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POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA LIMITES E PERSPECTIVAS 7 Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 Artigos POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA LIMITES E PERSPECTIVAS1 BRAZILIAN EDUCATIONAL POLICIES LIMITS AND PERSPECTIVES Dermeval SAVIANI2 RESUMO A política educacional diz respeito às decisões que o Poder Público isto é o Estado toma em relação à educação Tratar pois dos limites e perspectivas da política educacional brasileira implica examinar o alcance das medidas educacionais tomadas pelo Estado brasileiro No que se refere aos limites da política educacional brasileira haveria muitos aspectos a considerar Penso porém que as várias limitações são em última instância tributárias de duas características estruturais que atravessam a ação do Estado brasileiro no campo da educação desde as origens até os dias atuais Refirome à histórica resistência que as elites dirigentes opõem à manutenção da educação pública e à descontinuidade também histórica das medidas educacionais acionadas pelo Estado A primeira limitação materializase na tradicional escassez dos recursos financeiros destinados à educação a segunda corporifica se na seqüência interminável de reformas cada qual recomeçando da estaca zero e prometendo a solução definitiva dos problemas que se vão perpetuando indefinidamente Na seqüência procurarei explicitar como se manifestaram essas duas limitações Palavraschave Educação Brasileira Educação Pública Política Educacional Políticas Sociais e Política Educacional 1 Conferência proferida na Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 19 de junho de 2007 2 Professor Emérito da Universidade Estadual de Campinas e Coordenador Geral do HISTEDBR Email dermevalsavianiyahoocombr 8 D SAVIANI Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 ABSTRACT The educational policies concern the decisions that the Government that is the State takes regarding the education Therefore dealing with the limits and perspectives of the Brazilian educational policies implies in examining the scope of the educational measures taken by the Brazilian State There would be many aspects to be considered regarding the limits of the Brazilian educational policies I think however that many of the limitations derive in last instance from two structural characteristics that cross the action of the Brazilian State in the field of the education from its origins until today and by that I mean the historical resistance that the leading elites present to the maintenance of the public education and the discontinuity also historical of the educational measures defended by the State The first limitation materializes in the traditional scarcity of the financial resources destined to education the second is embodied in the interminable sequence of reforms each one beginning again from scratch and promising the definitive solution of the problems that go on endelessly In the sequence I will try to explain how these two limitations have manifested themselves Keywords Brazilian Education Public Education Educational Policies Social Policies and Educational Policies A histórica resistência à manutenção da educação pública no Brasil Podese considerar que o primeiro documento de política educacional que vigorou no Brasil foram os Regimentos de D João III editados em dezembro de 1548 para orientar as ações do primeiro governador geral do Brasil Tomé de Souza que aqui chegou em 1549 acompanhado de quatro padres e dois irmãos jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega Nesse mesmo ano os jesuítas recémchegados deram início à obra educativa centrada na catequese guiados pela orientação contida nos referidos Regimentos cumprindo pois um mandato que lhes fora delegado pelo rei de Portugal Nessa condição cabia à coroa manter o ensino mas o rei enviava verbas para a manutenção e a vestimenta dos jesuítas não para construções Então como relata o padre Manuel da Nóbrega em carta de agosto de 1552 eles aplicavam os recursos no colégio da Bahia e nós no vestido remediamonos com o que ainda do reino trouxemos porque a mim ainda me serve a roupa com que embarquei e no comer vivemos por esmolas HUE 2006 p68 Em 1564 a Coroa portuguesa adotou o plano da redízima pelo qual dez por cento de todos os impostos arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à manutenção dos colégios jesuíticos A partir daí iniciouse uma fase de relativa prosperidade dadas as condições materiais que se tornaram bem mais favoráveis Luiz Alves de Mattos 1958 p275297 compara a fase anterior que ele chama de período heróico com o momento subseqüente à instituição da redízima tomando os aspectos da alimentação vestuário e calçado remédios e assistência hospitalar viagens por terra viagens por mar colégios e casas da Companhia de Jesus e os estudos Em todos esses aspectos ressalta o contraste entre as dificuldades e privações enfrentadas na primeira fase e as facilidades e conforto usufruídos na segunda POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA LIMITES E PERSPECTIVAS 9 Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 A educação era financiada com recursos públicos configurando uma espécie de escola pública religiosa LUZURIAGA 1959 p522 Entretanto se o ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo ele não preenchia os demais critérios já que as condições tanto materiais como pedagógicas isto é os prédios assim como sua infraestrutura os agentes as diretrizes pedagógicas os componentes curriculares as normas disciplinares e os mecanismos de avaliação encontravamse sob controle da ordem dos jesuítas portanto sob domínio privado O resultado foi que quando se deu a expulsão dos jesuítas em 1759 a soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 01 da população brasileira pois delas estavam excluídas as mulheres 50 da população os escravos 40 os negros livres os pardos filhos ilegítimos e crianças abandonadas MARCÍLIO 2005 p3 Por sua vez o período seguinte pedagogia pombalina 17591827 corresponderia aos primeiros ensaios de se instituir uma escola pública estatal Pelo Alvará de 28 de junho de 1759 determinouse o fechamento dos colégios jesuítas introduzindose as aulas régias a serem mantidas pela Coroa para o que foi instituído em 1772 o subsídio literário As reformas pombalinas contrapõemse ao predomínio das idéias religiosas e com base nas idéias laicas inspiradas no Iluminismo institui o privilégio do Estado em matéria de instrução surgindo assim a nossa versão da educação pública estatal LUZURIAGA 1959 p2339 A partir dessa proposta foi baixada a Carta de Lei de 10 de novembro de 1772 Por ela foram extintas no item I as coletas anteriores substituídas no Item II por um único imposto Nestes Reinos e Ilhas dos Açores e Madeira de um real em cada canada de vinho e de quatro réis em cada canada de aguardente de cento e sessenta réis por cada pipa de vinagre na América e África de um real em cada arrátel de carne da que se cortar nos açougues e nelas e na Ásia de dez reis em cada canada de aguardente das que se fazem nas terras debaixo de qualquer nome que se lhe dê ou venha a dar Carta de Lei de 10111772 Item II In MENDONÇA 1982 p614 Mas também no caso das aulas régias que se concentravam dominantemente no ensino que corresponderia ao nível secundário em especial às classes de latim a responsabilidade do Estado limitavase ao pagamento do salário do professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada deixando a cargo do próprio professor a provisão das condições materiais relativas ao local geralmente sua própria casa e à sua infraestrutura assim como aos recursos pedagógicos a serem utilizados no desenvolvimento do ensino Essa situação era ainda agravada pela insuficiência de recursos dado que a Colônia não contava com uma estrutura arrecadadora capaz de garantir a obtenção do subsídio literário para financiar as aulas régias Com a independência política foi instalado o Primeiro Império que fez aprovar em 15 de outubro de 1827 um documento legal que ficou conhecido como lei das escolas de primeiras letras pois estabelecia no artigo primeiro em todas as cidades vilas e lugares mais populosos haverão sic as escolas de primeiras letras que forem necessárias TAMBARA ARRIADA 2005 p23 Podese dizer entretanto que essa lei permaneceu letra morta E o Ato Adicional à Constituição do Império promulgado em 1834 colocou o ensino primário sob a jurisdição das Províncias desobrigando o Estado Nacional de cuidar desse nível de ensino Considerando que as províncias não estavam equipadas nem financeira e nem tecnicamente para promover a difusão do ensino o resultado foi que atravessamos o século XIX sem que a educação pública fosse incrementada Durante os 49 anos correspondentes ao Segundo Império entre 1840 e 1888 a média anual dos recursos financeiros investidos em educação foi de 180 do orçamento do governo imperial destinandose para a instrução primária 10 D SAVIANI Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 e secundária a média de 047 O ano de menor investimento foi o de 1844 com 123 para o conjunto da educação e 011 para a instrução primária e o ano de maior investimento foi o de 1888 com 255 para a educação e 073 para a instrução primária e secundária CHAIA 1965 p129131 Era pois um investimento irrisório Não obstante isso a consciência da importância da educação expressavase na percepção de que na instrução pública está o segredo da multiplicação dos pães e o ensino restitui cento por cento o que com ele se gasta conforme afirmou Almeida Oliveira na sessão de 18 de setembro de 1882 do Parlamento CHAIA 1965 p125 E propostas não faltaram Tavares Bastos considerando que não há sistema de instrução eficaz sem o dispêndio de muito dinheiro propôs em 1870 Assim como cada habitante concorre para as despesas de iluminação águas esgotos calçadas estradas e todos os melhoramentos locais assim contribua para o mais importante deles a educação dos seus concidadãos o primeiro dos interesses sociais em que todos somos solidários TAVARES BASTOS 1937 p228 A partir daí apresenta um plano de criação de dois tipos de impostos o local e o provincial Essa proposta foi retomada por Rodolfo Dantas em 21081882 e pela Comissão de Instrução Primária tendo como relator Rui Barbosa CHAIA 1965 p8287 Mas dada a mania de se quererem os fins sem se empregarem os meios necessários e próprios conforme declarou Moraes Sarmento em 1850 idem p 55 resultou que nenhum país tem mais oradores nem melhores programas a prática entretanto é o que falta completamente ironizou Agassiz em 1865 idem p 45 E Rui Barbosa constatava em 1882 O Estado no Brasil consagra a esse serviço apenas 199 do orçamento geral enquanto as despesas militares nos devoram 2086 idem p 103 Dessa forma o sistema nacional de ensino não se implantou e o país foi acumulando um grande déficit histórico em matéria de educação Ao longo da Primeira República o ensino permaneceu praticamente estagnado o que pode ser ilustrado com o número de analfabetos em relação à população total que se manteve no índice de 65 entre 1900 e 1920 sendo que o seu número absoluto aumentou de 6348869 em 1900 para 11401715 em 1920 A partir da década de 1930 com o incremento da industrialização e urbanização começa a haver também um incremento correspondente nos índices de escolarização sempre porém em ritmo aquém do necessário à vista dos escassos investimentos Assim os investimentos federais em ensino passam de 21 em 1932 para 25 em 1936 os estaduais se reduzem de 150 para 134 e os municipais se ampliam de 81 para 83 no mesmo período RIBEIRO 2003 p117 Isso não obstante a Constituição de 1934 ter determinado que a União e os municípios deveriam aplicar nunca menos de 10 e os estados 20 da arrecadação de impostos na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educacionais art 156 Essa vinculação orçamentária foi retirada na Constituição de 1937 do Estado Novo e foi retomada na Carta de 1946 que fixou em 20 a obrigação mínima dos estados e municípios e 10 da União No entanto em 1955 tínhamos os seguintes índices União 57 estados 137 municípios 114 As Constituições do regime militar de 1967 e a Emenda de 1969 voltaram a excluir a vinculação orçamentária Constatase então que o orçamento da União para educação e cultura caiu de 9 6 em 1965 para 431 em 1975 A atual Constituição promulgada em 1988 restabeleceu a vinculação fixando 18 para a União e 25 para estados e municípios E como o texto constitucional estabelece esses percentuais mínimos em relação à receita resultante de impostos além do desrespeito contumaz à norma estabelecida na Carta Magna encontrouse especialmente a partir do governo FHC um outro mecanismo de burlar essa exigência Passouse a criar novas fontes de receita nomeandoas porém não com a palavra imposto mas utilizando o termo contribuição como são os casos da COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CIDE Contribuição POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA LIMITES E PERSPECTIVAS 11 Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 sobre Intervenção no Domínio Econômico A essas receitas como não recebem o nome de impostos não se aplica a vinculação orçamentária constitucional dirigida à educação Tomemos então para considerar a situação atual um índice de caráter global e ao menos por enquanto ainda não atingido pelos truques e jeitinhos em que são mestres as nossas elites econômicas e políticas o PIB Produto Interno Bruto isto é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país Calculado pela nova metodologia do IBGE o PIB brasileiro em 2006 foi de 2 trilhões e 322 bilhões de reais Isso significa que levandose em conta a informação do próprio MEC de que o Brasil gasta em educação atualmente 43 do PIB os gastos para 2007 deveriam ser da ordem de 99 bilhões e 846 milhões de reais Assim mesmo descontandose os gastos com ensino superior que não chegam a um por cento do PIB o total de 43 bilhões e 100 milhões previstos para o FUNDEB no corrente ano está muito aquém do que corresponderia a 2007 Com efeito mesmo que fossem destinados 23 bilhões 1 do PIB de 2006 ao ensino superior o montante a ser destinado à educação básica seria de 76 bilhões e 800 milhões muito superior portanto ao valor de 43 bilhões e 100 milhões programados para 2007 E esse é o montante de que dispõe o MEC para o novo PDE porque como se anunciou apenas se prevê o acréscimo de um bilhão para atender aos programas específicos anunciados pelo Plano Está aí me parece a grande limitação do PDE o Plano de Desenvolvimento da Educação lançado oficialmente com as devidas pompas e circunstâncias no último dia 24 de abril deste ano de 2007 A descontinuidade nas políticas educativas A outra característica estrutural da política educacional brasileira que opera como um óbice ao adequado encaminhamento das questões da área é a descontinuidade Esta se manifesta de várias maneiras mas se tipifica mais visivelmente na pletora de reformas de que está povoada a história da educação brasileira Essas reformas vistas em retrospectiva de conjunto descrevem um movimento que pode ser reconhecido pelas metáforas do ziguezague ou do pêndulo A metáfora do ziguezague indica o sentido tortuoso sinuoso das variações e alterações sucessivas observadas nas reformas o movimento pendular mostra o vaievem de dois temas que se alternam seqüencialmente nas medidas reformadoras da estrutura educacional Desde a primeira fase do Brasil independente as reformas sucedemse passando da Lei das escolas de primeiras letras em 1827 para o Ato Adicional de 1834 a reforma Couto Ferraz de 1854 Leôncio de Carvalho em 1879 sem contar os vários projetos de reforma apresentados no Parlamento no final do império que não chegaram a vingar como os de Paulino de Souza em 1869 de João Alfredo em 1871 de Rui Barbosa em 1882 e de Almeida Oliveira também em 1882 e o do Barão de Mamoré em 1886 Observese que prevalece a tendência em nomear as reformas pelos seus proponentes em geral ministros da pasta de instrução pública ou da educação a indicar que cada um que chega ao poder procura imprimir sua marca desfazendo o que estava em curso e projetando a idéia de que é com ele que finalmente o problema será resolvido Esse movimento prossegue no período republicano patenteandose melhor aí o caráter pendular pois se uma reforma promove a centralização a seguinte descentraliza para que a próxima volte a centralizar a educação e assim sucessivamente Se uma reforma se centra na liberdade de ensino logo será seguida por outra que salientará a necessidade de regulamentar e controlar o ensino Uma reforma colocará o foco do currículo nos estudos científicos e será seguida por outra que deslocará o eixo curricular para os estudos humanísticos No plano federal o regime republicano expressou a tensão na política educacional oscilando entre a centralização oficialização e descentralização desoficialização Após a reforma Benjamin Constant de 1890 que procurou introduzir os estudos científicos e 12 D SAVIANI Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 atenuar o excesso de liberdade que marcou a reforma Leôncio de Carvalho tivemos o Código Epitácio Pessoa em 1901 Esse código ratificou o princípio de liberdade de ensino da Reforma Leôncio de Carvalho equiparou as escolas privadas às oficiais e acentuou a parte literária dos currículos Mas a reforma Rivadávia Correa em 1911 volta a reforçar a liberdade de ensino e a desoficialização além de retomar a orientação positivista tentando imprimir um caráter prático à orientação dos estudos Diante das conseqüências desastrosas uma nova reforma a de Carlos Maximiliano instituída em 1915 reoficializou o ensino e introduziu o exame vestibular a ser realizado nas próprias faculdades podendo a ele se submeter apenas os candidatos que dispusessem de diploma de conclusão do curso secundário Com isso tornou bem mais difícil o ingresso no ensino superior O ciclo das reformas federais do ensino na Primeira República fechase em 1925 com a Reforma João Luís AlvesRocha Vaz Considerando que ela se encontra em pleno centro da última década da Primeira República quando sobre a base das transformações econômicas e sociais em curso a estrutura de poder vigente passa a ser amplamente contestada essa nova reforma irá reforçar e ampliar os mecanismos de controle instituídos pela reforma Carlos Maximiliano À descentralização representada pelo protagonismo das reformas de ensino estaduais que marcaram a década de 1920 seguiuse um processo de centralização com as reformas de âmbito nacional encabeçadas por Francisco Campos em 1931 com o ciclo das reformas Capanema entre 1942 e 1946 com a LDB de 1961 e com a legislação do regime militar nos anos de 1968 e 1971 A era atual tem início com a Constituição de 1988 e após algumas alterações da legislação do período militar durante a Nova República tivemos as reformas dos anos de 1990 em cujo centro se encontra a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e o Plano Nacional de Educação aprovado em janeiro de 2001 A marca da descontinuidade na política de educação atual fazse presente na meta sempre adiada de eliminação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental O Brasil chegou ao final do século XX sem resolver um problema que os principais países inclusive nossos vizinhos Argentina Chile e Uruguai resolveram na virada do século XIX para o XX a universalização do ensino fundamental com a conseqüente erradicação do analfabetismo Para enfrentar esse problema a Constituição de 1988 previu nas disposições transitórias que o Poder Público nas suas três instâncias a União os estados e os municípios deveriam pelos dez anos seguintes destinar 50 do orçamento educacional para essa dupla finalidade Isso não foi feito Quando esse prazo estava vencendo o governo criou o FUNDEF com prazo de mais dez anos para essa mesma finalidade e a LDB por sua vez instituiu a década da educação seguiu se a aprovação em 2001 do Plano Nacional de Educação que também se estenderia por dez anos No final do ano passado ao se esgotarem os dez anos do prazo do FUNDEF foi instituído o FUNDEB com prazo de 14 anos ou seja até 2020 Agora quando mais da metade do tempo do PNE já passou vem um novo Plano o Plano de Desenvolvimento da Educação PDE estabelecer um novo prazo desta vez de quinze anos projetando a solução do problema para 2022 Nesse diapasão já podemos conjecturar sobre um novo Plano que será lançado em 2022 prevendo quem sabe mais 20 anos para resolver o mesmo problema CONCLUSÃO Abordemos à guisa de conclusão o outro aspecto assinalado no tema desta palestra as perspectivas da política educacional brasileira O Plano de Desenvolvimento da Educação proposto pelo ministro Fernando Haddad repercutiu amplamente na imprensa deixando a impressão de que vem tendo uma aprovação quase geral Isso me parece compreensível porque dentro da lógica hoje dominante de fato as ações propostas representam um avanço em relação à situação vigente nas escolas Com POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA LIMITES E PERSPECTIVAS 13 Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 efeito o plano ataca aspectos já há muito diagnosticados como ligados ao fraquíssimo desempenho da educação escolar em nosso país os baixos níveis de aprendizagem a começar pela fase de alfabetização o pouco empenho das administrações municipais na organização adequada das escolas e os salários aviltantes a que estão submetidos os professores da educação básica em sua esmagadora maioria Daí a expectativa de que as medidas tomadas ao vincular o repasse de recursos ao desempenho evidenciado em provas nacionais venham a produzir resultados efetivos no que se refere à melhoria da qualidade do ensino como tem revelado a maioria das manifestações veiculadas pela imprensa Embora o MEC tenha atrelado ao PDE 30 programas sua identidade própria está dada pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDEB tendo como atores coadjuvantes os programas Provinha Brasil e Piso do magistério O IDEB foi criado pelo MEC a partir de estudos elaborados pelo INEP para avaliar o nível de aprendizagem dos alunos da educação básica Tomando como parâmetros o rendimento dos alunos a taxa de repetência e a evasão escolar construiuse uma escala de 0 a 10 Aplicado esse instrumento aos alunos em 2005 chegouse ao índice médio de 38 À luz dessa constatação foram estabelecidas metas progressivas de melhoria desse índice prevendo se atingir em 2022 a média 60 índice obtido pelos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE que ficaram entre os 20 com maior desenvolvimento educacional do mundo O ano de 2022 foi definido não apenas em razão da progressividade das metas mas à vista do caráter simbólico representado pela comemoração dos 200 anos da independência política do Brasil O que confere caráter diferenciado ao IDEB é a tentativa de agir sobre o problema da qualidade do ensino ministrado nas escolas de educação básica buscando resolvêlo E isso veio ao encontro dos clamores da sociedade diante do fraco desempenho das escolas à luz dos indicadores nacionais e internacionais do rendimento dos alunos Aliás podese considerar que a iniciativa do MEC foi uma tentativa de responder aos clamores daquela parcela da sociedade que tem mais visibilidade pela sua presença na mídia e pelas suas ligações com a área empresarial Tal parcela só mais recentemente vem assumindo a bandeira da educação em contraste com os educadores que apresentam uma história de lutas bem mais longa Em lugar de se apoiar nessa longa história de luta dos educadores o PDE assume plenamente inclusive na denominação a agenda do Compromisso Todos pela Educação movimento lançado em 6 de setembro de 2006 no Museu do Ipiranga em São Paulo Apresentando se como uma iniciativa da sociedade civil e conclamando à participação de todos os setores sociais esse movimento constituiuse de fato como um aglomerado de grupos empresariais com representantes e patrocínio de entidades como o Grupo Pão de Açúcar Fundação Itaú Social Fundação Bradesco Instituto Gerdau Grupo Gerdau Fundação Roberto Marinho Fundação EducarDPaschoal Instituto Itaú Cultural Faça ParteInstituto Brasil Voluntário Instituto Ayrton Senna Cia Suzano Banco ABNReal Banco Santander Instituto Ethos entre outros Assumindo esse movimento orquestrado por grupos empresariais por ocasião do lançamento do PDE em 24 de abril de 2007 foi baixado pelo Presidente da República o Decreto n 6094 com a seguinte ementa Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação pela União Federal em regime de colaboração com Municípios Distrito Federal e Estados e a participação das famílias e da comunidade mediante programas e ações de assistência técnica e financeira visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica grifo meu No mesmo dia 24 de abril de 2007 o MEC baixou a Portaria Normativa n 10 instituindo a Avaliação de Alfabetização Provinha Brasil pela 14 D SAVIANI Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 qual se procurou tornar exeqüível a meta 2 do movimento Todos pela Educação que se propunha a garantir a alfabetização de todas as crianças até os 8 anos de idade Na mesma ocasião anunciouse a apresentação de um projeto de lei cuja ementa anunciava a regulamentação do art 60 inciso III alínea e do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica O artigo 1º fixa o valor do piso em R85000 mensais para uma jornada semanal de 40 horas especificando se no parágrafo único que esse montante compreende todas as vantagens pecuniárias pagas a qualquer título Pelo artigo 2º estabelece se a implantação progressiva do piso com um acréscimo de um terço do valor atual até janeiro de 2008 dois terços até janeiro de 2009 chegandose ao valor indicado de R85000 em 2010 Para que esse PDE venha de fato abrir uma nova perspectiva na política educacional brasileira é necessário que ele passe por alguns ajustes por assim dizer radicais Antes de tudo é necessário que sem deixar de aproveitar essa maré favorável da opinião pública se restabeleça de maneira firme e permanente a interlocução com o movimento dos educadores levando em conta de maneira séria suas reivindicações Com efeito não basta fixar um piso salarial mais elevado A questão principal que ao que parece o Plano não contempla diz respeito à carreira profissional dos professores Essa carreira teria que estabelecer a jornada integral em uma única escola de modo que se pudesse fixar os professores nas escolas tendo presença diária e identificandose com elas E a jornada integral de quarenta horas semanais teria que ser distribuída de maneira que se destinassem 50 para as aulas deixandose o tempo restante para as demais atividades Com isso os professores poderiam participar da gestão da escola da elaboração do projeto político pedagógico da escola das reuniões de colegiado do atendimento às demandas da comunidade e principalmente além da preparação das aulas e correção de trabalhos estariam acompanhando os alunos orientandoos em seus estudos e realizando atividades de reforço para aqueles que necessitassem Aquilo que o Plano prevê para quinze anos deveria ser programado como uma medida de impacto que permitisse imediatamente mudar a situação das escolas e levantar o ânimo dos professores que passariam a desenvolver suas atividades com entusiasmo e dedicação Para viabilizar essa mudança propus em 1997 para o Plano Nacional de Educação que se dobrasse imediatamente o percentual do PIB investido em educação passando dos atuais cerca de 4 para 8 Essa proposta foi considerada inexeqüível no entanto ela apenas nos situaria entre os países que mais investem em educação como eram os casos dos EUA 75 do Canadá 76 Noruega 87 e Suécia 88 segundo dados do próprio MEC em sua proposta de PNE divulgada naquele ano Ora nesse PDE apresentado pelo MEC os recursos quando referidos pois essa questão parece ainda um tanto nebulosa estão claramente aquém do que já estaria disponível mesmo não se aumentando o percentual do PIB para a educação Explico me num quadro montado pelo MEC para evidenciar o avanço representado pelo FUNDEB mostrase que enquanto o FUNDEF previa um montante total de 35 5 bilhões de reais para 2006 o valor previsto para o FUNDEB em 2007 é de 43 bilhões e 100 milhões chegando no terceiro ano de vigência a 55 2 bilhões Ainda que os valores indicados no quadro se efetivamente aplicados melhorassem sensivelmente o financiamento da educação comparativamente à situação atual devese observar que não teriam força para alterar o status quo vigente Ou seja a ampliação dos recursos permitirá atender a um número maior de alunos porém em condições não muito menos precárias do que as atuais isto é com professores em regime de horaaula com classes numerosas e sendo obrigados a ministrar grande número de aulas semanais para compensar os baixos salários que ainda vigoram nos estados e municípios POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA LIMITES E PERSPECTIVAS 15 Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 Diferentemente se aplicarmos o índice de 8 ao PIB de 2006 teremos o montante de 185 bilhões e 760 milhões de reais Descontandose aproximadamente 1 para o ensino superior ou seja 23 bilhões teríamos para a educação básica 162 bilhões e 760 milhões de reais Portanto quase quatro vezes o valor previsto pelo FUNDEB para o mesmo ano de 2007 Na verdade fica demonstrado que se dobrássemos o percentual do PIB haveria recursos suficientes para tratar a educação com a devida seriedade e de acordo com a prioridade que é proclamada nos discursos mas nunca efetivamente considerada Procedendo da forma como estou propondo nós estaríamos de fato provendo os recursos que permitiriam dar o salto de qualidade necessário para colocar a educação brasileira num patamar civilizado condizente com a magnitude de seu território de sua população e de sua economia Eis como se abririam com essa reorientação da política educacional perspectivas bastante alvissareiras para a educação brasileira Mas se o MEC seguir na trilha proposta pelo movimento empresarial Compromisso Todos pela Educação os limites da política educacional brasileira permanecerão incontornáveis Isso fica claro nas palavras da presidente desse movimento Milú Villela presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo do Instituto Itaú Cultural do Faça ParteInstituto Brasil Voluntário e agora também do Comitê Executivo do Compromisso Todos Pela Educação em artigo publicado no jornal Folha de SPaulo do dia 6 de setembro de 2006 afirma Até 2011 e mantendo pelos 11 anos seguintes o investimento em educação básica terá de corresponder a 5 do PIB um significativo avanço em relação aos 35 de hoje Atingir as cinco metas nos próximos 16 anos é possível Mas exigirá de todos os brasileiros paixão pelo tema esforço concentrado e cooperação entre organizações da sociedade civil empresas e governos Chegou a hora de sermos todos pela educação Para que em 2022 possamos festejar o bicentenário da Independência num país de escola boa e de oportunidades iguais para todos VILLELA 2006 pA3 Essa meta embora sinalize que os empresários finalmente começam a admitir a importância de se aumentarem os investimentos em educação é ainda muito tímida estando bem aquém das necessidades reais que enfrentamos Como que para compensar a escassez dos investimentos o artigo apela para a paixão e o esforço concentrado Parece clara aí como afirmei em entrevista ao Caderno Mais da Folha de SPaulo de 29 de abril de 2007 SAVIANI 2007 p3 a lógica que embasa a proposta do Compromisso Todos pela Educação Essa lógica poderia ser traduzida como uma espécie de pedagogia de resultados Assim o governo equipase com instrumentos de avaliação dos produtos forçando com isso que o processo se ajuste às exigências postas pela demanda do mercado É pois uma lógica de mercado que se guia nas atuais circunstâncias pelos mecanismos das chamadas pedagogia das competências e da qualidade total Esta assim como nas empresas visa obter a satisfação total dos clientes e interpreta que nas escolas aqueles que ensinam são prestadores de serviço os que aprendem são clientes e a educação é um produto que pode ser produzido com qualidade variável No entanto de fato sob a égide da qualidade total o verdadeiro cliente das escolas é a empresa ou a sociedade e os alunos são produtos que os estabelecimentos de ensino fornecem a seus clientes Para que esse produto se revista de alta qualidade lançase mão do método da qualidade total que tendo em vista a satisfação dos clientes engaja na tarefa todos os participantes do processo conjugando suas ações melhorando continuamente suas formas de organização seus procedimentos e seus produtos É isso sem dúvida que o movimento dos empresários fiadores do Compromisso 16 D SAVIANI Revista de Educação PUCCampinas Campinas n 24 p 716 junho 2008 Todos pela Educação espera do Plano de Desenvolvimento da Educação lançado pelo MEC Em contrapartida o que estou propondo é algo inteiramente diverso Em lugar de aplicar provas nacionais em crianças de 6 a 8 anos o que cabe ao Estado fazer é equipar adequadamente as escolas e dotálas de professores com formação obtida em cursos de longa duração com salários gratificantes compatíveis com seu alto valor social Isso permitirá transformar as escolas em ambientes estimulantes nos quais as crianças nelas permanecendo em jornada de tempo integral não terão como fracassar não terão como não aprender Seu êxito será resultado de um trabalho pedagógico desenvolvido seriamente próprio de profissionais bem preparados e que acreditam na relevância do papel que desempenham na sociedade sendo remunerados à altura de sua importância social Creio ter indicado de modo sucinto o caminho pelo qual poderemos superar os limites da política educacional brasileira abrindolhe novas perspectivas REFERÊNCIAS CHAIA Josephina Financiamento escolar no segundo império Marília Faculdade de Filo sofia Ciências e Letras de Marília 1965 HUE Sheila Moura Primeiras cartas do Brasil 15511555 Rio de Janeiro Jorge Zahar 2006 LUZURIAGA Lorenzo História da educação pública São Paulo Nacional 1959 MARCÍLIO Maria Luiza História da escola em São Paulo e no Brasil São Paulo Imprensa Oficial 2005 MATTOS Luiz Alves Primórdios da educação no Brasil Rio de Janeiro Aurora 1958 MENDONÇA Marcos Carneiro 1982 Aula do commercio Rio de Janeiro Biblioteca xerográfica xérox RIBEIRO Maria Luísa Ribeiro História da educação brasileira Campinas SP Autores Associados 2003 SAVIANI Dermeval 2007 O ensino de resul tados Entrevista Folha de SPaulo São Paulo 29 abr 2007 Caderno Mais p 3 TAMBARA Elomar e ARRIADA Eduardo Org Coletânea de leis sobre o ensino primá rio e secundário no período imperial brasileiro Lei de 1827 Reforma Couto Ferraz 1854 Reforma Leôncio de Carvalho 1879 Pelotas Seiva 2005 TAVARES BASTOS Aureliano Cândido A Província 2 ed São Paulo Nacional 1937 VILLELA Milú Todos pela educação de qua lidade Folha de SPaulo São Paulo 6 set 2006 Opinião p A3 Recebido em 6102007 e aceito para publicação em 1932008