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Autora Profa Crislaine Valéria de Toledo Plaça Colaboradores Profa Silmara Machado Prof Nonato Assis de Miranda Profa Ronilda Iyakemi Ribeiro Relações Étnicoraciais e Afrodescendência Professora conteudista Crislaine Valéria de ToledoPlaça Nascida na cidade de São PauloSP iniciou seus estudos na Universidade de São Paulo USP em 1989 formandose em Ciências Sociais em 1994 onde cursou também licenciatura na mesma área Durante seus anos de estudo desenvolveu pesquisas na área de Sociologia estando ligada desde a iniciação científica ao NEMGEUSP Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo no qual pode aprofundarse na temática das relações de gênero procurando compreender a condição feminina e as relações entre homens e mulheres nos mais diversos âmbitos sociais como política mercado de trabalho movimentos sociais direitos sociais família sexualidade e religião Em 2002 concluiu o mestrado em Sociologia pela mesma universidade e passou a lecionar em diversas instituições de ensino superior na região da Grande São Paulo Ao mesmo tempo atuou em coordenação pedagógica e orientação educacional nos níveis fundamental e médio ocasião em que ampliou seus estudos na área de Educação Como professora da Unip desde 2008 tem lecionado disciplinas nas áreas de Ciências Sociais Metodologia Científica Educação História e Filosofia Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP T649r ToledoPlaça Crislaine Valéria de Relações étnicoraciais e afrodescendência Crislaine Valéria de ToledoPlaça São Paulo Editora Sol 2023 124 il Nota este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP Série Didática ISSN 15179230 1 Relações étnicoraciais 2 Afrodescendência 3 Diversidade ITítulo CDU 301 U51843 23 Profa Sandra Miessa Reitora Profa Dra Marilia Ancona Lopez ViceReitora de Graduação Profa Dra Marina Ancona Lopez Soligo ViceReitora de PósGraduação e Pesquisa Profa Dra Claudia Meucci Andreatini ViceReitora de Administração e Finanças Prof Dr Paschoal Laercio Armonia ViceReitor de Extensão Prof Fábio Romeu de Carvalho ViceReitor de Planejamento Profa Melânia Dalla Torre ViceReitora das Unidades Universitárias Profa Silvia Gomes Miessa ViceReitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa Laura Ancona Lee ViceReitora de Relações Internacionais Prof Marcus Vinícius Mathias ViceReitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa Elisabete Brihy Profa M Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof M Ivan Daliberto Frugoli Prof Dr Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial Profa Dra Christiane Mazur Doi Profa Dra Ronilda Ribeiro Apoio Profa Cláudia Regina Baptista Profa M Deise Alcantara Carreiro Profa Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico Prof Alexandre Ponzetto Revisão Cristina Alves Locatelli The Business Approval process submits the request directly to finance For new requirements the requester obtains a purchase requisition number to include on the application Finance posts approved subscriptions to a local purchase order for renewal Approved RFPs are managed by the University Controllers Office unless a University Purchasing Buyer is named in the RFP Requests for approval after a purchase order is established for a renewal license are submitted via email or phone to AJM Consent financial approval process The Purchasing Office posts a purchase order after approval by the University Controller Office The business unit is responsible for providing attachments or supporting documentation for each line on the application The communicating issue with the Purchasing Office with the allowable added cost for the organization Supporting documentation includes the desired vendorcontractor with the business requirement Initiate application CO6 Vendor Management forms if contact information Requires the completion of a Software LicenseSubscription application for a renewal license or new license The application form is available on the Purchasing website in the forms and guides section The Purchasing office will provide a purchase order number to the supplier and the University Controller Office is responsible for reviewing the executed contracts and maintaining the fiscal responsibility documented in the file with the approved purchase order The final step is to obtain the signed purchase order from the vendor and retain for audit purposes Sumário Relações Étnicoraciais e Afrodescendência APRESENTAÇÃO 7 INTRODUÇÃO 7 Unidade I 1 CONCEITOS INICIAIS A QUESTÃO DE RAÇA E ETNIA 9 11 Raça 9 12 Etnia 11 2 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS NO BRASIL 15 21 O racismo científico 15 22 O racismo à brasileira e o mito da democracia racial 17 23 Mas afinal o que é racismo 20 231 Biologicamente não existem raças somos uma só raça humana 20 232 Raça é um conceito político 22 233 Os pressupostos do racismo 22 3 A CONDIÇÃO DOS AFRODESCENDENTES NA SOCIEDADE BRASILEIRA 23 31 A questão da autoidentificação racial nos levantamentos brasileiros 24 32 Distribuição racial brasileira desenvolvimento econômico e desigualdades no mercado de trabalho 26 33 Desigualdade racial no sistema educacional 34 34 A questão de gênero e a condição da mulher negra 38 4 MOVIMENTOS SOCIAIS E AÇÕES AFIRMATIVAS É POSSÍVEL ACELERAR O PROCESSO DE MUDANÇA 44 41 Movimentos negros na luta contra o racismo para uma nova condição afrodescendente 44 42 A especificidade das ações afirmativas 48 Unidade II 5 O ANTIRRACISMO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 58 51 A Carta Maior a Constituição Brasileira de 1988 59 52 Estatutos específicos o ECA e o Estatuto da Igualdade Racial 61 521 Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 806990 61 522 Estatuto da Igualdade Racial Lei 122882010 62 53 Leis e diretrizes educacionais 64 531 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB Lei 939496 65 532 Lei 106392003 e Lei 116452008 66 533 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnicoraciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana de 2004 Parecer CNE 0032004 67 6 AFRICANIDADES BRASILEIRAS E ALGUNS ASPECTOS DA HISTÓRIA AFRICANA DOS NEGROS NO BRASIL 69 61 Pegando o fio da história a África antes de 1500 71 62 Heranças coloniais africanas e a formação de um país chamado Brasil 73 63 Diáspora travessia dos escravizados e o constrangimento de seres humanos à condição de objetos 76 64 Resistência negra e o movimento abolicionista antes e depois da Lei Áurea80 Unidade III 7 A PEDAGOGIA DA EXCLUSÃO IMAGENS E REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NO BRASIL 91 71 Imagens e representações do negro na literatura na mídia e na escola a trilha do círculo vicioso 91 72 O processo de construção da identidade na infância e na juventude a igualdade jurídica em meio a uma sociedade hierárquica 96 8 IDENTIDADE INTERAÇÃO E DIVERSIDADE POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ 101 81 Diversidade livro didático e currículo desafios para a prática educativa 101 82 Escola e a promoção da igualdade racial estratégias e possibilidades 105 7 APRESENTAÇÃO Oa alunoa tem em mãos o livrotexto que servirá de base para seus estudos na disciplina Relações Étnicoraciais e Afrodescendência Tratase de uma oportunidade para que se conheça um pouco da formação racial de nosso país seus problemas preconceitos e estruturas autoritárias E como não poderia deixar de ser veremos o quanto estes assuntos estão diretamente ligados à prática em sala de aula e de que forma podemos nos comprometer com a promoção de iniciativas para a igualdade racial e o respeito às diferenças Nesse sentido buscamos contribuir para a formação de uma consciência crítica em relação às questões étnicoraciais no Brasil para o estudo das principais correntes teóricas brasileiras acerca do tema de africanidades e relações étnicoraciais e para uma futura prática pedagógica de promoção da igualdade racial na escola e na comunidade A partir do contato com tais temas esperase que o aluno por meio dessa disciplina seja capaz de adotar uma postura crítica frente às diferenças culturais e étnicas bem como interpretálas e compreendêlas minimizando a geração de preconceitos etnocentrismos e todas as formas de discriminação Também esperase que com esses estudos o aluno consiga avaliar situações de conflitos interétnicos e promover ações que incentivem a igualdade e o respeito à diversidade no contexto escolar Além disso que ele possa compreender a relevância do papel da escola na promoção da igualdade racial envolvendose pessoalmente nesse projeto INTRODUÇÃO Neste material vamos procurar discutir questões bastante delicadas especialmente para nós brasileiros sobre as relações étnicoraciais no país tocando em aspectos de um racismo que se apresenta de forma velada escamoteada nas entrelinhas dos discursos mais cotidianos de nossas conversas e relações do dia a dia Para começar é necessário refletir sobre as seguintes questões negros e brancos são tratados igualmente em nossa sociedade Negros e brancos possuem as mesmas oportunidades de acesso à educação emprego saúde e outros direitos sociais Afinal somos um povo racista ou não Por que precisamos de uma lei que afirme que o racismo é crime inafiançável E como podemos realizar uma educação das relações étnicoraciais Neste início de disciplina vale esclarecer que o ano de 2011 foi definido como Ano Internacional dos Afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas ONU fato amplamente divulgado pela grande mídia no final de 2010 Uma das intenções desse lançamento segundo o secretáriogeral da organização Ban KiMoon é a de despertar na comunida de internacional a necessidade de um empenho conjunto para garantir aos afrodescendentes direitos fundamentais como saúde e educação 8 Figura 1 Disponível em httpsacesseoneSoMgj Acesso em 15 ago 2023 Com esse tipo de iniciativa certamente o interesse pela questão das relações étnicoraciais e afrodescendência deverá aumentar consideravelmente a começar pelos cursos graduação de formação de professores que já estão colocando em prática a Lei Federal 106392003 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afrobrasileira Daí justificase o estudo dessa disciplina durante a formação acadêmica Foi possível perceber como questões complexas estão envolvidas nas relações étnicoraciais Essa será nossa preocupação nesta disciplina desvendar os porquês da permanência do racismo suas causas e consequências bem como as múltiplas implicações na promoção da igualdade racial na escola e na comunidade Desejamos aosàs alunosas excelentes momentos de estudo e crescimento 9 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Unidade I 1 CONCEITOS INICIAIS A QUESTÃO DE RAÇA E ETNIA 11 Raça Se esta disciplina apresenta em seu título a expressão relações étnicoraciais precisamos primeiramente deixar claros dois conceitos essenciais para a compreensão de seu conteúdo os conceitos de raça e de etnia Comecemos pelo primeiro Historicamente desde o século XVI o termo raça recebeu inúmeros tratamentos reforçando preconceitos e discriminações pelo mundo afora Por isso é preciso desenvolver com calma esse conceito a fim de se perceber como essa construção foi lenta paulatina e extremamente eficaz ao longo de nossa trajetória histórica Esse detalhamento será dado nos próximos tópicos quando trataremos do racismo científico e do mito da democracia racial no Brasil Neste momento nossa primeira abordagem sobre o termo raça deve enfatizar que não se trata de diferenciar biologicamente os seres humanos uma vez que as vertentes teóricas construídas a partir do século XVI já foram superadas pela perspectiva de que somos uma só raça humana Nossa constituição genética indica isso Portanto vamos deixar claro não existem raças humanas Corroborando essa afirmação Flores 2008 p 24 escreve As mais recentes pesquisas dos especialistas no assunto os geneticistas demonstram que nos genes não se comprovam as teorias das raças humanas A genética com vigor para se tornar a principal ciência do século 21 tem afirmado que não há motivos para acreditar que a espécie à qual pertencemos Homo sapiens possa ser dividida em grupos biológicos distintos e separados A diversidade biológica é incomparavelmente pequena quando analisada com as experiências e as situações ambientais e culturais Por isso quando afirmamos que as raças não existem queremos chamar a atenção para o fato de que somos todos parentes e também somos todos diferentes Observação Pense nessas perguntas muito comuns entre alunos de graduação mas se as raças não existem por que esta palavra continua a ser usada toda pessoa que utiliza o termo raça é racista osas ativistas antirracistas que usam este termo também são racistas Siga em frente com seus estudos e encontre as respostas 10 Unidade I Assim a palavra raça será tomada aqui a partir de uma perspectiva sóciohistórica segundo preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana aprovadas em junho de 2004 pelo Ministério da Educação É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros muitas vezes simuladas como harmoniosas nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com frequência nas relações sociais brasileiras para informar como determinadas características físicas como cor de pele tipo de cabelo entre outras influenciam interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira Brasil 2004 Portanto podemos assumir o uso do termo raça quando quisermos nos referir aos aspectos físicos à aparência exterior herdada e transmitida hereditariamente que mostram repercussões negativas nas relações entre brancos e negros ou seja quando for necessário demonstrar as tensões existentes a partir das diferenças na cor de pele olhos tipos de cabelo etc a partir de um padrão estético branco e europeu que estabelece também relações de dominação Saiba mais Se você quiser se aprofundar sobre as características físicas das pessoas e suas repercussões em suas relações sociais sugerimos que faça uma pesquisa sobre os termos fenótipo e genótipo CANHAS I Fenótipo Genética Infoescola sd Disponível em httpsurx1comEagW2 Acesso em 10 ago 2023 Complementando essa concepção contemplamos também a problemática de raça sob uma perspectiva política ou seja a partir do uso que os movimentos negros fazem desse termo nas lutas contra o racismo e contra toda forma de discriminação Veja o que diz a militante do movimento negro Nilma Bentes apud Munanga Gomes 2006 p 176 podemos compreender que a identificação de raças é na realidade uma construção social política e cultural produzida no interior das relações sociais e de poder ao longo do processo histórico Não significa de forma alguma um dado da natureza É no contexto da cultura que nós aprendemos a enxergar as raças Isso significa que aprendemos a ser negros e brancos como diferentes na forma como somos educados e socializados a ponto dessas ditas diferenças serem introjetadas em nossa forma de ser 11 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA e ver o outro na nossa subjetividade nas relações sociais mais amplas É preciso portanto saber em que situação por que para que e por quem está sendo utilizado o conceito raça para distinguir seu significado Temos que distinguir se a conotação empregada lhe atribui um caráter negativo e racista ou se está sendo atribuído um caráter positivo para a compreensão da história e o reconhecimento da presença do negro em nossa sociedade Lembrete Aqui se encontra uma das respostas às pergundas feitas anteriormente a utilização da palavra raça tem uma conotação política visando enfatizar os aspectos negativos atribuídos a determinadas características fenotípicas como cor dos olhos e da pele e traços do rosto e dos cabelos por exemplo Percebese que aqui a ênfase é dada nas circunstâncias em que o conceito raça é utilizado se positiva ou negativamente daí o uso político do termo pelo movimento negro para definir os anseios e lutas dos negros na sociedade brasileira Dessa maneira de forma corrente a palavra raça acabou sendo fortemente associada aos negros no Brasil a despeito da presença de outros grupos em nossa população Isso mostra a apropriação política que o conceito acabou sofrendo pelo movimento negro brasileiro Lembrete Foi possível compreender porque a simples utilização da palavra raça não pode ser considerada de antemão uma atitude racista Mas atenção pois tudo depende da circunstância em que ela é usada Saiba mais O seguinte livro recomendado nos mostra de maneira didática como o negro com suas especificidades e história próprias deve ser visto e reconhecido hoje como parte integrante da sociedade e cultura brasileiras Vale a pena ler MUNANGA K GOMES N L O negro no Brasil de hoje São Paulo Global 2006 12 Etnia O conceito de etnia tem recebido grande destaque na literatura disponível sobre as relações étnicoraciais no Brasil e é nele que vamos nos aprofundar agora 12 Unidade I Primeiramente vale destacar que a palavra etnia pode ser empregada de maneira ampla e irrestrita visto que não provoca o mesmo desconforto produzido pelas conotações físicas e pelos pensamentos biologizantes do conceito de raça Tratase de uma concepção que compreende as relações sociais estabelecidas entre sujeitos que entre outras coisas se reconhecem possuidores de uma origem comum em contraste com outros integrantes de grupos diferentes na sociedade abrangente Vejamos o verbete etnia apresentado no Dicionário de Relações Étnicas e Raciais apud Cashmore 2000 p 196 Um grupo possuidor de algum grau de coerência e solidariedade composto por pessoas conscientes pelo menos em forma latente de terem origens e interesses comuns Um grupo étnico não é mero agrupamento de pessoas ou de um setor da população mas uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente relacionadas por experiências compartilhadas Fica claro portanto que etnia implica por um lado posicionamento pertencimento opção escolha autodenominação do sujeito tendo por referência determinado grupo étnico Nesse sentido a atribuição de pertença de certa pessoa a determinado grupo étnico é em primeiro lugar endógena ou seja parte do próprio sujeito devendo ser necessariamente a decisão de pertencimento dela que se afirma como parte daquele grupo étnico Entretanto a definição da identidade étnica não é somente endógena mas diz respeito também aos significados atribuídos por outros grupos ou seja também é exógena Nesse sentido afirmam Poutignat e StreiffFenart 1998 p 142 É esta relação dialética entre as definições exógena e endógena da pertença étnica que transforma a etnicidade em um processo dinâmico sempre sujeito à redefinição e à recomposição Exemplo de aplicação Sabendo que a definição da identidade étnica pode ser exógena ou endógena você consegue diferenciar essas duas formas de identificação Faça uma breve anotação pessoal a esse respeito visando reforçar seus estudos Ainda nesse contexto vejamos como podemos associar o conceito de etnia ao conceito de etnicidade De acordo com Eriksen apud Oliveira 2006 p 89 etnicidade é uma propriedade de uma formação social e um aspecto de interação ambos níveis sistêmicos podem ser simultaneamente compreendidos Secundariamente diferenças étnicas envolvem diferenças culturais que possuem impacto comparativamente variável sobre a natureza das relações sociais Percebese então o caráter relacional do conceito de etnicidade ou seja é importante compreender como se dão as relações entre as pessoas no que tange às diferenças étnicoraciais Além disso essas diferenças demonstram também o aspecto contrastivo da etnicidade no sentido de que uma identidade étnica se constrói na oposição entre posições culturais Essa é a perspectiva política do conceito de 13 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA etnicidade em que os agentes envolvidos investemse de uma determinada identidade étnica a fim de se colocarem num jogo de forças e conquistas sociais políticas econômicas legais etc Observação Para compreender a dimensão política do conceito de etnia duas palavraschave são importantes o caráter relacional e contrastivo Conforme já citouse anteriormente quando o indivíduo se autorreconhece como pertencente àquele grupo étnico essa escolha carrega conteúdos significativos definidos pelo sujeito a partir de suas experiências subjetivas ou seja suas práticas cotidianas Assim a etnicidade apresenta uma intencionalidade na prática do sujeito segundo um caráter dinâmico e processual não podendo ser definida de maneira estática ou definitiva mas dependendo sempre das interrelações entre os sujeitos envolvidos De acordo com Flores 2008 p 27 o sentimento de pertencimento a uma etnia pode ser expresso pela palavra etnicidade As crenças em uma identidade comum especialmente por parte dos grupos sociais que foram historicamente subordinados aos imperialismos universalistas romano europeu norteamericano etc Observação O pertencimento a um grupo étnico é sempre um processo dinâmico nunca algo pronto ou definitivo Fica clara a definição de etnicidade como um processo simbólico que adquire valores conteúdos significativos e compartilhados a partir das experiências e interrelações experienciadas pelos sujeitos envolvidos Para que fique mais claro o que é exatamente esse processo simbólico pense em tudo o que se experimenta se sente e se aprende ao longo da vida Cada uma dessas experiências recebe um determinado significado dependendo do teor de tais vivências se negativo temos a tendência a esquecer ou desvalorizar se positivo vamos guardando como uma espécie de herança por toda nossa vida Ao olharmos para trás como uma retrospectiva podemos avaliar aquilo que para nós é mais importante e significativo bem como podemos trazer também marcas ou traumas das experiências negativas Todo esse conteúdo significativo é legitimado e definido pelo que chamamos de universo simbólico isto é todas as regras saberes valores crenças de determinada cultura que se desdobram e se refletem diretamente na definição de nossa identidade cultural ou seja daquilo que nós somos ou desejamos ser 14 Unidade I Observação Alguns autores afirmam que o homem é um animal simbólico ou seja que atribui valor e significado a todas as coisas e experiências que o cercam relações e aprendizados que são a cada momento significados e ressignificados valorizados ou desvalorizados aprendidos ou esquecidos guardados ou descartados Esse é o processo simbólico do qual estamos tratando Por fim vejamos um último aspecto da etnicidade a saber a questão do realce Tratase de uma apropriação de acordo com a situação na qual o sujeito encontrase e em relação a quem ele está posicionado Mas não pense que por causa dessa elasticidade da etnicidade ela seja falsa ou mentirosa Para esclarecer essa questão leiamos o que Poutignat e StreiffFenart 1998 p 166 dizem a respeito A noção de saliência ou realce exprime a ideia de que a etnicidade é um modo de identificação em meio a possíveis outros ela não remete a uma essência que se possua mas a um conjunto de recursos disponíveis para a ação social De acordo com as situações nas quais ele se localiza e as pessoas com quem interage um indivíduo poderá assumir uma ou outra das identidades que lhes são disponíveis Foi possível perceber como se dá esse processo de realce na definição das identidades étnicas É por meio dessa possibilidade que o sujeito pode manipular sua própria identidade salientando os aspectos que lhe sejam mais vantajosos naquele contexto Observação Ainda de acordo com Poutignat e StreiffFenart 1998 os principais aspectos que definem a identidade étnica são atribuição categorial os atores identificamse ou são identificados pelos outros endógena ou exógena dimensão relacional e de fronteira implica a dicotomia nóseles processo político origem comum intencionalidade dos atores em demonstrarem uma ancestralidade com o seu grupo étnico através de símbolos identitários processo simbólico realce ou saliência possibilidade de os sujeitos se posicionarem conforme a situação de interação social na qual se encontram processo social 15 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA 2 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS NO BRASIL 21 O racismo científico Vamos examinar agora a doutrina que passou a empregar o conceito de raça como base de justificação das desigualdades bem como de naturalização das hierarquias sociais Foi no século XIX que a ciência por meio da teoria positivista produziu uma ampla explicação que colocava os seres humanos organizados hierarquicamente partindo do princípio de que há diferenças entre as raças que os posicionam naturalmente superiores uns aos outros É importante frisar que a palavra naturalmente é tomada aqui no seu sentido mais estrito trazendo para o plano da natureza a lógica e a organização dos grupos sociais A esse respeito afirmam Lima e Vala 2004 p 402 O racismo constituise num processo de hierarquização exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa real ou imaginada a qual é ressignificada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento Por exemplo a cor da pele sendo negra marca física externa pode implicar a percepção do sujeito indivíduo ou grupo como preguiçoso agressivo e alegre marca cultural interna É neste sentido que o racismo é uma redução do cultural ao biológico uma tentativa de fazer o primeiro depender do segundo Portanto uma vez que a ciência passou a definir uma ordem natural da realidade social todas as diferenças dos traços exteriores como cor de pele cabelo fisionomia serviriam a partir de então para colocar homens e mulheres naturalmente como superiores uns aos outros e contra essa verdade inquestionável nada nem ninguém poderia se contrapor ou fazer algo a respeito Exemplo de aplicação Tente se lembrar de uma situação em que em uma dada ordem social algum aspecto acabou sendo tomado como natural ou seja foi naturalizado Após a leitura deste conceito você é capaz de diferenciar o que seria natural e o que seria cultural em nossa realidade Toda essa ideologia serviu para explicar por exemplo porque alguns indivíduos são pobres e outros ricos a partir do raciocínio de que a uns são dadas qualidades e virtudes que os colocam numa posição social privilegiada e a outros desprovidos dessas características restam apenas as posições subalternas na hierarquia social A visão de que homens e mulheres são biologicamente diferentes sendo os homens dotados de habilidades ligadas a força física razão e as mulheres mais propensas a aspectos como sensibilidade 16 Unidade I emoção e acolhimento apesar de não encontrar nenhuma comprovação científica continua a habitar o mundo de muitas pessoas talvez da maioria delas Observação Pense um pouco se você mesmo nunca se viu imaginando algo como isso é coisa de mulher ou os homens são todos iguais Perceba como é fácil cairmos em interpretações naturalizantes que trazem para o plano da natureza aspectos que são absolutamente socioculturais Da mesma forma dividir e classificar os seres humanos em raças fazia parte de um projeto científico que tinha como missão justificar as diferenças sociais escondendo suas causas reais e as relações de poder estas sim determinantes que configuravam as desigualdades sociais Percebam que até o início do século XX essas concepções científicas chamadas de racialistas foram utilizadas por grupos poderosos de países europeus para sustentar ideologicamente suas políticas racistas e de exclusão É o caso por exemplo do nazismo que assumiu na Alemanha em pleno século XX concepções baseadas nessas explicações científicas que colocavam de um lado os arianos brancos denominados raça pura detentores de características que os posicionavam hierarquicamente como superiores e capazes de dominar as demais raças e de outro os judeus nesse caso considerados como a raça inferior devendo serem exterminados Para isso os alemães sob o comando de Adolf Hitler utilizaramse de toda sorte de tecnologias para o extermínio dos judeus chegando a assassinar mais de seis milhões de pessoas em câmaras de gás paredões de fuzilamento e outros recursos e técnicas não menos cruéis de extermínio em massa Tudo isso vale lembrar legitimado por uma autoridade pretensamente científica Observação Vale lembrar que o nazismo apesar de muito comentado tendo em vista principalmente o seu impressionante poder de extermínio em massa não é a única manifestação de racismo na história do século XX Para aprofundar sua compreensão sobre este assunto amplie suas leituras sobre os temas xenofobia políticas antiimigração fundamentalismo terrorismo conservadorismo sexismo homofobia islamofobia entre outros Perceba que em todos esses assuntos há um raciocínio comum a justificativa para a discriminação ou a exclusão baseiase sempre em características ou traços definidos pela natureza seja em relação à nacionalidade raça sexo religião ou orientação sexual É por isso que neste tópico enfatizamos a importante colaboração que a ciência teve no estabelecimento e manutenção de várias formas de racismo inclusive contra os descendentes de 17 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA africanos que ao serem escravizados tiveram seu status social definido e justificado por explicações hierarquizantes que consideravam como inferiores pessoas de cor de pele mais escura por exemplo Esse será o assunto da nossa próxima unidade Por enquanto basta compreendermos que a ciência foi utilizada para legitimar que diferenças sociais pudessem ser explicadas e justificadas por características naturais Saiba mais Em julho de 2011 assistimos a mais um massacre com motivações racistas promovido por Andrew Behring Breivik na Noruega Um manifesto de 1516 páginas cuja autoria foi atribuída a Andrew traz várias referências ao Brasil e aos supostos problemas enfrentados por nós devido principalmente à nossa mistura de raças Leia um trecho do manifesto publicado pelo Portal G1 e entenda que não é exagero pensar que as tais teorias racialistas permanecem muito vivas atualmente permeando o imaginário de grupos radicais espalhados pelo mundo ideias estas que continuam a justificar ações violentas e extremistas por meio de um raciocínio eugenista ou seja de limpeza racial e de supremacia branca e europeia MISTURA de raças do Brasil é catastrófica escreveu atirador da Noruega G1 São Paulo 25 jul 2011 Disponível em httpsacesseoneFJATl Acesso em 10 ago 2023 22 O racismo à brasileira e o mito da democracia racial O racismo que surge e se preserva na história do Brasil possui uma configuração muito própria conforme veremos neste tópico O fato de termos em nossa formação a presença inegável das chamadas três raças o branco o negro e o índio produziu um semnúmero de publicações que utilizaram positiva ou negativamente essa mistura como elemento constitutivo de nossa identidade nacional Lembrete Conforme já estudamos no primeiro tópico geneticamente somos uma única raça humana Por isso quando falamos em mistura das três raças estamos tomando essa expressão de maneira crítica visando mostrar um ponto de vista histórico de como o racismo se incorporou na cultura brasileira tornandose uma discriminação bastante dissimulada Em primeiro lugar tivemos uma vertente que poderíamos chamar de negativa sobre as relações raciais no Brasil sob influência das teorias racialistas e do racismo científico europeu a mistura de raças 18 Unidade I no país era vista no início do século XX como um elemento problemático que explicaria inclusive o porquê de nossas mazelas sociais de nosso fracasso político e de nossa dependência econômica Saiba mais Como parte das teorias racialistas vemos no Brasil uma grande influência de ideias eugenistas Este é mais um assunto que renderia uma longa pesquisa Apenas para provocar o seu interesse leia o artigo seguinte No texto é possível perceber como a miscigenação traço cultural e social do povo brasileiro é tomada como elemento negativo da formação do Brasil devendo ser corrigida por meio de políticas eugenistas que incluam ações de esterilização eutanásia segregação e restrição à imigração de pessoas pobres ou não brancas TORRES L de L Reflexões sobre raça e eugenia no Brasil a partir do documentário Homo Sapiens 1900 de Peter Cohen Ponto Urbe Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP a 2 v 20 fev2008 Disponível em httpsurx1comVFcXj Acesso em 10 ago 2023 Entretanto desde que Gilberto Freire em 1933 escreveu com entusiasmo sobre as qualidades de um povo brasileiro miscigenado misturado e mestiço enfatizando a presença do negro e do índio em todos os aspectos da cultura brasileira essa suposta convivência harmoniosa entre as três raças passou a habitar a ideologia corrente sobre o que se constituiria como a nossa identidade nacional Assim é a partir da publicação de Casagrande senzala que o racismo no Brasil toma outra configuração a visão quase romântica de Gilberto Freire trouxe os fundamentos do chamado mito da democracia racial apontando que no Brasil não teríamos nem a presença de conflitos raciais tampouco de racismos tendo em vista nossa longa história de harmonia entre as três raças Essa tese acabou sendo fortalecida pelo argumento de que o convívio amistoso entre senhores e escravos no caso escravas que gerou uma população mestiça numerosa era o símbolo de que em nosso país a convivência harmoniosa entre brancos e negros era um fato não só inquestionável como também capaz de confirmar a suposta democracia racial na qual estávamos mergulhados Observação Você concorda que ainda vivemos no Brasil o chamado mito da democracia racial Para que você não fique com nenhuma dúvida esclarecemos nas pesquisas de opinião cada brasileiro costuma afirmar que pessoalmente não se considera racista mas todos concordam que em nossa sociedade ainda há uma relação bastante desigual entre brancos e negros fruto de um racismo evidente porém não assumido dissimulado e o pior de tudo negado cotidianamente 19 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA O que estamos querendo mostrar portanto é que a nossa história de 500 anos de exploração e colonização não demonstra essa convivência pacífica entre brancos negros e índios ao contrário sabemos quantos conflitos ocorreram e quantas crueldades foram cometidas pelos brancos colonizadores principalmente por meio do extermínio dos índios e da escravização dos negros Aliás Roberto DaMatta é um dos autores que nos chama a atenção para o nosso passado extremamente ambíguo uma vez que vivíamos uma condição social fortemente hierarquizada e ao mesmo tempo precisávamos nos colocar no cenário internacional como uma nação dita moderna democrática de iguais Voltaremos a essas questões históricas com maior cuidado na próxima unidade Neste ponto da reflexão apresentada queremos enfatizar o aspecto contraditório que até hoje não foi resolvido em nosso meio A esse respeito vejamos o que nos diz DaMatta 1987 p 69 Podese pois dizer que a fábula das três raças se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil permitindo pensar o país integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura Essa fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante um sistema totalizado de ideias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura Portanto durante muito tempo negamos o racismo em nossa sociedade apoiados nesses argumentos sobre a cordialidade do brasileiro e a fábula das três raças atrasando em muitas décadas a inclusão de grupos excluídos ao longo de nossa história Somente a partir do final dos anos 90 é que passamos a adotar medidas legais de ações afirmativas para acelerar o acesso de grupos afrodescendentes aos direitos sociais fundamentais Saiba mais Você pode se aprofundar no estudo sobre o homem cordial no livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Hollanda Ao contrário do que parece cordial aqui não é tomado como pacífico ou educado mas vem da palavra latina cor cordis que significa coração Assim a cordialidade do homem brasileiro significa que seus atos são pautados pelas emoções e não pela razão pela informalidade nas relações sociais e não pela atitude formalista respeitadora e zelosa perante a lei e pela falta de limites entre o público e o privado o que gera atitudes próximas ao que se denominou o jeitinho brasileiro Sobre o jeitinho brasileiro inúmeras são as publicações a respeito que procuram mostrar como as relações pessoais são mais decisivas em nossas ocorrências cotidianas do que a formalidade das leis universais Para resolver nossos conflitos com a lei sempre buscamos uma via intermediária uma solução mais ou menos um jeitinho Seguem alguns títulos BARBOSA L O jeitinho brasileiro São Paulo CampusBB 2005 20 Unidade I BORGES F C A filosofia do jeito um modo brasileiro de pensar com o corpo São Paulo Summus 2005 DAMATTA R Carnavais malandros e heróis para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1990 DAMATTA R O que faz do Brasil Brasil Rio de Janeiro Rocco 1997 REGA L S Dando um jeito no jeitinho como ser ético sem deixar de ser brasileiro São Paulo Mundo Cristão 2000 23 Mas afinal o que é racismo Já tratamos até aqui de diversos aspectos das relações étnicoraciais sob os pontos de vista histórico sociológico e antropológico Gostaríamos agora de esclarecer aspectos pontuais importantes para continuarmos nossos estudos 231 Biologicamente não existem raças somos uma só raça humana Os estudos mais recentes da genética já mostraram desde o século XX que não podemos dividir os seres humanos em raças de acordo com cor de pele tipo de cabelo altura e outras características exteriores Tais diferenças não servem para classificarmonos como fazem os biólogos com espécies animais A esse respeito afirma Munanga 2003 p 2 Como homens pertencemos ao filo dos cordados ao subfilo dos vertebrados como os peixes à classe dos mamíferos como as baleias à ordem dos primatas como os grandes símios e à espécie humana homo sapiens como todos os homens e todas as mulheres que habitam nossa galáxia Somos espécie humana porque formamos um conjunto de seres homens e mulheres capazes de constituir casais fecundos isto é capazes de procriar de gerar outros machos e outras fêmeas Portanto biológica e cientificamente as raças não existem A invalidação científica do conceito de raça não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes Os patrimônios genéticos são diferentes mas essas diferenças não são suficientes para classificálas em raças 21 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Figura 2 Disponível em httpsl1nqcomfEK37 Acesso em 15 ago 2023 Perceba que não se trata de negar nossas diferenças afinal cada ser humano é único em todos os aspectos de sua existência mas ainda assim pertencente à raça humana Como sugere Lilia Schwarcz 1997 p 43 talvez fosse melhor fazer coro com LéviStrauss e concluir que o grande desafio continua sendo o de diferenciar sim mas sem hierarquizar Afinal somos todos iguais porém diferentes E esta afirmação passa a fazer um novo sentido para quem estuda as questões étnicoraciais não mais figurando como uma simples contradição mas como uma nova forma de compreender as relações humanas Saiba mais Uma pesquisa bastante relevante na área de genética e amplamente noticiada em grandes veículos de comunicação foi a dos pesquisadores Sérgio Danilo Pena da UFMG e Maria Cátira Bortolini da UFRS que procura investigar nossas diferenças genéticas em relação à porcentagem de herança quanto a nossas origens ameríndia africana e europeia Desta vez consulte a segunda parte do artigo de Lilian de Lucca Torres 2008 TORRES L Reflexões sobre raça e eugenia no Brasil a partir do documentário Homo Sapiens 1900 de Peter Cohen Ponto Urbe Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP a 2 v 20 fev2008 Perceba que a pesquisa serve como suporte para questionarmos conceituações baseadas apenas na cor da pele o que significa que ela não pode ser tomada como sinal da herança racial de um indivíduo representando somente uma característica exterior porém geneticamente os brasileiros são muito parecidos em sua ancestralidade ameríndia africana e europeia sempre demonstrando o resultado da miscigenação vivida ao longo de nossa história nos últimos 500 anos Para compreender melhor o teor da pesquisa leia também a matéria publicada num grande portal de notícias 22 Unidade I LOPES R J DNA de negros e pardos no Brasil é 60 a 80 europeu Folha de SPaulo 10 fev 2011 Disponível em httpsl1nkdevQDMH5 Acesso em 10 ago 2023 Apesar das informações publicadas pelo portal da Folha mostrarem apenas um breve resumo da complexidade dessa pesquisa para nós parece ficar evidente a tese de que afinal somos uma única raça humana Você concorda O artigo completo publicado em inglês encontrase disponível no link PENA J S D et al The genomic ancestry of individuals from different geographical regions of Brazil is more uniform than expected Plos one Utah Henry Harpending 2011 Disponível em httpstinyurlcomyckvf3hn Acesso em 10 ago 2023 232 Raça é um conceito político Conforme já tratamos anteriormente precisamos reforçar que raça é portanto um conceito político tomado por grupos étnicoraciais para fortalecer seus direitos e favorecer o processo de inclusão e de acesso a direitos fundamentais desses grupos Importa entendermos o uso político que esses grupos sociais fazem do termo raça a circunstância em que é aplicado não para dividir ou cindir a sociedade em grupos estanques mas para assumindo as diferenças garantir a igualdade de direitos para todos Negar as diferenças étnicoraciais conforme vimos no tópico sobre o mito da democracia racial não é a solução É necessário entretanto que esses grupos desfavorecidos tanto social quanto economicamente afirmem suas diferenças e especificidades étnicoculturais E na diferença assumirmos que as oportunidades não são as mesmas para todos e que tal condição injusta precisa ser corrigida por força da lei dos movimentos sociais e da mudança de mentalidades e comportamentos 233 Os pressupostos do racismo Para resumir as explicações dadas até aqui falaremos de cinco principais pressupostos do racismo ou seja perspectivas pensamentos e atitudes muitas vezes inconscientes que mantêm intactas as estruturas de desigualdades sociais e econômicas para brancos e negros no Brasil hierarquização a doutrina racialista que prevê a existência de raças humanas com diferentes qualidades e habilidades ordenadas de tal modo que as raças formem um gradiente hierárquico de qualidades morais psicológicas físicas e intelectuais Guimarães 2004 p 17 inferiorização uma vez que os seres humanos são colocados num gradiente hierárquico consequentemente uns serão considerados superiores aos outros criando por conseguinte a inferiorização de certos grupos Nesse sentido pessoas que consideram os negros como feios menos inteligentes ou menos trabalhadores podem ser chamadas de racistas 23 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA preconceito o movimento de inferiorizar grupos de pessoas traz uma concepção preconceituosa de mundo Guimarães 2004 afirma que o preconceito é um simples sistema difuso de predisposições internas de crenças e de expectativas de ação que não estão formalizadas ou expressas logicamente p 17 Portanto o preconceito muitas vezes está na cabeça das pessoas mas não necessariamente se manifesta em atitudes concretas estas chamadas de discriminação Assim podese perfeitamente imaginar que uma pessoa preconceituosa refreiese de cometer práticas discriminatórias em relação aos negros ou não queira expressar publicamente seus pensamentos racistas devido à pressão social que possa existir a esse respeito discriminação são atitudes ou ações individuais concretas que diferenciam grupos ou pessoas segundo critérios raciais Quando convicções preconceituosas são expressas publicamente podem ser consideradas como discriminação desigualdade para concluir essas considerações segundo Guimarães 2004 p 18 também pode ser considerado como racismo o sistema de desigualdades de oportunidades inscritas na estrutura de uma sociedade que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da estrutura de desigualdades raciais seja na educação na saúde pública no emprego na renda na moradia etc Com base nessa afirmação precisamos compreender de uma vez por todas que o estado de desigualdade social em que se encontra a população negra no Brasil é uma demonstração evidente do racismo ainda vigente em nossa sociedade Para nos aprofundarmos nessa questão vamos passar a analisar a partir de agora as estatísticas brasileiras que mostram o status social em que os negros se encontram em nosso país dados esses que tornarão mais clara nossa compreensão acerca do racismo inegável presente na sociedade brasileira contemporânea 3 A CONDIÇÃO DOS AFRODESCENDENTES NA SOCIEDADE BRASILEIRA Os dados do censo 2010 publicados no Diário Oficial da União do dia 4112010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE mostram que a população brasileira já atinge a soma de 185712713 habitantes Entretanto quando o assunto é a igualdade social entre brancos e negros os números são bastante desoladores e mostram que o país ainda precisa melhorar muito no que tange à distribuição equitativa de direitos e oportunidades Neste tópico procuraremos trabalhar esses dados alguns de maneira mais detida a fim de confirmar a tese que estamos defendendo neste livrotexto a de que o racismo é um traço perverso no tecido social brasileiro demonstrado e confirmado pelos levantamentos estatísticos oficiais 24 Unidade I 31 A questão da autoidentificação racial nos levantamentos brasileiros Em primeiro lugar vamos fazer um percurso histórico pelos censos realizados no Brasil Esses dados são produzidos pelo IBGE e levantados a cada dez anos oficialmente desde 1937 a partir da Lei n 553468 que passou a obrigar a população a prestar informações ao censo bem como assegurou o sigilo destas Por tratarse de um levantamento completo sobre a família brasileira o censo é um importante recurso gerador de subsídios para a elaboração de políticas públicas voltadas para o propósito de encontrar as melhores soluções para nossos principais problemas sociais Entretanto é importante discutirmos as dificuldades que estão por trás da autodenominação de corraça nos levantamentos censitários brasileiros visto que é o próprio entrevistado quem declara sua cor escolhendo entre branco preto pardo amarelo ou indígena São considerados negros os entrevistados que se denominam pretos e pardos A característica corraça nem sempre esteve dessa forma presente nos censos do Brasil No primeiro censo de 1872 e no de 1890 o quesito raça era incorporado contudo como forma de separar a sociedade entre livres escravos e libertos Em 1900 e 1920 havia sido suprimido retornando em 1940 agora sobre a ideia de cor Em 1970 o quesito cor é retirado e em 1980 retorna a compor os questionários Em 1991 o quesito cor é reafirmado No censo 2000 cor e raça são colocadas como sinônimos Bamidelê 2010 Saiba mais Oracy Nogueira 1955 foi um importante sociólogo brasileiro que estudou com muita originalidade a relação étnicoracial brasileira Em sua histórica apresentação no Simpósio Etnosociológico sobre Comunidades Humanas no Brasil dentro da programação do XXXI Congresso Internacional de Americanistas realizado em agosto de 1954 em São Paulo Nogueira distringuiu duas formas de preconceito racial preconceito racial de marca e preconceito racial de origem título de seu artigo publicado no ano seguinte nos anais do congresso diferenciando as manifestações de preconceito racial no Brasil definido primordialmente pelo quesito cor ou marca e nos Estados Unidos marcado pela questão da origem ou descendência Esta é uma definição clássica na sociologia das relações étnicas no Brasil A íntegra do artigo está publicada na revista Tempo Social disponível em NOGUEIRA O Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil Revista Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 19 n 1 jun 2007 25 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Entretanto é importante que se diga que este sistema de classificação racial no Brasil é bastante controverso e gerou um sem número de debates e publicações acadêmicas a respeito As discussões giram em torno do fato de que aqui essa autodenominação se dá por elementos da aparência conforme primeiro estudo de Oracy Nogueira de 1955 em que ele denomina o preconceito de marca como traço mais marcante das relações étnicoraciais na sociedade brasileira como cor da pele e traços corporais formato do nariz lábios tipo e cor de cabelo o que sem dúvida possibilita inúmeras interpretações e classificações Rocha Rosemberg 2007 Apenas para servir como exemplo vejamos uma pesquisa realizada por Lilia M Schwarcz 2001 em que ela analisa o levantamento de 1976 do IBGE no qual segmentos da população brasileira autoatribuíramse sendo de 136 cores diferentes como por exemplo moreno claro moreno escuro mulato cafécomleite apenas para citar as mais comuns Sendo assim a pesquisa foi importante para demonstrar que as múltiplas representações do brasileiro em relação à sua cor baseadas em aspectos de sua aparência tornam esta classificação bastante imprecisa nos levantamentos oficiais realizados pelo IBGE Portanto depois dessas breves explicações iniciais foi possível perceber que a questão de corraça nos levantamentos censitários não é tão simples como parece Por conta disso muitas campanhas foram promovidas por organizações do movimento negro visando a incentivar a população negra a se autoidentificar desta forma tendo em vista a valorização da diversidade étnicoracial brasileira o combate do mito da democracia racial conforme já tratamos no tópico anterior e a desconstrução assim das bases constitutivas do racismo conforme declaração feita pela Organização de Mulheres Negras da Paraíba Bamidelê 2010 A importância de afirmação da identidade étnicoracial tem um sentido político histórico e valorativo uma vez que fazendo parte de um luta política contribui para a desconstrução das bases constitutivas do racismo mantenedora de uma cultura escravagista e colonialista de formação da sociedade brasileira Reconhecer a heterogeneidade da população brasileira é valorizar uma cultura de respeito à diversidade assim como reconhecer as particularidades de sua população de forma a garantir direitos historicamente negados com a formulação de ações afirmativas No censo de 1990 foi realizada a campanha Não deixe sua cor passar em branco que procurou afirmar a importância da ressignificação positiva da autodenominação de corraça Para o censo de 2010 a organização Bamidelê divulgou em seu site a seguinte campanha Censo 2010 Afirme sua Negritude moren não eu sou negr Acreditando na força da mídia eletrônica para a formação da opinião pública a Bamidelê buscou fortalecer a identidade negra por meio da autodenominação de raçacor de forma consciente Esta não é obviamente a única organização a promover campanhas como essa e apresentamos aqui somente um exemplo para que se desperte para a importância desses movimentos Se forem digitadas as palavras movimento negro ONG num site de busca da internet será possível encontrar milhares de organizações mobilizadas pelo mundo todo 26 Unidade I Saiba mais Procure saber sobre a campanha Onde você guarda o seu racismo que reúne mais de quarenta organizações não governamentais Consulte o menu principal e procure entender qual é o objetivo da campanha e de que forma o movimento procura atuar Amplie sua pesquisa e verifique que inúmeros grupos e campanhas estão espalhados pela rede Pesquise um pouco mais sobre o assunto e tire suas conclusões afinal qual é a importância da organização e mobilização da sociedade civil na luta pela igualdade racial no Brasil Disponível em httpsl1nqcomW3eG6 Acesso em 11 ago 2023 32 Distribuição racial brasileira desenvolvimento econômico e desigualdades no mercado de trabalho Além do levantamento de dados feito pelo censo que faz visitas a todos os domicílios brasileiros a cada dez anos temos também disponíveis nas bases de dados do IBGE as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD que anualmente seleciona apenas uma amostra dos domicílios brasileiros para um levantamento parcial que por critérios estatísticos traz uma visão bastante representativa de nosso país A partir daqui vamos fazer uma ampla análise dos dados da PNAD referentes ao ano de 2009 Observação Segundo dados publicados no site do IBGE no censo de 2010 foram recenseados 675 milhões de domicílios Isso significa que os 191 mil recenseadores visitaram o número total de domicílios brasileiros Desse total foram realizadas 565 milhões de entrevistas 837 dos domicílios Os domicílios não entrevistados que representam portanto 163 do total são compostos por imóveis fechados mas com evidências de que existem moradores 899 mil domicílios representando 13 do total domicílios vagos ou seja sem moradores na data da visita pelos recenseadores 61 milhões de domicílios somando 90 do total domicílios de uso ocasional que somaram 39 milhões 58 domicílios coletivos como hotéis pensões presídios quartéis postos militares orfanatos conventos etc cujo número foi de 110 mil 01 27 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Em primeiro lugar é interessante observar que segundo dados publicados pelo IBGE sobre o levantamento de 2008 da PNAD a proporção de brasileiros que se declararam pretos e pardos cresceu em relação aos anos anteriores 540 521 484 395 414 438 57 59 68 08 09 06 Indigena Parda Preta Branca 1998 1 2003 1 2008 Figura 3 Distribuição percentual da população segundo a cor ou raça Brasil 19982008 Adaptado de IBGE 2009 p 185 Essa pesquisa demonstra que o número de pretos e pardos cresceu de um ano para o outro chegando em números absolutos a um aumento de mais de um milhão de pessoas por ano Por outro lado o número de brancos amarelos e indígenas diminuiu O que isso significa Que na verdade o que aumentou foi o número de pessoas que se autodenominaram pretos e pardos indicando que as campanhas das quais falamos no início deste tópico podem de fato ter trazido resultados diretos sobre os dados levantados pelo IBGE Outro aspecto interessante a ser notado é que os negros já são maioria no Brasil visto que a soma de pretos e pardos totalizou em 2008 511 da população brasileira É possível perceber mais nitidamente essa constatação a partir do gráfico a seguir Brancos Pretos Pardos Amarelos e indígenas 09 484 438 68 Figura 4 Distribuição racial no Brasil em 2008 porcentagem Adaptado de IBGE 2009 p 185 28 Unidade I Entretanto quando verificamos a distribuição racial entre as diferentes regiões do Brasil os dados nos mostram que os negros se concentram nas regiões mais pobres e menos desenvolvidas social e economicamente como Norte e Nordeste Já nas regiões Sul e Sudeste onde as condições de vida são melhores e o desenvolvimento econômico é mais elevado a maioria da população é branca contrariando os dados nacionais segundo os quais os brancos não chegam a 49 da população 482 442 442 36 36 785 785 10000 10000 8000 8000 6000 6000 4000 4000 2000 2000 00 00 567 567 346 346 77 77 67 67 47 47 81 81 288 288 627 627 236 236 712 712 506 506 417 417 173 173 69 69 07 07 07 07 09 09 09 09 04 04 03 03 Brancos Pretos Pardos Amarelos e indígenas Brasil Sul Sudeste Centrooeste Norte Nordeste Brancos 482 785 567 417 236 288 Pretos 69 36 77 67 47 81 Pardos 442 173 346 506 712 627 Amarelos e indígenas 07 07 09 09 04 03 Figura 5 Distribuição racial por região brasileira 2009 porcentagem Adaptado de IBGE 2009 Perceba como um simples quadro ou um gráfico pode nos trazer tantas verdades sobre o Brasil a população autodenominada branca pode variar de 785 na região Sul a 236 na região Norte uma diferença enorme portanto Já a população parda que se concentra na região Norte com 712 se reduz a 173 na região Sul numa inversão quase direta entre brancos e pardos nas regiões Norte e Sul do país Exemplo de aplicação Você pode fazer outras tantas interpretações sobre os dados discutidos Tente relacionar esses aspectos à sua realidade em sua região qual é a distribuição racial em comparação aos dados brasileiros Há mais brancos ou pardos E como é o desenvolvimento econômico de sua região em relação ao restante do país A fim de ampliar nossa compreensão sobre população raça e desenvolvimento no Brasil daremos continuidade às análises dos dados do IBGE tratando a seguir do desenvolvimento econômico e das diferenças no mercado de trabalho entre brancos e negros Se quisermos entender como é gerada a riqueza no país devemos observar em primeiro lugar que o produto interno bruto PIB é produzido diferentemente em cada região sendo as mais ricas o Sul e o 29 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Sudeste responsáveis por 725 de toda a produção econômica brasileira O PIB é o total de riquezas produzidas em um país por todos os setores da economia Observe o que nos mostra a tabela 1 a seguir Tabela 1 Participação percentual das Grandes Regiões no Produto Interno Bruto 2002 2008 Grandes Regiões Participação percentual no Produto Interno Bruto 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Brasil 1000 1000 1000 1000 1000 1000 1000 Norte 47 48 49 50 51 50 51 Nordeste 130 128 127 131 131 131 131 Sudeste 567 558 558 565 568 564 560 Sul 169 177 174 166 163 166 166 Centrooeste 88 90 91 89 87 89 92 Adaptado de IBGE 2011 Como a variação de um ano para outro não é significativa podemos comparar esses dados aos apresentados no item anterior que trouxe o levantamento de 2009 segundo amostra de domicílios brasileiros Assim é possível fundamentar melhor as ideias que estávamos construindo anteriormente e agora você já pode confirmar qual é a participação de sua região na produção econômica do país e comparar como a distribuição racial é desigual em cada uma dessas regiões Além do PIB para termos uma noção do nível de desenvolvimento econômico de um país também devemos observar de que forma essa riqueza é distribuída entre a população Esse é o cálculo feito para se obter a renda per capita ou seja dividindose o PIB pelo número total de habitantes Per capita significa por cabeça e portanto essa é uma forma aproximada de sabermos quanto cada pessoa ganha por ano o que obviamente pode variar bastante de região para região conforme cada participação no PIB assim como verificamos na tabela 2 a seguir Tabela 2 Produto interno bruto per capita em R por regiões brasileiras 2008 Brasil 1598975 Sul 1825779 Sudeste 2118268 Centrooeste 2037210 Norte 1021643 Nordeste 748743 Adaptado de IBGE 2011b 30 Unidade I Para que se compreenda melhor a tabela façamos algumas considerações primeiro podese verificar que de fato os estados mais ricos do Brasil estão localizados nas regiões Sul e Sudeste No Centrooeste o que puxa a renda per capita para cima é o Distrito Federal onde a renda anual elevase para R4597759 por habitante valor muito superior ao restante do país nos demais estados dessa região a renda per capita é menor do que a média brasileira que é de R1598975 conforme o mesmo levantamento de dados do IBGE Observação Faça uma revisão dos dados apresentados no item anterior sobre a distribuição racial nas diferentes regiões brasileiras e verifique que nas regiões mais pobres está a maior concentração de pretos e pardos Cruzando dados geográficos e econômicos percebese que os negros encontramse em extrema desvantagem em relação aos brancos lembrando que fazem parte do grupo denominado de negros todos os brasileiros autodenominados pretos e pardos Vamos aprofundar essa investigação verificando agora como se dá a distribuição de renda entre brancos e negros de acordo com dados do IBGE 2009 p 187 Comparando a participação relativa dos brancos e de pretos e pardos na apropriação do rendimento total das famílias observase uma situação indiscutivelmente mais favorável aos brancos Entre os 100 mais pobres 254 se declararam brancos enquanto 737 eram pretos e pardos Essa relação se inverte entre o 10 mais rico 827 eram pessoas brancas e apenas 150 eram de cor preta e parda Vale a pena registrar que em 1998 entre o 10 mais rico a proporção dos que se declararam pretos e pardos eram muito menor 82 Esses dados impressionam por registrarem uma enorme desigualdade na distribuição da riqueza produzida no Brasil entre brancos e negros Apesar dos avanços nos índices se comparados com os dados de dez anos atrás a distância ditada pela diferença de corraça ainda é uma marca no quadro de desigualdade social em nosso país O gráfico a seguir deixa as informações anteriores ainda mais claras 31 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA 722 82 737 150 274 893 254 827 10 mais pobres 1998 1 2008 10 mais pobres 1 mais rico 1 mais rico Branca Preta ou parda Figura 6 Distribuição do rendimento familiar per capita das pessoas de 10 anos ou mais de idade com rendimento entre os 10 mais pobres e o 1 mais rico em relação ao total de pessoas por cor ou raça Brasil 19982008 Adaptado de IBGE 2009 p 187 Além de a parcela preta e parda ser a maioria entre os 10 mais pobres da população do Brasil ela é minoria no topo da pirâmide social ou seja entre aqueles tidos como 1 mais rico da população desse minúsculo segmento populacional apenas 15 são negros Tais dados deixam claro portanto que a pirâmide social brasileira apresenta cor claramente demarcada entre brancos e negros infelizmente Mais uma vez estamos verificando o racismo à brasileira apesar dele ser negado nos discursos e nas conversas do nosso dia a dia que reforçam o mito da democracia racial ele fica evidente a cada levantamento estatístico em que podemos comprovar múltiplas formas de discriminação e desigualdade às quais pretos e pardos estão sujeitos em nosso país Vale ressaltar também que as diferenças no mercado de trabalho se revelam nos salários pagos a trabalhadores com o mesmo grau de escolaridade segundo os dados destacados nesta parte do texto Negros mesmo quando estudaram o mesmo número de anos que brancos ganham em média 20 a menos em qualquer nível de escolaridade ou posição hierárquica que seja Outro aspecto bastante relevante nessa análise sobre raça e mercado de trabalho é o fato de que na maioria das empresas existe uma espécie de teto de vidro que impede que negros ocupem os cargos mais altos nas organizações O Instituto Ethos publicou em novembro de 2010 os resultados da pesquisa Perfil social racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas realizada desde 2001 e que busca traçar o perfil dos funcionários e dirigentes das maiores empresas que atuam no país observando sua representação em todos os níveis hierárquicos Instituto Ethos 2010 p 5 Na parte em que analisam a questão corraça um quadro nos dá a exata dimensão do que estamos tentando dizer Observe a composição dos cargos mais altos nas 500 maiores empresas do Brasil e em seguida a representatividade de negros no quadro geral de funcionários dessas organizações 32 Unidade I Composição por cor ou raça Pesquisa 2010 Comparação 20012003200520072010 Executivo Amarelos Negros 02 Pretos 51 Pardos Brancos 933 14 53 2001 2003 2005 2007 2010 Brancos 952 965 944 940 933 Negros 26 18 34 35 53 Amarelos 20 17 22 21 14 Indígenas 02 00 00 00 00 A Classificação negros reúne pretos e pardos Gerência Amarelos Negros 16 Pretos 116 Pardos Brancos Indígenas 847 02 19 132 2003 2005 2007 2010 Brancos 890 890 810 847 Negros 88 90 170 132 Amarelos 21 19 18 19 Indígenas 01 01 02 02 Supervisão Amarelos Negros 31 Pretos 225 Pardos Brancos Indígenas 730 01 13 256 2003 2005 2007 2010 Brancos 842 841 801 730 Negros 135 135 174 256 Amarelos 22 23 23 13 Indígenas 01 01 02 01 Quadro funcional Amarelos Negros 71 Pretos 240 Pardos Brancos Indígenas 673 03 13 311 2003 2005 2007 2010 Brancos 746 687 730 673 Negros 234 264 251 311 Amarelos 18 42 14 13 Indígenas 02 07 05 03 Figura 7 Adaptado de Instituto Ethos 2010 Apesar de a população negra compor mais de 50 da população brasileira conforme já analisamos exaustivamente neste livrotexto perceba que a representatividade dos negros nessas grandes empresas brasileiras é muito pequena e quanto mais alta a hierarquia menor é a presença deles chegando a pouco mais de 5 entre os executivos que comandam tais organizações muito longe portanto da proporção de negros na população nacional 33 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Figura 8 Disponível em httpsl1nqcom4iXIg Acesso em 15 ago 2023 A análise comparativa dos resultados de 2001 a 2010 também é um fator importante para compreendermos a fundo essa questão Em dez anos houve certamente avanços na inclusão de negros na sociedade brasileira e disso trataremos especificamente quando abordarmos as ações afirmativas Entretanto os números que se apresentam apesar do leve crescimento da participação dos negros nas grandes empresas e nos cargos de liderança não são de modo algum condizentes com as demandas sociais que encontramos no Brasil Fica claro portanto que todas as condições de desigualdade às quais os negros estão sujeitos em nosso país demandam uma atuação mais efetiva por parte dos órgãos governamentais e também da iniciativa privada visando a favorecer a inclusão desse segmento social que já pagou tão caro por séculos de exclusão e racismo ao longo de nossa história Saiba mais Foi possível perceber o que é o teto de vidro do qual falamos anteriormente Sugerimos que o aluno aprofunde sua pesquisa sobre esse assunto consultando a íntegra do relatório do Instituto Ethos indicado a seguir Investigue e responda qual é a percepção dos presidentes das empresas sobre a presença do negro em seu quadro funcional Quais são as três justificativas que eles apresentam para justificar o fato de a proporção de negros em seu quadro de trabalhadores ser menor do que o esperado E você Concorda com as explicações dadas pelos presidentes Tire suas próprias conclusões a respeito INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL IBOPE INTELIGÊNCIA Perfil social racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas pesquisa 2010 São Paulo Instituto Ethos nov 2010 Disponível em httpsl1nqcomfGQr8 Acesso em 11 ago 2023 34 Unidade I 33 Desigualdade racial no sistema educacional Todos os dados apresentados até este ponto estão diretamente ligados ao acesso à educação assunto deste subtópico Como futuro educador e portanto uma pessoa interessada em questões educacionais você provavelmente já se perguntou por que os índices relativos à educação em nosso país são tão desfavoráveis Apresentaremos agora um panorama recente da educação no Brasil especialmente sob a perspectiva de corraça conforme interesse de nossa disciplina O primeiro traço da educação brasileira é o elevado analfabetismo ainda presente nas últimas pesquisas do IBGE conforme a PNAD 2009 De acordo com esses dados a taxa de analfabetismo entre negros e pardos a partir de 15 anos de idade é de 133 para os negros e de 134 para os pardos Entre os brancos esse número fica em 59 A população branca de 15 anos ou mais tem em média 84 anos de estudo Enquanto entre negros e pardos a média é de 67 anos Estadão 2010 Mais uma vez observamos claramente que o acesso aos direitos mais fundamentais como a educação ainda se apresenta como uma barreira para os negros tabela a seguir Brancos estudam em média um ano e sete meses a mais do que pretos e pardos e o analfabetismo entre os negros é mais que o dobro do observado entre os brancos Tais diferenças acabam se desdobrando em desigualdades no mercado de trabalho no acesso aos melhores empregos em melhores salários e portanto nas condições de vida da população negra no Brasil conforme já procuramos mostrar neste tópico Tabela 3 Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas total e respectiva distribuição percentual por grupos de idade e cor ou raça segundo as Grandes Regiões 2008 Grandes regiões Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas Total 1000 pessoas Distribuição percentual Grupos de idade Cor ou raça Total 15 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 a 64 anos 65 anos ou mais Total 1 Branca Preta ou parda Brasil 14247 1000 51 179 358 98 315 1000 310 678 Norte 1128 1000 68 196 375 99 263 1000 163 819 Nordeste 7500 1000 59 212 371 89 268 1000 234 758 Sudeste 3620 1000 36 131 329 108 396 1000 421 564 Sul 1159 1000 39 121 331 125 385 1000 608 372 Centrooeste 840 1000 35 138 371 101 355 1000 292 683 Adaptado de Estadão 2010 35 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Nessa tabela as diferenças regionais se mantêm no quesito analfabetismo nas regiões mais pobres do Brasil o número é maior e em todas as regiões a diferença entre brancos e negros analfabetos é mais uma vez marcadamente desfavorável à população afrodescendente Quando falamos de educação é preciso pensar não somente no acesso a esse direito social mas também num outro aspecto complicador a qualidade do ensino oferecido à população Muitos são os fatores que poderíamos elencar para termos uma melhor compreensão desse quadro o que não é nosso objetivo no momento Mas nos importa compreender que uma de suas consequências mais graves é o chamado analfabetismo funcional o aluno até aprende os códigos linguístico e numérico ou seja sabe ler escrever e fazer contas mas não consegue compreender textos por menor que seja o grau de dificuldade No Brasil são considerados analfabetos funcionais aqueles que frequentaram menos de quatro anos a escola Entretanto estudos apontam que essa definição é questionável como encontramos em Ribeiro Vóvio Moura 2002 p 53 De fato o analfabetismo funcional é um conceito relativo pois depende das demandas de leitura e escrita colocadas pela sociedade assim como das expectativas educacionais que se sustentam politicamente É por isso que ao passo que nos países pobres se toma o critério de quatro anos de estudo na América do Norte e na Europa tomamse oito ou nove anos como patamar mínimo para se atingir o alfabetismo funcional Mesmo já tendo estendido a escolaridade de 8 ou até 11 anos para praticamente toda a população muitos países norteamericanos e europeus estão preocupados com o nível de letramento dessas pessoas tendo em vista principalmente as exigências de competitividade no mercado globalizado Entretanto a despeito desse debate sobre o conceito de analfabetismo funcional o que se sabe é que tais indivíduos apresentam dificuldades enormes para se desenvolverem profissional cultural e socialmente em especial perante as altas exigências do mercado globalizado Por quê Figura 9 Disponível em httpsl1nqcomH336t Acesso em 15 ago 2023 36 Unidade I Uma pessoa que domina a compreensão complexa de textos e cálculos estará mais apta a ocupar postos no mercado de trabalho que exijam maior responsabilidade e portanto menor possibilidade de erro Já um analfabeto funcional segundo apontam estudos nesse sentido Vizolli 2006 costuma resolver seus problemas e desafios a partir da tentativa e erro Ou seja como ele não domina as habilidades complexas para responder a tais desafios com base em conhecimentos científicos acaba percorrendo longos caminhos de erros até conseguir um acerto o que geralmente acontece em decorrência de várias experiências frustradas Fica fácil compreender porque as empresas rejeitaram funcionários que sejam analfabetos funcionais pois no mundo corporativo não há espaço nem tempo para tentativas e riscos de erros mas sim para a eficiência qualidade e certeza de ganhos e lucros Além desse aspecto profissional o analfabetismo funcional impede que as pessoas tenham um desenvolvimento pessoal pleno uma vez que não terão oportunidade de usufruir dos bens culturais disponíveis ou seja cinemas teatros exposições shows concertos etc Todos esses bens culturais aumentam e muito o repertório linguístico e cultural das pessoas o que acaba limitando aqueles que não têm acesso a eles Ainda nesse sentido Ribeiro Vóvio Moura 2002 p 53 afirmam A pesquisa sobre o analfabetismo funcional no Brasil revela um país onde a cultura letrada está amplamente disseminada mas de forma muito desigual Da população alfabetizada um contingente significativo utiliza as habilidades de leitura e escrita em contextos restritos e consequentemente demonstra habilidades restritas no teste de leitura A escolaridade é o fator decisivo na promoção do letramento da população A pesquisa revela como os déficits educacionais se traduzem em desigualdades quanto ao acesso a vários bens culturais oportunidades de trabalho e desenvolvimento pessoal que caracterizam as sociedades letradas Observação Tendo em mente todas essas informações podemos verificar também que o índice de analfabetos funcionais entre os negros é bastante superior ao dos brancos Segundo a PNAD 2009 são consideradas analfabetos funcionais as pessoas com mais de 15 anos com menos de 4 anos completos de estudo que em 2009 constituíam 203 da população sendo 15 para os brancos e 255 para os negros Mais uma vez é notável a diferença entre brancos e negros dados que engrossam as tristes estatísticas dos levantamentos brasileiros As desigualdades referentes ao acesso à educação por brancos e negros se desdobram em todos os níveis de escolaridade sendo que quanto mais elevado o nível de ensino menor a presença de negros Os dados da PNAD 2009 mostram que no ensino superior o percentual de brancos 626 é o dobro do percentual de pretos 282 e de pardos 318 Quando observamos as pessoas que de fato concluem o ensino superior os números são ainda mais desiguais são 15 de brancos e apenas 5 de negros com ensino superior no país segundo o IBGE O que se percebe é que muitos negros até conseguem entrar no ensino superior mas é muito difícil que concluam seus cursos provavelmente por fatores 37 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA financeiros já que boa parte desses estudantes afrodescendentes está nas instituições particulares de ensino superior Você pode confirmar esses dados no gráfico a seguir Brasil Nordeste Sudeste 97 77 112 22 17 25 143 102 162 47 50 38 2008 1998 2008 1998 1 Branca Preta ou parda Figura 10 Proporção das pessoas de 25 anos ou mais de idade com ensino superior concluído por cor ou raça nas regiões Nordeste e Sudeste 19982008 Adaptado de IBGE 2009 p 186 Considere que os números expressam sensíveis melhoras de 1998 para 2008 um fator positivo sem dúvida uma vez que a porcentagem de universitários negros dobrou nesse período passando de 25 para 5 Já entre os jovens brancos esse percentual é mais do que o triplo 162 em 2008 O que esses dados nos mostram são índices bastante alarmantes no tocante ao acesso de pretos e pardos a melhores condições de vida Em outro ponto desse mesmo relatório vemos um quadro confirmando que quanto mais anos de estudo a pessoa acumula maiores são as suas possibilidades de ganho por hora o que favorece sua ascensão social Branca Preta e parda 830 R 440 510 650 1730 470 330 370 500 1180 Total Até 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos 12 anos ou mais Figura 11 Rendimentohora do trabalho principal das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho por cor ou raça segundo os grupos de anos de estudo Brasil 2008 Adaptado de IBGE 2009 p 187 38 Unidade I Conforme já tratamos no subtópico referente à renda note que os negros ganham menos do que os brancos em qualquer nível de escolaridade tenham eles mais ou menos anos de estudo Porém quando a pessoa consegue acesso ao ensino superior 12 anos ou mais de estudo o nível de renda aumenta consideravelmente para ambos os grupos chegando a mais que o dobro Isso comprova que o ensino superior ainda é sem dúvida uma porta para o desenvolvimento pessoal pois não só promove o desenvolvimento cognitivo e aumenta os conhecimentos gerais e científicos como também dá acesso a melhores condições de trabalho e emprego Para concluir essa parte é importante atentar ao fato de que o investimento em educação pode ser considerado uma estratégia comprovadamente eficaz na promoção da igualdade racial no Brasil Isso porque os levantamentos estatísticos feitos pelo IBGE demonstram que existe uma relação direta entre qualidade e acesso à educação e melhora dos níveis de vida da população afrodescendente por meio de oportunidades de melhores salários e sua consequente ascensão social 34 A questão de gênero e a condição da mulher negra Todos os índices apresentados sobre a condição dos afrodescendentes no Brasil atual mostraram claramente a posição desfavorável em que ainda se encontra esse segmento populacional em nosso país são os negros que moram nas regiões mais pobres recebem os menores salários ocupam os cargos mais baixos na hierarquia das organizações têm acesso a uma educação de menor qualidade ficando na escola por um período de tempo menor do que os brancos entre outras condições adversas Há porém um grupo que apresenta índices ainda mais desfavoráveis em todos esses quesitos o grupo de mulheres negras Por isso vamos discutir neste subtópico sob a perspectiva de gênero especificamente a condição da mulher negra que em todas as estatísticas é aquela que ocupa os piores lugares desempenha as atividades mais desvalorizadas socialmente recebe os piores tratamentos etc É cada um desses pontos que iremos tratar a partir de agora Figura 12 Disponível em httpsl1nqcomFOYLC Acesso em 15 ago 2023 39 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Em primeiro lugar falaremos sobre as condições de saúde das mulheres negras no Brasil Sabendose que elas experimentam situações de exclusão marginalidade eou discriminação socioeconômica maiores que as de mulheres brancas e de homens brancos e negros tais restrições têm reflexos nas condições de saúde dessas mulheres e em seu acesso ao atendimento público de saúde A pesquisadora Quessia Rodrigues 2009 p 27 fez um levantamento no serviço público de saúde na cidade de SalvadorBA porém suas considerações são válidas para entendermos a situação das mulheres negras no Brasil como um todo Além da classe social e do gênero a raça têm sido outra característica social determinante na análise das situações de saúde Com relação à população negra brasileira sabese que esta vive a tripla desigualdade social econômica e racial que se expressa em seus corpos e na qualidade e quantidade de serviços sociais públicos a que tem acesso Para essa autora todas as dificuldades e desigualdades enfrentadas pela população negra resultam em vulnerabilidade para uma série de agravos à saúde Rodrigues 2009 Vejamos o caso da mortalidade materna por exemplo Segundo Martins 2006 p 2473 independentemente da questão de corraça o problema da mortalidade materna atinge as mulheres no Brasil de maneira colossal principalmente as mais pobres No Brasil a morte materna configurase como um problema de saúde pública Segundo o Ministério da Saúde MS as altas taxas de mortalidade materna compõem um quadro de violação dos direitos humanos de mulheres e de crianças atingindo desigualmente aquelas das classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais nas várias regiões brasileiras Entretanto ainda segundo a autora Martins 2006 pp 24756 o fator corraça deve receber toda a atenção dos pesquisadores uma vez que altera muito os índices em relação às mulheres amarelas e brancas Atente para os números apresentados em sua pesquisa utilizando o Censo do IBGE realizado em 1991 ao comparar a distribuição da população feminina e o número de mortes maternas por cor para 1993 observouse que o risco relativo de morte destas mulheres foi 74 vezes maior nas pretas e 5 vezes maior entre as amarelas quando comparadas com as brancas Ainda neste estudo na população de mulheres negras apenas 22 eram pretas porém 82 dos óbitos maternos foram destas As mulheres de raçacor amarela apresentaram características socioeconômicas e demográficas melhores do que as brancas as pretas as piores No entanto o risco de morte de ambas foi muito elevado sugerindo que deve existir relação entre raça doença condições de vida e mortalidade materna 40 Unidade I Observação Quanto mais pobre piores as condições de vida menor o acesso aos serviços de saúde bem como ao prénatal e consequentemente maior o risco de doenças durante a gravidez e portanto maior a incidência de mortalidade materna Além das consequências sobre as mães tal situação de tripla desigualdade social econômica e racial segundo Rodrigues 2009 p 27 também acomete de forma mais grave os bebês negros que sofrem inúmeros problemas ao nascer Cunha 2003 detectou em São Paulo uma maior percentagem de crianças negras com baixo peso ao nascer característica que poderia indicar além de problemas nutricionais da mãe e da criança a possibilidade de maior prevalência de doenças maternas como diabetes e hipertensão não controladas durante a gravidez pelo acesso restrito aos serviços de saúde ou pela pior qualidade comparativa dos serviços utilizados pelas mães desse grupo Observe que o que acontece em São Paulo se confirma nos dados do IBGE referentes ao país como um todo em relação ao acesso aos serviços de saúde de acordo com Rodrigues 2009 p 29 as mulheres negras apresentam menor acesso à assistência obstétrica pois 613 delas realizaram o número mínimo de consultas prénatais recomendado pelo Ministério da Saúde seis consultas enquanto para as mulheres brancas esse percentual foi de 766 Outro diferencial encontrado foi o percentual de mulheres negras que não realizaram o prénatal 128 em comparação com as brancas 6 Não há como justificar tais desigualdades uma vez que sabemos que todas as mulheres deveriam por direito receber o mesmo tratamento nos aparelhos públicos de saúde Entretanto a única explicação que se apresenta é a presença do racismo também no atendimento à saúde em nosso país recaindo mais uma vez sobre a mulher negra os custos dessas diferenças de tratamento e acompanhamento à saúde Como parte da maior vulnerabilidade na saúde de mulheres negras está também o fato delas terem pior acesso à infraestrutura pública saneamento básico e condições de moradia Entre os moradores de favelas estão em sua maioria as famílias negras sejam elas chefiadas por homens ou mulheres O gráfico a seguir mostra essa distribuição 41 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA 26 213 117 401 Famílias brancas chefiadas por homens Famílias brancas chefiadas por mulheres Famílias negras chefiadas por homens Famílias negras chefiadas por mulheres Figura 13 Distribuição de domicílios urbanos em favelas segundo sexo e corraça do chefe Brasil 2007 Adaptado de Pinheiro et al 2008 Figura 14 Disponível em httpsl1nqcomiWVON Acesso em 15 ago 2023 Sabese segundo esses dados publicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea que em 2007 apenas 36 dos domicílios brasileiros estavam em favelas Entretanto isso representa dois milhões de famílias ou algo em torno de oito milhões de pessoas Assim o que nos interessa destacar nesse gráfico é o fato de que entre as famílias moradoras de favelas no Brasil praticamente dois terços são negras portanto uma sobrerrepresentação da população negra vivendo em favelas o que reforça mais uma vez sua maior vulnerabilidade social segundo esse mesmo relatório Pinheiro et al 2008 p 29 Há estreita relação também desses números com a falta de saneamento básico nesse tipo de moradia o que traz consequências para a saúde dessas mulheres e seus filhos dados que já discutimos anteriormente Em outras palavras mais uma vez o que estamos comprovando é que o número elevado de negros concentrados nas favelas brasileiras não é coincidência ou obra do acaso mas fruto de nossa herança colonial e da falsa libertação que os africanos escravizados e seus descendentes sofreram e sofrem durante nossa história Mas esse será assunto para a próxima unidade 42 Unidade I Figura 15 Disponível em httpsurx1comxiNei Acesso em 15 ago 2023 Por hora vamos concluir esse quadro a respeito do lugar da mulher negra na sociedade brasileira segundo os números das estatísticas oficiais A esse respeito mais dois aspectos serão destacados O primeiro consta no gráfico a seguir que mostra os dados da PNAD 2008 relativos às mulheres que trabalham na categoria de empregadas domésticas é nítido que em todas as regiões do Brasil as mulheres negras continuam a desempenhar funções domésticas nos lares ou seja o número de mulheres negras ocupando cargo de empregada doméstica é sempre superior à média em cada região Mulheres de cor ou raça preta e parda na população total Mulheres de cor ou raça preta e parda na categoria de trabalhadoras domésticas 515 779 719 429 214 567 609 816 776 571 319 585 Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centrooeste Figura 16 Proporção das mulheres de cor ou raça preta e parda na população total e das mulheres de cor ou raça preta e parda na categoria de trabalhadoras domésticas segundo as Grandes Regiões 2008 Adaptado de IBGE 2009 p 206 43 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Observação Não é exagero afirmar a partir desses dados que houve no Brasil uma espécie de falsa libertação das mulheres negras escravizadas no sentido de que a partir de 1888 com a libertação oficial dos escravizados as mulheres negras tornaramse simplesmente funcionárias de seus antigos escravizadores continuando a exercer as tarefas domésticas função extremamente desvalorizada em uma sociedade desigual e hierarquizada como a brasileira Para concluir este tópico vamos a uma última análise sobre o lugar da mulher na família No gráfico a seguir vemos que o tempo empregado nos serviços domésticos pelas mulheres é em todas as regiões do Brasil muito superior ao dos homens Isso porque historicamente essa foi uma função delegada sempre às mulheres segundo uma estrutura familiar e cultural de raízes patriarcais que colocou as mulheres como donas do lar subentendendose que elas se tornavam responsáveis por todo o trabalho doméstico da família independentemente de trabalharem fora ou não Observe os dados Homens Mulheres 92 95 97 91 87 87 209 203 233 202 199 191 Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centrooeste Figura 17 Média de horas semanais gastas em afazeres domésticos das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade por sexo segundo as Grandes Regiões 2008 Adaptado de IBGE 2009 p 207 A participação masculina nos trabalhos domésticos sempre foi considerada apenas uma ajuda às mulheres já que quem se supõe responsável por toda organização limpeza provisão e cuidados com a casa é tradicionalmente a mulher Em muitos casos bastava ao marido sair para trabalhar sustentando financeiramente sua família Atualmente esse posto da mulher como rainha do lar está sendo questionado principalmente pela posição de destaque que ela vem ocupando na vida pública A própria eleição de Dilma Rousseff para a presidência do Brasil certamente estabelece correspondências com essas questões e indica redefinições nesse sentido Entretanto os dados anteriores ainda mostram uma 44 Unidade I extrema rigidez na divisão do trabalho doméstico das famílias brasileiras prevalecendo a participação feminina nessa esfera especialmente na dedicação de seu tempo aos afazeres domésticos Note que há uma relação entre esse quadro e o apresentado anteriormente ou seja nas famílias mais abastadas quem acaba realizando os afazeres da casa são mulheres negras na qualidade de empregadas domésticas conforme mencionamos Exemplo de aplicação Continue a refletir sobre essas questões tão contundentes Para tanto sugerimos que você pare um pouco e responda às seguintes questões quem realiza o trabalho doméstico em sua casa O homem ou a mulher E quem é responsável pela provisão financeira da família Será que poderíamos pensar numa redefinição tanto da estrutura familiar como da divisão das tarefas domésticas Esperamos que a essa altura você já tenha percebido quão frágil é o mito da democracia racial no Brasil desmontado insistentemente pelas estatísticas oficiais que nada mais revelam do que as dificuldades do dia a dia difícil dos afrodescendentes brasileiros que sempre experimentam na cor de sua pele desigualdades nas esferas econômica profissional educacional familiar de moradia de saúde etc Tratase sim de reafirmarmos a presença de um racismo à brasileira dissimulado escamoteado negado mas tão nítido nas conversas privadas nas organizações públicas e nas publicações de dados 4 MOVIMENTOS SOCIAIS E AÇÕES AFIRMATIVAS É POSSÍVEL ACELERAR O PROCESSO DE MUDANÇA Após números e mais números comprovando a condição desfavorável em que se encontram os negros na sociedade brasileira você deve estar se perguntando mas afinal será possível reverter esse processo perverso Nossa tese é sim isso é possível A partir deste tópico começaremos a apresentar algumas dessas possibilidades partindo dos movimentos negros que tradicionalmente lutam contra o racismo e por igualdade de condições e passando à definição de ações afirmativas e suas principais implicações Na unidade II trataremos das legislações vigentes no Brasil no combate ao racismo e na promoção da igualdade racial bem como faremos um retorno histórico a fim de compreender mais profundamente as raízes desse racismo Por fim terminaremos discutindo exclusivamente questões educacionais e estratégias para nós professores que queremos colaborar para a igualdade racial em nossas escolas e na sociedade de modo geral 41 Movimentos negros na luta contra o racismo para uma nova condição afrodescendente Muitos de nós ao longo de nossa trajetória escolar já devemos ter nos deparado com algumas das seguintes explicações para a escravização do negro e para a posição que este ocupa até hoje em nossa sociedade 45 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA durante o processo de colonização do Brasil feita pelos portugueses a escravização do negro foi preferível à do índio pois aquele sempre fora mais passivo aceitando de forma mais mansa sua própria escravização o negro por ser mais preguiçoso se acomodava à sua condição de escravo o que fez com que permanecesse nela por quase 400 anos São ideias que sustentam ideologicamente concepções naturalizantes da condição do negro como escravo como se os africanos já tivessem nascido escravos numa tentativa de apagar todo o processo econômico e social de escravização de pessoas negroafricanas por escravizadores portugueses brancos os negros estão na situação em que estão hoje porque querem porque não têm competência para conquistar o que os brancos conquistaram Essas são explicações esdrúxulas e indignantes mas que infelizmente todos nós já ouvimos pelo menos uma vez na vida Para que a crítica que estamos realizando fique mais clara é necessário que se reflita sobre os seguintes questionamentos será mesmo que alguém pode se acomodar à condição de escravizado ou toda a história da resistência negra sempre foi propositalmente esquecida pelos historiadores será que o negro realmente aceitou passivamente sua escravização ou se organizou em inúmeros movimentos ao longo da história colonial imperial e republicana brasileira movimentos esses nunca citados nos livros de História será que as estatísticas que insistentemente mostramos anteriormente confirmam a superioridade e competência do branco em relação à falta de capacidade do negro ou são o reflexo da sociedade desigual aristocrática e racista na qual vivemos É facilmente perceptível que nossa tese nesta disciplina procura confirmar sempre a segunda parte das perguntas anteriores Por razões didáticas deixaremos as formulações históricas necessárias para a compreensão das raízes de algumas dessas proposições para serem tratadas na próxima unidade Neste ponto do livrotexto queremos reforçar o papel do movimento negro contemporâneo na luta contra as desigualdades raciais no Brasil bem como na promoção de outra condição para os afrodescendentes a partir principalmente de uma tomada de consciência dessas questões e da implantação de políticas de ações afirmativas das quais falaremos em seguida Lembrete Desde já esclarecemos que o tratamento dessas questões neste livrotexto não poderá ser exaustivo tendo em vista nossa limitação de tempo e espaço para o desenvolvimento de cada assunto Nossa intenção é sinalizar algumas possibilidades de análise a fim de que o aluno seja incentivado a continuar suas pesquisas na área aprofundando assim as explicações possíveis para questões tão complexas como as que tratamos nesta disciplina 46 Unidade I Figura 18 Disponível em httpsury1comQoEb3 Acesso em 15 ago 2023 Muitos dos movimentos negros em ação atualmente são resultado de um longo processo de lutas muitas delas remontando ao período préabolicionista no século XIX ou até muito antes ainda desde o século XVI no início da colonização brasileira e da escravização de africanos por portugueses A questão aqui é afirmar veementemente que os africanos nunca foram passivos pacíficos ou acomodados Há muitos episódios em que os negros se colocaram como resistentes ao modelo colonial Até mesmo a organização dos chamados quilombos é uma importante demonstração de que eles pretendiam construir no Brasil outro modelo de sociedade aberta a todos e que pudesse desmontar a estrutura escravocrata implantando em seu lugar outra forma de vida outra estrutura política na qual se encontraram todos os tipos de oprimidos Munanga Gomes 2006 p 71 Outros movimentos negros entretanto remontam a períodos posteriores à abolição dado que as desigualdades sociais entre brancos e negros continuaram a existir mesmo após a libertação dos escravizados Munanga e Gomes 2006 p 107 assim explicam esse fenômeno O fato de serem libertados por força da lei não garantia aos negros os mesmos direitos de fato e todas as oportunidades dadas aos brancos em nosso país sobretudo às camadas mais ricas da população Por isso além da libertação oficial instituída na lei os negros brasileiros após a abolição tiveram que implementar um longo e árduo processo de construção de igualdade e de acesso aos diversos setores sociais assim É importante lembrar que a movimentação a reação e a resistência que fazem parte da história do negro brasileiro constituem momentos importantes na história do Brasil 47 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Por isso é tão importante que as crianças aprendam nas escolas uma outra história do Brasil uma história recontada que desta vez leve em consideração esse personagem que mesmo tão importante foi tão estigmatizado em nossos livros tradicionais sendo tomado apenas como escravo Você notou que estamos utilizando ao longo de todo o nosso livrotexto as palavras escravizados e escravizadores no lugar das usuais escravos e senhores Pois saiba que esta não é uma escolha casual Tratase de um posicionamento teórico e político que visa enfatizar no estudo da história do Brasil os processos de exploração das populações africanas trazidas por portugueses para o continente americano com a única intenção de transformálos em mercadorias no contexto daquela economia capitalista comercial Além disso o uso das expressões escravizados e escravizadores ajuda a desmontar a ideologia dominante da naturalização do negro como escravo processo fortemente reforçado por boa parte da literatura disponível sobre a história do Brasil colônia que sempre mostrou em suas páginas os negros apenas na figura de escravos dando a impressão inclusive que esta seria sua condição original natural como se todos os africanos já tivessem nascido escravos na África Um professor muito importante para os estudos das relações étnicoraciais no Brasil e já citado em outros trechos do livrotexto é Kabengele Munanga nascido na República Democrática do Congo antigo Zaire em 19 de novembro de 1942 Em 1980 ele veio para o Brasil para assumir a cadeira de Antropologia na Universidade do Rio Grande do Norte Depois de um ano mudouse definitivamente para São Paulo tomando como sua casa a Universidade de São Paulo Atualmente é professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e Diretor do Centro de Estudos Africanos da mesma universidade Em uma de suas aulas Munanga afirmou o seguinte O próprio conceito escravo é um conceito impróprio porque essas pessoas eram livres elas não eram escravas por natureza Elas foram escravizadas aqui portanto seria melhor dizer escravizados e não escravos Quando se fala em escravos supõese que na África havia pessoas que nasceram escravos Nós não podemos legitimar a escravidão aqui a partir do que ocorria na África como se a África fosse o único continente onde existiu escravidão Em vez de discursos legitimadores seria mais justo indenizar os descendentes das vítimas através de políticas compensatórias e não buscar pretextos para justificar a escravidão que houve entre nós Tratase sem dúvida de uma afirmação bastante contundente de alguém que se mostra indignado com os processos de formulação histórica ocorridos no Brasil Mesmo porque conforme já estudamos nos tópicos 1 e 2 deste livrotexto a produção científica europeia e brasileira de meados do século XIX e primeiras décadas do século XX desenvolveu um conjunto de ideologias que procuraram mostrar a inferioridade nata das populações africanas e seus descendentes com a chamada teoria do racismo científico A escola enquanto espaço de formação é um excelente lugar para se promover ações afirmativas a começar pela reformulação de conceitos sobre as populações negras seu papel na formação do Brasil suas trajetórias lutas e conquistas Portanto urge colocarmos em prática a Lei n 106392003 e ensinarmos nas aulas esse outro lado da história 48 Unidade I Vale destacar que após a implantação dessa lei muitos incentivos foram dados à produção bibliográfica para que grupos temáticos fossem formados e passassem a escrever um farto material pedagógico sobre a história da África e dos negros no Brasil Muitos desses materiais estão disponíveis na íntegra para downloads na internet outros se encontram à venda nas livrarias ou ainda sendo distribuídos gratuitamente seja por órgãos públicos seja por organizações não governamentais com o apoio da iniciativa privada Saiba mais Há milhares de possibilidades de pesquisa com livros na íntegra artigos e revistas de toda espécie sites educativos para professores alunos e qualquer pessoa acessar uma infinidade de conteúdos e informações que para mudarem de fato a realidade de desigualdade racial brasileira precisam ser lidos compreendidos trabalhados em sala de aula assimilados a fim de que possam produzir mudanças em nossas relações sociais e quem sabe em nossa realidade cultural social econômica política etc A obra a seguir disponibiliza mais de 1200 páginas divididas em oito volumes sobre História Geral da África desde 1935 Tratase de uma publicação produzida pelo Comitê Científico Internacional da Unesco MAZRUI A A História geral da África África desde 1935 v I VIII Brasília UNESCO 2010 Disponível em httpstinyurlcommr4a6uwa Acesso em 11 ago 2023 Sobre a história dos negros no Brasil nossa sugestão são as publicações do Centro de Estudos AfroOrientais Ceao da Universidade Federal da Bahia Disponível em httpsceaoufbabr Acesso em 11 ago 2023 42 A especificidade das ações afirmativas A força do movimento negro contra todas as formas de discriminação por raça ou cor e pela garantia de direitos sociais fundamentais da população afrobrasileira acabou se traduzindo basicamente em duas formas na legislação antirracista vigente no Brasil de um lado por meio de uma legislação penal que pune todo ato discriminatório por outro a partir da promoção de igualdade de oportunidades a grupos desfavorecidos socialmente pelas chamadas ações afirmativas Neste subtópico vamos nos aprofundar apenas nessa última questão procurando mostrar um pouco da discussão em torno de um tema ainda tão polêmico no Brasil que mexe com os ânimos de intelectuais ativistas e políticos tanto de esquerda quanto de direita com negros brancos e amarelos com as pessoas de modo geral professores alunos profissionais donas de casa etc O debate 49 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA em torno das ações afirmativas é capaz de mobilizar opiniões em qualquer âmbito social ou contexto cultural principalmente porque fazem parte delas algumas políticas que procuram garantir cotas para afrodescendentes em universidades e empresas visando à inclusão justa desse segmento populacional Figura 19 Disponível em httpsl1nqcomLxIMk Acesso em 15 ago 2023 Mas afinal o que são as ações afirmativas De acordo com Bernardino 2002 p 256257 são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação atual ou histórica sofrida por algum grupo de pessoas Para tanto concedemse vantagens competitivas para membros de certos grupos que vivenciam uma situação de inferioridade a fim de que num futuro estipulado esta situação seja revertida Assim as políticas de ação afirmativa buscam por meio de um tratamento temporariamente diferenciado promover a equidade entre os grupos que compõem a sociedade A discussão sobre as ações afirmativas procede dos Estados Unidos onde o movimento negro lutou e conseguiu a garantia de leis que promovessem ao mesmo tempo um ressarcimento às perdas de oportunidades vividas pelos negros naquele país em consequência de políticas segregacionais e uma aceleração do lento processo histórico para a inclusão social a curto prazo desse segmento populacional bem como a ascendência de minorias étnicas raciais e sexuais Em ambos os casos segundo Guimarães 2009 p 170 são ações para remediar uma situação considerada socialmente indesejável Claro que remediar não é o ideal de nenhuma realidade verdadeiramente democrática Assim é preciso considerar as ações afirmativas como uma medida paliativa transitória e portanto temporária devendo ser extinta assim que as condições sociais estiverem mais equilibradas para grupos sociais em desvantagem como negros indígenas e mulheres por exemplo 50 Unidade I Exemplo de aplicação Por que são necessárias tais ações para remediar a situação dos negros no Brasil Por que os negros não poderiam por suas próprias pernas conquistar tais direitos e acesso às mesmas oportunidades que os brancos Por que essa discussão é bastante delicada e requer cuidados Reflita Em primeiro lugar as ações afirmativas buscam acelerar um processo histórico que por si mesmo talvez demorasse décadas séculos ou até milênios para acontecer tendo em vista a inércia histórica ou seja a força de oposição que o passado de discriminações desigualdades e racismo tem e que gera resistências aos esforços advindos de ações individuais Em outras palavras tratase segundo Guimarães 2004 p 172 de assumir o racismo institucional ou seja afirmar que há mecanismos de discriminação inscritos na operação do sistema social e que funcionam até certo ponto à revelia dos indivíduos No Brasil temos uma dificuldade a mais na implantação de políticas de ações afirmativas o mito da democracia racial que insiste em negar a existência de raças no país raças no sentido político e não biológico conforme temos assumido neste livrotexto afirmando portanto que o racismo não existe no Brasil Assim é primordial que entendamos de uma vez por todas que o racismo é sim uma realidade na sociedade brasileira e que portanto pede medidas de reparação ou aceleração na inclusão dos afrodescendentes em todas as esferas sociais Ações afirmativas são nesse sentido uma espécie de discriminação ao contrário também denominada como discriminação positiva no sentido de proporcionar algumas vantagens aos grupos historicamente em desvantagem e por isso considerados minorias como negros pessoas idosas mulheres indígenas crianças adolescentes etc oferecendolhes facilidades temporárias para um acesso mais rápido aos direitos sociais básicos que lhes foram por tanto tempo sistematicamente negados Para o Direito esse recurso é denominado mitigação de danos previsto na legislação brasileira inclusive Um exemplo dessas ações afirmativas são os sistemas de cotas para negros deficientes físicos e mulheres que torna obrigatória a universidades empresas e partidos políticos a inclusão de uma porcentagem mínima de determinados grupos sociais tradicionalmente excluídos dessas instâncias Claro que a questão das cotas traz um semnúmero de argumentos favoráveis e desfavoráveis discussões inflamadas e também muito desconhecimento e preconceito Os estudantes universitários são os que de forma direta se envolveram nesse debate pois cotas para negros foram assumidas em várias universidades públicas e privadas no país Para alguns desses jovens tal medida seria discriminatória pois deixaria de fora estudantes bem preparados para as provas de vestibular que seriam substituídos por estudantes negros muitas vezes advindos de escolas públicas e supostamente menos competentes que os brancos contrariando as noções de mérito e valor individual tão caras às nossas democracias liberais 51 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Observação Você é a favor ou contra a obrigatoriedade das cotas seja para estudantes universitários afrodescendentes trabalhadores com necessidades especiais ou mulheres em cargos políticos O que esperamos deixar claro é que esse tipo de argumentação advém de uma compreensão deturpada de nossos sistemas de educação bem como do acesso via vestibulares Como se esses sistemas e mecanismos de acesso fossem oferecidos a todos os grupos sociais de forma justa e igualitária ou seja baseiase na crença de que bastaria ao negro ter um pouco mais de força de vontade para garantir sua vaga nos cursos mais concorridos das universidades públicas do país Infelizmente bem sabemos que a realidade não é essa Ao contrário os jovens bem nascidos já são desde muito cedo preparados para essa inserção via vestibular em escolas de alto nível graças a investimentos educacionais geralmente feitos pelas próprias famílias Por outro lado o ensino reservado aos grupos de crianças e jovens desfavorecidos na rede pública não chega perto das altas exigências de desempenho dos vestibulares mais concorridos o que deixa inevitavelmente tais jovens excluídos mais uma vez de um dos direitos fundamentais do cidadão o ensino superior E conforme dados estatísticos já apresentados os negros são negativamente mais atingidos por esse processo de exclusão uma vez que encontramse em maioria nos estratos mais pobres da população Felizmente temos assistido ao crescimento desse debate no Brasil principalmente nos meios acadêmicos Qualquer levantamento bibliográfico em bases de dados científicos nacionais e internacionais trará milhares de artigos sobre as ações afirmativas no Brasil e no mundo É muito importante que se saiba que ações afirmativas não podem ser tomadas como sinônimo de cotas esta seria apenas uma das estratégias adotadas visando à diminuição das desigualdades e da discriminação racial No próximo tópico faremos uma investigação sobre as principais ações afirmativas presentes na legislação antirracista brasileira começando pela Constituição Federal de 1988 Mais uma vez lembramos que esse recorte temporal se faz necessário dadas as limitações desta disciplina Antes de prosseguirmos para a próxima unidade sugerimos que você faça os exercícios a seguir procurando aprofundar suas pesquisas sobre os temas selecionados Em seguida verifique as propostas de resolução das questões e veja se você conseguiu atingir os objetivos pretendidos e compreender de modo mais complexo as problemáticas apresentadas 52 Unidade I Resumo Nesta unidade foram muitas as teorias conceitos informações críticas dados estatísticos e atividades a serem desenvolvidas Para que todo esse conteúdo fique ainda mais claro no processo de aprendizagem vamos resumir os principais tópicos abordados e convidamos o aluno a retomar suas anotações e estudos voltando a consultar o texto completo quando necessário Os conceitos de raça e etnia são essenciais para o estudo das relações étnicoraciais Entretanto o conceito de raça deve ser compreendido com certo cuidado para não recair em concepções biologizantes Nossa abordagem adota a perspectiva política no sentido de que as populações de africanos e seus descendentes se apropriem e ressignifiquem o uso da palavra raça na luta contra toda forma de racismo e discriminação Já o conceito de etnia requer uma opção escolha posicionamento daquele que pretende fazer parte de certo grupo étnico Não se trata de um processo simples mas que implica em atribuição endógena ou exógena que considera a dimensão relacional e de fronteira a busca de uma origem comum e o processo de realce ou saliência de determinados aspectos configurandose num processo simbólico político e social O racismo científico teoria formulada no século XIX na Europa sob influência das teorias evolucionistas de Charles Darwin produziu uma ideologia que define uma ordem natural da realidade social colocando homens e mulheres naturalmente uns superiores aos outros Os desdobramentos e as consequências dessa teoria se fizeram perceber ao longo de toda a história do século XX tanto na Europa como no Brasil até ser assimilada no contexto brasileiro influenciando a formação de um mito de democracia racial Essa concepção das nossas relações étnicoraciais como harmoniosas a partir da mistura de brancos negros e indígenas serviu para encobrir nosso racismo à brasileira que não menos do que em outros países pressupõe hierarquização inferiorização preconceito discriminação e desigualdade Esse racismo se confirma nos levantamentos estatísticos oficiais produzidos pelo IBGE dados esses que foram cuidadosamente analisados por nós demonstrando que a condição dos afrodescendentes na sociedade brasileira ainda é desvantajosa quando comparada à de outros segmentos da população nos mais diversos âmbitos sociais distribuição racial por 53 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA região desenvolvimento econômico mercado de trabalho renda familiar distribuição de renda analfabetismo desigualdade educacional em todos os níveis de ensino do básico ao superior condição feminina com relação a saúde acesso à infraestrutura pública saneamento e moradia estrutura familiar e dedicação aos afazeres domésticos Para terminar esta primeira unidade procuramos defender a tese de que esse quadro pode e já está sendo transformado por meio dos movimentos sociais e das ações afirmativas na luta contra o racismo na promoção da igualdade racial e na conquista de uma nova condição para as populações afrodescendentes 54 Unidade I Exercícios Questão 1 Observe atentamente os dados contidos na tabela apresentada a seguir Tabela 4 Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas total e respectiva distribuição percentual por grupos de idade e cor ou raça segundo as Grandes Regiões 2008 Grandes Regiões Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas Total 1000 pessoas Distribuição percentual Grupos de idade Cor ou raça Total 15 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 a 64 anos 65 anos ou mais Total 1 Branca Preta ou parda Brasil 14247 1000 51 179 358 98 315 1000 310 678 Norte 1128 1000 68 196 375 99 263 1000 163 819 Nordeste 7500 1000 59 212 371 89 268 1000 234 758 Sudeste 3620 1000 36 131 329 108 396 1000 421 564 Sul 1159 1000 39 121 331 125 385 1000 608 372 Centrooeste 840 1000 35 138 371 101 355 1000 292 683 Fonte IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 1 Exclusive as pessoas de cor ou raça amarela e indígena Os dados reunidos nessa tabela dão a conhecer o seguinte I Ao estudarmos a questão do analfabetismo no Brasil constatamos a ocorrência de expressivas diferenças regionais Comparando dados percentuais derivados do recorte cor ou raça identificamos que a região Norte abriga a população afrodescendente que sofre os maiores prejuízos II Os afrodescendentes com idade entre 15 e 24 anos são aqueles que sofrem os menores prejuízos nesse contexto geral III Utilizando o jargão do censo observamos que na região Sul os brancos apresentam prejuízos maiores do que os pretos e pardos IV Os amarelos e indígenas sofrem prejuízos análogos aos sofridos por pretos e pardos 55 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Considerando as afirmativas anteriores assinale a alternativa correta A É verdadeiro apenas o que se afirma em I e II B É verdadeiro apenas o que se afirma em I II e III C É verdadeiro apenas o que se afirma em II e IV D É verdadeiro apenas o que se afirma em I e III E É verdadeiro apenas o que se afirma em II e III Resposta correta alternativa D Análise das afirmativas I Afirmativa correta Justificativa os dados contidos na última coluna da tabela informam que a porcentagem de pessoas maiores de 15 anos de idade pertencentes ao segmento populacional pretospardos varia de região para região No Norte 819 no Nordeste 758 no Sudeste 564 no Sul 372 e no Centrooeste 683 Assim sendo a região Norte é a que abriga a população afrodescendente que sofre os maiores prejuízos II Afirmativa incorreta Justificativa observemos que a coluna da tabela que reúne informações sobre o analfabetismo nos diversos grupos de idade não informa absolutamente nada sobre diferenças relativas aos segmentos de brancos e de pretospardos III Afirmativa correta Justificativa os dados contidos na penúltima coluna da tabela informam que a porcentagem de pessoas maiores de 15 anos de idade pertencentes ao segmento populacional de brancos varia de região para região No Norte 165 no Nordeste 234 no Sudeste 421 no Sul 608 e no Centrooeste 292 Assim sendo a região Sul é a que abriga a população branca que sofre os maiores prejuízos IV Afirmativa incorreta Justificativa os dados reunidos na tabela não oferecem informações relativas ao analfabetismo de pessoas que compõem os segmentos populacionais amarelo e indígena conforme se pode constatar na observação feita logo abaixo da tabela Exclusive as pessoas de cor ou raça amarela ou indígena 56 Unidade I Questão 2 Leia atentamente o texto apresentado a seguir Com o objetivo de contribuir para o conhecimento dos programas de ação afirmativa de inserção da população negra no ensino público superior brasileiro Santos 2006 desenvolveu uma pesquisa na Universidade Estadual de Campinas Os dados por ele obtidos advêm de estudos recentes e de grupos de pesquisa sobre o tema Os estudos mostram que os PAAs têm contribuído para 1 o aumento do número de candidatos inscritos nos vestibulares pertencentes aos grupos alvo dos programas 2 o aumento do número de matriculados desses grupos nos cursos de graduação 3 a melhora no desempenho acadêmico 4 o fortalecimento da identidade étnicoracial dos alunos dos programas 5 a ampliação do interesse do corpo docente e discente das universidades pelo tema das relações étnicoraciais Quanto aos grupos de pesquisa sobre o tema o foco de investigação tem privilegiado a avaliação de políticas e programas de promoção da igualdade racial e a investigação da legislação brasileira que trata da discriminação e dos direitos de minorias Adaptado de SANTOS A O Inserção da População Negra na Universidade Estadual de Campinas Estudo de Caso de Um Programa de Ação Afirmativa Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade Ministério da Educação Brasília 2006 p64 O estudo de Santos I Atende entre outros ao propósito de evidenciar que o debate sobre Políticas de Ação Afirmativa PAAs não pode nem deve ser confundido com o debate sobre cotas para negros pois enquanto as PAAs visam corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação atual ou histórica sofrida por algum grupo de pessoas as cotas são apenas um dos recursos utilizados por essas políticas II Conduziu a resultados que evidenciam efeitos positivos da adoção de PAAs em instituições de ensino superior III Trata da adoção de políticas de ação afirmativa nos diversos graus de ensino no Brasil IV Reafirma o fato de que a implantação de PAAs no Brasil e o debate sobre esse tema não são de modo algum justificáveis Afinal de contas temos o privilégio de viver num país livre do racismo e internacionalmente reconhecido uma democracia racial 57 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Considere as afirmativas anteriores para assinalar a seguir a alternativa correta A É verdadeiro apenas o que se afirma em I e II B É verdadeiro apenas o que se afirma em III e IV C É verdadeiro apenas o que se afirma em I e III D É verdadeiro apenas o que se afirma em I E É verdadeiro apenas o que se afirma em III Resposta correta alternativa A Análise das afirmativas I Afirmativa correta Justificativa o debate sobre Políticas de Ação Afirmativa não se reduz ao debate sobre cotas pois essas são apenas um caso particular de PAA E o estudo em questão embora não trate diretamente desses conceitos deixa evidente que o autor os domina adequadamente II Afirmativa correta Justificativa a pesquisa em questão aponta para efeitos positivos da adoção de PAA em Instituições de Ensino Superior pois conduz à conclusão de que tais políticas têm contribuído para aumentar o número de afrodescendentes inscritos nos vestibulares o número de matriculados nos cursos de graduação e sua melhora no desempenho acadêmico além de estar propiciando condições para o fortalecimento da identidade étnicoracial dos alunos desses programas e a ampliação do interesse dos corpos docente e discente das universidades pelo tema das relações étnicoraciais III Afirmativa incorreta Justificativa o universo da pesquisa de Santos é integrado somente por alunos do curso superior não contemplando assim alunos dos demais graus de ensino IV Afirmativa incorreta Justificativa de fato o chamado mito da democracia racial representa a crença de não haver racismos no Brasil Tratase de uma representação fictícia de uma sociedade na qual os diversos segmentos étnicoraciais vivem em perfeita harmonia Tal mito não encontra fundamentos nos dados estatísticos que diariamente tornam evidente a escassez ou mesmo ausência de oportunidades para integrantes do segmento populacional integrado por afrodescendentes
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Texto de pré-visualização
Autora Profa Crislaine Valéria de Toledo Plaça Colaboradores Profa Silmara Machado Prof Nonato Assis de Miranda Profa Ronilda Iyakemi Ribeiro Relações Étnicoraciais e Afrodescendência Professora conteudista Crislaine Valéria de ToledoPlaça Nascida na cidade de São PauloSP iniciou seus estudos na Universidade de São Paulo USP em 1989 formandose em Ciências Sociais em 1994 onde cursou também licenciatura na mesma área Durante seus anos de estudo desenvolveu pesquisas na área de Sociologia estando ligada desde a iniciação científica ao NEMGEUSP Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da Universidade de São Paulo no qual pode aprofundarse na temática das relações de gênero procurando compreender a condição feminina e as relações entre homens e mulheres nos mais diversos âmbitos sociais como política mercado de trabalho movimentos sociais direitos sociais família sexualidade e religião Em 2002 concluiu o mestrado em Sociologia pela mesma universidade e passou a lecionar em diversas instituições de ensino superior na região da Grande São Paulo Ao mesmo tempo atuou em coordenação pedagógica e orientação educacional nos níveis fundamental e médio ocasião em que ampliou seus estudos na área de Educação Como professora da Unip desde 2008 tem lecionado disciplinas nas áreas de Ciências Sociais Metodologia Científica Educação História e Filosofia Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP T649r ToledoPlaça Crislaine Valéria de Relações étnicoraciais e afrodescendência Crislaine Valéria de ToledoPlaça São Paulo Editora Sol 2023 124 il Nota este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP Série Didática ISSN 15179230 1 Relações étnicoraciais 2 Afrodescendência 3 Diversidade ITítulo CDU 301 U51843 23 Profa Sandra Miessa Reitora Profa Dra Marilia Ancona Lopez ViceReitora de Graduação Profa Dra Marina Ancona Lopez Soligo ViceReitora de PósGraduação e Pesquisa Profa Dra Claudia Meucci Andreatini ViceReitora de Administração e Finanças Prof Dr Paschoal Laercio Armonia ViceReitor de Extensão Prof Fábio Romeu de Carvalho ViceReitor de Planejamento Profa Melânia Dalla Torre ViceReitora das Unidades Universitárias Profa Silvia Gomes Miessa ViceReitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa Laura Ancona Lee ViceReitora de Relações Internacionais Prof Marcus Vinícius Mathias ViceReitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa Elisabete Brihy Profa M Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof M Ivan Daliberto Frugoli Prof Dr Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial Profa Dra Christiane Mazur Doi Profa Dra Ronilda Ribeiro Apoio Profa Cláudia Regina Baptista Profa M Deise Alcantara Carreiro Profa Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico Prof Alexandre Ponzetto Revisão Cristina Alves Locatelli The Business Approval process submits the request directly to finance For new requirements the requester obtains a purchase requisition number to include on the application Finance posts approved subscriptions to a local purchase order for renewal Approved RFPs are managed by the University Controllers Office unless a University Purchasing Buyer is named in the RFP Requests for approval after a purchase order is established for a renewal license are submitted via email or phone to AJM Consent financial approval process The Purchasing Office posts a purchase order after approval by the University Controller Office The business unit is responsible for providing attachments or supporting documentation for each line on the application The communicating issue with the Purchasing Office with the allowable added cost for the organization Supporting documentation includes the desired vendorcontractor with the business requirement Initiate application CO6 Vendor Management forms if contact information Requires the completion of a Software LicenseSubscription application for a renewal license or new license The application form is available on the Purchasing website in the forms and guides section The Purchasing office will provide a purchase order number to the supplier and the University Controller Office is responsible for reviewing the executed contracts and maintaining the fiscal responsibility documented in the file with the approved purchase order The final step is to obtain the signed purchase order from the vendor and retain for audit purposes Sumário Relações Étnicoraciais e Afrodescendência APRESENTAÇÃO 7 INTRODUÇÃO 7 Unidade I 1 CONCEITOS INICIAIS A QUESTÃO DE RAÇA E ETNIA 9 11 Raça 9 12 Etnia 11 2 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS NO BRASIL 15 21 O racismo científico 15 22 O racismo à brasileira e o mito da democracia racial 17 23 Mas afinal o que é racismo 20 231 Biologicamente não existem raças somos uma só raça humana 20 232 Raça é um conceito político 22 233 Os pressupostos do racismo 22 3 A CONDIÇÃO DOS AFRODESCENDENTES NA SOCIEDADE BRASILEIRA 23 31 A questão da autoidentificação racial nos levantamentos brasileiros 24 32 Distribuição racial brasileira desenvolvimento econômico e desigualdades no mercado de trabalho 26 33 Desigualdade racial no sistema educacional 34 34 A questão de gênero e a condição da mulher negra 38 4 MOVIMENTOS SOCIAIS E AÇÕES AFIRMATIVAS É POSSÍVEL ACELERAR O PROCESSO DE MUDANÇA 44 41 Movimentos negros na luta contra o racismo para uma nova condição afrodescendente 44 42 A especificidade das ações afirmativas 48 Unidade II 5 O ANTIRRACISMO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 58 51 A Carta Maior a Constituição Brasileira de 1988 59 52 Estatutos específicos o ECA e o Estatuto da Igualdade Racial 61 521 Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 806990 61 522 Estatuto da Igualdade Racial Lei 122882010 62 53 Leis e diretrizes educacionais 64 531 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB Lei 939496 65 532 Lei 106392003 e Lei 116452008 66 533 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnicoraciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana de 2004 Parecer CNE 0032004 67 6 AFRICANIDADES BRASILEIRAS E ALGUNS ASPECTOS DA HISTÓRIA AFRICANA DOS NEGROS NO BRASIL 69 61 Pegando o fio da história a África antes de 1500 71 62 Heranças coloniais africanas e a formação de um país chamado Brasil 73 63 Diáspora travessia dos escravizados e o constrangimento de seres humanos à condição de objetos 76 64 Resistência negra e o movimento abolicionista antes e depois da Lei Áurea80 Unidade III 7 A PEDAGOGIA DA EXCLUSÃO IMAGENS E REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NO BRASIL 91 71 Imagens e representações do negro na literatura na mídia e na escola a trilha do círculo vicioso 91 72 O processo de construção da identidade na infância e na juventude a igualdade jurídica em meio a uma sociedade hierárquica 96 8 IDENTIDADE INTERAÇÃO E DIVERSIDADE POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ 101 81 Diversidade livro didático e currículo desafios para a prática educativa 101 82 Escola e a promoção da igualdade racial estratégias e possibilidades 105 7 APRESENTAÇÃO Oa alunoa tem em mãos o livrotexto que servirá de base para seus estudos na disciplina Relações Étnicoraciais e Afrodescendência Tratase de uma oportunidade para que se conheça um pouco da formação racial de nosso país seus problemas preconceitos e estruturas autoritárias E como não poderia deixar de ser veremos o quanto estes assuntos estão diretamente ligados à prática em sala de aula e de que forma podemos nos comprometer com a promoção de iniciativas para a igualdade racial e o respeito às diferenças Nesse sentido buscamos contribuir para a formação de uma consciência crítica em relação às questões étnicoraciais no Brasil para o estudo das principais correntes teóricas brasileiras acerca do tema de africanidades e relações étnicoraciais e para uma futura prática pedagógica de promoção da igualdade racial na escola e na comunidade A partir do contato com tais temas esperase que o aluno por meio dessa disciplina seja capaz de adotar uma postura crítica frente às diferenças culturais e étnicas bem como interpretálas e compreendêlas minimizando a geração de preconceitos etnocentrismos e todas as formas de discriminação Também esperase que com esses estudos o aluno consiga avaliar situações de conflitos interétnicos e promover ações que incentivem a igualdade e o respeito à diversidade no contexto escolar Além disso que ele possa compreender a relevância do papel da escola na promoção da igualdade racial envolvendose pessoalmente nesse projeto INTRODUÇÃO Neste material vamos procurar discutir questões bastante delicadas especialmente para nós brasileiros sobre as relações étnicoraciais no país tocando em aspectos de um racismo que se apresenta de forma velada escamoteada nas entrelinhas dos discursos mais cotidianos de nossas conversas e relações do dia a dia Para começar é necessário refletir sobre as seguintes questões negros e brancos são tratados igualmente em nossa sociedade Negros e brancos possuem as mesmas oportunidades de acesso à educação emprego saúde e outros direitos sociais Afinal somos um povo racista ou não Por que precisamos de uma lei que afirme que o racismo é crime inafiançável E como podemos realizar uma educação das relações étnicoraciais Neste início de disciplina vale esclarecer que o ano de 2011 foi definido como Ano Internacional dos Afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas ONU fato amplamente divulgado pela grande mídia no final de 2010 Uma das intenções desse lançamento segundo o secretáriogeral da organização Ban KiMoon é a de despertar na comunida de internacional a necessidade de um empenho conjunto para garantir aos afrodescendentes direitos fundamentais como saúde e educação 8 Figura 1 Disponível em httpsacesseoneSoMgj Acesso em 15 ago 2023 Com esse tipo de iniciativa certamente o interesse pela questão das relações étnicoraciais e afrodescendência deverá aumentar consideravelmente a começar pelos cursos graduação de formação de professores que já estão colocando em prática a Lei Federal 106392003 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afrobrasileira Daí justificase o estudo dessa disciplina durante a formação acadêmica Foi possível perceber como questões complexas estão envolvidas nas relações étnicoraciais Essa será nossa preocupação nesta disciplina desvendar os porquês da permanência do racismo suas causas e consequências bem como as múltiplas implicações na promoção da igualdade racial na escola e na comunidade Desejamos aosàs alunosas excelentes momentos de estudo e crescimento 9 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Unidade I 1 CONCEITOS INICIAIS A QUESTÃO DE RAÇA E ETNIA 11 Raça Se esta disciplina apresenta em seu título a expressão relações étnicoraciais precisamos primeiramente deixar claros dois conceitos essenciais para a compreensão de seu conteúdo os conceitos de raça e de etnia Comecemos pelo primeiro Historicamente desde o século XVI o termo raça recebeu inúmeros tratamentos reforçando preconceitos e discriminações pelo mundo afora Por isso é preciso desenvolver com calma esse conceito a fim de se perceber como essa construção foi lenta paulatina e extremamente eficaz ao longo de nossa trajetória histórica Esse detalhamento será dado nos próximos tópicos quando trataremos do racismo científico e do mito da democracia racial no Brasil Neste momento nossa primeira abordagem sobre o termo raça deve enfatizar que não se trata de diferenciar biologicamente os seres humanos uma vez que as vertentes teóricas construídas a partir do século XVI já foram superadas pela perspectiva de que somos uma só raça humana Nossa constituição genética indica isso Portanto vamos deixar claro não existem raças humanas Corroborando essa afirmação Flores 2008 p 24 escreve As mais recentes pesquisas dos especialistas no assunto os geneticistas demonstram que nos genes não se comprovam as teorias das raças humanas A genética com vigor para se tornar a principal ciência do século 21 tem afirmado que não há motivos para acreditar que a espécie à qual pertencemos Homo sapiens possa ser dividida em grupos biológicos distintos e separados A diversidade biológica é incomparavelmente pequena quando analisada com as experiências e as situações ambientais e culturais Por isso quando afirmamos que as raças não existem queremos chamar a atenção para o fato de que somos todos parentes e também somos todos diferentes Observação Pense nessas perguntas muito comuns entre alunos de graduação mas se as raças não existem por que esta palavra continua a ser usada toda pessoa que utiliza o termo raça é racista osas ativistas antirracistas que usam este termo também são racistas Siga em frente com seus estudos e encontre as respostas 10 Unidade I Assim a palavra raça será tomada aqui a partir de uma perspectiva sóciohistórica segundo preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana aprovadas em junho de 2004 pelo Ministério da Educação É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros muitas vezes simuladas como harmoniosas nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com frequência nas relações sociais brasileiras para informar como determinadas características físicas como cor de pele tipo de cabelo entre outras influenciam interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira Brasil 2004 Portanto podemos assumir o uso do termo raça quando quisermos nos referir aos aspectos físicos à aparência exterior herdada e transmitida hereditariamente que mostram repercussões negativas nas relações entre brancos e negros ou seja quando for necessário demonstrar as tensões existentes a partir das diferenças na cor de pele olhos tipos de cabelo etc a partir de um padrão estético branco e europeu que estabelece também relações de dominação Saiba mais Se você quiser se aprofundar sobre as características físicas das pessoas e suas repercussões em suas relações sociais sugerimos que faça uma pesquisa sobre os termos fenótipo e genótipo CANHAS I Fenótipo Genética Infoescola sd Disponível em httpsurx1comEagW2 Acesso em 10 ago 2023 Complementando essa concepção contemplamos também a problemática de raça sob uma perspectiva política ou seja a partir do uso que os movimentos negros fazem desse termo nas lutas contra o racismo e contra toda forma de discriminação Veja o que diz a militante do movimento negro Nilma Bentes apud Munanga Gomes 2006 p 176 podemos compreender que a identificação de raças é na realidade uma construção social política e cultural produzida no interior das relações sociais e de poder ao longo do processo histórico Não significa de forma alguma um dado da natureza É no contexto da cultura que nós aprendemos a enxergar as raças Isso significa que aprendemos a ser negros e brancos como diferentes na forma como somos educados e socializados a ponto dessas ditas diferenças serem introjetadas em nossa forma de ser 11 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA e ver o outro na nossa subjetividade nas relações sociais mais amplas É preciso portanto saber em que situação por que para que e por quem está sendo utilizado o conceito raça para distinguir seu significado Temos que distinguir se a conotação empregada lhe atribui um caráter negativo e racista ou se está sendo atribuído um caráter positivo para a compreensão da história e o reconhecimento da presença do negro em nossa sociedade Lembrete Aqui se encontra uma das respostas às pergundas feitas anteriormente a utilização da palavra raça tem uma conotação política visando enfatizar os aspectos negativos atribuídos a determinadas características fenotípicas como cor dos olhos e da pele e traços do rosto e dos cabelos por exemplo Percebese que aqui a ênfase é dada nas circunstâncias em que o conceito raça é utilizado se positiva ou negativamente daí o uso político do termo pelo movimento negro para definir os anseios e lutas dos negros na sociedade brasileira Dessa maneira de forma corrente a palavra raça acabou sendo fortemente associada aos negros no Brasil a despeito da presença de outros grupos em nossa população Isso mostra a apropriação política que o conceito acabou sofrendo pelo movimento negro brasileiro Lembrete Foi possível compreender porque a simples utilização da palavra raça não pode ser considerada de antemão uma atitude racista Mas atenção pois tudo depende da circunstância em que ela é usada Saiba mais O seguinte livro recomendado nos mostra de maneira didática como o negro com suas especificidades e história próprias deve ser visto e reconhecido hoje como parte integrante da sociedade e cultura brasileiras Vale a pena ler MUNANGA K GOMES N L O negro no Brasil de hoje São Paulo Global 2006 12 Etnia O conceito de etnia tem recebido grande destaque na literatura disponível sobre as relações étnicoraciais no Brasil e é nele que vamos nos aprofundar agora 12 Unidade I Primeiramente vale destacar que a palavra etnia pode ser empregada de maneira ampla e irrestrita visto que não provoca o mesmo desconforto produzido pelas conotações físicas e pelos pensamentos biologizantes do conceito de raça Tratase de uma concepção que compreende as relações sociais estabelecidas entre sujeitos que entre outras coisas se reconhecem possuidores de uma origem comum em contraste com outros integrantes de grupos diferentes na sociedade abrangente Vejamos o verbete etnia apresentado no Dicionário de Relações Étnicas e Raciais apud Cashmore 2000 p 196 Um grupo possuidor de algum grau de coerência e solidariedade composto por pessoas conscientes pelo menos em forma latente de terem origens e interesses comuns Um grupo étnico não é mero agrupamento de pessoas ou de um setor da população mas uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente relacionadas por experiências compartilhadas Fica claro portanto que etnia implica por um lado posicionamento pertencimento opção escolha autodenominação do sujeito tendo por referência determinado grupo étnico Nesse sentido a atribuição de pertença de certa pessoa a determinado grupo étnico é em primeiro lugar endógena ou seja parte do próprio sujeito devendo ser necessariamente a decisão de pertencimento dela que se afirma como parte daquele grupo étnico Entretanto a definição da identidade étnica não é somente endógena mas diz respeito também aos significados atribuídos por outros grupos ou seja também é exógena Nesse sentido afirmam Poutignat e StreiffFenart 1998 p 142 É esta relação dialética entre as definições exógena e endógena da pertença étnica que transforma a etnicidade em um processo dinâmico sempre sujeito à redefinição e à recomposição Exemplo de aplicação Sabendo que a definição da identidade étnica pode ser exógena ou endógena você consegue diferenciar essas duas formas de identificação Faça uma breve anotação pessoal a esse respeito visando reforçar seus estudos Ainda nesse contexto vejamos como podemos associar o conceito de etnia ao conceito de etnicidade De acordo com Eriksen apud Oliveira 2006 p 89 etnicidade é uma propriedade de uma formação social e um aspecto de interação ambos níveis sistêmicos podem ser simultaneamente compreendidos Secundariamente diferenças étnicas envolvem diferenças culturais que possuem impacto comparativamente variável sobre a natureza das relações sociais Percebese então o caráter relacional do conceito de etnicidade ou seja é importante compreender como se dão as relações entre as pessoas no que tange às diferenças étnicoraciais Além disso essas diferenças demonstram também o aspecto contrastivo da etnicidade no sentido de que uma identidade étnica se constrói na oposição entre posições culturais Essa é a perspectiva política do conceito de 13 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA etnicidade em que os agentes envolvidos investemse de uma determinada identidade étnica a fim de se colocarem num jogo de forças e conquistas sociais políticas econômicas legais etc Observação Para compreender a dimensão política do conceito de etnia duas palavraschave são importantes o caráter relacional e contrastivo Conforme já citouse anteriormente quando o indivíduo se autorreconhece como pertencente àquele grupo étnico essa escolha carrega conteúdos significativos definidos pelo sujeito a partir de suas experiências subjetivas ou seja suas práticas cotidianas Assim a etnicidade apresenta uma intencionalidade na prática do sujeito segundo um caráter dinâmico e processual não podendo ser definida de maneira estática ou definitiva mas dependendo sempre das interrelações entre os sujeitos envolvidos De acordo com Flores 2008 p 27 o sentimento de pertencimento a uma etnia pode ser expresso pela palavra etnicidade As crenças em uma identidade comum especialmente por parte dos grupos sociais que foram historicamente subordinados aos imperialismos universalistas romano europeu norteamericano etc Observação O pertencimento a um grupo étnico é sempre um processo dinâmico nunca algo pronto ou definitivo Fica clara a definição de etnicidade como um processo simbólico que adquire valores conteúdos significativos e compartilhados a partir das experiências e interrelações experienciadas pelos sujeitos envolvidos Para que fique mais claro o que é exatamente esse processo simbólico pense em tudo o que se experimenta se sente e se aprende ao longo da vida Cada uma dessas experiências recebe um determinado significado dependendo do teor de tais vivências se negativo temos a tendência a esquecer ou desvalorizar se positivo vamos guardando como uma espécie de herança por toda nossa vida Ao olharmos para trás como uma retrospectiva podemos avaliar aquilo que para nós é mais importante e significativo bem como podemos trazer também marcas ou traumas das experiências negativas Todo esse conteúdo significativo é legitimado e definido pelo que chamamos de universo simbólico isto é todas as regras saberes valores crenças de determinada cultura que se desdobram e se refletem diretamente na definição de nossa identidade cultural ou seja daquilo que nós somos ou desejamos ser 14 Unidade I Observação Alguns autores afirmam que o homem é um animal simbólico ou seja que atribui valor e significado a todas as coisas e experiências que o cercam relações e aprendizados que são a cada momento significados e ressignificados valorizados ou desvalorizados aprendidos ou esquecidos guardados ou descartados Esse é o processo simbólico do qual estamos tratando Por fim vejamos um último aspecto da etnicidade a saber a questão do realce Tratase de uma apropriação de acordo com a situação na qual o sujeito encontrase e em relação a quem ele está posicionado Mas não pense que por causa dessa elasticidade da etnicidade ela seja falsa ou mentirosa Para esclarecer essa questão leiamos o que Poutignat e StreiffFenart 1998 p 166 dizem a respeito A noção de saliência ou realce exprime a ideia de que a etnicidade é um modo de identificação em meio a possíveis outros ela não remete a uma essência que se possua mas a um conjunto de recursos disponíveis para a ação social De acordo com as situações nas quais ele se localiza e as pessoas com quem interage um indivíduo poderá assumir uma ou outra das identidades que lhes são disponíveis Foi possível perceber como se dá esse processo de realce na definição das identidades étnicas É por meio dessa possibilidade que o sujeito pode manipular sua própria identidade salientando os aspectos que lhe sejam mais vantajosos naquele contexto Observação Ainda de acordo com Poutignat e StreiffFenart 1998 os principais aspectos que definem a identidade étnica são atribuição categorial os atores identificamse ou são identificados pelos outros endógena ou exógena dimensão relacional e de fronteira implica a dicotomia nóseles processo político origem comum intencionalidade dos atores em demonstrarem uma ancestralidade com o seu grupo étnico através de símbolos identitários processo simbólico realce ou saliência possibilidade de os sujeitos se posicionarem conforme a situação de interação social na qual se encontram processo social 15 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA 2 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS NO BRASIL 21 O racismo científico Vamos examinar agora a doutrina que passou a empregar o conceito de raça como base de justificação das desigualdades bem como de naturalização das hierarquias sociais Foi no século XIX que a ciência por meio da teoria positivista produziu uma ampla explicação que colocava os seres humanos organizados hierarquicamente partindo do princípio de que há diferenças entre as raças que os posicionam naturalmente superiores uns aos outros É importante frisar que a palavra naturalmente é tomada aqui no seu sentido mais estrito trazendo para o plano da natureza a lógica e a organização dos grupos sociais A esse respeito afirmam Lima e Vala 2004 p 402 O racismo constituise num processo de hierarquização exclusão e discriminação contra um indivíduo ou toda uma categoria social que é definida como diferente com base em alguma marca física externa real ou imaginada a qual é ressignificada em termos de uma marca cultural interna que define padrões de comportamento Por exemplo a cor da pele sendo negra marca física externa pode implicar a percepção do sujeito indivíduo ou grupo como preguiçoso agressivo e alegre marca cultural interna É neste sentido que o racismo é uma redução do cultural ao biológico uma tentativa de fazer o primeiro depender do segundo Portanto uma vez que a ciência passou a definir uma ordem natural da realidade social todas as diferenças dos traços exteriores como cor de pele cabelo fisionomia serviriam a partir de então para colocar homens e mulheres naturalmente como superiores uns aos outros e contra essa verdade inquestionável nada nem ninguém poderia se contrapor ou fazer algo a respeito Exemplo de aplicação Tente se lembrar de uma situação em que em uma dada ordem social algum aspecto acabou sendo tomado como natural ou seja foi naturalizado Após a leitura deste conceito você é capaz de diferenciar o que seria natural e o que seria cultural em nossa realidade Toda essa ideologia serviu para explicar por exemplo porque alguns indivíduos são pobres e outros ricos a partir do raciocínio de que a uns são dadas qualidades e virtudes que os colocam numa posição social privilegiada e a outros desprovidos dessas características restam apenas as posições subalternas na hierarquia social A visão de que homens e mulheres são biologicamente diferentes sendo os homens dotados de habilidades ligadas a força física razão e as mulheres mais propensas a aspectos como sensibilidade 16 Unidade I emoção e acolhimento apesar de não encontrar nenhuma comprovação científica continua a habitar o mundo de muitas pessoas talvez da maioria delas Observação Pense um pouco se você mesmo nunca se viu imaginando algo como isso é coisa de mulher ou os homens são todos iguais Perceba como é fácil cairmos em interpretações naturalizantes que trazem para o plano da natureza aspectos que são absolutamente socioculturais Da mesma forma dividir e classificar os seres humanos em raças fazia parte de um projeto científico que tinha como missão justificar as diferenças sociais escondendo suas causas reais e as relações de poder estas sim determinantes que configuravam as desigualdades sociais Percebam que até o início do século XX essas concepções científicas chamadas de racialistas foram utilizadas por grupos poderosos de países europeus para sustentar ideologicamente suas políticas racistas e de exclusão É o caso por exemplo do nazismo que assumiu na Alemanha em pleno século XX concepções baseadas nessas explicações científicas que colocavam de um lado os arianos brancos denominados raça pura detentores de características que os posicionavam hierarquicamente como superiores e capazes de dominar as demais raças e de outro os judeus nesse caso considerados como a raça inferior devendo serem exterminados Para isso os alemães sob o comando de Adolf Hitler utilizaramse de toda sorte de tecnologias para o extermínio dos judeus chegando a assassinar mais de seis milhões de pessoas em câmaras de gás paredões de fuzilamento e outros recursos e técnicas não menos cruéis de extermínio em massa Tudo isso vale lembrar legitimado por uma autoridade pretensamente científica Observação Vale lembrar que o nazismo apesar de muito comentado tendo em vista principalmente o seu impressionante poder de extermínio em massa não é a única manifestação de racismo na história do século XX Para aprofundar sua compreensão sobre este assunto amplie suas leituras sobre os temas xenofobia políticas antiimigração fundamentalismo terrorismo conservadorismo sexismo homofobia islamofobia entre outros Perceba que em todos esses assuntos há um raciocínio comum a justificativa para a discriminação ou a exclusão baseiase sempre em características ou traços definidos pela natureza seja em relação à nacionalidade raça sexo religião ou orientação sexual É por isso que neste tópico enfatizamos a importante colaboração que a ciência teve no estabelecimento e manutenção de várias formas de racismo inclusive contra os descendentes de 17 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA africanos que ao serem escravizados tiveram seu status social definido e justificado por explicações hierarquizantes que consideravam como inferiores pessoas de cor de pele mais escura por exemplo Esse será o assunto da nossa próxima unidade Por enquanto basta compreendermos que a ciência foi utilizada para legitimar que diferenças sociais pudessem ser explicadas e justificadas por características naturais Saiba mais Em julho de 2011 assistimos a mais um massacre com motivações racistas promovido por Andrew Behring Breivik na Noruega Um manifesto de 1516 páginas cuja autoria foi atribuída a Andrew traz várias referências ao Brasil e aos supostos problemas enfrentados por nós devido principalmente à nossa mistura de raças Leia um trecho do manifesto publicado pelo Portal G1 e entenda que não é exagero pensar que as tais teorias racialistas permanecem muito vivas atualmente permeando o imaginário de grupos radicais espalhados pelo mundo ideias estas que continuam a justificar ações violentas e extremistas por meio de um raciocínio eugenista ou seja de limpeza racial e de supremacia branca e europeia MISTURA de raças do Brasil é catastrófica escreveu atirador da Noruega G1 São Paulo 25 jul 2011 Disponível em httpsacesseoneFJATl Acesso em 10 ago 2023 22 O racismo à brasileira e o mito da democracia racial O racismo que surge e se preserva na história do Brasil possui uma configuração muito própria conforme veremos neste tópico O fato de termos em nossa formação a presença inegável das chamadas três raças o branco o negro e o índio produziu um semnúmero de publicações que utilizaram positiva ou negativamente essa mistura como elemento constitutivo de nossa identidade nacional Lembrete Conforme já estudamos no primeiro tópico geneticamente somos uma única raça humana Por isso quando falamos em mistura das três raças estamos tomando essa expressão de maneira crítica visando mostrar um ponto de vista histórico de como o racismo se incorporou na cultura brasileira tornandose uma discriminação bastante dissimulada Em primeiro lugar tivemos uma vertente que poderíamos chamar de negativa sobre as relações raciais no Brasil sob influência das teorias racialistas e do racismo científico europeu a mistura de raças 18 Unidade I no país era vista no início do século XX como um elemento problemático que explicaria inclusive o porquê de nossas mazelas sociais de nosso fracasso político e de nossa dependência econômica Saiba mais Como parte das teorias racialistas vemos no Brasil uma grande influência de ideias eugenistas Este é mais um assunto que renderia uma longa pesquisa Apenas para provocar o seu interesse leia o artigo seguinte No texto é possível perceber como a miscigenação traço cultural e social do povo brasileiro é tomada como elemento negativo da formação do Brasil devendo ser corrigida por meio de políticas eugenistas que incluam ações de esterilização eutanásia segregação e restrição à imigração de pessoas pobres ou não brancas TORRES L de L Reflexões sobre raça e eugenia no Brasil a partir do documentário Homo Sapiens 1900 de Peter Cohen Ponto Urbe Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP a 2 v 20 fev2008 Disponível em httpsurx1comVFcXj Acesso em 10 ago 2023 Entretanto desde que Gilberto Freire em 1933 escreveu com entusiasmo sobre as qualidades de um povo brasileiro miscigenado misturado e mestiço enfatizando a presença do negro e do índio em todos os aspectos da cultura brasileira essa suposta convivência harmoniosa entre as três raças passou a habitar a ideologia corrente sobre o que se constituiria como a nossa identidade nacional Assim é a partir da publicação de Casagrande senzala que o racismo no Brasil toma outra configuração a visão quase romântica de Gilberto Freire trouxe os fundamentos do chamado mito da democracia racial apontando que no Brasil não teríamos nem a presença de conflitos raciais tampouco de racismos tendo em vista nossa longa história de harmonia entre as três raças Essa tese acabou sendo fortalecida pelo argumento de que o convívio amistoso entre senhores e escravos no caso escravas que gerou uma população mestiça numerosa era o símbolo de que em nosso país a convivência harmoniosa entre brancos e negros era um fato não só inquestionável como também capaz de confirmar a suposta democracia racial na qual estávamos mergulhados Observação Você concorda que ainda vivemos no Brasil o chamado mito da democracia racial Para que você não fique com nenhuma dúvida esclarecemos nas pesquisas de opinião cada brasileiro costuma afirmar que pessoalmente não se considera racista mas todos concordam que em nossa sociedade ainda há uma relação bastante desigual entre brancos e negros fruto de um racismo evidente porém não assumido dissimulado e o pior de tudo negado cotidianamente 19 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA O que estamos querendo mostrar portanto é que a nossa história de 500 anos de exploração e colonização não demonstra essa convivência pacífica entre brancos negros e índios ao contrário sabemos quantos conflitos ocorreram e quantas crueldades foram cometidas pelos brancos colonizadores principalmente por meio do extermínio dos índios e da escravização dos negros Aliás Roberto DaMatta é um dos autores que nos chama a atenção para o nosso passado extremamente ambíguo uma vez que vivíamos uma condição social fortemente hierarquizada e ao mesmo tempo precisávamos nos colocar no cenário internacional como uma nação dita moderna democrática de iguais Voltaremos a essas questões históricas com maior cuidado na próxima unidade Neste ponto da reflexão apresentada queremos enfatizar o aspecto contraditório que até hoje não foi resolvido em nosso meio A esse respeito vejamos o que nos diz DaMatta 1987 p 69 Podese pois dizer que a fábula das três raças se constitui na mais poderosa força cultural do Brasil permitindo pensar o país integrar idealmente sua sociedade e individualizar sua cultura Essa fábula hoje tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante um sistema totalizado de ideias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura Portanto durante muito tempo negamos o racismo em nossa sociedade apoiados nesses argumentos sobre a cordialidade do brasileiro e a fábula das três raças atrasando em muitas décadas a inclusão de grupos excluídos ao longo de nossa história Somente a partir do final dos anos 90 é que passamos a adotar medidas legais de ações afirmativas para acelerar o acesso de grupos afrodescendentes aos direitos sociais fundamentais Saiba mais Você pode se aprofundar no estudo sobre o homem cordial no livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Hollanda Ao contrário do que parece cordial aqui não é tomado como pacífico ou educado mas vem da palavra latina cor cordis que significa coração Assim a cordialidade do homem brasileiro significa que seus atos são pautados pelas emoções e não pela razão pela informalidade nas relações sociais e não pela atitude formalista respeitadora e zelosa perante a lei e pela falta de limites entre o público e o privado o que gera atitudes próximas ao que se denominou o jeitinho brasileiro Sobre o jeitinho brasileiro inúmeras são as publicações a respeito que procuram mostrar como as relações pessoais são mais decisivas em nossas ocorrências cotidianas do que a formalidade das leis universais Para resolver nossos conflitos com a lei sempre buscamos uma via intermediária uma solução mais ou menos um jeitinho Seguem alguns títulos BARBOSA L O jeitinho brasileiro São Paulo CampusBB 2005 20 Unidade I BORGES F C A filosofia do jeito um modo brasileiro de pensar com o corpo São Paulo Summus 2005 DAMATTA R Carnavais malandros e heróis para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1990 DAMATTA R O que faz do Brasil Brasil Rio de Janeiro Rocco 1997 REGA L S Dando um jeito no jeitinho como ser ético sem deixar de ser brasileiro São Paulo Mundo Cristão 2000 23 Mas afinal o que é racismo Já tratamos até aqui de diversos aspectos das relações étnicoraciais sob os pontos de vista histórico sociológico e antropológico Gostaríamos agora de esclarecer aspectos pontuais importantes para continuarmos nossos estudos 231 Biologicamente não existem raças somos uma só raça humana Os estudos mais recentes da genética já mostraram desde o século XX que não podemos dividir os seres humanos em raças de acordo com cor de pele tipo de cabelo altura e outras características exteriores Tais diferenças não servem para classificarmonos como fazem os biólogos com espécies animais A esse respeito afirma Munanga 2003 p 2 Como homens pertencemos ao filo dos cordados ao subfilo dos vertebrados como os peixes à classe dos mamíferos como as baleias à ordem dos primatas como os grandes símios e à espécie humana homo sapiens como todos os homens e todas as mulheres que habitam nossa galáxia Somos espécie humana porque formamos um conjunto de seres homens e mulheres capazes de constituir casais fecundos isto é capazes de procriar de gerar outros machos e outras fêmeas Portanto biológica e cientificamente as raças não existem A invalidação científica do conceito de raça não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes Os patrimônios genéticos são diferentes mas essas diferenças não são suficientes para classificálas em raças 21 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Figura 2 Disponível em httpsl1nqcomfEK37 Acesso em 15 ago 2023 Perceba que não se trata de negar nossas diferenças afinal cada ser humano é único em todos os aspectos de sua existência mas ainda assim pertencente à raça humana Como sugere Lilia Schwarcz 1997 p 43 talvez fosse melhor fazer coro com LéviStrauss e concluir que o grande desafio continua sendo o de diferenciar sim mas sem hierarquizar Afinal somos todos iguais porém diferentes E esta afirmação passa a fazer um novo sentido para quem estuda as questões étnicoraciais não mais figurando como uma simples contradição mas como uma nova forma de compreender as relações humanas Saiba mais Uma pesquisa bastante relevante na área de genética e amplamente noticiada em grandes veículos de comunicação foi a dos pesquisadores Sérgio Danilo Pena da UFMG e Maria Cátira Bortolini da UFRS que procura investigar nossas diferenças genéticas em relação à porcentagem de herança quanto a nossas origens ameríndia africana e europeia Desta vez consulte a segunda parte do artigo de Lilian de Lucca Torres 2008 TORRES L Reflexões sobre raça e eugenia no Brasil a partir do documentário Homo Sapiens 1900 de Peter Cohen Ponto Urbe Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP a 2 v 20 fev2008 Perceba que a pesquisa serve como suporte para questionarmos conceituações baseadas apenas na cor da pele o que significa que ela não pode ser tomada como sinal da herança racial de um indivíduo representando somente uma característica exterior porém geneticamente os brasileiros são muito parecidos em sua ancestralidade ameríndia africana e europeia sempre demonstrando o resultado da miscigenação vivida ao longo de nossa história nos últimos 500 anos Para compreender melhor o teor da pesquisa leia também a matéria publicada num grande portal de notícias 22 Unidade I LOPES R J DNA de negros e pardos no Brasil é 60 a 80 europeu Folha de SPaulo 10 fev 2011 Disponível em httpsl1nkdevQDMH5 Acesso em 10 ago 2023 Apesar das informações publicadas pelo portal da Folha mostrarem apenas um breve resumo da complexidade dessa pesquisa para nós parece ficar evidente a tese de que afinal somos uma única raça humana Você concorda O artigo completo publicado em inglês encontrase disponível no link PENA J S D et al The genomic ancestry of individuals from different geographical regions of Brazil is more uniform than expected Plos one Utah Henry Harpending 2011 Disponível em httpstinyurlcomyckvf3hn Acesso em 10 ago 2023 232 Raça é um conceito político Conforme já tratamos anteriormente precisamos reforçar que raça é portanto um conceito político tomado por grupos étnicoraciais para fortalecer seus direitos e favorecer o processo de inclusão e de acesso a direitos fundamentais desses grupos Importa entendermos o uso político que esses grupos sociais fazem do termo raça a circunstância em que é aplicado não para dividir ou cindir a sociedade em grupos estanques mas para assumindo as diferenças garantir a igualdade de direitos para todos Negar as diferenças étnicoraciais conforme vimos no tópico sobre o mito da democracia racial não é a solução É necessário entretanto que esses grupos desfavorecidos tanto social quanto economicamente afirmem suas diferenças e especificidades étnicoculturais E na diferença assumirmos que as oportunidades não são as mesmas para todos e que tal condição injusta precisa ser corrigida por força da lei dos movimentos sociais e da mudança de mentalidades e comportamentos 233 Os pressupostos do racismo Para resumir as explicações dadas até aqui falaremos de cinco principais pressupostos do racismo ou seja perspectivas pensamentos e atitudes muitas vezes inconscientes que mantêm intactas as estruturas de desigualdades sociais e econômicas para brancos e negros no Brasil hierarquização a doutrina racialista que prevê a existência de raças humanas com diferentes qualidades e habilidades ordenadas de tal modo que as raças formem um gradiente hierárquico de qualidades morais psicológicas físicas e intelectuais Guimarães 2004 p 17 inferiorização uma vez que os seres humanos são colocados num gradiente hierárquico consequentemente uns serão considerados superiores aos outros criando por conseguinte a inferiorização de certos grupos Nesse sentido pessoas que consideram os negros como feios menos inteligentes ou menos trabalhadores podem ser chamadas de racistas 23 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA preconceito o movimento de inferiorizar grupos de pessoas traz uma concepção preconceituosa de mundo Guimarães 2004 afirma que o preconceito é um simples sistema difuso de predisposições internas de crenças e de expectativas de ação que não estão formalizadas ou expressas logicamente p 17 Portanto o preconceito muitas vezes está na cabeça das pessoas mas não necessariamente se manifesta em atitudes concretas estas chamadas de discriminação Assim podese perfeitamente imaginar que uma pessoa preconceituosa refreiese de cometer práticas discriminatórias em relação aos negros ou não queira expressar publicamente seus pensamentos racistas devido à pressão social que possa existir a esse respeito discriminação são atitudes ou ações individuais concretas que diferenciam grupos ou pessoas segundo critérios raciais Quando convicções preconceituosas são expressas publicamente podem ser consideradas como discriminação desigualdade para concluir essas considerações segundo Guimarães 2004 p 18 também pode ser considerado como racismo o sistema de desigualdades de oportunidades inscritas na estrutura de uma sociedade que podem ser verificadas apenas estatisticamente através da estrutura de desigualdades raciais seja na educação na saúde pública no emprego na renda na moradia etc Com base nessa afirmação precisamos compreender de uma vez por todas que o estado de desigualdade social em que se encontra a população negra no Brasil é uma demonstração evidente do racismo ainda vigente em nossa sociedade Para nos aprofundarmos nessa questão vamos passar a analisar a partir de agora as estatísticas brasileiras que mostram o status social em que os negros se encontram em nosso país dados esses que tornarão mais clara nossa compreensão acerca do racismo inegável presente na sociedade brasileira contemporânea 3 A CONDIÇÃO DOS AFRODESCENDENTES NA SOCIEDADE BRASILEIRA Os dados do censo 2010 publicados no Diário Oficial da União do dia 4112010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE mostram que a população brasileira já atinge a soma de 185712713 habitantes Entretanto quando o assunto é a igualdade social entre brancos e negros os números são bastante desoladores e mostram que o país ainda precisa melhorar muito no que tange à distribuição equitativa de direitos e oportunidades Neste tópico procuraremos trabalhar esses dados alguns de maneira mais detida a fim de confirmar a tese que estamos defendendo neste livrotexto a de que o racismo é um traço perverso no tecido social brasileiro demonstrado e confirmado pelos levantamentos estatísticos oficiais 24 Unidade I 31 A questão da autoidentificação racial nos levantamentos brasileiros Em primeiro lugar vamos fazer um percurso histórico pelos censos realizados no Brasil Esses dados são produzidos pelo IBGE e levantados a cada dez anos oficialmente desde 1937 a partir da Lei n 553468 que passou a obrigar a população a prestar informações ao censo bem como assegurou o sigilo destas Por tratarse de um levantamento completo sobre a família brasileira o censo é um importante recurso gerador de subsídios para a elaboração de políticas públicas voltadas para o propósito de encontrar as melhores soluções para nossos principais problemas sociais Entretanto é importante discutirmos as dificuldades que estão por trás da autodenominação de corraça nos levantamentos censitários brasileiros visto que é o próprio entrevistado quem declara sua cor escolhendo entre branco preto pardo amarelo ou indígena São considerados negros os entrevistados que se denominam pretos e pardos A característica corraça nem sempre esteve dessa forma presente nos censos do Brasil No primeiro censo de 1872 e no de 1890 o quesito raça era incorporado contudo como forma de separar a sociedade entre livres escravos e libertos Em 1900 e 1920 havia sido suprimido retornando em 1940 agora sobre a ideia de cor Em 1970 o quesito cor é retirado e em 1980 retorna a compor os questionários Em 1991 o quesito cor é reafirmado No censo 2000 cor e raça são colocadas como sinônimos Bamidelê 2010 Saiba mais Oracy Nogueira 1955 foi um importante sociólogo brasileiro que estudou com muita originalidade a relação étnicoracial brasileira Em sua histórica apresentação no Simpósio Etnosociológico sobre Comunidades Humanas no Brasil dentro da programação do XXXI Congresso Internacional de Americanistas realizado em agosto de 1954 em São Paulo Nogueira distringuiu duas formas de preconceito racial preconceito racial de marca e preconceito racial de origem título de seu artigo publicado no ano seguinte nos anais do congresso diferenciando as manifestações de preconceito racial no Brasil definido primordialmente pelo quesito cor ou marca e nos Estados Unidos marcado pela questão da origem ou descendência Esta é uma definição clássica na sociologia das relações étnicas no Brasil A íntegra do artigo está publicada na revista Tempo Social disponível em NOGUEIRA O Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil Revista Tempo Social Revista de Sociologia da USP São Paulo v 19 n 1 jun 2007 25 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Entretanto é importante que se diga que este sistema de classificação racial no Brasil é bastante controverso e gerou um sem número de debates e publicações acadêmicas a respeito As discussões giram em torno do fato de que aqui essa autodenominação se dá por elementos da aparência conforme primeiro estudo de Oracy Nogueira de 1955 em que ele denomina o preconceito de marca como traço mais marcante das relações étnicoraciais na sociedade brasileira como cor da pele e traços corporais formato do nariz lábios tipo e cor de cabelo o que sem dúvida possibilita inúmeras interpretações e classificações Rocha Rosemberg 2007 Apenas para servir como exemplo vejamos uma pesquisa realizada por Lilia M Schwarcz 2001 em que ela analisa o levantamento de 1976 do IBGE no qual segmentos da população brasileira autoatribuíramse sendo de 136 cores diferentes como por exemplo moreno claro moreno escuro mulato cafécomleite apenas para citar as mais comuns Sendo assim a pesquisa foi importante para demonstrar que as múltiplas representações do brasileiro em relação à sua cor baseadas em aspectos de sua aparência tornam esta classificação bastante imprecisa nos levantamentos oficiais realizados pelo IBGE Portanto depois dessas breves explicações iniciais foi possível perceber que a questão de corraça nos levantamentos censitários não é tão simples como parece Por conta disso muitas campanhas foram promovidas por organizações do movimento negro visando a incentivar a população negra a se autoidentificar desta forma tendo em vista a valorização da diversidade étnicoracial brasileira o combate do mito da democracia racial conforme já tratamos no tópico anterior e a desconstrução assim das bases constitutivas do racismo conforme declaração feita pela Organização de Mulheres Negras da Paraíba Bamidelê 2010 A importância de afirmação da identidade étnicoracial tem um sentido político histórico e valorativo uma vez que fazendo parte de um luta política contribui para a desconstrução das bases constitutivas do racismo mantenedora de uma cultura escravagista e colonialista de formação da sociedade brasileira Reconhecer a heterogeneidade da população brasileira é valorizar uma cultura de respeito à diversidade assim como reconhecer as particularidades de sua população de forma a garantir direitos historicamente negados com a formulação de ações afirmativas No censo de 1990 foi realizada a campanha Não deixe sua cor passar em branco que procurou afirmar a importância da ressignificação positiva da autodenominação de corraça Para o censo de 2010 a organização Bamidelê divulgou em seu site a seguinte campanha Censo 2010 Afirme sua Negritude moren não eu sou negr Acreditando na força da mídia eletrônica para a formação da opinião pública a Bamidelê buscou fortalecer a identidade negra por meio da autodenominação de raçacor de forma consciente Esta não é obviamente a única organização a promover campanhas como essa e apresentamos aqui somente um exemplo para que se desperte para a importância desses movimentos Se forem digitadas as palavras movimento negro ONG num site de busca da internet será possível encontrar milhares de organizações mobilizadas pelo mundo todo 26 Unidade I Saiba mais Procure saber sobre a campanha Onde você guarda o seu racismo que reúne mais de quarenta organizações não governamentais Consulte o menu principal e procure entender qual é o objetivo da campanha e de que forma o movimento procura atuar Amplie sua pesquisa e verifique que inúmeros grupos e campanhas estão espalhados pela rede Pesquise um pouco mais sobre o assunto e tire suas conclusões afinal qual é a importância da organização e mobilização da sociedade civil na luta pela igualdade racial no Brasil Disponível em httpsl1nqcomW3eG6 Acesso em 11 ago 2023 32 Distribuição racial brasileira desenvolvimento econômico e desigualdades no mercado de trabalho Além do levantamento de dados feito pelo censo que faz visitas a todos os domicílios brasileiros a cada dez anos temos também disponíveis nas bases de dados do IBGE as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD que anualmente seleciona apenas uma amostra dos domicílios brasileiros para um levantamento parcial que por critérios estatísticos traz uma visão bastante representativa de nosso país A partir daqui vamos fazer uma ampla análise dos dados da PNAD referentes ao ano de 2009 Observação Segundo dados publicados no site do IBGE no censo de 2010 foram recenseados 675 milhões de domicílios Isso significa que os 191 mil recenseadores visitaram o número total de domicílios brasileiros Desse total foram realizadas 565 milhões de entrevistas 837 dos domicílios Os domicílios não entrevistados que representam portanto 163 do total são compostos por imóveis fechados mas com evidências de que existem moradores 899 mil domicílios representando 13 do total domicílios vagos ou seja sem moradores na data da visita pelos recenseadores 61 milhões de domicílios somando 90 do total domicílios de uso ocasional que somaram 39 milhões 58 domicílios coletivos como hotéis pensões presídios quartéis postos militares orfanatos conventos etc cujo número foi de 110 mil 01 27 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Em primeiro lugar é interessante observar que segundo dados publicados pelo IBGE sobre o levantamento de 2008 da PNAD a proporção de brasileiros que se declararam pretos e pardos cresceu em relação aos anos anteriores 540 521 484 395 414 438 57 59 68 08 09 06 Indigena Parda Preta Branca 1998 1 2003 1 2008 Figura 3 Distribuição percentual da população segundo a cor ou raça Brasil 19982008 Adaptado de IBGE 2009 p 185 Essa pesquisa demonstra que o número de pretos e pardos cresceu de um ano para o outro chegando em números absolutos a um aumento de mais de um milhão de pessoas por ano Por outro lado o número de brancos amarelos e indígenas diminuiu O que isso significa Que na verdade o que aumentou foi o número de pessoas que se autodenominaram pretos e pardos indicando que as campanhas das quais falamos no início deste tópico podem de fato ter trazido resultados diretos sobre os dados levantados pelo IBGE Outro aspecto interessante a ser notado é que os negros já são maioria no Brasil visto que a soma de pretos e pardos totalizou em 2008 511 da população brasileira É possível perceber mais nitidamente essa constatação a partir do gráfico a seguir Brancos Pretos Pardos Amarelos e indígenas 09 484 438 68 Figura 4 Distribuição racial no Brasil em 2008 porcentagem Adaptado de IBGE 2009 p 185 28 Unidade I Entretanto quando verificamos a distribuição racial entre as diferentes regiões do Brasil os dados nos mostram que os negros se concentram nas regiões mais pobres e menos desenvolvidas social e economicamente como Norte e Nordeste Já nas regiões Sul e Sudeste onde as condições de vida são melhores e o desenvolvimento econômico é mais elevado a maioria da população é branca contrariando os dados nacionais segundo os quais os brancos não chegam a 49 da população 482 442 442 36 36 785 785 10000 10000 8000 8000 6000 6000 4000 4000 2000 2000 00 00 567 567 346 346 77 77 67 67 47 47 81 81 288 288 627 627 236 236 712 712 506 506 417 417 173 173 69 69 07 07 07 07 09 09 09 09 04 04 03 03 Brancos Pretos Pardos Amarelos e indígenas Brasil Sul Sudeste Centrooeste Norte Nordeste Brancos 482 785 567 417 236 288 Pretos 69 36 77 67 47 81 Pardos 442 173 346 506 712 627 Amarelos e indígenas 07 07 09 09 04 03 Figura 5 Distribuição racial por região brasileira 2009 porcentagem Adaptado de IBGE 2009 Perceba como um simples quadro ou um gráfico pode nos trazer tantas verdades sobre o Brasil a população autodenominada branca pode variar de 785 na região Sul a 236 na região Norte uma diferença enorme portanto Já a população parda que se concentra na região Norte com 712 se reduz a 173 na região Sul numa inversão quase direta entre brancos e pardos nas regiões Norte e Sul do país Exemplo de aplicação Você pode fazer outras tantas interpretações sobre os dados discutidos Tente relacionar esses aspectos à sua realidade em sua região qual é a distribuição racial em comparação aos dados brasileiros Há mais brancos ou pardos E como é o desenvolvimento econômico de sua região em relação ao restante do país A fim de ampliar nossa compreensão sobre população raça e desenvolvimento no Brasil daremos continuidade às análises dos dados do IBGE tratando a seguir do desenvolvimento econômico e das diferenças no mercado de trabalho entre brancos e negros Se quisermos entender como é gerada a riqueza no país devemos observar em primeiro lugar que o produto interno bruto PIB é produzido diferentemente em cada região sendo as mais ricas o Sul e o 29 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Sudeste responsáveis por 725 de toda a produção econômica brasileira O PIB é o total de riquezas produzidas em um país por todos os setores da economia Observe o que nos mostra a tabela 1 a seguir Tabela 1 Participação percentual das Grandes Regiões no Produto Interno Bruto 2002 2008 Grandes Regiões Participação percentual no Produto Interno Bruto 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Brasil 1000 1000 1000 1000 1000 1000 1000 Norte 47 48 49 50 51 50 51 Nordeste 130 128 127 131 131 131 131 Sudeste 567 558 558 565 568 564 560 Sul 169 177 174 166 163 166 166 Centrooeste 88 90 91 89 87 89 92 Adaptado de IBGE 2011 Como a variação de um ano para outro não é significativa podemos comparar esses dados aos apresentados no item anterior que trouxe o levantamento de 2009 segundo amostra de domicílios brasileiros Assim é possível fundamentar melhor as ideias que estávamos construindo anteriormente e agora você já pode confirmar qual é a participação de sua região na produção econômica do país e comparar como a distribuição racial é desigual em cada uma dessas regiões Além do PIB para termos uma noção do nível de desenvolvimento econômico de um país também devemos observar de que forma essa riqueza é distribuída entre a população Esse é o cálculo feito para se obter a renda per capita ou seja dividindose o PIB pelo número total de habitantes Per capita significa por cabeça e portanto essa é uma forma aproximada de sabermos quanto cada pessoa ganha por ano o que obviamente pode variar bastante de região para região conforme cada participação no PIB assim como verificamos na tabela 2 a seguir Tabela 2 Produto interno bruto per capita em R por regiões brasileiras 2008 Brasil 1598975 Sul 1825779 Sudeste 2118268 Centrooeste 2037210 Norte 1021643 Nordeste 748743 Adaptado de IBGE 2011b 30 Unidade I Para que se compreenda melhor a tabela façamos algumas considerações primeiro podese verificar que de fato os estados mais ricos do Brasil estão localizados nas regiões Sul e Sudeste No Centrooeste o que puxa a renda per capita para cima é o Distrito Federal onde a renda anual elevase para R4597759 por habitante valor muito superior ao restante do país nos demais estados dessa região a renda per capita é menor do que a média brasileira que é de R1598975 conforme o mesmo levantamento de dados do IBGE Observação Faça uma revisão dos dados apresentados no item anterior sobre a distribuição racial nas diferentes regiões brasileiras e verifique que nas regiões mais pobres está a maior concentração de pretos e pardos Cruzando dados geográficos e econômicos percebese que os negros encontramse em extrema desvantagem em relação aos brancos lembrando que fazem parte do grupo denominado de negros todos os brasileiros autodenominados pretos e pardos Vamos aprofundar essa investigação verificando agora como se dá a distribuição de renda entre brancos e negros de acordo com dados do IBGE 2009 p 187 Comparando a participação relativa dos brancos e de pretos e pardos na apropriação do rendimento total das famílias observase uma situação indiscutivelmente mais favorável aos brancos Entre os 100 mais pobres 254 se declararam brancos enquanto 737 eram pretos e pardos Essa relação se inverte entre o 10 mais rico 827 eram pessoas brancas e apenas 150 eram de cor preta e parda Vale a pena registrar que em 1998 entre o 10 mais rico a proporção dos que se declararam pretos e pardos eram muito menor 82 Esses dados impressionam por registrarem uma enorme desigualdade na distribuição da riqueza produzida no Brasil entre brancos e negros Apesar dos avanços nos índices se comparados com os dados de dez anos atrás a distância ditada pela diferença de corraça ainda é uma marca no quadro de desigualdade social em nosso país O gráfico a seguir deixa as informações anteriores ainda mais claras 31 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA 722 82 737 150 274 893 254 827 10 mais pobres 1998 1 2008 10 mais pobres 1 mais rico 1 mais rico Branca Preta ou parda Figura 6 Distribuição do rendimento familiar per capita das pessoas de 10 anos ou mais de idade com rendimento entre os 10 mais pobres e o 1 mais rico em relação ao total de pessoas por cor ou raça Brasil 19982008 Adaptado de IBGE 2009 p 187 Além de a parcela preta e parda ser a maioria entre os 10 mais pobres da população do Brasil ela é minoria no topo da pirâmide social ou seja entre aqueles tidos como 1 mais rico da população desse minúsculo segmento populacional apenas 15 são negros Tais dados deixam claro portanto que a pirâmide social brasileira apresenta cor claramente demarcada entre brancos e negros infelizmente Mais uma vez estamos verificando o racismo à brasileira apesar dele ser negado nos discursos e nas conversas do nosso dia a dia que reforçam o mito da democracia racial ele fica evidente a cada levantamento estatístico em que podemos comprovar múltiplas formas de discriminação e desigualdade às quais pretos e pardos estão sujeitos em nosso país Vale ressaltar também que as diferenças no mercado de trabalho se revelam nos salários pagos a trabalhadores com o mesmo grau de escolaridade segundo os dados destacados nesta parte do texto Negros mesmo quando estudaram o mesmo número de anos que brancos ganham em média 20 a menos em qualquer nível de escolaridade ou posição hierárquica que seja Outro aspecto bastante relevante nessa análise sobre raça e mercado de trabalho é o fato de que na maioria das empresas existe uma espécie de teto de vidro que impede que negros ocupem os cargos mais altos nas organizações O Instituto Ethos publicou em novembro de 2010 os resultados da pesquisa Perfil social racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas realizada desde 2001 e que busca traçar o perfil dos funcionários e dirigentes das maiores empresas que atuam no país observando sua representação em todos os níveis hierárquicos Instituto Ethos 2010 p 5 Na parte em que analisam a questão corraça um quadro nos dá a exata dimensão do que estamos tentando dizer Observe a composição dos cargos mais altos nas 500 maiores empresas do Brasil e em seguida a representatividade de negros no quadro geral de funcionários dessas organizações 32 Unidade I Composição por cor ou raça Pesquisa 2010 Comparação 20012003200520072010 Executivo Amarelos Negros 02 Pretos 51 Pardos Brancos 933 14 53 2001 2003 2005 2007 2010 Brancos 952 965 944 940 933 Negros 26 18 34 35 53 Amarelos 20 17 22 21 14 Indígenas 02 00 00 00 00 A Classificação negros reúne pretos e pardos Gerência Amarelos Negros 16 Pretos 116 Pardos Brancos Indígenas 847 02 19 132 2003 2005 2007 2010 Brancos 890 890 810 847 Negros 88 90 170 132 Amarelos 21 19 18 19 Indígenas 01 01 02 02 Supervisão Amarelos Negros 31 Pretos 225 Pardos Brancos Indígenas 730 01 13 256 2003 2005 2007 2010 Brancos 842 841 801 730 Negros 135 135 174 256 Amarelos 22 23 23 13 Indígenas 01 01 02 01 Quadro funcional Amarelos Negros 71 Pretos 240 Pardos Brancos Indígenas 673 03 13 311 2003 2005 2007 2010 Brancos 746 687 730 673 Negros 234 264 251 311 Amarelos 18 42 14 13 Indígenas 02 07 05 03 Figura 7 Adaptado de Instituto Ethos 2010 Apesar de a população negra compor mais de 50 da população brasileira conforme já analisamos exaustivamente neste livrotexto perceba que a representatividade dos negros nessas grandes empresas brasileiras é muito pequena e quanto mais alta a hierarquia menor é a presença deles chegando a pouco mais de 5 entre os executivos que comandam tais organizações muito longe portanto da proporção de negros na população nacional 33 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Figura 8 Disponível em httpsl1nqcom4iXIg Acesso em 15 ago 2023 A análise comparativa dos resultados de 2001 a 2010 também é um fator importante para compreendermos a fundo essa questão Em dez anos houve certamente avanços na inclusão de negros na sociedade brasileira e disso trataremos especificamente quando abordarmos as ações afirmativas Entretanto os números que se apresentam apesar do leve crescimento da participação dos negros nas grandes empresas e nos cargos de liderança não são de modo algum condizentes com as demandas sociais que encontramos no Brasil Fica claro portanto que todas as condições de desigualdade às quais os negros estão sujeitos em nosso país demandam uma atuação mais efetiva por parte dos órgãos governamentais e também da iniciativa privada visando a favorecer a inclusão desse segmento social que já pagou tão caro por séculos de exclusão e racismo ao longo de nossa história Saiba mais Foi possível perceber o que é o teto de vidro do qual falamos anteriormente Sugerimos que o aluno aprofunde sua pesquisa sobre esse assunto consultando a íntegra do relatório do Instituto Ethos indicado a seguir Investigue e responda qual é a percepção dos presidentes das empresas sobre a presença do negro em seu quadro funcional Quais são as três justificativas que eles apresentam para justificar o fato de a proporção de negros em seu quadro de trabalhadores ser menor do que o esperado E você Concorda com as explicações dadas pelos presidentes Tire suas próprias conclusões a respeito INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL IBOPE INTELIGÊNCIA Perfil social racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas pesquisa 2010 São Paulo Instituto Ethos nov 2010 Disponível em httpsl1nqcomfGQr8 Acesso em 11 ago 2023 34 Unidade I 33 Desigualdade racial no sistema educacional Todos os dados apresentados até este ponto estão diretamente ligados ao acesso à educação assunto deste subtópico Como futuro educador e portanto uma pessoa interessada em questões educacionais você provavelmente já se perguntou por que os índices relativos à educação em nosso país são tão desfavoráveis Apresentaremos agora um panorama recente da educação no Brasil especialmente sob a perspectiva de corraça conforme interesse de nossa disciplina O primeiro traço da educação brasileira é o elevado analfabetismo ainda presente nas últimas pesquisas do IBGE conforme a PNAD 2009 De acordo com esses dados a taxa de analfabetismo entre negros e pardos a partir de 15 anos de idade é de 133 para os negros e de 134 para os pardos Entre os brancos esse número fica em 59 A população branca de 15 anos ou mais tem em média 84 anos de estudo Enquanto entre negros e pardos a média é de 67 anos Estadão 2010 Mais uma vez observamos claramente que o acesso aos direitos mais fundamentais como a educação ainda se apresenta como uma barreira para os negros tabela a seguir Brancos estudam em média um ano e sete meses a mais do que pretos e pardos e o analfabetismo entre os negros é mais que o dobro do observado entre os brancos Tais diferenças acabam se desdobrando em desigualdades no mercado de trabalho no acesso aos melhores empregos em melhores salários e portanto nas condições de vida da população negra no Brasil conforme já procuramos mostrar neste tópico Tabela 3 Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas total e respectiva distribuição percentual por grupos de idade e cor ou raça segundo as Grandes Regiões 2008 Grandes regiões Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas Total 1000 pessoas Distribuição percentual Grupos de idade Cor ou raça Total 15 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 a 64 anos 65 anos ou mais Total 1 Branca Preta ou parda Brasil 14247 1000 51 179 358 98 315 1000 310 678 Norte 1128 1000 68 196 375 99 263 1000 163 819 Nordeste 7500 1000 59 212 371 89 268 1000 234 758 Sudeste 3620 1000 36 131 329 108 396 1000 421 564 Sul 1159 1000 39 121 331 125 385 1000 608 372 Centrooeste 840 1000 35 138 371 101 355 1000 292 683 Adaptado de Estadão 2010 35 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Nessa tabela as diferenças regionais se mantêm no quesito analfabetismo nas regiões mais pobres do Brasil o número é maior e em todas as regiões a diferença entre brancos e negros analfabetos é mais uma vez marcadamente desfavorável à população afrodescendente Quando falamos de educação é preciso pensar não somente no acesso a esse direito social mas também num outro aspecto complicador a qualidade do ensino oferecido à população Muitos são os fatores que poderíamos elencar para termos uma melhor compreensão desse quadro o que não é nosso objetivo no momento Mas nos importa compreender que uma de suas consequências mais graves é o chamado analfabetismo funcional o aluno até aprende os códigos linguístico e numérico ou seja sabe ler escrever e fazer contas mas não consegue compreender textos por menor que seja o grau de dificuldade No Brasil são considerados analfabetos funcionais aqueles que frequentaram menos de quatro anos a escola Entretanto estudos apontam que essa definição é questionável como encontramos em Ribeiro Vóvio Moura 2002 p 53 De fato o analfabetismo funcional é um conceito relativo pois depende das demandas de leitura e escrita colocadas pela sociedade assim como das expectativas educacionais que se sustentam politicamente É por isso que ao passo que nos países pobres se toma o critério de quatro anos de estudo na América do Norte e na Europa tomamse oito ou nove anos como patamar mínimo para se atingir o alfabetismo funcional Mesmo já tendo estendido a escolaridade de 8 ou até 11 anos para praticamente toda a população muitos países norteamericanos e europeus estão preocupados com o nível de letramento dessas pessoas tendo em vista principalmente as exigências de competitividade no mercado globalizado Entretanto a despeito desse debate sobre o conceito de analfabetismo funcional o que se sabe é que tais indivíduos apresentam dificuldades enormes para se desenvolverem profissional cultural e socialmente em especial perante as altas exigências do mercado globalizado Por quê Figura 9 Disponível em httpsl1nqcomH336t Acesso em 15 ago 2023 36 Unidade I Uma pessoa que domina a compreensão complexa de textos e cálculos estará mais apta a ocupar postos no mercado de trabalho que exijam maior responsabilidade e portanto menor possibilidade de erro Já um analfabeto funcional segundo apontam estudos nesse sentido Vizolli 2006 costuma resolver seus problemas e desafios a partir da tentativa e erro Ou seja como ele não domina as habilidades complexas para responder a tais desafios com base em conhecimentos científicos acaba percorrendo longos caminhos de erros até conseguir um acerto o que geralmente acontece em decorrência de várias experiências frustradas Fica fácil compreender porque as empresas rejeitaram funcionários que sejam analfabetos funcionais pois no mundo corporativo não há espaço nem tempo para tentativas e riscos de erros mas sim para a eficiência qualidade e certeza de ganhos e lucros Além desse aspecto profissional o analfabetismo funcional impede que as pessoas tenham um desenvolvimento pessoal pleno uma vez que não terão oportunidade de usufruir dos bens culturais disponíveis ou seja cinemas teatros exposições shows concertos etc Todos esses bens culturais aumentam e muito o repertório linguístico e cultural das pessoas o que acaba limitando aqueles que não têm acesso a eles Ainda nesse sentido Ribeiro Vóvio Moura 2002 p 53 afirmam A pesquisa sobre o analfabetismo funcional no Brasil revela um país onde a cultura letrada está amplamente disseminada mas de forma muito desigual Da população alfabetizada um contingente significativo utiliza as habilidades de leitura e escrita em contextos restritos e consequentemente demonstra habilidades restritas no teste de leitura A escolaridade é o fator decisivo na promoção do letramento da população A pesquisa revela como os déficits educacionais se traduzem em desigualdades quanto ao acesso a vários bens culturais oportunidades de trabalho e desenvolvimento pessoal que caracterizam as sociedades letradas Observação Tendo em mente todas essas informações podemos verificar também que o índice de analfabetos funcionais entre os negros é bastante superior ao dos brancos Segundo a PNAD 2009 são consideradas analfabetos funcionais as pessoas com mais de 15 anos com menos de 4 anos completos de estudo que em 2009 constituíam 203 da população sendo 15 para os brancos e 255 para os negros Mais uma vez é notável a diferença entre brancos e negros dados que engrossam as tristes estatísticas dos levantamentos brasileiros As desigualdades referentes ao acesso à educação por brancos e negros se desdobram em todos os níveis de escolaridade sendo que quanto mais elevado o nível de ensino menor a presença de negros Os dados da PNAD 2009 mostram que no ensino superior o percentual de brancos 626 é o dobro do percentual de pretos 282 e de pardos 318 Quando observamos as pessoas que de fato concluem o ensino superior os números são ainda mais desiguais são 15 de brancos e apenas 5 de negros com ensino superior no país segundo o IBGE O que se percebe é que muitos negros até conseguem entrar no ensino superior mas é muito difícil que concluam seus cursos provavelmente por fatores 37 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA financeiros já que boa parte desses estudantes afrodescendentes está nas instituições particulares de ensino superior Você pode confirmar esses dados no gráfico a seguir Brasil Nordeste Sudeste 97 77 112 22 17 25 143 102 162 47 50 38 2008 1998 2008 1998 1 Branca Preta ou parda Figura 10 Proporção das pessoas de 25 anos ou mais de idade com ensino superior concluído por cor ou raça nas regiões Nordeste e Sudeste 19982008 Adaptado de IBGE 2009 p 186 Considere que os números expressam sensíveis melhoras de 1998 para 2008 um fator positivo sem dúvida uma vez que a porcentagem de universitários negros dobrou nesse período passando de 25 para 5 Já entre os jovens brancos esse percentual é mais do que o triplo 162 em 2008 O que esses dados nos mostram são índices bastante alarmantes no tocante ao acesso de pretos e pardos a melhores condições de vida Em outro ponto desse mesmo relatório vemos um quadro confirmando que quanto mais anos de estudo a pessoa acumula maiores são as suas possibilidades de ganho por hora o que favorece sua ascensão social Branca Preta e parda 830 R 440 510 650 1730 470 330 370 500 1180 Total Até 4 anos 5 a 8 anos 9 a 11 anos 12 anos ou mais Figura 11 Rendimentohora do trabalho principal das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência com rendimento de trabalho por cor ou raça segundo os grupos de anos de estudo Brasil 2008 Adaptado de IBGE 2009 p 187 38 Unidade I Conforme já tratamos no subtópico referente à renda note que os negros ganham menos do que os brancos em qualquer nível de escolaridade tenham eles mais ou menos anos de estudo Porém quando a pessoa consegue acesso ao ensino superior 12 anos ou mais de estudo o nível de renda aumenta consideravelmente para ambos os grupos chegando a mais que o dobro Isso comprova que o ensino superior ainda é sem dúvida uma porta para o desenvolvimento pessoal pois não só promove o desenvolvimento cognitivo e aumenta os conhecimentos gerais e científicos como também dá acesso a melhores condições de trabalho e emprego Para concluir essa parte é importante atentar ao fato de que o investimento em educação pode ser considerado uma estratégia comprovadamente eficaz na promoção da igualdade racial no Brasil Isso porque os levantamentos estatísticos feitos pelo IBGE demonstram que existe uma relação direta entre qualidade e acesso à educação e melhora dos níveis de vida da população afrodescendente por meio de oportunidades de melhores salários e sua consequente ascensão social 34 A questão de gênero e a condição da mulher negra Todos os índices apresentados sobre a condição dos afrodescendentes no Brasil atual mostraram claramente a posição desfavorável em que ainda se encontra esse segmento populacional em nosso país são os negros que moram nas regiões mais pobres recebem os menores salários ocupam os cargos mais baixos na hierarquia das organizações têm acesso a uma educação de menor qualidade ficando na escola por um período de tempo menor do que os brancos entre outras condições adversas Há porém um grupo que apresenta índices ainda mais desfavoráveis em todos esses quesitos o grupo de mulheres negras Por isso vamos discutir neste subtópico sob a perspectiva de gênero especificamente a condição da mulher negra que em todas as estatísticas é aquela que ocupa os piores lugares desempenha as atividades mais desvalorizadas socialmente recebe os piores tratamentos etc É cada um desses pontos que iremos tratar a partir de agora Figura 12 Disponível em httpsl1nqcomFOYLC Acesso em 15 ago 2023 39 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Em primeiro lugar falaremos sobre as condições de saúde das mulheres negras no Brasil Sabendose que elas experimentam situações de exclusão marginalidade eou discriminação socioeconômica maiores que as de mulheres brancas e de homens brancos e negros tais restrições têm reflexos nas condições de saúde dessas mulheres e em seu acesso ao atendimento público de saúde A pesquisadora Quessia Rodrigues 2009 p 27 fez um levantamento no serviço público de saúde na cidade de SalvadorBA porém suas considerações são válidas para entendermos a situação das mulheres negras no Brasil como um todo Além da classe social e do gênero a raça têm sido outra característica social determinante na análise das situações de saúde Com relação à população negra brasileira sabese que esta vive a tripla desigualdade social econômica e racial que se expressa em seus corpos e na qualidade e quantidade de serviços sociais públicos a que tem acesso Para essa autora todas as dificuldades e desigualdades enfrentadas pela população negra resultam em vulnerabilidade para uma série de agravos à saúde Rodrigues 2009 Vejamos o caso da mortalidade materna por exemplo Segundo Martins 2006 p 2473 independentemente da questão de corraça o problema da mortalidade materna atinge as mulheres no Brasil de maneira colossal principalmente as mais pobres No Brasil a morte materna configurase como um problema de saúde pública Segundo o Ministério da Saúde MS as altas taxas de mortalidade materna compõem um quadro de violação dos direitos humanos de mulheres e de crianças atingindo desigualmente aquelas das classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais nas várias regiões brasileiras Entretanto ainda segundo a autora Martins 2006 pp 24756 o fator corraça deve receber toda a atenção dos pesquisadores uma vez que altera muito os índices em relação às mulheres amarelas e brancas Atente para os números apresentados em sua pesquisa utilizando o Censo do IBGE realizado em 1991 ao comparar a distribuição da população feminina e o número de mortes maternas por cor para 1993 observouse que o risco relativo de morte destas mulheres foi 74 vezes maior nas pretas e 5 vezes maior entre as amarelas quando comparadas com as brancas Ainda neste estudo na população de mulheres negras apenas 22 eram pretas porém 82 dos óbitos maternos foram destas As mulheres de raçacor amarela apresentaram características socioeconômicas e demográficas melhores do que as brancas as pretas as piores No entanto o risco de morte de ambas foi muito elevado sugerindo que deve existir relação entre raça doença condições de vida e mortalidade materna 40 Unidade I Observação Quanto mais pobre piores as condições de vida menor o acesso aos serviços de saúde bem como ao prénatal e consequentemente maior o risco de doenças durante a gravidez e portanto maior a incidência de mortalidade materna Além das consequências sobre as mães tal situação de tripla desigualdade social econômica e racial segundo Rodrigues 2009 p 27 também acomete de forma mais grave os bebês negros que sofrem inúmeros problemas ao nascer Cunha 2003 detectou em São Paulo uma maior percentagem de crianças negras com baixo peso ao nascer característica que poderia indicar além de problemas nutricionais da mãe e da criança a possibilidade de maior prevalência de doenças maternas como diabetes e hipertensão não controladas durante a gravidez pelo acesso restrito aos serviços de saúde ou pela pior qualidade comparativa dos serviços utilizados pelas mães desse grupo Observe que o que acontece em São Paulo se confirma nos dados do IBGE referentes ao país como um todo em relação ao acesso aos serviços de saúde de acordo com Rodrigues 2009 p 29 as mulheres negras apresentam menor acesso à assistência obstétrica pois 613 delas realizaram o número mínimo de consultas prénatais recomendado pelo Ministério da Saúde seis consultas enquanto para as mulheres brancas esse percentual foi de 766 Outro diferencial encontrado foi o percentual de mulheres negras que não realizaram o prénatal 128 em comparação com as brancas 6 Não há como justificar tais desigualdades uma vez que sabemos que todas as mulheres deveriam por direito receber o mesmo tratamento nos aparelhos públicos de saúde Entretanto a única explicação que se apresenta é a presença do racismo também no atendimento à saúde em nosso país recaindo mais uma vez sobre a mulher negra os custos dessas diferenças de tratamento e acompanhamento à saúde Como parte da maior vulnerabilidade na saúde de mulheres negras está também o fato delas terem pior acesso à infraestrutura pública saneamento básico e condições de moradia Entre os moradores de favelas estão em sua maioria as famílias negras sejam elas chefiadas por homens ou mulheres O gráfico a seguir mostra essa distribuição 41 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA 26 213 117 401 Famílias brancas chefiadas por homens Famílias brancas chefiadas por mulheres Famílias negras chefiadas por homens Famílias negras chefiadas por mulheres Figura 13 Distribuição de domicílios urbanos em favelas segundo sexo e corraça do chefe Brasil 2007 Adaptado de Pinheiro et al 2008 Figura 14 Disponível em httpsl1nqcomiWVON Acesso em 15 ago 2023 Sabese segundo esses dados publicados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Ipea que em 2007 apenas 36 dos domicílios brasileiros estavam em favelas Entretanto isso representa dois milhões de famílias ou algo em torno de oito milhões de pessoas Assim o que nos interessa destacar nesse gráfico é o fato de que entre as famílias moradoras de favelas no Brasil praticamente dois terços são negras portanto uma sobrerrepresentação da população negra vivendo em favelas o que reforça mais uma vez sua maior vulnerabilidade social segundo esse mesmo relatório Pinheiro et al 2008 p 29 Há estreita relação também desses números com a falta de saneamento básico nesse tipo de moradia o que traz consequências para a saúde dessas mulheres e seus filhos dados que já discutimos anteriormente Em outras palavras mais uma vez o que estamos comprovando é que o número elevado de negros concentrados nas favelas brasileiras não é coincidência ou obra do acaso mas fruto de nossa herança colonial e da falsa libertação que os africanos escravizados e seus descendentes sofreram e sofrem durante nossa história Mas esse será assunto para a próxima unidade 42 Unidade I Figura 15 Disponível em httpsurx1comxiNei Acesso em 15 ago 2023 Por hora vamos concluir esse quadro a respeito do lugar da mulher negra na sociedade brasileira segundo os números das estatísticas oficiais A esse respeito mais dois aspectos serão destacados O primeiro consta no gráfico a seguir que mostra os dados da PNAD 2008 relativos às mulheres que trabalham na categoria de empregadas domésticas é nítido que em todas as regiões do Brasil as mulheres negras continuam a desempenhar funções domésticas nos lares ou seja o número de mulheres negras ocupando cargo de empregada doméstica é sempre superior à média em cada região Mulheres de cor ou raça preta e parda na população total Mulheres de cor ou raça preta e parda na categoria de trabalhadoras domésticas 515 779 719 429 214 567 609 816 776 571 319 585 Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centrooeste Figura 16 Proporção das mulheres de cor ou raça preta e parda na população total e das mulheres de cor ou raça preta e parda na categoria de trabalhadoras domésticas segundo as Grandes Regiões 2008 Adaptado de IBGE 2009 p 206 43 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Observação Não é exagero afirmar a partir desses dados que houve no Brasil uma espécie de falsa libertação das mulheres negras escravizadas no sentido de que a partir de 1888 com a libertação oficial dos escravizados as mulheres negras tornaramse simplesmente funcionárias de seus antigos escravizadores continuando a exercer as tarefas domésticas função extremamente desvalorizada em uma sociedade desigual e hierarquizada como a brasileira Para concluir este tópico vamos a uma última análise sobre o lugar da mulher na família No gráfico a seguir vemos que o tempo empregado nos serviços domésticos pelas mulheres é em todas as regiões do Brasil muito superior ao dos homens Isso porque historicamente essa foi uma função delegada sempre às mulheres segundo uma estrutura familiar e cultural de raízes patriarcais que colocou as mulheres como donas do lar subentendendose que elas se tornavam responsáveis por todo o trabalho doméstico da família independentemente de trabalharem fora ou não Observe os dados Homens Mulheres 92 95 97 91 87 87 209 203 233 202 199 191 Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centrooeste Figura 17 Média de horas semanais gastas em afazeres domésticos das pessoas ocupadas de 10 anos ou mais de idade por sexo segundo as Grandes Regiões 2008 Adaptado de IBGE 2009 p 207 A participação masculina nos trabalhos domésticos sempre foi considerada apenas uma ajuda às mulheres já que quem se supõe responsável por toda organização limpeza provisão e cuidados com a casa é tradicionalmente a mulher Em muitos casos bastava ao marido sair para trabalhar sustentando financeiramente sua família Atualmente esse posto da mulher como rainha do lar está sendo questionado principalmente pela posição de destaque que ela vem ocupando na vida pública A própria eleição de Dilma Rousseff para a presidência do Brasil certamente estabelece correspondências com essas questões e indica redefinições nesse sentido Entretanto os dados anteriores ainda mostram uma 44 Unidade I extrema rigidez na divisão do trabalho doméstico das famílias brasileiras prevalecendo a participação feminina nessa esfera especialmente na dedicação de seu tempo aos afazeres domésticos Note que há uma relação entre esse quadro e o apresentado anteriormente ou seja nas famílias mais abastadas quem acaba realizando os afazeres da casa são mulheres negras na qualidade de empregadas domésticas conforme mencionamos Exemplo de aplicação Continue a refletir sobre essas questões tão contundentes Para tanto sugerimos que você pare um pouco e responda às seguintes questões quem realiza o trabalho doméstico em sua casa O homem ou a mulher E quem é responsável pela provisão financeira da família Será que poderíamos pensar numa redefinição tanto da estrutura familiar como da divisão das tarefas domésticas Esperamos que a essa altura você já tenha percebido quão frágil é o mito da democracia racial no Brasil desmontado insistentemente pelas estatísticas oficiais que nada mais revelam do que as dificuldades do dia a dia difícil dos afrodescendentes brasileiros que sempre experimentam na cor de sua pele desigualdades nas esferas econômica profissional educacional familiar de moradia de saúde etc Tratase sim de reafirmarmos a presença de um racismo à brasileira dissimulado escamoteado negado mas tão nítido nas conversas privadas nas organizações públicas e nas publicações de dados 4 MOVIMENTOS SOCIAIS E AÇÕES AFIRMATIVAS É POSSÍVEL ACELERAR O PROCESSO DE MUDANÇA Após números e mais números comprovando a condição desfavorável em que se encontram os negros na sociedade brasileira você deve estar se perguntando mas afinal será possível reverter esse processo perverso Nossa tese é sim isso é possível A partir deste tópico começaremos a apresentar algumas dessas possibilidades partindo dos movimentos negros que tradicionalmente lutam contra o racismo e por igualdade de condições e passando à definição de ações afirmativas e suas principais implicações Na unidade II trataremos das legislações vigentes no Brasil no combate ao racismo e na promoção da igualdade racial bem como faremos um retorno histórico a fim de compreender mais profundamente as raízes desse racismo Por fim terminaremos discutindo exclusivamente questões educacionais e estratégias para nós professores que queremos colaborar para a igualdade racial em nossas escolas e na sociedade de modo geral 41 Movimentos negros na luta contra o racismo para uma nova condição afrodescendente Muitos de nós ao longo de nossa trajetória escolar já devemos ter nos deparado com algumas das seguintes explicações para a escravização do negro e para a posição que este ocupa até hoje em nossa sociedade 45 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA durante o processo de colonização do Brasil feita pelos portugueses a escravização do negro foi preferível à do índio pois aquele sempre fora mais passivo aceitando de forma mais mansa sua própria escravização o negro por ser mais preguiçoso se acomodava à sua condição de escravo o que fez com que permanecesse nela por quase 400 anos São ideias que sustentam ideologicamente concepções naturalizantes da condição do negro como escravo como se os africanos já tivessem nascido escravos numa tentativa de apagar todo o processo econômico e social de escravização de pessoas negroafricanas por escravizadores portugueses brancos os negros estão na situação em que estão hoje porque querem porque não têm competência para conquistar o que os brancos conquistaram Essas são explicações esdrúxulas e indignantes mas que infelizmente todos nós já ouvimos pelo menos uma vez na vida Para que a crítica que estamos realizando fique mais clara é necessário que se reflita sobre os seguintes questionamentos será mesmo que alguém pode se acomodar à condição de escravizado ou toda a história da resistência negra sempre foi propositalmente esquecida pelos historiadores será que o negro realmente aceitou passivamente sua escravização ou se organizou em inúmeros movimentos ao longo da história colonial imperial e republicana brasileira movimentos esses nunca citados nos livros de História será que as estatísticas que insistentemente mostramos anteriormente confirmam a superioridade e competência do branco em relação à falta de capacidade do negro ou são o reflexo da sociedade desigual aristocrática e racista na qual vivemos É facilmente perceptível que nossa tese nesta disciplina procura confirmar sempre a segunda parte das perguntas anteriores Por razões didáticas deixaremos as formulações históricas necessárias para a compreensão das raízes de algumas dessas proposições para serem tratadas na próxima unidade Neste ponto do livrotexto queremos reforçar o papel do movimento negro contemporâneo na luta contra as desigualdades raciais no Brasil bem como na promoção de outra condição para os afrodescendentes a partir principalmente de uma tomada de consciência dessas questões e da implantação de políticas de ações afirmativas das quais falaremos em seguida Lembrete Desde já esclarecemos que o tratamento dessas questões neste livrotexto não poderá ser exaustivo tendo em vista nossa limitação de tempo e espaço para o desenvolvimento de cada assunto Nossa intenção é sinalizar algumas possibilidades de análise a fim de que o aluno seja incentivado a continuar suas pesquisas na área aprofundando assim as explicações possíveis para questões tão complexas como as que tratamos nesta disciplina 46 Unidade I Figura 18 Disponível em httpsury1comQoEb3 Acesso em 15 ago 2023 Muitos dos movimentos negros em ação atualmente são resultado de um longo processo de lutas muitas delas remontando ao período préabolicionista no século XIX ou até muito antes ainda desde o século XVI no início da colonização brasileira e da escravização de africanos por portugueses A questão aqui é afirmar veementemente que os africanos nunca foram passivos pacíficos ou acomodados Há muitos episódios em que os negros se colocaram como resistentes ao modelo colonial Até mesmo a organização dos chamados quilombos é uma importante demonstração de que eles pretendiam construir no Brasil outro modelo de sociedade aberta a todos e que pudesse desmontar a estrutura escravocrata implantando em seu lugar outra forma de vida outra estrutura política na qual se encontraram todos os tipos de oprimidos Munanga Gomes 2006 p 71 Outros movimentos negros entretanto remontam a períodos posteriores à abolição dado que as desigualdades sociais entre brancos e negros continuaram a existir mesmo após a libertação dos escravizados Munanga e Gomes 2006 p 107 assim explicam esse fenômeno O fato de serem libertados por força da lei não garantia aos negros os mesmos direitos de fato e todas as oportunidades dadas aos brancos em nosso país sobretudo às camadas mais ricas da população Por isso além da libertação oficial instituída na lei os negros brasileiros após a abolição tiveram que implementar um longo e árduo processo de construção de igualdade e de acesso aos diversos setores sociais assim É importante lembrar que a movimentação a reação e a resistência que fazem parte da história do negro brasileiro constituem momentos importantes na história do Brasil 47 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Por isso é tão importante que as crianças aprendam nas escolas uma outra história do Brasil uma história recontada que desta vez leve em consideração esse personagem que mesmo tão importante foi tão estigmatizado em nossos livros tradicionais sendo tomado apenas como escravo Você notou que estamos utilizando ao longo de todo o nosso livrotexto as palavras escravizados e escravizadores no lugar das usuais escravos e senhores Pois saiba que esta não é uma escolha casual Tratase de um posicionamento teórico e político que visa enfatizar no estudo da história do Brasil os processos de exploração das populações africanas trazidas por portugueses para o continente americano com a única intenção de transformálos em mercadorias no contexto daquela economia capitalista comercial Além disso o uso das expressões escravizados e escravizadores ajuda a desmontar a ideologia dominante da naturalização do negro como escravo processo fortemente reforçado por boa parte da literatura disponível sobre a história do Brasil colônia que sempre mostrou em suas páginas os negros apenas na figura de escravos dando a impressão inclusive que esta seria sua condição original natural como se todos os africanos já tivessem nascido escravos na África Um professor muito importante para os estudos das relações étnicoraciais no Brasil e já citado em outros trechos do livrotexto é Kabengele Munanga nascido na República Democrática do Congo antigo Zaire em 19 de novembro de 1942 Em 1980 ele veio para o Brasil para assumir a cadeira de Antropologia na Universidade do Rio Grande do Norte Depois de um ano mudouse definitivamente para São Paulo tomando como sua casa a Universidade de São Paulo Atualmente é professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e Diretor do Centro de Estudos Africanos da mesma universidade Em uma de suas aulas Munanga afirmou o seguinte O próprio conceito escravo é um conceito impróprio porque essas pessoas eram livres elas não eram escravas por natureza Elas foram escravizadas aqui portanto seria melhor dizer escravizados e não escravos Quando se fala em escravos supõese que na África havia pessoas que nasceram escravos Nós não podemos legitimar a escravidão aqui a partir do que ocorria na África como se a África fosse o único continente onde existiu escravidão Em vez de discursos legitimadores seria mais justo indenizar os descendentes das vítimas através de políticas compensatórias e não buscar pretextos para justificar a escravidão que houve entre nós Tratase sem dúvida de uma afirmação bastante contundente de alguém que se mostra indignado com os processos de formulação histórica ocorridos no Brasil Mesmo porque conforme já estudamos nos tópicos 1 e 2 deste livrotexto a produção científica europeia e brasileira de meados do século XIX e primeiras décadas do século XX desenvolveu um conjunto de ideologias que procuraram mostrar a inferioridade nata das populações africanas e seus descendentes com a chamada teoria do racismo científico A escola enquanto espaço de formação é um excelente lugar para se promover ações afirmativas a começar pela reformulação de conceitos sobre as populações negras seu papel na formação do Brasil suas trajetórias lutas e conquistas Portanto urge colocarmos em prática a Lei n 106392003 e ensinarmos nas aulas esse outro lado da história 48 Unidade I Vale destacar que após a implantação dessa lei muitos incentivos foram dados à produção bibliográfica para que grupos temáticos fossem formados e passassem a escrever um farto material pedagógico sobre a história da África e dos negros no Brasil Muitos desses materiais estão disponíveis na íntegra para downloads na internet outros se encontram à venda nas livrarias ou ainda sendo distribuídos gratuitamente seja por órgãos públicos seja por organizações não governamentais com o apoio da iniciativa privada Saiba mais Há milhares de possibilidades de pesquisa com livros na íntegra artigos e revistas de toda espécie sites educativos para professores alunos e qualquer pessoa acessar uma infinidade de conteúdos e informações que para mudarem de fato a realidade de desigualdade racial brasileira precisam ser lidos compreendidos trabalhados em sala de aula assimilados a fim de que possam produzir mudanças em nossas relações sociais e quem sabe em nossa realidade cultural social econômica política etc A obra a seguir disponibiliza mais de 1200 páginas divididas em oito volumes sobre História Geral da África desde 1935 Tratase de uma publicação produzida pelo Comitê Científico Internacional da Unesco MAZRUI A A História geral da África África desde 1935 v I VIII Brasília UNESCO 2010 Disponível em httpstinyurlcommr4a6uwa Acesso em 11 ago 2023 Sobre a história dos negros no Brasil nossa sugestão são as publicações do Centro de Estudos AfroOrientais Ceao da Universidade Federal da Bahia Disponível em httpsceaoufbabr Acesso em 11 ago 2023 42 A especificidade das ações afirmativas A força do movimento negro contra todas as formas de discriminação por raça ou cor e pela garantia de direitos sociais fundamentais da população afrobrasileira acabou se traduzindo basicamente em duas formas na legislação antirracista vigente no Brasil de um lado por meio de uma legislação penal que pune todo ato discriminatório por outro a partir da promoção de igualdade de oportunidades a grupos desfavorecidos socialmente pelas chamadas ações afirmativas Neste subtópico vamos nos aprofundar apenas nessa última questão procurando mostrar um pouco da discussão em torno de um tema ainda tão polêmico no Brasil que mexe com os ânimos de intelectuais ativistas e políticos tanto de esquerda quanto de direita com negros brancos e amarelos com as pessoas de modo geral professores alunos profissionais donas de casa etc O debate 49 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA em torno das ações afirmativas é capaz de mobilizar opiniões em qualquer âmbito social ou contexto cultural principalmente porque fazem parte delas algumas políticas que procuram garantir cotas para afrodescendentes em universidades e empresas visando à inclusão justa desse segmento populacional Figura 19 Disponível em httpsl1nqcomLxIMk Acesso em 15 ago 2023 Mas afinal o que são as ações afirmativas De acordo com Bernardino 2002 p 256257 são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação atual ou histórica sofrida por algum grupo de pessoas Para tanto concedemse vantagens competitivas para membros de certos grupos que vivenciam uma situação de inferioridade a fim de que num futuro estipulado esta situação seja revertida Assim as políticas de ação afirmativa buscam por meio de um tratamento temporariamente diferenciado promover a equidade entre os grupos que compõem a sociedade A discussão sobre as ações afirmativas procede dos Estados Unidos onde o movimento negro lutou e conseguiu a garantia de leis que promovessem ao mesmo tempo um ressarcimento às perdas de oportunidades vividas pelos negros naquele país em consequência de políticas segregacionais e uma aceleração do lento processo histórico para a inclusão social a curto prazo desse segmento populacional bem como a ascendência de minorias étnicas raciais e sexuais Em ambos os casos segundo Guimarães 2009 p 170 são ações para remediar uma situação considerada socialmente indesejável Claro que remediar não é o ideal de nenhuma realidade verdadeiramente democrática Assim é preciso considerar as ações afirmativas como uma medida paliativa transitória e portanto temporária devendo ser extinta assim que as condições sociais estiverem mais equilibradas para grupos sociais em desvantagem como negros indígenas e mulheres por exemplo 50 Unidade I Exemplo de aplicação Por que são necessárias tais ações para remediar a situação dos negros no Brasil Por que os negros não poderiam por suas próprias pernas conquistar tais direitos e acesso às mesmas oportunidades que os brancos Por que essa discussão é bastante delicada e requer cuidados Reflita Em primeiro lugar as ações afirmativas buscam acelerar um processo histórico que por si mesmo talvez demorasse décadas séculos ou até milênios para acontecer tendo em vista a inércia histórica ou seja a força de oposição que o passado de discriminações desigualdades e racismo tem e que gera resistências aos esforços advindos de ações individuais Em outras palavras tratase segundo Guimarães 2004 p 172 de assumir o racismo institucional ou seja afirmar que há mecanismos de discriminação inscritos na operação do sistema social e que funcionam até certo ponto à revelia dos indivíduos No Brasil temos uma dificuldade a mais na implantação de políticas de ações afirmativas o mito da democracia racial que insiste em negar a existência de raças no país raças no sentido político e não biológico conforme temos assumido neste livrotexto afirmando portanto que o racismo não existe no Brasil Assim é primordial que entendamos de uma vez por todas que o racismo é sim uma realidade na sociedade brasileira e que portanto pede medidas de reparação ou aceleração na inclusão dos afrodescendentes em todas as esferas sociais Ações afirmativas são nesse sentido uma espécie de discriminação ao contrário também denominada como discriminação positiva no sentido de proporcionar algumas vantagens aos grupos historicamente em desvantagem e por isso considerados minorias como negros pessoas idosas mulheres indígenas crianças adolescentes etc oferecendolhes facilidades temporárias para um acesso mais rápido aos direitos sociais básicos que lhes foram por tanto tempo sistematicamente negados Para o Direito esse recurso é denominado mitigação de danos previsto na legislação brasileira inclusive Um exemplo dessas ações afirmativas são os sistemas de cotas para negros deficientes físicos e mulheres que torna obrigatória a universidades empresas e partidos políticos a inclusão de uma porcentagem mínima de determinados grupos sociais tradicionalmente excluídos dessas instâncias Claro que a questão das cotas traz um semnúmero de argumentos favoráveis e desfavoráveis discussões inflamadas e também muito desconhecimento e preconceito Os estudantes universitários são os que de forma direta se envolveram nesse debate pois cotas para negros foram assumidas em várias universidades públicas e privadas no país Para alguns desses jovens tal medida seria discriminatória pois deixaria de fora estudantes bem preparados para as provas de vestibular que seriam substituídos por estudantes negros muitas vezes advindos de escolas públicas e supostamente menos competentes que os brancos contrariando as noções de mérito e valor individual tão caras às nossas democracias liberais 51 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Observação Você é a favor ou contra a obrigatoriedade das cotas seja para estudantes universitários afrodescendentes trabalhadores com necessidades especiais ou mulheres em cargos políticos O que esperamos deixar claro é que esse tipo de argumentação advém de uma compreensão deturpada de nossos sistemas de educação bem como do acesso via vestibulares Como se esses sistemas e mecanismos de acesso fossem oferecidos a todos os grupos sociais de forma justa e igualitária ou seja baseiase na crença de que bastaria ao negro ter um pouco mais de força de vontade para garantir sua vaga nos cursos mais concorridos das universidades públicas do país Infelizmente bem sabemos que a realidade não é essa Ao contrário os jovens bem nascidos já são desde muito cedo preparados para essa inserção via vestibular em escolas de alto nível graças a investimentos educacionais geralmente feitos pelas próprias famílias Por outro lado o ensino reservado aos grupos de crianças e jovens desfavorecidos na rede pública não chega perto das altas exigências de desempenho dos vestibulares mais concorridos o que deixa inevitavelmente tais jovens excluídos mais uma vez de um dos direitos fundamentais do cidadão o ensino superior E conforme dados estatísticos já apresentados os negros são negativamente mais atingidos por esse processo de exclusão uma vez que encontramse em maioria nos estratos mais pobres da população Felizmente temos assistido ao crescimento desse debate no Brasil principalmente nos meios acadêmicos Qualquer levantamento bibliográfico em bases de dados científicos nacionais e internacionais trará milhares de artigos sobre as ações afirmativas no Brasil e no mundo É muito importante que se saiba que ações afirmativas não podem ser tomadas como sinônimo de cotas esta seria apenas uma das estratégias adotadas visando à diminuição das desigualdades e da discriminação racial No próximo tópico faremos uma investigação sobre as principais ações afirmativas presentes na legislação antirracista brasileira começando pela Constituição Federal de 1988 Mais uma vez lembramos que esse recorte temporal se faz necessário dadas as limitações desta disciplina Antes de prosseguirmos para a próxima unidade sugerimos que você faça os exercícios a seguir procurando aprofundar suas pesquisas sobre os temas selecionados Em seguida verifique as propostas de resolução das questões e veja se você conseguiu atingir os objetivos pretendidos e compreender de modo mais complexo as problemáticas apresentadas 52 Unidade I Resumo Nesta unidade foram muitas as teorias conceitos informações críticas dados estatísticos e atividades a serem desenvolvidas Para que todo esse conteúdo fique ainda mais claro no processo de aprendizagem vamos resumir os principais tópicos abordados e convidamos o aluno a retomar suas anotações e estudos voltando a consultar o texto completo quando necessário Os conceitos de raça e etnia são essenciais para o estudo das relações étnicoraciais Entretanto o conceito de raça deve ser compreendido com certo cuidado para não recair em concepções biologizantes Nossa abordagem adota a perspectiva política no sentido de que as populações de africanos e seus descendentes se apropriem e ressignifiquem o uso da palavra raça na luta contra toda forma de racismo e discriminação Já o conceito de etnia requer uma opção escolha posicionamento daquele que pretende fazer parte de certo grupo étnico Não se trata de um processo simples mas que implica em atribuição endógena ou exógena que considera a dimensão relacional e de fronteira a busca de uma origem comum e o processo de realce ou saliência de determinados aspectos configurandose num processo simbólico político e social O racismo científico teoria formulada no século XIX na Europa sob influência das teorias evolucionistas de Charles Darwin produziu uma ideologia que define uma ordem natural da realidade social colocando homens e mulheres naturalmente uns superiores aos outros Os desdobramentos e as consequências dessa teoria se fizeram perceber ao longo de toda a história do século XX tanto na Europa como no Brasil até ser assimilada no contexto brasileiro influenciando a formação de um mito de democracia racial Essa concepção das nossas relações étnicoraciais como harmoniosas a partir da mistura de brancos negros e indígenas serviu para encobrir nosso racismo à brasileira que não menos do que em outros países pressupõe hierarquização inferiorização preconceito discriminação e desigualdade Esse racismo se confirma nos levantamentos estatísticos oficiais produzidos pelo IBGE dados esses que foram cuidadosamente analisados por nós demonstrando que a condição dos afrodescendentes na sociedade brasileira ainda é desvantajosa quando comparada à de outros segmentos da população nos mais diversos âmbitos sociais distribuição racial por 53 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA região desenvolvimento econômico mercado de trabalho renda familiar distribuição de renda analfabetismo desigualdade educacional em todos os níveis de ensino do básico ao superior condição feminina com relação a saúde acesso à infraestrutura pública saneamento e moradia estrutura familiar e dedicação aos afazeres domésticos Para terminar esta primeira unidade procuramos defender a tese de que esse quadro pode e já está sendo transformado por meio dos movimentos sociais e das ações afirmativas na luta contra o racismo na promoção da igualdade racial e na conquista de uma nova condição para as populações afrodescendentes 54 Unidade I Exercícios Questão 1 Observe atentamente os dados contidos na tabela apresentada a seguir Tabela 4 Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas total e respectiva distribuição percentual por grupos de idade e cor ou raça segundo as Grandes Regiões 2008 Grandes Regiões Pessoas de 15 anos ou mais de idade analfabetas Total 1000 pessoas Distribuição percentual Grupos de idade Cor ou raça Total 15 a 24 anos 25 a 39 anos 40 a 59 anos 60 a 64 anos 65 anos ou mais Total 1 Branca Preta ou parda Brasil 14247 1000 51 179 358 98 315 1000 310 678 Norte 1128 1000 68 196 375 99 263 1000 163 819 Nordeste 7500 1000 59 212 371 89 268 1000 234 758 Sudeste 3620 1000 36 131 329 108 396 1000 421 564 Sul 1159 1000 39 121 331 125 385 1000 608 372 Centrooeste 840 1000 35 138 371 101 355 1000 292 683 Fonte IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 1 Exclusive as pessoas de cor ou raça amarela e indígena Os dados reunidos nessa tabela dão a conhecer o seguinte I Ao estudarmos a questão do analfabetismo no Brasil constatamos a ocorrência de expressivas diferenças regionais Comparando dados percentuais derivados do recorte cor ou raça identificamos que a região Norte abriga a população afrodescendente que sofre os maiores prejuízos II Os afrodescendentes com idade entre 15 e 24 anos são aqueles que sofrem os menores prejuízos nesse contexto geral III Utilizando o jargão do censo observamos que na região Sul os brancos apresentam prejuízos maiores do que os pretos e pardos IV Os amarelos e indígenas sofrem prejuízos análogos aos sofridos por pretos e pardos 55 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Considerando as afirmativas anteriores assinale a alternativa correta A É verdadeiro apenas o que se afirma em I e II B É verdadeiro apenas o que se afirma em I II e III C É verdadeiro apenas o que se afirma em II e IV D É verdadeiro apenas o que se afirma em I e III E É verdadeiro apenas o que se afirma em II e III Resposta correta alternativa D Análise das afirmativas I Afirmativa correta Justificativa os dados contidos na última coluna da tabela informam que a porcentagem de pessoas maiores de 15 anos de idade pertencentes ao segmento populacional pretospardos varia de região para região No Norte 819 no Nordeste 758 no Sudeste 564 no Sul 372 e no Centrooeste 683 Assim sendo a região Norte é a que abriga a população afrodescendente que sofre os maiores prejuízos II Afirmativa incorreta Justificativa observemos que a coluna da tabela que reúne informações sobre o analfabetismo nos diversos grupos de idade não informa absolutamente nada sobre diferenças relativas aos segmentos de brancos e de pretospardos III Afirmativa correta Justificativa os dados contidos na penúltima coluna da tabela informam que a porcentagem de pessoas maiores de 15 anos de idade pertencentes ao segmento populacional de brancos varia de região para região No Norte 165 no Nordeste 234 no Sudeste 421 no Sul 608 e no Centrooeste 292 Assim sendo a região Sul é a que abriga a população branca que sofre os maiores prejuízos IV Afirmativa incorreta Justificativa os dados reunidos na tabela não oferecem informações relativas ao analfabetismo de pessoas que compõem os segmentos populacionais amarelo e indígena conforme se pode constatar na observação feita logo abaixo da tabela Exclusive as pessoas de cor ou raça amarela ou indígena 56 Unidade I Questão 2 Leia atentamente o texto apresentado a seguir Com o objetivo de contribuir para o conhecimento dos programas de ação afirmativa de inserção da população negra no ensino público superior brasileiro Santos 2006 desenvolveu uma pesquisa na Universidade Estadual de Campinas Os dados por ele obtidos advêm de estudos recentes e de grupos de pesquisa sobre o tema Os estudos mostram que os PAAs têm contribuído para 1 o aumento do número de candidatos inscritos nos vestibulares pertencentes aos grupos alvo dos programas 2 o aumento do número de matriculados desses grupos nos cursos de graduação 3 a melhora no desempenho acadêmico 4 o fortalecimento da identidade étnicoracial dos alunos dos programas 5 a ampliação do interesse do corpo docente e discente das universidades pelo tema das relações étnicoraciais Quanto aos grupos de pesquisa sobre o tema o foco de investigação tem privilegiado a avaliação de políticas e programas de promoção da igualdade racial e a investigação da legislação brasileira que trata da discriminação e dos direitos de minorias Adaptado de SANTOS A O Inserção da População Negra na Universidade Estadual de Campinas Estudo de Caso de Um Programa de Ação Afirmativa Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional Departamento de Educação para a Diversidade e Cidadania Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade Ministério da Educação Brasília 2006 p64 O estudo de Santos I Atende entre outros ao propósito de evidenciar que o debate sobre Políticas de Ação Afirmativa PAAs não pode nem deve ser confundido com o debate sobre cotas para negros pois enquanto as PAAs visam corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação atual ou histórica sofrida por algum grupo de pessoas as cotas são apenas um dos recursos utilizados por essas políticas II Conduziu a resultados que evidenciam efeitos positivos da adoção de PAAs em instituições de ensino superior III Trata da adoção de políticas de ação afirmativa nos diversos graus de ensino no Brasil IV Reafirma o fato de que a implantação de PAAs no Brasil e o debate sobre esse tema não são de modo algum justificáveis Afinal de contas temos o privilégio de viver num país livre do racismo e internacionalmente reconhecido uma democracia racial 57 RELAÇÕES ÉTNICORACIAIS E AFRODESCENDÊNCIA Considere as afirmativas anteriores para assinalar a seguir a alternativa correta A É verdadeiro apenas o que se afirma em I e II B É verdadeiro apenas o que se afirma em III e IV C É verdadeiro apenas o que se afirma em I e III D É verdadeiro apenas o que se afirma em I E É verdadeiro apenas o que se afirma em III Resposta correta alternativa A Análise das afirmativas I Afirmativa correta Justificativa o debate sobre Políticas de Ação Afirmativa não se reduz ao debate sobre cotas pois essas são apenas um caso particular de PAA E o estudo em questão embora não trate diretamente desses conceitos deixa evidente que o autor os domina adequadamente II Afirmativa correta Justificativa a pesquisa em questão aponta para efeitos positivos da adoção de PAA em Instituições de Ensino Superior pois conduz à conclusão de que tais políticas têm contribuído para aumentar o número de afrodescendentes inscritos nos vestibulares o número de matriculados nos cursos de graduação e sua melhora no desempenho acadêmico além de estar propiciando condições para o fortalecimento da identidade étnicoracial dos alunos desses programas e a ampliação do interesse dos corpos docente e discente das universidades pelo tema das relações étnicoraciais III Afirmativa incorreta Justificativa o universo da pesquisa de Santos é integrado somente por alunos do curso superior não contemplando assim alunos dos demais graus de ensino IV Afirmativa incorreta Justificativa de fato o chamado mito da democracia racial representa a crença de não haver racismos no Brasil Tratase de uma representação fictícia de uma sociedade na qual os diversos segmentos étnicoraciais vivem em perfeita harmonia Tal mito não encontra fundamentos nos dados estatísticos que diariamente tornam evidente a escassez ou mesmo ausência de oportunidades para integrantes do segmento populacional integrado por afrodescendentes