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Sociologia do Direito

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1 COLEÇÃO LEITURAS SOCIOLOGIA Responsáveis Anna Maria de Castro Nancy Aléssio Magalhães INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO Os capítulos I II e V foram elaborados pela professora Anna Maria de Castro e oscapítulos III e IV pelo professor Edmundo Fernandes Dias ANNA MARIA DE CASTRO E EDMUNDO FERNANDES DIAS INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO CONTEXTO HISTÓRICO DO APARECIMENTO DA SOCIOLOGIA A revolução industrial e a nova ordem social A Revolução Industrial realmente é o marco de uma nova era na história da humanidade pois deu início a uma etapa de acumulação crescente de população bens e serviços em caráter permanente e sistemático sem precedente É inseparável do desenvolvimento por ser fundamentalmente uma revolução produtiva uma Revolução na capacidade de produção e de acumulação do homem Não se trata apenas do crescimento da atividade fabril A Revolução Industrial é fenômeno muito mais amplo constitui uma autêntica revolução social que se manifesta por transformações profundas da estrutura institucional cultural política e social S19703 A excepcional expansão experimentada pelas economias industriais a partir da segunda metade do século XIX tem seus antecedentes mais próximos no período de gestação e triunfo da Revolução Industrial que pode ser fixado arbitrariamente nos cem anos que vão dos meados do século XVIII até igual período do século XIX Um dos elementos essenciais na gestação das condições que possibilitaram a Revolução Industrial foi a acumulação de recursos financeiros proporcionada pela intensificação do comércio internacional e pela política mercantilista inglesa de épocas anteriores O enriquecimento e o fortalecimento dos grandes comerciantes e das empresas mercantis significou o advento de novo talento empresarial e de importantes recursos de capital na atividade manufatureira e na agricultura S 197078 o capitalista comercial originado na fase mercantilista anterior foi levado a introduzir modificações substanciais na atividade manufatureira ainda de natureza artesanal doméstica e marcadamente rural o capitalistacomerciante reorganiza o trabalho individual ou familiar que prevalecia nas oficinas os Workshops onde reúne grupo importante de artesãos a quem fornece matériaprima energia mecânica local de trabalho e organização de vendas S 1970 9 Do ponto de vista da estrutura produtora a Revolução Industrial acelerou a profunda transformação da atividade agrícola principalmente pela introdução de novas técnicas que intensificaram o uso i do solo e incorporaram novos recursos naturais ao cultivo Como conseqüência a produtividade inglesa aumentou substancialmente entre meados do século XVII e fins do século XVIII A Revolução Industrial traduzse também cm profunda transformação da estrutura da sociedade Por exemplo na reordenação da sociedade rural com a destruição sistemática da servidão e da organização rural centralizada na vila e na aldeia camponesa e a conseqüente emigração da população rural para os centros urbanos A transmutação da atividade artesanal em manufatureira e por último em atividade fabril deu margem também a profundas reformas que conduziram à criação do proletário urbano e do empresário capitalista o primeiro assalariado e sem acesso à propriedade pessoal dos meios de produção o segundo com a função precípua de organizar a atividade produtiva na empresa A Revolução Industrial implicou por isso mesmo o fortalecimento e a ampliação de uma nova classe social que vinha sendo configurada em períodos anteriores sobre a base da atividade comer cial e financeira classe esta que passou a exercer considerável influência na criação das condições institucionais e jurídicas indispensáveis ao seu próprio fortalecimento e expansão S197011 A Revolução Francesa é o fenômeno histórico que reflete com mais perfeição as aspirações e exigências da nova classe burguesa em consolidação De fato a Revolução Francesa e a Revolução Industrial que ocorre paralelamente na Inglaterra constituem as duas faces de um mesmo processo a consolidação do regime capitalista moderno S 197012 Os Mecanismos da Revolução Industrial Na verdade os progressos da revolução industrial foram realizados através de uma série de desequilíbrios fonte de perturbações na economia mas ao mesmo tempo promotores de invenções fecundas A1970 24 A revolução técnica que se situa geralmente entre 1750 e 1850 que leva à instauração do capitalismo liberal não é senão um momento de uma longa evolução que leva paralelamente ao controle da natureza à tomada do poder pela burguesia e ao laisserfaire laiserpasser Esta mutação aparece primeiro na GrãBretanha depois ia França antes de se generalizar no fim do período na Europa ocidental e nos Estados Unidos A 1970 13 A partir de meados do século XVIII as técnicas de produção oram profundamente modificadas em menos de dois séculos os homens vão adquirir um controle da natureza sem comparação com o jue até então possuíam Essa Revolução Industrial começa sob a égide da liberdade Mas essa liberdade tem um significado particular antes de qualquer outra coisa tratase de permitir aos empresários industriais que desenvolvam e criem novas formas de produção e de enriquecer Luta se contra os regulamentas os costumes as tradições 3 as rotinas a fim de submeter a organização da sociedade aos imperativos de uma classe social a burguesia progressivamente no seu próprio seio um grupo predomina os empresários industriais Mais que a liberdade o capitalismo liberal estabelece o reino do capital dos seus possuidores e dos imperativos de acumulação deste capital A 197011 As Crises sociais e Econômicas do Capitalismo Liberal O nascimento do capitalismo é marcado por graves crises econômicas e sociais Elas atingem inicialmente a Inglaterra país que conheceu o primeiro capitalismo industrial generalizandose pela Europa As primeiras crises sociais do capitalismo colocam o mundo agrícola inglês às voltas com o cercamento dos campos em seguida aparece a luta antecipadamente perdida entre os artesãos e a indústria rapidamente porém a luta social opõe os operários aos capitalistas A maioria dos operários são camponeses e artesãos arruinados expulsos das terras e das aldeias vivem em ignóbeis condições de alojamento e de promiscuidade O artesão perde a sua antiga qualificação Estamos em presença de uma verdadeira castração de talento Todos eles são desenraizados considerados pela burguesia como seres úteis mas perigosos Na França o operário passa a ter uma carteira de trabalho que o submete ao controle da Polícia Na Inglaterra o operário que deixa seu patrão é passível de ser preso As condições de trabalho são duras A jornada é de pelo menos 12 horas e não há férias nem feriados O trabalho das mulheres e das crianças é a regra Praticamente as crianças começam a trabalhar desde a idade de seis anos É preciso esperar pelos meados do século XIX para ver aparecer na França e na Inglaterra uma regulamentação quanto ao trabalho da mulher e das crianças A 1970 4647 no século XIX o ritmo da alteração econômica no referente à estrutura da indústria e das relações sociais o volume de produção e a extensão e variedade do comércio mostrouse inteira mente anormal a julgar pelos padrões dos séculos anteriores tão anormal a ponto de transformar radicalmente as idéias do homem sobre a sociedade de uma concepção mais ou menos estática de um mundo onde de uma geração para a outra os homens estavam fadados a permanecer na posição de vida que lhes fora dada ao nascimento e onde o rompimento com a tradição era contrário à 3 natureza para uma concepção de progresso como lei da vida e da melhoria constante como estado normal de qualquer sociedade sadia D 1971313314 As novas formas de pensar é resultado parcial da revolução total do espírito europeu que tendo se iniciado no Renascimento transformou por inúmeras ações e reações nossa maneira de ver o mundo e a vida Na Idade Média a terra e a obra que a atividade humana cnou sobre ela gozavam de grande estabilidade A Autoridade divina extra e supraterrena era um firme ponto de referência A cultura e a natureza se justificavam e se explicavam sobre uma base transcendente Porém a razão calculadora de Copérnico Kepler Galileu Gassendi e outros fez virar a terra os espaços se ampliaram ao infinito e a humanidade se transformou cm um mero episódio da História do Mundo Este descobrimento deu um impulso decisivo à evolução espiritual que por caminhos complexos trabalha até o presente na obra de substituir a visão transcendente do mundo pela visão imanente H 1930 1718 O sistema medieval de concepção do mundo foi atingido mais profundamente inicialmente no terreno religioso Essa ruptura devia assim abalar as pretensões teóricas e práticas de dominação do supranaturalismo da Igreja No pensamento medieval que tinha sua pedra angular na tradição divina não era possível um conflito entre a Revelação e a Razão posto que a filosofia não pretendia ser mais que uma serva e apologista da Teologia Porém no momento em que a Razão se rebelou contra sua condição servil e proclamou sua autonomia tinha que se desencadear a luta contra a Teologia socialmente dominante A insuficiência da Razão proclamada pela Igreja foi negada pela consciência dessa mesma Razão fortalecida pelos dados que lhe forneciam a experiência e os conhecimentos científiconaturais Já a partir do século XVI são muitas as pessoas cultas que renunciando a toda sanção sobrenatural ordenam seu pensamento e sua vida pela autonomia da razão Partindo dessa autonomia e confiando apenas nela chegouse a uma explicação do mundo a partir de um princípio matemático e mecânico Essa explicação seguia em harmonia com uma supranaturalidade da Razão mesma admitindo um deísmo em que Deus continuava sendo cnador ainda que não governador da máquina do mundo que construiu pois este obedecia em seu funcionamento a leis próprias H 1930 1819 O Racionalismo Até o século XVIII o pensamento social caracterizavase muito mais pela preocupação de formular regras de ação do que pelo estudo frio e objetivo da realidade social que gera e determina todas as regras A luta contra o drama e pelo livreexame expressões de profunda revolução intelectual vai encontrar porém na obra de Descartes e de Bacon seu modelo mais autêntico e a duração de sua influência permaneceu séculos O racionalismo daqueles pensadores preconizava que a atitude científica diante dos fenômenos embora não insistissem sobre a noção fundamental de que a realidade é exterior à consciência deve ser despida da influência dos idola e das praenotiones com o que lançaram as bases do que havia de ser o método científico bases que podem ser resumidas nestes postulados fundamentais 1 devese afastar no estudo da realidade objetiva toda e qualquer idéia preconcebida toda noção apriorística sobre os fatos que se estudam Segundo Bacon idola são os erros mais gerais e inveterados contra os quais devemos nos precaver a fim de realizar a obra de instauração da ciência nota do organizador 2o espírito deve ser conduzido à pesquisa pela dúvida dúvida metódica e construtiva que analisa e investiga único meio de retirar a verdade dos fatos e não deformar os fatos para ajustálos a uma verdade revelada Apesar da função demolidora e construtiva que exerceu na história do pensamento humano e do método científico esse racionalismo não ultrapassou nem podia ultrapassar os limites de sua determinação histórica e acabou por cometer muitos dos erros que pretendia combater resvalando para a metafísica CP 196536 O Positivismo A crise do antigo regime e a Revolução Industrial tomaram possível o aparecimento dessa nova forma da inteligência que é o positivismo cujo desenvolvimento estará vinculado ao processo histórico desse mesmo sistema de contradições sociais que produzem sua gênese O desaparecimento do estado monárquico implica a dissolução da ordem estamental à pressuposta harmonia do corpo social unificado organicamente como corpo político se sucede a luta declarada de classes chave do desenvolvimento econômico capitalista e determinante da de mocracia como nova forma política Com a destruição revolucionária de sua própria alienação estatal a sociedade se toma autoconsciente de seu protagonismo histórico de sua autêntica realidade como tal sistema autônomo de determinação sua realidade específica entra no primeiro plano da consciência secularizada de seus membros assim a sociedade se constitui como objetividade possível para o conhecimento científico Em nosso tempo começouse a observar uma série de fenômenos a que antes não se podia destinar um lugar quer na vida corrente quer na ciência Importantes acontecimentos demonstraram nos novos tempos que aqueles fenômenos se apoiam numa força que penetra a existência inteira dos povos e inclusive a de cada indivíduo em particular que se acham numa conexão íntima e necessária e que o conhecimento humano ao ocuparse deles chegou a uma dessas descobertas que nos permitem reconhecer por assim dizer por trás do mundo conhecido até agora e da ordem deste mundo outro organismo ainda mais grandioso de forças e elementos Tratase da sociedade seu conceito seus elementos e movimentos M 1970 3132 Diante da velha definição ontológica da sociedade sem sentido nesse mundo efervescente impõese um conhecimento positivo que torne possível sua reorganização A ciência adquire um sentido messiânico na hora de remediar a situação social o padrão atual não é a decisão política ética ou teologicamente fundamentada mas a aplicação técnica das leis científicas que regem a sociedade humana Devese por conseguinte construir positivamente a ciência social como ciên cia da vida coletiva será um dos ramos fundamentais da ciência da vida em geral ou fisiologia uma fisiologia social constituída pelos fatos materiais que derivam da observação direta da sociedade e uma higiene que contenha os preceitos aplicáveis a tais fatos são portanto as únicas bases positivas sobre as quais se pode estabelecer o sistema de organização reclamado pelo estado atual da civilização SaintSimon op cit 58 A positividade prática da ciência social supõe sua positividade metodológica do mesmo modo que a praxis médica supõe o conhecimento das leis que regem a fisiologia humana uma praxis política capaz de remediar a patológica situação social só é possível a partir da investigação das leis científicas que regem a sociedade humana Para alcançálas é preciso adotar o mesmo método das ciências naturais a fisiologia social deverá basear todos os seus raciocínios sobre fatos observados e discutidos SaintSimon loc cit 67 M 1970 33 SOCIOLOGIA O Aparecimento da Sociologia as transformações econômicas e sociais que assinalam a primeira metade do século XIX e o desenvolvimento do método científico noutros setores do conhecimento humano paralelos à sociologia criaram a esse tempo as condições práticas e teóricas históricas e filosóficas para a organização da sociologia como disciplina e só nesse quadro ligando a evolução intelectual às condições sociais da liquidação do ancien regime e da inauguração da era industrial é possível entender o momento histórico em que a sociologia começou a destacarse como setor especializado de conhecimento sistematizandose como ciência Interpretada por um prisma idealista a evolução material naquela época parecia aos contemporâneos um produto do desenvolvimento intelectual do homem cujo pensamento iluminava os passos da civilização quando em verdade o progresso crescente dos modos de pensar sobre fenômenos cada vez mais complexos e disso a sociologia é uma prova era produto direto 5 das novas maneiras de viver e produzir Nessa época como se vê é que a sociologia surgiu surgiu portanto com a sociedade industrial ou melhor com os seus esboços Surgiu quando do seu ventre nasceu o proletariado e essa circunstância quase sempre esquecida é de importância decisiva para a compreensão de sua história de seu método e de seus problemas de hoje CP 196537 A herança intelectual da Sociologia A Sociologia não se limita ao estudo das condições de existência social dos seres humanos Todavia essa constitui a porção mais fascinante ou importante de seu objeto e aquela que alimentou a própria preocupação de aplicar o ponto de vista científico à observação e à explicação dos fenômenos sociais Ora ao se falar do homem como objeto de indagações específicas do pensamento é impossível fixar com exatidão onde tais indagações se iniciam e quais são os seus limites Podese no máximo dizer que essas indagações começam a adquirir consistência científica no mundo moderno graças à extensão dos princípios e do método da ciência à investigação das condições de existência social dos seres humanos Sob outros aspectos já se disse que o homem sempre foi o principal objeto da curiosidade humana Atrás do Mito da Religião ou da Filosofia sempre se acha um agente humano que se preocupa fundamental e primariamente com questões relativas à origem à vida e ao destino de seus semelhantes Por isso seria vão e improfícuo separar a Sociologia das condições históricosociais de existência nas quais ela se tornou intelectualmente possível e necessária A Sociologia não se afirma primeiro como explicação científica e somente depois como forma cultural de concepção do mundo Foi o inverso o que se deu na realidade Ela nasce e se desenvolve como um dos florescimentos intelectuais mais complicados das situações de existência nas modernas sociedades industriais e de classes E seu progresso lento mas contínuo no sentido do saber científicopositivo também se faz sob a pressão das exigências dessas situações de existência que impuseram tanto ao pensamento prático quanto ao pensamento teórico tarefas demasiado complexas para as formas précientíficas de conhecimento Daí a posição peculiar da Sociologia na formação intelectual do mundo moderno Os pioneiros e fundadores dessa disciplina se caracterizam menos pelo exercício de atividades intelectuais socialmente diferenciadas que pela participação mais ou menos ativa das grandes correntes de opinião dominantes na época seja no terreno da reflexão ou da propagação de idéias seja no terreno da ação As ambições intelectuais de autores como SaintSimon Comte Proudhon e Le Play ou de Howard Malthus e Owen ou de Von Stein Marx e Riehl iam além do conhecimento positivo da realidade social Conservadores reformistas ou revolucionários aspiravam fazer do conhecimento sociológico um instrumento da ação E o que pretendiam modificar não era a natureza humana em geral mas a própria sociedade em que viviam Existe portanto fundamento razoável para a interpretação segundo a qual a Sociologia constitui um produto cultural das fermentações intelectuais provocadas pelas revoluções industriais e políticosociais que abalaram o mundo ocidental moderno A explicação sociológica exige como requisito essencial um estado de espírito que permita entender a vida em sociedades como estando submetida a uma ordem produzida pelo próprio concurso das condições fatores e produtos da vida social Por isso tal estado de espírito não só é anterior ao aparecimento da Sociologia como representa uma etapa necessária à sua elaboração No mundo moderno pelo que se sabe ele se constituiu graças à desagregação da sociedade feudal e à evolução do sistema capitalista de produção com sua economia de mercado e a correspondente expansão das atividades urbanas É que estes dois processos históricossociais se desenrolaram de modo a ampliar continuamente as esferas da existência nas quais o ajustamento dinâmico às situações sociais exigia o recurso crescente a atitudes secularizadas de apreciação dos móveis das ações humanas do significado dos valores e da eficiência das instituições No plano puramente intelectual a secularização dos modos de conceber e de explicar o mundo está relacionada com transformações radicais da mentalidade média O efeito mais notável e característico dessas transformações consiste no alargamento do âmbito da percepção social além dos limites do que era sancionado pela tradição pela Religião ou pela Metafísica Todo sujeito percebe o mundo exterior e as próprias tendências egotistas através de categorias de pensamento herdadas da sociedade em que vive Quando a herança cultural é constituída predominantemente por categorias de pensamento modeladas pelo influxo direto e profundo das tradições de noções religiosas ou de explicações metafísicas de origem sacerdotal a percepção social acaba sendo condicionada de forma estática e recorrente o que restringe as potencialidades críticas e inconformistas dos agentes humanos em face de suas situações de existência Qualquer análise da conduta da sociedade ou do destino humano esbarra com o caráter absoluto intangível e sagrado das normas dos valores e das instituições sociais reconhecidos culturalmente Nem mesmo uma disposição objetiva ou neutra de reconhecimento das situações de existência se torna facilmente acessível Nas condições de inquietação e de instabilidade ligadas à desagregação da sociedade medieval e à formação do mundo moderno as inconsistências daquelas categorias absolutas e estáticas do pensamento se fizeram sentir com rapidez Contudo como se estava em uma era de revolução social e não apenas de transição de um período a outro de uma mesma civilização elas não foram simplesmente impugnadas e rejeitadas as formas de saber de que elas derivavam e que pareciam viciar de diversas maneiras e sob diferentes fundamentos o uso da razão é que foram condenadas e substituídas Seja no plano prático seja no plano teórico impunhamse tarefas que pressupunham novos padrões de apreciação axiológica mais ou menos livres dos influxos da tradição ou de concepções providencialistas Portanto o que se poderia designar como consciência realista das condições de existência emerge e progride através de exigências de novas situações de vida mais complexas e instáveis Daí o enriquecimento dos conteúdos e o alargamento dos níveis da percepção social do sujeito exposto a um cosmos moral cm que a capacidade de julgar de decidir e de agir passa a depender de modo crescente do grau de consciência por ele alcançado sobre os móveis das ações dos outros ou os efeitos das possíveis alterações da estrutura e funcionamento das instituições A essa transformação básica do horizonte intelectual médio é preciso acrescentar outras duas conseqüências a ela relacionadas De um lado as modificações que se produziram na natureza e nos alvos do conhecimento do senso comum de outro as inovações que se manifestaram no seio do pensamento racional sistemático As modificações por que passou o conhecimento do senso comum têm sido subestimadas em particular devido às inclinações intelectualistas dos autores que estudam a história do pensamento no mundo moderno Mas elas possuem uma significação excepcional pois foi por meio delas que se projetaram na vida prática as diversas noções que fizeram da atividade humana individual ou coletiva o próprio cerne de todo progresso econômico político ou cultural Na verdade foi o conhecimento do senso comum que se expôs e teve de enfrentar as exigências mais profundas e imediatas das novas situações de existência social Por isso ele acabou servindo como verdadeiro foco de formação e de cristalização das categorias de pensamento historicamente adequadas àquelas situações Em suma aos efeitos do processo de secularização da cultura na modificação da mentalidade média do conhecimento do senso comum e do pensamento racional sistemático devemse a formação do ponto de vista sociológico a noção de que a vida humana em sociedade está sujeita a uma ordem social e as primeiras tentativas de explicação realista dos fenômenos de convivência humana F 1960 273279 Papel inicial da Sociologia Cabia ao lado da demolição da ordem social do passado demolição que a filosofia enciclopedista tornara racional racionalizar a construção de uma ordem nova c com esta missão nasceu a sociologia CP 1965 3738 A sociologia do século XIX marca incontestavelmente o momento da reflexão dos homens sobre eles mesmos aquele onde o social como tal é posto em questão com seu caráter equívoco ora enquanto relação elementar entre os indivíduos ora enquanto entidade global Ela também exprime uma intenção não radicalmente nova mas original por seu radicalismo a de um conhecimento propriamente 7 científico baseado no modelo das ciências da natureza tendo em vista o mesmo objetivo o conhecimento científico deveria dar aos homens o controle de sua sociedade e de sua história assim como a física e a química lhes possibilitaram o controle das forças naturais A 19671617 Creio ser legítimo encarar os autores do século XIX como participantes de um debate que era sempre o mesmo sobre a possibilidade de por em prática os princípios anteriormente proclamados pela Revolução Francesa Para sermos mais precisos eles discutiam a viabilidade da criação de uma sociedade racional nas condições de progresso industrial e com os materiais humanos existentes àquele tempo Para esses homens o termo racional possuía um conteúdo social definido e implicava ainda que imprecisamente a espécie de sociedade que permitiria ao homem tirar o máximo de proveito das suas capacidades criativas M 19729798 SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA A tarefa da Ciência O objetivo da ciência é tomar inteligível o real Sendo o real diverso pode ser apreendido a partir de diferentes pontos de vista o que explica a multiplicidade das ciências que por sua vez precisa ser elucidada já que é um aspecto do real Este é o papel da epistemologia que podemos definir como a explicação dos diversos sistemas de explicação da realidade Tratase de um problema que sempre ocupou a filosofia e que o desenvolvimento atual das ciências humanas coloca em termos novos a discordância entre a unidade da ciência como conceito e a variedade das pesquisas que dá origem a ciências particulares até mesmo divergentes Em resumo o problema consiste em conciliar a unidade da ciência com a pluralidade das ciências F 197375 O método como um produto histórico Um dos químicos contemporâneos que desenvolveu os métodos científicos mais minuciosos e mais sistemáticos Urbain não hesitou em negar a perenidade dos melhores métodos Para ele não há método de pesquisa que não acabe por perder sua fecundidade inicial Chega sempre uma hora em que não se tem mais interesse em procurar o novo sobre os traços do antigo em que o espírito científico não pode progredir senão criando novos métodos Os próprios conceitos científicos podem perder sua universalidade Como diz Jean Perrin Todo conceito acaba por perder sua utilidade sua própria significação quando nos afastamos pouco a pouco das condições experimentais em que ele foi formulado Os conceitos e os métodos tudo é função do domínio da experiência todo o pensamento científico deve mudar ante uma experiência nova um discurso sobre o método cientifico será sempre um discurso de circunstâncias não descreverá uma constituição definitiva do espírito científico B 1968 121 As Ciências Humanas enquanto Ciências As ciências históricas e humanas não são pois de uma parte como as ciências físicoquímicas o estudo de um conjunto de fatos exteriores aos homens o estudo de um mundo sobre o qual recai sua ação São ao contrário a análise dessa própria ação de sua estrutura das aspirações que a animam e das alterações que sofre G 1970 27 Na realidade sabemos hoje que a diferença entre as condições de trabalho dos físicos químicos e fisiológicos e a dos sociólogos e dos historiadores não é de grau mas de natureza no ponto de partida da investigação física ou química há um acordo real e implícito entre todas as classes que constituem a sociedade atual a respeito do valor da natureza e do fim da pesquisa O conhecimento mais adequado e mais eficaz da realidade física e química é um ideal que hoje não choca nem os interesses nem os valores de qualquer classe social Neste caso a falta de objetividade no trabalho de um cientista só pode ser causada por defeitos pessoais espírito de sistema falta de penetração caráter apaixonado vaidade e no limite falta de probidade intelectual Nas ciências humanas ao contrário a situação é diferente Pois se o conhecimento adequado não funda logicamente a validade dos juízos de valor é certo porém que favorece ou desfavorece psicologicamente essa validade na consciência dos homens G 1970 32 Ora em tudo o que respeita aos principais problemas que se colocam para as ciências humanas os interesses e os valores sociais divergem totalmente Em lugar da unanimidade implícita ou explícita nos juízos de valor sobre a pesquisa e o conhecimento que está na base das ciências físico químicas encontramos nas ciências humanas diferenças radicais de atitude que se situam no início antes do trabalho de pesquisa permanecendo muitas vezes implícitas e inconscientes G 1970 32 Retomemos somente 1 a constatação de que todo pensamento histórico ou sociológico sofre profundas influências sociais no mais das vezes não explícitas para o pesquisador individual influências que ele nunca poderá eliminar mas que ao contrário deverá tornar conscientes e integrálas na investigação científica para evitar ou para reduzir ao mínimo sua ação deformante 2 a necessidade que se torna evidente nessa perspectiva de um estudo sociológico das próprias ciências sociais e em termos mais precisos de um estudo materialista e dialético do materialismo dialético G 1970 36 Há sem dúvida muitas ocasiões para o pensamento do indivíduo ser influenciado pelo meio com o qual entra em contato imediato essa influência pode entretanto ser múltipla adaptação mas também reação de recusa ou de revolta ou ainda síntese das idéias encontradas no meio com outras vindas do exterior etc G 197048 Os grandes escritores representativos são aqueles que exprimem de uma maneira mais ou menos coerente uma visão do mundo que corresponde ao máximo de consciência possível duma classe é o caso sobretudo dos filósofos escritores e artistas Para o homem de ciência a situação às vezes se apresenta diferente Sua tarefa essencial é chegar ao conhecimento mais vasto e mais adequado da realidade Ora precisamente a mencionada independência relativa do indivíduo em relação ao grupo permitelhe em certos casos corrigir os limites duma visão por conhecimentos adequados contrários a esta mas perfeitamente compatíveis com outra visão real duma classe diferente ou ainda ampliar os limites da consciência real da classe numa dada época pelas possibilidades gerais dessa classe no conjunto do período histórico G 19704849 O fato de não termos ainda na ciência social leis comparáveis às das ciências naturais não prova por si mesmo que tais leis nunca serão descobertas Sem embargo justifica que se pergunte mais uma vez se a ciência social está no caminho certo ao fazer da busca dessas leis a sua principal raison detre As diferenças entre a ciência natural e a ciência social talvez pesem mais do que a relativa imaturidade da ciência social A estrutura lógica dos gêneros de conhecimento que procuramos na ciência social pode não ser idêntica à das ciências naturais avançadas M 1972109 Achamos que a finalidade da Sociologia não é elaborar um sistema fechado de leis definidas mas permitir pelo estudo científico que as tornem cônscias de algumas das razões sociais para os problemas sociais que experimentam e para serem capazes de dirigir sua atenção aos tipos de remédios a eles adequados Ela também pode ajudálas a se compreenderem melhor C 1972 2S2 256 O PROBLEMA DA SUBJETIVIDADE O Sociólogo enquanto pessoa Em primeiro lugar as proposições que os sociólogos fazem sobre as pessoas como elas são afetadas por pertencerem a certos tipos de grupos na verdade mais do que isso a de que é inconcebível pessoas sem grupos Mannheim o famoso sociólogo assim o expõe Pertencemos a um grupo não só porque nascemos nele não apenas por confessarmos pertencer a ele e por último não porque lhe prestamos nossa lealdade e fidelidade mas principalmente porque vemos o mundo e certas coisas no mundo da maneira como ele vê Mannheim 1960 pág 19 Mas os sociólogos também são gente por conseguinte também são membros de grupos e tanto quanto é válida a afirmação acima também tenderão a ver o mundo da maneira que o fazem os grupos a que 9 pertencem Logo deveríamos esperar aprender algo sobre o que os sociólogos como tais dizem estudando a natureza dos diferentes tipos de grupos aos quais pertencem Aqui estamos usando a palavra grupo num sentido muito geral e não apenas pensando em pessoas que se encontram face a face C 1972 17 O segundo problema para os sociólogos é que seu assunto está inextricavelmente ligado aos tipos de problemas cuja solução de um modo ou de outro interessa a todo ser humano sobre os quais existem vastas discordâncias de âmbito continental pelos quais muitos têm morrido problemas como guerra e paz socialismo pobreza desemprego as relações entre homens e mulheres etc Sua investigação envolve os sociólogos em grandes argumentos históricos e lhes torna muito difícil divorciar seus próprios pontos de vista como cidadãos do seu trabalho como sociólogos Alguns sociólogos têm tentado fugir a esse problema recusandose resolutamente a estudar qualquer coisa que possa concebivelmente ter importância social cf Moore 1963 Mas na verdade não há como escapar já que mesmo a decisão quanto ao que estudar ou ao que não estudar é uma decisão social e pode ser julgada em termos morais Pelo seu trabalho todos os estudiosos do homem e da sociedade assumem e subentendem decisões morais e políticas Mills 1959 pág 76 Assim em maior ou menor grau e de várias maneiras o sociólogo não pode evitar o problema dos valores sociais em seu trabalho C 19721819 As questões colocadas pelo sociólogo diante da realidade social não são necessariamente as mesmas que as colocadas pelo homem de ação As questões pertinentes em sociologia são da ordem do conhecimento e da explicação e somente permanecendo a sociologia fiel ao que ela é enquanto disciplina científica é que sua contribuição na intervenção social será válida Três problemas principais dominam a pesquisa teórica e empírica na sociologia geral Podem ser enunciadas nos seguintes termos como explicar que as coletividades humanas existam e se mantenham e correlativamente como o indivíduo se liga a essas coletividades como se organizam ou se estruturam os quadros sociais da vida humana como se produz e se explica a mudança a evolução das sociedades humanas R 196810 A lei do comprometimento O sociólogo como qualquer especialista em ciências sociais está sempre condicionado em sua especulação por um a priori de caráter existencial tenha ou não consciência disso Decorre o fato de que sua consciência se elabora invariavelmente a partir do trato com os objetos e as pessoas do mundo particular em que vive Não existe um eu acósmico ou ahistórico capaz de postarse diante do mundo livre de condicionamentos O eu e a consciência do eu brotam do nós que os antecede lógica e historicamente A consciência ingênua não percebe a implicação recíproca do ser humano e do mundo Resíduo de ingenuidade se encontra na atitude do cientista que acredita numa ciência imune de condicionamentos Ao refletir sobre os supostos da atividade científica verseá que está implicada numa teia de relações complexas que constituem o mundo tal como aparece ao cientista que nele vive O conhecimento descritivamente é uma relação entre a consciência cognoscente e o objeto na qual se verifica reciprocidade de influência fato este que não foi visto pelas antigas teorias gnoscológicas No plano históricosocial essa reciprocidade de influência permite compreender a idéia de mundo que torna inteligíveis as relações entre o sujeito e o objeto O mundo não é uma coleção de objetos que possamos contemplar do lado de fora Estamos necessariamente no mundo e por ele somos constituídos O homem é sernomundo não porém como um par de sapatos está numa caixa mas enquanto suas ações implicam o mundo ou uma visão prévia do mundo Weltanschauung G 1965 113114 A atual teoria filosófica do mundo é tributária das indagações de pensadores alemães a respeito do que são as visões do mundo É comum a esses pensadores o ponto de vista de que a visão do mundo não é adquirida por esforço intelectual nem pode ser exposta como se explica uma doutrina ou um sistema de idéias A visão do mundo apesar disso é sistema porque é configuradora de atos e de idéias tem organicidade Mas não é puramente intelectual e por isso não se pode neutralizar seu efeito condicionador sobre a atividade científica Porque nos integramos na totalidade do mundo de modo não intelectual é que nossa existência supõe um a priori histórico social Não aceitamos uma visão de mundo como esposamos uma doutrina ou nos convertemos a uma religião Vivemos necessariamente a visão de mundo de nossa época e de nossa nação G 1965 115 Supor que o homem teoriza primeiro e age depois é incorrer em erro O homem não se esgota no pensar é também sentir e querer O pensar é apenas um aspecto particular da vida que consiste em converter em objeto determinado conteúdo do agir humano A nova teoria resultante do esforço de pensar era no agir humano uma virtualidade É precisamente a reflexão que torna explícita e exprime de modo elaborado a virtualidade implícita no agir humano A pergunta famosa quem educa o educador só tem uma resposta a sociedade e não outro educador E assim se desfaz a polaridade entre teoria e prática Por que a sociedade Porque é um fenômeno total É pressuposto essencial da categoria de totalidade a idéia de implicação O verdadeiro educador sabe que só conseguirá levar a efeito a pedagogia que lhe possibilitem as condições sociais determinadas em que vive Tem a consciência da implicação do homem no mundo G 1965 116 Há ainda um vício eurorocêntrico em tais estudos expresso no academicismo que os afeta Aqui se verifica um limite imposto ao estudioso europeu A sua prática social entra em conflito com a prática do estudioso de regiões subdesenvolvidas 0 estudioso europeu só poderá ultrapassar esse limite se por um esforço de desideologização adotar em caráter sistemático o ponto de vista universal da comunidade humana Só assim transcenderá o seu contexto históricosocial particular G 1965 118 Nos países periféricos é a adoção sistemática de um ponto de vista universal orientado para o futuro que possibilita a redução sociológica É o imperativo de acelerar de modo historicamente positivo a transformação de contextos subdesenvolvidos que impõe ao cientista de países periféricos a exigência de assimilar não mecanicamente o patrimônio científico estrangeiro Esta exigência se torna particularmente aguda quando naqueles países se deflagram impulsos concretos de ordenação própria ou de articulação interna Enquanto permanecem ordenados ou articulados para fora refendos a um centro dominante que lhes é exterior carecem da condição mesma que os habilitaria à prática da redução global de um país situado no âmbito de dominação de outro mais poderoso no sentido de obter capacidade autodeterminativa Nesses países periféricos a sociedade não está fundada segundo critérios próprios é algo a fundar R 1965 119 A transformação do sociólogo em técnico o falso dilema teórico da sociologia na América Latina não se esclarece de modo completo senão quando deslindamos a metamorfose do sociólogo em técnico É que se diferenciam e se reno vam os papéis do cientista explicitandose assim novos significados da própria ciência Não há dúvidas de que a sociologia como a economia política a ciência política a história a antropologia está continuamente submetida a duas ordens de solicitações Existe mesmo certa duplicidade nos alvos da atividade científica do sociólogo Por um lado o círculo dos especialistas estabelece objetivos e padrões de trabalho científico em conformidade com o caráter cumulativo da ciência Em sua história e em seus desenvolvimentos teóricos as diferentes correntes vão selecionando conceitos e problemas técnicas e concepções que implicam na constituição de um corpo teórico ao qual os sociólogos precisam aterse É óbvio que o problema da objetividade e da neutralidade se colocam neste ponto O que alguns críticos apresentam como simples especulação filosofia social ou ensaísmo muitas vezes são interpretações pioneiras que abrem perspectivas novas à reflexão e à pesquisa I 1971 1819 A ciência não destrói a imaginação ao contrário ela tende exercitar e disciplinar as suas funções 11 A imaginação sociológica habilitanos a apanhar a história e i biografia e as relações de ambas no interior da sociedade Essa é i sua tarefa e promessa Nenhum estudo social se completa se não estiver voltado para os problemas da biografia da história e das suai conexões recíprocas na sociedade C Wright Mills The Sociological Imagination Todavia há outra ordem de solicitações a sociedade como um todo ou certos círculos de influência solicitam à socióloga estudos especiais voltados para determinados problemas práticos A realidade social se impõe ao sociólogo filtrada pelos interesses particulares ou gerais conforme a situação Em última instância solicita o trabalho do cientista para validar ou invalidar uma dada configuração social presente pelo estudo do próprio presente ou do passa do A UNESCO quando estimulou e subsidiou estudos sobre as relações raciais no Brasil estava interessada em conhecer para difundi em outras nações os característicos modelares de uma democrata racial Foram também necessidades práticas isto é a gravidade ei profundidade das tensões sociais na sociedade rural brasileira que levaram o Centro Latino Americano de Pesquisas em Ciências Sociais a programar e orientar a realização de estudos sobre o regime de posse e uso da terra Essas são as duas tendências sempre ativas no trabalho i sociólogo Inevitavelmente elas afetam tanto a seleção dos temi como o seu tratamento mais ou menos amplo A realização apeni descritiva ou ao modo interpretativo analítica ou sintetizadora monográfica ou de interpretação global depende da intensidade e da direções dessas influências Não há dúvidas contudo de que a soa logia progrediu geralmente envolvida em solicitações imediatas ou I diretas das condições de existência social presentes Esse é o contexto mais geral das transformações dos papéis d sociólogo e das possibilidades de utilização prática do pensamento científico nas ciências sociais Nesse movimento dáse a gênese i técnico A ciência guarda sempre a sua conotação de técnica de autoconsciência da realidade social O caráter instrumental do conhecimento sociológico é algo de que a sociedade não quer nem pode prescindir E essa necessidade surge tanto no plano mais amplo de permuta e correspondência entre as condições de existência social com a estrutura do pensamento científico como no plano particular da utilização prática imediata institucionalizada do conhecimento científico Neste caso estamos em face do técnico É ele que trabalhará diretamente na formulação de programas governamentais e privados bem como na execução e controle da sua execução A relação entre o sujeito e o objeto no processo do conhecimento sociológico é um fenômeno que está na base dessa questão Em última instância o que ocorre é que há vários modos de integração entre o sujeito e o objeto Devido à complexidade e diferenciação interna crescentes dos sistemas socioeconômicos latinoamericanos e em decorrência das exigências cada vez mais numerosos das massas que irrompem continuamente nos centros urbanos e industriais em transformação acelerada e ainda devido às mudanças sociais aceleradas que estão ocorrendo em certas zonas agrícolas e mineiras multiplicamse os problemas sociais com os quais se defrontam empresários e assalariados administradores e políticos cientistas sociais e educadores A necessidade de elaborar planos setoriais regionais e também nacionais bem como a emergência e multiplicação de tensões e problemas sociais no âmbito das relações entre grupos e classes levaram as autoridades os grupos empresariais os sindicatos etc a estimular a formação de técnicos em assuntos sociais A transformação do sociólogo em técnico ocorre nesse contexto Pouco a pouco a sociologia desenvolve a sua conotação de técnica de resolução de tensões ou canalização destas em direções não destrutivas A experiência dos grandes países industrializados colocou em evidência a importância crescente do papel que as ciências sociais têm na resolução destes problemas bem como no conhecimento do processo de desenvolvimento econômico e social Já se demonstrou que não há inversões de capital que possam ser produtivas a longo prazo sem investimentos humanos paralelos se possível anteriores Como em outras esferas o fator humano continua a ser o fator decisivo do desenvolvimento dos países da América Latina Uma das tarefas prioritárias nesta parte do mundo pois é constituir rapidamente um contingente de especialistas em ciências sociais qualificados e aptos para realizar pesquisas científicas que são as únicas que podem fundamentar a ação sobre o conhecimento Nesse texto estão reunidos os elementos fundamentais das reflexões que estamos desenvolvendo neste ensaio Nele destacamse temas tais como os seguintes a vinculação íntima entre o pensamento cientifico e as condições de existência social principalmente quando estas aparecem e se impõem como problema a sociologia como uma técnica de autoconsciência científica da realidade social a metamorfose do sociólogo em técnico I 1971 23 24 Institucionalizase a atividade de técnico em âmbito continental As tarefas do desenvolvimento econômico e as suas implicações sociais mobilizaram economistas e sociólogos Aqui de novo ressurge a preocupação com a objetividade neutra do trabalho científico É j dado como pressuposto que no plano puramente técnico a atividade científica do economista e do sociólogo é neutra Estamos no plano da sociologia da inteligentsia de Karl Mannheim Esse mesmo processo está em curso nas diferentes nações latinoamericanas No Brasil ele está em franco progresso A própria regulamentação da profissão de sociólogo em fase de debate prevê a definição das atividades técnicas do sociólogo Com o progresso da racionalização espraiandose pelo sistema social como um todo em todas as suas esferas a ciência se torna essencial nas organizações e nas ações sociais Substituemse os padrões legados pela tradição por aqueles elaborados por intermédio do método científico Os atos humanos traduzemse em variáveis É óbvio que essas transformações envolvem problemas sérios no campo do conhecimento científico À medida que o sociólogo se modifica num técnico o seu instrumental de investigação e reflexão tende a refinarse É aí que reaparece de uma maneira clara e impositiva a necessidade de organizar a atividade intelectual com base na manipulação de variáveis As exigências práticas impõem que a pesquisa se realize em período de tempo predeterminado atenda a recursos financeiros e humanos prefixados e alcance conclusões precisas e sumárias Muitas vezes essas conclusões devem ser susceptíveis de com paração com resultados obtidos em estudos paralelos realizados ao I mesmo tempo em outras comunidades ou nações Tudo isso envolve a eleição de varáveis quantificáveis como focos de observação e interpretação I 19712425 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON Raymond Les étapes de Ia pensée sociologique Paris E tions Gallimard 1967 ALBERTINE JM Capitalismes et socialismes à Vépreuve Pa Editions Économie et Humanisme 1970 BACHELARD G O novo espirito cientifico Tradução de Juver Hahne Júnior Rio Edições Tempo Brasileiro 1968 COSTA PINTO Sociologia e desenvolvimento Rio Editora Civili2 çào Brasileira 1965 COULSON Margaret A e RIDDEL David S Introdução critica sociologia Tradução de Edmond Jorge Rio Zahar Editore 1972 DOBB Maurice A evolução do capitalismo Tradução de Affon Blacheyre Rio Zahax Editores 1971 FERNANDES Florestan Ensaios de sociologia geral e aplicada Si Paulo Livraria Pioneira Editora 1960 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