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O que é poder A pergunta não é nada nova A questão do poder é co locada desde que o ser humano começou a pensar sobre si mesmo com o poder os fatos básicos da coexistência humana estão submetidos a exame Muitas são as respostas que foram dadas à questão do poder na história Entre elas vale a pena destacar a famosa definição de Max Weber uma referência para toda e qualquer investigação sobre o poder o poder como cada chance de impor dentro de uma relação social a vontade própria mesmo contra relutância não importando em que essa chance se baseia Weber 1922 cap 1 161 A definição é clássica e quase atemporal Quase pois na verdade o poder nunca permaneceu o mesmo No decorrer do tempo ele trocou permanentemente sua imagem seu nome e também seu lugar Quem se perguntar sobre o poder depois da modernidade o encontrará com outras representações outro nomes e outro lugares O que nós hoje denominamos poder era designado pelos gregos por meio de diversas palavras arché dynamis kratos tyranos e despoteia O É professor da Universidade de Regensburg Regensburg Baviera Alemanha Email karlfriedrich herbpolitikuniregensburgde 1 Uma primeira versão deste escrito foi apresentada no quadro de uma série de conferências destinadas aos pósgraduandos de Ciência Polílica da UnB O autor gostaria de agradecer à profa Marilde de Menezes e ao prof Paulo Nascimento ambos do Instituto de Ciência Política da UnB e ao prof Gerson Brea do Departamento de Filosofia da UnB pelo estímulo e pelas críticas ao presente texto A tradução das citações foi feita por Roberto Cataldo Costa Karlfriedrich Herb Além do bem e do mal o poder em Maquiavel Hobbes Arendt e Foucault Beyond good and evil perceptions of power in Machiavelli Hobbes Arendt and Foucault Revista Brasileira de Ciência Política nº10 Brasília janeiro abril de 2013 pp 267284 268 Karlfriedrich Herb poder político arché politike encontravase dentro dos muros da polis na comunidade política dos cidadãos Quando esses muros caíram e o latim tornouse a língua da filosofia o poder passou a ser chamado de auctoritas e potentia e a moverse entre ofício e prestígio estratégia e instituição cf Kobusch e OeingHanhoff 1980 p 585588 No contexto alemão a palavra poder tem sua origem nas formas verbais können e vermögen poder e ser ca paz No mundo dos conceitos o poder tem desde o início um concorrente a violência Violência Gewalt é derivada do verbo walten reinar e significa algo como ter força dispor sobre alguma coisa ou reger Desde então poder e violência encontramse em uma luta acerca da supremacia conceitual com alguma vantagem do lado do poder Todavia muitas vezes eles são usados indistintamente e ocupam o mesmo campo semântico Isso é até hoje assim No alemão também oscilamos entre poder e violên cia quando na verdade falamos da mesma coisa E como sempre atrás de tal indecisão escondese um grave problema filosófico Lá onde deliberamos sobre o poder falamos sem inibições de violência Numa tacada definimos conceitos como concentração de poder e monopólio de violência E o poder político vemos de preferência nas mãos do Estado perante o qual não senti mos tanto medo Afinal a autoridade do Estado como todas as constituições modernas asseguram provém de nós o povo Apesar disso sempre temos alguma desconfiança do poder Para grandes céticos como Jacob Burckhart o poder é essencialmente mau Burckhardt 2002 p 25 e muitos receiam ainda hoje que o poder possa perverter o caráter No Brasil o receio parece ser igualmente patológico e legítimo Diariamente a mídia alimenta tais receios Todavia mesmo aqui precisamos ser cautelosos Não contaminou o poder da mídia há muito tempo aquela confiança que no século XVIII foi atribuída à esfera pública ou seja ao quarto poder O que é então poder Sempre algo ameaçador Depende de repartições públicas Concede charme e carisma Mostrase em instituições Ou se esconderia dentro de sistemas e atrás de muros São questões como essas que gostaria de investigar no contexto moderno e nesse contexto dar a palavra a quatro autores Para todos eles o questionamento sobre o poder é fundamental e todas as quatro repostas tiveram influência marcante na filosofia política Nesse caso como de costume as respostas são tão diversas quanto a diversidade das perguntas O que une esses autores é uma tendência de situar o poder para além do bem e do mal ou seja todos eles oferecem 269 Além do bem e do mal certa apologia do poder O que os separa são as bases dessa defesa bem como as concepções do modo como poder e direito ser e dever se relacionam Maquiavel ou como lidar com o poder Em 1532 foi publicada a notória e famosa obra Il principe Isso fez de Maquiavel que a vida inteira aspirou em vão ao poder o primeiro clássico da modernidade política Sua atividade política prova a impotência sim a ineficácia do conselheiro e a fragilidade da reflexão política Apesar de todas as ambições a carreira política tão desejada pelo florentino fracassou E sua relação para com os governantes permaneceu precária Poderia ter tido sucesso Ou seja teria Maquiavel encontrado acesso ao poder se tivesse seguido suas próprias máximas A questão é especulativa fato é que a partir de sua obra nascida de uma frustração Maquiavel se tornou o herói da teoria política Seu nome ficou ligado eternamente ao poder E até hoje o maquiavelismo representa justa e injustamente a busca sem escrúpulos pelo poder Galileo da política Cassirer 1966 p 1302 Feiticeiro do poder esteta da violência König 1979 p 338 Educador do mal Strauss 1958 p 9 esses são alguns dos rótulos mais comuns Desde o início a história da recepção da obra de Maquiavel confundese com uma história de escândalos Sem dúvida suas reflexões sobre o poder são ao mesmo tempo ino vadoras e escandalosas Sua receita para o príncipe não tem nada mais em comum com os espelhos dos príncipes Fürstenspiegel ou seja com aqueles manuais bem intencionados dos príncipes antecessores Pelo contrário Ele documenta o desencanto completo do mundo político da Idade Média Na história não há a ação de Deus guiando o destino dos homens segundo um plano oculto de sua pretensa sabedoria E também a natureza não tem nada a ver com um reino claro de fins e propósitos que reserva para o indivíduo e a comunidade um lugar seguro e estável No universo do principe de Ma quiavel reinarão a fortuna o destino e a necessidade Estes determinarão agora os parâmetros da organização de toda política humana O sóbrio olhar de Maquiavel descobre uma política totalmente terrena e um ser humano completamente profano O desencanto do mundo externo se funde com o desencanto da natureza humana O homem não é mais aquele ser pacífico e sociável tão desejado pelos filósofos da antiguidade e 2 Cf Cassirer 1966 p 130 Assim como a dinâmica de Galileu se tornou a base de nossa moderna ciência da natureza Maquiavel abriu um novo caminho para a ciência política 270 Karlfriedrich Herb pelos teólogos da idade média Não é mais um zoon politikon um animal rationale e sociale ou um homo politicus mas sim um indivíduo domi nado por interesses e dirigido por desejos inesgotáveis Ambição esse o título para essa antropologia pessimista do príncipe Ela impulsiona a ação dos humanos para as mais diversas direções e se realiza nos mais diversos motivos da avidez humana na sede de glória no desejo de posse de lu cro e de poder A ambição pelo poder é central O poder deixa de ser um vício dos poderosos e tornase uma constante da natureza humana antes de toda política Dominar o outro para não ser dominado esse o moto dessa nova antropologia Maquiavel observa o comportamento do homem sem nenhuma piedade e projeta uma lista negativa do caráter humano Podese dizer em geral dos seres humanos que eles são ingratos inconstantes falsos hipócritas temerosos e gananciosos Machiavelli 1988 cap XVII Aquele que deseja conquistar e manter o poder político tem que contar com essa dimensão negativa tem que partir do pressuposto nas palavras do próprio Maquia vel de que todos os homens são perversos e que seguem sempre suas más inclinações assim que tenham uma oportunidade Machiavelli 1983 I 3 Esse caráter maligno da natureza humana está longe de ser uma hipótese pessimista ou um registro momentâneo de crise Tratase antes de um triste fato que determina toda política Maquiavel conta com o pior e definese de acordo com a produtividade do mal O príncipe é aquele que permite a fertilidade da maldade aquele que cuida das flores do mal Quem parte de tais fatos não deve ter nenhuma consideração por nor mas no cotidiano da política e nenhuma pretensão de transmitir valores Afinal não interessa a ele a vida política como ela deveria ser e sim como ela é O que está em jogo são os conhecimentos de fatos o cotidiano do poder Sem hesitação Maquiavel destrona duas grandes autoridades que governaram normativamente até então a doutrina da política a religião e a moral Ambas perdem a tutela sobre o poder político Com toda franqueza Maquiavel declara a religião como instrumentum regni como instrumento de domínio e colocaa a serviço da política A religião serve como cimento da comunidade política e como uma unidade de resgate nos casos em que a virtù do indivíduo está prestes a sucumbir O mesmo ocorre com a mo ral também ela tem que desaparecer da política ou se subordinar a essa ordem A moral da política transformase em política da moral 271 Além do bem e do mal Para Maquiavel normas e valores são fundamentalmente puras ima ginações Machiavelli 1988 cap XV que somente serão levadas a sério se servirem a objetivos políticos Dois exemplos o antigo virtus vai se transformar no moderno virtù Enquanto no mundo antigo a virtude se confundia com a boa política que se orientava pela justiça e pelo bem comum em Maquiavel a virtude passa a situarse entre o bem e o mal a partir de agora a virtude tornase uma ação política bemsucedida O mesmo destino acaba sofrendo a antiga prudência Se a prudentia até então se preocupava com o equilíbrio entre utilidade e justiça agora ela deve ser restringida a um mero cálculo de benefícios Maquiavel prefere fórmulas simples Prudente é aquilo que serve A nova prudentia dissipa todos os escrúpulos morais Em caso de dúvida todos os meios são justos sejam eles legítimos ou ilegítimos O príncipe dispõe de ambos os meios ele governa com astúcia e violência Maquiavel leva isso a sério engano crueldade e quebra de palavra cf Machiavelli 1833 p 26 tornamse meios legítimos da política Sobre o emprego desses meios decide o príncipe unicamente por meio do cálculo de poder Como todos sabemos o fim justifica os meios O que justifica o fim no entanto não diz Maquiavel Sua razão de Estado está sob o ditado dos fatos ela não quer mais saber do telos do fim último da política e da moral do poder Um olhar sóbriocruel sobre os fatos torna visíveis não somente os mecanismos mas também os abismos do poder De outro lado os próprios fundamentos jurídicos do poder permanecem ocultos A pergunta pela legitimidade do poder foi colocada por outros Hobbes ou como justificar o poder Até hoje permanece controverso quem inaugurou a política moderna Maquiavel ou Hobbes Hobbes mesmo resolve a polêmica a seu favor Con victo se declara o fundador da filosofia do direito moderno e contempla sua obra como aquela que pela primeira vez trata a política de modo realmente científico cf Hobbes 18371845 p 467 Tais pretensões de poder intelec tual eram alheias a Maquiavel Já em Hobbes elas não vêm do nada Ele está totalmente convencido de que a ciência sozinha irá colocar um fim na velha guerra secular das canetas e na atual guerra das espadas Desse modo Hob bes anuncia o credo da modernidade Scientia propter potentiam Hobbes 1967 I 6 Em suma saber é poder Como Maquiavel Hobbes desenha sua 272 Karlfriedrich Herb teoria sob o impacto da crise lá a luta pela supremacia no norte da Itália aqui as conturbações e tumultos da guerra civil na Inglaterra A experiência de anarquia é inspiração para o novo conceito de poder Como Maquiavel Hobbes é um grande cético da natureza humana Homo homini lupus est Hobbes 1966 De cive Ded é o primeiro princípio de sua antropologia política O homem é o lobo do homem pelo menos enquanto ele ainda não vive sob o domínio do Leviatã Também Hobbes é inicialmente fascinado pela empiria do poder Quando jovem traduz a Guerra do Peloponeso de Tucídedes e procura nas lições da história a moral para a política Desde cedo percebe que nenhum caminho conduz da civil history para a civil science da história para a ciência Hobbes 1991 cap IX A partir do conhecimento factual não é possível justificar reivindicações normativas Uma teoria filosófica do poder necessita de outros fundamentos Herb 2005 p 217227 Maquiavel pergunta como o poder pode ser conquistado e mantido Hobbes por sua vez quer saber o que torna o poder legítimo Ele coloca a quaestio juris Em outras palavras ele procura pela legitimação filosófica do poder Hobbes traduz o conceito de poder para a linguagem do contratualismo Com Hobbes o modelo do contrato tornase o protótipo para a justificação do estado moderno O poder essa é a ideia básica do Leviatã pode ser justificado tão somente a partir do livre arbítrio de cada um Antes contu do tem de ser esclarecido se e por que o poder é de modo geral necessário Hobbes recorre ao argumento do estado da natureza e seu diagnóstico do estado natural da humanidade é muito claro Não há harmonia o conflito determina a conditio humana Sendo assim o que quer que seja consequente com um tempo de Guerra onde todos os homens são inimigos de todos os outros também o é com o tempo em que todos os homens vivem sem outra segurança além da que lhe proporcionam sua própria força e sua própria criatividade Nessas condições não há lugar para a Indústria porque seu fruto é incerto e consequentemente nenhuma cultura da Terra nenhuma nave gação nenhum uso das mercadorias que possam ser importadas pelo Mar nenhuma construção conveniente nenhum Instrumento para se deslocar ou deslocar coisas que requeiram muita força nenhum Conhecimento da face da Terra nenhum registro do tempo nada de Arte nada de Letras nada de Sociedade e pior do que tudo medo permanente e risco de morte violenta e a vida do homem solitária pobre sórdida embrutecida e curta Hobbes 1991 cap XIII 273 Além do bem e do mal Enquanto sujeitos de liberdade e de poder os homens conduzem uma luta permanente por sobrevivência e reconhecimento uma luta em que há somente perdedores Pelo fato de todos possuírem um direito natural sobre tudo e assim tudo estar no poder de cada um a concorrência ruinosa é ine vitável Sob tais condições qualquer estratégia de poder mesmo a agressão preventiva está condenada ao fracasso Ou nas palavras do próprio Hobbes se todos possuem o poder igual então ele não significa nada Hobbes 1966 De homine VI 6 A partir desse equilíbrio devastador entre poder e impotência a guerra de todos contra todos Hobbes 1991 cap XIII o contrato se apresenta como única saída possível ele monopoliza o poder nas mãos do soberano Visto a partir do caos do estado natural o poder do Estado irradia desde o início uma luz brilhante ele garante autopreservação individual e paz social Para além de todos os seus motivos o poder aqui serve a um propósito positivo Ele domina o medo de uns diante dos outros e pacifica suas relações Somente esse poder está em condições de estabelecer a paz entre os homens O contratualismo de Hobbes descreve o caminho legal para o poder To dos concordam contratualmente em abdicar em favor do soberano de seu precário direito a tudo A partir de agora ele pode dispor sem concorrência sobre seu poder natural o soberano recebe o monopólio do exercício legítimo de coerção O contrato realiza ainda mais ele autoriza o soberano a agir em nome da parte contratante Por meio desse ato o soberano tornase o repre sentante do cidadão Hobbes investe tudo a fim de revestir o soberano com a plenitude máxima do poder Como legislador ele é legibus solutus excluído de todas as leis Monarquia aristocracia democracia todas elas dispõem sobre a mesma quantidade de poder absoluto Aqui não há para Hobbes possibilidades de negociação esse absolutismo é a condição de existência do direito positivo e da paz social Na figura do soberano confluem poder e direito pois o que é válido no direito depende somente de sua decisão soberana Auctoritas non veritas facit legem Hobbes 1991 cap XXVI Não a verdade mas sim o poder decide o que é certo e justo Quem deseja aqui uma demarcação institucional do poder do soberano ficará desapontado Hobbes reage de forma alérgica a exigências de separação de poderes e de controle da violência Ele vê nisso uma contradição para a soberania Uma constituição mista levaria o soberano à loucura Onde faltam as instituições a moral deve ajudar Hobbes confia na moral do soberano 274 Karlfriedrich Herb Em contradição com Maquiavel ele submete o soberano à exigência das leis naturais aos comandos de Deus e à razão natural Aparentemente Hobbes acredita ser possível com apelos morais disciplinar o poder Hobbes ignora o perigo de que a posse de tão grande poder pudesse vir a corromper o so berano Mais ainda ele aposta nos efeitos positivos do uso do poder e espera até mesmo uma purificação da busca pelo poder Podemos duvidar se essa confiança é mesmo compatível com as próprias premissas antropológicas de Hobbes Afinal ele assume para o homem uma vontade insaciável de poder Por que então justamente o soberano deveria estar livre desse perpetual and restless desire of Power after Power Hobbes 1991 cap XI esse desejo inesgotável de poder e mais poder Não é portanto sem razão que os sucessores de Hobbes permanecerão desconfiados e procurarão formas eficientes para delimitar o poder Para eles a pergunta pelo poder colocase imediatamente como pergunta por suas fronteiras e barreiras O liberalismo fará dessa questão seu objetivo principal O controle do vigilante custodes transformarseá no novo desafio da teoria do poder poder legítimo também deve ser domado John Locke coloca em xeque o Leviatã por meio da lei natural e da teologia ele quer principalmente limitar a soberania cf Locke 1990 Montesquieu por sua vez busca refúgio na separação dos poderes do estado O poder deve ser restringido por meio do poder le pouvoir arrête le pouvoircf Mon tesquieu 1951 XI 4 Rousseau joga outra carta ele vê na democracia um poder novo que não ameaça a ninguém porque parte de todos cf Rousseau 1964 A souveraineté une et indivisible3 não precisa de nenhum guardião da constituição Só a quinta república francesa vai se emancipar da herança de Rousseau Para além do Atlântico também não é difícil perceber certa desconfiança da soberania e do poder do povo Os federalistas procuram com seu realismo a proteção das instituições checks and balances como resposta ao estigma humano cf Hamilton Madison e Jay 2005 Aqui é como se o ceticismo de Hobbes acerca do ser humano se deslocasse para os detentores do poder democrático Por mais diversos que sejam esses esforços para disciplinar o poder colocam marcas no caminho do estado de direito liberal como nós o conhe cemos hoje Poderíamos classificar Hobbes nessa tradição liberal Algumas 3 Cf Constitution française du 3 septembre 1791 Préambule art 1 e Déclaration des droits de lhomme et du citoyen de 1789 275 Além do bem e do mal evidências levam a isso afinal ele confere ao poder uma origem democrática e procura limitar seu raio de ação A vida interior dos súditos é um tabu para o poder de estado Já por isso Hobbes não pode ser considerado precursor do totalitarismo Hitler e Stalin tiveram certamente outros mentores Hannah Arendt ou onde aparece o poder Totalitarismo essa palavra nos conduz à terceira teoria do poder e com isso diretamente ao século XX Origens do totalitarismo assim se chama o livro em que Hannah Arendt tratou dos regimes violentos do século XX Já o título reflete a tentativa de especificar aquilo que é inédito e comum no na zismo e no stalinismo Como sabemos essa investigação tornase um marco decisivo na pesquisa do totalitarismo e promove a autora internacionalmente Nascida como judia na Alemanha e se tornado apátrida pelo regime nazis ta Hannah Arendt não teve como se esquivar do fenômeno do totalitarismo A princípio ela desejava se dedicar exclusivamente à filosofia No entanto após 1933 Arendt encontra seu tema no conflito entre filosofia e política entre saber e poder Hoje celebrada como a grande pensadora política do século XX Arendt compreendeuse a si mesma como pária na sociedade fechada dos filosófos Até mesmo o título de filósofa política rejeitou veemen temente Eu não pertenço à liga dos filósofos Minha profissão se é que se pode falar em profissão é a teoria política A propósito eu nem considero ter sido admitida na liga dos filósofos Arendt 1996 p 44 O confronto com o totalitarismo a conduz para a primeira reflexão sobre o fenômeno do poder A historiografia empreendida por Hannah Arendt quer conceituar tanto os elementos inéditos como todas aquelas tradições destru ídas pelos regimes totalitários Isso se mostra acima de tudo na pretensão absoluta de poder nesses regimes De acordo com sua tese esses regimes cunham representações de poder até agora desconhecidas Arendt 2009a p 864 e estabelecem um princípio totalmente novo de realidade e poder Arendt 2009a p 867 É característica central de todo poder totalitário emanciparse inteiramente de toda e qualquer legitimação democrática Em vez de apoiarse no consenso dos cidadãos ele confia exclusivamente em sua própria força e potência Arendt 2009a p 865 O poder totalitário alimentase única e exclusivamente da violência Com isso as instituições serão destituídas de qualquer sentido democrático tornandose figuras meramente decorativas 276 Karlfriedrich Herb Assim como Montesquieu que ressaltara para cada forma de estado clássica um princípio próprio honra para a monarquia virtude para a república etc Montesquieu 1951 Hannah Arendt procura o princípio dos regimes totalitários Ela encontra isso no terror O terror aniquila todas as relações entre os homens através da destruição do espaço da liberdade Arendt 2009a p 970 Sistemas totalitários corrompem a esfera pública conduzindo ao abandono do ser humano dentro de uma sociedade atomi zada Com isso o indivíduo sofre uma dupla perda a perda do mundo público e a perda do mundo privado Primeiro se perde o cidadão depois o próprio homem Arendt 2009a p 663702 Isso mostra que essa patologia do totalitarismo pode ser intensificada Ela culmina na criação de campos de concentração Aqui não somente o humano será eliminado mas também toda e qualquer lembrança dele A perversão extrema do poder total atinge seu apogeu em um sistema do esquecimento Arendt 2009a p 929 Perante tais abismos e aspectos sombrios do poder haveria ainda outro caminho Não seria o poder algo essencialmente ligado ao mal Como expressão até mesmo do mal radical ou de sua suposta banalidade Arendt 1999 A obra filosófica de Hannah Arendt não atende a essa expectativa Sua principal obra A condição humana Arendt 1965 1960 coloca a pergunta do poder sob uma perspectiva diferente A patologia desemboca em uma fenomenologia do poder Por meio da reflexão sobre as origens da política nos gregos ela demonstra o que o poder foi e o que ele poderá ser A con dição humana quer renovar o conceito de política a partir do espírito da antiguidade política isto é a ação dos cidadãos no espaço público Nesse espaço Arendt encontra o lugar mágico do poder Somente nesse entre que é produzido no encontro dos cidadãos livres e iguais o poder legítimo pode surgir O poder é o que mantém a existência da esfera pública o espaço potencial de aparência entre homens que agem e que falam o poder surge entre os homens quando eles agem juntos e desaparece no momento em que se dispersam Arendt 1965 p 200 Hannah Arendt invoca a pureza da política Para que o poder político brote a partir de ações conjuntas de forma não contaminada o espaço público tem que estar hermeticamente fechado Apenas assim o poder legítimo pode se afirmar contra as exigências do so cial e do privado No fundo Arendt vê o espaço público permanentemente ameaçado não somente nas catástrofes do século XX Já com a ascensão da 277 Além do bem e do mal sociedade no começo dos tempos modernos a atrofia da política tornase uma ameaça constante A burocracia moderna aparece como um fantasma assustador transformando os cidadãos em animais laborantes e a política em máquinas administrativas Para avaliar a extensão da vitória da sociedade na era moderna sua substituição inicial da ação pelo comportamento e a substituição posterior do governo pessoal pela burocracia o governo de ninguém pode convir lembrar que essa ciência inicial da economia que substituiu padrões de comportamento apenas nesse campo um tanto limitado da atividade humana foi seguida finalmente pela pretensão abrangente das ciências sociais que como ciências comportamentais visam a reduzir o homem como um todo em todas as suas atividades ao nível de um animal condicionado e comportado Arendt 1965 p 45 Como então se criar uma esfera pública diante de tais tendências E como garantir a criação autêntica do poder político A proposta de Hannah Arendt é desafiadora Sua aposta no poder comunicativo não conduz ao estado de direito democrático Arendt suspeita da representação política e da política como vocação pois ambas aliviam o cidadão do peso da existência política O poder permanece legítimo apenas quando se encontra nas mãos dos citoyens Arendt reconhece na república dos conselhos Räterepublik um refúgio em que o poder político pode resistir aos ataques do mundo moderno Dessa forma os exemplos históricos que Hannah Arendt nos apresenta tornamse plausíveis Ela não esconde sua simpatia pelas sociétés populaires na França revolucionária pelos soviéticos russos pela revolta popular húngara e pelos movimentos estudantis cf Arendt 1988 Em todos esses casos Arendt acredita descobrir a formação espontânea do poder como testemunhos vivos da liberdade no espaço público A revolta estudantil de 1968 também estimula Hannah Arendt a refle tir mais uma vez sobre a questão On violence ou em alemão Macht und Gewalt poder e violência é o título para essa segunda defesa do poder político defesa que é precedida por um ataque aos teóricos do poder Todos esses não teriam até agora reparado a diferença fundamental entre poder e violência Apenas quem identifica essa diferença específica está em condições de evitar a discriminação do poder e desmascarar ações não políticas como violência De fato Hannah Arendt eleva poder e violência a uma contradição irreconciliável nesse contexto poder representa as possibilidades positivas 278 Karlfriedrich Herb da política e violência representa desvios da dominação política Onde o poder governa não há lugar para a violência Conceitualmente falando isso significa o Poder é de fato essencial a todos os estados inclusive a todos os tipos de grupos organizados ao passo que a violência não o é A violência é instrumental por natureza assim como todos os meios e instrumentos requer um fim que orienta e justifica seu uso A violência bruta ocorre quando se perde o poder Arendt 2009b p 52 55 Esse maniqueísmo tem seus pontos fortes mas também muitos pontos fracos De um lado ele permite que as condições que instituem legitimi dade política se tornem palpáveis isto é a garantia do espaço público Raramente o sonho republicano de uma ação política comum foi tão vivo como em Hannah Arendt Questionável é entretanto a defesa ofensiva do poder uma vez que proíbe qualquer espécie de contato com a violência e além disso suspeita em toda a parte traições do poder A violência é em si mesma algo mau que não pode de maneira alguma ser reconhecido como momento necessário nem mesmo como fenômeno marginal do poder O poder instrumental exigido por todo poder legítimo está inserido inevita velmente na esfera da violência e não pode portanto ser preservado A tentativa arendtiana de reabilitar o poder político tornase dessa maneira um empreendimento questionável É sem dúvida tentador pensar um poder que se nutre somente da po lítica comum e que consegue dispensar todo tipo de violência Mas o preço a ser pago aqui pode ser muito alto a saber um grande distanciamento da realidade O conceito de poder de Hannah Arendt deixa claras as falhas da política moderna A fim de corrigilas ela prescreve à sociedade uma terapia draconiana Para que o poder possa vir a ser aquilo que ele deve ser a sociedade não pode permanecer o que ela é A reflexão moderna sobre a antiguidade conduz inevitavelmente à aporia A promessa de uma unidade entre política e poder revelase finalmente boa demais para ser verdade Ela cultiva apenas o malestar da modernidade Michel Foucault ou onde o poder se torna visível Hannah Arendt descobre o lugar mágico do poder na esfera pública em que os seres humanos lutam como cidadãos por reconhecimento recíproco Seu ideal hermético procura a proximidade com a antiguidade e distanciase dos instrumentos modernos de poder e de seus imaginários Tal malestar 279 Além do bem e do mal diante da cultura moderna encontramos também em Michel Foucault Entretanto Foucault procura os cenários principais do poder não mais na antiguidade ou na era do totalitarismo e sim na passagem do século XVIII para o XIX Aqui ele vê surgir um novo tipo de poder e ao mesmo tempo o indivíduo moderno Os novos heróis e vítimas da modernidade foucaul tiana se chamam poder disciplinar e indivíduo disciplinar Foucault 1994 O que significa disciplina Foucault sabe a partir de suas próprias vivências Ele passa pelo adestramento da formação acadêmica de elite e se submete aos rituais da ciência Em 1970 assume a cátedra na College de France con quistando o centro do poder da inteligência acadêmica Ao voltarse para as ciências humanas e sociais o filho de médico espera poder se libertar da herança do pai mas fica ainda assim preso a ela O nascimento da clínica é como sabemos o título de uma de suas primeiras obras A relação entre doença e saúde entre patologia e normalidade entre exceção e regra é isso o que vai ocupar Foucault ao longo de sua vida Revelar na marginalidade o essencial é sua intuição teórica Isso vale também e sobretudo para a seguinte questão o que é o poder Alienação e sociedade Vigiar e punir O nascimento da clínica já os próprios títulos denunciam a mudança na estratégia de pesquisa Foucault não procura mais o poder em seu pretenso cerne e sim o rastreia nas mar gens da sociedade Não Versailles ou Champs Elysées mas sim a clínica e a prisão serão agora as referências nessa nova topografia do poder Não que a periferia se torne um novo centro do poder O fato é que os mecanismos de poder permitem aqui ser mais facilmente diagnosticados Não há mais espaço para lugares mágicos ou corpos simbólicos O que caracteriza o po der moderno é muito mais a ausência de lugar e visibilidade Por meio de uma microfísica Foucault quer desvendar o véu do poder Seu segredo será traduzido em uma fórmula nominalista O poder é o nome que se dá a uma situação complexa em uma sociedade Foucault 1982 p 114 Essa definição nos faz lembrar vagamente Hannah Arendt Também nela o poder não é característica de um homem de uma classe ou de uma instituição mas sim um fenômeno relacional Hannah Arendt pretendia compreender essas relações apenas dentro dos limites estreitos da esfera pública Para Foucault o poder encontrase por toda parte Ele não conhece lugares proibidos nem privilegiados para sua aparição O poder governa em toda parte e em parte alguma Ele lança uma rede sobre a sociedade Nessa 280 Karlfriedrich Herb rede todos os indivíduos encontramse igualmente presos como objetos e sujeitos do poder Todos estão sempre em uma posição na qual vivenciam e praticam esse poder simultaneamente Em outras palavras o poder não vai ser aplicado sobre os indivíduos ele passa através deles Foucault 1978 p 82 Embora descreva essa rede às vezes como sistema prisional Foucault compreende o poder não como mero mecanismo de repressão Também para ele o poder encontrase além do bem e do mal O poder não é o mal radical nem a corrupção dos seres humanos Pelo contrário O poder é in teiramente produtivo ele transforma cada um em um indivíduo em um sujet A língua francesa assim como o idioma português sublinha a ambiva lência da individualidade moderna Sujet sujeito pode ser traduzido tanto por subordinado como por sujeito Nessa zona de atrito entre submissão e autonomia Foucault situa o surgimento do sujeito moderno Subjetivação como humanização normalização como individualização com essas grandes palavras seria possível descrever a gênese do indivíduo moderno desde o Iluminismo Como dissemos Foucault privilegia o olhar sobre as margens da sociedade Assim essa gênese pode ser descrita de forma exemplar nas transformações das práticas penais na França do século XVIII e XIX Foucault 1994 Antes da revolução o infrator submetiase a cruéis punições públicas e corporais O ato público deveria tornar visível o poder do rei e ao mesmo tempo recuperar a ordem soberana Após a revolução o disciplinamento ocorre ao contrário na obscuridade seu objeto não é mais o corpo mas sim a alma ela é disciplinada por meio do adestramento sutil do corpo Tal poder disciplinar aparece como tipo ideal na visão do Panóptico de Bentham A arquitetura ideal da prisão deixa os inspetores invisíveis e os controlados expostos ao olhar permanente do poder Dessa forma o controle invisível tornase finalmente autocontrole O poder visível passa a ser total mente dispensável Foucault não se cansa de acentuar a íntima ligação entre poder e conhecimento Ambos trabalham lado a lado no disciplinamento do indivíduo Assim o trabalho corporal dos prisioneiros será analisado minuciosamente e sua execução vigiada meticulosamente A partir dessa pequenez e mesquinhez constata Foucault laconicamente nasceu o ho mem do humanismo moderno Foucault 1994 p 181 É óbvio que essa constatação ataca o projeto do Iluminismo nos seus sólidos fundamentos A provocação é intencional 281 Além do bem e do mal Foucault levanta veemente protesto contra as teorias modernas de poder desde Hobbes Elas acobertaram o poder com concepções jurídicas de poder entenderam mal as relações de poder como relações jurídicas e deixaram se deslumbrar pela figura do soberano A cabeça do rei tem que rolar essa é a máxima da pesquisa jacobina de Foucault Não no corpo simbólico do rei mas sim nos corpos disciplinados do indivíduo é que o poder se torna visível Além disso os teóricos modernos do poder se enganaram em seus princípios de fundamentação Para Foucault o poder não é mais um produto da ação coletiva A lógica do contratualismo tem que ser invertida Não são os indivíduos que produzem o poder e sim o poder que cria o indivíduo Por mais reveladora que possa parecer a análise do poder de Foucault não pode ser confundida com uma crítica do poder em sentido próprio pois para Foucault de modo muito semelhante a Maquiavel o poder se constitui de maneira autônoma seu nomos não se submete a nenhuma outra lei O poder não pode ser compreendido valorado ou criticado de fora Tudo que é já é submetido ao poder A rede do poder em que o indivíduo moderno se encontra enlaçado acaba finalmente aprisionando até mesmo o filósofo De tal poder não há escapatória O saber também não liberta ao contrário ele torna as malhas da rede ainda mais estreitas A crítica da modernidade empreendida por Foucault descarta prematu ramente os instrumentos críticos necessários para colocar o próprio poder em questão Direito lei vontade liberdade soberania esses conceitos não podem sustentar nenhuma crítica no campo de poder da teoria foucaultiana Para os princípios dos direitos humanos para a autonomia e para a legitimi dade democrática não há mais lugar Foucault arruína o direito como meio de crítica do poder Para fortalecer o projeto moderno a favor da própria modernidade a história pósmoderna do indivíduo tem que ser reescrita Também a pergunta do poder teria que ser novamente colocada A última palavra sobre o poder não deveria ser a de Foucault Referências ARENDT Hannah 1960 Vita activa oder Vom tätigen Leben Stuttgart W Kohlhammer 1965 The human condition Chicago University of Chicago Press 282 Karlfriedrich Herb 1988 Da revolução São Paulo Ática Brasília Editora da UnB 1996 Fernsehgespräch mit Günter Gaus em LUDZ Ursula ed Ich will verstehen München Piper 1999 Eichmann em Jerusalém um relato sobre a banalidade do mal Trad José Rubens Siqueira São Paulo Companhia das Letras 2009a Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft München Beck 2009b Macht und Gewalt München Piper BURCKHARD Jacob 2002 1905 Weltgeschichtliche Betrachtungen em Werke kritische Gesamtausgabe vol 7 Basel Schwabe CASSIRER Ernst 1966 The myth of the State London New Haven FOUCAULT Michel 1978 Dispositive der Macht Berlin Merve Verlag 1982 Sexualität und Wahrheit I Frankfurt am Main Suhrkamp 1994 Überwachen und Strafen Frankfurt am Main Suhrkamp HAMILTON Alexander MADISON James JAY John 2005 The fed eralist With letters of Brutus Cambridge Cambridge University Press HERB Karlfriedrich 2005 Lavenir de la république sur la lecture con tractualiste de lhistoire chez Hobbes et Kant em FOISNEAU Luc THOUARD Denis dirs De la violence à la politique Kant et Hobbes Paris Librairie Philosophique J Vrin HOBBES Thomas 18391845 A minute or first draught of the optiques em The English works of Thomas Hobbes of Malmesbury vol 7 Edição de William Molesworth London Bohn 1966 Vom Menschen Vom Bürger Hamburg Felix Meiner 1967 Vom Körper De corpore Elemente der Philosophie I Hamburg Felix Meiner 1991 Leviathan Cambridge Cambridge University Press KOBUSCH Theo OEINGHANHOFF Ludger 1980 Macht I em RITTER Joachim GRÜNDER Karlfried eds Historisches Wörterbuch der Philosophie vol 5 Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft KÖNIG René 1979 Niccolò Machiavelli zur Krisenanalyse einer Zeiten wende München Carl Hanser 283 Além do bem e do mal LOCKE John 1990 Two treatises of government Cambridge Cambridge University Press MACHIAVELLI Niccolò 1833 Das Leben Castruccio Castracanis em Sämtliche Werke vol 2 Edição de Johannes Ziegler Karlsruhe Groos 1983 The discourses London Penguin 1988 The Prince Cambridge Cambridge University Press MONTESQUIEU CharlesLouis de Secondat Baron de la Brède et de 1951 De Lesprit de lois Œuvre Complètes Edição de Roger Caillois Paris Gallimard ROUSSEAU JeanJacques 1964 Du contrat social ou Principes du droit politique em Œuvre complètes vol 3 Edição de Bernard Gagnebin e Marcel Raymond Paris Gallimard STRAUSS Leo 1958 Thoughts on Machiavelli Glencoel The Free Press WEBER Max 1922 Wirtschaft und Gesellschaft Tübingen Mohr Resumo O poder é mau por natureza Está sempre em mãos erradas Não Essa é a resposta dada pelos clássicos da política moderna Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes Maquiavel desconfia das promessas antigas do bom regime e da virtude humana Ele baseia o poder político na produtividade do mal Apesar de compartilhar o profundo pessimismo antropológico de Maquiavel Hobbes baseiase na virtude do soberano o Leviatã suprime a guerra perpétua No século XX a apologia filosófica pelo poder assume uma forma diferente Hannah Arendt separa a violência instrumental do poder comunicativo trans formando a ágora num lugar mágico do poder Contrariamente Michel Foucault nega a existência de qualquer lugar privilegiado para ocorrência do poder Para ele o poder torna se uma rede de relações sociais combinando sujeição e criatividade de forma ambígua Palavraschave poder violência legitimação antropologia política saber virtude Abstract Is power bad by nature Is it always in the wrong hands No This is the answer given by the political classics of Modern Age Niccolò Machiavelli and Thomas Hobbes Machiavelli distrusts the ancient promises of good regime and human virtue He bases political power on the productivity of the evil Despite sharing Machiavellis profound anthropological pessimism Hobbes relies on the virtue of the sovereign the Leviathan does away with 284 Karlfriedrich Herb perpetual war In the 20th century the philosophical apologia for power assumes a differ ent shape Hannah Arendt separates instrumental violence from communicative power turning the agora into the magic place of power Contrary to that Michel Foucault denies the existence of any privileged place of power For him power becomes a network of social relationships ambiguously combining subjection and creativity Keywords power violence legitimacy political anthropology knowledge virtue Recebido em 13 de novembro de 2011 Aprovado em 10 de julho de 2012 Brasília a 43 n 169 janmar 2006 21 Angela Cristina Pelicioli 1 Introdução É certo que a teoria da separação dos poderes tem desempenhado um papel pri mordial na conformação do chamado Esta do Constitucional Utilizase o termo sepa ração dos poderes mas sabese que o poder do Estado é uno e indivisível1 Em verdade esse poder2 é exercido por vários órgãos que possuem funções distintas Como conseqüência dessa teoria os Po deres Executivo Legislativo e Judiciário são poderes políticos3 No entanto como cada homem em si é apolítico4 uma vez que a política surge no entreoshomens portanto totalmente fora dos homens5 e é essa mes ma política que organiza de antemão as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às di ferenças relativas 6 devese constatar que o poder do Estado somente deve existir para cumprir e manter a paz na sociedade e asse gurar o gozo da liberdade Transcorrido o tempo os poderes políti cos transformaramse e o Poder Judiciário passou a ter uma função de maior destaque qual seja a de estabelecer o equilíbrio entre A atualidade da reflexão sobre a separação dos poderes Angela Cristina Pelicioli é Procuradora do Estado de Santa Catarina Mestre em Ciências Jurídicas Processo Civil pela Universidade Clássica de Lisboa Doutoranda em Direito Pro cessual Civil pela Pontifícia Universidade Ca tólica do Rio Grande do Sul Sumário 1 Introdução 2 A evolução da separação dos poderes 21 A separação dos poderes em Aristóteles 22 A separação dos poderes em John Locke 23 A separação dos poderes em Montesquieu 24 A separação dos poderes na atualidade 3 Conclusões Revista de Informação Legislativa 22 os Poderes Executivo e o Legislativo redefi nindo assim o papel do juiz A separação dos poderes que em últi ma instância objetiva manter a paz na soci edade e assegurar o gozo da liberdade evi tando a arbitrariedade e o autoritarismo pode estar nos dias atuais em cheque caso não se esclareçam com a maior precisão possível as legítimas esferas de atuação de cada Poder Para tanto é necessário examinar a evo lução histórica da separação dos poderes desde Aristóteles até hoje para situar os valores que nutrem cada povo em cada épo ca no tocante aos seus Poderes e em razão das suas necessidades históricas e culturais pois como ensina Nicolai Hartmann 1986 p 23 a cambiante validez de determina dos valores em determinado tempo não sig nifica seu nascer e perecer ao correr da histó ria O câmbio não é mutação dos valores mas mudança de preferência que prestam deter minadas épocas a determinados valores 2 A evolução da separação dos poderes 21 A separação dos poderes em Aristóteles Aristóteles filósofo grego que nasceu em 384 aC e morreu em 322 aC escreveu so bre muitos assuntos das ciências à lógica Tornouse no entanto célebre por suas obras filosóficas como a Metafísica a Física a Éti ca a Nicômaco a Política Da alma Da Ge ração e da Corrupção e a Poética7 A obra Constituições8 de Aristóteles teve como objeto um estudo histórico e político de to das as formas de governo e de poder exis tentes na época Esse trabalho foi a base para Aristóteles elaborar a sua obra mais com pleta A Política Na Ética a Nicômaco Aristóteles 2001 p 18 define a política como sendo aquela que estrutura as ações e as produ ções humanas e ensina que a ciência polí tica usa as ciências restantes e mais ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre aquilo de que devemos absternos A ética e a política estão intrinsecamen te unidas na obra de Aristóteles 1999 tan to que a Ética a Nicômacos insere um pla no que se idealiza na obra A Política A ética está subordinada à política ciência prática arquitetônica que tem por fim o bem propriamente humano9 A Política que estuda não apenas os poderes políticos mas também a estrutura e o comportamento das autoridades adminis trativas e judiciárias atesta que os elemen tos do Estado são a população o território e a autoridade política Inicia seu estudo definindo o homem como um animal cívico mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos ARISTÓTELES 1991 p 4 O ho mem civilizado é o melhor de todos os ani mais entretanto aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos ARISTÓTELES 1991 p 5 Esse homem se reúne para formar uma sociedade pois de outro modo não poderia satisfazer suas ne cessidades físicas e intelectuais O respeito ao direito forma a base da vida em socieda de e os juízes são os seus primeiros órgãos A finalidade do Estado é facilitar a con secução do bemcomum conseqüentemen te o próprio bemcomum Para Aristóteles as Constituições possíveis são justas e in justas sendo as primeiras as que servem ao bemcomum do povo e não só aos governan tes e as segundas as que servem ao bem dos governantes e não ao bemcomum Nesse segundo caso estáse tratando do pereci mento do Estado e da corrupção do regime político10 As Constituições justas são as di vididas em monarquia que é o governo de um só que cuida do bem de todos aristocra cia que é o governo dos virtuosos que cui dam do bem de todos sem atribuirse privi légios república que é o governo popular que cuida do bem de toda a cidade E as Constituições injustas dividemse em tira nia que consiste no governo de um só que procura o interesse próprio oligarquia de finida como governo dos ricos que procu ram unicamente o bem econômico próprio Brasília a 43 n 169 janmar 2006 23 e democracia que consiste no comando da massa popular em diminuir toda a diferen ça social11 Para Aristóteles 1991 p 93 o gover no é o exercício do poder supremo do Esta do tendo todo governo três Poderes No Livro III Capítulo X da obra A Política define quais são os Poderes a sua estrutura e as suas funções cabendo ao legislador prudente acomodálos da forma mais con veniente e quando essas três partes estive rem acomodadas é que o governo será bem sucedido O cidadão será o homem adulto livre nascido no território da cidade ou do Estado e também aquele que participar e votar diretamente nos assuntos políticos dos três Poderes Portanto ser cidadão é ter Po der Legislativo Executivo e Judiciário CHAUÍ 2002 p 467 Assim para Aristóteles o primeiro Po der é o deliberativo ou seja aquele que deli bera sobre os negócios do Estado Esse Po der corresponde ao Legislativo e a Assem bléia tem a competência sobre a paz e a guer ra realizar alianças ou rompêlas fazer as leis e suprimilas decretar a pena de morte de banimento e de confisco assim como pres tar contas aos magistrados12 O segundo Poder compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos isto é aqueles de que o Estado precisa para agir suas atribuições e a maneira de satisfazê las ARISTÓTELES 1991 p 113 Este Po der corresponde ao Poder Executivo e é exer cido por magistrados governamentais mas somente os que participassem do poder pú blico é que deveriam assim ser chamados Ensina que as magistraturas devem ser cria das para se formar um Estado Quais são absolutamente necessárias para que um Estado possa existir Quais as que foram criadas para a boa ordem e para o bem estar sem as quais a vida civil não seria muito agradável ARISTÓTELES 1991 p 117 As funções essenciais para Aristóteles são as seguintes a encarregado de abaste cimento de alimentos nos mercados b ad ministrador dos edifícios públicos e priva dos das construções da conservação das ruas dos limítrofes das propriedades pelo ofício da polícia urbana c a dos agrôno mos ou guardasflorestais d encarregado das rendas públicas e funcionário para receber contratos privados escrever os jul gamentos dos tribunais e redigir petições e citações em justiça f executor das senten ças de condenação pregoeiro de bens apre endidos e o de guarda das prisões g co mandos de praças e outros oficiais milita res h auditor ou inspetor de contas ou gran de procurador Afirma que a diversidade das formas de governo acarreta alguma di ferença entre as funções das magistraturas Aponta as três questões principais para es colha dos magistrados A quem cabe nome ar os magistrados De onde devem ser tira dos E como proceder Responde às inda gações ensinando que as nomeações serão realizadas por todos cidadãos ou apenas alguns entre eles a elegibilidade é de todos ou apenas aqueles pertencentes a uma clas se determinada quer pela renda quer pelo nascimento quer pelo mérito quer por al guma outra razão e a designação se dará ou por eleição ou por sorteio O tempo de dura ção do exercício destas também é discutido e declara que alguns o pretendem semes tral outros mais curtos outros anual ou tros mais longo Resta também saber se deve haver exercícios perpétuos ou mesmo de longa duração ou nem um nem outro se é preferível ou que não assumam duas vezes o cargo mas apenas uma Quanto à escolha dos magistrados convém considerar a sua origem por quem e como devem ser escolhi dos de quantas maneiras isto pode ser feito e qual a que mais convém a cada forma de governo ARISTÓTELES 1991 p 116 O terceiro Poder abrange os cargos de jurisdição O estudo mostra oito espécies de tribunais e de juízes quais sejam os tribu nais para a a apresentação das contas e exame da conduta dos magistrados b as malversações financeiras c os crimes de Estado ou atentados contra a Constituição d as multas contra as pessoas quer públi Revista de Informação Legislativa 24 cas quer privadas e os contratos de algu ma importância entre particulares f os as sassínios ou tribunal criminal g negócios dos estrangeiros e h os juízes para os ca sos mínimos A forma de nomeação pode ser por eleição ou por sorteio ARISTÓTE LES 1991 p 125127 Aristóteles 2001 p 123 na Ética a Ni cômacos afirma que julgamento acertado ocorre quando uma pessoa julga segundo a verdade Esse conceito é tratado em ter mos de julgamento pessoal mas que pode ser inserido no contexto de quem julga pois como o próprio Aristóteles 2001 p 18 de finiu cada homem julga corretamente os assuntos que conhece e é um bom juiz de tais assuntos Assim o homem instruído a respeito de um assunto é um bom juiz em re lação ao mesmo e o homem que recebeu uma instrução global é um bom juiz em geral Para o filósofo é nas Constituições que estão distribuídos ou ordenados os Poderes que existem num Estado isto é a maneira como são divididos a sede da soberania e o fim a que se propõe a sociedade civil ARISTÓTELES 2001 p 132 Aristóteles 2001 p 146 afirma que o maior bem é o fim da política que supera todos os outros O bem político é a justiça da qual é inseparável o interesse comum e muitos concordam em considerar a justiça como dissemos em nossa Ética como uma espécie de igualdade Se há dizem os filó sofos algo de justo entre os homens é a igualdade de tratamento entre as pessoas iguais 22 A separação dos poderes em John Locke John Locke expoente da filosofia ingle sa do século XVII nasceu em Wrington na Inglaterra em 1632 Suas obras principais são o Primeiro tratado sobre o governo civil o Segundo tratado sobre o governo civil En saio sobre o intelecto humano e Cartas sobre a tolerância religiosa MONDIM 1982 p 102 A política foi estudada por Locke em seus dois tratados O Primeiro sobre o go verno civil atacou aquilo que apontou como falsos princípios contidos no Patriarcha de Sir Robert Filmer sob o fundamento de que o direito divino da monarquia absoluta era baseado na descendência hereditária de Adão e dos patriarcas No Segundo tratado sobre o governo ci vil e outros escritos Locke 1994 p 83 de fine o estado de natureza como uma condi ção em que os homens são livres e iguais uma condição natural dos homens ou seja um Estado em que eles sejam absolutamen te livres para decidir suas ações dispor de seus bens e de suas pessoas como bem en tenderem dentro dos limites do direito na tural sem pedir a autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vonta de Não significa que Locke 1994 p 84 advogasse a permissividade pois defendia que o estado de natureza é regido por um direito natural que se impõe a todos e com respeito à razão que é este direito toda a humanidade aprende que sendo todos iguais e independentes ninguém deve le sar o outro em sua vida em sua liberdade ou seus bens todos os homens são obra de um único Criador todopoderoso e infinita mente sábio todos servindo a um único se nhor soberano enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço são portanto sua pro priedade daquele que os fez e que os desti nou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém Assegura que no estado de natureza cada um tem o poder executivo da lei da natureza e cada homem é juiz em causa própria Isso produz confusão e desordem e a solução para esse impasse é o governo civil LOCKE 1994 p 89 Diferentemente da clássica teoria da se paração dos poderes que divide o poder do Estado em Poder Executivo Legislativo e Judiciário no capítulo XII do Segundo tra tado sobre o governo civil Locke garante que há três poderes que se convertem em dois13 o Poder Legislativo o Poder Executivo e o Poder Federativo Competência do Poder Federativo é a de administrar a segurança e Brasília a 43 n 169 janmar 2006 25 o interesse público externo e competência do Poder Executivo é a da execução das leis internas LOCKE 1994 p 171 No entanto mais adiante afirma que esses dois Poderes estão quase sempre unidos E embora os Poderes Executivo e Federativo sejam dis tintos em si dificilmente devem ser sepa rados e colocados ao mesmo tempo nas mãos de pessoas distintas pois submeter a força pública a comandos diferentes re sultaria em desordem e ruína LOCKE 1994 p 171172 Locke 1994 p 162 apresenta o Poder Legislativo como poder supremo em toda comunidade civil sendo a primeira atribui ção da sociedade política criálo Tem como a sua primeira lei natural a própria preser vação da sociedade e na medida em que assim o autorize o poder público de todas as pessoas que nela se encontram O po der absoluto arbitrário ou governo sem leis estabelecidas e permanentes é absolutamen te incompatível com as finalidades da soci edade e do governo aos quais os homens não se submeteriam à custa da liberdade do estado de natureza senão para preservar suas vidas liberdades e bens LOCKE 1994 p 165 Segundo Locke 1994 p 169 os limites que se impõem ao Poder Legislativo são quatro quais sejam 1o as leis devem ser estabelecidas para todos igualmente e não devem ser modifi cadas em benefício próprio 2o as leis só devem ter uma finalidade o bem do povo 3o não deve haver imposição de impos tos sobre a propriedade do povo sem que este expresse seu consentimento individu almente ou através de seus representantes 4o a competência para legislar não pode ser transferida para outras mãos que não aquelas a quem o povo confiou Traça a separação entre os Poderes Le gislativo e Executivo quando afirma que não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram e adequar a lei à sua vontade tanto no momento de fazêla quan to no ato de sua execução e ela teria interes ses distintos daqueles do resto da comuni dade contrários à finalidade da sociedade e do governo LOCKE 1994 p 170 Verificase que Locke não trata o Poder Judiciário como poder genuíno BOBBIO 1997 p 232 Cita algumas situações de lití gio mas não assinala o Poder Judiciário como apaziguador dessas situações por exemplo quando trata da hipótese de o Po der Executivo estar sendo utilizado de for ma ilegítima e questiona quem julgará este governante Locke assegura em sua respos ta o direito fundamental da revolução do povo Entre um Poder Executivo constituí do detentor desta prerrogativa e um Legis lativo que depende da vontade daquele para se reunir não pode haver juiz na terra Como não pode existir ninguém entre o Le gislativo e o povo quando o Executivo ou o Legislativo que têm o poder em suas mãos planejam ou começam a escravizálo ou a destruílo Nesse caso assim como em to dos os outros casos em que não houver juiz na terra o povo não teria outro remédio se não apelar para o céus assim quando os governantes exercem um poder que o povo jamais lhes confiou pois nunca pensou em consentir que alguém pudesse governálo visando o seu mal agem sem direito Con trariamente a Hobbes que entendeu que o afastamento da autoridade soberana provo caria a destruição do Estado e o retorno ao caos do estado de natureza Locke 1994 p 186 distingue entre a dissolução da socie dade e a dissolução do governo pois um governo pode ser dissolvido internamente e um novo governo ser estabelecido Quan do houver litígio entre o governante e um particular referente a questões não previs tas em lei ou de interpretação duvidosa a solução deve advir de um árbitro do povo caso contrário a solução se dará também pelo direito fundamental de revolta desse mesmo povo LOCKE 1994 p 234 Revista de Informação Legislativa 26 Para Locke não há uma diferença essen cial entre o Legislativo e o Judiciário por tanto este último está incluído no primeiro isso porque a função do juiz imparcial é exercida na sociedade política eminente mente pelos que fazem as leis porque um juiz só pode ser imparcial se existem leis genéricas formuladas de modo constante e uniforme para todos BOBBIO p 233 Para Bobbio 1997 a teoria de Locke nada tem a ver com a teoria da separação e do equilíbrio entre os poderes mas de sepa ração e de subordinação É o que se depre ende da afirmação de que o Poder Executi vo deve estar subordinado ao Poder Legis lativo e de que as ofensas sofridas por al gum membro dessa sociedade política se rão julgadas ou por magistrado designado pelo Poder Legislativo ou pelo próprio Po der Legislativo 23 A separação dos poderes em Montesquieu O Barão de La Brède e de Montesquieu CharlesLouis de Secondat nasceu em Bor déus no dia 18 de janeiro de 1689 Foi ma gistrado14 durante 12 anos entre os anos de 1714 a 1726 Em 24 de janeiro de 1728 en trou para a Academia Francesa Entre suas obras estão as Lettres Persanes Le Tem ple de Gnide Considerações sobre as cau sas da grandeza dos romanos e de sua deca dência e o Espírito das Leis esta última de 1748 MONTESQUIEU 1997 p 513 O Espírito das Leis de Montesquieu 1999 representa um manual de Política e Direito Constitucional em que é estudado o governo15 e a política cientificamente O governo foi classificado em governo repu blicano em que o poder soberano é de todo o povo democracia ou somente de uma parcela do povo aristocracia governo mo nárquico em que somente um governa por leis fixas e estabelecidas leis fundamentais e governo despótico em que somente um governa mas sem lei e sem regra satisfa zendo a sua vontade e seus caprichos MONTESQUIEU 2000 p 1926 Aponta o motor de agir da política que movimenta cada governo traduzindose em princípios16 pois a natureza do governo é o que o faz ser como é e seu princípio o que o faz agir MONTESQUIEU 2000 p 1926 O princí pio do agir17 no governo republicano de mocrático e aristocrático será a virtude pois aquele que faz executar as leis sente que está a elas submetido e que suportará o seu peso MONTESQUIEU 2000 p 32 no governo monárquico será a honra que pode levar ao objetivo do governo e o preconcei to de cada pessoa e de cada condição toma o lugar da virtude política MONTES QUIEU 2000 p 36 e no governo despóti co o temor que acaba com todas as cora gens e apaga o menor sentimento de ambi ção MONTESQUIEU 2000 p 38 Falase muito sobre a separação dos po deres18 ensinada por Montesquieu em O Espírito das Leis mas foram esquecidos ou perdidos pelo tempo o real conceito e a forma como a separação de poderes se con figurava O Poder é único e indivisível e para seu exercício era conveniente estabelecer uma divisão de competências entre os três órgãos diferentes do Estado Montesquieu acentuou mais o equilíbrio do que a separa ção dos poderes19 Para Montesquieu o Estado é subdi vidido em três poderes o Poder Legislativo o Poder Executivo das coisas que se traduz no poder Executivo propriamente dito e o Poder Executivo dependente do direito ci vil que é o poder de julgar Os Poderes Exe cutivo Legislativo e Judiciário devem ter suas atribuições divididas para que cada poder limite e impeça o abuso uns dos ou tros Montesquieu 2000 p 168 leciona que Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado dos Poderes Legis lativo e Executivo Se estivesse unido ao Poder Legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao Poder Executivo o juiz poderia ter a força de um opressor O Poder Legislativo é o verdadeiro re presentante do povo e para isso firma a du Brasília a 43 n 169 janmar 2006 27 alidade das câmaras do legislativo uma confiada aos nobres e a segunda confiada aos escolhidos para representar o povo MONTESQUIEU 2000 p 172 O Poder Executivo deve estar nas mãos de um monarca porque esta parte do governo que precisa quase sempre de uma ação mais instantânea é mais bem ad ministrada por um do que por vários MONTESQUIEU 2000 p 172 O Poder Judiciário deve ser nulo e in visível o que nos leva a negativa da triparti ção dos poderes VASCONCELOS 1998 p 31 Isso porque o poder de julgar tão terrí vel entre os homens como não está ligado nem a certo estado nem a certa profissão tornase por assim dizer invisível e nulo Não se tem continuamente juízes sob os olhos e temese a magistratura e não os magistrados MONTESQUIEU 2000 p 169 Assevera de fato que Dos três pode res dos quais falamos o de julgar é de algu ma forma nulo Só sobram dois e como pre cisam de um poder regulador para moderá los a parte do corpo legislativo que é com posta por nobres é muito adequada para produzir esse efeito MONTESQUIEU 2000 p 172 No entanto percebese que Montesquieu 2000 p 170 diferencia os tri bunais dos julgamentos sendo que os pri meiros não deverão ser permanentes en quanto que os segundos devem sêlo pois são o texto preciso da lei devendose ro dear o poder de julgar20 das maiores caute las uma vez que os juízes da nação são seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor MONTES QUIEU 1997 p 175 Os poderes políticos para o pensador francês são o Poder Executivo e o Poder Legislativo Estes vivem em uma balança procurando o equilíbrio por meio de duas faculdades a de impedir que define como o direito de tornar nula ou anular uma reso lução tomada por quem quer que seja e a de estatuir que atribui a um órgão constitucio nal controlar limitar ou contrabalançar o poder de outro órgão PIÇARRA 1989 p 111 24 A separação dos poderes na atualidade Os ensinamentos de Montesquieu repro duziramse por toda Europa continental e nos Estados Unidos da América foi criado o sistema de freios e contrapesos entre ór gãos constitucionais democraticamente elei tos direta ou indiretamente pelo mesmo povo soberano ficando estabelecida assim a separação dos poderes A prática consti tucional veio revelar que o sistema de frei os e contrapesos determinou afinal não um equilíbrio permanente entre os poderes se parados mas sim a predominância cíclica de cada um deles PIÇARRA 1989 p 184 A separação dos poderes foi associada por Montesquieu ao conceito de liberdade e de direitos fundamentais e acolhida pe los revolucionários franceses na Declara ção dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu art 16 toda sociedade onde a ga rantia dos direitos não esteja assegurada nem a separação dos poderes determinada não possui Constituição BONAVIDES 1999 p 156157 A separação dos poderes como limitadora do poder público preten de favorecer a abstenção do Estado garan tindo o gozo efetivo dos direitos de liberda de perante o Estado Surgida originalmente para impor a li berdade e a segurança individuais a redu ção do Estado pelo Direito conduziu a que a tripartição se convertesse numa teoria das funções estatais e que cada poder correspon deria a uma função estadual materialmente definida A função legislativa traduzida pela forma como o Estado cria e modifica o ordenamento jurídico mediante a edição de normas gerais abstratas e inovadoras a fun ção jurisdicional se destina à conservação e à tutela do ordenamento jurídico proferin do decisões individuais e concretas dedu tíveis das normas gerais e a função executi va concretizase quando o Estado realiza os seus objetivos nos limites impostos pelas normas jurídicas PIÇARRA 1989 p 248 Essa classificação baseiase na condição de que o Estado e o Direito se identificam Revista de Informação Legislativa 28 No entanto Kelsen 1992 p 263 refu tou essa classificação definindo que o con ceito de separação de poderes designa um princípio de organização política Ele pres supõe que os chamados três poderes podem ser determinados como três funções distin tas e coordenadas do Estado e que é possí vel definir fronteiras separando cada uma dessas três funções Constata mais adian te que não são três mas duas as funções básicas do Estado a criação e a aplicação do Direito e que é impossível atribuir a criação do Direito a um órgão e a sua aplicação exe cução a outro de modo tão exclusivo que ne nhum órgão venha a cumprir simultaneamen te ambas as funções KELSEN 1992 p 264 Nessa perspectiva não se pode distin guir material ou intrinsecamente em termos absolutos uma função estadual da outra Dessa forma Kelsen desestabilizou a teoria da separação dos poderes como teoria da diferenciação material das funções do Esta do PIÇARRA 1989 p 250 3 Conclusões A idéia de controle de fiscalização e de coordenação recíprocos tornouse o foco na separação dos poderes Os controles juris dicionais da legalidade da administração e da constitucionalidade da legislação evi denciam o avanço da atuação do Poder Ju diciário contrariando os ensinamentos de Montesquieu que lecionava ser a jurisdição um poder nulo Não há dúvida de que o controle juris dicional constituiu o núcleo central da se paração dos poderes no Estado constitucio nal contemporâneo Exemplos dessa situa ção está nas democracias brasileira estadu nidense alemã e italiana21 em que toda lei aprovada pode ser cassada por um órgão do Poder Judiciário Não obstante na terra natal de Montesquieu o exame da constitu cionalidade somente se dá antes da entrada em vigor da lei ainda na esfera dos seus projetos por um Conselho Constitucional de natureza política Nos dias atuais a separação dos pode res caracteriza a idéia de Estado constituci onal democrático e não existe país demo crático que não possua essa regra em sua Constituição De há muito ensina Duguit ser a separação absoluta de poderes uma ilu são que desde o ponto de vista lógico não pode conceberse isto porque qualquer ma nifestação de vontade do Estado exige o con curso de todos os órgãos que constituem a pessoa Estado22 Por tal razão a separação dos poderes deve ser encarada como princí pio de moderação racionalização e limita ção do poder político no interesse da paz e da liberdade modificandose como tudo no entreoshomens de acordo com as condições históricas de cada povo Notas 1 Cf DALLARI 1995 p 181 15 2 O Estado como é uma sociedade não pode existir sem um Poder e para a maioria dos autores o poder é um elemento essencial ou uma nota característica do Estado DALLARI 1995 p 93 3 Cf CAPPELLETTI 1999 p 94 4 Cf ARENDT 1998 p 23 5 Cf ARENDT 1998 p 24 6 Cf ARENDT 1998 p 24 7 Cf MONDIN 1981 p 82 8 Tal obra desapareceu restando um único frag mento que foi publicado em 1891 por Sir Frederico Kenyon 9 Cf NOVAES 1992 p 35 10 Cada forma política tem uma causa própria para sua corrupção A realeza degenera em tirania porque o rei começa a acumular riquezas e pode res a ter um exército próprio acreditando que pode tudo quanto queira A aristocracia degenera em oligarquia quando os aristocratas se tornam demagogos para obter para si os favores populares e quando formam facções rivais que se combatem enfraquecendo o poder o regime constitucional ou popular degenera em democracia porque os di rigentes se transformam em demagogos querendo os favores populares e permitindo que os ricos se aliem contra o governo os ricos por sua vez distri buem riquezas e promessas ao povo para obter seus favores e se aliam aos pobres a quem fazem favores para que estes cujo número é o maior do que o restante derrubem os governantes CHAUÍ 2002 p 472 Brasília a 43 n 169 janmar 2006 29 11 Cf MONDIN 1982 p 103104 12 Para Aristóteles todos os participantes dos três Poderes eram chamados de magistrados 13 Os dois Poderes típicos do Estado em Locke são o Legislativo e o Executivo pois quando o homem ingressa na sociedade civil renuncia aos poderes naturais de fazer leis e de punir aqueles que se rebelam BOBBIO 1997 p 232 14 Montesquieu em 1716 herdou de seu tio o cargo de membro do Parlement de Bordeau que era um órgão judiciário coletivo Exerceu a função até 1726 quando vendeu o cargo pois necessitava de dinheiro e também porque não sentia interesse em realizar aquele tipo de atividade Raymond Carré de Malberg apud DALLARI 1995 p 513 ensina que na França do século XVII e XVIII o ofício dos juízes que integravam os Parlements era conside rado um direito de propriedade tendo a mesma situação jurídica das casas e das terras Em tal situação a magistratura podia ser comprada ven dida transmitida por herança ou mesma alugada a alguém quando o proprietário não se dispunha a exercer a magistratura mas queria conservála para futura entrega a um descendente que ainda era menor de idade O ofício era rendoso pois a presta ção de justiça era paga havendo muitos casos de cobrança abusiva 15 O estudo feito por Montesquieu sobre a clas sificação das formas de governo não desterrou da ciência política o genial esboço de Aristóteles que com uma ou outra emenda perdura há mais de dois mil anos Das formas de governo resta o juízo certo que Montesquieu fez acerca do papel dos gru pos intermediários enquanto técnica auxiliar de conservação da liberdade consoante as fórmulas e os conceitos do Estado liberal BONAVIDES 1999 p 156 16 Podese incluir sem dificuldades a glória nesses princípios tal como conhecemos no mundo homérico ou a liberdade tal como a encontramos em Atenas do tempo clássico ou a justiça mas também a igualdade se entendemos entre eles a convicção da dignidade original de tudo que tem rosto humano ARENDT 1998 p 128 17 Hannah Arendt 1998 p 127 entende que todo agir político além do princípio do agir criado por Montesquieu possui mais três elementos o objetivo que persegue que só começa a aparecer na realidade quando a atividade que o produziu che gou a seu fim a meta que produz os parâmetros pelos quais deva ser julgado tudo que é feito e o sentido de uma atividade que só pode existir en quanto durar essa atividade 18 Livro Décimo Primeiro Das Leis que for mam a liberdade política em sua relação com a Constituição Capítulo IV Da Constituição da InglaterraMONTESQUIEU 2000 p 167 178 19 Cf DROMI 1982 p 36 Quem liga aos con ceitos divisão e separação conteúdos diferen tes e porventura contraditórios encontrase com isso em consonância com a linguagem comum Uma divisão seja ideal ou real pressupõe uma unidade e não exclui que uma parte fique de al gum modo relacionada com a outra enquanto que uma separação exige pelo menos duas unidades a separar uma da outra e conduz a que estas unida des subsistam completamente independentes uma da outra Cf LANGE apud PIÇARRA 1989 p 105 20 O pensamento de Montesquieu a respeito dos juízes implementouse na Constituição Francesa de 1791 que fixou a eletividade e a temporariedade dos juízes no entanto a Constituição de 1814 esta beleceu serem os juízes nomeados pelo rei Com o sistema republicano de 1848 foi mantida a desig nação dos juízes por nomeação com a indicação feita pelo Presidente da República tendo garantido aos juízes de primeira instância e dos tribunais a vitaliciedade A atual Constituição Francesa trata de autoridade judiciária e não de Poder Judici ário 21 A Corte Constitucional italiana se manifesta como sendo um órgão legislativo que profere de cisões com as quais não só se eliminam normas mas se criam de novo ou se transformam aquelas existentes adverte ao legislador que proceda de um determinado modo com a ameaça subentendi da de anular a lei eventualmente disforme e con trola o bom senso da lei que pode transformar se em um refazimento integral da escolha ope rada em sede legislativa ZAGREBELSKY 1997 p 513 22 Cf BONNARD R Leon Duguit Sés oeuvres Sa doctrine Revue de Droit Public et de la science politique en France et á létranger apud DUGUIT 1998 Referências ARENDT Hannah O que é política Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1998 Fragmentos das obras pós tumas copilados por Ursula Ludz ARISTÓTELES A política São Paulo Martins Fon tes 1991 Ética a Nicômaco Madrid Centro de Estú dios Políticos y Constitucionales 1999 Ética a Nicômacos 3 ed Brasília Editora Universidade de Brasília 2001 BOBBIO Norberto Locke e o direito natural 2 ed Brasília Editora Universidade de Brasília 1997 Revista de Informação Legislativa 30 BONAVIDES Paulo Teoria do estado 3 ed São Paulo Malheiros 1999 CAPPELLETTI Mauro Juízes legisladores Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1999 CHAUÍ Marilena Introdução à história da filosofia dos préSocráticos a Aristóteles 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2002 v I DALLARI Dalmo de Abreu Elementos de teoria ge ral do estado 19 ed São Paulo Saraiva 1995 DUGUIT L La separación de poderes y la Asamblea nacional de 1789 Madrid Centro de Estúdios 1998 DROMI José Roberto El poder judicial Argentina Unsta 1982 HARTMANN Nicolai Ontologia México Fondo de Cultura Econômica 1986 v I KELSEN Hans Teoria geral do direito do Estado São Paulo Martins Fontes 1992 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos Petrópolis Vozes 1994 MONDIN Battista Curso de filosofia São Paulo Paulus 1982 v 1 MONTESQUIEU Vida e obra São Paulo Nova Cultural 1997 Os pensadores O espírito das leis 2 ed São Paulo Martins Fontes 2000 O espírito das leis 6 ed São Paulo Saraiva 1999 NOVAES Adauto Ética São Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura 1992 PIÇARRA Nuno A separação dos poderes como dou trina e princípio constitucional Coimbra Coimbra Editora 1989 VASCONCELOS Pedro Bacelar de Cadernos de mocráticos n 3 Fundação Mário Soares Lisboa Gra diva 1998 ZAGREBELSKY Gustavo La giurisdizione consti tuzionale In AMATO Giuliano BARBERA Au gusto Manuale di diritto pubblico II Lorganizzazione costituzionale 5 ed Bologna Il Mulino 1997 Pensamento social da cidadania 02 Locke descreve os direitos naturais do homem no estado da natureza como sendo a vida a liberdade e a propriedade Ele argumenta que no estado da natureza os homens têm o direito de preservar suas vidas liberdades e propriedades e que todos são iguais nesse estado Os possíveis inconvenientes do estado da natureza que podem transformálo em estado de guerra incluem a falta de um juiz imparcial para resolver disputas a ausência de uma autoridade comum para impor a lei e a tendência dos homens em serem juízes em suas próprias causas o que pode levar a conflitos e disputas intermináveis 03 Maquiavel descreve a natureza humana como sendo dominada pela ambição pela busca de poder e pelo desejo de autopreservação Ele argumenta que os seres humanos são naturalmente egoístas e que estão dispostos a usar qualquer meio necessário para alcançar seus objetivos Maquiavel também enfatiza a importância do controle e da manipulação das massas para manter o poder político 04 Montesquieu defende a separação dos poderes como um meio de evitar o abuso de poder e garantir a liberdade e a justiça Ele propõe que o poder político seja dividido em três ramos legislativo executivo e judiciário e que cada ramo tenha funções distintas e independentes Dessa forma cada poder pode controlar e equilibrar o outro evitando assim a concentração excessiva de poder nas mãos de uma única pessoa ou instituição
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O que é poder A pergunta não é nada nova A questão do poder é co locada desde que o ser humano começou a pensar sobre si mesmo com o poder os fatos básicos da coexistência humana estão submetidos a exame Muitas são as respostas que foram dadas à questão do poder na história Entre elas vale a pena destacar a famosa definição de Max Weber uma referência para toda e qualquer investigação sobre o poder o poder como cada chance de impor dentro de uma relação social a vontade própria mesmo contra relutância não importando em que essa chance se baseia Weber 1922 cap 1 161 A definição é clássica e quase atemporal Quase pois na verdade o poder nunca permaneceu o mesmo No decorrer do tempo ele trocou permanentemente sua imagem seu nome e também seu lugar Quem se perguntar sobre o poder depois da modernidade o encontrará com outras representações outro nomes e outro lugares O que nós hoje denominamos poder era designado pelos gregos por meio de diversas palavras arché dynamis kratos tyranos e despoteia O É professor da Universidade de Regensburg Regensburg Baviera Alemanha Email karlfriedrich herbpolitikuniregensburgde 1 Uma primeira versão deste escrito foi apresentada no quadro de uma série de conferências destinadas aos pósgraduandos de Ciência Polílica da UnB O autor gostaria de agradecer à profa Marilde de Menezes e ao prof Paulo Nascimento ambos do Instituto de Ciência Política da UnB e ao prof Gerson Brea do Departamento de Filosofia da UnB pelo estímulo e pelas críticas ao presente texto A tradução das citações foi feita por Roberto Cataldo Costa Karlfriedrich Herb Além do bem e do mal o poder em Maquiavel Hobbes Arendt e Foucault Beyond good and evil perceptions of power in Machiavelli Hobbes Arendt and Foucault Revista Brasileira de Ciência Política nº10 Brasília janeiro abril de 2013 pp 267284 268 Karlfriedrich Herb poder político arché politike encontravase dentro dos muros da polis na comunidade política dos cidadãos Quando esses muros caíram e o latim tornouse a língua da filosofia o poder passou a ser chamado de auctoritas e potentia e a moverse entre ofício e prestígio estratégia e instituição cf Kobusch e OeingHanhoff 1980 p 585588 No contexto alemão a palavra poder tem sua origem nas formas verbais können e vermögen poder e ser ca paz No mundo dos conceitos o poder tem desde o início um concorrente a violência Violência Gewalt é derivada do verbo walten reinar e significa algo como ter força dispor sobre alguma coisa ou reger Desde então poder e violência encontramse em uma luta acerca da supremacia conceitual com alguma vantagem do lado do poder Todavia muitas vezes eles são usados indistintamente e ocupam o mesmo campo semântico Isso é até hoje assim No alemão também oscilamos entre poder e violên cia quando na verdade falamos da mesma coisa E como sempre atrás de tal indecisão escondese um grave problema filosófico Lá onde deliberamos sobre o poder falamos sem inibições de violência Numa tacada definimos conceitos como concentração de poder e monopólio de violência E o poder político vemos de preferência nas mãos do Estado perante o qual não senti mos tanto medo Afinal a autoridade do Estado como todas as constituições modernas asseguram provém de nós o povo Apesar disso sempre temos alguma desconfiança do poder Para grandes céticos como Jacob Burckhart o poder é essencialmente mau Burckhardt 2002 p 25 e muitos receiam ainda hoje que o poder possa perverter o caráter No Brasil o receio parece ser igualmente patológico e legítimo Diariamente a mídia alimenta tais receios Todavia mesmo aqui precisamos ser cautelosos Não contaminou o poder da mídia há muito tempo aquela confiança que no século XVIII foi atribuída à esfera pública ou seja ao quarto poder O que é então poder Sempre algo ameaçador Depende de repartições públicas Concede charme e carisma Mostrase em instituições Ou se esconderia dentro de sistemas e atrás de muros São questões como essas que gostaria de investigar no contexto moderno e nesse contexto dar a palavra a quatro autores Para todos eles o questionamento sobre o poder é fundamental e todas as quatro repostas tiveram influência marcante na filosofia política Nesse caso como de costume as respostas são tão diversas quanto a diversidade das perguntas O que une esses autores é uma tendência de situar o poder para além do bem e do mal ou seja todos eles oferecem 269 Além do bem e do mal certa apologia do poder O que os separa são as bases dessa defesa bem como as concepções do modo como poder e direito ser e dever se relacionam Maquiavel ou como lidar com o poder Em 1532 foi publicada a notória e famosa obra Il principe Isso fez de Maquiavel que a vida inteira aspirou em vão ao poder o primeiro clássico da modernidade política Sua atividade política prova a impotência sim a ineficácia do conselheiro e a fragilidade da reflexão política Apesar de todas as ambições a carreira política tão desejada pelo florentino fracassou E sua relação para com os governantes permaneceu precária Poderia ter tido sucesso Ou seja teria Maquiavel encontrado acesso ao poder se tivesse seguido suas próprias máximas A questão é especulativa fato é que a partir de sua obra nascida de uma frustração Maquiavel se tornou o herói da teoria política Seu nome ficou ligado eternamente ao poder E até hoje o maquiavelismo representa justa e injustamente a busca sem escrúpulos pelo poder Galileo da política Cassirer 1966 p 1302 Feiticeiro do poder esteta da violência König 1979 p 338 Educador do mal Strauss 1958 p 9 esses são alguns dos rótulos mais comuns Desde o início a história da recepção da obra de Maquiavel confundese com uma história de escândalos Sem dúvida suas reflexões sobre o poder são ao mesmo tempo ino vadoras e escandalosas Sua receita para o príncipe não tem nada mais em comum com os espelhos dos príncipes Fürstenspiegel ou seja com aqueles manuais bem intencionados dos príncipes antecessores Pelo contrário Ele documenta o desencanto completo do mundo político da Idade Média Na história não há a ação de Deus guiando o destino dos homens segundo um plano oculto de sua pretensa sabedoria E também a natureza não tem nada a ver com um reino claro de fins e propósitos que reserva para o indivíduo e a comunidade um lugar seguro e estável No universo do principe de Ma quiavel reinarão a fortuna o destino e a necessidade Estes determinarão agora os parâmetros da organização de toda política humana O sóbrio olhar de Maquiavel descobre uma política totalmente terrena e um ser humano completamente profano O desencanto do mundo externo se funde com o desencanto da natureza humana O homem não é mais aquele ser pacífico e sociável tão desejado pelos filósofos da antiguidade e 2 Cf Cassirer 1966 p 130 Assim como a dinâmica de Galileu se tornou a base de nossa moderna ciência da natureza Maquiavel abriu um novo caminho para a ciência política 270 Karlfriedrich Herb pelos teólogos da idade média Não é mais um zoon politikon um animal rationale e sociale ou um homo politicus mas sim um indivíduo domi nado por interesses e dirigido por desejos inesgotáveis Ambição esse o título para essa antropologia pessimista do príncipe Ela impulsiona a ação dos humanos para as mais diversas direções e se realiza nos mais diversos motivos da avidez humana na sede de glória no desejo de posse de lu cro e de poder A ambição pelo poder é central O poder deixa de ser um vício dos poderosos e tornase uma constante da natureza humana antes de toda política Dominar o outro para não ser dominado esse o moto dessa nova antropologia Maquiavel observa o comportamento do homem sem nenhuma piedade e projeta uma lista negativa do caráter humano Podese dizer em geral dos seres humanos que eles são ingratos inconstantes falsos hipócritas temerosos e gananciosos Machiavelli 1988 cap XVII Aquele que deseja conquistar e manter o poder político tem que contar com essa dimensão negativa tem que partir do pressuposto nas palavras do próprio Maquia vel de que todos os homens são perversos e que seguem sempre suas más inclinações assim que tenham uma oportunidade Machiavelli 1983 I 3 Esse caráter maligno da natureza humana está longe de ser uma hipótese pessimista ou um registro momentâneo de crise Tratase antes de um triste fato que determina toda política Maquiavel conta com o pior e definese de acordo com a produtividade do mal O príncipe é aquele que permite a fertilidade da maldade aquele que cuida das flores do mal Quem parte de tais fatos não deve ter nenhuma consideração por nor mas no cotidiano da política e nenhuma pretensão de transmitir valores Afinal não interessa a ele a vida política como ela deveria ser e sim como ela é O que está em jogo são os conhecimentos de fatos o cotidiano do poder Sem hesitação Maquiavel destrona duas grandes autoridades que governaram normativamente até então a doutrina da política a religião e a moral Ambas perdem a tutela sobre o poder político Com toda franqueza Maquiavel declara a religião como instrumentum regni como instrumento de domínio e colocaa a serviço da política A religião serve como cimento da comunidade política e como uma unidade de resgate nos casos em que a virtù do indivíduo está prestes a sucumbir O mesmo ocorre com a mo ral também ela tem que desaparecer da política ou se subordinar a essa ordem A moral da política transformase em política da moral 271 Além do bem e do mal Para Maquiavel normas e valores são fundamentalmente puras ima ginações Machiavelli 1988 cap XV que somente serão levadas a sério se servirem a objetivos políticos Dois exemplos o antigo virtus vai se transformar no moderno virtù Enquanto no mundo antigo a virtude se confundia com a boa política que se orientava pela justiça e pelo bem comum em Maquiavel a virtude passa a situarse entre o bem e o mal a partir de agora a virtude tornase uma ação política bemsucedida O mesmo destino acaba sofrendo a antiga prudência Se a prudentia até então se preocupava com o equilíbrio entre utilidade e justiça agora ela deve ser restringida a um mero cálculo de benefícios Maquiavel prefere fórmulas simples Prudente é aquilo que serve A nova prudentia dissipa todos os escrúpulos morais Em caso de dúvida todos os meios são justos sejam eles legítimos ou ilegítimos O príncipe dispõe de ambos os meios ele governa com astúcia e violência Maquiavel leva isso a sério engano crueldade e quebra de palavra cf Machiavelli 1833 p 26 tornamse meios legítimos da política Sobre o emprego desses meios decide o príncipe unicamente por meio do cálculo de poder Como todos sabemos o fim justifica os meios O que justifica o fim no entanto não diz Maquiavel Sua razão de Estado está sob o ditado dos fatos ela não quer mais saber do telos do fim último da política e da moral do poder Um olhar sóbriocruel sobre os fatos torna visíveis não somente os mecanismos mas também os abismos do poder De outro lado os próprios fundamentos jurídicos do poder permanecem ocultos A pergunta pela legitimidade do poder foi colocada por outros Hobbes ou como justificar o poder Até hoje permanece controverso quem inaugurou a política moderna Maquiavel ou Hobbes Hobbes mesmo resolve a polêmica a seu favor Con victo se declara o fundador da filosofia do direito moderno e contempla sua obra como aquela que pela primeira vez trata a política de modo realmente científico cf Hobbes 18371845 p 467 Tais pretensões de poder intelec tual eram alheias a Maquiavel Já em Hobbes elas não vêm do nada Ele está totalmente convencido de que a ciência sozinha irá colocar um fim na velha guerra secular das canetas e na atual guerra das espadas Desse modo Hob bes anuncia o credo da modernidade Scientia propter potentiam Hobbes 1967 I 6 Em suma saber é poder Como Maquiavel Hobbes desenha sua 272 Karlfriedrich Herb teoria sob o impacto da crise lá a luta pela supremacia no norte da Itália aqui as conturbações e tumultos da guerra civil na Inglaterra A experiência de anarquia é inspiração para o novo conceito de poder Como Maquiavel Hobbes é um grande cético da natureza humana Homo homini lupus est Hobbes 1966 De cive Ded é o primeiro princípio de sua antropologia política O homem é o lobo do homem pelo menos enquanto ele ainda não vive sob o domínio do Leviatã Também Hobbes é inicialmente fascinado pela empiria do poder Quando jovem traduz a Guerra do Peloponeso de Tucídedes e procura nas lições da história a moral para a política Desde cedo percebe que nenhum caminho conduz da civil history para a civil science da história para a ciência Hobbes 1991 cap IX A partir do conhecimento factual não é possível justificar reivindicações normativas Uma teoria filosófica do poder necessita de outros fundamentos Herb 2005 p 217227 Maquiavel pergunta como o poder pode ser conquistado e mantido Hobbes por sua vez quer saber o que torna o poder legítimo Ele coloca a quaestio juris Em outras palavras ele procura pela legitimação filosófica do poder Hobbes traduz o conceito de poder para a linguagem do contratualismo Com Hobbes o modelo do contrato tornase o protótipo para a justificação do estado moderno O poder essa é a ideia básica do Leviatã pode ser justificado tão somente a partir do livre arbítrio de cada um Antes contu do tem de ser esclarecido se e por que o poder é de modo geral necessário Hobbes recorre ao argumento do estado da natureza e seu diagnóstico do estado natural da humanidade é muito claro Não há harmonia o conflito determina a conditio humana Sendo assim o que quer que seja consequente com um tempo de Guerra onde todos os homens são inimigos de todos os outros também o é com o tempo em que todos os homens vivem sem outra segurança além da que lhe proporcionam sua própria força e sua própria criatividade Nessas condições não há lugar para a Indústria porque seu fruto é incerto e consequentemente nenhuma cultura da Terra nenhuma nave gação nenhum uso das mercadorias que possam ser importadas pelo Mar nenhuma construção conveniente nenhum Instrumento para se deslocar ou deslocar coisas que requeiram muita força nenhum Conhecimento da face da Terra nenhum registro do tempo nada de Arte nada de Letras nada de Sociedade e pior do que tudo medo permanente e risco de morte violenta e a vida do homem solitária pobre sórdida embrutecida e curta Hobbes 1991 cap XIII 273 Além do bem e do mal Enquanto sujeitos de liberdade e de poder os homens conduzem uma luta permanente por sobrevivência e reconhecimento uma luta em que há somente perdedores Pelo fato de todos possuírem um direito natural sobre tudo e assim tudo estar no poder de cada um a concorrência ruinosa é ine vitável Sob tais condições qualquer estratégia de poder mesmo a agressão preventiva está condenada ao fracasso Ou nas palavras do próprio Hobbes se todos possuem o poder igual então ele não significa nada Hobbes 1966 De homine VI 6 A partir desse equilíbrio devastador entre poder e impotência a guerra de todos contra todos Hobbes 1991 cap XIII o contrato se apresenta como única saída possível ele monopoliza o poder nas mãos do soberano Visto a partir do caos do estado natural o poder do Estado irradia desde o início uma luz brilhante ele garante autopreservação individual e paz social Para além de todos os seus motivos o poder aqui serve a um propósito positivo Ele domina o medo de uns diante dos outros e pacifica suas relações Somente esse poder está em condições de estabelecer a paz entre os homens O contratualismo de Hobbes descreve o caminho legal para o poder To dos concordam contratualmente em abdicar em favor do soberano de seu precário direito a tudo A partir de agora ele pode dispor sem concorrência sobre seu poder natural o soberano recebe o monopólio do exercício legítimo de coerção O contrato realiza ainda mais ele autoriza o soberano a agir em nome da parte contratante Por meio desse ato o soberano tornase o repre sentante do cidadão Hobbes investe tudo a fim de revestir o soberano com a plenitude máxima do poder Como legislador ele é legibus solutus excluído de todas as leis Monarquia aristocracia democracia todas elas dispõem sobre a mesma quantidade de poder absoluto Aqui não há para Hobbes possibilidades de negociação esse absolutismo é a condição de existência do direito positivo e da paz social Na figura do soberano confluem poder e direito pois o que é válido no direito depende somente de sua decisão soberana Auctoritas non veritas facit legem Hobbes 1991 cap XXVI Não a verdade mas sim o poder decide o que é certo e justo Quem deseja aqui uma demarcação institucional do poder do soberano ficará desapontado Hobbes reage de forma alérgica a exigências de separação de poderes e de controle da violência Ele vê nisso uma contradição para a soberania Uma constituição mista levaria o soberano à loucura Onde faltam as instituições a moral deve ajudar Hobbes confia na moral do soberano 274 Karlfriedrich Herb Em contradição com Maquiavel ele submete o soberano à exigência das leis naturais aos comandos de Deus e à razão natural Aparentemente Hobbes acredita ser possível com apelos morais disciplinar o poder Hobbes ignora o perigo de que a posse de tão grande poder pudesse vir a corromper o so berano Mais ainda ele aposta nos efeitos positivos do uso do poder e espera até mesmo uma purificação da busca pelo poder Podemos duvidar se essa confiança é mesmo compatível com as próprias premissas antropológicas de Hobbes Afinal ele assume para o homem uma vontade insaciável de poder Por que então justamente o soberano deveria estar livre desse perpetual and restless desire of Power after Power Hobbes 1991 cap XI esse desejo inesgotável de poder e mais poder Não é portanto sem razão que os sucessores de Hobbes permanecerão desconfiados e procurarão formas eficientes para delimitar o poder Para eles a pergunta pelo poder colocase imediatamente como pergunta por suas fronteiras e barreiras O liberalismo fará dessa questão seu objetivo principal O controle do vigilante custodes transformarseá no novo desafio da teoria do poder poder legítimo também deve ser domado John Locke coloca em xeque o Leviatã por meio da lei natural e da teologia ele quer principalmente limitar a soberania cf Locke 1990 Montesquieu por sua vez busca refúgio na separação dos poderes do estado O poder deve ser restringido por meio do poder le pouvoir arrête le pouvoircf Mon tesquieu 1951 XI 4 Rousseau joga outra carta ele vê na democracia um poder novo que não ameaça a ninguém porque parte de todos cf Rousseau 1964 A souveraineté une et indivisible3 não precisa de nenhum guardião da constituição Só a quinta república francesa vai se emancipar da herança de Rousseau Para além do Atlântico também não é difícil perceber certa desconfiança da soberania e do poder do povo Os federalistas procuram com seu realismo a proteção das instituições checks and balances como resposta ao estigma humano cf Hamilton Madison e Jay 2005 Aqui é como se o ceticismo de Hobbes acerca do ser humano se deslocasse para os detentores do poder democrático Por mais diversos que sejam esses esforços para disciplinar o poder colocam marcas no caminho do estado de direito liberal como nós o conhe cemos hoje Poderíamos classificar Hobbes nessa tradição liberal Algumas 3 Cf Constitution française du 3 septembre 1791 Préambule art 1 e Déclaration des droits de lhomme et du citoyen de 1789 275 Além do bem e do mal evidências levam a isso afinal ele confere ao poder uma origem democrática e procura limitar seu raio de ação A vida interior dos súditos é um tabu para o poder de estado Já por isso Hobbes não pode ser considerado precursor do totalitarismo Hitler e Stalin tiveram certamente outros mentores Hannah Arendt ou onde aparece o poder Totalitarismo essa palavra nos conduz à terceira teoria do poder e com isso diretamente ao século XX Origens do totalitarismo assim se chama o livro em que Hannah Arendt tratou dos regimes violentos do século XX Já o título reflete a tentativa de especificar aquilo que é inédito e comum no na zismo e no stalinismo Como sabemos essa investigação tornase um marco decisivo na pesquisa do totalitarismo e promove a autora internacionalmente Nascida como judia na Alemanha e se tornado apátrida pelo regime nazis ta Hannah Arendt não teve como se esquivar do fenômeno do totalitarismo A princípio ela desejava se dedicar exclusivamente à filosofia No entanto após 1933 Arendt encontra seu tema no conflito entre filosofia e política entre saber e poder Hoje celebrada como a grande pensadora política do século XX Arendt compreendeuse a si mesma como pária na sociedade fechada dos filosófos Até mesmo o título de filósofa política rejeitou veemen temente Eu não pertenço à liga dos filósofos Minha profissão se é que se pode falar em profissão é a teoria política A propósito eu nem considero ter sido admitida na liga dos filósofos Arendt 1996 p 44 O confronto com o totalitarismo a conduz para a primeira reflexão sobre o fenômeno do poder A historiografia empreendida por Hannah Arendt quer conceituar tanto os elementos inéditos como todas aquelas tradições destru ídas pelos regimes totalitários Isso se mostra acima de tudo na pretensão absoluta de poder nesses regimes De acordo com sua tese esses regimes cunham representações de poder até agora desconhecidas Arendt 2009a p 864 e estabelecem um princípio totalmente novo de realidade e poder Arendt 2009a p 867 É característica central de todo poder totalitário emanciparse inteiramente de toda e qualquer legitimação democrática Em vez de apoiarse no consenso dos cidadãos ele confia exclusivamente em sua própria força e potência Arendt 2009a p 865 O poder totalitário alimentase única e exclusivamente da violência Com isso as instituições serão destituídas de qualquer sentido democrático tornandose figuras meramente decorativas 276 Karlfriedrich Herb Assim como Montesquieu que ressaltara para cada forma de estado clássica um princípio próprio honra para a monarquia virtude para a república etc Montesquieu 1951 Hannah Arendt procura o princípio dos regimes totalitários Ela encontra isso no terror O terror aniquila todas as relações entre os homens através da destruição do espaço da liberdade Arendt 2009a p 970 Sistemas totalitários corrompem a esfera pública conduzindo ao abandono do ser humano dentro de uma sociedade atomi zada Com isso o indivíduo sofre uma dupla perda a perda do mundo público e a perda do mundo privado Primeiro se perde o cidadão depois o próprio homem Arendt 2009a p 663702 Isso mostra que essa patologia do totalitarismo pode ser intensificada Ela culmina na criação de campos de concentração Aqui não somente o humano será eliminado mas também toda e qualquer lembrança dele A perversão extrema do poder total atinge seu apogeu em um sistema do esquecimento Arendt 2009a p 929 Perante tais abismos e aspectos sombrios do poder haveria ainda outro caminho Não seria o poder algo essencialmente ligado ao mal Como expressão até mesmo do mal radical ou de sua suposta banalidade Arendt 1999 A obra filosófica de Hannah Arendt não atende a essa expectativa Sua principal obra A condição humana Arendt 1965 1960 coloca a pergunta do poder sob uma perspectiva diferente A patologia desemboca em uma fenomenologia do poder Por meio da reflexão sobre as origens da política nos gregos ela demonstra o que o poder foi e o que ele poderá ser A con dição humana quer renovar o conceito de política a partir do espírito da antiguidade política isto é a ação dos cidadãos no espaço público Nesse espaço Arendt encontra o lugar mágico do poder Somente nesse entre que é produzido no encontro dos cidadãos livres e iguais o poder legítimo pode surgir O poder é o que mantém a existência da esfera pública o espaço potencial de aparência entre homens que agem e que falam o poder surge entre os homens quando eles agem juntos e desaparece no momento em que se dispersam Arendt 1965 p 200 Hannah Arendt invoca a pureza da política Para que o poder político brote a partir de ações conjuntas de forma não contaminada o espaço público tem que estar hermeticamente fechado Apenas assim o poder legítimo pode se afirmar contra as exigências do so cial e do privado No fundo Arendt vê o espaço público permanentemente ameaçado não somente nas catástrofes do século XX Já com a ascensão da 277 Além do bem e do mal sociedade no começo dos tempos modernos a atrofia da política tornase uma ameaça constante A burocracia moderna aparece como um fantasma assustador transformando os cidadãos em animais laborantes e a política em máquinas administrativas Para avaliar a extensão da vitória da sociedade na era moderna sua substituição inicial da ação pelo comportamento e a substituição posterior do governo pessoal pela burocracia o governo de ninguém pode convir lembrar que essa ciência inicial da economia que substituiu padrões de comportamento apenas nesse campo um tanto limitado da atividade humana foi seguida finalmente pela pretensão abrangente das ciências sociais que como ciências comportamentais visam a reduzir o homem como um todo em todas as suas atividades ao nível de um animal condicionado e comportado Arendt 1965 p 45 Como então se criar uma esfera pública diante de tais tendências E como garantir a criação autêntica do poder político A proposta de Hannah Arendt é desafiadora Sua aposta no poder comunicativo não conduz ao estado de direito democrático Arendt suspeita da representação política e da política como vocação pois ambas aliviam o cidadão do peso da existência política O poder permanece legítimo apenas quando se encontra nas mãos dos citoyens Arendt reconhece na república dos conselhos Räterepublik um refúgio em que o poder político pode resistir aos ataques do mundo moderno Dessa forma os exemplos históricos que Hannah Arendt nos apresenta tornamse plausíveis Ela não esconde sua simpatia pelas sociétés populaires na França revolucionária pelos soviéticos russos pela revolta popular húngara e pelos movimentos estudantis cf Arendt 1988 Em todos esses casos Arendt acredita descobrir a formação espontânea do poder como testemunhos vivos da liberdade no espaço público A revolta estudantil de 1968 também estimula Hannah Arendt a refle tir mais uma vez sobre a questão On violence ou em alemão Macht und Gewalt poder e violência é o título para essa segunda defesa do poder político defesa que é precedida por um ataque aos teóricos do poder Todos esses não teriam até agora reparado a diferença fundamental entre poder e violência Apenas quem identifica essa diferença específica está em condições de evitar a discriminação do poder e desmascarar ações não políticas como violência De fato Hannah Arendt eleva poder e violência a uma contradição irreconciliável nesse contexto poder representa as possibilidades positivas 278 Karlfriedrich Herb da política e violência representa desvios da dominação política Onde o poder governa não há lugar para a violência Conceitualmente falando isso significa o Poder é de fato essencial a todos os estados inclusive a todos os tipos de grupos organizados ao passo que a violência não o é A violência é instrumental por natureza assim como todos os meios e instrumentos requer um fim que orienta e justifica seu uso A violência bruta ocorre quando se perde o poder Arendt 2009b p 52 55 Esse maniqueísmo tem seus pontos fortes mas também muitos pontos fracos De um lado ele permite que as condições que instituem legitimi dade política se tornem palpáveis isto é a garantia do espaço público Raramente o sonho republicano de uma ação política comum foi tão vivo como em Hannah Arendt Questionável é entretanto a defesa ofensiva do poder uma vez que proíbe qualquer espécie de contato com a violência e além disso suspeita em toda a parte traições do poder A violência é em si mesma algo mau que não pode de maneira alguma ser reconhecido como momento necessário nem mesmo como fenômeno marginal do poder O poder instrumental exigido por todo poder legítimo está inserido inevita velmente na esfera da violência e não pode portanto ser preservado A tentativa arendtiana de reabilitar o poder político tornase dessa maneira um empreendimento questionável É sem dúvida tentador pensar um poder que se nutre somente da po lítica comum e que consegue dispensar todo tipo de violência Mas o preço a ser pago aqui pode ser muito alto a saber um grande distanciamento da realidade O conceito de poder de Hannah Arendt deixa claras as falhas da política moderna A fim de corrigilas ela prescreve à sociedade uma terapia draconiana Para que o poder possa vir a ser aquilo que ele deve ser a sociedade não pode permanecer o que ela é A reflexão moderna sobre a antiguidade conduz inevitavelmente à aporia A promessa de uma unidade entre política e poder revelase finalmente boa demais para ser verdade Ela cultiva apenas o malestar da modernidade Michel Foucault ou onde o poder se torna visível Hannah Arendt descobre o lugar mágico do poder na esfera pública em que os seres humanos lutam como cidadãos por reconhecimento recíproco Seu ideal hermético procura a proximidade com a antiguidade e distanciase dos instrumentos modernos de poder e de seus imaginários Tal malestar 279 Além do bem e do mal diante da cultura moderna encontramos também em Michel Foucault Entretanto Foucault procura os cenários principais do poder não mais na antiguidade ou na era do totalitarismo e sim na passagem do século XVIII para o XIX Aqui ele vê surgir um novo tipo de poder e ao mesmo tempo o indivíduo moderno Os novos heróis e vítimas da modernidade foucaul tiana se chamam poder disciplinar e indivíduo disciplinar Foucault 1994 O que significa disciplina Foucault sabe a partir de suas próprias vivências Ele passa pelo adestramento da formação acadêmica de elite e se submete aos rituais da ciência Em 1970 assume a cátedra na College de France con quistando o centro do poder da inteligência acadêmica Ao voltarse para as ciências humanas e sociais o filho de médico espera poder se libertar da herança do pai mas fica ainda assim preso a ela O nascimento da clínica é como sabemos o título de uma de suas primeiras obras A relação entre doença e saúde entre patologia e normalidade entre exceção e regra é isso o que vai ocupar Foucault ao longo de sua vida Revelar na marginalidade o essencial é sua intuição teórica Isso vale também e sobretudo para a seguinte questão o que é o poder Alienação e sociedade Vigiar e punir O nascimento da clínica já os próprios títulos denunciam a mudança na estratégia de pesquisa Foucault não procura mais o poder em seu pretenso cerne e sim o rastreia nas mar gens da sociedade Não Versailles ou Champs Elysées mas sim a clínica e a prisão serão agora as referências nessa nova topografia do poder Não que a periferia se torne um novo centro do poder O fato é que os mecanismos de poder permitem aqui ser mais facilmente diagnosticados Não há mais espaço para lugares mágicos ou corpos simbólicos O que caracteriza o po der moderno é muito mais a ausência de lugar e visibilidade Por meio de uma microfísica Foucault quer desvendar o véu do poder Seu segredo será traduzido em uma fórmula nominalista O poder é o nome que se dá a uma situação complexa em uma sociedade Foucault 1982 p 114 Essa definição nos faz lembrar vagamente Hannah Arendt Também nela o poder não é característica de um homem de uma classe ou de uma instituição mas sim um fenômeno relacional Hannah Arendt pretendia compreender essas relações apenas dentro dos limites estreitos da esfera pública Para Foucault o poder encontrase por toda parte Ele não conhece lugares proibidos nem privilegiados para sua aparição O poder governa em toda parte e em parte alguma Ele lança uma rede sobre a sociedade Nessa 280 Karlfriedrich Herb rede todos os indivíduos encontramse igualmente presos como objetos e sujeitos do poder Todos estão sempre em uma posição na qual vivenciam e praticam esse poder simultaneamente Em outras palavras o poder não vai ser aplicado sobre os indivíduos ele passa através deles Foucault 1978 p 82 Embora descreva essa rede às vezes como sistema prisional Foucault compreende o poder não como mero mecanismo de repressão Também para ele o poder encontrase além do bem e do mal O poder não é o mal radical nem a corrupção dos seres humanos Pelo contrário O poder é in teiramente produtivo ele transforma cada um em um indivíduo em um sujet A língua francesa assim como o idioma português sublinha a ambiva lência da individualidade moderna Sujet sujeito pode ser traduzido tanto por subordinado como por sujeito Nessa zona de atrito entre submissão e autonomia Foucault situa o surgimento do sujeito moderno Subjetivação como humanização normalização como individualização com essas grandes palavras seria possível descrever a gênese do indivíduo moderno desde o Iluminismo Como dissemos Foucault privilegia o olhar sobre as margens da sociedade Assim essa gênese pode ser descrita de forma exemplar nas transformações das práticas penais na França do século XVIII e XIX Foucault 1994 Antes da revolução o infrator submetiase a cruéis punições públicas e corporais O ato público deveria tornar visível o poder do rei e ao mesmo tempo recuperar a ordem soberana Após a revolução o disciplinamento ocorre ao contrário na obscuridade seu objeto não é mais o corpo mas sim a alma ela é disciplinada por meio do adestramento sutil do corpo Tal poder disciplinar aparece como tipo ideal na visão do Panóptico de Bentham A arquitetura ideal da prisão deixa os inspetores invisíveis e os controlados expostos ao olhar permanente do poder Dessa forma o controle invisível tornase finalmente autocontrole O poder visível passa a ser total mente dispensável Foucault não se cansa de acentuar a íntima ligação entre poder e conhecimento Ambos trabalham lado a lado no disciplinamento do indivíduo Assim o trabalho corporal dos prisioneiros será analisado minuciosamente e sua execução vigiada meticulosamente A partir dessa pequenez e mesquinhez constata Foucault laconicamente nasceu o ho mem do humanismo moderno Foucault 1994 p 181 É óbvio que essa constatação ataca o projeto do Iluminismo nos seus sólidos fundamentos A provocação é intencional 281 Além do bem e do mal Foucault levanta veemente protesto contra as teorias modernas de poder desde Hobbes Elas acobertaram o poder com concepções jurídicas de poder entenderam mal as relações de poder como relações jurídicas e deixaram se deslumbrar pela figura do soberano A cabeça do rei tem que rolar essa é a máxima da pesquisa jacobina de Foucault Não no corpo simbólico do rei mas sim nos corpos disciplinados do indivíduo é que o poder se torna visível Além disso os teóricos modernos do poder se enganaram em seus princípios de fundamentação Para Foucault o poder não é mais um produto da ação coletiva A lógica do contratualismo tem que ser invertida Não são os indivíduos que produzem o poder e sim o poder que cria o indivíduo Por mais reveladora que possa parecer a análise do poder de Foucault não pode ser confundida com uma crítica do poder em sentido próprio pois para Foucault de modo muito semelhante a Maquiavel o poder se constitui de maneira autônoma seu nomos não se submete a nenhuma outra lei O poder não pode ser compreendido valorado ou criticado de fora Tudo que é já é submetido ao poder A rede do poder em que o indivíduo moderno se encontra enlaçado acaba finalmente aprisionando até mesmo o filósofo De tal poder não há escapatória O saber também não liberta ao contrário ele torna as malhas da rede ainda mais estreitas A crítica da modernidade empreendida por Foucault descarta prematu ramente os instrumentos críticos necessários para colocar o próprio poder em questão Direito lei vontade liberdade soberania esses conceitos não podem sustentar nenhuma crítica no campo de poder da teoria foucaultiana Para os princípios dos direitos humanos para a autonomia e para a legitimi dade democrática não há mais lugar Foucault arruína o direito como meio de crítica do poder Para fortalecer o projeto moderno a favor da própria modernidade a história pósmoderna do indivíduo tem que ser reescrita Também a pergunta do poder teria que ser novamente colocada A última palavra sobre o poder não deveria ser a de Foucault Referências ARENDT Hannah 1960 Vita activa oder Vom tätigen Leben Stuttgart W Kohlhammer 1965 The human condition Chicago University of Chicago Press 282 Karlfriedrich Herb 1988 Da revolução São Paulo Ática Brasília Editora da UnB 1996 Fernsehgespräch mit Günter Gaus em LUDZ Ursula ed Ich will verstehen München Piper 1999 Eichmann em Jerusalém um relato sobre a banalidade do mal Trad José Rubens Siqueira São Paulo Companhia das Letras 2009a Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft München Beck 2009b Macht und Gewalt München Piper BURCKHARD Jacob 2002 1905 Weltgeschichtliche Betrachtungen em Werke kritische Gesamtausgabe vol 7 Basel Schwabe CASSIRER Ernst 1966 The myth of the State London New Haven FOUCAULT Michel 1978 Dispositive der Macht Berlin Merve Verlag 1982 Sexualität und Wahrheit I Frankfurt am Main Suhrkamp 1994 Überwachen und Strafen Frankfurt am Main Suhrkamp HAMILTON Alexander MADISON James JAY John 2005 The fed eralist With letters of Brutus Cambridge Cambridge University Press HERB Karlfriedrich 2005 Lavenir de la république sur la lecture con tractualiste de lhistoire chez Hobbes et Kant em FOISNEAU Luc THOUARD Denis dirs De la violence à la politique Kant et Hobbes Paris Librairie Philosophique J Vrin HOBBES Thomas 18391845 A minute or first draught of the optiques em The English works of Thomas Hobbes of Malmesbury vol 7 Edição de William Molesworth London Bohn 1966 Vom Menschen Vom Bürger Hamburg Felix Meiner 1967 Vom Körper De corpore Elemente der Philosophie I Hamburg Felix Meiner 1991 Leviathan Cambridge Cambridge University Press KOBUSCH Theo OEINGHANHOFF Ludger 1980 Macht I em RITTER Joachim GRÜNDER Karlfried eds Historisches Wörterbuch der Philosophie vol 5 Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft KÖNIG René 1979 Niccolò Machiavelli zur Krisenanalyse einer Zeiten wende München Carl Hanser 283 Além do bem e do mal LOCKE John 1990 Two treatises of government Cambridge Cambridge University Press MACHIAVELLI Niccolò 1833 Das Leben Castruccio Castracanis em Sämtliche Werke vol 2 Edição de Johannes Ziegler Karlsruhe Groos 1983 The discourses London Penguin 1988 The Prince Cambridge Cambridge University Press MONTESQUIEU CharlesLouis de Secondat Baron de la Brède et de 1951 De Lesprit de lois Œuvre Complètes Edição de Roger Caillois Paris Gallimard ROUSSEAU JeanJacques 1964 Du contrat social ou Principes du droit politique em Œuvre complètes vol 3 Edição de Bernard Gagnebin e Marcel Raymond Paris Gallimard STRAUSS Leo 1958 Thoughts on Machiavelli Glencoel The Free Press WEBER Max 1922 Wirtschaft und Gesellschaft Tübingen Mohr Resumo O poder é mau por natureza Está sempre em mãos erradas Não Essa é a resposta dada pelos clássicos da política moderna Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes Maquiavel desconfia das promessas antigas do bom regime e da virtude humana Ele baseia o poder político na produtividade do mal Apesar de compartilhar o profundo pessimismo antropológico de Maquiavel Hobbes baseiase na virtude do soberano o Leviatã suprime a guerra perpétua No século XX a apologia filosófica pelo poder assume uma forma diferente Hannah Arendt separa a violência instrumental do poder comunicativo trans formando a ágora num lugar mágico do poder Contrariamente Michel Foucault nega a existência de qualquer lugar privilegiado para ocorrência do poder Para ele o poder torna se uma rede de relações sociais combinando sujeição e criatividade de forma ambígua Palavraschave poder violência legitimação antropologia política saber virtude Abstract Is power bad by nature Is it always in the wrong hands No This is the answer given by the political classics of Modern Age Niccolò Machiavelli and Thomas Hobbes Machiavelli distrusts the ancient promises of good regime and human virtue He bases political power on the productivity of the evil Despite sharing Machiavellis profound anthropological pessimism Hobbes relies on the virtue of the sovereign the Leviathan does away with 284 Karlfriedrich Herb perpetual war In the 20th century the philosophical apologia for power assumes a differ ent shape Hannah Arendt separates instrumental violence from communicative power turning the agora into the magic place of power Contrary to that Michel Foucault denies the existence of any privileged place of power For him power becomes a network of social relationships ambiguously combining subjection and creativity Keywords power violence legitimacy political anthropology knowledge virtue Recebido em 13 de novembro de 2011 Aprovado em 10 de julho de 2012 Brasília a 43 n 169 janmar 2006 21 Angela Cristina Pelicioli 1 Introdução É certo que a teoria da separação dos poderes tem desempenhado um papel pri mordial na conformação do chamado Esta do Constitucional Utilizase o termo sepa ração dos poderes mas sabese que o poder do Estado é uno e indivisível1 Em verdade esse poder2 é exercido por vários órgãos que possuem funções distintas Como conseqüência dessa teoria os Po deres Executivo Legislativo e Judiciário são poderes políticos3 No entanto como cada homem em si é apolítico4 uma vez que a política surge no entreoshomens portanto totalmente fora dos homens5 e é essa mes ma política que organiza de antemão as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às di ferenças relativas 6 devese constatar que o poder do Estado somente deve existir para cumprir e manter a paz na sociedade e asse gurar o gozo da liberdade Transcorrido o tempo os poderes políti cos transformaramse e o Poder Judiciário passou a ter uma função de maior destaque qual seja a de estabelecer o equilíbrio entre A atualidade da reflexão sobre a separação dos poderes Angela Cristina Pelicioli é Procuradora do Estado de Santa Catarina Mestre em Ciências Jurídicas Processo Civil pela Universidade Clássica de Lisboa Doutoranda em Direito Pro cessual Civil pela Pontifícia Universidade Ca tólica do Rio Grande do Sul Sumário 1 Introdução 2 A evolução da separação dos poderes 21 A separação dos poderes em Aristóteles 22 A separação dos poderes em John Locke 23 A separação dos poderes em Montesquieu 24 A separação dos poderes na atualidade 3 Conclusões Revista de Informação Legislativa 22 os Poderes Executivo e o Legislativo redefi nindo assim o papel do juiz A separação dos poderes que em últi ma instância objetiva manter a paz na soci edade e assegurar o gozo da liberdade evi tando a arbitrariedade e o autoritarismo pode estar nos dias atuais em cheque caso não se esclareçam com a maior precisão possível as legítimas esferas de atuação de cada Poder Para tanto é necessário examinar a evo lução histórica da separação dos poderes desde Aristóteles até hoje para situar os valores que nutrem cada povo em cada épo ca no tocante aos seus Poderes e em razão das suas necessidades históricas e culturais pois como ensina Nicolai Hartmann 1986 p 23 a cambiante validez de determina dos valores em determinado tempo não sig nifica seu nascer e perecer ao correr da histó ria O câmbio não é mutação dos valores mas mudança de preferência que prestam deter minadas épocas a determinados valores 2 A evolução da separação dos poderes 21 A separação dos poderes em Aristóteles Aristóteles filósofo grego que nasceu em 384 aC e morreu em 322 aC escreveu so bre muitos assuntos das ciências à lógica Tornouse no entanto célebre por suas obras filosóficas como a Metafísica a Física a Éti ca a Nicômaco a Política Da alma Da Ge ração e da Corrupção e a Poética7 A obra Constituições8 de Aristóteles teve como objeto um estudo histórico e político de to das as formas de governo e de poder exis tentes na época Esse trabalho foi a base para Aristóteles elaborar a sua obra mais com pleta A Política Na Ética a Nicômaco Aristóteles 2001 p 18 define a política como sendo aquela que estrutura as ações e as produ ções humanas e ensina que a ciência polí tica usa as ciências restantes e mais ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre aquilo de que devemos absternos A ética e a política estão intrinsecamen te unidas na obra de Aristóteles 1999 tan to que a Ética a Nicômacos insere um pla no que se idealiza na obra A Política A ética está subordinada à política ciência prática arquitetônica que tem por fim o bem propriamente humano9 A Política que estuda não apenas os poderes políticos mas também a estrutura e o comportamento das autoridades adminis trativas e judiciárias atesta que os elemen tos do Estado são a população o território e a autoridade política Inicia seu estudo definindo o homem como um animal cívico mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos ARISTÓTELES 1991 p 4 O ho mem civilizado é o melhor de todos os ani mais entretanto aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos ARISTÓTELES 1991 p 5 Esse homem se reúne para formar uma sociedade pois de outro modo não poderia satisfazer suas ne cessidades físicas e intelectuais O respeito ao direito forma a base da vida em socieda de e os juízes são os seus primeiros órgãos A finalidade do Estado é facilitar a con secução do bemcomum conseqüentemen te o próprio bemcomum Para Aristóteles as Constituições possíveis são justas e in justas sendo as primeiras as que servem ao bemcomum do povo e não só aos governan tes e as segundas as que servem ao bem dos governantes e não ao bemcomum Nesse segundo caso estáse tratando do pereci mento do Estado e da corrupção do regime político10 As Constituições justas são as di vididas em monarquia que é o governo de um só que cuida do bem de todos aristocra cia que é o governo dos virtuosos que cui dam do bem de todos sem atribuirse privi légios república que é o governo popular que cuida do bem de toda a cidade E as Constituições injustas dividemse em tira nia que consiste no governo de um só que procura o interesse próprio oligarquia de finida como governo dos ricos que procu ram unicamente o bem econômico próprio Brasília a 43 n 169 janmar 2006 23 e democracia que consiste no comando da massa popular em diminuir toda a diferen ça social11 Para Aristóteles 1991 p 93 o gover no é o exercício do poder supremo do Esta do tendo todo governo três Poderes No Livro III Capítulo X da obra A Política define quais são os Poderes a sua estrutura e as suas funções cabendo ao legislador prudente acomodálos da forma mais con veniente e quando essas três partes estive rem acomodadas é que o governo será bem sucedido O cidadão será o homem adulto livre nascido no território da cidade ou do Estado e também aquele que participar e votar diretamente nos assuntos políticos dos três Poderes Portanto ser cidadão é ter Po der Legislativo Executivo e Judiciário CHAUÍ 2002 p 467 Assim para Aristóteles o primeiro Po der é o deliberativo ou seja aquele que deli bera sobre os negócios do Estado Esse Po der corresponde ao Legislativo e a Assem bléia tem a competência sobre a paz e a guer ra realizar alianças ou rompêlas fazer as leis e suprimilas decretar a pena de morte de banimento e de confisco assim como pres tar contas aos magistrados12 O segundo Poder compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos isto é aqueles de que o Estado precisa para agir suas atribuições e a maneira de satisfazê las ARISTÓTELES 1991 p 113 Este Po der corresponde ao Poder Executivo e é exer cido por magistrados governamentais mas somente os que participassem do poder pú blico é que deveriam assim ser chamados Ensina que as magistraturas devem ser cria das para se formar um Estado Quais são absolutamente necessárias para que um Estado possa existir Quais as que foram criadas para a boa ordem e para o bem estar sem as quais a vida civil não seria muito agradável ARISTÓTELES 1991 p 117 As funções essenciais para Aristóteles são as seguintes a encarregado de abaste cimento de alimentos nos mercados b ad ministrador dos edifícios públicos e priva dos das construções da conservação das ruas dos limítrofes das propriedades pelo ofício da polícia urbana c a dos agrôno mos ou guardasflorestais d encarregado das rendas públicas e funcionário para receber contratos privados escrever os jul gamentos dos tribunais e redigir petições e citações em justiça f executor das senten ças de condenação pregoeiro de bens apre endidos e o de guarda das prisões g co mandos de praças e outros oficiais milita res h auditor ou inspetor de contas ou gran de procurador Afirma que a diversidade das formas de governo acarreta alguma di ferença entre as funções das magistraturas Aponta as três questões principais para es colha dos magistrados A quem cabe nome ar os magistrados De onde devem ser tira dos E como proceder Responde às inda gações ensinando que as nomeações serão realizadas por todos cidadãos ou apenas alguns entre eles a elegibilidade é de todos ou apenas aqueles pertencentes a uma clas se determinada quer pela renda quer pelo nascimento quer pelo mérito quer por al guma outra razão e a designação se dará ou por eleição ou por sorteio O tempo de dura ção do exercício destas também é discutido e declara que alguns o pretendem semes tral outros mais curtos outros anual ou tros mais longo Resta também saber se deve haver exercícios perpétuos ou mesmo de longa duração ou nem um nem outro se é preferível ou que não assumam duas vezes o cargo mas apenas uma Quanto à escolha dos magistrados convém considerar a sua origem por quem e como devem ser escolhi dos de quantas maneiras isto pode ser feito e qual a que mais convém a cada forma de governo ARISTÓTELES 1991 p 116 O terceiro Poder abrange os cargos de jurisdição O estudo mostra oito espécies de tribunais e de juízes quais sejam os tribu nais para a a apresentação das contas e exame da conduta dos magistrados b as malversações financeiras c os crimes de Estado ou atentados contra a Constituição d as multas contra as pessoas quer públi Revista de Informação Legislativa 24 cas quer privadas e os contratos de algu ma importância entre particulares f os as sassínios ou tribunal criminal g negócios dos estrangeiros e h os juízes para os ca sos mínimos A forma de nomeação pode ser por eleição ou por sorteio ARISTÓTE LES 1991 p 125127 Aristóteles 2001 p 123 na Ética a Ni cômacos afirma que julgamento acertado ocorre quando uma pessoa julga segundo a verdade Esse conceito é tratado em ter mos de julgamento pessoal mas que pode ser inserido no contexto de quem julga pois como o próprio Aristóteles 2001 p 18 de finiu cada homem julga corretamente os assuntos que conhece e é um bom juiz de tais assuntos Assim o homem instruído a respeito de um assunto é um bom juiz em re lação ao mesmo e o homem que recebeu uma instrução global é um bom juiz em geral Para o filósofo é nas Constituições que estão distribuídos ou ordenados os Poderes que existem num Estado isto é a maneira como são divididos a sede da soberania e o fim a que se propõe a sociedade civil ARISTÓTELES 2001 p 132 Aristóteles 2001 p 146 afirma que o maior bem é o fim da política que supera todos os outros O bem político é a justiça da qual é inseparável o interesse comum e muitos concordam em considerar a justiça como dissemos em nossa Ética como uma espécie de igualdade Se há dizem os filó sofos algo de justo entre os homens é a igualdade de tratamento entre as pessoas iguais 22 A separação dos poderes em John Locke John Locke expoente da filosofia ingle sa do século XVII nasceu em Wrington na Inglaterra em 1632 Suas obras principais são o Primeiro tratado sobre o governo civil o Segundo tratado sobre o governo civil En saio sobre o intelecto humano e Cartas sobre a tolerância religiosa MONDIM 1982 p 102 A política foi estudada por Locke em seus dois tratados O Primeiro sobre o go verno civil atacou aquilo que apontou como falsos princípios contidos no Patriarcha de Sir Robert Filmer sob o fundamento de que o direito divino da monarquia absoluta era baseado na descendência hereditária de Adão e dos patriarcas No Segundo tratado sobre o governo ci vil e outros escritos Locke 1994 p 83 de fine o estado de natureza como uma condi ção em que os homens são livres e iguais uma condição natural dos homens ou seja um Estado em que eles sejam absolutamen te livres para decidir suas ações dispor de seus bens e de suas pessoas como bem en tenderem dentro dos limites do direito na tural sem pedir a autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vonta de Não significa que Locke 1994 p 84 advogasse a permissividade pois defendia que o estado de natureza é regido por um direito natural que se impõe a todos e com respeito à razão que é este direito toda a humanidade aprende que sendo todos iguais e independentes ninguém deve le sar o outro em sua vida em sua liberdade ou seus bens todos os homens são obra de um único Criador todopoderoso e infinita mente sábio todos servindo a um único se nhor soberano enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço são portanto sua pro priedade daquele que os fez e que os desti nou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém Assegura que no estado de natureza cada um tem o poder executivo da lei da natureza e cada homem é juiz em causa própria Isso produz confusão e desordem e a solução para esse impasse é o governo civil LOCKE 1994 p 89 Diferentemente da clássica teoria da se paração dos poderes que divide o poder do Estado em Poder Executivo Legislativo e Judiciário no capítulo XII do Segundo tra tado sobre o governo civil Locke garante que há três poderes que se convertem em dois13 o Poder Legislativo o Poder Executivo e o Poder Federativo Competência do Poder Federativo é a de administrar a segurança e Brasília a 43 n 169 janmar 2006 25 o interesse público externo e competência do Poder Executivo é a da execução das leis internas LOCKE 1994 p 171 No entanto mais adiante afirma que esses dois Poderes estão quase sempre unidos E embora os Poderes Executivo e Federativo sejam dis tintos em si dificilmente devem ser sepa rados e colocados ao mesmo tempo nas mãos de pessoas distintas pois submeter a força pública a comandos diferentes re sultaria em desordem e ruína LOCKE 1994 p 171172 Locke 1994 p 162 apresenta o Poder Legislativo como poder supremo em toda comunidade civil sendo a primeira atribui ção da sociedade política criálo Tem como a sua primeira lei natural a própria preser vação da sociedade e na medida em que assim o autorize o poder público de todas as pessoas que nela se encontram O po der absoluto arbitrário ou governo sem leis estabelecidas e permanentes é absolutamen te incompatível com as finalidades da soci edade e do governo aos quais os homens não se submeteriam à custa da liberdade do estado de natureza senão para preservar suas vidas liberdades e bens LOCKE 1994 p 165 Segundo Locke 1994 p 169 os limites que se impõem ao Poder Legislativo são quatro quais sejam 1o as leis devem ser estabelecidas para todos igualmente e não devem ser modifi cadas em benefício próprio 2o as leis só devem ter uma finalidade o bem do povo 3o não deve haver imposição de impos tos sobre a propriedade do povo sem que este expresse seu consentimento individu almente ou através de seus representantes 4o a competência para legislar não pode ser transferida para outras mãos que não aquelas a quem o povo confiou Traça a separação entre os Poderes Le gislativo e Executivo quando afirma que não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram e adequar a lei à sua vontade tanto no momento de fazêla quan to no ato de sua execução e ela teria interes ses distintos daqueles do resto da comuni dade contrários à finalidade da sociedade e do governo LOCKE 1994 p 170 Verificase que Locke não trata o Poder Judiciário como poder genuíno BOBBIO 1997 p 232 Cita algumas situações de lití gio mas não assinala o Poder Judiciário como apaziguador dessas situações por exemplo quando trata da hipótese de o Po der Executivo estar sendo utilizado de for ma ilegítima e questiona quem julgará este governante Locke assegura em sua respos ta o direito fundamental da revolução do povo Entre um Poder Executivo constituí do detentor desta prerrogativa e um Legis lativo que depende da vontade daquele para se reunir não pode haver juiz na terra Como não pode existir ninguém entre o Le gislativo e o povo quando o Executivo ou o Legislativo que têm o poder em suas mãos planejam ou começam a escravizálo ou a destruílo Nesse caso assim como em to dos os outros casos em que não houver juiz na terra o povo não teria outro remédio se não apelar para o céus assim quando os governantes exercem um poder que o povo jamais lhes confiou pois nunca pensou em consentir que alguém pudesse governálo visando o seu mal agem sem direito Con trariamente a Hobbes que entendeu que o afastamento da autoridade soberana provo caria a destruição do Estado e o retorno ao caos do estado de natureza Locke 1994 p 186 distingue entre a dissolução da socie dade e a dissolução do governo pois um governo pode ser dissolvido internamente e um novo governo ser estabelecido Quan do houver litígio entre o governante e um particular referente a questões não previs tas em lei ou de interpretação duvidosa a solução deve advir de um árbitro do povo caso contrário a solução se dará também pelo direito fundamental de revolta desse mesmo povo LOCKE 1994 p 234 Revista de Informação Legislativa 26 Para Locke não há uma diferença essen cial entre o Legislativo e o Judiciário por tanto este último está incluído no primeiro isso porque a função do juiz imparcial é exercida na sociedade política eminente mente pelos que fazem as leis porque um juiz só pode ser imparcial se existem leis genéricas formuladas de modo constante e uniforme para todos BOBBIO p 233 Para Bobbio 1997 a teoria de Locke nada tem a ver com a teoria da separação e do equilíbrio entre os poderes mas de sepa ração e de subordinação É o que se depre ende da afirmação de que o Poder Executi vo deve estar subordinado ao Poder Legis lativo e de que as ofensas sofridas por al gum membro dessa sociedade política se rão julgadas ou por magistrado designado pelo Poder Legislativo ou pelo próprio Po der Legislativo 23 A separação dos poderes em Montesquieu O Barão de La Brède e de Montesquieu CharlesLouis de Secondat nasceu em Bor déus no dia 18 de janeiro de 1689 Foi ma gistrado14 durante 12 anos entre os anos de 1714 a 1726 Em 24 de janeiro de 1728 en trou para a Academia Francesa Entre suas obras estão as Lettres Persanes Le Tem ple de Gnide Considerações sobre as cau sas da grandeza dos romanos e de sua deca dência e o Espírito das Leis esta última de 1748 MONTESQUIEU 1997 p 513 O Espírito das Leis de Montesquieu 1999 representa um manual de Política e Direito Constitucional em que é estudado o governo15 e a política cientificamente O governo foi classificado em governo repu blicano em que o poder soberano é de todo o povo democracia ou somente de uma parcela do povo aristocracia governo mo nárquico em que somente um governa por leis fixas e estabelecidas leis fundamentais e governo despótico em que somente um governa mas sem lei e sem regra satisfa zendo a sua vontade e seus caprichos MONTESQUIEU 2000 p 1926 Aponta o motor de agir da política que movimenta cada governo traduzindose em princípios16 pois a natureza do governo é o que o faz ser como é e seu princípio o que o faz agir MONTESQUIEU 2000 p 1926 O princí pio do agir17 no governo republicano de mocrático e aristocrático será a virtude pois aquele que faz executar as leis sente que está a elas submetido e que suportará o seu peso MONTESQUIEU 2000 p 32 no governo monárquico será a honra que pode levar ao objetivo do governo e o preconcei to de cada pessoa e de cada condição toma o lugar da virtude política MONTES QUIEU 2000 p 36 e no governo despóti co o temor que acaba com todas as cora gens e apaga o menor sentimento de ambi ção MONTESQUIEU 2000 p 38 Falase muito sobre a separação dos po deres18 ensinada por Montesquieu em O Espírito das Leis mas foram esquecidos ou perdidos pelo tempo o real conceito e a forma como a separação de poderes se con figurava O Poder é único e indivisível e para seu exercício era conveniente estabelecer uma divisão de competências entre os três órgãos diferentes do Estado Montesquieu acentuou mais o equilíbrio do que a separa ção dos poderes19 Para Montesquieu o Estado é subdi vidido em três poderes o Poder Legislativo o Poder Executivo das coisas que se traduz no poder Executivo propriamente dito e o Poder Executivo dependente do direito ci vil que é o poder de julgar Os Poderes Exe cutivo Legislativo e Judiciário devem ter suas atribuições divididas para que cada poder limite e impeça o abuso uns dos ou tros Montesquieu 2000 p 168 leciona que Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado dos Poderes Legis lativo e Executivo Se estivesse unido ao Poder Legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao Poder Executivo o juiz poderia ter a força de um opressor O Poder Legislativo é o verdadeiro re presentante do povo e para isso firma a du Brasília a 43 n 169 janmar 2006 27 alidade das câmaras do legislativo uma confiada aos nobres e a segunda confiada aos escolhidos para representar o povo MONTESQUIEU 2000 p 172 O Poder Executivo deve estar nas mãos de um monarca porque esta parte do governo que precisa quase sempre de uma ação mais instantânea é mais bem ad ministrada por um do que por vários MONTESQUIEU 2000 p 172 O Poder Judiciário deve ser nulo e in visível o que nos leva a negativa da triparti ção dos poderes VASCONCELOS 1998 p 31 Isso porque o poder de julgar tão terrí vel entre os homens como não está ligado nem a certo estado nem a certa profissão tornase por assim dizer invisível e nulo Não se tem continuamente juízes sob os olhos e temese a magistratura e não os magistrados MONTESQUIEU 2000 p 169 Assevera de fato que Dos três pode res dos quais falamos o de julgar é de algu ma forma nulo Só sobram dois e como pre cisam de um poder regulador para moderá los a parte do corpo legislativo que é com posta por nobres é muito adequada para produzir esse efeito MONTESQUIEU 2000 p 172 No entanto percebese que Montesquieu 2000 p 170 diferencia os tri bunais dos julgamentos sendo que os pri meiros não deverão ser permanentes en quanto que os segundos devem sêlo pois são o texto preciso da lei devendose ro dear o poder de julgar20 das maiores caute las uma vez que os juízes da nação são seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor MONTES QUIEU 1997 p 175 Os poderes políticos para o pensador francês são o Poder Executivo e o Poder Legislativo Estes vivem em uma balança procurando o equilíbrio por meio de duas faculdades a de impedir que define como o direito de tornar nula ou anular uma reso lução tomada por quem quer que seja e a de estatuir que atribui a um órgão constitucio nal controlar limitar ou contrabalançar o poder de outro órgão PIÇARRA 1989 p 111 24 A separação dos poderes na atualidade Os ensinamentos de Montesquieu repro duziramse por toda Europa continental e nos Estados Unidos da América foi criado o sistema de freios e contrapesos entre ór gãos constitucionais democraticamente elei tos direta ou indiretamente pelo mesmo povo soberano ficando estabelecida assim a separação dos poderes A prática consti tucional veio revelar que o sistema de frei os e contrapesos determinou afinal não um equilíbrio permanente entre os poderes se parados mas sim a predominância cíclica de cada um deles PIÇARRA 1989 p 184 A separação dos poderes foi associada por Montesquieu ao conceito de liberdade e de direitos fundamentais e acolhida pe los revolucionários franceses na Declara ção dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu art 16 toda sociedade onde a ga rantia dos direitos não esteja assegurada nem a separação dos poderes determinada não possui Constituição BONAVIDES 1999 p 156157 A separação dos poderes como limitadora do poder público preten de favorecer a abstenção do Estado garan tindo o gozo efetivo dos direitos de liberda de perante o Estado Surgida originalmente para impor a li berdade e a segurança individuais a redu ção do Estado pelo Direito conduziu a que a tripartição se convertesse numa teoria das funções estatais e que cada poder correspon deria a uma função estadual materialmente definida A função legislativa traduzida pela forma como o Estado cria e modifica o ordenamento jurídico mediante a edição de normas gerais abstratas e inovadoras a fun ção jurisdicional se destina à conservação e à tutela do ordenamento jurídico proferin do decisões individuais e concretas dedu tíveis das normas gerais e a função executi va concretizase quando o Estado realiza os seus objetivos nos limites impostos pelas normas jurídicas PIÇARRA 1989 p 248 Essa classificação baseiase na condição de que o Estado e o Direito se identificam Revista de Informação Legislativa 28 No entanto Kelsen 1992 p 263 refu tou essa classificação definindo que o con ceito de separação de poderes designa um princípio de organização política Ele pres supõe que os chamados três poderes podem ser determinados como três funções distin tas e coordenadas do Estado e que é possí vel definir fronteiras separando cada uma dessas três funções Constata mais adian te que não são três mas duas as funções básicas do Estado a criação e a aplicação do Direito e que é impossível atribuir a criação do Direito a um órgão e a sua aplicação exe cução a outro de modo tão exclusivo que ne nhum órgão venha a cumprir simultaneamen te ambas as funções KELSEN 1992 p 264 Nessa perspectiva não se pode distin guir material ou intrinsecamente em termos absolutos uma função estadual da outra Dessa forma Kelsen desestabilizou a teoria da separação dos poderes como teoria da diferenciação material das funções do Esta do PIÇARRA 1989 p 250 3 Conclusões A idéia de controle de fiscalização e de coordenação recíprocos tornouse o foco na separação dos poderes Os controles juris dicionais da legalidade da administração e da constitucionalidade da legislação evi denciam o avanço da atuação do Poder Ju diciário contrariando os ensinamentos de Montesquieu que lecionava ser a jurisdição um poder nulo Não há dúvida de que o controle juris dicional constituiu o núcleo central da se paração dos poderes no Estado constitucio nal contemporâneo Exemplos dessa situa ção está nas democracias brasileira estadu nidense alemã e italiana21 em que toda lei aprovada pode ser cassada por um órgão do Poder Judiciário Não obstante na terra natal de Montesquieu o exame da constitu cionalidade somente se dá antes da entrada em vigor da lei ainda na esfera dos seus projetos por um Conselho Constitucional de natureza política Nos dias atuais a separação dos pode res caracteriza a idéia de Estado constituci onal democrático e não existe país demo crático que não possua essa regra em sua Constituição De há muito ensina Duguit ser a separação absoluta de poderes uma ilu são que desde o ponto de vista lógico não pode conceberse isto porque qualquer ma nifestação de vontade do Estado exige o con curso de todos os órgãos que constituem a pessoa Estado22 Por tal razão a separação dos poderes deve ser encarada como princí pio de moderação racionalização e limita ção do poder político no interesse da paz e da liberdade modificandose como tudo no entreoshomens de acordo com as condições históricas de cada povo Notas 1 Cf DALLARI 1995 p 181 15 2 O Estado como é uma sociedade não pode existir sem um Poder e para a maioria dos autores o poder é um elemento essencial ou uma nota característica do Estado DALLARI 1995 p 93 3 Cf CAPPELLETTI 1999 p 94 4 Cf ARENDT 1998 p 23 5 Cf ARENDT 1998 p 24 6 Cf ARENDT 1998 p 24 7 Cf MONDIN 1981 p 82 8 Tal obra desapareceu restando um único frag mento que foi publicado em 1891 por Sir Frederico Kenyon 9 Cf NOVAES 1992 p 35 10 Cada forma política tem uma causa própria para sua corrupção A realeza degenera em tirania porque o rei começa a acumular riquezas e pode res a ter um exército próprio acreditando que pode tudo quanto queira A aristocracia degenera em oligarquia quando os aristocratas se tornam demagogos para obter para si os favores populares e quando formam facções rivais que se combatem enfraquecendo o poder o regime constitucional ou popular degenera em democracia porque os di rigentes se transformam em demagogos querendo os favores populares e permitindo que os ricos se aliem contra o governo os ricos por sua vez distri buem riquezas e promessas ao povo para obter seus favores e se aliam aos pobres a quem fazem favores para que estes cujo número é o maior do que o restante derrubem os governantes CHAUÍ 2002 p 472 Brasília a 43 n 169 janmar 2006 29 11 Cf MONDIN 1982 p 103104 12 Para Aristóteles todos os participantes dos três Poderes eram chamados de magistrados 13 Os dois Poderes típicos do Estado em Locke são o Legislativo e o Executivo pois quando o homem ingressa na sociedade civil renuncia aos poderes naturais de fazer leis e de punir aqueles que se rebelam BOBBIO 1997 p 232 14 Montesquieu em 1716 herdou de seu tio o cargo de membro do Parlement de Bordeau que era um órgão judiciário coletivo Exerceu a função até 1726 quando vendeu o cargo pois necessitava de dinheiro e também porque não sentia interesse em realizar aquele tipo de atividade Raymond Carré de Malberg apud DALLARI 1995 p 513 ensina que na França do século XVII e XVIII o ofício dos juízes que integravam os Parlements era conside rado um direito de propriedade tendo a mesma situação jurídica das casas e das terras Em tal situação a magistratura podia ser comprada ven dida transmitida por herança ou mesma alugada a alguém quando o proprietário não se dispunha a exercer a magistratura mas queria conservála para futura entrega a um descendente que ainda era menor de idade O ofício era rendoso pois a presta ção de justiça era paga havendo muitos casos de cobrança abusiva 15 O estudo feito por Montesquieu sobre a clas sificação das formas de governo não desterrou da ciência política o genial esboço de Aristóteles que com uma ou outra emenda perdura há mais de dois mil anos Das formas de governo resta o juízo certo que Montesquieu fez acerca do papel dos gru pos intermediários enquanto técnica auxiliar de conservação da liberdade consoante as fórmulas e os conceitos do Estado liberal BONAVIDES 1999 p 156 16 Podese incluir sem dificuldades a glória nesses princípios tal como conhecemos no mundo homérico ou a liberdade tal como a encontramos em Atenas do tempo clássico ou a justiça mas também a igualdade se entendemos entre eles a convicção da dignidade original de tudo que tem rosto humano ARENDT 1998 p 128 17 Hannah Arendt 1998 p 127 entende que todo agir político além do princípio do agir criado por Montesquieu possui mais três elementos o objetivo que persegue que só começa a aparecer na realidade quando a atividade que o produziu che gou a seu fim a meta que produz os parâmetros pelos quais deva ser julgado tudo que é feito e o sentido de uma atividade que só pode existir en quanto durar essa atividade 18 Livro Décimo Primeiro Das Leis que for mam a liberdade política em sua relação com a Constituição Capítulo IV Da Constituição da InglaterraMONTESQUIEU 2000 p 167 178 19 Cf DROMI 1982 p 36 Quem liga aos con ceitos divisão e separação conteúdos diferen tes e porventura contraditórios encontrase com isso em consonância com a linguagem comum Uma divisão seja ideal ou real pressupõe uma unidade e não exclui que uma parte fique de al gum modo relacionada com a outra enquanto que uma separação exige pelo menos duas unidades a separar uma da outra e conduz a que estas unida des subsistam completamente independentes uma da outra Cf LANGE apud PIÇARRA 1989 p 105 20 O pensamento de Montesquieu a respeito dos juízes implementouse na Constituição Francesa de 1791 que fixou a eletividade e a temporariedade dos juízes no entanto a Constituição de 1814 esta beleceu serem os juízes nomeados pelo rei Com o sistema republicano de 1848 foi mantida a desig nação dos juízes por nomeação com a indicação feita pelo Presidente da República tendo garantido aos juízes de primeira instância e dos tribunais a vitaliciedade A atual Constituição Francesa trata de autoridade judiciária e não de Poder Judici ário 21 A Corte Constitucional italiana se manifesta como sendo um órgão legislativo que profere de cisões com as quais não só se eliminam normas mas se criam de novo ou se transformam aquelas existentes adverte ao legislador que proceda de um determinado modo com a ameaça subentendi da de anular a lei eventualmente disforme e con trola o bom senso da lei que pode transformar se em um refazimento integral da escolha ope rada em sede legislativa ZAGREBELSKY 1997 p 513 22 Cf BONNARD R Leon Duguit Sés oeuvres Sa doctrine Revue de Droit Public et de la science politique en France et á létranger apud DUGUIT 1998 Referências ARENDT Hannah O que é política Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1998 Fragmentos das obras pós tumas copilados por Ursula Ludz ARISTÓTELES A política São Paulo Martins Fon tes 1991 Ética a Nicômaco Madrid Centro de Estú dios Políticos y Constitucionales 1999 Ética a Nicômacos 3 ed Brasília Editora Universidade de Brasília 2001 BOBBIO Norberto Locke e o direito natural 2 ed Brasília Editora Universidade de Brasília 1997 Revista de Informação Legislativa 30 BONAVIDES Paulo Teoria do estado 3 ed São Paulo Malheiros 1999 CAPPELLETTI Mauro Juízes legisladores Porto Alegre Sérgio Antonio Fabris Editor 1999 CHAUÍ Marilena Introdução à história da filosofia dos préSocráticos a Aristóteles 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2002 v I DALLARI Dalmo de Abreu Elementos de teoria ge ral do estado 19 ed São Paulo Saraiva 1995 DUGUIT L La separación de poderes y la Asamblea nacional de 1789 Madrid Centro de Estúdios 1998 DROMI José Roberto El poder judicial Argentina Unsta 1982 HARTMANN Nicolai Ontologia México Fondo de Cultura Econômica 1986 v I KELSEN Hans Teoria geral do direito do Estado São Paulo Martins Fontes 1992 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos Petrópolis Vozes 1994 MONDIN Battista Curso de filosofia São Paulo Paulus 1982 v 1 MONTESQUIEU Vida e obra São Paulo Nova Cultural 1997 Os pensadores O espírito das leis 2 ed São Paulo Martins Fontes 2000 O espírito das leis 6 ed São Paulo Saraiva 1999 NOVAES Adauto Ética São Paulo Companhia das Letras Secretaria Municipal de Cultura 1992 PIÇARRA Nuno A separação dos poderes como dou trina e princípio constitucional Coimbra Coimbra Editora 1989 VASCONCELOS Pedro Bacelar de Cadernos de mocráticos n 3 Fundação Mário Soares Lisboa Gra diva 1998 ZAGREBELSKY Gustavo La giurisdizione consti tuzionale In AMATO Giuliano BARBERA Au gusto Manuale di diritto pubblico II Lorganizzazione costituzionale 5 ed Bologna Il Mulino 1997 Pensamento social da cidadania 02 Locke descreve os direitos naturais do homem no estado da natureza como sendo a vida a liberdade e a propriedade Ele argumenta que no estado da natureza os homens têm o direito de preservar suas vidas liberdades e propriedades e que todos são iguais nesse estado Os possíveis inconvenientes do estado da natureza que podem transformálo em estado de guerra incluem a falta de um juiz imparcial para resolver disputas a ausência de uma autoridade comum para impor a lei e a tendência dos homens em serem juízes em suas próprias causas o que pode levar a conflitos e disputas intermináveis 03 Maquiavel descreve a natureza humana como sendo dominada pela ambição pela busca de poder e pelo desejo de autopreservação Ele argumenta que os seres humanos são naturalmente egoístas e que estão dispostos a usar qualquer meio necessário para alcançar seus objetivos Maquiavel também enfatiza a importância do controle e da manipulação das massas para manter o poder político 04 Montesquieu defende a separação dos poderes como um meio de evitar o abuso de poder e garantir a liberdade e a justiça Ele propõe que o poder político seja dividido em três ramos legislativo executivo e judiciário e que cada ramo tenha funções distintas e independentes Dessa forma cada poder pode controlar e equilibrar o outro evitando assim a concentração excessiva de poder nas mãos de uma única pessoa ou instituição