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Pedagogia ·

Psicanálise

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pela compreensão dos estádios infantis da sexualidade fez a análise dos neu- róticos, com o regresso destes à sexualidade infantil. Claro que não são os psicoses os únicos estádios em que se observam regressões do ego. Também em pessoas sadias reaparecem funções arcaicas do ego, conforme acontece em condições de embriaguez, exaustão e, sobretudo, na situação do adormecimen- to e do despertar (726, 837, 1546). OS ESTÁDIOS PRIMITIVOS As funções mentais representam um aparelho que se complica progre- ssivamente para o controle dos estímulos. Assim é que as fases primitivas se têm de abranger nas expressões "excitação" e "relaxamento"; só as fases ulteriores é que se podem caracterizar em termos mais definidos e diferenciados. O ego vem a diferenciar-se sob a influência do mundo exterior, sentido em que se pode dizer que a criança recém-nascida não tem ego. O infante humano nasce mais desamparado do que os outros mamíferos. Não pode viver se não for assistido; estímulos numerosos derramam-se-lhe em cima que ele não pode controlar. Não tem meios de mover-se voluntariamente, nem sabe diferenciar os estímulos. Não conhece mundo objectal, nem consegue "segurar" a tensão. Podemos dizer que não tem consciência clara e, quando muito, terá sensibili- dade indiferenciada à dor e ao prazer, ao aumento e à diminuição da tensão. Precisamente, o que ocorre é que ainda não se desenvolveram as funções de constituir o ego futuro e a consciência: ou seja, a apreensão do mundo exterior (percepção), o controle do aparelho motor (motilidade) e a capacidade de segurar a tensão mediante contracções. É claro que, antes mesmo do desenvolvimento do ego, reações existem aos estímulos; as funções ulteriores do ego são realizadas de forma indiferen- ciada, ou seja, de modo motor. A origem do ego não é um processo homogéneo. Começa com o nas- cimento (ou talvez mesmo antes) e, estritamente falando, nunca se completa. Quando nasce, o organismo emerge de ambiente relativamente tranquilo para entrar num estado de estimulação esmagadora com um mínimo de protecção contra os estímulos; é uma inundação de excitação, sem aparelho defensivo adequado, que, segundo Freud, constitui o modelo para toda angústia futura (618). Esta inundação pela excitação deve ser consideravelmente desagradável e deve evocar a primeira tendência mental, a saber, a tendência a eliminar a ten- são. Quando o mundo exterior consegue ajudar a criança a suportar estes es- tímulos de forma satisfatória, ela adormece. É despertada por novos estímulos: a fome, a sede, o frio. Os primeiros traços de consciência não se diferenciam en- tre ego e não-ego, e sim, na verdade, entre tensão maior ou menor; a esta al- tura, o relaxamento e a perda da consciência são concomitantes. Se fosse pos- sível atender a toda necessidade imediatamente, talvez nunca se desenvolvesse uma concepção da realidade. A DESCOBERTA DOS OBJETOS E A CONSTITUIÇÃO DO EGO A vida do bebê varia entre a fome, o frio e outros estímulos desagradáveis, de um lado, e o sono, de outro. A fome (mais os estímulos desagradáveis) levam a um estado de tensão e daí, a tendência a livrar-se da tensão. Esta cessa com a saciedade, e a criança adormece, o sono sendo liberdade relativa de es- 30 tímulos. Os primeiros sinais de representação objetal devem originar-se no es- tado de fome. Aparecendo primórdios mais distintos das funções ulteriores do ego, a apreensão pelo infante do fato de que alguma coisa há de fazer o mundo exterior de modo a aliviar os estímulos conduz ao primeiro desejo de objetos. Relação objectal desta natureza primitiva só existe enquanto estiver ausente o ob- jeto: este aparecendo, cessa o desejo e sobrevem o sono (425). Antes que se estabeleça este "primeiro objeto" e o bebê fisicamente é dependente de pessoas cujos cuidados o mantêm vivo; pessoas que, contudo, não são os objetos do infante em sentido psicológico, visto que ele ainda não percebe o mundo exterior, e sim, apenas, sua própria tensão ou seu próprio relaxamento. A primeira percepção de um objeto virá do desejo de alguma coisa que já é familiar ao bebê: alguma coisa capaz de gratificar necessidades, mas ausente no momento (507). A primeira aceitação da realidade é somente um estádio intermediário no caminho de se afastar dela. Aqui é o ponto em que surge contradição de im- portância básica na vida humana, a contração entre o desejo de relaxamento completo e o desejo de objetos (fome de estímulo). A luta pela cessação do relaxamento, a expressão direta do princípio da constância, constitui, neces- sariamente, o mecanismo mais antigo. O fato de objetos externos haverem trazido à consciência que satisfação relaxada introduziu a complicacao que consiste no fato de que os objetos se tornaram desejados: de início, realmente, eles só foram procurados como instrumentos que por si mesmos desaparece- ram. O desejo de objetos iniciou-se como se fosse um desvio no caminho que conduz a esse alvo: livrar-se dos objetos (estímulos); e é que talvez se queira dizer, às vezes, quando se declara que o ódio é mais antigo que o amor. Certo é, contudo, que as primeiras relações não são nem ódio, nem amor; mas o primeiro andar ainda indiferenciado do eu e outro (79). A origem do ego e a origem do senso da realidade são simplesmente dois aspectos de uma mesma etapa de desenvolvimento. Isso sendo inerente à definição do ego como aquela parte da psique que manipula a realidade (295, 700). O conceito de realidade é que também cria o conceito de ego: somos in- dívduos na medida em que nos sentimos nós próprios separados e distintos de outras pessoas. No desenvolvimento da realidade, a concepção do próprio corpo desem- penha papel muito especial (608). De início, o que há é apenas a percepção de tensão, ou seja, de um "alguma coisa dentro". Posteriormente, com a percepção ,de que existe um objeto para acalmar esta tensão, temos um "alguma coisa fora". O nosso corpo é uma coisa e outra ao mesmo tempo. Pela ocorrência simultânea de estímulos táctis externos e estímulos sensoriais internos, o nosso corpo transforma-se em alguma coisa distinta do resto do mundo, donde pos- sibilitar-se o discernimento entre "self" (eu propriamente dito) e "não-self". A soma das representações mentais do corpo e êxtrógios deste, a chamada imagem corporal, constitui a ideia de eu e tem importância basica na formação ulterior do ego (1372). Não coincide a imagem corporal com o corpo objetivamente considerado; por exemplo, as roupas ou as extremidades alucinadas podem es- tar nela incluídas (521, 1612). - Um neurótico compulsivo preocupava-se obsessivamente com as roupas, as quais tinham de ficar lhe perfeitamente bem, sob pena de sentir-se antiquadi- simo; era uma espécie de hipocondriao das roupas. Velo-se a descobrir que, real- mente, era com seu bem-estar físico que se preocupava. O que não estivesse certo 31 4 O Desenvolvimento Psíquico Inicial: O Ego Arcaico DIFICULDADES METODOLÓGICAS NA INVESTIGAÇÃO DAS FASES INICIAIS DO DESENVOLVIMENTO Em oposição à tempestade afetiva ou ao ataque emocional, em que os fenômenos são determinados por fatores biológicos e filogenéticos, o que nas neuroses condiciona os fenômenos é a história individual. Visto que os níveis primitivos do desenvolvimento se retêm ou se revivem nas neuroses, impossível é compreendê-los sem conhecimento pleno destes estádios iniciais. Assim, pois, os capítulos que se seguem vão apresentar esboço resumido e esquemático do desenvolvimento mental. As conclusões que dizem respeito aos primórdios da vida mental têm sido elaboradas muito lentamente a partir do material que se obtém na análise de neuróticos adultos; achados que vieram a ser confirmados pela observação direta das crianças. Necessariamente, os anos mais remotos é que mais obscuros permaneceram. Em primeiro lugar, nem sempre é imperativo regressar aos períodos mais remotos para analisar e tratar uma neurose; além disso, faz-se cada vez mais difícil apreender as reações mentais à medida que se investigam períodos nos quais ainda não existe linguagem e nos quais muitas funções separadas ulteriores ainda não se diferenciaram entre si. São difíceis as tenta- tivas no sentido de superar estes obstáculos pela observação direta dos infantes, antes que se desenvolva a fala; e os dados por este meio se obtêm faculam in- terpretações psicológicas que vários. Há inclinação acentuada à aplicação de conceitos e ideias que são válidas para estádios mais adiantados de maturação ao comportamento das crianças pequenas; crítica, aliás, que parece poder aplicar-se a vários estudos psicanalíticos relativos às fases iniciais do ego. Até o momento, contudo são poucas as observações sistemáticas de infantes que se hajam feito com base na psicanálise (645, 671, 1301, 1302, 1303, 1596). Os psicólogos experimentais têm contribuído muito com os seus achados; mas a pesquisa desta ordem aborda o material, principalmente, de modo muito diver- so daquela da psicanálise. A análise de psicóticos, com a respectiva regressão às fases primitivas do ego, acresce consideravelmente o conhecimento destes estádios iniciais. Esta análise fez pela compreensão do desenvolvimento mental inicial e o mesmo que com a indumentária significava alguma coisa errada no corpo; as roupas indicam- -se na imagem corporal. PERCEPÇÃO INICIAL E IDENTIFICAÇÃO PRIMÁRIA O primeiro estado sem qualquer representação de objeto chama-se nar- císsimo primário (585). As primeiras reações aos objetos como tais contêm muita coisa, unitariamente integrada, que virá ainda a diferenciar-se mais tarde; reações estas que se assemelham a reflexos, quer dizer, todo estímulo exige reação imediata, segundo o princípio da constância. A recepção do estímulo e a sua descarga, a percepção e as reações motoras estão muito próximas umas das outras; entrelaçam-se, ou interligam-se de maneira inseparável. A percepção primitiva justamente caracteriza-se pela sua proximidade à reação motora. Nós percebemos mudando primeiramente o nosso corpo pela influência do objeto percebido e, depois, pela tomada de conhecimento desta mudança corporal. São muitas as percepções geralmente consideradas ópticas que, na realidade, são cinestésicas (379, 1456). Tal qual, a investigação eidética tem mostrado que as percepções ópticas primitivas se ligam à reações motoras prestes a descar- regar (83); é o que também se vê dos achados das atitudes motoras nas alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas (837). A conexão original entre a percepção e a e ação motora, Freud também a demonstra em seu ensaio "Nota sobre o Bloco Mágico" (615), onde esclarece a atividade da função da percepção. Enquanto estímulos internos do mundo ex- terior inundam o organismo, este experimenta o fenômeno passivamente. A construção de um aparelho de percepção que coincide com um aparelho de proteção contra estímulos demasiado intensos, acarreta variação da passividade para a atividade. A percepção aparece, simultaneamente, como e quando da nata de pulsações (motoras) centnífugas de catexias possíveis de considerar como sendo a primeira tentativa de controlar o mundo exterior. E esta a base da diferençaçâo de sistemas de percepçâo e sistemas de memória (552); é daí que se origina uma consciência mais diferenciada. Uma vez completada esta diferen- ciação. o organismo está em condições de proteger-se contra o excessivo influxo de estímulos mediante a interrupção da função de percepção (917). O ego de form ação recente pode voltar a afundar no id, capacidade que se observa no desmaio e nos sintomas das neuroses traumáticas. E, sem dúvida, o modelo de todos os mecanismos de defesa ulteriores, capaz de explicar-se contra dores in ternar em, bem assim, contra o desprazer de origem externa. Também a repres- são pode ser considerada bloqueio específico da percepção de certas exigências instintivas. Outro tipo de regresso do ego ao id se vê no sono. Função importante do ego é o fenômeno da fascinação, descrito por Ber- nefeld (130). Uma tentativa primitiva de controle de estímulos intensos consiste na imitação pelo ego primitivo daquilo que é percebido. Segundo parece, perceber e mudar o nosso corpo de acordo com o que percebemos foram, na origem, uma coisa só e mesma. Os pacientes de Goldstein com lesão cerebral con- seguiam compensar a alexia esboçando as letras que viam com movimentos da cabeça, e isto conseguiam ler porque se tornavam conscientes das suas sensações cinestésicas (704, 1476). Esta imigação primitiva daquilo que é per- cebido constitui uma espécie de identificação, a consciência da qual produz a percepção. Outra reação primitiva aos primeiros objetos afigura-se mais simples e mais compreensível: o bebê quer pô-los na boca. Foi a fome, que perturba tei- radamente a tranquilidade do sono, que obrigou ao reconhecimento do mundo ex- terior. A experiência da saciedade, que pela primeira vez suprimiu uma tensâo, veio a transformar-se em modelo que servisse para o controle dos estímulos externos em geral. A primeira realidade é o que se engole. Reconhecer a realidade significa, originalmente, julgar se uma coisa serve à gratificação, ou se suscita tensões, querse engula, quer se cuspa (616). Levar à boca ou cuspir é a base de toda percepção; nós-estados de regressão observa-seque no inconscien- temente, se concebem todos os órgãos como têm f sso bocas (42 430). As reações primitivas de imitação do que é percepção e a introjeção oral do que é percebido estão muito próximas uma das outras. Como Freud sem pre enfatizou (606, 608), "identificação", na psicologia normal e na psicopa- tologia, dá a impressão de ser uma regressão, uma identificação "secundária„, que repete uma identificação "primária" arcaica. O conceito de identificação primaria implica que, de fato, "pôr na boca" e "imitação para o fim de perceber” vêm a ser uma coisa só, a mesma coisa; e representam a primeiríssima relação com os objetos. Nesta identificação primária, não estão diferenciadas entre si o comportamento instintivo e o comportamento do ego. Tudo vem a dar na mesma o: o primeiro amor objetal (oral), a primeira reação motora aos estímulos ex ternos e a primeira percepção (408). Desempenham as identificações papel im- portante no processo de edificação do futuro ego, cuja natureza dependerá, pois das pessoas que rodeiam o bebê (cf. 101). Também na imitação do mundo exterior ela incorporação oral se baseia a modalidade predominante do des- tar, chamada mágica, a distinguir-se adiante. Essa incorporação, que é a primeira reação aos objetos em geral e procurar destruir a ákveoj assim considerados destrutivos, destdom, em sentido psicológico, a existência do objeto. A atitude segundo a qual o objeto existe ap9enas para satisfazer o ego e pode desaparecer de uma vez que o seu desejo ou se observa nalguns tipos infantis de amor. Entretanto, o objetivo da incorpo- ração dos objetos não reflete, necessariamente, qualquer tendência destrutiva subjetiva em relação ao objeto. Esta incorporação primária representa a matriz do que virá a ser, posteriormente, amor e também doido destrutivo; mas ainda não é nem uma coisa, nem outra. A ânsia excessiva de destruir, que de fato se vé em certas crianças (e não é simplesmente projetada mais tarde para a infância em pacientes infância-depressivos) não é ativa em todo bebê que suga o seio materno. Certo é que a existência de impulsos oral-traumáticos nos primeiros tempos de vida se prova em casos patológicos. Os desejos orais de não beber mal não contem objetivos entrutivos poderosos desta ordem, nem, cores- ponderentes, temores tão grandes de realidade. Não esquecer enquanto que in- corporação só é destrutiva sされenarioamente, pois e sua natureza objetivamente destrutiva e usada para fins subjetivos; o primeiro desejo hostil para com os ob- jatos que produzem dor ou que obstamo o prazer tuão e engol-los, mas cuspir-los. Também é de questionar se o mesmo objeto que uma vez produce gratificação e depois a recusa se reconhece como sendo um só e o mesmo objeto pelo ego primitivo. Mais provável é que, primeiramente, haja concepções diferentes de um objeto "bom", que se quer possuir engolindo, e de um objeto "mau", que se quer cuspir e só posteriormente destruir engolindo. E questão de definição es- tabelaçer se a incorporação primitiva se chamará "ambivalente" e declarar "con- gênita" à ambivalência de emoções assim descrita. E ambivalente na medida em que nela se contêm elementos de amor e ódio futuros; não é ambivalente na medida em que não existem ainda amor e ódio como adversos (707). Uma necessidade intensa de obter satisfação, sem consideração do objeto (tal este poder ser destruído), é uma necessidade intensa de destruir por ódio um objeto não são a mesma coisa. Voltando ao estudo "da percepção, as diferenças que existem entre as percepções dos bebês e dos adultos têm a consequência de eles viverem o mundo diferentemente. Observações feitas em psicóticos, que regrediram a modalidades primitivas de percepção, confirmam o fato de que eles vivem o mundo de maneira mais vaga e menos diferenciada. Os objetos não são necessariamente distinguidos com nitidez uns dos outros, nem do ego, ou parte deste. As primeiras imagens são grandes em extensão, todos envolventes e inexactas. Não consistem em elementos que venham a ajuntar-se, mas sim em unidades, totalidades, que só à seguir se reconhecem como contendo elementos diversos. Não só a percepção e a motilidade são inseparáveis, como também se sobrepõem às percepções de muitos órgãos dos sentidos. São os sémos mais primitivos, sobretudo as sensação es cinestésicas e os dados da sensibilidade profunda (propriocepção), que prevalecem. Além da forma nas percepções infantis, também são diferentes os con- teúdos que se percebem. Hermann chamou "percepções primárias” aquelasque a criança pequena possui, mas que vêm a desaparecer posteriormente por motivos internos ou externos” (778). A natureza diversa destas percepções primárias deve-se em parte às características biológicas da criança, a qual o mundo se apresenta em perspectiva inteiramente outra pelo ção do seu tam- nho pequeno e da sua experiência diferente do espaço (14, 147). Em sua maior parte, as características da percepção arcaica resultam de seu caráter “não objetivo”, da sua natureza emocional. O "histórico de percepção decor- rem com os instintos como fonte possível de satisfação ou como ameaça possível; os desejos e temores instintivos falseiam a realidade. Uma percepção mais obje- tiva pressupõe certa distância psicológica entre o ego que percebe e os dados da percepção. um juizo relativo às fontes das sensações experimentadas e, mais ainda, um juízo correto, capacidade de aprendizagem diferencial, ao passo que se sentem as experiências primitivas como ainda todas totalidades indiferenciadas, cujo aprarecimento se repete. O princípio do prazer, ou seja, a necessidade de descarga imediata, não se compatibiliza com um juízo correto, o qual se baseia na consideração e no adiamento da reação. O tempo e a energia que o adia- mento poupa servem a função do juízo. Nosestádios inicia, o ego fraco ainda nãoapendeu a adiar coisa alguma (575). ONIPOTENCIA E AUTO-ESTIMA O ego primitivo, contrariamente ao ego mais difere ignition, é considerado fraco, isto é, impotente em relação aos seus próprios instintos, bem como em relação ao mundo exterior. Já que, no entanto, ainda é incompleta a forma por que o ego se separa psicologicamente do mundo exterior, por englobá-lo todo ou partes respectivas dentro de si mesmo, acontece que o ego vem a sentir- se onipotente. Ferenei falou de uma primeira onipotência ilimitada, a qual per- siste enquanto não existe concepção dos objetos; e é limitaridade pela ex- periência da excitação que não pode ser contromolada e que conduza a movimentos incordenados. Quando estes são compreendidos pelo ambiente como sendo um sinal que exige mudança da situação, a criança pode experimentar esta série de eventos como uma “onipotência de movimentos” (457). O ego não se separa do mundo exterior de um momento para o outro, mas, sim, mediante processo gradativo. É também, certamente, um processo heterogêneo, uma vez que os encontros formadores do ego com a realidade e com o corpo do indivíduo se passam em conexão com necessidades múltiplas. O ego ulterior, por conseguinte, tem muitos “núcleos” (694, 695). Forma-se um ego final mediante integração sintética destes núcleos; em certos estádios de regressão do ego, nota-se a fragmentação deste em seus núcleos originais. Sempre restam certos traços da condição original anobjetal (878), ou, quando menos, o desejo dela (“sentimento oceânico”) (622). A introjeção representa tentativa no sentido de fazer que partes do mundo exterior fluam para dentro do ego. A projeção, colocando no mundo exterior o que há de sensações desagradáveis, também se esforça por inverter a separação entre ego e não-ego. Há um estádio de desenvolvimento em que tudo quanto é desagradável é considerado não-ego; e tudo que é agradável se considera ego, o que Freud chamou ego prazeres ou purificado (“Purifiziertes Lust-Ich”). O modo mais primitivo pelo qual eliminar o seria “aluciná-la”, assim projetada para fora, modo que não tarda a romper-se diante da realidade. O organismo jovem, então tenta reunir os estímulos prazerosos ao ego e os estímulos desprazersosos ao não-ego. Na vida ulterior, manifestam-se traços deste fato naquelas pessoas que, sem questionar, reconhecem quaisquer sensações corporais prazerosas como sendo suas, enquanto, reclamam sensações ou órgãos que honestamente não lhes pertencem. Há muitos outros traços que persistem, partindo do mundo “transitivista”, como ocorre, por exemplo, com a criança que, brincando de esconder, fecha os olhos e pensa que não pode ser vista. A concepção animística arcaica do mundo, que se baseia em confusão de ego e não-ego, serve para ilustrar o que estamos dizendo; é uma espécie de identificação invertida. Percebe-se o mundo exterior como se tivesse as características do ego, tal qual na identificação primária e ego se percebe como se tivesse as características do objeto (265, 712, 802). Quando certas experiências a obrigam à tenência da crença em sua onipotência, a criança considera onipotentes os adultos, que já se tornaram independentes; e tenta, mediante a introjeção, partilhar-lhes, desta vez, a onipotência. Há sentimentos narcisísticos de bem-estar que se caracterizam pelo fato de que se sente como reunião a uma força onipotente existente no mundo exterior, força que se obteve ou pela incorporação de partes deste mundo, ou pela fantasia de que se é por ele incorporado (“narcismo secundário”). (608). O êxtase religioso, o patriotismo e outros sentimentos que se lhes assemelham caracterizam-se pela participação do ego nalguma coisa que está inatingivelmente alto. São muitos os fenômenos sociais que se enraizam na promessa feita pelos “onipotentes” de que os impotentes terão participação passiva, desde que cumpram certas regras. As experiências do indivíduo que se ligam à onipotência conduzem a uma necessidade muito significativa da mente humana. O anseio pelo sentimento 35 oceânico do narcissimo primário pode ser chamado “a necessidade narcisística”. A “auto-estima” e a consciência da proximidade a que o indivíduo está da onipotência original (1238). Os modos primitivos por que a auto-estima se regula originam-se da circunstância de que o primeiro desejo de objetos tem o caráter de desejo de eliminar o desprezer perturbador; e pela circunstância de que a satisfação pelo objeto elimina o próprio objeto e revive o estado narcísico. O desejo de recapiturar a onipotência e o desejo de eliminar a tensão instintiva ainda não estão diferenciados entre si. Se o indivíduo consegue livrar-se de um estímulo desagradável, restaura-se a auto-estima. A primeira provisão da satisfação que o mundo exterior dá, isto é, a de alimento, é, do mesmo passo, o primeiro regulador da auto-estima. A tendência à participação na onipotência dos adultos, depois que se renuncia à própria, diferencia-se do desejo de satisfação da fome. Todo sinal de amor que vem do adulto mais poderoso tem, então, o mesmo efeito que a provisão de leite teve sobre o bebê. A criança pequena perde a auto-estima quando perde amor e obtém-na quando recupera este último; é o que possibilita educar as crianças. Elas precisam tanto de provisões de afeição que se dispõem prontamente a renunciar a outra satisfação, se lhes é prometem recompensas de afeição, ou se são ameaçadas de que se lhes retire afeto. A promessa das necessárias provisões narcisísticas de amor com a condição de obediência e a retirada das mesmas provisões no caso de aquela não se prestar são às armas que servem a qualquer autoridade (427, 436). Mais adiante, as necessidades narcisísticas e sexuais diferenciam-se; as necessidades sexuais desenvolvem-se na relação com os objetos; as narcisísticas, mais na relação entre ego e superego. Todo sentimento de culpa reduz a auto-estima, mas reduz também as ideias e a beleza. Visto, em outros termos, a culpa ocorre em todo desenvolvimento mental, o antigo e o primitivo subsistem por baixo do novo, assim também parte da relação com os objetos continua a ser governada pelas necessidades de auto-estima; ponto este que de melhor se estuda é nas pessoas que estão fixadas neste nível; elas precisam de provisão narcisística que venha de fora, a fim de manter a auto-estima. Dentre as pessoas assim, há inúmeros subtipos: há os agressivos, que querem conseguir pela força as essencialidades que o mundo exterior mau recusa; e há aqueles tipos que procuram evitar a força e, pelo contrário, tentam captar as provisões essenciais submetendo-se e mostrando sofrimento. Há muitas pessoas que experimentam, ao mesmo tempo, um modo e outro. O fato de as necessidades eróticas e narcísicas obrigarem a criança a exigirá afeição, mais o caráter imperativo deste desejo, permitem-nos falar num amor objetal passivo existente nas crianças pequenas. A criança quer obter do objeto alguma coisa sem com coisa alguma retribuir. O objeto ainda não é personalidade, é sim um instrumento com que prover satisfação (73). Ao estádio de narcisismo primário, em que se sentia a onipotência e ainda não constituía problema o controle segue-se, pois, um período de controle receptivo-passivo, em que se superam as dificuldades influenciando os objetos externos poderosos a que dêem aquilo que é necessário. Sempre que os tipos ativos ulteriores de controle falharem ou não permitirem esperança alguma de êxito, o indivíduo sente forte a tentação de regredir ao estado de controle passivo-receptivo. 36 O DESENVOLVIMENTO DA MOTILIDADE E DO CONTROLE ATIVO Constitui processo longo e complicado o desenvolvimento do controle ativo. Também é tarefa que o bebê humano só aprende aos poucos o controle do aparelho motor, em conexão constante com a maturação do aparelho sensorial. Sob o ponto de vista psicológico, atos gradativamente se vão substituindo a simples reações de descarga, o que se realiza mediante a interposição de certo período de tempo entre o estímulo e a reação, quando o bebê adquire alguma tolerância à tensão, ou seja, a capacidade de segurar impulsos reativos primitivos por meio de contra reações (575). O pré-requisito de um ato é, a mais do controle do aparelho corporal, o desenvolvimento da função do juízo, isso significa a capacidade de antecipar de futuro na imaginação pelo fluxo da realidade e pela experiência (de maneira ativa e em dosagem baixa), do que é capaz de acontecer ao indivíduo passivamente e em dosagem ignorada; tipo de funcionamento este que é característica geral do ego. Aprender a andar, a ser asseado, o falar, são os passos principais pelos quais se desenvolve o controle das funções motoras físicas. O caminhar e o controle dos esfíncteres constituem o alicerce da independência da criança, capacidades estas que ajudam a desenvolver o princípio do prazer (575) e a superar a dependência receptiva, bem como a necessidade de descarga imediata. A faculdade da fala altera as funções previsoras do ego; o estabelecimento de símbolos nominais para as coisas consolida a consciência e possibilita a antecipação das fotos no mundo ulterior das palavras. A capacidade de julgar a realidade e a capacidade de suportar tensões são dois aspectos de uma e mesma faculdade. Dirigir as ações respectivas segundo a necessidade externa significa saber prever riscos e lutar contra eles, ou evitá-los. A ANGÚSTIA O desamparo biológico do bebê humano leva-o, necessariamente, a estados de alta tensão dolorosa, estados nos quais o organismo é inundado por quantidades de excitação que lhe excedem a capacidade de controle: são chamados estados traumáticos (605). O sofrimento dos estados traumáticos inevitáveis dos primeiros anos de vida, ainda indiferenciados e, pois, ainda não idênticos a afetos definidos ulteriores, representa a raiz comum de vários afetos futuros e, decerto, também da angústia. As sensações desta “angústia primária” podem ser consideradas, de um lado, como a maneira pela qual a tensão se faz sentir e, doutro lado, como a percepção de descargas de emergência vegetativas involuntárias (690, 993). Freud sugeriu que o ato de nascer talvez se pudesse considerar uma experiência em que se estabelecia a essência desta angústia primária, porque notara que as síndromes aparentemente sem significação dos ataques histéricos são historicamente determinadas — ou seja, haviam sido intencionais em certa situação passada — e a sua hipótese baseou-se na ideia de que afetos normais tivessem origem histórica por forma análoga (596). É claro que esta angústia primária não é em absoluto criada pelo ego; é criada por estímulos externos e internos, ainda incontrolados; na medida em que ela se experimenta como sentimento doloroso consciente, é experimentada 37 passivamente, tal qual alguma coisa que ocorre ao ego e tem de ser aturada (431. 714). Na vida ulterior, em pessoas que têm de suportar fatos traumáticos, ocorrem experiências que são comparáveis à angústia primária. Os ataques incontroláveis de angústia esmagadora, que se sentem como alguma coisa terrível a inundar uma personalidade desamparada, constituem sintoma típico de neuroses traumáticas. Tipo semelhante de angústia se sente quando a excitação sexual (e talvez agressiva também) não se permite que siga seu curso normal. Daí ser provável que a angústia traumática ou pânico seja, dinamicamente, a mesma coisa que a angústia primária: a forma pela qual uma insuficiência de controle, (um estado de que se está inundado de excitação) é passiva e automaticamente sentida. Quando a criança aprende a controlar sua motilidade, atos intencionais pouco a pouco vão tomando o lugar das simples reações de descarga; a criança já pode prolongar o tempo entre o estímulo e a reação, com o que realiza certa tolerância da tensão. A capacidade característica de "ir tentando" que assim se adquire altera a relação do ego para com os seus afetos. Estes são, originalmente, síndromes de descargas eracaicas que suplantam os atos voluntários em certas condições excitantes. O ego em desenvolvimento já aprende a "amansar" afetos e a usá-los para os seus próprios fins intencionais (440). Isto também se aplica à angústia (618). Com a imaginação previsora, mais o planejamento resultante de atos ulteriores adequados, forma-se a idéia de perigo. O ego julgador declara poder tornar-se traumática uma situação que ainda não o é, juízo que (é evidente) cria condições semelhantes às que são criadas pela própria situação traumática muito menos intensas, porém. Isto também o ego experimenta como angústia, mas que difere, em parte, da forma de origem original! Não é de ataque esmagador de angústia, e sim temor mais ou menos moderado que se experimenta e que se utiliza como sinal ou medida protetora. Esta angústia, por assim dizer, prevê o que pode acontecer (618). Os componentes intencionais que se mostram na angústia ante o perigo são de creditar-se ao ego julgador; os componentes não intencionais qual seja a possibilidade de paralisia, devem-se ao fato de o ego não produzir angústia, mas só usá-la; não tem meio melhor de que disponha (1485). Complicação que ocorre na angústia neurótica se verá com freqüência nos capítulos a seguir. Há vezes em que a expectativa do perigo, em lugar de precipitar o temor intencional que sirva para evitar o estado traumático, precipita este estado mesmo. O juízo que o ego faz “Perigo à vista!” é seguido de pânico esmagador; o ego produziu algo que não pode controlar. A tentativa de amansar a angústia terá falhado; o pânico selvagem original reaparece e esmaga o ego. E o que se dá quando o organismo se acha em estado de tensão que se pode dizer consistir em disposição latente para o desenvolvimento de pânico. Neste caso, o juízo de perigo feito pelo ego atua como se fosse fósforo em barril de pólvora. A intenção de acender o fósforo como sinal falha porque liberta uma força considerável, incomparavelmente maior do que os poderes limitados da força que tentou usar o fósforo (ver pág. 123). O que determina o conteúdo das idéias de angústia do ego primitivo são, em parte, diretamente, a sua natureza biológica; em parte, indiretamente, os seus modos animísticos de pensar, pelos quais o ego acredita ter o seu ambiente os mesmos objetivos instintivos que ele próprio os tem (associados a poder 38