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DO MITO DE CAM AO RACISMO ESTRUTURAL UMA PEQUENA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE HIRAN ROEDEL Os mais jovens encontraram a expressão certa para qualificar a sua atividade quando afirmam que lutam apenas contra fraseologias Esquecem apenas que a essas fraseologias não opõem nada além de fraseologias e que ao combaterem as fraseologias deste mundo não combatem de modo algum o mundo real existente MARX 2007 p84 INTRODUÇÃO O debate e a luta antirracista no Brasil vêm de longa data Diversas estratégias de enfrentamento foram e são utilizadas porém sua atualidade atravessa gerações o que configura que o racismo é menos uma prática de indivíduos perversos e mais uma relação social construída historicamente Por isso o presente texto objetiva longe de pretender responder plenamente as questões a seu respeito mas como o próprio título indica apenas sugerir mais um elemento para contribuir com a discussão Considerando isso iniciamos trazendo para esse debate algumas contribuições que buscam romper com a simples constatação de sua existência e avançando para um importante aspecto que fundamenta o racismo Nesse sentido sustentamos a necessidade de entendêlo em seu viés ideológico na perspectiva destacada por Mészáros de ser a ideologia uma consciência social que tem seus vínculos com interesses de classe histórico e materialmente constituídos Entendido dessa forma buscaremos a lógica discursiva produzida por essa consciência Para tal Eni Orlandi e Roland Barthes serão a base A primeira no que se refere ao seu entendimento de discurso enquanto efeito de sentido Historiador PhD em Comunicação Social UFRJ Email hroedeltutanotacom AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 2 cuja ideologia é a ferramenta de naturalização do que é produzido pela história Já Barthes em complementação nos oferece o fundamento a respeito do mito visto como sistema de comunicação um modo de significação De Raymond Willians extrairemos o entendimento de significados experiências e valores praticados e vividos na formação sociocultural como resíduos Dessa forma esses resíduos atuariam como força de sustentação do discurso e do mito que ancoram a consciência social legitimadora de um determinado modelo societário cujo racismo seria hoje um de seus pilares Como forma de articulação entre esses conceitos os interesses de classe e sua legitimação ideológica utilizaremos o conceito de hegemonia em Gramsci A partir desse observaremos a liderança éticomoral que baliza discursivamente o modelo de sociedade cuja sustentação nos remete ao processo histórico de construção do caráter nacional Não menosprezamos com isso os estudos e reflexões a respeito desse tema nos campos econômico e político tendo em vista suas contribuições como sendo importantes para o seu entendimento Contudo optamos por destacar o aspecto ideológico como mais um campo de articulação para se compreender a persistência do racismo em nossos dias A BASE ÉTICOMORAL DO RACISMO Partimos do entendimento de que a existência do racismo no Brasil é uma realidade Suas raízes fincadas na escravidão que perdurou por quatro séculos em terras brasileiras pautaram as relações socioeconômicas e moldaram o caráter nacional Boa parte da historiografia já tem privilegiado os aspectos econômicos e políticos da escravidão Os interesses da burguesia mercantil no tráfico do Atlântico a arrecadação de impostos por parte do Estado o benefício à igreja a mão de obra necessária à produção e a estrutura jurídicopolítica que daí se ergueu Contudo há duas perguntas que persistem 1 por que a escravidão foi tão facilmente aceita pelos colonizadores como solução 2 o que leva o AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 3 racismo a persistir mesmo depois de 130 anos do fim jurídico do regime no Brasil A primeira questão nos remete invariavelmente à participação da igreja católica no processo de colonização dado ser essa o mais importante aparelho ideológico no período medieval e da formação dos Estados nacionais europeus Afinal seus intelectuais agiam na ratificação da hierarquia social pois não era outra senão a igreja quem legitimava o conjunto das relações de dependência existentes há época Legitimação que tinha por base a herança judaicocristã delimitando a ética e os valores da sociedade ou seja a visão de mundo europeia Por isso um dos caminhos a ser perseguido é buscar na bíblia o balizamento do discurso da igreja católica no que concerne à legitimação ideológica da escravidão especialmente do africano Essa instituição pelo poder que exercia desempenhou papel central nesse processo bem como atuou de forma decisiva para sua prática e portanto na construção do imaginário na Europa e no novo mundo Exemplo dessa atuação foi a postura do papa Nicolau V quando do início das grandes navegações no século XV viu de bom grado o contato dos europeus com os africanos apontando para a possibilidade da prática da escravidão Assim em 1452 autoriza o rei de Portugal a privar os mouros e os pagãos de sua liberdade Atitude não diferente que teve em 1488 o papa Inocêncio VIII ao aceitar um presente de Fernando da Espanha de uns cem mouros e distribuiuos entre os cardeais e a nobreza DAVIS p 122 A postura desses dois papas se sustentava no entendimento que a igreja construíra de longa data sobre a escravidão Santo Agostinho séc IVV e santo Isidóro de Sevilha séc VIVII defendiam por exemplo que a escravidão estava vinculada ao pecado e que portanto essa condição decorria da vontade divina Mas qual poderia ser o pecado de populações inteiras de africanos que justificasse sua escravidão A explicação deve ser buscada na bíblia Ali se encontra a base do argumento ao se observar o mito de Noé Porém devemos ressalvar que o mito não se AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 4 define pelo objeto da sua mensagem mas pela maneira como a profere o mito tem limites formais contudo não substanciais BARTHES 2009 p199 Ou seja não é Noé enquanto mito mas sim como ele é proferido de modo a oferecer uma dada significação da realidade Por isso o que nos interessa aqui é o seu significado para o discurso da igreja Feito essa observação retornemos a Noé Este segundo o livro de Gênesis teria tido 3 filhos Sem Cam e Jafé os quais foram responsáveis por povoar a terra Nesse mito Noé após se embriagar com vinho deitouse nu em sua tenda Seu filho Cam cujo filho é Canaã teria visto sua nudez o que era extremamente recriminado pelos hebreus e contado para seus irmãos Quando seu pai soube do ocorrido amaldiçoou o filho mais novo de Cam com a seguinte frase Maldito seja Canaã seja servo dos servos de seus irmãos Gênesis 925 Essa maldição se amplia em sentido quando relacionada à história dos três filhos de Noé e à partilha do mundo Para enriquecer a compreensão é importante acrescentar também o significado dos nomes dos três filhos Sem era considerado pai dos povos semitas cuja etimologia é nomeado ou fama Jafé que teria dado origem aos povos idoeuropeus indogermânicos e indoarianos corresponde à luz aberto ampliado e louro Enquanto Cam se refere a quente queimado ou trevas Canaã filho de Cam e o neto amaldiçoado por Noé quer dizer embaixo transmitindo assim uma ideia de inferioridade e teria gerado os mongóis chineses japoneses ameríndios esquimós polinésios Um dos filhos de Canaã se chama Cush sinônimo de preto e deu origem aos etíopes sudaneses ganeses pigmeus aborígines australianos Nova Guiné PEREIRA IVOJESUS 2019 p5051 Observase que a descendência de Cam originou os povos africanos ameríndios e parte dos asiáticos e da Oceania Nesse momento é fundamental recuperarmos a maldição que Noé proferiu contra Canaã Maldito seja Canaã seja servo dos servos de seus irmãos Quando as rotas das grandes navegações se estabelecem dãose em direção para efeito de comércio das terras que segundo a Bíblia haviam sido povoadas pelos descendentes de Cam os amaldiçoados Nesse sentido eram AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 5 povos que poderiam e deveriam ser subjugados segundo o entendimento presente no texto sagrado O que amplia a legitimação ideológica para a ação conquistadora e escravagista gerada pelas grandes navegações é a origem mítica dos europeus de acordo com a tradição judaicocristã filhos de Jafé Ao retomarmos o significado deste nome encontraremos que além dos descendentes de Cam terem sido amaldiçoados os filhos de Jafé representavam luz e a este era reservado o direito de submeter os pagãos fruto da maldição Era portanto o destino sagrado dos europeus a difusão de seus valores como também a subjugação dos descendentes de Cam O discurso da igreja se sustentava desse modo no imaginário consolidado historicamente dado que a fala mítica é formada por uma matéria já trabalhada em vista de uma comunicação apropriada todas as matériasprimas do mito pressupõem uma consciência significante BARTHES 2009 p201 Essa estratégia fundamenta não só as cruzadas e a expansão marítima mas também orientaram a visão de mundo e o imaginário nas colônias portuguesas Afinal era a igreja católica quem tinha a primazia sobre a educação no Brasil até o século XVIII quando as reformas pombalinas lhe subtraem esse direito ao expulsarem os jesuítas das terras de domínio português Às ordens religiosas instaladas no Brasil eram delegadas a educação dos órfãos e dos gentios ou melhor da população nativa que estabelecia relação amistosa para com o colonizador Esse era um processo de aculturação decorrente da catequese o que facilitava a dominação do território Mas apesar da proibição da escravização dos nativos ocorrida em 1570 a situação desses não se altera em muito A sua denominação como negros da terra pelos portugueses constituíase em condição para tornálos cativos desde que fosse a partir de guerra justa SAVIANI 2011 Lembremos que a submissão do nativo ao cativeiro além desse ser também descendente de Canaã obedecia a critérios econômicos e que o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso Essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da ideologia pode muito AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 6 bem ser direta física usar a força contra a força agir sobre elementos materiais sem no entanto ser violenta pode ser calculada organizada tecnicamente pensada pode ser sutil não fazer uso de armas nem do terror e no entanto continuar a ser de ordem física Quer dizer que pode haver um saber do corpo que não é exatamente a ciência de seu funcionamento e um controle de suas forças que é mais que a capacidade de vencêlas esse saber e esse controle constituem o que se poderia chamar a tecnologia política do corpo FOCAULT 2009 p 29 Dessa forma e levando em consideração que a guerra justa era a guerra travada contra aqueles que não professavam a fé cristã a população nativa se encontrava fortemente ameaçada Não é à toa que a legitimação de sua escravização era dada por sua designação de negros da terra isto é aqueles que se encontravam na condição de serem escravizados pois estavam no mesmo patamar que os africanos descendentes de Canaã Assim a naturalização da escravidão se constitui em um forte elemento de definição das relações socioculturais que daí se estabelecem A escravização do africano no Brasil que ocorre a partir do início do último quarto do século XVI se dá entre outros motivos em decorrência dos entraves legais que limitaram a possibilidade de tornar o nativo um cativo Porém a opção pelo africano que se encontrava perfeitamente de acordo com os parâmetros ideológicos estabelecidos pela fé cristã não impediu a chamada guerra justa contra os indígenas Os índios brasileiros foram rapidamente dizimados Calculase que havia na época da descoberta cerca de 4 milhões de índios Em 1823 restava menos de 1 milhão Os que escaparam ou se miscigenaram ou foram empurrados para o interior do país A miscigenação se deveu à natureza da colonização portuguesa comercial e masculina CARVALHO 2002 p20 Com a formação dos impérios coloniais as elites políticas e econômicas europeias difundiram a visão de mundo que tinha em seu pilar portanto o direito à escravidão e subjugação de diversas populações Se nas relações econômicas as colônias forneciam a acumulação de riquezas e capital garantidos pela estrutura jurídicopolítica montada pelas metrópoles é pela ideologia cristã que se estabelece a hegemonia e o consenso das relações de AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 7 exploração que garantem à classe proprietária de terra e de gente por quatro séculos no Brasil o exercício do poder visto que Não foi só no sistema de batizar os negros que se resumia a política de assimilação ao mesmo tempo que de contemporização seguida no Brasil pelos senhores de escravos consistiu principalmente em dar aos negros a oportunidade de conservarem à sombra dos costumes europeus e dos ritos e doutrinas católicas formas e acessórios da cultura e da mítica africana Salienta João Ribeiro o fato de o cristianismo no Brasil ter concedido aos escravos uma parte no culto de santos negros como São Benedito e Nossa Senhora do Rosário terem se tornados patronos de irmandades de pretos dos escravos terem se reunido em grupos que foram verdadeiras organizações de disciplina com reis do Congo exercendo autoridade sobre vassalosFREYRE 2001 p409 A relação siamesa entre os poderes econômico político e religioso permitia que o conjunto das relações socioculturais hegemonizado pela visão de mundo cristã fosse permeado também por resíduos culturais dos diversos povos africanos Estratégia que permitia a afirmação do poder da metrópole e da classe dominante colonial Era o que dava brilho ou ruído de festa às ruas das antigas cidades do Brasil a religião A religião dos pretos com suas danças a dos brancos com suas procissões e suas semanas santas Vinha gente rica dos engenhos e das fazendas acompanhar as procissões pelas ruas das cidade episcopais Gente vestida de preto e de roxo Senhoras gordas que só faziam assistir das varandas dos sobrados à passagem do Senhor Morto Outras que acompanhavam o andor com vestidos do tempo dos Afonsinhos Também os sobrados as casas assobradadas as casas térreas deviam enfeitarse para as procissões e não apenas as pessoas o Senado da Câmara do Rio de Janeiro dirigiase aos moradores da cidade para que nas ruas por onde devia passar a procissão de São Sebastião mandassem cair as frentes das casas e ornálas de cortinados FREYRE 2002 p7374 Isso demonstra que na colônia o poder da nobreza e da igreja se mostravam fortemente imbricados no cotidiano da população enquanto que na Europa a partir do século XVIII já se vivia um processo mais intenso de transformação da estrutura econômica caminhando para a burguesia se afirmar como classe economicamente dominante e com protagonismo político Por outro lado no AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 8 Brasil persistiam as relações arcaicas sob o domínio da classe fundiária escravocrata Ou seja a efervescência ideológica promovida pelo Iluminismo europeu pouca força teve na dinâmica política e cultural da população brasileira Mas a burguesia busca mercados cada vez mais extensos para os seus produtos impelindoa por todo o globo terrestre Ela deve estabelecerse em toda a parte instalarse em toda a parte estabelecer vínculos em toda a parte MARXENGELS Manifesto Comunista 1996 p69 Paulatinamente na Europa a burguesia desloca o centro do poder do campo para a cidade estabelecendo novas relações socioeconômicas Os laços de dependência pautados na legitimação ideológica da igreja outrora dominantes entram em crise e o domínio da nobreza foi posto em xeque A primazia da razão se apresenta como fundamento explicativo da realidade e as bases da antiga ordem perdem a exclusividade da interpretação do mundo Contudo a escravidão permanece na maioria das áreas coloniais e o tráfico atlântico continua rentável para a burguesia mercantil Ou seja a construção da hegemonia burguesa conviveria por quase dois séculos com o trabalho escravo OS VENTOS DA MUDANÇA NO CONTEXTO BRASILEIRO Em linha gerais no século XIX o Brasil conviveu com transformações parciais Na política deixa de ser colônia e passa a vivenciar a luta entre grupos dominantes pela estruturação do Estado no novo regime Um processo em que se mantém a monarquia e define a renda como critério de participação política além da igreja permanecer vinculada ao Estado e o catolicismo por consequência como religião oficial Economicamente o país não tem grandes alterações A escravidão é mantida como a principal relação de produção e a terra organizada no critério da grande propriedade fundiária exportadora conservase como o mais importante meio de produção AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 9 Ou seja perpetuavamse as relações de produção arcaicas acomodando suas contradições no manto da legitimidade jurídica que tinha por base a visão de mundo cristã solidamente introjetada no imaginário dos brasileiros desde o período colonial Dessa forma podese afirmar que enquanto relação social a escravidão afetou tanto o escravo como o senhor Se o escravo não desenvolvia a consciência de seus direitos civis o senhor tampouco o fazia O senhor não admitia os direitos dos escravos e exigia privilégios para si próprio Se um estava abaixo da lei o outro se considerava acima CARVALHO 2002 p53 No campo cultural movimentos de intelectuais buscam a construção da identidade nacional Porém com escassa população letrada o mercado editorial era bastante restrito pois tinha como público principalmente estudantes e mulheres da elite o que implicava em obras que majoritariamente mantinhamse presas à visão de mundo trazida pelo colonizador Nesse aspecto o questionamento à ideologia hegemônica era posto à margem e os valores cristãos reforçados A relação escravista encontravase tão introjetada na cultura e no modo de pensar da população que fosse por questão ideológica ou econômica ou ambas o certo é que muitos libertos em diversas partes do país possuíam escravos Na Bahia em Minas Gerais e em outras províncias davase até mesmo o fenômeno extraordinário de escravos possuírem escravos De acordo com o depoimento de um escravo brasileiro que fugiu para os Estados Unidos no Brasil as pessoas de cor tão logo tivessem algum poder escravizariam seus companheiros da mesma forma que o homem branco CARVALHO 2002 p4849 Observase portanto que a grande propriedade fundiária a escravidão e a ideologia cristã mantiveramse inabaladas na sociedade brasileira ao longo de quase todo o século XIX As mudanças jurídicopolíticas do fim do século decorrentes do término da escravidão e da proclamação da república mostraramse pontuais pois não foram capazes de questionar o latifúndio que persistiu como solução econômica para o país Paralelamente à opção pelo latifúndio os traços da visão de mundo hegemônica para a elite dirigente associava a cor da pele como um AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 10 empecilho ao desenvolvimento nacional Como alternativa buscouse a importação de trabalhadores brancos europeus a partir do último quarto do século XIX para trabalharem nas lavouras sob o regime de parceria ou colonato Medida que tinha por objetivo o branqueamento dos trabalhadores Mais adiante na virada do século XIX para o XX optase pelo trabalhador asiático por ter um perfil mais submisso Lembrese que estes também compunham o conjunto de povos descendentes do mito de Canaã e que portanto considerados inferiores tal qual os africanos Percebese diante disso que as lutas abolicionistas não foram capazes de se afirmarem como lutas para além do fim da escravidão mas apenas contra a barbárie da escravidão Para além da barbárie elas teriam de ousar superar a visão de mundo hegemônica o que não fizeram Por isso A libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva Essa igualdade era afirmada nas leis mas negada na prática Ainda hoje apesar das leis aos privilégios e arrogância de poucos correspondem o desfavorecimento e a humilhação de muitos CARVALHO 2002 p53 Se a partir do século XX a sociedade brasileira passou a vivenciar transformações econômicas e políticas mais profundas a sua base ideológica permanece inalterada uma vez que a ideologia cristã ainda se põe como a orientação primeira da maioria da população O que constatamos no entanto é o deslocamento da primazia do argumento da escravidão do negro por critérios religiosos para a afirmação de sua inferioridade em bases pretensamente científicas de um Estado republicano A afirmação de Grada Kilomba é extremamente pertinente quando observa que o racismo tem a ver com poder e privilégio RIBEIRO 2018 p75 Nesse sentido o Estado republicano conduzido pela minoria branca e letrada afirma os privilégios dos mesmos classe dominante herdeira da herança judaico cristã porém sob outra base mas sem que a ideologia religiosa seja posta de lado Como Marx aponta em A Questão Judaica AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 11 O limite da emancipação política manifestase imediatamente no fato de que o Estado pode livrarse de um limite sem que o homem dele se liberte realmente no fato de que o Estado pode ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre Portanto o Estado pode terse emancipado da religião ainda que e inclusive a grande maioria continue religiosa E a grande maioria não deixará de ser religiosa pelo fato da sua religiosidade ser algo puramente privado Por isso que no caso da proclamação da república a visão de mundo hegemônica não é abalada Desse modo os mecanismos de naturalização da identificação do negro com a criminalidade a indolência os vícios práticas religiosas demoníacas e comportamentos amorais são acionados e facilmente aceitos pois encontravamse como componentes do imaginário social trazidos pela estrutura colonizadora E esses mecanismos estão assentados nos valores historicamente consolidados pelo imaginário cristão um dos pilares da cultura ocidental da qual a elite dirigente brasileira não pretendeu se afastar O controle dessa população se estabelece a partir de um emaranhado de formas de relações de poder e exploração que transcende portanto o confronto econômico direto Isto é o trabalhador rural livre do fim do século XIX conseguiu bem pouca vantagem material sobre o escravo Sua ração era virtualmente a mesma seu emprego mais incerto e sua recompensa insignificante GUIMARÃES 2008 p 133 Mas sua condição de trabalhador livre tinha de ser ainda moldada Nesse sentido o cristianismo enquanto base ética e moral da sociedade interfere no próprio discurso médicocientífico Foi este discurso que fundamentou a associação por exemplo das populações negras e mestiças da área central da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX às relações de promiscuidades comprometedoras das condições de higiene legitimando a Reforma Pereira Passos Ou seja pela ideologia se naturaliza o que é produzido pela história há transposição de certas formas materiais em outras Há simulação e não ocultação de conteúdos em que são construídas transparências para serem interpretadas por determinações históricas que aparecem como evidências empíricas OLANDI 1994 p 57 AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 12 E mais uma vez é a Europa que oferece o parâmetro civilizatório ao dar um caráter científico às práticas policiais necessárias para moldar esse corpo agora livre Desse se origina a tipificação e a qualificação de crime vinculado ao perfil étnico de seu praticante A teoria do médico e antropólogo criminal italiano Cesare Lombroso de orientação positivista identificava a tendência criminosa do indivíduo a partir de suas características cranianas O novo poder necessitava afinal de um saber que transcendesse o discurso religioso e a ciência foi o viés adotado Pois como observa Foucault o poder produz saber e não simplesmente favorecendoo porque o serve ou aplicandoo porque é útil que poder e saber estão diretamente implicados que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relação de poder FOUCAULT 2009 p30 No Brasil o mais ilustre seguidor e responsável pela difusão desse pensamento foi o médico e também antropólogo Nina Rodrigues Este filho de senhor de engenho no Maranhão formouse em medicina e influenciado pelo positivismo e pelo pensamento de Lombroso foi um dos grandes responsáveis e precursores da criminologia moderna no Brasil Seus estudos servem de base para a definição do perfil físico do criminoso brasileiro que tem por analogia os traços principalmente do negro e do mestiço de herança africana Acrescentamse a esse aspecto as condições históricosociais em que essa população se encontrava submetida destacando seu elevado índice de analfabetismo e de pobreza o que se soma para compor também o perfil da população carcerária brasileira Nas primeiras décadas do século XX as condições a que estavam submetidas a classe popular composta majoritariamente por negros e mestiços tipificavam um ambiente propício segundo o discurso hegemônico das elites dominantes ao desenvolvimento de pessoas tendencialmente aptas a práticas criminosas Por decorrência tornase perfeitamente justificável o controle e cerceamento dessa população que compunham para a classe dominante as chamadas classes perigosas Desse modo o ponto de partida e de chegada para a definição do crime encontrase vinculado ao interesse e à condição de classe Justificavase agora AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 13 também cientificamente que a igualdade jurídica de acordo com visão dos criminalistas não poderia ser aplicada pois as condições históricas raciais e sociais de cada país traz especificidades ALVAREZ 2002 p 694 O que se presencia ao longo do século XX é portanto a conciliação de uma modernização da sociedade com a incorporação parcial dos negros e mestiços às benesses desse processo Ou melhor a parcialidade na incorporação dessa população aos benefícios gerados pelo modelo urbanoindustrial brasileiro que se instaurou a partir da década de 1930 constituise justamente em sua condição estrutural e forma de dominação ao incorporar manifestações de sua cultura como o samba por exemplo Estratégia similar utilizada durante a escravidão A sujeição das consideradas classes perigosas se dá desse modo pela precarização de suas condições de moradia de educação e de saúde cujo controle é exercido pela repressão física do poder policial do Estado Afinal as regiões de periferia ou de favelas das metrópoles são reconhecidamente áreas onde a presença do poder público é escasso ou se faz a partir do aparato policial demonstrando que essas áreas de favelas se constituem em componente de atenção Segundo o censo das favelas do Distrito Federal de 1950 712 da população da cidade morava nas 58 favelas Desse população 3798 são pretos e 2889 são mestiços Isto é a população das favelas em meados do século XX era majoritariamente composta de negros e mestiços Constatase ainda que no conjunto essa população era 91 católica IBGE pp 19 e 21 No que tange o assunto favela em 2019 o IBGE registrou 13151 aglomerados desse tipo em todo o país totalizando 5127747 domicílios Se multiplicarmos esses domicílios pelos componentes familiares que em média são compostos por cinco integrantes obteremos em torno de 26 milhões de brasileiros nessas condições hoje IBGE biblioteca Os negros somam 76 dos que vivem na extrema pobreza no país Quando se refere às mortes por assassinato dos jovens a estatística não é muito diferente são 77 AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 14 Em relação à religiosidade em meados do século XX no Distrito Federal o que pode ser visto como um espelho do país à época 8686 da população era de base cristã no século XXI a situação não se altera muito Em 2020 em pesquisa do Datafolha e publicada pelo portal do G1 81 dos brasileiros se professam cristãos sendo que 50 são católicos e 31 evangélicas Isso explica pelo menos em parte o comportamento cultural do brasileiro Assim como na escravidão onde tanto o escravo quanto o escravocrata eram afetados por essa relação também na sociedade capitalista do século XX trabalhadores e empresários igualmente o são Resíduos de relações práticas e valores encobertos pelo passado permanecem ativos influenciando o presente WILLIAMS 2005 p 218 Amortecidos mas não excluídos pela modernização da sociedade o imaginário construído a partir da colonização se faz emergir Um exemplo dessa manifestação residual pode ser percebido pelo discurso religioso que é alçado sempre que necessário como poder de significar o mundo real Nesse caso a incorporação de negros e mestiços ao sistema dominante se dá justamente em sua subjugação à visão de mundo ditada pela herança judaicocristã O apassivamento da classe popular pelo discurso religioso mecanismo de violência para a obtenção de seu controle compõe importante ferramenta a ser utilizado pela elite Afinal o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso FOCAULT 2009 p 29 Por isso não é desnecessário lembrarmos do sermão da montanha como significante de comportamento para a classe popular em que Jesus vendo a multidão subiu a um monte e assentandose aproximaramse dele os seus discípulos e abrindo a boca os ensinava dizendo bemaventurados os que choram porque eles serão consolados bemaventurados os mansos porque eles herdarão a terra Mateus 57 Esse sermão sintetiza como um cristão deve se comportar frente às condições de injustiça pois o sofrimento e a não resistência à violência constituem condições tanto para se obter o consolo como expresso por Jesus quanto à AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 15 base do comportamento para se atingir no futuro ao mundo regido pelas leis divinas As privações impostas à classe popular são entendidas como o calvário a ser superado por esse corpo que tem de ser submisso Desse modo resíduos do imaginário popular trazidos dos tempos coloniais compõem o seu modo de proceder em que a resiliência se torna o padrão O imaginário popular dessa forma organizado permite ao Estado no que diz respeito às favelas a adoção de política de rígido controle sobre seus habitantes enquanto estes presos à influência cristã se submetem ao poder na crença de um futuro promissor Com isso para se manter controlada e distante essa população cuja força de trabalho é fundamental para a perpetuação do modelo social a força do Estado se fez presente entre os anos 60 e 70 com a política de remoções dessas comunidades para as periferias Afinal era necessário o ocultamento dessa população considerada inferior e a qual as elites não pretendem se vincular A busca da superioridade reivindicada pelas elites políticas e econômicas se encontra segundo estas por sua origem que tem raízes na cultura europeia São os sobrenomes estrangeiros que se constituem desse modo no selo de garantia De forma invertida visto que não tinham o referido selo não raramente integrantes da classe popular recorrem à prática de nomear seus filhos com nomes estrangeiros Um movimento que pode ser lido além da força do poder de significação da visão de mundo hegemônica também como uma forma desses de negarem sua origem apropriandose de um signo que ilusoriamente os libertem de sua condição de subalternidade Nessa relação o distanciamento da elite que se recusa a se identificar como integrante de uma formação sociocultural fruto da mestiçagem é flagrado também no tom pejorativo a que se refere à classe popular Esta é designada como povo ou povinho ou povão em uma clara demonstração de seu distanciamento daquela em relação a esta última Os resíduos de práticas e valores do período escravista encontramse de tal modo introjetados em sua forma de pensar que se constitui em elemento relevante da formação do AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 16 caráter não só da elite da classe dominante mas do conjunto da sociedade definindo tanto os de cima quanto os de baixo Por isso a incorporação de elementos culturais residuais dos grupos dominados à cultura hegemônica não implica na descaracterização desta ou na permanência de relações arcaicas a serem superadas Não eles são parte integrante do sistema dominante que são acionados justamente para sua perpetuação CONSIDERAÇÕES FINAIS Adotamos como método nessa reflexão a busca das raízes do racismo para além da constatação de sua vinculação com a escravidão praticada no Brasil por quatro séculos Desse modo optamos pelos fundamentos ideológicos do próprio regime escravista não nos limitando à sua explicação econômica o que já se encontra demasiadamente estudado Ao identificar nas chamadas escrituras sagradas essas raízes e que elas constituem um dos pilares da visão de mundo ocidental observamos que a escravidão tem laços mais profundos que a pura questão do interesse econômico Sua relação encontra seus traços na herança judaicocristã Nesse sentido podemos afirmar que a escravidão no passado e seu correspondente racismo no presente permitiram e permitem fundamentar o atual modelo societário brasileiro Ou seja a base cristã é também responsável pela permanência da hierarquia social fundada na memória mítica bem como de sua atualização expressa no racismo Sendo assim a superação do racismo estrutural está condicionada invariavelmente na superação desses fundamentos A construção de um novo caráter nacional implica na fundação de novos parâmetros que não tenham na hierarquização mítica sua premissa Isto é não basta a aceitação de negros em postos de trabalho melhor qualificado no discurso de denúncia de que as maiores vítimas da pobreza eou da violência do Estado têm cor visto que essa é a lógica de modelo de AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 17 sociedade fundado no Gênesis e que deu origem à escravidão O fim jurídico desta em 1888 não alterou a sua lógica constitutiva Por isso não se trata de reclamar que a república não incorporou igualitariamente os negros à sociedade porque a lógica do poder dos herdeiros da escravidão dos latifundiários cristãos era a de não incorporálos Ou melhor estava embutido na estruturação do poder republicano que se organizou a partir de 1889 a condição subalterna do negro Afinal as relações sociais hegemônicas permaneciam pautadas e vinculadas à tradição judaicocristã balizadoras da visão de mundo do brasileiro que manteve a Europa como o seu centro de irradiação O que se mostra como sendo essencial nessa discussão é justamente superar os limites impostos pelas bases da sociedade ocidental O racismo não é fruto de uma sociedade que é hegemonizada por pessoas e classes que não admitiram o fim da escravidão mas é o seu próprio fundamento e como tal tem de ser entendido como uma relação de poder Por isso é de imperiosa importância conciliar as lutas cotidianas contra o racismo que são embates políticos mobilizadores e de conscientização com a crítica ao próprio modelo de sociedade O combate e superação do racismo estrutural encontrase vinculado invariavelmente às bases não somente econômicas e políticas que ergueram a sociedade mas também a seus pilares ideológicos Assim não se superará o racismo sem que seja pela refundação da sociedade a partir da mestiçagem que compõe a cultura brasileira E não se pode realizar essa empreitada sem que se questione a sua formação mítica É portanto necessário matar Canaã o mito bíblico que estabelece o direito à escravização do negro ou caso contrário continuaremos girando em círculo e combatendo fraseologias mas não o mundo real AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 18 Referências bibliográficas ALVAREZ Marcos César A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro 2002 vol 45 n 4 BARTHES Roland Mitologias 4ª ed Rio de Janeiro DIFEL 2009 CARVALHO José Murilo de Cidadania no Brasil O longo Caminho 3ª ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 DAVIS David Brion O Problema da Escravidão na Cultura Ocidental Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2001 FOCAULT Michel Vigiar e Punir Petrópolis RJ Vozes 2009 FREYRE Gilberto CasaGrande e Senzala 44ª ed Rio de Janeiro Record 2001 Sobrados e mucambos Rio de Janeiro Record 2002 GUIMARÃES Alberto Passos As classes perigosas banditismo urbano e rural Rio de Janeiro UFRJ 2008 LIGUORI Guido VOZA Pasquale orgs Dicionário Gramsciano 1926 1937 São Paulo Boitempo 2017 MARX KarlEngels F A ideologia alemã São Paulo Boitempo 2007 MARX Karl A Questão Judaica httpmarxistsorgportuguesmarx1843questaojudaicahtmt1 Crítica da Filosofia do Direito de Hegel 1843 São Paulo Boitempo 2010 Manifesto do Partido Comunista Petrópolis Vozes 1996 PEREIRA IVO IsnaraJESUS José Robson Gomes de Escravidão negros africanos e Santo Isidoro de Sevilla UFES Programa de PósGraduação em História 2019 OLANDI Eni Puccinelli Discurso imaginário social e conhecimento Em Aberto Brasília ano 14 nº 61 janeiromarço 1994 RIBEIRO Djamila Quem tem medo do feminismo negro São Paulo Cia das Letras 2018 SAVIANI Dermeval História das ideias pedagógicas no Brasil 3 ed Campinas SP Autores Associados 2011 WILLIAMS Raymond Base e superestrutura na teoria cultural marxista REVISTA USP São Paulo n65 p 210224 marçomaio 2005 AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 19 FONTES httpsg1globocompoliticanoticia2020011350percentdosbrasileiros saocatolicos31percentevangelicose10percentnaotemreligiaodiz datafolhaghtml httpswwwtechoorgbrasilinformeseapobrezabrasileiratemcoree preta IBGE As Favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950 Documentos Censitários série C nº 9 Rio de Janeiro 1953 httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv101717apresentacaopdf HIRAN ROEDEL é historiador e PhD em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Autor de diversos livros e artigos sobre a história do Brasil tem se dedicado à discussão sobre a formação social suas relações econômicas políticas culturais e ideológicas As desigualdades e as lutas de resistências fruto dessas relações desenvolvidas ao longo da história foi o eixo temático por exemplo de seu livro de dois volumes em coautoria cujo título é Sociedade Brasileira uma história através dos movimentos sociais Também em uma abordagem sociocultural é autor do capítulo Comunidade portuguesa na cidade do Rio de Janeiro mobilidade e formação de território no livro Os Lusíadas na aventura do Rio moderno organizado por Carlos Lessa Como citar ROEDEL Hiran Do Mito de Cam ao Racismo Estrutural Uma Pequena Contribuição ao Debate Projeto AFROPORT Afrodescendência em Portugal FCTPTDCSOCANT306512017 Lisboa No02 Julho 2020 0119 Disponível em httpscesarcisegulisboaptafroportartigos
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DO MITO DE CAM AO RACISMO ESTRUTURAL UMA PEQUENA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE HIRAN ROEDEL Os mais jovens encontraram a expressão certa para qualificar a sua atividade quando afirmam que lutam apenas contra fraseologias Esquecem apenas que a essas fraseologias não opõem nada além de fraseologias e que ao combaterem as fraseologias deste mundo não combatem de modo algum o mundo real existente MARX 2007 p84 INTRODUÇÃO O debate e a luta antirracista no Brasil vêm de longa data Diversas estratégias de enfrentamento foram e são utilizadas porém sua atualidade atravessa gerações o que configura que o racismo é menos uma prática de indivíduos perversos e mais uma relação social construída historicamente Por isso o presente texto objetiva longe de pretender responder plenamente as questões a seu respeito mas como o próprio título indica apenas sugerir mais um elemento para contribuir com a discussão Considerando isso iniciamos trazendo para esse debate algumas contribuições que buscam romper com a simples constatação de sua existência e avançando para um importante aspecto que fundamenta o racismo Nesse sentido sustentamos a necessidade de entendêlo em seu viés ideológico na perspectiva destacada por Mészáros de ser a ideologia uma consciência social que tem seus vínculos com interesses de classe histórico e materialmente constituídos Entendido dessa forma buscaremos a lógica discursiva produzida por essa consciência Para tal Eni Orlandi e Roland Barthes serão a base A primeira no que se refere ao seu entendimento de discurso enquanto efeito de sentido Historiador PhD em Comunicação Social UFRJ Email hroedeltutanotacom AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 2 cuja ideologia é a ferramenta de naturalização do que é produzido pela história Já Barthes em complementação nos oferece o fundamento a respeito do mito visto como sistema de comunicação um modo de significação De Raymond Willians extrairemos o entendimento de significados experiências e valores praticados e vividos na formação sociocultural como resíduos Dessa forma esses resíduos atuariam como força de sustentação do discurso e do mito que ancoram a consciência social legitimadora de um determinado modelo societário cujo racismo seria hoje um de seus pilares Como forma de articulação entre esses conceitos os interesses de classe e sua legitimação ideológica utilizaremos o conceito de hegemonia em Gramsci A partir desse observaremos a liderança éticomoral que baliza discursivamente o modelo de sociedade cuja sustentação nos remete ao processo histórico de construção do caráter nacional Não menosprezamos com isso os estudos e reflexões a respeito desse tema nos campos econômico e político tendo em vista suas contribuições como sendo importantes para o seu entendimento Contudo optamos por destacar o aspecto ideológico como mais um campo de articulação para se compreender a persistência do racismo em nossos dias A BASE ÉTICOMORAL DO RACISMO Partimos do entendimento de que a existência do racismo no Brasil é uma realidade Suas raízes fincadas na escravidão que perdurou por quatro séculos em terras brasileiras pautaram as relações socioeconômicas e moldaram o caráter nacional Boa parte da historiografia já tem privilegiado os aspectos econômicos e políticos da escravidão Os interesses da burguesia mercantil no tráfico do Atlântico a arrecadação de impostos por parte do Estado o benefício à igreja a mão de obra necessária à produção e a estrutura jurídicopolítica que daí se ergueu Contudo há duas perguntas que persistem 1 por que a escravidão foi tão facilmente aceita pelos colonizadores como solução 2 o que leva o AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 3 racismo a persistir mesmo depois de 130 anos do fim jurídico do regime no Brasil A primeira questão nos remete invariavelmente à participação da igreja católica no processo de colonização dado ser essa o mais importante aparelho ideológico no período medieval e da formação dos Estados nacionais europeus Afinal seus intelectuais agiam na ratificação da hierarquia social pois não era outra senão a igreja quem legitimava o conjunto das relações de dependência existentes há época Legitimação que tinha por base a herança judaicocristã delimitando a ética e os valores da sociedade ou seja a visão de mundo europeia Por isso um dos caminhos a ser perseguido é buscar na bíblia o balizamento do discurso da igreja católica no que concerne à legitimação ideológica da escravidão especialmente do africano Essa instituição pelo poder que exercia desempenhou papel central nesse processo bem como atuou de forma decisiva para sua prática e portanto na construção do imaginário na Europa e no novo mundo Exemplo dessa atuação foi a postura do papa Nicolau V quando do início das grandes navegações no século XV viu de bom grado o contato dos europeus com os africanos apontando para a possibilidade da prática da escravidão Assim em 1452 autoriza o rei de Portugal a privar os mouros e os pagãos de sua liberdade Atitude não diferente que teve em 1488 o papa Inocêncio VIII ao aceitar um presente de Fernando da Espanha de uns cem mouros e distribuiuos entre os cardeais e a nobreza DAVIS p 122 A postura desses dois papas se sustentava no entendimento que a igreja construíra de longa data sobre a escravidão Santo Agostinho séc IVV e santo Isidóro de Sevilha séc VIVII defendiam por exemplo que a escravidão estava vinculada ao pecado e que portanto essa condição decorria da vontade divina Mas qual poderia ser o pecado de populações inteiras de africanos que justificasse sua escravidão A explicação deve ser buscada na bíblia Ali se encontra a base do argumento ao se observar o mito de Noé Porém devemos ressalvar que o mito não se AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 4 define pelo objeto da sua mensagem mas pela maneira como a profere o mito tem limites formais contudo não substanciais BARTHES 2009 p199 Ou seja não é Noé enquanto mito mas sim como ele é proferido de modo a oferecer uma dada significação da realidade Por isso o que nos interessa aqui é o seu significado para o discurso da igreja Feito essa observação retornemos a Noé Este segundo o livro de Gênesis teria tido 3 filhos Sem Cam e Jafé os quais foram responsáveis por povoar a terra Nesse mito Noé após se embriagar com vinho deitouse nu em sua tenda Seu filho Cam cujo filho é Canaã teria visto sua nudez o que era extremamente recriminado pelos hebreus e contado para seus irmãos Quando seu pai soube do ocorrido amaldiçoou o filho mais novo de Cam com a seguinte frase Maldito seja Canaã seja servo dos servos de seus irmãos Gênesis 925 Essa maldição se amplia em sentido quando relacionada à história dos três filhos de Noé e à partilha do mundo Para enriquecer a compreensão é importante acrescentar também o significado dos nomes dos três filhos Sem era considerado pai dos povos semitas cuja etimologia é nomeado ou fama Jafé que teria dado origem aos povos idoeuropeus indogermânicos e indoarianos corresponde à luz aberto ampliado e louro Enquanto Cam se refere a quente queimado ou trevas Canaã filho de Cam e o neto amaldiçoado por Noé quer dizer embaixo transmitindo assim uma ideia de inferioridade e teria gerado os mongóis chineses japoneses ameríndios esquimós polinésios Um dos filhos de Canaã se chama Cush sinônimo de preto e deu origem aos etíopes sudaneses ganeses pigmeus aborígines australianos Nova Guiné PEREIRA IVOJESUS 2019 p5051 Observase que a descendência de Cam originou os povos africanos ameríndios e parte dos asiáticos e da Oceania Nesse momento é fundamental recuperarmos a maldição que Noé proferiu contra Canaã Maldito seja Canaã seja servo dos servos de seus irmãos Quando as rotas das grandes navegações se estabelecem dãose em direção para efeito de comércio das terras que segundo a Bíblia haviam sido povoadas pelos descendentes de Cam os amaldiçoados Nesse sentido eram AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 5 povos que poderiam e deveriam ser subjugados segundo o entendimento presente no texto sagrado O que amplia a legitimação ideológica para a ação conquistadora e escravagista gerada pelas grandes navegações é a origem mítica dos europeus de acordo com a tradição judaicocristã filhos de Jafé Ao retomarmos o significado deste nome encontraremos que além dos descendentes de Cam terem sido amaldiçoados os filhos de Jafé representavam luz e a este era reservado o direito de submeter os pagãos fruto da maldição Era portanto o destino sagrado dos europeus a difusão de seus valores como também a subjugação dos descendentes de Cam O discurso da igreja se sustentava desse modo no imaginário consolidado historicamente dado que a fala mítica é formada por uma matéria já trabalhada em vista de uma comunicação apropriada todas as matériasprimas do mito pressupõem uma consciência significante BARTHES 2009 p201 Essa estratégia fundamenta não só as cruzadas e a expansão marítima mas também orientaram a visão de mundo e o imaginário nas colônias portuguesas Afinal era a igreja católica quem tinha a primazia sobre a educação no Brasil até o século XVIII quando as reformas pombalinas lhe subtraem esse direito ao expulsarem os jesuítas das terras de domínio português Às ordens religiosas instaladas no Brasil eram delegadas a educação dos órfãos e dos gentios ou melhor da população nativa que estabelecia relação amistosa para com o colonizador Esse era um processo de aculturação decorrente da catequese o que facilitava a dominação do território Mas apesar da proibição da escravização dos nativos ocorrida em 1570 a situação desses não se altera em muito A sua denominação como negros da terra pelos portugueses constituíase em condição para tornálos cativos desde que fosse a partir de guerra justa SAVIANI 2011 Lembremos que a submissão do nativo ao cativeiro além desse ser também descendente de Canaã obedecia a critérios econômicos e que o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso Essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da ideologia pode muito AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 6 bem ser direta física usar a força contra a força agir sobre elementos materiais sem no entanto ser violenta pode ser calculada organizada tecnicamente pensada pode ser sutil não fazer uso de armas nem do terror e no entanto continuar a ser de ordem física Quer dizer que pode haver um saber do corpo que não é exatamente a ciência de seu funcionamento e um controle de suas forças que é mais que a capacidade de vencêlas esse saber e esse controle constituem o que se poderia chamar a tecnologia política do corpo FOCAULT 2009 p 29 Dessa forma e levando em consideração que a guerra justa era a guerra travada contra aqueles que não professavam a fé cristã a população nativa se encontrava fortemente ameaçada Não é à toa que a legitimação de sua escravização era dada por sua designação de negros da terra isto é aqueles que se encontravam na condição de serem escravizados pois estavam no mesmo patamar que os africanos descendentes de Canaã Assim a naturalização da escravidão se constitui em um forte elemento de definição das relações socioculturais que daí se estabelecem A escravização do africano no Brasil que ocorre a partir do início do último quarto do século XVI se dá entre outros motivos em decorrência dos entraves legais que limitaram a possibilidade de tornar o nativo um cativo Porém a opção pelo africano que se encontrava perfeitamente de acordo com os parâmetros ideológicos estabelecidos pela fé cristã não impediu a chamada guerra justa contra os indígenas Os índios brasileiros foram rapidamente dizimados Calculase que havia na época da descoberta cerca de 4 milhões de índios Em 1823 restava menos de 1 milhão Os que escaparam ou se miscigenaram ou foram empurrados para o interior do país A miscigenação se deveu à natureza da colonização portuguesa comercial e masculina CARVALHO 2002 p20 Com a formação dos impérios coloniais as elites políticas e econômicas europeias difundiram a visão de mundo que tinha em seu pilar portanto o direito à escravidão e subjugação de diversas populações Se nas relações econômicas as colônias forneciam a acumulação de riquezas e capital garantidos pela estrutura jurídicopolítica montada pelas metrópoles é pela ideologia cristã que se estabelece a hegemonia e o consenso das relações de AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 7 exploração que garantem à classe proprietária de terra e de gente por quatro séculos no Brasil o exercício do poder visto que Não foi só no sistema de batizar os negros que se resumia a política de assimilação ao mesmo tempo que de contemporização seguida no Brasil pelos senhores de escravos consistiu principalmente em dar aos negros a oportunidade de conservarem à sombra dos costumes europeus e dos ritos e doutrinas católicas formas e acessórios da cultura e da mítica africana Salienta João Ribeiro o fato de o cristianismo no Brasil ter concedido aos escravos uma parte no culto de santos negros como São Benedito e Nossa Senhora do Rosário terem se tornados patronos de irmandades de pretos dos escravos terem se reunido em grupos que foram verdadeiras organizações de disciplina com reis do Congo exercendo autoridade sobre vassalosFREYRE 2001 p409 A relação siamesa entre os poderes econômico político e religioso permitia que o conjunto das relações socioculturais hegemonizado pela visão de mundo cristã fosse permeado também por resíduos culturais dos diversos povos africanos Estratégia que permitia a afirmação do poder da metrópole e da classe dominante colonial Era o que dava brilho ou ruído de festa às ruas das antigas cidades do Brasil a religião A religião dos pretos com suas danças a dos brancos com suas procissões e suas semanas santas Vinha gente rica dos engenhos e das fazendas acompanhar as procissões pelas ruas das cidade episcopais Gente vestida de preto e de roxo Senhoras gordas que só faziam assistir das varandas dos sobrados à passagem do Senhor Morto Outras que acompanhavam o andor com vestidos do tempo dos Afonsinhos Também os sobrados as casas assobradadas as casas térreas deviam enfeitarse para as procissões e não apenas as pessoas o Senado da Câmara do Rio de Janeiro dirigiase aos moradores da cidade para que nas ruas por onde devia passar a procissão de São Sebastião mandassem cair as frentes das casas e ornálas de cortinados FREYRE 2002 p7374 Isso demonstra que na colônia o poder da nobreza e da igreja se mostravam fortemente imbricados no cotidiano da população enquanto que na Europa a partir do século XVIII já se vivia um processo mais intenso de transformação da estrutura econômica caminhando para a burguesia se afirmar como classe economicamente dominante e com protagonismo político Por outro lado no AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 8 Brasil persistiam as relações arcaicas sob o domínio da classe fundiária escravocrata Ou seja a efervescência ideológica promovida pelo Iluminismo europeu pouca força teve na dinâmica política e cultural da população brasileira Mas a burguesia busca mercados cada vez mais extensos para os seus produtos impelindoa por todo o globo terrestre Ela deve estabelecerse em toda a parte instalarse em toda a parte estabelecer vínculos em toda a parte MARXENGELS Manifesto Comunista 1996 p69 Paulatinamente na Europa a burguesia desloca o centro do poder do campo para a cidade estabelecendo novas relações socioeconômicas Os laços de dependência pautados na legitimação ideológica da igreja outrora dominantes entram em crise e o domínio da nobreza foi posto em xeque A primazia da razão se apresenta como fundamento explicativo da realidade e as bases da antiga ordem perdem a exclusividade da interpretação do mundo Contudo a escravidão permanece na maioria das áreas coloniais e o tráfico atlântico continua rentável para a burguesia mercantil Ou seja a construção da hegemonia burguesa conviveria por quase dois séculos com o trabalho escravo OS VENTOS DA MUDANÇA NO CONTEXTO BRASILEIRO Em linha gerais no século XIX o Brasil conviveu com transformações parciais Na política deixa de ser colônia e passa a vivenciar a luta entre grupos dominantes pela estruturação do Estado no novo regime Um processo em que se mantém a monarquia e define a renda como critério de participação política além da igreja permanecer vinculada ao Estado e o catolicismo por consequência como religião oficial Economicamente o país não tem grandes alterações A escravidão é mantida como a principal relação de produção e a terra organizada no critério da grande propriedade fundiária exportadora conservase como o mais importante meio de produção AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 9 Ou seja perpetuavamse as relações de produção arcaicas acomodando suas contradições no manto da legitimidade jurídica que tinha por base a visão de mundo cristã solidamente introjetada no imaginário dos brasileiros desde o período colonial Dessa forma podese afirmar que enquanto relação social a escravidão afetou tanto o escravo como o senhor Se o escravo não desenvolvia a consciência de seus direitos civis o senhor tampouco o fazia O senhor não admitia os direitos dos escravos e exigia privilégios para si próprio Se um estava abaixo da lei o outro se considerava acima CARVALHO 2002 p53 No campo cultural movimentos de intelectuais buscam a construção da identidade nacional Porém com escassa população letrada o mercado editorial era bastante restrito pois tinha como público principalmente estudantes e mulheres da elite o que implicava em obras que majoritariamente mantinhamse presas à visão de mundo trazida pelo colonizador Nesse aspecto o questionamento à ideologia hegemônica era posto à margem e os valores cristãos reforçados A relação escravista encontravase tão introjetada na cultura e no modo de pensar da população que fosse por questão ideológica ou econômica ou ambas o certo é que muitos libertos em diversas partes do país possuíam escravos Na Bahia em Minas Gerais e em outras províncias davase até mesmo o fenômeno extraordinário de escravos possuírem escravos De acordo com o depoimento de um escravo brasileiro que fugiu para os Estados Unidos no Brasil as pessoas de cor tão logo tivessem algum poder escravizariam seus companheiros da mesma forma que o homem branco CARVALHO 2002 p4849 Observase portanto que a grande propriedade fundiária a escravidão e a ideologia cristã mantiveramse inabaladas na sociedade brasileira ao longo de quase todo o século XIX As mudanças jurídicopolíticas do fim do século decorrentes do término da escravidão e da proclamação da república mostraramse pontuais pois não foram capazes de questionar o latifúndio que persistiu como solução econômica para o país Paralelamente à opção pelo latifúndio os traços da visão de mundo hegemônica para a elite dirigente associava a cor da pele como um AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 10 empecilho ao desenvolvimento nacional Como alternativa buscouse a importação de trabalhadores brancos europeus a partir do último quarto do século XIX para trabalharem nas lavouras sob o regime de parceria ou colonato Medida que tinha por objetivo o branqueamento dos trabalhadores Mais adiante na virada do século XIX para o XX optase pelo trabalhador asiático por ter um perfil mais submisso Lembrese que estes também compunham o conjunto de povos descendentes do mito de Canaã e que portanto considerados inferiores tal qual os africanos Percebese diante disso que as lutas abolicionistas não foram capazes de se afirmarem como lutas para além do fim da escravidão mas apenas contra a barbárie da escravidão Para além da barbárie elas teriam de ousar superar a visão de mundo hegemônica o que não fizeram Por isso A libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva Essa igualdade era afirmada nas leis mas negada na prática Ainda hoje apesar das leis aos privilégios e arrogância de poucos correspondem o desfavorecimento e a humilhação de muitos CARVALHO 2002 p53 Se a partir do século XX a sociedade brasileira passou a vivenciar transformações econômicas e políticas mais profundas a sua base ideológica permanece inalterada uma vez que a ideologia cristã ainda se põe como a orientação primeira da maioria da população O que constatamos no entanto é o deslocamento da primazia do argumento da escravidão do negro por critérios religiosos para a afirmação de sua inferioridade em bases pretensamente científicas de um Estado republicano A afirmação de Grada Kilomba é extremamente pertinente quando observa que o racismo tem a ver com poder e privilégio RIBEIRO 2018 p75 Nesse sentido o Estado republicano conduzido pela minoria branca e letrada afirma os privilégios dos mesmos classe dominante herdeira da herança judaico cristã porém sob outra base mas sem que a ideologia religiosa seja posta de lado Como Marx aponta em A Questão Judaica AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 11 O limite da emancipação política manifestase imediatamente no fato de que o Estado pode livrarse de um limite sem que o homem dele se liberte realmente no fato de que o Estado pode ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre Portanto o Estado pode terse emancipado da religião ainda que e inclusive a grande maioria continue religiosa E a grande maioria não deixará de ser religiosa pelo fato da sua religiosidade ser algo puramente privado Por isso que no caso da proclamação da república a visão de mundo hegemônica não é abalada Desse modo os mecanismos de naturalização da identificação do negro com a criminalidade a indolência os vícios práticas religiosas demoníacas e comportamentos amorais são acionados e facilmente aceitos pois encontravamse como componentes do imaginário social trazidos pela estrutura colonizadora E esses mecanismos estão assentados nos valores historicamente consolidados pelo imaginário cristão um dos pilares da cultura ocidental da qual a elite dirigente brasileira não pretendeu se afastar O controle dessa população se estabelece a partir de um emaranhado de formas de relações de poder e exploração que transcende portanto o confronto econômico direto Isto é o trabalhador rural livre do fim do século XIX conseguiu bem pouca vantagem material sobre o escravo Sua ração era virtualmente a mesma seu emprego mais incerto e sua recompensa insignificante GUIMARÃES 2008 p 133 Mas sua condição de trabalhador livre tinha de ser ainda moldada Nesse sentido o cristianismo enquanto base ética e moral da sociedade interfere no próprio discurso médicocientífico Foi este discurso que fundamentou a associação por exemplo das populações negras e mestiças da área central da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX às relações de promiscuidades comprometedoras das condições de higiene legitimando a Reforma Pereira Passos Ou seja pela ideologia se naturaliza o que é produzido pela história há transposição de certas formas materiais em outras Há simulação e não ocultação de conteúdos em que são construídas transparências para serem interpretadas por determinações históricas que aparecem como evidências empíricas OLANDI 1994 p 57 AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 12 E mais uma vez é a Europa que oferece o parâmetro civilizatório ao dar um caráter científico às práticas policiais necessárias para moldar esse corpo agora livre Desse se origina a tipificação e a qualificação de crime vinculado ao perfil étnico de seu praticante A teoria do médico e antropólogo criminal italiano Cesare Lombroso de orientação positivista identificava a tendência criminosa do indivíduo a partir de suas características cranianas O novo poder necessitava afinal de um saber que transcendesse o discurso religioso e a ciência foi o viés adotado Pois como observa Foucault o poder produz saber e não simplesmente favorecendoo porque o serve ou aplicandoo porque é útil que poder e saber estão diretamente implicados que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relação de poder FOUCAULT 2009 p30 No Brasil o mais ilustre seguidor e responsável pela difusão desse pensamento foi o médico e também antropólogo Nina Rodrigues Este filho de senhor de engenho no Maranhão formouse em medicina e influenciado pelo positivismo e pelo pensamento de Lombroso foi um dos grandes responsáveis e precursores da criminologia moderna no Brasil Seus estudos servem de base para a definição do perfil físico do criminoso brasileiro que tem por analogia os traços principalmente do negro e do mestiço de herança africana Acrescentamse a esse aspecto as condições históricosociais em que essa população se encontrava submetida destacando seu elevado índice de analfabetismo e de pobreza o que se soma para compor também o perfil da população carcerária brasileira Nas primeiras décadas do século XX as condições a que estavam submetidas a classe popular composta majoritariamente por negros e mestiços tipificavam um ambiente propício segundo o discurso hegemônico das elites dominantes ao desenvolvimento de pessoas tendencialmente aptas a práticas criminosas Por decorrência tornase perfeitamente justificável o controle e cerceamento dessa população que compunham para a classe dominante as chamadas classes perigosas Desse modo o ponto de partida e de chegada para a definição do crime encontrase vinculado ao interesse e à condição de classe Justificavase agora AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 13 também cientificamente que a igualdade jurídica de acordo com visão dos criminalistas não poderia ser aplicada pois as condições históricas raciais e sociais de cada país traz especificidades ALVAREZ 2002 p 694 O que se presencia ao longo do século XX é portanto a conciliação de uma modernização da sociedade com a incorporação parcial dos negros e mestiços às benesses desse processo Ou melhor a parcialidade na incorporação dessa população aos benefícios gerados pelo modelo urbanoindustrial brasileiro que se instaurou a partir da década de 1930 constituise justamente em sua condição estrutural e forma de dominação ao incorporar manifestações de sua cultura como o samba por exemplo Estratégia similar utilizada durante a escravidão A sujeição das consideradas classes perigosas se dá desse modo pela precarização de suas condições de moradia de educação e de saúde cujo controle é exercido pela repressão física do poder policial do Estado Afinal as regiões de periferia ou de favelas das metrópoles são reconhecidamente áreas onde a presença do poder público é escasso ou se faz a partir do aparato policial demonstrando que essas áreas de favelas se constituem em componente de atenção Segundo o censo das favelas do Distrito Federal de 1950 712 da população da cidade morava nas 58 favelas Desse população 3798 são pretos e 2889 são mestiços Isto é a população das favelas em meados do século XX era majoritariamente composta de negros e mestiços Constatase ainda que no conjunto essa população era 91 católica IBGE pp 19 e 21 No que tange o assunto favela em 2019 o IBGE registrou 13151 aglomerados desse tipo em todo o país totalizando 5127747 domicílios Se multiplicarmos esses domicílios pelos componentes familiares que em média são compostos por cinco integrantes obteremos em torno de 26 milhões de brasileiros nessas condições hoje IBGE biblioteca Os negros somam 76 dos que vivem na extrema pobreza no país Quando se refere às mortes por assassinato dos jovens a estatística não é muito diferente são 77 AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 14 Em relação à religiosidade em meados do século XX no Distrito Federal o que pode ser visto como um espelho do país à época 8686 da população era de base cristã no século XXI a situação não se altera muito Em 2020 em pesquisa do Datafolha e publicada pelo portal do G1 81 dos brasileiros se professam cristãos sendo que 50 são católicos e 31 evangélicas Isso explica pelo menos em parte o comportamento cultural do brasileiro Assim como na escravidão onde tanto o escravo quanto o escravocrata eram afetados por essa relação também na sociedade capitalista do século XX trabalhadores e empresários igualmente o são Resíduos de relações práticas e valores encobertos pelo passado permanecem ativos influenciando o presente WILLIAMS 2005 p 218 Amortecidos mas não excluídos pela modernização da sociedade o imaginário construído a partir da colonização se faz emergir Um exemplo dessa manifestação residual pode ser percebido pelo discurso religioso que é alçado sempre que necessário como poder de significar o mundo real Nesse caso a incorporação de negros e mestiços ao sistema dominante se dá justamente em sua subjugação à visão de mundo ditada pela herança judaicocristã O apassivamento da classe popular pelo discurso religioso mecanismo de violência para a obtenção de seu controle compõe importante ferramenta a ser utilizado pela elite Afinal o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso FOCAULT 2009 p 29 Por isso não é desnecessário lembrarmos do sermão da montanha como significante de comportamento para a classe popular em que Jesus vendo a multidão subiu a um monte e assentandose aproximaramse dele os seus discípulos e abrindo a boca os ensinava dizendo bemaventurados os que choram porque eles serão consolados bemaventurados os mansos porque eles herdarão a terra Mateus 57 Esse sermão sintetiza como um cristão deve se comportar frente às condições de injustiça pois o sofrimento e a não resistência à violência constituem condições tanto para se obter o consolo como expresso por Jesus quanto à AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 15 base do comportamento para se atingir no futuro ao mundo regido pelas leis divinas As privações impostas à classe popular são entendidas como o calvário a ser superado por esse corpo que tem de ser submisso Desse modo resíduos do imaginário popular trazidos dos tempos coloniais compõem o seu modo de proceder em que a resiliência se torna o padrão O imaginário popular dessa forma organizado permite ao Estado no que diz respeito às favelas a adoção de política de rígido controle sobre seus habitantes enquanto estes presos à influência cristã se submetem ao poder na crença de um futuro promissor Com isso para se manter controlada e distante essa população cuja força de trabalho é fundamental para a perpetuação do modelo social a força do Estado se fez presente entre os anos 60 e 70 com a política de remoções dessas comunidades para as periferias Afinal era necessário o ocultamento dessa população considerada inferior e a qual as elites não pretendem se vincular A busca da superioridade reivindicada pelas elites políticas e econômicas se encontra segundo estas por sua origem que tem raízes na cultura europeia São os sobrenomes estrangeiros que se constituem desse modo no selo de garantia De forma invertida visto que não tinham o referido selo não raramente integrantes da classe popular recorrem à prática de nomear seus filhos com nomes estrangeiros Um movimento que pode ser lido além da força do poder de significação da visão de mundo hegemônica também como uma forma desses de negarem sua origem apropriandose de um signo que ilusoriamente os libertem de sua condição de subalternidade Nessa relação o distanciamento da elite que se recusa a se identificar como integrante de uma formação sociocultural fruto da mestiçagem é flagrado também no tom pejorativo a que se refere à classe popular Esta é designada como povo ou povinho ou povão em uma clara demonstração de seu distanciamento daquela em relação a esta última Os resíduos de práticas e valores do período escravista encontramse de tal modo introjetados em sua forma de pensar que se constitui em elemento relevante da formação do AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 16 caráter não só da elite da classe dominante mas do conjunto da sociedade definindo tanto os de cima quanto os de baixo Por isso a incorporação de elementos culturais residuais dos grupos dominados à cultura hegemônica não implica na descaracterização desta ou na permanência de relações arcaicas a serem superadas Não eles são parte integrante do sistema dominante que são acionados justamente para sua perpetuação CONSIDERAÇÕES FINAIS Adotamos como método nessa reflexão a busca das raízes do racismo para além da constatação de sua vinculação com a escravidão praticada no Brasil por quatro séculos Desse modo optamos pelos fundamentos ideológicos do próprio regime escravista não nos limitando à sua explicação econômica o que já se encontra demasiadamente estudado Ao identificar nas chamadas escrituras sagradas essas raízes e que elas constituem um dos pilares da visão de mundo ocidental observamos que a escravidão tem laços mais profundos que a pura questão do interesse econômico Sua relação encontra seus traços na herança judaicocristã Nesse sentido podemos afirmar que a escravidão no passado e seu correspondente racismo no presente permitiram e permitem fundamentar o atual modelo societário brasileiro Ou seja a base cristã é também responsável pela permanência da hierarquia social fundada na memória mítica bem como de sua atualização expressa no racismo Sendo assim a superação do racismo estrutural está condicionada invariavelmente na superação desses fundamentos A construção de um novo caráter nacional implica na fundação de novos parâmetros que não tenham na hierarquização mítica sua premissa Isto é não basta a aceitação de negros em postos de trabalho melhor qualificado no discurso de denúncia de que as maiores vítimas da pobreza eou da violência do Estado têm cor visto que essa é a lógica de modelo de AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 17 sociedade fundado no Gênesis e que deu origem à escravidão O fim jurídico desta em 1888 não alterou a sua lógica constitutiva Por isso não se trata de reclamar que a república não incorporou igualitariamente os negros à sociedade porque a lógica do poder dos herdeiros da escravidão dos latifundiários cristãos era a de não incorporálos Ou melhor estava embutido na estruturação do poder republicano que se organizou a partir de 1889 a condição subalterna do negro Afinal as relações sociais hegemônicas permaneciam pautadas e vinculadas à tradição judaicocristã balizadoras da visão de mundo do brasileiro que manteve a Europa como o seu centro de irradiação O que se mostra como sendo essencial nessa discussão é justamente superar os limites impostos pelas bases da sociedade ocidental O racismo não é fruto de uma sociedade que é hegemonizada por pessoas e classes que não admitiram o fim da escravidão mas é o seu próprio fundamento e como tal tem de ser entendido como uma relação de poder Por isso é de imperiosa importância conciliar as lutas cotidianas contra o racismo que são embates políticos mobilizadores e de conscientização com a crítica ao próprio modelo de sociedade O combate e superação do racismo estrutural encontrase vinculado invariavelmente às bases não somente econômicas e políticas que ergueram a sociedade mas também a seus pilares ideológicos Assim não se superará o racismo sem que seja pela refundação da sociedade a partir da mestiçagem que compõe a cultura brasileira E não se pode realizar essa empreitada sem que se questione a sua formação mítica É portanto necessário matar Canaã o mito bíblico que estabelece o direito à escravização do negro ou caso contrário continuaremos girando em círculo e combatendo fraseologias mas não o mundo real AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 18 Referências bibliográficas ALVAREZ Marcos César A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais Revista de Ciências Sociais Rio de Janeiro 2002 vol 45 n 4 BARTHES Roland Mitologias 4ª ed Rio de Janeiro DIFEL 2009 CARVALHO José Murilo de Cidadania no Brasil O longo Caminho 3ª ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2002 DAVIS David Brion O Problema da Escravidão na Cultura Ocidental Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2001 FOCAULT Michel Vigiar e Punir Petrópolis RJ Vozes 2009 FREYRE Gilberto CasaGrande e Senzala 44ª ed Rio de Janeiro Record 2001 Sobrados e mucambos Rio de Janeiro Record 2002 GUIMARÃES Alberto Passos As classes perigosas banditismo urbano e rural Rio de Janeiro UFRJ 2008 LIGUORI Guido VOZA Pasquale orgs Dicionário Gramsciano 1926 1937 São Paulo Boitempo 2017 MARX KarlEngels F A ideologia alemã São Paulo Boitempo 2007 MARX Karl A Questão Judaica httpmarxistsorgportuguesmarx1843questaojudaicahtmt1 Crítica da Filosofia do Direito de Hegel 1843 São Paulo Boitempo 2010 Manifesto do Partido Comunista Petrópolis Vozes 1996 PEREIRA IVO IsnaraJESUS José Robson Gomes de Escravidão negros africanos e Santo Isidoro de Sevilla UFES Programa de PósGraduação em História 2019 OLANDI Eni Puccinelli Discurso imaginário social e conhecimento Em Aberto Brasília ano 14 nº 61 janeiromarço 1994 RIBEIRO Djamila Quem tem medo do feminismo negro São Paulo Cia das Letras 2018 SAVIANI Dermeval História das ideias pedagógicas no Brasil 3 ed Campinas SP Autores Associados 2011 WILLIAMS Raymond Base e superestrutura na teoria cultural marxista REVISTA USP São Paulo n65 p 210224 marçomaio 2005 AFROPORT Afrodescendência em Portugal sociabilidades representações e dinâmicas sociopolíticas e culturais Um estudo na Área Metropolitana de Lisboa FCTPTDCSOCANT306512017 19 FONTES httpsg1globocompoliticanoticia2020011350percentdosbrasileiros saocatolicos31percentevangelicose10percentnaotemreligiaodiz datafolhaghtml httpswwwtechoorgbrasilinformeseapobrezabrasileiratemcoree preta IBGE As Favelas do Distrito Federal e o Censo de 1950 Documentos Censitários série C nº 9 Rio de Janeiro 1953 httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv101717apresentacaopdf HIRAN ROEDEL é historiador e PhD em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Autor de diversos livros e artigos sobre a história do Brasil tem se dedicado à discussão sobre a formação social suas relações econômicas políticas culturais e ideológicas As desigualdades e as lutas de resistências fruto dessas relações desenvolvidas ao longo da história foi o eixo temático por exemplo de seu livro de dois volumes em coautoria cujo título é Sociedade Brasileira uma história através dos movimentos sociais Também em uma abordagem sociocultural é autor do capítulo Comunidade portuguesa na cidade do Rio de Janeiro mobilidade e formação de território no livro Os Lusíadas na aventura do Rio moderno organizado por Carlos Lessa Como citar ROEDEL Hiran Do Mito de Cam ao Racismo Estrutural Uma Pequena Contribuição ao Debate Projeto AFROPORT Afrodescendência em Portugal FCTPTDCSOCANT306512017 Lisboa No02 Julho 2020 0119 Disponível em httpscesarcisegulisboaptafroportartigos