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Serviço Social ·

Serviço Social 1

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RELAÇÕES SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Neste livro Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho apresentam uma contribuição importante para o conhecimento das relações de classes no Brasil Tratase de trabalho indispensável pelos aspectos históricos e teóricos examinados A história do Serviço Social no Brasil tem muito a ver com a história da sociedade brasileira As atividades das instituições e dos profissionais do Serviço Social revelam novos e surpreendentes aspectos das relações sociais Por um lado são trabalhadores operários empregados e funcionários que estão em causa como pessoas famílias grupos e categorias sociais Por outro são empresários governantes e setores da Igreja que se acham em questão Vistas em conjunto e ao longo da história essas relações expressam diferentes ângulos das relações de classes Sob vários aspectos este livro é importante para o conhecimento da teoria e prática do Serviço Social Tratase de mais uma contribuição notável à compreensão da história das relações e contradições de classes na sociedade brasileira Octavio Ianni ISBN 8524902477 CORTEZ EDITORA 9788524902475 CORTEZ EDITORA Handwritten Ivone Passan 2006 ABR EDITORA APUEAMA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Iamamoto Marilda Villela Relações sociais e serviço social no Brasil esboço de uma interpretação históricometodológica Marilda Villela Iamamoto Raul de Carvalho 19 ed São Paulo Cortez Lima Peru CELATS 2006 Bibliografia ISBN 8524902477 1 Serviço Social Brasil 2 Serviço Social Brasil História 3 Serviço Social como profissão I Carvalho Raul de II Título CDD361981 3610023 820315 Índices para catálogo sistemático 1 Brasil Serviço Social 361981 2 Brasil Serviço Social História 361981 3 Serviço Social como profissão 3610023 MARILDA VILLELA IAMAMOTO RAUL DE CARVALHO RELAÇÕES SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Esboço de uma interpretação históricometodológica 19ª edição CORTEZ EDITORA Celats RELAÇÕES SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Marilda Villela Iamamoto Raul de Carvalho 1 Heloisa Tapajós de Morais 2 Yolanda Maciel 3 Lucy Pestana Silva 4 Guiomar Urbina Telles 5 Haitil Prado 6 Maria José de Silveira 7 Dina Bartolomeu 8 Nair de Oliveira Coelho 9 Nadir Gouvêa Kfouri 10 Helena Iracy Junqueira 11 Fátima Vasta de Souza 12 Maria Ignez de Barros Penteado 13 Maria Amélia de Andrade Reis Primeiras Assistentes Sociais diplomadas no Brasil em 1938 pela Escola de Serviço Social de São Paulo atualmente Faculdade de Serviço Social da PUCSP Foto gentilmente cedida pela Prof Helena I Junqueira a quem agradecemos Montagem Jeronimo Oliveira Composição Dany Editora Ltda Revisão Eliana Martins Coordenação editorial Danilo A Q Morales 1ª edição 1982 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e dos editores 1982 by Autores Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Bartira 317 Perdizes 05009000 São Paulo SP Tel 11 38640111 Fax 11 38644290 Email cortezcortezeditoracombr wwwcortezeditoracombr Impresso no Brasil agosto de 2006 A André Toshio João Lucas Bel Jorge SUMÁRIO Apresentação 9 Prefácio 11 Introdução 15 PARTE I PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO HISTÓRICOMETODOLÓGICA Capítulo I Uma Concepção Teórica da Reprodução das Relações Sociais 29 1 A produção capitalista é produção e reprodução das relações sociais 29 2 O capital como relação social 32 21 O capital e a forma mercadoria 32 22 A transformação da mercadoria em capital 35 3 As relações sociais mistificadas e o ciclo do capital 45 4 A reprodução do capital e a totalidade da vida social 65 Capítulo II O Serviço Social no Processo de Reprodução das Relações Sociais 71 1 Perspectiva de análise 71 2 A intervenção do agente profissional nas relações sociais 76 3 O significado dos serviços sociais 89 4 Relações sociais e serviço social 93 41 Serviço social e reprodução da força de trabalho 98 42 Serviço social e reprodução do controle e da ideologia dominante 104 PARTE II ASPECTOS DA HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Capítulo I A Questão Social nas Décadas de 19201930 e as Bases para a Implantação do Serviço Social 125 1 A questão social na Primeira República 125 2 A reação católica 140 21 Primeira fase da reação católica 141 22 O movimento políticomilitar de 1930 e a implantação do corporativismo 147 23 Relações IgrejaEstado 155 Capítulo II Protoformas do Serviço Social 165 1 Grupos pioneiros e as primeiras escolas de Serviço Social 165 11 O Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo e a necessidade de uma formação técnica especializada para a prestação da assistência 168 12 O Serviço Social no Rio de Janeiro e a sistematização da atividade social 179 2 Campos de ação e prática dos primeiros assistentes sociais 187 3 Elementos do discurso do Serviço Social 200 4 Modernos agentes da justiça e da caridade 213 41 O Serviço Social e o bloco católico 214 42 Humanismo cristão e vocação 218 Capítulo III Instituições Assistenciais e Serviço Social 235 1 O Estado Novo e o desenvolvimento das grandes instituições sociais 235 2 O Conselho Nacional de Serviço Social e a LBA 249 3 O SENAI e o Serviço Social 253 4 O SESI e o Serviço Social 268 5 Fundação Leão XIII e Serviço Social 283 6 Previdência Social e Serviço Social 290 7 Institucionalização da prática profissional dos assistentes sociais 306 Capítulo IV Em Busca de Atualização 325 1 Os congressos de Serviço Social na década de 1940 327 2 Expansão da profissão e ideologia desenvolvimentista 339 3 O II Congresso Brasileiro de Serviço Social e a descoberta do desenvolvimentismo 345 Considerações finais 359 Bibliografia citada 369 APRESENTAÇÃO O livro Relações Sociais e Serviço Social Esboço de uma interpretação teóricometodológica é o produto dos trabalhos de Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho vinculados ao projeto de investigação do CELATS sobre a História do Trabalho Social na América Latina Desta investigação participaram igualmente Manuel Manrique e Alejandrino Maguina este último a partir do mesmo projeto escreveu o livro Desarrollo Capitalista y Trabajo Social en el Perú O objetivo básico do projeto matriz de ambas as investigações foi efetuar uma análise da profissão no Brasil e no Peru inicialmente explicitando as articulações entre a gestação e desenvolvimento da profissão de Serviço Social e a dinâmica dos processos econômicos sociais e políticos nesses países Isto é entender nossa profissão sua natureza seu posicionamento sua função nas relações sociais vigentes em nossas sociedades era também a proposta específica desta investigação A partir deste nível particular de preocupação buscavase assim fortalecer a política de investigações do CELATS dirigindoa prioritariamente ao estudo de nossa realidade profissional Escrito originalmente em português por dois investigadores brasileiros o CELATS decidiu estimular a publicação destes resultados no Brasil através de uma coedição com a Cortez Editora Entendíamos que eram válidas as vantagens deste trabalho em coedição As mencionadas anteriormente somavase a existência de um receptor natural e sensitivo constituído por estudantes docentes e profissionais brasileiros os quais teriam seguramente maior interesse por um texto editado em seu próprio idioma A coordenação entre a edição e os autores problema sempre presente na produção dos livros estaria igualmente garantida através de acordo pessoal entre os autores e a editora Enfim havia inúmeras vantagens pela que passamos a inaugurar com este livro uma nova linha de trabalho editorial as coedições Neste caso com a Cortez Editora cujo respaldo pioneiro aos delineamentos básicos de uma política editorial do CELATS merece nosso reconhecimento Os elementos teóricos que servem de referência à investigação de Marilda e Raul possibilitam que o livro supere as barreiras de um estudo nacional De fato além dos limites territoriais Relações Sociais e Serviço Social é um ponto de partida obrigatório para todos os estudiosos que queiram compreender do ponto de vista das relações sociais o posicionamento do Serviço Social Daí que este livro embora editado em português e no Brasil pela própria natureza da temática que desenvolve encontrará sem dúvida grande receptividade nos países de língua espanhola Este livro não é uma historiografia nem uma cronologia sucessiva de acontecimentos que marcaram a história do Serviço Social no Brasil ele oferece sim os elementos de interpretação histórica das principais forças determinantes na origem e evolução do Serviço Social neste país A Igreja e o Estado surgem como raízes como protagonistas principais da formação do Serviço Social na América Latina Entendemos que este é um dos esforços mais sérios que se tem feito através da ótica do Serviço Social para compreender a partir de novos ângulos o processo de formação dessa atividade no Brasil em sua relação com os processos sociais e econômicos da sociedade brasileira ao longo de sua história Para o desenvolvimento de seu trabalho Marilda e Raul contaram com o subsídio de diversas instituições e organizações nacionais assim como de grupos de Assistentes Sociais que contribuíram a partir de perspectivas diferenciadas para compreender como surge nossa profissão no Brasil como se desenvolve e como se delineia na atualidade A todas as organizações e pessoas que colaboraram para a implementação desta investigação o CELATS manifesta nesta oportunidade seu mais expressivo reconhecimento Aos colegas Marilda Villela e Raul de Carvalho por seu imbatível espírito investigador pela seriedade com que assumiram este projeto trabalhando inúmeras horas não reconhecidas pelos termos convencionais de uma relação de trabalho queremos deixar a certeza do nosso apreço e admiração Estamos seguros de que seu trabalho é um inestimável subsídio aos colegas do Brasil e da América Latina que buscam como eles forjar alternativas criativas e inovadoras no campo do conhecimento e da ação social Área de Comunicações CELATS PREFÁCIO Este prefácio bem poderia ser uma tentativa de síntese e crítica dos temas e propostas metodológicas desenvolvidos por Marilda e Raul O que aprendemos sobre sua vocação em um ano de trabalho conjunto e na amizade profunda nos sugeriu no entanto deixar que o livro se abra diretamente ao leitor Que a busca de cada um alcance seu próprio dinamismo e que as descobertas e os encontros dêem lugar a outros tantos testemunhos Sendo o nosso de alguma maneira um testemunho favorável preferimos focalizar o livro olhandoo em perspectiva enquanto parte daquele mundo de inquietações coletivas que é a comunidade profissional do Serviço Social Em todo caso é deste ponto de vista que podemos apreciar que o livro aqui apresentado se afirma em uma ruptura e um debate implícitos que cremos ser necessário pôr em relevo Não se trata de uma proposta alternativa diante da concepção tradicional da profissão e a conquista da sua modernização nem de um mero embora fundamental discurso contestatório Reafirmando a recusa e ao mesmo tempo indo contra o espontaneísmo e o voluntarismo o que aqui nos é oferecido não é tãosomente um passo adiante mas a reformulação de uma rota Uma rota que se constrói sobre os caminhos confusos e dispersos que deixaram atrás de si os sucessivos e diferentes contingentes de profissionais que durante quase duas décadas percorreram a América Latina abrindo trilhas ao caminhar mas também uma rota que ao seguir os rastros da reconceituação assim o entendemos consegue não só resgatar sua vitalidade histórica como distanciarse dos rastros alheios retificar desvios e aliviar fadigas Desta forma sem que isso necessariamente tenha sido premeditado pelos autores este livro tem ante a reconceituação a mesma filiação que inevitavelmente existe entre o fruto e a semente entre o vigor democrático dos povos e o avanço da ciência Tem sido afirmado que a reconceituação está morta¹ Proposição aniquiladora e vã de quem não sabe distinguir o velho do novo autosugestão dogmática e não sugestão ortodoxa de quem confunde suas expectativas estratégicas com os processos reais e querendo enterrar com palavras o que essencialmente é tarefa do velho míope não o acompanha em seu percurso Ainda mais distanciandose irremediavelmente das bases em seu movimento concreto tais vozes não contribuem para conservar os terrenos férteis que elas conquistam em sua prática contraditória Ninguém afirmou nem pode afirmar agora que o movimento de reconceituação foi coeso e único ao nascer nem em seu processo de crescimento As tendências em seu interior sempre foram claramente perceptíveis sendo que para um elas são sete² para outro só cinco³ e para muitos um número indefinido e variável A pluralidade de tendências no entanto não deve impedirnos de perceber sua unidade unidade com contradição e unidade que varia sem dúvida A luta no seu interior em consequência é inevitável mas é sua única forma possível de existência movimento que evolui ou involui que cresce ou regride que aprofunda criadoramente suas crises e se depura e decanta ou que as multiplica na indefinição e sobreposições sem fim Sendo assim não basta que nos perguntemos para onde vai a reconceituação mas para onde queremos que vá Se as tendências são inevitáveis e válidas saudemos as que dinamizam seu avanço com consciência ou não de sua pertinência e filiação ao movimento Porque assim como não basta ter sido fundador para ser atualmente uma força vigente tampouco a militância expressa na reconceituação é uma exigência prévia para que as novas contribuições ao Serviço Social fortaleçam sua possibilidade e perspectivas Como as críticas conservadoras à reconceituação muitas vezes surgem dentro do movimento assim também é possível que as novas contribuições e desenvolvimentos provenham aparentemente de fora Segundo nossa perspectiva a delimitação sobre o que está dentro ou fora não tem nada a ver com as manifestações públicas de adesão ou desacordo mas com o caráter e significado histórico do movimento e do significado social das práticas e posições pessoais É indubitável que o caráter atual do debate sobre a reconceituação já não tem as características dos anos iniciais quando o movimento construía seu perfil diferenciado a partir do fundo cinzento da prática profissional tradicional As propostas de desafio e crítica com a intenção de delimitar para fora tornaramse nestas quase duas décadas uma fundamental polêmica interna Isto pelo menos enquanto as veleidades e inconsistências não se tornem por si mesmas ou por ação da contradição forças centrífugas plenamente desveladas Em todo caso para esse desvelamento apontam as análises rigorosas que como a de Paulo Netto⁴ nos alertam lucidamente sobre a crítica conservadora à reconceituação ao assinalar que as críticas que os setores profissionais refratários à reconceituação dirigem ao processo apresentam uma peculiaridade significativa os núcleos temáticos desta crítica são literalmente idênticos aos elementos autocríticos que alguns promotores do processo de reconceituação chegaram a esboçar Ainda que o livro a que se refere Desafío al Servicio Social⁵ não se defina em sua totalidade neste ângulo nele predominam as contribuições autocríticas válidas não é tampouco o único nem a única ocasião e meio de difusão através do qual tais críticas conservadoras foram tomando corpo Analisando uns e outros entretanto podese concluir que o que foi polêmica para fora teria passado a ser interna só na aparência seja porque muitos de seus adeptos só o foram nominalmente desde o início seja porque desde então ou posteriormente a contradição interna de suas próprias posições os levou a adotar antigas tendências conservadoras reproduzindoas e modernizandoas Postulamos em troca que o livro que estamos apresentando ao adotar também tendências pretéritas neste caso democráticas não só as reproduz mas também as situa em uma nova ordem de reflexão Será visto entretanto que neste caso a filiação não se reduz tãosó às contribuições prévias da reconceituação nem do Serviço Social Fazendo o que se devia fazer Marilda e Raul não se sujeitam a um debate mal formulado pelo pragmatismo funcionalista prescindem de falsas perguntas e se situam no campo mais amplo e rigoroso da construção de um pensamento e consciência dialéticos sobre o significado social e caráter histórico da prática profissional É assim que Marx deixa de ser também uma simples citação oportuna para situarse no interior do discurso outorgandolhe seu significado E é assim também que a melhor tradição das ciências sociais brasileiras de Florestan Fernandes em diante ganha um novo espaço de reflexão Não se trata de um Serviço Social identificado com o Social Survey ou o desenvolvimento de comunidade tal como o que inevitavelmente Fernandes⁶ se viu constrangido a discutir em seus textos de fins da década de 1950 Junto com outras ciências sociais aplicadas a ciência da história contribuiu para desenvolver as perspectivas do Serviço Social e este livro é uma prova disto tanto impulsionando a luta metodológica como aproximando os profissionais dos processos e contradições reais Manuel Manrique Castro 6 Florestan Fernandes Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada São Paulo Pioneira 1971 vejase o capítulo 3 A Sociologia Aplicada seu campo objeto e principais problemas em especial as p 1323 1 Ver E Ander Egg La Problemática de la reconceptualización del Servicio Social latinoamericano al comenzar la década del 70 In Reconceptualización del Servicio Social Buenos Aires Humanitas 1971 2 Ver também H C Kruze La Reconceptualización del Servicio Social en América Latina In Ander Egg Kruze e outros Conceptualización del Servicio Social Buenos Aires Humanitas 1971 3 Vários Desafío al Servicio Social Crisis de la reconceptualización Buenos Aires Humanitas 1976 trabalhos publicados anteriormente na Revista de Servicio Social n 26 Buenos Aires 2º quadrimestre de 1975 4 José Paulo Netto A Crítica conservadora a reconceitualização Serviço Social Sociedade São Paulo ano 3 n 5 mar 1981 p 62 5 A Miranda Z e G Mayta La Reconceptualización ha muerto mimeografado Centro de estudo e trabalho Amauta Puno Peru 1979 resumo da correspondente tese de grau Departamento de Trabajo Social Universidad Técnica del Altiplano 1978 INTRODUÇÃO O texto que ora vem a público é resultado de um trabalho de pesquisa levado a efeito sob os auspícios do Centro LatinoAmericano de Trabalho Social CELATS durante o ano de 1978 como parte de projeto mais amplo sobre a História do Serviço Social na América Latina1 É fruto de uma pesquisa de cunho profissional mais que um trabalho de investigação de caráter estritamente acadêmico Preliminarmente impõemse algumas considerações sobre a perspectiva de análise que orientou a abordagem do objeto de estudo o Serviço Social como profissão no contexto de aprofundamento do capitalismo na sociedade brasileira no período 19301960 Através desse estudo procurouse desvendar o significado social dessa instituição e das práticas desenvolvidas em seu âmbito por agentes especialmente qualificados os Assistentes Sociais A análise sociológica nessa perspectiva implicou o esforço de inserir a profissão no processo de reprodução das relações sociais Afirmar que a instituição Serviço Social é produto ou reflexo da realidade social mais abrangente expressa apenas um ângulo da questão se considerado isoladamente Por outro lado reduzir a análise dos elementos constitutivos internos que supostamente peculiarizam à profissão um perfil específico seu objeto objetivos procedimentos e técnicas de atuação etc significa extrair artificialmente o Serviço Social das condições e relações 1 Parte do projeto dessa pesquisa encontrase publicada Ver M V Yamamoto e M C Manrique Hacia el estudio de la historia del Trabajo Social en América Latina In AcciónCrítica n 5 abr 1979 CELATS ALAETS Lima p 5373 Outro resultado parcial desse projeto é a Publicação do livro de autoria de A L Maguina Desarrollo capitalista y Trabajo Social Peru 18961929 Lima CELATS 1979 Brasil Para o estudo específico da evolução do Serviço Social a quase inexistência de sistematizações sobre o tema levou a que o trabalho se baseasse fundamentalmente em documentação de arquivos e na literatura original dos diversos momentos considerados produzida pelos próprios agentes A documentação analisada incluiu portanto o discurso institucional do próprio Serviço Social do empresariado ou do Estado o discurso dos agentes profissionais sobre sua prática relatórios em diversos níveis de detalhe da intervenção técnica e debates que marcaram o meio profissional em eventos associativos e revistas especializadas expressando este último tipo de registro posições diversificadas presentes no meio profissional Trabalhouse dentro da perspectiva de que todas essas formas de expressão representam dimensões diversas da prática profissional sendo elementos constitutivos dela No tratamento destas fontes tevese por diretriz analítica a apreensão da prática profissional na sua dupla dimensão na representação sobre esse fazer expresso através do discurso dos agentes envolvidos e na direção historicamente circunscrita dos efeitos sociais dessa intervenção Procurouse situar a unidade contraditória dessas duas dimensões da prática contrapondo o discurso às conjunturas históricas presentes num esforço de apreensão do Serviço Social como processo social Ressalta ainda que os registros existentes mostram a sistematização da prática profissional essencialmente sob a ótica do pólo institucional dominante sendo raras as manifestações de posições aberta ou veladamente contestadoras Isto é a documentação utilizada não permitiu a apreensão de um contradiscurso institucional que nas épocas consideradas eventualmente poderia ter existido Limitação muito mais significativa foi o fato da total inexistência de registros que identificassem as posições da população cliente perante a instituição Serviço Social o que permitiria recuperar historicamente o significado dos serviços prestados pelo profissional segundo o ponto de vista dos trabalhadores As condições que cercaram a execução deste trabalho induziram a que fossem feitas algumas opções que necessariamente incidiriam sobre a dimensão e profundidade da pesquisa realizada Dentre elas destacamos as condições artesanais de trabalho o prazo extremamente limitado diante da abrangência do tema e do período considerado Os esforços desenvolvidos para a integração à discussão e coleta de dados de representantes do meio profissional das áreas de docência e trabalho de campo consubstanciada na formação de Grupos de Apoio à pesquisa em São Paulo e no Rio de Janeiro de acordo com a orientação do CELATS apesar de suas inestimáveis contribuições constituíramse em outro fator limitativo Dessa forma mais que uma análise da história do Serviço Social no Brasil os dados trabalhados referemse aos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo Por outro lado temas diversos fundamentais para a configuração dessa profissão foram abordados em diferentes circunstâncias históricas ensino especializado exercício profissional em organizações institucionais diversas processo de legitimação e institucionalização da profissão caracterização dos agentes profissionais influências internacionais congressos etc Em tais abordagens mais que pretender um tratamento específico e exaustivo de cada tema objetivouse traçar um painel em que aqueles aspectos adquirissem significado face à história social e política da sociedade brasileira no período considerado Não se tem pretensão de através deste trabalho chegar a uma demonstração cabal de como o Serviço Social vem contribuindo em sua evolução para a reprodução das relações sociais O que se supõe viável é explicitar as ferramentas teóricas que possibilitam trabalhar sob esta óptica de análise e situálo nesse processo dentro da história social do país Com estas reflexões pretendeuse também apresentar elementos que dinamizem um debate reforcem a procura de novos caminhos para o repensar da profissão o que só será frutificado mediante um esforço coletivo Esses novos rumos acreditamos têm que partir da consideração do passado vivido pela profissão o qual submetido a uma crítica à base do conhecimento científico resgate seus elementos substanciais Esta é uma condição indispensável à formulação de novas estratégias para a ação dos agentes profissionais que se propõem a atuar a serviço dos interesses dos trabalhadores Estratégias que deverão apoiarse na análise rigorosa da realidade superando o mero voluntarismo dos agentes individuais Nesse sentido o indagarse sobre a legitimidade social da demanda do Assistente Social traz à superfície um elemento essencial para a superação de um tipo de prática professional controladora dos setores populares procura sociais que lhe dão inteligibilidade e nas quais se torna possível e necessário Significa privilegiar a visão focalista e ahistórica que permeia muitas das análises institucionais A tentativa de superação dessas orientações metodológicas implicou considerar que a apreensão do significado histórico da profissão só é desvendada em sua inserção na sociedade pois ela se afirma como instituição peculiar na e a partir da divisão social do trabalho Como a profissão só existe em condições e relações sociais historicamente determinadas é a partir da compreensão destas determinações históricas que se poderá alcançar o significado social desse tipo de especialização do trabalho coletivo social mais além da aparência em que se apresenta em seu próprio discurso e ao mesmo tempo procurar detectar como vem contribuindo de maneira peculiar para a continuidade contraditória das relações sociais ou seja do conjunto da sociedade O Serviço Social só pode afirmarse como prática institucionalizada e legitimada na sociedade ao responder a necessidades sociais derivadas da prática histórica das classes sociais na produção e reprodução dos meios de vida e de trabalho de forma socialmente determinada À medida que a satisfação das necessidades sociais se torna mediatizada pelo mercado isto é pela produção troca e consumo de mercadorias temse uma crescente divisão do trabalho social a qual pode ser considerada nas suas formas gerais no mercado mundial por grupo de países no interior de um país entre agricultura e indústria cidade e campo etc passando pelas formas singulares e particulares dentro dos ramos de produção até a divisão do trabalho no interior da oficina A divisão do trabalho na sociedade determina a vinculação de indivíduos em órbitas profissionais específicas tão logo o trabalho assume um caráter social executado na sociedade e através dela Com o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho sob a égide do capital o processo de trabalho passa a ser efetuado sob a forma de cooperação de muitos trabalhadores livres e de máquinas no interior da fábrica Verificase ao mesmo tempo um parcelamento das atividades necessárias à realização de um produto sem precedentes em épocas anteriores agora executados por diversos trabalhadores diferentes e por um sistema de máquinas Criase o trabalhador parcial efetuandose o parcelamento do próprio indivíduo no ato da produção As forças produtivas do trabalho coletivo são apropriadas pelo capital enfrentando o trabalhador como elementos que o subjugam A própria ciência é apropriada pela classe capitalista e colocada a seu serviço como força produtiva do capital e não do trabalho Ao produzirem os meios de vida os homens produzem sua vida material O modo de produzir os meios de vida referese não só à reprodução física dos indivíduos mas à reprodução de determinado modo de vida A produção da própria vida no trabalho e da alheia na procriação dáse numa dupla relação natural e social social no sentido de que compreenda a cooperação de muitos indivíduos Portanto determinado modo de produzir supõe também determinado modo de cooperação entre os agentes envolvidos determinadas relações sociais estabelecidas no ato de produzir as quais envolvem o cotidiano da vida em sociedade O grau de desenvolvimento da divisão social do trabalho expressa o grau de desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho Com a divisão do trabalho dáse ao mesmo tempo a distribuição quantitativa e qualitativa do próprio trabalho e dos seus produtos isto é da propriedade do poder de dispor do trabalho de outros A divisão do trabalho e a propriedade são expressões idênticas o que a primeira enuncia em relação à atividade do homem a segunda enuncia em relação ao produto da atividade do homem Assim é que a cada fase da divisão do trabalho corresponde uma forma de propriedade ou a cada estágio do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social corresponde uma forma de apropriação do trabalho Sendo o trabalho humano expressão da atividade humana num contexto de alienação a divisão do trabalho é a expressão Mostrar que uma instituição reflete ou expressa uma realidade mais profunda e elevada quer dizer o inconsciente ou a história a sociedade ou o Estado burguês o econômico ou o social é uma coisa mostrar como ela contribui para a produção e reprodução das relações sociais é outra coisa H Lefebvre Estrutura social A Reprodução das Relações Sociais In M M Foracchi e J S Martins Sociologia e sociedade Leituras de introdução à Sociologia Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1977 p 2289 Grifos nossos Tal como os indivíduos manifestam sua vida assim são eles O que eles são coincide portanto com sua produção com o que produzem com o modo como produzem O que os indivíduos são depende pois das condições materiais de produção K Marx e F Engels A Ideologia alemã Feuerbach São Paulo Grijalbo 1977 p 278 Ver K Marx e F Engels A Ideologia op cit econômica do caráter social do trabalho dentro da alienação Tratase de uma forma específica da divisão do trabalho cujo elemento fundamental é que os indivíduos produzem mercadorias Referese à divisão do trabalho de estrutura histórica determinada na qual o indivíduo se encontra determinado pela sociedade O caráter social de seu trabalho só se manifesta no conteúdo do trabalho quando como membro de um complexo social produz para as necessidades dos demais estando submetido a uma dependência social Seu trabalho privado tornase trabalho geral e seu produto um produto social que responde a necessidades sociais Tal se comprova pelo fato de que seu trabalho privado passa a constituir uma particularidade do trabalho social um ramo que o completa um modo de existência do trabalho coletivo É nesse contexto da divisão do trabalho que se pretende situar a profissão de Serviço Social Esta é uma linha de análise que não encontra suporte na bibliografia especializada do Serviço Social e da sociologia das profissões salvo engano implicando portanto a necessidade de recuperar a teoria e o método de análise dos autores clássicos Nesse sentido procurase no decorrer do estudo explicitar o desenvolvimento da lógica que preside a concepção relativa à reprodução das relações sociais Mais do que uma exposição em forma didática de categorias fundamentais da análise marxista representa um esforço de sistematização de uma leitura dos clássicos que busca recuperar a dimensão da totalidade dessa teoria e método vistos de forma indissociável Acentuase como diretriz da própria elaboração do texto o empenho em explicitar a articulação básica e contraditória entre a essência das relações sociais e sua manifestação através de formas mistificadoras mas necessárias à expressão dos fenômenos sociais ambas criadas e recriadas no próprio processo da vida social Cabe situar que o uso intenso de citações particularmente no primeiro capítulo teve por objetivo garantir rigor conceitual e ao mesmo tempo obedeceu à intenção de facilitar ao leitor interessado o aprofundamento de uma série de conceitos que são dados por supostos Uma vez que o trabalho humano não é mais que a atividade humana dentro da alienação da manifestação da vida enquanto alienação da vida podemos dizer também que a divisão do trabalho não é outra coisa que o estabelecimento alienado da atividade humana genérica real ou da atividade do homem enquanto ser genérico K Marx Manuscritos econômicofilosóficos de 1848 In K Marx e F Engels Manuscritos econômicos vários Barcelona Grijalbo 1975 p 99 Funciona assim como um roteiro de leitura das fontes utilizadas A exposição do processo de reprodução das relações sociais apresenta necessariamente maior nível de abstração sendo porém indispensável dentro da estratégia teóricometodológica adotada para uma reflexão do Serviço Social ante as relações sociais vigentes Essa mesma concepção teóricometodológica fundamenta os esforços desenvolvidos no sentido de recuperar alguns traços relevantes da história do Serviço Social no Brasil O surgimento e desenvolvimento dessa instituição são vistos a partir do prisma da questão social isto é do surgimento do proletariado com expressão política própria Os rumos que essa instituição progressivamente assume são analisados tendo por elemento determinante a correlação de forças entre as classes fundamentais da sociedade Procurase recuperar as especificidades do processo histórico centrando a análise em conjunturas que representam pontos de inflexão isto é crises no bojo das quais se verificam mudanças nas formas de manifestação e enfrentamento da questão social pelas diversas frações da classe dominante diante do poder de organização e pressão do proletariado O Serviço Social surge como um dos mecanismos utilizados pelas classes dominantes como meio de exercício de seu poder na sociedade instrumento esse que deve modificarse constantemente em função das características diferenciadas da luta de classes eou das formas como são percebidas as seqüelas derivadas do aprofundamento do capitalismo Estas seqüelas se manifestam também por uma série de comportamentos desviantes que desafiam a Ordem Em face do crescimento da miséria relativa de contingentes importantes da classe trabalhadora urbana o Serviço Social aparece como uma das alternativas às ações caritativas tradicionais dispersas e sem solução de continuidade a partir da busca de uma nova racionalidade no enfrentamento da questão social A procura de maior eficiência no tratamento dessa questão consubstanciase também na solidificação do Serviço Social como instituição intimamente vinculado ao crescimento do aparelho de Estado no sentido de criação de braços que avançam para dentro da sociedade civil Na reconstrução histórica do Serviço Social foram utilizadas fontes diferenciadas Para esboçar as conjunturas consideradas fundamentais para a trajetória da profissão fezse apelo à literatura disponível nas ciências sociais sobre a história recente do ultrapassar a mera revisão de formas de atuar numa linha de modernização do aparato teóricoprático da instituição Serviço Social para situála a partir das relações de força entre as classes fundamentais da sociedade A primeira parte do livro é dedicada à reconstrução e explicação de diretrizes analíticas teóricometodológicas que permitem conformar uma maneira peculiar de encarar a profissão de Serviço Social na sociedade capitalista É a partir dessas diretrizes que na segunda parte do livro procurase apreender aspectos da gênese e desenvolvimento da profissão inserida no processo histórico da sociedade brasileira O capítulo 1 Uma Concepção Teórica da Reprodução das Relações Sociais expressa os fundamentos analíticos segundo a concepção clássica marxista para a compreensão da reprodução das relações sociais como premissa fundamental para situar o Serviço Social nesse processo Procurase apreender a vida em sociedade em uma perspectiva de totalidade como produção e reprodução de relações sociais historicamente determinadas e das contradições que as permeiam evitandose a reificação de categorias econômicas Ressaltamse as expressões simultaneamente econômicopolíticas e ideológicas dos fenômenos sociais No desenvolvimento do texto existe uma linha metodológica básica que permeia toda a exposição desvendar por que na sociedade do capital relações sociais entre pessoas enquanto personificam interesses de classe aparecem como relações entre coisas em que os sujeitos desse processo submergem para transparecer na superfície da sociedade as coisas isto é as mercadorias que possuem e mediadas pelas quais entram em relação Tratase portanto de elucidar e articular as relações sociais e as formas sociais por intermédio das quais necessariamente se expressam ao mesmo tempo em que encobrem seu caráter mais substancial O desencadeamento dessa linha de raciocínio parte da mercadoria simples e de seu fetiche como forma social básica e pressuposto da sociedade capitalista Acentuase a seguir o processo de transformação da mercadoria em capital ressaltando as novas determinações do processo de trabalho enquanto processo de valorização do capital de produção de maisvalia Ante a reprodução ampliada do capital são expressas algumas mistificações que permeiam o ciclo do capital as relações entre capital e trabalho 23 O capítulo 2 O Serviço Social no Processo de Reprodução das Relações Sociais orientase no sentido de situar a profissão na reprodução das classes sociais fundamentais recuperando a orientação teórica supramencionada para apreender essa expressão particular do trabalho coletivo Representa um intento de compreender o significado social dessa profissão O texto tem por objetivo básico a construção de hipóteses diretrizes de trabalho que constituem a base estratégica da investigação A prática institucional do Serviço Social demandada pela classe capitalista e por seus representantes no Estado para intervir junto aos trabalhadores é apreendida como uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da ideologia dominante Atua ainda pela mediação dos serviços sociais na criação de condições favorecedoras da reprodução da força de trabalho Sendo o exercício profissional polarizado pela luta de classes o Serviço Social também participa do processo social reproduzindo as contradições próprias da sociedade capitalista ao mesmo tempo e pelas mesmas atividades pelas quais é chamado a reforçar as condições de dominação Se de um lado o profissional é solicitado a responder às exigências do capital de outro participa ainda que subordinadamente de respostas às necessidades legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora Procurase pois apreender o movimento contraditório da prática profissional no jogo das forças sociais presentes na sociedade Subsidiando o desenvolvimento analítico das hipóteses são ressaltadas algumas características do agente profissional nas relações sociais as fontes de legitimidade de sua demanda a condição de trabalhador assalariado e de intelectual suporte simbólico que sustenta dominantemente a atuação técnica etc Como o Assistente Social atua na implementação de medidas de política social concretizadas através dos serviços sociais procurase marcar o significado desses serviços na sociedade burguesa na óptica do capital e do trabalho A segunda parte do livro Aspectos da História do Serviço Social no Brasil 19301960 dividese em quatro capítulos obedecendo grosso modo a uma perspectiva cronológica O estudo parte da Questão Social no quadro histórico do colapso da Primeira República e consolidação do Estado Novo período que pode ser caracterizado pela vivência de um processo marcado 24 por crises profundas Procurase recuperar ante a luta do proletariado pela conquista de sua cidadania social as posições assumidas pelas diversas facções dominantes Adquire ali especial relevo a análise da chamada Reação Católica ou rearmamento institucional da Igreja que fornece o arcabouço dentro do qual se criam as condições para a implantação do Serviço Social A base social as posições políticas e práticas do Bloco Católico que se reorganiza irão caracterizar o discurso e a atuação dos grupos pioneiros do Serviço Social Nesse ponto procurase recuperar diversas das características desses grupos em São Paulo e no Rio de Janeiro buscando retratar o surgimento das escolas especializadas as atividades desenvolvidas o discurso particularizando neste último as representações que ratificam aquelas práticas Na conjuntura em que progressivamente o Estado Novo vai adquirindo contornos mais precisos tem significado decisivo a análise das relações contraditórias entre Igreja e Estado no bojo da constituição de um novo pacto de dominação As transformações decorrentes do aprofundamento do capitalismo a conseqüente pressão exercida pelas novas forças sociais urbanas as tensões políticas que se originam desse processo refletem o quadro a partir do qual o Estado passa a assumir novas funções aprofundando sua intervenção nas mais diferentes esferas Na medida em que a Igreja se vê reinstalada em seus privilégios enquanto principal agência civil de controle e domesticação das classes subalternas e em que o aparelho de Estado tem enorme desenvolvimento expandindose sobre a Sociedade Civil realizase uma transformação crucial no Serviço Social Acompanhando aquele movimento o Serviço Social será progressivamente institucionalizado e seus agentes profissionais absorvidos pelo aparelho de Estado preferentemente a partir de seus ramais especializados nas tarefas assistenciais e de dominação Procurase retratar aí as razões que presidem o surgimento das grandes instituições sociais e assistenciais particularizandose a análise para algumas das entidades mais conhecidas nesse ramo Num segundo momento analisase a incorporação do Serviço Social a essas entidades e o projeto de prática institucional que se gesta seus compromissos e limitações Nesse processo procurase fixar a mudança profunda que ocorre nas características dos agentes profissionais a transição do agente benévolo que atua por meio de canais particulares em geral proveniente dos setores abastados da sociedade para o agente técnicoprofissional cuja origem social se encontra predominantemente nos estratos médios e que atua através de canais legais muitas vezes disciplinares a transição entre o caráter apostolar do discurso e das práticas sociais desenvolvidas nas quais seu conteúdo de classe é explícito e apenas mediatizado por um teor humanista e cristão para sua tecnificação e crescente eufemização de seu conteúdo de classe Enfim buscase retratar com exemplos concretos a nova racionalidade que assume o tratamento da questão social e as novas funções daí decorrentes que irão compor o projeto de prática institucional do Serviço Social No último capítulo o estudo se orienta para a observação de alguns grandes encontros do meio profissional Analisamse os Congressos de Serviço Social na década de 1940 e o II Congresso Brasileiro de Serviço Social 1961 realizado em pleno período desenvolvimentista Subjacente à análise às vezes prolongada do conteúdo das teses e intervenções apresentadas está a preocupação em detectar as estratégias de atualização da instituição diante das preocupações que agitam as instâncias dominantes Esta publicação é uma versão revista do relatório original da pesquisa apresentada ao CELATS em 1979 sendo expressão de um trabalho conjunto dos autores no que se refere à pesquisa e discussão tendo havido no entanto uma divisão de tarefas quanto à redação das partes do livro Coube a Marilda V Iamamoto redigir a primeira parte e a Raul de Carvalho a Análise Histórica do Serviço Social no Brasil A introdução e a conclusão foram elaboradas por ambos os autores No decorrer da investigação contamos com valioso apoio de pesquisadores e profissionais aos quais registramos nossos agradecimentos às Assistentes Sociais participantes dos Grupos de Apoio à pesquisa organizados no Rio de Janeiro e em São Paulo Mariléa Venâncio Porfírio Elizabeth Andrade Romeiro Maria Lúcia Rezende Garcia Dayse Gonçalves Ana Maria de Vasconcelos Gouveia Matos e Maria Olímpia Quirino Costa Maria Carmelita Yazbek Raquel Raichelis Maria Rosangela Batistoni Diva Maria de Souza Cunha Maria Beatriz da Costa Abramides Sandra Márcia R de Lins Albuquerque e Maria Célia Perez Fernandez Vilarinho à Socióloga Berenice Moraes Lacroix pela disponibilidade no acompanhamento e discussão da trajetória da pesquisa 25 à diretoria da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo na pessoa da Profa Mariangela Belfiore pela autorização de consulta aos seus arquivos aos professores Octávio Ianni Oriowaldo Queda José de Souza Martins Luís Flávio Rainho Ribeiro Maria José Ferreira de Araújo Ribeiro Izabel de Carvalho Leila Stein e José Paulo Netto pelas sugestões apresentadas aos amigos e colegas de trabalho Manuel Manrique Castro e Alejandrino Maguina Larco pela gratificante oportunidade de trabalho em equipe à Direção do CELATS na pessoa de Leila Lima Santos o nosso reconhecimento pela compreensão e apoio proporcionados à Socióloga Fernanda Maria Coelho pela colaboração prestada na coleta de dados Finalmente deve ser afirmado como é de praxe que as pessoas supracitadas não têm qualquer responsabilidade nas opiniões emitidas e nas eventuais falhas deste texto São Paulo 12 de outubro de 1981 Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho 26 Parte I PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO HISTÓRICOMETODOLÓGICA CAPÍTULO I Uma Concepção Teórica da Reprodução das Relações Sociais Para situar o significado da profissão de Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais fazse necessário inicialmente procurar apreender o movimento no qual e através do qual se engendram e se renovam as relações sociais que peculiarizam a formação social capitalista Buscar detectar no processo da vida social sua realidade substancial e as formas que reveste é uma tarefa preliminar É este referencial teórico que fornecerá os subsídios para análise do objeto de estudo Tratase portanto de um primeiro nível de reflexão mais geral e de maior nível de abstração para em seguida voltar à profissão captandoa na sua significação histórica 1 A Produção Capitalista é Produção e Reprodução das Relações Sociais de Produção1 É na vida em sociedade que ocorre a produção A produção é uma atividade social Para produzir e reproduzir os meios de vida e de produção os homens estabelecem determinados vínculos e relações mútuas dentro e por intermédio dos quais exercem uma ação transformadora da natureza ou seja realizam a 1 Esta concepção está presente no conjunto das obras de Karl Marx Ver especialmente K Marx El Capital Crítica de la Economía Política México Fondo de Cultura Económica 2a ed 5a reimpressão 3 tomos 1975 El Capital libro I Capítulo VI Inédito Buenos Aires Siglo XXI 3a ed 1973 Trabalho assalariado e capital In K Marx e F Engels Textos 3 São Paulo Ed Sociais 1977 p 6093 produção A produção do indivíduo isolado é uma abstração A relação entre os homens na produção e na troca de suas atividades varia de acordo com o nível de desenvolvimento dos meios de produção Tais relações se estabelecem portanto em condições históricas determinadas nas quais os elementos da produção articulamse de forma específica Assim sendo a produção social é essencialmente histórica Aqui tratase de uma produção social na sua especificidade a produção capitalista as relações sociais de acordo com as quais os indivíduos produzem as relações sociais de produção alteramse transformamse com a modificação e o desenvolvimento dos meios materiais de produção das forças produtivas Em sua totalidade as relações de produção formam o que se chama relações sociais a sociedade e particularmente uma sociedade num determinado estágio de desenvolvimento histórico uma sociedade com um caráter distintivo particular O Capital também é uma relação social de produção É uma relação burguesa de produção relação de produção da sociedade burguesa2 O processo capitalista de produção expressa portanto uma maneira historicamente determinada de os homens produzirem e reproduzirem as condições materiais da existência humana e as relações sociais através das quais levam a efeito a produção Neste processo se reproduzem concomitantemente as idéias e representações que expressam estas relações e as condições materiais em que se produzem encobrindo o antagonismo que as permeia Assim a produção social não trata de produção de objetos materiais mas de relação social entre pessoas entre classes sociais que personificam determinadas categorias econômicas3 Na sociedade de que se trata o capital é a relação social determinante que dá a dinâmica e a inteligibilidade de todo o processo da vida social Sendo o capital uma relação social supõe o outro termo da relação o trabalho assalariado do mesmo modo que este supõe o capital Capital e trabalho assalariado são uma unidade de diversos um se expressa no outro um recria o outro um nega o outro O capital pressupõe como parte de si mesmo o trabalho assalariado Capital não é uma coisa material mas uma determinada relação social de produção correspondente a uma determinada formação histórica da sociedade que toma corpo em uma coisa material e lhe infunde um caráter social específico O capital é a soma dos meios materiais de produção produzidos É o conjunto dos meios de produção convertidos em capital que em si tem tão pouco de capital como o ouro e a prata como tais de dinheiro É o conjunto dos meios de produção monopolizados por uma determinada parte da sociedade os produtos e as condições de exercício da força de trabalho substantivados frente à força de trabalho viva e a que este antagonismo personifica como capital4 A reificação do capital isto é sua identificação com coisas materiais os meios de produção é típica daqueles que não conseguem distinguir as formas em que as relações se expressam nestas mesmas relações O capital se expressa através de mercadorias meios de produção e de vida e do dinheiro Estas formas que o representam são necessárias porque criadas e recriadas no movimento mesmo da produção Tais formas exteriores são aparências necessárias que fazem parte dos próprios fenômenos através das quais se manifesta a substância real dos mesmos Ao mesmo tempo que as expressam as encobrem pois as relações aparecem invertidas naquilo que realmente são aparecem como relações entre mercadorias embora não sejam mais que expressões de relações entre classes sociais antagônicas As relações sociais aparecem pois mistificadamente como relações entre coisas esvaziadas de sua historicidade A reificação do capital é pois a forma mistificada em que a relação social do capital aparece na superfície da sociedade5 4 K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t III p 754 5 Os economistas prisioneiros das representações nas quais se movem os agentes capitalistas de produção incorrem em um quid pro quo duplo porém reciprocamente condicionado Por uma parte transformam o capital de relação em uma coisa em um conjunto de mercadorias as quais na medida em que servem como condições de novo trabalho se denominam capital Por outra parte transformam as coisas em capital isto é consideram a relação social que se representa nelas e através delas como uma propriedade que corresponde à coisa enquanto tal tão logo a mesma ingressa como elemento no processo de Cabe porém a indagação Por que a produção e reprodução do capital é uma relação social historicamente dada que aparece como produção e reprodução de coisas Para responder a esta questão vamos partir do capital como mercadoria tentando desvendar o mistério que acompanha esta forma social típica da sociedade burguesa Em seguida procuraremos detectar em que condições as mercadorias se transformam em capital desvenda ndo o que ocorre no mercado e no processo de trabalho característicos da sociedade capitalista Finalmente nos deteremos na reprodução do capital como reprodução ampliada das relações de dominação e as mistificações que a acompanham A partir deste quadro analítico poderemos levantar algumas hipóteses sobre o Serviço Social e a Reprodução das Relações Sociais 2 O Capital como Relação Social 21 O Capital e a Forma Mercadoria6 O Capital se expressa sob a forma de mercadorias meios de produção matériasprimas e auxiliares e instrumentos de trabalho e meios de vida necessários à reprodução da Força de Trabalho As mercadorias são objetos úteis produtos de um trabalho de qualidade específica trabalho útil concreto que atendem a necessidades sociais como objetos úteis de qualidades materiais diferenciadas são valores de uso O valor de uso é a própria materialidade da mercadoria e se realiza no consumo dos objetos úteis Os valores de uso formam o conteúdo material da riqueza qualquer que seja a forma social desta No tipo de sociedade a que nos propomos a estudar os valores de uso são ademais o suporte material dos valores de troca7 Mas as mercadorias não são apenas valores de uso são grandezas ou magnitudes sociais que têm em comum o fato de serem produto do trabalho humano geral e indiferenciado trabalho abstrato são valores enquanto materialização de força humana de trabalho Enquanto grandezas sociais não se distinguem por sua qualidade mas pela quantidade de trabalho que têm incorporado São valores que se medem pelo tempo de trabalho socialmente necessário8 incorporado na sua produção É esta substância comum que viabiliza que objetos úteis de qualidades diversas sejam trocados numa relação equivalente O valor das mercadorias só se expressa na relação de troca Na expressão dos valores se distinguem dois pólos a mercadoria cujo valor se expressa forma relativa e aquela em que se expressa este valor forma equivalente Assim é que a proporção em que as mercadorias são trocadas se expressa numa relação quantitativa de mercadorias em que uma classe destas assume a função de equivalente isto é representando o valor das demais mercadorias que entram na relação de troca Historicamente este papel de equivalente geral de forma de expressão do valor das mercadorias incorporouse ao ouro que se converteu em mercadoria dinheiro Os produtos assumem historicamente a forma de mercadoria porque são produtos de trabalhos privados que necessitam ser trocados9 São valores de uso para outros enquanto para seu 7 K Marx El Capital Crítica de la Economía Política op cit t I cap 1 p 4 8 Tempo de trabalho socialmente necessário é aquele que se requer para produzir um valor qualquer nas condições normais da produção e com o grau médio de destreza e intensidade de trabalho imperantes na sociedade K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap 1 p 6 e 7 9 Para que estas coisas se relacionem umas com as outras é necessário que seus guardiães se relacionem entre si como persons cujas contades moram naqueles objetos de tal modo que cada possuidor de uma mercadoria só possa apoderarse da de outro por vontade deste e desprendendose da sua própria possuidor não têm outra utilidade que a de ser valor de troca e portanto meio de troca Porém sendo as mercadorias produto de trabalhos privados têm um caráter social que decorre do fato de que a por um lado sendo produtos de um trabalho útil têm que satisfazer uma determinada necessidade social e portanto integrarse no trabalho coletivo da sociedade dentro da divisão social do trabalho b por outro lado este trabalho só pode satisfazer uma necessidade de seu produtor à medida que se possa ser trocado por outro trabalho útil que lhe seja equivalente já que são nãovalores de uso para quem os produz e sim para outros Para que seja possível a troca de produtos de qualidades diferenciadas fruto de trabalhos de qualidades determinadas temse que abstrair da desigualdade real destes trabalhos materializados nos objetos para que apareça subjacente a eles sua igualdade a todos os outros tipos de trabalho enquanto desgaste de força humana de trabalho trabalho humano geral Este duplo caráter social do trabalho é o que permite aos diversos produtores equipararem seus produtos no ato da troca como valores O que fazem ao trocar suas mercadorias é equiparar seus diversos produtos como modalidades do mesmo trabalho embora não o saibam10 Nas relações que os homens estabelecem através da troca de seus trabalhos equivalentes materializados em objetos o caráter social de seus trabalhos aparece como sendo relação entre os produtos de seus trabalhos entre coisas independentes de seus produtores11 O que aparece como relação entre objetos materiais é uma relação social concreta entre homens oculta por trás das coisas Constatase pois um caráter misterioso das mercadorias mistério esse que faz com que as relações sociais entre pessoas expressas através de relações materiais entre coisas apareçam invertidas Isto é apareçam como relações materiais entre pessoas e relações sociais entre coisas alheias de seus produtores De onde decorre esse caráter misterioso das mercadorias Ao responder a esta questão o autor afirma não decorrer nem do valor de uso nem das determinações de seu valor mas sim da própria forma mercadoria Isto porque na mercadoria a igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a forma de igualdade dos produtos do trabalho como valores a medida por meio da duração de dispêndio da força humana de trabalho toma a forma de quantidade de valor dos produtos do trabalho finalmente as relações entre os produtores nas quais se afirma o caráter social de seus trabalhos assumem a forma de relação social entre os produtos do trabalho12 Este fetiche da mercadoria simples reaparece sob novas formas e novas determinações na mercadoria produto do capital dando origem ao que o autor denomina mistificação do capital 22 A Transformação da Mercadoria em Capital O valor capital se expressa em mercadorias meios de produção e meios de subsistência Mas nem toda soma de mercadorias é capital13 O capital supõe o monopólio dos meios de produção e de subsistência por uma parte da sociedade a classe capitalista em confronto com os trabalhadores desprovidos das condições materiais necessárias à materialização de seu trabalho Supõe o trabalhador que para sobreviver só tem a vender a sua força de trabalho O capital supõe o trabalho assalariado e este o capital14 O capital na sua forma elementar de dinheiro ou mercadoria só é potencialmente capital deve se transformar em capital real e efetivo no processo de produção mediante a incorporação da força de trabalho viva que conserva os valores das mercadorias que ingressam no processo produtivo e cria novos valores Enquanto o dinheiro representa uma soma dada de valores isto é tem uma magnitude constante o capital é uma soma de valor que tende a crescer É empregado tendo em vista a sua conservação e o seu engrandecimento O produto da produção capitalista não é apenas um valor de uso nem um produto que tem valor de troca Seu produto é a maisvalia ou seja seu produto são mercadorias que possuem mais valor de troca isto é representam mais trabalho que o que foi adiantado para a sua produção sob a forma de mercadoria ou de dinheiro15 A função específica do capital é a produção de um sobrevalor ou de um valor maior que aquele adiantado no início do ciclo produtivo Este sobrevalor ou maisvalia é o fim e o resultado do processo capitalista de produção Significa substancialmente materialização de tempo de trabalho excedente trabalho não pago apropriado pela classe capitalista16 A transformação do dinheiro em capital decompõese em três processos interrelacionados mas independentes no tempo e no espaço O primeiro a compra e venda dos meios de produção e da força de trabalho que se desenvolve no mercado O segundo que se efetiva no processo de produção onde mediante o consumo produtivo da capacidade de trabalho os meios de produção transformamse em produtos os quais além de conterem o valor do capital adiantado contêm ainda a maisvalia criada Temse aí a produção e reprodução de capital E o terceiro processo que ocorre novamente na órbita da circulação onde se realiza o valor do capital e da maisvalia mediante a transformação de mercadoria em dinheiro17 No primeiro processo temse a transformação do dinheiro nas mercadorias que constituem os fatores de produção É um ato de troca de mercadorias premissa do processo global de produção O valor capital ingressa no processo de produção sob a forma de mercadorias determinadas revestindo a dupla forma de valores de uso e de troca nas quais intervêm determinações mais complexas que as diferenciam da mercadoria simples Enquanto as mercadorias isoladas devem ter qualquer valor de uso de modo a atender a uma necessidade social a forma valor de uso do capital é determinada pela natureza do processo de trabalho devendo constituirse dos elementos do mesmo objetos e meios de trabalho Deve constituirse de meios de produção objetivos instrumento de produção matériasprimas e auxiliares e força de trabalho com uma especialidade determinada que acrescentar ao tempo de trabalho necessário para poder viver uma quantidade de tempo suplementar durante o qual trabalha para produzir os meios de vida destinados ao proprietário dos meios de produção dando no mesmo que este proprietário seja ateniense teocrata etrusco o civis romanus o barão normando o escravista norteamericano o boiardo da Valáquia o proprietário de terras moderno ou o capitalista Sem dúvida é evidente que naquelas sociedades econômicas em que não predominava o valor da troca mas o valor do uso do produto o trabalho excedente se achava circunscrito a um setor mais ou menos amplo de necessidades sem que do caráter mesmo da produção brote uma fome insaciável de trabalho excedente K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t 1 cap VIII p 181 17 É todo este processo a transformação do dinheiro em capital operase na órbita da circulação e não opera nela Operase por meio da circulação pois está condicionada pela compra de força de trabalho no mercado de mercadorias Não se opera na circulação porque este processo não faz mais que iniciar o processo de valorização cujo centro reside na órbita da produção K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t 1 cap V p 1456 Correspondente ao particular valor de uso dos meios de produção está também desprovido dos meios de subsistência A medida que estes se contrapõem ao trabalhador como propriedade alheia monopolizados por uma parte da sociedade a classe capitalista não lhe resta outra alternativa senão vender parte de si mesmo em troca do valor equivalente aos meios necessários para sua subsistência e de sua família20 expressos através da forma do salário A condição histórica para o surgimento do capital e o pressuposto essencial para a transformação do dinheiro em capital é a existência no mercado da força de trabalho como mercadoria Na esfera da circulação de mercadorias se estabelece uma relação contratual de compra e venda entre possuidores juridicamente iguais de mercadorias equivalentes a força de trabalho e os meios de subsistência sob a forma de dinheiro Mas o que ocorre na esfera de produção O processo de produção do capital considerado como um processo que por meio do trabalho útil cria novos valores de uso é um Processo de Trabalho21 Mas é um processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista Assim sendo é um processo de trabalho com características específicas historicamente diferenciadas já que a As mercadorias compradas pelo capitalista para serem consumidas no processo de produção são sua propriedade é o seu dinheiro transformado em mercadorias É um modo de existência de seu capital sob a forma em que realmente pode funcionar como capital Isto se aplicaria também ao trabalho A força de trabalho em ação isto é o trabalho é uma função pessoal do trabalhador enquanto gasto de sua força vital realização de suas capacidades produtivas Porém enquanto criador de valores pertence ao capitalista que comprou a força de trabalho para empregála produtivamente durante um certo período de tempo A força de trabalho é uma potência que só se exterioriza em contato com os meios de produção só sendo consumida ela cria valor O consumo da força de trabalho pertence ao capitalista do mesmo modo que lhe pertencem os meios de produção Assim é que o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista a quem pertence o seu trabalho A produção capitalista supõe a cooperação em larga escala e a concentração e centralização dos meios de produção com que se defronta o trabalhador como uma propriedade alheia Ao capitalista eou a seus prepostos cabe portanto a função de direção e vigilância do trabalhador coletivo seja garantindo o emprego racional dos meios de produção para evitar desperdícios seja garantindo a maior intensidade possível de exploração da força de trabalho Como as condições de trabalho e o próprio trabalho pertencem ao capitalista este recebe também gratuitamente a força produtiva do trabalho social derivada da cooperação que se apresenta como força produtiva do capital22 22 Como pessoas independentes os trabalhadores são indivíduos que entram na relação com o mesmo capital mas não entre si Sua cooperação começa no processo de trabalho isto é quando já deixaram de pertencer a si mesmos Ao entrar no processo de trabalho são absorvidos pelo capital Como trabalhadores que cooperam para um resultado como membros do organismo trabalhador não são mais que uma modalidade de existência de capital para o qual trabalham Por conseguinte a força produtiva desenvolvida pelo trabalhador como um trabalhador social coletivo é a força produtiva do capital Esta força produtiva social do trabalho se desenvolve gratuitamente tão logo os trabalhadores se vêem sujeitos a determinadas condições a que o capital os submete E como a força produtiva social do trabalho não custa nada ao capitalista já que ademais o trabalhador não a desenvolve antes que o seu trabalho pertença ao capitalista parece à primeira vista como se esta força fosse força produtiva inerente por mercadoria força de trabalho seu custo diário de conservação é definido antes mesmo que esta mercadoria ingresse na circulação Ele se expressa no seu preço ou seja no salário Já o seu valor de uso que é o próprio trabalho só se expressa no seu consumo A realização deste consumo supõe a existência dos meios de produção nos quais a capacidade de trabalho se materializa Porém ao ser consumida a força de trabalho já não pertence mais ao trabalhador e sim ao capitalista que a comprou temporariamente sendo uma forma de existência de seu capital O que busca o capitalista é pois o valor de uso específico desta mercadoria que lhe permite ser fonte de valor e portanto criar um valor superior ao seu preço mas para que crie valor a força de trabalho deve ter um caráter útil enquanto apta para produzir objetos de qualidades específicas O que se verifica pois é que o valor da força de trabalho na circulação é diferente da magnitude de valor que cria na produção Esta parte do valor adiantado na produção ao ser transformada em trabalho vivo em ação adquire uma magnitude variável aí temse não mais um valor mas a valorização enquanto processo O trabalho vivo não só conserva os valores dos meios de produção trabalho acumulado mas reproduz o valor do capital variável e gera um incremento de valor a maisvalia Tratase da força de trabalho em ação que se apresenta em processo de realização O trabalho como formador de valor é aqui abstraído de seu valor de uso particular trabalho concreto e considerado como trabalho socialmente necessário indiferenciável na sua qualidade mas diferenciável na sua quantidade trabalho que agrega valor proporcionalmente a sua duração Tratase do tempo de trabalho socialmente necessário24 que alcança sua expressão autônoma no dinheiro no preço da mercadoria força de trabalho Por isso interessa ao capitalista aumentar a duração e intensidade do trabalho seja prolongando a sua jornada maisvalia absoluta seja potenciando o trabalho acima do grau médio maisvalia relativa para que obtenha um tempo de trabalho superior aquele necessário à reposição do salário Devese ter claro entretanto que esta segmentação entre trabalho concreto e socialmente necessário tendo fundamento na realidade e em termos analíticos não deve ser encarada como uma dualidade de modo dicotômico Tratase de uma unidade de contrários em que um trabalho se expressa através do outro O mesmo trabalho é ao mesmo tempo concreto e abstrato o tempo de trabalho socialmente necessário só se expressa através de trabalhos úteis determinados O fato de o trabalhador ser forçado a produzir um trabalho excedente determina mudanças na forma de valor de uso com que o capital se apresenta no processo produtivo Em primeiro lugar os meios de produção devem estar disponíveis em uma quantidade suficiente para absorver o trabalho necessário e o sobretrabalho Em segundo lugar a duração e a intensidade do processo de trabalho se modificam Finalmente as relações entre o trabalhador e os meios de produção se alteram substancialmente Se do ponto de vista do processo de trabalho é o trabalhador quem emprega os meios de produção como instrumento para a realização de seu trabalho transformandoos em produto no processo de valorização a relação se inverte Aqui o trabalho vivo é mero meio de valorização dos valores existentes expressos nos meios de produção25 Estes valores só se conservam e se acrescentam mediante a absorção do trabalho vivo que se torna meio de valorização de todo o capital Tratase do domínio do trabalho objetivado nos meios de produção nas coisas sobre o trabalho vivo ou seja sobre o trabalhador26 Ai o capitalista só funciona como 24 A fim de que o tempo de trabalho do trabalhador gere valor proporcional a sua duração deve ser tempo de trabalho socialmente necessário Isto é o trabalhador deve executar em um tempo determinado o quantum socialmente normal de trabalho útil e para isto o capitalista obriga ao trabalhador que seu trabalho alcance no mínimo o grau médio de intensidade conforme a norma social Procurará aumentálo acima deste mínimo e extrair do trabalhador em um tempo dado o maior trabalho possível já que toda intensificação do trabalho superior ao grau médio lhe oferece maisvalia Tratará ademais de prolongar o mais possível o processo de trabalho mais além dos limites em que é necessário trabalhar para repor o capital variável o salário K Marx El Capital libro I capitulo I inedito op cit p 16 42 25 O capital não consiste em que o trabalho acumulado sirva de meio de trabalho vivo para nova produção Consiste em que o trabalho vivo sirva de meio ao trabalho acumulado para manter e aumentar o valor de troca deste último K Marx Trabalho assalariado e capital op cit p 70 A absorção pelo trabalho objetivado passado do trabalho vivo constitui o processo de autovalorização sua transformação em capital K Marx El Capital libro I capítulo VI Inédito op cit p 24 26 No processo de trabalho efetivo o trabalhador consume os meios de trabalho como veículo de seu trabalho e o objeto de trabalho como matéria na qual se expressa o seu trabalho Precisamente por isto transforma os meios de produção na forma adequada a um fim do produto Do ponto de vista do processo personificação do capital e o trabalhador como personificação do trabalho27 No decorrer da presente reflexão destacamos o processo de produção do capital como processo de trabalho e de valorização não se trata de dois processos independentes mas de duas dimensões do mesmo processo Não se trabalha duas vezes para produzir um produto útil e para criar valor e maisvalia O que cria o valor é o trabalho real que tendo uma dada intensidade materializase no produto em determinadas quantidades que transforme os meios de produção em produtos de qualidades específicas Ou seja o processo imediato de produção é unidade do processo de trabalho e de valorização assim como a mercadoria é unidade de valor de uso e valor de troca Porém na formação social capitalista o processo de trabalho é meio do processo de valorização já que o objetivo primordial da produção não é a satisfação de necessidades sociais mas a produção de maisvalia a valorização do próprio capital No processo de produção do capital os meios de produção por meio de trabalho vivo se transformam em produtos que são mercadorias mas são mercadorias produto do capital que contêm novas determinações que as diferenciam da mercadoria individual premissa da produção capitalista visto que a Contêm trabalho pago e não pago parte do trabalho nela objetivado equivale ao salário enquanto a outra é trabalho excedente maisvalia b Cada mercadoria se apresenta como parte integrante da massa total de mercadorias como parte alíquota do produto total do capital que pode ser considerado como uma única mercadoria que contém o valor do capital adiantado e a maisvalia de valorização as coisas porém se apresentam diferentemente Não é o trabalhador quem emprega os meios de produção são os meios de produção que empregam o trabalhador é o trabalho material que se conserva e se acrescenta mediante sucção de trabalho vivo graças ao qual se converte em valor que se valoriza em capital e funciona como tal K Marx El Capital libro I capitulo VI Inédito op cit p 17 27 As funções que exerce o capitalista não são outra coisa que as funções do capital mesmo exercidas com consciência e vontade O capitalista só funciona enquanto capital personificado é o capital enquanto pessoa do mesmo modo que o trabalhador funciona unicamente enquanto trabalho personificado que a ele pertence enquanto supélico porém que pertence ao capitalista como substância criadora e acrescentadora de riqueza K Marx El Capital libro I capítulo VI Inédito op cit p 19 c Para que se realize o valor do capital e da maisvalia o volume de mercadorias vendido é aqui essencial28 À medida que o valor capital se expressa sob forma de mercadorias tem que cumprir as funções destas têm que ser vendidas convertidas em dinheiro para que o valor passe a circular e reiniciar o ciclo produtivo sob novas formas Operase aí uma mudança na forma do valor este que existia sob a forma de produtos existe agora sob a forma de dinheiro mas de capital dinheiro que expressa o valor dos meios de produção invertidos no produto e o sobrevalor criado no processo produtivo Esta metamorfose do valor da forma mercadoria na forma dinheiro que é ao mesmo tempo a realização do valor criado no processo produtivo ocorre na esfera da circulação No modo de produção especificamente capitalista temse a generalização da mercadoria que se torna a forma geral de toda a riqueza e a alienação do produto a forma necessária para a sua apropriação A própria substância da produção tornase mercadoria e não só o excedente produzido e as condições da produção se mercantilizam inclusive a força de trabalho 3 As Relações Sociais Mistificadas e o Ciclo do Capital O processo que acabamos de apresentar de transformação do dinheiro em capital não é algo mecânico de simples mudanças de formas do valor capital As metamorfoses do capital são uma condição indispensável para que o valor capital se movimente se crie e se acrescente e reinicie o seu ciclo Partimos do valor capital na sua forma dinheiro monopolizado pelo capitalista que no mercado e através da compra e venda das condições de produção transformao em mercadorias esta forma mercadoria do valor capital é condição indispensável para que o processo de produção se realize já que este é um processo de trabalho que supõe instrumentos de produção matériasprimas e auxiliares e a força viva de trabalho através da qual não só estes meios de produção se transformam em produtos mas em produtos de um valor maior que o do capital adiantado no início do processo É 28 Sobre a mercadoria produto do capital ver K Marx El Capital libro I capítulo VI Inédito op cit cap III Las Mercancías como producto del capital p 10937 e também El Capital Crítica de la Economía Política op cit t II seção I Las Metamorfosis del capital y su ciclo p 27135 especialmente o ciclo do capital dinheiro e do capital mercadoria 44 45 no ciclo do capital produtivo que ocorre a verdadeira transformação do dinheiro em capital isto é em valor que se valoriza em valor que gera valor Ai a mudança de forma é acompanhada de uma transformação real do valor Finalmente as mercadorias produzidas têm que se transformar novamente em dinheiro nesta expressão substantivada do valor já valorizado pois é sob esta forma que o ciclo pode se reiniciar O capitalista poderá então transformar o valor do capital inicial e a maisvalia capitalizado em novas condições de produção ampliando a sua escala É nesta última metamorfose da mercadoria produto do capital em dinheiro venda que o valor do capital valorizado se realiza29 O que nos interessa aqui é destacar as relações sociais através das quais este processo se realiza Para tanto devemos considerar não o capitalista e o trabalhador individualmente mas o conjunto dos capitalistas e dos trabalhadores enquanto classes sociais que personificam categorias econômicas o capital o trabalho e o seu antagonismo E ainda considerar o processo de produção na sua continuidade isto é na sua reprodução O processo de produção quaisquer que sejam as suas características históricas é um processo que se reinicia permanentemente já que a sociedade não pode prescindir da produção e do consumo A reprodução é a continuidade do processo social de produção30 porém uma continuidade que não se reduz à mera repetição é uma continuidade no decorrer da qual o processo se renova se cria e recria de modo peculiar As condições de produção são portanto as da reprodução Aqui tratase de uma produção determinada historicamente a produção capitalista em que o processo de trabalho é meio do processo de valorização Desta forma a reprodução tornase simplesmente um meio de reproduzir o capital de produzir maisvalia a qual aparece como forma de rendimento produzido pelo próprio capital e não pelo trabalho O ponto de partida do processo capitalista de produção é a separação entre a força de trabalho e os meios de produção que são monopolizados privadamente pela classe capitalista Ao se analisar a continuidade do processo social de produção verificase que o que era premissa é agora resultado do processo O trabalhador assalariado sai do processo de produção como ingressou como mera força de trabalho como fonte pessoal de riqueza que se realiza como riqueza para outros Deixando de lado por um momento o desgaste de sua energia vital que é consumida pelo capital no processo de trabalho o que recebe em troca da venda da força de trabalho os seus meios de vida são consumidos na reprodução de sua vida e de sua família Não lhe resta portanto outra alternativa senão a de retornar ao mercado novamente vender parte de si mesmo como condição de sua sobrevivência já que os seus meios de vida estão monopolizados também pela classe capitalista Mas o que a classe trabalhadora entrega ao capitalista Entregalhe diariamente o valor de uso de sua força de trabalho o trabalho de uma jornada que não só reproduz o valor de todo o capital adiantado mas cria novo valor o que se materializa em mercadorias que são propriedade do capitalista por ele vendidas no mercado Mediante a sucção do trabalho o capital não só se produz como capital mas se reproduz a maisvalia criada se converte em meios de consumo da classe capitalista e em capital adicional empregado em nova produção em novo meio de exploração do trabalho assalariado A classe trabalhadora cria pois em antítese consigo mesma os próprios meios de sua dominação como condição de sua sobrevivência31 31 O próprio trabalhador produz constantemente a riqueza objetiva como capital como uma potência estranha a ele que o explora e o domina E o capitalista produz não menos constantemente a força de trabalho como fonte subjetiva de riqueza separada de seus meios de realização e materialização como fonte abstrata que radica na mera corporeidade do trabalhador ou para dizêlo brevemente o trabalhador como trabalhador assalariado Esta constante reprodução ou eternização do trabalhador é condição sine qua non da produção capitalista K Marx El Capital Crítica de la Economía Política op cit t 1 cap XXI p 48 32 Ainda o trabalhador se empobrece tanto mais quanto mais riqueza produz à medida que se valoriza o mundo das coisas se desvaloriza em razão direta o mundo dos homens O trabalho não produz só mercadorias produz a si mesmo e produz o trabalhador como uma mercadoria na mesma proporção em que produz mercadorias em geral o objecto produzido pelo trabalho seu produto n enfrenta como algo estranho como um poder independente de seu produtor Capital e trabalho assalariado se criam mutuamente no mesmo processo A continuidade do processo de produção capitalista é um processo de produção e reprodução de classes sociais Como esse processo se engendra Como estas relações se produzem e reproduzem Quais as suas características Retornemos brevemente ao confronto da classe capitalista e da classe trabalhadora no mercado Aqui o que está em jogo é compra e venda de mercadorias supondo uma relação entre livres proprietários de mercadorias equivalentes que se diferenciam pela qualidade material de suas mercadorias os trabalhadores proprietários da força de trabalho e os capitalistas dos meios de produção e dos meios de subsistência O que se esconde sob esta relação de iguais Em troca de sua mercadoria o trabalhador recebe a título de salário uma parte do produto em que se traduz parcela de seu trabalho o trabalho necessário para a sua conservação e reprodução O salário embora à primeira vista apareça como o preço do trabalho é o preço da força de trabalho Se o trabalho fosse vendido no mercado como mercadoria teria que existir antes de ser vendido No entanto se o trabalhador pudesse dar uma existência independente a seu trabalho venderia o produto do mesmo e não o trabalho32 Em nota ao pé da página o autor destaca ainda que o trabalho medida exclusiva do valor fonte de toda riqueza não é uma mercadoria O salário é o preço da força de trabalho em que se traduz o capital variável do capitalista33 Mas o valor da força de trabalho é diferente de seu rendimento quando colocada em ação tornase uma magnitude variável a força de trabalho em realização é um processo de valorização que não só transfere o valor dos meios de produção ao produto mas repõe o valor do capital variável e cria novo valor O rendimento do trabalho depende de sua duração O capitalista compra o direito de explorar a força de trabalho durante uma jornada na qual o trabalhador não só produz o trabalho necessário para a sua subsistência mas um trabalho excedente ou um valor excedente Assim o capitalista que compra a força de trabalho a faz funcionar por mais tempo que o necessário para reproduzir o seu preço caso contrário só obteria o tempo de trabalho socialmente necessário equivalente ao salário não se apropriando de qualquer trabalho excedente Sem trabalho excedente não haveria maisvalia e a continuidade da produção estaria comprometida já que esta é seu impulso e finalidade básica Ao aparecer como preço do trabalho a forma salário encobre toda a divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e excedente pago e não pago fazendo com que todo o trabalho entregue ao capitalista apareça34 como trabalho pago Esta mistificação da forma salário não é facilmente desvendada no cotidiano tanto pelo capitalista como pelo trabalhador O capitalista ignora que o preço normal do trabalho envolve também uma determinada quantidade de trabalho não retribuído e que precisamente este trabalho não retribuído é a fonte normal de onde provém seu lucro Para ele a categoria tempo de trabalho excedente não existe pois aparece confundida na jornada normal de trabalho que crê pagar com salário35 Para melhor explicitar a desigualdade que se esconde sob a forma de salário importa destacar que o trabalhador só é 34 Ademais a forma exterior valor ou preço do trabalho ou salário à diferença da realidade substancial que nela se exterioriza ou seja o valor ou o preço da força de trabalho está sujeita às mesmas leis de todas as formas exteriores e seu fundo oculto As primeiras se reproduzem de modo direto e espontáneo como formas discursivas que se desenvolvem por sua própria conta o segundo é a ciência que terá que descobrir Nesta forma exterior de manifestarse que oculta e faz invisível a realidade invertendoa baseiamse todas as idéias jurídicas do trabalhador e do capitalista todas as mistificações do regime capitalista de produção todas as ilusões livrecambistas todas as frases apologéticas da economia vulgar K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I p 452 454 35 K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XVIII p 461 pago depois de ter vendido sua força de trabalho após o seu trabalho útil que é ao mesmo tempo criador de valor ter sido colocado em funcionamento Assim a classe trabalhadora adianta à capitalista o seu trabalho fornecelhe um crédito já que o dinheiro com que o trabalhador é pago desempenha a função de meio de pagamento o trabalhador só recebe seu salário após sua força de trabalho ter sido consumida produtivamente pelo capital Considerando o processo de produção na sua continuidade verificase que a classe trabalhadora é paga com o produto de seu próprio trabalho do trabalho efetuado anteriormente pelo conjunto dos trabalhadores Assim é que a classe trabalhadora é quem produz o capital variável que posteriormente lhe é devolvido sob a forma de salário36 Assim é que o capitalista vende constantemente ao trabalhador uma parte do próprio produto deste último os meios necessários de sobrevivência em troca de trabalho e lhe empresta constantemente outra parte de seu próprio produto os meios de produção cujo valor é também recriado pelo trabalho Ora a relação entre compradores e vendedores supõe a troca de seus próprios trabalhos o que não se verifica neste casoCom isto se desvanece a aparência expressa na circulação de uma relação entre possuidores de mercadorias Esta compra e venda é a forma mediadora de subjugamento do trabalhador ao capital que se renova constantemente Encobre como mera relação monetária a transação real e a dependência perpétua que essa intermediação de compra e venda renova incessantemente Não só se reproduzem de maneira constante as condições deste comércio mas o que um compra e o que o outro se vê obrigado a vender é resultado do processo A renovação constante desta relação de compra e venda não faz mais que mediar a continuidade da relação específica de dependência e lhe confere a aparência falaciosa de uma transação de um contrato entre possuidores de mercadoria dotados de iguais direitos e que se contrapõem de maneira igualmente livre Esta relação introdutória agora se apresenta inclusive como elemento imanente desse predomínio do trabalho objetivado sobre o trabalho vivo gerado na produção capitalista37 O que o capitalista devolve ao trabalhador como fundo de trabalho ou salário é empregado na aquisição dos meios de vida do trabalhador e de sua família O consumo individual da classe trabalhadora reproduz o próprio trabalhador como trabalhador assalariado tanto os trabalhadores atuais como os futuros condição indispensável para a continuidade do processo de produção Temse aí não só a reprodução física da força de trabalho mas também da tradição e acumulação de destreza para o trabalho de geração em geração K Marx t I p 483 Embora a conservação de sua vida e progênitura seja levada a efeito pelo próprio trabalhador fora do processo produtivo propriamente dito o consumo dos meios de subsistência implica a própria desitruição dos mesmos o que obriga a classe trabalhadora a comparecer novamente no mercado vendendo sua força de trabalho ao capital O consumo individual do trabalhador é improdutivo para ele mesmo pois não faz mais que reproduzir o indivíduo necessário só é produtivo para o capitalista e para o Estado visto que produz a força produtora de riqueza para outros38 Assim quando o capitalista converte parte de seu capital em força de trabalho o que obtém é uma exploração de todo o seu capital Obtém vantagens não só do que extrai do trabalhador mas do que entrega à classe trabalhadora sob a forma de salário39 O processo capitalista de produção reproduz o trabalhador divorciado das condições de trabalho o reproduz como trabalhador assalariado Esta vassalagem econômica se disfarça pela ocorrência da renovação periódica da venda de força de trabalho seja devido à troca de patrões individuais seja devido às oscilações de preço da força de trabalho no mercado40 Do ponto de vista social a classe trabalhadora é um atributo do capital Mas o próprio processo cria as aparências mistificadoras que evitam 38 K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I p 482 39 Assim dentro dos limites do absolutamente necessário o consumo individual da classe trabalhadora volta a converter o capital gasto em troca de força de trabalho em nova força de trabalho explorável pelo capital É produção e reprodução do meio de produção indispensável para o capitalista do próprio trabalhador O consumo individual do trabalhador é pois um fator de produção e reprodução do capital K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I p 486 40 O escravo romano se achava sujeito por cadeias à vontade do senhor o trabalhador assalariado se acha submetido à palmatória de seu proprietário por meio de fios invisíveis A troca constante de patrões e a fictio juris do contrato de trabalho mantém a aparência de livre personalidade K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I p 482 Capital e trabalho assalariado assim denominado o trabalho do trabalhador que vende sua própria capacidade de trabalho não expressam outra coisa que dois fatores da mesma relação O dinheiro não pode transformarse em capital se não se troca por capacidade de trabalho enquanto mercadoria vendida pelo próprio trabalhador Ademais o trabalho só pode aparecer como trabalho assalariado quando suas próprias condições objetivas enfrentamno como poderes autônomos egoístas propriedade alheia valor que é para si aterrado a si mesmo em suma como capital42 Capital e trabalho assalariado se criam mutuamente no mesmo processo Assim é que o processo de produção capitalista é um processo de relações sociais entre classes O salário forma típica do mundo dos equivalentes encobre a desigualdade efetiva que se esconde sob a aparência de relações contratuais juridicamente iguais O que ocorre no mundo da produção sob a aparência da igualdade expressa no mundo da troca de mercadorias Com o desenvolvimento do que Marx denomina modo de produção especificamente capitalista verificase uma revolução total no modo de produzir ou seja no processo de trabalho Desenvolvemse as forças produtivas sociais do trabalho devido à cooperação à progressiva divisão técnica do trabalho à aplicação de maquinaria à aplicação do desenvolvimento científico e tecnológico no processo produtivo A escala social de produção se amplia e com isto também o volume mínimo de capital exigido para que os capitalistas individuais explorem produtivamente o seu capital Temse a concentração e centralização do capital existente que ampliam e aceleram as mudanças na composição técnica e de valor do capital isto é na sua composição orgânica43 42 K Marx El Capital libro I Capítulo VI Inédito op cit p 38 43 A composição do capital pode ser interpretada em dois sentidos Em relação ao valor a composição do capital depende da proporção em que se divide em capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor da força de trabalho soma global dos salários Em relação à matéria a seu funcionamento no processo de produção os capitalis se dividem em meios de produção e força viva de trabalho esta composição se determina pela proporção existente entre a massa dos meios de produção empregados de um lado e de outro pela quantidade de trabalho necessário para o seu emprego Chamaremos à primeira de composição do valor e à segunda de composição técnica do capital Existe entre elas uma relação de mútuo interdependência Para expressála dou à composição de valor enquanto se acha determinada pela composição técnica e reflete as mudanças operadas nesta o nome de composição orgânica do capital 52 que a revolta se expresse e garantem a continuidade do processo produtivo A reprodução das relações de dominação é também reprodução das formas jurídicas igualitárias e livres que as mascaram Na esfera da circulação na compra e venda da força de trabalho o que distingue o trabalhador de outros vendedores de mercadorias é o valor de uso específico da mercadoria que é fonte de riqueza o trabalho capaz de produzir e reproduzir valor Porém isto não modifica a determinação formal da transação entre compradores de mercadorias Ou seja não há violação da lei de troca de mercadorias Para demonstrar portanto que se trata de uma mera troca de mercadorias basta se ater ao aspecto formal desta transação de troca de coisas não se atendo à natureza das relações que ela encerra O que imprime ao dinheiro e à mercadoria o caráter de capital desde a circulação não é o fato de serem mercadorias e dinheiro e muito menos o valor de uso específico destas mercadorias Mas é o fato de que as condições de produção e os meios de subsistência estejam alienados do trabalhador e enfrentamno como coisas capazes de comprar pessoas O trabalhador trabalha como nãoproprietário e as condições de trabalho se lhe enfrentam como um poder estranho autônomo personificado por seus possuidores41 As coisas que são condições objetivas de trabalho ou seja os meios de produção e as coisas que são condições objetivas para a conservação do trabalhador mesmo isto é os meios de subsistência só se convertem em capital ao enfrentar o trabalho assalariado O capital não é uma coisa assim como o dinheiro não o é No capital como no dinheiro determinadas relações sociais aparecem como qualidades sociais que certas coisas têm por natureza 41 Antes que o dinheiro e a mercadoria se tenham realmente transformado em capital que lhe imprime desde o início um caráter de capital não é a sua condição de dinheiro nem sua condição de mercadoria nem o valor de uso estas mercadorias que consiste em servir de meios de subsistência e produção mas é o fato de que este dinheiro e esta mercadoria estes meios de produção e de subsistência se enfrentam com a capacidade de trabalho despojada de toda riqueza objetiva como poderes autônomos personificados em seus possuidores o fato de que as condições de trabalho estão alienadas do trabalhador mesmo ou mais precisamente se apresentam como fetiches dotados de uma vontade e alma próprias o fato de que mercadorias figuram como compradoras de pessoas K Marx El Capital libro I capítulo VI Inédito op cit p 357 Grifos do autor 53 fazendo com que o capital aplicado nos meios de produção cresça em maior proporção que aquele aplicado na compra da força de trabalho O trabalho é pois potencializado isto é verificase um aumento de produtividade social de trabalho uma quantidade menor de trabalho é capaz de criar uma maior quantidade de produtos44 Com isso se reduz o tempo de trabalho socialmente necessário para a reprodução da força de trabalho ampliandose o tempo de trabalho que é entregue gratuitamente ao capitalista É o mundo da maisvalia relativa Como a classe trabalhadora dentro do processo produtivo não é mais que um modo de existência do capital o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho aparece como força produtiva do capital como propriedades inerentes aos meios de produção enquanto valores de uso enquanto coisas Esta aparência se reforça à medida que no capitalismo observase um amplo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho coletivo que não têm comparação com épocas precedentes aparecem portanto como algo natural à relação do capital Por outro lado as condições objetivas do trabalho assumem aí devido ao trabalho combinado socialmente uma forma modificada como meios de produção concentrados Porém este caráter social das condições de trabalho máquinas edifícios etc aparece como algo dado independente do trabalhador como sendo organizado pelo capitalista e obra sua Como o trabalho enquanto criador de riqueza pertence ao capital e apenas como esforço individual pertence ao trabalhador o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho e as condições sociais do trabalho se apresentam como se fossem fruto do capital e não do trabalho Esta forma alienada porém necessária para a subsistência do capitalismo se reflete na consciência dos homens como se a riqueza proviesse do capital e não do trabalho O que decorre da potenciação do trabalho coletivo aparece como algo inerente às condições naturais da produção enquanto tais o que é produto do trabalho aparece como produto do capital Esta é a mistificação do capital45 inerente ao processo de trabalho como meio do processo de valorização No processo social de produção o trabalhador não só produz mercadorias mas capital A força de trabalho é consumida pelo capitalista que a adquiriu como meio de valorização de valores já existentes e ao mesmo tempo o componente vivo do capital consome os meios de produção transformandoos em produtos que têm um valor superior àquele desembolsado inicialmente Temse aí o consumo produtivo da força de trabalho o trabalho produtor de maisvalia Deste processo resulta a vida da classe capitalista isto é a maisvalia obtida é empregada tanto como fundo de consumo individual do capitalista como para aquisição de novas condições de produção necessárias à continuidade ampliada do processo produtivo como capital adicional maisvalia capitalizada Ou seja o trabalhador produz e reproduz o capital produz e reproduz a classe capitalista que o personifica enfim cria e recria as condições de sua própria dominação Portanto a relação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho é uma relação entre o produtor e um objeto alheio dotado da condição de exercer poder sobre ele A objetivação do trabalho desta substância criadora de riqueza no produto tornase para o produtor escravização de si mesmo aos objetos criados pelo seu trabalho Mas a alienação do trabalhador não só se expressa na sua relação com os produtos de trabalho46 A alienação se manifesta no próprio ato da produção no trabalho O trabalho aparece como algo externo ao trabalhador como algo em que não se afirma mas se nega a si mesmo que o mortifica 45 Sobre a mistificação do capital ver K Marx El Capital libro I capítulo VI Inédito op cit p 93101 46 Consideramos o ato de alienação da atividade prática humana do trabalho em dois aspectos 1 A relação entre o trabalhador e o produto do trabalho como objeto alheio e dotado de poder sobre ele Esta relação é ao mesmo tempo a que o coloca ante um mundo exterior sensual ante os objetos da natureza como ante um mundo estranho e hostil 2 a relação entre o trabalho e o ato de produção dentro do trabalho Esta relação é a que se estabelece entre o trabalhador e sua própria atividade como uma atividade alheia e que não lhe pertence a atividade como passividade a força como impotência a procriação como castração a própria energia física e espiritual do trabalhador sua vida pessoal pois a vida não é outra coisa que atividade como uma atividade que se volta contra ele mesmo independente dele que não lhe pertence Autoalienação como acima a alienação da coisa K Marx Manuscritos econômicofiilosóficos de 1848 op cit p 66 54 fazendo com que o capital aplicado nos meios de produção cresça em maior proporção que aquele aplicado na compra da força de trabalho O trabalho é pois potencializado isto é verificase um aumento de produtividade social de trabalho uma quantidade menor de trabalho é capaz de criar uma maior quantidade de produtos44 Com isso se reduz o tempo de trabalho socialmente necessário para a reprodução da força de trabalho ampliandose o tempo de trabalho que é entregue gratuitamente ao capitalista É o mundo da maisvalia relativa Como a classe trabalhadora dentro do processo produtivo não é mais que um modo de existência do capital o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho aparece como força produtiva do capital como propriedades inerentes aos meios de produção enquanto valores de uso enquanto coisas Esta aparência se reforça à medida que no capitalismo observase um amplo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho coletivo que não têm comparação com épocas precedentes aparecem portanto como algo natural à relação do capital Por outro lado as condições objetivas do trabalho assumem aí devido ao trabalho combinado socialmente uma forma modificada como meios de produção concentrados Porém este caráter social das condições de trabalho máquinas edifícios etc aparece como algo dado independente do trabalhador como sendo organizado pelo capitalista e obra sua Como o trabalho enquanto criador de riqueza pertence ao capital e apenas como esforço individual pertence ao trabalhador o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho e as condições sociais do trabalho se apresentam como se fossem fruto do capital e não do trabalho Esta forma alienada porém necessária para a subsistência do capitalismo se reflete na consciência dos homens como se a riqueza proviesse do capital e não do trabalho O que decorre da potenciação do trabalho coletivo aparece como algo inerente às condições naturais da produção enquanto tais o que é produto do trabalho aparece como produto do capital Esta é a mistificação do capital45 inerente ao processo de trabalho como meio do processo de valorização No processo social de produção o trabalhador não só produz mercadorias mas capital A força de trabalho é consumida pelo capitalista que a adquiriu como meio de valorização de valores já existentes e ao mesmo tempo o componente vivo do capital consome os meios de produção transformandoos em produtos que têm um valor superior àquele desembolsado inicialmente Temse aí o consumo produtivo da força de trabalho o trabalho produtor de maisvalia Deste processo resulta a vida da classe capitalista isto é a maisvalia obtida é empregada tanto como fundo de consumo individual do capitalista como para aquisição de novas condições de produção necessárias à continuidade ampliada do processo produtivo como capital adicional maisvalia capitalizada Ou seja o trabalhador produz e reproduz o capital produz e reproduz a classe capitalista que o personifica enfim cria e recria as condições de sua própria dominação Portanto a relação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho é uma relação entre o produtor e um objeto alheio dotado da condição de exercer poder sobre ele A objetivação do trabalho desta substância criadora de riqueza no produto tornase para o produtor escravização de si mesmo aos objetos criados pelo seu trabalho Mas a alienação do trabalhador não só se expressa na sua relação com os produtos de trabalho46 A alienação se manifesta no próprio ato da produção no trabalho O trabalho aparece como algo externo ao trabalhador como algo em que não se afirma mas se nega a si mesmo que o mortifica 45 Sobre a mistificação do capital ver K Marx El Capital libro I capítulo VI Inédito op cit p 93101 46 Consideramos o ato de alienação da atividade prática humana do trabalho em dois aspectos 1 A relação entre o trabalhador e o produto do trabalho como objeto alheio e dotado de poder sobre ele Esta relação é ao mesmo tempo a que o coloca ante um mundo exterior sensual ante os objetos da natureza como ante um mundo estranho e hostil 2 a relação entre o trabalho e o ato de produção dentro do trabalho Esta relação é a que se estabelece entre o trabalhador e sua própria atividade como uma atividade alheia e que não lhe pertence a atividade como passividade a força como impotência a procriação como castração a própria energia física e espiritual do trabalhador sua vida pessoal pois a vida não é outra coisa que atividade como uma atividade que se volta contra ele mesmo independente dele que não lhe pertence Autoalienação como acima a alienação da coisa K Marx Manuscritos econômicofiilosóficos de 1848 op cit p 66 54 Só se sente livre quando deixa de trabalhar Seu trabalho é um trabalho forçado que não representa portanto a satisfação de uma necessidade mas que é simplesmente um meio para satisfazer necessidades estranhas a ele a exterioridade do trabalho para o trabalhador se revela no fato de que não é algo próprio seu mas de outro de que não lhe pertence e de que ele mesmo no trabalho não pertence a si mesmo mas a outro47 Contraditoriamente ao processo de alienação do trabalho típico do processo de produção do capital o trabalhador encontrase numa situação mais privilegiada que a do capitalista este encontra aí a sua satisfação absoluta a produção de maisvalia enquanto o trabalhador encontra aí as condições materiais que explicam a sua rebeldia já que neste processo são criadas as condições materiais de uma nova forma de produção social de riqueza de um processo de vida social conformado de maneira nova e com isto de uma nova formação social48 A dominação do capitalista sobre o trabalhador é conseqüentemente a da coisa sobre o homem do trabalho morto sobre o trabalho vivo a do produto sobre o produtor já que na realidade as mercadorias que se convertem em meios de dominação sobre os trabalhadores porém só como meios de dominação do capital mesmo não são meros resultados do processo de produção mas os produtos do mesmo Na produção material no verdadeiro processo de vida social pois este é o processo de produção se dá exatamente a mesma relação que se apresenta no terreno ideológico na religião a conversão do sujeito em objeto e viceversa Considerada historicamente esta conversão aparece como momento de transição necessário para impor pela violência e às custas da maioria a criação de riqueza enquanto tal isto é o desenvolvimento inexorável das forças produtivas do trabalho social que é o único que pode constituir a base material de uma sociedade humana livre49 Esta aparente transformação de relações sociais em relações entre coisas é uma inversão inerente e própria ao processo de produção e reprodução do capital não depende de um ato de vontade ou de forças externas mas da mistificação que se ergue sobre a fonte criadora de valor que é o trabalho Para que esta inversão se produza a própria dinâmica de produção joga a seu favor já que o trabalho aparece materializado em mercadorias e o que predomina nesta aparência é a forma material do objeto que é propriedade privada do capitalista Ante os olhos aparecem as coisas e desaparece a tarefa cumprida pelo esforço criador Vimos que as relações entre classes sociais se engendram contraditoriamente no ciclo do capital ao mesmo tempo em que engendram as mistificações que as transfiguram em relações entre coisas desprovidas dos antagonismos que as caracterizam Perguntaríamos ainda qual a influência da acumulação ampliada do capital sobre a classe trabalhadora Considerando o ciclo do capital no seu conjunto a acumulação ou reprodução ampliada do capital não é mais que um momento da continuidade da produção Parte da maisvalia extraída da classe trabalhadora na produção e realizada na circulação através da venda das mercadorias produzidas capitalizase convertendose em capital adicional reinvertido no processo produtivo Esse aumento do volume de capital funciona como base para ampliar a escala da produção Essa ampliação supõe a incorporação de novos meios de produção e de novos trabalhadores ou seja a ampliação do proletariado50 Como o objetivo da produção é a obtenção de maisvalia da maior lucratividade possível ao capitalista só restam duas alternativas ou aumentar a jornada de trabalho fazendo crescer o tempo de trabalho excedente materializado maisvalia absoluta ou mantendo uma dada jornada de trabalho aumentar a produtividade do trabalho mediante o emprego de meios de produção mais eficazes que permitam reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de uma mercadoria e aumentar conseqüentemente o tempo de trabalho excedente da jornada de trabalho maisvalia relativa Esta última alternativa supõe necessariamente uma mudança na composição orgânica do capital ou seja um maior emprego de capital constante em relação ao capital variável A acumulação do capital implica a concentração de meios de produção e do poder de mando sobre o trabalho nas mãos 50 Assim como a reprodução simples produz constantemente o próprio regime do capital de um lado capitalistas e de outro trabalhadores assalariados a reprodução em escala ampliada ou seja a acumulação reproduz o regime de capital em uma escala superior cria em um sólo mais capitalistas ou capitalistas mais poderosos e em outro mais trabalhadores assalariados A acumulação do capital supõe portanto um aumento do proletariado K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 518 56 de capitalistas individuais que competem entre si Mas se expressa também na expropriação dos capitalistas menores em um movimento de atração de capitais já existentes isto é em um movimento de centralização de capital51 Ao desenvolverse o processo de acumulação o incremento de produtividade do trabalho tornase a sua alavanca mais poderosa Essa produtividade aumentada do trabalho se expressa no fato de que um capital necessita menos trabalho necessário para produzir um mesmo valor de troca ou quantidades maiores de valor de uso Ou seja um mesmo capital põe em movimento mais sobrerabalho e menos trabalho necessário Dessa forma todos os métodos de potenciação da força de trabalho são métodos de incrementar a produção de maisvalia elemento constitutivo da acumulação A lei do capital é criar sobrerabalho o que supõe a mediação do trabalho necessário como condição de extrair aquele Sua tendência é criar a maior quantidade possível de trabalho materializado isto é de valor e ao mesmo tempo reduzir o tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho a um mínimo ampliando o tempo de trabalho excedente O grau social da produtividade do trabalho refletese numa diminuição relativa da massa de trabalho ante a massa dos meios de produção que absorve Portanto à medida que progride a acumulação a tendência é a redução do capital investido na compra e venda da força de trabalho em proporção ao capital total empregado na produção não é uma redução absoluta mas relativa ao aumento do capital constante Como a demanda do trabalho depende do capital variável e não do capital total esse tende a se reduzir relativamente ao crescimento do capital investido no conjunto do processo produtivo Assim para ser possível manter os trabalhadores empregados e manter o contingente dos ativos é necessário um ritmo cada vez mais acelerado de acumulação de capital Esse decenso relativo do capital variável expressase como um crescimento absoluto da população trabalhadora mais rápido que os meios de ocupação que o capital oferece dando origem a uma superpopulação relativa diante das necessidades médias do capital ou exército industrial de reserva Essa população sobrante faz com que a produção capitalista possa desenvolverse livre de limites que se lhe possam opor o crescimento natural da população Portanto ao produzir a acumulação do capital a população trabalhadora produz também em proporções cada vez maiores os meios para o seu excesso relativo Esta é a lei de população peculiar do regime de produção capitalista pois em realidade todo regime histórico concreto de produção tem suas leis de população próprias leis que regem de um modo historicamente concreto52 Contraditoriamente portanto a classe trabalhadora ao fazer crescer a lucratividade da classe capitalista reduz as possibilidades de obter os meios de vida do conjunto da população trabalhadora já que neste mesmo processo em que cria riquezas para outros cria também as condições para que se reproduza uma parcela de população excessiva para as necessidades médias do capital isto é em proporção à intensidade e extensão do processo de acumulação O exército industrial de reserva sendo um produto da acumulação é também uma das condições para que esta se efetive A existência de uma superpopulação trabalhadora disponível independente dos limites reais de crescimento da população é condição fundamental para a vida do próprio regime do capital Isto porque à medida que cresce a força expansiva do capital em face da produção em grande escala aumenta o ritmo da acumulação a transformação acelerada do produto excedente em novos meios de produção A existência de grandes massas de trabalhadores disponíveis a serem imediatamente absorvidas sem que a escala de produção em outras órbitas seja afetada é condição para que o processo de acumulação ampliada se renove Essa massa de trabalhadores é oferecida à indústria pela existência de uma população excessiva colocada em disponibilidade devido à métodos de produção que diminuem proporcionalmente a cifra de trabalhadores ante a ampliação da mesma produção53 O desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho permite ao capitalista com o mesmo desembolso de capital variável colocar em ação maior quantidade de trabalho mediante 51 Sobre a concentração e centralização do capital ver K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 52832 52 K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 534 Grifos do autor 53 Constituí um exército industrial de reserva um contingente disponível que pertence ao capital de modo tão absoluto como se tivesse sido criado e se mantivesse às suas custas Oferecelhe o material humano disposto a ser sempre explorado à medida que o exijam suas necessidades variáveis de exploração e além disso independente dos limites que o aumento real da população lhe possa opor K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 535 58 59 maior exploração intensiva e extensiva de forças de trabalho individuais Esse excesso de trabalhadores ativos tem como contrapartida o engrossamento das filas dos trabalhadores em reserva ao mesmo tempo em que a pressão destes sobre aqueles obrigaos a trabalharem mais e a se submeterem às pressões do capital54 O crescimento cíclico da indústria moderna as necessidades de expansão e retração do capital funcionam como um dos agentes mais ativos do exército industrial de reserva O movimento geral de salários passa a ser regulado em termos gerais pelas expansões e contrações da população trabalhadora sobrante correspondentes às alternativas periódicas do ciclo industrial se durante as fases de expansão econômica o exército industrial de reserva exerce uma pressão sobre os trabalhadores ativos nos momentos de superprodução e crise funciona como freio às suas exigências Atua como uma pressão baixista dos salários e favorecedora da subordinação do exército ativo às imposições do capital na sua fome insaciável de absorção de trabalho não pago Assim a existência da superpopulação relativa é o pano de fundo a partir do qual se move a lei da oferta e demanda de trabalho em condições absolutamente favoráveis ao capital no regime especificamente capitalista da produção Esta população sobrante se apresenta sob diversas modalidades55 Nos centros industriais modernos a produção ora atrai um número maior de trabalhadores ora os repele O número de trabalhadores empregados aumenta em termos gerais ainda que em proporções decrescente à escala de produção A superpopulação existe em um estado flutuante Com o avanço de divisão técnica do trabalho dentro do processo produtivo o capital tende a absorver parcelas da classe trabalhadora até então não integradas na produção jovens e mulheres especialmente56 Com a intensificação do processo de exploração do trabalho a vida média do trabalhador se reduz o processo de envelhecimento se acelera Tais condições exigem uma rápida reprodução das gerações trabalhadoras Mas a expansão da acumulação do capital não é linear vai abarcando progressivamente diversos ramos de produção Ao atingir a agricultura tende a reduzir a demanda da população trabalhadora rural sendo que esta expulsão não é completada como na indústria por um movimento de nova absorção Uma das alternativas que se afigura à população é a migração para os centros urbanos O fluxo para as cidades supõe no campo a existência de uma superpopulação latente constante Existem ainda aquelas camadas de classe trabalhadora do exército ativo que vivem de trabalho muito irregular É a chamada superpopulação intermitente cujo nível de vida encontrase abaixo da média da classe trabalhadora Finalmente excluindo o lumpen proletariado encontrase a camada social dos trabalhadores que vivem numa situação de pauperismo57 constituída não só de pessoas capacitadas para o trabalho cuja proporção aumenta nos períodos de crise e se reduz nas fases de euforia econômica como também de órfãos e filhos de pobres que são envolvidos no exército ativo nos períodos de pico econômico e ainda os velhos e as vítimas da grande indústria viúvas mutilados doentes Importa marcar que quanto maior é o crescimento econômico isto é a acumulação maior também é o contingente absoluto do proletariado e a capacidade produtiva de seu trabalho e tanto 54 A existência de um setor da classe trabalhadora condenado à ociosidade forçada pelo excesso de trabalho imposto a outra parte convertese em fonte de riqueza do capitalista individual e acelera ao mesmo tempo a formação do exército industrial de reserva em uma escala proporcional aos progressos da acumulação social K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 539 55 Sobre as modalidades da superpopulação trabalhadora que aqui mencionaremos de modo sucinto ver K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII item 4 Diversas modalidades de superpopulação relativa A lei geral da acumulação capitalista p 5439 60 61 56 O fato de que o incremento natural da massa trabalhadora não sacie as necessidades de acumulação do capital e apesar disto as rebaixe é uma contradição inerente ao próprio processo capitalista O capital necessita grandes massas trabalhadoras de idade jovem e menores proporções de idade adulta Esta contradição não é menos escandalosa que aquela que supõe a queixa de falta de braços em um momento que estão lançados à rua milhões de homens porque a divisão do trabalho os vincula a um determinado ramo industrial K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 543 57 O pauperismo é asilo dos inválidos do exército trabalhador ativo e peso morto do exército industrial de reserva Sua existência leva implícita a existência de uma superpopulação relativa sua necessidade e necessidade desta e com ela constitui uma das condições de vida da produção capitalista e da produção de riqueza Figura entre as faux frais de produção capitalista K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 5456 maior é o exército industrial de reserva Este cresce ao crescer a riqueza social58 O capital mantém sempre a superpopulação relativa em proporção às suas necessidades de acumulação A reprodução ampliada do capital é acompanhada não só de uma reprodução ampliada das relações de classes à proporção que o proletariado absorvido pelo capital se expande mas esta reprodução da relação social é também uma reprodução dos antagonismos de classe que tendem a se aprofundar A acumulação da miséria é proporcional à acumulação do capital A produção capitalista não é só reprodução da relação é sua reprodução numa escala sempre crescente e na mesma medida em que com o modo de produção capitalista se desenvolve a força produtiva social do trabalho cresce também frente ao trabalhador a riqueza acumulada como riqueza que o domina como capital e na mesma proporção se desenvolve por oposição sua pobreza indigência e sujeição subjetiva59 No mundo das aparências esta realidade que aqui se busca desvendar apresenta uma outra face para o capitalista o capital é uma soma de meios materiais de produção que tem o poder místico de gerar mais capital o trabalho não pago extraído da classe trabalhadora que é a fonte de riqueza do burguês e da miséria do proletário aparece exclusivamente como trabalho pago através do salário Para a classe capitalista a fonte de seu lucro não provém de expropriação da vida humana da classe trabalhadora mas sim de um mero mecanismo de mercado comprar mais barato e vender mais caro A fonte de seu lucro na sua consciência aderida ao capital provém da circulação O capital acrescido expresso num produto que é uma mercadoria tem que ir ao mercado para este valor valorizado se realizar transformandose novamente em dinheiro que é a forma necessária para se reiniciar o ciclo produtivo Este processo que se expressa numa mudança meramente formal do valor capital é falsamente qualificado como a fonte da riqueza O limite mínimo do preço de venda da mercadoria produzida é o seu preço de custo que significa para o capitalista o necessário para repor o capital invertido na produção o valor dos meios de produção consumidos e o preço da força de trabalho O preço de custo repõe o que a mercadoria custou ao capitalista sendo medido pela inversão do capital Desta forma o custo capitalista nos expressa todo o valor da mercadoria ou o seu preço real de custo porque este inclui além da reposição do capital adiantado uma parte do valor contido na mercadoria o qual nada custou ao capitalista a maisvalia mas que custou ao trabalhador como trabalho não retribuído Porém o capitalista não pensa a partir do valor da mercadoria mas sim de seu preço de custo não pensa em termos de maisvalia e sim de lucro O lucro é a forma transfigurada da maisvalia na qual se encobre o segredo de sua existência e a sua origem mas é uma das formas em que a maisvalia se manifesta60 Mas se até aqui nos referimos fundamentalmente à maisvalia o que é o lucro A maisvalia considerada como o remanescente do capital total invertido na produção assume a forma de lucro61 Enquanto a taxa de maisvalia ou de exploração do trabalho é medida em relação ao capital variável ou seja é a relação entre 58 Quanto maiores são a riqueza social o capital em funcionamento o volume e a intensidade de seu crescimento e maiores também portanto a magnitude absoluta do proletariado e a capacidade produtiva do seu trabalho tanto maior é o exército industrial de reserva A força de trabalho disponível se desenvolve pelas mesmas causas que a força expansiva do capital A magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce conseqüentemente à medida que crescem as potências da riqueza E quanto maior é este exército de reserva em proporção ao exército ativo mais se estende a massa da superpopulação consolidada cuja miséria se acha em razão inversa aos tormentos de seu trabalho E finalmente quanto mais crescem a miséria dentro da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva mais cresce o pauperismo oficial Tal é a lei geral absoluta da acumulação capitalista K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I cap XXIII p 546 Grifos do autor 59 K Marx El Capital libro I Capítulo VI Inédito op cit p 103 60 K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t III cap II p 63 61 Assim representada como rebento do capital total desembolsado a maisvalia reveste a forma transfigurada de lucro Conseqüentemente o lucro é o mesmo que a maisvalia ainda que sob uma forma mistificadora a qual responde necessariamente ao regime de produção capitalista Ao aparecer o preço da força de trabalho em um dos pólos sob a forma transfigurada de salário a maisvalia aparece em outro pólo sob a forma transfigurada de lucro K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t III cap I p 53 A maisvalia ou lucro consiste na remanescente do valor da mercadoria sobre o seu preço de custo isto é no remanescente da soma total de trabalho contido na mercadoria depois de cobrir a soma de trabalho retribuído que ela encerra K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t III cap I p 58 trabalho pago e não pago na taxa de lucro o trabalho não pago é calculado em relação ao capital total adiantado na produção Na taxa de maisvalia se desnuda a relação capital e trabalho na taxa de lucro as diferentes funções que cumpre o capital invertido nos meios de produção e na força de trabalho se obscurecem já que se trata de considerar o capital total de maneira indiferenciada conseqüentemente o capital aparece numa relação consigo mesmo Existe aí a consciência de que o valor novo é gerado pelo capital ao longo do processo de produção e circulação Porém o modo como isto ocorre aparece mistificado como fruto de qualidades inerentes ao próprio capital Mas se a maisvalia nasce no processo direto de produção só se realiza no processo de circulação O fato de realizarse ou não e o grau em que este valor excedente se realiza dependem das condições do mercado da concorrência isto é da mútua especulação entre os capitalistas Assim sendo a maisvalia ou lucro já não aparece como produto da apropriação de tempo de trabalho não pago mas sim como o remanescente do preço de venda sobre o preço de custo Como o capitalista identifica o preço de custo com o valor intrínseco da mercadoria o lucro para ele só pode provir da circulação62 Não percebe que seu lucro só pode originarse do fato de poder vender algo pelo qual nada pagou Esta aparência de que a maisvalia ou lucro além de realizarse na circulação dela brotasse diretamente é realçada pelo menos por dois fatores o lucro obtido na venda depende das conjunturas de mercado além da astúcia e do conhecimento do capitalista por outro lado entra em jogo além do tempo de produção o tempo de circulação pois quanto menor é o período em que a mercadoria permanece no mercado ou em outros termos quanto mais rápida é a venda maior é a rotatividade do valor capital e maior a acumulação Este processo mistificador adquire novos matizes e complicase ainda mais ao se considerar o lucro médio e os preços de produção63 62 O remanescente do valor ou maisvalia que se realiza ao vender a mercadoria é considerado pelo capitalista portanto como o remanescente de seu preço de venda sobre o seu valor e não como um remanescente de seu valor sobre o seu preço de custo como se a maisvalia contida na mercadoria não se realizasse mediante a venda mas surgisse diretamente dela K Marx El Capital Crítica de la Economía Política op cit t III cap I p 54 63 Sobre esta questão ver K Marx El Capital Crítica de la Economía Política op cit t III seção II p 150212 64 Fazse necessário esclarecer que embora a reflexão expressa nessa primeira parte tenha se centralizado em torno do capital e trabalho assalariado tal não significa um desconhecimento da importância da propriedade privada da terra e da classe dos proprietários de terra que se apropriam de parcela da maisvalia socialmente gerada sob a forma de renda da terra A centralização da análise em torno do capital como relação burguesa de produção tem as suas justificativas Em primeiro lugar por ser a relação determinante da atual forma de organização social da produção a partir da qual as demais adquirem inteligibilidade E sua compreensão que desvenda a produção e extração da maisvalia que constitui o motor e a finalidade básica da produção nesta fase histórica A renda da terra não é mais que outra forma transfigurada de se expressar a maisvalia que como o lucro tem como tal suas características específicas Em segundo lugar como o propósito desta exposição é subsidiar a discussão da profissão de Serviço Social situandoa no processo de reprodução esta se nos afigura como sendo um fenômeno tipicamente urbanoindustrial Embora isto não elimine a importância da compreensão da classe dos proprietários de terra especialmente face à realidade latinoamericana não se trata de uma condição indispensável para a fundamentação das hipóteses de trabalho referentes à inserção da profissão no movimento contraditório da vida social Dentro das limitações do presente trabalho cremos que as colocações apresentadas são suficientes mas não exaustivas para os propósitos em vista produzem a riqueza como uma riqueza alheia como poder que os domina enfim como capital A reprodução ampliada do capital supõe a recriação ampliada da classe trabalhadora e do poder da classe capitalista e portanto uma reprodução ampliada da pobreza e da riqueza e do antagonismo de interesses que permeia tais relações de classes o qual se expressa na luta de classes Nesse mesmo processo de reprodução da dominação são criadas as bases materiais para uma nova forma de organização da sociedade A sociedade capitalista expressão histórica do desenvolvimento social e portanto necessária à expansão das forças produtivas do trabalho social encontrase em processo de recriação e de negação O mesmo processo que a recria reproduz os seus antagonismos Do ponto de vista da população trabalhadora este processo se expressa numa pauperização crescente em relação ao crescimento do capital Não se trata necessariamente de pauperização absoluta mas relativa à acumulação do capital que atinge a globalidade da vida da classe trabalhadora A exploração se expressa tanto nas condições de saúde de habitação como na degradação moral e intelectual do trabalhador o tempo livre do trabalhador é cada vez menor sendo absorvido pelo capital nas horas extras de trabalho no trabalho noturno que desorganiza a vida familiar O período da infância se reduz pelo ingresso precoce de menores na atividade produtiva As mulheres tornamse trabalhadoras produtivas Crescem junto com a expansão dos equipamentos e máquinas modernas os acidentes de trabalho as vítimas da indústria O processo de industrialização ao atingir todo o cotidiano do operário transformao num cotidiano de sofrimento de luta pela sobrevivência Esta luta pela sobrevivência se expressa também em confrontos com o capital na busca de reduzir o processo de exploração com vitórias parciais mas significativas da classe trabalhadora como a jornada de oito horas de trabalho a legislação trabalhista o sindicalismo livre etc A classe capitalista zelosa de seus interesses cuida para que as conquistas da classe trabalhadora não afetem visceralmente a continuidade da vida do capital65 65 A lei da acumulação capitalista que se pretende mistificar convertendoa em lei natural não expressa mais que uma coisa que sua natureza exclui toda redução do grau de exploração do trabalho ou toda alta do preço deste que possa colocar em perigo seriamente a reprodução constante do regime capitalista Vemos portanto que a reprodução das relações sociais é reprodução da dominação reprodução ampliada do domínio de classe Este é um processo eminentemente político em que as classes dominantes têm no Estado o instrumento privilegiado do exercício de seu poder no conjunto da sociedade Mas concomitantemente à reprodução da dominação recriamse também as formas sociais mistificadas que encobrem a exploração Têm por função apresentar a desigualdade entre classes como normais naturais destituídas de conflitos e contradições Estas formas ideológicas são as aparências através das quais as relações sociais antagônicas se manifestam A produção e reprodução da ideologia é fruto do mesmo processo em que se reproduz a riqueza social como capital e o trabalho como trabalho assalariado Porém se as formas ideológicas encobrem a exploração não a eliminam ambas são produto contraditório do mesmo processo histórico configurandoo como um desenvolvimento histórico desigual 66 As ideologias que se reproduzem na prática cotidiana são também absorvidas pela ciência ou pelos intelectuais orgânicos das classes dominantes Como sustentam Marx e Engels As idéias Gedanken da classe dominante são em cada época as idéias dominantes isto é a classe que é a força material dominante é ao mesmo tempo sua força espiritual dominante A classe que tem à sua disposição os meios de produção materiais tem ao mesmo tempo os meios de produção espiritual o que faz com que a ela sejam submetidas ao mesmo tempo e em média as idéias daqueles a que faltam os meios de produção espiritual As idéias dominantes não são mais que a expressão ideal das relações materials dominantes concebidas como idéias portanto a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante portanto as idéias de sua dominação Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem entre outras coisas também consciência e por isto pensam na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica é e a reprodução do capital em uma escala cada vez mais alta E forçosamente tem que ser assim em um regime de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de exploração de valores já criados em vez da riqueza material existir para as necessidades do trabalhador K Marx El Capital Crítica de la Economía Política op cit t I cap XXIII p 524 66 Esta noção de desenvolvimento histórico desigual assim compreendida é desenvolvida por José de Souza Martins no conjunto de seus trabalhos conforme indicação bibliográfica evidente que o façam em toda a sua extensão e consequentemente entre outras coisas dominem também como pensadores como produtores de idéias que regulem a produção e distribuição de idéias de seu tempo e que suas idéias sejam por isso mesmo as idéias dominantes da época67 Devese ainda apenas marcar que o processo de produção capitalista não é só um processo de reprodução de relações sociais mas de produção de relações Enquanto as relações sociais se renovam em alguns ramos produtivos a expansão da acumulação vai abrangendo novos ramos provocando alterações substanciais na maneira de produzir ou seja no processo técnico do trabalho e nas relações sociais de produção ante a subunção real do trabalho ao capital Porém a expansão do capital não é linear Verificase historicamente que o movimento mesmo de reprodução no conjunto da sociedade produz relações sociais de produção não capitalistas como meio de extração de trabalho excedente pelo capital Não se trata de mera sobrevivência de relações próprias de modos anteriores de organização da sociedade porque são redimensionadas no seu significado histórico ao se subordinarem ao movimento expansionista do capital Tratase da produção capitalista de relações de produção não capitalistas68 Finalizando este capítulo importa explicitar o raciocínio que norteou sua elaboração O esforço efetuado orientouse no sentido de articular na exposição teoria e método A explicitação das noções fundamentais que conformam o universo analítico da pesquisa é condição preliminar para o tratamento teórico do tema em estudo Procurouse resgatar e acentuar no decorrer da exposição efetuada alguns princípios metodológicos do pensamento de Marx assim como a dimensão propriamente sociológica de sua reflexão procurando fazer face às leituras correntes de cunho economicista do autor Embora limitadamente aventuramos na busca de explicitar as tensões inerentes e específicas às relações sociais que peculiarizam a sociedade capital a articulação indissolúvel e contraditória entre a essência dessas relações e sua manifestação através das formas sociais por meio das quais se expressam ambas engendradas e recriadas no processo da vida social Acentuamos a tensão entre a aparência de relações igualitárias indispensável à troca de mercadorias equivalentes expressa na órbita da circulação e a desigualdade inerente a esse modo de produção e de vida em que o caráter cada vez mais social do trabalho contrapõese à apropriação privada das condições e produtos do mesmo Ressaltamos ainda como a liberdade do trabalhador necessária ao intercâmbio de sua capacidade de trabalho como mercadoria contrapõese contraditoriamente à reprodução das condições de sua dominação e de sua miséria Ou seja procuramos explicitar como o próprio processo de exploração produz a sua legitimação Esse descompasso necessário ao funcionamento da sociedade só pode ser superado através da prática política A força de trabalho em ação sendo a substância que produz a riqueza a reproduz como riqueza para outros Assim o trabalho se torna para o trabalhador como algo que lhe é estranho que o mortifica e no qual se aliena mas através do qual são também gestadas as condições de sua efetiva libertação A própria organização do processo de produção entendido como unidade contraditória de produção circulação troca e consumo viabiliza as ilusões que conferem à circulação a qualidade de criadora de sobrivalor independente da produção Por outro lado a mística da forma salário encobre ao mesmo tempo em que permite desvendar a relação entre o trabalho pago e não pago do trabalhador Essas mistificações afetam não só aos capitalistas mas também à classe trabalhadora Esses dentre outros foram alguns aspectos que se procurou acentuar descartando a perspectiva analítica que em detrimento da apreensão do movimento contraditório da totalidade concreta enquadra a realidade em níveis analíticos econômico político ou ideológico Enfim procurouse dar alguns passos ainda que limitadamente no sentido de captar o desenvolvimento desigual entre as representações e a realidade substancial dos fenômenos ressaltando as mediações necessárias à expressão das contradições e as determinações do processo social na sua totalidade 67 K Marx e F Engels A Ideologia Alemã Feuerbach São Paulo Grijalbo 1977 p 72 68 Não se pode encarar relações como o escravismo a produção mercantil simples o colonato etc como excrescências no capitalismo mas como maneiras historicamente específicas do capital se reproduzir Sobre a questão ver o original trabalho de João de Souza Martins O Cativeiro da Terra São Paulo Ciências Humanas 1979 CAPÍTULO II O Serviço Social no Processo de Reprodução das Relações Sociais 1 Perspectiva de Análise A presente análise está voltada para a reconstrução do objeto de estudo a profissão de Serviço Social segundo a orientação teóricometodológica anteriormente expressa Tratase de um esforço de captar o significado social dessa profissão na sociedade capitalista situandoa como um dos elementos que participa da reprodução das relações de classes e do relacionamento contraditório entre elas Nesse sentido efetuase um esforço de compreender a profissão historicamente situada configurada como um tipo de especialização do trabalho coletivo dentro da divisão social do trabalho peculiar à sociedade industrial Poderseia afirmar que as reflexões aqui reunidas têm em vista responder à seguinte indagação como o Serviço Social se situa na reprodução das relações sociais Assim mais do que uma análise centrada nos elementos constitutivos que dão um perfil peculiar ao Serviço Social face a outras profissões o esforço orientase no sentido de apreender as implicações sociais que conformam as condições desse exercício profissional na sociedade atual Ainda a nível introdutório vale ressaltar que dado o caráter preliminar do presente ensaio sua pretensão se restringe ao estabelecimento de hipóteses diretrizes de trabalho norteadoras 1 Situar consiste em determinar a posição real do objeto no processo total J P Sartre Problemas de método Bogotá Estratégia 1963 p 29 2 As hipóteses diretrizes constituem a base estratégica para a investigação do fenômeno não são concebidas como hipóteses para verificação inferidas 71 da análise histórica sobre alguns aspectos da gênese e desenvol vimento do Serviço Social no Brasil apresentados na segunda parte do livro Procurase através delas estabelecer eixos que permitam caracterizar a participação do Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais na perspectiva do capital e do trabalho Dentro da referência analítica adotada cabe reafirmar que a reprodução das relações sociais não se restringe à reprodução da força viva de trabalho e dos meios objetivos de produção instrumentos de produção e matériasprimas A noção de re produção englobaos enquanto elementos substanciais do processo de trabalho mas também os ultrapassa Não se trata apenas de reprodução material no seu sentido amplo englobando produção consumo distribuição e troca de mercadorias Referese à repro dução das forças produtivas e das relações de produção na sua globalidade envolvendo também a reprodução da produção es piritual isto é das formas de consciência social jurídicas reli giosas artísticas ou filosóficas através das quais se toma cons ciência das mudanças ocorridas nas condições materiais de pro dução Nesse processo são gestadas e recriadas as lutas sociais entre os agentes sociais envolvidos na produção que expressam a luta pelo poder pela hegemonia das diferentes classes sociais sobre o conjunto da sociedade Assim a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do processo social a reprodução de determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade o modo de viver e de trabalhar de forma socialmente determinada dos indivíduos em sociedade Envolve a reprodução do modo de produção entendido na linha de interpretação que Lefebvre faz empiricamente por meio de pesquisa anterior mas hipóteses de trabalho baseadas nos quadros reais da pesquisa e formuladas com o fim de orientar teoricamente a pesquisa F Fernandes Raça e sociedade O preconceito social em São Paulo Projeto de Estudo In A Sociologia numa era de revolução social Rio de Janeiro Zahar 1976 2a ed cap IX p 296 e 300 Ver por exemplo o texto clássico de Marx que expõe a noção de sociedade enquanto totalidade e o desenvolvimento desigual de seus elementos K Marx Prefácio à contribuição à crítica da Economia Política In K Marx e F Engels Textos 3 op cit p6093 Ver K Marx A Ideologia op cit p 27 II Lefebvre Estrutura social A Reprodução das relações sociais In M M Foracchi e J S Martins Sociologia e sociedade Leituras de introdução à Sociologia Rio de Janeiro Livros Técnicos e Científicos 1977 p 220 72 Quanto ao modo de produção capitalista este conceito designa em Marx o resultado global das relações de antagonismo salárioCapital proletariadoburguesia Estas relações sociais não entram na prática da sociedade e da sociedade burguesa a não ser através de formas que as sustentem e a mascaram por exemplo a forma contratual a do contrato de trabalho ficticiamente livre que liga os membros da classe trabalhadora e os da burguesia e que pretensamente os associa Este resultado global compreende portanto as elaborações jurídicas das relações de produção as relações de propriedade codificadas as ideologias que exprimm também dissimulandoas as relações de antagonismo as instituições políticas e culturais a ciência etc Tratase portanto de uma totalidade concreta em movimento em processo de estruturação permanente Entendida dessa maneira a reprodução das relações sociais atinge a totalidade da vida cotidiana expressandose tanto no trabalho na família no lazer na escola no poder etc como também na profissão Isso supõe como diretriz de trabalho considerar a profissão sob dois ângulos não dissociáveis entre si como duas expressões do mesmo fenômeno como realidade vivida e representada na e pela consciência de seus agentes profissionais expressa pelo discurso teóricoideológico sobre o exercício profissional a atuação profissional como atividade socialmente determinada pelas circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à prática profissional o que condiciona e mesmo ultrapassa a vontade eou consciência de seus agentes individuais A unidade entre essas duas dimensões é contraditória podendo haver uma defasagem entre as condições e efeitos sociais objetivos da profissão e as representações que legitimam esse fazer Em outros termos uma defasagem entre intenções expressas no discurso que ratifica esse fazer e o próprio exercício desse fazer O esforço está direcionado pois para apreender o Serviço Social inserido no processo social É evidente portanto que tal concepção não se confunde com a interpretação sistêmica do modo de produção de cunho estrutural funcionalista Não diz respeito a um todo fechado em que as partes mantêm relativa autonomia expressão em instâncias econômicas políticas e ideológicas e em níveis de determinações e sobredeterminações Por processo social não entendemos o sentido intersubjetivo das relações sociais mas sim que as relações sociais são mediatizadas por condições históricas e que os processos têm duas dimensões a da consciência subjetiva da situação 73 A reflexão teórica sobre o Serviço Social no movimento de reprodução da sociedade não se identifica com a defesa da tese unilateral que tende a acentuar aprioristicamente o caráter conservador da profissão como esforço e apoio ao poder vigente Não significa ainda assumir a tese oposta amplamente divulgada no movimento de Reconceituação que sustenta a princípio a dimensão necessariamente transformadora ou revolucionária da atividade profissional Ambas as posições acentuam apenas e de modo exclusivo um pólo do movimento contraditório do concreto sendo nesse sentido unilaterais Não se esgota a análise da profissão na afirmativa mecanicista que sustentando ser o Serviço Social um dos instrumentos a serviço de um poder monolítico conclui estar a profissão necessariamente fadada a constituirse num reforço exclusivo do mesmo Por outro lado o voluntarismo que impregna a posição oposta ao considerar o Assistente Social como o agente de transformação não reconhece nem elucida o verdadeiro caráter dessa prática na sociedade atual Ao suprestimar a eficácia política da atividade profissional subestima o lugar das organizações políticas das classes sociais no processo de transformação da sociedade enquanto sujeitos da história por outro lado parece desconhecer a realidade do mercado de trabalho Tais considerações não visam sustentar uma posição intermediária ou conciliatória de tendências opostas mas estão inscritas na preocupação de recuperar na análise dessa expressão da prática social o caráter da diversidade do movimento histórico O movimento de reprodução do capital que recria o móvel básico da continuidade da organização dessa sociedade a criação e apropriação do trabalho excedente sob a forma de maisvalia recria também em escala ampliada os antagonismos de interesses objetivos inerentes às relações sociais através das quais se efetiva a produção Concomitantemente no mesmo processo reproduzse a contradição entre a igualdade jurídica de cidadãos livres e a desigualdade econômica que envolve a produção cada vez mais social contraposta à apropriação privada do trabalho alheio Em outros termos são produzidas as condições de exploração ou da reprodução da riqueza pelo trabalhador e a do sentido e direção objetiva que assume Então entre estes sujeitos há uma realidade objetiva e construída cujos significados podem ser compreendidos de diferentes modos J S Martins Capitalismo e tradicionalismo Estudos sobre as contradições da sociedade agrária no Brasil São Paulo Pioneira 1975 p 54 como riqueza alheia as relações sociais que sustentam o trabalho alienado com seus antagonismos e o mascaramento ideológico que encobre e revela sua verdadeira natureza Ora o Serviço Social como instituição componente da organização da sociedade não pode fugir a essa realidade As condições que peculiarizam o exercício profissional são uma concretização da dinâmica das relações sociais vigentes na sociedade em determinadas conjunturas históricas Como as classes sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação pela mútua mediação entre elas a atuação do Assistente Social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais classes tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante Reproduz também pela mesma atividade interesses contrapostos que convivem em tensão Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação de seu oposto Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como ao mesmo tempo e pela mesma atividade da resposta às necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e da reprodução do antagonismo nesses interesses sociais reforçando as contradições que constituem o móvel básico da história A partir dessa compreensão é que se pode estabelecer uma estratégia profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho mas não se pode excluílas do contexto da prática profissional visto que as classes só existem interrelacionadas É isto inclusive que viabiliza a possibilidade de o profissional colocarse no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras É este o ponto de partida da análise a qual deverá demonstrar no seu desenvolvimento teórico e empírico o que tem sido a força dominante na trajetória da prática histórica do Serviço Social atender prioritariamente uma demanda do capital ou do trabalho tendo por suposto que estas forças contraditórias não se excluem do contexto profissional A perspectiva analítica está voltada pois para efetuar a reconstrução da profissão na ótica das relações de classes em que as personagens sociais envolvidas na prática profissional diante das quais o Assistente Social exerce uma função mediadora são encaradas mais além de meras individualidades As personagens sociais que entram na relação profissional são consideradas simultaneamente enquanto seres sociais e particulares e em cujo modo de ser de atuar e de ver o mundo estão contidas as determinações sociais derivadas da posição que ocupam no processo 74 75 de produção e no jogo do poder Não se nega a singularidade dos indivíduos numa visão determinista da história mas essa individualidade é tida como expressão e manifestação de seu ser social de sua vida em sociedade Ressaltamos isto porque a particularização do indivíduo e de seu trabalho tende a ser representada na perspectiva de sua individualidade É concebida como se sua particularidade intelectual e moral houvesse adquirido uma particularidade social e não o inverso sua individualidade como manifestação da vida em sociedade Tal concepção que emana da circulação simples de mercadorias confirma a liberdade dos indivíduos necessária à troca de mercadorias e permanece viva em toda a economia burguesa tendo adquirido uma força muito expressiva na representação ideológica do Serviço Social Essa forma de ver está presente em certo tipo de literatura profissional que tende a encarar o indivíduo focalisticamente segmentado da sociedade É a visão ahistórica do indivíduo abstraído artificialmente da produção material das relações de classe enfim da sociedade Na perspectiva ora adotada os contratantes do profissional os capitalistas e seus representantes no aparelho de Estado e os clientes ou usuários dos serviços prestados pelo Assistente Social os trabalhadores assalariados a quem se dirigem prioritariamente tais serviços são apreendidos enquanto representantes de interesses de classes personificando categorias econômicas8 2 A Intervenção do Agente Profissional nas Relações Sociais Dentro da orientação analítica expressa neste ensaio partese do pressuposto de que a compreensão da profissão de Serviço Social implica o esforço de inserila no conjunto de condições e relações sociais que lhe atribuem um significado e nas quais tornase possível e necessária Afirmase como um tipo de especialização do trabalho coletivo ao ser expressão de necessidades sociais derivadas da prática histórica das classes sociais no ato de produzir e reproduzir os meios de vida e de trabalho de 8 Esta precisão é metodologicamente importante aqui nos referimos as pessoas enquanto personificação de categorias econômicas como representantes de determinados interesses e relações de classe K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit Prólogo da 1ª ed t I p XV elemento necessário à garantia dos níveis de produtividade do trabalho exigidos nesse estágio de expansão do capital Ao referirse à classe trabalhadora englobase aí tanto a parcela dessa classe diretamente inserida no mercado de trabalho como aquela excedente para as necessidades médias de exploração do capital o exército industrial de reserva Este segmento de trabalhadores não podendo sobreviver principalmente de salário enquanto está socialmente impossibilitado de produzilo passa a depender da renda de todas as classes A sociedade é obrigada a ocuparse com a manutenção dessa parcela da classe trabalhadora alijada do mercado de trabalho Os capitalistas embora impelidos a partilhar dos custos de reprodução dessa população tentam na medida do possível desincumbirse de tal ônus ampliando a penúria desses trabalhadores livres reduzidos a condições de vida infrahumanas e socializando os custos de reprodução desse segmento da classe trabalhadora para o conjunto da sociedade no que as políticas sociais dos Estados capitalistas desempenham um papel fundamental Isto sem relegar a necessidade política de contenção e controle de possíveis insubordinações do conjunto da população trabalhadora submetida a um processo intenso de exploração Assim à medida que avança o desenvolvimento das forças produtivas da divisão do trabalho e a sua conseqüente potenciação modificamse as formas e o grau de exploração da força de trabalho10 Modificase concomitantemente o posicionamento das diversas frações da classe dominante e suas formas de agir perante a questão social no que entram em cena os interesses econômicos específicos desses grupos e a luta pelo poder existente no seu interior As respostas à questão social sofrem alterações mais significativas nas conjunturas de crise econômica e de crise de hegemonia no bloco do poder Historicamente passase da caridade tradicional levada a efeito por tímidas e pulverizadas iniciativas das classes dominantes nas suas diversas manifestações filantrópicas para a centralização e racionalização da atividade assistencial e de prestação de serviços sociais pelo Estado à medida que se amplia o contingente da classe trabalhadora e sua presença política na sociedade Passa o Estado a atuar sistematicamente sobre as 10 Ver K Marx El Capital Crítica de la Economia Política op cit t I seção IV seqüelas da exploração do trabalho expressas nas condições de vida do conjunto dos trabalhadores11 O que merece ser marcado é que a evolução da questão social apresenta duas faces indissociáveis uma configurada pela situação objetiva da classe trabalhadora dada historicamente em face das mudanças no modo de produzir e de apropriar o trabalho excedente como frente à capacidade de organização e luta dos trabalhadores na defesa de seus interesses de classe e na procura de satisfação de suas necessidades imediatas de sobrevivência outra expressa pelas diferentes maneiras de interpretála e agir sobre ela propostas pelas diversas frações dominantes apoiadas no e pelo poder do Estado Mais além das especificidades dessas formas de enfrentamento da questão social que necessitam ser retidas dado seu inestimável valor heurístico para a compreensão da atuação do Serviço Social o que se encontra subjacente e as unifica é a contradição fundamental que expressa a desigualdade inerente à organização vigente dessa sociedade o trabalho social e a apropriação privada das condições e dos frutos do trabalho que se traduz na valorização crescente do capital e no crescimento da miséria relativa do trabalhador O Serviço Social no Brasil afirmase como profissão estreitamente integrado ao setor público em especial diante da progressiva ampliação do controle e do âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil Vinculase também a organizações patronais privadas de caráter empresarial dedicadas às atividades produtivas propriamente ditas e à prestação de serviços sociais à população A profissão se consolida então como parte integrante do aparato estatal e de empresas privadas e o profissional como um assalariado a serviço das mesmas Dessa forma não se pode pensar a profissão no processo de reprodução das relações sociais independente das organizações institucionais a que se vincula como se a atividade profissional se encerrasse em si mesma e seus efeitos sociais derivassem exclusivamente da atuação do profissional Ora sendo integrante dos aparatos de poder como uma das categorias profissionais envolvidas na implementação de políticas sociais seu significado social só pode ser compreendido ao levar em consideração tal característica 11 Tais considerações são retomadas e demonstradas em suas expressões históricas na sociedade brasileira na segunda parte Aspectos da História do Serviço Social no Brasil 19301960 ser considerado ainda o conjunto de meios de direção moral e intelectual de uma classe sobre o conjunto da sociedade ou seja a forma pela qual é possível realizar sua hegemonia ultrapassando as entidades estritamente governamentais para abarcar a própria sociedade civil Configurase aí o que Gramsci denomina Estado Integral ou ampliação do Estado16 Essas considerações sobre o Estado adquirem especial relevo para a compreensão do caráter da demanda e das fontes de legitimidade desse profissional ante as personagens sociais presentes nas condições que circunscrevem sua prática O processo de institucionalização do Serviço Social como profissão dentro de divisão social do trabalho encontrase estreitamente vinculado ao crescimento das grandes instituições de prestação de serviços sociais e assistenciais geridas ou subsidiadas pelo Estado que viabilizam a expansão do mercado de trabalho para estes trabalhadores especializados A isto se afiam as alterações implantadas pelo empresariado relativas à administração e gerência das relações industriais Passam a lançar mão de técnicos qualificados na área de relações humanas entre eles o Assistente Social para a implementação de políticas de pessoal diante da necessidade de racionalização da produção e do trabalho exigidas pelo aprofundamento do processo de industrialização nos moldes do grande capital A vigilância dos operários no interior da fábrica passam a ser articulados mecanismos de persuasão que contribuam para a garantia da organização e regulamentação das relações de trabalho no sentido de adaptar o trabalhador 16 Para o enriquecimento do tema em debate reconhecemos a importância de uma reflexão mais aprofundada sobre o significado do Estado no capitalismo monopolista dado o caráter polêmico da questão expressa na literatura especializada Fugindo aos limites deste trabalho desenvolvelo remetemos os interessados à bibliografia que se segue A Gramsci Maquiavel a política e o Estado moderno Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 3a ed 11 Portelli Gramsci e o bloco histórico Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 V I Lênin O Estado e a revolução O Conceito marxista de poder Rio de Janeiro Diálogo Livraria sd K Marx O Dezoto Brumário de Luis Bonaparte In K Marx e F Engels Textos 3 São Paulo Ed Sociais 1977 N Poulantzas Poder político e classes sociais São Paulo Martins Fontes 1977 idem O Estado em crise Rio de Janeiro Graal 1977 R Millhand El Estado en la sociedad capitalista México Siglo XXI 1976 J OConnors USA A Crise do Estado capitalista Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 L Althusser Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado São Paulo Martins Fontes sd N Bobbio et alii O Marxismo e o Estado Rio de Janeiro Graal 1979 H Lefebvre Sociologia Política A Teoria do Estado In Sociologia de Marx Rio de Janeiro Forense 1968 82 aos novos métodos de produção que potenciem a extração de trabalho excedente Em suas origens no Brasil o Serviço Social está intimamente vinculado a iniciativas da Igreja como parte de sua estratégia de qualificação do laicato especialmente de sua parcela feminina vinculada predominantemente aos setores abastados da sociedade para dinamizar sua missão política de apostolado social junto às classes subalternas particularmente junto à família operária Essa origem confessional articulada aos movimentos de Ação Social e Ação Católica conforma um tipo de legitimidade à profissão cujas fontes de justificação ideológica encontramse na doutrina social da Igreja Configurase assim um caráter missionário à atividade profissional como meio de fazer face aos imperativos da justiça e da caridade dentro da perspectiva de profissionalização do apostolado social segundo parâmetros técnicos e modernizadores numa sociedade secularizada ameaçada pelo liberalismo e pelo comunismo17 Se esta é a fonte legitimadora da formação desse profissional nos seus primórdios ela não se choca com o crescente aproveitamento e cooptação desse agente pelo aparato de Estado e pelo empresariado que progressivamente vão atribuindo novas determinações à legitimação e institucionalização do Serviço Social O Estado passa a ser num certo lapso de tempo uma das molas propulsoras e incentivadoras desse tipo de qualificação técnica ampliando seu campo de trabalho conforme estratégias estabelecidas pelos setores dominantes para o enfrentamento da questão social consolidadas em medidas de política social O Assistente Social passa a receber um mandato diretamente das classes dominantes para atuar junto à classe trabalhadora A demanda de sua atuação não deriva daqueles que são o alvo de seus serviços profissionais os trabalhadores mas do patronato que é quem diretamente o remunera18 para atuar segundo metas estabelecidas por estes junto aos setores dominados Estabelecese então uma disjunção entre 17 Os vínculos do Serviço Social com o Bloco Católico são tratados na segunda parte Apenas marcamos este aspecto dada sua importância para compreensão das fontes de demanda e legitimidade desse agente 18 Tal afirmativa não implica o desconhecimento de que a remuneração recebida por esse trabalhador qualificado tem sua origem no valor criado pela classe trabalhadora em geral que é quem produz a riqueza social O que se procura marcar é que à diferença de outros profissionais liberais o Assistente Social não recebe um pagamento diretamente daquele a quem se aplicam seus serviços 83 intervenção e remuneração entre quem demanda e quem recebe os serviços do profissional O que deve ser ressaltado é que esse profissional embora trabalhe a partir e com a situação de vida do trabalhador não é por ele diretamente solicitado atua junto a ele a partir de uma demanda que na maioria das vezes não é dele A demanda dos serviços profissionais tem pois um nítido caráter de classe o que fornece por sua proximidade estreita com o Estado um certo caráter oficial ao mandato recebido Passa o profissional a dispor de um suporte jurídicoinstitucional para se impor ante o cliente mais além de sua solicitação restando ao usuário aceitar ou não os serviços prestados não podendo deles se subtrair O caminho que percorre o profissional é mediatizado pelos serviços sociais prestados pelos organismos que contratam o profissional os quais são em geral o alvo da procura do usuário Porém para obtêlos é obrigado a passar pelo Assistente Social enquanto um dos agentes institucionais que participa da implementação de tais serviços Este caráter de cunho impositivo que marca grande parte da atuação do profissional não aparece limpidamente no discurso da instituição Serviço Social Ao contrário tende a expressarse na representação dos profissionais ao reverso como reforço à ideologia do desinteresse do altruísmo do dom de si do respeito à livre iniciativa do cliente do princípio da não ingerência da neutralidade etc Essa linguagem característica de certo tipo de literatura especializada é típica de profissões referidas a opções vocacionais que se constituem em seus primórdios a partir de ações benemerentes e filantrópicas que valorizavam o primado do ser as qualidades pessoais ideológicas filosóficas e especialmente morais de seus adeptos sobre o primado do saber a ciência A vocação de servir é concebida nessa perspectiva como uma escolha oriunda de um chamado justificado por motivações de ordens éticas religiosas ou políticas a que só podem aderir indivíduos dotados de certas aptidões particulares e dispostos a engajar a totalidade de suas vidas em um projeto que antes de ser trabalho é uma missão19 Dessa imagem social historicamente plasmada e frequentemente incorporada pelos postulantes à profissão e mesmo por profissionais deriva um certo caráter missionário da figura do profissional expressiva em suas origens mas ainda vigente talvez por meio de uma roupagem mais secularizada não mais o discurso carregado da linguagem explícita do apostolado cristão mas do agente voltado para a ajuda aos demais a serviço do povo do oprimido Essa insígnia do despojamento que marca o profissional pode contribuir ainda para embaçar na e para a sua consciência as reais implicações de sua condição de trabalhador assalariado fragilizando a luta sindical o processo de organização da categoria profissional pela defesa de seus direitos trabalhistas e reivindicações salariais O trabalho do Assistente Social se insere numa relação de compra e venda de mercadorias em que sua força de trabalho é mercantilizada Ai se estabelece uma das linhas divisórias entre a atividade assistencial voluntária desencadeada por motivações puramente pessoais e idealistas e a atividade profissional que se estabelece mediante uma relação contratual que regula menta as condições de obtenção dos meios de vida necessários à reprodução desse trabalhador especializado Passa esse agente a perceber um salário preço de sua mercadoria força de trabalho em troca de serviços prestados determinado como o preço de qualquer outra mercadoria ingressando sua atividade no reino do valor Uma das précondições para tal ingresso é a transformação de sua força de trabalho em mercadoria e de seu trabalho em atividade subordinada à classe capitalista para efetivarse à medida que conforme já acentuamos não se afirma historicamente como uma profissão liberal Em caráter preliminar poderseia afirmar que o Serviço Social não é uma profissão que se inscreva predominantemente entre as atividades diretamente vinculadas ao processo de criação de produtos e de valor Embora não ocupe uma posição na produção stricto sensu como o que ocorre com outras profissões de caráter técnico isto não significa seu alijamento da produção social em sentido amplo20 Ora o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e sua família elemento mais vital e significativo do processo de produção É dele ou mais precisamente de sua força de trabalho em ação que depende não apenas a transferência do valor contido nos meios de produção ao produto mas a criação de novos valores os quais são realizados 19 Ver a respeito J VerdèsLeroux Le Travail social Paris Minuit 1978 especialmente capítulo III p 1019 84 secularizada não mais o discurso carregado da linguagem explícita do apostolado cristão mas do agente voltado para a ajuda aos demais a serviço do povo do oprimido Essa insígnia do despojamento que marca o profissional pode contribuir ainda para embaçar na e para sua consciência as reais implicações de sua condição de trabalhador assalariado fragilizando a luta sindical o processo de organização da categoria profissional pela defesa de seus direitos trabalhistas e reivindicações salariais O trabalho do Assistente Social se insere numa relação de compra e venda de mercadorias em que sua força de trabalho é mercantilizada Ai se estabelece uma das linhas divisórias entre a atividade assistencial voluntária desencadeada por motivações puramente pessoais e idealistas e a atividade profissional que se estabelece mediante uma relação contratual que regula menta as condições de obtenção dos meios de vida necessários à reprodução desse trabalhador especializado Passa esse agente a perceber um salário preço de sua mercadoria força de trabalho em troca de serviços prestados determinado como o preço de qualquer outra mercadoria ingressando sua atividade no reino do valor Uma das précondições para tal ingresso é a transformação de sua força de trabalho em mercadoria e de seu trabalho em atividade subordinada à classe capitalista para efetivarse à medida que conforme já acentuamos não se afirma historicamente como uma profissão liberal Em caráter preliminar poderseia afirmar que o Serviço Social não é uma profissão que se inscreva predominantemente entre as atividades diretamente vinculadas ao processo de criação de produtos e de valor Embora não ocupe uma posição na produção stricto sensu como o que ocorre com outras profissões de caráter técnico isto não significa seu alijamento da produção social em sentido amplo20 Ora o alvo predominante do exercício profissional é o trabalhador e sua família elemento mais vital e significativo do processo de produção É dele ou mais precisamente de sua força de trabalho em ação que depende não apenas a transferência do valor contido nos meios de produção ao produto mas a criação de novos valores os quais são realizados 20 Entendase aqui o processo de produção no seu conjunto como a totalidade da produção distribuição troca e consumo A respeito ver K Marx Introdução geral à crítica da Economia Política In K Marx e P Sweezy Para uma crítica da Economia Política Porto Publicações Escarpino Cadernos O Homem e a Sociedade p 1962 85 por intermédio da venda das mercadorias Mais explicitamente a força de trabalho em ação é a fonte de toda a riqueza social Uma vez que o exercício do Serviço Social está circunscrito dentro do contexto referente às condições e situação de vida da classe trabalhadora encontrase integrado ao processo de criação de condições indispensáveis ao funcionamento da força de trabalho à extração da maisvalia Embora a profissão não se dedique preferencialmente ao desempenho de funções diretamente produtivas podendo ser em geral caracterizada como um trabalho improdutivo figurando entre os falsos custos de produção21 participa ao lado de outras profissões da tarefa de implementação de condições necessárias ao processo de reprodução no seu conjunto integrada como está à divisão social e técnica do trabalho A produção e reprodução capitalista inclui também uma gama de atividades que não sendo diretamente produtivas são indispensáveis ou facilitadoras do movimento do capital São funções que com o progresso da divisão do trabalho se desmembraram de outras adquirindo uma existência independente substantivadas como função específica de determinados agentes a que está diretamente encomendada Embora não sejam geradoras de valor tornam mais eficiente o trabalho produtivo reduzem o limite negativo colado à valorização do capital não deixando de ser para ele uma fonte de lucro É o que ocorre por exemplo com a maioria das atividades ligadas ao comércio Existem ainda muitas atividades caracterizadas por se dedicarem especialmente à criação de bases para o exercício do poder de classe que tem sua expressão máxima no Estado São atividades diretamente vinculadas ao controle políticoideológico eou repressivo e à modernização do aparato burocrático do Estado necessários à garantia do domínio de classe Deste ponto de vista são funções cujo significado econômico está subordinado a seu caráter político determinante Sua razão de ser é dada pela contribuição que possam oferecer pois que se encontram vinculadas a estruturas do poder à criação de condições políticoideológicas favoráveis à manutenção das relações sociais configurandoas como harmônicas naturais destituídas das tensões que lhe são inerentes Tratam ainda de reduzir as arestas da realização problemática da expansão do capital determinada pela lei geral da acumulação a reprodução ampliada da riqueza apropriada privadamente e a miséria coletiva dos produtores diretos Em outros termos tratam de centrar esforços na busca de um equilíbrio tenso entre capital e trabalho na árdua tarefa de conciliar o inconciliável Assim à proporção que encetam esforços no sentido de manter a continuidade da organização social dentro da ordem do capital contribuem inevitavelmente para reproduzir as contradições fundamentais que conformam as relações sob as quais se baseia essa sociedade É dentro desse quadro geral que se pretende situar o Serviço Social O profissional de Serviço Social é aqui também considerando na sua condição de intelectual Para caracterizálo buscase suporte em Gramsci22 para quem essa categoria não constitui um grupo autônomo e independente das classes fundamentais ao contrário tem o papel de darlhes homogeneidade e consciência de sua função isto é de contribuir na luta pela direção social e cultural dessas classes na sociedade Tratase do organizador dirigente e técnico que coloca sua capacidade a serviço da criação de condições favoráveis à organização da própria classe a que se encontra vinculado Posto que expressa uma identidade pela consciência e pela prática com essas classes são orgânicos organicidade que é tanto maior quanto mais íntima a conexão com uma classe fundamental burguesia ou proletariado Porém em sua autorepresentação os intelectuais tendem a considerarse como independentes das classes essenciais o que segundo o autor citado não é mais que expressão de uma utopia social uma vez que cada classe cria sua própria categoria de intelectual a cujos interesses se encontra estritamente vinculado A categoria específica de intelectual de novo tipo da sociedade moderna está vinculada à educação técnica típica do mundo industrial Seu modo de ver e de atuar já não se reduz à eloquência mas envolvese diretamente na vida cotidiana como organizador construtor persuasor permanente Dessa forma além da atividade técnica propriamente dita executa um trabalho organizativo e articulador das massas aos grupos sociais a que se encontram ligados atividade essa que se orienta para a criação de condições favoráveis ao domínio dessa classe Nesse sentido 22 Ver especialmente A Gramsci Obras escolhidas V 11 Lisboa Estampa Coleção Teoria n22 1974 p 189215 87 são organicamente vinculados aos grupos fundamentais tendo seu desempenho voltado para contribuir na luta pela hegemonia da classe a que serve A relação dos intelectuais com o processo de valorização do capital não é direta mas mediatizada por todo o contexto social Na atividade intelectual podemse distinguir diferentes graus os criadores dos valores das ciências artes e filosofia e os administradores e divulgadores da riqueza intelectual existente tradicionalmente acumulada O Assistente Social que na sua qualidade de intelectual tem como instrumento básico de trabalho a linguagem poderia ser caracterizado nesse segundo grupo Historicamente não constitui atividade preeminente para essa categoria profissional a produção de conhecimentos científicos Emerge e se afirma em sua evolução como uma categoria voltada para a intervenção na realidade utilizandose dos conhecimentos socialmente acumulados e produzidos por outras ciências aplicandoos à realidade social para subsidiar sua prática A consideração do Assistente Social como um intelectual subalterno situa necessariamente a reflexão de seu papel profissional numa dimensão eminentemente política estando em jogo o sentido social da atividade desse agente Coloca de frente indagações como a quem vem efetivamente servindo esse profissional que interesses reproduz quais as possibilidades de estar a serviço dos setores majoritários da população O Serviço Social em sua trajetória não adquire o status de ciência o que não exclui a possibilidade e necessidade de de o profissional produzir conhecimentos científicos contribuindo para o acervo das ciências humanas e sociais numa linha de articulação dinâmica entre teoria e prática A divisão de trabalho entre as ciências a segmentação entre teoria e prática ciência e técnica são expressões da crescente divisão de trabalho intelectual e manual que se desenvolve à medida que se aprofunda o capitalismo Independentemente do referendum à orientação positi vista que procede à fragmentação da realidade em detrimento da apreensão da unidade e das leis do movimento do concreto é inegável que a divisão do trabalho engendra especialidades e especialistas além de fragmentar o próprio homem no ato mesmo de produzir tornandoo um trabalhador parcial uma peça do trabalho coletivo Estabelece a segmentação entre as ciências as tecnologias que adquirem inclusive uma de suas expressões na diversidade de ocupações vigentes no mercado de trabalho Dentro desse panorama vigente na sociedade poderseia caracterizar o Serviço Social como uma tecnologia social e o profissional como um técnico cuja atuação é geralmente mediatizada pela prestação de serviços sociais em instituições que implementam políticas sociais específicas sendo nesse sentido relevante indagarse sobre o significado desses serviços na sociedade vigente 3 O Significado dos Serviços Sociais A expansão dos serviços sociais no século XX está estreitamente relacionada ao desenvolvimento da noção de cidadania dessa noção isto é compreender as formas específicas que assume nos vários estágios de desenvolvimento do capitalismo ver especialmente K Marx e F Engels A Ideologia op cit K Marx El Capital Crítico de la Economía política op cit t 1 seção IV Idem La Miseria de la Filosofía Buenos Aires Siglo XXI 3a ed p 10428 Idem Manuscritos económicofilosóficos de 1848 op cit p 99104 Idem Los Fundamentos de la crítica de la Economía Política v II Madri Comunicación 1972 p 55573 E ainda H Braverman Trabajo e capital monopolista A Degradação do trabalho no século XX Rio de Janeiro Zahar 1977 H Lefévre A Sociología op cit p 6488 A Gorz org Crítica da divisão do trabalho São Paulo Martins Fontes 1980 Remetemos o leitor às considerações sobre a divisão do trabalho sinteticamente traçadas na introdução deste livro 26 Segundo Marshall o conceito de cidadania compreende três elementos interrelacionados cujo desenvolvimento porém não coincide no tempo o elemento civil composto dos direitos necessários à liberdade individualdé ir e vir de imprensa de pensamento e o direito à propriedade e de concluir contratos válidos o e direito de justiça o elemento político compreende o direito de participar do poder político seja como participante de um organismo investido de autoridade política seja como eleitor e finalmente o elemento social que se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bemestar econômico e segurança ao direito de participar por completo na herança social e levar uma vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade As instituições mais intimamente ligadas a ele são o sistema educacional e os serviços sociais T H Marshall Cidadania e classe social In Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar p 57114 Com a generalização da economia mercantil e a necessária afirmação da liberdade individual como condição de funcionamento da nova organização da sociedade vai adquirindo forma a noção de igualdade de todos os homens perante a lei com direitos e obrigações derivados de sua condição de participantes integrais da sociedade ou seja de cidadãos A relação contratual se generaliza afirmamse os direitos civis e políticos mas os direitos sociais só adquirem tal status no século atual Antecedido de leis beneficentes entre as quais se destaca a Lei dos Pobres na Inglaterra a conquista dos direitos sociais é perpassada pela luta contra o estigma do assistencialismo presente até os nossos dias A poor law tratava as reivindicações dos pobres não como parte integrante de seus direitos de cidadãos mas como uma alternativa deles como reivindicações que poderiam ser atendidas somente se deixassem de ser cidadãos O estigma associado à assistência aos pobres exprimiria os sentimentos profundos de um povo que entendia que aqueles que aceitavam assistência deviam cruzar a estrada que separava a comunidade dos cidadãos da companhia dos indigentes A incorporação dos direitos sociais à noção de cidadania começa com o desenvolvimento da escola primária pública e se expande principalmente à medida que o liberalismo vai perdendo terreno e o Estado assume progressivamente os encargos sociais face à sociedade civil O que merece ser ressaltado é que a sociedade do capital supõe uma contradição inevitável na sua continuidade o discurso da igualdade e a realização da desigualdade De um lado a afirmação da liberdade individual e da igualdade de direitos e deveres de todos os cidadãos como condição de funcionamento pleno da economia de mercado É a igualdade necessária a toda troca de mercadorias equivalentes através da relação entre livres proprietários das mesmas É a relação igualitária que aparece na esfera da circulação consubstanciada também nos textos legais Em pólo oposto temse a desigualdade inerente à organização da sociedade como unidade de classes sociais distintas e antagônicas assentada em uma relação de poder e exploração É a desigualdade inerente à relação do capital ao livre direito de propriedade que só é desvendado ao se analisar o que ocorre com os agentes sociais na produção social da riqueza contraposta a sua apropriação privada Em outros termos a noção de cidadania e da igualdade que lhe acompanha de igual participação de todos os indivíduos na sociedade tem como contrapartida as classes sociais em confronto que convivem numa relação desigual tanto econômica quanto política Uma é condição de existência da outra embora se neguem mutuamente a igualdade e a desigualdade a cidadania e as classes sociais como pólos da mesma moeda E os direitos sociais têm por justificativa a cidadania embora seu fundamento seja a desigualdade de classes Ora os serviços sociais são uma expressão concreta dos direitos sociais do cidadão embora sejam efetivamente dirigidos àqueles que participam do produto social por intermédio da cessão de seu trabalho já que não dispõem do capital nem da propriedade da terra São serviços a que têm direito todos os membros da sociedade na qualidade de cidadãos mas são serviços que vêm suprir as necessidades daqueles cujo rendimento é insuficiente para ter acesso ao padrão médio de vida do cidadão são portanto a esses efetivamente dirigidos e por eles consumidos predominantemente Mas o que significam os serviços sociais mais além de serem expressão dos direitos sociais Como se situam no conjunto da sociedade A riqueza social existente fruto do trabalho humano é redistribuída entre os diversos grupos sociais sob a forma de rendimentos distintos o salário da classe trabalhadora a renda daqueles que detêm a propriedade da terra o lucro em suas distintas modalidades industrial comercial e os juros daqueles que detêm o capital Parte da riqueza socialmente gerada é canalizada para o Estado principalmente sob a forma de impostos e taxas pagos por toda a população Assim parte do valor criado pela classe trabalhadora e apropriado pelo Estado e pelas classes dominantes é redistribuído à população sob a forma de serviços entre os quais os serviços assistenciais previdenciários ou sociais no sentido amplo Assim é que tais serviços nada mais são na sua realidade substancial do que uma forma transfigurada de parcela do valor criado pelos trabalhadores e apropriado pelos capitalistas e pelo Estado que é devolvido a todo a sociedadé e em especial aos trabalhadores que deles mais fazem uso sob a forma transmutada de serviços sociais Reafirmando tais serviços públicos ou privados nada mais são do que a devolução à classe trabalhadora de parcela mínima do produto por ela criado mas não apropriado sob uma nova roupagem a de serviços ou benefícios sociais Porém ao assumirem esta forma aparecem como sendo doados ou fornecidos ao trabalhador pelo poder político diretamente ou pelo capital como expressão da face humanitária do Estado ou da empresa privada Os diversos serviços sociais previstos em políticas sociais específicas são a expressão de conquista da classe trabalhadora em sua luta por melhores condições de trabalho e de vida que são consubstanciadas e ratificadas através da legislação social e trabalhista A generalização dos serviços sociais expressa portanto vitórias da classe operária na luta pelo reconhecimento de sua cidadania na sociedade burguesa mais do que a manifestação de um possível espírito solidário e humanitário de um caricato Estado de Bemestar Social No entanto existe uma outra face da mesma questão que deve ser ressaltada ao defrontarse com o processo de organização da classe operária o Estado e as classes patronais incorporam e encampam como suas uma série de reivindicações da classe trabalhadora em sua luta de resistência face ao capital e de afirmação de seu papel como classe na sociedade defesa de salários reais direito à educação saúde cultura etc Tais reivindicações ao serem absorvidas pelo Estado e pela classe patronal através de suas organizações privadas passam a ser devolvidas aos trabalhadores sob forma de benefícios indiretos organizados e centralizados em instituições assistenciais e agora outorgados mediante uma estrutura burocratizada sob o controle do Estado Assim procedendo não só debilitam o componente autônomo e portanto o caráter de classe das lutas operárias esvaziandoas como também reorientam a seu favor o conteúdo e os ganhos da mesma Passam a utilizar tais conquistas como meio de interferir e de mobilizar controladamente os movimentos sociais ao mesmo tempo em que deslocam as contradições do campo explícito das relações de classe absorvendoas dentro das vias institucionais As expressões de luta de classe se transformam em objetos de assistência social e os serviços sociais que são expressão de direitos sociais dos cidadãos transmutamse em matériaprima da assistência Explicitando o que é direito do trabalhador reconhecido pelo próprio capital é manipulado de tal forma que se torna um meio de reforço de visão paternalista do Estado que recupera nesse processo o coronelismo presente na história política brasileira agora instaurado no próprio aparelho do Estado O novo coronel passa a ser o Estado e os serviços sociais transfigurados em assistência social tornamse uma das pontes para o estabelecimento de relações para com seus súditos Portanto se tais serviços de um lado favorecem os trabalhadores como resultante de suas próprias conquistas no sentido de suprir necessidades básicas de sobrevivência nessa sociedade por outro lado sua implementação ao ser mediatizada e gerida pela classe capitalista passa a se constituir em um dos instrumentos políticos de reforço do seu poder face ao conjunto da sociedade Tornase um meio de não só manter a força de trabalho em condições de ser explorada produtivamente evitando alterações substanciais na política salarial que afetem a lucratividade dos empresários como e principalmente um instrumento de controlar e prevenir possíveis insubordinações dos trabalhadores que escapem ao domínio do capital Passam ainda a ser utilizados como suportes materiais de um discurso ideológico que fortalece a divulgação de um modo de vida dado pelo capital para a classe trabalhadora elemento básico à ação de impor a interiorização das relações sociais vigentes 4 Relações Sociais e Serviço Social As reflexões anteriores encaminham à formulação de hipóteses diretrizes norteadoras da análise construídas a partir de um modo peculiar de encarar o objeto de estudo a profissão de Serviço Social no contexto de aprofundamento do capitalismo monopolista na sociedade brasileira Estas hipóteses sinteticamente enunciadas são a seguir desenvolvidas em seus elementos teóricoconstitutivos Poderseia afirmar que o Serviço Social como profissão inscrita na divisão social do trabalho situase no processo da reprodução das relações sociais fundamentalmente como uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da ideologia da classe dominante junto à classe trabalhadora Assim contribui como um dos mecanismos institucionais mobilizados pela burguesia e inserido no aparato burocrático do Estado das empresas e outras entidades privadas na criação de bases políticas que legitimem o exercício do poder de classe contrapondose às iniciativas autônomas de organização e representação dos trabalhadores Intervém ainda na criação de condições favorecedoras da reprodução da força de trabalho através da mediação dos serviços sociais previstos e regulados pela política social do Estado que constituem o suporte material de uma ação de cunho educativo exercido por esses agentes profissionais Porém como o processo reprodução das relações sociais é também o processo de reprodução das contradições fundamentais que as conformam estas se recriam e se expressam na totalidade das manifestações do cotidiano da vida em sociedade A instituição Serviço Social sendo ela própria polarizada por interesses de classes contrapostas participa também do processo social reproduzindo e reforçando as contradições básicas que conformam a sociedade do capital ao mesmo tempo e pelas mesmas atividades em que é mobilizada para reforçar as condições de dominação como dois pólos inseparáveis de uma mesma unidade É a existência e compreensão desse movimento contraditório que inclusive abre a possibilidade para o Assistente Social colocarse a serviço de um projeto de classe alternativo àquele para o qual é chamado a intervir Sendo o agente profissional um intelectual mediador de interesses de classes em luta pela hegemonia sobre o conjunto da sociedade a prática profissional é visceralmente permeada por esse jogo de forças subordinandose historicamente àquelas que são dominantes do ponto de vista político econômico e ideológico em conjunturas históricas determinadas Embora constituída para servir aos interesses do capital a profissão não reproduz monoliticamente necessidades que lhe são exclusivas participa também ao lado de outras instituições sociais das respostas às necessidades legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora em face das suas condições de vida dadas historicamente Os movimentos sociais autônomos constituem a forma politicamente legítima de organização e mobilização dos trabalhadores como meio de expressão e enfrentamento coletivo de suas necessidades e interesses de classe no cenário político outra forma de enfrentamento dessas necessidades de sobrevivência é a busca de acesso aos recursos sociais existentes por meio dos equipamentos coletivos instituídos e mantidos pelo poder vigente como meio de fazer face aos direitos já conquistados pela classe trabalhadora na sua luta de resistência ao capital Porém ao serem tais respostas mediatizadas por organismos institucionais com um nítido caráter de classe as soluções propostas para as necessidades de sobrevivência dessa população passam a ser subordinadas aos objetivos políticoeconômicos dos setores sociais que controlam tais entidades As condições de vida dos trabalhadores passam a constituirse em meio de implementação de uma estratégia política do exercício de poder de classe e os agentes profissionais tendem a se tornarem agentes mediadores dos interesses desse poder sobre a população dentro dos requisitos estabelecidos pelo pacto de dominação Não se pode menosprezar nesse contexto o poder de pressão exercido pelos movimentos políticos das classes subalternas sobre essas instituições o que se traduz muitas vezes em modificações operadas nas estratégias programas e serviços estabelecidos pelas mesmas Tais mudanças expressam a correlação de forças entre as diversas classes e suas frações que conformam um perfil peculiar a conjunturas históricas determinadas como expressão da lutas de classes Dentro dessa perspectiva cabe ressaltar a figura do agente profissional como sujeito partícipe desse processo No desempenho de sua função intelectual o Assistente Social dependendo de sua opção política pode configurarse como mediador dos interesses do capital ou do trabalho ambos presentes em confronto nas condições em que se efetiva a prática profissional Pode tornarse intelectual orgânico a serviço da burguesia ou das forças populares emergentes pode orientar a sua atuação reforçando a legitimação da situação vigente ou reforçando um projeto político alternativo apoiando e assessorando a organização dos trabalhadores colocandose a serviço de suas propostas e objetivos Isso supõe evidentemente por parte do profissional uma clara compreensão teórica das implicações de sua prática profissional possibilitandolhe maior controle e direção da mesma dentro de limites socialmente estabelecidos Por outro lado supõe ainda uma clara subordinação do exercício técnicoprofissional às suas consequências políticas ai o caráter propriamente técnico subordinase à dimensão política dessa prática Portanto tratase da necessidade de uma reflexão sobre o caráter político da prática profissional 95 como condição para o estabelecimento de uma estratégia teóricoprática que possibilite dentro de uma perspectiva histórica a alteração do caráter de classe da legitimidade desse exercício profissional Considerando que o Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais não se situa unilateralmente como um mecanismo de apoio ao capital podendo tornarse um instrumento a serviço dos trabalhadores cabe no entanto apreender na história dessa instituição na sociedade brasileira qual tem sido sua tônica predominante No estabelecimento dessa tendência dominante intervêm vários fatores além das determinações estruturais que estabelecem os limites dentro dos quais a profissão pode moverse Entre eles caberia reafirmar o jogo das forças sociais que reflete a articulação das classes e de suas frações na luta pelo poder e pela hegemonia conformando os vários momentos conjunturais e as respostas dadas pela categoria profissional aos novos desafios que lhe são apresentados nos diferentes momentos históricos Essas respostas estão condicionadas pelo nível de desenvolvimento teóricoprático obtido pelo Serviço Social pelo peso das várias correntes profissionais e políticas existentes no interior dessa instituição que conformam diferentes maneiras de interpretar o papel do profissional e da profissão presentes em confronto no meio profissional A revisão da trajetória do Serviço Social no Brasil conduz a afirmar que considerando o antagonismo da relação capital e trabalho a tendência predominante no que se refere à inserção da profissão na sociedade vem sendo historicamente o reforço dos mecanismos do poder econômico político e ideológico no sentido de subordinar a população trabalhadora às diretrizes das classes dominantes em contraposição à sua organização livre e independente Tal subordinação é mediatizada pela integração da clientela aos aparatos institucionais através dos quais se exerce o controle social tornandose esse profissional assalariado um agente auxiliar a serviço da racionalização de serviços prestados por essas organizações e intermediário entre elas e a população Porém se esta tem sido historicamente a direção principal e predominante dessa prática institucional ela não é cristalinamente refletida na literatura especializada Verificase uma defasagem entre os efeitos sociais objetivos da prática profissional e as representações que legitimam esse fazer expressas através de um discurso marcado por um tônus humanitário e modernizador o que não exclui seu conteúdo de classe embora tenda a encobrilo Contribui assim para mistificar para o próprio agente profissional as implicações históricas de sua prática Percebese que o discurso da instituição Serviço Social é mais límpido quanto à intenção de seu fazer nos seus primórdios A proporção que avança a acumulação e com ela a modernização do Estado e a consequente burocratização das atividades aquele discurso vai se tornando cada vez mais técnico e racional com uma aparência neutra e apolítica Mas ao mergulharse mais além das aparências e ao confrontar o código com o fazer efetivo historicamente situado tornase possível desvendálo apreendendo os compromissos com interesses de classe que essa prática traz subjacente A afirmativa supramencionada embora à primeira vista possa parecer uma radicalização unilateral por chocarse com aspirações de parcela significativa da categoria profissional hoje tem por base fatos históricos reconstituídos no decorrer desta pesquisa no período considerado 19301960 que dão suporte empírico a essa reflexão As hipóteses aqui apresentadas acentuam portanto a relação do Serviço Social face à reprodução do controle social da ideologia dominante da força de trabalho e das contradições inerentes às relações sociais vigentes Tais aspectos ressaltados são inseparáveis enquanto dimensões distintas de um mesmo fazer profissional Não se trata de trabalhar duas ou mais vezes para obter resultados diversos visto que os pontos colocados em relevo são resultados contrapostos de uma única e mesma atividade da prática profissional do Assistente Social A distinção estabelecida é apenas abstrata para fins analíticos sendo que de acordo com as circunstâncias do trabalho profissional pode haver ênfase em uma ou outra forma de inserção do Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais Essa expressão do trabalho coletivo é pois pensada na globalidade de suas implicações a partir das contradições da sociedade que se traduzem na prática dessa instituição A seguir as hipóteses apresentadas são desenvolvidas em seus elementos fundamentais caracterizandoos conceitualmente Reafirmamos pois que as distinções feitas no tocante ao Serviço Social e reprodução da força de trabalho do controle e da ideologia são meramente abstratas orientadas no sentido de facilitar a exposição 97 41 Serviço Social e Reprodução da Força de Trabalho A sobrevivência e a reprodução da classe trabalhadora na sociedade capitalista dependem fundamentalmente do salário que o trabalhador recebe em troca da venda de sua força de trabalho no mercado isto porque tratase de trabalhadores assalariados despojados dos meios de produção e dos meios de vida os quais se encontram monopolizados pelos proprietários do capital e da terra É do rendimento do trabalhador isto é do salário que depende portanto a satisfação das necessidades básicas do produtor direto e de sua família tais como alimentação saúde lazer habitação educação etc E o preço da força de trabalho é socialmente determinado considerandose o mínimo indispensável para cobrir as necessidades consideradas básicas em cada momento histórico particular de acordo com o nível de desenvolvimento alcançado pela sociedade Como a reprodução da força de trabalho está na dependência direta do salário qual o significado dos serviços sociais mantidos pelo Estado ou pelas instituições privadas nessa reprodução A resposta a essa indagação é uma condição para se apreender o significado da atividade profissional do Assistente Social do ponto de vista da reprodução das condições de sobrevivência da classe trabalhadora Isto porque a atuação profissional é geralmente mediatizada pelos serviços sociais prestados através de aparatos institucionais aos quais se vincula o profissional por meio de um contrato de trabalho enquanto um dos participantes da implementação de políticas sociais e do planejamento e execução de atividades por elas previstas Assim as reflexões efetuadas a partir dos serviços sociais são extensivas à profissão à medida que aqueles constituem a retaguarda de recursos ou suporte material para o exercício profissional A tentativa de encontrar a resposta à indagação supramencionada conduz a caminhos que ajudam a desvendar a relação entre salário e acumulação Embora à primeira vista salário e acumulação sejam duas magnitudes independentes uma da outra tratase na realidade da relação entre trabalho retribuído e não pago da mesma população trabalhadora O salário supõe sempre a entrega de trabalho excedente aos proprietários do capital trabalho este que é a substância mesma do processo de acumulação Assim é que a elevação do preço do trabalho não elimina a exploração podendo no entanto reduzir seu grau ao aumentar a parcela de trabalho pago apropriado pelo trabalhador29 Porém o que determina os movimentos de alta e baixa dos salários é o ritmo da acumulação30 Em alguns momentos o crescimento do capital pode tornar a força de trabalho explorável insuficiente fazendo com que o aumento da demanda de trabalho eleve os salários Entretanto tão logo isto aconteça desaparece a desproporção entre capital e força de trabalho Assim é que o próprio processo de produção capitalista faz com que o preço do trabalho ou mais precisamente da força de trabalho retorne ao nível que corresponde às necessidades do capital No entanto a própria lei que rege a acumulação exclui toda elevação do preço do trabalho que possa colocar seriamente em perigo a reprodução do próprio regime de capital já que aí o trabalhador existe para reproduzir a riqueza e não está para atender às necessidades daqueles que a criam Como o trabalho excedente ou maisvalia é a própria substância da acumulação é evidente que qualquer elevação de salário acima das necessidades médias do capital interfere no montante de trabalho não pago a ser apropriado pela classe capitalista Ou em outros termos a redução do piso salarial é um dos principais mecanismos tradicionalmente utilizados pelos capitalistas para ampliar sua lucratividade e que tem como contrapartida o aumento da taxa de exploração da classe trabalhadora e a consequente redução de seu nível de vida Por outro lado ocupa um lugar de destaque na história da classe trabalhadora na sociedade moderna a luta através de seus organismos sindicais pelo justo preço do trabalho o que só é arrancado da classe capitalista através do peso da pressão organizada Diante do crescente processo de expropriação a que estão submetidos os trabalhadores no movimento de expansão do capital sua pauperização tende a aumentar em relação ao crescimento acelerado do capital Diante dessa lei da acumulação o Estado em seu papel de árbitro das relações de classe assume tarefas 99 cada vez mais ativas no sentido de zelar pela reprodução da força de trabalho não só por meio de legislação específica expressão muitas vezes de ganhos efetivos da classe operária como pela prestação de serviços básicos de organismos estatais paraestatais ou privados regulados por intermédio de políticas sociais Se a política salarial é o elemento determinante do nível de vida da classe trabalhadora na sociedade capitalista é portanto o elemento mais fundamental de qualquer política social Porém no discurso do capital e do Estado a política salarial é abstraída e segmentada do conteúdo das chamadas políticas sociais O que se encontra subjacente a essa fragmentação é a preservação do direito natural dos detentores dos meios de produção de garantirrem suas taxas de lucratividade e de exploração do trabalho seja diretamente seja por intermédio de seus portavozes a nível de Estado fixando eles próprios os níveis salariais e regulando as relações de trabalho Assim as políticas sociais e os serviços delas derivados são relegados a dimensões particulares e particularizadas da situação da vida dos trabalhadores saúde habitação educação alimentação etc subordinadas às estratégias políticoeconômicas que sustentam o processo de reprodução ampliada do capital Do ponto de vista do capital essas medidas colaboram no sentido de socializar parcela dos custos de reprodução da força de trabalho partilhandoos com toda a população que os assume indiretamente via impostos e taxas recolhidos pelo poder público Tais serviços ainda quando mantidos por empresas privadas e fornecidos a baixo custo ou em pagamentos facilitados aos empregados são vantajosos para o capital porque seu custo é partilhado pelos próprios beneficiários Na linguagem do poder os benefícios sociais são algumas vezes denominados salário indireto já que são encarados como uma complementação salarial preferível à elevação dos salários reais à proporção que podem ser descontados total ou parcialmente dos beneficiários ou de impostos governamentais Os serviços sociais tornamse portanto um meio de reduzir os custos de reprodução da força de trabalho Em segundo lugar poderseia ressaltar que a rede de serviços sociais viabiliza ao capital uma ampliação de seu campo de investimentos subordinando a satisfação das necessidades humanas à necessidade da reprodução ampliada do capital As respostas às exigências básicas da reprodução da vida da classe trabalhadora social e historicamente definidas são transformadas pela lógica que preside o processo de valorização num meio de diversificação dos ramos de aplicação produtiva do capital Assim a qualidade dos serviços prestados subordinase ao imperativo da rentabilidade das empresas Na perspectiva da classe capitalista a filantropia é redefinida a ajuda passa a ser concebida como investimento que é o princípio que preside a organização dos serviços sociais Dentro da ótica do capital os serviços sociais tornamse ainda um reforço para a garantia dos elevados níveis de produtividade do trabalho exigidos pela elevação da composição orgânica do capital Contribuem para manter um equilíbrio psicofísico do trabalhador canalizando e antecipando a emergência de focos de tensão que afetam a paz social necessária à potencialização do processo de exploração do trabalho Alguns tipos desses serviços ensino profissionalizante por exemplo estão voltados ainda para propiciar uma qualificação da força de trabalho exigida de parcela da classe trabalhadora para fazer frente ao crescente processo de especialização da produção Uma outra contribuição efetiva propiciada à classe capitalista pela infraestrutura de serviços sociais mantidos pelo Estado é a colaboração prestada na manutenção de condições subsidiárias à sobrevivência do exército industrial de reserva A existência da superpopulação relativa é uma das condições do regime capitalista de produção gerada pela própria força expansiva do capital que tende a realizarse alterando a composição orgânica média do capital Se esta é a característica que se observa nos ramos mais avançados da produção ou seja naqueles em que há maior emprego de capital em meios de produção máquinas matériasprimas e instrumentos de trabalho aperfeiçoados em proporção à força de trabalho viva não se pode esquecer de que em outros ramos o desenvolvimento da produção tem ainda por base prioritariamente uma ampla absorção de mãodeobra O que importa destacar é que o exército industrial de reserva à medida que estabelece uma maior competição entre os próprios trabalhadores contribui para a redução dos salários ao fazer a oferta de mãodeobra crescer em relação à demanda Assim as medidas assistenciais voltadas para auxiliar a reprodução dessa parcela da classe trabalhadora alijada do mercado de trabalho vem responder a interesses substanciais da classe capitalista no sentido de garantir uma oferta abundante e 100 101 permanente de força de trabalho a baixo custo Não se pode esquecer que a força de trabalho em ação é a fonte de valor e propriedade do capitalista e portanto fonte de valor para os representantes do capital Devese destacar ainda que a pauperização acentuada determina um ambiente fértil à emergência de utopias de inconformismos que são potencialmente ameaçadores à ordem vigente Controlar e prever as ameaças tem sido uma estratégia política do poder Assim como os serviços sociais têm para os capitalistas um caráter complementar à reprodução da força de trabalho a menor custo para os trabalhadores assalariados tais serviços são também complementares na sua reprodução física intelectual e espiritual e de sua família já que a base de sua sobrevivência depende da venda de sua força de trabalho Ainda que complementares não significa que sejam absolutamente secundários especialmente face à política de contenção salarial que mantém o salário real aquém do necessário à satisfação das necessidades básicas de reprodução da família trabalhadora como alternativa para a elevação da taxa de lucro Tal tendência é acentuada nos períodos cíclicos de crise econômica em que as condições de vida da classe trabalhadora atingem dimensões críticas Para a parcela do exército industrial de reserva qualificada por Marx como o pauperismo oficial aquele segmento da classe trabalhadora que perdeu a base da obtenção de seus meios de vida isto é a venda de sua força de trabalho tais serviços deixam de ser apenas complementares tornandose vitais embora não suficientes diante da inexistência de outros meios de sobrevivência Referese aqui às vítimas da grande indústria mutilados doentes velhos viúvas etc cuja sobrevivência está em certa proporção na dependência dos benefícios obtidos através da previdência social ou em outras formas de assistência pública ou privada Portanto do ponto de vista dos representantes do trabalho podese afirmar preliminarmente que os serviços sociais respondem a necessidades legítimas à medida que são muitas vezes temas de lutas políticoreivindicatórias da classe trabalhadora no empenho de terem seus direitos sociais reconhecidos como estratégia de defesa de sua própria sobrevivência Como esses serviços sociais na implementação dos quais atua o Assistente Social ingressam no processo de reprodução da força de trabalho e mais amplamente das relações sociais Os referidos serviços ingressam no consumo da classe trabalhadora que sob certo ponto de vista é um consumo produtivo Para o trabalhador esse consumo não é mais que meio de sobrevivência de sua pessoa e de sua família Já para o Estado e para os capitalistas é um consumo produtivo no sentido de que contribui para reproduzir o trabalhador como um trabalhador assalariado divorciado das condições de trabalho sempre disposto a vender parte de si mesmo para subsistir Reproduz assim a força viva de trabalho como fonte de riqueza para aqueles que a adquirem e não para aqueles que a desgastam Embora em caráter subsidiário tais serviços contribuem para a produção e reprodução do meio de produção indispensável ao processo produtivo o próprio trabalhador Caberia indagar finalmente sobre a eficiência dos serviços sócioassistenciais para a atenuação dos efeitos do processo expropriativo a que se encontra submetida a grande parcela da população Assim como esses serviços têm sua justificativa histórica na desigualdade estrutural que permeia a sociedade de classes têm também seus limites dados pelo próprio regime de produção que devido à sua natureza permite no máximo a redução da exploração e não sua eliminação A política social que orienta o aparato burocráticolegal que implementa os serviços sociais é estabelecida e controlada pelo poder do Estado existindo prioritariamente para assegurar as condições básicas indispensáveis ao domínio do capital no conjunto da sociedade Ora é no nível do Estado que se situam as estratégias políticas que orientam a reprodução das relações sociais Assim as políticas assistenciais de promoção social ou de bemestar social como se queira rotular embora dirigidas à classe trabalhadora interpretam os interesses dessa classe segundo a visão dos grupos que controlam o Estado Orientamse no sentido de integrar à sociedade a população trabalhadora assistida o que em outros termos significa integrála à ordem estabelecida pelo capital é a integração ao sistema de dominação na sua condição de dominada Um dos resultados que se obtém através de muitos desses serviços é a institucionalização pelo Estado da pobreza transformando o que era um problema social em uma questão sob controle31 102 103 Os limites das políticas de bemestar social são dados ainda pelas crises periódicas que acompanham inevitavelmente a realização do capitalismo mundial durante as quais os problemas sociais se agudizam A análise da profissão de Serviço Social na ótica de sua inserção na sociedade capitalista tem sido pouco explorada na literatura profissional Alguns trabalhos pioneiros32 tendem a acentuar as relações entre o Serviço Social e a reprodução da força de trabalho embora os autores assinalem de passagem que os assistentes sociais atuam também como agentes ideológicos da burguesia rompendo a luta reivindicativa dos trabalhadores Mas esse aspecto não é desenvolvido nos trabalhos referidos É esta dimensão políticoideológica que pretendemos recuperar e desenvolver a seguir 42 Serviço Social e Reprodução do Controle e da Ideologia Dominante Essa dimensão privilegiada na análise da inserção do Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais deve ser apreendida dentro dos reais limites em que se encontra circunscrita a prática profissional Não se trata de superestimar a importância ou a força dessa profissão como um dos mecanismos mobilizados por aqueles setores sociais que a legitimam e a demandam dentro de uma estratégia de reforço do controle social e da difusão da ideologia dominante O Serviço Social é considerado portanto como um instrumento auxiliar e subsidiário ao lado de outros de maior eficácia política e mais ampla abrangência na concretização desses requisitos básicos para a continuidade da organização social vigente Isso no entanto não minimiza o esforço de inserir a reflexão sobre a profissão na direção apontada procurando apreender as implicações históricas desse tipo de intervenção na realidade inscrita dentro de um projeto de classe Para o desenvolvimento da análise nessa perspectiva é oportuno retomar e ampliar algumas considerações anteriormente expressas sobre as relações de apropriação e dominação na sociedade capitalista situando a partir das mesmas o Serviço Social diante da reprodução do controle social e de ideologia Conforme já foi acentuado a produção e reprodução da riqueza é um processo eminentemente social visto que se realiza através de relações sociais que são engendradas e recriadas no interior do amplo processo da produção social O capital demiurgo da economia moderna é antes de tudo uma relação social que supõe como parte de si mesmo e como seu antagônico o trabalho assalariado E a acumulação do capital apreendida em seu constante renovarse é um processo de reprodução ampliada não só do valor mas das relações de classes em que se situam os agentes sociais fundamentais desse processo o capitalista e o trabalhador assalariado apreendidos não apenas individualmente mas enquanto personificam categorias econômicas que determinam sua posição no processo produtivo À medida que o capital só se nutre de maisvalia isto é de trabalho excedente não pago apropriado do trabalhador desprovido dos meios de produção e de vida o confronto entre os agentes sociais é permeado por uma luta infinda na defesa de seus interesses antagônicos o que é substância e condição do crescimento do capital é parte do próprio processo vital do trabalhador Este se desgasta e se empobrece como meio de subsistir e no mesmo ato enriquece o capitalista e recrudesce as condições que reproduzem sua própria situação de classe33 33 A noção de situação de classe é assim explicitada por Florestan Fernandes De acordo com a conceituação de Marx a situação de uma classe social é definida pela posição ocupada em conjunto pelos seus membros no processo de produção econômica Colocando grupos de indivíduos em condições econômicas fundamentalmente semelhantes a situação de classe favorece o desenvolvimento de um paralelismo de interesses e dá origem a ações convergentes ou apológicas que podem inclusive assumir a forma de atuação consciente organização parcial 104 105 O desenvolvimento das forças produtivas num contexto de aprofundamento do capitalismo abrange cada vez mais ramos diversificados da produção que vão sendo subsumidos de modo real ao capital A expansão do capital supõe portanto o desenvolvimento extensivo do proletariado a intensificação do processo de trabalho e consequentemente da exploração Essa maneira de se efetivar o desenvolvimento econômico faz com que se desenvolvam concomitantemente à ampliação das relações de dominação e exploração as condições objetivas que viabilizam a maturação política dos trabalhadores e o desenvolvimento de sua consciência de classe Porém se de um lado são dadas as condições objetivas que viabilizam o avanço da luta de classes por outro lado é preciso acentuar que o modo como se organiza a produção determina aparências ratificadoras de seu funcionamento que tendem a encobrir as relações desiguais em que se sustentam Se é na própria organização social que se incrusta a fonte do poder e da exploração de classe o processo social não revela a natureza das relações sociais de modo imediato porque estas não são relações diretas transparentes mas mediatizadas pela mercadoria e pelo dinheiro O trabalho alienado que estabelece a relação invertida de sujeição do homem às coisas é obscurecido pelas mistificações que se formam no movimento do capital que fazem ressaltar as relações entre coisas entre produtos em detrimento das relações sociais entre os homens que se expressam através de produtosmercadorias O modo capitalista de produzir supõe pois um modo capitalista de pensar que expressa a ideologia dominante na sua força e nas suas ambigüidades Esse modo de pensar necessário à realaboração das bases de sustentação ideológicas e sociais do capitalismo é retriado a partir do modo de produzir a riqueza material da reprodução do modo de vida instituído pelo capital A economia capitalista quando comparada a períodos históricos anteriores prescinde de laços extraeconômicos de dependência pessoal já que a própria lei da oferta e procura estabelece uma dinâmica natural às relações econômicosociais Porém não prescinde de novas formas de controle social que garantam e fortaleçam o consensus social É indispensável um mínimo de unidade na aceitação da ordem do capital pelos membros da sociedade para que ela sobreviva e se renove Uma vez que não existe sociedade baseada na pura violência é necessário recorrer à mobilização de outros mecanismos normativos e adaptadores que facilitem a integração social dos cidadãos e a redução do nível de tensão que permeia as relações antagônicas A burguesia tem no Estado enquanto órgão de dominação de classe por excelência o aparato privilegiado no exercício do controle social embora aí não se esgote abarcando as instituições da sociedade civil Porém o controle social não se reduz ao controle governamental e institucional É exercido também através de relações tensões do capitalismo expressas nas diferenciações ideológicas e de tendências dentro da mesma formação social É o que leva enfim o capitalismo para o pensamento de outras classes como a pequena burguesia o proletariado os proprietários de terra J S Martins Sobre o modo capitalista de pensar São Paulo Hucitec Coleção Ciências Sociais Série Linha de Frente 1978 p XI e XII Nos termos do estudo clássico de Lênin o Estado é assim caracterizado Segundo Marx o Estado é um organismo de dominação de classe um organismo de opressão de uma classe por outra é a criação de uma ordem que legaliza e fortalece esta opressão diminuindo o conflito de classes O Estado é o produto e a manifestação de que as contradições de classe são inconciliáveis O Estado surge no momento e na medida em que objetivamente as contradições de classe não podem conciliarse É inversamente a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis Como o Estado nasceu da necessidade de refrear as oposições de classe mas como nasceu ao mesmo tempo em meio ao conflito dessas classes ele é via de regra o Estado da classe mais poderosa daquela que domina do ponto de vista econômico e que graças a ele se torna também classe politicamente dominante e adquire assim novos meios para explorar a classe oprimida V I Lênin O Estado op cit p 25 e 31 O controle social do ponto de vista sociológico referese ao estudo dos modos como é exercida a pressão social aqui apreendida como imposição eou diretas expressando o poder de influência de determinados agentes sociais sobre o cotidiano de vida dos indivíduos reforçando a internalização de normas e comportamentos legitimados socialmente Entre esses agentes institucionais encontrase o profissional do Serviço Social O controle social e a difusão da ideologia dominante constituem recursos essenciais complementando outras maneiras de pressão social com base na violência para a obtenção de consenso social Importa ressaltar que a ideologia dominante é um meio de obtenção do consentimento dos dominados e oprimidos socialmente adaptandoos à ordem vigente Em outros termos a difusão e reprodução da ideologia é uma das formas de exercício do controle social Mas tratase do uso que fazem da ideologia os grupos e classes que dispõem do poder na legitimação da estrutura social já que as idéias abstratas em si sós são destituídas de qualquer força de poder Porém várias ideologias ou concepções de mundo convivem em confronto e se reproduzem desde que exista o confronto objetivo das classes sociais que são seus portadores uma vez que as representações nada mais são que a vida real tornada consciente A produção da consciência tem seu fundamento na prática da vida social tal como ela se configura historicamente Expressa a maneira como a dinâmica social vem sendo apreendida pelos diversos agentes sociais em dados momentos históricos Não se trata pois de uma representação única e homogênea para todas as personagens sociais enquanto portadoras de diversos interesses de classe Entretanto não se reduz ao extremo oposto de representações meramente individuais A ideologia vinculase a classes sociais em luta pela hegemonia sobre o conjunto da sociedade E aqueles que monopolizam a riqueza e o Estado são também dominantes na configuração do modo de pensar necessário à reprodução da sociedade O modo capitalista de reproduzir e o de pensar são inseparáveis e ambos se expressam no cotidiano da vida social A produção de idéias de representações da consciência está de início diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens como a linguagem da vida real O representar o pensar o intercâmbio espiritual dos homens aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material O mesmo ocorre com a produção espiritual tal como aparece na linguagem da política das leis da moral da religião da metafísica etc de um povo Os homens são os produtores de suas representações de suas idéias etc mas os homens reais e ativos tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio a que ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas A consciência jamais pode ser outra coisa que o ser consciente e o ser dos homens é o seu processo de vida real K Marx e F Engels A Ideologia op cit p 36 e 37 Os grifos são nossos Lefebvre esclarece a diferença entre a concepção da ideologia para os ideólogos franceses e para MarxEngels Para os ideólogos franceses a ideologia se limitava à explicação através de uma psicologia causal das representações individuais Para Marx e Engels o objeto estudado tornase o conjunto das representações características de uma época ou de uma sociedade Por exemplo a ideologia alemã p 42 e 43 O autor destaca ainda que não se deve confundir a ideologia com a representação coletiva de Durkheim Enquanto este faz da sociedade um ser abstrato para Marx ela nasce da prática de indivíduos e grupos A ideologia não pertence ao social em geral mas a grupos classes e castas em lutas para se afirmarem não é exterior aos indivíduos não dispondo portanto do poder de pressionar de fora sobre as consciências individuais As ideologias têm suas exigências em relação às vidas individuais porém são consentidas pelos indivíduos As ideologias fornecem a língua da vida real e por conseqüência não exercem pressão do social sobre o indivíduo no sentido da sociologia durkheimiana as ideologias como tais envolvem o indivíduo conferemlhe um sentido uma significação e uma orientação De fora a ideologia aparece como um sistema fechado coerente De dentro ela se entrega à fé à convicção à adesão O indivíduo consagrase à ideologia e crê realizáse nela Em vez de realizarse ele se perde alienase p 54 Assim como a sociedade encontrase em permanente movimento fazendose e transformandose a consciência também nunca é acabada não se confundindo com um sistema petrificado de idéias Encontrase em permanente processo de constituição e renovação processo esse que não está isento das contradições existentes na base material da sociedade as quais se expressam com maior ou menor intensidade na consciência dos grupos e classes sociais Não existe a consciência pura na perspectiva de um tipo ideal Ora se as representações são o ser consciente dos homens isto é o seu processo de vida real a consciência social fundandose na prática histórica de uma sociedade só a refletiria fielmente quando as relações entre as pessoas fossem diretas e transparentes o que não se verifica na formação social vigente À medida que no capitalismo o modo de viver e de produzir é permeado pela forma mercadoria esta tornase a mediadora por excelência das relações sociais transformandose na aparência de relações entre coisas É portanto historicamente impossível que as representações reflitam de modo límpido e cristalino a vida social já que a própria consciência é permeada pela mercadoria e seu fetiche Assim é que as representações tornamse a expressão de um apreender parcial e mutilado da realidade embora não totalmente falso ou ilusório A própria consciência das classes trabalhadoras não é imune às mistificações do capital e do capitalismo caso contrário a sociedade não se reproduziria Esse apreender parcial mas nem por isso falso da realidade é a forma necessária da consciência se constituir e se expressar porque é gerada no mesmo movimento em que se opera a produção e reprodução do capital conforme já acentuamos anteriormente Sua superação só pode se efetivar pela prática política das classes sociais em confronto Ao ressaltar a força da ideologia na obtenção do consentimento dos oprimidos ao processo de exploração à proporção que o encobre e o legitima não se pode esquecer que a eficácia da ideologia é limitada se encobre as contradições na e para a consciência não as elimina Assim é que apesar da função legitimadora das relações sociais exercida pela ideologia as contrações inerentes a essas mesmas relações se reproduzem sendo criadas e recriadas no decorrer mesmo do processo social Tendo por base estes parâmetros gerais cabe a indagação por que o privilegiamento da dimensão políticoideológica do Serviço Social em sua inserção no processo de reprodução do Capital Os elementos substanciais que justificam tal posição adotada já foram explicitados mas agora reunidos contribuem para uma maior clareza da exposição O exercício profissional do Assistente Social conforme o já apontado não se insere de modo imediato no processo de produção de produtos e de valor isto é no processo de valorização do capital A profissão se institucionaliza dentro da divisão capitalista do trabalho como partícipe da implementação de políticas sociais específicas levadas a efeito por organismos públicos e privados inscritos no esforço de legitimação do poder de grupos e frações das classes dominantes que controlam ou têm acesso ao aparato estatal Na operacionalização de medidas instrumentais de controle social o emprego de técnicas e tecnologias sociais é largamente utilizado enquanto meios de influenciar a conduta humana adequandoa aos padrões legitimados de vida social manipulando racionalmente os problemas sociais prevenindo e canalizando a eclosão de tensões para os canais institucionalizados estabelecidos oficialmente Entre essas tecnologias encontrase o Serviço Social A institucionalização das atividades assistenciais a nível do Estado e a própria demanda de profissionais especializados para atuação nesse campo expressa de um lado a ampliação e intensificação das tensões sociais que acompanham o desenvolvimento social e a necessidade de mobilizar recursos no sentido de atenuálas ou prevenilas controlandoas segundo parâmetros de racionalidade e eficiência De outro lado expressa também o reconhecimento oficial das diferenças sociais crescentes e da situação de pobreza de parcelas expressivas da população Paradoxalmente porém as medidas mobilizadas pelo Estado não são suficientes para alterar substancialmente as situações diagnosticadas à proporção que lhe cabe preservar os pilares da organização vigente da sociedade Porém as medidas acionadas são eficazes para um outro objetivo o contorno político dos problemas sociais abafando momentaneamente as tensões e estabelecendo ou fortalecendo vínculos de dependência da população carente para com o Estado através das instituições de cunho assistencial ou previdenciário Na busca de contornar a desigualdade econômica reforçando a sensação de uma participação mais efetiva do cidadão no poder e nos benefícios sociais o que se obtém como resultado é a reprodução da desigualdade social e do poder segmentado de uma base legitimamente popular Em suma apesar de todas as medidas de controle se acumulam e se reproduzem as expressões de antagonismo social apenas suas eclosões se retardam ou se manifestam com uma roupagem aparentemente menos violenta As medidas de política social fornecem ao poder um argumento básico na sua convivência política com os diversos grupos e classes sociais seu interesse e a sensibilidade para com os problemas sociais em busca de um projeto humanizado de sociedade Este discurso ideológico é estratégico para o reforço das bases políticas do poder junto àqueles que não dispõem de canais efetivos de acesso a ele Mas o discurso é rebatido pelo cotidiano do trabalhador no qual o caráter desumano da organização social mais além das propagandas políticoideológicas se expressa na miséria de seu diaadia e no trabalho alienado que só o escraviza mortifica parecendolhe algo estranho que só lhe pertence enquanto sofrimento e desgaste pessoal Finalmente importa ressaltar alguns traços característicos da prática institucional do Serviço Social que tornam viável sua utilização pelo empresariado e pelo Estado dentro de uma estratégia de dominação O Assistente Social no exercício de suas atividades vinculado a organismos institucionais estatais paraestatais ou privados dedicase ao planejamento operacionalização e viabilização de serviços sociais por eles programados para a população Exerce funções tanto de suporte à racionalização do funcionamento dessas entidades como funções técnicas propriamente ditas43 O Assis 43 No exercício de suas funções o Assistente Social realiza atividades como seleção sócioeconômica para fins de elegibilidade do usuário de acordo com as normas que regulam os serviços prestados preparações dos clientes para seu desligamento da instituição ao término dos programas efetuados interpretação das normas de funcionamento da entidade à população explicitando seus direitos e deveres cuja aceitação é précondição para o acesso à programação da entidade encaminhamento dos solicitantes à rede de equipamentos sociais existentes articulando uma retaguarda de recursos para a instituição atendimentos individuais e grupais para orientação dos usuários em face da necessidade por eles apresentada eou derivada de exigências do trabalho do próprio órgão trabalhos comunitários visitas domiciliares treinamentos organização de cursos campanhas 112 113 tente Social é chamado a constituirse no agente institucional de linha de frente nas relações entre a instituição e a população entre os serviços prestados e a solicitação dos interessados por esses mesmos serviços Dispõe de um poder atribuído institucionalmente de selecionar aqueles que têm ou não direito de participar dos programas propostos discriminando entre os elegíveis os mais necessitados devido à incapacidade da rede de equipamentos sociais existentes de atender todo o público que teoricamente tem acesso a eles Nesse sentido o profissional é solicitado a intervir como fiscalizador da pobreza comprovandoa com dados objetivos e in loco quando necessário evitando assim que a instituição caia nas armadilhas da conduta popular de encenação da miséria ao mesmo tempo em que procura garantir dessa forma o emprego racional dos recursos disponíveis A demanda está orientada também no sentido de contribuir para potenciar e agilizar os atendimentos garantindo a produtividade do trabalho quantitativamente avaliada de modo a favorecer a rotatividade da população nos programas estabelecidos Devido à proximidade com o usuário o Assistente Social é tido como agente institucional que centraliza e circula informações sobre a situação social dos clientes para os demais técnicos e para a entidade e as informações sobre o funcionamento desta para a população A estas atividades é acrescida outra característica da demanda a ação de persuadir mobilizando o mínimo de coerção explícita para o máximo de adesão Incluise aí a necessidade do usuário ser levado a aceitar as exigências normativas e regulamentares de funcionamento da entidade como as prioridades dos programas estabelecidos pelo órgão a esta se soma a ação educativa que incide sobre valores comportamentos e atitudes da população segundo padrões sócioinstitucionais dominantes Importa que as diretrizes institucionais sejam transmitidas como necessárias e válidas tanto para o cliente como para a garantia de eficiência dos serviços transformando o caráter impositivo da normatização em algo internalizado e aceito voluntariamente por aqueles a quem se dirige e aos quais não foi dada a oportunidade de opinar Por outro lado a estratégia de individualização dos atendimentos possibilita aliviar tensões e insatisfações efetivas sócioeducativas orientação e concessão de benefícios sociais previstos na legislação previdenciáriatrabalhista etc distribuição de auxílios materiais Esta listagem de atividades não pretendendo ser exaustiva permite dar uma idéia do tipo de tarefas mais comumente desempenhadas pelo profissional ou potencialmente existentes canalizandoas para sua neutralização dentro de medidas oficialmente estabelecidas isto é submetendoas ao controle institucional Se estas são algumas características dessa prática profissional para atender à demanda que lhe é efetuada elas não esgotam o trabalho técnico devendo ser ressaltados outros elementos deste O Serviço Social como uma das formas institucionalizadas de atuação nas relações entre os homens no cotidiano da vida social tem como instrumento privilegiado de ação a linguagem44 E este o meio privilegiado através do qual se efetiva a peculiar ação persuasiva ou de controle por este profissional Embora os serviços sociais sejam o suporte material e as entidades a base organizacional que condicionam e viabilizam a atuação técnica do Assistente Social esta dispõe de características peculiares Tratase de uma ação global de cunho sócioeducativo ou socializadora voltada para mudanças na maneira de ser de sentir de ver e agir dos indivíduos que busca a adesão dos sujeitos45 Incide tanto sobre questões imediatas como sobre a visão global de mundo dos clientes Não sendo no interior da categoria profissional uniforme e unívoco o direcionamento dessa ação ele tem sido orientado predominantemente por uma perspectiva de integração à sociedade Isso não significa desconsiderar a existência de rumos alternativos que recusam a incorporação da educação do opressor perspectiva que é minoritária no conjunto do meio profissional mas profundamente significativa diante de seu caráter inovador dentro da tradição conservadora da instituição Serviço Social O Assistente Social atua no campo social a partir de aspectos particulares da situação de vida da classe trabalhadora relativos a saúde moradia educação relações familiares infraestrutura urbana etc É a partir dessas expressões concretas das relações sociais no cotidiano da vida dos indivíduos e grupos que o profissional efetiva sua intervenção Estando sua atividade referida ao cotidiano enquanto produto histórico e enquanto vivência pelos sujeitos ele é aqui aprendido como manifestação da própria história na qual os agentes a produzem e reproduzem fazendose e refazendose nesse processo social A compreensão do cotidiano não se reduz aos aspectos mais aparentes triviais e rotineiros se eles são parte da vida em sociedade não a esgotam O cotidiano é a expressão de um modo de vida historicamente circunscrito onde se verifica não só a reprodução de suas bases mas onde são também gestados os fundamentos de uma prática inovadora Assim o cotidiano não está apenas mergulhado no falso mas referindo ao possível A descoberta do cotidiano é a descoberta das possibilidades da transformação da realidade Por isso a reflexão sobre o cotidiano acaba sendo crítica e comprometida com o possível46 A crítica da vida cotidiana implica ultrapassar as aparências que a escamotem para redescobrila em toda a densidade do seu conteúdo histórico a partir do desvendamento das formas pelas quais se expressa O cotidiano é o solo da produção e reprodução das relações sociais47 O Assistente Social através da prática direta junto aos setores populares dispõe de condições potencialmente privilegiadas de apreender a variedade das expressões da vida cotidiana por meio de um contato estreito e permanente com a população Sendo esta proximidade aliada a uma bagagem científica que possibilite ao profissional superar o caráter pragmático e empirista que não raras vezes caracteriza sua intervenção poderá obter uma visão totalizadora da realidade desse cotidiano e da maneira como é vivenciada pelos agentes sociais O profissional em sua prática de campo interfere em graus diversos de intensidade na vida das pessoas com quem trabalha invadindo de certa forma sua privacidade Explicitase aí a importância do compromisso social do Assistente Social orientado no sentido de solidarizarse com o projeto de vida do trabalhador ou de usar esse acesso à sua vida particular para objetivos que 44 A linguagem é tão antiga quanto a consciência a linguagem é a consciência real prática que existe para os outros homens e também para mim mesmo e a linguagem nasce como a consciência da carência da necessidade de intercâmbio com outros homens K Marx e F Engels A Ideologia op cit p 43 45 Essa característica é ressaltada por J VerdesLeroux Le Travail op cit que situa o trabalho do Assistente Social no campo da manipulação simbólica 114 115 pelos sujeitos ele é aqui aprendido como manifestação da própria história na qual os agentes a produzem e reproduzem fazendose e refazendose nesse processo social A compreensão do cotidiano não se reduz aos aspectos mais aparentes triviais e rotineiros se eles são parte da vida em sociedade não a esgotam O cotidiano é a expressão de um modo de vida historicamente circunscrito onde se verifica não só a reprodução de suas bases mas onde são também gestados os fundamentos de uma prática inovadora Assim o cotidiano não está apenas mergulhado no falso mas referindo ao possível A descoberta do cotidiano é a descoberta das possibilidades da transformação da realidade Por isso a reflexão sobre o cotidiano acaba sendo crítica e comprometida com o possível46 A crítica da vida cotidiana implica ultrapassar as aparências que a escamotem para redescobrila em toda a densidade do seu conteúdo histórico a partir do desvendamento das formas pelas quais se expressa O cotidiano é o solo da produção e reprodução das relações sociais47 O Assistente Social através da prática direta junto aos setores populares dispõe de condições potencialmente privilegiadas de apreender a variedade das expressões da vida cotidiana por meio de um contato estreito e permanente com a população Sendo esta proximidade aliada a uma bagagem científica que possibilite ao profissional superar o caráter pragmático e empirista que não raras vezes caracteriza sua intervenção poderá obter uma visão totalizadora da realidade desse cotidiano e da maneira como é vivenciada pelos agentes sociais O profissional em sua prática de campo interfere em graus diversos de intensidade na vida das pessoas com quem trabalha invadindo de certa forma sua privacidade Explicitase aí a importância do compromisso social do Assistente Social orientado no sentido de solidarizarse com o projeto de vida do trabalhador ou de usar esse acesso à sua vida particular para objetivos que 46 J S Martins Pronunciamento efetuado durante o curso de Sociologia da Vida Cotidiana para os alunos de graduação em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo em 110375 Anotação de aula 47 H Lefebvre A Estrutura social A Produção e reprodução das relações sociais In Sociologia op cit Sobre a vida cotidiana ver as seguintes obras do autor La Critique de la vie quotidienne 2 vols Paris Arche 1958 La Vida cotidiana en el mundo moderno Madri Alianza 1972 A incorporação da dimensão da vida cotidiana na reflexão do Serviço Social é apresentada na literatura brasileira pelo trabalho de S A Barbosa Lima Participação social no cotidiano São Paulo Cortez Moraes 1979 lhe são estranhos Esta atuação é marcada pelo caráter pessoal da relação na qual os sujeitos são tratados pelo Assistente Social como seres particulares Sendo esta uma característica do exercício profissional embora não lhe seja exclusiva é muitas vezes exacerbada na representação do agente técnico fazendo com que a preocupação em apreender a singularidade dos indivíduos e a de sua situação de vida se faça segmentandoa de suas bases sociais Os elementos mais gerais e comuns à situação de classe do trabalhador tendem a ser obscurecidos pela individualização e pulverização dos casos prevalecendo o dito de que cada caso é um caso Face às relações sociais vigentes em que as pessoas são tratadas como peças anônimas da engrenagem de produção a personificação de seu oposto isto é do pessoal e do humanitário é também capitalizada pelo poder assumindo um papel de relativa importância na consolidação de sua legitimidade Sendo o Assistente Social um técnico em relações humanas por excelência essas características apontadas na prática profissional são recuperadas pelos representantes do poder no sentido de interferência e controle de aspectos da vida cotidiana da classe trabalhadora utilizandose da mediação desse intelectual Buscase canalizar aspirações desses setores para sua satisfação através de canais institucionais geridos pelos representantes do poder e detectar as tensões sociais a tempo de propor medidas preventivas para seu enquadramento Essa ação controladora no entanto é esvaziada pelo discurso humanista e humanizador acoplado a esse tipo de intervenção discurso esse mobilizado e incorporado pela própria burguesia e ao mesmo tempo sabotado na prática pela subordinação da atividade profissional a um projeto de classe Aquela representação contribui para inverter a prioridade dos elementos do projeto das classes dominantes para a sociedade ou seja a lógica da acumulação passa a ser vista ao reverso a produção voltada não para os imperativos de reprodução do capital mas para a satisfação das necessidades humanas e sociais Assimo trabalho profissional passa a ser utilizado no sentido de propiciar uma face humana e pessoal às relações contratuais desfigurandoas a nível do discurso de seu caráter de classe Ao reduzilas a relações individualizadas e naturais passa o profissional a operar a partir de um corpo conceitual que busca harmonizar as contradições presentes na realidade despojando a dinâmica social de sua historicidade A teoria passa a equivale à realidade idealizada que se adequa à racionalidade do capital é insuficiente para orientar cientificamente a ação profissional no jogo das forças sociais correndo o Assistente Social o perigo de tornarse vítima da visão mistificadora que incorpora Subjacente a esse suporte simbólico encontrase o aval à normalidade da sociedade do capital acentuandose apenas a necessidade de romper certas arestas que dificultam sua realização problemática A partir dessa perspectiva as situações conflitivas e as desigualdades passam a ser vistas como desvios a serem contornados e controlados institucionalmente segundo parâmetros técnicos Os conflitos sociais não são negados mas o que é expressão da luta de classes transformamse em problema social matériaprima da assistência Segundo essa visão os fatores tidos como problemáticos são deslocados da estrutura social para os próprios indivíduos e grupos considerados como responsáveis pela sua ocorrência Conseqüentemente o que deve ser mudado são os hábitos atitudes e comportamentos dos indivíduos tendo em vista seu ajustamento social contribuindo assim para remover obstáculos ao crescimento econômico Daí deriva uma visão estereotipada da classe trabalhadora que inclui elementos como população negligente carente de iniciativa com baixo nível de consciência ignorante que necessita incorporar hábitos civilizados que precisa ser orientada etc48 Assim a visão do cliente passa a ser incorporada segundo a imagem difundida pela burguesia para a classe trabalhadora alicerçada em um suporte simbólico que inclui elementos humanitários e a mística da modernização Nesse sentido poderseia afirmar que o Assistente Social é chamado a constituirse no moderno filantropo da era do capital49 Essa imagem do Assistente Social não é 48 Análise semelhante referente à extensão rural e ao processo da modernização da agricultura vem sendo efetuada por O Queda Ver por exemplo O Queda e J C Duarte Agricultura e acumulação Debate e Crítica n 2 São Paulo Hucitec janjun 1974 p 907 O Queda et alii Evolução recente das culturas de arroz e feijão no Brasil Brasília Binagri 1979 Ver também J S Martins Capitalismo e tradicionalismo op cit 49 A escola humanitária é a que lastima o lado mau das relações de produção atuais Para tranqüilidade de sua consciência esforçase para conostrar o mais possível os contrastes reais deplora sinceramente as penalidades do proletariado e a desenfreada concorrência entre os burgueses aconselha aos operários que sejam sóbrios trabalhem bem e tenham poucos filhos recomenda aos burgueses que moderem seu ardor na esfera da produção A escola filantrópica é a escola humanitária aperfeiçoada Nega a necessidade de antagonismo quer converter todos os homens em burgueses quer realizar a teoria enquanto se distinga da prática e não contenha antagonismo É evidente que na teoria é