenvolvi das pelo ego intrapsíquicas e inconscien tes com a finalidade de diminuir a tensão Psicoterapia de orientação analítica 65 interna sobretudo a ansiedade Depois de Freud outros autores tais como Anna Freud M Klein e Lacan contribuíram pa ra a expansão desse conceito Início do período psicanalítico Desse período classicamente iniciado em 1900 cabe destacar dois trabalhos A in terpretação dos sonhos6 e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade7 que juntos per fazem quase toda a inovação psicanalítica A interpretação dos sonhos Esse trabalho era considerado por Freud6 o seu estudo mais importante Em especial o capítulo VII apresenta a primeira con cepção propriamente analítica do aparelho psíquico ou seja a hipótese topográfica inconsciente préconsciente e conscien te Além disso apresenta conceitos funda mentais como o de inconsciente e de re gressão bem como o de processo primário e secundário Aliás como é sabido o sonho foi o caminho por excelência para a desco berta do inconsciente Como descoberta o inconsciente pode concentrar toda a im portância da obra freudiana dentro do co nhecimento humano Voltarei a esse ponto no tópico reservado à metapsicologia O inconsciente como sistema funciona de acordo com leis especiais que estão desprovi das da lógica da noção de tempo espaço e cau salidade formando o que se denomina proces so primário do funcionamento psíquico É claro que o processo que leva em consideração a lógica e as demais leis racio nais chamase processo secundário Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Nesse trabalho Freud7 explicita um dos seus fundamentais conceitos o qual apa recera pela primeira vez em Estudos sobre a histeria2 e fora desenvolvido há anos série complementar que expressa em termos explicativos a sinergia existente entre constituição hereditária e vivências infantis Com esse conceito Freud apre senta a etiologia das neuroses e ultrapassa a obrigatoriedade de escolher entre fatores endógenos e exógenos Tais fatores são na verdade complementares e a etiologia nesse sentido multifatorial11 Quanto à sexualidade infantil igual mente básica nos Três ensaios Freud7 con sideravaa um dos seus conceitos mais im portantes e controvertidos Hoje verifica se que ele se tornou menos controvertido a cultura vigente o aceita melhor mas continua muito importante Outros con ceitos diretamente implicados na sexu alidade infantil como amnésia infantil zonas erógenas auto e aloerotismo prazer oral anal e fálico complexo de castração e complexo de Édipo estão no centro dos conflitos infantis Embora a expressão complexo de Édipo só apareça mais tarde 191012 o conceito já era do conhecimento e práti ca de Freud1 tanto junto a seus pacien tes sobretudo ao abandonar a teoria da sedução quanto em sua autoanálise O complexo de Édipo é o ponto culminante da sexualidade infantil e no qual termina de se desenvolver a pulsão sexual objetal esta toma uma característica e uma dire ção incestuosa razão pela qual se intensi fica a ansiedade de castração inaugurada quando da descoberta da diferença entre os sexos pela criança o que põe fim ao próprio complexo de Édipo 66 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs MÓDULO II METAPSICOLOGIA FREUDIANA Por metapsicologia podese entender um con junto de modelos conceituais mais ou menos distantes da experiência tais como a ficção de um aparelho psíquico dividido em instâncias a teoria das pulsões o processo da repressão entre outros Isso significa ser a metapsicologia freu diana o que realmente caracteriza a ma neira peculiar do pensar psicanalítico tanto que o termo foi criado pelo próprio Freud 18871902 para designar a psico logia fundada por ele também conhecida por psicologia profunda13 Quer dizer é uma forma totalmente di ferente de descre ver um processo psíquico parafraseando Freud14 é descrevêlo nas suas relações di nâmicas tópicas e econômicas Esses são os três únicos pontos de vista metapsicológi cos que Freud descreveu e utilizou em suas principais construções Mais tarde foram acrescentados os pontos de vista genético Hartmann Kris e Loewenstein e adapta tivo Rappaport Em 1915 Freud lançou quatro dos seus mais importantes trabalhos metapsi cológicos de uma vez só os quais trazem em seu íntimo conceitos fundamentais Sobre o narcisismo uma introdução Em termos metapsicológicos estritos nar cisismo significa libido investida no ego ou seja amor ao ego Freud15 nesse trabalho introduz em definitivo o conceito de narcisismo na teo ria psicanalítica inclusive como um dos mais importantes dadas as diversas impli cações que contém Antes disso121619 ele já havia observado e estudado o conceito de outras formas isto é em um paciente seu muito parecido com Leonardo da Vin ci mas sem o seu gênio no trabalho sobre o próprio Leonardo em que aparece pela primeira vez o conceito que então indi cava um tipo especial de relação de objeto homossexual e no caso Schreber em que o narcisismo era descrito como uma etapa do desenvolvimento psicossexual situada entre o autoerotismo e o amor objetal Em Formulações sobre os dois princípios do fun cionamento mental20 e em Totem e tabu19 exprime os mesmos pontos de vista Cabe destacar que é possível encontrar outros e diferentes enfoques ou aplicações para o termo narcisismo além dos citados tais como perversão estrutura ponto de fixa ção defesa Digno de nota o masoquismo seria a antítese do narcisismo na medida em que se apresentaria como ódio ao ego De início o conceito de masoquismo che gou a confundir Freud que considerando o como perversão sexual prazer em sentir dor classificouo dentro das pulsões sexu ais Depois a verdadeira natureza pulsional do masoquismo foi corrigida para agressiva o que é o correto Algo similar ocorreu com o narcisismo inicialmente visto como pul são autoconservadora e não como sexual O conceito de narcisismo é central para o de senvolvimento da série metapsicológica inter ligada de 1915 e sobretudo para a evolução dos conceitos de ideal do ego identificação e agente crítico que desembocam no conceito de superego Psicoterapia de orientação analítica 67 Os instintos e suas vicissitudes Freud21 desdobra nesse trabalho duas teo rias uma geral e outra especializada pa ra explicar o processo de desenvolvimento do indivíduo em termos pulsionais Pulsão aliás é o termo mais apropriado para a tra dução do alemão trieb Mas é clássico men cionar o título do trabalho em questão com o termo instinto o que vem a ser portan to uma má tradução do vocábulo alemão Pulsão deve ser entendida como um produto da própria experiência do sujeito isto é das vivên cias de satisfação ficam resíduos das represen tações de desejo que estão sempre dispostas a recuperar a vivência de gratificação Quando essas representações incons cientes são investidas elas se esforçam pa ra obter satisfação originandose então a pulsão que é um conceito situado entre o biológico e o psíquico Ao contrário da pul são ontogenética o instinto é filogenético e se traduz por uma ação que se realiza sem prévia aprendizagem É também nesse trabalho que Freud faz a exposição definitiva de seus pontos de vista sobre a pulsão Antes disso715172223 ele percorreu um longo e penoso caminho para estabelecer suas teorias instintivas que são didaticamente divididas em qua tro passos Nesse trabalho21 ele apresen ta o terceiro e o quarto passos sendo este último o que resulta nas clássicas pulsões amorosas e agressivas Uma teoria instin tiva agregada a esta última surge em 1920 com os instintos de vida e de morte Em 1905 nos Três ensaios7 ao apre sentar o primeiro passo de sua teoria ins tintiva instinto do ego e instinto sexual Freud traz pela primeira vez o conceito de conflito psíquico como expressão de duas tendências de sentidos opostos que se chocam no caso são os dois instintos Mais tarde com a adoção da teoria es trutural o conflito psíquico neurótico é expresso pela clássica fórmula ego su perego X id Freud examina também em Instintos e suas vicissitudes21 as quatro característi cas de uma pulsão que dão absoluta pri mazia à pulsão sobre os demais constituin tes da vida mental São elas pressão força meta fim objeto e fonte Da mesma for ma ele postula as vicissitudes das pulsões Por vicissitudes entendese a sujeição das pulsões a determinadas condições Freud menciona quatro dessas transformações reversão de conteúdo volta contra o self repressão e sublimação Por sublimação se tem o único me canismo de defesa exitoso do ego execu tado por meio da dessexualização da meta pulsional que assim se torna aceita pela cultura e pelo seu representante dentro do aparelho psíquico o superego O inconsciente O inconsciente é uma das descobertas cru ciais de Freud talvez a principal Como vimos por ocasião de A inter pretação dos sonhos6 na hipótese topográ fica o inconsciente toma a forma substan tivada para indicar um lugar no aparelho psíquico Já na segunda tópica hipótese estrutural ele parece ser uma qualidade um adjetivo o ego inconsciente o id in consciente o superego inconsciente Mais do que suplantar a primeira tópica a se gunda a complementa agregando novos níveis 68 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs aos anteriores Estes não desaparecem mas são enriquecidos alcançando explicações que não se incluíam na primeira tópica tais como o ego a consciência moral do superego e o sentimento de culpa As primeiras aproximações de Freud16 ao conceito de inconsciente ocorrem a partir de grupos psíquicos separados da consciência origem dos sintomas neuró ticos e da ideia de que se podia trazêlos à consciência mediante a hipnose Depois as representações inconscientes constituem o segundo esboço conceitual do que chegaria a ser o inconsciente reprimido No trabalho que dá título a esta seção Freud14 caracteriza o inconsciente dinâ mico ao estudar a sugestão póshipnótica as parapraxias os sintomas os sonhos e os esquecimentos O inconsciente dinâmico é assim denominado por não se extinguir psiquicamente e por apresentar efeitos sobre o comportamento ao contrário do inconsciente descritivo e topográfico O próprio método psicanalítico se utiliza do inconsciente dinâmico e procura explorá lo desvendandoo por meio de sua per manente e derivada existência o que in clui sua influência no comportamento do indivíduo Ao inconsciente dinâmico corresponde o reprimido o que nos leva a concluir que do ponto de vista dinâmico distribuição de forças psíquicas só existe um inconsciente Porém do ponto de vis ta descritivo existem dois o inconsciente propriamente dito reprimido e o pré consciente já que este último também se encontra fora da consciência em dado momento E do ponto de vista sistemáti co conjunto de funções existem três as partes inconscientes do ego e do superego e o id Como se percebe descritivamente é fácil definir inconsciente é tudo que está fora do campo atual da consciência Já na visão dinâmica fica mais complicado de signa um dos sistemas da segunda tópica de Freud constituído por conteúdos aos quais foi recusado o acesso ao préconsciente pe la ação da repressão Luto e melancolia Freud24 considerava esse trabalho uma ex tensão do estudo sobre narcisismo o qual escrevera um ano antes Em Luto e melan colia ele desenvolve duas linhas básicas Por um lado retoma o tema da instância crítica que no trabalho anterior era res ponsável pela paranoia a fim de ex plicar a melancolia o que mais adiante levou à hi pótese do superego e a uma nova avaliação do sentimento de culpa Por outro lado faz um exame dos problemas envolvidos com a natureza da identificação do qual resulta uma evolução desde a ideia de vêla como associada à fase oral passando pela concepção que a considera uma fase preli minar da escolha objetal identificação pri mária para finalmente descrever sua ca racterística mais importante e que é a mais destacada no trabalho um investimento libidinal em um objeto é substituído por uma identificação p ex após uma perda de objeto como na melancolia Identificação é um processo incons ciente não uma simples imitação expresso em uma apropriação parcial ou total de as pectos de outra pessoa Assim em termos conceituais a identificação se faz só com objetos Como já referido a identificação foi adquirindo progressiva importância na obra de Freud de início relacionada aos sintomas histéricos depois em termos de Psicoterapia de orientação analítica 69 incorporação oral como exemplificado nas fantasias canibalísticas de Totem e tabu19 Todavia é sobretudo no papel desempe nhado por ela na formação do objeto in terno tanto na constituição da melancolia quanto e principalmente na formação do superego que a identificação assume gran de magnitude MÓDULO III AS TRÊS GRANDES REVOLUÇÕES Freud2527 procedeu em três trabalhos clássicos o que se poderia de nominar de grandes revoluções exatamente pela pro priedade que tais trabalhos tiveram de mudar de forma extraordinária a teoria freudiana Até hoje a psicanálise reconhe ce e utiliza seus achados na aplicação do método analítico e em desenvolvimentos teóricos Quer dizer se Freud já havia feito muito até aqui pelo conhecimento da vida mental acabou fazendo ainda muito mais Além do princípio do prazer Freud25 apresenta nessa obra aquele que seria o seu conceito mais revolucionário o instinto de morte e que pelo seu caráter especulativo suscitou a maior divisão en tre os psicanalistas Essa elaboração teórica constitui um agregado ao quarto passo da teoria instintiva de Freud Como o título sugere o que levou Freud a essa elaboração teórica foram fa tos observados por ele que contradiziam o princípio regulador do aparelho mental o princípio do prazer Este na realidade vem a ser o resultado da evolução concei tual em torno da intrigante questão dos princípios reguladores da atividade psíqui ca tema das preferências de Freud Come ça com o princípio da inércia analisado no Projeto1 para significar a tendência de retornar ao estado inerte Seguese o prin cípio da constância presente nos Estudos sobre a histeria2 de características homeos táticas isto é a busca por manter um nível baixo e constante de energia no psiquismo Em Formulações sobre os dois princípios da vida mental20 é enunciado o princípio do prazer em contraposição ao princípio da realidade Nesse trabalho de acordo com a própria ação do instinto de morte apa rece o princípio de nirvana tomado por empréstimo do budismo que buscaria o estado ideal de energia zero Foram quatro situações básicas princípio da realidade retorno do reprimi do traumas e compulsão à repetição que levaram Freud à conclusão de que nem tudo na vida psíquica correspondia ao ob jetivo de evitar o desprazer e proporcionar prazer Como se constata embora a noção do princípio do prazer se mantivesse por toda a obra ficou difícil articulála com outras referências teóricas o que deu lugar a este trabalho De acordo com o instinto de mor te todos os seres vivos tendem a retornar ao estado inanimado alterando assim o próprio entendimento do papel do instinto de vida este não visa a preservar a vida o que aliás não ocorre mas possibilitar que a morte seja alcançada de forma natural Além do princípio do prazer é o re sultado de trabalhos anteriores nos quais Freud11015182829 percorreu um longo caminho estudando os fenômenos de repe tição e os princípios reguladores da ativida de psíquica Nesse trabalho de 1920 a com pulsão à repetição é vista como expressão do instinto de morte 70 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O ego e o id Com esse trabalho Freud26 formula uma nova e mais completa descrição da mente e de seu funcionamento teoria estrutural São apresentadas as três macroestruturas quais sejam o ego tanto como self quanto como estrutura com atribuições e funções executivas o superego primeiro apare cimento do termo como equivalente do ideal do ego e o id como depositário das pulsões Para chegar a esse resultado Freud1612141517182325 realizou várias análises detalhadas a respeito da estrutura e do funcionamento do ego lato sensu começou no Projeto1 mas já no capítulo VII de A interpretação dos sonhos6 apare cem sinais de mudança com a hipótese topográfica substituindo a do Projeto1 A hipótese do narcisismo por sua vez inclui considerar o ego como tendo funções por outro caminho os estudos sobre os sonhos levam aos trabalhos metapsicológicos de 1915 os quais em seu conjunto tratam do funcionamento mental e da estrutura Assim em O inconsciente14 o ego passa a fazer parte do sistema inconsciente o que na realidade vem a ser o progenitor do ego estrutural Já em Luto e melancolia24 apa rece a ação do ideal do ego o progenitor do superego Inibições sintomas e ansiedade Foi por meio desse trabalho que Freud27 substituiu a primeira teoria da ansiedade teoria traumática pela segunda a teoria da ansiedadesinal Tal mudança implica inverter imediatamente a formulação da primeira teoria a repressão leva à ansie dade para a que encontramos na segunda é a ansiedade que leva à repressão e aos demais mecanismos de defesa A ansiedade é o afeto desprazeroso por excelência e o mais comum os outros são a dor física a dor psíquica luto e o masoquismo moral O ego não quer senti la defendese dela e daí surgem as neuro ses Notase que o conceito de ansiedade é central em Freud seja quando teoriza so bre o funcionamento psíquico normal seja ao se deter no conflito e nas neuroses A ansiedadesinal constitui o uso que o ego faz de uma catexia quantidade de energia que pe netra no aparelho psíquico e é percebida pelo polo percepçãoconsciência experimental a qual aciona o automatismo desprazerprazer princípio do prazer a fim de testar a realidade e evitar o desprazer Assim a consideração básica de Freud em relação à ansiedade tanto na primeira quanto na segunda teoria referese à no ção de perigo seja interna seja externa Na primeira teoria o perigo externo levava à ansiedade realística e o interno à neuróti ca Na segunda o perigo causa a ansiedade automática se externo e a ansiedadesinal se interno MÓDULO IV TRABALHOS METAPSICOLÓGICOS COMPLEMENTARES E TRABALHOS CULTURAIS Psicologia de grupo e a análise do ego O destaque a ser feito nesse trabalho recai sobre a explicação dada por Freud30 sobre Psicoterapia de orientação analítica 71 a gradual diferenciação que vai ocorrendo no ego dando lugar ao ideal do ego Este mais tarde dá lugar ao superego mas não perde sua importância dentro da teoria além é claro de fazer parte do próprio su perego O ideal do ego constitui a evolução do conceito de agente crítico o qual se faz pre sente em o caso Schreber31 Sobre o narcisis mo uma introdução15 e Luto e melancolia24 em que Freud examina sua característica e principalmente as implicações de sua ação sobre o ego do que resultam a paranoia e a melancolia Como se vê até esse trabalho Freud30 explica o ideal do ego de uma for ma isolada e separada de outros conceitos tendo mais uma função do que um lugar em uma tópica Depois em O ego o id26 conceitualizao como sinônimo de supe rego e finalmente em Esboço de psicanáli se32 considerao uma subestrutura dentro do superego com seus componentes eou funções junto à consciência moral e à auto observação O ideal do ego gera uma das máximas do superego Assim você deve ser Ele é o herdeiro das perfeições do narcisismo original e da sexualidade infantil que é predominantemente autoerótica e portan to reconhecida como narcisista pelo ego Assim podese dizer que o ideal do ego é o herdeiro do narcisismo original e das identificações com os pais idealizados da infância Sobre essas identificações primá rias se edificarão as secundárias que terão matizes hostis ambivalentes e constituirão o supere go definitivo33 De qualquer modo uma vez forma do o ideal do ego o narcisismo sofrerá mudanças pois o ego buscará com seus atos assemelharse ao ideal ou seja irá se sentir estimado por ele ou com sentimento de culpa conforme consiga gratificálo ou não Mediante a autoobservação o supe rego exigirá do ego que seja como o ideal castigandoo pela consciência moral quan do ele se situar longe desse objetivo Após a instalação do superego vão se incorporando a ele novas características ao ideal do ego ao se incluir neste o ideal de uma comunidade de um grupo e assim por diante Os grupos humanos se formam por meio de vínculos identificatórios entre os egos dos indivíduos que os integram Assim um deles será eleito como ideal do ego e líder do grupo à semelhança do pai infantil A diferença entre identificação do ego com um objeto e substituição do ide al do ego por um objeto é exemplificada nesse trabalho por dois grupos artificiais o Exército e a Igreja facilitando a com preensão do papel do ideal do ego nos fe nômenos grupais Como se nota Freud30 dá sequên cia aqui aos trabalhos que examinam as questões culturais além dos problemas metapsicológicos Dentro da temática da cultura e suas implicações antes Freud tratou disso em Totem e tabu19 e depois em Futuro de uma ilusão34 O malestar na civilização35 Por que a guerra36 e Moisés e o monoteísmo37 O malestar na civilização Esse trabalho ultrapassa bastante a sociolo gia que seu título sugere Na realidade ele discute dois temas da maior importância para a psicanálise a o antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as restrições da civilização b a agressão ou destruição Quanto ao primeiro item muito ce do Freud em 1897 afirmou que o inces 72 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs to como exemplo de exigência pulsional é antissocial e a civilização consiste em uma progressiva renúncia a ele além de confe rirlhe a responsabilidade pela dissemina ção das neuroses Porém uma avaliação clara do papel desempenhado pelos fatores externos e internos nessas restrições só foi possível nesse trabalho35 portanto depois que as investigações sobre a psicologia do ego o levaram às hipóteses do superego e do sentimento de culpa É com base em tais conclusões que Freud declara ser o senti mento inconsciente de culpa o mais impor tante fator do malestar da civilização Por agressão entendese a tendência de levar a cabo a ação de danificar o obje to destruílo humilhálo Freud começou a estudála por meio do sadismo vendoo por exemplo nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade7 como um instinto compo nente ou parcial do instinto sexual Só mais tarde depois de muita relutância e compli cações conforme se constata no desenvol vimento da teoria instintiva é que Freud25 admitiu a agressão como independente ainda que derivada do instinto de morte Quer dizer a agressão não só é indepen dente como também se opõe aos esforços civilizatórios A busca de aniquilação pode se estender a todo o mundo exterior inclu sive o inanimado Somada à renúncia ao prazer sexual descober to como meio para a felicidade a inclinação para a agressão é o fator que mais perturba nossa relação com o próximo e obriga a civiliza ção a um grande dispêndio de energia Em síntese o homem civilizado tro cou uma parcela de felicidade por uma par cela de segurança MÓDULO V TRABALHOS SOBRE TÉCNICA Chamase técnica psicanalítica um conjun to de procedimentos e recursos utilizados por Freud com seus pacientes a fim de que eles33 a conheçam o seu inconsciente ou os seus desejos inconscientes preenchendo as lacunas mnêmicas ocorridas durante o desenvolvimento da sexualidade pela ação da repressão b obtenham um maior conhecimento do ego principalmente dos mecanismos de defesas inconscientes e das resistências que deles provêm c tenham maior conhecimento do id e de suas pulsões bem como do superego em especial de sua parte inconsciente pois do contrário ele atua como resistência à cura para satisfazer a necessidade de castigo d percebam as distintas partes inconscien tes correspondentes ao id ao ego e ao superego por meio da análise do signifi cado dos sintomas dos sonhos dos atos falhos das memórias encobridoras Essa tarefa vai conduzindo a uma construção de verdades históricas que fo ram determinando a forma de estruturação das pulsões e do aparelho psíquico Quer dizer as construções e interpretações vão tornando mais próximo o passado primi tivo infantil a préhistória do complexo de Édipo inclusive pelas repetições na trans ferência Esse é o caminho da cura analíti ca pela qual o sujeito se sentirá mais unido a seus afetos e desejos aceitandoos como próprios porém diferenciandoos da ação elegendo quando e como conduzilos li gandoos e dominandoos por meio de um Psicoterapia de orientação analítica 73 ego mais préconsciente e mais livre das imposições superegoicas Do ponto de vista evolutivo como vimos Freud2 em Estudos sobre a histeria forneceu uma boa descrição sobre sua téc nica da época baseada na sugestão e pres são Disso rapidamente ele evolui para o que passou a chamar de método analítico técnica usada na análise do Homem dos ratos em 190916 Por fim entre 1912 e 1915 ele escreveu seis artigos sobre a técni ca os quais abrangem um grande número de temas importantes e que até pela escas sez se tornaram clássicos Desses artigos vou me ater a três para destacar três outros conceitos fundamentais O manejo da interpretação dos sonhos na psicanálise É exatamente nesse trabalho que Freud17 define e integra a interpretação na dinâ mica do tratamento isto é como um pro cedimento do analista submetido a certas regras técnicas nível tipo ordem for mulação oportunidade Antes disso em Estudos sobre a histeria2 por exemplo ela era vista apenas como uma forma de fazer ressurgir as recordações patogênicas Assim considerada a interpretação caracteriza a psicanálise isto é evidencia o sentido latente de um material E foi a atitude freudiana para com o sonho que constituiu o primeiro modelo de interpre tação sendo seu objetivo final desvendar o desejo inconsciente e a fantasia que o en volve tornandoo consciente Contudo a interpretação não é reservada apenas aos sonhos aplicandose também a quaisquer produções inconscientes e mais comu mente a tudo aquilo que traz a marca do conflito psíquico A interpretação é o principal instrumento téc nico do analista fruto do trabalho associati vo prévio do paciente dos símbolos universais dos seus sintomas como representações ou dos conhecimentos anteriores de sua história A dinâmica da transferência A transferência é um fenômeno obser vável na clínica psicanalítica e que apre senta uma explicação fenomenológica e uma metapsicológica A fenomenológica resulta do translado do afeto de vivências do passado para o presente no caso para o psicanalista Sob o vértice da metapsico logia o que ocorre é um deslocamento de um quantum de energia libidinal de uma representação objetal inconsciente para uma representaçãopalavra préconscien te com a qual mantém um tipo de rela ção associativa contiguidade analogia ou oposição De início Freud16716 tratou da transferência como um simples desloca mento não a incluindo na essência da re lação terapêutica No trabalho de 1912 ele faz sua primeira exposição de conjunto do fenômeno o qual adquire um caráter ver dadeiramente psicanalítico por um lado ao assumir a função de repetir na análise protótipos e imagos de modo especial pais e irmãos na pessoa do analista o qual se insere em uma das séries psíqui cas do paciente por outro lado pelo fato de que esse tipo de transferência favorece a resistência Freud102527 ocupouse outras vezes do conceito em especial para acentuar as interrelações com a compulsão à repetição pelo seu caráter repetitivo e com a resis tência pelo seu caráter de oposição à cura 74 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Recordar repetir elaborar Por resistência entendese a expressão clí nica da defesa inconsciente realizada auto maticamente pelo ego ante a pulsão ou a ansiedadesinal Esse acontecimento é fre quente no tratamento analítico e dá lugar a períodos negativos no processo analítico em que o conhecimento do inconscien te do paciente não progride pois seu ego está mais dedicado a defenderse do que a se conhecer Uma das formas de instalarse essa resistência do ego é pela transferência que passa a ter então uma característica negativa e a converterse em um obstácu lo para o desenvolvimento do tratamento Porém assim como é um sério obstáculo a transferência tornase um dos principais recursos técnicos da análise pois por meio dela revivese no vínculo com o analista os conflitos reprimidos da infância Freud27 com base na observação clí nica e na teoria estrutural descreveu cinco tipos de resistência a do ego repressão e demais mecanismos de defesa transferência e ganho secun dário b do superego reação terapêutica negativa c do id compulsão à repetição Na verdade o conceito de resistência colaborou de forma decisiva para o sur gimento da psicanálise uma vez que foi o reconhecimento da sua natureza obs trutiva ao processo analítico que levou Freud1252738 a desenvolver novas técni cas as quais configuraram novas e impor tantes teorias PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Para compreender a teoria psicanalítica e seu método terapêutico é preciso conhecer a fundo o freu dismo pois este segue sendo o paradigma unificador de tudo o que se escreveu e se escreve sobre psicanálise 2 A obra de Freud é extensa complexa e por estar baseada em conceitos fundamentais constitui uma estrutura teórica de difícil apreensão A razão para tanto é a forma dispersa evolutiva e de distintas magnitudes pelas quais seus conceitos aparecem e ganham verdadeiro estatuto conceitual 3 O capítulo divide a obra de Freud em cinco módulos os quais agrupam textos em torno de um eixo temático comum Assim serão cinco eixos vários artigos e determinados conceitos apresentados den tro dessa sistematização orgânica Um ordenamento temporal e cronológico dos artigos estudados é também utilizado a fim de facilitar o acompanhamento e a compreensão da obra freudiana 4 Mais do que destacar conceitos fundamentais e por vezes definilos o principal objetivo deste capítulo é contextualizálos dentro da obra de Freud Dito de outra forma conhecer a história de cada conceito REFERÊNCIAS 1 Freud S Projeto para uma psicologia cientí fica In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 1 2 Freud S Estudos sobre a histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 2 3 Freud S Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud Psicoterapia de orientação analítica 75 edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 2 4 Freud S As neuropsicoses de defesa In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 3 5 Freud S Novos comentários sobre as neu ropsicoses de defesa In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 3 6 Freud S A interpretação dos sonhos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 4 7 Freud S Três ensaios sobre a teoria da sexua lidade In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 7 8 Freud S Fragmentos da análise um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 7 9 Freud S A psicoterapia da histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 2 10 Freud S A história do movimento psicanalí tico In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 11 Giovacchini PL Roteiro à leitura de Freud Porto Alegre Artes Médicas 1985 12 Freud S Um tipo especial de escolha de ob jeto feita pelos homens In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 11 13 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise São Paulo Martins Fontes 1986 14 Freud S O inconsciente In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 15 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 16 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 10 17 Freud S O manejo da interpretação dos so nhos na psicanálise In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 12 18 Freud S Notas psicanalíticas sobre um rela to autobiográfico de um caso de paranóia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 19 Freud S Totem e tabu In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 13 20 Freud S Formulações sobre os dois princí pios do funcionamento mental In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 12 21 Freud S Os instintos e suas vicissitudes In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 14 22 Freud S Atos obsessivos e práticas religiosas In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 9 23 Freud S A concepção psicanalítica da per turbação psicogênica da visão In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 11 24 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 14 25 Freud S Além do princípio do prazer In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 18 26 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 18 27 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 20 76 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 28 Freud S Repressão In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 14 29 Freud S O estranho In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 17 30 Freud S Psicologia de grupo e análise do ego In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 18 31 Freud S O caso Schreber In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 10 32 Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 23 33 Valls JC Diccionario freudiano Buenos Ai res Julian Yebenes 1995 34 Freud S Futuro de uma ilusão In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 21 35 Freud S O malestar na civilização In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 21 36 Freud S Por que a guerra In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 22 37 Freud S Moisés e o monoteísmo In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 23 38 Freud S Construções em análise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1972 v 23 LEITURAS SUGERIDAS Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 Freud S Análise de uma fobia de um menino de 5 anos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 10 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sig mund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 17 Freud S Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasilei ra Rio de Janeiro Imago 1972 v 11 Freud S Parapraxias In Freud S Obras psicológi cas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 15 Freud S Recordar repetir elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 Zimernan DE Vocabulário contemporâneo de Psicanálise Porto Alegre Artes Médicas 2001 Ao me propor a escolher alguns concei tos psicanalíticos fundamentais da teoria das relações de objeto para a psicoterapia psicanalítica cheguei à conclusão de que deveriam ser os de transferência e contra transferência da maneira como são en tendidos contemporaneamente isto é di retamente associados à interação analítica e a seu impacto sobre a subjetividade do analista Nessa perspectiva podem ser con siderados conceitos fundadores ou seja aqueles dos quais os outros decorrem Ao comentar que uma nova metapsicologia es tá se constituindo a partir de nossa prática clínica André Green1 ressalta o conceito de transferência não é mais um dos conceitos da psicanálise a ser pensado como os ou tros ela é a condição a partir da qual os outros podem ser pensados E da mesma maneira a contratransferên cia não se limita mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos ou não ana lisados do analista capazes de fal sear sua escuta tornase o correlato da transferência caminhando a seu lado induzindoa às vezes e para al guns precedendoa Não entrarei na discussão sobre o que diferencia psicanálise de psicoterapia analítica e por conseguinte também pro positalmente não debaterei a questão do número de sessões Penso que desde que estejamos trabalhan do bem com a transferência e a contratrans ferência estamos mantendo a base analítica de nosso trabalho Isso será mais fácil acre dito a partir da experiência clínica à medida que atendermos nossos pacientes com maior frequência Entretanto os fenômenos transfe renciais e contratransferenciais estão presen tes em toda situação terapêutica e seu desen volvimento dependerá de quanto e quão profun damente nós os interpretarmos Procurarei mostrar neste capítulo que a tarefa do analista ou do psicotera peuta diante da fala do paciente do ponto de vista do enfoque transferencial asseme lhase mais ao trabalho do criptolinguista diante de uma língua desconhecida a ser decifrada do que ao do intérprete diante de uma língua estrangeira O intérprete tem a chave que permite a tradução da língua 4 CONCEITOS PSICANALÍTICOS FUNDAMENTAIS NA ESCOLA DAS RELAÇÕES DE OBJETO Elias Mallet da Rocha Barros 78 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estrangeira enquanto o criptolinguista não a tem e sua tarefa consiste em encontrá la Este na sua tentativa de decifrar a língua desconhecida procura identificar padrões que lhe permitam descobrir o que Chomsky denominou gramática gerativa A busca de correspondência palavra a pa lavra entre uma língua conhecida e outra desconhecida seria fadada ao fracasso pois o significado delas depende na maioria dos casos de sua função no contexto sintático ou seja gramatical em que se situam Não estou afirmando que o incons ciente se organiza como linguagem como o faz Lacan O conteúdo do inconsciente é constituído por significantes não verbais as representaçõescoisa mencionadas por Freud dissociados de seus significados Assim não existe relação fixa entre signi ficante e significado e portanto inexiste um código linguístico para constituir uma linguagem Não havendo código não há intenção comunicativa que possa ser atri buída ao inconsciente Este só se abre à comunicação e a um contexto referencial ao integrar a situação analítica No incons ciente seus conteúdos estão fechados em si mesmos É por meio dos relacionamentos e das vivências emocionais indissoluvelmen te associadas que se estabelece um processo de comunicação seja qual for a vontade do sujeito A transferência nesse contexto diz respeito não ao enunciado o conteúdo do que está sendo dito ou atuado mas ao processo de enunciação presente ou seja a quem está sendo dito Na relação com o analista em um ambiente criado para minimizar ao máximo as interferên cias de tudo aquilo que não seja o subjetivo o que se expressa na transferência é o mundo dos objetos internos existentes no sujeito Esse mundo encontra sua expressão em fantasias inconscientes Melanie Klein2 ao responder à obje ção feita por Anna Freud de que a criança não poderia transferir nada para a figura do analista pois uma nova edição não seria possível enquanto a primeira edição ainda estivesse em curso aponta A análise de crianças pequenas mos troume que uma criança de 3 anos já atravessou a parte mais importante do desenvolvimento de seu comple xo de Édipo Por conseguinte a re pressão e a culpabilidade já a distan ciaram consideravelmente dos ob jetos que ela desejou originalmente Suas relações com esses objetos já so freram modificações e deformações de tal ordem que os objetos de amor atuais são imagos dos objetos origi nais Klein está nesse trecho fazendo afir mações que revolucionaram a psicanálise nos anos seguintes e constituíram os ele mentos mais originais de seu sistema Ela afirma portanto que a própria relação com os pais reais comporta já um certo grau de transferência A questão essencial envolvida na transferência não é a relação passadopresente mas aquela existente en tre mundo interno no qual os significados são gerados e mundo externo Decorre dessa concepção a ideia de que o repetido na transferência são as relações de objeto vigentes no mundo interno e não compor tamentos específicos simples hábitos Qual é a natureza desse mundo inter no como é constituído e como é povoa do Não se trata de um mundo subjetivo mas de um mundo no interior do sujeito como enfatiza Laplanche3 Esse mundo de objetos internalizados é constituído desde o nascimento por meio de uma sucessão de projeções e introjeções As projeções são desencadeadas pela pressão da ansiedade de aniquilamento Desse ponto de vista a Psicoterapia de orientação analítica 79 introjeção e a projeção têm um papel estru turante da vida mental Gostaria de enfatizar que esse mundo inter no não é um decalque uma cópia subjetiva do mundo externo Os objetos internos que o cons tituem têm certa autonomia Esse mundo no in terior do sujeito contém as fantasias incons cientes que expressam as relações objetais as quais lhe conferem uma identidade contém também suas estruturas defensivas e é o espa ço no qual as vivências emocionais são pensa das e adquirem sentido Sobre a existência de um mundo in terno com tais características Laplanche3 para enfatizar sua originalidade assim se expressa É neste ponto que falo de escânda lo pois esses objetos são verdadeiros objetos para M Klein objetos que a partir desse tempo de introjeção le vam uma vida própria no interior do sujeito provocando nele efeitos reais quase mecânicos de agressão e de ex citação em particular O par realfic tício é então substituído pelo par in trojetadoprojetado ou este par se de fasa em relação àquele outro O que é introjetado não é ilusório particular mente no sentido de não ser manipu lável ao infinito Sugiro que as fantasias inconscientes expres samse pela relação do paciente com o ana lista a qual se constitui em discurso verbal e não verbal segundo os princípios que regem os processos metafóricos e metonímicos A me táfora referese ao processo de transporte ou transferência de um sentido próprio para um sentido figurado operando por meio de compa rações implícitas A metonímia referese a co nexões que se dão por semelhança de função ou significação Ao se relacionar de forma metafó rica ou metonímica com a consciência o inconsciente está constantemente criando novos significados É nesse sentido que a transferência assume o caráter de uma poiesis tal como definida na cultura grega clássica O paciente nos diz coisas com pa lavras e além delas usa uma comunicação não verbal com gestos e atuações Nesse contexto as próprias palavras podem tor narse atuações da forma de operar das re lações de objeto prevalentes no mundo in terno Podemos tomar essas manifestações como discursivas que incluem também o não verbal presente na situação analítica dirigidas ao analista como tentativas per manentes de recriação das conexões perdi das entre os significantes não verbais do in consciente e os significados da experiência emocional que dão sentido a nossa vida psí quica Esse discurso que permeia a relação do inconsciente com o consciente estrutu rase sob a forma de um código linguístico desconhecido regido por certos princípios articuladores de significado o equivalente a sua gramática gerativa Diante dele como analistas nossa função se assemelha à do criptolinguista que deseja decifrar o códi go que rege a língua desconhecida a qual se constitui em transferência Penso que Fédida4 expressou clara mente essas ideias em um seminário em São Paulo ao dizer Mas na situação do tratamento pen so que é por uma palavra ou por um gesto que tem a função de metáfo ra a função poética da metáfora que o outro pode se reconhecer Por isso é preciso que as palavras os gestos emanem do próprio paciente É as sim que a palavra metáfora toma seu verdadeiro sentido não a poesia mas a poética no sentido de poiesis grega quer dizer a dimensão poética da re criação constante do sentido a recria 80 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ção constante da língua na palavra O poeta é aquele que cada vez inventa a língua Ao descobrirmos a chave que permite decifrar a língua desconhecida corremos o risco de nos transformarmos em simples intérpretes de uma língua estrangeira risco a ser evitado a todo custo para preservar mos nossa condição analítica Gostaria de definir também o cam po que nos permite delimitar e atribuir um valor heurístico à noção de transferência em psicanálise Seriam todas as manifesta ções do paciente em uma sessão resultado de transferências Se a resposta for positi va o que haveria de singular nessa relação propiciada pela situação analítica para o psicanalista moderno que nos permitiria definir o campo da transferência Em que essa relação transferencial difere de outras relações do cotidiano Para os psicanalistas que consideram os processos transferen ciais como presentes em todas as relações humanas entre os quais me incluo dizer que tudo que ocorre em um encontro com o psicanalista tem um caráter transferencial não é suficiente por não facilitar qualquer discriminação Seria preciso do meu ponto de vis ta acrescentar que a situação analítica não existe per se mas é criada pela interpreta ção sistemática da transferência na relação Essa resposta exige uma explanação do sen tido dado ao conceito de transferência A relação mantida por um paciente com seus pais reais ou amigos e com o analista é de mes ma natureza Ele estabelece em ambos os ca sos uma relação dupla respondendo à natu reza tanto real quanto fantasiosa do objeto O que varia e vai caracterizar e construir a rela ção analítica é a natureza da resposta do ana lista que se diferencia da resposta de pais ou amigos Estes vão responder como figuras reais O analista ficará neutro não aprovará ou desaprovará nenhum comportamento ou atitu de apenas interpretará Assim fazendo o ana lista cria condições para a criançapaciente manifestar em estado puro toda a sua capaci dade de transferir suas imagos internalizadas isto é as relações de objeto que caracterizam seu mundo interno para a figura do analista e é esse movimento que estabelece no sentido estrito a situação analítica Nessa perspectiva é a natureza da res posta do analista que cria o campo transfe rencial específico à situação analítica e que nos permite atribuir um valor heurístico ao conceito na teoria psicanalítica Desse modo a neutralidade do analista que não deve ser confundida nem com passividade nem com a frieza do cirurgião não é ape nas condição de manifestação de um cam po transferencial na situação analítica ela é a própria criadora desse campo Seria a transferência um fenômeno espontâneo Os autores de inspiração kleiniana usam com frequência o termo inglês urge para se referir ao processo pelo qual as manifestações trans ferenciais emergem O termo é de difícil tradu ção em outras línguas e referese a um ímpe to a uma ânsia a algo que está sendo impelido ou instigado a se manifestar Tratase portan to de um processo que se manifesta de forma imperiosa Uma característica inegável da psi canálise contemporânea é a preocupação com seu aspecto relacional consubstan ciada em seu interesse pela interação do par Essa é seguramente uma preocupa ção pósfreudiana Laplanche3 nos indica que a definição de psicanálise para Freud Psicoterapia de orientação analítica 81 concentravase em primeiro lugar em sua caracterização como método interpretativo fundado nas associações livres para depois ser entendida como tratamento e por fim como teoria Na contemporaneidade enfatizamos a situação clínica e o encontro analítico passa a ser observado e estudado como uma relação entre duas pessoas que ocor re independentemente de suas vontades e produz um impacto emocional mútuo um encontro no qual ocorrem trocas de informações isto é comunicações em nível verbal e não verbal intencionais ou não Refletir sobre a transferência hoje significa preocuparse com o que é trans mitido sobre o funcionamento intrapsíqui co do paciente e eventualmente do ana lista ou seja a contratransferência com o que ocorre na relação pacienteanalista durante o encontro Passamos a enfatizar a interação entre paciente e analista em um nível intrapsíquico5 Recentemente passouse a acentuar além do aspecto relacional a dimensão in tersubjetiva do encontro analítico como uma nova dimensão da interação paciente analista Ogden6 afirma Creio que uma importante faceta do presente momento da psicanálise é o desenvolvimento de uma conceitua ção da natureza do interjogo da sub jetividade e intersubjetividade no set ting analítico e a consequente explo ração das implicações para a técnica que esse desenvolvimento concei tual traz Assim como o sonho era visto por Freud como a via régia de acesso ao inconsciente e por ex tensão ao sintoma a transferência também passa a ocupar de modo progressivo na psi canálise contemporânea esse espaço ao lado dos sonhos André Green1 considera tão revolu cionária essa mudança de polos teóricos que sugere estarmos diante de uma nova metapsicologia uma espécie de terceira tópica que se instala subrepticiamente no pensamento psicanalítico Green sugere que isso se deu como consequência da prá tica clínica psicanalítica que fez os analis tas buscarem desenvolver uma concepção teórica enraizada de forma mais profunda na clínica Essa nova concepção passou a constituir uma teoria da clínica uma abor dagem diferente da de Freud e que supe rou a dicotomia entre teoria e prática exis tente até então Em 1905 no pósescrito de seu tra balho Fragmentos da análise de um caso de histeria caso Dora Freud7 define trans ferências da seguinte maneira Que são transferências São novas edições ou facsímiles dos impulsos e fantasias que são despertados e torna dos conscientes durante o andamento da análise Possuem no entanto uma peculiaridade característica de sua es pécie substituem uma pessoa ante rior pela pessoa do médico Em ou tras palavras toda uma série de expe riências psicológicas é revivida não como algo que pertence ao passado mas que se aplica ao médico no pre sente momento Nesse trabalho Freud também defen de que o tratamento analítico não cria as transferências apenas as traz à luz Em 1914 em seu trabalho Relembrar repetir e elaborar Freud8 introduz o conceito de neurose de transferência com o sentido de uma neurose artificial que repete a tota lidade dos comportamentos patológicos do paciente na relação com a figura do analis ta Essa neurose artificial é uma reedição da neurose clínica que reorganiza as reações de transferência em torno da patologia An 82 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs teriormente no mesmo ano9 ele já havia usado o termo neurose de transferência em seu trabalho sobre o narcisismo para designar uma entidade nosológica Nele as neuroses de transferência opunhamse às neuroses narcísicas O que nos interessa aqui é o emprego do termo no primeiro sentido mencionado Em 1920 no trabalho Para além do princípio do prazer Freud10 associa as ma nifestações transferenciais ao princípio de compulsão à repetição A partir daí a en fâse na questão da transferência passa para o caráter repetitivo das manifestações con flitivas As principais divergências quanto ao conceito de transferência referemse à questão de como se concebe o que é repeti do na situação transferencial 1 Repetimos comportamentos singulares dirigidos a uma figura específica do passado 2 Ou repetimos padrões emocionais de comportamentos ou ainda tipos de relações de objeto 3 Qual a relação do passado histórico com a situação presente Em que pontos fundamentais Mela nie Klein e seus continuadores os analistas de inspiração kleiniana diferem de Freud em relação à noção e à utilização do con ceito de transferência Antes de responder diretamente a essa questão o que farei a partir de uma discussão aprofundada do debate entre Anna Freud e Melanie Klein realizado em 1927 o debate inaugural na expressão de Laplanche11 gostaria de tratar de outro ponto de divergência que se revelará muito importante ao consi derarmos as concepções de Anna Freud e Klein e que precisa ser esclarecido para que as outras questões possam ser respondidas Tratase da questão do status da emoção na estrutura da vida psíquica Klein desde o início de sua obra não concebe a existência da pulsão desligada de um objeto O representante mental da pulsão associada ao objeto é a fantasia inconsciente Como resulta do impulsos defesas e emoções são represen tados e vivenciados de modo inconsciente sob a forma de fantasias A afirmação da existência de emoções no inconsciente é uma consequên cia natural da posição central que ocupa em seu pensamento a noção de relações objetais O impacto da pulsão sobre o objeto gera a expe riência emocional Assim se as pulsões só têm existência inconsciente e não podem ser disso ciadas de seu objeto as emoções também es tão presentes no inconsciente Klein faz da existência da emoção no inconsciente o centro da vida mental aqui lo que a organiza e lhe confere sentido Para os póskleinianos como Meltzer e Bion as emoções constituem o núcleo significativo da experiência e requerem uma transfor mação em forma simbólica para poderem ser pensadas e comunicadas Abordaremos agora o debate inau gural que opôs estas duas grandes figu ras da psicanálise Anna Freud e Melanie Klein Nesse simpósio Klein responde às críticas de Anna Freud e é por meio dessas respostas que podemos depreender certas originalidades de sua concepção Tais res postas precisam ser examinadas com cui dado pois muitas vezes Klein responde a críticas que nunca foram formuladas con tra ela É somente examinando em detalhes as afirmações de Klein que se pode notar algumas das sutilezas e singularidades que marcam a visão dessa autora e passam a constituir aspectos centrais de sua teoria e da de seus sucessores Antes de iniciar nossa análise é pre ciso notar que o artigo de Klein sobre es sa discussão a respeito das condições en volvidas na psicanálise de crianças assu me uma postura de resposta às críticas de Psicoterapia de orientação analítica 83 Anna Freud Klein começa por acentuar a importância de se analisar a transferên cia negativa Muitos pensam que aí está a originalidade de sua técnica de análise Tratase entretanto de um engano H von HugHellmuth começou a analisar a trans ferência negativa antes de Melanie Klein e até mesmo afirmou que essa análise era mais fácil do que a da transferência posi tiva O que confunde os leitores é o cará ter enfático da defesa da necessidade de se analisar a transferência negativa por parte de Klein Ela não podia dizer isso de ou tra forma naquela época pois se tratava de uma necessidade interna decorrente de seu sistema Em 1927 ela acreditava que só os objetos maus eram internalizados A se guir ela afirma que a criança desenvolve tal como o adulto uma neurose de trans ferência ao contrário de Anna Freud que insistia na impossibilidade de a criança de senvolver uma transferência completa e sobretudo uma neurose de transferência Anna Freud12 escreveu A criança não está pronta como o adulto para empreender uma nova edição de suas relações amorosas porquanto como se poderia dizer a antiga edição não se encontra ainda esgotada Os primeiros objetos de sua afeição os pais existem ainda para ela como objetos de amor na realidade e não como é o caso dos neuróticos so mente na imaginação É preciso notar que ao responder a Anna Freud Klein utiliza o termo neu rose de transferência pela primeira e últi ma vez em toda a sua obra Em qualquer outra ocasião ela se referirá à situação de transferência ou simplesmente à trans ferência Petot13 sugere que se não fosse pela polêmica a concepção de neurose de transferência seria totalmente estranha ao sistema kleiniano Mais adiante constata remos o que o termo pode significar para Klein Petot13 esclarece Mas é claro que para Melanie Klein o debate não se dá entre por um lado o reconhecimento da transferência e a nãoexistência da neurose de transfe rência e por outro o reconhecimento da transferência e da neurose de trans ferência Para ela o debate é o seguin te subestimação Anna Freud ou avaliação correta ela própria da ca pacidade de transferência da criança Klein responde a Anna Freud afir mando que a transferência da qual ela fala referese à externalização de imagos incons cientes nas relações atuais Ela introduz sua concepção do duplo caráter da relação man tida com os pais e com o analista na sessão A criança relacionase de forma concomi tante com os pais reais ou com o analista e com a imago internalizada desses pais ou do analista modificada por sucessivos mo vimentos de projeção e introjeção De onde se origina a transferência A essa questão Klein responde que os pro cessos contínuos de projeção e introjeção intimamente ligados às emoções do bebê dão início às relações objetais e daí decorre a teoria kleiniana sobre a origem da trans ferência Sustento que a transferência origina se dos mesmos processos que nos es tágios mais arcaicos determinam as relações de objeto Dessa forma na análise temos de voltar repetidamen te às flutuações entre objetos amados e odiados externos e internos que dominam o início da infância14 O mecanismo de projeção adquire aos poucos um novo significado e uma importância crescente nos trabalhos de Klein à medida que sua experiência clínica se aprofunda A princípio em sua obra a projeção é referida como desenvolvendo 84 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs se sobre a superfície do objeto on ou onto the object Com a introdução em 1946 do conceito de identificação projetiva a pre posição que acompanha a palavra proje ção muda Tornase into quer dizer passa a indicar que a projeção se dá para dentro do objeto indicando a existência de um espaço interno neste Ao introduzir o conceito de identificação projetiva em 1946 Klein mo difica e amplia a concepção de transferência até então vigente entre os psicanalistas Com a definição do mecanismo de identifica ção projetiva é descrito um processo por meio do qual a projeção de partes cindidas do self que contêm sentimentos eou até mesmo fun ções mentais para dentro do objeto modifica sua identidade do ponto de vista da percepção de quem projetou Ao projetar para dentro o paciente está ativamente fazendo algo com a mente do analista e ao fazêlo comunica alguma coisa a respeito de sua própria mente de como se desenvolve seu processo mental Podemos pensar essa utilização da projeção em duas linhas A primeira refere se a como a identificação projetiva pode ser usada para promover uma atuação na transferência por parte do analista A se gunda complementar acentua a função comunicativa da identificação projetiva Betty Joseph15 tem chamado a atenção para o fato de que muito da nossa compreensão da transferência advém do entendimento de como os pacientes atuam sobre nós pa ra que sintamos determinadas coisas pelos mais variados motivos A autora ressalta a importância de considerarmos a transfe rência como uma situação total tal como Klein enfatizou em seu artigo de 1952 Que significa essa noção de totalidade Ela com porta a meu ver diversas dimensões Klein enfatiza a importância de considerarmos a totalidade do material comunicado pelo pa ciente como parte da transferência e não ape nas as referências diretas à figura do analista tendo em vista sua ideia de que a transferên cia está enraizada nos estágios mais arcaicos do desenvolvimento e nas camadas mais pro fundas do inconsciente Segundo a autora toda a estrutura defensiva é mobilizada na sessão analítica para lidar com a ansiedade São em pregadas nessa situação todas as defesas que foram utilizadas no passado para lidar com tais ansiedades Pelo exame detalhado do sis tema defensivo posto em movimento aprende mos muito sobre a maneira como os objetos in ternos foram construídos Ainda nesse artigo Klein14 escreve Com isto quero dizer que nosso cam po de investigação cobre tudo aquilo que se situa entre a situação presen te e as primeiras experiências Na rea lidade é impossível encontrar aces so às emoções e às relações de objeto mais antigas a menos que examine mos suas vicissitudes à luz de desen volvimentos posteriores Está claro que o desmonte da organi zação defensiva passa pelo conhecimento de como ela foi construída e que a recons trução das relações objetais em especial das primeiras as fundadoras é realizada a partir de um exame minucioso de sua ope ração no presente Na época em que esse artigo foi es crito em 1952 os analistas que não per tenciam à escola kleiniana davam atenção sobretudo ao que era comunicado e reme morado verbalmente na sessão tratando o material segundo o modelo freudiano do conflito A introdução dos conceitos de cisão e identificação projetiva permitiu dispensar a lembrança verbal pois eles nos Psicoterapia de orientação analítica 85 facilitam um acesso a fenômenos mentais muito arcaicos alguns dos quais inclusive ocorreram em épocas anteriores ao desen volvimento da comunicação verbal Essas vivências são comunicadas ao analista por meio de identificações projetivas e cabe a este colocálas em palavras As vivências permanecem na vida mental dos indiví duos sob a forma de memórias em senti mentos memory in feelings conforme a expressão de Klein A situação total inclui portanto também os elementos da vida mental do paciente que são comunicados de forma não verbal e que se referem a vi vências ocorridas antes do desenvolvimen to da fala ou que permaneceram vivas sob a forma de memórias em sentimentos sem nunca terem sido articuladas de forma verbal Há outro aspecto da transferência como situação total a ser mencionado Ele diz respeito a fenômenos mentais que só podem ser entendidos se considerarmos a repetição de determinados padrões ao longo de um conjunto de sessões A fan tasia que subjaz a esse padrão só nos é re velada depois de um cuidadoso exame dos movimentos mínimos que ocorrem nas co municações e reações do paciente na ses são cotejados com os movimentos intras sessões Elizabeth Rocha Barros16 referese a esse método de exame do material como utilizandose ora de uma lente com zoom que nos permite o exame dos detalhes dos movimentos nas sessões ora de uma lente grande angular que nos permite uma visão do todo Betty Joseph15 ilustra a situação total na transferência com o caso de um paciente que lhe dava muita satisfação quando ses sões isoladas eram consideradas O pacien te parecia ouvila e aparentemente pensa va sobre o que era dito a analista esperava a hora desse paciente com certa excitação Aos poucos a percepção de que as coisas não mudavam na vida interna e externa do paciente foi causando um malestar na ana lista Ao examinar o conjunto das sessões e tomando por base um sonho a analista pôde perceber e interpretar o que estava sendo atuado na transferência Tratavase da atuação de uma situação em que o pa ciente tinha por assegurado ser o paciente filho preferido pela analistamãe e referia se a um sentimento que o paciente tinha de que a analistamãe se excitava com ele A análise detalhada da transferência como situação total permite que além da natureza das defesas usadas seja avalia do o nível da organização psíquica dentro da qual o paciente está operando Betty Joseph15 mostra que os acontecimentos da sessão são produtos da interação entre a realidade e a percepção dessa realidade por parte do paciente resultado das fantasias inconscientes enraizadas em sua história É pelo exame detalhado das pressões do paciente para fazer o analista viver e atuar aspectos de seu mundo interno na trans ferência que conhecemos o paciente suas defesas e sua história A interpretação contínua e minuciosa desse processo de transferência como si tuação total nos permite identificar como os objetos internos e o sistema defensivo foram construídos Esse conhecimento é essencial para que se opere a mudança psí quica Acabamos de constatar ainda que de modo sucinto como o conceito de trans ferência ampliouse resultando na noção de transferência como situação total e tor nandose indissoluvelmente ligado à noção de contratransferência Passemos então à discussão sobre o que é interpretado no aqui e agora com o passado do paciente Dito de outra forma abordaremos qual a relação da criança analítica com a criança 86 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs histórica Convém lembrar que não inter pretamos apenas a criança analítica mas também o adulto analítico Essa afirmação é igualmente verdadeira para o caso de aná lise de crianças quando devemos buscar interpretar suas partes mais adultas Em outro texto escrito em colabora ção com Elizabeth Rocha Barros afirma mos17 Os analistas kleinianos consideram que não existe uma linearidade entre o passado histórico e o passado revi vido no presente da transferência A criança psicanalítica repete alguns as pectos do seu passado histórico mas sua evolução durante o processo ana lítico é diferente A transferência com porta várias dimensões temporais e inclui também uma dimensão ahis tórica pensam estes analistas Acon tecimentos do passado não explicam por si só o presente atual Ao identi ficarmos a origem de uma determina da maneira de ser em nosso paciente ainda ficamos com uma questão tal vez a mais essencial para ser respon dida psicanaliticamente qual seja o que mantém esta maneira de ser pas sada no presente Melanie Klein menciona diversas vezes as ida des cronológicas em que certas estruturas mentais estariam presentes Penso entretanto que ao introduzir o conceito de posições es quizoparanoide e depressiva ela rompe em seu sistema com a necessidade de referência a um tempo cronológico adotando uma pers pectiva temporal genealógica Os kleinianos e os póskleinianos estão mais interessados em saber que estrutura veio antes de qual outra do que quando isso ocorreu Essa questão aparece com frequência sob a forma de uma preocupa ção com o nível mental em que o paciente está operando se se trata de um funcionamento ca racterístico da posição esquizoparanoide ou da depressiva O presente interpretado é visto como função do passado não como o passado Ruth RiesenbergMalcolm1819 escreve so bre esse tema e aponta para o fato de que ao interpretarmos estamos interpretando o passado no presente Ela defende que re construir em análise tratase de um cons tante entrelaçar de eventos lembrados da história com eventos vivenciados na aná lise Por que reconstruir A resposta mais imediata de um kleiniano seria antes de mais nada constitui um trabalho realizado na cabeça do analista que lhe permite re construir momentos da história da relação do paciente com seus objetos internos suas ansiedades e as maneiras como suas defe sas foram formadas Quanto ao momento de comunicar esse conhecimento ao pa ciente as respostas variam Alguns analis tas acreditam que o próprio paciente fará as reconstruções necessárias por meio de sua experiência de análise da transferência Outros pensam que devem comunicar suas interpretações reconstrutivas sempre que o paciente tiver um conhecimento grande o suficiente de si mesmo adquirido no aqui e agora da interpretação transferencial que lhe permita a utilização desse conhecimen to de forma não defensiva Os kleinianos insistem sobre a importância e a necessidade do contato emocional vivo e ime diato entre o paciente e o analista na situação analítica para que a interpretação gere convic ção e propicie a mudança psíquica Daí a cau tela com que se fazem interpretações que visem ao passado e permitam que o paciente escape defensivamente do que está acontecendo De tudo o que foi dito a respeito da transferência decorre que para trabalhar com ela necessitamos do conceito com Psicoterapia de orientação analítica 87 plementar de contratransferência Os fe nômenos da contratransferência têm sido discutidos com tanta frequência na litera tura psicanalítica que dizer algo novo a res peito tornase muito difícil Paradoxalmen te contudo discutese tanto esse tema por que ainda existem importantes lacunas a serem preenchidas na compreensão do processo e de seu significado na teoria psi canalítica Ao me propor a voltar ao assunto guiome por uma questão posta por Laplan che3 quando ele pergunta Como pro gride o pensamento analítico E responde Por repetição e ruptura por banaliza ção e reafirmação por circularidade e aprofundamento Os momentos ino vadores são também retorno à fonte O aprofundamento é a reafirmação de uma exigência originária grifo nos so A constatação forçada pelas circuns tâncias da prática analítica de que não é possível estar com outro ser humano de maneira íntima sem passar por uma expe riência emocional perturbadora a meu ver constituiu a exigência originária que levou Freud a buscar meios de limitar o alcance dessa turbulência com o objetivo de pro teger o paciente das possíveis atuações do analista Para mim aprofundar esse tema hoje consiste em reafirmar a exigência do exame da experiência pela qual passa o analista do ponto de vista da natureza do impacto perturbador do paciente sobre ele e do trabalho mental necessário para supe rar a perturbação e para transformála em interpretações verbalmente comunicadas Esse é o aspecto que pretendo examinar Compreendo a transferência e a contratransfe rência como processos dialéticos que não podem ser dissociados Não considero a contratransfe rência apenas como a resposta do analista ao paciente a qual poderia ser estudada isolada mente da transferência Minha perspectiva su gere a existência de um complexo processo de elaboração e de transformação dos sentimentos do analista na sessão antes que uma interpre tação possa ser construída Penso que se tornou consenso entre um grupo importante de analistas a ideia de que a contratransferência se origina nos processos de identificação projetiva Por meio da identificação projetiva o pa ciente projeta aspectos ou a totalidade de seu self para dentro do analista Este receptor das identificações projetivas se torna por momentos os aspectos nega dos do paciente ao projetar Ele se trans forma no eu com o qual o paciente tem conflitos em ser e assim não pode ser Dessa forma o analista vivencia pelo pa ciente aquilo com o que ele tem conflitos ou que não tolera vivenciar O receptor da projeção o analista tornase participan te na autonegação do paciente e passa a existir na fantasia deste como um sujeito separado Ele é ao mesmo tempo o eu e o nãoeu do paciente Desse modo a parte projetada do paciente é objetivada na sub jetividade do analista Ogden6 refere que o desfecho de negação mútua é a criação de um terceiro sujeito o sujeito de iden tificação projetiva que ao mesmo tem po é e não é o projetor e receptor Nesse processo o receptor analista negase a si próprio ao renderse ao criar espaço pa ra o aspecto negado da subjetividade do projetor paciente A investigação dos aspectos que cons tituem o sujeito da identificação projeti va permitirá o aprofundamento da com preen são do fenômeno da contratransfe rência 88 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Glen Gabbard20 comenta que a contratrans ferência hoje representa o campo comum do conhecimento psicanalítico Isso basicamen te significa que os analistas contemporâne os aceitam que a subjetividade do analista tem um papel na construção da interpreta ção mas ao mesmo tempo não existe acordo quanto aos processos que permeiam a trans formação dos sentimentos do analista em uma interpretação Para Canestri21 o que melhor carac teriza a psicanálise contemporânea é uma forma de interpretar que incorpora o pro cesso de escuta e o processo subsequente que ocorreu em nossas mentes como fun ção desse tipo particular de escuta Irma Brenman Pick 1985 escreveu Na verda de é impossível acolher a expe riência do paciente sem também passar por uma ex periência Essa frase sumariza a natureza da problemática envolvida na questão da contratransferência desde sua introdução quando Freud22 expressou preocupação com a natureza perturbadora do impacto do paciente sobre o analista o qual pode ria deslocálo da posição objetiva análoga à postura do cirurgião preconizada por ele Freud nessa altura não associou essa perturbação à natureza da escuta psicana lítica ou seja à natureza do acolhimento proporcionado pelo analista no contexto transferencial Provavelmente por não dar ênfase ao caráter relacional da sessão ana lítica Freud tomou a contratransferência como uma interferência uma espécie de ruído perturbador expressão de conflitos inconscientes não resolvidos do analista Na perspectiva de sua teoria todo confli to estava relacionado com a sexualidade e redundaria inevitavelmente no conflito nuclear o edipiano que só poderia ser tratado em análise Acolher nesse caso consistia em eli minar da sessão toda e qualquer interfe rência que perturbasse a objetividade do analista e que pudesse se constituir em um convite para uma atuação Freud não deixava de estar correto mas o desenvol vimento conceitual da época não lhe per mitiu alterar sua noção de acolhimento na medida em que não concebia o tratamento sobretudo como uma relação intersubjeti va A psicanálise contemporânea enfatiza a natureza intersubjetiva e dialógica do tra balho interpretativo H Racker23 e Paula Heimann24 pro põem a transformação dos sentimentos contratransferenciais em instrumentos de pesquisa da personalidade do paciente Essa sugestão surge da incorporação à psicanálise do conceito de identificação projetiva e da teoria das relações objetais Acolher nesse caso consiste em tomar os sentimentos contratransferenciais como aspectos do pa ciente projetados para dentro da mente do analista expressivos da arquitetura de sua vida psíquica A formulação da interpreta ção depende do exame desses sentimentos como projeção que modifica a própria per cepção que o paciente tem do analista MoneyKyrle25 amplia o escopo da pesquisa propiciada pela contratransferên cia apontando para o fato de que as proje ções do paciente podem estar intimamen te ligadas às reações internas do analista a essas projeções Dessa forma MoneyKyrle introduz a ideia de que os sentimentos des pertados no analista pela escuta psicanalí tica interagem com seu mundo de objetos internos e dessa maneira o fenômeno a ser estudado tornase muito mais comple xo Acolher aqui significa estabelecer as sociações entre os sentimentos do paciente projetados no mundo interno do analista e identificar as funções que essas projeções exercem no espaço mental daquele Psicoterapia de orientação analítica 89 Bion2629 em lugar do termo contratransfe rência preferia falar no impacto das identifi cações projetivas no analista Com base no me canismo de identificação projetiva acreditava que existia um fluxo contínuo de fantasias in conscientes ocorrendo tanto na vigília quan to no sonho e que na sessão resultavam em continuados convites para o analista assumir papéis atuan do aspectos do mundo interno do paciente Esse fluxo contínuo implica a existên cia de um comércio entre os mundos in ternos do paciente e do analista da mesma forma que ocorre entre o bebê e sua mãe Essa relação entre mundos internos define um espaço no qual significados são gerados O analista no lugar da mãe passa a exercer a função de transformar as experiências emocionais do pacientebebê pela capta ção dos sentimentos projetados por meio de sua rêverie isso caracteriza na visão de Bion uma função continente a ser exerci da pelo analista O modelo de transforma ções operadas no psiquismo conforme esse ponto de vista segue uma analogia com o sistema digestivo e os processos metabóli cos Nessa perspectiva acolher consiste em transformar os sentimentos intoleráveis do bebêpaciente projetados exercendo uma espécie de função de diálise mental Bion hipotetiza uma série de funções que comentaremos adiante exercidas sobre as projeções que tornam possível a digestão desses sentimentos intoleráveis Acolher o paciente por meio da ex periência contratransferencial para Bion consiste em operar uma transformação nos sentimentos deste pela mente do analista seja lhe dando uma primeira representação mental para estados não mentais função alfa sintética30 seja alterando sua repre sentação mental de estados anímicos in suportáveis tornando a experiência nessa nova representação mais assimilável pelo aparelho mental função alfa analítica30 Em uma de suas conferências no Rio de Janeiro quando perguntado sobre como utilizar a contratransferência na sessão Bion31 respondeu criticando o termo e di zendo que só havia uma coisa a fazer com a contratransferência analisála O conceito de transferência como si tuação total inicialmente mencionado por Klein14 e na sequência desenvolvido por Betty Joseph15 chama a atenção para a im portância da escuta minuciosa do paciente não só do ponto de vista do conteúdo da narrativa mas sobretudo da perspectiva de como ele nos está usando na relação es tabelecida no quadro analítico transferen cial O paciente nos convida a sentir certas emoções para atuar determinados papéis e dessa forma nos atrai para dentro de seu sistema defensivo Betty Joseph15 sugere que o paciente por meio de suas descri ções de experiências emocionais não es tá apenas falando sobre a maneira como estas são vividas mas criando no espaço analítico a própria arquitetura que subjaz à organização de sua vida psíquica em ca da momento Esta se torna disponível pa ra o analista pelo exame minucioso de sua contratransferência O analista incons cientemente é instado a participar dessa construção constituindo dessa maneira um espaço intersubjetivo Acolher nessa perspectiva consiste em uma atitude ativa de exame analítico da contratransferência e na construção de uma interpretação que coloque em palavras o significado defensi vo dos convites para além destas expressi vos da estrutura das fantasias inconscien tes que nos são feitos pelo paciente Pierre Fédida32 preocupado com a possibilidade de transformação da psica nálise em uma psicologia da comunicação 90 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ou das relações interpessoais adverte para a necessidade de se construir uma metap sicologia da contratransferência No caso esta teria como modelo de elaboração a metapsicologia do sonho Seu alvo ao fa zer essa crítica eram as descrições dos fe nômenos contratransferenciais em termos limitados aos processos de comunicação em curso deixando para um segundo pla no a problemática de cenários inconscien tes que estavam sendo atuados na relação com o analista O artista Giacometti citado por Fédi da33 comenta que o desenho de um rosto tem menos a ver com a aptidão de um traço para representar o que a vista recebeu do que com o poder das palavras de engendrar esse rosto guiando o lápis a seu encontro O que está sendo acen tuado da perspectiva psicanalítica é que a imagem que temos do rosto tornase evocação e constitui fonte de inspiração mais profunda com raízes no inconsciente do que a visão de qualquer rosto O desenho inspirase em uma repre sentação evocada que já operou uma sele ção dos traços que a estruturam a partir da ressonância que a contemplação produziu em nós e que forma uma espécie de dese nho interior A menção que Fédida faz a Giacomet ti e a outros pintores levame a acentuar o papel da evocação como forma de apreen são de complexas redes de relação na cons tituição das representações mentais A evo cação estabelece uma concepção não dis cursiva dessa rede de relações e se expressa em uma captação imagética vivencial dos sentimentos envolvidos As palavras do paciente seu compor tamento na sessão e seus convites implíci tos para o analista atuar papéis que exercem determinadas funções em seu sistema de fensivo constituem o plano evocativo que resulta na contratransferência Da mesma forma que na arte a riqueza do conceito de contratransferência não se reduz à produ ção do análogo aos sentimentos do pacien te na mente do analista mas ao seu aspecto evocativo de metáforas expressivas de es truturas inconscientes A evocação é uma forma de expres são não discursiva ainda que seja permea da pelo discurso verbalizado do paciente permitindo dessa forma que apareçam conexões outras que não as próprias da lógica discursiva mediada por palavras ampliando assim as formas de representa ções de relações afetivas Nessa perspectiva a evocação opera uma desconstrução uma desorganização que permite a manifesta ção dos elos inconscientes que interferem na elaboração do significado da experiência emocional Laplanche311 discutindo a lingua gem aponta para uma dupla função por ela exercida De um lado uma função de aber tura à comunicação enquanto o incons ciente por definição é fechamento e de outro uma função de simbolização defini da como sua possibilidade de fazer entrar em conjuntos relacionais mais amplos mais flexíveis e mais abertos o que estava encerrado nos ciclos rígidos das fantasias inconscientes A função da evocação nesse contex to é garantir uma nova corporificação das emoções constituidoras das fantasias in conscientes em um plano qualitativo que combina elementos discursivos e não dis cursivos Dessa maneira a imagem interior evocada é análoga mas não idêntica aos sentimentos do paciente Essa presentifica ção das redes de afeto torna visível algo que não estava evidenciado em seu discurso Os sentimentos do analista evocados pelo pa ciente durante a sessão por meio da iden tificação projetiva necessitam sofrer um complexo trabalho de transformação para tornar visível algo que não estava previa mente lá e que não se esgota na mera des Psicoterapia de orientação analítica 91 crição analógica do sentimento projetado na subjetividade do analista Fédida33 ao mencionar a condição de trabalho do analista e a função da lin guagem recorre a um neologismo bastante expressivo Ele diz que a linguagem dá ré son às coisas A palavra é um neologismo composto das palavras ressonância rés sonance e razão raison e sugere que a linguagem do analista é resultado de uma ressonância isto é de um som que retor na e dá razão Razão aqui não é utilizada no sentido de intelectualização mas refere se à capacidade do indivíduo de dar sen tido encontrar uma significação para suas vivências emocionais A linguagem nesse contexto não é cópia de uma vivência mas aquilo que lhe dá sentido a partir de uma ressonância Fédida33 afirma Quando a coisa retorna à fonte das palavras nomeála equivale a tomar o visual como desejo de linguagem da imagem E a receptividade é esta capa cidade da linguagem de permitir que a turbulência do nome surja em seu tom próprio Desse tom engendrase pelo nome o desenho interno da coi sa a lógica de seu sentido Gostaria de continuar ainda por um momento a construção proposta por Fé dida Ele avança em sua ideia inspirando se em Cézanne que escreve a propósito de sua atividade de pintar Diz o pintor É co mo se eu fosse a consciência subjetiva des sa paisagem da mesma forma que minha tela é sua consciência objetiva33 Nessa afirma ção podemos perceber com clareza que a tela é uma analogia não discursiva mas de forma alguma idêntica à repre sentação da paisagem na mente do pintor A imagem da tela é uma apreensão de ou tras conexões por uma forma que articula significados em um plano não mediado por palavras O impacto emocional da fala do paciente no analista é também um modo de ação sobre sua mente evoca sentimentos ou pressões para a ação nos moldes descritos por Betty Joseph que o convidam a sentir determinadas emoções eou a atuar de certas maneiras na transferên cia Esse impacto constitutivo de uma evocação traz consigo segundo Fédida um desejo de lin guagem isto é uma possibilidade de fala que lhe dá uma significação em seu tom próprio O indizível pela linguagem falada expressase dessa forma pela própria indizibilidade da pa lavra manifestandose por evocações Penso que a interpretação contém um lado subjetivo referente à experiência do analista sua consciência subjetiva o qual se expressa primeiramente em um plano evocativo que mistura elementos discur sivos e não discursivos e um lado objeti vo resultado de uma reflexão do analista sua consciência objetiva traduzido em discurso que inclui as conexões expressas no plano evocativo não verbal Esse discur so favorece redes relacionais mais amplas e menos rígidas estruturas enquadrantes atribuidoras de significado às experiências emocionais existentes no inconsciente Tal perspectiva abre espaço para uma pesquisa da intersubjetividade na medida em que se enfatiza que na sessão analítica é construído um espaço comum a partir de algo que não é só o paciente nem só o analista mas o produto da interação entre ambos naquele momento O analista não é concebido nessa função como expectador dos processos mentais do paciente uma vez que seu mundo interno tornase o campo de experiências por excelência den tro do qual traços do dinamismo mental do paciente são vivenciados e articulados Penso que a noção de que o intrapsí quico pode ser mais bem observado pela relação estabelecida com o analista isto é pelo intersubjetivo tem sua origem no 92 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs artigo de Heimann24 inspirado pela teo ria da identificação projetiva exposta por Klein em 1946 A contratransferência se alimenta de todos os sentimentos vividos na sessão pelo analista mas constituise como tal isto é como contratransferência somente quando apreendida como a parte do processo transferencial vivida pelo ana lista Portanto ela é concomitantemente uma forma de escuta aberta também para os aspectos não discursivos e um modo de ação transferencial A contratransferência transmitida via identifi cação projetiva é um campo de articulação não discursiva da vida mental do paciente da forma como está operando no aqui e agora da transfe rência Para que a contratransferência se trans forme em uma interpretação ela necessita per correr um longo caminho que inclui autoanáli se reflexão familiaridade relação com a teoria analítica entre outros aspectos Ao interpretar o analista parte de um campo não discursivo das vivências e das imagens evocadas para o campo da interpretação formulada em linguagem dis cursiva descritiva de significados A psicanálise coloca em paralelo co mo regras necessárias para criar a situação analítica e que constituem um todo me todológico de um lado a associação livre a ser seguida pelo paciente e de outro a atenção igualmente flutuante como méto do de escuta analítica Associar livremente consiste em uma atitude de renúncia cons ciente a buscar articular de forma lógica as conexões discursivas e não discursivas a partir daquilo que surge de modo espontâ neo estimulado pela presença e pela escuta do analista Assim a sensibilidade abrese para conexões que não aquelas da ordem lógica consciente A atenção igualmente flutuante glei chschwebende Aufmerksamkeit tem por objetivo restabelecer igual equilíbrio en tre os aspectos discursivos e não discursi vos não verbais da fala do paciente Ela é a forma sugerida para permitir o acesso às articulações emocionais que envolvem ao mesmo tempo elementos discursivos e não discursivos que são expressivos da or ganização interna do paciente Se o sentir humano é uma concepção emocional não discursiva que permeia o discurso articula do consciente e heterogêneo necessitamos de uma forma de escuta especial Esta é im portante para termos acesso à significação e ao sen tido do discurso do paciente na me dida em que a própria descrição dos senti mentos é heterogênea em relação ao sentir Penso que nessa perspectiva a con tratransferência que opera como uma for ma de rêverie do analista e os sonhos do paciente adquirem um papel preponderan te na compreensão de como este articula o significado de suas emoções e o sentido portanto de sua vida psíquica Creio que é essa semelhança entre os processos de rêve rie e do sonho que leva Fédida a propor que qualquer metapsicologia da contratransfe rência será baseada na metapsicologia da vida onírica Por meio da rêverie do analista e do sonho do paciente temos acesso aos cen tros de atração do inconsciente ou dito de outra maneira aos objetos internos em torno dos quais gravitam as relações emo cionais ou ainda ao que Meltzer chama de núcleos significativos da vida emocio nal A escuta analítica envolve algo mais do que ser capaz de se colocar na pele do outro pois a natureza da relação que mantemos com nos so paciente é diferente da que ele mantém co nosco Temos por função precípua na situação analítica a apreensão de significados Eu diria Psicoterapia de orientação analítica 93 no entanto que é de um tipo particular de em patia que necessitamos Eu arriscaria chamá la de empatia metaforizante É um sentir como o outro que ao mesmo tempo transforma esse sentir em outra coisa por meio de um ato de apreensão de seu significado via comparação de estados emocionais análogos sem contu do serem isomórficos Não procuramos identi dades entre significados de experiências emo cionais nossas como analistas e do paciente Não se trata nunca de dizer se é as sim em mim é assim no paciente Envol ve um exame das experiências emocionais evocadas em nós pelo impacto da relação com o paciente as quais produzem me diante uma apreensão da função exercida por esse estado emocional em nós metáfo ras expressivas do significado inconsciente de suas formas de relação O inconsciente não é idêntico nem análogo ao conteúdo latente da mesma forma que o psicodinamismo inconsciente do paciente não está explícito nos sentimen tos contratransferenciais evocados em nós O inconsciente pode ser apreendido por meio do trabalho psíquico que opera a re lação entre conteúdo manifesto e conteúdo latente do sonho bem como pela relação en tre a contratransferência e a natureza da re lação transferencial A contratransferência diretamente não nos dá acesso ao incons ciente É preciso haver um trabalho analítico sobre a relação transferênciacontratransfe rência para a construção da interpretação A função de rêverie nessa perspectiva é um componente essencial do processo de elabo ração da contratransferência na medida em que constitui o processo pelo qual são cria das metáforas que dão forma à experiência do analista das dimensões inconscientes da relação com o paciente34 Sugiro que ao formularmos uma in terpretação a partir da elaboração da con tratransferência operemos o que os linguis tas denominam de transmutação da base simbólica Na sessão o paciente conta um sonho elicia sentimentos em nós ou nos convida a atuar um papel Essa narrativa e suas expressões atuadas evocam metáforas que combinam articulações discursivas e não discursivas que dão forma aos senti mentos que estão sendo projetados em nós na transferência Ao interpretarmos colo camos essas experiências evocadas em ou tra base simbólica ou seja transmutamos a linguagem evocativa dos símbolos visuais do sonho das metáforas ou das vivências expressivas da contratransferência em lin guagem verbal descritiva de significados e assim ampliamos a capacidade de pensar as experiências ao atribuirmos significado aos sentimentos envolvidos É nesse sen tido que arrisquei a terminologia empatia metaforizante para descrever o tipo de em patia necessária para a operação de nossa função analítica Esse consenso que está se formando sobre a importância da subje tividade do analista no processo analítico amplia de um lado nossos instrumentos de trabalho mas por outro nos defronta com certos perigos que a meu ver podem alimentar a descrença pela qual passa atual mente o conhecimento psicanalítico por favorecer possibilidades de banalizálo A contratransferência como estado mental do analista utilizado a serviço da investigação da personalidade do paciente da forma como foi introduzida por Paula Heimann24 e H Racker23 representou um grande avanço nas fronteiras das expecta tivas de desenvolvimento propiciadas pelo conhecimento analítico Não se limitou a ser um instrumento técnico pois modifi cou a própria concepção do tipo de conhe cimento obtido por meio da psicanálise A relação emocional estabelecida na sessão entre analista e analisando permea da pelos processos de identificação projetiva 94 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs e investigada pela análise da contratransfe rência permitiunos compreender melhor a maneira como nossos pacientes moldam e moldaram no passado suas vidas Ao mesmo tempo defrontamonos paradoxal mente com a complexidade da vida emo cional humana e com os perigos de adotar mos posturas simplistas que a banalizem A partir da teoria das relações objetais e de um conhecimento mais aprofundado dos mecanismos de identificação projeti va a psicanálise teve um melhor acesso à maneira como o passado atua no presente permitindonos hipotetizar sobre o futuro da organização mental que domina o pa ciente A ênfase da tarefa analítica movese do explicar para o compreender o significa do da experiência em curso A psicanálise amplia seus objetivos para além da compreensão da natureza das experiências traumáticas que afetaram aquela personalidade e da reconstrução das vivências marcantes que a estruturaram A contratransferência nos dá acesso à ma neira como a identificação projetiva mol da a subjetividade pela interpenetração de processos emocionais que ocorrem nas re lações interpessoais Ferro35 descreve um modelo que ca racteriza como bioniano mas que a meu ver já estava presente no trabalho klei niano no qual os personagens criados na história narrada na sessão são nós de uma rede narrativa interpessoal que nascem co mo holografias da interrelação emocional atual estabelecida entre analista e paciente Uma utilização superficial desse modelo contém o risco de reduzir a psicanálise a uma psicologia das relações interpessoais traduzida em interpretações que se limitam a revelar uma fenomenologia das emoções O analista limita sua fala por exemplo à menção da raiva que o paciente colocou dentro dele por não poder sentila para ci tar um caso clínico recentemente relatado Nada é dito nessa interpretação que apro funde nosso entendimento sobre o psico dinamismo inconsciente do paciente que dê conta da função exercida por essa raiva como organizadora de um padrão mental que poderia estar a serviço do sadismo ou do masoquismo também não faz menção à função exercida pela não expressão da raiva como seria de se esperar no contexto de uma abordagem psicanalítica que levas se em consideração os aspectos dinâmi cos intrapsíquicos presentes na interação O conceito de contratransferência nessa perspectiva simplificadora tornase prati camente sinônimo daquilo que o analista sente quando está com seu paciente e que com frequência utiliza de maneira bruta na sessão sob a forma de interpretações in diretamente confessionais O perigo implícito de tratarmos repe tidas vezes de um tema tão discutido como a contratransferência decorre de um senti mento de banalização do conceito que gera uma sensação de que não há mais nada de novo a ser investigado Widlöcher36 nos adverte para o efeito devastador que tem tido para a psicanálise o sentimento de ex cesso de familiaridade com seus conceitos Esse sentimento cria a impressão de que com meia dúzia de conceitos podemos explicar a mente humana Widlöcher36 ainda comenta que nas universidades os estudantes não são contra a psicanálise até pelo contrário simpatizam com ela mas simplesmente não acreditam que valha a pena pagar o preço para ter a experiência psicanalítica pois não têm o menor con tato com aquilo que lhe é essencial como situação analítica e com seu caráter de ex periência única Ogden6 defende que o processo ana lítico se bemsucedido envolve a reapro priação das subjetividades individuais de analista e analisando que foram transfor madas por meio de sua experiência no Psicoterapia de orientação analítica 95 terceiro analítico recémcriado o sujeito da identificação projetiva Esse processo de resgate envolve a apropriação de si mes mo como sujeito a transformação de um meness em Iness por meio de processos simbólicos de captação e transformação da experiência emocional como venho suge rindo Nesse processo novas individualida des estão sendo construídas pois o paciente com as interpretações desenvolve uma sub jetividade caracterizada especialmente pela existência de um euintérprete que passa a acompanhálo em suas expe riências Quais seriam então as condições necessárias para o analista desenvolver ou manter sua subjetividade sua capacidade de ter vivências observálas e interpretá las dandolhes significado do ponto de vista emocional Sugiro que o processo de construção de interpretações depende em essência da maneira como a situação edi piana foi e é elaborada dentro do analista em cada sessão O analista confrontase no vamente com a questão edipiana na situa ção analítica pelo constante chamamento a ser ao mesmo tempo o observador e o participante de uma relação As qualidades emocionais metabolizadas na re solução do complexo de Édipo são capacida de para desenvolver uma subjetividade própria sentido de historicidade amor pelo objeto ca pacidade de pensar adotando diferentes pon tos de vista e sobretudo de ser concomitan temente o participante e o observador de uma relação Podemos dizer que é pela situação edi piana que o self negocia o desenvolvimento de uma capacidade crítica ao formar um espaço interno que permite a observação de suas rela ções no mundo e cria dessa maneira um eu intérprete ou seja um eu que é capaz de ob servarse e atribuir significados aos sentimen tos e condutas O resgate da objetividade em uma situação na qual o analista tem um duplo papel de observador e de participante da interação repete de certa forma a triangu lação edipiana A objetividade depende do resgate da subjetividade capaz de observar e interpretar descolandose do fato em si ou seja do senso comum Segundo Ogden37 o processamento metaboliza ção de uma identificação projeti va por um terapeuta pode enten derse como o intento de restabele cer um processo dialético psicológico no qual é possível vivenciar os senti mentos induzidos pensar sobre eles e entendêlos mediante um sujeito intérprete Esse processo dialético tem dimensões tanto intrapsíquicas como interpessoais o que quer dizer que dele participam subjetividade e intersubjetividade Penso que essa concepção sintetiza o plano no qual o conceito de contratransfe rência se insere na psicanálise atual PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Os conceitos de transferência e contratransferência são centrais nos desenvolvimentos kleinianos e póskleinianos 96 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Green A Narcisismo de vida narcisismo de mor te São Paulo Escuta 1988 2 Klein M The psychoanalysis of children In Klein M The psychoanalysis of chil dren London Hogarth 1975 3 Laplanche J Le barquet la transcendence du trans fert Paris Presses Universitaire de France c1987 4 Fédida P Clínica psicanalítica São Paulo Es cuta 1988 5 OShaughnessy E Words and working throu gh Int J Psychoanal 198364Pt 32819 6 Ogden TH The analytic thirdworking with intersub jective clinical facts Int J Psychoa nal 199475Pt 1319 7 Freud S Fragments of an analysis of a case of hys teria In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1905 v 7 p 3112 8 Freud S Remembering repeating and wor king through In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1914 v 12 9 Freud S On narcissism an introduction In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1914 v 12 10 Freud S Beyond the pleasure principle In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1920 v 18 11 Laplanche J Faut il bruler Melanie Klein Psychanalyse à lUniversité 19871 12 Freud A Le traitement psychanalyti que des enfants Paris PUF 1975 13 Petot JM Melanie Klein premières dé couverts et premier système 19191932 Pa ris Dunod 1979 14 Klein M Los orígenes de la transferencia In Klein M Envidia y gratitud y otros ensayos Buenos Aires Paidós 1952 Obras comple tas v 3 15 Joseph B Transference the total situation Int J Psychoanal 19856644754 16 Barros ELR A transformação das ex pe riências emocionais através dos sonhos Bo letim da SBPSP 1990 Boletim interno 2 Para Melanie Klein podese observar a presença da transferência desde a infância pois para ela o elemento essencial é considerar a transferência como situação total e como expressão do mundo interno do paciente 3 Desde que formulou o conceito de identificação projetiva Klein e seus seguidores em especial Bion foram capazes de descrever a microscopia da relação analítica e psicoterápica como uma sucessão de identificações projetivas e introjetivas 4 A contratransferência ao contrário do que antes era considerado passa a ser um instrumento essen cial na relação terapêutica e cada vez mais se observa e se estuda o funcionamento da mente do terapeuta em contínua interação com a do paciente 5 As relações de objeto base da formação do psiquismo estão presentes desde o início da vida e sua observação e análise vão constituir parte essencial do trabalho terapêutico 6 Com a progressiva resolução do complexo de Edipo várias qualidades emocionais são desenvolvidas capacidade para estabelecer uma subjetividade própria capacidade de pensar adotando diferentes pontos de vista sentido de historicidade amor pelo objeto e a noção de ser um observador e o partici pante de uma relação ao mesmo tempo 7 Tanto a mente do paciente como a do terapeuta oscilam entre as posições esquizoparanoide e depres siva assim como entre momentos de compreensão e não compreensão sendo um dos principais obje tivos do tratamento de orientação analítica a integração das partes cindidas da personalidade e a possibilidade de a pessoa tornarse progressivamente mais que ela de fato é como sugeriu Bion Psicoterapia de orientação analítica 97 17 Barros EMR organizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 18 RiesenbergMalcolm R Interpretation the past in the present Int Rev Psychoanal 1986 1343343 19 RiesenbergMalcolm R Constructions as reliving history European Psychoanalytical Federation Bul letin 198831312 20 Gabbard GO Countertransference the emer ging common ground Int J Psychoanal 199576Pt 347585 21 Canestri J Transformations Int J Psychoa nal 199475107992 22 Freud S The future propspects of psycho analytic therapy In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1910 v 11 23 Racker H Transference and countertransfe rence New York International Universities 1968 24 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 25 MoneyKyrle RE Normal countertransfe rence and some of its deviations Int J Psy choanal 195637453606 26 Bion WR Group dynamics a review Int J Psychoanal 19523323547 27 Bion WR On hallucination Int J Psychoa nal 1958393419 28 Bion WR A psychoanalytic study of thin king Int J Psychoanal 19624330610 29 Bion WR Learning from experience London William Heinemann Medical Books 1962 30 Caper R Uma teoria sobre o continente In França MO organizador Bion em São Pau lo ressonâncias São Paulo Casa do Psicólo go 1997 31 Bion WR Brazilian lectures I Rio de Janei ro Imago 1973 32 Fédida P Communication et représentation nouvelles sémiologies en psychopathologie Paris PUF 1986 33 Fédida P Nome figura e memória a lingua gem na situação psicanalítica São Paulo Escu ta 1991 34 Ogden T Reverie and metaphor Some thoughts on how I work as a psychoanalyst Int J Psychoanal 199778Pt 471932 35 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 36 Widlöcher D Psychoanalysis challenge in university and research In IPA Meeting 1997 Buenos Aires 37 Ogden TH The matrix of the mind object relations and the psychoanalytic dialogue London Karnak 1992 LEITURAS SUGERIDAS MoneyKyrle RE Joseph B OShaughnessy E Se gal H editors The writings of Melanie Klein Lon don Hogarth 1975 v 1 p 13969 Laplanche J Nouveaux fondements pour la psychanaly se la séduction originaire Paris PUF c1987 Pick IB Working through in the countertrans ference Int J Psychoanal 198566215766 As noções de ego e de defesa estão presen tes desde os primeiros escritos de Freud1 ainda que ele tenha utilizado o termo ego de modo diverso em vários momentos da sua obra o que gerou margem para dú vidas e discussões sobre seu significado Não se pretende neste capítulo discorrer sobre essas controvérsias e sim sobre a definição e a evolução desses conceitos No primeiro período da obra de Freud o ego foi descrito como uma organização de neurônios que permitia ao indivíduo dis tinguir seus processos internos da realida de externa e estava presente nas primeiras elaborações propostas do conflito psíquico representando o polo defensivo da perso nalidade Para Hartmann2 duas razões levaram Freud a partir de 1900 a colocar o ego no limbo primeiro seu interesse pelo inconsciente e pelas pulsões segundo não querer misturar suas ideias com as dos filósofos pois para estes o termo ego estava sobrecarregado de significados me tafísicos Poderiam ser acrescentadas mais duas razões seu desencanto pela teoria da sedução e pelo fato de não conseguir pen sar sobre o ego a não ser em termos neuro lógicos como expôs no Projeto O período de 1900 a 1915 pode ser caracterizado como de hesitações quanto à noção de ego3 Questões como narcisismo identificações dissociação do ego melan colia e outras conduziram a viragem para a teoria estrutural Nesta o ego ressurge em importância como mediador entre exi gências contraditórias advindas da reali dade externa do id e do superego Passa a englobar partes que antes não estavam bem definidas tanto a consciência como o pré consciente tendo sua maior parte incons ciente e envolvendo funções defensivas O conceito de defesa foi definido por Freud como a pedra angular da teoria psi canalítica Freud também utilizou o termo resistência para diferentes fenômenos p ex a interrupção da livre associação do paciente de modo que a diferença entre defesa e resistência podia ser simplesmente a forma como eram observadas 5 CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA ABORDAGEM DO EGO E SUAS DEFESAS Isacc Sprinz Toda a bibliografia consultada para a realização deste capítulo é de autoria de analistas e dirigida a analistas Por isso ao incorporarmos as ideias tomamos a liber dade de alterar o termo analista por psicoterapeuta e análise por psicoterapia psicanalítica Remetemos o leitor aos textos de Laplanche e Pontalis3 Vocabulário da psicanálise Hartmann2 El desarollo del concepto del yo en la obra de Freud cap 14 em Ensayos sobre la psicologia del yo e Gill e Rapa port4 Um exame histórico da psicologia psicanalítica do ego capII em Aportaciones a la teoria y técnica psicoanalitica Psicoterapia de orientação analítica 99 Uma breve pesquisa sobre a evolu ção do conceito de defesa pode servir tanto para clarificar seu significado quanto para explicar algumas das controvérsias com seu uso Freud introduziu o termo pela pri meira vez em As neuropsicoses de defesa1 Nesse trabalho escreveu que para manter fora da consciência ideias ou sentimentos inaceitáveis capazes de causar afetos peno sos a pessoa recorria inconscientemente a processos mentais que se opunham àqueles conteúdos A esses processos mentais que aconteciam fora da consciência chamou de defesas Esta foi das primeiras colocações de Freud sobre o conflito na mente uma parte da qual tem desejos ou sentimen tos que outra parte considera objetáveis opondose à continuidade da sua presença na consciência Para oporse a eles a parte da mente conhecida como ego estabelece defesas contra a consciência dos conteúdos inaceitáveis Em 1896 nos Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa5 Freud propôs a hipótese de que a escolha da neurose estava associada à defesa predominante na situa ção de conflito Continuou a escrever sobre esses tipos de defesas particulares e definiu outros como formação reativa anulação e isolamento e seu interesse passou da defesa ao recalque que veio a ocupar lugar cen tral na gênese das neuroses Ele se valia do termo recalque em lugar de defesa En tendia o recalque como o mais importante processo defensivo que mantinha fora da consciência ideias inaceitáveis mediante considerável gasto de energia que deno minou contracatexias Essa energia prove niente do ego era necessária pensava para oporse à pressão das ideias e aos impulsos inconscientes que pressionavam por des carga A introdução da teoria estrutural em O ego e o id6 e a revisão da teoria da an gústia em Inibições sintomas e ansiedade7 constituíram um grande avanço Antes a angústia era considerada como resulta do do recalque Agora entendiase que o recalque era causado pela angústia e não sua causa Ficou claro que as defesas con sistiam em processos inconscientes e que o recalque era apenas uma defesa entre mui tas O conceito de defesa ganhava um lugar mais adequado no novo modelo estrutural As ideias inaceitáveis que Freud mencio nara desde o início tornavamse represen tantes mentais de uma das duas pulsões bá sicas libido e agressão Essas pulsões que pressionavam constantemente para a des carga na conduta e no pensamento cons tituíam a estrutura da mente que denomi nou id As diversas defesas por sua parte mantinham afastados os derivados pulsio nais pensamentos e ideias por meio dos quais as pulsões se expressavam As defe sas foram definidas como funções do ego estrutura da mente que mediava entre as pulsões e o mundo exterior8 Às vezes o egoself Freud utilizou esses termos como sinônimos permitia que os impulsos do id e suas representações mentais encon trassem formas de expressão e satisfação outras vezes quando julgava sua aparição perigosa se opunha a eles processo em sua maior parte inconsciente Os perigos que faziam emergir as operações defensivas do ego foram enu merados por Freud a perda do objeto a perda do amor do objeto o temor à castra ção e a condenação pela própria consciên cia Freud estabeleceu uma sequência com ansiedades específicas para cada uma das fases do desenvolvimento Defesa passa a ser um termo geral para descrever a forma como o ego se protegia contra os perigos enumerados Também descreveu o sinal de angústia pequenas quantidades de ansie dade que ativavam inconscientemente as 100 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs operações defensivas ao anteciparem uma temida situação de perigo As defesas são processos mentais inconscien tes instituídos pelo ego para se proteger de afe tos dolorosos como a angústia e a depressão Es tão presentes no conflito psíquico mas também fazem parte da adaptação normal e do desen volvimento do caráter As defesas são utiliza das desde muito cedo na vida de forma normal e adapta tiva porém se persistirem sem se mo dificar à medida que o desenvolvimento prosse gue poderão tornarse parte de uma formação de compromisso A formação de compromisso foi descrita por Freud7 como o modelo psicanalítico do sintoma neurótico na neurose está presente um conflito que produz ansiedade essa ansie dade aciona mecanismos de defesa que levam a um compromisso entre duas instâncias o id e o ego Assim surge uma formação de compromis so que tanto defende o indivíduo contra o dese jo que emerge do id como gratifica parcialmente esse mesmo desejo Por ser tão básico e fundamental o conceito de defesa vem sendo alterado re visado e refinado à medida que a experiên cia clínica vai moldando a compreensão das complexidades do desenvolvimento psicológico e do conflito psíquico A ma neira de lidar com as estruturas defensivas é alvo de discussões acaloradas entre psi coterapeutas psicanalíticos Isso se dá em parte pela diversidade de visões teóricas e sobretudo pela relevância das defesas pa ra o campo da psicanálise Logo as apli cações clínicas sobrepujam os desacordos teóricos pois no fim o que mais importa é o efeito que elas têm no encontro entre terapeuta e paciente Tal debate foi inau gurado por duas formidáveis senhoras ambas sucessoras de Freud e pioneiras da psicanálise infantil Anna Freud e Mela nie Klein CONTRIBUIÇÃO DE ANNA FREUD No ano de 1936 nos 80 anos de seu pai An na o presenteou com uma cópia do livro O ego e os mecanismos de defesa9 um dos mais influentes da psicanálise Ela aprofundou e clarificou o conceito de defesa em relação não só à teoria do conflito psíquico como também à técnica da psicoterapia Enfatizou que as defesas eram processos inconscientes que deviam ser entendidos e analisados Na terapia não era apenas mostrar ao paciente quais as suas defesas ali onde os desejos in conscientes emergiam devia realizarse um esforço para que o paciente ficasse conscien te das defesas utilizadas Além disso tera peuta e paciente deveriam pesquisar a histó ria evolutiva dessas defesas Mencionou que os sintomas eram formações de compromis so nas quais o ego tinha o papel de usar in variavelmente um método especial de defe sa quando confrontado com uma demanda pulsional específica9 Anna Freud9 elaborou uma lista de métodos es peciais de defesa os quais a partir daí foram chamados de mecanismos de defesa recal que regressão formação reativa deslocamen to projeção isolamento anulação negação inversão contra o eu e reversão Acrescentou ainda os mecanismos de identificação com o agressor e entrega altruísta observando que também havia defesas contra os afetos e con tra as percepções da realidade que produziam afetos dolorosos Por último descreveu as de fesas de negação em fantasia em palavras ou em atos Quanto mais o terapeuta for bemsu cedido em trazer as defesas à consciência mais impotentes estas se tornam e assim e mais progride sua compreensão em rela ção ao id do paciente Estudando situações Psicoterapia de orientação analítica 101 que instigam reações defensivas conside rou as defesas em termos dos três tipos de ansiedade esboçados por Freud em Inibi ções sintomas e ansiedade7 ansiedade ob jetiva ansiedade pulsional e ansiedade do superego Em termos de prognóstico defe sas que resultam da ansiedade do superego são propensas a ter um resultado favorável Defesas contra a ansiedade objetiva tam bém teriam boa probabilidade de suces so Os únicos estados que mais fracassam em responder à psicoterapia são as defesas contra as forças dos instintos Anna Freud apresentou também três novas ideias 1 o psicoterapeuta pode observar na superfície da consciência os conflitos intrapsíquicos no instante em que o ego se opõe a eles e os reprime 2 vinhetas clínicas exercem um grande efeito no aprimoramento do processo técnico do psicoterapeuta pois este de modo gradual desbravará por intermédio da transcrição do que fez e da leitura de casos o reino misterioso dos elementos inconscientes 3 a transferência como defesa quando se analisam os conflitos descobrese que um impulso emergiu até a superfície e que o paciente regrediu assumindo antigos meios de se defender Tais momentos concedem oportu nidades para que se estude a transferência defensiva que confronta o terapeuta com um desafio técnico maior porque a forma em que emerge na consciência do paciente é egossintônica Mesmo que Anna Freud tenha pa rado de escrever sobre técnica isso não a impediu de acreditar na existência de uma janela para o inconsciente Tornouse mais convicta e veemente em relação à presença dos conflitos na superfície da consciência enquanto na Hampstead Clinic discutia e revisitava o livro O ego e os mecanismos de defesa9 ao lado do colega Joseph San dler1011 Foi nas discussões com Sandler e colaboradores10 que Anna Freud deixou claro o uso de conceitos topográficos para detectar os conflitos Ela cresceu acompa nhando o desenvolvimento da teoria topo gráfica e aos poucos passou a incorporar os paradigmas estruturais Em suas pala vras Eu pertenço definitivamente ao gru po dos que se sentem à vontade em ir e voltar aos aspectos topográficos quando as circunstâncias são conve nientes A propósito esse meu péssi mo hábito de viver entre os dois mo delos de referência o topográfico e o estrutural é muito recomendado pois clareia os pensamentos e quando ne cessário simplifica os relatos e as des crições clínicas11 Na medida em que aprendeu a se sentir confortável com a teoria estrutural passou a usar os dois aportes teóricos como ferramentas de trabalho Pensar o inconsciente o précons ciente e o consciente em termos de qualidades em vez de lugares ou áreas não os relega ao segundo plano pelo contrário os fatores qualitativos pare cem ser a única explicação real para a luta travada entre as partes da mente12 O ego se importa apenas com os im pulsos ameaçadores no momento em que se tornam conscientes e o id e o ego não são apenas antípodas ambos são dotados de lin guagens peculiares têm intenções distintas e agem por meios diferentes um do outro Entretanto é claro que quando o acordo é cumprido e o conflito não é de todo eviden te o ego arranja um meio de garantir um destino seguro aos impulsos vindos do id 102 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O ego fornece um auxílio enorme aos instintos Ao se manifestar no mundo externo o ego pode guiar os instintos a terem uma gratificação adequada à demanda O ego leva em considera ção a realidade e não se governa a par tir do princípio do prazer No entan to por insistir na realização do desejo de uma forma segura conivente com a realidade e com o bom senso ten de a inibir com os processos de pensa mento a gratificação total do instinto Então por um lado o ego é em algum grau parceiro do id e por outro mos trase como adversário10 As primeiras sugestões de Anna Freud são a de reconhecer o derivado da pulsão e logo interpretar a resistência A próxima tarefa é a de desfazer o que foi feito em rela ção à defesa sendo imperativo reconstruir a sequência da manifestação do impulso de acordo com o contexto Depois investigar a resistência inerente ao impulso e identifi car o elo entre o derivado do id e a defesa específica utilizada complementando Nós preenchemos os hiatos presen tes na memória instintual do pa ciente Enquanto interpretamos o primeiro e o mais comum tipo de transferência a do id adquirimos informações que completam as lacu nas referentes ao desenvolvimento do ego ou colocado de outro jeito temos um histórico das transformações so fridas pelos instintos9 Anna Freud apontou que quando os derivados da pulsão vêm à superfície eles só o fazem porque há um observador de prontidão Ela assiste de perto às reações expressas pelo ego e suas técnicas priori zam o impulso e a defesa Uma das suposi ções básicas é a de que o conflito só existe no ego e por conseguinte na consciência embora surja do inconsciente No id sabe se os elementos contraditórios coexistem sem conflito entre si13 Apesar de Sandler e colaboradores10 insistirem na formação de compromisso Anna Freud vê o ego como uma instância que inicialmente permite a expressão dos derivados da pulsão e depois tenta refrear qualquer manifestação pulsional Centra lizou todas as luzes no ego para então vol tarse para o id Contestando Sandler e co laboradores10 diz se você quiser pode persistir na sustentação do modelo de conflito in consciente e de formação de compro missos mas desse jeito você não será capaz de ver o ego e o id como instân cias separadas As diferenças essenciais envolvidas entre uma abordagem que analisa as de fesas versus a análise da formação de com promissos são entre outras 1 o uso de reconstruções breves versus a interpretação dos componentes da formação de compromisso 2 a suposição de que a psicoterapia cura a partir do insight versus a crença fundamental na estimulação de novos meios de formação de compromissos muitas vezes sem que o insight seja um dos fatores vigorantes As possibilidades heurísticas presen tes em sua obra só se destacaram em 1973 quando Gray decidiu revisitar os conceitos de Anna Freud CONTRIBUIÇÃO DE OTTO FENICHEL É sabido que as formulações estruturais de Freud67 ofereceram novas possibilidades de identificar e de representar a gama de con flitos mentais Seu modelo estrutural favore ceu a compreensão dos conflitos dos pacien Psicoterapia de orientação analítica 103 tes e os teóricos reverdeceram as esperanças na evolução da técnica do atendimento clí nico A década de 1930 deflagrou a hegemo nia do ego sobre o id e em paralelo a im portância das defesas e dos traços de caráter na constelação neurótica W Reich14 come çou a mudança da análise de sintomas para a análise da personalidade enfatizou que as operações defensivas se fixavam à persona lidade ou caráter e que os traços de caráter deviam ser analisados junto com o conteú do de associações recordações sentimentos e sonhos Escreveu que os traços se tornavam tão fixos e rígidos que funcionavam como uma blindagem caracterológica difícil de modificar ou analisar Reich também indi cou que os traços de caráter funcionavam como poderosas resistências à mudança e ao tratamento psicoterápico R Sterba15 expli cou a necessidade de uma aliança do ego entre o ego autoobservador do paciente e o ego do analista H Nunberg16 demonstrou como a função sintética do ego podia re solver conflitos interiores Fenichel17 realizou uma reformu lação geral da teoria clássica e da técnica com a qual a psicologia do ego foi reinte grada à corrente principal da psicanálise Sua abordagem sistemática foi construída a partir dos cânones clássicos da técnica e da tradicional análise das defesas que vigoram até os dias de hoje como se percebe nos es critos de Brenner Preconizou que a abor dagem clássica para analisar a defesa segue o modelo da superfície à profundidade18 visualizando a organização mental em ca madas Cada camada protegeria conteúdos aninhados em camadas mais profundas e assim sucessivamente Fenichel empenhouse em livrar o trabalho analítico da influência da suges tão que enfraquecia o ego ao deixálo pas sivo e vulnerável a uma figura autoritária investida de poderes mágicos O problema da sugestão tem inquietado os analistas desde o início Há os que afirmam ser es se elemento o que impede a psicanálise de ser científica Em contrapartida existem os que consideram difícil de imaginar a con dução do tratamento sem a presença da sugestão Na atualidade reconhecese que a sugestão não pode ser eliminada totalmente da si tuação clínica Fenichel considera que a fala do paciente acaba por disfarçar ou enco brir os conflitos inconscientes acrescentan do que a psicanálise é a psicologia que des vela disfarces O psicoterapeuta deduz o que o paciente quer exprimir e transmite o que lhe foi confiado por meio da interpretação Para descobrir o que as palavras do pacien te significam é importante que se instaure uma intensa empatia para com ele e para tanto o psicoterapeuta se vale de sua princi pal ferramenta o próprio inconsciente Fenichel deu ênfase ao interesse do psicoterapeuta pelas formas em que o in consciente influencia e se traduz nas ati tudes defensivas do ego Supôs que o te rapeuta deveria surpreender a pulsão e desmascarar o disfarce em conluio com o ego defensivo pois o inconsciente seria sua única ferramenta de trabalho CONTRIBUIÇÃO DE PAUL GRAY Em 1973 Gray retomou algumas das pre missas de Anna Freud com o que chamou de processo de análise das defesas vistas de perto Gray19 detalha as tendências em vo ga entre os analistas para explicar o por quê de o modelo estrutural de Freud e da segunda teoria da angústia não terem sido operacionalizados na prática clínica Alude à fascinação que o id atrai e delata a prefe rência dos terapeutas na compreensão dos instintos e de seus derivados e não na pro cura dos mecanismos defensivos que ini bem sua expressão Os psicólogos do ego falavam que a análise das defesas era a es 104 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sência do tratamento mas não haviam de senvolvido nenhum método para efetuála O que Gray demonstrou foi que em vez de ana lisar sistematicamente as defesas se preferiu confiar na transferência baseada na autoridade do analista que influenciava o acesso ao ma terial inconsciente do id A despeito de ter ade rido à teoria estrutural a técnica psicoterápica psicanalítica continuava atada ao modelo to pográfico cujo objetivo é o de contornar as de fesas do paciente para tornar consciente o in consciente Gray20 acreditava que a sugestão não pode ser evitada No entanto apostava em sua minimização e no fato de que os resulta dos poderiam ser alcançados de forma efetiva a partir da análise das defesas Defende que muitas das técnicas in terpretativas consideradas infalíveis não conseguiram acompanhar os avanços da teoria estrutural de Freud e nem as contri buições sobre os mecanismos de defesa fei tos por Anna Freud Tudo o que se mani festa durante a consulta diz respeito ao fun cionamento da mente do paciente ou seja tudo o que acontece em ato alude à quali dade do vínculo e dos objetos que povoam o mundo interno do paciente O principal objetivo da abordagem clínica de Gray é ampliar a capacidade de autoobservação do paciente em especial quando se trata da eclosão das defesas ante os conflitos in trapsíquicos21 Explora o papel da realida de externa usada como um meio defensivo propondo que se enfoquem o discurso e as atividades mentais emergentes do pacien te É importante ressaltar que o objetivo de Gray é o de focar a emergência in loco do processo defensivo no paciente sendo ne cessário ficar atento ao que se produz e ao que é omitido no diálogo do aquieagora da psicoterapia Ao examinar o superego Gray uti liza o método e a perspectiva que Anna Freud usou para lidar com a transferência de defesa A análise do superego se tornou proeminente no pensamento de Gray por que aí descortinou o significado da influên cia do superego sobre a origem das defesas que o ego usa contra as pulsões agressivas Em seus escritos chamou a atenção para aspectos fundamentais da técnica que ali viavam ou reforçavam as defesas contra a agressão defesas que ao serem trabalha das permitiam ao paciente apoderarse plenamente de seus impulsos agressivos para usálos de forma salutar e produtiva Segundo Gray22 os psicoterapeutas tinham a propensão de reduzir a intensi dade do impulso agressivo com interpre tações precoces de teor genético e assim desarmavam e desviavam de si toda a carga sádicodestrutiva da agressão Era como se os psicoterapeutas se esquivassem dos pró prios impulsos agressivos ou não quises sem se sujeitar à transferência negativa que poderia ou não contrastar com o potencial destrutivo que cada um carrega dentro de si A ênfase de Gray22 na análise do superego concentrase nas atividades do superego que inibem os derivados da agressão A começar por Freud a metodologia empregada pela maioria dos analistas consistia no uso da for ça autoritária derivada das transferências do su perego para sobrepujar em vez de analisar as re sistências que barravam o acesso aos conteúdos reprimidos do id Gray compreendeu que a transfe rência derivada da autoridade poderia despistar as defesas e trazer à consciência o conteúdo reprimi do e que para muitos pacientes isso representava a ação terapêutica no tratamento Todavia sentiu que para outros os que conseguiam ter uma par ticipação plena no processo psicoterápico analítico essa modalidade de tratamento deixava a desejar Psicoterapia de orientação analítica 105 Com tais pacientes era preferível apostar no insight pois demosntravam uma maturidade do ego que favorecia o gerenciamento da vida instintiva e logo não se beneficiariam com a incorporação da autoridade vinda do terapeuta a qual incrementaria ainda mais o poder do su perego limitando a possibilidade de o paciente se sentir mais autônomo Assim recomendou que os terapeutas não explo rassem as transferências do superego por mais tentadoras que fossem pois investigá las seria um meio por si só de acionálas no paciente Para tanto o analista deveria assumir uma postura o mais neutra possí vel a fim de evitar ser alvo das projeções das transferências do superego Gray vê a confirmação dos materiais genéticos como secundária e encoraja o processo de au toobservação para que a necessidade de erigir defesas diminua no decurso do tratamento23 A persistência na interpretação das defesas e na investigação dos elementos sugestivos está en tre as principais contribuições de Gray E é por esse motivo que suas ideias embasam a práti ca de muitos analistas e de psicoterapeutas de orientação psicanalítica Em relação ao ponto mais geral na teoria da técnica que é o de se dirigir à função observadora do ego Gray enfatiza ser necessário encontrar vias plausíveis de comprometer o ego com o tratamento A crença de que o paciente tem maturidade e algum grau de autonomia em uma das partes do ego é a pedra basilar de todos os seus postulados teóricos e técnicos A partir desse pressuposto Gray desenvolveu uma metodologia que ajuda o paciente a exer citar suas funções autônomas do ego com o objetivo de aprender e observar a regres são e as mudanças psíquicas em resposta a sentimentos irracionais de perigo oriun dos da infância É por isso que o cabedal de técnicas de Gray é considerado por ele mesmo inapropriado ou ineficaz para certos pacientes mais limitados Acredita que esses procedimentos têm um lugar importante no campo de conhecimento da psicoterapia e que podem dependen do da necessidade passar por ajustes ou alterações em vista de prover benefícios terapêuticos aos pacientes São pontos centrais das hipóteses de Gray 1 a análise da defesa é a melhor forma de se chegar ao núcleo do conflito que está em jogo 2 ajudar os pacientes a expandir a consci ência em relação aos conteúdos incons cientes proporciona que seu modo de viver seja menos neurótico 3 é necessário analisar qualquer espécie de modificação feita pelo paciente em se tratando do processo terapêutico O esforço empreendido por Gray foi o de reformular a técnica analítica e con vertêla em um método eficaz para a in vestigação das defesas e de suas respectivas manifestações Conforme Gray citado por Levy23 para perscrutar o inconsciente o terapeu ta deve aprimorar a escuta como se fos se dotado de um terceiro ouvido capaz de apreender os derivados do id e buscar fontes de conhecimento que tenham res sonância com o conflito Em vez de com parar a escuta à arte e elevála à categoria da intuição e da criatividade Gray prefe riu pensar o ofício do terapeuta como algo mais artesanal uma inclinação para ouvir 106 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de perto e com redobrada atenção às on das do conflito e da defesa No instante em que os derivados da pulsão vêm à tona o perigo caudatário do conflito instalase no ego e tende a acionar medidas defensi vas automáticas para remover da superfí cie da consciência o que se deflagrou Em A narrativa de um sonho e a memória como resistência24 Gray subverteu as noções mais apreciadas sobre o papel da memória e dos so nhos no tratamento Por exemplo o ato de re cobrar as memórias e de contar os sonhos se ria uma espécie de desvio espaçotemporal e tangenciaria as metas do tratamento Quando o paciente relata um sonho na sessão ele eclipsa a realidade e se transporta para outras tempo ralidades Conforme o autor o foco nas memó rias e nas associações poderia se caracterizar como um deslocamento defensivo pois levaria o paciente para fora do espaço e do tempo da sessão A restituição das memórias fora de uma estratégia defensiva demonstra o progresso da psicoterapia pois alude à aquisição da capacidade de reviver de modo consciente e em outro papel os de rivados da pulsão e a conquista de maior tolerância aos impulsos agressivos Na vi são de Gray o conteúdo genético é rele vante para a ação terapêutica porque apre senta o histórico das medidas defensivas que o paciente usou para lidar com certos derivados da pulsão O psicoterapeuta de ve ter em mente o que transmitir ao pa ciente sem enfatizar o que sente durante a intervenção A contratransferência pode ser uma espécie de contrarresistência Na verdade Gray atribuiu grande parte do atraso na técnica psicoterápica psicanalí tica à contrarresistência A concepção de Gray sobre a análise do confli to intrapsíquico deixa o ego em um plano privi legiado A problemática principal não culmina nas pulsões mas na parte irracional do ego o qual ao não avaliar bem a noção de perigo e as ameaças vindas das pulsões possibilita o sur gimento de defesas inconscientes ultrapassa das e desnecessárias caso a parte madura do ego não consiga administrar conscientemen te as pulsões Estas têm uma tendência natu ral de vir à superfície da consciência à medida que os mecanismos inibitórios do ego são ana lisados de forma progressiva O terapeuta não necessita fazer inter pretações do conteúdo inconsciente em vez disso pode trabalhar nas fronteiras da superfície confiante de que com a análise das defesas as pulsões encontrariam me nos obstáculos para adentrarem nos um brais da consciência Quando as pulsões migram para a consciência o paciente tem a chance de pôr à prova suas capacidades de ego para assimilar de forma cognitiva e experimental as pulsões CONTRIBUIÇÃO DE CHARLES BRENNER Em oposição a Anna Freud e ao interes se pelo conflito em seu estado nascente descrito por Gray Brenner25 enfatizou o conflito inconsciente infantil Diznos que o terapeuta interpreta as forças do inconsciente e realiza inferências sobre as tendências do id do ego e do superego A tarefa envolve uma dissecação interpreta tiva das possíveis formações de compro misso Brenner realiza uma abordagem funcional das defesas tomandoas como posturas mentais que barram e ameaçam Psicoterapia de orientação analítica 107 o acesso do material inconsciente à cons ciência podendo ser entendida como uma extensão das ideias de Hartmann e Kris enquanto Anna Freud observa o processo de instauração do conflito manifesto na superfície A teoria dos mecanismos de defesa de Brenner enfatiza mais as funções do que as motivações ou os conteúdos abordados nos estudos sobre as defesas Brenner26 argumenta que a defe sa é um aspecto do funcionamento mental de finido apenas por suas consequências a redu ção da ansiedade eou dos afetos depressivos associados aos derivados da pulsão ou às fun ções do superego Sem essa visão não há nada de especial nos mecanismos de defesa Considera ainda que as defesas são as responsáveis pela diminuição ou pelo desaparecimento da ansiedade e dos afetos depressivos na vida mental e supõe que as funções do ego são o eixo principal de tu do Elas servem para reforçar as proibições do superego assim como para mediar pre venir ou até mesmo oporse às gratifica ções A despeito disso Brenner percebe que nenhum aspecto do funcionamento do ego é exclusivamente voltado aos propósitos da defesa Em concordância com Fenichel as sume que qualquer defesa pode ao mesmo tempo facilitar gratificações vindas dos derivados da pulsão Os esforços do indi víduo de a um só tempo evitar o desprazer ou reduzir o efeito das ameaças culminam no prazer Sua principal postulação é o fato de que a defesa nunca se torna uma fun ção especializada ou exclusiva do ego De modo concomitante as mesmas funções do ego podem servir aos derivados da pul são às defesas às demandas do superego e às exigências de adaptação Assinala ser um erro definir ou identificar a defesa pelo mo do como se defende pois cada função do ego tem múltiplas maneiras de atender aos variados propósitos em questão Ressalta que ao definir a defesa estritamente pela função exercida na economia psíquica co mo um componente de conflito é possível dispensar a consequente ambiguidade que acompanha as definições de defesa as quais incluem as formações de compromisso as fantasias e os sintomas Apesar da parcimônia teórica aventa da por Brenner26 sua análise do que o ego dispõe como defesa é bastante ampla tão ampla que pode até mesmo superar o que os estudiosos das relações de objeto con sideram como fenômenos defensivos Por exemplo segundo ele as defesas podem ser vistas como atitudes do ego que repercu tem nas percepções na produção de fanta sias e nas identificações O ego converte as identificações e as fantasias em maneiras de se defender O objetivo de Brenner é enfa tizar a plasticidade do ego em se tratando do uso das defesas Em meio a isso traça quais as funções específicas constituem as defesas as chamadas funções psíquicas de oposição ou de estancamento dos impul sos que tendem a acionar a ansiedade ou os afetos depressivos Ante o paciente o terapeuta é capaz de investigar a mente assim como de identifi car e explicar as formações de compromisso elementos instintivos influências do supe rego recrutamento das defesas considera ções da realidade e de como é percebida A defesa é um aspecto do funciona mento mental que se define apenas por suas consequências a redução da ansiedade eou do componente depressivo que se associa à dinâmi 108 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ca do superego ou aos instintos de rivados da pulsão26 Não há funções especí ficas do ego res ponsáveis pelas defesas por si só e não exis te nenhum mecanismo perito na habilida de de implantar ou de promover defesas26 A atenção a percepção o pensamen to a memória o afeto e as demais funções são pura e simplesmente arsenais defen sivos próprios das funções do ego Para Brenner o ego tem a aptidão de evocar qualquer conteúdo situado na mente To das as defesas apresentam em comum o fato de se oporem aos impulsos A defesa é um elemento pertencente à esfera da ne gação ou da contradição Toda defesa vol tada contra os impulsos e seus respectivos derivados gera ansiedade eou depressão e impõe uma proibição aos aspectos do id26 Quando há o deslocamento do pre sente para o passado ou viceversa o pa ciente tende a restituir o equilíbrio Mudan ças nos objetivos ou nos focos que iman tam a atenção indicam perigo Mo dulações sutis do tom de voz ênfases impressas em determinados assuntos e atribuições dadas a eles entre outros fenômenos são dignos de atenção e demonstram o tipo de sen sações desconfortáveis desencadeadas na consciência e que de algum modo ajudam a resgatar o senso de segurança no processo psicoterápico psicanalítico As simples va riações no discurso do paciente ocorridas de momento a momento quando perce bidas pelo terapeuta podem ser utilizadas para reduzir a ansiedade gerada pelo con flito São esses os alvos do trabalho psico terápico psicanalítico no entender de Bren ner Em um caso clínico mostra que para se defender da raiva provocada por uma pessoa que o ofendeu o paciente acabava por se culpar para evitar a cons ciência do episódio que o frustrou Enquanto a ênfa se das interpretações se centrava no fato de que o paciente estava se culpando e criti cando a si mesmo o foco de atenção se di vidia visto que a indignação e a raiva eram destinadas a outra pessoa O fato é que cada interpretação continha referências aos pro pósitos da defesa e aos derivados da pulsão Brenner entende a defesa como um processo que regula a economia psíquica e que as de fesas são acionadas para atenuar ou reduzir a ansiedade ou afetos depressivos resultantes da excitação pulsional Ele caracteriza a fun ção das defesas como eventos exclusivamente intrapsíquicos identificados por suas funções e não por suas motivações Na verdade argu menta que não há mecanismos de defesa par ticulares apenas funções do ego que podem ou não ter finalidades defensivas Em resumo descreve as intervenções que nomeiam os componentes da forma ção de compromisso e que são responsá veis por pensamentos planos atitudes fantasias e emoções Coleta minuciosa mente as atitudes que vê diante de si Os elementos que nomeia ao paciente não pertenciam à consciência e de certa for ma essa ideia conserva afinidade com as reconstruções e com alguns dos preceitos de Anna Freud Porém nomear conteúdos que estão alojados nas profundezas do in consciente é o que Brenner enxerga por de trás da defesa presente nos compromissos e isso se opõe à técnica de Anna Freud que visa a flagrar a defesa no ato As duas técni cas têm objetivos distintos As intervenções de Brenner têm como alvo desestabilizar o equilíbrio das forças em conflito na mente Psicoterapia de orientação analítica 109 do paciente Seu propósito é o de provocar uma reestabilização mais saudável25 Um resultado desejável nesse processo incluiria o registro de novas possibilidades de reso lução dos conflitos evidenciados nas for mações de compromisso OUTRAS CONTRIBUIÇÕES IMPORTANTES Melanie Klein pensava diferente de Anna Freud supondo que as defesas não se configuravam como entidades distintas e separadas mas como partes integrantes da constelação psíqui ca Logo as ansiedades e as defesas teriam de ser interpretadas em conjunto Descreveu defe sas primitivas como clivagem do objeto cli vagem do ego idealização negação da realida de interna e externa projeção introjeção oni potência e identificação projetiva Também destacou que algumas des sas defesas tais como a projeção e a identi ficação eram ao mesmo tempo processos mentais fundantes mediante os quais a es trutura do ego se desenvolvia Os seguidores de Klein consideram as defesas não tanto como processos psicológicos transitórios acionados quando necessários mas como configurações psicológicas que se conden sam para formar um sistema rígido e inflexí vel descritos como organizações narcisistas por Hebert Rosenfeld ou organizações pato lógicas por John Steiner Essa noção de siste mas de defesa da personalidade associados a poderosos controles dos objetos internos foi igualmente aplicada à dinâmica de gru pos e sistemas sociais por Elliot Jacques Wilfred Bion Robert Hinshelwood e outros Klein pontuava a transferência como o principal agente das mudanças terapêu ticas A transferência seja negativa seja hostil condensa as defesas e as ansiedades e deve ser interpretada no início do trata mento Isso por si só aliviaria o paciente e favoreceria o trabalho psicoterápico Se gundo ela o psicoterapeuta tinha o com promisso de mostrar ao paciente que ha via entendido suas angústias recônditas e suas defesas e que não o abandonaria nes sa jornada em direção ao que o amedron tava Os críticos de Klein argumentam que havia algo de hostil no ato de interpretar defesas no início do tratamento Para eles as intervenções assumiriam conotações perturbadoras ou até mesmo traumáticas no momento em que desmantelariam de forma abrupta o equilíbrio das estruturas defensivas responsáveis pela manutenção psíquica do paciente Dito de um modo menos dramático interpretações feitas no início da psicoterapia poderiam causar um fortalecimento das estruturas defen sivas em vez de minálas aos poucos visto que o paciente as encararia como ataques ou as registraria como algo fora de seu alcance mental Entretanto Klein consi derava uma inaptidão não interpretar as ansiedades profundas e as defesas contra elas logo de início Na visão da autora não se deve comprometer o potencial da psicoterapia com o prolongamento desne cessário do sofrimento apresentado pelo paciente Desde os debates e as confrontações aqui citados muitas formulações em re lação às defesas ganharam forma Winni cott27 colheu dessas divergências a maté ria para fomentar sua abordagem Ele se valeu de aspectos teóricos e técnicos tanto de Anna Freud quanto de Melanie Klein 110 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Criticou algumas posturas e adotou ou tras Em seu construto sobre o falso self Winnicott argumentou a respeito da necessidade de se trabalhar nem que seja por um tempo com as estruturas defensivas pois foi o próprio falso self que levou o paciente ao tratamento Con tudo alertou que essa prática não deve se es tender e que ela só existe para que a alian ça com o verdadeiro self se processe depois Uma das críticas de Winnicott a Anna Freud é a seguinte se o analista se concentrar mui to nos elementos presos às superfícies do ego talvez negligencie as camadas mais profun das do self Ademais o excesso de interven ções suaves tende a incrementar um conluio do analista para com o falso self do paciente A terapia poderá se tornar interminável por que o verdadeiro self estará sempre à mar gem dela A pluralidade das visões e das opi niões sobre a análise das defesas tem como emblema os psicanalistas norteamerica nos Primeiramente influenciados pelos estudos de Anna Freud e Otto Fenichel sobre o ego e as defesas realizaram abun dantes publicações em torno das defesas no contexto da psicologia do ego Insistia se que a análise da defesa fosse conduzida de acordo com os moldes paradigmáticos indicados por Anna Freud Porém con tribuições subsequentes influenciaram os pensamentos dos psicanalistas norteame ricanos em relação à análise das defesas O que ilustra essa mudança de rumo é a visão contrastante entre Heinz Kohut28 e Otto Kernberg29 Na psicologia do self de Kohut é dada importância à análise das defesas narcisistas o progresso do paciente depen derá entre outros fatores da tolerância e do bom convívio do terapeuta com tais tra ços de caráter e com as defesas e aí residem inúmeras controvérsias sobre a idealização do psicoterapeuta Para Kohut as defesas narcisistas não se configuram como resis tências e por conseguinte não precisam ser interpretadas Elas vão se dissolver sozi nhas sem interpretações Em contraparti da Kernberg inspirado em Klein entende a posição de Kohut como uma receita para o fracasso insistindo que para pacientes borderline e narcisistas seja essencial um confronto interpretativo direto das defesas em jogo CONSIDERAÇÕES FINAIS Freud tinha uma compreensão pluralista da técnica e aplicava um espectro amplo de meios terapêuticos Foi o primeiro a modi ficar sua técnica de acordo com o tipo de paciente e de patologia O Freud dos escri tos técnicos não é o mesmo de sua própria prática nem os terapeutas deixam de fazer intervenções diferentes das que oficialmen te admitem Existe uma dissociação entre a prática idealizada e a prática real que deve ser considerada a sério pela influência que pode ter sobre a teoria e a teoria da técnica É preciso ter ciência da variedade e da multi plicidade das formas defensivas e das formas indiretas que o paciente usa para disfarçá las respeitando as defesas que estruturam e sustentam as referências dos pacientes Não se pode assegurar que tipo de intervenção o paciente aceitaria melhor Em determinado caso é mais produtivo ir da superfície à pro fundidade noutro seria mais efetivo uma intervenção direta no conflito Ataques frontais às defesas podem deixar os pacientes com duas opções Psicoterapia de orientação analítica 111 1 a abdicação das defesas sem que te nham sido desenvolvidos mecanismos vicários para preencher os hiatos e gerar uma sobrecarga de ansiedade e culpa ou 2 o impulso de deixar um tratamento que ameaça seu estabelecido método de levar a vida A técnica psicoterápica psicanalítica não pode ignorar a intuição nem descartar o manancial de sentimentos irracionais que promovem a empatia para com os pacien tes a realidade psíquica não pode ser subs tituída por uma imagem conceitual Ado tar uma única teoria da técnica não implica nenhuma garantia de acertos O conceito de ego oferece estratégias para distinguir as defesas bem adaptadas e as sublimações dos colapsos e suas implica ções Dispor de um conceito de ego orienta a intervenção e fornece múltiplas formas de reconhecer quando o paciente está pre parado para receber a interpretação Seu papel principal e mais conhecido é o de criar no processo analítico um esquema de entendimento das defesas intrapsíqui cas e das resistências A multiplicidade de si tuações inerentes ao processo psicoterá pico não permite que se formulem regras ou diretrizes capazes de serem aplicadas em todos os contextos O que está em questão não é a interpretação da defesa antes do impulso e nem os meios cria tivos de lidar com as falhas do ego30 Não é a interpretação da transferência Não é a recons trução Não são as reações da contratransferên cia nem mesmo as interpretações dos enact ments presentes na transferência e na con tratransferência O foco não está no vínculo do aquieagora de duas pessoas em interação Também não é a atual realidade psíquica ou subjetiva do paciente que está em xeque Na verdade é tudo isso dependendo do paciente e de suas particularidades A interpretação da defesa é fundamental para o trabalho analíti co mas vale lembrar que nada mais é do que uma parte do todo O conceito de defesa foi designado inicialmente como recurso para evitar a manifestação dos derivados das pulsões tais como as fantasias e os desejos De pois foi modificado por Anna Freud9 ampliando as perspectivas quando somou à definição já existente a hipótese de que a defesa se opunha aos afetos Mais tarde Arnold Modell31 remodelou as dimensões das ideias anteriores e incluiu o aspecto de que as defesas se voltam para as relações de objeto Talvez a contribuição mais forte e uni ficadora entre as formulações tenha sido plasmada por Jacob Jacobson32 que suge riu que os afetos dolorosos fazem todas as teorias psicanalíticas convergirem Diante dessa perspectiva a psicanálise se sustenta a partir da fundamentação de que a mente está sujeita a afetos dolorosos que devem ser combatidos pelas defesas As teorias psi canalíticas se diferenciam pela compreensão da natureza e da fonte de origem do sofri mento psíquico assim como pela maneira segundo a qual o indivíduo lida com afetos dolorosos mas no fim o trabalho é essen cialmente o mesmo em todos os modelos psicanalíticos a defesa contra os afetos Não se veem mais as defesas como simples sinais de resistência que se inter põem à realidade A defesa é vista agora como reflexo das relações dinâmicas com o mundo interno seu grau de significân 112 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cia é equivalente ao de outros elementos da vida mental e deve ser analisada com rigor e seriedade Os conceitos de resis tência e de defesa seguem em paralelo ao desenvolvimento da teoria da técnica No início eram vistos como obstáculos de se chegar ao cerne das fantasias e dos dese jos inconscientes emanados das pulsões sexuais Hoje com a maioria das psicote rapias enfocando o caráter a defesa e sua manifestação em modos de resistência são os fatores que levam o paciente a lançar um olhar panorâmico a todas as funções e dimensões que compõem sua existên cia tanto conquistas quanto fracassos No entanto há sempre mais de uma maneira de entender o que se oculta no conteúdo associativo do paciente A interpretação à luz da defesa e o manejo dos afetos desa gradáveis são modos de levar o tratamento adiante mas ainda assim são apenas uma parte do processo Vale a pena relembrar Melanie Klein citada por Spillius33 A partir do que disse agora espero que fique claro que não quero afir mar que o processo terapêutico seja levado a cabo só por meio de inter pretações nem que o terapeuta deva interpretar todo o tempo Primeiro deve dar ao paciente a oportunida de suficiente de expressar seus pen samentos e sentimentos ao mesmo tempo em que coleta o material que irá interpretar Em condições nor mais não deve interromper o pa ciente mas deixálo ir adiante du rante certo tempo Muitos psicoterapeutas continuam a seguir as orientações técnicas da escola que elegeram Entretanto as diferenciações en tre os referenciais teóricos e técnicos já não são tão tumultuadas quanto antes Cada escola conquistou sua identidade ou seja desenvolveu métodos específicos para tra tar os pacientes e isso só se concretizou pelas críticas existentes tal foi seu modo de aprimoramento Todos esses aspectos provocaram grande impacto na análise das defesas Hoje os psicoterapeutas estão menos inclina dos a aderir a uma abordagem clínica tradicio nal ou ortodoxa Há uma tendência à flexibilida de e à integração das diferenças Os terapeutas estão mais abertos a viver a atmosfera singular criada pelas vicissitudes da transferência e da contratransferência Sentemse mais autoriza dos a experimentar novas situações Não exis tem privilégios de uma só escola ou de um úni co pensador todos acabam se unindo em prol do bemestar do paciente Nenhum paciente é igual a outro Qualquer psicoterapeuta respon sável e apto a escutar as flutuações psíquicas compreenderá que é preciso contemplar as par ticularidades de seus pacientes As distinções entre as correntes psi coterápicas não desapareceram mas a im pressão é a de que se encontram mais flexí veis e versáteis pois a psicanálise está mais generosa e aberta às novidades No fim há mais recompensas e ganhos para os psico terapeutas e para seus pacientes do que em outros tempos É preciso ter o cuidado de não fazer do trabalho psicoterápico uma linha de montagem O excesso de teoria pode levar os pensadores a se perderem em especulações infrutíferas Nem o paciente nem o terapeuta podem ser escravos da teoria mas a teoria deve estar a serviço de ambos Entender o modo como a pessoa se defende do sofrimento é fundamental para decifrar a conflitiva íntima dos pacientes que nos chegam não importando a teoria Aprender como transmitir tal compreen são sem que as defesas se recrudesçam ou distorçam a realidade é essencial à arte da psicoterapia Psicoterapia de orientação analítica 113 REFERÊNCIAS 1 Freud S As neuropsicoses de defesa In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 3 p 4161 2 Hartmann H El desarollo del cocepto del yo en la obra de Freud In Ensayos sobre la psicología del yo México Fondo de Cultura Económica 1969 cap 14 3 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise 2 ed Santos Martins Fontes 1970 4 Gill MM Rapaport D Aportaciones a la te oría y técnica psicoanalítica México Pax México 1962 5 Freud S Novos comentários sobre as neu ropsicoses de defesa In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 3 6 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 17 p 1380 7 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 20 p 95201 8 Blum HP Defense and resistance histori cal perspectives and current concepts New York International Universities c1985 9 Freud A O ego e os mecanismos de defesa Rio de Janeiro Biblioteca Universal Popular 1968 10 Sandler J Kennedy H Tyson RL The tech nique of child psychoanalysis discussions with Anna Freud London Hogarth 1980 11 Sandler J Freud A The analysis of defense the ego and mechanisms of defense revis ited New York International Universities c1985 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A noção de ego e de defesa está presente desde os primeiros trabalhos de Freud evoluindo ao longo de sua obra 2 Anna Freud aprofundou o conceito de defesa enfatizando a importância de que o paciente ficasse consciente das defesas utilizadas e da história destas 3 Fenichel preconizou que a abordagem clássica para analisar a defesa seguia o modelo da superfície à profundidade 4 Paul Gray formulou que a análise da defesa é a forma mais adequada de se chegar ao núcleo do conflito e que ajudar os pacientes a expandir a consciência em relação aos conteúdos inconscientes propor ciona um modo de viver menos neurótico 5 Brenner propôs analisar os conteúdos inconscientes que subjazem às defesas presentes nas formações de compromissos suas intervenções têm como alvo desestabilizar o equilíbrio das forças em conflito na mente do paciente e provocar uma reestabilização mais saudável 6 É fundamental entender como a pessoa se defende do sofrimento para decifrar a conflitiva íntima dos pacientes não importando a teoria 7 Aprender como transmitir tal compreensão sem que as defesas se recrudesçam e distorçam a reali dade é essencial à arte da psicoterapia 8 O conceito de defesa vem sendo alterado revisado e refinado à medida que a experiência clínica tem moldado a compreensão psicanalítica das complexidades do desenvolvimento psicológico e do conflito psíquico 9 As aplicações clínicas da compreensão do ego e dos mecanismos de defesa sobrepujam os desacordos teóricos pois o que mais importa é o efeito que eles têm no encontro entre terapeuta e paciente 114 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 12 YoungBruehl E Anna Freud uma biografia Rio de Janeiro Imago 1992 13 Murray J Anna Freud a beacon at the cen tre of psychonalysis In Ekins R Freeman R editors Centres and peripheries of psycho analysis London Karnac 1994 14 Reich W Análise del caráter In Fliess R Es critos psicoanalíticos fundamentales Bue nos Aires Paidós 1981 p 10623 15 Sterba R The fate of the ego in analytic the rapy Int J Psychoanal 19341511726 16 Nunberg H The synthetic function of the ego Int J Psychoanal 19311212340 17 Fenichel O The study of defense mechanis ms and its importance for psychoanalytic technique In Fenichel H Rapaport D The collected papers of Otto Fenichel New York WW Norton 1954 p 18397 18 Fenichel O Problems of psychoanalytic te chnique Albany Psychoanalytic quarterly 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Collected pa pers of David Rapaport New York Basic Books c1967 Reik T Ochs E Ecouter avec le troisième oreille lexpérience intérieure dun psychanalyste Paris C Tchou pour la Bibliothèque des introuvables 2004 Como funciona a psicoterapia de orienta ção analítica Por meio de quais mecanis mos atua sobre o paciente Onde no psi quismo do paciente seus efeitos se fazem presentes Estas e muitas outras questões a respeito da ação terapêutica da psicotera pia de orientação analítica são levantadas com frequência quando se estuda o tema e têm importância fundamental para a compreensão do que fazemos com nossos pacientes do alcance dessa tarefa e de suas limitações Como a teoria da técnica em psi coterapia de orientação psicanalítica assim como seu corpo teórico parte dos conceitos psicanalíticos as teorias sobre sua ação tera pêutica terão que partir das ideias sobre os mecanismos de ação da psicanálise antes de se deter em suas especificidades e é essa li nha que procuraremos traçar neste capítulo Assim como outros temas este é controverso e a maneira como a ação te rapêutica vai ser pensada depende do mo delo de funcionamento da mente utilizado das noções sobre mudança psíquica e dos objetivos da psicoterapia Neste capítulo a linha teórica enfatizada corresponde aos principais referenciais que caracterizam a psicoterapia de orientação psicanalítica em nosso meio que segue o eixo FreudKlein Bion UM BREVE HISTÓRICO Em seu trabalho Uma breve descrição da psicanálise Freud1 faz uma espécie de re visão das ideias sobre a ação da psicanálise até aquele momento Refere que no início a psicanálise pretendia apenas entender al guma coisa da natureza das doenças nervo sas procurando superar a impotência que caracterizava seu tratamento Os médicos não sabiam o que fazer com o fator psíqui co e o deixavam aos filósofos aos místicos e aos charlatões A partir do hipnotismo verificouse que notáveis mudanças so máticas podiam ocorrer por influências mentais colocadas em ação pelo próprio hipnotizador abrindo espaço para a maior percepção da existência de processos in conscientes sujeitos à experimentação O próximo passo viria com Breuer em 1881 ao perceber como os sintomas surgiam no lugar de alguma ação não efe tuada e da qual não havia memória Por meio da hipnose era possível recuperar essa memória com intensa liberação de afe tos levando ao desaparecimento do sinto ma Dessa maneira um só e mesmo proce dimento servia ao propósito de investigar o mal e livrarse dele e esse método recebeu o nome de catarse que é a precursora da 6 TEORIAS DA AÇÃO TERAPÊUTICA Viviane Sprinz Mondrzak 116 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs psicanálise e que segundo Freud conti nuou em seu núcleo Após algum tempo verificouse que nem todos os pacientes eram suscetíveis à hipnose e que os sintomas desaparecidos sob seu efeito retornavam o que levou ao abandono de tal método Era necessário algo que substituísse o efeito da hipnose de recuperar memórias esquecidas o que acabou levando à associação livre até ho je um dos pontos mais importantes para a compreensão do mundo psíquico Freud percebeu que o discurso do paciente não seguia uma associação casual ao contrário era determinado por material inconsciente trazendo sempre pistas do que fora esque cido e que com alguma interpretação do médico poderia ser reconstruído Assim a associação livre e a interpretação substituí ram a hipnose formando a base do método psicanalítico de acesso aos conteúdos in conscientes sempre com ênfase no preen chimento de lacunas de memória conside rado até então o mecanismo de ação por excelência da psicanálise No trabalho de revelar o que havia sido esquecido tornouse evidente que se lutava contra uma resistência incons ciente muito intensa por parte do paciente che gando à teoria da repressão as mesmas forças que agora lutavam contra tornar determinadas lembranças conscientes de veriam ter atuado anteriormente causan do sua repressão a saída da consciência Porém o fato de serem inconscientes não eliminava sua força apenas fazia com que atuassem de outra forma disfarçada me diante sintomas Assim o conceito de resistências passa a ocupar uma posição central no mecanismo de ação da psicaná lise e a ênfase é colocada no trabalho de superação das resistências que levaram à repressão Um passo importante acompanha os avanços de Freud na compreensão da transferência Percebe então que ela é a principal resistência à recordação porque com ela o paciente procurava repetir as situações passadas em vez de lembrálas A transferência seria assim um fragmento de repetição fazendo serem experimenta dos como atuais sentimentos que têm ori gem no passado Ao mesmo tempo perce be que é por meio dela que se dá a maior possibilidade de superar as resistências Essa dupla visão da transferência como principal obstáculo e como principal ins trumento de ação terapêutica acompanha todo o pensamento de Freud De qualquer forma a centralidade da transferência está claramente estabelecida Na visão de Freud2 não se pode pre ver quais os resultados que serão obtidos pelo analista Este coloca em andamento um processo de solução de repressões exis tentes procurando afastar os obstáculos em seu caminho mas em geral uma vez desencadeado esse processo segue o pró prio rumo O analista deve estar prepara do para uma luta perpétua com o paciente para tentar manter na esfera psíquica todos os impulsos que este gostaria de dirigir pa ra a esfera motora A transferência é con siderada uma área intermediária entre a doença e a vida real por meio da qual a transição de uma para outra é feita já que assume todas as características da doença e é acessível a nossa intervenção A partir das reações repetitivas exibidas na transfe rência somos levados até o despertar das lembranças que aparecem sem dificuldade após a resistência ter sido superada En tretanto não basta nomear as resistências elas precisam ser elaboradas processo que efetua as maiores mudanças no paciente e distingue o tratamento psicanalítico de outros tratamentos Dito de outra forma a tarefa terapêutica consiste em recolocar as forças libidinais centradas nos sintomas a serviço do ego Para resolver o sintoma Psicoterapia de orientação analítica 117 seria necessário remontar ao conflito que lhe deu origem renovandoo e tornando o acessível mediante a transferência para então leválo a outro desenlace Assim o trabalho terapêutico desen volvese em duas fases Na primeira pro curase concentrar toda a libido na trans ferência na segunda travase uma batalha em torno desse novo objeto e outra vez se liberta a libido deste pelo trabalho de in terpretação que transforma em conscien te o que era inconsciente Mais tarde ao introduzir a segunda tópica Freud3 diria que o objetivo seria trazer o id para a esfe ra do ego e em 1940 descreve o trabalho psicanalítico como traduzir processos in conscientes em conscientes preenchendo lacunas da percepção consciente Assim nessa trajetória esboçada brevemen te apesar da ênfase na recuperação de memó rias podemse localizar outros elementos bá sicos com relação aos mecanismos de ação da psicanálise aumentar a capacidade perceptiva da consciência acessar os conflitos por meio da transferência que confere a eles atualidade e intensidade afetiva para procurar novas so luções a associação livre como método funda mental de acesso ao inconsciente e sua contra partida no terapeuta a atenção flutuante a re lação com o terapeuta como essencial para a mudança psíquica A respeito desse último fator notase que Freud já haviase dado conta de que apenas o tornar consciente não bastava e de que a força que impulsionava o trata mento não era o desejo de melhora do pa ciente mas o elemento de sugestão o que deixa clara a importância do papel desem penhado pelo relacionamento interpessoal Ferenczi foi um dos autores a enfatizar a necessidade de uma experiência afetiva na análise expressa via transferência para que se tornassem possíveis novas configurações intrapsíquicas4 Seguindo nessa linha de tempo a pró xima contribuição fundamental a ser con siderada é a de Melanie Klein57 Para ela a análise age no equilíbrio entre as pulsões de vida e de morte determinadas constitucio nalmente buscando um abrandamento da inveja considerada a principal represen tante da pulsão de morte A partir de seus estudos sobre mecanismos primitivos de funcio namento da mente e de seu modelo de desenvolvimento posições esquizopa ranoide e depressiva Melanie Klein defen de o trabalho psicanalítico como auxiliar do paciente na passagem de uma posição a outra buscando a integração no ego dos aspectos cindidos e projetados Dessa for ma mudase a ênfase da resolução de con flitos para o processo de integração do ego A interpretação das fantasias inconscientes primitivas permite que os mecanismos de dissociação projeção característicos da posição esquizoparanoide deem lugar a mecanismos da posição depressiva ou seja a integração dos componentes agressivos possibilita a experiência de dor e luto As sim há uma ênfase nos mecanismos de in trojeção e projeção como veículos da ação terapêutica O instrumento é a interpreta ção das fantasias inconscientes percebidas mediante a transferência que com Klein se torna um conceito mais abrangente de transferência como situação total em que são transferidos fantasias afetos defesas8 Nesse processo é importante o paciente perceber que o analista aceita tais senti mentos agressivos principalmente a inve ja não se assustando com eles o que faz perderem seu caráter onipotente O analista funcionaria como um su perego mais tolerante abrindo caminho para que o paciente aceite esses sentimen tos como seus possibilitando o caminho da reparação Em 1934 Strachey desenvolveu 118 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs essa ideia em seu clássico trabalho sobre a ação terapêutica da psicanálise introduzin do o conceito de interpretação mutativa aquela que seria responsável pela mudança psíquica A interpretação mutativa rela ciona o que é percebido na transferência com a situação infantil que lhe teria dado origem O primeiro passo seria o analista ajudar o paciente a perceber a discrepân cia entre o objeto da fantasia e o analista real pela análise e interpretação dos meca nismos de projeção e introjeção que deram origem a essa percepção distorcida Em um segundo momento haveria então a in terpretação genética relacionando com o significado infantil9 Como se pode notar ainda é considerado básico na interpreta ção o remeter ao passado mas já se perce bem alguns sinais de que a recuperação de memórias passadas não seria tão essencial Talvez uma das maiores contribui ções de Klein ao tema do mecanismo de ação da psicanálise tenha sido seu conceito de identificação projetiva um mecanismo defensivo intrapsíquico mediante o qual o paciente projeta no objeto aspectos cin didos que não pode tolerar como seus pas sando a se identificar com esse objetoalvo da projeção Bion desenvolveu o aspecto comuni cativo da identificação projetiva mostran do como o mecanismo não existe apenas na fantasia mas tem o potencial de produzir no objeto o sentimento que se está experi mentando Como se verá adiante a identi ficação projetiva é considerada o principal instrumento para se ter acesso ao mundo psíquico do paciente No início da década de 1950 Ra cker10 e Heimann11 dedicaramse a estu dar a contratransferência destacando sua importância dentro do processo psicana lítico e a forma como os sentimentos do analista participam ativamente desse pro cesso Transferência e contratransferência vão sendo cada vez mais consideradas fenômenos indissociáveis levando à noção de campo12 em que o relacionamento ana listapaciente passa a delimitar uma nova estrutura Percebese portanto que a tendência dentro do pensamento psicanalítico é cada vez mais considerar a importância dos vários aspectos envolvidos na relação entre duas pessoas de modo que o psiquismo de uma influi na outra e é justamente esse trânsito via identificação projetiva que vai possibilitar o entendimento do que está se passando e a possibilidade de mudança psíquica Nessa trajetória outras contribuições de Bion1317 tiveram influência na forma de se entender o mecanismo de ação da psi canálise Para ele as experiências emocionais são a base para a formação de um aparelho mental capaz de pensar Na infância pela capacidade de rêverie da mãe fornecendo um continente capaz de conter a emoção e darlhe um significado esse aparelho vai se estruturando e formando elementos alfa utilizáveis para sonhar e pensar em vez de apenas evacuar a emoção Ao analista cabe proporcionar esse continente dentro do qual o paciente se sinta mais seguro para enfrentar a dor psíquica que acompanha o contato com a realidade tanto interna quanto externa As resistências não são apenas contra o afeto reprimido mas con tra a dor psíquica e o trabalho psicanalíti co não busca apenas evidenciar repressões mas expandir a capacidade da mente de transformar suas emoções em elementos pensáveis Destacamse os requisitos es senciais ao estado mental do analista para promover esse processo sem memória e Psicoterapia de orientação analítica 119 sem desejo próximo da atenção flutuante de Freud e com capacidade negativa tole rância à falta de significado Há portanto uma mudança de ênfase no obje tivo da psicanálise que passa a ser possibilitar uma transformação por meio da qual o analista coloca em palavras a emoção surgida na expe riência da sessão possibilitando que se expan da a capacidade do paciente de pensar sobre suas emoções A análise configuraria então um processo afetivocognitivo em que emoção e pensamento não estariam em oposição ao contrário um seria a matériaprima do outro A contratransferência é o meio pe lo qual o analista trabalha e transforma a identificação projetiva do paciente e o que esta ativa em si próprio como resposta emocional18 Assim os processos mentais do analista e a capacidade de ler suas res postas emocionais se apresentam como o principal instrumento de ação terapêutica Essa centralidade das emoções tem sido corroborada pelos estudos das neu rociências que mostram como elas têm papel fundamental em todo processo de determinação de quais vias sinápticas serão mais estimuladas coordenando mente e corpo organizando percepções pensamen to memória fisiologia e interação social sendo capazes de desencadear um processo de ativação de vias neuronais19 Novos conhecimentos oriundos da observação das relações mãebebê tam bém têm contribuído com as teorias sobre a ação terapêutica da psicanálise Stern20 traça um paralelo entre o processo terapêu tico e o processo diádico mãebebê o par desenvolve um conjunto de padrões mi crointerativos em que os passos incluem erros perturbações e reparos formando determinada relação implícita comparti lhada20 No processo terapêutico destaca dois momentos mutativos a interpretação que faz um reordenamento consciente dos dados e como pano de fundo um movi mento de perceber compartilhar e promo ver mudanças nessa relação estabelecendo uma nova forma de estar com20 Avanços no estudo da memória des tacamse na discussão dos mecanismos de ação da psicanálise principalmente as des cobertas sobre a existência de dois sistemas de memória uma declarativa explícita que corresponde à memória consciente e outra chamada procedural implícita to talmente inconsciente e que se evidencia somente pelo desempenho e não pelas recordações conscientes Fonagy2122 a esse respeito considera que a re moção de repressões não pode mais ser considerada a chave da ação terapêutica A mudança psíquica ocorre por uma nova ênfase entre diferentes modelos de relações de objeto Muitas das alterações ocorridas no proces so terapêutico não estariam no campo da compreensão consciente e sim no campo dos comportamentos e conhecimentos não verbais do inconsciente procedural e momentos de significação que ocorrem na interação pacienteterapeuta permitem o alcance de um novo grupo de memórias implícitas ocasionando um progresso que se reflete na maneira como o paciente passa a interagir com outros Tais estudos deixam claro o interes se em aprofundar os conhecimentos sobre os modos de ação terapêutica utilizando inclusive subsídios de outras ciências De qualquer forma o assunto continua susci tando polêmicas principalmente no tocan te ao papel do levantamento de repressões e na recuperação de memórias passadas co mo mecanismo de ação23 120 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Assim vemos como a evolução no corpo teórico da psicanálise trouxe mu danças na forma de se pensar os mecanis mos de ação da psicanálise em especial os estudos do desenvolvimento infantil do papel das experiências préedípicas e da re lação interpessoal analistapaciente A ideia defendida é a de que se deve aceitar um modelo de multicausalidade em que a orienta ção teórica de cada um e as particularidades de cada paciente darão mais destaque a um ou outro elemento24 Gabbard e Westen25 considera que em linhas gerais há uma tendência a se pensar no mecanismo de ação de uma for ma mais humilde optando por falar de mecanismos de ação no plural Essa maior tolerância com as incertezas tanto nas formulações teóricas quanto nas sessões também teria um potencial mutativo ao considerar um psicoterapeuta que aceita as limitações de seu método adotando uma postura não onipotente O que parece ser inquestionável é a importância da nova relação estabeleci da com o terapeuta não como experiên cia corretiva mas pela possibilidade do pacien te de desenvolver outro repertório de respostas diante de um objeto que mos tra novas atitudes em relação a ele e o con vida a pensar antes de repetir os padrões até então utilizados Somase a isso a experiên cia de ser escutado e compreendido por um outro de uma forma única em um modelo de escuta com um referencial implícito que busca o que está mais além da narrativa formal26 Nessa linha evolutiva que certamente prosseguirá agregando novos conhecimen tos é importante que se possa perceber ca da elemento estudado nos mecanismos de ação da psicanálise como um degrau para o passo seguinte sem no entanto ser neces sariamente descartado E A PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA As semelhanças e diferenças entre psica nálise e psicoterapia de orientação psica nalítica constituem matéria de constante discussão Para os propósitos deste capítu lo consideramos que ambas as formas de tratamento partem de um mesmo corpo de conhecimentos e utilizam o insight e a inter pretação como ferramentas básicas de tra balho Cada uma no entanto dá origem a processos particulares que se desenvolvem em settings diferentes resultando princi palmente em graus diferentes de profundi dade de emergência da transferência27 Há diferenças relacionadas à formação de um psicoterapeuta e de um analista e aos ob jetivos propostos na psicoterapia há um foco central enquanto na análise não há o comprometimento com algum aspecto em particular da vida do paciente Assim considerase que a psicanálise se caracteriza por um método que torna possível a observação ordenada do mun do psíquico e que serve também de base para o método psicoterápico Na psicote rapia de orientação psicanalítica faz parte do método a delimitação de determinadas áreas preferenciais focos de atenção do trabalho interpretativo Quais seriam as ca racterísticas desse método Antes de tudo a criação de um campo em que essa obser vação do mundo psíquico possa se proces sar e no qual a comunicação entre ambas as partes terapeuta e paciente possa ocorrer o que se refere à criação de um setting espe cífico de trabalho Psicoterapia de orientação analítica 121 Para nos aproximarmos do que se passa no relacionamento pacientetera peuta em uma sessão é importante consi derarmos que a comunicação humana se dá em diferentes níveis um nível metalin guístico em que a comunicação é feita por meio da linguagem e um nível metacomu nicativo segundo o qual se comunicam as emoções dos participantes acerca da rela ção o que é feito mediante elementos não verbais Assim na comunicação paciente terapeuta as mensagens transmitidas e captadas pelos participantes da dupla vão muito mais além do que é dito em palavras Além disso as próprias palavras vão ser en tendidas de acordo com o clima emocional do momento e assim as interpretações terão seu valor determinado pelo marco psicológico no qual são oferecidas28 Dessa forma a questão do setting ganha destaque como determinante da ação terapêutica Setting entendido não apenas em seus as pectos formais mas principalmente em relação ao que é determinado pela atitude do psicoterapeuta em que se destacam a neutralidade e a postura receptiva reflexiva e não crítica que formam um continente capaz de conter as angústias do paciente considerado o mecanismo de base de ação da psicoterapia Nesse contexto a regra da abstinência não é uma simples lei técnica a ser seguida Ela provém de uma compreensão do tera peuta acerca dos limites de sua tarefa recu sando uma posição onipotente de ser capaz de curar o paciente não compartilhando da fantasia de que trabalhar elaborativamente significa desfazerse de partes indesejáveis de sua personalidade Caper29 salienta que uma das dificuldades em manter a regra da abstinência é que a atividade peculiar do analistaterapeuta parece artificial não podendo oferecer conselhos ou consolos causando certa dose de sofrimento real pa ra poder alcançar o objetivo principal que é a integração psicológica De forma para doxal aquilo que leva o paciente a sentir a relação como artificial é justamente a insis tência do analista em ser real não corres pondendo às fantasias e mantendose nos limites de sua função não podemos deci dir pelo paciente nem privilegiar um ou outro ponto de vista que nos pareça mais saudável só podemos ajudálo a perceber melhor Assim aquilo que transmitimos mui to além das palavras em nossos gestos na entonação da voz na atitude de compreen der e não julgar ou aconselhar é que for mará o contexto dentro do qual o paciente possa se sentir encorajado a pensar sobre seus sentimentos Os aspectos formais do setting funcionam como uma organização do espaço de trabalho lembrando que há uma realidade externa à qual ambos os par ticipantes devem se sujeitar Assim podemos considerar que a primeira ação terapêutica provém da atitude do terapeuta ao propor uma aproximação reflexiva ordenadora que em vez de julgar procura um sentido para o que o paciente sente O elemento verbal do método psi canalítico é a interpretação que procura mostrar para o paciente outros vértices de aproximação de seus conflitos Na psi canálise a interpretação transferencial é o principal instrumento Na psicoterapia as interpretações que privilegiam o foco es colhido são prioritárias mas somente um acompanhamento dos movimentos trans ferenciaiscontratransferenciais pode for necer elementos para que o terapeuta com preenda o que se passa estabelecendo uma constante tensão entre transferência e foco Interpretações que não sejam baseadas na percepção do clima emocional da sessão 122 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs serão intelectualizadas e distantes Assim o trabalho interpretativo seria o segundo responsável pela ação terapêutica Mas com que intenção interpreta mos que efeito procuramos Desde observações muito simples que apenas procuram dar nome a determinadas sensações confusas a interpretação procura novas formas de aproximação novos sentidos para as expe riências emocionais do paciente Paula Heimann30 defende que busca mos aumentar a capacidade perceptiva do ego do paciente e que é para ele que inter pretamos a fim de que possa perceber com mais clareza seus processos intrapsíquicos e interpessoais Apesar de muitos proces sos primitivos só poderem ser expressos em palavras de forma aproximada a for mulação em palavras é importante porque estas promovem pensamento crítico e são o veículo de comunicação clara e explícita entre paciente e terapeuta A interpretação atrai para a região da palavra aquilo que se dá na dimensão do ato da fantasia do sentimento Ela não é apenas a tradução de algum significado mas instrumento de modificação da relação entre forças psíqui cas por meio da comunicação ao paciente na circunstância apropriada da compreen são alcançada pelo terapeuta quanto a essa relação31 Entretanto interpretar por si só não produz efeito terapêutico como Freud32 já destacava ao falar do trabalho de elabora ção que de alguma forma pode ser aproxi mado ao trabalho do luto33 Ambos os tra balhos acontecem aos poucos e envolvem a capacidade de tolerar dor Na psicoterapia tratase da dor que acompanha a percep ção de determinadas realidades externas e internas Nesse processo é fundamental o papel do terapeuta como representante de figuras de importância na vida do pacien te O que poderíamos chamar de poder da sugestão deve ser usado pelo terapeuta de outra forma não para influenciar opiniões mas para ajudar a vencer resistências à dor e às mudanças Assim podemos imaginar que o pa ciente chega à psicoterapia com algumas teorias acerca de si mesmo e do que está lhe acontecendo Como está buscando ajuda sabemos mas o paciente às vezes não tem consciência que as formas usadas até en tão para enfrentar as várias situações de sua vida não estão mais funcionando de modo adequado Nosso paciente chega com dois objetivos um manifesto de mudança outro latente de evitar mudanças já que estas sempre se acompanham de medo e insegurança Ambos os objetivos são ver dadeiros e a existência de um não exclui o outro Em psicoterapia escolhemos algum foco que nos pareça corresponder à área de maior sofrimento para o paciente e com cuja importância ele concorde Esse foco pode ir dando lugar a outros ir se desmem brando O foco não significa que todas as interpretações serão centradas aí mas de limita uma zona de trabalho para a qual estabeleceremos estratégias de aproxima ção de acordo com as resistências que vão surgindo tendo como guia o que se per cebe na relação que o paciente estabelece conosco Esta ainda é a melhor referência para identificarmos os padrões de resposta do pa ciente a transferênciacontratransfe rên cia mesmo que as interpretações sejam pre dominantemente extratransferenciais A partir da identificação gradual desses padrões sempre procurando relacio nálos com o foco formulamse interpretações uma espécie de descrição dos fatos psíqui cos Todavia essa descrição tem algumas Psicoterapia de orientação analítica 123 características particulares já que procura apresentar uma outra forma de perceber o mesmo fenômeno apontando contradi ções distorções e principalmente estabe lecendo as diferenças entre mundo externo e realidade psíquica o que cria portanto um paradoxo entre modos de sentir e pen sar e o que pode ser percebido É a possibi lidade de perceber as contradições e tolerar esses paradoxos que abre caminho para o insight uma mudança de nível lógico do pensamento em direção a uma maior abs tração2834 A atitude do terapeuta de compreen são não crítica de aproximação imparcial de qualquer conteúdo apresentado cria a atmosfera necessária para que o paciente se sinta acompanhado na tarefa de submeter suas teorias a uma reavaliação Mediante a neutralidade essas teorias podem ser ques tionadas contrastadas e inclusive redefi nidas34 Supomos que as teorias do paciente e os padrões de resposta baseados em suas premissas foram formados na infância e passaram a vigorar como verdades inques tionáveis mesmo com o desenvolvimento e a aquisição de novas capacidades Assim detectamos modos de funcionamento que continuam se guiando por mecanismos pri mitivos regidos pela onipotência do pensa mento por uma postura superegoica severa característica do superego mais primitivo por ideais de ego distanciados da realidade impondo expectativas inatingíveis Seja qual for o foco escolhido boa parte do trabalho e dos efeitos obtidos acontecerá em torno destas questões abrandamento das críti cas do superego por meio da aceitação das próprias limitações e da percepção de que as exigências correspondem a uma onipo tência infantil busca por resolver conflitos por meio de modos mágicos que envolvem a negação da realidade interna ou externa Em psicoterapia além do trabalho sobre o foco escolhido esperamos que o paciente possa identificar e introjetar algo da atitude reflexiva do psicoterapeuta de busca de compreensão e que possa utili zar esse modelo em outras situações de sua vida Dessa forma o terapeuta deve trans mitir em sua atitude geral a aceitação im plícita de seus limites e dos limites de seu método abrindo mão de uma postura oni potente de quem teria as respostas certas e definitivas as interpretações são hipóteses e é importante poder mostrar de onde elas partiram ILUSTRAÇÃO CLÍNICA A paciente de 32 anos procura atendimento por problemas conjugais uma queixa frequente em adultos já que é no trabalho e nas relações afetivas que mais se manifestam as consequências de conflitos mal resolvidos Apresentase com uma profusão de queixas repetidas exaustivamente que procuram mostrar como o marido não a valoriza não faz planos conjuntos trata apenas de seus próprios interesses vive para o trabalho escuta mais os colegas do que ela mesma e assim por diante Mesmo que seu relato apresente o marido como alguém que não a trata bem o terapeuta sente certa irritação já que parece não ter outra saída além de se aliar a ela na constatação de que o marido a maltrata O terapeuta sentese pressionado Continua 124 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua a tomar um partido e é possível que essa seja a intenção inconsciente inicial da paciente Apesar de seu sofrimento com a situação e do desejo de que possa haver uma melhora evidenciase que a única saída que procura é o apoio do terapeuta em relação a sua teoria de que o problema é o marido que a desvaloriza e a possibilidade de que ambos possam mudálo e fazêlo adaptarse às suas expectativas Não há ain da a possibilidade real de que possa pensar de forma mais ampla sobre detalhes de sua situação conju gal e muito menos de sua participação nas dificuldades que enfrentam já que não tem a menor crítica so bre suas atitudes em relação a ele claramente despóticas e controladoras É claro que a paciente não tem consciência de todo esse processo Manifestamente está procurando alguém que a ajude nos problemas com o marido o que corresponde a determinado nível de seu desejo Em outro nível o desejo é não pensar Um dos guias importantes para o terapeuta é a irritação que suas queixas provocam apesar de o conteú do parecer plausível O terapeuta precisa realizar a tarefa inicial de conter não atuar esse sentimento para poder pensar sobre ele ou corre o risco de maltratar a paciente Qualquer tentativa de fazer com que pense sobre si mesma é de início rechaçada com a queixa de que o terapeuta está do lado do marido e duvidando do que ela conta É necessária uma outra via que jus tamente mostre como está assustada com a possibilidade de pensar no que está ocorrendo procurando portanto um aliado nas queixas alguém para lhe dar razão É importante que a paciente saiba que aco lhemos seu sofrimento mas que talvez ele não provenha da fonte que lhe parece mais provável A solução procurada não existe pois não poderemos mudar o marido e induzilo a corresponder às suas expectativas Muito tempo de trabalho foi necessário para que percebesse seu desejo de poder controlar de modo onipo tente a realidade e as pessoas como uma forma de se sentir protegida já que parecia não se sentir capaz de enfrentar o mundo sem tal recurso O foco inicial da psicoterapia foi amplo suas dificuldades conjugais Dentro desse foco foram neces sários níveis de abordagem diferentes começando pelo que parecia a resistência mais presente a dificul dade em aceitar que não poderia modificar tudo e todos que lhe causassem sofrimento Assim pôdese co nhecer aos poucos os anos que passou tentando das formas mais variadas e descabidas evitar que o pai psicótico tivesse surtos e a dor de reconhecer que não tinha esse poder Podia ajudar o pai não transfor málo em outra pessoa Da mesma forma foi ficando mais perceptível sua intensa desvalia e a fantasia de que o casamento com um homem de um nível socioeconômico mais alto que o seu a resgatasse dessa família profundamente desvalorizada por ela bem como a queixa de que ele como era de se esperar não cumpriu a missão e era apenas uma pessoa como qualquer outra com defeitos e qualidades Assim aos poucos foi se delineando um esboço de uma teoria que não era consciente para ela mas estava atuante sou uma pessoa sem valor e incapaz porque não consegui transformar meu pai e minha mãe em outras pessoas evitando toda a minha dor e decepção minha saída é que este homem o marido resolva essa angústia bastando para isso que eu consiga que ele me valorize de forma total irrestrita todo o tempo Essa formulação funciona como uma hipótese de trabalho que não pretende compreender integralmente o mundo psíquico da paciente Podemos perceber como o terapeuta de início correspondia a uma figura superegoica que lhe negaria o direito a essa solução a única que parecia possível O clima das sessões era preponderantemente para noide tenso e queixoso tendo como único assunto suas queixas do marido e do psicoterapeuta o qual su postamente não a apoiava A percepção via identificação projetiva dos sentimentos provocados pela pa ciente se contidos e compreendidos é essencial para que se estabeleça uma outra atmosfera e um outro modelo de aproximação de suas angústias Podemos considerar este o primeiro mecanismo de ação da psi Psicoterapia de orientação analítica 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS Se na psicoterapia assim como na análi se só conhecemos a abertura e o final na conhecida analogia de Freud com o jogo de xadrez podemos pensar que o méto do utilizado coloca em ação um processo cujo curso não pode ser determinado com precisão dependendo tanto de fatores in dividuais de paciente e terapeuta como das características da dupla que formarão Há sempre o desejo de que se possa encontrar uma teoria de ação geral mas é importan te que tenhamos em mente para futuros estudos que as particularidades de cada grupo de pacientes devem ser levadas em consideração De maneira geral percebese uma tendência de colocar mais peso nos fatores afetivos do que nos cognitivos apesar de essa ser uma contradição apenas aparen te O afetivo fornece a base para conhecer o que se passa com o paciente e conosco além do que podemos acessar pelos órgãos sensoriais ou pela razão além disso é o ti po especial de relacionamento que o setting psicoterápico procura criar com seu clima emocional específico tornando possível que o trabalho interpretativo o elemento cognitivo possa ter sentido não se limitan do ao fornecimento de alguma informação intelectualizada ao paciente A interpreta ção correspondendo a determinada orga nização de dados que o terapeuta formula veicula mensagens verbais e não verbais ambas essenciais já que os elementos não verbais formam a moldura dentro da qual as mensagens verbais podem ou não ser compreendidas Parte importante da ação terapêutica da psicoterapia de orientação psicanalítica se dá por meio do modelo de funcionamento mental que o terapeuta oferece um modelo de contenção das an gústias de abordagem reflexiva não críti Continuação coterapia a constituição de um setting neutro no qual a paciente pudesse neste caso muito lentamente sentirse menos assustada para examinar outros aspectos antes negados As interpretações se limitavam a mostrar como era difícil admitir que não tinha superpoderes como isso a fazia sentirse frágil procurando colocar em palavras o que estava latente em sua postura belicosa Ao conversarmos sobre as circunstâncias de sua vida o que foi se tornando possível após um longo pe ríodo a ideia não era recuperar memórias passadas mas aumentar sua capacidade de percepção de suas angústias atuais mostrandolhe como continuava tentando resolvêlas de forma mágica para evitar o so frimento Por exemplo era necessário conversar longamente sobre sua revolta caso chovesse nos dias em que ia para a praia a incapacidade de aceitar que não controlava o clima e passo seguinte mostrarlhe o pânico ao se imaginar no mundo sem esses poderes a clara fragilidade subjacente ao desejo onipotente de poder ter o controle absoluto sobre tudo Assim dentro do foco mais amplo foram se sucedendo focos par ciais visando a abordar a resistência mais presente no momento sempre procurando com as interpreta ções apontar outras formas de pensar sobre o que sentia O guia para determinar a pertinência de uma li nha interpretativa é dado pela percepção do clima que predomina no momento interpretações com conteú dos que podem ser considerados corretos mas feitas em um clima emocional inadequado não poderão ser assimiladas No início da psicoterapia seria inoperante mostrar por exemplo sua própria desvalorização projetada no marido apesar de esse mecanismo já estar perceptível desde o começo 126 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ca e não onipotente É sob essa influência que o passo seguinte se torna possível a expansão na capacidade do paciente de perceber sua realidade interna e externa revisando antigas teorias admitindo no vas formas de pensar suas experiências e abandonando em alguma medida modos de funcionamento mais primitivos mais onipotentes e portanto menos adequa dos PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de orientação psicanalítica coloca em ação um método de conhecimento do mundo psíquico do paciente 2 A relação estabelecida entre paciente e terapeuta é a base sobre a qual o trabalho psicoterápico se desenvolve e a possibilidade de mudança psíquica se apoia 3 A modalidade de relação pacienteterapeuta é definida pelo setting que tem como um de seus princi pais constituintes a atitude do terapeuta de neutralidade e continência das emoções além dos aspec tos formais 4 Na comunicação pacienteterapeuta atuam aspectos verbais e não verbais 5 A interpretação relacionada ao foco escolhido é o instrumento preferencial e apesar de ser uma verba lização também comunica aspectos não verbais 6 O acompanhamento dos fenômenos transferenciais é essencial mesmo quando as interpretações transferenciais não são priorizadas porque é o que determina o tipo de relacionamento que está se estabelecendo 7 A identificação projetiva é a via principal para a percepção do clima emocional da sessão captada pelos sentimentos contratransferenciais do terapeuta é o guia para a escolha da melhor forma de interpretar 8 O mais provável é que vários elementos entrem em cena na determinação dos modos de ação da psico terapia localizados dentro do espectro entre a ênfase no relacionamento e a ênfase no insight a for mação de cada terapeuta fará um ou outro fator ser priorizado As características de cada paciente também o fazem mais suscetível a um ou outro fator33 REFERÊNCIAS 1 Freud S Uma breve descrição da psicanáli se In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasilei ra Rio de Janeiro Imago 1976 v 19 2 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 3 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 4 Ferenczi S Transferência e introjeção In Ferenczi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1991 Obras completas 5 Klein M Una contribución a la psicogénesis de los estados maníacodepresivos In Klein M Contribuciones al psicoanálisis Buenos Aires PaidósHormé 1975 6 Klein M Amor cupla y reparación In Klein M Amor culpa y reparación Buenos Aires Paidós 1975 Obras completas v 1 p 135 72 7 Klein M Envidia y gratitud In Klein M En vidia y gratitud y otros ensayos Buenos Ai res Paidós 1975 Obras completas v 3 p 9100 Psicoterapia de orientação analítica 127 8 Klein M Las orígenes de la transferencia In Klein M Envidia y gratitud y otros ensayos Buenos Aires Paidós 1975 Obras comple tas v 3 p 26172 9 Strachey J The nature of therapeutic action of psychoanalysis Int J Psychoanal 1934 1512759 10 Racker H A contribution to the problem of countertransference Int J Psychoanal 195334431324 11 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 12 Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargie man 1969 13 Bion WR O aprender com a experiência Rio de Janeiro Imago 1991 14 Bion WR Elementos de psicanálise Rio de Janeiro Imago 1991 15 Bion WR Transformações Rio de Janeiro Imago 1991 16 Bion WR Atenção e interpretação o acesso científico a intuição em psicanálise e grupos Rio de Janeiro Imago 1991 17 Bion WR Bion em Nova Iorque e em São Paulo In Bion WR Conversando com Bion quatro discussões com W R Bion Bion em Nova Iorque e em São Paulo Rio de Janeiro Imago 1992 18 Ferro A Na sala de análise emoções relatos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 19 Pally R Emotional processing the mindbo dy connection Int J Psychoanal 199879Pt 234962 20 Stern D Mecanismos não interpretativos na terapia psicanalítica Algo mais além da in terpretação In Livro anual de psicanálise São Paulo Escuta 2000 v 14 p 197214 21 Fonagy P Memory and therapeutic action Int J Psychoanal 199980Pt 221523 22 Fonagy P Rejointer to Harold Blum Int J Psychoanal 20038435039 23 Blum HP Repression transference and re construction Int J Psychoanal 200384Pt 3497503discussion 50313 24 Cooper AM Concepts of therapeutic effecti veness in psychoanalysis a historical review Psychoanalytic Inquiry 198991425 25 Gabbard GO Westen D Repensando a ação terapêutica Rev Psiquiatr RS 2003252 25773 26 Eizirik C On the therapeutic action of psy choanalysis Psychoanal Q 200776 Suppl 146378 27 Ornstein P Multiple curative factors and processes in the psychoanalytic psychothe rapies In Rothstein A How does treatment help on the modes of therapeutic action of psychoanalytic psychoterapy Madison In ternational Universities c1988 p 10526 28 Bateson G Las categorías lógicas del apren dizaje y la comunicación In Bateson G Pa sos hacia una ecología de la mente Buenos Aires LohléLúmen 1998 p 30938 29 Caper R El psicoanálisis cura Una contri bución a la teoria da técnica psicoanalítica In Libro anual de psicoanálisis Sl sn 1992 v 8 p 6980 30 Heimann P Dynamics of transference inter pretations Int J Psychoanal 19563745 30310 31 Mezan R Interfaces da psicanálise São Pau lo Companhia das Letras 2002 32 Freud S Recordar repetir e elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 33 Modell A On the protection and safety of the therapeutic setting In Rothstein A How does treatment help on the modes of the rapeutic action of psychoanalytic psychote rapy Madison International Universities c1988 p 95104 34 Ahumada JL Descobertas e refutações a ló gica do método psicanalítico Rio de Janeiro Imago 1999 LEITURA SUGERIDA Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1975 v 23 A clínica psicanalítica e psicoterápica es truturouse desde suas origens sobre ba ses essencialmente empíricas A situação de tratamento constituiuse assim em um campo de observação e produção de conhe cimentos sobre a vida psíquica do paciente A suposição de um terapeuta isento capaz de observar de forma objetiva os proces sos mentais que ocorrem na mente de seu paciente consagrou o modelo positivista clássico23 adotado pela maioria dos que se dedicaram à prática da psicoterapia Nesse modelo a influência do clínico restringese ao uso da interpretação como forma de re velação de conteúdos até então inacessíveis à consciência do paciente No entanto a própria experiência clínica temse encarre gado de questionar essa proposta na medi da em que constata serem a neutralidade ou a receptividade passiva do terapeuta condições teóricas distantes das ocorrên cias reais vividas no consultório A proliferação de trabalhos sobre os fenômenos contratransferenciais dá teste munho desse fato O mais isento e sagaz dos terapeutas não poderia estar imune à reciprocidade dialética que se estabelece entre o sujeito e o objeto do conhecimento a qual tem merecido dedicada atenção dos teóricos que se ocupam desse tema4 Nos dias atuais há consenso quanto à impos sibilidade de uma observação de cunho psica nalítico caucionada pela soberana objetividade do terapeuta observador Sua inerente subjeti vidade impõese no ato de observação estrutu randose um campo intersubjetivo dinâmico no qual ambos os participantes não podem mais ser compreendidos separadamente O que quer que aconteça a um dos participantes necessa riamente produz efeito sobre o outro Barros e Barros3 reconhecem a im possibilidade de acolher a experiência do paciente sem que o terapeuta passe por uma experiência Essa experiência pessoal decorre também do acervo das vivên cias emocionais que vieram a compor seu mundo interno e que de alguma maneira se mobilizam no momento específico da quele encontro com o paciente Os autores citados indagam o que fazer com essas ex periências Ignorálas Considerálas fruto de idiossincrasias pessoais Considerá las fruto de manifestações neuróticas e assim descartálas Buscar enten dêlas como formas de comunicação que nos contam algo sobre o paciente e parte do contexto relacional vivido Como processálas Deveríamos nos 7 CAMPO E INTERSUBJETIVIDADE Paulo Henrique Favalli Psicoterapia de orientação analítica 129 tornar atentos observadores do que se passa em nosso mundo interno e ten tar colocar em palavras os sentimen tos despertados em nós pela presença do paciente3 Isso implica uma mudança de para digma visto que os referenciais técnicos construídos sob as bases de uma psicologia unipessoal cedem lugar ao pressuposto da ocorrência de um contexto bipessoal no qual o funcionamento mental do terapeuta é estruturado também pelo paciente e ao mesmo tempo estruturador deste último5 Essas constatações no entanto não surgiram de súbito à percepção dos clíni cos É necessário destacar que as transfor mações que a teoria do método psicanalíti co e psicoterápico por consequência têm suportado encontram correspondência com as evoluções do pensamento filosófi co sobre o conhecimento e a constituição do sujeito Uma revisão sobre esse tema foi recentemente apresentada por Schwartz2 Mesmo que se preservem as invariantes bá sicas na estrutura do método notase uma linha evolutiva nas diferentes abordagens sobre a situação terapêutica O que se pre tende neste capítulo é expor algumas ten dências dessa evolução as quais passaram a delinear os conceitos de campo e intersub jetividade Como não são ainda conceitos consagrados dentro do corpo teórico da psi canálise deparamonos com várias outras formas de nomear a mesma gama de fenô menos Abstenhome então de buscar uma definição fechada que apenas restringiria as diversas alternativas de reflexão sobre ocor rências que brotam diretamente do trabalho diário com pacientes Cumpre ressaltar mais uma vez que os pressupostos aqui referidos decorrem da experiência clínica da psicanálise Esta tem fornecido o lastro teórico sobre o qual se desenvolvem as técnicas psicoterápicas de orientação dinâmica Como nos situamos no âmbito dos fundamentos teóricos da psicoterapia é impossível ao longo do tex to estabelecer distinções do que se aplica a essa técnica ou à psicanálise stricto sensu Sou da opinião de que é o conhecimento amplo e profundo dos conceitos psicana líticos fundamentais que melhor habilita o clínico a fazer as adaptações exigidas para cada caso em tratamento AS ORIGENS Nos artigos de técnica em sua maioria es critos entre 1910 e 1915 Freud é explícito quanto à atitude do analista como obser vador neutro e distante de seu objeto de estudo a mente do analisando São reco mendações coerentes com os propósitos proferidos para a terapia e expressos na consagrada formulação tornar consciente o inconsciente preenchendo as lacunas de memória O descobrimento arqueológico dos conteúdos reprimidos da mente vi sando à reconstrução de uma suposta ver dade histórica exige uma postura livre de quaisquer interferências externas e princi palmente daquelas originadas na própria mente do pesquisador Assim colocada a tarefa analítica seria consumada com sim plicidade se não fossem as resistências in terpostas pelo paciente Foi na batalha contra os baluartes re sistenciais que Freud pôde reconhecer pela primeira vez que a atitude do paciente em relação a ele dentro da sessão não decor ria de qualquer elemento da realidade pois se enlaçava com o processo associativo obstruindoo no intuito de proteger ardua mente a lembrança retida no inconsciente Ele observou que as associações não eram tão livres como supunha pois tendiam a ser desviadas para a própria relação com o 130 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs analista buscando atuar com este o então chamado complexo patogênico reprimido Porém se a atuação implica resistência ao método pois o paciente repete para não lembrar ela também é reveladora já que situa o terapeuta como verdadeiro prota gonista da cena inconsciente que ele tenta descobrir Configuramse aí alguns para doxos pois a resistência mais poderosa ao tratamento é também um poderoso instrumento do método já que não se po de vencer um inimigo ausente ou fora do alcance Sob outro enfoque ao revelar o in consciente a transferência induz a novas resistências pois é particularmente difícil admitir um impulso reprimido se ele tem que ser revelado diante da própria pessoa com quem se relaciona Essas observações de Freud definem a fragilidade de sua pro posta inicial de um analistaobservador neutro visto que sua simples presença in terfere no campo observado Surge mais uma vez a problemática da sugestão e foi para contraporse a ela que Freud agregou a seu método as conhecidas recomenda ções técnicas No entanto a tentativa de criar um analista isento purificado em seu funcionamento mental revelase in viável Assim a análise até então ocupa da com o campo intrapsíquico voltase forçosamente para o estudo do contexto relacional como via possível de acesso ao mundo interno Penso que o momento no qual Freud melhor apreende aquilo que mais tarde viria a consti tuir o conceito de campo está na proposição de que a comunicação entre o paciente e seu te rapeuta possa ocorrer de inconsciente para in consciente Essa parece ser uma noção aceita com facilidade por qualquer um que tenha fei to a experiência de atender pacientes no âmbito psicoterápico O que não encontramos em Freud é a definição dos mecanismos psíquicos que re gem essa comunicação Tal definição será um marco decisivo no entendimento da situação de tratamento e originase da expansão ocorrida na psicanálise com o advento da teoria das re lações de objeto OS DESENVOLVIMENTOS A tentativa de expor uma história natural do tema que estou abordando passa neces sariamente pelas contribuições de Melanie Klein Se para Freud a transferência surge na análise como poderosa resistência mas convertese em um valioso instrumento da cura para Klein esse status ampliase de forma radical Da condição de simples auxiliar no processo analítico a abordagem da transferência passa a confundirse com a essência desse processo A ideia básica é a de que a relação permeia a totalidade da vida mental do paciente atraindo sobre si o foco do trabalho da análise Isso significa que devemos buscar compreender o que a análise está representando inconsciente mente para o analisando a cada momento específico67 Essa posição baseouse em um mo delo teórico divergente daquele exposto por Freud visto que parte da ideia de que o conteúdo transferido não se restringe apenas a eventos ou personagens pretéritos que são reeditados na relação atual com o terapeuta O modelo kleiniano decorre de uma noção de mundo interno como um espaço ou cenário onde se relacionam personagens objetos construídos e coloridos pelos contínuos processos de introjeção e projeção presentes desde o início da vida Transferência portanto é a reprodução na situação de tratamento das relações mantidas entre os objetos consti tuintes do mundo interno Psicoterapia de orientação analítica 131 Do ponto de vista metapsicológico podese dizer que o destaque dado até então ao mecanismo de repressão cede es paço aos processos projetivos O conceito de identificação projetiva introduzido em 1946 amplia a percepção sobre os proces sos mentais que agem na relação terapêu tica Isso no entanto não foi intuído dire tamente por Klein e sim por aqueles que seguiram seu pensamento Ao perceber a ação da identificação projetiva no material de algum paciente ela interpretava sem pre como uma ocorrência restrita à mente deste nenhuma menção era feita aos sen timentos despertados no próprio terapeu ta8 Paradoxalmente a conceitualização da identificação projetiva revela os fenôme nos intersubjetivos à psicanálise como um novo e vasto campo de sua investigação Ocorre assim uma importante transfor mação no entendimento da cena analítica voltandose as atenções para o estudo da contratransferência É consenso que o marco dessa trans formação foi o trabalho publicado por Paula Heimann em 1950 sob o título On Countertransference9 A partir daí a mente do analista passa a compor junto com a do paciente os objetos da observação Essa au tora desfaz a ideia de um analista impassível e emocionalmente imune às manifestações do paciente Ela considera que sob o termo contratransferência reúnemse todos os sentimentos que o analista vivencia em relação a seu paciente os quais devem ser vistos como uma criação deste último uma parte de sua personalidade Heimann fun da a chamada concepção totalística da con tratransferência Sua posição é coerente pois ela se mantém fiel ao postulado freu diano de neutralidade visto que o analista mesmo reconhecendo os sentimentos que lhe são provocados deve subordinálos à tarefa analítica na qual será sempre o reflexo do paciente em um espelho9 Simultâneos ao trabalho de Heimann e igualmente inovadores foram os estudos desenvolvidos por Heinrich Racker sobre a contratransferência1011 Ele unifica em definitivo o binômio transferênciacontra transferência pois define a função ativa da mente do analista na criação do contexto relacional Este fora sempre pensado in clusive por Heimann como uma ação cen trífuga isto é o paciente é quem transfere é quem projeta mesmo que sua projeção desencadeie um movimento contra den tro do analista é ainda o paciente o sujeito dessa reação Racker por sua vez é inequí voco ao afirmar que apesar de sua própria experiência de tratamento o analista não está livre de seus conflitos inconscientes parte de sua libido ficou ligada na fanta sia aos objetos introjetados e portan to continua disposta a ser transferida10 Assim postula que a transferência pode ser encarada como uma função das trans ferências do enfermo e das contratransfe rências do analista10 Defende que com frequência se mis turam no paciente projeção e verdadeira percepção Esta última detecta seja no tom de voz seja na formulação da interpreta ção o estado emocional do analista o que sem dúvida interfere na expressão trans ferencial Constituise dessa forma uma verdadeira neurose interpessoal la névrose à deux que costuma surgir na situação analítica embora em geral com dife rente intensidade em um e outro dos dois participantes11 Portanto ao reconhecer que determi nada expressão transferencial incita uma reação contratransferencial específica Ra cker não deixa de referir que esse é sempre um movimento de dois sentidos ou seja uma situação transferencial também cor responde a determinado contexto contra 132 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs transferencial Dessa forma lança as bases do que mais tarde viria a se conceituar co mo o campo psicanalítico ainda que não o tenha nomeado de forma explícita Outros autores também se ocuparam das possíveis alterações surgidas no campo por interferência da patologia contratran ferencial Entre eles despertam especial interesse os trabalhos de MoneyKyrle e Grinberg principalmente por sua tentativa de elucidar ocorrências perturbadoras da situação de tratamento observando o fun cionamento interpessoal à luz de conceitos que até então se restringiam ao âmbito in trapsíquico ou de forma mais específica o conceito de identificação projetiva MoneyKyrle12 toma como ponto de partida o que os recíprocos processos de identificação projetiva e introjetiva po dem causar no funcionamento mental de cada um dos componentes da dupla Esses processos até aí abordados apenas em sua expressão patológica agem igualmente sobre o que o autor chama de contratrans ferência normal A capacidade do terapeuta de estar identificado introjetivamente com o paciente permite sentilo e compreendê lo dentro de si e por consequência repro jetálo sob forma de interpretação O pro cesso se perturba quando o self do paciente ou seus objetos internos correspondem de forma demasiado próxima a algum aspec to do terapeuta que este ainda não alcan çou compreender envolvendoos em um contexto de não entendimento e confusão propício a gerar desvios no andamento da terapia León Grinberg em uma série de tra balhos correlatos1316 ocupase com uma reação específica provocada no analista quando este se situa como receptor passi vo da projeção maciça que o paciente faz de seus próprios objetos internos Nessa ocorrência que ele denomina contraiden tificação projetiva o analista se vê leva do a desempenhar o papel que de forma ativa ainda que inconscientemente o analisando forçou para dentro dele A pro posição de Grinberg e a própria concep ção totalística de contratransferência tem recebido críticas de alguns autores como Etchegoyen17 quando afirma que por mais forte que seja a proje ção do paciente o analista não tem que sucumbir necessariamente a ela se sucumbe é porque há algo nele que não lhe permite receber o processo e desenvolvêlo O mesmo pondera Stefania T Man fredi18 quando argumenta que tais ideias sugerem ser apenas o paciente ativo en quanto o analista é apenas um alvo Diz ela que embora a contratransferência tenhase tornado um instrumento não deixou de ser um inconveniente e como tal deve ser estudado em seu continente natural que é a mente do analista antes de passar à inter pretação De qualquer forma os desenvolvimentos sobre a contratransferência revelamse de muita uti lidade na prática clínica pois advertem sobre a necessidade de o terapeuta manterse aler ta àquilo que pode por algum momento lhe soar como estranho Unheimliche em sua rea ção afetiva ou conduta Esse estranho pode es tar indicando um contexto acionado pela força das intensas fantasias do paciente mas que em última instância remetem o terapeuta ao estranho dentro de si seu próprio inconsciente Um aporte decisivo para a compreen são dos eventos da situação terapêutica foi determinado pelo pensamento criativo de Wilfred Bion Ainda que não se tenha ocu pado especificamente com trabalhos sobre a técnica ele propõe uma ruptura com o modelo clássico de observação psicanalíti Psicoterapia de orientação analítica 133 ca O analista entra em cena não mais co mo um mero observador e tradutor da vida mental do paciente mas contribui com sua própria vida mental para as ocorrências dentro da sessão sendo um dos fatores constituintes das transformações que ali se operam A intersubjetividade não é perce bida apenas como inevitável impõese co mo única via possível de aproximação com a realidade psíquica esta última perde a condição de factualidade tangível saturada de nexos de causalidade para configurarse como uma construção possível que só tem significado na relação emocional única entre analista e analisando A meu ver a ruptura trazida pelo modelo bioniano tem como fundamento central a ideia condensada na afirmação de Bertolone retirada do texto de Gaburri e Ferro19 A mente é alguma coisa que se estende além dos limites do sujeito A experiência de análise de psicóticos permitiu a Bion realizar uma reviravolta no modo de entender a identificação projetiva valorizando sua função comunicativa Isso nos é apresentado de maneira arguta no artigo Sobre a arrogância20 por meio de um relato clínico em que a percepção do contexto de campo bipessoal permite ao analista a compreensão do impasse em que estava envolvido juntamente com seu paciente Ele descreve uma experiência de incomunicabilidade e não entendimento O estabelecimento de um forte rela cionamento analítico por meio da co municação verbal parecia assim im praticável Analista e paciente forma vam um par frustrado20 A capacidade do paciente de associar se com o analista assentavase na opor tunidade de cindir e afastar partes de sua psique projetandoas dentro deste A in tolerância do analista em ser receptáculo de tais projeções era vivida pelo enfermo como ataques deferidos contra essa espé cie extremamente primitiva de elo entre paciente e analista Bion conclui sobre a possibilidade de um uso normal de iden tificação projetiva o qual será o alicerce de toda a sua teoria sobre o processo de pensar e por consequência sobre as ocorrências dentro da situação analítica No artigo seguinte Ataques ao elo de ligação21 essas propostas surgem mais ex plícitas e sistematizadas enfocando a im portância da mãe real e portando da ati tude objetiva do analista como promotora de equilíbrio ou de catástrofe psíquica Fi xase aí a necessidade de uma relação com outra mente como base da formação do pensamento como produto da união entre partes da mente ou entre dois objetos Tendo concebido uma dimensão funcional da identificação projetiva como meio para a comu nicação de determinado estado mental Bion parte para a elaboração do arcabouço de sua teoria do processo de pensar ou seja o apare lho para pensar os pensamentos2224 Este se constrói sobre o modelo de uma relação dinâmi ca entre algo que é projetado contido e um receptáculo que o contém continente Essa relação é representada pelo símbolo e nela se sustentam os fundamentos de uma clí nica bioniana Como já referido essa dimensão clínica do pensamento de Bion significou uma considerá vel mudança na maneira de entender a função do analista na sessão ele participa vivencia e descreve a experiência emocional mas não pode mais pretender ser o tradutor isento fiel e literal do inconsciente do paciente Autores mais atuais desenvolveram tais ideias ocupandose sobretudo dos fenômenos presentes na estrutura forma da pelo par analítico como abordaremos mais adiante Antes porém se impõe uma breve explanação sobre o momento em que o conceito de campo passa a tomar forma 134 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs entre as abordagens teóricas que tratam da relação analítica CAMPO PSICANALÍTICO UMA EXPOSIÇÃO DO CONCEITO Coube ao casal Madeleine e Willy Baran ger em 1961 traçar as linhas mestras de um fenômeno que nomearam como cam po psicanalítico Partem dos pressupos tos desenvolvidos por Heimann e Racker sobre a contratransferência mas não se restringem à sua função de indicador das ocorrências transferenciais Referindose a um fenômeno que transcende as manifes tações específicas da mente do paciente ou do analista esses autores descrevem uma situação de duas pessoas indefec tivelmente ligadas e complementa res enquanto está durando a situação e envolucradas num mesmo proces so dinâmico Nenhum membro dessa dupla é inteligível dentro da situação sem o outro25 Esse conceito pode ser mais bem apre endido se o enfocamos a partir de suas ca racterísticas estruturais pois assim ele é des crito O campo é uma estrutura diferente da soma de seus componentes como uma melodia é diferente da soma das notas26 Assim o campo se estrutura primeiramen te dentro de um enquadre funcional As dimensões de espaço e tempo delimitam esse enquadre relativizando e sendo relati vizadas pelos demais elementos que o cons tituem Dentro dessa moldura de espaço e tempo desenhase o diálogo analítico como outro elemento estrutural básico Englo bamse aí as diferentes expectativas de um par assimétrico os papéis e as tarefas de cada um as experiências subjetivas individuais e as manifestações dessa subjetividade no di álogo As características específicas desse diálogo associação livre e atenção flutuan te bem como as condições em que se de senvolve setting abstinência interpretação entre outras induzem à regressão em am bos os participantes Para o analisando ela é permitida e necessária ainda que sujeita aos limites da expressão verbal Para o ana lista pode significar uma tentativa de sentir o mais próximo possível o nível de funciona mento do analisando desde que deixe intacto o aspecto observador de seu ego mantendo inalterada sua postura interpretativa Des crevendo dessa forma a situação analítica os Baranger consideramna radicalmente nova e distinta de qualquer outro campo bipessoal Essa posição nos leva a retomar a questão da transferência entendida como reedição de um protótipo infantil passível de manifestarse dentro ou fora da análise Mais uma vez revelamse os limites dessa concepção já que a transferência na análise é específica na medida em que se produz a partir dos diversos elementos participan tes do campo Se as dimensões de espaço e tempo e ainda as próprias características do diálogo vão talhar o caráter da reação transferencial o que dizer então da in terferência da própria pessoa do analista e principalmente de sua subjetividade Isso nos remete ao elemento central na constituição do campo que é a estrutura di nâmica que subjaz ao diálogo analítico em outras palavras a fantasia inconsciente do par Utilizando ainda a analogia proposta para representar a situação analítica como um quadro com sua moldura definida pelas condições de espaço e tempo e seu desenho delineado pelas características do diálogo analítico temos que pensálo como em um constante movimento em terceira dimensão O que importa com a utilização desse modelo é avançar além das descrições pla nas de transferência e contratransferência como fenômenos próprios às mentes de cada um dos participantes e ir em busca de Psicoterapia de orientação analítica 135 seu ponto de confluência onde passam a formar uma nova estrutura distinta dessas descrições isoladas O que propõem os Baranger ao introduzir o conceito de campo é formar uma compreensão mais ampla e profunda da proposição deixa da em aberto por Freud de uma comunicação de inconsciente para inconsciente A condição necessária a essa comunicação é a existência de uma fantasia inconsciente do par que nes se caso adquire um sentido diferente do que se atribui correntemente quando proposto em ter mos unipessoais Tal fantasia não pode ser considerada como determinada pelos impulsos instinti vos do analisando ou do analista ainda que os impulsos de ambos intervenham em sua estruturação Tampouco e isso é o mais importan te pode ser considerada como a soma das duas situações internas É algo que se cria entre ambos dentro da unidade que constituem no momento da ses são algo radicalmente distinto do que são separadamente cada um deles25 Tudo o que foi exposto até agora per maneceria em um plano meramente des critivo se os autores referidos não se propu sessem a entender a natureza dessa fantasia de par ou a responder à questão que eles mesmos formulam quais processos inter vêm em sua produção Para isso baseiam se no conceito de identificação projetiva reconhecendo sua ação centrífuga e centrí peta isto é como um movimento não ape nas da mente do analisando mas também da mente do analista Explicam a fantasia inconsciente do campo bipessoal como o interjogo de identificações projetivas e in trojetivas com seu necessário corolário de contraidentificações Como é sugerido que ambos os prota gonistas concorrem na ativação desses me canismos é necessário retomar a questão da simetriaassimetria da situação analítica ou em outras palavras determinar quais as características específicas do engajamento de cada um dos protagonistas nessa situa ção Nos trabalhos de 1961 e 19642527 os Baranger não se estendem nesse ponto Re ferem apenas que a análise se diferencia de qualquer outra situação de par pois aqui a identificação projetiva deve ser limitada e controlada no analista preconizam ainda que ele a utilize em pequenas doses como uma sondagem experimental Restabele cem assim a assimetria no interjogo de identificações projetivas pois mencionam sua utilização limitada pelo analista Essa formulação no entanto nos leva a indagar como um processo que em sua essência é inconsciente pode ser dosado ou con trolado Caso fosse possível utilizar a identificação projetiva dessa maneira isso seria somente um procedimento intelectual distante da genuína experiência emocional que qualifica a situação de campo analítico Com a concepção de um campo bi pessoal mudam também as perspectivas de avaliação do andamento do processo terapêutico Sugerese que essa avaliação se volte para o plano situacional ou rela cional buscando identificar momentos de mobilidade ou de cristalização do campo O contínuo interjogo das identificações projetivas pode produzir estereotipias e pa ralisações do processo envolvendo ambos os participantes Tais circunstâncias deno minadas por esses autores como baluar tes só poderão ser superadas se o analista for capaz de observarse junto com seu analisando como participante da fantasia imobilizadora e a partir dessa segunda mirada formular sua interpretação Ainda que posteriormente tenham reformulado sua teoria sobre o papel das 136 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs identificações projetivas recíprocas e cru zadas na constituição do campo analíti co28 penso que essa contribuição do casal Baranger retém sua validade em especial se agregada à sugestão de Bion sobre a ocor rência de um grau normal de identificação projetiva como mediadora de uma comu nicação primitiva ALGUMAS VERSÕES CONTEMPORÂNEAS Sustentado em um modelo de trabalho que nasce de um encontro fecundo entre as conceitualizações de Bion e dos Baranger Antonino Ferro desponta com uma série de trabalhos que nos convidam a uma re flexão profunda sobre aquilo que ocorre na sala de análise Em todos os escritos revisa dos para este capítulo52938 o autor deixa clara sua filiação a um conceito de campo bipessoal no qual somente é pos sível co nhecer a fantasia inconsciente da dupla es truturada por contribuições da vida mental de paciente e analista mediatizada pelas recíprocas identificações projetivas A premissa de que a identificação projetiva não é apenas a fantasia onipotente de um indiví duo mas algo que se dá entre duas pessoas é levada por Ferro às suas últimas consequên cias sustentando que analista e paciente com partilham com toda a intensidade as emoções e os temores surgidos na sessão É central a ideia de que o encontro analítico deva consti tuirse em um espaço gerador de uma experi ência emocional da dupla privativa e irrepetí vel que ao adquirir um significado mútuo se transforma em uma nova história cuja narrati va é sempre composta a quatro mãos O trabalho da análise e do analista será de integrar essas áreas do tecido comunica tivo do par para que possam paciente e analista alcançar uma visão comum sobre o que sucede na profundidade de seu fun cionamento interpessoal Somente neste momento é possível a discriminação e redistribuição do que haviase confundido pelo cruzamen to das identificações projetivas e cada membro da dupla pode individualizar melhor seus aspectos interiores ativa dos na relação com o outro37 Ferro segue adiante buscando dar uma forma mais definida a seu modelo de campo Para isso lança mão de referenciais da narratologia dispondo o material sur gido na sessão como personagens Estes não precisam ser necessariamente antro pomórficos podendo além de pessoas constituirse por objetos ou situações que formam os nós de uma rede narrativa in terpessoal Os personagens são escritos na sessão por diversas vias comunicativas as associações de ideias as lembranças in fantis o desenho o jogo as fantasias os sonhos e assim por diante Ainda que de acordo com um referencial kleiniano possam estar representando os objetos do mundo interno do paciente ou com Freud significar uma rede de relações his tóricas pelo vértice proposto por Ferro tais personagens dramatizam as inúmeras possibilidades de histórias que expressam sempre o que no momento atual se passa entre as duas mentes da relação analítica Há também a já referida imagem visual de holografia afetiva ilusão ótica que permite uma sucessiva reconstrução tridimensional de um mesmo objeto como forma de representar os inúmeros mun dos possíveis pensáveis pela dupla33 Mas se os personagens da sessão fa lam sempre do presente que lugar ocupa a história na qualidade de ordenação no tempo dos eventos psíquicos A resposta Psicoterapia de orientação analítica 137 de Ferro a essa questão distingueo radi calmente do que ele chama de psicanálise monopessoal isto é aquela feita de re construções que se montam a partir de um processo de investigação e desvendamento de um enigma Entende que os desloca mentos temporais veiculados pela evo cação de lembranças buscam datar os fatos mentais e emocionais assim como as cisões atendem às necessidades de situálos no espaço São sistemas de proteção que devem ser respeitados como testemunhos do universo afetivo individual do paciente Porém afirma seguindo Bion que existem somente sentimentos do presente e que só estes é possível conhecer529 Há portanto uma outra história a ser conhecida que é aquela que está sendo construída em con junto e que se forma por lembranças de experiências nunca antes acontecidas experiências essas compostas por novos personagens que se estruturam no aqui e agora e que depois se tornam novos ha bitantes do mundo interno ou da histó ria33 Esses personagens transcendem a referência temporal e são entendidos como modalidades expressivas do que acontece no campo o qual necessita de nós narrati vos para tornarse narrável39 A ênfase de Ferro sobre a especifici dade da experiência atual levao a sugerir que o funcionamento mental da dupla analítica se desenvolve com base em dois diferentes regimes fundamentais alter nativos2937 O primeiro é o que tradicio nalmente denominamos transferência e a contratransferência como seu comple mento seja ela entendida como repetição do passado seja como externalização do mundo interno O outro desses regimes denominado relação é o que se consti tui pela experiência intersubjetiva inédita cuja representação simbólica será sempre construída de forma consensual A trans ferência ou as transferências do paciente e do analista tendem a utilizar vias subter râneas para integraremse à atualidade do funcionamento do par e o que de fato se observa é um constante movimento oscila tório entre esses dois regimes representado pelos símbolos TR por analogia à osci lação descrita por Bion PSD Assim disposta essa tese suscita al guns questionamentos pois pressupõe um nível de interação entre analista e analisan do regido exclusivamente pelo menos em termos de abstração teórica pela atualida de da experiência emocional gerada no en contro analítico A transferência atua como uma intrusa que provoca repetição estereo tipada e a estagnação do campo obstruin do a fertilidade criativa do par ou a possibi lidade de novas experiências afetivas que tornam transitáveis e pensáveis no encon tro com outra mente emoções nunca antes convividas38 É claro que ele próprio se antecipa a essa crítica afirmando que o ângulo de autorreferencialidade do campo não pode ser visto o tempo todo como único pois nesse caso te ríamos uma situação que se enrosca ria esterilmente sobre si mesma29 Entretanto afirma mais adiante no mesmo texto que quando observado do ângulo que considera entre todos o mais significativo o par analítico fala apenas e sempre de si mesmo e do funcionamento recíproco A evidência de um modelo de trabalho que privilegia o polo R da oscila ção sugerida TR transparece na leitura de seus textos geralmente ricos em vinhe tas clínicas Isso se manifesta sobretudo em dois fundamentos básicos de seu pen samento o paciente como melhor colega e as interpretações narrativas A ideia de que o paciente sabe mais sobre como é sentirse igual a ele do que qualquer analista pode saber foi exposta por Bion nas Discussões realizadas em Nova 138 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs York no ano de 197740 A sugestão de que este será sempre o melhor colega com quem poderemos contar para entendermos os acontecimentos de dentro da sala da análise é adotada por Ferro como um dos carroschefes de seu sistema Ele propõe que se mantenha uma constante função de monitoramento das transformações por que passam as figuras trazidas pelo pacien te à sessão Essa abordagem dá condições ao ana lista de verse a si próprio bem como ao paciente a partir do ponto onde ele está situado O paciente nos rela ta constantemente como somos para ele a partir de ângulos totalmente des conhecidos para nós ao mesmo tem po porém é preciso que reconheça mos que ele nos coloca na posição de permitir que seu problema entre em campo exatamente por meio de nós29 Essa aproximação mostrase de extre ma utilidade clínica pois conduz o analista a uma sistemática avaliação de si mesmo e de seu trabalho evitando assim a tendên cia a atribuir sempre à fantasia inconscien te do analisando ou às suas identificações projetivas as ocorrências surgidas no cam po de análise No entanto alguns relatos de Ferro parecem negligenciar aquilo que é próprio ao paciente a sua realidade psí quica Há o risco de darmos a esse melhor colega o lugar do observador neutro ca paz de captar e descrever com precisão a realidade do que sucede ao par analíti co É preciso não esquecer que ainda que as manifestações do paciente sejam o guia que deve nos orientar na busca do entendi mento daquilo que acontece na sessão es sa realidade que ele descreve surgenos inevitavelmente transformada pelo filtro de sua própria mente Assim o melhor colega é também aquele que resiste ardua mente ao trabalho da análise utilizando meios defensivos sutis para evitar a dor de confrontarse com a realidade interna e ex terna e sobretudo tenta sempre pela repe tição transferencial alterar o caráter desta última Se não funcionasse assim não seria paciente e o processo analítico se tornaria inviável As ideias de Ferro sobre o campo analítico levam a uma original consequên cia quanto à técnica interpretativa É nes se âmbito que mais se evidenciam as pe culiaridades desse autor pois ele propõe um rompimento com a forma tradicional de interpretar ou com o que ele costuma chamar de interpretações fortes Nestas o analista colocase em um papel de intér pretedecodificador que enuncia de ma neira assertiva o conteúdo das fantasias inconscientes subjacentes às expressões do paciente buscando principalmente nelas o seu significado transferencial A elas con trapõe um tipo de interpretação que não menciona necessariamente a transferên cia ainda que encerre o mesmo conteúdo A ideia é vestir as interpretações com as palavras e as personificações derivadas do discurso do paciente sem referências explí citas ao hic et nunc da sessão tendo o cuida do de moldálas em uma textura narrativa compartilhada Estas são chamadas de in terpretações fracas por seu conteúdo in saturado isto é que permite configurações de sentido ainda muito incipientes abertas para ulteriores contribuições do paciente Tratase mais de construir um significado junto com o analisando do que de traduzir um significado já existente Além de considerar as premissas de Bion sobre a saturação dos enunciados é útil para se entenderem as propostas de Ferro sobre a interpretação ter conheci mento da teoria narratológica em que ele as sustenta34 Dos vários autores citados o que mais diretamente fixa as bases desse sistema hermenêutico é Umberto Eco em Psicoterapia de orientação analítica 139 sua Obra aberta Esse autor analisa a obra de arte seja literária seja plástica ou mu sical como um sistema de signos infinita mente traduzíveis Toda obra de arte mes mo quando é forma acabada e fechada na sua perfeição de organismo calibrado com exatidão é aberta pelo menos quanto a po der ser interpretada de diferentes modos sem que sua irredutível singularidade seja por isso alterada41 Há textos com uma inesgotável possibilidade interpretativa em cuja construção irá contribuir o leitor executante A transposição desses princípios para a situação analítica expande o campo de vi são do analista livrandoo dos limites que a couraça de um referencial teórico fechado possa representar No entanto há sempre o conhecido risco de tomarmos o paciente co mo um texto literário abstraindoo de sua condição de ser singular cujo sofrimento se vincula a experiências específicas intransfe ríveis e que necessariamente se inserem no contexto histórico próprio daquela pessoa Sob outro enfoque indagome se o uso sis temático de interpretações não saturadas não favorece o incremento de ansiedades confusionais visto que evitam as necessárias cisões normais que permitem diferenciar e situar os objetos ou aspectos destes para que possam depois ser integrados42 Apesar de sua originalidade propi ciadora de novos desenvolvimentos o con ceito de campo não foi subscrito por mui tos dos autores que tratam do tema da in tersubjetividade O estudo dos fenômenos referentes à situação terapêutica deu ensejo a outras abordagens teóricas igualmente fecundas Entre elas destaco as proposi ções de Thomas Ogden Sua originalidade e independência não escondem a marca da influên cia de Klein Bion e Winnicott Somase a isso uma forma de pensar siste maticamente moldada pelos princípios da dialética hegeliana como se denota em seus inúmeros escritos4357 A dialética como o próprio Ogden45 sintetiza é um processo em que elemen tos opostos se criam preservam e ne gam um ao outro cada um em rela ção dinâmica e sempre mutativa com o outro O movimento dialético ten de para integrações que nunca se rea lizam por completo Cada integra ção potencial cria uma nova forma de oposição caracterizada por sua pró pria forma distinta de tensão dialéti ca Aquilo que é gerado dialeticamen te está continuamente em movimen to perpetuamente em processo de ser criado e negado de ser descentrado da autoevidência estática O sujeito da psicanálise constituise integra se em uma síntese ou se descentra polari zando os opostos de modo contínuo seja em termos de sua abordagem metapsicológica conscienteinconsciente posição esquizopara noideposição depressiva realidadefantasia unicidadeseparação seja como sujeito parti cipante de um encontro específico com o outro compondo o que conhecemos por situação ana lítica Os sujeitos da situação analítica man têm uma relação dialética entre si de maneira que analista e analisando não podem ser pen sados como entidades separadas que tomam um ao outro como objetos Ogden não se refere a um campo onde se processam os fenômenos bipessoais mas à geração de um terceiro sujei to que passa a interagir dialeticamente com os participantes da dupla A concepção de intersubjetividade analítica apresentada por esse autor funda mentase a princípio nas ideias de Win nicott Foi Donald Winnicott5859 quem apontou para o fato de o desenvolvimento emocional do indivíduo não se processar em um ambiente neutro Apesar da renún cia de Freud60 à teoria da sedução é neces sário reconhecer que o bom ou o mau am 140 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs biente de um bebê em formação não pode ser considerado apenas como projeção Cabe lembrar a conhecida afirmação de Winnicott de que um bebê é algo que não existe separado dos cuidados maternos Mãebebê constitui uma unidade que con tém em si uma contínua tensão dinâmica entre as entidades mãe e bebê efetivamente possuidores de existência física e psicologi camente separados Outro conceito de Winnicott que contribui para essa abordagem da inter subjetividade é o de espaço potencial43 Tal expressão referese à área intermediária da experiência que se situa entre a realida de e a fantasia um espaço hipotético que ao mesmo tempo reúne e separa a criança sujeito e a mãe objeto É nesse espaço que surge a atividade imaginativa e se for mam os símbolos Formas mais específicas do espaço potencial incluem o espaço do brincar a área dos objetos e fenômenos transicionais a área da criatividade e da experiência cultural e ainda o espaço ana lítico Neste último os polos opostos que compõem a experiência são as respectivas subjetividades de paciente e analista po tencialmente geradoras de um terceiro su jeito o terceiroanalítico intersubjetivo Ogden parafraseia Winnicott afirmando que em um contexto analítico um analisando é algo que não existe separado da relação com o analista e um analista é algo que não existe separado da relação com o analisando47 Como criadores do terceiro analítico analista e analisando destroemse e recriam se mutuamente mantendo uma constante tensão dialética entre esse terceiro elemento e as individualidades de cada um dos com ponentes da dupla A oscilação entre subje tividades e intersubjetividade possibilita ao terceiro analítico embora criado conjunta mente não ser vivenciado da mesma for ma por ambos os participantes mas que se constitua na assimetria do setting analítico que é fortemente definido pela relação entre os papéis de analista e analisando O analista deve portanto observar o desmantelamen to de seus limites individuais de maneira que possa pensar a partir da experiência in consciente do terceiro intersubjetivo e ao mesmo tempo pensar sobre ele desde uma posição de analista fora dele A experiência do analista no e do ter ceiro analítico é primariamente uti lizada como veículo para a compreen são das experiências conscientes e in conscientes do analisando analista e analisando não estão envolvidos em um processo democrático de análise mútua47 A tarefa analítica pois será descre ver da maneira mais completa possível a natureza da experiência vivenciada na re lação entre a subjetividade individual e o terceiro analítico Para que essa descrição seja possível deve valerse daqueles objetos construídos no interjogo de comunicações da dupla e que dão significado à experiên cia Ogden nomeiaos objetos analíticos conforme a exposição feita por Green61 o real objeto analítico não está nem do lado do paciente nem do ana lista mas no encontro dessas duas co municações no es paço potencial que situase entre eles Assim como fazem os Baranger e Fer ro Ogden também aborda os eventos do campo interpessoal sob o prisma da iden tificação projetiva Adota esse conceito na acepção que lhe é dada a partir de Bion e Rosenfeld e o considera como uma dimen são de toda intersubjetividade às vezes como qualidade predominante da expe Psicoterapia de orientação analítica 141 riência às vezes como um sutil pano de fundo49 Entretanto cria certo paradoxo quanto a esse caráter universal da iden tificação projetiva pois também a entende como uma forma específica de terceiridade analítica50 Essa especificidade está no fato de que tanto o sujeito que projeta quanto o que recebe a identificação projetiva se trans formam negando mutuamente suas sub jetividades individuais permitindo desse modo serem subjugados por um terceiro sujeito o sujeito da identificação projetiva O resultado disso pode ser um colapso par cial do movimento dialético da subjetivida de e da intersubjetividade O autor sugere que para ocorrer crescimento psicológi co deve haver uma superação do terceiro subju gador e o estabelecimento de uma dialética nova e mais geradora de unicida de e dualidade similaridade e diferença subje tividade individual e intersubjetivida de Um processo analítico bemsucedido pressupõe essa superação e uma reapro priação das subjetividades do analista e do analisando como indivíduos separados ainda que interdependentes4950 A maneira peculiar como Ogden en foca o processo analítico que tentei expor em linhas gerais também traz consigo implicações quanto à forma de perceber a questão da história passada do paciente na sessão analítica As associações que bro tam no diálogo não são escutadas como uma via de recuperação de uma memória recalcada mas como a criação de uma ex periência que até então não existira sob tal forma49 Segundo ele o analista não vivencia o passa do do analisando vivencia sua pró pria criação do passado do analisan do gerada na sua vivência do tercei ro analítico50 O passado portanto surge como uma construção inédita daquele par analí tico em particular Esse enfoque aproxima se das ideias de Ferro sobre o mesmo te ma quando refere que há uma história que está sendo construída em conjunto e que se forma por lembranças de experiências nunca antes acontecidas33 Por fim cabe destacar a importân cia dada por Ogden ao funcionamento da mente do analista durante a sessão Ele su gere que o sentido da experiência incons ciente do terceiro analítico só pode ser captado de forma indireta mediante uma condição análoga ao estado de rêverie des crito por Bion Essa condição requer uma valorização de todas as nuanças e detalhes dos eventos da hora analítica incluindo aí os pensamentos mais mundanos do analis ta fantasias sentimentos ruminações de vaneios sensações corporais os quais pare cem totalmente desconectados daquilo que o paciente está dizendo ou fazendo naquele momento Os pensamentos e os sentimen tos envolvidos na rêverie são geradores de metáforas que dão forma à dimensão in consciente da relação analítica A influência das ideias de Bion na atividade clínica de Ogden tem sido enfati zada em seus últimos artigos5657 Sugere o autor que a arte da psicanálise consiste em gerar condições para que o paciente com a participação do analista seja capaz de sonhar seus sonhos não sonhados e inter rompidos Baseiase no enfoque que Bion dá ao trabalho do sonho considerandoo como expressão de um processo contínuo que se desenvolve tanto quando estamos dormindo quanto quando estamos acorda dos processo esse que dá forma à experiên cia tornandoa pensável Se por um lado pode parecer que o analista empresta sua mente e portanto aquilo que compõe seu mundo interno para sonhar a experiên cia ainda não processada pela mente do pa ciente por outro esse novo sonho não pertence nem a um nem a outro e sim a 142 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs um terceiro sujeito que tanto é quanto não é o paciente ou o analista A leitura dos trabalhos de Ogden tor nase bastante viva pelos inúmeros exem plos clínicos que apresenta Aí podemos observálo trabalhando com seus próprios conteúdos mentais e com o contexto in tersubjetivo Todavia ainda que proponha uma mudança na forma de interpretar por meio do que denomina ação interpretativa não se observa uma alteração substancial na forma do diálogo analítico como é o caso de Antonino Ferro e as interpretações nar rativas Em sua maioria as intervenções de Ogden constroemse sobre o caráter sim bólico da comunicação verbal e dirigemse à expressão mais imediata da transferência do paciente no modo como se apresenta no aqui e agora da sessão As abordagens referidas até aqui to mam o conceito kleiniano de identificação projetiva como o pressuposto metapsico lógico básico que alicerça o entendimen to dos fenômenos relacionais da situação terapêutica Há no entanto autores que mesmo preservando uma postura clínica intersubjetivista dispensam o uso daquele conceito quando argumentam a favor de seu posicionamento clínico Uma abran gente exposição crítica dessas teses foi feita por Dunn1 em um texto que se estrutura como um frutífero debate entre as propos tas intersubjetivistas e o modelo clássico de observação psicanalítica A ideia central do enfoque intersubjetivo sustentase so bretudo na impossibilidade de uma des coberta da psicologia do paciente feita por um observador externo não viesado As percepções do clínico estão sempre molda das por sua irredutível subjetividade Para Dunn1 a posição intersubjetivista é de que o fenômeno mental não pode ser suficientemente compreendido se abordado como uma entidade que existe dentro da mente do paciente conceitualmente isolado da matriz so cial da qual emerge Essa posição afastase da concepção de um funcionamento mental mobilizado em essência pela busca de descarga de pulsões endogâmicas Criticando o caráter meca nicista desse último modelo os intersubje tivistas entendem a mente como predomi nantemente relacional e comunicativa Nessa linha de pensamento destaca se Owen Renik que propõe uma contun dente revisão de alguns fundamentos técni cos da terapia psicanalítica Ele reconhece que o interesse pela contratransferência passou a ocupar um lugar de destaque para a compreensão do processo psicanalítico O consenso é o de que a tomada de cons ciência do próprio envolvimento emocio nal habilita o terapeuta a evitar a indesejada atuação contratransferencial transforman doa em fonte de conhecimento Renik no entanto questiona esse postulado afir mando que toda percepção da contratrans ferência é necessariamente precedida por uma atuação da parte do analista Sustenta essa ideia com base na afirmação de que toda forma de pensamento envolve algum tipo de atividade motora mesmo que mui to atenuada Assim o terapeuta atua nas mais tênues nuanças de sua forma de escu tar o paciente de decidir se fala ou perma nece calado nas palavras que escolhe no tom com que as pronuncia Esses gestos são percebidos pelo paciente e agem sobre ele mesmo antes que o terapeuta possa darse conta dessa atuação62 Para esse autor o conceito de neutralidade analítica nutrese de uma ilusão ainda que proposto apenas como uma meta a ser perseguida mas difí cil de ser alcançada Em vez de dizer que é difícil para um analista manter uma posição na qual sua atividade analítica esteja objeti Psicoterapia de orientação analítica 143 vamente focada na realidade interna do paciente eu diria que é impossível para um analista estar nessa posição mesmo que seja por um instante Visto que estamos constantemente atuan do dentro da situação analítica na base de motivações pessoais das quais só po demos ter conhecimento após o fato nossa técnica incluindo a escuta é inescapavelmente subjetiva62 grifo do autor Mas Renik não se detém aí pois su gere que tentar buscar a neutralidade como um ideal técnico pode ser até mesmo con traproducente63 Argumenta que um tera peuta ao pretenderse neutro e objetivo desmente a influência que seus julgamen tos pessoais possam ter sobre suas formula ções e intervenções Agindo dessa maneira favorece uma idealização transferencial atribuindose um papel de autoridade que compromete o respeito pela autonomia do paciente A partir desses princípios Renik de senvolve sua teoria sobre a ação terapêuti ca do método analítico Em sua opinião o que o paciente espera do terapeuta é que ele ofereça uma perspectiva diferente da sua Supostamente deveria ser uma perspectiva mais sensata mas pode não ser assim A competência do analista não se sus tenta na premissa de que seu ponto de vista é mais válido do que o do pa ciente mas sim no fato de que o ana lista pode prover uma perspectiva al ternativa uma nova maneira de cons truir a realidade que pode ou não ser utilizada pelo paciente dependendo do mérito que ele atribui a ela63 O processo terapêutico é portanto um processo de interação dialética no qual analista e paciente descobrirão seu cami nho nos encontros cruciais entre teses e an títeses por meio de um processo de nego ciação Nesse sentido Renik enfatiza que a neutralidade de parte do analista de forma alguma favorece esse processo dialético de aprendizagem As críticas de Renik ao conceito clás sico de neutralidade mostramse pertinen tes quando advogam que é inviável para o terapeuta despojarse de suas motivações inconscientes ao ingressar na cena psico terápica ou analítica Afinal é exatamente sobre a importância dessas motivações na composição do campo de tratamento que discorre este capítulo No entanto sua tese sobre o processo dialético de ação terapêu tica e por consequência sobre a inconve niência da busca de uma atitude neutra pressupõe uma simetria na relação de tra tamento contrária aos fundamentos téc nicos de uma clínica com base no método psicanalítico Ainda que o termo neutralidade tenha sofrido um desgaste e se mostre ina propriado para definir a posição do tera peuta dentro do campo há toda uma es trutura que denominamos setting a qual dá à relação de tratamento uma singularidade que a diferencia de qualquer outro tipo de relação interpessoal Nessa estrutura os lugares são assimetricamente definidos pela escuta e pela associação livre A meu ver o paciente não vem ao tratamento pa ra encontrar uma posição alternativa com a qual possa se confrontar dialeticamente para isso poderia contar com qualquer pessoa bemintencionada de suas relações pes soais Também não creio que ele esteja in teressado nas opiniões pessoais do seu te rapeuta mesmo que por vezes de forma explícita manifeste esse interesse O que ele busca é um ambiente ou continente onde possa atualizar os conflitos penosos que o atormentam sem que sofra as repetitivas consequências que esses conflitos promo vem É essa nova experiência emocional que transformada em algo pensável pode 144 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs rá constituir um verdadeiro aprendizado capaz de promover mudança psíquica Ao expor sua visão sobre a dinâmica do processo terapêutico Renik não se volta para uma explicação dos aspectos metapsi cológicos que fundamentam a possível mu dança psíquica Enfatiza que o terapeuta só pode tornarse objetivo no momento em que toma consciência da condição abso luta de sua subjetividade Afirma que na análise como em tudo na vida as obser vações da realidade são construtos forma dos em relação a interesses subjetivos es pecíficos64 Objetividade portanto é um conceito pragmático pois se refere tanto a objetivos quanto a objetos e a validade da compreensão surgida no tratamento estará totalmente baseada em sua eficácia tera pêutica Conclui que tanto na psicanálise quanto no resto da ciência verdadeiro é aquilo que funciona O contraponto a essa tese é que uma visão tão pragmática carente de um subs trato metapsicológico que especifique a ação terapêutica das técnicas de base psi canalítica pode ser igualmente válida para outras técnicas de tratamento capazes tam bém de apresentar bons resultados sobre tudo se mantivermos a suposição de que a avaliação desses resultados só pode ser feita em bases essencialmente subjetivas CONSIDERAÇÕES FINAIS O seguimento diacrônico de um concei to busca delinear os acréscimos que cada versão renovada propõe ao conhecimento do fenômeno observado Aqui temos co mo objeto a situação analítica e diferentes formas de compreendêla Todavia se a abertura de novos ângulos de percepção significou um avanço no processo ela também trouxe consigo os limites de seu alcance Freud certamente não escapou desse imperativo Ao abandonar a ideia da transferência como um fenômeno pontual um mero desvio ou falsa ligação no flu xo associativo do paciente ele a coloca no centro dos acontecimentos definin doa não apenas como poderoso auxiliar do tra tamento mas como elemento essencial de convicção pois nada poderia ser atingido in absentia ou in effigie Assim fazendo Freud vêse mais uma vez diante da pro blemática da sugestão se a transferência está sempre presente como delimitar a ver dadeira ação terapêutica do efeito sugesti vo que ela comporta Para contraporse a esse incômodo questionamento ele elabora as conhecidas recomendações técnicas que disciplinam mas não resolvem o proble ma Não sendo possível evitar a disposição do paciente à sugestão nutrida pela própria transferência impunhase que se tentasse neutralizála do lado do analista Como vi mos essa imagem de um terapeuta isento idealmente purificado por sua análise pes soal revelouse ilusória na prática clínica A impossibilidade de banir a contra transferência da cena analítica a faz ser in tegrada ao método mas com a função res trita de balizador da transferência Falase então no uso que o terapeuta pode ou não fazer de sua contratransferência para melhor entender seu paciente Reconhe cendo a possibilidade no âmbito terapêu tico de uma comunicação de inconsciente para inconsciente não há dúvida de que a percepção sobre as próprias reações emo cionais mune o terapeuta com um instru mento mais agudo e profundo para a com preensão de seu paciente Entretanto não pode ser omitido que esse instrumento é também o mais poluído com o que procede de sua própria história pessoal18 Como destacou MoneyKyrle12 o al cance da percepção de um analista não Psicoterapia de orientação analítica 145 ultrapassa os limites daquilo que ele com preendeu de si mesmo Portanto a pro posta de um uso opcional da contra transferência tornase inexequível como fazer uso de algo que se situa em essência no âmbito da experiência inconsciente se esse uso é um atributo do sujeito mesmo da experiên cia Sendo a contratransferên cia espontânea e inevitável cabe antes de tudo tentar detectála em todos os deriva dos que estejam assinalando sua ocorrência e sujeitála à constante autoanálise que se impõe ao terapeuta no curso de sua tarefa Mesmo assim resta sempre a questão on de situar a fronteira entre aquilo que é uma reação emocional induzida pelo paciente e as manifestações oriundas estritamente da constelação psíquica do analista O modelo parece se esgotar em sua origem na medi da em que transferência e contratransfe rência são conceituadas como fenômenos individuais ocorrendo no paciente e no analista respectiva e separadamente Sua ação recíproca será mais bem apreendida com os ajustes ao modelo trazidos pela no ção de campo ou de forma mais genérica de intersubjetividade Com a concepção de um campo relacional es truturado pelo jogo dialético das interferências recíprocas entre observador e observado não há mais como pensar as ocorrências da vida mental de paciente e analista de modo isolado A ideia de uma tensão oscilatória constante en tre as individualidades de cada um e a absor ção destas para dentro da intersubjetividade relaxam a premência analítica de distinguir o que é de um ou do outro Ampliase o ângulo de observação possibilitando ao terapeuta re conhecer os fatos clínicos psicanalíticos65 que estão sendo construídos simulta neamente por ele e por seu paciente É por meio desse reconhe cimento que cada um poderá discriminar melhor sua participação no campo recuperando seus aspectos projetados agora certamente modi ficados pela análise da experiência bipessoal Convém lembrar que apesar de o modelo do campo relacional exposto ao longo deste capítulo ter sido construído a partir da clínica psicanalítica seus funda mentos teóricos nos permitem concluir que podemos utilizálo para a compreen são dos fenômenos interpessoais presentes em qualquer outro tipo de técnica psicote rápica Os princípios de funcionamento são os mesmos e portanto seu conhecimento tornase indispensável mesmo para quem atua no âmbito restrito da psicoterapia Cabe ainda mencionar que as diferentes abor dagens desse modelo são inequívocas em pre servar a necessária assimetria de funções na si tuação analítica pois afinal como assevera Og den não se trata de um processo democrático de análise mútua A manutenção da estabilidade do setting dá à relação bipessoal a condição restrita de um tratamento Ainda que ambos os partici pantes estejam comprometidos no processo com o lastro de suas vidas emocionais cabe apenas a um deles associar livremente enquanto ao ou tro compete escutar tentar integrar os elementos vivenciados na sessão e quando possível trans formálos em interpretação Mesmo não sendo o detentor de uma verdade irrefutável é papel do terapeuta presidir o processo o qual será sempre dirigido à realidade psíquica do paciente A vivência intersubjetiva proporcio na condições de crescimento mental ao próprio analista mas acima de tudo habi li tao a um contato emocional mais genuí no que se refletido em uma lingua gem exitosa poderá promover a mudança psíquica em seu paciente 146 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Questionase a possibilidade de uma observação de cunho psicanalítico caucionada pela soberana objetividade do terapeutaobservador Sua inerente subjetividade impõese no ato de observação estruturandose um campo intersubjetivo dinâmico em que ambos os participantes não podem mais ser compreendidos separadamente O que quer que aconteça a um deles necessariamente produz efeito sobre o outro 2 As raízes desse entendimento encontramse nas ideias de Freud sobre transferência e contratransfe rência Esse autor sugere que além das comunicações verbais manifestas entre o paciente e seu terapeuta pode ocorrer uma comunicação de inconsciente para inconsciente 3 A introdução por Melanie Klein do conceito de identificação projetiva abre um novo e vasto campo de investigação da cena analítica voltandose as atenções para o estudo da contratransferência 4 Os trabalhos de Heimann e Racker apontam para o reconhecimento de que a situação de tratamento é sempre um movimento de dois sentidos ou seja uma situação transferencial também corresponde a determinado contexto contratransferencial Portanto é essencial que o terapeuta mantenhase alerta àquilo que pode por algum momento soarlhe como estranho em sua reação afetiva ou conduta Esse estranho pode estar indicando um contexto acionado pela força das intensas fantasias do paciente mas que em última instância remete o terapeuta ao estranho dentro de si seu próprio inconsciente 5 A contribuição de Bion significou uma considerável mudança na maneira de entender a função do analista dentro da sessão pois concebe uma dimensão funcional da identificação projetiva como meio para a comunicação de determinado estado mental 6 Coube ao casal Madeleine e Willy Baranger em 1961 formalizar o conceito de campo psicodinâmico descrevendoo como situa ção de duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares enquanto está durando a situação e envolucradas em um mesmo processo dinâmico Nenhum membro dessa dupla é inteligível dentro da situação sem o outro 7 Sugerem eles que o elemento central na constituição do campo é a estrutura dinâmica que subjaz ao diálogo analítico em outras palavras a fantasia inconsciente do par Esta se constrói sobre o interjogo de identificações projetivas e introjetivas com seu necessário corolário de contraidentificações 8 Autores contemporâneos têm abordado os fenômenos de campo e intersubjetividade sob diferentes vértices Destacamse pela originalidade de suas contribuições Antonino Ferro Thomas Ogden e Owen Renik a Ferro lança mão de referenciais da narratologia dispondo o material surgido na sessão como per sonagens b Ogden valese dos princípios da dialética hegeliana e sugere que as respectivas subjetividades de paciente e analista são potencialmente geradoras de um terceiro sujeito o terceiroanalítico inter subjetivo c Renik questiona o conceito de neutralidade analítica e entende a situação terapêutica como um processo de interação dialética no qual analista e paciente descobrirão seu caminho nos encontros cruciais entre teses e antíteses mediante um processo de negociação 9 Concluise que a concepção de um campo relacional estruturado pelo jogo dialético das interferências recíprocas entre observador e observado amplia o ângulo de observação possibilitando ao terapeuta reconhecer os fatos clínicos que estão sendo construídos de forma simultânea por ele e por seu paciente 10 Por fim cabe destacar que as diferentes abordagens desse modelo são inequívocas em preservar a necessária assimetria de funções dentro da situação de tratamento Psicoterapia de orientação analítica 147 REFERÊNCIAS 1 Dunn J Intersubjetividade em psicanálise uma revisão crítica In Livro anual de psicaná lise São Paulo Escuta 1997 v 11 p 20116 2 Schwartz HP Interbubjectivity and dialeti cism Int J Psychoanal 201293240125 3 Barros EMR Barros ELR Reflexões críticas sobre os processos intersubjetivos contra transferência Rev Bras Psicanál 2012461 13549 4 Hessen J Teoria do conhecimento 7 ed São Paulo Martins Fontes 1999 5 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 6 Klein M Transferência In Barros EMR or ganizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 p 4753 7 Klein M As origens da transferência In Klein M Inveja e gratidão e outros trabalhos 1946 1963 Rio de Janeiro Imago 1991 Obras completas de Melanie Klein v 3 p 709 8 Spillius EB Introdução ao capítulo desen volvimentos da técnica In Spillius EB edi tor Melanie Klein hoje desenvolvimentos da teoria e da técnica Rio de Janeiro Imago 1990 p 1729 9 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 10 Racker H A neurose de contratransferência In Racker H Estudos sobre técnica psicana lítica Porto Alegre Artes Médicas 1982 p 10019 11 Racker H Os significados e usos da con tratransferência In Racker H Estudos so bre técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1982 p 12057 12 MoneyKyrle R Contratransferência nor mal e alguns de seus desvios In Spillius EB editor Melanie Klein hoje desenvolvimen tos da teoria e da técnica Rio de Janeiro Imago 1990 p 3546 13 Grinberg L Sobre algunos problemas de téc nica psicoanalítica determinados por la iden tificación y contraindentificación proyectiva Revista de Psicoanálisis 195613450711 14 Grinberg L Perturbaciones en la interpreta ción por la contraidentificación proyectiva Revista de Psicoanálisis 195714122330 15 Grinberg L Aspectos mágicos en la transfe rencia y en la contratransferência sus im plicaciones técnicas Revista de Psicoanálisis 195815434768 16 Grinberg L Psicopatología de la identificaci ón y contraidentificación proyectivas y de la contratransferencia Revista de Psicoanálisis 196320211323 17 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psi canalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 18 Manfredi ST As certezas perdidas da psica nálise clínica Rio de Janeiro Imago 1998 19 Gaburri E Ferro A Gli sviluppi kleiniani e Bion In Semi AA Trattato di psicoanalisi Milano Rafaello Cortina 1988 p 289393 20 Bion WR Sobre a arrogância In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados São Paulo Imago 1988 21 Bion WR Ataques ao elo de ligação In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados São Paulo Imago 1988 22 Bion WR Uma teoria sobre o processo de pensar In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados São Paulo Imago 1988 p 1019 23 Bion WR Aprendiendo de la experiencia Buenos Aires Paidós 1975 24 Bion WR Os elementos da psicanálise in clui o aprender com a experiência Rio de Ja neiro Zahar 1963 25 Baranger W Baranger M La situación analí tica como campo dinámico In Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoa nalítico Buenos Aires Kargieman 1969 p 12964 26 Baranger M A mente do analista da escu ta à interpretação Rev Bras Psicanál 1992 26457386 27 Baranger W Baranger M El insight en la situación analítica In Baranger W Baran ger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargieman 1969 p 16577 28 Baranger W Baranger M Mom J Publica ciones previas al Congreso de Madrid Pro ceso y no proceso en el trabajo analítico Re vista de Psicoanálisis 198239452650 29 Ferro A Dois autores em busca de persona gens a relação o campo a história Revista de Psicanálise da SPPA 199521928 30 Ferro A From raging bull to Theseus the long path of a transformation Int J Psychoa nal 199172Pt 341725 148 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 31 Ferro A La mente del analista en su traba jo problemas riesgos necesidades Revista de Psicoanálisis 19914856115977 32 Ferro A El impase en una teoría del cam po analítico In Libro anual de psicoanálisis sl sn 1993 v 9 p 5365 33 Ferro A O diálogo analítico constituição e transformação de mundos possíveis Revista de Psicanálise da SPPA 1996314763 34 Ferro A A psicanálise como literatura e tera pia Rio de Janeiro Imago 2000 35 Ferro A Evitar as emoções viver as emoções Porto Alegre Artmed 2011 36 Ferro A Basile R O universo do campo e seus habitantes In Ferro A Basile R O cam po analítico um conceito clínico Porto Ale gre Artmed 2013 p 1334 37 Bezoari M Ferro A Elementos de un mo delo del campo analítico los agregados fun cionales Revista de Psicoanálisis 1990475 684761 38 Bezoari M Ferro A A oscilação significa dos afetos no trabalho da parelha analítica Rev Bras Psicanál 199226336574 39 Ferro A Na sala de análise emoções rela tos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 40 Bion WR Bion em Nova Iorque e em São Paulo In Bion WR Conversando com Bion quatro discussões com W R Bion Bion em Nova Iorque e em São Paulo Rio de Janeiro Imago 1992 41 Tadie JY A crítica literária no século XX Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1992 42 Rosenfeld H Nota a respeito da psicopato logia dos estados confusionais nas esquizo frenias crônicas In Rosenfeld HA Os esta dos psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 p 6274 43 Ogden TH On potential space Int J Psycho anal 198566Pt 212941 44 Ogden TH Analysing the matrix of transfe rence Int J Psychoanal 199172Pt 4593 605 45 Ogden TH El sujeto dialécticamente consti tuído descentrado del psicoanálisis I el su jeto freudiano In Libro anual de psicoaná lisis São Paulo Escuta 1992 v 8 p 99108 46 Ogden TH El sujeto dialécticamente cons tituído descentrado del psicoanálisis II las contribuiciones de Klein y Winnicott In Li bro anual de psicoanálisis São Paulo Escu ta 1992 v 8 p 10922 47 Ogden TH The analytic third working with intersubjective clinical facts Int J Psychoa nal 199475Pt 1319 48 Ogden TH O Conceito de ato interpretativo In Ogden TH Os sujeitos da psicanálise São Paulo Casa do Psicólogo 1996 p 10332 49 Ogden TH Identificação projetiva e o ter ceiro subjugador Revista de Psicanálise da SPPA 19941215362 50 Ogden TH Os sujeitos da psicanálise São Paulo Casa do Psicólogo 1996 51 Ogden TH Analysing forms of aliveness and deadness of transferencecountertransfe rence Int J Psychoanal 199576Pt 4695 709 52 Ogden TH Reconsidering three aspects of psychoanalytic technique Int J Psychoanal 199677Pt 588399 53 Ogden TH O sujeito perverso da análise Revista de Psicanálise da SPPA 199743 487509 54 Ogden T Reverie and metaphor Some thoughts on how I work as a psychoanalyst Int J Psychoanal 199778Pt 471932 55 Ogden TH Reverie and interpretation sen sing something human Northvale J Aron son 1997 56 Ogden TH This art of psychoanalysis Dre aming undreamt dreams and interrupted cries Int J Psychoanal 200485Pt 4857 77 57 Ogden TH An introduction to the reading of Bion Int J Psychoanal 200485Pt 2 285300 58 Winnicott DW Desenvolvimento emocional primitivo In Winnicott DW Bogomoletz D Da pediatria à psicanálise obras escolhidas Rio de Janeiro Imago 2000 p 21832 59 Winnicott DW Teoria do relacionamento paternoinfantil In Winnicott DW O am biente e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocio nal 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1990 p 3854 60 Freud S Extrato dos documentos dirigidos a Fliess Carta 69 In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 1 p 3502 Psicoterapia de orientação analítica 149 61 Green A The analyst symbolization and ab sence in the analytic setting on changes in analytic practice and analytic exprience In memory of D W Winnicott Int J Psychoa nal 1975561122 62 Renik O Analytic interaction conceptuali zing techinique in light of the analysts ir reducible subjectivity Psychoanal Q 1993 62455371 63 Renik O The perils of neutrality Psychoanal Q 1996653495517 64 Renik O A subjetividade e a objetividade do analista In Livro anual de psicanálise São Paulo Escuta 2000 v 14 p 99109 65 Vollmer Filho G Conceptualisation of the clinical psychoanalitycal fact Int J Psycho anal 199475Pt 5610419 LEITURAS SUGERIDAS Bion WR Atenção e interpretação o acesso cien tífico a intuição em psicanálise e grupos Rio de Janeiro Imago 1991 Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 13143 Freud S Observações sobre o amor transferen cial In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 20721 Freud S Recomendações aos médicos que exer cem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 147 59 Freud S Recordar repetir elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 191203 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 12 p 16387 Klein M Notas sobre alguns mecanismos esqui zóides In Klein M Inveja e gratidão e outros tra balhos 19461963 Rio de Janeiro Imago 1991 Obras completas de Melanie Klein v 3 p 1743 A psicoterapia de orientação psicanalítica baseiase nos conhecimentos da psicaná lise e dela deriva seu corpo teórico Este contudo não é único e integrado não ha vendo uma só visão ou posição da psica nálise Sua aplicação à teoria da psicote rapia de orientação psicanalítica tornase principalmente para o iniciante complexa e por vezes desconexa O contato com a realidade teórica põe em evidência uma di versidade de abordagens algumas aparen temente antagônicas outras de integração difícil com diferentes níveis de abstração conceituações conflitantes linguagens dis tintas e uma tendência a haver defensores e detratores de cada uma das vertentes com a mesma paixão A origem dessa multiplicidade de teorias e difi culdades em sua integração está ligada prin cipalmente aos problemas de teorização sobre seu objeto de estudo o inconsciente devido às suas características de complexidade imate rialidade e subjetividade Questões institucionais de mercado de trabalho e pressões culturais concorrem para o problema Seu estudo abrangente envolve questões epistemológicas relações com outras áreas do conhecimento e sua contextualização na própria história da teo ria psicanalítica O objetivo deste capítulo é introduzir o tema dos modelos teóricos sua origem seu significado no contexto psicanalítico e os principais modelos da mente no mo mento atual do conhecimento em uma tentativa de auxiliar o leitor a situarse no complexo universo teórico da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica As definições aqui utilizadas e as questões abordadas além de serem resultado de uma síntese pessoal foram simplificadas com o objetivo de clareza e espaço e com fins didáticos Não é objetivo do capítulo o estudo das chamadas escolas de pensa mento psicanalítico sendo estas apresenta das apenas com a finalidade de exemplifi cação de sua estrutura Ao leitor interessa do no aprofundamento e desdobramento das questões tangenciadas recomendase a consulta às referências bibliográficas 8 MODELOS PSICANALÍTICOS DA MENTE José Carlos Calich Não é fácil lidar cientificamente com sentimentos Freud 1930 Psicoterapia de orientação analítica 151 O QUE É UM MODELO Uma ciência em última instância permanece ou sucumbe enquanto é uma técnica válida para a descoberta e não em virtude do conhecimento ganho O conhecimento sempre está sujeito a ser substituído de fato o cri tério pelo qual se julga a vitalidade de um assunto é a substituição de desco bertas por novas descobertas1 Modelo pode ser definido para as finalidades deste capítulo como um esquema que o ser hu mano constrói inicialmente de modo involuntá rio em sua mente e em seguida compartilha do com os demais para tentar compreender a si próprio e o mundo a sua volta Por meio desses esquemas imagina a estrutura ou o comporta mento dos fenômenos que observa e que lhe são desconhecidos14 A construção de um modelo parte da intuição e é baseada em premissas Estas úl timas são elementos básicos que podem ter origens culturais mitológicas da observa ção de fenômenos repetitivos ou de outras fontes internas e que são aceitas mesmo inconscientemente como verdadeiras Todo modelo tem um princípio orga nizador interno que une e articula esses ele mentos básicos Sua construção depende de curiosidade uma característica desenvolvida pelo ser humano ao longo de sua evolução56 O ser humano olha o mundo e a si próprio com a curiosidade necessária para imaginar para que cada elemento serve o que tem dentro como é feito o que se pode fazer com isso Para exercer essa capacidade deve suportar saber que não conhece Se não su porta diz de várias formas não me interes sa para que saber isso ou isso é igual ao que já conheço jogando fora a curiosidade Quando suporta a incerteza pode imaginar ar ticular usar sua intuição começando o conta to com o desconhecido Constrói então um es quema mental concebendo imaginariamente aquilo que está observando suas propriedades e relações com algum tipo de experimentação do teste da realidade ao método científico avalia a adequação e a utilidade de seu mode lo ampliandoo ou substituindoo Quanto maior o número de situações imaginadas que podem ser explicadas elu cidadas interpretadas ou previstas possi bilidades de generalização valores explica tivos e preditivos pelo modelo construído mais ele persiste como referência àquelas situações e a novos modelos dizse que tem maior valor heurístico A articulação coerente de modelos de elevado valor heurístico constitui uma teoria sobre um domínio específico do conhecimento Essa é de forma sintética a hipótese predominante nos dias atuais para a construção do conhecimento tanto individual como na área das ciências em programas de investigação científica com a utilização do método científico2379 principalmente de experimentos controla dos de validação e de falsea bilidade ou do saber em geral validado ou refutado por meio de métodos próprios a sua área de abrangência e conhecimento1011 Em síntese é possível afirmar que o processo de aquisição do conhecimento iniciase pela in tuição a respeito de um fenômeno observado na realidade a nossa volta ou em nossa realidade interior passa pelo estabelecimento de concei tos evoluindo para o levantamento de hipóte ses ou conjeturas sobre as relações entre esses conceitos e formando um modelo O conjunto de modelos articulados constitui uma teoria 152 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Com base nessa definição o modelo é intermediário entre uma intuição e uma teoria e necessariamente provisório Isso decorre do fato de que as intuições iniciais nem sempre são as mais adequadas e mes mo quando consolidadas pela experimen tação podem não ser as mais abrangentes ainda que satisfaçam condições parciais momentâneas ou circunstanciais A passagem de um modelo para outro depen de da disponibilidade de premissas novas variá veis conhecimento acumulado mitos ou visibilidade cultural e de uma mente capaz de rearranjar os dados em novas combinações e articulações de ter uma nova intuição O co nhecimento portanto não evolui de forma acu mulativa linear mas aos saltos3 Alguns modelos conhecidos sobre o sistema solar podem ser ilustrativos Em tempos milenares os egípcios imagina vam que a Terra fosse plana apoiada sobre imensos pilares Os hindus acreditavam também em um plano porém apoiado em enormes elefantes que por sua vez fica riam sobre o casco de uma tartaruga gi gantesca a qual estaria sobre uma serpente descomunal Qualquer movimento desses animais provocaria terremotos e quem chegasse ao fim do plano cairia Enquanto os barcos não iam longe e não havia como perceber as inúmeras implicações dessas teorias imaginavase o desconhecido ar ticulandose algo conhecido premissas elementos básicos e conjeturando relações intuição De forma provisória esses esquemas ou modelos tiveram sua utilidade No mo mento em que os barcos foram mais longe desaparecendo e voltando do horizonte ao mesmo tempo em que se fizeram novas observações sobre vulcões terremotos e so bre a relação da Terra com o Sol e outros planetas novas variáveispremissas expe rimentação verificação os esquemas não tiveram mais a mesma serventia Alguém percebeu que deveriam existir curvaturas e imaginouse nova intuição que o Sol e os planetas giravam em torno da Terra salto teórico novo modelo Conhecimento após conhecimento esquema após esquema modelo após mo delo chegamos a uma esfera achatada nos polos parte de um sistema solar que por sua vez é parte de uma galáxia teoria Persistem contudo inúmeras indagações incertezas e verdades provisórias Ain da que como modelo a noção de plano pudesse ser útil para distâncias mui to pequenas como explicação do campo gravitacional dos abalos sísmicos ou dos sistemas solares os pilares os elefantes as tartarugas e as serpentes tiveram seu poder preditivo e explicativo muitíssimo redu zido o modelo foi se revelando de baixo valor heurístico A persistência das questões de como a Terra se sustenta no ar como mantém a re lação fixa com o Sol com outros planetas e estrelas levou a novas investigações imagi nações novos saltos teóricos novos mo delos Conhecimentos foram se somando No momento em que a humanidade estava culturalmente preparada visibilidade cultural surgiram as hipóteses sobre a for ça da gravidade e a órbita da Terra em tor no do Sol extremamente úteis para nossos avanços tecnológicos A primeira hipótese foi considerada incompleta no momento em que novas especulações e variáveis leva ram à concepção da teoria da relatividade a qual também começa a ser considerada incompleta e assim seguimos A conclusão é no sentido de que temporariamente úteis nossos modelos Psicoterapia de orientação analítica 153 em todas as áreas do conhecimento estão sempre em avaliação sendo aprimorados completados ou substituídos Para com preender determinado modelo e sua ar ticulação é necessário entender qual seu princípio organizador sua abrangência os limites de sua proposição e especificidades de sua utilização O QUE SÃO MODELOS PSICANALÍTICOS DA MENTE De acordo com as definições anteriores um modelo da mente é a forma como se imagi na que existe se constitui se organiza e exer ce suas funções aquilo que é específico e es sencialmente humano a mente Em função de seus princípios organizadores existem diversos modelos da mente psicológicos filosóficos so ciológicos antropológicos entre outros Quan do um conjunto de formulações inclui a consi deração de que a atividade mental é baseada no papel central de um inconsciente dinâmico estamos diante de um modelo psicanalítico da mente1314 Ainda que modelos psicanalíticos possam ser confundidos com escolas não estão no contexto aqui referido co locados como sinônimos Modelo psica nalítico da mente referese à estrutura do pensamento a seus princípios organizado res Escola por estar ligada à afiliação pode representar um conjunto de técnicas um agrupamento geográfico político ou até histórico Escolas diferentes podem ter princípios organizadores muito próxi mos p ex Winnicott e Kohut Alguns pensadores sem promover uma ruptura definitiva com os conceitos fundamentais da escola em que estão inseridos modi ficam seu modelo de modo substancial a evolução de Klein para Bion por exemplo Outros por sua vez oriundos de uma fon te comum criam modelos que rompem de forma radical com aqueles que lhes deram origem psicologia do self em relação à psi cologia do ego e Winnicott em relação a Melanie Klein Eventualmente um mesmo pensador utiliza di ferentes modelos para tentar compreender os fenômenos mentais Diversos estudiosos iden tificam por exemplo pelo menos três modelos da mente no pensamento freudiano1516 e pelo menos dois em Melanie Klein17 Cada modelo portanto tem seu próprio princípio organizador sua própria episteme É oriundo de saltos teóricos rupturas maiores ou menores em relação aos modelos dos quais se originou Utilizase de modo velado ou explíci to de pensamentos não psicanalíticos que in fluenciaram a cultura na qual seus fundadores estavam imersos zeitgeist É em geral fru to de necessidades geradas na própria clínica decorrentes da insuficiência dos modelos ante riores em dar conta de determinados fenôme nos psíquicos patológicos ou não com conse quências na técnica psicanalítica e psicoterá pica1819 Em geral depois de lançado um novo elemento organizador sua inevitável con frontação e a discussão com os modelos de pensamento psicanalítico já existentes fazem as duas teorias antiga e nova se de senvolverem e se aprimorarem Encontram seguidores comunicadores proselitistas e detratores contribuindo para o crescimen to do pensamento psicanalítico em geral Trazem contudo fragmentação teórica e institucional esta última não somente por esses motivos18 154 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O MODELO FREUDIANO O progresso no trabalho científico é o mesmo que se dá numa análise Tra zemos para o trabalho as nossas es peranças mas estas necessariamente devem ser contidas Mediante a ob servação ora num ponto ora nou tro encontramos alguma coisa nova mas no início as peças não se com pletam Fazemos conjeturas formu lamos hipóteses as quais retiramos quando não se confirmam necessita mos de muita paciência e vivacidade em qualquer eventualidade renuncia mos às convicções precoces de modo a não sermos levados a negligenciar fatores inesperados e no final todo o nosso dispêndio de esforços é recom pensado os achados dispersos se en caixam mutuamente obtemos uma compreensão interna insight de toda uma parte dos eventos mentais temos completado o nosso trabalho e então estamos livres para o próximo traba lho20 É comum a afirmação de que todos os modelos psicanalíticos da mente partem de Freud e com ele dialogam A autoridade conferida pela consistência de seu método de investigação sua condição de fundador e guardião dos limites da disciplina aliadas a sua permanente tentativa de ampliar e melhor adequar seus modelos a sua capa cidade de ir em busca do novo e aos mais de 45 anos de escritos freudianos funda mentam a premissa É necessário destacar porém que a tentativa de integração entre os vários modelos psicanalíticos existentes só é possível mediante um diálogo entre as teorias somente com a teoria freudiana mas com todos os modelos de elevado valor heurístico Dependendo das bases em que se dá esse diálogo as teorias se aprimoram e se fortalecem Quando o diálogo é autori tário há uma tendência à confrontação e à ruptura quando excessivamente tolerante os conceitos perdem sua especificidade e a teoria enfraquece Freud concebeu o inconsciente dinâmico partin do de uma intuição ante uma necessidade clí nica Apoiouse em premissas que tinha a seu dispor o contexto cultural e científico do fim do século XIX conhecimentos sobre a mente não linearmente acumulados e que tinham visibili dade cultural naquele momento da história da humanidade e sobre sua pessoa por meio da autoanálise O conjunto foi reorganizado em um modelo teórico coerente consistente de eleva do valor heurístico e tornado público por sua obra2122 A necessidade clínica referida era de forma bem específica o atendimento de pacientes histéricos por Freud inicial mente junto a Charcot na Salpetriêre em Paris e depois com Meynert e Breuer em Viena O ambiente cultural da Áustria o contexto ilu minista pósRevolução Industrial e a Revolu ção Francesa aliados aos conhecimentos psi quiátricos neurofisiológicos filosóficos literá rios sociológicos antropológicos e artísticos contribuíram para que Freud identificasse fe nômenos mentais que iam além dos perceptí veis pela consciência Ele criou um modelo de funcionamento para a mente humana baseado nesses novos conhecimentos bem como a pos sibilidade de um método que permitisse suas mudanças As ideias abordadas sobre o modelo freudiano da mente nesta seção e sobre os modelos de Klein e Bion a seguir correspondem a uma versão adap tada daquelas já expostas na Revista de Psiquiatria do RS21 baseadas principalmente nas contribuições de D Meltzer2224 E Spillius2526 H Segal2728 R Steiner2931 J M Petot1732 E Bianchedi33 e Elias Rocha Barros34 Psicoterapia de orientação analítica 155 Nesse momento as explanações fi siológicas começavam a tomar vulto em vários campos da ciência em geral e da medicina em particular incluindo a neu rofisiologia Nesse cenário influencia do por métodos empíricodedutivos que iriam no início do século XX culminar no positivismo lógico Freud procurou cons truir uma ciência explanatória que pudes se provar seus achados encontrando seus fatores e agentes causais organizados em forma de leis e princípios gerais Olhava o cérebro e a mente como fenomenologica mente idênticos e estava preocupado com o modelo neurofisiológico a hidrostase a termodinâmica e o conceito darwiniano de evolução da mente Esse conjunto determinou o modelo de incons ciente construído por Freud estabelecendo a centralidade dos conceitos de pulsão formu lação teórica para tentar expressar a transfor mação de estímulos em elementos psíquicos e repressão Decorrem dessa formulação noções como investimento representação resistência defesas fases do desenvolvimento da libido a teoria inicial sobre a ansiedade a transferên cia como revivência de uma memória passada a realidade psíquica entre outras A concepção de realidade psíquica foi fundamental à investigação freudiana possibilitando encontrar um significado e um lugar na história de vida do sujeito para a etiologia dos sintomas e a formação do caráter Chamo a atenção para o fato de que esse modelo não é aplicável a todas as ideias de Freud mas é o que predomina em seu pensamento é a ele que Freud retorna após novas formulações que se afastam desse modelo como sobre luto e melancolia sobre o problema econômico do maso quismo ou sobre o narcisismo procurando manter sua genial e abrangente teoria com um eixo principal Ao mesmo tempo em que esse referencial lhe deu uma enorme quantidade de instrumentos úteis propi ciando inúmeras descobertas e formula ções também impôs limitações Os concei tos básicos estão expostos no Projeto para uma psicologia científica35 e mantiveramse como espinha dorsal do modelo freudiano da mente Freud entendia a vida mental como ligada ao corpo e às suas necessida des e dessa forma ocupada em encontrar meios de gratificar essas necessidades sem confrontarse diretamente com o ambiente este visto como externo ou interno A enfermidade mental em um primeiro momen to era concebida como resultante de inibições especificamente da vida sexual depois por ou tra visão mais estrutural era entendida no sen tido de um conflito entre pulsão e defesa Em um terceiro momento também pôde ser vista como um conflito de índole ética e moral entre ego e superego amor e ódio Apesar da concepção de um supere go e da descrição dos mecanismos de in ternalização principalmente o de identifi cação Freud não chegou a uma concepção de mundo interno embora nomeado em sua obra este não toma corpo como uma realidade não encontrando um local den tro do modelo básico No modelo freudiano os sonhos são atividades mentais de descarga que garantem o processo neurofisiológico do dormir e a emocionalidade não são o centro da vida mental mas assumem um papel indicador de um funcionamento men tal como poderiam fazer a fala ou os movimen tos musculares voluntários 156 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O narcisismo é visto sob vários ângulos mas destacase como uma teoria sobre a na tureza da libido e sua vinculação com o corpo Desse modo a transferência devido ao modelo hidrostático neurofisiológico é vista como uma repetição do passado e o pensamento neu rótico como aquele que sofre com suas lem branças em outras palavras é atormentado por experiências dolorosas não assimiladas Como compara Meltzer22 esse é um modelo cirúrgico no qual a ansiedade e o conflito são como corpos estranhos na mente causando constante irritação O processo analítico é visto como uma recu peração de lembranças passadas que são mais bem revividas no calor da transfe rência ou seja na repetição com o médi co daqueles conflitos do passado causado res de angústia Portanto o interesse inicial de Freud pelos casos de histeria delineou seu modelo psicanalítico partindo dos fenômenos de repressão dos afetos das vivências trau máticas e das manifestações somáticas E nesse contexto foi satisfatório tendo ele vada capacidade de responder a questões relativas às neuroses em geral e a diversos aspectos do funcionamento mental e do comportamento humano individual e em grupos Como já abordado e semelhante ao que ocorre em outras disciplinas e na ciên cia em geral a evolução do conhecimento psicanalítico não se deu de forma homogê nea contínua ou linearmente acumulativa Ela foi resultado de necessidades clínicas diversas eventualmente circunstanciais vinculadas à evolução também não homo gênea do conhecimento em outras áreas do saber e aos contextos culturais em que sofreu transformações Desse modo à me dida que surgiam novas necessidades clíni cas e novos movimentos culturais Freud foi alterando seu modelo inicial da mente ampliando sua abrangência ESQUEMA DOS MODELOS E ESTRUTURA DAS TEORIAS PSICANALÍTICAS DE FREUD Primeiro modelo Referese ao modelo do trauma afeto trauma Sem início preciso dura até 1897 Freud centra esse modelo na memó ria do trauma real principalmente aquele resultante de experiências de abuso sedu ção sexual na infância utilizando um re ferencial neurodinâmico As forças inconscientes inibidas de saprovadas pelo ambiente que levavam ao sintoma eram compreendidas como afetos ou emoções que haviam sido estimulados por experiências traumáticas reais O sin toma surgia quando uma quantidade de energia afetiva era grande demais trauma real para ser assimilada pela consciência igualada ao ego Era então forçada para fora dela reprimida e tinha que encontrar um meio de expressão indireta As memó rias associadas a essas emoções tornavam se nos pacientes neuróticos inaceitáveis para seus padrões normais de moralidade e condutas e não podiam ser descarrega das de forma normal adequação social e autoes tima O tratamento baseavase na ideia de que tais emoções podiam ser liberadas pe la recuperação da emoção com a memória associada à consciência sendo o afeto libe rado por meio da abreação catarse com a consequente assimilação do conteúdo men Esse esquema é baseado nos estudos de Sandler e Wallerstein16 Greenberg e Mitchell15 e Meltzer23 Psicoterapia de orientação analítica 157 tal rejeitado pela consciência Freud desta cou a importância do desenvolvimento se xual na etiologia das neuroses e do trauma Segundo modelo O modelo contém a noção de sistemas psi cológicos relacionados espacialmente o modelo topográfico consciente précons ciente e inconsciente Iniciase em 1897 prosseguindo até 1923 Freud centra esse modelo no conflito entre pulsão e censura utilizando como referencial a dinâmica in trapsíquica uma luta interna Esse conflito se torna o fator causal da neurose e de toda a dinâmica psíquica Fatores determinan tes na mudança do modelo envolveram a autoanálise de Freud que conduziu à teo ria da interpretação dos sonhos em 1990 a experiência clínica e a improbabilidade de que todos os casos de histeria estives sem ligados a um abuso real O abandono da ideia do trauma real como causa colo cou em destaque a existência de fantasias oriundas das experiências de satisfação da pulsão e de suas vicissitudes A pulsão buscando sua descarga por meio da consciência tornase uma ameaça à integridade do eu ego A atitude pro tetora defensiva da repressão ao agir so bre a pulsão ameaçadora leva a uma nova expressão retorno do material reprimido em uma época posterior sob a forma de sintoma parapraxia atos falhos sonho identificado como resultado de fantasias de realização de desejos que buscam a su perfície ou atividade artística criativa Conceitos centrais à teoria psicanalí tica como repressão conflito compulsão à repetição projeção complexo de Édipo ansiedade de castração vida sexual infan til e seu desenvolvimento são partes desse modelo As implicações técnicas do mo delo levam a fazer consciente o incons ciente por meio da análise da resistência transferência da interpretação dos sonhos dos atos sintomáticos e da associação livre Terceiro modelo O modelo estrutural id ego e superego iniciase em 1923 Freud centra esse mo delo no conflito entre as estruturas o qual compreende três níveis conflito biológico intrapsíquico e real No entanto todos são tratados em termos de suas representações psíquicas Fatores determinantes na mudança do modelo são a introdução dos conceitos de narcisismo com as noções de ideal de ego e superego e o interesse de Freud pelos problemas ligados à agressão estimulados pela violência da Primeira Guerra Mun dial masoquismo e depressão melancóli ca Esses conceitos conduzem a uma nova relação do indivíduo sujeito com outros indivíduos objetos e sua articulação não encontra lugar no modelo topográfico O modelo estrutural criado então por Freud para substituir o topográfico leva a uma nova teoria da ansiedade Ini bições sintomas e ansiedade36 e a um apro fundamento no entendimento das defesas do ego com o surgimento da psicologia do ego As implicações técnicas do mode lo incluem preocupações sobre como o ego se adapta aos diferentes níveis de conflito e a análise dos mecanismos de defesa Qua dro 81 ALGUMAS EVOLUÇÕES PÓSFREUDIANAS O que ocorreu com Freud também se pas sou com outros pensadores psicanalíticos que pressionados por realidades clínicas 158 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs QUADRO 81 MODELOS E ESTRUTURA DAS TEORIAS PSICANALÍTICAS DE FREUD Primeiro modelo Segundo modelo Terceiro modelo Período na obra de Freud Denominação Organizadores Conflito Sintoma Modelo de tratamento Impreciso 1897 Teoria do trauma afetotrauma Memória de um abuso sexual na infância Memória com afeto excedente era inaceitável para os padrões morais e as condutas do paciente Energia afetiva era grande demais trauma real para ser assimilada pela consciência igualada ao ego Era então forçada para fora dela reprimida e tinha que encontrar um meio de expressão indireta Recuperação da emoção com a memória associada à consciência sendo o afeto liberado por meio da abreação catarse com a consequente assimila ção do conteúdo mental rejeitado pela consciência 18971923 Modelo topográfico Inconsciente précons ciente consciente Conflito interno entre a expressão da pulsão e a instância de censura A atitude protetora defensiva da repressão ao agir sobre a pulsão ameaçadora leva a uma nova expressão retorno do material reprimido em uma época posterior sob a forma de sintoma parapraxia atos falhos sonho identificado como resultado de fantasias de realização de desejos que buscam a superfície ou atividade artística criativa Fazer consciente o inconsciente por meio da análise da resistên ciatransferência da interpretação dos sonhos dos atos sintomáticos e da associação livre 19231939 Modelo estrutural Id ego e superego isso eu supereu Conflito entre as estruturas entendidas por meio de suas representações psíquicas A angústia sentida pelo ego é o sinal de desprazer que leva o ego a se colocar em posição de defesa desenca deando a repressão e a formação de sintomas O sintoma é simultaneamente representante do reprimido diante do ego e território estrangeiro para o ego37 produz também por via indireta de satisfação pulsional uma satisfação substitutiva deformada e irreconhecível sentida paradoxalmente como sofrimento e geradora de desprazer e nova angústia Como o ego se adapta aos diferentes níveis de conflito e a análise dos mecanismos de defesa Psicoterapia de orientação analítica 159 diversas e estando envolvidos em outros contextos culturais e científicos identifica ram novas nuanças nos fenômenos obser vados transformando o modelo freudiano de mente A identificação nos consultórios de pacientes deprimidos psicóticos frontei riços portadores de transtornos de caráter ou de falhas profundas na organização do narcisismo deu origem ao questionamento do modelo pulsional Diante da dificulda de em trabalhar com as novas organizações patológicas os psicanalistas dividiramse houve os que procuraram aperfeiçoar o modelo vigente e os que propuseram ino vações teóricas que equivaliam a um novo modelo38 Alguns romperam com os con ceitos nucleares afastandose da própria psicanálise Por partirem de contextos bastante diversos e de intuições diferentes os modelos de mente criados ainda que mantendo os conceitos centrais passaram a lidar com fenômenos a partir de diferen tes olhares e linguagens promovendo o que tem sido chamado com fre quência na lite ratura de babel psicanalítica181939 Tomando como base os ângulos en focados por Freud em suas descobertas de senvolveramse modelos teóricos e a partir deles as chamadas escolas psicanalíticas Assim para citar alguns exemplos a ênfase no modelo estrutural e na análise do ego e de suas defesas pressionada pela cultu ra pragmática anglosaxã principalmente americana foi a base da chamada escola da psicologia do ego de cujas insuficiên cias teóricas originouse um novo modelo o da psicologia do self H Kohut Des te por sua vez influenciadas também por estudos recentes sobre teoria da comunica ção teoria dos sistemas sociais cibernética teoria determinista do caos e da complexi dade4041 derivaram as escolas intersubje tivistas interrelacional interpessoal inte racional construtivista social e uma nova escola de relações de objeto ver adiante Partindo do estudo da paranoia e do atendimento de psicóticos e também como uma reação às mudanças de mode lo propostas pela psicologia do ego surge o modelo de Lacan que se propõe a uma releitura do modelo freudiano influen ciado entre outros pelo pensamento es truturalista de LéviStrauss pelos estudos linguísticos de Saussure e pelo enfoque fi losófico de Hegel e Heidegger38 A partir dos estudos freudianos sobre a ansiedade e sobre os processos de luto e identificação e das necessidades clínicas ge radas pelo atendimento de crianças tendo sido influenciada pela dialética hegeliana42 Melanie Klein desenvolveu seu trabalho ver a seguir Das insuficiên cias teóricas de seu modelo surgiram os estudos de D Winnicott influenciado pelo pensamento de Heidegger MerleauPonty e Husserl43 e de W R Bion ver a seguir UM EXEMPLO DETALHADO DE MUDANÇAS DE MODELO A PASSAGEM DE FREUD PARA MELANIE KLEIN E DESTA PARA BION Klein modificou a forma freudiana de pen sar a mente humana de um modelo expla natório causal para um modelo descritivo fenomenológico Isso equivale a dizer que ao observar os fenômenos da imaginação infinitos em suas possibilidades distan ciouse de um modelo finito de distribui ção de energias mentais Em função dessa abordagem ampliou a descrição feita por Freud sobre a divisão da mente dando 160 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lhe um papel central Concluiu que não vivemos em um mundo mas em dois o da realidade externa dos objetos externos e de suas relações e um mundo interno tão real quanto o primeiro com seus objetos internos e suas vívidas interações Nas pa lavras de Meltzer22 isso deu um significado inteiramente novo ao conceito de fantasia de modo que a fantasia inconsciente pas sa a ser vista como uma transação uma trama realmente ocorrendo no mundo interno e aos sonhos que começam a ser vistos como quadros pictóricos dessa vida paralela a vida onírica que ocorre per manentemente durante o sono ou a vigília Assim o conceito freudiano de su perego pôde ser expandido e transforma do no conceito de objetos internos a rea lidade psíquica pôde ser tratada de uma forma concreta como um lugar onde ocorrem transações e onde estão sendo dados ou gerados os significados que se rão atribuí dos ao mundo externo22 Em outras palavras o mundo externo passa a ser vivenciado a partir dos significados que lhe são atribuídos pelo mundo interno O narcisismo apesar de não explicitado na obra de Klein evolui para um conceito mais interacional ligado a configurações emocionais em que a mente oscila entre as relações objetais e o retraimento narcísico Essas configurações emocionais descritas por ela como posições representam uma outra consequência da alteração do modelo de mente privilegiado por essa autora Nesse modelo as emoções ocupam um papel central e a mente é entendida como lidando com significados e valores A transferência passa a ser considerada não mais uma lembrança do passado mas a externalização do presente imediato do mundo interno como tal é vista como rea lidade psíquica As interpretações deixam de ter o sentido do como se para se trans formarem no é e os pacientes não são mais vistos como se estivessem sofrendo de lembranças mas vivendo no passado ou em um outro plano de funcionamento mental O processo analítico centrase na localização e na interpretação da ansiedade emergente em cada sessão em uma tenta tiva de tornar conhecido o mundo interno reduzindo as dissociações e projeções de modo a poder alcançar e ultrapassar a posi ção depressiva com o luto pelos objetos e a consequente integração destes Ao fim de sua teorização Klein cunhou o concei to de identificação projetiva que alterou parte de seu modelo mental e foi ponto de partida de seus colaboradores e seguidores tendose di fundido a praticamente todos os demais mode los psicanalíticos A partir dessa noção a men te não fica mais restrita a dois mundos mas a tantos quantos os processos de divisão e iden tificação projetiva gerarem cada qual com seu funcionamento independente A compreensão desse fenômeno pro duziu novas possibilidades de interação com o mundo externo e a participação do outro na vida mental com inúmeros desdobramentos posteriores tais como a influência da contratransferência no pro cesso analítico Este último conceito e suas implicações técnicas foram desenvolvidos por contribuições posteriores às de Klein Wilfred Bion partindo de uma for mação kleiniana foi influenciado pela cul tura indiana em que nasceu por sua vivên cia no exército pelo pensamento de Hume Wittgenstein Mach e Kant pelos mate máticos Poincaré e Frege pelos escritores Milton e Keats pelos físicos Heisenberg e Einstein44 Suas necessidades clínicas pro vieram do atendimento de grupos e de pa cientes psicóticos Ele elaborou um novo modelo de desenvolvimento baseado em outra concepção da mente Psicoterapia de orientação analítica 161 Descreveu o desenvolvimento da mente como um processo complexo estruturado passo a passo que não pode ser comparado com as for mas biológicas de crescimento De acordo com ele a mente se desenvolve autonomamente ela se constrói aproveitando experiências Isso altera a concepção kleiniana da relação do bebê com o seio alvo de divisões idealiza ções e projeções e considera a relação do bebê com a mãe o grande modulador da dor psíqui ca que permite ao bebê prosseguir em seu de senvolvimento Bion assumiu a visão de que a mãe deve realizar funções mentais para o bebê que este pode apreender por um processo de internali zação e principalmente por a mãe estar dis ponível para servir como um modelo pensante organizador a ser introjetado O centro desse modelo é a ideia de que a mãe realiza a fun ção de pensar pelo bebê devolvendo a este o que ele lhe jogou como ansiedade incompre ensível sob forma de partes perturbadas proje tadas isso permite que o bebê desenvolva a di ferença entre consciente e inconsciente entre pensar e sonhar45 A tolerância à frustração e a conse quente possibilidade de desenvolver o pri meiro pensamento com a experiência da ausência da mãe são também elementos cruciais na compreensão desse modelo O estudo dessas funções levou à descrição de um modelo da mente que privilegia a ex periência emocional e a coloca como o cen tro do significado para que a mente cresça e se desenvolva a experiência emocional das relações íntimas deve ser pensada compreendida e transformada em signifi cado4246 Assim as emoções passam a ser os elos bá sicos que permitem a integração do self Essa ênfase em uma teoria do pensamento baseada em uma teoria das relações de objeto permitiu a Bion agrupar as emoções básicas amor L ódio H e desejo de conhecer K e seus opos tos L H K Essa formulação fornece a base para que posteriormente haja um desloca mento do conflito básico considerado por Freud entre o amor e o ódio para a emoção e a opo sição à emoção Tal ideia converge para um conceito central na perspectiva dos chamados klei nianos atuais que é o de ataque ao víncu lo emocional ataque ao pensamento e ao conhecimento As ideias de Bion ampliam o conhecimento sobre o narcisismo a divi são e a identificação projetiva a existência de partes psicóticas da personalidade e central para a técnica psicanalítica atual a participação ativa da contratransferência na construção do processo analítico O desenvolvimento dos conceitos contidos em cada um dos modelos traz al terações à teoria da técnica e portanto à prática da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica No modelo bio niano utilizado como exemplo grande parte da compreensão da transferência e portanto do mundo interno do analisando passa a ser resultado da percepção e do en tendimento de como o paciente mobiliza o mundo interno do terapeuta nas sessões e de como este age sobre aquele permitindo um acesso a formas mais sutis de manifes tação dos complexos mecanismos primiti vos de funcionamento da vida mental Deixouse de acreditar que uma in terpretação por mais correta que seja produza em si mesma uma mudança imediata assim como se tornou parte essencial de nossa técnica a busca de contato emocional com o paciente o que só é possível ser identificado se le varmos em conta o funcionamento do psiquismo como um todo Na sessão isso implica termos nossa atenção vol 162 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tada para as mudanças mínimas que ocorrem na transferência e na contra transferência antes e após interpretar mos47 A função da interpretação passa a ser a de integrar por meio do movimento de significação da experiência emocional as pectos dissociados excindidos da perso nalidade por identificação projetiva per mitindo um fortalecimento do ego e uma maior capacidade de construir novos sig nificados o que possibilita a expansão da mente A noção de um movimento contí nuo de rupturas em partes fragmentação e construções do todo integração expres so por PSD movimento contínuo entre as posições esquizoparanoide e depressiva leva conforme o modelo bioniano à con sideração técnica de um analista paciente mente aguardando mentalmente não sem atividade em um estado semifragmenta do até que a realidade emocional da sessão assuma seu lugar e produza significado TRÊS EXEMPLOS DE TENSÃO ENTRE MODELOS Conforme já destacado novas necessida des clínicas e intuições promoveram for mas originais de pensar a mente humana Sua natureza imaterial complexa e subje tiva torna muito difícil o estabelecimento de critérios objetivos de refutabilidade e de especificidade dos modelos a possibilida de de verificação de que um modelo é mais útil ou mais específico para determinada situação clínica Novas e antigas teorias convivem portanto e permanecem em tensão Se por um lado isso conduz ao diálo go e ao crescimento do conhecimento por outro pode provocar rupturas principal mente pela identificação pessoal ou grupal com certas características das teorias Isso leva a um investimento em algumas ma neiras de pensar e trabalhar independen temente das capacidades explicativas ou da abrangência de determinados modelos Estão sintetizadas a seguir apenas à guisa de exemplificação três das principais tensões contemporâneas entre diferentes modelos psicanalíticos da mente Pulsão versus relações com o objeto O seio bom que amamenta e inicia a relação amorosa com a mãe é o re presentante do instinto de vida sendo também sentido como a primeira ma nifestação da criatividade48 A libido não busca o prazer busca seu objeto49 Há duas maneiras principais no pen samento psicanalítico de compreender a natureza da experiência humana A primei ra define as pulsões e suas interações como estando na origem dessa experiência e a se gunda coloca os outros seres humanos os objetos por contraposição a si mesmo ao sujeito como sua fonte originária Al guns autores15385051 consideram que essa diferença corresponde aos dois paradigmas princípios organizadores fundamentais da psicanálise e sua principal fonte de ten são teórica As demais tensões e os diferen tes modelos criados seriam por essa visão desdobramentos dessa primeira Eventualmente o modelo pulsional é chamado de modelo da pulsãoestrutura15 pelo tipo de organização estrutural que a pulsão promove A expressão é contraposta a relaçãoestrutura correspondendo ao ti po de organização estrutural promovida pelas relações de objeto Segundo Green berg e Mitchell15 Psicoterapia de orientação analítica 163 a investigação de Freud colocouo frente ao que considerou as profun dezas da experiência humana locali zando tanto a motivação para o mo vimento psíquico como a energia que possibilitava toda atividade mental na figura da pulsão O conceito de pulsão foi concebido como já mencionado conforme uma for mulação teórica uma abstração para pro curar expressar a transformação de estí mulos biológicos em elementos psíquicos Freud buscou construir toda a teoria psi canalítica em torno desse conceito Portan to as motivações últimas nesse modelo seriam oriundas das necessidades geradas pelo corpo Como decorrência da teoria pulsional a repres são como mecanismo básico de regulagem da pulsão assume um papel nuclear na pró pria constituição do inconsciente Noções con sequentes como investimento representação resistência defesa transferência como memó ria passada a teoria inicial sobre a ansiedade e as fases do desenvolvimento da libido foram concebidas com base nesse princípio organiza dor para dar conta das várias nuanças do de senvolvimento humano de sua patologia e de seu método de tratamento A inequívoca importância dos outros seres humanos na constituição da mente do indivíduo fez o próprio Freud duran te seus estudos sobre o narcisismo o luto e a psicologia de grupo complementar seu conceito de objeto A noção de objeto havia sido introdu zida muitos anos antes inicialmente como objeto da percepção e depois como objeto da pulsão por meio do qual é possível que a pulsão atinja sua finalidade o prazer35 Uma característica importante desse objeto é a de não ser organicamente predetermi nado ao contrário do objeto de um ins tinto que é fixo e herdado O da pulsão é variável e substituível52 De certo modo ele é constituído construído por meio das ex periências de satisfação e não satisfação da pulsão vividas pela criança nos primeiros anos de vida35 Os mencionados estudos sobre o nar cisismo sobre os processos de luto e sobre a psicologia de grupo promoveram uma evolução do conceito em direção ao obje to da identificação identificação primária constituição do sujeito ou da introjeção objeto interno formador do ideal de ego e posteriormente do superego53 Essas novas constatações levaram Freud a modi ficar seu modelo topográfico procurando manter a centralidade da pulsão no novo modelo estrutural como referido As já aludidas novas necessidades clínicas vi vidas em novos contextos culturais e científi cos permitiram intuições que deslocaram a pulsão de sua centralidade Inverteram o centro da motivação colocando na relação com o ob jeto a origem dos espaços mentais da emocio nalidade da subjetividade do pensamento en fim de todas as transformações necessárias à experiência humana A noção de objeto em psicanálise é imprecisa Além de proposta em um ele vado nível de abstração como em objeto interno há em razão de sua natureza e função em cada modelo uma penum bra em seu significado que evolui de um objeto da percepção a uma estrutura en dopsíquica com vitalidade e status de uma quase pessoa51 Há excelentes revisões a respeito por exemplo em Baranger51 San dler e Sandler54 e Hinshelwood55 Os pioneiros dessas modificações fo ram R Fairbairn Melanie Klein e JO Wis dom de modo independente na Inglaterra 164 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs HS Sullivan nos Estados Unidos e J La can na França Cada um com modelos de dimensões abrangências e princípios orga nizadores distintos com implicações para a teoria da técnica WR Bion D Winni cott D Meltzer E Jakobson H Kohut M Mahler O Kernberg RD Storrolow S Mitchell J Laplanche A Green JB Pon talis P CastoriadisAulagnier D Anzieu e R Kaës são alguns dos principais seguido res desses pioneiros cada um com proposi ções de novos modelos ou com importan tes evoluções dos anteriores também com implicações para a teoria da técnica Mais recentemente na América do Sul Berens tein e Puget56 partindo da experiência com famílias casais instituições e grupos e fun damentados na centralidade das relações de objeto propuseram um novo modelo a teoria vincular Modelos intrapsíquicos e intersubjetivos Outra importante fonte de tensão teórica é o confronto entre os modelos intrapsíqui cos e os intersubjetivos também expresso como tensões entre a oneperson psycholo gy e a twoperson psychology5759 ou ain da tensões contidas nas discussões sobre o predomínio do sujeito ou do grupocultura no estabelecimento de estados mentais e do mundo interno propriamente dito Ainda que cada uma dessas formulações englobe diferentes nuanças e contextos da teoria e da técnica estarão aqui reunidas em torno de seu modelo comum por questões de es quematização e espaço Colocadas como um desdobramento da relação do indivíduo com os outros a questão não é so mente a da origem da mente e sua motivação mas a do comportamento da mente como siste ma De um lado a mente é vista como unitária individual influenciada somente de modo se cundário por outras mentes um sistema fecha do De outro é considerada parte de um conjun to em permanente troca com as outras men tes com espaços compartilhados um sistema aberto Os termos aberto e fechado servem fa cilmente a preconceitos havendo a ten dência a associar aberto a progressista e fechado a conservador retrógrado adqui rindo uma apreciação moral alheia ao espí rito necessário à compreensão dos modelos Os estudos iniciais de Freud já abor dados conceberam a mente humana como uma unidade individual como um sistema fechado que se constituía a partir de fon tes biológicas internas e que se relacionava com outros sistemas outros indivíduos os quais tinham apenas um papel secundá rio em sua constituição e manutenção No extremo intrapsíquico do espectro formado por esses modelos o foco de atenção é o que ocorre com a mente de uma pessoa considera da isoladamente Os processos são originados de modo integral dentro de sua própria men te e em última instância voltados a ela mes ma Nesse modelo a transferência parte exclu sivamente do paciente de seu passado e é vi vida no presente com a figura do psicanalista psicoterapeuta apenas como seu representan te Este último dentro desse modelo constrói o setting na abstinência e na neutralidade e formula interpretações a partir de sua própria mente também isolada Nesse polo a contra transferência é vista como um obstáculo à ob jetividade da escuta psicanalítica A partir dos novos modelos que defi niram o objeto como central à experiência Psicoterapia de orientação analítica 165 diferentes relações e influências do objeto foram conjeturadas No cenário clínico uma das decorrências iniciais dessa evolu ção foram os estudos sobre a identificação projetiva e a contratransferência e sua in trodução como instrumento de auxílio à escuta e à interpretação Em outras áreas do conhecimento as considerações sobre o papel do observador como modificador daquilo que é observado passaram a influir no cenário das ciências e das próprias teo rias sobre o conhecimento Essa conjunção de movimentos promoveu o deslocamento do eixo para uma visão voltada para a in tersubjetividade Formulada de forma sintética a evolução des sas investigações levou à concepção de que com os limites do corpo e da biologia a cons tituição da mente depende da interação com o mundo exterior e com as qualidades reais do objeto principalmente as qualidades incons cientes O sujeito individual se constitui e se define no espaço individual e também no cole tivo no contato com os outros Ao se autoorga nizar a mente está em processo de constan te intercâmbio com o meio tornando a reali dade psíquica uma função da interação entre seus componentes nos contextos social cultu ral familiar e interpessoal sendo mais do que a soma de partes Nesse modelo a existência de espaços psíquicos comuns e partilhados com outros deve ser considerada e o indivíduo pensado como um sistema aberto de indivídu os interrelacionados em constante mutação e reorganização A tensão entre o indivíduo e o grupo o narcisismo e o socialismo1 é permanen te O modelo é influenciado pelas teorias deterministas do caos e da complexidade pela teoria da comunicação pela teoria dos sistemas sociais e pela cibernética Passam a ser considerados os fenômenos de campo e intersubjetividade6063 O papel das iden tificações projetivas adesivas transgeracio nais do falso self e da alienação do sujeito toma vulto Na técnica a fantasia do campo uni dade entre a autorreferência e a referência externa forma uma nova unidade exi gindo do terapeuta um novo olhar um olhar de segunda ordem de um segundo tempo por estar na condição de observa dor inserido em um sistema Essas novas condições do modelo levam a uma nova dimensão da observação que deve incluir a incerteza em suas implicações teóricas A visão intersubjetivista radical con sidera que o sujeito individual se constitui e se define no espaço coletivo intersubjetivo e que os aspectos individuais são existentes porém incognoscíveis tendo visibilidadde apenas no campo intersubjetivo O valor dessa alteração de perspectiva para a teoria da técnica psicanalítica e psicoterápi ca é muito significativo dando à pessoa real do terapeuta importância definitiva Algumas alterações técnicas nela apoiadas envolvem a revelação da contratransferência ou nes sas condições da transferência do analista e de situações pessoais do terapeuta na tenta tiva de construção da interpretação conjunta cointerpretação de significados produzidos pela nova unidade interacional pacientetera peuta cocriação à medida que a relação te rapêutica acontece6367 Pelo fato de a mudança ser relati vamente recente de o espectro das novas possibilidades ser amplo e de o momento institucional assim favorecer ocorreram agrupamentos variados com distintas de nominações bem como diferenças de in terpretação da nova teoria principalmen te nos Estados Unidos correspondendo à psicanálise intersubjetivista à interre lacional à interpessoal à interacional à 166 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs construtivista social e à nova escola ameri cana de relações de objeto não confundir com a escola inglesa de relações de objeto cujos precursores são Fairbairn e Melanie Klein Algumas críticas a essa tese irre mediavelmente intersubjetiva ou à subje tividade irremediável do analista65 são no sentido de que se perderia a especificidade dos conceitos de personalidade caráter e inconsciente além de questões epistemoló gicas e de coerência conceitual6869 Conflito versus déficit Vemos a mente humana por sua pró pria natureza compelida a manobrar constantemente entre duas forças ba sicamente opostas das quais se deri vam todas as emoções sensações de sejos e atividades A mente jamais poderá escapar ao conflito e jamais poderá ser estática deve evoluir sem pre estar sempre em marcha de um modo ou de outro e empregar sem pre seus dispositivos mediadores para estabelecer um equilíbrio entre os seus impulsos antitéticos É o resulta do bemsucedido de tais dispositivos e recursos que gera os estados de har monia e unicidade estados esses que são ameaçados por fatores endógenos e exógenos E como os instintos são inatos temos de concluir que existe uma certa forma de conflito desde o princípio da vida70 A noção de conflito psíquico foi in troduzida por Freud71 desde seus primei ros escritos psicanalíticos em 1894 na bus ca de uma explicação causal uma etiologia psíquica para os sintomas histéricos O de senvolvimento do pensamento freudiano colocou o conflito psíquico na origem dos sintomas neuróticos em geral da formação do caráter e finalmente de toda a ativida de psíquica A atividade mental o psiquis mo e a própria mente passam a ser vistos como uma formação de compromisso um resultado da interação de necessidades exigências internas pressões ou forças an tagônicas Em função daquilo que é considerado originário do modelo vários são os níveis de antagonismo que podem constituir o conflito prazer e desprazer desejo e sua repressão instintos sexuais e de sobrevi vência pulsão e defesa pulsão de vida e pulsão de morte conflito intersistêmico entre as instâncias ego e id ego e supere go pensamentos ideias e partes do self emoção e oposição à emoção significação e retirada da significação tradução e não tradução Pelo que já foi exposto é possível concluir que os modelos de Freud Mela nie Klein e Bion e seus desenvolvimentos posteriores os assim chamados grupo de kleinianos atuais neofreudianos fran ceses pensamentos de Green Laplanche Botella bem como a teoria da psicologia do ego para citar alguns exemplos são ba seados em algum tipo de conflito psíquico que dá origem ao aparelho mental e às suas disfunções Como princípio organizador o conflito pressu põe um certo grau de diferenciação estrutural entre self e objeto72 Para haver um conflito é necessário que mesmo no funcionamento ini cial mais primitivo haja atividade mental para constituirse a oposição Nesse modelo o déficit poderia ser uma sensação uma ilusão resulta do de uma defesa identificação projetiva ma ciça cisão ou forclusão por exemplo ou de um ataque ao próprio self aos vínculos que consti tuem a própria mente para livrarse da angús tia como na teoria de Bion73 Fairbairn é citado por muitos estudiosos dessas novas tendências como precursor do pensamento intersubjetivista e interrelacional Psicoterapia de orientação analítica 167 O modelo do déficit parte do princípio or ganizador de que não havendo estímulo exter no adequado uma cadeia de desenvolvimento deixa de existir em que partes ou toda a men te podem parar de se desenvolver Em concor dância com esse princípio há maior passivida de do indivíduo menor diferenciação entre as estruturas e entre self e objeto podendo mes mo permanecerem em indiferenciação Por exemplo na criança a manutenção da ideali zação do selfobjeto7475 por falta de empatia do cuidador com seu processo maturacional o que impede o desenvolvimento do self O autor compara isso à falta de oxigênio para a crian ça respirar O modelo do déficit implica uma falta real A deficiência de algo essencial resulta em uma incapacidade de desenvolver toda uma cadeia de funções da personalidade em seu lugar estabelecese um vazio um déficit Este somente será preenchido por outros aspectos da personalidade que não deveriam estar naquela cadeia de desenvol vimento Tratase de uma sobreadaptação um falsoself É o modelo predominante em Winnicott e Kohut e de certo modo em Lacan A diferenciação entre esses dois cami nhos do psiquismo tem como consequên cia uma distinta compreensão do material do paciente nas sessões e uma diferente teoria da técnica para atingir mudança ou desenvolvimento psíquico A técnica que se origina da compreensão da mente baseada no conflito será a da interpretação do con flito A técnica derivada do reconhecimen to de uma falha de um déficit de desenvol vimento será a de reconstituição do de senvolvimento interrompido por meio de uma ação do analista p ex manutenção da idealização do analista que por uma adequada proporção de frustrações e grati ficações permite o desenvolvimento de um self independente OS MODELOS NA PRÁTICA CLÍNICA NA SESSÃO Ao nos propormos a utilizar uma técnica de orientação psicanalítica oferecemos ao paciente um modelo de escuta particular no qual independentemente da eventual escola de afiliação aquilo que é trazido de forma verbal ou não verbal para a sessão será recebido pelo psicanalistapsicotera peuta e transformado em sua mente à luz de seu próprio modelo psicanalítico inter nalizado sua teoria implícita privada76 Esse modelo internalizado dependerá da interação entre a formação do psicanalis tapsicoterapeuta seus supervisores profes sores leituras e o contato com seu próprio mundo interno ligado portanto direta mente a sua personalidade às suas vivências e ao seu próprio tratamento psicanalítico Quando surgem eventuais deficiências des se modelo pessoal do psicanalistapsicotera peuta por falha na formação na internaliza ção ou porque o modelo teórico é insuficiente para aquele específico aspecto da compreensão do mundo interno do paciente a lacuna tenderá a ser preenchida pelo modelo de funcionamen to mental não necessariamente psicanalítico que ocorrerá de forma espontânea ao psicana listapsicoterapeuta59 É importante sublinhar que mesmo sem percebermos todos construímos de forma espontânea modelos do funciona mento mental e dependendo de nossas vivências ou de nossas possibilidades emo cionais que geram nossa maneira de ver a mente e do grau de contato com nosso próprio inconsciente tangenciamos mode los psicanalíticos Essa teoria implícita poderá dar ori gem a uma intervenção do psicanalistapsi 168 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs coterapeuta que estará ou não adequada ao modelo de mudança psíquica objeti vado Tal movimento repete a história da criação de modelos em psicanálise abor dada anteriormente Depende de uma série de fatores o destino dessa teoria implíci ta Alguns deles são o grau de investimen to narcísico na nova teoria pelo psicana listapsicoterapeuta sua disponibilidade em recorrer a supervisão ou ir em busca do que já foi descrito sobre aquele aspecto Em contraponto dependendo da tolerância ao novo da capacidade para intuição do alcan ce da nova abstração do talento para integrar essas intuições e da disponibilidade de tornar pública suas conjeturas existirá a possibili dade de elas serem discutidas e avaliadas por outros vindo a contribuir ou não com o corpo teó rico geral CONSIDERAÇÕES FINAIS Se de fato o objeto se constrói com o método conforme o princípio episte mológico de Bachelard a construção do saber do inconsciente não pode ser dissociada das condições de sua ela boração Por aí o campo do conhe cimento psicanalítico se mostra con gruente com as características de seu objeto próprio ele é infinitamente aberto mas acessível na proporção do rigor da sua metodologia77 Diante do exposto é possível afirmar que a teoria psicanalítica é viva dinâmica está em permanente avaliação e atualiza ção Seu contato com a cultura e com a ciência é expresso na abundância de novas teorias consistentes provenientes de reali dades clínicas atuais e da disponibilidade de novos elementos e paradigmas do co nhecimento maior Seu objeto de estudo pelas carac terísticas já expostas tem dimensões não conhecidas sendo infinitamente aberto mas acessível na proporção do rigor da sua metodologia Seu campo de verificação seu laboratório reside no atendimento de milhares de pacientes por profissionais com treinamento adequado podendo sua teoria ser confirmada ou refutada pe las duplas pacienteterapeuta o que a faz se desenvolver ou ser substituída10 Seus modelos são sempre parciais corres pondendo a reducionismos de uma totalida de inapreensível Por terem essas característi cas tendem a não estar em complementarida de uma vez que seus princípios organizadores promovem dimensões diferentes de observação e não apenas vértices diferentes de uma mes ma dimensão Os fenômenos clínicos observa dos por um podem não ter nenhuma correspon dência no modelo de outro Por exemplo fundamental ao pensa mento winnicottiano e à sua compreensão da experiência emocional e da patologia o espaço transicional não encontra lugar na teoria freudiana ou kleiniana Por essa pluridimensionalidade é provável que nunca haja uma teoria inte grada ou única ainda que os modelos pos sam ser progressivamente mais abrangen tes e com valores heurísticos maiores Alguns modelos provavelmente são mais ade quados a determinados fenômenos clínicos Psicoterapia de orientação analítica 169 porém é improvável que possamos transitar por mais do que um ou dois deles sem cairmos na intelectualização na superficialidade ou na incongruência Como já assinalado identificamonos com o modelo Para evoluirmos teremos que mudar um paradigma interno Po de ser que não consigamos fazer isso com muita frequência E em relação à psicoterapia de orien tação psicanalítica seria possível identifi carmos um ou vários modelos psicanalíti cos da mente que refletem a ação psicote rápica Essa pergunta se inspira nas ideias expostas nas seções anteriores de que todos os modelos abarcam uma versão reduzida de um fenômeno de dimensões maiores e de que cada modelo em função de sua visibilidade do psiquismo e de sua dinâmica própria implica um tipo de mudança psíquica e uma teoria da técnica para atingila Qual o movimento psíquico esperado ao longo de uma psicoterapia de orientação psicanalítica Não haverá um modelo psi canalítico da mente implícito na busca des se movimento Não se trata de um retorno à ideia do ouro da psicanálise versus o cobre da psicoterapia de orientação psicanalítica Assim como nos modelos psicanalíticos apresentados não se trata de um modelo de ouro e outro de cobre Ao contrá rio valorizar a psicoterapia de orientação psicanalítica poderá significar a utiliza ção do rigor metodológico para explicitar a abrangência e os limites de seu modelo suas incongruências e insuficiências coe rentes com os movimentos esperados Utilizando uma comparação teme rária não é preciso usar a teoria da rela tividade ou suas sucessoras para calcular o tempo que um automóvel levará para percorrer 10 km a 60 kmh Os conceitos derivados do modelo da física newtoniana são suficientes Não poderíamos pensar o mesmo em relação à psicoterapia Essa investigação não poderia auxiliar no de senvolvimento de instrumentos técnicos específicos necessários E também no ti po de formação e treinamento que deverá ter o profissional qualificado a exercêla É possível que por esse meio estejamos qualificando nosso instrumento man tendo nosso contato com o inconsciente e com o humano com suas qualidades e limitações em vez de nos limitarmos à busca de regras e de outros argumentos de autoridade tão distantes do conhecimen to frutífero e da real necessidade daqueles que nos procuram Nos últimos anos o grupo de Peter Fonagy em Londres e o The Boston Chan ge Process Study Group BCPSG propuse ram modelos de compreensão de alguns fe nômenos psíquicos e modelos promotores de possível mudança psíquica com grande aceitação na comunidade psicoterápica e psicanalítica Entendo que de forma mais ou menos explícita propõem modelos que se enquadram nessa possibilidade de construção de um modelo de base psicana lítica da mente para o trabalho psicoterá pico Seria imprudente e inadequado em um espaço tão restrito quanto o fim deste capítulo tentar comentar avaliar ou criti car suas abrangências resultados ou limi tações Entretanto creio que por motivos a meu ver complexos e equivocados têm sido considerados modelos psicanalíticos abrangentes da mente e suficientes para substituir os modelos expostos neste capí tulo de elevada coerência complexidade e valor heurístico 170 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O ser humano compreende a si próprio e o mundo por meio da construção de esquemas ou modelos inicialmente involuntários e individuais Depois é possível terem sua complexidade aumentada e podem ou não ser compartilhados com os demais 2 Para se construir um modelo são necessárias curiosidade e capacidade de suportar a angústia vincu lada à incerteza podendo assim aproximarse do desconhecido Constróise então um esquema mental um modelo concebendose imaginariamente aquilo que está observando suas propriedades e relações com algum tipo de experimentação do teste da realidade ao método científico avaliase a adequação e a utilidade do modelo ampliandoo ou substituindoo 3 Um modelo é intermediário entre uma intuição e uma teoria e necessariamente provisório 4 Essa é a hipótese predominante nos dias atuais para a construção do conhecimento tanto individual como na área das ciências em programas de investigação científica com a utilização do método científico principalmente de experimentos controlados de validação e de falseabilidade ou do saber em geral validado ou refutado por meio de métodos próprios a sua área de abrangência e conhecimento 5 Um modelo da mente é a forma como se imagina que existe se constitui se organiza e exerce suas funções aquilo que é específico e essencialmente humano a mente Em função de seus princípios organizadores existem diversos modelos da mente psicológicos filosóficos sociológicos antropológi cos entre outros Quando um conjunto de formulações inclui a consideração de que a atividade mental é baseada no papel central de um inconsciente dinâmico estamos diante de um modelo psicanalítico da mente 6 Cada modelo da mente tem seu próprio princípio organizador sua própria episteme É oriundo de saltos teóricos rupturas maiores ou menores em relação aos modelos dos quais se originou Utilizase de modo velado ou explícito de pensamentos não psicanalíticos que influenciaram a cultura na qual seus fundadores estavam imersos zeitgeist É em geral fruto de necessidades geradas na própria clínica decorrentes da insuficiência dos modelos anteriores em dar conta de determinados fenômenos psíqui cos patológicos ou não com consequências na técnica psicanalítica e psicoterápica1819 7 Freud procurou construir uma ciência explanatória que pudesse provar seus achados encontrando seus fatores e agentes causais organizados em forma de leis e princípios gerais Percebia o cérebro e a mente como fenomenologicamente idênticos e estava preocupado com o modelo neurofisiológico a hidrostase a termodinâmica e o conceito darwiniano de evolução da mente 8 Esse conjunto determinou o modelo de inconsciente construído por Freud estabelecendo a centralidade dos conceitos de pulsão formulação teórica para tentar expressar a transformação de estímulos em elementos psíquicos e repressão Decorrem dessa formulação noções como investimento representa ção resistência defesas fases do desenvolvimento da libido a teoria inicial sobre a ansiedade a transferência como revivência de uma memória passada e a realidade psíquica 9 A enfermidade mental em um primeiro momento era concebida como resultante de inibições especifi camente da vida sexual depois por outra visão mais estrutural era entendida no sentido de um con flito entre pulsão e defesa Em um terceiro momento também pôde ser vista como um conflito de índole ética e moral entre ego e superego amor e ódio 10 No modelo freudiano os sonhos são atividades mentais de descarga que garantem o processo neurofi siológico do dormir e a emocionalidade não são o centro da vida mental mas assumem um papel indicador de um funcionamento mental como poderiam fazer a fala ou os movimentos musculares voluntários O narcisismo é visto sob vários ângulos mas destacase como uma teoria sobre a natureza da libido e sua vinculação com o corpo Desse modo a transferência devido ao modelo hidrostático neurofisiológico é vista como uma repetição do passado e o pensamento neurótico como aquele que Psicoterapia de orientação analítica 171 sofre com suas lembranças em outras palavras é atormentado por experiências dolorosas não assi miladas 11 A identificação nos consultórios de pacientes deprimidos psicóticos borderline portadores de trans tornos de caráter ou de falhas profundas na organização do narcisismo deu origem ao questionamento do modelo pulsional por vários psicanalistas pósfreudianos Estes diante da dificuldade em trabalhar com as novas organizações patológicas se dividiram houve os que procuraram aperfeiçoar o modelo vigente e os que propuseram inovações teóricas que equivaliam a um novo modelo Alguns romperam com os conceitos nucleares afastandose da própria psicanálise 12 Por partirem de contextos bastante diversos e de intuições diferentes os modelos de mente criados ainda que mantendo os conceitos centrais passaram a lidar com fenômenos a partir de diferentes olhares e linguagens promovendo o que tem sido chamado com frequência na literatura de babel psicanalítica 13 Tomando como base os ângulos enfocados por Freud em suas descobertas desenvolveramse modelos teóricos e a partir deles as chamadas escolas psicanalíticas Assim para citar alguns exemplos a ênfase no modelo estrutural e na análise do ego e de suas defesas pressionada pela cultura pragmá tica anglosaxã principalmente americana foi a base da chamada escola da psicologia do ego de cujas insuficiências teóricas originouse um novo modelo o da psicologia do self H Kohut Deste por sua vez influenciadas também por estudos recentes sobre teoria da comunicação teoria dos siste mas sociais cibernética teoria determinista do caos e da complexidade4041 derivaram as escolas intersubjetivistas interrelacional interpessoal interacional construtivista social e uma nova escola de relações de objeto 14 Partindo do estudo da paranoia e do atendimento de psicóticos e também como uma reação às mudan ças de modelo propostas pela psicologia do ego surge o modelo de Lacan que se propõe a uma relei tura do modelo freudiano influenciado entre outros pelo pensamento estruturalista de LéviStrauss pelos estudos linguísticos de Saussure e pelo enfoque filosófico de Hegel e Heidegger 15 A partir dos estudos freudianos sobre a ansiedade e sobre os processos de luto e identificação e das necessidades clínicas geradas pelo atendimento de crianças tendo sido influenciada pela dialética hegeliana Melanie Klein desenvolve seu trabalho Das insuficiências teóricas de seu modelo surgiram os de D Winnicott influenciado pelo pensamento de Heidegger MerleauPonty e Husserl e de WR Bion 16 No modelo de Melanie Klein as emoções ocupam um papel central e a mente é entendida como lidando com significados e valores A transferência passa a ser considerada não mais uma lembrança do pas sado mas a externalização do presente imediato do mundo interno como tal é vista como realidade psíquica As interpretações deixam de ter o sentido do como se para se transformarem no é e os pacientes não são mais vistos como se estivessem sofrendo de lembranças mas vivendo no pas sado ou em um outro plano de funcionamento mental 17 Ao final de sua teorização Klein cunhou o conceito de identificação projetiva que alterou parte de seu modelo mental e foi ponto de partida de seus colaboradores e seguidores tendose difundido a prati camente todos os demais modelos psicanalíticos A partir dessa noção a mente não fica mais restrita a dois mundos mas a tantos quantos os processos de divisão e identificação projetiva gerarem cada qual com seu funcionamento independente 18 W Bion descreve o desenvolvimento da mente como um processo complexo estruturado passo a passo que não pode ser comparado com as formas biológicas de crescimento De acordo com ele a mente se desenvolve autonomamente ela se constrói aproveitando experiências Isso altera a concepção klei niana da relação do bebê com o seio alvo de divisões idealizações e projeções e considera a relação do bebê com a mãe o grande modulador da dor psíquica que permite ao bebê prosseguir em seu desenvolvimento 172 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Bion WR Cogitações Rio de Janeiro Imago 2000 2 Chalmers AF O que é ciência afinal São Paulo Brasiliense 1993 3 Kuhn T A estrutura das revoluções científi cas São Paulo Perspectiva 1987 4 Bion WR Atenção e interpretação Rio de Janeiro Imago 1973 5 Freud S Esboço de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 23 6 Moreno J Ser humano la inconsistencia los vínculos la crianza Buenos Aires Libros del Zorzal 2002 7 Lakatos I Falsification and the methodology of scientific research programmes In Laka tos I Musgrave A Criticism and the growth of knowledge Cambridge Cambridge Uni versity 1994 8 Popper K Conjecturas e refutações Brasília UnB 1972 9 Popper K Lógica da pesquisa científica São Paulo Cultrix 1974 10 Botella C Botella S A pesquisa em psica nálise In Green A organizador Psicanálise contemporânea revista francesa de psicaná lise Rio de Janeiro Imago 2003 11 Bordieu P Outline of a theory of practice Cambridge Cambridge University 1977 12 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 13 Laplanche J Contracorrente In Green A organizador Psicanálise contemporânea re vista francesa de psicanálise Rio de Janeiro Imago 2003 14 Green A A crise do entendimento psicana lítico In Green A organizador Psicanálise contemporânea revista francesa de psicaná lise Rio de Janeiro Imago 2003 15 Greenberg JR Mitchell SA Object relations in psychoanalytic theory Cambridge Har vard University 1983 16 Sandler J Wallerstein RS Freuds model of the mind na introduction Madison Iner national Universities 1997 17 Petot JM Melanie Klein São Paulo Perspec tiva 1987 Coleção estudos série psicanáli se 1 18 Calich JC O inconsciente e suas tensões atuais Revista de Psicanálise da SPPA 2003103 19 Calich JC Prologue In Calich JC Hinz H The unconscious further reflections Lon don International Psychoanalytic 2007 20 Freud S A questão de uma weltanschauung In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 22 p 211 21 Calich JC Contribuições atuais da psicaná lise para a prática psiquiátrica desenvolvi mentos atuais da teoria psicanalítica O gru po kleiniano atual Rev Psiquiatr RS 1996 18Supl837 22 Meltzer D Vida onírica una revisión de la teoría y de la técnica psicoanalítica Madrid Tecnipublicaciones 1987 23 Meltzer D O desenvolvimento kleiniano parte I o desenvolvimento clínico de Mela nie Klein São Paulo Escuta 1989 24 Meltzer D Desarollo kleiniano parte 3 el significado clínico de la obra de Bion Bue nos Aires Patla 1990 19 Nesse modelo as emoções passam a ser os elos básicos que permitem a integração do self Essa ênfase em uma teoria do pensamento baseada em uma teoria das relações de objeto permitiu a Bion agrupar as emoções básicas amor L ódio H e desejo de conhecer K e seus opostos L H K Essa formulação fornece a base para que posteriormente haja um deslocamento do conflito básico conside rado por Freud entre o amor e o ódio para a emoção e a oposição à emoção 20 São exemplificadas três tensões comuns entre os modelos a pulsão versus relações com o objeto b modelos intrapsíquicos e intersubjetivos c conflito versus déficit Psicoterapia de orientação analítica 173 25 Spillius EB Developments in the work of Melanie Klein Int J Psychoanal 198364Pt 332132 26 Spillius EB Melanie Klein today develop ments in theory and practice London Rou tledge 1988 v 1 27 Segal H The KleinBion model In Roths tein A editor Models of the mind their re lationships to clinical work Madison Inter national Universities 1985 p 3547 28 Segal H Phantasy and reality Int J Psychoa nal 199475Pt 2395401 29 Steiner R Some Thoughts about Tradition and Change Arising from an Examination of the British Psychoanalytical Societys Con troversial Discussions 19431944 Inr Ver Psychoanal 1985122772 30 Steiner R The tower of Babel or after Ba bel in contemporary psychoanalysis Some historical and theoretical notes on the lin guistic and cultural strategies implied by the foundation of the International Journal of PsychoAnalysis and on its relevance today Int J Psychoanal 199475Pt 56883901 31 Steiner R To explain our point of view to english readers in English words Int Rev Psychoanal 199118335192 32 Petot JM Melanie Klein São Paulo Perspec tiva 1987 Coleção estudos série psicanáli se 2 33 Bianchedi ET Antar R De Podetti MR De Píccolo EG Miravent I De Cortiñas LP et al Beyond Freudian metapsychology The me tapsychological points of view of the Klei nian School Int J Psychoanal 198465Pt 438998 34 Barros EM Barros EL Introdução In Bar ros EMR organizador Melanie Klein evolu ções São Paulo Escuta 1989 35 Freud S Projeto para uma psicologia cientí fica In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 1 36 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 20 37 Freud S A dissecção da personalidade psí quica In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 22 38 Mezan R Paradigmas e modelos na psicaná lise atual In Pellanda NMC Pellanda LEC organizadores Psicanálise hoje uma revolu ção do olhar Petrópolis Vozes 1996 39 AmatiMehler J Argentieri S Canestri JA The Babel of the unconscious mother ton gue and foreign languages in the psychoa nalytic dimension Madison International Universities 1993 40 Spruiell V Deterministic chaos and the sciences of complexity psychoanalysis in the midst of general scientific revolution J Am Psychoanal Assoc 1993411344 41 Levenson E The interpersonal sullivanian model In Rothstein A Models of the mind and their relationship to clinical work New York International Universities 1985 p 49 67 42 Mills J Hegel on projective identification implications for Klein Bion and beyond Psychoanal Rev 200087684174 43 Loparic Z Winnicott e o pensamento pós metafísico Psicologia USP 1995623961 44 Bléandonu G Wilfred R Bion a vida e a obra 18971979 Rio de Janeiro Imago 1993 45 Bion WR Diferenciação entre a persona lidade psicótica e a não psicótica In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 46 Bion WR Learning from experience Lon don Karnac 1989 47 Barros EMR A interpretação da destrutivi dade Sl sn 1994 Mimeografado 48 Klein M Inveja e gratidão um estudo das fontes inconscientes Rio de Janeiro Imago 1974 49 Fairbairn WRD Psychoanalytical studies of the personality London Routledge Kegan Paul 1976 50 Mezan R Existem paradigmas em psicaná lise In Mezan R A sombra de Don Juan e outros ensaios São Paulo Brasiliense 1993 51 Baranger W compilador Aportaciones al concepto de objeto en psicoanálisis Buenos Aires Amorrortu 2001 52 Freud S Os instintos e suas vicissitudes In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 14 53 Merea EC Los conceptos de objeto en la obra de Freud In Baranger W compilador 174 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Aportaciones al concepto de objeto en psi coanálisis Buenos Aires Amorrortu 2001 54 Sandler J Sandler AM Internal objects revi sited London Karnac 1998 55 Hinshelwood RD The elusive concept of in ternal objects 193443 its role in the for mation of the Klein group Int J Psychoanal 19977887798 56 Berenstein I Puget J Lo vincular clínica y técnica psicoanalítica Buenos Aires Paidós 1997 57 Aron L One person and two person psy chologies and method of psychoanalysis Psychoanalytic Psychology 19907447586 58 Gill M Discussion interaction III Psychoa nalytic Inquiry 199616111834 59 Grotstein JS Integrating oneperson and two person psychologies autochthony and alterity in counterpoint Psychoanal Q 199766340330 60 Baranger W Baranger M La situación analí tica como campo dinámico In Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoa nalítico Buenos Aires Kargieman 1969 61 Ogden TH O terceiro analítico trabalhan do com fatos clínicos intersubjetivos In Og den TH Os sujeitos da psicanálise São Pau lo Casa do Psicólogo 1996 62 Ferro A Dois autores em busca de persona gens a relação o campo a história Revista de Psicanálise da SPPA 199521928 63 Ferro A O diálogo analítico constituição e transformação de mundos possíveis Revista de Psicanálise da SPPA 1996314763 64 Gerson S Neutrality 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Rio de Janeiro Imago 1976 v 1 72 Killingmmo B Conflito y deficit implican cias para la técnica In Libro Anual de Psi coanálisis Londres The British Psycho Analytical Society 1989 v 5 p 11126 73 Bion WR Uma teoria sobre o processo do pensar In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 74 Kohut H Self e narcisismo Rio de Janeiro Imago 1984 75 Kohut H Análise do self Rio de Janeiro Imago 1988 76 Sandler J Reflections on some relations be tween psychoanalytic concepts and psychoa nalytic practice Int J Psychoanal 198364Pt 13545 77 Kaës R O grupo e o sujeito do grupo São Paulo Casa do Psicólogo 1997 p 20 P A R T E I I I Fundamentos da técnica psicoterápica de orientação analítica Esta página foi deixada em branco intencionalmente O processo de avaliação de um paciente com o objetivo de instaurar uma psicote rapia de orientação analítica POA cons tituise do que chamamos de entrevista inicial definição do diagnóstico psicodi nâmico indicação ou não de psicoterapia e efetivação do contrato psicoterapêutico que será abordado no Capítulo 11 Zimerman1 já destacava a vigência do mito de que todos os pacientes podem ser tratados e curados pela psicoterapia e psicanálise Os progressos da ciência da psico farmacologia e da pesquisa de resultados terapêuticos2 cada vez mais exigem refi namento nas avaliações e indicações tera pêuticas Sandell e colaboradores3 reitera que a seleção é parte integrante da psicote rapia e da psicanálise não só para o início do tratamento mas também para sua con tinuação O declínio atual da busca pela psicoterapia analítica e pela psicanálise no entendimento de Kandel4 devese à não evidência objetiva de que sejam mais eficazes do que terapias não analíticas ou placebo Fonagy5 contudo apon ta que essa carência por si só não significa que a psicoterapia ou a psicanálise sejam ine fetivas o que falta em nossa disciplina é o in vestimento em pesquisas empíricas e a inter relação com as diferentes áreas da ciên cia que trabalham em busca da elucidação dos resul tados Assim é responsabilidade nossa indi car a técnica mais apropriada e a que mais benefícios traz para aliviar o sofrimento da pessoa que nos procura A avaliação indi vidualizada portanto fazse mais do que nunca necessária e é condição decisiva para o melhor aproveitamento da psicoterapia que nos propomos a realizar Em um colóquio no Centro de Es tudos Luís Guedes sobre contrato e inter rupções em psicoterapia6 assinalouse que muitas interrupções precoces de tratamen to decorrem de uma inadequada avaliação inicial Freud7 a propósito afirmava o se guinte No que concerne ao psicanalista contudo se o caso é desfavorável ele co meteu um erro prático foi responsável por despesas desnecessárias e desacreditou seu método de tratamento Assim compreen 9 AVALIAÇÃO Carmem Emília Keidann Jussara Schestatsky Dal Zot 178 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dese que vários autores estudiosos das psicoterapias assinalem que as entrevistas de avaliação representam um momento crítico tanto na vida do paciente como na do profissional a quem ele recorre810 Este capítulo se propõe a abordar os seguintes temas referentes ao processo de avaliação e às indicações de psicoterapia de orientação analítica a entrevista inicial o diagnóstico psicodinâmico e as indicações e contraindicações e as considerações ENTREVISTA INICIAL Conceito Quando nos referimos à entrevista inicial buscamos conceituar um tipo específico de encontro com objetivos definidos e for mato próprio diverso dos demais que hão de ocorrer caso seja indicada a psicote rapia Ferreira11 em seu dicionário define entrevista como vista e conferência entre duas ou mais pessoas em local predeter minado encontro combinado comentário ou opinião fornecido a entrevistadores pa ra ser divulgado em jornal revista etc Em nosso caso tratase de um encontro com binado entre duas pessoas com a específica finalidade de decidir se quem consulta de ve ou não realizar uma psicoterapia com quem e de que tipo É importante que se esclareça desde o princípio que a entrevista inicial embora na forma singular não exclui a realização de outras duas ou mesmo três compõem o processo de avaliação dado que dificil mente um único contato será suficiente para conhecer o entrevistado Muitas variá veis influenciam esse processo o tipo de encaminhamento a experiência prévia do paciente o motivo da procura sua motiva ção entre outros aspectos Quanto à técnica Uma norma básica é facilitar ao entrevis tado a livre expressão de seus processos mentais o que em geral não se consegue com um enquadre formal de perguntas e respostas Bleger12 salienta que nesse pri meiro encontro nosso propósito é ver co mo funciona o indivíduo e não como ele diz que funciona assim devemos deixálo tanto quanto possível à vontade para mos trar seu modo de ser e de interagir A escuta atenta com um mínimo de interrupções permitirá observar como a pessoa se expressa desenvolve seu pensa mento expõe ou não sentimentos relacio nase com o entrevistador o que fala ou sobre o que cala1314 A atitude de escuta porém não im plica mutismo tampouco distância ou frieza Devese agir com cordialidade discrição e sensibilidade pois certamente quem nos procura traz seu sofrimento e vem em busca de ajuda Podese pois de início solicitar os dados de identificação do entrevistado e esclarecer o quanto durará a entrevista e a possibilidade de que não se ja a única A seguir ele é convidado a falar sobre as razões de sua vinda e solicitado a contar tudo o que puder a fim de formar mos uma ideia do que o aflige A maioria dos autores salienta repe timos que a técnica da entrevista é exclu siva e distinta de uma sessão de psicaná lise ou psicoterapia Não só os objetivos afirma Etchegoyen15 de uma e outra são diferentes mas também os instrumentos já que a associação livre não é proposta e a interpretação é reservada para situações especiais Psicoterapia de orientação analítica 179 Tratase de uma técnica não diretiva deixan do ao entrevistado a iniciativa mas ajudando o em momentos difíceis um aceno de cabeça um comentário neutro ou uma pergunta em ge ral bastam para restabelecer uma comunica ção interrompida Cruz6 e outros autores como Liber man16 consideram que o terapeuta de ve absterse de qualquer intervenção de cunho interpretativo nessa circunstância visto que ainda não se estabeleceu o setting o entrevistado ainda não é o paciente e não estamos portanto autorizados a utili zar a interpretação Porém há aqueles1517 que julgam válido o uso da interpretação para remover algum obstáculo ou promover o vínculo entre elementos que estão sendo apresen tados e cuja conexão o paciente não perce be Quinodoz17 inclusive afirma que o pa ciente desconhece seu mundo fantasmático inconsciente e que nas entrevistas prelimi nares o psicoterapeuta tem a oportunidade de fazêlo vivenciar uma escuta analítica e tomar contato com seu mundo interno É importante assinalar também que a entrevista inicial deve necessariamente provocar ansiedade como toda situação nova e desconhecida em que dois indivídu os se encontram e um deles vai ser avalia do na verdade ambos o são O terapeuta apesar de em geral já ter feito muitas en trevistas desse tipo sabe que cada situação nova é um desafio e que ninguém tem a certeza de se sair a contento Além disso agregamse fatores relacionados aos signifi cados inconscientes que cada um dos parti cipantes atribui a esse primeiro encontro6 Por isso depende em grande medida da habilidade do entrevistador manter a an siedade em um limite aceitável Que não seja muito baixa pois é um estímulo eficaz para o paciente expressar seus problemas nem muito alta de forma que impeça a comunicação e desorganize o objetivo do encontro Campo da entrevista A entrevista configura um campo no qual de acordo com Baranger e Baranger18 há duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares enquanto permanece a situação envolvidas no mesmo processo dinâmico Esse conceito de campo dinâmi co de forças que se cruzam e que se cons troem a partir da participação de ambos modifica a compreensão e a utilização de vários instrumentos da técnica no enten dimento de Iankilevich e Dal Zot19 Aqui deparamonos com um ponto que vem despertando a atenção dos teóri cos da psicanálise e da psicoterapia a inte ração da dupla pacienteterapeuta Segundo Ferro20 hoje trabalhamos cada vez mais com a ideia de que o foco de nossas pre ocupações se deslocou das características do paciente para as da dupla e da interação en tre aquele determinado paciente e aquele determinado terapeuta Não temos uma bitola universal Não é qualquer tipo de paciente que podemos tratar Conhecer os limites e os alcan ces próprios de cada terapeuta é essencial para o sucesso da psicoterapia Os instrumentos de avaliação de que dispõe o terapeuta são o reconhecimen to do estado de sua mente10 suas teorias seus conhecimentos sua intuição e empa tia e sobretudo sua própria angústia O entrevistador participa do fenômeno que 180 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs observa e se condiciona a ele como bem salienta Etchegoyen15 a máxima objeti vidade que podemos obter só é alcançada quando se incorpora o sujeito observador como uma das variáveis do campo Co mo às vezes há o risco de que o terapeuta defina sua avaliação por uma única impres são dominante na primeira entrevista su gerese um intervalo entre esta e as demais de uma semana em média o que permite apreciar como o paciente reagiu a esse pri meiro encontro O segundo encontro pode esclarecer muitos aspectos ou nos surpre ender com algo que não havíamos pensado ou percebido seja por nossa angústia seja pelo desejo do paciente de causar uma im pressão diferente de seu verdadeiro modo de ser Isso oferece um indicativo da maior flexibilidade ou rigidez do paciente no uso das suas defesas Caligor e colaboradores21 sugerem duas sessões de acompanhamen to após a consulta inicial para esclarecer problemas mais complexos ou incertezas quanto ao diagnóstico Motivação Há consenso entre os autores de que a motivação é um pressuposto básico para que se indique psicoterapia de orientação analítica Porém o que conceituamos co mo motivação De acordo com Houaiss22 é um conjunto de processos que dão ao comportamento uma intensidade uma direção determinada e uma forma de de senvolvimento próprias da atividade indi vidual Assim começamos constatando que é um tema de âmbito exclusivo do pa ciente das características do seu caráter e dos objetivos dessa procura de atendimen to Algumas questões podem nos orientar na definição da motivação nas entrevistas iniciais 1 O paciente busca o tratamento de forma espontânea 2 Mostra capacidade de reconhecer que seus sintomas são de natureza psicoló gica Denota sofrimento 3 Há tendência à introspecção e a relatar os problemas de modo honesto e ver dadeiro 4 Tem vontade de participar ativamente do processo de tratamento 5 Expressa curiosidade e desejo de se entender 6 Assume a responsabilidade de modifi car as dificuldades que enfrenta em vez de externálas e projetálas nos outros 7 Apresenta expectativas realistas em relação à psicoterapia 8 Há disposição de investir tempo e di nheiro nessa busca Provavelmente não responderemos nas primeiras entrevistas a todas essas questões baseadas em Sifneos23 mas tê las em mente nos ajudará a apreciar as condições de cada entrevistado Freud7 já ressaltava nos primeiros escritos que o so frimento é a força motivadora primária do tratamento Um aspecto que deve ser observado diz respeito à manifestação consciente des sa motivação expressa em geral no desejo verbal do paciente de se livrar apenas dos sintomas ou do sofrimento colocado em uma situação externa imediata Esta quan do isolada não indica uma boa motiva ção Uma motivação genuína implica um desejo de modificação interna por meio do insight o paciente se dispõe a explorar pensamentos emoções e conflitos de sua vida diária buscando vinculações com as circunstâncias do passado sendo capaz de reviver situações dolorosas ou difíceis preo cupado em ser honesto consigo para alcan çar a verdade sobre si mesmo81424 Psicoterapia de orientação analítica 181 Thomä e Kächele9 advertem quanto a não se poder esperar que cada paciente nos procure com uma boa motivação pa ra o tratamento ciente das conexões entre suas moléstias seus problemas e conflitos de vida trazendo consigo certo insight Se esses pacientes existem a prática mostra que não são maioria Contudo é possível esperar que a experiência da psicoterapia desenvolva nele uma motivação o que mu dará o rumo das expectativas iniciais25 Em revisão feita por Dal Zot26 citam se várias pesquisas que estudaram a moti vação Brill e Storrow em 1963 em um es tudo com 111 pacientes ambulatoriais em Los Angeles observaram que 92 daqueles que estavam motivados melhoraram Ma lan em um estudo experimental sobre os resultados da psicoterapia breve realizado em 1976 relata que entre 10 critérios de seleção estudados apenas um a motiva ção apresentou correlação positiva com o resultado Sifneos em 1968 estudando uma amostra de 55 pacientes que realiza ram tratamento breve concluiu que dos 35 que melhoraram 88 apresentaram motivação de boa a excelente Straker em 1968 revisando as causas e os índices de abandono em uma clínica psiquiátrica em Montreal encontrou os menores índices de abandono entre os pacientes que procu ravam o tratamento por iniciativa própria e entre os que apresentaram alta motivação desde o início do tratamento Hollender citador por Dal Zot26 refere que o aban dono seria praticamente eliminado se nas primeiras entrevistas a ênfase se centrasse em avaliar a motivação do paciente para tratarse A pesquisa desenvolvida em 1979 por Dal Zot26 em um ambulatório de psicoterapia em Porto Alegre constatou que dos 71 pacientes estudados 51 ob tiveram melhoras Destes 911 foram conside rados motivados para POA verifi candose uma associação significativa entre motivação e resultado de psicoterapia p 005 Transferência e contratransferência na avaliação Desde Freud27 sabemos que muitas de nossas ações e reações estão condiciona das por experiências passadas que tendem a se repetir no presente tornando a per cepção da realidade atual um misto de presente e passado Ora em uma situação de avaliação vão reproduzirse conflitos e pautas do passado do entrevistado que as sumem uma vigência atual uma realidade imediata e concreta em que o entrevis tador é investido de um papel que estri tamente não corresponde a ele Por meio dessas transferências é possível obter preciosas informações sobre a estrutura mental do sujeito e o tipo de sua relação com as outras pessoas15 Porém com a ênfase atual no concei to de campo dinâmico28 não se pode mais pensar em transferência isoladamente sem levar em consideração sua contrapartida que é a contratransferência não se pode pensar em identificação projetiva ocor rendo apenas da parte do paciente sem as identificações projetivas e introjetivas do terapeuta também em ação formando a fantasia inconsciente do par que vai estar também presente desde a avaliação ini cial19 A situação psicoterápica modifica se então o objeto de observação passa a englobar tanto o paciente quanto o psicote rapeuta em sua dimensão intersubjetiva29 Gabbard30 e Thomä e Kächele9 des tacam que os elementos transferenciais 182 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs existem desde o primeiro encontro entre paciente e terapeuta mesmo antes por ve zes Assim a própria marcação da primeira consulta revelará aspectos do paciente que podem traduzir experiências prévias com outros terapeutas ou desconfianças e ati tudes com figuras de autoridade ou seja muitas de suas características pessoais Os fatores relativos à figura real do terapeuta idade sexo aspecto físico apresentação pessoal e do consultório frequentemente se convertem em ponto de partida para a transferência inicial31 A transferência também pode apre sentarse como uma resistência e um dos sinais disso segundo Malan32 é observa do toda vez que um paciente parece não estar expondo comunicações espontâneas dificultando a coleta da história Já que a transferência é um aspecto vital da avalia ção pois afeta diretamente a cooperação do paciente com o terapeuta abordar os sentimentos nela evocados poderia remo ver obstáculos à coleta efetiva de sua his tória O entrevistador por sua parte con forme Etchegoyen15 não reage a todos esses fenômenos de forma absolutamente lógica e racional mas também de maneira irracional e inconsciente o que constitui sua contratransferência Para o psicotera peuta tais sentimentos são informações diagnósticas vitais pois o orientam tanto acerca das reações que o paciente produz nos outros como também da necessidade de discriminar suas próprias reações diante deste Uma particularidade da circunstância de avaliação é a de provocar angústia pela experiência nova desconhecida a que se expõem paciente e terapeuta A forma de o primeiro descarregar essa angústia se dá em geral por comunicações não verbais via identificação projetiva O terapeuta por seu turno está mais sensível e indefeso ante as identificações projetivas de seu cliente e ainda sem o recurso da interpretação pa ra manejálas A experiência o estudo e a supervisão hão de auxiliálo tais reações contratransferenciais com certeza muito úteis exigem controle constante para sua compreensão O reconhecimento do uso da iden tificação projetiva pelo paciente muitas vezes se faz quando o terapeuta percebe em si sentimentos ou comportamentos es tranhos ou atípicos ao seu modo ha bitual de agir com os demais pacientes Mesmo que a consciência de tais senti mentos pos si bilite ao terapeuta ampliar o entendimento do mundo objetal interno do paciente e dos problemas peculiares de suas relações interpessoais30 repetimos devese permanecer atento a avaliação envolve duas pessoas em funções diferen tes assimétricas ambas com sua equação pessoal passado representações de self e objeto necessidades projetivas que pode interferir na observação objetiva dos fatos DIAGNÓSTICO PSICODINÂMICO O que avaliar Identificação Ao pensarmos nesse aspecto por vezes nos ocorrem apenas dados objetivos numéri cos como idade sexo endereço estado civil Todavia subjacente a uma aparente objetividade encontraremos valiosas in formações que logo nos orientam na avalia ção em curso Assim caso se trate de uma mulher de cerca de 65 anos casada com Psicoterapia de orientação analítica 183 filhos independentes profissional prestes a se aposentar o que podemos pensar Que se encontra em uma etapa do ciclo vital lidando com as consequências do enve lhecimento e com inevitáveis perdas bem como precisando talvez encontrar outras situações de satisfação Certamente nossa investigação deverá percorrer essas áreas próprias da etapa de crise vivida pela pa ciente são com certeza hipóteses a serem testadas Da mesma forma um jovem de 25 anos recémformado solteiro apenas por esses aspectos evocará em nós outras pos sibilidades Assim em especial em relação às crises vitais e ao grau de adaptação al cançado os dados de identificação dos pa cientes contêm latentes elementos indica tivos importantes Também incluímos aqui o encaminhamento isto é como o paciente chegou até nós Por iniciativa própria so licitação de familiar ou por especialista de outra área todos são dados que fornecem pistas sobre sua motivação Fatores desencadeantes crises vitais ou acidentais O avaliador deve buscar a relação temporal entre a eclosão dos sintomas e a ocorrência de algum evento ou circunstância na vida do paciente relação frequentemente igno rada por ele devido a mecanismos de defesa protetores como negação racionalização isolamento Uma crise vital por exemplo nascimento de filhos adolescência clima tério aposentadoria ou crises acidentais como perda por morte ou separação de um familiar doença física própria ou de familiar perda de emprego casamento vestibular podem indicar em que direção buscar o conflito Conforme Cordioli8 na avaliação psicodinâmica é importante que se investigue a presença ou não de fatores desencadeantes por serem os responsáveis em geral pela ruptura do equilíbrio ante rior A ausência de fatores desencadeantes ou de crises vitais ou acidentais sugere a presença de patologia de caráter Conflito atual Considerando a psicoterapia de orientação analítica como tendo sua base teórica na psicanálise as seguintes formulações con forme Wallerstein citado por Cruz33 são fundamentais para orientar o pensamento do entrevistador A doença mental deriva de conflitos intrapsíquicos Tais conflitos são predominantemente inconscientes São partes constituintes do conflito um impulso instintivo que gera ansiedade e em consequência uma defesa Antes do início das manifestações clíni cas os conflitos psíquicos são manejados por padrões peculiares de defesa os traços de caráter Pela influência de um fator desencade ante métodos previamente utilizados para manter o equilíbrio falham e os sintomas aparecem Tais sintomas revelam importantes elementos dos conflitos e dos meios com que o ego tenta lidar com eles e se manifestam nas relações atuais da vida do paciente na sua interação com o terapeuta repetindo padrões do passado Mas como avaliar nas entrevistas iniciais a existência desses conflitos Fren ch citado por Schestatsky34 introduziu os conceitos de conflito focal e nuclear 184 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Lembrando que essas formulações provêm do conceito freudiano de conflito psíqui co acrescentamos de acordo com Sches tatsky34 que os conflitos focais se definem como derivativos de conflitos nucleares profundos primitivos adormecidos que seriam ativados e continuamente expressos de vários modos Estariam mais próximos da superfície préconscientes explicando a maior parte do material clínico de uma sessão Seriam uma adaptação dos conflitos nucleares e passíveis de aproximação por meio da psicoterapia de orientação analíti ca e não só pela psicanálise Na avaliação quando identificamos pelo menos um conflito focal do paciente que se expresse por meio de um ou mais sintomas ou padrões de comportamento nos relacionamentos interpessoais e cause sofrimento estamos em condições de indi car POA Um exemplo seria o caso da pa ciente A de 40 anos solteira e professora universitária que procurou um terapeuta em função de uma crise por não conseguir trabalhar em sua dissertação de mestrado tendo já se tratado com um psiquiatra que a medicara com ansiolíticos antidepres sivos e hipnóticos devido a sintomas de ansiedade depressão e insônia A paciente melhorara desses sintomas mas nada evo luíra em sua dissertação além de sentirse confusa desanimada e com uma espécie de paralisia mental sic Como até o momen to não tivera maiores problemas em sua vida inclusive profissional configuravase uma situação atual e circunscrita razão pe la qual o terapeuta indicou POA35 Todavia para pacientes com pato logia de caráter na qual estão implicados os conflitos nucleares infantis que resul tam em um modo habitual de ser pensar sentir fantasiar e relacionarse com os ou tros seria indicada a psicanálise Esta vai se propor a modificar além do conflito atual os conflitos infantis isto é retomar toda a história do paciente para proporcionar lhe melhores instrumentos visando a mu danças mais estáveis em sua vida36 Como exemplo citamos a paciente B de 36 anos casada e com filhos que procura atendi mento por indicação de sua exterapeuta Na primeira entrevista sem que o terapeu ta dissesse nada chora copiosamente a to do momento mencionando nas pequenas pausas não saber o que há com ela apenas que se sente mal perdida e só Não refere crise conjugal financeira ou com os filhos embora sinta certa insatisfação com o tra balho não revela nada consistente sobre ele em termos de problemas No entanto afirma já terse sentido assim em outras ocasiões em sua vida aliás desde muito pe quena É a última de vários irmãos apesar disso conclui venho vindo dando um jeito conseguindo um certo espaço Mas agora não está dando para continuar O terapeuta percebendo que o conflito in fantil tomou nova feição repetindose na vida atual indicoulhe psicanálise35 Acentuamos que essa distinção de in dicação nem sempre é clara como sublinha Etchegoyen36 Cabe ao paciente decidirse mas o autor lembra que é um erro indicar análise a alguém com problemas ligados à situação de vida atual ou presente Além disso se o que o paciente apresenta é ape nas uma nova versão de conflitos anterio res a psicoterapia não será suficiente e po derá inclusive fracassar36 Adaptação prévia força do ego vínculos e relações objetais A história laboral de um paciente e seus padrões de relacionamento são indicado Psicoterapia de orientação analítica 185 res da força global do ego É provável que aqueles que foram capazes de manter seus empregos ou vida acadêmica e estabelecer relações de compromisso por períodos re lativamente longos têm egos mais flexíveis e integrados Ter um ego forte significa ter certo nível de inteligência habilidade para tolerar emoções dolorosas capacidade pa ra sublimação e um teste de realidade bem estabelecido8 Uma pessoa que também ul trapassou diferentes fases do seu ciclo vital com sucesso na definição de uma identida de própria e no desenvolvimento psicosse xual adequado é considerada como tendo um bom nível de adaptação prévia A literatura em geral e algumas pes quisas locais2637 apontam a adaptação pré via do paciente como um bom fator prog nóstico Um bom vínculo com o terapeuta vai depender da qualidade das relações de objeto do passado assim como de suas re lações posteriores Investigar na entrevista inicial a relação do paciente com seus pais irmãos colegas e amigos pode fornecer in dicativos de como vai se desenvolver a rela ção terapêutica Outro aspecto importante a ser inves tigado é a existência de traumas eou negli gências na infância pois acarretam prejuí zos na capacidade de mentalização do pa ciente bem como por estarem relacionados a patologias graves na vida adulta conforme vários estudos atuais têm demonstrado3038 Exame mental e presença de sintomas O exame do estado mental será feito ao longo das entrevistas de avaliação sem que seja necessário um interrogatório formal a respeito A orientação do paciente quanto a tempo espaço e pessoa esclarecese em geral no decorrer da coleta da história Permanecermos atentos às distorções e às alterações da sensopercepção bem como à presença ou não de alucinações visuais ou auditivas será importante na avaliação diagnóstica A linguagem e a comunicação do pa ciente revelarão aspectos do inconsciente por meio da presença de lapsos e atos fa lhos Os traços de personalidade também se evidenciam na forma como o paciente se expressa e responde às questões Por exem plo um paciente com características obses sivas vai dar atenção excessiva a todos os detalhes de seu relato O paciente histérico pode fornecer respostas coloridas e vagas frustrantes o paranoide pode constante mente distorcer a intenção das questões posicionandose defensivamente em rela ção ao entrevistador As observações sobre os estados afeti vos do paciente ganham proeminência na avaliação sendo talvez o manejo do afe to uma das mais importantes funções das defesas30 Assim pacientes que descrevem eventos dolorosos em suas vidas sem qual quer tonalidade afetiva estão fazendo uso do isolamento e da intelectualização os hipomaníacos geralmente divertidos ou de bom humor podem estar recorrendo à ne gação para defenderse contra sentimentos de desgosto e raiva Os pacientes borderli ne podem expressar desprezo e hostilidade em relação às figuras significativas de suas vidas usando a dissociação para evitar a integração entre sentimentos bons e maus para com os outros Também quando se detectar humor depressivo é importante investigar a presença de ideação ou planos suicidas bem como esclarecer o significado do suicídio pretendido Uma grande quantidade de informa ções é comunicada por comportamento 186 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs não verbal Que assuntos provocam an siedade silêncios ou desvios no olhar do entrevistado Outro aspecto a ser avaliado é como o paciente controla seus impulsos É capaz de adiar sua descarga ou tende a entregarse a eles colocando em risco a si e aos outros Prevê adequadamente a con sequência de suas ações Há um predomí nio da ação em detrimento da reflexão e do pensar São características que podem dar pistas para uma aproximação diagnóstica de quadros de funcionamento borderline nos quais o controle dos impulsos é precá rio há tendência a sexualidade promíscua e a conflitos quanto à dependência De acordo com Kernberg39 dois outros aspec tos devem ser avaliados a difusão da identida de e a capacidade de teste de realidade pois é patognomônica do funcionamento borderline a falta de integração do self com uma experiên cia subjetiva de vazio crônico autopercepções e comportamentos contraditórios que dificul tam uma visão integrada de si mesmo como al guém discriminado dos demais entes significa tivos Já no teste de realidade avaliase a ca pacidade do paciente de distinguir sentimentos e emoções como provenientes de estímulos do mundo interno ou externo Essa capacidade se mostra prejudicada quando há um nível psicó tico de funcionamento O nível de operações defensivas ma nifesta a organização da personalidade Os pacientes borderline e psicóticos por exem plo apresentam defesas mais primitivas centradas no mecanismo de dissociação e em outros mecanismos associados como identificação projetiva negação e controle onipotente Capacidade para estabelecer uma aliança terapêutica As pesquisas mais recentes sugerem que a aliança terapêutica é a variável mais crucial para o sucesso das psicoterapias8 A força da aliança terapêutica como fator domi nante no resultado de uma ampla varie dade de terapias tem sido enfatizada pelas investigações de inúmeros autores30 Esses estudos também sugerem que a natureza da aliança terapêutica na fase inicial da psi coterapia talvez seja o melhor preditor do resultado desta A expressão aliança terapêutica de signa a capacidade do paciente de estabele cer uma relação de trabalho com o terapeu ta em oposição às reações transferenciais regressivas e à resistência40 Esse termo foi cunhado por E Zetzel em 1956 aparecen do na literatura psicanalítica desde então recebendo também outras denominações como aliança de trabalho por R Green son em 1965 Essa aliança implica que o pacien te independentemente de seus aspectos doentios demonstre uma parte racional preservada que se alie ao terapeuta para levar adiante as tarefas psicoterápicas co mo um colaborador ativo8 Um indício da capacidade de se vincular ao terapeuta é o critério salientado por Sifneos23 de que o paciente tenha estabelecido no passado pelo menos uma relação emocionalmente significativa Psicoterapia de orientação analítica 187 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Uma mulher que chamaremos de Maria telefona dizendose encaminhada por uma amiga Marcamos uma entrevista em que fala com relativo desembaraço mas também com ansiedade vergonha e temores Diz estar vivendo uma fase com vários problemas clínicos Beira os 50 anos é a filha caçula entre seis irmãos Sempre viveu com os pais agora ela e o companheiro residem com a mãe viúva É profissional liberal liga da a uma grande empresa e com escassa atividade particular Não tem filhos mas muita ligação com os vários sobrinhos e afilhados Descreve sintomas relacionados ao sistema cardiovascular taquicardia tremores hipertensão Já fez avaliação com seu cardiologista de confiança nada tendo sido encontrado Cogitouse a hipótese de trans torno de pânico mas sem confirmação explícita Foilhe prescrito propanolol que utilizou por algum tempo tendo então procurado outro clínico que lhe sugeriu não tomar nenhum medicamento em vista da avalia ção psicoterápica que iria realizar Apresenta ainda sintomas relacionados à entrada da menopausa ten do iniciado reposição hormonal Sentese muito angustiada tem insônia medo de dirigir automóvel e temor de ficar só Tais sintomas psicológicos a motivaram a procurar a psicoterapia Sobre a relação com o companheiro comenta ser uma pessoa bastante presente que garante apoio e segurança tanto a si como à mãe mas com uma série de limitações Quanto aos aspectos socioeconômico e cultural tratase de um profissional de nível médio mal remunerado com três filhos de casamentos an teriores fontes de despesas constantes para ele isso requer empréstimos de Maria o que gera desconfian ças competições e dúvidas sobre o futuro da relação Maria sempre teve laços muito próximos com a família de origem Contudo há prenúncios de compli cações algumas já desencadeadas relativas à administração e à herança de bens Há cinco anos perdeu seu pai por infarto Era muito ligada a ele e justifica que nunca morou só nem com o companheiro por insistência dele O pai sempre foi considerado uma pessoa muito afetiva presente coerente em suas atitudes e ideias trabalhador incansável e com sucesso na profissão Sentiu muito não estar presente quando de sua morte ocorrida em um fim de semana no interior do Estado Ela seguidamen te viajava para estar junto aos seus pais mas naquela ocasião precisara ficar na cidade Sua mãe há mais ou menos três anos sofreu um episódio de angina e foi prontamente atendida por Maria que a levou a especialistas tendose recuperado Maria sempre faz comparações com o que ocorreu ao pai sentese culpada ruminando acusações por não ter estado ao seu lado Traz o assunto da relação com ambos os genitores percebendo o temor atual de vir a perder a mãe ainda facilmente negado pela vitalidade força e atividade dessa senhora Ressalta predominantemen te as qualidades de cada um sem perceber o aspecto ambivalente cuja revelação contudo já se esboça Comentários Algumas reflexões nos ocorrem Percebemos que desde a chamada telefônica já se estabeleceu uma rela ção positiva entre paciente e terapeuta Havia expectativas de Maria em função do conhecimento das me lhoras obtidas com a amiga que a encaminhara e que realizara tratamento psicoterápico Continua 188 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs INDICAÇÕES DE PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA É nas indicações que vamos encontrar a maior dificuldade de estabelecer os limites claros e precisos entre as várias formas de psicoterapia dirigidas ao insight psicaná lise psicoterapia psicanalítica e psicotera pia de apoio e os pacientes mais adequa dos a cada uma Há uma tendência atual30 a referirse às modalidades de tratamento como ocorrendo dentro de um continuum que vai de um polo mais expressivo a um polo de apoio de acordo com a prática vi gente e as pesquisas empíricas Na conclusão do estudo clássico leva do a efeito por Wallerstein2 na Menninger Foundation Psychotherapy Research Pro ject consta que todas as formas de psicote rapia contêm uma combinação de elemen tos expressivos e de apoio A psicoterapia psicanalítica pensada por nós aproximase do polo mais expressivo utiliza a interpre tação como instrumento principal mas não único Valendose frequentemente de confrontações e clarificações não tem co mo meta central a interpretação da trans ferência mantém a neutralidade possível voltase mais aos acontecimentos da vida externa do paciente não descuidando po rém dos conflitos psíquicos inconscientes subjacentes A recomendação quanto à frequência ao tratamento é de duas sessões semanais podendo no entanto reduzirse a uma ses são em situações especiais impossibilidade financeira dificuldades de tempo e de aces so à consulta períodos iniciais quando a motivação é baixa Inclusive Orenland citado por Wallerstein2 ressalta que uma sessão por semana Continuação No decorrer da avaliação foi possível identificar a presença de sintomas próprios da menopausa bem como queixas relacionadas ao sistema cardiovascular Ficou evidente a existência de uma crise vital a me nopausa associada à morte do pai por doença cardíaca Somase a isso o reconhecimento de um relaciona mento afetivo insatisfatório As queixas foram entendidas como manifestações corporais provocadas pela emergência da angústia proveniente da percepção da passagem do tempo e das perdas correspondentes A ameaça da morte da mãe também por problema cardíaco trouxe a necessidade de se confrontar com to dos os seus lutos não elaborados a impossibilidade de ter filhos a profissão não plenamente realizada a morte do pai No relato de sua história pessoal observamos que tinha até então alcançado um equilíbrio razoável que nesse momento se rompera havendo o reconhecimento da impossibilidade de resolver so zinha seus problemas Havia sofrimento e limitações decorrentes de seus sintomas o que nos fez pensar na hipótese de tratamento psicofarmacológico concomitante Entretanto estavam presentes certa percep ção da origem psicológica dos problemas e a motivação da paciente para ir além do alívio dos sintomas Não nos passou despercebido que a provável origem dessas dificuldades atuais estaria situada em um passado mais remoto A realização profissional o estabelecimento de uma relação afetiva estável e as questões da maternidade são próprias de fases anteriores do ciclo vital indicando certamente problemas de estrutura da personalidade Nesse momento da procura do terapeuta porém a motivação da paciente vinculavase ao conflito atual e o foco foi circunscrito sendolhe indicada a psicoterapia de orientação analítica não se excluiu a possibilidade de no futuro de acordo com sua evolução cogitarse um tratamento analítico Psicoterapia de orientação analítica 189 é apenas uma requisição sema nal para testemunhar ou corrigir os eventos da vida de uma pessoa inde pendentemente da orientação do psi coterapeuta e da natureza das suas in tervenções A posição do paciente é face a face com o terapeuta o que permite a comuni cação mais direta entre ambos não estimu lando a regressão nem enfatizando a trans ferência o que ocorre com a utilização do divã psicanalítico e a frequência maior Indicações Um dos pontos mais polêmicos na literatu ra psicanalítica e psicoterápica atual24142 é a delimitação das diferenças entre psica nálise e psicoterapia psicanalítica o que ge ra um campo por sua vez também pouco claro quanto a suas indicações Partilhando da ideia da existência de um continuum desde a psicoterapia de apoio até a psicanálise no polo mais ex pressivo optamos por considerar a psico terapia de orientação analítica indicada nas seguintes situações um conflito atual com uma situação ou circunstância da vida presente que desequilibrou o paciente a tal ponto que se sente incapaz de resolvêlo com seus recursos habituais um conflito neurótico derivado e rela tivamente independente dos conflitos básicos infantis presença de uma crise vital ou acidental em um transtorno da personalidade moderado transtornos da personalidade de graves a moderados sem comportamento des trutivo ou antissocial atrasos ou déficits de desenvolvimento em processos evolutivos definidos aqui sição da autonomia estabelecimento da identidade pessoal da autoimagem entre outros Porém em todas essas situações se ja qual for a gravidade do quadro clínico devem estar presentes no paciente como condição sine qua non reconhecimento da origem psicológica dos seus sintomas presença de sofrimento significativo tolerância à frustração controle suficiente dos impulsos teste de realidade preservado capacidade de regressão a serviço do ego capacidade de estabelecer uma aliança terapêutica razoável força do ego e nível de inteli gência no mínimo médio Por fim precisam ser levadas em con ta as condições reais do paciente no mo mento de sua avaliação disponibilidade de tempo recursos financeiros suficientes para custear a psicoterapia limitações geo gráficas residência em cidades distantes do local da psicoterapia Outro aspecto importante que requer atenção é a avaliação clínica e neurológica pois muitas vezes doenças físicas provo cam sintomas semelhantes aos de origem emocional como por exemplo depressão associada a câncer ao uso de determinadas substâncias como antihipertensivos hor mônios tireóideos pílula anticoncepcional inibidores do apetite problemas circulató rios cerebrais8 Contraindicações Enumeramos as seguintes contraindica ções como fundamentais quadros psicóticos agudos 190 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs quadros depressivos graves com sérias tentativas de suicídio alcoolismo crônico ou adição a drogas quadros fóbicos causadores de incapaci tação crônica quadros obsessivocompulsivos causa dores de incapacitação crônica quadros de personalidade borderline com actings fortemente agressivos ou autodestrutivos síndrome cerebral orgânica e deficiência mental transtornos alimentares graves ausência de motivação para uma psico terapia que visa ao insight ou de interesse em um trabalho introspectivo Esses quadros provavelmente obte rão benefícios de outras psicoterapias com características suportivas comportamen tais bem como do uso de psicofármacos e de ambiente hospitalar quando necessá rio83032 Não se exclui a possibilidade de psicoterapia psicanalítica em alguns desses quadros desde que combinada com outras abordagens A noção de campo analítico28 parece exigir no entanto uma relativização das indicações e das contraindicações tradicio nais centradas em critérios específicos diz recentemente Gastaud43 pois mesmo pacientes carentes de tais capacidades podem ao encon trar determinado terapeuta se bene ficiar de um tratamento de orienta ção analítica baseado na criação de uma estrutura emocional inédita que se desenvolva de acordo com suas ca pacidades e necessidades CONSIDERAÇÕES FINAIS Certamente tal abordagem sobre o pro cesso de avaliação para POA não esgota as possibilidades de sua abrangência Nosso objetivo foi compartilhar com os terapeu tas nossa experiência de mais de 20 anos de POA na clínica privada além da atividade profissional inicialmente em ambulatórios de psicoterapia públicos ou semiprivados e atualmente ligada ao ensino e à supervisão de psicoterapia Lembramos que este capítulo ilustra nossa maneira de trabalhar fundamenta da nas teorias psicanalíticas e que o mais decisivo é nos mantermos fiéis aos princí pios técnicos visto que cada terapeuta há de imprimir seu estilo pessoal à prática em questão como nos sugere Etchegoyen15 Por fim destacamos alguns aspectos que consideramos novos e enfatizados neste novo século a relação entre terapeuta e paciente como central a responsabilidade cabendo a ambos desde a avaliação a ênfase no estabelecimento de um cam po psicoterápico além da valorização do binômio transferênciacontratransferên cia a maior preocupação com a especificida de das indicações com vistas a melhores resultados da POA a consideração de que é fundamental que terapeuta e paciente constituam uma aliança ou vínculo de trabalho adequado o reconhecimento da necessidade de mais pesquisas na área da psicoterapia a crescente responsabilidade ética em aprofundar conhecimentos que pos sibilitem avaliações e indicações mais precisas a permanência da valorização da hipó tese psicodinâmica da busca do conflito psíquico e da motivação genuína a valorização também de uma adequa da formação e de preferência de uma experiência de tratamento analítico ou psicoterápico do terapeuta Psicoterapia de orientação analítica 191 REFERÊNCIAS 1 Zimerman DE Planejamento em psicoterapia dinâmica Rev Psiquiatr RS 19824325263 2 Wallerstein RS Psicoanálisis y psicoterapia una perspectiva histórica In Libro anual de psicoanálisis 1989 Lima Ediciones Psicoa nalíticas Imago 1990 3 Sandell R Blomberg J Lazar A Carlsson J Broberg J Schubert J Diferença de resulta dos a longo prazo entre pacientes de psica nálise e psicoterapia In Livro anual de psi canálise XVI São Paulo Escuta 2002 4 Kandel ER A biologia e o futuro da psica nálise um novo referencial intelectual para a psiquiatria revisitado R Psiquiatr RS 200325113965 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Processo de avaliação inclui entrevista inicial hipótese do diagnóstico psicodinâmico indicação ou não da psicoterapia de orientação analítica e efetivação do contrato 2 A entrevista inicial embora na forma singular não exclui a realização de duas ou mais entrevistas de modo a conhecer o entrevistado e a interação entre este e o terapeuta 3 Técnica da entrevista não diretiva utilizase a escuta analítica com o propósito de ver como o indiví duo funciona Associação livre não é proposta e a interpretação é reservada para situações especiais 4 Motivação é um pressuposto básico para a indicação da psicoterapia de orientação analítica O sofri mento é a força motivadora primária do tratamento 5 Pesquisas confirmam a correlação da motivação com o resultado das psicoterapias 6 A entrevista configura um campo com duas pessoas indefectivelmente ligadas e complementares e envolvidas no mesmo processo dinâmico A utilização da transferência leva em consideração sua con trapartida que é a contratransferência A identificação projetiva inclui as identificações projetivas de terapeuta e paciente formando a fantasia inconsciente do par que vai estar presente desde a avaliação inicial 7 Diagnóstico psicodinâmico a identificação do paciente b presença de fatores desencadeantes crises vitais ou acidentais c presença de conflito atual d adaptação prévia força do ego vínculos e relações objetais e exame mental e presença de sintomas f capacidade para estabelecer uma relação terapêutica 8 Indicações da psicoterapia de orientação analítica forte motivação para compreenderse reconheci mento da origem psicológica dos sintomas presença de sofrimento significativo tolerância à frustra ção controle suficiente dos impulsos teste de realidade preservado capacidade de regressão a serviço do ego capacidade de estabelecer uma aliança terapêutica razoável força do ego e nível médio mínimo de inteligência disponibilidade de tempo e recursos financeiros suficientes 9 Contraindicações para psicoterapia de orientação analítica quadros psicóticos agudos depressões graves com tentativa séria de suicídio alcoolismo crônico e outros transtornos causadores de incapa citação crônica 10 Requerse responsabilidade ética de aprofundar conhecimentos que possibilitem a avaliação e indica ção mais precisa 11 Recomendase tratamento analítico ou psicoterápico de parte dos psicoterapeutas 192 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 5 Fonagy P Psychoanalysis today World Psy chiatry 2003227380 6 Zaslavsky J Keidann CE Dal Zot JS Cruz JG O contrato e as interrupções em psicotera pia de orientação analítica compreensão e manejo Rev Bras Psicoter 20002222138 7 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 8 Cordioli AV Psicoterapias abordagens atu ais 3 ed Porto Alegre Artmed 2008 9 Thomä H Kächele H A entrevista inicial e os terceiros na aliança In Thomä H Käche le H Teoria e prática da psicanálise Porto Alegre Artes Médicas 1992 v 1 p 185230 10 Zimerman DE Fundamentos psicanalíticos teoria técnica e clínica uma abordagem di dática Porto Alegre Artmed 1999 11 Ferreira ABH Novo dicionário da língua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 12 Bleger J Temas de psicología entrevista y grupos Buenos Aires Nueva Visión 1971 13 Hollender MH Ford CF Dynamic psycho therapy an introductory approach Wa shington American Psychiatric cl990 14 Coderch J La fase de inicio del tratamien to In Coderch J Teoría y técnica de la psi coterapia psicoanalítica Barcelona Herder 1990 p 14579 15 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 16 Liberman D Evaluación de las entrevistas diagnósticas previas a la iniciación de los tratamientos analíticos criterios diagnósti cos y esquemas referenciales Rev Psicoanál 1972293461509 17 Quinodoz D As entrevistas preliminares ou como despertar o desejo de fazer uma análise em uma paciente que não sabe em que isso consiste Revista Brasileira de Psica nálise de Porto Alegre 20024241335 18 Baranger M Baranger W A situação analí tica como um campo dinâmico In British PsychoAnalytical Society Livro anual de psicanálise XXIV 2010 São Paulo Escuta 2010 19 Iankilevich E Dal Zot JS Psicoterapia de orientação analítica hoje refletindo a par tir de nossa experiência Rev Bras Psicoter 2009112196206 20 Ferro A Na sala de análise emoções rela tos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 21 Caligor E Kernberg OF Clarkin JF Psicote rapia dinâmica das patologias leves de per sonalidade Porto Alegre Artmed 2008 22 Houaiss A Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 23 Sifneos PE Shortterm psychotherapy and emotional crisis 3rd ed Cambridge Har vard University 1976 24 Boff AA Abreu JRP Motivação inicial e técnica psicoterápica adequando a técni ca à necessidade do paciente In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 6270 25 Dewald P Indicações para psicoterapia e avaliação do paciente In Dewald P Psicote rapia uma abordagem dinâmica 4 ed Por to Alegre Artmed l988 p 13361 26 Dal Zot JS Uma contribuição ao estudo dos critérios de seleção para psicoterapia breve R Psiquiatr RS 198461713 27 Freud S Fragmento da análise de um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 7 28 Baranger M Baranger W La situación ana lítica como campo dinámico Revista Uru guaya de Psicoanálisis 196119624Pt 13 54 29 Baranger M La teoria do campo In Lewko wicz S Flechner S editores Verdad realida de y el psicoanalista contribuiciones latino americanas al psicoanálisis Montevideo In ternational Psychoanalysis Library 2005 30 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica 4 ed Porto Alegre Artmed 2006 31 Mackinnon RA Michels R Buckley PJ A en trevista psiquiátrica na prática clínica 2 ed Porto Alegre Artmed 2008 32 Malan DH Psicoterapia individual e a ciên cia da psicodinâmica Porto Alegre Artes Médicas 1983 33 Cruz JG Planejamento em psicoterapia de orientação analítica In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orienta Psicoterapia de orientação analítica 193 ção analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 7983 34 Schestatsky SS Introdução ao planejamento em psicoterapia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Ar tes Médicas 1989 p 718 35 Mabilde LC Convergências e divergências entre psicoterapia de orientação analítica e psicanálise a questão das divergências Rev Bras Psicoter 2001322016 36 Etchegoyen RH Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica semelhanças e diferen ças R Psiquiatr RS 199012320913 37 Cordioli AV A relação pacienteterapeuta e os resultados em psicoterapia breve aspec tos quantitativos J Bras Psiquiatr 1986354 22530 38 Schestatsky SS Fatores ambientais e vulne rabilidade ao transtorno de personalidade bordeline um estudo casocontrole de trau mas psicológicos precoces e vínculos paren tais percebidos em uma amostra brasileira de pacientes mulheres tese Porto Alegre UFRGS 2005 39 Kernberg OF Psicoterapia psicodinâmica de pacientes borderline Porto Alegre Artes Médicas 1991 40 Eizirik CL Libermann Z Costa F A relação terapêutica transferência contratransfe rência e aliança terapêutica In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais 3 ed Por to Alegre Artmed 2008 p 7484 41 Kernberg OF Psicanálise psicoterapia psi canalítica e psicoterapia de apoio contro vérsias contemporâneas Rev Bras Psicoter 200021930 42 Wallerstein RS A cura pela fala as psicanáli ses e as psicoterapias Porto Alegre Artmed 1998 43 Gastaud MB Indicação concordância em iniciar tratamento e melhora inicial na psi coterapia psicanalítica tese Porto Alegre UFRGS 2013 LEITURAS SUGERIDAS Keidann CE A relação entre o diagnóstico e indi cação de psicoterapia de orientação analítica In Jornada SulRiograndense de Psiquiatria Dinâmi ca 19 1998 nov 1214 Gramado Sullivan HS La entrevista psiquiátrica Buenos Ai res Psique 1977 10 PLANEJAMENTO EM PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA Eneida Iankilevich O início da psicoterapia é um momento de fortes emoções Se na alta predominam emoções e ansiedades depressivas em fun ção da separação que se aproxima a fase inicial é colorida por emoções e ansiedades paranoides Paciente e terapeuta guardadas as diferen ças de função propõemse a iniciar um proces so que envolve invariavelmente investimentos e custos diferentes para cada um é verdade mas igualmente importantes O paciente bus ca auxílio para o sofrimento e para limitações de sua vida enquanto o terapeuta disponibili za sua pessoa especialmente em sua formação profissional na tentativa de auxiliálo Sofrem ambos portanto grandes exigências narcisis tas O paciente precisa reconhecer seus proble mas e sua incapacidade para resolvêlos sem ajuda enquanto o terapeuta irá se deparar com questionamentos não só sobre limites e alcan ces do método de tratamento a que dedica sua vida profissional como também a cada novo encontro psicoterápico sobre sua própria capa cidade e competência Evidenciase assim o que Freud1 de nomina jogo de forças colocado em ação pelo tratamento aqui entendido como a complexidade do campo que se cria que precisará conter as esperanças e os receios as aproximações e os recuos na construção do trabalho psicoterápico Esse quadro complexo principal mente pelas já descritas implicações narci sistas pela incerteza quanto aos resultados permite compreender o predomínio de ansiedades paranoides no início da psico terapia em que a dupla ainda não se co nhece bem ainda não adquiriu confiança em sua capacidade de ligação e de trabalho São múltiplas as configurações possíveis dependendo em especial das necessidades neuróticas do paciente e das possibilidades e limitações técnicas e pessoais do terapeu ta Não se deve esquecer do ensinamento de Freud1 de que a confiança ou descon fiança inicial do paciente é quase desprezí vel comparada às resistências internas que mantêm a neurose firmemente no lugar Um longo caminho será percorrido até ser atingido o objetivo inicial de ajudar o paciente a viver melhor não permanecer aprisionado ao problema que o fez buscar ajuda Muito ocorrerá nesse processo sem pre perturbado por forças inconscientes que tendem a manter o equilíbrio já exis tente como enfatiza Freud Nesse cami Psicoterapia de orientação analítica 195 nho um planejamento inicial cuidadoso serve como marco orientando a mente do terapeuta ao longo dos movimentos inevi táveis do processo O planejamento pode ser necessário para dar um exemplo nos momentos em que a regressão do pacien te no campo tenda a acionar os aspectos narcisistas do terapeuta que se beneficia riam da necessidade que o paciente tem dele correndo o risco de criar um conluio inconsciente para a manutenção da doen ça e da relação Não se pode esquecer de que uma psicoterapia de bons resultados leva à alta à separação inevitáveis mas nem por isso aspectos menos difíceis do crescimento Este capítulo tem por objetivo es tudar o planejamento em psicoterapia de orientação analítica entendido como a aproximação que adquire importância por sua relação com o plano geral do processo conforme o que defende Freud1 acerca das regras iniciais do tratamento Planejamento portanto não é estático mas um esboço que serve como ponto de referência e que deve ser repensado ao longo de todo o processo O processo psicoterápico busca aju dar o paciente não só a resolver o problema que designa como causador de seu sofri mento como lhe possibilitar a ampliação dos recursos mentais de que dispõe para viver as experiências emocionais de sua vida Sendo a psicoterapia de orientação analítica um método terapêutico que com partilha a concepção de mente da psicaná lise atémse ao entendimento do conflito inconsciente que se manifesta no problema designado Nas palavras de Dewald2 o ob jetivo dessa psicoterapia é a resolução do conflito o desenvol vimento de novas formas de adapta ção e a reintegração e o amadureci mento da personalidade em qualquer grau possível para o paciente Assim um planejamento fazse necessário para pensar de que forma atingir esses obje tivos evitando a vagueidade e a aleatoriedade que segundo Schestatsky3 predominam em muitos tratamentos Malan4 ressalta a importância do pla nejamento destacando que planejamento significa uma intenção de conduzir um tra tamento de determinada maneira o que remete à questão da técnica sugerindo se rem assuntos a considerar em conjunto PLANEJAMENTO POR QUÊ Uma procura atualizada 20072013 de trabalhos sobre o tema obteve poucas refe rências especialmente em psicoterapia de orientação analítica Trabalhos na área de infância e adolescência56 remetem à ques tão da importância do planejamento Dos poucos resultados encontrados um inte ressante trabalho de pesquisa comparando a formulação do diagnóstico clínico entre psicoterapeutas mais e menos experientes7 assinala a capacidade diagnóstica como fator do processo psicoterápico Mesmo considerando as inevitáveis falhas nessa busca a precariedade de respostas chama a atenção mas penso que deve ser também contextualizada encontrase muita litera tura sobre outras abordagens psicoterápi cas assinalando talvez uma modificação nas possibilidades técnicas disponíveis8 Cabe assinalar que esse fato não deve ser considerado prejudicial ao contrário po 196 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de incentivar nossos estudos e nossa busca pela qualificação constante do instrumento psicoterapêutico que utilizamos a psicote rapia de orientação analítica Essa técnica apresenta indicações contraindicações al cances e limites mas com bons resultados quando corretamente indicada e trabalha da E para um bom aproveitamento da téc nica o planejamento é essencial Zimmermann9 em trabalho apresentado no Terceiro Simpósio de Psicoterapia Dinâmica do Centro de Estudos Luis Guedes realizado em Atlântida em 1979 afirma serem necessários muitos anos de trabalho estudo e treinamen to para saber o que se passa com a pessoa que busca ajuda psicoterápica o que pretende con seguir com a intenção de se tratar e quais os meios a serem empregados Quantos anos Toda a vida do psiquiatra Ao longo do trabalho esse autor en fatiza o risco de aceitar pacientes em trata mento psicoterápico sem conhecer com alguma exatidão seus problemas princi pais e conflitos básicos Há risco de uma psicoterapia sem fim distante das necessi dades do paciente algo assim como duas pessoas caminhando no escuro e na deso rientação ou talvez mais ainda um cego conduzindo outro9 Cruz10 referese a um colega que re comendava de forma descuidada que em psicoterapia bastava questionarse antes de qualquer procedimento e por que não algo que esse autor defende como um aceno a um procedimento que se afasta do científi co Mabilde e Araújo11 defendem que o planejamento é composto de diagnóstico objetivos e manejo ele mentos que estão em contínua intera ção E que o melhor ou pior resultado do tratamento está na dependência da maior ou menor adequação com que o terapeuta organiza e executa tais ele mentos no estabelecimento e cumpri mento do planejamento psicoterápico O planejamento de uma psicotera pia pode ser considerado o coroamento da avaliação ou também formar um todo com esta Cruz12 afirma que o planejamento significa uma in tenção de efetivar a psicoterapia de determinada maneira em função dos achados da etapa diagnóstica e a in tenção não é um esquema rígido mas um esboço das linhas de trabalho a se guir Uma avaliação cuidadosa deve permi tir ao terapeuta alguma noção prognóstica a ser levada em consideração no plano de trabalho para evitar ser pego de surpre sa por um abandono por exemplo final sempre doloroso especialmente para nós Lewkowicz13 estudando pacientes repeti dores de consulta em psicoterapia breve conclui ser fundamental a avaliação inicial adequada do paciente delineando o mais claramente possível seus objetivos e limita ções ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Um adulto jovem no início de sua vida profissional procurou um terapeuta por apresentar segundo ele pró prio muita dificuldade de relacionamento um sentimento constante de estar errado que o impedia de fa Continua Psicoterapia de orientação analítica 197 Dal Zot4 questiona por que alguém procura um médico um psiquiatra um psicoterapeuta e responde porque tem algum sofrimento uma necessidade deseja um alívio uma ajuda O terapeuta por tanto recebe uma pessoa em busca de aju da Cabe a ele indicar a ajuda que será mais eficaz Aguiar8 aponta que não se pode mais prescindir de um acurado estudo diagnóstico uma vez que os recursos terapêuticos au mentaram e estão se tornando mais específicos O desenvolvimento da psiquiatria biológica e de outros métodos psicoterápicos o contexto a que se convencionou chamar pósmodernida de com sua busca por resultados rápidos com pouco custo além das exigências da ciência atual por evidências ampliaram o debate e a necessidade de que nós terapeutas de orienta ção analítica procuremos prestar atenção a es sas questões estudar encontrar respostas que favoreçam o reconhecimento dos resultados de nosso trabalho Nesse sentido o planejamento da psicoterapia tornase ainda mais essencial como medida de avaliação dos resultados po dendo contribuir para a pesquisa como já assi nalava Zimmermann9 Essas considerações ainda que ne cessárias dizem respeito a condições ex ternas ao exercício da psicoterapia mes mo que inegavelmente possam interferir em alguma medida O que deve ser enfati zado é nossa responsabilidade ao atender um paciente que nos procura por estar so frendo responsabilidade que diz respeito Continuação zer uso dos conhecimentos que sabia ter Com as mulheres esse era um problema muito grave pois aca bava desistindo das relações ante a menor contrariedade Precisava estar sempre com a razão o que pen sava ser um absurdo mas sentiase ofendido e sem valor se não fosse assim Preferia então isolarse mesmo que isso lhe trouxesse grande sofrimento Essa refere era a razão da busca do tratamento mesmo não tendo certeza de poder ser ajudado efetivamente Um padrão de funcionamento desse paciente coe rente com a história de vida que contou foi sendo reconhecido Um esboço de planejamento voltado para esse padrão persistente e não de todo egodistônico foi se esboçando na mente do terapeuta O paciente en tão disse que estava com uma viagem de estudos marcada para dali a três meses Lutara muito por essa possibilidade sendo classificado entre os primeiros lugares mas estava achando que não lhe seria possí vel ir por inúmeras razões nenhuma que pudesse apresentar com convicção mesmo sabendo que ia até já recebeu a bolsa para isso O diagnóstico estabelecido clínico e psicodinâmico continuou valendo mas fezse necessário traçar um plano de trabalho que considerasse a viagem o significado que ela tinha para ele naquele momento e a relação com o quadro geral descrito O planejamento deveria viabilizar o exame de sua atual dificuldade em levar adiante o ambicionado programa de estudos e aproveitálo que possibilitasse ao paciente se dar conta do padrão comum de sua conduta procurando motiválo a seguir seu tratamento futuramente Pode se pensar que essa psicoterapia se não levasse em conta em seu planejamento a circunstância das di ficuldades com a viagem que o paciente estava tão relutante em admitir talvez fosse vivida por ele como estéril confirmando sua noção de não poder ser ajudado e justificando de seu ponto de vista mais um re cuo em direção ao isolamento 198 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs também a indicarlhe o tratamento mais efetivo Ao ser indicada a psicoterapia de orientação analítica precisamos saber identificar o pro blema do paciente sua etiologia e suas re percussões e traçar uma estratégia de abor dagem que possibilite alívio de seu sofrimen to e se possível ampliação de sua capacidade de questionar estranhar sua forma habitual de funcionamento permitindolhe uma vida mais rica e criativa Como ensina Valério15 uma psi coterapia não aborda apenas os problemas de uma pessoa mas também sua dificuldade de resolvêlos Nas palavras de Lucion16 permane ce a necessidade de que se entenda o que os sintomas significam para aquela pessoa que está ali conosco Levy17 considera a psicoterapia de orientação analítica assim como a psicanálise de que deriva métodos de atribuição de significado que procuram ampliar a mente com a criação de mode los mentais que permitam pensar melhor determinada situação PLANEJAMENTO O QUÊ Rui um rapaz de 21 anos procedente do interior do Rio Grande do Sul morando sozinho em Porto Alegre para concluir os estudos na faculdade que cursa procurou atendimento psicoterápico encaminhado pela namorada Sua ansiedade e seu so frimento eram evidentes Queixavase de não conseguir evoluir na faculdade ou nos estágios Contou ser aquela a quarta tentativa de tratamento que fazia As tentativas an teriores não deram certo então abando nou os tratamentos após algum tempo ou por não concordar com o diagnóstico ou com o jeito do terapeuta de falar com ele O primeiro psiquiatra diagnosticou transtorno de déficit de atençãohiperati vidade medicouo mas Rui não percebeu nenhum efeito O segundo diagnosti cou fobia social com o que não conseguia concordar por ser bem disposto gostar de sair ter amigos só às vezes estando mais quieto Mesmo assim ficou dois meses com ele tentando Da terceira vez sentiuse mais auxiliado O terapeuta diagnosticou ser ele um filho mimado e ficava mos trandolhe isso Apesar de considerar ter sido o que mais o ajudou acabou achando que não estava adiantando Disse ser uma pessoa que não se esforça prova disso era já estar na segunda faculdade Também não tenho opinião própria o que me dizem concordo e sou um zero nessa coisa de entender sentimentos Quando o terapeuta assinalou a dis crepância entre esse julgamento de si mes mo e os fatos que contara não se esforçar e ter entrado em duas faculdades estar indo ao quarto psiquiatra e ser alguém que con corda com tudo riu e disse Os vestibulares eram muito fáceis Não concordei mesmo com os ou tros psiquiatras mas é ver os estágios não consigo fazer Acho muita boba gem como vou me sustentar manter o nível com que estou acostumado provar que posso ter valor Eu sinto que meu pai nunca me aprova nun ca me aprovou Ele era de uma família muito pobre conseguiu subir na vida me dá o que nunca teve sinto que não correspondo Agora ele quer que eu volte para casa diz que eu não vou para a frente então que vá trabalhar com ele que ganho mais trabalho com ele desde meus 12 anos não que ro mais acho E tenho minha namo rada aqui gosto de Porto Alegre mas como dizer que eu não quero voltar Psicoterapia de orientação analítica 199 depois de todo o sacrifício que ele fez E também não tenho certeza de nada começo um estágio acabo achando que sei mais que meus chefes e em geral sei mesmo afinal aprendi muito lá trabalhando com o pai Essa entrevista inicial ilustra o que os autores referem sobre nossa responsabi lidade ao receber um paciente Rui já foi segundo disse diagnosticado de várias maneiras o que faz pensar no alerta dos autores citados anteriormente talvez esses diagnósticos estivessem adequados mas não tenha sido levada em consideração a necessidade do paciente de manter a situa ção de sua vida inalterada provavelmente pelo ganho secundário envolvido Mesmo reconhecendo ser essa a versão que ele apresenta de nosso ponto de vista já está mostrando muito do que precisamos saber Em sua história aparecem dificuldades de manterse não só em tratamento mas tam bém em relações de namoro ou amizade Em pouco tempo sentese insatisfeito afastandose por não estar recebendo o que esperava Alice Lewkowicz18 ao estudar in terrupções em psicoterapia breve afirmou que o abandono pode ser enfocado como uma compulsão à repetição É importante assumir que apesar do apelo a nosso narcisismo a interrupção constitui o mais provável desfecho de mais essa tentativa de atendimento desse rapaz Tendo isso em mente haveria possibili dade de planejar uma psicoterapia de orientação analítica com alguma chance de bons re sultados para Rui Por que psicoterapia de orientação analítica Cordioli19 refere que os resultados da psicoterapia dependem do paciente do terapeuta e da técnica nesta incluída a re lação entre terapeuta e paciente Rui segue procurando ajuda Já foi atendido sob di ferentes enfoques Independentemente de os diagnósticos que diz ter recebido terem sido acurados ou não algo não foi atendido de sua busca Nossa avaliação faz pensar no encaminhamento para um tratamento de orientação analítica devido ao padrão re petitivo de sua conduta e à evidência de um conflito inconsciente na raiz desta Vollmer Filho20 salienta que o conflito inconscien te configura a realidade psíquica Como atender esse paciente sem re conhecer a importância de seu conflito inconsciente com o pai e com a posição infantil que se faz tão evidente sob nosso ponto de vista A motivação aspecto de terminante dos resultados de tratamento21 não favorece o encaminhamento para psi canálise Em uma psicoterapia de orienta ção analítica seria possível levar em con sideração esses aspectos busca repetida de atendimento padrão repetitivo de aban dono e insatisfação pouca motivação e estabelecer um foco compreendido como o que é central do conflito do paciente que possa tornarse o ponto de convergência das atenções do terapeuta22 Tal foco ine vitavelmente aplicaria o que Etchegoyen23 afirma ser o fundamental em psicoterapia de orientação analítica o conflito atual uma conjuntura da vida que desequili brou o paciente e lhe provoca um conflito que não é capaz de resolver com seus ins trumentos comuns23 O estabelecimen to desse foco é o passo inicial do planeja mento imediatamente associado a todo trabalho tático de exploração das defesas e ansiedades que previnam o paciente dessa percepção alerta Schestatsky3 O estabelecimento de um foco por parte do terapeuta deve encontrar con cordância no paciente para que seja efeti vo Essa concordância foi a variável que se mostrou estatisticamente significativa em relação aos resultados de psicoterapia no trabalho feito por Mondrzak22 em 1983 achado que está de acordo com outros da literatura22124 de uma época em que se 200 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estudava e trabalhava muito com psicote rapias breves e focais psicodinamicamente orientadas como atesta a breve revisão da literatura realizada para este capítulo Formada nesse período ainda hoje esses conceitos auxiliam minha prática psi coterápica Não poderia pensar em atender Rui por exemplo sem delimitar um foco a partir do qual tentar fazer o paciente reco nhecer o padrão repetitivo de seu funcio namento e se interessar por isso Para tan to acredito teria que buscar como sugere Cruz10 a ansiedade emergente na sessão Com Rui talvez se pudesse esboçar uma aproximação por meio da situação que descreve do pai querendo que retorne a sua cidade de origem e ele sem saber se o quer mas criando uma condição de fracassos repetidos que parecem justificar tal exigên cia Seria possível então mostrar o que in conscientemente provoca ao criar situações repetidas de fracasso apesar das condições que também demonstra ter ao ser aprovado nas posições a que concorre Com essa abor dagem de um possível conflito atual ainda não percebido como tal em que seu papel ativo na determinação das circunstâncias pode aparecer também se objetiva aumen tar sua motivação e seu interesse pelos pro cessos internos que o mantêm na condição de vida de que tanto se queixa Mabilde e Araújo11 em trabalho que enfatiza a importância do planejamento em um caso de transtorno da personalida de afirmam que o planejamento tendo em vista o jeito de ser de uma paciente tra balhado dentro do foco proposto no caso a relação com o noivo permitiu que seus constantes actings não a levassem a inter romper o tratamento O estabelecimento de um foco com o qual Rui concordasse e que atendesse a essa concepção possibilita ria que o paciente levasse adiante a psicote rapia e se beneficiasse dela De acordo com Mondrzak22 a concordância do paciente com o foco mostrouse mais determinante dos resultados do que a própria motiva ção Com Rui seria possível pensar que sua ansiedade difusa e a onipotência defensi va que contribuem para o que ele mesmo descreve como ser um zero em matéria de sentimentos protegemno de entrar em contato com a dimensão real de sua limi tação e com a necessidade de responsabili zarse pelo que é seu Sua atitude distante e crítica em relação aos terapeutas e às tera pias anteriores pode ser compreendida co mo mais uma forma de repetir seu conflito triunfando sobre os chefes para não pre cisar viver a dor de entrar em contato com o significado do que repete A delimitação de um foco que conseguisse despertar seu interesse poderia desencadear um processo de reflexão que o paciente evita por meio da ação repetitiva e compulsiva está sem pre iniciando um estágio uma psicotera pia lembrando os ensinamentos de Freud em Recordar repetir e elaborar25 Para isso o foco precisaria ser formulado com clareza e especificidade captando e dando sentido à ansiedade manifesta Mondrzak22 estudando a concor dância do paciente com o foco descreve ser possível que este mostre sinais de con cordância desde o início do tratamento após um período inicial de discordância ou não mostre sinais de concordância du rante todo o tratamento Rui mostrouse entusiasticamente de acordo desde o início maravilhouse como dizia com a possibilidade de entender o acúmulo e a repetição de situações em que se sentia de cepcionado com o que recebia ou realizava passando a inundar as sessões com raciocí nios aparentemente profundos tornando as paralisadas do ponto de vista da tera peuta Foi possível examinar esse mecanis mo dentro do foco proposto criava outra situação de fracasso apesar da aparência de total cooperação e entusiasmo que o pro Psicoterapia de orientação analítica 201 tegia de decidir o futuro de sua própria vida atribuído então ao pai tão bemsucedido que o chamava para casa e à terapeuta bri lhante que o chamava para Porto Alegre com alguma possibilidade de progresso ain da que evidenciados a força das resistências e a estrutura de caráter subjacente Convém lembrar o quão fascinante é o estudo da mente correndose o risco de ficar encon trando significados cada vez mais elaborados à custa de uma psicoterapia de bons resulta dos Isso implica pensar o que são considera dos bons resultados em psicoterapia de orien tação analítica ou em outras palavras com que objetivos se trabalha Zimmermann26 considera objetivos da psicoterapia dinâmica não apenas a re dução significativa de sintomas inibições e angústias dos pacientes como também a resolução ou a diminuição da intensida de dos problemas nas relações de objeto a melhora no padrão de vida o aumento da produtividade no trabalho e a melhora na capacidade de obter satisfações Esses objetivos afirma sempre serão limitados em relação aos da psicanálise por dizerem respeito a uma situação crítica ou a um ou mais focos de perturbação ou imaturidade e não à estrutura básica da pessoa Para Malan4 o aproveitamento de um paciente deveria ser formulado em termos da resolução de seus conflitos objeti vo de todas as formas de psicoterapia No entanto este é um conceito difícil de definir quanto mais medir sendo por isso necessário recorrer a uma de finição operacional baseada em senti mentos que possam ser observados ou descritos De acordo com esta defini ção presumimos ter havido resolução quando respostas inadequadas que incluem especialmente a reação ina dequada a estresses específicos não apenas desaparecem mas são subs tituídas pelas respostas adequadas correspondentes Nas palavras de Eizirik e colaborado res27 na psicoterapia de orientação analítica os objetivos de máximo be nefício terapêutico vêm em primeiro lugar acima da prioridade psicanalí tica do máximo conhecimento de si mesmo Cruz10 refere que na psicoterapia abordamse os con flitos derivados e sua resolução cria pontos intermediários de estabi lidade intermediários no sentido de que não se chega a uma resolução via neurose de transferência dos conflitos primitivos Essas questões das distinções entre psicoterapia de orientação analítica e psi canálise são complexas e continuam sendo estudadas mas os autores coincidem quan to a ser objeto de ambas o trabalho com o inconsciente Encantarse com as des cobertas realizadas pode levar a psicotera pias vagas intermináveis A regressão inevitável do paciente pode acio nar aspectos narcisistas do terapeuta que per mitam a manutenção de pseudopsicoterapias de orientação analítica que em última instân cia atendam a necessidades infantis ou me nos nobres do par Um planejamento preten de evitar esse risco ainda que não o exclua Freud citado por Eizirik28 defendia que a psicoterapia se não pode causar mal al gum também não pode fazer qualquer bem Em outras palavras nosso instrumento tem 202 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs alcances e limitações E riscos O planeja mento de uma psicoterapia deve obriga toriamente levar isso em consideração Se na avaliação é imprescindível o estabeleci mento de uma hipótese diagnóstica clínica e psicodinâmica que norteará a indicação no planejamento da psicoterapia de orien tação analítica direcionada à motivação os objetivos conscientes e inconscientes se possível e os recursos do paciente devem ser considerados sob pena de estabelecerse um plano distanciado de suas necessidades Malan4 descreve a impossibilidade de encontrar um foco adequado como motivo de recusa de pacientes Segundo ele isso pode significar tanto a incapaci dade para ver qualquer foco ou tema unificador para interpretações quan to enfatizando a palavra adequado poderíamos ter a situa ção em que se podia ver um tema unificador mas este parecia envolver certos perigos específicos se fosse feita uma tentati va de utilizálo em psicoterapia breve Apesar de esse autor referirse a psico terapias breves com um número de sessões reduzido os perigos de que fala também existem para psicoterapias sistemáticas e devem ser considerados no delineamento do planejamento e do foco Malan4 refere o perigo de não se poder iniciar efetiva mente ou concluir o processo psicoterá pico além do risco de surtos depressivos ou psicóticos em pacientes com estruturas mais frágeis Evidenciase não só ser o pla nejamento um todo com a avaliação como também nossa grande responsabilidade ao receber um paciente em especial diante de múltiplas possibilidades de tratamento hoje disponíveis cada uma com sua especifici dade de ação É preciso conhecimento dos procedimentos disponíveis para fazer a me lhor indicação para o paciente naquele mo mento específico de sua vida No planejamento de uma psicoterapia tendo sido essa a indicação convém reconhecer que lidamos com processos complexos e que a bus ca de significado mesmo que não seja o único recurso disponível tem provado ser essencial e determinante da possibilidade de mudança de nossos pacientes29 Rui por exemplo talvez pudesse terse beneficiado das técnicas de atendi mento que lhe foram propostas anterior mente Podemos pensar que a avaliação e o planejamento realizados tenham deixado de considerar as forças psicodinâmicas em ação tornando então inócuas as possibi lidades oferecidas por essas abordagens Kandell30 estudioso da memória premiado com o Nobel em 2000 afirma ser mente cérebro um único e complexo sistema ain da pouco conhecido por nós Cruz31 dá ênfase ao fato de que a hipótese diagnóstica inicial está sujeita a alterações tanto no que se refere aos aspec tos clínicos quanto no que diz respeito aos aspectos dinâmicos conforme o terapeuta vai conhecendo mais e melhor o paciente Em função disso é necessário que o terapeuta tenha a flexibilidade de rea valiar a hipótese inicial no mesmo rit mo em que vai co lhendo novos dados e que inclusive possa alterar seu pla no à medida que as hipóteses iniciais vão sendo complementadas O planejamento deve ser pois um processo di nâmico e constante ao longo da psicoterapia para não corrermos o risco de lidar com nos sos pacientes como se fossem sempre o mes mo ser negligenciando até mesmo as modifi cações ocorridas como resultado do próprio tra balho psicoterápico ou desejando que tenha condições que ainda não tem e que talvez nem venha a ter Psicoterapia de orientação analítica 203 Eizirik28 descreve uma paciente fóbi ca que começava a apresentar progressos quando recebeu um convite para uma via gem profissional que lhe seria muito bené fica mas que não queria aceitar O terapeuta mantendose no foco interpreta o castigo que a paciente se impõe como resultado de suas fanta sias agressivas de triunfo sobre a mãe O terapeuta intervém mais do que costuma fazer procurando mostrar as vantagens da viagem até que a paciente protesta Mas como Se eu não consigo nem ir ao cinema sozinha como é que vou entrar num avião e me afastar de minha família28 Além das implicações pesso ais do terapeuta que declara interesse em fazer uma viagem como aquela mas que não tinha condições para tanto aparece o risco de deixar de avaliar constantemente o estado mental do paciente e a terapia afas tandose do planejamento realista A grande e definitiva limitação da psicoterapia de orientação analítica pres supondo ser conduzida por profissional capacitado reside na pessoa do paciente em sua motivação no reconhecimento de sofrimento em seus recursos de ego que se insuficientes podem inviabilizar a téc nica Nas palavras de Schestatsky3 não seria ocioso repetir a impor tância de sempre se visualizar o sis tema defensivo operando mais ativa mente no paciente assim como seus recursos de ego disponíveis capaci dade de estudar trabalhar ter vida se xual ativa e principalmente sua mo tivação para se submeter a um trata mento tão árduo e oneroso de tantos pontos de vista especialmente o emo cional Em nossos dias esforços vêm sendo feitos para atender os pacientes mais gra ves mais regressivos que nos procuram São tentativas válidas que atestam a com plexidade dos fenômenos mentais pois medidas medicamentosas e cognitivo comportamentais para citar algumas não têm podido sozinhas alcançar os resulta dos desejados com esses pacientes o mes mo fenômeno observado em nossa área Na IX Jornada de Psiquiatria da Região Sul e VI Jornada Gaúcha de Psiquiatria realizada em julho de 2003 um convidado americano Andrew Nierenberg eminente psiquiatra biológico terminou sua pa lestra sobre o tratamento de pacientes com transtornos bipolares dizendo que precisa mos urgentemente de novas terapêuticas Talvez uma boa possibilidade fosse o que então sugeriu Cláudio Eizirik um dos edi tores deste livro a integração com métodos psicoterápicos Fonagy32 pensa na mesma direção ao afirmar que os terapeutas que trabalham com métodos psicodinâmicos devem tentar uma aproximação maior com outras áreas do trabalho com a mente para aprender e mostrar o valor da contribuição que têm a dar E aproveitar as contribuições de outras abordagens eu acrescentaria PLANEJAMENTO COMO Schestatsky3 afirma que a dificuldade de planejar uma psi coterapia é diretamente proporcional à dificuldade de conceitualizar tanto a natureza dos processos mentais quan to a natureza dos seus processos cura tivos Acredito nas palavras desse autor quando defende que na psicoterapia de orientação analítica estamos discutindo basicamente o modelo intrapsíquico psi codinâmico e reforço sua declaração de que 204 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ainda que adotássemos outro mode lo referencial não mudaria a exigên cia de que seu domínio eficaz perma necesse sendo de crucial relevância3 O modelo psicodinâmico implica um modelo de conflito psíquico Tal modelo implica conhecimento ar ticulado e dinâmico de basicamente três processos o de impulsos neces sidades e desejos o de ansiedades as sociadas a eles e o de mecanismos de defesa mobilizados todos em nível inconsciente e gerando sintomas cuja função é ao mesmo tempo defensiva e expressiva Confusões e imprecisões maiores sobre os principais elementos deste modelo e de sua interação e orga nização implicarão na prática planos terapêuticos igualmente confusos e es tereotipados resultando na execução de tratamentos viciosos intermináveis que se esgotam em um grande número de impasses3 Os autores concordam com a necessidade de indicada uma psicoterapia de orientação analí tica delimitarse um foco de trabalho que evite a dispersão possibilitada pelo atrativo da com plexidade de fenômenos que se produzem nes sa relação Indicada a psicanálise tal risco é evi tado pela centralização do trabalho na rela ção transferênciacontratransferência Cruz12 resume as concepções de Wal lerstein a respeito da psicopatologia no modelo psicodinâmico segundo o qual a doença mental deriva de conflitos in trapsíquicos que são predominantemente inconscientes constituídos de impulsos instintivos que geram ansiedade e como consequência defesas Esses conflitos es tão relacionados a experiências infantis que originaram conflitos básicos resolvidos de modo inadequado Antes do início das ma nifestações clínicas os conflitos intrapsí quicos são manejados por padrões peculia res de defesa os traços de caráter mas pela interferência de um fator desencadeante os métodos previamente utilizados para man ter o equilíbrio falham e os sintomas apa recem Tais sintomas revelam importantes elementos dos conflitos e dos meios pelos quais o ego tenta lidar com eles e se manifes tam nas relações atuais da vida do paciente e na sua relação com o terapeuta com repeti ção de relações do passado12 Tal concepção permitiu que autores considerados radicais quanto aos efei tos da psicoterapia breve afirmassem que trabalhando o conflito atual estaríamos de alguma forma lidando também com o conflito nuclear Mesmo não sendo radi cais ao recebermos um paciente vemos uma pessoa que sofre ora apresentando sua situação como ligada a um fato espe cífico ora a apresentando de maneira vaga A noção de foco como ponto de urgên cia12 possibilita que examinemos o que está determinando de forma mais aguda o sofrimento do paciente procurando com isso não só o alívio de seu sofrimento co mo também sua vinculação ao tratamento A experiência com Vera exemplifica esse ponto Cruz12 refere que a psicoterapia de orientação analítica utiliza como técnicas a interpre tação transferencial e extratransfe rencial juntamente com intervenções não diretivas confrontações assinala mentos esclarecimentos e até inter venções de apoio partindo das asso ciações do paciente Psicoterapia de orientação analítica 205 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Vera é uma mulher jovem casada há cinco anos com um homem que diz amar Há seis meses nasceulhes uma filha saudável que lhes traz muita satisfação apesar da trabalheira Há cerca de três meses Vera começou a sentirse triste lamentando que ainda que tenha uma vida tão boa nunca tenha se sentido sexualmente satisfeita A psicoterapia concebida para examinar esse problema transcorria sem ameaças de abandono ou ou tras queixas por parte da paciente mas em um clima de monotonia e falta de perspectivas A terapeuta pensou que a urgência que parecia ausente talvez resultasse de um foco defensivo ainda que a queixa fosse razoável Com isso em mente pôde perceber que a paciente sempre vivera isso que chamava sua vida sexual morna sem sentir que precisava buscar atendimento À medida que questionamentos come çaram a ser trazidos foi possível perceber que o desencadeante da procura estava ligado predominante mente à condição de mãe de Vera O foco mudado para esse tema permitiu um engajamento muito maior da paciente e possibilitou uma noção mais clara de suas dificuldades inclusive sexuais ligadas à relação com a mãe até então idealizada O foco é concebido como o tema principal em torno do qual convergem as interpretações do terapeuta Tema principal que é consequência direta do entendimento do conflito cen tral do paciente Malan4 conta ter ouvido muitas vezes a pergunta Como é possível manter as interpretações no foco Res ponde sempre ter achado essa uma questão difícil pois acredita que a melhor forma de manter as in terpretações dentro do foco é em pri meiro lugar selecionar pacientes com um foco definido e depois formular um plano terapêutico correto4 Schestatsky33 insiste na associação de pelo menos dois elementos sofrimento psíquico com seus sintomas e um confli to identificável Dal Zot21 descreve como os autores que se dedicaram à psicotera pia breve e focal enfatizam a necessidade de selecionar para essas técnicas pacientes com motivação definida como sofrimento egodistonia e com quem se pudesse esta belecer um foco nas primeiras entrevistas Em nossos dias quando recebemos pacientes por vezes tão comprometidos a busca de um foco é importante na tentativa de ajudálos não só a se vincular ao tratamento como a apren der a pensar psicologicamente mesmo quando a combinação com outras técnicas se faz ne cessária Valério15 destaca a necessidade de uma aproximação afetiva com o foco por parte da dupla e para isso acredita ser ne cessário o entendimento dos traços de ca ráter do paciente Vollmer Filho20 afirma que não basta o esclarecimento racio nal para que se possa obter a remissão dos sintomas Os autores consultados concor 206 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dam com essa recomendação na medida em que o padrão de relacionamento deter minará a vivência do paciente daquilo que acontece na psicoterapia Desse ponto de vista as interpretações transferenciais se rão instrumento importante Vollmer Filho34 esclarece duas pos sibilidades que podem evoluir a partir da interpretação transferencial A primeira é a correção da identificação projetiva emer gente no aqui e agora o que uma vez atin gido permite a continuação do exame do conflito atual A segunda alternativa de seu ponto de vista é possibilitar o trabalho sobre o traço de caráter do paciente34 As possibilidades de operacionaliza ção do foco estabelecido são múltiplas e dependem das condições do paciente do terapeuta e do campo de trabalho que se estabelece Cruz12 sugere que o plano a seguir em um dado mo mento chamase plano estratégico e o conjunto de princípios que seguimos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 João um senhor de meiaidade procurou psicoterapia de orientação analítica depois de inúmeras tentati vas de atendimento que abandonava por dizer incapazes de ajudálo O quadro depressivo grave melancó lico impossibilitava sua vida profissional e de relações Era muito difícil identificar um fator desencadean te Dizia ter sido sempre assim apesar de ter trabalhado e mantido alguma vida social até há alguns anos Nas sessões mostravase interessado mas criava um clima desvitalizado que não conseguia reconhecer Parecia querer mudar mas estar impedido por sua grave patologia Apesar dos sentimentos contratransfe renciais de desânimo impotência e desespero a terapeuta sentiase mobilizada pela vida vazia pela dor do paciente pelo sentimento que transmitia de precisar de ajuda Os terapeutas anteriores haviam indicado uso de medicação com o que a terapeuta atual concorda va devido especialmente aos riscos que apresentava inclusive de suicídio A recusa de João em seguir de forma adequada as orientações quanto à medicação tornouse o foco do tratamento Lenta e dolorosamen te esse trabalho foi permitindo entender melhor os sentimentos persecutórios as queixas do paciente com aqueles que deveriam cuidálo e sua reação vingativa de impedimento ante a ameaça de alguma ajuda mesmo aquela decorrente do efeito da medicação ao tirarlhe a justificativa para seguir provando a in capacidade dos cuidadores Sua história passada começou a ser trazida sob outro vértice Maustratos repetidos por parte de uma mãe deprimida puderam fazer sentido para ele que já contara isso muitas vezes ouvindo interpretações parecidas sem que lhe parecesse fazer sentido Em uma das sessões algo comovente ocorreu quando ex clamou que nunca pensara no que sentia quando apanhava sem saber a razão ou ficava esquecido na es cola O fato de o reconhecimento de sua conduta ocupar o lugar do enfrentamento com seus sentimentos foi muito difícil Ao longo desse árduo processo em que já usava corretamente a medicação trouxe a morte da mãe ocorrida há alguns anos como possível desencadeante do quadro atual algo já levantado em outras psicoterapias mas que agora parecia fazer sentido já não tinha a mãe para castigar esse fora o último abandono O tratamento seguiu difícil a melhora foi obtida de forma lenta e restrita como o prognóstico do paciente mas um caminho para o pensamento começou a se esboçar Acredito que sem o estabelecimento do foco inicial em sua dificuldade de usar de modo correto a medicação não teria sido possível obter esse resultado Tal foco era trabalhado basicamente na relação de João com a terapeuta e suas orientações entendidas como atributos desta Psicoterapia de orientação analítica 207 para leválo a bom termo se conhece por estratégia O conjunto de medidas utilizado para executar o plano estra tégico se chama tática Utilizando noções inicialmente vinculadas aos afazeres da guerra mas logo aproveitadas para qualquer empreendimento humano que exigis se um planejamento para conseguir determina do objetivo como descreve Cruz12 enfatiza a necessidade de avaliar as forças em ação na determinação e na manutenção do problema do paciente para estudar de que forma e utili zando que recursos interpretações transferen ciais extratransferenciais confrontações in tervenções mais diretas ou questionamentos por exemplo trabalhar com ele Esse autor considera ser a arte do psicoterapeuta reunir os dados obtidos ao longo da avaliação para um planejamento que permita um trabalho com uma dose de sensibilidade e bom senso que permita utilizar esses prin cípios nos momentos e modos ade quados saber distinguir o que desta car no material do paciente o que dei xar de lado por uns tempos e o que definitivamente não abordar na psi coterapia12 A experiência psicoterápica me en sinou que ao levantar uma hipótese de trabalho como Etchegoyen35 considera a interpretação devemos ter alguma ideia do que pretendemos Ao formular uma in terpretação transferencial em psicoterapia talvez a intervenção mais suscetível de re sultar inócua seja por banalização desen cadeamento de ansiedade intolerável seja pelo uso defensivo do paciente para citar algumas possibilidades há que se ter claro para quê Com João quando a terapeuta mostrava sua recusa em usar a medicação de forma efetiva como tentativa de não melhorar mostrando como ela lhe falha va o objetivo era o reconhecimento de sua necessidade de manter a convicção de não precisar cuidar da própria vida pois não recebia o que lhe era devido Já com Rui era possível observar sua busca de gratifica ção oral com o encantamento que procu rava impor no campo gratificação sádica na medida em que assim fantasiava triun far sobre a terapeuta Interpretar isso nesse momento corria o risco de servir para mais uma manobra defensiva O foco escolhido visava a perturbar o equilíbrio mantido pe lo paciente favorecendo o reconhecimento de sua participação ativa nos acontecimen tos com vistas a que pudesse mudar Outra questão importante diz respei to ao tom usado Alguns pacientes reagem mal a formulações com humor enquanto para outros elas podem ser de ajuda Da mesma maneira os termos utilizados na formulação das interpretações devem ser coerentes com os utilizados pelo paciente Cabe ressaltar que o paciente e a relação tera pêutica sofrem modificações ao longo do pro cesso podendo haver mudança nesses pa drões Um planejamento deve conter algu ma noção do que deve ser atingido para poder pensar em alta Tendo sempre em mente que o planejamento não é estático evolui com a psicoterapia objetivos a se rem alcançados devem ser traçados Assim com Vera o objetivo não foi que atingisse uma vida sexual mais satisfatória pois di zia não ter sentido essa necessidade até o nascimento da filha mas que retomasse sua condição de cuidála sem se sentir despo jada de sua condição feminina Atingidos esses objetivos a paciente poderia sentirse 208 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pronta para levar sua vida ou desejosa de ir adiante na conquista de satisfação espe cialmente sexual Motivação para seguir buscando compreender seus processos mentais deve ser sempre consi derada um bom resultado A responsabilidade de assumir um tratamento exige muito do terapeuta O trabalho de definição de um foco e de es tabelecimento de um planejamento nos moldes descritos talvez nos proteja de me recer o que Freud1 chama vaidade e falta de reflexão daquele que com o mais bre ve conhecimento opina sobre um estra nho completamente ignorante de todos os princípios da análise Fazse necessário que em respeito às pessoas que nos procuram para tratamento à teoria e à técnica a que dedicamos tanto de nossas vidas possamos admitir o quanto precisamos apren der com nossos pacientes para poder ajudálos e como esse aprendizado será determinante de nossa capacidade CONSIDERAÇÕES FINAIS Keidann14 lembrando que mesmo uma avaliação cuidadosa não pode prever o que vai ocorrer ao longo da psicoterapia sus tenta ser essencial apreciar as condições da dupla da pessoa do terapeuta e do pacien te pois ambos já estão envolvidos numa interação dinâmica da qual os temores à mudança fazem parte Segundo Eizirik28 o elemento central da psicotera pia o veículo por meio do qual ela causará benefício dano ou nada fará resultar situase precisamente na re lação que se estabelece entre o médico e o paciente O trabalho em psicoterapia de orientação ana lítica exige do terapeuta constante estudo ex periência de supervisão e tratamento pessoal pois o instrumento de que dispomos somos nós mesmos e a responsabilidade de ajudar outro a se aproximar de si mesmo é muito grande A complexidade disso pode ser capta da na observação de Cruz31 quando afirma que o paciente afinal está nos procurando para que o ajudemos na vida dele e não para que organizemos a sua vida de acordo com nossas concepções Intervir nos processos mentais de outro que nos procura para isso é entrar em uma relação subjetiva que também nos envolve exigindo que estejamos atentos à neutralidade possível36 que mantenha mos o foco nas necessidades e nos valores do paciente Acredito ser essencial o que Melt zer37 ensina quando defende ser meta do tratamento psicodinâmico ajudar o paciente a responsabilizarse pelo que é seu por meio do insight Não para culparse eu diria mas para abrir possibilidades de mudar ao rom per com um padrão estereotipado exclu sivo portanto limitante e poder usar com mais flexibilidade os múltiplos recursos dis poníveis à mente para lidar com a complexi dade da vida em seus prazeres e frustrações sem perder a capacidade de se encantar de pensar de imaginar e de se relacionar Nosso instrumento permite múltiplos conluios inconscientes sendo responsabili Psicoterapia de orientação analítica 209 dade do terapeuta evitar isso A avaliação cuidadosa com o estabelecimento de um foco e de um planejamento em constante reavaliação que atendam às necessidades do paciente dentro dos critérios descritos pode como já referido servir como orien tação nesse nosso fascinante e difícil traba lho Isso é imperativo para não corrermos o risco de atender ao que exclamou uma paciente ante a perspectiva de alta de um processo psicoterápico de bons resultados como se o mundo vai continuar cheio de problemas PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de orientação analítica quando indicada exige uma avaliação o mais precisa possível das condições do paciente tanto as que motivaram a procura do tratamento quanto os fatores de saúde para que um processo efetivo seja estabelecido e o paciente possa obter benefícios 2 Paciente e terapeuta guardadas as diferenças de função propõemse a iniciar um processo que envolve invariavelmente investimentos e custos diferentes para cada um é verdade mas igualmente importantes 3 Uma psicoterapia de orientação analítica impõe uma cuidadosa formulação psicodinâmica para que um adequado planejamento seja estabelecido Considerase que o problema atual do paciente seja causado predominantemente por fatores inconscientes conflito atual possivelmente com raízes na infância conflito nuclear Precisamos saber identificar o problema do paciente sua etiologia e reper cussões e traçar uma estratégia de abordagem que lhe possibilite alívio do sofrimento e se possível ampliação de sua capacidade mental permitindolhe viver sua especificidade dando sentido próprio às suas experiências e assim contribuindo para uma vida mais rica e criativa 4 No planejamento de uma psicoterapia tendo sido essa a indicação convém reconhecer que lidamos com processos complexos e que a busca de significado mesmo que não seja o único recurso disponível tem provado ser essencial e determinante da possibilidade de mudança de nossos pacientes Convém lembrar o quão fascinante é o estudo da mente correndose o risco de ficar encontrando significados cada vez mais elaborados à custa de uma psicoterapia de bons resultados Isso impõe pensar o que são considerados bons resultados em psicoterapia de orientação analítica em outras palavras com que objetivos se trabalha e delimitar um foco compreendido como o que é central do conflito do paciente que possa tornarse o ponto de convergência das atenções do terapeuta22 5 Intervir nos processos mentais de outro que nos procura para isso é entrar em uma relação subjetiva que também nos envolve exigindo que estejamos atentos a manter o foco nas necessidades e nos valores do paciente 6 O planejamento é uma tarefa constante do processo psicoterápico na medida em que compreendemos que as mudanças ocorrem ao longo do processo REFERÊNCIAS 1 Freud S Sobre o início do tratamento In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 16287 2 Dewald PA Psicoterapia un enfoque diná mico Barcelona Toray 1972 3 Schestatsky SS Introdução ao planejamento em psicoterapia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Ar tes Médicas 1989 p 718 210 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 4 Malan D As fronteiras da psicote rapia breve um exemplo da convergência entre pesquisa e prática médica Porto Alegre Artes Médi cas 1981 5 Bassols AM Falceto O Bergmann DS Mardi ni V Waldemar JO Palma RB et al O ensino de técnicas psico terápicas aplicadas à infância e adolescência Re v Bras Psicoter 20121411333 6 Havighurst SS Downey L Clinical reason ing for child and adolescent mental health practitioners the mindful formulation Clin Child Psychol Psychiatry 2009142251 71 7 Eells TD Lombart KG Salsman N Kendjel ic EM Schneiderman CT Lucas CP Expert reaso ning in psychotherapy case formula tion Psychother Res 201121438599 8 Aguiar RW Psicoterapias desafios atuais e perspectivas futuras Rev Bras Psicote r 1999 1193105 9 Zimmermann D Planejamento em psico tera pia dinâmica Rev Bras Psiquiatr 1982 4325163 10 Cruz JG O processo de focalização em psico terapia de orientação analítica In Ei zirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psico terapia de orientação analítica teoria e prá tica Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 848 11 Mabilde LC Araújo ANB Psicoterapia dinâ mica importância do planejamento em um caso de transtorno de personalidade Rev Psiquiatr RS 199012299104 12 Cruz JG Planejamento em psicoterapia de orientação analítica In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orienta ção analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 7983 13 Lewkowicz S Pacientes repetidores de psi coterapia breve alguns aspectos psicodinâ micos Rev Psiquiatr RS 19835316778 14 Zaslavsky J Keidann CE Dal Zot JS Cruz JG O contrato e as interrupções em psicote rapia de orientação analítica compreensão e manejo Rev Bras Psicoter 20002222138 15 Valerio MH G O que tratamos em psicote rapia Rev Psiquiatr RS 1985721336 16 Lucion N Psicoterapia psicanalítica na atuali dade Rev Psiquiatr RS 1996183 3015 17 Levy R Psicoterapia de orientação analíti ca na atualidade avanços e vicissitudes Ver Psi quiatr RS 199618330610 18 Lewkowicz A Uma contribuição ao estu do do abandono em psicoterapia breve am bulatorial Re v Psiquiatr RS 198463198 206 19 Cordioli AV Psicoterapia de orientação ana lítica avaliação de pacientes Rev Psiquiatr RS 19835299101 20 Vollmer Filho G Conceito e diagnóstico de neurose em psicanálise Rev Psiquiátr RS 198572957 21 Dal Zot JS Uma contribuição ao estudo dos critérios de seleção para psicoterapia breve R Psiquiatr RS 198461713 22 Mondrzak V O foco em psicoterapia bre ve estudo de 60 casos Rev Psiquiatr RS 19835211729 23 Etchegoyen RH Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica semelhanças e diferen ças Rev Psiquiatr RS 199012320913 24 Malan DH Psicoterapia individual e a ciên cia da psicodinâmica Porto Alegre Artes Médicas 1983 25 Freud S Recordar repetir e elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 191 203 26 Zimmermann D Terminação de psicotera pia dinâmica Rev Psiquiatr RS 198021 519 27 Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS In trodução In Eizirik CL Aguiar RW Sches tatsky SS Psicoterapia de orientação analíti ca teoria e prática Porto Alegre Artes Mé dicas 1989 p 1321 28 Eizirik CL Riscos e limitações da psicote rapia de orientação analítica alguns aspec tos da pessoa do terapeuta Rev Psiquiatr RS 1983521146 29 Iankilevich E Metas em psicoterapia Rev Bras Psicoter 2001332917 30 Kandel ER Biology and the future of psychoa nalysis a new intellectual frame work for psychiatry revisited Am J Psychia try 1999156450524 31 Cruz J Planejamento em psicoterapia de orien tação analítica Rev Psiquiatr RS 1983 521068 Psicoterapia de orientação analítica 211 32 Fonagy P Psychoanalysis today World Psy chiatry 2003227380 33 Schestatsky SS Introdução ao planejamen to em psicoterapia Rev Psiquiatr RS 1983 521025 34 Vollmer Filho G Fórum de debate psica nálise e psicoterapia de orientação analítica semelhanças e diferenças Rev Psiquiatr RS 19901232123 35 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 36 Eizirik CL Entre a escuta e a interpretação um estudo evolutivo da neutralidade psi canalítica Revista de Psicanálise da SPPA 1993111942 37 Meltzer D O processo psicanalítico da crian ça ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 Este capítulo aborda o contrato e suas vi cissitudes entendendoos como parte do processo psicoterápico O contrato será examinado muito além das combinações formais sobre horários das sessões fre quência pagamentos férias e responsabili dades que são feitas no início do tratamen to psicoterápico A palavra contrato é definida por Houaiss¹ como um pacto entre duas ou mais pessoas que se obrigam a cumprir o que foi entre elas combinado sob deter minadas condições É palavra de origem latina contractus significando convenção ajuste pacto Zimerman² acrescenta que a palavra contrato pode ser decomposta em com trato significando que além do indispen sável acordo manifesto de algumas com binações práticas básicas há também um acordo latente que se refere ao modo como analista e paciente irão tratarse reciproca mente As funções e os papéis da dupla es tão definidos de um lado há um paciente que busca alívio de seu sofrimento psíquico e de outro um terapeuta que de forma sis temática dispõese a utilizar todos os seus recursos teóricos técnicos e emocionais para que juntos possam mitigar esse so frimento As bases teóricas do contrato foram apresentadas por Freud em dois trabalhos Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise³ de 1912 e Sobre o início do tra tamento Novas recomendações aos médicos que exercem a psicanálise I4 de 1913 Ne les formula e estabelece as normas funda mentais que compõem o contrato Freud4 compara o tratamento analíti co a um jogo de xadrez no qual as aberturas e os finais por serem limitados podem ser descritos de forma sistemática enquanto a infinita variedade de jogadas que se desen volvem após a abertura desafiam qualquer descrição desse tipo Ao tratar das regras para o início do tratamento afirma Penso estar sendo prudente contu do em chamar estas regras de reco mendações e não reivindicar qualquer aceitação incondicional para elas A extraordinária diversidade das cons telações psíquicas envolvidas a plasti cidade de todos os processos mentais e a riqueza dos fatores determinantes opõemse a qualquer mecanização da técnica O contrato é entendido desde sua conceituação original como parte do processo psicoterápico 11 O CONTRATO Neusa Lucion Lais Knijnik Psicoterapia de orientação analítica 213 Ele representa o princípio da realida de e a ele se opõem as forças das fan tasias e do princípio do prazer sempre prontos a rompêlo O modo como o contrato é sentido e estabelecido ou como são tentadas suas rupturas ex pressa ao vivo dados preciosos para a compreensão do paciente5 O contrato tem uma função estruturante no es tabelecimento do setting psicoterápico na me dida em que cria um arcabouço um ambien te que permite observar manifestações in conscientes fantasias resistências reações transferenciais e contratransferenciais assim como manifestações do caráter Meltzer6 ao discutir o processo analí tico afirma que embora a interpretação possa ser importante para a cura e para a compreensão interna insight não constitui a tarefa principal do analis ta com relação ao estabelecimento e à manutenção do processo analítico Isto é feito através da criação do set ting no qual os processos transferen ciais da mente do paciente podem en contrar expressão Para Winnicott7 o setting é a soma de todos os procedimentos que organizam a análise e engloba todas as atividades extra analíticas do processo analítico os marcos temporal e espacial da relação analítica o estabelecimento de horários férias ho norários entre outras variáveis O setting cria as condições para que seja mantida a marcha ordenada do processo analítico mas não constitui o jogo analítico a inte ração associaçãointerpretação ele pro porciona as regras do jogo6 Tais regras que são os elementos formais da relação terapêutica constituem o contrato e suas modificações precisam estar baseadas na teoria da técnica uma vez que necessaria mente influenciam o pro cesso8 ELEMENTOS CONSTITUINTES DO CONTRATO As combinações do contrato estabeleci das após a avaliação e a indicação de psico terapia podem ser feitas de maneira deta lhada ou simplificada Há psicoterapeutas que preferem esmiuçar todas as possíveis situações que surgirão no decorrer do tra balho psicoterápico A tendência atual é fazer combinações amplas e simplificadas com os pacientes restringindo se a elementos como a frequência da psicote rapia os horários das sessões os honorários e as férias Freud4 cita o tempo e o dinheiro co mo os pontos de importância no estabele cimento do contrato As demais situações serão tratadas à medida que forem surgin do no curso do tratamento uma vez que constituem uma via de expressão de con flitos e do caráter do paciente assim como do momento transferencialcontratransfe rencial que a dupla está vivendo Frequência Por vezes o paciente tem a fantasia de que o tempo de duração da psicoterapia está diretamente relacionado à frequência das sessões Essa é uma situação em que dois não é o dobro de um nem um é a metade de dois A maior frequência das sessões permite uma diferença qualitativa e não quantitativa 214 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A frequência de duas sessões semanais é o veículo adequado para que a psicoterapia de orientação analítica dirigida ao insight possa promover mudanças psíquicas significativas O intervalo de poucos dias entre as sessões permite que haja continuidade no que vem sendo tratado maior encadea mento entre as sessões bem como um período no qual o paciente pode pensar sobre o que está ocorrendo tendo uma ses são próxima para seguir examinando sua conflitiva A proximidade entre as sessões também impede que o esquema defensivo se reorganize por completo Para algumas pessoas a psicoterapia é indicada em uma frequência maior Pa cientes motivados com egos bem estrutu rados com capacidade de postergar satis fações e de ter insight fantasiar simbolizar e estabelecer relações podem se beneficiar de uma psicoterapia com três sessões se manais ou de psicanálise se exequível ou disponível Aqueles com aparelho psíquico menos estruturado que se expressam pre ferencialmente mediante o agir o somati zar que apresentam momentos de maior desorganização beneficiamse mais de uma frequência maior Entretanto há situações nas quais o paciente não pode realizar o tratamento na frequência recomendada quer por motivos econômicos quer por indisponibilidade de horário quer por outras dificuldades ex ternas as quais muitas vezes encobrem resistências internas Há casos em que os pacientes alegam falta de condições finan ceiras e no decorrer do tratamento fica evidente que isso é uma expressão da re sistência ao trabalho psicoterápico O tera peuta também pode apresentar resistência a indicar psicoterapia em uma frequência maior Ele pode propor uma frequência menor do que a indicada motivado in conscientemente pelo temor de defrontar se com seu mundo interno uma vez que a proximidade entre as sessões favorece a ex pressão de fenômenos transferenciaiscon tratransferenciais O interjogo da trans ferênciacontratransferência está sempre presente seja qual for a frequência da psi coterapia porém seu acesso é facilitado pe la proximidade entre as sessões Cabe ressaltar que para se manter como o lo cal privilegiado para a observação do incons ciente uma psicoterapia de orientação psica nalítica necessita de uma frequência mínima que acreditamos ser de uma sessão semanal Frequências menores dificultam a aplicação dessa técnica comprometendo assim os resultados Há psicoterapeutas que mesmo que o paciente não possa no momento do con trato realizar a psicoterapia na frequência recomendada optam por esclarecer sua in dicação Argumentam que a pessoa deve ter acesso à indicação como uma perspectiva a ser buscada Outros psicoterapeutas ques tionam tal conduta por acreditarem que isso pode levar o paciente a desvalorizar o tratamento que faz e idealizar o tratamento que não pode fazer ficando a frequência a serviço da resistência Responsabilidade sobre as sessões Um elemento importante que deve ser ex plicitamente estabelecido na constituição do contrato é a responsabilidade pelo ho rário das sessões Há no entanto psico terapeutas que optam por examinar essa questão somente quando ela surge Psicoterapia de orientação analítica 215 Ao combinarem um horário paciente e terapeu ta assumem um compromisso mútuo Ambos se comprometem a encontrarse no consultório em determinada hora para juntos realizarem o tratamento proposto No horário combinado o terapeuta estará disponível para atender exclu sivamente aquela pessoa Os pacientes precisam sentir que os analistas podem realmente estar lá e que ao estar sempre lá possibilitarão o início do tratamento e daí o desen volvimento do processo analítico9 Meltzer6 comenta que a atividade psi canalítica pode ser comparada com a do virtuose e com a do atleta Aponta a impor tância para a mente do analista da regula ridade das sessões com a manutenção de horários em ordem Quando um paciente falta a sua sessão mesmo que avise anteci padamente deixa uma lacuna nas ativida des do dia e a qualidade do trabalho pos terior naquele dia é adversamente afetada Ainda que a oportunidade de relaxar seja bem acolhida ou mesmo que esse tempo seja aproveitado para outras atividades is so promove uma quebra no andamento do trabalho6 A descontinuidade pode impedir o aprofundamento da transferência Melt zer6 lembra a necessidade da repetição para que o processo psicoterápico exista Se o paciente falta há uma ruptura Uma condição necessária para que a psicotera pia ocorra é o comparecimento do paciente às sessões A quebra também se dá para a mente do paciente que perde o exercício de pensar sobre si mesmo comprometen do o virtuosismo dessa habilidade Temos de considerar a possibilidade de o paciente ou o terapeuta não poderem comparecer à sessão Há divergências sobre a conduta a adotar Para Langs10 o tera peuta não deve trocar o horário do pacien te nem oferecer um horário alternativo no caso de feriados ou de algum impedimento seu Outros autores como Zaslavsky e cola boradores11 tentam na medida da sua dis ponibilidade oferecer outro horário para pacientes em psicoterapia tendo em vista que a distância criada entre as sessões pre judica o andamento do processo Quando é o paciente quem solicita a troca do horá rio da sessão é preciso examinar a situação com cuidado Foi o que ocorreu com Pe dro um paciente que tinha even tualmente compromissos de trabalho agendados por outras pessoas sem que tivesse ingerência sobre o horário estabelecido Em determi nada ocasião pediu com antecedência uma troca de horário alegando que assim o terapeuta teria tempo para remanejar al guém Ele tinha uma reunião marcada que ocuparia todo o dia inclusive seu horário de sessão O tema da sessão era sobre co mo ele não se sentia querido pelas pessoas o que associava à preferência da mãe pela irmã mais velha Dizia sempre precisar fa zer tudo para os outros a fim de ser ama do Ao examinarmos a situação e sua real necessidade vimos que ele poderia chegar mais tarde à reunião e que a troca estava sendo pedida como uma prova de que o terapeuta gostava dele tendo que desalo jar outros pacientes remanejar alguém representando a irmã para atendêlo Seria uma prova de que o terapeutamãe o preferia em detrimento da irmã Para Pe dro como para outros pacientes a troca de horário era uma prova de ser querido pelo terapeuta Se este atende seu pedido gosta dele se não atende não gosta No entanto o terapeuta nem sempre estará disponível para atender em outros horários Como Romanowski e Vollmer Filho12 assinalam a relação transferencial tem sua matriz genética na relação primitiva 216 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs seiobebê e uma das fantasias mais constantes é a de igualar o analista a um seio inesgotável mantida pela dis sociação da imagem deste e pela pró pria negação da realidade da análise que oferece reiteradas privações Eizirik13 lembra que nessas questões de troca de horários como nas demais uma atitude fle xível mas não condescendente firme mas não rígida é o recomendável Examinar as motiva ções conscientes e inconscientes antes de to mar qualquer atitude é a conduta mais produ tiva Durante a psicoterapia poderão ocor rer situações nas quais o terapeuta será obri gado a romper ou a modificar o contrato como no caso de atrasos faltas doença viagens compromissos profissionais e que poderão colocar o paciente diante de situações reais que precisarão ser exami nadas de forma adequada De acordo com Ferro14 rupturas do setting por parte do analista devem ser absolutamente evitadas mas são igualmente inevitáveis ao longo da análise Essas situações costumam ativar o aparecimento e possibilitar o acesso a as pectos muito primitivos como o sistema de angústia e as defesas do paciente Po dem surgir fantasias diversas como a de ser abandonado de o terapeuta morrer de ser trocado por outro paciente Conforme as sinalam Romanowski e Vollmer Filho12 a compreensão e a interpretação dessas fan tasias ativas vistas na psicoterapia permi tirão a diminuição das ansiedades e pro gressivamente maior integração do ego Ao longo do tratamento podem ocorrer doenças físicas de ampla duração assim como pacientes que saem em viagens de estudos ou trabalho por alguns meses Freud4 costumava interromper o trata mento e quando o paciente se restabelecia voltava a atendêlo se tivesse disponibili dade de horário O compromisso anterior fica desfeito e na medida da disponibili dade de horário de ambos o tratamento pode ser retomado ou não Outras duplas encontram soluções alternativas como por exemplo a situação de Betina Tendo sido aprovada em concurso público foi trabalhar em outra cidade e mantinha um horário regular com o terapeuta Nesse seu horário ligava para o terapeuta realizan do a sessão por telefone Quando estava na cidade original fazia sua sessão de forma presencial A manutenção do vínculo auxi liou Betina naquele momento de sua vida Questões como essa precisam ser discuti das pela dupla Honorários Outro elemento do contrato que mobiliza tanto paciente como terapeuta é o estabe lecimento de honorários À realidade exter na somamse conflitos da dupla expressos no interjogo transferênciacontratransfe rência com possibilidades ilimitadas Blan ck e Blanck15 enfatizam que os honorários são a única parte da terapia que legitima mente se destina ao terapeuta podendo então ser uma via direta de expressão de seus conflitos Freud4 assinala que as questões de dinheiro são tra tadas pelas pessoas civilizadas da mesma maneira que as questões se xuais com a mesma incoerência pu dor e hipocrisia O analista portanto está determinado desde o princípio a não concordar com esta atitude mas em seus negócios com os pacientes a tratar de assuntos de dinheiro com a mesma franqueza natural com que deseja educálos nas questões relati vas à vida sexual Demonstralhes que ele próprio rejeitou uma falsa vergo Psicoterapia de orientação analítica 217 nha sobre esses assuntos ao dizerlhes voluntariamente o preço em que ava lia seu tempo Os honorários devem refletir o nível de formação e de experiência do terapeuta e estar de acor do com os padrões da comunidade com a qual trabalha como expresso no Código de Ética Mé dica É recomendável que o terapeuta estabele ça o valor com o qual se sente adequadamente remunerado assim como o valor mínimo com o qual se sente confortável em trabalhar O estabelecimento de honorários mais baixos o que é frequente entre os iniciantes pode estar motivado por senti mentos de culpa por não se sentir capaz por um desejo de agradar pela vontade de manter o paciente ou pelo desejo de com pensálo por supostas ineficiências Para o paciente valores mais baixos podem signi ficar levar vantagem ter a voracidade solta e incontrolável sentirse o preferido em relação aos outros pacientes Como afirma Eizirik13 isso pode conduzir a culpa ina tividade desvalorização do terapeuta e do tratamento e ao frequente surgimento de impasses e interrupções Já a determinação de honorários altos pelos terapeutas iniciantes demonstra sua necessidade de negar essa condição co mo se não houvesse diferença em relação aos colegas mais experientes aquilo que é referido por ChasseguetSmirgel16 como a diferença entre as gerações Demonstra também aspectos vorazes e o desejo de se impor como um objeto caro e valorizado O paciente pode aceitar essa situação por identificarse com esse objeto perseguidor encobrindo seus sentimentos de desvalia Nesses casos a idealização por mais que dure acaba sendo substituída por senti mentos paranoides A aceitação também pode evidenciar aspectos de submissão do paciente O terapeuta pode ter em mente um valor menor de honorários para oferecer ao paciente seja porque este enfrenta dificul dades financeiras temporárias seja por tra tarse de pessoa com menos recursos mas altamente motivada seja porque ele pró prio tem horários vagos que deseja preen cher seja porque o caso será supervisiona do havendo o benefício da aprendizagem Ao indicar o valor aceitável é importante propiciar a exploração da realidade das fi nanças do paciente assegurandose de que o valor acordado é realístico para ele sem ser indulgente ou objeto de engano Melt zer17 considera honorários mais baixos um subsídio que o terapeuta oferece ao pacien te É fundamental explorar as fantasias que um valor inferior provoca assim como estar alerta para quaisquer indicações de recursos não declarados Se isso não for analisado e resolvido o tratamento pode ser totalmente depreciado e boicotado Is so não significa suspeitar cronicamente dos pacientes mas cuidar para não subsidiar a imoralidade de seu paciente17 Por ve zes o terapeuta aceita honorários menores aliandose inconscientemente a aspectos empobrecidos do paciente em um conluio que necessita ser identificado para poder ser tratado No caso de haver um acordo por um valor me nor este deve ser trabalhado em seus diferen tes níveis o da realidade externa e o dos signi ficados no mundo interno do paciente e suas re percussões para a relação terapêutica A redução dos honorários pode pro vocar nos pacientes sentimentos de dívida para com o terapeuta o que os impediria de expressar toda a gama de sentimentos 218 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs hostis em relação ao profissional Em pa cientes com traços de caráter oral pode estimular a passividade e uma dependên cia indevida Quando as condições econô micas do paciente se modificarem o valor dos honorários será rediscutido podendo ser atualizado dentro ou fora do período de reajuste Outra questão referese à responsa bilidade monetária pelo horário das ses sões Tendo em vista que a psicoterapia de orientação analítica é um tratamento que tende a durar anos o terapeuta assume compromissos com os pacientes que o li mitam para outros atendimentos Se o pa ciente não puder comparecer por motivos diversos como trabalho viagem ou enfer midade precisa manter o acordo mútuo responsabilizandose pelo pagamento do horário reservado uma vez que o terapeuta não poderá assumir outro paciente em seu horário Isso está de acordo com o expresso por Freud4 A cada paciente é atribuída uma hora específica de meu dia de trabalho dis ponível pertence a ele que é respon sável por ela mesmo que não faça uso da mesma Sob regime menos estrito as faltas ocasionais aumentam de tal forma que o médico percebe sua existência material ameaçada ao passo que quando o acordo é seguido impedimentos acidentais não ocorrem de modo algum e moléstias inter venientes apenas de modo muito raro Hoje os tratamentos têm duração maior do que os realizados por Freud e impedimentos acidentais tendem a ocor rer Podese dizer que não há tratamento psicoterápico que não se defronte com tais situações O que Freud4 assinala nesse tra balho de técnica é que seguindo o princí pio estrito da hora marcada vemos como é intenso o significado psicogenético da vida cotidiana dos homens com que fre quência simulam doenças e como o acaso é inexistente O acaso existe mas no exame das suas motivações inconscientes perce bemos o quanto ele fica menos frequente Uma justificativa realista para o não com parecimento às sessões pode ser usada para encobrir uma resistência ao tratamento ou ao que vem sendo tratado no momento Como em outros aspectos do contrato é fundamental o entendimento de que forças estão atuando no campo Nos dias atuais muitos pacientes têm planos de saúde que cobrem o pagamen to de algumas sessões ou que ressarcem parte de seu valor Isso estará presente no tratamento como um pano de fundo si lencioso ou ruidoso sendo um veículo para fantasias que podem se aliar a resis tências amea çando a relação terapêutica e a própria psicoterapia Calich8 salienta que paciente e terapeuta ao incluírem ar tifícios para ganhar mais dinheiro como por exemplo declarando um número de sessões diferente do realizado introduzem um elemento de quebra da verdade que se opõe à própria essência da psicoterapia A data do pagamento é outro item que precisa ser explicitado no contrato A psicoterapia é um tratamento de frequên cia regular e para comodidade de ambas as partes conveniouse que o pagamento seja feito uma vez por mês Ele deve ser efe tuado de preferência na última sessão do mês pois o paciente efetua o pagamento pelo serviço realizado naquele período Às vezes por necessidade do paciente a dupla combina que o pagamento será feito em outra data por exemplo na primeira ses são após o fim do mês É importante que uma data seja estabelecida para que um possível não cumprimento do acordo seja entendido e tratado Há pacientes que não pagam na data combinada mesmo tendo o dinheiro para Psicoterapia de orientação analítica 219 isso Expressam assim sua voracidade pri vando o terapeuta de algo que é dele eou manifestando um desejo de retêlo dentro de si Pode ser também uma comunicação de um momento de desagrado em relação ao terapeuta É possível ainda uma com binação desses aspectos uma fixação na fa se oralsádica do desenvolvimento com o paciente só querendo receber do terapeuta tirar dele como também um aspecto anal de aferrarse à propriedade para reter algo valioso dentro de si O momento do pagamento também evidencia que esta é uma relação profissional e assimé trica além da necessidade e da dependência do outro provocando muitas vezes sentimen tos hostis no paciente O terapeuta por temer seus aspectos orais vorazes pode não abordar essa questão com a franqueza natural necessária ex pressando seus próprios conflitos Ele pode se sentir submetido explorado pelo pacien te e atuar em uma atitude antiterapêutica Um terapeuta mais livre de conflitos em re lação à oralidade ao dinheiro sentese mais à vontade para lidar com essas questões É importante que o terapeuta tenha trânsito em seu mundo interno para poder entender melhor os aspectos do paciente que muitas vezes são projetados em si O terapeuta identificado com os ob jetos internos do paciente no que Racker18 denominou de contratransferência com plementar não conseguirá entender e tra tar os aspectos orais e anais deste Há pacientes que querem determinar quando e como vão pagar expressando um aspecto anal de seu caráter Abraham19 as sinala que a entrega do excremento é a for ma mais primitiva pela qual uma criança dá ou presenteia alguma coisa Para ele o importante é preservar seu direito de deci são podendo recusar um pedido ou uma solicitação mas dar a alguém o belo pre sente quando assim decidir O paciente impor quando e como pagar constitui uma tentativa de controlar o terapeuta e o tra tamento Uma situação interessante ocorreu com Patrícia que ao marcar a primeira consulta por telefone e sem saber os ho norários do terapeuta solicitou que ele co brasse um valor inferior Há pacientes que como Abraham19 descreve estão sempre solicitando algo sob a forma de um pedido modesto ou de uma exigência agressiva A maneira como apresentam suas exigências tem em si algo da natureza da sucção per sistente não aceitam argumentos razoáveis e continuam a pleitear e a insistir Outras pessoas como refere Abra ham19 são dominadas pela crença de que sempre existirá uma pessoa bondosa um representante da mãe para naturalmen te tomar conta delas e darlhes tudo de que necessitam Essa crença otimista con denaas à inatividade Esperam que o seio materno flua eternamente para elas não precisando fazer esforço algum para ga nhar o pão de cada dia O caso de Rosa é ilustrativo Ela é uma jovem em início de tratamento sem dificuldades financeiras Já no primeiro mês precisa ser lembrada pelo terapeuta sobre o pagamento No mês seguinte também atrasa Relata que sua mãe reclama de seu jeito de esperar que os outros façam tudo por ela Nesse momen to o terapeuta pôde mostrar como esse seu aspecto oral estava presente na sessão por meio do atraso no pagamento tendo colocado a responsabilidade pelo lapso no terapeuta Caberia a ele lembrarlhe do dia 220 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs do pagamento As situações de pagamen to propiciam que traços de caráter e inú meros conflitos se expressem fornecendo mais uma importante oportunidade de acesso ao mundo interno do paciente e aos movimentos transferenciaiscontratrans ferenciais da dupla naquele momento do tratamento Férias A combinação sobre as férias é parte cons tituinte do contrato Anteriormente psica nalistas e psicoterapeutas costumavam ter um mês oficial de férias e isso era comuni cado ao paciente já no início do tratamen to Os pacientes ficavam com o compro misso de ter suas férias no mesmo período evitando assim outras interrupções que prejudicassem o processo e também para não precisarem se responsabilizar financei ramente pelas sessões perdidas Hoje há maior flexibilidade exigindo a discussão desse tema Muitas vezes por questões de trabalho ou familiares o pa ciente decide gozar suas férias em período diferente do terapeuta Este por sua vez pode decidir dividir suas férias em mais de um período atendendo durante aquele que originalmente seria parte do combina do como férias O terapeuta pode oferecer ao paciente a possibilidade de vir ou não às sessões independentemente de o paciente estar na cidade Mesmo assim é impor tante analisar as motivações para a atitude tomada pelo paciente É possível que este venha às sessões como uma expressão de submissão com a fantasia de que assim se rá amado pelo terapeuta Ao não compa recer pode estar comunicando a presença de transferência negativa O entendimento das motivações é particular daquela dupla naquele momento Cabe ressaltar que o exame dessa situação inclui o cuidado de não forçar no paciente algo alheio a ele e que esteja sendo introduzido como parte dos interesses do terapeuta Nesse contex to cabe ao terapeuta não apenas examinar as motivações inconscientes do paciente como também olhar por si mesmo e discri minar seus próprios sentimentos Quando o paciente tem suas férias em um período diferente daquele do terapeu ta a cobrança das sessões não compare cidas suscita diferentes condutas em dife rentes terapeutas Estamos diante de uma situação em que não há um consenso Faltas A responsabilidade monetária pelas faltas inserese no compromisso com o proces so terapêutico O paciente muitas vezes apegase ao prejuízo econômico que terá com sua ausência às sessões deixando de lado a perda pela descontinuidade do pro cesso psicoterápico As situações precisam ser tratadas com a particularidade de cada caso sendo sua compreensão essencial à psicoterapia Mais do que nos aferrarmos a combinações precisamos trabalhar seu sig nificado naquele momento Como afirma Etchegoyen20 Há sempre um ponto de toda relação humana em que é necessário saber es cutar o outro e saber o que é que de seja e espera de nós sem que isto nos obrigue a satisfazêlo Aceitar a opi nião do paciente nem sempre significa gratificálo do mesmo modo que não aceitála não tem por que ser sempre um menosprezo ou uma frustração Por vezes o terapeuta para não se in comodar faz concessões no contrato sem avaliar adequadamente as repercussões de sua atitude no processo Não se trata da questão flexibilidade versus autoritaris Psicoterapia de orientação analítica 221 mo e sim se aquela proposta de ruptura vai ser analiticamente entendida ou não e a serviço de que instância está Pode ser por exemplo a expressão de um desejo do paciente de ter sempre um seio bom que o gratifique e ao aceitarmos essa proposta estaremos fazendo uma aliança com sua parte oral voraz reforçando aspectos re gressivos ou a serviço de desinvestimen to no tratamento representando aspectos destrutivos Reajuste Outro aspecto do contrato referese a rea justes dos honorários no decorrer do tra tamento Há pacientes que reagem ao au mento dos honorários não importando sua justificativa realista Não reajustar o valor quando há aumento do custo de vida é negar a realidade externa e atacar a per cepção do paciente A proposta de reajuste deve ser feita com tempo suficiente para permitir ao paciente uma ampla discussão de seus sentimentos antes do dia do pagamento Com frequência o reajuste produz reações de raiva e ameaças de abandono Sua discussão também evidencia as resis tências e o movimento transferencialcon tratransferencial predominantes naquele momento do tratamento Um exemplo ilustrativo ocorreu com Joana uma moça de 28 anos Já por ocasião do contrato quis estabelecer o pagamento de somente oito sessões por mês alegando que essa era sua programação financeira apesar de ter boa situação econômica O pagamento de nove sessões em um mês era alvo de frequentes reclamações e de pro postas de alteração do contrato Envolveu se com um professor 40 anos mais velho do que ela e manteve o relacionamento por alguns meses expondoo a situações constrangedoras Meses depois envolveu se com um familiar próximo também muito mais velho e casado Tanto o profes sor como o familiar aceitaram sua proposta de ruptura do contrato social a proibição do incesto Por ocasião de um reajuste que concorda ser realista tenta impor à tera peuta a realização de sete sessões mensais ameaçando interromper se não for aten dida Há uma proposta de perversão na transferência por meio de uma ruptura do contrato assim como ela rompia fora do setting os contratos sociais Os sentimen tos contratransferenciais foram de violento ataque sinalizando perversão na transfe rência Ao não aceitar a proposta de rompi mento do contrato a terapeuta manteve o setting e a paciente tranquilizouse poden do tratar de sua necessidade de perverter as relações As tentativas de ruptura do contra to são valiosas comunicações que podem ajudar a encontrar e reencontrar a sinto nia com o paciente bem como a obter o vértice interpretativo14 por vezes consti tuem sinalizadores muito precoces do que está ocorrendo na psicoterapia No inter jogo que se estabelece entre paciente e te rapeuta temos por um lado um paciente com suas partes psicóticas perversas des trutivas da personalidade que de modo inconsciente tenta subverter o contrato provocando desafiando testando o tera peuta ao mesmo tempo a parte mais adul ta e madura de sua personalidade espera e deseja que o terapeuta não se submeta não se deixe envolver em um conluio com seus aspectos menos integrados De outra parte há um terapeuta que como objeto trans ferencial precisa ser suficientemente capaz de não permitir que seus próprios conflitos 222 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sejam atuados destruindo sua função psi coterápica É a atitude mental do terapeuta que constitui a garantia da manutenção do contrato permitindo a preservação da in tegridade do setting e assim a ocorrência do processo psicoterápico O contrato é o guardião do setting e o terapeuta o guar dião do contrato PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O contrato é considerado uma parte do processo psicoterápico e abrange muito mais do que combina ções formais 2 No início do tratamento são estabelecidas as regras referentes a frequência horários valores férias e responsabilidade pelas sessões 3 A frequência de duas sessões por semana é a mais adequada para uma psicoterapia psicanalítica sendo que uma sessão semanal é o mínimo para que o processo se realize 4 Paciente e terapeuta assumem um compromisso mútuo pelo horário das sessões Faltas e férias em período diferente do combinado exigem um olhar que contemple aspectos objetivos e seus equivalentes subjetivos 5 Os honorários devem refletir o nível de formação e a experiência do terapeuta Muitas vezes acertos entre a dupla tornamse necessários desde que o valor combinado seja adequado para ambos 6 Ao longo do tratamento as regras acertadas por ocasião do contrato inevitavelmente serão rompidas e precisam ser tratadas como valiosas comunicações do que está acontecendo com a dupla naquele momento 7 É a atitude mental do terapeuta que constitui a garantia da manutenção do contrato permitindo a preservação da integridade do setting e assim a efetivação do processo psicoterápico REFERÊNCIAS 1 Houaiss A Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 2 Zimerman DE Fundamentos psicanalíticos teoria técnica e clínica uma abordagem di dática Porto Alegre Artmed 2008 3 Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 14959 4 Freud S Sobre o início do tratamento no vas recomendações aos médicos que exer cem a psicanálise I In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 16487 5 Valério M O contrato psicoterápico sua re lação com traços de caráter a transferência e a contratransferência In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orienta ção analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 10720 6 Meltzer D O processo psicanalítico da criança ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 7 Winnicott DW Variedades clínicas da trans ferência In Winnicott DW Textos selecio nados da pediatria à psicanálise 4 ed Rio de Janeiro Francisco Alves 1993 p 4839 8 Calich JC O contrato psicoterápico e suas alterações frente à relação atual Revista Brasileira de Psicoterapia 200023313 21 9 Zac de Filc S Reflexões a respeito do setting no tratamento de adolescentes Livro Anual de Psicanálise 20082215168 10 Langs R The technique of psychoanalytic psychotherapy 3rd ed New York J Aron son 1976 v 1 Psicoterapia de orientação analítica 223 11 Zaslavsky J Keidann CE Dal Zot JS Cruz JG O contrato e as interrupções em psicote rapia de orientação analítica compreensão e manejo Rev Bras Psicoter 20002222138 12 Romanowski R Vollmer Filho G A regres são no processo analítico regressão e angús tia de separação In Annes SP Estudos psi canalíticos Porto Alegre S P Annes c1974 p 6974 13 Eizirik CL O contrato psicoterápico os as pectos formais e sua relação com a transfe rência e a contratransferência In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 1002 14 Ferro A Na sala de análise emoções relatos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 15 Blanck G Blanck R Psicologia do ego Porto Alegre Artes Médicas 1983 16 ChasseguetSmirgel J As duas árvores do jardim Porto Alegre Artes Médicas 1988 17 Meltzer D Sinceridad y otros trabajos obras escogidas de Donald Meltzer Buenos Aires Spatia 1997 18 Racker H Estudos sobre técnica psicanalíti ca Porto Alegre Artes Médicas 1982 19 Abraham K Teoria psicanalítica da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 16768 181 20 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 20 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica 2 ed Porto Alegre Artmed 2004 p 46 12 SETTING PSICOTERÁPICO NEUTRALIDADE ABSTINÊNCIA E ANONIMATO Isaac Pechansky A abordagem de um tema que pretende discutir aspectos técnicos da relação tera pêutica aponta desde logo para uma dis cussão de conceitos diferenciados mas in timamente relacionados em suas funções e objetivos Inicialmente é preciso entender a im portância do setting terapêutico na medida em que é considerado um espaço dinâmico a serviço do bom andamento de toda tera pia na qual se envolvem paciente e tera peuta É o ambiente que se estabelece a fim de propiciar as melhores condições para a instalação de um bom clima de trabalho Greenson1 ao mencionar o que a psi canálise exige do ambiente setting analíti co afirma que o termo se refere à estrutura física e aos procedimentos de rotina da prá tica psicanalítica que constituem par te integrante do processo de ser ana lisado e que realmente facilitam e aumentam bastante o aparecimen to de todas as diferentes reações trans ferenciais Mesmo sendo considerações referen tes à prática psicanalítica podese deduzir que também é válido pensar que muito do que se depreende daí é passível de ser apli cado ao ambiente psicoterápico É preciso levar em consideração que sob o ponto de vista tanto da técnica como dos objetivos a serem atingidos existem diferenças que de marcam os limites entre ambas as terapias Para a maioria dos autores a diferença fun damental está no trabalho de desenvolver a neurose de transferência e por isso um setting específico exerce papel funda mental É o que propõe Greenson ao estu dar o ambiente analítico do ponto de vista dos elementos que favorecem a neurose de transferência e daqueles que facilitam a aliança de trabalho Meu objetivo não é propor uma discussão em torno de dife renças entre as duas terapias mas dentro do possível delimitar os espaços aplicáveis ao setting psicoterápico a partir do setting analítico Qualquer proposta de um trabalho sobre neutra lidade abstinência e anonimato em um setting psicoterápico de orientação analítica terá sem pre como ponto de partida fontes bibliográficas Psicoterapia de orientação analítica 225 da área psicanalítica para somente a partir daí buscar sua aplicação em outras formas de psi coterapia O que se pretende é uma discussão sobre a controvertida atitude neutra do tera peuta bem como sobre sua relação com a abs tinência e o anonimato condições intimamente vinculadas à neutralidade NEUTRALIDADE O assunto embora objeto de preocu pações por parte dos precursores da psi canálise desde Freud ainda não perdeu sua atualidade Estudos contemporâneos vêm destacando cada vez mais a impor tância do clima que se cria no campo terapêutico gerado pela dupla paciente terapeuta Não se trata de algo novo pois o surgimento do clima referido é um fenô meno natural e espontâneo que emerge no transcurso de toda relação terapêutica em nível e intensidade variáveis sempre como resultado das múltiplas e constan tes interrelações da transferência com a contratransferência A questão primordial está no fato de o terapeuta poder identifi car e acompanhar os movimentos que se instalam de forma gradativa no processo produto de todas as manifestações que partem tanto do paciente quanto dele pró prio É preciso levar em consideração que boa parte dessas manifestações provém de fontes inconscientes e por isso nem sem pre fáceis de perceber A dupla assim for mada um no empenho de encontrar alívio para suas angústias e o outro na tarefa de aliviálas inicia uma trajetória marcada pela mobilização de propósitos definidos desejos sentimentos e fantasias e que pode conduzir para caminhos nem sempre pre visíveis Se isso é válido para o tratamento psicanalítico não é menos verdade que tais considerações também se aplicam à terapia de orientação analítica Tratandose de uma discussão que tem por objetivo central a figura do tera peuta é preciso considerar os inúmeros fa tores capazes de perturbar seu bom desem penho técnico Partese sempre do pres suposto de que o terapeuta tem em sua bagagem uma boa formação profissional e está perfeitamente identificado e com prometido com atividades tão envolventes como são as terapias que lidam com pro blemas emocionais Esperase que ele possa estar suficientemente liberado dos entraves que afetam e prejudicam qualquer tipo de relacionamento humano Nunca será demais afirmar que aquilo que pro move mudança eficaz e atitudes técnicas ade quadas no terapeuta não resulta apenas do co nhecimento intelectual adquirido em cursos e seminários e sim da estruturação de sua perso nalidade prévia com traços caracterológicos pre dominantes ou das alterações profundas ocorri das no transcurso de sua análise pessoal Freud ao propor a análise pessoal pa ra todo aquele que pretendesse praticar a psicanálise partia de uma expectativa oti mista acreditando que assim o terapeu ta ficaria liberado de qualquer influência negativa que pudesse exercer no curso do processo terapêutico Afora isso é bom lembrar que não se pode propor um mo delo único para a formação de um terapeu ta sem considerar as características pes soais de cada um Sabese que determinados ti pos de pacientes não se encaixam bem com certos tipos de terapeutas adaptando se melhor a outros É preciso reconhecer que a recíproca é verdadeira Fatores cons cientes e muitos outros inconscientes de terminam ligações favoráveis e produtivas em um verdadeiro processo de empatia 226 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Vamos lembrar o que disse Freud em seu trabalho de 1912 intitulado Recomenda ções aos médicos que exercem a psicanálise2 As regras técnicas que estou apre sentando aqui alcanceias por mi nha própria experiência no decurso de muitos anos após resultados pou co afortunados me haverem levado a abandonar outros métodos Com isso queria afirmar que a técni ca recomendada era a que melhor se adap tava a sua personalidade individual Mais adiante defende não me arrisco a negar que um mé dico constituído de modo inteiramen te diferente possa verse levado a ado tar atitude diferente em relação a seu paciente e à tarefa que se lhe apresenta Freud como se sabe ocupouse mui to com esse problema em vários de seus trabalhos embora jamais tenha utilizado o termo neutralidade expressão que a tra dução inglesa usou em lugar de indifferenz Neutralidade que vem de raiz latina signi ficando nem um nem outro não impli ca necessariamente conduta indiferente de frieza ou de ausência de sentimentos por parte do terapeuta O que Freud2 preten dia na comparação que fez com a atividade médica do cirurgião era mostrar que este põe de lado todos os sentimentos até mes mo de solidariedade humana e concen tra suas forças mentais no objetivo único de realizar a operação tão completamente quanto possível Apesar de não insistir em recomendar que se tome o cirurgião como modelo du rante o tratamento psicanalítico ele mes mo afirma em outro momento a justificativa para exigir esta frie za indifferenz emocional do analista é que se criam condições mais vanta josas para ambas as partes para o mé dico uma proteção desejável para sua própria vida emocional e para o pa ciente maior auxílio que lhe podemos dar2 Ao longo dos anos os textos sobre técnica ou sobre teoria da técnica refe remse ao tema da neutralidade com regu lar frequência mas nem sempre utilizam a expressão de forma explícita Afora isso o que se constata às vezes é uma discordân cia entre os autores com opiniões que osci lam entre os que consideram sua presença indispensável a todo processo terapêutico e os que veem a neutralidade como algo ina tingível com o que não concordo a não ser que queiram pensar em uma neutralidade absoluta esta sim inatingível É preciso considerar que neutralidade absoluta não passa de mera abstração algo como um ideal a ser desejado mas jamais atingido O problema é que em algumas situações ocorrem manifestações espon tâneas aparentemente inexpressivas por parte do terapeuta como um movimento na poltrona um suspiro uma expressão facial um tom de voz um sorriso as quais podem revelar um estado de ânimo uma desaprovação um ajuizamento crítico uma demonstração de afeto porque afinal neutralidade não significa rigidez de com portamento Gill3 faz nesse sentido uma contribuição importante Neutralidade não significa que o ana lista seja um pedaço de madeira sem espontaneidade Não significa que ele não possa rir de uma piada ou fazer uma ou mostrar irritação ou ter lá grimas nos olhos quando o paciente relata uma situação comovente Essa neutralidade não está em contradição com um sentimento de benevolência Psicoterapia de orientação analítica 227 amistosa do analista em relação ao seu paciente Entretanto o cuidado excessivo em evitar essas formas espontâneas e revela doras dos sentimentos do terapeuta para muitos consideradas respostas contratrans ferenciais pode leválo a tomar uma ati tude defensiva com um comportamento controlado de aparente frieza por se sentir ameaçado em sua neutralidade Na verda de estamos diante de uma neutralidade forçada e reativa como que a policiar pos síveis expressões afetivas do terapeuta te meroso de que com isso revele um envol vimento emocional mais comprometedor com seu paciente Da constatação de toda a comple xidade que envolve a questão da neutra lidade resulta que nem sempre é fácil en contrar uma definição que contemple toda a diversidade de situações que ocorrem no transcurso do processo terapêutico Entre os muitos autores que se propuseram a conceituar ou descrever o que é ser neutro Laplanche e Pontalis4 buscaram uma defi nição que pretende ser abrangente no sen tido de uma recomen dação técnica como uma função do analista mas deixaram em aberto algumas questões que serão discu tidas adiante Referem eles no verbete do Vocabulário da psicanálise4 Uma das qualidades que definem a ati tude do analista no tratamento O ana lista deve ser neutro quanto aos valo res religiosos morais e sociais isto é não dirigir o tratamento em função de um ideal qualquer e absterse de qual quer conselho neutro quanto às ma nifestações transferenciais o que se exprime habitualmente pela fórmu la não entrar no jogo do paciente por fim neutro quanto ao discurso do analisando isto é não privilegiar a priori em função de preconceitos teó ricos um determinado fragmento ou um determinado tipo de significações Acrescentam eles mais adiante que a exigência de neutralidade é es tritamente relativa ao tratamento constitui uma recomendação técnica a neutralidade não qualifica a pes soa real do analista mas a sua função Entendida a neutralidade como uma função do terapeuta na condução do tra tamento é de se prever que possa haver diferenças em suas atitudes mas que estas serão ditadas pelas peculiaridades de cada terapia ou seja pelos objetivos a serem atingidos pela forma de envolvimento que pode surgir no trato da transferência pela individualidade do próprio terapeuta pelo tipo de paciente que se apresenta a partir do diagnóstico de seus distúrbios enfim por um semnúmero de variantes que mo delam o formato do próprio tratamento Considero que a neutralidade é acima de tudo uma postura do terapeuta uma forma de con duta que inclui um comportamento amistoso ético tolerante e benevolente e a capacidade de suportar frustrações Muitas vezes na tentativa de melhor compreender as manifestações de seu pa ciente ele pode ser levado a tomar atitudes que ultrapassam certos limites como res postas emocionais de agrado ou desagrado elogios referências a interesses particula res gosto estético e até mesmo confissões de certas intimidades como uma espécie de darse a conhecer Considerando que no trabalho co tidiano estamos a todo momento sendo postos à prova pelas variadas formas de manifestações transferenciais a manuten 228 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ção da neutralidade nem sempre se torna tarefa fácil Destaco aqui um possível con fronto que pode surgir e que diz respeito aos valores do paciente nem sempre coinciden tes com os do terapeuta O bom prossegui mento da terapia depende e muito de um adequado manejo e sem comprometimento com formulações preconceituosas pois a ameaça de cairmos na tentação de projetar algumas das peculiaridades de nossa própria personalidade está sempre nos rondando Como assinalei em um trabalho an terior o terapeuta como qualquer indi víduo assume posições diante da vida emitindo opiniões expressando sen timentos mostrandose por meio de conceitos de toda ordem no terreno da ética da moral da política da religião e de tudo o mais que diz respeito aos seus interesses particulares Sua histó ria pessoal revela qualidades defeitos gostos preferências e aversões Assim sendo não pode ser considerado neu tro na sua essência como se isso fos se um atributo de sua personalidade5 Em contrapartida Freud no impor tante trabalho de 19156 Observações sobre o amor transferencial afirma A experiência de se deixar levar por sentimentos ternos em relação ao pa ciente não é inteiramente sem perigo nosso controle sobre nós mes mos não é tão completo que não pos samos subitamente um dia ir mais além do que havíamos pretendido Continua Freud6 Em minha opinião não devemos abandonar a neutralidade para com o paciente que adquirimos por manter controlada a contratransferência Sob essa perspectiva partindo se do pressuposto de que todo terapeu ta está sempre atento às suas respostas emo cionais ficaria assim assegurada a manutenção do setting e da neutralidade sendo ele em princípio seu verdadeiro guardião É sabido que em alguns casos os pacientes se empenham movidos por defesas inconscientes nem sempre con troladas em obstaculizar o andamento da terapia até mesmo com tendência a per verter a relação E aqui podemos chegar a um dos pontos mais críticos de qualquer terapia psicológica as ne cessidades narcísicas do terapeuta Essas ne cessidades podem ser mobilizadas na busca de outras formas de gratificações que atendam inclusive ao próprio paciente A experiência tem mostrado que con flitos de toda ordem podem ser revividos na relação com o terapeuta criando formas transferenciais as mais diversas Se estas não forem devidamente entendidas po dem levar o terapeuta a confundir amor de transferência com amor de verdade fazendo ressonância com seus próprios conflitos mal resolvidos No momento em que ele transfere para o campo terapêuti co seus próprios problemas não fica difí cil prever os rumos muitas vezes bastante constrangedores a que a dupla é levada envolvida em um verdadeiro conluio É de se esperar então que o terapeuta perceba o que está ocorrendo inclusive a partir da contratransferência para poder manejar tais situações de forma adequada e no de vido tempo pois ninguém está totalmente imune às manifestações que elevam a au toestima O importante é ele poder discri minar bem entre sentimentos contratrans ferenciais e conflitos mal resolvidos capa zes de gerar pontos cegos Eizirik7 faz uma ampla revisão sobre o tema da neutralidade com base na con Psicoterapia de orientação analítica 229 tribuição de muitos autores desde Freud levando sempre em consideração a evolu ção dos conceitos analíticos ao longo do tempo bem como as alterações que sofrem determinados termos conforme o autor e seu referencial teórico A partir daí busca em uma tentativa de síntese uma descrição abrangente da complexidade do conceito de neutralidade afirmando que A neutralidade analítica é a posição tanto comportamental quanto emo cional a partir da qual o analista em sua relação com o paciente obser va sem perder a necessária empatia mantendo uma certa distância possí vel em relação 1 ao material do paciente e à sua transferência 2 à contratransferência e à sua pró pria personalidade 3 aos seus próprios valores 4 às expectativas e pressões do meio externo 5 às teorias psicanalíticas Faz considerações sobre cada um dos cinco itens não antes de afirmar que uma certa distância possível é uma expressão propositalmente ambígua pois a distância é necessária mas também é relativa com o possível pretende enfatizar que estamos tratando de uma posição constantemente ameaçada por influências internas e ex ternas e que tentamos manter dentro das possibilidades7 Nessas considerações Eizirik nos aler ta para a multiplicidade de variantes que entram na configuração da neutralidade verdadeira equação composta de fatores a todo instante mutáveis provenientes ora do paciente ora do próprio terapeuta Cabe ainda uma palavra sobre con tratransferência essa reação inquietante e imprevisível que nos acompanha como verdadeiro cão de guarda a mostrar co mo e por onde andamos nessa árdua ta refa de curar Considerando todas as circuns tâncias anteriormente mencionadas co mo entender os sentimentos que emergem no interior do terapeuta como um ins trumento a favor de um melhor entendi mento do material que surge ou como um impedimento para essa compreensão Ou ainda o que é mais preocupante trata se mesmo de contratransferência A esse respeito Paula Heimann citada por RD Hinshelwood8 chamou atenção para o aspecto da contratransferência que cons titui uma reação específica ao paciente distinguindoa da intrusão da neurose e da transferência neurótica do próprio analista no trabalho analítico Nem sempre é fácil obter uma resposta para essas perguntas mas quaisquer que elas sejam o terapeuta deve tomar consciência do que está se pas sando Se essa tarefa se torna difícil e ele não consegue resolver o enigma o melhor que tem a fazer é procurar ajuda Se o terapeuta não se propõe a uma revisão adequada está menosprezando aspectos im portantes da técnica e com isso corre o ris co de se comprometer com atitudes que podem ferir princípios éticos básicos Perde assim a possibilidade de resgatar os reais objetivos te rapêuticos assumidos com seu paciente ati rando no esquecimento recomendações feitas já a partir de Freud SOBRE A ABSTINÊNCIA Em contraposição à ideia defendida por alguns autores de que não se pode frustrar em demasia os pacientes que buscam tra tamento psicológico e sim de certa for ma gratificálos creio que aqui estamos entrando em um terreno escorregadio pois agora teremos de nos defrontar com a 230 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs controvertida regra de abstinência Se não encontramos aquele espaço interme diá rio neutro nem tanto além nem tanto aquém podemos correr o risco de cair na falsa concepção de que assim proce dendo ou seja não frustrando mas gra tificando estamos favorecendo a descon tração de nosso paciente na tentativa de afrouxar suas resistências É possível den tro de certos limites atingir esse objetivo mas há sempre a possibilidade de estar mos reforçando defesas em consequência de excessiva liberalidade com duvidosas concessões Laplanche e Pontalis4 assim concei tuam a abstinência Princípio segundo o qual o tratamen to analítico deve ser conduzido de tal modo que o paciente encontre o me nos possível de satisfações substitu tivas para os seus sintomas Implica para o analista a regra de se recusar a satisfazer os pedidos do paciente e a desempenhar efetivamente os papéis que este tende a imporlhe O prin cípio de abstinência pode em certos casos e em certos momentos do tra tamento especificarse em indicações relativas a comportamentos repeti tivos do indivíduo que dificultam o trabalho de rememoração e de elabo ração Entendo ser essa uma definição de abstinência que privilegia basicamente a conduta do terapeuta na manutenção do setting inserindoo na condição abran gente de neutralidade e dessa forma con siderandoo responsável pela condução do processo terapêutico Para os autores4 a noção de abstinência está implicitamen te ligada ao próprio princípio do método analítico enquanto este faz da interpre tação o seu ato fundamental em lugar de satisfazer as exigências libidinais do pa ciente Ao considerar o problema da abstinência é pre ciso levar em consideração que não se pode exi gir que todo terapeuta siga um mesmo mode lo de comportamento independentemente de suas características pessoais obedecendo de forma rígida àquilo que se preconizaria como uma boa técnica Boa técnica é aquela que se adapta melhor à individualidade de cada um sem que com isso transgrida princípios elemen tares da neutralidade como a interferência dos valores próprios do terapeuta atuan do no campo terapêutico como assinalado anteriormente Em contrapartida não se pode padronizar para todos os pacientes a aplicação da regra da abstinência assunto já discutido por Freud e Ferenczi que no entanto nem sempre concordam em seus enunciados A discussão sobre se a regra se aplica ao paciente ou ao terapeuta requer alguma reflexão No que se refere ao pacien te seria prudente sua aplicação em circuns tâncias muito especiais por exemplo em atuações repetitivas que podem colocar em risco a própria vida do paciente como uso abusivo de drogas e comportamento sexual promíscuo Obviamente não se pode exigir que o paciente se abstenha de certas gratifi cações com a finalidade de criar um clima de frustrações que venham a favorecer na transferência a análise de seus conflitos Era o que preconizava Ferenczi ao aplicar a re gra da abstinência para certos casos com o intuito de afastar as satisfações substitutivas encontradas pelo paciente no tratamento e fora dele Freud se deteve mais em discutir a abstinência aplicada ao terapeuta embora aprovasse em seus princípios as medidas propostas por Ferenczi Em seu trabalho de 1919 Linhas de progresso na terapia psi canalítica9 justificava o emprego da absti nência afirmando Psicoterapia de orientação analítica 231 Por muito cruel que isso possa pare cer devemos fazer o possível para que o sofrimento do doente não desapa reça prematuramente de modo acen tuado Quando esse sofrimento se ate nua porque os sintomas se desagre garam e perderam o seu valor somos obrigados a recriálo noutro ponto sob a forma de uma privação penosa contudo não é bom deixar que as privações se tornem excessivas Podese depreender então que exis te na realidade um interesse em distinguir por um lado a abstinência como uma regra que se impõe ao terapeuta como conse quência de sua neutralidade e por outro medidas impostas ao paciente para que se mantenha em certo grau de abstinência Para Greenson1 a regra de abstinên cia foi mal interpretada e malentendida e acabou significando que o paciente estava proibido de usufruir qualquer gratificação instintual durante a análise O autor faz al gumas considerações a propósito da condu ta do terapeuta Refere os analistas que se comportam com uma calorosidade constante e di reta e com compreensividade emocio nal vão descobrir que seus pacientes tendem a reagir com uma prolonga da transferência submissa e positiva E ainda as gratificações transferenciais re cebidas de seus analistas bondosos prolongam sua dependência destes es toques de satisfação e fazem com que os pacientes reprimam a transferência negativa E afirma adiante Por outro lado analistas que tendem a ser distantes e ásperos vão muitas ve zes descobrir que seus pacientes rá pida e firmemente criam uma reação transferencial hostil e negativa Tudo isso nos leva a considerar mais uma vez a multiplicidade de situações às quais o terapeuta fica exposto na condução do processo terapêutico e na constante for ma de agir buscando a dosagem adequada na aplicação da regra da abstinência Novamente defrontamonos com o problema tantas vezes discutido e sempre controverso aquilo que se aplica ao tratamento psicanalí tico é também válido para a terapia de orienta ção analítica Teoricamente sim mas na prá tica nem sempre Tendo em vista os limites da rela ção que se estabelece na psicoterapia sem aquele aprofundamento proposto pela te rapia psicanalítica que prioriza o estabe lecimento da neurose de transferência o bom senso recomenda mais liberalidade na primeira e menos concessões na segunda Tratandose de assunto polêmico é bom referir que em qualquer das circunstâncias recomendase a adoção de comportamento que permita flexibilidade com a modulação de atitudes levandose em consideração as múltiplas situações imprevistas que podem ocorrer em ambas as terapias Essa flexibi lidade é sempre possível desde que o tera peuta não se violente comprometendo os princípios básicos daquilo que se espera de uma conduta neutra SOBRE O ANONIMATO Outro aspecto que se insere inquestiona velmente no problema da manutenção da neutralidade dentro do setting psicote rapêutico e que é considerado um de seus 232 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs importantes componentes referese ao anonimato tantas vezes preconizado mas impossível de ser mantido O contato qua se diário em um ambiente todo pertencen te ao terapeuta sua maneira de vestirse o gosto por determinado tipo de decoração inclusive sua maneira de falar já podem servir de indícios que revelam alguns as pectos de sua personalidade Além disso o eventual contato que o paciente pode vir a ter com ele no convívio social profissional cultural ou mesmo institucional passa a ser uma fonte indicadora de sua vida pessoal Não é possível mantêlo no anonimato mesmo porque muitas dessas informações são involuntariamente fornecidas por ter ceiros Porém tratase de circunstâncias alheias à vontade do terapeuta e com as quais ele como qualquer indivíduo tem de conviver Isso em nada depõe contra sua condição de psicoterapeuta muitas vezes visto com aquela imagem caricata de pes soa estranha de quem ninguém pode se acercar pela ameaça de ser interpretado Na busca de soluções para seus pro blemas via de regra o paciente espera ver na figura do terapeuta alguém que lhe sir va de modelo na expectativa de encontrar novos rumos para sua vida À medida que o tratamento avança em função dessa ex pectativa o paciente começa a manifestar curiosidades de toda natureza para poder se espelhar nessa imagem necessariamen te idealizada O mais importante acima de tudo é a maneira como o terapeuta se comporta mantendo sua vida pessoal den tro do sigilo possível sem compartilhar com o paciente problemas particulares não obs tante o assédio ansioso a que se vê exposto em determinadas circunstâncias É preciso entender que essa curiosidade pode estar a serviço da necessidade de manter certo controle no setting na tentativa de dimi nuir diferenças reforçando com isso as próprias defesas Se por um lado o terapeuta não pode se escon der por detrás de uma máscara na ilusão de se manter oculto à curiosidade do paciente por outro a manutenção do adequado anonimato só trará benefícios ao prosseguimento do pro cesso porque assim o paciente terá a oportuni dade de manifestar fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus conflitos Nos dizeres de Greenson1 quanto menos o paciente sabe re almente sobre o analista tanto mais fácil lhe será preencher os espaços va zios com suas próprias fantasias Além disso quanto menos o paciente sou ber realmente sobre o analista tanto mais fácil será para o analista conven cer o paciente de que suas reações são deslocamentos e projeções Em se tratando de psicoterapia de orientação analítica a perda do anonimato na medida em que pode interferir na neces sária neutralidade transforma o setting em um ambiente que dificulta a utilização de interpretações transferenciais quando isso se fizer necessário Para de la Torre10 o anonimato deve ser considerado sob duas perspectivas a do paciente e a do terapeuta Entendo que em qualquer das situações o terapeuta precisa ter sempre presente o fato de que se dar a conhecer sob qualquer uma das perspec tivas deve ser aproveitado para explorar a origem e a função das fantasias do paciente Não se trata de informar para que ele venha a ter conhecimento sobre a pessoa do te rapeuta mas de tirar disso algum proveito no confronto que se estabelece entre reali Psicoterapia de orientação analítica 233 dade e fantasia A resposta imediata a uma pergunta pode obliterar sentimentos e fan tasias que subjazem à pergunta penetrar nesse espaço oculto é muito mais vantajoso do que simplesmente responder Nas considerações que Dal Zot11 faz sobre a questão do anonimato ao destacar a variedade de indícios reveladores da iden tidade do terapeuta resultante do contato cotidiano com seu paciente ela está de acor do com Langs12 quando este afirma que o anonimato total é tanto impossível quanto absurdo Entretanto continua Langs a percepção de que o anonima to total não pode ser conseguido tem levado muitos terapeutas a ignorar o anonimato relativo e desenvolver jus tificativas fracas para seu envolvimen to em autorrevelações deliberadas que vão além do mínimo inevitável Para esse autor em qualquer psicote rapia vamos encontrar em uma extremidade autorreve lações que são inevitáveis humana mente necessárias e que não interfe rem na relação e na experiência tera pêutica e na outra extremidade uma multiplicidade de autorrevelações de liberadas que perturbam claramente o ambiente terapêutico ideal e a relação entre o paciente e o terapeuta É perfeitamente admissível que o pa ciente queira ter algum tipo de conheci mento a respeito do seu terapeuta em rela ção à vida profissional social ou cultural A relação bipessoal continuada desperta essa necessidade como foi destacado a qual vai muito além do conhecimento formal de um nome que foi indicado O problema se cria quando essa curiosidade até certo ponto natural pretende invadir a vida ínti ma do terapeuta na tentativa de aliviar an gústias geradas com frequência por senti mentos de exclusão e abandono A forma de intervir do terapeuta serve de indicador do quanto ele compreende o que está se passando podendo assim levar adiante o tratamento mas com a atenção sempre voltada para os riscos que podem compro meter sua relação com o paciente Se é importante compreender os mo tivos dessa curiosidade não é menos im portante pesquisar os motivos que levam muitos pacientes a manifestar total indife rença pela vida do terapeuta São frequen tes manifestações do tipo vim aqui para me tratar e não para falar da sua pessoa ou não sei por que tenho de falar sobre o que senti ao vêlo com a família no res taurante nada tenho a ver com sua vida particular A persistência muitas vezes excessiva em inquirir sobre essa atitude de negação pode ser gerada por inquietações narcísicas do próprio terapeuta ao não se sentir suficientemente valorizado pelo pa ciente Nem sempre é fácil atingir a medida adequada da manutenção do anonimato Não é recomendável por exemplo aquela postura rígida de nada informar na preten são de manter o setting em uma falsa assep sia e assim evitar contaminações Porém é preciso ficar atento para o outro extremo ou seja para aquela ilusória liberalidade de muito informar com o objetivo de tornar a relação terapêutica descontraída amigá vel social comprometendo assim o míni mo que se espera de uma conduta neutra Ambas as posturas parecem tratarse de comportamentos defensivos por parte do terapeuta na medida em que ele se defron ta com dificuldades para suportar as fre quentes tensões emergentes no ambiente terapêutico 234 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs SOBRE A MUDANÇA DO SETTING Na caracterização do setting sempre se considerou a neutralidade a abstinência e o anonimato como integrantes essenciais para sua manutenção e fundamentais na preservação e na continuidade do processo terapêutico Ao mesmo tempo é necessá rio que se faça uma abordagem sobre os limites e os critérios a serem adotados para que o terapeuta possa se situar no espaço psicoterápico ou psicanalítico Nem sem pre tem sido fácil estabelecer as fronteiras que separam um do outro São tantas as circunstâncias e os imprevistos que ocor rem no transcurso de ambas as terapias ora dependentes do paciente ora do tera peuta ou mesmo da dupla que às vezes se torna necessária a transposição de um set ting estabelecido para outro ambiente Um bom exemplo surge na eventualidade de um atendimento hospitalar resultado de uma intercorrência qualquer O terapeuta nessa situação abandona seu hábitat natu ral para exercer sua tarefa em um local em nada semelhante ao que ambos estão acos tumados É possível imaginar outras possi bilidades de alteração do setting o que nos leva de imediato à pergunta modificam se também os critérios de neutralidade Os critérios que caracterizam a neu tralidade não se alteram o que se requer é uma adequação precisa no comportamen to do terapeuta toda vez que mudanças dessa natureza ou de outras se fazem ne cessárias A experiência clínica tem mostra do que toda e qualquer mudança de setting é prontamente acusada pelo paciente que se vê de repente às voltas com um ritmo ou com situações para as quais não está preparado O percurso de toda terapia con diciona o paciente a determinados hábitos ajudandoo inclusive a manterse em um ambiente que facilita a organização de suas defesas São naturais as reações de angús tia algumas vezes com matizes paranoi des capazes de mobilizar fantasias inquie tantes Em quaisquer das circunstâncias o terapeuta deve tentar criar o ambiente mais favorável para a continuidade do bom ritmo do tra tamento e cabe a ele a manutenção desse ritmos a partir de re cursos que resultam é preciso reafirmar de sua formação pessoal Até agora sempre se privilegiou o terapeuta na condução do tratamento em determinado setting E fora do ambiente te rapêutico na condição de cidadão comum como se conduzir em relação a seus pacien tes Segundo quais regras e princípios Sa bidamente o cidadão comum não é neutro por natureza portanto está comprometi do com as injunções da vida nas múltiplas formas de relacionamento que mantém em seu cotidiano deixando descoberto traços de seu caráter com todas as configura ções de sua personalidade Não creio que existam regras e regulamentos definitivos capazes de determinar o comportamento de um terapeuta fora do tratamento São tantos os encontros fortuitos muitas vezes inevitáveis que pretender formalizar uma conduta poderia tornar constrangedores e artificiais tais encontros Não se envolver com seu paciente é uma recomendação elementar e nesse sentido o terapeuta sabe ou deveria saber a quem pode e a quem não pode tratar Va le lembrar o alerta de Freud quando dizia que para não se perder um amigo não se deve tratar sua mulher Manterse neutro portanto sem se envolver com um pa ciente não implica ignorar sua existência o que levaria nesse caso a situações que poderiam até ser entendidas como falta de cortesia Mais uma vez estaríamos diante de uma atitude defensiva por parte do tera peuta preocupado com a possibilidade de Psicoterapia de orientação analítica 235 revelar alguma peculiariedade que viesse a comprometer seu ofício Se é defensável a ideia de não transportar para dentro do ambiente terapêutico a vida pessoal do terapeuta além daqueles limites referidos na questão do anonimato por outra parte não é recomendável transportar para fora o clima que emerge da relação transferênciacontra transferência Em ambas as situações have rá sempre prejuízo em consequência da con fusão de papéis que pode se instalar na rela ção terapêutica CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de não ter sido feita uma revisão bibliográfica exaustiva sobre o assunto sempre foi possível constatar nos autores consultados um questionamento e muitas dúvidas quanto à caracterização da neutra lidade Estão todos de acordo ao afirmar que se trata de uma função a ser exercida pelo terapeuta e não de uma qualidade inerente a sua personalidade E mais ainda defendem uma flexibilidade dessa função adequandoa a cada situação específica a cada caso em particular e à individuali dade de cada terapeuta como já preconizava Freud Somente a continuidade do traba lho psicoterápico com a experiência que vai sendo adquirida é que dará informa ções esclarecedoras sobre se estamos exer cendo adequadamente a função neutra Quando nos referimos a setting te rapêutico somos sempre levados a consi derar as funções que devem ser atribuídas ao terapeuta comprometido com a tarefa de investigar e tratar para somente então podermos compreender realmente a fun ção primordial da neutralidade O esforço revelado no sentido de melhor caracteri zar a condição de ser neutro por meio de seus diversos componentes mostra o quanto nos defrontamos com sua inquie tante imprecisão toda vez que buscamos sua aplicação na prática clínica São tantas as variantes tantos os acidentes de traba lho que isso exige de todo terapeuta uma vigilância constante para não cair nas ar madilhas da transferência bem como nos percalços da contratransferência Quero ressaltar mais uma vez a im portância da personalidade do terapeuta na condução de qualquer processo psico terapêutico Os mais diversos autores não pouparam palavras para colocar em relevo o quanto é necessário o terapeuta conhecer bem seu modo de funcionamento mental a fim de não permitir interferências dano sas no relacionamento com seu paciente Sobre isso retiro do trabalho de Green son1 algumas afirmações embora sejam considerações que se referem expli citamente à psicanálise As aptidões que a situação psicanalíti ca exige do psicanalista resultam não só da sua formação analítica como também da sua personalidade e cará ter ie temperamento sensibilidade atitudes hábitos valores e inteligên cia Ninguém nasce psicanalista e nin guém pode virar psicanalista de re pente por mais talento e dotes que te nha a pessoa A situação analítica faz exigências emocionais tão fortes so bre o psicanalista que a menos que o talento seja escorado por uma estru tura de caráter analisado esse talento não vai poder durar O distanciamen to o autoritarismo a frieza a extrava gância a complacência e a rigidez não pertencem à situação analítica Mesmo que Greenson se refira de modo específico à personalidade e ao cará ter do psicanalista eu estenderia essas con siderações para qualquer terapeuta Tra 236 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tandose de expectativas criadas em relação à personalidade e ao caráter não há por que distinguir um do outro psicanalista ou psicoterapeuta Seria absurdo afirmar que um paciente submetido a tratamento psi canalítico merece mais que um outro que busca resolver seus problemas com psico terapia mesmo sabendose que neste últi mo caso os objetivos terapêuticos propos tos são mais modestos Em meu entender essa falsa conceitualização de valores leva muitos psicanalistas a assumir uma posição de superioridade narcísica enquanto bons psicoterapeutas não se sentem valorizados o suficiente É portanto perfeitamente lícito pensar nas implicações éticas e morais que decorrem de toda a complexidade que en volve a personalidade de um terapeuta e em suas repercussões sobre qualquer paciente Uma consideração ainda sobre o poder que se atribui ao terapeuta em de corrência da situação de desigualdade e de pendência na qual se encontra o paciente colocado em um ambiente que não é o seu na espera ansiosa de ver resolvidos seus problemas submetese às regras impostas pelo tratamento sentindose muitas vezes humilhado ao ter de revelar segredos até então inconfessáveis Freud6 em um dos últimos artigos sobre técnica transmite em meu entender de forma contundente um legado aos fu turos terapeutas Recusamonos da maneira mais enfá tica a transformar um paciente que se coloca em nossas mãos em busca de auxílio em nossa propriedade priva da a decidir por ele o seu destino a imporlhe os nossos próprios ideais e com orgulho de um Criador a formá lo à nossa própria imagem e verificar que isso é bom E assim na tentativa constante de compreender tudo o que é dito e muitas vezes o que deixa de ser dito o dia a dia da atividade psicoterápica é sempre repleto de aparentes contradições Nesse cenário de acontecimentos eloquentes e silencio sos frequentado por dois personagens que se multiplicam no desempenho de funções enriquecidas por fantasias e expectativas que se deslocam no tempo e no espaço transita um terapeuta que precisa ser neu tro caso contrário as contradições deixam de ser apenas aparentes A partir daí o ru mo que pode tomar o tratamento é incerto e duvidoso comprometendo a ambos pa ciente e terapeuta PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Setting terapêutico é o espaço dinâmico a serviço do bom andamento de toda terapia no qual se envol vem paciente e terapeuta 2 É o ambiente espaço físico que se estabelece a fim de proporcionar condições que favoreçam a insta lação de um bom clima de trabalho 3 O clima referido é um fenômeno natural e espontâneo que emerge no transcurso de toda relação tera pêutica como resultado das múltiplas e constantes interrelações da transferência com a contratrans ferência 4 Tratandose de uma discussão que tem por objetivo central a figura do terapeuta é preciso considerar os inúmeros fatores que podem interferir em seu bom desempenho técnico 5 O que se espera é que o setting possa estar suficientemente liberado dos entraves que prejudicam e afetam qualquer tipo de relacionamento humano Psicoterapia de orientação analítica 237 REFERÊNCIAS 1 Greenson RR A técnica e a prática da psica nálise Rio de Janeiro Imago 1984 2 Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 3 Gill MM Psychoanalysis and explorato ry psychotherapy J Am Psychoanal Assoc 19542477197 4 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise 2 ed Santos Martins Fontes 1970 5 Pechansky I Sobre neutralidade Rev Psi quiatr RS 1996182 6 Freud S Observações sobre o amor transfe rencial In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 7 Eizirik C A neutralidade psicanalítica uma contribuição ao seu estudo Porto Alegre SPPA 1992 8 Hinshelwood RD Dicionário do pensamen to kleiniano Porto Alegre Artes Médicas 1992 9 Freud S Linhas de progresso na terapia psi canalítica In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 17 10 de la Torre J Psychoanalytic neutrality an overview Bull Menninger Clin 1977414 36684 11 Dal Zot JS A neutralidade do psicanalista conceito e problemas técnicos Porto Alegre SPPA 1988 12 Langs R As bases da psicoterapia Porto Ale gre Artes Médicas 1984 LEITURA SUGERIDA Pechansky I Neutralidade na relação terapêuti ca acertos e distorções Rev Bras Psicoter 2002 41538 6 Para tanto a neutralidade é uma condição básica para o bom desempenho de sua função terapêutica 7 A exigência de neutralidade é estritamente relativa ao tratamento constitui uma recomendação téc nica a neutralidade não qualifica a pessoa real do terapeuta mas a sua função 8 A ideia defendida por alguns autores de que não se pode frustrar em demasia os paciente que buscam tratamento psicológico mas de certa forma gratificálos confrontanos com a controvertida regra da abstinência 9 Se não encontrarmos aquele espaço intermediário neutro nem tanto além nem tanto aquém pode mos correr o risco de cair na falsa concepção de que assim procedendo não frustrando e sim gratifi cando estaremos favorecendo a descontração de nosso paciente na tentativa de afrouxar suas resis tências 10 Boa técnica é aquela que se adapta melhor à individualidade tanto do paciente quanto do terapeuta sem que com isso transgrida princípios elementares da neutralidade 11 Sobre a questão do anonimato impossível de ser mantido o terapeuta não pode se esconder atrás de uma máscara na ilusão de se manter oculto à curiosidade do paciente Em contrapartida a manuten ção do adequado anonimato só trará benefícios ao prosseguimento do processo terapêutico porque assim o paciente terá a oportunidade de manifestar fantasias que o ajudarão a compreender muitos de seus conflitos Tornase cada vez mais frequente o uso da expressão aliança terapêutica para carac terizar a relação positiva e necessária entre terapeuta e paciente no processo a ser de senvolvido entre ambos É compreendida como uma relação dual uma verdadei ra formação de compromisso entre duas pessoas Para expressar a associação com bons resultados é cada vez mais usada em qualquer situação terapêutica a frase e é necessária uma boa aliança terapêutica De uma maneira objetiva e racional é aparentemente fácil entender o que que remos referir com essa afirmativa deter minada situação em que um necessita do outro e na qual existe uma intenção de co laboração recíproca Esperase que quanto melhor a qualidade dessa aliança melhores sejam os resultados Ela pode ser entendida como uma união de forças em direção à busca da cura Ficamos com a impressão inicial de que para tanto bastaria a boa intenção dos envolvidos ou seja o reconhecimento de sua necessidade por parte do paciente e a sabedoria e o bom senso por parte do tera peuta Porém ao nos determos com mais atenção nesse assunto começamos a nos deparar não só com sua grande importân cia nos resultados terapêuticos como tam bém com sua complexidade e dinamismo constante Atualmente diversos autores se refe rem à aliança terapêutica como um fenô meno com existência comprovada e com papel relevante nos resultados terapêuti cos como Bordin1 Luborsky2 Luborsky e colaboradores3 Piper e colaboradores4 entre outros com metodologia de pesquisa científica validada internacionalmente Um estudo brasileiro realizado por Marcolino e Iacoponi5 avaliou o impacto da aliança terapêutica em um programa de psicoterapia individual psicodinâmica bre ve considerando a aliança terapêutica um conceito central do processo psicoterápico Os resultados demonstraram maior redu ção da sintomatologia nos pacientes que ti veram uma pontuação maior na habilidade de perceber o terapeuta como capaz de en tender seu ponto de vista e seu sofrimento Os pacientes com maior capacidade para aliança de trabalho atingiram os melhores resultados em psicoterapia 13 A ALIANÇA TERAPÊUTICA E A RELAÇÃO REAL COM O TERAPEUTA Fernando Grilo Gomes Psicoterapia de orientação analítica 239 Gomes 2003 demonstra uma assi metria entre a qualidade da aliança tera pêutica do terapeuta e a do paciente Mos tra também que a qualidade da aliança in depende do uso de mecanismos de defesa mais ou menos regressivos por parte do paciente A psicoterapia de orientação analítica é um tipo de tratamento psicológico basea do na teoria e na técnica da psicanálise po rém difere da psicanálise clássica Ambas utilizam o conceito de inconsciente postu lado por Freud6 assim como a associação livre a compreensão dos sonhos o humor e os atos falhos para entender e dar signifi cado aos conflitos inconscientes Entretan to a psicanálise caracterizase pelo uso do divã por uma maior frequência de sessões e pela sistemática interpretação transferen cial estimulando a neurose de transferên cia A diferença é que na psicoterapia de orientação analítica embora a interpreta ção também esteja baseada em uma com preensão transferencial ela é expressa a priori extratransferencialmente é habitual a realização de um menor número de ses sões semanais e ausência do uso do divã Isso exposto ao abordarmos basica mente a literatura psicanalítica referimo nos tanto à psicanálise em si quanto à psi coterapia de orientação analítica O CONCEITO DE ALIANÇA TERAPÊUTICA AT É fácil entender intuitivamente a ideia de aliança terapêutica mas é difícil colocála em conceitos A aliança terapêutica é es tabelecida com base em uma experiência prévia na qual foi possível interagir com outra pessoa por exemplo a relação do bebê com a mãe para nos remetermos às suas origens Autores atuais seguem enfatizando o que propôs Freud quando destacou que a AT que se estabelece durante o tratamen to é influenciada pelas imagens das pes soas por quem foi acostumado a ser tratado com afeição7 e certamente irá repercu tir nos resultados de uma psicoterapia de orientação analítica Etchegoyen8 não considera esse fe nômeno como transferência pois se trata de uma experiência do passado que serve para o indivíduo se situar no presente e não algo do passado que se repete irracio nalmente em sua apresentação no presente Dessa forma Greenson e Wexler9 e Etche goyen9 separam a aliança terapêutica da transferência porém estão de acordo com Melanie Klein10 para quem a AT tem sua origem nas relações precoces de objeto e na relação da criança com o seio a autora che ga às mesmas conclusões de Zetzel11 Já em 1893 Freud12 dizia que em aná lise transformamos o paciente num cola borador afirmando que é necessário ter como primeiro objetivo a ligação do pa ciente com o tratamento a fim de que em seguida possamos tratálo analiticamente Desde que Freud13 discorreu sobre a transferência positiva inobjetável referin dose a esta como uma parte consciente e racional do paciente que colabora com o analista para a efetivação do processo tera pêutico para diferenciála da transferência excessivamente positiva ou erótica e da negativa vários autores têm tentado esta belecer um conceito sobre o que de fato acontece na relação transferencial entre analista e paciente Freud entretanto re feriase a uma transferência diferente do conceito anterior ou seja da transferência como resistência inconsciente Etchegoyen8 destaca que haveria uma dissociação terapêutica do ego o conceito de que além das resistências há colabo 240 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ração do paciente com o analista é tipica mente freudiano e o vemos atravessar to da a sua obra Em 1932 no Congresso de Wiesbaden e em 1934 no International Journal of Psichoanalysis The fate of the ego in analytic therapy O destino do ego na terapia analítica Sterba14 menciona concretamente a aliança terapêutica e a explica com base em uma dissociação tera pêutica do ego em que se destacam duas partes a que colabora com o analista e a que se opõe a ele aquela está voltada para a realidade e esta compreende os impul sos do id as defesas do ego e as ordens do superego A dissociação terapêutica do ego se deve a uma identificação com o analista cujo protótipo é o superego Vale a pena observar as coincidên cias entre os ensaios de Sterba e de Stra chey publicados no mesmo número do International Journal de 1934 Enquanto para Sterba o decisivo no processo ana lítico é a dissociação terapêutica do ego para Strachey a chave é a assunção pelo psicanalista do papel de superego auxi liar Os dois começam a destacar a impor tância da intervenção na resistência de transferência De acordo com o modelo freudiano de 1912 do qual parte Sterba a transferência se estabelece como resistên cia ao trabalho de investigação da análise já que o paciente atua para não se lembrar das fantasias e experiências infantis Isso promove uma defesa do ego em relação ao analista transformandoo em repre sentante das mesmas tendências às quais o ego do analisado precisa se opor O analis ta colocase em uma difícil situação por que se transforma no destinatário da repe tição emocional que se opera no paciente para obstruir justamente as lembranças que o analista procura Durante uma discussão sobre pro blemas de transferência no 19o Congresso Internacional de Genebra em 1955 Zetzel referiu que ela é entendida como a união da neurose de transferência com a aliança terapêutica Segundo Sterba14 e Birbring e colaboradores15 o ego sofre um splitting o que leva Zetzel a distinguir teoricamente a transferência ainda que ela dependa da existência de um ego suficientemente ma duro o que não existiria nos pacientes gra vemente perturbados e nas crianças peque nas A exposição de Zetzel no Congresso de Genebra é o ponto de partida para uma investigação penetrante sobre o papel que a AT cumpre no processo psicanalítico A aliança terapêutica continua a ser entendi da como assentada nas funções do ego e con cretamente na autonomia secundária mas é além disso remetida às primeiras relações de objeto da criança com os pais em especial com a mãe Mantémse íntegro o conceito de que a aliança terapêutica é indispensável ao tra tamento baseado na teoria psicanalítica e ela volta a ser definida como uma relação positiva e estável entre terapeuta e paciente o que per mite levar a cabo a psicoterapia É consenso na literatura atual que a aliança terapêutica relacionase com fre quência à transferência positiva e até à negativa quando fatores de rivalidade le vam o paciente a colaborar apesar de ser legítima a tentativa de separar conceitual mente os dois fenômenos Para Gutheil e Havens16 e Etchegoyen8 a aliança terapêu tica ou de trabalho é um aspecto da trans ferência que não se separou claramente de outras formas de relação transferencial A aliança de trabalho é um fenômeno de transferência relativamente racional desse xualizado e desagressivado A aliança terapêutica depende do paciente do terapeuta e do enquadre O paciente colabora enquanto lhe é possível estabelecer um vínculo relativamente ra Psicoterapia de orientação analítica 241 cional a partir de seus componentes ins tintivos neutralizados vínculos do pas sado que agora surgem na relação com o terapeuta Este contribui por seu constante empenho em tentar entender e superar a resistência com sua empatia e atitude de aceitar o paciente sem julgálo ou dominá lo Podemos deduzir então que a aliança terapêutica contém sempre uma mescla de elementos racionais e irracionais Greenson e Wexler no Congresso de Roma de 19768 apresentaram suas ideias de que a relação analítica é dividida em transferencial e não transferencial A alian ça terapêutica fica definida como uma inte ração real às vezes entre aspas e outras sem elas para mostrar a dúvida dos autores que pode requerer por parte do terapeuta intervenções diferentes da interpretação Seria a relação racional não neurótica com o analista Meltzer17 afirma que sempre existe em cada enfermo ainda que inacessível um nível mais maduro da mente que deriva da identificação introjetiva com objetos in ternos adultos e que pode ser chamado com razão de parte adulta Com essa parte se ria constituída a aliança terapêutica embora o autor não utilize tal con ceito Heimann18 no mesmo Congresso de Roma em 1976 preferiu denominar alian ça básica o que Greenson e Wexler defini ram como aliança de trabalho Heimann reconheceu que a transferência positiva sublimada é um fator indispensável ao tra tamento aspecto que se liga à confiança básica e à simpatia as quais fazem parte da condição humana Mackie19 entende que o paciente de senvolve um vínculo e uma dependência não transferencial com o terapeuta o que seria parte da AT Dickes20 se refere a uma distinção entre aliança de trabalho e alian ça terapêutica sendo esta uma relação mais ampla envolvendo tanto aspectos racio nais quanto irracionais Entre os racionais referese às expectativas realísticas acerca do tratamento e do desejo de aliviarse dos sofrimentos entre os irracionais menciona as expectativas não realísticas infantis má gicas entre outras a transferência positiva bem como o desejo de livrarse do sofri mento sem seu próprio esforço Etchegoyen8 ainda menciona o con ceito de pseudoaliança terapêutica de Ra bih considerando uma expressão do que Bion chama de personalidade psicótica ou parte psicótica da personalidade Esta assu me às vezes a forma de reversão da pers pectiva como a aparente colaboração do paciente Kaplan e colaboradores21 sugerem que nenhu ma análise pode avançar sem a formação de uma aliança terapêutica racional e confiável e que seu estabelecimento é a primeira tarefa antes que a neurose de transferência mais pro funda possa ser facilitada A inevitável irrupção de elementos transferenciais exige que o tera peuta restaure repetidamente a aliança tera pêutica de modo a evitar que a irracionalidade e a regressão desorganizem o paciente e amea cem o tratamento Seria importante para o estabele cimento de uma boa aliança terapêutica que o paciente tivesse a capacidade de en tender que enquanto uma parte de sua mente de modo inconsciente repete os conflitos psíquicos outra parte é capaz de manterse livre de conflitos e racional mente distanciarse a fim de reconhecer a natureza irracional de suas respostas Para ilustrar melhor o que estamos referindo a seguir como exemplo apresentamos o caso de uma paciente em psicoterapia de orientação analítica em que os aspectos transferenciais e o estabelecimento da AT são destacados 242 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Regina 35 anos casada autônoma em terapia há cerca de um ano e meio procurounos por dificul dades de relacionamento com os colegas de trabalho o que a leva a frequentes trocas de emprego Ten tou outros dois terapeutas mas no primeiro ou segundo mês interrompeu as terapias por considerálos múmias paralíticas Vêse como uma pessoa extremamente exigente consigo e com os demais o que leva seus familiares a acharemna uma chata Reconhece como verdadeira essa crítica mas não con segue mudar e frequentemente provoca situações constrangedoras com seus comentários e brincadeiras de mau gosto Provém de uma família com mais dois irmãos sendo que o relacionamento entre eles e com sua mãe viúva é considerado formal a mãe é vista como fria raramente manifesta o que pensa Regina sente se pisando em ovos quando tem que falar algum assunto mais delicado com ela pois nunca faz ideia de qual será sua reação Considerase afetiva embora não demonstre o que a leva a ser criticada e percebida como uma pessoa fria e racional Seu pai faleceu quando ela tinha 13 anos tendo deixado a família em uma situação de di ficuldades econômicas o que a levou a trabalhar para ajudar no sustento da casa Nunca teve a vida tran quila que gostaria pois seu pai era um homem com altos e baixos profissionais o que provocava um sen timento de insegurança Não confiava no pai pelo contrário criticavao por esse seu jeito Acha que o prin cipal para relacionarse é a segurança econômica Tudo o que ganha é depositado no banco não compra nada além do necessário sendo considerada por sua família uma pessoa avarenta Não quer passar pelo que passou durante toda a infância de não saber o que aconteceria no dia seguinte Não tem amigas embora muitas conhecidas pois acha que as pessoas só se aproximam dela por in teresse Pensa que tudo na vida é um grande negócio em que as pessoas se aproximam umas das outras para levar alguma vantagem Exemplifica com nossa situação ela vem em busca de melhora de sua capa cidade nos relacionamentos e está pagando por esse trabalho Percebemos no entendimento de sua história e nos sentimentos despertados que o problema mais urgente dessa paciente era sua dificuldade de estabelecer vínculos afetivos e confiáveis e que isso seria também o nosso obstáculo mais importante Ao combinarmos o contrato de trabalho abordamos essa com preensão bem como a tendência a tais dificuldades se repetirem em nosso relacionamento Regina reagiu imediatamente dizendo que não concordava comigo pois tinha excelentes recomendações a meu respeito e que nosso trabalho seria puramente profissional E assim começamos Terceira sessão R Quando estava chegando aqui vi você entrando na garagem do prédio Bonito carro parabéns Silêncio É engraçado termo que utiliza frequentemente quando não consegue definir o senti mento mas achei que você me viu mas não quis me cumprimentar Faz parte da técnica T Parece que esse fato gerou em você um sentimento de insegurança em relação a mim R Não claro que não mas é evidente que seu interesse por mim é como por qualquer outra pacien te você me atende eu lhe pago e pronto ou vai me dizer que não é assim T Talvez seja este o seu desejo que tenhamos uma relação puramente formal em que não surjam sentimentos que possam atrapalhar R Que mania vocês têm de dizer que não tenho sentimentos mas aqui a nossa relação é profissional E assim seguimos até o fim da sessão a paciente sentindose acusada por mim de que não teria sen timentos e dizendo que afinal aqui não era o lugar para falarmos dessas coisas a nosso respeito e sim de seus problemas lá fora Continua Psicoterapia de orientação analítica 243 O que tentei exemplificar nessa breve vinheta é que a AT começa a se estabele cer desde o início principalmente após a terceira sessão de acordo com as pesquisas de Luborsky2 A tendência é a de tornarse ainda mais intensa à medida que o tempo de duração da terapia aumenta Podemos observar nesse exemplo al guns fatores que ocorrem desde o início da terapia como as identificações projetivas transferenciais em que o paciente reviven cia seu mundo interno no presente e a for mação da AT quando consegue identificar esses fatos e separálos da relação com seu terapeuta Mesmo sentindo na relação pre sente diferencia esse sentimento da relação real com o terapeuta As pesquisas demonstraram que os resultados positivos nas psicoterapias e aqui se incluem todas as formas de terapias dependem dire tamente do estabelecimento de uma AT de boa qualidade Hausner22 examinou as diferenças entre aliança terapêutica e aliança de tra balho Desde sua introdução esses con ceitos vêm provocando polêmica quanto à natureza e às funções das alianças assim como em relação a sua aplicabilidade e validade O autor delineia aspectos desses conceitos tais como colocados original mente por Zetzel11 e Greenson23 com ênfase nas distinções significativas entre elas A relação desses conceitos com o grau de psicopatologia é examinada em especial no que diz respeito ao que pode ser enten dido como os aspectos mais silenciosos da aliança terapêutica identificação mútua empatia e responsividade à função são en fatizadas como aspectos constituintes da AT A aliança de trabalho só é vista como possível teórica e clinicamente após uma aliança terapêutica terse estabelecido em certo grau Ambas as alianças são entendi das como estruturas intrínsecas ao proces so analítico Continuação Após três semanas R Engraçado nosso encontro lá no cafezinho fiquei meio sem graça não entendo o porquê nos en contramos na cafeteria perto do consultório antes da sessão É como se você fosse duas pes soas uma lá e outra aqui T O que você nota de diferente R Não sei o que falamos aqui fica entre nós dois vai ficar guardado aqui dentro e lá fora é como se você pudesse me expor fiquei ansiosa T Então é como se eu fosse duas pessoas uma em quem você pode confiar e outra não R Pior é que é isso embora reconheça as recomendações que tive a seu respeito sua formação etc tem momentos como agora em que não confio O pior que este é o meu problema parece que não confio em ninguém Mas é por isso que estou aqui como falamos no início da terapia não sei se um dia irei confiar totalmente em alguém Até acho que foi em função da desconfian ça que interrompi as outras terapias T Se você está conseguindo me falar da sua desconfiança inclusive em relação a mim é porque de alguma maneira está apostando na nossa relação 244 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Meissner em seu livro The Therapeutic Allian ce24 aborda de modo enfático o tema quanto à natureza e às diferenças entre a transferên cia a contratransferência a aliança de traba lho a relação real entre terapeuta e pacien te a empatia e as qualidades e fatores pes soais em uma das mais completas revisões sobre o tema Muitas de suas referências são as já ci tadas neste capítulo Quando discorre sobre a natureza da AT Meissner referindose à definição do termo destaca que ainda existe uma con siderável confusão uns falam que se trata só da colaboração do paciente outros afir mam que é a transferência ou um aspecto desta Lacan se refere a uma ligação entre o ego do paciente e o ego do terapeuta refe rindo uma aliança de trabalho Para Meissner contudo a AT é algo específico dinâmico que evolui com o de senvolvimento da terapia O autor baseia seus conceitos em Zetzel11 e Greenson23 Referese ainda a Winnicott na compa ração com o conceito de holding e a Anna Freud quando esta se refere a determina das crianças que se relacionam com seus analistas como pessoas reais24 Seu conceito no entanto é baseado em dois aspectos o primeiro é que a AT se implementa no processo terapêutico com o envolvimento dos aspectos transfe renciais e contratransferenciais assim co mo de histórias do paciente e do analista e evolui durante o tratamento mais no paciente do que no terapeuta O segundo aspecto é que a AT se relaciona com o set ting na manutenção das regras da terapia no desenvolvimento de uma ressonância empática do entendimento das desco bertas das formulações das explicações e das interpretações sendo responsável pelo desenvolvimento de um papel crítico em todos os níveis do processo terapêutico é extremamente dinâmica e desenvolvese e modificase de acordo com o caráter e o significado do progresso terapêutico Podemos perceber dessa maneira que a maioria dos autores considera que a AT embora tenha características próprias de estar mais localizada no ego consciente recebe influências de todo o nosso mundo inconsciente Poderíamos dizer que por ser extremamente dinâmica a AT pode predominar em determinados momentos da terapia ou de uma sessão com maior ou menor intensidade confundindose às vezes com a transferência e dependendo igualmente de fatores contratransferen ciais Também é possível constatar que ela independe da patologia apresentada pelo paciente desde que o terapeuta tenha con dições pessoais e conhecimento para con ciliar a técnica a sua expectativa em cada situação terapêutica Muitas vezes o desejo de ajuda de um paciente não é necessariamente trans ferencial e sim racional quando a realidade é que serve de motivação A razão impõese contra as resistências por exemplo as nar cisísticas da negação de sua patologia Será com esse seu aspecto racional que seguida mente iniciaremos uma AT para conduzir a terapia e tentar superar as resistências Entretanto em outras situações será preciso ficarmos atentos a uma pseudo AT uma aliança aparente que está a ser viço da resistência Um exemplo típico é aquele paciente que necessita do amor de seu terapeuta e assume em função desse fato uma atitude sedutora e de submissão dando a impressão de estar colaborativo e aliado Em geral são situações nas quais a terapia não evolui fica estacionada infini tamente em um faz de conta que estou me tratando levando a sentimentos contra Psicoterapia de orientação analítica 245 transferenciais frequentes de desânimo e impotência A ALIANÇA TERAPÊUTICA E A REALIDADE Conforme Meissner24 a presença e a influên cia da realidade no processo terapêutico são ubíquas e não podem ser desprezadas Existi riam basicamente dois tipos de situações in trínsecas ou extrínsecas ao processo No pri meiro grupo estariam incluídas a neutralidade a abstinência e a realidade a serviço da re sistência no outro figurariam situações como doen ças gravidez fatores econômicos e liga dos ao trabalho entre outros Todos esses as pectos podem influenciar a transferência as sim como a AT Outro fator é a confiança a disposi ção do paciente em confiar distinguese da confiança que se estabelece na capacidade de seu terapeuta de compreendêlo e aju dálo Meissner24 refere que o paciente pode confiar no tera peuta relatando as suas mais perver sas fantasias seus mais íntimos segre dos mas não o chamaria para entre gar a chave de seu cofre É com essa confiança na capacidade terapêutica que o paciente se alia ao seu te rapeuta na construção de uma AT Baudry citado por Meissner24 refe rindose às características pessoais do ana lista divideas em três possibilidades que poderão influenciar a AT 1 sentimentos e atitudes egossintônicas que permeiam os aspectos do funcio namento tanto pessoal quanto profis sional como pessimismootimismo graus de permissividade atividade passividade calor humano distância rigidezflexibilidade tendências auto ritárias entre outros 2 aspectos no estilo de ser do terapeuta como habilidade verbosidade uso do humor ou ironia 3 reações características do terapeuta às variações do afeto do paciente ou a pro blemas no tratamento como situações de casamento Todas essas situações não dependem de aspectos transferenciais ou contratransfe renciais pois preexistem nas características pessoais do terapeuta e de alguma maneira podem influenciar o estabelecimento da AT A relação terapêutica e a aliança tera pêutica e tudo que influi nelas incluindo intensamente os fatores do terapeuta têm também papel decisivo na mudança psí quica no alívio de ansiedade e na redução de sintomas O processo não se dá exclu sivamente no paciente mas ocorre uma dinâmica de avanços e retrocessos da dupla em fazer desfazer refazer e sobrefazer Em suma recordar repetircontratransfe rir simbolizarreelaborar A importância de observar as vicis situdes do terapeuta é cada vez mais con siderada por que é de suas características particulares que se constrói um cenário propício às mudanças principalmente por meio de uma aliança terapêutica positiva Até hoje as contribuições do terapeuta na AT foram menos estudadas do que os fato res dos pacientes Há uma ênfase contem porânea em examinar tais aspectos dessa importante variável no entendimento do processo psicoterápico Alguns dos estudos revisados a seguir comprovam que atribu tos pessoais específicos do terapeuta são significativamente relacionados à formação e à manutenção da aliança terapêutica25 246 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em psicoterapia nos aproximamos da mente do paciente espécie de emprés timo mútuo do aparelho mental o que inclui tanto as partes conscientes como as inconscientes A participação de uma série de fatores inespecíficos se dá nessa aproxi mação Ao simplesmente ouvir nosso pa ciente adotamos uma postura receptiva e reflexiva que automaticamente o faz adotar o mesmo procedimento Este pode ser con siderado o primeiro passo para que tenha contato com seus sentimentos e emoções proporcionando insight assim como as interpretações Além disso sem nos dar mos conta muitas vezes nesses momentos estamos compartilhando com o pacien te as suas e as nossas emoções valores sen timentos angústias e transparecendo aceitação afeto compaixão dúvidas As sim essa postura de escuta pode além de estimular o paciente a pensar e como consequência elaborar os seus conflitos proporcionar a introjeção de partesvalo res do terapeuta É ouvindo nosso paciente que lhe mostramos da forma mais genuína possível que suas questões são suportáveis e que é possível lidar com elas Há sem dúvida outra parte igualmente importan te da terapia que são as intervenções pro priamente ditas Constituem a parte mais próxima da consciência mas nem por isso são mais determinantes do sucesso do tra tamento26 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como referido anteriormente com base em di versos autores o estabelecimento de uma AT depende de fatores ligados à realidade externa às características pessoais à transferência e à contratransferência A AT é bastante dinâmica variando sua intensidade de acordo com o momento da terapia ou da sessão porém a tendên cia é de que cresça proporcionalmente ao tempo de terapia A presença de uma AT de boa qualidade poderá ser independente dos conflitos e da gravidade dos sintomas do paciente desde que o terapeuta tenha condições pessoais e conhecimento sufi cientes para adaptarse às expectativas dos pacientes assim como para limitar as suas próprias Um maior entendimento das contri buições do terapeuta para a aliança que incluem qualidades pessoais e técnicas te rapêuticas pode equipar melhor os médi cos para desenhar e implementar métodos específicos de cultivar alianças mais satis fatórias com seus pacientes Enquanto os achados desta revisão não fornecerem uma perspectiva manualizada de desenvolver uma aliança sólida eles fornecem um en tendimento sintetizado da relação entre o terapeuta e a aliança Ter um maior enten dimento dessa relação implica tera peutas mais bem treinados e possivelmente maio res sucessos terapêuticos Pesquisas futuras podem levar esse entendimento ainda mais longe e explorar como integrar esses acha dos em princípios de treinamento Como um exemplo dessas pesquisas em recente artigo ainda não publicado Versaevel e colaboradores27 desenvolvem uma pesquisa para identificar precocemen te o tipo de paciente que desenvolverá uma AT de boa qualidade e aqueles que não apresentam essas características ini ciais Para tanto classificaram os pacientes em três características os turistas que são aqueles que não têm nada e não sa bem por que estão ali os queixosos que reconhecem que têm alguma coisa errada mas que atribuem a fatores externos a si e os clientes verdadeiros que reconhe cem que existe algo errado e que depende Psicoterapia de orientação analítica 247 deles uma solução mas que não conse guem A finalidade da pesquisa baseiase na importância que os autores detectam na AT e no fato de que os dois primeiros tipos de pacientes não têm capacidade de desen volvêla e que para eles o objetivo inicial é tentar que se aproximem da condição de cliente verdadeiro PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Destacase a importância de uma aliança terapêutica de qualidade para o bom andamento de uma psicoterapia de orientação analítica 2 Há aspectos inconscientes atuantes no processo de estabelecimento de uma aliança terapêutica sólida 3 Evidenciamse alguns marcos históricos no desenvolvimento do conceito de aliança terapêutica 4 Ao longo dos anos o conceito de aliança terapêutica mantém o entendimento de ser um processo egoico fundamentado em relações de objeto precoces nas quais uma relação positiva com cuidadores serve de modelo para o paciente motivarse para estabelecer o grau necessário de confiança na relação atual com o terapeuta 5 Destacase a tendência cada vez maior de os autores enfocarem o processo terapêutico como um fenô meno a dois no tratamento individual em que devem ser compreendidos os aspectos transferenciais e contratransferenciais além de todos os elementos que compõem a pessoa do paciente e a do terapeuta 6 Há significativas diferenças entre aliança terapêutica e aliança de trabalho 7 A aliança terapêutica é um processo dinâmico que ao longo de uma psicoterapia pode variar de intensidade mas que quando as expectativas estão sendo preenchidas vai se fortalecendo de modo progressivo REFERÊNCIAS 1 Bordin E Research strategies in psychotera py New York Wiley 1974 2 Luborsky L Helping alliances in psychote rapy In Luborsky L 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pode ser estudada de acordo com suas três fases início etapa intermediária do processo e término Estas não são determinadas exclusivamente por sua duração Muito das características de cada fase é definido pelas características da interação terapeutapaciente Neste capítulo vamos nos deter ao exame das peculiaridades de cada uma des sas três fases Podemos sintetizar o que vai ser abordado por meio de palavras que pos sam qualificar sucintamente cada uma das fases da psicoterapia de orientação analítica Assim propomos que nas estruturas neuróti cas as questões relativas à dicotomia confian çadesconfiança podem ser o enfoque principal da etapa de abertura de uma psicoterapia de orientação analítica Da mesma forma a reso lução de conflitos pode caracterizar a etapa in termediária e o luto pela separação representa a etapa final ou o término Dito de outra maneira podemse considerar as ansiedades paranói des o alvo do início da psicoterapia analítica assim como as ansiedades depressivas o enfo que da etapa final As oscilações entre as duas posições propostas por Melanie Klein1 a esqui zoparanoide e a depressiva são a matériapri ma do processo psicoterápico que se desenrola dentro do campo criado pela interação pacien teterapeuta Quando o paciente não apresenta a estrutura neurótica e sim se trata de um casolimite também denominado paciente fronteiriço ou borderline é preciso acres centar que as ansiedades de aniquilamento do self podem irromper em qualquer fase da psicoterapia pois são pacientes mais primitivos sem a estrutura defensiva do neurótico e que se desorganizam com mui ta facilidade Nas páginas a seguir buscamos fazer uma apresentação de características difi culdades riscos e soluções que o terapeuta 14 FASES DA PSICOTERAPIA Anette Blaya Luz 250 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 precisa enfrentar e buscar resolver junto com seu paciente em cada uma das três fa ses que compõem uma terapia dirigida ao insight Atendendo aos fins didáticos deste livro e tomando os escritos de Langs2 como ponto de partida apresentamos na intro dução da descrição de cada fase um breve esquema com alguns dos conteúdos práti cos de cada etapa da psicoterapia FASE INICIAL Definição é a etapa que se estende do primeiro contato do paciente com o terapeuta até o es tabelecimento de uma aliança terapêutica sóli da entre eles Pode ocupar algumas sessões ou perdurar por meses dependendo das caracte rísticas da personalidade do paciente e da ha bilidade do terapeuta em conduzir as questões relativas a essa etapa Riscos o grande risco dessa etapa do trata mento é o de abandono precoce Intervenção nesse momento a intervenção mais utilizada pelo terapeuta é a interpretação cuidadosa das resistências e das angústias pa ranoides tão comuns nessa etapa das psico terapias Objetivos estabelecer uma aliança terapêutica sólida e identificar as razões da busca de trata mento e a conflitiva inconsciente que produz o sofrimento bem como fazer o contrato terapêu tico Ver Capítulo 11 A etapa inicial da psicoterapia analítica começa com o primeiro contato do paciente com o terapeuta Pode ser ao telefone quan do o paciente liga solicitando um horário ou mesmo antes disso quando ele começa a procurar um terapeuta com quem possa se consultar As características dessa busca variam de acordo com a personalidade do paciente e emprestam um colorido próprio à etapa inicial daquele caso em particular Um exemplo é apresentado na vinhe ta a seguir A passagem do tempo por si só não caracteriza o começo e o fim da etapa ini cial Há uma tarefa a ser executada nessa etapa que pode durar de uma semana até vários meses A tarefa principal dessa eta pa é o estabelecimento de um vínculo for O senhor Antônio solicita a sua esposa que consiga o nome de um terapeuta com quem possa se tratar Uma vez de posse do nome de sua futura terapeuta ele demora cinco meses para fazer o primeiro contato telefô nico Durante esse período Antônio perde algumas vezes os dados da pessoa indicada precisando soli citar o nome e o telefone da terapeuta repetidas vezes Nesse caso em particular a etapa inicial só se estabeleceu formalmente quando a terapeuta foi de fato procurada mas do ponto de vista dinâmico estendeuse por um período bem mais longo pois as ca racterísticas de dúvida ambivalência e desconfiança da personalidade obsessiva de Antônio já se mani festaram quando da solicitação do nome da terapeuta sem que esta pudesse fazer qualquer intervenção que facilitasse o acesso do paciente ao tratamento Quando finalmente ele chegou ao tratamento essas características de desejo e receio de se submeter à terapia puderam ser abordadas e o paciente conseguiu muito lentamente entregarse ao processo terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 251 te de confiança uma aliança terapêutica sólida enquanto são examinadas com o paciente suas dificuldades emocionais e a necessidade de tratamento Questões como motivação recursos egoicos e metas tera pêuticas são preocupações que o terapeuta deve ter também nessa etapa mas concor damos com Langs2 quando ele aponta que a preocupação primordial do terapeuta na etapa de abertura deve ser a conquista da confiança do paciente e o estabelecimento de uma forte e positiva aliança terapêutica Segundo esse autor não se pode considerar a etapa inicial como concluída enquanto está sendo cogitada a possibilidade de rea lização de uma psicoterapia analiticamente orientada Enquanto o paciente o terapeu ta ou ambos têm dúvidas sobre a necessida de ou a possibilidade ou não de ser empre endida tal psicoterapia a etapa inicial não pode ser considerada conclusa e assim as intervenções devem ser principalmente dirigidas a essas dúvidas O grande risco na etapa inicial é a interrupção abrupta do tratamento justamente no momen to em que o terapeuta sabe menos a respeito de seu paciente e portanto tem menos recur sos para trabalhar ambivalências desconfian ças e resistências O exame das motivações que levam o paciente ao tratamento é fundamental pa ra que se possa estabelecer uma boa alian ça terapêutica e assim quem sabe evitar um término abrupto e precoce Alguns pacientes não buscam a terapia por um desejo genuíno de examinar seus conflitos e processar mudanças Muitas vezes pro curamna por razões não terapêuticas e se o terapeuta conseguir identificar esses problemas poderá ajudar o paciente a in gressar em um tratamento por razões mais verdadeiras e desse modo salvaguardar a própria existência da psicoterapia Razões comuns e não terapêuticas inconscientes ou não para a busca manipulativa de trata mento incluem as necessidades de receber aconselhamentos e suporte para momen tos difíceis satisfazer um cônjuge ou ou tra pessoa que insiste que o paciente deve se tratar muito comum com adolescentes que vão à terapia por insistência dos pais criar com o terapeuta uma relação simbió tica de dependência passiva ou sadomaso quista satisfazer necessidades profissionais muito comuns em pessoas da área psi entre outras Cabe ao terapeuta nessa etapa inicial discutir com o paciente tais moti vações e auxiliálo a descobrir e identificar motivações mais apropriadas e construti vas pois sempre que uma pessoa chega a um consultório dessa natureza é porque tem em algum lugar dentro de si o desejo de se tratar Algumas vezes no entanto as falsas motivações se mostram irredutíveis e o paciente abandona o tratamento apesar de todos os esforços do terapeuta para tra balhar essas resistências e angústias O abandono precoce do tratamento é o problema crucial dessa etapa e a busca de uma aliança terapêutica é a forma de evitar tal desfecho Para isso é importante que o terapeuta esteja atento a algumas questões contratransferenciais que as defesas do pa ciente podem suscitar em si Como regra podese pensar que sentimentos e afetos exagerados seja irritação inquietude an siedade pesar seja compaixões atração sexual falta ou excesso de empatia pelos problemas que o paciente traz significam com frequência reações contratransferen ciais que se bem identificadas e compre endidas podem ser muito úteis no traba lho com o paciente e no estabelecimento da aliança terapêutica Se não identificadas e não trabalhadas podem levar rapidamente à interrupção do tratamento 252 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Outras causas de abandono precoce e portanto de especial atenção do tera peuta nessa etapa inicial do tratamento quando o vínculo terapêutico é ainda frá gil dizem respeito aos inúmeros medos e fantasias que o paciente tem ao iniciar sua terapia Langs2 referese ao medo da transferência que tem suas origens nas relações primitivas do paciente com seus primeiros objetos de amor Esses medos são parti cularmente significativos quando o paciente não apresenta uma estrutura neurótica de personalidade Os pacientes borderline tendem a defenderse desses medos com apegos e idealizações muito intensas porém frágeis que se rompem rapidamente ameaçando a continuidade da psicoterapia Além do medo de ingressar em uma relação importante com o terapeuta ou com os próprios conflitos há outros medos que também podem contribuir para que não se estabeleça a aliança terapêutica Medo de perder o controle e de enlouquecer de se deprimir em função de recordações tristes que certamente aflorariam ao longo da tera pia de fantasias eróticas principalmente de cunho homossexual de reproduzir relações desastrosas já ocorridas no passado ou em terapias anteriores de mudanças que impli cariam abandono de antigas defesas Uma das referências de receio mais comuns por parte dos pacientes nesses momentos ini ciais diz respeito a um medo que traz oculto o desejo de criar um vínculo de dependên cia máximo eterno passivo e escravizante diante do qual tanto paciente como tera peuta podem recuar assustados Todos esses temores podem e devem ser identificados sempre que possível pois isso ajuda a des fazer um pouco das ansiedades paranoides dessa etapa da psicoterapia ao mesmo tem po que oferece ao terapeuta informações preciosas a respeito da vida emocional do paciente e de como ele tende a reagir ante as intervenções do terapeuta A atitude do terapeuta é fundamental para que se dissipem um pouco esses me dos e o paciente possa ingressar na etapa seguinte Prestar atenção à contratrans ferência criar um ambiente acolhedor de aceitação das dificuldades do paciente no qual a dor e o sofrimento expostos por este são recebidos e respeitados é condição sine qua non para que o processo evolua Conquistar a confiança do paciente é a tare fa primordial mas é importante não confun dir isso com seduzir o paciente com promessas inadequadas de cura ou de gratificações de ne cessidades e expectativas neuróticas Conquis tar a confiança do paciente significa respeitar a forma deste de se apresentar aceitando sem críticas o modo de aproximação possível da quele indivíduo em particular Langs2 resume de forma bastante cla ra os objetivos da etapa inicial da psicotera pia analiticamente orientada 1 Desenvolver uma sólida firme e po sitiva aliança terapêutica enquanto é criada uma atmosfera terapêutica adequada para o exame dos problemas e dos conflitos emocionais do paciente 2 Definir quais são os problemas emo cionais do paciente explorando junto deste os motivos que o levam à terapia enquanto se tenta acessar as estratégias defensivas utilizadas pelo paciente e seus modos de comunicar isso tudo ao terapeuta 3 Buscar esclarecer as origens do sofri mento do paciente identificando seus principais conflitos intrapsíquicos suas Psicoterapia de orientação analítica 253 relações de objeto primitivas e seus traumas em especial detectar e analisar as resistências mais precoces e as tenta tivas de criar alianças antiterapêuticas que podem levar ao abandono O grande risco dessa etapa inicial da psicoterapia é o abandono Por isso acredi tase que dos três objetivos propostos por Langs2 embora todos tenham relevância atenção especial deve ser dada ao primei ro a necessidade de se estabelecer uma só lida aliança terapêutica Isso se consegue com uma postura atenta às resistências e com o exame das motivações que levaram o paciente ao tratamento a fim de identi ficar e trabalhar motivações inadequadas enquanto se busca criar um ambiente aco lhedor para que o paciente possa expor suas dificuldades Uma postura demasia do silenciosa por parte do terapeuta pode criar um clima desnecessariamente hostil Em contrapartida uma postura tão amis tosa que se confunda com uma visita social prejudica o estabelecimento da aliança te rapêutica Eu acrescentaria que é função do te rapeuta no início do tratamento buscar identificar dentro de si que tipo de emoção aquele paciente lhe desperta pois estar aten to à contratransferência é o caminho para conquistar os itens descritos por Langs É importante que o terapeuta en sine o paciente a se tratar auxiliandoo a despertar seu interesse pelos conflitos e pelas formas de funcionamento de sua personalidade Muitos pacientes procu ram terapia pensando que o terapeuta vai dar conselhos ou determinar o rumo dos assuntos em sua vida Essas pessoas neces sitam aprender a se tratar e compreender o que significa o tratamento e o que podem ou não esperar da terapia e do terapeuta Cabe ainda referir algo sobre a ques tão de responder ou não às perguntas de um paciente É importante que algumas delas sejam esclarecidas principalmente nessa etapa do tratamento Perguntas de cunho pessoal a respeito da vida privada do tera peuta devem ser exploradas mais do que respondidas mas perguntas sobre o trata mento nesse momento precisam ser escla recidas Com alguns pacientes muito frágeis fazse necessário que o terapeuta use e abu se de sua sensibilidade para poder definir quais perguntas responderá e quando Há alguns pacientes muito paranoides e regres sivos que não toleram uma interpretação em lugar de uma resposta Pode custar um pouco mais de tempo até que eles estejam em condições de suportar não serem gra tificados com respostas às suas perguntas Há ocasiões em que vale a pena responder a uma pergunta do paciente desde que não seja sobre a vida privada do terapeuta para logo a seguir tentar junto com ele entender o significado inconsciente da pergunta À medida que o tratamento evolui percebese que o paciente vai suportando cada vez mais não ter suas perguntas respondidas Com relação ao conteúdo das inter venções do terapeuta é preciso examinar brevemente dois pontos de vista distintos Algumas escolas principalmente a kleinia na defendem a ideia de que se deve inter pretar o material relativo aos impulsos do id desde o início pois isso diminuiria as re sistências e a ansiedade Concordamos com Langs2 e com Dewald3 no sentido de que somente as intervenções que enfoquem as resistências ao tratamento devem ser usa das nessa etapa inicial Interpretações mais profundas conforme nossa experiên cia trazem um incremento de ansiedades persecutórias desnecessário e nefasto à so brevivência da terapia Assuntos que po 254 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dem conduzir o terapeuta a interpretações consideradas profundas dizem respeito a material cujo conteúdo apresenta fantasias experiências e relações de caráter incestu oso homossexual traumas precoces ainda não elaborados e interpretações que visam a questões edípicas expressas na relação te rapeutapaciente Pensamos que de modo geral são temáticas que demandam maior confiança na relação terapeutapaciente e melhor conhecimento da problemática do paciente para que possam ser abordadas de maneira a fazer crescer a compreensão deste a respeito de si próprio Quando exa minadas antes do timing adequado podem causar muito desconforto e levar o paciente a fugir do tratamento Quando as ansiedades em relação à busca da terapia são muito intensas e não enfocadas na etapa inicial do tratamento o paciente pode procurar soluções mais fá ceis que precisam ser abordadas Algumas vezes há a solicitação de medicação que pode ou não estar indicada mas que pre cisa ser analisada Pacientes mais frágeis mais regressivos com maior dificuldade de enfrentar frustrações e ansiedades tendem a acting outs como reatar um namoro fran camente destrutivo marcar casamento decidir morar junto com oa parceiroa Outros actings a que o terapeuta precisa es tar atento para interpretar incluem a bus ca de terapias alternativas florais tarôs biodança cartomantes terapia de cores e cristais além daqueles costumeiros aciona mentos produzidos pelo paciente em seus familiares para que estes se posicionem contrários ao tratamento Sempre que uma tendência dessa natureza for identificada o terapeuta deverá assinalar pois poderá dessa forma auxiliar o paciente a entender o significado inconsciente oculto por trás do acting FASE INTERMEDIÁRIA Definição é o período que se estende do mo mento no qual o terapeuta identifica uma ra zoável aliança terapêutica estabelecida até a ocasião em que uma séria proposta de térmi no passa a ser discutida entre paciente e te rapeuta É em geral a etapa mais longa dos tratamentos Riscos inúmeros são os riscos dessa etapa do tratamento todos eles levando a uma parada no desenvolvimento do progresso terapêutico devido a diferentes causas Podem ocorrer con luios narcísicos impasses interrupções inte lectualizações não acompanhadas de insights genuínos para citar alguns Intervenção além das interpretações a respei to das resistências que já vinham sendo usa das na etapa inicial agora o terapeuta lança mão de interpretações a respeito da conflitiva inconsciente do paciente São preferencialmen te interpretações extratransferenciais mas sempre que necessário o terapeuta deve usar também as transferenciais Estas se fazem ne cessárias quando surgem angústias desperta das no paciente em consequência de sua rela ção com o terapeuta que ameaçam a evolução do processo terapêutico Objetivos o objetivo dessa etapa é o da tera pia analiticamente orientada qual seja exami nar analisar explorar e resolver os sintomas e as dificuldades emocionais do paciente Cons titui a essência do tratamento Cabe ressaltar no entanto que a resolução de conflitos psíqui cos inconscientes traduz o objetivo principal do paciente neurótico enquanto para o paciente mais regressivo o borderline o objetivo prin cipal seria a construção de um self coeso com capacidades simbólicas mais eficazes e espa ço mental para pensar as angústias inerentes à vida Escrever sobre a etapa intermediária de uma psicoterapia analiticamente orienta Psicoterapia de orientação analítica 255 da é como escrever a respeito de quase tudo em psicoterapia pois é quando as mudanças e transformações ocorrem A etapa inicial é uma preparação para que essa segunda eta pa transcorra da maneira mais eficiente pos sível e a etapa final é assim chamada pelo fato de os objetivos da etapa intermediária terem sido atingidos de forma parcial ou total e só resta elaborar a perda pelo fim da relação terapêutica A etapa intermediária é pois a razão de ser da psicoterapia analiti camente orientada seu cerne e corpo prin cipal Assim tornase impossível detalhar tudo o que ocorre nesse período Freud4 já salientava esse aspecto em um de seus tra balhos a respeito de técnica traçando uma comparação com o jogo de xadrez Nessa comparação ele destacava que é possível estudar modos de abertura e de fechamento das peças no tabuleiro de xadrez mas que o miolo do jogo apresenta tantas variações que não é possível abordálas todas para um exame detalhado O que se pode fazer é examinar em linhas gerais algumas ocor rências comuns das fases intermediárias das psicoterapias para que o leitor tenha uma visão das vicissitudes e dificuldades que po dem acontecer no trabalho com pacientes nesse tipo de tratamento Muito do que transcorre na etapa in termediária de um atendimento dessa na tureza é secundário ao tipo de patologia e conflitiva que o paciente busca tratar Pa cientes muito regressivos tendem a apresen tar mais perturbações em todas as fases da psicoterapia na etapa intermediária inclu sive Isso porque a ansiedade que permeia todo o processo é principalmente o medo da desintegração psicótica a ansiedade de aniquilamento enquanto o paciente mais integrado teme a castração que é mais to lerável Quanto mais bem conduzida foi a etapa anterior tanto mais progresso vai ser possível atingir nessa segunda etapa Mesmo assim é importante salientar que o encon tro das personalidades pacienteterapeuta é determinante para a evolução do processo terapêutico Bion5 já salientava a turbulên cia emocional que acontece no encontro de quaisquer duas personalidades No encon tro terapêutico isso é particularmente ver dade Favalli6 salienta as questões relativas ao campo criado pelo interjogo das forças transferenciaiscontratransferenciais como fundamentais para a compreensão do que se passa no processo terapêutico Assinala esse autor a importância das contribuições de cada participante para o andamento do tratamento Cabe ao terapeuta estar atento ao que se passa nesse encontro pois forças poderosas estão em jogo e muitas delas são inconscientes para ambos os participantes O trabalho dessa etapa centrase nas questões que o paciente apresenta para se rem discutidas nas sessões De modo geral os temas centrais atêmse a questões do coti diano do paciente referindose aos contex tos da realidade externa ou de seus sintomas São temas comuns as questões relativas aos conflitos com familiares cônjuges ou cole gas de trabalho Outras temáticas abordadas com frequência dizem respeito aos anseios e às frustrações do paciente com relação a sua pessoa às pessoas à sua volta e principal mente aos objetivos e às metas que ele não consegue alcançar Os sofrimentos que os sintomas impõem ao paciente em seu dia a dia também são temas frequentes Por meio dessas temáticas chegase aos conflitos in trapsíquicos às fantasias inconscientes às memórias perdidas no tempo A postura atenta e respeitosa do terapeuta diante das temáticas trazidas pelo paciente 256 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs permite que cada vez mais este se sinta enco rajado a relatar seus sofrimentos e preocupa ções À medida que o paciente vai se sentindo mais e mais à vontade seus relatos passam a ser mais espontâneos e o terapeuta identifica os momentos em que pode intervir para interpre tar o conflito inconsciente subjacente àqueles re latos Quando esses conflitos são bem abor dados e bem elaborados novas soluções mais bem adaptadas à realidade e menos custosas para a economia psíquica passam a fazer par te do arsenal defensivo do paciente que come ça a dispor de mais vigor para a realização de suas tarefas do dia a dia A vinheta a seguir ilustra bem essa questão ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 A paciente Brenda veio a tratamento com inúmeras queixas somáticas e de depressão Estava com 44 anos na ocasião da busca do atendimento Aparentava bem menos idade e vestiase de maneira bastante jovial embo ra não inadequada Não relacionava seu estado emocional com algumas alterações que estava enfrentando de vido aos sintomas do climatério que haviam surgido alguns meses antes da busca de tratamento Apesar de seu sofrimento achava que não teria o que tratar em uma psicoterapia pois não tinha problemas graves Era uma mulher bonita bem articulada agradável um pouco acima do peso Casada há 20 anos não tinha filhos porque nunca quis ser mãe embora não tivesse discutido esse assunto em profundidade com o marido ou con sigo mesma Fora demitida de seu trabalho há quatro anos pois a firma em que trabalhava enfrentava dificul dades financeiras e sendo ela uma funcionária antiga e de salário alto foi uma das eleitas para demissão na política de contenção de despesas Ganhou uma boa indenização e com esse dinheiro montou seu próprio ne gócio estava indo bastante bem O marido não era uma pessoa muito ambiciosa e contribuía pouco em casa tanto financeira como afetivamente Ele próprio sempre fora um homem bastante deprimido Brenda que du rante toda a vida havia sido ativa e dinâmica dizia que se sentia muito doente sem forças Não entendia por que tinha esses pensamentos já que o susto maior havia passado quando se viu sem emprego pensou que não conseguiria fazer mais nada profissionalmente Seus receios em relação ao desemprego mostraramse exa gerados pois era uma mulher inteligente e trabalhadora e havia conseguido reerguerse conquistando um ga nho atual de quase o dobro do que ganhava em seu antigo emprego Assim não sabia por que se sentia doente e fraca Aos poucos foi ficando evidente o quanto Brenda negava seus sentimentos com relação à menopausa e ao luto ante o processo natural de envelhecimento Parece que ela havia negado a passagem do tempo Sentiase jovem e bem disposta vestiase de maneira jovial e parece que secretamente alimentava a esperança de algum dia ter coragem de engravidar e ter um filho Os conflitos inconscientes que afloraram com relação à história com sua própria mãe e com a maternidade que não se sentia capaz de enfrentar estavam na base de seus sofrimen tos Uma vez identificada e verbalizada a dor pela impossibilidade de ser mãe por não terse sentido capaz de en frentar tal tarefa e porque agora já não seria mais possível Brenda pôde começar a trazer para o tratamento toda uma história de desamparo e abandono que até então ela havia reprimido na tentativa de conseguir levar a vida adiante Brenda não teve tempo de ter filhos mas pôde dividir com alguém e elaborar essa perda enquanto res gatava junto à terapeutamãe sua história de desamparo devido ao abandono paterno e à depressão materna A vinheta ilustra o quanto as conflitivas inconscientes sustentam os sintomas Também podemos identi ficar a negação da paciente como uma arma defensiva tão custosa que quase não lhe sobrava energia para suas tarefas cotidianas apesar de ser uma mulher com bom potencial para uma vida ativa Uma vez desfeita a negação e a repressão o luto pôde ser vivido justamente por terse entristecido a respeito das perdas físicas e emocionais que enfrentava Brenda pôde liberar boa parte de suas energias para retomar sua vida de manei ra mais vigorosa embora não fosse possível fazer o tempo voltar atrás a fim de que ela pudesse engravidar e ter filhos o que era um sonho alimentado secretamente no inconsciente ao longo de tantos anos Psicoterapia de orientação analítica 257 Esse exemplo se refere a uma psicote rapia que evoluiu bem Há outras ocasiões em que a evolução não é assim tão bemsu cedida quando é não ocorre linearmente Quando tudo corre bem no processo tera pêutico podemos esperar a alternância de fases de muito trabalho psicoterápico que dá origem a insights importantes quando florescem memórias e fantasias até então ocultas seguidas de períodos de maior re sistência em que o trabalho parece estag nar até que outro reduto repressivo possa ser liberado e assim sucessivamente For tes resistências quando identificadas e bem trabalhadas conduzem a novo material que enquanto reprimido permanece pato gênico e uma vez verbalizado e compreen dido permite o surgimento de mais deriva tivos da conflitiva central do paciente Es tes ao serem trabalhados levam ao uso de defesas mais bem adaptadas diminuindo dessa forma a disfunção do ego que passa a usufruir de mais liberdade para enfren tar as tarefas do dia a dia A ampliação da capacidade de insight e a aplicação de defe sas mais maduras são a marca registrada de uma psicoterapia que está evoluindo bem Isso não significa que o paciente vai sofrer menos mas que vai sofrer pelo motivo ade quado e de forma adequada A paciente da vinheta anterior não sofreu menos Pelo contrário precisou encarar um doloroso luto mas saiu com seu ego mais enrique cido porque menos desgastado por defesas muito custosas como repressão negação e somatizações A longo prazo quando a psicoterapia evolui bem podese esperar que o pacien te alcance insights cada vez mais genuínos e significativos com consequente alívio dos sintomas Há no entanto algumas ocasiões não tão raras quanto desejado em que o trabalho analítico não evolui assim Pelo contrário estanca Nem sem pre o terapeuta consegue identificar esses momentos Porém sempre que a evolução terapêutica fica estagnada por um período longo é sinal de problema e perturbação Usando Langs2 como referência apre sentamos alguns indicadores de perturba ção na etapa intermediária 1 Resistências que não se resolvem não se modificam e se repetem nessas ocasiões é possível notar que em um período de muitas semanas ou até meses as sessões se tornam repetitivas e ruminativas a sonolência do tera peuta durante essas sessões é um sinal importante provavelmente uma mu dança de vértice de abordagem se faz necessária57 A discussão do material com um colega ou supervisor auxilia bastante 2 Alteração na aliança terapêutica o terapeuta percebe sinais de mais des confiança distanciamento do paciente actings in fantasias eou reações des trutivas com relação ao terapeuta é fundamental que este revise as sessões mentalmente ou com supervisão para identificar o problema 3 Episódios agressivos e destrutivos agu dos a ocorrência de episódios agres sivos não significa obrigatoriamente problemas nessa fase Pelo contrário pode ser consequência de um período mais ansiogênico fruto de um bom trabalho terapêutico Tais episódios se tornam sinais de dificuldades nessa etapa da psicoterapia quando parecem motivados por um descompasso entre o material do paciente e a compreensão do terapeuta Erros do terapeuta podem desesperar um paciente mais impul sivo 4 Falta de progresso terapêutico há al guns pacientes que apresentam peque na ou nenhuma evolução ao longo de um bom tempo de trabalho analítico 258 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Na aparência o processo está evoluin do normalmente mas um olhar mais atento identifica falta de progresso O paciente verbaliza suas preocupações o terapeuta interpreta e assim o tempo vai passando mas a sintomatologia do paciente muda muito pouco ou não muda Esse quadro é um forte indica dor de impasse na etapa intermediária da psicoterapia Conluios inconscien tes são causa frequente desse tipo de problema quando o tratamento se prolonga de forma indefinida 5 Regressões repetitivas acting out ou acting in a repetição continuada e inal terada de actings in ou out acompanha dos ou não de sintomatologia regressi va e o surgimento de novos sintomas podem significar problemas nessa fase Alguns pacientes precisam de mais tempo para conseguir conviver com os insights alcançados A capacidade de suportar a dor mental que pode ser provocada ao se trabalharem assuntos muito penosos para o paciente pode estar aquém do desejado e produzir esse tipo de problema Isso deve servir de alerta para que o terapeuta revise sua postura nas sessões e quem sabe evolua um pouco mais lentamente a fim de que o paciente possa suportar o sofrimento advindo dos insights enquanto amplia sua capacidade de tolerar a dor emocional Situações desse tipo acontecem muitas vezes devido a erros diagnósticos abordar um pa ciente borderline como se ele tivesse a estrutura neurótica bem constituída é fonte importante de impasses estagna ções e abandonos 6 Qualquer tentativa séria de abandonar a terapia ferirse ou ferir alguém sempre que algo assim acontece é fundamen tal uma reavaliação da terapia Com frequência o problema está na relação terapeutapaciente Pode ser uma difi culdade com a avaliação da indicação Há pacientes que não suportam os rigores de um processo terapêutico dessa natureza pois são por demais frágeis e impulsivos Em outros casos a contratransferência é o ponto central do problema 7 Qualquer sentimento ou feeling do tera peuta de que a terapia não está evoluin do Langs2 caracteriza isso da seguinte forma O terapeuta deve desenvolver um conjunto bastante seguro e confiável de impressões subjetivas sentimentos e julgamentos com relação ao desen rolar da terapia e aprender a confiar nesse conjunto Sempre que algo não estiver de acordo com o esperado ou que o terapeuta sentir a falta de alguma coisa é porque ele precisa parar e pensar Quaisquer desses sinais enumerados podem representar problemas na etapa intermediária Alguns em geral com pa cientes borderline podem ser indicativos de maior gravidade como o risco de sui cídio ou de ferimento em alguém Outros podem indicar que algo não está evoluindo e quem sabe o terapeuta está perdendo algum ponto em relação ao material do pa ciente É uma norma útil que o terapeuta de tempos em tempos faça uma reflexão a respeito do paciente Isso tanto pode ser feito sozinho na quietude de seu próprio consultório como com a ajuda de um cole ga mais experiente De modo geral depois de algum tempo de prática todos os tera peutas desenvolvem esse hábito pois ele não só é útil como também muito necessá rio Muitas vezes um paciente parece estar evoluindo bem mas quando o terapeuta faz uma reflexão acurada percebe que não Psicoterapia de orientação analítica 259 é bem verdade Aquele tratamento embo ra agradável e de boa aparência não es tá trazendo melhoras para o paciente Sob outro enfoque um paciente mais difícil e agressivo que luta muito com o terapeuta para manter suas defesas quando conse gue abrir mão delas o faz de forma lenta e progressiva mas de maneira definitiva e bastante curativa O importante é que o terapeuta sempre encontre tempo para al guma reflexão que deve ser feita em outro momento não durante a sessão Transcre ver o material é bastante útil para examinar aquele relato com mais distância e objeti vidade Terapias muito calmas e tranquilas podem ser tão improdutivas e destrutivas quanto terapias barulhentas e briguentas As causas mais frequentes relaciona das ao estancamento do progresso tera pêutico ou à interrupção prematura deste incluem fatores do terapeuta do paciente e também da realidade exterior O terapeuta pode estar tendo problemas contratrans ferenciais que o impedem de confrontar e interpretar com adequação o material que o paciente traz Para autores como Langs2 Dewald3 e Etchegoyen8 entre outros são as questões contratransferenciais as princi pais responsáveis pelos desenvolvimentos inadequados dessa etapa das psicoterapias analíticas Podem ser pontos cegos con luios narcisistas necessidade de ser mal tratado ou de maltratar o paciente proble mas financeiros equívocos diagnósticos entre outros fatores Os vínculos sadoma soquistas podem levar a dupla a vivenciar as sessões como guerras que precisam ser vencidas e assim os batebocas entre terapeuta e paciente tornamse a regra do relacionamento Questões de ordem finan ceira também contribuem pois muitas ve zes o terapeuta pode saber o que é preciso interpretar mas consciente ou inconscien temente não o faz quem sabe receoso da reação do paciente e também da ameaça de perder aquele indivíduo Outras vezes há o estabelecimento de conluios narcisis tas entre paciente e terapeuta cada um se sente mais gratificado com a idealização que o outro faz de si mesmo e da relação O processo estanca mas a relação pode perdurar de forma indefinida pois as grati ficações narcisistas impedem que os envol vidos se apercebam do problema no qual estão mergulhados Esses estan camentos são intermináveis e a passagem do tempo em nada altera a evolução do processo Tais evoluções são uma das causas de impasse terapêutico Esses pontos cegos no terapeu ta levam com bastante frequência a pro blemas nessa etapa do tratamento pois o material que precisa ser interpretado passa despercebido pelo terapeuta Nesses casos é comum a superficialização do processo levando a interrupções prematuras ou à evolução para o impasse terapêutico quan do o tratamento não termina nunca A solução para as questões enumera das reside na possibilidade de o terapeuta voltar a se tratar eou fazer mais supervi sões pois como constituem situações de contratransferência perturbada são por definição inconscientes Assim o tera peuta não poderá fazer frente a elas sem ajuda Mesmo que os problemas na aliança terapêutica sejam oriundos da persona lidade do paciente ainda assim podese considerar o terapeuta como corresponsá vel uma vez que compete a ele o manejo dessas situações Portanto a monitoração da evolução da aliança terapêutica é fun damental para que o processo evolua bem Fantasias impulsos e situações da realida de externa que não sejam adequadamente compreen didos e trabalhados comprome tem a solidez da aliança de trabalho Qual quer perturbação nessa aliança deve ser prontamente interpretada e compreendida em relação ao aqui e agora da relação trans 260 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ferencial Nesses momentos o uso de inter pretações transferenciais é bastante eficaz Falhas nessa abordagem representam riscos sérios para a boa evolução da terapia O medo das mudanças o receio do sofrimento que elas podem trazer e a an gústia que as memórias geram no dia a dia dos pacientes quando escapam da repres são constituem frequentes causas de alte ração no processo terapêutico nessa etapa intermediária Necessidades doentias co mo a vontade de não melhorar e de sofrer eternamente e os ganhos secundários que a doença proporciona também podem produzir perturbação Além disso a neces sidade de derrotar o terapeuta e competir eternamente com ele pode trazer dificulda des O uso indevido da terapia para grati ficar outras necessidades ou atingir outros fins que não o de examinar seus conflitos e problemas emocionais também está na lista de situações que ameaçam a boa evo lução do processo na etapa intermediária da psicoterapia Nos tratamentos de pacientes borderline a in tolerância à frustração aliada ao medo terrorí fico do abandono constituem fontes importan tes de perturbações do processo terapêutico na fase intermediária Ao mesmo tempo é preciso lembrar que essas questões são a matériapri ma dos tratamentos psicodinâmicos desse tipo de patologia A solução para esses problemas de pende da capacidade do terapeuta de iden tificar e interpretar adequadamente as mo tivações subjacentes inconscientes ou não que estão interferindo na relação transfe rencial e na aliança terapêutica e ameaçan do o bom desenvolvimento da psicoterapia A sobrevivência da função analítica dentro da mente do terapeuta como chama Win nicott9 é o que determinará a boa evolução desses momentos tão difíceis Situações da realidade externa com frequência provocam perturbações que o terapeuta precisa identificar junto a seu paciente para que este possa enfrentálas Langs2 referese principalmente ao papel desempenhado por cônjuges e pais Muitas vezes a folie à deux vivida entre o paciente e seu familiar pode sofrer a amea ça de não mais existir O familiar de modo incons ciente depende para sua economia psí quica daquele específico papel doentio de sempenhado por seu cônjuge ou filhoa À medida que o paciente melhora o familiar pode sentirse ameaçado e tentar sabotar o tratamento Há ocasiões nas quais esses ataques ao terapeuta e à terapia são cons cientes e ferozes Cabe a este auxiliar o pa ciente a entender as dinâmicas familiares e assim poder escolher de forma consciente se quer ou não tomar parte nesses relacio namentos tão confusos Quando tudo cor re bem o paciente consegue livrarse de seu papel e o convívio familiar passa a ser muito mais prazeroso para todos os envol vidos Outras situações que cabe ainda citar e que também podem constituir amea ças ao tratamento dizem respeito a morte ou doença de algum familiar separações ma trimoniais desemprego tanto de um fami liar importante quanto do próprio paciente e do terapeuta Cada uma dessas situações pode ser usada pelas resistências e ser mo tivo de interrupção Ao mesmo tempo quando bem analisadas e elaboradas criam possibilidades de vínculos ainda mais pro dutivos do paciente com seu terapeuta O exame individual de cada uma dessas vi cissitudes da vida cotidiana é fundamental para que se possa de fato evoluir no trata mento e atingir ganhos psicoterápicos cada vez mais gratificantes tanto para pacientes como para terapeutas Psicoterapia de orientação analítica 261 FASE FINAL Definição é o período que se estende da primeira menção séria de término do tratamento até o mi nuto final da última sessão combinada para que o tratamento de fato termine Objetivos poder ajudar o paciente a examinar suas condições reais para um término assim como trabalhar com ele as questões relativas ao luto pelo fim do relacionamento com o terapeu ta identificar os ganhos conquistados e as situ ações que ainda podem merecer alguma atenção psicoterápica no futuro Intervenção é um período em que se mesclam trocas transferenciaiscontratransferenciais com diálogos referentes às questões da realidade ex terna ante o fato de brevemente não existir mais o vínculo pacienteterapeuta nos moldes em que até então aconteceu Interpretações transferen ciais relativas à perda e ao luto pelo término são muito úteis para auxiliar o paciente a se despedir de seu terapeuta Há com frequência uma ne cessidade de rever etapas e examinar ganhos al cançados ao longo de todo o processo bem como de analisar objetivos que não puderam ser atin gidos no todo ou em parte É uma etapa de ba lanços e de elaboração da separação Riscos os riscos mais significativos referem se a términos fora dos timings adequados seja prematuros seja postergados consequentes às atuações tanto do paciente como do terapeuta Outro risco deveras importante é a possibilidade de ocorrer um impasse Antes de examinarmos com mais de talhes os temas referentes à etapa final de um tratamento psicoterápico cabem algu mas palavras sobre a terminologia comu mente utilizada término alta interrupção Ferenczi10 em 1928 defendeu a ideia de que um tratamento pode e deve chegar a um término e que isso acontece de forma espontânea por esgotamento sem que terapeuta ou paciente ponham um fim ar tificial a ele Já Freud11 em 1937 em seu famoso trabalho Análise terminável e inter minável preocupavase com as questões referentes às possibilidades de cura e por tanto de alta de um tratamento Se não há cura possível então não se deve falar em alta mas em término Há um e só um tipo de término de acordo com Etchegoyen8 o que é decorrente de uma decisão mútua de paciente e terapeuta Sugere Etchegoyen que quando a decisão é unilateral ou resul tante de fatores externos alheios à vontade de ambos devese falar em interrupção Estabelecida a terminologia proposta podese examinar a etapa final com mais detalhes Quando começa então essa fase Segundo Gilda De Simone no livro inti tulado Ending analysis de 199712 a etapa final inicia quando o paciente refere seu desejo de conduzir o tratamento a um tér mino e o terapeuta sente tal desejo como algo que não deve ser interpretado e sim respondido Tratase de uma situação dife rente de outros tantos momentos em que o paciente referiu seu desejo de concluir o tratamento e o terapeuta sentiu que deve ria interpretar esse desejo quem sabe como resistência em vez de entendêlo como al go possível e adequado A próxima questão que se impõe é quando e quem estabelece a data para o últi mo encontro Como tantas outras questões relativas a esse tema há também controvér sias sobre quem deve ter a responsabilidade da data do término Sendo o término uma situação de comum acordo entre paciente e terapeuta propõese que a data da última sessão seja acordada entre ambos Partindo da ideia de que o paciente foi quem decidiu quando procurar o terapeuta também po deria ser dele a iniciativa a respeito da últi ma data da sessão final Seguindo o mesmo raciocínio proposto quando o paciente so licita um horário para a primeira entrevista essa data é combinada tanto com sua con tribuição quanto com a do terapeuta Da 262 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mesma forma a data da última sessão pode e deve ser estabelecida com aportes de opi niões de ambos os membros desse processo De Simone12 junto com um número signi ficativo de profissionais sugere que salvo em circunstâncias muito especiais a data estabelecida não deve ser alterada nem an tecipada nem postergada A última sessão deve acontecer conforme estabelecido pre viamente por paciente e terapeuta Essa data não deve ser escolhida logo que se inicia a etapa de término Pelo contrário o assun to precisa voltar à discussão inúmeras vezes antes que os dois parceiros estejam aptos para firmar uma data Em geral os pacien tes ao longo das sessões de forma lenta e gradual expõem suas preocupações quanto à data de término e assim vai ficando cada vez mais claro se esse é de fato o momento apropriado e como e quando será o desfe cho do tratamento É bastante comum que pacientes tendam a apresentar os sintomas do início do tratamento como uma forma de regredirem no tempo e assim evitarem o momento da separação Pela mesma razão alguns deles se sentem impacientes demais para aguardar o dia da despedida e pressio nam o terapeuta para que antecipe a data da alta dessa forma evitam sentir e vivenciar a dor das ansiedades depressivas diante da se paração Por essas razões é importante que se avalie bem antes de fazer qualquer altera ção na data preestabelecida como a última sessão Freud11 em Análise terminável e in terminável escreveu que uma análise che ga ao seu fim quando o paciente não vem mais Etchegoyen8 salienta a esse respeito que Freud está correto quanto ao ponto de vista descritivo se terapeuta e paciente não se encontram mais então o tratamento acabou Todavia do ponto de vista dinâ mico é bem diferente O tratamento pode e deve se estender muito além da data do último encontro pois apesar de não haver um encontro formal muitas questões se guem em processo de elaboração na men te do paciente Etchegoyen salienta ainda com algum sarcasmo que a terapia não pode acabar antes do último dia de sessão Apesar de parecer óbvia essa colocação é muito pertinente e revela um dos riscos da etapa de término qual seja o de que tera peuta e paciente sigam se encontrando no setting terapêutico sem no entanto haver mais um processo psicoterápico em anda mento Dificuldades no enfrentamento das ansiedades depressivas consequentes ao luto pela separação constituem causa fre quente desse tipo de problema É importante que se examine algo a respeito da clínica dos processos psicoterá picos ante a etapa final Que indícios o te rapeuta pode ter para saber que a etapa de término se aproxima Etchegoyen define esses indícios de indicadores Quais então os indicadores de término O mais óbvio deles diz respeito aos sintomas que levaram o paciente a tratamento Apesar de não ser o melhor critério para um término podese afirmar que é um critério inevitável pois se o que trouxe aquela pessoa a tratamento ainda não se modificou não cabe ir adiante na busca de outros critérios mais adequa dos Para se pensar em término é necessá rio que tenha havido alguma mudança nos sintomas que determinaram o tratamento ou que podem ter surgido ao longo deste Não se propõe que tais sintomas tenham desaparecido de todo Sabese que em situ ações angustiantes decorrentes das vicissitu des da própria vida esses sintomas podem reaparecer mas apesar de ser desejável a supressão destes uma modificação no grau de sofrimento que causam ao paciente já se constitui em indicador de melhora A in tensidade e a frequência dos sintomas assim como a atitude que alguém adota frente a eles será então o que nos guiará nesse pon to diz Etchegoyen8 a esse respeito Psicoterapia de orientação analítica 263 Além da alteração sintomática Etche goyen nomeia outros indicadores que po dem ser identificados no paciente em combinações e graus distintos Vida sexual que o paciente possa usu fruir no fim de seu tratamento de uma vida sexual mais regular e satisfatória e menos conflitante Relações familiares ao fim do tratamen to deve ter havido alguma modificação em suas relações familiares permitindo trocas afetivas mais harmônicas com cônjuges filhos eou pais Relações sociais como consequência de um tratamento bemsucedido é possível que o paciente tenha processado algumas modificações em seu círculo social dei xando de lado certas amizades que antes eram imprescindíveis e aproximandose de pessoas anteriormente consideradas muito diferentes do paciente Isso é particularmente verdadeiro com adoles centes drogaditos casos em que a recu peração só é possível se o círculo de ami gos da droga é abandonado A melhora do paciente provoca distanciamento de outros drogados e aproximação com jovens antes considerados nerds ou caretas Relações profissionais é também um bom indicador de alta o fato de o pa ciente conseguir mudar suas relações de trabalho obtendo mais gratificação de seu dia a dia profissional sem tanta rivalidade ou sem temer tanto as com petições inerentes àquela atividade Quantidade de angústia e culpa a dimi nuição da angústia e da culpa a níveis manejáveis e não tão desconfortáveis para o paciente é um indicador impor tante Contato com a realidade suportar a realidade seja ela de que natureza for constitui importante indício de término Tais indicadores são tanto mais signi ficativos quanto menos propagandeados pelo paciente quanto mais o terapeuta pu der deduzir dos relatos essas modificações mais verdadeiras e fidedignas como indi cadores serão Por trás desses indicadores clínicos há teorias que sustentam sua importância A psicoterapia de orientação psicanalítica como o próprio nome indica tem suas ra ízes na psicanálise e nas teorias analíticas Portanto muitos dos embasamentos teó ricos que os psicoterapeutas utilizam para estabelecer critérios de término são deri vados das diferentes teorias psicanalíticas a respeito de término de psicanálise Diver sos autores conforme suas teorias susten tam distintos objetivos para os tratamentos dinâmicos assim também os critérios para o término serão estabelecidos de manei ras diferentes obedecendo aos objetivos previamente estipulados Para Freud13 a teoria de base que determina a ocorrência ou não de um término enfatiza o tornar consciente o inconsciente Outra máxima defendida por ele era Onde estava o id ali estará o ego14 Há autores como Win nicott15 por exemplo que propõem que o término em si é um dos objetivos do trata mento para que o paciente possa reexperi mentar uma separação e ter a oportunida de de equacionar as angústias relacionadas de maneira diferente do que fez na sua in fância Melanie Klein16 compara a separa ção do terapeuta com um novo desmame e propõe que as ansiedades paranoides e depressivas sejam trabalhadas antes que se pondere sobre uma separação Tanto isso é verdade que Meltzer17 chama de desma me a última etapa do processo psicanalí tico Já Hartman18 elege como critério de término a expansão da área livre de confli to no ego Lacan citado por Etchegoyen8 defende a ideia de abandono da ordem do imaginário e acesso à ordem do simbólico 264 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs como condição básica para que o processo terapêutico chegue a um término O que se pode concluir a respeito de todas essas questões teóricas e práticas so bre os indicadores é que seja qual for a es cola seguida pelo terapeuta o fundamental é que seu paciente esteja mais capacitado a lidar com a realidade a despeito daquele conflito eou sintoma que o levou a trata mento É sabido que nas práticas dos con sultórios há um acordo bastante amplo o que não deixa de ser surpreendente em relação à avaliação dos progressos do pa ciente8 Isso significa que apesar de com preensões teóricas distintas muitos dos indicadores clínicos de término são com partilhados entre os seguidores das diferen tes escolas Se utilizada a perspectiva laca niana diremos que abandonar a ordem do imaginário pela ordem do simbólico signi fica estar mais de acordo com a realidade e menos propenso a fantasiar ou imaginar realizações Se usarmos uma nomenclatura kleiniana afirmaremos que o paciente es tá mais inserido na posição depressiva do que na esquizoparanoide o que quer dizer que aceita mais suas limitações e as de seus objetos Se preferirmos utilizar um lingua jar freudiano diremos que o paciente está mais ciente de seus conflitos do que antes do tratamento quando a conflitiva era mais inconsciente Da mesma forma para os terapeutas vinculados à psicologia do ego o término estaria condicionado a uma ampliação da área livre de conflito o que na prática significa um contato maior do paciente com a sua realidade e a do outro Até agora referimonos principal mente aos términos de terapias que foram conduzidas com sucesso Há no entanto um número importante de tratamentos que não evoluem para um término bemsucedi do Nesse grupo incluemse os abandonos por causas diversas que são designados co mo interrupções e os impasses em outro grupo estão as psicoterapias que evoluem para tratamentos analíticos propriamente ditos Aguiar19 chega a afirmar textualmen te Podemos dizer que as psicoterapias em geral terminam numa espécie de impasse o caráter Apesar de empregada a palavra impasse propõese atualmente o uso ex clusivo desse termo para uma situação clí nica particular quando o processo analítico estanca devido a um conluio inconsciente entre terapeuta e paciente não há avan ço nem progresso da situação terapêutica nada de modificação significativa acontece durante longo tempo embora as sessões si gam acontecendo do ponto de vista formal É uma situação perigosa e traiçoeira justa mente por haver a participação inconsciente dos dois membros do processo As reações terapêuticas negativas tam bém são causa frequente de interrupção Segundo a escola kleiniana estes são pa cientes que melhoram mas que não su portam dar crédito algum ao tratamento pela melhora conquistada e preferem in terromper a prosseguir e tratar sua depen dência e sua inveja das boas capacidades do terapeuta Abordagens mais distantes dos kleinianos como a proposta por Winni cott defendem a ideia de que o impasse só acontece se o terapeuta não alcançar uma comunicação e uma compreensão eficaz com aquele dado paciente Por fim é im portante que sejam mencionadas ainda aquelas interrupções que podem acontecer devido a causas da realidade externa como dificuldades financeiras mudança de cida de entre outras Nesses casos é essencial que o terapeuta se disponibilize a proces sar uma interrupção o menos traumática possível Há situações em que a frequência das sessões é alterada enquanto vai se pro cessando o desmame possível Em outros casos as dificuldades financeiras são oca sionadas de forma inconsciente pelo pró prio paciente como forma de se livrar do Psicoterapia de orientação analítica 265 encargo emocional que a terapia lhe impõe sem que precise se defrontar com as culpas que tal decisão provocaria Nesse exem plo cabe ao terapeuta interpretar o ataque agressivo inconsciente que o paciente fez à possibilidade de se tratar e se possível res gatar o tratamento Para finalizar é importante salientar que essas descrições e sugestões devem ser usadas como referências mas nunca como normas rígidas Cada terapeuta no calor da sessão com seu paciente precisa ter essas referências bem estabelecidas e ao mesmo tempo deve poder colocálas de lado para vivenciar de maneira mais genuína e espon tânea as inúmeras vicissitudes do processo psicoterápico com aquele paciente em parti cular naquele determinado momento Quanto mais autêntico e genuíno for o diálogo pacienteterapeuta dentro das restrições que o setting impõe tanto mais o paciente vai sen tir como verdadeiro todo o processo e suas con quistas Assim como esses indicadores preci sam ser compreendidos utilizados como referências e não como regras absolutas as fases das psicoterapias também são cons truções não absolutas Não existe fronteira rígida entre essas fases justamente porque elas são evolutivas fazem parte de um pro cesso que vai se desenvolvendo gradual mente Dessa forma as etapas também se sucedem e se transformam aos poucos PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de orientação analítica a exemplo da psicanálise pode ser estudada de acordo com suas três fases início etapa intermediária do processo e término 2 Nas estruturas neuróticas as questões relativas à dicotomia confiançadesconfiança podem ser o enfo que principal da etapa de abertura cujos objetivos podem ser assim descritos a desenvolver a aliança terapêutica e criar uma atmosfera terapêutica adequada para o exame dos conflitos emocionais do paciente b definir os problemas emocionais explorando junto ao paciente os motivos que o trazem à terapia enquanto se tenta acessar as estratégias defensivas utilizadas por ele c buscar esclarecer as origens do sofrimento do paciente identificando seus principais conflitos intrapsíquicos suas relações de objeto primitivas e seus traumas 3 A resolução de conflitos pode caracterizar a etapa intermediária particularmente no caso da terapia de um paciente com estrutura neurótica Com o paciente mais regressivo o borderline o objetivo principal seria a construção de um self coeso com capacidades simbólicas mais eficazes e espaço mental para pensar as angústias inerentes à vida 4 O luto pela separação representa a etapa final ou o término 5 As ansiedades paranoides são o alvo do início da psicoterapia analítica assim como as ansiedades depressivas o enfoque da etapa final 6 Quando o paciente não apresenta a estrutura neurótica e sim se trata de um casolimite também denominado paciente fronteiriço ou borderline é preciso acrescentar que as ansiedades de aniquila mento do self podem irromper em qualquer fase da psicoterapia pois são pacientes mais primitivos sem a estrutura defensiva do neurótico e que se desorganizam com facilidade 7 Não existe fronteira rígida entre essas fases justamente porque elas são evolutivas fazem parte de um processo que vai se desenvolvendo gradualmente Dessa forma as etapas também se sucedem e se transformam aos poucos 266 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Klein M Uma contribuição à psicogênese dos estados maníacodepressivos In Klein M Contribuições à psicanálise 2 ed São Paulo Mestre Jou 1981 p 35589 2 Langs R The technique of psychoanalytic psychotherapy New York J Aronson 1974 v 2 3 Dewald PA Psicoterapia uma abordagem dinâmica 2 ed Porto Alegre Artes Médi cas 1984 4 Freud S Sobre o início do tratamento No vas recomendações sobre a técnica da psica nálise In Freud S Edição standard brasilei ra das obras psicológicas completas de Sig mund Freud Rio de Janeiro Im ago c1969 v 12 p 16492 5 Bion WR Two papers the grid and caesura Rio de Janeiro Imago 1977 6 Favalli PH O campo psicanalítico consi derações sobre a evolução do conceito Re vista LatinoAmericana de Psicanálise 1999312346 7 Chuster A W R Bion novas leituras dos moldes científicos aos princípios éticoesté ticos Rio de Janeiro Companhia de Freud 1999 v 1 8 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 p 369 374 9 Winnicott DW The use of an object and re lating through identifications In Winnicott DW Psychoanalytic explorations Cam bridge Harvard University 1989 10 Ferenczi S O problema do fim da análise In Ferenczi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 Obras completas v 4 11 Freud S Análise terminável e interminável In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago c1969 v 23 p 24790 12 De Simone G Ending analysis theory and thechnique London Karnac 1997 13 Freud S Conferência XXVII transferência In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago c1969 v 16 p 50321 14 Freud S Conferência XXXI a dissecção da personalidade psíquica In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janei ro Imago c1969 v 22 p 75102 15 Winnicott DW The aims of psychoanalyti cal treatment In Winnicott DW The matu rational processes and the facilitating envi ronment studies in the theory of emotional development London Karnac 1990 16 Klein M On the criteria for the termina tion of a psychoanalysis Int J Psychoanal 1950317880 17 Meltzer D O processo psicanalítico da crian ça ao adulto Rio de Janeiro Imago 1971 18 Hartmann H Technical implication of ego psychology Psychoanal Q 195120130 43 19 Aguiar RW Indicadores da terminação em psicoterapia de orientação analítica In Ei zirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psico terapia de orientação analítica teoria e prá tica Porto Alegre Artes Médicas 1989 p 394400 LEITURA SUGERIDA Bion WR Turbulência emocional e sobre uma citação de Freud Rev Bras Psicanál 198721121 Na sua singeleza poética Mário o cartei ro do filme O carteiro e o poeta1 ao ouvir uma poesia recitada por Neruda comen ta é engraçado sentime como um bar co sendo sacudido pelas palavras da poe sia Curioso sentime até um pouco nauseado Neruda dizlhe que ele acabou de fazer uma poesia pois expressou sua emoção por meio de uma metáfora Má rio surpreen dese e diz com sua pureza ingênua que não não vale pois foi sem querer Além de ter feito uma poesia o personagem define algo que me pareceu importante destacar para a finalidade deste capítulo ele descobriu o poder da palavra para não só expressar os estados emocio nais que vivenciamos como também para nos provocar intensas emoções e até sen sações somáticas Ele evi dencia o enlace entre o simbólico e o somático Aliás em todo o filme a palavra é enaltecida como aquilo que é capaz de arrebatar modificar e transformar o sujeito A relação de Má rio o carteiro e Neruda o poeta pode ser entendida entre vários outros enfoques possíveis como uma relação de nature za psicoterápica Mário aplastado em um ambiente que não sente como motivador vislumbra em Neruda a possibilidade de transformar sua vida conquistar mulhe res ter uma identidade curiosamente pela aquisição do dom da palavra ele quer ser poeta também Aprende a dar nome às su as emoções a compreender e a nomear os sentimentos dos outros bem como dos ob jetos do mundo e transformase2 Este capítulo tratará justamente disso como por meio da palavra do insight que dela resul ta será possível ao paciente atingir melhoras sintomáticas e mudanças psíquicas Baranger e Baranger3 auxiliam no es clarecimento da importância da palavra no trabalho psicoterápico A palavra que veicula a interpretação diz Ba ranger tem de fato um papel e funções es senciais ela conecta emoções e partes do self até então clivadas e discrimina paciente e te rapeuta interno e externo passado e presente A palavra ordena as diversas confusões presen tes na mente do paciente e na dupla terapêu tica mediante a discriminação do que esteve fusionado e da conexão do que esteve clivado Em recente trabalho publicado na Revue Française de Psychanalyse4 foi estu dada a função materna e a paterna da inter 15 INSIGHT E ELABORAÇÃO Ruggero Levy 268 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pretação tema que será desenvolvido mais adiante Os tópicos de que trataremos neste capítulo o insight e a elaboração são da maior importância na psicanálise e nas psi coterapias de orientação psicanalítica Tais psicoterapias estão justamente dirigidas ao insight mas veremos o quanto apenas este não é suficiente para atingiremse os objeti vos visados no tratamento Será necessário um processo de elaboração que conduza às modificações desejadas O insight é obtido por meio da inter pretação realizada pelo psicanalista ou pelo psicoterapeuta de orientação psicanalítica Tentaremos compreender de que modo a pala vra é capaz de atingir camadas profundas do psiquismo e provocar em seu âmago mudan ças estáveis nos estados afetivos e em sua ex teriorização por meio da conduta Sabemos que existem outras formas de obteremse modificações sintomáticas no paciente que não pelo insight tal como a sugestão Nos tratamentos psicanalíticos e nas psicoterapias de orientação psicana lítica embora possam ocorrer intervenções de cunho sugestivo elas são ferramentas mais utilizadas em outros tipos de psicote rapias Como já trataram Duarte5 e Lewko wicz6 de modo geral entendese o insight e a elaboração como dois processos inte grados O insight é uma compreensão pro funda a respeito da vida psíquica podendo ser mais intelectual ou mais carregado de emoção Ele ocorre em um dado momen to da psicoterapia ou da análise e inicia em um longo processo de elaboração que con siste na superação de diversas formas de re sistências e culmina nas almejadas mu danças psíquicas Ao longo deste capítulo teremos oportunidade de detalhar esses conceitos Veremos o quanto no desenvolvi mento da teoria psicanalítica dependendo do modelo teórico em questão de como o funcionamento mental é entendido va riam os objetivos da interpretação o con texto em que ela ocorre e os tipos de mu dança esperados ASPECTOS HISTÓRICOS No início a técnica concebida por Freud era basicamente sugestiva7 A própria hipnose consistia em uma forma de suges tão Ocorria nessa técnica que o analista ocupava o lugar do superego do paciente sugerindo o que ele deveria ou não deve ria fazer Depois percebeuse que isso não alterava em nada o conflito inconsciente pois este em seguida voltava a produzir novos sintomas Breuer em 1880 renunciou ao méto do sugestivo para tratamento das neuroses e passou a aplicar o método hipnótico de uma forma diferenciada Passou a utilizá lo não para promover condutas sãs em sua histórica paciente Ana O mas para fazêla falar sobre seus pensamentos e suas experiências Este foi um passo decisivo na história das psicoterapias pois a hipnose não foi empregada para remover sintomas mas para acessar memórias inconscientes8 Freud em seus Estudos sobre a histe ria9 avançou ainda mais situandose em uma etapa intermediária pois abandonou a hipnose e passou a usar um método que pressionava o paciente a falar sobre seus pensamentos Esse método anterior à psi Psicoterapia de orientação analítica 269 canálise propriamente dita foi chamado de método de coerção associativa8 O criador da psicanálise compreen dia na épo ca que a função do sintoma neurótico era du pla de um lado defender a personalidade do paciente contra uma tendência inconsciente de pensamentos que lhe resultavam inaceitáveis e de outro ao mesmo tempo gratificava dita tendência O objetivo do insight era levar o pa ciente a ter consciência dela fazer consciente o inconsciente acreditandose que assim cessa ria a razão de ser do sintoma Ele deveria desaparecer automatica mente Surgiram no entanto dificuldades o paciente passava a colocar obstáculos ao bom andamento do tratamento surgia a resistência e mesmo depois de conscien tizado o pensamento inconsciente subja cente ao sintoma ele persistia inamovível no dizer de Strachey7 Como sempre ocor re na psicanálise particularmente ao longo do trabalho investigativo de Freud esses obstáculos deram lugar a avanços teóricos Freud descobriu que era possível ter cons ciência de uma tendência inconsciente em dois sentidos poderia ter consciência dela mediante a interpretação do analista sem ter realmente consciência dela Criou uma metáfora visual para tentar explicar o fenômeno deveríamos imaginar a mente como um mapa em que em uma deter minada região estava a tendência incons ciente como pulsão ou como uma moção pulsional e em outra região a informação provida pelo terapeuta O verdadeiro insi ght ocorreria apenas quando se poderia co nectar essas duas impressões a tendência pulsional e a informação Posteriormente essa compreensão deu origem aos concei tos de insight descritivo e ostensivo que logo adiante abordaremos Entretanto Freud logo percebeu que o paciente se opõe a recordar pois há uma resistência a entrar em contato com memó rias dolorosas Descobre haver um jogo de forças intrapsíquicas em que se confron tam o desejo de lembrar e o de esquecer simultaneamente Propõe então a técnica da livre associação em que o paciente deve ria falar livremente e a partir do momento no qual esbarrava em alguma resistência esta deveria ser compreendida e ativamen te superada Freud entendeu que antes de o paciente po der ter um insight acerca de seus desejos repri midos teria de compreender a resistência que estava colocando ao progresso do tratamento e uma vez feito isso o inconsciente reprimido brotaria com facilidade Deuse conta também de que algo uma força interna ao paciente impedia que se realizasse essa conexão Seria algo como a descoberta de uma outra forma de ação da resistência Desse modo a fim de obter o verdadeiro insight seria preciso interpretar tornar consciente também a resistência Foi a partir disso que surgiu outro grande avanço na teoria da técnica o objetivo do analista não era tanto tornar conscientes as tendências pulsionais censuradas mas libertar o paciente de suas resistências a elas Removendo as resistências elas aflorariam naturalmente e sem maiores sobressaltos Nesse aspecto Reich10 deu sua grande con tribuição à teoria da técnica psicanalítica Preconizava e isso é válido até hoje na teoria da técnica mais contemporânea que não é possível visarse a um insight de 270 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs conteúdo p ex um desejo infantil qual quer enquanto não for compreendida uma resistência ativa no momento como por exemplo uma transferência negativa que se expressa na forma como o paciente fala ou se conduz no setting A importância desse histórico para o nosso tema consiste em compreendermos que para que o insight seja obtido necessitase percor rer um caminho que pressupõe a superação de resistências Primeiramente as resistências à aqui sição do insight em seguida aquelas à efetividade dele por fim as resistências à elaboração ou seja ao abandono das gra tificações e dos padrões aos quais o sujeito está neuroticamente apegado CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DO INSIGHT O termo insight provém do inglês e foi cunhado pelos analistas da Europa e da América Foi criado no entanto para ex pressar ideias que pertencem integral mente a Freud8 Consi derando que a psicanálise e a psicoterapia de orientação psicanalítica visam a aumentar o conhe cimento que o sujeito tem de si mesmo o insight seria o momento da tomada de consciência de algo significativo a respeito da vida psíquica no tratamento Em inglês a palavra significa visão in terna em função da conjunção do prefixo in dentro e o acréscimo de sight vista Tratase então da visão da compreensão que o sujeito tem a respeito de seu mundo interno de sua vida psíquica De acordo com Etchegoyen8 é um tipo especial de conhecimento novo e in transferível em que o sujeito capta uma relação entre dois elementos que até aquele momento não havia percebido Essa nova relação entre determinada atitude e um novo sentido que lhe é atribuído muda o significado de sua experiência Um pacien te por exemplo bate o carro Diz que vi nha dirigindo seu carro novo chovia e ele pensava que era um bom dia para bater o carro Faz então uma manobra arrisca da não olha o retrovisor da direita e colide Assume logo a culpa e responsabilizase pelos danos materiais Na sessão relata o acidente e imediatamente após o relato conta que no fim de semana cometeu uma transgressão com a namorada e ficou de primido de encontrar a mãe que vive no interior sem condições mínimas de vida Entendemos que o acidente ocorreu em função de seu sentimento de culpa e que foi uma forma de punição Esse evento que poderia ser percebido simplesmente como obra do acaso passa a ter um novo signi ficado O insight serve para apreender um significado a que não se podia ter acesso até aquele momento A relação mais clássica existente é entre o insight intelectual e o emocional sendo que alguns consideram verdadeiro apenas o segundo Porém na medida em que se trata de uma aquisição de conheci mento e de estabelecer novas relações entre dois termos há um componente intelec tual intrínseco ao insight Considerase que a emoção deva estar presente ou vinculada a esse ganho de conhecimento Segundo Etchegoyen8 a emoção pode estar presente de duas formas na primeira o insight se re fere a uma emoção seu conteúdo é a emo ção e o significado novo que será a ela atri buído A segunda forma é que um determi Psicoterapia de orientação analítica 271 nado insight libere determinadas emoções imperceptíveis até aquele momento Existe no entanto outra classificação já mencionada por Duarte5 mas que mere ce ser relembrada Haveria o insight descritivo obtido pela descri ção verbal restringindose ao domínio do ver bal e o ostensivo que inclui no momento do insight uma vivência emocional que coloca a pessoa em contato direto com determinada experiência psicológica sendo por isso cha mado de ostensivo São situações em que ostensivamen te aparece no consultório ao vivo uma vivência emocional e é possível apontar é disso que estávamos falando Na verdade esses dois tipos de insights não se excluem mas se complementam pois a vivência emocional experimentada em determina do momento como consequência de um conhecimento obtido no tratamento é im portante do mesmo modo que é necessário que ela própria seja outra vez traduzida em palavras para ser ampliado o conhecimen to a respeito dela8 Baranger e Baranger11 descrevem o insight como um fenômeno do campo bi pessoal Sempre inevitavelmente ele é obra de duas pessoas em qualquer dos modelos teóricos que se tome como referência Cla ro que naqueles que privilegiam a identifi cação projetiva tal aspecto será mais bem entendido e enfatizado O autor destaca o caráter de descobrimento do insight acom panhado do sentimento de surpresa Essa vivência é de descobrimento de afeto não erotizado e sem a negação de tensões agres sivas que podem ter ocorrido É a sensação de trabalho cumprido e de que valeu a pena ser empreendido Descreve como a gratifi cação autêntica que o analista pode aufe rir de seu trabalho além de outras menos fundamentais É a possibilidade de acesso ampliado a distintas regiões do psiquismo Não uma invasão ou confusão mas uma união discriminada Talvez o maior clássico da história da psicanálise sobre insight e mudança psí quica seja o trabalho de James Strachey de 1934 O que mais impressiona em seu genial artigo é que ele foi escrito em plena efervescência das criações clássicas da psi canálise e consegue obter mesmo assim a lucidez por vezes alcançada apenas com o distanciamento histórico Strachey dividiu em duas fases a interpretação mutativa ou seja aquela com a propriedade de produzir um insight capaz de efetuar mudanças profundas no psiquismo Ressalta que as duas fases costumam ser sucessivas mas que para efeitos de compreensão podem ser divididas Na primeira fase descreveu vários passos Ocorreria antes de tudo a toma da de consciência de que está havendo uma tensão no ego depois a consciência de que está em ação um processo repressivo e que o sentimento de ansiedade provém do de samparo do ego diante das ameaças seve ras do superego e terceiro finalmente a tomada de consciência do impulso do id que vinha sendo reprimido O insight vis to dessa forma dirigese a vários pontos do aparelho mental a vários setores da estru tura da personalidade preparando o sujei to para conscientizarse e absorver algum impulso do id Esses processos poderiam ocorrer de forma sucessiva ou em uma su cessão irregular Ou seja em determinado 272 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs momento o paciente poderia compreen der a crueldade de seu superego em outro o quanto se sente angustiado pelas censuras que se faz e posteriormente as tentativas que faz para reparar o que acredita ter da nificado com sua hostilidade7 É interessante notar que ao descrever a pri meira fase da interpretação Strachey utilizou um referencial classicamente freudiano men cionou apenas tornar consciente uma pulsão inconsciente a partir da compreensão da di nâmica entre as três instâncias o id o ego e o superego Na segunda fase da interpreta ção considerada mutativa por Strachey é dig no de nota enfatizar que integra um ponto de vista kleiniano sendo que fazer isso em 1933 é real mente notável conhecendose as rivali dades da época Diz ele que estimulado pelo processo de transferência o paciente dirigiu sua pul são reprimida ao analista ou ao terapeu ta porque projetou nele seu objeto inter no arcaico O terapeuta então ao manter a atitude analítica de apenas compreender e não atuar juntamente com o paciente aquela pulsão ajudao a discriminar entre o objeto arcaico projetado e o objeto real o terapeuta Ao tomar consciência dessa distinção o paciente poderá entender me lhor a natureza de seu objeto interno de seus sentimentos e desejos em relação a ele e desenvolver seu sentido de realidade por diferenciar o que é real do que é seu mun do interno O insight nesse sentido passa do plano puramente intrapsíquico com preender suas pulsões as repressões do ego e as censuras do superego para um plano relacional e bipessoal Nesse trabalho7 destacase que pa ra ocorrer a segunda fase da interpretação mutativa a discriminação entre o objeto primitivo projetado sobre o terapeuta e sua atitude real é essencial à manutenção da neutralidade Se o analista ou o terapeuta comportaremse realmente como um bom objeto que gratifica ou como um mau ob jeto que frustra ou ataca essa discrimina ção não será possível pois o terapeuta terá se comportado com um objeto interno do paciente Então o procedimento técnico de apoiar o paciente embora possa ser muito útil em algumas psicoterapias dirigidas a essa finalidade nas psicoterapias psicana líticas pode constituir um problema pois nesses casos o terapeuta estará atuando como um objeto do mundo interno do pa ciente gratificandoo ou frustrandoo di retamente Strachey12 salientou que essa segunda fase da interpretação chamada por ele de mutativa seria mais possível de ser atingida por meio das interpretações transferenciais em especial nos tratamentos psicanalíticos em que a transferência é mais intensa Se gundo ele para a interpretação ser mais efetiva produzir um insight mais intenso é preciso que seja interpretado um desejo que esteja ativo naquele momento a fim de ser sentido como real presente Assim as in terpretações transferenciais potencialmen te poderiam produzir insights mais inten sos As interpretações extratransferenciais mais utilizadas em psicoterapias correm maior risco de conduzirem apenas a insi ghts intelectuais levando à compreensão de que desejo temor ou fantasia esteve em atividade naquele outro momento naquele outro lugar em uma linguagem racional destituída de afeto podendo transformar se em uma atividade tipo dicionário em que isto quer dizer aquilo Uma deco dificação pura e simples sem presença do afeto Mais adiante abordaremos o porquê da importância da presença do afeto no in sight Para evitar essa situação talvez seja importante destacar que o terapeuta de Psicoterapia de orientação analítica 273 verá sempre buscar o ponto de urgência para efetuar a interpretação ou seja onde está o afeto e de que afeto se trata Mesmo que o afeto esteja ligado a uma experiência extratransferencial identificálo e tornálo objeto da interpretação permitirá que não se caia em um intercâmbio estéril com o paciente Tendo estudado alguns aspectos ge rais passaremos a ver no item seguinte co mo o insight e a sua dinâmica são entendidos nos vários modelos teóricos da psicanálise O INSIGHT NO MODELO FREUDIANO CLÁSSICO O insight segundo o modelo freudiano como já referido consiste basicamente em tornar consciente o inconsciente En tretanto essa assertiva é mais complexa do que aparenta Para Freud do ponto de vista dinâmico há diversos inconscientes há o inconsciente reprimido que são todas as pulsões e as fantasias correspondentes que sofreram esse destino há todas as funções do ego que mantêm a repressão e a resis tência ao tratamento e por fim o supere go e suas várias funções Nesse sentido o paciente poderá tomar conhecimento ter um insight a respeito de um desejo seu re primido de uma censura inconsciente que faz a si mesmo e lhe causa um sentimento de culpa ou de uma resistência que o domi na e cria obstáculos ao andamento do tra tamento Em Inibições sintomas e ansieda de Freud13 deixa claro seu ponto de vista É difícil para o ego dirigir sua aten ção para percepções e ideias que ele então estabeleceu como norma evi tar ou reconhecer como pertencendo a si próprio impulsos que são o opos to completo daqueles que ele conhece como seus próprios Nossa luta contra a resistência na análise baseiase nesse ponto de vista dos fatos Se a resistên cia for ela mesma inconsciente como tão amiúde acontece devido à sua li gação com o material reprimido nós a tornamos consciente Para entendermos melhor como acontecem do ponto de vista freudiano a conscientização do inconsciente o pró prio insight e as mudanças psíquicas será preciso aprofundar sua concepção de re pressão Para Freud quando uma pulsão é reprimida as representações pensamen tos imagens recordações ligadas a ela são repelidas ou mantidas no inconsciente mediante vários movimentos de catexias e anticatexias que aqui não nos interessa detalhar14 Entretanto o afeto ligado a essa pulsão alvo da repressão é liberado sob for ma de ansiedade livre Assim o afeto que estava ligado às representações reprimidas quando opera a repressão é desligado de sua representação original Simplificando então existem dois destinos para esse afeto permanece livre sob forma de ansiedade e o sujeito fica ansioso e não sabe por quê ou se liga a outra representação substitutiva Desde cedo Freud descobriu que o afeto é flutuante circulando entre uma re presentação e outra Essa é a energia livre A energia ligada é a que se uniu de uma maneira fixa a uma representação sendo as fobias o exemplo clássico o medo de Hans ligase à representação do cavalo O afeto é transposto deslocado de uma represen tação inconsciente para uma consciente logo temos uma simbolização15 As funções da simbolização em Freud são pois a substituição de uma re presentação por outra o pai pelo cavalo no caso do Pequeno Hans16 e também a ligação do afeto que ficou liberado pela repressão da representação à qual ele es tava ligado a uma outra representação a fim de evitar a angústia Utilizandonos do modelo freudiano poderíamos imaginar 274 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a seguinte situação um menino teme ser castrado pelo pai em função de seus dese jos incestuosos Todas essas representações são reprimidas o menino simplesmente fica ansioso sem ninguém saber o moti vo e depois passa a apresentar medos de cachorros por exemplo Houve uma sim bolização que permitiu uma nova organi zação psíquica na medida em que surgiu como tentativa de ligar dominar uma energia livre e indiferenciada gerada de pois da autonomia adquirida em relação a sua representação original que foi reprimi da O afeto surge sempre do desmanche de uma rede simbólica anterior Como ve remos esse ponto de vista está em perfeita harmonia com posicionamentos posterio res como o de Bion por exemplo segundo o qual a impossibilidade de representação simbólica das experiências emocionais im plica uma descarga bruta dos afetos seja como ansiedade segundo Freud seja como somatizações ou atuações para Bion17 A palavra que veicula a interpretação tem o po der de restabelecer a coerência perdida e criar uma nova ordem simbólica Haveria simboliza ção nesse modelo quando um afeto desligado de sua representação original pelo processo de repressão fosse ligado a uma nova representa ção Simbolizar seria ligar reter e evidente mente controlar o afeto puro para impedir que surja de forma não especificada não liga da isto é sob forma de angústia14 Tal simbolização segue tendo relevân cia teóricoclínica hoje por várias razões Primeiro por ser um modelo teórico que permanece verdadeiro e útil do ponto de vista clínico Muitas vezes operamos den tro desse modelo mesmo que utilizemos outros Segundo porque hoje nos depara mos com muita frequência com pacientes com dificuldades na simbolização que se apresentam com marcantes quadros de an siedade livre chegando às vezes a configu rar ataques de pânico Ligar essa ansiedade livre a alguma representação dar um nome ou um sentido a essa ansiedade promovem um benefício econômico considerável Sa bemos que na metapsicologia freudiana o ponto de vista econômico é fundamental Por economia psíquica entendemos toda variação de energias que ocorre no psiquis mo Quando um afeto é desligado de sua representação em função da repressão há um aumento de energia livre ocasionan do ansiedade Ligar esse afeto a uma re presentação provoca alívio pois a energia ligada significa uma redução nos níveis de ansiedade Mas retomando o foco deste capítu lo para que nos interessa tudo isso Interessanos pois no modelo freudiano ter um insight significará perceber a qual repre sentação estava ligado originalmente o afe to em foco No caso do menino imaginário ci tado anteriormente de forma simplificada se ria ele descobrir ah então eu tenho medo de cachorros em vez de temer meu pai por desejos proibidos que tive O insight seria desman char o deslocamento do afeto à nova represen tação substitutiva e remetêla a sua represen tação original Seria um insight pelo restabelecimen to da coerência perdida em função da re pressão O INSIGHT NO MODELO KLEINIANO No modelo kleiniano as defesas levadas em consideração de modo predominante são a dissociação provocando clivagens e a Psicoterapia de orientação analítica 275 identificação projetiva causando perdas de conteúdos mentais ou partes do self dife rentemente do modelo freudiano em que a repressão é a defesa por excelência Isso fará o entendimento do funcionamento mental e da psicopatologia e por extensão os objetivos das interpretações serem dife rentes A seguir apresentase uma breve re visão de alguns conceitos básicos de Mela nie Klein Ela acreditava que confrontado com as primeiras ansiedades decorrentes da ação da pulsão de morte o bebê disso cia essa parte do self vinculada à pulsão de morte e projeta o temor ao aniquilamento para dentro de um objeto sentindoo como perseguidor A posição esquizoparanoide será entendida a partir desses processos de clivagem e projeção que produzem uma visão parcial de si e dos objetos criando na fantasia da criança a vivência de estar cercada de objetos parciais bons e maus A predominância dos processos projetivos levará a uma visão distorcida dos objetos e da realidade uma vez que estes serão vistos à luz daquilo que foi projetado De modo gradual na medida em que predominam as boas experiências vai se fortalecendo o objeto bom tornandose o núcleo do ego diminuindo as ansiedades persecutórias a ação dos processos projetivos e permitin do que pouco a pouco o sujeito sinta a si e aos seus objetos como mais integrados conduzindo às experiências da posição de pressiva Klein1820 descreve na posição de pressiva uma ampliação dos interesses da criança um fortalecimento e um desenvol vimento do ego uma organização libidinal maior e como consequência uma amplia ção do âmbito das fantasias uma maior elaboração e diferenciação destas bem como uma modificação em sua natureza Os processos de síntese nas relações obje tais ganham a primazia e a ambivalência passa a existir Criase a noção de objeto total e o temor de perdêlo pelos ataques sádicos anteriores Os processos de síntese e integração do ego permitem uma maior apreensão tanto da realidade psíquica quanto da realidade exterior A noção de objeto total e a culpa pelo dano possível ao objeto amado fazem as tendências re paratórias se fortalecerem Criase uma urgência superlativa de fazer a reparação e de preservar ou reanimar o objeto amado e danificado19 Como as tendências repa radoras provêm do instinto de vida trazem consigo fan tasias e desejos libidinais A ten dência reparadora passará a fazer parte das sublimações e será o grande meio pelo qual a depressão será elaborada e mantida sob controle O desenvolvimento adequado da posição depressiva depende de como se rea lizou o desenvolvimento anterior ou seja se estabeleceu uma incorporação adequada do bom objeto como núcleo in tegrador do ego e portanto os processos de divisão do ego não foram excessivos Na posição depressiva por meio da reparação do objeto amado e atacado este se reinsta la no mundo interno recuperado e restau rado Evidentemente aqui há a referência a uma reconstrução mental do objeto na fantasia supondo já um grau considerável de simbolização21 Então Melanie Klein entende o fun cionamento mental a partir de seus concei tos de posição esquizoparanoide e posição depressiva e das relações de objeto que o sujeito internaliza em seu desenvolvimen to primitivo Nesse sentido compreen derá a ação terapêutica vinculada a esses conceitos confrontado com ansiedades o indivíduo poderá recorrer a mecanis mos esquizoparanoides cindindo seu self e projetando partes dele em algum objeto A ênfase atribuída às relações objetais fará a transferência ser considerada um instru mento privilegiado para produzir mudan 276 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ças O paciente projetará partes de si no terapeuta que terá a missão de acolhêlas compreendêlas e interpretálas O insight será diri gido à compreensão dessas cisões e projeções de partes do self e visará à recu peração do que foi projetado e à integração do self A reinternalização daquilo que foi projetado e a superação das cisões a partir do insight permi tirão uma maior integração do self e uma visão mais acurada da realidade Estes são justamente fenômenos da posição depressiva Eles permitirão a aqui sição de uma visão mais realística e com pleta de si do objeto e da realidade Assim aquilo que Klein compreende como sen do próprio do desenvolvimento infantil a passagem da posição esquizoparanoide para a depressiva é o que ocorre em um tra tamento de orientação psicanalítica A pas sagem de posição esquizoparanoide PE para posição depressiva PD implicará múltiplas alterações no funcionamento mental e na visão de si e do mundo Acar retará diminuição dos processos projetivos e aumento dos processos introjetivos di minuição das cisões e reforço na integra ção do self e dos objetos uma visão mais clara de si dos objetos e do mundo maior responsabilidade por seus desejos e pelo cuidado com os objetos amados Tal é o crescimento mental almejado no modelo kleiniano A mudança psíquica desejada obtida por meio de sucessivos insights será o indivíduo poder responsabilizarse por suas pulsões por seus desejos e pela conquista do respeito e da consi deração pelo outro A grande oposição a esse crescimento nesse modelo é a inveja primária22 A responsabilização por suas pulsões e a consideração pelo objeto conduzem à vivência da culpa pelos ataques ao objeto amado e ao desejo de reparálo Afirma Pe tot23 A ansiedade depressiva só é verdadei ramente completa quando os senti mentos de culpa são plenamente ex perimentados e as condutas reparado ras simbólicas são bemsucedidas Corroborando o que estamos estudando Ba ranger11 comenta que o insight seria a supe ração de uma clivagem uma integração de algo dissociado e nesse sentido um fenô meno da posição depressiva Além da asso ciação de algo que esteve dissociado o insi ght envolve uma reintegração do que esteve projetado pois ao emergir do estado de fu são com o paciente promovido pelas identifi cações projetivas deste por meio da interpre tação o terapeuta devolve ao paciente de modo já transformado modificado o que ha via sido projetado por ele No campo analítico ou psicoterápi co em um primeiro momento temos a fusão de paciente e terapeuta pela troca de identificações projetivas fazendo com que fique misturado o que é do pacien te e o que é do terapeuta Ao interpretar há a passagem de um estado de simbiose a outro em que analista e paciente se indi vidualizam novamente e se reposicionam em seus lugares No momento do insight ambos compartilham a mesma vivência de descobrimento e a sensação de trabalho cumprido11 Esse é um dos motivos pelos quais se atribui à interpretação uma fun ção paterna4 Tal como o pai no desenvol vimento infantil a interpretação desfaz Psicoterapia de orientação analítica 277 a fusão pacienteanalista ocorrida em um primeiro tempo Bollas24 defende a ideia de que os três personagens do Édipo a crian ça a mãe e o pai estão sempre presentes na situação analítica e psicoterápica A crian ça no devaneio no sonho no brincar na sessão A mãe ao acolher essa vivência e na capacidade de estar junto e sonhar com a criança E o pai no estabelecimento dos limites e da discriminação Claro que essas funções poderão transitar entre a dupla te rapêutica a cada momento da experiência O INSIGHT NO MODELO BIONIANO E NAS TEORIAS DO CAMPO Veremos a seguir como as contribuições de au tores como Bion Baranger Ferro e Ogden ele vam a importância da relação terapêutica ao seu apogeu entendendo que é por meio dela e da experiência emocional compartida no cam po terapêutico pela dupla pacienteterapeu ta que ocorrerá a possibilidade de crescimen to mental Nesses referenciais o crescimento mental é entendido como a ampliação da ca pacidade de simbolizar representar as expe riências emocionais transformando as expe riências emocionais sensoriais e pulsionais brutas que pressionam à ação em elemen tos simbólicos pensamentos capazes de serem sonhados e pensados e metabolizados na es fera psíquica Bion em Dreamworka25 apresenta uma série de funções mentais que afirma já serem bem conhecidas da psicanálise Des creve o que posteriormente chamará de função a 1 é contínua dia e noite 2 opera sobre estímulos recebidos de dentro e de fora da mente e sobre a contraparte ideativa dos fatos externos Tal função transforma as impressões sensoriais brutas de modo que possam ser armazenadas e relembradas A impressão sensorial é transformada em ideograma ou ideogramatizada Por exemplo se a experiência é de dor o psiquismo poderá receber uma imagem de uma face com lá grimas ou de um cotovelo arranhado Posteriormente ordenando e am pliando suas ideias Bion26 criou o seguinte modelo a função a opera sobre as impres sões sensoriais e sobre as emoções chama das por ele de elementos b transformando as em elementos a Os elementos a são as imagens vi suais os modelos auditivos olfati vos adequados para serem emprega dos nos pensamentos oníricos o pen sar inconsciente de vigília os sonhos a barreira de contato a memória E acrescenta Os elementos a se asse melham e na realidade podem ser idênticos às imagens visuais a que estamos familiari zados nos sonhos Tratase de formas mentais capazes de serem pensadas ou armazenadas enquanto os elementos b equiparamse às coisas em si pertencendo ao campo dos fenômenos e não das ideias ou seja não passíveis de serem pensados Os elementos a perten cem ao domínio do pensar e os elementos b ao domínio do sentir A função a é ne cessária para o pensar consciente e para que determinado pensamento seja armazenado no inconsciente Se só existem elementos b que não podem ser inconscientes não po de haver repressão Aquela permite então a formação da barreira inconscientecons ciente barreira de contato Assim na vigí 278 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lia o sujeito pode ficar adormecido para percepções e experiências emocionais por ela armazenadas no inconsciente A função a possibilita o sonhar por formar elemen tos a que originarão os pensamentos oníri cos Garante ainda o desenvolvimento do sentido de realidade tão importante para a mente quanto a comida a bebida o ar e a eliminação de fezes e urina o são para o cor po no modelo teórico bioniano A barreira de contato como veremos resulta da ade rência entre os elementos a21 Segundo Bion17 para se aprender com a experiência é preciso que a função a opere sobre a experiência emocional seja na vida diurna seja na noturna transfor madoa em conhecimentos e memórias ca pazes de serem armazenados Os elementos a podem ser pensados porque podem in tegrarse estabelecer ligações entre si Ca per27 em artigo interessante sobre a fun ção a comenta que no sentido bioniano a qualidade de ter significado está ligada à possibilidade de estabelecer conexões Ou seja uma ideia é significativa se pode ser conectada a outra ideia A tela de elementos b que não podem articularse entre si prestase mais à ex pulsão e visa a provocar reações no analista O uso das palavras é mais uma ação para liberar o psiquismo de um acréscimo de estímulos do que uma linguagem propriamente dita Um dos grandes diferenciais de Bion em rela ção a Klein é que além de criar um modelo teó rico a propósito do que se passaria intrapsiqui camente ele concebe a relação mãebebê de tal modo que o que se passa dentro da mente do lactante se torna inseparável do vínculo esta belecido com a mãe e do que se passa na men te dela21 No início da vida o bebê confronta do com as frustrações inevitáveis necessita livrarse dos elementos b e por identifi cação projetiva colocaos para dentro da mãe Bion1726 dá um novo passo teó rico considera que a mãe tem um papel modulador essencial manejando a per sonalidade do bebê para que este possa desenvolver sua mente Ou seja não de pende apenas das características constitu cionais do bebê quantidade de pulsão de mortevida e tolerância à frustração mas também da capacidade mental da mãe de metabolizar e transformar as projeções iniciais do bebê Considerando que a fun ção a não opera desde o início da vida o bebê depende da função a da mãe e de sua capacidade de rêverie para alfabetizar28 suas experiências emocionais A rêverie da mãe é entendida por Bion26 como o órgão receptor da colheita de sensações do be bê que foram projetadas para dentro dela É isso que satisfaz a necessidade de amor e compreensão do lactante Se a mãe que alimenta não tem capacidade de rêverie ou se a rêverie ocorre sem amor ao bebê ou ao seu pai esse fato será comunicado ao bebê mesmo que lhe seja incompreen sível A rêverie é fator da função a da mãe26 Bion1726 acrescenta assim uma nova forma de operar a identificação projetiva normal qual seja com finalidades comunicativas O bebê desperta na mãe sensações desagradáveis das quais deseja livrarse a mãe as acolhe e reage terapeuticamen te26 modificando o projetado de modo que o bebê sente depois de reintrojetar o que foi projetado que está recebendo de volta sua personalidade de forma tolerá vel Essa seria uma relação continente contido que levaria ao desenvolvimento do Psicoterapia de orientação analítica 279 aparelho de pensar Se ao contrário a mãe reagindo com ansiedade e incompreen são não acolhe as projeções ou acolhe mas não atenua e as devolve incrementa das por sua própria ansiedade o bebê sente que está em relação com um objeto mau espoliador invejoso e é invadido por um terror sem nome Esse estado emocional conduz por sua vez a um novo incremen to da identificação projetiva contribuindo não para o desenvolvimento do aparelho de pensar mas para um aparelho que serve mais para a evacuação Tal modelo teórico que coloca o vínculo no cen tro do crescimento mental irá conferir à relação terapêutica um novo status será a partir das experiências emocionais da dupla terapêuti ca da capacidade de rêverie do terapeuta que ocorrerá o crescimento mental É certo que a aplicabilidade desse modelo será mais intensa e mais viável no âmbito de um tratamento psicanalítico do que na psicoterapia em que a intensida de a densidade da experiência emocional é menor e o psicoterapeuta na maioria das vezes não tem formação analítica En tretanto no tópico destinado à discussão do insight na psicoterapia de orientação psicanalítica esse aspecto será debatido percebendose que mesmo no setting psi coterápico em alguma medida isso será possível Assim assistimos à passagem de um modelo unipessoal clássico a um mode lo basicamente bipessoal embora Freud Recomendações já mencionasse a comu nicação de inconsciente para inconscien te Entretanto suas teorizações sobre a passagem de elementos do inconsciente para a consciência em seu modelo era uni pessoal No modelo clássico o insight era compreendido em sua operação na mente do paciente a partir da interpretação do analista era superada uma resistência e tornavase consciente um elemento repri mido provocando a sensação de alívio da tensão proveniente da repressão daquele material No modelo bipessoal possível a partir das contribuições de Melanie Klein e posteriormente de Bion e Winnicott o insight será compreendido também a partir do intercâmbio de identificações projetivas entre a dupla no campo de trabalho e da posição do terapeuta em relação ao mundo interno do paciente Criamse as condições para entender o fenômeno psicoterápico como um campo de trabalho em que os in tercâmbios projetivos da dupla conduzem e esclarecem o clima afetivo que se cria e o mundo interno do paciente Em La situación analítica como campo dinámico Baranger3 introduz o conceito de Winnicott de espaço transicional para pre cisar de que maneira e desde que posição o terapeuta participa do processo de insight Refere que o paciente reconhece no analista uma posição privilegiada como seu objeto transicional situado entre seu mundo in terno e a realidade No tratamento então o analista ou o terapeuta se torna uma te la de dupla projeção pertence ao mesmo tempo ao mundo interno do paciente por suas identificações projetivas e à realida de Desse modo encontramse na pessoa do terapeuta esses dois mundos e ele de fora do paciente descreve tal encontro de modo menos angustiante ao paciente Ou seja a partir do encontro entre o mundo interno do paciente e a realidade na mente do terapeuta é que este pode descrevêlo ao paciente Na verdade e Baranger tem nítida esta noção é o campo terapêutico que se torna um espaço 280 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs transicional ao mesmo tempo é mundo inter no e realidade passado e presente apresenta uma ambiguidade essencial3 que a mente do analista com suas ferramentas é capaz de apreen der Posteriormente Ogden29 descreveu bem esse terceiro intersubjetivo uma expe riência emocional compartida que se cria entre paciente e terapeuta e que se torna o objeto da compreensão do terapeuta da in terpretação e do insight Antes de finalizar este tópico é impor tante retomar as contribuições de Thomas Ogden29 De forma sintética em sua visão o sujeito psicanalítico criase a partir de di versas tensões dialéticas Sua compreensão depende da possibilidade de articularem se óticas de diferentes sistemas teóricos o sujeito freudiano constituise na síntese da tensão dialética entre o inconsciente e o consciente o sujeito kleiniano constitui se na resultante da tensão dialética entre a posição esquizoparanoide e depressiva desintegraçãointegração e entre a osci lação introjeçãoidentificação projetiva e o sujeito winnicottiano entre o existir e o não existir o eu e o tu o sujeito e o objeto O que me agrada em Ogden é que ele apreende toda a complexidade e riqueza da psicanálise atual Coloca em destaque a visão sincrônica pressuposta na teoria kleiniana bioniana e winnicottiana ou seja de que persistem na mente simulta neamente o infantil e o adulto o psicóti co e o neurótico o processo primário e o secundário a integração e a desintegração em uma oscilação permanente e em um conflito constante O sujeito organizase em torno dos dois eixos o sincrônico e o diacrônico A importância dessa visão para o tema do insight é que o aquieagora da sessão analítica passa a ser entendido sob uma visão muito mais plástica e dinâmica O encontro analítico será o encontro de duas subjetividades que geram uma tercei ra intersubjetiva no espaço potencial entre o paciente e o analista ou seja é a terceira área da experiência que se encontra entre o eu e o não eu en tre realidade e fantasia É no espa ço criado entre esses polos que os sím bolos são criados e a atividade imagi nativa se dá29 E é isso que seria o objeto do insight O primeiro momento do encontro analítico é marcado pelas identificações projetivas cruzadas pela confusão eunão eu e pelo predomínio de PE As experiências são vividas concretamente e muitas vezes a única forma de lidar com elas é por meio do acting out A interpretação e o insight consequente passa a ser enten dida como uma transformação simbólica a partir da capacidade de rêverie do analista principal mente mas do paciente também da ex periência emocional intersubjetiva criada e vivida no espaço entre ambos A possi bilidade de compreendêla e representála simbolicamente e portanto pensála per mite a recuperação das individualidades e a discriminação eunão eu2930 O insight promove crescimento mental pois enriquece a mente do paciente acrescentando significado e novas simbolizações sendo estru turante enquanto provoca uma reação catastró fica forçando um reordenamento de todo o co nhecimento anterior Claro que uma vez adquirido o insi ght será preciso ver o que o paciente fará com ele se será acolhido em uma relação continentecontido comensal propician Psicoterapia de orientação analítica 281 do o nascimento de mais uma nova ideia e assim infinitamente ou se será invejosa ou destrutivamente despojado de sentido atacado levando a um esvaziamento Mas isso pertence a outro estudo o do ataque à capacidade de pensar que aqui não será possível abordar Nesse sentido é que foi desenvolvida a ideia de que o processo interpretativo na verdade é uma conjugação de funções materna e paterna4 sendo necessária uma cena primária entre paciente e analista ou terapeuta A relação continente femini no n contido masculino que expande a mente descrita por Bion26 implica isso Ou seja para nascer um novo pensamen to é necessário que haja a união criativa de dois masculino e feminino para gerar um terceiro o novo pensamento O novo pensamento enunciado por uma interpre tação transformase imediatamente em contido mas culino que deverá ser assi milado pelo continente mental do pacien te feminino gerando um novo pensa mento no paciente e assim sucessivamen te Claro que aqui se abre um universo de possibilidades de compreensão quanto à técnica interpre tativa Terá o paciente mente continente para conter determi nada interpretação contido formulada pelo analista Terá sido a interpretação demasiada para a capacidade continente do paciente naquele momento Bianchedi22 tem um ponto de vis ta estritamente bioniano quando defende que qualquer intervenção que não diga respeito à experiência emocional da du pla terapêutica como por exemplo uma interpretação explicativa sobre o que o paciente relatou é para ela psicanálise aplicada Aumentará o conhecimento teó rico do paciente podendo até ajudálo a tomar decisões em sua vida mas não lhe proporcionará elementos para seu cresci mento mental propriamente dito Stricto sensu está certo o crescimento mental do ponto de vista bioniano ocorre quando há transformações progressivas conduzindo a graus crescentes de abstração b g a ou experiências emocionais g representação simbólica Porém es pecialmente em psi coterapias insights intelectuais que condu zam ao incremento das funções sintéticas do ego a uma maior integração egoica e até ao reforço de algumas defesas podem ser muito importantes E diferentemente de Bianchedi acredito que é possível que interpretações extratransferenciais provo quem insights que propiciem ao paciente contato com experiências emocionais que deem origem a um crescimento mental co mo o mencionado Uma das maiores contribuições da abordagem bioniana é que as intervenções e os insights não pretendem ser verda des definitivas de tipo dogmático ou dou trinário Bion alertava contra as interpreta ções repetitivas de tipo propagandístico com a finalidade de doutrinar e convencer o paciente Para essa escola podese avaliar a qualidade de uma interpretação pela sua capacidade indagatória Ou seja um insi ght não deverá ser fechado em si mesmo mas capaz de despertar o desejo de conhe cer mais de ir em busca de outro insight Ferro28 denominará essas interpretações de insaturadas em contraposição com as satu radas As últimas fechamse em si mesmas as primeiras estão abertas para ampliarem se a exemplo de um cone que se abre em direção ao infinito Ao encerrar este tópico asseverase que embora academicamente seja impor tante conceituar e entender como ocorre o insight em cada um dos modelos teóricos da psicanálise na prática clínica podemos nos servir de vários deles dependendo de nossa formação do paciente que estamos 282 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tratando e do modelo inspiracional que nos ocorre a cada momento Com isso reforço a ideia de Ferro31 de que mesmo que em nossa mente prevaleça um dos modelos em nossa clínica transitaremos por todos eles A ELABORAÇÃO Se consultarmos o Vocabulário de psicaná lise de Laplanche e Pontalis32 veremos que em português consagrouse o uso do ter mo elaboração para descrever na verda de dois fenômenos abordados por Freud Do ponto de vista freudiano elaboração é em determinado sentido Auserbeitung working in em inglês todo trabalho psí quico realizado espontaneamente pelo aparelho psíquico com o fim de dominar as excitações que chegam até ele e cuja acumulação corre o risco de ser patogênica O trabalho psíquico resultante da atividade analítica com a finalidade de integrar um novo insight e superar as resistências que ele suscita que em português também denominamos de elaboração foi chama do por Freud de Durcharbeiten e em inglês foi traduzido como working through Ainda que na versão portuguesa do dicionário de Laplanche e Pontalis haja a sugestão de usarse o termo perlaboração para a segunda acepção neste capítulo usaremos o termo elaboração working through pois é o que se consagrou em nosso meio Freud costumava considerar que a elaboração seja ela realizada de forma es pontânea seja como resultado da análise era de fato um trabalho psíquico tanto que se referia por exemplo ao trabalho do sonho e ao trabalho do luto O traba lho consiste em transformar e transmitir as energias recebidas pelo aparelho psíquico Nessa perspectiva uma pulsão pressionan do o aparelho psíquico é definida como uma quantidade de trabalho exigida do psi quismo A forma de dominar a energia pa ra Freud era ligandoa a representações como referido anteriormente Atendonos à teoria freudiana a elaboração se ria uma forma de transformar a quantidade fí sica a energia em qualidade psíquica Ou seja por meio da ligação de um afeto a uma representação é permitido que ele entre no psiquismo e possa associarse a outras representações adquirindo novos sentidos Assim a elaboração permitiria a transição entre o registro econômico e o registro simbólico A elaboração no tratamento seria a forma como as interpretações e os insights dela decorrentes são integrados Representa o processo de aceitar ele mentos reprimidos e libertarse da influên cia dos mecanismos repetitivos É curioso notar que o termo em alemão Durchar beiten inclui uma nuança linguística que quer dizer dar forma Veremos o quanto o dar forma especialmente formas visu ais que consiste no trabalho de figurabi lidade é essencial no processo de elabo ração A elaboração no tratamento é o pro cesso capaz de cessar a insistência repetitiva própria das formações inconscientes rela cionandoas com o conjunto da persona lidade do paciente A insistência repetitiva das formações inconscientes seria devida à adesividade do id descrita por Freud em 1926 à qual retornaremos a seguir Freud33 julgava imprescindível o processo de elaboração a ponto de afirmar em 1914 Esta elaboração das resistências pode na prática revelarse uma tarefa árdua para o sujeito da análise e uma prova de paciência para o analista Todavia tratase da parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão Freud considerava existir vários tipos de resistência ao tratamento e à evolução do paciente as resistências do ego as do id e as do superego As resistências do ego são as mais conhecidas São aquelas oriundas da repressão e que se opõem à conscientização do que foi reprimido sendo trabalhadas por meio da interpretação desde o início do tratamento e ao longo de todo ele Precisam ser superadas para que possa ocorrer o insight As resistências que tornam o processo de elaboração mais necessário e que são mais difíceis de serem superadas são as do id e as do superego Freud13 referiu haver uma adesividade das pulsões do id às formas de gratificação obtidas ao longo da vida impedindo que sejam abandonadas com facilidade Serão necessários inúmeros insights para que determinada fantasia inconsciente oriunda de uma dessas formas de gratificação pulsional seja elaborada integralmente Enquanto isso o sujeito adere fortemente a tais formas de gratificação e de funcionamento mental já conhecidas As resistências do superego são também difíceis de serem superadas e têm uma função psíquica diferente O sofrimento psíquico causado pela doença e pelo sintoma neurótico é necessário para que o superego rígido cumpra sua função de punir o paciente pelos crimes cometidos em fantasia contra seus objetos primários É como se o paciente sentisse que após tudo o que fez ou fantasiau fazer não merecesse melhorar ser mais feliz e viver sem sofrimento Seria um apego ao sofrimento por necessidades superegoicas Então muitas vezes veremos o paciente melhorar sentir prazer e felicidade em abandonar um comportamento neurótico e adotar outro diferente darse conta disso e depois de um tempo retornar a ele com toda a culpa e sofrimento que isso acarreta denotando necessitar desse sofrimento como exigência do superego O trabalho de elaboração consistirá em acompanhar o paciente nesses progressos e nas regressões eventuais subsequentes proporcionandolhe insight e compreensão desses movimentos psíquicos e de suas funções Quinodoz34 a partir da análise de um transexual comentou que fantasias inconscientes não elaboradas clamam por uma realização concreta por meio da ação A solução é criar um espaço mental em que elas possam ser contidas pensadas e transformadas 284 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Fantasias inconscientes não transfor madas oriundas de pulsões reprimidas são sentidas como elementos concretos que re querem uma gratificação da ação E como elementos b não servem para pensar ape nas para serem expulsos por meio da ação A ampliação do espaço mental mediante transformações simbólicas das pulsões que clamam por satisfações concretas permi te um trabalho psíquico de elaboração de tricotagem35 junto ao restante da trama de representações e sua absorção no psi quismo A elaboração é permitir que essas fantasias inconscientes se integrem à trama de representações inconscientes e adquiram novo significado Isso fica bem ilustrado na seguinte passagem de Freud em Recordar repetir e elaborar33 Ele o analista está preparado para uma luta perpétua com o paciente para manter na esfera psíquica todos os impulsos que este último gostaria de dirigir para a esfera motora e co memora como um triunfo para o tra tamento o fato de que algo que o pa ciente deseja descarregar em ação seja utilizado por meio do trabalho de re cordar Mais contemporaneamente em especial a par tir das contribuições de Bion compreendeuse que o processo de transformação simbólica de elementos mentais brutos em outros mais abs tratos ocorre a partir de um processo de figu rabilidade descrito com muita originalidade no artigo de Elias M da Rocha Barros36 Este con ceitua a elaboração como compreendendo as operações mentais consequentes à interpreta ção do psicanalista do insight obtido levando o aparelho psíquico a transformar significados e dessa forma afetos e memórias de forma que permitem ao paciente libertarse das gar ras dos mecanismos de repetição Seu trabalho é uma microscopia do processo de elaboração A função elaboradora dos sonhos e me parece de todas as transformações em µ consiste em um processo de progres são em qualidades formais das representa ções como resultado das interpretações na análise ou na psicoterapia Essa progressão é verificável nos sonhos na forma do que Barros37 denominou de pictogramas afe tivos Tratase de representações analó gicas por meio de imagens segundo Kris teva citado por Barros36 que não são nem a experiência pura nem abstrações puras mas algo entre elas Metaforicamente seria o modo como a vida emocional é meta bo lizada Essa metabolização ocorre por uma migração do significado por vários níveis do processo mental Barros apro ximase de Meltzer quando defende que as emoções são sementes de significado A atração entre essas sementes é exercida por similaridade de significados e funções emocionais Quando o analista ou o psicoterapeu ta mediante a interpretação e o insight re sultante confere um significado específico a cenários da vida emocional ele rearticula significados de vários níveis simbólicos e então abre novas possibilidades para que o paciente experimente seus afetos Criamse novos significados que expandem a men te e as possibilidades de desenvolvimento emocional A psicanálise na atualidade temse preocupado em entender também a apreensão de formas não simbólicas ins critas em registros de outra natureza3840 Entretanto ultrapassaria os objetivos deste capítulo entrar nessa questão do que se riam as estruturas não simbólicas e sua ex pressão no campo analítico A elaboração propriamente dita se riam as experiências de insight emocional obtidas com as interpretações do terapeuta que adquirem uma representação conecta da às fantasias inconscientes Consideran do que o inconsciente opera por imagens Psicoterapia de orientação analítica 285 podese acompanhar o processo de elabo ração por meio das representações pictóri cas O pictograma é a forma de representa ção primitiva das experiências emocionais fruto da função a descrita por Bion Elias Mallet traça uma linha de evo lução em que são descritas as transforma ções que ocorrem ao longo do processo de elaboração tomando a produção onírica como base o sonho transcorre em uma atmosfera afetiva que lhe dá uma forma e evoca pictogramas afetivos iniciais estes são então afetados pela interpretação do analista pelo novo insight alcançado que cria um novo sistema simbólico capaz de capturar e transformar significados Es ses novos significados produzidos pela expe riência de insight e representados nos sonhos pelo processo de figurabilidade transformarão os arquivos de memória removendo repressões e promovendo uma melhor integração do self Penso que as sim chegamos a um detalhamento quase microscópico dos processos mentais en volvidos nas transformações próprias do processo de elaboração Ilustro a seguir uma sequência de sessões que acredito explicitar parte do processo de elaboração que estamos des crevendo Tratase de uma paciente Gilda com uma relação extremamente ambiva lente com sua mãe Desde a infância tinha a sensação de que esta não era confiável que era imprevisível e que ela a paciente tinha de cuidar dela pois se não a mãe morreria Sentia também que não podiam separarse pois se isso ocorresse uma das duas morreria Gilda teve muitas dificul dades em engravidar e assumir sua mater nidade primeiro fantasiava que uma mãe interna louca mataria seus bebês ainda no útero depois que ela própria identificada com a mãe deixaria o bebê morrer e final mente que uma vez nascido não conse guiria cuidar dele e que a criança seria rou bada ou morta Na sequência que descrevo estávamos analisando sua dificuldade em desmamar o bebê de 11 meses A paciente vinha descrevendo ao longo desse período sua sensação de que ao desmamálo iria perdêlo Em uma sessão que chamaremos de sessão 1 havia trazido um sonho em que ela e o marido tinham viajado e deixado o filho com sua mãe e ao chegarem para buscálo ele não estava Ela tenta telefonar para sua mãe que havia ficado responsável por ele e não consegue fazer contato Finalmente fica sabendo que o bebê está aos cuidados de sua avó já falecida Ela dizia Eu disse que a gente não podia viajar olha o que acon teceu Após esse sonho entendo e inter preto que o aleitamento nesse momento serve mais para prender o filho junto a ela do que para nutrilo e ajudálo a crescer e que sente o desmame como um afastamen to que redundará na morte de seu filho ele está com a avó morta Ela associa que ti nha esse sentimento com sua mãe que não podia afastarse dela pois a mãe morreria e por consequência ela paciente não so breviveria Na sessão 2 contame que iniciou o desmame foi relativamente bem mas se queixou de uma antiga babá que deveria ajudála mas que na hora h deixaa so zinha Interpreto essa queixa destacando que ela não gostaria que eu apenas a ana lisasse mas que pudesse estar junto a ela para que não se sentisse só ao se separar de seu filho Na sessão 3 relata Sonhei que eu ia na casa da minha tia buscar a minha mãe mas não era mesmo a casa dela Quando eu chega va lá via uma sangueira Era horrí vel Eu procurava de onde elas esta vam sangrando e via que elas estavam cortadas nas pernas Acho que eram cortes a tesoura Eu dizia que devía 286 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mos ir ao HPS que eu levaria elas Quando eu via eu também estava sangrando na mão A gente ia no meu carro era uma sangueira e quando eu chegava no HPS eu via que eu ti nha parado de sangrar e já tinha ci catrizado o meu ferimento Não sei por que fui sonhar com isso A única coisa que me ocorre é que ontem fa lei com uma amiga minha que o nenê dela da idade do meu se operou e ela me disse que ele ainda não podia se mexer muito pois tinha sido cortado Eu perguntei a ela como era o corte se era grande e ela me disse que não Ela retoma o assunto do sonho intri gada com o motivo de ter sonhado aquilo Digo que me ocorre que ela esteja sentin do como um corte inclusive promovido por mim e pelas interpretações que tenho realizado o desmame de seu filho e que novamente parece que sente as separações os cortes como situações de alto risco emergenciais É possível que sua mãe esteja incluída no sonho pois o sentimento que está tendo com seu bebê é parecido com o que sempre teve com a mãe no momento em que se separassem a mãe morreria e ela junto Sente a análise como um pronto socorro ao qual quer vir correndo quando sente a si e aos seus objetos tão ameaçados Nesse material podemos acompa nhar como os insights obtidos são elabora dos e ajudam a elaborar fantasias incons cientes atribuindolhes novos significados e assim criando novos sistemas de signifi cados que vão transformando e expandin do a mente do paciente Então a interpretação de padrões inconscien tes de atitudes liberta o paciente da compul são à repetição e o capacita a ser sujeito de sua história em vez de repetir padrões de compor tamentos primitivos automaticamente que no caso descrito seria prolongar de modo indefinido o aleitamento do filho e a relação simbiótica e ambivalente com ele como repetição do padrão infantil que tinha com a mãe Nisto consiste o efeito libertador da psicanálise e da psicoterapia de orientação psicanalítica libertar o paciente de seus mecanismos repetitivos INSIGHT E ELABORAÇÃO NA PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA Antes de encerrar este capítulo não pode ríamos deixar de tecer alguns comentários específicos sobre a psicoterapia de orienta ção psicanalítica Mesmo tendo sido esclare cido ao longo do texto que o insight e a ela boração ocorrem nos dois processos de trata mento existem algumas especificidades No tratamento psicanalítico em função da na tureza do setting maior número de sessões uso do divã a intensidade da transferência é maior assim como o grau de regressão do paciente Isso garante que com frequência seja atingida uma maior densidade emocio nal de afetos vividos no campo analítico pela dupla A consequência será que mais expe riências afetivas serão conhecidas pela dupla e boa parte delas poderá conduzir a interpre tações e insights do que é vivido no próprio campo promovendo insights mais ostensi vos mais carregados de afeto e utilizando o referencial de Strachey7 correções entre mundo interno e realidade mais precisas Nas psicoterapias como a intensi dade da transferência costuma ser menor boa parte do material trabalhado dirá respeito a experiências afetivas extratransferenciais Ocorrerá o risco de haver mais insights ape nas intelectuais caso o terapeuta não con Psicoterapia de orientação analítica 287 siga captar e ligar a experiência afetiva ao conteúdo da interpretação Do mesmo mo do como os objetos reais referidos no ma terial do paciente estão ausentes do campo a correção fantasiarealidade tornase mais difícil Entretanto caso o terapeuta consiga entender os objetos referidos pelo paciente como personagens trazidos à sessão28 e per tencentes ao seu mundo interno será pos sível captar e interpretar o significado dos afetos que eles carregam e assim promover insights de alta intensidade afetiva Contudo é inegável que pela pró pria natureza do setting psicoterápico a quantidade a qualidade e a profundidade das transformações possíveis em princí pio serão menores do que no tratamento psicanalítico Dizse em princípio pois às vezes observamos psicoterapias em que ocorrem grandes transformações na mente do paciente e análises em que muito pouco ocorre Na verdade além da natureza do setting o grau das transformações ocorridas dependerá das condições do paciente do terapeuta e da sin tonia possível daquela dupla Todavia quero repetir embora sejam possíveis insights importantes em psicote rapias que acarretem mudanças psíquicas transformações profundas e alterações nos traços caraterológicos serão mais viáveis em tratamentos psicanalíticos A seguir relato uma pequena vinheta clínica a fim de ilustrar o quanto é possível na psicoterapia de orientação psicanalítica o paciente atingir um insight profundo de alta densidade emocional capaz de acar retar mudanças significativas em sua vida Tratase de um caso de supervisão que fiz questão de relatar pois a terapeuta não tem formação analítica Quero agradecer à Dra Fernanda Crestana por sua gentileza e pronta disponibilidade ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Alberto é um homem de 44 anos e está em atendimento psicoterápico há quase dois anos por apresentar crises de ansiedade de repetição quando fica com taquicardia rubor facial sudorese tonturas dispneia e por vezes sensação de morte Nos últimos anos antes de iniciar o atendimento psicoterápico as crises ocorriam de forma mais branda em situações sociais nas quais ele precisava se expor de alguma manei ra Tornaramse muito frequentes e mais intensas após o atentado de 11 de setembro em Nova York que da das Torres Gêmeas o que motivou a buscar atendimento psiquiátrico por orientação de seu cardiolo gista O paciente sentia que a vida não era segura e que qualquer coisa poderia acontecer sem que ele ti vesse controle Desenvolveu sintomas fóbicos e passou a ter uma conduta evitativa não ouvia rádio ou TV não lia jornais não atendia telefonemas e não saía de casa em horários nos quais pudesse encontrar pes soas ou situações que desencadeassem os sintomas Saía somente junto da mulher que funcionava como acompanhante contrafóbica Alberto apresenta fortes sentimentos de desvalia de inferioridade como consequência de ansiedades de castração Tem necessitado manter relações sexuais extramatrimoniais como forma de afirmação de sua potência sexual Além disso vinha utilizando seu filho ainda criança para depositar nele por identificação Continua 288 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação projetiva aspectos infantis seus e seus sentimentos de impotência e castração Um exemplo disso foi uma situação que será aludida na sessão transcrita em que expôs o menino a presenciar suas relações sexuais com a esposa Estavam em uma viagem Ele e a esposa foram ter relações sexuais deixaram a porta aber ta mas não só isso ao perceber que seu filho olhava a cena em vez de parar seguiu em uma atitude exi bicionista Esse mesmo tipo de postura tem sido assumido ante a terapeuta procurando às vezes de for ma pueril exibirse para ela medir forças jogar sério desafiandoa e procurando evitar uma atitude de dependência por achar que isso o colocaria em uma situação de inferioridade No momento atual do tratamento quando houve a sessão transcrita a seguir o paciente vinha funcio nando mais próximo da posição depressiva podendo expor seus sentimentos de desamparo e solidão sain do da atitude competitiva e exibicionista com a terapeuta mas despertandolhe sentimentos contratransfe renciais de impotência e de não estar sendo uma boa terapeuta Queixavase muito da tristeza que vinha sentindo em especial no último mês e de que isso o deixava fragilizado e ao mesmo tempo irritado com a terapeuta A sessão transcorreu na semana do Dia dos Pais época em que seu filho de 10 anos precisava escrever algo importante que tinha vivido com o pai O paciente entra senta e fica olhando sério para a terapeuta transmitindolhe a sensação de que vai chorar mas não o faz Diz que tem um branco Relata então que no dia anterior estava em casa com o filho e este tinha que fazer uma redação para a escola sobre a situação mais emocionante que já teria vivi do com o pai e de que se lembrasse Escreveu então sobre uma viagem que haviam feito a uma bela praia brasileira ocasião em que presenciou a relação sexual dos pais O paciente começa a lacrimejar Diz cho rando que ouvia de longe o menino ler a redação para a mãe e relatar uma ocorrência daquela viagem e que quando se lembra dela fica muito culpado Estavam passeando por umas rochas em que se formam piscinas naturais e ele estava na frente com um grupo de homens talvez procurando impressionálos e deixou o filho para trás O nível da água começou a subir e depois de um tempo lembrouse assustado de que o filho havia ficado para trás e que corria o risco de afogarse Voltou correndo e de fato a água quase já cobria o menino alcançando seus ombros Até hoje penso se eu não tivesse me lembrado dele Cho ra muito Que belo pai eu sou Ele contou bem direitinho Eu tento esquecer tento fazer que não aconte ceu A terapeuta perguntalhe por quê E ele responde Porque daí eu vejo que ele realmente existe e que se algo lhe acontecer eu vou me culpar muito Chora muito Esta semana começou a me dar uma sensação de perda muito grande e começou quando falamos sobre a importância que tem a terapia para mim e que um dia vai acabar Quando pensei em casa me deu uma melancolia enorme Comecei a pensar que posso perder meu filho meus pais O paciente segue chorando muito Mas também me deu um alívio depois pois vi que tenho ainda essas pessoas todas Relata então que outro dia sentiu saudades da esposa du rante o dia e telefonoulhe para irem tomar um café e que nunca havia a visto dessa maneira Nunca sen ti tanta necessidade das pessoas antes Isso faz eu me sentir meio bobão meio frouxo Não sei qual é a vantagem de me sentir assim e por que a história do meu filho mexeu tanto comigo A terapeuta então interpreta Quem sabe você também andava com água nos ombros e não se dava conta Você parecia não precisar de ninguém pelo menos queria acreditar nisso e a água subindo até os ombros você cheio de ansiedades e medos mas fingindo que não ia subir mais E por mais difícil que seja você resolveu su bir no barco da terapia para te salvar e não morrer afogado sozinho O paciente então desaba no choro Creio que a interpretação da tera peuta foi muito adequada pois sem dizer explicitamente toma a história do menino como uma metáfora do que se passava com Psicoterapia de orientação analítica 289 Alberto no tocante às suas ansiedades à re cusa de aceitar a dependência da terapeuta e ao uso que faz do filho para projetar nele seus sentimentos de desamparo e peque nez Menciona isso sem dizer que o filho é sua parte infantil O paciente percebe o uso que faz de seus objetos e o quanto os abandona e maltrata Em seguida na supervisão entende mos que essa situação traumática lembrada pelo menino provavelmente é uma lem brança encobridora da cena primária a que foi exposto durante aquela viagem Talvez o filho tenha quase se afogado de angús tia ao ver os pais copulando e ser mantido diante daquela cena É possível afirmar que Alberto po de ter um insight quanto ao uso narcisista que faz de seus objetos como os ataca e os abandona Pode penar por isso e procurou reparálos saiu com a esposa de modo amoroso Do ponto de vista freudiano li gar o afeto tristeza e culpa à representação a ideia de ter atacado os objetos amados e ter desprezado a terapeuta valorizada pro vocoulhe alívio Do ponto de vista kleinia no o alívio provém também da esperança de poder reparar os objetos e de reintegrar no ego o que estava projetado no filho E do ponto de vista bioniano poder conter e transformar em conhecimento aquele mar de emoções provoca a sensação de verdade e de crescimento mental Haveria muito a desenvolver a partir desse material clínico mas para os objetivos deste capítulo penso ser suficiente CONSIDERAÇÕES FINAIS Cassirer41 afirma que em vez de defi nir o homem como animal rationale de veríamos definilo como animal symbo licum Esse importantíssimo filósofo faz tal afirmação porque vivemos envolvidos em uma trama simbólica que se inicia com os pensamentos evolui para a linguagem e depois para as artes a ciência e o conhe cimento em geral O homem vive em um universo simbólico A linguagem o mito a arte a religião são partes desse univer so São os variados fios que tecem a rede simbólica o emaranhado da experiência humana O homem não pode mais con frontarse com a realidade imediata mente não pode vêla por assim di zer frente a frente mas apenas por meio da interposição dessa rede cria da por ele mesmo41 A psicanálise na medida em que se propõe a compreender e modificar a mente humana tem como matériaprima de sua ação algo que é o mais específico e inerente ao homem seu sis tema simbólico21 Nossa mente organizase em torno das re presentações simbólicas que fazemos de nos sas experiências sensoriais e emocionais e é por isso que nos tratamentos psicanalíticos e psicoterápicos ao atuarmos no e pelo siste ma simbólico dos pacientes podemos auxiliar a produzir mudanças e crescimentos mentais Esta foi a genialidade de Freud desco brir a existência do inconsciente procurar entender como se organiza e funciona pa ra então propor formas de agir sobre ele Espero ter deixado claro ao longo deste capítulo o que é o insight e a elabo ração como eles ocorrem em sua dimensão microscópica bem como o efeito trans formador da palavra a que aludimos no iní cio desse trabalho Em tempos de alta tec nologia de desumanização e de idealização de medidas objetivas entendermos e valori zarmos a palavra e a relação humana como ferramentas para acessar e modificar a sub jetividade humana é da maior relevância 290 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Radford M O carteiro e o poeta Itália Cec chi Gori Group Tiger Cinematográfica 1994 2 Levy R Psicoterapia psicanalítica na atuali dade avanços e vicissitudes Rev Psiquiatr Rio Gd Sul 199618330610 3 Baranger W Baranger M La situación analí tica como campo dinâmico In Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoa nalítico Buenos Aires Kargieman 1969 4 Ithier B Levy R La fonction paternelle dans la scène primitive interprétative Revue Fran çaise de Psychanalyse 20137751571 76 5 Duarte A Elaboração considerações sobre o conceito In Eizirik CL Aguiar RW Sches tatsky SS Psicoterapia de orientação analí tica teoria e prática São Paulo Artes Médi cas 1989 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Como é possível por meio da palavra e do insight que dela resulta o paciente atingir melhoras sinto máticas e mudanças psíquicas 2 A palavra que veicula a interpretação tem papel e funções essenciais ela conecta emoções e partes do self até então clivadas e discrimina paciente e terapeuta interno e externo passado e presente 3 A palavra ordena as diversas confusões presentes na mente do paciente e na dupla terapêutica mediante discriminação do que esteve fusionado e da conexão do que esteve clivado 4 No modelo freudiano clássico o insight implica desmanchar o deslocamento do afeto à nova represen tação substitutiva e remetêla à sua representação original 5 No modelo kleiniano a reinternalização daquilo que foi projetado e a superação das cisões a partir do insight permitirão uma maior integração do self e uma visão mais acurada da realidade 6 A mudança psíquica desejada obtida com sucessivos insights será o indivíduo poder responsabilizar se por suas pulsões pelos seus desejos e pela conquista do respeito e da consideração pelo outro 7 Autores como Bion Baranger Ferro e Ogden elevam a importância da relação terapêutica ao seu apo geu entendendo que é por meio dela e da experiência emocional compartida no campo terapêutico pela dupla pacienteterapeuta que haverá a possibilidade de crescimento mental 8 No modelo bioniano o insight promove crescimento mental pois enriquece a mente do paciente acres centando significado e novas simbolizações e é estruturante ao provocar uma reação catastrófica for çando um reordenamento de todo o conhecimento anterior 9 Mesmo que em nossa mente prevaleça um dos modelos na clínica transitaremos por todos eles 10 A elaboração no tratamento seria a forma como as interpretações e os insights dela decorrentes são integrados 11 As resistências que tornam o processo de elaboração mais necessário e que são mais difíceis de serem superadas são as do id e do superego 12 A elaboração compreende as operações mentais consequentes à interpretação do psicanalista do insight obtido e levam o aparelho psíquico a transformar significados e dessa forma afetos e memó rias de modo que permitam ao paciente libertarse das garras dos mecanismos de repetição 13 A interpretação de padrões inconscientes de atitudes liberta o paciente da compulsão à repetição e o capacita a ser sujeito de sua história em vez de repetir padrões de comportamentos primitivos automa ticamente Psicoterapia de orientação analítica 291 6 Lewkowicz S Algumas considerações sobre o processo de elaboração na psicoterapia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psi coterapia de orientação analítica teoria e prática São Paulo Artes Médicas 1989 7 Strachey J Natureza de la acción terapêuti ca del psicoanálisis Revista de Psicoanálisis 19485495183 8 Etchegoyen RH Das vicissitudes do proces so In Etchegoyen RH Fundamentos da téc nica psicanalítica São Paulo Artes Médicas 1987 9 Freud S Estudos sobre histeria 18931895 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 19701988 v 2 10 Reich W Análise do caráter 4 ed São Paulo Martins Fontes 2001 11 Baranger W Baranger M El insight en la situación analítica In Baranger W Baran ger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargieman 1969 12 Strachey J The nature of the therapeutic ac tion of psychoanalysis Int J Psychoanal 19341512759 13 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 19701988 v 20 14 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise São Paulo Martins Fontes 1982 15 Laplanche J Problemáticas II castração simbolizações São Paulo Editora Martins Fontes São Paulo 1988 16 Freud S Análise de uma fobia em um me nino de cinco anos In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1980 v 10 p 13154 17 Bion WR Aprendiendo de la experiencia MéxicoEditorial Paidós México 1991 18 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizóides In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar Editores Rio de Janeiro 1978 19 Klein M Algumas conclusões teóricas so bre a vida emocional dos bebês In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar Edito res Rio de Janeiro1978 20 Klein M Sobre a observação do comporta mento dos bebês In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os progressos da psicaná lise Rio de Janeiro Zahar 1978 21 Levy R Do símbolo à simbolização uma re visão da evolução teoria e as repercussões sobre a técnica psicanalítica Porto Alegre SPPA 2000 22 Bianchedi ET Mudança psíquica o de vir de uma indagação Rev Bras Psicanál 199024336175 23 Petot JM Melanie Klein II o ego e o bom objeto 19321960 São Paulo Perspectiva 1992 24 Bollas C Les forces de la destinée Paris Cal manLévy 1996 25 Bion WR Dreamwork In Bion W Cogi tations London Karnac1994 26 Bion WR Uma teoria sobre o processo de pensar In Bion W Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 27 Caper R Sobre a função alfa In Simpósio Bion em São Paulo Ressonâncias 1996 nov 1415 São Paulo 28 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 29 Ogden T Os sujeitos da psicanálise São Pau lo Casa do Psicólogo 1996 30 Baranger M Baranger W La situación analí tica como campo dinámico Rev Uru Psicoa nál 19614Pt 1154 31 Ferro A Evitar as emoções viver as emoções Porto Alegre Artmed 2011 32 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário de psi canálise 2 ed São Paulo Martins Fontes 1992 33 Freud S Recordar repetir elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 19701988 v 12 34 Quinodoz D Termination of a female transsexual patients analysis an example of general validity Int J Psychoanal 200283Pt 478398 35 Alvarez A Companhia viva psicoterapia psicanalitica com crianças autistas borderli 292 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ne carentes e maltratadas Porto Alegre Ar tes Médicas 1994 36 Barros EMR An essay on dreaming psychi cal working out and working trough Int J Psychoanal 2002835108393 37 Barros EMR Affect and pictographic image the constitution of meaning in mental life Int J Psychoanal 200081Pt 6108799 38 Bion W Transformações do aprendizado ao crescimento Rio de Janeiro Imago 2004 39 Green A O trabalho do negativo Porto Ale gre Artmed 2010 40 Levy R From symbolizing to nonsymboli zing within the scope of a link from the dre ams to shouts of terror caused by an absent presence Int J Psychoanal 201293483762 41 Cassirer E Ensaio sobre o homem introdu ção a uma filosofia da cultura humana São Paulo Martins Fontes1997 LEITURAS SUGERIDAS Ferro A Gaburri E Gli sviluppi kleiniani e Bion In Semi AA organizador Trattato di psicanalisi Milano Rafaelo Cortina 1988 v 1 Isaacs S A natureza e a função da fantasia In Klein M Heimann P Isaacs S Riviere J Os pro gressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1978 Ungar V Transferência e modelo estético Comu nicação pessoal A transferência uma das mais importantes descobertas de Freud constitui um ingre diente central de qualquer forma de psi coterapia O emprego ou a interpretação adequada da transferência é um veículo importante e decisivo por meio do qual mudanças psíquicas permanentes podem ser feitas no curso da psicoterapia de orien tação psicanalítica Há no entanto menos concordância sobre como reconhecer a transferência como diferenciar formas di versas de transferência e como quando e por que interpretála Neste capítulo apresentamos uma es trutura segundo a qual o psicoterapeuta de orientação psicanalítica pode organizar sua experiência com o paciente à medida que o tratamento e a transferência se desenvol vem Também sugerimos algumas formas construtivas de trabalho com a transferên cia em benefício do paciente Um pressu posto básico dessa discussão é que estamos nos referindo àquela forma de psicotera pia geralmente denominada de orientação psicanalítica e que leva em consideração a existência e a importância da transferência no curso do tratamento Todavia reconhe cese que há muitas variedades de psicote rapia nas quais a transferência pode desem penhar um papel importante mas em que não é vista como central ao processo tera pêutico e à forma de trabalho do terapeuta Muita coisa foi escrita em diversas línguas sobre transferência Talvez em um dos artigos mais proveitosos Brian Bird1 revisa as ideias originais desenvolvidas por Freud sobre transferência e referese a ela como um fenômeno universal e a parte mais difícil do tratamento Concordamos com Bird e muitos outros auto res que veem a transferência em um significa do mais amplo como ubíqua no sentido de que experiências de relacionamentos passados afe tam nossas relações presentes embora de ma neiras complexas das quais não temos cons ciência Entretanto a transferência pode ser convenientemente definida em um sentido mais restrito nesta visão a transferência do paciente aparece no tratamento quan do a relação pacienteterapeuta é afetada de modo inconsciente por experiências revistas e remodeladas de relacionamentos passados e desenvolvese além dos mode los costumeiros de relação e sentimento interpessoal Por essa definição tanto pa 16 TRANSFERÊNCIA Robert L Tyson Cláudio Laks Eizirik 294 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ciente quanto terapeuta evidenciam ma nifestações de transferência Para fins de discussão e esclarecimento limitaremos o termo transferência a certos aspectos dos sentimentos do paciente sobre o terapeuta e consideraremos a transferência do tera peuta para o paciente sob a denominação geral de contratransferência Uma abor dagem mais abrangente do conceito de contratransferência pode ser encontrada no Capítulo 17 A maioria dos terapeutas parece concordar que um atributo especial da situação de tratamen to é facilitar a geração ou o surgimento de fe nômenos transferenciais Outro atributo espe cial é fornecer um setting relativamente estável para a observação desses fenômenos Entretanto tal observação não é uma questão simples Em nossa experiência o terapeuta em geral não tem consciência imediata de quando a transferência no sen tido mais estrito surge pela primeira vez Aparecendo de uma forma que vai além do relacionamento inicial mais superficial ela afeta a maneira de o paciente relacionar se ie tipos de sentimentos e compor tamentos com o terapeuta agora nova e diferente na situação de tratamento No momento em que o terapeuta reconhece a presença das manifestações de transferência desse tipo elas já estavam ativas por algum período Portanto o terapeuta tem uma vi são mais clara da transferência retrospecti vamente podese dizer que a transferência nasce primeiro no escuro Isso aumenta as dificuldades em diferenciar as várias formas de manifestações de transferência Freud usava a expressão neurose de transferência de duas formas Uma era pa ra referirse a uma categoria diagnóstica de transtornos que ele acreditava serem sen síveis ao tratamento psicanalítico a outra para descrever um tipo de relacionamento intenso com o analista no qual alguns ele mentos do passado eram revividos em uma nova edição transferência e neurose de transferência eram basicamente sinôni mos Ainda que nos anos posteriores ele tendesse a referirse apenas à transferên cia de uma maneira geral podemos supor que não parou de usar os conceitos que pas saram a ser incluídos na noção de neurose de transferência Estes envolvem questões importantes como a ideia de que a transfe rência surge desenvolvese ou progride no decorrer de um tratamento Em nossa visão contemporânea neu rose de transferência consiste em uma de várias manifestações de transferência que tipicamente aparecem à medida que o tra tamento progride Hoje não há razão a não ser o uso comum para manter neu rose como parte da expressão neurose de transferência uma vez que a neurose está envolvida em todas as manifestações de transferência2 Desse ponto de vista a expressão pode tornarse redundante Po rém o termo está difundido e sua popu laridade pode portanto ser um indicativo da importante necessidade clínica de con ceitualizar e discriminar diferentes tipos ou formas de elaboração de transferência como os aqui propostos Certamente con cordamos com Cooper3 segundo o qual o esclarecimento é necessário mas em vez de eliminar o termo neurose de transfe rência ou complicar as coisas inventando um outro termo preferimos incluíla co mo uma das formas de transferência Nesta discussão usaremos neurose de transferência para nos referirmos à na tureza do relacionamento do paciente com o terapeuta após certo grau de evolução e elaboração da interação transferência Psicoterapia de orientação analítica 295 contratransferência uma progressão afe tada pelas intervenções e pelo comporta mento do terapeuta Quando esse ponto é alcançado o terapeuta observa no re lacionamento do paciente para com ele a progressiva proe minência e persistência de relativamente poucos temas estes derivam de interações anteriores de significado patogênico na vida do paciente Eles são revividos em uma versão que agora tende a se focalizar ainda que não de modo ex clusivo na pessoa do terapeuta e nas cir cunstâncias atuais O novo relacionamento passa a dominar o trabalho psicoterapêu tico de um modo que tende a tornarse mais persistente do que episódico embora uma preocupação exclusiva com ele pos sa representar um beco sem saída4 Além disso com frequência é acompanhado por uma relativa diminuição de manifestações de conflito na vida de relação do paciente Tornase um tema importante para o tra balho interpretativo com o objetivo global de alcançar uma resolução nova e mais sa tisfatória de conflitos preexistentes Assim a neurose de transferência re presenta um conceito operacional5 no qual uma configuração particular do re lacionamento é vista sob a perspectiva do terapeuta Considerando uma criança com desenvolvimento estrutural suficiente para permitir regressão e portanto um passado psíquico com um ego e um superego fun cionando suficientemente bem para parti cipar no trabalho do tratamento uma neu rose de transferência pode aparecer já na fase edípica dentro de uma perspectiva da psicologia do ego Do ponto de vista klei niano ou póskleiniano naturalmente esse fenômeno pode ser observado bem antes Se uma neurose de transferência no sentido a ser elaborado aparecerá ou não ou será reconhecida ou não no curso de uma psicoterapia depende de muitas va riáveis Entretanto ela não é vista como uma medida de sucesso do tratamento e de acordo com Reed6 nem como medida para determinar se o tratamento é ou não psicanálise Ela é empregada como parte de uma hipótese a partir da qual os dados clí nicos podem ser ordenados7 A dissecação a partir da experiência clínica de caracte rísticas de forma e conteúdo pode bem ter mais do que um valor heurístico com uma conceitualização mais clara as interpreta ções do terapeuta ganham em especificida de e esperase em eficácia terapêutica FORMA Há várias maneiras de descrever a forma da transferência a escolha pode ser feita com base na utilidade teórica ou clínica Ao analisar crianças e adolescentes existe uma necessidade clínica premente de distinguir entre transferência e fatores do desenvol vimento entre uso do terapeuta como ob jeto de transferência ou como objeto real e entre o impacto sobre a transferência da intrusão ambiental ou sobre a revivência de experiências passadas Portanto mais aten ção tem sido dada às formas de manifes tações de transferência em pacientes mais jovens do que no tratamento de adultos Por essa experiência foi criada uma clas sificação útil embora um pouco arbitrária e esquemática das formas de transferência Essa classificação fornece uma estrutura dentro da qual o terapeuta pode começar a fazer tais distinções e monitorar o desen volvimento da transferência à medida que o tratamento progride810 Tratase de uma maneira de ordenar os dados clínicos e que apresenta conforme descobrimos uma aplicação útil também no tratamento de adultos Visto que nenhuma situação ou vi nheta pode ser inteiramente pura qual 296 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs quer ilustração dos cinco tipos de transfe rência a serem descritos deveria ser consi derada simplesmente um demonstrativo da preponderância da forma em questão Elas são formas habituais de relacionamen to transferência predominantemente de rela cionamentos presentes transferência predomi nantemente de experiências passadas revivi das neurose de transferência e representação de fantasias inconscientes Formas habituais de relacionamento Formas particulares de estabelecer víncu los interpessoais ligações ou padrões de interação tornamse aparentes no início da situação de tratamento Em geral são con sideradas parte do caráter da pessoa São entendidas como transferência apenas no sentido mais amplo não como modifica ções no relacionamento pacienteterapeuta que aparecem como parte e consequência do trabalho terapêutico É importante ter em mente essa distinção O paciente pode usar diferentes for mas de relacionamento para diferentes si tuações dependendo de como o terapeuta é percebido pela primeira vez Como exemplo comum um paciente inicialmente reage ao terapeuta com reser va respeito e submissão Essa postura po de de forma gradual transformarse após algumas semanas em uma atitude agressi va desafiadora não cooperativa e desagra dável sem que outras alterações tenham ocorrido Não que o paciente idealize o te rapeuta como uma pessoa especial na fase inicial mas o papel do terapeuta não a sua pessoa pode ser idealizado A forma inicial de relacionamento com uma figura de autoridade representada pelo terapeu ta pode ser a que o paciente habitualmente usa nesse tipo de situação A constelação se guinte pode ser simplesmente outra forma comum que se segue à primeira por exem plo o resíduo caracterológico de ressenti mento por uma desidealização precoce e dolorosa Naturalmente é possível que ela seja capaz de revelar atributos de evolução de transferência e o terapeuta deve estar alerta para tal possibilidade Apesar da na tureza estereotipada dessas formas iniciais é possível haver elementos particulares que se tornam mais destacados e transformam se aos poucos em outras formas à medi da que surgem no tratamento Presteza de transferência1112 fo me de transferência e transferência flu tuante são termos que se aplicam às ati tudes conscientes e préconscientes de um paciente em relação a um tipo particular de relacionamento as quais são descobertas no primeiro encontro com ele Tais atitudes e desejos refletem formas habi tuais de relacionamento e podem vir à tona quando o paciente procura certas qualidades em um tera peuta antes de decidir iniciar o tratamento Por exemplo um advogado iniciou tratamento após algumas sessões de ava liação mútua Suas primeiras palavras fo ram sobre o quanto ele estava aliviado por começar o tratamento com um terapeuta que ele sentia que poderia convidar para um drinque em sua casa e ele esperava po der fazer isso brevemente O paciente não abandonou esses desejos à medida que o tratamento progredia eles voltaram de vá rias formas e tornaramse ligados a diversas fantasias reprimidas Influenciaram a for Psicoterapia de orientação analítica 297 ma de transferência desenvolvida e mais tarde chegaram a um estado mais acessível à interpretação Transferência préformada referese à situação em que o paciente foi afetado por algum conhecimento do terapeuta como sua reputação ou por contato extratra tamento anterior de algum tipo Nos dias atuais muitos pacientes procuram infor mações no Google ou em redes sociais fa zendo assim uma préseleção de seu futu ro terapeuta Aqui as fantasias e expectativas do paciente em relação ao terapeuta e ao tratamento pre cisam ser entendidas como tais em vez de se rem vistas como manifestações de transferên cia referindose especificamente à pessoa do terapeuta e surgindo conforme o tratamento progride De fato essas formas habituais de rela cionamento podem transmitir uma grande quantidade de informação sobre o paciente embora não em uma forma acessível à inter venção terapêutica efetiva na ocasião Como exemplo mais complexo um paciente escolheu o terapeuta porque seu nome tinha sido sugerido por fontes que ele respeitava porque quando ele fez uma entrevista de avaliação com seu futuro tera peuta achou que este se aproximava de sua ideia de como um terapeuta deveria ser e porque quando examinou os antecedentes do terapeuta concluiu que eram de quali dade suficiente para que tivesse confiança em sua capacidade de tratálo todas indi cações claras do estado narcisístico do pa ciente Este estava buscando ajuda devido a sua incapacidade de encontrar uma mu lher adequada Após um início promissor todos os seus relacionamentos com mu lheres pareciam desmoronar quando elas não conseguiam corresponder às suas ex pectativas Ele tinha grandes esperanças no tratamento e ao mesmo tempo estava ter minando dolorosamente sua mais recente relação Já havia iniciado diversas outras formas de terapia sob circunstâncias se melhantes Após alguns meses encontrou outra mulher que lhe pareceu ideal e estava em êxtase em relação ao futuro Como se poderia esperar passou a descrever frustra ções com seu terapeuta e com o tratamen to que ele sentia não serem responsáveis de modo algum por seu sucesso atual com es sa namorada O terapeuta sobreviveu a isso e a diversos outros ciclos com dificuldade Entretanto devemos enfatizar que nesse ponto ele estava simplesmente sendo usa do em um ciclo repetitivo das formas ha bituais de relacionamento do paciente não limitadas a mulheres e que estas não eram manifestações de transferência positiva ou negativa Elas também eram usadas a servi ço da resistência tanto ao desenvolvimento de transferência quanto a sua consciência dela O progresso do tratamento só foi pos sível porque o terapeuta interpretou essa resistência sempre que possível Transferência predominantemente de relacionamentos presentes O paciente pode estar bastante envolvido em algum conflito presente sentir intensa mente um desejo ou ser apanhado em uma reação presente a uma pessoa importante Parte disso pode respingar ou ser de modo defensivo e inconsciente deslocada externalizada ou projetada na situação de tratamento Essa manifestação deve ser di ferenciada de formas habituais repetitivas 298 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de relacionamento que podem aparecer em ciclos Na transferência de relacionamentos presentes o terapeuta é usado não porque se tornou a pes soa mais importante para o paciente naquele momento mas pelo motivo oposto ele não é a mais importante Sua importância para o pa ciente está no fato de que na percepção deste o terapeuta é uma pessoa segura para ele usar dessa forma Por exemplo após vários dias agra dáveis junto com seu marido e sem o co nhecimento de seu terapeuta uma paciente teve uma discussão intensamente inflama da com o primeiro no decorrer da qual ele disse que estava decepcionado com ela A paciente terminou a discussão responden do que não queria ouvir mais nada sobre isso e saiu da sala Quando chegou para sua sessão no dia seguinte repreendeu com se veridade o terapeuta por não apreciar o es forço que ela estava fazendo no tratamento e declarou se sentir decepcionada pelo que considerava ser indiferença e expectativas excessivas da parte dele Após vários dias ficou evidente para o terapeuta que o que ela descrevia de seu relacionamento con jugal parecia muito feliz se comparado com as tempestuosas sessões de tratamen to Por fim o terapeuta ficou sabendo da discussão com o marido Então tornouse possível começar a reconhecer sua identifi cação com o agressor a cisão defensiva de sua ambivalência e o deslocamento de seus sentimentos negativos para o tratamento usando o terapeuta como um objeto para o qual ela podia transferir sua raiva com segurança enquanto preservava o relacio namento prazeroso com o marido Esse tipo de conflito atual muitas vezes ativa um antigo Elementos sutis mas importantes do passado podem es tar escondidos naquelas situações que são transferidas ou deslocadas para relaciona mentos presentes dando ao terapeuta um sinal de alerta precoce sobre o desenvolvi mento da transferência De modo gradu al aparecem mais evidências da revivência de experiências passadas e a transferência de relacionamentos presentes dá lugar à categoria seguinte transferência predo minantemente de experiências passadas revividas Transferência predominantemente de experiências passadas revividas Esse tipo de transferência referese à forma na qual experi ências desejos fantasias conflitos e defesas passados são revividos no de correr do tratamento como uma con sequência do trabalho terapêutico e que agora dizem respeito à pessoa do terapeuta no conteúdo préconsciente manifesto ou latente8 Os sentimentos do paciente em rela ção ao terapeuta e suas atitudes para com ele passam agora por uma mudança sig nificativa com respeito a um evento espe cífico ou fragmento de material de trata mento Nessas ocasiões há uma nova vivência repre sentação ou reencenação de experiências pas sadas e de fantasias associadas em um arran jo novo e diferente É uma nova configuração que contém temas particulares do passado e na qual o terapeuta desempenha um papel espe cial para o paciente Psicoterapia de orientação analítica 299 A menos que o paciente tenha uma capacidade incomum de autoobservação ele não percebe a princípio que alguma coisa está inadequada ou mesmo diferen te em relação às suas respostas ou que há algum determinante primitivo de seus sen timentos presentes sobre o terapeuta Em geral as autoobservações aos poucos vão se tornando acessíveis com a interpretação e a elaboração de inúmeros episódios de transferência de conflitos presentes e de ex periências passadas Como exemplo dessa forma de trans ferência temse o caso de uma mulher ca sada de 35 anos que buscou tratamento em uma tentativa de dar fim a sua infidelidade compulsiva Sempre que seu marido viaja va o que a profissão dele frequentemente exigia ela escolhia para seu amante um ho mem que fosse tímido deprimido e impo tente Então se deliciava com sua capacida de para seduzilo a tornarse audaz feliz e potente Em geral ela realizava seu triun fo terapêutico pouco antes do retorno do marido quando rompia o relacionamento extraconjugal Naturalmente o casamento tinha suas dificuldades mas era apesar dis so estável O terapeuta apenas de forma gradual ficou sabendo de alguns de seus aspectos perturbados à medida que a própria pa ciente tornouse mais capaz de tolerar o co nhecimento do terapeuta sobre eles Após cerca de um ano e meio de tratamento e quase um ano em que não teve casos ela passou a se posicionar com mais clareza por exemplo insistindo com o marido que seu filho de 8 anos era muito jovem para ter o rifle que ele lhe havia dado depois de o menino ter atirado na própria mão com a arma Um dia ela relatou ter ido ao ba nheiro onde sua filha de 3 anos estava to mando banho com o marido uma prática costumeira que ela não havia contado a seu terapeuta A paciente nunca antes havia ido ver o que acontecia no banheiro mas agora relatava que ficara atônita e paralisada ao ver que sua filha estava brincando com o pênis ereto de seu marido enquanto ele fi cava sentado calmamente lendo o jornal na banheira Ela saiu sem dizer uma palavra Nesse ponto a sessão de sextafeira chegou ao fim Na segundafeira a paciente esta va bastante deprimida sentindose desa nimada e abandonada por seu terapeuta Desesperada para sentirse melhor ela co meçara a imaginar como poderia arrumar um caso e com quem O terapeuta disse lhe que seus sentimentos pareciam ligados ao momento em que ele terminara a sessão na sextafeira comentário que resultou em um acesso de depreciação sarcástica por parte da paciente em um tom que ele nun ca havia ouvido dela antes Apenas após vários dias sua fúria diminuiu o suficien te para ela considerar o que havia ocorri do Ela e o terapeuta foram percebendo paulatinamente o que havia sido de fato uma revivência de sentimentos da infância e uma representação na qual o terapeuta um homem tinha desempenhado o papel de sua mãe que muitas vezes a deixava brincando com um ou outro dos pensio nistas da sua casa muitos dos quais tinham abusado sexualmente dela Nesse exemplo o tratamento progre diu a um ponto em que as lembranças re primidas de experiências sexuais da infân cia foram revividas o que a paciente então expressou em uma representação comple xa Esta envolveu o uso de uma resposta es perada do terapeuta para expressar a expe riência de estar desprotegida e abandona da O fato de ele ter terminado a sessão no momento em que ela descrevia o incesto do pai com a filha reacendeu seus sentimentos de abandono e portanto teve um signifi cado de transferência não reconhecido por nenhum deles no momento Apenas após essa ocorrência transferencial foi possível 300 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs entender o significado dos envolvimentos sexuais durante a ausência do marido Tendo conhecimento suficiente sobre o pacien te o terapeuta pode conscientizarse de que ele está tentando evocar uma resposta que repete uma experiência do passado13 e que pode en volver uma variedade de mecanismos de de fesa Essa percepção da contratransferên cia do terapeuta ou de sua forma de res ponder a um papel entretanto deve ser di ferenciada de seu modo habitual de reagir a traços de caráter particulares uma vez que usar esses traços como base para entender o paciente provavelmente será improdutivo As transferências de relacionamentos presentes e de experiências passadas revi vidas ocorrem como episódios no fluir do trabalho terapêutico Na situação de trata mento suficientemente boa essas formas de transferência originamse a partir do estabelecimento inicial do relacionamento do paciente com o terapeuta começando com as formas habituais de relação Em al guns pacientes estas se ampliarão e serão ainda mais elaboradas dentro da neurose de transferência Neurose de transferência Greenacre14 descreveu a neurose de trans ferência como um processamento panorâmico constante de imagens de transferên cia fundindose umas com as outras ou momentaneamente separandose com especial clareza de uma forma frequentemente menos constante do que os sintomas e outras manifesta ções da própria neurose O que Greenacre classifica como imagens de transferência inclui as duas categorias de transferência de conflito pre sente e de experiências passadas revividas O que ele denomina processamento pa norâmico no qual essas imagens se fun dem umas com as outras para formar uma estrutura transferencial é outra forma de descrever a neurose de transferência no sentido aqui proposto Ou seja há uma fu são de manifestações de transferência epi sódicas em uma estrutura complexa de ma nifestações relacionadas entrelaçadas e so brepostas A fusão e a clareza especial conforme percebidas pelo terapeuta não têm durabilidade inerente e podem ir e vir Uma questão semelhante é levantada por outros autores como Glover15 que defende a neurose de transferência deve ser revela da ela não aparece espon taneamente na regra do tratamento e Bird1 a neurose de transferência nem sempre está disponível para ser tra balhada Sendo uma coisa intermiten te como acredito que seja pode ha ver longos períodos em que ela não é perceptível A duração dos períodos em que a es trutura da neurose de transferência é explí cita varia em nossa experiência de pacien te para paciente e de tempos em tempos para o mesmo paciente Ela pode estar pre sente durante alguns dias a alguns meses ou mais tempo Na medida em que a estrutura transferencial persiste muito mais esforço terapêutico é ne cessário com os sentimentos e as reações do paciente em relação ao terapeuta e às suas in tervenções Além disso mais aspectos da vida e preocupações do paciente estão envolvidos com o tratamento e com o terapeuta Psicoterapia de orientação analítica 301 Ao mesmo tempo observase que menos aspectos dos conflitos do paciente aparecem em outras partes de sua vida e o terapeuta pode ouvir relatos sobre o quan to ele está melhor agora mesmo que como dizem alguns pacientes seu único proble ma seja com o terapeuta Quer dizer o tér mino da psicoterapia seria a cura óbvia A chamada cura transferencial baseiase nesse mecanismo visto que as manifesta ções externas do conflito neurótico estão diminuídas na medida em que elas reapa recem de várias formas na transferência O aparecimento de um novo sintoma na transferência é tomado como indicação da presença de uma neurose de transferên cia e há exemplos para documentar esse argumento1618 o que pode ser considera do um critério qualitativo Entretanto com o maior reconhecimento de que a psicopa tologia não se limita à formação de sinto mas e com a consciência de que um sin toma pode significar diferentes coisas em diferentes momentos muitos terapeutas utilizam o conceito de neurose de transfe rência sem exigir a formação de novo sin toma como uma condição necessária519 Um aspecto qualitativo mais importante e sempre presente é a revisão da experiência anterior que ocorre com a revivência Co mo Harley20 salienta Esta revisão previsivelmente resulta da acumulação de experiências gené ticas e transformações do desenvolvi mento que ocorreram no decorrer do tempo geralmente com uma correla ção entre a extensão do intervalo de tempo e a complexidade das revisões De acordo com Loewald5 a revisão significa essencialmente que um significado é criado pelas interações entre paciente e terapeu ta que têm novas tensões dinâmicas e produzem motivações novas mais saudáveis próprias ou seja após os novos significados serem adequadamente analisados Representação de fantasias inconscientes A transferência como uma representação de fantasias inconscientes é outro signifi cado possível que passou a ser observado como resultado das contribuições de Me lanie Klein e de seus seguidores Talvez um dos fatores importantes em sua revisão do conceito de transferência tenha sido o fato de que ela trabalhava com crianças algu mas de apenas 2 anos e em uma época na qual os eventos traumáticos supostamente estavam ocorrendo Assim as manifesta ções transferenciais de crianças não são do passado distante mas de suas experiências imediatas Os jogos infantis incluem uma série de representações de todos os tipos de acontecimentos e relacionamentos O que elas representam em seu brinquedo Klein supunha que isso estava relacionado às suas vidas de fantasia O brinquedo seria a for ma de a criança relacionarse consigo mes ma com seus piores medos e ansiedades Os relacionamentos representados na sala de análise constituiriam então as expres sões das tentativas da criança de incluir a vivência traumática como ela experimenta em sua vida cotidiana Aplicando essa ideia à prática da análise e da psicoterapia de adultos ela pode ser conside rada uma representação de experiências de fantasias presentes da mesma maneira que o brinquedo da criança é uma representação da elaboração de seus traumas em fantasia 302 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Tal visão da transferência como se originando das dificuldades presentes no aqui e agora da sessão foi estimulada pelo desenvolvimento e pela ênfase da noção de fantasia inconsciente Todavia essa ideia condiz com a noção de que a transferência é moldada nos mecanismos infantis com os quais o paciente lidava com sua experiência há muito tempo De acordo com Klein21 o paciente certamente lidará com seus conflitos e ansiedades experi mentados agora em relação ao analis ta pelos mesmos métodos que usava no passado Isso quer dizer que ele se afasta do analista como ele tentava se afastar de seus objetos primitivos Ainda que Klein também tenha intro duzido o conceito de identificação projeti va ela não parece ter considerado seu uso na análise da transferência da forma que logo se desenvolveu entre seus colegas Bion sugeriu que a interpretação da transferên cia poderia ser feita a partir da maneira como seus pacientes estavam tentando despertar nele sentimentos que não podiam tolerar em si mesmos mas que inconscientemente dese javam expressar e que podiam ser entendidos pelo analista como uma comunicação Outro passo importante nesse desen volvimento foi a ideia formulada por Jo seph da transferência como situação total no curso de um tratamento Essa autora sa lientou a importância de entender a trans ferência como um relacionamento vivo no qual há constante movimento e mudança Além disso tudo o que o analista é ou diz provavelmente terá uma resposta mais de acordo com a própria constituição psíqui ca do paciente do que com as intenções do analista e o significado que ele dá a sua in terpretação E isso pode ser observado pelo que acontece na relação terapêutica não só pelo que o paciente diz mas também pe la maneira como fala e pelos sentimentos que desperta no terapeuta2225 Uma revi são mais abrangente dos desenvolvimentos kleinianos e póskleinianos do conceito de transferência pode ser encontrada no Ca pítulo 4 NEUROSE INFANTIL E NEUROSE DE TRANSFERÊNCIA A neurose infantil costuma ser mencionada como central ao processo de tratamento e como estando no coração da transferência uma vez que em última análise os confli tos da neurose infantil é que são revividos e experimentados novamente Seja qual for a maneira como se conceitue a neurose in fantil ela não é simplesmente reproduzida por sua revivência modificada na forma de eventos de transferência2627 mas pode ser reconstruída pelo processo de interpreta ção da transferência Mais uma vez reme tese aos comentários sucintos de Greena cre28 O termo neurose infantil pode ser usado em dois sentidos um pouco di ferentes um significando a eclosão de sintomas neuróticos manifestos no período da infância ie aproximada mente antes dos 6 anos de idade o se gundo significando a estrutura inte rior de desenvolvimento infantil com ou sem sintomas manifestos que for ma entretanto a base de uma neuro se posterior O primeiro sentido é o significado clínico historicamente original referindo se a um grupo de conflitos específicos cen Psicoterapia de orientação analítica 303 trados em questões edípicas Com base no segundo significado mais metapsicológico então a presença de sintomas manifestos na infância ou na idade adulta não é uma condição sine qua non para a existência de complexo edípico ou de conflito neurótico na infância ou mais tarde Se além disso o conceito for reformulado para referirse à estrutura interior do desenvolvimento psíquico ele fornece uma base valiosa para entender o que se transforma a fim de apa recer em uma nova edição nas revivências transferenciais de experiências passadas e da neurose de transferência Mesmo reconhecendo o impacto organizador sobre o desenvolvimento do complexo de Édipo aquela fase particular não é vista como com ponente obrigatório da transferência nessa for mulação da neurose infanti29 Tal formulação permite incluir elementos préedípicos e pré verbais nas manifestações de transferência Ela também possibilita a inclusão de dificulda des pósedípicas que surgem quando a elabo ração necessária e apropriada de soluções pri mitivas falha em níveis posteriores do desen volvimento Mas o que determina os conteúdos de qualquer forma particular de manifes tação transferencial e a sequência na qual esses conteúdos aparecem Ou nesse sen tido o que determina a forma tomada por uma manifestação transferencial particular e decide se as complexidades da neurose de transferência se tornarão manifestas ou não E quais são as consequências para a si tuação clínica Ainda não temos res postas muito conclusivas mas uma primeira abor dagem desses problemas foi fornecida por Freud conforme relatado por Ferenczi30 que afirma Podemos tratar um paciente do jeito que preferirmos mas ele sempre tra tará a si mesmo psicoterapicamente quer dizer com a transferência gri fo omitido Portanto embora ubíquas as formas particulares como as influências transfe renciais aparecem na vida de uma pessoa dependem do que se considera necessário ser tratado A repetição a representação ou a re vivência de determinado prazer uma certa frustração o esforço para dominar uma ansiedade específica são exemplos de expe riências na interação com os outros desde o início da vida que com frequência são encontradas ao examinaremse relaciona mentos interpessoais presentes e que ilus tram o comentário de Freud Em termos mais gerais podese perceber nesses exem plos a tendência a estabelecer uma identi dade de percepções por meio da repetição de experiências passadas A situação terapêutica fornece a oportunidade de focalizar outras partes de articular as fan tasias associadas de lembrar as memórias re lacionadas e de evocar a participação de ou tras camadas da personalidade no trabalho terapêutico de tal modo que dificuldades an teriormente repelidas podem ser trazidas para a transferência Conforme Freud31 na psicanálise todas as tendências do paciente in cluindo as hostis são provocadas Assim o conteúdo dos temas transferenciais pode variar mas em geral fixase em algumas questões de importância central para esta belecer determinada dificuldade no desen volvimento na adaptação e nos relaciona mentos do paciente 304 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REGRESSÃO Em relação ao esquema há pouco descri to a forma tomada pela transferência de tempos em tempos no curso do tratamento reflete o grau em que a regressão ocorre Com a forma habitual de relacionamen to não ocorre nova regressão na relação com o terapeuta Por exemplo um pacien te que queria convidar seu terapeuta para drinques no primeiro encontro não estava envolvido naquele momento em uma re gressão transferencial Essa forma habitual de relacionarse como qualquer traço de caráter tinha uma história genética asso ciada a seu relacionamento com o pai en tretanto teria sido uma falácia genética32 ignorar a autonomia secundária conquis tada por esse comportamento e supor que um desejo originalmente envolvido em sua gênese ainda estivesse ativo consciente préconsciente ou inconscientemente Na transferência de relacionamentos presentes dois elementos podem ser reco nhecidos no trabalho com a paciente que um dia estava irritada com o terapeuta em vez de com seu marido Um era conside rar seu terapeuta uma pessoa segura com quem desabafar sua raiva repetindo um relacionamento da infância com uma avó amorosa e tolerante a paciente dispunha de vários desses refúgios de segurança Um segundo elemento tornouse mais evidente na sequência em termos de regressão a um período de relações sadomasoquistas com sua mãe conforme isso se tornava mais evidente no relacionamento terapêutico também se manifestavam os episódios de transferência da revivência de experiências passadas Tal concordância ilustra como essas formas conforme descrevemos não estão de fato nitidamente separadas umas das outras Descobrimos que as regressões envolvidas na transferência de relaciona mentos presentes não são particularmente profundas duradouras ou elaboradas mas sob outra perspectiva se não for permitida a regressão então nenhuma transferência poderá ocorrer Com a paciente que era compulsiva mente infiel a seu marido a vívida revivên cia da experiência passada acarretou uma regressão em seu relacionamento com o terapeuta a uma dimensão semelhante à do relacionamento com sua mãe na infância em uma época em que ainda tinha cons ciência de sua raiva por ela embora tivesse reprimido a razão disso Essa experiência transferencial relativamente elaborada e duradoura foi seguida por outras que vie ram a fundirse ou sobreporse da forma descrita por Greenacre14 formando a es trutura transferencial de uma neurose de transferência As regressões envolvidas são essencialmente as mesmas na transferência de experiências passadas e na neurose de transferência e constituem parte das expe riências sobrepostas nesta última Outras maneiras de descrever a forma da transferência por exemplo uma trans ferência idealizada uma transferência ma terna entre outras referemse às qualida des da relação objetal que podem ou não ser aquelas revividas no processo terapêu tico representando ou não uma regressão no relacionamento com o terapeuta Por tanto são consideradas auxiliares para as cinco categorias descritas CONTRATRANSFERÊNCIA Bird1 enfatizou um aspecto ainda pouco avaliado da experiência do terapeuta com a neurose de transferência quando diferen ciada de outras reações transferenciais Ele salientou que o que é específico em rela ção à neurose de transferência é o envol Psicoterapia de orientação analítica 305 vimento ativo do terapeuta na constituição central deste conflito que o paciente deve ser autorizado a incluir o terapeuta em sua neurose ou por assim dizer compartilhar sua neurose com o terapeuta1 e que uma neurose de transferência é me ramente uma nova edição da neurose ori ginal do paciente mas comigo nela1 As extraordinárias dificuldades que tornam o tratamento da neurose de transferência a parte mais complexa do trabalho do tera peuta estão relacionadas ao desgaste des ta experiência abrasiva de estar no centro dessa dolorosa inclusão1 Para o terapeuta assim envolvido com a neurose do pacien te o processo interpretativo não é apenas um instrumento terapêutico mas também o meio de elaborála e tentar solucionála junto com o paciente Por fim embora reconhecendo que reações de contratransferência podem re pelir o aparecimento da neurose de trans ferência e limitar o tratamento a uma arte explanatória embora útil Bird1 também era da opinião de que o envolvimento da própria transferência do terapeuta é neces sário sentimento que encontrou eco em Loewald33 A contratransferência é o meio indispensável para entender a transferência do paciente Essa visão contemporânea da contratransferência surgiu mais recen temente no curso da evolução desse con ceito34 Entretanto é importante ter em mente que a interação entre as resistências do paciente e as contrarresistências do te rapeuta pode conspirar para prejudicar ou impedir a evolução de manifestações da transferência Por exemplo o terapeuta po de deixar de interpretar tudo o que poderia sentir e entender por meio da contratrans ferência normal e perdido em sua própria neurose posicionarse mais em relação a esta do que em função das necessidades do paciente Ou pode reagir inconsciente mente a determinada pessoa que manifeste conflitos semelhantes aos seus o que talvez o impeça de identificar e compreender os conflitos do paciente pelo receio de reco nhecer também os significados inconscien tes dos seus25 COMENTÁRIOS SOBRE TÉCNICA Ao compararse a psicanálise com a psi coterapia de orientação psicanalítica é habitual reconhecer inúmeras diferenças importantes Entre elas está o fato de que a intensidade associada à alta frequência de sessões e outros aspectos da situação psicanalítica predispõem à maior elabora ção de manifestações de transferência nas formas que descrevemos Mas também é importante reconhecer que a frequência maior fornece mais oportunidades para o analista trabalhar com o paciente as ques tões de transferência Portanto o trabalho psicoterápico por comparação tem uma limitação específica porque não propicia a mesma liberdade e oportunidade de traba lhar sistematicamente as manifestações da transferência Na psicoterapia esse trabalho pode ocorrer de tempos em tempos e ser mais vulnerável às intromissões da realidade ex terna mas mesmo assim pode ser bastante efetivo e benéfico Uma psicoterapia analí tica pode ser limitada com mais frequên cia também de outras maneiras como por exemplo na duração do tratamento De maneira ideal não há estabelecimento de limite de tempo para uma psicanálise e isso corresponde aos seus objetivos mais ambiciosos que podem mudar e evoluir no decorrer do tempo Os objetivos na psico terapia de orientação psicanalítica tendem 306 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a ser menos ambiciosos em termos de alte ração da personalidade e mais focalizados no alívio do sintoma ou na abordagem de conflitos específicos ou problemas da vida do paciente A experiência mostra que se o terapeuta tem objetivos mais ambiciosos que o paciente o tratamento tende a ser interrompido35 Tanto a psicanálise como a psicoterapia estão sujeitas a um excesso de investimento por parte do terapeuta tal como a noção de que tudo deve ser ime diatamente interpretado como dizendo respeito a sua pessoa esquecendo a impor tância da interpretação não transferencial ou extratransferencial36 Outro excesso de investimento ou mito é o de que a transferência deve ser completamente resolvida para o trata mento ser efetivo Hoje em geral se sabe que expressões positivas de transferência ou seja sentimentos positivos em relação ao terapeuta podem servir como defesas contra sentimentos negativos e vicever sa Também pode haver defesas contra a transferência e contra sua conscientização Uma preocupação exclusiva com a transferência na psicanálise ou na psicoterapia pode levar à distorção do processo de tratamento como uma consequência de escutar apenas o conteúdo isto é como um todo a transferência em vez de es cutar o material e o contexto no qual ele surge Portanto as funções defensivas da transferência podem ser esquecidas se ela for considerada apenas uma recapitulação da história do indivíduo37 Como orientação pensamos que interpreta ções da transferência no decorrer da psicotera pia analítica devem ser feitas necessariamente em pelo menos três circunstâncias no início do tratamento sobre as ansiedades paranoides despertadas pelo novo relacionamento para entender resistências e acting outs durante o curso da psicoterapia e para elaborar os está gios finais desta Também pode ser necessário exami nar e interpretar expressões transferenciais em outros momentos e situações quando o paciente deseja comunicar ideias e senti mentos que apenas podem ser entendidos nesses termos ou quando ele expressa sen timentos e fantasias diretos em relação ao terapeuta Sem exagerar na utilização das interpretações transferenciais nem evitar a necessidade de estar atento às expressões da transferência descritas neste capítulo e sua oportuna comu nicação a experiência clínica permite ao tera peuta sentirse progressivamente mais à von tade com esse instrumento Trabalhar com a transferência e en tendêla é uma questão complexa que pode ser aprendida com o tempo tornandose um dos principais recursos para estabele cer uma relação produtiva com aqueles que buscam psicoterapia de orientação analí tica CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese descrevemos e diferenciamos cinco formas ou categorias de relaciona mento pacienteterapeuta que podem ser usadas para monitorar o desenvolvimento da transferência no curso do tratamento formas habituais de relação transferên cia de relacionamentos presentes transfe Psicoterapia de orientação analítica 307 rência de experiências passadas revividas neurose de transferência e representação de fantasias inconscientes Nesse esquema a neurose de transferência é vista como uma de várias manifestações transferen ciais que se desenvolvem no tratamento Ela não é considerada um requisito para a validade ou a adequação do processo tera pêutico Essa classificação é proposta como um meio de ordenar dados clínicos e não como medida de analisabilidade tratabili dade ou diferenciação do tratamento como psicanálise ou psicoterapia O desenvolvimento da transferência é descrito como dependente da interação pa cienteterapeuta Ela reflete mais a estrutu ra interior do desenvolvimento psíquico à medida que a regressão do paciente e o en volvimento do terapeuta nos conflitos do paciente aumentam Quando ela aparece a estrutura complexa de temas relacionados que constituem a neurose de transferência emerge de revivências transferenciais mais episódicas de experiências passadas a par tir das quais o terapeuta pode reconstruir os contornos do desenvolvimento psíquico primitivo É possível que fatores de resis tência do paciente e de contratransferência do terapeuta impeçam o desenvolvimento o aparecimento e o reconhecimento de ma nifestações da transferência O clássico trabalho de Freud sobre a dinâmica da transferência completou há pouco seu centenário Além dele trabalhos recentes sobre esse conceito fundamental da técnica psicanalítica e da psicoterapia analítica3839 destacam sua centralidade no trabalho clínico em todas as escolas de pensamento psicanalítico Evidenciamse assim o fato de que se trata de uma repe tição mas não só de uma repetição sua íntima relação com a contratransferência a necessidade de desenvolver uma escuta cada vez mais fina para captar sua presen ça ostensiva ou latente o potencial criativo ou destrutivo de intensas expressões trans ferenciais e a necessidade de estar atento à transferência e a sua contrapartida para que se possa evoluir à procura de uma co municação cada vez mais próxima com a emoção presente e viva no campo analí tico PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A transferência é um fenômeno que está presente em todas as formas de psicoterapia 2 Em psicanálise e em psicoterapia de orientação analítica a transferência e sua interpretação ade quada constituem um veículo decisivo para que ocorram mudanças psíquicas 3 Podem ser descritas cinco formas de transferência formas habituais de relacionamento transferência predominantemente de relacionamentos presentes transferência predominantemente de experiências passadas revividas neurose de transferência representação de fantasias inconscientes 4 Há uma relação sempre presente entre transferência e contratransferência e muitas vezes é apenas a partir do que o terapeuta percebe em si que pode chegar a perceber e a abordar a transferência 5 A interpretação da transferência é recomendável diante das ansiedades de um início de psicoterapia sempre que surgem atuações e resistências nas etapas finais do tratamento e quando suas expressões diretas ou aludidas são úteis para entender e analisar sentimentos ideias ou fantasias que possam ampliar a compreensão sobre o mundo interno do paciente 308 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Bird B Notes on transference universal phe nomenon and hardest part of analysis J Am Psychoanal Assoc 1972202267301 2 Brenner C The mind in conflict New York International Universities c1982 3 Cooper AM Changes in psychoanalytic ide as transference interpretation J Am Psycho anal Assoc 19873517798 4 Wallerstein RS Fortytwo lives in treatment a study of psychoanalysis and psychothera py New York Guilford c1986 5 Loewald HW The transference neurosis comments on the concept and the pheno menon J Am Psychoanal Assoc 1971191 5466 6 Reed GS Rules of clinical understanding in classical psychoanalysis and in self psycho logy a comparison J Am Psychoanal Assoc 198735242146 7 Reed GS Scientific and polemical aspects of the term transference neurosis in psychoanaly sis Psychoanal Inquiry 19877446584 8 Sandler J Kennedy H Tyson RL Discus sions on transference The treatment situa tion and technique in child psychoanalysis Psychoanal Study Child 19753040941 9 Sandler J Kennedy H Tyson RL The tech nique of child psychoanalysis discussions with Anna Freud London Hogarth 1980 10 Tyson RL Tyson P The concept of trans ference in child psychoanalysis J Am Acad Child Psychiatry 1986251309 11 Macalpine I The development of transfe rence Psychoanal Q 19501950139 12 Nunberg H Transference and reality Int J Psychoanal 19513219 13 Sandler J Countertransference and role responsiveness Int Rev Psychoanal 19763 437 14 Greenacre P Certain technical problems in the transference relationship In Greenacre P Emotional growth New York Internatio nal Universities 1971 v 2 cap 33 p 65169 15 Glover E The technique of psychoanalysis New York International Universities 1955 16 Harley M The current status of transference neurosis in children J Am Psychoanal Assoc 19711912640 17 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sublima tion Psychoanal Study Child 195510 929 33 Loewald HW Transferencecountertransfe rence J Am Psychoanal Assoc 1986342 27587 34 Tyson RL Countertransference evolution in theory and practice J Am Psychoanal Assoc 198634225174 35 Reder P Tyson RL Patient dropout from in dividual psychotherapy a review and dis cussion Bull Menninger Clin 1980443 22952 36 Blum HP The position and value of extra transference interpretation J Am Psychoa nal Assoc 1983313587617 37 Arlow JA Transference as defense J Am Psychoanal Assoc 2002504113950 38 Eizirik CL A transferência um tema qua se inesgotável Rev Psicanálise SPPA 2012 1914960 39 Oelsner R Transference and countertransfe rence today Hove Routledge 2013 A evolução da compreensão e da utilização da contratransferência levoua a tornarse um dos conceitos fundamentais para a práti ca da psicanálise e da psicoterapia de orienta ção analítica tornando seu estudo indispen sável para o profissional dessas áreas Pensa mos que uma abordagem evolutiva poderá favorecer o entendimento do caminho per corrido por esse controvertido conceito e assim facilitar sua compreensão e uso Esse tema foi pouco estudado por Freud e só começou a ganhar espaço na li teratura psicanalítica nos últimos 50 anos como destacam alguns autores que revisa ram esse assunto Blum1 Tyson2 Thomä e Kächele3 Manfredi4 e De Bernardi5 entre vários outros Tal conceito continua geran do muitos debates no campo da psicanálise e da psicoterapia e isso se deve em parte ao fato de incluir a própria pessoa do terapeuta no processo de tratamento o que dificulta seu estudo Fenômeno semelhante ocorreu em várias áreas da ciência quando se passou a destacar a influência da participação do observador nas experiências científicas O termo contratransferência ainda é considerado mal definido e não existe plena concordância em relação a ele6 Per siste também na literatura psicanalítica certa confusão entre os conceitos de con tratransferência atenção flutuante empa tia regressão do analista rapport atitude analítica escuta analítica e inclusive cam po analítico127 O próprio International Journal of Psychoanalysis procurando selecionar os principais trabalhos de seus 80 anos de história dedicou um livro a esse tema in titulado Trabalhoschave em contratransfe rência Key Papers on Countertransference Foi editado por Michels e colaboradores8 e procurou mostrar o cenário da contra transferência nas diferentes regiões Jacobs aborda a América do Norte Hinshelwood a Inglaterra particularmente a escola klei niana Duparc a França e De Bernardi a América Latina A evolução do conceito pode ser divi dida em quatro fases a a formulação inicial de Freud que data de 1910 b os trabalhos de Paula Heimann e Hein rich Racker que provocaram uma am pliação c as décadas de 1970 e 1980 com a utiliza ção maciça do conceito totalístico de contratransferência e 17 CONTRATRANSFERÊNCIA Cláudio Laks Eizirik Sergio Lewkowicz Psicoterapia de orientação analítica 311 d a situação atual de revisão e cautela com a utilização da contratransferência e a proposta de um conceito específico Este capítulo objetiva descrever cri ticamente essas diferentes fases e sua re levância para a psicoterapia de orientação analítica O CONCEITO DE CONTRA TRANSFERÊNCIA DE FREUD Freud publicou muito pouco sobre o tema da contratransferência e destacou princi palmente sua influência negativa sobre o processo de tratamento O conceito foi in troduzido por ele em 1910 em seu trabalho As perspectivas futuras da terapêutica psica nalítica9 no qual refere As outras inovações na técnica rela cionamse com o próprio médico Tornamonos cientes da contratrans ferência que nele surge como resul tado da influência do paciente sobre seus sentimentos inconscientes Considera também que a contra transferência decorre de complexos e re sistências internas do médico salientando a necessidade da autoanálise e alguns anos depois da análise didática e das reanálises periódicas para reconhecêla e superála Assim para Freud a contratransferência é um obstáculo à análise que deve ser supe rado pelo analista Nesse mesmo ano volta a utilizar o termo contratransferência em uma carta para Ferenczi datada de 6 de outubro de 1910 na qual aparece com uma conotação positiva paterna em relação a seu discípu lo610 Observase assim como Freud es tá levando em consideração a equação pessoal do terapeuta em seu conceito de contratransferência embora a considere a resposta do analista à transferência do pa ciente como salienta em sua carta a Jung ao dizer que os analistas não podem per mitir que os pacientes neuróticos os en louqueçam4 Tyson2 assinala que há razão para imaginar que Freud e seus colegas pensa vam e falavam sobre a contratransferência bem mais do que publicaram sobre o as sunto pois o tema aparecia em algumas cartas Um exemplo disso é a carta de Freud para Jung em 1911 na qual refere que o artigo que julga necessário sobre a contra transferência não deveria ser impresso mas circular como cópia4 Blum1 chama a aten ção para o fato de que Freud apresentou o conceito de contratransferência essencial mente na mesma época em que soube do caso amoroso de Sabina Spielrein com seu analista Jung e talvez estivesse procurando alertar para os riscos desse tipo de envolvi mento A evolução que Freud obteve no conceito de transferência que foi se mo dificando de um obstáculo para um ins trumento terapêutico não foi a mesma em relação à contratransferência Isso possivelmente se deve à dificuldade que ele teve de sistematizar seus sentimentos contratransferenciais procurando mui tas vezes manter oculta sua existência ou destacando em trabalhos sucessivos esse perigoso inconveniente responsável pe los pontos cegos dos terapeutas47 Isso também pode decorrer do fato de ele nun ca se ter analisado o que não lhe permitiu experimentar o mútuo aspecto do relacio namento analítico111 312 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Ainda que durante toda a sua obra Freud con sidere a contratransferência um obstáculo para o tratamento em 1912 ao referirse à atenção flutuante descreve como o inconsciente do mé dico pode ser utilizado como instrumento da análise antecipandose assim aos achados posteriores Segundo suas palavras ele o médi co deve voltar seu próprio inconsciente como um órgão receptor na direção do in consciente transmissor do paciente12 Epstein e Feiner13 correlacionam es ses dois aspectos do pensamento freudia no por um lado a contratransferência co mo obstáculo ao tratamento e por outro o inconsciente do médico como instrumento da análise com as duas correntes principais que irão dominar o cenário analítico em relação à contratransferência e que foram denominadas por Kernberg14 de clássica e de totalística respectivamente A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE CONTRATRANSFERÊNCIA Após as formulações iniciais de Freud sobre a contratransferência esse tema apareceu de forma escassa na literatura psicanalítica durante cerca de 40 anos A contratrans ferência era considerada principalmente como um obstáculo uma impureza do tratamento e uma falta de objetividade do analista nesse período3 É provável que isso tenha decorrido da resistência dos analistas em relação aos seus próprios sentimentos e à repressão da contratransferência115 Também pode ter tido importância uma espécie de necessidade de fidelidade ao conceito freudiano de contratransferência como obstáculo No entanto como assinalam vários autores houve estudos precursores dos desenvolvimentos posteriores34 Um dos pioneiros nessa linha foi Ferenczi ao des crever a oscilação necessária da atenção do analista entre o inconsciente e o conscien te para melhor captar a realidade psíqui ca1617 Cabe mencionar também as ideias inovadoras sobre o papel do analista e de suas respostas de Balint Deutsch Fenichel Sullivan e Winnicott Reik em especial esboçou uma teoria da contratransferên cia a partir da intuição mas não chegou a formulála3410 O trabalho considerado pela maioria dos autores como o ponto de virada tur ning point no conceito de contratransfe rência é o de Paula Heimann On counter transference18 Racker já havia apresenta do ideias similares alguns anos antes mas como Heimann publicou primeiro na li teratura internacional aparentemente foi a pioneira dessa nova visão Na realidade ambos os autores merecem crédito seme lhante embora os estudos de Racker sobre a contratransferência tenham sido mais amplos e profundos como agora é reco nhecido na literatura recente19 A partir do final da década de 1940 e começo da de 1950 surgiram inúmeros trabalhos que levaram a um novo conceito de contratransferência bem mais abran gente e que foi denominado de totalísti co15182025 Essa ampliação possivelmente decorreu dos novos estudos com análise de crianças e da visão da relação mãebebê como uma unidade única dos tratamentos com pacientes mais perturbados os quais mobilizavam reações contratransferenciais mais graves e das mudanças nas premis sas da técnica com a maior compreensão da profundidade e complexidade do fenô meno transferencial os alcances e as limi tações da interpretação e a importância do Psicoterapia de orientação analítica 313 enquadre Também foi importante uma influência de fora da área da psicanálise uma cultura mais democrática no mun do depois da II Guerra Mundial em que a autoridade passou a ser mais questionada além das descobertas sobre o papel do ob servador nas experiências científicas410 Com esses desenvolvimentos a com preensão da contratransferência tomou ru mos diferentes Por um lado nos Estados Unidos com a orientação da chamada psi cologia do ego predominou a visão deno minada clássica e por outro na Inglaterra e na América Latina com a influência da teoria das relações de objeto ou teoria klei niana prevaleceu o conceito considerado como totalístico em relação à contratrans ferência1426 O CONCEITO CLÁSSICO DE CONTRATRANSFERÊNCIA De acordo com essa visão a contratrans ferência é considerada algo alheio quali tativamente estranho à posição emocional normal do analista algo capaz de parasitar de modo nocivo o processo analítico Não é considerada um elemento normal da si tuação analítica mas algo exclusivamente perturbador26 Na compreensão clássica a contratransferên cia se restringe à reação inconsciente do ana lista à transferência do paciente Ela é conside rada decorrente dos conflitos neuróticos do te rapeuta concordando com a descrição clássica de Freud de 1910 daí o seu nome Somente é tratada como contratransferência aquela par te do relacionamento que se refere aos conflitos infantis e reprimidos do analista142126 Para outros autores no entanto pode incluir também elementos não neuróticos do terapeuta bem como corresponder a uma resistência inconsciente do analista à transferência do paciente13 Segundo Kern berg14 são considerados representantes do conceito clássico os seguintes analistas Reich Glover Fliess Gitelson e Rangell Annie Reich em seu estudo de 1951 rejeita a ideia de que a contratransferência possa ser usada como instrumento tera pêutico ressaltando que o analista não de ve ter reações emocionais intensas com seu paciente procurando reforçar o conceito de empatia De acordo com a ideia corren te de empatia seriam considerados apenas os aspectos positivos da relação do analista com seu paciente Na realidade o termo empatia é decorrente de uma tradução para o inglês da palavra Einfühlung usada por Freud para identificação mas Ribeiro e Zimmermann26 destacam que o termo se ria mais bem traduzido para contratransfe rência pois implica dois tempos projetivo e introjetivo funcionando como uma rela ção objetal como qualquer outra e no caso correspondendo à posição emocional do terapeuta Mesmo que Gitelson23 conside rasse o termo contratransferência como reação à transferência contratransferên cia acreditava que ela poderia ser usada para compreender melhor o paciente Os seguidores da perspectiva clássica de contratransferência defendem o ponto de vista de que a ampliação do conceito torna o termo contratransferência con fuso e faz com que perca sua especificidade além de aumentar a importância da reação emocional do terapeuta tirandoo de sua posição ideal de neutralidade Além disso discordam das críticas dos totalísticos de que seu posicionamento em relação à con tratransferência os deixa mais frios e indi ferentes 314 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O CONCEITO TOTALÍSTICO DE CONTRATRANSFERÊNCIA Esse conceito considera a contratransferên cia um fenômeno normal no processo tera pêutico Nesse sentido ela contém elemen tos da realidade da relação e pode incluir aspectos neuróticos do analista abrangen do suas reações conscientes e inconscientes e podendo ser utilizada como instrumento de compreensão do paciente1426 De acordo com essa visão todos os sentimentos e atitudes do analista em re lação ao paciente são considerados con tratransferência13151820242527 Alguns re presentantes mais radicais desse gru po chegam a sugerir que os sentimentos contratransferenciais sejam revelados aos pacientes142021 Winnicott em seu artigo O ódio na contratransferência Hate in the counter transference20 chamava a atenção para os sentimentos despertados no analista e no psiquiatra por pacientes psicóticos descre vendo uma contratransferência objetiva ou seja medo e ódio conscientes na con tratransferência O trabalho considerado o marco histórico da mudança para uma vi são totalística como já mencionado é o de Paula Heimann On countertransference18 Nesse estudo a autora utiliza o termo con tratransferência para englobar todas as rea ções que o analista experimenta diante de seu paciente A contratransferência é consi derada uma criação do paciente por identifi cação projetiva e portanto pode ser utiliza da como um instrumento terapêutico Heinrich Racker152425 foi o autor mais origi nal e provavelmente com a contribuição mais abrangente e profunda sobre o tema da contra transferência Parece ter sido um dos primeiros a preocuparse com ela pois a estudava desde 1948 na Argentina no entanto só iniciou a pu blicação de seus achados em 1953 Apresenta va uma visão totalística da contratransferên cia incluindo seus aspectos conscientes e in conscientes Considerava que a contratransferên cia opera de três formas a como um obstáculo como no modelo clássico b como importante instrumento para a compreensão das relações de objeto básicas do paciente e c como um campo em que o paciente pode adquirir uma experiência diferente da que teve originalmente Descreveu também a contratransfe rência direta com o paciente e uma forma indireta com familiares do paciente ou até mesmo com colegas Referiu ainda dois tipos de identificação da contratransferên cia a concordante quando o ego do analista se identifica com o do paciente e existe uma sensação de sintonia entre eles b complementar quando o analista se identifica com um objeto interno ou parte não desejada do paciente por exemplo com seu superego com uma correspondente sensação de dissintonia Alertando que mesmo os terapeutas experientes não conseguem evitar identi ficações complementares relacionaas com a parte neurótica da contratransferência Denominou inclusive de neurose de con Psicoterapia de orientação analítica 315 tratransferência sua expressão patológi ca correlacionandoa desse modo com a neurose de transferência MoneyKyrle27 considerava a con tratransferência instrumento terapêutico mas também obstáculo Em seu trabalho A contratransferência normal e alguns de seus desvios salientou que a contratransferência normal está relacionada com a capacidade do analista de exercer funções parentais A empatia e o insight seriam resultantes de uma espécie de identificação do analista com o paciente a qual depende de uma combinação dos impulsos reparadores e destrutivos do próprio terapeuta Grinberg28 também se dedicou a es tudar a contratransferência normal e pa tológica e descreveu um tipo específico de perturbação desta a contraidentificação projetiva Essa situação ocorre quando o paciente utiliza maciçamente a identifica ção projetiva fator não destacado por Ra cker e o analista é de forma inconsciente e passiva levado a adotar o papel em que o paciente está tentando colocálo Poste riormente Grinberg salienta o valor comu nicativo da contraidentificação projetiva para o analista poder perceber mensagens especialmente não verbais Kernberg14 afir ma que um conceito totalístico da contra transferência faz justiça à concepção da situação analítica como um pro cesso de interação no qual passado e presente de ambos os participantes bem como suas mútuas reações ao seu passado e presente fundemse numa única posição emocional envolven doos mutuamente Tal posicionamento antecipase aos estudos posteriores sobre campo analíti co Além disso Kernberg descreve que se o terapeuta utiliza suas reações emocionais para compreender o paciente acaba tendo mais liberdade para observar seus senti mentos Além disso com pacientes grave mente perturbados podem surgir inten sas reações contratransferenciais as quais podem ser utilizadas para a compreensão do paciente Nesse sentido a contratrans ferência constitui importante instrumento diagnóstico fornecendo informação sobre o grau de regressão do paciente o que tam bém é descrito por Vollmer Filho29 Assim quanto mais prematura e intensa a reação emocional do terapeuta com oscilações rá pidas e caóticas mais se pode pensar que o analista está na presença de grave regressão do paciente Ao contrário nos casos de ní vel predominantemente neurótico a inten sidade dessas reações é menor1429 São também considerados seguidores do conceito totalístico de contratransferên cia nos Estados Unidos FromReichman Sullivan e Fromm enfatizando a contra transferência como um fenômeno normal e natural no processo terapêutico13 Em nosso meio Ribeiro e Zimmermann26 po sicionaramse a favor de uma visão totalís tica da contratransferência considerando a como dinâmica e consequência de uma relação objetal inicialmente inconsciente mas logo consciente Somente por meio de uma identificação com o paciente é que o analista poderá entender e ampliar cons cientemente suas percepções Etchegoyen10 também ressalta a utili dade de um conceito mais totalístico para a contratransferência mas alerta para o que chama de contra acting out o acting out do analista mais resultante da sua transfe rência com o paciente do que de sua con tratransferência Tratase assim de confli tos neuróticos do analista que interferem na tarefa terapêutica 316 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs AS REPERCUSSÕES DA VISÃO TOTALÍSTICA DA CONTRATRANSFERÊNCIA A partir da década de 1970 a visão totalís tica da contratransferência passou a ganhar cada vez mais expressão e a influenciar os autores do modelo chamado clássico de contratransferência inclusive nos Esta dos Unidos onde era tratada de maneira muito restrita Essa modificação parece ser decorrente dos achados da importância da contratransferência nos estudos de psica nálise com crianças e pacientes gravemente perturbados psicóticos e borderline entre os quais se destacam os de Kernberg Além disso passouse a evidenciar cada vez mais na situação analítica o aspecto interativo da relação entre analista e paciente com a consequente constatação da importância do envolvimento da pessoa e da mente do te rapeuta no processo de tratamento571114 Um exemplo dessa ampliação é o li vro organizado por Epstein e Feiner de 1979 no qual diferentes autores procuram ressaltar o uso da contratransferência co mo instrumento terapêutico no processo de tratamento Tauber30 defendendo a po sição totalística considera a contratrans ferência como uma situação que oferece a oportunidade de evocar material novo sobre o paciente o analista e a relação dos dois e afirma que isso tudo pode ser utiliza do terapeuticamente No Encontro Anual da Associação Psicanalítica Americana em San Diego em 4 de dezembro de 1984 os palestrantes foram unânimes ao ressaltar a utilidade da contratransferência no tratamento psica nalítico121131 Tyson2 referiu as seguintes áreas de expansão do conceito de contratransferên cia a a contratransferência que era somente vista como inconsciente passou a incluir aspectos conscientes e inconscientes b de apenas uma reação à transferência do paciente passou a englobar todos os sentimentos que o analista apresenta em relação ao paciente c a busca de uma maior compreensão dos mecanismos envolvidos em sua dinâ mica d o reconhecimento das reações contra transferenciais e o uso terapêutico destas e de um obstáculo ao tratamento passou a ser considerada uma ajuda ao terapeuta em seu trabalho O autor concluiu que ainda seguia em aberto a discussão sobre se o paciente de via ser informado dos sentimentos contra transferenciais ou não debate que se pro longa até os dias de hoje e ressaltou o uso da contratransferência como instrumento diagnóstico e de pesquisa Loewald11 considerou impossível se parar a transferência da contratransferên cia afirmando que seriam as duas faces de uma mesma dinâmica Descreveu o uso da segunda no tratamento analítico como fundamental e indispensável Jacobs31 além de adotar uma visão totalística da contratransferência descre veu vários indicadores de reações contra transferenciais pontos cegos atos falhos em relação a honorários horários duração das sessões entre outros frequentes pen samentos sobre o paciente comumente acompanhados de depressão ou outras mudanças de humor uma necessidade re petitiva de falar sobre as sessões com esse paciente bem como sua presença no con teúdo manifesto dos sonhos do analista Além disso chamou também a atenção para as reações contratransferenciais que podem estar presentes Psicoterapia de orientação analítica 317 a nos silêncios do terapeuta b nas modificações de sua neutralidade c em reações de seu sistema autônomo d na indicação de término do tratamento Blum1 limitou a contratransferência aos seus aspectos patológicos mas aceita va que ela poderia ser utilizada para maior compreensão do paciente Procurou tam bém classificála em a positiva ou negativa como a transferên cia b transitória ou persistente c localizada ou difusa d explícita ou sutil e em relação a um paciente ou a todos f em relação a um diagnóstico particular ou a mais diagnósticos Por sua vez os autores kleinianos que já adotavam um conceito mais amplo de contratransferência aprofundaram seu estudo e compreensão particularmente in fluenciados pelas ideias de Bion32 sobre o aspecto comunicativo da identificação pro jetiva da função rêverie materna e da fun ção continente do analista Assim Joseph33 descreveu o uso da contratransferência co mo instrumento positivo na compreensão do paciente em especial pelo impacto da identificação projetiva deste nas reações do analista Pick34 estudou a elaboração que o analista precisa fazer com sua con tratransferência antes de utilizála Assim o terapeuta a princípio tem de tolerar e elaborar dentro de si mesmo os próprios impulsos conscientes e inconscientes bem como seus sentimentos em relação ao pa ciente sujeitandoos ao seu processo de pensamento antes de utilizálos na formu lação da interpretação Considerandose a evolução do con ceito de contratransferência nas décadas de 1970 e 1980 observase que ele foi percor rendo um caminho semelhante ao do con ceito de transferência ou seja de obstáculo para tratamento passou a ser um instru mento fundamental e indispensável para sua realização Constatouse também que as divergências entre os dois conceitos to talístico e clássico foram diminuindo e a visão totalística foi recebendo mais apoio e concordância Surgiram inúmeros traba lhos sobre o tema que passou a ser mo da como costuma ocorrer na psicanálise e também em outras ciências Thomä e Kächele3 chegaram a chamála de a Cin derela da psicanálise Passouse então por um período de exagero na utilização da contratransferên cia em que os sentimentos dos terapeutas seriam provocados predominantemente por seus pacientes A contratransferência era utilizada de uma maneira estereotipada automática e caricatural dando surgimen to a um novo conceito como destacaremos a seguir Ao mesmo tempo essa ampliação do conceito abriu as portas para desenvol vimentos posteriores em relação às teorias do campo analítico e ao uso do conceito de intersubjetividade em psicanálise que en contram crescente interesse desde a década de 1990 até os dias de hoje Essa nova visão da contratransferência permitiu uma reto mada e a ampliação do conceito de atenção flutuante de Freud17 O CONCEITO ESPECÍFICO DE CONTRATRANSFERÊNCIA O conceito totalístico apesar do progres so que trouxe recebeu críticas como as de Thomä e Kächele3 e de Sandler e colabora dores35 no sentido de que não discrimina o que vem do paciente e o que vem do ana 318 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lista Sandler e colaboradores35 sugeriram que se denominasse contratransferência apenas as reações específicas do analista às qualidades específicas do paciente Esses e outros autores alertam para o risco de que o conceito totalístico se transforme em uma espécie de saco de gatos que se con funde com a realidade psíquica do terapeu ta Tansey e Burke36 sugeriram vários cri térios para tentar discriminar na mente do terapeuta qual a fonte de seus sentimentos em cada momento da sessão Assim o tera peuta deveria formular e responder ques tões sobre o que está sentindo e pensando antes e durante a sessão tentando identifi car dentro do possível a fonte de suas res postas emocionais ao paciente Esses alertas nos levam a considerar que no curso de uma sessão pode haver duas fontes que produzem as manifestações emocionais do terapeuta sua transferência em relação ao pa ciente e sua contratransferência No primeiro caso estariam incluídos sentimentos ideias e comportamentos dirigidos ao paciente a par tir da história pessoal do terapeuta ou de situa ções de sua vida atual transferidos sobre ou para dentro do paciente A mas também do pa ciente B e não provocados por estes A contra transferência se manifesta quando é possível identificar que parte do self do paciente ou de suas fantasias está sendo colocada dentro da mente do terapeuta e provocando uma reação ideia ou comportamento37 Em uma pesquisa recente sobre o en sino da contratransferência na supervisão analítica observouse que entre analistas didatas e candidatos de um instituto psica nalítico de Porto Alegre embora predomi nasse a visão totalística o ponto de vista es pecífico foi destacado e adotado por vários entrevistados38 Além de sua inegável centralidade no campo analítico a contratransferência tem sido pesquisada em várias situações da prá tica psicoterápica de orientação analítica dando origem a um instrumento para sua avaliação e a vários estudos realizados em nosso meio3942 AS CONTROVÉRSIAS ATUAIS SOBRE A CONTRATRANSFERÊNCIA A visão totalística da contratransferência se expandiu com o passar do tempo e mui tos autores acreditam hoje que todas as reações do terapeuta suas ideias fantasias sentimentos ações reações e mesmo inter pretações são consideradas contratrans ferência4 Outros autores como referido questionam essa visão De qualquer forma já não há mais dúvidas sobre a centralida de da contratransferência para a prática psicanalítica e psicoterápica Como refere Green43 a contratransferência não se limi ta mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos ou não analisados do analista capazes de falsear sua escuta tornase o correlato da transferência caminhando a seu lado induzindoa às vezes e para alguns precedendoa Também parece não haver muitas dúvidas quanto à possibilidade de a con tratransferência ser utilizada como instru mento de compreensão e diagnóstico do paciente As controvérsias atuais se refe rem predominantemente à melhor ma neira de utilizar a contratransferência bem como aos cuidados necessários para sua inclusão no processo de entender os acon tecimentos do campo analítico Psicoterapia de orientação analítica 319 Uma discussão recente e significativa referese à ideia de que a contratransferên cia não é apenas uma criação do paciente devendose considerar também a parte do terapeuta ou seja sua transferência em re lação ao paciente e a sua neurose Essa pers pectiva implica uma revisão dos trabalhos de Heimann e Racker considerando que o analista não é um continente vazio que vai ser apenas preenchido com as projeções do paciente Com essa visão a importância da autoanálise e da análise do terapeuta vai sendo cada vez maior4 Como decorrência dessa mudança surge um novo desafio o reconhecimento da dificuldade de separar na contratransferência a parte relacionada a uma resposta ao paciente da parte que é vinculada à neurose do terapeuta ou a sua personalidade como destacamos no item anterior A contribuição de Pick34 tornase fun damental pois somente após uma maior elaboração da contratransferência den tro de nós mesmos poderemos entender o papel que o paciente desempenhou na mo bilização de nossas reações Manfredi4 refere que podemos perceber a contra transferência por meio de um malestar emocional e o primeiro passo deve ser o de tentar compreender qual o papel que o paciente tem em sua gênese O autor alerta que devemos tomar cuidado nesses mo mentos para não fazer uma interpretação expulsiva apenas para nos livrarmos desse malestar Alguns autores atuais consideram que a maior dificuldade do trabalho terapêutico reside na tolerância da contratransferência por parte do terapeuta caso ele tenha condições isso po derá servir de ajuda para o paciente inclusive produzindo mudança psíquica Tratase de poder tolerar melhor as reações contratransferenciais como diz Manfredi4 ter uma relação diferente mais amigável com suas respostas con tratransferenciais internas não as consi derando algo indesejável mas uma parte do processo de compreensão do paciente passando pela empatia pela intuição e pe lo trabalho de elaboração da contratrans ferência O paciente observa atentamente como o analista lida com suas próprias rea ções internas e se este consegue conter a contratransferência atuandoa o mínimo possível isso poderia levar a uma melhora do paciente por meio da reintrojeção de aspectos de si próprio decorrente mais de uma interação não verbal do que de uma interpretação334 De maneira semelhante às descrições de Bion e de outros autores kleinianos sobre a função de continência e a utilização da mente do analista no pro cesso terapêutico acreditamos que esse tipo de cuidado com a contratransferência seja particularmente significativo com pa cientes que apresentam problemas com a simbolização e por extensão muitas difi culdades na verbalização Outra tendência atual se refere a bus car a compreensão da contratransferência não no terapeuta mas ao contrário nas reações do paciente São autores dessa cor rente Schwaber Gill e Hoffman A ideia central é a de tentar observar no paciente a nossa contratransferência ou seja como ele está reagindo a nós e ao que dizemos Seria algo próximo a nos buscar no pacien te o que permite corrigir nossas interven ções e até aprender sobre nós mesmos4 Pensamos que essas ideias se aproximam das afirmações de Bion de que o paciente é nosso melhor colega as quais foram pro fundamente ampliadas pelos trabalhos de Ferro44 na Itália 320 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Outros aspectos recentes da contratransferên cia dizem respeito a suas relações com o gê nero e ao momento do ciclo vital de paciente e terapeuta Distintos momentos do ciclo vital e o gênero da dupla configuram diferentes día des e permitem o estabelecimento de variadas configurações transferenciaiscontratransfe renciais Assim é importante considerar não só as características da personalidade do te rapeuta como também aquelas específicas da etapa do ciclo vital em que se encontra e a for ma como esse emaranhado de expressões in conscientes e conscientes se enlaça com as respectivas expressões do que está acontecen do com o paciente3745 Solo comum da clínica psicanalítica atual como propõe Gabbard46 a contra transferência é um instrumento igualmen te essencial para a prática da psicoterapia psicanalítica embora guardando algumas diferenças que não podem ser negligen ciadas Pela menor frequência de sessões e pela circunstância de paciente e terapeuta estarem face a face a observação a identifi cação e a utilização da contratransferência encontram maiores dificuldades na práti ca psicoterápica Devese considerar que é uma situação em que existe um balanço entre elementos inconscientes e as pessoas reais de terapeuta e paciente o que torna mais difícil e demanda mais atenção para perceber os derivados da transferência e da contratransferência nas manifestações emocionais e comportamentais da dupla Em relação à confissão ou à comuni cação da contratransferência para o pacien te observase muita discussão na literatura atual A maioria dos autores continua pen sando que isso pode trazer problemas para a neutralidade do terapeuta47 além de não contribuir para o processo psicoterápico ou até sobrecarregar o paciente Entretanto o terapeuta não deve se esconder ou estimu lar com seu silêncio um possível ataque à percepção do paciente Não negando a ocorrência de alguma atitude inadequada movida por derivados contratransferen ciais o terapeuta pode estimular o paciente a associar o que tal situação lhe provocou e assim dar sequência ao exame do ma terial que constitui as diversas expressões do campo psicoterápico Manfredi4 de fende que o debate sobre a possibilidade eventual e oportuna de comunicar a con tratransferência deve ficar em aberto apro fundandose seus estudos Gostaríamos de estender esse alerta para todo conceito de contratransferência procurando deixálo aberto e flexível favorecendo desse modo cada vez mais estudos e aprofundamentos para um tema de tanta complexidade Autores contemporâneos defendem que a encenação enactment é um processo contínuo onipresente e que o terapeuta es tá sempre revelando sua contratransferên cia Assim esta e a encenação não podem ser diferenciadas de forma significativa48 Além disso é por meio das suas encenações que o terapeuta vai tomar consciência de sua contratransferência49 Sob outro enfo que Steiner50 procura fazer uma distinção nas reações do terapeuta entre conter e agir Conter estaria relacionado a sentir e pensar e definiria a contratransferência A ação do analista seria a encenação Se gundo essa visão a encenação constitui um obstáculo à conscientização da contra transferência e decorre de uma resistência de sua parte Assim deveríamos sentir es pontaneamente mas agir reflexivamente No entanto observamos que a capacidade de agir reflexivamente é com alguma fre quência perdida e recuperada no processo terapêutico Um terceiro grupo de autores re presentado por Carpy51 considera que as encenações contratransferenciais parciais são tão inevitáveis quanto necessárias para o paciente reintrojetar seus aspectos cindi Psicoterapia de orientação analítica 321 dos A contratransferência é assim expres sa e tolerada Em suma a impulsividade as excitações e as ações irracionais e impen sadas do terapeuta devem ser submetidas a um processo de conscientização Devemos poder passar de nossas encenações para uma elaboração de nossa contratrasferência Como destacou Hinshelwood52 to das as ideias atuais da contratransferência destacam que a identidade do analista in clui uma pessoa que sente ou seja há uma identidade profissional que convive com a pessoal e dessa mescla dependerão os su cessos e fracassos no trabalho clínico Tal vez esse tenha sido um dos progressos mais importantes de nossa disciplina nas últimas décadas e o desafio que enfrentamos con siste em continuar desenvolvendo e apro fundando a compreensão sobre a complexa trama que é produzida por duas mentes e sensibilidades que compartilham o encon tro analítico e psicoterápico PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A contratransferência foi inicialmente percebida por Freud e seus contemporâneos como um obstáculo para o tratamento 2 A partir dos trabalhos de Racker e Heimann surgiu o conceito totalístico considerando que a contra transferência constitui a totalidade das reações do terapeuta e é um instrumento essencial para ter acesso ao mundo interno do paciente 3 Nas últimas décadas tem sido proposto o conceito específico procurando identificar o que provém do terapeuta e o que provém do paciente em cada situação da relação terapêutica 4 Com o crescente estudo da mente do analista cada vez mais se procura levar em consideração como funciona sua mente em contato com a do paciente e identificar as encenações produzidas nessa rela ção mutuamente provocadora de emoções e estados psíquicos complexos 5 A contratransferência também pode ser influenciada por questões como o gênero e o momento do ciclo vital de paciente e terapeuta e constitui uma área de crescentes pesquisas em psicanálise e psicotera pia analítica REFERÊNCIAS 1 Blum HP Countertransference and the theo ry of technique discussion J Am Psychoanal Assoc 198634230928 2 Tyson RL Countertransference evolution in theory and practice J Am Psychoanal Assoc 198634225174 3 Thomä H Kächele H Countertransferen ce In Thomä H Kächele H Psychoanalytic practice Berlin SpringerVerlag c1987 p 8197 4 Manfredi ST As certezas perdidas da psica nálise clínica Rio de Janeiro Imago 1998 5 De Bernardi BL Contratransferência uma perspectiva a partir da América Latina In Livro Anual de Psicanálise São Paulo Escu ta 2002 v 16 p 217237 6 Spitz RA Countertransference comments on its varying role in the analytic situation In Blum HP editor Psychoanalytic explora tions of technique New York International Universities c1980 p 44151 7 Lewkowicz S Diferentes conceitos de con tratransferência Porto Alegre Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre 1986 8 Michels R Abensour L Eizirik CL Rusbrid ger R Key papers on countertransference IJP education section London Karnac 2002 322 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 9 Freud S As perspectivas futuras da terapêu tica psicanalítica In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v 11 10 Etchegoyen RH Contratransferência In Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 p 14365 11 Loewald HW Transferencecountertransfe rence J Am Psychoanal Assoc 1986342 27587 12 Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 13 Epstein L Feiner AH Introduction In Eps tein L Feiner AH editors Countertransfe rence New York J Aronson 1979 p 123 14 Kernberg OP Notes on countertransference J Am Psychoanal Assoc 19651313856 15 Racker H Os significados e usos da con tratransferência In Racker H Estudos so bre técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1982 p 12057 16 Ferenczi S A técnica psicanalítica In Feren czi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 Obras completas v 4 p 35767 17 Lewkowicz S A atenção flutuante a regres são 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contratransferencia Revista de Psicoanálisis 1968253484762 27 MoneyKyrle RE Normal countertrans ference and some of its deviations Int J Psychoanal 195637453606 28 Grinberg L On a specific aspect of con tratranference due to the patients pro jective identification Int J Psychoanal 196243643640 29 Vollmer Filho G Conceito e diagnóstico de neurose em Psicanálise Rev Psiquiátr RS 198572957 30 Tauber ES Countertransference reexami ned In Epstein L Feiner AH editors Coun tertransference New York J Aronson 1979 p 5969 31 Jacobs TJ On countertransference enact ments J Am Psychoanal Assoc 1986342 289307 32 Bion WR O aprender com a experiência Rio de Janeiro Imago 1991 33 Joseph B On understanding and not un derstanding some technical issues Int J Psy choanal 198364Pt 32918 34 Pick IB Working through in the counter transference Int J Psychoanal 1985662 15766 35 Sandler J Holder A Dare C Basic psycho analytic concepts IV Countertransference Br J Psychiatry 1970117536838 36 Tansey MJ Burke VF 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GV Eizirik M Hauck S Eizirik CL Ceitlin LHF Trau ma and coutertransference development and validity of the Assessment of Counter transference Scale ACS Rev Bras Psiquiatr 20123422016 43 Green A Narcisismo de vida narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 44 Ferro A A técnica na psicanálise infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 45 Lester EP Aspectos relativos al género e identidad en el proceso analítico In Libro anual de psicoanálisis Londres The British PsychoAnalytical Society 1990 v 6 p 203 14 46 Gabbard GO Countertransference the emerging common ground Int J Psychoa nal 199576Pt 347585 47 Eizirik CL Entre a escuta e a interpretação um estudo evolutivo da neutralidade psi canalítica Revista de Psicanálise da SPPA 19931994111942 48 Levenson EA Response do John Steiner Int J Psychoanal 20068723214 49 Renik O The analysts subjectivity and the analysts objectivity Int J Psychoanal 1998 79Pt 348797 50 Steiner J Transference to the analyst as an excluded observer Int J Psychoanal 2008 8913954 51 Carpy DV Tolerating the countertransfe rence a mutative process Int J Psychoanal 198970Pt 228794 52 Hinshelwood RD Countertransference In Michels R Abensour L Eizirik CL Rusbrid ger R Key papers on countertransference IJP education section London Karnac 2002 LEITURA SUGERIDA Ivey G Controversias sobre la actuación enact ment una revisión crítica de los debates actuales In Libro anual de psicoanálisis São Paulo Escuta 2009 v 24 p 2742 Fronteiras profissionais são componentes que constituem a estrutura terapêutica Elas podem ser consideradas a representa ção de uma margem ou limite do com portamento adequado do psicoterapeuta psicanalítico na situação clínica1 A noção fundamental inerente ao conceito de fronteiras profissionais é a de que a atenção aos aspectos básicos da natureza profissio nal do relacionamento terapêutico servirá para criar uma atmosfera de segurança e previsibi lidade que facilita a capacidade do paciente de usar o tratamento Terapeutas são profissionais que es tão sendo pagos para um serviço e portan to devem reconhecer que um poder dife rencial sempre existe na psicoterapia psica nalítica de um paciente Mesmo quando os terapeutas asseguram fidelidade a modelos teóricos relacionais e intersubjetivos que enfatizam mutualidade o fato de serem pagos por seus serviços estabelece um rela cionamento fiduciário Muito da recente atenção às viola ções das fronteiras profissionais derivou de um crescente conhecimento dos casos de relações sexuais entre terapeutas e pa cientes e dos danos relacionados a essas transgressões26 Assim como o incesto foi escondido do cenário por muitas dé cadas até que as mulheres tiveram cora gem suficiente para falar com franqueza as violações da fronteira sexual vieram à tona apenas nos últimos anos quando elas sentiram ter poder para queixarse a órgãos competentes e comitês de ética Outras fronteiras significativas que não envolvem contato físico são elementos como a hora e o lugar de uma entrevista sua duração a confidência a evitação de relacionamento social ou financeiro com um paciente que poderia afetar a relação a excessiva autorrevelação pelo terapeuta e a recusa delicada de presentes generosos do paciente Mesmo que esses parâmetros constumem ser considerados a arquitetu ra da estrutura terapêutica137 um con junto de qualidades humanas que definem a interação também está incluso nessa es trutura Os psicoterapeutas psicanalíticos tentam ser úteis e imparciais entender em vez de criticar e estar dispostos a privarse de sua própria gratificação no interesse de 18 VIOLAÇÕES DAS FRONTEIRAS PROFISSIONAIS Glen O Gabbard Psicoterapia de orientação analítica 325 ajudar seus pacientes naquilo que os trou xe ao tratamento HISTÓRIA Apesar de as violações da fronteira profis sional apenas recentemente terem recebido a atenção que merecem Freud estava bas tante preocupado com as transgressões de seus discípulos desde os primórdios da psi canálise8 Sandor Ferenczi analisava Elma Palos filha de sua amante Gizella Palos e apaixonouse por ela Se Ferenczi teve ou não relações sexuais com ela não se sabe mas certamente confessou seu amor e era fisicamente afetuoso com Elma9 Carl Jung esteve envolvido com Sabina Spielrein Wi lhelm Stekel era bem conhecido como um sedutor de mulheres Ernest Jones indicou em uma carta a Freud que a mulher com quem vivia Loë Kann também tinha sido sua paciente Freud estava tão preocupado com o impacto de vastador da transferência e da contratransfe rência em seus discípulos que seus primeiros ensaios sobre técnica soavam como uma ver são dos Dez Mandamentos designados a ad vertir seus alunos sobre possíveis transgres sões das fronteiras profissionais Um bom exemplo pode ser encontra do na seguinte passagem do ensaio de 1912 de Freud Recomendações aos médicos que praticam psicanálise10 Não posso aconselhar insistentemen te demais a meus colegas para espelha remse durante o tratamento psica nalítico no cirurgião que põe de lado todos seus sentimentos mesmo a sim patia humana e concentra suas forças mentais no único objetivo de realizar a operação o mais habilmente pos sível Essa rigorosa proibição pode ter leva do seus supervisionados e muitos analistas em gerações subsequentes a sentir que de viam ocultar os sentimentos que estivessem desenvolvendo em vez de discutilos ativa mente com supervisores ou consultores O próprio Freud era bem mais do que uma figura anônima ou neutra De acordo com alguns de seus pacientes que relataram suas experiências11 sua presença estava bastan te em evidência para os pacientes Ele não fazia nenhum esforço para disfarçar seus julgamentos pessoais sobre questões que surgiam Muitas vezes era bastante dog mático e expressava sentimentos fortes em relação aos pacientes Todavia apesar de seu próprio comportamento ele estava pre ocupado com o fato de que representações contratransferenciais irrefletidas pudessem afundar sua nova profissão antes que ela es tabelecesse credibilidade Nas três últimas décadas cada vez mais os comitês de ética e conselhos de classe têm visto exemplos claros do dano infligido a pacientes por vários tipos de violações de fronteira Como resultado as profissões estão agora muito mais alertas para o problema e o véu do sigilo foi le vantado Há uma quantidade modesta de literatura sobre o assunto de violações de fronteira mas inúmeros exemplos de casos sugerem alguns dos temas psicodinâmicos envolvidos nessas transgressões VIOLAÇÕES DE FRONTEIRA E CRUZAMENTO DE FRONTEIRA Como resultado da ênfase recente no da no provocado por violações de frontei 326 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ras alguns terapeutas iniciantes assumem uma postura de rigidez e distanciamento em seus relacionamentos com os pacien tes para assegurar que as fronteiras per maneçam intactas Essa abordagem é um equívoco grave do papel das fronteiras na prática A estrutura deve sempre ser flexível o suficiente para acomodar diferenças individuais entre pa cientes e terapeutas Fronteiras de forma algu ma sugerem frieza ou indiferença Elas são ca racterísticas estruturais do relacionamento que permitem ao terapeuta interagir com cordia lidade empatia e espontaneidade sob certas condições que criam um clima de segurança As fronteiras externas do tratamento são esta belecidas de modo que as fronteiras psicológi cas entre paciente e terapeuta possam ser cru zadas por inúmeros meios como empatia pro jeção introjeção e identificação projetiva3 Cada díade terapeutapaciente cria sua forma particular de interagir por meio de um processo de negociação Com al guns pacientes o terapeuta usará humor para favorecer a aliança terapêutica Com outros que acham que o humor é às suas custas ele se absterá de comentários bem humorados De maneira similar alguns pacientes podem necessitar de um terapeu ta um pouco mais autorrevelador Outros ainda conseguem tolerar frustração apenas se alguma gratificação for oferecida Os te rapeutas estão constantemente ajustando a estrutura a fim de que ela seja um pouco diferente para cada paciente Da mesma forma alguns terapeutas são por natureza reservados enquanto outros são mais aber tos de modo que certos componentes da estrutura como a autorrevelação podem ser influenciados também pela subjetivida de inerente ao terapeuta31213 A necessidade de flexibilidade na conceitualiza ção e implementação de fronteiras profissionais leva a uma diferenciação útil entre violações de fronteira e cruzamento de fronteira1314 Violações de fronteira envolvem trans gressões que são potencialmente prejudi ciais para o ou exploradoras do paciente Elas podem ser sexuais ou não Costumam ser repetitivas e o terapeuta tende a de sencorajar qualquer exploração delas Ao contrário os cruzamentos de fronteira são rupturas benignas e até úteis na estrutura Em geral são atenuados de modo que não têm natureza evidente costumam ocorrer de forma isolada sendo discutíveis na tera pia ver Quadro 181 QUADRO 181 CRUZAMENTOS DE FRONTEIRA VERSUS VIOLAÇÕES DE FRONTEIRA Cruzamentos de fronteira Violações de fronteira Geralmente benignos Geralmente prejudiciais Ocorrem de forma isolada Tendem a ser repetitivas Atenuados Evidentes Tendem a ser examinados Terapeuta desencoraja qualquer discussão Psicoterapia de orientação analítica 327 A ênfase na diferenciação entre cru zamentos e violações deriva em parte da inevitabilidade das respostas humanas em situações incomuns no decorrer da terapia Após a morte de um membro próximo da família o paciente pode chegar ao terapeu ta soluçando e esperando um abraço Se o terapeuta deixa de dar o abraço o paciente pode ficar desolado e não voltar para outra consulta A falha em ser humano em situa ções extraordinárias pode ser um erro mais grave do que ver a fronteira em questão co mo inflexível Todavia se o terapeuta toma a iniciativa e em várias ocasiões abraça o paciente isso pode ser um prenúncio de transgressões de fronteira progressivamen te prejudiciais Nem todas as violações de fronteira não se xuais levam a conduta sexual imprópria mas há um fenômeno bem conhecido denominado terreno escorregadio que envolve a pro gressão gradual de violações de fronteira damais su til e não sexual ao franco envolvimento se xual1315 Mesmo sendo grande o alarde sobre a progressão de pequenas rupturas na es trutura até relações sexuais entre terapeuta e paciente há também tipos prejudiciais de violações de fronteira que refreiam qual quer contato físico A vinheta apresentada a seguir ilustra como a autorrevelação pode destruir a terapia Nessa vinheta o terapeuta tirou van tagem da vulnerabilidade da paciente usan do o tempo para discutir suas próprias questões da vida pessoal Ele perdeu de vista o aspecto fundamental de que o foco são os problemas do paciente e não os do terapeuta Propositalmente o relaciona mento terapêutico é assimétrico Mesmo que a ruptura inicial na estrutura não te ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Um terapeuta de 41 anos estava atendendo a uma paciente de 36 anos em psicoterapia de orientação ana lítica duas vezes por semana A paciente notou que ele parecia distraído e perguntoulhe se alguma coisa o estava incomodando Ele respondeu que seu filho tinha sido diagnosticado com uma forma de leucemia e que estava muito preocupado com o resultado A paciente foi simpática e disse que admirava sua disposi ção em ser honesto com ela e em compartilhar detalhes de sua vida pessoal Ela até se sentiu mais próxima por causa de tal revelação Entretanto a cada sessão subsequente a terapia desviava seu foco Toda vez que a paciente chegava perguntava ao terapeuta como estava seu filho O terapeuta parecia aliviado por ter uma paciente que se preocupava com sua situação e lhe contava detalhadamente sobre a quimiotera pia que o filho estava recebendo e sua resposta ao tratamento Também compartilhava seus próprios sen timentos de culpa e impotência Depois de um período de várias semanas a paciente percebeu que passa va mais tempo escutando o relato da doença e do tratamento do filho do terapeuta Por fim ela sentiu que não podia mais consultar com o terapeuta porque estava lhe pagando honorários para ouvir os problemas dele Profundamente ressentida decidiu sair da terapia sem explicar a razão pois não queria ferir os sen timentos do terapeuta 328 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nha progredido para má conduta sexual o mau uso da terapia pela revelação de seus problemas pessoais foi em si uma violação de fronteira que teve efeitos nocivos sobre a paciente e a terapia Violações não sexuais de fronteira O fato de que as violações não sexuais de fronteira podem ser altamente prejudi ciais para o paciente exige monitoração cuidadosa da contratransferência como uma maneira de perceber os primeiros passos nesse terreno escorregadio Ence nações enactment contratransferenciais hoje são consideradas uma forma de cria ção conjunta envolvendo conflitos do próprio terapeuta bem como a evocação de certas respostas neste que refletem o mundo objetal interno do paciente16 Co mo consequência quando há um engate específico entre o mundo objetal interno do paciente e o do terapeuta este pode ser propenso a reencenar alguma coisa preju dicial ao paciente como resultado da iden tificação projetiva Por exemplo pacientes com traumas da primeira infância inter nalizaram um cenário de relações objetais envolvendo uma vítima e um abusador O terapeuta pode identificarse com o objeto interno abusado e de forma in voluntária vitimizar o paciente Mesmo que algumas violações de fronteira não sexuais envol vam terapeutas inescrupulosos e explora dores a maioria representa a confluência de erro clínico e má conduta ética basea da em encenações contratransferenciais Ainda que a flexibilidade seja necessária ao manejo das fronteiras profissionais algumas diretrizes podem ser úteis em relação a inúmeras questões de fronteira específicas Tempo Quando os terapeutas descobremse prolon gando regularmente a sessão bem além do fi nal da hora devem perguntarse sobre os mo tivos disso No início da terapia é necessário explicar aos pacientes a estrutura de tempo em ter mos de hora bem como as razões para ter minar a sessão mais ou menos na hora esta belecida mesmo quando o paciente estiver perturbado Outra área a monitorar envol ve a marcação de sessões à noite Pacientes que têm transferências eróticas ou que são extraordinariamente exigentes devem ser atendidos de preferência durante o horá rio regular de trabalho quando funcioná rios e colegas estão trabalhando no prédio Os comitês de investigação de ética levan tam algumas questões quando pacientes são recebidos tarde da noite após todos terem ido para casa Os terapeutas devem pensar com cuidado sobre que mensagem estão enviando aos pacientes se os atendem às 8 ou às 9 horas da noite Local de contato A psicoterapia de orientação analítica cos tuma ser conduzida em uma instituição hospitalar ou no consultório do profissio nal Marcar uma sessão em outro lugar que não estes pode levantar dúvidas na mente do paciente sobre o propósito do encontro Pode haver circunstâncias raras em que lo cais de encontro diferentes são necessários Um paciente que está morrendo de câncer pode ser visitado em casa por exemplo Encontros fora do consultório por razões obscuras devem alertar o terapeuta para o risco de graves violações de fronteira Psicoterapia de orientação analítica 329 Como princípio geral qualquer encontro em lo cal incomum diferente do consultório habitual deve ser parte de um plano de tratamento cui dadosamente planejado e que tenha sido de senvolvido com a assistência de um consultor ou supervisor Dinheiro e presentes Os pacientes pagam aos terapeutas por seu tratamento porque a psicoterapia é um tra balho árduo Terapeutas que permitem o acúmulo de grandes contas sem perguntar pelo pagamento ou que param de cobrar honorários podem passar uma mensagem problemática Se um paciente não paga pelo tratamento ele pode imaginar que o terapeuta espera receber alguma coisa em troca Pacientes que recebem tratamento gratuito também podem sentir que não têm o direito de expressar raiva ou decep ção com o terapeuta porque não estão pa gando pelo tratamento Assim a falha em cobrar pagamento ou estabelecer honorá rios deve servir como sinal de alerta a pos síveis problemas de fronteiras Uma grande doação de dinheiro ou um presen te extremamente caro para o terapeuta tam bém pode prenunciar uma possível violação de fronteira Terapeutas que aceitam esse tipo de presente talvez estejam sendo coniventes com o desejo do paciente de suprimir rai va ou agressividade Pequenos presentes especialmente aqueles feitos pelo paciente ou que custam muito pouco podem ser aceitos de forma cortês sob algumas cir cunstâncias Entretanto mesmo pequenos presentes devem ser discutidos em termos de seu significado para o paciente Pacien tes abastados que tentam dar ao terapeuta alguma coisa de grande valor podem pen sar então que o tratamento está sob seu controle Essa vinheta ilustra como os terapeu tas podem às vezes ficar inseguros sobre se aceitar o presente é melhor para o paciente ou não Como no caso descrito eles sem pre podem sentirse livres para adiar uma decisão até que tenham buscado aconse lhamento de um consultor ou supervisor ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Uma terapeuta em treinamento recebeu um colar de diamantes de uma paciente próximo do final de uma psicoterapia psicanalítica de longo prazo A paciente disse à terapeuta Eu quero que você aceite este pre sente como expressão de minha gratidão Sei que não vai rejeitálo porque mais do que qualquer pessoa sabe o quanto me doía quando minha mãe não aceitava meus presentes A terapeuta ficou em um dile ma achou que o colar de diamantes era muito caro para aceitar mas também sabia que poderia arrasar sua paciente como a mãe já o fizera se o rejeitasse Após refletir um pouco disse à paciente que estava em conflito em relação a aceitar o presente e que gostaria de conversar com seu supervisor sobre isso antes de tomar uma decisão Afirmou que manteria o presente na gaveta de sua mesa até a sessão seguinte de modo que teria tempo para conversar sobre o assunto A paciente aceitou essa explicação e ficou prepara da para a possibilidade de a terapeuta ter que rejeitar o presente Após falar com o supervisor a terapeu ta percebeu que não poderia justificar a aceitação de um presente tão caro e explicou à paciente as razões para rejeitálo Esta ficou magoada mas foi capaz de aceitar a explicação da terapeuta 330 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Autorrevelação A autorrevelação pode ser prejudicial pa ra o paciente sempre que a assimetria do relacionamento terapêutico for alterada por causa dela Diretrizes rígidas são di fíceis nesse sentido porque todos os te rapeutas revelam coisas sobre si mesmos todo o tempo Expõem informações sobre si em seus consultórios graças à forma como decoram as paredes às fotografias que estão nas estantes e às obras de arte que escolhem Também fazem autorre velações quando decidem comentar so bre certos temas e não sobre outros em relação àqueles que o paciente traz para a sessão Muitas revelações contratrans ferenciais sobre a situação aquieagora com o paciente podem e devem ser pro veitosamente exploradas Se um paciente borderline por exemplo pergunta a um terapeuta obviamente irritado se ele es tá aborrecido o terapeuta pode desejar validar a observação do paciente e tentar explorála com ele para imaginar que ti po de interação o irritou Porém outros sentimentos contratransferenciais como desejos sexuais pelo paciente devem ser contidos dentro da mente do terapeuta e aí elaborados Como consideração geral os terapeutas devem absterse de partilhar materiais sobre suas vi das privadas que possam sobrecarregar o pa ciente Alguma informação superficial po de ser útil Por exemplo um terapeuta tratando um adolescente pode conversar sobre eventos esportivos a que ambos as sistiram ou sobre um filme que tenham visto Material sobre a família ou os filhos do terapeuta de preferência não deve ser compartilhado Além disso os terapeutas devem evitar conversar com o paciente so bre problemas pessoais Contato físico não sexual Na psicoterapia rotineira de consultório o ideal é que a extensão do contato físico limitese a apertos de mão Entretanto é difícil generalizar e dizer que um abraço nunca é aceitável Conforme observado anteriormente quando tragédias ocorrem na vida do paciente uma resposta humana pode ser devolver um abraço iniciado por ele Esses cruzamentos de fronteira podem ser discutidos mais tarde em termos de seu significado para o paciente O problema contudo é que quando o terapeu ta toma a iniciativa de um abraço ou beijo no paciente não se pode saber antecipadamente como este experimentará a abertura O impacto sobre o paciente pode ser bastante diferente da intenção do terapeu ta17 Pacientes que têm história de trauma sexual por exemplo talvez experimentem um abraço ou mesmo um toque como agressivos Além disso os terapeutas não podem ter certeza de seus desejos incons cientes quando iniciam um abraço mesmo que conscientemente acreditem que não haja conotação sexual Como consequên cia qualquer forma de contato físico além de um aperto de mão deve ser um evento extraordinário no curso de um processo de psicoterapia Ele deve ser iniciado na maioria dos casos pelo paciente discutido em termos de seu significado e não repe tido Psicoterapia de orientação analítica 331 PERFIS DE TERAPEUTAS QUE COMETEM VIOLAÇÕES DE FRONTEIRA Ainda que a maioria dos casos de má con duta sexual ocorra em uma díade caracte rizada por terapeuta do sexo masculino e uma paciente do sexo feminino aproxi madamente 20 dos casos acontece com terapeuta mulher que se envolve em rela ções sexuais com um paciente do sexo fe minino ou masculino6 Outros 20 dos casos ocorrem em díades do mesmo sexo Em minha experiência clínica acompanhei mais de 150 terapeutas que se envolveram em violações de fronteira graves com seus pacientes tanto sexuais quanto não se xuais Cumpri o papel de avaliador con sultor e terapeuta para esses colegas e iden tifiquei quatro categorias de base psicana lítica que considerei úteis em meu próprio trabalho318 Transtornos psicóticos Este grupo é uma categoria extremamen te pequena que envolve terapeutas cujo comportamento sexual com pacientes bro tou de pensamento delirante secundário a mania esquizofrenia ou outro transtorno psicótico Menciono aqui apenas de passa gem para fins de complementação porque ele figura de forma infrequente nas origens de violações de fronteira graves cometidas por terapeutas Psicopatia predatória e parafilias Esta categoria de terapeutas não é tão rara quanto o grupo psicótico Mesmo que al guns terapeutas que se enquadram neste grupo sofram de transtorno da persona lidade antissocial conforme critérios do Manual diagnóstico e estatístico de trans tornos mentais DSM5 outros têm transtorno da personalidade narcisista grave e apresentam comportamento psi copático pelo qual não sentem remorso ou culpa As parafilias são incluídas nes ta categoria não porque todos os médicos com perversões sexuais sejam psicopatas predatórios mas porque aqueles que en cenam suas perversões com pacientes que estão tratando tendem a ter a mesma pa tologia de caráter e déficits de ego subja centes que tipificam o grupo de psicopa tia predatória Os terapeutas nesta categoria em geral ho mens às vezes ocupam posições de liderança dentro das organizações profissionais e come çam a pensar que os códigos de ética de suas profissões não mais se aplicam a eles Tiram vantagem de sua posição como objeto transferencial e de forma sádica e exploratória abusam de seu poder Podem ter histórias de comportamento corrupto ou antiético também em outras áreas Em geral têm muitas vítimas e carecem da ca pacidade de empatizar com os pacientes que exploraram de modo a negar que qual quer dano foi causado a estes Podem ar gumentar que um relacionamento sexual por exemplo foi inteiramente consensual entre o terapeuta e o paciente e que este na verdade se beneficiou dele Terapeutas que se ajustam a essa categoria provavelmente não respondem a tentativas de reabilitação e com frequência têm suas licenças profis sionais revogadas porque são vistos como um perigo persistente ao público 332 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Paixão Este grupo inclui uma ampla gama de ca tegorias diagnósticas Alguns terapeutas podem ser neuroticamente organizados muitos têm distúrbios narcisistas leves e outros estão em um estado de crise pessoal eou profissional Podem não ter história de comportamento antiético em nenhu ma outra área e tendem a estar envolvidos com apenas um paciente Podem admitir estar apaixonados pelo paciente e racio nalizar seu comportamento nessas bases Ainda que presença ou ausência de amor seja irrelevante para considerações éticas terapeutas que estão enamorados de seus pacientes podem argumentar que eles são almas gêmeas e que teriam se casado se tivessem se encontrado sob qualquer outra circunstância de modo que nenhum dano está sendo causado Esta categoria é mais comumente formada por terapeutas do sexo feminino embora terapeutas homens também se ajustem a ela Os temas psicodinâmicos encontrados neste grupo incluem uma necessidade desesperada de ser validado idealizado e amado pelos pa cientes como uma forma de regular a autoesti ma Os terapeutas têm dificuldades em anteci par as consequências de suas ações e expõem certa perda da qualidade como se da expe riência comum da contratransferência Podem por conta disso ser incapazes de perceber que algo do passado do pacien te eou do seu está sendo repetido no pre sente e que tal entendimento é necessário Muitos dos relacionamentos de natureza apaixonada entre terapeuta e paciente en volvem representações de desejos inces tuosos ou de relacionamentos incestuosos reais do passado de um deles Além disso os terapeutas que ficam apaixonados con fundem suas próprias necessidades com as do paciente Sentem que estão dando amor para o paciente embora na verdade este jam tentando obter amor para si mesmos Entretanto a agressão aparece proemi nente nas dinâmicas de muitos terapeutas apaixonados31920 Muitos estão profun damente conflituados por sua agressivida de e cada vez mais negam ódio e raiva em relação ao paciente por terem seus esfor ços terapêuticos frustrados Podem tentar amar o paciente como uma forma de reação a sua agressividade e de forma in consciente retraumatizam o paciente por meio de violações de fronteiras sexuais sob o pretexto de amor No caso de terapeuta mulher é comum dese jar transformar um paciente com transtorno da personalidade pensando nele como um bebê que necessita de amor Pode pensar que o pa ciente sossegará se tratálo como uma mãe amorosa mas o envolvimento tornase cada vez mais sexualizado na progressão desse tipo de interação Rendição masoquista Terapeutas que se ajustam a esta categoria em geral foram altamente éticos durante toda a sua carreira Eles podem ser considerados especialistas em tratar pacientes difíceis ou impossí veis e talvez tenham especial orgulho em atender casos que nenhum outro trataria O que frequentemente descobrem é que estão repetindo um relacionamento obje tal do passado no qual se permitiram ser intimidados e controlados por um objeto exigente e torturador como um pai sádico Psicoterapia de orientação analítica 333 Também acreditam que ao se sacrificarem estarão de algum modo salvando o pacien te do suicídio Incapazes de impor limites ao paciente ou de confrontar a agressão descobremse cedendo às exigências do paciente e racionalizando sua rendição Em um cenário típico o terapeuta primei ro para de cobrar honorários do paciente porque este reclama que a terapia não é mais viável financeiramente Telefonemas são aceitos no meio da noite quando o tera peuta tenta dissuadir o paciente de suicídio Em certas ocasiões responde às exigências de sustentação do paciente holding abra çandoo durante as sessões Se nenhuma dessas medidas extraordinárias parecer fun cionar o terapeuta pode começar a prosse guir nesse terreno escorregadio até chegar a um contato francamente sexual Diversos temas recorrentes são en contrados nos terapeutas que se ajustam a esta categoria Com frequência estão de sesperados tentando negar qualquer asso ciação com um objeto perverso interno que atormenta o paciente20 Podem ter grande empatia pelo sofrimento que o paciente ex perimentou nas mãos de um pai abusivo e desejam convencêlo de que não seguirão o mesmo caminho sádico do pai Podem ficar frenéticos em relação ao potencial sui cida do paciente e profundamente preocu pados com a vulnerabilidade narcisista de perdêlo Como resultado esforços onipo tentes para curar podem ser ativados a pon to de não mais reconhecerem as fronteiras profissionais comuns É possível que haja também uma falha de mentalização pela qual perdem a capacidade de diferenciar o que está acontecendo dentro do paciente do que está ocorrendo em sua própria mente20 A terapia psicodinâmica ou a psicanálise com esses terapeutas revelam fantasias secretas de que poderiam ser amados por objetos parentais internos torturadores se simplesmente se sub metessem a eles e se permitissem ser contro lados Alguns podem até ter identificações com Cristo e supor que se sacrificando salvarão seus pacientes A ÉTICA DOS RELACIONAMENTOS APÓS O TÉRMINO DA PSICOTERAPIA Relacionamentos não sexuais entre tera peuta e paciente que ocorrem após o térmi no da psicoterapia são difíceis de classificar em termos de considerações éticas Os tera peutas devem ter em mente que o paciente pode retornar para um novo tratamento se estiverem envolvidos em um negócio ou relacionamento social com um expa ciente eles o privam dessa oportunidade Além disso os terapeutas também devem lembrarse da possibilidade de explorar a vulnerabilidade do paciente em relaciona mentos póstérmino Contato sexual com expacientes tende a ser considerado antiético embora diferentes orga nizações profissionais tenham políticas diver sas em relação a isso Enquanto a Associação Psicanalítica Americana considera o contato sexual com um expaciente antiético a Associação Psi canalítica Internacional não chegou à mes ma conclusão Alguns defendem que após certo período de tempo o desenvolvimen to de um relacionamento sexual pode não ser contrário à ética Os proponentes da proibição de re lacionamentos sexuais póstérmino argu 334 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mentam que todos os estudos da transfe rência após o término mostram que ela é instantaneamente restabelecida mesmo anos depois do fim do tratamento se o terapeuta e o paciente se encontrarem no vamente21 Outro argumento convincente é que se há a possibilidade de um futuro relacionamento romântico ou sexual a própria terapia esteve previamente conta minada Nenhuma das partes pode falar livre mente sobre suas observações se desejam preservar uma imagem positiva aos olhos da outra É apenas em virtude do fato de que o relacionamento terapeutapaciente nunca será algo além de profissional que o paciente pode falar livremente sobre to dos os seus problemas Mesmo que alguns argumentem que o casamento certifi que o relacionamento como não explo rador isso de forma alguma afasta a pos sibilidade de abuso de poder por parte do terapeutacônjuge A história mostra que o casamento tem sido usado como des culpa para estupro agressão e uma série de outros atos imorais Mesmo que casa mentos entre terapeutas e expacientes sejam razoa velmente felizes os códigos de ética comumente desenvolvem restrições basea das no potencial de prejuízo mesmo que este seja difícil de documentar em ca da caso isolado No mínimo terapeutas que desejam iniciar um relacionamento sexual com um paciente após o término do tratamento devem consultar um colega e com cuidado pesar os prós e os con tras da decisão Além disso precisam demons trar que de algum modo transferência e con tratransferência não são mais aplicáveis ao re lacionamento atual AVALIAÇÃO E REABILITAÇÃO DE TERAPEUTAS ACUSADOS A maioria dos terapeutas que estiveram envolvidos em violações de fronteira gra ves chega à apreciação de conselhos disci plinares comitês de ética ou organizações profissionais quando uma queixa é apre sentada pelo paciente ou por outra parte interessada Os relatos feitos a esses grupos motivam uma investigação das alegações que determina se o terapeuta deve receber alguma advertência ou punição Também é útil que o terapeuta seja avaliado em re lação à possibilidade de reabilitação As avaliações são mais bem conduzidas por partes desinteressadas que estejam fora da mesma cidade do terapeuta Avaliadores locais muitas vezes não têm a objetividade necessária para uma avaliação psiquiátrica válida As avaliações de terapeutas transgres sores devem obter informações colaterais sobre o acusado de modo que o avaliador não tenha que se basear exclusivamente no relato do próprio terapeuta Em geral estão disponíveis relatos investigativos bem co mo a narrativa da transgressão pelo pacien te O avaliador deve considerar as causas da violação de fronteira o caráter do terapeu ta acusado e seus conflitos psicodinâmicos básicos A testagem psicológica também pode ser de ajuda Se o terapeuta negar a violação de fronteira há pouco valor em realizar tal avaliação Terapeutas que estão negando sua culpa apresentamse como não tendo razão para estar lá Conduzir uma avaliação nessas circunstâncias é uma perda de tem po dinheiro e esforço Quando se está avaliando um tera peuta que reconheceu a transgressão a Psicoterapia de orientação analítica 335 adequação para reabilitação depende mais da atitude do terapeuta do que de fatos ob jetivos fornecidos ao avaliador20 Se o terapeuta está genuinamente arrependido e profundamente comprometido a evitar futu ras transgressões essa atitude é um bom si nal prognóstico Da mesma forma terapeutas que são capazes de assumir total responsabi lidade pelo que aconteceu e empatizam com a expe riência do paciente de ter sido prejudicado também são bons candidatos a reabilitação O fato de um paciente estar envolvido é mais um elemento prognóstico positivo Remorso contudo deve ser rigoro samente diferenciado de mortificação nar cisista20 Alguns terapeutas podem falar de vergonha mas estar se referindo apenas ao dano a sua própria reputação e respeito próprio Como princípio geral terapeutas que se enquadram nas categorias de pai xão e rendição masoquista são os melho res candidatos a reabilitação Os tipos pre datórios que são transgressores repetidos não devem receber permissão para retor nar à prática da profissão Uma advertência é apropriada entretanto Alguns terapeutas não se ajustam a nenhuma das categorias apresentadas ou há aqueles que estão apai xonados pelo paciente e não são sensíveis à reabilitação porque não veem nada de errado no que fizeram invocam o amor verdadeiro como racionalização para seu comportamento e não veem razão para se rem reabilitados Quando a reabilitação é indicada por que o terapeuta está profundamente moti vado a mudar e a evitar futuros problemas vários componentes de um plano de reabi litação são úteis Psicoterapia pessoal Na maioria dos casos de violações de fron teira graves o terapeuta transgressor ne cessitará de um processo de psicoterapia psicanalítica de longo prazo para entender as razões da violação e os conflitos relevan tes associados O terapeuta que conduzirá o tratamento não deve porém ser escolhido por ele É necessária uma habilidade espe cial nesse tipo de terapia devido às consi deráveis dificuldades contratransferenciais encontradas Comitês de ética e conselhos disciplinares podem estar em uma posição mais favorável para identificar terapeutas com tal habilidade e experiência e encami nhar o terapeuta acusado a um desses mé dicos Escolha de um coordenador de reabilitação Além de um psicoterapeuta também se deve indicar um coordenador de reabi litação encarregado de todo o plano de reabilitação Esse profissional pode tra balhar com um conselho disciplinar ou outro órgão mas não deve ser o próprio psi coterapeuta Assim a confidencialidade dentro da psicoterapia pode ser preserva da O coordenador de reabilitação sim plesmente pede informações ao terapeuta sobre o comparecimento do transgressor às sessões e também pode manter contato com o supervisor ou outros indivíduos en volvidos no processo Em geral um coor denador de reabilitação encontrase com o terapeuta transgressor a cada 15 dias para ficar a par de como o programa está avan çando 336 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Limitações da prática Vários tipos de combinações costumam ser vinculados ao programa de reabilita ção do terapeuta transgressor Alguns são desencorajados a voltar a trabalhar com psicoterapia psicanalítica de longo prazo e aconselhados a outras formas de trabalho Em outros casos certos tipos de pacientes como aqueles com antecedentes de trauma sexual são considerados fora dos limites para a prática de terapia O coordenador de reabilitação pode auxiliar no estabele cimento dessas limitações com o próprio terapeuta acusado Supervisão Uma supervisão semanal deve ser incluída no programa do terapeuta O supervisor deve ser escolhido pelo órgão responsável pela investigação e queixa de modo que o terapeuta não escolha um amigo O su pervisor precisa ser informado sobre a na tureza das violações de fronteira e o tera peuta supervisionado deve estar aberto em relação a tentações contratransferenciais que surgem no curso do trabalho clínico Eventualmente o supervisor reportase ao coordenador de reabilitação Educação continuada Visto que muitos terapeutas analíticos têm trei namento limitado em violações de fronteira e no manejo de transferência e contratransferên cia erótica a educação pode ser uma parte va liosa dos planos de reabilitação Seminários e leituras sobre assuntos relevantes mostramse bastante úteis Além do plano de reabilitação apre sentado a mediação entre o terapeuta e o paciente com o qual as violações de frontei ra foram cometidas também pode ser be néfica3622 Uma terceira parte geralmente outro terapeuta com conhecimento sobre violações de fronteira reúnese com o te rapeuta e o paciente para que este expresse seus sentimentos sobre os danos causa dos Para terapeutas que têm dificuldades em reconhecer os danos ouvir o paciente nesse cenário pode derrubar a negação O profissional que conduz a mediação tam bém pode facilitar um pedido de desculpas por parte do terapeuta o que muitas ve zes é altamente significativo para a vítima Em alguns casos o mediador também pro videnciará que uma indenização seja paga pelo terapeuta ao paciente como forma de restituição Em geral esse processo de me diação dura apenas duas ou três sessões Planos de reabilitação como o apre sentado podem durar de 3 a 5 anos com avaliações anuais do progresso do terapeu ta transgressor Às vezes outras medidas se tornam importantes no decorrer de um plano e o programa global pode ser revis to Se houver dúvida sobre se o terapeuta está pronto para retornar à prática clínica sem mais esforços de reabilitação outra avaliação pode ser conduzida para deter minar sua aptidão Na maioria dos casos o terapeuta no regresso à clínica é acon selhado a continuar algum tempo com su pervisão mesmo que a reabilitação tenha sido bemsucedida ESTRATÉGIAS PREVENTIVAS Inúmeras medidas podem ser tomadas pa ra prevenir violações de fronteira Entre tanto visto que a psicoterapia psicanalítica requer uma forma radical de privacidade Psicoterapia de orientação analítica 337 devemos reconhecer que será impossível erradicar completamente as violações de fronteira O que pode ser feito é preparar psiquiatras psicólogos e outros profissio nais da saúde mental em seus programas de treinamento oferecendo cursos sobre ética fronteiras e manejo de transferência e contratransferência eróticas Essa bagagem educacional pelo menos fornece uma es trutura conceitual a fim de que o terapeuta possa pensar sobre os riscos das transgres sões de fronteira e monitorar com cuidado sua contratransferência quando perceber desvios em sua formapadrão de compor tamento profissional A educação não deterá indivíduos inescrupulosos com tendências antisso ciais mas os programas de treinamento podem identificálos de forma mais apura da bem como perceber comportamentos desonestos ou corruptos durante o período de treinamento Psicoterapeutas psicanalí ticos devem sempre ter uma experiência de tratamento pessoal para ajudálos a enten der seu próprio mundo interno e vulnera bilidades contratransferenciais específicas Entretanto algumas violações de fronteira graves ocorrem mesmo quando o terapeu ta teve anos de análise adequada portan to não podemos esperar que o tratamento pessoal seja uma garantia total contra esses fenômenos Talvez um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de violações de fronteira seja o isolamento de nossa profissão Consultoria regular sobre pacientes difíceis deveria ser in corporada à prática de todo psicoterapeuta psi canalítico O sentimento de onipotência de que podemos manejar todas as situações difí ceis sozinhos é um passo para o enactment de pontos cegos contratransferenciais Grupos de supervisão são outra forma de conseguir ajuda para vulnerabilidades contratransferenciais grupos de colegas encontramse uma vez por semana para ajudarse mutuamente em casos complica dos A vantagem do grupo naturalmente é que os indivíduos começam a conhecerse bem o suficiente para perceber desvios pre coces da prática habitual Alguns psicoterapeutas trabalham em instituições As unidades psiquiátricas de veriam poder avaliar um candidato a um cargo verificando a possibilidade de uma história prévia de comportamento crimi noso ou violações éticas em seu último em prego Todo hospital psiquiátrico deve ter políticas claramente descritas que proíbam qualquer contato sexual entre funcionários e pacientes Clínicas ambulatoriais podem desenvolver políticas semelhantes Outras violações de fronteira potencialmente pro blemáticas também podem ser descritas nessas políticas institucionais Encontros educativos sobre fronteiras e violações de fronteira também deveriam ser rotina em instituições de saúde mental É importante que colegas assumam a responsabilidade por sua profissão moni torando o comportamento uns dos outros Se há evidência de que a prática de um te rapeuta é questionável dois colegas podem reunirse com esse terapeuta e partilhar suas preocupações No mínimo o terapeu ta é informado de que outras pessoas têm conhecimento do que está acontecendo Além disso se os rumores que circulam são falsos pelo menos ele tem a oportunidade de oferecer uma defesa ou explicação Com muita frequência os rumores são ignora dos até que seja tarde demais A medida preventiva final é a que deve ria ser óbvia mas não é Os psicoterapeutas 338 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nem sempre estão atentos ao seu autocuida do Eles precisam assegurarse de que suas vidas pessoais estão razoavelmente satisfató rias e equilibradas a fim de não procurarem gratificação emocional nos pacientes PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A manutenção das fronteiras básicas da natureza profissional do relacionamento terapêutico é o que cria a atmosfera de segurança e previsibilidade que facilita ao paciente usar o tratamento 2 O setting deve ser flexível o suficiente para acomodar diferenças individuais entre pacientes e terapeu tas Fronteiras de forma alguma sugerem frieza ou indiferença 3 Violações de fronteira de ordem sexual ou não sexual envolvem transgressões potencialmente prejudi ciais para o paciente tendem a ser continuadas repetitivas e secretas 4 Cruzamentos de fronteira são rupturas benignas do setting às vezes úteis têm natureza evidente costumam ocorrer de forma isolada e tendem a ser examináveis e discutidos na terapia 5 Fronteiras significativas que não envolvem contato físico são elementos como hora e lugar da entrevista duração confidencialidade evitação de relacionamento social ou financeiro com o paciente excessiva autorrevelação por parte do terapeuta e aceitação de presentes de alto valor por parte do paciente 6 O terapeuta deve se preocupar com o fato quando constata que vem prolongando regularmente as sessões com determinado paciente para bem além do final da sua hora 7 Qualquer encontro em local incomum diferente do consultório habitual deve ser cuidadosamente ava liado e discutido com um colega ou supervisor antes de ser aceito 8 Grande doação de dinheiro ou um presente extremamente caro em geral prenunciam uma provável violação de fronteira 9 Terapeutas devem absterse de partilhar materiais sobre suas vidas privadas que possam sobrecarre gar o paciente 10 Terapeutas que transgridem fronteiras profissionais podem ser divididos em quatro grandes grupos os psicóticos os psicopatas predatórios os que se apaixonam e os que se submetem masoquistamente 11 A reabilitação desses terapeutas depende da sua capacidade em aceitar sua responsabilidade no que ocorreu e empatizar com os sofrimentos a que expuseram seus pacientes o que exclui os psico patas predatórios que deveriam ser dispensados da profissão 12 Contato sexual com expacientes tende a ser considerado antiético embora diferentes organizações profissionais tenham políticas diversas em relação a isso 13 As eventuais rupturas de fronteira do setting inerentes aos complexos processos transferenciais e contratransferenciais que podem se desenvolver são uma das razões maiores para se exigir uma ade quada psicoterapia pessoal dos próprios terapeutas 14 Um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento de violações de fronteira é o isolamento da profissão Consultoria regular sobre pacientes difíceis deveria ser incorporada à prática de todo psico terapeuta psicanalítico 15 Terapeutas analíticos têm treinamento limitado se não ausente sobre violações de fronteira e manejo das transferências e contratransferências eróticas e erotizadas seminários e leituras sobre esses assuntos seriam extremamente úteis nos programas de educação desses terapeutas 16 A maior medida preventiva contra transgressões graves além da confiável estrutura de caráter do terapeuta é assegurarse de que suas vidas pessoais estejam razoavelmente satisfatórias e equilibra das a fim de não precisarem buscar gratificações emocionais inadequadas com seus pacientes Um salvavidas não pode salvar uma vítima de afogamento se ele próprio estiver se afo gando Psicoterapia de orientação analítica 339 REFERÊNCIAS 1 Gutheil TG Gabbard GO The concept of boundaries in clinical practice theoreti cal and riskmanagement dimensions Am J Psychiatry 1993150218896 2 Gabbard GO Sexual misconduct In Ol dham JM Riba MB editor Review of psychiatry Washington American Psychia tric 1994 v 13 p 43356 3 Gabbard GO Lester EP Boundaries and boun dary violations in psychoanalysis Washington American Psychiatric Publishing 2002 4 Gartrell N Herman J Olarte S Feldstein M Localio R Psychiatristpatient sexual con tact results 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patients is it justifiable Prof Psychol Res Pr 199425432935 22 Margolis M Analystpatient sexual invol vement clinical experiences and institutio nal responses Psychoanalytic Inquiry 1997 17334970 DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL É unânime na literatura psicanalítica a no ção de que ambos os fenômenos atua ções e encenações reproduzem sensações e sentimentos préverbais anteriores à aqui sição da palavra remetendose ao desen volvimento primitivo Freud1 referindose ao fenômeno do acting definiuo como Agieren em língua alemã consagrando o citado fenômeno clínico como passagem ao ato Conceitualmente enactment está relacionado à interface entre o que é expresso e o que não é expresso entre o que é esquecido e aquilo que pressiona o campo para ser revivido entre rea lidade e fantasia e entre o psiquismo de uma pessoa e o psiquismo de duas da dupla tera peutapaciente26 Destaco a relação existente entre os dois conceitos acting e enactment Boesky2 referese a fenômenos clínicos que facili tam a integração dos conceitos de fantasia inconsciente identificação projetiva e con tratransferência e colocam em cena vivên cias emocionais primitivas comunicando afetos perigosos e repudiados presentes na dupla pacienteterapeuta Nas etapas precoces do desenvolvimento psí quico não existe ainda uma linguagem verbal articulada muitas vezes não vamos encontrar palavras que deem conta de forma plena das sensações e dos sentimentos para compor uma interpretação transferencial A palavra mos trase pois insuficiente sendo o ato a única maneira de expressão possível ao paciente em determinado momento do processo em que se encontra a dupla ou a interação dos dois psi quismos Assim o acting fica definido como uma ação realizada no lugar da tarefa a ser cumprida ou seja alcançar o insight Se gundo os autores o acting é um movimen to regressivo que vai do pensamento ao ato Agieren do verbo ao não pensamento sendo de natureza onipotente e inconscien te e servindo ao narcisismo e não à relação de objeto ou seja dá volta para trás em vez de buscar o crescimento ou o desenvolvi mento É uma expressão da transferência 19 ATUAÇÕES E ENCENAÇÕES ENACTMENTS Mauro Gus Psicoterapia de orientação analítica 341 confunde o passado com o presente e opera de acordo com o processo primário3468 Segundo Etchegoyen8 três áreas pode riam obstruir o processo analítico o acting out a reação terapêutica negativa RTN e a reversão da perspectiva Apesar das con trovérsias sobre o conceito e da sobrecarga de preconceitos e conotações ideológicas o termo acting segue presente na linguagem de todos os psicoterapeutas Tratase de um conceito básico da teoria psicanalítica e que deve ser mantido Para tanto o que é necessário redefinilo em termos metapsi cológicos e não simplesmen te de conduta completa o autor Tal como entendo tanto o acting quanto o enactment são integrantes fundamentais e ine vitáveis do processo psicoterapêutico e podem auxiliar de modo positivo o andamento do tra tamento apesar de muitas vezes serem de di fícil compreensão e aparentemente negativos para o processo Portanto fenômenos que poderiam ser entendidos como prejudiciais ao trata mento dependendo do encaminhamento podem ser úteis para o desenvolvimen to das terapias de referencial psicanalíti co5912 A seguir por entender constituir se tema relevante para nossa prática e pela estreita relação com os conceitos de acting e enactment são apresentadas algumas no ções de realidade psíquica e suas repercus sões na técnica e na prática clínica Segundo Laplanche e Pontalis13 rea lidade psíquica contém a ideia que vem ligada à hipótese freudiana referente a pro cessos inconscientes que não somente le vam em consideração a realidade exterior como também a substituem por uma rea lidade interna1 Moore e Fine14 afirmam que a rea lidade psíquica designa um mundo expe riencial subjetivo total do indivíduo in cluindo pensamentos sentimentos e fan tasias assim como percepções do mundo externo independentemente se elas refle tem ou não com exatidão esse mundo ex terno tal como visto por outro observador Assim definida a realidade psíquica é sinô nimo de realidade interna e realidade sub jetiva Esses termos segundo os autores expressam a importante visão psicanalítica de que a experiência subjetiva é outro tipo de realidade que ocorre paralela ao mundo dos objetos físicos A realidade psíquica é vista como uma das versões da realidade em geral construída a partir da interação das percepções que se ori ginam do mundo externo e das fantasias que se originam do mundo interno A integração resultante constitui o mundo experiencial sub jetivo do indivíduo ou seja sua realidade psí quica Arlow15 e Wallerstein16 trazem o exem plo de dois projetores rodando um filme concomitantemente sobre uma pantalha um de dentro e outro de fora A resultante de tais projeções seria a realidade psíquica No tratamento a realidade psíquica se de bruça sobre a relação com o terapeuta via verbalização ou passa à ação Agieren conforme conceituado por Freud1 Os autores concordam que no acting o sujeito passa de uma representação de uma tendência ao ato propriamente dito ou à dramatização e encenação de conflitos primitivos dos quais não lembra para não lembrar atua ou encena as questões primi tivas dolorosas estando elas sempre referi das à transferência 342 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Realidade psíquica acting enactment trans ferência e contratransferência estão portan to intimamente relacionados em uma tessitu ra que é inconsciente e especialmente ainda indizível por ser de natureza préverbal Assim pelo fato de a palavra mostrarse insuficiente e não conseguir conter sensações e percepções dolorosas estas precisam ser expressas por meio dos citados fenômenos clínicos Tais expressões são veiculadas forte mente pela identificação projetiva em pa cientes cuja capacidade ainda está limitada por ansiedades persecutórias primitivas ou de modo mais grave naqueles instala dos no que John Steiner5 conceitua como organizações patológicas em estruturas li mítrofes Em sua acepção mais estrita a expres são realidade psíquica designaria o dese jo inconsciente e a fantasia que está ligada a ele constitui uma forma particular de exis tência que é norteada e determinada pela fantasia inconsciente ou pelas chamadas protofantasias sensações e representações ainda anteriores à simbolização As manifestações dessa realidade psíquica são percebidas pela transferência e pela contra transferência ao incluirmos a realidade psíqui ca do terapeuta criase um fenômeno decor rente das duas realidades internas Aprofunda se assim sua conceituação como produto da interação pacienteterapeuta uma área com posta por reedições dos conflitos originais da dupla à medida que se forma a história do tra tamento Nesse cenário préverbal e verbal recriamse as questões primitivas e as do res psíquicas para que ocorra o tratamen to elas deverão ser revividas e sentidas pela dupla São as fantasias inconscientes segundo tradicional conceito de Susan Isaacs17 os elementos nucleares da reali dade psíquica que constituem o cerne das noções de acting e mais recentemente de enactment A partir dos anos de 1980 surge o conceito de enactment entendido como um suceder de vivências não suficiente mente contidas pela palavra confusionais ou ainda inconscientes da dupla paciente terapeuta26 Anteriormente Bion18 já afirmava que o afastamento da realidade é uma ilu são não um fato e emerge da identificação projetiva é de tal maneira predominante no funcionamento psíquico dos pacientes que parece não ser fantasia mas um fato de modo que o paciente age passa ao ato como se seu aparelho perceptor pudesse ser fragmentado em diminutas partículas e projetado nos objetos externos sendo cada partícula sentida como constituindo um objeto real A natureza dessa partícu la vai depender também do objeto real o psicoterapeuta e de como este reage ao que é projetado pelo paciente bem como do caráter particular dessa partícula o que é conferido pela intensidade do sadismo original ainda não transformado pelo in divíduo em outras palavras da intensida de do instinto de morte Ressalto aqui a polêmica em torno desse tema bem como a importância da sistematização teórica e metapsicológica realizada por Melanie Klein e seguidores Alguns autores de fonte kleiniana aprofun daram os questionamentos colaborando com aportes indispensáveis para a técnica demandada pela clínica atual ou seja mais constatáveis em pacientes de difícil acesso embora também presentes em pacientes neuróticos partindo do princípio de que toda dupla é complexa e difícil Psicoterapia de orientação analítica 343 Penso que cada terapeuta compõe uma síntese teórica implícita a sua prática clínica para a qual as teorias implícitas subjacentes à compreensão do material acrescentam importantes recursos técnicos No entanto nem sempre colaboram para a necessidade específica daquele paciente em um dado momento do processo podendo ser responsáveis por linguagens paralelas do psicoterapeuta e de seu paciente Entre os autores de minha síntese pes soal destaco ainda André Green1920 que sublinha a conexão direta do afeto com a dimensão histórica do sujeito uma vez que o que permanece irredutivelmente infantil no psiquismo é o afeto Sugiro então que o acting e o enactment se devem à encenação pela dupla da represen tação das partículas de afetos mais primiti vos e projetados no setting Tais afetos proje tados permaneceriam sem ligação com os ob jetos internalizados ou com uma falsa ligação cabendo ao terapeuta como intérprete a tare fa de detecção e de busca por meio de recur sos técnicos do significado afetivo da fanta sia inconsciente no contexto do enquadre psi coterapêutico As fantasias carregadas de afetos pri mitivos que incidem com maior ou menor intensidade sobre os sentimentos trans ferenciais e contratransferenciais vigentes na sessão permitem ao psicoterapeuta dar figurabilidade aos afetos e representação às construções de sensações préverbais que ainda se encontram na mente do indiví duo em um estado denominado irrepre sentável por Botella e Botella21 Assim a compreensão do acting e do enactment possibilita o andamento de te rapias em que predominam o préverbal e a desorganização psíquica expressos por sensações de caos vazio e confusão mental especialmente presentes em casos de difícil acesso mas também observáveis em pa tologias menos regressivas Tais situações em sua maior parte inconscientes ou pré conscientes determinam variados níveis de desorganização do ego decorrentes da falência dos mecanismos de defesa em con ter a invasão pulsional Refirome à intensidade dos aspectos des trutivos do investimento libidinal sobre as relações objetais mais primitivas decorren tes de um aumento quantitativo da pulsão o que provoca uma transformação qualitativa e ameaça o frágil equilíbrio já que os meca nismos de defesa fracassam em conter a refe rida invasão pulsional1924 De acordo com Cassorla34 fantasias inconscientes muito destrutivas e situações traumáticas arcaicas inibem a percepção do psicoterapeuta de forma mais específica em situações agudas de enactment A com preensão permite dissolver o conluio refe re o autor bem como fortalece os mecanis mos mentais do paciente e sua confiança no trabalho terapêutico Tais enactments deverão fazer parte da história natural do processo analítico e sua função é a experi mentação das experiências arcaicas no set ting por ambos os componentes da dupla Estamos pois diante de um campo que vai além do somatório de duas mentes Constitui uma área de trabalho permeada por mecanismos e sentimentos préverbais ou seja que colocam em cena dores psí quicas arcaicas por meio da interação das mentes da dupla Por mais que incida de modo inconsciente e negativo pela inten sidade das pulsões destrutivas precisa ser compreendido no mais das vezes como 344 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs positivo para o processo Não havendo a transformação do negativo em positividade não ocorreria processo psicoterapêutico20 A não compreensão da realidade psíquica colo cada em cena pela dupla4 levaria a desvios do tratamento tais como conluios inconscientes de natureza narcísica os denominados pon tos cegos conduzindo as terapias inevita velmente para iatrogenias falsos resultados pioras do quadro clínico interrupções eou im passes O acting e o enactment serão portan to inevitáveis cada vez que a realidade psí quica da dupla o novo campo criado pela interação não for suficientemente vivida tratada e tolerada por ela pelo fato de evo car situações conflitivas inconscientes dos dois ou de cada um reeditadas por sensa ções préverbais ainda não representadas pela palavra Nesse ponto do desenvolvimento do tema impõese uma pergunta por serem interações inconscientes como abordálas e colocálas em palavras em especial nas psi coterapias Por se tratar do préverbal e as palavras serem muitas vezes insuficientes para expressar como perceber e mostrar Uma das respostas possíveis seria como exposto até o momento pela análise do acting e pelas percepções do enactment A ação evidencia a realidade psíquica aqui lo que a palavra ainda não conseguiu no mear O ato ainda para não lembrar en cena para a dupla e dispara a percepção e a palavra Com base no fenômeno da com pulsão à repetição o paciente ou a dupla repete ou age para não sentir ou não lem brar Insuficiente por vezes Volta sempre sob a mesma ou outra feição É sempre bom ter em mente que a questão da atemporalidade do inconscien te está fortemente ativa nos fenômenos que estamos enfocando Atualizase no campo psicoterapêutico o que ainda não pode ser lembrado ou sentido em um esforço maior para evitar a dor psíquica vivida como de sintegração e loucura Reforço novamente que o acting e o enactment são atos neuróticos e como tal precisam ocorrer e ser passíveis de análise Dentro ou fora do setting dizem respeito ao terapeuta e devem ser sentidos e enten didos dessa forma sem necessariamente explicitar de forma ritualística que alu dem à dupla Durante o tratamento tudo o que ocorre com a realidade psíquica deve ser abordado de maneira técnica como in tegrante do processo Com esse enfoque o acting e o enact ment colocados em cena pela dupla são abordados pela técnica e por vezes acio nados pela interpretação transferencial dependendo do momento pelo qual está pas sando o paciente eou o psicoterapeuta Quando o setting não é continente e os enact ments não são percebidos estes servem como disparos do acting Não são conceitos entre tanto superpostos Entendoos como comple mentares e expressões de uma análise eou psicoterapia de orientação analítica em anda mento Uma visão diferente sob meu ponto de vista induz rechaço e rejeição de tais fenôme nos tornando a técnica empobrecida e com in suficiente instrumental para a abordagem das vivências mais primitivas A eficácia técnica com essa paciente a meu ver estaria na dependência de tor nar interno o que é externo ou seja inserir no setting e na relação com o terapeuta na transferência e na contratransferência sua dor psíquica pouco falada e muito atuada Mesmo com riscos os actings reiterada mente analisados e aparentemente negati Psicoterapia de orientação analítica 345 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Clara 27 anos sexo feminino profissional da área da saúde procura tratamento por sentirse confusa sem critérios para escolha de companhias masculinas e isolada da família relata extrema intolerância com a presença da mãe labilidade afetiva e choro fácil Expõese à noite pelas ruas sem se cuidar frequentan do bares em zonas de meretrício com riscos à segurança pessoal Descreve malestar e desconforto por ter que relatar seu sofrimento e necessitar de tratamento Gostaria de não precisar de ninguém muito menos de um psicoterapeuta detesta combinar horários e ter limites Diz estar decidida a não abrir mão de uma relação com um homem alcoolista que a expõe a riscos acordandoa durante as noites para que o busque em bares Aprecia demais situações atípicas sendo esse traço conhecido por todos que com ela convi vem segundo costuma ouvir dos familiares é sempre e a princípio do contra Suas sessões são extremamente difíceis e trabalhosas Têm longos silêncios presença pesada e negati vista Desafiadora falta atrasase argumenta que tinha anunciado ser do contra mantendo os actings au todestrutivos e mesmo assim comparecendo às sessões Ataca os vínculos todo o tempo reeditando com o terapeuta sua relação mais primitiva com os objetos internos sadicamente atacados A capacidade de tolerar tais ataques sem ocupar o papel de objeto atacado mas entendendo e interpretando representa a essência da ação terapêutica tal como entendo proceder neste caso A paciente vive em estado de acting tendo tanto no acting como no enactment o caminho de melhor compreensão e análise do seu sofrimento vos são positivos para o processo e expli cam pela identificação projetiva e intro jetiva a relação sadomasoquista com seus objetos internalizados e colocados em cena pela dupla Sur preendome com alguma frequência recomendando cuidados e aler tando para os riscos ocupando assim o papel do objeto interno enactment Em muitos momentos do tratamento sinto me mobilizado pela paciente em função de precisar atendêla tal como se atende um bebê efetivamente na função paterna materna explicitando o quanto ela busca preocuparme levandome a ocupar por enactment os papéis das figuras primitivas internalizadas Nesse caso o enactment coloca em cena os sentimentos contratransferenciais a identificação projetiva e as fantasias ex pressos pelos temores e receios do terapeu ta e pelos impulsos destrutivos da paciente que busca ser alvo de brutalidades e riscos do patrimônio físico e moral Tratase de um caso em que o acting e o enactment fo ram de fundamental importância para a abordagem das ansiedades mais primitivas ainda sem representação na mente da pa ciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Esportista compulsivo sexo masculino Josué tem 30 anos competente em sua atividade profissional faz uso de drogas tem distúrbios do sono e intensa excitação psicomotora Dirige em alta velocidade correndo perigo de acidentarse aponta ao terapeuta acting de risco moderado para alto Continua 346 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs CONSIDERAÇÕES FINAIS Desejo sublinhar nesses casos o uso ma ciço da identificação projetiva como meca nismo fundamental na relação terapeuta paciente e eixo essencial do trabalho ana lítico com a transferência negativa Sobre esse mecanismo os autores já citados são unânimes em afirmar que em vez de fa lar sobre os impulsos o paciente age com as pessoas que o rodeiam ou em atitudes autodestrutivas dirigidas a seu próprio self psíquico e corporal dentro da sessão ele age ou fala de modo a provocar no analista tais afetos via identificação projetiva Esse estado produzido pelos dois in conscientes via identificação projetiva cria o enactment O psicoterapeuta portanto é sensível ao funcionamento assim descrito de acordo com uma ou outra área de sua personalidade Se é receptivo e sensível se rá capaz de experimentar os impulsos e as emoções dissociados do paciente e a partir de sua contratransferência conter meta bolizar e formular as interpretações de uma maneira tal que o paciente possa suportá las25 Eu complementaria dizendo em uma linguagem simples e própria a cada paciente e de acordo com a história da dupla específica em um processo terapêutico em particular Portanto a comunicação préverbal ocupa um papel de destaque no processo terapêutico Expressa em seu dinamismo inconsciente as fantasias que se modificam a cada sessão e que podem variar em uma mesma sessão dependendo do interjogo das identificações projetivas e introjeti vas vigentes Tal comunicação evidencia a essência do que não é dito e que no mais das vezes é o conteúdo mais expressivo e efetivo da ação terapêutica e das psicotera pias nela inspiradas Nos quadros mais graves com inten sas fixações orais e anais e funcionamento Continuação Descreve acentuada confusão mental não percebendo o que sente autoacusandose de ser um mer da um viciado desgraçado Profundamente infeliz ameaçado de ter seu noivado rompido procura terapia por não aguentar mais viver assim Vem piorando progressivamente há 10 anos Combinado o tratamento falta atrasase desaparece por dias sem avisar as pessoas do trabalho a família ou a mim Volta depri mido com aspecto quase maltrapilho chorando muito e sentindose o último dos homens O tratamento evolui por anos No terceiro ano de análise os actings diminuem de intensidade o pa ciente abandona as drogas e de modo progressivo traz para a relação com o terapeuta a confusão mental e a percepção insight de estar repetindo no setting a relação intrusiva que sempre tivera com a mãe bem como a dificuldade de dar representação aos actings confundindose com os objetos internalizados ao carregar um luto dos pais por uma irmã que morrera antes do seu nascimento sua realidade psíquica Nascera com o encargo de ser dois e de curar a mãe pela perda de uma irmã que nem sequer conhecera Poderíamos dizer que sua vida se constituía em um permanente estado de acting O paciente entendia que viver era assim Procuravame nos fins de semana chamavame por telefone e sob o efeito das drogas buscava um contato comigo e o recebia momentos em que eu ocupava o papel para o qual me solicitava enactment Davalhe limites e mostrava o sentido de seus actings Entendia o produto dessa interação em inúmeras ocasiões e o uso de meus sentimentos e temores como enactment fenômeno clínico de fun damental importância para o trabalho com esse paciente Psicoterapia de orientação analítica 347 limítrofe a pulsão se liga a representações de objeto de escassa eficácia simbólica A defusão instintual que se manifesta pelo te mor de aniquilamento que ameaça o ego sob o peso dos maus objetos introjetados conduz ao acting e coloca a realidade psíqui ca em cena ou seja o enactment O setting psicoterapêutico precisa conter o temor de uma irrupção fragmentada uma sensoria lidade bruta que necessita ser integrada por meio de uma nova visão pelo terapeuta que confere figurabilidade e representação a tais sensações tão primitivas2022 Ao conter interpretar e transformar estados emocionais carregados de tal sen sorialidade irrupções que representam um modo de defesa arcaico diante de senti mentos de profundo desamparo causado pela severidade das identificações projeti vas o analista configura sua escuta como a possibilidade de dar novos significados aos fragmentos psíquicos mais primitivos de natureza oral26 Assim construímos como terapeu tas o não construído Daí decorre pelo exposto até o momento a importância da compreensão da realidade psíquica co locada em cena pela dupla por meio do acting e do enactment fenômenos clínicos inevitáveis e inerentes aos processos men tais vigentes nas sessões ou mesmo fora delas Exigese portanto do terapeuta a capacidade de buscar referenciais comple mentares e introduzir novos parâmetros integrando teorias e autores em uma sín tese pessoal ampliando assim os recursos técnicos e tornando nossas respostas como psicanalistas e psicoterapeutas mais ade quadas às necessidades reais dos pacientes da clínica atual PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Acting e enactment reproduzem sensações e sentimentos préverbais 2 Há presença maciça dos mecanismos de identificação projetiva 3 O paciente age com as pessoas que o rodeiam por meio de atitudes autodestrutivas dirigidas ao pró prio self psíquico e corporal mas provocando emoções correspondentes sentidas pelo terapeuta via contraidentificação projetiva 4 Tal situação transferencialcontratransferencial gerada pelos dois insconscientes o do terapeuta e o do paciente gera o fenômeno do enactment 5 A formulação das percepções deverá ser em linguagem simples e própria a cada paciente e de acordo com a história da dupla específica em um processo terapêutico em particular 6 Essas percepções expressam em seu dinamismo inconsciente as fantasias que se modificam a cada sessão e que podem variar em uma mesma sessão dependendo do interjogo das identificações proje tivas e introjetivas vigentes 7 Tal comunicação evidencia a essência do que não é dito e que no mais das vezes é o conteúdo mais expressivo e efetivo da ação terapêutica e das psicoterapias inspiradas na psicanálise 8 Nos quadros mais graves com intensas fixações orais e anais e funcionamento limítrofe a pulsão se liga a representações de objeto de escassa eficácia simbólica 9 A defusão instintual que se manifesta pelo temor de aniquilamento que ameaça o ego sob o peso dos maus objetos introjetados conduz ao acting e coloca a realidade psíquica em cena ou seja o enact ment 10 Construímos como terapeutas o não construído decorrendo daí a importância da compreensão da realidade psíquica colocada em cena pela dupla 348 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S A dinâmica da transferência In Freud S Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1980 v 12 p 13043 2 Boesky D Affect language and communica tion 41st IPA Congress plenary session Int J Psychoanal 200081Pt 225762 3 Cassorla RMS Acute enactment as a re source in disclosing a collusion between the analytical dyad Int J Psychoanal 200182Pt 6115570 4 Cassorla RMS Estudo sobre a cena analítica e o conceito colocação em cena da dupla enactment Rev Bras Psicanál 2003372 336591 5 Steiner J Containment enactment and com munication Int J Psychoanal 200081Pt 224555 6 Tuckett D La actuación mutua en la situaci ón psicoanalítica In Ahumada JL Olagaray J Richards AK Richards AD editores Las tareas del psicoanálisis ensayos en honor de R Horacio Etchegoyen Buenos Aires Pole mos 2000 p 24457 7 ChasseguetSmirgel J Acerca de la actuaci ón In Libro anual de psicoanálisis Londres The British PsychoAnalytical Society 1990 v 6 p 4958 8 Etchegoyen RH Das vicissitudes do proces so In Etchegoyen RH Fundamentos da téc nica psicanalítica São Paulo Artes Médicas 1987 p 41034 9 Sandler AM Understanding and interpreta tion of the negative transference European Psychoanalytical Federation Bulletin 1987 28716 10 Limentani A Una reevaluación del acting out en relación con la elaboración Revista de Psicoanálisis 196926484160 11 Limentani A On some positive aspects of the negative therapeutic reaction Int J Psychoanal 198162437990 12 Britton R Getting in on the act the hysterical solution Int J Psychoanal 199980Pt 1114 13 Laplanche J Pontalis JB Diccionario de psi coanálisis 2 ed Barcelona Labor 1974 14 Moore BE Fine BD Termos e conceitos psi canalíticos São Paulo Artes Médicas 1992 15 Arlow J The concept of psychic reality and re lated problems J Am Psychoanal Assoc 19853 3352135 16 Wallerstein R The concept of psychic reali ty its meaning and value J Am Psychoanal Assoc 198533355569 17 Isaacs S Naturaleza y función de la fantasía Revista de Psicoanálisis 195074555609 18 Bion WR Attacks on linking Int J Psychoa nal 1959405630815 19 Green A O discurso vivo uma teoria psica nalítica do afeto Rio de Janeiro Francisco Alves 1982 20 Green A El trabajo de lo negativo Buenos Aires Amorrortu 1995 21 Botella C Botella S Más allá de la represen tación Valencia Promolibro 1997 22 Botella C Botella S Conferencia dictada en APA Buenos Aires sn 1999 23 Levin de Said AD Referencias a lo originario en psicoanálisis el trabajo de la figurabilidad Revista de Psicoanálisis 20015823319 24 Gus M Resistências paradoxais em proces sos analíticos uma contribuição à aproxi mação de modelos In Simposium Anual da AP de BA 24 2002 Buenos Aires 25 Folch P Folch TE Negative transference from splitting towards integration Euro pean Psychoanalytical Federation Bulletin 1987285774 26 Gus I Os afetos e a situação analítica a pro pósito de um caso Porto Alegre sn 2000 LEITURAS SUGERIDAS Freud S Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise In Freud S Edição standard brasilei ra das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1980 v 12 p 14959 Klein M Los orígenes de la transferência el sen timiento de soledad y otros ensayos In Klein M Envidia y gratitud y otros ensayos Buenos Aires Paidós 1976 Obras completas v 6 p 26171 Klein M Sobre la identificação In Klein M Nue vas direcciones en psicoanálisis Buenos Aires Pai dós 1976 Obras completas v 4 p 30134 O processo psicoterápico tem seu desen volvimento marcado por avanços recuos e até mesmo por alguns momentos de estag nação Os progressos decorrem dos suces sivos insights que o paciente vai alcançando ao longo do tratamento e que lhe permitem a elaboração dos seus conflitos internos As obstaculizações do processo podem ser expressão do surgimento de resistências in coercíveis resistências intensas de apare cimento súbito e de difícil abordagem de um acting out ação impulsiva de caráter bastante complexo que visa a impedir o in sight de uma reação terapêutica negativa estratégia do ego que impede a consoli dação do insight ou da vigência de uma reversão da perspectiva tentativa incons ciente de impor ao terapeuta uma ideia distinta daquela que deveria ser a premis sa do tratamento buscar ajuda O acting out a reação terapêutica negativa RTN e a reversão da perspectiva quando não adequadamente trabalhados pelo tera peuta podem levar a um tipo de detenção mais duradoura do processo denominado impasse As resistências incoercíveis não são potencialmente geradoras de impasse porque pertencem apenas ao paciente e como será visto adiante o impasse requer uma participação ativa também do tera peuta Por essas razões tornase impor tante o estudo dessas vicissitudes do pro cesso psicoterápico Neste capítulo serão abordadas duas delas a RTN e o impasse A REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA A primeira alusão ao quadro que mais tarde viria a ser designado RTN ocorreu quando Freud1 ao descrever o caso do Homem dos Lobos comentou que seu paciente de senvolvia reações negativas passageiras que se expressavam sob a forma de uma piora sintomática sempre que um sucesso no tra tamento era alcançado Abraham2 também se re portou indiretamente a essa questão quando descreveu um tipo especial de resis tência crônica ao tratamento típica de pa cientes com pronunciado narcisismo que pode impedir consideravelmente o progres so e inclusive evitar um bom resultado do tratamento Esse tipo de pessoa segundo o autor tem a tendência de tentar transformar o tratamento em uma oportunidade de al cançar um estado de prazer puro 20 REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA E IMPASSE Antonio Carlos J Pires 350 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A descrição clínica mais completa de uma RTN foi feita por Freud3 quando afir mou que algumas pes soas reagem inversamente ao progres so do tratamento Toda solução par cial que deveria resultar numa melhoria ou suspensão temporária dos sintomas produz nelas por al gum tempo uma exacerbação de suas moléstias ficam piores durante o tra tamento em vez de ficarem melhores Exibem o que é conhecido como rea ção terapêutica negativa Com essa assertiva Freud pôs à mos tra aquilo que é por assim dizer a marca re gistrada da RTN a piora paradoxal Assim não é tão difícil observar em uma psico terapia que venha evoluindo de forma sa tisfatória após uma ou mais sessões em que a dupla terapeutapaciente trabalhou de maneira eficaz superando resistências e oportunizando ao paciente ter um insight o surgimento de uma piora repentina e aparentemente desprovida de sentido O paciente mostrase regredido as resistên cias ficam acirradas há uma forte oposição ao trabalho psicoterápico e às vezes surge até mesmo uma aberta hostilidade com o terapeuta a compreensão que havia sido al cançada na sessão anterior desaparece como fumaça no ar Ou seja como assinala Etche goyen4 na RTN a tarefa se realiza e o insight se consuma mas sobrevém uma resposta que obscurece os êxitos obtidos De início tal situação pode deixar o terapeuta surpreso e se perguntando o que estaria ocasionando esse retrocesso tão abrupto e inesperado A RTN é consequência de múltiplas causas Freud3 relacionou essa situação com a culpa decorrente de um superego muito severo Criase em decorrência dessa severi dade uma atmosfera pesada de culpa que fica rondando constantemente o paciente Seria como se este ouvisse dentro de si o tempo todo uma voz dizendo que ele não tem o direito de melhorar Pouco tempo depois Freud sugeriu que a RTN também é decorrente de aspectos masoquistas que se expressam por uma necessidade intensa de castigo Para Freud o sadismo do supe rego e o masoquismo do ego não são exclu dentes mas complementares Como bem lembra Etchegoyen4 a necessidade de castigo é jus tamente uma forma de defenderse do sentimento de culpa é para não ter o sentimento de culpa para não assumilo que a pessoa prefere casti garse Ao publicar Análise terminável e inter minável Freud5 comenta que fenômenos psíquicos como o masoquismo o senti mento de culpa e a RTN também são ex pressões de uma força inerente a todo ser vivo designada pulsão agressiva derivada da pulsão de morte O conceito de pulsão de morte desenvolveuse a partir da teoria da compulsão à repetição segundo a qual o indivíduo tende a criar repetitivamente situações dolorosas para si mesmo Karen Horney6 enfatizou a ideia de que a RTN só pode ocorrer na vigência de um trabalho interpretativo adequado que tenha produzido insight e que a isso se siga um retrocesso ou seja uma piora genui namente paradoxal A ênfase no caráter contraditório da piora após um insight é importante se levarmos em consideração que toda psicoterapia se desenvolve a par tir de avanços e recuos e que nem todo re trocesso é paradoxal ou sinônimo de RTN Assim por exemplo há situações em que o paciente piora simplesmente porque o te rapeuta não está podendo compreendêlo Nesses casos observase um recuo só que Psicoterapia de orientação analítica 351 ele não terá sido precedido de insight e a piora daí decorrente não será nada dispa ratada Além disso Karen Horney afirma que a piora paradoxal própria da RTN também pode se apresentar de uma maneira disfar çada Nesses casos após uma sessão produ tiva observase apenas a irrupção de sinto mas físicos no paciente como episódios de diarreia por exemplo Assim a piora física aguda encobre a piora psicoterápica de ca ráter paradoxal Joan Rivière7 inspirada em um traba lho apresentado por Melanie Klein8 pos tulou que em pessoas narcisistas a possi bilidade de ingressar na posição depressiva é vivenciada como algo aterrorizante uma ameaça de esfacelamento do self Vista a partir desse ângulo a RTN também po deria ser compreendida como uma forma de controle do qual o indivíduo lança mão em um plano inconsciente para evitar uma catástrofe Desse modo a oposição arrogan te em relação ao terapeuta e a negação da melhora psicoterápica insight alcançada em uma sessão anterior podem ser consi deradas instrumentos de defesa contra o surgimento de ansiedades depressivas que o paciente entende como insuportáveis Um passo decisivo na compreensão da RTN veio ao se compreender que esse fenômeno poderia estar relacionado à inveja do paciente9 Em função disso este desvalorizaria a ajuda recebida e atacaria o terapeuta di zendo por exemplo que a interpretação que promoveu insight deveria ter sido feita antes ou que ela foi muito extensa ou que foi muito curta e assim por diante Para Etchegoyen4 as críticas que o paciente faz ao terapeuta durante uma RTN não têm nada de construtivo pois visam a desva lorizar um trabalho que foi bem feito Na mesma linha Rosenfeld10 propôs que a RTN não teria apenas um cunho defen sivo de evitação da catástrofe depressi va como postulara Joan Rivière7 Para ele a RTN seria também uma forma de ata que à capacidade de pensar do terapeuta o que explicaria a intensa culpa que toma conta do paciente após essas inves tidas A RTN pode conter um importante aspecto co municativo11 Reações catastróficas como essa po dem ser compreendidas como uma forma de o paciente expressar de maneira co dificada como vivenciou o insight obtido na sessão que deu origem à RTN esse in sight não seria percebido como um pro gresso mas como algo que provoca uma separação abrupta e dolorosa como se o paciente fosse um bebê que estivesse sen do arrancado violentamente do convívio com a mãeterapeuta Seria como se o in sight revelasse ao paciente que ele não se encontrava em um estado de fusão narcí sica com seu terapeuta fantasiava desfru tar essa condição até o momento em que o terapeuta formulou a interpretação ge rando o insight que desvaneceu tal fantasia Nessas condições a melhora é percebida como uma ameaça à desejada fusão com a mãeterapeuta e o paciente passa então ao ataque Parece oportuno assinalar a existência de alguns elementos que podem facilitar o diagnóstico diferencial entre esse quadro e 352 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs outras vicissitudes do processo como a re sistência incoercível e o acting out A resistência incoercível é uma ma nifestação resistencial intensa do paciente cujo aparecimento súbito pode pegar o terapeuta desprevenido exatamente co mo ocorre na RTN Entretanto ela não possibilita o insight e tampouco pode ser descrita como uma reação paradoxal Pelo contrário a emergência desse tipo de resis tência no início do tratamento de alguns pacientes mais regressivos tornase até mesmo previsível Desse modo enquanto a resistência incoercível impede a obtenção do insight a RTN obstrui a consolidação do insight já alcançado pelo paciente O acting out um tipo de ação impulsiva de caráter mais complexo que uma resistência que visa a impedir o insight também pode se confundir com a RTN Isso porque algumas atua ções que se expressam por ações cuja fi nalidade é a de evitar o insight e o contato com ansiedades depressivas intoleráveis podem até ser acompanhadas do fator surpresa para o terapeuta No entanto essa manifestação não apresenta nada de paradoxal pois não é prece dida de nenhuma melhora O que se observa é que durante a atuação o paciente está apenas agindo no intuito de evitar um insight em relação a algum conteúdo interno extremamen te doloroso de enfrentar Nunca é demais lembrar que para que a RTN se instale o terapeuta precisa estar trabalhando bem e aí reside o caráter paradoxal da reação ele deve ter podido interpretar de modo ade quado o material inconsciente fornecido pelo paciente de maneira a propiciar o surgimento de um insight Não existe uma fórmula preesta belecida para a abordagem de qualquer ocorrência ao longo de uma psicoterapia e com a RTN não é diferente As soluções para as inúmeras dificuldades durante um tratamento só podem ser alcançadas quando a fantasia que está gerando deter minado fato clínico tornase passível de compreensão por parte da dupla pacien teterapeuta No entanto algumas medi das de ordem mais geral podem ser úteis principalmente para os psicoterapeutas que estão se defrontando pela primeira vez com uma RTN Em primeiro lugar é bom ter em mente que a RTN é expressão da injúria narcisista que o tra balho psicoterápico bemsucedido despertou no paciente Ferido no seu narcisismo ao perce ber que precisa da ajuda do terapeuta para progredir ele reage depreciando de manei ra invejosa o trabalho efetuado pela dupla E aqui se insere uma importante questão de ordem técnica ao se interpretar a inve ja que subjaz a essa reação é fundamental deixar claro que aquilo que o paciente está invejando naquele momento é a capaci dade da dupla pacienteterapeuta de traba lhar de maneira criativa que fica expressa pelo insight alcançado Portanto quando equivocadamente mostramos que a in veja vivenciada pelo paciente se relaciona somente às capacidades do terapeuta esta mos incrementando a sensação de inferio ridade do paciente e fomentando a idealiza ção do terapeuta Gerase assim tamanha desesperança na mente do paciente que ele pode até decidir pela interrupção do trata mento Seria como se o paciente dissesse para si mesmo se nem meu terapeuta pode acreditar nas minhas capacidades por que continuar Psicoterapia de orientação analítica 353 A RTN é uma sofisticada defesa contra ansie dades depressivas que a mente do paciente jul ga não poder enfrentar e a conduta hostil que adota nessas condições não é como pode pa recer à primeira vista um ataque à pessoa do terapeuta Quando o paciente durante uma RTN faz pouco caso das interpretações está apenas tentando se defender da emer gência de ansiedades depressivas que o tra tamento traz à tona e as quais ele acredita que culminarão com o esfacelamento do próprio self Se o terapeuta não tiver con dições de compreender esse fato será fácil para ele mobilizado pelo próprio narcisis mo cair na armadilha de com arrogância interpretar a hostilidade do paciente como uma agressão pessoal aumentando de mo do significativo seu sentimento de culpa Ademais o paciente poderá fazer uso desse interpretaço como uma forma de castigo para aliviar a culpa decorrente da fantasia de ter atacado o terapeuta É fácil imaginar as repercussões daí advindas um intermi nável ciclo de ataquesculpacastigo Nada parece ser mais nocivo à evolução do tra tamento do que o terapeuta supor que sabe tudo sobre si mesmo e a respeito da pessoa que está sentada à sua frente Também é de vital importância que diante da RTN se resgate o aspecto co municativo contido nessa reação11 As sim à medida que se tem acesso aos te mores profundos dos quais a pessoa está se defendendo por meio da RTN p ex o medo de perceberse separado do terapeu ta é adequado dizer algo do tipo Você espera que eu compreenda que sua atitude de oposição ao tratamento tem por objeti vo evitar neste momento o contato com a tristeza que você experimenta ao se ima ginar separado de mim Com isso tenta se dar um significado à resistência do pa ciente em vez de simplesmente acusálo de não querer melhorar É importante en fatizar que a resolução da RTN só poderá ser alcançada por meio de adequado tra balho interpretativo da transferência se o psicoterapeuta não interpretar a situação transferencial que está gerando aquele acontecimento a psicoterapia irá se en caminhar para uma interrupção ou para uma situação sem fim Uma vinheta clínica tentará ilustrar alguns dos aspectos teóricos citados até aqui ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 O paciente Kevin está atravessando com certo êxito um período difícil de sua vida Em função do progres sivo acesso que vem tendo ao seu mundo interno tem podido resolver de maneira satisfatória algumas di ficuldades de relacionamento interpessoal De repente após uma sessão em que consegue darse conta de que pela primeira vez está se permitindo receber ajuda de alguém desencadeiase uma inesperada pio ra Diz não conseguir pensar em nada durante a sessão mostrandose arredio e irritado com o terapeuta que aos seus olhos é o responsável por essa piora Além disso passa a apresentar um quadro de diarreia intensa sem base orgânica De início o psicoterapeuta fica perplexo com a situação e no intuito de inves tigála melhor acolhe a queixa do paciente e lhe pergunta por que estava pensando daquela maneira O Continua 354 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O IMPASSE Apesar de sua relevância clínica o impasse tem sido pouco estudado tanto em psica nálise quanto em psicoterapia Em especial nesta última área os trabalhos que abordam tal questão são praticamente inexistentes Em função disso os conhecimentos rela cionados ao impasse psicoterápico tanto do ponto de vista teórico quanto técnico precisam ser necessariamente importados da psicanálise pelo menos até que se estude melhor sua ocorrência na psicoterapia A expressão impasse tem sido muitas vezes utilizada de maneira equivocada para designar diferentes situações clínicas Assim por exemplo é comum ou virse de colegas que um tratamento che gou a um impasse Ao examinarmos o pretenso impasse acabamos percebendo que se trata de por exemplo uma resis tência incoercível uma RTN uma série de acting outs excessivos ou até mesmo de uma reversão da perspectiva Ocorrên cias como essas por representarem uma amea ça ao andamento do tratamento e provocarem a sensação de um beco sem saída podem ser diagnosticadas de for ma equivocada como impasses É que às vezes utilizamos esse vocábulo no seu sentido popular como se tivesse a mesma conotação do termo técnico Em função disso é importante que se conceitue ade quadamente o fenômeno Pires12 define impasse como Continuação paciente diz não ter nenhuma ideia a respeito e fica em silêncio Ato contínuo comenta que quando crian ça ficava irritado sempre que alguém o auxiliava em alguma tarefa Um sentimento de humilhação toma va conta dele nessas ocasiões O terapeuta então intervém O fato de perceber que formamos uma dupla criativa e que em alguns momentos podemos ter boas ideias que lhe possibilitam compreender melhor o que se passa com você faz com que também se sinta humilhado Seguese um longo silêncio após o qual o paciente relata um sonho Sonhei que um bebê estava nascendo e que eu e um desconhecido éramos os obstetras Que sensação legal esta de ajudar alguém a nascer Eu estava muito contente com tudo aquilo Só que o parto era delicado e em função disso a criança corria risco de vida Era muito perigoso a ruptu ra do cordão umbilical poderia provocar uma hemorragia na criança levandoa à morte Acordei suando e apavorado Tive que ir ao banheiro porque estava com diarreia Não pude entender nada desse sonho O terapeuta pôde perceber que ao relatar seu sonho o paciente estava dizendo que sua evolução no trata mento trazia alegria Viase como um bebê bem cuidado pela dupla pacienteterapeuta o que dava espe rança de poder levar uma vida mais criativa e mais prazerosa Todavia também sentia essa transformação como uma ameaça ficava borrado de medo e imaginando que se continuasse progredindo o cordão um bilical que nos unia a psicoterapia seria cortado e o que viria a seguir seriam apenas morte e destrui ção Na tentativa de não pensar nessa catástrofe sem que pudesse se dar conta tentava criar uma situa ção de litígio com o terapeuta fantasiando que este estaria promovendo sua piora Assim a ideia de que o cordão umbilical pudesse um dia ser cortado ficava afastada de sua mente Levando em consideração tal entendimento o trabalho realizado pela dupla pacienteterapeuta permitiu a resolução da RTN em vigên cia e propiciou o surgimento de ansiedades depressivas intensas que até então o paciente não se sentia em condições de enfrentar Psicoterapia de orientação analítica 355 um fenômeno que comporta uma detenção insidiosa e duradoura do processo que implica um cessamento da elaboração sem que o setting apa rente alterações visíveis e que se ma nifesta sob distintas formas clínicas com indicadores típicos e cujas ori gens remontam ao binômio transfe rênciacontratransferência O impasse não tem uma apresentação única Cada autor a partir do seu ângulo próprio de observação parece descrever um quadro clínico singular nem sempre muito claro mas que em geral guarda alguma semelhança com as descrições dos demais autores Uma das primeiras descrições clíni cas do impasse psicanalítico foi feita por Meltzer13 ao abordar uma fase particu larmente turbulenta do tratamento que denominou de umbral da posição de pressiva Aproximandose da fase final do tratamento o paciente é vitimado por um terror paralisante dando margem ao surgimento de poderosas resistências que impedem a elaboração de ansiedades de pressivas próprias do término Meltzer14 afirma que ao atingir o limiar da posição depressiva o paciente já mostra sinais de ter progredido até um ponto de sofri mento mental mínimo de modo a poder adaptarse socialmente desenvolver sua capacidade de trabalho e relacionarse sexualmente No entanto ainda não es taria apto a desfrutar com plenitude de sua potência e criatividade Seria capaz de assumir comportamento mais adulto mais livre de entraves mas persistindo ainda marcado egocentrismo mesmo que a organização narcisista infantil tenha so frido importante debilitamento ao longo do tratamento Com os resultados parciais descritos o paciente se daria por satisfeito e se inclinaria a encaminhar o término do tratamento Então uma campanha de excepcional vigor se põe em marcha durante o perío do de impasse para terminar a análise em uma atmosfera de idealiza ção mútua14 Meltzer14 refere que nunca detectou uma situação de impasse no umbral da posição depressiva antes do quarto ano de tratamento Observou ocorrências mais precoces do fenômeno apenas em casos de reanálise nos quais o impasse poderia até se apresentar no início do novo tratamen to mas como expressão de algo que não havia sido resolvido no anterior O quadro clínico do impasse põe à mostra um tratamento que não está progredindo mas nem o terapeuta nem o paciente percebem o fato15 O paciente segue associando e o te rapeuta interpretando porém o primeiro embora aceitando as interpretações des pojaas de qualquer significado restando somente palavras sem sentido Assim o pa ciente pode até obter certo conhecimento a respeito de si mesmo mas sem alcançar algum insight genuíno Nessas condições permanece arraigado ao seu narcisismo mobilizando no terapeuta uma contra transferência perturbadora expressão do narcisismo do próprio terapeuta que po deria se manifestar por exemplo sob a forma de irritação com o paciente Dessa maneira o terapeuta ficaria cego e o tra tamento tenderia a perpetuarse Maldonado16 narra uma situação de impasse originada a partir de uma atitu de defensiva do paciente a qual designou como máfé Tal máfé seria expressa em primeiro lugar pela ocultação intencional de fatos ou por relatos feitos de uma ma neira distorcida de modo a induzir o te rapeuta a interpretar de forma equivocada 356 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em segundo pela deturpação deliberada e sistemática das interpretações Como a má fé só pode ser reconhecida pelo menos de início a partir de vivências contratransfe renciais sempre acompanhadas de algum grau de incerteza o terapeuta fica com a sensação de que o processo está indo adian te quando na verdade permanece oculta a necessidade de estabelecer um processo pseudoevolutivo O tratamento perderia seu sentido de descoberta para adquirir a finalidade de iludir o terapeuta e assim o processo estagnaria Tal estagnação se ex pressa por meio de associações do paciente com situações que representam um padrão repetitivo circular de algo que parece estar em movimento mas que retorna sempre para o mesmo lugar como um carrossel Cumpre salientar que a máfé do pacien te tem uma conotação apenas defensiva tratase de uma tentativa de evitar o apa recimento de ansiedades depressivas viven ciadas como algo aterrorizante Assim a máfé está desvinculada da intenção pura e simples de enganar da qual toda mentira está impregnada A vivência contratrans ferencial nessa situação é de frustração sobrecarga e paralisia O quadro descrito por Maldonado16 lembra certa estratégia de xadrez em que um dos competidores por sentirse em desvantagem em relação ao oponente encaminha suas jogadas de maneira a chegar a um impasse e assim obter um empate por afogamento De acordo com Etchegoyen17 o melhor indica dor de impasse é o fator temporal Segundo ele a evidência de que as fases se re petem idênticas a si mesmas sem que se possa confiar mais que o tempo as modifique elaboração é o que a meu ver melhor denuncia o impas se Vi reiteradamente que no curso de determinado ciclo temporal a sessão a semana inclusive o ano coloca se um problema que se resolve con vincentemente por via interpretativa para ressurgir intacto ao final do pe ríodo e isso permite um diagnóstico bastante seguro às vezes até presunti vo de impasse O impasse se manifesta de forma in sidiosa até que se torna possível detectar a presença de um pseudoprocesso18 Esse pseudoprocesso se revela por um trata mento estancado ainda que o paciente siga trazendo material verbal para as sessões Ocorrem elaborações apenas parciais de alguns conflitos enquanto outras situações conflitivas mantêmse inalteradas protegi das por uma bem estruturada organização defensiva Em função da melhora apenas parcial de alguns dos setores comprometi dos da personalidade o paciente apresenta um crescimento psíquico desigual mostra uma melhora sintomática com diminui ção significativa da ansiedade mas des provida de insight Diante de tal situação o terapeuta fica com a sensação de que a melhora não é verdadeira e de que algo não está indo bem A própria melhora sinto mática funciona como algo que encobre o pseudoprocesso dificultando a detecção do impasse Segundo Maldonado18 no estado de impasse a repetição é seguida sem mediação de insight por outra repetição que muda de for ma mas mantém um conteúdo idên tico ou semelhante ao primeiro Isso conferiria um caráter meramente formal à mudança típico de um pseudo processo Psicoterapia de orientação analítica 357 Maldonado18 propõe quatro tipos de indicadores do impasse a contratransfe renciais b clínicos c processuais e d re presentacionais a Os indicadores contratransferenciais in cluem vivências de fadiga impaciência fastio e desesperança que surgem frente à distribuição estática de papéis e funções na situa ção analítica que resulta por sua vez do fracasso da função interpretativa18 b Indicadores clínicos podem prenunciar o surgimento de um impasse por exemplo pessoas com episódios de melancolia no passado apresentam tendência a criar si tuações de impasse durante o tratamento c Quanto aos indicadores processuais to do o tratamento tem uma configuração própria com uma qualidade específica que varia de acordo com suas diferentes etapas Nas situações de impasse essas diferenças tendem a desaparecer todas as fases ficariam iguais como se fossem uma só Assim a uma modificação do enquadre não corresponderiam altera ções transitórias do processo como seria de se esperar d Em relação aos indicadores represen tacionais as perturbações do processo seriam detectadas pelas modificações que se estabelecem no nível da produção de imagens Nos casos de impasse haveria uma diminuição quantitativa de imagens visuais mediadas pela verbalização suge rindo que a capacidade de simbolização do paciente está comprometida Poderia haver também alterações qualitativas na produção de imagens expressas pela representação de objetos carentes de mo bilidade ou providos de um movimento circular que anula a si mesmo Em fun ção desse tipo de alteração um paciente poderia por exemplo contar um sonho sobre uma imagem completamente es tática como em uma fotografia narrar uma cena em que um carrossel estivesse dando voltas em torno de si mesmo ou falar sobre máquinas velhas e instrumen tos inoperantes que servissem para medir o tempo Em certos casos seria possível observar imagens de objetos em movi mento executando um deslocamento pendular ou um movimento vertiginoso representação pelo oposto O autor alerta que com frequência os pacientes atuam essa situação conduzindo um carro em alta velocidade na busca de sesperada por uma saída da inércia Apesar de o impasse apresentarse sob diferentes formas parecem existir al gumas condições gerais comuns a todos os tipos Partindo da classificação proposta por Maldonado18 com algumas modifi cações será feita a seguir uma síntese dos principais indicadores de um impasse Do ponto de vista do paciente há oposi ção intensa inconsciente em relação ao objetivo do tratamento que pode chegar até ao uso de máfé com a finalidade de levar o processo à estagnação Ainda que haja melhora sintomática fica à mos tra a parte não tratada da organização narcisista infantil que se expressa pela persistência de marcado egocentrismo Na história pregressa do paciente podem ser encontrados sinais de um padrão de funcionamento mental que tende à estagnação No material das sessões é possível detectar diminuição quantita tiva das imagens visuais diminuição da capacidade de simbolização e alteração na qualidade dessas imagens O processo terapêutico se estagna de maneira insidiosa sem que o paciente 358 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs e o terapeuta o percebam Tal estagna ção dificilmente surgirá no começo do tratamento ocorrendo mais em etapas intermediárias Durante o impasse o setting se mantém parece que o paciente está associando e que o terapeuta está interpretando de modo eficaz porém as associações revelam um padrão circular repetitivo com o paciente desvalori zando as interpretações e tornandoas ineficazes Não há insight ainda que haja melhoras sintomáticas Cada repetição é seguida sem a mediação de insight de uma nova repetição sugerindo a presen ça de um pseudoprocesso no qual não há elaboração e as fases do tratamento tendem a ficar isomórficas A percepção do impasse por parte do terapeuta ocorre no início de forma apenas indireta por meio de vivências contratransferenciais de enfado frus tração sobrecarga paralisia irritação e desesperança em relação ao futuro do tratamento Existem inúmeros fatores envolvidos na gênese de um impasse Reich19 parece ter sido o primeiro a assinalar a participa ção ativa do terapeuta em situações de não compreensão como acontece no impasse relacionando essas ocorrências ao narcisis mo do terapeuta Quando se produz o insight e o pa ciente se movimenta no sentido da integra ção criase ao mesmo tempo um campo fértil para o surgimento da inveja9 O pa ciente tende então a adotar uma atitude de rivalidade com o terapeuta e o processo se paralisa Na fantasia por inveja o pa ciente se apossa vorazmente das boas qua lidades do terapeuta e passa a recusar sua ajuda Em função disso começa a sentirse ameaçado internamente por um terapeuta ressentido desejoso de vingança A possi bilidade de contatar essa parte invejosa da personalidade incrementa no paciente a desconfiança em relação a sua capacidade amorosa aumentando a inveja do tera peuta e estabelecendo um círculo vicioso Ainda que nesse trabalho Melanie Klein estivesse se referindo à reação terapêutica negativa e não ao impasse propriamente dito sua contribuição é importante uma vez que destaca a participação da inveja nos casos de obstaculização do processo O impasse é um acontecimento que engloba a dupla pacienteterapeuta Com isso na busca do entendimento desse quadro é fundamental levarse em consideração tanto a transferência quanto a contratransferência Por razões de ordem didática alguns autores chegam a estudar em separado a participação do paciente e a do terapeuta no impasse mas sempre reco nhecendo que se trata de uma situação que envolve a díade Assim por exemplo Mos tardeiro e colaboradores15 entre os fatores do paciente destacam a fragilidade de um ego com identificações po bres relacionandose predominante mente com objetos parciais e utilizan do identificações projetivas maciças e onipotentes dissociação e splitting A percepção da realidade é pobre e a ca pacidade de síntese do ego está grave mente lesada Além disso nesse tipo de paciente detectase também um superego rígido com um padrão de funcionamento predo minantemente sádico O principal elemento responsável pelo estabe lecimento de um impasse está relacionado ao narcisismo Psicoterapia de orientação analítica 359 Esse tipo de paciente em função do seu marcado narcisismo desenvolve uma intensa resistência originada na inveja e em uma atitude superior onipotente em que são negadas a necessidade de depender e as ansiedades a ela relacionadas15 São indiví duos que almejariam do tratamento grati ficações narcisistas sustentadas em bases ilusórias por não apresentarem um de sejo genuíno de autoconhecimento Com esse self ilusório promovendo gratificações narcisistas consideráveis o indivíduo fica apegado a sua doença na luta pela manu tenção do status quo enganoso mas gratifi cante É em função disso que durante um impasse as interpretações despertam no paciente intensa oposição a ponto de ele por meio de distorções grosseiras desqua lificar a ajuda recebida Quanto à participação do terapeuta nas situações de impasse Mostardeiro e colaboradores15 comentam que entre as situações que mais mobilizam uma respos ta negativa do terapeuta destacase a falta de sinceridade do paciente porque repre senta um ataque violento ao narcisismo do te rapeuta a ponto de este ficar sem poder compreender o que está se passando na ses são Outra situação capaz de potencializar um impasse é o terapeuta se deixar envol ver pela idealização do paciente O trata mento passaria a ter conotação de uma intensa disputa a dois matizada pelo uso maciço de identificações projetivas de am bas as partes Um posicionamento teórico radical do terapeuta diante das situações trazidas pelo paciente como por exemplo reconhecer e interpretar apenas a agressão no material das sessões também pode re presentar um forte estímulo ao surgimento do impasse Em uma situação como essa é bem provável que esteja em ação o narcisis mo do terapeuta expresso por uma atitude defensiva onipotente Ao discorrerem sobre o papel da con tratransferência no impasse Giovacchini e Boyer20 lembram que quando o terapeuta passa a agir em consonância com o que o paciente projetou dentro dele um papel que corresponde a uma necessidade pri mitiva do paciente fica impossibilitado de compreender o que está ocorrendo Se guindo linha semelhante Vollmer Filho21 sugere Quando o analista não se sen te capaz de receber e tolerar a angús tia isto é a dor contida nas identifi cações projetivas do paciente sua rea ção pode ser de rechaço ao projetado vivenciando por contraidentificação a comunicação do paciente de forma persecutória Além disso ao rechaçar a comunicação do paciente também bloqueia sua própria capacidade de pensar sobre o que está lhe transmi tindo fazendo prevalecer sobre o en tendimento da dor o desejo de livrar se dela Uma vez invadido pela angústia a capacidade do terapeuta de pensar torna se comprometida podendo inclusive induzilo a ações impulsivas Assim o pa ciente fica impedido de obter insight não há elaboração e o processo tende à estag nação Meltzer14 enfatiza que no impasse no umbral da posição depressiva há inten so uso da identificação projetiva por parte do paciente o que tem por objetivo evitar o contato com ansiedades depressivas e como consequência o empobrecimento do self A propósito Rosenfeld22 entende ser fundamental a compreensão do uso inten so da identificação projetiva para manter o funcionamento terapêutico e desse modo evitar dificuldades na transferência e na contratransferência potencialmente gera doras de um impasse No impasse a identificação projeti va tem uma característica predominante 360 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mente expulsiva e não comunicativa Seu objetivo é o de livrarse de pensamentos e sentimentos insuportáveis Permeada pela onipotência do pensamento a identifica ção projetiva maciça confere um caráter de concretude ao processo mental a ca pacidade de simbolização fica danificada e borramse os limites entre realidade e fantasia O pensamento verbal e o abstrato ficam comprometidos prejudicando a co municação entre paciente e terapeuta Via identificação projetiva o paciente imagina se vivendo dentro da mente do terapeuta e passa a atribuir a si mesmo qualquer aqui sição de novos conhecimentos e a atacar as interpretações recebidas Tal situação decorre da inveja do paciente à capacida de criativa do terapeuta deixando à mostra a base narcisista que permeia as situações de impasse Ainda de acordo com Rosen feld22 Muitos pacientes e na contratrans ferência também o analista consi deram insana e ilógica a violenta in veja dirigida contra os aspectos bons do analista A parte sadia do pacien te e talvez a do analista considera in toleráveis e inaceitáveis essas reações invejosas São criadas então defesas contra essa inveja primitiva Uma de las relacionase à cisão e à projeção da parte invejosa do self para dentro de um objeto externo que se torna então a parte invejosa do paciente Caso o terapeuta acompanhe sem se dar conta esse movimento projetivo do paciente no intuito de livrarse dos incô modos aspectos nele projetados a agressão invejosa por exemplo o trabalho da du pla ficará gravemente comprometido Da parte do paciente a identificação projetiva maciça incrementa as ansiedades persecu tórias e a culpa pelos ataques perpetrados na fantasia Culpado ele passa a temer que suas projeções tenham danificado a capa cidade de pensar do terapeuta sentindose responsável pela estagnação do tratamento O terapeuta tem sua capacidade de pensar prejudicada podendo inclusive acusarse masoquistamente pelo possível fracasso do tratamento Estabelecese um círculo vicioso no qual cada um dos componentes da díade realimenta ati tudes defensivas no outro Paciente e terapeu ta ficam impedidos de detectar o que está ocor rendo não há insight nem elaboração ainda que o setting aparentemente esteja preser vado Maldonado23 ao examinar a parti cipação do terapeuta no impasse descre ve um compromisso contratransferencial Diferentemente da vivência contratrans ferencial como fadiga impaciência de sesperança o compromisso contratrans ferencial fruto da distribuição estática dos papéis no impasse implica uma iden tificação duradoura do terapeuta com o padrão defensivo do paciente com vistas à manutenção de um estado narcisista da du pla Assim o terapeuta sem perceber pode aceitar material desprovido de significado simbólico estimulando o estabelecimento de um diálogo vazio de função meramente resistencial que se presta à manutenção do impasse Kantrowitz24 alerta sobre a impor tân cia do entendimento dinâmico do impasse durante o tratamento Comenta a au tora Quando o impasse não é superado e o tratamento é interrompido podere mos revisar retrospectivamente nosso trabalho e tentar aprender com isso mas nossas conclusões permanecerão especulativas Mesmo que nossas teo rias sejam plausíveis precisamos da confirmação do paciente e do levan Psicoterapia de orientação analítica 361 tamento do impasse para estabelecer a sua validade Essa recomendação parece oportuna pois uma compreensão posterior de um impasse não resolvido pode estar contami nada por aspectos do terapeuta aos quais ele não teve acesso nem durante nem após o impasse o que confere ao seu entendi mento um cunho especulativo e defensivo De acordo com Etchegoyen4 os me canismos de defesa são técnicas do ego enquanto as estratégias do ego são for mas mais complexas e globais das quais o paciente lança mão para impedir o desen volvimento do tratamento As estratégias do ego são o acting out a reação terapêu tica negativa e a reversão da perspectiva que têm como objetivo comum impedir o desenvolvimento do processo Nos casos em que as estratégias defensivas do ego não são adequadamente tratadas pode surgir um impasse O fato de essas estratégias levarem o tratamento a um impasse possibilita con fundir as causas determinantes do impasse com o impasse propriamente Daí a neces sidade de se estabelecer o diagnóstico dife rencial entre impasse e tais estratégias O acting out é uma estratégia do ego fundada no desejo inconsciente do pacien te de atacar a tarefa a que se destina a dupla e que se expressa por ações com a finalidade de evitar o insight e o contato com angús tias depressivas tidas como intoleráveis O acting out isoladamente não con duz ao impasse a não ser nos casos de ac ting outs crônicos17 É apenas quando se mobiliza insidio samente contra angústias depressivas e se torna menos violento e mais per tinaz e astuto que o acting out conduz ao impasse O acting out crônico tende a evoluir para a interrupção brusca do tratamen to Da mesma forma casos de acting outs intensos nas fases iniciais do tratamento tendem à interrupção e não ao impasse O acting out impede o insight podendo fa zer cessar temporariamente a elaboração à semelhança do impasse A partir daí os dois fenômenos podem ser confundidos No entanto o acting out é em geral epi sódico não levando obrigatoriamente à estagnação do processo além de poder ser detectado com alguma facilidade pelo tera peuta ao contrário do que se observa em um impasse De mais a mais as origens do acting out não remontam necessariamen te ao binômio transferênciacontratrans ferência como ocorre no impasse exceção feita aos casos em que o acting out é esti mulado pelo terapeuta em função de um distúrbio da contratransferência A RTN pode ser confundida com o impasse com maior frequência do que com o acting out Na RTN não chega a haver um im pedimento imediato ao surgimento de in sight como ocorre no impasse No entanto uma vez havendo o insight este acaba não se consolidando o que pode dar a impres são de nunca ter acontecido Por desco nhecimento teóricotécnico essa não con solidação do insight típica da RTN pode ser confundida com a impossibilidade de aquisição de insight própria do impasse Ao não se diagnosticar e tratar uma RTN em curso o terapeuta acaba colaborando para a cronificação da situação tornando a propensa a um impasse A pioneira pu blicação a apontar a diferença entre RTN e 362 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs impasse foi feita por Mostardeiro e colabo radores15 ao afirmarem O elemento que caracteriza a RTN além da gravidade da resistên cia é a resposta paradoxal Isto a dis tingue do impasse psicanalítico Etchegoyen17 alerta que uma das ra zões pelas quais a RTN pode ser confun dida com o impasse é o fato de despertar no terapeuta um sentimento peculiar de aborrecimento decepção e fatalismo que Cesio em 1960 definiu como letargo No entanto na RTN não há diminuição quantitativa das imagens visuais e nem se observa alteração na qualidade delas o set ting mostrase visivelmente alterado pois o paciente reluta em cumprir sua parte no tratamento enquanto no impasse essa al teração é quase imperceptível O uso impreciso de conceitos é mais frequente do que o desejável o que se re pete quanto ao impasse potencializando a confusão entre situações clínicas distintas como impasse e RTN O termo acting out também já foi usado com diferentes cono tações para designar um ato sintomático como expressão da compulsão à repetição como forma especial de transferência e co mo um ataque à tarefa terapêutica A reversão da perspectiva é um con ceito introduzido por Bion25 que postu la a existência de um padrão psicótico de funcionamento mental no qual o paciente reverte a perspectiva do tratamento ten tando tornálo uma situação estática De acordo com Etchegoyen4 A reversão da perspectiva consiste por definição em que o sujeito ve nha a se analisar não para conhecer a si mesmo se curar crescer ou re solver seus problemas mas com uma ideia distinta que até pode ser a de de monstrar ao analista que não necessi ta de análise Quer impor suas pre missas e desconhecer as do outro em um des dobramento descomunal do narcisismo Nessa situação no plano manifesto o paciente mostrase aliado ao terapeuta de sejando se tratar No plano latente expres sa franca oposição à finalidade do trata mento Em função do desacordo latente as interpretações são distorcidas pelo pacien te de maneira a comprovar suas velhas e imutáveis teorias Por serem inconscientes o paciente não tem acesso a essas teorias e assim não pode explicitálas Tal padrão mental é incompatível com o insight por que como refere Etchegoyen4 A reversão da perspectiva é um mecanismo psicótico que me impede de trocar e reverter meu ponto de vis ta para o dos outros Há uma expectativa do paciente de manter uma imagem idealizada de si mes mo que se choca com a perspectiva mais realista que o tratamento pode propiciar É nesse contexto que se instala a reversão da perspectiva Quando o terapeuta com partilha do ideal narcisista do paciente a reversão da perspectiva tende a se cronifi car e o campo tornase propício ao desen volvimento de um impasse O quadro clínico da reversão da pers pectiva lembra o impasse decorrente de máfé16 Em ambos não há insight e como consequência não há elaboração o proces so parece estagnado e o setting aparente mente se mantém No entanto na reversão da perspectiva distinto do que ocorre no impasse por máfé não chega a haver uma verdadeira estagnação do processo uma vez que desde o início o paciente procu ra o terapeuta com uma perspectiva que imediatamente se choca com o objetivo de se tratar O princípio básico que norteia a Psicoterapia de orientação analítica 363 reversão da perspectiva é o de tornar está tico o tratamento desde o seu começo no intuito de evitar o sofrimento De qualquer modo os indicadores representacionais de impasse não estão presentes na reversão da perspectiva Os quadros clínicos descritos podem ser diferenciados das situações de impasse desde que o terapeuta tenha uma noção mais clara das peculiaridades de cada um deles A confusão entre os distintos fenô menos está relacionada ao fato de que to dos cada um à sua maneira interferem nos processos de insight e de elaboração à semelhança do que ocorre no impasse E o fato de esses quadros poderem desembocar em um impasse serve para aumentar essa confusão Como são inúmeros os fatores impli cados na gênese do impasse existem mui tas formas de abordálo cada uma delas ligada a uma compreensão dinâmica espe cífica à dupla pacienteterapeuta Assim a afirmação de Heráclito citada por García Bacca26 de que não há maneira de banhar se duas vezes na mesma corrente de um rio pode ser aplicada ao impasse Cada situação de impasse é única para cada dupla pacienteterapeuta jamais sendo repro duzida em sua totalidade por outros pares Diante de um impasse algumas reco mendações de ordem geral podem ser úteis Mostardeiro e colaboradores15 propõem que o terapeuta concentre seus esforços no exame dos traços caracterológicos nar cisistas do paciente Moura Ferrão27 pre coniza uma postura neutra do terapeuta não impregnada do desejo de curar Gio vacchini e Boyer20 sugerem atenção espe cial ao significado das reações conscientes e inconscientes do terapeuta ao paciente Etchegoyen17 alerta sobre um correto diag nóstico clínico de impasse Entende que is so pode ser feito com maior tranquilidade após as sessões uma vez que durante elas é muito difícil alcançar uma visão mais crí tica do que está ocorrendo Kantrowitz24 afirma que somente depois da superação do impasse é que o terapeuta terá melhores condições de entender os fatores dinâmicos envolvidos Destacase assim a necessidade de o terapeuta ter algum distanciamento crí tico em relação ao que está ocorrendo na relação da dupla para que viabilize uma compreensão mais abrangente do impasse Aliás esse é um motivo razoável para que o terapeuta nessas situações procure su pervisão Como o supervisor não está dire tamente envolvido no impasse ele poderá ter melhores condições de auxiliar a alcan çar a necessária visão crítica do que está ocorrendo no tratamento Levy28 comenta que com a ajuda do supervisor que utiliza a sua própria vivência contra transferencial a situação de supervi são pode tornarse uma experiência de aprendizado importante no que se refere à contratransferência e a suas conse quências Para Meltzer14 todos os casos de impasse mereceriam ser supervisionados objetivando a prevenção de atitudes desas trosas por parte do terapeuta que podem causar danos ao paciente Na vigência de um impasse há quem recomen de marcar uma data para interromper o trata mento14 Essa controversa recomendação esti mula questionamentos Será que tal pro 364 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cedimento não estaria mais relacionado à mobilização do narcisismo do terapeuta necessitado de mostrar ao paciente quem é que detém o poder Adiantaria explicar ao paciente assustado momentos após o tera peuta ter combinado a interrupção do tra tamento que ele terapeuta continua mo tivado a seguir adiante com o tratamento Seria aconselhável impor ao paciente me didas que objetivam conter seu sofrimento mental Fosse ele capaz de fazer isso já não seria o momento de começar a trabalhar sua alta sem ameaças de interrupção Até que ponto o terapeuta poderia ter certeza de que o tratamento não iria adiante caso optasse por manter o setting original A su pervisão do caso não poderia ser útil para a preservação do setting Em defesa de pelo menos parte dessa ideia é preciso lembrar que uma interrupção é sempre mais ética do que a manutenção de um tratamento interminável pois esta última configura uma espoliação emocional e econômica do paciente por parte do terapeuta Maldonado18 destaca a necessidade de se fazer a abordagem do impasse sempre do ponto de vista da dupla pacientetera peuta Para ele Quando a detenção do processo ocor re e não é percebida e a patolo gia da contratransferência invadiu a situa ção analítica as identidades in dividuais se perdem Assim as mani festações do conflito deverão ser bus cadas em ambos os integrantes posto que a melhora de um de seus mem bros o paciente tem lugar em fun ção do efeito deletério que recai sobre o outro o terapeuta Kantrowitz24 enfatiza a necessidade de se ficar atento às ocorrências na trans ferênciacontratransferência durante o im passe o que requer do terapeuta um exame cuidadoso da maneira como ele está inter vindo com o fim de detectar similaridades de conflitos entre paciente e terapeuta Ferro29 recomenda uma atitude flexível que permita ao terapeuta ser capturado pela fan tasia que está em ação no campo A capacidade do terapeuta de modu lar a interpretação é fundamental para a superação do impasse Um dos problemas técnicos do impasse é o diálogo aparente mente produtivo estabelecido pela dupla mas desprovido de uma verdadeira vivên cia emocional do que está sendo falado A retomada da capacidade de pensar essas ansiedades que estariam cindidas fora do campo propiciaria à dupla a saída do impasse29 É fundamental a maneira como o te rapeuta escuta o paciente principalmente no que se refere às nuanças tanto da for ma quanto do conteúdo das suas comuni cações São essas delicadas diferenças nas manifestações do paciente que fornecem pistas para o entendimento do impasse e o consequente restabelecimento do proces so30 Como os conteúdos não verbais mui tas vezes predominam no impasse valori zar as formas de comunicação não verbal do paciente é uma medida útil para facilitar o surgimento de novas associações31 Pacientes narcisistas dotados de se vera autocrítica e cujo tratamento evoluiu para um impasse tendem a ouvir o que lhes é dito como acusação inibindo a participa ção do terapeuta Só se pode resolver esse dilema se em vez de enfocar as interven ções no aspecto defensivo do compor tamento do paciente o analista desviar Psicoterapia de orientação analítica 365 sua atenção para a função adaptati va desse comportamento só assim o paciente sentirseá com preendido e não criticado32 Diante de medidas empáticas o paciente pode atenuar a sensação de humilhação decorrente das interpretaçõescríticas do terapeuta e aos poucos se permitir examinar aspectos de sua personalidade até então defendidos Todavia nem sempre a medida é bemsucedida Às vezes a despeito de um prolongado perío do de resposta empática por parte do terapeuta o paciente não assume como sendo realmente seus afetos pensamentos fantasias e ações que lhe pertencem32 Um dos riscos dessa abordagem é a dupla deixarse seduzir pelo alívio da pres são transferencialcontratransferencial que tal medida gera e de forma defensiva pas sar a adotála em caráter permanente As sim o diálogo apenas empático substitui o diálogo realmente produtivo mantendo o tratamento em um clima superficial e con fortável para ambos Ainda que um impasse mobilize sofrimento também no terapeuta a dor psíquica que viti ma o paciente é incomparável Assim em uma situação desse tipo cabe sempre ao terapeuta a responsabilidade de buscar estratégias ade quadas no intuito de aliviar essa dor O material clínico que se segue ilustra alguns aspectos teóricos relacionados ao impasse ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Mário um homem com cerca de 40 anos procurou atendimento por um quadro de sofrimento difuso Era uma pessoa solitária em função da maneira desconfiada e agressiva com que se relacionava Abusava dos sarcasmos e pautava sua conduta por um desprezo ostensivo com quem convivia Obtinha poucas gratifi cações no exercício da profissão e raramente se permitia gozar um momento de folga Bastante exigente ressentiase por nunca ter estabelecido uma relação afetiva mais duradoura com uma mulher Tinha uma relação idealizada com o pai que falecera quando o paciente tinha 5 anos Com a mãe mantinha um pa drão de relacionamento estigmatizado por intenso ódio Porque a mãe tivera uma prole numerosa Mário só se referia a ela como a porca pois só uma porca poderia ter tantos filhos assim De acordo com o rela to do paciente a mãe tivera um episódio depressivo grave após a morte do esposo O tratamento de Mário seguiu um curso difícil desde o início Aos poucos começou a estabelecerse um clima transferencialcontratransferencial pesado O paciente repelia qualquer possibilidade de aproxima ção mais efetiva projetando maciçamente qualquer aspecto seu com o qual temesse tomar contato Fazia pouco caso das interpretações e dizia não tolerar o fato de alguém ajudálo Afirmava que a postura do te rapeuta era cínica e interesseira Para ele o psicoterapeuta não passava de uma porca pois este deveria ter muitos outros pacientesfilhos a quem dedicaria mais genuína atenção Sem perceber Mário convidava o terapeuta a repetir com ele uma relação do tipo sadomasoquista nos mesmos moldes que mantinha com Continua 366 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua a mãe e com suas namoradas Após insistentes ataques ao terapeuta durante as sessões sentiase culpa do e dizia não entender como é que este não lhe respondia na mesma moeda Ao lhe ser mostrada a onipo tência que conferia a tais investidas aliviavase por perceber o terapeuta inteiro e ativo Algum tempo de pois novas tentativas eram feitas no sentido de retomar o antigo padrão de relacionamento A esse quadro subjazia uma visível dificuldade do paciente de tomar contato com ansiedades depres sivas Um exemplo disso era o fato de qualquer situação que lembrasse a perda do pai ser vigorosamente rechaçada em um clima francamente persecutório A certa altura do tratamento começou a brotar na mente do terapeuta uma sensação de estranheza Parecia haver alguma coisa que não estava compreendendo sem que soubesse o quê Chamava a atenção que o paciente não falava sobre sua infância e que apenas raramente contava um sonho Por algumas ve zes a situação chegou a ser discutida com um colega Mas pelo menos aparentemente o tratamento es tava indo razoavelmente bem o paciente parecia associar livremente dava alguns sinais de estar come çando a questionar sua participação ativa nas situações de litígio que criava inclusive com o terapeuta na transferência mostrava algumas melhoras no relacionamento pessoal a ponto de poder fazer alguns ami gos parecia estar desenvolvendo a capacidade de certo acesso ainda que incipiente ao seu padrão emi nentemente projetivo de pensar e se permitia breves momentos de lazer O terapeuta concluiu então que o que cabia naquele momento era ser continente àquela sensação de estranheza até que algum fato novo surgisse e desse significado ao que era percebido como estranho Aos poucos o terapeuta passou a sentirse fatigado sobrecarregado com enfado e com certo grau de impaciência Algumas vezes chegou a se surpreender interpretando em um tom áspero o que lhe mobiliza va culpa e dificuldade de pensar Em outras oportunidades percebiase aliviado quando por alguma razão Mário dizia que não poderia comparecer à sessão O paciente começava a mostrarse repetitivo fazendo longos silêncios quando falava as palavras soa vam como desprovidas de valor simbólico O terapeuta também estava sendo pouco criativo em suas in tervenções Às vezes parecia até que podia antecipar o que seria dito de ambas as partes durante as ses sões Apesar do esforço para compreender o que estava se passando uma desesperança em relação ao fu turo do tratamento começou a fustigar o terapeuta Em alguns momentos chegava a duvidar se teria capa cidade para prosseguir com a tarefa Voltou a discutir essa situação com seu colega e a possibilidade de estar diante de um impasse passou então a ser cogitada Foi nessa época que o paciente ao fim de uma sessão relatou o seguinte sonho Eu estava em um enorme silo para armazenagem de grãos Era uma cena sem movimento como se fosse uma fotografia O silo estava repleto de merda e mijo e eu estava completamente parado no meio daquilo só com a cabeça do lado de fora Você também estava parado lá em uma borda no alto do silo bem na frente de uma porta que dava entrada para ele Você me olhava atônito preocupado triste e apesar de estar com muito medo eu me divertia com a expressão do teu rosto Enquanto Mário falava em um estado de exaltação o terapeuta detectou em si mesmo um misto de tristeza desalento e repulsa pelo que ouvia Mais tarde fora da sessão ao refletir sobre o sonho de Mário algumas ideias começaram a se organi zar na mente do terapeuta Os indicadores de um impasse já eram evidentes há algum tempo mas agora podia percebêlos de uma maneira mais integrada Ele já havia constatado a estagnação do processo e re lacionava esse estancamento ao surgimento de resistências decorrentes da abordagem dos aspectos nar cisistas do paciente o que por sua vez nele mobilizavam o anseio narcísico de curálo perturbando so Psicoterapia de orientação analítica 367 Continuação Continua bremaneira a contratransferência Pudera perceber o rígido padrão projetivo de funcionamento do paciente assim como a inveja que tomava conta quando percebia a disponibilidade do terapeuta em ajudálo Tudo isso exigia do terapeuta um trabalho desgastante e ao mesmo tempo contribuía de forma decisiva para o estancamento do processo O tratamento insidiosamente tornarase repetitivo e cada sessão era quase uma cópia da anterior pondo à mostra a ausência de insights e o cessamento da elaboração O terapeuta não havia ainda se dado conta a não ser por certo desconforto contratransferencial de que apenas as for malidades do tratamento estavam sendo cumpridas o paciente associava mas seguindo um padrão circu lar e o terapeuta interpretava só que de uma maneira pouco criativa Assim o setting parecia estar pre servado O comprometimento contratransferencial residia no fato de o terapeuta aceitar o discurso vazio de Mário e validar suas comunicações por meio de pseudointerpretações Para complicar esse quadro o pa ciente apresentava melhoras sintomáticas que mascaravam o pseudoprocesso que se instalara Aos pou cos o terapeuta pôde perceber que a oposição intensa e sistemática do paciente não era apenas uma es tratégia defensiva mas uma manifestação clínica já sugestiva de impasse Foi o sonho de Mário que possibilitou a síntese necessária para o estabelecimento do diagnóstico clí nico de impasse A alteração qualitativa das imagens visuais presentes no referido sonho a cena estática com os protagonistas imóveis como em uma fotografia fez o terapeuta poder integrar os sinais já existen tes de impasse que permaneciam dissociados tanto na sua mente quanto na do paciente Na sessão seguinte o paciente em um tom de triunfo perguntou se o terapeuta havia pensado a res peito do sonho que lhe contara Em resposta o terapeuta disse que ao fazer essa indagação o paciente es tava também assinalando sua preocupação em poder compreender o conteúdo desse sonho e que por isso voltara a mencionálo no início da sessão Lentamente foise esclarecendo a situação de estagnação do tratamento denunciada no sonho Em um primeiro momento o terapeuta ocupouse em examinar apenas a faceta do conteúdo onírico relativa à denúncia de um impasse que soterrava o trabalho da dupla enten dendo a expressão só minha cabeça ficava de fora do monte de fezes e urina como um apelo dramáti co do paciente para que o auxiliasse a pensar aquela situação No intuito de resgatar o desejo do paciente de compreender o que se passava em seu mundo interno o terapeuta não se ateve aos aspectos agressivos contidos no sonho os ataques anais e uretrais representados pelas fezes e urina que inundavam o silo setting assim como o gozo sádico que obtinha com a paralisação do processo simbolizado pelo prazer em ver o terapeuta atônito preocupado e triste com o que acontecia Na vigência do impasse o desejo de com preender de parte do paciente ficava projetado no terapeuta enquanto este se debatia com a necessidade de entender o que estava ocorrendo Mário divertiase com essa preocupação Mais adiante à medida que o paciente foi sinalizando crescente disposição para compreender seu mundo interno permitindose sentir curiosidade em relação a si mesmo tornouse possível examinar al guns aspectos agressivos contidos no sonho De início Mário parecia estar vivenciando as interpretações como se o terapeuta estivesse se queixando de sua agressividade Um clima persecutório dominava as ses sões O paciente se questionava se o terapeuta sobreviveria a tantos e tão onipotentes ataques e de sua parte o terapeuta se indagava se teria ou não a habilidade necessária para sair do impasse Enquanto tra balhavam foram se tranquilizando paulatinamente em relação às suas capacidades reparatórias O tra tamento parecia dar alguns sinais de movimento No entanto a sensação de estranheza do terapeuta de que havia algo que não estava compreendendo voltou a se manifestar Sem impedir que sua atenção per manecesse flutuante o terapeuta decidiu apenas aguardar o surgimento de algum fato que desse signifi cado ao que sentia 368 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A situação ocorrida no tratamento de Mário lembra o impasse por máfé16 Re força essa hipótese a ocultação por parte do paciente de um fato relevante de sua Continuação Em uma sessão não muito depois o paciente mostravase irritadiço e repelia qualquer tentativa de aproximação por parte do terapeuta Este manteve uma postura expectante Mário disse então bastan te ansioso Preciso contar uma coisa sobre a qual nunca falei Seguiuse um longo silêncio interrom pido pelo terapeuta que disse a Mário que pela maneira como falava parecia que algo assustador tinha lhe vindo à mente naquele momento O paciente irrompeu em um choro convulsivo entrecortado apenas por algumas palavras incompreensíveis Aos poucos começou a recuperarse da explosão afetiva e con tou que após a morte do pai a mãe por sentirse muito sozinha havia posto o filho a dormir com ela em sua cama Em um clima no qual se misturavam profunda tristeza e rancor relatou que quando iam para a cama dormir a mãe sob o pretexto de aquecêlo enlaçava suas pernas nas do menino e masturbava se até atingir um orgasmo Essa condição de abuso perdurou por quase um ano quando Mário conseguiu dar um fim à situação Até então o paciente jamais haviase permitido falar sobre esse assunto com alguém Contou que sempre que essas lembranças lhe vinham à mente tratava de apagálas o mais rápido que pudesse Ao não falar sobre esse acontecimento ficava com a sensação de que nada havia ocorrido O terapeuta disse então que Mário estava podendo percebêlo como alguém mais confiável a ponto de poder relatarlhe sua dolorosa experiência Disse ainda que achava que o fato de ter acolhido o alerta dado pelo paciente de que o tratamento estagnara havia permitido a Mário renovar a confiança no terapeuta O paciente apenas as sentiu a isso com um movimento da cabeça A partir daí foi possível compreender retrospectivamente que Mário vinha se conduzindo de maneira a estagnar o tratamento para testar o terapeuta Em função do abuso na infância havia perdido a confian ça em seus objetos internos e externos e precisava desesperadamente testar a confiabilidade do terapeu ta Caso este se acomodasse ao estancamento e mantivesse o tratamento em um clima burocrático os te mores do paciente de estar diante de um terapeutamãe pouco confiável ficariam confirmados Em oposi ção se o terapeuta se recusasse a aceitar passivamente o impasse acolhendo a denúncia da estagnação do processo e se dispondo a discutir abertamente o assunto talvez pudesse ser visto como um terapeuta mãe digno de confiança A dolorosa revelação de Mário acabou por dissipar no terapeuta a sensação de estranheza Voltando no tempo era possível agora entender melhor por que Mário precisava ver a mãe como uma porca e por que na transferência o terapeuta também era percebido como tal À medida que o tratamento se aprofundava e se estreitava o contato afetivo da dupla o paciente passava a vivenciar as intervenções como uma in trusão indevida do terapeuta em seu mundo interno em um clima francamente persecutório Para ele era como se estivesse sendo de novo abusado pela mãe Assim o terapeuta era tido como um cínico que sob o pretexto de ajudaraquecer o paciente estava apenas se aproveitando dele espoliandoo e se gratifican do perversamente com seu sofrimento Uma vez examinada exaustivamente a situação o tratamento pôde seguir adiante ainda que tal processo tenha sido difícil para a dupla e em especial para Mário Assim por exemplo sempre que uma ansiedade depressiva emergia a negação onipotente da realidade a dissociação e as identificações projetivas maciças também se faziam presentes No entanto uma vez compreendido o impasse a dupla estava mais bem equipada para enfrentar as vicissitudes do tratamento Psicoterapia de orientação analítica 369 história assim como a tendência a distor cer as interpretações gerando um clima confusional Há também o fato de que o impasse só pôde ser compreendido após o relato do sonho do silo que pôs à mostra o padrão circular do tratamento imagens es táticas A vivência contratransferencial de frustração sobrecarga e paralisia e a detec ção de um processo pseudoevolutivo tam bém apontavam nessa direção No entanto o paciente não se apresentava como se fosse distintos personagens como descreveram Baranger e Baranger33 ao discorrer sobre a máfé Além disso diferentemente do que ocorre no impasse sugerido por Maldona do16 Mário não estava induzindo o tera peuta a interpretálo de maneira equivoca da Com sua omissão defensiva apenas não per mitia o acesso a uma vivência extrema mente dolorosa do passado Se proporcio nasse tal acesso ao terapeuta teria de tomar contato com a terrível lembrança Não ha via portanto máfé ainda que o objetivo fosse a detenção do processo No intuito de não tomar contato com a dor decorren te do abuso na infância o paciente parece ter criado a ilusão narcisista de prescindir de qualquer objeto interno e externo Na transferência tentava inconscientemente ter o terapeuta como um aliado na susten tação dessa ilusão e tudo indicava que o instrumento para alcançar esse conluio era o narcisismo do próprio terapeuta CONSIDERAÇÕES FINAIS Lago34 sugere que haveria menor tendência a ocorrerem impasses em psicoterapia do que em análise isso porque em psicotera pia a frequência das sessões é menor o tra balho é mais focal predominam as abor dagens de situações extratransferenciais e o impacto sobre o narcisismo da dupla pacienteterapeuta seria menos intenso Na psicanálise porém a maior frequência das sessões o trabalho efetuado em maior abrangência a utilização de uma aborda gem predominantemente transferencial a maior regressão do paciente e a intensa mo bilização do narcisismo da díade tenderiam a aumentar as chances de gerar um impas se Tais considerações são relevantes mas convém lembrar que o que se observa na prática clínica diária é que conluios narci sistas entre pacientes e terapeutas insistem em se manifestar superando as barreiras erigidas pelo setting psicoterápico Isso po de ser observado por exemplo em certos casos de psicoterapia que nunca alcançam o término ou em intempestivas interrup ções de tratamento decorrentes de litígio entre os componentes da dupla Por igno rarem as regras que organizam o setting as interações inconscientes entre aspectos narcisistas do paciente e do terapeuta aca bam incrementando as chances de gerar um impasse seja no setting psico terápico seja no psicanalítico Assim a possibili dade de ocorrência desse fenômeno ao longo de uma psicoterapia parece não estar tão vinculada à organização do setting propria mente dito mas às condições de ordem in consciente que regem a interação da dupla pacienteterapeuta Nesse sentido um psi coterapeuta que tenha recebido uma sólida formação teórica complementada por su pervisão e tratamento pessoal adequados estará mais preparado para enfrentar um impasse do que um outro que não demons tre tais qualificações Schestatsky35 também tece algumas considerações instigantes sobre o impasse em psicoterapia A primeira delas sugere que o conceito descritivo de impasse seria de pouca utilidade e a segunda postula que 370 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs numa psicoterapia de orientação analítica em que o paciente pareces se estabilizado há longo tempo com grande parte da sua vida indo bem e sem que houvesse nenhum fracasso visível no seu funcionamento men tal apenas se deixando entrever su tis sentimentos contratransferenciais de que algo ainda faltaria tratar a psicoterapia tenderia em princípio a ser considerada como tendo cumpri do seus objetivos com o paciente re cebendo alta35 Em relação à primeira afirmação cabe dizer que o conceito descritivo tan to em psicoterapia quanto em psicanálise cumpre uma importante função possibili tar um diálogo fecundo entre aqueles que se dedicam ao estudo de determinado as sunto Assim em um debate científico se o fenômeno sobre o qual se pretende trocar ideias não puder ser conceituado com ra zoável clareza a interlocução tenderá a ser confusa infrutífera dando aos seus partici pantes a sensação de estarem falando uma linguagem babélica Exemplo disso são aqueles trabalhos de técnica psicoterápi ca que exploram determinado fato clínico sem que seus autores se preocupem em conceituar minimamente o evento sobre o qual pretendem discorrer Conceituações vagas imprecisas geram confusão difi cultando a interação entre o leitor e a obra Dessa forma a finalidade última de toda publicação científica a troca produtiva de ideias fica impossibilitada de aconte cer Aliás esta é uma das razões pela qual a psicanálise e a psicoterapia de orienta ção analítica têm sido às vezes criticadas a vagueidade de alguns de seus conceitos O que de fato parece tornar pouco útil um conceito não é o fato de ele ser descri tivo mas a maneira como é formulado e a finalidade com que é utilizado Assim por exemplo conceituar descritivamente um fenômeno de forma rígida fechada com o objetivo de acabar com qualquer ques tionamento elimina a possibilidade do diálogo criativo tornando sem proveito o conceito em questão Toda ideia que não se permita ser renovada e enriquecida pelo debate tende a ser algo inerte e desprovido de utilidade A segunda assertiva de Schestatsky35 parte de um conceito descritivo o pacien te parece estabilizado há longo tempo grande parte da sua vida está indo bem não há nenhum fracasso visível no seu fun cionamento mental e se deixam entrever sutis sentimentos contratransferenciais de que algo ainda faltaria tratar para chegar a uma conclusão um tanto discutível de que essa situação pode ser entendida em psicoterapia como se os objetivos do tra tamento tivessem sido alcançados Parece que a situação descrita não caracteriza um genuíno impasse na medida em que não contempla nenhum dos seus indicadores clínicos específicos Sob outra perspectiva esse enunciado mostrase valioso enquan to põe à mostra a necessidade de certo rigor científico na formulação dos conceitos que instrumentam nossos pontos de vista Para finalizar é importante referir que tanto a RTN quanto o impasse bem como as demais vicissitudes do processo psicoterápico merecem especial atenção por parte do psicoterapeuta visto que tais situações podem provocar danos às vezes irreversíveis àquelas pessoas que procu ram tratamento em busca de alívio para seu sofrimento psíquico Em função disso são sempre bemvindos os novos estudos nessa área Psicoterapia de orientação analítica 371 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A marca registrada da RTN é a piora paradoxal 2 A RTN tem múltiplas causas podendo se relacionar à culpa decorrente de um superego severo ao temor de enfrentamento de uma catástrofe interna ou à inveja 3 A piora paradoxal típica da RTN pode se apresentar sob a forma disfarçada de sintomas físicos 4 A RTN também pode ser compreendida como uma forma inconsciente de o paciente expressar como vivenciou o insight obtido na sessão que deu origem a essa manifestação regressiva 5 Diferentemente da RTN a resistência incoercível não possibilita o insight e tampouco pode ser des crita como uma reação paradoxal 6 Alguns acting outs mais exuberantes podem surpreender o terapeuta por sua intensidade No entanto não têm nada de paradoxal uma vez que não são precedidos de nenhuma melhora clínica 7 A RTN é expressão da injúria narcisista que o trabalho psicoterápico bemsucedido despertou no paciente 8 Convém ficar atento ao fato de que a RTN é uma sofisticada defesa contra ansiedades depressivas que a mente do paciente julga não poder enfrentar 9 É importante que se considere sempre o aspecto comunicativo da RTN 10 O impasse é um fenômeno que comporta uma detenção insidiosa e duradoura do processo que implica um cessamento da elaboração sem que o setting aparente alterações visíveis e que se manifesta sob distintas formas clínicas 11 Essa estagnação silenciosa do processo não é imediatamente percebida nem pelo terapeuta nem pelo paciente 12 O setting parece normal o paciente está associando e o terapeuta está interpretando mas as associa ções revelam um padrão circular repetitivo e o paciente menospreza as intervenções do terapeuta 13 Durante um processo sob impasse embora não haja insight mesmo assim podem ocorrer melhoras sintomáticas 14 A percepção do impasse acontece de forma indireta por meio de vivências contratransferenciais de enfado frustração sobrecarga paralisia irritação e desesperança do terapeuta em relação ao futuro do tratamento 15 O impasse tem múltiplas causas mas sempre relacionadas a fatores da dupla pacienteterapeuta a o paciente tende a ter um ego frágil com identificações pobres e um superego rígido predominam inveja narcisismo e uso abusivo da identificação projetiva do tipo predominantemente expulsivo e não comunicativo b o terapeuta pode apresentar um distúrbio contratransferencial não passível de elaboração devido a masoquismo intenso transtorno narcisista eou uso excessivo do mesmo mecanismo de identifi cação projetiva 16 A possibilidade de se fazer um adequado diagnóstico diferencial entre impasse acting out RTN e reversão da perspectiva permite que se tentem diferentes abordagens terapêuticas em busca de uma solução satisfatória do processo 17 A abordagem do impasse exige que se compreenda o que está se passando no binômio transferência contratransferência ambos paciente e terapeuta estão sofrendo de grave injúria narcisista e o enten dimento e a solução de um impasse passam sempre pela compreensão do conluio narcisista estrutu rado pela dupla 18 Uma vez percebido seria desejável que todo impasse pudesse ser supervisionado em função do com prometimento contratransferencial existente 372 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 17 p 13151 2 Abraham K Una forma particular de resis tencia neurótica contra el método psicoana lítico In Abraham K Psicoanálisis clínico Buenos Aires Honoré 1959 p 2317 3 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 p 1383 4 Etchegoyen RH Das vicissitudes do proces so In Etchegoyen RH Fundamentos da téc nica psicanalítica Porto Alegre Artes Médi cas 1987 p 43551 5 Freud S Análise terminável e interminável In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 23 p 23987 6 Horney K The problem of the negative the rapeutic reaction Psychoanal Q 193651 42744 7 Rivière J Contribución al análisis de la reac ción terapéutica negativa Revista de Psicoa nálisis 19497112142 8 Klein M Contribución de la psicogénesis de los estados maníacos depresivos In Klein M Amor culpa y reparación Buenos Aires Paidós 1979 Obras completas v 1 9 Klein M Envidia y gratitud In Klein M En vidia y gratitud y otros ensayos Buenos Ai res Paidós 1979 Obras completas v 3 10 Rosenfeld H Negative therapeutic reaction In Giovacchini PL editor Tactics and te chniques in psychoanalytic therapy New York Science House 1975 v 2 p 21728 11 Limentani A On some positive aspects of the negative therapeutic reaction Int J Psychoanal 198162Pt 437990 12 Pires ACJ Impasse em psicoterapia Rev Bras Psicoter 2000214754 13 Meltzer D The threshold of depressive po sition In Meltzer D The psychoanalyti cal process London Heinemann Medical 1967 p 4452 14 Meltzer D Una ténica de interrupción en la impasse analítica In Grinberg L Prácticas psicoanalíticas comparadas en las neurosis Buenos Aires Paidós 1977 p 16576 15 Mostardeiro ALB Pechansky I Ribeiro RP S Raya I O impasse psicoanalítico mesa re donda Revista Latinoamericana de Psicoa nálisis 1974111352 16 Maldonado JL Impasse y mala fe en el análisis de un paciente Revista de Psicoaná lisis 197532111541 17 Etchegoyen RH El impasse psicoanalitico y las estrategias del yo Revista de Psicoanali sis 197633461336 18 Maldonado JL Impasse y pseudoproceso psicoanalítico Psicoanálisis 197912569 602 19 Reich W Para a técnica da interpretação e da análise da resistência In Reich W Análise do caráter São Paulo Martins Fontes 1972 p 5170 20 Giovacchini PL Boyer LB El impas se psicoanalítico como un hecho terapéu tico inevitable Revista de Psicoanálisis 197532114376 21 Vollmer Filho G Contratransferência e an gústia Revista de Psicanálise da SPPA 1993114352 22 Rosenfeld H Identificação projetiva na prá tica clínica In Rosenfeld H Impasse e inter pretção Rio de Janeiro Imago 1988 p 191 224 23 Maldonado JL Copromiso del analista en el impasse psicoanalítico Revista de Psicoaná lisis 198340120518 24 Kantrowitz JL Impasses in psychoa nalysis overcoming resistances in situa tions of stalemate J Am Psychoanal Assoc 1993414102150 25 Bion W Os elementos da psicanálise o aprender com a experiência Rio de Janeiro Zahar 1966 26 García Bacca GO compilador Los presocrá ticos 2 ed Tlalpan Fundo de Cultura Eco nômica 1996 27 Moura Ferrão L O impasse psicanalítico Revista Latinoamericana de Psicoanálisis 1974115585 28 Levy J Analytic stalemate and supervision Psychoanalytic Inquiry 199515216989 29 Ferro A The impasse within a theory of the analytic field possible vertices of observa tion Int J Psychoanal 199374Pt 591729 Psicoterapia de orientação analítica 373 30 Schwaber EA A particular perspective on impasses in the clinical situation further re flections on psychoanalytic listening Int J Psychoanal 199576Pt 471122 31 Kern JW On focused association and the analytic surface clinical opportunities in re solving analytic stalemate J Am Psychoanal Assoc 1995432393422 32 Kantrowitz JL The analysts stile and its im pact on the analytic process overcoming a patientanalyst stalemate J Am Psychoanal Assoc 199240116994 33 Baranger M Baranger W La situación analíti ca como campo dinámico In Baranger W Ba ranger M Problemas del campo psicoanalíti co Buenos Aires Kargieman 1969 p 129164 34 Lago PF Impasse em psicoterapia de orien tação analítica Rev Bras Psicoter 200021 3545 35 Schestatsky SS Considerações sobre o im passe psicoterapêutico Rev Bras Psicoter 2000215565 LEITURA SUGERIDA Freud S O problema econômico do masoquismo In Freud S Obras psicológicas completas de Sig mund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 19 p 197212 No prefácio à terceira edição inglesa de A interpretação dos sonhos1 Sigmund Freud comentou que seu livro continha a des coberta mais valiosa que a boa sorte per mitiulhe fazer E concluiu Revelação como esta o destino nos concede apenas uma vez no curso de uma existência1 Ho je podemos compreender seu apreço por essa obra Ao longo dos anos ela deixou de ser apenas um texto de análise dos sonhos e adquiriu o estatuto de um livro que ao descrever os mecanismos da elaboração onírica formulou as leis gerais que regem o psiquismo e de certa maneira fundou a psicanálise Seu estudo representa a siste matização do pensamento científico com relação aos sonhos permitindo o uso des tes como dado clínico Modernamente é difícil imaginar um processo psicoterápi co que não tenha como um de seus guias principais o exame dos sonhos e de seu significado Neste capítulo partindo da premis sa de que a trama onírica é um informe proporcionado pelo paciente a respeito do que está acontecendo em seu mundo in terno e no campo psicanalítico ou psicote rápico pretendo revisar alguns aspectos da origem da estrutura da função e da utilização clínica dos sonhos O objetivo é enfatizar o quanto o sonho sempre tem um significado não acontece por acaso e não é absurdo por mais estranho que pos sa nos parecer Para facilitar a exposição do tema apresentarei uma vinheta clínica na qual consta um sonho Este será retomado di versas vezes sempre como exemplo nos comentários teóricos e práticos a serem rea lizados no capítulo SONHOMODELO Quando iniciou sua análise Jorge contava 30 anos e passava por séria crise na relação amorosa com Mariana moça de quem gos tava bastante Mostravase assustado com a possibilidade de término do relacionamen to reconhecendo ser ele que com atitudes de desprezo maustratos e propositada frieza estava praticamente botando a na morada fora Na avaliação que fizemos ficou clara a repetição crônica de episódios desse tipo Na oportunidade confirmei a indicação de análise que havia sido fei ta por seu psicoterapeuta tendo em vista o fato de que a atitude reiterada de Jorge em seus relacionamentos visava a masca rar com uma postura de superioridade e indiferença seu sentimento de insegurança com relação às mulheres Entendi a busca de análise como resultado da percepção por parte dele da falência dos mecanismos 21 SONHOS Juarez Guedes Cruz Psicoterapia de orientação analítica 375 maníacos que vinha utilizando para negar o fato de sentirse um menino frágil e as sustado despreparado para enfrentar as exigências de uma vida adulta Além disso tinha um difícil convívio com os pais e sua atitude na relação com eles era um mis to de inveja ciúme e admiração Sentiase desvalorizado pelo pai e com frequência armava brigas em casa utilizando os mais diversos pretextos Tais aspectos logo se manifestaram em sua relação comigo fazia ameaças de interromper o tratamento e mostravase irritado quando eu não respondia dire tamente a uma pergunta sua ou não me posicionava sobre alguma de suas decisões Tinha que se mostrar atento para não ser conversado sic por mim e submetido às regras da análise Inclusive já que eu não informava como é um processo psica nalítico estava disposto a comprar livros de Freud para ver se eu estava conduzindo adequadamente o tratamento Predomi nava sempre na sua relação comigo a ne cessidade de esconder a dependência e os sentimentos de ciúmes e inveja Por volta do período em que teve o sonho que será relatado a seguir surgira material relacionado a sua competição co migo Tal atitude estava vinculada à neces sidade de negar a sensação de ser um guri de merda que não sabia nem pensar dian te de alguém que no seu entender detinha o conhecimento da psicanálise Citava bibliografias falava em Lacan e no proces so psicanalítico apresentava suas dúvidas quanto à existência do inconsciente tal co mo entende a psicanálise Queixavase de que eu não lhe dava informações a respeito dos meus conhecimentos e deixavao per dido Por vezes chegava a uma sessão com a pergunta Como funciona a mente hu mana Depois ele mesmo passava a res ponder utilizando termos de neurofisiolo gia Uma frase sua dessa época Eu gosta ria de poder me analisar sem a análise Sua transferência manifestamente competitiva tentava encobrir o temor de jamais adquirir autonomia suficiente para poder um dia dispensar a mim e a análise de sua vida Foi nesse contexto que iniciou uma sessão contando o seguinte sonho Eu chegava em casa não sei se na atual ou na que eu morei na minha infância e encontrava os meus pais jantando sobre o mapa do Rio Gran de do Sul que comprei para fazer um trabalho de localização dos Centros de Saúde que eu preciso visitar Eles usavam o mapa como toalha de mesa e a empregada derramava comida em cima Eu ficava furioso com ela e ati rava todos os pratos no chão Os meus pais ficavam me olhando Por ora não será feito nenhum co mentário sobre o sonho de Jorge Ao lon go do capítulo entretanto ele será utiliza do para ilustrar os mecanismos da gênese dos sonhos e a maneira como podem ser em uma psicoterapia abordados de modo compreensivo AS CONTRIBUIÇÕES DE SIGMUND FREUD À TEORIA PSICANALÍTICA DOS SONHOS De maneira sintética podemos expor as teo rias de Freud nos seguintes tópicos 1 Existe no aparelho mental uma incli nação constante de evitar o desprazer princípio de prazerdesprazer e em função disso uma tendência a manter fora do conhecimento consciente os impulsos e os pensamentos capazes de produzir qualquer tipo de dor psíquica Esse processo é denominado de modo genérico repressão 376 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 2 Os impulsos e os pensamentos que foram reprimidos continuam existin do de modo ativo no inconsciente e mesmo durante o sono buscam ser sa tisfeitos de alguma forma Tal urgência de gratificação dos desejos reprimidos ameaça acordar o indivíduo 3 Os sonhos nossa forma de pensar du rante o sono têm a função de satisfazer alucinatoriamente tais necessidades reprimidas Na medida em que um de sejo é realizado no sonho a urgência de satisfazêlo não vai acordar o sonhador É por essa razão que Freud descrevia o sonho como guardião do sono 4 Vistos desse ângulo os sonhos podem ser considerados uma das formas de expressão dos desejos Daí se infere que sua interpretação deverá proporcionar o conhecimento e a compreensão dos impulsos que deram origem a tais de sejos 5 O trabalho de interpretação no en tanto é dificultado pelo fato de que o sonho em virtude da censura exercida contra a livre expressão de um impulso instintivo apresenta a realização dos desejos de uma forma disfarçada 6 Tal disfarce se dá por meio de um processo que é denominado em psi canálise elaboração do sonho ou seja a transformação do conteúdo latente pensamentos e desejos que deram ori gem ao sonho em conteúdo manifesto o sonho que o sujeito teve 7 Conhecemos quatro mecanismos prin cipais de elaboração do sonho a Disposição pictórica ou meios de representação ou ainda condições de representabilidade mecanismo em função do qual impulsos e pensamentos afetos e fantasias do conteúdo latente são expressos no conteúdo manifesto não por pala vras mas de modo predominante por imagens São utilizados na geração dessas imagens meios de representação tais como analogias metáforas e símbolos Esse primeiro mecanismo de elaboração é ilustra do no sonhomodelo exposto no início deste capítulo pelo elemento mapa do Rio Grande do Sul Em uma das linhas de associação do pa ciente o mapa era a representação pictórica de um pensamento oníri co que foi expresso pela expressão o rumo que tomarei na vida Dito de outra forma os conceitos mapear a vida e mapear meus passos longe da casa dos pais foram alguns dos pensamentos latentes que deram origem à imagem do mapa no manifesto b O segundo mecanismo é denomi nado condensação Como resultado deste vários pensamentos oníricos latentes podem ser representados no conteúdo manifesto por um único elemento Em função disso se pensarmos em termos de um texto um sonho pode ser escrito em poucas linhas e os pensamentos que lhe deram origem cobrir várias páginas Esse trabalho de condensação de vários pen samentos em umas poucas imagens é feito por meio de uma série de artifícios de representa bilidade tais como omissão fusão ou criação de um neologismo que engloba duas ou mais palavras Em nosso sonho exemplar o elemento mapa como toalha de mesa do conteúdo manifesto de acordo com as associações do paciente está representando por fusão uma série de pensamentos Psicoterapia de orientação analítica 377 contraditórios 1 na verdade meus pais não me valorizam e estão pouco se importando com meus projetos de vida utilizam meu mapa como toalha 2 o que eu gostaria mesmo como plano de vida é ficar em casa comendo junto com meus pais sem precisar sair para ficar batalhando pela vida lá fora desisto do mapa e usoo ao modo de toalha 3 não consigo pensar em um plano de vida sem que imediatamente o coloque em evidência para que todo mundo fique sabendo ponho o mapa na mesa me exibo com ele não sei ficar quieto c O terceiro mecanismo é designado deslocamento ou transposição dos valores psíquicos Em função dele a intensidade psíquica de um pensa mento onírico latente é transferida para outro não necessariamente o mais nítido ou importante do conteúdo manifesto de tal modo que o que é mais evidente neste úl timo não precisa ser o principal no conteúdo reprimido No conteúdo manifesto do sonho que escolhe mos como exemplo um elemento que passava quase despercebido meus pais ficavam me olhando representa de modo pictórico o sentimento de indiferença do pró prio paciente com relação à grave situação que vive Nesse momento da análise ele está se dando conta da maneira como tem simplesmen te olhado a existência que leva sem tomar providências no sentido de modificála d O quarto mecanismo é designado elaboração secundária ou conside rações de inteligibilidade Referese ao processo pelo qual o sonhador ao contar o sonho ordena de maneira lógica e mais próxima da realidade os elementos do conteú do manifesto Podemos supor que o sonho não aconteceu na ordem em que foi contado pelo paciente Sabemos também o quanto os elementos do sonho muitas vezes atropelamse em uma ordem con fusa entrecortada repleta de lapsos Só a necessidade de transformálo em palavras é que nos leva a colocar os elementos em uma sequência racional É evidente que assim pro cedendo estamos introduzindo ao narrar o sonho uma modificação naquilo que foi a realidade quando sonhado No sonhomodelo por exemplo con tamos com um texto manifesto Eu chegava em casa e encontrava os meus pais jantando sobre o mapa do Rio Grande do Sul Eles usavam o mapa como toalha de mesa e a empregada derramava comida em cima Eu ficava furioso com ela e atirava to dos os pratos no chão Os meus pais ficavam me olhando mas não temos como saber que imagens ocorreram de fato na mente de Jorge e em que ordem se dispuseram A IMPORTÂNCIA DO CONTEÚDO MANIFESTO DO SONHO O que foi dito até agora pode dar a impres são de que o conteúdo manifesto do sonho aparece apenas para ser interpretado e des cartado em favor de um conteúdo latente este sim valorizado Entretanto a própria conduta interpretativa de Freud sugere muitas vezes que o manifesto tem um va lor intrínseco que é independente da inter pretação De fato vários autores demons traram o quanto a partir do sonho mani 378 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs festo podemos inferir além das fantasias relacionadas aos impulsos inconscientes não satisfeitos várias funções egoicas grau de integração mecanismos de defesa pre ferenciais modos de lidar com os afetos qualidade do teste de realidade capacidade de autoavaliação e atitudes características na relação interpessoal Um autor importante na compreen são dessa dimensão do conteúdo manifesto foi Erik Erikson que em 1954 no trabalho O sonho exemplar da psicanálise2 chama a atenção para que se observem os aspectos formais dos sonhos e mostra que por meio dessa observação poderemos colher vários dados a respeito do psiquismo do sonhador Começa com uma importante advertência2 Tantos confundem atenção à su perfície com superficialidade e inte resse pela forma com falta de profun didade que o psicanalista ao observar a superfície de um fenômeno mental tem que superar certa vacilação Mas o fato de que tenhamos seguido Freud em profundidades às quais nos sa visão se acostumou não nos auto riza a fechar os olhos quando ve mos as coisas em plena luz do dia Comenta como na prática clínica diária qualquer elemento da conduta humana apresenta um continuum de significado dinâmico que vai desde a superfície através de muitas camadas até chegar ao âmago2 Ou seja latente e manifesto são apenas dois polos de uma continuidade psicológica e ambos são fonte de conhe cimentos a respeito do mundo interno do sonhador Postula ainda a existência de um estilo de representação próprio de cada so nhador que é expresso no manifesto A partir dessas reflexões discorre a respeito de vários aspectos do ego que podem ser inferidos mediante uma consideração mais atenta do sonho considerado como texto É claro que tais concepções podem levar se exageradas a uma postura técnica de minimizar o latente fazendo a interpre tação funcionar muito mais como um teste projetivo no qual cada intérprete põe mui to de si próprio Porém o que está sendo ventilado é que observando a necessária cautela podemos advogar uma maior va lorização do papel do ego na formulação do sonho e como suas defesas e estratégias preferenciais em que pese a distorção ocasionada pela censura se evidenciam no manifesto Dessa forma poderemos en riquecer a interpretação sem que por isso nos tenhamos afastado da técnica de ouvir o sonhador O conteúdo manifesto também evi dencia o conflito em suas camadas super ficiais e assim ajuda o terapeuta a formu lar a interpretação em uma linguagem que esteja mais ao alcance da compreensão do paciente Um dos trabalhos mais completos no que se refere ao tópico que está sendo estu dado aqui foi publicado por Sidney Pulver em 1987 O sonho manifesto em psicanáli se3 Esse autor comenta que vários analis tas apesar de insistirem na tese de que o manifesto é fachada e disfarce muitas vezes interpretam os sonhos baseandose no to do ou em parte em seu conteúdo explícito Salienta que ainda assim há certo precon ceito com relação a esse conteúdo precon ceito esse que tem origem nas advertências de Freud quanto às interpretações selva gens A tese central de Pulver é a de que podemos inferir a partir do manifesto considerado como o texto em si a ma neira como o paciente conta o sonho as principais características do mundo inter no tais como traços específicos de caráter defesas estilo cognitivo áreas primárias de conflito e memórias infantis Psicoterapia de orientação analítica 379 O SONHO COMO BALIZADOR DO PROCESSO PSICOTERÁPICO Vejamos agora uma vertente da com preensão dos sonhos que de certa forma contrasta com a que foi estudada no vér tice anterior se naquele item o sonho era considerado isoladamente e em sua forma aqui ele é indissociável de suas relações com a história do paciente e com o momento es pecífico do processo Tal postura está em sintonia com o que realmente acontece na prática clínica em que o analista não mais trata de induzir associações específicas no tocante ao sonho que foi relatado mas considera o sonho por si só uma associa ção livre Essa postura teórica e técnica foi ilus trada no 29o Congresso da International Psychoanalytical Association IPA em 1975 que dedicou um painel às mudanças na utilização clínica dos sonhos Blum em sua apresentação referiuse ao progresso que a ênfase na análise da transferência re presentou para a maneira como se conside ra a produção onírica em um tratamento À medida que a análise da transferência passa a ser a via real de acesso ao inconsciente o so nho tornase parte de um todo muito mais am plo que é o processo analítico Isso ajuda a compreender a diminui ção da ênfase na necessidade de associações específicas alusivas ao sonho ele está dentro do material e tudo é associação ou melhor o sonho passa a ser uma associação a mais com relação ao que está se passando naquele momento do processo Nesse sentido é que podemos entender a ideia de Blum4 a exaustiva interpretação de um sonho irá distorcer o processo analítico e a associação livre A su peravaliação dos sonhos tornase uma fonte de resistência na medida em que outros dados analíticos sejam desva lorizados A associação livre tam bém é rompida se o analista tem um estilo de solicitar associações para cada aspecto do sonho Assim passase a prestar mais aten ção na forma no estilo e na maneira co mo os sonhos são relatados pelo paciente Além disso é considerado o momento da sessão em que acontece o relato bem como o contexto do processo transferencialcon tratransferencial Um exemplo dessa concepção é en contrado no trabalho Dependência no cuida do do lactente no cuidado da criança e na si tuação psicanalítica de Donald Winnicott5 No referido texto ele estuda a relação entre a natural dependência do início da vida com aquela dependência que ao longo do pro cesso psicanalítico vai surgindo na relação transferencial Discorre sobre os cuidados que o analista precisa ter em avaliar a for ça ou a vulnerabilidade do ego do paciente que na vigência dessa situação dependente inevitável no processo enfrentará períodos de afastamento regular ou eventual do ana lista Apresenta então material clínico de uma paciente que muito cedo na análise passa a ter sonhos nos quais era representa da por criaturas frágeis ou por uma pequena tartaruga de carapaça mole Para Winni cott5 esses sonhos anunciavam a regressão que estava por se instalar Considera ele A razão pela qual os sonhos regressi vos e de dependência apareceram ti nha a ver principalmente com o fato de ela verificar que eu não usava cada porção do material para interpreta ção mas que guardava tudo para em pregar no momento oportuno pre parando a chegada da dependência que estava a caminho 380 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Mais adiante comenta que essa pa ciente para defenderse da ameaça da dependência regressiva passou a adotar uma atitude que se repetia com frequên cia ficava a maior parte do tempo em si lêncio para nos últimos cinco minutos da sessão contar um sonho bastante claro e com preensível Winnicott5 interpretava o conteúdo do sonho considerando que o que era sonhado relembrado e apresenta do estava dentro dos limites da capacidade da estrutura e da força do ego da paciente naquele período da análise e que a resistên cia estava situada e expressa nos 45 minu tos de silenciosa sessão que precediam o relato do sonho Experiências clínicas semelhantes a essa levaram Sydney E Pulver3 a afirmar não existe tal coisa como o sonho manifesto o grau no qual o sonho manifesto pode ser entendido sempre depende de nosso conhecimento do contexto no qual ele foi relatado Relembra que os sonhos não são con tados no vácuo e que além disso o pacien te acrescenta comentários ao relato Essas manifestações espontâneas permitem ao analista entender o material onírico sem precisar de associações formais Assim o relato verbal como um todo pode ser enca rado como uma associação ou ainda o conteúdo inteiro da sessão pode ser visto como associação com respeito ao sonho3 Assim só podemos responder de mo do afirmativo à questão de se é possível in terpretar um sonho mesmo que o paciente não faça associações específicas pertinentes a ele Basta para isso recordar que o pa ciente sempre fornecerá de modo volun tário ou involuntário associações ao sonho e que o analista sempre conhece algo da história do paciente do atual contexto de sua vida e a respeito dos prováveis restos diurnos relacionados ao sonho Se no sonho que nos tem servido de exemplo enfocarmos a dimensão transfe rencial podemos entender a narrativa oní rica de Jorge como uma tentativa de atribuir ao analista representado no sonho pelos pais e pela empregada a responsabilidade por suas dificuldades de crescimento O ana lista é sentido como alguém que confunde as coisas e atrapalha a visão sujando o mapa com comida não dando informações a res peito do processo analítico Também é per cebido de modo semelhante a pais passivos que se limitam a ficar olhando depois de te rem atrapalhado seu crescimento Sentese menosprezado pelo analista que ignorando seu esforço para crescer em vez de ajudá lo a utilizar o mapa da análise propõe uma relação oral dependente Por isso quer ler mais sobre psicanálise ou seja traçar se uti lizarmos a linguagem do sonho seu próprio mapa da análise São hipóteses plausíveis que o conteúdo manifesto ajuntado aos da dos da história do paciente e de sua evolução na análise autorizanos a construir O material onírico tornase um ele mento a mais para compreender e inter pretar o que está se passando no processo e de forma mais específica na transferência Propicia ao sonhador e ao analista uma visão da vida mental como algo contínuo A interpretação do sonho tornase cada vez mais completa no momento em que passa a referirse não ao sonho isolado mas às suas re lações com o restante do material da sessão e com a história do paciente e seus objetos in cluindo o analista AS FUNÇÕES DOS SONHOS Outro aspecto importante no estudo dos sonhos referese ao entendimento de sua função Como referido anteriormente a Psicoterapia de orientação analítica 381 principal meta do sonho para Freud era a de guardião do sono mediante a realiza ção alucinatória e disfarçada dos desejos que durante o sono continuam exercen do pressão sobre o psiquismo Vejamos o quanto evoluiu a compreensão psicanalíti ca nessa área O progresso realizouse no sentido de conceber os sonhos como tentativas do sonhador de resolver problemas da vida de vigília Assim por exemplo Sandor Feren czi em 1934 fez uma série de reflexões a respeito da comoção psíquica que segue um evento traumático e da função dos so nhos em tal situação Ferenczi concorda com as ideias de Freud a respeito da reali zação de desejos mas acrescenta que para ele o retorno nos sonhos dos restos diurnos já representa por si mesmo uma das funções do so nho Pois aquilo a que chamamos os restos diurnos são de fato repetição de traumas6 Lembrando a função terapêutica que na neurose traumática possui a recorda ção reiterada do trauma Ferenczi entende tal ressurgimento dos restos diurnos como manifestação de uma tendência do psiquis mo continuada durante o sono no sentido de alcançar uma nova e melhor resolução dos conflitos desencadeados pela situação traumática Descreve essa tendência como a função traumatolítica dos sonhos Nesse sentido o sonho tem uma continuidade com o pensamento da vigília na medida em que o sonhador durante o sono permane ce tentando resolver problemas e conflitos O importante da contribuição de Ferenczi é sugerir outras funções para os sonhos além da simples realização disfarçada de desejos Assim embora as modernas teorias a respei to da função dos sonhos continuem destacando os aspectos mais importantes das hipóteses de Freud houve um reconhecimento da função adaptativa do sonhar ou seja a consideração do enredo onírico como expressão de uma ativi dade ininterrupta da mente na busca da reso lução de conflitos Em 1983 James Fosshage publicou o trabalho A função psicológica dos sonhos7 Ele comenta como sob o ponto de vista es trutural os sonhos têm uma função orga nizadora e sintetizadora Argumenta que mesmo depois da concepção do ponto de vista estrutural e do reconhecimento das funções do ego continuou difícil admitir as funções integradoras dos sonhos em virtude da ênfase na regressão que ocorre durante o sonhar Porém destaca que to dos os modernos modelos da formação de sonhos têm enfatizado os objetivos de in tegração síntese e manejo de impulsos e conflitos Expõe sua tese de que a principal função dos sonhos é o desenvolvimento a manutenção regulação e quando ne cessário a restauração dos processos psí quicos sua estrutura e organização7 Ao discorrer a respeito das implicações clíni cas de suas ideias Fosshage7 afirma que a visão clássica dos sonhos como estrada real aos desejos latentes e meio de expressão de conflitos negligenciou o papel dos sonhos em suas funções primariamente desen volvimentais reguladoras de resolução de conflitos e reorganizadoras Fosshage conceitua o sonho não como guardião do sono mas como guardião da estrutura psí quica Um trabalho que coincide com uma concepção do sonho como guardião da estrutura do aparelho mental foi escrito por Ramon Greenberg e colaboradores8 em 1992 Nele os autores comentam que modernamente existem duas versões contrastantes a respeito da natureza dos 382 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sonhos a primeira que tem origem neu rofisiológica e que considera o sonho co mo reação à atividade aleatória do sistema nervoso durante o sono REM e a segunda de inspiração psicanalítica que atribui aos sonhos um significado emocional e os con sidera uma representação disfarçada de um desejo infantil Buscando uma visão unificadora das duas versões dedicam uma seção do tra balho a mostrar como o sono REM é im portante para os mamíferos em geral e para o homem em particular Comentam que animais submetidos a experiências de pri vação do sono REM passam a apresentar um déficit no aprendizado e a partir dessa observação lançam a hipótese de que no homem o sono REM é necessário para a integração de informações novas e compli cadas nos sistemas de memória8 A ideia central é a de que na vigília temos proble mas a resolver e que isso continua durante o sono Para esses autores a integração de informações está a serviço dessa solução de problemas Demonstram por meio de vários exemplos que o sonho é uma óbvia continuação dos problemas da vida de vigília8 e que o conteúdo manifesto do sonho pode evidenciar representações de problemas que na vigília estiveram mo nopolizando a atenção do sonhador Con cluem o trabalho afirmando que o sonho é uma expressão direta do que é perturbador e dos esforços para lidar com essas situações pertur badoras Esta é uma abordagem psico dinâmica que coloca o sonho numa posição central como participante em nossos constantes esforços de dar um sentido ao mundo e aos eventos que nos impactam8 Fica evidente com essa revisão que o objetivo dos sonhos foi estendido para campos que ultrapassam a satisfação de desejos e a descarga de impulsos Desta camse entre as funções indicadas as de elaboração de situações traumáticas on de mais uma vez pontifica o papel do ego e as funções adaptativas de integra ção do aparelho psíquico e de resolução de problemas Vejamos no sonhomodelo relatado no início do capítulo algumas ilustrações a respeito da função dos sonhos O inten so conflito de dependência de Jorge e a dor psíquica oriunda da percepção de que luta no momento atual de sua vida entre um desejo de independizarse dos pais e ao mesmo tempo permanecer junto a eles sendo protegido e alimentado não o deixa riam dormir Criar uma narrativa onírica na qual são seus pais e a empregada que se opõem aos seus planos de crescimento en quanto ele é o portador exclusivo dos dese jos de liberdade representados pelo mapa do Rio Grande do Sul acalmao É como se dissesse Não sou eu que tenho dificulda des de crescer e me independizar são eles meus pais e a empregada que atrapalham a minha vida Não sou o menino da casa da infância sou o homem da casa atual e os outros querem impedir meu crescimento ficam usando meu mapadesejo de me si tuar e sair de casa como toalha espúria para comer em cima e sujar Por isso estou in dignado e furioso com eles No tocante a essa função ampliada dos sonhos com objetivos de organização integração síntese e manejo de impulsos e conflitos psíquicos podemos pensar o quanto esse conflito entre dependência e independência do paciente permaneceria inominado sem forma desintegrado em seu mundo interno não fosse a capacida de onírica de construir uma narrativa e dar forma a esses sentimentos pensamentos e impulsos Psicoterapia de orientação analítica 383 SONHO E REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA A DIMENSÃO ESTÉTICA DOS SONHOS Esse último comentário nos conduz a uma quarta vertente que se refere à relação que Freud vislumbrou entre os processos oníri cos a linguagem metafórica e simbólica e o discurso poético Parece às vezes que o reconhecimento teórico não tem acompa nhado a utilidade e o aproveitamento clíni co dessa vertente Isso em virtude talvez do preconceito com relação ao conhecimento intuitivo e à percepção estética como fontes válidas de informação De todo modo essa ideias têm sido elaboradas por diversos au tores e é a esse desenvolvimento que será dedicada a parte final do capítulo Em textos de 1921 e 1926 Melanie Klein910 comenta como as histórias con tadas por crianças de pouca idade muitas vezes assemelhamse a sonhos em que não está presente a elaboração secundária Tais narrativas construídas com prazer e imagi nação continuam os sonhos que a criança teve durante a noite e ela não separa o que é sonho do que é realidade Assim pode mos conceber a existência de um mundo onírico que é fonte dessas primeiras ma nifestações artísticas e criativas da criança seus sonhos seus contos suas atividades lúdicas Melanie Klein utiliza indistin tamente a compreensão psicanalítica de todas essas produções para formular seu entendimento do material e sustenta que a abordagem do brinquedo infantil deve ser feita nos mesmos moldes que Freud utiliza va para interpretar os sonhos O material que a criança produz du rante a hora analítica a maneira como ela faz isto a razão pela qual ela muda de um jogo ao outro os meios que ela escolhe para suas represen tações toda essa mistura de fatores tornase plena de significados se nós os interpretamos justamente como nos sonhos10 A partir dessa época Melanie Klein desenvolve uma utilização cada vez mais completa da linguagem simbólica no brin quedo infantil que ela reconhece como parte essencial do modo arcaico de ex pressão da criança Assim contribui para a compreensão da existência de um mundo onírico onipresente no psiquismo que será fonte tanto dos sonhos quanto das mani festações lúdicas e artísticas do adulto Essa mesma correlação foi destacada por Ronald Fairbairn quando afirma que todas as figuras que aparecem nos sonhos são representações de partes da personali dade do sonhador Desenvolve o conceito de que os sonhos não são apenas reali zações de desejos mas essencialmen te instantâneos ou shorts no sentido cinematográfico de situações exis tentes na realidade interior11 A partir dessas concepções Fairbairn aborda as produções oníricas consideran do os personagens dos sonhos como per tencentes ao elenco das várias instâncias da estrutura psíquica do paciente Chama de personificações a essas representa ções tanto nos sonhos quanto nas fantasias diurnas e afirma que tais personagens es tão sempre envolvidos em dramatizações de conflitos e fantasias inconscientes Ain da que não se refira explicitamente aos sonhos como manifestações artísticas dos pacientes o paralelo é inevitável Abordagem semelhante faz Donald Winnicott que em Desenvolvimento emo cional primitivo12 de 1945 descreve a vi da de vigília como condição que vai sendo conquistada a partir de uma situação ini 384 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cial do ser humano na qual o sono predo minava E esse espaço antes ocupado pelo sono e pelos sonhos vai sendo preenchido ou suplementado pela criatividade sendo o sonho concebido como uma criação ar tística particular Ao examinar a experiên cia dos indivíduos com o ambiente que os cerca Winnicott comenta que quando a rotina do mundo cansa e o contato com a realidade é tedioso podemos retornar ao subjetivo por meio dos sonhos e da lem brança deles Escreve ele Enquanto dormimos sonhamos o tempo todo e quando acordamos sentimos a necessidade de levar algu ma coisa do mundo dos sonhos para a vida real da mesma forma que pre cisamos reconhecer os interesses co tidianos que surgem e se entrelaçam ao sonho Além disso não é em gran de parte por meio da criação artística e da experiência artística que mante mos as pontes necessárias entre o sub jetivo e o objetivo É por essa razão que valorizamos tremendamente o esforço solitário do criador de qual quer tipo de arte13 Winnicott desenvolve assim um valioso insi ght ao perceber que da mesma maneira que o resto diurno é importante para os sonhos como ponte entre os problemas da vida cotidiana e sua elaboração no mundo interno as imagens oníricas são fundamentais para a vida ao es tabelecerem nessa mesma ponte o sentido que vai da fantasia do mundo interno para a realidade externa colorindoa de afetos Assim o sonho é também o guardião do contato permanente com o subjetivo Winnicott desenvolve algumas con sequências técnicas dessa postura em um trabalho de 1968 no qual comenta que um sonho muitas vezes não precisa ser in terpretado pois o trabalho já está feito no momento em que o paciente construiu o sonho A ponte com o mundo interno já está sendo construída É sugerido por ele que nessas situações ao analista só cabe aguardar o surgimento de novo material No sonho exemplar do início do ca pítulo ao sonhar com o mapa servindo de toalha Jorge lança os fundamentos dessa ponte de suas fantasias e conflitos entre de pendência e independência até a expressão disso em palavras na sessão analítica lugar onde poderá compreender o alcance do en redo onírico por ele imaginado Outro autor que desenvolveu algu mas ideias originais sobre o tema foi Wil fred Bion Ele concebe os sonhos como ten do uma função de converter o material psí quico em uma forma predominantemente visual e compacta que pode ser memoriza da e depois evocada Essa concepção tem alguma semelhança com as ideias de Win nicott inclusive no que se refere ao fato de que o importante do sonho não é que ele seja interpretado mas que ele seja sonhado Referindo de outra maneira o paciente po de adquirir na análise a capacidade de dar significado a uma corrente psíquica até en tão desconectada e inominada contribuin do assim para sua integração ao psiquismo Bion exemplifica a elaboração de um sonho comparandoa com a formação de um mito contemporâneo a imagem da maçã caindo na cabeça de Newton levan doo a formular a lei da gravitação univer sal Os acontecimentos não se passaram obrigatoriamente assim e na realidade não temos acesso ao que de fato houve Todavia essa imagem criada pela tradição dá forma aos fatos pode ser guardada na memória e evocada ao longo das gerações O mesmo acontece com a poesia e as de mais artes que de modo inspirdor dão forma aos sentimentos permitindo que Psicoterapia de orientação analítica 385 sejam compartilhados Também é assim o sonho com relação à vida das pessoas per mite a evocação de algo que sem ele seria uma vivência emocional irrecuperável Pa ra Bion14 é a simbolização nos sonhos e o trabalho do sonho que tornam a memória possível Em uma anotação de 1960 Bion faz um interessante comentário a respeito da formação dos sonhos e do que para ele significam os termos manifesto e la tente Afirma que a origem de um sonho é uma experiência emocional e que essa expe riência é trabalhada para produzir o conteúdo manifesto tal como o conhecemos e que é o analista que fornece a interpretação para produzir o assim chamado conteúdo latente14 Tal formulação nos aproxima da ideia da psicanálise como uma hermenêutica na medida em que o analista confere um signi ficado ao sonho cria um conteúdo latente para dar forma a essa experiência emocional original que é em si inatingível Chego neste ponto do capítulo às contribuições fundamentais de Donald Meltzer em seu livro Vida onírica15 de 1984 obra que pode ser considerada como a síntese e o desenvolvimento mais refinado dessa vertente teórica e técnica que enfati za o valor estético dos sonhos No início de sua obra Meltzer tece algumas considera ções no tocante às relações entre conteúdo manifesto e conteúdo latente Ao examinar as ideias de Freud sobre o assunto comenta que o propósito de demonstrar que os sonhos não eram incoerentes parece ter levado Freud ao erro lógico de confundir obscuridade de significado com signi ficado críptico ou oculto15 e que Freud sempre que busca os pensa mentos latentes representados no conteú do manifesto consegue importantes aquisições na elucidação do trabalho do sonho exceto quando insiste em seu propó sito criptográfico compreender e resolver como um quebracabe ças ou mesmo como um crime são marcadamente opostos15 Constatamos que já de início Melt zer posiciona a psicanálise como uma ciên cia com seus próprios métodos distintos daqueles baseados nas relações de causa e efeito característicos do determinismo das ciências da natureza Ainda que não se pre cise separar de maneira absoluta esses dois aspectos compreender e resolver pois ao longo do processo psicanalítico eles são convergentes na prática convém desvincu lar a compreensão da necessidade de reso lução para não nos sentirmos pressionados e não pressionarmos o paciente a uma arti ficial decifração do sonho Meltzer entende que com relação aos símbolos Freud come teu o mesmo engano que já havia cometido no tocante aos afetos no sonho os símbolos são considerados meros substitutos A é substituido por B como um recurso pic tográfico para escapar da censura15 Esten dendo essa argumentação Meltzer valoriza a hipótese de Ella Sharpe ao mostrar que os sonhos utilizam em sua construção to dos aqueles outros artifícios que foram identificados como recursos estéticos nos distintos ramos da arte15 As imagens do sonho são uma outra forma de expressar e não uma estratégia para esconder Depois das considerações aqui resu midas Meltzer expõe seu projeto formular uma teoria estética dos sonhos partindo do fundamento de que estes constituem a função 386 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da mente que se ocupa de nossa expe riência estética do mundo15 O trabalho de Meltzer tem o valor de resgatar a percepção estética como forma de chegar ao conhecimento do mundo interno a partir do so nho considerado como uma produção artísti ca do indivíduo Sua tarefa é expor a teoria de que a forma simbólica plástica e a forma simbóli ca linguística se potencializam entre si na apreensão do significado15 Nesse seu projeto Meltzer reconhece o valor das ideias de Melanie Klein e de Wil fred Bion Ressalta que foi Melanie Klein quem proporcionou a maior consideração psicanalítica do sonho ao descobrir que não vivemos em um mundo mas em dois que também vivemos num mundo interno que é uma esfe ra vital tão real quanto o mundo exte rior isto proporcionou um novo significado aos sonhos Já não se po dia sustentar que o sonho fosse ape nas um processo de alívio das tensões com o objetivo de preservar o sono os sonhos tinham que ser concebidos como imagens de uma vida onírica que acontecia incessantemente tanto durante o estado de vigília como en quanto se dorme15 Já Bion no entender de Meltzer15 tem uma contribuição fundamental na medida em que enfatiza como a experiên cia emocional é anterior à razão e que é a poesia do sonho que capta e dá uma representação formal às paixões que são o significado de nossa expe riência para que possam ser utiliza dos pela razão Depois de expor essas noções teóri cas Meltzer desenvolve algumas de suas ideias a respeito da técnica de interpretação delas derivada Desaconselha que os analis tas tentem traduzir o sonho do paciente de maneira semelhante à tradução de uma língua estrangeira Recomendalhes a lem brança do aforisma de Bion aproximando se dos sonhos sem memória e sem desejo escutando o paciente e observando que ima gem surge em sua própria mente O analista deixa que o paciente evoque nele um sonho Este sonho claro será seu do analista e estará formado pelas vicis situdes de sua própria personalidade Mas depois de tudo é de supor que os anos de experiência no divã e da sub sequente autoanálise tenhamlhe pro porcionado certo virtuosismo na lin guagem de seus próprios sonhos Des de esse ponto de vista poderíamos imaginar que toda tentativa de formu lar uma interpretação de um sonho de um paciente implicaria um preâmbu lo tácito Enquanto ouvia seu sonho tive um sonho que em minha vida emocional significaria o seguinte que gostaria de compartilhar com você com a esperança de que proporciona rá alguma luz sobre o significado que seu sonho tem para você15 Como aceitar essa postura de Meltzer como outra coisa que não a postura ideal diante de uma obra de arte Contemplar a obra de arte e ficar permeável aos senti mentos que ela evoca A preocupação com a relação causaefeito é deixada de lado o analista voltase não para a interpretação mas para os possíveis sentidos do material Está atrás de vértices de observação do dra ma que se desenrola no sonho De signifi cados não de causas Continuando com seus comentá rios a respeito da técnica de interpretação Meltzer declara que quando um sonho lhe é relatado tende cada vez mais a prolongar a fase de investigação associações do pa Psicoterapia de orientação analítica 387 ciente suas próprias conjeturas e perguntas a respeito do sonho e a protelar a interpre tação propriamente dita Acrescenta que talvez isso se deva a uma inclinação cada vez maior a espe rar que surja algo na captação intuiti va do sonho e que contenha uma car ga emocional de excitação comen ta que isso é essencialmente estético algo que tem a ver com os aspectos formais e de composição do sonho considerado como um acontecimen to de dimensões teatrais15 Utiliza uma expressão muito feliz para referirse à maneira como uma in terpretação vai se formando na mente do analista noções interpretativas Justifica tal expressão comentando que quer referirse à vaguidade com que começa a esboçarse a formulação de um sonho15 Nesse sen tido Meltzer indica não gostar do termo interpretação do sonho já que em sua opinião este sugeriria um acréscimo por parte do analista ao significado do sonho Provavelmente formulação seja o mais indicado já que se trata de um processo de transformação de uma forma simbólica para outra de uma liguagem predominantemente visual para uma linguagem verbal Longe de incrementar o significado o proces so supõe seguramente um empobre cimento do mesmo a dicção poética do sonho fica reduzida à prosa da psi canálise15 Segundo ele só em alguns momentos líricos da sessão e em raras sessões conse guimos elevar essa prosa a um nível poéti co Comenta que em alguns momentos se sente impressionado pela beleza de uma formulação e não é raro que o paciente tenha tam bém essa vivência é uma vivên cia tão impressionante que estou con vencido de que esse elemento estético é essencial para o desenvolvimento da convicção acerca do acerto da formu lação Não quero dizer a formula ção correta senão somente uma for mulação correta15 Suponho que esse tipo de percepção é muito mais presente na prática clínica do que é sugerido pelo material ao qual temos acesso na leitura de trabalhos de psicaná lise Na maioria das vezes a compreensão empática antecede o raciocínio formula do em palavras É como acontece na feliz imagem de Etchegoyen16 quando comenta que o insight ostensivo em si uma vivência necessita ser recoberto por palavras que conferindolhe forma permitem sua inte gração ao ego A compreensão do sonho parte de uma experiên cia emocional e só depois o analista recobre tal experiência com palavras e lhe dá uma for ma lógica e racional O sonho do paciente evoca sentimentos relacionados à própria vida onírica do analista e são esses sentimentos as fontes da interpretação Vejamos como isso pode ser ilustrado no sonhomodelo A partir dele podemos imaginar um quadro um casal janta indife rentemente sobre um mapa do Rio Grande do Sul que serve de toalha enquanto é ob servado por um menino furioso Ou tam bém podemos concebêlo como um conto no qual encontramos os seguintes persona gens homem que chega em casa pais indi ferentes empregada descuidada Tais per sonagens protagonizam uma pequena his tória um homem chega em casa e encontra os pais jantando de modo irresponsável sobre o mapa que comprara para realizar um trabalho A empregada com desleixo derrama comida em cima do mapa que a essa altura está reduzido a reles toalha por 388 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pais que não valorizam o filho O homem furioso quebra os pratos Nesse conto cada um dos persona gens representa objetos do variado elenco que compõe o mundo interno de nosso so nhadormodelo a quem nesse momento presto homenagem por nos ter presentea do anonimamente com tão rico e ilustra tivo sonho Utilizando na compreen são do exemplo o que nos lembra Bion podemos imaginar que uma sensação de dependên cia quase física transformouse na mente de Jorge na imagem do menino furioso com os pais que não olham para ele Essa imagem pode assim ser armazenada na memória e utilizada para comunicar o ino minado afeto Tal qual uma obra de arte transmite essa emoção ao analista que a devolve ao paciente sob a forma de inter pretação É evidente que isso não quer dizer que se exerça a psicanálise ou a psicoterapia de orientação analítica como arte ou como algo que depende de inspiração ou intui ção O que está sendo destacado aqui é po der olhar para o sonho como uma imagem do inconsciente que é feita da mesma subs tância que constrói os mitos as poesias os quadros as esculturas os textos literários A ABORDAGEM COMPREENSIVA DOS SONHOS NA CLÍNICA Ainda que o material clínico que ilustra este texto provenha de um processo psica nalítico e que vários dos trabalhos revisa dos tenham origem nessa mesma fonte os ensinamentos colhidos aplicamse tanto à psicanálise quanto à psicoterapia Não vejo diferença na utilização dos sonhos como fonte de compreensão em uma e outra situ ação O que vai ser distinto referese ape nas a dois aspectos O primeiro é que co mo na análise contamos com uma maior frequência nas sessões mais oportunidade teremos de ouvir compreender e utilizar os sonhos como material privi legiado no aprofundamento do processo O segundo aspecto prendese ao fato de que depen dendo dos objetivos mais focais da psico terapia poderemos de modo estratégico negligenciar seletivamente um ou outro aspecto do sonho cuja abordagem não in teressa ao processo psicoterápico Na psi canálise é mais comum que não nos preo cupemos com evitar a abordagem de tal ou qual faceta de um sonho As concepções expostas neste capítu lo seguem uma linha na qual os sonhos são considerados transformações predomi nantemente pictóricas de algo conhecido pelo sonhador mas reprimido por ele ou seja inacessível à consciência Daí decorre quase como um corolário que o proces so de abordagem compreensiva do sonho constituise na tentativa de retranscrição desse tecido pictórico de volta aos senti mentos que o originaram Considerando tal premissa passaremos a examinar alguns princípios técnicos úteis na abordagem clí nica dos sonhos O primeiro deles é que não convém ao terapeuta preocuparse com a estrutura formal do conteúdo manifesto seja lógico ou ilógico claro ou confuso coerente ou contraditório Nesse sentido nada é casual ou indiferente em um sonho podemos ob ter valiosas informações a partir do exame de detalhes aparentemente triviais e des propositados Em nosso sonho exemplar o pormenor meus pais ficavam me olhan do representa a alarmante indiferença do paciente com relação a sua vida Nesse mo mento da análise ele está se dando conta da maneira como tem simplesmente olhado a existência que leva sem tomar providên cias no sentido de modificála Também não é recomendável que o terapeuta se dedique a refletir de forma Psicoterapia de orientação analítica 389 imediata e ativa sobre a maior ou menor relevância de um ou outro elemento do conteúdo manifesto É importante aguar dar que o significado surja com naturalida de a partir dos comentários que o paciente faz a respeito do sonho É importante de senvolver certo treino em entregarse a um estado mental de vaguidade e incerteza pa ra que o sentido possa então emergir Também não deve nos importar o fa to de muita ou pouca coisa do sonho ser lembrada ou se a lembrança é precisa ou imprecisa Não esqueçamos que o sonho recordado não é o material original e sim sua representação a manchete por assim dizer Contamos portanto com fragmen tos os quais complementados pelas asso ciações do paciente podem auxiliarnos na aproximação aí sim do material original É atributo do delicado trabalho de formu lação interpretativa do sonho reunir esses fragmentos para completar um todo Conforme já referido neste capítulo tem sido cada vez mais evidente a presença no psiquismo de um mundo onírico que é fonte tanto dos sonhos quanto das mani festações lúdicas e artísticas da pessoa sen do clara na construção das imagens oníri cas a utilização de uma linguagem poética de natureza simbólica É de extrema importância portanto que o tera peuta deixe sua atenção ser capturada por essa rica linguagem assumindo de certa forma uma posição de receptividade estética seme lhante àquela que adotamos na leitura de um texto literário ou na contemplação de um filme ou de um quadro É igualmente útil lembrar que a fina lidade principal do sonho que correspon de a sua função integradora já está feita no momento em que o paciente teve o sonho lembrouse dele e o contou Já foi dito que o essencial do sonho não é que ele seja in terpretado mas que ele seja sonhado Mui tas vezes não entendemos um sonho mas a lembrança surge de modo espontâneo dias ou meses mais tarde plena de significados Não há portanto urgência em interpretar Dizendo de outra maneira um dos objeti vos do tratamento é capacitar o paciente a poder sonhar e dar forma a uma corrente até então desconectada e inominada de vi vências emocionais contribuindo assim para a integração mais efetiva destas ao psi quismo consciente Para encerrar este tópico um alerta sobre um dos riscos na interpretação dos sonhos o de que com base em sua con cepção prévia a respeito do que está acon tecendo em dado momento do processo o terapeuta utilize o sonho não como um fator de orientação mas encaixeo em seu próprio esquema de entendimento Ou se ja que o analista ao interpretar um sonho construa um raciocínio circular em que o material é usado apenas para ratificar o que ele já pensava anteriormente A situação tornase ainda mais grave quando as próxi mas associações do paciente são percebidas como confirmatórias da interpretação feita Assim a abordagem do sonho na clínica é valiosa desde que ele seja olhado sob o pon to de vista de quem o enxerga pela primeira vez e não como algo que só se destina a de modo propício corroborar o já pensado CONSIDERAÇÕES FINAIS Os sonhos foram considerados por Freud1 a via real que leva ao conhecimento das atividades inconscientes Nos tempos ini ciais da ciência psicanalítica a análise de um sonho chegava a tomar várias sessões e a atividade do analista era voltada para o minucioso escrutínio de cada fragmen to do conteúdo manifesto Apesar de os 390 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sonhos conservarem essa posição de des taque alguma coisa mudou com relação a sua abordagem continuam a ocupar uma posição excepcional mas não mais como algo que polariza o material as associações e a sessão psicoterápica São centrais os so nhos mas no sentido de associação privi legiada menos distorcida e menos distante das camadas mais profundas da mente Co mo nos indica Kernberg17 o sonho deixou de ser a via real e passou a constituir uma das múltiplas maneiras de obter acesso ao inconsciente Poderíamos acrescentar que na verdade não existe via real e que essa imagem apenas corresponde a um desejo de que algo nos livre da incerteza na abor dagem dos conflitos de nossos pacientes Do mesmo modo tornouse impor tante valorizar o conteúdo manifesto Ele não é um disfarce nós é que muitas vezes não conseguimos entendêlo Greenberg e Pearlman18 de maneira bastante irônica comparam o analista que considera o ma nifesto um disfarce com o inglês que visi tou Paris e achava que os franceses falavam aquela linguagem ininteligível o francês apenas para confundilo Defendem então a linguagem do sonho em vez de enganadora realmente fornece uma descrição gráfica a respeito dos senti mentos do paciente pode então ser descrita como metafórica e às vezes sofisticada e diferente da linguagem da vigília mas não inferior a ela18 A consequência prática dessas concep ções resulta evidente uma postura menos preocupada com a decifração por parte do terapeuta que em vez de lançarse de ime diato em busca do oculto poderá aprovei tar mais da riqueza de dados que o sonho tal como é relatado fornece Com relação à função dos sonhos estes são concebidos como tendo um pa pel integrador do psiquismo no momen to em que cumprem o objetivo de elaborar situações traumáticas ou conflitivas Os autores da psicologia do ego ao referirem a função elaborativa de resolução de pro blemas ou ainda a função adaptativa dos sonhos bem como os autores da escola inglesa ao correlacionarem o sonho com a função simbólica concordam nesse as pecto Uma crítica por vezes levantada aos textos que estudam a função dos sonhos é a de que estes não teriam funções intrínse cas já que tais funções pertencem ao ego Os sonhos apenas retratariam o que está acontecendo no mundo interno Seja qual for a maneira de conceber o fenômeno o fato é que a importância clínica do sonho continua vigente Quanto ao simbolismo e aos aspec tos estéticos da vida onírica estes parecem ser um dos guias mais úteis na abordagem dos sonhos durante a sessão psicanalítica A consideração do sonho como associa ção privilegiada aliviounos da exagerada preocupação com associações específicas Além disso a consideração dos aspectos estéticos e da dicção poética da elaboração onírica diminuiu o empenho em definir se as associações do paciente são anteriores ou posteriores à produção do sonho Nun ca saberemos e isso na interpretação não mais importa o quanto uma associação é posterior ou seja surgida por estímulo do sonho manifesto ou anterior à elabora ção dele ou seja já fazia parte dos pensa mentos oníricos latentes Assim podese considerar que um elemento do conteúdo manifesto vai despertar várias associações Muitas delas são novas e inspiradas pelas imagens manifestas assim como um texto literário inspira reflexões e associações do leitor com relação a sua própria vida in dependentemente das intenções do autor Como dizem Bezoari e Ferro19 não se tratam de livres associa ções que permitem explicar o texto Psicoterapia de orientação analítica 391 manifesto senão associações que voltam a contar de forma diferente o problema do instante relacional que já se havia expressado no sonho e se recontam com dialetos e enredos di ferentes O latente o manifesto e as diversas associações são variações de um mesmo te ma estimuladas por uma vida onírica que está presente e ativa no momento em que a sessão se realiza Considero que uma das importantes aquisi ções clínicas feitas a partir desse vértice foi a evolução desde uma ideia de interpretardeci frar como se os sonhos tivessem um significa do oculto até uma posição em que os sonhos são considerados estímulos para uma visão do mundo interno por meio das associações por eles despertadas Os sonhos são pictogramas retratos quadros poemas elaborados pelo paciente e que dão conta de algo de sua intimida de Assim a interpretação vai depender de inúmeros fatores reconhecidos ou não a começar pela equação pessoal do analista Isso nos aproxima de uma visão herme nêutica na abordagem dos sonhos as vi vências e as teorias prévias do analista dão conteúdo a uma imagem que poderia ser percebida de maneira diferente por outro profissional O latente atribuído no exem plo apresentado no início é um homem menino dependente busca estabelecer uma trajetória longe da casa dos pais trajetó ria que ao mesmo tempo deseja e teme Podemos pensar que aqui como nas con cepções hermenêuticas foi a interpretação que conferiu um conteúdo e um significa do latente à imagem manifesta dando um sentido ao passado Neste capítulo foram balizadas al gumas das concepções que ajudam a nos situarmos nesse mundo arcaico de vastas emoções e sentimentos imperfeitos1 Mas são apenas hipóteses O principal é que cheguemos aos sonhos com o sentimento de deslumbramento e surpresa que cerca nossa aproximação com o objeto do qual podemos apenas perceber a beleza exter na mas nunca abarcar o total de sua inti midade Ou seja é preciso ter como pre missa uma relativa humildade admitindo que o sonho a rigor não é interpretável ele nos interpreta Ele é muito mais expres sivo e tem uma linguagem bem mais rica do que nossas precárias palavras Se não con siderarmos esse limite corremos o risco de empobrecer o sonho se nos aventuramos a decifrálo como se fôssemos senhores de seus mistérios Penso que partindo dessa postura poderemos aproveitar melhor as vertentes teóricas e técnicas examinadas ao longo do capítulo e utilizálas em diferen tes momentos de nossa tarefa PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Freud demonstrou que os sonhos têm significado não ocorrem por acaso e apresentam uma relação com a vida psíquica de quem sonhou por mais absurdos ou incompreensíveis que pareçam à primeira vista 2 Em um primeiro momento os sonhos eram considerados a via real para o inconsciente e podiam ser interpretados em busca de um significado oculto sua origem sua estrutura sua constituição e os mecanismos psíquicos utilizados para levar do conteúdo latente ao manifesto foram estabelecidos e descritos minuciosamente 392 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S A interpretação de sonhos In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 4 v 5 2 Erikson E The dream specimen of psychoa nalysis In Lansky MR editor Essential pa pers on dreams New York New York Uni versity 1992 3 Pulver S The manifest dream in psychoa nalysis a clarification J Am Psychoanal As soc 198735199118 4 Blum H The changing use of dreams in psychoanalytic practice Dreams and free as sociation Int J Psychoanal 1976573315 24 5 Winnicott DW Dependência no cuidado do lactente no cuidado da criança e na situação psicanalítica In Winnicott DW O ambien te e os processos de maturação estudos so bre a teoria do desenvolvimento emocional 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1990 6 Ferenczi S Reflexões sobre o trauma In Ferenczi S Psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 Obras completas v 4 7 Fosshage J The psychological function of dre ams a revised psychoanalytic perspective In Lansky MR editor Essential papers on drea ms New York New York University 1992 8 Greenberg R Katz H Schwartz W Pearlman C A researchbased reconsideration of the psychoanalytic theory of dreaming J Am Psychoanal Assoc 199240253150 9 Klein M The development of a child In Klein M Love guilt and reparation and other works 19211945 London Hogarth 1975 10 Klein M Psychological principles of early analysis In Klein M Love guilt and repa ration and other works 19211945 Lon don Hogarth 1975 11 Fairbairn WRD Las estructuras endopsíqui cas consideradas em términos de relaciones de objeto In Fairbairn WRD Estudio psi coanalítico de la personalidad 2 ed Buenos Aires Hormé 1966 12 Winnicott DW Desenvolvimento emocional primitivo In Winnicott DW Textos selecio nados da pediatria à psicanálise Rio de Ja neiro Francisco Alves 1988 13 Winnicott DW Pediatria e psiquiatria In Winnicott DW Textos selecionados da pe diatria à psicanálise Rio de Janeiro Francis co Alves 1988 14 Bion WR Bion F Cogitations London Kar nac 1992 15 Meltzer D Vida onírica una revisión de la teoría y de la técnica psicoanalítica Madrid Tecnipublicaciones 1987 16 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 17 Kernberg OF Convergences and divergences in contemporary psychoanalytic technique Int J Psychoanal 199374Pt 465973 18 Greenberg R Pearlman C A psychoanalytic dream continuum the source and function of dreams Int Rev Psychoanal 197524418 19 Bezoari M Ferro A El sueño dentro de una teoría del campo agregados funcionales y narraciones Rev Psicoanálisis 1992495 695777 LEITURA SUGERIDA Sharpe E Análise dos sonhos Rio de Janeiro Ima go 1971 3 De forma progressiva em especial em decorrência das contribuições de Bion e Meltzer os sonhos passa ram a ser vistos como estímulos para uma visão do mundo interno a partir das associações do paciente 4 Em uma visão contemporânea os sonhos são percebidos como pictogramas quadros poemas elabo rados pelo paciente para descrever sua intimidade e sua interpretação vai depender da equação pes soal do analista em um trabalho conjunto de duas mentes atuando na sessão 5 Assim como na psicanálise os sonhos constituem um elemento central e de grande relevância para o trabalho clínico em psicoterapia de orientação analítica A psicoterapia dinâmica encontra na teo ria psicanalítica seu embasamento teórico mas apresenta distinções quanto aos seus objetivos e à técnica terapêutica Tem co mo meta principal a abordagem do conflito atual com as devidas modificações desejá veis e possíveis do comportamento e da es trutura do caráter mas não ambiciona tan to alcançar o objetivo mais amplo de resol ver a patologia caracterológica por meio da análise do conflito genético reeditado na relação transferênciacontratransferência Diferentemente da psicanálise que se ocupa sobretudo da interpretação transfe rencial a psicoterapia de orientação ana lítica usando os mesmos conhecimentos tem como principais instrumentos o escla recimento a confrontação e a interpreta ção extratransferencial Aspectos parciais da transferência são interpretados de for ma selecionada circunscrita e com objeti vos bem específicos por exemplo quando resistências se apresentam estagnando o processo psicoterápico A neutralidade técnica relativa é man tida na maior parte do tempo Mesmo ha vendo uma tendência a incrementar aspec tos transferenciais decididamente não se busca uma análise sistemática da neurose de transferência somente pela interpreta ção Parecenos importante relembrar que os objetivos da psicoterapia de orientação analítica são mais circunscritos e como consequência menos ambiciosos do que aqueles de um tratamento por psicanáli se Dessa forma devemos ficar atentos a anseios ligados ao postulado médico que recomenda que se deva ter animus curandi em vez do furor curandi Assim podemos evitar expectativas de cura ou melhora que vão muito além dos desejos ou das capaci dades do paciente Para tanto é necessário separar o que se aceita intelectualmente da quilo que de fato se sente como significa tivo para o paciente Não nos parece demasiado insistir sobre esse ponto porque como é de co nhecimento geral uma posição intelectual 22 NÍVEIS DE MUDANÇA E CRITÉRIOS DE MELHORA Romualdo Romanowski Jair Rodrigues Escobar Rudyard Emerson Sordi Margareth Silveira Campos Este capítulo resume também alguns trechos e adaptações do trabalho An applicacion of bilogical theory to the study of psychic change and mourning1 dos mesmos autores 394 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de aceitação de limites nem sempre corres ponde a uma profunda convicção de que tais limites existem Podese dizer que o terapeuta desejável é aquele que consegue funcionar admitindo que seus limites exis tem e que o próprio método psicoterápi co não lhe exige metas que ambicionem atingir uma hipotética perfeição Digase de passagem o mesmo problema se aplica à psicanálise Devemse conceber os níveis de mudança bem como os critérios de melhora em psicoterapia dentro de parâ metros aceitáveis e possíveis Isso implica necessariamente abdicar de objetivos ir realizáveis ou seja de crenças a respeito de poderes mágicos onipotentes tanto do método como do terapeuta MUDANÇA PSÍQUICA REVISÃO TEÓRICA E CONCEITO A revisão de alguns autores Freud M Klein Etchegoyen B Joseph Bion Stei ner Meltzer MBlanco reafirmou uma ideia que tínhamos previamente de que as compreensões da mudança psíquica não são idênticas e mostramse até bastante diferentes Essas diferenças não impedem que sejam enfatizados certos elementos pe la maioria dos autores Alguns aspectos sobre mudança psíquica pa recem ser constantes nos trabalhos revisados tais como a necessidade de que o inconsciente se faça consciente de que o id se faça ego de que haja predomínio da criação sobre a estag nação e por fim de que o princípio da realidade predomine sobre o princípio do prazer Podese mencionar ainda o movi mento que ocorre desde uma posição pre dominantemente esquizoparanoide de ob jetos cindidos para outra de relação com objetos mais reais e totais próxima da po sição depressiva O aumento da tolerância à frustração e a busca do conhecimento não freada por angústias intoleráveis são ou tros aspectos da mudança psíquica Tam bém há a necessidade de a pessoa passar a responsabilizarse por sua vida e que em uma vida psíquica na qual predominava a simetria prepondere a assimetria e a alte ridade nas relações interpessoais Por parte do terapeuta este precisará viver a decep ção narcísica decorrente da possível iden tificação com a teoria idealizada De modo compensatório sofrer tal frustração freia a exigência de perfeição também dirigida ao paciente com uma menor cobrança de que ele tenha que satisfazer às ambições do te rapeuta e só então desfrutar dos objetivos pessoais alcançados Todas as ideias convergem para a busca da ampliação do conhecimento da realidade psíquica bem como da realidade externa possibilitando uma discriminação e um melhor intercâmbio entre ambas No entanto quando se fala em mudan ça psíquica em termos da psicoterapia de orientação analítica estabelecemse algu mas controvérsias Temse como exemplo a questão de as mudanças acontecerem em decorrência das interpretações ou do pró prio relacionamento terapêutico bem co mo qual nível de mudanças pode ser obtido na psicoterapia Sabendose que o tratamento psicote rápico é um processo interacional de movi mentos transferenciais e contratransferen ciais a relação terapêutica tem um papel significativo em que a internalização da própria relação com o terapeuta funciona como mecanismo importante de mudança A função de ego auxiliar desempenhada pe lo terapeuta é internalizada e assumida pe lo paciente Segundo SpezialeBagliacca2 o paciente para mudar necessita internali Psicoterapia de orientação analítica 395 zar um terapeuta não onisciente e com sua função continente preservada O paciente perceberá que para ser consciente para deixar de reprimir de projetar de rene gar é necessário colocarse em condições de observar compreender e pensar os pró prios sofrimentos antes de tentar resolvê los Assim o uso do instrumento da in terpretação tanto transferencial como extratransferencial possibilita que tome conhecimento de aspectos do seu funcio namento psíquico até então inacessíveis Permite não apenas o reconhecimento dos impulsos indesejáveis mas também a aqui sição da responsabilidade por eles Com is so oferecemos alternativas mais elaboradas de resolução do conflito O uso de meca nismos defensivos mais regressivos como cisão e identificação projetiva cede espaço a mecanismos mais elaborados Desenvol vese a capacidade sublimatória dos impul sos com finalidades criativas e construtivas mais presentes e constantes Pensamos portanto que se deve re servar a expressão mudança psíquica para aquilo que inclua no mínimo os se guintes elementos Direção a mudança psíquica deve ex pressar um aumento na organização das funções mentais no rumo de se desenvolver a capacidade de pensar Isso pressupõe crescimento das capacidades de representação mental das percepções internas e externas e ampliação das re lações entre essas representações Como decorrência o pensamento se antecipa à ação observandose uma maior capaci dade adaptativa Tempo a aquisição interna da noção de tempo possibilita que a repetição compulsiva seja superada e que novas atitudes e posicionamentos surjam A mudança psíquica deve considerar a per sistência das modificações conseguidas assim como a sinalização da possibili dade de novas modificações evolutivas ou adaptativas Ela deverá ter um tempo de duração suficiente para que possa ser considerada consolidada mas não estática o que implica supor que houve mudança estrutural Conduta a partir da aquisição da no ção de tempo e do desenvolvimento da capacidade de pensar a conduta passa a obedecer predominantemente ao princípio da realidade vendose maior grau de adaptação à realidade externa MUDANÇA PSÍQUICA PARTICULARIDADES A mudança psíquica compreende uma sé rie de fenômenos psicológicos em um pro cesso evolutivo que ocorre na relação pacienteterapeuta de forma que tanto as motivações para a mudança como as re sistências ao processo aparecem em am bos Supomos que um paciente ao buscar auxílio o faça a partir da obtenção de um insight prévio ao tratamento que lhe sinali za que algo não está bem em seu funciona mento e o alerta a buscar ajuda Esse insight e a busca de tratamento não impedem en tretanto que no início do processo psico terápico volte a predominar no paciente a necessidade de defender e utilizar suas antigas teorias sobre sua vida Desse modo passa a atribuir ao terapeuta o interesse de modificálas isto é o desejo pela mudança psíquica fica a cargo do terapeuta Bion3 com referência a pacientes muito regressi vos alerta para essa reversão da perspec tiva quando o fenômeno pode atingir di mensões de difícil abordagem Para a pessoa questionar a sua teo ria de vida implica uma ameaça de luto não apenas por uma condição interna mas também porque esse questionamento pro 396 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs põe uma reavaliação da forma como viveu até então isso inclui uma apreciação e reconhecimento de suas limitações capa cidades e alcances bem como a inevitável dor pelo que não pode ser e a conscien tização do que não poderá ser imposta pela realidade física de espaço e tempo que não pode mais ser negada Por teorias de vida entendemos o sistema de sentimentos ideias e condutas que o terapeuta e o pa ciente têm usado cada um da sua maneira como tentativa de resolver seus problemas ou seja para manter seu equilíbrio psíquico Os possíveis ganhos que advêm com a mudança não têm ainda a força e o poder de convencimento podendo predominar um sentimento de perda antes que de ga nho A situação é vivida na transferência sendo o terapeuta sentido como o respon sável por essa dor A luta contra a mudança se transforma em uma luta contra o terapeuta Em outras pala vras abandonar uma fantasia onipotente pela constatação de uma realidade obviamente limi tada não é algo que se viva sem um sentimen to de perda e luto pela convicção defraudada Para Alvim Frank4 as mudanças in cluem a renúncia às soluções patológicas limitadas e forçadas do passado que foi o melhor que a criança pôde então fazer Vemos que isso se aproxima do que en tendemos por teorias de vida Essa é a oportunidade para um reexame realista e amadurecido e para a escolha entre as opções agora disponíveis Esse processo é inerente à mudança psíquica Considere se também que existe já historicamen te sedimentada uma noção de identidade própria que confere ao paciente a seguran ça de se autorreconhecer A mudança de sejada é igualmente temida ao representar uma ameaça de autodesconhecimento tal vez mesmo de despersonalização que gera uma dificuldade adicional para a mudança ser atingida e aceita Salientamos que um processo similar tende a acontecer no terapeuta Confiase que a formação do terapeuta já o tenha capacitado a ser mais permeável às modi ficações de crenças e expectativas e que já tenha um insight mais utilizável para essa tarefa Desejase portanto que esteja evo luído o suficiente não só para suportar as decepções pela fantasia onipotente abalada como também para poder elaborar os lutos com os quais se defronta a cada nova etapa vencida Alguns riscos sempre estão presentes B Joseph5 relembra o que Freud escreveu em 1912 alertando para a possibilidade de inconscientemente exercermos pressão so bre os pacientes para que reajam de forma a confirmar nossas teorias e expectativas embora tentemos focar no que nossos pacientes trazem e em seu modo individual e próprio de fun cionar nós de fato mantemos como pano de fundo em nossas mentes nossa própria perspectiva teórica al guma ideia do tipo de mudança psí quica que almejamos a longo prazo Poderíamos acrescentar que para manter o processo de mudança psíquica é necessário que o paciente introjete a função terapêutica e se identifique com ela Isso já constitui mudan ça psíquica CRITÉRIOS INDICATIVOS DE MELHORA Quando se fala a respeito de critérios de melhora em psicoterapia é importante que Psicoterapia de orientação analítica 397 se considerem os objetivos do tratamento propostos quando do seu início É preciso ao mesmo tempo levar em consideração se esses objetivos foram atingidos plenamente ou de forma parcial aceitandose as limi tações inerentes ao processo psicoterápico dependentes tanto do método como do te rapeuta e do próprio paciente Nesse sentido Wallerstein6 cita con siderações definidoras conceituais meto dológicas e práticas interrelacionadas que estão entrelaçadas em qualquer discussão sobre a eficácia da psicoterapia psicanalí tica como modalidade de tratamento As sim as seguintes variáveis devem ser con sideradas a o objetivo do tratamento b a tratabilidade do paciente c indicações e contraindicações da psico terapia d a teoria da técnica isto é como o tra tamento funciona e por meio de quais procedimentos alcança suas metas e o papel do diagnóstico inicial e do pla nejamento do tratamento f a avaliação de resultados envolvendo o benefício terapêutico em comparação com a psicanálisepadrão em termos da resolução do conflito intrapsíquico e mudanças estruturais no ego g o que constitui teoricamente o estado ideal de saúde mental e as inevitáveis influências para avaliálo de modo em pírico h os julgamentos de valor e a perspectiva de interesses de quem julga i os critérios de término satisfatório de tratamento Seguindo critérios bem mais amplos e detalhados Dewald7 elaborou 14 itens sig nificativos de mudanças psíquicas 1 mudanças no id grau em que as ener gias pulsionais são mobilizadas na extensão em que a primazia genital é estabelecida no grau de fusão das pul sões libidinais e agressivas e no destino dos anseios prégenitais 2 mudanças no superego no grau em que os introjetos primitivos e de processo primário são substituídos por sistemas de valores morais de processo secun dário orientados para a realidade e pessoalmente desenvolvidos 3 mudanças no ego a progressiva modi ficação de algumas das microestruturas componentes específicas funções individuais que incluem o grau em que o princípio de realidade substitui o princípio do prazer a liberação de funções do ego previamente prejudi cadas pelo conflito psíquico a estabili dade do senso de self e de identidade a flexibilidade a adequação e o grau de consciência dos sistemas de defesa a estabilidade das sublimações que são desenvolvidas a adequação à idade e a constância das escolhas objetais e a ex tensão em que os processos adaptativos do ego assumem a direção e o controle do comportamento e das reações do paciente 4 adequação psicológica global e as rea ções que incluem a capacidade de lidar com situações novas ou estressantes 5 redução da importância organizadora central das fantasias nucleares 6 progressiva aceitação consciente das pulsões e de seus derivados como parte do self sem culpa ou ansiedades neuró ticas indevidas 7 manifestações derivadas mudando espontaneamente sem escrutínio es pecífico ou esforço consciente depois que os conflitos nucleares estão resol vidos 8 reação alterada a material previamente traumático ou ansiogênico de modo que o paciente é agora capaz de recor 398 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dar aceitar e compreender as experiên cias traumáticas que antes despertavam afetos intensos 9 crescente liberdade e franqueza com que pensamentos e desejos oníricos subjacentes podem ser expressos assim como crescente capacidade do paciente de interpretar seus sonhos 10 natureza modificada dos relacionamen tos do paciente com outras pessoas fora da análise 11 progressiva insatisfação com objetos ou relacionamentos infantis antes gra tificantes e sua substituição por objetos apropriados à idade e realisticamente satisfatórios 12 aprofundamento da vida afetiva com a superação de inibições e restrições 13 capacidade de permanecer livre de sintomas sem outras substituições neuróticas ao enfrentar conflitos ou situações que previamente despertavam os sintomas 14 desinvestimento do analista livre das distorções que significam a neurose de transferência Ressaltamos que a experiência ensina ser este um rol idealizado Na prática atin gimos apenas alguns desses itens em maior ou menor grau Roberto Pinto Ribeiro8 faz uma rela ção de objetivos de resultados da análise dos quais podemos adaptar alguns para a psicoterapia como os seguintes eliminação da sintomatologia neurótica psicótica ou psicossomática obtenção de um insight intelectual e emo cional dos aspectos conflituosos mais im portantes do passado e do presente com o concomitante estabelecimento de um senso de responsabilidade duradouro da capacidade de sentir culpa autêntica e de tendências reparadoras desenvolvimento de uma tolerância para com a vida instintiva com um mínimo de angústia desenvolvimento da capacidade de acei tar a si próprio com avaliação objetiva das qualidades e das fraquezas que lhe são inerentes liberação das energias agressivas neces sárias à autoconservação às realizações às competições e à proteção dos direitos próprios relações interpessoais mais consistentes e fidedignas com objetos bem escolhidos e afastamento dos mal selecionados ou quando isso não é possível uma melhor adaptação a estes últimos liberação das capacidades para o trabalho produtivo possibilidade de conseguir sublimação também por meio de distrações sociais e derivativos de ordem cultural Assim podese considerar que a ava liação dos elementos mencionados é feita a partir de três pontos de referência o pa ciente o terapeuta e o meio O paciente au menta o intercâmbio entre realidade inter na e externa e percebe de modo progressi vo a figura real do terapeuta além da figura transferencial relatando maior capacidade de usufruir a vida O terapeuta registra modificações mais maduras e estáveis na relação transferênciacontratransferência e na maneira como são descritas as vivências extratransferenciais Por fim também têm valor as manifestações do meio que apon tam modificações de conduta e melhores relações interpessoais A convergência des ses três indicadores registraria a presença efetiva de uma mudança psíquica como resultado terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 399 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Esperamse obter níveis de mudança psíquica aceitáveis e possíveis o que implica abdicar de objeti vos irrealizáveis ou de crenças a respeito de poderes mágicos tanto do método como do terapeuta 2 O aumento da tolerância à frustração e a busca do conhecimento não bloqueada por angústias intole ráveis são outros aspectos da mudança psíquica 3 O paciente perceberá que para ser consciente para diminuir a intensidade de suas defesas como repressão projeção ou renegação é necessário colocarse em condições de observar compreender e pensar os próprios sofrimentos antes de tentar resolvêlos 4 A mudança psíquica deve expressar um aumento na organização das funções mentais no rumo de se desenvolver a capacidade de pensar 5 Havendo mudança o comportamento do paciente passa a obedecer predominantemente ao princípio da realidade com maior grau de adaptação à realidade externa 6 O questionamento das teorias de vida que ocorre na psicoterapia implica uma permanente ameaça de luto que pode ser um obstáculo poderoso à mudança psíquica 7 Para manter o processo de mudança é necessário que o paciente introjete a função terapêutica e que se identifique com ela o que em si já constitui uma mudança psíquica 8 Entre os critérios mais observáveis de uma mudança psíquica consolidada encontramse a diminuição ou eliminação de sintomas de sofrimento psíquico o estabelecimento de um senso de responsabilidade duradouro a capacidade de sentir culpa autêntica e com tendências reparadoras a aceitação de si próprio com a apreciação objetiva das próprias qualidades e fraquezas e o estabelecimento de rela ções interpessoais consistentes com objetos bem escolhidos REFERÊNCIAS 1 Romanowski R Escobar JR Sordi RE An application of bilogical theory to the study of psychic change and mourning Int J Psy choanal 200384Pt 353345 2 SpezialeBagliacca R A capacidade de con ter anotações sobre seu funcionamento na mudança psíquica Rev Bras Psicanál 1990 243 3 Bion WR Elements of psychoanalysis New York Basic Books 1963 4 Frank A O analista como biógrafo transfe rência e reconstrução na mudança psíquica Rev Bras Psicanál 1990243 5 Joseph B Mudança psíquica algumas pers pectivas Rev Bras Psicanál 1990241345 53 6 Wallertsein RS Os resultados da psicanáli se e da psicoterapia no término e no segui mento In Wallerstein RS A cura pela fala as psicanálises e as psicoterapias Porto Ale gre Artmed 1998 7 Dewald PA Proceso terapéutico termina ción In Dewald PA Psicoterapia un enfo que dinámico Barcelona Toray 1972 8 Ribeiro RP Resultados da terapêutica psica nalítica In Meneghini LC Ribeiro RP Ro manowski R Vollmer Filho G Annes SP Es tudos psicanalíticos Porto Alegre Edição dos Autores 1974 LEITURAS SUGERIDAS Etchegoyen RH Un ensayo sobre la interpretación psicoanalítica Buenos Aires Polemos 1999 Freud S Estudos sobre a histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 2 400 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Freud S Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 Freud S O inconsciente In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 Freud S Recomendações aos médicos que exer cem a psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 12 Joseph B Mudança psíquica e processo psicanalí tico In Joseph B Equilíbrio psíquico e mudança psíquica artigos selecionados de Betty Joseph Rio de Janeiro Imago 1992 Klein M El duelo y su relación com los estados maníacodepresivos In Klein M Amor culpa y reparación Buenos Aires Paidós 1976 Obras completas v 1 MatteBlanco I The unconscious as infinite sets an essay in bilogic London Duckworth 1975 Meltzer D The psychoanalytical process Lon don Heinemann Medical 1967 Steiner J The aim of psychoanalysis in theory and practice Int J Psychoanal 199677Pt 6107383 PARTE IV Situações especiais Esta página foi deixada em branco intencionalmente Ao completar os primeiros 100 anos de sua existência a psicanálise notabilizouse por questionar paradigmas estabelecidos co mo verdades em todas as áreas da cultura Qualquer que seja o ponto de vista sobre uma atividade humana não pode ser des cartada a atenção a motivações inconscien tes a mecanismos de defesa às primitivas experiências emocionais da criança e à quantidade de descobertas sobre o funcio namento psíquico que a psicanálise pro porcionou ao longo do século XX Assim foi e continua sendo o questionamento à psiquiatria Além das hipotéticas curas por meios biológicos ou químicos sempre ha verá espaço para a abordagem psicológica por ser esta a única via possível de acesso aos conflitos psicológicos Reforçase as sim que subjacentes ao sintoma psíquico e a todo estado de sofrimento psíquico se encontram um conflito ético e determi nante deste um conflito psíquico Descritivamente podese afirmar que a expressão do sofrimento psíquico e a for ma como o analista ou o psicoterapeuta deve lidar com ela derivam de um conflito ético que o paciente não foi capaz de resol ver conscientemente É necessário enfatizar que a ética isto é os princípios que regem a conduta do indivíduo governa as relações não só consigo mesmo mas também com os outros em um mundo definido como humano O problema e a grande discussão re sidem na determinação do que é ético e do que é moralmente desejável A confronta ção entre o que é bom e o que é mau se ar rasta por séculos e depende das estruturas de poder vigentes ainda que permaneçam como definitivos determinados valores que podem ser incluídos no processo de huma nização do homem como a proibição do incesto e do parricídio Qualquer tentativa de solucionar a questão do que é ético do ponto de vista ra cional corre o risco de se converter em uma ideologia que procura ordenar o mundo com a finalidade de apaziguar as terríveis angústias que a vida propicia Ideologias religiosas políticas e até científicas se pres tam a conter e apoiar o indivíduo caso ele obedeça aos requisitos que a ordem impõe Nesse particular aspecto a mais im portante contribuição da psicanálise é oferecerse tanto como interpretação a obra fundadora da psicanálise Interpre tação dos sonhos1 é precisamente como indica o título interpretação e não ciência Dentung e não Wissenschaft quanto como teoria geral Também pode ser um método para compreender casos particulares por meio de uma série de hipóteses e teorias 23 ÉTICA E PSICOTERAPIA Germano Vollmer Filho Gerson I Berlim 404 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ainda que o diferencial essencial da psica nálise na interpretação seja seu método e sua técnica A psicanálise além de ser um méto do de investigação e tratamento é também um método de estudo de aplicação geral a análise aplicada O estudo das instituições culturais e de seus componentes a ética em particular está presente na psicanálise desde seu início tendo contribuído para a formulação de seus principais conceitos e hipóteses Nas cartas a Fliess Freud2 fala do mito de Édipo e do significado psico lógico de Hamlet quando está elaborando um dos conceitos centrais da psicanálise que viria a ser o complexo de Édipo De passagem poderíamos dizer ser este um dos elementos internos do estabelecimen to de princípios éticos e de humanização da pessoa A busca na literatura e nos fenômenos culturais não é em Freud uma exceção Nos testemunhos da cultura ele procura vestígios das teorias que está tratando de formular Em A interpretação dos sonhos1 estabelece a presença de uma ética interna por meio da censura mais amplamente ela borada na segunda tópica como superego ao referir que essa instância corresponde à função social de interdição ou de exigência do cumprimento dos ideais que a cultura estabelece A instância psíquica e a institui ção cultural se superpõem de tal maneira que as neuroses como Freud assinala em O interesse científico da psicanálise3 mostram se como tentativas de resolver individual mente aqueles problemas de compensação dos desejos que deveriam ter sido resolvi dos socialmente pelas instituições Ao se falar em ética e psicanálise é ne cessário abordar a análise da cultura pelo mesmo modelo e método da psicopatolo gia Neurose obsessiva neurose histérica e delírio paranoico são as grandes analogias os referenciais que Freud utiliza para com preender alguns fenômenos básicos da cul tura Em Totem e tabu4 ele afirma Poderíamos quase dizer que uma his teria é uma caricatura de uma obra de arte que uma neurose obsessiva é uma caricatura de uma religião e a paranoia a caricatura de um sistema filosófico deformado As deformações se explicam pelo fato de que as neuroses são formações associais que tentam realizar com meios particula res o que a sociedade realiza por meio do esforço coletivo As instituições culturais e a ética devem ser compreendidas sempre vinculadas aos desejos que as determinam Assim se o sonho é a realização disfarça da de um desejo reprimido tam bém as instituições culturais devem ser consideradas do ponto de vista psicanalítico como manifestações en cobertas de desejos reprimidos4 A cultura os princípios éticos e a re ligião de forma intensa e destaca da como ilusão representam as for mas pelas quais os desejos são conti dos para fins racionais de moralidade progresso e convívio social4 A RELIGIÃO Chama a atenção na obra de Freud a im portância que o fenômeno religioso ocupa Seu artigo de 1907 Os atos obsessivos e as práticas religiosas5 aborda o tema ao rela cionar os rituais e as práticas religiosas com os atos obsessivos e cerimoniais neuróticos Ao demonstrar que os atos obsessivos têm significado inconsciente Freud conclui que em sua origem se encontra sempre a repressão imperfeitamente alcançada de uma pressão pulsional A expectativa ansiosa de que algum tipo de desgraça ou Psicoterapia de orientação analítica 405 castigo vai ocorrer denuncia a presença de um poderoso sentimento de culpa O cerimonial obsessivo atua como objetivos deslocados com a finalidade defensiva de proteção Desde que a psicanálise verifica o sen tido dos sintomas e sua gênese desaparece a diferença entre cerimoniais religiosos e sintomas neuróticos ainda mais quando se verifica que na base da religião está a ne cessidade da renúncia a determinados dese jos É preciso salientar que tais desejos não são exclusivamente de natureza sexual mas também agressivos egoístas os quais em sua satisfação seriam antissociais Tratase da ética individual no caso da neurose e da ética coletiva no caso das religiões que seriam uma neurose obsessiva universal Freud avança ao procurar as origens filogenéticas da religião e dos princípios éticos no processo de humanização do ho mem indo encontrálas em um Édipo pri mordial no seu trabalho Totem e tabu4 Dos quatro capítulos desse livro os dois primeiros estão dedicados à análise do tabu querendo Freud vinculála à ambi valência afetiva A propósito tabu é um termo de origem polinésia que não signi fica simplesmente mau como entendi do de maneira quivocada mas algo como cuidado As realidades e as relações ta bu caracterizamse pela ambivalência por serem fascinantes amadas e aterradoras odiadas É interessante notar que a origem da ética en globa portanto não só a proibição o temor mas também o cuidado que Melanie Klein mais tarde veio a esclarecer como considera ção pelo objeto As realidades e as relações tabu são caracterizadas pela ambivalência e é justa mente esta que Freud enfatiza quando con sidera que o rechaçado também é desejado como no caso do incesto É assim na neu rose obsessiva e nas normas morais éticas É importante distinguir entre as proi bições tabu que não demonstram ne nhuma razão lógica apesar da força com que atuam e as normas morais e éticas que procuram sempre a justificação racional Entre as duas formas de interdição Freud4 estabelece uma relação ao afirmar que a consciência tabu constitui provavelmente a forma mais antiga de consciência moral No Capítulo IV de Totem e tabu4 Freud amplia a compreensão da moral in do além do marco psicológico da ambiva lência para explicar a filogênese a gênese social da moral e da religião Esse capítulo está mais dedicado à compreensão de to tem do que de tabu ainda que ambos se encontrem relacionados sobretudo por meio do tabu de matar o animal totêmico Baseandose em algumas hipóteses de Dar win e Atkynson Freud formulou para as origens da humanidade um complexo de Édipo primordial e um parricídio original como um processo repetido durante muito tempo O pai da horda primitiva senhor de todas as mulheres violento ciumento e egoísta não só impede a união sexual dos jovens como expulsa da horda aqueles que o contrariam e desafiam Os irmãos os jo vens expulsos unemse matam o pai e de voram seu corpo terminando o sistema da horda paterna Como a relação dos irmãos com o pai era ambivalente depois de terem resolvido a ambivalência pelo predomínio do ódio ressurgiram os sentimentos amo rosos Dois fatores contribuíram de acor do com Freud para a mudança do afeto no grupo parricida Em primeiro lugar o fato de que o parricídio não propiciou a nenhum dos irmãos a plena satisfação dos desejos pois nenhum deles podia ocupar 406 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs o lugar do pai morto Nesse aspecto parti cular o parricídio foi totalmente inútil e o fracasso favoreceu mais a reação moral do que o êxito Em segundo lugar por meio da obediência retrospectiva dos irmãos em relação ao pai juntouse à culpa e ao re morso o sentimento de exaltação da figura paterna que passou a ter maior valor e po der do que tinha em vida É preciso destacar que nesse contexto nas ori gens da humanização no surgimento das ba ses da moral e da ética estão o sentimento de culpa e a exaltação maníaca ou seja uma fal sa reparação Os irmãos proibiram a si mesmos o que anteriormente o pai lhes havia proibido Em lugar da horda primitiva surge o clã com proibições e interdições das quais emerge a fi gura do totem que supera a do pai morto e que dá origem às diversas religiões Com a experiência vivenciada renuncia ram ao incesto e trataramse entre si como ha viam tratado o pai do que se originou o contra to social que nada mais é do que o estabeleci mento de normas éticas A proibição do incesto que com plementa a proibição de se matarem como tinham feito com o pai da horda primitiva constitui o ponto de partida das normas éticas que caracterizam as organizações so ciais as restrições morais e a religião que são heranças do complexo de Édipo Com a interdição desaparece um elemento exis tente como realizador do comportamento primitivo a competência do pensamento à qual os homens parecem não querer re nunciar É importante fazer algumas conside rações sobre a relação entre o pensamento que leva ao surgimento de sentimentos de culpa e os comportamentos supostamente capazes de evitar a culpa Em Totem e tabu Freud distingue três formas de conceber o mundo a animista a religiosa e a científica que de certa forma se superpõem à histó ria do desejo A evolução histórica do desejo de corre inicialmente do progressivo movi mento da onipotência do pensamento no começo atribuída ao próprio desejo mais tarde aos deuses representantes dos pais por fim essa eleição se realiza conforme o princípio da realidade o que correspon deria à fase científica na qual o in divíduo renuncia ao princípio do prazer e subordinandose à realidade busca seu objeto no mundo exterior4 Como se pode perceber tratase da diminuição da onipo tência e do narcisismo em favor da realida de e da presença do objeto promovido pela imposição da realidade e da frustração A expressão onipotência das ideias foi sugerida a Freud por seu paciente ho mem dos ratos6 para quem a simples ideia de matar o pai equivalia a uma maneira de realizála No fim do referido artigo ao constatar o que chama de predileção dos neuróticos obsessivos pela utilização dessa forma de pensamento como defesa da rea lidade Freud conclui que a origem dessa maneira de pensar está na primitiva mania infantil de grandeza sendo que nesse es tado mental não haveria diferença entre mundo interno e externo Todo pensamen to seria suscetível a se realizar simplesmen te por ser pensamento A religião segundo Freud utiliza essa crença infantil da onipo tência do pensamento e conta com a ajuda do mecanismo da projeção Esse processo visa a expulsar percepções e desejos do in divíduo atribuindoos à realidade exterior aliviando a dor psíquica e contornando um conflito interno Assim a finalidade da projeção é conciliar tendências opostas que o indivíduo não integrou dentro de si O mesmo acontece com a religião afastase Psicoterapia de orientação analítica 407 a frustrante e dura realidade da vida e ao mesmo tempo satisfazemse a saudade e a nostalgia da onipotência infantil O papel da religião no estabelecimen to de uma ética universal está em coibir a repetição do crime primitivo A religião propõe que a culpa seja resolvida por meio do arrependimento para assim obter o amor do pai onipotente Onipotência e cul pa são os temas arcaicos que se entrelaçam com desejos perigosos e constituem os ele mentos ilusórios que tentam conter a natu reza do homem Esse é o tema de O futuro de uma ilusão7 1927 uma abordagem científica do problema moral e ético do homem Antes Freud deixa assentada sua ideia de que a condição humana o estabe lecimento de uma ética em sua conduta fundamentase na renúncia ao incesto e na aceitação da lei do pai Como consequên cia quando os irmãos se dão conta de que nenhum deles pode ocupar o lugar do pai iniciam o desenvolvimento social É im portante assinalar que a partir de então a lei do pai não é mais uma pressão exterior de acordo com o mito mas uma proibição interiorizada Essa proibição vai ocupar o lugar anteriormente preenchido pela renúncia à onipotência São necessários a castração simbólica e os lutos por perder um poder imaginário e a fantasia de ter tudo A partir daí a aceitação das limitações da realidade permite a evolução do que é definido como humanização do homem Quanto à compreensão do papel da religião para a cultura Freud estuda o tema em dois trabalhos O futuro de uma ilusão7 de 1927 e em O malestar na civilização8 de 1929 As duas obras ainda que breves são de amplitude e profundidade marcan tes Enfocase o papel da religião e avalia se a função global da cultura humana na transformação do homem em um ser ético Deixando de lado os aspectos idea listas da sociedade denominados cultura e os utilitários denominados civilização Freud estuda o objetivo da cultura em sentido amplo que engloba tanto as cria ções materiais como as instituições sociais e as formas de pensamento Esse objetivo é duplo dominar a natureza e regular as relações humanas estabelecendo o que se constitui nos chamados princípios éticos Quando Freud publicou em 1908 A moral sexual cultural e a nervosidade moder na a cultura era equivalente à repressão e vi nha imposta por duas razões uma pela falta de amor dos indivíduos ao trabalho outra pela necessidade de dominar as tendências libidinosas que tanto podem servir para unir os grupos humanos como para atuar como forças desagregadoras A questão pa ra ele era saber se era possível abrandar o grau de sacrifício imposto aos indivíduos e a forma de encontrarem uma compensação que gratificasse o trabalho e a limitação Essas compensações consistem na obtenção de gratificações originárias da identificação narcísica com o grupo social que aprova e estimula ideais a serem obti dos e no orgulho de atingir rendimentos produções e status As gratificações podem ainda ser proporcionadas por criações artísticas que são inacessíveis às massas e mas de maneira decisiva a gratificação compensatória é efetuada ao proporcionar ao indivíduo proteção ante a supremacia da natureza Diz Freud8 como para a humanidade também para o indivíduo a vida é difícil de suportar assim o que se trata mesmo é de propiciar paliativos para a dureza da vida O tema da servidão humana foi um ponto sobre o qual Freud8 sempre insistiu o homem gravemente ameaçado so licita consolo pede que o mundo e a vida fiquem livres de espantos 408 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs De fato a religião procura afastar o terror da dura realidade do homem diante da natureza utilizando os elementos desta e transformandoos em seres poderosos com características paternais protetoras e ameaçadoras O verdadeiro sentido desse sistema é moral o estabelecimento de nor mas e preceitos culturais O objetivo final é proporcionar um manto protetor em face da falta de sentido e do caos tornando su portável a crueldade do destino e da morte A religião não é somente moralidade e proteção mas também consolo e espe rança É um desejo menos que um temor o que sustenta a religião e por isso se trata de um sistema ilusório ilusão da realização de um desejo infantil que se prolonga na vida adulta tentando mitigar os dolorosos sentimentos de desamparo desvalia e nos talgia do pai protetor A religião tem prestado como diz Freud8 grandes serviços à civilização humana e tem contribuído ainda que in suficientemente para dominar os instintos antissociais Ela constitui a neurose ob sessiva da humanidade e da mesma forma que a da criança se origina no complexo de Édipo na relação com o pai Independentemente da veracidade das crenças religiosas o que se depreende de sua análise é a constatação da verdade histórica que o divino e as idealizações es tão nas fundações da moral da ética e da cultura No que diz respeito à ética médi ca do ponto de vista religioso a postura de Maimonides filósofo médico de Saladino e maior autoridade rabínica de seu tempo expressa de forma esclarecedora a posição éticoreligiosa Maimonides antes de vi sitar seus pacientes fazia uma oração em que considerava ser bom cuidar da vida e da saúde das criações de Deus e implorava que Ele o ajudasse a ser movido por uma só ideia o desejo de proteger e prolongar a vida Ainda que O futuro de uma ilusão tenha sido um tanto decepcionante para Freud é preciso valorizar a abordagem que o autor faz das relações entre religião e mo ral e o projeto que propõe Mesmo que a moral e portanto as prescrições éticas es tejam em função de uma visão cósmica e religiosa da qual estaríamos nos desvincu lando é preciso encontrar uma reposição para a religião que justifique novos funda mentos sociais o que para Freud em 1929 era a ciência Segundo ele a única via possível para o progresso do homem e isso implica tor narse mais evoluído mentalmente e me nos neurótico é pelo caminho do conhe cimento e da lógica capaz de proporcionar esclarecimentos para enfrentar o que Freud denomina de dia a dia a dura vida inimi ga o que ele considera educação para a realidade Ainda que a ciência não ofereça a poderosa e amorosa proteção ela permite ampliar nosso poder de conter a natureza a dura realidade da vida e dar sentido e equilíbrio à nossa vida O tema do sentido da vida e portan to das implicações éticas é retomado em O malestar na civilização8 em que o objetivo religioso da vida é substituído pela aspira ção da felicidade a cuja investigação Freud dedicará o resto de sua obra O estudo da moral na obra de Freud é o que preten demos abordar a seguir em continuação e contraste com a religiosidade A MORAL Da análise da religião passamos ao en tendimento da moral individual Muda o enfoque mas não o método que é o da interpretação Da mesma forma que Freud em relação à religião podemos estabelecer uma analogia entre consciência moral e consciência neurótica e verificar que a gê Psicoterapia de orientação analítica 409 nese da moral está profundamente vincu lada à da religião Nesta o centro da estru tura localizase em uma entidade superior protetora e primitiva Em nível individual o centro está em alguns conceitos como no de superego e de ideal do ego que às vezes são utilizados como sinônimos Em outros momentos como nas Novas lições de 1932 o ideal do ego aparece apenas como uma das funções do superego junto com as de autoobservação e consciência moral Sem a intenção de aprofundar uma discussão a respeito das diferenças dos conceitos refe ridos atemonos à explicação econômico funcional da moral As origens da compreensão da moral individual na obra de Freud encontram se em Introdução ao narcisismo9 e em Luto e melancolia10 trabalhos que preparam a mudança para a teoria estrutural em O ego e o id11 e ainda em outros trabalhos que abordam a moral e a ética A dissolução do complexo de Édipo O problema econômi co do masoquismo e O malestar na civili zação Nesses trabalhos o que se observa é o desenvolvimento de noções que fun damentam o superego tais como ideali zação sublimação e identificação às quais temos que agregar novos pontos de vista que surgem após a formulação do instinto de morte INTRODUÇÃO AO NARCISISMO A diferença que Freud9 estabeleceu entre narcisismo primário e secundário modifi cou o dualismo de impulsos do ego versus impulsos sexuais para uma nova oposição entre libido do ego e libido objetal Essa oposição estabelece uma importância fun damental para a ética O nar cisismo passa a ser entendido como o grande reservatório libidinal que pode se dirigir aos objetos e passar a ter consideração por estes mas que também pode retornar ao sujeito Freud utilizou o conceito para explicar a eleição de objeto dos homossexuais que buscam jovens do mesmo sexo para poder amálos como sua mãe os amou Sobre a diferença entre narcisismo primário e secundário surgem os concei tos de idealização e sublimação No adulto normal a megalomania que representa o narcisismo infantil não renunciado revela que nem todo narcisismo está investido no interesse pelos objetos mas que as exigên cias culturais e éticas do indivíduo e sua autoestima canalizam o narcisismo para um ideal que passa a regular os valores do mundo interno Esse ideal por distante que pareça es tar das raízes infantis funciona como uma fantasia de satisfação do desejo de perfei ção narcísica que a realidade e a educação se encarregaram de frustrar a onipotên cia infantil que pode ser recuperada pelo ego ideal sendo este pleno de perfeições A idea lização é o mecanismo pelo qual o amor narcísico por si mesmo na infância transformase na vida adulta no ego ideal No que diz respeito à ética médica essa com preensão das relações humanas esclarece que a conduta é antiética quando as tendências narcísicas egoístas predominam sobre aque las que priorizam o interesse a importância e a consideração pelo outro especialmente pelo sofrimento do outro Nessa mesma linha de compreensão podese conceber a hipótese da formação de um ideal do ego médico que presidiria a conduta médica A idealização é apenas um dos pro cessos de formação do superego ao qual acrescentamse outros Freud utiliza o con ceito de sublimação para completar a com 410 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs preensão da formação do superego Em seu artigo de 1908 A moral sexual cultural e a nervosidade moderna12 define a sublima ção como aquele processo que muda o fim sexual primitivo por outro não mais sexual mas psiquica mente afim do primeiro pondo à dis posição do trabalho cultural grandes quantidades de energia A sublimação muda o fim da pulsão e aponta para objetos socialmente valoriza dos A idealização ao contrário não muda de objeto apenas o engrandece e o proble ma reside no fato de que esse engrandeci mento pode ocorrer com o próprio ego como acontece em relação aos objetos Dessa forma vai sendo construído um ob jetivo ético nas escolhas e aspirações em complementação ao aspecto proibitivo do superego Conclui Freud12 A produção de um ideal eleva as exigências do ego e favorece mais que nada a repressão Em troca a sublimação representa um meio de cumprir tais exigências sem recorrer à repres são De outra parte na medida em que a idealização pode atingir objetos que não o ego basicamente as figuras parentais com as quais este vai se identificar ela deter minará uma tensão uma ansiedade entre o ego e seus ideais cobranças dos obje tos idealizados e os ideais que o ego deve atingir A consciência moral é a instância en carregada de vigiar o nunca atingido ajuste entre o ideal cobranças dos objetos idea lizados e o ego Um dos fundamentos que baseiam o funcionamento do mundo interno é pois a transformação de aspira ções narcísicas em ideais modificados pela sublimação e mais o fato de a idealização proporcionar a base da identificação ex plicando que as qualidades adquiridas do outro se convertem nas do próprio sujeito Esse funcionamento da mente pro porcionou a Freud a distinção entre ego ideal e ideal do ego termos que podem parecer sinônimos No que diz respeito à ética essa distinção é importante Laplanche e Pontalis13 são quem es clarecem com maior adequação a impor tância dessa distinção para a ética e para a lei Como os termos indicam o ego ideal é colocado mais ao lado de uma ide alização da onipotência do ego é um ego idealizado um ego levado ao má ximo de sua onipotência Ao contrá rio o ideal do ego aparece como algo que se situaria frente ao ego como seu ideal certamente mais ligado aos pro blemas da lei e da ética Os sentimentos de inferioridade deveriam ser si tuados melhor ao lado do ego ideal enquan to os sentimentos de culpa ou de insu ficiência moral do lado do ideal do ego O conflito ético sob o qual se en contra o conflito psíquico e ao qual este se considera irremediavelmente vinculado verificase no melancólico em que não há correlação entre a intensidade da autocrí tica e a justificativa real Sentimentos de culpa e de inferioridade encontramse no melancólico e no indivíduo enlutado sen do que Freud reconhece a amplitude do processo de identificação na origem desses sentimentos a formação do superego Em Três ensaios para uma teoria se xual14 Freud aborda o papel da identifica ção com a organização da fase prégenital oralcanibal quando afirma o fim sexual consiste na assimilação do objeto meca nismo este que depois desempenhará im portante papel psíquico no processo de identificação Psicoterapia de orientação analítica 411 Freud referese novamente a esse tipo de identificação em Totem e tabu4 ao assi nalar que devorando o pai da horda pri mitiva os filhos se identificavam com ele e se apoderavam de sua força Retorna ao tema em Psicologia das massas e análise do ego15 e em Luto e melancolia10 de maneira brilhante ao descobrir que na exagerada autocrítica do melancólico encontramse acusações ao objeto perdido Ambos os fe nômenos o luto e a melancolia apresen tam profundas afinidades e apontam para a formação dos princípios éticos a partir da identificação com o objeto perdido no ego É importante assinalar que apesar de acatar a realidade ao reconhecer a perda a relação afetiva com o objeto não se perde e o conflito com a pessoa amada e perdida transferese para o interior do ego Freud remete ainda à identificação narcísica com o objeto substituto do inves timento erótico como uma forma de reter o objeto perdido O autor havia distinguido dois tipos fundamentais de eleição de obje to o narcisista no qual o objeto é eleito de acordo com o modelo da própria pessoa e o anaclítico ou de apoio em que é eleito conforme o modelo da pessoa que cuidou do sujeito Ambos têm origem no narcisis mo primário Essa condição como aponta Freud é fundamental na compreensão da melancolia ou seja na crueldade do supere go com o próprio indivíduo Aí reside a di ferença do trabalho do luto que é realizado com um objeto externo enquanto o confli to do melancólico é consigo mesmo Detivemonos em Luto e melancolia10 e em especial nos fenômenos de identi ficação porque são fundamentais para a problemática da moral e da ética De fato o processo a partir do qual Freud descreve o estabelecimento do superego em O ego e o id11 seria incompreensível de forma mais específica na parte em que situa que o superego se estrutura como reação à per da dos objetos sexuais abandonados os pais por meio da identificação com eles É importante salientar que o modelo básico dessa identificação é a identificação com o seio materno A concepção da teoria estrutural com id ego e superego efetua a compreensão do mundo interno em que os impulsos do id necessitam ser ordenados para fins de equilíbrio interno e adaptação à realidade externa por meio do ego e da modificação deste pela identificação com os pais Mais especificamente obrigado a renunciar aos pais como objetos de amor o ego resiste a fazêlo e não encontra outra solução para dominar os impulsos do id a não ser fazer se a si mesmo como os objetos perdidos Desse modo o ego consegue dominar o id mas ao renunciar a seus objetos torna se ao mesmo tempo um perdedor e um vencedor até que o superego estrutura psíquica herdeira dessas lutas estabeleça uma primeira proibição a do incesto Há uma profunda conexão entre o superego e o id o primeiro se encontra mais próximo do id que do ego consciente e inclui a história das relações de objeto Is so explica o caráter inconsciente dos ideais e dos sentimentos de culpa Freud11 quali fica o superego como advogado do mundo interno O ideal do ego é portanto o herdeiro do complexo de Édipo e com isso a expressão dos impulsos mais podero sos do id e dos mais importantes des tinos de sua libido Por meio de sua criação se apoderou o ego do com plexo de Édipo e se submeteu simul tanea mente ao id O superego advo gado do mundo interior ou seja do id se opõe ao ego verdadeiro repre sentante do mundo exterior ou da rea lidade Para explicar a dupla presença da mãe e do pai na identificação Freud recorre a 412 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs uma compreensão mais complexa do Édi po ao vinculálo à bissexualidade infan til A identificação com o pai e com a mãe seria por sua vez positiva e negativa No caso do menino a identificação com o pai conserva o objeto materno como escolha enquanto na menina a identificação com a mãe manterá o pai como objeto de esco lha É o complexo de Édipo direto Mesmo Freud11 reconhece que são complicadas essas relações pois em um momento afirma que a primeira identifi cação é com a mãe para depois dizer que a mais importante é a com o pai e a seguir retificar afirmando talvez fosse mais pru dente dizer com os pais Na realidade a identificação primária continua sendo uma espécie de enigma pa ra a psicanálise O texto mais esclarecedor a respeito do processo e das consequências da identificação encontrase em Psicologia das massas e análise do ego15 A referência no texto revela as limitações da teoria mas é clinicamente esclarecedora não é difícil expressar numa fór mula esta diferença entre a identifi cação com o pai e a eleição do mes mo como objeto sexual No primeiro caso o pai é o que se quer ser no se gundo o que se quer ter A diferença está pois em que o fator interessado seja o sujeito ou o objeto do ego Por esse motivo a identificação é sempre possível antes de toda eleição do ob jeto O que resulta muito mais difícil é construir uma representação metap sicológica concreta dessa diferença15 O importante é que não se pode con cluir por uma explicação puramente mecâ nica ou simplesmente biológica de acordo com a qual o indivíduo escolhe a identifi cação com o pai ou com a mãe conforme as disposições masculinas ou femininas de ca da um pois isso faria supor que a sexuali dade fosse apenas um instinto deixando de lado tudo que é adquirido pela experiência Apesar das contradições e dificulda des a respeito da origem do Édipo firmase o entendimento de que no mundo interno surgem as regras normativas que estabele cem a ética do sujeito Vale referir as com plexas leis que passam a reger a conduta a partir de ideais e interdições Dos textos de Freud é importante deduzir que identida de sexual a escolha na identificação é da competência da instância ideal como afirmam Laplanche e Pontalis13 A iden tidade sexual é do domínio da norma ou mais exatamente a posição quanto ao sexo depende da mesma instância à qual se vin cula a norma a regra Resultado inesperado para Laplan che e Pontalis13 o principal problema éti co que se coloca ao nível desse superego e desse ideal do ego é o da posição sexual Da leitura dos textos de Freud entendese que no mundo interno a instância assume as normas a ética que vão determinar a con duta moral na vida O CARÁTER NORMATIVO OU ÉTICO DO SUPEREGO De uma forma resumida e levando em consideração as dificuldades e as comple xidades na estruturação da instância no mundo interno é possível estabelecer al guns princípios vigentes no superego os quais caracterizam sua atividade não só no estabelecimento de normas que se manifes tam na vida moral comum como também em patologias como a neurose obsessiva e a melancolia Os princípios ou o caráter do superego evidenciamse primeiramente por sua característica primitiva e efetuam se por meio de sua atividade reativa ou formação reativa Em segundo lugar pela instauração da angústia de castração a dis Psicoterapia de orientação analítica 413 solução do complexo de Édipo Em tercei ro pela ligação da severidade do superego com o malestar A lei cultural exogamia e outras coloca o homem em um conflito insolúvel O caráter perversopolimorfo infantil da sexualidade determina uma separação uma descontinuidade entre a ordem bioló gica e a ordem humana A sexualidade é per versa No início é a anarquia dos impulsos parciais Desde o começo instaurase o que é permitido e o que é proibido Os objetos desejados a mãe introjetados reativamen te pela perda tornamse proibidores Toda prática psicanalítica instaurase neste conflito a mãe é a mulher absolu tamente proibida Quem desobedece à lei perde o desejo Assim o conflito psíquico descoberto por Freud é um conflito ético como também são éticos os problemas que encontramos nos pacientes e nos terapeu tas Os sentimentos de culpa conscientes ou inconscientes a necessidade e os atos de autopunição são condutas éticas É necessário fazer uma distinção en tre a conduta ética no campo da medicina e em particular na área das psicoterapias Em relação à medicina a ética é regida pela deontologia desta também participam os psicoterapeutas mas ela não alcança a na tureza íntima do processo que vivem estes últimos no contato com os pacientes A atividade do psicoterapeuta consiste em en tender e aliviar o sofrimento que está associa do a conflitos éticos O espectro de situações é amplo como são amplas e profundas as situa ções humanas Para fins práticos duas condições são sempre relevantes no trato com os pacientes a neutralidade e a regra da abstinência ideoló gica A análise assim como a psicoterapia de orientação analítica não deve ser uma doutri nação Apesar das recomendações e dos avi sos que o terapeuta recebe em sua forma ção no trabalho com o paciente sua neu tralidade tem limites É evidente que ele sempre vai preferir a vida à morte o amor ao ódio a paciência à pressa e assim por diante A regra da abstinência deve ser sem pre considerada seja no campo ideológico seja no religioso político ou pessoal Por isso a ética do terapeuta é tão importan te mesmo recomendadas a neutralidade e a regra de abstinência são inseguras O analista e o psicoterapeuta participam com mais do que seus conhecimentos na relação transferencialcontratransferencial A psicanálise é uma ideologia que concebe a natureza do homem de uma forma psicobiológica a cultura como uma produção criativa e o sofrimento psíquico como originário do conflito Esse conjun to configura um complexo ético que de alguma forma está presente no encontro terapêutico As regras de abstinência e neutrali dade dependem da parte do terapeuta de uma condição pessoal de autoconhecimen to inclusive de suas limitações Por meio desse processo ele deve saber conter seus desejos deixando ao outro a liberdade de organizar seus próprios desejos sempre em consonância com a realidadeverdade A evolução do funcionamento nar císico para o funcionamento das relações de objeto no qual predominasse a consi deração pelo objeto seria uma forma sim plificada de equacionar um princípio com plexo e difícil capaz de orientar a conduta ética e que deveria sempre predominar no trato do terapeuta com seu paciente PSICOTERAPIA E ÉTICA Ao longo de nossa história os mitos as re ligiões a literatura e a arte vêm explorando 414 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs os crimes do homem para mostrarlhe o peso de sua culpa Freud conferiu à noção de culpa uma importância central e é ela a expressão mais rigorosa dos crimes do incesto e do parricídio Em Totem e tabu4 descreve que esses crimes estão na origem das leis que os reprimem e se expressam na organização do superego A lei que condena o incesto e o par ricídio transformouos em crimes simbó licos que se evidenciam nas fantasias in conscientes do sujeito O efeito do supere go consiste em tornar o crime irrealizável ajudando o sujeito a manterse ético Ainda quanto ao sentimento de cul pa devese destacar que ele faz parte das garantias da civilização O custo do pro gresso cultural deve ser pago por uma per da de felicidade decorrente do reforço des se sentimento de culpa A força da culpa corresponde ao dese jo de transgressão e a renúncia à satisfação de tal desejo é que condena o sujeito a res peitar o equilíbrio que tanto sobrecarrega os sentimentos de culpa Tais sentimentos assim como encaminham os transtornos mentais também cimentam os valores mais autênticos da civilização Por meio da cultu ra e aqui se insere a psicanálise as exigên cias podem se manter em níveis razoáveis permitindo que se superem as leis morais primitivas e que se abra espaço para a ética o que conduz a sublimações criadoras Como já exposto Freud em Totem e tabu4 discorreu sobre as origens da moral da religião e da sociedade bem como so bre seu vínculo com as interdições edípicas que levam à exogamia e ao respeito ao pai internalizado que é o portador da lei Esse entendimento leva a configurar a ética co mo a maneira de o indivíduo se inserir na sociedade estando esta baseada na proibi ção e na renúncia da satisfação direta das pulsões A renúncia da satisfação está associa da à repressão e esta é necessária uma vez que a pulsão segue buscando sua satisfação Para permanecer na sociedade onde a cul tura existe e continua se desenvolvendo o sujeito deve renunciar à satisfação proi bida o que o leva a se manter em conflito permanente O homem tornase ético a partir de um processo de desenvolvimento cultural que implica encaminhar bem suas pulsões sendo capaz de se responsabilizar por seus atos promovendo e regulando o relacio namento com seus semelhantes A ética se instala no ego do indivíduo capacitando o a manejar com as pulsões advindas do id as ordens do superego e as exigências da rea lidade exterior Em uma relação terapêutica ins talamse vínculos afetivos que levam ao estabelecimento de um campo no qual a transferência por parte do paciente e a contratransferência por parte do terapeu ta determinam as tendências pulsionais mobilizadoras da dupla Podese dizer que a ética e a técnica são fa ces da mesma moeda pois existe uma relação de continuidade indissolúvel entre elas na prá tica terapêutica sendo que o terapeuta é ético enquanto preserva a boa técnica A ética extrín seca da terapia se deteriora quando acontecem falhas nos procedimentos técnicos psicoterá picos Cabe destacar que na relação tera pêutica devem ser nítidos os limites e as metas da dupla a qual é formada por um sujeito mais desenvolvido terapeuta e por outro por se desenvolver paciente A ta refa visa a assegurar ao paciente sua plena capacidade permitindo assim que tome decisões por si próprio O terapeuta tem o Psicoterapia de orientação analítica 415 dever ético de ajudálo a se desprender da relação de dependência permitindo a ins talação e o desenvolvimento da capacidade de autonomia plena Erros técnicos muitas vezes configu ram falhas éticas que ocorrem sob a racio nalização do terapeuta de estar protegendo o paciente de possíveis males Caracteri zamse no entanto como uma atitude pa ternalista que se opõe ao objetivo essencial e ético do tratamento a busca da autono mia do livrearbítrio por parte do paciente O paternalismo pode ser identificado sem pre que por qualquer medida terapêutica é cerceada a livre escolha do paciente além do indispensável para a preservação de sua sobrevivência A questão ética reside portanto em uma visão ampla na oposição entre auto nomia e autoritarismo este ataca perma nentemente o objetivo da autonomia que é a razão da terapêutica Freud preocupase com a questão éti ca desde as considerações iniciais sobre su gestão até a mais elaborada teoria da trans ferência quando fica então salientada a meta da técnica psicanalítica de respeitar e desenvolver a autonomia do paciente Dois comentários chamam a atenção o primei ro está em Observação sobre o amor trans ferencial16 Para o médico motivos éticos unem se aos técnicos para impedilo de dar à paciente o seu amor O objeti vo que tem de manter em vista é que essa mulher cuja capacidade de amar encontrase prejudicada por fixações infantis possa adquirir pleno controle de uma função que lhe é de tão inesti mável importância O segundo está em Esboço da psica nálise17 e salienta mais uma vez a íntima relação da ética com a técnica Por mais que o analista possa ficar tentado a transformarse em profes sor modelo e ideal para outras pes soas e criar homens à sua própria imagem não se deve esquecer que essa não é a sua tarefa no relaciona mento analítico e que na verdade será desleal a essa tarefa se permitir se ser levado por suas inclinações Se o fizer estará apenas repetindo um equívoco dos pais que esmagaram a independência do filho por meio de sua in fluência A norma ética preconiza que se deve buscar a verdade do paciente o que implica uma determinação na metodologia do tra balho terapêutico Em relação a esse aspec to o terapeuta deve desenvolver condições mentais pessoais que possibilitem a míni ma influência de seus conflitos e ideais no desenvolvimento particular do paciente Há que se ter em mente que para a terapia ser eficaz são necessários requisi tos éticos que ultrapassam o conhecimento da técnica em si tais como o empenho em querer ajudar o paciente a capacidade de suportar a relação com este e a confiança na capacidade de poder ajudálo A tarefa terapêutica deve realizarse sem perder de vista a necessidade de respeitar os valores e as características pessoais do paciente não podendo o terapeuta justificar qualquer im pulso ou comportamento que interfiram de forma autoritária nessa autonomia O terapeuta deve regerse pela res ponsabilidade pela independência e pelo respeito à pessoa do outro Em decorrên cia deve suscitar a autonomia a liberdade e a responsabilidade do paciente para que este possa sair da condição de dependência e falta de governabilidade em que vive em função de seus conflitos psíquicos É inevitável que o modelo cultural do terapeuta interfira no campo terapêuti co sendo por isso essencial que ele tenha 416 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs consciência desse fato buscando evitar a intrusão do modelo ideológico e respei tando sempre a identidade e a realidade psíquicas do paciente A diferença entre a ideologia e o respeito pela pessoa do pa ciente é fundamental o respeito abriga o caráter ético e a ideologia um esquema de ideias que se quer impor ao outro visando ao domínio e à manipulação em oposição à autocompreensão que em geral leva à autonomia do indivíduo O terapeuta deve tratar seu paciente somente por meio da teoria e da técnica psicoterápicas Ele é responsável por sua própria conduta ética não só no que diz respeito aos seus standards profissionais mas também no relacionamento com pa cientes colegas sociedade profissional ou tras instituições e público em geral Terapeuta é aquele que utiliza méto do e técnica psicoterápica reconhecidos ou seja a investigação do inconsciente por meio da associação livre da interpretação dos sonhos do entendimento da condu ta e da compreensão dessa investigação bem como o estabelecimento da relação transferencialcontratransferencial para o entendimento da causalidade do funcio namento da mente do paciente a partir das primitivas vivências sexuais infantis A função clínica do terapeuta também de ve objetivar o tratamento em que a consi deração em relação ao paciente é a de um parceiro a ser ouvido e respeitado com a finalidade de promover mudanças psíqui cas que resultem em alívio do sofrimento psíquico Quanto à técnica entendese que a interpretação complementada por ou tros procedimentos como confrontação e esclarecimentos constitui o instrumento básico para a investigação e a promoção de mudanças psíquicas O terapeuta ético res peita o método psicoterápico promove sua manutenção e seu desenvolvimento O setting e o campo terapêutico cons tituem o espaço no qual a relação transfe rencialcontratransferencial se desenvolve e se resolve da melhor maneira possível Nesse aspecto particular a técnica vincula se diretamente à ética que portanto se integra à teoria científica da psicoterapia A raiz ética dá coerência e sentido às normas técnicas psicoterápicas tornandose essen cial na prática terapêutica O terapeuta ético busca a verdade da realidade psíquica de seu paciente em oposição aos im pulsos que procuram obter poderes científicos políticos ou econômicos As falhas éticas sem pre levam a falhas técnicas porque alteram o enquadre ou seja o campo terapêutico Considerase essencial para a existên cia do processo psicoterápico que a relação terapeutapaciente transcorra em priva ção em frustração em abstinência Freud confirma isso quando refere que o analista não pode dar ao paciente satisfações dire tas porque se este as obtém rompese o campo a análise se desvia e se perverte Por entender que a gratificação direta bloqueia o processo de simbolização considerase a abstinência um recurso técnico da terapia e um preceito ético do terapeuta A sedução é uma das situações que com frequência alteram e desviam o pro cesso psicoterápico podendo tornálo perverso com a finalidade última de esta belecer a satisfação de demandas tanto por parte do paciente esperadas como por parte do terapeuta não esperadas relati vas a exigências narcísicas Um código de ética deve ser instituí do com base em princípios psicoterápicos definindo as funções do terapeuta delimi tando sua atuação Tais princípios antes Psicoterapia de orientação analítica 417 de tudo regemse pela máxima do respeito aos direitos da pessoa O terapeuta mais do que ninguém deve ter clareza do que seja o conceito de respeito pelo outro Essa no ção como se sabe está vinculada ao respei to por si mesmo por seus próprios valores Esse código de ética deve primaria mente ser formativo Os valores éticos defendidos pelos terapeutas constituem dados que fazem parte de sua formação psicoterápica Um código de ética enfoca do por esse ângulo só não é desnecessário porque os terapeutas estão sujeitos de for ma mais permanente ou apenas transitória a falhas éticas relacionadas à irrupção das constelações perversas inconscientes que podem abrigar dentro de si Um código de ética é então um alerta um chamamento à realidade que pode ajudar os terapeutas a não ficarem submetidos a essas constela ções perversas A ética do terapeuta não reside em essência no fato de seguir submisso a nor mas e códigos institucionais mas princi palmente em desenvolver a capacidade de uma consciência reflexiva sobre os valores que caracterizam sua tarefa Ser ético é algo a ser alcançado pelo indivíduo em seu de senvolvimento sendo que qualquer código de ética deve ter o sentido de formar e não o de deformar pelo excesso de normas ou por seu caráter punitivo PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Na introdução encontramse aspectos da descoberta psicanalítica acerca da compreensão da condi ção humana indicando os caminhos para a instalação dos princípios éticos 2 Em relação ao tópico religião desenvolvemse a partir do ato civilizatório discutido em Totem e tabu de Freud os princípios reguladores da ética nas relações pessoais e sociais 3 A partir do entendimento do narcisismo inicial discutese o desenvolvimento do indivíduo para a con dição de consideração para com o objeto e a relação com a estruturação do superego 4 A questão técnica salienta as firmes recomendações de se ater aos preceitos técnicos como forma de se manter dentro dos princípios éticos REFERÊNCIAS 1 Freud S The interpretation of dreams In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 4 2 Freud S Extracts from the Fliess papers In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 1 3 Freud S The claims of psychoanalysis to scientific interest In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 13 4 Freud S Totem and taboo In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Ho garth 1966 v 13 5 Freud S Obsessives actions and religious practice In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v 9 6 Freud S Notes upon a case of obsessional neurosis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v 10 7 Freud S The future of an illusion In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 21 418 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 8 Freud S Civilization and its discontents In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 21 9 Freud S On narcissism an introduction In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 14 10 Freud S Mourning and melancholia In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 14 11 Freud S The ego and the id In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Ho garth 1966 v l9 12 Freud S civilized sexual morality and modern nervous illness In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 9 13 Laplanche J Pontialis JB Vocabulário da psicanálise Lisboa Moraes 1970 14 Freud S Three essays on the theory of sexu ality In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 7 15 Freud S Group psychology and the analysis of the ego In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v l8 16 Freud S Observations on transferencelo ve In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 12 17 Freud S An outline of psychoanalysis In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 23 LEITURAS SUGERIDAS Freud S Beyond the pleasure principle In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 18 Freud S Formulations on the two principles of mental functioning In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1966 v 12 Freud S Inhibitionssymptoms and anxiety In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 20 Freud S Instincts and their vicissitudes In Freud S The standard edition of the complete psycholo gical works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 14 Freud S Introductory lectures on psychoanalysis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 16 Freud S New introductory lectures on psychoa nalysis In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 22 Freud S On beginning the treatment In Freud S The standard edition of the complete psychologi cal works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 12 Freud S Recommendations for physicians on the psychoanalytic method of treatment In Freud S The standard edition of the complete psychologi cal works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 12 Freud S The dissolution of the Oedipus complex In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 19 Freud S The economic problem of the maso chism In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 19 Freud S The psychopathology of everyday life In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 v 6 Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1966 Os mecanismos de apoio ou o suporte em pático permeiam as relações humanas des de os seus primórdios Formas de organiza ção de apoio aos doentes e tentativas de alí vio do sofrimento físico e psíquico podem ser observadas ao longo da história como o uso da magia a figura de xamãs pajés ou sacerdotes e assim por diante dependendo das diversas culturas Na Grécia Antiga já se pensava que o aconse lhamento e o apoio aliviavam as doenças men tais principalmente em situações de crise A importância do apoio na relação médicopaciente sempre foi estimada mesmo que de modo intuitivo e sem o co nhecimento teóricotécnico da atualidade Freud reconheceu que os médicos sempre realizavam algum tipo de psicoterapia de apoio em seus enfermos Dessa forma co nhecer a pessoa que está doente seja clíni ca seja mentalmente serve de base para as intervenções de apoio para suportar a dor seja qual for sua natureza sendo intrínseca à função terapêutica Daí que uma postura facilitadora para o paciente se ligar ao te rapeuta é imprescindível para o êxito dos tratamentos Os diálogos entre profissionais da saúde e seus pacientes contendo interven ções de apoio são bastante comuns em di ferentes tipos e locais de atendimento In tervenções de apoio estão sempre presentes na relação médicopaciente na clínica mé dica e nas diversas formas de psicoterapia as quais incluem também a psicanálise padrão A psicoterapia de apoio é uma modalidade psi coterápica que utiliza de forma predominan te intervenções suportivas para auxiliar o pa ciente Todavia há uma variedade de questio namentos e posições a respeito não existindo consenso quanto a uma teoria ou técnica uni versalmente aceitas O objetivo deste capítulo é apresentar uma maneira específica de terapia dentro do amplo espectro que constitui a psicote rapia de orientação analítica POA abor 24 PSICOTERAPIA DE APOIO DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA Lucia Helena Freitas Simone Isabel Jung Dême um ponto de apoio e eu moverei o mundo Arquimedes 420 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dando seu conceito objetivos indicações intervenções mecanismos de mudança e evidências de eficácia DEFINIÇÕES E OBJETIVOS A psicoterapia de apoio pode ser definida sob diferentes perspectivas como um tipo de psicoterapia psicodinâmica localizada na extremidade de um espectro variando de intervenções compreensivas a interven ções essencialmente de apoio1 como uma modalidade distinta de psicoterapia2 ou como uma técnica utilizada em todos os tipos de psicoterapia35 inclusive na psica nálise Para muitos autores a psicoterapia de apoio foi desenvolvida a partir da teoria psicanalítica mas tem sido cada vez mais considerada como um método de tratamento independente e com corpo teórico e prático específicos6 abarcan do diversas abordagens psicoterápicas como a cognitivocomportamental a humanista a de gestão de estresse e a de orientação analítica entre outras A psicoterapia de apoio de orienta ção analítica PAOA busca a melhora ou a manutenção do nível de funcionamento do paciente por meio do estabelecimen to de uma relação de suporte confiança e segurança entre psicoterapeuta e paciente Amparada na compreensão psicodinâmica a PAOA utiliza o apoio como principal in tervenção para restabelecer as capacidades de defesa do paciente e para reforçar ou melhorar suas funções egoicas Tem como objetivos o aumento na apreensão e no julgamento da realidade na capacidade de enfrentamento em situações de crises vitais ou acidentais ou de situações de reagudização de um transtorno psiquiá trico prévio e a possibilidade de afastamen to do paciente de estressores ambientais graves A melhora sintomática é atribuída aos esforços que visam a fortalecer aspec tos saudáveis do indivíduo e a aumentar a adaptação via equilíbrio entre os impulsos instintivos e seus derivados e das defesas acionadas em busca do reforço daquelas mais adaptativas7 Mais recentemente a fi nalidade da PAOA foi ampliada para além de apenas auxiliar um paciente psicótico a permanecer fora da internação hospitalar8 adaptado à vida na comunidade Sugerese agora que a psicoterapia de apoio de orien tação analítica possa também evitar maio res rupturas na mente do paciente manter ou melhorar seu funcionamento como um todo até obter em alguns casos mudanças estruturais de sua personalidade29 CLASSIFICAÇÃO A PAOA oferecida individualmente ou em grupo é classificada em duas mo dalidades em termos de sua duração A de longa duração é recomendada para enfrentar situações crônicas de incapa citação para pacientes com transtornos psiquiátricos maiores deficiência mental leve transtornos da personalidade e para aqueles cuja adesão ao tratamento far macológico seja inabordável por outros tipos de intervenções A de curta duração destinase ao atendimento imediato do controle de crises Nas crises em pacientes previamente saudáveis a PAOA busca o rápido retorno ao funcionamento prévio e a prevenção do desenvolvimento de sin tomas duradouros bem como evita maior deterioração psicológica e relacional Um exemplo disso é o enfrentamento de trau mas psíquicos agudos graves Psicoterapia de orientação analítica 421 INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES A indicação clássica para psicoterapias de apoio é o caso de pacientes com psicopatolo gias graves e crônicas indivíduos regressivos com limitações caracterológicas graves rela ções de objeto prejudicadas de forma signifi cativa e que utilizam predominantemente de fesas primitivas Esses indivíduos apresentam ainda dificuldade nos relacionamentos interpes soais e prejuízos no teste de realidade e muitas vezes dificuldades com o funcio namento simbólico Por exemplo a PAOA é amplamente utilizada no tratamento de pacientes com transtornos da personalida de graves como o narcisista o borderline e transtornos psiquiátricos maiores1011 Pacientes com episódios psicóticos recor rentes depressões graves descontrole de impulsos atuações importantes ideação paranoide fóbicos com fantasias e resis tências profundas em situações de pro ximidade com o mundo interno com bai xa capacidade de pensar psicologicamente e dificuldades de verbalização têm maior probabilidade de benefícios com essa abor dagem do que com a psicoterapia de orien tação analítica dirigida para o insight Entretanto ainda que tradicional mente eleita como primeira escolha para casos mais graves a psicoterapia de apoio tem sido indicada também com benefí cios para pacientes com alto grau de fun cionamento psicológico prévio1213 cujas queixas ou dificuldades sejam de origem recente atravessando uma crise vital che gada do primeiro filho menopausa apo sentadoria ou acidental perdas por morte ou separações de familiares ou indivíduos da rede social que serviam de referência e suporte É indicada também quando a situa ção financeira ou de tempo não permite a necessária frequência de uma psicoterapia mais intensiva ou para pacientes cujo in teresse principal seja a mudança sintomáti ca e que não mostram maior interesse no momento sobre seu funcionamento psico lógico Uma indicação não menos impor tante é para aqueles com necessidade de trabalhar questões de confiança nos outros antes de empreenderem uma psicoterapia de orientação analítica dirigida para o in sight ou a psicanálise A PAOA é recomendada inclusive para pacien tes que vivem sob o impacto emocional de con dições médicas crôni cas ou irreversíveis e que apresentam graves limitações como câncer diabetes doenças coronárias leucemia coli te lúpus HIV transplantes insuficiência renal amputações doenças terminais e reações dian te da morte Nesse sentido tal modalidade de psicoterapia é indicada com frequência nas interconsultas psiquiátricas em clínica médica sendo um importante coadjuvan te na adesão a tratamentos e no alívio da dor psíquica em inúmeras situações dessa natureza Suas contraindicações são a incapa cidade do indivíduo para estabelecer uma aliança terapêutica que implique honesti dade e confiança ausência de um mínimo pensar psicológico e casos de pacientes so matizadores graves ou que tenham déficits significativos e incapacitantes na cognição e na memória Aqueles sem motivação para mudar com incapacidade para abrir mão de ganho secundário sem qualquer compromisso com a psicoterapia e carac 422 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs terísticas antissociais graves também são pacientes para os quais a PAOA é contrain dicada7 A avaliação do paciente sabidamente crucial norteia a indicação da modalidade de psicoterapia com maior chance de eficá cia As indicações mais precisas de formas de psicoterapia de eleição serão aquelas que compatibilizem o tipo de psicoterapia com as capacidades e limitações do paciente pa ra realizálas614 SOBRE A TÉCNICA O referencial teóricoclínico psicanalítico é a base da compreensão do paciente na PAOA sendo indispensável buscar conhe cer seu funcionamento acerca dos fe nô menos transferenciaiscontratransfe renciais presentes a cada momento na psicotera pia Po rém alguns procedimentos técni cos constituem diferenças maiores entre a psicoterapia de apoio nessa abordagem e a psicoterapia de orientação analítica POA mais voltada para o insight Na primeira a transferência embora alvo de compreensão não é estimulada e só é abordada quando constituir resistência à continuidade do tratamento Na POA por sua vez o terapeuta favorece e facilita o surgimento de associações livres e a trans ferência é interpretada com mais frequên cia Assim enquanto o principal atributo da POA é a transferência e sua interpreta ção a atribuição de excelência da PAOA são intervenções de apoio ou suporte Alguns autores26 estabelecem uma diferencia ção entre atitude de suporte intervenções de suporte e técnicas suportivas Atitude de suporte significa o acolhi mento do paciente pela presença respeitosa e séria do psicoterapeuta na análise de seus conflitos Sob outro enfoque intervenções de suporte pressupõem ações mais diretas como a observação reconfortante dos aspec tos positivos do paciente A técnica inclui a predominância de intervenções suportivas Todavia mesmo na POA e na psicanálise padrão as intervenções de suporte podem ocorrer durante o processo de tratamento Por exemplo Lecours15 destaca a importân cia das intervenções de apoio na psicanáli se como meio facilitador na transformação dos episódios de pensamento não simbólico em simbólico em pacientes mais frágeis em tratamento Para o autor as intervenções de apoio estão para o funcionamento não sim bólico assim como as interpretações estão para o simbólico Nesse caso as interven ções de apoio são temporárias e abandona das tão logo o funcionamento simbólico do paciente seja restaurado Entretanto as in tervenções de apoio são predominantes na PAOA e seu uso é sistemático como técnica de tratamento nessa modalidade As intervenções de suporte são por tanto o agente terapêutico mais relevante na PAOA Significam um comportamento acolhedor empático sem julgamento um esforço genuíno por parte do psicoterapeu ta em ajudar o paciente O psicoterapeuta auxilia o paciente a perceber com maior clareza seus problemas e potencialidades e a encontrar maneiras de enfrentamento mais eficazes que não sobrecarreguem seu ego que reforcem ou promovam o surgi mento de defesas mais adaptativas A relação terapêutica é um fator significativo para predizer o resultado em todas as psico terapias1617 Na PAOA ela é imprescindível Psicoterapia de orientação analítica 423 também para a manutenção e o uso de outras intervenções no decorrer do tratamento A uti lização do terapeuta como um objeto bom e sua internalização por meio de uma relação te rapêutica positiva são fundamentais para al cançar benefícios nessa modalidade de trata mento6 O psicoterapeuta funciona em mui tos momentos como ego auxiliar ou subs tituto do paciente oferecendo um relacio namento interpessoal seguro que estimule o crescimento Muitas vezes o terapeuta desempenha funções que o paciente não consegue exercer ou tenta fazêlo de for ma precária e inadequada com o intuito de ampliar a capacidade de julgamento e teste de realidade do paciente Este na psicoterapia de apoio é temporariamente provido daquilo que lhe falta18 e utiliza o terapeuta como um espelho que possibili te a construção de um self mais integrado e estável14 Na PAOA a identificação com o psicoterapeuta é ativamente encorajada na medida em que este apresenta uma maior probabilidade de ser um modelo mais ma duro e estável para o paciente do que os indivíduos que foram objetos de identifi cação no passado8 O uso da identificação permite ao paciente desenvolver interesse em seu próprio mundo interno e amplia as opções deste para manejar situações que envolvam sua realidade19 Ainda que a transferência não seja estimulada na PAOA o terapeuta mantém um olhar aten to sobre o clima predominante na relação de tratamento20 certo grau de transferência posi tiva em geral será de ajuda no tratamento e pode ser simplesmente aceito e não interpre tado A transferência servirá para que o te rapeuta compreenda a patologia do pacien te mediante a repetição de condutas com pessoas significativas Dessa forma será mais de consumo interno do psicotera peuta ou seja apesar de não ser ignorada também não é ativamente interpretada No entanto se a transferência negativa estiver se desenvolvendo de forma acentuada o terapeuta poderá precisar fazer uso da inter pretação para restaurar a sensação de reali dade das percepções do paciente A transfe rência na PAOA portanto é mais interpre tada quando houver sinais de significativa resistência à terapia O desenvolvimento de uma neurose de transferência não é aqui prioridade A PAOA enfatiza o relacionamento real com o tera peuta tendo como base o interesse e a recep tividade empática do profissional A neutrali dade clássica é abandonada e o anonimato a reserva e o silêncio dão lugar a uma postura mais ativa e afetiva Na PAOA a neutralidade consiste em uma atitude de não julgamento em relação ao paciente O terapeuta é mais participativo assume posições responde questões e se necessário pode incentivar a tomada de decisões pelo paciente21 A atenção do terapeuta também está voltada para seus aspectos contratransfe renciais principalmente em função de sua postura mais ativa na PAOA que o deixa menos protegido pela estrutura mais fle xível do tratamento Há menor clareza nas diretrizes das intervenções na PAOA e maior número de opções de intervenção quando comparada à POA Na PAOA oferecese um espaço in terpessoal em que o paciente poderá ex pressar seus sentimentos O foco está nos aspectos conscientes e précons cientes do paciente concentrase no presente 424 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs no aqui e agora dos estressores ambientais e re lacionais sendo desencorajada a regressão Dewald22 recomenda que o terapeuta aceite e escute as comunicações das vivên cias reprimidas que surjam na consciência do paciente mas centre a atenção nas vi vências mais atuais e mais direcionadas à realidade Podese dizer que a PAOA se caracteriza pelo exame dos problemas emocionais conscientes e préconscientes promovendo maior integração e conheci mento desses processos e maior aproxima ção possível aos processos inconscientes6 Enquanto na POA as defesas são identificadas e analisadas de maneira sis temática na PAOA ao identificar defesas mais inadequadas o terapeuta sugere ou aponta novas formas de manejo para a si tuação conflitiva8 Já as defesas considera das como adequadas ou aceitáveis são reco nhecidas e fortalecidas23 O insight também é almejado mas de modo diferente6 Aqui o insight é obtido por intervenções como esclarecimento con frontação e educação Nessa modalidade de psicoterapia o insight consiste princi palmente na compreensão dos aspectos já conscientes do paciente que se organizam por meio de seu processo secundário de pensamento racional8 As intervenções mais utilizadas na PAOA são a tranquilização reasseguramento a validação empática a educação sobre os sintomas e a doença a sugestão a persuasão o aconselha mento a abreação o esclarecimento clarifi cação e a confrontação as quais serão descri tas e exemplificadas a seguir Tranquilização reasseguramento O te rapeuta expressa aprovação acerca de ati tudes e ideias do paciente que denotem adequação à realidade por meio de elogios encorajamento e reforço positivo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Paciente fóbica chega à sessão relatando que no dia anterior conseguiu sair de casa sozinha pela primeira vez depois de três meses O psi coterapeuta elogia a conquista da paciente e aponta o quanto ela está sendo capaz de ven cer seus medos Validação empática Objetiva a compreen são dos afetos e dos comportamentos do paciente a partir de seus pontos de vista Significa colocarse no lugar do paciente e tentar entrar em contato com seu mundo interno ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Paciente que vinha tentando uma vaga para cursar Medicina na universidade chega à ses são entristecido por não ter conseguido suces so O psicoterapeuta de forma empática diz que entende seu sentimento pois sabe o quan to ele se esforçou e se dedicou aos estudos no último ano Educação informações sobre sintomas e doença São oferecidas explicações sobre questões objetivas quanto ao tratamento à natureza e à etiologia dos sintomas Tem como meta auxiliar o paciente a tomar co nhecimento dos elementos essenciais de sua patologia propiciando condições para que possa identificar os eventos que o per Psicoterapia de orientação analítica 425 turbam refletir sobre eles e evitar ou supri mir a sintomatologia6824 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Paciente assiste à morte de familiar próxi mo durante um assalto sendo a única sobre vivente Comparece à consulta acompanha da de uma amiga apresentando sintomas de transtorno de estresse póstraumático Mostra se assustada ao relatar o que aconteceu com dificuldade de olhar para o terapeuta e pare cendo envergonhada O terapeuta fornece in formações sobre seu presumível diagnóstico e tratamento tornando a ela mais compreensí vel os sintomas que experimenta e aborda seus sentimentos de culpa como habituais nessas situa ções Também reforça a importância do apoio da sua rede social chamando e orientan do acompanhantes ou familiares Sugestão O terapeuta empresta sua capa cidade de examinar a realidade e preenche temporariamente a incapacidade do pa ciente em exercer essa função Assim in dica novas estratégias e alternativas de en frentamento para o manejo dos conflitos É utilizada em pacientes que se sentem para lisados para examinar alternativas e avaliar saídas mais adequadas para situações de crise que estejam atravessando ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Paciente com transtorno da personalidade bor derline e tentativas de suicídio anteriores diz que ficará o dia sozinha em casa Apesar de estar em um momento mais estável é a primeira vez que ficará tanto tempo sem ninguém ao lado O terapeuta sugere que ambos juntos possam organizar o dia da paciente listando o que ela poderá fazer como ir à locadora e pegar filmes conversar com as amigas pelo Skype ou convi dálas para uma visita de forma a se sentir menos só e isolada naquele período Persuasão Intervenção mais direta que a sugestão tentando influenciar desejos vontades e decisões do paciente O objeti vo é induzir ideias sentimentos ou atitudes que forneçam suporte e auxílio ao paciente para superar comportamentos mais desa daptativos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 5 Paciente chega à psicoterapia após internação de desintoxicação por abuso de álcool e refe re ter recebido um convite para uma balada no sábado Diz que está inclinado a aceitar O te rapeuta auxilia o paciente a pensar sobre o que poderá ocorrer se aceitar o convite interferindo diretamente em sua decisão por compreender que este ainda não é o momento para ele en frentar esse tipo de situação Aconselhamento Com o objetivo de re forçar aspectos saudáveis da personalidade do paciente evitar estresse ou crise maior o terapeuta sugere atitudes ou decisões pa ra o manejo de situações conflitantes O aconselhamento deve ser baseado nas ne cessidades afetivas nas capacidades e na realidade do paciente e não em valores e aspirações pessoais do psicoterapeuta6 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 6 Paciente vítima de agressão doméstica por parte do marido separase dele A seguir o 426 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs excompanheiro passa a assediar a casa da paciente ameaçando os filhos e a ela de morte O terapeuta ativamente informa à paciente os recursos de proteção disponíveis como boletim de ocorrência policial medida judicial restriti va ou até mesmo a saída de sua moradia Nos casos em que um fato da realidade se impõe o psicoterapeuta deve interferir na tentativa de proteger o paciente Abreação É a facilitação da expressão pe lo paciente de emoções e sentimentos re primidos O paciente supera a repressão e revive de forma emocionalmente intensa aspectos mais traumáticos de seus confli tos São momentos de significativa carga emocional sendo importante que o tera peuta se mantenha estável e acolhedor ou vindo e preservando suas funções de tera peuta e garantindo a integridade do setting como um espaço seguro e protegido Esclarecimento clarificação É apresen tada ao paciente uma nova explicação ou perspectiva sobre seus conflitos e sinto mas permitindo que altere pensamentos e crenças equivocadas Revelamse também padrões e aspectos aparentemente desco nhecidos dos problemas do paciente mas que se restringem a sua natureza manifes ta em detrimento da latente625 Significa ainda reformular o discurso do paciente de modo que as relações de seu conteúdo obtenham maior relevo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 7 Paciente por várias sessões vinha falando a respeito do pai do chefe e do namorado O psi coterapeuta refere que a fala da paciente ex pressa os mesmos sentimentos Está furiosa com todos eles Confrontação Significa auxiliar o pacien te a direcionar a atenção para aspectos de sua vivência e comportamento que se en contram dissociados e cujas contradições passam despercebidas A intervenção obje tiva aumentar a compreensão do paciente sobre tais dissociações sem necessaria mente aludir a seus significados incons cientes ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 8 Paciente obsessivo que recentemente perdeu o filho em acidente automobilístico evita falar no assunto e não demonstra esperados sentimen tos de pesar em relação ao ocorrido Chega à sessão e diz não entender o que vem aconte cendo pois temse emocionado de forma inten sa com cenas na TV como assaltos com vítimas nos noticiários ou de encontro entre familiares em filmes e novelas O terapeuta assinala a ex pressão limitada de seus sentimentos em rela ção à perda do filho e a sensibilidade exacerba da por acontecimentos na TV Assim demons tra ao paciente a dissociação e o deslocamento ocorridos depositando nas cenas assistidas na TV as emoções referentes à morte do filho É relevante ressaltar que as intervenções de apoio muitas vezes sobrepõemse como em um continuum Alguns autores entendem que o esclarecimento e a confrontação são comple mentares Outros as consideram como idênti cas26 da mesma forma como a sugestão e o aconselhamento A psicoterapia de apoio diferente mente do que se acreditava e em qual quer das suas modalidades exige anos de treinamento e experiência27 assim como condições pessoais de empatia por parte Psicoterapia de orientação analítica 427 do terapeuta14 A PAOA requer atenção re dobrada aos aspectos contratransferenciais do terapeuta que podem se intensificar em função da sua maior atividade e regras me nos definidas da técnica As duas modalidades de PAOA de curto e longo prazo oferecidas individual mente ou em grupo são realizadas em ses sões face a face que podem variar de 30 a 50 minutos com frequência semanal quinze nal ou mensal dependendo da necessidade de maior ou menor apoio do paciente As sessões podem ser breves ou interrompidas em função da sensação do paciente de ter acabado por hoje8 Sua duração é variá vel podendo ser de dias semanas meses ou anos Assim na PAOA a flexibilidade serve para minimizar a tensão e os conflitos do paciente em contraste com a postura adotada na POA focada mais nas resistên cias e nos conflitos inconscientes MECANISMOS DE MUDANÇA A maior parte dos estudiosos compreende que os mecanismos de mudanças que ocor rem na psicoterapia de apoio estão basea dos nas vivências da relação mãe e filho e em sua influência direta na construção do psiquismo do indivíduo Assim como a mãe suficientemente boa de Winnicott28 exerce a função de suporte holding e de manuseio handling ou a mãe com ca pacidade de rêverie descrita por Bion29 é continente das angústias do bebê e trans forma afetos brutos em elementos simbó licos o terapeuta na PAOA se apresenta empático disponível firme afetivo ca paz de sustentar e orientar o paciente nos momentos em que ele necessita Portanto a relação empática a identificação e a in trojeção das atitudes do psicoterapeuta são apontadas como mecanismos de mudança importantes na psicoterapia de apoio30 De acordo com Rosenthal e colabo radores31 o conceito de mudança em psicoterapia de apoio consiste no esforço colaborativo que acontece entre paciente e terapeuta para compreender padrões repe titivos e desadaptados que ocorrem na vida do paciente no intuito de identificar o que pode ser alterado Para esses autores a au tocompreensão não é fundamental na PA OA sendo perseguida somente na medida em que apoia a realização das metas e dos objetivos de tratamento EVIDÊNCIAS DE EFICÁCIA A psicoterapia de apoio já foi considera da uma psicoterapia menor que exigia pouca capacidade técnica e alcançava re sultados limitados Esse panorama vem se modificando e apesar das controvérsias destacados analistas e pes quisadores compreendem que as técnicas de apoio podem levar a alterações profundas e du radouras da personalidade anteriormente pen sadas somente serem alcançadas pela resolu ção de conflitos inconscientes por meio da téc nica analítica clássica303234 Incremento significativo para a evi dência de eficácia da PAOA foi a publica ção dos resultados da pesquisa do Projeto Menninger que acompanhou pacientes em psicoterapia psicanalítica e psicanálise3233 Nesse estudo constatouse que as interven ções de apoio foram responsáveis por uma substancial mudança na personalidade de vários pacientes Além disso intervenções de apoio foram mais frequentes do que o esperado para psicoterapias de abordagem psicanalítica Recentemente uma pesquisa 428 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs que envolveu 89 psicanalistas da American Psychoanalytic Association e da Internatio nal Psychoanalytical Association sobre suas próprias experiências em análise ratifica ram esses achados34 Os resultados revelaram que na opinião dos participantes além de outros fatores as análi ses de melhores resultados foram associadas a analistas empáticos emocionalmente engaja dos e que utilizaram técnicas de apoio em adi ção às clássicas ao longo do tratamento Pesquisas sobre a eficácia da psicote rapia de apoio ainda são incipientes Sur preende o fato de que embora essa abor dagem psicoterápica seja hoje muito prati cada por diversos profissionais da área da saúde35 ela é estudada por poucos pesqui sadores A psicoterapia de apoio em geral aparece como alternativa de grupocontro le em investigações que analisam a eficácia de outras modalidades de psicoterapia Isso significa que não é estudada pelo próprio mérito em trazer benefícios terapêuticos34 Essas considerações são válidas também quando tratamos exclusivamente da PA OA23637 Entretanto apesar de ainda em número reduzido alguns estudos especí ficos sobre PAOA têm sido realizados em especial com pacientes com diagnóstico de transtorno da personalidade esquizofrenia e doenças orgânicas Nesses estudos a PA OA é mencionada por diferentes termos apenas como psicoterapia de apoio terapia dinâmica de apoio psicoterapia psicodinâ mica de apoio ou psicoterapia de suporte expressivo Hellerstein e colaboradores12 publi caram os resultados de um estudo con trolado comparando terapia de apoio e terapia dinâmica de curto prazo para pa cientes com transtorno da personalidade Houve melhora nos pacientes em ambos os tipos de psicoterapia Os dados também revelaram que a PAOA é eficaz para muitos pacientes levandoos a modificações signi ficativas e duradouras Em pesquisa reali zada por Barber e colaboradores38 a PAOA se mostrou promissora no tratamento de pacientes com transtorno da personalida de obsessivocompulsiva e evitativa Outra investigação relevante foi desenvolvida por Clarkin e colaboradores39 com pacientes com transtorno da personalidade border line em que três tipos de tratamento fo ram comparados terapia comportamental dialética terapia focada na transferência e terapia de apoio Os resultados sugeriram que as três psi coterapias eram equivalen tes em relação à mudança positiva ampla dos pacientes E ainda a psicoterapia de apoio e a focada na transferência foram as sociadas a melhora na impulsividade Um estudo re cente comparando psicoterapia baseada na mentalização e PAOA para pa cientes com transtorno da personalidade borderline indicou que as duas psicotera pias são similarmente eficazes40 Nas pesquisas com pacientes com esquizofrenia a PAOA também tem de monstrado eficácia4142 Rosenbaum e co laboradores43 comparando psicoterapia psicodinâmica de apoio individual além do tratamento convencional com tra tamento unicamente convencional para pacientes com esquizofrenia em primeiro episódio psicótico evidenciaram melhora significativa no funcionamento global e grandes tamanhos de efeito em dois anos no grupo de pacientes que recebeu PAOA além do tratamento convencional A PAOA revelase eficaz no auxílio ao tratamento de pacientes com doenças orgânicas como diabetes44 câncer4547 HIV48 e úlcera crônica Em relação a esta Psicoterapia de orientação analítica 429 última uma investigação que analisou 103 pacientes ambulatoriais com a doença de signados para duas condições de tratamen to médico N 53 e tratamento médico associado a psicoterapia de apoio N 50 encontrou que após os primeiros três me ses ambos os grupos melhoraram de forma semelhante em sintomas mentais e somáti cos Entretanto no seguimento de 15 me ses foram encontradas diferenças significa tivas em favor do grupo de psicoterapia de apoio49 Kangas e colaboradores50 publicaram um estudo de metanálise sobre tratamento não medicamentoso para a fadiga relacio nada ao câncer FRC em pacientes adul tos Foram analisados 119 estudos Inter venções psicossociais de suporte expressivo um tipo de PAOA e cognitivocomporta mental apresentaram potencial promissor para amenizar a FRC A eficácia da PAOA é demonstrada ainda em pesquisas de pacientes com transtorno dis ruptivo5152 abuso de substâncias5356 trans torno de adaptação54 transtorno depressivo maior5457 transtornos de ansiedade54 e de forma mais específica no transtorno de ansie dade social58 no transtorno de pânico59 an siedade generalizada60 e em casos de pais com filhos com transtorno de ansiedade de separa ção27 Dekker e colaboradores61 analisaram a eficácia e a rapidez da ação da psicotera pia psicodinâmica de apoio de curto pra zo em comparação com a farmacoterapia para o tratamento agudo da depressão Constataram que em ambas as condições de tratamento os pacientes melhoraram de forma significativa durante as primeiras oi to semanas A farmacoterapia como era de se esperar obteve ligeira vantagem sobre a psicoterapia nas primeiras quatro semanas Outro estudo importante com pacientes deprimidos foi conduzido por Maat e co laboradores62 comparando três modalida des de tratamento psicoterapia de apoio de curta duração farmacoterapia e a combi nação da psicoterapia de apoio com medi cação Os dados revelaram que a psicotera pia de apoio e a farmacoterapia são eficazes para o tratamento da depressão Entretanto medidas de desfecho secundárias mostram que tanto clínicos quanto pacientes apontam a superioridade da psicoterapia de apoio à farmacoterapia com relação à redução dos sintomas depressivos Pacientes terapeutas e observadores independentes avaliaram a terapia combi nada como mais eficaz do que a farmaco terapia sozinha tanto em relação à redução dos sintomas como na melhora da quali dade de vida Driessen e colaboradores63 também mostraram a eficácia da PAOA e da terapia cognitivocomportamental para pacientes deprimidos Evidências de resultados relevantes também têm sido encontradas para a PA OA com pacientes portadores de transtor nos tradicionalmente contraindicados para as psicoterapias de orientação analítica co mo a alexitimia64 CONSIDERAÇÕES FINAIS A psicoterapia de apoio faz parte do conjunto das modalidades psicoterápicas efi cazes para o tratamento de indivíduos com sofrimento psíquico É portanto essencial na formação de psicoterapeutas Seu estudo em teoria e técnica é de extre 430 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ma relevância considerando serem suas inter venções das mais praticadas entre os profissionais da área da saúde Apesar da ampliação do número de publicações de pesquisas em psicoterapia de apoio seu crescimento tem ocorrido de modo mais lento do que se esperava principalmen te se comparada à produção científica de outras modali dades de psicoterapia Esse talvez seja um dos motivos que a torna controversa e sem delimitações teórico técnicas de consenso O alívio no sofrimento psíquico de pacientes por meio da PAOA é fato reconhecido embora o al cance das mudanças ocorridas siga em discus são Para alguns autores os terapeutas dessa abordagem na atualidade estão mais ambicio sos quanto a seus resultados do que anterior mente uma vez que consideram também pro mover mudanças estruturais em seus pacien tes2 Entendem já haver evidências de que a PAOA possa levar a mudanças profundas e duradouras3234 Outros acreditam que a alta em psicoterapia de apoio deva ser con siderada apenas como uma interrupção e não como um término14 ou seja com re sultados mais limitados Tais considerações comprovam a polêmica ainda existente so bre as psicoterapias de apoio e a necessi dade de mais pesquisas para ratificação dos resultados Controvérsias à parte a psicoterapia de apoio já não é mais considerada uma téc nica menor de simples aplicação que exija pouca formação do psicoterapeuta Por sua vez a PAOA como qualquer modalidade de psicoterapia apresenta elementos que podem facilitar ou dificultar o processo de tratamento Assim é uma abordagem complexa que exige conhecimento e trei namento isto é formação teóricotécnica cuidadosa Cada pessoa é um ser único seja qual for sua psicopatologia As necessidades do ser humano variam em cada momento da vida Portanto a escolha de que tipo de psi coterapia é mais adequada dependerá das circunstâncias envolvidas e exige avaliação detalhada do paciente e de sua rede social O ponto de partida para o alcance de bons resultados em PAOA é a indicação precisa dessa modalidade Na PAOA o psicoterapeuta muitas vezes deparase com pacientes que apre sentam patologias graves situações de ex tremo estresse ou limitações sérias o que por si só tende a mobilizar o profissional Assim atuações contratransferenciais po dem se apresentar como um obstáculo considerável a ser elaborado nesse tipo de psicoterapia Somadas a isso a flexibilidade da técnica sua definição ainda imprecisa e a postura mais ati va do terapeuta exigem atenção redobrada O ponto ideal entre o holding necessário e a in fantilização do paciente ou seja entre o dis tanciamentoaproximação da dupla paciente psicoterapeuta no processo de tratamento é um desafio constante Para finalizar destacase que nos dias atuais pacientes com funcionamento mais primitivo estão cada vez mais presentes na prática psicoterápica e psicanalítica Por tanto o conhecimento a aplicabilidade e a pesquisa das intervenções de apoio como técnica sistemática ou como intervenção temporária continuam sendo de extrema relevância não só hoje mas provavelmen te no futuro das psicoterapias Psicoterapia de orientação analítica 431 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia de apoio foi desenvolvida a partir da teoria psicanalítica mas tem sido considerada como um método de tratamento independente e com corpo teórico e prático específicos 2 A PAOA busca a melhora ou a manutenção do nível de funcionamento do paciente mediante o estabe lecimento de uma relação de suporte de confiança e de segurança entre psicoterapeuta e paciente 3 Tem como objetivos o aumento na apreensão e no julgamento da realidade na capacidade para enfren tamento em situações de crises vitais ou acidentais ou de situações de reagudização de um transtorno psiquiátrico prévio e a possibilidade de afastamento do paciente de estressores ambientais graves 4 A indicação clássica para as psicoterapias de apoio é a de pacientes com psicopatologias graves e crônicas indivíduos regressivos com limitações caracterológicas graves relações de objeto significa tivamente prejudicadas e com uso predominante de defesas primitivas 5 Também é recomendada para pacientes que vivem sob o impacto emocional de condições médicas crônicas ou irreversíveis e que geram graves limitações 6 Atitude de apoio seja qual for o método ou a teoria associados significa um acolhimento do paciente por meio da presença respeitosa e séria do psicoterapeuta na compreensão de seus problemas 7 O uso do terapeuta como um objeto bom e sua internalização por meio de uma relação terapêutica positiva é fundamental para alcançar benefícios nessa modalidade de tratamento 8 As intervenções mais utilizadas na PAOA são a tranquilização a validação empática a educação a sugestão a persuasão o aconselhamento a abreação o esclarecimento e a confrontação 9 O estabelecimento de uma relação empática de identificação e de introjeção das atitudes do terapeuta é apontado como o mecanismo de mudança mais importante na psicoterapia de apoio 10 O alívio no sofrimento psíquico de pacientes com a PAOA é fato reconhecido embora o alcance das mudanças ocorridas siga em discussão REFERÊNCIAS 1 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica 4 ed Porto Alegre Artmed 2006 2 De Jonghe F Rijnierse P Janssen R Psycho analytic supportive psychotherapy J Am Psychoanal Assoc 199442242146 3 Winston A Pinsker H McCullough L A re view of supportive psychotherapy Hosp Community Psychiatry 198637111105 14 4 Pinkser H Rosenthal R McCullough L Dy namic supportive psychotherapy In Crits Cristoph P Barber JP editors Handbook of shortterm dynamic psychotherapy New York Basic Books 1991 p 22047 5 Barber JP Stratt R Halperin G Connolly MB 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derline patients a psychodynamic approa ch New York Guilford c1992 12 Hellerstein DJ Rosenthal RN Pinsker H Samstag LW Muran JC Winston A A ran domized prospective study comparing su pportive and dynamic therapies Outco me and alliance J Psychother Pract Res 19987426171 13 Ursano R Psicanálise psicoterapia psicana lítica e psicoterapia de apoio In Hales RE Yudofsky SC Dornelles CL Monteiro C Costa RC Cordioli AV et al Tratado de psi quiatria clínica 4 ed Porto Alegre Artmed 2006 14 Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais 3 ed Porto Alegre Artmed 2008 15 Lecours S Supportive interventions and nonsymbolic mental functioning Int J Psychoanal 200788Pt 4895915 16 Horvath AO Del Re AC Flückiger C Sy monds D Alliance in individual psychothe rapy Psychotherapy Chic 20114819 16 17 Owen J Hilsenroth MJ Interaction between alliance and technique in predicting patient outcome during psychodynamic psychothe rapy J Nerv Ment Dis 201119963849 18 Kaplan HI Sadock BJ Psicoterapias In Ka plan HI Sadock BJ Tratado de psiquiatria 6 ed Porto Alegre Artmed 1999 p 1903 2038 19 Carsky M Supportive psychoanalytic thera py for personality disorders Psychotherapy Chic 20135034438 20 Douglas CJ Teaching supportive psychothe rapy to psychiatric residents Am J Psychia try 2008165444552 21 Fiorini HJ Delimitação técnica das psicote rapias In Fiorini HJ Teoria e técnica de psi coterapias 7 ed Rio de Janeiro Franscisco Alves 1987 p 4962 22 Dewald PA Psicoterapia uma abordagem dinâmica 5 ed Porto Alegre Artes Médi cas 1989 23 Gabbard GO editor Textbook of psychothe rapeutic treatments Washington American Psychiatric c2009 24 Wallerstein RS Modelos psicanalíticos da psicoterapia In Wallerstein RS Las nuevas direcciones de la psicoterapia teoría prác tica investigacíon Buenos Aires Paidós 1972 p 2548 25 Kernberg OF Psicanálise psicoterapia psi canalítica e psicoterapia de apoio contro vérsias contemporâneas Rev Bras Psicanál 200021931 26 Soares PFB Intervenções do terapeuta e pontos de urgência 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desafiar clínicos e pes quisadores As últimas décadas marcaram importantes mudanças no campo específi co da psiquiatria mas também em um ce nário mais amplo Com o desenvolvimento da psiquiatria baseada em evidências cres ceu muito o número de trabalhos testan do novas e velhas alternativas terapêuticas bem como a preocupação com a demons tração de sua eficácia A psiquiatria tor nouse mais pluralista e menos polarizada ideologicamente do que já foi em décadas anteriores Há que considerar também im portantes mudanças incluindo a globaliza ção o multiculturalismo e o acesso à infor mação aliadas a uma crescente valorização da autonomia e da liberdade individuais nas escolhas No campo da psiquiatria tais modi ficações mais amplas dos costumes reper cutiram diretamente nas preferências dos pacientes na tomada de decisão terapêu tica Estas últimas mereceram uma meta nálise conduzida por McHugh e colabora dores1 que indicou uma preferência pelos tratamentos psicológicos em relação aos farmacológicos Esses autores destacaram a importância desse achado tendo em vis ta as evidências para melhores desfechos quando os pacientes recebem o tratamento preferido As responsabilidades dos psiquiatras não diminuíram pelo contrário aumen taram e hoje há cada vez menos espaço para indicações de tratamento autoritárias ou dogmáticas Nos dias atuais causaria espanto no paciente e na família se um psi quiatra de orientação predominantemente biológica vetasse a procura por um psicote rapeuta assim como se restringisse as op ções de tratamento do transtorno bipolar por exemplo a uma única medicação Do mesmo modo é cada vez mais frequente um paciente em psicoterapia decidir buscar um psiquiatra ou até mesmo seu médico clínico para examinar a possibilidade ou a necessidade de acréscimo substituição ou diminuição de doses ou retirada de um psi cofármaco Nesse contexto o objetivo deste capí tulo é o de dar subsídios aos profissionais que utilizam a psicoterapia e a farmacote rapia no sentido de facilitar sua prescrição 25 PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA E FARMACOTERAPIA Lívia Hartmann de Souza Claudio Maria da Silva Osorio Marcelo Pio de Almeida Fleck 436 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs conjunta Para isso será feita uma breve re visão histórica seguida da apresentação de alguns modelos teóricos capazes de susten tar a prescrição concorrente das duas for mas de tratamento e por fim propõemse algumas recomendações práticas BREVE HISTÓRICO No início da utilização de psicofármacos o uso de medicação associada a tratamentos psicanalíticos era visto com muita resistên cia pela comunidade psicanalítica2 Acre ditavase que a medicação seria incapaz de melhorar definitivamente os sintomas pois não atuava no conflito psíquico conside rado a verdadeira etiologia dos sintomas mentais Além disso havia o receio de que a medicação ao aliviar temporariamente a ansiedade que levou o paciente à procura de tratamento pudesse reduzir sua moti vação para a mudança e obstruir o acesso ao conflito inconsciente3 Segundo Roose e Johannet consideravase que a medica ção poderia ser necessária em casos graves como um inimigo necessário mas que o processo analítico deveria ser mantido sem perturbações sempre que possível3 Freud4 ao abordar os aspectos cons titucionais biológicos e emocionais na etiologia dos sintomas psíquicos descritos em sua equação etiológica afirmou que a psicanálise já falou muito so bre os fatores acidentais na etiologia e pouco nos constitucionais mas isso se deveu apenas ao fato de ter podido contribuir com algo novo para os pri meiros enquanto inicialmente não sabia mais do que era comumente co nhecido sobre os últimos Recusamo nos a postular qualquer contraste em princípio entre os dois conjuntos de fa tores etiológicos pelo contrário presu mimos que os dois atuem regularmente em conjunto para ocasionar o resulta do observado Talento e sorte determi nam o destino de um homem rara mente ou nunca só um desses pode res Só se pode calcular a quantidade de eficácia etiológica a ser atribuída a cada um deles separadamente em cada caso individual Avaliaremos a cota fornecida pela constituição ou pela experiência de modo diferente nos casos individuais de acordo com o estádio alcançado por nosso conhe cimento e conservaremos o direito de modificar nosso julgamento de acor do com as alterações de nossa com preensão Em 1938 Freud5 abordou o tema das limitações da abordagem psicológica sinali zando a perspectiva de que no futuro sur gissem substâncias que permitissem um tra tamento biológico das enfermidades Hart mann6 em 1939 acreditava que a mente tinha áreas de funcionamento regulação de afeto controle de impulsos e atenção que eram autônomas ou seja livres de conflito Essa visão permite supor um dos papéis da psicofarmacologia em combinação com a psicanálise a medicação melhoraria as fun ções autônomas do ego o que por sua vez permitiria o processo psicanalítico Com o surgimento das evidências científicas demonstrando que as medica ções poderiam ser mais eficazes do que a própria psicoterapia para alguns sintomas essa visão foi se tornando progressivamen te mais flexível Roose e Stern7 realizaram um estudo entre os candidatos do Insti tuto de Psicanálise da Columbia Univer sity e demonstraram já nos anos de 1990 que 46 dos 24 candidatos entrevistados tinham pelo menos um paciente usando medicação e que todos esses pacientes com exceção de um tinham sido medica dos pelo próprio analista Dos 56 pacientes Psicoterapia de orientação analítica 437 em atendimento 43 tinham algum diag nóstico de transtorno do humor ou de an siedade e 29 estavam usando algum tipo de medicação Nos 16 casos medicados em 11 deles os analistas consideraram positiva a introdução da medicação e apenas dois profissionais consideraram que não houve benefício sintomático e que houve interfe rência negativa no processo analítico De modo progressivo o uso de me dicação foi crescendo em especial a partir dos anos de 1980 Segundo Busch e Sand berg2 os fatores que levaram ao aumento do uso de medicação foram a a progressiva evidência de eficácia em diferentes transtornos mentais b o surgimento de drogas mais seguras e de melhor tolerabilidade c as pressões da indústria dos planos de saúde e dos pacientes hoje com mais acesso a informação do que no passado Além disso os autores reportam que com o avanço da neurociência os limites entre as bases biológicas e psicológicas dos transtornos ficaram progressivamente me nos nítidos O efeito necessariamente nocivo da medicação ao processo psicanalítico de fendido do ponto de vista teórico passou a ser pelo menos em parte questionado por dados empíricos O uso da medicação mostrou que esta pode levar a um alívio mais rápido de sintomas em especial nos pacientes mais graves Reduzindo a ansie dade a um nível tolerável observouse que os pacientes mantinhamse motivados pa ra a psicoterapia ao contrário do que antes se temia Além disso poderiam prevenir recaí das eou recidivas de maneira mais eficiente do que a psicoterapia utilizada de forma isolada nas crises de pânico e nos episódios depressivos Nesse sentido Roo se e Johannet3 afirmam que o uso da medi cação pode tornar o tratamento psicanalí tico possível para pacientes que não teriam condições de fazêlo quer pela gravidade de sintomas quer pelo risco de recorrência À medida que mais pacientes pas saram a usar medicação associada ao seu tratamento psicoterápico foi possível ob servar que a forma como o analista enfoca o uso da medicação pode em muito modi ficar sua interferência Assim o significado que o paciente atribui à medicação pode ser um material muito rico para acessar sua vida intrapsíquica Todavia em função da necessidade da abordagem direta dos sin tomas e dos efeitos colaterais a introdução da medicação pode ser percebida como algo que quebra o processo psicoterápico e de modo mais significativo o processo psicanalítico As fantasias geradas pela in dicação da medicação podem se não tra balhadas tornarse um ponto de resistên cia ao tratamento Alguns autores como Purcell8 também alertam para o risco de o uso da medicação estar a serviço de uma resistência inconsciente da dupla paciente terapeuta BASE TEÓRICA PARA O TRATAMENTO COMBINADO A prescrição simultânea de medicação e psicoterapia e a constatação de sua eficácia geraram a necessidade de desenvolver mo delos teóricos que pudessem justificar seu uso Segundo Busch e Sandberg2 existem dois grandes modelos que embasam o tra tamento combinado a o modelo de duas doenças twoillness model proposto por Kantor9 e b o modelo interacional defendido por vários autores entre eles Gabbard10 438 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs No modelo de duas doenças o paciente teria uma doença de base psicológica p ex um transtorno da personalidade cujo tratamen to seria psicanalítico e uma doença de base biológica p ex depressão cujo tratamento seria somático como a medicação Essa visão simples e didática ajuda a considerar diferen tes modalidades de tratamento para um mes mo paciente O modelo interacional parte de uma visão mais integrada em que mente e cére bro são citando Damasio11 reflexo da mesma coisa funda mental O mental e o biológico são di ferentes pontos de vista ou diferentes níveis de análise do sistema mentecé rebro Significa não considerar mais o mental ou funcional como sendo fundamentalmente diferente do bio lógico ou orgânico Em vez disso o mental e o biológico se tornam di ferentes pontos de vista ou diferentes níveis de análise do sistema mentecé rebro Dessa forma entendese que os tra tamentos psicológicos afetam o cérebro portanto podem ser considerados trata mentos biológicos também Além disso os tratamentos biológicos afetam a dimensão psicológica Haveria uma causalidade bidi recional Em vez da ideia de comorbidades tratar duas doenças temse no modelo interacional a ideia de tratar um problema por duas vias Para melhor compreender o modelo interacional Busch e Sandberg2 ilustramno por meio de uma série de me táforas propostas por outros autores Uma delas de Gabbard10 associa a atração entre metais e ímã à relação entre causas bioló gicas e psicológicas para os transtornos mentais Ora a diátese biológica pode fun cionar como ímã para atrair ou provo car conflitos psicológicos ora conflitos psicológicos funcionam como ímã para revelar a vulnerabilidade biológica subja cente deflagrando o transtorno mental Ora o conflito psicológico vai deflagrar ou piorar a doença mental ora a doença men tal vai piorar o conflito psicológico Para Gabbard citado por Press12 os confli tos psicodinâmicos frequentemente usam forças biológicas para sua expressão Por exemplo um paciente com características narcisistas pode ter sua grandiosidade es timulada pelos episódios hipomaníacos ou maníacos de um transtorno bipolar Outro também narcísico pode ter seu distancia mento emocional e social acentuado pela fobia social Outra interessante metáfora para explicar o modelo interacional é a de que os sintomas são um rio os conflitos psicológicos o ambiente e a biologia do paciente seus afluentes podendo haver co municações entre estes Um exemplo do modelo de duas doenças é ofe recido por Roose e Johannet3 quando afirmam que para associar medicação e psicoterapia é necessário que o psicoterapeuta adote dois mo delos o descritivofenomenológico e o psicodi nâmico para avaliar e tratar o paciente Para eles esses dois modelos não podem ser inte grados pois são linguagens diferentes usam dados diferentes e são dirigidos a diferentes objetivos Devem ser usados em paralelo sen do pontos de vista igualmente válidos Cabaniss13 faz uma interessante revi são sobre modelos teóricos de associação de tratamentos farmacológicos e psicodi nâmicos Segundo a autora existem três possíveis formas de fazer essa associação Na primeira delas a medicação seria vista como forma de aliviar sintomas en Psicoterapia de orientação analítica 439 quanto a teoria psicodinâmica explicaria a etiologia dos transtornos As primeiras ten tativas de associação apenas superpunham a medicação à psicoterapia sem no entanto desafiar as teorias psicodinâmicas de etio logia Dessa forma a medicação era aceita mas ficava claramente relegada um segundo plano e criavase uma hierarquia que colo cava o modelo psicodinâmico como princi pal Este seria um modelo de duas doenças com preponderância de um plano psicodi nâmico sobre outro psicofarmacológico O segundo e o terceiro modelos pro postos por Cabaniss seriam variações do modelo interacional proposto por Busch e Sandberg2 No segundo modelo todos os processos mentais inclusive os psico dinâmicos seriam vistos como tendo um substrato cerebral As experiências psico lógicas contêm um substrato biológico e esse substrato biológico sofre influência de experiências psicológicas e viceversa No terceiro modelo a dimensão psi codinâmica e a farmacológica estariam la do a lado cada uma percebida como apta a explicar alguns aspectos das dificuldades dos pacientes É a alternativa ao modelo totalmente integrado que permite usar múltiplos modelos simultaneamente sem entretanto fundilos Ao ouvir um pacien te queixandose de ansiedade por exem plo o terapeuta permitese transitar de um modelo psicodinâmico para um modelo biológico na tentativa de melhor entender a psicopatologia e orientar o tratamento daquele caso Dentro da classificação entre os modelos de duas doenças e interacional em que cada um deles seria um extremo de um gradiente este seria um modelo inter mediário A questão fundamental reside em como os terapeutas podem usar esses construtos para orientar seu trabalho clínico negociando os múltiplos modelos de mente13 A AVALIAÇÃO E A INDICAÇÃO DE TRATAMENTO COMBINADO SEGUNDO OS MODELOS PROPOSTOS A partir da história clínica pessoal e fami liar da caracterização dos sintomas e da avaliação do binômio transferênciacon tratransferência o terapeuta será capaz de chegar a uma formulação compreensiva da vida mental do paciente Para poder indi car as diferentes modalidades terapêuticas o terapeuta deverá ser apto a utilizar os res pectivos modelos de mente em sua avalia ção Cabannis13 a partir do princípio do câmbio de marcha nos automóveis propôs o termo shifting gears mudança de mar cha para caracterizar a atitude do terapeu ta Para ela durante o processo terapêuti co é essencial que o psicoterapeuta esteja livre para usar ora um modelo de mente ora outro na tentativa de melhor avaliar o paciente e conduzir seu tratamento Segun do a autora essa habilidade requer que não só o terapeuta seja versado em diferentes modelos como seja flexível o suficiente pa ra transitar entre eles durante a avaliação a formulação do caso e a indicação de tra tamento isso com o objetivo de dar ao pa ciente o cuidado mais adequado possível A capacidade de transitar entre dois modelos é essencial ao indicar tratamentos combi nados de psicoterapia de orientação ana lítica e medicação O psicoterapeuta deve ouvir o paciente buscando pistas que o le vem a uma ou outra etiologia e guiado pe lo material clínico permitirse mudar de marcha quando não também de direção ou seja mudar o modelo de mente que es tá guiando sua entrevista eou intervenção naquele momento Entretanto cada um dos tratamentos deve ser indicado usando 440 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs parâmetros próprios caso contrário corre se o risco de promover uma confusão de modelos em vez de uma integração Vol tando à metáfora da autora existem flexi bilidades e limites nas articulações e nos movimentos de uma caixa de câmbio e de um veículo em movimento Busch e Sandberg2 sugerem que os modelos devam estar sempre em comuni cação Ou seja ao se avaliarem sintomas sob o ponto de vista descritivofenome nológico é importante manter na mente as informações do modelo psicodinâmico inclusive as reações transferenciais e con tratransferenciais para que o entendimen to seja completo e o manejo correto Por exemplo um paciente em psicoterapia po de experimentar incrementos transitórios de ansiedades persecutórias ou depressivas sem que isso configure um diagnóstico des critivofenomenológico que mereça trata mento medicamentoso Um paciente com transtorno bipolar em psicoterapia diante de alterações na medicação e de impor tantes mudanças pessoais positivas ficou ansioso quase em pânico julgando estar diante de uma recaída Uma consulta com um psiquiatra de orientação neurobiológi ca confirmou esta impressão clínica an siedade fóbica diante da mudança e do no vo assegurando ao paciente que não havia sinais de recaídarecidiva e recomendou uma retomada da psicoterapia no regime de duas sessões semanais para auxiliar essa pessoa em seu processo de readaptação a uma nova situação de vida Para trabalhar com tratamentos com binados Cabaniss13 acredita que é essencial não hierarquizar os modelos mantendose equidistante deles adotando portanto uma postura de neutralidade ou imparcia lidade científicas Além disso é importante tolerar um certo grau de incerteza ao escu tar um paciente e compreendêlo são os momentos de incerteza e de ambiguidade que podem levar um profissional a mudar de marcha a buscar outras alternativas para entender o paciente Roose e Johannet3 sugerem seguindo um modelo de duas doenças que um psica nalista sempre deve fazer além da avaliação psicodinâmica uma avaliação descritivo fenomenológica nos pacientes para avaliar a presença de sintomas ou transtornos que podem ser tratados com o uso de medica ção Ressaltam o risco de teorias psicanalí ticas cegarem os terapeutas quanto a outros tratamentos para os quais já existe evidên cia científica de eficácia Lembram ainda que as evidências cien tíficas disponíveis acerca da eficácia das medicações no mane jo dos transtornos mentais vêm de ensaios clínicos que incluíram pacientes diagnosti cados por meio do sistema descritivofeno menológico Portanto ao pensar em medi car um paciente deveria ser considerado o sistema diagnóstico adotado pelos ensaios clínicos Os autores reconhecem que os es tados afetivos bem como a medicação têm significado para o paciente e despertam fantasias mas que esse significado e essas fantasias não devem embasar a decisão de prescrever Roose e Johannet3 salientam a importância de reconhecer que existe uma diferença entre esta do afetivo e transtorno afetivo Isso para lem brar que nem todo estado afetivo vai levar à con sideração do tratamento medicamen toso como opção o que só vai ocorrer caso seja acompa nhado de outros sintomas que compõem o diag nóstico de algum transtorno mental O uso do modelo descritivofeno menológico para orientar a prescrição da medicação em paralelo com o psicodi nâmico para orientar a psicoterapia po de de forma inadvertida segundo Roose e Johannet3 favorecer a dicotomização Psicoterapia de orientação analítica 441 mentecérebro O sistema de estratificação em eixos adotado até a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtor nos mentais DSMIV poderia fazer supor que transtornos do Eixo I devessem ser tratados com medicação enquanto aque les do Eixo II devessem ser tratados com psicoterapia modelo de duas doenças Em concordância com o modelo interacional mais complexo e abrangente da mente anteriormente exposto Roose e Johannet3 acreditam que os fatores biológicos e psico lógicos influenciamse mutuamente Pode se avançar ao notar que transtornos da personalidade se beneficiam do tratamento com medicação14 assim como transtornos do Eixo I podem ser tratados somente com psicoterapia E exatamente para não favo recer a dicotomização mentecérebro é que os autores acreditam que ambos os modelos devem estar na mente do psicoterapeuta ou do farmacoterapeuta posicionados em para lelo não em justaposição ou em hierarqui zação e menos ainda misturadosfundidos Como contraponto Gabbard e Freed man15 em 2006 alertaram para o risco e as limitações da adoção da medicina baseada em evidências na prática psicoterápica Os autores ressaltam que existem relativamen te poucos estudos com psicoterapia psico dinâmica e que a necessidade de manuali zação das psicoterapias para a realização de ensaios clínicos as faz diferir daquilo que se realiza na prática Além disso os tempos de seguimento dos ensaios são curtos o que não se aplica à realidade de pacientes com transtornos crônicos Gabbard16 sugere es tudos com desenho naturalístico como for ma de lidar com essas limitações Ao explicar ao paciente a lógica da indicação do tratamento combinado o terapeuta pode adotar o modelo das duas doenças ou o modelo interacional Busch e Sandberg2 recomendam as seguintes abor dagens Você tem conflitos psicológicos mas também tem sintomas consisten tes com o diagnóstico de depressão maior A terapia será útil para seus conflitos mas a medicação será im portante para a depressão O trata mento da depressão com medicação vai ajudálo a explorar seus conflitos quando o modelo adotado é o de duas doenças E Você tem conflitos psicológicos e sin tomas de depressão maior É provável que seus conflitos psicológicos exa cerbem sua depressão e que sua de pressão adicionese aos seus conflitos Portanto ambos os tratamentos se riam valiosos2 quando o modelo adotado é o interacional Os autores acreditam que o modelo inte racional proporciona ao paciente um en tendimento maior dos tratamentos com binados Além disso podese explicar ao paciente que a medicação vai ajudálo a ter mais energia e concentração para trabalhar na terapia ou que a ansiedade vai ser redu zida a um nível tolerável que permita ao paciente explorar seus conflitos Uma vez iniciada a medicação e tendo obtido alívio dos sintomas pode acontecer de o paciente ficar em dúvida se realmente precisa de psicoterapia Nesse ponto cabe ao terapeuta ajudar a explorar as questões psicológicas passíveis de serem abordadas e que podem ter relação com a sintomato logia apresentada Em algumas situações o paciente pode apesar do alívio sintomáti co estar motivado para seguir adiante na psicoterapia buscando compreenderse melhor abordando aspectos não resolvi dos com a medicação Em outros casos pode estar satisfeito com o nível de alívio obtido e não se sentir motivado para seguir adiante reconhecendo ou não a presença de conflitos psicológicos Nessa situação 442 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs é importante acolher considerar e respei tar a escolha do paciente deixando a porta aberta para um retorno futuro caso sinta necessidade O momento de introduzir a medi cação seja no início seja com a terapia já em curso é um fator importante segundo Busch e Sandberg2 No início a relação transferencial costuma não ser tão intensa e o paciente pode reagir de forma positiva ou negativa dependendo de suas fantasias prévias acerca da medicação A introdu ção da medicação ao longo da psicotera pia pode ser um pouco mais complexa Certamente surgirão fantasias acerca da medicação e da indicação que deverão ser elucidadas e compreendidas O paciente pode sentir que ele mesmo ou o terapeu ta não estão tolerando o contato com o material trazido que o terapeuta não está mais podendo escutálo Pode além disso entender que é um caso grave demais para seguir só em psicoterapia ou que a dupla falhou O paciente pode ainda sentirse ofendido com a indicação por ser em princípio contra remédios Pode sentir se punido ou humilhado pelo terapeuta uma paciente assim se referiu ao acrésci mo da medicação Agora com dois anos de psicoterapia que eu estava começando a digerir a ne cessidade de me tratar o se nhor me vem com mais essa remédios Ou ainda o paciente pode sentirse com preendido até agraciado pela prescrição Considerando pessoas e tratamentos em movimento não é raro que depois de uma verdadeira lua de mel com os psi cofármacos e com o prescritor apareçam queixas e ressentimentos Esse foi o caso de um paciente que depois de um fracas so em duas tentativas de tratamento psica nalítico ficou muito aliviado ao saber que era portador de um trans torno bipolar e que se beneficiaria com carbonato de lítio Passada a idealização da farmacoterapia manifestouse ressentido com o diagnós tico biológico recebido e buscou outro psiquiatra ocorrendo sérios problemas transferenciais mal conduzidos As reações possíveis são infinitas considerada a variabilidade das pessoas e dos seus movimentos e é muito impor tante que sejam bem trabalhadas Todavia Busch e Sandberg2 ressaltam que nenhuma reação transferencialcontratransferencial deve mudar o desfecho ou seja indicar ou contraindicar medicação Tal decisão deve na medida do possível ser tomada com base em um diagnóstico descritivo fenomenológico Os autores alertam que o desejo pouco realístico de conduzir um tratamento psicanalítico puro pode impedir o uso apropriado de medicação Uma das dificuldades encontradas no tratamento combinado decorre justa mente das diferenças técnicas e teóricas dos dois tratamentos Enquanto o psicofar macologista avalia de modo sistemático a presença de sintomas e efeitos colaterais de forma direta e prescritiva o psicoterapeuta de orientação analítica busca a livre asso ciação do paciente com perguntas abertas não diretivas e eventualmente interpre tando o material trazido pelo paciente O TRATAMENTO PROPRIAMENTE DITO Para a realização de um tratamento combinado é importante considerar alguns aspectos gerais e outros específicos de sua execução que envol vem especialmente se o tratamento será con duzido por um único profissional ou se será par tilhado e quais as vantagens e desvantagens dessas duas estratégias Aspectos gerais Como já referido o tratamento medicamentoso é indicado e reavaliado segundo critérios descritivofenomenológicos Isso não impede que uma vez que tenha sido iniciada a medicação as fantasias do paciente acerca dela sejam compreendidas à luz do modelo psicodinâmico Essa compreensão pode além de melhorar a adesão do paciente ao tratamento contribuir para o processo psicoterápico trazendo à tona fantasias inconscientes relacionadas ao mundo interno do paciente O entendimento dessas fantasias não deve em princípio guiar a decisão quanto à prescrição à manutenção ou à alteração do tratamento medicamentoso como por exemplo em um caso discutido em supervisão deixar de prescrever medicações que necessitem de exames de sangue periódicos por receio de que o paciente vivencie a solicitação como vampirismo por parte do profissional Alguns pacientes preocupamse com a possibilidade de a medicação criar uma versão não verdadeira ou artificial deles próprios Busch e Sandberg2 opinam que a medicação não cria um self verdadeiro ou falso Ela pode alterar a sensação de self do indivíduo e sem dúvida reflete um estado relacionado à mudança quer dizer um self em uso de medicação Se o indivíduo vê ou não essa mudança como uma aproximação do seu self genuíno é uma questão de interpretação frequentemente colorida pela fantasia inconsciente O terapeuta pode se sentir desvalorizado por ter necessitado da ajuda da medicação no tratamento de um dado paciente como se tivesse falhado sentindo que o processo psicoterápico ou psicanalítico foi contaminado e portanto menos valorizado como tratamento Pode se sentir também culpado pelos eventuais efeitos colaterais que surgirem o que por vezes impede uma avaliação realística das verdadeiras causas desses efeitos Um ponto interessante diz respeito à parcela de efeito placebo na eficácia das medicações Esperase que o psicofarmacologista estimule o efeito placebo ao mostrarse otimista e confiante em relação à medicação Em contrapartida ao psicoterapeuta ou psicanalista é recomendada atitude neutra o que poderia minimizar o efeito placebo Problemas adicionais surgem quando de alguma forma o psicoterapeuta deixa transparecer manifestamente ou de forma latente que é contrário ao uso de medicação seja de modo geral seja naquele caso específico Busch e Sandberg2 argumentam que houve uma mudança progressiva na psicanálise ao reconhecer o inevitável impacto da pessoa no analista psicoterapeuta no campo analítico Diante disso os autores recomendam que caso a medicação seja de fato adequadamente indicada o psicoterapeuta sintase livre para expressar otimismo realista acerca da resposta ao tratamento indicado Reações muito fortes para qualquer um dos lados seja a favor seja contra a medicação podem sinalizar um problema contratransferencial a ser compreendido O trabalho do efeito placebo vai depender entre outras coisas do ponto entre os extremos analíticocompreensivo e suptivo em que aquele tratamento se encontra Em tratamentos mais suptivos provavelmente o efeito placebo vai ser mais estimulado e menos interpretado Já tratamentos mais compreensivos sobremaneira em uma análise o significado da medicação e seus impactos transferenciais e contratransferenciais serão examinados de forma extensiva Assim como o efeito placebo o efeito nocebo quando o paciente reage mal à medicação também deve ser compreendido2 O quadro típico do paciente que ex 444 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs perimenta o efeito nocebo é a recusa à me dicação apesar de sua indicação adequada ou de várias tentativas medicamentosas prévias interrompidas precocemente antes mesmo que pudessem fazer o efeito tera pêutico devido a paraefeitos intoleráveis O efeito nocebo é um exemplo de situação em que a psicoterapia pode levar à adesão à medi cação por meio da com preensão das fantasias que impedem a aceitação do psicofármaco Esse foi o caso de uma mulher de 65 anos com depressão desencadeada pela viuvez mas que tinha dois episódios ante riores de diminuição do humor O psicote rapeuta escolheu o fármaco A e a paciente teve efeitos colaterais Trocou pelo anti depressivo B novos efeitos colaterais Na terceira tentativa frustrada sempre com fármacos de grupos diferentes o caso foi levado à supervisão com um psicanalista que identificou questões transferenciais não compreendidas pelo psiquiatra Uma vez trabalhadas cessaram os efeitos cola terais A medicação mesmo quando bem indicada pode servir a propósitos defen sivos ameaçando a relação transferencial Purcell8 faz interessante contraponto à fle xibilização do uso da medicação em com binação com tratamentos analíticos Ainda que o autor concorde com a abordagem de modelos paralelos destaca o risco de mini mização do uso inapropriado e não cien tífico de medicações na tentativa de tratar sintomas para os quais não há evidência de que a medicação funcione bem Além dis so o autor considera ser um desserviço à psicanálise tomar decisões acerca do uso de medicação com base no modelo psicana lítico uma vez que este não tem relevân cia para o terreno da neurofarmacologia Apesar de concordar com o modelo teórico mais aceito atualmente para associação das duas terapias Purcell8 lembra que a medi cação não é inócua ao tratamento psicote rápico e especialmente psicanalítico Esses tratamentos objetivam não só a remissão dos sintomas como também a mudança na estrutura psíquica com tentativa de inte gração de aspectos cindidos da personali dade Nesse cenário a medicação poderia promover a cisão em vez da integração do self O paciente poderia por exemplo concluir que seu sofrimento é biológico e resistir a sua exploração psíquica Busch e Sandberg2 creem que a saída nesse caso seria reconhecer a contribuição biológica no sofrimento do paciente mas explorar o porquê de ficar somente com essa explicação Purcell8 vai mais adiante lembrando as resistências inconscientes da dupla mediada por reações transferenciais e contratranferenciais que podem edificar em torno da medicação um conluio com o objetivo de não entrar em contato com o sofrimento psíquico Com isso o autor si naliza a possibilidade de que a combinação de tratamentos entre em antagonismo não sendo favorável Purcell8 destaca a questão não é definir se o sin toma deve ser analisado ou medicado ou se a medicação torna a análise mais difícil O que é potencialmente mais poderoso em moldar o curso de uma análise após a introdução da medica ção é se as posições psíquicas tomadas por cada uma das partes implicita mente suportarão o enactment de re sistências a um entendimento analíti co integrativo da personalidade total O autor sugere ainda que se entenda a medicação como um aspecto técnico da análise não só como um tratamento que corre em paralelo considerado a priori si nérgico Lembra também que o desejo de Psicoterapia de orientação analítica 445 cura do analista e os fatores culturais que facilitam o uso de medicação tornam mais difícil a percepção desse conluio Para ele ainda que a clareza clínica ilusó ria oferecida pela aparente objetivida de da fenomenologia possa ser muito atraente a atitude do analista deve ser dirigida à realidade psíquica refletin do a verdadeira complexidade de in cluir medicação na análise8 O autor argumenta que os critérios descritivofenomenológicos identificam os pacientes que têm transtornos capazes de serem tratados com medicação mas não identificam por exemplo para quais pacientes a análise é indicada ou em quais deles a adição da medicação pode atrapa lhar o curso da análise Gabbard contesta a visão de Purcell de que a medicação in terfere negativamente na integração do self Pelo contrário Gabbard acredita que em pacientes graves o alívio dos sintomas pro movido pela medicação ajuda no processo analítico12 Uma infinidade de cenários e signi ficados são possíveis no contexto de asso ciação desses dois tratamentos Para que o psicoterapeuta ou analista consiga vêlos e discernilos é essencial que se mantenha neutro e imparcial analisando as situações caso a caso evitando ideias préconcebidas como por exemplo a de que a medicação sempre funciona e sempre tem seu espaço ou a medicação sempre atrapalha e sem pre servirá ao propósito defensivo A execução do tratamento combinado Fundamentalmente existem duas formas possíveis de realização do tratamento com binado Na primeira delas o mesmo pro fissional o psiquiatra realiza as duas fun ções e na segunda a prescrição é realizada por um médico psiquiatra ou não e a psi coterapia por outro profissional psiquia tra ou psicólogo na maioria das vezes O terapeuta prescritor O psiquiatra que medica e é também psico terapeuta pode transmitir ao seu paciente um conceito integrado de mente e cérebro Ao demonstrar que leva em consideração diversos modelos psicodinâmico neuro biológico e descritivofenomenológico de compreender os transtornos mentais ou as condições que recomendam atenção pro fissional como algumas crises evolutivas eou acidentais a tendência é que os pa cientes se sintam seguros e satisfeitos com a possibilidade de o tratamento combinado ser conduzido por um único profissional Alguns que consideram bastante a privaci dade se sentem também mais protegidos caso não exclusivo de profissionais da área da saúde mental em tratamento Em tais situações por vezes uma solução é o psi coterapeuta ou psicanalista valerse de um médico clínico para as decisões e avaliações psicofarmacológicas Outros pacientes per cebem o tratamento dividido como uma dissociação com assuntos psicológicos que serão resolvidos pelo psicoterapeuta e questões ligadas a sintomas que serão re solvidas com o psiquiatra ficando de al guma forma sozinhos na tarefa de integrar esses dois aspectos de sua vida mental Um benefício possível é o de conse guir compreender com bastante clareza e proximidade o significado da medicação para o paciente uma vez que a prescrição e a compreensão vão ser conduzidas pelo mesmo psicoterapeuta Todavia segundo Busch e Sandberg2 contratranferencial mente pode haver uma idealização do papel duplo de psicoterapeuta e psicofar 446 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs macologista com o consequente desejo de abarcar todo o tratamento do pacien te Nesse sentido o psicoterapeuta pode relutar em pedir auxílio para outro colega em casos em que isso pode ser necessário por sentirse diminuído por não conseguir conduzir ambos os tratamentos O psico terapeuta pode sentirse narcisicamente injuriado pela necessidade do paciente de medicação como se não fosse bom o sufi ciente para que apenas a psicoterapia resol vesse todos os problemas Isso pode levar o psicoterapeuta a prescrever mas deixar a medicação em segundo plano por vezes até esquecendo de revisar sintomas e doses por acreditar que a psicoterapia é o trata mento de que o paciente realmente precisa Nesse cenário em que o paciente sente que o psicoterapeuta considera a psicoterapia o tratamento superior aquele pode sub meterse à psicoterapia mesmo não tendo motivação genuína para tal mas apenas pa ra agradar o psicoterapeuta De novo aqui se mostra a importância da neutralidade e da imparcialidade científicas pois só as sim o psicoterapeuta vai conseguir avaliar com lucidez a motivação real de um dado paciente tentando não se deixar conduzir exclusivamente pelas próprias preferências A tarefa de prescrever e realizar a psicoterapia exige que o psicoterapeuta psicofarmacologista de forma periódica reavalie a presença de sintomas e efeitos colaterais adotando para isso os modelos médico e descritivofenomenológico A ta refa é um pouco mais complexa do que no tratamento dividido em que um psicote rapeuta realiza a psicoterapia e um psiquia tra prescreve a medicação pois embora no segundo caso o psicoterapeuta atente para o significado da medicação não recai rá sobre ele a responsabilidade da tomada de decisão quanto a ela É importante que de tempo em tempo seja reservado um momento da sessão para avaliar a medica ção Talvez a maior dificuldade resida em discernir se aquela queixa do paciente po de ser mais bem manejada com alteração na medicação ou sob o vértice psicodinâ mico O movimento se dá de uma relação médicopaciente para psicoterapeutapa ciente Busch e Sandberg2 lembram que é importante atentar a cada movimento se existe alguma reação transferencialcontra transferencial determinando o movimento para afastarse de ansiedade depressiva Outras vezes pode haver uma real necessi dade de conversar sobre a medicação Tal vez o mais importante seja compreender os movimentos e avaliar se existe algum enact ment em vigor no momento ainda que o psicoterapeuta eou o paciente mudem o foco da sessão para a medicação O papel de psicofarmacologista pode ser facilitado quando também ele é o psi coterapeuta Os encontros mais frequen tes com o paciente permitemlhe observar a resposta à medicação mais de perto e o acesso a reações transferenciais e contra transferenciais pode ajudálo a compreen der de forma mais adequada um dado sintoma Entretanto também pode ser di ficultado quando o conhecimento do mun do interno do paciente e dos conflitos psi cológicos que o afligem dia a dia semana a semana tornar mais difícil discernir o que pode ser mais bem manejado por um mo delo ou por outro As decisões são tomadas sessão a sessão sob a influência de elemen tos inconscientes tanto do paciente quanto do terapeuta Talvez a maior dificuldade do psicoterapeuta que medica seja a de ter que tomar decisões terapêuticas relativas a ambos os modelos Isso é bem diferente de compreender o caso usando os dois mas encaminhar para que um colega realize o outro tratamento seja psicoterápico seja psicofarmacológico Nas situações em que o psicoterapeuta só faz psicoterapia e o psi cofarmacologista só medica cada um dos Psicoterapia de orientação analítica 447 dois pode ter ambos os modelos na mente e utilizálos para a compressão do caso e é até recomendado que os tenham mas a tomada de decisão ao fim da árvore de cisória vai ser feita dentro de um só mo delo Nesses casos se o profissional consi derar que o caso pode ser mais bem mane jado por outro modelo vai encaminhálo a um colega que se responsabilizará pela avaliação e pela conduta dentro daquele modelo Para o psicoterapeuta prescritor a medicação pode tornarse uma via facili tadora para enactments a atuação na du pla de conflitos inconscientes do paciente É consenso que o enactment é inevitável e quiçá constante no processo psicoterápico e analítico A medicação tornase via fácil para a ocorrência de enactment pois é um parâmetro externo ao funcionamento psi coterapêuticoanalítico habitual O psicote rapeuta pode lembram Busch e Sandberg2 medicar demais ou de menos mobilizado por enactments O psicofarmacologista vai estar mais protegido de incorrer em tais er ros uma vez que se baseia em critérios ob jetivos e está menos envolvido na relação transferencialcontratransferencial Como exposto anteriormente as informações do campo psicoterápico podem enriquecer mas também tornam mais complexas as decisões de um manejo duplo Uma das maiores dificuldades do psicoterapeuta prescritor é a necessidade da avaliação continuada dos sintomas que motivaram a prescrição da medicação e de seus efeitos colaterais bem como a solici tação de exames laboratoriais pertinentes a cada medicação Essa dificuldade talvez se deva ao fato de que essa avaliação deva ser feita de forma ativa em que o psiquiatra colhe objetivamente os dados de que pre cisa para o manejo medicamentoso fugin do à associação livre Olesker17 argumenta não haver necessidade de adotar outro mo delo de mente quando medicações estão envolvidas pois segundo ele do ponto de vista da psicanálise desenvolvimental as perspectivas física cognitiva emocional e social são levadas em consideração durante o tratamento analítico e que portanto sob esse ponto de vista a medicação entraria como mais um ponto a ser analisado O que o autor não refere talvez por ser um analista não médico é que a tomada de de cisão em relação à medicação é diferente de compreender o significado da medica ção sob o ponto de vista psicanalítico Para compreender o significado da medicação é possível que não seja necessária a adoção de outro modelo apenas para prescrever É importante diferenciar o que é sin toma residual de humor ou de ansiedade e o que é resultado da patologia de caráter ou de transtorno da personalidade O psi coterapeuta pode começar somente com a psicoterapia e mais adiante considerar o uso da medicação pela identificação por exemplo de sintomas que até então não tinham sido percebidos como tratáveis por medicação e que poderiam estar obs truindo o processo psicoterápico Em con trapartida considerar o uso de medicação durante uma psicoterapia pode também ser consequência de uma reação contra transferencial do terapeuta que está can sado da ausência de melhora do paciente por exemplo Mais uma vez enfatizase aqui a importância de o profissional tra balhar com um espaço mental que lhe dê liberdade para considerar diferentes possi bilidades Para Kantor18 a pergunta não é se um analista deve prescrever e sim que aspectos surgirão e deverão ser trabalhados quan do o analista prescrever ou quando uma terceira pessoa prescrever Busch e Sand berg2 sugerem três pontos importantes a serem considerados pelo psicoterapeuta ou psicanalista que medica seus pacientes 448 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs monitorar a contratransferência com atenção para os enactments via medica ção avaliar os sintomas e os efeitos colaterais reservando periodicamente um tempo da sessão e conduzir a entrevista dei xando de lado o método da livre associação em casos de manejo medicamentoso muito complexo por refratariedade controle difícil de efeitos colaterais comorbidades clínicas entre outros ce nários pode ser necessário o encaminha mento do paciente a outro colega para condução do tratamento psicofarma cológico A condução dos tratamentos combinados com um só profissional deve ser sinérgica e beneficiar o paciente se algum dos dois tratamentos estiver tendo prejuízos é preciso considerar o encaminhamento a um colega Tratamento dividido O tratamento dividido ocorre com mais frequência quando um psicólogo ou psi quiatra conduz a psicoterapia e requerse a presença de um psiquiatra para o diagnós tico clínico e para avaliar a necessidade de medicar Existem outros cenários possíveis como os casos complexos citados anterior mente que precisam de dois profissionais mesmo que ambos sejam psiquiatras ou quando o psiquiatra não trabalha mais com psicofarmacologia O tratamento dividido gera um triân gulo com seus potenciais problemas trans ferenciais e contratransferenciais e entre os profissionais Esses problemas segundo Busch e Sandberg2 passam por competi ção frustração com os procedimentos do colega formações teóricas e clínicas dife rentes e lamentavelmente sentimentos de propriedade em relação ao paciente A resposta positiva à medicação pode gerar idealização desta e do psicofarmacologista sendo um ponto de resistência na psicoterapia Nesse cenário é importante que o psicofarma cologista apoie a realização da psicoterapia e até oriente o paciente quanto às diferenças dos tratamentos Ambos os profissionais devem es tar atentos para não entrar em conluio com o paciente fazendo coro com este nas críticas ao colega Essas críticas podem ocorrer em qual quer um dos membros da dupla e servem ao objetivo inconsciente do paciente de resistir à evolução do tratamento Discordâncias na con duta técnica devem a princípio ser discutidas entre os profissionais com o objetivo de propor cionar ao paciente o tratamento mais harmôni co possível Busch e Sandberg2 alertam para o risco de difusão de papéis em que o psi coterapeuta interfere e faz sugestões via paciente sobre o manejo psicofarmacoló gico Do mesmo modo quando o psicofar macologista interfere na psicoterapia por mais benignos e bemintencionados que sejam esses comentários eles podem carre gar em si um desejo de diminuir o outro colega e hierarquizar os tratamentos Caso os colegas discordem acerca de algum pon to do caso é importante que na medida do possível e com o devido consentimento do paciente eles se comuniquem e não usem o paciente como veículo ou mensageiro dessa comunicação A dupla de profissionais que se mostra dividida favorece dissociações e atuações do paciente Deve ficar claro pa ra o paciente que o psicofarmacologista e o psicoterapeuta podem se comunicar ao longo do tratamento e que isso será neces sário para o bom andamento do caso A comunicação deve ser clara para que não surjam malentendidos futuros acerca da confidencialidade Psicoterapia de orientação analítica 449 REVISÃO SISTEMÁTICA Comparandose com medicação ou outras modalidades de psicoterapia existem rela tivamente poucos ensaios clínicos estudan do a psicoterapia de orientação analítica Ao fazer uma pesquisa na base de dados PubMed com a expressão psychodynamic psychotherapy com o filtro de busca clinical trials obtêmse 188 artigos como resulta do Em comparação cognitive behaviou ral therapy com o mesmo filtro de busca resulta em 10998 artigos Essa di ferença provavelmente se deve ao fato de ser mais difícil fazer pesquisa em psicoterapia de orientação analítica dada a necessida de de manualização e de um tempo pre determinado requeridos pela pesquisa parâmetros estes que vão de encontro às características da psicoterapia da prática clínica Com o objetivo de buscar quais são as evidências de eficácia da psicoterapia de orientação analítica associada à psico farmacoterapia na literatura foi realizada uma revisão sistemática O critério de in clusão era ensaio clínico randomizado que avaliasse tratamento combinado de psico terapia de orientação analítica com medi cação Desses 188 artigos 98 foram sele cionados pelo título Desses 98 29 foram selecionados para leitura na íntegra Desses 29 11 contemplavam o critério de inclusão e serão aqui resumidamente apresentados Em 2002 Burnand e colaboradores19 publicaram um ensaio clínico randomiza do ECR que avaliou clomipramina em monoterapia ou associada a psicoterapia psicodinâmica em 95 pacientes em episó dio depressivo maior A medicação poderia ser modificada para citalopram em caso de recusa do paciente ou intolerância Ambos os tratamentos duraram 10 semanas Dos 95 pacientes randomizados 21 foram ex cluídos das análises por não terem iniciado o tratamento ou por terem sido detectados critérios de exclusão não percebidos no momento da randomização Os desfechos avaliados foram Escala Hamilton para De pressão Escala Global de Funcionamento GAF necessidade de hospitalização e dias perdidos no trabalho Os pacientes que receberam o tratamento com binado tiveram significativamente menor taxa de falha de tratamento presença de episódio depressivo ao término do estudo menor taxa de hospitalização e menos dias perdidos no tra balho Além disso foram realizadas aná lises de custo de ambos os tratamentos Tais análises mostraram que o tratamento combinado foi mais custoefetivo do que a medicação sozinha nesses pacientes Os au tores investigaram a aliança terapêutica em uma análise posterior nessa mesma amos tra Constataram que em ambos os grupos a aliança terapêutica aumentou com o tem po mas que a força de associação entre o desfecho e a aliança terapêutica foi maior no grupo da monoterapia com clomipra mina20 Outro estudo realizado por Knijnik e colaboradores21 comparou o tratamento com clonazepam em monoterapia versus clonazepam associado a psicoterapia psi codinâmica de grupo em pacientes com transtorno de ansiedade social ao longo de 12 semanas O objetivo do estudo era ava liar a modificação no estilo defensivo em ambas as terapias O grupo que recebeu a psicoterapia mostrou redução das defesas neuróticas em comparação com o aumen to das defesas neuróticas encontrado no 450 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs grupo que foi tratado em monoterapia com clonazepam21 Quilty e colaboradores22 em 2008 publicaram um estudo que avaliou três formas de psicoterapia associada a medi cação Foram randomizados 649 pacientes em episódio depressivo para receber fluo xetina ou tianeptina A seguir de forma não randômica foram encaminhados para realizar uma das três psicoterapias do estu do suportiva psicodinâmica ou cognitivo comportamental O objetivo do estudo era avaliar a correlação entre a melhora dos sintomas depressivos medida pela escala de MontgomeryÅsberg e as característi cas de personalidade dos pacientes avalia das usando o modelo de traços de persona lidade dos cinco fatores O estudo mostrou que pacientes que responderam à psicote rapia e à medicação tinham menores níveis de neuroticismo e maiores níveis de extro versão e abertura à experiência O estudo apresenta algumas limitações como a não randomização para psicoterapia e a não discriminação da resposta entre pacientes que receberam tratamento combinado e não combinado Um estudo conduzido por Dekker e colaboradores23 avaliou qual a melhor se quência de tratamento se iniciada com psi coterapia ou com medicação Os pacientes eram adultos com diagnóstico de depressão moderada a grave Foram randomizados 103 pacientes para uma de duas estratégias de tratamento psicoterapia psicodinâmica suportiva ou medicação Em oito sema nas era oferecida a opção de tratamento combinado àqueles que tivessem melhora inferior a 30 na Escala Hamilton para Depressão Na semana 8 os pacientes que receberam inicialmente medicação obtive ram melhor resposta Na semana 16 houve inversão desse resultado com os pacientes que receberam inicialmente psicoterapia apresentando melhores escores de qualida de de vida e sintomatologia geral com uma tendência de melhora na Escala Hamilton para Depressão Em torno de 40 dos pa cientes que não obtiveram pelo menos 30 de resposta não quiseram realizar trata mento combinado Ao término do estudo pacientes com depressão leve a moderada que iniciaram com psicoterapia tiveram melhor resposta de acordo com a escala de sintomas e a qualidade de vida Além dis so o tratamento combinado após resposta parcial a qualquer uma das estratégias se mostrou útil em pacientes que aceitaram recebêlo Rosenbaum e colaboradores24 publi caram em 2012 um estudo conduzido na Dinamarca que comparou o tratamento convencional versus tratamento convencio nal associado a psicoterapia psicodinâmica suportiva manualizada em 269 pacientes com primeiro surto de esquizofrenia Ao fim de dois anos de tratamento tendo ob tido 80 de retenção de pacientes aqueles que receberam a intervenção psicoterápica tiveram melhores escores em escalas de sin tomas PANSS e de funcionamento global GAF com maior tamanho de efeito na avaliação de dois anos Outro ECR envolvendo a combina ção de psicoterapia com medicação foi pu blicado por De Jonghe e colaboradores25 Nesse estudo 208 pacientes em episódio depressivo leve a moderado foram rando mizados para uma de duas estratégias psi coterapia psicodinâmica manualizada de curto prazo em monoterapia ou associada a medicação A medicação era prescrita de acordo com um protocolo de quatro pas sos sucessivos em caso de intolerância eou ineficácia Os desfechos avaliados foram a Escala Hamilton para Depressão a Escala de Impressão Clínica Global CGI e uma escala de sintomas psiquiátricos gerais au toaplicável SCL90 O estudo mostrou que ambos os tratamentos foram eficazes Psicoterapia de orientação analítica 451 e que não houve diferença entre eles ex ceto pela SCL90 que mostrou diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos com melhores escores encontrados entre pacientes que receberam tratamento combinado quando comparados aos que receberam somente psicoterapia Esse re sultado foi obtido na análise que incluiu os pacientes que começaram o tratamento mas não foi encontrado na análise inten tiontotreat Em 2001 De Jonghe e colaboradores26 haviam publicado outro ECR que avaliava medicação versus tratamento combinado em pacientes com depressão Foram ran domizados 167 pacientes com depressão pontuando pelo menos 14 na Escala Ha milton para receber antidepressivos fluo xetina amitriptilina e moclobemida em passos sucessivos em caso de não eficácia ou intolerância versus antidepressivos as sociados a 16 sessões de psicoterapia psico dinâmica suportiva Os desfechos avaliados foram Escala Hamilton para Depressão SCL90 CGI e uma escala de qualidade de vida em depressão QLDS Dos pacientes ran domizados 38 recusaram o tratamen to 27 no grupo da farmacoterapia e 11 no grupo da psicoterapia de modo que 129 pacientes de fato começaram o estudo Aqueles em tratamento combinado tive ram signifi cativamente menos abandono da medicação do que os em monoterapia O tratamento combinado foi superior à monoterapia com medicação nas taxas de remissão e melhora dos sintomas depressi vos e obteve melhor aceitação por parte dos pacientes Em artigo posteriormente publicado utilizando a mesma amostra de De Jonghe e colaboradores26 Kool e colaboradores27 compararam a resposta dos pacientes em episódio depressivo com ou sem transtor no da personalidade O resultado encon trado foi que o tratamento combinado foi mais efetivo naqueles com transtorno da personalidade e depressão Pacientes sem transtorno da personalidade não tiveram benefício adicional da adição da psicotera pia Em 2003 o mesmo grupo publicou um estudo mostrando que pacientes que rece beram o tratamento combinado melho raram sob o ponto de vista do transtorno da personalidade independentemente da melhora da depressão Já aqueles inclusos no grupo de monoterapia com medicação melhoraram sob o ponto de vista do trans torno da personalidade só se tivessem me lhorado da depressão28 Molenaar e colaboradores29 condu ziram interessante ECR avaliando a dose de psicoterapia de orientação analítica su portiva 103 pacientes ambulatoriais com episódio depressivo maior foram rando mizados para receber psicoterapia por 8 ou 16 semanas ambas associadas a medicação protocolo que envolvia sequencialmente a prescrição de fluoxetina nortriptilina e mirtazapina conforme resposta e tolerân cia ao longo de seis meses Os pacientes eram avaliados pela Escala Hamilton para Depressão pela CGI pela SCL90 por uma escala de qualidade de vida e uma escala de funcionamento social Groningen Social Disabilities Schedule GSDS Ambos os tratamentos levaram à melhora da depres são e do funcionamento social e não houve diferença estatisticamente significativa en tre eles Segundo os resultados desse estu do 8 ou 16 sessões são igualmente efetivas como tratamento de depressão CONSIDERAÇÕES FINAIS O avanço em áreas específicas do conheci mento médico conduz inevitavelmente à necessidade da criação de modelos teóricos que permitam testar o efeito de juntar as estratégias que se mostraram individual 452 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mente eficazes para o tratamento dos pa cientes O princípio ético da beneficência estimula o médico a sempre buscar aquilo que é melhor para seu paciente Muitas ve zes o que é o melhor para um paciente não é aquilo que o médico sabe fazer ou o que gostaria de fazer em determinada circuns tância Mesmo assim isso não o isenta da busca desse princípio A complexidade dos determinantes do comportamento humano bem como de seus desvios sintomas e nosso conse quente desconhecimento fazem todos os modelos gerados serem parciais imperfei tos e transitórios No entanto nortearse pelo modelo mais adequado possível ain da parece ser a melhor alternativa do que a utilização de nenhum modelo ou o que seria pior do que privar o paciente de al guma alternativa comprovadamente eficaz pelo simples fato de ela não estar prevista no modelo teórico no qual o profissional foi formado Todos os modelos propostos são im perfeitos e têm seus desafios específicos Possivelmente devam ser utilizados de for ma individualizada e contextualizados em cada momento particular de tratamento Utilizar os modelos teóricos hoje disponí veis e testálos por meio de estudos longi tudinais bem conduzidos do ponto de vista metodológico embora não seja o caminho mais curto certamente é o caminho mais seguro para oferecer o melhor tratamento possível para os pacientes o fim último de todo esforço terapêutico PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Apresentouse uma revisão sobre os aspectos teóricos e técnicos do tratamento combinado de psicote rapia de orientação analítica e medicação 2 Foram descritos e discutidos dois modelos principais o de duas doenças e o interacional como base teórica para tratamentos combinados 3 Ao longo do capítulo foram apresentadas vinhetas clínicas curtas ilustrando a questão discutida Ao final encontrase uma breve revisão dos estudos empíricos que abordaram o tema 4 Revisaramse os principais modelos teóricos utilizados atualmente no sentido de permitir que medica ção e psicoterapia de orientação analítica possam ser utilizadas de forma associada 5 Foram apresentados e discutidos os tipos de tratamento combinado que derivam dos fundamentos teóricos 6 Discutiramse as questões transferenciais e contratransferenciais que envolvem pacientes e terapeu tas em cada tipo de abordagem 7 Ressaltase a importância de os terapeutas manterem uma posição aberta aos novos conhecimentos em benefício dos pacientes REFERÊNCIAS 1 McHugh RK Whitton SW Peckham AD Welge JA Otto MW Patient preference for psychological vs pharmacologic treatment of psychiatric disorders a metaanalytic review J Clin Psychiatry 2013746595 602 2 Busch F Sandberg LS Psychotherapy and medication the challenge of integration New York Analytic c2007 Psicoterapia de orientação analítica 453 3 Roose SP 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Harder S Knudsen P Køs ter A Lindhardt A Lajer M et al Supportive psychodynamic psychotherapy versus tre atment as usual for firstepisode psychosis Twoyear outcome Psychiatry 2012754 33141 25 De Jonghe F Hendricksen M van Aalst G Kool S Peen V Van R et al Psychotherapy alone and combined with pharmacotherapy in the treatment of depression Br J Psychia try 20041853745 26 De Jonghe F Kool S van Aalst G Dekker J Peen J Combining psychotherapy and anti depressants in the treatment of depression J Affect Disord 2001642321729 27 Kool S Schoevers R Duijsens IJ Peen J van Aalst G De Jonghe F et al Treatment of depressive disorder and comorbid perso nality pathology combined therapy versus 454 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pharmacotherapy Tijdschr Psychiatr 2007 49636172 28 Kool S Dekker J Duijsens IJ De Jonghe F Puite B Changes in personality pathology after pharmacotherapy and combined the rapy for depressed patients J Pers Disord 20031716072 29 Molenaar PJ Boom Y Peen J Schoevers RA Van R Dekker JJ Is there a doseeffect re lationship between the number of psycho therapy sessions and improvement of so cial functioning Br J Clin Psychol 2011 50326882 Mentalização é a capacidade de compreen der a si mesmo e aos outros em termos de processos mentais como desejos sentimen tos e crenças Caracterizase principalmen te pela habilidade de perceber e interpretar comportamentos influenciados por estados mentais Uma capacidade de mentalização reduzida ou instável é um fatorchave em pacientes com transtorno da personalidade borderline TPB12 O TPB é uma condição crônica e in capacitante caracterizada por dificuldades na regulação de emoções e no controle de impulsos além de instabilidade em rela cionamentos interpessoais e na autoima gem3 Afeta 1 a 2 da população e 10 a 20 dos pacientes internados em hospitais psi quiátricos46 Comportamento suicida recorrente é encontrado em 69 a 80 dos casos sendo as taxas de suicídio estimadas em 107 A necessidade de um tratamento efi caz rápido e facilmente aplicável para os pacientes com TPB tornouse evidente a partir da alta prevalência e das graves con sequências do transtorno como suicídio e automutilação A terapia de mentalização TM foi desenvolvida a partir dessa de manda É uma psicoterapia manualizada orientada a partir de conceitos psicanalíti cos com eficácia comprovada em ensaios clínicos randomizados Na atualidade vem sendo aplicada e testada em pacientes com outros transtornos mentais8 CONCEITO DE MENTALIZAÇÃO Mentalização é o processo pelo qual com preendemos a nós mesmos e aos outros de forma implícita e explícita em termos de estados subjetivos É uma atividade mental predominantemente préconsciente uma reação emocional intuitiva19 A percepção de que o comportamen to é comandado por estados mentais leva à sensação de controle e continuidade aspecto central à experiência subjetiva de sentirse emocionalmente ativo Tal expe riência é fundamental para a formação da identidade do sujeito A experiência e a interpretação simultâneas da emoção que são cruciais para sua regulação podem ser descritas como afetividade mentaliza da110 Mentalização segundo Allen indi ca um senso de conexão com o self temos a sensação de nós mesmos como um agente emocional ativo11 A capacidade de compreender o com portamento dos outros em termos dos seus possíveis pensamentos e sentimentos é uma importante aquisição do desenvolvimento 26 TERAPIA DE MENTALIZAÇÃO Mariana Eizirik Peter Fonagy 456 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs facilitada por relações de apego seguras A compreensão dos outros depende de co mo quando crianças os próprios estados mentais foram adequadamente entendidos pelos pais ou cuidadores12 Por extensão o processo de desenvolvimento pode ser perturbado por adversidades sociais em especial negligência precoce13 Pessoas que sofreram tais experiências provavelmente em associação a uma predisposição genéti ca são mais vulneráveis a perder a capaci dade de mentalizar em situações de sobre carga emocional A falha da mentalização inicia o retorno de mo dos de representar a realidade interna que a antecedem no desenvolvimento os quais po dem ser chamados de não mentalizantes Dois desses estados são a equivalência psíqui ca e o modo teleológico A equivalência psíquica comum em crianças entre 2 e 3 anos caracterizase pela ausência de diferenciação entre reali dade interna e externa e por intolerância a perspectivas diferentes É conhecida como concretude do pensamento não existe a experiência do se tudo é sentido como real O exagero das reações dos pacientes ocorre pela seriedade com que interpretam sua visão de si mesmos e dos outros No modo teleológico a aceitação de um estado mental ocorre apenas se este for evidencia do de forma concreta e explícita Há uma predominância do que é físico Afeição por exemplo só é considerada verdadeira quando demonstrada fisicamente Essas estruturas mentais precoces manifestamse como impulsividade desregulação do afeto e propensão ao acting out1914 Uma capacidade de mentalização re duzida ou instável existe em certa propor ção na maioria dos transtornos mentais É possível compreender muitos transtornos como a interpretação equivocada que a mente faz acerca da experiência A teoria da mentalização vem sendo aplicada em muitos transtornos mentais transtorno de estresse póstraumático quando as memó rias são experienciadas como equivalência psíquica15 transtornos alimentares domi nados geralmente pelo modo teleológico16 transtorno da personalidade antissocial por definição caracterizado pelo modo te leológico17 em diferentes contextos pa cientes hospitalizados em hospitalização parcial ambulatoriais1820 e em diferentes grupos de pacientes famílias adolescen tes2124 Contudo o método de tratamen to baseado nessa teoria é mais claramente organizado como uma terapia para pacien tes com TPB Apenas nessa condição é que existem evidências empíricas diponíveis em ensaios clínicos randomizados FALHA DA MENTALIZAÇÃO EM PACIENTES COM TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE A teoria da mentalização baseiase na teo ria do apego de Bowlby25 sendo sua elabo ração atual centrada nas vulnerabilidades constitucionais dos indivíduos Existem evidências de que pacientes com TPB apre sentam história de apego desorganizado o que leva a problemas na regulação do afe to na atenção e no autocontrole Sugerese que tais dificuldades sejam mediadas pela falha no desenvolvimento da capacidade de mentalização8 Em uma interação saudável a crian ça encontra uma versão modulada de seus estados mentais refletida pelo cuidador Essas respostas são necessárias para que de senvolva a representação dos seus estados Psicoterapia de orientação analítica 457 mentais utilizados para regular afetos pró prios e compreendêlos nos outros Quando esse espelhamento é incongruente a criança internaliza representações dos estados mentais do cuidador em vez de suas próprias experiências Isso cria uma sensação de alien self ou seja a criança internaliza os estados mentais do cuidador como parte de sua repre sentação21026 Uma resposta com pobre mentaliza ção do cuidador pode prejudicar o desen volvimento saudável de capacidades cog nitivas e sociais da criança em especial a regulação do afeto e o funcionamento da atenção focada27 Muitos fatores se rela cionam ao prejuízo do desenvolvimento normal da mentalização O mais signifi cativo é o trauma psicológico na infância principalmente se provocado por figuras de apego A ocorrência de um trauma gera medo fazendo ser o sistema de apego ati vado o que leva a criança a buscar proteção no cuidador Quando o próprio cuidador é quem maltrata a criança é retraumatizada criandose um círculo vicioso com uma ativação crônica do sistema de apego Isso inibe mais ainda a capacidade de mentali zação1228 Fig 261 Existem pelo menos três caminhos pelos quais a mentalização pode ser preju dicada contribuindo para a psicopatologia de pacientes com TPB Primeiro defesas psicológicas podem ser ativadas cons tantemente para proteger o indivíduo de pensamentos acerca dos estados mentais do cuidador inibindo o desenvolvimento da mentalização Segundo mudanças na atividade cerebral desenvolvemse como consequência de um trauma o que neu traliza mais facilmente a mentalização em indivíduos traumatizados Terceiro um trauma relacionado ao apego pode levar à hipersensibilidade desse sistema resultan do em um ritmo acelerado da necessidade de intimidade com o aumento da excita ção levando à inibição da capacidade de mentalizar229 A fenomenologia do TPB pode ser compreendida como consequência de três fatores 1 Inibição da mentalização relacionada ao apego A falha da mentalização ocorre em relações de apego fora des te contexto os indivíduos com TPB mentalizam normalmente A menta lização gera a sensação de ser agente do próprio self Em situações de afetos negativos o paciente tem dificuldade de ver a si mesmo como responsável por seus atos levando a difusão de identidade incoerência e sensação de vazio A consequência é a dificuldade de compreender seus estados mentais e os dos demais 2 Reemergência de representações dos estados mentais anteriores à mentali zação como a equivalência psíquica e o modo teleológico 3 Pressão constante para utilização de identificação projetiva por meio de reexternalização do alien self destruti vo com base na internalização de uma figura parental não reflexiva e poten cialmente agressiva Figura 261 Ativação crônica do sistema de apego em pacientes vítimas de trauma Trauma Retraumatização Medo Ativação do sistema de apego 458 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A experiência de incongruência com o self é reduzida pela externalização com o mecanismo de identificação projetiva frequentemente utilizado por pacientes com TPB O alien self terrificado fica projetado no outro que se torna veículo do que é emocio nalmente intolerável A externalização desses estados mentais é reconhecida nos sentimentos contratransferenciais dos terapeutas que atendem pacientes com esse transtorno Uma alternativa à identificação projetiva é obter alívio das emoções intoleráveis com autoagressão e suicídio1914 TERAPIA DE MENTALIZAÇÃO Objetivos O mecanismo de muitos tratamentos para TPB é a recuperação da capacidade de mentalizar no contexto de uma relação de apego O obje tivo principal da TM é desenvolver um processo terapêutico em que a percepção do paciente so bre sua própria mente e a dos outros seja o foco do tratamento O paciente deve descobrir como sente e pensa em relação aos outros e como isso influencia suas respostas Além disso deve perceber como erros em tal compreensão levam a ações que são tentativas de retomar a estabilidade e fazer sentido de sentimen tos incompreensíveis Ou seja agir é a ma neira conhecida de compreender de sentir a maneira com a qual o paciente se sente mais seguro1230 A função inicial da TM é estabilizar a expressão emocional já que sem melhora no controle do afeto não pode haver uma apreciação consistente das representações internas A identificação e a expressão do afeto são trabalhadas no primeiro momen to pois representam uma ameaça à tera pia e à vida do paciente Apenas quando a impulsividade e a regulação do afeto esti verem controladas é que se pode focar nas representações internas e na percepção do paciente de seu próprio self8 A meta das intervenções é reinstaurar a mentalização perdida ou tentar mantêla em situações nas quais há risco de perdê la Os terapeutas devem utilizar no iní cio técnicas gerais como empatia suporte e clarificação para engajar o paciente no processo de mentalização Depois devem moverse para intervenções designadas especificamante para estimular a relação de apego em situações controladas o que inclui o foco na relação terapeutapaciente por meio da mentalização da transferên cia8 Variantes e fases do tratamento Duas variantes da TM foram testadas de forma empírica A primeira é um programa de hospitaldia frequentado cinco vezes por semana com duração máxima de 18 a 24 meses A segunda é um programa in tensivo de tratamento extrahopitalar que consiste em uma sessão individual de 50 minutos e uma sessão de terapia em grupo semanais Nas duas variantes o terapeu ta individual e o da terapia em grupo são diferentes Para ser decidido o programa para o qual o paciente será encaminhado consideramse principalmente o risco e a estabilidade da situação social em questão1 O tratamento dividese em três fases A fase inicial começa com uma avaliação da Psicoterapia de orientação analítica 459 capacidade de mentalização do paciente a partir de seus relacionamentos interpes soais mais relevantes Isso gera um panora ma de tais relacionamentos e suas conexões com problemas de comportamento Essa fase se encerra com o diagnóstico de TPB uma explicação sobre as possíveis causas do transtorno os objetivos do tratamen to e seu funcionamento Estabelecese um contrato as medicações são avaliadas e de senvolvese um plano de ação em situação de crise12 A fase intermediária caracterizase pelo fortalecimento da aliança terapêutica e pela manutenção da capacidade de men talização A fase final iniciase aos 12 meses do tratamento Enfatizamse os aspectos in terpessoais e sociais do funcionamento do paciente juntamente com a consolidação do trabalho inicial As respostas associadas a separação e perda são trabalhadas e um plano de seguimento é elaborado de forma conjunta com o paciente12 Atitude do terapeuta O foco constante do terapeuta é no estado mental atual do paciente ao mesmo tem po que verbaliza a própria perspectiva em relação ao estado mental deste A preo cupação principal é estado mental não comportamento O terapeuta deve se per guntar O que está acontecendo na men te do paciente agora O que se passava na mente do paciente que gerou a situação atual Constrói e reconstrói a imagem do paciente em sua mente para ajudálo a compreen der seus sentimentos O paciente deve se encontrar na mente do terapeuta e viceversa Os dois precisam experimentar o processo de uma mente sendo modifica da por outra12 O terapeuta adota uma atitude de não saber inquisitiva curiosa enfatizando que os estados mentais são opacos e que não pode saber mais do que o paciente sobre seus pensamentos Pergunta ativamente sobre a experiência do paciente solicitan do descrições detalhadas Que questões em vez de Que explicações Por que tais questões É importante que fale da necessidade de compreender o que não faz sentido para ele dizendo quando algo não está claro Deve monitorar e compreender os relacionamentos interpessoais e sua li gação com os estados mentais do paciente Exemplos de perguntas dentro desse enfo que são Por que você acha que ele disse isso Como você lidou com o que acon teceu ontem128 Quando o terapeuta enxerga uma perspectiva diferente daquela do paciente isso é verbalizado e explorado evitando discussões acerca de qual ponto de vista é mais válido A tarefa é identificar os proces sos mentais que levaram às diferentes alter nativas e considerar cada uma em relação à outra Isso gera a ideia de que diferentes visões podem ser aceitas214 O terapeuta deve refletir sobre seus próprios erros relacionados à não menta lização dentro da relação terapêutica e dis cutir sobre eles Tratase de uma oportu nidade para aprender mais sobre sentimen tos e experiências Deve falar sobre o que aconteceu para demonstrar que está con tinuamente refletindo sobre o que se passa em sua mente e em suas ações relacionadas ao paciente Tal postura ajuda o paciente a descobrir um meio de perceber a si mesmo e aos outros pela experiência gerada com a terapia de uma mente considerando ou tra mente Um terapeuta seguro com suas falhas e dúvidas ajuda o paciente a expor o que pensa e a questionar seus esquemas rígidos O paciente vendo como o tera 460 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs peuta maneja seus erros e dúvidas pode se sentir mais seguro em fazer o mesmo a partir desse modelo vendo que isso é pos sível214 As intervenções são simples e curtas focadas no afeto no que está ocorrendo entre paciente e terapeuta naquele momento São centradas na mente não no com portamento Pacientes com TPB têm ten dência a agir em vez de pensar e sentir daí o cuidado para não focar somente no comportamento que é a maneira como se expressam Uma possibilidade é discutir inicialmente o impacto que a ação teve no paciente para depois avaliar o estado men tal que precedeu o comportamento1 As in tervenções devem ser relacionadas a even tos atuais ou à relação interpessoal pre sente já que a experiência é sentida como real enquanto tratada Não se recomenda enfatizar preocupações in conscientes pois esses pacientes têm uma fraca noção de sua subjetividade É difícil que comparem a validade de suas percepções em relação ao seu funcionamento mental com a manei ra apresentada pelo terapeuta Assim po dem aceitar intervenções mais complexas sem críticas com admi ração ou inveja ou rejeitar sem tolerar alternativas Isso leva a mais desintegração Por exemplo dizer que o paciente está com raiva e relacionar tal aspecto a um evento ou estado mental específico não deve trazer integração e sim mais confusão porque o paciente não con segue ter essa percepção identificar esse sentimento e essa relação12 Mentalização da transferência O objetivo não é fornecer insight sob os motivos do paciente perceber o terapeuta de certa maneira mas estimular sua curio sidade a respeito desses motivos e poder considerar alternativas além da versão es pecífica que está tendo do terapeuta28 A vinheta clínica apresentada a seguir ilustra esse aspecto do tratamento ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Paciente Você não se preocupa comigo Para você eu sou só trabalho e mesmo como trabalho sou chato e desinteressante Terapeuta Eu não estou bem certo do que eu fiz mas devo ter feito algo talvez nos últimos minutos ou antes que deixou você convencido disso Você tem alguma ideia do que pode ter sido va lidação do sentimento transferencial Paciente Eu vi você bocejando e antes você olhou para o relógio Terapeuta Não me dei conta de ter bocejado mas me lembro de ter olhado para meu relógio Talvez da maneira que você esteja se sentindo no momento seja inconcebível que possa existir outra razão para que eu tenha olhado o meu relógio a não ser achar você chato Paciente É claro que você estava entediado É óbvio Terapeuta Fico surpreso de como isso é óbvio para você Por que você acha que é tão difícil pensar em outras possibilidades mesmo que se o que você estiver pensando for verdade Continua Psicoterapia de orientação analítica 461 Evidências da efetividade da terapia de mentalização Comparouse a efetividade da TM realizada em pacientes com TPB em um esquema de hospitalização parcial com tratamentopa drão por meio de um ensaio clínico rando mizado Foram randomizados 44 pacien tes e 19 foram avaliados em cada grupo O tratamento do grupo em hospitalização parcial consistia de TM indivi dual semanal e TM em grupo três vezes por semana O tratamentopadrão oferecia avaliação psi quiátrica internação psiquiátrica se neces sário e seguimento ambulatorial após a al ta O tratamento teve duração de 18 meses Os desfechos avaliados foram atos suicidas e de automutilação número e duração mé dia de hospitalizações uso de psicofárma cos medidas autorrespondidas de depres são ansiedade funcionamento interpes soal e ajustamento social Os pacientes com TM apresentaram melhora significativa em relação aos do grupocontrole em todos os desfechos que ficaram evidentes a partir de seis meses de tratamento18 Os 44 pacientes que participaram do estudo original continuaram sendo avalia dos a cada três meses após o término do estudo com as mesmas medidas de desfe cho Um estudo de seguimento realizado após 18 meses do fim do tratamento com TM demonstrou que aqueles que comple taram o programa não apenas mantiveram os ganhos obtidos como mostraram uma melhora significativa continuada na maio ria das medidas de desfecho ao contrá rio dos pacientes do grupocontrole Esse achado sugere que mudanças a longo prazo foram estimuladas pelo programa de hos pitalização parcial com TM19 Além disso outro estudo demonstrou que não houve diferenças em relação aos custos entre os tratamentos sendo que os custos da TM tenderam a diminuir no seguimento o que não ocorreu com o tratamentopadrão31 Todos os pacientes que participaram do estudo inicial foram avaliados oito anos após a randomização Os que receberam TM seguiram apresentando melhores des fechos em medidas de risco de suicídio sintomatologia psiquiátrica utilização de Continuação Paciente Eu sou tão chato Eu sempre sinto que você não quer estar comigo e que preferiria estar em outro lugar Terapeuta Entendo Então quando você me viu olhando para o relógio deve ter pensado que eu gosta ria de estar fazendo outra coisa Paciente Eu pensei que tinha perdido você Pensei que você tinha ido embora me abandonado Terapeuta Agora eu entendo por que você ficou tão brabo Como temos visto é muito difícil para você quando esses sentimentos de abandono começam Você sente que tem que fazer alguma coisa Paciente Às vezes eu só tenho que acusar ou atacar alguém e agora acusei você mas na maioria das vezes só funciona quando eu me ataco Eu termino sendo quem mais sofre Terapeuta Eu imagino que quando você fica brabo com as pessoas elas podem muitas vezes sair de perto de você antes que as ataque Paciente Tenho certeza de que isso acontece mas eu não consigo evitar Esse sentimento de que fui deixado é tão forte Fico aterrorizado com a ideia de que algum dia você irá me deixar12 462 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs serviços de saúde uso de medicação fun cionamento global e medidas de estado vo cacional Todavia apesar de terem mantido os ganhos iniciais suas funções sociais permaneceram prejudicadas Ainda assim mais pacientes do grupo com TM estavam empregados ou estudando sendo que 14 permaneciam com critérios para TPB com parados a 87 do grupocontrole32 Comparouse a efetividade de TM em 134 pacientes com TPB em um contexto extrahospitalar a um manejo clínico es truturado padrão com um componente de psicoterapia de apoio Os desfechos primá rios foram a ocorrência de comportamento suicida e de autoagressão grave e internação psiquiátrica Houve melhora importante nos dois grupos mas os pacientes que rece beram TM apresentaram melhora pronun ciada em todos os desfechos primários20 Concluiuse que tratamentos estruturados trou xeram benefícios significativos para pacien tes com TPB já que a taxa de melhora nos dois grupos foi maior do que a remissão espontânea dos sintomas do transtorno A TM foi superior ao tratamentocontrole por focar em funções psi cológicas relevantes aos sintomas de TPB CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento de intervenções psi codinâmicas que tenham como objetivo identificar e tratar os prejuízos específicos envolvidos na psicopatologia de um trans torno é fundamental para a tarefa de au mentar a efetividade desses tratamentos33 O prejuízo na capacidade de mentalização característico de inúmeros transtornos é um fator central do transtorno da persona lidade borderline A terapia de mentalização comprovou ser eficaz em ensaios clínicos randomizados e representa a combinação dos seguintes processos desenvolvimentais o estabelecimento de uma intensa relação de apego baseada na tentativa de engajar o paciente em um processo de compreensão de seus estados mentais e a representação coerente dos pensamentos e sentimentos do paciente para que este possa reconhecer a si mesmo como capaz de pensar e sentir em um contexto de reposta emocional in tensa A retomada da capacidade de men talizar ajuda o paciente a regular de forma positiva seus pensamentos e sentimentos o que pode transformar de forma positiva as relações interpessoais e a autorregulação do afeto8 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Mentalização é a capacidade de compreender a si mesmo e aos outros em termos de processos mentais como desejos sentimentos e crenças 2 A capacidade de compreender o comportamento dos outros em termos de seus possíveis pensamentos e sentimentos é uma importante aquisição do desenvolvimento facilitada por relações de apego segu ras 3 A teoria da mentalização é baseada na teoria do apego de Bowlby e sua elaboração atual é centrada nas vulnerabilidades constitucionais dos indivíduos 4 Uma capacidade de mentalização reduzida ou instável existe em certa medida na maioria dos transtor nos mentais que podem ser entendidos como a mente interpretando de forma equivocada as suas próprias experiências Psicoterapia de orientação analítica 463 REFERÊNCIAS 1 Bateman A Fonagy P MentalizationBa sed Treatment for Borderline Personality Di sorder A Practical Guide New York Oxford University Press 2006 2 Eizirik M Fonagy P Mentalizationbased treatment for patients with borderline per sonality disorder an overview Rev Bras Psi quiatr 20093117275 3 Skodol AE Gunderson JG Pfohl B Widi ger TA Livesley WJ Siever LJ The borderli ne diagnosis I psychopathology comorbidi ty and personality structure Biol Psychiatry 20025112936950 4 Gross R 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da terapia de mentalização é desenvolver um processo terapêutico em que a per cepção do paciente sobre a sua própria mente e a dos outros seja o foco do tratamento O paciente deve ser ajudado a descobrir como sente e pensa em relação aos outros e como isso influencia suas respos tas 7 O foco constante do terapeuta é o estado mental atual do paciente ao mesmo tempo que verbaliza a sua própria perspectiva em relação ao estado mental deste A atenção predominante é no estado men tal não no comportamento 8 O terapeuta adota uma atitude de não saber inquisitiva curiosa destacando que os estados mentais são opacos e que não pode saber mais do que o paciente sobre os seus pensamentos 9 O terapeuta verbaliza e explora o que está ocorrendo quando enxerga uma perspectiva diferente daquela do paciente procurando identificar os processos mentais que levaram às diferentes alternativas gerando a ideia de que diferentes visões podem ser aceitas 464 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 15 Allen JG Traumatic 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alguns conceitos como gênero identidade de gênero e identidade sexual Ilustra com material clínico situações nas quais é possível observar a influência do gênero do terapeuta no processo de trata mento Procuramos destacar como o gênero pode influenciar o processo terapêutico em seu desenvolvimento tendo em vista o bi nômio transferênciacontratransferência e o campo intersubjetivo A subjetividade e a identidade de gênero se mo delam em cada caso segundo a maneira pela qual o psiquismo individual se estrutura de acordo com o trabalho de determinação e sig nificação pautado pela sociedade doadora de sentido e mediado pela família A diferença entre os modos de repre sentar significar e praticar as condições masculina e feminina nas diversas socieda des e culturas se radicaliza quando já não se trata só de representar a masculinidade e a feminilidade senão de instituílas de fazêlas ser o que são A sexualidade é uma construção social e cultural que varia con forme a época e as disciplinas científicas que racionalizam a relação de poderes e de dominação de um sexo sobre o outro1 Os conceitos psicanalíticos de mas culinidade e feminilidade referemse a um sistema complexo de crenças que cada pes soa desenvolve em relação à anatomia e às diferenças anatômicas A elas se adicionam fantasias incons cientes que levam cada indivíduo a formar um sentido pessoal de masculinidade e feminilidade que pode concordar ou não com seu sexo biológico Há além disso um reconhecimento geral de que as influências culturais contribuem de forma poderosa Masculino e feminino não são modelos ab solutos Variam de uma cultura para outra tanto quanto de uma época para outra26 Tem havido um crescente interes se entre profissionais de diversas áreas do conhecimento a respeito do gênero intro duzindose novas variáveis além da inter relação entre o masculino e o feminino conferindolhe um caráter transdisciplinar Se por um lado esse movimento da comu nidade científica nos conduz a vi sualizar 27 GÊNERO E PSICOTERAPIA Marlene Silveira Araujo Carolina Silveira Campos 466 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs novas perspectivas de entendimento e abrir novos paradigmas que nos permitem avan çar no conhecimento por outro podemos incorrer em um reducionismo teórico e em uma simplificação conceitual que prejudi cam o avanço científico GÊNERO IDENTIDADE DE GÊNERO IDENTIDADE SEXUAL Mesmo que não nos proponhamos a fazer uma revisão teórica sobre o desenvolvi mento do gênero destacamse aqui alguns conceitos que se prestam a confusões ou superposições para que possamos com preender o que será desenvolvido neste ca pítulo Em 1955 John Money propõe o ter mo gênero para descrever o conjunto de condutas atribuídas a homens e mulheres Mas foi Robert Stoller37 quem estabeleceu claramente a diferença entre sexo e gênero a partir do estudo de crianças malformadas que receberam a denominação do seu sexo ao nascer e foram educadas de acordo com um sexo que não era o seu O sexo portanto constitui um fato biológico enquanto o gênero tem relação com os signi ficados que cada sociedade atribui a tal fato Desde muito cedo são observados comportamentos diferentes entre crianças do sexo masculino e do sexo feminino Mo ney citado por Person8 demonstrou que o primeiro passo e o mais crucial no desen volvimento do gênero é a autodesignação da criança ou seja o rótulo dado pelos pais como homem ou mulher Tal designa ção identidade externa de gênero surge em concordância com o sexo atribuído o gênero interno é o sentimento resultante consciente ou inconsciente de pertencer a um ou outro sexo A diferenciação de gêne ro é observada a partir do primeiro ano de vida e em circuns tâncias normais é imutá vel até o terceiro ano A identidade de gênero é mais abran gente do que o gênero interno Referese não só à distinção entre homem e mulher como também entre masculinidade e femi nilidade abarcando atributos culturalmen te determinados Além dos fatores externos a polari zação masculinofeminino organiza a au toimagem e é uma parte importante da autoidentidade O gênero é um conceito polêmico e em construção Como tal é re sultado de um entrecruzamento de aspec tos da vida das pessoas como a história fa miliar as oportunidades educativas o nível socioeconômico entre outros Para Dio Bleichmar9 sempre que nos referimos aos fenômenos humanos em termos de feminilidade e masculinidade estamos nos referindo ao gênero de uma pessoa Segundo a autora Freud não tinha ferramentas conceituais suficientes para conceber o gênero ao contrário dos ana listas dos anos de 1990 em diante a par tir dos quais este passou a ser um conceito corrente que circula nos meios científicos e psicológicos9 EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS SOBRE GÊNERO Meyers10 defende que existem inúmeras variáveis do paciente e do analista que in fluenciam o processo analítico sendo o gênero uma delas Assim em cada caso a dinâmica o caráter e o contexto são dife Psicoterapia de orientação analítica 467 rentes Em relação ao terapeuta as variá veis diferem dependendo do seu caráter de antecedentes pessoais da formação prévia e do estilo A autora propõe que o gênero do terapeuta afeta o curso do tratamento conforme a sequência a intensidade e a inescapabilidade de certos pa radigmas transferenciais A literatura está repleta de relatos de casos clínicos de pacientes dos sexos mas culino e feminino tratados por terapeutas homens e mulheres sem haver maior preo cupação com o impacto causado pelo gê nero do terapeuta como tal Não obstante Freud11 diziase em desvantagem na aná lise de suas pacientes em relação às suas colegas mulheres Intuía assim que alguns mistérios femininos seriam somente des vendados por analistas mulheres Muito interessantes são as questões levantadas por Meyers10 sobre o impacto causado pelo gênero do terapeuta sobre o paciente considerando que o gênero com pleto do terapeuta ou a fantasia incons ciente relacionada a este é uma variante que merece ser investigada Concordamos quando refere que em uma análise bem conduzida em geral o gênero do analista e outros aspectos da realidade têm pouca influência pois todos os paradigmas trans ferenciais chegam a ser estabelecidos e ela borados Merece destaque sua observação de que o gênero deve influenciar mais nas psicoterapias de orientação psicanalítica por estarem elas mais ligadas à realidade apresentarem menos regressão e não che garem a abordar todas as transferências ChasseguetSmirgel12 sugere que o efeito do gênero é maior nos pacientes mais regressivos que têm uma noção pouco cla ra de sua identidade e necessitam apegarse ao sexo real do terapeuta como um elemen to organizador Os autores que estudam esse tema são unânimes em indicar que a preocupação excessiva quanto ao gênero pode ocasionar pontos cegos O refe rencial teórico do terapeuta também pode influen ciar o processo Portanto o ideal deve ser uma atitude livre do terapeuta descom promissada com a teoria mas atenta à es cuta do paciente e disposta à investigação Breen13 descreveu o que denominou o enigma dos gêneros O autor contri buiu notavelmente para a compreensão da complexidade do tema e a revolução cau sada pelo avanço dos estudos em relação aos homens às mulheres à sexualidade fe minina e à mudança cultural e social com a crescente participação das mulheres na sociedade Autores como Kernberg14 Ei zirik15 Tubert16 e Flax17 têm destacado a influência do gênero no processo analítico como decorrência dos estudos desenvol vidos nessa área bem como nas discipli nas afins paralelos às mudanças sociais e cul turais na sociedade As mudanças de ordem geral na psicanálise abriram novas con siderações em torno da pessoa do ana lista e de sua participação no processo te rapêutico Sobre a pessoa do analista Alizade18 aponta que ele tem sexo identidade de gê nero função analítica e eleição de objeto Além disso tem crenças e ideologias A partir do inconsciente do paciente o funda mental tornase saber quem é o analista para ele paciente interpretado pelo analista em dis tintos momentos do tratamento A resposta do analista está limitada pelo quantum de mobili dade psíquica no que concerne a assumir uma bissexualidade lúdica sem que isso altere sua identidade de gênero 468 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ESTUDOS ATUAIS SOBRE GÊNERO Nos últimos anos tem havido um aumen to considerável de contribuições e revisões sobre as questões de gênero e sua influên cia no processo terapêutico as diferenças de participação de homens e mulheres na so ciedade sua criatividade seu trabalho en tre outras questões Apesar das revelações obtidas por meio de pesquisas qualitativas e quantitativas os resultados são passíveis de critérios muitas vezes bastante rigoro sos Predomina entre os terapeutas a ideia de que seu gênero não tem influência no processo e de que a transferência por de finição tem pouca relação com a realidade dos atributos do analista19 No processo psicanalítico a identi dade de gênero e seu reconhecimento tanto da parte do analista para com seu paciente quanto do analista para consigo mesmo no setting terapêutico têm sido ob jeto de estudo e preocupação de muitos au tores102027 Isso pode ser decorrência de algumas questões ainda não respondidas pelos analistas que são para Kernberg14 as relações entre gênero e sexualidade e entre desejo erótico e amor Além disso existem os desafios nos limites da relação analítica como facilitadora ou continente para a ex ploração de conflitos edípicos e por fim as tentações as proibições e os derivativos da tensão erótica que ocorrem de forma transferencial e contratransferencial Entre as pesquisas que exploram a relação identidade de gênero analistaana lisando destacase o estudo de Langs e co laboradores25 que apresentaram dados comparativos de uma paciente do sexo feminino vista por três analistas do sexo masculino em sessões gravadas em vídeo Os resultados demonstraram que a fre quência de alusões à questão do gênero e a análise gramatical relativa à diferença de gênero revelaram diferenças significativas em cada uma das três díades no que diz res peito ao sistema criado pelo sujeito e os três analistas ao material apresentado pelo su jeito e aos temas abordados pelos analistas No entanto mesmo que esse estudo tenha demonstrado a importância do conceito de identidade de gênero pela diferença dos temas de gênero dessa paciente com cada um dos analistas fica a questão de como tal paciente responderia a três analistas do sexo feminino Em um dos estudos pioneiros no Bra sil sobre a questão do gênero e de suas in fluências na díade terapêutica Araujo e co laboradores19 apresentaram uma vinheta clínica de uma paciente a quatro membros didatas da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA sendo três do sexo masculi no e um do sexo feminino todos com mais de 10 anos de prática clínica Os resultados demonstraram que houve homogeneidade quanto ao entendimento do conflito cen tral da paciente e quanto aos aspectos cen trais transferenciais e contratransferenciais da díade embora este último elemento tenha sido apontado como pouco explora do No entanto houve discordância entre os pesquisados em relação à influência da identidade de gênero no processo analítico Dos quatro analistas dois mostraramse convencidos de sua importância Os outros dois apontaram as peculiaridades da díade como mais importantes de serem avaliadas do que propriamente a identidade de gê nero Outro estudo brasileiro sobre a ques tão do gênero e da prática psicana lítica coor denado por Haudenschild28 procurou in vestigar a diferença de escuta analítica con forme o gênero dos analistas e dos pacien tes por meio das formulações das inter Psicoterapia de orientação analítica 469 pretações Esse grupo pensa que há fatores tanto sexuais biológicos inatos como ge néricos relativos a comportamento cultu ra e sociedade na formação da identidade de gênero Assim homem e mulher seja paciente seja analista serão influen ciados por esses fatores Estudando as relações da mulher com o trabalho Berlin de Polito29 alerta que a teoria de gênero considera as experiên cias da mulher e do homem distintas Isso acontece não só por diferenças biológicas como também por significações social e cultural que se sobrepõem assim como pe la tendência de interpretar essas diferenças como se um sexo fosse superior ao outro Para essa autora os analistas têm desdenhado a visão do gênero por consi de rálo uma questão de cunho sociológico A in clusão ou não do gênero como variável importante no processo pode ser resultado da restrição por parte dos analistas de tra duzir aspectos da realidade nos tratamen tos Berlin de Polito29 ressalta que o gênero do ana lista é indiferente porém é importante a posi ção que elea toma diante das peculiaridades relativas ao gênero Amendoeira30 apresenta uma pesqui sa realizada na Sociedade Brasileira de Psi canálise do Rio de Janeiro na forma de uma pergunta O gênero faz diferença na escuta e no trabalho psicanalíticos As respostas centraramse basicamente na opinião de que o gênero é um dos elementos da subje tividade tanto dos pacientes quanto dos te rapeutas Os participantes da pesquisa con sideraram que a constituição da identidade de cada um por meio de identificações as diferentes respostas em função do gênero e as fantasias inconscientes seriam diferen tes para homens e mulheres O gênero do analista favoreceria ou não a emergência e a predominância de determinadas fantasias e projeções Outra interessante pesquisa procu rou confirmar uma maior probabilidade de analistas do sexo feminino serem pro curadas por seus pacientes inclusive para dar notícias sobre sua vida após o término da análise em comparação com seus co legas do sexo masculino31 A configura ção perceptiva que se desenvolve a partir da identidade de gênero terá seus efeitos sobre o esquema corporal sobre as estru turas simbólicas incluídas as linguísticas e sobre a realidade psíquica da vida coti diana32 Como resultado da desigualdade de gênero na expectativa de vida existe tam bém uma maior proporção de mulheres do que de homens com idade avançada33 Os problemas e as mudanças que acom panham essa fase da vida são predomi nantemente femininos As mulheres são discriminadas por serem mulheres e ve lhas Amendoeira30 em uma pesquisa qua litativa sobre a diferença de aceitação da aposentadoria entre homens e mulheres demonstra mais uma vez os aspectos pe culiares ao gênero que interferem na forma de lidar com situações de perdas REFLEXÕES A PARTIR DA CLÍNICA Sobre as questões do gênero Meyers10 re flete a partir de três áreas a serem explora das A primeira é a expectativa do paciente em relação ao terapeuta desde o início com o estabelecimento da relação transfe rênciacontratransferência prove niente de 470 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs fantasias inconscientes projetadas pelos componentes do par pacienteterapeuta A segunda diz respeito aos aspectos reais da transferênciacontratransferência du rante o tratamento e que têm relação com o gênero do terapeuta e do paciente A ter ceira área se refere a assuntos específicos como gravidez da paciente ou da terapeuta Todos dispomos de exemplos clínicos em nossa prática que nos conduzem a re fletir sobre o tema e a contribuir para novas teorias Seguem alguns exemplos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Paulo 21 anos refere ficar com o perfume da te rapeuta impregnado em suas mãos e reconhece que isso o perturba em uma postura crítica e de fensiva diz que o perfume contrasta com a atitu de distante e incógnita da terapeuta ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Léo 7 anos percebe mudanças no visual da te rapeuta fazendo comentários sobre corte e mu dança da sua cor do cabelo revelando seu gosto e expressando sua opinião Os pacientes obtêm dados do tera peuta a partir de estímulos externos Con sideramos que esses estímulos mobilizam fantasias e desejos os quais se expressam na transferência e são ligados ao gênero do terapeuta Sob outro enfoque podemos pensar que Paulo não se perturbaria com o perfu me de um terapeuta homem ou que teria uma perturbação de outro tipo Léo apre ciaria os cabelos e as roupas de um tera peuta homem Faria comentários como faz com a terapeuta mulher A nosso ver e de acordo com a maioria dos au tores o gênero do terapeuta desencadeia as pectos transferenciais a partir de vivências primitivas que estavam dentro do paciente O quanto isso vai afetar o curso do tratamento não se sabe O peso da contratransferência no lidar com essas projeções vai depender da capacidade do analista de contêlas e metabolizálas Esses paradigmas transfe renciaiscontratransferenciais constituem problemas complexos Pensamos como outros autores que as reações transferenciais mais primitivas tendem a aparecer em primeiro lugar e são influenciadas pelo gênero do analista Sabese que pacientes homens frequen temente desenvolvem transferência ma terna ero tizada com terapeutas mulheres enquanto em tratamento com terapeutas homens a transferência materna demora mais a aparecer e predomina a transferên cia paterna Com maior frequência pacientes de ambos os sexos desenvolvem com mais fa cilidade transferência materna préedípica com terapeutas mulheres e transferência edípica com terapeutas homens10 Karme citado por Meyers10 sugere que transferências préedípicas maternas podem ser experimentadas com analistas de qualquer gênero porém as edípicas maternas ou paternas se estabelecem de acordo com a pessoa real do analista De qualquer maneira seja qual for o impacto do gênero do terapeuta no paciente deve haver também uma correspondência con tratransferencial relativa ao gênero Psicoterapia de orientação analítica 471 Viederman34 comenta que a relação real com o analista é vista como comple mentar e como um ingrediente importante para a mudança no processo analítico Para ele a psicologia psicanalítica do desenvolvi mento contribui para a nossa compreensão de como a pessoa real do analista sua dis ponibilidade emocional sua responsivida de em momentos particulares e sua atitude em direção à ação e à mudança progressiva no paciente afetam o processo terapêutico e conduzem às modificações Considera ainda que a pessoa real do analista se re fere não apenas aos traços externos como também às suas características únicas como pessoa e a seu comportamento na situação analítica Lester32 enfatiza que o gênero ine vitavelmente qualifica as realidades parti culares do analista e do paciente durante a sessão e influi na transferência e na contra transferência No que diz respeito a esses aspectos transferenciais e contratransfe renciais Bernstein e Warner35 destacam que pacientes mulheres podem utilizar os traços de passividade e dependência para impressionar as analistas mulheres que algumas vezes os entendem como charme Em relação aos analistas homens dizem que estes caem na sedução traídos por seus pró prios conflitos edípicos não resolvidos Se guindo nessa linha as autoras atribuem a al guns analistas homens falhas em empatizar com as necessidades corporais das pacientes confundindo nesses casos os impulsos pré edípicos com impulsos edípicos Em outros momentos analistas ho mens atribuem fragilidade e necessidade de proteção às pacientes mulheres em função de seus conflitos com a mãe pré edípica Desse modo narcisisticamente sentemse como protetores dessas mu lheres e ameaçados por mulheres ativas e independentes As autoras chamam a atenção para um erro contratransferencial clássico que é a dificuldade de o analista homem acei tar e analisar a transferência materna por falhas na resolução da ansiedade de castra ção Destacam também uma linha sig nificativamente perigosa que diz respeito ao abuso sexual de analistas homens com pacientes mulheres assinalando sua rari dade entre analistas mulheres e pacientes homens Para as autoras esses analistas são considerados em geral psiquiatricamente doentes com fantasias grandiosas e onipo tentes Segundo elas esse tipo de fantasia é mais aceito em analistas homens do que em analistas mulheres e em função disso tal problema não é percebido em suas forma ções e análises pessoais Tanto os homens como as mulheres analistas são suscetíveis a problemas contratransferenciais As au toras ainda chamam a atenção para o fato de que algumas analistas mulheres apre sentam dificuldades em serem vistas como pai ou mãe fálica em função da inveja do pênis Outro ponto de resistência em ana listas mulheres com pacientes do mesmo sexo referese à transferência na forma de uma rivalidade edípica levando a analista a competir com a paciente Além disso destacam como erro con tratransferencial mais comum o fato de as analistas tenderem a ser muito maternais e superprotetoras com pacientes regressivas podendo ocorrer uma infantilização destas Reagem como uma mãe em vez de reco nhecer e analisar a regressão como uma de fesa contra a rivalidade edípica19 A gravidez por exemplo é um acon tecimento peculiar às terapeutas mulheres e pode ter muitos desdobramentos con siderandose as duplas pacienteterapeuta com transferência e contratransferência cruzadas com padrões culturais e mudan ças sociais Apesar de ser uma experiência 472 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs única para as mulheres pouco se escreveu sobre o assunto Em um dos poucos trabalhos publica dos Lax36 observou que os homens notam a gravidez da terapeuta mais tarde do que as pacientes mulheres Concordamos com Lax quanto ao tempo de conhecimento da gravidez além de observar maior percep ção da gravidez pelas crianças do que pe los pacientes adultos de ambos os sexos As crianças notavam logo a gravidez e apre sentavam abundante material lúdico relati vo a ataques ao interior da mãe destruição de bebês ciúme fantasias persecutórias dificuldade para entrar na sala resistências em comparecer à sessão O material clínico seguinte ilustrará tais comentários finais tendo como base a experiência de terapeuta grávida de uma das autoras deste capítulo Marlene Silveira Araujo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Pedro 57 anos procuroume após se mudar para Porto Alegre encaminhado por sua tera peuta mulher com quem disse ter tido uma re lação singular jamais vivida com os dois tera peutas homens que tivera Idealiza os atributos femininos em detrimento das características masculinas Em função dessa experiência com terapeuta mulher aceita minha indicação fi cando mais entusias mado ainda por saber que trato de crianças e adolescentes Idealiza mi nha capacidade de entendêlo mais profunda mente Percebo que sua terapeuta preocupada com a adesão do paciente ao tratamento dá in formações a meu respeito o que pouco a pouco vai oferecendo subsídios ao paciente para que comece a me atacar mulher nordestina tera peuta de criança lida com sujeira Esse jogo de sentimentos transferen ciais e contratransferenciais invade o setting provocando sentimentos e trazendo à tona fantasias que precisam ser examinadas e tra tadas Nesse material clínico com apenas um começo de tratamento percebemos a mobilização de mecanismos utilizados tanto pelo paciente como pelo terapeuta que se não forem percebidos alteram a relação mé dicopaciente pois correspondem a fanta sias infantis primitivas Assim percebemos a idealização do paciente a perseguição o desejo de proteger do terapeuta o receio pe lo ataque ou o entusiasmo pela idealização Em Influência da identidade de gênero no processo analítico uma reflexão Araujo e colaboradores19 apresentam uma ampla revisão de autores que trabalham o tema Eles levantam questões que originaram um projeto de pesquisa que vem sendo realiza do há alguns anos na SPPA A influência do gênero do terapeuta no processo terapêutico parece portanto inegá vel e revela sua aparição por meio de fantasias inconscientes A relação real é complemen tar mas um ingrediente importante Como Meyers10 chamamos a atenção para a maior influência do gênero no caso das psico terapias Terapeutas homens e mulheres vão se deparar com conflitos tanto homo quanto hete rossexuais Acreditamos que um tratamento bem sucedido depende da habilidade do tera peuta em tratar as transferências e admi nistrar sua contratransferência Manterse atento à interação transferênciacontra transferência é a possibilidade de que dis pomos como terapeutas para encaminhar o processo terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 473 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A subjetividade e a identidade de gênero se modelam em cada caso segundo a maneira pela qual o psiquismo individual se estrutura Os conceitos psicanalíticos de masculinidade e feminilidade refe remse a um sistema complexo de crenças que cada pessoa desenvolve em relação à anatomia e às diferenças anatômicas 2 A identidade de gênero é mais abrangente do que o gênero interno Referese não só à distinção entre homem e mulher como também entre masculinidade e feminilidade abarcando atributos culturalmente determinados 3 O gênero deve influenciar mais nas psicoterapias de orientação psicanalítica por estarem elas mais ligadas à realidade apresentarem menos regressão e não chegarem a abordar todas as transferências Houve no entanto discordância entre os pesquisados em relação à influência da identidade de gênero no processo analítico Autores referem inclusive que os analistas têm desdenhado a visão do gênero por considerálo uma questão de cunho sociológico 4 A nosso ver e de acordo com a maioria dos autores o gênero do terapeuta desencadeia aspectos transfe renciais a partir de vivências primitivas que estavam no paciente O quanto isso vai afetar o curso do tra tamento não se sabe Considerase que a pessoa real do analista se refere não apenas aos traços externos como também às suas características únicas como pessoa e a seu comportamento na situação analítica A influência do gênero do terapeuta no processo terapêutico parece portanto inegável e revela sua aparição por meio de fantasias inconscientes A relação real é complementar mas um ingrediente importante REFERÊNCIAS 1 Lewkowicz I El género en perspectiva histó rica Psicoanálisis 199719340927 2 Moore BE Fine BD Termos e conceitos psica nalíticos Porto Alegre Artes Médicas 1992 3 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and identity in psychotherapy consulta tions Am J Psychother 1992462183206 26 Marcus BF Vicissitudes of gender identity in the female therapistmale patient dyad Psychoanalytic Inquiry 199313225869 27 Tholfsen B Cross gendered longings and the demand for categorization enacting gender within the transference countertransference relationship Journal of Gay and Lesbian Psychotherapy 20014227 46 28 Haudenschild T Género y proceso analítico In Diálogo LatinoAmericano Intergeracio nal entre Homens e Mulheres 3 2002 maio 34 Porto Alegre 29 Berlin de Polito D Tropiezos en el ejerci cio de la profesión Visión psicoanalítica y visión de género Trópicos Revista de Psico análisis 1998612840 30 Amendoeira MC Fatores que influenciam as psicoterapias In Congresso Brasileiro de Psiquiatria 20 2002 out 1619 Florianópo lis 31 Schachter J Brauer L The effect of the analysts gender and other factors on post termination patientanalyst contact con firmation by a questionnaire study Int J Psy choanal 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percebido por outros é a maneira ha bitual de pensar sentir e agir da pes soa Psicodinamicamente compreen dido o caráter é o modo habitual que a pessoa tem de reconciliar conflitos psíquicos O caráter de uma pes soa é constituído de uma constelação de traços de caráter sendo cada um deles uma mistura complexa de deri vados pulsionais defesas e compo nentes do superego Em outra definição caráter é visto co mo o amplo grupo de atitudes e traços es táveis e típicos pelo qual uma pessoa pode ser reconhecida2 Buscando evitar a multiplicidade de definições conceituais característica da teo ria psicanalítica podese dizer que de forma geral o caráter se refere ao modo como cronicamente o ego lida com o id com o superego e com o mundo externo Visto como um conceito que estabelece uma ponte entre o que é observado no pa ciente e uma estrutura que resulta de uma teorização mais profunda o caráter desde cedo tornouse uma noção importante no âmbito da teoria e da prática psicanalíticas e por extensão da psicoterapia de orienta ção analítica Diferentemente dos sintomas que se apresentam com menor estabilidade e com frequência surgem mais tarde na vida dos indivíduos o caráter e seus traços é mais discreto em suas manifestações e ao mesmo tempo mais resistente às investidas terapêuticas como será abordado adiante Podese afirmar que os sintomas são ego distônicos enquanto o caráter até certo ponto tende a ser egossintônico O termo caráter é usado com frequência como sinônimo de personalidade referindose portanto também a aspectos normais do funcionamento do indivíduo Podese esta belecer que o termo personalidade é uti lizado de forma mais descritiva enquanto o caráter destaca aspectos mais compreen sivos ou dinâmicos2 Svrakic e colaboradores3 em uma clas sificação atual apresentam a personalidade como uma composição de dois elementos o temperamento de base hereditária e composto por quatro fatores busca do 28 ABORDAGEM DO CARÁTER EM PSICOTERAPIA Manuel J Pires dos Santos Hamilton Oscar Perdigão da Fontoura Carlos Gari Faria 478 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs novo evitação da dor dependência de re compensa e persistência e o caráter com posto por três fatores autodirecionamen to cooperatividade autotranscendência4 Os autores consideram o caráter como menos herdado sendo influenciado pe la aprendizagem social pela cultura e por eventos aleatórios da vida únicos para o indivíduo O chamado modelo de sete fa tores de Cloninger concebe o desenvolvi mento da personalidade como um proces so epigenético interativo no qual os fatores hereditários temperamento motivam o desenvolvimento dos fatores interacionais caráter que por seu lado modificam o significado e a importância dos estímulos percebidos aos quais a pessoa responde Assim o temperamento colabora no de senvolvimento do caráter e viceversa O caráter determina a boa ou a má adaptação dos traços hereditários às con tingências ambientais nas quais vive o in divíduo5 Uma consequência lógica dessa compreensão é que o caráter por seu desen volvimento interacional ie resultante do aprendizado e das influências ambientais é responsivo às psicoterapias ao contrário do temperamento de base hereditária67 Dois aspectos merecem ser conside rados no que tange ao conceito de caráter os traços de caráter e o caráter propriamen te Para Baudry8 traços de caráter referem se a atitudes e padrões estáveis inferidos da observação de um indivíduo situandose portanto em um nível clínico e servindo como elemento para se reconhecer e ob servar identificações e relações de objeto estabelecidas ao longo da história daquele indivíduo No contexto do tratamento o traço de caráter pode servir como um sinalizador não só de pon tos de resistência como também de mudança ou seja progresso terapêutico À medida que os traços são grupados e correlacionados temse o caráter propriamente dito Baudry9 ainda aponta o que chama de organização de caráter um nível mais abstrato e teórico que se refere à origem à existência e à estrutura do caráter como um todo a partir do qual podemos recor rendo à teoria estabelecer uma origem um desenvolvimento normal ou não e mes mo um prognóstico quando se considera o tratamento A importância do estudo do caráter e de seus traços no que se refere à psico terapia de orientação analítica pode ser avaliada a partir da afirmação tanto de um autor clássico como Fenichel10 quanto de autores mais atuais como Liberman11 Bergeret12 e Baudry89 Fenichel10 em 1934 defendeu que o estudo do caráter pela psi canálise constituíase no seu ramo mais re cente tendo surgido primeiro pela neces sidade de estudo da resistência e segundo pela mudança no quadro clínico das neu roses que surgiam então com tal compro metimento da personalidade que desapare cia toda linha de demarcação entre perso nalidade e sintoma acrescentando em lugar de enfrentarmonos com casos de neuroses claramente delinea dos estamos vendo cada vez mais e mais pessoas afetadas por transtornos menos definidos mais incômodos às vezes para as pessoas que rodeiam o paciente do que para ela mesma Após 50 anos Baudry8 expõe pratica mente o mesmo a maioria dos pacientes que vem à consulta hoje dificilmente se queixa de sintomas O quadro é geralmente uma vaga insatisfação em suas vidas Psicoterapia de orientação analítica 479 pessoal ou profissional inibições va riadas ou ainda uma inabilidade para encontrarem a si mesmos Todas es sas são manifestações de patologia do caráter Ainda que ambos os autores falem de psicanálise pensamos que o mesmo vale para a psicoterapia de orientação analíti ca1314 Baudry8 aponta também o que con sidera uma ambiguidade no conceito de caráter o que é observável no indivíduo não é o traço mas o comportamento o traço é inferido do comportamento ob servado Além disso podese duvidar ou questionar os dados que servem de base à observação Alguns autores referemse pa ra inferir o caráter a comportamento no sentido de atividade outros a atitude ou tros ainda a estilo15 e assim por diante Contudo determinado comportamento pode ex pressar diferentes traços de caráter uma pessoa que parece sempre dizer o que é certo pode ser diplomática sincera hi pócrita entre outras classificações Assim o espectro dos dados possíveis a partir dos quais se pode inferir o caráter é bastante amplo linguagem corporal maneirismos da fala tota lidade dos movimentos expres sivos pos tura modo de andar de vestir A lista pode ser infindável e sua valorização varia de autor para autor Outro aspecto ambíguo do conceito é sua relação com o afeto dizer que fulano é uma pessoa ansio sa enfatiza tanto a hipótese de um sintoma quanto de um traço de caráter tornando se difícil às vezes a distinção entre um e outro o que revela uma superposição de termos para um mesmo aspecto do com portamento8 Faria16 considera o caráter como aqui lo que transparece da estrutura de base e emerge na relação transferencial Partindo da contribuição de Bergeret e Liberman entende que esta emanação da estrutura que opera na relação objetal imprimindo lhe jeitos ritmos tons afetivos ou es tilos próprios pode ser também com parada à transpiração de relações objetais internas e às identificações no ego e no superego O caráter expres saria assim a em termos dinâmicos modos de funcionamento do ego no plano defensivo e adaptativo b em termos econômicos a direção o sentido ou as transformações dadas às pulsões do id e c em termos topográficos e estrutu rais os diferentes níveis do confli to básico com as ansiedades cor respondentes Para sintetizar podemos afirmar que os traços de caráter são formações de compromisso que representam o pro duto final de várias funções do ego de síntese de defesa e de adaptação O ca ráter nesse sentido não é uma síntese mas o resultado de uma síntese8 Neste capítulo não nos deteremos em tipos es pecíficos de caráter que são abordados em outros capítulos mas nos aspectos relevantes dessa organização no que tan ge a sua origem e desenvolvimento no in divíduo bem como às suas manifestações no tratamento COMPREENSÃO DINÂMICA DO CARÁTER Faria17 aponta que o caráter é visualizado por meio de duas vertentes complementa res e nunca excludentes Em uma enfoca da pelo ângulo econômico o caráter pode ser visto como expressão do destino das pulsões Em outra em termos estruturais emerge como resultante da história das re lações objetais 480 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O caráter como destino das pulsões Em um estudo sobre o caráter Faria16 fez um levantamento sobre o conceito enfa tizando sua evolução na teoria psicanalí tica notadamente na obra freudiana Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud18 aponta O que descrevemos como caráter de uma pessoa é constituído em gran de parte com o material das excita ções sexuais e se compõe de instintos que foram fixados desde a infância de construções alcançadas por meio da sublimação e de outras construções empregadas para de maneira eficaz conter os impulsos perversos que fo ram reconhecidos como não utilizá veis A disposição sexual perversa multiforme pode assim ser conside rada a fonte de várias de nossas virtu des na medida em que por meio da formação reativa estimula o desen volvimento delas Freud19 em um artigo dedicado es pecificamente ao tema define O caráter em sua configuração geral formase a partir dos instintos cons tituintes os traços de caráter perma nentes são prolongamentos inaltera dos dos instintos originais ou a subli mação desses instintos ou formações reativas contra eles Faria16 destaca que nessa definição estão as origens do caráter perver so prolongamentos inalterados dos instintos do caráter neurótico por meio da formação reativa represen tando também outros mecanismos de defesa até então não identificados e do caráter mais adaptativo ou me nos limitante por meio do destino da sublimação Em 1915 Freud sistematiza em ter mos metapsicológicos as vicissitudes dos instintos reversão ao seu oposto retor no em direção ao próprio self repressão e sublimação capazes de explicar por esse ângulo a organização do caráter expressa em 19081520 A classificação feita por Feni chel10 em dois grandes grupos o caráter reativo e o sublimatório segue a enuncia da por Freud A correlação entre impulsos zonas erógenas correspondentes e tipos de caráter é mantida por Abraham em seus trabalhos sobre o caráter e o desenvolvimento da libi do Contribuições à teoria do caráter anal21 A influência do erotismo oral na formação do caráter22 e A formação do caráter no nível genital do desenvolvimento da libido23 Para Abraham no caráter normal encontramos aspectos infantis pertencentes às três eta pas que conjugadas dão as possibilidades de absorver oral produzir anal e criar genital Para Reich24 o caráter genital ten do atingido a satisfação instintiva princi palmente nesse nível contém uma maior capacidade de sublimação enquanto o caráter neurótico ancorado na repressão estruturase principalmente por meio de formações reativas Beland25 destacando o aspecto de estabilidade da organização caracterológica assinala que em Freud já havia a noção de caráter como estrutura Segundo Faria16 O oposto à estrutura é a falta de co nexão a mobilidade de energia livre a mudança súbita a impossibilidade de predizer o que é entendido como falha na estrutura ou desestruturação do caráter Visto pelo ângulo econô Psicoterapia de orientação analítica 481 mico o investimento de energia livre móvel em energia ligada catexia é o que dá origem às estruturas que con somem em parte o impulso e tam bém lhe dão um destino Assim o im pulso se converte em força investida em direção a uma estabilidade maior ou menor como um processo Nessa estabilidade transparece a qualidade egossintônica típica na qual se concentra o perfil da chamada resistência caracterológi ca a couraça conforme a clássica descrição de Reich24 couraça esta criada para a pro teção do ego tanto dos perigos internos como externos Bergeret12 seguindo Freud acrescen ta que no nível da estrutura não se pode passar do modo de estruturação psicótico para o neurótico ou viceversa uma vez que um ego específico é organizado em um sentido ou em outro Defende que a mais neurótica das psicoses e a mais psicótica das neuroses nunca se encontrarão em uma linhagem comum do ego O caráter portanto inclui uma for mação de compromisso estável em uma tentativa terapêutica isto é uma ten tativa de resolução em torno do conflito básico e de suas versões posteriores daí uma razão além das fundamentais e clás sicas para intensificar suas resistências em determinados momentos do processo te rapêutico É frequente ouvir de pacientes a fantasia de que precisam se desmanchar se desfazer para poder começar tudo de novo Essa ideia a de se desfazer além de expressar uma vontade de mudar in clui também o medo da desestruturação e pode funcionar como desencadeante da intensificação da resistência caracteroló gica Nas Novas conferências Freud26 se re fere ao caráter em um novo contexto Aquilo que se conhece como caráter coisa tão difícil de definir deve ser atribuído inteiramente ao ego Pri meiramente e acima de tudo existe a incorporação sob a forma de supere go da instância parental anterior que é sua parte mais importante e decisiva e ademais identificação com am bos os pais do período subsequente e identificações semelhantes formadas como remanescentes de relações obje tais a que se renunciou O autor acrescenta a isso as forma ções reativas e a sublimação O caráter como resultado das relações objetais A compreensão atual do papel das relações de objeto no desenvolvimento normal e patológico do indivíduo bem como na téc nica analítica e psicoterápica originase naturalmente em Freud Faria1617 aponta que já em O ego e o id Freud27 amplia os fundamentos sobre a formação do caráter em outra dimensão centrada nas identi ficações e relações objetais Partindo das formulações alcançadas em Luto e melan colia Freud28 chega à teoria estrutural e em algumas passagens referese direta ou indiretamente ao caráter A princípio na fase oral primitiva do indivíduo a catexia objetal e a identificação são sem dúvida indistinguíveis É possível supor que o caráter seja um precipitado de catexias ob jetais abandonadas e que ele contém a his tória dessas escolhas de objeto28 Ao admitir que existem graus de ca pacidade de resistência que decidem até que ponto o caráter desvia ou aceita a his tória de suas escolhas objetais Freud deixa 482 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs aberta uma referência aos mecanismos de defesa por meio dos quais se configuram e se expressam os diferentes tipos eou traços de caráter O caráter expressa uma estrutura utilizada para dar suporte às relações ob jetais internas as mesmas que se repetem na transferência sustentadas defendidas ou aprisionadas nos traços do caráter Por tanto dentro da marca do caráter existe defendida uma história de relação objetal história que tende a se repetir pela fanta sia inconsciente reavivandose na relação transferencialcontratransferencial a via específica para a abordagem da análise do caráter Convém destacar que as teorias psicanalíticas atuais têm em comum jus tamente a ênfase nas chamadas relações de objeto Isso quer dizer que não só é acen tuada a importância das relações de objeto vivenciadas interna e externamente no passado do paciente mas também as rela ções que estabelece no presente aí incluída a relação com o terapeuta Para Greenberg e Mitchell29 o que há de comum nas teorias psicanalíticas atuais consiste no foco cada vez maior na intera ção das pessoas umas com as outras isto é no problema das relações objetais Entre outras coisas isso quer dizer que a relação que o paciente estabelece conosco vai trazer à luz relações que teve ao longo de seu de senvolvimento e que continua tendo tanto no aspecto sadio quanto no patológico O encontro psicoterapêutico passou a ser observado e estuda do como uma relação entre duas pes soas que ocorre independentemente de suas vontades e produz um impac to emocional mútuo um encontro dentro do qual ocorrem trocas de in formações isto é comunicações em nível verbal e não verbal intencionais ou não30 Essa ênfase no aspecto relacional do encontro concretizada pelo interesse teórico e clínico no que acontece ao par terapêutico e não mais só ao paciente é inegavelmente uma caracterís tica da psicanálise pósfreudiana A teoria passa a ser construída a par tir da relação sujeitoobjeto Dito de outro modo os polos teóricos passam a ser self e objeto impensáveis separadamente A con sequência é que noções como transferência e contratransferência adquirem enorme re levância para o trabalho clínico Em relação à compreensão do cará ter podese afirmar que seus traços têm origem em primitivas relações objetais o que já estava em Freud É também assim que Kernberg31 entende o caráter ou seja o resultado de processos identificatórios que conduzem a relações de objeto inter nalizadas que se estabilizam Caráter e tra ços de caráter expressam e informam sobre relações de objeto internalizadas Sandler32 tem ponto de vista semelhante Os traços de caráter têm a função es pecífica de efetivar uma fantasia de realização de desejo ligada ao obje to pela evocação de respostas apro priadas nas pessoas que cercam o pa ciente As relações de objeto objetivam pro porcionar a satisfação de desejos aqui sig nificando não somente necessidades instin tivas pulsões amorosas e agressivas mas também não instintivas desejos de afir mação tranquilização bemestar seguran ça Ao longo de sua interação com o obje to durante o período inicial do desenvolvi mento e mesmo depois a criança aprende a acionar o objeto para ver realizados seus desejos Ela aprende a fazer o objeto agir Psicoterapia de orientação analítica 483 de acordo com suas necessidades Sandler não se refere propriamente à identifica ção projetiva mas é evidente a semelhança do que descreve com o que outros autores como Bion e Rosenfeld expressam sobre esse conceito Sandler33 afirma que essas formas de provocar uma resposta desejada no objeto vão tornarse o que chamamos de traço de caráter Podese dizer que muitas das técnicas usadas pela criança no diálogo com seus objetos podem ser vistas como traços de caráter ou seus precursores os quais não são apenas derivados ins tintivos ou defesas mas são estratage mas elaborados de forma a evocar res postas específicas nos outros O que queremos destacar é o aspecto evocativo relacional portanto que Sandler aponta no tra ço de caráter sua capacidade de provocar no objeto um determinado comportamento O tra ço de caráter se manifesta em uma ação pela qual o sujeito leva o objeto a agir de determi nada maneira resultando daí uma gratificação inconsciente É patente a importância clínica de tal entendimento se o paciente nas suas mais diversas e variadas relações tem compor tamentos evocativos se busca sempre e de forma inconsciente provocar determi nadas reações nas pessoas isso se repetirá inevitavelmente na relação terapêutica Caberá ao terapeuta identificar esses as pectos evocativos que surgirão assim per ceberá alguns dos traços de caráter e por meio deles as primitivas relações de objeto do paciente Convém assinalar algumas consequên cias desse tipo de compreensão descrito por Sandler Em primeiro lugar essa é uma visão do caráter que está além da visão clás sica Ainda que Freud mais adiante em sua teoria aponte a presença da relação de objeto na origem do caráter não enfatiza o que as posteriores teorias das relações de objeto vão enfatizar o aspecto evocativo relacional interpessoal do traço de caráter Em segundo uma consequência importan te é que a noção de transferência tem seu significado ampliado deixa de ser apenas uma percepção distorcida e ilusória que o paciente tem do terapeuta e passa a in cluir além da percepção uma ação sobre a outra pessoa um fazer algo com o outro ou com a mente do outro na tentativa de criar situa ções definidas que são a repeti ção de ex periências iniciais com os objetos Betty Joseph34 também descreve a situação em que o paciente tenta forçar o terapeu ta a uma forma sutil de atuação Joseph dá como motivo do paciente a necessidade de evitar ansiedades ligadas ao conflito e à cul pa ou seja oferece uma explicação clínica baseada em Bion e não desenvolvimental como Sandler A autora fala das pressões do paciente para que o terapeuta vivencie e atue aspectos de seu mundo interno na transferência e é reconhecendo essas pres sões sutilmente exercidas que conhecere mos o paciente suas defesas e sua história Tais aspectos transferidos não ocor rem apenas durante o tratamento Desde 1912 sabemos por Freud que o tratamen to não cria a transferência apenas a revela Ou como muito bem diz Caper citado por Barros30 a análise atua como microscópio que permite ao analista ver formas de vida que estão presentes em todos os lugares mas que são impossíveis de serem vistas em condições comuns Percebemos portanto que o caráter não é apenas o que o indivíduo mostra no 484 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs seu comportamento objetivo ou o que é diretamente fenomenologicamente ob servado nele O caráter também se revela pelo que o indivíduo faz o outro sentir de forma evidente ou sutil35 É natural por tanto que cresça a importância do terapeu ta nessa situação Entretanto se nos sentimentos do te rapeuta podem estar aspectos do caráter do paciente como saber o que é de um e o que é do outro Nem sempre há como saber e talvez não seja tão importante estabelecer essa distinção Para Sandler33 ocorre sem pre uma formação de compromisso entre as tendências do terapeuta e sua aceitação dos papéis em que o paciente tenta colocá lo Alguns terapeutas serão mais suscetí veis do que outros para determinados pa péis Também é possível que a contribuição de cada um varie em sua intensidade de momento a momento Mas há mais a ser considerado pelo lado do terapeuta San dler33 destaca que todo terapeuta deve ter além de uma atenção flutuante e dentro de certos limites uma responsividade com portamental flutuante isto é uma capaci dade de assumir em seus sentimentos e às vezes em sua conduta o papel proposto pelo paciente para que possa darse conta dele E isso só será possível pela observação de seu próprio comportamento de suas res postas e atitudes em geral depois de ter assu mido pelo menos em alguma medida o pa pel que o paciente impôs OShaughnessy36 concorda com Sandler e destaca como Betty Joseph o papel da identificação projetiva Dadas as funções comunicativas e controladoras das identificações pro jetivas dos pacientes algum grau de atuação do analista em minha expe riência é inevitável É vital que a atua ção parcial do analista seja reco nhecida contida e analisada para que a análise não degenere Nos últimos anos têm surgido com frequência na literatura psicanalítica refe rências à chamada memória implícita con ceito retirado da neurociência cognitiva Segundo ela há dois tipos de memória a explícita ou declarativa que abrange tanto a memória autobiográfica do in divíduo os fatos e os acontecimentos individuais como a memória semântica que se refere ao conhecimento factual e conceitual do mundo externo com acesso à consciência b implícita ou procedural que permite a realização de tarefas e habilidades de ações como dirigir um carro andar de bicicleta tocar um instrumento é tam bém a memória emocional que armazena as experiências emocionais que influen ciam o pensamento e o comportamento no contexto das relações do indivíduo sem que ele tenha consciência prévia das experiên cias pelas quais passou37 O que é significativo quanto a esse se gundo tipo de memória é a noção de pro cessos inconscientes que nunca atingiram a consciência já que estão armazenados em estruturas cerebrais que não permitem es se acesso ao consciente O inconsciente procedural é claro não é superponível ao inconsciente dinâmico freudiano que armazena o reprimido isto é o que já foi consciente em algum momento Ou seja a repressão ocorre na memória explícita o que permite a volta à consciência ou o retorno do reprimido como descreveu Freud Em contrapartida a memória im plícita armazena vivências repetidas e ha bituais da percepção e da ação com seus Psicoterapia de orientação analítica 485 conteúdos emocionais específicos Memórias implícitas de natureza traumática ou não são retidas ou estão disponíveis por meio de vivências que se expressam na conduta ou por emoções cuja origem é desconheci da para o indivíduo Padrões inconscientes de relação com os outros estabelecidos no passado são repetidos no presente e não lembrados em sua origem O conceito de memória procedural é importante para a teoria psicanalítica porque lança uma nova luz sobre conceitos psicanalíticos que implicam repetição co mo transferência contratransferência de fesa traço de caráter sonho e outros pos sivelmente por apresentar um fundamento neural a esses fenômenos3839 Em especial quanto aos traços de caráter ex pressos na conduta do indivíduo ou na ação in consciente exercida sobre o outro podese infe rir que tendo origem nas relações primitivas de objeto sejam vivências inconscientes guarda das na memória procedural não podendo por tanto ser conscientizadas No tratamento tais traços surgem no âmbito da transferênciacontratransferên cia sendo possível a partir daí sua com preensão e mudança Foge ao escopo deste capítulo a discussão mais detalhada dessa aproximação da teoria e da técnica psicana líticas com a neurociência cognitiva O CARÁTER NA PSICOTERAPIA O início do tratamento Além de revelarem o que o indivíduo real mente é no sentido de comportamento estável os aspectos caracterológicos darão também informações importantes para um bom desenvolvimento do proces so psicoterápico Em termos genéricos a motivação para o tratamento envolve obrigatoriamente algumas características de funcionamento de cada um Além dis so a identificação dos traços componen tes do caráter vai fornecer informações ao terapeuta sobre os padrões específicos de defesa do paciente e em alguma medida uma hipótese sobre o prognóstico40 As sim a curiosidade a capacidade de supor tar frustração e a tolerância são aspectos que compõem a motivação total para o tratamento e que se expressam por traços de caráter Em sentido amplo o esforço que implica um tratamento está ancora do em uma vivência de sofrimento e ne cessidade de ajuda41 Pessoas com poucas condições de suportar sentimentos de ver gonha embaraço ou crítica demonstram menos possibilidades de se beneficiarem com o tratamento Pacientes com traços paranoides ou narcísicos tendem a se sen tir criticados pessoas com traços depres sivos podem se sentir desvalorizadas e assim por diante o que vai exigir da parte do terapeuta não só compreensão mas também tolerância e paciência É necessária uma avaliação adequada do funcionamento do paciente a partir de uma anamnese genéticodinâmica pes quisandose a presença ou não de relações de objeto confiáveis e estáveis bem como a quantidade e a qualidade das vivências traumáticas do passado42 A forma como o paciente estabelece o contrato terapêutico bem como as tentativas de rompê lo expressam seus traços de caráter814 486 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Assim os traços de caráter tanto po dem facilitar como dificultar o engajamen to do paciente no tratamento e devem ser identificados dentro do possível na avalia ção inicial Abordagem do caráter ao longo da psicoterapia O trabalho psicoterápico costuma desen volverse em torno de um foco ou mais de um definido pelo terapeuta por meio do material fornecido pelo paciente Um con flito em particular é identificado e passa a ser trabalhado de acordo com o material que vai surgindo nas sessões Todavia para que esse conflito possa ser adequadamente trabalhado tornase necessária e inevitável a abordagem dos traços de caráter sem o que o tratamento corre o risco de tornarse um jogo de racionalizações com o conluio inconsciente do terapeuta O exemplo mais citado na bibliografia é o caso do paciente com traços obsessivos sua predisposição ao uso de cavilações iso lamento afetivo dificuldade de expressar sentimentos racionalização e formalismo pode envolver o terapeuta e esterilizar o tratamento levandoo para longe do foco proposto a menos que sejam assinalados ao paciente esses aspectos caracterológi cos que surgem no aqui e agora da relação transferencial O mesmo pode ser obser vado no paciente com traços fóbicos que funciona de forma evitativa diante de seus conflitos ou naquele com traços paranoi des entre outros Isso é ainda mais signi ficativo se o conflito a ser tratado tem sua origem nos próprios traços de caráter do paciente quando então o tratamento deve incidir inevitavelmente sobre eles O papel da contratransferência na identificação dos traços de caráter O papel da transferência nas psicoterapias analíticas é considerado óbvio não neces sitando de muitas discussões Seguindo a evolução da teoria psicanalítica a psico terapia de orientação analítica tem incor porado conceitos mais recentes como o da importância da contratransferência no entendimento do paciente e no seu mane jo Essa valorização da contratransferência decorre da importância que a identificação projetiva adquiriu na teoria e na técnica A contratransferência aqui entendida como Paula Heimann43 a definiu a totalidade dos sentimentos despertados no terapeuta pelo paciente é usada como um instru mento de compreensão dos conflitos in ternos do paciente bem como de padrões de comportamento que não estão à vista de forma mais imediata Como apontou Vollmer Filho35 o caráter ou os traços de caráter não são identificáveis apenas pelo que é objetivamente percebido no pacien te mas também pelos sentimentos que ele provoca no terapeuta Em outras palavras o paciente tenta de forma defensiva levar o terapeuta a assumir determinados papéis que representam seus objetos internos32 Assim os traços de caráter são o re sultado de relações objetais internalizadas que são externalizadas na transferência e percebidas na contratransferência Sandler dá o exemplo do paciente que costumava atrasarse em seus compromissos a partir do atraso no pagamento dos honorários do terapeuta que se sentiu mobilizado por is so e do consequente receio pelo paciente de que o terapeuta ficasse furioso pôdese Psicoterapia de orientação analítica 487 entender que os atrasos do paciente eram na fantasia uma forma de despertar o in teresse da mãe na infância por meio da irritação provocada O paciente buscava colocar o terapeuta no papel da mãe fu riosainteressada nele33 Constatase nesse exemplo como um traço de caráter a pro crastinação era o resultado de uma relação objetal infantil revivida na transferência contratransferência Fatores do terapeuta Um dos elementos constitutivos da psico terapia é o tipo de relação que se estabele ce entre paciente e terapeuta relação que está em boa parte condicionada a fatores ligados ao terapeuta Entre esses fatores como nível de formação técnica aspec tos pes soais está o que pode ser chamado de acesso ao próprio mundo interno Tal fator é mais bem compreendido quando relacionado ao papel da contratransferên cia e à permeabilidade do terapeuta à sua com preensão14 Um terapeuta não só mais capacitado tecnicamente mas também menos preso a conflitos com seus objetos internos terá melhores condições de aco lher as projeções que lhe são impostas e entendêlas sem atuálas Também se deve lembrar que o paciente sem pre conhece inconscientemente os pontos fracos do terapeuta e irá utilizarse de tal co nhecimento na relação a serviço da resistên cia fato para o qual o terapeuta deve estar pre parado3214 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Paula é uma mulher bonita de 28 anos Procurou tratamento por acharse bastante deprimida porque o na morado a deixara por outra Após um período inicial de desabafo e queixas pela situação injusta de que se sentira vítima ela se defrontou com a pergunta que a fizera procurar tratamento Por que aconteceu isso comigo Paula esforçavase para entender o que se passara mas embora aceitasse a hipótese de que devia haver uma contribuição sua para o que acontecera acabava sutilmente voltando às queixas sobre o comportamento do companheiro de como ele agia como fora injusto e assim por diante Tal atitude levava o terapeuta a mostrarlhe a dificuldade em centrar a atenção em si mesma em in vestigar a si própria Isso estava relacionado com a imagem de uma mãe interna autoritária e crítica trans ferida para o terapeuta se Paula mostrasse o que considerava suas fraquezas e defeitos ele como a mãe iria criticála Defendiase assim colocando o problema fora de si localizandoo no namorado e tentando desviar a atenção do terapeuta e a sua também para longe de si mesma Esse era resumidamente o tra balho que vinha sendo feito no primeiro ano de tratamento uma vez por semana Paula iniciou então um novo relacionamento com um homem que julgava mais adequado Após al guns meses começaram as discussões e ela passou a queixarse do novo namorado À medida que inten sificava suas queixas o terapeuta tentava mostrarlhe como mais uma vez ela não conseguia falar de si mesma como o assunto sempre escorregava para a responsabilidade dele no desequilíbrio da situação O Continua 488 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Algumas considerações são possíveis a partir do que foi mostrado sobre Paula a a paciente tinha uma forma estereotipada de relacionarse com seus objetos b tal forma por ser repetitiva e inflexível constituía um traço de caráter c esse traço evocava nos objetos determi nada reação ou comportamento d estabeleciase então um tipo de relação de objeto que repetia uma relação do passado da paciente a mãe que não a ouvia e a percepção de tal funcionamento só foi possível pela reação suscitada no tera peuta que ao sentirse acionado pensou sobre o que estava sentindo f sua compreensão foi comunicada à pa ciente que por sua vez pôde pensar so bre o assunto passando a ter uma crítica sobre tal conduta e podendo evitar sua repetição automática e inconsciente CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância da atenção dirigida para o reconhecimento dos traços caracteroló gicos deve ser ressaltada desde o primeiro contato com quem busca psicoterapia Continuação terapeuta percebeu que começava a irritarse com a atitude reiterada da paciente de evitar abordar o as sunto a partir de si mesma Via como ela sofria por não conseguir entenderse com o namorado e sentia in cômodo por não conseguir ajudála Em determinada sessão Paula queixouse de que o namorado não a escutava O terapeuta pensou então que a paciente estava dizendo que ele terapeuta não a escutava e isso o fez sentirse injusto com ela e impotente para ajudála Mas também percebeu que Paula não o escu tava quando lhe dizia que deveriam examinar o assunto a partir dela e não do namorado que o que ele te rapeuta estava sentindo naquele momento era o mesmo que o namorado sentia talvez irritação e impotên cia por não ser escutado ou entendido o que o levava muito provavelmente a reagir irritado com Paula Era isso que o terapeuta já estava quase fazendo Disse a Paula então que a queixa era com o namorado mas também com ele terapeuta E que nesse sentido a questão já não era tanto o que havia entre ela e o na morado mas entre os dois ali na sessão Talvez ele como o namorado não a estivesse ouvindo mas Paula também não o ouvia quando lhe dizia que era necessário pensar sobre o funcionamento dela e não do na morado Ou seja o que se passava entre eles lá fora estava se passando agora ali entre ela e o terapeuta Paula ficou muda por alguns segundos mostrandose surpresa Depois disse entender o que estava acontecendo e que não havia como discordar Achava que às vezes se prendia ao que estava dizendo e não ouvia os outros Esse era um aspecto que criticava em sua mãe O terapeuta então acrescentou que ela se colocara no papel da mãe e tentava colocálo no papel que era dela diante da mãe Podia assim aliviar se do sentimento de impotência raivosa deixandoo com o terapeuta e lá fora com o namorado A partir daí o exame da situação adquiriu uma nova tonalidade Paula ainda se referia ao papel do namorado nas brigas mas agora entendendo isso como algo que complementava o seu papel ou seja conseguiu passar a examinar mais a sua responsabilidade e menos a dele Evidentemente em alguns momentos voltava a funcionar de modo projetivo não só na sessão como lá fora mas agora se dava conta desse funcionamen to podendo exercer uma crítica sobre ele e aceitando melhor o que o terapeuta lhe dizia Psicoterapia de orientação analítica 489 Na avaliação inicial podese observar a forma como o paciente se apresenta ou se comunica a maneira como estabelece o contrato as ten tativas de sua ruptura e ainda as primeiras manifestações transferenciais e contratransfe renciais São elementos que já podem orientar o terapeuta para um entendimento e um diagnóstico dinâmico do tipo caracteroló gico de cada paciente37 41 Levandose em consideração a mo tivação como uma das condições básicas para o início da psicoterapia já se pode ob servar a importância da presença de alguns traços de caráter tais como curiosidade tolerância à frustração disposição para es perar entre outros que são de extremo va lor para o estabelecimento de um trabalho dirigido ao insight Uma vez compreendidos os traços de caráter devem ser abordados na psicotera pia por meio de intervenções relacionadas ao foco sem perder de vista o fato de que muitas vezes o confronto do paciente com aspectos caracterológicos até então egos sintônicos pode despertar as mais diversas reações raiva frustração sensação de não estar sendo compreendido entre outras que deverão ser manejadas no decorrer do processo41 Machado41 lembra que a focalização em uma psicoterapia não pode deixar de abordar o caráter ou seus traços conside randoos elemento essencial na compreen são constitui objetivo e instrumento do processo psicoterápico Mesmo em se tratando de psicoterapia breve Malan44 defende que se deve sempre considerar o caráter argumentando que até nesse caso é possível promover alterações duradouras na estrutura caracterológica Outro aspec to a ser considerado quanto ao reconheci mento dos traços caracterológicos para o planejamento de um tratamento psicoterá pico é o fato de que além de demonstrar como a pessoa funciona ou seu modo de ser eles nos mostram de forma significa tiva os mecanismos defensivos existentes e que provavelmente serão acionados no decorrer do processo Reich24 cunhou a expressão blinda gem de caráter para explicar a formação de uma couraça defensiva em volta do ego resultado do choque entre as exigências instintivas e o mundo exterior Um meca nismo de defesa largamente usado pelo ego para protegerse dos impulsos proibidos é a repressão e para que seja mantida é necessário que haja uma transformação no ego Para cumprir sua finalidade as repres sões vão se estruturando e se endurecem a fim de adquirir características cronica mente eficazes e automáticas passando a fazer parte do modo de viver do indivíduo Tais compreensões sobre o paciente não podem ser negligenciadas devendo ser detectadas o mais breve possível em uma psicoterapia para que o processo tenha condições de evoluir A compreensão dos mecanismos de fensivos caracterológicos relacionando com o foco ou com o conflito principal é de valor inquestionável na tentativa de atingir o objetivo a que se propõe a psicoterapia dirigida ao insight Os resultados terapêuticos em psi coterapia de orientação analítica quanto a mudanças dos traços de caráter não são específicos para estes embora pacientes borderline e narcisistas apresentem uma bibliografia mais significativa quanto a re 490 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sultados favoráveis43 Baudry8 afirma ter um otimismo cauteloso não tem dúvidas de que o núcleo básico de organização de uma pessoa permanece inalterado e de que não muda com o tratamento Exem plifica dizendo que um obsessivo jamais se transformará em um histérico não im porta quanto tempo se trate No entanto poderá se tornar menos obsessivo em um tratamento bemsucedido adquirindo po demos acrescentar maior flexibilidade no uso de defesas não mais tão estereotipadas Aqui se penetra no campo incerto das ava liações das psicoterapias com tantas variá veis que se torna impossível isolar apenas um fator e verificar os resultados De mais objetivo temos as afirmações de alguns au tores quanto à indicação e aos resultados da abordagem dos traços de caráter nas psicoterapias Estudos diversos1345 sugerem bons resultados embora não fique bem defini do o que sejam bons resultados quanto a alterações de traços de caráter mesmo em psicoterapia breve Wallerstein46 assinala que apesar de a psicoterapia de orientação analítica não ser um tratamento do cará ter termina por modificar alguns dos seus traços Em contrapartida outros autores lembram que o tratamento de aspectos do caráter é uma indicação formal para psico terapia de orientação analítica13 Acreditamos que a compreensão e o conheci mento do funcionamento caracterológico do in divíduo é de importância significativa para o bom desenvolvimento de uma psicoterapia de orientação analítica PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Podese afirmar que o caráter se refere ao modo como cronicamente o ego lida com o id com o supe rego e com o mundo externo Os traços de caráter são formações de compromisso que representam o produto de várias funções egoicas de síntese de defesa e de adaptação 2 Sintomas são egodistônicos enquanto traços de caráter até certo ponto tendem a ser egossintônicos 3 O termo caráter é muitas vezes usado como sinônimo de personalidade referindose também a aspectos normais do padrão de funcionamento do indivíduo O termo personalidade é utilizado de forma mais descritiva enquanto caráter destaca aspectos compreensivos ou psicodinâmicos 4 Traços de caráter são inferidos da observação da pessoa e servem ainda para reconhecer e observar identificações e relações de objeto estabelecidas ao longo da vida No contexto do tratamento o traço de caráter pode servir como um sinalizador não só de pontos de resistência como também de mudança progresso terapêutico 5 O caráter não é apenas o que o indivíduo mostra em seu comportamento objetivo ou o que é direta mente observado nele O caráter também se revela pelo que o indivíduo faz o outro sentir de forma evidente ou sutil 6 O terapeuta deve ter além de uma atenção flutuante também uma responsividade flutuante isto é uma capacidade de responder em seus sentimentos e às vezes na própria conduta ao papel pro posto pelo paciente para darse conta do que este está propondo E isso só será possível pela auto observação do terapeuta isto é de suas respostas sentimentos e atitudes em geral depois de ter assumido pelo menos em alguma medida o que o paciente lhe impôs 7 Os traços de caráter são vistos como o resultado de relações objetais internalizadas que são externali zadas na transferência e percebidas na contratransferência Psicoterapia de orientação analítica 491 REFERÊNCIAS 1 Moore BE Fine BD Termos e conceitos psica nalíticos Porto Alegre Artes Médicas 1992 2 Pires AC Psicoterapia de orientação ana lítica em paciente com transtorno de cará ter alcance e limitações Rev Psiquiatr RS 19941632336 3 Svrakic DM Whitehead C Przybeck TR Cloninger CR Differen tial diagnosis of per sonality disorders by se venfactor model of temperament and cha racter Arch Gen Psychiatry 199350129919 4 Cloninger CR Svrakic DM Perso nality di sorders In Sadock BJ Sadock VA Kaplan HI Kaplan Sadocks comprehensive text book of psychia try 7th ed Philadelphia Li ppincott Williams Williams c2000 v 2 cap 24 p 172364 5 Fuentes D Inventário de tempera mento e caráter de Cloninger validação da versão em português In Gorenstein C Andrade LHSG Zuardi AW Escalas de avaliação clí nica em psiquia tria e psicofarmacologia São Paulo Lemos 2000 cap 38 p 3639 6 Chachamovich J Comentário Rev Bras Psi coter 20002332834 7 Zaslavsky J Manifestações do cará ter e difi culdades no processo psicoterápico Rev Psi quiatr RS 199921 8 Baudry F Character a concept in search of an identity J Am Psychoanal Assoc 1984 32345577 9 Baudry F Character character type and character organization J Am Psychoanal As soc 198937365586 10 Fenichel O Teoria psicanalítica das neuro ses São Paulo Athe neu 1981 11 Liberman D Lingüística interacción co municativa y proceso psicoanalítico Buenos Aires Nueva Visión 19701972 12 Bergeret J La personnalité nórmale e pa thologique les estructures mentales le ca ractere les symptômes Paris Bordas 1974 13 Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais Porto Alegre Artes Médicas 1993 14 Santos MJP Caráter e psicoterapia Rev Psi quiatr RS 19961833114 15 Shapiro D Los estilos neuróticos Madrid Alianza 1968 16 Faria CG Caráter Considerações Revista de Psicanálise da SPPA 199522 17 Faria CG Introdução à discussão sobre o ca ráter Arquivos da SPPA 199022 18 Freud S Três ensaios sobre a teoria da sexua lidade In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 7 19 Freud S Caráter e erotismo anal In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 9 20 Freud S Observações sobre o amor de trans ferência In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 12 21 Abraham K Contribuições à te oria do cará ter anal In Abraham K Teoria psicanalítica da libido sobre o caráter e desenvolvimen to da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 17495 22 Abraham K A influência do ero tismo oral na formação do caráter In Abraham K Teo ria psi canalítica da libido sobre o caráter e desenvolvimento da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 16173 23 Abraham K A formação do cará ter no ní vel genital do desenvolvimento da libido In Abraham K Teoria psi canalítica da libido sobre o caráter e desenvolvimento da libido Rio de Janeiro Imago 1970 p 195205 24 Reich W Análisis del carácter 4 ed Buenos Aires Paidós 1974 25 Beland H Alteración del yo debida a pro cesos defensivos Revista de Psicoanálisis 1987444797820 26 Freud S Conferência XXXII an siedade e vi da instintual In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 22 27 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 28 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 14 29 Greenberg J Mitchell S Re lações objetais na teoria psicanalítica Porto Alegre Artes Mé dicas 1994 492 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 30 Barros EMR O conceito de transferência uma síntese do ponto de vis ta kleiniano In Slavutsky A Transferências São Paulo Es cuta 1991 31 Kernberg OF Object relations theory and clinical psychoanalysis New York J Aron son c1976 32 Sandler J Character traits and object rela 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Psiquiatr RS 198682 3958 41 Machado SP O caráter e sua importân cia na avaliação de pacientes em psicotera pia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psi coterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 42 Shetatsky SS O problema do caráter e as psi coterapias In Eizirik CL Aguiar RW Sches tatsky SS Psicoterapia de orientação analíti ca teoria e prática Porto Alegre Artes Mé dicas 1989 43 Heimann P On countertransference Int J Psychoanal 19503112814 44 Malan D As fronteiras da psicote rapia breve um exemplo da convergência entre pesquisa e prática médica Porto Alegre Artes Médi cas 1981 45 Mabilde LC Keidann CE Poziomczyk R Considerações sobre a abordagem das defe sas de caráter em um caso de psicoterapia Rev Psiquiatr RS 1987921057 46 Wallerstein RS A cura pela fala as psicanáli ses e as psicoterapias Porto Ale gre Artmed 1998 LEITURAS SUGERIDAS Kauffmann AL Hofmeister C Mirandola LA Santos MJP Leite MB Kelbert P Abordagem dos tra ços de caráter em psicoterapia de orientação analítica alcance e limitações Rev Psiquiatr RS 199618Supl14651 Valério M O que tratamos em psicotera pia In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicotera pia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 A ansiedade é um afeto normal e com im portante função homeostática Ela alerta o organismo em caso de situações que po dem ameaçar a sobrevivência bem como o estimula a encontrar elementos para sua subsistência Basicamente a ansiedade es timula a ação a luta ou a fuga quando há ameaças ou frustrações Em organismos mais evoluídos ela também participa do acionamento de funções cerebrais superio res que pensam formas para transformar a realidade de forma produtiva para o indiví duo e para a sociedade A diferença entre a condição normal e a patológica é tênue Em relação ao se gundo tipo com frequência o organismo manifesta a ansiedade com maior intensi dade do que a necessária para a tarefa em questão ou a situação é tão traumática que a ansiedade não é contida pelo self Quando ultrapassa certo limiar em vez de auxiliar o organismo passa a atrapalhálo O esta do de alerta é exagerado o sistema neuro hormonal se descontrola e manifestamse receios expectativas e preocupações em grau intenso juntamente com sintomas de ordem neurovegetativa e agitação psi comotora Por vezes verificase que não existe qualquer fato real a ser enfrentado a ameaça sendo imaginária e decorrente do funcionamento inconsciente Quando a ansiedade aumenta e irrompe de forma abrupta engolfa o indivíduo tornandoo aterrorizado e impotente bloqueando sua capacidade de pensar O conhecimento psicanalítico desen volveuse em grande parte a partir do es tudo das vicissitudes da ansiedade ao cons tatarse que conflitos internos inconscien tes relacionavamse estreitamente com sua manifestação Todos os modelos psicanalí ticos de ansiedade patológica consideram na uma revivescência de situações arcai cas as quais por motivos variados são rea tualizadas em algum momento ou fase da vida A situação original teria relação com o desamparo inicial do recémnascido que seria repetido ante outras ameaças As clás sicas situações ansiógenas modelares des critas por Freud1 são a perda do objeto a 29 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE ANSIOSO TRANSTORNO DE PÂNICO E TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA Roosevelt M S Cassorla 494 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs perda de amor do objeto a ameaça de cas tração e a punição pelo superego As primeiras ideias psicanalíticas so bre neuroses levaram Freud2 a situar a neu rose de angústia e a neurastenia no grupo das neuroses atuais Aktualneurose Nelas a ansiedade seria fruto de uma descarga somática sem determinação psicológi ca decorrente da não satisfação adequada dos impulsos sexuais Às neuroses atuais se opunham as psiconeuroses estas resul tantes de um conflito psíquico Entre as psiconeuroses se encontravam o que ho je denominamos histeria neurose fóbica e neurose obsessivocompulsiva mas em algum momento também estavam incluí das as neuroses narcísicas que posterior mente foram consideradas quadros psi cóticos Freud1 em 1926 mudou sua concep ção ao considerar a ansiedade não mais co mo uma descarga de libido mas como um sinal de perigo Esse sinal alerta o ego em situações de ameaça por impulsos incons cientes indesejáveis A ansiedadesinal ativa a utilização de mecanismos de defesa por parte do ego com o intuito de refrear esses impulsos e seus derivados O recalque ou a repressão nesse momento é o mecanismo de defesa básico Entretanto nem sempre essas de fesas são suficientes e a ansiedadesinal pode tornarse patológica Diante dela o ego tentará se defender de outras formas como por exemplo constituindo com promissos entre impulsos e defesas que se manifestarão como sintomas fóbicos his téricos obsessivocompulsivos Raramente a ansiedade permanece controlada de todo Quando as defesas falham na impossibili dade de evitar o objeto fobígeno ou de efe tuar o ritual obsessivo a ansiedade liberada ameaça engolfar o self As classificações internacionais de doenças CID103 da OMS DSM54 da APA críticas de teorias em especial da psicanálise abandonaram a nomenclatu ra aqui referida e passaram a descrever os quadros mentais levando em consideração apenas seus sintomas Nesses compên dios encontramos o grupo dos chamados transtornos de ansiedade que foram divi didos em cinco categorias transtorno de pânico TP fobias transtorno obsessivo compulsivo TOC transtorno de estres se póstraumático TEPT e transtorno de ansiedade generalizada TAG O termo histeria foi extinto sendo essa condição incluída em parte nos transtornos soma toformes p ex transtorno conversivo e nos transtornos dissociativos Com frequência a clínica não mostra essa estruturação e o psicanalista então adjetiva os mecanismos identificados como defesas fóbicas histéricas obsessivas entre outras cuja dinâmica descobrirá durante o processo terapêutico não incluindo o pa ciente em nenhuma das categorias descritas há pouco Ainda que o modelo freudiano cons titua a base de nossa compreensão acerca dos transtornos de ansiedade ocorreram desenvolvimentos de grande valia como os da escola kleiniana5 que enfatiza a identifi cação do conteúdo da fantasia inconsciente implicada na ansiedade e propõe que ela é produto de um conflito entre pulsões de morte e de vida A pessoa já nasce com an siedade de aniquilamento fruto da pulsão de morte que ameaça a destruição do self efetuada por ele mesmo O ego rudimen tar se defende dessa ansiedade por meio de defesas arcaicas como negação cisão pro jeção identificação projetiva idealização e o conjunto de ansiedades defesas relações objetais e impulsos é configurado como a Abordagens detalhadas da ansiedade são encontradas em outros capítulos deste livro Psicoterapia de orientação analítica 495 posição esquizoparanoide A ansiedade é então chamada de persecutória e envolve ameaças ao self Quando o indivíduo se desenvolve a ponto de poder verse como separado do objeto surge um outro tipo de ansiedade a depressiva que envolve os cuidados e a preocupação com o outro visto como ob jeto total É essa ansiedade que condiciona os mecanismos de reparação Quando essa reparação é vivenciada como impossível há necessidade de ativar defesas contra a ansiedade depressiva Entre elas encon tramse o retorno de fantasias persecutó rias e as defesas maníacas negação triun fo desprezo por vezes associadas a repa rações maníacas e obsessivas Em algumas situações não ocorre dissociação adequada entre pulsões de vida e de morte e seus de rivados com confusão entre objeto bom e mau redundando em ansiedades confu sionais e identificações projetivas massivas como defesa No modelo freudiano a ansiedade e suas defesas decorrem de um conflito libi dinal No referencial kleiniano as ansieda des e defesas arcaicas decorrem da pulsão de morte em conflito com a libido So mente depois que o indivíduo conseguiu li dar de modo apropriado com as configura ções da posição depressiva é que as defesas descritas classicamente como a repressão tornamse possíveis Bion6 dá seguimento às ideias de Klein em sua teoria da ansiedade de ani quilamento e cunha a expressão terror ou pavor sem nome para ela fruto da não continência por uma mãe incapaz de desin toxicar os terrores do bebê que os devolve sem qualquer significação Postulase uma função alfa na mãe que fará a transforma ção dessa ansiedade inominável elemen tos beta em elementos propícios para a formação do pensamento elementos alfa Essa função alfa deverá ser introjetada pelo bebê e será a base para o desenvolvimento de sua capacidade de simbolização A maior diferença entre o modelo freudiano e os subsequentes é a descri ção por estes dos mecanismos de defesa arcaicos próprios de um ego rudimentar e a consideração da ansiedade como deri vada da pulsão de morte Os mecanismos de defesa utilizados arcaicos cisão ideali zação identificação projetiva negação en tre outros são chamados psicóticos e as ansiedades aniquilamento persecutória depressiva confusional também recebem o adjetivo psicótico devido a sua intensi dade à ameaça de desestruturação do self e ao fato de serem encontradas com intensi dade em pacientes fenomenologicamente psicóticos Para o psicanalista o funciona mento psicótico implica dificuldade de dis criminação selfobjeto e mundo interno mundo externo predominância de fanta sias destrutivas ódio à realidade interna e externa ataques ao aparelho de percepção e pensamento falhas na formação de sím bolos cisões patológicas e identificações projetivas massivas ameaças de aniquila mento e de desintegração e funcionamen to esquizoparanoide Esse funcionamento ocorre na parte psicótica da personalida de que Bion7 descreveu como fazendo parte de todos os seres humanos Segundo tal visão as defesas neuróti cas aparecerão posteriormente no desen volvimento à medida que o self se estru tura Essas defesas mais evoluídas serão a repressão a regressão o deslocamento a anulação o isolamento a formação reativa Não se deve confundir a visão psicanalítica de fun cionamento psicótico ou de parte psicótica da per sonalidade com a psicose descrição fenomenológica efetuada pela psiquiatria Na esquizofrenia e em outros quadros psicóticos predominará o funcionamento da parte psicótica da personalidade mas esse funcio namento existe em qualquer ser humano e subjaz aos chamados mecanismos não psicóticos ou neuróticos 496 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a racionalização entre outras Seu funcio namento mais ou menos adequado depen derá de como ocorreu o desenvolvimento arcaico Por exemplo a repressão se desen volverá tomando por base as cisões e proje ções primitivas o isolamento a negação e a anulação tomarão por base as defesas ma níacas as projeções neuróticas e a empatia estarão ligadas à identificação projetiva O fato de sabermos que mesmo em um quadro neurótico existe subjacente uma estrutura arcaica um funcionamen to dito psicótico gera uma grande vanta gem técnica Assim mesmo que estejamos tratando um paciente dito neurótico a análise somente será considerada adequada quando atingirmos o funcionamento psi cótico isto é as ansiedades e as defesas ar caicas da parte psicótica da personalidade Winnicott8 ainda que descarte a ne cessidade de propor uma pulsão de morte utiliza também a denominação ansiedade de aniquilação para aquilo que emerge quando se dá um fracasso do ambiente mãe ao se preencher a fantasia de onipo tência infantil Ocorre um rompimento no senso de continuidade de ser obrigando a criação de um falso self Como se percebe ainda que nenhuma teoria sobre ansiedade negue a importância de fatores genéticoconstitucionais todas elas enfatizam o fator ambiental basicamen te a capacidade da mãeambiente de propor cionar ao recémnato condições para lidar com o desamparo com que vem ao mundo Será utilizando o auxílio dessa outra pessoa objeto primário que o bebê desenvolverá sua mente seu self e esse desenvolvimento se inicia com a contenção e a transformação desses afetos desesperantes6 As várias teorias sobre o desenvolvimento mental e emocio nal sobre a capacidade de simbolizar e pen sar partem desse pressuposto e consideram que suas falhas são fatores para os vários tipos de sofrimento mental patológicos Dé ficits ou transtornos nas funções de acolhi mento e simbolização podem tanto impedir o desenvolvimento normal como constituir pontos mais vulneráveis Nestas últimas si tuações ocorre desenvolvimento mas per sistem áreas com funcionamento pouco ade quado que podem predominar caso evolu ções posteriores sejam perturbadas À medida que o processo analítico se desenvolve temse acesso às mais variadas configurações e tipos de ansiedade que po dem coexistir mesclarse e principalmen te modificarse durante o tratamento Isso torna evidente que o paciente convivia com vicissitudes dinâmicas e potencialmente mutáveis de seu funcionamento mental que produziam variados graus de sofri mento e não com uma doença similar àquelas que atingem o corpo biológico Por tradição quando abordamos o paciente ansioso ou aquele classificável nos transtornos de ansiedade excluímos os in divíduos em que a ansiedade predominan te é do tipo psicótico que são estudados entre os borderline e os psicóticos Nestes também encontraremos déficits na capaci dade de simbolizar Estudaremos neste capítulo pacien tes classificados nas categorias de transtor no de pânico e transtorno de ansiedade ge neralizada Os quadros fóbicos obsessivo compulsivos e outros são abordados em capítulos subsequentes TRANSTORNO DE PÂNICO O conceito de Freud2 de neurose de angús tia apresenta bastante semelhança com o que a psiquiatria tem chamado de transtor no de pânico Ele descreve os sintomas co mo irritabilidade aumentada expectativa ansiosa ataques de ansiedade e equivalentes somáticos do ataque de ansiedade taqui cardia distúrbios respiratórios sudorese Psicoterapia de orientação analítica 497 tremores e calafrios distúrbios digestivos parestesias pavor noturno tonturas e ver tigens Relata também o comportamento de esquiva como a agorafobia em que o paciente evita situações que relembram as crises Freud2 insiste que o afeto das fobias consequente a crises de angústia não se origina de uma ideia repri mida mas mostra não ser posterior mente redutível pela análise psicológi ca nem equacionável pela psicoterapia A neurose de angústia em conjun to com a neurastenia e a hipocondria era colocada na categoria das neuroses atuais A angústia não se ligaria a nenhuma repre sentação mental e decorreria de uma esta se da libido A falta de fatores psicológicos é similar à postulada pelos psiquiatras no transtorno de pânico Os ataques de pânico descritos pela psiquiatria podem ocorrer em variados quadros psiquiátricos surtos psicóticos uso e abstinência de substâncias psicoati vas transtornos do humor fobias TOC transtorno de estresse agudo e póstrau mático entre outros O psiquiatra diag nosticará transtorno de pânico sem ago rafobia caso os quadros anteriores sejam descartados Os ataques ocorrem de forma recorrente e inesperada seguidos de receio de que se repitam com medo de consequên cias terríveis infarto loucura morte le vando a mudanças no comportamento Quando também se desenvolve evita ção de locais ou de situações de onde não se pode fugir ou que dificultam a busca de au xílio o diagnóstico será de transtorno de pânico com agorafobia4 Quadro 291 É importante lembrar que nesse modelo QUADRO 291 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE PÂNICO DSMIV 30021 Transtorno de pânico com agorafobia Critérios diagnósticos A Tanto 1 como 2 1 Ataques de pânico recorrentes e inesperados 2 Pelo menos um dos ataques foi seguido pelo período mínimo de um mês com uma ou mais das seguintes características a preocupação persistente acerca de ter ataques adicionais b preocupação acerca das implicações do ataque ou de suas consequências p ex perder o controle ter um ataque cardíaco enlouquecer c uma alteração comportamental significativa relacionada aos ataques B Presença de agorafobia C Os ataques de pânico não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância p ex droga de abuso medicamento ou de uma condição médica geral p ex hipertireoidismo D Os ataques de pânico não são mais bem explicados por outro transtorno mental como fobia social p ex ocorrendo quando da exposição a situações sociais temidas fobia específica p ex quando da exposição a uma situação fóbica específica transtorno obsessivocompulsivo quando da exposição a sujeira em alguém com uma obsessão de contaminação transtorno de estresse póstraumático p ex em resposta a estímulos associados a um estressor grave ou transtorno de ansiedade de separação p ex em resposta a estar afastado do lar ou de entes queridos Fonte Adaptado de American Psychiatric Association4 498 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a agorafobia não implica fobia de lugares abertos mas medo de ter um ataque de pâ nico e não encontrar rota de fuga ou au xílio O TP foi criado como categoria diag nóstica em função de responder a medica mentos como imipramina indicando um fator neuroquímico importante Sua com preensão psicodinâmica remete a transtor nos de simbolização isto é dificuldades na capacidade de transformar experiências emocionais em fatos mentais No TP parecem confirmarse as teo rias freudianas sobre as neuroses atuais e não se encontram evidências de fatores ou conflitos psicológicos Os déficits na capacidade de simbolização tornam esses pacientes mais vulneráveis a situações am bientais e viceversa Este deve ser o fator preponderante que explica certas associa ções encontradas em estudos de casos tais como traumas infantis eventos estressan tes antecedentes de ansiedade de separação e comportamentos familiares evitativos e desvalorizantes911 Em tais pacientes então o modelo do confli to psíquico deve ser substituído pelo do déficit na simbolização O psicoterapeuta é estimula do a lidar com a constituição e o funcionamen to da mente e com a incapacidade de pensar e sonhar experiências emocionais Os ataques de pânico revelam a presença de descargas e an siedade livre fruto de experiências que não pu deram ser sonhadas e portanto simbolizadas e pensadas1213 Nessa área de funcionamento primitivo a ansiedade é referida como desintegração transbordamento esfacelamento dissolução desmantelamento colapso terror sem nome agonia primitiva palavras que designam os problemas na formação e na manutenção do self Ainda que lidemos com a mente e suas di ficuldades de continência é possível encontrar partes dela que percebem essa destruição sem as quais a vida seria impossível e buscam al gum sentido A função transformadora do ana lista função alfa permitirá a articulação des ses elementos manifestações de terror sem nome com representações e símbolos O profis sional se deixa invadir pelas descargas do pa ciente e busca dentro de si imagens e ideias que deem sentido àquilo que não faz sentido para o paciente Esse significado produto da mente do analista resulta do contato intuitivo prolongado com o sofrimento do paciente1314 Entrevistas iniciais O paciente com diagnóstico de TP chega ao psicoterapeuta mostrandose preocupado e perplexo com o que está ocorrendo con sigo É possível que alguma crise já o tenha levado a um prontosocorro Ali pode ter sido alvo de desprezo por parte da equipe assistencial pode ter sido rotulado de his térico e recebido conselhos de bom senso para combater um suposto estresse como trabalhar menos e ficar mais calmo Em seguida passou por médicos es pecialistas e foi submetido a baterias de exames subsidiários nada sendo encontra do Possivelmente ouviu de alguém que não tem nada Se nesses exames encon trouse alguma alteração recebeu tratamen tos variados sem que o sofrimento emocio nal fosse alterado Os achados laboratoriais mais comuns que confundem o profissio nal médico referemse a foco temporal ar ritmia cardíaca por vezes associada a pro lapso de válvula mitral alteração nos testes de equilíbrio e hipoglicemias funcionais O paciente em geral vem medicado por clínico ou psiquiatra o que resulta em Neste capítulo não se diferencia psicoterapia psica nalítica de psicanálise tema de outros capítulos deste livro Psicoterapeuta e psicanalista serão termos usados com o mesmo significado Psicoterapia de orientação analítica 499 abolição ou diminuição das crises mas o medo de que elas ocorram persiste Pode já ter tentado outras terapias psicológicas tratamentos alternativos e buscas místicas mas não ficou satisfeito com os resultados A descrição das crises é difícil e o paciente não encontra palavras apropria das para nomear a sensação Termos co mo perder a cabeça descontrolarse enlouquecer morrer são pobres para a descrição O paciente percebe durante a crise que algo terrível está acontecendo que se está totalmente à mercê desse algo e que nada pode ser feito Se tiver maior sensibilidade corporal efetuará a descrição dos sintomas somáticos falta de ar taqui cardia dor no peito sudorese sufocamen to tonturas zumbidos tremores acompa nhados de despersonalização e desrealiza ção Com a divulgação do termo pânico alguns pacientes o estão usando e apesar de a palavra não ser suficiente para descre ver todos os sentimentos envolvidos ela se generalizou antes que se encontrassem ou tras mais adequadas As crises atingem seu auge em 5 a 10 minutos e em seguida os sintomas diminuem mas o paciente per manece aterrorizado com a possibilidade de que se repitam Crises de tonturas zum bidos e cefaleias podem constituirse em equivalentes dos ataques de pânico e envol vem desesperantes buscas de diagnósticos somáticos Como consequência dos ataques os pacientes passam a apresentar uma ansie dade basal exagerada uma expectativa de que uma nova crise possa ocorrer redun dando em uma autoobservação intensa e desgastante Ao mesmo tempo muitos se afastam de situações em que supõem que não poderão ser socorridos ou de onde é difícil escapar Por isso apresentam esqui va a multidões lugares fechados ou muito amplos pontes túneis estradas barcos aviões Muitas vezes o comportamento de esquiva se apresenta em situações nas quais ocorreu alguma crise geralmente a primeira o que leva à evitação da situação ou do local O paciente pode ter que mudar seu percurso habitual evitar determinadas atividades meios de transporte causando problemas nas áreas social e profissional Evitará também exercícios físicos e álcool que parecem diminuir seu limiar de ansie dade Comumente sentese protegido por um acompanhante ainda que saiba que em caso de crise este nada poderá fazer Em situações extremas o paciente se sente ameaçado em qualquer situação e perma nece refugiado em sua casa Por tudo isso o paciente se apresen ta com baixa autoestima desmoralizado desvalorizado e com sintomas depressivos Como será visto adiante muitas vezes es sas características já faziam parte do modo de ser do paciente mas tornamse mais acentuadas e não podem ser mascaradas Nas entrevistas ainda que o paciente esteja muito assustado e solicitando ajuda sentese desconfortável diante do psicote rapeuta porque não consegue aceitar que suas crises tenham componente emocio nal Com frequência são pessoas com di fícil acesso a seu mundo interno que uti lizam em boa medida mecanismos como racionalizações e intelectualizações e que terão dificuldades em compreender abor dagens psicodinâmicas Entretanto seu desespero é tamanho que tendem a aceitar qualquer coisa que lhes seja oferecida mas essa aceitação não é totalmente genuína Ainda que o sofrimento seja o responsável pelo início do processo psicoterápico este somente será mantido se o terapeuta me diante seu trabalho tornar convincente sua capacidade Ao mesmo tempo que o analista con firma o diagnóstico fenomenológico ele realiza a avaliação psicodinâmica Qual quer que seja sua abordagem teórica cos 500 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tuma observar o grau de acessibilidade do paciente ao conhecimento de seu mundo mental e de seus próprios derivados con tratransferenciais Com isso também ava lia sua capacidade e desejo de efetuar uma viagem analítica com o paciente Tanto o desejo positivo como o negativo deverão em um segundo momento ser cuidado samente observados O profissional deve tentar diferenciar fantasias próprias de algo que o paciente lhe introduz por meio de identificações projetivas ou outro tipo de comunicação inconsciente Em certas ocasiões o paciente apre sentará pensamento concreto com disso ciação corpomente similar ao que ocorre nas doenças psicossomáticas Estas não raro precedem ou acompanham o quadro Existem no entanto outros pacientes que nos procuram para análise que vêm com vontade de colaborar e parecem acreditar no tratamento Suas crises cessaram ou di minuíram graças à medicação mas não se sentem satisfeitos Alguns continuam com crises Outros se queixam dos efeitos co laterais da medicação ou não conseguem utilizála Todavia mesmo aqueles que se adaptaram bem aos remédios afirmam que se sentem constrangidos em suas emoções como se não pudessem dispor delas viven do em uma espécie de camisa de força emocional Todos se queixam de terem perdido algo como a espontaneidade a es perança e a vida lhes parece muito super ficial Sentemse sem entusiasmo A sensa ção de vazio costuma ser a maior queixa e parece que após o início das crises sua vi da passou a parecerlhes sem graça e agora questionam seu trabalho suas relações sua forma de viver Nesses casos a procura por análise tem menos relação com as crises e mais com uma busca de compreensão desse va zio Os ataques de pânico constituem um marco vital que os leva ao tratamento vi vido como a oportunidade de reavaliar sua vida o que nunca fora sequer pensado Não poucos pacientes no fim do processo analítico agradecem os ataques pelas ra dicais mudanças de vida obtidas Indicações O tratamento deve atingir também aspec tos biológicos medicação e psicossociais De preferência deve envolver outros mem bros da equipe de saúde mental no intui to de evitar gratificações substitutivas que interferem na análise Ao mesmo tempo o psicoterapeuta trabalhará fatores psico dinâmicos envolvidos nesses outros trata mentos Como será evidenciado esses pacientes po dem necessitar de objetos sensuais continen tes Dessa forma o olhar pode ser importante impondo uma terapia face a face o telefone po derá ser utilizado em situações de desespero e o analista deverá estar disponível para even tuais contatos extrassessão principalmente no início do processo O profissional deverá deixarse invadir pe las projeções do paciente tentando processá las e transformálas em sonhopensamento Para isso terá que tolerar a não compreensão e tomar consciência dos próprios sentimen tos e de sua mudança de momento a momen to Grande parte da análise é empregada na ta refa de auxiliar o paciente a aprender estraté gias como contenção autocontrole e reflexão15 Esse aprendizado é efetuado por meio da iden tificação que o paciente faz com o analista com sua capacidade de lidar com a desconhecida sensação de desesperarse Essa identificação é mais importante do que eventuais conselhos ou gratificações Os pacientes com transtorno de pâ nico se apresentam de forma não muito diferente de outros pacientes com déficit Psicoterapia de orientação analítica 501 de simbolização demandando que o pro fissional dê significado às suas experiências emocionais O vínculo analítico Logo que se inicia o processo psicoterápico percebese que o paciente tende a colarse grudarse ao analista Parece que seu de sespero e fragilidade estimulam que o vín culo se torne muito intenso e o paciente se coloca em uma situação de dependência em relação ao terapeuta Este é sentido com uma figura forte idealizada que o prote gerá Tal configuração vincular parece em um primeiro momento decorrer do terror manifestado pelas crises mas logo se verifi cará que o fato tem raízes mais profundas No entanto outras vezes o paciente se defende dessa necessidade de dependên cia tomando uma distância protetora em geral bastante grande Porém com certa rapidez se o processo analítico é vigoroso essas defesas são compreendidas e tende a preponderar a necessidade de um objeto analista ideal mesmo que se resista a ele Essa ambiguidade em relação ao analista mais ou menos clara levanos a perceber fatos relacionados à formação da identidade do paciente A pessoa que nos é apresentada no processo analítico tende com algumas exceções a desdobrarse em dois aspectos 1 Alguém que parece ter aproveitado bem seus recursos pessoais tendo consegui do razoável sucesso e reconhecimento social e profissional e às vezes também afetivo A impressão inicial é que existe uma coesão criativa do self Mesmo pes soas de baixo estrato social se orgulham de sua competência e respeito pessoal 2 Ao mesmo tempo encontramos uma pessoa insegura frágil muito preocu pada com a avaliação dos outros e que vem utilizando mecanismos adaptati vos em relação a expectativas reais ou fantasiadas Esses dois aspectos logo se manifes tam na situação transferencial O pacien te nos mostra seus recursos e qualidades tanto fora com dentro do tratamento Será colaborador e pode tornarse um pacien te interessante Logo se nota que ele está tentando agradar o analista desejando ser aprovado e amado Por vezes o trabalho analítico parece uma valsa o paciente concorda com tudo o que o analista diz contribui com novos fatos e lembranças e o processo parece agradável para ambos Teorias edípicas são facilmente aplicáveis ao material e se o terapeuta não se cuidar estratos mais primitivos ficarão de fora É evidente que o problema dos ata ques de pânico continua presente e o pa ciente também demonstra sua frustração com a análise e ataca o terapeuta quando eles ameaçam ou se manifestam Todavia chama a atenção o esforço do paciente em tornarse valioso para o terapeuta mais do que em compreender sua ansiedade Em algum momento o analista per cebe que está sendo recrutado a deixar de lado a investigação aprofundada do sofri mento emocional vendose compelido a suprir as necessidades do paciente de co larse indiscriminarse na relação O ana lista passa a supor que esse mimetis mo que lembra o filme Zelig de Woody Allen ocorre também com os objetos ex ternos Aos poucos percebese que parte do sucesso e da realização pessoal do pa Os fenômenos envolvem imitação16 e podem ser nomeados como identificação adesiva segunda pele superficialidade1718 falso self19 Alguns pacientes se dedicam a atividades físicas ou similares para sentirem sua pele20 502 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ciente teria sido consequência de sua ca pacidade de adaptação Quando o analista mostra esses me canismos ao paciente ele fica muito assus tado por perceber que sua força encobria uma fragilidade que não conhecia Em sua fantasia se não puder mais utilizar as de fesas que pareciam tornálo invulnerável ficará perdido sem recursos com risco de morte ou algo similar em um reflexo do que ocorre durante suas crises De fato nem todos os pacientes se apresentam da forma descrita inicialmente Alguns colocam suas descargas em atos e outros apresentam negações e defesas ma níacas ou obsessivas que os protegem de envolverse com o processo analítico Quando graças ao processo terapêutico o pa ciente percebe que o analista tem vida pró pria e não está colado com o paciente este se sente frustrado e aparecem o ódio e a in veja Esses afetos decorrem da constatação de que depende de outros para viver As configura ções antigas dependência fusão simbiose e seu oposto autossuficiência retraimento não são mais possíveis Grande parte do processo terapêutico acabará tornandose uma forma de facilitar que o paciente entre em contato com esses aspectos primitivos sem que isso faça sentirse aniquilado do mesmo modo que o analista tampouco o será Para isso o analista deverá procurar não se identificar com aspectos destrutivos superego patológico do paciente Uma vez que o paciente se assusta com a possibilidade de perda de seus re cursos emocionais defensivos que utili zou durante toda a sua vida ele tentará refazêlos ou recorrerá a outros Nesse momento irá se lembrar de situações an tigas em que perdeu a cabeça tidas co mo ataques de ódio e destrutividade reais ou fantasiados A tentativa de grudarse de novo ao analista é recorrente As defe sas retornam e o processo analítico se faz em uma dialética entre esses mecanismos de fusão sufocante e afastamento apavo rante Um elemento privilegiado do setting que facilita a manifestação desses aspectos referese ao vínculo protetor e às separa ções reais ou imaginárias Diante delas a ansiedade se manifesta rapidamente pura sutil ou mascarada Por vezes o paciente chega à sessão muito tempo antes de seu início sentindose protegido pela proxi midade com o terapeuta pode andar horas por ruas próximas ao consultório imagi nando que se se sentir mal o terapeuta está acessível ou precisa localizálo por telefo ne acalmandose apenas em ouvilo ou em saber onde está Quando o analista consegue captar essa ansiedade desencadeada pela separação e as defesas contra ela e possibilita que o paciente perceba as fantasias inconscientes subjacentes o processo analítico se torna bastante potente O paciente não está mais tão assustado com os ataques que não con seguia vincular a nenhuma ideia mais clara Agora ele já pode perceber ligações entre sintomas de ansiedade mesmo que sutis e fatos e ideias Estas se manifestam com cla reza em sonhos e outras formações do in consciente mas principalmente na relação transferencial mesmo que em forma masca rada a ser decifrada Até então predominavam na análise descar gas de elementos não apropriados para o pen samento sintomas detalhamento de crises queixas fusão e indiscriminação com o analis ta entre outros Essas descargas funcionavam como meio de expelir os terrores do paciente ao mesmo tempo que serviam de teste na ve rificação das condições do terapeuta de não se deixar contaminar por elas A comunicação por Psicoterapia de orientação analítica 503 pensamentos fica mais viável depois que o te rapeuta demonstra que pode conter aqueles elementos sem ficar destruído enquanto sua mente se constitui em uma prótese provisória para ajudar a pensar Essa prótese ou fun ção de pensar é introjetada pelo paciente pou co a pouco Tudo isso costuma levar um tempo razoável Em algum momento pela percepção de seu funcionamento mental manifesta do no vínculo com o terapeuta o paciente se apavora e ameaça deixar o tratamento Nessas ocasiões reativamse mecanismos antigos O paciente afirma que a psicote rapia o tem ajudado muito mas agora não tem mais tempo não tem dinheiro ou vai tentar algum tratamento alternativo mas logo voltará Esses episódios costumam ser bastante favoráveis para um aprofun damento do processo O terapeuta pode mostrar com clareza um dos maiores pro blemas do paciente sua destrutividade que pode ser sentida como onipotente Es sa destrutividade é consequência tanto da externalizção do terror de aniquilamento como do pavor de sentirse sufocado den tro do objeto O MODELO DO NASCIMENTO PSICOLÓGICO DISTÓCICO Durante o processo analítico quando o te rapeuta constata a ansiedade de separação e as defesas contra ela podem virlhe à men te alguns modelos Um deles é o do nasci mento Parece que o paciente se comporta como um bebezinho aterrorizado certo de que não foi bemvindo e de que será aban donado a qualquer momento perecendo A sensação é a de que o bebezinhopa ciente se gruda ao corpo da mãeanalista ao qual se agarra com todas as forças Uma das táticas para não perdêla é transformar se em um bebê bonzinho que agrada que não incomoda O que o analista eviden temente capta é a intensidade do terror e em seguida do ódio e de tudo aquilo que poderia incitálo Esse modelo logo se im põe Quando a capacidade de simbolização aumenta o paciente passa a trazer material por meio de associações livres e de sonhos que se referem a vicissitudes ligadas aos processos de desprendimento Os terrores e as defesas contra estes vão aparecendo também na relação transferencial ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Stela em férias telefona de Natal várias ve zes sempre à noite quando o analista já está na cama Estou mal estou desesperada tive uma crise eu sei que você está longe mas pre ciso ouvir sua voz Já tomei dois calmantes Tomo mais um O que você acha E antes que ouvisse a resposta Me desculpe acho que vou tomar Vou tentar não te telefonar mais Em seguida relata que teve uma crise terrível quando andava nas dunas e tem medo de que ela se repita O analista vivencia contratransferen cialmente a angústia que vem pelo fio cor dão umbilical do telefone e sente que essa menina bebê não pode sofrer cortes brus cos que seu parto seu desprendimento tem que ser lento senão ocorrerá desastre Stelabebê desesperado pede desculpas e enfiase na cama entre os membros do ca sal parental analista e esposa Atendida pode dormir mais tranquila O casal sente que tem de se cuidar para aceitar e conter o terceiro sem disrupção permitindo que se constitua como indivíduo20 504 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Como já referido no início do pro cesso o analista se sente estimulado a in terpretar mostrando vicissitudes de triân gulos edípicos O paciente se sente aliviado ao ouvilas e concorda O analista também se sente satisfeito e por algum tempo a análise transcorre visualizandose situações triangulares de exclusão amor e ódio Entretanto logo o analista constata que os aspectos vistos ainda que corretos estão encobrindo algo mais primitivo que corresponde ao modelo de desprendimento da dupla mãebebê É nesse momento que se tornam manifestas fantasias destrutivas violentas e violentadoras Esses estados de espírito objetos são terroríficos e nos fazem pensar em um objeto interno que chamaremos em nosso modelo de mãe caracterizado como sádico a que se deve obedecer por exemplo sendo bonzinho do contrário correse o risco de morrer O modelo se amplia para o de um nascimento psicológico precoce distóci co mal conduzido vivenciado e não con creto com introjeção de uma mãe que foi sentida como incapaz de metabolizar os terrores arcaicos do bebê Agora isso se manifesta na relação transferencial e o analista terá que substituir esse objeto mau terrorífico dando sentido às vivências ino mináveis do paciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Chegamos na hora do almoço e depois fui dor mir um pouquinho Sonhei que estava no 10o andar eu e não sei quem mais a gente ia comer um peixe era um lagarto Aí o lagarto engraça do falo lagarto mas era peixe cai do 10o an dar na calçada Aí nós estamos na calçada ven do ele cair que estranho isso Aí o lagarto bate com a barriga no chão e ela se abre e depois vão aparecendo a cabeça e as patinhas e ele sai bravo agressivo atacando todo mundo To dos fogem dele Aí eu acordei e me senti mal tris te Veio uma tristeza imensa uma solidão esta va sozinha e comecei a chorar Isso é horrível é a pior coisa e eu não sei quando vem quando vai Aí liguei para minha mãe chorando Durante as associações ao sonho a pa ciente diz Nós jogamos o lagarto era um pe daço de carne Não ele caiu Não sei No contexto da sessão foi possível ve rificar que a imagem correspondia a uma espécie de nascimento traumático em que o analista era sentido como uma calçada dura e o lagartopeixe representava aspec tos arcaicos talvez repetindo a filogênese que denunciavam violência e ódio imensos ante uma mãeanalista não continente Parte do sonho foi conectada ao fato de a paciente terse sentido apressada a nas cer a entrar em contato consigo mesma devido à solicitação do analista de aumen tar o número de sessões o que foi sentido por ela como impositivo O analista havia feito a proposta vigorosamente em decor rência da percepção de suas dificuldades em metabolizar a quantidade e a qualidade dos elementos colocados em cena20 Catástrofe a perda no espaço infinito Como evidenciado o paciente costuma apresentarse em sua vida corrente de uma forma normal ou até bem demais com exceções Os ataques de pânico cons tituíam o único ou principal problema Se eles não atrapalhassem muito ou fossem controlados de alguma maneira o pacien te aparentemente continuaria sua vida produtiva e atarefada O fato de ter sido dominado pelas crises foi sentido pelo paciente como uma Psicoterapia de orientação analítica 505 ferida narcísica terrível já que até então ele vivia em uma fantasia de ter controle sobre tudo Fazer análise mexeu com es sa onipotência Fundindose ao analista continuou ainda que de forma provisó ria todopoderoso Porém à medida que a análise se desenvolve o paciente passa a ter novos problemas Agora terá que lidar com sua fragilidade com seu ódio com sua destrutividade com o abalo de suas defesas narcísicas Será obrigado a reconhecer a ne cessidade de objetos que não se submetem a ele A análise passa a ser responsabilizada pelo surgimento desses novos problemas disso decorrem conflitos com o analista vontade de deixálo e tentativas de tornálo impotente Como referido a ansiedade é viven ciada em grau limitado nas situações reais ou fantasiadas de separação ou abandono por parte do analista o que inclui a fanta sia ou realidade de não ser compreendido Os ataques de pânico são descritos de uma forma que lembra o que ocorre nessas situ ações mas elas são muito mais intensas e parece não existir vinculação com qualquer ideia ou fantasia O modelo do as tronauta me foi fornecido por um paciente O pa cienteastronauta sai da nave e fica preso a ela por um cordão Este se rompe e o astronauta é jogado no espaço sideral in finito sem referencial espacial e temporal sem qualquer possibilidade de socorro ru mo a uma morte ou algo similar solitária e aterrorizante No modelo que estou uti lizando parece que é isso que ocorre com um bebezinho quando do seu nascimento psicológico em que não encontra um con tinente protetor para suas ansiedades de morte Fica mais claro nesse momento que os pacientes se grudam ao analista pa ra evitar a sensação terrível de perderse no espaço Os termos já citados aniqui lamento liquefação esparramarse frag mentarse desintegrarse desmantelarse são pobres para descrever o que se sente quando as defesas falham e nos remetem a situações de ansiedade arcaicas Diante de las é necessário ativar defesas Uma defesa primitiva envolve a busca de um objeto sensual que sirva à sensação de ponto de apoio para contenção dessa desagregação Durante a crise ou quando ela ameaça o pacientebebezinho fixa o olhar a audição ou a pele a um objeto Pode ser a voz do analista na sessão ou ao telefone seu olhar a superfície do divã ou da cadeira as paredes da sala de espera Pode ser o som do rádio ou a placa do carro da frente se está em uma estrada Ou uma casa uma pessoa se está em um lugar deserto Investigando percebemos fantasias sobre contenção física o paciente antes ou durante a crise comprimese entre superfí cies solicita ser abraçado amarrado con tido como se o self pudesse derramarse desintegrarse liquefazerse É nesses momentos de terrores primitivos que as capacidades de contenção e continên cia do analista são postas à prova Como a capacidade de simbolizar está deterioriada o que mais importa para que o paciente não de sabe é sua percepção da receptividade emocio nal interessada e continente por parte do tera peuta bem como sua capacidade de manter se vivo e criativo como objeto que suportará os terrores e os desintoxicará E isso nem sempre é fácil porque o terror indizível pode ser superior a qualquer continente Ao mesmo tempo o ana lista efetuará intervenções que serão captadas pela parte da mente que não está desabando Será por meio dela parte não psicótica que se atingirá o funcionamento primitivo Aqui estamos no terreno da unidimensionalida de18 buscandose objetos sensuais como manobra autística21 506 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Às vezes o paciente escolhe um ob jeto que serve como instrumento sensual de contenção Pode ser uma medalha um talismã uma oração um amuleto Pode ser associado ou substituído pela cápsula da medicação Sua presença impede a crise e a consciência de sua ausência a desen cadeia O mesmo ocorre com a presença de outras pessoas acompanhantes Talvez por isso os ataques são menos comuns ou intensos durante o processo analítico Um ponto importante a ser salientado é que esses pacientes se sentem humilhados se a crise ameaça acontecer perto de outras pes soas ainda mais se forem estranhas Isso os diferencia daqueles com traços histéricos As considerações ora expostas nos le vam a descrever como os pacientes consti tuíram as imagos dos pais A mãe é sentida como uma pessoa assustada que impede as tentativas de desprendimento dos filhos incutindolhes insegurança e principal mente culpa Ela é internalizada como um objeto ao mesmo tempo frágil e sádico ca rente e terrorífico A tentativa de despren dimento dessa mãe interna é sentida como que a violentando Nesse momento surge o aspecto violentador do objeto Dessa forma em qualquer tentativa de desprendimento real ou em fantasia o paciente sentirá culpa insuportável eou terror de punição terrível Nas ameaças de separação abandono ou não compreen são por parte do analista situações que per meiam todo processo terapêutico o pa ciente ataca com ódio destrutivo ou se de fende dele aplacando o terapeuta Esse ódio e o medo de retaliação por parte do tera peuta a quem se atribui o papel de mãe mortífera e carente manifestamse de uma maneira que permite um aprofundamento do processo analítico as ansiedades ligam se a representações e desenvolvese o pro cesso de simbolização Com o self mais coe so agora podem ser abordadas as fantasias ligadas a situações mais evoluídas ainda que isso não seja fácil porque o paciente pode defenderse com uma carapaça obs trutiva que terá que ser desfeita com muita paciência Pensando o modelo proposto pode parecer curioso que o mesmo objeto que não deu continência aos terrores do bebe zinho impedindo um nascimento psicoló gico adequado seja aquele que inviabiliza o desprendimento No entanto isso não é difícil de compreender se observamos du rante o trabalho analítico que esse objeto foi introjetado como carente e mau O de sejo de livrarse dele é imenso mas levará a terrores mais intensos ainda é melhor ter um objeto ainda que mau que pode ser cuidado e seduzido se formos bonzinhos do que não ter nenhum e morrer no espa ço sideral Observaremos esse jogo dialéti co na relação transferencial o analisando bonzinho tornandose possuído pelo ódio e pela inveja do analista mas aterro rizado por destruílo e sentirse também destruído Observase que os pacientes em geral na juventude procuram abandonar o obje to externo tentando viver a própria vida e para isso muitas vezes mudamse de casa ou de cidade Raramente isso é consciente Mas o objeto interno sádico e culpógeno continua ativo internamente Esse fato ajuda a compreender o desencadeamento dos ataques de pânico a partir de separa ções mudanças e mortes É mais fácil su por que o desamparo que leva ao ataque se deva à perda do objeto concreto mas a investigação psicanalítica sugere a hipóte se aqui exposta abandono e retaliação em relação ao objeto interno que poderemos chamar de objeto sabotadorfilicida Gaddini22 descreve o objeto fetiche derivado do objeto autista com essas funções de tamponamento Psicoterapia de orientação analítica 507 Hipóteses teóricas Caso a descrição proposta esteja correta deveríamos perguntarnos por que o prazer e a satisfação funcionariam como gatilhos para o ataque de pânico Aqui novamente utilizando modelos lançase a hipótese de que o paciente está descobrindo e usando recursos próprios produto de Eros em parte não psicótica da personalidade Po rém essa utilização leva a ter que abando nar trair esse objetomãe culpógeno e terrorista internalizado Nesse momento esse objeto representante de Tânatos acio na a ameaça de aniquilamento do self cau sando pânico A questão que fica é por que esse ob jeto tanático permitiu que Eros se mani festasse antes por vezes com intensidade Somos obrigados a supor que esse objeto permanece como que encistado liberando a mente para usar as pulsões de vida Já ve rificamos que mascarados pelos aspectos de vida existem também outros tanáticos tais como masoquismo destrutividade terrores de desintegração que em geral ficam mais ou menos controlados pois o cisto não é totalmente impermeável Quando as pulsões de vida se mani festam de forma intensa o cisto se rom pe como que invejando o restante do self e o invade com derivados da pulsão de morte A sensação é de terror indizível o mesmo terror de desprendimento no espa ço sideral A analogia seria com o astro nautamãe cortando o cordão que pren de o astronautafilho à nave sideral por despeito e inveja do prazer que este sente ao explorar o cosmos Dessa forma o cisto seria o próprio objeto sabotadorfilicida quiescente Tal modelo ajuda a compreen der por que muitas vezes o primeiro ata que de pânico ocorre em sequência a situa ções em que o paciente está usufruindo de seus recursos14 O referido modelo não nos afasta da possibilidade mais compreensível do pon to de vista teórico de que aspectos indis criminados do self caóticos turbulentos destrutivos e dolorosos23 antes rigidamen te encapsulados tenham sido liberados Esses aspectos primitivos de mente que se supõem existirem no nascimento ou até antes na época prénatal persistem quase inativos mas emergem de forma catastró fica em situações como essa A junção dos dois modelos pode ser efetuada propondo se que o suposto objeto internalizado co mo sabotadorfilicida não permitiu a con tenção desses aspectos primitivos em uma fase muito precoce da vida e isso retorna agora O termo sabotadorfilicida serve pa ra alertar o psicanalista sobre a necessidade de não se deixar dominar por esses aspec tos mortíferos e sobre o risco de ele ser re crutado a atuar os componentes filicidas e sabotadores estimuladores de inveja com seu analisando O termo cisto indica a dureza e a inflexibilidade das defesas o que será percebido na situação transferencial Tustin212425 usa a expressão catás trofe psicológica como o resultado de um nascimento psicológico prematuro ou mal conduzido Para ela ocorre uma calamida de que interrompe um nascimento psicoló gico normal e distorce o desenvolvimento A realização pela criança de que a parte de sua mãe que ela dava como certo ser parte de seu próprio corpo não o é determina o trauma por excelência Somente a relação com um objeto mãeambiente continente capaz de ser introjetado de maneira ade quada permitirá ao self se constituir de for ma suficientemente coesa O nascimento psicológico precoce ou mal conduzido denominado distócico e a compreensão de mecanismos de fun cionamento mais primitivo tais como an siedades de transbordamento dissolução 508 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs defesas sensuais mecanismos autísticos identificações primitivas objetos interme diários foram estudados por Tustin e ou tros autores Bick17 Meltzer182627 e An zieu28 nos mostram a importância de um envoltóriopele para conter o self amea çado por essas ansiedades Meltzer1827 foi dos primeiros que descreveu defesas autís ticas e a regressão a estados bidimensionais identificação adesiva e unidimensionais Winnicott29 lembra que a ameaça de ani quilamento que o paciente vivencia agora na verdade ocorreu no passado distante durante uma falha ambiental com as ago nias primitivas sendo retomadas As defesas autísticas constituem me canismos utilizados para preencher o oco espaço sideral entre mãe e bebê fruto do desgarramento precoce São defesas sen soriais efetuadas às custas do próprio self e que substituem a relação com o objeto Tustin24 descreveu em detalhes os objetos e as formas autistas e Gaddini22 abordou o objeto fetiche São esses elementos que tamponam o buraco Assim combatese o sofrimento do desprendimento catastró fico mas se impede a relação com a mãe a relação recíproca pelo menos na área comprometida Os objetos autísticos quase nada têm de mental e não permitem novos desenvolvimentos rumo à simbolização Paralisase o desenvolvimento psicológico Outras áreas podem desenvolverse inclu sive tamponando a área que se deteve de tal modo que ela não se revele A retirada dessa defesa provoca o pânico o terror sem nome Ogden30 de modo criativo efetuou uma convergência de parte dos fenômenos abordados aqui descrevendo a posição autistacontígua Tratase de uma forma de gerar significado que funciona dialetica mente com os modos esquizoparanoide e depressivo conforme descritos pela escola kleiniana Muitos outros autores têm ca minhado por estradas parecidas e a citação de todos eles mesmo incompleta iria além dos objetivos deste capítulo As considerações ora efetuadas não se opõem à descrição que consideramos a mais aprofundada sobre o complexo fobia pânico efetuada por Trinca3132 que estu da minuciosamente a personalidade fóbica percebendo a fobia e o pânico como um continuum de manifestações da insuficiên cia de um continente primário de um cen tro de sustentação do self com angústias de dissipação em que o ser interior desaba e é engolfado pelo nada rumo à não existên cia No pânico o indivíduo observa iner me seu autodesfazimento Antes de concluir o leitor poderia perguntarse por que esses pacientes não se tornaram autis tas psicóticos ou borderline manifestos O pro cesso analítico com pacientes assim descri tos tem bastante em comum com aqueles com transtorno de pânico Propõese que os pacien tes de pânico puderam por motivos constitu cionais e ambientais utilizar defesas que lhes permitiram uma melhor adaptação Isto é par tes de sua mente ficaram como que livres das defesas patológicas ainda que paguem o pre ço de certa inautenticidade falso self No en tanto uma parte persite funcionando de forma primitiva como cultura de pulsão de morte en cistada associada ao que chamei de objeto sa botadorfilicida e quando ela invade brusca mente a parte mais desenvolvida ocorrem os ataques de pânico No entanto as defesas logo A suposta maior incidência das patologias atuais com dificuldades na simbolização pode ser relacio nada a um circuito retroalimentador em que a cultura do narcisismo da sociedade pósmoderna se conecta com mimetismo superficialidade desconsideração não pensamento e buscas sensuais aspectos de fun cionamento primitivo Psicoterapia de orientação analítica 509 se refazem sendo possível retomar uma vida normal após a crise mesmo que componen tes destrutivos fiquem evidentes no processo analítico Isso não ocorre desse modo com ou tros tipos de pacientes em que os mecanismos primitivos se manifestam continuamente e em formas variadas TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA Certos pacientes sofrem de ansiedade di fusa Vivem constantemente preocupados com expectativas negativas exageradas e apreensivos em relação a variados aspectos de sua vida Essa preocupação redunda em dificuldades sociais profissionais e afeti vas Às vezes a ansiedade se manifesta por irritação e esses indivíduos se descrevem com os nervos à flor da pele vivendo em tensão permanente hipervigilantes e assus tados No entanto não há definição clara sobre o que os deixa ansiosos ao contrá rio dos fóbicos que conhecem a situação ansiógena dos pacientes de pânico cujo terror é o de ser tomado por um ataque de ansiedade e dos pacientes obsessivoscom pulsivos que relacionam sua ansiedade a pensamentos e medos definidos Essas sensações e sentimentos cos tumam vir acompanhados de outros sin tomas alguns de ordem neurovegetativa tais como tonturas zumbidos sudorese taquicardia dificuldades de concentração insegurança Por vezes os sintomas so máticos dominam o quadro Quando esse quadro dura mais de seis meses o DSMIV o classifica como transtorno de ansiedade generalizada Quadro 292 O TAG é uma categoria residual dos transtornos de ansie dade Com frequência os pacientes tam bém apresentam desânimo tristeza apatia e o psiquiatra tem dificuldades em saber se esses sintomas são consequência das restri ções impostas pela ansiedade ou já se fazem parte do quadro inicial Uma parte desses pacientes convive com seus sintomas sem tratamento os quais parecem quase carac terológicos por vezes se automedicando ou recorrendo a livros de autoajuda outra parte procura médicos de várias especiali dades que acabam por tratálos com an siolíticos e antidepressivos usados de for ma intermitente Um terceiro grupo com capacidade de perceber a influência do psiquismo em seu sofrimento acaba pro curando tratamentos psicológicos O tratamento psicoterápico não dife rirá de qualquer outro e o terapeuta deverá procurar na relação transferencialcontra transferencial elementos que lhe permitam nomear e compreender os afetos Aspectos primitivos frutos de déficit de simboliza ção e traumas arcaicos deverão ser conti dos e nomeados Alguns pacientes abandonam o tra tamento e não raro identificamse com ponentes relacionados a culpa e destruição que funcionam como que para manter o sofrimento Esses indivíduos necessitam ainda mais entrar em contato com a parte psicótica da personalidade em que defesas primitivas cisão idealização identificação adesiva identificação projetiva entre ou tras encobrem ansiedades arcaicas e défi cits nos processos de simbolização Por fim muitos pacientes procuram o terapeuta sem uma queixa definida Sen temse descontentes não veem objetivo em sua vida têm dificuldades nas relações interpessoais preocupamse com fatos ir relevantes ou não têm ânimo sequer para preocuparse Há uma insatisfação vaga Seu diagnóstico não é fácil por meio das classifi cações categoriais e o profissional em geral 510 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs opta por transtorno de ansiedade depressi vo ansiosodepressivo ou um caso leve de transtorno da personalidade Comumente esses pacientes durante o processo analíti co se revelarão como narcisistas e borderli ne assunto de outros capítulos deste livro QUADRO 292 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA DSM5 30002 Transtorno de ansiedade generalizada A Ansiedade e preocupação excessivas expectativa apreensiva ocorrendo na maioria dos dias pelo período mínimo de seis meses com diversos eventos ou atividades tais como desempenho escolar ou profissional B O indivíduo considera difícil controlar a preocupação C A ansiedade e a preocupação estão associadas a três ou mais dos seguintes seis sintomas com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses 1 inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele 2 fatigabilidade 3 dificuldade em concentrarse ou sensações de branco na mente 4 irritabilidade 5 tensão muscular 6 perturbação do sono dificuldades em conciliar ou manter o sono ou sono insatisfatório e inquieto D A ansiedade a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo E A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância droga de abuso medicamento ou de uma condição médica geral p ex hipertireoidismo F A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental p ex ansiedade ou a preocupa ção quanto a ter um ataque de pânico como no transtorno de pânico avaliação negativa no transtorno de ansiedade social fobia social contaminações ou outras obsessões no transtorno obsessivocompulsivo separação de figuras de apego no transtorno de ansiedade de separação lembrança de eventos traumáticos no transtorno de estresse póstraumático ganhar peso na anorexia múltiplas queixas físicas no transtorno de somatização percepção de problemas na aparência no transtorno dismórfico corporal ter uma doença grave no transtorno de ansiedade com doenças ou o conteúdo de crenças delirantes na esquizofrenia ou transtorno delirante Fonte Adaptado de American Psychiatric Association33 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Nos ataques de pânico a ansiedade engolfa o indivíduo tornandoo aterrorizado e impotente blo quean do sua capacidade de pensar 2 Os ataques de pânico ocorrem de forma inesperada seguidos do receio de que se repitam com medo de consequências terríveis loucura morte etc Psicoterapia de orientação analítica 511 REFERÊNCIAS 1 Freud S Inibições sintomas e ansiedade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 22 p 95201 2 Freud S Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular in titulada neurose de angústia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1967 v 3 p 10735 3 Organização Mundial da Saúde Classifica ção de transtornos mentais e de comporta mento da CID10 descrições clínicas e di retrizes diagnósticas Porto Alegre Artes Médicas 1993 4 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSMIV 4th ed Washington Ameri can Psychiatric Association c1994 5 Segal H Introdução à obra de Melanie Klein Rio de Janeiro Imago 1975 6 Bion WR Learning from experience Lon don Heinemann 1962 7 Bion WR Diferenciação entre a personali dade psicótica e a personalidade não psicó tica In Bion WR Estudos psicanalíticos re visados Rio de Janeiro Imago 1988 p 45 62 8 Winnicott DW A teoria do relacionamento paternoinfantil In Winnicott DW O am biente e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocio nal Porto Alegre Artemed 1983 p 3854 9 Shear MK Cooper AM Klerman GL Busch FN Shapiro T A psychodynamic model of panic disorder Am J Psychiatry 1993150685966 10 Craske MG Fear and anxiety in children and adolescents Bull Menninger Clin 1997612 Suppl AA436 11 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica ba seado do DSMIV 2 ed Porto Alegre Art med 1998 12 Cassorla RMS Considerações sobre o so nho a dois e o nãosonho a dois no teatro da análise Revista de Psicanálise da SPPA 200512352752 13 Cassorla RMS In search of symbolization the analysts task of dreaming In Levine HB Reed GS Scarface D Unrepresent ed states and the construction of meaning clinical and theoretical contributions Lon don Karnac c2013 p 20219 14 Cassorla RMS Transferindo aspectos ino mináveis no campo analítico uma aproxi 3 Pode ocorrer evitação de situações e lugares onde ocorreram os ataques ou que dificultem em fanta sia o pedido de auxílio A vida do paciente se torna limitada 4 A teorização psicanalítica dos ataques utiliza termos como desintegração transbordamento dissolu ção colapso terror sem nome palavras que designam problemas na formação e manutenção do self Outras partes da mente observam desesperadamente o que está acontecendo 5 A compreensão psicodinâmica do pânico remete a distúrbios da simbolização isto é dificuldades na capacidade de transformar experiências emocionais em fatos mentais 6 Os déficits na capacidade de simbolização tornam esses pacientes mais vulneráveis a situações ambientais e viceversa Outra parte da mente é capaz de simbolizar adequadamente mas em geral se identificam defesas tipo falsoself 7 A função principal do analista será conter as situações desesperantes e tentar darlhes significado Para tal o analista deverá sonhar aquilo que o paciente não consegue simbolizar À medida que a capacidade de pensar do paciente se desenvolve as descargas são transformadas em pensamentos 8 Parte do processo terapêutico visa a auxiliar o paciente a aprender autocontrole e reflexão Esse apren dizado é efetuado a partir da identificação que o paciente faz com a capacidade do terapeuta de lidar com o desconhecido sem se desesperar 512 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mação didática Revista de Psicanálise da SPPA 2012916182 15 Alvarez A Companhia viva psicoterapia psicanalitica com crianças autistas borderli ne carentes e maltratadas Porto Alegre Ar tes Médicas 1994 16 Gaddini E On imitation Int J Psychoanal 19695047584 17 Bick E A experiência da pele em relações objetais arcaicas Jornal de Psicanálise de São Paulo 198720412731 18 Meltzer D La dimensionalidad como un pa rametro para el funcionamento mental su relación com la organización narcisista In Meltzer D Bremner J Hoxter S Weddell D Wittenberg I Exploración del autismo um estudio psicoanalítico Buenos Aires Paidós 1975 p 197210 19 Winnicott DW Distorção do ego em termos de falso e verdadeiro self In Winnicott DW O ambiente e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional Porto Alegre Artemed 1983 p 12839 20 Cassorla RMS Transtorno de pânico e as pectos primitivos de mente In França MTB Haundenschild TRL organizadores Consti tuição da vida psíquica São Paulo Hiron del 2009 p 169202 21 Tustin F Estados autísticos em crianças Rio de Janeiro Imago 1984 22 Gaddini R The precursors of transitional ob jects and phenomena Winnicott Studies the Journal Squiggle Foundation 198514957 23 Houzel D Identification introjective répa ration formation du symbole Journal de la Psychanalyse de LEnfant1991104672 24 Tustin F Barreiras autísticas em pacien tes neuróticos Porto Alegre Artes Médicas 1990 25 Tustin F The protective shell in children and adults London Karnac 1990 26 Meltzer D Identificação adesiva Jornal de Psicanálise de São Paulo 198619384052 27 Meltzer D Metapsicología ampliada aplica ciones clínicas de las ideas de Bion Buenos Aires Spatia 1990 28 Anzieu D O eupele São Paulo Casa do Psi cólogo 1995 29 Winnicott DW Fear of breakdown Int Rev Psychoanal 197411037 30 Ogden TH Sobre o conceito de uma po sição autistacontígua Rev Bras Psicanál 19963034164 31 Trinca W A personalidade fóbica uma aproximação psicanalítica Campinas Papi rus 1992 32 Trinca W Pânico e fobia em psicanálise São Paulo Vetor 1997 33 American Psychiatric Association Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM5 5 ed Porto Alegre Artmed 2013 LEITURA SUGERIDA Winnicott DW Objetos transicionais e fenôme nos transicionais In Winnicott DW Textos sele cionados da pediatria à psicanálise Rio de Janei ro Francisco Alves 1978 Alterações dos estados de humor foram identificadas desde a Antiguidade e apa recem em diversos registros mitológicos de diferentes culturas incluindo os relatos bíblicos Hipócrates 460370 aC usan do já o termo melancolia foi o primei ro a tentar diferenciar a depressão como doença do misticismo religioso que a via como um destino traçado pelos deuses Na Idade Média a visão mística dos transtor nos mentais volta a predominar sendo es tes inseridos na demonologia do período É na Idade Moderna que a doença mental passa a ser visualizada a partir de perspec tivas mais biológicas Do Renascimento em diante a melancolia designa uma espécie de loucura parcial diferente dos trans tornos da inteligência mas não implican do ainda necessariamente a presença de emoções como a tristeza Na primeira me tade do século XIX Esquirol citado por Ey e colaboradores1 distinguiu duas formas clínicas dentro do grupo das loucuras parciais ou monomanias uma com sinto mas expansivos e outra com tristeza Mais adiante os estados melancólicos passaram a ser integrados em uma psicose caracteri zada por sua evolução típica a loucura de dupla forma segundo Baillarger loucura circular segundo Falret e por fim a psicose maníacodepressiva segundo Kraepelin1 Em 1905 Adolph Meyer sugeriu a eli minação do termo melancolia propon do que se adotasse em definitivo o termo depressão A evolução do pensamento descritivo de Emil Kraepelin e a abordagem compreensiva de Sigmund Freud consoli daram a transição da psiquiatria do século XIX para a psiquiatria moderna no início do século XX Dessas vertentes e por ca minhos separados chegouse à divisão nas práticas psiquiátricas atuais a psiquiatria dinâmica alicerçada em fundamentos psi canalíticos e privilegiando intervenções psi cológicas e a psiquiatria biológica com base na neurobiologia reduzindo o entendimen to e a terapêutica das doenças mentais aos fármacos e a outras intervenções biológicas O termo genérico depressão com porta ainda hoje diferentes significados pode ser um sintoma uma síndrome ou um transtorno psiquiátrico Como doença não é mais considerada uma condição re lativamente benigna a comorbidade com outras patologias de Eixo I e II é a regra sendo comum que cause um impacto nega tivo em seu prognóstico e tratamento Nos anos de 1980 conforme assinalam Luyten 30 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE DEPRIMIDO Sergio Carlos Eduardo Pinto Machado Sidnei S Schestatsky 514 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Blatt e Corveleyn2 pesquisadores e clínicos acreditavam que a depressão pudesse ser tratada de modo efetivo e definitivo com psicofármacos antidepressivos associados ou não a psicoterapias estandardizadas e de curta duração Tal otimismo no entanto ficou abalado com a crescente refratarie dade de um número significativo de casos Os desafios terapêuticos das depressões se guem portanto em pauta nos atuais am bientes de pesquisa e assistência e nesse contexto a psicoterapia de orientação ana lítica permanece em lugar de destaque co mo um valioso recurso terapêutico EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONCEITOS As origens dos conceitos da etiologia e da patogenia da depressão do ponto de vista psicodinâmico situamse em Freud e em suas teorias sobre a personalidade sexua lidade infantil e conflito intrapsíquico Seu trabalho clássico sobre depressão é Luto e melancolia3 embora antes disso Freud já tivesse abordado de várias formas questões relativas ao tema Na discussão do caso clínico de Eli zabeth von R publicado nos Estudos sobre a histeria Freud4 ao se referir ao trabalho de rememoração antecipou o conceito de trabalho de luto e da mesma forma lan çou as bases do que hoje se chama reações de aniversário Em 1895 no Rascunho G envia a Fliess uma explicação da melanco lia No Rascunho N de 31 de maio de 1897 faz tanto a primeira menção ao complexo de Édipo como relaciona o luto com a melan colia Nas Cinco lições de psicanálise5 des creve o luto como um processo emocional normal e em Notas sobre um caso de neuro se obsessiva6 afirma que o período normal de luto se estende por 1 a 2 anos Em Totem e tabu7 ele escreve O luto tem uma missão psíquica mui to específica a efetuar a de des ligar dos mortos as lembranças e as esperanças dos sobreviventes Quan do isso é conseguido o sofrimento di minui e com ele o remorso e as au tocensuras Ele assinala que coexistem afeição e hostilidade em relação ao morto A hos tilidade é reprimida e permanece incons ciente quando projetada sobre o morto dá origem aos variados temores em relação a ele Em Luto e melancolia3 busca a expli cação clínica do mecanismo de luto e sua resolução comparandoo com a melanco lia entendida como uma condição patoló gica do luto Nessa altura já dispunha dos conceitos de narcisismo e de ideal do ego podendose considerar essa obra como um prolongamento do trabalho Sobre o narci sismo uma introdução8 de 1914 As consequências teóricas e clínicas de Luto e melancolia3 viriam a transcender a pretensão original Freud de estudar o luto normal e seu estado patológico O material examinado levouo à formulação de um agente crítico9 conduzindoo à hipótese do superego em O ego e o id10 e à reavalia ção dos sentimentos de culpa Esse traba lho também levou ao exame da natureza da identificação e da formação do caráter Freud defende que o luto é a reação à perda da representação abstrata de um objeto significativo por exemplo de um ideal de uma posição social ou de uma Chamase de reações de aniversário aquelas si tuações frequentemente encontradas na clínica em que estados depressivos se instalam às vezes subita mente em torno das datas de aniversário de morte ou separação de uma pessoa querida Psicoterapia de orientação analítica 515 pessoa valorizada Não o considera como patológico e refere ser inútil ou danosa qualquer interferência no desenvolvimento do processo de luto normal O luto é acom panhado por perda de interesse no mun do externo uma parada momentânea na capacidade de investir afetos em um novo objeto ou ideal e por uma fuga de qualquer atividade não conectada com a perda Ape sar de a realidade indicar que o objeto ama do já não mais existe o indivíduo enlutado é no início incapaz de se desvincular do que foi perdido Normalmente a realidade vence e acaba se impondo Assim Freud3 escreveu em 1915 às expensas de tempo e catexias a existência do objeto perdido é pro longada Cada lembrança e expectati va na qual a libido está conectada com o objeto é hipercatexizada Quando o trabalho de luto é completado o ego se torna livre e novamente desinibido O trabalho interno para restaurar o equilíbrio psíquico culminaria na vincula ção por deslocamento da libido com outro objeto Freud3 reconhece contudo que não é fácil indicar por que essa lenta e paulatina realização da realidade há de ser tão dolorosa assim como é singular que o do loroso desprazer que vem junto nos pareça natural e lógico A explicação que Freud3 encontra é que a realidade impõe às lem branças e às esperanças que são pon tos de enlace da libido com o objeto perdido o veredicto de que o objeto não mais existe e o ego diante da in terrogação de querer ou não compar tilhar do destino do objeto morto de cide sob a influência das satisfações narcisistas de vida abandonar sua li gação com ele Podemos pois su por que esse abandono se realiza tão lenta e paulatinamente que ao chegar ao fim dissipouse o esforço necessá rio para tal trabalho Com relação à melancolia Freud pensa diferente Em contraste com a perda consciente da pessoa que experimenta um luto normal no melancólico existe além disso a perda de um objeto inconsciente A libido permanece orientada para o ego onde se produz a identificação com o ob jeto perdido No luto normal o mundo fica pobre e vazio enquanto na situação patológica é o próprio melancólico que se sente empobrecido e depreciado A perda tem efeitos sobre seu ego que se dissocia entre uma parte que dirige críticas a outra como se a tomasse por objeto A essa ins tância crítica que se separou do ego Freud chamou de consciência moral sendo os la mentos do melancólico na realidade acu sações contra o objeto perdido Devido ao ódio se ataca a parte do ego identificada com o objeto humi lhandoa e encontrando nesse sofri mento uma satisfação sádica Freud nota pois uma diferença qua litativa entre aspectos normais e patológi cos vinculados ao luto Abraham11 amplia o trabalho de Freud em relação ao luto e Freud nunca usou a palavra catexia termo criado por seu tradutor para o inglês James Strachey O termo alemão besetzung tem um sentido mais coloquial o de investir um afeto ou um interesse em algo Mantémse no texto a expressão catexia por ser um termo consa grado embora deva ser entendido como investimento afetivo Da mesma forma hipercatexia como hi perinvestimento e descatexizar como desinvestir 516 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs aos estados maníacodepressivos influindo decisivamente nas concepções posteriores de Melanie Klein Enquanto Freud percebe o trabalho de luto como uma descatexiza ção um desligamento do objeto perdido Abraham descreve o oposto o luto exitoso resulta também na introjeção do objeto como Freud descrevera na melancolia Abraham postula serem idênticos os processos do luto e da melancolia e que as diferenças se devem à natureza das relações de objeto com a pessoa perdida Quando a relação foi intensamente ambivalente quando os impulsos de ódio se aproxima ram muito ou suplantaram os amorosos o resultado seria a melancolia No luto nor mal os impulsos amorosos superariam os agressivos e a introjeção se opera sem o desenvolvimento melancólico Abraham conclui que embora o luto e a depressão tenham similaridades clínicas são resulta dos diferentes de um processo psicológico único Radó12 introduziu extensões na teo ria clássica da depressão Seu primeiro enfoque segue de perto Abraham quanto à predisposição à depressão como uma in tensa carência de gratificações narcísicas isto é uma grande necessidade de se sentir aprovado e amado pelos objetos Seu foco se guinte é sobre as emoções com a raiva em primeiro plano e uma consideração maior pela importância dos sentimentos de culpa Explica as autoagressões como resultado das agressões do superego contra o ego que se submete por causa de sentimentos de culpa pela perda ocorrida As autopuni ções são vistas como uma forma de obter amor do superego um ato expiatório um pedido de perdão pelos ataques raivosos contra o objeto Para Radó14 a crise depressiva tem um significado oculto e constitui um de sesperado grito por amor precipitado por uma perda real ou fantasiada que o pacien te vivenciou como ameaçando sua segu rança emocional e material Melanie Klein1516 também pensava que a diferença entre o luto normal e o pa tológico fosse uma questão de grau Em ambas as situações existiria uma estreita conexão com processos mentais primiti vos da infância Entende o luto como um período de desorganização e subsequente reorganização tanto do mundo externo como do mundo interno do indivíduo enlutado O modo de reorganização das relações com os objetos será determinado pela forma utilizada pela criança em suas primeiras experiências quando atraves sou estados mentais comparáveis ao luto do adulto São esses primeiros lutos os mobilizados na vida adulta ao se experi mentar algo penoso com a reativação de ansiedades primitivas que foram bem ou mal elaboradas Klein diferentemente de Freud insiste na reativação dos conflitos da posição depressiva e não tanto na exis tência de uma ferida narcisista precoce17 A melancolia é tida como resultado de uma falha do processo de reparação do objeto atacado na posição depressiva A capacidade de reparação pode es tar perturbada por diversos motivos um deles é a gratificação sádica de vencer e hu milhar o objeto de superálo de triunfar sobre ele alterando o processo de elabo ração de sua perda gerando desconfiança e perseguição18 Mario Martins19 citando É importante lembrar que esse artigo em questão foi escrito depois que Freud10 já havia estabelecido o modelo estrutural e portanto o superego já estava no seu devido lugar Não havia mais a necessidade pois como em Luto e melancolia3 de que houvesse a introjeção do objeto perdido para que a sombra do objeto recaísse sobre o ego Nos estados depressivos é agora a sombra do superego que pesa sobre o ego13 Psicoterapia de orientação analítica 517 Grinberg enfatiza que não há apenas um luto pelo objeto mas também um luto pe lo ego Para Klein a dor experimentada no lento pro cesso de restabelecimento do juízo de reali dade durante o trabalho de luto devese não só à necessidade de renovar os vínculos com o mundo externo como também à de reconstruir o mundo interno Klein considera que o sentimento de perda deve sua força ao processo de repa ração A pessoa recupera o que já conse guira na infância reinstalar a representa ção mental dos pais dentro do ego Foi a compreensão do processo de introjeção na melancolia que levou Freud a reconhe cer a existência do superego Para Melanie Klein o que Freud entendia como vozes e influência dos pais reais estabelecidos no ego seria um mundo complexo de objetos mundo interno o qual desorganizado pela perda é na sequência reorganizado no trabalho de luto20 No luto normal o indivíduo reintro jeta e reinstala tanto a pessoa real per dida como seus pais amados que sen tiu como objetos internos bons Em sua fantasia este mundo interno que construiu desde os primeiros dias de vida foi destruído quando se produ ziu a perda atual A reconstrução do mundo interno dá a pauta do êxito do trabalho de luto15 Foi Fenichel21 o primeiro a sublinhar a importância da autoestima na depressão esta seria precipitada pela perda da autoes tima ou pela perda das provisões afetivas e ambientais que a sustentariam ou aumen tariam Aqui se percebe a primeira grande modificação teórica na literatura psicanalítica sobre a de pressão com o deslocamento da ênfase básica da perda do objeto para a perda da autoestima Outra forma de expressar esse fato é considerar que a perda do objeto só é signi ficativa no desencadeamento da depressão se ele tiver sido investido com a própria autoestima do paciente isto é se a perda for sentida como uma perda narcísica no ego Portanto a perda de um objeto amado ou de seu símbolo só causaria depressão em pessoas extremamente dependentes que percebem o objeto como essencial pa ra a própria sobrevivência Assim Fenichel pode afirmar que o processo depressivo é também uma tentativa de reparar o ego danificado por uma ferida narcísica pre coce Bibring22 é o primeiro autor psica nalítico a abordar a depressão em termos exclusivos da psicologia do ego e da perda da autoestima Para ele a depressão é um fenômeno do ego um estado do ego um estado afetivo que se re fere a todas as formas de depressão normaisou neuróticas22 Depois acrescenta que a depressão pode ser definida como a expressão emocional indica dora do estado de desamparo e impo tência do ego independentemente do que possa ter causado o colapso dos mecanismos que estabeleceram sua autoestima22 Bibring parte do princípio de que o ego tem normalmente aspirações narcísi cas ideal de ego entre as quais as de sen 518 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tirse valorizado e amado forte e superior bom e amoroso A percepção da incapaci dade de alcançar tais objetivos precipitaria um estado depressivo Uma das conclusões é a de que a depressão não é causada por um conflito entre o id e o ego ou do id com o superego mas por um conflito intrapsí quico dentro do próprio ego Desse modo a experiência primária de desam paro é o principal fator de suscetibilidade à de pressão Tal desamparo pode ser consequência da frustração continuada das necessidades de dependência da criança levandoa a uma sensação de fracasso e baixa autoes tima Em vez de raiva em relação aos ou tros gerando culpa e depressão o desam paro leva diretamente a raiva contra si mesmo Jacobson23 também considerou a per da da autoestima como o problema central da depressão sendo a dependência exage rada do objeto uma fraqueza específica do ego Os determinantes intrapsíquicos da frágil autoestima compreenderiam um su perego rígido um ideal do ego comprome tido e um desenvolvimento patológico das autorrepresentações A falta de aceitação e compreensão parentais diminui a autoes tima da criança aumentando sua ambiva lência e seus sentimentos agressivos contra os pais e incrementado a culpa a agres são voltariase contra si mesmo para evitar atacar aos pais ou outros objetos externos importantes As teorias de Kohut24 colocaram em relevo a necessidade do self em dispor de objetos empáticos no desenvolvimento da autoestima normal destacando questões do apego nos problemas posteriores de separaçãoindividuação Para Kohut afetos depressivos em indivíduos narcisicamente vulneráveis estão relaciona dos a sentimentos crônicos de vazio em respos ta a pais traumaticamente não empáticos Quando as experiências afetivas da criança não encontram uma resposta sensí vel e sintônica por parte dos pais não sendo adequadamente refletidas ou espelhadas pela reação parental ela se sente sozinha com suas experiências emocionalmente es vaziada e lutando para preencher os vazios com outros objetos selfobjects aos quais possa idealizar e com os quais se identifica Brenner25 deixa de focar as perdas como o desencadeante da depressão e vê os pacientes imaginandose destituídos de poder ou simbolicamente castrados pelos outros como punição a desejos competiti vos sexuais e agressivos Acontecimentos reais ou fantasiados podem desencadear depressão pela necessidade de punição podendo ser a depressão o modo mais efe tivo de diminuir as atitudes competitivas A agressão mobilizada contra a pessoa acu sada de ter provocado a perda de poder é no entanto autodirigida adotando o pa ciente uma atitude agradável ou concilia tória ainda que temerosa em relação ao acusado Cabe ao terapeuta tentar discernir quais dos desejos infantis estão sendo gra tificados nessas complexas formações de compromisso Bowlby2627 ao criar e desenvolver sua teoria do apego attachment funda da em uma perspectiva desenvolvimental e adaptativa teve uma influência signifi cativa embora nem sempre reconhecida dos modelos psicanalíticos da depressão Kohut define vulnerabilidade narcisística como a tendência a reagir a pequenas frustrações e desaponta mentos com significativa perda de autoestima Psicoterapia de orientação analítica 519 Considerou o apego como um sistema comportamental essencial para a sobrevi vência do bebê e suas rupturas como as perdas parentais precoces sendo crucial na etiologia dos transtornos de ansiedade e depressão Bowlby descreveu a partir da observação de crianças que as perdas desencadeavam uma série de respostas emocionais características choque e negação protesto desespero desor ganização e reorganização Argumentou que a forma como o in divíduo responde às perdas encontrase fortemente associada ao modo como seu sistema de apego se organizou ao longo de seu desenvolvimento De acordo com a teoria do apego as formas atípicas do luto podem surgir ao longo de um continuum que vai desde o luto crônico até a ausên cia prolongada de luto consciente Senti mentos de apego inseguro devido a rela ções parentais instáveis ou imprevisíveis ou comportamentos parentais de rejeição e crítica levam ao desenvolvimento de modelos internos do self como indigno de amor inadequado indiferente e punitivo Tal indivíduo se torna vulnerável à depres são no contexto de experiências de perda ou adversidade considerando tais fatos como sinais de falha e pouco suporte dos outros Stone28 destacou a agressão reativa que se teria desenvolvido em profundas frustrações nas relações parentais primiti vas da pessoa deprimida A agressão se ex pressaria toda vez que falhassem as tentati vas de coagir os pais a responder às necessi dades da criança Um superego severo seria desenvolvido alimentado pela raiva e pela falta de ajuda por parte dos cuidadores Mais recentemente Blatt e colabo radores2933 partindo de perspectivas da psicologia do ego das relações de objeto e de modelos cognitivodesenvolvimentais diferenciaram dois tipos básicos de confi gurações psicopatológicas as anaclíticas e as introjetivas incluindo nelas as respecti vas formas de depressão As psicopatologias anaclíticas implicam uma preocupação primária com temas e fatos interpessoais como confiança cuidado intimidade e sexualidade Os pacientes expressam in tensa preocupação com questões relacio nadas a vínculos e conexões afetivas em diferentes níveis desenvolvimentais desde dificuldades de diferenciação entre o eu e os outros apegos muito dependentes infantis até tipos mais maduros de problemas interpessoais Entre os diver sos quadros anaclíticos incluemse os transtornos da personalidade borderline dependente e histérica assim como uma forma específica de depressão a anaclíti ca dependente A depressão anaclítica se caracteriza por sen timentos de solidão desamparo e fragilidade Os pacientes experimentam medos intensos e crônicos de abandono ou de ficarem desprote gidos expressando profundas necessidades de serem amados nutridos e cuidados Devido à pobre internalização de ex periências precoces de gratificação ou da precária identificação com as qualidades nutridoras dos cuidadores os outros são valorizados basicamente pelos cuidados pelo conforto e pela gratificação imedia tos que são capazes de prover Há evidên cias de que essas formas de depressão são as que respondem melhor às intervenções psi codinâmicas breves de apoio ou inter pessoal Um segundo grupo de transtornos o das psicopatologias introjetivas é ca 520 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs racterizado pela preocupação com o esta belecimento de um self poderoso partindo do anseio de individuação e preocupações sobre autonomia e controle até questões internalizadas mais complexas de autoesti ma Tais pacientes estão mais interessados em estabelecer proteger e manter seu pró prio autoconceito percebido como estan do acima das preocupações habituais com a qualidade das relações interpessoais e acima de valorizarem sentimentos como confiabilidade calor humano e afeição Entre outros transtornos incluem a depres são introjetiva e o narcisismo fálico Rai va e agressão dirigidas ao self e aos outros tendem a ser centrais em suas dificulda des sendo os transtornos introjetivos mais idea cionais do que afetivos A depressão introjetiva ou autocrítica se apre senta com sentimentos de desvalia inferiorida de fracasso e culpa Os pacientes se engajam em permanente autoescrutínio e autoavaliação com medo crônico de serem criticados ou de saprovados Lutam por constante sucesso e per feição são competitivos trabalham exa geradamente e se defrontam sempre com autoexigências excessivas São capazes até de conseguir muitos de seus objetivos mas não conseguem desfrutálos de forma mais duradoura Devido à competitividade exa gerada também são críticos e depreciativos em relação aos outros Seja nos indivíduos ansiosos por con tato afetivo e excessivamente dependentes seja naqueles excessivamente autônomos e evitativos de relações de proximidade e in timidade em ambas as situações é possível criarse uma vulnerabilidade para a depres são Uma vez estabelecida esse tipo de de pressão tende a ser de manejo mais difícil demandando psicoterapias psicanalíticas de longa duração NÚCLEOS PSICODINÂMICOS DAS DEPRESSÕES Entre as contribuições teóricas mais recor rentes à compreensão dinâmica da depres são a quase totalidade dos autores enfatiza a vulnerabilidade narcísica como o princi pal gatilho dessa condição Busch e colaboradores34 sintetizam os núcleos dinâmicos das depressões da se guinte forma Vulnerabilidade narcísica experiências ou percepções primitivas de perda rejeição e inadequação Possível vul nerabilidade bioquímica sensitividade aumentada para perdas percebidas ou reais A consequência é a diminuição re corrente da autoestima desencadeando afetos depressivos e raiva em resposta a experiências danosas Raiva conflitiva resposta a dano narcísi co raiva pela falta de responsividade dos outros a desejos e necessidades próprios acusações aos outros pela própria vul nerabilidade ou profunda inveja deles quando percebidos como menos vulne ráveis raiva dos outros experimentados como lesivos ameaçadores e inaceitáveis As consequências são rupturas nas rela ções interpessoais raiva dirigida ao self desencadeamento de afetos depressivos e diminuição da autoestima Superego severo experiência de culpa e vergonha raiva voltada contra o self e causada por duras autocríticas interna lização de atitudes parentais percebidas Psicoterapia de orientação analítica 521 como rígidas e punitivas Raiva inveja e sexualidade acompanhadas de dese jos percebidos como errados ou maus Como resultado há autopercepção negativa graves autocríticas diminui ção da autoestima e geração de afetos depressivos Expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros esforços para mi tigar a baixa autoestima reativa Elevada autoexpectativa ideal do ego e expecta tivas de outras pessoas idealizadas para alcançarem necessidades individuais sendo os outros desvalorizados para sustentar a própria autoestima As con sequências envolvem desapontamentos significativos raiva de si e dos outros e diminuição da autoes tima Meios característicos de defesa contra afe tos dolorosos negação projeção agressão passiva e formação reativa O resultado é a raiva não efetivamente trabalhada e o crescimento da depressão pela raiva dirigida ao self ou via mundo externo visto como hostil e ameaçador Vários modelos sobre a natureza e a abordagem da depressão embora às vezes partindo de referências diferentes acabam coincidindo em muitas concepções Ruden e colaboradores35 tentaram integrar esses núcleos em uma formulação única Nela a vulnerabilidade narcísica é percebida como fundamental à suscetibilidade à depressão Tal vulnerabilidade resulta de acentuada sensibilidade a frustrações e rejeições o que desencadeia raiva que conduz a sen timentos de culpa e desvalia A raiva auto dirigida compõe o dano à autoestima do indivíduo aumentando a vulnerabilidade narcísica em um círculo vicioso Defesas incluindo negação projeção agressão pas siva identificação com o agressor e forma ção reativa são acionadas na tentativa de diminuir os sentimentos dolorosos mas resultam na intensificação da depressão Os precipitantes da depressão nesse mo delo integrativo incluem perdas imagi nadas ou reais rejeição ou incapacidade de atender ao perfeccionismo do ideal do ego assim como punição do superego por fantasias sexuais e agressivas Karasu36 afirmou que a teoria psicodinâmica moderna sobre a depressão combina concep ções psicanalíticas como desapontamento e perdas na infância precoce que predispõem à depressão autoestima danificada resultante de uma discrepância entre o self real e o ego ideal persistência de raiva narcísica desejos onipotentes abandono desesperança e dificul dades na autonomia Essa ampla matriz inconsciente cria os fundamentos dos episódios depressi vos por meio da repetição de experiên cias infantis e a reiteração desses padrões se manifesta na ruptura dos processos intrapsí quicos que mantêm a autoestima Tais concepções teóricas mantêmse rela tivamente intactas e continuam a funda mentar as abordagens psicodinâmicas das depressões apesar das eventuais diferenças técnicas entre as modalidades de psicotera pia breve e de longo prazo Luborsky e colaboradores37 faz o se guinte resumo dos elementos psicodinami camente significativos na depressão e dos objetivos a serem tratados a sentimentos de desamparo b vulnerabilidade para desapontamentos e perdas c estados de raiva dirigidos contra si mes mo com pobreza de expressão externa 522 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs d autoestima vulnerável e ideação e intenção suicidas f estilo pessimista para explicar os aconte cimentos g pobre capacidade de reconhecer estados depressivos em si mesmo h pobre capacidade de identificar eventos desencadeantes da depressão i inclinação a esperar respostas negativas de si mesmo e dos outros FORMAS DE PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA Psicoterapia psicodinâmica breve Nessa forma de psicoterapia a qualificação breve referese tanto à duração do trata mento como à delimitação de objetivos terapêuticos mais definidos Tentativas de formulações técnicas visando a formas bre ves e eficazes de tratamento remontam aos trabalhos de Ferenczi38 Franza e French39 e posteriormente a Balint e colaborado res40 Malan41 Mann42 e Sifneos43 entre outros Da mesma forma que a psicanálise e a psicoterapia de orientação analítica a psicoterapia psicodinâmica breve concebe a depressão como decorrente de conflitos intrapsíquicos Em vez de se dirigir ao sin toma depressivo em si tem como objetivo usar a relação terapêutica para investigar e esclarecer conflitos neuróticos principal mente problemas de proximidade e intimi dade afetivas44 Psicoterapia psicodinâmica suportiva breve O enfoque de apoio não é novo no campo da psicanálise Tem seu lugar em um dos polos do continuum suportivoexpressivo enquanto a psicoterapia psicodinâmica breve situase na direção do polo expressi vo A psicoterapia psicodinâmica suportiva breve consiste em média de 16 sessões de 45 minutos A programação é combinada antes do início do tratamento e o tera peuta deve lembrála frequentemente ao paciente É parte de um contrato do qual o terapeuta só se afastará em situação ex cepcional A ênfase é relacional e o marco referencial psicanalítico é entendido como essencialmente uma teoria sobre relações humanas tanto externas como internas Supõese que o terapeuta seja explicitamente suportivo em suas atitudes empático recep tivo afirmativo ativo flexível claro concreto paciente e persistente Deve utilizar intervenções de apoio para reduzir a ansiedade do paciente tran quilizar reforçar sua autoestima por meio de clarificações confrontações orientações validações ou elogios tentando reen quadrar os sintomas como tentativas de lidar com o sofrimento emocional presente As defesas em geral são respeitadas e a interpreta ção é usada com cuidado A transferência é manejada e não necessariamente inter pretada Psicoterapia interpessoal Tratase de um tipo de psicoterapia de tempo limitado de base psicodinâmica Todas as principais intervenções utilizadas na psi coterapia interpessoal são aquelas catalogadas no es pectro compreensivosuportivo psicodinâmico como interpretações clarificações confrontações validação empática aconselhamento entre outras O que muda são os objetivos terapêuticos com a ênfase na resolução de problemas interpessoais atuais Psicoterapia de orientação analítica 523 que tem mostrado eficácia no tratamento de transtornos depressivos Parte do pres suposto de que seja qual for sua etiologia a depressão ocorre sempre dentro de con textos interpessoais45 Sua base conceitu al envolve elementos tanto da psicanálise tradicional quanto de revisões posteriores que enfatizaram a importância do aspecto relacional no campo terapêutico a partir das teorias interpessoais de Sullivan46 e da teoria do apego de Bowlby26 A teoria do apego de Bowlby já re ferida salienta a tendência inata do bebê a estabelecer vínculos de proximidade que contribuem tanto para a satisfação do indivíduo como para a sobrevivência da espécie Com base nas observações de crianças e suas reações de ansiedade e tristeza ante ameaças de perda de figuras significativas Bowlby sugeriu que a psico terapia psicodinâmica ajudasse as pesso as a examinar suas relações interpessoais atuais e a investigar como evoluíram ao longo do tempo tendo como base os pa drões de apego construídos na infância e desenvolvidos desde a adolescência até a idade adulta De acordo com a teoria do apego a psicoterapia ideal combinaria uma experiência emocional de cuidado e segurança no vínculo com o paciente com a abordagem e a explicação cognitivas das distorções dos relacionamentos interpes soais no passado e no presente Na psicoterapia interpessoal o obje tivo mais imediato de alívio sintomático da depressão é buscado com sua vinculação a problemas interpessoais atuais As sessões são oportunidades de exame dessas rela ções conectandoas com as mudanças de humor e discutindose possíveis alterna tivas de funcionamento nesses relaciona mentos Em termos operacionais a psico terapia procura se concentrar em quatro áreasproblema associadas ao desenca deamento e à manutenção do sofrimento depressivo 1 luto perda por morte 2 disputas interpessoais com parceiro filhos outros membros da família amigos companheiros de trabalho 3 mudança de papéis emprego novo saída de casa término dos estudos mudança de casa divórcio mudanças econômicas ou outras mudanças fami liares 4 déficits interpessoais solidão isolamen to social Essas áreas podem se combinar mas uma ou no máximo duas são eleitas como foco em especial as diretamente relaciona das com a instalação do episódio depressi vo atual A terapia interpessoal está estru turada para em geral ser realizada em 16 sessões com frequência semanal No luto anormal uma reação emo cional negada ou adiada após a morte de alguém amado a função do terapeuta é facilitar a expressão dos sentimentos asso ciados à perda e auxiliar o paciente a en contrar gradualmente novas atividades e relacionamentos Nas disputas de papéis ajudase o paciente a examinar as carac terísticas da relação afetiva em crise e a natureza da disputa Tentase verificar a possibilidade da resolução dos conflitos presentes ou da aceitação de que a relação tenha chegado a um impasse e atingido um estágio de irreversibilidade com um rom pimento inevitável e a necessidade de busca de alternativas Transição de papéis inclui mudanças importantes de estilos de vida como início ou fim de carreira profissional aposenta doria promoção no emprego diagnóstico 524 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de doença grave A psicoterapia pretende auxiliar a lidar com a mudança reconhe cendo de forma mais realista os aspectos negativos e positivos do novo e do velho papel Déficits interpessoais ocorrem em pacientes com dificuldades nas habilidades sociais e afetivas de iniciar e manter rela ções interpessoais Como esses pacientes raramente construíram relações importan tes sendo esse exatamente seu problema o foco inicial do tratamento recai sobre a relação com o terapeuta Aspectos relevantes na terapia psicodinâmica da depressão de longo prazo Na psicoterapia psicodinâmica para depres são de longo prazo o terapeuta deve manter um continuado foco no entendimento dos sin tomas depressivos ligandoos às dinâmicas já mencionadas como vulnerabilidade narcísica raiva conflitiva superego severo experiência de culpa e vergonha expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros e os me canismos característicos de defesa contra afe tos dolorosos Com o progresso do tratamento o paciente amplia o insight sobre os caminhos pelos quais tais dinâmicas se estruturaram a ponto de condicionar as autopercepções e a percepção que tem dos outros Duran te as fases intermediárias e de terminação têmse em geral oportunidades de explo rar a manifestação dos conflitos em múl tiplos e variados contextos incluindo as relações com o terapeuta possibilitando ao paciente reconhecer as situações que acio nam sua depressão Tal percepção também ajuda no entendimento do que acontece internamente e com isso pode permitir ao paciente sentirse mais no controle dos sentimentos depressivos Fase um formando a aliança terapêutica e o enquadre do tratamento O terapeuta examina com o paciente os sintomas depressivos e seus contextos pa ra descobrir determinantes do seu desen volvimento identificar áreas de conflito intrapsí quico e interpessoal e iniciar a compreensão do significado dos sintomas Com essa colaboração terapeuta e pacien te formam uma aliança sendo o terapeuta percebido de forma ideal como um cola borador com autoridade conhecimento e experiência em tratar a depressão Nessa fase as explorações iniciais dos sintomas do paciente são vinculadas a uma formu lação dinâmica que especificamente integre as percepções do paciente com o entendi mento do terapeuta Assim as respostas esperadas nessa fase seriam a redução dos sintomas depressivos b possibilidade de se oferecer ao paciente formulações tentativas de temas centrais e dinamismos psíquicos envolvidos c estabelecimento de uma boa relação de trabalho Fase dois tratamento da vulnerabilidade à depressão Na fase intermediária do tratamento o foco é ajudar o paciente a entender sua vulnerabili dade a sintomas depressivos A versão indivi dual do paciente sobre sua dinâmica central depressiva deve ser explorada e entendida de tantas perspectivas quanto possível em relação a como o paciente as experimentou Psicoterapia de orientação analítica 525 Examinamse vivências internas e fantasias em relação a objetos significativos no presente e no passado e na emergente relação com o terapeuta Quanto maior o conhecimento que resulte dessa colabo ração continuada permitese ao paciente identificar com mais facilidade a constela ção depressiva quando emerge e experi mentar melhor controle em manejála As respostas esperadas nessa etapa são a redução da vulnerabilidade da autoesti ma a perdas decepções e críticas b aumento da tolerância à raiva acom panhada do reconhecimento desse afeto e da tendência de dirigilo contra si mesmo c redução dos comportamentos de culpa e autopunição d melhora das relações interpessoais me nor contaminação por sentimentos de vergonha e pela idealizaçãodesvalori zação Fase três terminação Na fase final que pode se prolongar por meses não é incomum o recrudescimento de sentimentos depressivos ligados ao revi ver de perdas e separações precoces bem como manifestações de raiva pelo término sentido como abandono e pelas limitações da terapia e do terapeuta nos resultados al cançados em geral abaixo das expectativas idealizadas do paciente Tais experiências carregadas de emoções e tensões transfe renciais permitem um novo aprofunda mento e exame das dinâmicas depressivas com as quais o paciente vem tendo que lidar ao longo da vida Os sentimentos de perda e hostilidade podem estimular bre ves turbulências para o trabalho terapêuti co e provocar a recorrência dos sintomas depressivos entendidos agora como afeti vamente carregados de significados em re lação ao terapeuta Das respostas esperadas além dos sentimen tos com a terminação e a separação aparece também a capacidade aumentada de lidar com a perda e a ferida narcísica associada Além disso podese esperar um uso mais efetivo da raiva com menor autodirecionamento e redu ção de sentimentos de culpa e da necessidade de autopunições ILUSTRAÇÃO CLÍNICA O material clínico a seguir ilustra alguns aspectos da psicoterapia de uma paciente com depressão refratá ria do tipo introjetivo e uma estrutura caracterológica complicada que comprometia a eficácia de abor dagens anteriores farmacológicas e psicoterápicas Tratase de Joana 42 anos dona de casa divorciada aposentada e com um filho de 8 anos Apresentava um diagnóstico de fobia social grave de longa data com pouca resposta à psicoterapia cognitivocomportamental de grupo e individual realizada em ambulatório especializado A fobia social se associava a depressão estando a paciente medicada com doses diá rias de tranilcipromina 30 mg lítio 900 mg sulpirida 50 mg e diazepam 5 mg e acompanhada no Programa de Transtornos do Humor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Com melhoras parciais foi encaminha da para psicoterapia de orientação analítica no ambulatório do mesmo hospital onde foi atendida por uma médica residente durante um ano Continua 526 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Além da depressão a paciente era portadora de uma malformação congênita de membros inferiores osteonecrose da cabeça do fêmur direito e otopelve bilateral que a fazia mancar quando caminhava Com a depressão atual havia um histórico de violência doméstica e de traição por parte do exmarido pai de seu único filho Morava no momento com os pais O pai alcoolista era pouco mencionado sendo refe rido como ausente e passivo a mãe era obesa cardiopata grave com quem a paciente mais se ligava e a quem ajudava nos problemas de saúde Joana trabalhou vários anos em uma grande loja de departamen tos de Porto Alegre chegando ao cargo de gerente Por problemas financeiros a loja foi desativada Tentou trabalhar em uma loja de moda feminina mas não conseguiu em decorrência dos sintomas depressivos e ansiosos exacerbados pela perda do emprego e da vida conjugal atribulada Há oito anos foi aposentada por depressão Na mesma época grávida ocorreu sua separação conju gal Após isso passou a frequentar igrejas evangélicas e a reprimir totalmente sua sexualidade Trocou al gumas vezes de igreja procurando instituições cada vez mais radicais e repressoras Optou por uma seita na qual para ser batizada não podia ter qualquer vaidade Passou a usar apenas saias longas cabelo preso sem brincos nem maquiagem Mantém ainda um quase imperceptível lápis de olhos e um batom cla ro mas isso a impede de ser batizada Sofre com tais restrições porque sempre se considerou vaidosa mas empenhase em tentar impor também ao filho de 8 anos os mesmos preceitos repressivos de sua religião Uma hipótese de abordagem inicial considerou que sua predisposição a baixa autoestima e sentimen tos depressivos pudesse terse organizado desde a infância em torno de suas malformações e deforma ções congênitas de membros inferiores Sintomas posteriores como fobia social grave vergonha dos outros e constrangimento com sua sexualidade talvez tivessem aí também seus pontos de referência Em contra partida a paciente teve suficientes recursos de ego para avançar em seu desenvolvimento e defenderse com algum sucesso dessas vulnerabilidades narcísicas precoces estudou casouse teve um filho e che gou a alcançar uma autonomia profissional relativamente bemsucedida Porém uma série de eventos ad versos pareceu minar de forma catastrófica sua organização defensiva maustratos e traição do marido separação enquanto grávida perda do emprego valorizado de gerente volta para a casa dos pais e criação solitária do filho recémnascido desencadearam um grave quadro fóbico e depressivo que só se agravou com a aposentadoria por incapacidade psiquiátrica Todos esses estressores reativaram sua raiva inconsciente contra o destino os pais da infância que a geraram deformada surgindo intensos sentimentos de culpa autoacusações e autocríticas vagas que a fi zeram regredir em suas aquisições de autonomia sexual pessoal e profissional e a demandar rituais expiató rios e necessidades masoquísticas de privações renúncias e submissão a um superego sádico projetado nas instituições religiosas Compreendeuse que com a saída do exmarido violento de cena e a volta ao convívio com um pai enfraquecido e uma mãe cardiopata grave a paciente precisou deslocar seus conflitos com a pró pria raiva e culpa para uma instituição religiosa forte capaz de controlar e limitar seus impulsos agressivos A outra parte da agressão conforme hipotetizado psicanaliticamente voltouse contra si própria Este é um trecho de sessão em que exibe com clareza suas necessidades de autoexpiação sem ne nhum insight a respeito Estou esgotada Ontem fiquei limpando a casa várias horas até de madruga da Fui à igreja e depois continuei limpando Doemme as pernas porque além da faxina a igreja é longe e minhas pernas não me ajudam À pergunta da terapeuta de por que não se permitira algum descanso responde Vou descansar para que doutora Vou ganhar o que com isso Um trofeuzinho por ter me senta do um pouco A terapeuta assinala a ironia de Joana em relação a sua tentativa de ajudála e como essa ironia depois se volta contra a própria paciente que se deprecia ainda mais Continua Psicoterapia de orientação analítica 527 Continuação Continua Mas como posso mudar Sou um problema sem solução Algumas coisas que conversamos eu consegui fazer Solicitei a pensão ao meu exmarido consegui e não voltei atrás como sempre fa zia por pena dele Mas sigo fugindo das pessoas Tenho certeza de que se alguém me olhar vai dizer nossa olha o jeito que ela está Na semana passada tentei fazer roupinhas diferentes na costureira ficaram ridículas no corpo que tenho hoje Além disso não são roupas que se adap tem à igreja A paciente apesar das dificuldades começa a estabelecer uma aliança terapêutica e se esforça para modificar seu funcionamento masoquista exigindo a pensão alimentar do exmarido Ao mesmo tempo po rém após o pequeno avanço recrudescemse as resistências em especial as autoacusações e críticas con tra si mesma desencadeadas por ter buscado algum alívio financeiro com a pensão O padrão autoexpia tório é repetitivo e continuado despertando sentimentos de impotência e irritação na terapeuta Continuo sem tempo para meu filho Não o levei na pracinha não vejo seus cadernos e percebo que ele está ficando mais revoltado estou assustada com isso Na semana passada fomos à igre ja e sentamos na primeira fila Ele levantou e foi lá para o último banco Perguntei por que e ele respondeu eu não queria estar lá você nem perguntou se eu queria ir à igreja Fiquei surpresa com a reação dele Nunca questionava as coisas Agora quer que o matricule na escolinha de fu tebol Acho que vou concordar mas estou torcendo para que ele fracasse para que jogue pior do que os outros que fique chateado e não queira mais a escolinha Resolvia o meu problema fica ria aliviada A igreja não aceita jogos isso não é permitido O que as pessoas vão pensar e falar se souberem Vai contra a igreja penso no que as pessoas vão falar de mim ficaria com muita vergonha de ir à igreja Aqui se evidencia um problema que dificilmente seria abordado por técnicas breves ou meramente cog nitivas a de um eventual impasse terapêutico ou reação terapêutica negativa A paciente expressa por meio do filho que uma parte de sua mente ligada à terapeuta começa a se revoltar contra a submissão masoquista e a questionar suas atitudes autoexpiatórias Mas isso lhe cria um problema que acha que seria resolvido se conseguisse sabotar suas melhoras e fizesse a psicoterapia fracassar e ela continuaria a se punir com a repressão superegoica da igreja Também há uma expectativa inconsciente de conseguir chatear a terapeuta e de fazêla desistir de seguila tratando vivenciada contratransferencialmente por sentimentos de irritação e impotência na terapeuta Percebese que seus conflitos e ambivalências são extensos profundos e arraigados A cada pequeno alívio sentese dividida entre ser abandonada por um objeto amoroso atacado o filho a terapeuta os pais da infância ou perder a aprovação do superego sádico igreja vivida como a contrapartida persecutória da imagem parental idealizada que pune tanto suas agressões quanto sua sexualidade Tenho pensado muito em nossas conversas elas têm me ajudado Estou conseguindo deixar meu filho brincar com outras crianças o que antes me angustiava Mas outras coisas eu não deixo por que a igreja não permite e eu concordo com o pastor por exemplo meu filho só pode usar cami seta de manga curta não pode regata nem camisa sem manga Ele não sabe que tenho vergonha do que os outros na igreja irão pensar de mim se eu deixar Tenho que me dar conta de que não posso decidir tudo por ele Mas meu maior medo é que ele venha a ter vergonha de mim que se afaste não goste mais de mim e temo que isso possa acontecer em algum momento 528 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a diminuição do entusiasmo a res peito das expectativas de que a década do cérebro como foram chamados os 10 últimos anos do século XX fosse resolver em definitivo vários problemas que afe tam a população mundial entre eles e em primeiro lugar as depressões viuse que a realidade do início do século XXI era outra Na verdade esforços gigantescos da in dústria farmacêutica nos últimos 50 anos Continuação Em outro período mais adiantado da psicoterapia a paciente refere ter economizado dinheiro e ido fa zer roupas novas em uma costureira o que não se permitia há anos Porém o resultado lhe provoca uma intensa reação negativa acha que nada saiu como queria e que a costureira não seguira os moldes que lhe dera As saias ficaram sobrando a blusa ficou larga ridícula ela disse que fazia as roupas exatamente como pediam e que nenhum cliente reclamava Saí mal chorei muito nada dá certo pra mim tanto tempo que eu não conseguia ter algo novo Surpresa com a resposta emocional intensa e desproporcional da pa ciente à costureira a terapeuta lhe assinala isso e comenta não notar que a saia que ela estava usando estivesse franzida demais como dizia A paciente responde nitidamente furiosa É doutora então sou eu a louca não é isso que a senhora quer dizer Eu não posso ter nada que preste Para mim tem que ser vir qualquer coisa mal feita Eu sou a louca A terapeuta sugere que a paciente estava experimentando agora com ela a mesma raiva que sentira pela costureira e que talvez houvesse algo em comum entre ambas mas que se perguntava e à paciente o que poderia ser A paciente associa que está sempre se sentindo frustrada que nada dá certo diz que a terapeuta não reparara em nenhum defeito na sua roupa mas que ela sempre repara em tudo especialmente nos outros e acrescenta que a terapeuta está sempre com uma roupa diferente Diz não conseguir ver o lado bom das coisas e que tem uma exigência muito grande para tudo Se não está perfeito para mim não presta Era assim quando eu era bonita se não fosse para mostrar o perfeito não mostrava nada Sintome infe rior queria que as coisas fossem diferentes não posso ter nada do que queria Esclarece o que gostaria de ter mas não pode aquelas coisas de vaidade de mulher o lápis no olho o batom nos lábios Dou tora queria pedir desculpas por ter sido agressiva Não é culpa da senhora sei que o que a doutora fala é verdade acho que essa raiva é comigo mesma Não é fácil entender por que a paciente se sente tão fortemente dividida em relação às suas identifica ções femininas o que a deixa ao mesmo tempo tão atormentada pelo desejo de assumilas e tão vazia e invejosa ao abrir mão delas e imaginar que a terapeuta possa desfrutar da feminilidade e da sexualidade adultas que ela não pode Além do tipo caracteristicamente introjetivo da sua depressão percebese nes se caso todas as dinâmicas teoricamente associadas à depressão vulnerabilidade narcísica raiva confli tiva superego severo experiência de culpa e vergonha expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros e defesas contra afetos dolorosos como a negação a projeção a agressão passiva e a forma ção rea tiva O trabalho terapêutico de esclarecer à paciente que em vez de não poder ela temse esforçado ativamente para renunciar a seus atributos e qualidades de mulher adulta porque entre outras coisas lida com um ideal de ego narcisicamente investido de exigências de perfeição e onipotência e que a massa cra continuamente com autocríticas e autoacusações será longo e difícil Entretanto terá que ser trilha do por ambas terapeuta e paciente se houver alguma esperança de alívio no futuro Psicoterapia de orientação analítica 529 não resultaram na descoberta de nenhum novo antidepressivo mais eficaz do que os introduzidos na década de 1960 como os tricíclicos e os inibidores da monoamino xidase MAO A produção de novos psi cofármacos antidepressivos em todos esses anos teve como objetivo apenas emular a eficácia dos antigos sem muito sucesso mas com menos efeitos colaterais parcial mente conseguido Porém a taxa de re sultados de re missão da depressão com to dos os fár macos que existem no mercado se mantém teimosamente em torno dos 60 muitos com melhoras apenas par ciais E a melhora da depressão associada a transtornos da personalidade é ainda menos significativa Dado esse estado atual da arte não deixa de surpreender como a literatura científica atual tem minimizado a impor tância da compreensão e de abordagens psicodinâmicas da depressão isolada mente ou associadas à psicofarmacologia quando indicada A pobreza de publicações nessa área nos últimos 10 anos pode ser aferida na consulta a bases de dados tanto psiquiátricos PubMed como psicanalíti cos Psychoanalytic Eletronic Publishing Mesmo assim é estimulante se reaproxi mar da riqueza de insights alcançados por autores clássicos comprometidos com a compreensão e o alívio dos sofrimentos depressivos em suas multiformes apresen tações e que tentamos de forma parcial e limitada revisitar neste capítulo Ainda assim há um crescente con senso da necessidade de aproximações va riadas a esse complexo fenômeno afetivo que ultrapassam em muito o reducionismo biológico atualmente em vigor na maior parte das instituições acadêmicas Nesse sentido é importante manter a atenção a alguns esforços atuais de convergência entre modelos psicanalíticos e cognitivo comportamentais na conceitualização da depressão representados pelas contribui ções psicodinâmicas de Blatt e colaborado res na Universidade de Yale e de Beck e seu grupo na Universidade da Pensilvânia Ambos propuseram que duas dimen sões da personalidade a dependência inter pessoal Blatt ou sociotropia Beck e o perfeccionismo autocrítico Blatt ou auto nomia Beck sejam fatores de vulnerabi lidade para formas clínicas e não clínicas da depressão Segundo eles essas dimen sões da personalidade estão associadas a diferentes estruturas de personalidade a diferentes estilos de apego a vulnerabili dades específicas para determinados even tos a apresentações clínicas diferentes e a uma diferente resposta à psicoterapia e à farmacoterapia O suporte para essas for mulações veio de décadas de pesquisa em pírica4749 infelizmente ainda pouco co nhecida por muitos pesquisadores na área da depressão Wallerstein50 prefaciando o The Theory and Treatment of Depression afirmou Uma visão da depressão em um in teracionismo dinâmico e etiologi camente baseado enfatizando inte rações entre genética adversidades precoces estresses da vida atual e es quemas afetivocognitivos relativa mente estáveis ou dimensões da per sonalidade emerge como um modelo que pode facilitar a integração de vá rias aproximações teóricas metodoló gicas e clínicas da depressão Simulta neamente no entanto muito trabalho ainda precisará ser feito Ainda que os nomes sejam diferentes porque ambos os autores partem de marcos referenciais também distintos essas dimensões descrevem os mesmos fenômenos dependência interpessoal sociotropia perfeccionismo autocrítico autonomia 530 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Ey H Bernard P Brisset CH Manuel de Psychiatrie Paris Masson 1965 2 Corveleyn J Luyten P Blatt SJ The theory and treatment of depression towards a dy namic interactionism model Leuven Leu ven University 2005 3 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1974 v 14 p 27591 4 Freud S Estudos sobre histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1974 v 2 p 15289 5 Freud S Cinco lições de psicanálise In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v 11 p 1351 6 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v 10 p 159258 7 Freud S Totem e tabu In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 13 p 20191 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O tratamento psicodinâmico da depressão com psicoterapias psicanaliticamente informadas segue com um lugar assegurado no arsenal terapêutico atual 2 A psicoterapia psicanalítica da depressão pressupõe um continuado foco nos sintomas depressivos buscando de forma progressiva compreender as principais dinâmicas inconscientes envolvidas 3 O principal gatilho da depressão é a vulnerabilidade narcísica 4 As psicodinâmicas centrais da depressão incluem raiva conflitiva superego severo experiências de culpa e vergonha expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros assim como mecanis mos característicos de defesa contra afetos dolorosos negação projeção agressão passiva e formação reativa 5 A depressão é uma condição de alta prevalência complexa podendo ser recorrente e para um conside rável número de pacientes uma doença crônica 6 Há diversos modelos para explicar a etiologia e a persistência das síndromes depressivas que consi deraram a integração de vários fatores vulnerabilidades biológicas e de temperamento qualidade das relações primitivas de attachment e experiências significativas de infância acompanhadas por frustra ção perda vergonha solidão ou culpa 7 Uma forma empiricamente baseada de categorizar as depressões é sua divisão em dois grupos as anaclíticas e as introjetivas 8 A depressão anaclítica ou dependente caracterizase por sentimentos de solidão desamparo e fragi lidade Os pacientes experimentam medos intensos e crônicos de abandono ou de ficarem desprotegi dos expressando profundas necessidades de serem amados nutridos e cuidados 9 A depressão introjetiva ou autocrítica apresentase com sentimentos de desvalia inferioridade fra casso e culpa Os pacientes se engajam em permanente autoescrutínio e autoavaliação com medo crônico de serem criticados ou desaprovados pelos outros 10 Entre as indicações de psicoterapias de orientação analíticas há evidências de que as formas anaclí ticas respondem bem às formas breves e de apoio enquanto as introjetivas demandam abordagens de longa duração Psicoterapia de orientação analítica 531 8 Freud S Sobre narcisismo uma introdução In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 p 89119 9 Freud S Psicologia de grupo e análise do ego In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 18 p 91179 10 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1976 v 19 p 2383 11 Abraham K Objectloss and introjection in normal mourning and in abnormal states of mind In Abraham K Jones E Selected papers on of Karl Abraham M D London Hogarth 1949 12 Radó S The problem of melancholia Int J Psychoanal 1928942038 13 Gaylin W Psychodynamic understanding of depression the meaning of despair Nor thvale J Aronson 1994 14 Radó S Psychodynamics of depression from the etiologic point of view In Gaylin W Psychodynamic understanding of depres sion the meaning of despair Northvale J Aronson 1994 p 96107 15 Klein M Una contribuicion a la psicogenesis de los estados maniacodepressivos In Klein M Contribuciones al psicoanálisis Buenos Aires Hormé 1964 p 25378 16 Klein M El duelo y su relación con los esta dos maniacodepressivos In Klein M Con tribuciones al psicoanálisis Buenos Aires Hormé 1964 p 279301 17 Wisdom JO Comparison and development of the psychoanalytical theories of melan cholia Int J Psychoanal 19624311332 18 Grinberg L Culpa y depresión estudio psi coanalítico 3 ed Buenos Aires Paidós 1973 19 Martins M Aspectos técnicos no tratamen to psicanalítico da depressão In Martins M Epilepsias e outros estudos psicanalíticos Porto Alegre Artes Médicas 1983 p 4858 20 Machado SCEP O luto em Freud e Melanie Klein Rev Psiquiatr RS 1987931879 21 Fenichel O The psychoanalytic theory of neurosis New York W W Norton 1945 22 Bibring E The mechanism of depression In Gaylin W editor Psychodynamic unders tanding of depression Northvale J Aron son 1994 p 15481 23 Jacobson E Depression comparative studies of normal neurotic and psychotic condi tions New York International Universities c1971 24 Kohut H The analysis of the self a syste matic approach to the psychoanalytic tre atment of narcissistic personality disor ders New York International Universities 1971 25 Brenner C Affect and psychic conflict Psi choanal Q 197544528 26 Bowlby J Attachment and loss Volume 1 attachment London Hogarth 1969 27 Bowlby J Attachment and loss Volume 3 loss New York Basic Books 1980 28 Stone L Psychoanalytic observations on the pathology of depressive illness selected spheres of ambiguity or disagreement J Am Psychoanal Assoc 198634232962 29 Blatt SJ Level of object representation in anaclitic and introjective depression Psychoanal Study Child 19742910757 30 Blatt SJ Quinlan DM Chevron E Empirical investigations of a psychoanalytic theory of depression In Masling J Empirical studies of psychoanalytic theories Volume 3 Hills dale Analytic 1990 p 89174 31 Blatt SJ Quinlan DM Chevron ES McDo nald C Zuroff D Dependency and selfcri ticism psychological dimensions of depres sion J Consult Clin Psychol 1982501 11324 32 Blatt SJ Schichman Two primary configu rations of psychopathology Psychoanalysis and Contemporary Thougth 19836187 254 33 Blatt SJ Contribution of psychoanalysis to the understanding and treatment of depres sion J Am Psychoanal Assoc 1998463 72252 34 Busch FN Rudden M Shapiro T Psychody namic treatment of depression Washington American Psychiatric c2004 35 Rudden M Busch FN Milrod B Singer M Aronson A Roiphe J et al Panic disor der and depression a psychodynamic ex 532 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ploration of comorbidity Int J Psychoanal 200384Pt 49971015 36 Karasu TB Psychotherapy for depression Northvale J Aronson c1990 37 Luborsky L Mark D Hole AV Popp C Gol dsmith B Cacciola J Supportiveexpressi ve dynamic psychotherapy of depression a timelimited version In Barber JP Crits Cristoph P editors Dynamic therapies for psychiatric disorders axis I New York Basic Books c1995 p 1342 38 Ferenczi S Perfeccionamentos de la tecnica ativa en el psicoanalisis Revista de Psicoa nálisis 19453181432 39 Franza A French T Terapeutica psicoanaliti ca princípios y aplicación 2 ed Buenos Ai res Paidós 1965 40 Balint M Ornstein PH Balint E Focal psychotherapy an example of applied psy choanalysis London Tavistock 1972 41 Malan DH La psicoterapia breve Buenos Ai res Centro Editor da America Latina 1974 42 Mann J Timelimited psychotherapy Cam bridge Harvard University 1977 43 Sifneos P Psiquiatria breve dinâmica Porto Alegre Artes Médicas 1989 44 Eizirik CL Psicoterapia breve dinâmica In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atu ais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 93103 45 Klerman GL Weissman MM Rounsaville BJ Chevron ES Interpersonal psychotherapy of depression New York Basic Books c1984 46 Sullivan HS The interpersonal theory of psychiatry New York Norton 1953 47 Blatt SJ Experiences of depression theore tical clinical and research perspectives Wa shington American Psychological Associa tion c2004 48 Blatt SJ Zuroff DC Interpersonal related ness and selfdefinition two prototypes for depression Clinical Psychology Review 19921252762 49 Clark DA Beck AT Alford BA Scientific foundations of cognitive theory and therapy of depression New York John Wiley c1999 50 Wallerstein RS Forewords In Corveleyn J Luyten P Blatt SJ The theory and treatment of depression towards a dynamic interac tionism model Leuven Leuven University 2005 LEITURAS SUGERIDAS Balslev Jørgensen M Dam H Bolwig TG The effi cacy of psychotherapy in nonbipolar depression a review Acta Psychiatr Scand 1998981113 Burnand Y Andreoli A Kolatte E Venturini A Rosset N Psychodynamic psychotherapy and clo mipramine in the treatment of major depression Psychiatr Serv 200253558590 De Jonghe F Kool S van Aalst G Dekker J Peen J Combining psychotherapy and antidepressants in the treatment of depression J Affect Disord 2001642321729 Enns MW Swenson JR McIntyre RS Swinson RP Kennedy SH CANMAT Depression Work Group Clinical guidelines for the treatment of depressi ve disorders VII Comorbidity Can J Psychiatry 200146 Suppl 177S90S Gabbard GO Transtornos afetivos In Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica baseado do DSM IV 2 ed Porto Alegre Artmed 1998 p 15573 Machado SCEP Vasconcellos MCG Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica In In Cor dioli AV Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 7797 Schetastsky S Psicoterapia interpessoal para a fase aguda da depressão In Cordioli AV Psicotera pias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 24355 Schestatsky S Shiba AS Schestatsky G A psicote rapia nos transtornos bipolares In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Ale gre Artes Médicas 1998 p 25768 Strupp HH Psychodynamic therapy theory and research In Rush AJ editor Shortterm psycho therapies for depression behavioral interperso nal cognitive and psychodynamic approaches New York Guilford c1982 UM BREVE HISTÓRICO A palavra histeria deriva do grego histe ron útero e desde Hipócrates tal doença vinculavase às migrações uterinas e ao re presamento de substâncias humorais que como consequência da abstinência sexual produziam efeitos tóxicos a distância tais como paralisias variadas tremores ceguei ras amnésias lacunares dores vômitos e desmaios apenas para citar alguns sinais e sintomas dentro de um número quase in terminável de configurações possíveis Na versão hipocrática que eu ousaria chamar de préhistórica podemos em um breve exercício inicial de revisão crítica sobre o tema identificar a proposição da histeria uterina como uma enfermidade que ana tômica e conceitualmente afetaria apenas as mulheres O estudo do fenômeno histérico na antiga Roma teve em Galeno um inova dor pois ele estabeleceu uma teoria sexual ou seminal para a histeria que não seria mais resultante apenas da migração uteri na e tampouco de uma retenção das regras menstruais Os homens também seriam afetados por meio da retenção do esper ma o que provocaria um efeito patológico em moldes semelhantes à versão freudia na para as neuroses atuais Tal retenção causaria distúrbios depressivos anorexia digestão difícil e mais uma variada gama de distúrbios funcionais a partir da frustração decorrente do livre curso do esperma le vando o indivíduo a um estado tóxico Posteriormente no fim do século XIX com Charcot e a neuropsiquiatria france sa tratamentos como o mesmerismo a hidroterapia e a eletroterapia tenderam a um plano secundário em benefício da hipnose técnica sugestiva cujos benefí cios também sugestivos e temporários eram evidentes com pacientes histéricos Na época a nova técnica consagrouse nas apresentações dramáticas tanto de Charcot quanto de seus pacientes que cercados por uma se leta plateia da qual Freud fez parte compunham o grande teatro que sempre cercou a doença histérica Nesse período histórico vemos por meio do trabalho dos neuro logistas Breuer Charcot Bërheim e Liébault que empregavam a então moder na técnica do método hipnótico no trata mento dos pacientes histéricos abriremse as portas para o nascimento do gênio Freud e para o advento de uma nova ciência a psicanálise que enriqueceu a psiquiatria clássica ao darlhe uma ampliação psicodi nâmica 31 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE HISTÉRICO Joel Araújo Nogueira 534 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Nos Estudos sobre a histeria1 prati camente todo o texto está baseado no tra tamento de Ana O efetuado por Breuer entre 1880 e 1882 Freud e Breuer enfatizaram não ser a histeria uma doença degenerativa ou consequência de uma debilidade constitucional como era en tão proposto por Charcot e Janet Com Breuer e Ana O temos os pródromos do tratamen to pela palavra sendo tal método denomina do pela famosa paciente como cura pela fala talking cure Conforme o relato sobre o atendi mento de Bertha Pappenheim Ana O poderíamos depreender que esta teria ho je o diagnóstico de uma reação depressiva grave com colorido caracterológico his térico diante da doença e morte de seu pai Ela apenas se alimentava quando na presença de Breuer sendo que após uns tantos movimentos regressivos e muito dramáticos convenceuo a vêla duas vezes ao dia Por fim quando disse que esperava um filho seu fantasia de gravidez Breuer assustado interrompeu o tratamento ac ting out contratransferencial promoven do com sua esposa uma segunda lua de mel que segundo algumas fontes resultou na geração de uma filha Dora Breuer O CASO DORA Com a publicação do famoso caso Dora por Freud2 em 1905 temos as várias dispo sições triangulares bem descritas na histó ria clínica Como objeto de estudos o caso Dora tem sido motivo dos mais variados enfoques além de citação obrigatória em qualquer trabalho cujo tema seja histeria Édipo transferência ou contratransferên cia apenas para ressaltar esses quatro tópi cos dentro do vasto campo da psicanálise que no seu início se confundia com os estudos sobre a histeria e com a pessoa do seu criador Freud A paciente Ida Bauer ou Dora era uma adolescente que no período com preendido entre 14 de outubro e 31 de dezembro de 1900 viera para tratamento ao que parece mais pela vontade de seu pai em função de um pretenso risco de suicí dio Não é minha intenção dar conta das várias manifestações clínicas de Dora e muito menos tecer críticas quanto à in dicação de tratamento analítico para uma adolescente desmotivada para tanto que atendia mais às necessidades de seu pai e de um grupo familiar com várias ligações extraconjugais e com características endo gâmicas angustiantes para ela A jovem Ida Bauer passou com sua emocionalidade in tensa sua labilidade de humor e suas ações tempestuosas a criar problemas para seus componentes dentro de uma acomodação familiar neurótica com a qual rompeu e da qual foi portavoz Ao retomar esse caso clássico da lite ratura psicanalítica quero apenas ilustrar uma das perspectivas importantes a partir da qual entendo o funcionamento da estru tura histérica em seu colorido histriônico e com suas interrupções temporárias ou definitivas frequentes nos tratamentos psi quiátricos psicoterápicos e psicanalíticos Em tais pacientes com transtornos histriônicos de caráter verificase a supremacia da neces sidade da representação sobre o sentimento de incapacidade para viver e lidar com uma reali dade que precisa ser evitada eou maquiada a qualquer preço São pacientes ávidos pela atenção de seu psiquiatra médico ou psicoterapeuta Psicoterapia de orientação analítica 535 os quais muitas vezes somente conseguem realizar os tratamentos indicados em diver sos capítulos com interrupções e retor nos o que gera frustrações e rechaços por parte dos profissionais envolvidos Nesse sentido Dora frustrou Freud ao aban donálo e Ana O levou Breuer a fugir e a interromper assustado o tratamento abandonando a própria psicanálise CARÁTER HISTÉRICO TRANSTORNO DA PERSONALIDADE HISTRIÔNICA Conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais3 a característica es sencial do transtorno da personalidade his triônica consiste em um padrão global de excessiva emotividade e comportamento pautado pela busca de atenção Tal descri ção por ser fenomenológica nos propor ciona apenas uma visão parcial manifesta daquilo que ocorre no fenômeno histérico eou histriônico que é bem mais amplo e complexo em sua configuração psicodinâ mica É importante salientar que na antiga Roma o termo histrião era atribuído a atores ou atrizes que interpretavam situa ções do cotidiano da vida das pessoas que não podiam ou não deviam ser mostradas às claras Tais situações eram dramatizadas por meio de farsas bufonas cômicas ou trá gicas que tinham como objetivo principal comunicar e causar impacto nos especta dores Com base nessa ilustração assinala mos como a conduta histriônica manifesta dos indivíduos com personalidades histéri cas pode provocar uma rotulação com um tom muitas vezes pejorativo de que são tea trais simuladores enganadores e por tanto não autênticos Porém segundo a compreensão psicanalítica lembramos que tais pessoas somente podem se comunicar por meio do gesto do exibicionismo e da conduta sedutora impactando seu am biente imediato com um apelo dramático do qual não são conscientes O paciente em seu histrionismo não opta por essa comunicação ele apenas faz o que pode É uma vítima do seu jeito de ser não um ator ou atriz mas um doente Fenichel4 chama a atenção para o fato de que no caráter histérico em sua fuga da realidade para a fantasia está sempre pre sente a tentativa de dominar a ansiedade mediante uma representação dirigida a um auditório É uma tentativa de induzir os circunstantes a participarem de suas fanta sias para obter uma tranquilização contra a ansiedade a fim de lograr também uma satisfação instintiva mediante a participa ção de outras pessoas A comunicação his triônica não verbal predominantemente gestual pode gerar grande sofrimento pelo impacto causado na mente do psiquiatra ou psicanalista o que com frequência leva o profissional a incluir regras e parâmetros no tratamento supostamente para a pre servação de um setting idealmente neutro e justificados como medidas de proteção para o paciente Tal sofrimento psíquico quando muito intenso pode configurar uma reação contratransferencial patológi ca capaz de levar a enganos diagnósticos prognósticos e terapêuticos Nesse sentido indivíduos enfermos com traços marcados de personalidade histérica são tratados como portadores de patologias variadas como transtornos do humor transtornos de ansiedade trans torno de pânico transtornos alimentares transtornos dissociativos transtornos con versivos e outros tantos que fazem parte 536 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da nosologia psiquiátrica e psicanalítica consagradas na clínica Segundo Noguei ra5 tais reverberações diagnósticas são algumas vezes concomitantes com a doen ça histérica da personalidade e em outras oportunidades constituem ou expressam aspectos parciais dessa condição e das suas bases psicodinâmicas e que dizem respeito aos seus componentes orais mais primiti vos O referido autor conclui que em razão do exposto os enganos terapêuticos tor namse frequentes na clínica psiquiátrica e psicanalítica levando muitas vezes ao uso desnecessário de drogas variadas na con sagração da dependência oral que limita as funções egoicas e favorece ganhos secundá rios evidentes em um processo patológico que apenas incrementa regressão depen dência e infantilização do paciente Na mesma linha de entendimento e abordagem que salienta a comunicação mais primitiva por meio do corpo e da oralidade McDougall6 afir ma que nas criações histéricas o soma empres ta suas funções à psique a fim de traduzir sim bolicamente conflitos e fantasias primitivos Easser e Lesser7 em um trabalho clás sico de reavaliação da personalidade his térica ressaltaram uma série de aspectos entre os quais dois são mais importantes O primeiro diz respeito ao fato de o psi quiatra psicoterapeuta ou psicanalista na contratransferência ser levado a contagiar se pelo afeto exagerado do paciente em uma clara alusão à comunicação não ver bal e ao risco inferido de atuação contra transferencial O segundo aspecto referese à clas sificação proposta pelos autores de caráter histérico e estados histeroides Entre os pacientes classificados no gru po histeroide incluemse aqueles com características oraisdependentes muitas vezes diagnos ticados como limítrofes ou psicóticos ChasseguetSmirgel8 também aventa a hipótese de regressões importantes ao nível oral e a possibilidade da existência de uma psicose histérica em que ficaria di fícil delimitar o que pertence à histeria e o que pertence à esquizofrenia Outro autor importante e atual Brenman9 também en foca a histeria como uma estrutura defen siva contra uma suposta catástrofe mental psicose Afirma que pacientes com cará ter histérico criam e mantêm vínculos idea lizados com pessoas significativas em suas vidas na tentativa de prevenir potenciais depressões graves Ao encerrar este tópico convém sa lientar o fato de que a histeria tem sido des crita do ponto de vista psicodinâmico em duas perspectivas importantes com flu tuações frequentes entre elas como mostra a Figura 311 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Lúcia é uma mulher jovem profissional liberal que exerce sua atividade tutelada ora pelo pai ora pelo ir mão Tem nível intelectual elevado o que contrasta com a dificuldade para a resolução de problemas prá ticos do seu dia a dia É uma mulher bonita e sedutora tanto na aparência quanto no gesto promovendo Continua Psicoterapia de orientação analítica 537 Continuação uma continuada erotização das relações sociais com a correspondente evitação da vida sexual genital com seus companheiros eventuais Tem uma ânsia desmedida por ser vista olhada e admirada a bem da ma nutenção de sua autoestima pois não reconhece sua beleza física devido a uma autoimagem distorcida o que provoca uma preocupação permanente com seu corpo que considera feio e imperfeito Desde os 12 anos alterna períodos de bulimia e anorexia Dependendo do momento em que se encontra no tratamen to sua comunicação por meio da mímica do olhar e da expressão corporal ora traduz uma menina tímida dependente totalmente incapaz ora uma mulher sedutora dona de si mesma desinibida Nos episódios de anorexia tenta atingir retornar um peso ideal de 38 quilos que corresponde ao seu status ponderal dos 12 anos de idade Fez cirurgia plástica castração mutilação com aval dos pais e dos médicos que a atendiam na época induzidos pela ideia e argumentação da paciente de reduzir o tamanho dos seios Sua peregrinação por consultórios teve início em torno dos 14 anos de idade Os impasses e as interrupções consequentes sempre ocorreram naqueles momentos em que predominavam sintomas depressivos quan do então o uso de medicação era privilegiado Foi diagnosticada como portadora de depressão endógena transtorno de pânico psicose maníacodepressiva caráter narcisista anorexia nervosa e transtorno com pulsivo Leu muito a respeito de suas possíveis patologias psiquiátricas e psicanalíticas Podese dizer que o tratamento de orientação analítica de Lúcia que teve a duração de aproximada mente seis anos transcorreu em capítulos Ela o interrompeu em três momentos sempre retornando após intervalos que variaram entre 15 e 180 dias Na primeira interrupção estava deprimida devido à natureza do processo psicoterapêutico tendo tal situação sido potencializada por força de desencadeantes externos perdas separações Nesses momentos promovia ataques verbais a mim ao vínculo à psicoterapia e ao setting bem como comunicações não verbais aos familiares de que devido ao tratamento estava afundan do em uma depressão cuja gravidade não estaria sendo percebida por seu psicoterapeuta o que a esta va fazendo marchar para uma possível autodestruição suicídio Tal comunicação era expressa pelo choro frequente pelo comer ou não comer por microacidentes sempre marcada por seu jeito histriônico a suge rir aos circunstantes a hipótese da consumação suicida iminente Psicossexualidade Ansiedade Funcionamento Configuração padrão mental relacional 1a Triangular Fálica Ansiedade Neurose edípica genitalanal de castração 2a Dualfusional Ansiedade de Psicose préedípica Perversão oral desintegração mental pânico estados confusionais Figura 311 Perspectivas descritivas da histeria 538 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em razão de sua comunicação primitiva não verbal via ação acting out Lúcia deixou a mim familiares e amigos inundados por seu temor suicida Os telefonemas frequentes e os vários recados lacônicos quando não falava diretamente comigo causavamme grande an gústia com sentimentos predominantes de im potência para tratála e insegurança quanto ao método empregado a psicoterapia de orienta ção analítica A crise instalouse após a ruptu ra com o companheiro com o qual vinha conseguindo pela primeira vez manter uma relação estável A situação descrita coincidiu com uma interrupção da psico terapia devido a uma viagem minha da qual a paciente fora avisada com grande antecedência Falei com os pais de Lúcia com os irmãos e com outros médicos fa miliares inadvertidamente coparticipando dessa ver dadeira inundação do setting psi coterápico em uma ampliação e distorção do campo psicoterápico dentro do qual a paciente de forma dissociada também fa lava por meio de prepostos isto é por identificações projetivas acionados pelas ansiedades que contagiavam a todos Por momentos sentiame em dúvida quanto à capacidade da paciente e também quanto à minha de ajudála por meio de uma psico terapia analiticamente orientada predomi nando um sentimento geral de impossibi lidade de contenção da paciente a não ser por medicaçãorepressão Posteriormente Lúcia foi medicada por outros dois colegas com antidepressivos antipsicóticos e lítio Após o retorno das férias e com o passar do tempo quatro meses como a paciente não apresentou melhoras o mo vimento passou a tomar um sentido opos to ou seja as dúvidas dissociação eram agora colocadas sobre os tratamentos vigentes e recomeçava a tentativa de retorno à situação anterior qual seja a psicoterapia comigo O tratamento me dicamentoso e de apoio estava denegrido e a psicoterapia novamente idealizada Os pais bem como os demais circunstan tes já mencionados foram induzidos por Lúcia a tentar junto a mim compondo uma verdadeira comissão diplomática com pedidos de desculpas representando a paciente pela identificação projetiva seu retorno à psicoterapia pois havia um consenso médicofamiliar de que fora com ela o seu período de maior progresso pes soal A própria paciente havia desenvolvi do uma razoável capacidade de autoanálise função analítica estabelecida em algum grau em sua mente no sentido de perce ber que sua intolerância às perdas e à dor psíquica levaraa a colocar em risco todas as conquistas anteriores representadas por passos importantes que havia dado em sua vida pessoal nível razoável de autonomia psicológica independência econômica crescimento profissional controle da buli miaanorexia e uma vida sexual com razoá vel capacidade de obter prazer dentro de um vínculo estável com seu companheiro da época Por meio dessa breve ilustração clíni ca é possível perceber todo um movimento de uma paciente com transtorno da per sonalidade histriônica caráter histérico seu movimento regressivo dentro do tra tamento as comunicações primitivas dra máticas seus rompantes histriônicos em que a ação substitui a palavra e aciona seus circunstantes médicos e familiares produ zindo momentos confusionais em todos e promovendo tratamentos que avançam de forma não linear mas em capítulos in terrompidos e retomados Psicoterapia de orientação analítica 539 OS TRATAMENTOS EM CAPÍTULOS O PREDOMÍNIO DO REPETIR SOBRE O RECORDAR Os pacientes que vemos hoje não são em li nhas gerais os mesmos descritos por Char cot Freud ou Breuer A diferença clínica maior ocorre em razão de que os transtornos de caráter ou de personalidade são muito mais frequentes nos indivíduos que buscam tratamentos psicoterápicos ao contrário das condições sintomáticas bem mais raras Freud10 em um de seus raros tra balhos sobre a técnica psicanalítica alerta para o fato de que em muitos momentos de um tratamento o paciente não conse gue recordar e pôr em palavras o que es queceu e reprimiu podendo apenas se ex pressar pela ação pelo gesto pela conduta acting out A reprodução da vida anímica inconsciente não se dá como lembrança mas como ação Com o paciente histérico conforme a ilustra ção da vinheta clínica é frequente a quebra do setting originalmente combinado por meio das mais variadas formas de atuação A partir do exemplo clínico podemos identificar várias modalidades de acting out tais como a introdução de familiares no campo psicoterápico em razão da conduta perturbada e perturbadora da paciente gerando preocupações importantes em toda a família b indução à necessidade de tratamentos paralelos c como decorrência direta dos itens a e b criamse situações especiais de exceção contaminando o setting ou ampliandoo e exigindo a compreensão psicodinâmica necessária para reverter a situação tera pêutica em favor da continuidade do processo psicoterápico Todas essas variações possíveis são características daqueles tratamentos ditos combinados Em tais circunstâncias as interações com outros colegas e com familiares resultam no incremento dos mecanismos de dissociação funcionamen to esquizoparanoide que se expressam pe la idealização de um e pela desvalorização concomitante do outro em um processo que se alterna com grande frequência Po de ocorrer também com frequência uma pressão para substituir a terapia pela tera pêutica medicamentosa A possibili dade de lançar mão de acompanhantes qualificados como egoauxiliares e a dramática hipóte se de internamentos breves eventuais são procedimentos gerados pela angústia do paciente como consequência direta da con taminação do meio circundante e em espe cial da pessoa do psiquiatrapsicoterapeuta As hipóteses resumidamente descri tas e potencialmente geradoras de impasses são então provocadas pela conjugação de variados fatores pertinentes tanto ao ca ráter histérico do paciente quanto aos im pactos produzidos na mente do profissio nal assistente Elas resultam em respostas interativas do par terapeutapaciente que nos remetem às interrogações de como e quando passaram a acontecer com maior intensidade Em essência ocorrem quando os ní veis de tensão transferencial e contratrans ferencial elevados promovem ou expres sam um sofrimento emocional intenso 540 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tanto no paciente por força da sua pato logia quanto no psiquiatrapsicoterapeuta que nos momentos críticos confusionais tem suas capacidades de entendimento e de contenção bloqueadas sentindo dúvi das sobre sua competência e sobre o méto do em prática a psicoterapia de orientação analítica ou a psicanálise Muitas dessas situações de impasse podem configurar apenas rupturas temporárias dos tratamentos representando verdadeiras toma das de fôlego e de tempo fraudando a expec tativa de um tratamento com um curso linear ideal Os tratamentos em capítulos com frequência são as formulações possíveis e necessárias com tais pacientes pois nos momentos críticos destacados desenvol vemse estados transitórios semelhantes às psicoses Nesses períodos a comunicação é préverbal e fazse de maneira mais primi tiva pelo gesto pela ação nem o paciente e às vezes nem o psiquiatrapsicoterapeu ta conseguem respeitar as normas conven cionais da comunicação verbal terapêutica que se daria idealmente regida pelo predo mínio do processo secundário do pensa mento Tais reações explosivas dramáticas de cunho depressivoparanoide produzem uma ruptura delimitada com a realidade ficando a função analítica do par borrada ou bloqueada por um tempo variável em cada situação que vai de minutos até algu mas horas ou mesmo dias CONSIDERAÇÕES FINAIS Devido à amplitude do tema uma série de questões naturalmente se impõe no sentido do que vem a ser o essencial na configuração da patologia histérica eou histriô nica Na literatura psicodinâmica cada autor partindo de perspectivas teóri cas diferentes enfatiza um ou outro aspec to parcial referente à fenomenologia histé rica o que pode muitas vezes levar a uma falsa impressão de patologias diferentes Poderão ser ressaltados a fixação fálica sua estruturação triangular a repressão como defesa predominante as amnésias lacunares as conversõessomatizações dos afetos a ansiedade de castração e o nível edípico clássico razoavelmente delineado Sob outro enfoque será salientada a con duta sedutora teatral na qual a migração entre a inibição e o exibicionismo privilegia a comunicação por meio do corpo do ges to da ação configurando uma estrutura ção caracterológica defensiva ante aquelas ansiedades mais primitivas de cunho de pressivo e paranoide cujas bases orais tam bém são evidentes na clínica psicanalítica Com base no material clínico des crito é importante salientar que nos tra tamentos psiquiátricos ou nas abordagens psicoterápicas com ou sem orientação psicanalítica pacientes com transtorno da personalidade histérica nos seus mo mentos mais ansiogênicos comunicamse de forma mais primitiva prevalecendo a magia gestual quando o repetir predo mina sobre o recordar Tal predomínio da comunicação gestual e da ação acting out e acting in sobre a comunicação pela palavra traz repercussões importantes no campo de tratamento que é representado em sua essência pelo psicoterapeuta e seu paciente a partir da prevalência do meca nismo da identificação projetiva maciça A capacidade de contençãotolerância e de entendimentotradução por parte do tera peuta é colocada à prova e delimitada por seu sofrimento emocional Assim na dependência da acuidade clínica e da capacidade de tolerância do Psicoterapia de orientação analítica 541 psicoterapeuta para com a formulação prognóstica possível com seu paciente este poderá ter seu tratamento apenas efetivado em capítulos caracterizados pela alter nância de interrupções e retornos e não da forma idealmente linear desejada por todos PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Em pacientes com transtornos histriônicos de caráter verificase a supremacia da necessidade da representação sobre o sentimento de incapacidade para viver e lidar com uma realidade que precisa ser evitada eou maquiada a qualquer preço 2 O paciente em seu histrionismo não opta por essa forma de comunicação melodramática e infantili zada ele apenas faz o que pode 3 No caráter histérico na fuga da realidade para a fantasia está sempre presente a tentativa de dominar a ansiedade mediante uma representação dirigida a um auditório 4 O sofrimento psíquico intensificado pela teatralidade pode desencadear reações contratransferenciais perturbadas que podem induzir enganos diagnósticos prognósticos e terapêuticos 5 O uso desnecessário de variados psicofármacos pode reforçar com esses pacientes a dependência oral que limita as funções egoicas e favorece ganhos secundários 6 Com o paciente histérico é frequente a quebra do setting originalmente combinado por meio das mais variadas formas de atua ção 7 As psicoterapias podem configurar muitas situações de impasses que se expressam por rupturas tem porárias dos tratamentos representando tomadas de fôlego e de tempo do par terapeutapaciente e fraudando expectativas de um tratamento com um curso linear normal 8 Frequentes reações explosivas dramáticas de cunho depressivoparanoide por parte do paciente podem produzir rupturas delimitadas com a realidade ficando a função analítica do par bloqueada por um tempo variável que vai de minutos até algumas horas ou mesmo dias REFERÊNCIAS 1 Freud S Estudos sobre a histeria 1893 1895 In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 2 2 Freud S Fragmentos da análise de um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1972 v 7 3 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Arlington American Psychiatric Association 2013 4 Fenichel O Teoría psicoanalítica de las neu rosis Buenos Aires Paidós 1973 5 Nogueira JA As bases orais da histeria Revis ta de Psicanálise da SPPA 20007225166 6 McDougall J O psicossoma e a psicanáli se In McDougall J Em defesa de uma certa anormalidade teoria clínica e psicoanalítica 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1989 7 Easser BR Lesser SR Hysterical personality a reevaluation Psychoanal Q 196534390412 8 ChasseguetSmirgel J É a histeria o negativo da perversão In Conferência na Socieda de Psicanalítica de Porto Alegre 1978 Porto Alegre 9 Brenman E Hysteria Int J Psychoanal 1985 66442332 10 Freud S Recordar repetir e elaborar In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 A morte é a única situação da vida huma na que não dispensa um ritual1 tendo sido estudada tanto do ponto de vista do desen volvimento normal como de expressão da cultura23 Isso possivelmente se deve ao fato de que nos é impossível representar a própria morte Para Kóvacs4 a morte de outra pessoa se traduz na possibilidade de experiência da morte em vida Nas palavras de Green5 O homem não consegue saber o que é a morte nem consciente nem incons cientemente Do mesmo modo que não concebe o infinito no espaço ou no tempo o afeto não compreende aqui lo que a razão acredita saber Sei que a morte existe e que é o fim inelutável de toda vida mas não acredito nisso O sentimento de pesar e falta de alguém que morreu entretanto pode ter um lugar no imaginário humano a partir da realização de um processo interno que se desenvolve após a morte de uma pessoa significativa DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO DO LUTO NORMAL Para Freud6 o luto é a reação normal e es perada nos humanos que ocorre quando da morte ou perda de alguém amado ou im portante emocionalmente ou da perda de uma situação ocupação ou abstração ou lembrança igualmente relevantes como por exemplo a perda da liberdade ou de um ideal de vida O mundo parece empo brecido aos olhos do enlutado É um pro cesso que tem como objetivo incorporar à mente a perda ocorrida na realidade As sim podese esperar manifestações de lu to sempre que algo for sentido pelo sujeito como morte em grande ou pequena es cala como em separações conjugais ou de amigos próximos Mudanças são também vividas muitas vezes como separações e portanto desencadeiam o mesmo tipo de processo ainda que atenuado Desse mo do é comum encontrarmos pessoas que mudaram de país de cidade ou mesmo de casa e que apesar de estarem contentes pe la mudança enfrentam ao mesmo tempo sentimentos semelhantes aos encontrados quando da perda de uma pessoa querida A parte perceptível desse processo se caracteriza inicialmente pela repetida re memoração da perda sempre acompanha da do sentimento de tristeza e de choro após o que a pessoa acaba se consolando Com a evolução do processo passam a ser rememoradas outras cenas agradáveis 32 ABORDAGEM DO LUTO Cláudio Laks Eizirik Cátia Olivier Mello Jair Knijnik Psicoterapia de orientação analítica 543 e desagradáveis nem sempre seguidas de tristeza e choro mas sempre com a conso lação final A duração desse fenômeno é va riável embora se constate que sua elabora ção é sempre lenta e acompanhada de graus variáveis de falta de interesse pelo mundo exterior de tristeza e de seus corolários que vão diminuindo conforme o processo avança É comum também que à medida que a pessoa vai retomando sua vida e o in teresse por suas atividades habituais se sin ta em algumas ocasiões culpada por estar fazendo isso com prazer sem a pessoa que morreu ou foi perdida de outra forma Isso ocorre porque a cada nova data que pre cisa ser vivida sem a pessoa perdida ani versários primeira semana no trabalho primeiras férias primeiro Natal entre ou tras é necessário constatar sob o aspecto cognitivo e emocional que a vida segue a despeito da pessoa que não mais participa dela Evidentemente tal percepção precisa ser acompanhada de um equivalente emo cional de uma quantidade de emoção que localize a pessoa sobrevivente pois muitas vezes é assim que se sente o enlutado em um mundo para ela tão diferente em que lhe falta algo fundamental O processo vai se extinguindo de modo gradual com a di minuição da tristeza e do choro e a volta do interesse pelo mundo exterior Ao final a pessoa perdida passa a ser locali zada no mundo interno do enlutado como uma lembrança o sentimento de tristeza desapa rece e a vida afetiva retoma seu curso sen do agora viável a possibilidade da existência de novas ligações afetivas Em função do enorme dispêndio de energia e esforço requerido para dar con ta das representações dos afetos investi dos e da autoimagem que deve se modi ficar agora que o mundo não abriga mais aquela pessoa dáse o nome de trabalho de luto ao processo de elaboração do luto normal É um processo normal segundo o qual lentamente a pessoa vai vivendo e colhendo informações das realidades ex terna e interna acerca de como viver sem o ser amado em todas as situações em que estava acostumada a viver com ele Ao fi nal do trabalho de luto à custa de tempo e investimento nas lembranças relacionadas com o morto a realidade costuma vencer o ego se sente livre para reinvestir em outro objeto A duração varia conforme a relação prévia entre o morto e a pessoa enlutada Em Notas sobre um caso de neurose obsessi va Freud7 estimou de 1 a 2 anos o tempo que em geral o ego precisa para realizar o trabalho de luto As razões para que o trabalho de luto dure tem po devemse também à natureza ambivalente de todas as relações humanas natureza esta que leva muitas vezes o sobrevivente a se sen tir culpado por não ter sido ele quem morreu e sim a pessoa da qual gostava Isso ocorre em função dos momentos nos quais não gostou de estar na presença do agora morto Uma das maneiras de acompanhar a evolução da elaboração do luto é além da retomada das atividades co tidianas acompanhar os sonhos Neles o sobrevivente vai aos poucos representan do como sente a vida e o mundo sem o en te perdido e a realidade externa de forma gradual vai se tornando mais parecida com a realidade externa havendo a assimilação da morte Assim no início os sonhos são so nhados realizando o desejo de que a pes soa não tenha morrido Ela é tão viva no 544 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sonho como qualquer outra personagem Gradativamente ela pode passar a figurar como observadora ou estar presente mas não interagir como os outros até que não figure mais ou que no sonho se saiba que o morto não está ali porque morreu Este é um processo lento mas que possibilita a ocorrência de modificações internas dan do notícia para o sobrevivente de que o fato da morte é irreversível DEFINIÇÃO E DESCRIÇÃO DO LUTO PATOLÓGICO O luto patológico é o estado mental decor rente da não instalação ou da interrupção do processo normal do trabalho de luto Resulta na cronificação dos processos nor mais que se seguem a tais perdas não per mitindo à pessoa enlutada retomar sua vida normal como era antes da perda O fator tempo deve ser considerado segundo Eizi rik e colaboradores8 Segundo os autores quando predominam resultados negativos por um tempo excessivo ou quando as proporções destes se tor nam exageradamente grandes com plicadas distorcidas ou atípicas é evi dente que um processo patológico está se estabelecendo exigindo algum tipo de intervenção terapêutica8 Tal como no luto normal qualquer situa ção que signifique a morte de algo pode desencadear um processo de luto patológi co e cronificarse não apenas a morte de uma pessoa Por incapacidade de integrar a perda e suas consequências transformadoras ao mundo mental o processo normal do luto é interrompido pela identificação do enlutado com a pessoa morta Existem várias formas e gradações de apresentação clínica dessa situação todas relacionadas à depressão e tendo na melancolia sua forma extrema Se no luto normal era o mundo que se empobrecia no luto patológico é o ego que está mais pobre segundo observa Freud em Luto e melancolia6 a sombra do objeto cai sobre o ego que pode então ser julgado por uma instância especial como se fosse um objeto o objeto abandonado COMPREENSÃO PSICANALÍTICA Freud atribuiu à hostilidade para com a pessoa perdida um papel central na transformação do luto normal em patológico Cabe lembrar que Abraham9 foi pionei ro nesse tema ao atribuir à repressão das fantasias sádicas e ao componente sádico da libido um papel central na gênese da melancolia O melancólico sentese in conscientemente incapaz de amar e de ser amado O objeto amado é odiado por sua cruel deserção e o ego ao se perceber cheio de ódio sentese indigno de amor Em To tem e tabu Freud10 ressalta que o luto tem uma missão psíquica muito específica sua função é desligar dos mortos as lembranças e as esperanças dos sobreviventes Quando isso é conseguido o sofrimento diminui e com ele o remorso e as autoacusações per mitindo que um novo ciclo se inicie inclu sive porque parte do material componente da nova etapa da vida será composta pelas lembranças e identificações conseguidas mediante o convívio com a pessoa perdida Tais identificações devese sublinhar têm função estruturante e não alienante como ocorre na melancolia Freud afirma ainda que quando ocorre uma morte a pessoa ligada ao morto experimenta sen Psicoterapia de orientação analítica 545 timentos ambivalentes em relação a ele sentindo portanto amor e ódio afeição e hostilidade A hostilidade no entanto permanece inconsciente razão pela qual o sobrevivente experimenta tantos sentimen tos de medo com relação a quem morreu Como exemplo disso podemos observar que quando morre alguém ouvimos mui to mais de seus feitos e qualidades do que de seus defeitos e más ações os quais co mo qualquer pessoa certamente realizou Como bem diz o ditado popular Quem morre vira santo ou como costumava citar Freud De mortuis nihil nise bonum Dos mortos só se falam coisas boas Além de ambivalente a natureza da ligação com o objeto no luto patológico é narcísica como aponta Freud em Luto e melancolia6 Sendo esta a sua natureza em vez de poder enfrentar a perda e separarse do objeto realizando o verdadeiro trabalho de luto o enlutado instalao dentro de si por intermédio de uma identificação narcí sica agora eu sou o objeto Quinodoz11 inclusive realça que a identificação narcí sica implica ser um com o objeto e que amar o objeto é ser o objeto Desse modo onipotente não há separação nem perda Tudo estaria bem se esse objeto agora ins talado no ego não continuasse extraindo energia e investimento por parte do sujei to É isso que Freud quis transmitir quando disse que a sombra do objeto recai sobre o ego Seguindo essa linha de raciocínio perguntamonos em que medida a maior ambivalência da relação pode prognosticar o trabalho de luto A resposta é que em ge ral quanto maior a ambivalência mais di fícil o trabalho de luto O que está em jogo é a hostilidade dirigida ao objeto perdido por ele ter desertado por ter deixado o self abandonado e desamparado É uma injúria insuportável ao narcisismo de quem so breviveu Há uma verdadeira clivagem na personalidade na qual uma parte cheia de ódio superego ataca outra que está iden tificada com um desertor A impossibilidade de deixar esse desertor ir embora ocasiona uma relação infinita de ódio agora contra si Muitas pessoas com estrutura narcisis ta reagem a uma perda com a expressão Como ele pôde fazer isso comigo Não predomina o sentimento de pena de quem morreu ou de falta por sua ausência mas de uma injúria narcísica LUTO VERMELHO E LUTO NEGRO Para autores contemporâneos como Og den12 e Sodré13 no melancólico o ego é alterado não pelo calor do objeto mas por sua sombra Para Sodré13 dois sentimen tos derivam da presença da ausência do objeto por assim dizer Isso equivaleria a dizer que há sempre na melancolia duas dimensões que convivem simultaneamente no ego Uma delas pode ser representada pela cor vermelha significando a raiva a fúria o desespero assassino a que o indi víduo submete seu egoidentificadocom oobjeto A segunda dimensão negra está mais ligada ao afeto de desolação e trans mite um sentimento que é a ausência co mo presença de infinita escuridão O ego se sente abandonado pelo objeto que morreu ou melhor se sente abandonado pelo supe rego que haviase identificado com quem morreu como sendo algo protetor O su perego pelo qual se sente abandonado fo ra anteriormente o sucessor dos pais e do destino Nesses momentos não parece res tar nada mais ao ego do que se deixar mor rer abandonado pelas forças protetoras do superego São momentos de extremo so frimento aos quais o terapeuta deve estar atento para identificar quando um ou ou 546 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tro estão presentes na sessão A expressão comportamental dessas duas dimensões pode ser rastreada pela contratransferência do terapeuta por identificar como se sente o paciente se homicida ódio vermelho em relação ao objeto com o qual está iden tificado ou se indigno do amor e de viver desolação sombria A fidelidade do indivíduo ao morto a não aceitação da realidade da perda im plica que qualquer movimento em direção à vida seja atacado o que se manifesta por sentimentos de culpa e desinteresse por qualquer assunto que não esteja ligado ou relacionado ao morto agora mortovivo ou objeto moribundo Os sonhos em vez de gradualmente irem incorporando a realidade da perda teimam em apresentar uma realidade onipotente em que o morto está vivo ESTÁGIOS INICIAIS DE PERDA NO DESENVOLVIMENTO Melanie Klein1415 foi a primeira a estabele cer ligação entre os processos de luto ocorri dos na primeira infância com o luto patológi co em adultos Seu trabalho metapsicológico trouxe elementos para que pensássemos a men te como algo não unitário descrevendo o mundo interno como composto por partes separadas e independentes possibilitando relações de objeto parciais Tais relações po dem ser amistosas ou hostis Acentuan do o papel das relações objetais no primei ro ano de vida e sempre sob a ótica da hos tilidade presente nelas atribuiu às experiên cias de perdas ocorridas nessa época e aos pro cessos psicológicos que elas desencadeiam culpa e perseguição um importante papel etiológico no luto patológico O processo de luto e suas reações sejam elas normais sejam elas patológicas não se iniciam no momento em que o sujeito perde alguém importante em sua vida No desenvolvimento com efeito é possível traçar as raízes de por que alguém reage de forma mais ou menos saudável diante de perdas Para Klein15 o bebê vi ve sentimentos de perda desde muito cedo Para crescer e se tornar uma pessoa ele precisa perceberse diferente da mãe ou dos cuidadores iniciais por exemplo ten do que renunciar à ideia de que ele próprio seria suficientemente capaz de alimentar se cuidarse protegerse compreender o mundo Da mescla de sentimentos adquiri dos nesses primeiros meses de vida advém a capacidade de além de renunciar simbo licamente a todos esses cuidados também ser capaz de renunciar concretamente a alguém John Bowlby16 deu continuidade ao estudo iniciado por Melanie Klein em rela ção à ligação entre experiências infantis de luto e o desencadeamento de luto patoló gico em adultos e suas expressões psiquiá tricas Todavia por não ter encontrado evidências de que a agressão seja expressão de uma pulsão de morte e de que o período de vulnerabilidade às experiências de per da esteja restrito ao primeiro ano de vida a partir de sua observação clínica Bowlby constatou que a perda de uma pessoa ama da sempre desencadeia um forte desejo de reunião um sentimento de hostilidade de intensidade variável pela partida e no fim certo grau de desapego Todos os autores entendem que quando o trabalho de luto não é efetivo existe o que se chama de melancolia esta do no qual a pessoa sente que o que per deu não foi o morto mas uma parte sua Se no luto o mundo estava empobrecido Psicoterapia de orientação analítica 547 na melancolia é o ego que se esvazia como já mencionado O objeto perdido é incons ciente e a pessoa não sabe exatamente o que perdeu com a morte de um ente que rido Esse processo ocorre com algum cus to para o ego que se divide para dar conta da emoção que se lhe é exigida Uma parte do ego se identifica com a hostilidade ex perimentada com relação ao morto e passa a criticar a outra parte que teima em viver livremente sem ressentimentos ou culpa por ter sobrevivido à morte17 Assim para que se instale um pro cesso melancólico e não normal de luto é necessário que tenha havido em vida uma relação patológica de objeto entre as pessoas envolvidas de tal forma que a es colha de objeto foi mais narcisista do que objetal Ogden12 inclusive enfatiza o pa pel da onipotência no luto patológico na medida em se trava uma batalha entre o desejo de viver no mundo dos vivos e o desejo de ficar para sempre em uníssono com o objeto morto habitando o mundo dos mortos O PROCESSO PSICOTERÁPICO NO LUTO Ainda que normal muitas vezes os tera peutas são chamados a acompanhar pes soas que passam por trabalho de luto Nesses casos a presença viva interessada e compreensiva do terapeuta indicará como é possível tolerar momentos em que o pa ciente não se sente bem talvez nem mesmo se sinta vivo porém segue realizando suas atividades habituais Em outros momentos a pessoa enlutada terá prazer em viver no vamente mas sentirá culpa por fazêlo ou ainda não se sentirá culpada e poderá usu fruir a vida O objetivo do trabalho psico terápico nesses casos será o de acompanhar o caminho normal de falar relembrar la mentar o que não foi possível realizar com a pessoa morta bem como alegrarse pelos bons momentos passados em sua compa nhia Identificar o que o morto representou em sua vida é também importante a fim de que o paciente possa realizar sozinho a partir de então aquela tarefa psíquica ou na impossibilidade de isso ocorrer locali zar outra pessoa que possa acompanhálo durante tal período O enlutado em princípio aceita o terapeuta como substituto parcial e temporário do vazio deixado pela perda diferentemente do melan cólico que é intransigente quanto a isso pois não aceita a realidade da perda É importante lembrar que a concep ção contemporânea do que seja a relação terapêutica considera necessariamente a interação entre as duas personalidades no campo analítico18 entre os dois momen tos do ciclo vital Como consequência a possibilidade de suportar e elaborar uma situação de luto seja este normal seja pa tológico não pode ser desvinculada dessas variáveis Assim podemos imaginar uma situação de luto patológico tendo dois en caminhamentos diferentes dependendo do tipo de campo analítico que se estabele ce com um ou outro terapeuta mais trófi co ou mais resistencial Os sentimentos contratransferenciais do terapeuta devem ser igualmente mo nitorados por ele mesmo quando estiver atendendo situações de luto normal ou patológico uma vez que eliciarão nele seus momentos de perdas anteriores e sua ca pacidade de elaboração diante de perdas será solicitada O terapeuta pode sentir so no irritação pena ou tristeza ao ouvir rela tos detalhados dos pacientes enlutados ou 548 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs narrativas desesperançadas e raivosas dos melancólicos Em qualquer situação é útil tentar identificar o que se perdeu na vida do pa ciente que procura auxílio por ocasião da morte de alguém foi alguém da realidade externa ou algo do seu mundo interno Nos casos de melancolia uma especifici dade deve ser levada em consideração no que tange à capacidade cognitiva da pes soa enlutada Sabese que na depressão19 as chamadas teorias da mente20 ou seja a capacidade de inferir os estados mentais do outro ou identificar seus próprios es tão provisoriamente diminuídas já que a libido está investida no ego a fim de res gatar os aspectos narcísicos empregados na pessoa ausente Como se sabe essa habili dade a qual assim como o brincar existe na escala evolutiva a partir dos primatas está inativa nas crianças pequenas e é de senvolvida no contato interpessoal com os cuidadores iniciais Todavia fica muito prejudicada no trabalho de luto e na me lancolia São períodos de maior distratibili dade maior irritação e menor tolerância do que o paciente costumava ter os quais podem durar meses Em geral ao fim do trabalho de luto essa capacidade é recobra da pois o mundo que parecia empobrecido volta a interessar e para tanto é requerido do sujeito novamente tentar compreendê lo razão para que mais uma vez se tente colocar no lugar do outro empatizando com as variadas situações novas que a vida apresenta Nesses contextos é importante que o terapeuta tenha em mente quando traba lhar com esses pacientes que há uma di minuição da atenção e da capacidade cog nitiva de empatizar com o outro Pequenos atrasos e confusões de horário talvez falem mais sobre esse retraimento narcísico do que propriamente sobre um não envolvi mento com a terapia Suportar sentirse em parte abandonado pelo paciente faz parte da habilidade técnica e pessoal requerida para atendimento desses casos Além disso é fundamental examinar o que o terapeuta representa na transferên cia haverá casos em que o próprio pacien te se verá no terapeuta transferindo para ele todos os seus sentimentos e sentindo se esvaziado portanto Em outras situa ções será o objeto perdido que estará sen do transferido fazendo o paciente poder reviver sua relação anterior com o morto por intermédio da análise da transferência com o terapeuta Pode ocorrer também que identifiquemos esses dois aspectos em momentos diferentes do trabalho com o paciente conforme avança o tratamento e as etapas do luto sejam vivenciadas O su perego mais brando ou mais severo tam bém poderá ser identificado pelo colorido transferencial e pelo quanto o trabalho terapêutico conseguir servir como alívio e elaboração para o paciente Assim como se deve procurar rastrear o que está sendo transferido do paciente para o te rapeuta igual empenho deve ser empregado no sentido de identificar o que o contato com um paciente enlutado ou melancólico aciona na mente do terapeuta Este último também viveu situações de luto em sua vida tenham sido elas de senvolvimentais com relação ao seu pró prio corpo e autoimagem ou relativas ao seu ciclo vital no que tange a pessoas im portantes em sua vida que já tenham mor rido Isso é necessário na medida em que o campo analítico será forjado a partir da subjetividade dessas duas pessoas e a aná lise da fantasia inconsciente compartilhada necessitará abordar todos esses aspectos Psicoterapia de orientação analítica 549 Ambivalência ódio narcísico culpa do sobrevivente identificações com o morto sua sombra sobre o ego tudo isso provoca rá sentimentos na mente do terapeuta que inevitavelmente precisará entrar em con tato com tais questões para poder auxiliar o paciente Muitas vezes no curso de uma psicotera pia analítica ou análise encontrase um luto não elaborado que não foi a causa da procu ra do tratamento mas que se revela como um elemento patogênico que pode ser o fator que mantém e alimenta uma situação de sofrimen to psíquico que o paciente e às vezes terapeu tas anteriores não percebe ter um alto signifi cado patogênico Nesses casos processase uma espécie de exumação de um luto soterrado por ca madas de outras manifestações ou variadas defesas e de forma progressiva passase a trabalhar com ele nos termos descritos anteriormente Tanto nesses casos como nos de luto mais recente e identificável há sempre um campo analítico em que os diferentes papéis e estados mentais serão repassados e vividos de modo sucessivo ou alternado dentro das especificidades do caráter de cada paciente e das circunstân cias de sua perda e da quantidade de am bivalência com a pessoa perdida A análise dos sonhos será um indicador para moni torar a evolução desse processo e as modi ficações das relações com o objeto perdi do É importante saber que tal objeto está na mente do paciente e em pouco tem po estará também no campo analítico e na mente do terapeuta constituindo uma personagem que está ausente no mundo externo mas que mantém sua vitalidade nas sessões sob diferentes roupagens e apresentações ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Quando o luto revive aspectos evolutivos Um homem de 40 anos buscou tratamento por ocasião da morte da esposa Havia demorado para encontrar alguém com quem quisesse compartilhar a vida e a relação do casal era boa Veio para terapia porque os amigos insistiram pois apesar de ser um profissional já estabelecido não estava conseguindo trabalhar bem e não tinha vontade de se relacionar socialmente Nunca teve vontade de se tratar mas naquele mo mento sabia que necessitava Por isso paciente e terapeuta combinaram um foco de trabalho o qual se ria a morte da esposa e os sentimentos daí decorrentes Inicialmente estava muito deprimido e as sessões foram diárias na primeira semana Nesse início o terapeuta identificavase e preocupavase muito com o sofrimento do paciente podendo sentir a intensidade da dor psíquica e do vazio vividos naquele momento e refletir sobre tal questão À medida que tanto terapeuta quanto paciente puderam se sentir mais seguros de que o trabalho daria conta do imenso continente de tristeza os encontros passaram a ser menos frequen tes até se reduzirem a duas vezes por semana A possibilidade de medicação antidepressiva foi discutida mas evidenciouse desnecessária nesse caso O acompanhamento do trabalho de luto relembrou a perda de sua mãe cuja morte não havia podido chorar O trabalho psicoterápico concentrouse em indicar como as duas mortes estavam ligadas em sua Continua 550 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação mente Aos poucos o paciente pôde chorar a morte da mãe a qual ocorrera na infância Como se pode per ceber uma situação de luto será vivida a exemplo das outras já experimentadas tanto evolutivas quanto acidentais tal como descreveu Klein As primeiras experiências de perda servem de modelo para as seguin tes sejam os lutos por fatos reais sejam eles imaginados ou de fases do desenvolvimento O terapeuta sentia a essa altura do trabalho que precisava ter paciência e acompanhar lado a lado o processo de luto com o paciente e que aos poucos as coisas voltariam ao normal Muitas vezes identi ficandose com o assunto da traição por estar recobrando o gosto pela vida que surgia identificou em si uma sensação de culpa por estar sendo a pessoa que trazia sentimentos agradáveis à mente do paciente para em seguida pensar que não o acompanharia em sua vida fora das sessões Conforme isso foi sendo compreendido pôde também ser devolvido ao paciente como sendo algo seu a fim de que aos poucos re tomasse sua vida com menos culpa Nessa altura do trabalho o paciente sonhou que encontrara um velho amigo de adolescência e ambos caminhavam juntos em um fim de tarde na beira da praia O sonho foi entendido naquele momento pela dupla como um início de retomada da sua caminhada de compreensão da situação de morte fim de tarde mas da retomada de sua vida amigo adolescente reencontrada representando aspectos seus que pare ciam perdidos agora acompanhados pela experiência terapêutica Retomou lentamente a vida profissional e as relações de amizade Não quis seguir em tratamento naquele momento dizendo precisar seguir sozi nho um tempo Voltaria mais tarde para concluir o tratamento ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Quando o luto inclui aspectos transgeracionais A mãe de um menino de 4 anos procurou tratamento devido à dificuldade de lidar com seu filho cujo pai ha via morrido logo após ele nascer Todos diziam que ele era fisicamente igual ao pai o que a fazia lembrarse do exmarido todo dia a cada vez que olhava para o filho Os sintomas do menino incluíam alimentarse ex clusivamente de leite acessos de birra e não conseguir se adaptar à escola A mãeesposa não conseguira retomar sua atividade profissional desde a morte do marido A indicação foi o atendimento da dupla já que as dificuldades eram compartilhadas e mesmo forjadas em dupla Após meses trouxeram uma fotografia do pai e para surpresa da terapeuta pai e filho não se pareciam fisicamente Trabalhouse a dificuldade da mãeesposa em fazer o luto pelo que ela considerava a última parte de seu marido em vida o filho O prejuí zo para o menino poderia encaminharse para dificuldade ou mesmo confusão acerca de sua própria iden tidade A psicoterapia consistiu em fazêlos se discriminarem emocionalmente perceberem que eram duas pessoas e não três em duas como ambos queriam acreditar Ao término puderam visitar o túmulo do pai o que não ocorrera ainda desde a morte Isso criou na mente do menino uma representação para o espaço neste mundo destinado ao pai liberandoo de abrigálo dentro de si Continua Psicoterapia de orientação analítica 551 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao atender uma pessoa que sofreu uma perda devastadora como a perda de um filho do côn juge ou um jovem que perdeu seus pais em um primeiro momento as palavras parecem insufi cientes para dar conta dessa experiência hu mana tão dolorosa Aqui o primeiro princípio técnico é justamente não se defender nas teorias que muitas vezes evitam o contato emocional com a dor O desafio é manterse vivo em contato com alguém que em geral não se sente tão vivo assim Uma atitude atenciosa e disponível não onipotente Não é fácil deixar alguém que ama mos ir embora não é fácil deixar algo que fomos ou achávamos que éramos ir embo ra Mas é somente por meio desse processo de luto que nos daremos a oportunidade de ser algo novo Quanto mais narcisismo maior a dificuldade de perder pois perder implica aceitar a autonomia do outro acei tar a alteridade Em lutos complicados ou patológicos é importante como Freud já nos alertava identificar além de quem se perdeu o que se perdeu naquela pessoa Nesse sentido uma área da onipotência do paciente precisará ser reexaminada mas com tempo pois o tempo é um fator fun damental no trabalho de luto Se nos é difícil aceitar as perdas e a morte imaginese como seria um mundo sem ela não haveria lugar para os filhos A morte ou uma perda equivalente obriga cada pessoa a se defrontar com a realidade da finitude da vida a própria e a das pes soas amadas No trabalho psicoterápico com situações de luto cada terapeuta inevitavelmente terá que entrar em contato com seus próprios lutos e de certa forma revivêlos se de fato conseguir estabelecer um contato emocional genuíno com o paciente Para tanto é muito importante ha ver espaço na psicoterapia analítica para a presença dos elementos culturais espe cíficos a cada paciente a cada família e a cada tradição em que se insere Os rituais como mencionados desempenham um importante papel na elaboração do luto e devem ser observados como indicadores da evolução das relações com o objeto perdi Continuação Esse exemplo realça o aspecto transgeracional que pode estar presente em uma situa ção de luto pa tológico Nesse caso duas pessoas compartilhavam o processo de luto sendo que uma delas tinha a mis são de se identificar com alguém a quem não havia conhecido praticamente restituindolhe a vida A pos sibilidade de deixar o pai morrer tanto pela mãe quanto pelo filho viabilizou a retomada do desenvolvi mento de ambos 552 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs do Quando um luto consegue ser razoa velmente elaborado haverá o momento em que o luto pelo próprio tratamento se instala e este também será útil para a reto mada da vida e das demais relações Quando o objeto perdido pode ser instalado no self com menor hostilidade e ambivalência muitas ve zes observase o surgimento de expressões da criatividade sob suas diversas formas como uma maneira de continuar vivendo relacionan dose com o mundo desfrutando de suas imen sas possibilidades aceitando as inevitáveis frustrações e limitações e mais do que tudo contando dentro de si com a presença de fi guras predominantemente protetoras com as quais durante um tempo foi experimentado o mesmo amor que agora pode ser vivido nas re lações com as demais pessoas PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O luto é a reação normal e esperada em humanos que ocorre quando da morte ou perda de alguém amado ou importante emocionalmente ou da perda de uma situa ção ocupação abstração ou lem brança igualmente relevantes como por exemplo a perda da liberdade ou de um ideal de vida 2 O processo de luto e suas reações sejam elas normais sejam elas patológicas não se iniciam no momento em que o sujeito perde alguém importante em sua vida No desenvolvimento é possível tra çar com efeito a raiz que leva alguém a reagir de forma mais ou menos saudável diante de perdas 3 A parte perceptível desse processo se caracteriza inicialmente pela repetida rememoração da perda sempre acompanhada do sentimento de tristeza e de choro após o que a pessoa acaba se consolando Ao término a pessoa perdida passa a ser localizada no mundo interno do enlutado como uma lem brança o sentimento de tristeza desaparece e a vida afetiva retoma seu curso sendo agora viável a existência de novas ligações afetivas 4 As razões para que o trabalho de luto leve tempo devemse também à natureza ambivalente de todas as relações humanas 5 O luto patológico é o estado mental decorrente da não instalação ou da interrupção do processo normal do trabalho de luto Resulta na cronificação dos processos normais que se seguem a tais perdas não permitindo à pessoa enlutada retomar sua vida normal como era antes da perda 6 Dois sentimentos derivam da presença da ausência do objeto Um deles pode ser representado pela cor vermelha significando a raiva a fúria e o desespero assassino a que o indivíduo submete o seu ego identificadocomoobjeto A segunda dimensão negra está mais ligada ao afeto de desolação Nes ses momentos não parece restar nada mais ao ego do que se deixar morrer A expressão comportamen tal dessas duas dimensões pode ser rastreada pela contratransferência do terapeuta por identificar como se sente o paciente se homicida ódio vermelho em relação ao objeto com o qual está identifi cado ou se indigno do amor e de viver desolação sombria 7 O objetivo do trabalho psicoterápico é acompanhar o caminho normal de falar relembrar e lamentar o que não foi possível realizar com a pessoa morta bem como alegrarse pelos bons momentos passados em sua companhia Identificar o que o morto representou em sua vida é também importante a fim de que o paciente possa realizar sozinho a partir de então aquela tarefa psíquica ou na impossibilidade de isso ocorrer localizar outra pessoa capaz de acompanhálo nesse processo 8 O enlutado em princípio aceita o terapeuta como substituto parcial e temporário do vazio deixado pela perda diferentemente do melancólico que é intransigente quanto a isso pois não aceita a realidade Psicoterapia de orientação analítica 553 REFERÊNCIAS 1 Frazer JG O ramo de ouro Rio de Janeiro Guanabara Koogan 1978 Versão ilustrada 2 Mabilde LC Caracterização do luto pato lógico e diagnóstico diferencial com o luto normal Rev Psiquiatr RS 19879318593 3 Mello CO Inibição sintoma e luto a lenda da mulher esqueleto Rev Psiquiatr RS 2002 24215762 4 Kovács MJ coordenador Morte e desenvol vimento humano São Paulo Casa do Psicó logo 1992 5 Green A Postface In Green A Narcisissme de vie narcissisme de mort Paris Minuit 2007 6 Freud S Luto e melancolia In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1970 v 14 p 27191 7 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v10 p 159258 8 Eizirik CL Michels AMMP Gazal CH Psi coterapia do luto normal e patológico In Cordioli AV Psicoterapias abordagens atu ais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 2939 9 Abraham K Notas sobre la investigacion y tratamiento psicoanalíticos de la locura ma niacodepressiva y otras condiciones aso ciadas In Abraham K Psicoanálisis clínico Buenos Aires Paidós 1959 cap 6 p 10418 10 Freud S Totem e tabu In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1970 v 13 p 20191 11 Quinodoz JM Teaching Freuds mouning and melancholia In Fiorini LG Bokano wski T Lewkowicz S International Psycho Analytical Association On Freuds mour ning and melancholia London Interna tional Psychoanalytical Assiciation 2007 p 17992 da perda É útil tentar identificar o que se perdeu na vida do paciente que procura auxílio por ocasião da morte de alguém foi alguém da realidade externa ou algo do seu mundo interno 9 É importante lembrar que a concepção contemporânea do que seja a relação terapêutica leva neces sariamente em consideração a interação entre as duas personalidades no campo analítico entre os dois momentos do ciclo vital Como consequência a possibilidade de suportar e elaborar uma situação de luto seja este normal seja patológico não pode ser desvinculada dessas variáveis 10 Os sentimentos contratransferenciais do terapeuta devem ser igualmente monitorados por ele mesmo quando estiver atendendo situações de luto normal ou patológico uma vez que eliciarão nele seus momen tos de perdas anteriores e sua capacidade de elaboração diante de perdas será solicitada O terapeuta pode sentir sono irritação pena e tristeza ao ouvir os relatos detalhados dos pacientes enlutados ou as narrativas desesperançadas e raivosas dos pacientes melancólicos 11 O terapeuta deve considerar ao trabalhar com esses pacientes que há uma diminuição da atenção e da capacidade cognitiva de empatizar com o outro Pequenos atrasos e confusões de horário talvez falem mais sobre esse retraimento narcísico do que propriamente sobre um não envolvimento com a terapia Suportar sentirse em parte abandonado pelo seu paciente faz parte da habilidade técnica e pessoal requerida para o atendimento desses casos 12 A análise dos sonhos é um indicador para monitorar a evolução desse processo e as modificações das relações com o objeto perdido 13 Um princípio técnico fundamental é não se defender nas teorias que muitas vezes evitam o contato emocional com a dor O desafio é manterse vivo em contato com alguém que em geral não se sente tão vivo assim Uma atitude atenciosa e disponível não onipotente 554 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 12 Ogden TH A new reading of the origins of object relations theory In Fiorini LG Bokanowski T Lewkowicz S International PsychoAnalytical Association On Freuds mourning and melancholia London In ternational Psychoanalytical Assiciation 2007 p 12345 13 Sodré I A ferida o arco e a sombra do obje to notas sobre luto e melancolia de Freud In Perelbeg RJ Veronese MAV Freud uma leitura atual Porto Alegre Artmed 2012 p 12642 14 Klein M Uma contribuição à psicogênese dos estados maníacodepressivos In Klein M Amor culpa e reparação e outros tra balhos 19211945 Rio de Janeiro Imago 1996 Obras completas de Melanie Klein v 1 p 30132 15 Klein M O luto e suas relações com os esta dos maníacodepressivos In Klein M Amor culpa e reparação e outros trabalhos 1921 1945 Rio de Janeiro Imago 1996 Obras completas de Melanie Klein v 1 p 385412 16 Bowlby J Apego e perda São Paulo Martins Fontes 1985 17 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1970 v 19 p 2383 18 Baranger M Baranger W La situación analí tica como campo dinámico Rev Uru Psicoa nál 19614Pt 1154 19 Wang YG Wang YQ Chen SL Zhu CY Wang K Theory of mind disability in major depression with or without psychotic symp toms a componential view Psychiatry Res 2008161215361 20 Premack D Woodruff G Does the chimpan zee have a theory of mind Behav Brain Sci 19781451526 LEITURA SUGERIDA Machado SCE Schestatsky SS Abordagem psico dinâmica do paciente deprimido In Eizirik CL Aguiar RW Schestatsky S Psicoterapia de orien tação analítica fundamentos teóricos e clínicos 2 ed Porto Alegre Artmed 2005 p 54152 O objetivo deste capítulo é desenvolver o te ma da abordagem psicodinâmica do pa ciente de personalidade obsessiva Inicial mente chamanos a atenção a ausência em nosso meio de trabalhos sobre o assun to tanto nas revistas de psicanálise como nas de psiquiatria e psi co terapia em com paração ao volume de publica ções sobre outros transtornos da personalidade como histéricos evitativos border line O que se observa é a facilidade para identificar os traços e os sintomas do agru pamento obsessivo devido a sua caracterís tica singular No entanto defron tamonos com dificuldades importantes para tratar esse tipo de paciente tanto pela intensida de das resistências mobilizadas como pelos desafios técnicos Os tratamentos tendem a limitarse ao nível do entendimento in telectual com melhoras aparentes o que leva à questão como sabermos quando estamos de fato promovendo mudança psíquica Com a evolução das teorias psicanalí ticas base da psicoterapia psicanalítica ocorreram mudanças na maneira de o tera peuta trabalhar o que gera outro problema a ser considerado Podemos pensar em es pecificidade da técnica ou seja é possível diferenciar a maneira de intervir conforme o tipo de transtorno da personalidade ou existe uma abordagempadrão Essas ques tões já pertencem à área da pesquisa em psicoterapia DIAGNÓSTICO DO PACIENTE OBSESSIVO Critérios clínicos Existe uma confusão histórica entre neurose obsessivocompulsiva e transtorno da persona lidade obsessivocompulsiva 33 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE OBSESSIVO Julio J Chachamovich Ivan Sérgio Cunha Fetter eis que o pacífico o dócil o submisso de repente desaparecem da cena e em seu lugar desconcertante e incompreensível para os que da alma humana já supunham saber tudo surge o ímpeto cego e arrasador da ira dos mansos O mais normal é que dure pouco mas dá medo quando se manifesta José Saramago em O Homem duplicado1 556 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O que se chamava neurose obsessivo compulsiva foi substituído por transtorno obsessivocompulsivo TOC O TOC é caracterizado pela necessidade egodistô nica de realizar rituais de forma compul siva com o objetivo de aliviar a ansiedade provocada por pensamentos obsessivos O transtorno da personalidade obsessivo compulsiva caracterizase por traços que são egossintônicos e que pertencem mais ao escopo do pensamento Ainda que a incidência do transtorno da personalidade seja maior em pacientes com TOC tais pa tologias podem não estar associadas Tem sido mais comum que sejamos procurados por pacientes com problemas de personalidade do que por aqueles com TOC Por isso ao nos referirmos a paciente obsessivo estaremos nos atendo ao trans torno da personalidade Entretanto é im portante mencionarmos os aspectos emo cionais também presentes no TOC Gabbard em Enfoques de orientação analítica para o tratamento do transtorno obsessivocompulsivo2 ressalta que os sin tomas determinados biologicamente têm significados inconscientes e que os fatores psi co di nâmicos podem estar envolvidos ao provocar o desencadeamento dos sintomas e mesmo exacerbálos Os traços de caráter dos indivíduos com TOC tendem a debili tar os esforços terapêuticos A compreensão psicodinâmica do significado des ses sinto mas pode ser de grande ajuda para melhorar os programas de tratamento com fár macos aumentaria a adesão ao tratamento O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais3 da American Psychia tric Association APA propõe critérios objetivos para o diagnós tico de transtorno da personalidade obsessiva São eles 1 preocupação tão extensa com detalhes regras listas ordem organização ou horários que o ponto principal da ati vidade é perdido 2 perfeccionismo que interfere na con clusão de tarefas 3 devoção excessiva ao trabalho e à pro dutividade em detrimento de ativida des de lazer e amizades 4 excessiva conscienciosidade escrúpulos e inflexibilidade em assuntos de mora lidade ética ou valores 5 incapacidade de desfazerse de objetos usados ou inúteis mesmo quando não têm valor sentimental 6 relutância em delegar tarefas ou traba lhar em conjunto com outras pessoas a menos que estas se submetam a seu modo exato de fazer as coisas 7 adoção de um estilo miserável quanto a gastos pessoais e com outras pessoas 8 rigidez e teimosia Para fazermos o diagnóstico pelo menos quatro desses oito critérios deverão ser encontrados É importante mencionar que tal classificação é puramente descriti va e não considera os aspectos dinâmicos envolvidos Critérios psicodinâmicos Para entender a psicodinâmica do pa ciente obsessivo é necessário fazer um breve his tórico de sua evolução teórica no contexto psicanalítico De acordo com Meltzer4 a trajetória da compreensão do paciente ob sessivo vem desde o relato clínico de O Homem dos Ratos de Freud até nossos dias salientando que o marco histórico mais significativo do trabalho de Freud consiste no estabelecimento do conceito de ambiva lência Em seu notável trabalho Freud pela primeira vez reconheceu o conflito entre amor e ódio como uma possível base para a Psicoterapia de orientação analítica 557 neurose dando um grande passo no sentido de constatar o conflito interno em sua ori gem e não apenas em seu desenvolvimento O segundo marco para Meltzer é o reco nhecimento da onipotência Freud a percebe como onipotência dos desejos Em 1913 Freud5 descreveu uma pri mitiva organização prégenital da libido carac terizada pela preponderância dos componentes instintivos anais e sádicos e considerou que os sintomas do paciente obsessivo eram o resultado da regressão da libido a esse estágio anal como tentativa de evitar a ansiedade de castração Em sua descrição do que denominou caráter anal Freud6 destacou três traços importantes amor à ordem leva ao formalismo parcimônia leva à avareza e obstinação pode tornarse uma irada rebeldia Reich7 denominou essa primitiva or ganização prégenital descrita por Freud co mo rigidez ou couraça desenvol vida como resultado crônico do conflito entre as demandas instintivas e o mundo externo frustrante Abraham8 partiu da ideia de Freud da regressão aos níveis pré genitais da libido e do uso do mecanismo de introjeção constatando haver uma ín tima relação entre a melancolia e os qua dros obsessivos Destacou porém que na melancolia é a perda do objeto que desen cadeia os sintomas enquanto os obsessivos apresentam uma atitude ambivalente em relação ao objeto Têm medo de perdêlo mas o mantêm Com base no motivo da relação entre impulsos sádicos e erotismo anal encon trados na primitiva fase para a qual regri de o paciente obsessivo Abraham defende que tanto o erotismo anal como os impul sos sádicos contêm duas fontes de prazer opostas Na fase anal o indivíduo trata seu objeto como trata o conteúdo de seu corpo fezes Nessa visão o objeto pode ser retido ou expulso A perda do objeto é perce bida como um processo de destruição componente sádico ou como um proces so anal de expulsão prazer libidinal Esse grupo de instintos que visa à destruição e à expulsão do objeto é mais primitivo Como tendência oposta em um nível pos terior predominam impulsos conservadores de reter prazer libidinal e de controlar o ob jeto componente sádico Entre esses dois níveis Abraham sugere uma linha divisória em que pelo predomínio da tendência de preservar o objeto surge o amor por ele Ao descrever o caráter anal Abraham9 enfatiza que o treinamento esfincte riano precoce da criança expõe seu narcisismo primitivo tão necessário para o desen volvimento a um primeiro e severo teste Quando a crian ça não consegue elaborar esse teste formase o cenário básico do ca ráter obsessivo Fenichel10 acrescenta que o erotismo anal é sempre de natureza bissexual por que o ânus é ao mesmo tempo um órgão excretor ativo e um orifício que pode ser estimulado por um objeto que o penetra Para o autor o conflito típico do obsessivo é a vacilação entre a atitude ativa masculina e a atitude passiva feminina O objetivo dos desejos femininos no homem não seria o de ser castrado mas o de ter algo introdu zido e retido dentro do seu corpo situação geradora de angústias e defesas Analisanda de Abraham com aguda sensibi lidade clínica Melanie Klein destacou o papel das primeiras ansiedades na gênese das neuro ses das psicoses e dos transtornos de caráter 558 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em seu clássico livro de 1930 Psica nálise da criança no tópico As relações entre a neurose obsessiva e os primeiros estágios do superego Klein11 descreve na criança a passagem do sadismo oral para o sadis mo anal tomando como referência os dois períodos do estágio anal descritos por Abraham como linha demarcatória entre neurose e psicose Klein apresenta os mecanismos fóbi cos referindo que na fobia ocorre o medo do su perego havendo uma modificação da angústia relacionada aos estágios mais precoces do desenvolvimento Sugere que a neurose obsessiva está relacionada a mo dificações que ocorrem com a fobia sen do que nesta elas atuam no estágio anal primário enquanto naquela começam a atuar no estágio anal secundário Salienta que a neurose obsessiva é uma tentativa de curar o estado psicótico que ela encobre Segundo Klein11 Em minha opinião o verdadeiro pon to de partida para a neurose obsessi va ou seja o ponto em que a criança desenvolve sintomas obsessivos e me canismos obsessivos situase no pe ríodo da vida governado pelo estágio anal secundário A dúvida decorrente da incerteza so bre o destino dos objetos atacados contri bui para a formação do caráter Klein des taca que o controle do obsessivo sobre as pessoas é o resultado de uma projeção múl tipla Em primeiro lugar procura desfazer se da intolerável compulsão que o acome te tratando seu objeto como se fosse seu id ou superego colocando sobre ele a coerção exercida pelas duas instâncias Dessa for ma atormentando seu objeto exerce seu sadismo primário Em segundo lugar projeta sobre os objetos externos o medo de ser destruído pelos objetos introjetados Esse medo sus cita a necessidade compulsiva de tentar controlar suas imagos o que não sendo possível cria a tirania sobre os objetos ex ternos Essa descrição de Melanie Klein é fundamental para entender a pressão que o paciente pode exercer sobre o terapeuta podendo mobilizálo a atuar uma vez que este possivelmente representa um papel em seu mundo interno Sob esse ponto de vista Klein afirma que as fantasias masturbatórias que acom panham o começo do conflito edípico são completamente dominadas pelos instintos sádicos centralizandose na cópula dos pais e dizem respeito a ataques sádicos dirigidos contra estes convertendose em uma das fontes mais profundas de culpa da criança Nesse sentido a culpa estaria ligada aos instintos destrutivos e não aos libidinais e incestuosos Abraham destacou o aparecimento do objeto de amor no segundo nível da fase anal pela tendência de preserválo Klein ao descrever a passagem da posição esqui zoparanoide para a depressiva mostra em nos so entender a íntima relação com essas ideias pois na chamada posição depressiva existe a preocupação com o destino do objeto que é visto como total surgindo sentimentos de culpa Se o objeto é considerado total ten do vida própria criase a possibilidade da presença de um terceiro Como consequên cia entramos na esfera do Édipo havendo uma interrelação entre complexo de Édipo e posição depressiva No caso do paciente Psicoterapia de orientação analítica 559 obsessivo seus impulsos sádicoanais com toda a constelação de defesas protegemno da percepção da cena primária Édipo e das ansiedades conco mitantes de castração CONTRIBUIÇÕES DE OUTROS AUTORES Liberman12 descreve o que chama de es tilos modos de interação e estuda sua relação com as estruturas psicopatológicas No paciente obsessivo descreve a chama da pessoa lógica ou paciente narrativo Segundo ele o estudo da comunicação hu mana pode ser feito por três pontos de vis ta o sintático o semântico e o pragmático O que o terapeuta busca com o paciente é entender sua linguagem para poder se co municar melhor O primeiro ponto de vis ta relacionase com os problemas acerca da transmissão da informação O significado é a preocupação central da semântica e a comunicação afeta o comportamento vi sualizando o aspecto pragmático Liberman12 enfatiza as mutações no vínculo transferencial usando critérios de estilo O modelo estilístico se torna per ceptível no pa ciente por determinadas for mas de sintaxizar semantizar e interatuar no vínculo transfe rencial Nenhum pa ciente usa um estilo único mas apresenta um estilo de fachada que corresponde ao mecanismo de defesa predominante com elementos de dois ou três subcomponentes estilísticos nos quais estão contidos os con flitos motivacionais patogê nicos Quando procuramos descobrir significados incons cientes estamos exercendo uma atividade semântica A pragmática é a relação exis tente entre o emissor e o receptor Ao inter pretar um paciente obsessivo dizendolhe que tenta controlar nossos pensamentos porque teme ser objeto de castigo do tera peuta estamos fazendo uma intervenção que tende a modificar a área pragmática pois fazemos o paciente entender o que existe por trás do que está dizendo emissor da mensagem e o que ele teme Por exem plo o paciente pode sentir o silêncio do te rapeuta como uma mensagem atemo rizante que deve controlar A estrutura sintática da frase pode nos dar a chave de tudo isso Zimerman13 além de relembrar os problemas básicos do obsessivo tais co mo a conflitiva edípica com a ansiedade de castração a homossexualidade latente e o masoquismo erógeno também descreve a multifatoriedade etiológica fatores ex ternos pais que impuseram um superego rígido e punitivo constitucionais exage rada carga de agressão que o ego não con segue processar e intrapsíquicos conflitos estruturais com o ego submetido a um superego cruel e pres sionado pelas deman das do id ou conflitos nas representações objetais Segundo o autor os mecanismos de defesa são bem conhecidos anulação isolamento formações reativas raciona lização e intelectualização e o obses sivo utiliza um sistema de pensamento cavila tório ruminativo pelo emprego do ou disjuntivo no lugar do e integrativo Nacht14 aponta que o vínculo entre fobia e neurose obsessiva está próximo mas que as manifestações diferem em al gumas formas Os mecanismos de defesa do obsessivo são controlados por um ego cujas funções estão mais evoluídas do que no paciente fóbico O obsessivo se defende fundamentalmente por meio do pensamento expresso nas obsessões 560 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A proteção para o medo é as segurada por dúvi das obsessivas Tanto no obsessivo como no fó bico o fator que ativa essas reações é sempre o mesmo o medo tanto dos impulsos libidinais como dos impulsos agressivos Schimel15 em Análise do diálogo do obsessivo divide o diálogo que ocorre na relação terapêutica em quatro itens a Separação das próprias afirmações O paciente tende a responder à aspereza das interpretações e a tarefa analítica é sensibilizálo para esse estilo defensivo Pelo mecanismo de isolamento o obses sivo usa o afeto para separálo de suas próprias comunicações Isso é particu larmente verdadeiro com sentimentos como escárnio zombaria depreciação sarcasmo e desvalia dirigida contra si Os aspectos transferenciais incluem a per cepção consciente ou inconsciente das possíveis tendências do terapeuta e das tentativas para iden tificálas O pacien te percebe o terapeuta como um agres sor e o rejeita Essas operações podem ser experienciadas como evidenciando culpa ou vergonha b Adjetivos advérbios e outras modifi cações O obsessivo vive em um mundo de esforços para ser uma pessoa correta Não tolera erros e tem uma predileção por adjetivos o que contrasta com o his térico que sofre a doença dos advérbios está horrivelmente doente abismal mente deprimido completamente exausto fantasticamente interessado e come em divinamente requintados restaurantes As preocupações do obses sivo com a acurácia dos fatos são parte de sua meta para encobrir o afeto não para gozálo perseguindo a não existência de ansiedade e a manutenção de uma frágil autoestima via expressão de poder so bre a realidade A linguagem e o humor estão presentes sem inflexão golpeando o interlocutor com um entorpecido monótono e repetitivo discurso exceto quando está raivoso c Contradições inconsistências e outras questões Em vista da necessidade de ser correto tem uma preocupação com as con tradições Esse é seu calca nhar de Aquiles bem como o do tera peuta O paciente monitora sua própria verbali zação editando ou corrigindo enquanto fala uma frase ou palavra que possa ser entendida como errada A preo cupação do obsessivo com as contradições não aparece somente enquanto está pensando ou falando mas também quando está ouvindo As interpretações do terapeuta ou não estão completamente certas ou não vão dire tamente ao ponto o paciente res ponde Sim mas O termo am bivalência denota a existência simul tânea de sentimentos opostos atitudes e tendências dirigidas a outra pessoa coisa ou situação A agonia do obsessivo sobre a tomada de decisões parece estar relacionada a essa ambivalência d Uma nota sobre despersonalização O fenômeno pode aparecer regularmente nos pacientes que estão progredindo no tratamento É crucial atentar para os as pectos transferen ciais de medo vergonha e desânimo que surgem nas comunica ções do sentimento de despersonalização e que fazem parte dos medos dos pacien tes de serem vistos como doentes ou mais doentes do que de fato são Isso deve ser considerado como um aspecto animador do processo de mudança de um estágio para outro Kainer16 alerta para o risco de que muitas vezes as dúvidas os labirintos ló gicos e a aparente falta de movimento do Psicoterapia de orientação analítica 561 obsessivo podem ficar agravados pela ina bilidade do terapeuta que acredita que esse distanciamento faça parte unicamente de algo induzido pelo paciente Além disso o autor encontrou uma situa ção comum en tre seus pacientes que chamou de o estilo parental Guardadas as particularidades de cada caso os pacientes tiveram pelo menos um dos pais extremamente crítico Tratase de uma crítica que começa cedo e da qual a criança não pode escapar Os comentários dos pais em geral iniciamse com a aparência física per sistem com o desempenho escolar mes mo que vá bem e estendemse a todos os aspectos do ser da criança Ao mesmo tempo esta tem o sentimento de que fez algo errado mas nunca tem a clara ideia de qual o procedimento certo Não sur preendentemente os pais são ansiosos obses si vos e muitas vezes afetivamente distantes O autor acredita que essa cons telação é mais importante como base na gênese do obsessivo do que o complexo de Édipo Considera a voz crítica como o conceito que pode ajudar a compreender e tratar o paciente obsessivo Gostaríamos de destacar o papel do superego na estrutura obsessiva Weissman em seu artigo Ego e superego no caráter e na neurose obsessiva17 descreve o gran de poder do superego sobre o ego o que causa uma reação interna de dependência e rebeldia semelhante à atitude da criança dian te de seus educadores No caso do ob sessivo a regressão ao sadismo anal modi fica o superego que se torna mais sádico apresentando traços arcaicos automáticos operando de acordo com a lei de Talião e obedecendo a regras mágicas Na situação clínica percebemos que o temor mágico está ligado a sentimentos de ser invadido por um objeto que o controlará manipu lará e comandará o qual por identificação projetiva corresponde a seus impulsos in vasivos e controladores O autor descreve um superego arcai co cuja função seria a de assemelharse ao poder parental na proteção contra suas de mandas instintivas préfálicas Esse supere go difere do que chama de superego geni tal que ajudaria na resolução do complexo de Édipo O superego arcaico préedípico for mase pela introjeção no ego de imagens e proibições parentais Quando este não dá lugar aos objetos que podem estrutu rar o superego maduro tal predominância tornase de suma importância na gênese da neurose obsessiva Referindose à contratransferência Eizirik18 destaca seis sentimentos comuns em relação ao paciente obsessivo 1 Sentimento de irritação manifestação defensiva do terapeuta diante da an gústia que lhe provoca sua dificuldade de penetrar na rigidez do controle do isolamento afetivo e da formação rea tiva 2 Sentimentos de desânimo desin teresse sonolência e de estar em uma rotina monótona expressam um terapeuta controlado por seu pa ciente 3 Sentimento de desafio e provocação a onipotência do pensamento obsessivo pode provocar reações igualmente oni potentes o que possivelmente leva a uma luta por controle e poder dentro da sessão 4 Sentimento de vitória sucesso e domínio da situação muitas vezes o pensamento obsessivo pode ser confundido com insight e a cavilação com um progresso do ego O pacien te aciona a negação e 562 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estimula a vaidade do terapeuta como uma forma de manter o controle 5 Sentimento de compaixão e solidarie dade desejo de fazer algo pelo paciente defendêlo ou protegêlo e de indig nação contra terceiros De repente o terapeuta sentese tomado por uma intensa reação emocional podendo chegar a manifestála dando razão ao paciente e até encorajandoo a reagir e a se defender terapeuta acionado por iden tificação projetiva 6 Sentimentos de satisfação e identifi cação com o paciente quando após o trabalho árduo com o paciente consegue chegar a uma maior com preensão de seus conflitos mesmo que de forma passageira O surgi mento de sentimentos amorosos pelo paciente quando vinculados ao real progresso no tratamento é um indicador de que as capacidades reparadoras estão sendo mobilizadas no paciente e de que o foco está sendo adequado A ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE OBSESSIVO Discutiremos algumas sugestões técnicas preconizadas por autores que trabalham com psicanálise e psicoterapia e daremos exemplos da prática clínica para comple mentar o que pensamos seja o mais indi cado no manejo desses pacientes Em geral a sessão começa com a tática de ten tar controlar os pensamentos do terapeuta por meio de um longo silêncio inicial cuja finali dade é induzilo a introduzir um tema Assim o obsessivo tenta livrarse da responsabilidade de expor o que está presente em sua mente Facilmente o terapeuta pode entrar nessa armadilha por angústia de não tole rar o silêncio ou por achar que o paciente deve ser estimulado a falar De modo in consciente assume o papel da pessoa de sejante na sessão o que serve como defesa para o paciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 A aberturapadrão de sessão José tem 35 anos e sente enorme violência por dentro o que o leva a envolverse em brigas na rua quando se sente agredido ou injustiçado Começa a sessão dizendo E aí doutor O te rapeuta permanece em silêncio até que o pa ciente sorri constrangido e pergunta Você vai me judiar Esse tipo de pressão pode levar o tera peuta a perguntar como ocorreu nessa ses são Como foi a sua semana Essa manobra defensiva é comum pelo medo que o paciente tem de entrar em contato com seus desejos amorosos ou agressivos Estimula o interesse do tera peuta por ele como forma de controlar a situação tornando este último responsável pelos desejos do paciente Uma forma de tentar mudar esse pa drão é mostrar ao paciente que essa atitude deixa o terapeuta sem saída se falar tira o espaço do paciente de ser espontâneo e trazer o que realmente o incomoda se não falar o paciente se sente judiado como se estivesse sendo colocado em uma posi ção de humilhação na história havia uma mãe que o colocava de joelhos sobre grãos de milho O obsessivo com frequência vê o tera peuta como um desafiador constante contra sua onisciência e onipotência e re Psicoterapia de orientação analítica 563 jeita toda nova consciência que o faça ad mitir para si e para os outros inclusive o terapeu ta que existem questões sobre as quais não tem conhecimento contro le obsessivo Por esse motivo o proces so é longo até que a confiança necessária na relação terapêutica possa ser atingida e não seja preciso evitar tanto os medos Essa característica confere ao tratamento o que podemos denominar de movimento pendular em que se alternam momentos sessões ou parte delas de aproximação e afastamento A dependência é ativamente evitada porque expõe a falência da oni potência oca sionando sentimentos de fra casso e fraqueza Como o obsessivo está sempre procurando fazer a coisa certa expõe suas dúvidas am bivalência contra pontos e outras manobras tentando induzir o terapeuta a encorajálo a tomar esta ou aquela decisão Este é um cuidado que o terapeuta deve ter em mente o paciente é quem deve to mar suas pró prias decisões e as intervenções do terapeuta não devem conter racionalizações ao examinar as dúvidas obsessivas Em outras palavras o terapeuta não deve tomar partido ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Construindo alternativas Paulo tem planos de fazer um curso importan te para sua atividade profissional e precisaria de uma licença e ajuda de custo da sua empre sa Fica temeroso de falar com o chefe pois a possibilidade de receber um não propiciará um afastamento raivoso Nesse momento o terapeuta pode mostrarlhe que está sempre limitado en tre esses dois caminhos sim e não e que não arrisca outra possibilidade por exem plo questionar por que não ou por que sim Essa abertura o deixa aliviado esti mulandoo a pensar em outras possibili dades se ouvir um não Durante a sessão ocorrem argumentos respostas e a discus são imaginária com o chefe que representa a figura paterna surgindo pontos obscuros a serem esclarecidos em sua história pes soal O obsessivo tende a ter duas respostas para suas indagações sim ou não Ao escu tar um sim sentese autorizado valorizado e pode se aproximar Escutando um não afastase imediatamente com o sentimen to de fracasso Desse modo fica caracteri zado o movimento pendular que precisa ser desfeito MacKinnon e Michels19 descrevem o indivíduo obsessivo como aquele que se encontra envolto em um conflito entre obediência e desafio O medo que provém do desafio conduz à obe diência e a ira que provém da obediência con duz novamente ao desafio fechando um círcu lo vicioso Segundo eles a maior parte dos traços de caráter que definem classicamente a personalidade obsessiva pode derivar desse conflito central19 Essas ideias são importantes na prática clínica pois observamos o quanto o pacien te obsessivo tem dificuldade de arriscar já que vivencia qualquer atitude sua como um de safio Quando é obrigado a escutar um não isso acaba gerando um tipo de submissão ao outro que desencadeia reações de ódio in terno estimulando mais desafios 564 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 O círculo vicioso Pedro está em psicoterapia com duas sessões semanais e demonstra visível chateação por ter solicitado passar para uma sessão por sema na e o terapeuta não ter aceito sugerindo que o assunto fosse mais bem examinado Ele não expressou seu descontentamento mas faltou à sessão seguinte sem avisar Pedro Não sei o que houve comigo acabei dormindo e não vim Queria saber se podería mos recuperar a sessão e aproveitando o ense jo quero dizer que vou seguir fazendo duas ses sões desde que sejam em outro ho rário Aqui aparece claramente a vivência de que está desafiando o terapeuta ao que rer mudar a frequência das sessões Quan do o terapeuta propõe examinar o assunto o sentimento é o de ter recebido um não isso gera a atitude de submissão ao conti nuar com as duas sessões mas também de raiva provocando uma falta além de que rer submeter o terapeuta ao seu horário mantendo esse círculo vicioso indefinida mente A necessidade do obsessivo de ser perfeito torna sua comunicação plena de qualificações o que dificulta o processo porque em vez de clarificar obscurece as questões Mesmo que isso possa parecer uma tentativa de confundir e bloquear o pensamento do terapeuta devese levar em consideração que o paciente está tentando ser mais preciso e evitar cometer erros e não simplesmente sabotar o tratamen to Essa atitude acaba conferindo uma ca racterística ruminativa cavilatória às comunicações do paciente e na verdade constitui uma falsa associação livre Nesse aspecto o terapeuta deve ser mais ativo interrompendo o detalhamento e enfo cando os aspectos mais relevantes ainda que o pa ciente não os veja assim Pensando que a associação livre faz parte da técnica preconizada em qualquer tratamento de orientação analítica pode mos observar que na medida em que o terapeuta é sentido como o pai ou pais que sobrecarrega a criança com exigências prematuras o paciente tem como único recurso cumprir formalmente com a re gra fundamental Esta porém conspira com as técnicas obsessivas uma vez que as emoções ingrediente necessário em todo tipo de interação são equiparadas a excre mentos que têm de ser retidos Em alguns momentos essas defesas obsessivas podem fracassar e o paciente consegue evacuar conteúdos emocionais desenvolvendo es tados catárticos na sessão revelando ver dades secretas O obsessivo tem grande habilidade para escapar de qualquer envolvimento com o terapeuta apesar de falar intensa mente sobre o assunto pois o faz com uma sucessão de palavras sublinhadas por uma compreensão intelectual e afastadas de qualquer resposta emocional Dessa manei ra nossas intervenções devem considerar a extraordinária capacidade do obsessivo de evadirse desviarse ofuscar e deslocar a fim de evitar que qualquer intervenção re force ou encoraje essas defesas Estão sempre presentes mecanismos de onisciência e onipotência Devido a eles o obsessivo desenvolve atitudes que se ex pressam como beligerância ou condescen dência em relação ao terapeuta Secreta mente sentese superior grandiosidade e despreza o terapeuta Sentese acima de Psicoterapia de orientação analítica 565 tudo o que está acontecendo Procura listar todas as deficiências da técnica e do con sultório do terapeuta para utilizálas pos teriormente como forma de hostilidade É necessário muito tempo para que o pacien te expresse suas dúvidas sobre o tratamen to Sua onisciência não permite reconhecer dificuldades e resiste às interpretações que o confrontam com isso A grandio sidade o faz esperar saltos mágicos e avanços maci ços no tratamento É impaciente com pequenos ganhos e espe ra interpretações magistrais que serão segui das por grandes avanços ou pela cura ficando desapontado quando lhe são mostradas repe tições de antigos padrões Critica intensamen te a psicoterapia e a si próprio por essa falha nada mudou é uma perda de tempo e de di nheiro ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Ego a serviço de um superego sádico Carlos é um profissional bemsucedido que está retornando das férias e vem mantendo al gumas sessões em atraso nunca consegue pa gar em dia Relata que deixou para a última hora a entrega de um trabalho para um cliente pondo em risco essa relação profis sional Diz Carlos Acabei passando um bom fim de ano na praia sentime motivado para traba lhar mas foi só voltar que ficou tudo como era antes sem motivação tenho pensado nisso porque me dei conta de que existe algo que im pede a execução mas não é dificuldade de fa zer consigo planejar tudo e até poderia execu tar não consigo entender o que me bloqueia o que me deixa sem iniciativa e me impede de terminar os trabalhos Esse início de sessão deixa o terapeu ta desanimado com um sentimento de impotência Aparecem aqui o controle e a dificuldade de colaborar com o trata mento Essa agressão sutil é percebida pelo terapeuta contratransferencialmente ao sentirse esvaziado e desmotivado O terapeuta interpreta O que temos visto é que isso acontece porque também existe um objetivo indireto de manifestar sua raiva para com outras pessoas como ocorreu com o trabalho para o cliente que quase não conseguiu fazer O paciente adota uma posição visivel mente defensiva explica que deixou para entregar o trabalho na última hora e diz Consigo entender que existe uma dificul dade minha que acaba atingindo os outros mas não consigo sentir isso No decorrer da sessão fala que seu laptop foi roubado na praia e que isso o impediu de trabalhar Nesse fragmento de sessão aparecem claramente a dissociação ideoafetiva e o grande temor do obsessivo que é o da cas tração ter seu laptop roubado A agressão do paciente aparece nas relações sociais e familiares e na transferência criando situa ções nas quais ele provoca sofrimento aos outros Uma interpretação que poderia ser usada para não deixar o paciente em po sição tão defensiva seria a centrada no te rapeuta por exemplo mostrar como o paciente o deixa imobilizado como forma de não demonstrar suas fragilidades e seus temores Como afirma Liberman12 ao des crever a sessão de um paciente obsessivo uma vez que o paciente atribui ao terapeuta o papel do pai exigente que inspira temor e a partir de sua percepção considera o alguém que impõe que conte tudo a verbalização tem as características de uma narração cen trada em sequências tempo 566 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs rais ou espaciais A hostilidade despertada por esse tipo de interação comunicativa deve ser separada e controlada deixandoa fora do vínculo transferencial O paciente organiza um discurso tal que nos impres siona como se o estivesse ditando À me dida que por um lado a hostilidade e o medo e por outro o desejo de agradar e acalmar forem se separando ainda mais o discurso irá gradualmente se ordenando e a tensão muscular crescendo descrição da formação reativa O paciente se concentra nos elemen tos verbais da comunicação e sente uma grande atração pelos aspectos sintáticos e semânticos Por causa disso desprivilegia a finalidade pragmática da comunicação O paciente se caracteriza pe la habilidade de desarticular por meio da análise crítica o sig nificado coerente das interpretações A lógica formal se constitui assim em um instrumento que tende a contra atacar a lógica das emoções ou seja a tra dução verbal dos processos primários que o terapeuta percebeu e verbalizou por meio da interpre tação Quanto à abordagem podemos no tar que a capa defensiva na qual o paciente obsessivo se refugia está solidamente cons truída e parece impenetrável a um ataque frontal Sobressai muitas vezes a teimosia com a qual obtém satisfação nas discussões com o terapeuta pela erotização do próprio pensamento É fundamental que o terapeuta não entre no jogo proposto e tente construir uma relação em que o importante seja uma conduta verdadeira e espontânea sempre buscando a emoção escondida Pensando pelo modelo clássico o fo co estará na agressividade latente e mesmo os sentimentos amorosos podem ser vistos como defesa contra a hostilidade forma ção reativa O conteúdo dos rituais as dú vidas as indecisões e os impulsos perfeccio nistas devem ser observados e interpretados como evidência de intenções e desejos rela cionados a pessoas significativas de sua vida Dessa forma o processo terapêutico deve apontar interpretar e rever tais atitudes en fatizando a agressivi dade e relacionandoa a sua origem libidinal e ao período anal sádico do desenvolvimento psicossexual da personalidade Esse tipo de abordagem valo riza a historicidade do paciente Tecnicamente devese evitar responsa bilizar o paciente pelo andamento lento do processo ou por cooperar pouco Quando o progresso é len to ou ausente não se deve atribuir isso à resis tência do paciente ou a uma resposta negativa ao tratamento Devese ter em mente que muitos im passes terapêuticos podem ser o resultado de manejos inadequados por parte do te rapeuta das defesas obsessivas Fenichel10 descrevendo os mecanis mos de defesa refere que a formação reativa provoca uma satisfação narcisista à qual o paciente não quer renunciar O isolamento é responsável pela dificuldade em associar livremente para não entrar em contato com o que já esteve unido a anulação apa rece na repetição que ocorre ao longo do tratamento O autor descreve situações que po dem impedir a evolução do tratamento a a contínua atenção censora que impede a associação livre o paciente não consegue expressar suas experiências subjetivas valorizando o relato objetivo b o mecanismo de isolamento no qual o ego está dividido e tem uma parte in Psicoterapia de orientação analítica 567 consciente mágica que não é atingida pelas interpretações c a necessidade de a terapia atingir cama das mais profundas d relações objetais regidas por tendências sádicoanais e a dissociação ideoafetiva f o pensamento sexua lizado que é o ins trumento de cura curar pelas funções que se encontram afetadas g ganhos secundários com o narcisismo das formações reativas h o surgimento de sintomas físicos durante o tratamento os quais o paciente não su porta Tudo isso demanda um trabalho que pode durar muito tempo Segundo Nacht14 uma aproximação terapêutica com o paciente obsessivo requer técnicas especiais principalmente ao se con siderar a ambivalência O ritual obsessivo tem o propósito de impedir qualquer ex pressão concreta de manifestações dos dois impulsos opostos A angústia surge a partir da confusão inconsciente que faz o paciente ex ternar amor e ódio ao mesmo tempo pro vocando sentimentos de dar e recusar Assim o terapeuta tem de ajustar com preci são a distância a ser estabelecida na relação com o paciente Se a relação for estreita e o pacien te for incapaz de tolerála isso será senti do como um ataque ao seu isolamento e o medo consequente será intenso Se for muito distante o pa ciente se sentirá frus trado e incom preendido O terapeuta deve operar em dois ní veis ao mesmo tempo o nível do caráter e o nível mais primitivo das primeiras relações objetais O autor sugere que se evite a aná lise da fixação no estágio analsádico ca racterística clássica do paciente obsessivo pois ao incentivar a atenção nesse estágio de sua evolução o paciente estará evitando o confronto crucial da conflitiva edípica da qual se originou seu temor inconsciente de castração O uso excessivo dos mecanismos de defesa que impedem manifestações espon tâneas sentidas como perigosas gera o sen timento de uma falsa identidade Durante um longo tempo o paciente necessita de reasseguramento para ser capaz de exterio rizar pensamentos e afetos Precisa confiar amar sem ser rejeitado sentirse entendido sem ser julgado para aos poucos perceber e revelar sua verdadeira identidade ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 5 O problema da identidade Tratase de um médico que na sessão descreve sua conduta diante de um paciente com doença grave assumindo o papel de professor dizendo tudo que um professor diria Dessa maneira pa rece livrarse dos sentimentos angustiantes susci tados pela proximidade da morte Depois passa a falar na dificuldade em tolerar frustrações ter de esperar em filas encontrar pessoas desorganiza das não conseguir vaga no estacionamento Diz ele É o desperdício de tempo que me incomoda e acho que não vou mudar nun ca perco muito tempo quando vou fazer algu ma coisa como por exemplo viajar reviso o carro troco o óleo encho os pneus reservo ho tel e então posso ir não consigo fazer coisas sem programar mas perco muito tempo fazen do isso Uma vez fui a um congresso cheguei ao hotel e não tinha reserva no meu nome Os funcionários estavam de má vontade e não aju daram Minha sorte foi que encontrei um cole ga de outro país que achou as reservas em ou tro nome e então deu tudo certo mas e se eu não tivesse encontrado o colega 568 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Aqui aparecem o prejuízo com a es trutura defensiva e o sentimento de uma falsa identidade Existe uma alusão trans ferencial ao referirse à ajuda do colega para tentar encontrar a verdadeira identi dade No entanto tratase de uma pessoa que está sempre impondo a si um grau importante de sofrimento e sua história revela um pai alcoolista a quem desvalo rizava um personagem histórico que de pois irá aparecer sob a forma persecutória e idealizada no professor e na relação com o terapeuta Outro aspecto que provoca ansiedade quando o paciente e o terapeuta são homens é a chama da angústia homossexual decorrente da natu reza bissexual do erotismo anal São situações nas quais o terapeuta pode ficar perturbado e defensivamen te interpretar o material em termos da agressi vidade não compreendendo o con teúdo se xual infantil amoroso que está im plícito Existe também a possibilidade de o terapeuta bloquear o nível de comunicação do paciente quando faz uma interpretação incompleta colhendo a agressividade e não os sentimentos amorosos o que pode levar o paciente a expelila ou usála no jogo sa domasoquista sentindose maltratado ou estimulado a uma atitude de revide por exemplo De qualquer forma quando as defe sas obsessivas começam a ficar atenuadas passa a revelarse outro tipo de ansiedade ligado a uma fase mais evoluída da sexua lidade genital as angústias em torno da percepção da cena primária Édipo e a ameaça de castração ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 6 O controle da cena primária Maria é uma moça do interior que veio morar na capital para cursar a universidade Ficou em uma pensão gerenciada por religiosas compar tilhando o quarto com outras colegas Recente mente mudouse para um apartamento próprio e iniciou relacionamento sexual com o namora do o que provocou uma crise de angústia e a busca do tratamento Desde o início ficou ca racterizada uma estrutura obsessiva de persona lidade pelo grau excessivo de exigências quanto ao desempenho na faculdade os medos de puni ção as preocupações com detalhes e com o tem po além das culpas por sentir sua sexualidade como proibida Chama a atenção o grau de con trole sobre os pais especialmente sobre a mãe para quem liga todos os dias para conversar sem motivo aparente Existe a valorização exces siva dos aspectos intelectuais e o intenso contro le interno e externo a paciente já manifesta na transferência a relação com esse objeto exigen te e perseguidor Tratase de uma pessoa com in tenso sofrimento e limitações em sua vida Durante alguns meses de psicoterapia costumava deixar o telefone celular ligado justificando que os pais podem precisar falar comigo e tenho de estar disponível Aparecem o controle que exerce sobre os pais e a necessidade de ser controlada por eles não podendo ficar a sós com o terapeuta Esse pa drão marca o processo cujo foco está no contro le da cena primária Durante uma sessão ocorre o seguin te diálogo Psicoterapia de orientação analítica 569 Maria Não sei o que vou dizer hoje não aconteceu nada de novo Quando acontece algo já ve nho com um assunto Terapeuta Fica mais fácil quando você tem algo preparado Maria rindo É esses dias fiz provas que não foram difíceis e foi tudo bem Às vezes acho que mudou alguma coisa no meu modo de pensar Nessa sextafeira fiquei aqui resolvi não ir para a casa dos meus pais O meu namora do também ficou Na verdade fiquei porque quis Antes eu só ficava por obrigação Terapeuta Também está tolerando ficar mais tempo aqui Maria O meu namorado tem me ajudado nisso Fico me com parando com a F que era a minha companheira de viagem e vejo como a situação está di ferente Eu sempre viajava com ela para o interior e comprava a passagem para o horário mais próximo do término das aulas eu não parava para pensar Eu ainda tenho vontade de ir lá mas não é como antes Mas continuo ligando para a minha mãe mesmo sem necessidade Tem vezes que fico contando os minutos para chegar a noite quando o horário é mais ba rato Terapeuta Ao mesmo tempo que está conseguindo ficar mais tempo aqui tem uma parte sua que ainda quer manter o controle dos seus pais Maria Eu não entendo bem eu não determino o que eles fazem Controlar só se é porque quero sempre saber o que eles estão fazendo Terapeuta O que estariam fazendo à noite sozinhos Maria rindo Confesso que quando ligo para casa e eles não estão fico triste parece que eles sem pre têm que estar lá Mas não preciso falar com os dois às vezes só falo com minha mãe Terapeuta Sim falar só com um é uma garantia de que não estão jun tos Maria Você acha que é isso que fico controlando os momentos ín timos deles Nunca tinha pensado nisso penso mais na dificuldade de me distanciar deles Maria tem aspectos fóbicos mas pre domina a estrutura obsessiva que aos pou cos vai sendo atenuada fazendo o entendi mento dos seus conflitos permitir melhor rendimento nos estudos e aproveitamento da vida afetiva Fiorini20 em seus trabalhos de pes quisa em psicoterapia tenta discriminar a técnica adequada para as estruturas ob sessivas defendendo que as dissociações ideiaafeto mentecorpo representação impulso constituem os problemas funda mentais a serem traba lhados Descreve sete movimentos básicos a Inverter a perspectiva do ego obses sivo O paciente parte do pressuposto de que seu problema é a falta de perfeição e não a aspiração a essa perfeição O ego ideal narcisista próprio da estrutura obsessiva espera encontrar essa perfeição por meio do tratamento e o papel do terapeuta é 570 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs mostrar que esse ideal é seu verdadeiro inimigo A tentativa de alcançar esse ideal é frustrada e o paciente se deprime se desilude e não sabe para onde dirigir sua raiva Parte dela é dirigida a si próprio tomando a forma de uma exigência im placável tem de dar tudo de si b Criar noções e experiências de sujeito e de subjetividade Na estrutura obsessiva o ego ideal tiraniza o sujeito e estabelece um implacável sistema de exigências O terapeuta tem de pôr em evidência o temor do paciente de expressar um sujeito que possa escolher caminhos sempre expondo suas necessidades em confronto com o que pensa ser a vontade dos outros Diz Fiorini20 A busca incessante de um objeto dese jante para o sujeito desejado encobriu a existência de um sujeito também de sejante este ficou rigidamente encer rado no sistema de desejar ser o obje to de desejo do outro Esse parece ser um ponto crucial na abor dagem do obsessivo pois no meio do seu relato é importante que o terapeuta saiba quais os seus desejos e necessidades c Mobilizar comportamentos expressivos e desejantes O terapeuta pode confron tar o paciente no sentido de aumentar sua capacidade de reconhecer as próprias emoções além de expressálas Fiorini sugere que além do reconhecimento e da expressão das emoções o paciente deve ser estimulado a vivenciálas sendo essa vivência um fator de crescimento emocional Quando o paciente percebe a possibilidade e a necessidade de expres sar estados emocionais que aprendeu a reconhecer revelamse melhor as angús tias e as defesas estruturadas provocando elaborações d Dar ensejo ao surgimento do tera peu ta no lugar do terceiro A tendência do pa ciente é a de colocar o terapeuta no papel do outro que faz exigências formando uma díade especular pressiona o terapeu ta a falar no que deseja preocupase se o está agradando e assim por diante Essa é a marca da transferência do paciente obsessivo Do ponto de vista técnico somente a interpretação das projeções de uma figura superegoica não altera esses au tomatismos transfe ren ciais O tera peuta deve colocarse em uma posição não desejante e até onde for possível exercer esse papel Se essa posição for sustentada poderá ocupar o efetivo lugar do terceiro o que introduzirá no psiquismo do paciente uma novidade em matéria de organiza ção de vínculos algo que não é regido pelas pressões de uma exigência de es pelho e Desenvolver relações de integração entre diferentes níveis e tipos de pensamento e linguagem O obsessivo usa o processo secundário de pensamento como defesa apresentando um mundo objetivo e es tados de coisas mais do que significados O terapeuta ao empregar noções concei tuais irá apenas ampliar a defesa de racio nalizações O objetivo é introduzir uma linguagem capaz de aproximar o pacien te do processo primário de pensamento Em vez de recorrer a uma linguagem de ideias é preciso recorrer a uma linguagem plástica poética dramática O terapeuta deve evocar com a palavra o mundo da ação f Desenvolver condições para a recons trução da história pessoal Quando o Psicoterapia de orientação analítica 571 processo avança o paciente pode revisar seu lugar em sua história desejos riva lidades posições no triângulo edípico fantasias de triunfo e agressão bem co mo o jogo de identificações familiares aos quais se sujeitou A elaboração de tudo isso o levará a revisar a história oficial surgindo o observador crítico g Produzir abertura a experiências pro fundas de castração assumindo seu caráter liberador Há uma perda da imagem de si passagem necessária para a libertação do sujeito Ocorre mudança de papéis podendo o paciente mudar de uma atitude passiva para uma ativa deixar de ser bemcomportado adquirir tolerância a contrair dívidas aceitar a dependência Muda a postura de estar sempre posando para a posteridade No processo de tratamento a inces sante busca dos eventos do passado fica facilitada quando o paciente pode ver as distorções e as atitudes defensivas em cir cunstâncias nas quais fica difícil colocar dúvidas Para tanto sugere Fiorini é mais efetivo examinar os acontecimentos recen tes no aqui e agora que em geral con têm menos distorções Enfocando os eventos recentes temos a possi bilidade maior de explorar as emoções evitadas Algumas considerações ainda que su márias nos parecem importantes ao tema São as que se referem aos modelos teóricos que têm relevância em relação às mudanças na técnica da psicoterapia Recomendase a leitura de alguns autores como Bion2122 pelos seus conceitos de capacidade de rêve rie e elementos alfa e beta MoneyKyrle23 com as ideias sobre os estágios da aborda gem da doença mental e Ferro2425 pelos modelos de escuta pelo uso do termo nar rações e pelas ideias sobre interpretações saturadas e não saturadas questiona o va lor de uma interpretação que sature o sig nificado em determinado momento Pensando no obsessivo a saturação pode ser uma situação esperada na medida em que o terapeuta busca atingir o superego ou o ideal de ego No entanto Ferro salienta que essa operação de decodificação de uma verdade verdadeira lembra as interpreta ções dos críticos que têm a pretensão de des vendar o verdadeiro significado de uma obra de arte e pode tolher a criatividade da dupla A transformação conarrativa e a conarração transformativa que acontecem como uma verdadeira cooperação entre pa ciente e ana lista são filhas da mente de ambos e geram significados novos e abertos Isso tem importância na clínica pois o modelo de Bion associa as patologias a uma carência ou ausência de função alfa e a uma hiperpresença de elementos beta que não encontrando possibilidade de trans formação são constantemente evacuados segundo várias modalidades O ponto focal é portanto não tanto o acúmulo de ele mentos beta mas a carência de função alfa um dano derivado da falência muito preco ce nas relações sociais que não permitiu uma introjeção da função alfa primeiro constituinte de qualquer forma de menta lidade No caso das estruturas obsessivas haveria acúmulo de fatos não digeridos elementos beta que ameaçam transbordar provocando um reforço dos pilares dos diques defesas para controlar a ameaça de inundação Utilizando o modelo de Bion inte grado às contribuições de MoneyKyrle e Ferro poderíamos considerar a importân 572 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cia de se avaliar o quanto de função alfa está íntegra no paciente para ver a melhor estratégia a seguir Por exemplo com um paciente em início de tratamento seria importante não usar tanto interpretações saturadas e permitir que elementos beta do campo se tornem menos tóxicos Ferro25 alerta ser importante que o terapeuta não assuma o papel de intérprete do que está acontecendo com o paciente pois reflete narcisismo Isso é muito diferente de o te rapeuta com seu segundo olhar ser o intér prete do que está acontecendo com a dupla ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 7 O paciente assinalando o que acontece na relação Roberto é um homem com típica estrutura ob sessiva que se caracteriza por intenso temor de expressar os sentimentos agressivos e ser espontâneo associado a um desejo de gran diosidade em sua atividade profissional Inicia a sessão dizendo que conseguiu falar do seu descontentamento com a esposa e que isso os aproximou muito No entanto precisa enfren tar uma pessoa no ambiente de trabalho e não sabe se vai conseguir falar coisas que a pes soa pode não gostar Lembra mais adiante a história de duas amigas história que escutou em sua infância que deixaram de se encontrar porque uma delas ao visitar a outra atropelou seu gato A amiga do gato atropelado assistiu à cena mas não falou nada Deixaram de se visitar por um tempo até que uma delas tomou a iniciativa e resolveu falar sobre o acidente criando condições para o rea tamento da amizade O sentimento gerado entre elas foi o causador do afastamento Essa seria uma maneira de o paciente assinalar que na relação entre ele e o tera peuta existe um acidente ou uma violência que fica encoberta pelo distanciamento na sessão Uma interpretação baseada no mode lo intrapsíquico consistiria em mostrar na transferência o medo que o paciente tem de seus sentimentos agressivos de fazer al guma crítica ao terapeuta por exemplo Outra abordagem baseada em um modelo in teracional e procurando não ser saturada seria assinalar o quanto é desagradável ter coisas a dizer para alguém e ter medo de que a pessoa fique magoada o que abarcaria as duas possi bilidades da história Quando duas pessoas ficam receando falar dos sentimentos ou da realidade que percebem ocorre um afas tamento Quan do podem manifestar seus sentimentos abertamente ocorre uma aproximação No caso o terapeuta considera que o pacien te já está podendo exercer a função alfa de maneira mais efetiva quando diz que con seguiu aproximarse da esposa ao falar do seu descontentamento para com ela Voltando ao tema da função conti nente de Bion podemos afirmar que to do terapeuta que acolhe os sentimentos e as angústias dolorosas de seus pacientes a está exercendo plenamente É perceptível que isso ocorreu desde o início da psicaná lise com Freud e com todos os analistas e tera peutas que tiveram a sensibilidade de tentar entender o mundo interno que es tava a sua frente É evidente que acontece ram mudanças técnicas e que outras ainda ocorrerão mas a base sempre será uma re lação pessoal fundamentada na verdade e na curiosidade de entender o que se passa nas duas mentes em interação Um exemplo disso pode ser encon trado no trabalho de Freud26 referido no início do capítulo quando O Homem dos Psicoterapia de orientação analítica 573 Ratos não entende como podia sentirse um criminoso em relação ao pai sendo que na rea lidade jamais cometera crime algum contra ele Durante a sessão o paciente dá se conta do que chama de desintegração da personalidade Freud responde que esta va de acordo com essa noção de uma divisão splitting da sua personalidade Sugere que o paciente deveria assimilar esse novo con traste entre um eu moral e um eu mau como o já mencionado entre o consciente e o incons ciente O paciente afirma então que embora se considerasse uma pessoa moral podia lembrarse não obstante com bastante determinação de haver feito coisas em sua infância que provinham do seu ou tro eu Relata Freud26 Observei que aqui incidental mente ele havia atingido uma das princi pais características do inconsciente ou seja a relação deste com o infan til O inconsciente expliquei era o in fantil era aquela parte do eu self que ficara apartada dele na infância que não participara dos estádios posterio res do seu desenvolvimento e que em consequência se tornara reprimida Os derivados desse inconscien te re primido eram os responsáveis pelos pensamentos involuntários que cons tituíram a sua doença Nessa intervenção Freud vincula os temores de seu paciente ao infantil propor cionandolhe um grande alívio Poderíamos dizer que se estabeleceu uma função rêverie Isso é corroborado por Kan zer27 que salienta que a atitude tranquili zadora de Freud para com O Homem dos Ratos não foi em absoluto uma exceção CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo terapêutico requer um cuida doso exame dos padrões defensivos que o paciente mantém de forma compulsiva e dos quais reluta em abrir mão Também exige por parte do te rapeuta tolerância e habilidade em se manter interessado ao en frentar aborrecimento e o comportamento repetitivo que parece contínuo apesar das clarificações das interpretações e das con cordâncias do paciente sobre suas dúvidas destrutividade e negativismo Essa é preci samente a natureza do sintoma obsessivo que é repetido sem nenhuma alteração ape sar do conhecimento de sua inadequação As estruturas obsessivas obrigam nos a uma profunda busca clínica para encontrar eficácia técnica pela articulação de recursos que resultam da convergência de contribuições e de experiências de várias correntes psicoterapêuticas A estrutura da sessão segue o padrão geral isto é com o terapeuta verificando a transferência a an siedade predominante as defesas acionadas e o que elas estão protegendo e também exige alguns cuidados especiais por exem plo a necessidade de discriminar o que é relevante ou irrelevante na comunicação do paciente Considerando que tudo é re levante estaremos reforçando as defesas Não podemos perder de vista que é o te rapeuta quem gerencia o processo e o que selecionamos depende de muitos fatores como o referencial teórico e a natureza do foco principal que está sendo examinado e das lembranças reativadas Pensamos ser de extrema importância dar uma atenção especial ao contrato terapêutico Com o paciente obsessivo no momento do contra to temos uma situação ímpar para observar as manifestações de seu caráter É comum o paciente criticar em ge ral de forma velada todo o contexto da psicoterapia percebendo o terapeuta como 574 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs um ditador de regras ao qual deve se sub meter Devemos estar atentos a esses mo vimentos para não assumirmos um papel passivo deixando o paciente no comando do processo ou para não nos colocarmos em uma atitude autoritária querendo que o contrato seja cumprido rigidamente O mais importante é mostrar ao paciente que esse padrão de relacionamento já está presente nos sentimentos transferenciais Outro problema importante é como observamos as mudanças Para Salzman28 isso ocorre quando o obsessivo se torna ca paz de compreender sua estrutura neuró tica como defesa contra o reconhecimento de suas fraquezas podendo começar a construção de um novo sistema de segu rança em um nível mais produtivo Tentando integrar as várias correntes psicanalíticas citadas é possível afirmar que ocorre uma mudança psíquica no paciente obsessivo quando este consegue na teoria freudiana se estabelecer com mais como didade na etapa fálica não precisando usar defensivamente a regressão à etapa anal pa ra se proteger da ansiedade de castração Na teoria klei niana o paciente deverá restrin gir o uso dos mecanismos de cisão o que propiciará a inte gração do objeto interno aterrorizador que é o superego acionando mecanismos reparadores típicos da posi ção depressiva Pensando em Bion a mu dança ocorreria com o uso da função alfa desenvolvida na relação terapêutica criando condições para o paciente ser continente dos próprios sentimentos e desenvolver sua ca pacidade para pensar Todas essas possibi lidades podem evitar como bem descreveu Saramago o surgi mento do ímpeto cego e arrasador da ira dos mansos Mesmo sem a pretensão de esgotar o tema tentamos oferecer ao leitor algumas sugestões de intervenções que podem ser vir de guia tanto para a sessão como para o processo psicoterápico nessa difícil tarefa que é tratar o paciente obsessivo PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Ainda que a incidência do transtorno da personalidade obsessivocompulsiva seja maior em pacientes com transtorno obsessivocompulsivo essas patologias podem não estar associadas 2 Na descrição do que denominou caráter anal ou o atual transtorno da personalidade obsessivocom pulsiva Freud6 destacou três traços importantes amor à ordem que leva ao formalismo parcimônia induz à avareza e obstinação rebeldia 3 O obsessivo se defende fundamentalmente por meio da atividade do pensamento expresso nas obses sões a proteção para o medo dos próprios impulsos é as segurada pelas dúvidas obsessivas 4 O obsessivo vive em um mundo de esforços para ser uma pessoa correta e que não tolera erros 5 A linguagem e o humor estão presentes mas sem inflexão afetiva transmitindo ao interlocutor um entorpecido monótono e repetitivo discurso exceto quando está raivoso 6 O paciente monitora com cuidado o próprio discurso editando ou corrigindo uma frase ou palavra que possa ser entendida como errada 7 O paciente teve pelo menos um dos pais extremamente crítico tratase de uma crítica que começa cedo e da qual a criança não consegue escapar 8 Com o paciente obsessivo no momento do contrato temos uma situação ímpar para observar as mani festações de seu caráter 9 As características obsessivas do paciente costumam provocar no terapeuta sentimentos de irritação desânimo desafio e provocação Em fases mais adiantadas da psicoterapia e diante das melhoras do Psicoterapia de orientação analítica 575 REFERÊNCIAS 1 Saramago J O homem duplicado São Paulo Companhia das Letras 2002 2 Gabbard GO Psychoanalytically informed approa ches to the treatment of obsessive compulsive disorder Psychoanalytic Inqui ry 200121220821 3 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Washington American Psychiatric Association 2013 4 Meltzer D O homem dos ratos neurose ob sessiva In Meltzer D O desenvolvimen to kleiniano desenvolvimento clínico de Freud São Paulo Escuta 1989 v 1 5 Freud S A disposição à neurose obsessiva uma contribuição ao problema da escolha da neurose In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 12 p 393409 6 Freud S Caráter e erotismo anal In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1969 v 9 p 17381 7 Reich W Analisis del carácter Barcelona Paidós 1980 8 Abraham K Breve estudo do desenvolvi mento da libido visto à luz das perturba ções mentais In Abraham K Teoria psi canalítica da libido Rio de Janeiro Imago 1970 9 Abraham K Contribuições à teoria do cará ter anal In Abraham K Teoria psicanalítica da libido Rio de Janeiro Imago 1970 10 Fenichel O Teoría psicoanalítica de las neu rosis Buenos Aires Paidós 1966 11 Klein M As relações entre a neurose obses siva e os primeiros estágios do superego In Klein M Psicanálise da criança São Paulo Mestre Jou 1969 12 Liberman D Psicopatologia Rio de Janeiro Campus 1982 13 Zimerman DE Neuroses In Zimerman DE Fundamentos psicanalíticos teoria técni ca e clínica uma abordagem didática Porto Alegre Artmed 1999 cap 17 14 Nacht S The interrelationship of phobia and obses sional neurosis Int J Psychoanal 19664721368 15 Schimel JL Dialogic analysis of the obses sional Com temporary Psychoanalysis 1974 10187101 16 Kainer R The critical voice in the treatment of the obsessional Contemporary Psychoa nalysis 197915227687 paciente podem surgir sentimentos de compaixão solidariedade satisfação e identificação com o paciente 10 Na psicoterapia o paciente é quem deve to mar as próprias decisões e as intervenções do terapeuta não devem conter racionalizações ao examinar as dúvidas obsessivas 11 Quando o paciente se estende em seu discurso ruminativo o terapeuta deve ser mais ativo interrom pendo o detalhamento e enfo cando os aspectos mais relevantes do material 12 Devido aos sempre presentes mecanismos de onisciência e onipotência o obsessivo desenvolve atitu des que expressam beligerância ou condescendência em relação ao terapeuta que devem ser assina ladas 13 Devese evitar responsa bilizar o paciente pelo andamento lento do processo ou por ele não estar coope rando entendendose isso como parte de suas resistências caracterológicas 14 O processo terapêutico requer um cuidadoso exame dos padrões defensivos que o paciente compulsi vamente mantém e dos quais reluta em abrir mão 15 Exige do te rapeuta tolerância e habilidade em se manter interessado ao enfrentar o aborrecimento e o comportamento repetitivo apesar das clarificações das interpretações e das concordâncias do paciente sobre suas dúvidas destrutividade e negativismo 576 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 17 Weissman P Ego and superego in obsessio nal character and neurosis Psychoanal Q 195423452943 18 Eizirik CL A contratransferência e sua utili zação no tratamento de pacientes obsessivos In Eizirick CL Aguiar RW Schestatsky SS Psicoterapia de orientação analítica teoria e prática Porto Alegre Artes Médicas 1989 19 Mackinnon RA Michels R El paciente obse sivo In MacKinnon RA Michels R Psiquia tría clínica aplicada México Interamerica na 1973 20 Fiorini HJ Marcos e linhas diretrizes no processo terapêutico das estruturas obsessi vas In Fiorini HJ Estruturas e abordagens em psicoterapia Rio de janeiro Francisco Alves 1986 21 Bion WR Uma teoria sobre o processo de pensar In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados second thoughts Rio de Janeiro Imago 1994 p 1019 22 Bion WR O aprender com a experiência In Bion WR Os elementos da psicanálise o aprender com a experiência Rio de Janeiro Zahar 1966 p 7113 23 MoneyKyrle R Desenvolvimento cogni tivo In MoneyKyrle R Obra selecionada São Paulo Casa do Psicólogo 1996 24 Ferro A Um rápido zoom sobre os modelos teóricos In Ferro A A técnica na psicanáli se infantil a criança e o analista da relação ao campo emocional Rio de Janeiro Imago 1995 25 Ferro A Narrações e interpretações In Fer ro A A psicanálise como literatura e terapia Rio de Janeiro Imago 2000 26 Freud S Notas sobre um caso de neurose obsessiva In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 10 p 157317 27 Kanzer M La neurosis de transferencia del hombre de las ratas In Massota O Jinkis J editores Los casos de Sigmund Freud Bue nos Aires Nueva Visión 1979 p 1719 28 Salzman L Psychotherapy with the obssessi ve personalities In Karasu T Bellak L Spe cialized techniques in individual psychothe rapy New York Brunner Mazel 1980 O ser humano nasce e se desenvolve em um mundo cheio de perigos para os quais não está preparado adequadamente O medo é um sentimento que acompanha essa si tuação e de forma habitual indica a pro cedência externa do perigo Entretanto durante o desenvolvimento emocional o sujeito deve inevitavelmente atravessar e elaborar zonas de conflito e situações inter nas que percebe como perigosas e às quais responde com angústia Designase uma pessoa como fóbica se sofre de medos muito intensos em relação a objetos ou a situações externas que em princípio não deve riam ser considerados perigosos Antecipase a eles evita enfrentálos ou os repele Reconhece o inapropriado de seu sentimento e a irraciona lidade de sua conduta mas sentese obrigada a comportarse assim porque do contrário se ria exposta a uma angústia incontrolável Na fobia o medo e a angústia se ali mentam com reciprocidade Freud se deu conta de que o objeto externo temido é um pretexto equivocadamente interpretado como o que causa angústia e compreen deu que a razão desta são conflitos deriva dos da vida sexual infantil e não aconte cimentos acidentais externos Estes podem provocar medo mas o medo que gera o objeto fóbico oculta a angústia serve para encobrila Mesmo havendo uma vivência inicial externa que gerou o medo é a per manente intensidade da angústia mais do que o primeiro sobressalto o que caracte riza a fobia O tratamento psicanalítico é o recur so terapêutico fundamental para as fobias Todavia nem sempre existem as condi ções para sua plena utilização Nesse caso a abordagem pode consistir em uma psi coterapia de orientação psicanalítica so bretudo quando em situações agudas ou de emergência A psicoterapia psicanalíti ca deve ser realizada por um profissional bastante familiarizado com os mecanis mos psicodinâmicos e a clínica da fobia Por essa razão tais componentes são des critos em detalhes a seguir 34 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE FÓBICO Hector Ferrari O conteúdo de uma fobia tem para com ela mais ou menos a mesma importância que possui para o sonho sua fachada manifesta Freud 1916 578 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs DEFINIÇÃO SINTOMA OU PSICONEUROSE O termo fobia deriva do grego phobos que significa medo terror ou pânico De nominase psiconeurose fóbica quando o sintoma se estabiliza se reitera e abarca de modo progressivo outros temores es truturando um estado emocional caracte rístico de alerta tenso em uma exploração permanente de situações imaginadas pela pessoa como potencialmente perigosas A psicanálise descobriu que a fobia assim como outras estruturas psiconeuró ticas funciona como uma defesa que trata de evitar que a pessoa seja vítima do desen volvimento da angústia ou de ata ques de pâ nico em geral acompanhados de sintomas psicofisiológicos O medo fóbico conduz à angústia e esta à cena inconsciente que a gera A fobia leva por um lado a diferen ciar medo angústia e pânico e por outro coloca a angústia antiga preocupação hu mana no centro das considerações clínicas e metapsicológicas A fobia exige que o terapeuta se ocu pe necessariamente da angústia do pacien te a qual não se justifica pelo estímulo que a provoca e é desproporcional em relação à situação temida Por outra parte a pessoa tem consciência da irracionalidade de sua reação mesmo que tenda a justificála com racionalizações Por isso pode ser difícil decidir se a resposta à situação temida é de fato compreensível ou irracional Tal condição se relaciona com as de mais psiconeuroses Com a histeria divide a utilização do mecanismo da repressão como defesa contra o conflito Porém o retorno do reprimido na histeria é a con versão ao corpo enquanto na fobia é o des locamento e a projeção em um objeto externo que se teme A neurose obsessiva se afasta de ambas diante do conflito predominam as formações reativas e ficam comprome tidas atividades do pensamento ideias ob sessivas Às vezes os sintomas fóbicos po dem adquirir um caráter obsessivo assim a fobia de sujeira ou de contaminação se associa à compulsão de se lavar a fobia so cial ao desenvolvimento de rituais sociais e assim por diante Além da neurose clinicamente esta belecida sintomas fóbicos isolados podem aparecer em todas as outras psiconeuroses inclusive em algumas psicoses Nestas últi mas reconhecese a presença de conflitos préedípicos NOTA HISTÓRICA Freud descobriu os mecanismos clássicos das fobias Um breve olhar sobre seu pen samento a respeito do tema mostra vários aspectos Nos primeiros tempos da psicaná lise ele se ocupou intensamente das fobias Nessa etapa reconheceu na variedade de medos de todo tipo a máscara multiplicada da angústia Esclareceu a clínica do sintoma fóbico diferenciou as fobias e as obsessões sobre a base dos diferentes mecanismos2 si tuou as fobias próximo da histeria e junto às obsessões agrupouas como psiconeuroses de defesa3 utilizou na clínica sua primeira teoria da angústia4 e considerou as fobias parte das psiconeuroses um grupo diferen te daquele das chamadas neuroses atuais mesmo tendo esclarecido que estas tam bém podiam apresentar sintomas fóbicos5 Fobos era um deus reconhecido e temido Era filho de Ares o deus da guerra por excelência e Afrodite Também é o Pânico o medo que faz o guerreiro bater em retirada Irmão de Deimo o Temor é o medo que paralisa Os dois são companheiros inseparáveis e às vezes conduzem o carro do deus Ares até a batalha Fobia se opõe a filia1 Psicoterapia de orientação analítica 579 Após um intervalo de alguns anos voltou ao tema dedicando à fobia um de seus relatos clínicos mais famosos o caso do pequeno Hans6 Com ele aparece o sujeito da fobia e não apenas seus mecanis mos Freud formalizou o estreito vínculo que une a fo bia à angústia e à histeria renomeando a fobia como histeria de angústia Nesse relato com a famosa história do pequeno Hans temati zou a angústia da castração o lugar do pai e da mãe e os principais mecanismos defensivos presentes na fobia repressão deslocamento projeção evitação identificação entre outros Além disso relacionou as fobias com o totemis mo a magia e o animismo Em seguida no relato do Homem dos Lobos7 ofereceu a mais completa elu cidação sobre a fobia e sua estreita relação com a infância Mais tarde e em outro gru po de trabalhos tratou da problemática da angústia diante da fobia Nos artigos sobre a metapsicologia8 em Inibição sintoma e angústia9 e em Novas conferências introdu tórias à psicanálise10 reelaborou as fobias a partir de sua nova teoria da an gústia VARIEDADE E CARACTERÍSTICAS DO OBJETO FÓBICO Todos os objetos do mundo podem se prestar à fobia mas essa diversidade infini ta oculta sua secreta monotonia O fóbico tem um objeto de aversão preferido que o intimida e o ameaça com todo tipo de pe rigos Com ele sofre um pavor que começa com um ataque de pânico e logo se ma nifesta por uma atitude de fuga e evitação desse objeto de horror Freud11 distinguiu três grupos de situações ou objetos considerados perigosos pelo paciente fóbico No primeiro agrupou algumas fobias que têm algo de assustador para a maioria das pessoas e por isso não parecem incon cebíveis em si mesmas e sim pela intensida de exagerada do temor Por exemplo a fobia de cobras ou de aranhas No segundo grupo in cluiu casos em que há certa sensação de peri go em que se pode minimizar mas não ante cipar o perigo entre eles encontramse as fo bias situacionais como viajar de avião sentir solidão cruzar uma ponte presenciar tempo rais Não causa tanto assombro seu conteú do como sua intensidade Por fim considerou as fobias incompreensíveis animais inofensi vos espaços abertos ou fechados altura en tre outras O fóbico se sente ameaçado pelo ob jeto esse fragmento do mundo externo com um sentimento sinistro umheim lich O paciente tem certeza de que tal obje to quer lhe fazer mal mesmo que não pos sa dizer que tipo de mal Sendo o produto de deslizamentos substitutivos do objeto reprimido que não substituiu de todo o objeto fóbico tem uma espécie de elemento concreto direto real Como os objetos proibidos da fobia não estão de todo repri midos o sujeito chega a se vincular ape sar do deslocamento a esse reprimido que conserva uma relação direta com o impos sível o incestuoso Em relação ao falo ima ginário o objeto fóbico tem características de hiperpresença real No caso do pequeno Hans por exemplo a boca do cavalo o per segue porque é a própria boca investida pela pulsão oral Dessa maneira o fóbico vi ve uma experiência de angústia e impossibi lidade de qualquer prazer o desejado objeto que retorna da repressão é pavoroso não pode estar perto dele porque o horror segue tornandoo impossível A única coisa que o fóbico pode fazer é afastálo controlálo 580 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs com o olhar ou estabelecer regras de dis tanciamento O sujeito fóbico se sente olhado pelo objeto e olha aquilo que o olha Não pode ver nem deixar de ver o obje to temido sem que isso desperte angústia Tratase de uma aversão polarizada sobre um objeto que o sujeito não quer e não to lera mais ver declara que deve estar fora de sua vista Se vejo isso se isso me olha sou um homem morto alguma coisa vai me acontecer e se algo acontece tal como vejo ou pressinto estou perdido Porém de forma paradoxal e simultânea o pacien te procura esse objeto o tempo todo com o olhar O pequeno Hans dizia Tenho que olhar para o cavalo e então tenho me do Com um simples olhar reconhecese o objeto do qual não se pode tirar os olhos e a partir do qual se prevê o perigo Por is so Lacan refere que a fobia está na ordem do desejo prévisto O fóbico não duvida de seu objeto como o ob sessivo tem certeza de sua existência Man tém com ele uma distância e uma espacialida de calculadas Se não o vê procurao mas uma proximidade maior desencadeia uma passagem ao ato ou um ataque de angústia No tratamen to psicanalítico observase a distância como uma dificuldade associativa em relação ao ob jeto da fobia e à possibilidade de revelar plena mente seu conteúdo manifesto O objeto fóbico é ordenado segundo certo controle visual do mundo organi zar o campo visual calcular distâncias afastarse fugir atravessar um caminho estreito e com certas qualidades orais relacionadas ao materno e ao primário O paciente procura uma distância útil do objeto fóbico e necessita disso nin guém desenvolverá uma fobia de alturas se não houver alturas Como no objeto fetiche o fálico está presente no objeto tangível real de algum modo alcançável Mas ao contrário do re chaço ou da evitação que gera a fobia ao objeto na perversão fetichista sob o signo da atração vivenciase extrema excitação e gozo com o objeto que afugenta a ameaça de castração A psiquiatria se ocupou de dar nomes específicos aos incontáveis obje tos da perversão e das fobias e em ambos os casos Freud foi em busca do significado que subjaz à multiplicidade desses nomes ALGUMAS DEFINIÇÕES DE ANGÚSTIA Muitas vezes antes da instalação de uma fobia constatase um período prévio ca racterizado por forte disposição à angús tia que pode chegar ao pleno desenvolvi mento de uma neurose de angústia ou se manifestar como ataques de pânico Em seguida algo mobiliza ou intensifica o con flito inconsciente a defesa tenta resistir mas falha desencadeandose um ataque de angústia que rapidamente se liga a um objeto ou situação para se transformar na histeria de angústia ou fobia Desse modo a angústia difusa generalizada ou episódica pode se atenuar e se limitar a uma situação específica Assim que essa situação puder ser evitada aliviase a angústia Se o pa ciente é forçado a enfrentála sobrevém o desenvolvimento da angústia que culmina novamente no ataque de pânico Dessa for ma dada a estreita relação entre angústia e fobia e entre angústia temor e pânico con vêm algumas definições A angústia Angst termo usado com frequência por Freud em alemão signifi Psicoterapia de orientação analítica 581 ca literalmente medo sentirse apertado pressionado sufocado Descreve um sen timento de grande inquietude ante uma ameaça de dano real ou imaginário espe cífico ou inespecífico que varia de re ceio ou temor até pânico e terror Como estado afetivo é uma vivência desprazerosa um malestar inquietante a sensação de um perigo ameaçador desconhecido como uma fatalidade iminente acompanhado de tensão motora e hiperatividade vegeta tiva A angústia está vinculada a opressão e constrição sensação de aperto no peito por sua vez relacionadas à angina e aos co nhecidos sintomas cardíacos A angústia é assim de maneira encoberta ou manifesta um dos principais motivos de consultas na medicina Convém diferenciála da ansie dade que é uma espécie de incômodo ne cessidade ou aspiração tensa de cumprir o desejo e que em geral não é englobada na psicopatologia A atual teoria da angústia em psica nálise data de 1926 A angústia se apresenta na perspectiva da reação do ego ao perigo ou da preparação para este O ego é tratado não apenas como o lugar da angústia como também como sua possível causa a No curso de seu desenvolvimento quan do era fraco e indefeso o ego estava exposto a sensações de angústia ante situações típicas separação do objeto perda de seu amor mutilação ou cas tração e perda do amor de sua própria consciência ou superego Nessas situa ções sentiase inundado passiva e au tomaticamente pelo desenvolvimento da angústia A angústia automática se reitera cada vez que o sujeito se encontra em uma situação traumática submetido à influência de excitações de origem interna ou externa que é incapaz de dominar b A favor de uma maior capacidade de integração o ego aprende de forma ativa a repetir a angústia por sua pró pria conta como sinal de situações pre sentes ligadas àquelas que no passado viveu como perigosas A angústiasinal deve ser vista como outra experiência angustiante que repete uma anterior ao mesmo tempo que luta contra seu retorno Reproduz de forma atenuada a reação de angústia experimentada pri mitivamente na situação traumática o que permite deflagrar operações defen sivas Pode funcionar como símbolo mnemônico de uma situação vivida de modo passivo no passado e que agora se quer evitar ativamente Segundo Freud a angústia seja automática seja sinal de alarme deve ser considerada produto do estado de desamparo psíquico da lactante que evidentemente constitui a contrapartida de seu estado de des valimento biológico A angústia como sinal permite ao ego iniciar operações defensivas para não ficar exposto a uma situação traumática Sob a perspectiva clássica considerase que a fobia utiliza a princípio um mecanismo de defesa como a repressão que impede que os desejos proibidos provenientes do com plexo de Édipo cheguem à consciência ou alcancem a ação específica Em um primeiro momento a repressão se vito riosa pode conter o conflito O normal é que o conflito se renove e a repressão não baste nesse caso uma angústia mais pronunciada que um mero sinal pode ser a primeira manifestação de seu fracasso revelandose como angústia livremente flutuante sem estar ligada a nenhuma representação em particular ou a algum mecanismo adicional de defesa Quando adquire proporções clínicas importantes configurase o 582 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs estado de neurose de angústia O fra casso da repressão pode significar o retorno do reprimido no caso da fobia com mecanismos defensivos adicionais que culminam na instalação do objeto fóbico Se o ego não contiver a situação temida com suas defesas habituais ou não estiver preparado em um estado de expectativa ansiosa pode acabar inun dado pelo desenvolvimento de angústia que pela magnitude é conhecida como pânico ou espanto O pânico inclui a falta de preparação o fator surpresa e a ideia de transbordamento para o ego é voltar a suportar uma situação traumática Freud considerou também a angústia como desenvolvimento O desen volvimento de angústia ainda se verifica quando o paciente é forçado a romper suas defesas e a enfrentar o objeto fóbico à força c O temor a um acontecimento real real angst se desenvolve ante um perigo exterior que constitui para o sujeito uma verdadeira ameaça A experiência demonstra que as coisas nem sempre terminam aí depois do medo do real pode aparecer o desenvolvimento de angústia o medo desemboca em algo indomável incontrolável cuja pre sença excede os objetivos adaptativos e assinala a existência de componentes irracionais fantasmagóricos Em geral atrás de cada medo do real está uma angústia mais arcaica ligada a fantasias inconscientes Por exemplo um pacien te pode temer razoavelmente uma grande cirurgia mas nunca deixarão de estar presentes fantasias primitivas de ameaça a sua integridade corporal mutilação castração entre outras To do temor ante o real aparentemente com motivos teria na verdade um fundo de angústia a ameaça de seu desenvolvimento CLÍNICA DAS FOBIAS O cenário inicial da fobia clínica aguda é o de um terror intenso enlouquecedor ligado a uma situa çãolimite em que o sujeito sente perder drasticamente o domínio de seu ser É como se de repente passasse a outra cena e entrasse no centro da solidão mais intensa O objeto causa dor do pânico é algo inesperado mas pressentido desde sempre que se acerca do sujeito de forma instantânea e gera um medo monstruoso A angústia toma corpo no medo re ferido a um objeto externo e se atenua se este é evitado É a coalizão brutal entre a angústia e o real ver o caso clínico descrito no fim do capítulo O ataque inicial de angústia acom panhado de um temporal de reações cor porais gera sensação de morte iminen te No núcleo o paciente vive um estado de desamparo é um sujeito desprotegido indefeso sozinho sem ajuda Depois de ocorrido o ataque ameaça repetirse Uma vez instalado o temor o paciente recorre a uma variedade de medidas defensivas para não enfrentar a situação temida mas faz parte da dinâmica fóbica não se afastar to talmente Há que evitar o perigo mas ele nunca deve estar longe demais Por exem plo um paciente com fobia de cachorros sentia o impulso de provocálos sempre que passava perto de um que estivesse tranquilo Assim ganhava a atenção do ca chorro e sentia um medo tremendo com repercussões corporais neurofisiológicas se o cão respondesse à provocação Com frequência atrás da fobia se esconde um cenário que implica conteúdos referentes aos desejos reprimidos da sexualidade infantil e ao perigo ou ameaça de castigo Psicoterapia de orientação analítica 583 A seguir mencionamos alguns exem plos Às vezes o que uma pessoa mais teme é o que deseja de modo inconsciente A si tuação temida pode representar claramen te uma tentação ou um castigo espe rado se ela se realiza Uma pessoa talvez sinta medo em situações em que poderia sentir excita ção sexual Ou em situações sociais que supõem tentação sexual pode se sentir ate morizada ou inibida Em cada fobia o pa ciente se previne se antecipa se adianta ao perigo ou ao possível castigo cuja origem desconhece mas que está ligada a desejos sexuais reprimidos Em outros casos como na fobia de facas te souras brigas não é medo da tentação mas do castigo representado como perda de amor ou castração em resposta aos seus impulsos agressivos A pessoa com fobia de alturas se de fende de um impulso irrefreável de se lan çar no vazio o que representa a realização de desejos passivos masoquistas e o medo da castração Às vezes o medo de lugares altos se transforma em sintoma conversivo sensação de vertigem ao olhar para baixo O medo do pequeno Hans de ser mordi do por um cavalo supunha a ameaça de ser castrado por seus desejos incestuosos No caso do Homem dos Lobos conjugamse o temor à tentação pela satisfação de seus desejos femininos passivos diante do pai e à castração produzida pelo castigo O fóbico parece estar sempre se mo vendo em um espaço de tentações peri gosas e convenientes reasseguramentos Qualquer função ou sensação corporal po de ser erotizada sinalizada com angústia passando a ser temida Freud12 destaca A análise de casos de perturbação neuró tica da marcha e de agorafobia não deixa dúvidas sobre a natureza sexual do movi mento Há fobias relativas a comida ou a certos alimentos que podem passar des percebidas e se misturar a dietas vegetaria nas macrobióticas ou outras O temor ao ambiente pode ser o resultado de impulsos exibicionistas reprimidos A eritrofobia é o temor a expor vergonhosamente a intimi dade corporal e o enrubescimento o de nuncia Na fobia de exames mobilizamse temores diante da autoridade e necessida des narcisistas de ser aceito ou rechaçado No temor de infecções ou bacilos mani festase o medo da castração e de desejos passivos femininos ligados a fantasias de impregnação ou mais profundamente a temores à introjeção de objetos com um caráter destrutivo Às vezes as fobias se mascaram com atitudes contrafóbicas em que o sujeito com frequên cia de forma obsessiva procura situações de perigo para enfrentálas em vez de evitálas A distância que a fobia impunha diminui e o ob jeto temido agora é desafiado A angústia fóbi ca pode estar oculta em atitudes ou pautas que representem uma negação da situação temida Quando um sujeito nessas condi ções por exemplo um amante de espor tes pe rigosos descobre tal situação em um processo analítico pode começar a se aci dentar Em outros casos o paciente fóbico recorre a um objeto que o acompanhe para enfrentar seus temores Muitas vezes um genitor ou o próprio cônjuge é usado para controlar de maneira tirânica as angústias fóbicas na medida em que a companhia oferece uma sensação ilusória de proteção Dessa forma o paciente fóbico pode chegar a se comportar como uma criança assusta 584 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs da que precisa ser custodiada pela mãe para superar seus medos O acompanhante que protege o agorafóbico das situações peri gosas e também das tentações muitas vezes é maridomulher ou um parente Porém a ambivalência com o objeto acompanhante que pode representar não só o genitor ama do como também o odiado é muito inten sa Na clínica manifestase um trato des pótico e opressivo com o acompanhante Conseguir que o paciente agorafóbico se desligue do acompanhante e vá sozinho ao consultório é um problema técnico im portante durante o tratamento analítico e psicoterápico Depois de sua instalação a fobia ten de a se estruturar utilizando os múltiplos mecanismos defensivos anteriormente des critos Como toda neurose representa um equilíbrio instável com um sério empobre cimento do funcionamento da personali dade e perigo constante de ressurgimento da angústia Constituída a fobia os medos tendem a se estender de forma progressiva a uma crescente quantidade de objetos si tuações lugares ou pessoas em uma paula tina e dramática limitação das possibilida des vitais do sujeito A couraça fóbica vai se expandindo progressivamente Diante dessa situação o paciente pode reagir com perda de sua autoestima realçandose um elemento de depressão As manobras de evitação com que o paciente tenta controlar seus medos podem se ritualizar ou tornarse obsessivas Costu mam surgir ideias compulsivas ou atos mo tores que se impõem como uma tentativa secundária de controlar suas fobias Repre sentam modos de passagem à neurose ob sessiva Hoje as fobias se distin guem com clareza das obsessões Todavia há uma sé rie de sintomas que se confundem A fobia de sujeira pode ser acompanhada de rituais obsessivos de limpeza É mais um exem plo de que a neurose apela a mecanismos de defesa diversos e necessários para tentar sua estabilização O paciente fóbico tem consciência do caráter ir racional dos medos de que sofre compreende seu significado mórbido e luta contra eles mas não pode evitálos Isso permite a discrimina ção em relação a alguns delírios em que o pa ciente psicótico tem medos terríveis que consi dera provenientes de perigos reais sem possi bilidade de crítica ou retificação imediata Podem aparecer fobias como elemen tos que chamam a atenção mas secundá rios em outros quadros como o começo de uma esquizofrenia melancolia involutiva arteriosclerose ou outra condição Tam bém é necessário diferenciála da denomi nada personalidade evitativa Nem sempre o começo de uma fo bia é dramático Às vezes toda a vida do pa ciente esteve vinculada a situações que considera perigosas e a procedimentos para evitálas Os medos são tão generalizados e universais que abarcam praticamente qual quer tipo de objeto ou situação Os temo res irracionais e as fobias são conhecidos há muito diversas vezes acentuados na infân cia pelos próprios pais Conforme Emilce Dio Bleichmar13 alguns pais atemorizam repetidamente a criança Não se aproxime de desconhecidos fique do meu lado isso não apenas é uma ordem mas indica que as pes soas podem ser perigosas que a crian ça é irremediavelmente indefesa e que quem avisa é o único protetor Na linha da participação familiar nas fobias Glen Gabbard14 des taca Esses pacientes têm figuras interna lizadas de pais guardiães ou irmãos Psicoterapia de orientação analítica 585 que os ridicularizam criticam humi lham abandonam Esses objetos in trojetados são estabelecidos cedo e re petidamente projetados em pessoas próximas que são logo evitadas VARIEDADES CLÍNICAS A AGORAFOBIA A FOBIA SOCIAL AS FOBIAS ESPECÍFICAS O ATAQUE DE PÂNICO A seguir mencionamos as fobias clinica mente mais difundidas Agorafobia Constitui a forma mais comum e grave começando no fim da adolescência ou na idade adulta O traço central é um medo irracional de abandonar um lugar fami liar por exemplo a casa dando lugar a uma sensação de desamparo antecipatório na rua ou em outros espaços abertos Por isso leva a uma crescente limitação das atividades até os medos chegarem a domi nar a vida inteira Muitas vezes o paciente requer um acompanhante para sair à rua estabelecendose uma relação ambivalente de extrema dependência Ao mesmo tem po podem estar presentes componentes claustrofóbicos como temores referentes a estar longe de casa preso na multidão no elevador viajando de trem ou avião sem poder sair Com frequência a agorafobia é acompanhada de ataques de pânico ou co meçou com um Na agorafobia o medo toma corpo no próprio indivíduo dominao subjeti vamente e assim provoca a desorganiza ção ou o temor aos espaços O agorafóbico limita seus deslocamentos a locomoção é acompanhada de vertigens Portas e jane las causam problemas porque na fanta sia inconsciente representam o trânsito aper tado e forçado entre o dentro e o fora Se o caminho é muito aberto a sensação é ago rafóbica se é muito fechado claustrofó bica A ideia de estar confinado é mais to lerável se houver uma via de escape aberta O paciente é torturado pela impossibilidade de sair quando deseja e pelo temor de ficar preso pela própria excitação de não poder escapar Uma paciente cada vez que entrava no consultório do terapeuta pedia para es te abrir um pouquinho a janela porque do contrário faltavalhe o ar Somente assim a sessão podia se realizar Durante a psicoterapia por uma possível enfermidade somática grave teve que realizar uma série de exames entre os quais uma ressonância magnética No hospital ao se colocar den tro do aparelho teve um ataque de pânico porque ia ficar presa não podia suportar a imobilidade nem os ruídos do equipa mento Teve que sair praticamente fugir impossibilitando um procedimento indis pensável para o diagnóstico Mais tarde com o acompanhamento de seu terapeuta pôde reingressar na máquina mas este teve que acompanhar todo o procedimento Ela somente suportava permanecer na cápsula se pudesse localizarse espacialmente con seguindo enxergar o que descrevia como a saída o fim do túnel Como na agorafobia a angústia é associada a um acesso de vertigem a lo comoção é negada em situações como so lidão ruas estreitas entre outras A fo bia de transportes se agrava se o veículo para ou há engarrafamento Ou seja mes mo que tema o deslocamento o agorafó bico neces sita que o veículo se ponha em movimento O agorafóbico sofre na presença de muita gente de muita luz de muito ruído A contrapartida é uma fobia de situação a fobia de solidão Freud15 assinalou que as 586 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs primeiras fobias de situação das crianças são a fobia a escuridão e a fobia a solidão Perguntase de onde nasce a inquietante estranheza do silêncio da solidão da escu ridão Este parece ser o lugar de origem do fóbico desolado preso no silêncio e de vorado pela escuridão Solidão em que tem a si mesmo como outro é o temido encon tro do sujeito consigo mesmo que abre o caminho ao desamparo Paradoxalmente a solidão em seu aspecto mais doloroso é a experiência aguda da aglomeração sozi nho entre os outros inconsistente perdi do na multidão intercambiável Na crise agorafóbica o paciente está submerso na multidão e totalmente solitário Para esca par dessa solidão insuportável tenta fugir para algum lugar em que possa estar só e se reencontrar O agorafóbico está em companhia de muita gente mas soberanamente sozinho sentimento que remete ao desamparo O malestar da soli dão provém não da diminuição das relações de objeto mas do fato de que no espaço deser to vem ao seu encontro a figura do duplo des se ele mesmo do qual pode se distrair cada vez menos Na solidão que tanto teme o sujeito termina por compartilhar a intimidade e o leito com seu próprio duplo Do silêncio da solidão e da escuri dão podemos tão somente dizer que são realmente elementos que partici pam da formação da ansiedade infan til elementos dos quais a maioria dos seres humanos jamais se libertou in teiramente16 Pela perspectiva do autoerotismo estar sozinho no escuro e em silêncio é vivido como uma tentação ao onanismo solitário A masturbação choca o fantasma edípico com a ameaça de castração A so lidão expõe a um perigo tão anônimo como impreciso Mas também há um cha mado à pessoa amada originariamente a angústia das crianças não é outra coisa que a expressão de que lhes falta a pessoa amada Fobia social É característica do adolescente ou do adulto jovem é um medo persistente e irracional às vezes exposto à observação dos demais de maneira humilhante ou embaraçosa A pessoa sente que sua con duta por exemplo falar em público ou suas funções corporais como comer ou urinar serão foco de atenção de quem a rodeia Relacionaas com tremer fazer papel de ridículo falhar enganarse ser criticado ridicularizado observado ava liado A pessoa reconhece que seu temor é excessivo ou irracional A situação temida é evitada o que interfere em seu rendi mento profissional acadêmico de traba lho ou em suas relações sociais A angústia não melhora com o começo da atividade ou os preparativos para ela Ao contrário pode piorar Às vezes coexiste com os ata ques de pânico Uma mulher solteira inteligente e atraente tem sérios problemas para se re lacionar com alguém Uma amiga íntima mais jovem lhe conta que vai casar espe rando que ela tenha papel primordial na organização da festa Ao começar os pre parativos nota que está muito ansiosa as mãos com um suor frio que teme ser detectado por quem a cumprimente Por fim precisa evitar estar na festa Uma bre ve abordagem psicoterapêutica posterior revelou um grande conflito com a amiga repetição da relação com uma irmã mais Psicoterapia de orientação analítica 587 nova sentida como muito bemsucedida e preferida pelo pai Um exemplo do pânico ante o audi tório é o pânico de entrar em cena Um empresário vitorioso passou a se sentir angustiado quando tinha que falar em pú blico A situação começou quando o filho ingressou na empresa familiar e iniciou uma carreira meteórica O pacien te temia que sua voz faltasse devido à emoção que perdesse o controle de si mesmo que sua fraqueza fosse percebida que os de mais ficassem com pena dele Ele que era muito bom orador e improvisava seus dis cursos agora os preparava e os lia Porém essa atitude falhou quando começou a te mer que não pudesse ler que não conse guiria distinguir as letras até que por fim deixou de falar em público Com algumas sessões manifestou desejos exibicionistas e impulsos desafiantes muito controlados vinculados em sua origem a um irmão menor e revividos com seu filho Fobia específica Denominase fobia específica a que ma nifesta um medo marcado e persistente excessivo e sem razão desencadeado pela presença ou pela antecipação de um objeto específico ou situação a altura o vazio os animais voar tomar injeção ver sangue entre outras Conhecida anteriormente como fobia simples é um temor irracional a um objeto específico como aranhas ou serpentes ou a situações como escuridão A de animais ocorre com frequência na in fância e reaparece na idade adulta É comum entre os estudantes de me dicina o desenvolvimento de fobia a ali mentação especialmente carnes depois das habituais visitas ao necrotério Nessa situação mobilizamse defesas ante impul sos orais canibalísticos que se manifestam como rechaço a comida e às vezes anore xias profundas Ataque de pânico Os ataques de pânico podem constituir uma entidade própria sem relação com as fobias Entretanto como já menciona do é possível que as fobias comecem com um primeiro ataque de pânico ou que este seja a culminação de uma descompensa ção defensiva de uma fobia em especial a agorafobia Portanto ele merece algumas referências por seu valor clínico Um pa ciente com ataque de pânico pode acreditar que sofre de um sério problema médico e consultar o clínico ou até uma emergência com sensação de morte iminente O médico até pode realizar complexos procedimen tos diagnósticos os quais invariavelmente chegarão a resultados negativos O papel do clínico é importante e crucial para orientar o paciente nesses primeiros momentos Os sintomas do ataque são palpita ções taquicardia transpiração tremores e calafrios falta de ar dor no peito náusea tontura sensação de estar no ar e de des personalização medo de perder o controle de enlouquecer de morrer Mui tas vezes o ataque começa durante o sono Uma vez produzido o paciente tornase temeroso das situações associadas ao ataque como ficar preso de maneira claustrofóbica não poder escapar ficar sem ajuda ou exposto diante dos demais Algumas pessoas já tiveram sintomas fóbicos prévios em outras a fobia segue o primeiro ataque de pânico É comum te rem constante preocupação sobre quando e onde ocorrerá o próximo ataque O ata que de pânico pode parecer se desencadear sem conteúdo psicológico manifesto como 588 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sur gindo do nada sem motivos internos ou externos O próprio paciente pode contri buir para essa impressão Contudo ele se deve a fatores psicodinâmicos e se benefi cia de uma intervenção psicoterapêutica A recomendação é que o clínico faça uma pesquisa minuciosa em sua busca para de terminar os fatores psicológicos relevantes OS PSICODINAMISMOS NA FOBIA É útil ilustrar o processo clássico de for mação de sintomas nas fobias recorrendo ao pequeno Hans um garoto de 5 anos tratado por seu pai com a supervisão de Freud O caso revela uma criança que se re cusava a sair às ruas com medo de ser mor dida por cavalos Na análise de sua fobia por meio de entrevistas com o pai Freud encontrou um conflito entre seus desejos e as defesas do ego Os desejos eróticos pela mãe e a forte hostilidade em relação ao pai davam lugar a intensos temores de ser castigado interpretados como angústia de castração o que transformava tudo em sintomas medo de ser mordido por cava lo de que o cavalo caísse sobre ele e assim por diante Em outras palavras o cavalo substituiu o pai como ameaça e um pe rigo proveniente do interior foi trocado por um perigo externo Freud destacou a vantagem do sintoma fóbico é melhor defenderse de um perigo externo oriundo de um objeto específico do que da angústia procedente de uma fonte interior pulsional desconhecida No caso do pequeno Hans os dese jos de morte do pai e o temor por esses de sejos foram reprimidos porque por coin cidência eram inaceitáveis e incompatíveis com os intensos desejos amorosos que ao mesmo tempo sentia por ele Tais desejos ressurgiram na forma de um temor de que os cavalos caíssem sobre ele e o mordes sem Como em toda fobia o deslocamen to trouxe dupla vantagem ele pôde seguir amando o pai enquanto a angústia original se transformava em medo de um objeto que podia ser evitado no mundo externo A escolha do cavalo como objeto fó bico não foi acidental nem proveio de um incidente prévio Estava multideterminada antes da fobia o pequeno Hans mostrava intenso interesse pelos cavalos observava seus genitais comparavaos com o do pai e o seu próprio e pensava também na mãe e na irmã De maneira similar seus desejos sexuais pela mãe estavam presentes na fo bia como temor à castração e castigo por esses sentimentos Um paciente fóbico clássico como o pequeno Hans alcançou o nível fálico Diante dos impulsos eróticos e hostis in conscientes reprimidos derivados do com plexo de Édipo que lutam para atingir a consciência é alertado a fortalecer suas de fesas A angústia componente central da fo bia é uma reação do ego a um perigo inter no de natureza pulsional percebido como inaceitável e ameaçador Tem como função indicar ao ego o fato de que uma moção pul sional inconsciente proibida tenta se tornar consciente e chegar à ação específica A an gústia alerta o ego para renovar a repres são mas fracassando diante da ameaça do retorno dos desejos reprimidos o ego busca defesas auxiliares repressões secundárias deslocamento identificação regressão en tre outras Por meio do mecanismo de desloca mento o conflito libidinoso é mudado do objeto incestuoso primitivo a uma situa ção ou a um objeto externo o que a partir desse momento tem o poder de provocar a constelação completa de emoções incluin do a angústia como sinal Mediante a análi se podese chegar a determinar como uma situação foi substituída por outra a que está Psicoterapia de orientação analítica 589 associativamente conectada O grau de des locamento depende da fobia há algumas muito próximas ao desejo proibido p ex fobia de briga de alimentação de sexuali dade e outras tão distantes que requerem muito trabalho analítico para seu esclare cimento Nas fobias o mecanismo de deslocamento mostra que a defesa não se limita ao desenvol vimento de angústia ou à evitação das situa ções temidas mas também utiliza substitutos para seu reforço A realidade sinistra do ob jeto fóbico provém em parte do efeito do desli zamento metonímico o metafórico supõe subs tituições mais distantes do objeto incestuoso reprimido O objeto fóbico segue sendo parte daquele objeto que ele não substituiu de todo No caso do pequeno Hans a boca do cavalo ameaçador não é apenas uma metáfora proveniente de seus desejos orais É uma boca projetada no cavalo em que se sente a intensidade pulsional Não é um como se mas está aí de maneira concre ta sem valor alegórico Também se produzem repressões se cundárias que fazem a fobia apresentar um conteúdo nebuloso indefinido comparável ao conteúdo manifesto de um sonho Dá muito trabalho analítico estabelecer do que o paciente tem medo O trabalho defensivo do ego se concentra agora secundariamen te no sintoma Por isso na análise e na psi coterapia analítica há necessidade de tra balhar com base nas circunstâncias em que apareceu a fobia pela primeira vez De forma simultânea com o deslocamento pro duzse a projeção da situação temida interna em uma externa que a substitui simbolicamente O pequeno Hans projetava seus impulsos agressivos contra seu pai e estes eram logo transferidos ao animal que lhe provocava an gústia A defesa fóbica contra a angústia cria um mundo externo à imagem do ameaçador mundo interno A projeção na fobia é diferente da do paranoico em que não há deslocamento a ou tros objetos ou coisas A identificação pode ser um mecanis mo adicional nas fobias Certos casos de fobia de animais revelaram no trabalho analítico ser precedidos por um período de identificação primitiva com eles O pe queno Hans queria ter um pênis tão gran de como o dos cavalos que temia A identificação pode tomar uma forma mais primitiva a ideia de ser devorado por animais se deve à regressão à etapa oral de devorar como no caso clássico de Freud de ser devorado pelo lobo As fantasias de devorar intervêm em certas fobias segun do as quais o paciente teme ser tragado por um animal ou pelos espaços abertos A regressão leva a pessoa a uma situação in fantil e gera a possibilidade de ela necessitar de um acompanhante Traços regressivos fazem parte do simbolismo nas fobias os impulsos edípicos do pequeno Hans re fletem o período fálico mas o temor de ser devorado pelo cavalo aponta para compo nentes orais sádicos característicos da etapa oral mais prematura O simbolismo do sintoma fóbico es tá multideterminado e expressa diferentes significados condensados de forma sim bólica A fobia do pequeno Hans resul tava da combinação de vários elementos Ele não temia simplesmente qualquer ca valo mas os cavalos que via na frente de casa incluindo os de carga temia que o mordessem ou que caíssem A angústia se transportou em um segundo momento para os outros cavalos e se fixou naqueles 590 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs elementos que se mostravam passíveis de certas transferências O temor aos cavalos caídos expressava o desejo pela morte do pai O medo de ser mordido pelo cavalo era o castigo por tal desejo Os carros carrega dos representavam gravidez e a queda do cavalo sua mãe tendo um bebê O conteúdo da fobia é como o conte údo manifesto do sonho Lewin17 destaca que o sintoma fóbico como o sonho so fre os efeitos dos mecanismos do processo primário como a condensação e o deslo camento Em resumo contra os desejos edípi cos incestuosos e a angústia de castração o ego utiliza a repressão em primeiro lu gar quando esta falha há um retorno do re primido substituindo um perigo inte rior por um exterior que precisa ser evi tado Em geral esses mecanismos não são sufi cientes e requeremse novos deslo camentos o círculo dos temores segue se amplian do A luta passa a ser contra o sin toma O temor fóbico pode ter um matiz persecutório que denuncia sua vincula ção com mecanismos mais primitivos co mo a dissociação esquizoide apontada por Melanie Klein DESENVOLVIMENTOS PSICANALÍTICOS POSTERIORES SOBRE AS FOBIAS Melanie Klein aprofundou a compreen são da angústia nas fobias relacionandoa às suas fontes primitivas e ao seu conteú do fantasmagórico Em especial descreveu cruamente o efeito dos ataques infantis ao corpo da mãe e o temor à retaliação A teo ria das posições permitiu distinguir as ansiedades paranoides ligadas à ameaça de desintegração do ego das ansiedades depressivas associadas à perda do objeto interno O sadismo e o instinto de morte são parte essencial dessas questões Sobre as fobias referiu Melanie Klein18 as angústias persecutórias e de pressivas favorecem as fobias primi tivas que incluem dificuldades com a alimentação pavor noturno angústia ante a ausência da mãe medo de es tranhos perturbação da relação com os pais e das relações de objeto em ge ral A necessidade de externalizar os objetos persecutórios é um elemento intrínseco no mecanismo das fobias Klein tratou das fobias primitivas que têm uma função essencialmente defen siva contra as angústias de desintegração do ego Os mecanismos que intervêm são a dissociação e a projeção o conteúdo do projetado é um superego terrorífico e a ação é representada por meio de fantasias oralcanibalísticas Hanna Segal19 representa a mais mo derna concepção kleiniana sobre as fobias Introduziu o mecanismo da identificação projetiva e ilustrou o parentesco entre as fobias os mecanismos paranoides e os pro cessos psicóticos Acredita que sendo essas fobias neuróticas para tratálas é necessá rio analisar os medos psicóticos subjacen tes A partir de uma posição totalmente diferente Lacan20 tratou das fobias e por seu próprio esquema referencial fez inte ressantes observações em especial sobre o caso do pequeno Hans No Seminário VIII20 destacou que A fobia representa a forma mais radical de neurose no senti do de que é uma resposta ao problema do estabelecimento da metáfora paterna que presente na fobia tem um estatuto precá rio O pequeno Hans toma o significante cavalo como uma espécie de substituto paterno a fim de apoiar o pai Psicoterapia de orientação analítica 591 Diferentemente de outras neuroses que aplacam a angústia com a formação dos sintomas como a histeria de conver são ou a obsessivocompulsiva a fobia tem uma relação contínua e firme com a an gús tia apesar da criação do sintoma A an gústia é um ponto traumático inquietante sobre o qual se constitui a fobia O objeto fóbico conserva uma relação com o que o causou é algo que para o sujeito dá con ta do real O objeto da fobia ao carecer de dispositivo fantasmagórico mantémse co mo um modo particular de contato com a realidade A fobia está próxima da histeria e tem certa afinidade com a perversão Fobia e perversão dividem a metonímia do falo materno no lugar da metáfora paterna Na perversão em que a mãe rechaça o pai o fetiche é o resultado do resto metoními co do falo materno na fobia em que pelo contrário ela respeita o pai o resto meto nímico é o objeto fóbico Para Lacan no caso do pequeno Hans o cavalo não é escolhido por ser um bom símbolo do pai mas porque ao estar engatado passa por metonímia do car ro Freud6 destacara que a homofonia en tre Wägen carro e vegen por causa de se mistura com o circuito dos veículos e logo provoca a metonímia de veículo por cava lo O resultado é a fobia o pequeno Hans tem medo por causa do cavalo Lacan privilegia a concatenação estritamente sig nificante e não tanto simbólica do sintoma Com o desenvolvimento da fobia a angústia no pequeno Hans se liga ao sig nificante cavalo como um substituto do pai de seu nome ou do não e se atenua Dessa maneira a fobia tem como propósito frisar o nome do pai O objeto fóbico passa a ser o falo que toma o valor de todos os sig nificantes o do pai se necessário O cavalo é um intento sintomático de colocar outra coisa entre o pequeno Hans e a mãe já que o pai não serve e dessa maneira redu zir a angústia de ser ele apenas o objeto do afeto materno Todavia não é uma solução perma nente O pequeno Hans encontra outra que não é metafórica que a mãe possa re ferir algo que lhe falta mas metonímica dar à mãe um bebê outro pequeno Hans que se interponha entre ele e a mãe O pe queno Hans fantasia que se casa com sua mãe e o pai com a dele criando uma nova genealogia Para se separar da mãe e livrar se dela quer lhe dar outra criança Mas ele ainda é o pequeno homenzinho de sua mãe O pequeno Hans nunca pode con frontar o desejo materno porque não tem nome apenas enfrenta sua demanda por um objeto específico ele mesmo O fra casso do pai de oferecerlhe um princípio explicativo que considere também seu próprio desejo e o papel do pai no desejo da mãe de transformálo em um desejo materno enigmático deixam o pequeno Hans em uma posição perversa Lacan21 conclui que ele se torna perverso não neu rótico ALGUMAS CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS DAS NEUROSES DE TRANSFERÊNCIA AO DSM5 Em sentido nosográfico Freud incluiu co mo psiconeuroses de transferência a fobia ou histeria de angústia a histeria de con versão e a neurose obsessiva porque nelas a libido se refere a objetos reais ou ima ginários em vez de estar distante do eu O resultado é que diferentemente das psi coses elas são mais acessíveis ao tratamen to psicanalítico já que se prestam à consti tuição durante a análise de uma neurose de transferência 592 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Freud22 referiu ainda que Parece seguro que as fobias devem ser consideradas síndromes que po dem formar parte de várias neuro ses e que não necessitamos classificá las como processos patológicos in dependentes A chamada neurose de angústia é na nomenclatura freudiana uma neurose atual caracterizada pelo acúmulo de exci tação sexual que se transforma diretamente em sintoma sem mediação psíquica não há conflito Quando Freud separoua da neurastenia foi para centrála em torno do sintoma da angústia Mesmo quando hoje se fazem reparos sobre o mecanismo freu diano atual ele conserva seu valor noso gráfico na clínica é uma neurose em que predominam uma angústia massiva sem objeto claramente manifesto e o papel dos fatores atuais mais do que o dos históricos Diferenciase claramente da fobia ligada a um objeto substitutivo No DSMIV e agora no DSM5 as psiconeuroses de transferência foram la mentavelmente sacrificadas e recolocadas em outras categorias uma das quais deno minada transtornos de ansiedade Esse gru po engloba pânico sem agorafobia pânico com agorafobia agorafobia sem história de transtorno de pânico fobia específica e fobia social Todos foram abordados neste capítulo A denominação de transtorno de ansiedade gera um equívoco leva a pensar que a angústia é uma doença em lugar de um sintoma determinado por um conflito inconsciente como considera a psicanáli se O grupo de transtornos de ansiedade inclui o transtorno obsessivocompulsivo o transtorno de estresse póstraumático e o transtorno de ansiedade generalizada tratados em outros capítulos deste livro A histeria foi dividida entre transtornos somatoformes e dissociativos Dado que a angústia é um compo nente fundamental nas fobias vale a pena recordar para o diagnóstico diferencial que ela está presente na maioria dos quadros psicopatológicos em maior ou menor grau depressões reativas melancolia ansiosa co meço da melancolia involutiva psicose pós parto estados de delírio e arteriosclerose cerebral período inicial de esquizofrenia ante a vivência de desintegração do mundo e mudanças profundas na personalidade que o paciente vive com uma ansiedade extrema e catastrófica acompanhada de sentimentos de perplexidade estranheza e mudança É importante que o psiquiatra e o clí nico se familiarizem com os componentes corporais da angústia que podem compli car certos diagnósticos como o de infarto do miocárdio São 25 os pa cientes que vão ao clínico com problemas emocionais e que sofrem de angústia e esse mesmo gru po constitui 10 das consultas aos cardio logistas Cabe recordar que a dor precordial da crise de angústia pode ser acompanhada de alterações no eletrocardiograma ECG e que o infarto incipiente de miocárdio também é acompanhado de imensa ansie dade Outros diagnósticos diferenciais com sofrimentos somáticos com importante componente de angústia são feocromocito ma hipertireoidismo síndrome de Meniè re doença de Addison doença de Cushing porfiria aguda intermitente OUTROS RECURSOS TERAPÊUTICOS As fobias têm na angústia um sintoma central muitas vezes incapacitante para o Psicoterapia de orientação analítica 593 paciente Os psicofármacos constituem nos dias atuais uma ferramenta adicional na abordagem desses estados contribuin do para aliviálos Quando são indicados devem ser administrados somente como complemento da abordagem psicotera pêutica e nunca como recurso exclusivo O drástico controle da crise de ansiedade às vezes basta para permitir que os pacien tes retomem suas atividades e melhorem a sintomatologia Isso pode facilitar a abor dagem inicial da psicoterapia que deve se mover na direção de uma psicoterapia psicanalítica profunda enquanto os psi cofármacos são abandonados Os detalhes sobre sua utilização são desenvolvidos no Capítulo 25 Nos últimos anos ampliouse o uso das chamadas terapias cognitivocomporta mentais em especial para os transtornos de ansiedade entre os quais as fobias A expres são com frequência referese a pacotes ou protocolos de tratamento que introdu zem um número de técnicas que preten dem modificar a conduta sintomática do paciente por procedimentos de conduta como exposição relaxamento biofeedback e treinamento social ou por meio de técni cas cognitivas dirigidas a mudar as expec tativas corrigir e reduzir as crenças irracio nais e as percepções errôneas modificar in terpretações obter autoeficácia identificar distorções de pensamentos interromper pensamentos preocupantes e substituílos por outros A teoria que sustenta esses mé todos é a da aprendizagem o desenvolvi mento da personalidade normal ou pato lógico e das experiências da aprendizagem no meio familiar Com essas técnicas procurase gerar a aprendizagem de novas condutas Uma é expor o paciente fóbico aos estímulos que lhe causam terror O procedimento reside em estabelecer um protocolo de situações das menos temidas até as mais temidas A exposição pode ser tentada de forma gra dual ao vivo ou fazendo o paciente imagi nar a situação temida Ou de maneira mais drástica e selvagem expondoo de forma brusca inundação ao vivo ou por estímulo imaginário A ideia é que vá se acostuman do gradualmente ao estímulo que o atemo riza dessensibilizandose Foram utiliza das a exposição gradual na fobia simples e na social e a exposição ao vivo na agorafo bia e no ataque de pânico23 Nessas teorias a conduta manifesta do paciente é o foco de atenção Ela não é vista como determinada por processos in trapsíquicos muito menos inconscientes mas como efeito de aprendizagens pato lógicas reforços inapropriados contin gências correntes Considera fatores am bientais como antecedente e consequen te estímulo e resposta Dessa maneira a abordagem de conduta enfatiza os aspectos atuais mais do que os históricos É um tra tamento que procura ser objetivo com base no método empírico Foi formulado e pesquisado de modo experimental A esses métodos podem ser feitas as seguintes críticas que são reducionistas e simplificam a complexa conduta humana minimizando o valor dos processos psi cológicos internos que os resultados são superficiais sugestivos e muitas vezes os sintomas são substituídos por outros que não consideram a singularidade do pa ciente que suas técnicas são mecanizadas e de aplicação universal que não procuram promover a compreensão do sintoma e da pessoa que o sofre buscando apenas uma mudança de comportamento não a subje tividade do paciente Ao contrário o modelo psicanalíti co se propõe a entender as causas latentes 594 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ou inconscientes da conduta manifesta o sintoma neurótico a fobia neste caso é a expressão simbólica de um conflito in consciente As experiências infantis histó ricas são significativas para compreender os mecanismos do sintoma O tratamento baseiase nesses princípios e no valor da re lação de transferência com o analista e a interpretação tem um efeito crucial É possível que alguns resultados fa voráveis de técnicas de conduta remetam à equação pessoal todas elas são administra das por um terapeuta o valor de sua pre sença e seu acompanhamento podem ser decisivos para entender alguns dos resul tados favoráveis Esse elemento se poten cializa quando tais técnicas se combinam em sessões grupais Também é possível que se trate com êxito os sintomas fóbicos que Freud observou como derivados de uma neurose de angústia atual PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA DA FOBIA A psicanálise e a psicoterapia analítica constituem o tratamento de escolha para as fobias Permitem o esclarecimento dos conflitos e dos dispositivos básicos utiliza dos pela fobia em especial o mecanismo de deslocamento a objetos e situações ex ternas O estabelecimento pleno do disposi tivo analítico clássico supõe alta frequência de sessões associação livre atenção flu tuante uso do divã emprego predominan te da interpretação de transferência análise das resistências entre outros elementos Quando por diversas circunstâncias in ternas ou externas não se pode instalálo completamente ou quando é necessário um alívio sintomático relativamente rápi do podese recorrer à psicoterapia psicana lítica Mais do que retomar o lendário e in terminável debate sobre as semelhanças e diferenças entre a psicanálise clássica e a psicoterapia psicanalítica o autor deste ca pítulo propõe seu ponto de vista sobre o te ma A psicoterapia psicanalítica das fobias fundamentase nos postulados da teoria psicanalítica e é implementada tecnica mente sobre a base das condições possíveis a determinada situação Assim como a psica nálise clássica tende ao esclarecimento ou à descoberta das cenas inconscientes ocul tas nos sintomas manifestos e desdobrase em um vínculo poderoso com o analista que oferece ao paciente uma forte conten ção emocional para a angústia Portanto a psicoterapia psicanalítica busca o insight ao usar a interpretação como ferramenta fundamental para obtêlo para trabalhar na transferência positiva ou negativa e para superar as resistências Também para manter a regra de abstinência evitar esta belecer metas ou focos o próprio paciente o fará e não introduzir certezas verbais ba seadas na sugestão É possível que as sessões sejam menos frequentes do que o desejável que tenham um ritmo assistemático que não seja possí vel usar o divã que o tempo de tratamento esteja delimitado que não existam as con dições para o estabelecimento de um pro cesso analítico clássico ou que o analista te nha que ter mais presença ou atividade Contudo a psicoterapia analítica tem com a análise clássica mais semelhanças do que diferenças Entretanto a psicoterapia psi canalítica diferenciase drasticamente da psicoterapia de apoio baseada somente na sugestão Psicoterapia de orientação analítica 595 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Um jovem estudante de medicina que começara recentemente sua residência em um hospital universitá rio foi mandado ao Serviço de Psicopatologia para uma consulta de urgência Já há alguns meses tinha dificuldades para participar das situações de aprendizagem médicas ou cirúrgicas em especial das expe riências que envolviam pacientes em situações de dano corporal hemorragias cortes Foi ficando cada vez mais claro que evitava tais situações e seu acesso a alguns serviços do hospital era cada dia mais difícil O hospital suas diferentes partes começou a representar o corpo ferido Durante um tempo encobriu es sas dificuldades mas davase conta de que evitava ir às aulas fugia da atenção a certos pacientes não participava da aprendizagem de procedimentos cirúrgicos que implicavam dano corporal e evitava facas bisturis ou qualquer instrumento cortante Tendo sido aluno exemplar sua carreira estava seriamente afe tada o que levou seus orientadores a exigir a consulta Nas entrevistas iniciais contou que meses antes enquanto presenciava na sala de cirurgia um pro cedimento delicado começou a ter uma sensação de estranheza instabilidade suor abundante tontura palpitações falta de ar malestar precordial vertigem fraqueza nas pernas Aos poucos foi sentindo medo de perder o controle de enlouquecer morrer há um traço associativo entre o pânico e a sensação de mor te iminente Queria fugir escapar desaparecer Teve esse sentimento de dilaceramento interior profundo e penetrante que se apoderava de seu corpo e se refletia em uma tempestade psicofisiológica de sintomas corporais Quase desmaiando presa do pânico foi parar na emergência do próprio hospital Apesar de o diagnóstico de ataque de pânico ser mais do que evidente os clínicos preferiram descartar patologias orgâ nicas Como os exames de laboratório foram negativos os médicos receitaram psicofármacos que o aliviaram rapidamente Mesmo assim sugeriram uma consulta com um psicanalista a qual adiou até o limite Como as condutas fóbicas prosseguiram teve que procurar ajuda para não enfrentar de novo aquela angústia terrível Para atender seu desejo de continuar com uma vida normal na medida do possível foram propostas três sessões semanais em horários livres Apesar das resistências iniciais a estabelecer qualquer contato terapêutico aderiu imediatamente ao tratamento O fóbico mais do que qualquer outro paciente neuróti co pode ser um rápido aliado do terapeuta porque este é capaz de lhe oferecer um pronto alívio sintomá tico mantendo uma firme atitude analítica com a qual contém e alivia a angústia A necessidade do pa ciente de dependência e proteção contra a sensação de desamparo que a angústia provocava tornou possí vel que se vinculasse estreitamente ao analista quase como a um objeto acompanhante Dessa maneira o paciente se instalava rapidamente na terapia enquanto se estabelecia um plano para suprir gradualmen te os remédios Alguns pacientes podem necessitar de medicação para controlar seus sintomas mas não se aventuram a sair e enfrentar o mundo sem ajuda psicológica Com outros devese trabalhar para que aceitem a medicação que rejeitam Esta pode ser parte do objeto fóbico a que se teme de forma irracional Como é normal levou certo tempo para esclarecer o conteúdo manifesto de alguns sintomas Quando o analista considerou que a relação com o paciente estava estabelecida com solidez pôde leválo a trabalhar verbalmente detalhes das situações temidas Em contato com a angústia do paciente o analista deve poder modular com sua palavra uma distância adequada para que o paciente consiga ter contato verbal com o objeto temido sem que a angústia o impeça Antes de iniciar a psicoterapia o paciente revelou de maneira casual que ia às sessões com um colega Depois confessou que não poderia ir sem ele Relatou que pouco antes do início dos sintomas começara a sair com uma colega que lhe interessava bastante mas com quem teve certas dificuldades sexuais Uma vez enquanto tinham relações percebeu Continua 596 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação que ela estava menstruando e não conseguiu continuar Durante um tempo as relações sexuais com ela não se completavam por falhas na ereção Começou a se dar conta na análise de que o sangue o horro rizava de que o relacionava com ferida perda mutilação morte e o mais surpreendente com sexuali dade Lesões corporais sempre o haviam atemorizado e ele sabia que a medicina iria colocálo em contato com esse tipo de situação Começou a lembrarse do conflito da adolescência diante da escolha da carrei ra Pensava que estava superado mas agora via que não De fato nos últimos tempos questionavase se tinha condições de ser médico Ao passar pelo necrotério começou a rejeitar os alimentos em especial car ne o que superou com dieta vegetariana Foi ficando evidente que as fantasias que tinha sobre o interior do corpo secreções orifícios geravam todo tipo de angústias relacionadas ao sadismo O paciente tem duas irmãs mais velhas casadas com filhos mas diz ser o favorito da mãe O pai era médico e faleceu quando ele tinha 6 anos o paciente não se recordava de nada sobre a morte nem sobre a relação com ele salvo que tinha o pressentimento de que o pai o castigava Sabia pelo relato da mãe que a morte fora causada por um acidente de automóvel que o pai fora levado destroçado a um hospi tal onde morreu horas depois sem que o paciente chegasse a vêlo Mas lembrava que depois disso não podia se separar da mãe e até dormia com ela Logo em seguida apareceu uma fobia da escola superada com o tempo Lembrava também de manuseios sexuais por parte das irmãs até o começo da adolescên cia os quais incluíram masturbação mútua Essas lembranças apareciam em sua memória com uma mis tura de prazer e medo de castigo Relatou ter sonhado várias vezes na adolescência que era perseguido por um homem que queria matálo Foi ficando evidente que desde pequeno tinha não apenas desejos incestuosos mas também intensos impulsos agressivos provavelmente derivados do sofrimento pela prematura morte do pai Por algumas as sociações detectavamse desejos de morte do pai sentimentos de culpa e autocastigo como base de sua atitude masoquista O trabalho terapêutico foi dirigido a familiarizálo com os impulsos incestuosos e sá dicos e com a tendência ao castigo Mostrouse a ele que a ameaça de castração sem ser dita nesses ter mos derivada desses impulsos era deslocada ao corpo e vivida como presença ou possibilidade de dano ferimento ou mutilação Um sonho desse período Estava em um lugar lúgubre asséptico escuro estendi do sobre uma cama ou maca via como me operavam abriam meu tórax tiravam tudo mas eu não sentia nada e acordei muito angustiado Pelo meio do segundo mês de tratamento os sintomas começaram a ceder o paciente pôde reviver al gumas experiências relacionadas com a aprendizagem e as manifestações de angústia melhoraram o que lhe permitiu parar de tomar remédios Quase de volta à vida normal as sessões diminuíram para duas por semana De vez em quando o paciente procurava o terapeuta fora da sessão para consultas que não pa reciam justificadas mas eram toleradas porque no caso de pacientes fóbicos com sensibilidade à sepa ração e à angústia a voz do terapeuta pelo telefone pode abortar uma crise ou ataque de pânico A voz do terapeuta pode ter mais efeito do que um remédio mesmo que apenas ouvida na secretária eletrônica Um detalhe permitiu revelar o outro aspecto hostil sádico dos chamados Certa vez tocou o telefone e o terapeuta demorou a responder ao entrar o paciente pediu que a janela fosse aberta para que o ar cor resse porque ele se afogava Era um microssintoma claustrofóbico Esperando no corredor imaginou que o analista não respondia porque estava morto A chamada telefônica revelava que o fazia porque necessi tava ao mesmo tempo que procurava se assegurar de que seus fortes desejos de morte do terapeuta como objeto de transferência não se haviam concretizado Foi possível analisar sua necessidade de dependência assim como sua hostilidade e os desejos de morte do analista Dessa maneira manifestava a característi Continua Psicoterapia de orientação analítica 597 Esse caso demonstra algumas das vantagens que a psicoterapia psicanalítica pode oferecer no tratamento das fobias A sintomatologia da fobia permite ao terapeu ta instalarse inicialmente como o objeto de que o paciente necessita para aliviarse do tortu rante efeito da angústia Sua figura provê um in grediente de estabilidade e contenção para o paciente sem necessidade de recorrer a apoios verbais adicionais Sua presença basta para rein troduzir a esperança componente alta mente necessário para uma pessoa com vivên cia próxima ao desamparo Com isso o paciente se vincula com intensidade ao analista Inevitavelmente os componentes adicionais da fobia vão aparecendo na relação com o analista mas podem ser interpretados no âmbito dessa Continuação ca ambivalência com figuras de identificação O trabalho tocou somente na parte do sofrimento pela morte do pai sua falta de lembranças e sua relação ambivalente com ele Nas semanas seguintes o paciente começou a faltar porque aparentemente não podia ser acompa nhado ao tratamento Nesse momento foilhe sugerido que prescindisse do acompanhante e marcasse ses sões em horários e dias fixos A decisão do terapeuta gerou uma crise de angústia ameaças de abandono e ódio manifesto a ele Porém ele se manteve firme e o trabalho prosseguiu É necessário que em determi nado momento o analista intervenha de modo mais ativo e insista que o paciente enfrente a situação te mida Segundo Freud16 dificilmente dominará uma fobia quem aguarde até que o doente se deixe mover pela análise a aceitála Ele nunca trará à análise o material indispensável para a solução conveniente da fobia A atitude firme e decidida do analista tem um valor de vigência excepcional para o paciente fóbico Re cordemos que a mãe do pequeno Hans intervinha com sedução e ameaças mas que Freud trabalhava com o pai ou por meio do pai pois o paterno deve obter plena eficiência terapêutica Superada a crise pôdese trabalhar no tratamento com maior intensidade algumas das situações te midas e as provenientes de sua sexualidade infantil enquanto os sintomas cediam No período prévio o paciente esteve fortemente ligado ao analista pelos motivos já explicados Mas em algum momento o te rapeuta passou a ser visto como o objeto temido causador da angústia e essa situação teve que ser enfren tada como em qualquer análise Dada a relação prévia a situação de transferência fortemente ambiva lente pôde ser elaborada ao menos de forma parcial O ódio e o temor retaliativo foram cedendo Um sonho desse período Era garoto mas me via como agora estava na cama com alguma doença infantil vinha o médico da família e me examinava com cuidado Chamava claramente a minha atenção a forma como ele pendurava o estetoscópio O fálico já não resultava tão ameaçador a escuta o estetoscópio do analista era o cuidado de que o paciente necessitava e que tolerava Semanas depois interrompeu o tratamento tinha que trabalhar em um Centro de Saúde longe da sede do hospital A intervenção terapêutica durara pouco mais de quatro meses Ficava para trás mesmo que não totalmente a presença ameaçadora da angústia Ele estava melhor um pouco mais seguro em sua crescente identidade médica Despediuse com a promessa de retomar a análise algum dia Mas o momen to da crise estava superado 598 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs forte relação emocional Às vezes a brevi dade do tempo disponível em uma psico terapia analítica contribui para o esclare cimento e a resolução dos mecanismos da fobia referentes a aspectos de transferência mais problemáticos e conflitivos como os que são gerados em processos analíticos mais prolongados A experiência demons tra que as mudanças alcançadas podem ser estáveis e duradou ras PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Existem várias apresentações clínicas de fobias conforme o objeto ou a situação temidos 2 Os principais mecanismos de defesa que permitem entender o significado de cada fobia são o desloca mento a repressão a projeção e a identificação projetiva 3 É necessário sempre ter em mente que há no objeto ou na situação temida algum significado simbó lico e que aspectos sexuais ou agressivos inconscientes são representados pela estrutura manifesta de cada fobia 4 Na psicoterapia analítica com pacientes fóbicos uma estrutura de setting estável e uma atitude aco lhedora flexível e quando necessário firme do terapeuta permitem reviver na relação terapêutica as condições infantis e os conflitos inconscientes que produziram a fobia REFERÊNCIAS 1 Falcón Martínez C Fernández Galiano E López Melero R Diccionario de la mitología clásica Madrid Alianza 1980 2 Freud S Obsesiones y fobias Su mecanismo psíquico y su etiología In Freud S Primeras publicaciones psicoanalíticas 18931899 Buenos Aires Amorrortu 1895 Obras completas v 3 3 Freud S Las neuropsicosis de defensa en sayo de una teoría psicológica de la histeria adquirida de muchas fobias y representa ciones obsesivas y de ciertas psicosis aluci natorias In Freud S Primeras publicacio nes psicoanalíticas 18931899 Buenos Ai res Amorrortu 1894 Obras completas v 3 4 Freud S A propósito de las críticas a las neurosis de angustia In Freud S Primeras publicaciones psicoanalíticas 18931899 Buenos Aires Amorrortu 1895 Obras completas v 3 5 Freud S La sexualidad en la etiología de las neurosis In Freud S Primeras publicaciones psicoanalíticas 18931899 Buenos Aires Amorrortu 1898 Obras completas v 3 6 Freud S Análisis de la fobia de un niño de cinco años In Freud S Análisis de la fobia de un niño de cinco años caso del pequeño Hans A propósito de un caso de neuro sis obsesiva caso del Hombre de las Ra tas 1909 Buenos Aires Amorrortu 1909 Obras completas v 10 7 Freud S De la historia de una neurosis in fantil In Freud S De la historia de una neurosis infantil caso del hombre de los lobos y otras obras 19171919 Buenos Aires Amorrortu 1918 Obras completas v 17 8 Freud S Lo inconciente In Freud S Con tribución a la historia del movimiento psi coanalítico trabajos sobre metapsicología y otras obras 19141916 Buenos Aires Amorrortu 1915 Obras completas v 14 9 Freud S Inhibición síntoma y angustia In Freud S Presentación autobiográfica Inhi Psicoterapia de orientação analítica 599 bición síntoma y angustia pueden los le gos ejercer el análisis y otras obras 1925 1926 Buenos Aires Amorrortu 1926 Obras completas v 20 10 Freud S Nuevas conferencias de introduc ción al psicoanálisis In Freud S Nuevas conferencias de introducción al psicoanáli sis y otras obras 19321936 Buenos Aires Amorrortu 1933 Obras completas v 22 11 Freud S Conferencias de introducción al psicoanálisis In Freud S Conferencias de introducción al psicoanálisis partes I y II 19151916 Buenos Aires Amorrortu 1916 Obras completas v 15 12 Freud S Tres ensayos de teoría sexual In Freud S Fragmento de análisis de un caso de histeria caso Dora tres ensayos de teo ría sexual y otras obras 19011905 Buenos Aires Amorrortu 1905 Obras completas v 7 13 Dio Bleichmar E Temores y fobias con diciones de génesis em la infancia Buenos Aires Acta Fondo para la Salud Mental 1981 14 Gabbard GO Psychodynamic psychiatry in clinical practice 2nd ed Washington Ame rican Psychiatric 1994 15 Freud S Lecciones introductorias al psico análisis In Freud S Conferencias de intro ducción al psicoanálisis parte III 1916 1917 Buenos Aires Amorrortu 1916 Obras completas v 16 16 Freud S Lo ominoso In Freud S De la his toria de una neurosis infantil caso del hombre de los lobos y otras obras 1917 1919 Buenos Aires Amorrortu 1919 Obras completas v 17 17 Lewin BD Phobic symptoms and dream in terpretation Psychoanal Q 1952213295 322 18 Klein M Some theoretical conclusions re garding the emotional life of the infant In Klein M Envy and gratitude other works 19461963 New York Dell 1977 19 Segal HM Sobre los mecanismos esquizói des que subyacem em la formación de la fo bia Imago Revista de Psicoanálisis psiquia tría y psicologia 19786614 20 Lacan J Seminário VIII In Lacan J Obras completas snsl 19601961 21 Lacan J Seminário IV In Lacan J Obras completas snsl 19601961 22 Freud S Nuevos caminos de la terapia psico analítica In Freud S De la historia de una neurosis infantil caso del hombre de los lobos y otras obras 19171919 Buenos Aires Amorrortu 1919 Obras completas v 17 23 Turner SM Calhoun KS Adams HE Hand book of clinical behavior therapy New York Wiley c1992 LEITURA SUGERIDA Freud S La represión In Freud S Contribución a la historia del movimiento psicoanalítico tra bajos sobre metapsicología y otras obras 1914 1916 Buenos Aires Amorrortu 1915 Obras completas v 14 A busca de tratamento por parte de pacien tes com transtornos graves da personalida de fazse cada vez mais frequente tanto nos consultórios particulares como nos ambu latórios da rede pública o que representa um grande desafio para psicoterapeutas e psicanalistas Entre esses casos de difícil resolução destacamse os pacientes nar cisistas Isso se deve em parte ao fato de estarmos vivendo em uma cultura com ca racterísticas crescentemente narcisistas em que sobressaem a diluição das diferenças culturais de gênero e de gerações o pre domínio do uso da imagem e da ação em vez da reflexão para lidar com a ansiedade e um incentivo exagerado ao consumismo e ao culto ao corpo entre outros aspectos da chamada pósmodernidade Além dis so como salienta Kristeva em seu livro As novas doenças da alma1 também ocorreu uma mudança na escuta dos analistas que passaram a contar com novos instrumen tos para lidar com situações clínicas antes negligenciadas ou não percebidas Se a presença crescente de pacientes narcisistas em análise ou em psicoterapia de orientação analítica2 tem acarretado di ficuldades técnicas peculiares em especial no desenvolvimento da relação terapêutica suas crônicas manifestações de resistência ao tratamento sem dúvida constituem foco de permanente destaque na literatura psica nalítica desde o fim da década de 1960 por autores como Green3 Kernberg4 Meltzer56 e Rosenfeld79 Mais recentemente têm sido estudadas certas formas sutis desse funcio namento narcisista como por exemplo o distanciamento afetivo do paciente masca rado por uma pseudocooperação1013 Em sintonia com esse interesse tão atual procurarse destacar neste capítulo algumas contribuições consideradas fun damentais para uma melhor compreensão de tais casos bem como dos avanços em sua abordagem psicodinâmica e das limi tações que esses pacientes impõem aos seus tratamentos O MITO DE NARCISO Uma das melhores maneiras de iniciar é relembrando o próprio mito de Narciso Segundo a versão mais conhecida14 quan do Narciso nasceu seus pais consultaram Tirésias o adivinho cego sobre o futuro da criança e este lhes respondeu que o meni no viveria longos anos desde que não se 35 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE NARCISISTA Sergio Lewkowicz Psicoterapia de orientação analítica 601 conhecesse Narciso cresceu e tornouse um rapaz muito belo admirado e cortejado por inúmeras ninfas e mortais No entanto rejeitava a todas e permanecia insensível ao amor Certo dia a ninfa Eco enamorou se dele e o seguiu apaixonadamente mas sem lhe falar condenada que estava por castigo de Hera a somente repetir palavras alheias Narciso a desprezou como já fize ra com outras Retire estas mãos que me enlaçam Antes morrer do que me entregar a você E a pobre Eco secou de tristeza e acabou morrendo Outra ninfa porém igualmente rejeitada pediu ajuda a Nême sis a deusa da Justiça para punir a frieza de Narciso amaldiçoandoo de modo que ele também amasse e não obtivesse o objeto de seu amor Em um dia de muito calor Nar ciso aproximouse de uma fonte para saciar a sede e ao debruçarse viu sua imagem e dela se enamorou Seduzido pela própria beleza esqueceuse de comer e dormir e logo passou a definhar Ao darse conta de que estava apaixonado por si próprio de sejou morrer indiferente ao mundo Mes mo no rio dos Infernos ainda procurava na água pelo reflexo dos traços amados Seu corpo desapareceu e no local foi encon trada uma flor amarelada rodeada de péta las brancas o narciso ASPECTOS CLÍNICOS A partir da transcrição do mito de Narciso podese observar que as características ne le relatadas estão presentes em todos nós por vezes elas até se tornam predominan tes por exemplo quando adoecemos fisi camente e passamos a solicitar atenção e cuidados especiais Em alguns casos a vida emocional da pessoa centralizase em tor no de uma exagerada relação que apresenta consigo própria e de uma distante e pobre interação com os outros configurando o quadro do paciente narcisista cujas carac terísticas clínicas principais descreveremos a seguir Entretanto observase também que todos os pacientes em psicoterapia ou aná lise apresentam reações desse tipo particu larmente nos momentos de separação ou de melhora durante o processo terapêutico Tornase assim indispensável ao psicotera peuta reconhecer e tentar interpretar essas ma nifestações narcísicas o mais rápido possível pois elas levam facilmente a importantes fon tes de resistência ao tratamento O transtorno da personalidade nar cisista apresenta como manifestações prin cipais um padrão global e persistente de grandio sidade necessidade de admiração falta de empatia e inveja crônica e intensa15 São considerados critérios importantes no seu diagnóstico de acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM5 os seguintes16 1 atribuirse um grau excessivo de au toimportância exagera suas realizações e talentos espera ser reconhecido como superior mesmo sem conquistas co mensuráveis 2 preocuparse com fantasias de sucesso poder brilho beleza e amor ideal ilimi tados 3 acreditar ser especial e único e so mente poder ser compreendido por ou associarse a pessoas ou instituições destacadas 4 necessitar de admiração excessiva 5 esperar receber tratamento especial e obediência automática às suas expec tativas 602 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 6 tirar vantagem dos outros para atingir seus próprios objetivos 7 apresentar carência de empatia sendo incapaz de se identificar com os senti mentos ou as necessidades alheias 8 sentir inveja frequentemente ou crer que é invejado pelas outras pessoas 9 manifestar comportamentos arrogantes e insolentes Destacase nesses pacientes uma exagerada preocupação com a aparência a qual é cons tantemente monitorada e observada pequenos defeitos sinais ou marcas acabam sendo in tensamente valorizados muitas vezes levando a procedimentos médicos inclusive correções cirúrgicas Apresentam uma necessidade exage rada de serem amados e admirados bus cam sempre aprovação e elogios e se sen tem muito lisonjeados quando isso ocor re Ao contrário sentemse terrivelmente infelizes e inferiores quando criticados ou rejeitados17 o que nos alerta para a con tradição que manifestam já que oscilam de um conceito hipertrofiado de si mesmos para sentimentos de acentuada inferiori dade18 Têm uma vida emocional bastante superficial com pouca capacidade para perceber os outros assim sob uma superfí cie charmosa e envolvente podem revelar se frios e insensíveis18 Acabam também por estabelecer pre ferencialmente relações que lhes propor cionem algum benefício idealizam as pes soas capazes de lhes dar algo e depreciam as demais particularmente seus ídolos an teriores o que leva Kernberg18 a conside rá los exploradores e parasitários Além disso não conseguem aproveitar o que recebem em função da grande inveja que isso lhes desperta permanecendo constantemente insatisfeitos e queixosos com os mais pró ximos Ainda que sejam totalmente depen dentes dos elogios e da admiração dos ou tros na realidade não conseguem formar uma verdadeira dependência o que acaba por trazer dificuldades no estabelecimento da relação terapêutica1819 De acordo com a contradição já men cionada sua sensação de engrandecimen to da autoestima não se deve a conquistas pessoais ao contrário é decorrente de uma intensa desvalorização rejeição e abando no dos objetos lembrando mais uma vez o mito de Narciso Maldonado20 assinala como o paciente com funcionamento narcisista precisa da presen ça de um objeto para poder rechaçálo e de monstrar que não necessita dele e é sobre a base dessa rejeição que o narcisismo se estru tura No entanto ao rechaçar o objeto o pacien te também rechaça suas representações tendo assim sua capacidade simbólica prejudicada o que leva a profundas alterações na própria personalidade Kernberg18 descreve como o quadro da personalidade narcisista é amplo en globando um conjunto que inclui os casos mais leves nos quais o paciente se encontra aparentemente bem apenas com sintomas de uma sensação de vazio ou de depressão os intermediários nos quais a sintomato logia narcisista é mais evidente e os mais graves em que sintomas da linha borderline se mesclam com os da linha narcísica em especial na impulsividade culminando na situação clínica que o autor denominou de narcisismo maligno Nesses casos ocorre o triunfo sobre a dor e o sofrimento pessoal Psicoterapia de orientação analítica 603 quando o paciente inflige essa mesma dor e sofrimento aos outros com um prazer sádi co na agressão situação que também ocorre quando sintomas antis sociais se combinam com os narcisistas ASPECTOS PSICODINÂMICOS Os aspectos psicodinâmicos do paciente narcisista são os mesmos presentes nas ma nifestações narcísicas dos outros pacientes variando apenas sua intensidade e persis tência Tornase assim indispensável com preender o funcionamento desse transtor no da personalidade para entendermos as características narcisistas que aparecem em todos os tratamentos Freud21 descreveu os aspectos relacio nados com o narcisismo normal presente no desenvolvimento do indivíduo Deta lhou um período de narcisismo primário no qual o investimento da libido se faz para o ego e só posteriormente para os objetos Quando ocorre alguma frustração ou difi culdade nessas relações a libido é retirada dos objetos e retorna ao ego configurando o que Freud chamou de narcisismo secun dário Ele considerou também um tipo de escolha objetal narcísica envolvida na elei ção de um objeto homossexual por razões narcisistas amarse a si mesmo em um ob jeto do mesmo sexo dinâmica esta que parece predominante em alguns pacientes homossexuais atuais Mesmo que Freud não tenha abordado diretamente quadros clínicos narcisistas na realidade trabalhou com esse tipo de manifestação clínica por exemplo no caso do Homem dos Lobos Klein22 ao introduzir o conceito de identificação projetiva ampliou a com preensão do narcisismo considerando o sob duas formas a primeira seguindo Freud como uma relação de objeto nar cisista como na escolha objetal homosse xual a segunda que chama de estado narcisista como a retirada da libido para um objeto interno do paciente que pode estar dentro do indivíduo projetado em outro objeto ou em ambos por identifica ção projetiva23 Para essa autora é inaceitá vel a presença de um período de narcisismo primário anobjetal segundo descrito por Freud Ela considera que existem relações de objeto desde o início da vida mental por tanto só pode haver narcisismo secundário Klein também não abordou diretamente esses quadros clínicos mas favoreceu sua compreensão e os desenvolvimentos que se seguiram de forma mais específica com seus estudos de 1957 sobre a inveja Há várias abordagens psicanalíticas para a compreensão e o tratamento do narcisismo destacandose a escola kleiniana a psicologia do self a psicologia do ego e a escola lacania na todas baseadas nos achados de Freud Contudo as contribuições mais origi nais abrangentes e frutíferas para o enten dimento do narcisismo bem como de sua abordagem técnica tanto em psicoterapia de orientação analítica como em análise derivam dos desenvolvimentos da escola kleiniana em especial dos trabalhos de Ro senfeld7924 complementados por Melt zer5 e Steiner11 Além deles destacamse Green25 e Kernberg18 Outros autores que também estudaram esse tema são Grum berger Kohut e Lacan mas suas ideias não serão desenvolvidas aqui por limitações de espaço A partir de suas experiências de aná lise com pacientes psicóticos Rosenfeld foi percebendo os estados de confusão que eles apresentavam Isso o levou ao estudo 604 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs das várias maneiras com as quais tentavam lidar com essa confusão primária particu larmente a defesa narcisista12 A primeira aproximação de Rosen feld à psicopatologia do narcisismo data de 1964 quando afirma que para ele o que Freud considerava narcisismo primá rio tratavase de relações de objeto pri mitivas ampliandose assim as ideias de Klein Atribui também um papel proemi nente para a onipotência nesses pacientes em especial por meio de fantasias de união ou fusão completa com o objeto Desse modo explica de que modo as relações de objeto narcisistas funcionam como uma defesa para o reconhecimento da separa ção A percepção da separação é evitada pois implica sentimentos de dependência e valorização do objeto levando a intensas sensações de frustração e inveja O autor assinala ainda o quanto nesses pacientes é característica a projeção de seus aspectos indesejáveis no objeto No tratamento o terapeuta é desvalorizado utilizado como latrina A realidade psíquica não pode ser percebida pois qualquer sentimento ou sensação desagradável é imediatamente evacuado para dentro do objeto e sentido como pertencente a ele levando a intensas ansiedades paranoi des7 Isso pode explicar a formação de um verdadeiro círculo vi cioso no tratamento desses pacientes pois quando começam a melhorar e a perceber sua realidade psíquica esse fato serve de estímulo para reiniciar todo o processo de fensivo e desencadear reações terapêuticas negativas26 Meltzer5 concomitantemente com Rosenfeld expõe como pode ocorrer uma dominação organizada da mente pela parte destrutiva da personalidade em situações de ansiedade muito intensa de caos e con fusão compondo uma verdadeira estrutu ra a que denomina organização narcisista Essa parte destrutiva apresentase para as partes boas do self que estão sofrendo como uma proteção contra a dor como um esti mulante para sua sensualidade e vaidade e quando há resistência como torturador e tirano com toda a violência Na realidade essa organização narcisista é montada com o fim de evitar o surgimento do sentimento de terror uma ansiedade persecutória pa ralisante de grande intensidade relaciona da com a fantasia de que a própria agressão fora tão violenta que destruiu totalmente os objetos não havendo portanto qual quer possibilidade de reparação Rosenfeld no trabalho mais expres sivo e profundo para a compreensão de suas ideias sobre o narcisismo Uma abor dagem clínica à teoria psicanalítica das pul sões de vida e de morte uma investigação dos aspectos agressivos do narcisismo8 inicia lembrando a descrição da pulsão de morte introduzida por Freud em 1920 Descre ve também os graus variáveis de fusão e desfusão das pulsões de vida e de morte e comenta que Freud não elaborou a relação entre narcisismo e destrutividade ao con trário de Abraham27 que conectou o nar cisismo com a inveja e descreveu as reações de resistência e transferência negativa des ses pacientes Rosenfeld lembra que Mela nie Klein28 por sua vez observou o papel desempenhado pela inveja na transferência negativa e nas reações terapêuticas negati vas mostrando a que ponto esses aspectos apareciam desfundidos da pulsão de vida Assim um dos objetivos da análise é favo recer a fusão das pulsões de vida e morte Rosenfeld a seguir introduz seu conceito de fusão patológica das pulsões quando ocorre um reforço do poder dos impulsos destrutivos Também considera essencial diferenciar os aspectos libidinais e destrutivos do narcisismo no que é critica do por Steiner12 pois o libidinal facilmente Psicoterapia de orientação analítica 605 se converte em destrutivo assim que a idea lização é atacada Rosenfeld explica que os aspectos libidinais se manifestam por uma idealização do self conduzindo a uma sen sação de engrandecimento deste Isso se baseia em identificações projetivas e intro jetivas onipotentes com objetos externos bons e suas qualidades O paciente sente então que tudo que é valioso faz parte de si pertence a ele ou é por ele controlado Em relação aos aspectos destrutivos do narci sismo também ocorre uma idealização do self só que agora das partes destrutivas onipoten tes deste Elas atacam tanto as relações de ob jeto positivas quanto as partes libidinais do próprio self que têm necessidade de um objeto e que desejam depender dele Com frequência essas partes destrutivas perma necem disfarçadas silenciosas e excluídas o que obscurece sua existência mas conti nuam impedindo as relações de dependên cia do paciente com os outros mantendo os objetos externos constantemente des valorizados o que faz o narcisista parecer indiferente às pessoas e ao mundo Em geral nos pacientes narcisistas coexistem aspectos libidinais e destrutivos Quando o paciente percebe o objeto como separado do self por exemplo no trata mento quando o terapeuta é vivenciado como independente e fonte de vida e de coisas boas podem ocorrer dois tipos de reação a quando predominam os aspectos libidi nais a destrutividade se manifesta logo que a idealização do self é ameaçada pela constatação de que o objeto externo contém as qualidades valorizadas que o paciente atribuía a si próprio o que o leva a sentirse muito humilhado e com consciência de seus intensos sentimentos de inveja b quando predominam os aspectos destru tivos a inveja é mais violenta e o objetivo do paciente é destruir seu terapeuta Assim o paciente tenta acreditar que ele deu a vida a si mesmo e é autossuficien te Ao se defrontar com o fato de depender do terapeuta representante dos pais prefe re morrer não existir negar seu nascimen to e destruir o progresso e a compreensão adquiridos no tratamento Nesses momen tos é comum querer interromper a psi coterapia ou a análise e começar a agir de maneira autodestrutiva perturbando o de sempenho profissional e os relacionamen tos pessoais Alguns pacientes se tornam suicidas e a morte é idealizada como solu ção para todos os problemas Isso se deve à ação das partes destrutivas e invejosas do self que se tornam cindidas e desfundidas do self libidinal o qual parece ter desapa recido Assim todo o self fica temporaria mente identificado com o self destrutivo que triunfa sobre a vida e a criatividade Em determinados pacientes após certo desenvolvimento terapêutico a parte libidinal aparece mostrando particular mente preocupação com a relação com o analista Em outros no entanto esses im pulsos destrutivos parecem estar constan temente ativos e dominar toda a persona lidade do paciente manifestandose por meio de ataques explícitos ou implícitos ao trabalho terapêutico Os pacientes acabam se sentindo indiferentes e triunfantes em relação aos outros inclusive a seus tera peu tas Funcionam como se tivessem matado sua parte libidinal infantil dependente e amorosa identificandose com a parte narcísica e destrutiva do self a qual lhes 606 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs fornece uma sensação de superioridade e autoadmiração O narcisismo destrutivo mostrase bastante or ganizado como uma quadrilha ou gangue mui to poderosa comandada por um líder que con trola todos os seus membros com o objetivo de manter no poder a parte destrutiva Tratase de uma organização narcisista que busca conser var a qualquer custo o poder e a idealização do narcisismo destrutivo Quando os impulsos destrutivos se ligam a perversões ocorre um grande au mento do poder e da violência das pulsões destrutivas devido a sua erotização Stei ner12 acredita que justamente as relações sadomasoquistas em forma de seduções e ameaças constituem o mecanismo pelo qual os membros da organização se man têm unidos Quando esses impulsos narcí sicos se ligam a uma organização psicótica criase uma estrutura delirante que com crueldade ou sedução aprisiona as partes mais saudáveis da personalidade Nesses casos são comuns reações terapêuticas ne gativas na ocorrência de algum progresso que conduzem o paciente a se afastar do contato com seu terapeuta e o atraem para um estado onírico onipotente e psicótico Rosenfeld alerta que de fato existe o risco de reações psicóticas agudas se a parte sau dável e dependente do paciente for conven cida a se afastar da realidade e a entregarse totalmente ao domínio da estrutura narci sista delirante8 Rosenfeld9 na introdução à discussão sobre a teoria psicanalítica das pulsões de vida e de morte na Sociedade Britânica de Psicanálise descreve que nos casos em que ocorriam sintomas como desejo de morrer ou de fugir para o nada sempre se poderia encontrar alguma destrutividade ativa que não se dirige apenas contra os objetos mas também contra partes do self situação que passou a chamar de narcisismo destrutivo Se Freud assinala que a libido orien tada para o self é um componente funda mental do narcisismo Rosenfeld9 destaca que a agressão orientada contra partes do self também constitui um aspecto central dessa condição A seguir defende a ideia de um impulso agressivo primário não criado pela frustração mas muitas vezes estimulado ou reforçado por ela relacio nandoo com a pulsão de morte descrita por Freud Relata também como esses pa cientes vivem se sentindo desamparados e desesperançados com um constante medo da morte pois acreditam firmemente que perderam seu desejo de amar e cuidar de seus objetos Esse narcisismo destrutivo tenta controlar a análise escondendo as partes do paciente que querem cooperar com o analista circunstância com frequência mascarada por uma falsa coo peração Na verdade ocorre uma idealização da destrutividade inconsciente que no fundo se dirige contra a própria vida re presentada pela mãe pelo analista e pelas partes libidinais do self que estão relacio nadas com objetos e querem viver Esse aspecto mortífero precisa ser disfarçado assim o narcisismo destrutivo mostrase muito superior e poderoso ameaçando de morte as partes do self que querem se re lacionar com os objetos e idealizando seus produtos corporais com fantasias de autos suficiência Green25 procura ampliar o conceito de narcisismo primário de Freud relacio nandoo com o estado de vazio e de silên Psicoterapia de orientação analítica 607 cio Esse estado de vacuidade é provavel mente o mais temido por esses pacientes mobilizando manobras defensivas de nível fronteiriço ou psicótico Green descreve de forma mais específica a necessidade de manterem uma relação com um objeto mau interno a qualquer custo É preferível ter uma relação com o objeto mau do que se confrontar com os horrores do vazio pois o paciente não consegue substituílo por um objeto bom mesmo quando disponível Essa situação fazse evidente no tratamen to quando após um marcado progresso o paciente apresenta recidivas irrupções de agressividade e colapsos perió dicos Co mo refere Green25 O objeto é mau mas é bom que exista O abandono desse ob jeto nesse momento não implicará cresci mento pessoal ao contrário poderá levar o paciente a um estado de nulidade um buraco negro passível de desembocar em alucinações negativas configurando o nú cleo daquilo que em trabalhos anteriores Green denominou de psicose em branco psychose blanche na qual a simbolização não pode ocorrer Steiner11 procura mostrar que na organização narcisista as relações intrap síquicas entre as partes da personalidade produzidas pela cisão podem conter ele mentos perversos Revisando autores co mo Abraham Reich Deutsch Winnicott Meltzer Joseph e principalmente Rosen feld conclui que por trás de uma pseudo cooperação é possível ocorrer uma situa ção em que partes essenciais do paciente vão se tornando excluídas e inacessíveis ao tratamento provocando sentimentos de aridez e vazio nos terapeutas Quando a inveja é predominante os objetos bons são atacados e desvalorizados confundindose a distinção entre bom e mau A gangue narcísica descrita por Ro senfeld8 apresentase como a única es trutura capaz de organizar o caos interno por vezes pode conceder uma razoável liberdade a suas partes permitindo um ajustamento que aparenta ser bastante sadio tanto no trabalho como nos rela cionamentos desde que o poder da parte destrutiva narcisista não seja ameaçado Steiner salienta que o aprisionamento da parte libidinal saudável do self não ocor re de uma maneira inocente Essa parte saudável pode ser conivente e deixarse dominar intencionalmente pela gangue narcisista dando uma qualidade perver sa a essa interação isso configura o que o autor denominou de interação perversa entre partes do self levando fundamen talmente a uma distorção ou perversão da verdade Ele destaca ainda como essas relações internas se externalizam na trans ferência e pressionam o analista a agir em conivência perversa com o paciente Expõe um exemplo no qual o paciente apresenta va uma razoável compreensão de que esta va dominado por uma organização sádica destrutiva mas apesar desse conhecimen to pactuava de maneira perversa com ela Steiner mostra também apoiandose em Klein e Rosenfeld que a estrutura narcísi ca serve de defesa contra estados confusio nais11 Rosenfeld24 procura aprofundar a compreensão do narcisismo destrutivo caracterizando dois grupos distintos de nominados de narcisistas de pele fina e de pele grossa Nos casos em que pre domina a inveja a estrutura narcisista favorece o desenvolvimento de uma pe le grossa deixando os pacientes prati camente insensíveis a sentimentos mais profundos a destrutividade é proemi nente em es pecial pela desvalorização do terapeuta e da ajuda que este oferece Ao contrário os pacientes narcisistas de pe le fina são hipersensíveis e facilmente se 608 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs sentem feridos e humilhados Vários deles foram traumatizados durante sua infância e sentiramse inferiores envergonhados e vulneráveis A estrutura narcisista fun ciona de maneira a compensar esses sen timentos de inferioridade e a manter a es tabilidade embora de forma precária da personalidade desses pacientes que são em geral bemsucedidos tanto afetiva co mo profissionalmente Outro aspecto a considerar é a trans missão intergeracional do narcisismo quan do um funcionamento narcisista é forçado dentro do paciente pela geração anterior Tratase de uma situação totalmente in consciente e que se processa via identifica ções que vão alienando o indivíduo29 Concluindo podese tentar conceituar o fun cionamento narcisista como aquele no qual diante do sofrimento psíquico vivenciado como desamparo e sentimento de fragmenta ção e devido à idealização das partes más do self a parte destrutiva da personalidade sen tida como a única capaz de organizar o caos interno assume o comando da personalidade com o conluio da parte libidinal do self esta belecendose uma estrutura relativamente es tável Tratase de uma organização defensi va que opera de maneira muito organizada e que necessita de uma estratégia interpre tativa própria Quando esses aspectos fi cam permanentemente estruturados con figurase a personalidade narcisista quan do ocorrem de forma transitória em graus variáveis de intensidade caracterizam os estados narcisistas ou momentos narcísi cos presentes em todos os tratamentos em especial nas situações de melhora ou sepa ração do terapeuta5891113173031 ASPECTOS TÉCNICOS O tratamento de escolha para a persona lidade narcisista é a psicanálise devido à intensidade e à profundidade das mudan ças que é capaz de propiciar Quando não há possibilidade de utilização da análise a psicoterapia de orientação analítica é a melhor alternativa também apresentando bons resultados Kernberg18 sugere como a indicação de tratamento mais adequada para os pacientes narcisistas nos quais se infiltram sintomas fronteiriços borderline a psicoterapia expressiva uma técnica psi coterápica derivada da psicanálise e desen volvida por ele Para compreender os estados nar cisistas e com eles trabalhar o terapeuta deverá estar atento ao interjogo estabele cido entre as partes libidinais e destrutivas da personalidade à maneira como essas partes estão se relacionando na mente do paciente à forma como se externalizam na sessão por meio da relação transferência contratransferência e a um equilíbrio nas interpretações desses aspectos para o pa ciente1317 Cabe lembrar que tais pacientes im põem muitas dificuldades a seus tera peutas sendo um verdadeiro desafio aten dêlos devido às intensas reações contra transferenciais que despertam Nunca é demais salientar que o paciente narcisista tem muita dificuldade para estabelecer um contato emocional próximo e íntimo com o terapeuta o que dificulta bastante o pro cesso terapêutico sendo o principal fator de um necessário prolongamento desses tratamentos Uma das maiores dificuldades técni cas surge quando tais pacientes funcionam excluindo desprezando e desvalorizando seus terapeutas Por exemplo falam como se o analista não estivesse ali não parecem Psicoterapia de orientação analítica 609 interessados em suas opiniões ou inter pretações referem sem parar apenas suas insatisfações ou queixas alegando que nin guém é capaz de ajudálos As reações contratransferenciais podem variar desde um afastamento emocional do analista que se desliga e se desinteressa do que o pa ciente comunica de intensas reações de irrita ção com risco de atuação contratransferencial até sentimentos depressivos de frustração in capacidade desânimo e desesperança para com o paciente Tais reações tornamse ainda mais intensas quando o paciente se apropria das interpretações do terapeuta repetindoas para despojálas de vida e devolvendoas como se fossem agora de sua proprieda de considerandoas bem melhores do que eram anteriormente ou ainda quando pro duz teorias em sua opinião superiores às do analista7813 Em outros casos o pacien te parece ansioso por receber uma interpre tação mas logo após esta ser formulada ele volta a se sentir estranhamente vazio e insatisfeito como se não tivesse recebido qualquer ajuda18 Visto que em geral são pacientes graves em meio às dificuldades transfe renciais podese destacar sua tendência à atuação dentro e fora das sessões em função de seus problemas com a simbo lização e a verbalização Isso se manifesta por meio de atrasos faltas problemas com o pagamento dos honorários entre outros aspectos São comuns também ou atitu des francamente hostis e agressivas com o terapeuta ou ataques mais sutis quando os pacientes se mantêm silenciosos e pouco colaboradores em seus tratamentos Além disso eles podem apresentar conduta auto destrutiva com acidentes abuso de álcool e drogas e envolvimento em relacionamen tos perigosos Outro fator de dificuldade é que necessitam utilizar temporariamente a mente do analista para poderem pensar o que provoca um desgaste importante no terapeuta25 Esses pacientes percebem de forma imediata e com acurácia as caracte rísticas e os sentimentos de seu terapeuta muitas vezes além do que este o desejaria provocando desconforto e ansiedade Também com frequência procuram enquadrar o terapeuta em um papel em geral grandioso manifestando reações de irritação quando esse papel não é aceito porque o terapeuta se mostrou mais ou menos brilhante do que a expectativa que o paciente lhe havia atribuído18 Quando o terapeuta apresenta por sua vez traços narcisistas importantes há o risco de se estabelecer uma espécie de conluio narcísi co no qual ocorre uma mútua idealização entre o paciente e o analista o que não é raro de se observar As reações contratransferenciais despertadas pelo contato com a parte destrutiva do pacien te são muito intensas devido à onipotência e ao poder com que essa organização é mantida São frequentes os temores tanto das fantasias destrutivas do paciente quanto das fantasias do próprio terapeuta Podem também ser despertados no analista senti mentos de impotência desinteresse recha ço e afastamento emocional em relação ao paciente13 Alguns pacientes procuram estabelecer um clima de idealização em seus tratamen tos logo descobrindo como fazer para ten tar agradar passando a comportarse como o paciente ideal na busca do reconhecimen to e dos elogios do analista Essa situação 610 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs deve ser interpretada caso contrário pode levar a uma dissociação como a concentra ção de todo o bem na situação terapêutica e de todo o mal na realidade externa Um fator técnico fundamental nesse atendimento é a procura de um equilíbrio nas interpretações dos aspectos destrutivos e dos aspectos libidinais buscando que o paciente de forma progressiva tome cons ciência de que está sendo dominado por seus aspectos destrutivos que não apenas o empurram para a morte mas ainda o in fantilizam o impedem de crescer e o man têm afastado dos objetos que poderiam auxiliálo a se desenvolver8 Esse equilíbrio nas interpretações tam bém é destacado por Green25 ao chamar a atenção para o risco de uma técnica muito intrusiva por um lado ou de uma ausência ou silêncio do analista por outro Uma predominância das interpreta ções da destrutividade do paciente pode le var à instalação de uma relação com carac terísticas sadomasoquistas ou ao seu opos to quando ficam reforçados os aspectos pseudoamorosos e positivos e excluídos os aspectos destrutivos projetados para fora da relação terapêutica13 Rosenfeld824 e Green24 alertam que nos casos em que ocorre um exagero na interpretação da des trutividade o paciente pode ter seu estado emocional piorado em relação ao início do tratamento Rosenfeld7 destaca que em todos os casos mesmo nos mais graves existe uma parte menos narcísica e mais normal da personalidade do paciente que deseja estabelecer contato com o analista É jus tamente com essa parte que o terapeuta deve tentar formar seu vínculo para pro curar resgatála de dentro da organização narcisista e favorecer seu crescimento e desenvolvimento sempre levando em consideração que esse aspecto em vez de ser vítima inocente se encontra em con luio com a parte destrutiva11 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Como ilustração apresentamse alguns aspectos do paciente André um jovem de 19 anos que procurou tratamento a pedido dos pais bastante preocupados com ele pois vivia isolado era agressivo e saía rara mente de casa já que quase não tinha amigos Mostrava também uma acentuada preocupação com sua aparência dizendo oscilar entre a situação mais frequente que era a de se achar muito feio com o rosto torto e deformado e os momentos mais raros em que se via extremamente bonito quando era elogiado por alguém isso o levava a sentirse bem nas festas e na companhia das pessoas Na realidade o lugar no qual se sentia melhor era em um terreno baldio ao lado de sua casa onde passava várias horas por dia às vezes dormindo às vezes só deitado ali ficava sem ninguém reclamar nem lhe cobrar nada Sua dificuldade para conviver com os pais acentuarase tanto que não fazia mais as refeições com eles e com o resto da família passando a comer sozinho e parcamente na cozinha em um horário diferente dos demais Descreveu um clima familiar tenso e com pouco contato afetivo entre as pessoas ou seja de re lações familiares muito formais Apresentou problemas emocionais quase ininterruptos desde a infância Quando pequeno tinha muita dificuldade em se separar dos pais ia com eles a tudo tanto que foi mui to difícil a adaptação escolar Os colegas davamlhe numerosos apelidos principalmente devido ao fato de se olhar muito no espelho e de se isolar com frequência Nunca teve namorada até o começo do tratamento mas já havia ficado umas poucas vezes e vivido esporádicas relações sexuais com prostitutas Continua Psicoterapia de orientação analítica 611 Continuação Durante o período inicial da análise era visível o esforço para evitar o contato emocional maior com o analista embora o paciente raramente faltasse Chegava às sessões com algum atraso e iniciava na se quência um relato que parecia dirigido a si mesmo excluindo totalmente o terapeuta e parecendo ter in clusive prazer nessa atividade Várias vezes se referiu a um sonho em que se via só em um castelo cer cado por um fosso com águas muito profundas intransponíveis cuja única passagem era a de uma ponte levadiça que ele controlava e que mantinha sempre fechada não permitindo a entrada de ninguém Ora esta era a sensação contratransferencial do terapeuta excluído não autorizado a entrar no mundo inter no do paciente Aos poucos foi sendo possível detectar a parte destrutiva por meio das associações e dos sonhos Pa ciente e analista passaram a nomeála de a parte nazista pois André manifestava uma intensa admira ção por nazistas bem como fantasias de que eles encontram proteção em qualquer lugar do mundo Após cerca de três anos de análise o paciente teve férias mais longas de cerca de seis semanas pela primeira vez foi viajar para o exterior sem os pais para um curso relacionado com sua área profissional Na volta relatou que se surpreendera pelo fato de várias vezes durante a viagem terse lembrado de seu te rapeuta o que lhe despertava um sentimento desagradável e o levava a logo procurar pensar em outra coi sa Na segunda semana após as férias veio à sessão de segundafeira com uma atadura na mão direita explicando que se lesionara praticando esporte e não poderia dar a mão a cumprimentar Contou um sonho em que se viu acordando às 7 horas da manhã para ir trabalhar só que o que mais o surpreendeu era es tar entusiasmado com isso Encontrou então um amigo que lhe disse que ele era um trouxa um verdadeiro babaca que é coisa de otário acordar tão cedo logo para trabalhar Podese observar como o amigo no sonho corresponde a uma parte destrutiva que luta contra o envolvimento que o paciente estava sentin do em relação ao trabalho terapêutico parte libidinal Isso já havia ficado claro no seu relato das férias quando sua parte narcisista procurava eliminar os pensamentos sobre o analista Na sessão seguinte terçafeira o paciente relatou ter algo a confessar sua lesão já havia melhorado no fim de semana e ele não precisaria mais utilizar a atadura com que viera na sessão anterior mas ha via decidido mantêla para não ter que dar a mão ao analista Observase assim como a parte nazista assumiu o controle da sua personalidade e no comando levouo a agir ativamente contra o analista men tindo e atacando o vínculo pois não queria lhe dar a mão Notase de que modo à medida que o paciente se sente mais próximo do terapeuta nas férias e no recomeço do tratamento ele vai ficando cada vez mais assustado precisando produzir barreiras a atadura como o fosso de seus sonhos anteriores E passa também a falar de sua desconfiança para com o analista questionando se este não estaria apenas inte ressado em seu dinheiro Observese assim como a parte destrutivanazista foi se manifestando nesse caso a princípio apa recendo nos relatos e nos sonhos até surgir de forma concreta no vínculo com o terapeuta pela atadura fal samente colocada A parte libidinal do paciente apareceu em seu envolvimento cada vez maior com o ana lista na lembrança constante do analista em sua viagem e no fato de trazer para o tratamento imediata mente sua atuação com a atadura permitindo que ela fosse utilizada como uma comunicação Os avanços que podemos obter com a análise ou a psicoterapia de orientação ana lítica diante das manifestações narci sistas estão determinados pela relação emocional a ser desenvolvida com esses pacientes Isso vai depender é claro das possibilidades de 612 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cada par terapêutico Entretanto cabe res saltar que as melhoras no tratamento dos pacientes narcisistas são lentas limitadas e como consequência bastante gratificantes pois muitas vezes o mínimo avanço é o máximo naquele momento Para finalizar gostaria de mencionar um trecho de The Wall O Muro do grupo Pink Floyd32 uma das canções que André escutava du rante as sessões tanto para se afastar do contato com o terapeuta sua parte destru tiva quanto para tentar uma comunicação mais efetiva com ele sua parte libidinal Sozinhos ou em pares Aqueles que realmente o amam Sobem e descem o muro Uns de mãos dadas Outros reunidos em bandos Os mais sensíveis e os artistas Tomam sua posição E ao lhe darem tudo o que têm Alguns tropeçam e caem Afinal não é fácil Bater seu coração contra o muro de um louco PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O número de pacientes com diagnóstico de transtorno da personalidade narcisista tem aumentado tanto devido à cultura atual que o favorece como à melhora de nossa compreensão e capacidade diag nóstica 2 A principal característica do funcionamento narcisista é um exagerado envolvimento consigo mesmo e uma distante e pobre interação com os demais 3 É importante diferenciar reações narcisistas que são comuns a todos os pacientes por exemplo em momentos de separação dos pacientes narcisistas propriamente ditos aqueles com transtorno da personalidade narcisista 4 É fundamental reconhecer tanto os aspectos libidinais como os destrutivos na configuração do paciente narcisista 5 É muito importante diferenciar os quadros de narcisismo pele fina e pele grossa 6 O tratamento de escolha para o transtorno da personalidade narcisista é a psicanálise e quando esta não é possível a psicoterapia de orientação psicanalítica 7 O principal desafio técnico é lidar com as intensas reações contratransferenciais que esses pacientes mobilizam tais como afastamento emocional irritação sedução e assim por diante 8 É necessário um equilíbrio nas interpretações da parte destrutiva e da parte libidinal do paciente REFERÊNCIAS 1 Kristeva J A alma e a imagem In Kristeva J As novas doenças da alma Rio de Janeiro Rocco 2002 2 Wallerstein RS Psychoanalysis and psycho therapy an historical perspective Int J Psychoanal 198970Pt 456391 3 Green A Narcisismo de vida e narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 4 Kernberg OF Desórdenes fronterizos y narci sismo patológico Buenos Aires Paidós 1979 5 Meltzer D Terror perseguição e temor In Meltzer D Estados sexuais da mente Rio de Janeiro Imago 1979 6 Meltzer D Seminários de Novara In Har ris M Meltzer D Quaderni di psicoterapia infantil Roma Borla 1978 Título da parte traduzido pelo autor 7 Rosenfeld HA Da psicologia do narcisismo uma aproximação clínica In Rosenfeld HA Psicoterapia de orientação analítica 613 Os estados psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 8 Rosenfeld HA Uma abordagem clínica à te oria psicanalítica das pulsões de vida e de morte uma investigação dos aspectos agres sivos do narcisismo In Barros EMR orga nizador Melanie Klein evoluções São Pau lo Escuta 1989 9 Rosenfeld HA Introdução à discussão so bre uma abordagem clínica à teoria psica nalítica das pulsões de vida e de morte uma investigação dos aspectos agressivos do nar cisismo In Barros EMR organizador Me lanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 10 Joseph B Addiction to neardeath Int J Psychoanal 198263Pt 444956 11 Steiner J Relações perversas entre partes do self um exemplo clínico In Barros EMR organizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 12 Steiner J La contribución de Herbert Ro senfeld al psicoanálisis In Libro anual de psicoanálisis Londres The British Psycho Analytical Society 1989 v 5 p 1723 13 Calich JC Hartke R Levy R Lewcowicz S Organizações narcisistas alguns aspectos técnicos Rev Bras Psicanál 1993273405 22 14 Brunel P Narciso In Brunel P Dicioná rio de mitos literários Rio de Janeiro José Olympio 1998 15 Cloninger CR Svrakic DM Personality di sorders In Sadock BJ Sadock VA editors Kaplan Sadocks comprehensive textbook of psychiatry 7th ed Philadelphia Lippin cott Williams Wilkins 2000 p 172364 16 American Psychiatric Association Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM5 5 ed Porto Alegre Artmed 2013 17 Lewkowocz S Alguns aspectos da análise de um paciente com funcionamento narcisista Porto Alegre SPPA 1993 Trabalho apresen tado em reunião científica 18 Kernberg OF Transtornos graves de perso nalidade estratégias terapêuticas Porto Ale gre Artes Médicas 1995 19 Dorfman S Gus M Cataldo Neto A Brust MC Transtorno de personalidade narcisis ta In Cataldo Neto A Gauer GJC Furta do NR organizadores Psiquiatria para es tudantes de medicina Porto Alegre EDIPU CRS 2003 20 Maldonado JL Sobre las agorafobias y su re lación com la patología narcisista In Mal donado JL Volviendo a pensar com Willy y Madeleine Baranger nuevos desarrollos Buenos Aires Lúmen 1999 p 25779 21 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 22 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizóides In Klein M Inveja e gratidão Rio de Janeiro Imago 1991 23 Favalli PH O Narcisismo uma revisão Rev Psiquiatr RS 199618Supl10813 24 Rosenfeld HA Reflexão posterior reformu lando teorias e técnicas em psicanálise In Rosenfeld HA Impasse e interpretação Rio de Janeiro Imago 1988 25 Green A O analista a simbolização e a au sência no contexto analítico In Green A Sobre a loucura pessoal Rio de Janeiro Ima go 1988 26 Tuckett DA Una breve revisión de la contri bución de Herbert Rosenfeld a la teoría psi coanalítica In Libro anual de psicoanálisis Londres The British PsychoAnalytical So ciety 1989 v 5 p 2531 27 Abraham K Uma forma particular de resis tência neurótica contra o método psicanalí tico 1919 Revista de Psicanálise da SPPA 1996323217 28 Klein M Inveja e gratidão In Klein M Inve ja e gratidão Rio de Janeiro Imago 1991 29 Faimberg H Gerações malentendidos e verdades históricas Porto Alegre Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 2001 30 Barros EMR A situação analítica algu mas reflexões sobre sua especificidade Ide 1992221827 31 Lewkowicz S A atenção flutuante a re gressão e a mente do analista Porto Alegre SPPA 2003 Trabalho apresentado em reu nião científica 32 Berti E Pink Floyd cronologia completa Buenos Aires AC 1991 O transtorno da personalidade borderli ne é um construto psicanalítico que com frequên cia tem despertado resistências e controvérsias nas comunidades psiquiátrica e psicanalítica Em primeiro lugar porque não se enquadra nos limites genéticodinâmicos que de acordo com a teoria estrutural dife renciariam as categorias das neuroses e das psicoses1 Em segundo e mais perturbador seu tratamento pode exigir tal reestrutura ção do setting habitual como aumento da atividade do terapeuta estabelecimento de limites intervenções de apoio uso de fár macos hospitalizações entrevistas com côn juges e familiares entre outras ações que o enquadre terapêutico parece se transformar em qualquer coisa que não o normalmente conhecido pela tradição psicanalítica ou pelo atendimento psiquiátrico convencional Apesar das polêmicas no entanto a cres cente presença de pacientes borderline em consultórios psicanalíticos acabou por estimular em 1938 a publicação de um artigo clássico em que o psicanalista nova iorquino Alfred Stern2 iniciava com a se guinte descrição É bem conhecido que um grande nú mero de pacientes não se enquadra nem no grupo psicótico nem no gru po neurótico e que este grupo de pa cientes limítrofes this border line group of patients é extremamente di fícil de lidar por qualquer método te rapêutico conhecido Ao tentar tratálos com a técnica analítica usual interrompera o tra tamento da maioria deles após longos e difíceis períodos de análise por haver ob tido pouco benefício2 Nessa introdução resumese o princi pal significado que o conceito borderline ad quiriu na literatura psicanalítica referese ao status psicodinâmico de pacientes tanto na fronteira entre a neurose e a psicose quanto do ponto de vista terapêutico na fronteira da analisabilidade com a não analisabilidade Ao longo dos anos esses pacientes rea firmaram sua presença em diversos contex tos Mesmo sendo minoria seus sintomas e sofrimentos se expressavam de modo impactante para os meios familiar e social demandando cuidado e atenção progressi vamente maiores e passaram a constituir 11 de todos os pacientes psiquiátricos ambulatoriais e 20 dos internados3 Ou 36 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE BORDERLINE Sidnei S Schestatsky Considerada a prevalência estimada de 10 a 13 de transtornos da personalidade na comunidade o transtorno da personalidade borderline contribui com apenas cerca de 210 Psicoterapia de orientação analítica 615 tros dados acentuaram a importância e a urgência de se estabelecerem abordagens terapêuticas adequadas 10 cometiam suicídio4 80 se engajavam em graves condutas automutilantes e de 70 a 80 apresentavam diversos transtornos do hu mor associados5 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO CONCEITO O termo limítrofe apareceu no fim do século XIX com o objetivo de diferenciar casos mais leves de psicose de prognóstico melhor de formas mais graves como a es quizofrenia6 A fronteira com a esquizofre nia foi portanto o viés dominante do diagnós tico tanto psiquiátrico como psicanalítico na maior parte das décadas seguintes Wilhelm Reich em 1925 descreveu os borderline como formes frustres da es quizofrenia em associação a um caráter impulsivo havendo neles um envolvimento simultâneo com dois ou mais estados afeti vos distintamente contraditórios que assim se mantinham sem desconforto consciente devido ao mecanismo da dissociação ideia contemporânea às formulações mais atuais de diversos autores7 Trabalhos psiquiátri cos e psicanalíticos posteriores continua ram a conceber a fronteira entre borderline e esquizofrenia classificando os pacientes borderline como esquizofrênicos ambulato riais ou neuróticos pseudoesquizofrênicos8 Deutsch9 os definiu como personali dades como se com dissociações egossintô nicas porém com manutenção do teste de realidade empobrecimento das relações de objeto e sentimentos de vazio Ela foi a primeira a enfatizar a presença de interna lizações de relações de objeto patológicas o que fundamentou importantes contribui ções posteriores10 Knight11 por sua vez constatou a existência de mecanismos pri mitivos de defesa associados a debilidades nas funções do ego quanto à estabilidade do processo secundário do pensamento à capacidade de planejamento realístico e à presença de elementos psicóticos no pensa mento quando associavam livremente Na década de 1960 apareceram con tribuições de Modell12 Frosh13 e Kern berg10 Modell12 rejeitou a existência de uma fronteira com a esquizofrenia os epi sódios psicóticos borderline eram circuns critos e transitórios e encontravase nos pacientes uma forma primitiva e con sistente de relações de objeto na transfe rência Ele também descreveu uma trans ferência transicional na qual ainda que percebido como um objeto externo o tera peuta seguia vivenciado como uma exten são do self do paciente Antes de Kernberg Modell foi o primeiro a definir borderline a partir de um diagnóstico psicodinâmico e não apenas sintomático Frosh13 encon trou nos pacientes um caráter psicótico e vulnerável a desenvolver episódios regres sivos quando em situações não estrutura das Além disso sublinhou o fato de estes perderem de forma temporária a função do teste de realidade mas de a recuperarem ao saírem dos períodos de crise Em 1967 Kernberg introduziu o conceito de organi zação border line de personalidade que será discutido adiante10 Grinker14 em 1968 definiu empirica mente a síndrome borderline Ele concluiu que os pacientes não constituíam um gru po único e homogêneo e identificou tipos diferentes de acordo com seus sintomas e níveis de gravidade Também estudou 50 pacientes internados e delimitou quatro subgrupos14 1 limítrofes com as psicoses hostis e com problemas graves com o teste de reali dade e com a própria identidade 616 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 2 limítrofes com a neurose com sintomas de depressão anaclítica Entre ambos 3 um subgrupo de pacientes como se com sentido precário de identidade e necessidade de agradar e se submeter aos objetos como defesa contra sepa ração e abandono 4 o subgrupo chamado de borderline nuclear com características impulsivas depressivas agressivas e relações inter pessoais tumultuadas A partir de 1975 Gunderson e Singer15 começaram a trabalhar com os critérios diagnósticos da personalidade borderline e sua delimitação em relação a outras sín dromes Ao incorporar insights de Grinker e Kernberg esses critérios acabaram por cons tituir o diagnóstico do transtorno da perso nalidade borderline TPB da terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de trans tornos mentais DSMIII16 os quais com pequenas alterações continuaram vigentes no DSM517 CARACTERÍSTICAS DIAGNÓSTICAS DESCRITIVAS O conceito atual de personalidade compreen de o resultado da interação de variáveis neu robiológicas inatas ou temperamento com experiências psicossociais precoces família da infância traumas ou outros estressores ambientais as quais contribuem para a construção do caráter da pessoa A estrutura do caráter envolve uma constelação própria de relações de objeto internas ligadas a estados afetivos específicos e externalizadas nos relacionamentos interpessoais e um conjunto característico de mecanismos de defesa associado a um estilo cognitivo pró prio18 A combinação única de fatores bioló gicos e ambientais constitui a personalidade da pessoa seu jeito característico de ser expe rimentar e reagir ante si e o mundo de forma relativamente estável e duradoura Traços de personalidade se referem ao estilo peculiar que cada pessoa evidencia em seu relacionamento interpessoal como timidez sedução desconfiança ou manipu lação Somente quando tais traços são exa gerados e se tornam rígidos e desadaptados causando sofrimento ou disfunção social pessoal e profissional significativos é que se considera que passaram a constituir um transtorno da personalidade As características básicas do transtor no da personalidade borderline são um padrão geral de instabilidade nos relacionamentos interpessoais nas manifestações afetivas e na própria autoimagem associado a acentuada impulsividade cujo início pode estar presente desde a infância e a adoles cência mas que costuma ser mais ma nifesto no início da vida adulta17 Para o diagnóstico de TPB o DSM 517 exige que pelo menos cinco sintomas referidos nos critérios diagnósticos estejam presentes Quadro 361 DIAGNÓSTICO PSICODINÂMICO Os critérios descritivos do DSM517 con tribuíram para a maior confiabilidade do diagnóstico de transtorno da personalida de borderline mas tiveram pouca utilida de para a compreensão da psicopatologia borderline ou para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para abordála Kernberg101921 contudo procurou adi cionar profundidade psicológica às descri ções diagnósticas propondo a existência de uma estrutura mental estável subjacente Psicoterapia de orientação analítica 617 que daria origem aos sintomas e aos com portamentos borderline a que chamou de organização borderline da personalidade Essa estrutura estaria presente além de no TPB em todos os demais transtornos da personalidade Assim a organização bor derline se caracteriza por 1 uma síndrome de difusão da identi dade 2 predomínio do uso de mecanismos de defesa primitivos 3 manutenção do teste de realidade De modo diferente a organização neurótica da personalidade ao lado do teste de rea lidade estável tem um senso de iden tidade mais integrado e nela predominam mecanismos de defesa mais maduros Já na organização psicótica encontramse exten sas alterações na identidade com domínio de mecanismos primitivos intensos e grave comprometimento do teste de realidade Kernberg considera a difusão da identidade uma estrutura psicológica constituí da pela fragmentação das repre sentações do eu e dos outros internaliza das ao longo do desenvolvimento A pes soa vivencia falta de coerência e consistên cia nos próprios valores nas motivações e nas interações pes soais ou na capacidade de se dar conta das motivações e dos estados mentais dos outros Como resultado de senvolve relações caóticas dificuldades in terpessoais crônicas e falta de empatia para com os demais19 Mecanismos primitivos de defesa ne gação idealização identificação projetiva controle onipotente relacionamse com extensos processos de cisão splitting2223 ao contrário das defesas neuróticas isola mento anulação racionalização formação reativa que são organizados em torno da repressão Em vez de protegerem o ego por meio da repressão de derivados instintivos inaceitáveis tentam manter separadas ou cindidas experiências contraditórias de si mesmos e dos outros enquanto esses esta dos mentais antagônicos estiverem disso ciados uns dos outros o ego se vê poupado de conflitos diretos entre eles A descrição desses mecanismos em pessoas borderline encontra bons exemplos na obra de Kern QUADRO 361 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE DE ACORDO COM O DSM5 1 Esforços frenéticos para evitar abandonos reais ou imaginários 2 Padrão instável e intenso de relacionamentos interpessoais alternando extremos de idealização e desva lorização 3 Distúrbio de identidade autoimagem e percepção de si mesmo persistentemente instáveis 4 Impulsividade em pelo menos duas áreas da vida potencialmente autodestrutivas gastos exagerados sexua lidade promíscua abusos de substâncias anorexiabulimia 5 Comportamentos suicidas ou automutilações recorrentes 6 Instabilidade afetiva decorrente de acentuada reatividade do humor intensos episódios de irritabilidade ou ansiedade em geral durando horas raramente mais que alguns dias 7 Sentimentos crônicos de vazio 8 Raiva intensa e inapropriada ou dificuldades em controlar a raiva frequentes manifestações de irritabili dade raiva constante brigas físicas recorrentes 9 Ideação paranoide ou graves sintomas dissociativos transitórios associados a estresses Fonte Adaptado American Psychiatric Association17 618 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs berg101921 e foi a partir daí que os resu mimos A mais clara manifestação clínica da cisão dos objetos internos no borderline é a divisão dos objetos externos em totalmen te bons e totalmente maus com mudanças súbitas de uma das categorias para a outra Em decorrência disso há alternâncias rápi das e imprevistas de reversão de todos os sentimentos e conceitos em relação a de terminada pessoa de um momento para o outro A idealização e a desvalorização primitivas acentuam a cisão aumentando patologicamente a qualidade de bonda de ou maldade dos objetos São criadas imagens de objetos totalmente bons e po derosos que se revertem para imagens des prezadas e desvalorizadas se expectativas mágicas em relação a eles forem frustradas A identificação projetiva é uma for ma de projeção complexa Nela o paciente continua a vivenciar as relações de objeto projetadas teme a pessoa sobre a qual as projetou e sente necessidade de controlála Essas operações inconscientes têm além da origem intrapsíquica um importante com ponente interpessoal pelo qual o paciente tenta induzir a outra pessoa a funcionar de acordo com as partes projetadas A presença generalizada das identificações projetivas nos pacientes borderline torna essencial aos terapeutas manteremse atentos à contra transferência a fim de captarem parte dos aspectos dissociados negados e projetados do mundo interno do paciente A negação no borderline se expressa pela recu sa do impacto de experimentar ao mesmo tem po duas áreas da consciência emocionalmen te independentes e que expressam os dois la dos da cisão interna24 O paciente se dá conta da existência de pensamentos emoções e per cepções simultaneamente antagônicos sem que isso no entanto perturbe seus sentimen tos presentes Mostrase indiferente às contra dições ainda que cognitivamente ciente delas É a negação afetiva de um desses estados em re lação ao outro que ao que parece permite a ele tolerar essa coexistência sem maior ansiedade A onipotência e a desvalorização são subpro dutos das operações de cisão das representações do eu e dos objetos Elas se expressam pela ativação de estados do ego de um eu grandioso relacionado a imagens emocionalmente degradadas e despreza das dos outros São bastante proeminentes na personalidade narcisista de modo que se tornam manifestas na descrição que o paciente faz dos outros e pela atitude que adota em relação ao terapeuta O teste de realidade se define pela ca pacidade de distinguir o eu do não eu a origem de estímulos e percepções internas das externas e de avaliar os próprios afetos comportamentos e pensamentos nos termos das normas sociais comuns Clinicamente expressase pela ausência de delírios e aluci nações e de ideias ou condutas bizarras Tratamento do transtorno da personalidade borderline Estratégias psicoterapêuticas A definição das estratégias de tratamento de pende da compreensão desses quadros A prin cipal controvérsia dividese entre a etiologia basicamente conflitual e intrapsíquica da pato logia borderline cujo principal defensor é Otto Kernberg101920 e a etiologia essencialmen te deficitária resultante do fracasso precoce e real das provisões ambientais da criança no desenvolvimento do futuro borderline esta ad vogada primeiramente por Kohut25 e Adler26 Psicoterapia de orientação analítica 619 O objetivo da psicoterapia do mode lo intrapsíquico é desenvolver mediante interpretação maior integração das repre sentações cindidas do próprio eu e dos ob jetos esperando mudanças integrativas na personalidade do paciente No caso de défi cits interpessoais o objetivo é permitir pela provisão de um adequado holding e valida ção empática das carências do paciente que se introjetem objetos bons e tranquilizado res inexistentes devido a sua ausência real na infância Como decorrência da polari zação entre conflito e déficit produziuse também uma polarização entre as aborda gens técnicas divididas entre predominan temente expressivas de um lado e de apoio empático do outro A predominância do conflito as técnicas expressivointerpretati vas e a importância do conteúdo das intervenções Kernberg19 sugere que o principal con flito psíquico do indivíduo borderline seja sua dificuldade no manejo da agressão de ori gem inata exacerbada pela predominância de experiências adversas no ambiente pre coce Em decorrência da abundância de impulsos agressivos pobremente modula dos criase uma incapacidade primária de sintetizar introjetos negativos e positivos pelo perigo de os bons serem destruídos pelos maus em representações mentais coe rentes do próprio eu e dos objetos Co mo a ansiedade resultante da síntese seria intolerável a criança ativa mecanismos primitivos de splitting para evitar uma ca tástrofe interna e preservar a sobrevivência da mãe boa internalizada A manutenção separada desses estados mentais cindidos demanda grande atividade e gasto de ener gia por parte do ego contribuindo para seu enfraquecimento sua vulnerabilidade no teste de realidade e para a tendência a recair na forma primária de pensamento Para Kernberg20 o terapeuta precisa ficar atento ao surgimento da transferência negativa inevitável pelo excesso inato da agressão e interpretála de forma vigorosa assim que for identificada bem como con frontar os estados mentais contraditórios com os quais o paciente se apresenta Ele admite que isso só é possível quando duas condições forem estabelecidas a que haja um setting bem estruturado por um contrato capaz de preserválo das atuações do pa ciente b que as percepções distorcidas das inter pretações sejam examinadas e esclare cidas no momento em que ocorrerem para que possam ser integradas imedia tamente Kernberg20 parte da pressuposição de um mundo interno precocemente po voado de introjetos primitivos de modo que essa fragilidade não impede o ego de suportar o trabalho interpretativo ao contrário é a partir da correção cognitivo afetiva das fantasias inconscientes e dos mecanismos primitivos associados que o ego poderá se integrar e utilizar defesas mais evoluídas Sob esse ponto de vista os objetivos da psicoterapia psicodinâmica seriam a tornar padrões inconscientes de funcio namento mais acessíveis É importante ressaltar que no modelo conflitual há autores que propõem uma abordagem que inclui o apoio psicodinamicamente informado junto a in tervenções expressivas cuidadosas com base na ideia de que as fragilidades do ego não suportariam no início intervenções confrontativas e interpretativas ver Zetzel27 620 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs b aumentar a tolerância com seus afetos c construir a capacidade para adiar ações impulsivas d aumentar o insight nas interações inter pessoais e desenvolver a função reflexiva da mente permitindo que identifique melhor seus próprios estados mentais e os dos outros A predominância do déficit o holding e a importância do processo Ao conceitualizar a psicopatologia border line com base no fracasso do paciente em desenvolver a introjeção de objetos inter nos com funções tranquilizadoras e supor tivas25 o objetivo do terapeuta não é cor rigir introjeções precoces distorcidas mas ajudar a criar introjeções positivas que não puderam ser feitas e que portanto nunca existiram devido ao fracasso do ambien te materno em provêlas Em contraste com as teorias conflituais o principal fa tor curativo nesse processo é a experiência interpessoal com um terapeuta capaz de exercer funções de holding e de tranquili zação compensatórias da função parental deficiente na infância Assim a ênfase está em demonstrar aos pacientes diversos aspectos de sua rea lidade e a permanente existência do tera peuta como objeto preocupado com seu bemestar diferenciandoo das introjeções hostis que o paciente continuamente pro jeta e reintrojeta Mesmo aceitando a ne cessidade da integração de representações mentais dissociadas seria preciso aguardar até que um introjeto tranquilizador e está vel estivesse internalizado Em vez de um ataque primário na transferência acredita se que as reações de raiva do paciente se jam secundárias ao fracasso empático do terapeuta e que este lide amplamente com frustrações e falências parentais passadas a serem reconhecidas e toleradas O conteúdo das interpretações é menos impor tante a mudança psíquica do paciente é alcan çada por meio da sua interação com a presença constante consistente cuidadosa e não puniti va do terapeuta o qual ao sobreviver emocio nalmente aos ataques hostis e destrutivos do paciente continua desempenhando suas fun ções de holding 28 e de introdutor de uma es tabilidade reflexiva em meio ao caos emocional presente A ênfase em prover experiências emocionais corretivas ao paciente fez ser introduzida no tratamento a importância do processo de validação dos estados men tais29 O modo como o paciente desenvolve sua autoestima conhece e se reconcilia con sigo mesmo é sentindose compreendido e valorizado na presença de outra pessoa sig nificativa Isso se dá pela validação das suas vivências com a reação receptiva do tera peuta às qualidades do paciente por meio de expressões sutis e apropriadas de estima e manifestação de aceitação das experiên cias do paciente como realidades A partir dessa interação o paciente por introjeção e identificação com a atitude terapêutica é capaz de desenvolver maior capacidade de autovalidação e autonomia na autoestima A função de holding não é contrária à técnica psica nalítica tradicional exercida tanto pela estabilidade do setting e pela constância do terapeuta quanto pela compreensão cuidadosa e reflexiva proporcionada pelas próprias interpretações O que extrapolaria a técnica tradicional seria a provisão concreta desse holding oferecendo consultas extras frequentes longos atendimentos por telefone ou em horários não conven cionais fornecimento do endereço do terapeuta nas férias ou o envio de cartões postais nesses períodos29 Psicoterapia de orientação analítica 621 Assim nesse polo suportivo estão agrupa dos os objetivos da psicoterapia em a fortalecimento das defesas b ajustamento da autoestima c validação dos sentimentos d internalização da relação terapêutica e capacitação para lidar com sentimentos perturbadores Convergência das controvérsias Parte das controvérsias mencionadas é redu zida atentandose para alguns fatos Em pri meiro lugar pacientes borderline não são uma população homogênea nem em relação aos seus quadros sintomáticos gravidade e co morbidade nem quanto à importância rela tiva dos fatores etiológicos presentes Em se gundo sua etiologia é multifatorial envolven do diferentes processos genéticos bioquímicos interpessoais e ambientais Por fim não há evi dências de que uma psicoterapia efetiva pos sa se desenvolver sem que ela se distribua em diferentes momentos e circunstâncias ao lon go de todo o espectro que vai das técnicas ex pressivointerpretativas aos processos de hol ding e de apoio As próprias delimitações do trans torno da personalidade borderline hoje são variadas transtornos do humor transtor nos de controle de impulsos transtorno de estresse póstraumático complexo o que limita a ambição de se prescreverem trata mentos únicos para todos Em vez disso a preocupação atual é descobrir a abordagem mais adequada para cada tipo de paciente borderline30 Quanto à especificidade dos focos interpretativos ou de apoio estes além de estarem muito mais articulados do que ri gidamente separados têm utilidades dife rentes com pacientes diferentes Os mais regressivos demandam mais técnicas de apoio e os que têm funcionamento mais integrado se beneficiam de abordagens ex ploratórias dirigidas ao insight sem que exista incompatibilidade intrínseca entre uma técnica e outra Além disso ambas as abordagens podem ser utilizadas com os mesmos pacientes em diferentes momen tos dependendo do contexto e do foco pre sente do material psicológico que estiver sendo trabalhado As táticas psicoterapêuticas Gunderson31 registrou que desde 1968 foram publicados 53 livros apenas sobre psicoterapias psicanalíticas de pacientes borderline cada um com diferentes ênfa ses em diversos elementos técnicos e todos com o objetivo de mudanças estruturais na personalidade dos pacientes Quanto à efe tividade dos modelos propostos no entan to todos tinham mais semelhanças do que diferenças entre si mesmo no que diz res peito às psicoterapias não psicodinâmicas como a dialéticocomportamental32 Waldinger33 identificou as seguintes similaridades entre psicoterapias efetivas com o paciente borderline a construção de um setting estável e estru turado b atividade maior do terapeuta c tolerância das transferências negativas d transformação dos comportamentos autodestrutivos em não gratificantes e limites para as atuações f estabelecimento de conexões entre as ações e os sentimentos do paciente com a situação presente g foco das intervenções no aqui e agora h monitoramento cuidadoso da contra transferência 622 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Essas características podem ser agru padas seja qual for o modelo teórico em relação ao que seriam os dois únicos pro blemas realmente distintivos na abordagem do paciente borderline 1 taticamente a viabilidade de se estabe lecer limites para o descontrole de seus impulsos e atuações autodestrutivas 2 tecnicamente a capacidade de se tolerar e trabalhar terapeuticamente com as perturbadoras reações contratransfe renciais despertadas O estabelecimento de limites cons titui parte das recomendações restantes terapeuta mais ativo e interativo setting estruturado e manejo firme das atuações em especial das que põem em risco o tra tamento Além disso capacidade de tolerar a contratransferência inclui suportar trans ferências negativas sobreviver às tempes tades emocionais trabalhar nas manifesta ções transferenciais momento a momento e permanecer atento aos significados das próprias emoções durante a interação com o paciente O contrato terapêutico São características as peculiaridades do contrato terapêutico com o paciente bor derline assim como o manejo das suas violações p ex abuso de drogas compor tamentos promíscuos tentativas de suicí dio automutilações Além disso Yeomans e colaboradores34 definem junto com o contrato a importância de enfocar temas prioritários no material do paciente a co meçar pelas infrações do próprio contrato Quadro 362 Dáse mais atenção aos procedimentos do contrato com o borderline p ex núme ro de sessões sessões extras telefonemas entre as sessões assiduidade pontualidade nos pagamentos honestidade nas comuni cações ausências férias do que em psico terapias com outros pacientes A razão é que parte importante da necessária estruturação do setting terapêutico se ancora em acordos contratuais que definam os objetivos em comum da dupla terapeutapaciente bem como em métodos para alcançálos e para estabelecer enquadramentos que preservem a integridade do processo Dificilmente há discordância sobre a necessidade desses ar ranjos O que se discute porém é a forma de introduzilos e o modo de lidar com as inevitáveis infrações que ocorrerem Com as mudanças radicais da cultura psiquiátricoterapêutica a partir dos anos de 1970 entre elas o desaparecimento das extensas e onerosas hospitalizações dos pa cientes borderline Kernberg foi um dos primeiros a perceber que a estrutura e os limites do setting antes assegurados pelo ambiente hospitalar teriam que ser substi tuídos por algo estruturado a nível ambula torial Daí se originou o cuidadoso e estrito conjunto de regras do contrato terapêutico da psicoterapia que Yeomans e colaborado res34 chamam de centrada na transferência Nesse contrato com base na avaliação ini cial do paciente alertam para a presença de comportamentos potencialmente disrupti vos à continuidade do tratamento p ex tentativas de suicídio crises anoréticas abuso de drogas automutilações mentiras omissão de informações que devem ter sua emergência evitada por parâmetros es Todos os demais problemas desses tratamentos cos tumam ser mais simples de equacionar a capacitação necessária para se atender a pacientes com TPB b vantagens e desvantagens de atendêlos por meio de um único profissional ou de mais de um c utilização de um único paradigma teórico e técnico ou a aplicação de modelos multidimensionais d envolvimento da família e uso de medicações associadas atendimentos nas emergências hospitalizações Psicoterapia de orientação analítica 623 pecíficos mutuamente acordados antes de a psicoterapia ter início Discutese com o paciente de forma objetiva as condições mínimas para que a psicoterapia se desenvolva sem o que ela nem começará Por exemplo acordase que o paciente e não o terapeuta deve assumir a responsabilidade pela própria segurança desse modo tentativas de suicídio concreti zadas serão atendidas por serviço de emer gência chamado pelo paciente ou por um familiar No caso de fortes crises de angús tia o paciente pode telefonar para o tera peuta mas crises de ansiedade normais co mo as causadas por breves separações de verão aguardar os dias de sessão para serem tratadas Esperase que durante as sessões o paciente não faça silêncios longos nem fale de assuntos irrelevantes Também se reco menda que o paciente desenvolva alguma atividade produtiva como estudo ou traba lho desde o início do tratamento sem ficar à espera de que a psicoterapia resolva essas questões para evitar que a psicoterapia seja usada como forma de perpetuar ganhos se cundários e estilos de vida parasitários Assim tornase prioritário em rela ção a qualquer outro tema o exame ime diato de quebras do contrato estabelecido Uma típica intervenção nesse sentido é a que segue Podemos falar sobre as fantasias que desenvolveu enquanto fez sexo on tem com seu marido mas antes preci samos conversar o que você também disse que antes bebeu um pouco para relaxar Parte do nosso contrato foi que você não mais beberia e que iria às reuniões dos AA três vezes por semana Se não está aderindo à com binação precisamos conversar Voltar a beber vai sabotar sua capacidade de trabalhar na psicoterapia como acon teceu no seu último tratamento E deve significar algo importante que nesse momento em especial do tratamento você tenha recomeçado a beber Preci samos entender o que está se passan do antes de irmos adiante35 Por sua vez autores como Gabbard36 e Gunderson31 recomendam uma ati tude mais flexível e empática no contrato pa ra que o tratamento não se inicie em cli ma de enfrentamento Eles reconhecem a necessidade da construção de limites mas preferem fazêla depois de desencadeado o processo psicoterápico e à medida que as situações forem surgindo Combinações prévias porém menos restritivas sempre serão necessárias como por exemplo em relação ao que se espera que a terapia ve nha a ser e o que se espera que ela não seja a necessidade de as sessões terminarem na QUADRO 362 PRIORIDADES A SEREM ABORDADAS NA PSICOTERAPIA COM PACIENTES BORDERLINE EM ORDEM DECRESCENTE DE IMPORTÂNCIA Ameaças de suicídio ou homicídio Ameaças à continuidade do tratamento Desonestidade ou omissão deliberada de informações nas sessões Quebras contratuais Atuações dentro das sessões gritar jogar objetos recusarse a sair no fim da sessão Atuações não letais entre as sessões Preenchimento das sessões com temas triviais e despidos de afeto 624 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs hora aprazada a pontualidade nos paga mentos a política das sessões faltadas e a expectativa de que o paciente seja um co laborador ativo do processo Também no manejo da suicidalidade propõemse alter nativas mais maleáveis quanto à acessibili dade do terapeuta Gabbard36 solicita que o paciente sempre telefone quando sentir que o impulso suicida possa sair de controle a fim de que decidam as providências ne cessárias tais como antecipação da sessão sessões extras ajuste de medicação convo cação de familiar hospitalização Outras vezes contatos telefônicos breves em perío dos de afastamento mais prolongado co mo férias feriados fins de semana podem ser tranquilizadores e não serão vetados a pacientes cujas ansiedades de separação se jam proeminentes Mais do que no risco agudo de suicídio a sui cidalidade crônica talvez seja a situação con tratransferencial mais difícil de ser elaborada dados os sentimentos continuados de incerteza e impotência que são gerados no terapeuta Em casos mais graves e com história prévia de vá rias e sérias tentativas de suicídio esse even to pode vir a ser um dos desenlaces do trata mento assim como um infarto fulminante pode ocorrer em uma cardiopatia grave ainda que adequadamente tratada apesar dos melho res esforços que se faça para prevenilo e de vese assinalar isso para o paciente e sua fa mília desde o início do contrato Em relação a esse aspecto ficase na total dependência do paciente e de sua vontade e capacidade de ajudar a si e ao psicoterapeuta no tratamento Ainda que se reconheça que a própria patologia borderline torna os pacientes in capazes de manterem as regras é impor tante que algum contrato seja estabelecido e mutuamente acordado e que suas cláu sulas ou regras de relacionamento sejam examinadas quando atacadas e reinstituí das logo que possível Sabese que o pacien te inevitavelmente irá violar combinações e caberá ao terapeuta a responsabilidade de assegurar os limites profissionais Isso de mandará firmeza em relação aos acordos exame dos significados inconscientes de controle manipulação ou sedução imbri cados nas atuações ou a adoção de atitudes que modifiquem ou interrompam o trata mento caso as violações se tornem excessi vas ou perigosas para ambos Aspectos técnicos das psicoterapias A contratransferência Desenvolver respostas terapêuticas adequa das às emoções intensas caóticas e dolorosas desper tadas pela interação com pacientes borderline constituise no principal desafio técnico das psi coterapias No que depender das intrincadas re lações objetais reproduzidas no campo terapêu tico o terapeuta se verá exposto a contrastantes sentimentos de ódio excitação inveja desejo pena horror desespero impotência desampa ro incerteza insegurança pânico desesperan ça abandono ou rejeição Além disso sentirá permanente pressão para agir de acordo com es ses estados afetivos o que pode ser motivo dos frequentes impasses interrupções insucessos e das atuações entre paciente e terapeuta enact ments que ocorrem durante os tratamentos Por exemplo a uma paciente que insistia em expressar seu desejo pelo terapeuta ficando deitada no chão do consultório diante dele em posição ginecológica foi dito que nada seria examinado e o tratamento inter rompido se não pudesse sentarse normalmente e estabelecer um diálogo verbal em condições mínimas de respeito mútuo Psicoterapia de orientação analítica 625 Gunderson31 chama a atenção para padrões contratransferenciais repetidos que se desenvolvem sob dois paradigmas o da boa mãe e o do pai forte No primeiro há uma negação da agressão e um conluio pa ra atribuir aos outros ou ao ambiente ex terno a fonte dos problemas do paciente De forma supostamente empática o tera peuta aceita sem crítica a percepção que o paciente tem da realidade incrementando inadvertidamente transferências fusionais e idealizadas Com isso o terapeuta ao gratificar uma necessidade narcísica pró pria de ser idealizado acaba aceitando si tuações insolúveis e ignora a agressividade do paciente Já no paradigma do pai forte ocorre negação da gravidade da doença do paciente e um otimismo inadequado sobre possibilidades de mudança A atmosfera terapêutica fica marcada por confronta ções e limites que o paciente pode expe rimentar como rejeição As necessidades narcísicas são aqui preenchidas pela não aceitação por parte do terapeuta de senti mentos de impotência e fracasso terapêu tico à custa de um fracasso empático com o sofrimento causado pelas dificuldades de mudança e pelas limitações crônicas dos pacientes31 Ainda que se identifiquem alguns pa drões em geral as reações contratransfe renciais não são uniformes aparecem em diferentes níveis e dependem de momentos pessoais mais ou menos difíceis que cada terapeuta esteja atravessando Gabbard e Wilkinson37 oferecem um resumo das rea ções mais comuns encontradas na prática clínica com pacientes borderline a culpa por odiar o paciente e desejar que vá embora b responsabilidade por suas pioras c fantasias de salvar e resgatar o paciente percebido como vítima desamparada d pressão para fazer concretamente algo para aliviar suas carências e raiva e ressentimento por se sentir usado ou manipulado f impotência autodepreciação e fracasso porque o paciente não melhora ou aban dona o tratamento g ansiedade de que se suicide h transgressões das fronteiras profissionais Em vez de pelo paciente as frontei ras profissionais podem ser cruzadas pelo terapeuta Dependendo da transgressão tais como confidenciar dados pessoais ao paciente marcar consultas em horá rios incomuns atender por mais tempo do que o habitual não cobrar honorários fazer negócios aceitar presentes valiosos os limites profissionais podem ser restau rados desde que o terapeuta reconheça e examine o que o levou a se comportar de modo diferente da sua rotina e como isso se entrecruza com a psicopatologia do paciente A busca de supervisão ou a discussão do caso com outro colega pode ser necessária para recolocar o tratamento no rumo Às vezes quando uma paciente experimen tou graves negligências e abusos na infância 60 dos casos ela pode desejar que o tera peuta lhe dê o amor que esteve ausente Alguns terapeutas podem entrar em sintonia incons ciente com esses desejos e engajarse em fan tasias próprias de resgate e recuperação das perdas afetivas precoces relatadas Tal conluio inconsciente leva a contatos físicos crescentes até mesmo a interações sexuais a mais catas trófica de todas as transgressões do contrato terapêutico O terapeuta que trabalha com pa cientes borderline tem de estar portanto aten to ao surgimento dessa dinâmica transferen cialcontratransferencial e buscar orientação 626 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs supervisão ou tratamento psicoterápico próprio sempre que se configurar um risco sério de rup tura das normas éticas e profissionais do tra tamento Porém sendo mantido o setting situa ções contratransferenciais podem ser importantes para compreender melhor o sofrimento dos pacientes A seguir é ilus trado como uma manifestação grave de despersonalização de uma paciente border line despertou sentimentos intensos no te rapeuta os quais no entanto contribuíram para facilitar o desenvolvimento do proces so psicoterápico Intervenções do terapeuta Gabbard38 sugere que as intervenções psi coterapêuticas se distribuam ao longo de um espectro No extremo expressivo esta riam a interpretação a confrontação e o esclarecimento No que se refere ao polo de apoio incluiríamse o encorajamento a va lidação empática os conselhos os elogios e as rea firmações Entre todas essas interven ções apenas as interpretações são específi cas das psicoterapias psicodinâmicas tendo um foco transferencial ou extratransferen cial Na psicoterapia com pacientes bor derline mesmo que todas as intervenções acabem sendo usadas serão comentadas apenas as interpretações as confrontações e a validação empática As relações de objeto de acordo com Kern berg e colaboradores39 se constituem por uma representação do eu self e por uma representação do objeto ligadas entre si por um afeto dominante p ex ódio amor inveja preocupação que Kernberg chama de díades de relações de objeto No caso dos pacientes borderline descrevemse várias díades comuns invariavelmente reencena das na transferência p ex criança vítima pais sádicos criança rejeitadapais negli gentes criança carentepais egoístas crian ça raivosapais impotentes entre outras39 Presumindose que a mente do paciente esteja cindida entre partes dissociadas e de sintegradas de representações de díades do euobjeto as interpretações transferenciais seriam a ferramenta principal para a esclarecer como as atuações do paciente servem para defendêlo dessas percep ções internas b detalhar qual díade de relações de objetos está em atividade c evidenciar qual relação de objetos sub jacente está sendo defendida34 Quanto à eficácia das interpretações transfe renciais um estudo de Gabbard e colabora dores40 sugere que elas sejam de alto ganho e alto risco isto é são as que têm potencialmen te o maior impacto no paciente tanto do pon to de vista negativo provocando acentuada de terioração na relação com o terapeuta quanto positivo com substancial melhora dessa rela ção O fator mais relacionado com um ou ou tro dos efeitos parece ser a presença prévia ou não de uma aliança terapêutica consistente e a existência de um adequado processo de vali dação empática das experiências do paciente As confrontações não significam um enfrentamento agudo com o paciente Elas servem para evidenciar a ele que suas co municações envolvem material psíquico dissociado e não integrado Isto é o obje tivo da confrontação é trazer à percepção do paciente as incongruências do que ele Psicoterapia de orientação analítica 627 relata de juntar vivências que experimenta sepa radamente ou nem sequer experimen ta atuando ou somatizando Desse mo do tentase trazer à atenção do paciente as contradições que ele percebe e que não considera importantes mesmo que intei ramente discrepantes em relação a outras ideias sentimentos ou ações do próprio paciente34 São exemplos de confrontações a Você diz que aguenta maustratos do companheiro por não ter condições fi nanceiras de se separar Porém relata ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Rosa é uma dona de casa de 47 anos com traços histéricos comportamentos conflituosos com a família e ideação suicida crônica Há quatro anos apresenta sintomas compatíveis com transtorno da personalidade bipolar tipo II e é medicada com estabilizadores do humor sem maiores melhoras no relacionamento caótico com a família bem como na sensação de infelicidade e na vontade de morrer Filha de pai branco que se suicidou e de mãe negra foi encaminhada para adoção quando ainda era pequena e teve uma infância tumultuada Mulata clara foi adotada por uma mulher branca que a registrou como filha Desde pequena desprezou as próprias origens e evitou qualquer contato com a mãe biológica Ao entrar na puberdade seu cabelo começou a encarapinhar A mãe branca repudiou o fato e desde os 11 anos de idade obrigoua a usar uma peruca loira de cabelos lisos que a paciente nunca mais tirou a não ser para trocar por uma nova Casouse aos 18 anos e teve dois filhos porém nem o marido nem os filhos jamais a vi ram sem a peruca usava a justificativa de que tinha uma doença congênita que a deixara calva Durante a internação a paciente começou a apresentar sintomas dissociativos inesperados em que outra personalidade sua se comportava de forma arrogante agressiva e ameaçadora diferente do seu eu normal cooperativo e dócil Essas súbitas mudanças de personalidade passaram a provocar ansieda de crescente na equipe que a atendia Durante uma entrevista de avaliação a paciente que até então fa lava calmamente deu um soco no braço de sua cadeira e com voz grossa e alta passou a vociferar con tra os presentes gritando que iria matálos que eram desprezíveis e que mereciam ser eliminados junto com aquela negrinha fedida O impacto das ameaças sublinhado pelo soco na cadeira e a voz raivosa deixou a todos imobilizados e assustados A partir do que sentiu no entanto o supervisor imaginou que esses podiam ser sentimentos de uma parte cindida da mente da paciente uma parte assustada frágil carente e confusa quanto à pró pria identidade simbolicamente a parte carapinha não aceita e que precisava ser eliminada manti da cronicamente submetida e imobilizada pela parte onipotente sádica e controladora que usava peruca que não permitia que a outra se manifestasse e se integrasse ao ego da paciente Assegurandose de que a entrevista poderia prosseguir foi perguntando à paciente se havia condi ções de o diálogo continuar ou se preferia interrompêlo e sair do consultório o supervisor assinalou que no fundo ela esperava que a equipe não se assustasse com seus gritos que talvez ela estivesse solicitan do ajuda para também não se atemorizar com essas ameaças internas e conseguir retirar sua peruca a fim de tentar viver uma vida menos dividida A agitação da paciente foi se extinguindo e a entrevista pros seguiu fluente com sua parte normal reassumindo o controle e relembrando a angústia que foi passar a vida toda se escondendo de si mesma da família e dos outros 628 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs despreocupada que lhe foi oferecido um bom emprego e que o recusou porque não queria acordar cedo O que você acha disso b Você diz que não sente nada a meu res peito nem acha importante o tratamen to Porém quando lhe avisei que não po deria atender na semana que vem você me acusou de negligente e irresponsável Que lhe parece essa contradição A validação empática evidencia a sin tonia do terapeuta com estados internos do paciente e deriva fundamentalmente da importância que lhe confere a psicolo gia do self Essa intervenção envolve refor çar de forma ativa a realidade das percep ções do paciente e identificar as funções adaptativas de seus comportamentos e de fesas tentando ao mesmo tempo manter o equilíbrio entre escutar com simpatia os relatos de maustratos na infância reco nhecendo as experiências injustas e trau máticas a que foi submetido e não assu mir sem adequado exame crítico a inteira responsabilidade do ambiente acusado na situação atual31 Intervenções desse ti po são as que começam por admitir que não deve ter sido fácil passar pelo que você passou ou entendo que você se deprima quando relembra seu desamparo quando sua mãe foi embora Também são comen tários empáticos aqueles que assinalam ao paciente que o terapeuta entende o quanto não é fácil ouvir o que ele lhe tem dito ou vai dizer por exemplo talvez você vá se sentir criticado mas mesmo assim preci so assinalar que É importante validar as observações corretas que o paciente faz em relação a sentimentos do terapeuta co mo irritação aborrecimento sono ou de equívocos que ocorrerem como atrasos repetidos bocejos frequentes olhar conti nuamente para o relógio término adianta do das sessões comentários irônicos CONSIDERAÇÕES FINAIS Elementos permanentes no manejo dos pa cientes borderline incluem a disponibilida de para responder às frequentes situações de crise que costumam ocorrer monitorar os comportamentos de risco e a segurança do paciente resistir às constantes infrações do contrato terapêutico participar de equi pes multiprofissionais que às vezes têm que ser mobilizadas além de estar atento a fenômenos característicos desses pacientes como a dissociação splitting e a violação de fronteiras profissionais Por se tratar de pacientes difíceis um terapeuta que decida atendêlos deve ter suficiente experiência clínica treinamento adequado e traços de personalidade com patíveis com tal função terapêutica3133 Con siderase uma boa experiência clíni ca a que envolva pelo menos dois anos de contato intensivo com pacientes borderline se possível em diversos contextos terapêu ticos Já treinamento adequado implica a supervisão de vários casos por igual pe ríodo de tempo Dada a intensidade das emoções contratransferenciais mobilizadas e a volatilidade como se alternam durante as sessões é desejável que junto com a su pervisão dos casos os terapeutas também estejam em tratamento psicoterápico psi codinâmico pessoal A respeito das qualidades pessoais de cada terapeuta estas envolvem firmeza e confiança para estabelecer limites sentir se relativamente à vontade com a própria agressividade mostrarse consistente nas combinações e decisões ter mais atividade e maior participação nas sessões poder con viver com a incerteza gerada por pacientes manipuladores incluindo os cronicamente suicidas ser capaz de trabalhar em equipe e de fazer supervisões e sobretudo acredi tar que os pacientes possam melhorar com essa ajuda31 Psicoterapia de orientação analítica 629 REFERÊNCIAS 1 Freud S Neurose e psicose In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1976 v 19 p 18493 2 Stern A Psychoanalytic investigation and therapy in borderline group of neuroses Psychoanal Q 1938746789 3 Skodol AE Oldham JM Assessment and diagnosis of borderline personality disor der Hosp Community Psychiatry 1991 421010218 4 Paris J Management of acute and chronic suicidality in patients with borderline per sonality disorder In Paris J editor Border line personality disorder etiology and tre atment Washington American Psychiatric 1993 p 37383 PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 O TPB é uma patologia complexa que abrange um grupo heterogêneo de pacientes o que inviabiliza a prescrição de um modelo único de tratamento 2 As características básicas do TPB incluem déficits importantes no relacionamento interpessoal instabi lidade afetiva impulsividade e um sentimento fragmentado da própria identidade 3 No modelo da mente que prioriza na patologia borderline a existência de conflitos intrapsíquicos preco ces em torno de um excesso inato de agressão e de relações patológicas de objeto internalizadas as técnicas terapêuticas se baseiam na confrontação das dissociações e nas interpretações transferen ciais no aqui e agora do conteúdo das fantasias inconscientes e das ansiedades associadas 4 Na concepção que enfatiza déficits reais de cuidadores na infância a importância terapêutica recai sobre o próprio processo interpessoal que é desenvolvido na relação terapêutica e na capacidade de a partir dele o paciente construir ou reparar estruturas mentais estabilizadoras e criativas previamente inexistentes ou precárias 5 Os elementos em comum entre as psicoterapias efetivas dos TPBs são a setting estável e estruturado b maior atividade do terapeuta c tolerância das transferências negativas d ligação dos comportamentos autodestrutivos às frustrações do paciente e limites para as atuações f estabelecimento de conexões entre as ações e os sentimentos do paciente com a situação presente g foco nas confrontações e interpretações do presente h monitoramento da contratransferência para compreender o paciente 6 Desenvolver respostas terapêuticas adequadas às emoções intensas e caóticas despertadas pelos pacientes constitui o principal desafio técnico dessas psicoterapias 7 Elementos básicos no manejo dos pacientes incluem a ter disponibilidade para responder às situações de crises b monitorar comportamentos de risco e a segurança do paciente c resistir a constantes infrações do contrato terapêutico d participar quando necessário de equipes multiprofissionais e ter um treinamento adequado e uma supervisão mínima de dois anos no atendimento desses casos f estar em tratamento psicoterápico pessoal 630 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 5 Zanarini MC Frankenburg FR Dubo ED Sickel AE Trikha A Levin A et al Axis I co morbidity of personality disorders Am J Psychiatry 19981551217339 6 Stone MH The borderline syndrome evolu tion of the term genetic aspects and prog nosis In Stone MH editor Essential papers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York Universi ty 1986 p 47597 7 Stone MH editor Essential papers on bor derline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 8 Hoch P Polatin P Pseudoneurotics forms of schizophrenia In Stone MH editor Es sential papers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 11947 9 Deutsch H Some forms of emotional dis turbance and their relationship to schizo phrenia In Stone MH editor Essential pa pers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 7491 10 Kernberg OF Borderline personality orga nization In Stone MH editor Essential pa pers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 279319 11 Knight RP Estados fronterizos In Knight RP Psiquiatria psicoanalítica Buenos Aires Paidós 1962 p 11348 12 Modell AH Primitive object relationship and the predisposition to schizophrenia Int J Psychoanal 196344328292 13 Frosh J The psychotic character clinical psychiatric considerations In Stone MH editor Essential papers on borderline disor ders one hundred years at the border New York New York University 1986 p 26378 14 Grinker R Werble B Drye RC The grinker study In Stone MH editor Essential papers on borderline disorders one hundred years at the border New York New York Universi ty 1986 p 32056 15 Gunderson JG Singer MT Defining border line patients an overview Am J Psychiatry 19751321110 16 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSMIII 3rd ed Washington Ameri can Psychiatric Association 1980 17 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Washington American Psychiatric Association 2013 18 Gabbard GO Combining medication with psychotherapy in the treatment of persona lity disorders In Gunderson JG Gabbard GO editors Psychotherapy for personality disorders Washington American Psychia tric 2000 p 6594 19 Kernberg OF Borderline conditions and pa thological narcissism New York J Aronson 1975 20 Kernberg OF Object relations theory and clinical psychoanalysis New York J Aron son c1976 21 Kernberg OF Severe personality disorders New Haven Yale University c1984 22 Klein M Notas sobre algunos mecanismos esquizoides In Klein M Desarrollos en Psi coanálisis Buenos Aires Hormé 1962 p 25276 23 Klein M The psychoanalysis of children London Karnak 1998 24 Clarkin JF Kernberg OF Developmental factors in borderline personality disorder and borderline personality organization In Paris J editor Borderline personality disor der etiology and treatment Washington American Psychiatric 1993 25 Kohut H The restoration of the self New York International University c1977 26 Adler G The myth of the alliance with bor derline patients Am J Psychiatry 1979 13656425 27 Zetzel ER A developmental approach to the borderline patient Am J Psychiatry 1971 127786771 28 Winnicott DW The theory of the parentin fant relationship Int J Psychoanal 196243 2389 29 Buie DH Adler G Definitive treatment of the borderline personality Int J Psychoanal Psychother 1982198395187 30 Horwitz L Gabbard GO Allen JG Frieswyk SH Colson DB Newsom GE Borderline personality disorder tailoring the psycho therapy to the patient Washington Ameri can Psychiatric c1996 Psicoterapia de orientação analítica 631 31 Gunderson JG Psychodynamic psychothe rapy for borderline personality disorder In Gunderson JG Gabbard GO editors Psychotherapy for personality disorders Washington American Psychiatric 2000 p 3364 32 Lineham MM Skills training manual for treating borderline personality disorder New York Guilford 1993 33 Waldinger RJ Intensive psychodynamic the rapy with borderline patients an overview Am J Psychiatry 1987144326774 34 Yeomans FE Clarkin JF Kernberg OF A pri mer of transferencefocused psychothera py for the borderline patient Northvale J Aronson c2002 35 Koenigsberg HW Kernberg OF Stone MH Appelbaum AH Yeomans FE Borderline patients extending the limits of treatability New York Basic Books 2000 36 Gabbard GO Psychodynamic psychothera py of borderline personality disorder a con temporary approach Bull Menninger Clin 20016514157 37 Gabbard GO Wilkinson SM Management of countertransference with borderline pa tients Washington American Psychiatric c1994 38 Gabbard GO Psiquiatria psicodinâmica ba seado do DSMIV 2 ed Porto Alegre Art med 1998 39 Kernberg OF Selzer MA Koenigsberg HW Psicoterapia psicodinâmica de pacientes bor derline Porto Alegre Artes Médicas 1991 40 Gabbard GO Horwitz L Allen JG Frieswyk S Newsom G Colson DB et al Transfe rence interpretation in the psychothera py of borderline patients a high risk high gain phenomenon Harv Rev Psychiatry 1994225969 O objetivo deste capítulo é conceitualizar e a partir de exemplos clínicos examinar aspectos teóricos e técnicos da perversão como um fenômeno que pode manifes tarse na relação terapêutica desviandoa de forma momentânea ou permanente de seu objetivo básico ou seja como uma situação problemática transferencialcon tratransferencial A justificativa mais ime diata para tal enfoque é que seja em um tratamento psicanalítico standard seja em uma psicoterapia de orientação analítica independentemente da posição teórica e técnica do terapeuta acerca das interpre tações transferenciais quando tal situação perversa se instala na relação ela necessita converterse no foco central das tentativas de compreensão interpretação e elabo ração Caso contrário o tratamento não apenas se torna inútil e ineficaz como é transformado em uma relação basicamen te patológica A justificativa mais ampla é que to dos os conceitos psicanalíticos utilizados pela psicoterapia inspirada na psicanálise nasceram e são aplicados na única situação disponível para a observação e intervenção do terapeuta isto é na relação terapêutica Nesse sentido conforme aponta Green1 a transferência não é mais um dos concei tos da psicanálise a ser pensado como os outros ela é a condição a partir da qual os outros podem ser pensados E da mesma maneira a contra transferência não se limita mais à pesquisa dos conflitos não resolvidos ou não ana lisados do analista capazes de falsear sua escuta tornase o correlato da transferên 37 ABORDAGEM DAS SITUAÇÕES PERVERSAS NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA Raul Hartke Nunca é demais repetir que a descoberta psicanalítica é a do inconsciente e da sexualidade no sentido que Freud dá a ela Laplanche 1987 É preciso insistir na prioridade atribuída à interpretação conjectural do intrapsíquico em sua articulação com o intersubjetivo em vez da referência à interação interpessoal pois o psíquico não pode ser reconduzido à ação e o sujeito à pessoa Green 1991 Psicoterapia de orientação analítica 633 cia caminhando ao seu lado induzindoa às vezes e para alguns precedendoa A relação do fenômeno transferen cialcontratransferencial perverso a ser examinado com as perversões sexuais clí nicas é complexa não linear nem obriga tória Pode evidenciarse durante o pro cesso terapêutico com pacientes que não apresentam clinicamente uma perversão mas não constitui o padrão característico destes Entretanto representa um desafio permanente no trabalho terapêutico com pa cientes perversos sem todavia consti tuir a única forma de relação presente nes ses casos Em virtude disso a melhor maneira de enca minhar essa questão é manter uma distinção como o fazem vários autores entre parte per versa2 ou dimensão perversa3 da mente hu mana de um lado e de outro a perversão clí nica Isso exige o exame dos fatores que levam tal parte perversa ao domínio com pleto da mente em alguns casos enquanto em outros permanece apenas como uma potencialidade mas esse aspecto foge dos objetivos e das possibilidades do capítulo De qualquer modo postulandose a exis tência dessa dimensão perversa em todos os seres humanos devese levar em con sideração sua presença também na mente do terapeuta durante as sessões gerando o risco permanente de conluios com a par te correspondente do paciente e assim da perversão de toda a psicoterapia Nesse sentido partindo de uma perspectiva psi canalítica intersubjetiva Ogden4 enfati za a importância de se considerar sempre a contribuição conjunta do paciente e do terapeuta na criação e na manutenção da relação perversa isto é na constituição do que chama de o sujeito perverso da aná lise É preciso observar que nesse caso sujeito significa para Ogden um ter ceiro intersubjetivo formado a partir das subjetividades de cada um dos dois partici pantes e com elas relacionandose de forma dialética Na medida em que será examina da uma situação desviadora dos objetivos normais da relação terapêutica é preciso expor a concepção acerca do que seria a essência desta última Assim podese con siderar que o objetivo da psicanálise e por extensão de uma psicoterapia de inspira ção analítica é o de possibilitar a criação e a manutenção de uma experiência emocio nal na relação entre paciente e terapeuta que não deverá ser nem desconsiderada nem convertida em ação mas compreendi da quanto a suas motivações inconscien tes verbalizada interpretada e elaborada com o fito de ampliar a capacidade mental Essa ampliação da capacidade mental em última instância da capacidade de sim bolização possibilitará que as emoções sejam processadas de forma mais ampla psiquicamente em vez de transformadas em sintomas inibições ou padrões pro blemáticos de comportamento Ao mesmo tempo essa relação adoecerá justamente da enfermidade do paciente5 e isso não é ape nas inevitável mas necessário porque caso não ocorra o problema em si não poderá ser tratado Tanto o nível de profundidade da experiência emocional na relação como o grau de alcance extensão e detalhamento de sua compreensão interpretação e elabo ração são diferentes na análise em compa ração com a psicoterapia de base analítica mas a essência da situação permanece a mesma 634 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Durante o tratamento de pacientes com perversões sexuais o terapeuta de frontase reiteradamente com uma situa ção relacional que abstraída e articulada quanto a seus elementos fundamentais revela a seguinte conjunção constante6 1 Uma pressão sutil ou explícita no sentido de que existe só uma mente para os dois participantes da relação os quais dessa forma sentiriam e pen sariam sempre e exatamente da mesma maneira ou então o que resultaria idêntico de que esteja presente apenas uma mente independente sendo a ou tra somente um apêndice da primeira existindo para acolhêla referendála e admirála incondicionalmente Tudo e todos que interferem nesse desejo despertam angústia e ódio Este últi mo é dirigido ao terapeuta ou com maior frequência a algo ou alguém vivenciado como um terceiro interveniente a ser des valorizado e suprimido O setting em si na medida em que constitui um contrato acordado entre os dois participantes que ambos devem respeitar assim como a ca pacidade do terapeuta de compreender e inter pretar o que ocorre na relação revela dora de uma mente própria são vivencia dos como interventores desse tipo e como tais atacados com o objetivo de serem eli minados 2 Uma tentativa constante de tornar im produtiva estéril a potencialidade cria tiva e terapêutica da relação mediante sua substituição por outra em última análise sadomasoquista intensamente erotizada e idealizada a ponto de ser vivenciada como melhor que a anterior a qual passa a ser desdenhada com ar rogância Nessa circunstância a troca receptiva e fecunda entre duas mentes é convertida em uma relação na qual um dos participantes deve ser apenas o objeto passivo e submisso dos desejos e das imposições do outro Mais uma vez essa tentativa pode ser explícita mas em outras ocasiões fazse presente de modo sutil sob uma aparência de trabalho colaborador e produtivo Há casos em que pode ser identificada apenas por meio de sonhos relatados pelo paciente ou sonhados pelo terapeuta A presença da transformação sadomasoquista idealizada é imprescindível para a caracteriza ção do fenômeno em questão não sendo sufi ciente a evidência apenas do primeiro elemen to ou mesmo deste acompanhado da esteriliza ção da relação Segundo o ponto de vista teórico aqui adotado esses dois elementos constituem nessa situação específica dois polos in terdependentes de uma mesma estrutura cada qual originando sustentando e ao mesmo tempo sendo criado e mantido pe lo outro Ademais essa estrutura reflete o funcionamento de uma parte da mente or ganizada de uma forma patológica no que diz respeito às relações básicas da criança com sua mãe e com o casal parental con forme será discutido na parte teórica Após ilustrarmos aspectos clínicos e técnicos de tal fenômeno revisaremos os principais modelos psicanalíticos que procuram explicar a origem e o desen volvimento das perversões lembrando que todos surgiram a partir do que po de ser inferido na relação transferencial contratransferencial extrapolada para a construção de hipóteses sobre o surgi Psicoterapia de orientação analítica 635 mento e o estabelecimento das perversões clínicas Essa revisão será concluída com a apresentação de um modelo teórico que tenta articular alguns dos elementos de maior significado clínico entre os modelos apresentados a partir de uma perspectiva específica Serão relatadas situações clínicas de tratamentos de três pacientes nos quais esse tipo de relação perversa ocorria com parti cular intensidade Para tornar a descrição a mais clara possível foram selecionadas situações em que um ou outro dos com ponentes enumerados está bem evidente e detalhado É mister salientar a proposição de que a nível profundo eles estão cons tantemente conjugados bem como enfati zar que podem manifestarse também em pacientes que não apresentam uma perver são clínica Nos casos de perversão clini camente estruturada a questão do tipo de tratamento de escolha é controversa Para alguns apenas a psicanálise standard esta ria recomendada Para outros7 a indicação seria uma forma especial de psicoterapia de orientação analítica Como quer que seja os intensos desafios técni cos e contratransferenciais suscitados por tais situações recomendam que o psicoterapeu ta tenha uma vivência de tratamento psicote rápico ou analítico pessoal e que quando me nos experiente ou nos casos mais graves pos sa contar com o auxílio de um supervisor No primeiro caso ficam mais des tacadas as motivações angústias e defesas vinculadas ao primeiro dos elementos da conjunção constante em exame embora também sejam frequentes as situações de esterilização e transformação sadomaso quista da relação TRÊS RELATOS DE SITUAÇÕES PERVERSAS NA RELAÇÃO TRANSFERENCIAL CONTRATRANSFERENCIAL O paciente A tinha 25 anos namorava uma jovem de sua idade mas periodica mente procurava saunas e cinemas para homossexuais observando homens nus masturbandoos ou se deixando mastur bar aceitando que lhe praticassem felação ou eventualmente praticando coito anal como parceiro ativo Quando pequeno a mãe por vezes o vestia com trajes femini nos mais tarde ainda na infância A usava vestidos dela às escondidas Há indícios de a mãe ter sofrido depressão pósparto Ele a descrevia como uma pessoa sensível com dotes artísticos e ao mesmo tempo segura e forte o verdadeiro sustentáculo da casa mesmo sendo mantida pelo marido pai de A que no seu modo de ver fazia ape nas o que ela desejava A lembravase de que quando pequeno ficava sentado junto a ela na sala de televisão até altas horas da noite enquanto o pai já estava dormindo no quarto pois costumava deitar cedo Sentia como se ele e a mãe nem precisassem falar um com o outro para saberem o que cada um estava vivenciando e pensando O pai era referido como alguém que sempre chegava atrasado nas situações emocionais em que era esperado ou necessitado Tentarei descrever um tipo de situa ção transferencialcontratransferencial bas tante frequente e característico em especial no início da análise A situação começava com o paciente relatando algum material significativo com ressonância emocional e que despertava em mim um sentimento de que um trabalho produtivo estaria come çando Ele prosseguia falando e durante certo tempo eu considerava estar diante 636 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de associações ricas que possibilitariam à medida que eu deixasse minha mente solta uma compreensão da situação emocional em curso O relato do paciente continuava novas vertentes apareciam outros detalhes eram referidos surgiam imagens interes santes mas após algum tempo eu passava a sentir a desagradável sensação de estar envolto em um complexo emaranhado de sentimentos imagens e ideias sem ter por onde sair Ocorriame um sentimento de confusão de estar amarrado uma sensação de impotência Não raramente sentia então a ne cessidade de forçar minha mente a compor um pensamento e de agarrarme a qual quer ponto do material a fim de juntar e dar algum sentido a todo aquele discurso que continuava se expandindo e ficava cada vez mais enigmático Isso me levava algu mas vezes movido por ansiedade confor me logo passei a compreender a efetuar alguma interpretação que tentava aparen temente dar um significado ao material mas que na realidade visava a tirarme do sentimento de confusão e impotência E com frequência a resposta de A quando eu fazia uma interpretação dessa índole era algo no estilo é mas também não é exa tamente assim isso criava um clima de incerteza com um sentimento de que eu estava no rumo não deveria desistir mas de que o ponto ainda não era aquele e pre cisaria portanto entrar ainda mais fundo naquele mundo enigmático Outras vezes ocorriame a vontade de insistir em deter minada interpretação com uma decisão e ênfase que na verdade continham uma ir ritação subjacente Passei então a considerar que essa si tuação transferencialcontratransferencial estava refletindo algo importante do mun do interno de A e de sua relação comigo Entretanto embora me ocorressem algu mas hipóteses julguei necessário aguardar até que algo no material verbal do paciente fornecesse uma indicação mais clara e se gura do que vinha acontecendo a fim de que não houvesse o risco de a compreensão surgir unicamente da minha mente e para que eu também tivesse um ponto de apoio para uma interpretação que conseguisse de fato alcançálo naquele momento Pouco depois A relatou um sonho que preencheu essas condições nele A estava caminhando sobre uma formação rochosa onde se encontravam homens ad mirados por ele pela sua masculinidade Enxergou então ao lado uma espécie de tobogã natural na rocha um longo liso e agradável declive que terminava muitos metros abaixo em um poço cheio de uma água extremamente límpida A sentiu vontade de deixarse escorregar até cair no poço mas começou a temer que depois de mergulhar não conseguisse mais voltar à superfície morrendo afogado Isso se devia ao fato de que imaginava existir no fundo do poço um labirinto de túneis sem saída no qual ficaria trancado O detalhe mais in sólito do sonho era para A a presença de uma sereia sentada à beira do poço Suas associações giraram em torno da tentação que lhe despertavam o tobogã e a água límpida e ao mesmo tempo do pavor que lhe suscitava a ideia de morrer preso e afogado em um labirinto de túneis sub mersos Passou a falar sobre o sentimento de acabar sufocado pelas pessoas com as quais se relacionava de forma mais estreita como a namorada por exemplo Acrescen tou que em certos momentos experimen tava a sensação de estar entrando em um brete quando atravessava a sala de espera do meu consultório passava pelo espaço intermediário e chegava à sala de atendi mento Depois muito hesitante relatou outro temor tendo observado que eu pos suía algumas obras de arte no consultório estava com medo de que eu por gostar de Psicoterapia de orientação analítica 637 arte tivesse também alguma tendência ho mossexual o que o deixaria perdido pois assim não poderia contar comigo para ajudálo a tornarse de fato um homem Disselhe a essa altura que ele estava eviden temente manifestando o temor de ser seduzi do por mim no sentido de entregarse ao tra tamento e acabar sendo aprisionado e anulado como pessoa da forma como sentira na sua re lação com a mãe mas que esse temor derivava da sua própria atração por uma relação desse tipo evidenciada na tentação que o tobogã e o poço lhe despertavam no sonho A confirmou o temor de acabar fi cando conforme expressou totalmente dependente de mim perdendo sua indi vidualidade e autonomia Em seu modo de sentir muitas vezes na infância fizera mais o que julgava ser o desejo de sua mãe e não seu próprio interesse Voltei a mencionar a atração que ele sentira pelo tobogã procu rando mostrarlhe sua parte nesse tipo de relacionamento A começou a discorrer em detalhes sobre suas impressões e senti mentos em relação ao tobogã e ao poço de águas límpidas do sonho Assim falou lon ga e vividamente sobre como deveria ser de fato agradável escorregar em um tobogã natural daquele tipo e como seria delicioso cair em uma água límpida e fresca como a do sonho em um dia de verão A essa altu ra também comecei a imaginar uma situa ção desse tipo e já havia deixado para um segundo plano na minha mente a questão da sereia e dos túneis perigosos aos quais A não mais fazia menção Logo me dei conta de que estivera despercebidamente deslizando para dentro das imagens relata das por A e percebi então que o labirinto de túneis perigosos e a sereia não estavam mais sendo referidos porque haviam deixa do a esfera do relato e começado a acon tecer dentro da sessão Ou seja naquele momento A conseguira criar um tobogã de imagens sedutoras como um canto de sereia e eu por um momento deixara me enlear por isso Lembreime da situa ção transferencialcontratransferencial há pouco relatada e a compreendi como outra manifestação desse mesmo canto de sereia capaz de destruir minha função analítica caso me deixasse levar por ele Interpretei portanto que naque le momento com sua longa descrição do prazer relacionado a tobogãs e águas fres cas em dias de verão A estava tentando fazer com que ficássemos ali envolvidos na imaginação agradável de cenas desse tipo Assim procedendo conseguiria evitar que continuássemos examinando aspectos seus que não gostaria de encarar essa descrição começara logo após eu ter voltado a men cionar sua própria atração por relaciona mentos nos quais ficaria completamente dependente Em outras palavras a sereia apareceu como uma parte dele mesmo tentando com um canto sedutor enlear nos em situações aparentemente agradá veis mas na verdade anuladoras do tra balho que precisávamos fazer ali ou seja ajudálo a conhecerse a si próprio a reco nhecer desejos que eram seus e que tendia a atribuir a mim e a lidar com isso Depois relacionei isso com a ma neira como muitas vezes desenvolvia seu discurso nas sessões nos moldes expostos na situação transferencialcontratransfe rencial referida que lhe descrevi de modo claro e simples Ele disse que por vezes percebia em si uma tendência a deixar ocorrer o que chamou de uma trincagem ou embaralhamento do assunto sobre o qual estava falando sem sentir vontade de procurar esclarecêlo Afirmou que na verdade se divertia com isso Logo de pois contou que certa vez ouvira sua mãe 638 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs queixandose para o marido de que A era uma criança enigmática e de que tinha dificuldades para conhecêlo realmente Acrescentou que na ocasião isso lhe des pertou um secreto prazer Vimos então como procurava reproduzir essa situação na relação comigo A prosseguiu dizendo que ao mesmo tempo tinha medo de que eu não conseguisse lidar com isso e temia perceber alguma hesitação de minha parte necessitandome segundo suas palavras como uma pessoa de princípios defini dos Disselhe que sua atração pelos ho mens másculos no sonho representava um desejo de aproximarse e ter para si uma figura masculina que o protegesse da tenta ção pelo canto da sereia e que ele esperava isso de mim naquele momento relacionei essa situação com o desejo manifestado à colega que o encaminhou a mim de que seu analista fosse do sexo masculino Após a análise desse sonho passei a ter a sensação de compreender de dentro para fora por meio de meus próprios sen timentos e reações contratransferenciais o drama emocional de Ulisses no episódio das sereias Entendi que precisava manter meus ouvidos abertos para o que A me dizia a fim de poder compreendêlo mas também necessitava estar protegido de al guma forma para não ser dragado para dentro do seu mundo enigmático e ter assim minha capacidade mental e fun ção analítica destroçadas Fiquei também imaginando que o mastro ao qual Ulisses foi amarrado representaria a identificação com o pai com o pênis paterno com o princípio da realidade que o protegeria da sedução mortífera das sereias Pensei que A precisava exatamente conseguir estabe lecer dentro de si essa identificação com o pai que o protegeria do objeto materno sentido como sedutoramente engolfante e destruidor constituído em grande pro porção por uma parte dele mesmo que deseja atacar o pai e suas funções para per manecer dentro de um universo materno sem o princípio de realidade conforme se evidenciou durante a análise do sonho re ferido Considerei além disso que minha reação du rante a situação transferencialcontratransfe rencial relatada ao forçar em minha mente alguma espécie de compreensão e derivar dali qualquer interpretação poderia além de aler tarme para esse risco contratransferencial auxiliarme a compreender algo importante do mundo interno de A Conforme referi aquelas compreen sões e eventuais interpretações eram na realidade pensamentos que não visavam a uma verdadeira aproximação esclare cimento e representação mental da expe riência emocional em curso mas serviam de barreiras contra a angústia de engolfa mento e a impotência Tais barreiras eram construídas com pensamentos forjados e portanto falsos embora também repre sentassem tentativas de manterme men talmente vivo naqueles momentos A partir disso considerei que A tam bém poderia seguidamente tentar construir dentro de si pensamentos e ao seu redor situações de vida que seriam equivalentes quanto à origem e à função àquelas minhas pseudocompreensões e interpretações Nesse sentido pensei que poderia evi denciarse em A uma tendência a utilizar minhas interpretações como objetos men tais idealizados como falsos mastros para servirem de barreiras contra suas an gústias e não como instrumentos visando ao insight O insight e as interpretações que pudessem produzilo seriam então viven ciados como uma interferência em relação ao desejo de viver em um mundo sem prin Psicoterapia de orientação analítica 639 cípio da realidade como o outro perturba dor o pai e seu pênis odiado e atacado A tentativa de levar esse processo adiante no sentido de não apenas usar minhas interpretações como barreiras ao verdadeiro insight mas além disso de transformar nossa relação terapêutica em um conluio sadomasoquista estéril ficou mais evidente em outro momento A certa altura comecei a perceber que com fre quência depois que eu lhe oferecia uma in terpretação A parecia aceitála começan do a pensar sobre o que lhe havia mostrado e agregando outras situações de vida que a confirmavam Porém à medida que o tem po passava eu notava que ele começava a dar um tom autoacusatório ao que perce bera sobre sua pessoa passando então de forma sutil mas constante a criticarse e a depreciarse restandome a posição de quem lhe fizera não uma interpretação mas uma acusação Certo dia relatou o se guinte sonho estava em uma sala rodeada de espelhos De repente por alguma ação sua todos os espelhos eram quebrados e os fragmentos pontiagudos voavam em sua direção mas A sabia no sonho que não seria ferido já que a situação fora criada por ele e estava sob seu controle Disselhe que o sonho evidenciava o que vinha fazendo com minhas interpretações isto é com os espelhos que eu lhe propiciava para que pu desse enxergar a si próprio Ele os destruía e os transformava em fragmentos pontiagudos que passava então a jogar contra si mesmo cri ticandose e desvalorizandose mas tudo isso estava sob seu controle como algo feito orien tado e manipulado por ele e portanto já sem o poder de realmente atingilo Assim em seu mundo interno procurava anular meu papel analítico e transformarme em acusador em uma pessoa que o atacava ou seja atribuía a mim seus próprios desejos agressivos A reiterada análise de situações como essa deixou evidente que em níveis mais profundos A fantasiava entrar na mente e na vida de sua mãe na infância intro duziase concretamente em seus vestidos e transformarse na imagem que dela fazia sereia a fim de negar suas existências se paradas Nesse mesmo movimento psíqui co procurava também desfazer o que seria o triângulo edípico normal constituído por pai mãe e filho com as necessárias di ferenças de sexos e gerações assumindo o papel da mãe junto ao pai e puxandoo en tão para uma relação mortífera conforme desejava fazer comigo na situação transfe rencialcontratransferencial relatada Em outros momentos evidenciavase uma variante dessa cena sexual destrutiva na qual após mais uma vez identificarse com a mãe expunha ambos a um terrível ataque por parte do pai Isso pôde ser infe rido a partir do seguinte sonho Vejo uma mulher ruiva como sua mãe e ele dentro de uma banheira com bichinhos de borracha flutuando na água Eu a estou olhando da posi ção em que você me vê quando estou deitado aqui Aos meus pés está sen tado um homem Ele a imobiliza está com um facão na mão e percebo que vai cortar o braço direito dela e no coto restante enfiar um arpão Mas acordo antes de ver essa cena O significado transferencial do so nho é evidente pela posição a partir da qual descreve estar observando a mulhermãe com seus bichinhosbebês Nesse sentido podese constatar um complexo jogo de identificações projetivas Assim A ocupa meu lugar enquanto ao mesmo tempo se iden tifica com a mãe ela tinha cabelos rui vos como os dele e no sonho estava dei tada na posição em que ele fica em relação a mim outra parte sua identificada com 640 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs um pai sádico castrao corta o braço e na ferida resultante penetrao com um pênis destruidor representado pelo arpão O sonho possibilitou a análise de vários as pectos ligados a suas fantasias e atuações sadomasoquistas destacandose para os propósitos do momento suas frequentes tentativas de induzirme a fazer interven ções que o anulassem e ferissem equivalen tes a uma castração seguida de penetração sádica No próximo caso evidenciamse a in sistência e as motivações inconscientes do paciente no sentido de estabelecer e man ter com o terapeuta uma relação fusional idealizada isenta de frustrações contrarie dades agressividade e em última instância de quaisquer indícios que significassem a existência de um terceiro perturbador des sa situação por ele mesmo denominada de a ilha da fantasia B um paciente do sexo masculino procurava repetidamente homens que o humilhassem e o maltratassem inclusive fisicamente Com fre quência induziaos a exploraremno financei ramente Por ocasião do primeiro pagamento na análise incluiu o valor de uma sessão a mais mostrandose surpreso quando isso lhe foi as sinalado e afirmando que não percebera Logo após o início do tratamento ins tituiuse uma situação em que funcionava nas sessões como um bom menino um filho paciente absolutamente dependen te confiante em mim esperando que in clusive o orientasse em sua vida Desejava conhecer mais detalhes sobre minha vida pessoal para saber como eu lidava com minha mulher filhos e amigos a fim de aprender comigo a ser um homem já que ele se sentia um saco vazio isto é sem nada dentro de si Mostravase preocupado com minha saúde e segurança exatamente como sempre agira com sua falecida mãe e desejava nunca me incomodar Tudo isso era exposto de maneira que não me desper tava rechaço mas sim o risco perceptível para mim de adotálo como um filho pequeno O paciente B que praticava ri tuais homossexuais sadomasoquistas que se irritava e se magoava com as pessoas era uma parte sua que aparecia exclusivamente fora da nossa relação Quando eu apontava essa dissociação B dizia temer que eu vies se a repudiálo que me perdesse Entre ou tras coisas apontavalhe seu temor de que nossa relação não resistisse a eventuais pro vocações e ressentimentos manifestos por ele em relação a mim sentiame no fundo como alguém ao mesmo tempo frágil e exi gente a ponto de não suportar nem tole rar algo que não estivesse de acordo com o que supunha fossem meus desejos o que na verdade era uma reação que eventual mente percebia em si mesmo Mostreilhe que trazia apenas o bom filho para dentro de sua relação comigo Por um lado sentiase mais seguro mas por outro perdia a possibilidade de deixar aparecer no tratamento seus aspectos que mais o angustiavam isto é não podia ter me como seu analista assim como jamais conseguira abrirse realmente com sua mãe também por temer contrariála ou incomodála B disse que certa vez quando a mãe fazia alguma comida diferente ele sem pre afirmava que estava excelente mesmo quando não havia gostado Relacionei isso com um risco que teríamos na análise de ele sempre acatar as minhas interpretações concordasse ou não com elas ademais e frisei esse ponto impedindo o aparecimen to de seus aspectos problemáticos na rela ção analítica na qual poderiam ser trata dos Além disso pagandome sessões que não haviam ocorrido transformavame em Psicoterapia de orientação analítica 641 um mero explorador da mesma forma co mo fazia com outros homens De forma gradativa à medida que examinávamos essas situações princi palmente a dissociação na transferência outro conjunto de fantasias foi se eviden ciando Depois de algum tempo B revelou agarrarse à ideia de que existiriam dois Raul Assim o tu como em geral me chamava seria aque le que em sua fantasia estabelecia com ele a mesma relação que imaginou ter tido com a mãe e que a certa altura chamou de ilha da fantasia O Raul aparecia sempre que eu por qualquer razão fazendo alguma interpre tação por exemplo não correspondia ou des fazia essa ilha da fantasia onde deveríamos viver eternamente Eu passava então a ser visto como outra pessoa que em geral por razões alheias à nossa relação estaria irritada in comodada agressiva e por isso desejaria magoálo Certa vez enquanto relatava uma de suas visitas ao túmulo da mãe per maneceu longo tempo detalhando tudo o que lhe havia falado Fiquei ouvindo por algum tempo e a certa altura percebi que estava escutando quase como se fosse uma conversa entre duas pessoas reais como se sua mãe estivesse viva Então lhe disse sem pensar sobre isso de um modo espontâ neo como alguém que de repente percebe o outro falando sobre algo impossível de ocorrer Mas como é que ela vai te ouvir B Fez um longo silêncio emocionado pesado começou a chorar silenciosamente assim permanecendo até o fim da consul ta Na sessão seguinte relatou que ao sair sentira por alguns momentos uma inten sa raiva de mim mas que imediatamente dissera para si mesmo Não há razão para me irritar Quem falou aquilo foi o outro Raul E provavelmente falou assim por que se incomodou em casa com a mulher e estava irritado Isso segundo B logo o deixou aliviado e mais uma vez de bem comigo Na realidade até onde pude perce ber eu não estava irritado quando lhe disse aquilo mas desejoso de chamálo para a realidade por vêlo e até certo ponto a mim tão profundamente mergulhado em sua fantasia de que a mãe estava viva e em seu desejo de tornarme cúmplice da mes ma fantasia como muitas vezes fazia com seus familiares Foi possível compreender e interpre tar o fato de que ele insistia em levarme a renunciar meu papel de terapeuta e ingres sar junto com ele na ilha da fantasia permanecendo como analista quando eu era o Raul e deixando de ser o tu eu re presentava a mãe o tu que em vez de permanecer fundido com ele fora da rea lidade se aliava ao pai o Raul e o excluía deixandoo abandonado e com raiva Após iniciar a análise B modificou o trajeto que fazia de carro quando se dirigia para casa de modo todo dia a passar dian te do meu edifício procurando sempre al gum indício de minha presença ou ausên cia Disse necessitar manter a ideia de que eu estaria lá inclusive nos fins de semana porque temia ter uma crise de angústia precisar de mim e eu não estar disponível De fato em apenas uma ocasião em uma segundafeira telefonou chorando e muito angustiado pedindo para ter uma sessão o mais breve possível pois receava perder o controle Naquele fim de semana havia procurado homens compulsivamente um deles o mandou embora dizendolhe que não era seu pai tinha estado muito angus tiado e temia não conseguir mais respirar Isso ocorreu após eu terlhe avisado que não o atenderia durante duas semanas no mês seguinte Atendi seu pedido e ofereci lhe uma sessão extra naquele mesmo dia à 642 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tarde porque não me sentia seguro quanto a sua capacidade de suportar tal angústia Na sessão examinamos seu sentimento de abandono e desamparo pelo meu aviso da futura interrupção do tratamento Observamos também sua necessidade de tes tarme para ver se poderia realmente contar co migo em um momento de desespero Ao mesmo tempo porém aponteilhe como com tudo isso ele conseguira alterar nosso acordo de horários o que talvez lhe propiciasse certo prazer íntimo B resistiu a essa intervenção recu sandoa com polidez mais adiante no tra tamento porém a situação criada pôde ser proveitosamente relacionada às ocasiões em que na infância conseguia tirar sua mãe da companhia do pai à noite e forçá la a ficar com ele até que adormecesse ar gumentando estar com muito medo e falta de ar Em outra ocasião combinamos que me telefonaria para vermos uma mudança de horário de sessão Quando fez essa liga ção à noite e foi informado de que eu não estava devendo retornar apenas mais tarde ficou bastante desapontado e ansio so Ao examinarmos tal situação eviden ciouse que ela havia desfeito outra fanta sia mantida em um canto de sua mente a respeito de minha vida fora do consultório Imaginavame sentado na sala em uma poltrona do papai lendo algum livro sobre psicanálise enquanto minha mulher ficava na cozinha ou no quarto e meus fi lhos brincando em outra sala Ou seja não haveria qualquer interação entre mim e mi nha família e eu estaria em casa ocupado com assuntos relacionados ao meu traba lho em última instância a ele B acrescen tou que logo após o telefonema imaginou que minha mulher é que me forçara a sair contrariando meu suposto desejo de per manecer em casa Com preendemos então que em sua ilha da fantasia eu existia só para ele e que quando esse desejo era contrariado se protegia e a nós dois agar randose à ideia de que uma terceira pes soa no caso minha mulher é que fora a causadora disso Relacionei isso a algo que B já havia relatado em outra ocasião a res peito dos pais sempre imaginou que a mãe detestava a vida sexual e que só a mantinha por exigência do marido Ao apegarse a tal ideia evitava a frustração o ciúme a raiva e o sentimento de abandono em relação à mãe quando os pais fechavam a porta do quarto e o deixavam de fora atribuindo ao pai toda a responsabilidade da situação Além disso o comportamento agressivo de seu pai na vida real permitia que B repas sasse para a figura dele todos os seus senti mentos de raiva e desejos agressivos refor çando assim a convicção de que em casa e na vida existiria apenas uma pessoa com tais características ou seja o pai No próximo relato serão destacadas a tendên cia à esterilização da relação terapêutica e sua substituição por uma situação sadomasoquis ta com suas motivações e angústias corre latas C era solteiro e homossexual passivo Há muitos anos procurava parceiros se xuais que apresentassem conforme perce beu no transcorrer da análise o que descre veu como um brilho assassino no olhar Era o terceiro entre seis irmãos com me nos de dois anos de diferença daquele que o precedia imediatamente Morava com a mãe sentindoa como uma pessoa do minadora e agressiva que desvalorizara muito o marido Julgavase filho de uma gravidez indesejada achando que desde o Psicoterapia de orientação analítica 643 início constituíra um estorvo para toda a família e que a mãe teria nítida preferên cia pelos dois filhos mais velhos O pai era sempre descrito como um homem fraco e emocionalmente ausente do lar Durante as sessões com frequência C permanecia tecendo interpretações sobre suas situações de vida utilizando termos psicanalíticos Demonstrava irritação quando nesses mo mentos eu fazia qualquer tipo de interven ção Afirmava estar sendo criticado e desva lorizado enquanto apenas cumpria a regra de falar tudo o que lhe vinha à mente Era entretanto evidente sua tentativa de assim funcionando negar o quanto precisava de ajuda colocandose pelo contrário como se fosse um analista expondo algumas teo rias para uma plateia que deveria permane cer silenciosa e admirandoo Minha intenção nesse caso é exem plificar a questão da transformação sado masoquista da relação C tinha sessões de segundas a quintasfeiras e em uma segun dafeira relatou o seguinte sonho Sonhei que uma hipopótama enor me estava sendo comida analmente por um pequeno cachorro dachshund Estava sentado olhando com a mãe sentada à minha esquerda Estávamos glacialmente olhando essa cena absur da e impossível Prosseguiu descrevendo detalhes das imagens presentes no sonho de um modo que nada parecia acrescentar em termos de aprofundamento expansão ou modifi cação do material Repetiase também em analogias e exemplos que pareciam apenas avolumar o material A certa altura per cebime construindo uma imagem de que o assunto estava inchando cada vez mais como se fosse uma bola de neve ao mesmo tempo que me sentia impotente para fazer algo com tudo aquilo Em meu sentimen to qualquer interpretação seria totalmente inútil diante daquela profusão de imagens De repente ocorreume a ideia de que a situação representada no sonho começava a presentificarse no aqui e agora da rela ção analítica no sentido de que o paciente estava funcionando de modo a terminar como uma enorme hipopótama dian te de mim enquanto eu me sentia qual um pequeno dachshund que no máximo conseguiria estabelecer uma relação esté ril com ele Assinalei então essa maneira como estava funcionando no momento algo que não nos era totalmente novo e estranho e estabeleci a analogia com o sonho O paciente pareceu no início nem registrar minha intervenção prosseguin do no funcionamento anterior Ao mesmo tempo sentiame novamente e cada vez mais um pequeno cachorro fazendo inter venções estéreis mas agora também com um crescente sentimento de irritação e vontade de dizerlhe algo agressivo Perce bi entretanto que isso constituiria na lin guagem proposta pelo sonho uma forma de penetrálo analmente A essa altura da sessão ele fez uma pausa dizendo depois que lhe passara rapidamente pela cabeça o pensamento de que talvez eu de fato não conseguisse fazer nada com tudo aqui lo que ele estava falando sentindo certo prazer com isso mas temendo ao mesmo tempo que eu acabasse me irritando Disselhe que nesse caso a imagem presen te no sonho se completaria porque uma parte dele ficaria ao lado da mãe isto é com carac terísticas que atribuía a ela olhandonos esta belecer um relacionamento estéril proposto por ele mesmo Eu ficaria como um cachorro peque no demais para lidar com o tamanho do que ele estava falando e ele como uma hipopótama prestes a ser agredido por trás por meio de al guma intervenção irritada de minha parte 644 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuou dizendo que havia passa do todo o fim de semana dentro de casa as sistindo à televisão angustiado e solitário pulando de um canal para outro por não conseguir encontrar nenhum programa que o agradasse À medida que discorria sobre isso constatamos que procurava por algo na televisão que não conseguia definir para si mesmo mas que certamente não estava encontrando Sugeri então que no seu sentimento eu o havia abandonado no fim de semana deixandoo sozinho com suas angústias e trocandoo por minha mulher Isso o deixara com uma necessida de muito grande de tentar descobrir o que estávamos fazendo juntos necessidade essa deslocada de forma infrutífera para a tele visão Depois a dor do abandono e a raiva levaramno no sonho a transformarme em um pequeno cachorro alemão copulan do ridícula e esterilmente com minha mu lher convertida em uma hipopótama enquanto ele ficava em casa ao lado da mãe C ficou em silêncio por longo tempo mas senti que era um silêncio fértil e que naquele momento havíamos estabelecido uma relação produtiva Por fim contou que o formato da hipopótama o fazia re cordar a figura da mãe que era uma mu lher gorda e com ancas grandes Observei então que talvez fosse difícil para ele acei tar a ideia de que seus pais assim como eu e minha mulher podiam ter relações se xuais das quais resultaram inclusive dois irmãos mais velhos e três mais jovens do que ele o que o fazia sentirse conforme dizia o estorvo do meio Efetivamente de uma relação sexual como a que repre sentara no sonho não nasceriam irmãos de qualquer tipo C fez novo silêncio longo e depois no último momento da sessão e em um movimento psíquico bastante seu dis se Estou pouco cagando para tudo isso pois nada disso muda a merda de vida que estou tendo deixandome com a desagra dável imagem de que ele havia transforma do nosso trabalho em fezes e as evacuado para dentro de mim como se eu fosse um sanitário Algumas sessões depois novamente em uma segundafeira trouxe outro sonho em que a transformação da cena sexual parental era ain da maior levando ao aparecimento daquilo que Melanie Klein8 chamou de figura dos pais com binados marcantemente ameaçadora Sonhei que abria a porta de um apo sento onde esperava encontrar o meu gato mas em vez dele vi inúmeros pequenos cachorros parecidos com chacais latindo e mostrando feroz mente os dentes de uma forma assus tadora Acho que tinham devorado o gato Fechei a porta rapidamente e fui embora dali Associou que dias antes do sonho seu gato aparecera em casa com várias le sões pelo corpo com a perna quebrada e já cheirando a gangrena sem perspectivas de sobreviver segundo o veterinário o que o entristeceu bastante C permaneceu toda a sessão angus tiado desconfiado com o uso que eu po deria fazer de tudo que me contava Em vários momentos referiu vontade de vol tarse para trás a fim de observar como eu estava reagindo Essa tensão só amainou parcialmente quando lhe disse que pare cia estar temendo que eu recolhesse tudo o que me dizia guardasse como quem junta munição e a usasse depois para agredilo como os cachorros do sonho ameaçavam fazer A meu ver acrescentei que estava subjacente a isso a falta que sentia de mim quando nos separávamos Nessas ocasiões uma parte sua experimentava algo equiva lente ao que sentira com a morte do gato de Psicoterapia de orientação analítica 645 estimação e outra ficava por isso mesmo com muita raiva de mim desejando agre dirme como fizeram os bichos que feriram seu gato Na forma como compreendi des sa vez a impossibilidade de suportar o sen timento de abandono o ciúme e a inveja despertados por nossa separação no fim de semana levouo a conceber minha relação com minha mulher como uma cena em que um de nós devorava o outro de modo violento Assim quando ele ansiosamente mais uma vez procurava por mim como no caso da televisão encontrava múltiplos de outro cachorro não um dachshund mas um chacal com dentespênis terrivelmente ameaçadores voltados contra ele No sonho anterior os personagens da cena primária mantêmse como entidades distintas mas são atacados tanto individualmente quan to na relação que estabelecem em um nível basicamente anal Neste último predomi na uma transformação oral sádica e o casal é confundido em uma única figura perse cutória As frequentes transformações anais de minhas interpretações e do nosso trabalho analítico bem como suas consequências persecutórias imediatas estão representadas também neste sonho posterior Eu estava sentado em um banco da praça diante do MARGS absoluta mente sozinho nem de frente nem de costas para o museu era madru gada escuro Aproximavase um mu lato de mau aspecto com jeito de as sassino potencial O insólito é que ele estava recolhendo lixo sobre os ban cos constituído por formas de pê nis eretos feitos de merda ressequida Ele o recolhia com um equipamen to daqueles usados para caçar borbo letas Suas associações giraram em torno de um funcionário do museu homosse xual que há alguns anos fora assassinado permanecendo o criminoso impune Falou também sobre a praça do Museu de Arte do Rio Grande do Sul MARGS que à noite se transformava de acordo com suas palavras em um deprimente reduto de homossexuais Com o objetivo de tratar exatamente a situação transferencial esterilizadora e sadomasoquista interpretei a forma como no sonho e nas ses sões C transformava algo potencialmente fe cundador isto é o pênis assim como as inter pretações em estéreis desvalorizados e re pugnantes bastões fecais ressequidos Depois em virtude disso passava a temerme como um assassino potencial embora outra parte de si percebesse o tra tamento apenas de soslaio naquele mo mento como um espaço criativo simbo lizado no sonho pelo MARGS Mais adiante pudemos compreender que o equipamento de caçar borboletas re presentava o desejo de que seus relatos nas sessões incluindo os sonhos fossem con siderados por mim algo tão atraente e cati vante como borboletas coloridas voando a ponto de capturar toda a minha atenção e tornarme dessa forma desatento para as transformações anais que ocorriam na relação BREVE REVISÃO DE ALGUNS MODELOS PSICANALÍTICOS DAS PERVERSÕES Conforme já referido a análise de pacientes perversos possibilitou a construção de dife rentes modelos psicanalíticos acerca da es 646 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs trutura básica e do processo de desenvolvi mento das perversões sexuais Para alguns esses distintos modelos denotam diferentes teorias eventualmente incompatíveis entre si Para outros abrangem níveis ou tipos diversos de perversões Ademais de modo gradativo obser vouse que as mesmas situações transferen ciaiscontratransferenciais mobilizadas de forma constante e intensa no atendimento desses pacientes ocorriam também em bora de modo menos contínuo e marcan te durante o tratamento psicanalítico e psicoterápico de pacientes sem perversões sexuais clínicas Surge assim o conceito de perversão da transferência derivada de um aspecto perverso da personalidade mesmo quando o diagnóstico é o de um quadro neurótico borderline ou psicótico2913 e mais adiante de perversão da transferência contratransferência4 A delimitação e a conceituação do que constitui a essência dessa situação transferencialcontratransferencial depen dem da teoria geral e específica de cada autor e o que foi exposto no início deste capítulo não foge a tal regra Em vista dis so serão revisados os principais modelos teóricos psicanalíticos das perversões com o intui to de situar o leitor e deixar eviden tes as influências básicas do que está sendo proposto aqui A compreensão de todos esses mode los exige como ponto de partida o adequa do entendimento do conceito psicanalítico de sexualidade apresentado por Freud em 1905 Para tanto é preciso diferenciar pulsão de instinto1415 e considerar a con cepção ampliada da sexualidade defendida pelo criador da psicanálise O instinto cos tuma ser conceituado como um padrão de comportamento inato com uma finalidade biológica adaptativa e invariante tanto no indivíduo quanto dentro de uma mesma espécie15 Entretanto com base na descri ção de perversões mas também de fanta sias neuróticas e de sexualidade infantil Freud16 procurou deixar evidente a pecu liar e marcante contingencialidade daquilo que conceituou como o objeto a pessoa ou coisa a quem se dirige a atração e a meta o ato a que a atração conduz da sexuali dade humana A busca de uma parceria do sexo oposto com fins de união dos órgãos genitais complementares constitui apenas o resultado final de um longo e complexo processo psicológico sujeito a inúmeros desvios temporários ou permanentes em cada uma de suas etapas Tal contingencialidade de objeto e meta dife rencia a sexualidade humana de um simples instinto e por essa razão Freud a caracteri za como uma pulsão trieb em alemão cuja essência é mais o aspecto irreprimível de uma pressão por prazer do que a fixidez da meta e do objeto No caso da pulsão sexual a escolha fi nal do objeto é determinada por representações psíquicas e identificações que refletem toda a história das relações emocionais do sujeito so bretudo sua história infantil e não por um pa drão inato invariável A concepção ampliada da sexualida de afirma seu início desde o nascimento e requer a distinção entre sexual e genital pois inclui atividades que nada têm a ver com os genitais Diferentes zonas e funções corporais proporcionam prazeres sexuais que só mais tarde no desenvolvimento são colocados sob a primazia dos genitais Na medida em que o desenvolvimen to sexual humano não é mais predetermi nado como um instinto surge a questão acerca do que então constitui seu organi zador nuclear já que termina orientando se na maioria dos casos em torno da di Psicoterapia de orientação analítica 647 ferença entre os sexos e as gerações com o primado da genitalidade Para Freud1718 esse organizador central é o complexo de Édipo e seu correlato complexo de castração O acesso à genitalidade e a escolha do objeto sexual na vida adulta dependem fun damentalmente da adequada superação des se complexo Em sua forma positiva referese ao desejo sexual pelo genitor do sexo oposto e à rivalidade assassina pelo do mesmo sexo Na negativa isto é no Édipo invertido en volve o desejo erótico pelo genitor do mes mo sexo e o ódio ao rival do outro sexo Seu apogeu ocorre entre os 3 e os 5 anos de idade em uma fase do desenvolvimento sexual na qual para Freud ambos os sexos reconhecem apenas um órgão sexual isto é o pênis Nos meninos o temor à castra ção por parte do pai leva a sua dissolução deixando como resultado um período de latência sexual bem como a formação do superego devido à introjeção da autorida de paterna As meninas ao constatarem a distinção anatômica entre os sexos passam a invejar o pênis culpam a mãe por não lhes haver dado um e passam a desprezá la por ser também castrada Abandonam então o desejo de ter um pênis e o subs tituem pelo desejo de um filho Com esse objetivo procuram o pai como objeto de amor passando a sentir ciúmes em relação à mãe e iniciando assim o complexo de Édipo positivo Mesmo reconhecendo a importância do período anterior à instalação do com plexo de Édipo Freud mantém este como o complexo nuclear o eixo de referência14 es trutural do desenvolvimento psicossexual A denominação de préedípico desse perío do antecedente evidencia sua referência ao eixo central edípico No caso das perversões e no que diz respei to aos meninos o conflito entre o desejo sexu al pela mãe de um lado e o temor à castra ção por parte do pai de outro é resolvido pa tologicamente mediante certos mecanismos de defesa que possibilitam atender de forma si multânea a ambos os lados evitando assim a renúncia à satisfação Para Freud1920 o fe tichismo constitui o protótipo de todas as per versões ilustrando exemplarmente os mecanis mos referidos Assim o fetichista cria um substituto do pênis que falta na mulher deslocando seu significado para outra parte do corpo ou para algum pertence dela Com isso realiza uma desmentida Verleugnung da ausência do pênis na mulher e assim evita seu temor à castração pois a constatação de um ser humano sem falo representa a confirmação de que este pode ser perdi do Ao mesmo tempo e em contradição com essa gratificação sexual deslocada o fetichista confirma seu medo à castração mediante intenso e permanente temor de alguma forma de castigo substituto da an gústia de castração Considerando que nas meninas o temor à castração introduz o complexo de Édipo em vez de dissolvêlo ao contrário do caso dos meninos muito seguidores do modelo freudiano para as perversões questionam a existência de ver dadeiras perversões nas mulheres Partindo de uma perspectiva apoiada no estruturalismo de LéviStrauss e na lin guística de Saussure Lacan21 propôs uma releitura de Freud que o conduziu a uma redefinição do complexo de Édipo descrito em termos de tempos lógicos Para ele esse complexo é uma estrutura intersubjetiva 648 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs que preexiste à criança pois ela é criada por pais que já o vivenciaram No primei ro tempo do Édipo a criança identificase com ou seja é tudo o que falta à mãe para que esta se considere absolutamente com pleta A mãe por sua vez sente que tendo a criança tem tudo o que lhe faltava Ten do em vista que segundo Lacan o falo não o pênis real é aquilo que aparece no lugar de uma falta podese dizer que nesse pri meiro tempo do Édipo a criança é o falo a mãe tem o falo e as duas se vivenciam como uma unidade narcísica completa na qual a mãe é a origem e portadora de todas as leis O complexo de Édipo em Lacan vai dessa for ma articularse menos em termos de satisfa ções instintivas como é o caso em Freud e mais a partir do jogo dialético do sentimen to narcísico de ser algo versus apenas ter algo temporariamente22 No segundo tempo do Édipo a crian ça enfrenta o que Lacan chama de castra ção simbólica devido à intervenção da di mensão paterna Isso quer dizer que o pai ou mais corretamente a função paterna promove um corte uma castração nesse sentido ao intervir na relação narcísica mãebebê e evidenciar para a criança que ela não é tudo o que faltava à mãe e à mãe que ela não tem na criança tudo o que lhe faltava Ou seja o pai aparece nesse mo mento como um interditor que frustra a criança de sua identidade fálica imaginá ria e priva a mãe do falo É preciso porém salientar que essa função mediadora não está assentada primariamente no pai real e sim na importância que a mãe atribui a sua autoridade Após essa castração o menino pensa a princípio que o pai é uma completude absoluta da qual emana toda norma isto é que ele é o falo Ou seja ele ainda acredita existir alguém a quem nada falta Por fim naquele que constitui o terceiro tempo do complexo de Édipo correspondente ao seu declínio o menino compreende que o pai tam bém não é completo nem a origem de todas as leis mas que ele apenas as exerce circunstan cialmente em nome de algo que pertence à cul tura na forma de leis em cuja base está a proi bição de praticar o incesto e às quais o próprio pai também está sujeito Essa Lei de todas as leis impõe a di ferença entre os sexos e as gerações regu lando assim todas as trocas sexuais entre os seres humanos e marcando a distinção entre natureza e cultura Em outras pala vras nesse terceiro tempo do Édipo o me nino percebe que a mãe não tem o falo que ele próprio não o é nem o tem que o pai o tem mas não o é e que o falo está esta belecido na cultura como uma instituição a partir da qual todos estão castrados sim bolicamente Para que esse processo ocorra em sua totalidade entretanto é preciso que a mãe já tenha reconhecido sua castração simbólica e que o pai real também a tenha assumido percebendo assim que não é a Lei mas apenas a exerce de modo circuns tancial A essa altura o menino começa a ver o pai como o objeto de desejo da mãe pelo fato de ele ter o falo e passa a cobiçar este último na pessoa em que ele efetivamen te está ou seja no pai Essa cobiça o leva a uma identificação com o pai de acordo com sua natureza anatômica Devido ao reconhecimento de que ninguém é o falo Psicoterapia de orientação analítica 649 essa identificação não se dá com um ego ideal uma imagem de perfeição e com pletude narcísicas mas com um ideal de ego Nesse caso a identificação não é com a pessoa do pai em si mas com sua posição contingente como suporte de determinada função Com isso o menino assume sua identidade como sujeito sexuado dotado de um só sexo isto é incompleto e por tanto desejante Com base nessas proposições Lan der23 defende que o sujeito humano se constitui mediante experiências préedí picas eixo narcisista e edípicas eixo edí pico que deixam suas marcas gravadas a fogo segundo palavras de Lacan no seu inconsciente As primeiras são uma relação imaginária narcisista dual fusional com a imagem da mãe resultando em uma es trutura inconsciente indelével responsável pela organização do tipo de relação objetal da angústia e das defesas predominantes bem como do posicionamento diante da castração A outra relação com a figura do pai edípica e simbólica possibilita a ruptu ra da primeira e introduz a proibição do in cesto ordenando assim as trocas se xuais humanas O ponto de ancoragem da identificação perver sa24 estaria justamente na passagem do pri meiro para o segundo tempo do Édipo quan do o menino já perceberia a inevitabilidade da castração simbólica mas ao mesmo tempo a recusaria permanecendo fixado em torno da questão de ser ou não ser o falo21 A instalação dessa identificação per versa base de uma eventual posterior estrutura perversa propriamente dita depende também25 de um fator indutor agindo naquele período crucial do desen volvimento edípico uma ambiguidade parental cuja essência é uma cumplicida de libidinal da mãe em sinergia com uma complacência silenciosa do pai Utilizando esses conceitos Lander23 distingue os seguintes passos na constitui ção de uma verdadeira estrutura perversa a desmentida da castração da mulher mãe ainda na fase fálica do desenvol vimento b clivagem do ego mantida a fim de possi bilitar a aceitação e a recusa simultâneas da castração c fixação em ser ou não ser o falo para o outro como forma de encaminhar a situação gerada pelas defesas anteriores Com isso o perverso não se reconhe ce incompleto considerando que o outro o é e que por isso o deseja Por essa razão o gozo fálico é situado pelo perverso nes se outro que se torna assim um simples suporte e não seu semelhante Essa mon tagem perversa é para Lander23 rígida ou seja seu código erótico é petrificado Ao mesmo tempo a clivagem do ego permite uma vida social em grande parte normal isolada da vida sexual perversa As teses do complexo de Édipo como organiza dor nuclear do desenvolvimento psíquico bem como de seu correlato complexo de castração ligado por sua vez à ideia do monismo fálico são centrais na teoria freudiana e amplamen te adotadas na releitura lacaniana Em con trapartida ChasseguetSmirgel32627 postula uma matriz arcaica do complexo de Édipo26 e questiona profundamente a teoria freudiana do monismo fálico 650 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Para ela existe um desejo primário fundamental arcaico de retorno exclusi vo e total ao útero materno isto é de fu são primária com a mãe Nesse sentido o interior da mãe representaria o princípio do prazer Esse desejo primário constitui a mola central da matriz arcaica do com plexo de Édipo originando o desejo de destruir todos os obstáculos que a ele se oponham representados em sua origem pelo pênis do pai pelos excrementos e pe los bebês no interior do corpo materno conforme descrito por Klein28 Em termos de pensamento a fantasia é a de retornar a um nível de funcionamento mental em que tudo flua livremente sem entraves isto é um processo primário dominado pelo princípio do prazer com eliminação total do princípio da realidade A base da realidade é segundo ChasseguetSmirgel3 a diferença incontornável entre os sexos e as gerações que constituem as duas faces de uma mesma moeda A diferença entre os sexos implica não que a mãe seja castrada como quer Freud mas que tem uma vagina e que somente o pênis maior e fértil do pai consegue satisfa zêla impondo imediatamente o reconhe cimento da diferença das gerações O meni no inveja o pai na situação edípica porque já tem um conhecimento da vagina deseja penetrála e percebe que suas carícias va gas não são suficientes para isso Nesse caso portanto o temor à castração é an tecedido e inclusive pode servir como defesa à humilhante percepção da insuficiência do pe queno pênis infantil infértil A teoria de Freud do monismo sexual fálico de que haveria toda uma fase inicial do desenvolvimento na qual as crianças de ambos os sexos reconheceriam apenas a existência do órgão sexual masculino re presentaria para essa autora francesa uma forma de apagar uma parte da ferida nar císica comum à humanidade resultante da prematuração do filho do homem3 sendo exa tamente a teoria adotada defensiva mente pelos perversos A prematuração humana cria uma discrepância entre o de sejo edípico e a capacidade de realizálo fa zendo de forma defensiva a criança negar seu saber inato animal3 sobre a existência do pênis e da vagina Dentro de um desenvolvimento se xual normal o menino reconhece a exis tência da vagina e acaba aceitando a di mensão paterna e genital procurando alcançála mediante a identificação com o pai que tem como seu núcleo a introjeção do pênis genital Isso implica a capacidade de tolerar a postergação da gratificação bem como de aceitar objetos e satisfações simbólicas Tal aceitação envolve também o reconhe cimento de que a realidade como um todo é feita de diferenças implicando a passagem da homogeneidade para a hete rogeneidade O aspecto central da perversão é constituído segundo ChasseguetSmirgel por uma forma específica de tentar abolir justamente a dife rença entre os sexos e as gerações com o ob jetivo de evitar a renúncia da gratificação ime diata do desejo primário de fusão com a mãe e contornar o reconhecimento da insuficiência do pequeno pênis infértil Essa busca de uma via curta envolve o emprego básico de dois mecanismos a Regressão à fase sádicoanal com o ob jetivo de usar seus componentes como Psicoterapia de orientação analítica 651 uma espécie de rascunho e de paródia da genitalidade26 o que possibilitaria igualarse imediatamente ao pai e a seus atributos sem necessitar reconhecer e introjetar seu pênis para evoluir até a genitalidade Com isso o bastão fecal a separação das fezes e a produção destas substituem respectivamente o pênis genital a castração fálica e a procriação O excremento no reto por sua vez mi metiza o coito parental Essa é a forma de desmentida à genitalidade e a origem do pênis fecal na visão da autora b Idealização de pulsões zonas erógenas e objetos da fase sádicoanal permitindo que eles não sejam reprimidos e tornan do a regressão egossintônica A desmentida psicótica é efetivada por meio de uma regressão narcísica que simplesmente elimina o reconhecimento da realidade e a substitui pela alucinação e pelo delírio A desmentida perversa por sua vez ocorre mediante a regressão e a idealização de elementos que não deixam de ter certa realidade na medida em que fazem parte de uma fase real do desenvolvi mento sádicoanal embora usados aqui com fins defensivos como paródias da ge nitalidade Meltzer229 e Meltzer e Harris30 de senvolveu seu modelo para as perversões procurando integrar a contribuições de Klein31 principalmente no que tange ao complexo de Édipo prégenital à cena pri mária arcaica centrada na figura dos pais combinados e ao papel da agressão no desencadeamento da angústia b Freud32 quanto à sexualidade infantil perverso polimorfa ao complexo de Édipo e à cena primária fálica e c Bion6 no que se refere à função continente materna e ao desejo de conhecer como um vínculo básico ao lado do amor e do ódio É importante frisar que seguindo Klein quan to ao complexo de Édipo precoce Meltzer refe rese sempre a um período edípico prégeni tal recusando a existência de um período pré edípico como propõe Freud Para ele a cena primária isto é a fantasia da criança relativa às relações sexuais entre os pais enquanto ela está sozinha é a fantasia central de todo o de senvolvimento sexual envolvendo desde muito cedo uma préconcepção6 da cópula como um ato essencialmente criativo Em seu centro se encontra o objeto combinado ou seja em um nível de obje tos totais o pai e a mãe mas em um plano de objetos parciais o seio e o mamilo por exemplo na medida em que este último é vivenciado exercendo funções de regulação e limite ao desejado fluir irrestrito do leite É evidente que todas as defesas da criança procuram evitar que se instale tal combina ção provocadora de intensos sentimentos de frustração inveja ciúme exclusão en tre outros A criança deseja participar dessa cena com sua parte infantil tanto masculina como feminina ambas presentes em todos os seres humanos como afirma Freud e ao mesmo tempo desenvolve fantasias que a deixam muito insegura e ansiosa quanto à bondade ou à maldade da relação sexual entre seus pais O aspecto essencial da sexualidade vi venciada como boa vinculase com a con cepção de que tal cena tem relação com fa zer bebês Envolve uma identificação com pais bons cuja função é gerar e cuidar de bebês Na sexualidade adulta predomina o desejo de identificação introjetiva com esses pais e suas funções transformando os em um ideal de superego inspiracional No estado sexual infantil polimorfo que Meltzer de forma diferente de Freud di ferencia do estado perverso o ciúme e a 652 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs rivalidade edípicos geram o desejo de in trometerse nessa cena prazerosa e criativa mediante uma identificação projetiva para evitar a renúncia aos objetos e às gratifica ções que a constituem Nas perversões o desejo da criança é partici par daquilo que para ela é a sexualidade má na qual o amor e a criatividade são substituí dos pelo sadomasoquismo O aspecto essencial da cena primária é nesse caso a concepção de que ela serve para matar bebês função essa realizada na fantasia por um pênis equacio nado a fezes más e carregado de intenso sa dismo oral A formação das perversões depen de porém de outros dois fatores que se gundo Meltzer e Harris30 não foram ade quadamente apreendidos nem portanto conceitualizados por Freud e Klein a dis tinção entre receptividade e passividade e o negativismo A passividade consiste na substituição do desejo de receber algo de alguém isto é da receptividade pelo an seio de ser apenas o objeto submisso dos impulsos de um outro Com isso as conse quências e as responsabilidades de determi nado ato são atribuídas ao outro embora na verdade a pessoa nele envolvida esteja sempre implicada em ambas as partes ou seja na sádica e na masoquista No papel passivo ela estará inevitavelmente tanto no lugar da mãe participando de uma cena sexual destrutiva quanto no da criança a ser morta O negativismo por sua vez é um de rivado complexo da inveja e compreende tanto a desvalorização o rechaço e a des truição do coito parental amoroso e cria tivo como sua substituição e a idealização de algo que constitui o inverso de tudo o que ele significa Segundo as palavras de Meltzer2 o negativismo não se satisfaz em re cusar precisa fazer o oposto Mal seja o meu Bem é o seu lema e sob essa égide quer criar um mundo que é negativo em relação a tudo na nature za no reino dos bons objetos Todo o processo perverso é consequên cia para esse autor de uma inadequação entre a cisão e a idealização primárias dos aspectos bons e maus do objeto e do self o que Klein postula como um prérequisito para o desenvolvimento psíqui co normal Tal defeito estrutural impossibilita a distinção entre a dor infligida por um objeto com más intenções e aquela que não pode ser evitada por outro com uma motivação boa estabelecen do por exemplo limites ao desejo Além disso os aspectos bons e maus do objeto e do self nunca ficam a uma dis tância suficiente para permitir que partes boas se conjuguem entre si sem interferên cias Pelo contrário existe sempre a sensa ção de que uma terceira parte interna ou externa com más intenções está inter ferindo e atacando qualquer tentativa de união entre aspectos bons do self e do obje to O ataque dessa terceira parte formada por uma fusão dos aspectos maus do self e do objeto é realizado de três formas sedu ção com propostas de prazer ameaças de violência e propaganda contra os objetos bons É crucial destacar que para Meltzer e Harris30 essa inadequada cisão e idealiza ção primária derivam de uma insuficiência na capacidade materna de continência6 das partes rechaçadas do self da criança McDougall3334 também examina de tidamente o papel da cena primária nas es truturas perversas e da mesma forma que Meltzer deriva essa importância de moti vações mais profundas anteriores ao com plexo de Édipo embora a partir de uma perspectiva teórica distinta Psicoterapia de orientação analítica 653 Para McDougall os perversos reinventam e idealizam uma nova cena sexual a partir de elementos da sexualidade infantil encenan doa de modo incessante e compulsivo como defesa maníaca contra o medo mais funda mental de serem absorvidos e destruídos por uma figura materna primitiva e mortífera própria das fases oral e anal Nesse sentido tais neossexualidades conforme as denomi na constituem técnicas de sobrevivência psí quica preservando o sentimento de identida de psíquica e sexual McDougall34 tem dado crescente ên fase a essa tentativa autocurativa dos des vios sexuais dentro do que considera um ponto de vista mais construtivo acerca da significação e do propósito subjacentes aos sintomas O ciúme edípico e a angústia de castração fálica constituem apenas a super fície visível dessa angústia mais profunda na medida em que estão vinculados ao uso defensivo que está sendo feito da sexualida de Segundo essa autora34 os fatores decisivos que mobili zam e determinam o estatuto de um desvio sexual ulterior ocorrem na fase edípica a infraestrutura deste resulta do começa a organizarse a partir da primeira relação com o seio Por fim a partir de uma perspectiva da psicologia do ego Stoller3536 enfatiza especificamente a importância etiológica do fator externo em seu modelo da per versão Segundo ele35 o que caracteriza essa forma erótica de ódio é uma fanta sia consciente ou inconsciente de ferir o objeto para vingarse e triunfar sobre uma experiência traumática real da infância vivenciada como uma humilhação Essa fantasia é atuada com mais frequência mas pode também permanecer apenas como imaginação e sempre contém tanto a his tória da experiência traumática real quanto a reação do indivíduo a ela A necessidade de realizar o ato per verso sob condições de risco que Stoller considera um componente essencial desses quadros psicopatológicos deriva para ele do fato de a pessoa precisar reaproximarse da temida situação infantil enquanto ao mesmo tempo a mantém sob controle já que dessa feita é fruto de sua própria ini ciativa e fantasia Assim para Stoller os três elementos essen ciais desse modelo da perversão são a hostili dade no sentido de desejar ferir o objeto o ris co e a transformação de um trauma infantil em um triunfo adulto Stoller denomina aberrações to das as formas de comportamento sexual diferentes daquelas consideradas nor mais dentro da cultura em que ocorrem Quando porém tais aberrações não são determinadas pela fantasia hostil especí fica referida anteriormente ele as classi fica como variantes sexuais e não como perversões Para finalizar apresentaremos o modelo teórico subjacente à situação transferen cialcontratransferencial perversa delimi tada e conceituada no início deste capítulo derivada principalmente das contribui ções teóricas de Meltzer Bion Chasseguet Smirgel e McDougall A PERVERSÃO COMO UMA ESTRUTURA CONSTRUÍDA EM DOIS TEMPOS O modelo a ser proposto supõe a partici pação complementar e transignificante de 654 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs dois núcleos gravitacionais ou registros or ganizadores do desenvolvimento psíquico de igual importância mas com implicações distintas constituídos sucessivamente pe la relação mãebebê com o pai na mente da mãe e pelo complexo de Édipo genital envolvendo o pai a mãe e a criança como objetos diferenciados Esses dois núcleos funcionam de modo permanente em inte ração mútua Além disso diversamente de Freud ou Klein considero que nenhum deles tem a priori uma importância organizadora maior do que o outro no desenvolvimento psíquico O predomínio de um em relação ao outro depende de fatores ina tos e ambientais individuais Como consequência da mesma for ma que Meltzer e McDougall sugiro para a perversão uma origem em dois tempos No primeiro registro eixo narcí sico encontramos como elemento nu clear a deficiência de um objeto interno continente nos moldes conceituados por Bion6 No segundo eixo sadomasoquista temos o confronto com a relação sexual parental prazerosa e fértil e sua represen tação distorcida conforme as descrições de Meltzer2 e principalmente de Chasse guetSmirgel2627 denominada por mim de simulacro negativo Simulacro significa disfarce falsificação arremedo e eventual mente idolatria mas também exercício ou experimentação para tentar resolver algum problema37 A qualificação de nega tivo referese à transformação da cena se xual prazerosa e fértil em sadomasoquista estéril Esses dois fatores agiriam em série complementar de modo que a maior in tensidade de um exigiria menor presença do outro embora ambos estejam sempre presentes Nos dois registros haveria a partici pação de fatores constitucionais e ambien tais mais uma vez funcionando em série complementar Assim em relação à defi ciência de um objeto interno capaz de con ter angústias mais intensas esses fatores seriam constituídos respectivamente pela inveja primária38 na criança e pela incapa cidade de rêverie materna6 O confronto com a relação sexual parental por sua vez também pode ser complicado por fatores constitucionais como por exemplo exces siva agressividade inata ocasionando por projeção versões muito distorcidas da cena primária cujo exemplo mais acentuado é a figura dos pais combinados descrita por Klein8 O componente externo pode ser re presentado por um tipo de comportamen to sexual parental que contribui para trans formar a privacidade do quarto conjugal naquilo que Meltzer e Harris30 descreve como uma fortaleza escondendo de forma sádica e onipotente o segredo do poder ou então o exibindo abertamente para humi lhar aqueles que dele não partilham O processo perverso em si poderia então ser descrito esquematicamente deste modo a inevitável constatação da cópula parental prazerosa e criativa provoca o apa recimento de angústia devido ao conflito entre a excitação a admiração e o desejo de conhecer6 por um lado e a frustração o sentimento de abandono e exclusão o ciú me a inveja e a curiosidade intrusiva29 por outro Evidenciase uma incapacidade de suportar e elaborar essa angústia em vir tude de um déficit de continência mental resultante de dificuldades na relação ini cial com a mãe Tais dificuldades iniciais impediram a introjeção e a identificação adequadas com um objeto continente gerando uma tendência compensatória e defensiva à projeção maciça para dentro do objeto materno como se a carência de Psicoterapia de orientação analítica 655 um endoesqueleto levasse à necessidade de protegerse com um exoesqueleto39 Esse fator associado ao ódio desencadeia uma transformação da cena sexual em algo estéril e destrutivo objetivando abolir a frustração o sentimento de abandono o ciúme e a inve ja Esse a meu ver é o ponto de viragem para o simulacro negativo construído essencialmente a partir de elementos anais examinados em de talhes por ChasseguetSmirgel26 Constitui o âmago da fantasia per versa e no caso de qualquer forma de perversão estruturada representa a base inegociá vel a cláusula pétrea de sua cons tituição sexual Pode ser encontrado tam bém em indivíduos não perversos mas nesses casos não apresenta as característi cas rígidas e compulsivas apontadas em re lação às perversões estruturadas Sublinho mais uma vez que tal transformação sado masoquista necessita sempre ser pensada em relação a sua outra parte complemen tar constituída pela deficiência de um ob jeto interno continente É sob esse vértice que compreendo a observação de McDou gall3334 quanto às neossexualidades como verdadeiras técnicas de sobrevivência psí quica e a meu ver isso nos auxilia a não considerarmos as perversões apenas como uma agressão em si como um dado últi mo sem qualquer motivação subjacente o que facilmente pode degenerar para uma atitude negativa ou moralista em relação ao paciente Revelase aqui o componen te defensivo de tais estruturas abrindose ao mesmo tempo possibilidades para uma compreensão mais ampla não só da forma como também dos motivos para tal defesa O processo em exposição tem ainda outros movimentos que complementam os anteriores A transformação sadoma soquista esterilizante do coito parental e a identificação projetiva com um dos com ponentes da cena reinventada geram por sua vez novas angústias principalmente paranoides temor à retaliação vingativa claustrofóbicas apontadas por Meltzer29 e depressivas relacionadas aos ataques ao coito parental fértil e seus produtos Estas últimas se tornam particularmente agudas nos momentos em que o perverso tenta sair de dentro do simulacro anal pois isso o leva a defrontarse com as consequências muitas vezes reais de tais ataques29 Sur gem então novas defesas secundárias em termos de localização ao longo do proces so mas nem por isso menos importantes e necessárias Assim há maior ou menor dissociação do núcleo perverso em rela ção à personalidade total permitindo que junto com a vida sexual perversa exista um funcionamento pessoal familiar e social mais ou menos integrado e bem adapta do Ademais como assinala Chasseguet Smirgel2627 ocorre uma crucial ideali zação dos elementos anais constitutivos do simulacro negativo da cópula parental para que possam não só superar a barreira da repressão como ser valorizados e dese jados Em uma sessão terapêutica a cópula parental criativa é representada pela união fecunda de pensamentos do paciente e do terapeuta gera dora de insights e de interpretações pelo vín culo fértil entre a parte do paciente que dese ja e reconhece a necessidade de ajuda com a parte do terapeuta que se dispõe a tratar ou pela fidelidade deste último ao setting psico terápico vivenciado como representante da or dem paterna40 Todos esses vínculos criativos ten dem a gerar as angústias os ataques e as defesas perversas expostos anteriormente 656 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs responsáveis pela situação transferencial contratransferencial descrita e ilustrada clinicamente neste capítulo Para finalizar o grande desafio no tratamento desses pacientes é ajudálos a resgatar a criança perdida dentro do simu lacro negativo do mundo constituído pelo universo anal auxiliandoos a lentamente ampliar a capacidade mental de encarar e suportar a realidade das diferenças entre o self e o outro entre os sexos e entre as gerações Em outras palavras a suportar a inevitável incompletude e finitude de todos os seres humanos que nos leva a ansiar por outro ser humano complementar e a buscar algum sentimento de continuidade gerando filhos ideias instituições obras de arte tra balhos científicos e assim por diante PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 É importante manter uma distinção entre a parte perversa ou dimensão perversa da mente humana e a perversão clínica propriamente dita 2 Na perversão existe uma pressão constante para que haja só uma mente para os dois participantes da relação terapêutica isto é de que uma das mentes seja independente e a outra seja um mero apêndice da primeira existindo para acolhêla referendála e admirála incondicionalmente 3 Na perversão há uma tentativa contínua de tornar improdutiva e estéril a potencialidade criativa da relação terapêutica por meio de sua substituição por uma relação sadomasoquista erotizada e ideali zada A presença da transformação sadomasoquista idealizada é imprescindível para a caracterização do fenômeno da perversão 4 Nas perversões masculinas as que predominam há um conflito entre o desejo sexual pela mãe e o temor à castração por parte do pai que se tenta resolver de forma patológica por defesas que possibili tem atender ao mesmo tempo a ambos os lados evitando a renúncia à satisfação Para Freud o feti chismo constitui o protótipo de todas as perversões ilustrando esses mecanismos 5 O aspecto central da perversão envolve uma forma específica de tentar abolir a diferença entre os sexos e as gerações a fim de evitar a renúncia da gratificação imediata do desejo primário de fusão com a mãe e contornar o reconhecimento da insuficiência do pequeno pênis infértil 6 A cena primária a fantasia da criança quanto às relações sexuais parentais enquanto excluída delas é a fantasia central de todo o desenvolvimento sexual envolvendo desde muito cedo uma préconcep ção da cópula como um ato essencialmente criativo 7 Os perversos reinventam e idealizam uma nova cena sexual a partir de elementos da sexualidade infan til encenandoa compulsivamente como defesa contra o medo de serem absorvidos e destruídos por uma figura materna primitiva e mortífera própria das fases oral e anal 8 As neossexualidades como as perversões são às vezes denominadas constituem técnicas de sobrevi vência psíquica preservando o sentimento de identidade psíquica e sexual da pessoa afetada 9 Há três elementos essenciais na perversão a hostilidade no sentido de desejar ferir o objeto o risco e a transformação do trauma infantil em um triunfo adulto 10 Na perversão desencadeiase uma transformação da cena sexual em algo estéril e destrutivo objeti vando abolir a frustração o sentimento de abandono o ciúme e a inveja o que é ponto de viragem para um simulacro negativo construído essencialmente a partir de elementos anais Psicoterapia de orientação analítica 657 REFERÊNCIAS 1 Green A Narcisismo de vida narcisismo de morte São Paulo Escuta 1988 2 Meltzer D Estados sexuais da mente Rio de Janeiro Imago 1979 3 ChasseguetSmirgel J Ética e estética da per versão Porto Alegre Artes Médicas 1991 4 Ogden TH O sujeito perverso da análise Revista de Psicanálise da SPPA 199743 487509 5 Ferro A A psicanálise como literatura e tera pia Rio de Janeiro Imago 2000 6 Bion WR Os elementos da psicanálise o aprender com a experiência Rio de Janeiro Zahar 1966 7 Kernberg OF Agressão nos transtornos de personalidade e nas perversões Porto Ale gre Artes Médicas 1995 8 Klein M Situações de ansiedade infantil re fletidas em uma obra de arte e no impulso criador In Klein M Amor culpa e repara ção e outros trabalhos 19211945 Rio de Janeiro Imago 1996 9 Joseph B O paciente de difícil acesso In Jo seph B Equilíbrio psíquico e mudança psí quica artigos selecionados de Betty Joseph Rio de Janeiro Imago 1992 p 8596 10 Joseph B O vício pela quase morte In Joseph B Equilíbrio psíquico e mudança psíquica artigos selecionados de Betty Jose ph Rio de Janeiro Imago 1992 p 13343 11 Etchegoyen RH Perversión de transferencia aspectos teóricos y técnicas In Grinberg L Prácticas psicoanalíticas comparadas en las psicosis Buenos Aires Paidós 1977 p 5883 12 Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Porto Alegre Artes Médicas 1987 13 Steiner J Relações perversas entre partes do self um exemplo clínico In Barros EMR organizador Melanie Klein evoluções São Paulo Escuta 1989 14 Laplanche J Pontialis JB Vocabulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes 1992 15 Laplanche J Freud e a sexualidade o desvio biologizante Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 16 Freud S Três ensaios sobre a teoria da sexua lidade In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1905 v 7 17 Freud S Um tipo especial de escolha de ob jeto feito pelos homens In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1910 v 11 18 Freud S A organização genital infantil uma interpolação na teoria da sexualidade In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1923 v 19 19 Freud S Fetichismo In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1927 v 21 20 Freud S A divisão do ego no processo de de fesa In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1940 v 23 21 Lacan J Os três tempos do Édipo I e II In Lacan J O seminário livro 5 as formações do inconsciente Rio de Janeiro Jorge Zahar 1999 p 185220 22 Bleichmar H Introdução ao estudo das per versões teoria do Édipo em Freud e Lacan Porto Alegre Artes Médicas 1991 23 Lander R ABC de Lacan In Congresso Lati noAmericano de Psicanálise 22 1998 Car tagena das Índias Material de apoio para o curso 24 Dor J Introdução à leitura de Lacan o in consciente estruturado como linguagem 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1992 25 Dor J Estrutura e perversões Porto Alegre Artes Médicas 1991 26 ChasseguetSmirgel J As duas árvores do jardim Porto Alegre Artes Médicas 1988 27 ChasseguetSmirgel J Sadomasochism in the perversions some thoughts on the des truction of reality J Am Psychoanal Assoc 1991392399415 28 Klein M A psicanálise de crianças Rio de Ja neiro Imago 1997 29 Meltzer D Claustrum una investigación so bre los fenómenos claustrofóbicos Buenos Aires Spatia 1994 658 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 30 Meltzer D Harris M Adolescentes Buenos Aires Spatia 1998 31 Klein M O complexo de Édipo à luz das an siedades arcaicas In Klein M Amor culpa e reparação e outros trabalhos 19211945 Rio de Janeiro Imago 1996 32 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1918 v 17 33 McDougall J Em defesa de uma certa anor malidade Porto Alegre Artes Médicas 1983 34 McDougall J As múltiplas faces de Eros São Paulo Martins Fontes 1997 35 Stoller RJ Perversion the erotic form of ha tred New York Pantheon Books c1975 36 Stoller RJ The term perversion In Fogel GI Myers WA editors Perversions and the nearperversions in clinical practice new psychoanalytic perspective New Haven Yale University 1991 p 3656 37 Ferreira ABH Novo dicionário da língua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira c1986 38 Klein M Inveja e gratidão In Klein M Inve ja e gratidão e outros trabalhos 19461963 Rio de Janeiro Imago 1991 39 Bion WR Atenção e interpretação Rio de Janeiro Imago 1973 40 Green A Conferências brasileiras de André Green metapsicologia dos limites Rio de Ja neiro Imago 1990 LEITURAS SUGERIDAS Green A Hoory LL O complexo de castração Rio de Janeiro Imago 1991 Laplanche J Novos fundamentos para a psicanáli se São Paulo Martins Fontes 1992 Dependendo de como psiquesoma é visto como singular ou dual podemse construir diferentes sistemas explicando o homem e o mundo a vida e a morte De um ponto de vista estritamente freudiano o surgimento do pensamento deuse pela visão de um ca dáver que era ao mesmo tempo amado e odiado provocando o pensamento duplo ele pode partir e quero mantêlo como está Traços desse conflito inicial permi tem que o pensamento tenha algo de imor tal abrindo caminho para a especulação sobre morte e vida vida que dura mais do que uma geração As descobertas da psicanálise ofere cem em meu ponto de vista uma solução perfeitamente convincente e única ao fa moso problema mentecorpo o dualismo psiquesoma Ao transferir a dualidade psiquesoma para a dualidade das pulsões a psicanálise estabele ce a origem do processo de pensamento no con flito inicial A própria definição de pulsões um processamento físico de uma excitação somáti ca sexual confirma nas duas teorias das pul sões um paralelo psicofísico para o qual Freud chamava a atenção já em 1891 Os seres humanos são psicossomáti cos se todo pensamento é como escreveu Tertuliano 150 aD a 220 aD um ato da carne toda dor e todo prazer também são atos psíquicos A descrição freudiana da alucinação do prazer como uma expectativa e uma dis tância necessárias para o desejo é um sinal disso O campo que poderíamos chamar hoje de prática psicossomática a aborda gem psicanalítica de pacientes que sofrem de transtornos somáticos não foi discu tido por Freud embora ele tenha lançado seus fundamentos Em Além do princípio do prazer1 um ensaio que inaugurou o segundo dualismo pulsional desse modo instituindo a segun da tópica Freud após diferenciar traumas puros de orgânicolesionais observou que a existência de uma lesão circunscrita parecia proteger o indivíduo do surgimen to de uma neurose traumática Nesse tex to Freud discute o efeito drástico de uma doença somática dolorosa sobre a distri buição e as modalidades da libido A violência do trauma mecânico li bera uma fração de excitação que é ainda mais desorganizadora na medida em que não houve preparação para ela por ansie dade Entretanto a ocorrência de uma le 38 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE PSICOSSOMÁTICO Marilia Aisenstein 660 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs são física pode permitir uma incorporação do excesso de excitação por meio de uma hipercatexia narcisista do órgão afetado Com base nessas observações Freud consi dera que sintomas mentais patognomôni cos como melancolia ou mesmo demência precoce crônica podem desaparecer tem porariamente durante um transtorno orgâ nico intercorrente Essa discussão fornece um ponto de partida para nossa atual abordagem psicos somática UM DESENVOLVIMENTO LÓGICO DA PSICANÁLISE A ESCOLA PSICOSSOMÁTICA DE PARIS Ainda que a percepção de saúde em termos de um equilíbrio psicossomático tenha sua origem na medicina hipocrática a corrente de pensa mento subjacente à Escola Psicossomática de Paris originase da descoberta do método psi canalítico Este não é o lugar para entrarmos na história de sucessivas teorias psicossomá ticas mas gostaria de salientar que nossa perspectiva psicossomática é fundamental mente um resultado lógico da psicanálise até afirmaria que de alguma forma ela é sua culminação Ao enigma psiquesoma Freud propôs uma res posta notável que eu resumiria da seguinte ma neira a confrontação não é entre o corpo e seus impulsos por um lado e a psique e seus dese jos por outro antes forças contraditórias po dem entrar em conflito em um único local so mático Em seu ensaio de 1910 A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão Freud2 propôs a ideia de um órgão forçado a servir de modo simultâneo a dois senhores é esse conflito que dá signi ficado a um sintoma orgânico Vale men cionar que esse texto tem uma condição especial visto que o modelo de pesquisa do período era o da neurose Freud escreveu pouco sobre psicogênese A conversão his térica transforma o corpo em linguagem os sintomas contam uma história incons ciente e toda atividade mental encontra sua fonte na libido erótica A questão de psicogênese versus organogênese portanto não é uma questão verdadeiramente psica nalítica Além disso uma abordagem estri tamente etiológica acredito seria sempre reducionista Quando confrontado com o quadro clínico de histeria Freud preferiu desconsiderar o tabu em torno do com ponente psíquico de certos transtornos e o fez de uma forma que ilustra a importância vital do sexual e consequentemente do corpo na constituição do psíquico Os sonhos o caminho real para a ciên cia analítica podem apenas ser entendidos com referência ao sono de deter minado indivíduo Os sonhos integram estimula ções somáticas exógenas e endógenas na elaboração de um processo psíquico vi sando primariamente ao sucesso de uma função fisiológica ou seja a busca do so no O interesse da psicanálise nos sonhos mostra a importância da dimensão somá tica em todo trabalho psíquico Ainda que a psicanálise tenha iniciado em oposição ao pensamento médico e neurológico do sé culo XIX ela está todavia intrinsecamente ligada à fisiologia O tratamento psicana lítico de pacientes sofrendo de transtornos somáticos é desse modo um retorno às próprias fontes da busca psicanalítica Psicoterapia de orientação analítica 661 Nesse ponto farei referência ao mo delo teórico elaborado pela Escola Psicos somática de Paris Pierre Marty Michel de MUzan Michel Fain Christian David3 iniciado na década de 1950 Após estabelecer a unidade psicossomática do ser humano e o princípio da economia essa abordagem permite que fenômenos físicos e so máticos sejam entendidos como o somatório de interações dinâmicas que são o objeto de movi mentos de organização e desorganização Mes mo não tendo qualquer significado simbólico o transtorno somático pode ser parte de uma eco nomia geral na qual a psique é tanto testemu nha quanto reguladora Nesse modelo impulsos instintuais têm sua fonte em excitações corporais O papel destas é lidar com as tensões assim criadas Se a soma de excitações continua sendo excessiva os sistemas funcionais tor namse desorganizados e o aparato men tal sobrecarregado deixando o caminho aberto para a somatização As noções de desorganização fixação e regressão são por extensão centrais nessa concepção ex tremamente coerente complexa e difícil de resumir Iniciarei salientando que Pierre Mar ty e colaboradores de várias disciplinas neurocirurgia gastrenterologia medicina interna e psicanálise ficaram perplexos com a ausência de qualquer sintomato logia mental no curso de uma doença so mática Essa observação tem ligação com um comentário de Freud1 que em 1920 referiuse a uma cura psíquica durante uma doen ça física intercorrente A distri buição de libido deve estar envolvida ele observa Por essa observação podese de duzir o papel protetor que os sistemas de defesa mental sejam eles neuróticos sejam eles psicóticos ou perversos podem desem penhar Sua insuficiência ou ausência abre caminho para uma excitação somática que não pode ser elaborada pela psique Em psicoses organizadas bem como em estru turas neuróticas bem estabelecidas do tipo que nós todos temos a doença física perturba o sis tema habitual defensivo como resultado do re traimento da libido e de sua necessária trans formação em uma libido narcisista Em contrapartida há uma série com pleta de organizações psíquicas mal estru turadas causadas por deficiências ou trau ma precoce Nesses casos traços de caráter ou adesão a valores narcisistas substituem defesas estritamente mentais O refúgio em uma solução somática é frequente isso causa curtoscircuitos em qualquer elabo ração psíquica como nos acting outs de pa cientes borderline Esse fenômeno é o que foi descrito como alexitimia por Sifneos e Namias nos Estados Unidos e como pensamen to operatório ou funcionamento mecâ nico por P Marty e M de MUzan na França Em contextos diferentes os dois ter mos referemse à mesma entidade clínica isto é uma ausência de sintomas mentais uma falta de afeto e de ansiedade e um pen samento que é mais objetivo do que meta fórico como se suprimido de um sistema de representações Estamos falando aqui de um novo campo que dá à psicanálise maior âmbito de ação mas ao mesmo tempo impõe o uso de diferentes parâmetros técnicos Seguindo o pensamento de Winni cott eu diria em relação às implicações 662 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs técnicas que a prática da psicanálise tam bém inclui psicoterapia bem como as mo dificações necessárias para lidar com a or ganização psíquica dos pacientes A atual expansão do método psica nalítico a pacientes não neuróticos bor derline e psicóticos bem como àqueles fisi camente doentes mostra que o modelo de tratamentopadrão costuma ser inaplicável como tal em nossa prática diária Mudanças no setting e nas técnicas interpretativas não significam nenhum afastamento da prática psicanalítica rigorosa planejada para lidar com a transferência Eu acrescentaria a propósito que o manejo dessas terapias di fíceis requer uma longa experiência de psi canálise clássica Se desejamos ser flexíveis diante de determinado modelo devemos primeiro têlo assimilado de todo Há muitas considerações técnicas que precisam ser ponderadas quando tratamos desses casos em uma estrutura psicanalíti ca Sessões face a face com frequência são indicadas visto que facilitam a adaptação ao estado afetivo dos pacientes Devese lembrar que os pacientes nem sempre vêm por sua própria iniciativa em geral são en caminhados por especialistas que prescre vem uma psicoterapia psicanalítica Eles têm que ser vistos em seu próprio terreno Acima de tudo nos primeiros estágios pre cisam de apoio do analista que deve estar constantemente alerta para possíveis altera ções qualitativas no funcionamento mental A ineficácia do narcisismo secundário e a falta de comprometimento dos pacien tes com o tratamento dificultam a tarefa de interpretação O uso de técnicas associa tivas pode sob outro enfoque servir para abordar vários temas e iniciar uma con versação Uso o termo conversação de modo ponderado pois acredito que em toda psi coterapia psicanalítica desse tipo há uma abordagem que eu chamaria de arte da conversação Para atrair um paciente ao processo de pensamento devese pensar com ele e envolvêlo no processo Eu iria até mais longe para tratar de um tipo de sedução que tenta fazer o paciente per ceber que todo mundo tem algo a dizer to da vida tem sua história e toda história tem suas palavras sua riqueza e suas tristezas Temas que são aparentemente não confli tantes como literatura cinema e aconteci mentos atuais embora fornecendo apenas uma abordagem indireta permitem locali zar movimentos regressivos tolerância de excitação e efeitos desorganizadores Recorrer a interpretações psicodramáticas do tipo se eu fosse você tanto respeita o narcisismo do paciente como abre possibilida des de identificação Tudo deve ser feito para apoiar e estimular o trabalho préconsciente e assim ajudar o paciente a descobrir e partilhar o prazer do funcionamento mental Apresentarei a seguir um breve exem plo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Claire era uma química farmacêutica pesquisadora de destaque trabalhando no serviço público francês Magra e graciosa com feições agradáveis e cachos loiros essa mulher de 32 anos poderia ser mais atraen Continua Psicoterapia de orientação analítica 663 Continuação te não fosse por um toque de simplicidade Vestida de forma modesta ela não era exatamente triste mas faltavalhe vivacidade Havia alguma coisa obscura e sombria em si lembravame uma pintura antiga de Odilon Redon Ela tinha sido encaminhada a mim por seu cardiologista que como muitos de seus anteces sores parecia ter sido desencorajado pela falta de sucesso em controlar a hipertensão instável de Claire Quando ela chegou equilibrada mas um pouco tímida percebi que essa paciente devia terse esforçado para mostrar um lado seu particularmente desagradável para ter produzido reações tão desfavoráveis da parte de seus médicos Essas reações não podiam ser explicadas apenas pelo fracasso do tratamento No que ela me relatou não havia nenhuma truculência patológica Falava sem nenhuma manifestação de tris teza ou humor Havia muita coisa que ela não entendia e eu tive um profundo sentimento de dor Ela tinha vindo para a psicoterapia não por uma grande crença no tratamento mas porque queria engravidar pela terceira vez e isso tinha sido desaconselhado pelos médicos Ela achava que sua vida era vazia No âmbito profissional estava indo bem ainda que não tivesse nenhum senso de orgulho por sua carreira Formarase em farmácia por conselho de seus pais e prosseguira com uma licenciatura em química Cursara as facul dades sem dificuldade mas também sem paixão Claire relatava uma existência exemplar Filha única de um casal de cidadãos proeminentes que ti nham desejado um filho ela estudara em escolas religiosas Seu pai era professor e conferencista univer sitário na Alemanha enquanto sua mãe cuidava da educação da filha Houve poucas saídas e nenhum ami go em sua infância provinciana Seus pais a faziam ler tocar piano e visitar museus Suas férias e tempo livre eram gastos em atividades culturais mas estas pareciam ter pouco impacto sobre Claire que não era grande leitora e não mostrava interesse pelas artes Seu marido também era cientista de uma das mais prestigiadas universidades da França Eles se casaram jovens e logo tiveram dois filhos que estavam indo bem Sua mãe e seu pai tinham morrido sete e cinco anos atrás respectivamente A hipertensão de Claire foi detectada pela primeira vez aos 13 anos graças a um médico da escola Claire lembrava pouco desse tempo triste e monótono a única coisa que lembrava era de terse preocupado com dores e inchaços em seus seios Sua mãe a levara ao médico da família um coronel aposentado que ficou espantado por ter que explicar a eles que Claire estava entrando na puberdade Claire relatou isso sem qualquer divertimento ou crítica a sua mãe mas o que a impressionara fora a expressão perplexa do médi co Mais tarde pude observar a frequência de seu espanto com as expressões que ela provocava nos outros que ela não podia decodificar mas às quais reagia com ansiedade Em meu ponto de vista ela tinha uma alarmante incapacidade de identificarse com os outros e isso me ajudou a entender melhor suas dificul dades de relacionamento O nível sócioprofissional de Claire e a qualidade de seu vocabulário contrasta vam tão marcantemente com as deficiências em seu sistema préconsciente que com frequência ela era objeto de mecanismos projetivos Sua incapacidade de perceber ambiguidades em determinada palavra ou situação tornava impossível que entendesse as piadas mais óbvias Isso era visto pelos outros como rigidez Essa alexitimia para usar o termo cunhado por Sifneos tanto em relação a si mesma como aos ou tros está estreitamente associada a um estado permanente de alarme e dor que embora não seja expresso pode ser sentido com frequência A falta de espaço para jogo de identificação junto com um narcisismo se cundário incompleto e portanto a ausência de autoestima e de qualquer sistema de defesa mental pro duzem dificuldades técnicas importantes para efetuar uma cura Uma análise face a face que obriga o pa ciente a confrontar o não eu na pessoa do analista é fundamental aqui para promover o trabalho de re animação e a modulação de estados emocionais por meio de cenários sugeridos ou explicações Em vez de serem impostos aos pacientes de forma direta interpretativa estes podem simplesmente ser propostos e Continua 664 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua dependendo das emoções provocadas modificados quando necessário Uma análise face a face com ela boração préconsciente pelo terapeuta fornece o apoio necessário mas pode confrontar os pacientes com o que eles sentem ser suas imperfeições Uma frase como Mais uma vez eu não entendi pode ser corrigi da pelo analista com uma proposição identificatória técnica psicodramática do tipo Não se preocupe se você achar difícil seguir meu raciocínio Você pode imaginar o quanto eu ficaria perdido tentando entender as suas equações químicas Essas modalidades ou peculiaridades técnicas visam a dar apoio constante ao trabalho psíquico da nificado ou congelado ao mesmo tempo encorajam o desenvolvimento de material psíquico no curso da análise Dessa forma é tramada uma história que eventualmente irá se tornar transferência Ao ritmo de uma sessão por semana e à medida que os anos passavam a história da psicoterapia de Claire foi sendo construída entre nós O amadurecimento do relacionamento permitiu interpretações ocasionais na trans ferência quando ela estava me contando sobre um filme eu sugeria Hoje é você quem está dizendo es sas palavras para mim Três anos se passaram Houve uma ligeira melhora em seus sintomas os surtos de hipertensão tinham se tornado menos frequentes e Claire passou a apreciar as sessões e estava tentando associar seus pen samentos presentes e passados Um dia quando ela estava me contando sobre sua infância fiquei perturbada pela pobreza das ima gens que estava evocando em mim elas eram frias e seus detalhes curiosamente repetitivos Decidi con tarlhe meus sentimentos e disse Tenho a impressão de que você está manuseando um velho álbum de fo tografias Claire ficou subitamente perplexa e me disse que quando criança ela se tinha perguntado por que não havia fotografias em casa Logo em seguida outras questões esquecidas voltaram a sua mente sua mãe dizia que era do sul da França mas nunca tinha dito de que cidade No exame oral de seu bacha relado ela tinha sido chamada por dois nomes o seu e outro com o qual não estava familiarizada Eu men cionei que esse nome tinha um som judaico e lembrei que Claire tinha nascido durante a guerra Resumirei a seguir os quatro anos seguintes dedicados à busca de sua identidade e à descoberta de sua origem judaica No curso de uma longa viagem para encontrar um parente sobre o qual sabia apenas da existência Claire descobriu que seu pai verdadeiro que tinha morrido nos campos de concentração era irmão do suposto pai Sob a Lei de Moisés este havia casado com sua mãe e reconhecido a filha como sua O nome francês tinha sido escolhido antes de a família sob a pressão dos acontecimentos terse converti do Claire ficou bastante excitada com essa descoberta de um passado que tinha sido escondido dela e lia o máximo que podia para preencher as lacunas A análise tornouse mais atrativa mais associações foram feitas e o processo tornouse mais clássico Claire decidiuse por uma terceira gravidez e teve uma filha a quem chamou de Esther A vida conjugal entretanto deterioravase Seu marido tornouse um estranho com quem ela tinha pouco em comum Alguns meses mais tarde iniciamos a terceira fase dessa psicoterapia que duraria ao todo 11 anos Após um tempo de felicidade Claire tornouse seriamente deprimida A elaboração de seu luto triplo e suas incertezas inerentes representaram o aspecto positivo dessa depressão que contudo persistiu a ponto de eu me tornar alarmada o suficiente para encaminhála a um colega psiquiatra Este prescreveu uma dose baixa de antidepressivos e Claire ficou tão satisfeita que decidiu continuar com esse tratamento Ao mes mo tempo anunciou que sua pressão arterial tinhase tornado perfeitamente normal sem medicação Eu me perguntava sobre a ligação entre os dois fenômenos quando seu cardiologista me telefonou para fa Psicoterapia de orientação analítica 665 PARA CONCLUIR COM UMA CONSIDERAÇÃO TEÓRICA MAIS PESSOAL Convido agora o leitor a juntarse a mim na visão da psicanálise como uma resposta nova e original à velha questão de psique soma a outra face da questão primordial como pode a inteligência ou a alma ser imortal e sobreviver a um corpo que é mor tal por definição Eu diria que a verdadeira subversão de Freud em sua concepção da condição humana é que ele ancora o pensamento em uma finitude sexual vinculando aquilo que é mais finito àquilo que é sexualizado isto é cortado ou dividido do latim secare di vidir Pensamento é definido aqui não co mo linguagem ou discurso no sentido filo sófico mas como um recipiente de espaço metafórico e visual O pensamento está en carnado enraizado no corpo A psicanálise envolve a elaboração do pensa mento ela modifica todo pensamento sobre o pensamento Em meu ponto de vista a ver dadeira revolução na essência da psicanálise data de 1920 com Além do princípio do prazer1 A primeira oposição instintual já co loca o conflito no centro da psique des viandoo da polaridade corpomente Es sa teoria dos instintos trata da questão de destruição e morte separando sexualidade e autopreservação em forças antagonistas O impasse conceitual e filosófico desse debate assim como as hesitações éticas de Freud após a Grande Guerra e a introdução da noção de narcisismo levaramno a re formular sua metapsicologia anterior que de qualquer maneira era inadequada para responder por fracassos clínicos Confrontado por um lado com um problema epistemológico e por outro com as dificuldades que ele experimentava Continuação lar de sua perplexidade com a remissão dos sintomas de Claire ao tomar antidepressivos Eu a questionei sobre sua experiência psíquica e corporal em relação à medicação Foi então e com muita reticência que ela admitiu que sempre tinha se sentido profundamente desconfortável quando não estava em um estado hipertenso O sentimento de flacidez e letargia interior a aterrorizava A passividade em geral a horroriza va De fato ela tinha tomado seus betabloqueadores apenas em doses mínimas que ela própria havia ad ministrado Durante a depressão embora sua pressão arterial tivesse diminuído os antidepressivos lhe davam uma vaga sensação de excitação ela chamava isso de tônus da qual ela gostava Essa confissão que surgiu durante nosso décimo ano de psicanálise veio a ser o ponto de partida da fase final O exame de sua intolerância a todas as formas de satisfação passiva lançou uma luz nova e final sobre sua organi zação edípica específica Relatei aqui uma longa aventura que incluiu súbitas efusões passionais mas também momentos de desespero Questionome se estes últimos teriam sido tolerados sem o auxílio constante de uma teoria que empresta apoio à criatividade técnica do analista 666 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs em lidar com a compulsão à repetição e a reação terapêutica negativa e em analisar psicoses e trauma Freud foi obrigado a pôr em dúvida seu conceito dos instintos em favor do narcisismo e de um instinto des trutivo cuja força ele talvez tivesse deixado de avaliar A segunda teoria dos instintos era agora inevitável Esse segundo conflito instintual entre a libido que une sexualida de e autopreservação e o instinto de morte é para mim de particular interesse pois representa uma nova formulação dos prin cípios fundamentais O debate não é mais sobre se a sexua lidade está do lado da vida ou da morte mas sobre colocar essa oposição dentro dos próprios processos de pensamento Em meu ponto de vista é crucial recentralizar a questão da morte e colocála no cerne do pensamento uma vez que a oposição pri mária é o fato de a condição humana por definição mortal ser única em sua capa cidade de pensar o que é eterno O ato de pensar portanto carregaria em si a negação da mortalidade e da finitude O ins tinto de morte como o vejo não é apenas des fazer conexões em oposição a eros conforme definido por Freud no Esboço4 de 1939 publi cado em 1940 mas aquele que de dentro da psique constantemente ameaça todo trabalho de pensamento Esse instinto de morte não tem nada a ver com morte orgânica inevitável mas deve ser percebido como um princí pio de morte psíquica que na forma de um movimento ou mesmo de uma força desencarnadora ataca e mata o pensa mento na essência do seu processo Como a larva na fruta ou mesmo a pérola na ostra uma metáfora que Freud empregava para ilustrar que em toda psiconeurose de defesa há um germe da neurose real a psique carrega em si sua própria tendência a destruir o trabalho de pensamento Se pensamos na posição depressiva e na elaboração do luto co mo mensageiros de elaboração psíquica somos levados a imaginar se não há em todo movimento depressivo um risco po tencial de ataque contra a psique O pen samento ou o funcionamento operatório descrito pelos partidários da Escola Psi cossomática de Paris seria um caso extre mo e exemplar dessa forma de destruição em outras palavras um sistema de discur so antissonho Concluo essa discussão lembrando mais uma vez que por trás da simplici dade de fenômenos comuns pode haver causas bastante complexas e nossas te orias não devem ser consideradas como verdades mas como construções que nos ajudam a pensar e a auxiliar nossos pa cientes PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Forças psíquicas contraditórias podem entrar em conflito em um único local somático 2 Um transtorno somático pode ser parte de uma economia geral na qual a psique é tanto testemunha quanto reguladora 3 A pulsão de morte não apenas desfaz conexões mas funciona dentro da mente ameaçando constan temente todo o trabalho de pensamento Psicoterapia de orientação analítica 667 REFERÊNCIAS 1 Freud S Beyond the pleasure principle group psychology and other works 1920 1922 In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1953 1974 v 18 2 Freud S Five lectures on psychoanalysis Leonardo and other works 1910 In Freud S The standard edition of the comple te psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 19531974 v 11 3 Marty P Lordre psychosomatique Paris Payot 1990 4 Freud S Moses and Monotheism and ou tline of psychoanalysis and other works 19371939 In Freud S The standard edi tion of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1953 1974 v 23 LEITURAS SUGERIDAS Dejour C Le corps entre biologie et psychanalyse essai dinterprétation comparée Paris Payot 1986 Freud S New introductory lectures and other works 19321936 In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 19531974 v 22 Green A La causalité psychique entre nature et culture Paris O Jacob c1995 Green A La folie priveé psychanalyse des casli mites Paris Gallimard 1990 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 1 1992 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 3 1992 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 14 1998 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 15 1999 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 18 2000 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 21 2002 The Revue Française de Psychosomatique Paris PUF n 22 2002 4 O pensamento operatório dos pacientes psicossomáticos é um caso extremo dessa forma de destruição do pensamento um sistema de discurso antissonho 5 No trabalho clínico com esses pacientes é preciso estimular a arte da conversação mediante aborda gens indiretas interpretações psicodramáticas com o objetivo de apoiar e estimular a descoberta do prazer do funcionamento mental Os transtornos alimentares TAs são al terações do comportamento alimentar derivadas primariamente de um desejo exacerbado de perda de peso que resulta em prejuízos físicos psicológicos e sociais Esses transtornos representam estratégias disfuncionais emocionais cognitivas e comportamentais para lidar com questões do desenvolvimento alterações do humor relações interpessoais e conflitos intrapsí quicos que se tornam doenças autossus tentadas em um contexto de internalização de crenças socioculturais acerca da pro messa de benefícios relacionados à magreza e à alteração da forma do corpo1 A psicopatologia específica dos transtornos ali mentares reside em uma perturbação na vivên cia da forma e do peso corporais que leva pa cientes com anorexia nervosa AN bulimia ner vosa BN e outros transtornos alimentares não especificados TANEs a praticar comportamen tos extremos para o controle do peso como res trição da ingestão de alimentos exercício físi co em excesso e vários métodos de purgação23 Episódios de compulsão alimentar perda do controle sobre a alimentação podem ser causa ou consequência desses comportamentos e contribuem para a per petuação dos sintomas Da mesma forma distorções na percepção e na avaliação da forma do corpo constituemse elementos chave no desenvolvimento na manuten ção e na recaída dos transtornos alimenta res4 A anorexia nervosa caracterizase pela manutenção de peso abaixo do normal em decorrência da restrição alimentar por in tenso medo de ganhar peso ou de ficar gor do por comportamentos que interferem na recuperação de peso mesmo estando desnutrido por distúrbio na imagem cor poral ou por persistente negação da gravi dade do baixo peso5 A bulimia nervosa en volve episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos compensatórios inapropriados para evitar o ganho de peso e autoavaliação excessi vamente influenciada pelo peso e pelas for mas corporais O transtorno da compulsão alimentar TCA evidenciase por períodos de compulsão sem comportamentos com pensatórios que ocorrem frequentemente em pessoas com sobrepeso ou obesidade5 Os primeiros indícios da AN BN e síndromes parciais costumam surgir du 39 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES Mirian G Brunstein Carolina Meira Moser Ana Carolina Faedrich dos Santos Psicoterapia de orientação analítica 669 rante a adolescência e o início da vida adul ta o que coincide com uma fase de muitas mudanças desafios sociais e biológicos in cluindo alterações corporais e que é crítica para o desenvolvimento pessoal Os TAs podem ser um caminho para lidar com me dos existenciais e da maturidade uma esca patória para angústias ligadas à sexualidade emergente ou um modo de enfrentar a feri da narcísica do fim da infância Ou ainda podem representar a busca de refúgio por meio da desnutrição e da negação do corpo contra abuso e maustratos com um desli gamento do mundo material1 Na verdade as pacientes não apresentam falta de apeti te exceto em fases mais avançadas devido à cetose mas estão obstinadamente preo cupadas com a comida Há um sentimento profundo de ineficácia sendo os sintomas capacidade de controlar a comida por exemplo uma forma de avaliação do valor pessoal6 Entretanto cabe salientar que sin tomas transitórios de TA são comuns e po de ser difícil distinguir entre a preocupação com a forma corporal da grande maioria de mulheres e homens e as formas clínicas dos transtornos do comportamento alimentar Em uma sociedade que oferece alimentos calóricos em abundância e que valoriza a magreza e músculos delineados a preva lência do problema aumenta devido à ex posição ao fator desencadeante dietas que viraram ritos de passagem social1 No entanto em alguns casos o sintoma passa a fazer parte da estrutura da personalidade e se transforma em modo de vida7 Os TAs afetam principalmente mulhe res adolescentes e jovens entre 15 e 35 anos No entanto também têm sido relatados em homens mulheres mais velhas e crianças prépúberes de ambos os sexos A clínica em homens e mulheres mais velhas é muito semelhante àquela de adolescentes e mu lheres jovens8 Para o desenvolvimento da AN é necessária uma predisposição a ca racterísticas como perseverança perfeccio nismo e baixa impulsividade De fato são esses os fatores relacionados ao sucesso em realizar uma restrição alimentar sustenta da que mantém o estado de desnutrição e que é impossível para a maior parte das pessoas a quem é dada a opção de comer Personalidades extrovertidas e impulsivas aumentam a probabilidade de ciclos de compulsãopurgação1 Ainda que muitos estudos de inci dência em AN tenham sido conduzidos diferentes metodologias têm sido usadas e portanto os resultados encontrados apre sentam variação significativa A taxa de in cidência da AN é estimada em 5 a 8 por 100 mil pessoasano e a da BN em 11 a 135 por 100 mil pessoasano No entanto cabe ressaltar que a incidência de TAs entre ado lescentes de 15 a 19 anos é maior podendo variar de 109 a 270 por 100 mil pessoas ano9 A prevalência ao longo da vida de AN é de 09 a 22 em mulheres de países ocidentais enquanto a taxa de prevalência para a síndrome parcial de AN casos que não apresentam todos os critérios diag nósticos é de 24 e 43 A prevalência da BN varia entre 03 e 94 em mulheres Estudos sugerem que TCA e quadros par ciais de AN e BN são de fato muito mais comuns do que AN e BN8 Com exceção de quadros parciais e de TCA a prevalência de transtornos alimentares ao longo da vida em mulheres é 3 a 8 vezes superior à en contrada entre os homens9 Em metanálise recente sobre a mortalidade em TAs foram encontradas taxas de 51 por mil pessoas ano para AN 17 por mil pessoasano para BN e 33 por mil pessoasano para TANE10 Uma visão dos TAs como síndromes de um espectro e não como diagnósticos categoriais levou a uma proposta de com preensão transdiagnóstica desses transtor nos que destaca haver mais semelhanças do que diferenças entre os quadros e assi 670 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nala o fenômeno da migração diagnóstica ao longo do tempo De fato cerca de 50 dos casos de AN evoluem para BN ou qua dros parciais Já a migração de BN para AN é menos comum Esse entendimento se re flete em múltiplos aspectos da compreen são emocional e da abordagem terapêutica O TCA tem um curso diferente dos demais TAs e a maioria não tem história prévia de AN ou BN11 No Manual diagnóstico e es tatístico de transtornos mentais DSM55 o TCAP saiu da categoria diagnóstica de TANEs para tornarse uma condição espe cífica Tendo em vista a maior prevalência dos TAs entre mulheres os textos sobre o tema costumam se referir aos portadores desses transtornos usando a concordância no feminino como faremos a seguir HISTÓRICO Os transtornos alimentares têm sido reco nhecidos como entidades nosológicas des de a metade do século XIX quando a ano rexia nervosa foi identificada pela primeira vez quase simultaneamente por Gull em Londres e por Lasègue em Paris Gull em 1874 nomeou de anorexia nervosa a des crição de casos caracterizados pelo defi nhamento físico e pela perda de energia das pacientes Ele atribuiu a causa da AN a uma morbidade do estado mental e por tanto deu ênfase ao papel dos fatores psi cogênicos no desenvolvimento do quadro Por essa mesma época Lasègue fez nume rosas observações não somente sobre o es tado psicológico da paciente com anorexia mas também sobre as interações sociais em especial com a própria família12 No entanto acreditase que padrões semelhantes aos TAs existam desde mui to antes do seu descobrimento Muitas mulheres santificadas pela Igreja Católica durante o período medieval exibiam com portamentos idênticos aos evidenciados em transtornos alimentares atuais Tem sido sugerido que a diferença crucial en tre as santas jejuadoras e as anoréxicas modernas seja a forma da manifestação psicopatológica ou patoplastia pois a mo tivação básica é comum a busca da per feição que no contexto cultural da Idade Média correspondia à valorização do asce tismo e na atualidade ao culto do corpo magro idealizado12 Um marco na perspectiva moderna da AN veio das publicações de Hilde Bruch a partir de 1960 e culminaram em 1973 no livro Eating Disorders obesity anorexia and person with13 A autora enfatizou a interação entre o indivíduo e o ambiente familiar e assinalou as distorções como resultado da percepção do próprio corpo e de estados emocionais No centro da psicopa tologia anoréxica para Bruch havia a busca implacável pela magreza bem como um im pregnante senso de ineficácia12 A bulimia nervosa foi descrita pe la primeira vez por BoskindLodahl em 1976 mas foi definida em termos clínicos formais por Russel em 1979 Russel uti lizou a expressão bulimia nervosa para se referir a um subgrupo de pacientes com TAs nas quais a preocupação com o peso e a forma corporais era semelhante à de pacientes com AN mas que apresentavam compulsões alimentares vômitos abuso de laxantes e outros comportamentos com pensatórios para a sensação de perda do controle sobre a alimentação Essas pacien tes não estavam necessariamente abaixo do peso Russel se referia a sintomas bulí micos dentro da anorexia nervosa hoje descrita como anorexia purgativa e tam bém como uma síndrome distinta buli mia nervosa12 Psicoterapia de orientação analítica 671 ENTENDIMENTO PSICODINÂMICO O estudo da etiologia dos transtornos ali mentares fez alternadas passagens de uma visão psicológica para uma visão biológica e viceversa coincidindo com os avanços da psiquiatria da psicanálise das ciências biológicas e sociais14 No entanto mais re centemente maior ênfase parece estar sen do dada ao estudo dos aspectos cognitivos familiares e ambientais não como fatores excludentes mas como elementos de um entendimento psicodinâmico mais amplo dos TAs prevalecendo uma compreensão de etiologia multifatorial a qual determina uma terapêutica integradora15 Da perspectiva psicanalítica não há um modelo de compreensão único acerca dos conflitos inconscientes dos TAs mas um conjunto de ideias permanece consis tente entre as teorias que tentam explicar a psicodinâmica desses transtornos As pri meiras contribuições tiveram como foco o entendimento do significado inconsciente e simbólico dos TAs e as publicações psi canalíticas foram baseadas em estudos de caso particularmente de quadros de ano rexia nervosa15 Os teóricos clássicos atri buem a psicopatologia a conflitos edípicos não resolvidos e à ambivalência acerca da sexualidade genital Seguidores kleinianos e bionianos destacaram a importância de tendências constitucionais sádicoorais e agressivas A maior parte das teorias das últimas décadas tem compreendido os TAs como uma patologia do self como uma batalha simbólica pela se paraçãoindividuação e como uma falha em de senvolver um senso de identidade ou capaci dade de autorregulação16 Autores como Freud Breuer Abraham Sandler e Fenichel compreenderam a AN como um quadro associado à melancolia caracterizada por uma fixação ao estágio sádicooral que se manifesta por uma resis tência ao crescimento A evitação defensiva da sexualidade genital seria uma solução inconsciente dos conflitos derivados das fantasias da gravidez oral sugerida como um dos fatores envolvidos no desenvolvi mento dos TAs Além disso assinalaram a relevância do conceito de ambivalência na psicopatologia15 Klein17 descreveu que o início da vi da do bebê é caracterizado pela presença de ansiedades psicóticas Nesse período as primeiras relações objetais do ego primiti vo são com o seio materno que é dividido em bom gratificador e mau frustrador por meio do mecanismo de cisão O pe queno ser em desenvolvimento relaciona se com o objeto e o mundo externo pela contínua interação entre introjeção e proje ção A função desses mecanismos de defesa consiste em dominar a ansiedade que para a autora se origina do medo de aniquila mento morte e transformase em medo de perseguição pelo impulso destrutivo Essa transformação ocorre quando as ne cessidades corporais são frustradas e senti das como causadas pelo objeto seio que foi introjetado Ao mencionar a negação do objeto Klein traz a ideia de triunfo sobre ele O controle e o desprezo tomam o lugar dos sentimentos depressivos em uma orga nização maníaca que conduz à dissociação à negação à idealização e à projeção Basi camente tratase de mecanismos esquizoi des que estão organizados para defender e proteger o ego da ansiedade depressiva que promove o crescimento17 As dificuldades de alimentação em crianças pequenas esta riam associadas ao medo dos objetos inter nos à semelhança do que se apresenta no inconsciente anoréxicobulímico 672 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O funcionamento psicótico encon trado nos TAs principalmente a distorção da imagem corporal as dissociações e os conteúdos alucinatórios têm ressonância na teoria kleiniana Nas pacientes estão presentes medos persecutórios intensos e uso excessivo de mecanismos de cisão que desequilibram as defesas egoicas enfraque cem os desejos orais e afetam as relações objetais deixando o ego vulnerável às ci sões Para Klein em 1946 quanto maior o sadismo no processo de incorporação do objeto mais este é sentido como em pedaços e maior é o risco de o ego cindir se em correspondência aos fragmentos do objeto internalizado O medo persecutório dirigese inicialmente à relação bocaseio Conforme o desenvolvimento segue sua trajetória Klein destaca que há uma con fluência de desejos orais uretrais e anais de teor tanto libidinal quanto agressivo ambivalência Os ataques em fantasia di rigidos ao seio estendemse para o corpo materno e fazem uso da descarga de im pulsos orais anais e uretrais a evacua ção de substâncias venenosas excrementos que são expelidos do eu e introduzidos na mãe17 Vemos isso concretizadoatuado nos sintomas bulímicos A identificação projetiva é considera da também como um meio de comuni cação do bebê com a mãe Bion18 explica que por não conseguir expressar o que sente o bebê busca fazêlo mediante sen sações suas projetadas na mãe para que ela possa traduzilas e entender o que se pas sa com ele Dessa forma o terapeutamãe deve realizar a rêverie para a pacientebebê Esta é possibilitada pela capacidade da mãe em transformar os elementos sem nome do bebê definidos por Bion18 como elemen tos beta em elementos com significado por meio da função alfa materna Assim a mãe acolhe as identificações projetivas do filho boas ou más e as transforma em símbolosrepresentações Bion18 define a capacidade de rêverie da mãe como uma disponibilidade dela em acolher as sensa ções do bebê como se ambos sonhassem o mesmo sonho como se houvesse uma res sonância afetiva entre a dupla por meio da intuição da cuidadora Para Bion quando mãe e bebê estão em sintonia a identifi cação projetiva tem um papel importante para o desenvolvimento psíquico do pe queno ser frágil e indefeso que com esse mecanismo busca despertar na mãe sen sações que tenta evacuar No desenvolvi mento normal a mãe permite que o bebê projete nela a sensação de estar morrendo e após assimilar e transformar essa sensa ção a devolve de maneira suportável para que o bebê reintrojete o medo da morte como algo tolerável para sua psique Quan do a mãe não aceita a projeção o bebê não pode reintrojetar a sensação de morte de forma assimilável portanto o que sente é um terror sem nome Entretanto se a mãe não for capaz de aceitar as projeções o filho passará a utilizar excessivamente a identificação projetiva na tentativa de lidar com seus temores internos18 Dificuldades significativas nesse processo emocional são observadas com frequência nas relações fa miliares de pacientes com TAs A equação simbólica como descrita por Hanna Segal pode ser útil para explicar o pensamento concreto que caracteriza os TAs Os símbolos não são usados por es sas pacientes para representar o objeto eles são como o próprio objeto Dessa forma a paciente com AN pode ser vista como símbolo concreto da resistência a sua mãe internalizada pela recusa da ingestão ali mentar Alimentação que é determinada cul turalmente e transmitida de geração a outra deve ser adequada ao bebê e quando estereotipada perturbará o ajuste afetivo7 Psicoterapia de orientação analítica 673 A paciente com BN atua intensamen te o conflito da separaçãoindividuação por meio das compulsões e purgações da sua mãe e do alimento16 A fusão da menina com a mãe pode ser entendida como consequência da falha psíquica em internalizar o casal parental A intensidade das fantasias de que algo pe rigoso e ameaçador se instalou dentro do corpo da paciente é diretamente propor cional às fantasias de ataque ao corpo da mãe Quanto mais a menina nega a relação entre os pais maior será a intrusividade do objeto A menina usa a mãe como escudo protetor dessas fantasias em vez de senti la como continente e capaz de metabolizar seus medos e fantasias agressivas Identifi cada com as partes faltantes da mãe fragili zada a menina desenvolverá um vazio que tentará a todo custo preencher em busca da completude e carecerá de um desenvol vimento simbólico adequado A falha em integrar as vivências prégenitais resulta na falha na internalização do triângulo edípico o que dificulta a separação da identidade da menina e da mãe19 Os investimentos nar císicos da mãe e da filha impedem o reco nhecimento do outro como um ser distinto e dificultam a troca afetiva A tradicional frase eu não sinto fome demonstra a fan tasia inconsciente de se situar além das ne cessidades básicas de sobrevivência e reflete intensos impulsos autoagressivos e suicidas O grau de homicidade em direção ao self e ao corpo reflete a extensão do propósito assassino com relação aos pais internos e suas relações Mulhe res que desenvolveram um transtorno alimentar podem ter sido receptácu los de invasões abusos ou violências físicas e psíquicas quando crianças19 Pode parecer paradoxal que as mulhe res que tendem a ser mais conectadas com a experiência emocional do que os homens sejam mais suscetíveis a distúrbios no pro cessamento da experiência emocional As meninas tendem a perceber de forma mais precoce e com mais clareza o mundo emo cional do outro Devido a essa capacidade aumenta a tendência de que sejam elas as re crutadas para validar ou responder às neces sidades emocionais de seus pais Isso pode ocorrer ao custo de não terem suas próprias expe riências emocionais respondidas e vali dadas Os meninos estariam mais protegi dos por terem uma maior distância emo cional dos pais e menos sintonia com pistas sociais e experiências emocionais20 De acordo com Selvini Palazzoli21 o papel da interação mãefilha é de extrema importância na compreensão da psico dinâmica dos TAs Pacientes com AN ex perimentam seu corpo como algo assus tador em sua própria natureza uma vez que ele é percebido como a incorporação oral de um poderoso objeto materno mau Dessa forma o self da anoréxica fica aban donado enquanto incorpora e controla o objeto mau dentro de si Como conse quência a paciente iguala seu corpo a um aspecto parcial mau de sua mãe Selvini Pa lazzoli21 acrescenta que a interação entre a mãe e a filha com TA é caracterizada pela superproteção e pela inabilidade de dife renciar a criança como uma entidade se parada o que mantém uma relação engol fadora Durante a puberdade ocorre uma separação entre o ego incorporado e o ego identificado com a consequente repressão do objeto materno mau O comportamen to anoréxico consiste então nas repre sentações mentais distorcidas do corpo do self e do objeto A restrição alimentar é entendida como um ataque à sexualidade feminina e uma tentativa de resolver e re duzir essa identificação confusa com a mãe Bruch13 considera o senso de inefi cácia incluindo seu prejudicado senso de autonomia e as distorções da imagem 674 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs corporal como os fatores mais importan tes dos transtornos do desenvolvimento do ego A autora reforça a ideia da falha da mãe em se comunicar com seu bebê O prejuízo na construção do self da criança tem suas origens nas reações inapropriadas da mãe que seriam baseadas mais nas suas necessidades do que nas do bebê Dessa forma há uma erosão no senso de autono mia tornando a criança incapaz de se per ceber como uma entidade separada da mãe O vínculo de dependência precoce com a mãe impede a menina de identificar suas necessidades mais profundas e de tomar as próprias decisões o que gera o sentimento de ineficácia A intensa negação da doença egossintonia pode ser entendida como um mecanismo de defesa contra um senso de ineficácia generalizado A restrição alimentar parece uma pseudossolução para sua autonomia e a anorexia uma forma de existência por meio do exercício de controle sobre seu peso O distúrbio da imagem corporal é o equivalente ao objeto mau e à falha em re conhecer as necessidades corporais Dependentes da imagem ideal proje tada o espelho que representa o olhar materno sempre devolve imagem dis torcida que nunca será bela Nessa busca alienamse do próprio corpo como se não fosse real Há um desgos to por aspectos parciais do corpo co xas barriga nádegas7 Isso acaba sendo reforçado por uma atitude em que o olhar sobre o corpo é ora obsessivo e escrutinador ora evitado Nessa relação a desvalorização da imagem corporal está associada à fal ta de sintonia entre mãe e a menina que careceu de uma cuidadora que re fletisse uma imagem positiva de si e possibilitasse o desenvolvimento de um narcisismo trófico e um adequa do ajuste na autoestima7 As pacientes têm dificuldade em se perceberem além do aspecto físico em di ferenciarem experiências físicas de emocio nais e em experimentarem um sentimento de eficácia A preocupação com a comi da com a forma do corpo ou com o peso proporciona um sentido de organização desesperadamente necessário e uma iden tidade para indivíduos com um self frágil A mentalidade de dieta funciona como um organizador psíquico nessas pessoas com distúrbio no sentido de self20 Muitas pacientes com AN sentem não conseguir encontrar palavras para descre ver seus sentimentos para se expressar e dar nome às suas experiências Esse fenômeno alexitimia de não ser capaz de perceber sensações e sen timentos é decorrente do desinvesti mento do ego corporal uma cisão en tre mente e corpo7 Relatos constantes de vazio interior ou vivências de balão estufado mostram tentativas de representações simbólicas que se confundem com a concretude que impe ra no modo de funcionar anoréxico e bu límico possíveis sequelas de um processo identificatório com falhas19 Steiner22 vincula os TAs ao uso pa tológico do corpo como objeto de maus tratos e de automutilação carregada de ansiedades primitivas Aponta a presença de um narcisismo sinistro em que há um empobrecimento de pensamentos um va zio mental determinado por mecanismos defensivos com desinvestidura do mundo representacional e dos afetos7 tornando o corpo e a comida os temas principais Elas recorrem ao uso do corpo por meio do seu desaparecimento para expressar emoções que não conseguem mentalizar o que revela um déficit de autorregulação central a um senso problemático do self23 e fruto de danos vinculares precoces7 Psicoterapia de orientação analítica 675 Segundo Gabbard e Gabbard24 uma compreensão psicanalíti ca multideterminada dos transtor nos alimentares inclui uma tentativa desesperada de ser especial um ata que ao falso self alimentado pelas ex pectativas parentais uma asserção do verdadeiro self um ataque a introjetos maternos vistos como equivalentes do corpo uma defesa contra o luto e o desejo um esforço para fazer com que outros se sintam abandonados e vora zes uma tentativa de evitar a entrada de projeções não metabolizadas dos pais e um choro por ajuda que tire os pais de seu estado de autoabsorção e reconheçam o sofrimento da criança ABORDAGEM TERAPÊUTICA O tratamento de pacientes com transtor nos alimentares deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar e inclui o uso de várias intervenções psicoterápicas Porém as evidências científicas acerca da eficácia das abordagens psicoterápicas para a ano rexia nervosa seguem limitadas e baseadas em consenso de especialistas2526 Para a bulimia nervosa os guidelines de tra tamento recomendam a terapia cognitivocom portamental TCC como a intervenção mais bem estudada e efetiva sugerindo a terapia in terpessoal TIP para aqueles que não respon derem à TCC27 Ainda que a psicoterapia psi codinâmica permaneça sendo um importan te componente do tratamento é indicada tanto para casos mais leves de TAs como para situa ções nas quais as demais terapias falharam27 Há poucos ensaios clínicos contro lados e randomizados e entre os estudos existentes permanecem limitações rela cionadas ao pequeno tamanho das amos tras à curta duração dos seguimentos e a problemas metodológicos Em geral há dificuldades no recrutamento de pacientes e altas taxas de abandono Os estudos rea lizados apresentam mais enfoque na me lhora sintomática do que na recuperação28 Diretrizes clínicas recomendam fortemente terapia familiar para crianças e adolescen tes com TA e sugerem que a avaliação e o envolvimento da família também são úteis para pacientes adultas29 Os TAs têm sido particularmente difíceis de tratar devido a sua natureza egossintônica Para muitas pacientes o TA faz parte do núcleo de seu self e as barrei ras às intervenções terapêuticas incluem a negação da existência de um problema a ambivalência em engajarse no tratamento e em abrir mão de comportamentos es pecíficos do TA e o medo de aumentar o peso e de separarse das funções protetoras relacionadas ao controle do peso da forma e da alimentação3031 Em função disso a integração de abordagens motivacionais à abordagem psicoterápica tem sido reco mendada em especial nos casos de AN De fato a anorexia nervosa é reconhecida co mo um dos transtornos psiquiátricos mais resistentes ao tratamento3233 É de fundamental importância assi nalar a necessidade de avaliação de riscos pois os TAs estão associados a várias com plicações clínicas graves muitas delas po tencialmente fatais como arritmias cardía cas distúrbios hidreletrolíticos osteoporo se prejuízo na motilidade gastrintestinal e problemas de fertilidade34 A AN apresenta a maior taxa de mortalidade en tre todas as condições psiquiátricas seja por suicídio seja por complicações clínicas secun dárias ao estado de desnutrição34 676 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Além disso pacientes desnutridas de forma aguda ou crônica costumam apre sentar algum grau de disfunção cognitiva o que pode comprometer a eficácia das abor dagens psicoterápicas A abordagem inicial deve conside rar a necessidade de restauração do pe so normal psicoeducação sobre as raízes biológicas e culturais da patologia e uso de intervenções cognitivocomportamentais para enfrentar padrões maladaptativos de lidar com os conflitos35 Mesmo que não se possa falar em melhora do TA sem recuperação de peso e cessação dos ciclos de compulsãopurgação as mudanças de comportamento não são suficientes para uma melhora duradoura Para isso é fun damental abordar os estigmas psicológicos associados ao transtorno que estão atrapa lhados pelos sintomas senso de self em seus vários aspectos autoestima autoconceito autocontrole tarefas desenvolvimentais e dificuldades interpessoais6 Nessa etapa do tratamento a aborda gem com terapia cognitivocomportamen tal para os TAs36 utiliza diversas técnicas que visam a auxiliar as pacientes a com preender seus sintomas e a desenvolver es tratégias mais sadias para enfrentarem suas dificuldades A TCC foi adaptada especifi camente para a abordagem da psicopatolo gia dos TAs e costuma ser uma etapa inicial no tratamento psicoterápico enfocando a melhora sintomática Algumas estratégias utilizadas incluem uma formulação ela borada por paciente e terapeuta com as dificuldades a serem tratadas registro de automonitoramento pesagem colaborati va e regularização da alimentação O au tomonitoramento fornece dados relativos à qualidade e à quantidade de alimentos e líquidos ingeridos ao local onde a refeição foi realizada às situações aos pensamentos e aos sentimentos associados e ao grau de controle percebido pela paciente Nesses registros a paciente pode relatar se houve algum comportamento purgativo e se te ve a sensação de perda de controle sobre a alimentação Assim a dupla terapêutica identifica situações pensamentos e senti mentos críticos para o desencadeamento do comportamento alimentar inadequa do e dessa forma pode buscar estratégias alternativas para lidar com tais situações ao mesmo tempo que a paciente tornase mais consciente do seu TA para desenvol ver o autocontrole A pesagem colaborativa visa a auxiliar a paciente a entender e en frentar melhor as flutuações cotidianas do peso conhecer a faixa de peso considerada saudável para ela e avaliar a quantidade de alimento que pode ingerir sem perder o controle A regularidade das refeições tem por objetivo principal ajudar a estruturar uma rotina alimentar sem restrições e com isso reduzir os episódios de compulsão37 Diversas outras estratégias podem ser in cluídas no processo psicoterápico de acor do com o foco acordado entre paciente e terapeuta a partir da análise da formulação de seu transtorno alimentar como a abor dagem das distorções da imagem corporal e a hipervalorização da dieta e do corpo na avaliação da autoestima Outro recurso terapêutico recomen dado é a terapia interpessoal uma psico terapia de base psicodinâmica que con ceitualiza os problemas psicológicos como dificuldades nas relações com as pessoas importantes da vida da paciente ideia de rivada da teoria das relações objetais Além disso é não diretiva e não trabalha com te mas de casa6 A TIP passou por adaptações para essa população considerando que ca racterísticas como a cronicidade e tarefas como escolha profissional estilo de vida e independência podem estar prejudicadas pelo TA assim como o funcionamento global dessas pacientes Na TIP a melho ra das dificuldades interpessoais representa Psicoterapia de orientação analítica 677 um impacto positivo na autoestima o que provoca melhora dos sintomas alimentares de forma indireta38 Estudos recentes apontam para uma necessidade de abordar questões de trans ferência simbolismo do sintoma confli toschave vulnerabilidades narcísicas e dinâmicas dos relacionamentos para tratar as dificuldades nucleares associadas aos sintomas e aos traços de personalidade Assim muito embora haja poucas evidên cias de pesquisa sobre a eficácia da psico terapia psicodinâmica nos TAs2739 o pa radigma psicodinâmico proporciona uma compreen são da dimensão psicológica das pacientes auxiliando os terapeutas envol vidos no atendimento a conter sentimen tos transferenciais e contratransferenciais e facilitando o desenvolvimento da aliança terapêutica mesmo que não utilizem téc nicas específicas de psicoterapia psicana lítica no tratamento Também em muitas situações sintomas subclínicos ou carac terísticas psicológicas que predispõem ao baixo peso e preocupação excessiva com forma ou imagem corporal como perfec cionismo obsessividade superficialidade preocupação com controle ansiedade tipo ansiedade generalizada pânico ou ansieda de social são passíveis de abordagem psi codinâmica mais direta Segundo estudo de Tobin40 a imensa maioria dos especialistas em TA indicou o uso de intervenções que integram abordagens comportamentais e psicodinâmicas Psicoterapia psicodinâmica para mu lheres com TA costuma ser iniciada para abordar vulnerabilidades individuais que estão associadas a alterações nos hábitos ali mentares que persistem mesmo depois de melhorarem os comportamentos alimenta res É complementar a uma abordagem que foca de modo mais específico a redução de sintomas ou para combater pressões cultu rais que afetam as jovens em nossa cultura20 Fatores que determinam o tratamento psico dinâmico são foco na experiência subjeti va da paciente atenção às defesas utilizadas para evitar afetos e emoções dolorosas utiliza ção das interações entre paciente e terapeuta como fonte de informações clínicas transferên cia contratransferência foco no inconsciente e no significado psicodinâmico dos sintomas apreen são dos padrões anteriores de relaciona mentos e conflitos nas relações atuais6 Assim a psicoterapia dessas pacientes centrase em ajudálas a entender o signi ficado dos sintomas e a buscar formas de controlar os modos desadaptados de li dar com conflitos e situações Do mesmo modo pretende explorar os antecedentes desenvolvimentais da patologia incluin do traumas infantis perdas que não fo ram elaboradas o impacto de pais que não conseguiram sintonizar com o bebê falhas nas tentativas de completar as eta pas de separaçãoindividuação apropria das para cada idade e falta de afirmação do self em pe ríodos cruciais do desenvol vimento35 A longo prazo os objetivos psicológicos buscam resolver as vulnerabi lidades subjacentes como autoestima frá gil autoimagem negativa e deficiências na autoconfiança e desenvolver a habilidade de regular os afetos sem lançar mão dos comportamentos de TA ou outros auto destrutivos6 Contraindicações relativas a abordagens psi codinâmicas estão relacio nadas a gravidade dos sintomas alimenta res impulsividade risco de suicídio e co morbidades como depressão grave abuso de substâncias e personalidade borderline Mulheres com AN ou BN graves e aquelas que não responderam a tratamentos menos intensivos com frequência necessitam de contextos terapêuticos estruturados como hospitaldia ou internação para aliviar os sintomas20 678 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A relutância em participar do trata mento pode ser explicada por uma baixa confiança em relacionamentos de maneira geral Em relações anteriores as pacientes com TA sentiramse inferiorizadas ou re jeitadas e podem transpor tais sentimen tos para o psicoterapeuta A qualidade da relação terapêutica é determinante para o sucesso do tratamento Para tanto é ne cessário que a paciente entenda que o psi coterapeuta tem um interesse genuíno em ajudála e não vai enganála e que os sin tomas podem ser manejados A motivação para o tratamento pode ser despertada pe la avaliação dos aspectos insatisfatórios de sua vida Mostrar entendimento e empatia pelos sentimentos da paciente especial mente em relação ao terror de vir a perder o controle sobre o peso bem como aceitar suas crenças como genuínas para ela faci lita a relação Um papel terapêutico cen tral é o esforço do terapeuta em entender a perspectiva única da paciente e expressar o reconhecimento disso transmitindo a mensagem de que ela merece desfrutar da interação com outros sendo um ser inte gral restaurando a esperança nas pessoas41 As pacientes defendem ferozmente seu padrão alimentar como quem defen de a existência de seu próprio self Abrir mão dos sintomas e dos rituais alimenta res precocemente sem uma figura de self substituta pode ser sentido como uma ameaça à coesão do próprio self As pa cientes relatam ter muito medo de ficarem gordas e ganhar peso e é curioso e intri gante como esse medo intenso não diminui com a perda progressiva do peso A perda de peso vista como autocontrole e disci plina não pode ser abandonada enquanto engordar é visto como um sinal de fracas so e fraqueza42 Como a dor emocional da paciente tende a ser difícil de ser tolerada mecanismos de defesa de negação split ting dissociação identificação projetiva e repressão são usados de forma adaptativa pela mente para colocar de lado a angústia interna35 A habilidade limitada em aces sar e tolerar a experiência emocional pode tornarse aparente no início da terapia psi codinâmica pelo restrito repertório de ex periências afetivas em sua sensibilidade à sobrecarga emocional e em sua tendência a aceitar prontamente as opiniões as crenças e as interpretações do terapeuta Em geral o foco unicamente no peso e na forma corporal está associado ao es treito leque de interesses e à limitada capa cidade para reflexão sobre si As preocupa ções com peso e comida deslocam a expe riência emocional que é desconfortável ou ameaçadora20 O primeiro passo do tratamento en tão é a criação de um contexto de seguran ça no qual a paciente possa gradualmente sentirse mais confortável em compartilhar aspectos do self que obstruíram o cresci mento pessoal e encontraram expressão nos sintomas de TA35 Assim essa abor dagem é bastante diversa da confrontação da psicanálise clássica No mesmo sentido as defesas são entendidas como tendo uma função protetora de um self vulnerável à depleção e à fragmentação e não como obstáculos que devem ser removidos em camadas Mesmo os comportamentos au todestrutivos e derrotistas são vistos com respeito como tentativas de manutenção da coesão do self e os padrões arcaicos e seus comportamentos devem ser descritos e explicados em vez de confrontados41 Em um primeiro momento o psico terapeuta deve ter um papel mais ativo13 sendo desejável uma atmosfera colabora tiva entre paciente e terapeuta6 São indi cadas algumas mudanças na técnica ana lítica clássica como evitação de silêncios aumentam a sensação de abandono e as atuações de interpretações profundas e de neutralidade austera O terapeuta deve Psicoterapia de orientação analítica 679 tolerar as manifestações transferenciais pri mitivas67 Responsividade empática pode ser mais importante para essas pacientes do que interpretações voltadas ao insight Assim o papel da interpretação deve ser repensado A atividade interpretativa é di recionada para em colaboração com a pa ciente ajudála a compreender e organizar sua experiência e não para revelar material inconsciente reprimido A abordagem ini cial examina os momentos de experiência emocional vivenciados na sessão e levam em consideração a influência mútua entre paciente e terapeuta Explanações do tera peuta sobre os verdadeiros significados dos sintomas da paciente são substituídas por uma construção colaborativa do signi ficado do vivenciado na sessão20 Bion18 em 1962 referiuse ao caráter arcaico do funcionamento mental nos transtornos alimentares apontando para o fato de que uma paciente com TA ao chegar para tra tamento é como se fosse um bebê prema turo ou um feto que ainda não nasceu e ao mesmo tempo uma mulher em sua idade cronológica À medida que os sintomas alimen tares se tornam menos proeminentes e os riscos diminuem ampliase o espaço para uma abordagem psicodinâmica Nessa eta pa o enfoque terapêutico se volta para o entendimento simbólico do sintoma como uma comunicação da natureza e extensão do conflito subjacente buscando alternati vas mais adaptativas para lidar com o so frimento14 A terapia psicodinâmica deve facilitar o mundo subjetivo da paciente a emergir Isso ocorre de forma lenta porém progressiva quando o terapeuta mantém uma atitude de curiosidade e questiona mento empático tendo a experiência sub jetiva da paciente como o foco da atenção No início do tratamento as comunicações não verbais podem ser os guias mais con fiáveis para a experiência autêntica da pa ciente e essa estratégia pode fornecer um ambiente em que a experiência da paciente é validada e a reflexão criativa facilitada O foco não é na experiência inconsciente mas em momentos da experiência viven ciada que era evitada negada ou excluída previamente Pode ser particularmente útil na sessão observar expressões afetivas visíveis ou contradições entre as comuni cações verbais e não verbais pois eviden ciam a experiência vivida em oposição a construções intelectualizadas20 Nomear sentimentos auxilia as pacientes a terem a sensação de domínio de si mesmas e a de senvolverem um repertório mais efetivo de comportamentos adaptativos para usar quando encontrarem os desafios da vida Tornar consciente o inconsciente amplia as capacidades reflexivas possibilitando o uso da mente de forma construtiva35 O psicoterapeuta deve lançar um olhar e uma escuta especial ao conteúdo não verbal da paciente expresso por meio da transferência da atuação de suas rela ções objetais Esta pode ser caracterizada por pressões internas no terapeuta de agir ou interpretar de forma equivocada o material verbal da paciente distanciando se daquilo que deve ser compreendido O distanciamento é como uma atuação do psicoterapeuta por sua própria dificuldade de compreender o que é vivenciado na transferência Pacientes muito regressivos despertam intensos sentimentos no tera peuta e muitas vezes fica difícil manejá los Emoções intensas de amor ódio e desesperança podem impedir a capacidade de pensar e provocam no psicoterapeuta a vontade de agir um acting out Entretanto a principal tarefa do terapeuta nesse mo mento é tolerar os sentimentos projetados sem realizar um acting out43 Ele deve se sentir confortável por estabelecer limites quando a paciente expressa sentimentos como raiva Limites precisos e firmes são a 680 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs base do tratamento pois constituem uma forma de auxiliar a paciente a encontrar seus próprios li mites Interpretações sobre a raiva podem ser úteis mas apenas quando a paciente tiver condições de ouvir timing é essencial44 A experiência subjetiva deve ser o material analítico primário e o self que é a estrutura ou organizador da experiência subjetiva é a estrutura psicológica central A ênfase em subjetividade empatia e res ponsividade é importante para essas pa cientes assim como uma transferência que focalize a necessidade de uma experiência que reforce seu self Terapeuta e paciente não apenas se influenciam mutuamente como constroem de forma conjunta os significados da experiência subjetiva20 Os transtornos alimentares podem ser vistos como um exemplo de funcionamento esquizo paranoide no qual o mundo da paciente é di cotomizado entre bommagro e maugordo Os sentimentos experienciados como ruins e peri gosos são projetados na comida e na gordura Pacientes que vomitam e abusam de laxantes frequentemente são conscientes de que estão tentando livrarse de sentimentos e que os vô mitos e as fezes podem representar simbolica mente emoções más e perigosas O desenvolvimento de intervenções que visem a verbalizar estados internos quebrando a ansiedade em pequenas enti dades aumentando a capacidade de pensar com clareza separando realidade e fantasia e postergando a gratificação envolve téc nicas analíticas clássicas que auxiliam na liberação de inibições no funcionamento mental permitindo o acesso ao mundo in terno mental A capacidade e a disponi bilidade do terapeuta para assumir o papel de objeto mau é desafiadora e auxilia as pa cientes a lidar de modo mais efetivo com o mundo externo diminuindo os sintomas pois a agressão é mobilizada e canalizada de forma mais adaptada trabalhada no trata mento44 Dessa perspectiva a psicoterapia busca integrar os sentimentos maus colo cados para fora e ajuda a paciente a sair da posição esquizoparanoide para entrar na posição depressiva Terapeutas usam a transferência para assinalar reações baseadas em experiências antigas de relacionamentos com sentimen tos de vazio e profunda solidão735 O tra balho no aqui e agora da sessão implica estar atento às reações da paciente às in terpretações e à forma como se apresenta Para tanto a interpretação deve traduzir o cenário da experiência real nomean do e integrando o conteúdo não verbal43 Substituemse condutas por processo de mentalização como em organizações limí trofes de personalidade que muitas vezes é o caso7 No entanto o terapeuta deve estar atento pois devido à dificuldade de simbolização a paciente ao escutar uma interpretação não ouve só palavras mas também a musicalidademelodia do que é dito o que pode ter um efeito maior do que o conteúdo da interpretação O terapeuta ao auxiliar a paciente a manejar sentimentos dolorosos sendo continente tornaos menos aterroriza dores Quando esse processo ocorre ade quadamente as pacientes internalizam de seus terapeutas novas formas de trabalhar sentimentos memórias frustrações e su cessos Quando a continência falha as pa cientes perdem uma chance de aprender métodos mais adaptativos de se acalmar consolar e discernir seus sentimentos35 Uma postura relativamente ativa e enga jadora ajuda a manter certa proximidade Prover estrutura interação verbal dire cionamento e mesmo intervenções com portamentais pode ser necessário para que certas pacientes sintam o terapeuta como Psicoterapia de orientação analítica 681 realmente envolvido Atitudes específicas podem ser ne cessárias para certas pacien tes para vi venciarem experiência de autori dade cuidado e sentimentos positivos dos terapeutas É apenas por tentativa e erro que terapeuta e paciente poderão encon trar significados na interação que sejam significativos e aceitáveis para ambos e que promovam crescimento para a paciente20 Nos TAs a relação com o corpo é central no tratamento psicoterápico Essas pacientes tentam controlar o corpo para controlar as próprias emoções sensações necessidades e desejos Falam com orgulho de seu controle sobre comida vômitos e ex cesso de exercícios uma noção de autono mia pessoal enganadora e destrutiva Elas usam a mente para render o próprio corpo valendose da intelectualização de suas di ficuldades e enfatizando no tratamento o pensamento para não entrarem em contato com os sentimentos usam o mecanismo de cisão para apresentarem na sessão somente a parte madura da personalidade aquela que aparentemente colabora com o trata mento Entretanto deixam fora da sessão os núcleos regressivos que necessitam ser compreendidos e tratados43 Ampliando a consciência das motivações internas em si e nos outros durante os momentos de inte ração é possível melhorar antecedentes de comportamentos patológicos de controle intrusão contenção senso de identidade sexualidade emoções reprimidas bem co mo padrões antigos de negligência abuso dificuldades temperamentais e psicopato logia parental44 A anorexia e a bulimia são consideradas trans tornos da era contemporânea pela concretude de suas expressões pelo vazio de significados pe los sucessivos actings pelos constantes split tings pela impulsividade das ações violentas em detrimento da ponderação elaborada do pensamento18 Intervenções psicodinâmicas po dem promover um espaço para as funções refle xivas primárias se desenvolverem e expandirem dando a chance às pacientes de fazerem uma revisão dramática dos modelos internalizados de relações Auxiliam lentamente no processo de fazer conexões e vivificar um senso de conti nuidade A partir da continência as pacientes ganham respeito por si próprias suas vidas e seus esforços e podem descobrir a coragem e a curiosidade necessárias para se compromete rem no enfrentamento da vida35 Preocupações com o corpo são persis tentes no entanto questões interpessoais e psicológicas passam a ocupar uma propor ção muito maior da experiência subjetiva da paciente Essa redução das preocupa ções somáticas e o aumento de interesse em outros aspectos do mundo emocional ocorrem devido a uma ampliação das ca pacidades e dos interesses não devem ser confundidos com o desvio da atenção dos sintomas somáticos de forma prematura Mais provavelmente refletem o desenvol vimento de um sentido psicológico de self e um aumento da capacidade de percep ção emocional mais do que uma submis são aos desejos que percebe no terapeuta Com a continuidade da terapia a relação terapêutica auxilia na habilidade de tolerar e integrar uma ampla gama de sentimen tos evocados pelas vivências possibilitando uma vida mais plena20 A prática contemporânea da aborda gem psicodinâmica dos TAs busca integrar diversas teorias entre elas das relações ob jetais psicologia do ego e psicologia do self em uma compreensão dos antecedentes dos sintomas de TA Assim devese buscar uma integração com outras intervenções e abordagens realizadas quando o cuida do é prestado por equipe multidisciplinar 682 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs idealmente composta por especialistas em transtorno alimentar A psicoterapia psico dinâmica objetiva clarificar os conflitos in ternos desenvolver conexões que possam ser satisfatórias e prazerosas e proporcio nar à paciente uma experiência maturacio nal corretiva sendo a relação terapêutica um modelo Na contratransferência o psicotera peuta irá experimentar os mesmos senti mentos de desesperança raiva ou até mes mo fome que a paciente reprime sendo fundamental que seja capaz de conter essas projeções e experimentálas sem atuar Is so permite que a paciente se sinta segura o suficiente para começar a pensar sobre seus sentimentos Uma das experiências de maior valor na psicoterapia é quando a paciente descobre que pode permitir a si mesma tanto ser má quanto ser boa e que tanto ela quanto o psicoterapeuta so brevivem aos seus sentimentos maus Isso assegura que seus sentimentos não são tão destrutivos como ela temia Essa relação permite que a paciente processe os afetos mais proeminentes reexperimente marcos desenvolvimentais de uma maneira saudá vel e adulta e por uma identificação posi tiva com seu terapeuta preencha déficits psicológicos que inibiram seu desenvolvi mento emocional45 para que possa desco brir um mundo além do TA ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Mariana chegou para atendimento encaminhada por um neurologista procurado pela paciente por dificul dades de conciliar o sono A paciente ficava três dias sem dormir ou dormia 16 horas seguidas Além dis so Mariana referia que estava comendo compulsivamente em alguns momentos e depois induzia o vômito Conforme o relato da família ela também evitava alimentos considerados proibidos mais calóricos não fazia as refeições com a família e apresentava rituais para comer No início do tratamento estava com ín dice de massa corporal IMC de 19 A paciente recebeu o diagnóstico de bulimia nervosa e iniciou o trata mento para transtorno alimentar No contrato de trabalho foi esclarecido que o tratamento seria realizado por equipe multidisciplinar especializada em tratamento de TA com consultas semanais de psicoterapia e consultas periódicas com nutricionista clínico geral e psiquiatra Mariana recebeu indicação de uso de me dicação porque apresentava além dos sintomas do TA sintomas depressivos impulsividade sintomas de ansiedade e pensamentos obsessivos Na primeira consulta com a psicoterapeuta Mariana demonstrou sua fragilidade por meio do corpo era pequena muito magra desnutrida aparentava menos idade do que seus 23 anos usava roupas lar gas que disfarçavam a falta de formas corporais femininas parecia que quase não conseguiria ficar em pé Informou que vomitava após todas as refeições Tinha cabelos loiros secos e quebradiços pele muito branca olhos fundos e caídos como se faltasse vida em seu corpo consequências da desnutrição Já as unhas das mãos eram muito bem pintadas com esmaltes de cores fortes Isso parecia representar o con traste da sua vida a ambiguidade entre a vida e a morte A paciente com olhar de súplica explicou so bre seus sintomas queixandose de que não conseguia parar de vomitar chegando a machucar a gargan ta com o uso de escovas de dentes para forçar o vômito Mariana apresentava muitos sintomas depressivos também devido à desnutrição como dificuldade em sair da cama falta de ânimo para realizar suas tare fas cotidianas e sensação de pouca perspectiva de futuro Informou que sua vida estava muito ruim e che Continua Psicoterapia de orientação analítica 683 Continuação gava a pensar em se matar mas não tinha coragem de tomar tal atitude pelo menos não concretamente negando a possibilidade da morte devido aos sintomas do TA O pensamento obsessivo permeava sua vida em vários aspectos não apenas na alimentação mas também na limpeza e na arrumação da casa provo cando rituais compulsivos A paciente contava todos os alimentos que compunham suas refeições Ao co mer um tomate por exemplo pensava que nele havia frutose que se transforma em muitas calorias no seu corpo e essa ideia a deixava aterrorizada e a levava a vomitar No início do tratamento foram utilizadas técnicas cognitivocomportamentais e assim criouse em conjunto com a paciente uma formulação sobre o que ela considerava que disparava e mantinha seus com portamentos alimentares disfuncionais Foram feitas combinações sobre a regularidade das refeições e dos lanches e instituído o uso de registro de automonitoramento Além disso foi iniciada a pesagem colaborati va nas consultas com a construção de um gráfico de peso para acompanhar as modificações que estavam de fato ocorrendo e diminuir o medo de engordar descontroladamente A paciente foi incentivada a não se pesar fora da sessão Nos primeiros atendimentos foi necessário tentar conter as angústias da paciente para vincularse a ela Apesar de alguma ambivalência Mariana mostravase motivada para o tratamento e sentia alguns de seus sintomas especialmente os vômitos e os rituais como egodistônicos A família foi vista para colaborar na avaliação e também para receber orientações sobre o TA e o tratamento no entan to no caso não foi realizada terapia familiar como parte do tratamento Após alguns percalços iniciais como a relutância em realizar o automonitoramento Mariana foi con seguindo compreender melhor o círculo vicioso de seus sintomas e adquirir mais controle sobre seus epi sódios de compulsãopurgação que seguiam ocorrendo com menor frequência Em determinada sessão a paciente reclamou que os pais não entendiam o porquê de ela não conseguir parar de vomitar Aos poucos conseguiu explicitar a raiva que sentia por eles a deixarem de lado A paciente demonstrava grande ambi valência com relação aos vômitos embora referisse querer parar de vomitar não conseguia Eles eram seus acompanhantes e alívio de angústias enquanto vomitava não precisava pensar que embora já tivesse mais de 23 anos não havia construído nada para si somente terminado a escola A paciente conta que a mãe engravidou dela aos 17 anos e seu pai não assumiu a paternidade Desapareceu durante 22 anos Há um ano somente ele havia reaparecido em sua vida devido a um contato de Mariana Durante a infân cia morou na casa dos avós maternos até que por volta dos seus 7 anos sua mãe casou com o padrasto a quem Mariana chamava de pai Após dois anos a mãe engravidou de outra menina A paciente informou ter um péssimo relacionamento com a irmã porque as duas discutiam e brigavam pela atenção do casal Após algumas semanas de tratamento Mariana parou de vomitar mas também parou de comer Os vômitos cessaram porque a mãe não deixava a filha sozinha parecia que estava começando a olhar para ela Assim durante quase dois meses de tratamento fazendo sérias restrições foi perdendo peso e o IMC ficou próximo a 17 O diagnóstico migrou para anorexia nervosa do tipo purgativa Mariana relatava que era impossível seguir com o alimento dentro de seu corpo e a distorção da imagem corporal tornouse pro gressivamente mais evidente Ela acreditava que se comesse e não vomitasse todo o alimento iria trans formarse em gordura Seu sofrimento era intenso pois percebia pelas roupas que estava perdendo peso mas ao ver sua imagem refletida no espelho enxergavase gorda cheia de gordura e banha na barriga Foi trabalhada sua alteração na percepção do próprio corpo por meio de monitoração da checagem corpo ral orientações e educação sobre o uso de espelhos e comparações com os outros Com o auxílio da psico terapia a paciente começou a melhorar o relacionamento com seu corpo e com suas imperfeições Isso Continua 684 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua permitiu à Mariana tornarse consciente de pensamentos sobre sua aparência e da importância desta na avaliação de seu valor pessoal Nas consultas com a nutricionista da equipe a paciente recebia orientações psicoeducativas planeja va como experimentar os alimentos proibidos não pular refeições e melhorar seu padrão alimentar Ma riana trazia o registro de automonitoramento às consultas com a psicoterapeuta para entenderem como se sentia no momento das refeições bem como antes e depois delas A paciente relatava grande ansiedade nessas situações com medo constante do alimento como se fosse um terror sem nome Para a paciente era difícil fazer associações de como se sentia e de onde vinha o medo da comida A necessidade do padrão regular da alimentação foi enfatizada com três refeições e três lanches diá rios Após ingerir mesmo uma pequena refeição a paciente registrava a crença de ter comido demais e es tar com o estômago cheio o que permitia identificar que a interpretação dos sinais fisiológicos de fome e saciedade estava perturbada devido às consequências fisiológicas do estado de inanição e de suas dificul dades em discriminar estados internos de modo geral Além disso era uma reação com forte componente cognitivo resultante da atenção demasiada dirigida às sensações abdominais que ficavam amplificadas Ao mesmo tempo a sensação de estar entupida era entendida pela psicoterapeuta como a dificuldade de conter os elementos que não podiam ser simbolizados pela paciente Como não estava mais vomitando Mariana não conseguia seguir o esquema alimentar sem fazer res trições tinha muito medo de comer e perder o controle sobre a comida No entanto aos poucos foi se apro ximando da comida e dos seus medos internos e passou a questionar se poderia realizar alguma atividade profissional para não ficar ociosa em casa Dessa forma combinouse que quando atingisse o IMC de 19 poderia buscar um trabalho Essa sessão marcou o início de uma mudança do comportamento alimentar e o modo de se perceber como pessoa A paciente sentiuse encorajada e fortalecida com a confiança deposi tada nela pela psicoterapeuta reforçando o vínculo e a capacidade de ser da paciente Após essa sessão passou a seguir as orientações alimentares e consequentemente iniciou a recuperação do peso Mesmo que a paciente ainda estivesse muito assustada com o aumento do peso aos poucos foi fazendo aproxi mações com a comida Por vezes assustavase e tinha muito medo de engordar sem parar mas conse guia não provocar os vômitos Ao longo desse tempo Mariana teve algumas compulsões que começavam a ganhar significados Ela já percebia que ao ficar com raiva de alguém em casa em vez de demonstrar o que sentia ou comia em excesso ou fazia restrições alimentares A destrutividade da paciente aparecia também na transferência com a raiva por ter que se alimentar e pelo tratamento a estar engordando Ainda que a paciente com anorexia se sinta nas mãos dos outros e viva em função do desejo do outro ela se mostra dócil obediente e controladora Há uma alternância entre dominar e ser dominada destruir e ser destruída42 A abordagem dessa destrutividade na transferência é fundamental para tratar tais patologias Assim com a continência da psicoterapeuta que mesmo atacada estava sempre disponível para atendêla no seu horário a pacien te percebeu que seus ataques não destruíam nem a terapeuta nem o vínculo terapêutico Suas ansiedades persecutórias diminuíram e houve um aprofundamento de confiança e colaboração Conforme a modificação do padrão alimentar acontecia a paciente conseguia na psicoterapia recons truir e dar significados a sua história de vida Nesse momento do tratamento as técnicas cognitivocom portamentais já não faziam parte das intervenções da psicoterapeuta Os recursos utilizados para anali sar o material trazido por Mariana eram todos considerados ferramentas de psicoterapia de orientação psicanalítica Psicoterapia de orientação analítica 685 Continuação A paciente passou a lembrar que com a separação dos pais ela e sua mãe foram morar com os avós maternos e do quanto se percebia como um estorvo e um peso na vida mãe que tinha pouco tempo para a filha Mariana tinha a sensação de nunca ter sido amada pela mãe como gostaria Ela lembrava do quan to haviase esforçado para ser uma boa filha boa aluna e uma excelente dona de casa já que a mãe tinha aversão aos cuidados domésticos Contudo ela sentia que por mais que fizesse esforços sua mãe nunca estaria satisfeita com seu desempenho Ela associava sua perda de peso e a busca pelo corpo perfeito com a busca do olhar da mãe e quem sabe também do pai sobre ela olhar esse que sentia não ter sido lançado quando ainda era muito pequena Viase só com suas angústias sem ninguém para acolhêlas e devolvê las de forma a serem assimiladas como afetos Certo dia Mariana veio muito assustada para a sessão pois tinha feito muitas restrições na semana Contou que tomou um café da manhã saboreandoo e logo após veio a ideia de que todos aqueles alimen tos iriam engordála Sentiuse tomada pelo medo vulnerável Havia uma dificuldade na paciente em dis tinguir a necessidade do desejo Saborear um alimento era sentir seu gosto e alimentarse por necessida de era satisfazer uma falta fisiológica exatamente como um bebê22 A interpretação dos significados in conscientes dos pensamentos íntimos da paciente representava na transferência a repetição da relação de dependência com seus pais Assim uma interpretação sobre as dificuldades da paciente por vezes era sentida como algo acusatório que reforçava seu senso de inadequação e ineficácia Bruch13 sugere como método terapêutico o uso construtivo da ignorância que busca estimular o surgimento das capacidades da paciente de pensar por si mesma sendo ativa em seu processo terapêutico e desenvolvendo autonomia iniciativa e senso de responsabilidade na exploração de seu mundo interno Mariana nessa etapa do tratamento já não apresentava sintomas do transtorno alimentar Ela come çou a construir seu desejo de voltar para a faculdade que havia largado porque se considerava incompeten te A paciente estava trabalhando Falava com carinho da irmã que não era mais vista como uma rival mas como uma aliada Ela havia percebido que não precisava ficar doente para receber o olhar e a compreen são da mãe Ela se sentia amada mesmo sem ser a filha perfeita o que era um reflexo da melhora de sua au toestima Além disso estava mantendo contato com o pai O tratamento dos transtornos ali mentares requer uma abordagem comple xa que necessita integrar profissionais de diversas áreas Portanto costuma ter me lhores resultados quando instituído por uma equipe que fale a mesma linguagem entre si e com a paciente e que possa fun cionar de forma coesa evitando dissocia ções A paciente deve ser constantemente avaliada quanto aos riscos decorrentes dos padrões alimentares disfuncionais e às os cilações emocionais sendo a segurança uma prioridade A abordagem psicoterápica deve le var em consideração as peculiaridades dos sintomas e as características psicológicas da paciente e raramente apresenta resultados positivos em casos extremos de desnutri ção Em pacientes que apresentam indica ção a abordagem psicodinâmica pode con tribuir de forma significativa no processo terapêutico em especial quando utilizada de forma complementar ou integrada a abordagens mais específicas ao controle dos sintomas como a terapia cognitivo comportamental 686 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A supervalorização da forma e do peso corporais bem como do controle sobre o corpo e a alimentação consiste na psicopatologia específica da anorexia nervosa da bulimia nervosa e de síndromes parciais 2 A compreensão transdiagnóstica desses transtornos que destaca as semelhanças entre os quadros e assinala o fenômeno da migração diagnóstica ao longo do tempo refletese em múltiplos aspectos da compreensão emocional e da abordagem terapêutica 3 Da perspectiva psicanalítica não há um modelo de compreensão único acerca dos conflitos inconscien tes dos TAs 4 Os TAs têm sido particularmente difíceis de tratar devido a sua natureza egossintônica Em função disso a integração de abordagens motivacionais à abordagem psicoterápica é recomendada 5 Especialistas em TAs indicaram usar intervenções que integram abordagens comportamentais e psico dinâmicas 6 É de fundamental importância assinalar a necessidade de avaliação de riscos pois os TAs estão asso ciados a várias complicações clínicas graves muitas delas potencialmente fatais como arritmias cardíacas 7 O paradigma psicodinâmico proporciona uma compreensão da dimensão psicológica das pacientes auxiliando os terapeutas envolvidos no atendimento a conter sentimentos transferenciais e contra transferenciais e facilitando o desenvolvimento da aliança terapêutica 8 As preocupações com peso e comida deslocam a experiência emocional que é desconfortável ou amea çadora a partir daí a intelec tualização das próprias dificuldades e os mecanismos de defesa de cisão são os mais utilizados para que as pacientes não entrem em contato com os próprios sentimentos 9 A psicoterapia deve ajudar essas pacientes a entender o significado dos sintomas e a buscar formas de controlar os modos desadaptados de lidar com os conflitos 10 Objetivos psicológicos de longo prazo buscam resolver as vulnerabilidades subjacen tes como autoes tima frágil autoimagem negativa deficiências na autoconfiança e desenvolver a habilidade de regular os afetos sem lançar mão dos comportamentos do TA 11 A psicoterapia psicodinâmica objetiva clarificar os conflitos internos desenvolver conexões que possam ser satisfatórias e prazerosas e proporcionar à paciente uma experiência maturacional corretiva sendo a relação terapêutica um modelo 12 Em um primeiro momento o psicoterapeuta deve ter um papel mais ativo sendo desejável uma atmos fera colaborativa entre paciente e terapeuta com evitação de silêncios de interpretações profundas e de neutralidade austera 13 Observar expressões afetivas visíveis ou contradições entre as comunicações verbais e não verbais permite focar na experiência vivida em oposição a construções intelectualizadas 14 Na contratransferência o psicoterapeuta irá experimentar os mesmos sentimentos de desesperança raiva ou até mesmo fome que a paciente reprime sendo fundamental que seja capaz de conter essas projeções e experimentálas sem atuar 15 Preocupações com o corpo são persistentes no entanto questões interpessoais e psicológicas passam a ocupar uma proporção muito maior da experiência subjetiva da paciente Essa redução das preocu pações somáticas e o aumento de interesse em outros aspectos do mundo emocional ocorrem devido a uma ampliação das capacidades e dos interesses Psicoterapia de orientação analítica 687 REFERÊNCIAS 1 Sadock BJ Sadock VA Ruiz P Kaplan Sadocks comprehensive textbook of psychiatry 9th ed Philadelphia Lippincott Williams Wilkins c2009 2 Fairburn CG Harrison PJ Eating disorders Lancet 2003361935540716 3 Treasure J Claudino AM Zucker N Eating disorders Lancet 2010375971458393 4 Van den Eynde F Treasure J Neuroimaging in eating disorders and obesity implications for research 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JRE Goss K Eating and its disorders Chichester WileyBlackwell 2012 Wiley series in clinical psychology p 524 Dor é um dos principais sinais de alarme para proteção da vida e da integridade do organismo humano É portanto um me canismo adaptativo Sua percepção leva o indivíduo ao conhecimento de que algo es tá ameaçando sua saúde despertando a ne cessidade de se proteger A dor aguda DA cumpre bem essa finalidade Entretanto quando a situação básica se prolonga a persistência da dor pode se tornar ela pró pria um problema a mais já que é capaz de desencadear um grau de sofrimento li mitante e modificador do comportamen to A dor crônica DC com frequência tornase uma situação que exige uma abordagem terapêutica específica e com plexa É a causa mais comum de consulta médica afetando cerca de 20 a 30 da po pulação em geral13 Clínicos de muitas es pecialidades encontram seguidamente pa cientes que descrevem a dor intermitente p ex cefaleia crônica ou persistente p ex dor lombar como a condição primá ria pela qual buscam tratamento ou como uma complicação de um transtorno clínico subjacente p ex doenças reumatológicas neurológicas câncer A abordagem do paciente com DC re quer habilidades específicas incluindo sua avaliação abrangente e o desenvolvimento de um tratamento multidisciplinar pro gramado para enfrentar a dor bem como os aspectos físicos socioambientais espiri tuais e comportamentais associados4 Para melhor compreensão da abordagem psico dinâmica indicada para esses pacientes des creveremos alguns conceitos básicos sobre o estímulo doloroso e sua percepção os tipos de dor mais frequentes os aspectos psiquiá tricos e psicodinâmicos envolvidos e a im plementação da psicoterapia de orientação analítica focada no paciente com DC NOCICEPÇÃO E DOR A dor pode ser considerada pelo clínico co mo apropriada ou desproporcional para a extensão do dano tecidual Isso se clarifica pela distinção entre nocicepção e dor 40 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE COM DOR CRÔNICA Alexandre Annes Henriques Lorena Caleffi Pedro Schestatsky Rogério Wolf de Aguiar 690 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Nocicepção é a atividade produzida no sistema nervoso por um estímulo potencialmente lesi vo que pode ser mecânico químico eou térmi co Dor é a percepção dessa nocicepção mas como outras percepções é modulada por fato res culturais circunstanciais de gênero afeti vos entre muitos outros4 Em outras palavras a dor pode ser considerada uma emoção não apenas uma sensação tal como o tato e a pro priocepção As síndromes dolorosas podem ser no ciceptivas ou musculoesqueléticas neu ro páticas mistas ou funcionais dor sine ma teria As nociceptivas tendem a ser con gruentes com o grau de lesão tecidual ao passo que as neuropáticas costumam ser aberrantes induzidas por lesões no próprio sistema nervoso seja em nível periférico p ex diabetes seja em nível central p ex esclerose múltipla DOR REAL VERSUS DOR EMOCIONAL Com frequência psiquiatras e psicólogos são chamados para fazer o diagnóstico dife rencial entre dor real e emocional Na verdade este é um falso dilema se o pacien te se queixa de dor há dor real A única exceção são os pacientes simuladores que mentem de forma voluntária e consciente sobre suas sensações Eles inventam uma falsa informação em geral com o objetivo de obter algum ganho secundário seja fi nanceiro seja emocional p ex a atenção da família Nos demais casos a pessoa que se queixa de dor está de fato vivenciando uma sensação desagradável que identifica como dor seja conversiva hipocondríaca alucinatória dores funcionais seja por uma lesão tecidual em sua origem dor or gânica O que varia é o percentual de fato res psicológicos e orgânicos na gênese e na manutenção da dor5 ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS E NEUROPLASTICIDADE Mecanismos centrais e periféricos de per cepção da dor são dinâmicos e mutuamen te interativos O estímulo nociceptivo per sistente promove mudanças morfológicas e funcionais nas estruturas neurais as quais reforçam a própria nocicepção fazendo com o decorrer do tempo aumentar a sen sibilidade ao estímulo doloroso sensibili zação Essa mudança é sustentada por pep tídeos e neurotransmissores A sensibiliza ção resulta em hiperalgesia e também ocor re em nível central não somente periférico tendo sido encontrada reorganização do córtex primário somatossensorial em es tudos de percepção de membro fantasma sugerindo que a plasticidade neuronal po de se estender ao cérebro após um quadro doloroso persistente Mudanças neuro plásticas que resultam na experiência de dor aumentada alteram a função primária da dor que é a de sinalizar ao organismo uma ameaça em potencial ou real a sua integridade biológica Ou seja a dor carac terística da DC passa a ser uma percepção desestabilizadora sem valor protetor ao in divíduo Da mesma forma processos psicoló gicos de estresse e afeto são governados por centros cerebrais ligados às vias da dor que informam estruturas cerebrais suprasseg mentares sobre a presença dessa dor Tais estruturas são responsáveis pela aversão e pelo desprazer associados ao estímulo no ciceptivo Quando essa percepção de des prazer da dor se confunde com o desprazer Psicoterapia de orientação analítica 691 ocasionado por uma situação de estresse o indivíduo pode decodificar a presença de uma dor física em vez de uma dor psíquica Assim a divisão cartesiana entre psi que e soma é em geral imprecisa Esse contrassenso anatômicoconceitual irá po tencializar intervenções terapêuticas inade quadas e por vezes iatrogênicas6 O exem plo mais comum é visto naqueles pacientes com múltiplas intervenções cirúrgicas da coluna vertebral por lombalgia DOR A partir de alguns conceitos básicos de no cicepção e percepção dolorosa fica mais compreensível a definição atual universal mente aceita e empregada de dor Dor é uma experiência sensória e emocional desagradável associada a um dano tecidual real ou potencial ou descrita em termos de tal dano Desde 1979 essa definição sugerida pelo Comitê de Taxonomia da Associa ção Internacional de Estudos sobre a Dor IASP inclui os aspectos nociceptivos e emocionais ligados à percepção da dor além do aspecto descritivo e da linguagem usada para expressála57 A incapacidade de comunicar verbalmente a sensação dolorosa não exclui sua ocorrência já que dor é sempre subjetiva não havendo exames complementares capazes de men surála DOR CRÔNICA A definição de dor crônica na literatura implica uma duração que varia de um8 a seis meses9 Em algumas doenças como enxaqueca e osteoartrite por apresenta rem peculiaridades temporais ocorrência durante anos com agudizações tais crité rios temporais podem não se aplicar Para alguns pesquisadores a duração de três ou mais meses seria suficiente para o diagnós tico de DC10 O reconhecimento da contribuição dos diversos fatores nociceptivos e não nociceptivos impulsionou esforços para formular modelos capazes de explicar a heterogeneidade da dor crônica O mode lo biomédico que tem dominado o pen samento sobre dor aguda caracteriza dor simplesmente em termos de estímulo noci vo e das vias neurais aferentes que servem à nocicepção Sob uma perspectiva terapêu tica esse modelo sugere que a erradicação ou a diminuição da nocicepção per se é suficiente para aliviar a dor e restaurar a função Esse modelo embora atraente por sua simplicidade várias vezes é inadequa do para explicar os comemorativos clínicos associados à DC O apego ao modelo bio médico pode conduzir a tratamento inade quado e ineficaz4 De modo mais abrangente Melzack e Wall11 propuseram um modelo mul tidimensional para a experiência de dor uma dimensão sensóriodiscriminativa uma motivacionalafetiva e uma terceira cognitivoavaliativa A primeira dimen são sensóriodiscriminativa referese aos aspectos informativos e adaptativos que podem caracterizar alguns aspectos da dor particularmente dor aguda decorrente de lesão tecidual os quais podem fornecer informação espacial temporal e quantita tiva acerca do estímulo nociceptivo Essa informação provavelmente é transmitida por vias sensitivas aferentes rápidas A di mensão motivacionalafetiva que reflete o componente reativo à dor pode ser media da por vias aferentes polissinápticas em co nexão com neurônios reticulares do tronco cerebral e com o sistema límbico Presume 692 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs se que impulsos para o córtex modulariam a dimensão cognitivoavaliativa mas esse processo é menos conhecido Mais recentemente o modelo biopsi cossocial vem sendo empregado pelos pro fissionais que se dedicam ao manejo da dor tanto em termos de compreensão dos casos como emprego de intervenções tera pêuticas Tal modelo foi teorizado e inves tigado pelo médico internista e psiquiatra com formação psicodinâmica George L Engel12 Como os fatores biológicos e psi cossociais associados à dor modificamse com o tempo bem como as suas interrela ções esse modelo tem explicado a nature za dinâmica das síndromes dolorosas e da heterogeneidade das evoluções funcionais Nesse contexto devemos considerar todos esses aspectos ao programar um plano te rapêutico para o paciente Além de a DC ser um sintoma e não fornecer sinais físi cos óbvios ela é também uma experiência solitária que não pode ser compartilhada com terceiros Essa situação tem um pro fundo impacto na vida laboral social e fa miliar do indivíduo Isolamento e conflitos são comuns com essas mudanças influen ciando de modo negativo na capacidade da construção de relacionamentos e de envol vimento em situações gratificantes Tais fa tores são cruciais na perda de qualidade de vida dos pacientes Tipos clínicos de pacientes com dor crônica Agrupar os pacientes em categorias clinica mente distintas é útil uma vez que a melhor abordagem terapêutica pode ser bastante di ferente em cada uma delas Uma classifica ção possível é a que apresentamos a seguir a Uma primeira grande demarcação entre os tipos clínicos de dor é a diferenciação entre dor aguda e dor crônica A dor aguda em geral é acompanhada de ma nifestações predominantes de ansiedade e de comportamentos mais específicos em busca de alívio da dor enquanto a dor crônica costuma estar associada a manifestações depressivas e a comporta mentos muito mais complexos às vezes até ambíguos A dor aguda portanto está cumprindo uma função adaptativa sendo um poderoso sinal de alarme de que algo não está bem no organismo Por sua vez a dor crônica seguidamente se torna um problema em si e costuma estar associada a sentimentos e comportamen tos maladaptativos As alterações com portamentais que podem se desenvolver em quadros de doença crônica inclusive a síndrome dolorosa dependem muito dos aspectos psicodinâmicos de cada pessoa b Dor aguda recorrente ou dor crônica recorrente p ex cefaleia algumas ar trites dismenorreia quando o paciente apresenta características comportamen tais do tipo doloroso crônico o manejo é semelhante ao das demais dores crônicas c Dor crônica associada a câncer muitas vezes é uma mistura de dor aguda as sociada a procedimentos médicos even tuais dor aguda recorrente e dor crônica tanto nociceptiva quanto neuropática Nesse caso os opioides representam a principal opção medicamentosa d Dor crônica devida a doença progressiva não maligna p ex hemofilia doenças do colágeno fibromialgia nesses pa cientes a extensão o curso e as impli cações psicológicas da doença de base devem ser abordados como elementos essenciais da terapia da dor que deve ter como objetivo conforto e reabilitação e Dor crônica associada a lesão orgânica não progressiva p ex neuralgia pós herpética distrofia simpaticorreflexa dores associadas a lesões orgânicas que Psicoterapia de orientação analítica 693 não são ameaçadoras de vida nem ra pidamente progressivas Estão inclusas nesta categoria síndromes dolorosas musculoesqueléticas e neuropáticas Após a avaliação inicial que identifica a contribuição orgânica para a dor a melhor abordagem terapêutica deverá enfocar o alívio sintomático e a reabili tação f Transtornos psiquiátricos que podem apresentar sintomas dolorosos como parte do quadro clínico p ex transtor nos do humor transtornos de ansiedade transtornos somatoformes se ainda não houver cronificação dos sintomas dolorosos associados o foco terapêutico é no transtorno psiquiátrico primário g Pacientes que apresentam mecanismos psicológicos de somatização mais exa cerbados e não apresentam quadros orgânicos de dor nem transtornos psi quiátricos maiores o foco terapêutico é na estrutura de personalidade Predisposição a dor crônica Nos anos de 1960 seguindo o ponto de vis ta psicossomático da época Engel13 postu lou o conceito de paciente predisposto a dor pain prone patient definindoo co mo tendo uma estrutura de personalidade com tendências compulsivas e masoquis tas por sentimentos de culpa relaciona dos a impulsos agressivos inibidos para os quais a dor serve como uma expiação Na história da infância desses pacientes pode se constatar um acúmulo de abuso ou re chaço emocional brigas crônicas entre os pais ou separaçãodivórcio doença crônica ou morte de um dos pais início precoce de responsabilidades excessivas para a idade e grande exigência de conquistas Mais tarde Sulivan propôs a existência de um perfil ca tastrófico de resposta aos estímulos doloro sos aferido mediante escores recentemente validados para o português brasileiro14 Es se tipo de funcionamento costuma ser visto nos pacientes com fibromialgia caracte rizados por amplificar suas sensações em especial a dolorosa Alguns desses achados retrospecti vos puderam ser confirmados em estudos prospectivos nos quais uma predisposição a dor pôde ser realmente verificada O fa to de que traumas na infância podem ser fatores contributivos essenciais para um quadro posterior de dor crônica não é mais questionado Dor contínua após cirurgia lombar sem complicações foi um achado em pacientes com experiências traumati zantes na infância comparados com pa cientes sem esses traumas15 Assim pode se inferir que o desenvolvimento da per sonalidade na infância também influi na ocorrência posterior de dor crônica inclu sive por hiperativação e hipersensilização de vias dolorosas periféricas e centrais Há uma associação significativa entre abuso sexual na infância e dor pélvica crônica16 Porém é necessário enfatizar que a dicotomia entre dor puramente psicogê nica e puramente física como foi tenta do nos anos de 1970 é meramente didática e inviável na prática clínica Dor crônica é sempre um resultado da interação de nu merosos fatores físicos psicológicos so ciais culturais e não menos importantes iatrogênicos17 AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO A avaliação do paciente com dor é multidi mensional Muitos indivíduos não acredi tam nem aceitam que seja necessária uma avaliação psicodinâmica para sua condição dolorosa A ideia de que a condição seja 694 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs predominantemente de etiologia psico gênica pode contribuir para o estresse do paciente18 A presença de dificuldades psi cológicas não invalida a queixa do paciente nem elimina a possibilidade de uma con dição clínica não psiquiátrica ser a causa principal da dor10 Um encaminhamento para um psiquiatra não significa obrigato riamente que a causa da dor crônica seja psicogênica mas que pode haver fatores psíquicos que interagem de forma negativa com a dor Os pacientes com dor crônica apre sentam associação significativa com abuso de substâncias psicoativas como álcool benzodiazepínicos e opioides aqueles com doenças progressivas apresentam maior risco de suicídio19 A associação mais frequente de DC é com sintomas depressivos A prevalência de transtorno depressivo varia de 18 a 60 dos pacientes com dor crônica18 Outros diagnósticos associados com frequência são transtornos de ansiedade da persona lidade e de somatização A maioria dos estudos sugere que a dor crôni ca costuma preceder a depressão18 e suceder a dependência química e os transtornos de an siedade19 Quando a dor crônica precede a de pressão sugerese que o maior fator de sencadeante seja o estresse de viver com a dor Esse modelo de resposta depressiva aplicase especialmente às mulheres20 O momento de entrevista requer ha bilidade para poder se comunicar de forma mais profunda com o paciente identificar traços de personalidade e mecanismos de defesa bem como fazer um diagnóstico descritivo de um transtorno psiquiátrico Em geral esses pacientes mostram um po bre julgamento em relação a procedimen tos médicos de risco negam sentimentos agressivos e rapidamente se alternam entre a idealização e a desvalorização da equipe assistencial As flutuações tanto do humor como da cooperação podem ser sintomáti cas de uma ferida narcísica ou de um dano na autoestima bem como decorrentes de frustrações repetidas com abalo na con fiabilidade a terceiros Estimular a falar de sentimentos como a raiva é tão importante quanto estimular a falar da insônia ou da hérnia de disco assim como identificar as interrelações entre esses fatores p ex dorraivainsônia Também é crucial avaliar o grau de catastrofização do exame do estado mental do paciente A catastrofizacão é a distorção cognitiva mais estudada na literatura relacionada à percepção e ao ajuste psicológico à dor21 Vários pacientes desenvolvem ao longo do tempo mecanismos de defesa que aumentam sua capacidade de convi ver com a dor e perante o clínico podem contar uma longa história de dor intensa sem as manifestações de sofrimento que se veriam em um paciente com dor aguda22 A capacidade de adaptação ao sofrimen to ironicamente conduz esses pacientes a uma situação desfavorável diante do exa minador que pode duvidar de sua veraci dade Outros ao contrário aumentam de modo inconsciente a intensidade de suas queixas Comportamentos ritualizados para lidar com a dor podem ter certo grau ob sessivo e os pacientes desenvolvem teorias sobre os mecanismos da dor que refletem Psicoterapia de orientação analítica 695 uma maneira de raciocinar compatível com o processo primário de pensamen to Entretanto a psicose não é frequente Muitas vezes o paciente com dor crônica apresenta necessidades infantis de depen dência e passividade acentuada Verbali zam pobremente emoções e afetos tendem a permanecer preocupados com experiên cias somáticas em detrimento dos conflitos psíquicos e têm grande dificuldade para li dar com o luto A presença de uma condição física bem esta belecida não descarta a importância de fato res emocionais associados e viceversa Uma lesão tecidual ou uma doença física podem ser utilizadas de maneira inconsciente para obter satisfação de necessidades neuróticas como por exemplo livrarse das responsabilidades com exigências do trabalho ou afetivas Entre tanto a presença de conflitos psíquicos identi ficados não afasta necessariamente a presen ça de fatores orgânicos responsáveis pela dor por seu agravamento ou por sua manutenção A arte e o desafio de tratar o paciente com DC se constitui na capacidade de discernir a impor tância de cada um desses componentes AVALIAÇÃO PSICODINÂMICA O terapeuta psicodinamicamente informa do necessitará de paciência e flexibilidade ao lidar com pacientes com dor crônica15 As entrevistas iniciais de avaliação costu mam durar uma hora cada e são semidi rigidas Pedese ao paciente que fale dele mesmo com grande liberdade à sua ma neira Idealmente se intervém pouco É necessário buscar sob esse discurso oficial a verdadeira história a que ele conhece mas negligencia e sobretudo a de que ele não tem consciência reprimida23 Ao tomar conhecimento da longa his tória médica dos pacientes com DC per cebese em geral a quantidade de profis sionais que lhes dedicaram bastante tem po Entretanto eles têm a impressão de que não foram escutados e investem em convencer seus médicos da fisicalidade da dor24 É necessário privilegiar a escuta de uma forma diferente ou seja conside rando que quem escuta sabe menos sobre aquele que diz não se conhecer Essa escuta é uma forma de aprendizagem aprender a conhecer É importante não infantilizar o pa ciente assumindo uma atitude superprote tora com manifestações afetivas excessivas A aliança terapêutica deve ser o mais realis ta possível com esclarecimento e correção de expectativas e fantasias irreais O terapeuta deve desenvolver uma atenção especial à linguagem da somatiza ção Procuramse pistas por meio da des crição detalhada das características da dor e das consequências geradas na vida do paciente descobrindo ganhos e perdas Há ganho secundário Os sintomas encobrem dificuldades conjugais ou sexuais Existe algum conflito psíquico simbolizado pela dor Há tensão muscular crônica Há acha dos clínicos compatíveis com a dor É im portante que o paciente conte sua história evitandose o uso excessivo de perguntas dirigidas Caso o paciente comece a descre ver uma sucessão de tratamentos prévios procurase explorar o modo de enfrenta mento e os sentimentos associados a tais experiências dandolhe a oportunidade de expressar e refletir a respeito de seus afe tos25 Colhese uma história detalhada da vida atual e passada tentando identificar conexões entre eventos da vida e o início dos sintomas ou sua modificação Como é comum que o paciente refute qualquer re 696 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lação entre a dor e sua vida emocional as associações conscientes ou inconscientes são instrumentos úteis para validar os indí cios de conexões que possam existir Em al guns casos há referência a um histórico de pais emocionalmente distantes que com pensavam esse funcionamento somente quando a criança estava doente tornando se mais afetivos e disponíveis26 Dansak27 introduziu o conceito de ganho terciário que se refere a vantagens obtidas inconscientes ou não por terceiros familiares cuidadores ou outros em rela ção a uma pessoa com dor crônica Esses aspectos devem ser investigados De acordo com Joyce McDougall28 há dois gran des conceitos oriundos da pesquisa psicanalí tica sobre as afecções psicossomáticas o de raciocínio operatório criado pelos psicanalis tas da Sociedade Psicanalítica de Paris e o de alexitimia cunhado por Peter Sifneos nos Es tados Unidos O raciocínio operatório referese não apenas a um modo de relação com o outro como também a uma determinada maneira de pensar implica uma forma de relação objetal marcada pela pobreza de investimentos libidinais e ausência de reação afetiva diante de perdas ou outros acontecimentos traumatizantes O concei to de alexitimia referese à incapacidade de o sujeito nomear seus estados afetivos ou de descrever sua vida emocional Sifneos a princípio atribuiu essa carência a um distúrbio precoce de simbolização linguís tica Depois junto com Nemiah sugeriu a possibilidade de um defeito fisiológico es trutural Em ambas as hipóteses há uma falta de percepção de emoções em nível psíquico As emoções e os afetos ligados a sensações físicas sendo rejeitados pelo psi quismo do sujeito criam uma espécie de espaço psíquico vazio favorecendo somati zações Nessa linha a dor seria uma distra ção de sentimentos e pensamentos amea çadores prevenindo a expressão consciente deles Uma terceira possibilidade explorada pela Escola Psicanalítica de Paris é uma es pécie de histerização arcaica na qual já há um sentido simbólico em sintomas psicos somáticos à semelhança da conversão En tre os pacientes com DC é comum encon tramos os que sofrem a angústia de castra ção devido à má elaboração do complexo de Édipo gerando dores histéricas ou en tão psicossomáticos nos quais a angústia de perda do objeto é a principal Nesses ca sos a dor que é localizada em algum pon to corporal reassegura que ele não perdeu partes do seu corpo último investimento afetivo que faz ao retirálo do objeto idílico ideal a mãe23 Tanto o vazio da vida afetiva em ní vel psíquico quanto a falta de identidade do eu são supridos pelo sintoma psicos somático e pela dor Ainda que à custa de sofrimento dessa maneira o psiquismo do sujeito se percebe como corpo e portan to como identidade Os sintomas psicosso máticos mesmo que regressivos e às vezes perigosos para a integridade vital do sujei to ainda assim teriam um compromisso com a manutenção da integridade psíquica e da vida No transtorno doloroso tudo co meça a girar em torno da lesão e da dor o indivíduo pode até ter a impressão de que tudo está programado ao redor da dor per sistente O fato de esse processo poder ser observado com frequência levou ao surgi mento da expressão função psicoproté tica da dor pois o indivíduo fica com a impressão de que a dor o mantém com o senso de si mesmo e paradoxalmente lhe dá estabilidade17 Psicoterapia de orientação analítica 697 MECANISMOS DE DEFESA E DOR CRÔNICA Podemse identificar vários mecanismos de defesa em pacientes com comportamento doloroso crônico Entre eles destacamse os seguintes a Conversão há um caráter simbólico pre dominante na gênese e na manutenção da dor é um mecanismo característico do tipo psicogênico de dor b Narcisismo alguns pacientes tentam se proteger em um mundo imaginário de invulnerabilidade e poder de forma a evitar sentimentos quase insuportáveis de desamparo Muitas vezes essas pes soas são extremamente preocupadas com o sucesso Ser bemsucedido é um campo no qual alguém pode construir suas próprias habilidades objetivando um sentimento de autonomia estabi lidade força e autoconfiança Porém a construção prova ser frágil se a eficiência da pessoa for subitamente diminuída por uma lesão física ou uma doença e o indi víduo se torna dependente da ajuda de outro Isso pode levar a uma reativação dos sentimentos infantis de desamparo e a uma consequente crise psicossocial17 c Estados de tensão psicovegetativos em geral sensações físicas acontecem junto com emoções sendo chamadas de cor relatos emocionais Porém quando o desenvolvimento e a diferenciação das emoções inatas em sentimentos psiqui camente percebidos não transcorrem com sucesso durante os primeiros anos de formação da personalidade é possível que os sintomas físicos apareçam dis sociados da experiência emocional e o indivíduo então não consegue conectá los com os processos mentais d Negação Fernandez e Turk29 con cluíram que as pesquisas tradicionalmente têm enfocado mais a ansiedade e a depres são associadas à DC pois a maioria dos pacientes encobre sentimentos especial mente a raiva por meio do mecanismo de defesa inconsciente da negação Com a negação a comunicação dos impulsos agressivos fica mascarada e de mais difícil percepção por parte do examinador e Dissociação é mais comum de ocorrer em pessoas que sofreram abuso ou trauma na infância A dissociação difi culta ainda mais o senso de integração do paciente acarretando respostas não adaptativas no contexto da DC f A dor também pode funcionar como mecanismo de defesa contra uma dor psíquica considerada inconsciente mente insuportável pelo paciente Tal situação é mais comum quando há uma correlação cronológica com algum evento importante de vida e o início ou a alteração de um quadro de dor Situações de vida por exemplo podem ser a perda de uma pessoa afetivamente importante perdas financeiras ou ainda perda da própria saúde física Incluemse nesse grupo ainda casamento nascimento de filhos promoções formatura mudança para casa própria os quais representam ganhos objetivos mas podem ser vi venciados com aumento de ansiedade medo aumento de responsabilidade g Outros mecanismos de defesa que podem ser identificados são cisão projeção das partes dolorosas do self formação reativa e regressão de leve a grave A equipe terapêutica pode ser então raivosamente rejeitada quando percebida como persecutória Desper sonalização embora rara pode ser um recurso defensivo empregado para lidar com a dor intensa persistente Distorções graves da imagem corporal acontecem devido à sobrecarga das funções integra tiva e sintética do ego 698 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Laura mulher com cerca de 45 anos de idade solteira vive sozinha sem filhos procurou atendimento no Serviço de Dor por reagudização há oito meses de um quadro de enxaqueca cefaleia tensional crônica e cervicobraquialgia diagnosticadas com radiografias e exame neurológico e tratadas anteriormente So mente após várias sessões pôde relacionar a piora da dor com a perda de um relacionamento amoroso im portante A princípio Laura apenas se preocupava em relatar seus sintomas físicos e queixarse de que não percebia alívio da dor negando qualquer sentimento importante quanto à interrupção de sua relação amo rosa Quando ficou claro que a paciente não tomava as medidas terapêuticas necessárias para o alívio da dor que ela conhecia uso de analgésicos e fisioterapia percebeuse que estava mantendo a dor física a fim de não se defrontar com a dor da perda Ao compreender essa correlação a paciente conseguiu mudar o foco de suas sessões centrandose em sua decepção e na raiva do excompanheiro Essa mudança de foco permitiu que ela expressasse e elaborasse seus sentimentos em relação à dor da perda e tomasse as medi das adequadas para um alívio efetivo de suas dores físicas Tratase aqui de um nítido uso defensivo da dor física para evitar os sentimentos e os significados mais dolorosos em um nível psíquico TRATAMENTO É preciso ter em mente que ao tratar em psicoterapia um paciente portador de DC será necessário manter contato com profissionais de outras áreas médicos en fermeiros fisioterapeutas e abordar aspectos relacionados a uso de medicação p ex expectativas fantasiosas de solu ções completas por parte dos medicamen tos frustração com efeitos colaterais e sin tomas persistentes Os múltiplos fatores envolvidos na DC determinam variados tratamentos Dessa forma quase sempre o paciente está realizando múltiplos trata mentos medicamentoso fisioterapia ci rurgias exercícios físicos e posturais acu puntura relaxamento entre outros que fazem parte do tratamento multidiscipli nar e multimodal em DC Invariavelmen te isso implica contatos entre os profissio nais para melhor coordenar o tratamento e evitar dissociações por parte do paciente o que não é raro Em muitos casos a pre sença do psicoterapeuta na equipe exerce um papel aliviador da pressão transferen cial que o paciente exerce sobre todos os que o tratam Ele pode auxiliar os demais membros da equipe a manejar de maneira mais satisfatória as demandas do paciente Nesses casos o psicoterapeuta terá de usar suas habilidades para participar de um tratamento dessa ordem e tentar manter o enquadre da psicoterapia de orientação analítica Psicoterapia psicodinâmica Os pacientes com sintomas psicossomá ticos em geral estão no limite do alcan ce das psicoterapias psicodinamicamente orientadas Pelo pensamento operatório pela alexitimia e pela expressão corporal de seus sentimentos criase uma dificul dade particular à abordagem pela palavra e pela busca de significados simbólicos em seus sintomas Uma revisão sistemática de 200130 sobre o tratamento psicodinâmico em dor crônica indicou algumas adapta ções técnicas necessárias nesse contexto Psicoterapia de orientação analítica 699 a realizar uma abordagem um pouco mais estruturada e suportiva pelo menos no início do tratamento b o terapeuta deverá ter uma função de holding mais desenvolvida Lakoff31 entretanto defende ser pos sível trabalhar psicodinamicamente com esses pacientes Lembra Freud32 É de conhecimento universal que a pessoa atormentada por dor orgânica e desconforto perde seu interesse pelas coisas do mundo externo na medida em que elas não se referem ao seu sofri mento Uma observação mais de perto nos ensina que ela também retira seu interesse do seu objeto de amor tan to quanto ele sofre ele cessa de amar Contudo a abordagem de Freud foi mais focada em pacientes cuja dor era con siderada totalmente psicogênica Depreendese que o paciente com DC perde seu interesse na família nos amigos e na equipe terapêutica A compreensão da dinâmica das relações familiares é de gran de importância pois muitas vezes a famí lia está ambivalente ora superprotegendo o paciente estimulando a sensação de inca pacidade e dependência ora rechaçandoo privandoo dos cuidados necessários por se sentir usada por ele A pedra angular da psicoterapia dirigida ao in sight é um profundo conhecimento da história do desenvolvimento do paciente sobre a qual se possa formular um modelo psicogênico que explique pelo menos em parte seu comportamen to doloroso31 e sua situação atual Um objetivo essencial no tratamen to é auxiliar o paciente na compreensão e na aceitação de que a dor é potencializada e perpetrada pelo estresse Nesse ponto o paciente começa a reconhecer a relevância dos aspectos psíquicos envolvidos A abor dagem psicodinâmica não foca somente as pectos de vida atuais estressantes mas tam bém a exploração de fontes inconscientes de estresse como traços de personalidade e eventos traumáticos relevantes33 Nesse sentido a psicoterapia psicodinâmica faz o caminho inverso da nocicepção auxilian do o paciente a desfazer a sobreposição entre estímulo nociceptivo e estímulo psíquico dolo roso Ao mesmo tempo o espaço psíquico dei xado vazio descrito aqui passa a ser preen chido por novos significados desta vez emo cionais com uma nova nomenclatura para os afetos A relação terapêutica é essencial Os pacientes ao perceberem que sua DC e eles próprios são levados a sério sem o temor de se tornarem psicologicamente rotula dos tornamse preparados para colaborar em seu autoconhecimento Uma aliança terapêutica estável e uma relação de con fiança precisam ser mencionadas como os fatores principais nesse contexto Do ponto de vista psicodinâmico o tratamento foca especialmente as experiên cias que o paciente teve em seus relaciona mentos precoces que são representados na relação terapêutica Em geral a psico terapia psicanalítica aborda os significados simbólicos das experiências Porém no caso da abordagem do paciente com DC nem sempre é tão importante dar ao sin toma exceto na conversão um significado simbólico mas perceber a dor como um registro de experiências interativas que o paciente teve em seus primeiros anos de vi da No aqui e agora da relação terapêutica também ocorrem experiências de relacio namento que corrigem seu modelo interno 700 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs do mundo Acima de tudo as referências emocionais e portanto físicas são regula das para uma forma nova e mais adaptati va Desse modo tais processos nem sempre são muito ligados ao insight mas à vivência da relação propriamente dita Alguns aspectos de uma relação tera pêutica não são primariamente acessíveis ao insight Precisam ser oferecidos dentro da relação terapêutica e talvez possam ser experimentados em um nível simbólico O objetivo principal dessa abordagem que pode ser atribuída à psicanálise é a reinte gração das emoções aos processos mentais simbólicos disponíveis e como resultado a obtenção de um nível mais alto de ajusta mento As conversações têm um significa do de fundo e o modo como as relações são experimentadas fisicamente muitas vezes é a parte mais importante do pro cesso terapêutico Portanto também não é coincidência que elementos de terapia pela dança musicoterapia e diferentes tera pias orientadas para experiências corporais sejam integrados com sucesso à abordagem psicoterapêutica psicodinâmica17 Ninguém se habitua à dor intensa É possível porém desenvolver adapta ções do ego a fim de conviver com a DC A contrapartida é que a dor crônica pode acentuar traços neuróticos tendo como consequência distorções de ego e restrições da personalidade Existe um número significativo de tentativas de entender a dor como um as pecto da psicologia do ego Freud34 cha mou a atenção para a semelhança da dor física com a experiência da perda de um objeto Schilder em 1957 notou que a dor precisa ser localizada e então trazida em conexão com a organização da imagem corporal um conceito que é fundamental para entender como o corpo integra estí mulo doloroso e lida com ele Percebida do ponto de vista das fun ções do ego a dor não deve ser tão indepen dente da solução de compromisso A psico terapia interpretativa conecta a dor com a experiência afetiva e reforça o ego promo vendo insight A DC pode então ser considerada uma crise acidental contínua na qual o funcionamento do ego é prejudicado de diversas formas Freud32 descreveu a hi percatexia da parte dolorosa acompanha da de regressão ao narcisismo Distorções da percepção da imagem corporal rela ções de objeto instáveis prejuízo laboral inca pacidade de concentração disfunção sexual e depressão com ideação suicida as sociados à dor também são característicos Bastiaans citado por Lakoff31 descreveu pacientes psicossomáticos como neuróti cos que pretendiam ser mentalmente sau dáveis e bemadaptados Ele afirmou que como resultado de seus intensos e crônicos esforços para manter essa pretensão eles precisam pagar um alto preço na forma de sintomas cor porais Isso é particularmente verdade em pacientes com dor cujo foco na qualidade sensorial da experiência dolorosa serve co mo defesa contra conflitos profundos No passado medidas cirúrgicas co mo cordotomia anterolateral tractotomia do tronco cerebral e ressecção talâmica eram realizadas em pacientes cuja dor ti nha sido rotulada como intratável antes de se considerar qualquer investigação e tratamento psicológico Nos dias atuais a participação de um psiquiatra ou psicólogo na avaliação de indicação desses procedi mentos é obrigatória O acidente ou a doença que iniciou a carreira dolorosa pode ser visto pelo te rapeuta como um núcleo ao redor do qual Psicoterapia de orientação analítica 701 muitos conflitos são engendrados Tais con flitos se originam em fixações precoces do desenvolvimento que foram antes do aci dente sendo compensadas por adaptações rígidas e distorções de caráter31 Também é fundamental a compreen são dos mecanismos inconscientes de defe sa utilizados pelo paciente que pode negar seus sentimentos tiranizar a família e obter ganhos primários e secundários com seus sintomas e ainda transferir essa maneira de se relacionar para a equipe assistencial Se a equipe não perceber o que está acon tecendo pode se envolver com as necessi dades mais regressivas do seu paciente re forçando a doença e não sua recuperação Recentemente grupoterapia de orien tação analítica tem sido indicada e empre gada em pacientes com transtorno dolo roso35 Outras modalidades psicoterapêuticas como a terapia cognitivocomportamental têm de monstrado algumas evidências no tratamento conjunto da DC36 Via de regra o psicoterapeu ta além de abordar as questões mais específi cas de como o paciente lida com a dor será re crutado para manejar psicoterapicamente ou tros transtornos como transtornos depressivos de ansiedade e também avaliará a necessida de de manejo farmacológico de tais condições Contratransferência É preciso destacar a importância dos sen timentos contratransferenciais os senti mentos suscitados no cuidador pelo in divíduo com dor crônica Eles são fortes e contraditórios No início uma grande sim patia pela vítima de um destino desgas tante acompanhada de uma necessidade de reparação eventualmente associada a um entusiasmo onipotente Mas por ve zes conjuntamente exasperação e rejeição diante do sentimento de impotência e de fracasso ganham espaço É preciso estar atento para que eles não contaminem mui to a formulação diagnóstica e as perspecti vas terapêuticas Se os sentimentos de frustração e im potência parecerem intoleráveis há o risco de se desenvolver uma relação de conluio Em alguns casos o terapeuta também pre cisa estar atento para o tipo de relação que se estabelece entre outros profissionais e o paciente a fim de prevenir que consequên cias iatrogênicas apareçam em função de uma relação de conluio CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância da abordagem psíquica ao paciente com dor crônica é cada vez mais reconhecida A própria IASP sustenta que a equipe assistencial para tratar pacientes com dor crônica deve ser composta por pelo menos um profissional da saúde mental médico psiquiatra ou psicólogo entre as quatro profissões essenciais A psicoterapia de orientação analítica é uma alternativa terapêutica interessante na composição do plano terapêutico do paciente com DC Ela pode ser empregada em um grupo maior de pacientes com dor e com certeza não somente como últi ma etapa para pacientes resistentes aos tratamentos habituais Além disso o mo delo psicanalítico tem muito a oferecer ao próprio funcionamento efetivo da equipe assistencial Contudo é difícil engajar o paciente com dor crônica em modalida des terapêuticas psicanalíticas tradicionais É provável que hoje esse seja o maior de safio ao psicoterapeuta psicanalítico nesse contexto 702 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Devese compreender a dor como uma experiência sensórioperceptiva que é modulada por um com plexo de fatores nociceptivos emocionais culturais circunstanciais e sociais 2 Reconhecer as características diferenciais dos tipos de dor principiando pela dor aguda e a dor crô nica é de fundamental importância 3 Há aspectos da personalidade do paciente que interferem na expressão dolorosa inclusive na predis posição para a cronificação da dor 4 É preciso conhecer os fenômenos neurofisiológicos e emocionais que interagem no quadro doloroso crônico 5 São descritos no capítulo alguns dos mecanismos de defesa inconscientes mais frequentes nos pacientes com dor crônica 6 Enfatizase a importância de uma anamnese cuidadosa que permita ao paciente explorar sua história pessoal associada aos sintomas dolorosos 7 Alertase para a necessidade de o terapeuta permanecer atento aos fenômenos contratransferenciais para manejar melhor o paciente 8 É preciso estar consciente de que a complexidade dos fatores em jogo nos pacientes com dor crônica indica um tratamento multidisciplinar o que por sua vez exige capacidade de trabalhar em equipe REFERÊNCIAS 1 Elzahaf RA Tashani OA Unsworth BA Jo hnson MI The prevalence of chronic pain with an analysis of countries with a Human Development Index less than 09 a 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validation of the Brazi lian Portuguese version of the pain catastro phizing scale Pain Med 20121311142535 15 Taylor GJ The challenge of chronic pain a psychoanalytic approach J Am Acad Psycho anal Dyn Psychiatry 20083614968 16 Latthe P Mignini L Gray R Hills R Khan K predisposing women to chronic pelvic pain systematic review BMJ 20063327544 74955 17 Frischenschlager O Pucher I Psychological management of pain Disabil Rehabil 2002 24841622 18 Leo RJ Clinical manual of pain manage ment in psychiatry Washinghton American Psychiatric c2007 19 Gatchel RJ Dersh J Psychological disor ders and chronic pain are there causeand effect relationships In Turk DC Gatchel RJ Psychological approaches to pain mana gement a practitioners handbook 2nd ed New York Guilford c2002 p 3051 20 Tunks ER Crook J Weir R Epidemiology of chronic pain with psychological comorbidi ty prevalence risk course and prognosis Can J Psychiatry 200853422434 21 Turner JA Aaron LA Painrelated catastrophi zing what is it Clin J Pain 20011716571 22 Catchlove RFH Cohen KR Braha RED DemersDesrosiers LA Incidence and im plications of alexithymia in chronic pain patients Journal of Nervous and Mental Disea se 198517342468 23 de Lantsheere B A psychoanalytic appro ach to chronic pain Rev Med Brux 2000 214A2148 24 Kenny DT Constructions of chronic pain in doctorpatient relationships bridging the communication chasm Patient Educ Couns 2004523297305 25 Aguiar RW Branchtein LC Avaliação psi quiátrica do paciente com dor crônica rela to e discussão de um caso clínico Cadernos do IPUB 1997615561 26 Basler SB Grzesiak RC Dworkin RH Inte grating relational psychodynamic and ac tionoriented psychotherapies treating pain and suffering In Turk D Gatchel RJ edi tors Psychological approaches to pain ma nagement a practitioners handbook 2nd ed New York Guilford c2002 p 94127 27 Dansak DD On the tertiary gain of illness Compr Psychiatry 197314652334 28 McDougall J Em defesa de uma certa anor malidade 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1989 29 Fernandez E Turk DC The scope and signi ficance of anger in the experience of chronic pain Pain 199561216575 30 Söllner W Schüssler G Psychodynamic therapy in chronic pain patients a systema tic review Z Psychosom Med Psychother 200147211539 31 Lakoff R Interpretive psychotherapy with chronic pain patients Can J Psychiatry 19832886503 32 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção 1914 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 p 89119 33 Hsu MC Schubiner H Recovery from chro nic musculoskeletal pain with psychodyna mic consultation and brief intervention a report of three illustrative cases Pain Med 201011697780 34 Freud S Inibição sintomas e ansiedade 1926 In Freud S Obras psicológicas com pletas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 20 35 Nickel R Ademmer K Egle UT Manualized psychodynamicinteractional group therapy for the treatment of somatoform pain disor ders Bull Menninger Clin 201074321937 36 Williams AC Eccleston C Morley S Psycho logical therapies for the management of chronic pain excluding headache in adults Cochrane Database Syst Rev 201211 CD007407 LEITURAS SUGERIDAS Bibring GL The mechanism of depression In Greenacre P editor Affective disorders psycho analytic contribution to their study New York International Universities 1953 Cassem NH Bernstein JG Depressed patients In Cassem NH editor Massachusetts General Hos pital handbook of general hospital psychiatry 4th ed Saint Louis Mosby c1997 p 3568 Apresentamos aqui inicialmente três ca sos clínicos de indivíduos que procuraram ajuda médica e psicológica após eventos traumáticos em suas vidas No momento da busca de atendimento muitos meses ou mesmo anos depois dos eventos pre cipitantes nenhum deles se sentia capaz de continuar com suas atividades da vida cotidiana A vida parecia ter sido interrom pida O BOMBEIRO Um bombeiro sênior de 40 anos havia sido distinguido com as mais altas honra rias pelo trabalho ao resgatar uma família em um incêndio quase fatal Entretanto após mais de 20 anos de trabalho bem sucedido ele tinha sido aposentado por doença seu casamento terminara e vivia sozinho em um estado de quase colapso alcoólico Descreveu como seus sonhos eram cheios de imagens de corpos quei mados enegrecidos e retorcidos Começa ra a beber a fim de entorpecerse para tirar essas imagens de sua cabeça Antidepressi vos não tinham surtido efeito sobre essas ocorrências e ele estava se deteriorando rapidamente A MULHER QUE FOI ASSALTADA Uma mulher jovem em excelente forma física que trabalhava em uma agência de publicidade costumava sair para correr to das as manhãs bem cedo antes do trabalho Um dia foi subitamente atacada por trás e derrubada roubaramlhe uma pequena quantidade de dinheiro Seus ferimentos físicos não foram muito sérios e ela espera va ser capaz de voltar ao trabalho dentro de poucos dias Entretanto foi ficando cada vez mais ansiosa e relutava em sair de casa Não conseguia mais ir ao trabalho utilizando transporte público e em poucos meses per deu seu emprego Aos 28 anos de idade vol tou para casa a fim de viver com seus pais O ACIDENTE DE MOTOCICLETA Um homem jovem excepcionalmente bemcomportado mecânico de motores em uma fábrica de carros de prestígio ha via levado uma vida irrepreensível Quan do criança cantava no coro da igreja e na adolescência continuou a comportarse de maneira civilizada com seus pais Tinha um relacionamento responsável com uma garota encantadora com quem acredita 41 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE TRAUMATIZADO Caroline Garland Psicoterapia de orientação analítica 705 va que se casaria um dia Então de forma inesperada ele destruiu sua motocicleta em uma colisão com um automóvel Seu joelho foi danificado e após diversas operações o cirurgião lhe disse que não havia mais nada a fazer Ele teria sempre uma claudicação e continuaria a sentir algum grau de dor Tornouse malhumorado e retraído Seus amigos tentaram animálo levandoo a um bar local Um dia perdeu a calma e em um ato de violência totalmente sem preceden tes arrastou seu amigo mais chegado para o banheiro e repetidamente bateu a cabeça dele contra a parede Se não tivesse sido con tido por outros poderia ter matado o ami go Esse ato foi seguido por uma profunda depressão que culminou em uma tentativa de suicídio Ele teve de ser hospitalizado por alguns meses Passou a viver a vida de um semiinválido em casa com seus pais Como podemos entender o impacto de longo prazo desses acontecimentos so bre os três indivíduos Por que o bombei ro entrou em colapso depois de 20 anos de serviço bemsucedido O que transformou essa jovem mulher ativa e saudável em uma pessoa regredida e agorafóbica incapaz de continuar sua carreira O que fez um jo vem bemcomportado tornarse violento não apenas com os outros mas consigo mesmo uma vez que uma depressão dessa gravidade deve gerar violência voltada para dentro para o próprio self Neste capítulo mostraremos a im portância e o valor de um entendimento psicoterapêutico do impacto do trauma sobre o funcionamento mental e mais a longo prazo sobre a personalidade Propor uma abordagem psicodinâmica do trauma não é defender que todos que foram traumatizados requerem tratamento psicanalí tico ou mesmo psicoterápico Muitos indivíduos são capazes de se recuperar de modo satisfatório de eventos e situações como os descritos há pouco Entretanto para aqueles que não o con seguem uma abordagem psicodinâmica é valiosa Eventos traumáticos no presente tendem a ligarse com eventos traumáti cos do passado e a desenterrálos Mesmo quando foram relativamente menores ou mesmo já tratados em algum grau even tos do passado ganham vida nova com o acontecimento presente Esse vem a ser o caso de muitos sobreviventes que não fo ram capazes de ter nem uma recuperação espontânea parcial Uma vez que a liga ção embora inconsciente entre passado e presente seja estabelecida na mente do sobrevivente o presente tende a ser en tendido e respondido mais em termos do passado Então eventos passados têm que ser reelabo rados fisicamente em conjunto com o que quer que esteja acontecendo no presente antes que o indivíduo seja capaz de recuperar seu equilí brio funcional O INCÊNDIO NO METRÔ Um homem ficou preso em um incêndio no sistema de metrô da cidade Ele lem brava ter sentido à medida que o calor e a fumaça aumentavam que estava prestes Melanie Klein1 mostra como o luto por uma perda ou o pesar no presente inevitavelmente reevocam e demandam a reelaboração da posição depressiva infantil primitiva na qual a criança está elaborando seus próprios impulsos destrutivos em relação a uma figura a quem ela também ama e de quem necessita 706 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a perder a vida Seu primeiro pensamento foi de que não tinha tomado providências suficientes para garantir o futuro da esposa e dos filhos caso morresse Ainda que te nha sofrido queimaduras e danos pulmo nares por ter inalado fumaça quente esca pou com vida Alguns meses mais tarde achandose incapaz de continuar com seu trabalho e vida familiar e cada vez mais impossibilitado de viajar por transporte público procurou ajuda No tratamento com sessões semanais foi capaz de recor dar incidentes de sua vida passada quan do experimentou dor e perigo Sofreu frequentes episódios de febre alta quan do criança o que o fazia sentir como se estivesse pegando fogo Uma vez quase foi atropelado por um imenso caminhão Nessas ocasiões sentiase abandonado por sua mãe ficando entregue ao perigo e à angústia Ela não o protegera contra essas coisas ruins que lhe aconteceram Tais sentimentos vieram à tona no trata mento e puderam ser associados com suas experiências no incêndio Sentirse com preendido e amparado contido no trata mento permitiulhe elaborar sua raiva em relação aos objetos por terem falhado em protegêlo das coisas ruins que acontece ram em sua vida Ele colocou o dinheiro da indenização que recebeu em um fundo de seguro de vida para sua esposa e filhos e começou a sentir que sua vida mais uma vez tinha um significado Como e por que o sobrevivente faz essa associação inconsciente entre passado e presente Ela acontece de forma automá tica como parte do processo humano nor mal de atribuir significado a acontecimen tos Freud2 entendia que a fim de limitar a quantidade de ansiedade flu tuante livre na mente em qualquer tempo o indivíduo tenta vincular o significado de eventos no presente a estruturas mentais e expecta tivas preexistentes Paradoxalmente essa tentativa normal de dar significado a um evento a priori sem sentido um terremoto um desastre de avião é que tor na o trauma difícil de tratar O evento traumático é entendido co mo confirmação de uma suspeita prévia de que o mundo é um lugar hostil e perigoso Tentativas de persuadir o paciente do con trário apenas o fazem fortalecer suas de fesas e fortificarse em uma visão do mundo que pode ter um colorido paranoide É muito difícil para o ser humano entender a noção de acidente acaso ou aleatoriedade Portanto eventos assustadores no presente tendem a ser ligados a eventos assustadores do passado dando a estes um vigor reno vado Esse tipo de abordagem significa que nunca estamos tratando o trauma como uma entidade em si mesmo Tratamos um ser humano com uma história uma personalidade e uma vida que foi interrompida de modo violento pelos eventos que suportou Nosso trabalho é ajudar o paciente a retomar sua vida por mais gravemente que tenha sido afetado pelo que aconteceu Nesse tipo de tratamento um enten dimento psicanalítico do desenvolvimento psíquico social e sexual é particularmente útil uma vez que a psicanálise adota uma O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos men tais DSM53 considera crenças ou expectativas nega tivas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo dos outros e do mundo como um dos critérios para o transtorno de estresse póstraumático Isso pode ser entendido também como perda de esperança e de um senso de propósito na vida O tratamento de orientação psicanalítica visa a ajudar a restaurar esse sentimento de perda de sentido de um futuro pessoal e produtivo Psicoterapia de orientação analítica 707 visão de vida longitudinal Esse ponto de vista considera que o que aconteceu nos primeiros dias e meses de vida afetará o de senvolvimento da personalidade inteira a estabilidade do indivíduo ou a falta dela suas vulnerabilidades ou forças e mais funda mentalmente sua capacidade de envolver se em relações significativas com os outros Além disso uma postura psicotera pêutica em relação ao paciente nos permite um envolvimento com ele de uma forma que possibilita uma ligação emocional real e nos protege de pensar que temos que lutar por uma cura instantânea por uma solução rápida para seu problema Um ser humano traumatizado é aquele que foi es magado por intenso desamparo durante um longo período de tempo4 Suas defesas contra a ansiedade falharam ele é incapaz de funcionar e está em um estado de sofri mento agudo Com frequência a sensação de desamparo do paciente é transmitida a nós de uma forma in consciente mas poderosa Isso é perceptível em funcionários e médicos da emergência a curto prazo em psicólogos e terapeutas a mais longo pra zo de modo que ficamos preocupados com soluções com ação com fazer alguma coisa a fim de evitarmos ter que experi mentar esse estado de desamparo em nós mesmos Não é fácil sentar com outro ser humano que se encontra em um estado de grande sofrimento e suportar não apenas o seu tumulto emocional mas também uma agitação dentro de nós em resposta Contudo isso é o que precisamos fazer se quisermos ajudar o paciente a se recuperar Se em vez disso nos precipitamos à ação a técnicas a mensagem que fica explícita é a de que o ocorrido não pode ser tolerado que ninguém suportará escutar Então o paciente é deixado em seu estado de isola mento sentindo que ninguém pode supor tar saber o que ele teve que experimentar CONTINÊNCIA A capacidade de escutar de compreender e de experimentar o estado do paciente sem ser impelido a agir sobre ele é o que enten demos por continência Ela está no centro de qualquer tentativa de ajudar alguém a recuperar seu equilíbrio emocional seja uma criança assustada um adulto violento seja alguém que se desintegrou como resul tado de um trauma sofrido O paciente que ameaçou matar Um analista estava atendendo um homem muito perturbado que trouxera uma faca para a sessão ameaçando matálo O pro fissional naturalmente ficou com medo mas não se moveu de sua cadeira Disse com tranquilidade ao paciente Bem se você está tentando me apavorar certamen te conseguiu O paciente percebendo que todo seu medo em relação à invasividade do tratamento estava agora depositado no ana lista se acalmou e a sessão pôde continuar Como esse episódio demonstra conti nência O analista mostrou ao paciente que a projeção do seu terror havia obtido suces so na medida em que o analista era agora quem estava com medo Entretanto ele não estava tão apavorado que não pudes se pensar ou acessar e fazer uso de seu co nhecimento dos processos psíquicos Não perdeu a cabeça apavorandose Ao contrá rio não cedeu à ansiedade mas a conteve dentro de si em vez de tentar controlar ou ameaçar o paciente o que teria empurrado a ansiedade de volta para este mais uma vez 708 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O paciente pôde perceber que estava com um terapeuta que tinha uma com preensão emocional dos perigos inerentes à situação externa e do que estava acontecendo dentro do paciente seu estado de ânimo O terapeuta tinha simplesmente contido a an siedade e conseguido transformála em pala vras de modo que ela foi contida tanto verbal quanto emocionalmente A teoria psicanalítica oferece uma estrutura para compreender alguma coisa que está acontecendo no paciente e que po de parecer sem sentido para ele um terre moto um incêndio terrível um acidente de avião atos de terrorismo ou de brutalidade sancionados pelo Estado Nossas teorias são continentes para nós como terapeutas pois se quisermos fornecer continência pa ra o paciente deveremos ser capazes de con ter nossos próprios sentimentos Por mais desconcertados ou perturbados que possa mos ficar pelo que ouvimos não é de ajuda para o paciente chorar por ele abraçálo ou dizerlhe que sabemos exatamente como ele se sente Isso é o que famílias e amigos fazem A razão de o paciente ter buscado um profissional é que a ajuda a simpatia e o apoio da família e dos amigos não foram suficientes O paciente sentese preso a um estado mental particularmente opressivo e quer ajuda de um tipo diferente O QUE É UM TRAUMA PSÍQUICO Um trauma é um acontecimento ou uma si tuação que causa dano a longo prazo ao apa relho psíquico Freud2 usava a palavra grega trauma significando uma ferida metaforicamen te para descrever como acontecimentos que são grandes violentos ou inesperados podem romper o escudo protetor do aparelho psíquico Esses eventos têm po tencial para causar uma ruptura naquela tela protetora ou seja suprimir a capa cidade normal da mente de filtrar eventos que ameaçam ser esmagadores Quando uma criança pequena espia por entre seus dedos ao olhar figuras de monstros ela está fazendo o mesmo tipo de coisa titulando a dose para algo que seja controlável Al guns eventos não podem ser controlados dessa maneira ou na verdade de maneira nenhuma e então o funcionamento mental não pode continuar de uma forma ordena da ou coerente O resultado é uma ruptura de todas as defesas contra a ansiedade e o indivíduo tornase incapaz de funcionar normalmente A ansiedade vem de fontes internas mesmo que tenha sido liberada pela for ma como os eventos externos aniquilaram as defesas normais que empregamos con tra sentimentos intensos de horror medo e pavor Freud4 descreveu cinco fontes principais de ansiedade das quais a mais es magadora é a de morte ou ansiedade de aniquilação Um evento externo amea çador da vida libera um fluxo ingoverná vel de medos e fantasias interiores mesmo quando a morte não é iminente As ou tras quatro fontes principais de ansiedade dizem respeito a perda do objeto figura ou figuras centrais na vida do indivíduo perda do amor do objeto abandono di vórcio traição infidelidade ansiedade de castração hoje consideraríamos isso como análogo ao desamparo extremo a ausência total de potência em face do pe rigo e a ansiedade que Freud considerava como sendo provocada pelo próprio nas cimento Psicoterapia de orientação analítica 709 Percebese que essas cinco fontes de ansieda de têm um aspecto importante em comum To das dizem respeito à separação de algo consi derado essencial à vida incluindo a própria vida Nem todo evento traumático é sem pre tão devastador Às vezes podese per ceber a mente tratando de se proteger da ruptura das defesas contra ansiedade ao defenderse vigorosamente do contato com a realidade Uma mulher que teve uma queda séria ao galopar um cavalo ou viu com clareza o radiologista dizer que ti nha quebrado três costelas mas insistia que sabia que o radiologista estava enganado Ela sabia que tinha sido apenas uma es coriação e que poderia continuar com as cavalgadas Duas horas mais tarde quando o choque do acontecimento diminuiu ela foi capaz de encarar o fato de suas costelas estarem quebradas e de só poder cavalgar novamente após muitas semanas Essa mu lher estava negando a extensão do dano a fim de poder absorver a notícia de forma mais gradual em um ritmo que conseguia manejar sem se sentir esmagada pela ansie dade Às vezes o mecanismo de negação é mais extremo quando a parte da realidade que tem que ser encarada é insuportável Para esses casos Freud descreveu a forma de como um remendo ilusório pode ser usado para cobrir o corte feito no escudo protetor por um evento intolerável Negação extrema um remendo ilusório sobre a fenda no ego Dois irmãos pequenos estavam brincando no porão do bloco de apartamentos no qual viviam uma atividade proibida por que a caldeira para os apartamentos estava lá localizada A caldeira apresentou um de feito e explodiu e o irmão mais novo mor reu Durante um ano o menino mais velho que não apenas tinha perdido seu irmão mas também se sentia dolorosamente cul pado pela morte dele continuou insistin do que seu irmãozinho estava vivo e que o via e brincava com ele todos os dias Ele po dia ser visto tendo conversas com o irmão invisível Foram necessários dois anos de terapia antes que a convicção delirante de que o irmão ainda estava vivo fosse aban donada e o menino pudesse ser ajudado a reconhecer a dolorosa realidade da perda sua e de seus pais O trauma na visão de Freud A história da psicanálise e a história do nos so entendimento de trauma estão estreitamen te ligadas Na década de 1880 durante seus pri meiros trabalhos sobre trauma Freud acre ditava que muitos sintomas histéricos eram um tipo de formação de compromisso pro duzida pela necessidade de o indivíduo esquecer separarse e dissociarse de eventos traumáticos do passado que eram perturbadores demais para serem tolerados na consciência Ele considerava que o sin toma que frequentemente carregava uma ligação simbólica com o trauma original podia ser curado trazendo de volta à cons ciência o evento esquecido seguido por elaboração no tratamento de todo senti mento original que o tinha acompanhado Muito raramente mesmo hoje os médicos se deparam com um paciente que se apre senta dessa maneira 710 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O anestesista Após um acidente de automóvel um jo vem médico viuse incapaz de retomar seu trabalho como anestesista Três meses mais tarde foi encaminhado pelo segurosaúde para tratamento psicológico A princípio estava cético em relação a uma abordagem psicológica das suas dificuldades O psico terapeuta ajudouo a lembrarse de alguns dos eventos ocorridos imediatamente após o acidente Ele sentira muita dor enquanto estava no setor de emergência do hospital local Tinha pedido ajuda à enfermeira e ela lhe respondera para aguardar sua vez dizendo Vocês médicos sempre são os piores pacientes Ele se sentiu violenta mente irritado com ela pensando que po deria matála no mínimo a deixaria so frer muitas dores se viesse a se tornar sua paciente Esse naturalmente é um pensa mento perigoso para um anestesista uma vez que ele é mesmo capaz de manter a vida e a morte em uma balança Depois desse momento ele reprimiu o pensamento violento mas de forma in consciente não ousou permitirse voltar ao trabalho que passou a ser visto como muito arriscado O psicoterapeuta ajudou o a perceber como seu impulso violento em relação à enfermeira ligavase ao pas sado com sua raiva em relação à mãe por mandálo para a escola mesmo quando ti nha dores de estômago Esse tipo de lem brança pôde ser tratado no decorrer de três sessões e ele começou a sentirse aliviado Seus sintomas passaram a fazer sentido pa ra ele o que lhe permitiu sentirse nova mente no comando de sua vida em vez de permanecer agarrado a algum processo de doença terrível e misterioso Ele foi capaz de rir aliviado ao perceber como uma ex pansão da consciência tinha no seu caso reduzido a dor mental ao passo que em sua profissão ele trabalhava para reduzir a dor por meio da eliminação da consciência Conseguiu voltar ao trabalho e mais tarde tornouse um consultor O modelo original de Freud para o evento traumático reprimido foi o da se dução sexual de uma criança por parte de um adulto Continuou pensando assim até reconhecer o fato de que embora fantasias de sedução sexual pelo pai possam ser uni versais a sedução real não o é Isso o levou à descoberta significativa da reali dade psíquica a forma como o indivíduo perce be e se sente em relação ao que o rodeia que é assumida como a própria realidade Tal descoberta revolucionou nosso en tendimento de vida mental Daquela época em diante pôdese constatar que a realidade psíquica com frequência desempenha um papel ainda maior do que a realidade ex terna na determinação das suposições e do comportamento de um indivíduo Entretanto na época da Primeira Guer ra Mundial 19141918 o terrível im pacto psicológico desse evento sobre os soldados levou Freud a revisar suas primeiras teorias de trauma e a reconsiderar o significado real da realidade externa Nesse período Freud estava usando um modelo diferente de funcionamento psíquico o de um apa rato mental o ego cujo funcionamento bemsucedido depende da filtragem da distribuição e do manejo efetivo do fluxo Mais recentemente tornouse evidente que a sedução ou o abuso sexual de crianças por adultos é muito mais comum do que era suposto após a retratação original de Freud de suas primeiras constatações Isso tem consideráveis implicações para o tratamento de adultos que foram sexualmente molestados quando crianças Psicoterapia de orientação analítica 711 contínuo de estimulação que recebe de fon tes internas e externas Foi nesse momento que desenvolveu o conceito do escudo protetor Ainda que Freud entendesse isso em termos primariamente neurológicos o pensamento psicanalítico moderno prefere considerálo como o resultado da interna lização de relações primitivas boas com a mãe ou cuidador primário Portanto a noção de um escudo protetor foi mantida embora a visão do mecanismo que o produz tenha mudado da neurofisiologia para a internalização de aspectos úteis dos primeiros relacionamentos Freud havia dado particular atenção ao fenômeno do luto em oposição a um estado melancólico prolongado referin doo como necessário para a recuperação de uma perda Tais perdas incluem não apenas a morte de pessoas queridas como também a perda da identidade e da exis tência prétrauma do sobrevivente Em seu ensaio original Reflexões para os tempos de guerra e morte5 Freud decifra não ape nas o impacto da batalha sobre o soldado como também o impacto da sobrevivência quando alguma outra pessoa morreu Por mais próxima que a morte estivesse dos sobreviventes não poderia deixar de haver um senso de triunfo pela sobrevivência Por sua vez isso poderia levar à culpa que agiria como um impedimento grave à re cuperação Culpa do sobrevivente um caso de melancolia Um jovem estava tendo uma discussão vio lenta com sua namorada enquanto diri gia o carro Devido a um terrível acidente que não foi sua culpa o carro foi atingido por um caminhão que surgiu de forma imprudente de uma estrada secundária a garota morreu e ele ficou muito ferido Recuperado de seus ferimentos físicos o jovem entrou em um estado de profun da melancolia que os antidepressivos não puderam debelar Apenas dois anos mais tarde quando procurou ajuda psicológica pôde começar a entender a dinâmica de sua recusa em prantear a perda da namorada Em vez de encarar a culpa pela briga e o psicoterapeuta foi a primeira pessoa para quem ele admitiu a briga tinha preferi do permanecer em um tipo de morteem vida por meio do apego a uma identifi cação com a namorada morta Preferiu a dor da melancolia à dor da culpa que teria que suportar caso se permitisse continuar com sua própria vida Foi ajudado duran te a terapia a entregarse a uma tristeza e a um luto reais e com o tempo foi aos poucos capaz de permitirse voltar à vida novamente DIFERENÇAS INDIVIDUAIS Tanto quanto entender o impacto de cer tos tipos de eventos sobre a mente preci samos também saber sobre as diferenças indivi duais por que algumas pessoas re cuperamse melhor ou mais rapidamente do que outras e algumas não se recuperam nunca Recuperação não significa voltar à condição prétraumática mas alcançar um estado mental no qual o evento não seja considerado a única ou a mais significati va experiência na vida do indivíduo Entre as diferenças individuais estão a diferenças constitucionais no poder de recuperação resiliência 712 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs b a fase da vida na qual o trauma aconteceu c a história prévia Eventos traumáticos podem aconte cer em qualquer estágio de vida O mundo interno da criança está profunda e irrevo gavelmente formado por suas primitivas relações com seus objetos primários que associadas às fantasias do bebê determi nam a natureza de seu entrosamento com o mundo Quando o trauma é grave e prolongado na in fância ele pode afetar de modo adverso todo o desenvolvimento e a personalidade do adulto Às vezes um trauma da infância é esquecido separado da consciência e negado Em outras situações também o significado dos eventos da infância não é reconhecido e sentido quer dizer enten dido até muitos anos mais tarde quando a criança talvez agora um adulto encon trase em um ambiente seguro o suficien te para permitir que esses estados mentais primitivos se revelem Entretanto preci samos reconhecer que também pode ser complicado diferenciar entre fato e fantasia quando se trata de memórias da infância Quanto mais precoces e extremas as agres sões ao ego mais difícil se torna separar o que pode realmente ter acontecido A validade de memórias recupera das tem sido objeto de dolorosos debates entre público e profissionais No tratamen to psicoterapêutico que se baseia em um entendimento analítico da personalidade a ênfase estará na natureza dos derivati vos daqueles primeiros relacionamentos quaisquer que tenham sido à medida que eles surgem na sessão entre paciente e ana lista Isso significa que constatar os duros acontecimentos do passado o que de qualquer maneira pode até não ser possí vel é sentido como menos crucial do que constatar os acontecimentos reais do pre sente vivenciados pelo paciente Essa é a área na qual o envolvimento psicoterapêu tico pode ser mais poderoso para efetuar uma mudança para melhor O indicador mais efetivo da capacidade do pa ciente de se recuperar ainda que parcialmen te de um evento traumático ocorrido na idade adulta está relacionado à natureza e à qualida de dos seus primeiros relacionamentos Os bons relacionamentos na infância são internalizados para estruturar um nú cleo estável e seguro da personalidade do indivíduo Más experiências abalarão esse núcleo e por um momento o indivíduo se sentirá perdido abandonado por seus ob jetos internos bons e extremamente vulne rável no mundo como um todo Entretan to a força do mundo interior os primeiros relacionamentos internalizados é crucial para tornar possível a eventual recupera ção de um equilíbrio estável e a confiança cautelosa na previsibilidade do ambiente ou seja do próprio mundo Elementos dos primeiros relacionamentos são refundidos e processados mais uma vez pelo vínculo do relacionamento com a pessoa do tera peuta O paciente é capaz de ligarse nova mente tanto ao objeto bom que é sentido como lhe tendo dado a vida como ao ob jeto mau que o abandonou aos perigos do mundo assim começa a reintegrar essas duas versões divididas de seu objeto um inteiramente bom o outro inteiramente mau de modo que fantasias sentimentos e impulsos associados possam ser tratados na terapia Psicoterapia de orientação analítica 713 OS EFEITOS SECUNDÁRIOS DE LONGO PRAZO IDENTIFICAÇÃO VERSUS PENSAMENTO Em resumo quando um indivíduo é trau matizado por um evento violento inespe rado o impacto sobre o funcionamento mental é imenso Há um período imediato de choque e negação o acontecimento é muito grande e muito horrível para ser ab sorvido de uma só vez e a mente protege se tentando suprimilo Essa supressão pode alternarse com momentos em que o evento consegue atravessar as barreiras mentais criando um senso esmagador de intrusão Em nenhum dos estados mentais há a possibilidade de conceitualizar o even to ou pensar sobre ele As coisas podem ser ainda piores Às vezes a repressão falha e todas as defesas comuns contra a ansiedade são removidas Tanto interna quanto externamente isso é próximo de um colapso Durante períodos nos quais o evento trauma tizante esmaga o indivíduo ou até mesmo um grupo de pessoas qualquer capacida de que possa ter havido de confiar na bonda de na segurança e na previsibilidade do mun do e daqueles que o habitam fica bastante re duzida Alguém ou alguma coisa fez isso ou não impediu que isso acontecesse Há um sentimento preponderante de perseguição e desconfiança Todos são suspeitos Medo e ódio juntamente com um impulso de re verter o dano o trauma podem dominar o funcionamento mental Já estamos fami liarizados com isso em nossos pacientes na forma da posição esquizoparanoide6 na qual o mundo parece ser dividido em preto e branco Há muitos efeitos de mais longo pra zo que são igualmente marcantes mas um em particular tem implicações próprias pa ra o tratamento psicoterapêutico do sobre vivente Tratase da dificuldade para pen sar que permanece e na área do próprio trauma que pode até mesmo se deteriorar Por pensar nesse contexto referimonos à ca pacidade de representar eventos mentalmente de modo que eles possam ser examinados sem a adoção de uma relação esquizoparanoide com o mundo ou sem mergulhar outra vez na sensação de que está acontecendo tudo de novo Esse segundo estado mental às vezes é chamado de flashback Em um flashback o ego é esmagado pelos elementos senso riais brutos não processados do evento traumático coisas vistas ruídos cheiros emoções Trabalhos recentes realizados por neurofisiologistas associam isso ao envolvimento da amígdala na qual os cen tros corticais superiores necessários para o que chamamos de pensamento são igno rados Ainda que com os tipos certos de experiência posterior e talvez com ajuda terapêutica isso possa melhorar o proces so quase nunca é inteiramente completado Resta uma área na mente uma área blo queada ocupada por memórias do trauma na qual a verdadeira simbolização nunca é recuperada e aquilo que Hanna Segal7 cha mava de equação simbólica domina Se você não está conosco está contra nós Nesse estado mental é evidente que o pensamento a ideia de considerar outras possibilidades outras formas de relação está excluído 714 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Os estímulos sensoriais que pode riam até mesmo incluir certas palavras di tas em voz alta não mais representam o evento do passado De forma instantânea eles se tornam o evento do presente evo cando as respostas emocionais e fisiológi cas experimentadas no momento do trau ma Em seu estado menos tóxico isso se mostra de uma maneira tal que a parte ob servadora sensata da mente ego racional é sobrepujada e uma ação de emergência é acionada ainda que ao mesmo tempo uma pequena voz interna esteja dizendo São fogos de artifício não fogos de arti lharia ou Aquele avião não está visando este edifício O flashback é mais um exemplo da dificuldade de pensar após um trauma uma memória invo luntária de um fato do passado que parece es tar acontecendo no presente O bombeiro Durante a primeira consulta com o bom beiro descrito no início do capítulo per gunteilhe como ele se conduziria após um incêndio no qual as coisas não tivessem ido bem Ele disse que quando tinha um dia ruim não sentia vontade de ir para casa Ficava pela estação ou ia a um bar tomar alguns drinques com a turma esperando que tudo se acalmasse dentro de si Ele es tava relativamente calmo na hora em que ia para casa lugar que considerava um oásis de mansidão Nunca falava sobre seu trabalho porque não podia suportar que a esposa e filhos soubessem o que estava acontecendo dentro de sua cabeça por ções de corpos queimados enegrecidos e retorcidos Gostava de cozinhar em casa porque aprendera a fazêlo para a turma toda quando era apenas um recruta do cor po de bombeiros e isso o agradava Porém logo veio à tona que aquilo era apenas uma desculpa Quando sua esposa cozinhava às vezes deixava algo que fora cortado por fo ra da panela ficando um cheiro de queima do isso provocava nele súbitas explosões de violência o que apavorava a esposa e o deixava confuso Descrevia a esposa lhe di zendo Mas é apenas um pedaço de bacon olha vou fazer um pouco mais mas era tarde demais Ele já estava preso no flash back aterrorizado e furioso a raiva repre sentando a tentativa de mantêlo inteiro sem cair em pedaços Havia uma sequela ainda mais per turbadora nessa desintegração da capaci dade de pensar ou dito de outro modo de colocar o que aconteceu em termos simbó licos em palavras Para qualquer grau de incapacidade de pensar sobre um evento doloroso há quase sempre o recurso de uma identificação O homem jovem melancólico é um exemplo O bombeiro também é apanhado em uma combinação complexa de identifi cações Ele se identifica tanto com o morto que não conseguiu resgatar quanto com o fogo aterrorizante sua agressão verbal à es posa que o fez sentirse desamparado A experiência clínica8 tende a mos trar que a escolha do objeto para a iden tificação depende da concepção do sobre vivente sobre o evento original Quando parece que alguma coisa dolorosa e desa gradável foi feita a si mesmo ocorre um movimento em direção à identificação com o objeto que pareceu ter ocasionado aquele estado de coisas profundamente desagradável Isso inverte a direção do evento traumático dando à vítima do trauma a sensação de estar controlando ativamente a situação em oposição à si tuação de desamparo e talvez permita a gratificação por meio da vingança quan Psicoterapia de orientação analítica 715 do como às vezes acontece a vítima tor nase o executor A descrição de Freud2 do jogo do menininho com o carretel é um exemplo maravilhosamente observado e entendido desse processo Incomodado pelas idas e vindas da mãe essa criança de menos de 2 anos de idade repetidamente lança um carretel amarrado a um cordão Foi e então puxao novamente Dá aqui está A criança não liga como as crianças modernas também tendem a fazer seu ato diretamente à figura da mãe mas joga fora e depois pega de volta um objeto inanima do que entendemos como representando ou simbolizando a mãe Quando alguém sobreviveu a um acontecimento no qual outros morreram o sobrevivente pode ficar com uma consi derável carga de culpa Fazer uma identifi cação com o morto ou com a pessoa dani ficada e cessar de ter uma vida intensa ou prazerosa podem parecer formas de evitar a culpa e também ansiedades em relação a fantasmas vingativos Os fantasmas como Freud5 salienta em seu ensaio são representações daqueles sobre os quais o sobrevivente triunfou permanecendo vivo quando eles morreram Esse é o caso quando o sobrevivente perdeu outros sentidos como fundamen tais a seu bemestar ou quando se sentiu de alguma forma responsável pela perda deles Para resumir as identificações pós trauma são basicamente de dois tipos Às vezes são feitas com o morto ou com o indivíduo lesado para que a pessoa não tenha que se separar destes reconhecer a perda e principalmente tomar contato com a culpa de ter sobrevivido ao outro que morreu Com mais frequência porém as identificações são feitas com o agente ou o objeto sentido como o causador do trau ma por uma mistura complexa de necessi dades narcisistas e defensivas Em ambos os casos as identificações tomam o lugar do pensamento Elas são uma forma de resol ver os problemas que o pensamento pode ria tornar visíveis Uma identificação com o agente cau sador do trauma pode ser desencadeada pelo que parece ser à vítima consciente ou inconscientemente uma vingança justa Entretanto de igual forma e certamente do ponto de vista do observador é possível pensar nela como alguma coisa que chama ríamos de um imperativo projetivo Neste tão importante quanto noções de justiça há o impulso de reverter uma ferida nar cisista A vítima pode sentirse diminuída irritada e humilhada por seu absoluto desamparo e por seus sofridos sentimentos Para sentirse grande e poderosa no vamente parece essencial que empurre aqueles terríveis sentimentos de humilha ção de volta violentamente para o agen te causador do evento traumático Então os sentimentos que acompanharam a ex plosão são revertidos e a vítima tornase o executor Dentro de uma organização psíquica primitiva a que qualquer um de nós pode retroceder nas primeiras horas após um evento traumático uma reversão bemsucedida do trauma olho por olho pode ser seguida de triunfo e grandiosida de ambos estimulados por um senso de justiça Mais uma vez esse estado inflado da mente limita a capacidade para o pen samento realístico Podemos ver esses pro cessos ocorrendo tanto no micronível no indivíduo como no macronível em gru 716 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pos políticos e religiosos ou até mesmo em nações O jogo do carretel é ao mesmo tempo inocente e fascinante Na maioria das vezes a tentativa de uma re versão do trauma leva a um ciclo progressiva mente crescente de vingança destruição e de sespero Você matou meu irmão por isso de vo matálo Guerras tribais ou religiosas desse tipo são difíceis de interromper uma vez que a manutenção de um estado de má goa justificada é uma poderosa defesa contra a culpa da responsabilidade e a dor da perda A situação na Irlanda do Norte em Israel e na Palestina bem como em muitos outros países representa estados mentais nos quais a tentativa de reter na mente de pensar so bre as dificuldades continua mente sucum be em favor da ação E a ação nessas situa ções é uma defesa contra o pensamento e a dor mental que o acompanha A capacidade de pensar sobre um evento traumático pode ser gravemente limitada Em certo sentido é essa incapa cidade de pensar sobre alguma coisa que queremos destacar quando afirmamos que uma pessoa foi traumatizada essa é a na tureza real do dano crônico ao aparelho mental Quando a capacidade de simbolizar foi perdi da tornase impossível identificar a diferença entre alguma coisa que representa um perigo potencial um símbolo e outra que realmente é um perigo potencial Portanto qualquer estímulo evo cativo do trauma original produzirá não lembranças pensamentos ou elaboração mas um flashback A ansiedadesinal4 na área do trauma é invariavelmente substi tuída por ansiedade automática ou flash back O flashback é uma evidência da área em geral delimitada de dano permanente do funcionamento mental criado por um trauma grave O trabalho de Hanna Segal7 sobre simbolismo é central a essa forma de en tendimento do resultado de longo prazo do trauma Ela faz uma distinção crucial entre um símbolo genuíno e uma equação simbólica Na segunda algo que o indiví duo sabe ser diferente da coisa simbolizada é não obstante sentido e respondido co mo se fosse a própria coisa O bombeiro sabia que o bacon queimando não era um ser humano queimando mas sentiu assim e respondeu a isso de forma emocional e fisiógica como se fosse De uma forma im potente seu ego traumatizado recusavase a reconhecer uma diferença entre os dois para fins de sua própria sobrevivência Segal7 e Bion9 concordam em suas descrições de como a perda do continente interno a forma mais moderna de descre ver as consequências psíquicas da ruptura do escudo protetor resulta na perda do espaço no qual a atividade mental ou sim bolização pode ocorrer A recuperação é então impossível sem uma nova reelabo ração da experiência de continência Esse é o objetivo de um entendimento psicana lítico das consequências de trauma grave O processo de continência fornecido pelo cenário analíticoterapêutico é a base para o tratamento do traumatizado tendo em vista a reparação ou a restauração do objeto bom interno que por sua vez leva a uma renovação da confiança embora cautelosa e provisória no mundo externo Curiosa mente pessoas traumatizadas por atos de Deus mesmo terremotos e furacões na visão do universo de relações objetais são Psicoterapia de orientação analítica 717 atribuídos a algum tipo de ação pessoal podem sofrer com relação a isso não me nos que aqueles que viveram uma agressão pessoal direta como estupro assalto ou tortura TRATAMENTO Durante anos determinada sequência de intervenções psicoterapêuticas revelouse efetiva para ajudar aqueles que buscam tra tamento em estado traumático Sessões individuais A princípio é oferecida ao sobrevivente uma série de sessões individuais em geral quatro nas quais os acontecimentos que o trouxeram para tratamento podem ser ex plorados A primeira consulta pode durar de 1h30min a 2 horas As sessões subsequentes são limitadas a 1 hora Preferimos atender os pacientes em uma primeira consulta apenas alguns meses após os eventos traumatizan tes a menos que seja evidente que uma in tervenção rápida seja importante Há uma tentação por parte do te rapeuta de oferecerse ao paciente como um objeto bom em especial após eventos envolvendo maustratos tortura quase assassinato ou rapto Contudo embora o desejo seja compreensível essa é uma ma neira inútil de proceder pelo menos a lon go prazo O paciente está cheio de raiva e sofrimento em relação ao que aconteceu e isso não pode ser expresso a um terapeuta que começa se apresentando como bom e útil Os terapeutas podem ser bons e úteis mas ape nas quando se oferecem como sendo nem bons nem maus mas apenas abertos envolvidos e comprometidos a escutar e a tentar entender o significado dos eventos para o paciente O sobrevivente pode começar com o relato direto do que aconteceu ou com al guma coisa aparentemente não relacionada ao problema básico Em qualquer caso a tarefa do terapeuta é estar aberto escutar com extrema atenção compreender o es tado do paciente absterse de fazer suges tões úteis e reconhecer que tudo o que o paciente diz tem significado no contexto da terapia Portanto se ele começa com o trau ma talvez sinta que não pode pedir uma hora do terapeuta a menos que se apresente com uma situação ou problema suficiente mente dramático para atrair o interesse do outro Se o paciente começa com eventos aparentemente não relacionados pode es tar temendo esmagar o terapeuta com seu próprio sofrimento e confusão em relação ao evento traumático Assim todo e qual quer comportamento tem tanto um signi ficado real como um possível significado defensivo A tarefa das primeiras sessões é ajudar o pa ciente a começar a ver o evento traumático e suas respostas dentro de sua vida como um todo É comum após um acontecimento traumático os horizontes do sobrevivente diminuírem a ponto de sua mente conter apenas o trauma e sua resposta a ele Por tanto a área de interesse do terapeuta no início do encontro costuma ser mais am pla do que a do paciente Muitas vezes é Um exemplo característico seria a presteza em atender uma pessoa jovem cujo pai ou mãe foi assassinado pelo cônjuge Quando isso acontece a pessoa efetivamente perde ambos os pais por morte e por prisão 718 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs surpreendente o quanto pode gerar alívio para o paciente ajudálo a falar sobre seus primeiros relacionamentos de vida e fami liares Isso pode lembrálo de que o trauma não é tudo o que ele tem ou pode ser É importante deixar o paciente saber no início dessa série de encontros que após um máximo de quatro sessões terapeuta e paciente revisarão juntos a situação e con siderarão o que pode ser necessário em seguida Alguns pacientes julgarão quatro sessões suficientes para desfazer o bloqueio mental e emocional que existe dentro deles Outros precisarão continuar sendo atendi dos em tratamento individual Entretanto a maioria dos pacientes traumatizados ob terá grande progresso também dentro de uma terapia de grupo analítica Terapia de grupo Por tratamento de grupo não nos referi mos a grupos especializados para traumati zados Estes são arranjos de curto prazo apenas raramente reunidos e somente quando um número de indivíduos sofreu o mesmo trauma um acidente de transpor te ou um incêndio de hotel Após quatro ou cinco sessões todos esses grupos espe cializados correm o risco de se tornar gru pos de terapia de propósito geral nos quais problemas individuais com a vida e com relacionamentos começam a ter priorida de Portanto quer após sessões individuais quer após algumas sessões de tratamento focalizado no evento para os sobreviventes de traumas grupais os pacientes se sairão melhor em um grupo de terapia analítica ambulatorial dirigido a sintomas e proble mas mistos O grupo é o tratamento de escolha para muitos pacientes em particular para aqueles que tam bém foram traumatizados Isso por mais de uma razão Eventos traumáticos tendem a ocupar uma posição central na mente do sobrevivente e como consequência servir como organizado res não apenas de experiências póstrau máticas mas em retrospecto também da vida prétrauma Do mesmo modo o in divíduo traumatizado tende a retrairse de ligações emocionais com o mundo a sua volta e a reforçar suas próprias fronteiras contra a penetração do exterior Esses dois fatores tomados em conjunto indicam uma tendência a tornarse mais centrado no próprio self O tratamento de grupo age contra o fortalecimento dessas tendências e a redefinição de uma personalidade pós traumática em torno da posição central de Eu sou um sobrevivente de tal e tal coisa Os grupos oferecem ao paciente a oportu nidade de envolverse na vida e nas dificul dades dos outros dentro de um ambiente seguro Isso mantém abertas as fronteiras pessoais e promove um senso de atuação psicológica crucial para aqueles nos quais um senso prolongado de impotência supri miu a iniciativa e incentivou uma depen dência inútil A outra razão diz respeito à forma co mo o mundo interno do indivíduo torna se visível no grupo como relações externas com outros A natureza explícita das nego ciações do grupo sobre as relações de uns As pessoas jovens que sofreram o assassinato de um dos pais particularmente o pai do mesmo sexo podem precisar de mais trabalho individual para ajudálas a lidar com a forma terrível como fantasias normais da infância de substituir o pai ou livrarse dele de alguma forma subitamente se tornaram reais Pessoas nessa situação são particularmente propensas a apegarse a uma identificação com o pai assassinado8 Psicoterapia de orientação analítica 719 com os outros forma parte do trabalho psicológico que é a base da modificação das projeções e introjeções que ocorrem em todos os agrupamentos e nas relações intergrupo De certo modo o grupo de te rapia permite a mudança de uma posição na qual o narcisismo domina o funciona mento quer ele derive de trauma recente aparecendo como centralização no próprio self póstraumático quer de psicopatolo gia anterior para uma posição na qual re lações objetais ou ligações emocionais com outros são mais possíveis e mais baseadas na realidade Haverá portanto maior ca pacidade para funcionar de maneira a reco nhecer as necessidades as vulnerabilidades e as dificuldades dos outros o indivíduo é auxiliado a lutar contra a ambivalência sentida em relação a esses outros os quais de competidores podem passar a ser vistos como recursos terapêuticos valiosos Esse movimento que também é um afastamento de uma visão paranoide do mundo na qual os outros são sentidos co mo indignos de confiança pode ser lento e bastante doloroso quando envolve como no caso do traumatizado particularmente quando o trauma implicou dano físico per manente o reconhecimento da realidade de sua vida após o evento que o trouxe para tratamento A natureza e o grau das perdas que têm de ser encaradas envolvem um luto real Essa é pro vavelmente a mais profunda das tarefas psi cológicas que o paciente traumatizado precisa enfrentar O luto é sempre um trabalho inten samente difícil mesmo para o indivíduo mais intacto do ponto de vista psicológico O luto pode parecer uma tarefa impossível quando a personalidade está danificada e incapacitada por eventos traumáticos e os recursos pessoais estão em seu ponto mais baixo10 Quando o luto falha ou é impos sível elaborálo a personalidade pode tor narse dominada pela melancolia11 pela negação maníaca1 ou pela mágoa12 Nesses casos o indivíduo permanece preso a uma posição na qual o potencial para reencon trar e revincularse a agrupamentos ou a instituições sociais preexistentes p ex o ambiente de trabalho está limitado ou ab solutamente ausente A natureza particular do trabalho psicológico que cada indivíduo dentro de um grupo de terapia tem que fazer a fim de alcançar o funcionamento normal também é útil na recuperação do trauma A tarefa de tornarse membro de um gru po de terapia reflete em um microcosmo o trabalho que enfrenta qualquer indivíduo dissociado ou deslocado na macrocultura No grupo de terapia a tarefa é largamente emocional e psicológica Esse é o objetivo de uma experiência intensiva em um grupo pequeno Os problemas e os danos inter nos são identificados e tratados dentro de uma estrutura que seja controlável para o indivíduo A sociabilidade inata da criatura humana é mobilizada e a capacidade para crescimento emocional e psicológico e para integração dentro do grupo pequeno pode no seu devido tempo ser exportada para a sociedade mais ampla Em um grupo de terapia o que é terapêuti co vem de outros membros pacientes tanto quanto do terapeuta Portanto em termos psicanalíticos o tratamento de grupo age para reduzir a inveja do seio que é sentido como deten tor de todos os recursos necessários para a própria vida Quando cada membro do 720 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs grupo pode não apenas sentirse faminto e desamparado o bebê como também uma parte dos recursos o seio para outros en tão a inveja que impede o crescimento e o desenvolvimento interior é abrandada Os limites da recuperação Infelizmente nem todos podem ser ajuda dos a recuperarse de trauma O bombeiro recusou tratamento a longo prazo Para ele aquele derradeiro incêndio tinha sido de mais Cumulativamente incrementos diá rios de experiências traumáticas tinham súbita e finalmente derrubado suas defesas e o esmagado com seus significados Preso entre duas identificações com o morto e com a violência do próprio incêndio sen tiu que não podia se arriscar a melhorar Ele poderia causar mais dano a seus objetos amados com sua irritabilidade explosiva e sofrer culpa demais em relação àqueles que não conseguira salvar no passado O curio so é que isso se ligava a sua culpa pelo aci dente vascular cerebral sofrido pelo pai a quem fora incapaz de ajudar O bombeiro escolheu no fim permanecer isolado e em um estado de quase colapso amparado pe lo serviço social Porém tanto a jovem que foi assalta da quanto o rapaz que se tornou violento mudaram de algumas sessões individuais para tratamento de grupo A jovem na me dida em que se descobriu capaz de ser útil a seus companheiros de grupo com o passar do tempo pôde sair da posição de extrema dependência que adotara como defesa con tra novas agressões correndo para a casa dos pais por exemplo Sua agorafobia di minuiu quando conseguiu reconhecer seu próprio potencial para ação destrutiva pa rando de projetála totalmente no ambien te que se transformara então em muito perigoso para ela Suas fronteiras pessoais alargaramse mais uma vez quando se viu envolvida com as vidas de seus companhei ros de grupo e perdeu seu foco exclusivo sobre o assalto traumático que tinha sofri do Em resumo começou a melhorar Da mesma maneira o jovem preju dicado no acidente de motocicleta foi aju dado a enfrentar diversas suposições que vinham orientando sua vida Uma delas era a de que os seres humanos podiam ser reparados exatamente da mesma forma prática que costumava consertar veículos motores danificados Outra era a de que se a pessoa for boa amar seus pais obede cer a Deus e ser gentil com a namorada a vida será boa em troca O ardente senti mento de injustiça do paciente em relação à iniquidade do que tinha acontecido a ele observe sua incapacidade de conceber o evento como um acidente deu lugar ao reconhecimento mais triste porém mais sensato de que a vida não é justa mas que também não é injusta Ela simplesmente é o que é e devese tirar o melhor proveito dela Igualmente sua bondade quando jovem o obrigara a reprimir uma grande quantidade de agressividade e autoafirma ção normais No grupo finalmente encon trou formas simbólicas de ser agressivo p ex por meio de palavras mais do que de ações e descobriu que podia discutir com seus companheiros sem ninguém ser per manentemente prejudicado como resul tado CONSIDERAÇÕES FINAIS Toda experiência contribui para a mu dança e para o crescimento da personali dade É isso que significa aprender com a expe riência13 Entretanto a expe riência traumática difere quantitativamente senão qua litativamente da experiência cotidiana hu mana Psicoterapia de orientação analítica 721 A diferença está na subitaneidade na intensi dade e na toxicidade do acontecimento que es maga defesas e procedimentos mentais esta belecidos e causa algo próximo de um colap so mental É importante lembrar que embora o indivíduo possa ser ajudado a retomar sua vida de novo esta não será mais a mesma que a vida prétrauma Em alguns aspectos será mais difícil e mais dolorosa Em ou tros pode até melhorar na medida em que o indivíduo adquire maior compreensão da realidade e maior reconhecimento do valor de boas relações com os outros A tarefa da psicoterapia psicanalítica é ajudar o paciente a fazer essa transição Ela oferece a possibilidade de uma mudança do estágio no qual o sobrevivente está preso ao trauma como aspecto dominante da vida mental para um estágio subsequente em que o trauma se torna uma parte do todo ainda presente ainda doloroso mas capaz de ser contemplado sem flashback sem a sensação de ser lançado ao fogo mais uma vez Quando o evento traumático pode tor narse parte do funcionamento emocional global do sobrevivente em vez de conti nuar sendo uma área separada e evitada um corpo estranho na mente então pen samento concreto e identificações não pre cisam mais tomar o lugar do pensamento flexível e criativo do sentimento e da ima ginação Em outras palavras há novamente a possibilidade de um futuro pessoal PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A abordagem psicodinâmica do trauma não significa que todos os pacientes requeiram tratamento de orientação analítica mas que muitos talvez necessitem desse enfoque para elaborarem melhor a situação traumática 2 Muitas vezes eventos passados têm que ser reelaborados juntamente com o fato traumático do pre sente antes que o indivíduo possa recuperar seu equilíbrio funcional Paradoxalmente a tentativa normal de sozinho buscar o significado de um evento que é essencialmente sem sentido um terre moto um desastre de avião um estupro por um cuidador é o que torna o trauma tão difícil de tratar 3 Um trauma é um acontecimento ou uma situação que causa dano a longo prazo ao aparelho psíquico Caracterizase pela subitaneidade pela intensidade e pela toxicidade do acontecimento que esmaga as defesas e os procedimentos mentais estabelecidos e causa algo próximo de um colapso mental 4 A hipótese freudiana da existência de um escudo protetor contra estímulos pode ser entendida nos dias atuais separada da neurofisiologia como uma função dependente da internalização de aspectos úteis dos primeiros relacionamentos do bebê com sua mãe 5 O indicador mais efetivo da capacidade do paciente de se recuperar de um evento traumático ocorrido na idade adulta está relacionado à natureza e à qualidade dos seus primeiros relacionamentos 6 Pensar no contexto do trauma referese à capacidade de representar os eventos mentalmente de modo que possam ser examinados sem a adoção de uma relação esquizoparanoide com o mundo ou sem mergulhar na sensação de que tudo está acontecendo de novo 7 Quando a capacidade de simbolizar foi perdida tornase impossível diferenciar entre algo que repre senta um perigo potencial um símbolo e algo que de fato pode ser um perigo 722 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Klein M Mourning and its relation to manic depressive states In Klein M The writings of Melanie Klein London Hogarth 1975 v 1 2 Freud S Beyond the pleasure principle In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1920 v 18 p 164 3 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders DSM5 5th ed Washington American Psychiatric Association 2013 4 Freud S Inhibitions symptoms and anxie ty In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1926 v 20 5 Freud S Thoughts for the times on war and death In Freud S The standard edition of the complete psychological works of Sig mund Freud London Hogarth 1915 v 14 p 273301 6 Klein M Notes on some schizoid mecha nisms In Klein M The writings of Melanie Klein London Hogarth 1975 v 3 7 Segal H Notes on symbol formation Int J Psychoanal 19573863917 8 Garland C Action identification and thou ght in posttraumatic states In Garland C Understanding trauma a psychoanalytical approach London Karnac 2002 Tavisto ck clinic series cap 13 9 Bion W Attacks on linking Int J Psychoanal 1959405630815 10 Garland From troubled families to corrupt care sexual abuse in institutions In Wel don EV Van Velsen C editors A pratical gui de to forensic psychoterapy London Jessica Kingsley 1997 p 6271 11 Freud S Mourning and melancholia In Freud S The standard edition of the com plete psychological works of Sigmund Freud London Hogarth 1915 v 14 p 23958 12 Young L Gibb E Trauma and grievan ce In Garland C Understanding trauma a psychoanalytical approach London Kar nac 2002 Tavistock clinic series cap 5 13 Bion W Learning from experience London Karnac Books 1984 LEITURA SUGERIDA Bion W A theory of thinking In Bion Second thoughts selected papers on psychoanalysis New York J Aronson 1984 8 Os terapeutas podem ser bons e úteis mas apenas quando se oferecem como sendo nem bons nem maus mas apenas abertos envolvidos e comprometidos a escutar e a tentar entender o significado dos eventos para o paciente 9 A tarefa das primeiras sessões é ajudar o paciente a começar a ver o evento traumático e suas respos tas dentro de sua vida como um todo 10 O grupo é o tratamento de escolha para pacientes que foram traumatizados No grupo o que é terapêu tico vem de seus outros membros pacientes tanto quanto do terapeuta 11 A natureza e o grau das perdas que têm que ser encaradas envolvem um luto real Essa é provavel mente a mais profunda das tarefas psicológicas que o paciente traumatizado precisa enfrentar 12 Quando o evento traumático consegue fazer parte do funcionamento emocional global do sobrevivente em vez de ser uma área separada e evitada um corpo estranho na mente então pensamento concreto e identificações não precisam mais tomar o lugar do pensamento flexível e criativo dos sentimentos e da imaginação e o processo de cura pode começar a se desenvolver A psicoterapia de orientação psicanalítica para crianças é uma modalidade de trata mento que privilegia a relação entre o te rapeuta e o pequeno paciente utilizando a linguagem falada o brinquedo a dramati zação e outras manifestações plásticas co mo os principais veículos de comunicação Essa psicoterapia se distingue de outras por proporcionar condições de estímulo ao processo evolutivo pertinente à idade da criança adequando as condições de co municação às referidas idades cronológicas e emocionais para as quais está destinada A psicanálise e a psicoterapia psico dinâmica encontramse em um momento de grande entusiasmo tendo em vista as modernas descobertas da neurogênese e da plasticidade cerebral ao longo da vida Essas descobertas identificaram o desen volvimento de novas conexões neurais e modulações de antigas sinapses relacio nadas ao aprendizado e à memória en fatizando a importância do ambiente na determinação de expressões fenotípicas de patologias predisponentes no genótipo dos indivíduos Além disso informam sobre a possibilidade de a psicanálise e a psicotera pia de orientação analítica literalmente al terarem a estrutura cerebral ao modificarem essas funções1 A abordagem psicodinâmica na in fância encontra suas bases teóricas na psicanálise sobretudo em Freud seu fun dador e em seus seguidores Freud2 em 1909 com o tratamento do pequeno Hans lançou elementos fundadores para a psica nálise de crianças bem como para a psi coterapia de orientação psicanalítica Na ocasião ele admitiu que a intervenção fora útil para o menino porque o pai homem esclarecido havia colaborado sobremanei ra para a obtenção dos bons resultados Posteriormente reconheceu a partir das experiências terapêuticas de sua filha Anna3 que a teoria psicanalíti ca não só poderia ser comprovada por meio da observação direta como tam bém poderia consubstanciar o corpo teórico do tratamento de crianças4 HISTÓRIA Os atendimentos psicológicos a crianças até o século XX eram realizados a partir do aconselhamento dos pais ou do mane 42 ABORDAGEM PSICODINÂMICA NA INFÂNCIA Maria Lucrécia Scherer Zavaschi Ana Margareth Siqueira Bassols David Simon Bergmann Victor Mardini 724 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs jo ambiental quando ocorriam Se consi derarmos as crianças até a época da Idade Média e mesmo até a Renascença observa remos que raramente eram ouvidas e muito menos lhes era dada a palavra A psicote rapia de orientação psicanalítica dedicase de forma precípua a oferecerlhes ouvido e olhar e sobretudo conhecimento de seus padrões de relacionamento atentando e respeitando cada etapa de seu desenvolvi mento A primeira criança a ser atendida pelo referen cial psicanalítico de que se tem conhecimen to foi o pequeno Hans descrito por Sigmund Freud2 Freud na ocasião não se apercebeu do enorme campo de trabalho que iria descorti narse Devese também a Freud a descoberta de que o brinquedo da criança tem um sen tido inconsciente Essa descoberta foi rea lizada a partir da observação de um bebê de 18 meses que brincava com um carretel expressando sua ansiedade de separação em relação à mãe5 Após o atendimento do pequeno Hans houve o desenvolvimento de terapêuticas que aplicaram largamente os conceitos psicanalíticos no tratamento de crianças em distintas situações em ambientes te rapêuticos residenciais na reeducação de delinquentes e sobretudo na educa ção de forma global A década de 1920 foi frutífera no crescimento da especialidade formandose na Inglaterra três grupos no panorama psicanalítico de crianças6 Um deles liderado por Anna Freud dava gran de ênfase aos aspectos desenvolvimentais apreciando as competências alcançadas em cada estágio do desenvolvimento da crian ça Ela realizou estudos acerca dos perfis diagnósticos levando em consideração o desenvolvimento que ocorria paralelo ao aprofundamento da análise Ressaltou que o complexo de Édipo que antes era visto deslocado na vida dos adultos podia ser identificado imediatamente3 No outro extremo Melanie Klein es tava convencida de que a análise de crianças era semelhante à de adultos Desenvolveu e estabeleceu as regras básicas da técnica do brinquedo no setting analítico ampliando o espectro de tratamento às muito peque nas uma vez que postulava a existência de um ego rudimentar no bebê capacitando o a reagir às ansiedades provenientes tanto de fontes internas quanto externas Exem plificou seu pensamento teórico por meio do relato da análise de Rita uma menina de 2 anos e 9 meses7 Klein refere que as di ferenças entre a mente do adulto e a mente infantil levaramna a entender as associa ções da menina por meio do brinquedo A criança expressa suas fantasias seus desejos e suas experiências de um modo simbólico por meio dos brin quedos e dos jogos Ao fazêlo utiliza os mesmos meios de expressão arcai cos filogenéticos a mesma linguagem que nos é familiar a partir dos sonhos7 Em uma posição intermediária en contravase Von HugHellmuth8 Ela foi a primeira analista de crianças a utilizar a técnica do brinquedo como instrumento do tratamento sugerindo que o brincar espontâneo pode servir de complemento e até mesmo substituir a comunicação ver bal Ela porém não se dispunha a atender crianças muito pequenas Também nesse grupo estava Donald Winnicott9 experien te pediatra e psicanalista que a partir das inovadoras teorias de Klein aplicadas a sua extensa prática clínica com crianças cons truiu novos conceitos sobre o desenvolvi mento psíquico humano Entre suas ideias inovadoras encontramse a importância Psicoterapia de orientação analítica 725 do ambiente sobre o desenvolvimento do indivíduo a teoria sobre a mãe suficiente mente boa a teoria da sustentação ou hol ding e o conceito de objeto transicional10 As divergências técnicas entre Anna Freud e Melanie Klein suscitaram inúme ros debates Klein considerava que o perío do preparatório preconizado por Anna Freud impedia o desenvolvimento de um genuíno setting analítico Segundo ela se a transferência fosse trabalhada com lógica a neurose de transferência apareceria e a criança estaria apta ao processo analítico Klein costumava envolver a própria crian ça na situação analítica mantendo os pais fora do tratamento Acreditava que devido à transferência o analista poderia ser ob jeto de ciúmes e hostilidade Admitia que os pais pudessem representar considerável dificuldade em análise de crianças Seu mé todo dava especial atenção às fantasias in conscientes à dramatização utilizandose de uns poucos brinquedos Até hoje seus seguidores usam essa técnica valendose de bonecos miniaturas de automóveis animais selvagens e domésticos papel lá pis tesouras barbante bolas cubos água entre outros recursos Anna Freud por sua vez criticava Melanie Klein em sua afoiteza no uso de sucessivas interpretações simbólicas Não concordava com o fato de ela equacionar o brinquedo com a livre associação do adul to Para ela Klein não respeitava o ego da criança ultrapassando as defesas desta em vez de analisálas lentamente Criticavaa por levar adiante uma análise do id com indivíduos que estavam lutando para al cançar e manter um adequado status de ego A posição de Anna Freud era a de que o trabalho deveria ser feito de modo gra dual Primeiro pela verbalização das per cepções externas e depois das internas Preferia analisar com cuidado as defesas e as resistências Preconizava ainda que o analista estivesse atento a possíveis fugas da criança ao confrontarse com o material in consciente ou com a transferência negativa3 Anna pensava que a criança preferia soluções ambientais a intrapsíquicas Em diversas circunstâncias o analista teria que se conformar em trabalhar por bastante tempo sem a aliança terapêutica Enfatiza va a dupla relação do analista com seu pa ciente ora visto como um novo objeto ora como um objeto transferencial Às vezes segundo ela o analista funciona como um ego auxiliar ou como um superego externo Monitorando ambas as situações internas e externas o analista de crianças é muito mais um ambientalista do que um analista de adultos O psicanalista de crianças por tanto deveria estar atento para essa dupla relação com seu paciente dirigida para dentro e para fora O doutor James Anthony11 profun do conhecedor de psicanálise e da psiquia tria e quem construiu a história destas nos Estados Unidos no que se refere ao traba lho com crianças nos EUA mencionando as polêmicas que marcaram a história da psicanálise infantil afirma que ambos os sistemas de trabalho trouxeram significati vas mudanças para o campo da psicanálise originando em última instância uma inte gração entre eles O conflito é o estímulo do pensamen to Instiganos a apurar nossa obser vação e memória Demovenos da passividade de rebanho e impelenos à criatividade11 A teoria psicanalítica do desenvolvimento ex pandiuse e continua confrontandose com de safios clínicos que podem ser resumidos em dois tópicos segundo estudos de Tyson como explicar a saúde e como explicar a formação dos quadros psicopatológicos 726 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O autor ressalta que a complexa e pri mitiva relação mamãebebê bem como a identificação do papel do pai no desenvol vimento do indivíduo trarão à luz muitos elementos capazes de auxiliar no esclareci mento de tais questões Considerou que to dos os fenômenos psicológicos que advêm dessa complexa interação estão assentados em bases biológicas12 Essa preocupação já fora levantada por Freud em sua equação etiológica13 O tempo de teorias simples sobre o desenvolvimento já passou e a visão redu cionista dos não analistas acerca da teoria psicanalítica é extremamente exígua eles caricaturizam o desenvolvimento huma no em fase oral anal e fálica explicando a origem dos fenômenos neuróticos como simples pontos de fixação porque o des mame ou o controle esfincteriano foi pre coce ou tardio ou porque a masturbação foi estimulada ou permitida12 É evidente que a proposta de Freud mesmo em seus primórdios era muito mais complexa do que essa As recentes evidências científicas de que a mente é a manifestação virtual da atividade cerebral revigora a ideia original de Freud14 Ainda que a psicanálise e as neurociências tenham métodos e objetivos distintos os achados da neurociência esti mulam a retomada do projeto da equação etiológica13 A boa notícia do ponto de vista das neurociências é a de que o cérebro sendo um sistema vivo desenvolvese ao longo de toda a vida15 Para nós que trabalhamos com paradas retrocessos e desvios do de senvolvimento e que temos o objetivo de auxiliar nossas crianças e adolescentes a retornar ao curso normal dele por meio de diferentes abordagens terapêuticas entre elas a psicoterapia de orientação psica nalítica tratase de uma notícia alvissa reira Se observarmos que existem períodos de exuberante crescimento cerebral deno minados perío dos sensíveis e que seu cres cimento e organização dependem das pri mitivas relações interpessoais sobretudo as muito primitivas identificaremos o quão visionária foi a afirmativa de Freud16 em 1938 ao descrever a relação do bebê com sua mãe única sem paralelo que se esta belece de forma inalterada por toda a vida como o primeiro e mais for te amor objetal e como o protótipo de todas as demais relações amorosas Seguindo essa premissa a maioria das dinâmicas está de acordo com o importan te papel que as primeiras relações têm no desenvolvimento humano Essa primitiva relação pode reeditarse no contexto da psicoterapia com a emergência da trans ferência havendo uma nova oportunidade para a restauração desses laços A ênfase na continuidade e na mutua lidade das transações entre o indivíduo e o ambiente tem tido grande relevância no momento atual O reconhecimento das complexidades interativas multidetermi nadas do desenvolvimento e da patologia requer uma construção teórica que vai além do pensamento reducionista17 As pesquisas acerca do desenvolvi mento do bebê levaram a um segundo im portante tema que segundo Zeanah17 su plantaria o modelo teórico de fixação re gressão em favor de um modelo teórico de construção contínua Tradicionalmente as teorias psicodinâmicas consideravam que as relações experienciais eram organi zadas pelos estágios libidinais oral anal e fálico A psi copatologia é compreendida co mo derivada da regressão a pontos de fixa ção resultantes de vulnerabilidades consti Psicoterapia de orientação analítica 727 tucionais e de traumas infantis situados em certos períodos críticos ou sensitivos Esse modelo de fixação e regressão da psico patologia também pode guiar o tratamento A psicanálise e a psicoterapia psicodinâmica procuram de forma gradual evidenciar o trauma original ou o ponto de fixação de maneira que possa ser elaborado working through Nessa conceitualização a origem ontogênica da psicopatologia reside em um particular estágio libidinal do desenvolvi mento sobre o qual incidiu um trauma OBJETIVO O objetivo deste capítulo é apresentar os principais fundamentos da teoria e da téc nica da psicoterapia de orientação analítica POA aplicada a crianças1820 Os autores entendem que esse é um procedimento derivado da psicanálise com a qual com partilha os mesmos fundamentos teóricos e possibilidades de aliviar o sofrimento emo cional FUNDAMENTOS TEÓRICOS Os fundamentos psicanalíticos não for mam atualmente um bloco monolítico de ideias Há várias escolas com diferen tes orientações e discordâncias quanto à natureza da mente seu desenvolvimento psicopatologias e tratamento No entanto os terapeutas de orientação psicanalítica concordam de acordo com Kaye21 com as seguintes premissas 1 O principal foco da POA é a subje tividade do indivíduo a experiência interna do self sendo o objetivo prin cipal do tratamento a autoaceitação e o autoentendimento por meio do relacionamento terapêutico A ferra menta primordial da POA é o vínculo que se estabelece entre o terapeuta e seu paciente Tal premissa se adapta também às necessidades das crianças pois mesmo as pequenas têm um con ceito ainda que restrito acerca de si próprias 2 O conhecimento do inconsciente é es sencial para o entendimento das expe riências subjetivas do paciente e de seus padrões de relacionamento Os afetos as motivações e os processos incons cientes incluindo os mecanismos de defesa são aceitos como determinantes do comportamento normal e anor mal do ser humano Mesmo crianças pequenas podem se beneficiar desses conceitos 3 Os padrões emocionais compor tamentais e relacionais podem ser compreen didos pelo determinismo psíquico O comportamento humano tem uma lógica acontece por razões psicológicas compreensíveis a partir da ligação que mantém com múlti plos impulsos afetos e experiências a elas relacionadas As crianças mesmo as bem pequenas compreendem a linguagem dos sentimentos e as mani festações préverbais da comunicação 4 A criança é o pai do homem As expe riências primitivas da criança fundam importantes e consistentes padrões na percepção no pensamento no senti mento e no comportamento do indiví duo os quais são carreados por toda a vida por meio de crenças expectativas e atitudes internalizadas A esse padrão de relacionamento que se reedita no âmbito da POA se dá o nome de transferência 5 O tratamento se baseia primordial mente na transferência O enfoque no aqui e agora das relações transferenciais 728 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs promove a evolução do processo psico terápico 6 O objetivo do tratamento não se res tringe à melhora dos sintomas mas a um amplo crescimento do paciente Assim na POA para crianças e ado lescentes incluise o retorno ao curso normal de seu desenvolvimento 7 Ao longo do tratamento podem ocorrer barreiras emocionais ou resis tência ao desenvolvimento psicoló gico EVIDÊNCIAS DE EFETIVIDADE A maior pesquisa sobre os resultados em psi canálise e POA foi efetivada na Inglaterra com um estudo retrospectivo de 700 prontuá rios2225 Os autores observaram que o trata mento de orientação psicanalítica apresentou excelentes resultados sobretudo para crianças pequenas Crianças portadoras de transtornos globais do desenvolvimento ou com dé ficits intelectuais responderam pobremen te ao tratamento Em menor escala alguns estudos evidenciaram além da melhora sintomática uma melhor performance escolar em followup realizado após um ano2627 Pesquisadores da Universidade de Pi sa28 observaram a efetividade de um trata mento psicoterápico breve focal de orien tação psicanalítica de 11 sessões para 58 crianças com transtorno distímico ou de ansiedade com história de grave privação O tratamento incluiu terapia individual e familiar O grupocontrole foi encaminha do a tratamento na comunidade As medi das foram tomadas antes do tratamento aos seis meses e aos dois anos Os resulta dos revelaram significativas diferenças en tre ambos os grupos Outros estudos como os de Kolvin e colaboradores29 e Lochman e colaborado res30 também evidenciaram consideráveis melhoras com a psicoterapia de orienta ção psicanalítica Um estudo que investi gou o resultado da psicoterapia baseada na mentalização em crianças que sofreram maustratos e que apresentaram vínculos emocionais com tipo de apego inseguro e limitada capacidade de mentalização antes da psicoterapia relatou alterações na men talização após as 20 primeiras sessões31 A AVALIAÇÃO Entrevista com os pais A avaliação iniciase desde o primeiro con tato realizado com os pais O terapeuta co meçará então a conhecer o funcionamen to da família Algumas vezes são os profes sores os primeiros a perceber a dificuldade da criança podendo indicar negação ou pouca sensibilidade dos pais É fundamental lembrar que os pais podem estar com ansiedade e culpa por sentirem estar falhando na tarefa de bons pais O terapeuta deve cuidar para não pa recer um juiz devendo esclarecer que está ali para ajudálos a tratar seu filho Além disso muitas vezes a família pode estar vindo de uma longa trajetória de avalia ções e o psicoterapeuta pode representar a última esperança desses pais Não é demais afirmar que o terapeu ta deve ter sempre presente o desenvolvi mento psicomotor normal o momento evolutivo em que se encontra a criança e o contexto no qual está inserida32 Apenas assim poderá avaliar de forma acurada as condições em que se encontra seu pequeno paciente Psicoterapia de orientação analítica 729 O terapeuta deve manter uma postura de neu tralidade não assumindo a função de paterni dade de seu jovem paciente uma vez que al guns pais por se sentirem incompetentes can sados ou angustiados podem desejar transferir essa função para ele A atenção aos sentimentos contra transfereciais poderá ser de grande ajuda na avaliação assim como durante todo o processo psicoterapêutico É possível que nos primeiros encon tros alguns dados da história não sejam contados principalmente situações cer cadas de culpa ou ansiedade Informações dolorosas para os pais podem ser omitidas de propósito Somente poderá vir à tona com a melhora da criança e com a culpa então atenuada Uma boa relação terapeu tapais favorece em muito esse processo A técnica adequada de avaliação se realiza ao deixar bastante livre uma parte da pri meira entrevista pois os pais por meio da associação livre poderão trazer questões íntimas que em perguntas diretas talvez não aparecessem Porém quando informa ções consideradas importantes não forem apontadas pode ser necessária uma argui ção direta Um checklist auxilia na investi gação diagnóstica Uma boa análise da situação demanda algumas entrevistas Para tanto será apre sentado um roteiro de modelo para a ava liação Não é necessário que seja seguido do modo como é descrito O fundamental é que ao final o avaliador disponha de in formações necessárias para uma adequada indicação terapêutica É importante averiguar o motivo pe lo qual os pais buscaram o atendimento e por que neste momento além de questões do tipo quando se iniciaram os sintomas Quais os elementos desencadeantes É rele vante perguntar a respeito de fatores agra vantes ou atenuantes Como pais cuidado res ou escola lidam com a situação Qual a evolução e a repercussão do problema nos meios familiar escolar e social É impor tante saber qual a intensidade do sofrimen to da criança e as limitações que acarreta Arminda Aberastury33 recomenda que se pesquise a rotina diária da criança des de o acordar até recolherse à noite Como são os fins de semana Como transcorre ou se comemora o aniversário Quais as brin cadeiras e os brinquedos prediletos Brin ca sozinha ou acompanhada Demonstra prazer no que faz Qual o tempo que passa assistindo à TV jogando videogame ou no computador É muito importante pergun tar se os pais conhecem a qualidade dos programas a que o filho assiste Devese in vestigar o grau de dependência da criança com seus cuidados básicos como hábitos de higiene vestimentas alimentação sua curiosidade iniciativa capacidade de se defrontar com circunstâncias adversas Quando o filho desobedece ou desafia pais ou adultos como estes se conduzem Quais são os castigos ou as punições aplica dos Como a criança se comporta diante de limites ou castigos Quanto ao sono é importante saber os hábitos que antecedem o adormecer Se há uma rotina horário se ocorre de uma maneira tranquila e se adormece na pró pria cama ou na de seus pais Se a criança tem um quarto próprio se dorme sozinha ou acompanhada e se usa rotineiramente esse quarto É importante obter informações a respeito do planejamento dessa gravidez Qual a reação de cada um dos pais quando souberam da gravidez Pensouse na possi bilidade de realizar um abortamento Que lugar esse filho ocupa na família Quantos filhos o casal tem Desejaram ou ainda pre tendem ter mais filhos É necessário per guntar sobre uso ou abuso de álcool outras 730 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs drogas ou medicamentos durante a gravi dez Foi realizado prénatal Essas questões vão fornecer ao psicoterapeuta informa ções de como a família se organizou para receber o bebê Durante as entrevistas investiga se a idade gestacional se o parto foi va ginal ou cesárea Foi usada analgesia ou anestesia Houve alguma intercorrência antes durante ou após o parto Qual a par ticipação do pai durante todo o processo A mãe sentiuse amparada e segura pelo companheiro e teve uma maior disponi bilidade afetiva para servir de continente para seu bebê Perguntase a respeito do bebê ima ginário da preferência do sexo e da reação dos pais ante o filho real Mãe e bebê se viram em seguida ao nascimento O filho chorou logo Qual seu peso e comprimen to Apgar Foi possibilitada uma interação entre a mãe e seu bebê Ficaram em aloja mento conjunto ou o filho ficou no ber çário Existiu alguma intercorrência que dificultasse a interação paisbebê O primeiro ano é decisivo para a vida do bebê Nesse ínterim são lançadas as bases para o futuro desenvolvimento emocional da criança assim como para as futuras relações de objeto Qual a relação do bebê com a ali mentação e como demonstrava estar com fome Como exercia a força de sucção Perguntase a respeito da amamentação ao seio e sobre as emoções que despertavam na mãe Se o aleitamento materno não foi possível como foi realizado Foi prazeroso para mãe e filho Questionase sobre marcos do desen volvimento psicomotor não apenas quan to ao momento mas também à maneira como começaram e como repercutiram nos pais e na criança sorriso sociabilidade firmou a cabeça sentou sem e com apoio engatinhou deu os primeiros passos e fa lou as primeiras palavras A introdução de novos alimentos di ferentes do leite materno quando e como ocorreu e como o bebê reagiu Segundo Aberastury33 o modo como a criança acei ta essa perda mostrará como ela enfrentará as perdas futuras Perguntase a respeito da dentição se foi acompanhada ou não de desconforto se coincidiu com o desmame e se causou transtorno do sono Pesquisase sobre o controle esfincteriano qual a idade for ma como se realizou e a atitude diante das questões de limpeza e sujeira Ainda como os pais relatam e reagem a respeito da se xualidade do filho e como lidam com a sua própria Privacidade quanto ao banho da criança e dos pais troca de roupa relações íntimas uso do toalete coabitação ou co leito Verificamse os antecedentes mór bidos doenças cirurgias hospitalizações situações traumáticas e reações da criança e dos pais ante situações adversas O psico terapeuta deve estar atento à possibilidade de existir negligência abuso e maustratos independentemente de nível cultural ou socioeconômico mesmo que não exista uma queixa formal quanto a essas questões Investigase ainda a existência de trauma tismos ou acidentes repetidos que possam mascarar uma tentativa de suicídio Perguntas de como e quando iniciou na préescola e na escola também devem ser feitas Como foi e quanto tempo durou o período de adaptação Há problemas de aprendizado Há dificuldade maior em leitura ou matemática A criança tem di ficuldade em prestar a atenção É inquie ta dispersa ou causa transtorno na sala de aula Como se relaciona com colegas e professores Quais as expectativas dos pais Psicoterapia de orientação analítica 731 quanto à escolaridade do filho Como é a disponibilidade afetiva para o aprendizado e quais os sentimentos da criança em rela ção ao estudo aos temas e à leitura Como se posiciona e como brinca no recreio Fica sozinha ou em grupo Pratica e aprecia ati vidades esportivas O conhecimento dos antepassados da criança da história de seus hábitos de tra dições e de tabus pode oferecer modelos de identificação para o paciente É importante informarse a respeito de gerações anterio res não apenas quanto aos aspectos gené ticos estritamente biológicos mas também quanto aos padrões genéticodinâmicos das relações predominantes Elaborar em detalhes um heredograma auxiliará na vi sualização das famílias de origem e da fa mília nuclear Pesquisar a existência de transtornos mentais de forma minuciosa a natureza e o número de familiares com prometidos por exemplo com transtornos do humor transtorno obsessivocompulsi vo do espectro autista e transtornos psicó ticos Prego e Silva34 orientam que ao terminar uma avalição o psicoterapeuta terá a possibili dade de vir a conhecer três crianças a inventada pe los pais a construída por ele terapeuta e a criança real que irá atender Entrevista com a criança A entrevista com a criança deve se reali zar em uma sala preparada que permita o brinquedo livre incluindo o uso de água tintas argila cola por exemplo Convém que tenha piso e paredes laváveis e que dis ponha de uma pia com água corrente para que a criança possa também se valer des se meio para o trabalho psicoterápico Os móveis devem se adequar ao tamanho das crianças É interessante ter um quadro para desenhar um espelho que permita verse de corpo inteiro um armário com gavetas individualizadas que possam ser identifi cadas pela cor por exemplo e chaveadas com a chave colocada em local que possa ser manipulada somente pela criança eou pelo terapeuta O material usado deve ser simples e resistente Os brinquedos não devem ser sofisticados per mitindo um livre curso às fantasias do pequeno ou jovem paciente Todo material deve ser indi vidual para cada criança e guardado em sua gaveta Assim por meio dessa atitude concre ta ela terá a compreensão de que todo traba lho desenhos e brincadeiras realizados são si gilosos O material lúdico da criança representa seu mundo interno e só será usado pela dupla criançaterapeuta durante o trabalho não sen do violado por nenhuma outra pessoa35 A gaveta ou caixa individual deverá conter família terapêutica bonecos de pa no plástico ou madeira carrinhos bom beiros polícia corrida ambulância Po derá ter também avião navio panelinhas pratinhos xícaras revólveres espadas blocos de encaixar ou cubos de madeira massa de modelar ou argila tintas pincéis cola fita adesiva cordão tesoura linha e agulha retalhos de pano O terapeuta de acordo com a situa ção utilizará outros materiais ou brinque dos caso considere necessário Assim com uma menina em avaliação por uma reação traumática à perda de um familiar em aci dente de ônibus com a finalidade de facili tar a projeção de fantasias o terapeuta pode rá colocar um ônibus entre os brinquedos Nas consultas de avaliação o material deve ficar à disposição para a criança Sua reposição ao longo do tratamento não de 732 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ve ser realizada sem um exame detalhado a respeito de seu significado Brinquedos mesmo que muito utilizados ou danifica dos não devem ser trocados sem o devido entendimento da destruição e do signifi cado da troca pois esse fato pode ser por exemplo expressivo de fantasias e confli tos A simples reposição poderá configurar uma troca maníaca uma busca de reparar um ataque na relação transferencial e que está reeditando conflitos que não foram compreendidos É fundamental que o pequeno pa ciente se confronte com suas ações mesmo que destrutivas É mais apropriado que a criança venha a se defrontar com seus as pectos destrutivos no brinquedo do que em sua performance escolar ou social ou em seu próprio corpo Essa é a finalidade do set ting justamente para que ali a criança de forma livre expresse seus conflitos As entrevistas iniciais representam o começo do estabelecimento de uma alian ça terapêutica Nas consultas diagnósticas segundo Angold36 o avaliador necessita ser habilidoso para conseguir harmonizar ade quada coleta de informações olhar obser vador empenho e preocupação a respeito das dificuldades da criança o que considera uma verdadeira arte A entrevista psicodi nâmica procura encontrar quais conflitos inconscientes colaboram para a constitui ção dos sintomas do paciente O terapeuta ficará atento a padrões de assuntos confli tuosos e defesas habituais A avaliação com a criança possibilita uma exploração direta da sua percepção so bre a dificuldade apresentada e uma avalia ção do nível de desenvolvimento além do exame do estado mental O uso de sessões não estruturadas na avaliação possibilita estabelecer inferências a respeito da vida psíquica da criança englobando seus de sejos impulsos medos defesas conflitos afetos e relações objetais A criança deve ser orientada e prepa rada pelos pais assim como devem ser dis cutidos com ela os objetivos a natureza e a proposta da avaliação Tudo o que ocorre no setting da pri meira consulta servirá de subsídio para a avalição Tudo o que ocorrer durante o processo terapêutico servirá para a busca de compreensão do psiquismo da criança e dos afetos correspondentes que serão inter pretados à luz do entendimento dinâmico tendo como fio condutor a relação transfe rencial e contratransferencial estabelecida O primeiro contato com a criança se dá na sala de espera quando o terapeuta se apresenta e a convida para entrar O com portamento dos pais é fundamental nesse momento pois a criança está atenta aos gestos mais sutis deles que possam expres sar ansiedade ou ambivalência Se for bem preparada e informada a respeito dos mo tivos daquele encontro facilitará bastante sua entrada É de se esperar mesmo assim que apresente um pouco de angústia nesse momento O terapeuta necessita estar atento a esse co meço uma vez que a atitude da criança e dos pais assim como o modo como a criança in terage com o avaliador indicarão aspectos do funcionamento da família Logo após a entrada devese esperar um pouco até que ela se manifeste Busca se decodificar e compreender as atitudes iniciais Habitualmente o início é recheado de ansiedades paranoides que devem ser entendidas e interpretadas É importante tranquilizar a criança comunicando a ela que o terapeuta está ali para auxiliála a en tender seus problemas falar quais e que para isso é necessário conhecêla Portan to irá brincar e observála Psicoterapia de orientação analítica 733 Ao fim da consulta o terapeuta deve ter um conhecimento pelo menos parcial do estado mental da criança dos conflitos dos mecanismos de defesa e dos recursos sadios de ego de que dispõe para enfrentar situações do desenvolvimento de forma adequada ou desfavorável Simmons37 des creve um esboço para o exame do estado mental aparência temperamento afeto orientação e percepção mecanismos de defesa integração neuromuscular proces sos de pensamento e verbalizações fanta sias sonhos desenhos desejos e brinca deiras superego ideais e valores do ego integração da personalidade autoconceito relações com o objeto identificação ca pacidade de insight e estimativa do coefi ciente de inteligência Pode se fazer necessária a solicitação de exames complementares eou a avalia ção de outros especialistas Alguns exames laboratoriais devem ser solicitados quando houver suspeita de organicidade O tera peuta deve solicitar uma avaliação o mais abrangente possível tendo em vista os cus tos e o tempo despendidos que podem ser limitados pelas condições socioeconômicas da família Solicitamse hemograma EQU EPF VDRL sorologia antiHIV entre ou tros exames A testagem psicológica constitui um valioso instrumento diagnóstico além da utilidade para verificar o andamento e auxiliar na decisão do término de tra tamento Para Chabert citado por Vas concellos38 aspectos que escapam à vista do avaliador podem ser evidenciados pela sensibilidade dos testes projetivos como Rorschach e Teste de Apercepção Temá tica TAT por exemplo Os escores dos testes dão informações importantes mas devem ser interpretados no contexto total da avaliação levandose em consideração sua consistência com as informações dos pais da escola e do próprio terapeuta39 Uma avaliação da criança pelo neuro pediatra pode se fazer necessária por meio de exame neurológico exame neurológico evolutivo ENE e exame das funções corti cais com a finalidade de garantir que fato res orgânicos não diagnosticados antes ou surgidos recentemente sejam descartados Também o neurologista ajuda a compreen der e detectar sinais neurológicos leves que possam estar relacionados com o status do desenvolvimento da criança Alterações do exame neurológico podem estar associadas a alguns transtornos psiquiátricos específi cos como transtorno de Tourette e trans tornos do espectro autista entre outros A avaliação psicopedagógica deve ser solicitada quando se suspeitar de algum transtorno do aprendizado eou de mo tricidade Harway40 refere que esse estudo identificará as áreas de maior vulnerabili dade e de maior potencial para planejar um programa específico no qual a criança consiga desenvolver seu potencial cogni tivo Todas essas informações devem ser integradas com os dados fornecidos pelos pais Ao final o terapeuta deve ser capaz de ter um estudo de caso completo com a finalidade de levan tar uma hipótese diagnóstica tanto do ponto de vista descritivo CID1041 eou DSM542 quan to da perspectiva dinâmica e fazer uma indica ção terapêutica RESULTADOS DA AVALIAÇÃO Os resultados da avaliação serão apresen tados aos pais após cuidadosa formulação diagnóstica que deve reunir a observação feita sobre a criança os resultados dos exa mes complementares e as informações de outros profissionais A entrevista com os 734 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pais visa a informálos quanto ao diagnós tico e permitir que o avaliador os auxilie na elaboração de sentimentos e percepções relacionados aos problemas do filho Além disso oferece suporte quanto a procura de tratamento e recomendações e plano de tratamento caso seja indicado O clima dessa consulta pode ser ten so pois é frequente que os pais sintam se culpados pelas dificuldades do filho É necessário confortálos ressaltando as competências da criança e os esforços des pendidos em sua educação sem negar os problemas Para facilitar a compreensão a comunicação com os pais dispensa o uso de termos técnicos apresentando a situa ção de forma realista Durante essa entre vista avaliase a existência de uma aliança terapêutica inicial com os pais peça funda mental para o estabelecimento da relação terapêutica e a manutenção do tratamento da criança As impressões iniciais do terapeuta também devem ser explicadas ao paciente respeitando seu nível de compreensão e de senvolvimento O terapeuta deve informar que comunicará aos pais esses resultados bem como sua indicação terapêutica INDICAÇÕES Paulina Kernberg43 arrolou como indi cações de POA três situações básicas sin tomas específicos conflitos interpessoais persistentes atraso parada ou regressão no desenvolvimento adaptativo ou emo cional Em 1995 Kernberg44 especificou um pouco mais as indicações neurose crô nica grave neurose sintomática histérica depressiva fóbica e obsessivocompulsiva transtornos psicossomáticos que interfi ram no desenvolvimento transtornos de identidade de gênero da personalidade anorexia nervosa personalidade narcisista transtornos borderline com bons recursos de ego e superego e motivação para o tra tamento Para a American Academy of Child and Adoles cent Psychiatry AACAP45 não existe especifi cidade diagnóstica para o uso da psicoterapia dinâmica Ela tem sido usada de forma efetiva para transtornos internalizantes p ex trans tornos depressivos e de ansiedade transtornos externalizantes por exemplo transtorno do dé ficit de atençãohiperatividade de severidade leve a moderada dificuldades maladaptativas da personalidade e reações emocionais inter nas disfuncionais a eventos de vida No Practice parameter for psychody namic psychotherapy with children45 su geremse diferentes indicações conforme a duração do tratamento A psicoterapia individual breve de tempo limitado é in dicada para crianças que se encontram em estresse situacional agudo como luto an siedade de separação problemas de sono ou ansiedade aguda Existe um foco de tra tamento definido bem como um momen to de término que impulsiona o processo ao passo que a psicoterapia de longo prazo sem definição de tempo para seu encerra mento é indicada quando os fatores bioló gicos e sociais desestabilizam cronicamente a adaptação e o desenvolvimento da crian ça quando há dificuldades psicológicas de vido à complexidade das comorbidades ou quando estão presentes conflitos e interfe rências desenvolvimentais solidamente ar raigados na criança Na indicação da POA devese considerar a capacidade da criança em reconhecer seus comportamentos seus efeitos nos outros e suas condições de re latar seus problemas ou refletir sobre eles Psicoterapia de orientação analítica 735 CONTRAINDICAÇÕES A psicoterapia psicodinâmica é contrain dicada a crianças com patologias graves psicose quadro severo de transtorno glo bal do desenvolvimento e transtornos se veros da conduta sem culpa ou remorso ou déficits cognitivos devido às limitações da capacidade de insight Famílias muito deterioradas com funcionamento psicóti co ou oposição franca de um dos pais ao tratamento podem dificultar e até impedir o andamento da psicoterapia4 Mesmo havendo indicações para uma psicoterapia dirigida ao insight esse tipo de tratamento fica contraindicado quando a família apresenta um funcionamento caó tico ou quando a criança não tem motiva ção para o tratamento4 Na situação em que os pais discordam em relação à indicação continuidade do tratamento recomenda se trabalhar essas resistências que se não tratadas podem levar a não efetivação do tratamento ou a sua interrupção precoce USO DE MEDICAÇÃO Psicofármacos podem ser usados junto do tra tamento psicoterápico para aliviar sintomas e facilitar a capacidade do paciente para o tra balho terapêutico Entretanto o terapeuta deve levar em consideração os possíveis significados que a criança ou a família podem atribuir à medicação Não há drogas curativas pa ra os transtornos psiquiátricos na infância Por vezes o alívio dos sintomas pelo uso de medicação induz alguns pais a propor a descontinuidade do tratamento antes que questões subjacentes sejam resolvidas na psicoterapia OBJETIVOS DA PSICOTERAPIA A psicoterapia infantil psicodinâmica é um meio psicológico de ajudar a criança por meio do relacionamento com seu terapeu ta a tornarse mais livre mais conhecedora de si e dos outros encontrando uma forma de expressar suas emoções A compreensão psicanalítica do sintoma incluso na for mulação diagnóstica dinâmica permitirá a estruturação dos dados clínicos sendo uti lizada como um guia do tratamento46 Recentemente a AACAP no Practice parameter for psychodynamic psychotherapy with children45 descreveu como objetivos da psicoterapia aumentar comportamentos adaptativos melhorar a sintomatologia melhorar a adaptação à família à escola e aos colegas reparar traços de personalidade mal adaptativos reelaborar conflitos para flexibilizar padrões defensivos e relacionais rígidos aliviar inibições desnecessárias desenvolver na criança um pensamento flexível ter acesso à vida de fantasia estabilizar o funcionamento psicológico ampliando a liberdade de expressão por meio do jogo e das palavras em vez de por ações impulsivas promover uso flexível das defesas bem como habilitar a criança a uma avaliação de sua vida compatível com sua idade aumentar as capacidades para atividades prósociais estimular o funcionamento autônomo na escola adequado à idade cronológica 736 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs desenvolver senso de identidade incluin do identidade sexual apropriado para a idade promover autoestima positiva O tratamento tem como meta aliviar o sofri mento psíquico da criança permitindo que ela retome o curso normal do seu desenvolvimen to apresentando um funcionamento esperado para a idade em casa na escola e na comu nidade Nos casos de patologia familiar grave com suspeitas ou confirmação de negligên cia abuso ou maustratos um dos objeti vos da POA será garantir um ambiente de proteção para a criança privilegiando um espaço saudável para seu desenvolvimen to emocional Em situações mais simples muitas vezes a orientação da família é su ficiente Outras vezes será encaminhado um dos pais ou ambos ou um irmão para tratamento ou até mesmo uma abordagem familiar paralelamente ao tratamento indi vidual da criança Outra possibilidade se necessário é contar com a ajuda de insti tuições de proteção à criança como o Con selho Tutelar e o Ministério Público O PROCESSO PSICOTERÁPICO Concluída a avaliação é possível que o tera peuta tenha identificado que a situação que precipitou a busca de avaliação e que cau sou preocupação à família representa um bre ve percalço no curso do processo de maturação da criança não tendo ocorrido parada regres são ou atraso no desenvolvimento Nesses ca sos podese entender que uma eficiente orien tação e apoio aos pais sejam suficientes Nossa posição é por ações que respeitem a situação peculiar de cada paciente e de sua família par tindo de medidas menos intrusivas até a indi cação de POA que irá necessitar de grande en volvimento por parte da criança e de seus pais O primeiro passo após a avaliação e a indicação psicoterápica é fazer um con trato claro com o paciente e com os pais Nele constará a combinação de horários e frequência das sessões buscando contem plar as conveniências da criança e dos pais Procurase combinar claramente honorá rios feriados férias e a responsabilidade com eventuais ausências O fato de que as crianças estão pas sando por um processo de desenvolvi mento ao mesmo tempo em que parti cipam de um processo analítico é uma diferença fundamental da análise e da POA entre crianças e adultos47 Outro as pecto a se considerar é que a psicoterapia não se desenrola só a partir das comuni cações verbais mas das préverbais e das extraverbais expandindo os recursos da comuni cação entre paciente e terapeu ta O propósito básico da psicoterapia é trabalhar com a vida afetiva do pacien te Dessa forma o brinquedo tornase o meio privilegiado de comunicação por ser a forma principal de expressão da vida emocional utilizada pela criança O brin car é utilizado pelas crianças para pensar imaginar e construir significados da mes ma forma que a linguagem é usada pelos adultos sendo muito efetivo para acessar e comunicar afetos47 O setting terapêutico deve ter condições para funcionar como um palco aberto e livre no qual a imaginação da criança e o faz de conta possam Psicoterapia de orientação analítica 737 expressarse sem restrições permitindolhe re velar seus mais íntimos pensamentos e senti mentos O terapeuta necessita da capacidade de compartilhar os interesses e o brinquedo da criança o que moldará os principais laços entre ambos e permitirá o desenvolvimento da alian ça terapêutica Além do brinquedo e do desenho outros elementos entrarão na composição do setting como música filmes um diário fenômenos da natureza e até um animal de estimação Porém as ferramentas funda mentais serão os pensamentos e os afetos de ambos os participantes que por meio da transferência da resistência e da contra transferência formarão a base sobre a qual se desenvolverá o tratamento Etapa inicial do tratamento Anna Freud3 preconizava uma fase intro dutória na qual se prepararia a criança pa ra o tratamento buscando motivála uma vez que ela só estaria ali devido ao desejo dos pais Já os seguidores de Melanie Klein consideram que desde a primeira hora de jogo a criança não só desenvolve a trans ferência como também apresenta uma percepção inconsciente sobre sua doença e também uma fantasia de cura33 Apesar das controvérsias históricas na prática diária do tratamento de crianças observase a presença de ansiedades perse cutórias desde o início Elas se manifestam por desconfiança sentimentos de ameaça e tentativas de transformar a situação nova em algo já conhecido Caron e Seewald48 recomendam como regra no atendimen to de crianças que as interpretações sejam claras simples e verdadeiras Alertam pa ra o fato de que embora a criança não seja capaz de expressarse verbalmente pode muito bem compreender o que está ocor rendo e desejar ser ajudada No período inicial é importante que o terapeuta obser ve bem as características de seu paciente e favoreça seu entendimento a respeito das regras do processo terapêutico O desempenho do terapeuta durante as ses sões será pautado pela própria criança Esse engajamento no brinquedo não surge facilmen te para alguns terapeutas É necessária algu ma regressão a serviço do ego e muita cria tividade para vencer as inibições naturais do adulto49 O terapeuta necessita estar em con tato com seus próprios aspectos infantis sem perder a consciência de seu papel ana lítico diante do material que a criança apre senta50 Há também controvérsias quanto à participação direta do terapeuta no brin quedo do paciente Para os autores deste capítulo a participação do terapeuta obe dece às diferentes necessidades e situações Pode estar limitada ao desempenho de papéis determinados pelo paciente como diretor de cena ou mostrarse mais ativo para facilitar a comunicação entre ambos À medida que a terapia evolui menor vai se tornando o trabalho dramático ou plás tico e mais comunicações verbais poderão ocorrer Atualmente muitos analistas pro põem que ajudar a criança a brincar promove o desenvolvimento não por des velar o significado mas por ajudar a crian ça a produzir significados5153 É impor tante assinalar que o valor terapêutico da comunicação verbal repousa menos no conteúdo e mais na liberdade para verba lizar seus estados internos pensamentos e sentimentos54 Outro aspecto importante é o manejo do contato físico direto Ocor 738 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs re com frequên cia com crianças pequenas que buscam esse contato e até necessitam dele Ao fim da primeira fase do tratamen to a criança possivelmente terá alcançado os seguintes objetivos apresentar certo bemestar que lhe per mite produtividade nas sessões comunicarse bem formar uma aliança de trabalho com o terapeuta darse conta de que algumas de suas atividades mentais são geradas interna mente em vez de procederem somente do mundo externo compartilhar com o terapeuta uma ma neira própria de representar estados in ternos com palavras imagens e símbolos A predominância de comunicações verbais poderá ser tomada como indício de evolução do trabalho terapêutico e melho ra do paciente55 Etapa intermediária do tratamento Nessa fase paciente e terapeuta terão de despender muito esforço emocional para atingirem seus objetivos Estarão juntos cada um com suas experiências prévias em uma nova experiência afetivoemocional como considera Ferro A história que se desenrolará será absolutamente nova56 O objetivo da terapia é utilizar o re lacionamento e o conhecimento a respeito da situação individual da criança para re mover os obstáculos internos ou externos que estejam inibindo seu crescimento psi cológico normal e recolocála no melhor patamar de desenvolvimento Esperase que o processo psicoterá pico facilite a capacidade do paciente para intimidade consideração e gra tidão44 Cada psicoterapia se desenvolve de acordo com as características particulares de paciente e terapeuta bem como dos ob jetos do mundo interno de cada um deles A literatura é farta em termos de estudos que contemplam essa fase intermediária e que identificam as principais tarefas dessa etapa Há um constante interjogo de senti mentos transferenciais e contratransferen ciais O terapeuta é alvo das projeções e dos sentimentos de seu paciente e deve estar atento às suas próprias respostas afetivas ao paciente aos seus objetos internos e a sua família real Por seu lado o paciente já mais aliviado de sentimentos persecutó rios e mais familiarizado com o processo disporá de maior liberdade de partes de seu ego observador que se aliarão ao terapeuta na tarefa de identificar conflitos e buscar elaborálos mostrandose mais maduro para receber interpretações Para Coppolillo55 a interpretação não se resu me a um ato ou evento sendo um processo que se inicia com atos preparatórios Clarificações e elucidações vão identificando as atitudes ou as particularidades da história do paciente Tais atitudes adquirem determinado significado e se repetem na transferência com o terapeuta e com outros persona gens da vida do paciente Para esse autor o termo interpretação deve ser reservado para o resumo verbal de um processo que permitiu ao paciente experienciar e enten der as defesas ou resistências que foram levantadas contra a ansiedade gerada por um impulso desejo convicção aspiração ou fantasia55 O terapeuta deve estar alerta para o fato de o processo estar constantemente Psicoterapia de orientação analítica 739 sob a ameaça de estancamento visto que as resistências seguem vigentes e até recrudes cidas cabendo ao tratamento o trabalho de demovêlas Não só o paciente poderá ficar aprisionado na armadilha da formação de compromisso mas também o terapeuta por identificação projetiva Devese aten tar para a história genéticodinâmica do paciente e sobretudo para os fenômenos transferenciais e contratransferenciais que operam no campo terapêutico pois é no aqui e agora que ocorrerão os fenômenos emocionais e racionais que reconstruirão a história do paciente propiciando a repara ção dos objetos atacados Fase final da terapia O término da psicoterapia envolve a crian ça os pais e o terapeuta A fase final depen derá muito da orientação do terapeuta e das metas alcançadas Em geral a maioria das discussões sobre o tema examina crité rios para o término indicando como pon tos centrais o esbatimento dos sintomas e a retomada do processo de desenvolvimento normal O fato de a criança ainda estar em de senvolvimento dificulta a avaliação do mo mento mais oportuno para a alta Términos prematuros estão relacionados a múltiplas causas os pais por motivos competitivos com o terapeuta ou com a própria crian ça podem não tolerar as melhoras e retirar prematuramente o paciente racionalizan do que o objetivo já foi alcançado Outras vezes não tolerar a melhora do filho diz respeito a não aprovarem as mudanças que o filho vem promovendo que podem ir contra suas expectativas por exemplo crianças submis sas que se tornam mais ativas ou desafiadoras crianças deprimidas que passam a existir em sala de aula e exigir alguma atenção dos pro fessores e assim por diante Mudança de domicílio dificuldades financeiras ou de transporte e separações podem influir de forma importante Ocor rem ainda situações relacionadas com avaliação errônea por parte do terapeuta ou no caso das instituições mudança de estágio dos residentes Em estudo recente Gastaud e Nunes57 pesquisaram 2106 prontuários de crianças que estavam em atendimento psicoterápico em duas instituições de ensino de POA em Porto Alegre Destas 200 receberam altas e 793 abandonaram seus atendimentos Os grupos foram comparados e os resultados indicaram que meninos apresentaram mais risco de abandonar o tratamento crianças en caminhadas por neurologistas ou por psi cólogos demonstraram menor risco de aban dono Após o sexto mês de atendimento o risco de abandono decaiu de forma conside rável Os autores levantaram hipóteses para as associações encontradas e concluíram que conhecer preditores de abando no em psicoterapia possibilita aos te rapeutas identificar precocemente pa cientes pertencentes ao grupo de risco para abandono oportunizandolhes trabalhar preventivamente e mais di retamente aspectos de resistência e transferência negativa desses pacientes e seus familiares principalmente nos primeiros seis meses de tratamento57 Sugerem a possibilidade de se cria rem técnicas de intervenção precoce com os pais e realizar tratamentos transdiscipli nares combinados como saídas possíveis para evitar o abandono que chegou a um valor em torno de 60 dos casos seme lhante a estudos internacionais 740 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs É lamentável que em situações de muita instabilidade com pacientes de con dições socioeconômicas e emocionais pre cárias a alta prematura seja a mais frequen te A própria criança pode ser causadora da alta prematura quando não tolera a intro missão em seu mundo interno conflitua do e recorre a acting outs que precipitam a mudança de abordagem para a internação psiquiátrica por exemplo As altas terapêuticas ocorrem quando o paciente apresenta sinais de remissão do quadro que o trouxe a tratamento Entre inúmeras listagens de critérios de alta pri vilegiamos a de Paulina Kernberg44 O paciente apresenta ideia mais realista do terapeuta e de suas funções demons trando bom relacionamento com ele utilizando humor e apresentando maior tolerância às separações alicerçados em maior confiança O terapeuta utiliza de forma crescente intervenções dirigidas ao mundo inter no do paciente tais como clarificação confrontação interpretações da trans ferência reconstruções genéticas Passa a trazer mais material referente à vida cotidiana dandose conta da perspectiva de tempo e apresentando planos futuros A qualidade das comunicações mostra mudança a criança consegue revisar os conflitos e buscar resolução Há aumento de verbalizações O brinquedo desenrolase de forma agradável sendo utilizado para elaborar e resolver conflitos Sonhos podem antecipar ou representar ansiedades acerca do término Há maior modulação afetiva quanto ao espectro à intensidade e ao conteúdo do material Demonstra sentimentos ambivalentes com relação à alta porém acompanha dos de alívio Ocorrem comportamentos sublimató rios compartilhando novos interesses As defesas tornamse mais flexíveis e evoluídas Com mais frequência observase in sight acompanhado de críticas acerca de si próprio O paciente tornase mais reflexivo e busca entendimento sobre as causas dos fenômenos que observa em si relativos tanto ao mundo interno quanto ao mundo externo Diminuem os sintomas e os acting outs muda a postura a vestimenta passa a apresentarse de forma adequada à ida de Em resumo a criança ingressa no cur so normal do desenvolvimento PECULIARIDADES DA TERAPIA NAS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS Intervenções psicoterápicas paisbebês IPPBs As IPPBs são indicadas para bebês de 0 a 3 anos que se apresentam ou que estão em risco de desenvolver algum distúrbio que comprometa sua saúde mental O de senvolvimento favorável do ego do bebê necessita de um ambiente mãepai que proporcione condições que atendam às suas necessidades básicas É na harmonia da interação entre o bebê e pais eou cui dador que as potencialidades inatas dis No capítulo quando houver referência à relação mãe bebê também estão inclusos aí todos os cuidadores que participam de maneira presente na interação com o bebê sejam eles pai avós sejam eles tios entre outros Psicoterapia de orientação analítica 741 criminação de impressões sensoriais me mória inteligência busca por interação e afetos entre outras serão estimuladas e expressas Do ponto de vista neurobioló gico Stern58 destaca os neurôniosespelho e os osciladores adaptativos como meca nismos fundamentais na estruturação da matriz intersubjetiva entre o bebê e a mãe Situações que perturbem persistentemente a sintonia na intersubjetividade entre o be bê e os pais irão desencadear sintomas no bebê comportamentos autodestrutivos e heteroagressivos ansiedades somatizações e isolamento emocional crises de choro inconsoláveis comportamentos de birra comportamento opositor Fatores como doença mental dos pais condutas parentais inadequadas excessivo controle punição reações de rejeição estilos de tempera mento discordantes entre pais e bebê e si tuações de vida que desencadeiam estresse têm papel importante na origem desses dis túrbios59 O objetivo do tratamento nessa faixa etária é estimular e aumentar a habilidade dos pais para propiciar um ambiente seguro no qual a criança tenha acesso às suas necessidades in dividuais promovendo seu desenvolvimento59 As IPPBs baseiamse na premissa de que cuidados proteção aprendizado e re ciprocidade com as figuras de apego são fundamentais para a saúde mental na in fância e criam padrões de interação inter nalizados pela criança como estruturas psi cológicas estáveis ao longo da vida59 Em uma aproximação entre a psica nálise e as neurociências Allan Schore60 refere que traumas relacionais precoces levam a uma alteração evolutiva identifi cada como falta de maturação afetiva do cérebro direito A consequência maior do trauma relacional precoce é a incapacida de da criança de desenvolver a autorregu lação conforme a intensidade e a duração do estresse emocional O autor destaca que o trauma relacional precoce medeia a transmissão transgeracional inconsciente dos déficits da regulação afetiva das psico patologias de formação no início da infân cia As intervenções precoces seriam mais efetivas em um período de crescimento cerebral acelerado e contribuiriam para a prevenção de futuros transtornos psiquiá tricos60 A história das abordagens terapêu ticas da relação paisbebê é ainda recente mas tem sua origem alicerçada na psica nálise e no conceito da origem precoce dos transtornos psicológicos Foi a partir da década de 1940 que a psiquiatria infan til adquiriu autonomia e que tratamentos psicoterápicos foram propostos para crian ças pequenas que apresentavam distúrbios com expressão somática como transtornos do sono da alimentação do crescimento das funções esfincterianas entre outras condições4 Selma Fraiberg61 foi pioneira ao pro por intervenções terapêuticas para uma va riedade de sintomas e transtornos psicoló gicos no contexto da relação dos bebês com seus pais ou cuidadores Iniciou o que veio a ser conhecido como Modelo Fraiberg de Intervenção em 1973 com a criação de um centro universitário de psiquiatria do bebê Essa modalidade tem como foco o desen volvimento do bebê e como referencial teó rico a psicanálise4 São casos em que o bebê está ameaçado por terse tornado o repre sentante de figuras do passado dos pais ou de aspectos repudiados ou negados destes Em alguns casos o bebê já mostra sinais de distúrbio emocional No tratamento são examinados o passado e o presente visando a libertar o bebê das projeções dos pais por meio de 742 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs interpretações dirigidas ao insight A tera pia movimentase entre o passado e o pre sente mas retorna sempre ao bebê4 O objetivo é trabalhar conflitos que surgem do passado dos pais e interferem na relação com o bebê Por meio da me táfora dos fantasmas no quarto do bebê a autora salientou a transmissão transgera cional de padrões patológicos de relacio namentos por meio da reencenação com seus bebês de conflitos não resolvidos da infância dos pais4 A presença do bebê na sessão com ao menos um dos pais é a marca registrada das in tervenções paisbebê O bebê funciona como enzima catalisadora das mudanças que vão sendo trabalhadas psicoterapicamente com os adultoscuidadores62 Johan Norman62 em seu artigo O psicanalista e o bebê uma nova visão do tra balho com bebês justifica assim a pre sença do bebê em sessões conjuntas com os pais 1 O bebê tem condições de desenvolver um modelo de relacionamento com o terapeuta seja qual for o modelo com seus vínculos mais importantes 2 O bebê tem uma subjetividade e um self primários como base para a intersubje tividade 3 O bebê apresenta uma permeabilidade única para modificar representações de si mesmo e dos outros que diminui à medida que o ego se desenvolve 4 O bebê é capaz de compreender certos aspectos da linguagem Muito antes de poder falar tem uma compreen são da linguagem afetiva não léxica Entendese por linguagem não léxica a linguagem afetiva expressa em gestos expressões faciais musicalidade da voz e expressão corporal Além da presença do bebê na sessão o terapeuta faz uma opção consciente de dar atenção a essa presença no consultório para ter o maior número de impressões do mundo interno do bebê Ao mesmo tempo o terapeuta é estimulado pela comunicação dos pais e pela sua própria realidade psí quica Ao relacionarse diretamente com o bebê olhandoo tentando entender suas comunicações dirigindo a ele a palavra falando pelo bebê o terapeuta evidencia aos pais a condição da jovem criança como uma pessoa separada dos pais com uma subjetividade própria e com capacidades de comunicação de seu estado mental O tera peuta deve estar atento a pequenos sinais sutis de comunicação como afastamento do olhar sonolência mudanças de humor interrupção do brinquedo Ao longo do processo de tratamento esperase que esse modelo de interação seja introjetado pelos pais e pelo bebê59 No Ambulatório de Interação Pais Bebê do Hospital de Clínicas de Porto Alegre HCPA utilizamos a filmagem da interação mãebebê em um momento de brinquedo livre Depois procedemos a uma análise detalhada para a identificação de aspectos sutis de desencontros entre os parceiros da interação63 Muitos dos problemas envolvem a fal ta de compreensão adequada e as distorções no significado que os pais e as crianças dão ao comportamento um do outro As IPPBs auxiliam os pais a esclarecer o significado das atitudes do bebê buscando descrever e compreender suas motivações e funções O terapeuta destaca os comportamentos do bebê como resultantes de um esforço para lidar com ansiedades desenvolvimentais da infância Essa compreensão ampliada é si nônimo da rêverie e da função alfa e por Psicoterapia de orientação analítica 743 meio da continência pode se dar a repa ração da dupla mãecuidador e bebê5964 O psicoterapeuta necessita conhecer as formas de comunicaçãoexpressão do estado mental nos diferentes momentos de desenvolvimento de bebêscrianças pequenas Será parte das intervenções psicote rápicas auxiliar os pais a conhecer os com portamentos e as reações às situações de estresse adequados aos recursos cognitivos e emocionais das crianças correspondentes a sua idade59 A intervenção estimula os pais a um entendimento mais empático e à utilização de atitudes mais apropriadas em resposta ao comportamento da criança Lieberman e Van Horn59 elaboraram um guia com 12 itens para ampliar o entendi mento e a empatia dos pais com relação às experiências com seus bebês eou crianças pequenas Quadro 421 O terapeuta deve estar atento aos próprios sentimentos Mediante um esta do mental permeável e receptivo o tera peuta elabora as impressões causadas pelas comunicações do bebê e da mãepai que surgem no encontro da sessão Ao nomear a realidade psíquica do bebê o terapeuta por meio do tom de voz dos gestos da ex pressão facial e do significado das palavras traz sentido para o bebê e para os pais Para Stern sentimentos pensamentos e repre sentações do terapeutaobservador são em si mesmos a grande porta para o entendi mento da relação mãebebê64 QUADRO 421 GUIA DESENVOLVIMENTAL DE REFERÊNCIA PARA AS INTERVENÇÕES PSICOTERÁPICAS PAISBEBÊS IPPBs ELABORADO POR LIEBERMAN E VAN HORN 1 Crianças pequenas choram e se apegam para comunicar uma necessidade imediata de cuidado e proximidade com os pais 2 Sofrimento com separações expressa medo da perda dos pais 3 Desejam agradar aos pais e receiam sua desaprovação 4 Têm medo de sofrer ferimentos e de perder partes de seu corpo 5 Imitam o comportamento dos pais pois desejam ser iguais a eles e presumem que o comportamento deles é um modelo a ser imitado 6 Sentemse responsáveis e se culpam quando os pais estão com raiva ou tristes por qualquer razão 7 Nutrem a convicção de que os pais sabem tudo e sempre estão certos 8 Necessitam de limites claros e consistentes para seus comportamentos de risco e comportamentos socialmente inadequados para se sentirem seguras e protegidas 9 Utilizam a palavra não para estabelecer e praticar sua autonomia 10 A memória iniciase no nascimento bebês e crianças jovens lembram experiências antes que possam falar sobre elas 11 Necessitam da ajuda e do apoio dos pais para aprender a expressar fortes emoções sem magoar a si mesmas ou aos outros 12 Conflitos envolvendo pais e crianças pequenas são inevitáveis devido às necessidades de desenvolvi mento diferentes de cada um dos participantes mas podem ser resolvidos de modo a promover apoio e confiança para o desenvolvimento Fonte Adaptado de Lieberman e Van Horn59 744 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A falta de sintonia dos cuidadores gera frus trações e afetos muito negativos no bebê A ela boração não pode ser feita pela mãe já que ela é parte do distúrbio que frustrou permanen temente a criança em suas necessidades bá sicas O bebê tenta aproximarse da mãe ao mesmo tempo que tenta evitála inquieta se evita o olhar chora morde ou solta frequentemente o seio O terapeuta por não estar envolvido no distúrbio oferece de forma provisória no aqui e agora da ses são a rêverie e a continência para o bebê e a mãe enquanto a constante evitação mútua não for elaborada Com a evolução do pro cesso a criança inicia um retorno à mãe com todas as suas demandas e emoções confiando que agora ela pode estar mais receptiva e podendo tolerar suas angústias as quais poderão assim ser metabolizadas e desintoxicadas pela mãe6264 Circunstâncias adversas da vida eventos traumáticos e problemas de saúde mental são obstáculos recorrentes ao exer cício da parentalidade Além de prejudi car diretamente a experiência momento a momento da interação paisbebêcriança também estimulam distorções na capaci dade dos pais de interpretar e responder às necessidades das crianças Isso pode ser alcançado dividindo a atenção entre as ne cessidades dos pais e as da criança duran te a sessão em atendimentos individuais paralelos ou em outras situações enca minhando os pais para tratamento indivi dualizado59 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Descrevemos a seguir o atendimento de um bebê que ingressou no Ambulatório de Interação PaisBebê do HCPA com 1 ano e 2 meses de idade Maria de 56 anos avó de Amanda procurou atendimento por indicação do pediatra para estimula ção do vínculo do bebê Amanda com a mãe Cláudia A avó referia desde o início que Cláudia não que ria vir ao tratamento Ao longo da avaliação inicial a avó relatou dificuldades de relacionamento com sua única filha Cláu dia 31 anos e entre esta e a neta Cláudia é usuária de crack desde que conheceu o pai de Amanda há dois anos e meio descobriu a gestação quando estava internada quarta internação para tratamento de abuso de crack e usou a droga durante as 12 primeiras semanas dessa gestação Durante a internação Cláudia foi diagnosticada com transtorno do humor bipolar e passou a fazer uso de psicofármacos mas de forma irregular Amanda é a terceira filha de Cláudia Conforme relata Maria Cláudia não faz questão de cuidar dos filhos 14 e 5 anos e cada um é fi lho de um pai diferente A avó relata que cuidou sozinha do neto mais velho e que o segundo filho de Cláu dia é cuidado pela família do pai do menino Desde que nasceu Amanda é cuidada pela avó e a partir dos 4 meses passou a frequentar creche em turno integral A filha rejeitou os três filhos e diz que os odeia assim não os amamentou nem realizou cuidados básicos como trocar fraldas e dar banho Briga com as crianças agride verbal e fisicamente principalmente quando as vê cuidadas pela mãe a avó O pai de Amanda é dependente químico de múltiplas drogas e não tem contato com Cláudia desde a gestação Não visita a filha e não fornece apoio financeiro Maria tem muito medo de que Cláudia tenha uma recaída caso se aproxime do excompanheiro Continua Psicoterapia de orientação analítica 745 Continuação Continua Maria foi a filha mais velha de oito irmãos e desde muito jovem coube a ela a função de cuidar deles pois os pais precisavam trabalhar É viúva perdeu o marido quando Cláudia estava com 6 anos Ele era al coolista violento ameaçava pôr fogo na casa e agredia Maria na frente de Cláudia acabou se suicidando Maria e Cláudia o encontraram enforcado dentro de casa Maria trabalhava 12 horas por dia com faxinas e Cláudia cresceu cuidada em creches Refere que trabalhava muito e frequentava a igreja para lidar com sua tristeza Nunca procurou tratamento Ao longo da avaliação Amanda mostrouse um bebê alegre ativo com um desenvolvimento neuropsi comotor adequado à idade A interação com a avó na maior parte do tempo mostravase adequada ape sar de em alguns momentos Amanda expressar agressividade quando contrariada A terapeuta pôde ofe recer um espaço que Maria nunca teve de falar e ser ouvida com relação às dores de sua vida Pôde ago ra ser cuidada pela terapeuta Durante as consultas a avó queixavase muito da filha A Cláudia não ajuda em nada só pensa em usar crack não sei mais o que fazer não aceita nem chegar perto da Amanda Qualquer tentativa por parte da terapeuta de incluir Cláudia no tratamento recebia a mesma resposta ela não quer vir A tera peuta trabalhou a interação de Amanda com a avó ao mesmo tempo que ofereceu escuta aos sofrimen tos de vida de Maria como a perda do marido as dificuldades com a doença da única filha e o trabalho de cuidar dos netos Também foi abordada sua necessidade de seguir no papel de cuidadora Depois de cui dar do marido doente Maria transferiu sua função cuidadora à filha o que nos pareceu ter levado Cláudia a um comportamento infantilizado e deficiente Agora somente Maria sabe e pode cuidar dos netos A terapeuta preocupavase também com Cláudia e sentindo que havia desenvolvido uma aliança de trabalho com a avó decidiu convidar ativamente Cláudia para o tratamento Ligou para ela convidandoa a vir à consulta ainda que somente uma vez junto com sua mãe e a bebê Ela veio Na consulta com a mãe e Amanda Cláudia evidencia algum prejuízo cognitivo e mantémse distante da mãe e da filha Ao ser estimulada pela terapeuta a chegar perto da filha Amanda não permite que Cláu dia se aproxime grita e chora Maria pontua que Amanda nunca vai ao colo da mãe não fica sozinha com a Cláudia pois entra em desespero A sessão segue com Amanda e a avó brincando alegremente no chão A avó mostrase carinhosa e con tinente com a neta segue o ritmo da criança brinca de boneca Cláudia permanece sentada na cadeira olhar perdido por vezes observa Maria e Amanda brincando no chão parece profundamente triste A terapeuta se angustia com a cena sente tristeza e desejo de dar colo a Cláudia Sente como se ambas não existissem para a dupla que brinca no chão A terapeuta tem uma sensação de que Cláudia gostaria de ter a mesma atenção que Maria dispensa a Amanda Utilizando seus sentimentos contratransferenciais trabalha com Cláudia seus sentimentos de ciúme raiva e desejo de estar no lugar de Amanda que são evidentes durante o atendimento Maria hostiliza e desqualifica muito a filha Ela morre de ciúmes da Amandinha doutora Quer que eu dê tudo na mão Diz que só faço para a Amanda Claro se eu não faço a guria fica suja passa fome Em outro momento a avó diz Ela não sabe doutora Não tem nenhuma paciência a Amandinha chora se ela chega perto Ela dá mais trabalho que a Amandinha não ajuda em nada As falas da mãe despertam sentimentos negativos em Cláudia que descreve sua raiva e a sensação de rejeição de Maria com ela A mãe nunca me cuidou Ao longo da sessão a terapeuta estimula que Maria ajude Amanda a tolerar que Cláudia troque sua fralda As duas resistem à proposta A terapeuta conduz a avó a auxiliar a filha e estimula Cláudia confian 746 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Continuação Continua do que ela tem condições para a tarefa Vó acho que se pegares na mão da Cláudia e for mostrando como faz a Amandinha começa a se acostumar com a mãe A terapeuta vai maternando três gerações de mulheres nomeando para os integrantes da sessão in clusive para Amanda os sentimentos que estão inundando a sala de atendimento Cláudia você pode con seguir sua filha está chorando porque não está acostumada com você Pede ajuda à avó para falar direta mente com a neta que ela vai estar por perto Vem vó ajuda eu explicar para a Amanda que a mãe ainda está aprendendo não tem jeito ainda que a senhora vai ficar o tempo todo junto São falados dos medos de Cláudia de não conseguir realizar a tarefa do ciúme da relação da filha com a avó É pontuado para Amanda o medo de que a mãe se comporte como normalmente faz de maneira dis tante e agressiva E também é falado da dificuldade de a avó permitir que Cláudia entre na relação especial de Maria e da neta e de reconhecer qualidades na filha para poder ser mãe de Amanda Mesmo que Cláu dia realize a tarefa com muita dificuldade a terapeuta elogia na sessão suas capacidades o que a faz se emocionar toda vez que se sente valorizada Cláudia ao ser convidada diretamente pela terapeuta para continuar vindo às sessões confirma seu desejo de poder cuidar da filha Vou vir Mas Maria rebate Duvido que venha Vai nada doutora Ela não quer cuidar dos filhos Ao longo das sessões a terapeuta foi trabalhando as mudanças nas representações internas de cada integrante da família por meio do exame das distorções e atribuições negativas que faziam uma da outra A continência e a capacidade de rêverie da terapeuta permitiram a elaboração do conflito entre elas possi bilitando uma relação menos conflituosa entre Maria e Cláudia ao mesmo tempo que Amanda pôde aceitar mais a proximidade da mãe como um objeto menos persecutório Houve momentos em que Cláudia reclamava de dor no abdome na cabeça e na perna Mais de uma vez sentiuse mal na sala de espera falta de ar sensação de desmaio Não era incomum nesses momen tos a terapeuta observar a avó calma entrando com Amanda no colo como se nada estivesse acontecendo com Cláudia Em uma dessas ocasiões disse Isso é frescura doutora Ela quer chamar a atenção Por duas vezes a terapeuta abriu a porta observando a equipe de enfermagem à volta de Cláudia oferecendo atendimento Nessas situações a terapeuta buscava a mãe para a sessão confirmando que acreditava nas suas capacidades e entendia a comunicação de Cláudia como um pedido de cuidado Maria seguia desvalorizando e não entendendo a filha Sempre foi assim adora um médico tá sempre pedindo para ir à emergência Já fez tudo que é exame e dá tudo bom os médicos sempre a liberam e dizem que não tem nada Eu tenho um monte de coisa para fazer ela me faz perder tempo sou obrigada a ir jun to porque se não ela some e usa droga Puxou o pai Cláudia queixase de não ser entendida por Maria A mãe acha que minto que tenho dor A terapeuta segue traduzindo as ansiedades da sessão Mas acho que a Cláudia está querendo comunicar que quer a senhora perto dela Em outra sessão a terapeuta percebe uma comunicação de Amanda traduzindo o estado mental da menina para ambas mãe e avó Após Cláudia referir que gostaria que a mãe conversasse com ela e lhe des se mais atenção Maria se irrita e responde rispidamente Eu que cuido dos teus filhos cuido sozinha da casa cozinho não tenho ajuda Que mais tu quer Cláudia enche os olhos de lágrimas Durante o diá logo Amanda permanece brincando quieta e sozinha no chão Sempre traz uma bonequinha de casa às consul tas e na caixa de brinquedos do HCPA há outra boneca semelhante Quando Maria questiona Cláudia ris pidamente Amanda se levanta com uma bonequinha embaixo de cada braço para na frente da avó e fica embalando as duas bonecas A terapeuta diz Está vendo vó Acho que a Amandinha entendeu antes de Psicoterapia de orientação analítica 747 Continuação todo mundo Está nos dizendo que a senhora tem que dar colo para as duas bem como ela está fazendo com as bonequinhas Cláudia sorri para a filha que por sua vez corresponde Pela primeira vez a tera peuta observou tal interação Maria se emociona A avó a mãe e a bebê seguiram vindo às sessões O tom afetivo das consultas foi se modificando a mãe mais interessada na filha e a avó estimulando tarefas para serem realizadas por Cláudia Após cinco meses de acompanhamento o vínculo entre Cláudia e a bebê segue melhorando bem como a relação entre Maria e Cláudia Amanda já veio a uma consulta somente com a mãe ambas brincam e in teragem melhor Agora Cláudia dá banho sozinha em Amanda troca fralda faz dormir está abstinente de drogas há cinco meses Se Amandinha está resfriada Cláudia vem sozinha à consulta fala emocionada que Amanda a chamou de mãe pela primeira vez A avó começa a reconciliarse com a filha e a reconhe cer suas capacidades A Amandinha agora quer que a mãe dê mamadeira quis dormir com a mãe eu deixo elas sozinhas em casa ela fica tranquila Antes eu não tinha sossego para nada Acho que pegou gosto de cuidar da filha Mais adiante diz a avó Mas ela tem que saber que eu quem cuidei dela até agora A terapeuta trabalha o ciúme da avó e sua dificuldade de abrir mão da função de cuidadora exclusi va Fala por Amanda Não fica assim vó tu que ajudou a mãe a cuidar de mim tu que leu história deu atenção para ela por isso ela melhorou comigo Tu além de me cuidar me ajudou a ter a mãe de volta Em outra sessão evidenciase o trabalho da terapeuta buscando ajudar nas novas representações das três gerações Enquanto Amanda brinca com um kit de médico coloca o estetoscópio no ouvido e aus culta o coração da mãe e viceversa A terapeuta destaca como todas estão mais próximas e afetivamen te bem A partir de então Amanda pega o estetoscópio brinca de auscultar o coração da mãe e da avó e em dado momento coloca o estetoscópio na avó e a campânula no coração da mãe A terapeuta interpreta o comportamento de Amanda Vó acho que a Amanda está dizendo que você ouviu o coração da mãe deu atenção para Cláudia e ela aprendeu a cuidar da Amanda Isso leva a uma resposta emocional positiva da mãe e da avó na sessão Com certeza os fantasmas de uma infância subtraída e as exigências de adulto de Maria assolaram o quarto de Cláudia de Amanda e de seus irmãos Com uma maternagem continente e suficientemente boa exercida pela terapeuta em relação a Maria a Cláudia e a Amanda de forma gradual outra história mais saudável poderá ser construída para essa família Idade préescolar peculiaridades A criança préescolar está em uma faixa que vai dos 3 aos 6 anos Ainda é chamada préescolar embora a maioria das crianças dessa idade já esteja envolvida em cenários escolares devido às mudanças sociocultu rais que afetaram o papel da mulher desde o final do século XX65 A criança deixa de ser um bebê suas capacidades se desenvolvem rapidamente adquire autonomia crescente mas ainda mantém dependência dos pais ou dos cuidadores É um momento em que o desabrochar das múltiplas e complexas aquisições das fases anteriores torna a crian ça muito rica em expressar sua personalida de cada vez mais peculiar e única66 Yanof47 considera que as crianças préescolares estão na melhor época de seu desenvolvimento para usufruir de brin cadeiras imaginativas 748 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Em relação à POA a riqueza do mundo de fan tasia que a criança vive favorece a riqueza de sua expressão no setting por meio do brincar ou das dramatizações nas quais desempenha papéis que representam identificações com os pais com heróis princesas e monstros que ha bitam seu mundo interno A observação da evolução do brin quedo de autocentrado e paralelo para uma forma mais regrada e cooperativa que irá prevalecer na latência vai se tornan do possível na terapia permitindo que se identifique como a criança evolui O mesmo ocorre com os padrões de relacionamento partindo do diádico pré edípico à triangulação edípica quando a criança tem de lidar com sentimentos de ciúmes competição e culpa e oscila entre sentimentos e fantasias amorosos e des trutivos O pensamento predominante mente mágico e onipotente aliado a um superego incipiente contribui para a trans parência com que mostra seus conflitos Seus afetos se expressam mais pela conduta e pelo brincar47 do que pela verbalização ainda não totalmente desenvolvida A intensa imaginação do préescolar aliada a uma ansiedade aguda possibilita importante acesso ao seu inconsciente re sultando em um grande impulso no pro cesso psicoterápico Apesar da confronta ção com a problemática edípica é comum que persistam ansiedades relacionadas a um cunho diádico havendo também ele mentos libidinosos e agressivos de carac terísticas orais e anais A criança utiliza defesas mais primitivas em momentos de regressão Outro aspecto é a qualidade fó bica dos mecanismos de defesa predomi nantemente utilizados e responsáveis pelo surgimento de medos tão comuns nesse período Se tais manifestações não são in tensas e constantes podem ser compreen didas como decorrentes dos conflitos pró prios da idade A POA baseiase no trabalho com o paciente no relacionamento transferen cial à luz de sua história passada e de seus relacionamentos externos67 Seu mun do interno povoado por conflitos com os objetos primários será reeditado nas ses sões de terapia É necessário o conhecimen to do desenvolvimento normal e patoló gico esperado na criança préescolar A visão da normalidade portanto representa um norte que capacita e auxilia o terapeuta a refinar sua técnica68 O nível de desenvolvi mento da criança será a baliza que orientará o terapeuta quanto à forma de comunicação e entendimento de seus conflitos Ainda que o brincar possa ter um significado claro para o terapeuta é im portante não tratar esse material como um comunicado direto dos pensamentos da criança pois para ela o fundamental do brincar é o faz de conta Mesmo na latência a criança precisa usar a brincadeira sem a intromissão do terapeuta Assim é essencial perceber o momento oportu no das intervenções para a evolução do proces so psicoterápico47 É necessário que a criança entenda e esteja afetivamente receptiva para o que está sendo comunicado Não se deve es perar uma resposta verbal embora possa ocorrer As peculiaridades inerentes ao estágio de evolução da criança sobressaem nessa situação com predomínio de dra matizações que simbolizam a resposta à inter pretação Pode ser significativa uma mudança brusca de brincadeira é impor tante atentar para o conteúdo latente ou uma reação física agitação ou quietude e introspecção Tais manifestações equiva Psicoterapia de orientação analítica 749 lem à associação livre do adulto É possível também se observar uma resposta mais re gressiva como tentar sair da sala para re ver a mãe que estaria sendo atacada na fantasia O uso da linguagem apropriada e o timing da interpretação aliados a uma ati tude de empatia neutralidade e respeito pelo paciente possibilitam a continuidade e a evolução do processo terapêutico Em contrapartida a confrontação súbita com algum aspecto mais defendido só incre menta as defesas68 contrariamente ao que se quer ou seja demovêlas O trabalho com crianças nessa faixa etária é bastante prazeroso Porém o tera peuta deve estar atento aos sentimentos contratransferenciais que podem leválo a oferecer gratificações excessivas ao pa ciente Idade escolar peculiaridades O período escolar vai dos 6 aos 12 anos ou ao início da puberdade Caracterizase por uma aparente parada da sexua lidade substituição dos sentimentos sexuais pelos de ternura onde havia sentimentos eróticos aparecem então aspirações morais e estéticas69 A latência surge como resultante do declínio das ativi dades prégenitais e do complexo de Édipo A repressão a formação reativa e a sublimação seriam os mecanismos predominantes desta etapa do desen volvimento69 Para Winnicott70 o escolar se caracteriza por uma silenciosa vida imaginativa devido à for te tendência à repressão e à mobilização de im portantes defesas contra seus impulsos se xuais agressivos Urribarri71 considera a latência como um momentochave na organização psí quica muito ativa rica e com uma dinâmi ca especial no qual ocorre um verdadeiro trabalho psíquico Entre várias caracterís ticas descreve a crescente capacidade do ego no controle das tendências regressivas e o aumento da capacidade simbólica do pensamento e da linguagem verbal gráfica ou corporal No entanto também assinala redução no uso da linguagem corporal em favor de expressões verbais Em seu funcio namento passa a predominar o princípio da realidade Um tipo de reação contratransferen cial frequente às defesas da linha obsessiva se manifesta nos sentimentos de tédio can saço e até mesmo sonolência do terapeuta pois os desenhos ou as brincadeiras podem ser tão bem elaborados e esmerados que demandam quase todo o tempo da sessão O tipo de brincadeira escolhido pela crian ça dará pistas sobre sua maneira de ser agir e pensar em suma sobre o funcionamento do mundo interno dos conflitos das fan tasias e dos sentimentos Brincar com os bonecos de uma família por exemplo po de representar a maneira como o paciente se relaciona com pais e amigos havendo a possibilidade de verbalizações conco mitantes Ao longo dos jogos a criança pode burlar regras no intuito de enganar ou irritar o terapeuta a fim de obter uma resposta agressiva por parte dele Tal pro vocação pode estar relacionada à competi ção edípica e à busca de punição devido a fantasias de caráter incestuoso É comum a criança considerar as brincadeiras imagi nativas como infantis ou temer sua força regressiva o que reforça a busca por jogos estruturados para evitar a expressão de sentimentos mais conflitantes e inaceitá veis47 Em poucos momentos há um abran damento dessas defesas tão bem organiza 750 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs das possibilitando ao psicoterapeuta maior acesso ao inconsciente de seu jovem pa ciente Winnicott70 afirma que a associação livre é vivenciada pelo escolar como amea ça à organização de seu ego e é disso que se defende arduamente Quanto menor for a criança mais tempo se ocupará com jogos e desenhos Não deve haver a exigência de que o paciente se manifeste verbalmente pois em diversas situações a criança em idade escolar opta pelo brinquedo ou pe lo jogo como resposta às interpretações A intransigência do terapeuta pode levar a um aumento das defesas e das resistências retardando o processo terapêutico O esco lar se expressa melhor quando não se sente pressionado Assim como na fase anterior a POA com uma criança na idade escolar ainda se vale de jogos desenhos e brincadeiras Todavia agora a capacidade crescente de verbalização contribui para que a criança descreva momentos vivenciados na escola e em suas atividades diárias assim como seus problemas e preocupações Também o interesse pela literatura infantojuvenil ser ve como fonte externa de material da fan tasia infantil e contribui para a expressão dos conflitos da criança pois a literatura infantil possibilita uma fonte de fantasias que podem ser compartilhadas sem culpa auxiliando na elaboração da conflitiva edí pica individual69 Preocupações a respeito da sexuali dade podem aparecer Não é incomum a interrupção da psicoterapia nessa etapa da vida da criança por não se conseguir uma cooperação consciente Como sempre é fundamental a aliança terapêutica não só com o paciente mas sobretudo com os pais A entrada na escola para a crian ça significa iniciar um mundo novo que possibilitará a aquisição de novos conheci mentos indispensáveis a seu crescimento A separação que ocorre no início do pe ríodo escolar constitui uma difícil tarefa Não ocorre apenas a separação do grupo fa miliar mas também a exigência de de sempenhar novas tarefas até então inexis tentes A adaptação escolar dependerá da integração da criança junto a seus pares Nessa faixa etária a criança que não gosta de aprender que não brinca e que não procura ou não é procurada pelos colegas e amigos chama a atenção para a necessidade de uma avalia ção emocional Com frequência são as escolas que levantam a necessidade de atendimento mesmo naquelas crianças que demonstram um bom rendimento curricular mas que podem apresentar dificuldades na esfera social ou problemas de conduta CONSIDERAÇÕES FINAIS Mesmo que por muitos anos a teoria psi canalítica e a psicoterapia psicodinâmica tenham exercido um papel fundamental na teoria e na prática da psiquiatria da infância e da adolescência nas últimas três décadas houve a necessidade de compartilhar es paço com outras abordagens terapêuticas A ascensão dos modelos de tratamento neu robiológicos juntamente com a demanda para tratamentos de maior brevidade e me nores custos estimularam a busca de alter nativas ao tratamento dirigido ao insight72 Nos dias atuais os terapeutas de orientação psicanalítica trabalham de for ma pragmática e flexível em conjunto com outras abordagens incluindo a terapia de família a terapia comportamental a psi cofarmacologia intervenções na escola e assim por diante Psicoterapia de orientação analítica 751 Com base em revisão sistemática de estudos de POA com crianças e adolescen tes73 Kaye72 descreve conclusões que não só são compartilhadas pelos autores deste capítulo como também podem resumir seus pontoschave indicados a seguir AGRADECIMENTOS Às colegas psiquiatras Marta Knijnik Lu cion e Cíntia Vasquez Cruz Heidemann residentes do Serviço de Psiquiatria da In fância e da Adolescência em 2012 e 2013 que gentilmente disponibilizaram infor mações sobre o caso clínico atendido no Ambulatório PaisBebês do HCPA À psicanalista Maristela Priotto Wen zel supervisora voluntária do Ambulatório PaisBebês pela dedicação e competente supervisão do caso clínico E à professora Regina Bassols pela re visão gentil e atenciosa do português PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Há evidências que apoiam a efetividade da POA em crianças e adolescentes 2 Crianças com transtornos internalizantes tendem a responder melhor à POA enquanto os transtornos externalizantes requerem maior intensidade de tratamento para que este seja efetivo 3 Crianças mais jovens respondem de modo mais favorável do que crianças mais velhas e adolescentes e frequências suficientes de sessões devem ser estabelecidas para produzir resultados positivos 4 Crianças com transtornos da conduta transtornos psicóticos transtornos de receptividade de lingua gem com comprometimento intelectual atraso mental e transtorno autista apresentam respostas limitadas ao tratamento 5 O típico bom paciente neurótico alto funcionamento ou crianças menos comprometidas responde bem tanto ao tratamento de menor frequência quanto ao tratamento psicanalítico de quatro sessões por semana 6 Pacientes mais comprometidos borderline com prejuízo multidimensional podem necessitar de uma frequência maior de sessões semanais para alcançarem resultados positivos 7 Alguns estudos sugerem que padrões de melhora podem revelar um efeito adormecido latente pelo qual os efeitos positivos contínuos advêm após o tratamento ter sido encerrado 8 Seja qual for a abordagem a compreensão e a formulação psicodinâmica dos sintomas do paciente se mantêm fundamentais na orientação ao tratamento REFERÊNCIAS 1 Eisenberg L The past 50 years of child of and adolescent psychiatry a personal me moir J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 20014077438 2 Freud S A análise de uma fobia de um me nino de cinco anos In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1972 v 10 p 13154 3 Freud A Introdução à técnica da análise de crianças In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1971 v 1 p 1986 4 Zavaschi MLS Bassols AMS Bergmann DS Costa FMC Abordagem psicodinâmica na infância In Eizirik CL Aguiar RW Sches 752 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tatsky S Psicoterapia de orientação analí tica fundamentos teóricos e clínicos 2 ed Porto Alegre Artmed 2005 p 71737 5 Freud S Além do princípio de prazer In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 18 p 1385 6 Zavaschi MLS A psicanálise e a psiquiatria infantil e de adolescentes Rev Psiquiatr RS 199618335160 7 Klein M Fundamentos psicológicos del aná lisis del niño In Klein M El psicoanálisis de niños Buenos Aires Paidós 1974 Obras completas v 2 p 13546 8 Von HugHellmuth H On the technique of childanalysis Int J Psychoanal 19212287 305 9 Winnicott DW Teoria do relacionamento pa ternoinfantil In Winnicott DW O ambien te e os processos de maturação estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional Por to Alegre Artes Médicas 1983 p 3854 10 Winnicott DW Objetos transicionales y fe nômenos transicionales In Winnicott DW Realidad y juego Buenos Aires Granica 1972 p 1745 11 Anthony EJ A brief history of child psycho analysis introduction J Am Acad Child Psychiatry 1986 251811 12 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a tendência na geração dos adultos desfazer diferenças A dificuldade na aceitação da passagem do tempo e das perdas inerentes com diluição de valores e reconhecimento da identidade de cada um e consequente confusão de papéis por parte dos adultos é uma marca de nosso tempo A idealização da condição adolescente e a privação das diferenças entre as gerações como modelo de organização psíquica são a consequência O desprestígio que vêm sofrendo os modelos reflexivos que privilegiam a progressão lenta e dolorosa rumo às aqui sições com a necessidade de espera para gratificações em contraste com os modelos de gratificação instantânea e descartável é objeto de preocupação da psicanálise e de várias ciências humanas A busca de iden tificações imediatas por meio de adições e perversões e megalomaníacas pelo uso da moda com siglas marcas e tatuagens con figura o que Cabanne1 descreveu como a dinâmica do instante Os interlocutores do adolescente de nossos dias compreendem parceiros tele visivos e internáuticos que veiculam va lores e noções de sexualidade banalizados e distorcidos oferecendoos como mode los reais de estruturação de relações São modelos representativos da mudança de uma concepção de sexualidade vinculada à repressão para outra ligada à liberaliza ção em que noções de limites privacidade e intimidade são desprestigiadas Valores 43 ABORDAGEM PSICODINÂMICA NA ADOLESCÊNCIA Alice Becker Lewkowicz Gisha Brodacz 756 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs como capacidade de espera postergação de prazeres e afetos paciência e tolerância ce dem terreno para modelos de gratificações imediatas dos desejos descargas instantâ neas dos desprazeres e trocas imediatas do desagradável pelo agradável do difícil pelo fácil A tolerância para a frustração vem se hipotrofiando e a onipotência se hipertro fiando A capacidade para a depressão cede espaço para funcionamentos maníacos e ilusórios2 É nesse contexto sociocultural que o adolescente atual terá de se incumbir da delicada tarefa de elaboração das duas principais questões dessa fase evolutiva a a reatualização edípica por meio da ressig nificação do Édipo infantil à luz do erotis mo genital gerado pelo amadurecimento físico e o estabelecimento da identidade se xual e adulta autônoma dos objetos origi nais b muito especialmente desenvolver sua capacidade simbólica3 Ao descrever a adolescência como o segundo processo de individuação Blos4 enfatiza esse período como um marco tão crucial quanto o que Mahler5 apontou no desenvolvimento infantil A gama de even tos e fenômenos envolvidos nesse processo abrange indissociavelmente adolescente e família Fatores relacionados a transgene racionalidade foram estudados por vários autores69 e considerados centrais na for mação da identidade incluindo a sexual Kancyper10 ao estudála na psicanálise de crianças e adolescentes acentua o fato de a história do adolescente nascer antes do seu nascimento Existe uma ordem simbólica ordem lógica que precede seu nascimento cronológico Esta ordem é o lugar que ocupa o filho na fantasmática indivi dual em cada um dos progenitores e no casal lugar que estará determina do em relação com o sistema narcisis ta da mãe e do pai e que se plasmará em uma representação será o repre sentante narcisista primário do desejo inconsciente da mãe e do pai e assim se manterá a homeostasia narcisista da situação do meio familiar MUDANÇAS CORPORAIS INAUGURAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA E REATUALIZAÇÃO EDÍPICA A adolescência constitui uma nova etapa libidinal na qual se alcança pela primei ra vez a identidade genital como fenô meno psicológico e social11 A puberdade tem início com o incremento da atividade hormonal e costuma ocorrer entre 9 e 14 anos Compreende a fase do desenvolvi mento em que a relação físicopsíquica fica mais evidente correspondendo ao início da adolescência A puberdade torna o cor po apto para a realização de fantasias As grandes e súbitas transformações corporais produzem profundas mudanças na natu reza das relações objetais na intensidade dos impulsos e no equilíbrio narcísico do self12 A imagem corporal previamente for mada sofre intenso desequilíbrio ao surgi rem impulsos e fantasias reprimidos sendo comuns como consequência ansiedades de estranheza ou fragmentação O levanta mento da repressão torna onipotente a fan tasia o que gera um efeito potencialmente traumático para a psique1314 Com as mudanças hormonais que promovem a primazia genital reatualizam se desejos préedípicos e edípicos aos quais o adolescente tem de renunciar voltandose para a conquista do objeto exogâmico e mo nogâmico substituindo as fantasias inces tuosas e de bissexualidade O adolescente defrontase com a realidade de suas limi tações seu desamparo incompletude dife Psicoterapia de orientação analítica 757 renças o que constitui uma batalha narci sista que afeta todas as instâncias psíquicas ego superego ideal de ego e ego ideal as quais necessitam ser reestruturadas15 Assim a reestruturação do superego terá grande significado nesse momento já que o tabu do incesto deve ser restabelecido ao mesmo tempo que a se xualidade exogâmica necessita ser permitida Enquanto na infân cia a responsabilidade por conduta regras e proibições ficava ao encargo dos pais nesse momento é o adolescente quem precisa as sumir tal função As alterações no nível do ego são tam bém significativas Quando Freud16 des creveu o ego como sendo antes de tudo corporal não simplesmente uma entidade de superfície mas a projeção de uma su perfície definiu o corporal não como cor po anatômico mas como a imagem corpo ral configurada por permanente tarefa de construção11 Harmonizar a imagem que integra a contra dição entre um corpo biológico que de repen te amadurece e uma mente ainda infantil em meio a angústias ante o desconhecido e fre quentes sentimentos de despersonalização passa a ser tarefa essencial da adolescência O impacto gerado pela perda do cor po infantil associado à incompatibilidade das novas imagens é fonte importante de angústia e de árdua elaboração nessa fase como bem descreve Adriana que viven ciou sua menarca de forma catastrófica quando tinha 13 anos Não sabia que merda era aquilo não sabia de onde vinha aquele sangue achei que ia morrer Eu me enchia de papel higiênico roupas largas e apa vorada ia para o colégio Depois de três dias a mãe me perguntou se eu estava menstruada Não sabia o que queria dizer com aquilo Respondi apenas que estava sangrando Nesse sentido o conceito de Freud17 sobre o a posteriori après coup descreve essa tarefa com propriedade101118 ao con siderar os novos fenômenos psíquicos den tro do processo de ressignificação retroati va Na adolescência em virtude das novas condições processase uma reorganização ou reinscrição da história pessoal de cada um quando novos tipos de significados são buscados por meio da reelaboração de experiências anteriores O princípio do a posteriori pressupõe um tempo em con tínua reelaboração compreendendo uma concepção psicanalítica em que a história de cada um não é vista como destino imu tável préfixado e linear mas passível de ser reorganizada e ressignificada conside rando o indivíduo como agente ativo dessa transformação1119 Assim podese ampliar a constata ção de que mudanças corporais nessa eta pa constituam com frequência fatores or ganizadores da vida psíquica do adoles cente em vez de desorganizadores Ainda que as rupturas e as perdas dessa fase sejam dramáticas para muitos adolescentes con figuram uma oportunidade de ressignificar um corpo infantil vivido como desvalido ou capacidades pessoais tidas como incer tas O novo contexto descortina um mun do de descobertas de novas habilidades no âmbito intelectual cultural e esportivo e de novos e diversos modos de relações e gratificações Como acentua Urribarri18 as modificações corporais são substituídas por maturação e crescimento puberal que também são desejados e vividos como ga nhos O adolescente é visto dentro de um processo evolutivo de mudança ele dese ja o novo tentando obtêlo e exercitálo ainda que isso lhe custe abandonar o in fantil 758 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE ADULTA Na adolescência a questão das relações ob jetais passa para o primeiro plano e suas variações influenciam o desenvolvimen to psicológico das diferentes fases dessa etapa15 A tarefa central de estabelecer uma identidade adulta autônoma e inde pendente dos pais constitui um processo complexo e paradoxal O objeto ao mesmo tempo que é necessitado é também recusa do justamente porque existe a necessidade dele Jeammet1314 enfatiza a necessidade do adolescente a partir do amadurecimen to físico de conjugar a vida pulsional ligada aos pais com a autonomia que até então podiam andar separadas Ressalta o efeito que tal conjugação tem de exacerbar e con flituar a apetência objetal já que agora está voltada para a satisfação de necessidades pulsionais Estabelecemse dessa forma necessidades de tipo narcisista que bus cam assegurar a completude do indivíduo reforçar sua identidade e preencher suas faltas O autor acentua o quanto as carên cias narcisistas precoces reforçam a neces sidade objetal conferindolhe um poder antinarcisista aumentando seu papel ex citante e sua sexualização Assim quanto mais sólidas forem as interiorizações an teriores menos intenso será esse efeito de conjugação A sexualização puberal dos vínculos poderá então efetuarse sem compromisso narcísico maior e sem con flito excessivo Para que o processo de separação do objeto seja possível não sendo sentido co mo perda excessiva ou destruição é neces sário ter suficiente reserva objetal internali zada e portanto sentila como constituinte de si mesmo Se as aquisições interiorizadas não forem sólidas tenderão a ser ameaça das diante de novas relações dificultando não só o intercâmbio de introjeções e pro jeções frutíferas como também a autoriza ção de um espaço de liberdade para ambos os lados A tendência do adolescente será a de compensar o que falta em seu mun do interno por relações de adesividade ou de indiferenciação com objetos do mundo exterior fenômeno frequentemente pre senciado nessa etapa A gravidez comum entre adolescentes constitui expressão viva dessa expectativa fantasiosa de reencontrar a condição idealizada da mãe com um be bê indissociados e inseparáveis promessa de felicidade nirvânica e preenchedora do sentimento de vazio e depressão Diante do excesso de presença ou de ausência do objeto a criança vêse obriga da a viver sua impotência para a aquisição da diferenciação buscando soluções para isso Stoller78 Blum9 e McDougall2021 es tudaram os efeitos dessa questão na forma ção da identidade sexual revelando a inti midade do interjogo dos relacionamentos adesivos ou ausentes na relação em espe cial mãefilho na formação de neossexua lidades ou sexualidades aditivas Lembra McDougall21 que para se ter um sexo e um sentimento de identidade sexual é ne cessário antes de tudo ter um corpo e uma existência individual A adolescência concentra ao mesmo tempo a oportunidade e a finalidade de adquirir um cor po e uma identidade separada constituindose um revelador de pontos de fratura potenciais em si e nos pais Um novo corpo em cena A busca de sensações e emoções costuma ser promovida por ações de risco ou des trutivas que resultam da precariedade e da Psicoterapia de orientação analítica 759 ambivalência com os objetos da infância Nesse caso as sensações são buscadas com o objetivo de evitar sentimentos catastrófi cos de vazio ou desintegração constituin do fonte interna de uma excitação faltante garantindo a equivalência de uma presença e de um sentido de ser alguém13 Essa di nâmica está muitas vezes na origem dos comportamentos violentos que buscam restabelecer fronteiras e diferenças neces sárias para a manutenção de uma coesão interna diferenças entre dentro e fora eu e outro e a tentativa de encontrar um senti do de si mesmo3 Desidentificação A adolescência compreende a etapa em que as antigas vertentes identificatórias vão se plasmar oportunizando uma derradeira chance para sua ressignificação por meio do a posteriori O processo de desidentifi cação portanto adquire grande significado na formação da identidade À medida que o adolescente revisa padrões estabelecidos para formar as próprias opiniões ideias e ideais renuncia ao que até então consti tuiu sua fonte de segurança suas identifi cações parentais e a internalização de um ideal de ego que estava ainda ligado ao ob jeto incestuoso101119 O processo implica a busca de delicado equilíbrio entre o que necessita ser deixado e o que precisa ser mantido Essa dinâmica está claramente evi denciada por Olenca 16 anos quando traz escrito em uma folha o seguinte material pedindo ajuda à terapeuta para conectar as ideias ali contidas Quarto tão bagunçado cheio de coi sas não consigo organizálo caixa vermelha com objetos não consigo colocálos fora apego ao passado vou esquecer se colocar as coisas fora os pertences mandam em mim Revistas velhas relidas diversas vezes como se não conseguisse aprender o que elas ensinam presa às coisas velhas não dou espaço para as novas cosméticos alívio quando termina o estoque an siedade para que termine e possa com prar novo ao mesmo tempo pena por perder aquele sempre guardar e não usar perfumes papéis de carta figuri nhas para que ter se NÃO usa Vonta de e ao mesmo tempo medo de se li vrar dessa tralha toda e poder voltar a ter um quarto aconchegante e agradá vel com espaço para o novo dar mais espaço para eu mesma e menos para as revistas velhas e suas dicas medo de rejeição namorado a outra dando em cima sentime inferiorizada me iso lei fiquei com ciúmes mas não rea gi acheime feia e chata mas não sa bia COMO mudar Ao mesmo tempo quando era criança pensava que iria lembrar da adolescência como uma fase de festas namorados amigas e não como uma fase de dúvida medo tristeza brigas com a mãe e o irmão quarto bagunçado A FAMÍLIA E O GRUPO DE IGUAIS A desidealização do self e das figuras parentais na busca de ideais novos em si mesmo e em novas figuras é no entender de Blos22 a tarefa mais penosa da adolescência Contudo ainda que seja fonte de dor psíquica e desequilíbrio é também o que possibilita o confronto de gerações con dição necessariamente presente no estabe lecimento da identidade individualizada Esse é um processo vivido ao mesmo tem po pelo adolescente e por seus pais que a partir desse momento perdem seu status 760 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs idealizado perante o adolescente neces sitando também confrontarse e desfazer se de ideais e fantasias com o próprio filho Em certa medida o filho sempre representa para cada um dos pais uma projeção e exten são de uma parte de si próprios olhamno de acordo com o que são o que foram o que dese jariam ter sido ou o que não gostariam de ser Em maior ou menor grau esta belecem sua relação de acordo com es ses ideais fantasias e conflitos pessoais Quando as necessidades narcísicas dos pais estão associadas a questões com a própria identidade o filho passa a ser solicitado para cumprir diferentes pa péis marido mulher mãe pai irmão Corresponde na fantasia dos pais a um objeto reassegurador para seus medos e angústias e preenchedor de suas lacunas e carências Nesses casos com frequência deparamonos com a impossibilidade dos pais de suportar e permitir o processo de individuação do filho Quando questões ligadas à própria adolescência indepen dência conflito edípico ansiedades com o próprio corpo e fenômenos puberais emergência da sexualidade não foram devidamente elaboradas a seu tempo a adolescência do filho funcionará como uma bombarelógio com poder de fazer eclodir processos e conflitos latentes na vi da psíquica de cada um dos genitores O contraste entre o aumento da força e da sexualidade do adolescente e o declí nio dos pais gera nestes sentimentos de perda e depressão Mobilizados tanto pela tentativa de abortar nos filhos adolescen tes um processo que promove sentimen tos dolorosos e não raro catastróficos de abandono e perda como pela expectativa de reviver uma adolescência não vivida e ainda idealizada os pais têm reações que compreendem uma extensa gama de ma nifestações desde inveja competição ciú mes até estímulo precoce e inadequado da independência sexualidade e anulação de limites Assim as feridas narcísicas dos pais reabertas no a posteriori10 podem im pedir o reconhecimento das reais necessi dades do filho adolescente E este mais do que nunca precisa do entorno para enco rajarse e adquirir confiança na capacidade de formar novas relações objetais Sem essa ajuda os adolescentes têm dificuldade de ultrapassar a dependência regressiva liga da ao apego aos objetos originais23 e com frequência buscam saídas por meio de al terações de conduta perdas de limite ou acentuação do oposicionismo Tais condutas configuram tentativas de solucionar os impasses gerados pelo embate entre as contradições no mundo interno do adolescente e o dos pais com respeito à individuação A exacerbação do oposicionismo manifestação esperada no sujeito que trata de se individuar da nificao como qualidade de recurso egoico essencial ao processo de crescimento tanto para a criança pequena lenfant térrible dos 2 anos como para o adolescente Am bos com o antagonismo apoiamse nos adultos aos quais se opõem sem ter que to mar consciência desse apoio preservando seu narcisismo e sua autonomia pela afir mação de suas diferenças1314 Kaplan23 destaca como o adolescente se distancia e define a si próprio em opo sição aos pais tende a negar a contínua necessidade de limites e apoio da matriz familiar podendo obscurecer o reconheci mento do seu papel essencial Lembra que o crescimento psicológico é resultado de crença inata no desenvolvimento matura cional interagindo com estruturas psíqui cas menos desenvolvidas e integradas em contato com a psique mais desenvolvida Psicoterapia de orientação analítica 761 dos adultos sendo tal integração portanto essencial para os adolescentes Winnicott24 ao referirse à necessidade de os pais sobreviverem à adolescência dos filhos enfatizou a fundamental tarefa de tolerância e suporte ao seu turbilhão emocional além do desafio contido no enfrentamento de uma con dição crítica oposicionista e que tenta burlar limites com vigor Ritvo citado por Kaplan23 ao afirmar ser função da geração mais velha prover con tinuidade e manutenção de pa drões de valor e moralidade reafirma a con dição de sobre vivência e força o que não deve ser confun dido com inflexibilidade onipotente que os pais necessitam manter As relações com grupos de iguais configuram fator estruturante na vida psí quica do adolescente A complexidade ad vinda da irrupção da puberdade que gera isolamento e recusa da busca de conforto nos pais além do surgimento de impulsos inaceitáveis e assustadores preparam se gundo Kaplan23 o caminho para a passa gem para o grupo de iguais Isso configura condição central na procura de equilíbrio e segurança diante das mudanças desorgani zadoras bem como na busca de autonomia e conquista de identidade O surgimento de características sexuais secundárias cons titui interesse comum passando a ser sub metido à aprovação grupal que substitui a dos pais Ser aceito por eles ser um deles e ser popular entre eles são expectativas de grande significado12 A opinião do gru po sobre as características sexuais tornase desse modo base para a reação do ado lescente a elas favorecendo a melhora na baixa autoestima Nesse sentido a adesão a modas siglas e marcas adolescentes corres ponde a uma condição também esperada e desejável no processo de aquisição de uma identidade separada e oposta à geração dos pais Estes se estão em conformidade com seu período evolutivo se comportam de acordo com sua faixa etária propor cionando as diferenças necessárias para o confronto de gerações Do contrário cola boram para a instalação de confusão e di ficuldades para o estabelecimento de uma identidade autônoma A identificação com o grupo de iguais repre senta também a possibilidade de proje tar aspectos não tolerados em si frustra ções inseguranças depressão instabilidade e inconstância bem como um substituto do vínculo libidinal objetal regressivo propician do a transferência para o grupo da idealiza ção e da fidelidade aos objetos parentais com suas características onipotentes oniscientes e grandiosas Ao representar um padrão identifi catório em que inquietações e ansiedades semelhantes são compartilhadas o grupo adquire o poder de proporcionar um sen timento de unidade interna que contraba lança os sentimentos de divisão e confusão característicos dessa etapa Meltzer25 ao considerar a necessidade do adolescente de elaborar confusões e ansiedades resultantes das novas pulsões advindas das mudanças corporais e da dicotomia entre dependên cia versus autonomia geradora de senti mentos de solidão e desamparo descreve a existência de quatro comunidades pelas quais o adolescente transita a família o mundo adulto os adolescentes e o isola mento Levy26 sintetizou da seguinte forma o pensamento desse autor O adolescente na família segue o pa drão da latência aceitando o mode lo dos pais como seu modelo de vida 762 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs com experiências sexuais mínimas reproduzindo o esquema familiar que os pais lhe apresentaram O adoles cente no mundo adulto correspon deria às incursões pseudomaduras em que o jovem age como se fosse um adulto sendo que a força motivadora não seria o amadurecimento e a defi nição de objetivos mas a entrada rá pida e forçada na adultez para mos trar aos pais como se é um adulto A comunidade adolescente inicialmen te com o grupo homossexual de pú beres e posteriormente com o grupo de casais será o continente adequado para as ansiedades depressivas para noides e confusionais do adolescente O isolamento refúgio habitualmen te utilizado pelos adolescentes como forma de realizar o trabalho reflexivo e elaborativo da adolescência quan do se fixa como modo predominan te de funcionamento constitui o tipo psicopatológico mais grave São si tuações em que a desidealização dos pais foi intensa e abrupta sem con dições de transferir essa idealização a outro sistema política comuni dade de adolescentes levandoo a refu giarse em uma organização narcisis ta na qual se imagina autossuficien te capaz de construirse como se fos se pai e mãe de si mesmo Desenvolve uma megalomania tranquila e o sen timento de ter uma missão a cumprir no mundo Meltzer25 ao estabelecer limites entre normalidade e psicopatologia acentua que na primeira observamos um adolescente que transita de modo flexível entre essas quatro comunidades enquanto na se gunda se observa a fixação rígida em uma destas Kaplan23 destaca o quanto é co mum se observarse em adolescentes com psicopatologias mais graves incapacidade de buscar envolvimento com os iguais ou afastamento rápido destes Tais jovens são os propensos também a ligarse a grupos nos quais predominam rituais masoquis tas práticas transgressivas condutas de risco adições e atos automutilatórios que lhe conferem um sentido de pertencer e de ser alguém Meltzer25 refere que à medida que o adolescente começa a sentirse mais seguro com seu corpo e com seus impulsos as relações com os grupos tendem a arrefe cer e ser substituídas por relacionamentos diádicos com mais intimidade Só gradual mente os iguais são percebidos de modo mais real como separados e distintos e como indivíduos imperfeitos Também sa lienta ser comum que os adolescentes com maior comprometimento psicopatológico não tolerem a transição gradual dos mem bros do grupo homossexual para o grupo heterossexual SETTING AVALIAÇÃO E CONTRATO Ao discutirmos avaliação setting e contrato terapêutico de modo simultâneo preten demos destacar a interrelação dinâmica desses fatores desde o início da psicoterapia de orientação psicanalítica A psicoterapia na adolescência implica questões específi cas que se apresentarão desde os primeiros passos cuja compreensão é essencial para a qualidade do processo que se pretende iniciar Com quem realizar a primeira entrevista Com os pais Com o adolescente Com a família Qual o significado dos problemas apresentados configuram um quadro psicopatológico ou são manifestações esperadas nesse período do de senvolvimento Quando não há motivação para o tratamento indicado como proceder Como preservar o sigilo indispensável para o víncu lo terapêutico Psicoterapia de orientação analítica 763 Antes de responder a essas pergun tas é necessário definir o setting na psico terapia com adolescentes Concordamos com Kancyper10 que sugere a ampliação do conceito de campo analítico27 no tra tamento de crianças e adolescentes nessas circunstâncias devemos incluir os efei tos que as fantasias inconscientes dos pais exercem na determinação da fantasia in consciente básica do campo que se cria na relação do adolescente com seu terapeuta Assim também no contrato conjunto de combinações que regem a relação terapêu tica os pais estarão envolvidos e inseridos no setting que se estabelecerá2829 A atenção ao estabelecimento do set ting deve estar presente desde o primeiro contato seja com o adolescente seja com sua família pois há qualidades da relação terapêutica que se não forem preserva das colocam em risco o acesso adequado e esperado até mesmo da própria avaliação Por isso destacamos a importância de esta belecer critérios adequados quanto ao sigi lo das informações recebidas Resguardar a privacidade do adolescente é nosso dever sem no entanto negligenciar a dependência que ainda tem da família a qual em condições de risco deve compartilhar os cuidados necessários Com exceção desse tipo de situação não revelamos aos pais assuntos veiculados pelo adolescente mas deixamos claro que o que for falado sobre o filho será compar tilhado com ele Amparamos essa conduta na necessidade de as famílias serem auxi liadas na luta pela autonomia do adoles cente que está sendo travada dentro do contexto familiar Com o estabelecimen to dessa regra do jogo já nos primeiros contatos poderemos observar aspectos es pecíficos do funcionamento da família e do adolescente quanto à restrição que o sigilo impõe e assim compreender a psicodinâ mica familiar ligada ao processo de indivi duação em andamento Essa proposta nos coloca como um personagem ativo já que nos dispomos a abrir um espaço reflexivo porém com delimitações que pretendem ser preservadas ao longo do processo Com isso temos que estar atentos para o risco tentador de estabelecer um conluio tanto com o adolescente quanto com os pais o que nos recolocaria em uma condição idea lizada onipotente e onisciente sem limites inclusive em nossas capacidades terapêu ticas O primeiro contato em geral é feito pelos pais do adolescente implicando a de cisão de quem virá primeiro A partir dos 16 anos costumamos receber primeiro o adolescente sozinho Quando são menores preferimos ver de início os pais Contu do a escolha quanto a quem virá primeiro pode variar segundo a preferência da famí lia do adolescente ou do terapeuta Alguns preferem pelo menos uma entrevista com toda a família para observar a interação Essa decisão está calcada no reconhecimen to dos diferentes níveis de independização que supostamente estaria relacionada com a idade No entanto o critério etário nem sempre é tão objetivo já que existem variáveis subjetivas que não correspondem ao esperado30 Até aqui estamos nos ocupando de situações em que os possíveis interessa dos estão desejando nosso auxílio Mas há também pais que nos procuram sem a aquiescência do filho ou adolescentes desesperados que se mobilizam sem que os pais tenham percebido seu sofrimento Nessas circunstâncias há particularidades que deverão ser abordadas em suas espe cificidades mas sem perder de vista que a recusa em se dispor a pensar sobre o so 764 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs frimento percebido está relacionada a um funcionamento calcado em dissociações que dessa forma serão mantidas Por isso nossa intervenção não pode perder de vis ta o restabelecimento da comunicação no âmbito familiar Restabelecida a interação com a famí lia dentro da regra do jogo proposta como avaliar os problemas apresentados É decisivo o conhecimento da psicodi nâmica da etapa da adolescência que está sendo enfrentada pelo paciente em ava liação Contudo devemos estar cientes de que mesmo conhecendo as vicissitudes da etapa o contato emocional com diferentes apresentações ou desfiguramentos do que esperamos gera com frequência desorien tação na mente do terapeuta que necessita ser tolerada Quando nos percebemos desejosos de defini ções diagnósticas imediatas pressionados tanto por razões internas quanto externas devese ter cautela já que podemos nos sentir atraídos por falsas soluções24 que não pas sam de atalhos iatrogênicos no longo caminho de construção de identidade que nosso pacien te está buscando Assim brigas intensas podem reve lar apenas uma momentânea exacerbação de conflitos de uma adolescência que vem cumprindo sua trajetória na psicodinâmi ca do desenvolvimento do adolescente e de sua família Em contrapartida entrosa mentos aparentemente harmônicos podem encobrir a consolidação de pseudomaturi dades que representam o colapso da real tarefa adolescente denunciando as dificul dades diagnósticas nessa fase Por exemplo os pais de Martha 16 anos procuraram avaliação porque per ceberam que há seis meses a filha vinha preocupada demais com sua dieta e peso Temiam que pudesse estar com anorexia Estavam surpresos pois a filha nunca apre sentara problemas ao longo do desenvolvi mento nem mesmo nos últimos anos na adolescência período em que os filhos costumam dar muito trabalho Faziam questão de enfatizar o quanto a paciente era apegada à família Nas entrevistas com Martha ficou evidente que a sintomatolo gia correspondia a um quadro de anorexia em andamento E como costuma aconte cer nessas situações a paciente descreviase como alguém sem dificuldades que justi ficassem se submeter a psicoterapia con siderando que suas possíveis inquietações seriam superadas quando atingisse o peso ideal Levy26 em um trabalho sobre refú gios narcisistas na adolescência partindo dos conceitos de refúgios psíquicos de Steiner31 e de claustro de Meltzer32 pro põe uma abordagem que pode contribuir para a compreensão de situações psicopa tológicas que em maior ou menor grau se encontram presentes nos adolescentes que procuram atendimento Descreve o autor A psicopatologia então se instala quando o indivíduo se fixa em solu ções narcísicas em que a comunida de adolescente enquanto continente ocupa um lugar secundário ou ine xistente o sujeito refugiase no iso lamento ou em outros refúgios psí quicos nos quais a onipotência e a idea lização muitas vezes da própria destruição ocupam o papel central drogas perversões sexuais distúr bios alimentares destrutividade em geral A partir daí teremos uma série de quadros nosográficos cujo pano de fundo são organizações narcisistas complexas Criase uma continência espúria da ansiedade o refúgio trans formase em prisão e a onipotência deixa de ser uma forma transitória de lidar com os sentimentos de impotên Psicoterapia de orientação analítica 765 cia tornandose um modo de negar permanentemente a realidade26 No caso de adolescentes menos per turbados prossegue o autor a utilização desses refúgios psíquicos serve como um espaço mental protetor ao qual o indiví duo pode recorrer quando sua ansiedade estiver além de sua capacidade de tolerân cia Definidas as prioridades terapêuticas como seguir em frente na promoção do es tabelecimento do setting adequado Talvez o aspecto específico do contrato nessa fase seja a responsabilidade compartilhada entre paciente pais e terapeuta Na infância a responsabilidade pelas condições formais para a criação do encon tro terapêutico é dividida entre os pais e o terapeuta Essa é a verdadeira condição da criança e quando não há tal possibilidade estamos diante de vínculos inerentemente desviados do esperado para satisfazer às necessidades da infância Nas psicotera pias com os adultos se essa responsabili dade não pode ser assumida pelo paciente manifestamse perturbações evidentes Na adolescência o comprometimento com as condições exigidas pelo contrato será dividido entre os pais e o paciente Assim há aspectos a serem decididos em comum acordodesacordo tais como decisão de iniciar o tratamento responsabilidade pe los honorários e reajustes férias responsa bilidade por horários e frequência decisão de término ou interrupção Para que o setting possibilite abarcar esses desafios preferimos a frequência de duas sessões semanais em que podemos dispor de um espaço que promova e asse gure intimidade e tempo para reflexão o que poderá proporcionar a contenção ne cessária ao processo Nas situações em que o risco destrutivo é maior poderão ser ne cessárias mais do que duas sessões por se mana Porém devemos considerar a possi bilidade de iniciar com apenas uma sessão quando o temor de dependência do ado lescente o impede de tolerar contato mais intenso Sempre estaremos envolvidos em um movimento que incluirá a motivação do adolescente dos pais e do próprio tera peuta na relação estabelecida Iniciar a psicoterapia deve ser uma decisão do adolescente Em nossa experiên cia tolerar que seu tempo seja diferente do nosso eou do de sua família tem demons trado ser mais terapêutico do que impor nossas impressões Não queremos negli genciar situações em que o adolescente está tão dissociado do seu sofrimento e destru tividade que a alternativa possível seja a de que o mundo adulto reassuma as funções temporariamente perdidas por ele até que aos poucos recupere capacidades mentais que lhe propiciam proteção incluímos aqui tentativas de suicídio abuso de drogas ou sintomas francamente psicóticos Nes sas condições nossa preocupação deverá ser em primeiro lugar a sobrevivência do paciente Há controvérsias nessas questões pois como destacamos estamos lidando com uma desestruturação versus reestru turação do psiquismo Isso envolve varia ções intensas dramáticas e decididamente surpreendentes que exigem dos terapeutas tolerância e paciência para observar ao longo do tempo os significados dessas de cisões303334 Estabelecer um espaço entre o que pensamos ser o momento e a ajuda adequada e o que o pa ciente considera ser o melhor para ele possibilita 766 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs o alívio de uma das grandes angústias desse período ser novamente aprisionado em uma re lação sem que haja o reconhecimento de sua individualidade Dessa forma queremos enfatizar a importância de o terapeuta conhecendo os desafios psicodinâmicos característicos to lerálos no campo terapêutico Estaremos então nos dispondo a assumir os desafios propostos no processo de desidentificação que inclui um confronto intenso profundo e ameaçador com algo decisivamente signi ficativo para nós a noção de quem de fato somos eou pretendemos ser inclusive co mo terapeutas35 OS DESAFIOS DO PROCESSO PSICOTERÁPICO NA ADOLESCÊNCIA É sabido que a maioria dos adoles centes são pacientes que atuam ac ting out Aqui também o fenômeno é adequado à idade já que nesse es tágio recordar o passado está no seu ponto mínimo e reviver a experiência passada está no ponto máximo Que o adolescente seja capaz de atuar act out violentamente na transferên cia está de acordo com sua tendência acentuada ao reenactment Que esteja sempre a ponto de interromper o tratamento corresponde a sua ma neira legítima de reviver a necessidade urgente de romper vínculos familia res Se a forma dramatizada de acting out do adolescente poderá ser trans formada em material analítico útil de pende sobretudo de duas condições por parte do analista sua capacidade de diferenciar passado e presente no material do paciente e discriminar os elementos adequados ao desenvolvi mento daqueles elementos patológi cos36 Essa tendência ao acting out no fun cionamento dos adolescentes em trata mento foi percebida desde os primórdios da psicanálise Apesar de Freud terse re ferido ao acting out agieren pela primeira vez em A psicopatologia da vida cotidia na37 foi no relato da primeira análise de uma adolescente na história da psicanálise o Caso Dora38 que introduziu de forma mais significativa o termo atribuindo a in terrupção do tratamento pela paciente ao acting out de suas fantasias infantis Consideramos essencial a noção de que é pelo acting out que se estabelecerá preferencial mente a comunicação terapeutapaciente As sim como no tratamento de crianças privilegia mos o brinquedo como via de acesso ao psi quismo e nos adultos a verbalização o acting out constituirá um veículo importante de aces so à vida mental do adolescente Sob esse ponto de vista fica evidente que assim como no processo psicoterápi co exitoso na infância não se exige que o brinquedo seja substituído pela verbaliza ção também na adolescência a tendência à atuação dos conflitos não só não poderá ser abolida como deverá estar necessariamen te integrada ao trabalho psicoterápico Na Figura 431 propomos um es quema gráfico que nos auxilia a visualizar a interação de alguns dos conceitos psica nalíticos que podemos utilizar para desen volver a instrumentalização técnica mais adequada para lidar com essas peculiari dades Na adolescência o processo de desi dentificação protagoniza a mobilização de todo o psiquismo que busca lidar com a dor psíquica por meio de mecanismos de defesa complexos os quais podem tanto Psicoterapia de orientação analítica 767 promover o desenvolvimento quanto im pedilo Antes de descrever os fenômenos psí quicos propostos desejamos destacar seu aspecto dinâmico já que sem essa perspec tiva se corre o risco de simplificações em pobrecedoras dessa relação que pretende justamente ampliar a capacidade do ado lescente de tolerar contato com a comple xidade de sua realidade emocional Segun do Etchegoyen39 o acting out só pode ser conceituado em função do seu significado na relação terapêutica ou seja não há uma fenomenologia do acting out Ele só adqui re sentido ligado ao processo psicoterápi co ou ao setting correspondendo àquelas condutas que tendem a ignorar o objeto e afastarse dele e que têm a intenção de ata car a tarefa terapêutica Barugel e Mantykow de Sola40 pro põem a diferenciação entre acting out e ação comunicativa nos tratamentos de adolescentes conceituação que nos parece útil na compreensão e no manejo dessas situações Diferenciam acting out de ação comunicativa descrevendo que esta última busca favorecer a tarefa e tenta co municar pela ação algo que está a ca minho da simbolização à procura de um objeto que se suponha disponível para este tipo de comunicação Mes mo que essas condutas provoquem fenomenologicamente certo grau de distanciamento hostil do objeto e possam produzir alterações no setting a fantasia inconsciente mostra que es ses comportamentos são uma manei ra de associar que favorece o encontro e a comunicação com o objeto Dian te delas o analista pode identificarse com seu paciente e sentirse convida do a pensar no processo junto com ele Essas ações comunicativas não ocorrem no lugar da tarefa mas ao contrário são a única maneira de ga rantir que se realize40 Enfatizamos a importância do meca nismo de identificação projetiva já que é a via predominante de interação dos ado lescentes Descrito por Melanie Klein41 em 1946 esse conceito tem sido estudado e am pliado quanto a sua função primordial de comunicação entre o bebê e sua mãe4243 em condições normais do desenvolvimen to Utilizaremos a descrição de Ogden44 que nos parece acessível e elucidativa o conceito diz respeito ao modo como as fantasias inconscientes de uma pessoa são processadas por ou tra ou seja a maneira pela qual uma pessoa usa a outra para viver e conter um aspecto de si própria Caberá ao terapeuta por meio de sua capacida de negativa continência e rêverie transformar Figura 431 Esquema gráfico representativo dos conceitos psicanalíticos utilizados na técnica destinada a ado lescentes Dor psíquica Processo de desidentificação Identificação Acting out Capacidade negativa do terapeuta Projetiva Ação comunicativa 768 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a experiência transmitida pela ação comunica tiva em simbolização4243 O terapeuta terá que desenvolver sua tolerância com incertezas mo mentos de incompreensão ambiguidades e pa radoxos45 Dessa forma os processos internos do analista poderão ser utilizados para compreender e com isso tentar comple tar o que ainda falta no aparelho mental do adolescente Sabemos que os aspectos desta cados estão presentes em qualquer processo psicoterápico de orientação ana lítica O que desejamos enfatizar não é sua presença mas sua intensidade nas psicote rapias com adolescentes Em consonância com a proposta de Barugel e Mantykow de Sola40 acredita mos que na psicoterapia com adolescentes as ações comunicativas predominam sobre os acting outs A discriminação entre am bos no entanto depende da capacidade do terapeuta de tolerar a inquietação provoca da por mecanismos primitivos que geram dúvidas constantes quanto a estarmos en volvidos em um conluio com o paciente provocadas pela mobilização de nossos próprios estados mentais adolescentes As autoras destacam que só fora da sessão a posteriori será possível estabelecer com cla reza essas diferenças É o desenvolvimento progressivo do processo que dará subsídios para avaliar se estamos lidando com um conluio ou com a gradual possível e tole rada compreensão desejada O adolescente recorre à ação comu nicativa quando percebe que o pensar pro voca dor e que é necessário um trabalho psíquico que crie um continente capaz de contêlatolerála Para isso um estilo pró prio que pressuponha firmeza paciência e contenção é particularmente importante no terapeuta A receptividade com a pos sibilidade de a linguagem verbal ser tem porariamente substituída por outra mais primitiva tornase decisiva como se a ação comunicativa fosse o idioma possível As autoras consideram prudente não ou torgar significados prematuros aos acting outs mas assinalar elementos do setting que foram modificados para que se possa continuar pensando sobre o que se passa na relação Por exemplo se o paciente não vem à sessão caberia perguntar de forma direta por que não veio nem telefonou As autoras concluem que assim como o brin car na criança a ação no adolescente ao desenrolarse na situação transferencial e no mundo externo possibilita que o mun do interno tornese menos caótico e mais tolerável para o próprio paciente Enfatizamos assim o interjogo dinâ mico entre essas diferentes possibilidades de comunicação acting D ação comunica tiva D linguagem verbal simbólica A quali dade da interação entre terapeuta e pacien te poderá promover a transformação das ações comunicativas em conflitos acessíveis à compreensão ou ao contrário desenca deará processos mais primitivos que pode rão acentuar os acting outs TÉRMINO O término do tratamento tem sido menos estudado do que os meios para manter os adolescentes em psicoterapia já que é co mum decidirem unilateralmente pela in terrupção4647 Contudo a separação em si por decisão unilateral ou conjunta é de grande significado no destino do trabalho psicoterápico realizado pois reatualiza na relação terapêutica um dos aspectos deci sivos do conflito adolescente a possibili dade de separação com a sobrevivência de ambos24 Psicoterapia de orientação analítica 769 Quando a interrupção corresponder a um acting a relação terapêutica deverá procurar transformálo em uma ação co municativa que permita a compreensão do que motiva o paciente naquele mo mento a provocar a ruptura Ao mesmo tempo quanto mais pudermos tolerar as interrupções mais abriremos o caminho para o retorno quando o paciente consi derar necessário2548 Devemos ter o cui dado de não esperar de uma psicoterapia com adolescentes aquilo que se poderia almejar com adultos relações afetivas mais estáveis definição profissional relaciona mento sem maiores intercorrências com os pais Assim Meltzer25 julga típico de um tratamento bemsucedido na adolescência o fato de que ao estabelecer uma relação amorosa e sexual íntima o paciente quei ra protegêla de interferências externas inclusive a do terapeuta decidindo ter alta Além disso com adolescentes entre 15 e 16 anos poder tolerar melhor sua condição de dependência dos pais pode ser decisi vo para que o sentimento de autonomia desenvolvase internamente o que muitas vezes os faz não necessitarem mais de nos sa ajuda Como principal critério para alta consideramos o desenvolvimento da ca pacidade emocional do adolescente de lidar com suas ansiedades com possibi lidade de refletir mais sobre sentimentos ideias e condutas a fim de obter melhor compreensão do que se passa consigo e em suas relações com o mundo externo Como consequência a sintomatologia que trouxe o adolescente ao tratamento deverá estar mais atenuada possibilitan do que utilize seus recursos para inserirse em um processo de desenvolvimento mais criativo PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A compreensão dos processos psicodinâmicos próprios de cada etapa da adolescência é fundamental na avaliação na indicação e no desenvolvimento do processo psicoterápico com adolescentes 2 A importância do reconhecimento paulatino e progressivo da interação da condição adolescente com as vivências ligadas à história pessoal possibilitando o estabelecimento de uma identidade própria é essencial ao processo psicanalítico 3 Requerse da parte do terapeuta a capacidade de tolerar no campo os paradoxos e as vicissitudes impostos pelo processo de desidentificação do adolescente capacidade negativa 4 A presença do acting out constitui via comum de expressão dos conflitos intrapsíquicos na adolescên cia sendo importante sua diferenciação como função comunicativa ou destrutiva 5 O grupo de iguais comunidade adolescente tem papel de destaque ao proporcionar um espaço fora do âmbito familiar para a elaboração das ansiedades inerentes a essa etapa do desenvolvimento 6 Reconhecese a importância da receptividade e da utilização de diferentes recursos música livros filmes personagensídolos trazidos pelo adolescente às sessões na comunicação de seu estado emo cional 7 É preciso a considerar a restrição por parte do adolescente na abordagem direta de sua sexualidade bem como a consequente necessidade de cautela por parte do terapeuta no contato com esse tema 8 O desenvolvimento dos processos simbólicos é importante consequência do trabalho psicoterápico nessa fase do desenvolvimento 770 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Cabanne J Paradise now Rev Psicanálise SPPA 19963338996 2 Levisky DL Os vazios da contemporaneida de a compulsão como um processo defensi vo precoce na adolescência Revista de Psica nálise da SPPA 200916234352 3 Levy R Adolescência o reordenamento simbólico o olhar e o equilíbrio narcísico Revista de Psicanálise da SPPA 2006132 23345 4 Blos P The second individuation process of adolescence Psychoanal Study Child 19672216286 5 Mahler M On human symbiosis and the vi cissitudes of individuation infantile psycho sis New York International Universities 1978 6 Faimberg H El telescopaje de generaciones la genealogía de ciertas identificaciones Re vista de Psicoanálisis 1985425104356 7 Stoller R A contribution to the study of gen der identity Int J Psychoanal 1964452206 8 Stoller RJ A experiência transexual Rio de Janeiro Imago 1982 9 Blum H Fantasia compartilhada e identifi cação recíproca considerações gerais e de sordem de gênero In Congresso Brasileiro de Psicanálise 11 1987 out 2124 Canela 10 Kancyper L Confrontação de gerações es tudo psicanalítico São Paulo Casa do Psicó logo 1999 11 Kancyper L Adolescência y a posteriori Re vista de Psicoanálisis 198542353546 12 Sklansky M The pubescent years eleven to fourteen In Greenspan SI Pollock GH edi tors The course of life Madison Internatio nal Universities 1991 v 4 13 Jeammet P Lo que se pone em juego las identificaciones en la adolescencia Psico análisis com Niños e Adolescentes 19922 4158 14 Jeammet P A adolescência hoje entre liber dade e imposição Revista de Psicanálise da SPPA 200916221934 15 Blos P Adolescência uma interpretação psi canalítica São Paulo Martins Fontes 1985 16 Freud S O ego e o id In Freud S Obras psi cológicas completas de Sigmund Freud edi ção standard brasileira Rio de Janeiro Ima go 1969 v 19 17 Freud S História de uma neurose infantil In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 17 18 Urribarri R Sobre adolescência luto e a posteriori Revista de Psicanálise da SPPA 20031014770 19 Kancyper L Adolescencia el fin de la inge nuidade Buenos Aires Lumen 2007 20 McDougall J Conferências brasileiras cor po físico corpo psíquico e corpo sexuado Rio de Janeiro Xenon 1987 21 McDougall J Em defesa de uma certa anor malidade teoria clínica e psicoanalítica 3 ed Porto Alegre Artes Médicas 1989 22 Blos P The contribution of psychoanalysis to the psychotherapy of adolescents Psycho anal Study Child 198338577600 23 Kaplan E Adolescents age fifteen to eighteen a psychoanalytic development view In Gre enspan SI Pollock GH editors The course of life Madison International Universities 1991 v 4 24 Winnicott DW Conceitos contemporâneos de desenvolvimento adolescente e suas im plicações para educação superior In Winni cott DW O brincar e a realidade Rio de Ja neiro Imago 1975 p 187202 25 Meltzer D Seminários de Novara In Har ris M Meltzer D Quaderni di psicoterapia infantil Roma Borla 1978 Título da parte traduzida pelo autor 26 Levy R Refúgios narcisistas na adolescência da busca de proteção ao risco de destruição dilemas na contratransferência Rev Bras Psicanál 199630122340 27 Baranger W Baranger M Problemas del campo psicoanalítico Buenos Aires Kargie man 1969 28 Ferro A Na sala de análise emoções rela tos transformações Rio de Janeiro Imago 1998 p 181207 29 Ferro A A unicidade da análise entre ana logias e diferenças na análise de crianças e adolescentes In Ferro A A psicanálise como literatura e terapia Rio de Janeiro Imago 2000 p 13751 30 Brafman A Working with adolescents a pragmatic view In Wise I editor Adoles Psicoterapia de orientação analítica 771 cence London Institute of Psychoanalysis 2000 p 3655 31 Steiner J Psychic retreats pathological orga nisations in psychotic neurotic and border line patients London Routledge 1993 32 Meltzer D Claustrum una investigación so bre los fenómenos claustrofóbicos Buenos Aires Spatia 1994 33 Meeks JE The fragile alliance Baltimore Williams and Wilkins 1971 34 Zavaschi ML Bassols AM Salle E Maltz FF Santis MB Psicoterapia na adolescência In Cordioli AV organizador Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 40019 35 Cassorla RMS O analista seu paciente ado lescente e a psicanálise atual sete refle xões Revista de Psicanálise da SPPA 2009 16226178 36 Freud A Acting out Int J Psychoanal 19684916570 37 Freud S A psicopatologia da vida cotidiana In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 6 38 Freud S Fragmento da análise de um caso de histeria In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1969 v 7 39 Etchegoyen H Das vicissitudes do proces so 6 Acting out 3 In Etchegoyen RH Fundamentos da técnica psicanalítica Por to Alegre Artes Médicas 1987 p 42434 40 Barugel N Mantykow de Sola B La acción comunicativa en el tratamiento de adoles centes Psicoanálisis 200123231328 41 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizóides In Klein M Inveja e gratidão Rio de Janeiro Imago 1991 p 2043 42 Bion WR Ataques ao elo de ligação In Bion WR Estudos psicanalíticos revisados Rio de Janeiro Imago 1988 p 1019 43 Bion WR Identificação projetiva e capaci dade para pensar In Bion WR O aprender com a experiência Rio de Janeiro Imago 1991 p 5463 44 Ogden TH Projective identification and psychotherapeutic technique New York J Aronson c1982 45 Meltzer D Os grilhões da memória e do de sejo In Meltzer D O desenvolvimento klei niano III o significado clínico da obra de Bion São Paulo Escuta 1998 p 12940 46 Novick J Termination of treatment in ado lescence Psychoanalytic Study Child 1976 31389414 47 Burgner M Analytic work with adolescents terminable and interminable Int J Psychoa nal 198869Pt 217987 48 Blos P The life cycle as indicated by the natu re of the transference in the psychoanalysis of adolescents Int J Psychoanal 198061Pt 214551 No alvorecer de nossa existência como es pécie sobreviver aos predadores naturais às tribos competidoras por espaço e ali mentos às doenças e às intempéries con feria àqueles poucos que atingiam a velhice um valor intrínseco de dignidade e sabedo ria a despeito do declínio da força física da produtividade e da fertilidade Nos dias atuais constatase um fenômeno oposto ainda que todos desejem ter uma longa existência tornarse velho e em especial parecer velho é algo inadmissível para mui tos1 Esse sentimento aversivo não parece ser atenuado pelo fato de que do ângulo de visão do idoso contemplar a própria existência como um todo seja agora e so mente agora possível No dizer de Danielle Quinodoz2 a psicoterapia do idoso pode ser uma experiência apaixonante para o te rapeuta por proporcionar a oportunidade de situar o fim da vida dentro do contex to de sua trajetória completa Pouco antes de sua morte em 1971 Winnicott citado por Goldman3 registrara como mote em seu caderno de memórias a epígrafe que ora usamos como ponto de partida deste capítulo Entre as múltiplas interpretações possíveis que ela suscita acreditamos que Winnicott citado por Goldman3 expressa isto o desejo de presenciar o ato final da própria existência e sentir a completude de ser o autor e espectador da obra acabada inteira e sentir toda a jornada incluindo a morte como uma unidade Se entendermos a vida de cada indi víduo como um processo de desenvolvi mento que se inicia no período da con cepção e que se insere em um contexto anterior a ela necessariamente incluímos a velhice como parte dessa trajetória Não como período independente à parte da vida mas como resultante das várias inte rações bio psicossociais ocorridas ao longo do caminho e que se fazem sentir na forma como cada um experimentará sua velhice Nesse sentido podemos pensar que a ma turidade é uma condição que se completa pela aceitação da tríade alteridade finitu de e dúvida entendendo a velhice bem sucedida como o encontro do ser humano com sua maturidade A fila está andan do diz com serenidade a paciente de 71 anos referindose ao casamento do último neto solteiro Assim aspectos importantes 44 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE IDOSO Antonio Carlos Scherer Marques da Rosa Maria Cristina Garcia Vasconcellos Meus Deus que eu possa estar vivo quando morrer Winnicott 1971 Psicoterapia de orientação analítica 773 no processo de envelhecimento tais como a questão da finitude o acolhimento da passagem do tempo a aceitação do outro e a tolerância ante o desconhecido serão vividos por cada um de acordo com capa cidades adquiridas ao longo do seu desen volvimento O CONCEITO DE VELHICE Em países desenvolvidos a Organização Mundial da Saúde OMS4 considera idoso o indivíduo a partir dos 65 anos Para que a população da França com 65 anos ou mais dobrasse de 7 para 14 demorou mais de cem anos O Brasil em contraste alcançará o mesmo crescimento em apenas 25 anos o que dá uma ideia do impacto do aumento da população idosa em nosso país Na atualidade não há um critério etário pa drão mas as Nações Unidas estão de acordo com um ponto de corte de 60 anos ou mais para a população idosa4 Essa conceituação impre cisa revestese de maior incerteza no caso do Brasil país com realidades socioeconômicas tão heterogêneas que permite a relativização de critérios etários para a velhice dependendo da população que se contemple Tornase necessário portanto um olhar mais atento sobre o conceito de velhi ce concebendoa não como uma categoria uniforme definida em termos etários mas buscando uma apreensão que inclua suas várias dimensões É relativamente recente a presença do idoso como cidadão ou seja como um indivíduo valorizado em nossa sociedade em 1994 com uma lei federal esse sujei to ganha status diferenciado Até então ele tinha o mesmo status legal das crianças e dos deficientes quanto às necessidades as sistenciais em consonância com a visão cultural do velho como um ser destituído de capacidades muitas vezes infantilizado à margem do mundo adulto5 Esse conceito aplástico da velhice é perceptível em Freud6 quando em seu ar tigo Sobre a psicoterapia desaconselha aná lise para pessoas acima dos 50 anos A idade dos pacientes tem assim essa grande importância ao determinar sua adequação ao tratamento psica nalítico posto que por um lado per to ou acima dos cinquenta a elastici dade dos processos mentais dos quais depende o tratamento via de regra se acha ausente pessoas idosas não são mais educáveis e por outro o vo lume de material com o qual se tem de lidar prolongaria indefinidamente a duração do tratamento Paradoxalmente o autor de Moisés e o monoteísmo era um Freud de 81 anos quando em 1938 concluiu este que é con siderado um de seus mais brilhantes es critos Atualmente entretanto encontra mos visões diferentes a respeito da velhice em nossa sociedade que estão na fonte das mudanças legais referidas há pouco Cada vez mais temos o idoso presente na cena social Há estudos sobre a velhice especia listas na área da saúde e das ciências sociais preocupados com essa etapa da vida e nas ceu um mercado especificamente voltado para a população idosa Tais mudanças vêm seguindo os rumos das mo dificações sociais em um nível mais amplo À me dida que se percebe maior elasticidade de comportamentos permitidos a todas as faixas etárias os papéis esperados já não estão mais definidos em termos de grades de idade e sim em termos de projetos de vida individuais que vão produzindo traje 774 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tórias de vida específicas a cada um5 Além de tais possibilidades características da pós modernidade temos um maior número de idosos ao lado de uma maior expecta tiva de vida o que cria um contingente de indivíduos que têmse recusado a abando nar sua inserção na sociedade forçando sua presença como cidadão Desse vértice podemos observar idosos participando de atividades impensáveis há alguns anos o astronauta John Glenn retornou ao espaço em 1998 aos 76 anos e tornouse notícia internacional o arquiteto Oscar Niemeyer falecido em 2012 aos 104 anos seguiu projetando mesmo depois de ultrapassada a marca dos cem anos para ficarmos em dois exemplos conhecidos O fato de tais situações se tornarem notícia internacional e causarem admira ção evidencia que a situação do idoso co mo indivíduo viável com potencialidade de preservação da vida não está sedimen tada Sabese que menos de 5 das pessoas com mais de 65 anos necessitam de cui dados por terem perdido a capacidade de gerirem suas próprias vidas7 É comum o comentário de idosos saudáveis a respeito da própria expectativa quanto à chegada da velhice remetendoa ao momento em que não terão mais capacidades Ou seja persiste ainda a concepção cultural mente estabelecida de que aqueles indivíduos que conseguem preservar suas capacidades não são velhos sendo muitas vezes chamados de idosos juventude tardia ou terceira idade reservando o termo velho para o indivíduo à margem da sociedade que necessita de cuida dos e que constitui ameaça para quem envelhe ce visto que há um valor negativo associado5 Consideramos relevante salientar esses aspec tos do ponto de vista de quem se propõe a tra tar o paciente velho pois a indicação de trata mento o estabelecimento de objetivos e a pos sibilidade de escutar o sofrimento daquele que envelhece podem estar sob a influência desses valores quando presentes no terapeuta A AVALIAÇÃO O processo de avaliação e as indicações para psicoterapia de orientação analítica com um paciente idoso ocorrem da mes ma forma que em outras etapas da vida De maneira análoga ao que preconiza o aforis mo médico de que devemos nos preocupar mais com o doente do que com a doença na psicoterapia do idoso mais importante que a própria velhice é a pessoa Avaliase antes de tudo o indivíduo e suas possibili ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Um homem na passagem da idade madura para a velhice procura tratamento para um quadro depressivo de início recente Após poucas semanas de tratamento farmacológico com o esbatimento dos sintomas de pressivos o paciente revela algo que trazia guardado em absoluto sigilo e com enorme sofrimento por dé cadas seu conflito homossexual Com a abertura dessa nova janela a terapia que antes parecia que seria concluída como um atendimento clínico psicofarmacológico bemsucedido ganha nova dimensão e novos objetivos e transformase em uma psicoterapia de orientação analítica O paciente muito motivado mer gulha com avidez na psicoterapia e consegue correlacionar a conduta homossexual atual com sentimentos de submissão e humilhação impostos por um irmão mais velho cinco décadas atrás e experimenta uma mistura de alívio rancor e satisfação pela descoberta Psicoterapia de orientação analítica 775 dades mediante o levantamento de sua tra jetória de vida de suas vivências marcantes ao longo do desenvolvimento para com preender do ponto de vista psicodinâmico o momento em que o sujeito se encontra8 Apresentamos essa vinheta para ilus trar que não devemos tomar a manifesta ção inicial pelo seu valor de face e que na avaliação se requer atenção aos aspectos psicodinâmicos qualquer que seja a queixa inicial e a idade do paciente A partir dessa perspectiva procura se avaliar o indivíduo que está buscando auxílio porque sofre compreendendo sua singularidade em oposição à ideia de que o idoso é incapaz de mudanças psíquicas para uma melhor condição de vida e para a preservação da capacidade criativa Ana listas contemporâneos912 têm relatado cada vez mais casos bemsucedidos de tratamentos de pacientes idosos O pio neiro desses analistas é Karl Abraham que em 1919 escreveu um trabalho intitulado A aplicabilidade do tratamento psicanalítico a pacientes de idade avançada Nele afir mou para sua surpresa que um número considerável de pacientes acima dos 50 anos teve resultado muito favorável com o tratamento Concluiu com a tese de que a idade da neurose é mais importante do que a idade do paciente13 Podese dizer seguindo Abraham que mais do que a idade a rigidez de ca ráter vinculase à estrutura da personalida de que vem acompanhando esse indivíduo em todo o seu desenvolvimento7 Muitos idosos que buscam tratamento têm em sua trajetória evidências da capacidade pa ra obter satisfações e para aquisições por outro enfoque podese perceber a pre sença de conflitos neuróticos assim como variados graus de alterações de caráter Inúmeras vezes tais pacientes alcançaram um razoável equilíbrio interno ao longo de suas existências na medida em que as exi gências de vida do adulto jovem em nossa cultura podem servir para mascarar dificul dades de lidar com aspectos depressivos14 Tal equilíbrio todavia pode modificarse a partir das pressões que surgem com o en velhecimento promovendo dificuldades em alcançar uma nova adaptação como anteriormente o fizeram1215 É essencial portanto perceber a possibilidade de o indivíduo idoso ter uma existência criati va no atual contexto de maior expectativa de vida Uma vez que muitos dos pacientes que procuram atendimento terão ainda uma longa jornada pela frente percebese a importância que pode ter em suas vidas a psicoterapia e a possibilidade de entendimento das dificulda des prévias Cabe lembrar que a maioria desses in divíduos poderá viver a velhice sem maio res obstáculos preservando suas capacida des internas na medida em que reconhe cem o que há de bom dentro de si bem como avaliam de forma realista suas limi tações e mantêm ainda a capacidade para amar e serem amados7 O estabelecimento de uma noção clara por parte do terapeuta do problema que traz o paciente à psicote rapia é fundamental para seu início e para seu bom andamento constituindo um dos aspectos a serem considerados quando da avaliação Sabese que há um conjunto de situações que ocorrem com mais frequên cia na velhice entre elas as alterações não apenas corporais mas na vida de relação do indivíduo que demandam nova adaptação e que podem funcionar como elementos estressores perturbando o equilíbrio ante riormente alcançado Segundo Chessick12 o psicoterapeuta que não reconhece a im portância desses aspectos realísticos do en velhecimento priva o paciente da possibi 776 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs lidade de dar um sentido a sua existência desenvolver estruturas compensatórias e encontrar um sentido para a própria vida Para uma compreensão mais judiciosa a esse respeito julgamos que é importante priorizar sempre o envelhecimento do ponto de vista do indivíduo isto é entender com clareza o que é um problema para ele não para quem o avalia ou para seus familiares Em um estudo etnográfico sobre o tema Cremin16 encontrou diferenças en tre idosos e seus filhos adultos bem como nos profissionais que os atendem quanto à noção do que constituem problemas no envelhecimento Os idosos estudados assi nalaram uma diferença entre o sentirse velho e o ser velho sendo o primeiro compreendido como um fenômeno tem porário e esporádico vinculado a proble mas específicos únicos para cada indivíduo e que coincidem com uma ameaça aos va lores ligados à constituição de sua identida de Essa é a percepção dos idosos a respeito de sua situação com o envelhecimento Já para os filhos desses indivíduos o processo que está ocorrendo com seus pais remete à noção de ser velho Tal conceito deriva da percepção dos pais como pessoas diferentes do que foram outrora sendo a diferença compreendida como resultante de um processo irreversível Mesmo quan do o déficit das capacidades que entram em pauta na avaliação de pais e filhos coincide o significado das mudanças que estão ocor rendo tem um impacto diverso para cada geração Para os idosos tornase necessário utilizar estratégias alternativas para lidar com as perdas específicas não carecendo forçosamente de auxílio adicional ou mes mo de tratamento Para os filhos no en tanto a percepção dessas modificações ra dicais na identidade dos pais impõe a busca de tratamento e de aconselhamento quanto ao manejo daquilo que é entendido como errado A consequência direta dessa assi metria conceitual refletese no profissional que atende o paciente idoso no sentido da sua percepção do que constitui um pro blema e de como manejálo uma vez que sua concepção particular a respeito do en velhecimento também influi na indicação terapêutica SITUAÇÕES ESTRESSORAS ESPECÍFICAS DA VELHICE Quando um paciente idoso busca ajuda ao avaliarmos a indicação de tratamento psicoterápico é preciso ter em mente que estamos diante de um indivíduo no qual sobreveio um desequilíbrio muitas vezes decorrente da falha ao lidar com uma ta refa surgida nesse momento de sua vida e que é inerente ao desenvolvimento Isso não difere de situações semelhantes em outros momentos do ciclo vital quando os pacientes não conseguem lidar com situa ções específicas que se apresentam Apon tamos a seguir alguns dos problemas que ocorrem com mais frequência na velhice e que exigem adaptação As perdas É comum encontrarmos os fatores sociais mais do que biológicos individuais alte rando a situação dos pacientes no sentido da desadaptação17 Os vários autores que tratam da velhice destacam as perdas co mo os principais estressores nesse período da vida sendo a possibilidade de reparação dessas perdas uma das tarefas evolutivas essenciais nesse momento Tal elaboração pode ser dificultada pelo efeito cumulativo Psicoterapia de orientação analítica 777 das perdas ou também por estarem centra das no próprio indivíduo18 Outro aspecto relevante e que determinará a forma como cada um realizará essa adaptação é a quan tidade de investimento narcisístico no que está sendo perdido Quanto maior o inves timento no objeto ou na função perdida mais difícil lidar com a perda7 Certo pa ciente que obtinha grande prazer em jogar tênis e que aos 70 anos de idade foi desa conselhado a prosseguir por razões médi cas embora liberado para outras atividades físicas enfrentou um período de intensa de pressão visto que a prática desse esporte es tava revestida de grande significado para ele A crescente solidão a partir da mor te de amigos do cônjuge ou da saída dos filhos da casa paterna também pode se constituir em um problema nessa etapa da existência A saída dos filhos de casa em especial modifica as relações familiares uma vez que eles não estarão mais dispo níveis como veículos das projeções dos pais ou ainda para mascarar dificuldades no re lacionamento do casal Também se mo difica o papel do trabalho na vida do indi víduo assim como sua identidade profis sional O rito de passagem da idade adulta para a velhice em nossa cultura inclui a destituição da utilidade social muitas ve zes agravada pelo afastamento do trabalho pela aposentadoria As ameaças de perder o lugar para pessoas mais jovens a perda de poder associado à função exercida ou ainda a amea ça decorrente da aposenta doria podem promover diminuição da au toestima bem como privações no âmbito socioeconô mico915 Aquelas perdas que desafiam o ciclo natural da vida como a morte de filhos e netos são as mais devastadoras para os ido sos Estou suportando muito mal essa perda creio que nunca experimentei nada mais duro Fundamentalmente tudo perdeu o seu valor Ele signifi cava o futuro para mim e assim levou o futuro consigo Esse lamento amargurado é de um homem de 68 anos que perdeu um neto aos 4 anos de idade Sigmund Freud19 Ele já perdera a filha Sophie três anos antes e ago ra era o filho mais novo de Sophie que se ia A perda da descendência tem um caráter sombrio na velhice pois priva o idoso do sentimento de continuidade nas próximas gerações Por meio da identificação proje tiva ele projeta na prole sua imortalidade e assim com a fantasia de que existe algo dele alojado no filho ou em suas obras de vida cria dentro de si um espaço de ma ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Esta é a situação de um homem de 74 anos que teve muita dificuldade em lidar com a aposentadoria Não apenas houve uma redução em seu poder aquisitivo como sobreveio um sentimento de desvalia o que o impedia de exercer qualquer outro tipo de atividade Ocorria uma intensa inveja dos genros homens bem sucedidos de quem não aceitava qualquer tipo de auxílio mesmo que fosse a possibilidade de receber destes alguma oferta de trabalho Rechaçava a aproximação das filhas e da esposa justificando que esta vam com pena dele devido a sua situação Mesmo que mais patente a partir da aposentadoria esse con flito já estava presente em sua vida prévia evidenciado pela absorvedora necessidade de dinheiro e poder dentro da fa mília O relativo sucesso nos negócios permitiu que chegasse até essa etapa da vida sem evi denciar o conflito 778 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs nobra para conceber o futuro articulado à mortalidade Referindo de outra maneira pequenos refúgios da fantasia de imortali dade são necessários e por isso a morte de filhos se afigura tão dolorosa e difícil de elaborar20 O número e a frequência de laços so ciais são inversamente proporcionais à sin tomatologia depressiva bem como a falta de suporte social está associada a maior risco de mortalidade e a maior período de tempo necessário para a recuperação de doen ças A presença de relacionamentos próximos é um fator igualmente impor tante para que o idoso receba o suporte de que necessita18 O abuso do idoso Uma consequência da falta de suporte ao idoso é a possibilidade de verse submeti do a algum tipo de abuso como demonstra com frequência a mídia Este é um tema surgido em meados da década de 1970 e que no início se referia exclusivamente ao dano físico intencional infligido a pessoas com mais de 65 anos de idade Posteriormente a caracterização de abuso passou a incluir outras ações que podem gerar danos psicológicos sociais e financeiros A omissão ca racterizada por situações de negligên cia também passou a ser considerada como abuso21 Ainda que a prevalência seja baixa quando comparada ao abuso de crianças 24 é um número significativo 32 nos Estados Unidos e 4 no Canadá e que pode estar subestimado devido à desinfor mação21 Aqui se insere o que Norberto Bobbio22 chama de a eutanásia de aban dono que consiste em lançar o velho ao desamparo até a morte em uma espécie de genocídio por descaso AS PERDAS CENTRADAS NO PRÓPRIO CORPO Paralelamente a essas pressões externas surgem ansiedades envolvendo a consciên cia do próprio envelhecimento o temor às doenças e à perda das capacidades mental e física com a consequente dependência dos outros915 Se a velhice é compreendida como algo que torna o indivíduo inevita velmente inválido em mente e corpo essa ameaça passa a ser um importante motivo de sofrimento psíquico Mike Featherstone23 propõe que a partir da sociedade moderna a aquisição e a manutenção de controles corporais são essenciais para o indivíduo sentirse um cidadão de valor que participa de modo independente na sociedade Essas capaci dades devem ser adquiridas por meio do processo de desenvolvimento com o auxí lio daqueles indivíduos que nos são signi ficativos Dessa forma são capacidades culturais que dependem de um conjunto de précondições biológicas que se de sen volveram como parte de um longo proces so de evolução a partir de outros primatas Podem ser identificados três tipos principais de competências 1 habilidades cognitivas uso da lin guagem e das capacidades de comuni cação 2 controles do corpo dos movimentos das capacidades motoras e de conter os fluidos corporais 3 controles emocionais controle da expressão das emoções para utilizálas somente em momentos e locais social mente sancionados Psicoterapia de orientação analítica 779 Considerando tais aspectos uma questão cru cial no processo de envelhecimento é que após uma fase inicial de crescente poder e contro le sobre o corpo existe a perspectiva de fa lência pessoal dos três níveis de competência mencionados É a perda desses controles do corpo tanto quanto da capacidade de atingir uma conduta e um procedimento mais jovem o que leva à estigmatização das pessoas ido sas e à efetiva perda do seu direito de serem valori zadas Assim a perda do controle urinário e fecal pode ter um efeito devastador no psiquismo do idoso Ela pode estar conec tada à repressão inconsciente da infância relacionada à educação esfincteriana O ga nho narcisista proveniente da vitória ao demonstrar aos genitores seu controle es fincteriano é enorme Isso é perdido quan do se instala a incontinência urinária ou fe cal que em algumas pessoas pode causar uma reação quase catastrófica não ser mais o senhor de si mesmo equivale a se sentir reduzido à criança pequena controlada pe la mãe11 Das ansiedades resultantes da perda de capacidades merecem especial atenção aquelas referentes à perda da potência se xual e ao impacto que possa causar nos re lacionamentos Tais temores vinculamse a outras alterações corporais decorrentes do envelhecimento que poderão interferir no intercurso sexual bem como à presença de doenças físicas causadoras de limitações Acrescentase a isso a ideia culturalmente aceita do idoso como indivíduo assexuado e a baixa autoestima decorrente das modi ficações corporais que se afastam do ideal de beleza da juventude que é a estética va lorizada em nossa sociedade24 Somamse ainda os conflitos relativos à reativação de fantasias edípicas bem como a inveja em relação às capacidades sexuais dos filhos que nesse período estão no auge de suas vidas sexuais15 Cabe salientar entretanto que embora ocor ram mudanças na fisiologia sexual com o avan ço da idade que se traduzem em uma redução do desejo da excitação e das atividades se xuais mantémse a capacidade para o prazer e a satisfação A possibilidade de preservar uma vida sexual prazerosa na velhice está vincula da à história de vida sexual prévia daquele in divíduo24 É possível que as mudanças nos va lores culturais a respeito da sexualidade nas últimas décadas possam se traduzir em uma sexualidade mais tranquila na velhice na medida em que os indivíduos que vive ram a revolução sexual estão envelhecendo O reconhecimento disso por parte do tera peuta permite que esse seja um tema abor dado no tratamento Uma senhora de 82 anos que apresenta sérias limitações físicas refere em alguns momentos da terapia de sejo sexual Lembra com saudade da época em que tinha vida sexual ativa e lamenta que na atualidade ela e o marido não mais tenham relações sexuais O casal haviase afastado ao longo do tempo devido a uma sequência de perdas com prejuízo da in timidade Se ele não fosse tão rabugento quem sabe A perda da aparência jovial e vigo rosa é outro desafio a enfrentar com o en velhecimento É necessário desenvolver a capacidade de fazer o luto pelo self jovem amado o self do passado para lidar com o declínio funcional e orgânico imposto pelo envelhecer Uma parte do self se foi e não voltará A elaboração dessa perda passa pe la separação psíquica da autoimagem que era libidinalmente investida e que era fonte 780 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de gratificação Tratase de uma tarefa que nem todos conseguem realizar É preciso resignarse com as mudanças trazidas pe lo tempo e esse é um processo demorado Quando a tristeza enfim se dissipar a re signação cederá lugar a uma reconciliação com o self Novas gratificações restaurarão o senso de autoestima e levarão à formação de uma nova autoimagem a de um idoso ainda funcional11 A proximidade da morte A proximidade da própria morte marca presença na mente dos idosos de forma mais frequente que em outros momentos da vida2 Elliot Jaques14 assinala que a mor te surge na meiaidade de forma conscien te não mais sendo experimentada como a perda de outra pessoa mas da própria mortalidade real e concreta Freud25 ensina que a escola psicanalítica pode aven turarse a afirmar que no fundo ninguém crê em sua própria morte ou dizendo a mesma coisa de outra maneira que no inconsciente cada um de nós está convencido da pró pria imortalidade Entretanto ao longo do desenvolvi mento deparamonos com vivências que antecipam a situação de destruição do ego do medo da morte como o temor da per da não da mãe ou de pessoas importantes para a criança mas da perda do amor do objeto as angústias de castração ou a an gústia ante o superego É fundamental que tais vivências sejam negadas de modo ade quado ou mascaradas a fim de permitir o desenvolvimento do indivíduo Em outras palavras desde a infância a presença da morte desperta fantasias inconscientes que exigem defesas para lidar com elas26 Essa relação infantil inconsciente com a mor te influenciará posteriormente na meia idade a forma como o indivíduo irá lidar com a realidade da própria morte Uma relação tranquila com a própria mortalida de depende da natureza da elaboração da posição depressiva infantil no sentido da noção de integridade dos aspectos bons de si próprio assim como de seus objetos14 A ausência dos objetos queridos no mun do externo é diferente da perda destes no mundo interno e esse é um diferencial en tre o normal e o patológico Poder discri minar entre self e objeto perdido no mundo exterior porém reparado e em segurança no mundo interno fortalece a noção do ei xo passadopresentefuturo20 Comum nessa etapa da vida a perda de pessoas significativas pode ensejar desde esforços reparatórios até o luto patológico No extremo pode chegar à descatexização de seu próprio cônjuge e filhos em um luto antecipatório27 A busca por psicoterapia após doença grave ou morte de familiares ou amigos significativos é um fenômeno comum Esse luto pela pessoa querida per dida transporta em seu âmago o luto pela própria morte que se avizinha De forma paradoxal a busca por psicoterapia pode ocultar a evitação desse luto há uma ilu são camuflada de que no setting estarão seguros de que a morte não os alcançará Esse papel de guardiões da passagem do tempo pode nos ser atribuído via identi ficação projetiva e como consequência participamos da ilusão do paciente de que dentro da terapia o tempo congelado não os alcança Nosso anseio inconsciente por proteção de que também pudéssemos congelar o nosso tempo e o de nossos fami liares transformanos em presas fáceis des se tipo de idealização por parte do paciente idoso28 Psicoterapia de orientação analítica 781 Alguns pacientes mostram a necessi dade de falar a respeito da própria morte dos preparativos que julgam necessários para sua partida de maneira tranquila Nessas situações tanto os familiares quan to os terapeutas poderão enfrentar dificul dades em si mesmos para abordar o tema Talvez infiram que possa ser nefasto para o indivíduo falar sobre essa realidade que se aproxima negandolhe a possibilidade de expressar livremente suas preocupações e sentimentos A necessidade do paciente idoso de falar a res peito da própria morte quando no sentido de elaborála não deve ser entendida como um tema de desesperança ou que denote depres são e sofrimento Poder lidar com a morte de forma rea lista tendo plena consciência de que ela existe não quer dizer que o indivíduo es teja constantemente desesperançado inun dado de destruição mas pode representar uma forma de lidar com a vida assumindo também a morte como uma de suas mani festações26 ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES NO PSIQUISMO DO IDOSO Quando diz Si vis vitam para mortem Se queres suportar a vida preparate para a morte Freud25 atualiza o que Cícero29 propunha séculos antes em seu tratado De senectute Da velhice Tornate velho ce do se quiseres ser velho por muito tempo A propósito Cícero tinha 62 anos quando escreveu seu célebre trabalho o que em 44 aC era uma idade muito avançada Se considerarmos o desenvolvimen to psicológico como um processo contí nuo segundo o qual o indivíduo tem que se adaptar constantemente às demandas internas e externas teremos maior possi bilidade de compreender o funcionamento psíquico na velhice Um aspecto importante nesse processo é a estru turação atemporal do inconsciente que assim como a fantasia da imortalidade contrasta com a concretude da passagem do tempo im posta pela realidade externa Ainda que os físi cos sustentem que o tempo não flui o envelhe cimento é vivido apenas sob o signo do tempo ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Uma mulher de 90 anos angustiase por acreditar que não está sendo ouvida pelos filhos quanto ao seu de sejo de não ser enterrada no mesmo túmulo da sogra com quem tivera sérias desavenças ao longo da vida Os filhos entretanto insistem em que pare de pensar nisso entendendo a solicitação da mãe como sinto ma depressivo Asseguramlhe que ela não está doente e que não morrerá tão cedo Na verdade a paciente não apresenta um quadro depressivo como imaginam os familiares O que ocorre isto sim é a percepção interna da necessidade de prepararse para a morte mais especificamente de sentir que tem alguma for ma de controle sobre a situação 782 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs O quanto e o quando se revestem de maior significado e o curso do tempo im põe a necessidade de uma nova atitude se ja ela a negação o controle maníaco seja a depressão o desespero ou a aceitação Na tentativa de lidar com esse fenômeno im placável e irreversível dividimos o tempo em passado presente e futuro A própria estrutura gramatical reflete essa divisão com seus tempos verbais A idade adulta é construída sobre essa base ideal da fantasia inconsciente que nega a mortalidade a passagem do tempo bem como a existência do ódio e de impulsos destrutivos em cada pessoa Com a chegada da velhice é fundamental que o indivíduo possa lidar com essas fantasias no sentido de superálas adquirindo assim a possibi lidade de uma vida madura menos baseada na idealização e que considere a realidade de forma menos persecutória Tratase de uma nova elaboração da posição depressiva14 Nem sempre isso é realizado de for ma tranquila A necessidade de elaboração do envelhecer tem proporcionado fértil expressão artística com abundância de mecanismos de defesa A literatura está re pleta de reflexões as mais variadas sobre a velhice desde Cícero e seu tratado sobre o tema a Oscar Wilde com O retrato de Do rian Gray30 e Machado de Assis e seu Dom Casmurro31 O soneto Velhas árvores de Bilac32 é um exemplo das defesas maníacas ante o envelhecimento Olha estas velhas árvores mais belas Do que as árvores moças mais amigas Tanto mais belas quanto mais antigas Vencedoras da idade e das procelas O homem a fera e o inseto à sombra delas Vivem livres da fome e de fadigas E em seus galhos abrigamse as cantigas E os amores das aves tagarelas Não choremos amigo a mocidade Envelheçamos rindo Envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem Na glória da alegria e da bondade Agasalhando os pássaros nos ramos Dando sombra e consolo aos que padecem Os versos mostram a negação do luto pela mocidade que passou e uma idealiza ção da velhice em oposição à juventude que é percebida ora com desprezo ora com triunfo Outros modos de evitação do processo de luto nessa fase da vida têmse apresentado como formas de idealização de uma maneira de viver a velhice em nossa so ciedade que evita o contato emocional com as marcas do processo de envelhecimento Muitas vezes há uma ânsia compulsiva em permanecer jovem uma preocupação exa gerada com a saúde e a aparência o sur gimento de atitudes que evidenciam pro miscuidade sexual no sentido de sentirse jovem e provar a manutenção da potência São posturas que buscam negar a passagem do tempo e muitas vezes evidenciam um empobrecimento da vida emocional Tais situações denotam que a concepção de vi da para aquele indivíduo em um contexto no qual a perspectiva da morte pessoal se faz mais presente está sendo vivenciada de forma persecutória e a dor decorrente evi tada por meio do uso de defesas maníacas Ocorre assim um afastamento temporário da depressão mas não se evita o acúmulo de ansiedade persecutória que em algum momento precisará ser enfrentada quan do então não será possível adiar o reco nhecimento da inevitabilidade do envelhe cimento e da morte14 Em contraste com o soneto de Bilac a Canção na plenitude de Lya Luft33 lan ça um olhar sereno e integrado sobre a ve lhice que pode ser rica e criativa sem ser maníaca Não tenho mais os olhos de menina nem corpo adolescente e a pele Psicoterapia de orientação analítica 783 translúcida há muito se manchou Há rugas onde havia sedas sou uma estrutura agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia O que te posso dar é mais que tudo o que perdi doute os meus ganhos A maturidade que consegue rir quando em outros tempos choraria busca te agradar quando antigamente quereria apenas ser amada Posso darte muito mais do que beleza e juventude agora esses dourados anos me ensinaram a amar melhor com mais paciência e não menos ardor a entenderte se precisas a aguardarte quando vais a darte regaço de amante e colo de amiga e sobretudo força que vem do aprendizado Isso posso te dar um mar antigo e confiável cujas marés mesmo se fogem retornam cujas correntes ocultas não levam destroços mas o sonho interminável das sereias Nesse caso há no psiquismo uma fusão pulsional na qual o ódio é mitigado pelo amor As vivências de morte e destrui ção podem ser suavizadas pela reparação permitindo a convivência com a morte co mo parte da vida sem um sentimento es magador de perseguição A juventude que passou pode continuar valorizada como nutriente da velhice que agora é vivida Co mo afirma Elliot Jaques14 A posição depressiva infantil pode ser mais extensamente elaborada incons cientemente amparada pela força maior do teste de realidade disponível ao indivíduo quase maduro Nesta re elaboração da posição depressiva po demos inconscientemente readqui rir a sensação primitiva de integri dade das nossas próprias coisas boas e dos bons atributos de nossos obje tos bons atributos que são suficientes mas não idealizados e que não estão sujeitos a uma perfeição vazia O TRABALHO PSICOTERÁPICO COM O IDOSO As indicações para psicoterapia de orienta ção analítica não se modificam quando se trata de um paciente idoso Observamse a motivação a disponibilidade para com parecer às sessões pelo menos em médio prazo a capacidade para experimentar e também observar em si próprio estados de afeto intensos a possibilidade de tole rar algum grau de depressão decorrente do tratamento e a capacidade para estabelecer um relacionamento estável34 Como é ne cessária a capacidade de insight avaliase a presença ou não de déficit cognitivo não estando indicada essa modalidade terapêu tica para pacientes com quadros demen ciais Também não está indicado esse tipo de tratamento para aqueles em situação de risco ou emergência O tipo de patologia segue os mesmos padrões das outras faixas etárias quanto à indicação de psicoterapia de orientação analítica tais como déficits adaptativos devidos à reativação de con flitos transtornos reativos não psicóticos crises vitais e acidentais em pacientes com dificuldades decorrentes de padrões carac terológicos não muito incapacitantes34 O tempo disponível para realizar e aproveitar a psicoterapia Um aspecto entretanto deve ser levado em consideração de forma mais cautelosa no caso de pacientes idosos a questão do 784 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tempo de que o indivíduo dispõe para vi venciar o que é percebido no tratamento Por um lado como refere Coltart10 o pacien te pode ter uma sensação de agora ou nunca que promove uma intensa dedicação ao traba lho terapêutico uma diminuição da vergonha não tenho tempo para isso e uma habilida de para reconhecer oportunidades ocultas Por outro lado existe o risco con tratransferencial de o terapeuta sentirse compelido a produzir resultados rápidos premido pelo sentimento de carência de tempo que a dupla pacienteterapeuta com partilha28 Esse sentimento de que essa é a últi ma chance também é relatado por King9 na análise bemsucedida de uma mulher de 63 anos de idade As pressões exercidas pe las mudanças dessa etapa do ciclo da vida além de ser o que leva o paciente ao tra tamento também introduzem uma nova dinâmica e um senso de urgência à terapia facilitando uma aliança terapêutica mais produtiva do que aquela que se estabele ce com pacientes mais jovens9 Todavia como lembram Eizirik e colaboradores7 pode ser doloroso para o paciente idoso perceber as limitações que teve em sua vida em função de suas dificuldades Sugerem os autores que a integração das experiências pas sadas deve ser feita respeitando a ma neira como foram vividas e não den tro de uma perspectiva de como deve riam ter sido vividas Um dos objetivos é ajudar o paciente a reconciliarse consigo mesmo isto é aceitar a vida vivida e as realizações conseguidas su cessos fracassos como as que foram possíveis sem aumentar sua culpa pelo que não pôde realizar ou pelos ideais de ego que não conseguiu atingir Observadas as indicações é possível que o pa ciente obtenha sucesso com um tratamento de objetivos ambiciosos como é o caso da psico terapia de orientação analítica Mesmo que os fatores desencadeantes de crise nesse período da vida sejam situações concretas de perda ou em última instância a proximidade da própria morte ainda será a reativação de fantasias e conflitos infantis desencadeada por esses es tressores o terreno fértil onde se desenvolve o tratamento Isso não significa desconhecimento da realidade concreta do paciente mas a busca da compreensão do quanto sua rea lidade interna está interferindo de forma negativa na adaptação a novas situações de vida objetivando o estabelecimento de no vo equilíbrio A transferência do paciente idoso Se tivermos em conta que nessa modali dade de tratamento lidamos com aspectos inconscientes é fácil entender que a even tual diferença de idades entre terapeuta e paciente idoso não se constitui problema pois o que de fato importa é a idade no mundo interno Como assinala Pearl King9 durante o proces so de tratamento lidaremos com as escalas cronológica psicológica e biológica que esta rão funcionando de forma concomitante embo ra com o predomínio de alguma e ao mesmo tempo com a atemporalidade dos processos in conscientes Dessa forma saímos da concretude da velhice do paciente para compreender Psicoterapia de orientação analítica 785 suas manifestações transferenciais O pa ciente pode ver o terapeuta na transfe rência como uma figura significativa do passado de maneira que se comporta em relação a este considerando a experiência vivida anteriormente9 Os traumas relativos à puberdade e à adolescência são os que aparecem com mais frequência na transferência do idoso O terapeuta independentemente de sua idade real é sentido como aqueles adultos que foram significativos nessas fases do ci clo de vida do paciente Isso se deve às se melhanças embora no sentido inverso das tarefas de desenvolvimento da adolescência e da meiaidade e velhice9 1 ajustarse às mudanças sexuais e bioló gicas 2 darse conta de que esses ajustes causam ansiedade por ameaçar fontes básicas de segurança 3 a possível queda de rendimentos decor rente da aposentadoria conduz a um conflito de dependênciaindependên cia também sentido na adolescência 4 uma eventual mudança de casa com a necessidade de fazer novas amizades 5 as diversas mudanças sociais biológicas e psicológicas implicam queda de anti gas defesas e uma crise de identidade acompanhada de uma ferida narcisista e danos à autoestima A mesma autora refere que das par ticularidades que a realidade externa traz à terapia do idoso uma que a dupla terapeu tapaciente precisa enfrentar é a limitação no tempo de tratamento Isso pode influir nas respostas emocionais do terapeuta e significar tanto uma restrição quanto um incentivo Alguns pacientes podem negar a fase em que se encontram no ciclo de vida e dificultar o processo de alta Podem por exemplo fazer uma reversão da perspecti va ligada à fantasia de que se não melhora rem estarão alheios ao tempo e portanto alheios ao envelhecimento e à morte Os afetos por vezes erotizados ou psicóticos ou mesmo positivos que acom panham a transferência podem ser muito intensos em pacientes idosos9 Também é possível ocorrer uma quantidade de catexia residual em relação ao terapeuta que ab sorve mais espaço e emoção do que ocorre com pacientes mais jovens Esse fenôme no pode estar relacionado à possibilidade maior destes últimos de encontrar novos objetos10 A contratransferência na psicoterapia do idoso As características da transferência do pa ciente idoso associadas às peculiaridades da etapa do ciclo vital em que se encontra poderão promover reações contratransfe renciais que se não examinadas produ zirão dificuldades no tratamento desses pacientes Coltart10 sugere que como muitas vezes o terapeuta será mais jovem do que seu paciente idoso não terá vivenciado uma série de situações relativas ao processo de envelhecimento experiência que se tor na mais marcada e mais complexa quanto mais longe se avança Assim assinala a im portância da empatia nesse tipo de relação entendendoa como uma combinação de identificação imaginação e intuição O trabalho com idosos pode desper tar temores no terapeuta não só quanto ao próprio envelhecimento e à morte mas também quanto ao envelhecimento e à morte dos próprios pais Esses sentimen tos se não adequadamente elaborados provocam um desejo de distanciamento na relação terapêutica para evitar a dor que evocam Da mesma forma podem ser rea 786 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tivados sentimentos inaceitáveis da relação com os próprios pais Pode ser difícil para o terapeuta por exemplo a abordagem da sexualidade do paciente idoso na medida em que reativa a conflitiva edípica Tam bém a percepção das aspirações frustradas na vida do paciente pode gerar ansiedade quanto às aspirações do próprio terapeuta agregando dificuldades ao trabalho A pro ximidade da morte do paciente pode gerar um obstáculo no investimento afetivo nele pelo temor da perda7 Assim é imprescindível para o terapeuta a re solução dos conflitos infantis com seus próprios pais e uma elaboração satisfatória do estágio do ciclo de vida em que se encontra9 A impos sibilidade de transitar livremente em situações no tratamento com pacientes idosos devido a pontos cegos do próprio terapeuta levao a de fenderse do contato com o paciente por meio de condutas que infantilizam o idoso menos prezam suas capacidades e dificultam a ela boração de conflitos que se tratados poderiam melhorar sua qualidade de vida Isso se faz particularmente importante com o idoso pois devido à percepção cultu ralmente aceita de que ele é incapaz maior atenção é necessária por parte de quem o trata no sentido de verificar o quanto há de real incapacidade ou se a inaptidão provém de dificuldades do terapeuta CONSIDERAÇÕES FINAIS A possibilidade de um indivíduo idoso buscar tratamento em nosso consultório vem naturalmente crescendo na medida em que aumenta a expectativa de vida da população Não é novidade o tratamento para pacientes nessa faixa etária O que se pode caracterizar como inovação é a pos sibilidade de os terapeutas considerarem a abordagem psicoterápica de orientação analítica além das demais modalidades de tratamento que já vêm sendo utilizadas A despeito das dificuldades específi cas do paciente idoso cada um deles traz também alguma coisa a transmitir ao seu terapeuta a partir do que acumulou em sua trajetória de vida possivelmente mais do que pacientes mais jovens uma estratégia pessoal para encarar os dissabores uma habilidade de rir de si mesmo de valorizar as pequenas coisas do cotidiano estrata gemas e artifícios pequenos truques de vida aperfeiçoados ao longo das décadas Fragmentos de vivências que nos ajudam a elaborar o próprio envelhecimento e a pró pria morte Chamamos a essa coleção de ferramentas amealhadas ao longo da vida de sabedoria28 A literatura psicanalítica é rica em descrições das dificuldades do envelhecer e dos efeitos positivos das psicoterapias psi canalíticas que quando bemsucedidas possibilitam que o idoso aceite seu novo self velho e desenvolva novos interesses narcisisticamente gratificantes o que aca ba por restaurar a autoestima ferida1112 Entretanto quando busca ajuda o pacien te não tem ideia do que lhe será oferecido nem compete a ele a indicação da modali dade de tratamento Esta é função do tera peuta Eis por que julgamos oportuno salientar a im portância de que o terapeuta que se dispõe a tratar o paciente idoso considere a psicoterapia de orientação analítica como método de trata mento viável não o alijando do imenso poten cial da abordagem psicodinâmica com base em preconceitos pessoais e valores culturais negativos Ao contrário temos o compromisso de contribuir para que esta seja uma sociedade para todas as idades Psicoterapia de orientação analítica 787 REFERÊNCIAS 1 Leavy SA Book review growing old a jour ney of selfdiscovery By Danielle Quinodoz Translated by David Alcorn New York Rou tledge 2009 xiv 218 pp J Am Psychoanal Assoc 2010584797804 2 Quinodoz D Growing old a psychoanalysts point of view Int J Psychoanal 2009904 77393 3 Goldman D Vital sparks and the form of things unknown Psychoanalytic Inquiry 2013331320 4 World Health Organization Internet Ageing and life course interesting facts about ageing PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 A psicoterapia do idoso pode ser uma experiência apaixonante para o terapeuta por proporcionar ao paciente a oportunidade de situar o fim de sua vida dentro do contexto de sua trajetória completa 2 Na atualidade não há um critério etário padrão para o conceito de velhice mas as Nações Unidas estão de acordo com um ponto de corte de 60 anos ou mais para a população idosa Essa conceituação impre cisa revestese de maior incerteza no caso do Brasil país com realidades socioeconômicas tão heterogê neas que permite a relativização de critérios para a velhice dependendo da população que se contemple 3 Menos de 5 das pessoas com mais de 65 anos necessitam de cuidados por terem perdido a capaci dade de gerirem as próprias vidas 4 A avaliação e as indicações para psicoterapia psicodinâmica do idoso ocorrem da mesma forma que em outras etapas da vida De maneira análoga ao que preconiza o aforismo médico de que devemos nos preocupar mais com o doente do que com a doença mais importante que a própria velhice é a pessoa Avaliase antes de tudo o indivíduo e suas possibilidades mediante o levantamento de sua trajetória de vida para compreender do ponto de vista psicodinâmico o momento em que o sujeito se encontra 5 As perdas são os principais estressores nesse período da vida e a possibilidade de reparação dessas perdas uma das principais tarefas evolutivas nesse momento Isso pode ser dificultado pelo efeito cumulativo das perdas ou por estarem centradas no próprio indivíduo Também é relevante a quanti dade de investimento narcisístico no que está sendo perdido Quanto maior o investimento no objeto ou na função perdida mais difícil lidar com sua perda 6 A morte surge nessa fase de forma consciente não mais sendo experimentada como a perda de outra pessoa mas da sua mortalidade real e concreta Uma relação tranquila com a própria mortalidade depende da natureza da elaboração da posição depressiva infantil no sentido da noção de integridade dos aspectos bons de si próprio e de seus objetos 7 A diferença de idades entre terapeuta e paciente idoso não é obstáculo pois o que realmente importa é a idade no mundo interno Traumas relativos à puberdade e à adolescência são os que mais aparecem na transferência do idoso O terapeuta independentemente de sua idade real é sentido como aqueles adultos que foram significativos nessas fases do ciclo vital 8 O trabalho com idosos pode despertar temores no terapeuta não só quanto ao próprio envelhecimento e à morte como também quanto à dos próprios pais Esses sentimentos se não elaborados podem provocar distanciamento na relação terapêutica para evitar a dor que evocam Também podem ser reativados sentimentos inaceitáveis da relação com os próprios pais por exemplo a abordagem da sexualidade do paciente idoso na medida em que reativa a conflitiva edípica Ademais a percepção das aspirações frustradas na vida do paciente pode gerar ansiedade quanto às aspirações do próprio terapeuta 9 É importante que o terapeuta considere a psicoterapia de orientação analítica como método viável não alijando o idoso do imenso potencial da abordagem psicodinâmica com base em preconceitos pessoais e valores culturais negativos 788 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Geneva WHO c2013 capturado em 23 jul 2013 Disponível em httpwwwwhoint ageingaboutfactsenindexhtml 5 Vasconcellos MCG A velhice na socieda de moderna imagens e práticas ideológicas dissertação Porto Alegre UFRGS 1996 6 Freud S Sobre a psicoterapia 1905 1904 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 7 p 274 7 Eizirik CL Kapczinsky F Knijnik J Vascon cellos MCG Psicoterapia na velhice In Cor dioli AV organizador Psicoterapias aborda gens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médi cas 1998 p 48593 8 Pechansky I Psicoterapia do velho conside rações gerais Rev Psiquiatr RS 19801217 19 9 King P The life cycle as indicated by the nature of the transference in the psychoa nalysis of the middleaged and elderly Int J Psychoanal 198061Pt 215360 10 Coltart NEC The analysis of an elderly pa tient Int J Psychoanal 199172220919 11 Lax RF Becoming really old the indignities Psychoanal Q 200877383557 12 Chessick RD The interaction of existen tial concerns and psychoanalytic insights in the treatment of contemporary patients J Am Acad Psychoanal Dyn Psychiatry 200937350118 13 Abraham K La aplicabilidad del tratamien to psicoanalítico a los pacientes de edad avanzada In Abraham K Psicoanálisis clí nico Buenos Aires Hormé 1959 p 23842 14 Jaques E Morte e crise da meiaidade In Spillius EB editor Melanie Klein hoje de senvolvimentos da teoria e da técnica Rio de Janeiro Imago 1990 p 24870 15 Sandler AM Problems of development and adaptation in an elderly patient Psychoanal Study Child 19843947189 16 Cremin MC Feeling old versus being old views of troubled aging Soc Sci Med 19923412130515 17 Ba G Group therapy with elderly patients Psychother Psychosom 199156315761 18 Eizirik CL Candiago RH Knijnik DZ A ve lhice In Eizirik CL Kapczinski FP Bassols AMS organizadores O ciclo da vida huma na uma perspectiva psicodinâmica Porto Alegre Artmed 2001 p 16989 19 Gay P Freud uma vida para nosso tempo São Paulo Companhia das Letras 1989 p 386 20 Bornholdt I Construções da temporalida de no desenvolvimento normal Revista La tinoamericana de Psicoanálisis 20046221 38 21 Goldim JR Internet Abuso em velhos Porto Alegre Bioética UFRGS 2000 captu rado em 23 jul 2013 Disponível em http wwwbioeticaufrgsbrgerabuhtm 22 Bobbio N O tempo da memória de senec tute e outros escritos autobiográficos Rio de Janeiro Campus 1997 23 Featherstone M O curso da vida corpo cul tura e o imaginário no processo de enve lhecimento In Debert GG organizador An tropologia e velhice Campinas UNICAMP 1994 Textos didáticos v 13 p 4971 24 Eizirik CL Vasconcellos MCG Whilhelms FM Knijnik J Souza N Padilha RTL et al Psicoterapia de grupo e sexualidade na ve lhice Rev Bras Psicoter 20013216775 25 Freud S Reflexões para os tempos de guer ra e morte 1915 In Freud S Obras psico lógicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1976 v 14 p 327 26 Eizirk CL Polanczyk GV Eizirk M A mor te última etapa do ciclo vital In Eizirik CL Bassols AMS organizadores O ciclo da vida humana uma perspectiva psicodinâmica 2ed Porto Alegre Artmed 2013 27 Cath SH Miller N Scientific proceedin gs panel reports the psychoanalysis of the older patient J Am Psychoanal Assoc 198634116377 28 Chachamovich JJ Rosa AC Contratransfe rência no atendimento ao paciente idoso In Zaslavsky J Santos MJP organizadores Contratransferência teoria e prática Porto Alegre Artmed 2006 p 193208 29 Cícero MT Catãoovelho ou da Velhice Lisboa Cotovia 1998 30 Wilde O O retrato de Dorian Gray Rio de Janeiro Ediouro 1998 Psicoterapia de orientação analítica 789 31 Assis M Dom Casmurro texto integral 29 ed São Paulo Ática 1995 32 Bilac O Obra reunida Rio de Janeiro Nova Aguilar 1996 p 336 33 Luft L Secreta mirada 6 ed São Paulo Man darim 2001 p 151 34 Machado SCEP Vasconcellos MCG Psica nálise e psicoterapia de orientação analítica In Cordioli AV organizador Psicoterapias abordagens atuais 2 ed Porto Alegre Artes Médicas 1998 p 13743 O momento de uma hospitalização psiquiá trica reflete a falência ainda que temporá ria do aparelho psíquico em dar conta de todas as suas necessidades e demandas Pe lo período em que estiver hospitalizado o paciente irá utilizar mais do que nunca a mente do terapeuta como seu ego auxiliar seu continente e sua fonte de contato com a realidade externa Além disso ainda con tará com a equipe de enfermagem com os demais pacientes com o serviço social e de terapia ocupacional e mesmo com a pró pria estrutura física hospitalar para ajudá lo a conter e transformar sua condição de funcionamento mental primitivo e poten cialmente destrutivo Neste capítulo será abordada a dinâ mica do paciente hospitalizado utilizando como protótipo o paciente psicótico Em termos psicodinâmicos reconhecemos co mo psicóticos aqueles indivíduos nos quais a relação com a realidade está severamente prejudicada Freud1 considerava que nas neuroses o conflito se dava entre o ego e o id e nas psicoses entre o ego e a realidade Tratase portanto da abordagem não ape nas daqueles pacientes considerados psicó ticos pela psiquiatria clássica mas de todos aqueles com teste de realidade severamente prejudicado Nossos pontos de interesse e pesqui sa são 1 As teorias de Freud com ênfase na teo ria da libido e das pulsões de vida e de morte e os desenvolvimentos de André Green sobre o tema O narcisismo e a dificuldade em estabelecer um trabalho cooperativo com pacientes graves 2 O estudo das relações de objeto do pa ciente psicótico em especial o intenso uso da identificação projetiva carac terístico desses pacientes o trabalho de Wilfred Bion e Herbert Rosenfeld com pacientes psicóticos os efeitos da identificação projetiva sobre a mente do terapeuta 3 As possibilidades de abordagem e tratamento de pacientes graves reco nhecendo inicialmente as limitações do paciente e a necessária tolerância do terapeuta para a constituição de uma dupla 4 A unidade hospitalar e as vicissitudes de concentrar em um ambiente diver sos pacientes acometidos por doença mental severa Os efeitos da doença mental sobre a equipe de atendimento e seu manejo Algumas características do funcionamento dos grupos 45 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE HOSPITALIZADO Igor Alcantara Eugenio Horacio Grevet Psicoterapia de orientação analítica 791 A DIFICULDADE EM ACESSAR O PACIENTE PSICÓTICO O paciente psicótico sempre representou um desafio para a abordagem psicodinâmi ca Ainda que seja exatamente nesses casos graves que se obtém uma visão profunda e bem ilustrada dos mecanismos envolvidos na psicopatologia ao mesmo tempo esses pacientes se mostram via de regra menos acessíveis ao tratamento dinamicamente orientado Freud1 considerava que as neuroses narcísicas o que hoje classificamos como as psicoses em geral sem base orgânica definida2 não seriam influenciadas pelo método analítico e o motivo para essa di ficuldade está na incapacidade do psicótico em estabelecer neurose de transferência Freud1 inclusive opunha os dois tipos de neurose de acordo com a capacidade de transferir libido ao objeto ou mantêla re presada no ego Mais tarde reservou a ex pressão neurose narcísica para os estados melancólicos nos quais do mesmo modo a libido é retirada do mundo externo e reti da no ego e nos objetos internos O pessimismo descrito por Freud3 pode ser entendido à luz da teoria da libido e das pulsões e do fenômeno do narcisismo patológico A libido considerada por ele o substrato da pulsão sexual distribuise pelo órgãos determinando as diferentes fa ses do desenvolvimento Assim há as fases oral anal sádica e fálica seguidas pelo pe ríodo de latência e depois a união dessas tendências sob o primado da genitalidade próprio da fase genital e a puberdade Es sas diferentes fases ilustram a distribuição da libido no organismo e a elas os pacien tes graves regridem de forma intensa nos estados psicóticos Concomitantemente a essa libidini zação do organismo ocorre a inauguração do mundo psíquico As variações na in tensidade dessa distribuição determinam os pontos de fixação e contribuem para a formação do caráter Ainda de forma con comitante e complementar essa libido se distribui em direção aos objetos Freud3 comparou o movimento da libido em di reção ao objeto ao comportamento de pro tozoários em relação a partículas em seu entorno Eles emitem protusões conhecidas como pseudópodos para dentro dos quais eles fazem fluir as substâncias de seu corpo São capazes no entanto de retrair essas protusões novamente e de se transformar de novo em um glóbulo3 Assim a libido se dirige ao objeto ex terno estabelecese uma ligação mais ou menos significativa entre ego e objeto e es se objeto externo é agora incorporado sob a forma de um objeto interno Ao mesmo tempo existe a possibilidade de retração da libido no ego característica básica da fase autoerótica do desenvolvimento Na capacidade do ego de investir a libido nos objetos e estabelecer relacionamentos está a chave para a eficiência da técnica psicoterá pica de orientação analítica Quanto maior for a capacidade do paciente de ligarse aos objetos e como consequência ao terapeu ta maior a influência do tratamento Por esse motivo a psicanálise obteve seus pri meiros êxitos terapêuticos no atendimento das pacientes histéricas em geral com um funcionamento borderline com especial habilidade de realizar intensa transferência No caso de pacientes gravemente enfermos utilizando como protótipo os psicóticos mas incluindose no grupo também os melancólicos os maníacos os adictos e aqueles com transtornos alimen tares em termos libidinais o que ocorre é a retenção da libido no ego e uma extre 792 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs ma resistência em dirigir essa libido aos objetos Ou ainda a ligação ao objeto de forma perversa em que o reconhecimento do objeto não importa ele está ali apenas para satisfazer a meta da pulsão e propor cionar descarga A retenção excessiva de li bido no ego é o que constitui o narcisismo patológico daí a expressão neuroses narcí sicas usada por Freud para denominar os pacientes psicóticos A interação com esses pacientes costuma mobilizar uma contra transferência de impotência sentimos que o paciente está indiferente ao que oferece mos e que nossos esforços terapêuticos não irão atingilo O desenvolvimento da teoria das pulsões de Freud3 explica o fenômeno do narcisismo normal e patológico Neste capítulo iremos nos deter na patologia se vera De acordo com as direções tomadas pela libido energia as pulsões foram a princípio agrupadas por Freud em pulsões de autoconservação e sexuais Já existe aqui um ensaio do desenvolvimento seguinte a dicotomia entre pulsões do ego e de objeto Entretanto em 1920 Freud4 reformulou a teoria das pulsões agrupando todas essas tendências em Eros ou pulsões de vida Essa pulsão de vida opõese a Tânatos ou pulsão de morte A pulsão de vida contém todas as ten dências à ligação à busca do objeto e a es tabelecer ainda o relacionamento entre as estruturas id ego e superego e os objetos internos A pulsão de vida é o que dinami za e une as estruturas do mundo interno e enseja a busca desse mundo interno pelos objetos externos que por sua vez serão introjetados e irão enriquecer o mundo in terno em um processo contínuo de busca e transformação O efeito da pulsão de morte se faz reconhecer por meio de uma oposição a esses movimentos de vida Para Freud4 a pulsão de morte representa uma tendência de todo o organismo de buscar um retorno ao inanimado considerando que a matéria viva teve origem na matéria morta a pul são de morte opera na busca do inorgânico do inanimado Livrando o organismo de qualquer busca ele fica liberado de qual quer tensão ou necessidade Essa tendência ao desligamento a desestrutu ração das re lações com o mundo externo e interno e a busca do inorgânico podem ser verificadas em diversos estados mentais dos pacientes que encontramos hospitalizados Assim pacientes com esquizofrenia desinvestem o mundo externo vivendo em isolamento narcísico e sem condições de travar relacionamentos amorosos ou de prover os meios para sua subsistência Desinvestem também o mundo interno enfraquecendo o ego que passa a apresen tar um funcionamento carente de simbo lização e incapaz de buscar realizações ao longo da vida Os adictos atacam essa re alidade externa com intoxicações com as quais experimentam a ilusão de não terem nenhuma necessidade ou frustração Os melancólicos desinvestem os objetos ex ternos e os atacam mediante o ataque aos objetos internos culminando nas tendên cias suicidas uma forma de eliminar ao mesmo tempo o ego e os objetos introje tados O suicídio representa a única forma de se livrarem das exigências da vida e das tensões inerentes ao estado orgânico Nos transtornos alimentares verificamos igual tendência a retirar a libido do mundo ex terno e mantêla retida de forma concreta no próprio corpo ficando ainda o ego enfraquecido incapaz de ter autoconsciên cia desse próprio corpo não permitindo a avaliação dos cuidados necessários a sua sobrevivência Os pacientes maníacos apa rentemente interessados em todas as possi bilidades que a vida pode oferecer atacam Psicoterapia de orientação analítica 793 a própria capacidade de manter saudável a vinculação com os objetos externos que ali estão apenas para satisfazêlo sem a neces sidade de consideração e respeito ou seja destruindo os vínculos objetais Pacientes borderline apesar de sua intensa capacida de para vinculação aos objetos desinves tem seu mundo interno atacando os limi tes de suas estruturas de forma que não há mais diferenciação entre id ego e superego O próprio aparato mental e suas funções estão desinvestidos O resultado é o carac terístico funcionamento caótico desses pa cientes nos quais uma demanda do id se sobrepõe sob a forma da impulsividade e como sequência imediata uma intensa cul pa advém do superego estando o ego sem condições de administrar o primitivismo dessas demandas André Green5 enriqueceu as teo rias de Freud sobre o dualismo pulsional pulsão de vida e pulsão de morte em seus trabalhos sobre a pulsão de morte e o narcisismo maligno Reforçou que a prin cipal função da pulsão de vida é garantir uma função objetalizante ou seja garantir ao ego a capacidade de estabelecer víncu los verdadeiros e estáveis com os objetos Em oposição a principal característica da pulsão de morte seria o estabelecimento da função desobjetalizante Nas situações de doença grave dos pa cientes hospitalizados deparamonos com casos em que a pulsão de morte e sua cor respondente função desobjetalizante estão predominando no funcionamento do apa relho mental A capacidade de ligarse aos objetos externos está atacada o paciente não se interessa em interagir com a equipe ou seguir as recomendações para seu res tabelecimento Além dos objetos externos os objetos internos também perdem sig nificância na mente do doente Podemos constatar o vazio representacional em que o paciente parece ser constituído de nada ou quase nada além de seus delírios e alu cinações ou seu comportamento desorga nizado e destrutivo Quando na sequência entrevistarmos um paciente só temos a relatar sua conduta não houve a transmis são de sentimentos que pudessem indicar o que se passa no mundo interno daquela pessoa O único sentimento presente é a desesperança e o vazio Além de desinvestir o mundo e os objetos externos a pulsão de morte desin veste as próprias estruturas internas e a or ganização do aparelho mental6 A ligação e o relacionamento entre id ego e superego estão atacados e o resultado é um estado metal caótico com a predominância do funcionamento do id que é própria das psicoses em geral Além de atacar as estruturas internas a pulsão de morte toma o investimento co mo objeto e o enfraquece É o desinvesti mento da própria capacidade de investir tomada agora como objeto O desinvesti mento do investimento A ação da pulsão de morte instala então um funcionamento narcísico patológico e severo no aparelho mental o investimento libidinal não foi apenas retido no ego em detrimento das re lações objetais mas também o ego e suas fun ções foram desinvestidos resultando em uma alienação não apenas do mundo mas também de si mesmo O paciente não contempla mais sua realidade externa nem sua realidade inter na fica apartado de si mesmo e de sua identi dade Nesse estado mental o psicótico é capaz de permanecer por horas ou dias isolado em seu quarto sem buscar relacionamentos e sem de monstrar necessidades Ao terapeuta compete ajudar esse pa ciente a reconstituir seu aparelho mental 794 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs danificado para que então possa utilizálo para restabelecer o contato função objeta lizante consigo mesmo e com o mundo Para tanto o terapeuta oferecese como um objeto constante interessado que irá em busca do paciente dentro da unidade hospitalar e não apenas esperar que o pa ciente o procure como nos atendimentos ambulatoriais Ao considerar as possibilidades do tratamento analítico para pacientes com es quizofrenia Freud1 demonstrou pessi mismo em mais de um trabalho deixando clara a oposição entre neuroses narcísi cas psicoses e neuroses de transferência considerando aqueles como incapazes de estabelecer transferência É necessário sa lientar que Freud se preocupava com a inserção da psicanálise como método te rapêutico válido para diversos transtornos mentais e era evidente que os psicóticos não seriam os principais beneficiados com a técnica Isso não significa que uma com preensão psicodinâmica e o uso de uma técnica adaptada a cada paciente não sejam de extrema utilidade ao abordar pacientes graves hospitalizados tanto para a com preensão destes como para identificar as repercussões da doença sobre a equipe de trabalho Ainda pensando no futuro da psico dinâmica com pacientes psicóticos Freud3 afirmou Os distúrbios narcísicos e as psico ses relacionadas a eles só podem ser decifrados por observadores forma dos no estudo analítico das neuroses de transferência Nossos psiquiatras porém não são candidatos a forma ção analítica e nós psicanalistas ve mos muito poucos casos psiquiátri cos Primeiro será necessário que se forme uma geração de psiquiatras que tenha passado pela escola da psicaná lise como ciência preparatória AS RELAÇÕES OBJETAIS NOS PACIENTES PSICÓTICOS E A INTENSIDADE DO USO DA IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA Os motivos que costumam demandar uma hospitalização psiquiátrica incluem risco à própria integridade ou à de terceiros evi denciando o universo mental de intenso sadismo no qual pacientes graves estão vi vendo O conceito de identificação projetiva IP7 fun damental para a teoria das relações objetais é de extrema importância na compreensão dos motivos que levam o paciente a necessitar de hospitalização e principalmente na compreen são da dinâmica do paciente dentro da unidade de internação Ao mesmo tempo a intensidade do fenômeno IP será o veículo para a compreen são da mente do paciente e aquilo que não for compreendido poderá dificultar sobremaneira a abordagem do doente e o aproveitamento do tratamento hospitalar Assim como a transferência foi des crita inicialmente por Freud como um obs táculo ao tratamento para depois assumir papel central como ferramenta terapêutica também a IP tanto poderá ser bem utiliza da como comunicação de estados mentais como invadir a mente de toda a equipe causando dificuldades que poderão em última instância até mesmo inviabilizar o tratamento Quando as primeiras pacientes histé ricas foram atendidas por Freud e Breuer a intensidade dos sentimentos eróticos representou no início um obstáculo à in fluên cia terapêutica A observação de Freud de que os enamoramentos representavam a transferência de relações anteriores dessas Psicoterapia de orientação analítica 795 pacientes para a pessoa do terapeuta além de uma forma de resistir ao tratamento trouxe dois efeitos em primeiro lugar o te rapeuta percebeu que lidava com um senti mento artificial no sentido de não ser ori ginalmente dirigido a sua pessoa Ele estava com a mente livre então para seguir tra balhando Em segundo lugar a transferên cia trazia consigo comunicações a respeito do mundo psíquico das pacientes objetivo primordial dos tratamentos dinamicamen te orientados conhecer o mundo interno tornando conscientes aqueles conteúdos que habitam o sistema inconsciente Um fenômeno semelhante ocorre no caso das identificações projetivas Ao serem compreendidas funcionam como comuni cação e informação se não compreen didas como obstáculo Aqui vale lembrar o conceito apre sentado por Klein nas palavras de Bion8 Por meio desse mecanismo o pacien te escinde uma parte de sua persona lidade e a projeta para dentro do ob jeto onde se instala por vezes como um perseguidor deixando a psique da qual foi escisada correspondente mente empobrecida Ou seja o aparelho mental do pacien te psicótico fica bastante empobrecido pois suas funções são projetadas e depo sitadas no interior dos objetos Estes são percebi dos como objetos bizarros pelo paciente assumindo características persecutórias Predominando a parte neurótica da personalidade8 a IP representa uma forma primitiva de comunicação oriunda das re lações do bebê com a mãe quando a lin guagem ainda não está desenvolvida e que consiste em o bebê inocular no interior da mãe elementos que não pode tolerar den tro de si para que essa mãe possa decodifi car e devolver ao bebê algo mais tolerável Na linguagem de Bion8 o bebê está sobre carregado de elementos beta evacua esses elementos no corpo da mãe e esta os con tém função continente e os transforma em elementos alfa rêverie materna para depois devolver ao bebê A IP é o veículo de comunicação do bebê com a mãe A mãe se estiver saudável devolve essa comuni cação ao bebê por meio de todas as capa cidades e da sofisticação de um aparelho mental maduro por meio da palavra do tom de voz do afago físico do olhar e de formas já características de funcionamento da dupla mãebebê Nos pacientes hospitalizados a equi pe irá desempenhar o papel materno con tendo as intensas projeções decorrentes da fragmentação do ego dos pacientes e devol ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 O paciente foi amparado pelo técnico de enfermagem que colocou a mão em seu braço para ajudálo a sen tarse para almoçar Imediatamente o paciente agrediu o enfermeiro Ao ser inquerido o paciente declarou que se o técnico lhe tocou o braço era evidente que desejava uma aproximação sexual pois ele não ajuda va a todos a se sentarem para almoçar O paciente mostrase incapaz de reconhecer as fronteiras do self sua excitação sexual não pode ser contida como fantasia não é reprimida ou sublimada é identificada no outro O enfermeiro é reconhecido como um objeto bizarro que faz uma proposta sexual explícita diante de todos os demais o paciente se sente acusado de ser homossexual Ao mesmo tempo o ego enfraquecido não consegue conter o impulso ou gerar um pensamento a percepção é automaticamente convertida em ação 796 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs vendo mediante disponibilidade afetiva esclarecimentos e quando possível inter pretações Predominando a parte psicótica da personalidade a IP ocorre de maneira mui to mais intensa não apenas algumas partes da personalidade são projetadas todo o ego está sofrendo um processo de fragmen tação e projeção sobre os objetos os quais sentem o peso dessa invasão e perdem a ca pacidade de pensar e decodificar o que está ocorrendo Essa confusão entre ego e obje to prejudica ainda a capacidade de simbo lização O psicótico não entende o símbolo como algo que representa o objeto mas co mo sendo o próprio objeto caracterizando o pensamento concreto9 Ao mesmo tem po o ego do paciente fica intensamente en fraquecido considerando que foi fragmen tado e projetado para fora perdendo suas funções Temse então um paciente com o ego enfraquecido pelas excisões e rodeado por objetos que receberam a projeção des sas partes cindidas sendo vivenciados pelo paciente como perseguidores A fragilidade do paciente com o ego fragmentado sentindose cercado por ob jetos bizarros percebidos como persegui dores começa a desenhar o quadro que irá resultar na necessidade de hospitalização psiquiátrica Nos momentos em que predomi nar a parte neurótica da personalidade na equipe de forma progressiva a IP será com preendida servirá como veículo para a compreensão do mundo interno do pa ciente será metabolizada e devolvida ao indivíduo de forma mais compreensiva respeitando suas capacidades e seu tempo As partes cindidas serão reintrojetadas no ego e o paciente se sentirá mais integrado reavendo a posse de seu aparelho mental A equipe estará aliviada e manterá sua ca pacidade de pensar ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 Paciente com esquizofrenia sentindo que o medicamento que sua mãe lhe alcançara continha algum vene no recusouse a ingerilo Com a insistência da mãe sentiase progressivamente mais perseguido e aca bou por agredila trancavase no quarto tentando escapar da perseguição ou deixava de alimentarse pe los mesmos medos A partir do momento em que foi hospitalizado todo esse complexo nível de relacionamento transferiuse para a equipe de atendimento Agora a equipe e toda a estrutura hospitalar irão representar a mãe primiti va o continente capaz ou não de conter e transformar as ansiedades arcaicas do paciente ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Durante o atendimento o terapeuta se viu impelido a concordar com o paciente sobre a possibilidade de um passeio no fim de semana Ao sair da sala de atendimento esse terapeuta foi acometido de um mal estar físico uma sensação de perigo e em seguida liberado do efeito das identificações projetivas maci Continua Psicoterapia de orientação analítica 797 Quando predominar a parte psicótica da personalidade nos membros da equipe estes se sentirão sobrecarregados pelas pro jeções dos pacientes repletas de agressão O mesmo fenômeno que ocorre na mente do paciente ocorrerá na equipe e esta irá se tornar dissociada Não haverá ego suficien te para manter os pensamentos e sentimen tos integrados e eles se dividirão Segundo Bion8 as principais caracte rísticas do funcionamento psicótico ou da parte psicótica da personalidade derivadas do atendimento de pacientes com esquizo frenia são a Predominância da agressividade e da destrutividade nas relações fenômeno já descrito por Melanie Klein ao atender crianças psicóticas A tendência ao amor é também impregnada pela agressivida de convertendose em sadismo forma de exercer o amor e o ódio em relação ao mesmo objeto b Ódio à realidade externa e interna e utilização de todos os mecanismos para atacar essa realidade sentida como penosa Existe uma fantasia onipotente de destruir a realidade Ocorre o ataque aos elos dos conteúdos mentais O pensamento e a simbolização são atacados resultando no pensamento concreto as palavras não sim bolizam mais as coisas igualamse às coisas que representam Assim o psicótico não pode falar que sentiu raiva do terapeuta porque expressar sua raiva é sentido como uma agressão concreta ao terapeuta c Pavor de ser aniquilado essa ideia é cen tral no entendimento da posição es quizoparanoide e das experiências arcai cas segundo Melanie Klein O terror de aniquilamento corresponde à percepção da pulsão de morte no interior do psi quismo Tratase de um processo ativo do ego sobre si mesmo que resulta em fragmentação e no consequente empo brecimento da personalidade d As relações de objeto são caracterizadas pelo contraste entre prematuridade e intensidade com a fragilidade dessas relações O psicótico não consegue per ceber o objeto com suas caraterísticas próprias Ele o percebe como deformado pelas partes cindidas e projetadas do próprio self É impossível manter um objeto constante ou mesmo saber quem é o objeto A extrema ambivalência para com o objeto remonta ao conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte Continuação ças que permearam o encontro Percebeu que o paciente apresentava riscos importantes e ainda não es tava em condições de sair Sua capacidade de pensar com a mente livre somente foi retomada na ausên cia do paciente Muitas vezes a retomada da capacidade de pensar é propiciada pelo diálogo com algum colega ou durante uma reunião de equipe Nesse caso estamos ainda diante de um evento relativamente benigno a mente do terapeuta logo se liberou da intrusão psicótica ainda havendo tempo de evitar maiores danos Entretanto a incapacidade de pensar pode permanecer operando sem que o terapeuta perceba o que está ocorrendo posicionandose contra a opinião da equipe e da família e sintonizandose com a parte psicótica da personalidade do paciente Nesse caso a intensidade da identificação projetiva característica dos es tados psicóticos atingiu sua meta de controlar o objeto 798 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs Sentindose cercado por objetos bi zarros carregados de hostilidade esperase que o paciente sinta ódio por essa realidade percebida e novamente a realidade tende a ser atacada assim como é atacado o ego aparelho responsável pela percepção de tal realidade Em um movimento contínuo a tendência é o isolamento e o rechaço aos relacionamentos Herbert Rosenfeld ao lado de Hanna Segall e Bion foi um dos teóricos das re lações objetais que mais contribuiu para o entendimento dos pacientes psicóticos Esses três autores deram continuidade às proposições de Melanie Klein e mediante a descrição do atendimento de pacientes psicóticos consubstanciaram as teorias de Klein das posições depressiva e esquizopa ranoide da identificação projetiva e da ca pacidade de simbolização10 Rosenfeld11 sustentou que pacien tes psicóticos eram capazes de estabelecer transferência o que ele classificou como uma transferência psicótica ou psicose de transferência O ceticismo psicanalítico quanto a essa possibilidade evoluiu para a percepção desse tipo especial de transferên cia12 Uma qualidade do terapeuta funda mental para o atendimento psicodinâmico desses pacientes é poder tolerar tal trans ferência caracterizada pelo sadismo e pelo intenso uso de identificação projetiva11 Além de propor o estabelecimento dessa forma de transferência Rosenfeld traba lhava interpretando a transferência positi va e negativa com seu pacientes por meio da técnica analítica clássica e verificando as diferentes respostas dos indivíduos A transferência psicótica não repre senta apenas uma reedição de conflitos do passado no sentido freudiano de transfe rência mas a emergência de uma contami nação da relação e da pessoa do terapeuta por meio de um processo onipotente de pensamento próprio da psicose Esse pen samento delirante visa a impedir o contato com a realidade o paciente se relaciona ape nas com uma criação de seu próprio apare lho mental A criação constante de uma no va realidade interna projetada no exterior e nos objetos aproxima o funcionamento psi cótico das características atribuídas a Deus que teria criado o mundo do nada e de acor do com sua própria imaginação13 O terapeuta experimenta a sensação de desamparo pela indiferença e mesmo a ameaça de perda da própria identidade devido à intensidade das projeções do pa ciente Este percebe o terapeuta como um objeto bizarro e perseguidor e como defe sa projeta mais partes fragmentadas sobre o terapeuta no intuito de exercer controle sobre ele A intensidade do fenômeno re sulta no sentimento de indiferenciação e o terapeuta é levado a atuar Rosenfeld11 ressalta a intensa confu são entre self e objetos que caracteriza esses pacientes e direciona seu trabalho clínico a uma diferenciação entre mundo exter no e mundo interno de forma semelhante ao atendimento de pacientes neuróticos A pro gressiva capacidade de reestabelecer as fronteiras do self separando o eu do não eu restitui força ao ego e torna a rea lidade externa menos persecutória Por sua vez os teóricos da psicologia do ego representados especialmente por Paul Federn14 e Heinz Hartmann15 apre sentam um trabalho voltado ao fortaleci mento do ego de pacientes graves evitando interpretar a transferência de forma mais específica a transferência negativa e utili zando a positiva para influenciar o pacien te Resistências também não são interpreta das Hartmann15 propõe o conceito de es fera de ego livre de conflito ou seja a ideia de que mesmo pacientes psicóticos preser vam uma porção do ego relativamente livre da psicose a qual estará apta a abrigar as intervenções terapêuticas Psicoterapia de orientação analítica 799 CARACTERÍSTICAS DO ATENDIMENTO Considerandose o estado de indiferencia ção em que se encontram os pacientes psi cóticos e sua incapacidade de discriminar o mundo externo do interno o objetivo pri mordial do atendimento consiste em aju dálos a diferenciar o que é seu self e o que é o mundo externo para depois integrar esse self com suas relações dessa vez com as fronteiras mais bem delimitadas16 Para tanto algumas técnicas são recomendadas a A atitude do terapeuta deve basearse nas condições do paciente devendo utilizar todas as técnicas adequadas para garantir ao paciente que ele não precisa temer a aproximação de alguém no caso o pró prio terapeuta Deve estar claro para este que suas palavras prescrições e atitudes irão representar uma ameaça ao pacien te havendo necessidade de tolerância com o surgimento de hostilidade por parte do paciente b O terapeuta irá funcionar como uma ponte que fará a ligação entre o paciente isolado em sua psicose e o mundo exter no A necessidade de isolamento deve ser respeitada e de forma progressiva deve se instalar uma estimulação para que o paciente saia de seu refúgio narcísico em direção a uma relação com o terapeuta primeiro e logo depois com o mundo externo ampliado c A aproximação com o paciente deve respeitar estágios a serem vencidos No primeiro momento os sentimentos e os pensamentos do paciente não estão disponíveis nem para ele mesmo e ele não sabe o que é seu e o que é dos outros O terapeuta não se sente sequer perce bido pelo paciente Devese evitar uma investigação ativa ou mesmo permanecer muito tempo com o paciente No mo mento seguinte o terapeuta estará em condições de observar as alternâncias de emoções do paciente entrará em contato com a fragmentação de ego do psicótico e experimentará a ambivalência em seus próprios sentimentos Aos poucos o terapeuta vai aceitando em si os papéis atribuídos pelo paciente e a alternância destes O paciente por sua vez vai per cebendo o terapeuta como diferenciado de si e menos persecutório e onipotente Thomas Ogden17 também descreve um trabalho em estágios ao atender pa cientes com esquizofrenia a Estágio de não experiência todas as experiências são emocionalmente equi valentes embora sejam percebidas de formas diferentes Nada é extraordinário Predomina o ódio à realidade o desejo de não ter experiências O terapeuta deve atentar para não atacar o paciente em atuações e zelar pelo setting Se foram acertadas visitas diárias elas devem ser mantidas se foi combinado que a pró xima entrevista será pela manhã ou que serão liberadas as visitas dos familiares isso precisa ser garantido Pequenas fa lhas podem representar a confirmação de que o mundo é hostil e não confiável b Estágio da identificação projetiva o paciente sente o terapeuta como alguém para o qual as sensações podem ser trans feridas e recolhidas de volta O terapeuta nunca sabe se o que diz o paciente é acolhido ou rechaçado Devese acolher os sentimentos oriundos do paciente e tentar darlhes algum significado com preensível O terapeuta é apenas um dos objetos bizarros que integram o mundo psicótico não está diferenciado e não é reconhecido como separado do próprio self do paciente 800 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs c Estágio da experiência psicótica o pa ciente agora sente que seus pensamentos agressivos bizarros e psicóticos perten cem a si mesmo Essa experiência é tão desagradável e penosa que sobrevém o desejo de novamente se livrar desses conteúdos por meio da fragmentação do ego e da expulsão dos conteúdos da mente O terapeuta sente o sintoma psi cótico como um possível acesso à mente do paciente tenta prover significado ao conteúdo dos pensamentos e fazer uma reparação além de evitar que tais con teúdos psicóticos ocupem a totalidade da mente do paciente d Estágio do pensamento simbólico neste estágio o paciente encontrase apto a escolher a brincar e a pensar de forma coerente Emerge uma nova forma de pensamento bem como a capacidade de usufruir das relações objetais de modo mais completo O paciente percorre um caminho ca racterizado a princípio pela incapacidade de pensar Em seguida existem pensamen tos mas que não podem ser percebidos ou articulados e por fim adquire a capaci dade de pensar Nessa etapa estará em con dições de aproveitar a relação terapêutica em sua amplitude Uma vez que pacientes muito regres sivos em especial nas etapas iniciais da relação terapêutica irão apresentar muita dificuldade em perceber o terapeuta co mo um objeto bom o ideal seria de for ma progressiva poder interpretar a hos tilidade e ao mesmo tempo oferecer um fortalecimento ao ego contrastando com a abordagem psicanalítica tradicional que envolve permitir ao paciente experimentar a angústia Se verificamos inicialmente que o paciente psicótico tende a menosprezar as relações objetais pode soar paradoxal su ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Em certa ocasião o terapeuta se atrasa Os pacientes neurótico e psicótico reagem de modos diferentes Paciente A nível de funcionamento predominantemente neurótico Estou pensando em dispensar minha faxineira ela não aparece quando mais precisamos dela Terapeuta Se eu me atraso você sente que eu não consigo entender suas necessidades Paciente B nível de funcionamento predominantemente psicótico Hoje não quero conversar Terapeuta Vejo que eu me atrasei e isso pode leválo a pensar que eu não me interesso pelo nosso traba lho Talvez até sinta raiva de mim Porém acredito que ao mesmo tempo você já sabe que pode contar co migo e que eu entendo a importância de mantermos nossos combinados Mas hoje eu tive algumas dificul dades para chegar aqui na hora combinada me desculpe Na segunda abordagem o terapeuta oferece um reforço às capacidades egoicas do paciente infor ma que acredita em sua capacidade de se organizar Ao mesmo tempo não deixa de mencionar a agressi vidade mostrando ao paciente que esses sentimentos hostis podem ser tolerados em uma relação de con fiança Ao pedir desculpas pelo atraso demonstra ainda a capacidade de situarse no mesmo nível do paciente Psicoterapia de orientação analítica 801 gerir tanta cautela ao se aproximar dele No entanto apesar de todo o desinvesti mento verificado a busca terapêutica deve se centrar na recuperação da capacidade de estabelecer vínculos O paciente parte da premissa de que a aproximação é perigosa Ao terapeuta cabe em primeiro lugar não confirmar esse temor Em seguida aguar dar que o paciente fortaleça seu ego utilize menos identificação projetiva reconheça o terapeuta como pessoa separada e então que se trave uma verdadeira relação de ob jeto No início o terapeuta deve estar apto a ser cauteloso e receber pouca ou nenhu ma gratificação proveniente do paciente O PACIENTE E A EQUIPE DE ATENDIMENTO O paciente em intenso sofrimento psíqui co precisa dividir18 conteúdos intoleráveis de seu aparelho mental para lidar com as ansiedades que o sobrecarregam O fun cionamento esquizoparanoide se impõe e não há possibilidade de unificar os objetos O paciente vivencia um mundo interno cin dido e a intensidade da identificação projeti va povoa o mundo externo de objetos bizar ros Essa intensa e primitiva forma de comu nicação irá invadir o espaço do hospital e os diversos membros da equipe sentirão a so brecarga em seu próprio aparelho psíquico Nesse ponto as terapias dinamica mente orientadas se diferenciam das de mais formas de terapêutica ou seja o psicoterapeuta de orientação analítica não é apenas um técnico um consultor que sugere métodos para a cura ou a recupe ração Ele e os demais membros da equipe têm o próprio aparelho mental sendo uti lizado pelo paciente Funcionando como ego auxiliar os membros da equipe devem ajudar o paciente com o teste de realidade o controle de impulsos e a antecipação das consequências de seus atos19 Todo o pes soal envolvido no atendimento pode ser orientado a compreender melhor o tipo de relação transferencial que está ocorrendo e habilitarse a uma abordagem mais pro dutiva com o paciente2021 Assim como a mente do paciente está dividida também a equipe costuma atravessar momentos de dissociação fenômeno comum nas hos pitalizações psiquiátricas e que mais uma vez assim como a transferência e a identi ficação projetiva pode ter duas consequên cias opostas Ao ser compreendida a dis sociação fornece importante material sobre o funcionamento do paciente podendo ser devolvida e compreendida por ele de acor do com sua tolerância Ao não ser com preendida pode levar a interrupções de tratamento e até mesmo a atritos na equipe e demissões de seus membros Para que a dissociação seja compreendida e não atua da é fundamental que existam reuniões sistemáticas de equipe e que nessas reu niões predomine o clima de continência e o desejo de compreen der os fenômenos que irão ocorrer entre os diversos mem bros Quando a dissociação é compreendi da equipe e paciente se tranquilizam Do contrário a equipe não consegue trabalhar em grupo e o paciente sente que seus pro cessos mentais não podem ser integrados ao contrário a realidade externa a cisão na equipe confirma a necessidade de manter os objetos cindidos O processo se asseme lha ao de um bebê aterrorizado por uma dor e uma mãe incapaz de pensar e para lisada pelo medo de que seu filho morra A estrutura hospitalar e a equipe deverão prover ao paciente um ambiente no qual ele sinta que suas manifestações ainda que intensas e agressivas serão acolhidas sem que ele seja rejeitado ou hostilizado22 A transferência que ocorre em relação ao terapeuta individual no atendimento 802 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs de ambulatório agora ocorre em relação a todos os membros da equipe e a toda a estrutura do hospital É uma oportunidade de obter informação valiosa sobre o fun cionamento do paciente Mesmo detalhes do dia a dia como hábitos de higiene e ali mentação cuidado com os equipamentos e relacionamentos com os demais pacien tes poderão indicar ao terapeuta atento as oscilações no nível de funcionamento e integração de ego de seu paciente O hos pital oferece também a oportunidade de um destino para as pulsões agressivas por meio de grupos terapêuticos terapia ocu pacional e atividades lúdicas Entretanto uma mente cindida em estado psicótico representa uma ameaça ao funcionamento dos objetos que a cer cam O paciente não contém sua ambiva lência e essa cisão é projetada na equipe determinando o aparecimento das disso ciações Quando a dissociação não é compreen dida e manejada existe o risco de o grupo de trabalho colapsar e tornarse um gru po de supostos básicos conforme Bion23 Com o trabalho desenvolvido na Tavistock Clinic em Londres e depois aplicado no Menninger Hospital em Topeka Estados Unidos Bion concluiu que o adulto ante a complexidade e as exigências das relações em um grupo regride a fases primitivas de funcionamento mental Esse funciona mento primitivo corresponde a fantasias experimentadas pela criança no contato com o seio e estendidas ao contato com o grupo familiar O tipo de relação que a criança fantasia supõe ter com o seio e o grupo familiar dá origem ao que o autor chamou de suposto básico Bion23 denominou de grupo de trabalho aquele agrupamento de pessoas que funciona de acordo com o processo secundário com objetivos de finidos e trabalhando em conjunto para atingi los Esse grupo de trabalho apresenta funcio namento semelhante ao funcionamento do ego Todavia por efeito de uma regressão massiva concomitantemente a esse grupo maduro emer gem outros níveis de funcionamento grupal em um nível de processo primário que Bion definiu como grupos de supostos básicos e dividiu em três categorias Os três grupos são denominados de dependência pareamento ou acasalamen to e lutafuga No funcionamento de grupo de depen dência predomina o suposto de que um lí der será o responsável por prover alimento e proteção a todos os membros do grupo Esse líder será o grande provedor do tra tamento mas não em sentido metafórico e sim literal Aos demais membros do gru po cabe apenas trazer dificuldades e quei xas a responsabilidade de encontrar solu ções está depositada no líder Outro ponto fundamental é o suposto de que esse líder encontrará soluções sem precisar recorrer ao trabalho psíquico ou seja sem viven ciar frustrações O líder eleito pelo grupo é alvo de intensas identificações projetivas partindo de todos os membros do grupo e necessita reconhecer essas partes depo sitadas dentro de si como estranhas para poder trabalhar com seus pares no sentido de retomarem as capacidades característi cas do grupo de trabalho Quando o líder eleito aceita o papel de provedor o grupo se identifica com ele e permanece funcio nando por meio do suposto básico de dependência Esse papel de liderança pode ser atribuído a um profissional mais antigo e experiente a um professor a um enfer meirochefe Vale lembrar que a identifi cação projetiva não se dá no vazio existe um receptor que por suas características Psicoterapia de orientação analítica 803 individuais estará mais ou menos apto a acolher e desempenhar o papel de líder Naturalmente no pequeno grupo que in clui o terapeuta o paciente hospitalizado e a família deste o terapeuta será escolhi do como líder aos familiares e ao paciente cabe receber os efeitos benéficos do trata mento Qualquer necessidade de trabalho por parte dos demais membros do grupo é imediatamente remetida ao líder do qual se espera que encontre a solução ideal Es se tipo de fantasia tranquiliza os membros do grupo durante a hospitalização mas no momento da alta sobrevém o terror do desamparo Identificando esse suposto básico o terapeuta estará apto a ajudar os demais membros a localizar e a utilizar suas próprias capacidades de cuidados No grupo de pareamento ou acasa lamento existe a fantasia compartilhada de que a união de uma parelha dentro do grupo uma representação da cena primá ria irá gerar um messias capaz de com seu aparecimento conquistar o fim de todos os sofrimentos O grupo funciona com base na esperança de que algo virá a acontecer a esperança deve ser mantida portanto Se algo acontece a esperança se desloca para a expectativa de um novo acontecimento e assim sucessivamente O fundamental é que o líder do grupo de pareamento ainda não nasceu diferentemente do que ocorre nos demais grupos de supostos dependên cia e lutafuga Bion23 ressalta que a espe rança somente persiste quando permanece como esperança Na medida em que a ex pectativa é alcançada ela perde seu efeito pois deixa de ser uma expectativa Assim muitas vezes a própria hospitalização ob ter o leito hospitalar pode ser vivenciada como o acontecimento que chegará para solucionar todos os problemas A mãe do paciente e o terapeuta atencioso serão a parelha responsável por obter esse ingresso no hospital que irá então resolver tudo Em seguida essa esperança se desloca para o novo medicamento depois para a avalia ção da equipe de consultoria que irá refor mular o diagnóstico e assim por diante No suposto básico de lutafuga pre domina a projeção da hostilidade para um representante do qual é necessário fugir ou contra o qual se deve lutar O líder é aquele que cria ou aproveita as oportunidades pa ra escapar ou agredir Evitase fazer conta to com as dificuldades com a necessidade de aprender com a experiência em última instância com a realidade Um inimigo é eleito e contra ele todo o grupo se mobi liza Muitas vezes um paciente de difícil manejo é eleito como inimigo um paciente que tenha agredido um membro da equipe tornase adequado ao papel A fantasia é a de que somente após a alta desse paciente a unidade irá se tranquilizar ou o grupo se mobiliza inconscientemente e aciona al gum paciente mais regressivo para revidar as agressões do primeiro O mesmo pode ocorrer com algum terapeuta ou membro da enfermagem que em determinado mo mento tenha manifestado desacordo com o grande grupo A necessidade de pensar no novo e reavaliar as próprias convicções é evitada por meio do ataque ao mensagei ro da nova ideia Um supervisor pode ser eleito como líder e os residentes deixam de pensar e esperam que todas as soluções partam dele dependência Uma equipe de consultoria pode ser eleita como inimigo externo e dis pensada ou hostilizada lutafuga como responsável pela não solução de um caso difícil Até mesmo a transferência da uni dade para outro setor do hospital pode ser vivenciada como uma solução mágica para as dificuldades acasalamento ou parea mento Em todas essas situações o pro blema original a incapacidade de integrar o aparelho mental da equipe e do paciente permanece e o grupo de trabalho fica en 804 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs fraquecido enquanto predominar o funcio namento de suposto básico A dissociação é um fenômeno fre quente e pode ocorrer de diferentes modos entre subgrupos que vão se formando den tro da equipe e enfraquecendo a coesão e os objetivos do grupo como um conjunto centrado nos mesmos objetivos Pode ocor rer entre médicos e enfermeiros dentro do grupo de enfermagem entre terapeutas de diferentes orientações teóricas entre fami liares e a administração do hospital dentro do próprio grupo de pacientes A origem é sempre a mesma a fragilidade egoica do paciente sua dificuldade em administrar conflitos no mundo interno e sua necessi dade de cindir a mente e projetar diferentes partes desses conflitos no mundo externo O mundo externo passa a ser representado pelo hospital e pela equipe de atendimento Gabbard1920 acentua que não é pos sível evitar a emergência da dissociação na equipe O que se faz necessário é um pre paro da equipe para lidar com o fenômeno e utilizálo para compreender o mundo in terno do paciente Provavelmente a forma mais comum de dis sociação ocorra entre o terapeuta individual do paciente e o restante da equipe Enquanto a equipe se identifica mais com as necessida des do grupo de pacientes e o funcionamento da unidade o terapeuta se alinha com as ne cessidades de seu paciente e reluta em acei tar as limitações impostas pela equipe Para lidar com todas essas variáveis o terapeuta necessita manter uma curiosidade e uma ca pacidade crítica em relação aos seu próprios sentimentos e dificuldades esforçandose sempre para entender o que está sentindo e pensando em relação ao atendimento daque la situação ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 5 O paciente dependente químico alegou ter sido desrespeitado e desconsiderado pela enfermeira quando esta lhe chamou para a dinâmica de grupo Um colega enfermeiro declarou em um pequeno subgrupo no intervalo do café que a tal enfermeira realmente não tinha bom manejo com os pacientes Os pacientes se dividem em dois grupos os que pensam que a enfermeira é firme e lhes transmite seriedade o que os ajuda a manter o controle e os que concordam que ela não respeita as individualidades Fica marcada uma reu nião para discutir o assunto entre equipe e pacientes O grupo de trabalho é boicotado por uma parte dos pacientes e sutilmente também por um grupo de enfermeiros que se atrasam e se agrupam em conversas paralelas durante a reunião O foco de discussão deixa de ser o funcionamento dos pacientes e a equipe começa a trocar acusações mútuas Nesse ínterim o grupo de manifestantes que boicotou a reunião se amotina para forçar uma alta a pedido ou para organizar uma fuga Aquilo que teve origem na parte psicótica da personalidade do paciente foi inoculado na equipe que não conseguiu fazer uma leitura integrada da situação Não foi possível para os pacientes nem para a equipe ob ter uma integração da imagem da enfermeira como alguém com qualidades e limitações características da posição depressiva A enfermeira foi vivenciada como totalmente boa por uns e totalmente má por outros o ego de todos e a consequente função de pensar enfraqueceuse e a necessidade de agir se impôs O grupo de tra balho entrou em colapso dando lugar a um grupo de lutafuga Os membros da equipe atuaram desrespeitan do a reunião os pacientes atuaram de acordo com seus impulsos abandonando o tratamento Psicoterapia de orientação analítica 805 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas últimas décadas assistimos aos avan ços da psicofarmacologia Hoje o número de pacientes hospitalizados bem como o tempo médio de internação apresentam um importante declínio o que é bastante favorável para evitar hospitalismo e croni ficação De modo paralelo aos avanços na psi quiatria biologicamente orientada é pos sível também oferecer aos pacientes em sofrimento mental agudo os aportes da psi coterapia psicodinâmica A compreensão do mundo interno e o desenvolvimento da capacidade de reflexão sobre si mesmo são importantes aliados na recuperação dos pacientes As psicoses representam o grau mais avançado de transtorno mental e ofere cem um grande obstáculo à aproximação terapêutica os refúgios narcísicos com o consequente desinvestimento no interesse pelo mundo e pelo conhecimento Porém essa não precisa ser uma barreira intrans ponível O atendimento continuado de pa cientes graves evidencia a possibilidade da aliança terapêutica e da criação de relacio namentos autênticos com aquisições para pacientes e terapeutas Os psicóticos desen volvem um tipo especial de transferência que pode ser analisada de acordo com sua tolerância Além das vicissitudes do narcisismo maligno com sua tendência à morte e à desunião o uso maciço da identificação projetiva aparece como traço fundamen tal do funcionamento de pacientes gra ves A fragmentação do ego seu enfraque cimento e a consequente criação de um mundo bizarro em torno de uma mente desorganizada podem tornar a aproxima ção com o paciente psicótico uma tarefa assustadora e desestimulante Todavia acompanhar um paciente emergir de seu estado regressivo e reaver alguma capaci dade de relacionamento saudável reabas tece terapeuta e equipe de estímulo para manter o trabalho A desorganização do funcionamento mental representa uma ameaça tão pode rosa ao grupo que toda a equipe de atendi mento pode se ver identificada com níveis mais regressivos de funcionamento A dis sociação na equipe terapêutica reflexo da cisão do ego do paciente grave representa a desunião característica da ação da pulsão de morte A identificação desse processo na equipe e a possibilidade de seus membros de retomar o diálogo e as características do grupo de trabalho refletemse na recupera ção dos pacientes PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Durante a hospitalização o paciente utiliza a mente do terapeuta como seu ego auxiliar seu continente e sua fonte de contato com a realidade externa 2 Reconhecemos como psicóticos aqueles pa cientes nos quais a relação com a realidade está grave mente prejudicada 3 Na situações de doença grave a pulsão de morte e sua correspondente função desobjetalizante estão predominando no funcionamento do aparelho mental 4 A identificação projetiva maciça será o veículo para a compreensão e não sendo compreendida cons titui um grande obstáculo para o tratamento 806 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs REFERÊNCIAS 1 Freud S Neurose e psicose In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1996 v 19 p 18493 2 Laplanche J Pontalis JB Vocabulário da psi canálise 4 ed São Paulo Martins Fontes 2001 3 Freud S A teoria da libido e o narcisis mo 1916 Conferência XXVI In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Ja neiro Imago 1996 v 16 4 Freud S Além do princípio do prazer 1920 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição standard brasileira Rio de Janeiro Imago 1996 v 18 5 Green A Pulsão de morte narcisismo ne gativo função desobjetalizante In Green A A pulsão de morte São Paulo Escuta 1988 6 Green A Conferências brasileiras de André Green metapsicologia dos limites Rio de Ja neiro Imago 1990 7 Klein M Notas sobre alguns mecanismos es quizoides 1946 In Klein M Os progressos da psicanálise Rio de Janeiro Zahar 1978 p 31343 8 Bion WR Estudos psicanalíticos revisados second thoughts Rio de Janeiro Imago 1994 9 Segal H Notas a respeito da formação de símbolos 1950 In Segal H A obra de Hanna Segal uma abordagem kleiniana a pratica clínica Rio de Janeiro Imago 1992 10 Aguayo J On understanding projective iden tification in the treatment os psychotic states of mind the publishing cohort of H Rosen feld H Segall and W Bion 19461957 Int J Psychoanal 20099016992 5 As características do funcionamento psicótico são a predominância da agressividade e da destrutividade nas relações b ódio à realidade externa e interna c pavor de ser aniquilado ideia central no entendimento da posição esquizoparanoide d relações objetais prematuras intensas e frágeis 6 A relação terapêutica é caracterizada pelo estabelecimento de uma transferência psicótica caracteri zada pelo sadismo e pela intensidade da identificação projetiva 7 Pacientes psicóticos preservam uma porção do ego relativamente livre da psicose a qual estará apta a abrigar as intervenções terapêuticas 8 Para atingir essa discriminação algumas técnicas são recomendadas a a atitude do terapeuta deve basearse nas condições do paciente b o terapeuta fará a ligação entre o paciente e o mundo externo c a aproximação com o paciente deve respeitar estágios 9 O paciente parte da premissa de que a aproximação é perigosa Ele está vivenciando um mundo interno cindido e a intensidade da identificação projetiva povoa o mundo externo de objetos bizarros 10 Assim como a mente do paciente está dividida também a equipe costuma atravessar momentos de dissociação 11 Para que a dissociação seja compreendida é fundamental que existam reuniões sistemáticas de equipe Quando a dissociação não é compreendida o grupo de trabalho dá lugar aos grupos de supos tos básicos 12 Provavelmente a forma mais comum de dissociação ocorre entre o terapeuta do paciente e o restante da equipe Psicoterapia de orientação analítica 807 11 Rosenfeld HA Os estados psicóticos Rio de Janeiro Zahar 1968 12 de MijollaMellor S The evolution of psy choanalytic practice with psychotic patients Psychoanalysis and History 2002413143 13 De Masi F On the nature of intuitive and de lusional thought its implications in clinical work with psychotic patients Int J Psychoa nal 200384Pt 5114969 14 Federn P Ego psychology and the psychoses New York Basic Books c1952 15 Hartmann H A Psicologia do ego e o pro blema de adaptação Rio de Janeiro Biblio teca Universal Popular 1968 16 Rosenbaum B Harder S Psychosis and the dynamics of the psychotherapy process Int Rev Psychiatry 20071911323 17 Ogden TH On nature of schizophrenic con flict Int J Psychoanal 198061Pt 451333 18 Freud S A divisão do ego no processo de de fesa In Freud S Obras psicológicas comple tas de Sigmund Freud edição standard bra sileira Rio de Janeiro Imago 1996 v 23 19 Gabbard GO Tratamentos em psiquiatria dinâmica III tratamento hospitalar dinami camente informado In Gabbard GO Psi quiatria psicodinâmica na prática clínica Porto Alegre Artes Médicas 1992 20 Gabbard GO The treatment of the special patient in a psychoanalytic hospital Int Rev Psychoanal 19861333347 21 Penot B El equipo psicoanalítico en el hos pital de dia revisión de algunas condi ciones para que los pacientes se adueñen de su propria subjetividad Psicoanálisis 200729367995 22 Kernberg O Transtornos graves de persona lidade estratégias psicoterapêuticas Porto Alegre Artes Médicas 1995 23 Bion WR Experiências com grupos os fun damentos da psicoterapia de grupos Rio de Janeiro Imago 1970 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM PSICOTERÁPICA DE DEPENDENTES QUÍMICOS Talvez a citação inicial deste capítulo que se apresenta na primeira página do compêndio The principles and practice of addictions in psychiatry1 ilustre o estilo de abordagem psicoterápica adequado para um dependente químico Ao longo da his tória pacientes com abuso ou dependên cia de substâncias sempre foram estigma tizados ou no mínimo considerados de forma diferente no rol de procedimentos terapêuticos existentes Washton e Zwe ben2 recomendam que a abordagem e a criação da relação terapêutica com esses pacientes seja não dogmática encorajando os profis sionais a exercer a flexibilidade a criatividade e a racionalidade no tratamen to da adição salientando a necessidade da combinação de técnicas muitas vezes dis crepantes e concorrentes Em paralelo ao exercício de uma abordagem pragmática e não preconceituosa é vital que o tera peuta conheça profundamente os efeitos positivos e negativos que as substâncias psicoativas exercem no cérebro em geral e no de seu paciente em particular Nes se sentido é bastante eficaz investigar com o paciente a percepção subjetiva do efeito das drogas uma vez que há grande variação entre efeito percebido e efeito psicoativo como descrito em livrostexto De forma sumária o exercício de com preender com o paciente o efeito esperado percebido do seu uso de drogas irá levar a uma maior compreensão da capacidade de simbolizar ou não em geral afetada pelo uso sistemático de substâncias o impacto das drogas na relação entre o indivíduo e o meio externo e da percepção que o pacien te tem sobre as eventuais limitações que o uso sistemático de drogas impõe a sua vida mental 46 ABORDAGEM PSICODINÂMICA DO PACIENTE DEPENDENTE QUÍMICO Felix Henrique Paim Kessler Flavio Pechansky Diego Barreto Rebouças Jader Piccin A todos aqueles que desejam tratar dependentes químicos sem a ameaça do preconceito ou medo do estigma Miller 1997 Psicoterapia de orientação analítica 809 A vinheta ilustra uma situação co mum no atendimento psicoterápico de um dependente de substâncias e é sem dúvida um bom ponto de partida para este capítulo Pacientes jovens como o do caso descrito apresentamse no consultório ambivalentes sobre o grau de dano que seu uso de drogas lhes estaria causando Desafiam o terapeuta a entender seu momento evolutivo presen te e sua potencial comorbidade com outras patologias psiquiátricas frequentes na ava liação de casos dessa natureza e obrigam o especialista a tomar decisões no que com pete à adesão do paciente e a sua motivação para tratamento Dessa forma é obrigatório para o terapeuta avaliar o que deve ser ofe recido para o paciente naquele momento de seu uso de substâncias dentro dos limites viáveis da relação terapêutica que se apre senta É nesse contexto que este capítulo é oferecido ao leitor como uma reflexão sobre os modelos de psicoterapia existentes para a abordagem de dependentes químicos bem como suas limitações e contraindicações Esta versão não é apenas uma atualização do capítulo da edição anterior pois incorpora outras técnicas psicoterápicas além da psico terapia dinâmica dando ênfase significativa à avaliação crítica do papel dessa técnica no tratamento da dependência química Abordagem inicial e escolha da técnica apropriada O conceito de uma abordagem integrada é compatível tanto com os elementos clí nicos conforme descrito anteriormente como de pesquisa Há cerca de 30 anos a avaliação multifatorial da dependência química norteia toda uma linha de pesqui sa e atuação nessa área Um dos instrumentos mais utilizados para esse fim é o Addiction Severity Index ASI3 que mede essencialmente a necessidade de trata mento adicional nas principais áreas da vida social legal médica familiar psiquiátrica e auxilia no delineamento e na organização de estratégias terapêuticas por meio de escores que traduzem a gravidade da problemática do ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 1 Douglas 20 anos apresenta abuso de inalantes e maconha e uso episódico excessivo de álcool já ten do sido atendido por diversos psicoterapeutas anteriormente Vem a tratamento dizendo que quer parar de usar drogas para contentar os pais mas não sabe o que isso vai produzir de benefício em sua vida Após a avaliação inicial foi combinado com o paciente que o processo de tratamento iria incluir a princípio pla nos para a aquisição de um equilíbrio em abstinência revisão de uma potencial comorbidade com défi cit de atençãohiperatividade e um planejamento de mudanças sistemáticas em sua perspectiva de vida a longo prazo Cada etapa somente seria desenvolvida após a aquisição da etapa anterior Após meses de al ternância entre completa abstinência e episódios de recaída em que o paciente tentava negociar mudan ças previstas para o futuro e sem a anuência do terapeuta ele se encontra em abstinência Porém ainda apresenta dificuldades sistemáticas com organização e grande dificuldade para se expressar em consulta Descreve que foi a primeira vez em que ELE teve de mudar pois o terapeuta manteve o combinado não ce dendo às suas pressões como nos atendimentos anteriores 810 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs paciente Partese do pressuposto de que as pectos disfuncionais nessas áreas podem atuar como um estressores e perpetuadores do com portamento de busca por substâncias e como em outras doenças crônicas é necessário abor dar o indivíduo na totalidade de seus proble mas e não centralizando o tratamento apenas no consumo Para o desenvolvimento de um trata mento individualizado baseado na aborda gem integrada é fundamental a coleta de in formações em um período de avaliação que poderia ser compreendido como prétrata mento Durante esse primeiro momento todos os esforços devem ser engendrados para obter uma avaliação diagnóstica com pleta do paciente e de sua família É impor tante observar que os critérios descritivos do Manual diagnóstico e estatístico de transtor nos mentais DSMIVTR4 Quadro 461 definem o diagnóstico de dependência de substâncias porém não abordam caracterís ticas psicopatológicas e psicodinâmicas dos pacientes Além disso essa etapa proporcio na uma oportunidade única para a aborda gem motivacional com vistas à mudança e à QUADRO 461 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS 1 Tolerância definida por qualquer um dos seguintes aspectos a uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxi cação ou o efeito desejado b acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância 2 Abstinência manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos a síndrome de abstinência característica para a substância consultar os Critérios A e B dos conjun tos de critérios para abstinência das substâncias específicas b a mesma substância ou uma substância estreitamente relacionada é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência 3 A substância costuma ser consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido 4 Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância 5 Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância p ex consultas a múltiplos médicos ou longas viagens de automóvel na utilização da substância p ex fumar em grupo ou na recuperação de seus efeitos 6 Importantes atividades sociais ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância 7 O uso da substância continua apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persis tente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância p ex uso atual de cocaí na embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela ou consumo continuado de bebidas alcoólicas embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo de álcool Fonte Adaptado de American Psychiatric Association4 Psicoterapia de orientação analítica 811 adesão ao processo terapêutico É necessária uma abordagem de suporte não confronta dora e mais direta por parte do terapeuta Podemse utilizar de acordo com a gravida de do caso também nessa fase técnicas de grupo e de aconselhamento25 No momento inicial do tratamento objetivase buscar três funções distintas 1 desenvolver rapport com o paciente e iniciar uma relação terapêutica 2 determinar a natureza e a extensão do uso de substâncias do paciente e suas consequências identificando fatores que iniciam e mantêminibem o uso 3 oferecer feedback objetivo com base nos resultados da avaliação e determinar o estágio de prontidão para a mudança visando a desenvolver um plano de tratamento inicial Quais fatores determinam o sucesso no tratamento de dependentes químicos Antes da compreensão dos elementos for madores de rapport Luborsky e colabora dores6 citam parâmetros específicos e im portantes para um melhor resultado em psicoterapias de dependentes químicos Requerse muito tempo e energia por parte do terapeuta para introduzir o paciente no tratamento e comprometêlo com sua manutenção Como consequência terapeutas que se sintam muito ata cados em seus aspectos pessoais em especial elementos narcisistas quando mobilizados por ansiedades recaídas e atuações dos pacientes no início de seu atendimento terão mais dificuldade em desenvolver uma plataforma eficaz de relacionamento quando comparados a profissionais mais continentes Os objetivos do tratamento devem ser formulados antecipadamente e mantidos em foco Dependentes de substância de forma mais específica no início de seu tratamento irão se apresentar ao tera peuta com um mundo interno bastante caótico com baixíssima autoestima talvez como resultado dos danos cere brais e da desorganização neurobiológica decorrente do uso das drogas tendendo a melhorar com períodos de abstinên cia Portanto mesmo em uma proposta psicodinâmica os terapeutas não podem ser totalmente neutros e devem ser mais diretivos Nesse sentido ao mesmo tem po que necessitam apresentar vitalidade para ordenar o mundo psíquico do pa ciente terão mais sucesso se propuserem para si mesmos e para o dependente uma agenda mínima um rol de metas ou tarefas a serem atingidas de modo progressivo Não se trata de uma longa lista mas de uma tradução das dificul dades e das limitações apresentadas pelo paciente sob um formato objetivo claro e factível A vantagem é que se poderá retornar a essa lista de objetivos quando eventualmente o foco se dispersar Deve ser dada muita atenção por parte do terapeuta para desenvolver uma relação positiva e assim auxiliar o paciente Tam bém em função do que já foi mencionado é comum os pacientes se apresentarem para tratamento com uma visão despro porcional de suas capacidades potenciais e sua realidade tendendo sistematica mente a desvalorizarse Não se trata aqui de valorizar apenas os aspectos positivos do paciente mas tentar estabelecer um contato com os elementos mais saudáveis de seu funcionamento mental Terapeutas que entendem que devem se aliar a esses aspectos do paciente terão mais facilida de de construir elementos saudáveis nos quais ancorar o tratamento 812 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs A vinheta a seguir ilustra como a re lação terapêutica positiva pode auxiliar um paciente a superar obstáculos típicos da de pendência química ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 2 ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 3 Bruna 21 anos passou por nove internações por abuso de substâncias e episódios de agitação e altera ção de conduta em particular com relação aos pais Apresenta um diagnóstico associado de transtorno da personalidade borderline Veio a tratamento por orientação de sua antiga psicoterapeuta a quem descrevia como tendo desistido dela e se interessado pouco por seu caso Após 16 meses e três internações duran te esse período Bruna se encontra em completa abstinência de drogas fazendo uso de topiramato e execu tando atividade laboral de forma sistemática Foi necessário um esforço constante do terapeuta para não se deixar ser excessivamente invadido pela massa de telefonemas de urgência e atitudes de ataque ao setting durante esse período o que a paciente atualmente reconhece como uma atitude de consideração às suas necessidades mais primitivas de apoio e limite Com frequência descreve que sua melhora se deu porque desta vez o terapeuta não desistiu dela Nilo 16 anos vem a sua consulta com os pais que o acham diferente de como temse comportado nos úl timos três dias Apesar de negar o uso de maconha motivo pelo qual iniciou o tratamento há três meses é solicitado que colete urina para análise pois isso foi combinado no início do tratamento O terapeuta reite ra que confia no seu relato mas que o exame serve para confirmar a veracidade de sua informação O resul tado do teste para cocaína maconha e anfetaminas é negativo para os últimos dias o que alivia os pais e permite ao paciente tratar de sua irritabilidade por ter que aprender a lidar com aulas provas e dificulda des com garotas agora sem se drogar O terapeuta deve estar a par da manu tenção e do comprometimento do paciente com todo o seu programa de tratamento o que inclui a anuência às normas como por exemplo a evitação da ingestão de drogas não prescritas no tratamento Tal informação deve proceder do próprio relato do paciente e eventualmente da análise toxicológica da urina mas esta última de preferência deve ser contro lada e solicitada pela família por amigos ou por outra equipe de tratamento Seja qual for a fase em que o paciente se encontre mas de modo mais enfático nas primeiras a atitude de um guia gentil que avalia com o paciente seus progressos e retoma combinações irá favorecer o setting em todos os sentidos A vinheta seguinte descreve a utilização dessa técnica Psicoterapia de orientação analítica 813 Estabelecimento de metas e etapas Após a avaliação multidimensional o ob jetivo é estabelecer metas individualizadas e desenvolver de forma colaborativa um plano de seguimento destas É fundamental combinar as intervenções do tratamento com o nível de motivação e o grau de pron tidão para a mudança do paciente O mo delo de estágios de mudança informa e di reciona o processo de encontrar a melhor combinação entre onde o paciente está e o que o terapeuta deve fazer para produzir mudança positiva a cada estágio do proces so7 A vinheta a seguir ilustra o processo Os indivíduos com problemas com abuso ou dependência de drogas não cons tituem uma categoria homogênea uma vez que diferem em suas características pessoais de escolha da droga padrões de consumo motivações para uso realidade psíquica perfil socioeconômico e cultural e predisposição genética8 É importante tornar a abstinência uma meta pre ferencial de tratamento em especial para aque les cujo padrão de uso de substâncias oferece evidências claras de controle comprometido e impõe um risco significativo de sérios danos se o uso continuar2 Todavia a abstinência não se torna uma condição imposta para os pacientes receberem ajuda Nesse contexto encontrase a ne cessidade de implementar diferentes tipos de abordagens psicoterapêuticas que con templem as especificidades do paciente a fim de forjar uma aliança de trabalho pa ra favorecer a adesão Independentemen te da escolha final de terapeuta e paciente se abstinência total ou não uma série de pesquisadores sugere que uma meta a ser buscada pelo paciente é o controle de seu uso de substâncias Diversos autores desenvolveram técnicas específicas para a obtenção desse controle entre eles Spivak e colaboradores9 SanchezCraig e colabora dores10 e Miller e SanchezCraig11 Mesmo em programas nos quais o objetivo final era o uso moderado de substâncias esses au tores sempre preconizaram que algum tipo de controle inicial frequentemente obti do por meio de abstinência favoreceria o atingimento de metas futuras Considerando o aqui exposto pro põese um tratamento sequencial no qual ILUSTRAÇÃO CLÍNICA 4 Fábio 57 anos é um profissional liberal com um grave alcoolismo associado a episódios fóbicos Já reali zou diversas tentativas de tratamento ao longo da vida sempre as interrompendo ao se sentir pressionado a modificar seu comportamento alcoólico que é francamente associado ao transtorno evitativo já descri to Há cerca de seis meses faz consultas intermitentes nas quais se nega a fazer exames que confirmem seu estado físico e reluta em ingressar em psicoterapia sistemática Ao mesmo tempo não abandona os contatos com o terapeuta de forma mais ou menos mensal consultase para dizer que agora vai come çar a se tratar o que implica telefonemas de manutenção por parte do terapeuta até que o processo de tratamento sistemático se desencadeie Nesse período de seis meses tem passado mais de 90 do tem po em abstinência e nas vezes em que tem bebido não tem apresentado os mesmos problemas anteriores 814 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs o primeiro objetivo é alcançar a estabiliza ção Figura 461412 É válido salientar que mesmo após ter sido iniciado um processo psicoterápico psicodinâmico muitos pacientes estão su jeitos a necessitar de hospitalização quando em situação de risco Outros poderão in gressar imediatamente em uma modalida de terapêutica ambulatorial12 Dodes13 aponta que a preocupação solidária do terapeuta nesse momento pode ser interna lizada de forma imediata ou gradual pelo pa ciente permitindo assim um núcleo de au torregulação interna que permitirá o controle do uso ou a abstinência de substâncias Assim a neutralidade analítica e as interpretações são abandonadas pois tendem a ser geradoras de ansiedade desencadeando recaídas Na verdade a neutralidade necessá ria ao processo psicodinâmico clássico ou convencional é mal recebida pelo pacien te nas fases agudas Há demasiadas ações a serem tomadas pela dupla terapeuta paciente em geral envolvendo familiares uso concomitante de medicação hospita lização ou limitações para o paciente as quais não são compatíveis com a neutra lidade que será necessária nas fases mais posteriores de tratamento Pacientes e te rapeutas devem sempre ficar alertas para a possibilidade de o enfoque dessas questões reacender o desejo da pessoa de medicar o desconforto emocional com álcool e dro gas Assim durante uma abordagem psi codinâmica para usuários de substâncias nunca se deve perder de vista o potencial para a recaída bem como a manutenção do esforço combinado com outras modalida des terapêuticas de preferência com uma equipe multidisciplinar14 Na prática o conceito que determina a utiliza ção ou não do método psicodinâmico com os pacientes é o do timing Com frequência como já bem documentado em qualquer psicoterapia de orientação analítica ou não uma interven ção correta pode ter seu efeito descaracterizado por ter sido executada em um momento emocio nal inapropriado para o paciente Figura 461 O tratamento sequencial da dependência química TCC terapia cognitivocomportamental Terapia de família Alta Intensidade da atividade prática do terapeuta Psicofármacos Apoio TCC Psicoterapia psicodinâmica Psicanálise Diferentes modelos de atendimento Psicoterapia de orientação analítica 815 Para sumarizar essa introdução do ponto de vista exclusivamente clínico al guns autores como Gabbard e Wilkin son15 afirmam que o tratamento siste mático em psicoterapia de longa duração de um dependente químico utilizando todos ou parte dos conceitos psicodinâmi cos clássicos e suas eventuais adaptações à técnica não é muito diferente do processo terapêutico com um paciente com outros transtornos mentais crônicos que envol vem riscos decorrentes de sua conduta co mo por exemplo a psicoterapia analítica de um paciente com um transtorno da per sonalidade Os elementos transferenciais e contratransferenciais estão presentes a manutenção do setting e a revisão siste mática do contrato terapêutico são parte integral do atendimento e as recaídas são compreen didas como componentes do processo de recuperação à custa de resis tências em função de planos de defesa ou de organização mais regressivos MODELOS DE PSICOTERAPIA PARA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA HÁ ESPAÇO PARA A PSICOTERAPIA DINÂMICA DADAS AS EVIDÊNCIAS ATUAIS Há diversos estudos comparando as mais diversas técnicas psicossociais incluindo as psicodinâmicas para a manutenção da abs tinência na dependência química Entre tanto quando comparamos a efetivi dade de diferentes técnicas não são encontrados resultados significativos que indiquem su perioridade de uma modalidade específica Em relação aos tratamentos psicossociais para dependentes químicos a Cochrane realizou recentemente duas revisões sis temáticas que incluíam técnicas com ca racterísticas psicodinâmicas comparando intervenções psicossociais para uso de co caína e psicoestimulantes16 assim como para uso de substâncias psicoativas SPAs com outros transtornos psiquiátricos17 No primeiro desses estudos evidenciouse que em geral as intervenções realizadas levaram a pequenas mudanças comporta mentais significativas demonstrando não haver evidência que suporte uma aborda gem única que englobe as múltiplas faces da dependência química Entretanto sa lientouse que os resultados favorecem tra tamentos com alguma forma de manejo de contingência levando à diminuição do uso de cocaína e a maior adesão ao tratamento Outros estudos mais recentes corro boram tais achados destacando os benefí cios do manejo de contingência na depen dência de cocaína18 Em contrapartida a revisão também cita um ensaio clínico rea lizado pelo National Institute of Drug Abu se NIDA em 199919 comparando quatro abordagens psicossociais aconselhamento individual associado a aconselhamento de grupo terapia cognitivocomportamental com aconselhamento de grupo terapia psicodinâmica suportivaexpressiva SE com aconselhamento de grupo e aconse lhamento de grupo sozinho O grupo das psicoterapias teve baixa adesão apesar da grande intensidade com que foram aplica das 36 consultas individuais e 24 consultas de grupo em 24 semanas A revisão sugere duas hipóteses para os achados a primeira seria a de que tais resultados se deram não pela falta de eficácia dos tratamentos ofere cidos mas pela excessiva dose de tratamen to proporcionada a pacientes com baixa gravidade de doença sugerindo que ver sões mais breves e menos intensivas teriam sido suficientes A segunda seria a de que a psicoterapia necessita de maior tempo pa ra produzir benefícios evidenciáveis sobre 816 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs os sintomas demandando ensaios clínicos randomizados de maior duração Dois es tudos recentes colaboram com a segunda hipótese CritsChristoph e colaboradores20 realizaram em 2008 uma análise pormenorizada dos acha dos do estudo do NIDA Evidenciouse que ape sar de os achados terem sugerido aconselha mento individual associado a aconselhamento de grupo como superior a terapia psicodinâmica SE a curto prazo a longo prazo seguimento de 12 meses esta última seria superior a aconse lhamento em relação a problemas sociaisfami liares Além disso os autores evidenciaram que os pacientes que atingiram abstinência inicial diminuíram o uso de cocaína de 101 dias por mês para 13 dia no décimo segundo mês Steffen e colaboradores21 mos traram benefícios da terapia psicodinâmica em um seguimento de 12 meses em pacientes am bulatoriais Após 12 meses de tratamento 575 deles estavam abstinentes Eviden ciaramse também melhoras no desem penho geral e nos resultados das testagens neuropsicológicas Outra consideração que costuma ser destacada em relação aos resultados dos ensaios clínicos é a de que as intervenções terapêuticas precisam se adequar à fase de recuperação em que o paciente se encontra ou seja o tratamento tem de ser flexível para atender às demandas do paciente o que se contrapõe a uma tendência de pa dronização da intervenção para a pesquisa Uma das grandes metas no tratamento na maioria dos estudos é a redução no uso de substâncias porém reduções a curto prazo têm valor limitado no sentido de avaliar a repercussão global ocasionada na vida do paciente Klein22 discute que seria preciso acompanhar as mudanças verdadeiras na vida do indivíduo incluindo abstinência prolongada habilidade de trabalhar e ma nutenção de relações interpessoais satisfa tórias traduzindo melhor o que seria a real recuperação dos pacientes Apesar de não se ter evidência con sistente para apoiar uma única abordagem de tratamento na dependência química em geral os estudos citados indicam mudan ças comportamentais significativas após uma intervenção psicossocial variando de paciente para paciente Por conseguinte é provável que tratamentos psicossociais con tinuem sendo a base do tratamento de abu sodependência de substâncias Entretanto como os estudos com técnicas psicodinâ micas ou suportivaexpressiva não geraram resultados significativos em relação a outras técnicas é provável que pouco investimento seja feito para comprovar esses achados PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA NO CONTEXTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES No contexto de abuso de substâncias e de pendência química os aspectos avaliados para indicações de psicoterapia de orienta ção analítica vão além daqueles explorados neste capítulo ver Capítulo 9 sobre avalia ção psicoterápica A técnica psicanalítica clássica já foi indicada há algumas déca das como tratamento de escolha para esses pacientes mas isoladamente demonstrou resultados desanimadores Tal aspecto tem sido atribuído à falta de ênfase no controle dos sintomas relacionados ao uso da droga e ao foco mais dirigido aos aspectos psi codinâmicos em detrimento dos aspectos biológicos e sociais no contexto da aborda gem integrada4 Psicoterapia de orientação analítica 817 Por isso nos dias atuais as evidências apontam que a efetividade da psicoterapia de orientação analítica depende sobretu do do estabelecimento de critérios de indi cação e de contraindicação precisos23 Ao considerar essas indicações alguns autores sugerem que a técnica psicanalítica é con traindicada para pacientes adictos a drogas ou dependentes de álcool2425 Entretanto a indicação de psicoterapia de orientação analítica por diagnóstico é uma proposta didática sem consenso na literatura23 Para um mesmo diagnóstico critérios diferentes de indicações e contraindicações podem ser aplicados23 Em relação aos transtornos relacionados ao uso de substâncias esse processo é ainda mais complexo conside randose os vários tipos de substâncias as comorbidades associadas e o estágio do pa ciente na abordagem integrada Dessa forma um dependente químico pode es tar contraindicado para psicoterapia de orien tação analítica em determinado momento em que outras técnicas são empregadas porém pode ser candidato e beneficiarse dela em es tágios de manutenção Cabe ressaltar contudo que a abor dagem psicodinâmica não deve competir com outras abordagens mas ser somada ao tratamento quando indicada26 Conforme a Figura 462 na maioria das vezes as técnicas psicodinâmicas devem ser evitadas em um momento inicial de pro cura por tratamento por exemplo por par te de um paciente dependente químico que temse intoxicado com frequência e precisa de internação hospitalar Outras técnicas como apoio e terapia cognitvocomporta mental adaptamse melhor e alcançam re sultados mais satisfatórios nessa etapa Muitos especialistas em adição afir mam que a abordagem psicodinâmica não será benéfica enquanto o paciente continu ar a usar substâncias intoxicantes em qual quer nível mesmo não intoxicado durante as sessões de terapia e enquanto não tiver passado por um período de pelo menos 6 meses a 1 ano de abstinência ininterrup ta24 Durante esse período é recomendá vel focar na tarefa de mudança do compor tamento relacionado ao uso da substância Assim podese implementar e associar téc nicas baseadas no modelo cognitivocom portamental para a manutenção da absti nência e a prevenção de recaída as quais Figura 462 Modelo simplificado das fases de psicoterapia para dependentes químicos A figura sumariza de forma esquemática as fases de tratamento para um dependente químico buscando demonstrar uma sequência de ações terapêuticas associadas a diferentes momentos clínicos TCC terapia cognitivocomportamental Detox desintoxicação Medicação Ambiente TCC Terapia motivacional Psicoterapia para dependência de drogas Psicanálise Abstinência Reorganização Estruturação Maturação Alta Detox Detox Estabilização Detox Hospital Ambulatório Modelo simplificado das fases de psicoterapia para dependentes químicos 818 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs já estão bem descritas na literatura2728 Ainda se diagnosticada comorbidade esta deve ser tratada da forma mais convenien te associandose farmacoterapia ou outras terapias adjuntas O objetivo é criar um re ferencial terapêutico que reúna condições de estabilidade para avaliar a indicação de um trabalho orientado dinamicamente no futuro4 A necessidade de psicoterapia de orientação analítica na abordagem inte grada do usuário de substâncias se estende além das mudanças iniciais no comporta mento de adição Ela tem como principais características o apoio e o fortalecimento de recursos por parte do paciente e mostra se indicada em um estágio motivacional de manutenção14 Por isso um dos primei ros aspectos a serem avaliados em depen dentes químicos candidatos a psicoterapia de orientação analítica são os objetivos de longo prazo Segundo Washton e Zweben2 mui tos indivíduos alcançam um ponto no tra tamento da dependência química em que ficam desapontados por perceber que a abstinência não resolveu dificuldades emo cionais referindo que estas ficaram ainda mais claras na ausência das substâncias psi coativas Alguns percebem a necessidade de psicoterapia contínua depois de passar por sucessivas recaídas apesar da intenção de permanecer em abstinência Outros ainda chegam a um ponto na recuperação em que sentem a necessidade de descobrir por que eles desenvolveram um sério problema de adição enxergando a identificação e a re solução dessas questões como importantes para sustentar a recuperação por um longo período Em todos esses casos a aborda gem psicodinâmica pode ser considerada Em relação ao tipo de substância não parece haver uma distinção clara na lite ratura Gabbard26 destaca que abordagens psicodinâmicas são mais amplamente acei tas e valorizadas no tratamento de abusa dores de drogas do que no tratamento de alcoolistas Conforme Vaillant29 os abu sadores de múltiplas drogas apresentam maior probabilidade de terem vivenciado infâncias instáveis de uso de drogas como automedicação para sintomas psiquiátri cos e de se beneficiarem de esforços psico terapêuticos que abordem sua sintomato logia subjacente e patologia de caráter Na avaliação do paciente dependente químico candidato a psicoterapia de orientação analíti ca é também importante avaliar a integridade das funções egoicas como percepção memó ria atenção e concentração raciocínio lógico síntese e uma condição intelectual preserva da Estas se tornam importantes já que para a eficácia das interpretações é requerida capa cidade de abstração e simbolização14 Segundo Mercer e Woody30 a pre sença de comorbidades e de psicopatolo gias sérias também constitui fator impor tante a ser considerado na indicação de psicoterapia A maior parte dos estudiosos concorda que a presença de outros trans tornos psiquiátricos no contexto do abuso de drogas demanda indicação de psicotera pia como parte do programa de tratamen to Pacientes em abstinência com transtor nos da personalidade comórbidos podem promover o crescimento e a mudança da estrutura da personalidade por meio de psicoterapia de orientação analítica por exemplo Cabe ressaltar contudo que o transtorno da personalidade antissocial é uma contraindicação para essa psicotera pia Outra questão importante em relação às comorbidades é que pacientes com fobia social evitação geral e aversão às terapias grupais podem optar pela psicoterapia psi codinâmica individual26 Psicoterapia de orientação analítica 819 De maneira geral Gabbard26 resume as indicações de psicoterapia expressiva de apoio como segue 1 psicopatologia significativa além de abuso de drogas 2 engajamento em um programa de tratamento que inclui narcóticos anô nimos NA ou outro grupo de apoio abstinência forçada possivelmente um substituto da droga como a metadona e medicação psicotrópica adequada 3 ausência de diagnóstico de transtorno da personalidade antissocial a não ser que depressão também esteja presente 4 motivação suficiente para comparecer às sessões marcadas e envolverse no processo MODELOS PSICODINÂMICOS PARA A DEPENDÊNCIA QUÍMICA No passado várias teorias psicodinâmicas sobre a gênese da dependência químico fo ram desenvolvidas teoria das gratificações narcísicas teoria da oralidade teoria das relações maníacas e teoria das perversões Por meio de uma perspectiva freudiana clássica León Wurmser31 concebeu a de pendência como resultado de um conflito entre o id o ego e o superego Segundo ele o dependente chegou a uma crise narcisís tica na qual um superego arcaico e cruel passa a questionar o valor do self Como consequência a pessoa apresenta ansie dade sentimentos depressivos vergonha e culpa e ao mesmo tempo um especial sentimento de estar desprotegido Para li dar com esse estado com o consumo o ego do dependente se alia a importantes partes do id com fantasias de fusão Segundo essa teoria experiências infantis como grave e real exposição a violência sedução sexual abandono brutal falta de confiança ou real invasão ou segredo da parte dos pais desde muito cedo na vida dirigiram sua agressão contra estruturas externas particularmente a qualquer tipo de autoridade adquirindo a forma de uma rebeldia destrutiva de de safio ou provocação Na escola da psicologia do self Heinz Kohut32 elaborou uma teoria conside rando o self como uma estrutura com sua própria linha de desenvolvimento Esse autor afirmava que os dependentes têm uma falha em sua capacidade psíquica pa ra manter um equilíbrio mental e como conse quência utilizam defesas narcísicas Segundo ele o trauma que eles sofrem é quase sempre uma grave desilusão frente a uma mãe que devido a sua pouca em patia com as necessidades da criança não cumpriu adequadamente as fun ções que o aparelho psíquico madu ro posteriormente deveria ser capaz de realizar pelos seus próprios meios funções de continência para estímu los de prover os estímulos necessá rios ou de oferecer a gratificação de um alívio para a tensão Assim de acordo com Kohut33 o que o depen dente sofre é uma falha no self a qual tenta re mediar por meio do consumo de substâncias Para ele a personalidade encontrase privada de coesão como se faltasse a imagem ideali zada do pai e a empatia da mãe Nesse contex to as drogas transformariam a realidade an siogênica em neutra reforçando nos usuários sua onipotência É o triunfo da negação Ainda segundo o mesmo autor a função da terapia seria proporcionar uma gradual identificação e introjeção de ele mentos bons pelo paciente com o estabe lecimento de uma forte aliança terapêutica Entretanto o vínculo inicial com os depen dentes químicos é bastante frágil e devido 820 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs a essa negação e onipotência é importante cativálo evitando confrontações ou pos turas que possam ser interpretadas como autoritárias ou preconceituosas Já a teoria das relações objetais situa a natureza dos problemas mentais no con flito psíquico mais que nos déficits Joyce McDougall34 afirma que os dependentes sofrem a ausência de representação mental de um objeto bom Eles escolhem utilizar um elemento concreto a droga um objeto inanimado bom com o fim de com pensar essa falta Henry Krystal35 refere que a realidade psíquica do dependente encon trase dominada por uma intensa experiên cia de ambivalência inicialmente dirigida a uma imagem materna mas em seguida es tendida a outros objetos tais como as pesso as que o cercam ou a própria droga Afirma que o dependente em sua relação com as substâncias atua tanto as fantasias de fusão como as de separação a respeito de sua mãe Contudo para McDougall34 a incapacidade desses pacientes em sentir alexitimia36 é uma forma de evitar adquirir consciência de ansie dades psicóticas tentando deslocálas para a ação Dessa forma a conduta aditiva permite que o dependente evite a dor psíquica ao mes mo tempo que cria uma adaptação à realidade que reconhece como um falso self37 Ela observa que esses pacientes como requisito para sentiremse vivos são ex tremamente dependentes de seus objetos de amor ou droga ao mesmo tempo que tendem a ficar doentes quando são aban donados abstinência Por fim durante várias décadas im portantes mudanças ocorreram no pen samento psicodinâmico sobre o uso de substâncias As teorias mais recentes con sideram o uso de substâncias como um es forço adaptativo para a sobrevivência men tal ou seja uma resposta progressiva a um sofrimento psicológico Tais deficiências incluem prejuízos no autocuidado vulne rabilidades no desenvolvimento e na auto estima problemas nas relações de objetos e déficits de afetos38 Apesar da riqueza e da profundidade com que as teorias psica nalíticas tratam adições é necessário con siderar que a maioria delas baseiase nas observações clínicas e em reconstruções retrospectivas do passado dos pacientes O modelo da automedicação uma forma prática de trabalho psicodinâmico com dependentes químicos Em função de ser um dos mais estudados e utilizados na atualidade esse modelo teóri co será aprofundado neste capítulo e des crito separadamente A relação entre sintomas psiquiátricos e uso de droga tem sido definida como a hipótese da au tomedicação39 Segundo Murphy e Khantzian40 essa teoria se refere às tentativas do indiví duo de lidar cope no original com o ambiente externo e interno sendo o uso de substâncias uma expressão dessas tentativas bemsuce didas ou não de balancear funções desorga nizadas do ego mediante a vivência do efeito psicoativo da droga A estrutura dessa teoria centra o problema da adição no self vulnerável e desregulado e voltase para modificações na estrutura do self para seu respectivo tratamento A tentativa desorganizada de utilizar substâncias para gerar homeostase Psicoterapia de orientação analítica 821 entre o meio interno mundo intrapsíqui co e o ambiente externo o mundo real percebido pelo paciente levaria a um uso equilibrado ou não dessas substâncias e ao aproveitamento de seus efeitos para manter o equilíbrio Um ponto interessante sobre esse conceito é o de que o indivíduo que se apresenta para tratamento é aquele no qual tal balanço se desorganizou e por isso se faz necessário um novo equilíbrio aí sim com a tentativa de exercitar um novo balanceamento sem o uso de substâncias psicoativas O curioso dessa teoria é que os indivíduos que conseguissem algum grau de equilíbrio por meio do efeito percebido pelo uso de substâncias psicoativas não ne cessitariam de tratamento Na prática tal fenômeno tem expressão clínica uma vez que a prevalência de uso de substâncias é evidentemente maior do que a prevalência de abuso ou dependência sugerindo que de fato exista uma fração de indivíduos que tenha conseguido estabelecer tal equi líbrio mediado pelo uso de substâncias ao menos por um período limitado de tempo A hipótese da automedicação postula que o uso de drogas pode começar conti nuar ou ser fomentado como uma forma de autorregulação para contrabalançar an siedade depressão sentimentos de raiva ou desconforto subjetivo3941 Essa rela ção aparente entre sintomas psicológicos e abuso de substâncias proporciona a ba se lógica para a utilização de psicoterapia no tratamento da dependência se o des conforto psicológico pode ser reduzido o paciente tem uma melhor oportunidade de diminuir ou parar a autoadministração da droga Além disso serve para explicar o iní cio do uso de substâncias e sua manutenção Segundo Murphy e Khantzian40 na tentativa de se adaptar às suas próprias emoções e ao ambiente a ação da substância e a imersão em uma subcultura de droga poderia ser usada para emudecer extinguir ou evitar um gama de sentimentos e emoções Dessa forma a teoria sugere que a droga seria utilizada não para gerar bem estar mas para equilibrar desconfortos O bemestar advém da evitação do desconforto gerado tanto pelo desequi líbrio interno do indivíduo como pos teriormente pela própria abstinência da substância o que não é diferente de mecanismos de defesa adaptativos utili zados para regulação entre o ambiente e o mundo interno como por exemplo sublimação e humor Porém estes são muito mais sofisticados do que os meca nismos primitivos de associação com re compensa e prazer imediatos fornecidos pelo uso sistemático de drogas Segundo Khantzian42 Em vez de buscar mecanismos de de fesa neuróticos caracterológicos ou outras formas adaptativas como meio de lidar com o desconforto os usuá rios de substâncias adotam uma solu ção extraordinária ao utilizarem uma droga poderosa Murphy e Khantzian40 sugerem que o uso de substâncias estaria então a serviço da defesa de impulsos e afetos e defendem que áreas específicas de regulação do self estariam afetadas como por exemplo au tocuidado e regulação de afetos Outra leitura para o fenômeno da utilização da droga como um regulador dos afetos é a visão de que a ela é utilizada como um poro de regula ção da expressão desses afetos sendo descrita 822 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs pelo paciente como um facilitador É comum a comunicação por parte do paciente em am biente clínico de que eu só consegui fazer tal coisa sob efeito de droga ou precisei beber para dizer o que eu pensava ilustrando que a repressão de afetos é mediada pelo uso de dro gas como uma instalação hidráulica desenvol vida pelo paciente para regular sua comunica ção com o meio externo Pacientes em abstinência se ressentem desse mecanismo e de modo sistemático relatam dificuldade em sentir ou expres sar seus sentimentos de uma forma mais intensa e genuína sem a facilitação perce bida pela utilização de drogas Tal sinto ma lembra referências feitas por diferentes autores em outros contextos com mais de uma terminologia sendo os termos mais comumente empregados a alexitimia36 ou a expressão disaffected patient43 Na prá tica o que se observa clinicamente é uma pobreza de expressões mais profundas de afeto com uma tendência a respostas la cônicas superficiais e sem consistência A despeito de se esse fenômeno ser causa ou consequência do abuso de substâncias sua coocorrência é frequente o suficiente para requerer atenção por parte do terapeuta44 Outro ponto citado por Murphy e Khantzian40 é a percepção de que usuários de drogas buscam controle em vez de er radicação de seus sentimentos por meio do uso de substâncias O alívio dessa for ma seria conseguido por reconhecer uma condição controlável mesmo que par cialmente de expressão de sentimentos que mesmo desconfortáveis são identi ficáveis pela repetição sistemática do uso ao contrário de sentimentos avassaladores abruptos e não mediáveis típicos do rela cionamento maduro com o meio externo Pacientes descrevem a dificuldade de lidar com sentimentos novos na fase de recupe ração em abstinência mesmo que sejam prazerosos A questão não é tanto se os sentimentos são bons ou ruins mas se eles já pertencem a um catálogo de sensações previamente reconhecidas e identificadas ou se são elementos novos portanto ame açadores a serem incluídos no arsenal É típica a percepção de que pacientes em abstinência não conseguem melhorar quando na verdade o que pode estar se passando é uma dificuldade de adminis trar sentimentos intensos não cataloga dos e desse modo fora de seu contro le mesmo que de caráter positivo É fácil compreender o quanto a má administra ção desses sentimentos gera recaídas POSTURA DO TERAPEUTA E ADAPTAÇÕES DA TÉCNICA E DO SETTING ELEMENTOS DETERMINANTES NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS O leitor atento percebeu que nas vinhetas descritas neste capítulo a postura do tera peuta teve relevantes implicações na rela ção dinâmica com seu paciente afetando sobremaneira o atendimento No caso do profissional liberal de 57 anos a exclusiva interpretação de que seu comportamen to é fruto de resistência à mudança seria inadequada nessa fase do atendimento o aumento da ansiedade causado pela inter pretação da resistência poderia leválo a comportamentos sistemáticos de recaída e consequente aumento das resistências ao tratamento A atitude de monitoramento constante associada a uma postura de su porte e compreensão do terapeuta acerca das dificuldades com o contato mais pró ximo com o tratamento podem poten Psicoterapia de orientação analítica 823 cializar um aumento do vínculo necessá rio às etapas posteriores da psicoterapia Entretanto tal postura somente pode ser utilizada em pacientes cuja intensidade de problemas com o uso de substâncias esteja razoavelmente sob controle No que compete ao paciente Dou glas a postura homogênea ao longo do processo de mudança define para ele um formato em geral falho na estrutura de personalidade desses pacientes segundo o qual pode testar e apoiar as mudanças que foram devidamente contratadas no início do tratamento Por poder experimentar um processo de identifi cação com elementos percebidos como saudá veis do terapeuta o paciente se permite exerci tar aspectos menos estruturados porém pre sentes de sua personalidade em busca de um equilíbrio baseado em um funcionamento mais amadurecido abstinência e exame das dificuldades sem retorno ao uso de drogas O caso de Bruna é ilustrativo da po tencial frustração existente no tratamento de dependentes graves com inúmeras in tercorrências no processo de recuperação O desgaste causado no tratamento e por que não dizer no terapeuta deve ser foco de atenção preventiva com a busca siste mática de elementos positivos e saudáveis na relação pacienteterapeuta para que o tratamento não se desfaça em circunstân cias de crise ou imediatamente posteriores a estas No caso de Nilo o elemento principal é a organização do paciente em torno dos elementos previamente contratados no iní cio do tratamento Dessa forma paciente e terapeuta sabem o que irão fazer quando do surgimento de intercorrências e podem se valer dos elementos já determinados pa ra tomadas de atitude e correções de rota ao longo do tratamento Outro ponto fundamental no atendimento de dependentes químicos é a manutenção dinâmi ca e a revisão sistemática do contrato terapêu tico que está intimamente relacionado à for mação e à continuada revisão da aliança te rapêutica ADAPTAÇÕES DO SETTING E DA TÉCNICA Do ponto de vista da logística do tratamento com dependentes químicos são necessários al guns pontos de adaptação da técnica tradicio nal de psicoterapia Estes são gerados basi camente pela necessidade de definir limites com o objetivo precípuo de aumentar o controle do paciente sobre seu comportamento aditivo e são feitos mediante um contrato com regras bem definidas e que se encontra em constante mutação e adaptação É evidente que os temas aqui descri tos são válidos para uma psicoterapia sis temática com dependentes químicos ini ciada após os processos clínicos de desin toxicação que não são foco deste capítulo Alguns pontos merecem destaque Combinações referentes a horários faltas e recaídas Segundo Levin45 a sobriedade depende da constru ção de uma estrutura psíquica de for ma que o dependente possa executar 824 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tarefas previamente executadas pelas drogas É de se esperar portanto que ao ser proposta a retirada da droga da vida do paciente ele regri da a estágios mais primitivos de funcionamen to mental demonstrando a necessidade de rea daptação de sua vida sem a utilização de uma muleta química Como consequência a es trutura do tratamento deverá servir como mol de e suporte para o funcionamento mental e também da vida prática do paciente Isso implica o estabelecimento de re gras mais firmes para o desenvolvimento do contrato terapêutico do que normal mente se esperaria em uma psicoterapia convencional A forma da sessão por exemplo no que compete a horários atrasos faltas ou outras questões tem de fato uma tarefa modeladora para o pa ciente Pela característica específica do com portamento aditivo o dependente via de regra acostumouse a funcionar sob um formato desorganizado com pouco ou ne nhum compromisso e com todo um sis tema protetor e autojustificado baseado principalmente em identificação projetiva para retroalimentar seu abuso de subs tâncias Essa estrutura primitiva estará mais desorganizada no início do tratamento em função da retirada da droga e da imposição de novas regras de funcionamento É tare fa do terapeuta identificar para o paciente essa organização mais primitiva e ao con firmar elementos de contrato referentes a horários atrasos faltas pagamentos e ma nejo de recaídas definir a proposição de es truturar a vida do paciente É útil expressar que por meio de ações aparentemente pe quenas como por exemplo acostumar se a chegar um pouco mais cedo à sessão e aguardar sua hora na sala de espera o paciente experimentará de forma contro lada um mecanismo adaptativo necessário para sua vida de relação que é o controle sistemático de seus impulsos mediante a negociação com o tempo a qual costuma ser falha em dependentes químicos Como todas as drogas de abuso apresentam efeito psicoativo bastante rápido o dependente se acostumou a gratificarse imediatamente com as substâncias e tenderá a repetir esse comportamento na relação de tratamento o que permite o exame de seu significado Esperase que o paciente reaja a esse forma to e não se organize no início o que deve ser tolerado pelo terapeuta mas reforçado como uma das metas iniciais associadas à abstinência No que compete à abstinência outra regra deve ser contratada a de não realizar a sessão de psicoterapia sob o efeito de drogas seja agu do seja pósuso imediato Há dois motivos para que essa regra seja seguida à risca o primeiro é obvia mente de característica cognitiva pois um usuário de drogas intoxicado terá uma resposta prejudicada e alterada à interação social e ao ambiente gerando elementos artificiais à relação de tratamento e preju dicando sua compreensão sobre os temas abordados na sessão O segundo é de na tureza simbólica a sessão deve servir como elemento original na vida de um depen dente químico que se acostumou a nego ciar a seu favor a utilização de drogas em diversos pontos de sua vida cotidiana tra balhar dirigir conversar interagir social mente são exemplos de circunstâncias que Psicoterapia de orientação analítica 825 o dependente descreveria como possíveis de serem realizadas sob o efeito de drogas negando o impacto delas na qualidade de sua performance É dever do terapeuta produzir crítica e contras te a essas justificativas por meio da observa ção junto com o paciente das diferenças exis tentes entre realizar tarefas e interagir com ou tros indivíduos em particular na qualidade e na intensidade das expressões de afeto com e sem o uso de drogas E para tal a sessão ser ve de ponto de partida para essa tentativa que somente pode ser feita em abstinência de no mínimo 24 horas Isso deve ser combinado no contrato inicial e reforçado quando necessário Mesmo que tal elemento produza circunstâncias desconfortáveis para o pa ciente como por exemplo a suspensão da sessão caso seja identificado que o pa ciente está intoxicado ou com sinais de uso recente de droga ele deve ser mantido Podese encorajar o paciente a comunicar ao terapeuta quando não puder compare cer à sessão por quebra de contrato o que é uma expressão de amadurecimento na relação Pode ser adequado se possível re manejar o horário da sessão para um novo dia de preferência o dia seguinte à sessão originalmente prevista Com isso ao mes mo tempo encorajase o paciente a reali zar a consulta em um novo dia e com uma nova tentativa de abstinência mas também se demarca que o setting ficou protegido da intervenção externa provocada pela droga É claro que se esse comportamento se re pete tal sistema não irá funcionar Porém é provável que caso o comportamento se repita outras alterações do setting se tor nem necessárias como por exemplo a desintoxicação do paciente em regime am bulatorial ou hospitalar Esse sistema é útil para lapsos esporádicos slips ou escorre gões como define Marlatt28 e não para uma recaída de grande porte Para adolescentes outras adaptações do set ting são necessárias como a confirmação de abstinência por exames de urina ou presença ou contato sistemático com pais ou responsá veis durante o tratamento Ambos os mecanis mos têm efeito extremamente terapêutico ou deletério na relação médicopaciente depen dendo em grande parte de como isso foi con tratado e de seu uso parcimonioso A utilização de testes de urina para confirmar abstinência na verdade tem como utilidade a revisão do grau de fide lidade existente entre paciente e terapeuta Utilizála como rotina ou mesmo sem o consentimento do paciente não apenas não produz efeito terapêutico como tam bém pode ter efeitos nocivos ao setting em função da perda de autonomia e responsa bilidade por parte do paciente que aloca à checagem de sua urina e não a si mesmo o compromisso com a abstinência Como a motivação para o tratamento em especial com o uso de drogas menos pe sadas como a maconha costuma ser baixa o teste de urina é imprescindível para con firmar a veracidade da informação dada pelo paciente em sessão Caso o paciente se negue a realizar o teste isso será um indica dor de provável consumo de drogas O exa me da atitude de negação deve ser realizado imediatamente pois compromete um dos pilares principais de qualquer psicoterapia que é a confiabilidade das informações en tre paciente e terapeuta Quanto à presença de pais ou res ponsáveis no consultório em especial para 826 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs adolescentes com ou sem a presença do pa ciente esta se faz necessária de forma mais frequente no início do tratamento quando são definidas regras de funcionamento da psicoterapia ou quando há quebra impor tante de contrato psicoterápico faltas repe tidas incongruências entre informações É importante comunicar ao paciente que os pais serão chamados à consulta e con forme a postura de privilegiar a relação de tratamento convidálo a participar desta na tentativa de evitar dissociações Muitas vezes a presença dos pais no consultório é resultado de uma circunstância aguda re caída sem controle por exemplo signifi cando uma modificação no setting original Aconselhase que para adolescentes a pos sibilidade dessa intervenção seja discutida no início do tratamento Interpretar ou não Os elementos transferenciais de uma psicote rapia de dependência química não são parti cularmente diferentes dos de uma psicoterapia convencional o dependente projeta no terapeu ta elementos idealizados e conflituados de suas relações primitivas e este pode compreender o significado de tais manifestações à custa de sua vivência dos elementos contratransferen ciais A diferença se encontra na forma de manejar esses elementos no uso de inter venções e em especial na maior parci mônia em relação à utilização de inter pretações particularmente as relaciona das a transferênciacontratransferência Na psicoterapia dinâmica convencional os elementos trazidos pelas reações transfe renciais do paciente são atuados no campo terapêutico A interpretação sistemática do significado das atuações gera compreen são progressiva do mundo interno para o pa ciente facilitando seu crescimento O mo tivo principal da não utilização da inter pretação transferencial na psicoterapia de dependentes químicos de forma mais es pecífica nos estágios iniciais de tratamento e com pacientes com transtornos da perso nalidade está no fato de que o paciente irá atuar suas reações transferenciais primor dialmente à custa de elementos comporta mentais recaídas o que não é desejado no processo terapêutico A transferência do paciente previa mente relacionada à droga é substituída de forma gradativa pela transferência a uma pessoa terapeuta e ao contrário do que se passa com a droga é utilizada para a compreensão do funcionamento do mun do interno do paciente e então promover crescimento Ou seja a utilização de inter pretações de cunho transferencial deve ser mínima nos estágios iniciais da psicotera pia tendo maior efeito nos estágios mais tardios quando o paciente conseguiu subs tituir as atuações do tipo recaída por outros mecanismos adaptativos e que não põem a continuidade do tratamento ou sua integri dade pessoal sob risco tão intenso Na maior parte das vezes o terapeuta pode e deve servir como um parâmetro role model para o paciente De forma di ferente de outras psicoterapias aqui o que está em questão não é a figura idealizada do terapeuta a ser analisada em função do exame de aspectos projetados na transfe rência sendo aos poucos descatexizada e liberada de aspectos superegoicos para uma posterior construção de uma figu ra real não idealizada No tratamento do dependente químico a figura real do tera peuta pode fazer a diferença em função da desorganização maciça do mundo interno do paciente e de sua necessidade de refor Psicoterapia de orientação analítica 827 ço e organização por meio dos elementos maduros e saudáveis transmitidos pelo te rapeuta A dificuldade de terapeutas inexperientes ou menos treinados para lidar com ataques trans ferenciais intensos reside em não identificar ou mesmo não aceitar a carga emocional advin da dessa situação e desavisadamente contra atuar Pacientes dependentes de drogas irão experimentar em seu processo de abster se de substâncias um progressivo cair no vazio que na maioria das vezes é muito desorganizador Em função de característi cas previamente mencionadas neste capítu lo como a incapacidade de frustrarse de forma produtiva ou lidar com adversidades de um modo relativamente organizado es ses pacientes terão no terapeuta e muitas vezes somente nele um ponto de conta to com uma realidade mais saudável Em seu sentido mais dramático seria possível identificar fenômenos no processo trans ferênciacontratransferência que por não serem acted in processados elaborados e transformados em formato mais amadu recido são atuados na relação ou na vida real gerando recaídas secas comporta mentos aditivos relacionados à droga mas sem necessariamente a recaída em si ou recaídas reais O processo de supervisão sistemática de terapeutas menos experientes tende a minimizar tal ocorrência mas mesmo te rapeutas mais treinados podem de forma consciente ou não utilizarse da interpre tação transferencial sem a compreensão do potencial dano que podem causar ao paciente As intervenções mais úteis na psicoterapia sis temática de dependentes químicos são do tipo assinalamento confrontação construção e re forço sendo as interpretações transferenciais utilizadas ao término do tratamento quando a droga praticamente não é mais o tema em questão ou mesmo depois quando o paciente estiver indicado para uma forma de tratamen to de maior aprofundamento como por exem plo a psicanálise Para finalizar é útil relembrar os ele mentos de tratamento psicodinâmico de um dependente químico Uma vez que os objeti vos traçados inicialmente tenham sido atin gidos ao longo do atendimento abstinência constante com aumento da com preensão sobre uso e recaída de drogas podese em alguns casos específicos considerar a indi cação do paciente para um tratamento psi canalítico Esta é a expressão final de um au mento global de compreensão interna por parte do paciente O tema central droga agora é no máximo um aspecto secundário do atendimento encontrandose substan cialmente fora do setting Nesse momento do ponto de vista da técnica psicoterápica começa a haver uma superposição entre os dois formatos e uma indicação para atendi mento posterior dos processos depressivos e ansiosos que fizeram parte da vida psíquica do paciente os quais até então haviam sido manejados por meio do uso de substâncias e que necessitam ser elaborados sob um for mato mais maduro e duradouro Os aspectos depressivos e ansiosos permanecem como um resquício de com portamentos e situações passados e já sufi cientemente elaborados pelo processo su cessivo de exame do mundo intrapsíquico decorrente da psicoterapia Para essas con dições sugerese uma avaliação para psica nálise posterior 828 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Uma abordagem não dogmática flexível criativa não hierárquica empática podendose utilizar da combinação de técnicas muitas vezes discrepantes e concorrentes é importante para melhores resul tados no tratamento 2 Exigese muito tempo e energia por parte do terapeuta para introduzir o paciente ao tratamento e comprometêlo com sua manutenção Elementos narcisistas do terapeuta dificultam a formação de um vínculo terapêutico eficaz 3 Os objetivos do tratamento devem ser formulados antecipadamente e mantidos em foco Dependentes de substâncias irão se apresentar no início com o mundo interno bastante caótico e desorganizado 4 O método psicodinâmico deve ser utilizado em um momento emocional adequado para o paciente timing apropriado para o paciente 5 A necessidade de psicoterapia de orientação analítica do usuário de substâncias depende principal mente do desejo da prontidão e da necessidade sentida do paciente para esse tipo de tratamento A motivação é essencial para o sucesso terapêutico nesse tipo de abordagem 6 A hipótese da automedicação postula o uso de substâncias como tentativa de gerar homeostase entre o meio interno e o ambiente externo e balancear funções desorganizadas do ego 7 Usuários de substâncias procuram controle em vez de erradicação de seus sentimentos com o uso de drogas Os pacientes têm dificuldade de lidar com sentimentos novos mesmo que positivos 8 Constituem nuanças do tratamento psicoterápico a interpretações transferenciais ou mais impactantes devem ser realizadas posteriormente no trata mento devido ao risco de acting out por meio de recaídas no uso de drogas b postura empática inicial e um pouco mais ativa ou diretiva a neutralidade do terapeuta e o silêncio podem ser percebidos como ameaçadores e favorecedores de recaídas no início do tratamento c o terapeuta deve resistir aos ataques transferenciais e evitar contraatuações além disso nem toda recaída deve ser interpretada como um ataque d uso prévio de substâncias não é uma contraindicação para análise contanto que o paciente se mantenha abstinente por um longo tempo antes de ir para o divã e transferese a dependência prévia da droga para a dependência de uma pessoa terapeuta no sentido de buscar reestruturação do mundo interno 9 São dificuldades no tratamento do dependente químico a recaídas frequentes b alexitimia c narcisismo do terapeuta impossibilidade de falhas no tratamento d falta de motivação do paciente e danos no lobo préfrontal que levam a atitudes impulsivas e inconsequentes muitas vezes impos sibilitando contratos terapêuticos 10 Os objetivos da psicoterapia em paciente dependentes químicos são a formação de aliança terapêutica rapport b identificação com elementos saudáveis na relação terapeutapaciente e reestruturação de vínculos c identificação de sentimentos e emoções d diminuição de comportamentos de riscoabstinência constante e manutenção do setting apesar de tentativas do paciente para quebrálo f revisão sistemática do contrato terapêutico necessidade de definir limites g manutenção da abstinência como prioridade do tratamento para se avançar em outros pontos Psicoterapia de orientação analítica 829 REFERÊNCIAS 1 Miller NS editor The principles and practi ce of addictions in psychiatry Philadelphia W B Saunders c1997 2 Washton AM Zweben JE Prática psicoterá pica eficaz dos problemas com álcool e dro gas Porto Alegre Artmed 2009 3 McLellan AT Luborsky L Woody GE OBrien CP An improved diagnostic ins trument for substance abuse patients The Addiction Severity Index J Nerv Ment Dis 198016812633 4 American Psychiatric Association Diagnos tic and statistical manual of mental disor ders text revision DSMIVTR 4th ed Wa shington American Psychiatric Association c2000 5 Kessler F von Diemen L Seganfredo AC Brandão I de Saibro P Scheidt B et al Psi codinâmica do adolescente envolvido com drogas Rev Psiquiatr RS 200325Supl 1 3341 6 Luborsky L CritsChristoph P McLellan AT Woody G Piper W Liberman B et al Do therapists vary much in their success Fin dings from four outcome studies Am J Or thopsychiatry 198656450112 7 Prochaska JO 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hospital geral po de ocasionar sofrimento psíquico e alte rações comportamentais que excedem o que a equipe assistencial considera como reação normal ao adoecimento Isso cos tuma desencadear a solicitação para que um profissional da saúde avalie o estado mental do paciente e auxilie em seu mane jo A esse respeito esclarecemos que neste capítulo não abordamos os transtornos psiquiátricos mais prevalentes no âmbi to do hospital geral Focalizamos em vez disso circunstâncias que nesse ambien te costumam condicionar a intervenção psicoterapêutica De modo geral quem melhor po de cuidar da saúde mental do paciente é seu próprio médico por meio de atitudes psicoterapêuticas O profissional de saúde mental o auxilia nessa tarefa ao discutir a dinâmica psicológica do paciente Isso po de ser feito de uma maneira simples ouvir atentamente permitir desabafos reconhe cer a dificuldade enfrentada pelo colega apontar formas alternativas de compreen der a situação fazer sugestões de manejo Em situações nas quais se percebe a dificuldade do médico ou de membros da equipe em lidar com um paciente ou uma situação clínica o ideal é que o profissional de saúde mental aja como um catalisador deixando a ação a cargo da equipe Nesse caso a consultoria será mais eficaz quanto menos sua pessoa aparecer quanto mais for invisível1 Se a condição emocional do paciente estiver mais afetada aí sim po derá ser necessária a psicoterapia provida por um profissional treinado para tanto Hospital geral oportunidade para a ação O profissional de saúde mental pode tomar a iniciativa das ações de saúde em vez de aguar dar pela solicitação de seus trabalhos Em ge ral o início dessa forma de trabalhar dáse por meio de um screening capaz de detectar os pa cientes que necessitem da intervenção que se oferece como por exemplo tratamento de ta bagismo alcoolismo depressão Valese de uma oportunidade em que muitos pacientes costumam estar mais motivados ou pressio nados a parar de fumar ou de beber A inter venção é breve com entrevista motivacional e estratégia psicoeducacional Em algumas ini ciativas a assistência prolongase após a alta hospitalar24 O ADOECER O impacto de uma doença grave com hos pitalização imobiliza e congela a existência e em consequência nossa relação com o mundo Há quebra de uma linha de con 47 PSICOTERAPIA NO HOSPITAL GERAL Neury José Botega 832 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs tinuidade da vida das funções desempe nhadas no dia a dia de certa previsibilida de que guardamos sobre o dia de amanhã Ocorre uma interrupção da continuidade existencial e da referência temporal É um tempo de suspensão e as preocupações mais imediatas passam a girar em torno do estado corporal e da passagem das horas Essa con dição foi enfatizada por Freud5 em 19145 É do conhecimento de todos e eu o aceito como normal que uma pessoa atormentada por dor e malestar or gânico deixa de se interessar pelas coi sas do mundo externo na medida em que não dizem respeito a seu sofri mento Uma observação mais detida também nos ensina que ela também retira o interesse libidinal de seus ob jetos amorosos enquanto sofre deixa de amar Devemos então dizer o homem enfermo retira suas cate xias libidinais de volta para seu pró prio ego e as põe para fora novamente quando se recupera5 Strain6 postula oito categorias de es tresse psicológico a que está submetido o paciente hospitalizado por uma doença aguda tendo por base as fases psicodinâ micas do desenvolvimento 1 Ameaça básica à integridade narcísica São atingidas as fantasias onipotentes de imortalidade de controle sobre o próprio destino e de um corpo in destrutível Podem emergir fantasias catastróficas com sensação de pânico aniquilamento e impotência 2 Ansiedade de separação não só de pessoas significativas mas de objetos ambiente e estilo de vida 3 Medo de estranhos Ao entrar no hos pital o paciente coloca sua vida e seu corpo em mãos de pessoas desconhe cidas cuja competência e intenção desconhece 4 Culpa e medo de retaliação Ideias de que a doença veio como um castigo por pecados e omissões Pode haver fantasias de ser destruído pelo próprio corpo ou por procedimentos e terapêu tica adotados 5 Medo da perda do controle de funções adquiridas durante o desenvolvimento como a fala o controle dos esfincteres a marcha 6 Perda de amor e de aprovação com sen timentos de autodesvalorização gerados pela dependência pela sobrecarga financeira ou por outros fatores 7 Medo de dano a partes do corpo 8 Medo da dor e da morte A vivência de quem se descobre gravemente en fermo internado em um hospital é a de a par tir de seu próprio corpo deixar de ser dono de si Com as limitações da doença passa a su jeitarse ao corpo e a ele tem que perguntar Posso A vivência é de tornarse escravo do corpo e do tempo ter de se adaptar às regras e ao ritmo da instituição A enfermidade trans forma o homem de sujeito de intenções em su jeito de atenção As pessoas reagem de modos diferen tes às doenças e à internação hospitalar Os fatores que determinam respostas distintas a essas condições não são conhecidos em sua totalidade Entretanto o significado pessoal e subjetivo que a doença física des perta parece ser o fator fundamental Este é modulado por características de persona lidade pela história de vida pelas circuns tâncias sociais e pela própria natureza da patologia e de seu tratamento As ameaças e frustrações que acom panham o adoecer podem ser intensas a doença passa a ser a marca da impotência transformase em uma ferida psíquica que não cicatriza ainda que de fato as coisas Psicoterapia de orientação analítica 833 estejam dando sinais de melhora Algumas pessoas têm seu sofrimento prolongado pois não conseguem elaborar a situação de perda luto patológico Indivíduos acostumados a manter ri gidamente o controle de diversos aspectos de suas vidas poderão relacionarse de for ma exasperada com seus cuidadores Não abrem mão de uma posição de comando exigindo a todo momento que se aten dam suas inúmeras solicitações Outros com traços de instabilidade e incontinência emocionais terão reações exacerbadas de mandarão mais atenção do que o normal Não raramente tais pacientes despertam raiva e esgotamento O profissional da saú de poderá nesses casos sentirse explora do controlado e responderá com hostili dade Nesse caso ele se enredou na trama emocional do paciente e perdeu a capaci dade de discriminação7 Mecanismos de defesa Os mecanismos psicológicos de adaptação à doença e à hospitalização podem ser es tudados sob as vertentes psicodinâmica mecanismos de defesa modalidades de apego personalidade fisiológica estres se e cognitiva locus de controle coping A ideia de mecanismos de defesa ocorreu a Freud quando ele se deu conta da resistên cia que seus pacientes manifestavam contra representações inconciliáveis conteúdos penosos que chegavam à consciência Inicialmente descritos como defensivos mecanismos psicológicos de defesa são es senciais na própria constituição do sujeito de sua personalidade capazes de propor cionar uma espécie de viabilidade mental na relação do indivíduo com a realidade incluindose sua realidade mais íntima e pessoal às vezes apenas sentida e despro vida de representações mentais8 Aqui abordamos três mecanismos de defesa observados com frequência em situa ções de adoecimento negação regres são e deslocamento Negação O paciente age como se não estivesse sob ameaça É um recurso para evitar sofrimen to medo e desespero Pode postergar ou abandonar o tratamento desacreditar nos resultados de exames agir como se nada de grave estivesse acontecendo ou tentar fazer crer que seu problema clínico é de natureza mais branda do que todos estão pensando Outras vezes observase uma pessoa que embora submetida a procedimentos inva sivos e dolorosos não faz perguntas sobre a razão de sua internação ou dos remédios que está tomando De certa forma a racionalização ou tro mecanismo de defesa bastante obser vado na clínica apoiase na negação e no isolamento de sentimentos penosos O pa ciente poderá querer conversar às vezes até de forma animada sobre os aspectos técni cos de seu diagnóstico e tratamento Outra forma de negar conflitos e sentimentos é a banalização Dáse a um problema sério apenas alguma importância o assunto logo é mudado ou se segue uma brincadeira Características como as descritas po dem constituir traços de caráter mais ou menos integrados à personalidade Essas posturas de defesa precisam ser respeita das Significam afinal a impossibilidade de suportar a carga emocional advinda da situação de doença Para muitos pacientes certo grau de negação é um mecanismo útil para enfrentar a ansiedade despertada por doença e cirurgia iminente Quando im pedem o bom curso do tratamento aí sim precisam ser abordadas em uma tentativa de enfraquecêlas 834 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs É preciso respeitar o tempo interno do pa ciente e não forçálo a enfrentar verdades Arrombarlhe portas e janelas do ego impon do a realidade dos fatos é uma violência Tal conduta responde mais à angústia e ao despre paro do médico Não se refere à necessidade de franqueza e de eficiência na tarefa médica As clássicas perguntas Revelar ou não o diagnós tico Quando e Como falar devem ser respondidas após parar para ouvir um pouco mais o paciente com atenção à linguagem ver bal e não verbal até que se possa intuir o que ele deseja e suporta saber São comuns situações nas quais a ne gação de um diagnóstico foi compactuada entre médico e familiares que decidiram não comunicar algo penoso mesmo quan do o paciente se encontra em plenas condi ções mentais de lidar com os sentimentos que tal revelação provocaria A observação no paciente de instabilidade afetiva com crises de choro irritabilidade insônia bem como demanda exagerada e desnecessária de atenção pode indicar a falência do meca nismo de negação um sinal de que a pessoa já pode e necessita abrirse com alguém Regressão O impacto psicológico da doença aliado às próprias condições de uma internação na qual o paciente recebe cuidados básicos de higiene alimentação e medicação favorece o mecanismo de regressão A atualização de um modo de funcionamento ligado a etapas mais precoces do desenvolvimento permite satisfações de necessidades afeti vas primitivas Além disso o paciente po de adotar uma posição muito passiva não demonstrar força para reagir regredindo em seu comportamento e suas necessida des chegando às vezes a fases não verbais e não motoras A regressão nada tem de anormal em uma situação grave e aguda na qual o paciente precisa se colocar nas mãos da equipe médica e deixarse cuidar Aliás a incapacidade de entregarse a certo grau de regressão forçandose a uma perfeita adaptação à doença pode com o tempo ser prejudicial Quando se prolonga no de correr do tratamento a regressão aumenta desnecessariamente a permanência no leito incentiva a dependência e retarda a conva lescença podendo chegar ao hospitalismo Tal comportamento impede o paciente de usar recursos pessoais mais maduros para enfrentar as dificuldades presentes impri mindo a ideia de que participação mais ativa no tratamento implicará maior sofrimento A regressão é favorecida pela situação real de dependência na qual a pessoa se encontra e pela atitude dos familiares e da equipe as sistencial se passam a tratar o paciente como criança Essa modalidade de relação se pre ponderante poderá reforçar o comportamento regredido passando para o paciente a impres são de que o julgam de fato incapaz impres são de que não adianta se esforçar por si pois não conseguirá A atitude oposta Vamos lá Só de pende de você é igualmente inadequada É preciso imaginar como se sente uma pes soa acamada e deprimida sem motivação ao ouvir alguém dizer que só depende dela É provável que se sinta mais incapaz mais só sem apoio e sem compreensão Devese tratar a pessoa adoentada com de licadeza mas sem infantilizála O paciente necessita de gotas de otimismo não de uma convocação para a saúde dada de for ma eufórica ou condenatória Durante meses você é inserido em lu gares aparentemente protetores com Psicoterapia de orientação analítica 835 hierarquias histeria e acessos de raiva que não são seus num vórtice de dias que não são seus Você é tratado como um jogador de futebol Vamos lá não desista Você tem que conseguir Onde está sua coragem Você precisa coope rar vamos lá Ou então como se fos se um bebê Agora eu quero que você venha e pegue este lápis com sua mão esquerda E você não consegue nem sequer fazer isso Você é mergu lhado num ambiente infantil de ber çário Agora vamos lavar nosso ros to Será que queremos um pouco de queijo em nossa sopinha Agora va mos tomar nosso comprimido nosso comprimido para dormir nosso tran quilizante Mas o único eu nesse nós o único que é obrigado a lutar e sofrer é você mesmo A doença tor na você dependente Essa dependên cia faz você regredir à infância9 Deslocamento Em algum momento no curso do trata mento o paciente poderá deslocar sua raiva contra um familiar ou contra a equi pe médica culpálos pela doença ou por algum acontecimento tentando aplacar a angústia e a revolta que não consegue conter Em geral essa reação é passagei ra correspondendo a uma fase na qual o paciente ainda se encontra sob o impacto de um diagnóstico ou de alguma notícia adversa A atitude do paciente enraivecido por sua condição de doença e de depen dência poderá ser de arrogância e desprezo ou exigirá tal nível de dedicação que afas tará as pessoas dele Podem ser ativados outros mecanismos de defesa psicológica considerados mais primitivos surgidos de forma mais precoce no desenvolvimento psíquico como é o caso da identificação projetiva da idealização e da negação psi cótica A equipe assistencial passará a colocá lo no gelo ou mesmo de alguma manei ra agredilo de forma sádica ainda que passivamente Devese lembrar que em casos como esse costuma haver um pro cesso de contaminação no qual os sen timentos do paciente em especial suas ne cessidades mais primitivas podem influen ciar e modificar o modo como as pessoas agem em relação a ele O PSICOTERAPEUTA NO HOSPITAL GERAL Antes de examinar as adaptações técnicas requeridas nas intervenções psicoterapêu ticas que se dão à beira do leito devemos reafirmar a máxima de que a précondição mais importante nessa situação é o vín culo que se estabelece entre o terapeuta e o paciente Sem aprofundar o estudo da natureza do que se entende por vínculo aqui vamos abordar alguns aspectos que no âmbito do hospital geral costumam influenciálo Os estudos de Michael Balint10 tor naram a personalidade do paciente bem como a do médico objeto de investigação a partir de uma compreensão da intera ção entre médico e paciente no contexto clínico Segundo Balint10 o paciente traz ofertas sintomas doenças ao médico que as avalia aceitaas ou não Essa avalia ção passa pela abertura e pela capacidade do profissional para ouvir e examinar com atenção o que é trazido à consulta As ofer tas são apresentadas de modo desorgani zado em termos de afetos e de emoções O paciente pode se mostrar angustiado e confuso quanto à compreensão do que se passa A medida inicial de um profissional dedicado é procurar dar ordem a tais rea ções e sentimentos compreendendoos e 836 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs procurando ajudar o paciente a ressignifi cálos ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Paciente do sexo masculino 60 anos ainda em atividade profissional hospitalizado em uma unidade coronária com infarto agudo do mio cárdio Após haver sido comunicado sobre a ne cessidade de realização de um cateterismo car díaco reagiu com mutismo ensimesmamento e negação dos medicamentos e da alimentação A avaliação psiquiátrica foi então solicitada Apurouse que o paciente havia sido informa do sumariamente que seria submetido ao re ferido exame sem que lhe fossem explicadas as razões Também não sabia como era o pro cedimento Isso havia sido suficiente para ele fantasiar que seria operado com grandes chances de morrer no ato cirúrgico A angús tia o medo o desconhecido a perda do con trole sobre seu destino e sobre sua vontade ge raram sua reação Esta pode ser interpretada como uma tentativa de retomar o controle so bre si mesmo atitude que forçaria a alta hos pitalar e a preservação de sua vida Em traba lho gradativo foi feito o redimensionamento da informação recebida A elaboração psíquica de terminou o desaparecimento dos sintomas e a mudança de comportamento10 Acostumados a lidar com manisfe tações da mente muito do que os profis sionais de saúde mental estudam e veem não é claramente derivável de um espaço corporal Os fenômenos psicopatológicos observados em geral não se delimitam no corpo físico mas em um espaço de repre sentações Ao entrar em uma enfermaria de hospital geral o psicoterapeuta é assaltado pela corporalidade tangível das doenças or gânicas Acostumados às dores da alma nossos olhos assustados voltamse para corpos que sentem dor para uma morte concreta escreveu um residente de psi quiatria ao fim de seu estágio no serviço de interconsulta11 Saí daquele quarto com enjoos que rendo pôr para fora uma sensação de medo e dor como há muito tempo não sentia MH e seu sofrimento me acompanharam naquela noite e ao acordar pude perceber claramente que as dores que eu trazia para casa eram minhas próprias dores diante do ine xorável que é a perspectiva do morrer Foi entre assustado e triste que obser vei o cesto do lixo quando voltei para visitar minha paciente O esboço de sorriso da primeira entrevista desa parecera junto aos cabelos que agora repousavam no lixo Ao seu lado ha viam instalado um monitor cardíaco No braço inchado e repleto de hema tomas muitas cânulas chegavam tra zendo remédios e soro Já me acostumara com o rosto triste e sem sorriso com a falta de cabelos e de palavras Nossos encontros eram longos momentos de silêncio inter rompidos algumas vezes por pergun tas e pedidos de ajuda A segunda quimioterapia não teve os resultados esperados A médica que acompanhava o caso veio me procu rar Estava aflita disse que por essa não esperava Combinei uma reunião com algumas pessoas da equipe assis tencial dois médicos e dois alunos do internato que estão estagiando na He matologia Não me deixe morrer diz MH numa sextafeira às vesperas de um feriado Mas eu não sou seu médico hematologista tampouco Deus pen sei depois com raiva e tristeza Naquela noite casualmente me en contrei com a médica que cuidava da paciente no refeitório do hospi Psicoterapia de orientação analítica 837 tal Ela me perguntou o que eu havia feito pois a paciente havia chorado toda a tarde Pude perceber que em muitos momentos eu falava de al guém que precisava de ajuda no ca minho de morrer e os colegas médi cos falavam de uma possibilidade de aumentar seus meses de vida Nessas oca siões percebia que eu representava o lado da morte e os médicos mostra vam o desejo de dar à paciente a vida Após a terceira quimioterapia MH teve uma remissão do quadro que lhe dava uma sobrevida de aproximada mente um ano segundo seus médi cos Ela diz ter esperança queria poder viver mais sobreviver O contato com pacientes da cirurgia e da clínica médica muitas vezes reacen de ansiedades hipocondríacas frequentes entre médicos tão notáveis no tempo da graduação Em situações como a vivida por esse médico residente o profissional de saúde mental pode ter uma sensação de estranheza sentirse sem referencial como alguém obrigado a sair de seu campo de atuação Precisará ser flexível A adoção de um referencial rigidamente polarizado para o biológico ou para a psicanálise por exemplo pode encobrir os conflitos des pertados pela novas demandas que chegam ao terapeuta12 No âmbito de um hospital geral lidase não so mente com reações aos fatos da vida e da morte de pacientes em particular mas também com a totalidade das transações interpessoais que se dão em um microuniverso ele próprio sujeito a tantas regras explícitas e implícitas Os senti mentos vivenciados se não forem discrimina dos e compreendidos poderão interferir de for ma prejudicial no desenrolar das intervenções psicoterapêuticas Em um texto seminal Mendelson e Meyer13 chamam a atenção para o que de nominam de reações contratransferenciais do interconsultor psiquiátrico Estas acre ditamos também se aplicam ao psicotera peuta no hospital geral Quatro situações são destacadas pelos autores as quais com frequência provocam sensação de impo tência raiva negação evitação esqueci mentos ou identificação excessiva com os pacientes 1 Inconveniências físicas e psicológicas do trabalho em ambiente médico As instalações físicas de uma enfermaria em nada se parecem com as de um consultório especialmente montado para atender às necessidades do psico terapeuta A entrevista realizase com sacrifício da privacidade em geral com interrupções A comunicação pode ser dificultada pelas limitações impostas pe la doença ou pelos recursos empregados em seu tratamento O paciente pode não se encontrar disponível exames curati vos ou outros procedimentos ou estar muito fatigado dificultando a avaliação 2 Presença de doenças graves e risco de morte Cada um de nós tem seus con flitos e preocupações em relação ao adoe cimento a doenças crônicas a situações de desamparo e de morte O psicoterapeuta pela própria natureza de seu trabalho expõese mais e apro ximase emocionalmente dos pacientes com interesse pelo seu sofrimento e desespero Precisa em certa medida identificarse com esses pacientes a fim de melhor compreendêlos É quando pode sentirse desmotivado pessimista com a sensação de que no lugar do paciente estaria emocionalmente do mesmo jeito Essa reação pode levar à falha diagnóstica e ao imobilismo terapêutico 838 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 3 Dilemas e frustrações relacionados a pacientes de difícil manejo Pacientes de difícil manejo acometidos por patolo gias orgânicas trazem muitas dificul dades para a equipe assistencial e para o psicoterapeuta Esses indivíduos não se adaptam à internação manifestam pouco interesse pelo tratamento costu mam desprezar os esforços terapêuticos a eles dirigidos Tendem a provocar na equipe assistencial muita frustração raiva e desestímulo Também podem deixar o psicoterapeuta incerto quanto aos objetivos e aos limites de sua atua ção 4 Condições de miséria e de desagregação familiar No hospital geral é comum avaliarmos pacientes que não terão para onde ir após a alta hospitalar ou cuja família encontrase totalmente de sagregada enfrentando o desemprego às vezes abalada por brigas e dissensões ou intensamente ameaçada pelo com portamento desajustado de um de seus membros O médico assistente pode perceber essa situação como algo fora de sua esfera de responsabilidade esperan do que o psiquiatra ou psicoterapeuta de alguma forma possam ajudar Cabe lembrar que o profissional de saúde mental chamado à enfermaria po de ser aguardado com muita expectativa e idealização dele se espera uma solução rápida às vezes mágica por meio de po deres de penetrar na mente e de persuadir Entretanto a entrada desse profissional na relação médicopaciente pode acentuar fantasias paranoides de cerceamento de um poder reparatório que ansiosamente o médico gostaria de reter para si14 Assim o profissional de saúde mental pode ser mui to idealizado em um momento e a seguir ter de enfrentar hostilidade ciúme e des confiança O interconsultor não deve se esquecer das características especiais do am biente em que se move no qual exis te sempre o perigo latente de verse arrastado para situações de conflito identificandose com aspectos ou par tes destes aliandose ao médico con tra o paciente ou ao paciente contra o médico perdendo de vista o marco habitual que deve presidir seu traba lho Portanto é imperioso que o inter consultor preserve seu setting de tra balho Este setting não tem os aspec tos formais estáveis que medeiam o intercâmbio como o espaço geográ fico determinado o estabelecimento de horários entre outros Em conse quência o interconsultor necessita respaldarse em seu próprio setting in terno isto é na possibilidade de man ter uma distância emocional mínima e adequada para operar com seu pró prio esquema referencial15 ADAPTAÇÕES DA TÉCNICA No hospital geral indicase a psicoterapia para pessoas que reagem à doença aguda com insegurança desproporcional fan tasias devastadoras medo angústia sin tomas depressivos ou ansiosos Também o paciente com doença crônica tende a necessitar de psicoterapia de apoio a fim de suportar a convivência com limitações ou em outras ocasiões superálas e man ter uma qualidade de vida aceitável apesar da doença Nesse ambiente é fundamental distinguir nas reações do paciente trans tornos mentais comórbidos como por exemplo depressão delirium e abstinência de drogas psicoativas16 Podese afirmar seguramente que técnicas psicanalítica cognitiva e compor tamental mesclamse com frequência na construção da prática de psicoterapia no hospital geral A complexidade dos pro Psicoterapia de orientação analítica 839 blemas clínicos impõe a necessidade de alto nível de competência e de maleabili dade para as adaptações da técnica psico terápica Há necessidade também de conheci mentos básicos sobre a doença sofrida pelo paciente bem como sobre as investigações e tratamento a que ele está submetido Isso pode ser obtido se o profissional de saúde mental mantiverse próximo da equipe as sistencial e se participar sempre que possí vel das discussões clínicas No âmbito do hospital geral as inter venções psicoterapêuticas a objetivam resultados mais imediatos práticos e de acesso mais fácil b têm referencial teórico eclético c são mais orientadas para o mundo cons ciente do paciente d adotam metas mais limitadas e objetivas Devese identificar quais situações existenciais dominam as preocupações do paciente e então focalizar a intervenção em torno desses temas Ainda que nossa compreensão seja baseada no referencial psicodinâmico as estratégias de interven ção são ecléticas e mais condizentes com o que se entende por psicoterapia de apoio17 É aconselhável livrarse da obsessão de encontrar explicações psicológicas para os sintomas De modo geral devem ser consideradas as fontes de estresse mais imediatas às quais o paciente está reagindo e suas preocupações conscientes em rela ção a elas Os eventuais insights psicodinâ micos devem auxiliar o raciocínio do pro fissional orientar o manejo do caso e nun ca se transformar em interpretações dadas ao paciente ou em formulações rebuscadas oferecidas à equipe assistencial1 O lugar da consulta em geral não oferece a necessária privacidade mas isso não deve ser um impedimento É preciso ser criativo se o quarto for coletivo diri girse com o paciente se possível até um lugar que ofereça mais privacidade às ve zes basta um canto de corredor com duas cadeiras se o paciente não puder deam bular sentarse à cabeceira da cama falar mais baixo Às vezes o colega de quarto se solicitado com delicadeza pode não se im portar em se afastar e assim proporcionar a desejada privacidade O tempo de cada sessão varia de 15 a 30 minutos sempre adaptado a duas circunstâncias a condição do paciente e a rotina dos cuidados hospitalares É preciso ser flexível Desse modo a entrada e a saída de outros profissionais as interrupções os adiamentos e cancelamentos decorrentes das ações médicas antes de serem conside rados quebra de setting devem ser encara dos como parte deste cuja principal carac terística é a flexibilidade adaptativa1820 Outro aspecto a ser considerado é o tempo médio de permanência do paciente no hospital o que determinará o programa do tratamento psicológico A lógica desse tempo orientará o psicoterapeuta no sen tido de otimizar seu trabalho fazendo um percurso curto intenso e eficaz Se neces sário o acompanhamento psicoterapêu tico deve ser diário com planejamento de seguimento após a alta Por vezes é impe rativo envolver familiares e cuidadores in cluindo membros da equipe assistencial no processo psicoterapêutico Algumas limitações em relação à psi coterapia de apoio precisam ser lembradas por ser limitada no tempo de duração e nos objetivos é mais indicada em situações de crise A personalidade do paciente deve ser relativamente bem estruturada espera se capacidade de abstração e de vínculo aliança terapêutica e notadamente deve haver motivação As resistências em rela ção a submeterse a uma psicoterapia não devem ser fortes como nos casos em que 840 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs há mecanismos de evitação e de negação Nesse sentido convém lembrar que nos casos de transtornos de somatização a ex pressão de um conflito no espaço corporal já é uma maneira de expelir a dor do es paço mental o que dificulta o engajamento na psicoterapia PSICOTERAPIA NA CRISE SUICIDA Aqui tratamos como exemplo dos aspec tos relacionados à intervenção psicológica em situações de crise tomando por base nossa experiência em atender pessoas em risco de suicídio21 Em situações de crise o significado de um acontecimento de uma situação ines perada precisa ser encontrado e integrado à história do sujeito incorporandose a uma nova perspectiva de vida Nesse pro cesso entre outros fatores há a influência de como o indivíduo percebe os fatos bem como de sua capacidade ou incapacidade de enfrentar situações adversas Transposta para o campo da saúde mental a crise pode levar a um colapso existencial com vivências de angústia e desamparo de incapacidade e esgotamen to de falta de perspectiva de solução um não encontrar saída Se ultrapassar a capa cidade pessoal de reação e de adaptação pode aumentar a vulnerabilidade para o suicídio que pode ser visto como solu ção única para uma situação insuportável configurandose o que chamamos de crise suicida22 A intervenção terapêutica terá por objetivo dar apoio emocional e ativar no indivíduo sua ca pacidade psíquica assim como seus recursos sociais a fim de enfrentar de maneira adap tativa os efeitos da crise Se uma pessoa sen tir que estamos a seu lado poderá se acalmar e por extensão pensar em vez de agir fa lar sobre sua vontade de morrer é diferente de concretamente colocar a vida em risco A partir de então a própria pessoa poderá nos ajudar a continuar a ajudála A princípio é importante tomar co mo foco o conteúdo frustração conflito necessidade expresso pela pessoa O aten dimento de crise exige isso Entretanto também é importante atentar para o con teúdo latente do que se ouve aos sentimen tos indiscriminados e conflituosos às falsas crenças aos pensamentos automáticos que impedem uma visão mais ampla ou alter nativa para como se dão os relacionamen tos mais importantes Tudo isso se for o caso poderá ser abordado mais tarde com calma quando houver maior capacidade para a reflexão O tema suicídio é em si mobilizador porque contraria a lógica de um instinto de sobrevivência e porque não se encontra uma explicação simples sobre o que leva uma pessoa a tirar a própria vida Como consequência há em quem lida com pa cientes suicidas uma compreensível ten dência a se proteger uma vez que não se pode ignorar o nível de agressividade en volvido no suicídio Os sentimentos que invadem o profissional constituem matériaprima para o entendimen to do que o paciente procura comunicar e que muitas vezes não consegue transmitir em pa lavras Da mesma forma o profissional deve to lerar seus próprios sentimentos difíceis e con fusos até que possam tornarse pensamentos e posteriormente palavras a serem discutidas Psicoterapia de orientação analítica 841 É inegável que diante da urgência e da angústia que a tentativa ou a ideação suicida nos impõem possamos ser levados a tentar conduzir o paciente para algo em que realmente acreditamos uma ideo logia uma fé No entanto separar as coisas crenças sentimentos desejos sem as negar faz parte do treinamento muitas vezes sofrido dos profissionais da saúde A contratransferência não é uma percepção em sentido estrito mas um in dício de grande significado semiológico não só para o analista como também para os profissionais da área da saúde em ge ral2325 O medo de que o paciente irá se matar tende a bloquear nossa capacidade de lidar com esse perigo Uma reação possível diante do medo é se afastar protegendose O afastamento aversivo impede a sintonia empática instalase uma dissonância afe tiva e terapeuta e paciente acabam desco nectados Sem conexão perdese uma das forças capazes de manter o paciente vivo este se sente abandonado e isso aumenta o risco de suicídio Sob outra perspectiva a proximida de afetiva exagerada leva a pensar que no lugar dele eu também me sentiria assim Essa reação pode ser paralisante e conduzir a erros Diante das difíceis condições en frentadas por muitos de nossos pacientes temos que estar atentos para não nos im pregnar por um sentimento de impotência e desesperança Muitas vezes o profissional sente que o paciente avança na relação além de um limite desejável Sente que de uma forma regressão com demanda de proximidade ou de outra desconfiança hostil com re jeição de ajuda o paciente controla o tra tamento Em resposta pode não responder às necessidades do paciente ou minimizá las Podese chegar em um limite poten cialmente desastroso à passividade sádica e punitiva Em geral a frieza do profissional é logo percebida pelo paciente que a tra duz como rejeição e abandono A reação contrária também pode ocorrer diante da incerteza e da impotência e reagindo de forma inconsciente a seus próprios impulsos de raiva o profissional passa a superproteger o paciente dedica se às suas demandas Toma para si com onipotência a responsabilidade pela vida daquele que está sob seu cuidado profissio nal Muitas vezes nessa situação a atitude do profissional esconde o temor de que o paciente se mate com isso abandonando o e ferindolhe íntima e narcisicamente Antes referimonos à importância do ouvir sem julgar discriminando e validan do os sentimentos Todavia sabemos que em certas situações a adoção de uma pos tura do tipo solução de problemas que investiga mais sugere traça um plano con junto para enfrentar um problema defini do pode ser mais efetiva na prevenção de suicídio26 Quadro 471 Há vantagens e desvantagens em cada uma dessas posturas O profissional experiente intui o momento de ser flexível Cada um de nós suporta ansiedade ambiguidade e risco e lida com isso de uma maneira característica Diante de uma si tuação que envolve risco de suicídio do pa ciente alguns terapeutas procuram man ter ao máximo o controle da situação minimizando o grau de incerteza Tendem então a ser mais diretivos a tomar mais providências de resguardo da vida Outros terapeutas na mesma situação clínica su portam mais a ansiedade e assumem maior risco Fazem isso na esperança de promo ver a autonomia do paciente contando que este não tentaria pôr cabo à vida É preciso reconhecer que ambas as tendências são adotadas alternativamen te por todos nós de acordo com o mo mento de vida pelo qual passamos Por is so é importante nos perguntar diante de 842 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs cada paciente que atendemos com risco de suicídio onde nos encontramos ao longo desse continuum que vai da necessidade de ter o máximo controle à postura de ter um mínimo controle da situação clíni ca Isso significa alcançar maior consciên cia dos próprios vieses tanto os que são constitutivos da personalidade quanto os da fase da vida ou os momentaneamente precipitados pelo contato com determina do paciente Pessoas sob risco de suicídio exigem bastante de nossa vitalidade e de nossa esperança Se não estivermos bem emo cionalmente o contato com pacientes em sofrimento profundo pode ser muito di fícil Além da psicoterapia pessoal o pro fissional de saúde mental deve contar com QUADRO 471 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE DOIS ESTILOS DE ENTREVISTAS NO ATENDIMENTO DE PESSOAS COM RISCO DE SUICÍDIO Escuta ativa Solução de problemas Aliança terapêutica O vínculo que se estabelece entre as duas pessoas assegura a comunicação e possibilita o processo de ajuda Avaliação do risco de suicídio Tarefa obrigatória há perguntas imprescidíveis cujas respostas orientam de modos diferentes o entrevistador Escuta ativa o profissional escuta com calma e respeito não conduz a conversa Sentirse com preendido perceber que alguém se importa con sigo isso acalma o paciente e ajudao a compreen der a situação Descoberta de soluções ao compreender melhor a situação o paciente pode mudar seu ponto de vista e por si encontrar soluções Mantém postura acolhedora Faz perguntas gerais e raras Resume compreensivelmente o relato Sugere reformulações de ponto de vista Explora sentimentos e emoções Ajuda a refletir sobre sentimentos ambivalentes Incentiva a busca por soluções Investigação o profissional investiga os princi pais problemas enfrentados pelo paciente per gunta mais e é mais diretivo Junto com o interlo cutor elege um problema principal e focalizase nele Busca por recursos o profissional identifica novas possibilidades de enfrentamento e inicia com o paciente a busca de recursos para a solu ção do problema Mantém postura investigativa Faz perguntas diretas sobre os problemas Explora fatores precipitantes Aconselha e sugere Pergunta sobre recursos externos de ajuda Propõe contrato de não autoagressão Combina um plano de ação Fonte Adaptado de Mishara e colaboradores26 Principais intervenções do terapeuta Psicoterapia de orientação analítica 843 espaços de reflexão como costuma ocorrer em uma boa reunião clínica ou em uma supervisão É importante reconhecer e res peitar os próprios limites Intuir a hora de pedir ajuda e pedir é imprescindível para quem lida com crises humanas PONTOSCHAVE DO CAPÍTULO 1 Na doença aguda com hospitalização as preocupações mais imediatas envolvem o estado corporal e a passagem das horas 2 É fundamental distinguir nas reações do paciente a presença de transtornos mentais como por exem plo depressão delirium e estados de abstinência de drogas psicoativas 3 Certas posturas de defesa psíquica como por exemplo negação regressão deslocamento precisam ser respeitadas Significam afinal a impossibilidade de suportar a carga emocional advinda da situa ção de doença Quando elas impedem o bom curso do tratamento aí sim precisam ser abordadas 4 Ao entrar em uma enfermaria de hospital geral o psicoterapeuta sai de seu campo de atuação é assaltado pela corporalidade tangível das doenças orgânicas tem controle apenas relativo sobre o setting movese entre regras explícitas e implícitas locais Essa situação provoca angústia e exige flexibilidade do profissional 5 As intervenções psicoterapêuticas objetivam resultados mais imediatos práticos e de acesso mais fácil têm referencial teórico eclético são mais orientadas para o mundo consciente do paciente ado tam metas mais limitadas e objetivas 6 Devese evitar a busca por explicações psicológicas É preciso considerar as preocupações do paciente e as fontes de estresse mais imediatas às quais o paciente está reagindo e suas preocupações conscientes em relação a elas Os eventuais insights psicodinâmicos devem auxiliar no manejo e não se transformar em interpretações 7 Limitações ao setting devem ser aceitas e quando possível contornadas uma conversa estritamente privada nem sempre é possível as sessões devem ser mais curtas precisa haver flexibilidade em relação a cancelamentos e interrupções devese considerar o curto tempo de permanência no hospital bem como as dificuldades para a continuidade após a alta hospitalar REFERÊNCIAS 1 Furlanetto LM Estratégias psicoterapêu ticas em interconsulta Rev Bras Psicoter 2006818798 2 Botega NJ Mitsuushi GN Azevedo RC Lima DD Fanger PC Mauro ML et al De pression alcohol use disorders and nicoti ne dependence among patients at a general hospital Rev Bras Psiquiatr 2010323250 6 3 Azevedo RC Mauro ML Lima DD Gaspar KC da Silva VF Botega NJ General hospital admission as an opportunity for smoking cessation strategies a clinical trial in Brazil Gen Hosp Psychiatry 2010326599606 4 Gaspar KC Santos Jr A Azevedo RC Mau ro ML Botega NJ Depression in general hospital inpatients challenges for consulta tionliaison psychiatry Rev Bras Psiquiatr 20113333057 5 Freud S Sobre o narcisismo uma introdu ção 1914 In Freud S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud edição stan dard brasileira Rio de Janeiro Imago 1974 v 14 p 98 6 Strain JJ Psychological interventions in me dical practice New York AppletonCen turyCrofts c1978 844 Eizirik Aguiar Schestatsky orgs 7 Botega NJ Pacientesproblema In Botega NJ Prática psiquiátrica no hospital geral in terconsulta e emergência 3 ed Porto Ale gre Artmed 2011 p 6274 8 Laplanche J Pontali JB Vocabulário de psi canálise 8 ed São Paulo Martins Fontes 1985 9 Tournabuoni L O misticismo do sofrimen to ainda me irrita Folha de São Paulo 1993 nov 1 10 Balint M O médico seu paciente e a doença Rio de Janeiro Atheneu 1975 11 Jacintho ACA A interconsulta psiquiátrica dificuldades de um interconsultor mono grafia Campinas UNICAMP 1988 12 Botega NJ Relação médicomédico In Bo tega NJ Prática psiquiátrica no hospital ge ral interconsulta e emergência 3 ed Porto Alegre Artmed 2011 p 8897 13 Mendelson M Meyer E Countertransfe rence problems of the liaison psychiatrist Psychosom Med 19612311522 14 Knobel M La relación entre el médico y el psicoterapeuta em el tratamiento de la enfer medad somática Acta Psiquiátrica y Psicoló gica de América Latina 19863213140 15 Luchina IL Luchina NE Ferrari HF La in terconsulta médicopsicológica en el mar co hospitalario Buenos Aires Nueva Visión 1971 p 130 16 Griffith JL Gaby L Brief psychothera py at the bedside countering demoraliza tion from medical illness Psychosomatics 200546210916 17 Leichsenring F Hiller W Weissberg M Lei bing E Cognitivebehavioral therapy and psychodynamic psychotherapy techniques efficacy and indications Am J Psychother 200660323359 18 Figueiredo JHC Abreu MDS Psicoterapia em hospital geral técnicas e eficácia Inform Psiq 1997162536 19 Penna TLM Psicoterapias em instituições médicas In Mello Filho J Burd M Psicos somática hoje 2 ed Porto Alegre Artmed 2010 p 4916 20 Cassorla RMS O psiquiatra na equipe médi ca retratos e caricaturas Cadernos do IPUB 199764558 21 Botega NJ Silveira IU Mauro MLF Telefo nemas na crise percursos desafios na pre venção do suicídio Porto Alegre Artmed 2010 22 Hendin H Recognizing a suicide crisis in psychiatric patients In Wasserman D Wa sserman C Oxford textbook of suicidology and suicide prevention a global perspective Oxford Oxford University 2009 p 32731 23 Maltsberger JT Buie DH Countertransfe rence hate in the treatment of suicidal pa tients Arch Gen Psychiatry 1974305625 33 24 Gabbard GO A contemporary psychoa nalytic model of countertransference J Clin Psychol 200157898391 25 Guthrie E Psychotherapy In James Leven son editor The American Psychiatric Pu blishing textbook of psychosomatic medici ne psychiatric care of the medically ill Wa shington American Psychiatric c2011 p 102142 26 Mishara BL Chagnon F Daigle M Balan B Raymond S Marcoux I et al Comparing models of helper behavior to actual practice in telephone crisis intervention a silent mo nitoring study of calls to the US 1800SUI CIDE Network Suicide Life Threat Behav 2007373291307 A Abordagens psicodinâmicas de situações específicas caráter 477 dependente químico 808 na adolescência 542 na infância 723 paciente ansioso 493 paciente borderline 614 paciente com dor 689 paciente deprimido 513 paciente fóbico 577 paciente idoso 772 paciente histérico 533 paciente hospitalizado 790 paciente narcisista 600 paciente obsessivo 555 paciente psicossomático 659 paciente traumatizado 704 situações perversas na relação psicoterapêutica 632 transtornos alimentares 668 Ação terapêutica 115 teorias 115 histórico 115 ilustração clínica 123 psicoterapia de orientação analítica 120 Adolescência abordagem psicodinâmica na 755 avaliação 762 contrato 762 desafios do processo psicoterápico 766 conceitos psicanalíticos utilizados na técnica 767 família e grupo de iguais 759 inauguração da adolescência 756 mudanças corporais 756 processo de formação da identidade adulta 758 desidentificação 759 novo corpo em cena 758 reatualização edípica 756 setting 762 término 768 Aliança terapêutica 238 conceito 239 ilustração clínica 242 realidade 245 relação real com o terapeuta 238 Atuações e encenações enactments 340 desenvolvimento conceitual 340 ilustração clínica 345 Avaliação 177 diagnóstico psicodinâmico 182 aliança terapêutica 186 o que avaliar 182 adaptação prévia 184 conceito atual 183 exame mental 185 fatores desencadeantes 183 força do ego 184 identificação 182 presença de sintomas 185 relações objetais 184 vínculos 184 entrevista inicial 178 campo da entrevista 179 conceito 178 motivação 180 ÍNDICE 846 Índice técnica 178 transferência e contratransferência 181 ilustração clínica 187 indicações de psicoterapia de orientação analítica 188 contraindicações 189 alcoolismo crônico ou adição a drogas 190 ausência de motivação 190 deficiência mental 190 quadros fóbicos 190 quadros de personalidade borderline 190 quadros depressivos graves 190 quadros obsessivocompulsivos 190 quadros psicóticos agudos 189 síndrome cerebral orgânica 190 transtornos alimentares graves 190 indicações 189 atrasos ou déficits de desenvolvimento 189 conflito atual 189 conflito neurótico 189 crise vital ou acidental em um transtorno de personalidade moderado 189 C Campo e intersubjetividade 128 campo psicanalítico 134 exposição do conceito 134 desenvolvimentos 130 origens 129 Caráter em psicoterapia abordagem do 477 caráter na psicoterapia 485 abordagem do caráter 486 contratransferência na identificação dos traços de caráter 486 fatores do terapeuta 487 ilustração clínica 487 início do tratamento 485 compreensão dinâmica do caráter 479 caráter como destino das pulsões 480 caráter como resultado das relações objetais 481 memória explícita ou declarativa 484 memória implícita ou procedural 484 Conceitos psicanalíticos 77 escola das relações de objeto 77 freudianos fundamentais 62 como era Freud no início 63 início do período psicanalítico 63 65 interpretação dos sonhos 65 três ensaios sobre a teoria da sexualidade 65 período prépsicanalítico 63 estudo sobre a histeria 63 neuropsicoses de defesa 64 projeto para uma psicologia científica 63 metapsicologia freudiana 66 inconsciente 67 instintos e suas vicissitudes 67 luto e melancolia 68 narcisismo introdução 66 trabalhos metapsicológicos complementares e trabalhos culturais 70 malestar na civilização 71 agressão ou destruição 71 antagonismo entre as exigências pulsionais e restrições da civilização 71 psicologia de grupo e análise do ego 70 trabalhos sobre técnica 72 dinâmica da transferência 73 manejo da interpretação dos sonhos na psicanálise 73 recordar repetir elaborar 74 três grandes revoluções 69 além do princípio do prazer 69 ego e id 70 inibições sintomas e ansiedade 70 Contrato 212 elementos constituintes 213 faltas 220 férias 220 frequência 213 honorários 216 reajuste 221 responsabilidade sobre as sessões 214 Contratransferência 310 ampliação do conceito 312 conceito clássico 313 conceito de Freud 311 conceito específico 317 conceito totalístico 314 controvérsias atuais 318 evolução dos conceitos 310 conceito totalístico de contratransferência 310 formulação inicial de Freud 310 proposta de um conceito específico 311 trabalhos de Paula Heimann e Heinrich Racker 310 formas 314 como campo para o paciente adquirir experiência diferente 314 como instrumento para a compreensão das relações de objeto 314 como um obstáculo 314 tipos de identificação 314 complementar 314 concordante 314 repercussões da visão totalística 316 E Ego e suas defesas 98 conceitos fundamentais 98 contribuição de Anna Freud 100 contribuição de Charles Brenner 106 contribuição de Otto Fenichel 102 contribuição de Paul Gray 103 outras contribuições 109 Ética e psicoterapia 403 caráter normativo ou ético do superego 412 introdução ao narcisismo 409 moral 408 psicoterapia e ética 413 religião 404 F Farmacoterapia psicoterapia de orientação analítica 435 avaliação e indicação de tratamento 439 aumento do uso de medicação 437 progressiva evidência de eficácia em diferentes transtornos 437 surgimento de drogas mais seguras 437 pressões da indústria 437 base teórica para tratamento combinado 437 breve histórico 436 considerações sobre indicações de medicamentos 447 avaliar sintomas e efeitos colaterais 448 manejo medicamentoso 448 monitorar a contratransferência 448 revisão sistemática 449 tratamento 442 aspectos gerais 443 combinado 437 modelo de duas doenças 437 modelo internacional 437 execução do tratamento combinado 445 terapeuta prescritor 445 tratamento dividido 448 Fronteiras profissionais violações das 324 326 avaliação e reabilitação de terapeutas acusados 334 educação continuada 336 escolha de um coordenador de reabilitação 335 limitações da prática 336 psicoterapia pessoal 335 supervisão 336 cruzamento de fronteira 325 326 violações não sexuais 328 autorrevelação 330 contato físico não sexual 330 dinheiro e presentes 329 ilustração clínica 329 local de contato 328 tempo 328 estratégias preventivas 336 ética após término da psicoterapia 333 história 325 ilustração clínica 327 perfis de terapeutas que cometem violações 331 paixão 332 psicopatia predatória e parafilias 331 rendição masoquista 332 transtornos psicóticos 331 Fundamentos da técnica psicoterápica de orientação analítica 175 aliança terapêutica 238 atuações e encenações enactments 340 avaliação 177 contrato 212 848 Índice contratransferência 310 fases da psicoterapia 249 insight e elaboração 267 níveis de mudança e critérios de melhora 393 planejamento em psicoterapia de orientação analítica 194 reação terapêutica negativa e impasse 349 setting psicoterápico 224 sonhos 374 transferência 293 violações das fronteiras profissionais 324 Fundamentos teóricos da psicoterapia de orientação analítica 39 campo e intersubjetividade 128 conceitos fundamentais na abordagem do ego e suas defesas 98 conceitos psicanalíticos freudianos fundamentais 62 conceitos psicanalíticos fundamentais na escola das relações de objeto 77 integração da psicanálise com as neurociências 41 modelos psicanalíticos da mente 150 teorias da ação terapêutica 115 G Gênero e psicoterapia 465 estudos atuais 468 evolução dos estudos 466 identidade de gênero e sexual 466 ilustração clínica 470 472 reflexões a partir da clínica 469 H Hospital geral psicoterapia no 831 adaptações da técnica 838 adoecer 831 mecanismos de defesa 833 deslocamento 835 negação 833 regressão 834 estresse psicológico 832 ameaça básica à integridade narcísica 832 ansiedade de separação 832 culpa e medo de retaliação 832 medo da dor e da morte 832 medo da perda do controle 832 medo de dano a partes do corpo 832 medo de estranhos 832 perda de amor e de aprovação 832 ilustração clínica 836 psicoterapeuta no 835 psicoterapia na crise suicida 840 características de dois estilos de entrevista no atendimento 842 escuta ativa 842 solução de problemas 842 I Infância abordagem psicodinâmica na 723 avaliação 728 entrevista com a criança 731 entrevista com os pais 728 contraindicações 735 evidências de efetividade 728 fundamentos teóricos 727 premissas 727 barreiras emocionais ou resistência 728 conhecimento do inconsciente 727 crescimento do paciente 728 criança é o pai do homem 727 padrões emocionais comportamentais e relacionais 727 subjetividade do indivíduo 727 transferências 727 história 723 ilustração clínica 744 indicações 734 objetivo 727 objetivos da psicoterapia 735 peculiaridades da terapia nas diferentes faixas etárias 740 idade escolar 749 idade préescolar 747 intervenções psicoterápicas paisbebês IPPBs 740 guia desenvolvimental de referência 743 processo psicoterápico 736 etapa inicial do tratamento 737 etapa intermediária do tratamento 738 Índice 849 fase final da terapia 739 resultados da avaliação 733 uso de medicação 735 Insight e elaboração 267 aspectos históricos 268 considerações gerais 270 elaboração 282 elaboração na psicoterapia de orientação psicanalítica 286 ilustração clínica 287 modelo bioniano 277 modelo freudiano clássico 273 modelo kleiniano 274 teorias do campo 277 L Luto abordagem do 542 compreensão psicanalítica 544 definição e descrição do luto normal 542 definição e descrição do luto patológico 544 estágios iniciais de perda no desenvolvimento 546 ilustração clínica 549 550 luto vermelho e luto negro 545 processo psicoterápico no luto 547 M Modelos psicanalíticos da mente 150 evoluções pósfreudianas 157 modelo freudiano 154 o que é um modelo 151 teorias psicanalíticas de Freud 156 modelos e estruturas 156 158 primeiro modelo 156 158 teoria trauma 156 158 segundo modelo 157 158 consciente 157 158 inconsciente 157 158 préinconsciente 157 158 terceiro modelo 157 158 ego 157 158 id 157 158 superego 157 modelos na prática clínica 167 mudanças de modelo exemplo 159 passagem de Freud para Melanie Klein e desta para Bion 159 pulsão versus relações com o objeto 162 tensão entre modelos três exemplos 162 conflito versus déficit 166 modelos intrapsíquicos e intersubjetivos 164 N Neurociências 41 integração da psicanálise 41 função do sonho 53 neuropsicologia 50 perspectiva histórica 43 Níveis de mudança e critérios de melhora 393 critérios indicativos de melhora 396 mudança psíquica 394 395 conduta 395 direção 395 itens significativos 397 aceitação consciente das pulsões 397 adequação psicológica global 397 aprofundamento da vida afetiva 398 desinvestimento do analista 398 insatisfação com objetos ou relacionamentos infantis 398 liberdade e franqueza 398 manifestações derivadas 397 mudanças no ego 397 mudanças no id 397 mudanças no superego 397 natureza modificada dos relacionamentos 398 reação alterada 397 redução da importância organizadora das fantasias nucleares 397 particularidades 395 revisão teórica e conceito 394 tempo 395 variáveis 397 avaliação dos resultados 397 critérios de término satisfatório de tratamento 397 estado ideal de saúde mental 397 indicações e contraindicações 397 julgamento de valor 397 850 Índice objetivo do tratamento 397 papel do diagnóstico inicial 397 papel do planejamento 397 teoria da técnica 397 tratabilidade do paciente 397 O Orientação analítica 19 fundamentos da técnica psicoterápica 175 fundamentos teóricos 39 psicanálise e psicoterapia 19 raízes históricas 19 situação atual 19 psicoterapia de apoio 419 classificação 420 definições e objetivos 420 evidências de eficácia 427 indicações e contraindicações 421 mecanismos de mudança 427 sobre a técnica 422 abreação 426 aconselhamento 425 confrontação 426 educação 424 esclarecimento 426 persuasão 425 sugestão 425 tranquilização 424 validação empática 424 ilustração clínica 424 425 426 P Paciente ansioso Abordagem psicodinâmica do 493 modelo do nascimento psicológico distócico 503 catástrofe a perda no espaço infinito 504 hipóteses teóricas 507 ilustração clínica 503 504 transtorno de ansiedade generalizada 493 509 critérios diagnósticos 510 transtorno de pânico 493 496 critérios diagnósticos 497 transtorno de pânico com agorafobia 497 entrevistas iniciais 498 indicações 500 vínculo analítico 501 Paciente borderline abordagem psicodinâmica do 614 características diagnósticas descritivas 616 critérios diagnósticos de acordo com o DSM5 617 definição empírica 615 borderline nuclear 616 limítrofes com a neurose 616 limítrofes com as psicoses 615 diagnóstico psicodinâmico 616 aspectos técnicos das psicoterapias 624 contratransferência 624 intervenções do terapeuta 626 táticas psicoterapêuticas 621 contrato terapêutico 622 tratamento do transtorno de personalidade borderline 618 convergência das controvérsias 621 estratégias psicoterapêuticas 618 holding 620 importância do conteúdo das intervenções 619 importância do processo 620 predominância do conflito 619 predominância do déficit 620 técnicas expressivointerpretativas 619 histórico e evolução do conceito 615 ilustração clínica 627 objetivos da psicoterapia 621 ajustamento da autoestima 621 capacitação para lidar com sentimentos perturbadores 621 fortalecimento das defesas 621 internalização da relação terapêutica 621 validação dos sentimentos 621 organização borderline 617 manutenção do teste de realidade 617 síndrome de difusão da identidade 617 uso de mecanismos de defesa primitivos 617 prioridades na abordagem 623 reações comuns na prática clínica 625 ansiedade de que se suicide 625 culpa por odiar o paciente 625 fantasia de salvar e resgatar o paciente 625 impotência autodepreciação e fracasso 625 pressão para aliviar suas carências 625 Índice 851 raiva e ressentimento 625 responsabilidade pela piora 625 transgressões das fronteiras profissionais 625 Paciente com dor crônica abordagem psicodinâmica 689 aspectos fisiopatológicos e neuroplasticidade 690 avaliação e diagnóstico psiquiátrico 693 avaliação psicodinâmica 695 dor 691 dor crônica 691 predisposição 693 tipos clínicos de pacientes 692 dor real versus dor emocional 690 ilustração clínica 698 mecanismos de defesa e dor crônica 697 conversão 697 dissociação 697 estados de tensão psicovegetativas 697 narcisismo 697 negação 697 nocicepção e dor 689 tratamento 698 contratransferência 701 psicoterapia psicodinâmica 698 Paciente dependente químico abordagem psicodinâmica do 808 adaptação da técnica e do setting 822 823 combinações de horários faltas e recaídas 823 interpretar ou não 826 considerações 808 abordagem inicial 809 diferentes modelos de atendimento 814 escolha da técnica apropriada 809 estabelecimento de metas e etapas 813 fatores para o sucesso do tratamento 811 desenvolver relação positiva 811 manter foco nos objetivos do tratamento 811 manutenção e comprometimento do paciente 812 tempo e energia do terapeuta 811 critérios diagnósticos para dependência de substâncias 810 ilustração clínica 809 812 813 modelos de psicoterapia 815 modelo simplificado 817 modelos psicodinâmicos 819 modelo da automedicação 820 postura do terapeuta 822 psicoterapia de orientação analítica 816 contraindicações 816 indicações 816 tratamento início 811 desenvolver rapport 811 determinar a natureza e extensão do uso de substâncias 811 oferecer feedback objetivo 811 Paciente deprimido abordagem psicodinâmica do 513 elementos psicodinâmicos a serem tratados 521 autoestima vulnerável 522 estados de raiva contra si mesmo 521 estilo pessimista 522 ideação e intenção suicidas 522 inclinação a esperar respostas negativas de si mesmo e dos outros 522 pobre capacidade de reconhecer estados depressivos em si mesmo 522 pobre capacidade de identificar eventos desencadeantes 522 sentimentos de desamparo 521 vulnerabilidade para desapontamentos e perdas 521 evolução histórica dos conceitos 514 formas de psicoterapia de orientação analítica 522 aspectos relevantes na terapia psicodinâmica da depressão de longo prazo 524 fase dois tratamento da vulnerabilidade à depressão 524 fase três terminação 525 fase um aliança terapêutica e enquadre do tratamento 524 ilustração clínica 525 psicoterapia interpessoal 522 psicoterapia psicodinâmica breve 522 psicoterapia psicodinâmica suportiva breve 522 manutenção do sofrimento depressivo 523 déficits interpessoais 523 disputas interpessoais 523 luto 523 mudança de papéis 523 852 Índice núcleos psicodinâmicos das depressões 520 expectativas idealizadas e desvalorizadas do self e dos outros 521 meios característicos de defesa contra afetos dolorosos 621 raiva conflitiva 520 superego severo experiência de culpa e vergonha 520 vulnerabilidade narcísica 520 Paciente fóbico abordagem psicodinâmica do 577 algumas considerações diagnósticas 591 das neuroses de transferência ao DSM5 591 algumas definições de angústia 580 clínica das fobias 582 definição 578 sintoma ou psiconeurose 578 desenvolvimentos psicanalíticos posteriores sobre as fobias 590 ilustração clínica 595 nota histórica 578 outros recursos terapêuticos 592 psicoterapia psicanalítica da fobia 594 variedades clínicas 585 ataque de pânico 585 587 agorafobia 585 fobia social 585 586 fobias específicas 585 587 psicodinamismos na fobia 588 variedade e características do objeto fóbico 579 Paciente histérico abordagem psicodinâmica do 533 breve histórico 533 caráter histérico transtorno da personalidade histriônica 535 ilustração clínica 536 perspectivas descritivas da histeria 537 ansiedade mental 537 configuração 537 funcionamento relacional 537 psicossexualidadepadrão 537 caso Dora 534 modalidades de acting out 539 introdução à necessidade de tratamentos paralelos 539 introdução de familiares no campo psicoterápico 539 tratamentos em capítulos predomínio do repetir sobre o recordar 539 Paciente hospitalizado abordagem psicodinâmica do 790 características do atendimento 799 800 equipe de atendimento 801 ilustração clínica 795 796 804 paciente com esquizofrenia 797 características do atendimento 797 contraste entre prematuridade e intensidade 797 ódio à realidade externa e interna 797 pavor de ser aniquilado 797 predominância da agressividade 797 paciente psicótico 791 dificuldade em acessar 791 intensidade do uso da identificação projetiva 794 relações objetais 794 Paciente idoso abordagem psicodinâmica do 772 alguns aspectos relevantes no psiquismo 781 avaliação 774 conceito de velhice 773 ilustração clínica 774 777 781 perdas centradas no próprio corpo 778 proximidade da morte 780 situações estressoras específicas da velhice 776 abuso do idoso 778 perdas 776 trabalho psicoterápico 783 contratransferência 785 tempo disponível para realizar e aproveitar a psicoterapia 783 transferência do paciente 784 Paciente narcisista abordagem psicodinâmica do 600 aspectos clínicos 601 aspectos psicodinâmicos 603 aspectos técnicos 608 critérios diagnósticos de acordo com o DSM5 601 acreditar se especial e único 601 apresentar carência de empatia 602 Índice 853 atribuirse grau excessivo de autoimportância 601 esperar receber tratamento especial 601 manifestar comportamentos arrogantes e insolentes 602 necessitar de admiração excessiva 601 preocuparse com fantasias de sucesso poder beleza e amor ideal ilimitados 601 sentir inveja frequentemente 602 tirar vantagem dos outros 602 ilustração clínica 610 mito de Narciso 600 Paciente obsessivo abordagem psicodinâmica do 555 562 contratransferência 561 sentimento de compaixão e solidariedade 562 sentimento de desânimo 561 sentimento de desafio e provocação 561 sentimento de irritação 561 sentimento de satisfação e identificação com o paciente 562 sentimento de vitória 561 contribuições de outros autores 559 critérios diagnósticos de transtorno da personalidade obsessiva 556 adoção de um estilo miserável 556 devoção excessiva ao trabalho e à produtividade 556 excessiva conscienciosidade escrúpulos e inflexibilidade 556 incapacidade de desfazerse de objetos 556 perfeccionismo 556 preocupação com detalhes listas ordens organização ou horários 556 relutância em delegar tarefas 556 rigidez e teimosia 556 diagnóstico 555 critérios clínicos 555 critérios psicodinâmicos 556 estruturas obsessivas movimentos básicos 569 criar noções e experiências de sujeito e de subjetividade 570 dar ensejo ao surgimento do terapeuta no lugar do terceiro 570 desenvolver condições para a reconstrução da história pessoal 570 desenvolver relações de integração 570 inverter a perspectiva do ego obsessivo 569 mobilizar comportamentos expressivos e desejantes 570 produzir abertura a experiências profundas de castração 571 evolução do tratamento situações que podem impedir a 566 contínua atenção censora 566 dissociação ideoafetiva 567 ganhos secundários 567 mecanismo de isolamento 566 necessidade da terapia atingir camadas mais profundas 567 pensamento sexualizado 567 sintomas físicos 567 ilustração clínica 562 563 564 565 567 568 572 aberturapadrão de sessão 562 círculo vicioso 564 controle da cena primária 568 construindo alternativas 563 ego a serviço de um superego sádico 565 paciente assinalando o que acontece na relação 572 problema da identidade 567 relação terapêutica diálogo 560 adjetivos advérbios e outras modificações 560 contradições inconsistências e outras questões 560 nota sobre despersonalização 560 separação das próprias afirmações 560 Paciente psicossomático abordagem psicodinâmica do 659 considerações teórica pessoal 665 desenvolvimento lógico da psicanálise 660 escola psicossomática de Paris 660 ilustração clínica 662 Paciente traumatizado abordagem psicodinâmica do 704 acidente de motocicleta 704 bombeiro 704 continência 707 854 Índice paciente que ameaçou matar 707 diferenças individuais 711 efeitos secundários de longo prazo 713 identificação versus pensamento 713 o bombeiro 714 incêndio no metrô 705 mulher que foi assaltada 704 tratamento 717 limites da recuperação 720 sessões individuais 717 terapia de grupo 718 trauma psíquico o que é 708 culpa do sobrevivente 711 na visão de Freud 709 negação extrema 709 o anestesista 710 Planejamento 194 como 203 ilustração clínica 196 205 206 por quê 195 Psicanálise e psicoterapia de orientação analítica 19 Psicoterapia 249 fases 249 final 261 contato com a realidade 263 quantidade de angústia e culpa 263 relações familiares 263 relações profissionais 263 relações sociais 263 vida sexual 263 inicial 250 definir os problemas emocionais do paciente 252 desenvolver sólida aliança terapêutica 252 esclarecer as origens do sofrimento 252 ilustração clínica 250 intermediária 254 alteração na aliança terapêutica 257 episódios agressivos e destrutivos agudos 257 falta de progresso terapêutico 257 ilustração clínica 256 regressões repetitivas 258 resistências que não se resolvem e se repetem 257 sentimento do terapeuta que a terapia não evolui 258 tentativa de abandonar a terapia ferirse ou ferir alguém 258 R Reação terapêutica negativa e impasse 349 impasse 354 indicadores 357 clínicos 357 contratransferenciais 357 processuais 357 representacionais 357 ilustração clínica 365 reação terapêutica negativa 349 ilustração clínica 353 S Setting psicoterápico 224 abstinência 224 229 anonimato 224 231 mudança 234 neutralidade 224 225 em relação à contratransferência e a personalidade 229 em relação ao material do paciente e à sua transferência 229 em relação aos próprios valores 229 em relação às expectativas e pressões do meio 229 em relação às teorias psicanalíticas 229 Situações especiais 401 ética e psicoterapia 403 fundamentos clínicos das abordagens psicodinâmicas 475 gênero e psicoterapia 465 psicoterapia de apoio de orientação analítica 419 psicoterapia de orientação analítica e famacoterapia 435 terapia de mentalização 455 Situações perversas na relação terapêutica abordagem das 632 breve revisão de alguns modelos psicanalíticos das perversões 645 estrutura perversa 649 clivagem do ego 649 desmentida da castração da mulher 649 fixação em ser ou não ser o falo para o outro 649 Índice 855 perversão como uma estrutura construída em dois tempos 653 relatos situações perversas 635 relação transferencialcontratransferencial 635 Sonhos 374 abordagem compreensiva na clínica 388 balizador do processo psicoterápico 379 contribuições de Sigmund Freud 375 conteúdo latente 376 conteúdo manifesto 376 elaboração do sonho 376 impulsos e pensamentos 376 interpretação 376 princípio de prazerdesprazer 375 sonhos 376 dimensão estética 383 funções 380 importância do conteúdo manifesto 377 representação simbólica 383 sonhomodelo 374 T Terapia de mentalização 455 458 atitude do terapeuta 459 conceito 455 evidências da efetividade 461 falha em pacientes borderline 456 fenomenologia 457 inibição da mentalização relacionada ao apego 457 pressão constante para utilização de identificação projetiva 457 reemergência de representações dos estados mentais 457 ilustração clínica 460 mentalização da transferência 460 objetivos 458 variantes e fases do tratamento 458 Transferência 293 comentários sobre técnica 305 contratransferência 304 forma 295 formas habituais de relacionamento 296 neurose infantil 302 neurose de transferência 300 302 predominantemente de experiências passadas revividas 298 predominantemente de relacionamentos presentes 297 regressão 304 representação de fantasias inconscientes 301 Transtornos alimentares abordagem psicodinâmica dos 668 abordagem terapêutica 675 entendimento psicodinâmico 671 histórico 670 ilustração clínica 682